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O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público
O presente artigo analisa a seguinte função institucional do Ministério Público: Controle Externo da Atividade Policial, o qual foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Tratamos do conceito, da natureza e das espécies, enfim, a doutrina sobre esse assunto. Após foi analisada a legislação pertinente a esse controle externo, no âmbito federal e no âmbito estadual. Ao fim, concluímos esse estudo buscando demonstrar a importância do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público para a realização da Justiça.
Direito Processual Penal
1. Introdução O presente estudo tem como missão analisar o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, o qual foi instituído pela Constituição Federal de 1988. Desde então, surgiu uma grande polêmica entre os órgãos envolvidos: de um lado a Polícia, a instituição controlada, e de outro o Ministério Público, como instituição controladora. Primeiramente, versaremos sobre a questão do controle externo da atividade policial no Brasil, trazendo a sua razão de ser, seu conceito e sua abrangência, tratando das questões controvertidas a respeito do controle externo, bem como dos instrumentos legais postos à disposição do Ministério Público no exercício desta atividade de controle. Também abordaremos as suas formas de ocorrência na legislação brasileira, bem como o estudo da doutrina e da jurisprudência. Após, veremos a legislação vigente pertinente ao assunto no Estado do Rio Grande do Sul. 2. Do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público Dentre as funções institucionais do Ministério Público, temos o Controle Externo da Atividade Policial, o qual foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988, que, porém, deixou para a legislação complementar regulamentar o tema. Desde então, surgiu uma grande polêmica entre os órgãos envolvidos: de um lado a Polícia, a instituição controlada, e de outro o Ministério Público, como instituição controladora. Então, a Lei Complementar 75/1993 tratou de definir as premissas básicas do controle externo sobre a atividade policial no âmbito da União. Sendo essa uma norma constitucional de eficácia limitada, não produziu efeitos com sua entrada em vigor, já que dependia de regulamentação (GUIMARÃES, 2002). Porém, a maioria dos estados brasileiros continuou sem a regulamentação necessária para o efetivo controle externo. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, só em 08 de janeiro de 2001 passou a vigorar a Lei Complementar 11.578, a qual dispõe sobre esse tema.  Uma vez regulamentada a matéria, o Ministério Público tem o dever constitucional de exercer esse controle externo, visto que se trata de uma das suas funções institucionais, conforme o art. 129, VII da Constituição Federal e art. 111, IV da Constituição Estadual. O presente estudo justifica-se pela grande polêmica do tema, havendo diversas correntes doutrinárias sobre o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Durante certo tempo, a classe policial defendeu a inexistência de instrumentos jurídicos para a efetivação do controle externo, já que não havia a regulamentação necessária na maioria dos estados brasileiros. Ainda hoje, podemos observar grande resistência dos Delegados de Polícia a esse controle externo, afirmando ser este uma tentativa de ingerência do MP sobre a atividade policial, e, assim sendo, exercer o controle interno da polícia, o que não seria permitido (GUIMARÃES, 2002). Primeiramente, faz-se necessário o estudo doutrinário dos conceitos e da Natureza desse Controle Externo, assim como veremos as suas duas formas de classificação: Ordinário e Extraordinário. 2.1 Do Conceito, da Natureza e das Espécies A Constituição Federal instituiu o Controle Externo da Atividade Policial, no inciso VII, do seu artigo 129, remetendo à legislação complementar da União e dos Estados, de iniciativa facultada aos Procuradores-Gerais de cada Ministério Público, isto é, as leis orgânicas dos Ministérios Públicos da União e dos Estados da Federação, regulamentar a forma de efetivação e realização do referido controle externo. A legislação brasileira não definiu exatamente o conceito do controle externo da atividade policial, então, recorreremos à doutrina para tentar conceituá-lo. O ilustre professor Hugo Nigro Mazzilli (2003, p. 64) nos ensina que esse controle externo: “é um sistema de vigilância e verificação administrativa, teleologicamente dirigido à melhor coleta de elementos de convicção que se destinam a formar a “opinio delictis” do Promotor de Justiça, fim último do próprio inquérito policial”. Já o Promotor Paranaense Rodrigo Guimarães (2002, p. 64) definiu, de forma mais completa, o controle externo da atividade policial como sendo: “(…) conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações penais, na preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais”. Podemos observar que este autor, em seu conceito, abrangeu tanto as atividades das Polícias Judiciárias como as das Polícias Administrativas como objeto do referido controle externo. A atividade policial é exercida por órgãos pertencentes ao Poder Executivo, portanto, possui natureza administrativa. Logo, podemos afirmar que a natureza do controle externo da atividade policial é também administrativa. (GUIMARÃES, 2002) O controle realizado pelo Ministério Público é chamado de externo, pois o mesmo está fora da estrutura da Polícia. Porém, não há subordinação entre os membros das referidas instituições, conforme Hugo Nigro Mazzilli (1989, p. 117): “Por certo não é intuito do legislador criar verdadeira hierarquia ou disciplina administrativa, subordinando a autoridade policial e seus funcionários aos agentes do Ministério Público. Na área funcional, se o promotor de justiça verificar a ocorrência de quaisquer faltas disciplinares, tendo esse órgão ministerial atribuições de controle externo – forma irrecusável de correição sob a polícia judiciária – há de dirigir-se aos superiores hierárquicos do funcionário público faltoso (Delegado de Polícia, escrivão, investigador, carcereiro etc.), indicando as falhas e as providências que entenda cabíveis, para que a autoridade administrativa competente possa agir”. Quanto à classificação do Controle Externo da Atividade Policial, é dividido em duas formas: ordinário e extraordinário, conforme o Promotor Rodrigo Guimarães (2002, p. 65): “Assim, a primeira espécie de controle externo da atividade policial, é denominada de controle externo ordinário, consistente naquela atividade ministerial exercida corriqueiramente, seja através dos controles realizados na verificação do trâmite dos inquéritos policiais, e conseqüente cumprimento de diligências requisitadas, seja através de visitas periódicas (ao menos mensais) às Delegacias de Polícia e organismos policiais, a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos presos que porventura se encontrem no local. (…) Já no que se usou denominar controle externo extraordinário, observa-se que este se dará quando da verificação concreta de um ato ilícito por parte de alguma autoridade policial no exercício de suas funções”. O Controle Externo Ordinário e o Extraordinário serão exercidos pelos Promotores ou Procuradores com atribuições criminais do Ministério Público da União ou dos Ministérios Públicos dos Estados sobre os órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal. 3. Da Legislação Federal Vigente A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 129, inc. VII, instituiu como função institucional do Ministério Público o controle externo da atividade policial, o qual seria regulado na forma da legislação complementar da União e dos Estados. A Lei Complementar Nº 75, de 20 de maio de 1993, estabeleceu a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. Em seu art. 3°, definiu as premissas básicas do Controle Externo da Atividade Policial pelo MPU: “Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista: a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; d) a indisponibilidade da persecução penal; e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.” Assim sendo, faz-se necessário tecermos algumas observações sobre o referido artigo. Sua alínea “a” apenas reproduz a importância dos princípios fundamentais, os quais estão assegurados no Título I da Constituição Federal de 1988. Já a alínea “b” traz a finalidade da segurança pública, a qual já estava prevista no art. 144 de nossa Carta Magna. Na alínea “c” temos a preocupação do legislador contra a ilegalidade ou abuso de poder, a qual sustenta o constante controle de legalidade dos atos das polícias, e a alínea “d” nos traz o princípio da indisponibilidade da persecução penal. Por último, na alínea “e”, o legislador defendeu o respeito às atribuições dos órgãos policiais, do art. 144 da C.F. O Capítulo III da LC 75/1993 descreve tipos de medidas adotadas pelo MPU para realizar o Controle Externo da Atividade Policial: “Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV – requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V – promover a ação penal por abuso de poder. Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.” Comentando esse art. 9° e seus incisos, o ilustre jurista Aury Lopes Jr. (2003, p. 151) afirma: “nada mais faz do que dispor acerca do acesso a estabelecimentos e documentos, possibilidade que o promotor fiscalize a legalidade da atuação policial e exerça um limitado controle formal do inquérito”. Sobre o art. 10 da LC 75/1993, o Promotor Rodrigo Guimarães (2002, p. 78) destacou: “A principal inovação da Lei Orgânica do Ministério Público da união limitou-se àquela medida prevista no art. 10, supra transcrita, que estabelece a obrigatoriedade de imediata comunicação da prisão de qualquer pessoa ao Ministério Público, com indicação do local e motivos de sua prisão” A Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, a qual instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e estabeleceu normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, não abordou o Controle Externo da Atividade Policial, mas seu art. 80 dispõe: “Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União”. Portanto, o referido controle externo está mantido também para os MPEs. Para Aury Lopes Jr. (2003, p. 152), a Lei Complementar 75/93 é mais progressista que a Lei 8.625/93, mas lembra ainda que o assunto não está suficientemente disciplinado em nosso país: “Contudo, continua faltando um dispositivo que diga de forma clara que o Ministério Público exercerá o controle externo da atividade policial, dando instruções gerais e específicas para a melhor condução do inquérito policial, as quais estarão vinculados os agentes da polícia judiciária. (…). Ninguém quer transformar o gabinete do promotor em delegacia de polícia, não é isso. O que se pretende é que o MP possa exercer um certo controle, uma fiscalização e até a direção da investigação quando o caso exigir. Só com a possibilidade de dar instruções gerais vinculantes à atividade policial, muitos dos problemas já estariam resolvidos. Sem embargo, ainda perdura a lacuna e o controle externo da atividade policial continua sem estar devidamente regulamentado”. Recentemente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) elaborou a Resolução Nº 20, de 28 de maio de 2007, a qual regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 80 da Lei nº 8.625/93, disciplinando o controle externo da atividade policial.  O CNMP com a aprovação dessa resolução visou uniformizar esse controle externo, tendo em vista a falta de regulamentação sobre esse assunto em alguns Estados e a grande resistência por parte dos órgãos policiais de serem controlados externamente. O art. 1° desta resolução sujeitou ao controle externo do Ministério Público os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal e também as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, o qual tenha poder de polícia, e seja relacionado com a segurança pública e persecução criminal. Já o art. 2° da referida resolução traz a finalidade do controle externo da atividade policial e as diretrizes a serem adotadas para o exercício do mesmo: “Art. 2º O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para: I – o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis; II – a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III – a prevenção da criminalidade; IV – a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; V – a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal; VI – a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal; VII – a probidade administrativa no exercício da atividade policial.” O Controle Externo da Atividade Policial, segundo o art. 3° da Res. 20/2007 do CNMP, é exercido de duas formas: pelo controle difuso ou pelo concentrado. Sendo o primeiro realizado por todos os membros com atribuições criminais, já o segundo será por membros com atribuições específicas para o referido controle, dependendo do âmbito de cada Ministério Público. No art. 4º da resolução, o CNMP definiu as principais atividades para o exercício ou resultado do Controle Externo da Atividade Policial: “I – realizar visitas ordinárias periódicas e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição; II – examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade; III – fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos; IV – fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos; V – verificar as cópias dos boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário; VI – comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar; VII – solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo; VIII – fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida; IX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis” Com o advento dessa resolução o Ministério Público passou a ter importantes meios de atuação para controlar externamente as polícias, como o livre ingresso às unidades policiais, penitenciárias e outros estabelecimentos; obter o acesso a qualquer documento relativo à atividade-fim policial; exercer a fiscalização do cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações; acompanhar, a condução da investigação policial civil ou militar e etc. Como já vinham ocorrendo muitas manifestações contrárias ao Controle Externo da Atividade Policial, desta vez não foi diferente, as entidades organizadas das Polícias posicionaram-se contra a Resolução 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público, como observamos no seguinte artigo de Maria Fernanda Erdelyi: “O presidente do Sindicato Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Sindepol), delegado Joel Mazo, antecipou que já fez contato com outras entidades, como a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e que o consenso é proposição de uma ação conjunta na Justiça para atacar a resolução. “A intenção da resolução é boa, mas alguns incisos são capciosos”, disse. Para Mazo, a resolução concede aos membros do MP atribuições e capacidades sem base legal. Um dos incisos “capciosos”, segundo o delegado, é aquele que permite o acesso dos membros do MP aos inquéritos em andamento. “A aprovação desta resolução foi uma decisão de afogadilho para aproveitar o momento em que está sendo questionada a conduta da Polícia”, afirmou o delegado referindo-se às críticas de alguns parlamentares e membros do Judiciário em relação às últimas operações da Polícia Federal. Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Sandro Avelar, a proposta de resolução, em vários dispositivos, confunde a atuação do MP no controle externo da atividade policial com atividade específica da corregedoria da Polícia. “Nós temos uma corregedoria tradicionalmente muito forte e eficiente. E alguns dispositivos desta proposta tocam em papéis que é da corregedoria”, sustenta. Um dos dispositivos da proposta questionados pelo presidente da ADPF o que possibilita aos membros do MP, na função de controle, instaurar procedimento investigatório sobre ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial, desde que haja fundada necessidade e conveniência. Para Avelar, isso é papel da Corregedoria da Polícia. Avelar destaca também o dispositivo que permite ao membro de MP, na função de controle, examinar autos de inquérito policial, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, fiscalizando seu andamento e regularidade. O presidente da ADPF, assim como o delegado Joel Mazo, critica o fato da resolução possibilitar o MP ter acesso ao material da investigação antes que ela seja concluída”. [1] Primeiramente, os argumentos dos contrários ao controle externo da atividade policial baseavam-se na falta de regulamentação, isto é, de leis complementares que disciplinassem o referido controle no âmbito estadual. E no âmbito federal, já com o advento da LC 75/1993, da falta de uma maior previsão da extensão do controle externo, pois esta lei o trata de forma minimalista. Atualmente, como podemos ver nos discursos dos representantes dos órgãos de polícia, referidos no artigo acima, é defendida a idéia, principalmente, de que o controle externo é uma tentativa de ingerência do Ministério Público sobre a atividade policial, e, assim sendo, militam por exercer o controle interno da polícia, o que é função de suas Corregedorias. 3.1 Da Legislação referente ao Ministério Público Federal Conforme o art. 38 da Lei Complementar 75/1993, o Ministério Público Federal (MPF) exercerá o controle externo da atividade das polícias federais, então a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal estão submetidas ao referido controle externo. O Regimento Interno do Ministério Público Federal, republicado pela Portaria nº 358, de 02 de Junho de 1998, traz no inc. VII do seu art. 1º, o exercício do controle externo da atividade policial como uma finalidade do MPF. A Resolução nº 32, de 9 de dezembro de 1997, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, regulamentando o referido controle externo, instituiu os Setores de Acompanhamento do Controle Externo da Atividade Policial nas Procuradorias da República.  Também trouxe obrigações de fiscalização aos agentes do MPF, conforme seu art. 1°: “Art. 1º – É dever do membro do Ministério Público Federal, com atuação em ofício com atribuições em matéria criminal, em 1º grau, realizar inspeções bimestrais ordinárias e, quando necessário, extraordinárias em estabelecimento policial ou prisional; neste último, quando se encontre presa pessoa sujeita à jurisdição federal”. Já o art. 2º desta resolução descreve os procedimentos administrativos adotados pelo MPF para realizar o Controle Externo da Atividade Policial: “Art. 2º – O controle externo da atividade policial compreende: I) a verificação e análise dos livros de registro: a) de ocorrência; b) de inquéritos policiais; c) de remessa de autos de inquérito policial; d) de objetos apreendidos; e e) de fianças; II) o acesso aos dados e ao andamento de todos os procedimentos inquisitoriais iniciados no âmbito policial, ainda que sob a forma preliminar; III) a fiscalização do cumprimento da requisição de diligências investigatórias à Polícia Federal, com ou sem inquérito policial instaurado; IV) a requisição, a qualquer tempo, dos autos de investigação policial em curso, devendo o requisitante restituí-los à autoridade policial federal no prazo máximo de 10 (dez) dias; V) a fiscalização do cumprimento das promoções, inclusive quanto aos prazos, exaradas nos autos de inquérito policial, ou de investigação preliminar;” 3.2 Da Legislação referente ao Ministério Público Militar O Ministério Público Militar (MPM) exercerá o controle externo da atividade da polícia judiciária militar, conforme o inc. II do art. 117 da Lei Complementar 75/1993. A Resolução nº 55, de 9 de abril de 2008, do Conselho Superior do Ministério Público Militar, regulamentando o Controle Externo da Atividade Policial, sujeitou a esse controle todos os organismos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal, as polícias legislativas e, principalmente, a polícia judiciária militar ou civil, federal ou estadual, a que seja atribuído poder de polícia relacionado com a persecução de crimes militares de competência da Justiça Militar da União, conforme seu art. 1º. No art. 4º desta resolução são descritas as atividades adotadas pelo MPM ao realizar o Controle Externo da Atividade Policial: “Art. 4º Incumbe aos órgãos do Ministério Público Militar, quando do exercício ou do resultado da atividade de controle externo, no âmbito de suas atribuições funcionais: I – realizar visitas ordinárias periódicas e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares, estabelecimentos ou qualquer dependência, área sob administração militar, existentes em sua área de atribuição; II – examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e regularidade; III – fiscalizar a destinação de armas, munições e artefatos bélicos, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos; IV – fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos; V – verificar as cópias dos boletins internos, partes de ocorrência, boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário; VI – comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar; VII – solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo; VIII – fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida; IX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.” Comparando as atribuições estabelecidas pela Resolução do Conselho Superior do Ministério Público Federal com a do Conselho Superior do Ministério Público Militar, podemos observar que o CSMPM tratou de maneira mais detalhada sobre o Controle Externo da Atividade Policial. Enquanto o MPF atua somente no controle externo das polícias federais, o MPM atua controlando todos os organismos policiais que realizem a persecução de crimes militares. Também podemos observar que a Res. 55/2008 do CSMPM foi bastante influenciada pela Res. 20/2007 do CNMP. 3.3 Da Legislação referente ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Conforme o inc. IV do art. 150 da Lei Complementar 75/1993, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) exercerá o controle externo da atividade da polícia do Distrito Federal e da dos Territórios. A Constituição Federal, em seu art. 144 § 6º, define que as polícias militares e corpos de bombeiros militares do Distrito Federal e Territórios são forças auxiliares, reserva do Exército, subordinadas, assim como a polícia civil do DF e Territórios, ao Governador do Distrito Federal e dos Territórios. Portanto, o MPDFT exerce o controle externo das atividades da polícia militar, civil e corpos de bombeiros militares do DF e Territórios. A Portaria nº 799, de 21 de novembro de 1996, do Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no Distrito Federal, o qual é vinculado ao Gabinete do Procurador-Geral de Justiça, e é destinado a realizar diligências investigatórias e exercer o controle externo da atividade policial no Distrito Federal. No art. 2º desta portaria são descritas as medidas adotadas pelo MPDFT ao realizar o Controle Externo da Atividade Policial: “Art. 2º Cabe ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no Distrito Federal exercer o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, e especialmente: a) comparecer às delegacias de polícia e estabelecimentos prisionais do Distrito Federal, independentemente de prévio aviso, assegurado o livre ingresso nessas repartições e em suas dependências; b) verificar as condições em que se encontram os presos, promovendo, se for o caso, entrevista pessoal reservada; c) examinar quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial, podendo extrair cópias, fazer anotações e retirá-los quando necessário mais acurado exame. Neste último caso, mediante recibo; d) representar à autoridade competente, quando esta não for o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, para adoção de providências que visem sanar omissões, prevenir, corrigir ou reprimir ilegalidade ou abuso de poder relacionados com a atividade de investigação policial;” Como podemos ver, a Portaria 799/96 não trouxe nenhuma novidade em matéria de Controle Externo da Atividade Policial, limitando-se apenas a repetir as medidas já previstas pelo art. 9º da Lei Complementar 75/1993. 4. Da Legislação Estadual Vigente A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, de 3 de outubro de 1989, em seu art. 111, inc. IV, estabeleceu como função institucional do Ministério Público Estadual o controle externo da atividade policial, o qual seria regulado na forma da legislação complementar. A Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP) do Rio Grande do Sul, Lei Estadual nº 7.669, de 17 de junho de 1982, sofreu diversas alterações, dentre algumas pela Lei Estadual nº 11.583, de 09 de janeiro de 2001, a qual ampliou significamente o rol de funções do MP/RS, dando nova redação ao art. 31 da LOMP, incluindo também o inc XXIII: “Art. 31 – Além das funções previstas na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nesta e em outras leis, incumbe, ainda, aos membros do Ministério Público: (…) XXIII – exercer o controle externo da atividade policial civil e militar, nos termos da lei complementar, por meio de medidas administrativas e judiciais, visando assegurar a indisponibilidade da persecução penal e a prevenção ou correção de ilegalidades ou do abuso de poder.” Então, podemos observar que no Rio Grande do Sul as polícias, tanto a Brigada Militar como a Polícia Civil, estão submetidas ao Controle Externo do Ministério Público. Também ficaram assegurados os princípios constitucionais da indisponibilidade da persecução penal e da prevenção e correção de ilegalidade ou de abuso de poder. A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul propôs à Assembléia Legislativa do RS o Projeto de Lei Complementar (PLC) Nº 162/1999, o qual regulamentaria o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público no âmbito estadual. Somente após alguns anos de discussão sobre o tema, a Lei Complementar nº 11.578, de 05 de janeiro de 2001, veio regulamentar o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. O art. 1°, definiu como órgãos controlados: a Polícia Civil e a Polícia Militar (Brigada Militar), estabelecendo também que o exercício do referido controle externo se daria através de medidas administrativas e judiciais, podendo: “I – ter livre ingresso em estabelecimentos e em unidades policiais civis e militares; II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade de polícia judiciária civil e militar e que digam respeito à persecução penal; III – requisitar à autoridade competente a adoção de providências para sanar omissão indevida, fato ilícito penal ocorridos no exercício da atividade policial, prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder, podendo acompanhá-los; IV – acompanhar, quando necessário ou solicitado, a condução da investigação policial civil ou militar;” Os três primeiros incisos do art. 1° desta lei complementar somente reproduziram o que já estava disposto no art. 9° da Lei Complementar 75/93 para o âmbito federal e o inciso IV traz o acompanhamento da condução da investigação policial, portanto, o controle externo não foi disciplinado de maneira suficiente para se ter realmente um controle externo eficiente, o qual consiga cumprir com sua finalidade. O Ministério Público do Rio Grande do Sul pretendia ter um controle maior sobre a atividade policial para, assim, evitar que irregularidades e abusos aconteçam por parte dos órgãos policiais. Com essa finalidade o PLC Nº 162/1999, o qual deu origem a LC 11578/2001, previa em seu art. 1º, além dos atuais incisos o seguinte inciso: “VI – avocar inquéritos policiais civis ou militares em andamento, quando descumprida a lei”. Porém, esse inciso foi suprimido pela emenda de número 5 do PLC 162/1999, a qual apresentou a seguinte justificativa: “A redação do PLC original retira competência que é exclusiva do exercício das atividades de polícia judiciária militar e civil, contrariando o que dispõe a constituição federal e os códigos de processo penal militar e civil. Invade também a competência do Poder Judiciário, por que em caso de haver diferença de entendimentos quanto à lei a ser aplicada, cabe ao Poder Judiciário atuar.“ A avocação de inquéritos policiais pelo Ministério Público facilitaria o controle externo, pois assim, em caso de irregularidades, o MP poderia assumir a condução da investigação policial, controlando efetivamente a atividade policial. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul sofreu um grande lobby das classes policiais, as quais visavam minimizar ou até mesmo acabar com o controle externo pelo Ministério Público. Vejamos o que disse o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil, José Carlos Weber, sobre o PLC 162/1999: “Essa matéria (controle externo das atividades policiais) já deu conflitos sérios em outros Estados. Em Brasília, delegados cercaram promotores. Não queremos que isso se repita aqui. Considero essa proposta absolutamente inconstitucional em alguns itens, que vêm afrontar a Constituição Federal. Há uma confusão de entendimento. A Constituição autoriza o Ministério Público a fazer o controle externo da polícia, mas o que está impresso no projeto de lei é controle interno, um direito indevido. Em vez de harmonizar o relacionamento entre delegados e promotores, vai desarmonizar, e a comunidade, já carente de segurança, é quem irá pagar. O item que pede para o promotor o direito de avocar inquéritos é inconstitucional. O artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição Federal diz que é exclusividade da Polícia Civil a investigação criminal. Essa proposta não somará nada para melhorar o sistema”.[2] Como podemos ver no discurso acima do presidente da ADEPOL-RS, foi defendida a idéia de que o PLC 162/1999 trazia o controle externo da atividade policial como uma forma de controle interno das polícias pelo Ministério Público, o que seria função das Corregedorias de Polícias. Considerações finais Este estudo procurou trazer à tona a discussão atinente ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, o qual foi instituído pela Constituição Federal de 1988, porém, por ser essa uma norma constitucional de eficácia limitada, não produziu efeitos com sua entrada em vigor, já que dependia de regulamentação. Somente com a Lei Complementar 75 de 1993 houve sua primeira regulamentação para o âmbito do Ministério Público da União. Já no âmbito do Ministério Público dos Estados, a Lei nº 8.625 de 1993 não  versou sobre o controle externo da atividade policial, porém, em seu art. 80 possibilitou a aplicação subsidiária da Lei Orgânica do MPU. Logo, mesmo que um Estado da Federação não possuísse a regulamentação deveria ser aplicada subsidiariamente a norma federal sobre o referido tema. O Controle Externo realizado pelo Ministério Público estende-se a todos os órgãos policiais existentes no Brasil, já que são os responsáveis pela atividade policial. Logo, o Ministério Público Federal controla a Polícia Federal, a Rodoviária Federal e a Ferroviária Federal; o Ministério Público Militar exerce o controle externo sobre as polícias judiciárias militares; o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios controla a polícias militar e civil, os corpos de bombeiros militares do DF e Territórios; e os Ministérios Públicos Estaduais controlam as polícias civis, as militares e os corpos de bombeiros militares dos estados da Federação, e ainda, as Guardas Municipais.  De todo o exposto, verificou-se a importância do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público para evitar irregularidades e abusos por parte de nossos organismos policiais, os quais têm a missão de garantir a segurança pública, porém, muitas vezes, acabam cometendo crimes, ilegalidades, desmandos, abusos de poder, torturas e etc. Não menos importante, também, necessitamos da efetivação desse controle externo para aperfeiçoar e agilizar a colheita de provas pelas polícias judiciárias. Atualmente, sabemos que o Ministério Público dispõe de muitos instrumentos legais para o exercício do controle externo das polícias, mas ainda necessitamos de um maior regramento sobre esse tema. A Resolução 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público ampliou o rol de atribuições para o exercício do controle externo tentando uniformizá-lo, já que cada estado da Federação tem seu próprio Ministério Público Estadual, e assim, normas diferentes a respeito desse assunto. Porém, poderia ter disciplinado a avocação de inquéritos policiais pelo Ministério Público, pois assim facilitaria o controle externo em casos de irregularidades, no qual, excepcionalmente, o MP poderia assumir a condução da investigação criminal, controlando efetivamente a atividade policial. Em momento algum, defende-se que o Ministério Público exerça atividades internas, administrativas ou funcionais das polícias, já que não há subordinação destas ao MP. Porém, existe a necessidade de que o controle externo seja efetivado na prática para que se cumpra com as suas finalidades. Também podemos observar ao longo deste trabalho a oposição ferrenha das entidades classistas policiais, as quais não desejam sofrer o referido controle externo, mas não existe outra saída, já que o Ministério público tem esse dever constitucional. Então, o corporativismo dos órgãos policiais é mais um entrave a ser enfrentado pelo Ministério Público para a efetivação do controle externo da atividade policial. Por fim, é válido destacar que como titular da ação penal, o Ministério Público precisa ter os elementos necessários para a propositura da denúncia, portanto, o controle externo da atividade policial é essencial para que se possa ter uma boa investigação criminal, obtendo as provas suficientes para a realização da Justiça.   Bibliografia BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. DAHER, Marlusse Pestana. O Ministério Público. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=266>. Acesso em: 04 mai. 2008. FREITAS, Manuel Pinheiro. Controle Externo da Atividade Policial: do discurso à prática. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/criminal/doutrina/id40.htm>. Acesso em: 04 mai. 2008. GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público. Curitiba: Juruá, 2002. LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júri, 2003. MARQUES, Carlos Alexandre. Controle externo da atividade policial: natureza e mecanismos de exercício. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598>. Acesso em: 04 mai. 2008. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. ________. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. ________. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. NUNES, Plínio. MP propõe controle externo das polícias. Disponível em: <http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg00174.html> Acesso em: 02. set. 2008. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. TOLEDO NETO, Geraldo do Amaral. O Ministério Público e o efetivo controle da atividade policial. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2812>. Acesso em: 04 mai. 2008. WENDT, Emerson. O Controle Externo das Atividades Policiais pelo Ministério Público. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/artigos/2000/emersonwendt/controleexternopolicia.htm> Acesso em: 04 mai. 2008.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-62/o-controle-externo-da-atividade-policial-pelo-ministerio-publico/
O emprego de algemas e a Súmula Vinculante nº 11
O emprego de algemas foi limitado pela súmula vinculante nº 11, da qual o STF, impõe critérios objetivos ao uso, da qual ainda deverá ser justificada por escrito, pelos agentes do Estado. Questões controversas sobre a legalidade da súmula e a sua aplicabilidade para os órgãos policiais.
Direito Processual Penal
1. INTRODUÇÃO Algema é uma palavra originária do idioma arábico, aljamaa e significa pulseira, sendo, na atualidade, um instrumento empregado para impedir reações indevidas, agressivas ou incontroláveis por presos em relação aos policiais, contra si mesmo ou contra outras pessoas. A Lei de Execuções Penais, em seu art. 199, determina que o emprego da algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu – comentário efetuado em ementa do STF em decisão de Habeas Corpus – (HC 89429/RO-Rondônia, Relator: Ministra Carmem Lúcia, 22/08/2006). O Supremo Tribunal Federal depois da inércia do Poder Executivo por mais de 24 anos sem regulamentar o uso de algemas, previsto pela Lei de Execuções Penais (Lei Federal nº7210/84), o STF assumiu a responsabilidade e aprovou no dia 13 de agosto 2008 a Súmula Vinculante nº 11, da qual limita o uso de algemas, licitamente, a casos excepcionais de resistência, de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física do policial ou alheia, por parte do preso ou de terceiros; e prevê, ainda, a aplicação de penalidades pelo abuso no seu uso indevido, pois se consubstanciaria em constrangimento físico e moral do preso, caso não seja devidamente justificada por escrito, podendo acarretar em responsabilidades disciplinar, civil e penal do policial e de nulidade da prisão ou do ato processual, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. O instituto da Súmula Vinculante foi criado pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, da qual objetiva pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário, visando diminuir o numero de recursos que chegam às instâncias superiores e ao STF, permitindo a sua resolução na primeira instância. O STF decidiu editar esta súmula, com base em um julgamento de um Habeas Corpus (HC 91952), da qual o Plenário anulou a condenação do pedreiro Antônio Sérgio da Silva pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP), da qual o condenava por homicídio triplamente qualificado, ao argumento de que a manutenção do réu algemado perante os jurados durante todo o seu julgamento, sem que a juíza-presidente apresentasse uma justificativa convincente para o caso, a despeito das outras circunstâncias, influenciando na condenação, o que configuraria violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. A súmula consolida entendimento do STF sobre o cumprimento de legislação que trata do assunto, como: artigo 1º, inciso III da Constituição Federal e de vários outros incisos da mesma Carta Magna que dizem respeito à dignidade humana, além também dos artigos 284[1] e 292 do Código de Processo Penal[2] que tratam do uso restrito da força da realização da prisão de uma pessoa. Além, ainda, de ser confirmada pelo disposto no parágrafo 3º do artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08, da qual cita que “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. 2.QUESTÕES CONTROVERTIDAS Uma questão ainda permanece sem respostas. O instituto das Súmulas Vinculantes, disposto no artigo 103-A da Constituição Federal, possui como requisito básico para a sua edição que hajam decisões reiteradas sobre matéria constitucional, contrário ao que se observa na edição da Súmula Vinculante nº 11 da qual apenas uma única decisão, anulação do HC 91952, teria motivado a sua formulação – Através de pesquisa junto ao portal do STF, foi encontrada outra decisão de Habeas Corpus (HC 89429/RO-Rondônia, Relator: Ministra Carmem Lúcia, 22/08/2006)[3], da qual considera o emprego de algemas algo legítimo e não arbitrário para os casos considerados excepcionais – além também de outros requisitos, como: validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas; controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública; grave insegurança jurídica; e, relevante multiplicação de processo sobre questões idênticas. Mesmo que a decisão do HC 91952 tenha sido suficiente para a edição desta tão importante súmula, outro vício, em tese, se observa: a matéria da Súmula Vinculante nº11 foi mais ampla do que o contido no Habeas Corpus apreciado, ou seja, o Supremo Tribunal Federal partiu de um caso específico, que é a ofensa à dignidade humana pelo uso de algemas no Tribunal do Júri, para o caso geral, o uso de algemas pela autoridade policial, com isso, conclui-se que o STF legislou sobre o tema, inclusive criando um novo crime, impondo critérios inexistentes a serem seguidos pelos agentes do Estado no uso de algemas, da qual os artigos 474, §3, do Código de Processo Penal e o 234, §1º, do Código de Processo Penal Militar[4] versavam, antes da Lei 11.689/08, sobre algemas, sendo que nenhum deles exigia explicação por escrito para seu uso. Esta matéria ao ser tema de súmula vinculante vem a eliminar e restringir qualquer discussão futura que possa vir ocorrer em instâncias inferiores, ou até mesmo a matéria ser tema de elaboração de lei pelo Poder Legislativo, conforme afirma a Delegada de Polícia Federal Arryanne Queiroz em seu artigo para o site Revista Consultor, em 21 de agosto de 2008. A edição desta súmula somente seria possível se esta restringisse, apenas, da nulidade do emprego de algemas em júri. No que tange a prisão cautelar não haveria essa possibilidade, haja vista, não existirem, no STF, julgados que comprovassem a existência de matéria controvertida. Para o doutrinador e Secretário de Transportes do Estado de São Paulo, Dr. Alexandre de Morais, em debate sobre o tema no Fórum Criminal da Barra Funda em 27 de agosto de 2008, em contrário sensu ao disposto pela Delegada da Policia Federal Arryanne, citou, parafraseando, que o uso de algemas foi considerado pelo STF como sendo de questão constitucional, com isso, não cabe a lei federal, tampouco a decreto disciplinar a matéria, e que uma reação legislativa, neste momento, seria contrária a súmula já editada. Alexandre de Morais ainda efetuou críticas à Súmula Vinculante nº11, da qual considera perigosa a comparação que o STF fez do uso indevido de algemas com a Teoria das Provas Ilícitas (exemplo, confissão algemado=confissão mediante tortura), ou seja, que para ele o algemamento sem motivação ou motivação anulada pelo Tribunal, poderá anular todo o julgamento, podendo até mesmo todo o processo ser anulado. Essa conduta, para Alexandre de Morais, faria com que o advogado do réu a qualquer mínimo descumprimento desta súmula, levantasse reclamação junto ao STF, atolando o Tribunal Superior. Para o Superintendente Regional da Policia Federal em São Paulo, o Sr. Leandro Daiello Coimbra, em mesmo debate, afirmou ser contrário a Súmula Vinculante nº11, haja vista que para ele “não algemar o preso é prendê-lo em cela de porta aberta”, ou seja, é colocar os policiais em risco desnecessário, pois conforme o Manual de Uso de Algemas da própria Polícia Federal, versa que o seu emprego visa a segurança e preservação da Integridade Física do preso, do policial e dos terceiros, evitando repercussões desastrosas, como: suicídios, fugas e etc.; evitando ainda, atos irracionais dos presos, pois para o Delegado Leandro, seria impossível prever o comportamento do preso, pois a prisão tem elevado grau de estresse, recomendado o uso SEMPRE de algemas. Afirmou, ainda, que TODOS os presos devem ser algemados quando conduzidos 3. APLICABILIDADE À ATIVIDADE POLICIAL Para a Polícia Militar o que mais importa é o ato da prisão dos infratores da lei, que mesmo sendo um ato que viole a dignidade da pessoa humana, haja vista, ser a liberdade o fator natural do homem, observa-se que se a prisão for amparada pela lei, não se justifica a não utilização das algemas pelos órgãos policiais, entretanto o excesso em seu emprego caracterizaria em um atentado à liberdade de locomoção, crime de Abuso de Autoridade, Lei nº 4898/65, tipificado no artigo 3º, alínea “a”, além da responsabilidade civil e conseqüências disciplinares através de seus Regulamentos Disciplinares. O policial militar que fizer uso das algemas, deverá justificar por escrito o feito, podendo ser no próprio Boletim de Ocorrência PM, o BOPM/TC; devendo, ainda, atentar para a exposição indevida do preso à mídia, principalmente se algemado. Outra questão levada a efeito para a Polícia Militar é no que tange a escolta de presos, pois seria muito difícil a substituição das algemas pelo reforço policial, haja vista que para cada preso algemado conduzido deve ser empregado, no mínimo, um policial militar. Com o proposto pela referida súmula, a condução destes infratores sem as algemas faria com que se aumentasse o numero de policiais empregados, algo descabido na atualidade, devido às diversas atividades desempenhadas pela policia. Outra questão surge após a edição da Súmula Vinculante nº11, da qual o Promotor de Justiça do Distrito Federal Rodrigo de Abreu Fudoli em seu artigo para o site jurídico Jus Navigandi coloca com propriedade, no que tange ao “fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física de qualquer pessoa”, pois, o mesmo indaga: “será que o STF aceitará que a pessoa presa ou que deva ser presa seja algemada com base exclusivamente na natureza do crime, por exemplo, homicidas, poderiam ser sempre algemados, ainda que bem comportados durante o processo, ao passo que os estelionatários não, ou será exigido, para a colocação de algemas no preso uma conduta concreta demonstrando periculosidade (exemplo: o réu que olha de forma ameaçadora para a vítima em audiência)? E mais: tendo em vista o inato desejo de liberdade do ser humano, será que não haveria fundado receio de fuga em toda execução de uma prisão (em flagrante ou não), e mesmo em toda situação na qual o preso vislumbre a possibilidade de fuga (por exemplo, em uma audiência judicial à qual comparece escoltado)?” Isto faz com que pensemos se a análise ao se empregar as algemas deverá ser pelo critério da possibilidade de uma atitude adversa pelo preso por aquilo que ele cometeu (análise implícita), ou por aquilo que ele ‘visivelmente’ tem demonstrado através de suas atitudes (análise explícita). Independente da decisão a ser tomada pelo policial militar na ocorrência ou na escolta do preso em se fazer valer das algemas, haverá a necessidade que se haja a devida justificativa escrita por parte do agente do Estado. A dúvida por parte do Policial Militar no uso ou não das algemas para uma prisão favorece a ele mesmo, pois isso é considerado como sendo um temor justificável, a exemplo disso são os casos de prisão em flagrante delito, que na dúvida, poderá o policial militar fundamentar depois o uso das algemas – citado pelo Deputado Estadual e doutrinador Dr. Fernando Capez em debate no Fórum Criminal da Barra Funda, em 27 de agosto de 2008 – não se consubstanciando tal conduta em crime de Abuso de Autoridade, haja vista que para se configurar este crime deve se existir o dolo de se agir contrário às normas, sendo fato atípico o emprego de algemas da qual o policial militar, na dúvida, a utilizou crendo estar fazendo o correto, se justificando por escrito, não será passível de nulidade na fase judicial.
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A eficácia da prova testemunhal nos delitos de embriaguez ao volante
com o advento da mais recente reformulação do Código de Trânsito brasileiro, alguns questionamentos mostraram-se à vista dos estudiosos e aplicadores da norma. Em especial, brotou perplexidade quanto à aparente inviabilidade da prova testemunhal como mecanismo suficiente para a configuração do delito de embriaguez ao volante, ante à expressão concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. Todavia, mostrar-se-á neste redigido que, se para o entendimento de uma lei bastasse tão-somente o conhecimento da gramática com que o texto foi escrito, desnecessária seria a figura dos intérpretes, tais como os doutrinadores, juízes, tribunais e demais hermeneutas, bastando para a execução dos comandos legais que os seus agentes fossem, simploriamente, alfabetizados.
Direito Processual Penal
INTRODUÇÃO Recentemente, entrou em vigor mais uma reformulação no Código de Trânsito Brasileiro. O leitmotiv[1] do Legislador foi o de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, conclusão singela que se faz pela simples análise do primeiro e principal mandamento contido na Lei 11.705/2008 que implementou o conjunto de novidades ora em debate. Não obstante o cristalino intuito do Legislador, mais uma vez ele laborou em equívoco, como já fizera antes com algumas reformulações em matéria de trânsito, à luz, p. ex., do ocorrido com a infração penal consistente em dirigir veículo automotor sem a devida permissão ou habilitação legal. Com efeito, a infração de dirigir veículo automotor sem a devida habilitação era reprimida, antes do advento do atual Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei das Contravenções Penais[2], em seu artigo 32. Até então, não era necessária a produção de perigo concreto, para a perpetração do ilícito. Todavia, com o advento do CTB, passou-se a exigir perigo concreto, em decorrência da expressão elementar contida no seu artigo 309[3], qual seja, “gerando perigo de dano”. Assim, apesar do intuito do legislador em impor maior rigor no combate às infrações de trânsito, ao ser implementado o CTB no ano de 1997, o resultado foi inverso do pretendido ao menos no que se refere à condução de veículo automotor sem a devida Permissão ou Habilitação para Dirigir, bem como, ainda, se cassado o direito de conduzir, em decorrência da exata expressão gerando perigo de dano. Em virtude disso, então, tornou-se incontável a gama de condutores não autorizados que passaram a isentar-se de qualquer responsabilidade penal, ainda que agissem por meio de condutas livres e conscientes. Isso, indubitavelmente, constituiu-se em uma grande conquista a todos eles, infratores de trânsito. As Polícias Rodoviária e Militar, hoje, já não chegam mais sequer a apresentar nas delegacias de polícia ocorrências de condução de veículo automotor sem habilitação legal, se não verificada geração concreta de perigo, por já se haver tornado assente a jurisprudência a esse respeito. Isso já ocorrera, também, com a questão da arma de fogo desmuniciada. Assim, enquanto a posse e o porte irregulares de arma de fogo eram tratados pela Lei das Contravenções Penais, tanto fazia estar o instrumento bélico municiado ou não, haveria inevitável incidência típica. Agora, quando o Legislador, então, desejando tornar a matéria mais severa, em decorrência da vultosa gama de crimes praticados por meio de instrumentos bélicos no País, implementando a Lei nº 9.437/97, após a ab-rogando[4] por uma norma ainda mais rigorosa, qual seja ela, a Lei nº 10.826/03, foi concedida, nesse momento, gênese à problemática seriíssima consubstanciada em uma verdadeira avalanche de conflitos jurisprudenciais, ora considerando crime, ora não, a posse ou o porte de arma de fogo sem munição (grifo meu). Presentemente, com o advento da Lei nº11.705/2008, com a qual se deu execução a algumas reformulações no Código de Trânsito Brasileiro, mais uma vez o Legislador não se atentou para alguns detalhes vitais, dentre eles o princípio de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo! Dessa arte, como se constatar a percentagem de seis decigramas estipulada no corpo do artigo 306 do CTB, se o infrator não desejar submeter-se ao teste do bafômetro ou não permita a coleta do seu sangue?! Não resta, pois, como se verá ao longo deste artigo, outra faculdade ao intérprete, perplexo com a grafia utilizada pelo Legislador, que não a hermenêutica jurídica, a fim de se tornar cristalina e lúcida a vontade patente do legislador, consubstanciada no desejo de impor maior rigor aos infratores das normas de trânsito, não obstante, como já se disse acima, as impropriedades e imperfeições com que tentou exprimir esse seu intuito. 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A RECENTE REFORMULAÇÃO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO Com a recente publicação, pois, da Lei nº11.705/08[5], houve alteração significativa quanto aos mandamentos do nosso CTB[6]. Em especial, e é esse o ponto fulcral deste escrito, quanto ao preceito primário[7] contido no art. 306 do Codex referido. Preteritamente à reforma, rezava o tipo suso: conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem (grifo meu). Posteriormente, com a reforma, passou a proclamar: conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Assim, antes da reforma, o crime em comento era de mera conduta. O delito também era classificado como sendo de lesão ao bem jurídico, ou seja, à segurança no tráfego de veículos. Doravante, o ato desvalioso deve ser classificado como sendo de perigo abstrato, já que o novo tipo reformado não contém a expressão expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Quanto à valência dos delitos de perigo abstrato no ordenamento jurídico nacional, vale mencionar que, não obstante algumas contemporâneas e respeitáveis idéias doutrinárias que circulam acerca da absurdidade que seria o entendimento no sentido de que referidas infrações de perigo abstrato subsistiriam plenamente no cenário constitucional vigente, claro aos olhos deveria ser, a todos, que o intuito do legislador na tipificação de delitos de perigo abstrato é a “essencial manutenção da vigência da norma” e, conseqüentemente, da ordem pública! Efetivamente, a tipificação dos crimes de perigo abstrato representa uma preocupação de cunho prevencionista do direito criminal da nossa sociedade contemporânea a qual deseja antecipar a punição de certas condutas, com o fim de prevenir perturbações futuras e garantir o bem-estar social, porquanto já fatigada está com as lesões efetivas aos seus bens juridicamente tutelados. Nada mais lógico, pois, do que reprimir, no limiar, uma “ofensa” aos nossos patrimônios jurídicos a qual, pela lógica, sem a devida repreensão do Estado, tornar-se-ia, futuramente, uma efetiva “lesão” a esses nossos mesmos bens juridicamente tutelados. E exatamente foi isso o que decidiu fazer o legislador, ao retirar do art. 306 do Codex de Trânsito brasileiro a expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Assim, antes da reforma, além de estar embriagado, era necessário que o condutor conduzisse irregularmente o seu veículo, levando a efeito manobras desnecessariamente bruscas, em ziguezague[8], aproximando-se perigosamente de outros veículos, do meio-fio, das calçadas, de pedestres, etc. Agora já é bastante a constatação de que o condutor esteja embriagado, ainda que conduzindo regularmente o seu veículo, para que haja a subsunção da sua conduta ao tipo em comento. A intenção do legislador foi precisa e clara nesse sentido, quando implementou a reforma em tela, asseverando, reclamando, protestando, anunciando o seu intuito no sentido de tornar a Lei mais rigorosa para com o condutor embriagado, tanto que no primeiríssimo artigo da Lei nº11.705/2008 utilizou ele a cabal expressão “com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas (grifo meu) para o condutor que dirigir sob a influência do álcool”. Não obstante essa claríssima intenção do Legislador em tornar a Lei mais severa, gerou-se equívoco interpretativo delicado e perigoso no que se refere à admissibilidade da prova testemunhal para a aferição do estado etílico. Isso deu-se por culpa do próprio Legislativo, dos seus atropelos, das suas ânsias e da sua falta de cuidado. Com efeito, temos, como elemento do tipo novel a expressão “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”. E é aqui que surge o mais terrível dos pesadelos de que todo e qualquer do povo, agente de trânsito, ou policial, sedentos por uma Lei, efetivamente, mais severa, jamais poderiam prever! Sobre isso, falaremos no derradeiro capítulo deste redigido, deixando para os próximos algumas considerações conceituais pontuais sobre o tipo aventado e sobre hermenêutica jurídica, esta última constituindo-se na única fórmula capaz de dissolver todo o impasse exsurgido. 2. NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ARTIGO 306 DO CTB Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Preliminarmente, cumpre salientar que não se trata de infração de menor potencial ofensivo, porquanto sua pena máxima supera um ano, limitação estabelecida pelo artigo 61 da Lei nº. 9.099/95. Também não o é em relação à Lei n. 10.259/01 a qual instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, já que, nos termos do artigo 2.° do mencionado diploma legal, o máximo de pena privativa de liberdade foi fixado no montante de dois anos. Em relação ao tipo em tela, outrossim, aplica-se a transação penal disciplinada no artigo 76 da Lei nº. 9.099/95, por força do disposto no parágrafo único do artigo 291 do Código de Trânsito Brasileiro. Tecnicamente, mostram-se inviáveis a composição civil e a representação, em decorrência da inexistência de vítima precisa. Outro ponto que sempre vale lembrar é que a figura do art. 34[9] da LCP subsistiu, tão-somente, com o advento do CTB em 1997, no que se refere à direção perigosa de embarcação a motor em águas públicas, assim como o de outros comportamentos perigosos à direção, não estando o condutor embriagado, como o ziguezague, o cavalinho-de-pau, etc. Por outro lado, na extremidade ativa da infração do art. 306 do CTB figura o condutor de veículo automotor, podendo ele ser habilitado ou não para dirigi-lo. Por se tratar de delito de mão própria, percebe-se que a co-autoria é inviável. É possível, no entanto, a participação. Um exemplo disso seria o indivíduo que induz o condutor de veículo automotor, embriagado, a levá-lo para casa. O sujeito passivo imediato é a coletividade. Secundariamente, pessoas que tenham sido expostas eventualmente à situação de perigo. Antes da reforma, a infração consumava-se no exato momento do cometimento do comportamento anormal à direção do veículo automotor, após ter o condutor ingerido substância alcoólica ou de efeitos análogos. Agora, basta a condução do veículo em estado de embriaguez alcoólica para a subsunção do comportamento ao tipo. A tentativa, como se percebe, era impossível, mas hoje, não havendo necessidade de comportamento anormal na condução do veículo, ela é perfeitamente viável. Assim, implica-se no tipo, em sua forma tentada, quem é impedido, por motivos alheios à sua vontade, de conduzir veículo automotor, estando em estado de embriaguez alcoólica ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Outro ponto importante, ainda, é observarmos que os crimes de resultado previstos no CTB – homicídio e lesões corporais culposos de trânsito – absorvem, de regra, o crime de a embriaguez ao volante, já que este é um crime de perigo. É evidente, contudo, que a lesão corporal culposa de trânsito tem pena máxima dois anos de detenção, ao passo em que o delito estudado abarca até três anos de detenção como pena máxima. Desta forma, a lesão corporal culposa, não agravada pelas circunstâncias de aumento previstas no parágrafo único do artigo 302 do CTB, deverá ser absorvida pela infração mais severa, in casu, a embriaguez ao volante. Por outro lado, no que se refere ao artigo 309 do CTB (falta de habilitação ou permissão para dirigir, ou estando o condutor com esse direito cassado), a embriaguez ao volante absorvê-lo-á. Ocorre que as duas infrações são de perigo, ocasião em que uma delas mostra-se mais severa que a outra. Resta, assim, impor-se a aplicação da agravante genérica prevista no inciso III do artigo 298 do CTB. Por fim, cumpre salientar que a embriaguez ao volante também absorverá os artigos 308 (“racha”) e 311 (excesso de velocidade). 3. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE HERMENÊUTICA JURÍDICA A hermenêutica jurídica configura-se em ciência, em uma verdadeira arte da interpretação da linguagem jurídica. Seu intuito visa trazer à baila aqueles princípios e regras que se constituem em ferramentas para o intérprete. Intitula-se exegese a aplicação de referidos regramentos. Quanto à natureza, ou meios de efetivá-la, tem-se as seguintes espécies de interpretação: gramatical, onde se procura o significado literal da linguagem; lógica, onde se busca contextualizar a norma, tendo-se por base as normas anteriores e posteriores, bem como o sistema onde está incluída; histórica, que visa à intenção do legislador, buscando esta pela análise do momento da feitura da norma como pela análise da origem do seu desígnio, prevalecendo a aferição da situação fática existente quando da edição da Lei; teleológica (sociológica), a qual visa à adaptação da norma ao contexto social vigorante ao tempo de sua aplicação; e sistemática, que almeja a interpretação contextual da norma, seu lugar nos textos positivos, eventuais subordinações a outros textos, enfim, sua posição na espécie legislativa que a prevê e seus campos de aplicação. Quanto aos sistemas de interpretação, tem-se o Sistema da livre pesquisa, onde o intérprete tem de buscar a finalidade social da norma. Em outras palavras, deve ir ao encalço do bem comum (artigo 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil)[10]. Também há o Sistema dogmático, que impõe a interpretação do Direito com base exclusiva na Lei e, finalmente, o Sistema histórico-evolutivo (Savigny), que procura abrandar o sistema dogmático. Em verdade, não-obstante, prevalece no Brasil o Sistema da livre pesquisa. Além disso, são cinco os passos a serem utilizados na interpretação da lei. O primeiro consiste na interpretação literal (gramatical); o segundo consiste na verificação dos critérios da lógica, concepção histórica, teleológica e sistemática da Lei; o terceiro consiste na utilização da analogia; o quarto no uso dos costumes, doutrina e jurisprudência (critérios secundários); e, finalmente, o quinto consiste na utilização dos princípios gerais do Direito. Como conseqüências dessa sistemática interpretativa, poderemos chegar a uma interpretação declarativa, quando o intérprete conclui que o texto disse exatamente o que desejava o Legislador; restritiva, quando o exegeta acredita que o legislador disse mais do que desejava; e extensivo, quando se conclui que o texto legal diz menos do que se pretendia ao editá-lo, sendo necessária a ampliação do seu campo de abrangência. Diante de tudo o que se expôs, portanto, vê-se que há múltiplas possibilidades de interpretação legal, subsistindo ao exegeta as mais variadas formas de se chegar a uma justa, correta e equilibrada conclusão acerca das normativas lançadas pelo Legislativo. É bem possível, pois, “ser justo”, de acordo com o que rezou Juan Carlos Mendonça no excerto com o qual se concedeu abertura a este artigo. E é nessa linha de raciocínio, aliás, onde se busca o exercício pleno e constante do julgamento conforme o direito e a melhor consciência, a vereda onde se pretenderá desenvolver o previsto e derradeiro capítulo seguinte. 4. A PERFEITA ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL PARA A CONFIGURAÇÃO DOS DELITOS DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE A pergunta imanente que habita o intelecto daquele que recalcitra em admitir a prova testemunhal como elemento probatório nos delitos de embriaguez ao volante, após a reforma do CTB, é a seguinte: como a prova testemunhal pode aferir a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas?! Aí, então, é onde fica o exato espaço onde entra a hermenêutica jurídica, para se saber qual era a vontade do Legislador e o que se pode fazer, então, para corrigir as impropriedades das suas construções apressadas e desapercebidas de exatidão. A resposta precisa e direta ao questionamento em voga será conferida em uma sentença simples, de apenas um parágrafo, ao final deste capítulo (último parágrafo), mas não sem antes se tecerem alguns inevitáveis comentários a respeito de toda essa problemática, até porque “o sistema é um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função”[11]. Pois bem. Consoante já se disse acima, a intenção do Legislador, ao promover a reforma, foi enfática no sentido de tornar mais rigoroso o controle do trânsito pelas autoridades públicas e infligir penas mais severas aos transgressores das essenciais normas de trânsito postas em prol da segurança da coletividade. Como se sabe, e falando novamente em interpretação da Lei, esta pode dar-se, além do que já foi explicado, da seguinte forma: quanto ao sujeito que a interpreta (autêntica – podendo ser contextual ou não contextual; doutrinária; e judicial); quanto ao modo (gramatical; teleológica; lógica; histórica; sistemática; progressiva; de direito comparado; e sociológica); e quanto ao resultado (declarativa; restritiva; e extensiva – podendo ser ampliativa, que é proibida, ou analógica, que é permitida, cujas modalidades são intra legem ou in bonam partem). Percebe-se, assim, que, quando falamos acerca dos comandos contidos na Lei nº11.705/2008, em especial no que tange à sua influência exercida especificamente no art. 306 do CTB, podemos classificar a interpretação do dizer legislativo, quanto ao sujeito, em autêntica contextual, porque dita pela própria Lei e no seu próprio texto, sem se esperar edição posterior de norma complementadora do seu sentido;  quanto ao modo, em gramatical, porquanto diz, claramente, o que se deseja; e, quanto ao resultado, finalmente, em declarativa, já que diz tudo o que se deseja ver realizado no mundo material. Por meio, pois, de uma singela interpretação, estampa-se que o Legislador, quando implementou a reforma em tela, asseverando, reclamando, protestando, anunciando o seu intuito, de forma contextual, no sentido de tornar a Lei mais rigorosa para com o condutor embriagado, fê-lo já no primeiríssimo artigo da Lei nº11.705/2008, ao utilizar ele a cabal expressão “com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas (grifo meu) para o condutor que dirigir sob a influência do álcool. Se, portanto, o desígnio claríssimo do legislativo foi o de impor maior rigor no combate a embriaguez ao volante, qual o sentido em se infundir óbice à prova testemunhal como suficiente para a constatação do seu estado etílico?! A grande formulação interrogativa que se faz a quem defenda a imprescindibilidade de aferição técnica de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, quer seja por meio do bafômetro, quer seja por meio de exame de sangue, etc., é a seguinte: e se o condutor de veículo automotor, estampadamente embriagado, com sinais notórios tais como forte hálito alcoólico, andar inseguro ou inviável, palavras incoerentes e confusas, falar pastoso, etc., negar-se a submeter-se ao exame do bafômetro, bem como se negar à coleta do seu sangue?! Restará ele impune?! Foi essa a vontade do Legislador, ao editar a nova Lei, quando deixou expresso o seu desígnio em impor penalidades mais severas?! Não seria a embriaguez ao volante, sabidamente, uma das principais causas de acidentes e mortes no trânsito brasileiro? O álcool e as demais substâncias de efeitos embriagantes não atuariam, como é de todos cediço, diretamente sobre o sistema nervoso central, diminuindo sensivelmente a capacidade de reação do condutor de veículo automotor e colocando, assim, a segurança coletiva em irrefutável xeque? Pois bem. É com tijolos imperfeitos, mais uma vez fornecidos pela Excelsa Olaria do Legislativo, donde surgem os principais materiais necessários à construção e consolidação do Estado democrático e de direito anunciado no art. 1º da CF[12], que nos compete construir os pilares da Justiça. Restaram-se, então, em uma situação delicada aquelas autoridades públicas como o Delegado de Polícia, aplicadores diretos da norma que são, nas situações de apresentação de presos em flagrante por incidência, em tese, no tipo do art. 306 do CTB, com supedâneo exclusivo em prova testemunhal, tendo de decidir pelas autuações, ou não, em flagrante, ou pela liberação desses conduzidos. Mas apesar desse mal-estar hermenêutico que se ergueu com a reformulação recente do CTB, é perfeitamente concebível que se conclua pela autuação em flagrante dos condutores nas situações supraditas, pelas simples, diretas, concisas, precisas e hialinas razões seguintes: Reza o artigo 291[13] do CTB que aos crimes cometidos na direção de veículos automotores aplicam-se as normas gerais do Código de Processo Penal. No Capítulo II do CPP, onde se versa sobre o exame de corpo de delito e sobre as perícias em geral, consta, no art. 158[14], que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Todavia, no art. 167[15] do CPP, consta que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Ora!, se o condutor embriagado não permitiu sua submissão corporal ao teste do bafômetro, bem como não aceitou a coleta de sangue do seu corpo, para aferição de seu estado etílico, bem como, por exemplo, não tenha sido possível a sua imediata condução a exame clínico, desaparecendo, então, o que não é raro, os vestígios da embriaguez alcoólica, perfeitamente viável é o suprimento dessa lacuna pela prova testemunhal. Veja-se que está disciplinado no art. 277[16] do CTB que o condutor suspeito de embriaguez alcoólica será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. Desta forma, apenas para reforçar a presente fundamentação, vislumbra-se que o termo “perícia” está empregado no sentido geral da palavra, nos exatos moldes impressos no Capítulo II do CPP, podendo, pois, desaparecendo os vestígios, não por culpa ou desídia do agente de trânsito ou da polícia, avocar-se a prova testemunhal. Por outro lado, não se pode conceber, outrossim, que tais metodologias de constatação do estado etílico do condutor insertas no mencionado art. 277 do CTB devem restringir-se à esfera de sua responsabilização administrativa cuja sanção correspondente é aquela inserta no preceito secundário do artigo 165[17] do Códex de Transito Brasileiro. Com efeito, a “embriaguez” é uma só, podendo gerar seus efeitos tanto na esfera administrativa como também na penal. Aliás, o §2º[18] do art. 277 reza que a infração prevista no art. 165 do CTB poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. Como se vê, sendo a “embriaguez”, na acepção da palavra, uma única realidade, constituindo-se ela em um estado de inebriamento, êxtase, enlevação que pode gerar conseqüências administrativas e penais, parece-me que o CTB alargou mesmo ao máximo a possibilidade probatória de referida sintomatologia. E não se diga que o cotejar do estado ébrio do condutor, ou em outras palavras, a embriaguez do condutor, levada a efeito por meio de “outras provas em direito admitidas”, seja afeta, exclusivamente, à infração administrativa prevista no art. 165 do CTB, porquanto a “embriaguez”, além de ser uma só, produz suas nefastas conseqüências, que ofendem aos nossos bens juridicamente tutelados pelo Estado, nas duas esferas, quer a administrativa, quer a penal, em verdadeiro concurso formal lato[19]. Outra observação importante de ser levada em conta neste momento é que não se pode sustentar, de forma alguma, que o desígnio do Legislador foi o de “impor penalidades mais severas” apenas no âmbito administrativo. É certo que a atual redação do art. 165 do CTB contenta-se com a expressão “sob a influência de álcool”. Todavia, é de se notar que a redação original desse artigo[20] exigia, em seu texto primitivo, “nível superior a seis decigramas por litro de sangue”, mas, no ano de 2006, com a redação dada pela Lei nº11.275/2006[21], acabou contentando-se com a expressão “sob a influência de álcool“, ou seja, desde o ano de 2006 não se vê alteração legislativa que imponha maior severidade na aferição do estado etílico do condutor para efeitos “administrativos”. Assim, se a redação original do art. 306[22] do CTB também se contentava com a expressão “sob a influência de álcool”, não faz sentido então, com a festejada reforma do CTB, onde o desígnio literal do Legislador foi o de impor penalidades mais severas ao condutor embriagado, manter a mesma exigência para a infração administrativa e, quanto à infração penal, torná-la, em verdade, impraticável, caso não haja a colaboração, a cooperação, a ajuda, o auxílio, a contribuição ou a boa vontade do próprio delinqüente que, diga-se de passagem, muitas vezes em decorrência do seu próprio estado ébrio, aturdido, embriagado, estonteado sequer conseguiria colaborar, se assim o desejasse. Percebe-se, então, por meio de uma simples interpretação das novidades legais aqui comentadas, que a clara intenção do Legislador foi, já no primeiro artigo[23] da norma que infundiu a mencionada reforma no CTB, impor penalidades mais severas ao condutor que conduzir o seu veículo automotor “sob a influência de álcool”. Gize-se, não obstante, que o condutor não precisa estar embriagado para os efeitos do art. 165 do CTB, bastando a simples “influência de álcool”, devendo ele estar embriagado, tão-somente, para os efeitos do art. 306 do CTB, como se verá, em relação a este última afirmação, mais adiante. Seguindo à frente a interpretação da norma, notamos que por meio de uma interpretação “lógica”, a qual tem por base as normas anteriores e posteriores, bem como o sistema onde está ela incluída, a repressão estatal frente ao condutor em estado inebriante vem-se tornando mais severa desde quando deixou de ser o assunto tratado como mera contravenção penal, aprimorando-se em 1997, com o advento do CTB, posteriormente com suas modificações advindas em 2006 e, agora, com a corpulenta e vastamente noticiada reformulação ocorrida no ano em curso. Assim, em todo esse período, o Legislador sempre deixou claro que desejava reprimir, progressivamente, com maior efetividade as infrações cometidas por condutores irresponsáveis. Sem parar por aí, prosseguindo a senda interpretativa, pode-se ver que a metodologia “histórica”, a qual visa à intenção do legislador, buscando-se a análise do momento da feitura da norma e a análise da origem do seu desígnio, prevalecendo a aferição da situação fática existente quando da edição da Lei, fica-nos patente, diante do caos do nosso tráfego contemporâneo de veículos, com incontáveis acidentes e mortes veiculadas pela imprensa, que o intuito do Legislador foi mesmo o de barrar referida realidade trágica, sinistra e funesta de nossa época. Prosseguindo, quando nos deparamos com a espécie “teleológica” (sociológica) de interpretação, a qual visa à adaptação da norma ao contexto social vigorante ao tempo de sua aplicação, é possível repetirem-se, simplesmente, as palavras já escritas do parágrafo anterior. Além disso, ao utilizarmos outro caminho de interpretação, por intermédio do critério secundário da “jurisprudência”, ostenta-se como verdade o fato de que a medição da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas constante na nova redação do art. 306 do CTB não passou de uma impropriedade do Legislador o qual desejou declarar não “sob a influência de álcool”, o que só vale para a infração administrativa do art. 165 do CTB, mas quis ele dizer “embriagado”. Efetivamente, basta, para a configuração de infração administrativa, a “influência de álcool”, já que o Legislador desejou adotar com a nova Lei alcoolemia zero. Desta forma, ainda que o condutor não esteja “embriagado”, responderá ele pela infração administrativa, caso haja ingerido álcool em tempo pretérito próximo. De efeito, consoante o art. 276[24] do CTB, qualquer concentração de álcool é suficiente para a configuração da infração administrativa prevista no art. 165 do CTB, ou seja, não é necessário o estado de “embriaguez”. Agora, se estiver o condutor “embriagado”, sua conduta subsumir-se-á no art. 306 do CTB. Por outro lado, quando se fala em embriaguez alcoólica, é importante mencionar que é relativa a dosimetria de pessoa para pessoa, em decorrência de suas tolerâncias específicas diante da influência do álcool. E sobre isso o Legislador olvidou-se ao estabelecer determinada percentagem de álcool no tipo do art. 306 do CTB, gerando uma avalanche de opiniões conturbadas sobre o assunto. Porém, é mais uma vez a jurisprudência, sempre prudente, a esclarecer a melhor maneira de se interpretar a norma, asseverando, então, que, a embriaguez pode ser provada não apenas pelo exame de dosagem alcóolica o qual não é essencial, mas também pela prova testemunhal (ictu oculi), devendo esta ser a preponderante sobre aquele primeiro exame, ante a relatividade dos efeitos do álcool sobre os indivíduos[25]. Como não se conceder valoração à prova testemunhal, portanto, para a aferição do estado de embriaguez alcoólica do motorista, se, ainda que esteja com concentração um pouco inferior a seis decigramas, pode ele estar, visivelmente, embriagado e, mesmo estando um pouco acima dessa referida dosimetria, pode ele não estar?! O que se quer combater com a Legislação é a “embriaguez” alcoólica ou se quer impor um jogo de sorte, muitas vezes sem sentido, pelas razões supra, aos motoristas abordados por agentes de trânsito?! Os acidentes de trânsito não seriam hoje uma das principais causas de morte no país, segundo dados da pesquisa de mortalidade por acidentes de transporte terrestre, divulgada amplamente em 25 de abril de 2007, na Primeira Semana Mundial das Nações Unidas de Segurança no Trânsito, promovida pela Organização Mundial de Saúde?! O assunto é seriíssimo e sobre isso há fartura de jurisprudência, nacional e internacional, pronunciando-se pela desconsideração de dosimetrias pertinentes à concentração alcoólica, conferindo credibilidade, isto sim, à prova testemunhal[26]. Dessa arte, por todos os meios de interpretação legislativa possíveis, conclui-se pela perfeita admissibilidade da prova testemunhal como mecanismo comprobatório bastante dos delitos de embriaguez ao volante, inferindo-se que a intenção do Legislador ao versar sobre concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas foi a de anunciar que referida concentração implicaria, necessariamente, a “embriaguez” alcoólica do condutor, o que a jurisprudência nacional e internacional já sedimentou ser um tremendo equívoco[27]. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo que se expendeu, evidenciado restou que o ímpeto do Legislador preservar-se-á, unicamente, caso haja a adequada interpretação da sua desastrosa redação contida no art. 306 do CTB. Certamente, de acordo com uma hermenêutica adequada, pode-se provar a sua vontade e demonstrar que nem tudo é o que parece ser aos nossos primeiros e ligeiros olhares. Em consonância com a Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein, a qual anunciou que a matéria (energia) curva o espaço e o tempo à sua volta, ou seja, que a própria gravitação é um efeito da geometria do espaço-tempo, no campo jurídico a razão (lógica), que pode bem ser percebida por um simples e honrado carroceiro, também curva a gramática dos infelizes e apressados textos legais à sua volta, não o contrário. A razão de algumas normas parece mesmo ser, às vezes, a própria Excalibur cravada na rocha, não sendo possível a outro que não o Rei Arthur retirá-la para si. Todavia, a razão de qualquer lei é mais simples do que se possa imaginar, caso lembremos do adágio de Mendonça, exposto como exórdio deste artigo, onde se disse que devemos, antes de mais nada, verificar onde está o justo e, após, fundamentá-lo no Direito.           Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-57/a-eficacia-da-prova-testemunhal-nos-delitos-de-embriaguez-ao-volante/
As violações à Advocacia segundo a nova redação do artigo 265 do Código de Processo Penal Brasileiro
o presente texto trata da nova redação do artigo 265 (caput) e parágrafos do Código de Processo Penal Brasileiro, imposta pela Lei nº 11.719/2008, através da análise do “abandono” no processo penal pelo defensor, bem como da inconstitucionalidade da multa ali constante, que ocasiona séria violação às prerrogativas constitucionais e estatutárias da Advocacia.
Direito Processual Penal
Resumo: o presente texto trata da nova redação do artigo 265 (caput) e parágrafos do Código de Processo Penal Brasileiro, imposta pela Lei nº 11.719/2008, através da análise do “abandono” no processo penal pelo defensor, bem como da inconstitucionalidade da multa ali constante, que ocasiona séria violação às prerrogativas constitucionais e estatutárias da Advocacia. Palavras-chave: abandono, defensor, advocacia, multa e inconstitucionalidade. Abstract:  The present paper deals with the new version of article 265 (caput) e paragraphs of the Brazilian Code of Criminal Procedure imposed by the Law 11.719/2008, and analyses the “abandonment” of the procedures of the lawsuit by the defender, as well as the unconstitutionality regarding the fine there-of incurred, thus causing a serious violation of constitutional and statutory prerogatives of Attorneyship. Keywords: abandonment; defender; attorneyship; fine; unconstitutionality. Sumário: I – Apresentação, II – A conceituação do “abandono” do defensor no processo penal brasileiro, III – A inconstitucionalidade da multa prevista no artigo 265 do CPPB, IV – Conclusão. I – Apresentação É louvável que o legislador infraconstitucional esteja sempre atento à realidade social de seu tempo, modificando o ordenamento jurídico quando necessário ao seu aperfeiçoamento. Todavia, a bem de cumprir seu papel de revisor da legislação ordinária, o que não pode é atropelar garantias e prerrogativas da Advocacia em geral, bem como desconsiderar o sistema constitucional e legal como um todo. Neste sentido, a Lei nº 11.719/2008, dando nova redação ao artigo 265 do CPP, deixou de levar em conta princípios constitucionais e institucionais da Advocacia. II – A conceituação do “abandono” do defensor no processo penal brasileiro A redação do artigo 265 (caput) do CPP e de seu parágrafo único estava inalterada há décadas. De certa forma, era uma disposição em desuso,[1] principalmente em razão da indeterminação da expressão “abandonar o processo” e a previsão de uma multa fixada em mil-réis. É claro que a caducidade pela falta de aplicação da norma, por si só, não implica na sua revogação. Mas não podemos negar o fato de que o referido dispositivo foi contrastado por uma normatividade posterior, que colocou, sob reservas, a sua aplicação hodierna, máxime após a promulgação da Constituição da República de 1988 e do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Lei nº 8.906/1994). O artigo 265 do CPP não era, assim, comentado com profundidade em doutrina[2]–[3] e jurisprudência, certamente em razão da sua desatualização normativa e fática. Daí que, agora, com a sua nova redação – com uma relativa modificação do caput do artigo 265 acrescido da criação de dois parágrafos –, houve nosso despertar sobre as conseqüências jurídico-processuais da sua admissão legislativa. Frise-se que o legislador processual perdeu uma ótima oportunidade de aprimorar a redação do mencionado dispositivo, porquanto, na redação anterior, usava-se da expressão imprecisa “abandonar o processo”. Na nova redação do artigo 265 do CPP, redesenhada pela lei nº 11.719/2008, o legislador processual deixou intacta a expressão imprecisa “abandonar o processo”, acrescentando ao seu caput dois parágrafos, que, também, não conseguem conceituar satisfatoriamente o fenômeno processual do “abandono” no processo penal pelo defensor. Devido a essa imprecisão do artigo 265 e de seus parágrafos do CPP, em que pese a sua nova redação, quando se daria, na realidade, o fenômeno processual do “abandono” no processo penal pelo defensor? O Código de Processo Penal Brasileiro conceitua esta situação fática? Fazendo uma leitura de cabo a rabo do Código de Processo Penal Brasileiro, o leitor atento não encontrará uma só linha sobre a conceituação detalhada do “abandono” do processo pelo defensor, simplesmente porque o legislador originário não o fez e o legislador, presumivelmente mais atualizado da Lei nº 11.719/2008, também não se preocupou em fazê-lo. Na redação antiga do artigo 265 do CPP e do seu parágrafo único, havia apenas a menção à “falta de comparecimento do defensor”, indicando que “o abandono” do processo penal pelo defensor dar-se-ia mediante a ausência deste a um determinado ato processual. Mas, de toda sorte, era uma redação insuficiente e imprecisa na descrição desse fenômeno processual. O entendimento do que fosse “abandono” no processo penal pelo defensor ficava relegado à discricionariedade judicial.[4] O julgador poderia entender, assim, que apenas uma ausência a um determinado ato pelo defensor constituído ou dativo fosse tachada de “abandono” do processo ou que fossem necessários reiterados comportamentos do defensor caracterizadores de alguma modalidade de desídia na condução defensiva do processo em face de seu cliente, chegando às raias de torná-lo indefeso. Já na nova redação do artigo 265 do CPP, foi realizada uma modificação do seu caput acrescido de parágrafos, indicando, principalmente por intermédio do seu parágrafo 1º, que a idéia, agora, é considerar o “abandono” do processo quando o defensor não comparecer à audiência determinada pelo juízo e, sem que houvesse por parte daquele de prévia comunicação, qualitativamente considerada pelo magistrado como sendo justificável. Destarte, a nova redação do artigo 265, com os seus novos parágrafos, parece tentar apontar no sentido de que o conceito de “abandono” no processo penal esteja estritamente vinculado com a ausência injustificada do defensor à audiência agendada pelo órgão jurisdicional. De imediato, denota-se que – especialmente através da leitura dos dois parágrafos – de verdadeiro “abandono” não se trata, mas, sim, de ausência injustificada do defensor a uma audiência determinada pelo juízo. Em primeiro lugar, porque o fenômeno processual do “abandono” tem uma dimensão jurídica significativamente muito mais grave do que a ausência a um ato processual como, por exemplo, no caso de defensor constituído ou dativo deixar de comparecer a diversos atos do processo, bem como deixar de apresentar todas as manifestações necessárias à caracterização de uma efetiva defesa técnica. O defensor que deixa de comparecer a uma audiência, posto que de forma injustificada, não abandona tecnicamente o processo, mesmo porque não fica impedido de permanecer zelando pelos futuros atos e manifestações processuais pertinentes ao seu mister. Enfatize-se que, no caso de advogado constituído, ainda que haja algum dado caracterizador aparente de estar o réu indefeso, como na situação de verdadeiro “abandono”, o magistrado precisa ser altamente prudente e cauteloso no “possível” afastamento do advogado constituído, sobretudo porque, neste caso, há um vínculo contratual entre cliente/réu e advogado/defensor, o qual exige a imperativa manifestação do réu que constituiu diretamente seu defensor sobre a possibilidade de seu afastamento, sob pena de violação ao devido processo legal e, quiçá, responsabilização do magistrado que, indevidamente, afastou o defensor constituído à revelia do acusado. É claro que, no caso de defesa dativa, naturalmente nomeada pelo magistrado, não há que se falar em vínculo contratual, e aí, por força desse munus público, conferido através da indicação judicial, o julgador terá uma maior liberdade no afastamento da defesa dativa. Todavia, a bem de afastar eventuais nulidades, especialmente aquelas fundamentadas em violação à Constituição, é bom que o juiz intime o réu para que este se manifeste sobre a destituição mesmo em se tratando de defensor dativo.[5] III – A inconstitucionalidade da multa prevista no artigo 265 do CPP No que concerne à multa ao defensor (advogado), que “abandonar” o processo (rectius, ausência à audiência), o legislador da Lei nº 11.719/2008, a título de atualizar os valores da multa prevista no antigo artigo 265 do CPP, estabeleceu um desproporcional e excessivo novo valor ao defensor que deixar de comparecer (e não “abandonar” o processo, como enfatizamos linhas atrás) sem justificativa reconhecida pelo juiz. Agora, o defensor ausente, sem justificativa, estará sujeito à aplicação de uma pena de multa que variará entre 10 (dez) até o limite de 100 (cem) salários mínimos. Hoje, por exemplo, um advogado que fosse penalizado com a mencionada multa no seu limite máximo, poderia sofrer uma multa de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos reais). Ora, a possibilidade de o juiz aplicar uma multa, pela ausência injustificada do defensor, em valor que pode implicar em sério risco à sua integridade patrimonial, haja vista que tal valor será futuramente executado pelo ente fazendário, cerceará o próprio exercício livre da advocacia, além de violar diretamente as normas decorrentes dos incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, porquanto  não haverá advogado que vá exercer sua defesa técnica com serenidade na esfera criminal sabedor que, eventualmente, poderá ser penalizado por uma multa, cujo valor colocará em risco a própria integridade de seu patrimônio privado, mormente porque o juiz pode, face à ausência do defensor, entender que a justificativa do profissional não procede, ainda que as suas razões tenham ares de plausibilidade. Esta multa poderia ter algum sentido quando da promulgação original do Código de Processo Penal. À época, a multa aplicada parecia ter um nítido caráter disciplinar,[6] isto é, o magistrado aplicava a multa ao advogado pelo suposto “abandono” do processo. Ocorre, entretanto, que com a nova promulgação da Constituição de 1988 e da vigência do novo Estatuto da Advocacia (lei de natureza especial) houve uma nova leitura de todo o sistema legal. A normatividade infraconstitucional, por exemplo, ou era compatível com a nova Carta Política ou, ao revés, não era recepcionada.[7]–[8] Já em relação à legislação ordinária posterior à Constituição de 1988, dando efetividade à recém inaugurada normatividade constitucional, poderia haver revogação[9][10] da legislação infraconstitucional desde que a nova lei assim o dissesse de forma expressa ou regulasse a matéria de forma inteiramente nova. Nesse sentido, a multa prevista no artigo 265 do CPP – e mesmo a sua nova redação originada da Lei nº 11.719/2008 – é incompatível com a Constituição de 1988, já que vincula, em vero, o exercício da advocacia criminal à possibilidade injurídica do pagamento de multa determinada por quem não é o juiz natural do processo administrativo de ética e disciplina do advogado, criando, assim, uma sujeição disciplinar do advogado a uma ilegítima censura do juiz criminal. Sobre a não sujeição disciplinar do advogado  em relação ao juiz, calha lembrar o conteúdo normativo do artigo 6º, caput, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), na realidade, um complemento infraconstitucional ao artigo 133 da Carta Política de 1988, in verbis: “Art. 6º – Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.” Lembremos, assim, que atualmente o único órgão possível de censurar o advogado é o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme normas decorrentes do artigo 68 e seguintes da lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB). Ora, levando-se em consideração que a aplicação de multa prevista no artigo 265 do CPP exige lógica e antecedentemente um juízo avaliativo sobre ser o suposto “abandono” do defensor (advogado) classificável ou não como desídia, teremos a usurpação do juízo deontológico (natural) da conduta ético-comportamental do advogado, produzindo uma superposição indevida de juízos. A não se visualizar essa superposição de juízos sobre a conduta ética do advogado, qual seria então a natureza jurídica da multa prevista no artigo 265 do CPP? Teria natureza penal? Teria natureza administrativa? Para quem enveredar sobre o significado dessas naturezas jurídicas, temos também os seguintes questionamentos: como aplicar uma pena de multa ao defensor (advogado) sem que o mesmo dispositivo estabeleça uma fase de defesa e instrução probatória para tanto? E mesmo que fosse admissível a aplicação dessa multa pelo juiz criminal (apenas em tese!), dita fase seria feita dentro do mesmo processo penal onde o defensor exerce a defesa de outrem? E ainda dentro dessas perplexidades, qual o recurso cabível da decisão que impõe a multa ao advogado que “abandona” o processo? Sim, qual o recurso? Pois, admitindo que seja necessária uma fase de defesa, há necessidade da previsão do recurso contra a aplicação de multa constante da nova redação do artigo 265 do CPP. Infelizmente, a nova redação do artigo 265 do CPP não prevê nem a via de defesa do advogado contra a multa e nem o recurso próprio contra aquela anômala sanção processual, bem como torna possível a aplicação de multa disciplinar por órgão incompetente para conhecê-la. Nesse sentido, a não previsão do órgão natural, do contraditório, de ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes, faz da multa desproporcional prevista no artigo 265 do CPP, segundo a modificação da Lei nº 11.719/2008, violadora das normas decorrentes dos incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, e, portanto, inconstitucional sua disposição ordinária. Tais questionamentos se impõem na medida em que, sob o pálio da normatividade constitucional de 1988, o órgão competente, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, são exigíveis tanto nos processos judiciais como nos processos administrativos.[11] Dessa forma, em uma ou outra natureza, haverá sempre a exigibilidade de preservação da ampla defesa do defensor (advogado), quando lhe aplicada disciplinar, especialmente quando da sua aplicação decorra a privação da sua liberdade ou de seus bens. E não se diga que a justificação prevista no artigo 265, caput, e seus parágrafos do CPP, supriria ou seria manifestação da ampla defesa na aplicação da mencionada multa, pois verdadeira ampla defesa – ainda que administrativa – exige, quando necessária, instrução probatória, inclusive com oitiva de testemunhas a referendar a justificativa de ausência ao ato processual do defensor (advogado). Interessante observar que o artigo 264 do CPP, regulador da aplicação de multa ao advogado que não cumpre com a “obrigação” de patrocinar defesa após a nomeação do juiz, não sofreu atualização alguma dos valores também estabelecidos em mil-réis. Qual seria, então, a razão para a omissão do legislador processual penal da Lei nº 11.719/2008 ter se omitido em se valer do mesmo ímpeto atualizador monetário na nova redação do artigo 265 do CPP? Antes desta resposta, é preciso salientar que o artigo 264 do CPP tinha como escopo garantir aos acusados, notadamente aqueles hipossuficientes, o direito a um profissional responsável pela defesa técnica. O juiz nomeava o advogado ou o solicitador, e estes eram obrigados de forma autoritária a aceitar o encargo, sob pena de multa, caso se negassem a cumpri-lo. Ou seja, o artigo 264 do CPP, assim como precedente artigo 265, caput, previam a aplicação de multa ao defensor (advogado). Contudo, retornando ao questionamento há pouco suscitado: por que o artigo 264 do CPP não sofreu o mesmo ímpeto atualizador monetário do legislador processual penal da lei 11.719/2008? Arriscaríamos a apresentar duas razões para tanto. A primeira é que o artigo 264 do CPP não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, porquanto, ao se prever que a organização da Defensoria Pública é encargo da União e dos Estados, a responsabilidade do cumprimento da defesa criminal dos hipossuficientes passou a ser dos órgãos criados por aqueles entes federativos. Não cabe mais o patrocínio obrigatório e irrestrito – decorrente de nomeação judicial – em processos criminais aos advogados, ainda mais sob o crivo de uma autoritária pena de multa. E se o advogado não aceitar a nomeação, a eventual aplicação de multa é inconstitucional. A segunda seria como que um complemento das normas decorrentes do artigo 134 e seus parágrafos da nossa Lei Fundamental de 1988, constante do inciso XII do artigo 34 (Das Infrações e Sanções Disciplinares) do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), quer dizer, só haverá em tese violação disciplinar do advogado caso este deixe de patrocinar assistência jurídica, quando da absoluta impossibilidade da Defensoria Pública. Denota-se que o advogado só seria em tese “obrigado” a prestar assistência jurídica (dativa ou ad hoc) quando demonstrado, em decisão judicial fundamentada, que a Defensoria Pública não pode fazê-lo. Ou seja, atualmente o advogado não é mais obrigado a prestar patrocínio criminal obrigatório sem que o juízo apresente a inviabilidade da Defensoria Pública. Sem dúvida, nessa situação haverá a seguinte pergunta: e se no Estado nunca for organizada a Defensoria Pública? Serão os advogados eternamente obrigados a aceitar nomeações de natureza dativa ou ad hoc, sob a pena de multa inconstitucional? Cremos que, neste caso, a falta de organização da Defensoria Pública pelo Estado não pode implicar na responsabilidade do advogado, pois, do contrário, haveria um incentivo à produção da omissão inconstitucional do ente federativo, inclusive com a conivência do próprio advogado que não rejeitasse a nomeação. Cremos que aqui cabe até a notificação judicial ao governador do Estado omisso no sentido de este determinar, em certo prazo, a indicação de defensor que patrocine a defesa do réu na comarca na qual não se tem estruturada e organizada defensoria pública, sob pena do crime de desobediência do chefe do executivo, ou eventualmente, do secretário de Estado responsável e também notificado. Neste diapasão, seria de bom alvitre que, toda vez que o juiz se valesse de defesa dativa por falta de defensoria pública organizada na comarca, o órgão jurisdicional notificasse ao governador do Estado dessa omissão constitucional, a título do próprio aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, que exige obrigatoriamente o zelo judicial pela paridade de armas no processo penal. A menção do artigo 264 do CPP tem por objetivo mostrar que o referido dispositivo ordinário sofreu um profundo influxo da força normativa da Constituição de 1988, tornando a sua aplicação incompatível com esta nova ordem constitucional, bem como revogado pelo atual Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994). Neste sentido, o mesmo influxo normativo constitucional e infraconstitucional imposto ao artigo 264 do CPP, produzido pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994) aplica-se inteiramente ao artigo 265 do mesmo codex, fazendo com que a aplicação de multa ao advogado (defensor), em razão do suposto “abandono” (rectius, ausência à audiência judicial designada), por quem não seja o juiz natural do processo ético e disciplinar seja inconstitucional e ilegal. Ou seja, o legislador processual da Lei nº 8.906/1994, ao se debruçar sobre o artigo 265 do CPP, não levou em consideração o influxo normativo da Constituição da República de 1988 e do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil de 1988, que estabeleceram um desenho próprio para o processamento e aplicação de sanções aos advogados quando eventualmente violarem disposições de nítido caráter ético, como é o caso do denominado “abandono” no processo penal pelo defensor. Por derradeiro, olvidou o legislador da Lei nº 11.719/2008, ao dar nova redação ao artigo 265 do CPP, que já havia, no ordenamento brasileiro, através do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), a previsão de multa disciplinar, bem como de outras sanções ali previstas, ao advogado que houvesse provada contra a sua pessoa alguma forma de violação de ética na condução dos interesses do seu cliente. Só que a aplicação das mencionadas sanções dar-se-á mediante o devido processo administrativo perante o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil e dosada proporcionalmente segundo a gravidade da violação.[12]   IV – Conclusão  A bem de finalizar nosso texto elaboramos a seguinte suma sobre a nova redação do artigo 265 e seus parágrafos do CPP: 1 – O conceito de “abandono” no processo penal pelo defensor, previsto no artigo 265 (caput) antes da nº 11.719/2008 já era insatisfatório, porquanto não retratava a realidade desse fenômeno processual. 2 – O legislador processual da Lei nº 11.719/2008 perdeu uma grande oportunidade de aprimorar o significado jurídico do conceito de “abandono” do processo penal pelo defensor, pois deixou intacta a referida expressão. 3 – Na realidade, a expressão “abandono” do processo penal, constante do artigo 265 do CPP, retrata a situação de falta ou ausência do defensor à audiência designada judicialmente. 4 – O significado normativo do conceito de “abandono” no processo penal envolve o comportamento do defensor que deixa de praticar um conjunto de atos necessários à efetividade da defesa técnica. E a sua constatação depende do conhecimento do juiz e da indispensável intimação do réu para que este se manifeste sobre tal situação processual. 5 – A ausência ou falta a uma audiência ou a outras audiências pelo defensor (advogado) não implica necessariamente na constatação do fenômeno processual do abandono no processo penal. 6 – O legislador processual da Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao artigo 265 e parágrafos do CPP, esqueceu-se de que, desde a promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), houve uma nova leitura das normas decorrentes do artigo 265 e seu parágrafo único do CPP (constitucionalização do seu significado normativo), o que implica em duas conseqüências normativas indispensáveis, quais sejam: primeira, não é possível a aplicação de multa ao defensor (advogado) sem o correspondente exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme exigência constitucional do devido processo legal (incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988); segunda, tendo em vista o caráter nitidamente disciplinar da multa prevista no artigo 265 do CPP, após a promulgação do novo Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), o censor natural de eventual desídia do advogado (defensor) só pode recair no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (inciso LIII do artigo do artigo 5º da CFRB/88 e § 1º do artigo 70 da Lei nº 8.906/1994). Ou seja, atualmente o órgão jurisdicional natural para o processamento e aplicação de sanção ao advogado é o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB. Dessa forma, incompetente é o juiz criminal para aplicar multa de nítido caráter disciplinar, o que torna a nova redação do artigo 265 do CPP inconstitucional e ilegal pelas razões susodescritas. 7 – O denominado “abandono” (rectius, ausência ou falta à audiência designada judicialmente) do processo pelo defensor exige um juízo deontológico do comportamento do advogado (defensor), só possível legalmente de ser aferido pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sob pena da produção da superposição de juízos éticos. Imagine-se a situação paradoxal na qual o advogado é multado porque o juiz entendeu ser desidiosa sua conduta e posteriormente o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB afirme em sentido contrário, julgando improcedente a ação disciplinar por estar a conduta do profissional em conforme com os ditames éticos. 8 – Ocorrendo a aplicação da multa do artigo 265 do CPP pelo juiz criminal, será possível ao advogado (defensor) o manejo do mandado de segurança, inclusive com a prejudicial (controle difuso) de inconstitucionalidade, máxime porque naquela disposição ordinária não há a previsão do recurso cabível contra aquele ato jurisdicional de natureza sancionatória de privação de bens. 9 – De lege ferenda, respeitadas as prerrogativas da advocacia, pensamos que a redação do artigo 265 e parágrafos do CPP deveria se pautar segundo a prática pretoriana já desenvolvida com sucesso no processo penal brasileiro, a saber, o juiz se deparando com o comportamento desidioso do advogado na condução da defesa técnica, deveria oficiar à Ordem dos Advogados do Brasil a fim de que fosse apurada a violação ético-disciplinar do profissional. Mas aí quem determinará legalmente a desídia do advogado será o seu órgão censor, com o franqueamento ao advogado do contraditório e da ampla defesa (o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB) e não o juiz criminal, que é órgão incompetente para aplicar qualquer modalidade de sanção disciplinar ao advogado.[13]–[14] Pensamos que a nova redação do artigo 265 e seus parágrafos do CPP, por intermédio da Lei nº 11.719/2008, põe em xeque as prerrogativas da Advocacia, haja vista que submetem o advogado, na condição de defensor no processo penal, à aplicação de uma multa de nítido caráter disciplinar, usurpando, dessa forma, a legitimidade censora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sem falar nas violações às disposições constitucionais garantidoras do devido processual legal (incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da CRFB/88). Em tal panorama, aguardamos que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados se valha da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), consoante as normas decorrentes do inciso VII do artigo 103 da Constituição da República de 1988, a fim de debelar as sérias violações às prerrogativas constitucionais e estatutárias da Advocacia materializadas na nova redação do artigo 265, caput, e seus parágrafos do CPP.    Notas: [1] João Bosco Cavalcanti Lana. Elementos de Teoria Geral do Direito: introdução ao estudo Direito. 3ª edição, Civilização Brasileira/Instituto dos Magistrados do Brasil, 1980, p. 112-113. [2] Hélio Tornaghi. Curso de Processo Penal. V. 1, 8ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1991, p. 490-497. [3] Fernando da Costa Tourinho Filho. Código de Processo Penal Comentado. 2ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 435-437. [4] Fernando da Costa Tourinho Filho, obra já citada, p. 436. [5] Peter Andrés Frenczy. Defesa Dativa: o elo frágil na relação processual penal. Editora Forense, Rio de Janeiro, p. 57.  [6] Fernando da Costa Tourinho Filho considera de natureza disciplinar a multa prevista no caput do artigo 265 do CPP, pelo menos nos leva a esse entendimento, in verbis: “Ao lado dessa sanção, de natureza disciplinar, imposta pelo juiz (…)”. (obra citada, p. 436)  [7] Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. 1ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, p. 54-96. [8] Walber de Moura Agra. Manual de Direito Constitucional. 1ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 100-101. [9] Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 17ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 356-367. [10] Maria Helena Diniz. Curso de Civil Brasileiro. 9ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1993, p. 63-67. [11] Gilmar Mendes Ferreira, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 1ª edição, Editora Saraiva/Instituto Brasilense de Direito Público, São Paulo, 2008, p. 535-539. [12] Nos artigos 35 usque 43 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, há a regulamentação das sanções possíveis de serem aplicadas aos advogados após o devido processo ético e disciplinar. Como sanções são previstas a censura, suspensão, exclusão e multa. A multa, por exemplo, no seu sentido punitivo variará entre o mínimo correspondente ao valor de uma anuidade e o máximo de seu décuplo. É visível aqui que a multa aplicada ao advogado pela OAB tem um sentido nitidamente disciplinar e não confiscatório como a disposição inconstitucional prevista na nova redação do artigo 265 do CPP. [13] Ivan Luís Marques da Silva. Reforma Processual Penal de 2008. 1ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 17-18. [14] No caso de defensor público, em atuação no juízo criminal, a censura do seu comportamento ético na condução do processo-crime só pode ser avaliada pelo seu órgão censor de classe, no caso a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do ente federativo daquele agente político, conforme normas decorrentes do artigo 11 da Lei Complementar nº 80/1994. Assim, a aplicação da multa pelo juiz criminal, constante da nova redação do artigo 265 do CPP, ao defensor público é inconstitucional e ilegal, haja vista as razões exposta no nosso texto. Em relação à fiscalização disciplinar dos defensores públicos, a obra do saudoso defensor público do Estado do Rio de Janeiro Sílvio Roberto Mello Moraes é de consulta indispensável (Princípios Institucionais da Defensoria Pública: Lei Complementar 80, de 12.1.1994 anotada, 1ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995). Bacharel em Direito pela UFRJ, Mestre em Direito Público pela UGF-RJ, Pós-Graduado pela PUC-PR, pesquisador, advogado nas cidades de Curitiba e do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Co-autor de obras jurídicas, dentre outras, Teoria da Mudança Constitucional: sua trajetória nos Estados Unidos e na Europa ( Renovar, 2005) e Os direitos à honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal (Renovar, 2006). Bacharel em Direito pela PUC-RJ e advogado militante na cidade do Rio de Janeiro
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Primeiras notas acerca do procedimento para evitar recursos repetitivos no âmbito do STJ e a questão em matéria criminal
Neste trabalho fez-se uma análise preliminar da repercussão da Lei 11. 672 de 08 de maio de 2008 que tem como escopo evitar o acesso de recursos idênticos para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e a discussão no âmbito criminal. De igual forma, examinou-se a recente editada resolução de número 7 de 14 de julho de 2008 que regulamentou a aplicação da lei em comento.
Direito Processual Penal
Resumo: Neste trabalho fez-se uma análise preliminar da repercussão da Lei 11. 672 de 08 de maio de 2008 que tem como escopo evitar o acesso de recursos idênticos para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e a discussão no âmbito criminal. De igual forma, examinou-se a recente editada resolução de número 7 de 14 de julho de 2008 que regulamentou a aplicação da lei em comento. Palavras-chave: recurso especial – teses idênticas  – repetição – legislação – doutrina. Em data recente o legislador brasileiro editou a Lei 11. 672 de 08 de maio de 2008 com a finalidade de evitar o acesso de recursos idênticos para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, modificando o procedimento de recursos que apresentam teses idênticas. Tal novidade legislativo levou muitos a celebrar como “ conquista histórica do Judiciário brasileiro.”[1] Ainda que não acredite que a imposição de medidas restritivas de acesso ao judiciário seja a solução para a morosidade do mesmo, vale destacar, de forma bem singela, que a mencionada lei irá funcionar como um filtro das ações que poderiam chegar ao STJ, seguindo, assim, a tendência atual de limitar ao máximo o seguimento de recursos para Tribunais Superiores, como já foi feito em relação ao recurso extraordinário com a exigência da repercussão geral, esta apontada também como o instrumento ideal de celeridade das decisões judiciais, tudo a trazer o discurso do eficientismo para o Poder Judiciário. Consoante o próprio STJ[2] o procedimento,“Com a nova lei, o trâmite de recursos especiais passa a funcionar da seguinte maneira: verificada a grande quantidade de recursos sobre uma mesma matéria, o presidente do tribunal de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) poderá selecionar um ou mais processos referentes ao tema e encaminhá-los ao STJ. O julgamento dos demais feitos idênticos fica suspenso até a decisão final da Corte superior. Após a decisão do Superior Tribunal, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento de imediato. Subirão ao STJ apenas os processos em que a tese contrária à decisão da Corte seja mantida pelo tribunal de origem.” Assim, o escopo específico do referido diploma legal em exame é evitar a chegada de novos e idênticos recursos ao STJ. Ocorre que a mencionada Lei, em seu artigo primeiro, diz expressaqmente que altera, melhor dizendo, que acesce ao Código de Processo Civil, o seguinte artigo: art. 543-C, dispondo que quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. Então, conclui-se que a norma em questão aplica-se tão só e exclusivamente aos recursos especiais em matéria cível, lato senso, vez que a alteração ocorreu especificamente no CPC. Primeiro, cumpre registrar que se pretendesse o legislador aplicar tais disposições restritivas de recurso a todas as matérias em recursos especiais, com a possibilidade de retenção de recurso, bem como deixar ao critério do presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça, repitas em todas as matérias, inclusive criminal, ter-se-ia alterado a Lei 8.038 de 1990 que trata das condições gerais para interposição de recursos especiais e extraordinários e não somente o Código de Processo Civil como o fez. Em segundo lugar, destaque-se, as alterações ocorridas no Código de rito Civil não poderão ser aplicadas no processo penal, isto porque a entendimento vigente no nosso ordenamento jurídico é que as modificações introduzidas no âmbito do Código de Processo Civil não repercutem na esfera do Processual Penal, vez que este tem normas específicas e distintas que tutelam interesses jurídicos completamente diversos, ainda que, vez por outra, tragam algumas e longínquas similitudes. Tal entendimento, pela não aplicabilidade das alterações do Código de Processo Civil no processo penal, já foi objeto de súmula do STF. Eis é o teor do verbete sumular: “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a lei 8038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da lei 8950/1994 ao código de processo civil.” (Súmula 699). Dessa forma, mantém-se, intacta e na sua a integralidade a legislação de regência do recurso especial (Lei 8.038/90) no que diz respeito ao recurso especial em matéria criminal. De igual forma, em matéria criminal, não poderá o relator no âmbito do STJ, determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida e sobre as quais exista jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado. Isto porque em tema criminal, por mais similitude que existam entre os feitos, há sempre peculiaridades que apenas poderão ser discutidas em cada caso concreto. Constata-se que, quase sempre, os erros, as omissões e o desatendimento ao rito estabelecido nas normas processuais penais, via de regra, repercutem nas garantias constitucionais e, em particular, no sistema acusatório encampado pela Lei Maior. Entende-se que nenhuma aplicabilidade terá também, em matéria criminal, a autorização prevista no art. 543-C, § 4o  do CPC, para que o relator possa admitir amicus curiae nos processos em curso perante o STJ, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria.  A própria relação jurídica que se firma no processo criminal, de per si, já ultrapassa os interesses das partes envolvidas, sendo de interesse de toda a sociedade uma decisão judicial justa, proporcional e necessária, ou seja, em matéria criminal tem sempre o Poder Judiciário o dever de prestar a melhor jurisdição, não se admitindo, no processo penal, a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, a não ser o caso de assistente previsto expressamente no Código de Processo Penal (art.271), pois esta, como bem afirmou Helio Tornaghi[3], “é a única hipótese de intervenção de terceiro no processo penal.” Outra hipótese prevista na lei em comento, que afasta definitivamente sua incidência em matéria criminal, diz respeito a possibilidade de serem novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça o que, em matéria criminal, seria um absurdo vez que traria situações distintas para réus que estão na mesma situação jurídica, como, em único exemplo, apenas recorrendo um dos réus e, diante do posicionamento do STJ em matéria idêntica, poder o tribunal de origem reexaminar, diante da nova orientação, rever todo o julgado de modo a aplicar a posição firmada pelo Tribunal Superior. Haveria, a nosso sentir, ofensa a diversos princípios, dentre eles a segurança jurídica, da proibição da reformatio in pejus, dente outros. Assim, temos que para a legislação em debate possa estender seus efeitos aos recursos criminais, de forma a limitar o acesso de recursos repetitivos ao STJ na esfera criminal deverá, primeiramente, ocorrer a inexorável e necessária alteração do Código de Processo Penal vez que a lei em comento alterou, exclusivamente, o Código de Processo Civil, como dissemos. Registre-se, desde já, por oportuno, que as alterações na esfera processual civil não repercutem, necessariamente, no direito processual penal, como demonstramos acima, entendimento este do Supremo Tribunal Federal consubstanciado na referida Súmula 699. Outro argumento, de caráter substancial, que afasta por completo a incidência da novel legis na seara criminal é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico tutelado, envolvido na relação, e que, na maioria das vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade. Ademais disso, é preciso a assegurar aos réus o direito de  levar às instâncias superiores os recursos criminais porque a imposição de pena ao semelhante foi e continua a ser instrumento de inquietação no espírito humano, ainda mais, como sabemos, que o nosso sistema prisional são verdadeiras “jaulas,” na expressão de Alberto Binder[4], com pessoas amontoadas, descumprindo o Estado, reiteradamente,  o disposto na Lei de Execução Criminal.. Desse modo, a aplicação de pena consoante as regras previamente estabelecidas no ordenamento jurídico, ou seja, obedecendo “as regras do jogo” no pensamento de Ferrajoli[5], é de interesse de toda sociedade, transcende, portanto, os interesses dos envolvidos na relação jurídica processual penal, porque a realização da justiça substancial é um anseio de toda sociedade. Dessa forma, constata-se que a própria natureza da relação jurídica penal, na sua essência, de per si, transcende os interesses envolvidos no processo, repercute em toda coletividade, não se admitindo, portanto, a imposição de outros requisitos que dificultem ou prolonguem a tutela da liberdade.  Se o legislador assim o fizer, em matéria criminal, seguramente, tal norma será considerada inconstitucional. Ademais disso, nos ensina a moderna teoria constitucional do processo penal e os diplomas internacionais de proteção da dignidade do ser humano que se deve assegurar a ampla defesa de forma efetiva, sobretudo em matéria criminal, através dos instrumentos recursais, sem restrições de acesso, confira-se, em especial, o que dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu art. 7º. inciso 6, que afiança  (…) toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não poderá ser restringido nem abolido.(…) Sendo assim, deve-se levar em conta, ainda, que, na esfera penal, há interesse da sociedade que a pena imposta a um de seus membros seja forma justa (legítima), através de procedimento prévio (garantia do procedimento adequado), integral, estabelecido na norma, além de atender às garantias insculpidas na Lei Maior (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, dentre outros), sobretudo a observância do sistema constitucional acusatório. A injustiça causa temor, desconfiança e, além de tudo, desestabiliza a fé do cidadão nas instituições. Em que pese o posicionamento firmado neste trabalho, em data recente, foi editada resolução de número 7 de 14 de julho de 2008[6] com a finalidade de regulamentar a aplicação da lei em comento. Porém, excedendo à autorização legislativa, determinou-se a incidência da Lei 11.672/2008 “tanto na jurisdição cível quanto na criminal” para apreciação de recursos repetitivos, inclusive com a possibilidade de serem novamente submetidos a apreciação, caso a decisão seja diversa da adotada pelo STJ.  Conclui-se, assim, que a norma que alterou o CPC não poderá ser estendida aos recursos especial em matéria criminal porque o legislador quis expressamente alterar o Código de ritos cíveis, caso o mesmo pretendesse incluir todas as matérias possíveis na nova norma ter-se-ia alterado a Lei 8.038 de 1990 que trata das condições gerais para interposição de recursos especiais e extraordinários e não somente o CPC como o fez. Tal conclusão tem respaldo também na jurisprudência do STF consubstanciada no verbete sumular 699 que afirma não repercutir no Código de Processo Penal as alterações ocorridas no Código de Processo Civil. Outro substancial argumento que afasta por completo a incidência da novel legis na seara criminal é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico tutelado, envolvido na relação, e que, na maioria das vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade, como demonstramos acima. Por derradeiro, os diversos instrumento previstos na legislação em comento, tais como a seleção de julgados para serem levados ao STJ, a retenção de recursos no tribunal de origem, a figura do amicus curiae, além, do que mais grave, a possibilidade reexame de decisões proferidas pelo tribunal a quo de modo a adequar-se ao posicionamento firmado pelo STJ, são todas, em suma, contrárias aos princípios reitores do sistema processual penal acusatório estabelecidos na Lei Maior.   Notas: [1] Fonte: Superior tribunal de Justiça – STJ, disponível em www.stj.gov.br/notícias, consultado em 02 de agosto de 2008. [2]Idem. [3]TORNAGHI. Helio, Curso de Processo Penal, vol.I,  Ed. Saraiva, 1989, 6ª. Edição p.498 [4] BINDER, , Alberto.Introdução ao direito processual penal. Tradução de Fernanda Zani. Editora Lumen Juris 2003 [5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo. Ed Revista dos Tribunais 2002 [6] Fonte: Fonte: Superior tribunal de Justiça – STJ, disponível em www.stj.gov.br consultado em 02 de agosto de 2008. Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal; Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-56/primeiras-notas-acerca-do-procedimento-para-evitar-recursos-repetitivos-no-ambito-do-stj-e-a-questao-em-materia-criminal/
A inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado
O presente trabalho, realizado por pesquisa, tem por escopo demonstrar a flagrante violação do Regime Disciplinar Diferenciado face à Lei Maior e legislação infraconstitucional, assim como princípios morais e direitos humanos, demonstrando de ante mão que a sua imposição não cumpri o que ele se dispõe, pelo contrário, ele tira todas as possibilidades de ressocialização, da qual a Lei de Execuções Penais se obriga, e a Constituição Federal de 1988 assegura, tornando nossos presos eternos condenados, de um sistema penitenciário aleivoso, sem credibilidade alguma perante uma população, que clama por justiça e segurança pública.
Direito Processual Penal
Introdução Desde as tentativas frustradas até sua consolidação pela Lei nº 10.792/2003, o Regime Disciplinar Diferenciado causou e causa muita polêmica acerca de sua constitucionalidade ou não. Neste trabalho, o RDD é analisado de forma a se provar as violações constitucionais e infraconstitucionais que ele trás em seu bojo, assim como violações também a Tratados Internacionais de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário, onde os princípios morais que há tanto tempo já se fazem presentes e entranhados no nosso cotidiano, colidindo com as bruscas transformações da sociedade moderna que não tem conseguido contornar os problemas sociais, estes vem sendo burlados com falsas promessas, pois o RDD afugentaria os criminosos em potencial e puniria os criminosos perigosos deixando a sociedade assim mais segura. Só que boa parte da população não está a par das verdadeiras implicações do RDD no indivíduo, este também é um dos pontos a serem abordados, onde se prova os malefícios físicos e psicológicos do sistema, e que ele não é efetivo naquilo que se dispõe. Na verdade o RDD nada mais é do que uma estratégia meramente política e maliciosa, sendo um sistema cruel e cediço, punindo criminosos, isso somado dá a falsa idéia de dever legislativo e militar cumprido, que faz em tese, captar votos e calar a imprensa. O presente artigo tem como objetivo primordial destacar a inconstitucionalidade do RDD face a crueldade de suas normas perante ao preso já condenado, sendo esta uma segunda forma de punição além da qual ele já está sendo submetido, e que justiça não se faz às cegas, para ser efetiva ela tem de ser justa e respeitar os limites sociais, senão haveria um retrocesso muito grande de princípios e principalmente se humanidade. Por ser um tema relativamente novo, a maior parte do trabalho foi elaborada graças à colaboração dos nobres colegas operadores do direito que gentilmente expõe suas pesquisas e opiniões em sites especializados, mostrando a flagrante violação do RDD diante da Lei Maior e legislação infraconstitucional. 1 Regime Disciplinar Diferenciado 1.1 A violência como pressuposto A primeira forma de compilações de leis que se tem conhecimento foi feita pelo rei Ur-Nammu (cerca de 2050-2032 a.C.), surgindo em 1804 o primeiro código moderno: o de Napoleão (Code Civil des Français), estava aí a prova irrefutável de que surgem necessidades do homem controlar e tornar comum a todos, os direitos e deveres sociais. O Código de Hamurabi, mesmo não sendo um dos primeiros, se tornou famoso por implantar a lei de talião o famoso “olho por olho, dente por dente”, onde, v.g., ao ladrão, ao amputar-lhe as mãos, tentava-se cortar o mal por onde ele começava, pois este ladrão hipoteticamente não poderia mais roubar, mas, por outro lado, se o mesmo ladrão tivesse dinheiro, poderia pagar uma multa e se ver livre daquele castigo. Tal castigo imposto ao criminoso pobre, hoje pode nos parecer uma forma cruel e desumana de se fazer justiça, mas, naqueles tempos, para as pessoas, in casu, não havia violência nem crueldade alguma, pois aquele era o único entendimento de organização social punitiva: de um lado, o criminoso rico tendo às benesses da lei; do outro, o criminoso pobre sofrendo todo o tipo de desumanidade. Aliás, por falar em desumanidade, se implantado o RDD à época, até que cairia muito bem para a população pobre e miserável, induvidosamente.  Quando se aplicam regras diferentes a certos cidadãos em sede de Direito Penal, pode se dizer que está se valendo do direito penal do inimigo ou de terceira velocidade, que aplica regras diferentes e garantias também se considerado que o criminoso não mereça a denominação de “cidadão” por ter praticado certo crime que cause uma comoção social ou perigo para a sociedade. Isso realmente é “brincar de ser Deus” porque teria de se analisar quem “merece o perdão”, “quem é digno de permanecer no paraíso”, será que o homem pode simplesmente separar seus irmãos porque pecaram e excluí-los? O RDD é assim, seleciona o individuo e manda enjaular. O homem tem de parar de usar a violência tanto física como a moral e principalmente esta como desculpa para se tentar concertar o que anda mal das pernas, no caso o nosso sistema penitenciário, que além de falido não tem mais credibilidade alguma com a sociedade que espera ansiosa por uma solução diante de tanta violência. 1.2 Nascimento do RDD Já no Brasil império havia uma espécie de “RDD”, onde certos criminosos poderiam ser punidos com uma pena mais cruel se desobedecessem ao imperador. Hoje, a pena mais cruel para determinados criminosos continua sendo aplicada, agora autorizado por uma legislação e reivindicado por uma sociedade que grita por socorro diante de tanta insegurança e impunidade. O Brasil tem fama de país da impunidade, onde tudo acaba em pizza, tudo é carnaval e a nossa legislação da mais direitos a quem na verdade não os tem. Em fevereiro de 2001, após uma megarrebelião em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciaria se viu acuada e muito cobrada pela sociedade brasileira, resolveu então criar o RDD, para tentar dirimir o caos em que o sistema penitenciário havia se tornado. O RDD já nascia eivado de vícios de inconstitucionalidade, vez que fazia afronta aos incisos II E XXXIX do artigo 5º da Carta Magna. O governo numa busca desenfreada para tentar legalizar o RDD, em 04 de fevereiro de 2002 institui Medida Provisória, e mais uma vez eivada de inconstitucionalidade, ferindo de morte o artigo 5º, XL da CF/88, vez que o RDD tem natureza mista, ou seja, possui resquícios de processo penal, mas um acentuado caráter de Direito Penal, sendo vedada a agravação de pena no direito penal por Medida Provisória. O RDD atual advém de inúmeras tentativas de ser implantado no ordenamento jurídico, que através de lei ordinária e inúmeras audiências públicas realizadas pela Comissão de Constituição e Justiça enfim formalmente parece estar concretizado na forma da lei 10.792/03. 1.3 A Sistemática do RDD 1)Trata-se de um regime fechadíssimo de cumprimento de pena, estando sujeito a esse regime os maiores de 18 anos, estando este preso provisoriamente ou definitivamente, nacional ou estrangeiro, se cometer falta grave (crime doloso). O RDD só pode ser aplicado ao preso que se encontra no estabelecimento prisional, rotulando o RDD como uma espécie de regime, mas na verdade é uma sansão imposta alem da pena. Impondo de maneira igual à mesma pena ao condenado e ao suspeito, ora, se é só suspeito como ter o mesmo tratamento de um condenado, aí não está havendo um consenso entre valores. 2)Aplica-se o RDD quando o agente praticar crime doloso e ocasionar a subversão da ordem pública ou disciplinas internas; quando o preso apresentar alto risco para a sociedade ou tiver fortes indícios de que o preso tenha envolvimento ou participação em facções criminosas, quadrilha ou bando. Se o sistema prisional cumprisse o que ele se dispõe, não haveria necessidade de tratamento diferenciado a certos presos, aplicar essa sansão simplesmente porque há indícios de participação, parece uma forma muito cruel de sansão, pois ninguém poderá ser considerado culpado sem transito julgado da sentença, e submeter alguém a esse tratamento só por indícios com certeza afronta todos os princípios da dignidade humana, dentre eles o da presunção da inocência, consistindo “asseguração ao imputado do direito de ser considerado inocente até que a sentença penal condenatória venha a transitar em formalmente em julgado, formando-se a coisa julgada relativa.”[1] 3)O período máximo de internação é de 360 dias sem prejuízo de repetição de sansão por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 da pena aplicada, com recolhimento em cela individual e 2 horas diárias de banho de sol e direito a visitas semanais de duas pessoas, sem contar criança e acompanhamento psicológico. Será que um indivíduo que fica totalmente isolado do mundo sem qualquer forma de recreação está sendo reabilitado? Onde está a implementação do artigo 1º da LEP? E o artigo 5º da Lei Maior que assegura o respeito à integridade física, psíquica e moral de todas as pessoas, este realmente foi espancado com a imposição do RDD. Mais uma indagação, estão se esquecendo que o preso não é um eterno condenado, saindo ainda mais revoltado com seu psicológico ainda mais abalado, passando por um sistema prisional falido. Para nós a única coisa que restou foi rezar e pedir a Deus proteção, pois estamos a mercê de um Estado que eleitoreiro, que busca medidas drásticas para tentar mascarar o que realmente se passa com o sistema prisional, ou seja, ele não tem estrutura alguma e muito menos efetividade naquilo do que ele se dispõe a fazer : reabilitar o preso. 4) O RDD poderá ser aplicado a pedido motivado do diretor do estabelecimento ou autoridade administrativa com despacho do juiz competente. O juiz não pode pedir a inclusão no RDD de oficio, tem que ser baseado num termo circunstanciado. A autoridade administrativa pode pedir a internação por um prazo de 10 dias. Quando se abre a oportunidade para um diretor de presídio pedir a internação no RDD abre-se a porta para a corrupção e quebra-se o principio da imparcialidade, pois como se imparcial se há um convívio habitual? Quando se diz autoridade administrativa, qualquer ente pode requerer a internação desde o prefeito até o Governador do Estado, mais uma vez passando por cima dos princípios da legalidade e da segurança jurídica. 1.4 A inconstitucionalidade do RDD A supremacia da Constituição Federal se dá segundo José Afonso ”[…] Em outras palavras, a Constituição é quem determina as regras do jogo a que todos devem seguir […]”.[2] A Constituição é a principal garantia que o indivíduo tem de seus direitos serem assegurados, pois acima desta, só a lei divina, é através dela que também se pode cobrar e punir, e não se esquecendo de que ela é o espelho da sociedade, pois reflete todo um conjunto de ideais. As leis infraconstitucionais caminham lado a lado com a Constituição, pois muitas das vezes elas complementam as normas constitucionais de eficácia limitada ou contida, existe uma verdadeira harmonia entre as legislações, ou seja, na verdade deveria haver, no caso em testilha a lei ordinária nº 10.792/03 que instituiu o RDD fere de morte a nossa Constituição e joga no lixo toda harmonia do ordenamento jurídico onde os princípios e garantias fundamentais são simplesmente ignorados e os tratados internacionais de direitos humanos que tem valor de emendas constitucionais nem lembrados são, sendo assim por não respeitar a lei maior nem aos tratados a lei nº 10.792/03 é dada como inconstitucional onde há tremenda afronta aos ditames constitucionais. A inconstitucionalidade do RDD deve ser analisada perante aos dispositivos Constitucionais e Tratados Internacionais de Direitos Humanos assim como as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas. A Lei de Execução Penal veio ao mundo jurídico com a função declarada no seu artigo 1º: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” ou seja, é dado uma segunda chance ao preso, dando a ele garantias e direitos de buscar um novo caminho longe da marginalidade, sendo propiciado pelo Estado e bancado por nós. Apesar da ressocialização do preso ser um dos objetivos da LEP, na pratica não é bem isso que acontece quanto imposto ao regime tão severo como o RDD, conforme demonstra pesquisa sobre o tema: “[…] a Comissão Americana sobre Segurança e Maus Tratos nas Prisões divulgou o relatório “Confrontando o Confinamento”, que mostra o resultado de um trabalho de avaliação em âmbito nacional das condições nas prisões e cadeias dos Estados Unidos – a primeira realizada em quase três décadas. Ao longo de um ano, a Comissão visitou unidades prisionais, consultou uma ampla gama de especialistas e fez uma análise abrangente e profunda das pesquisas e dados disponíveis sobre violência e maus tratos nos estabelecimentos nos Estados Unidos. E uma das conclusões a que chegou é que o uso crescente do isolamento sob esquemas de alta segurança é contraproducente, causa violência dentro dos presídios e contribui para a reincidência após a soltura […]”[3] Ou ponto importante a se destacar que prova a inconstitucionalidade da lei nº 10.792/03 frente a LEP e a princípios constitucionais é o fato de que ela “administraliza” a execução da pena dando poderes ao administrador que só era conferido o juiz natural, ferindo os princípios da legalidade, imparcialidade, pois o administrador dificilmente seria imparcial e ter certeza disso seria quase impossível, também violando o principio da jurisdição. “Destarte, a pretensão de administrativizar-se a execução penal acaba por viciar todo o sistema no seu eixo fundamental, justamente na sua maior conquista, consubstanciada no princípio da jurisdição, corroendo a essência garantista da execução da pena e causando intolerável retrocesso institucional e humano.”[4] Mister se faz destacar que o RDD afronta a Constituição em seu artigo 5º, XLVI, onde está prevista a individualização da pena, juntamente com a sua aplicação e execução, sendo que a progressão de regime é garantida sendo esta esquecida e eivando de vicio ainda mais o RDD. Nossa Lei Maior assegura em seu art. 5º, inciso XLIV, in verbis: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e inciso XLVI, alínea “e”: não haverá penas: e não é um condenado eterno, ele voltará a conviver com a sociedade e o que se espera é que ele saía da prisão com outra mentalidade e com condições de buscar algo melhor na sua vida que não seja o mundo da criminalidade. Sabemos que na realidade dura e cruel nossa de cada dia, não é bem assim que acontece, nossos presos entram de um jeito e saem ainda piores, mais revoltados coma vida e com um sentimento de indignação diante da inércia do Estado ou quando age torna as coisas ainda piores do que já estão, passando por cima das próprias e leis e esmagando os princípios em prol de um falsa idéia de justiça, esta que esta cega diante da bola de neve que esta se tornando nosso sistema carcerário. Conclusão Diante de todo o exposto ficou bem claro a inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado frente à Constituição e a legislação infraconstitucional, onde os direitos e garantias dos presos estão sendo violentamente espancados com a imposição desse suposto regime, que na verdade nada mais é do que uma fábrica de futuros psicóticos em potencial. A criação do RDD, foi na verdade, uma manobra política frente as incessantes reivindicações da sociedade, diante de tanta violência e da inércia legislativa.  O RDD é apenas um “tapa buraco”, que tenta conter o vazamento de uma represa com apenas um pouquinho de durepox, o resultado pode ser previsto. O legislador esta se esquecendo de que o preso não é um eterno condenado e que ele voltará às ruas, só que agora com os malefícios psicológicos, morais e até físicos que o RDD acarretou, em suma, o preso volta às ruas ainda mais violento do que já foi um dia e a promessa de ressocialização escoa esgoto abaixo, levando consigo toda a esperança da sociedade em ter mais segurança e do próprio preso que agora virou um eterno condenado pois esta sendo tratado assim pelo Estado.  O que se deveria fazer seria uma profunda e isenta análise em sede de nossos princípios, tanto morais quanto éticos, porque ao se condenar alguém a um regime diferente dos demais, que, aliás, cruento ao extremo, seria o mesmo que riscar da Carta Magna as garantias fundamentais do indivíduo. Criminoso apesar de criminoso, também é gente, induvidosamente. Por outro lado, se o sistema prisional brasileiro fosse eficiente no sentido de não se admitir a presença de agentes corruptos nas penitenciárias; se os que cuidam dos presos e administram as unidades prisionais deste país fossem bem remunerados e não ganhassem a miséria que ganham; se o preso, de fato, fosse vigiado; se não houvesse a possibilidade da entrada de turbilhão de aparelhos celulares dentro dos presídios para os detentos poder comunicar-se com o mundo exterior, ou mesmo a simples instalação de bloqueadores de linhas daqueles aparelhos, sanados estes pontos e outros mais, certamente que o RDD não precisaria nem de ter nascido. Não vai se afundar um detento em uma sepultura – porque o RDD é uma cova, e profunda – é que a violência deste país vai diminuir ou modificar para melhor. Ora, o infeliz do preso que vai ao RDD, evidentemente que depois de cumprido o prazo de permanência naquele regime, o detento voltará à prisão de origem e, se de índole perversa ou mesmo fraco das idéias, evidentemente que voltará a praticar os mesmos atos que o levaram àquele regime diferenciado. Daí, in casu, voltará o círculo, desta feita, vicioso ou mesmo viciado. Ao Estado cabe prender o infrator, julgá-lo e, se condenado, mantê-lo aos rigores da lei. Ora, se o Estado não cumpre eficientemente a sua tarefa, deixando, pois, “a Deus dará” o sistema de controle interno dos seus presídios, não vai ser o RDD quem irá pôr um fim nessa – digamos, baderna de desleixo, o qual vivem, melhor morrem, as penitenciárias tupiniquins.  Para um Estado omisso e impregnado de preguiça como infelizmente é o nosso, a ele é muito mais prático e barato criar um sistema cruento e desumano como é o caso do RDD, do que investir na segurança de presídio. Aliás, ad argumentandum, se há falhas na segurança dos presídios, e há, e se o Estado, via seus representantes legais, não tomam as medidas cabíveis à espécie, evidentemente que existe uma força estranha e potente por detrás dessa omissão. Chefe poderoso de quadrilha preso, sabemos todos, trás lucro fácil para muita gente. O Estado impor ao condenado o RDD, seria o mesmo que admitir que este mesmo Estado estivesse voltando, em pleno irromper do século XX!, a volta da idade antiga, quando lá, nos primórdios da escrita, implantou-se a Lei de Talião.  Em suma, o RDD não é o melhor caminho a ser traçado quando a expectativa é de se buscar a paz social e ressocializaçao do preso e, nesse sentido, RDD não faz nem uma coisa e nem a outra. O que o RDD faz é marginalizar o nosso sistema carcerário e ferir de morte a Constituição Federal no que tange aos direitos fundamentais dos indivíduos. Aliás, nesse sentido, a sigla RDD que quer significar “Regime Disciplinar Diferenciado”, poderia ser entendido como “Ruim Doloroso e Desumano”. Não se pode resolver o problema da criminalidade no Brasil, simplesmente com a imposição de penas cruéis, pois não é ai o início e o fim do problema, este na verdade tem seu nascimento por uma série de fatores sociais que não tratadas com o devido respeito que merecem e a seriedade necessária acarretaram em jovens sem estudo, precariedade no sistema de saúde e principalmente, desde criança não há perspectiva de progresso, não se vê um amanhã melhor, e isso sem duvida se faz sine qua non na vida de todo ser humano, parte desse descompasso social se deve a má-fé dos nossos políticos e a outra parcela de culpa é nossa que os coloca lá. Educação, saúde, habitação, lazer são os únicos remédios capazes de dirimir a criminalidade, pois novos caminhos poderão se abrir se eles se fizerem presentes na vida de todos, isso não é utopia, é apenas o querer comum de todos os brasileiros que acreditam nessa nação corajosa, forte, bonita, basta apenas Oportunidade.
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Breves notas sobre as modalidades de prisão provisória no ordenamento jurídico brasileiro
Vislumbra tratar, ainda que em breves linhas, acerca das modalidades de prisão provisória previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Aborda, inicialmente, acerca da prisão in genere, a fim de introduzir o tema objeto de estudo. Passa, então, a posteriori, às prisões processuais, trazendo considerações essenciais sobre a prisão em flagrante delito, prevista na Constituição brasileira; acerca da prisão preventiva, regulada pelo Código de Processo Penal; e, por derradeiro, quanto à prisão temporária, disposta na Lei nº 7.960/89.
Direito Processual Penal
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Prisão é o meio pelo qual o Estado, privando a liberdade de locomoção do indivíduo, busca coibir a prática de ilícitos penais, abrangidos delitos e contravenções. É a pena privativa de liberdade legalmente cominada para o delinqüente (SILVA, 2005), “cumprida, mediante clausura, em estabelecimento penal para este fim destinado” (MARQUES, 2000, p.38). Mirabete (1995) a entende como privação da possibilidade de se locomover, obstando, assim, o direito de ir e vir do sujeito a ela submetido. A prisão é utilizada pelo Direito Penal como um dos meios repressivos à prática de ilícitos, sendo que, por privar um dos mais importantes dos direitos pessoais, in casu, a liberdade, detém elevado poder coercitivo de impedir a realização de infrações penais. Impende consignar que nem toda prisão é ad poenam, isto é, ainda que lícita e autorizada por lei, nem sempre é providência penal (MARQUES, 2000). Dessarte, no sistema jurídico brasileiro, tem-se a prisão-pena como espécie prisional, que se dá única e exclusivamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória na ação penal iniciada. Aquela, de acordo com a ordem penal brasileira, pode se dar na forma de detenção, reclusão ou prisão-simples. Além da aventada modalidade, o ordenamento jurídico pátrio concebe ainda outros tipos de prisão, a saber: prisão processual, civil1, e disciplinar2. As espécies administrativa3 e para averiguação são inconstitucionais por expressa disposição da Lex Fundamentalis pátria. O estudo em tela cinge-se às modalidades de prisão provisória, que são sempre transitórias e têm por precípuo escopo garantir o regular deslinde do processo, mesmo que por via reflexa – quando este ainda não tiver sido iniciado. De toda sorte, deve restar consignado que em qualquer caso de prisão, faz-se imperiosa a obediência ao que dispõe o inciso LXI4 do artigo 5º da Constituição brasileira. Não se observando o texto da carta constitucional, deve ser a prisão, incontinenti, relaxada pela autoridade judiciária competente, consoante o inciso LXV5, também do artigo 5º, ou ter sua decretação revogada, não se olvidando, ainda, da garantia do consagrando remédio constitucional habeas corpus, cabível nos casos em que alguém sofra efetiva violência ou coação, ou quando se ache ameaçado disso, em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, na linha disposta pelo artigo 5º da Carta Magna, em seu inciso LXVIII6. 2 DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO No que respeita à prisão processual, também chamada de cautelar ou provisória, é medida urgente que priva transitoriamente o indivíduo, hipotético autor do delito, de sua liberdade de locomoção, mesmo que ainda não haja sentença transitada em julgado. Por ser medida cautelar, tem como requisitos o fumus boni juris7 e o periculum in mora8 (in casu, periculum libertatis). Subdivide-se em: prisão resultante de pronúncia, de sentença condenatória não passada em julgado, prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária, cabendo, neste momento, discorrer mais especificamente acerca das três últimas. Disserta Plácido e Silva (2005, p. 625), quanto à prisão em flagrante, que tal modalidade se observa “quando o criminoso está cometendo, ou quando, após sua prática, pelos claros vestígios de o ter cometido, é surpreendido no mesmo local, ou é perseguido, quando foge, pelo clamor público”. Vem disposta no capítulo II do Título IX do Código de Processo Penal brasileiro (CPP), em seu artigo 301 e seguintes. Conforme se depreende do destacado dispositivo, a qualquer do povo é facultado realizar a prisão em flagrante, sendo dever das autoridades policiais, ainda que em circunscrição que não a sua, efetuá-la. Dispõe o artigo 3029 que se reputa em flagrante delito10 quem está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la (denominado flagrante próprio); é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração (flagrante impróprio); é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (flagrante presumido). O chamado flagrante preparado, consoante reza a Súmula 14511 do Pretório Excelso, não caracteriza crime: trata-se de crime impossível. Não podem ser sujeitos de flagrante os menores de 18 anos (inimputáveis), o Presidente da República, os diplomatas estrangeiros e chefes de Estado. Os magistrados, membros do Congresso Nacional e do Ministério Público só poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis. Feita a prisão em flagrante delito, o preso deve ser imediatamente apresentado à autoridade policial competente para que proceda à sua autuação. Posteriormente a isso, pode o sujeito, dependendo do caso, livrar-se solto, devendo ser posto em liberdade12, ou, verificando-se hipótese autorizadora de decretação de prisão preventiva, ter a mesma ordenada, continuando, então, com sua liberdade cassada. 3 DA PRISÃO PREVENTIVA Prisão preventiva é medida que pode ser decretada durante o inquérito policial ou instrução processual penal (artigo 31113 do Código de Processo Penal), desde que presentes os pressupostos legais, para assegurar os interesses sociais de segurança. Cumpre-se através de mandado expedido por juiz de direito (MEHMERI, 1996). Faz-se mister estejam presentes a materialidade do crime bem assim indícios suficientes de sua autoria, segundo reza o artigo 31214 do Código de Processo Penal15. Imperiosa, ainda, a presença de um dos fundamentos legais: garantia de ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal. Restando presentes os requisitos precitados, é admissível desde que se trate de crime doloso e atendidos as demais condições constantes do artigo 31316 do CPP. Impende ressaltar que, de acordo com o artigo 316 do mesmo estatuto, “o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.” 4 DA PRISÃO TEMPORÁRIA A prisão temporária encontra-se disciplinada em diploma próprio, qual seja: Lei Federal 7.960/89. É, na lição de Fernando Capez (1997, p.215), prisão “destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial”. Pode ser decretada apenas em casos específicos17, com duração máxima de 05 (cinco) dias ou 30 (trinta), em se tratando de crime hediondo, prazos esses prorrogáveis por igual período havendo estrema e demonstrada necessidade. É admitida apenas na fase investigatória, ou seja, no inquérito policial (MIRABETE, 1995). Tem como características, todas previstas em lei: somente pode ser decretada pelo juiz, em face de requerimento do membro do Parquet, ou de representação feita pela autoridade policial; deve o julgador decidir a respeito no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas; a aludida prorrogação pode ocorrer apenas uma única vez e competirá, novamente, ao juiz determiná-la; os presos temporários deverão, necessariamente, permanecer estremados dos demais detentos, sejam eles provisórios ou condenados. Decorrido seu prazo, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, seja o dia que for, independentemente de nova ordem judicial. Tal não ocorrerá desde que já haja sido decretada sua prisão preventiva. 5 CONCLUSÃO O estudo efetivado trouxe considerações básicas sobre as modalidades de prisão processual na ordem jurídica vigente no Brasil. Tais apontamentos são necessários ao estudioso do processo penal, que deve conhecê-las e entender a aplicação de cada uma das espécies aos casos concretos que se apresentam. Uma vez que se tratam de tipos de prisão processual, referidas modalidades existem com o objetivo de resguardar o bom andamento do processo penal, garantindo que, não obstante porventura não tenha se iniciado ainda, o magistrado tenha todos os elementos necessários para julgar com justiça a pretensão punitiva deduzida em juízo, seja pelo Ministério Público, em se tratando de ação penal pública, ou pelo ofendido, quando se tratar de ação penal privada. Assim, não podem ser olvidados princípios comezinhos reguladores do processo penal, tais como a ampla defesa, a humanidade, a presunção de inocência, a proporcionalidade e a razoabilidade, entre outros, sendo que a maioria dos mesmos encontra guarida na própria Constituição Federal, a qual em nenhuma hipótese pode sofrer violação, sob pena de, muito mais que ilegalidade, inconstitucionalidade.           Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito da Alta Paulista – Tupã – SP; mestra em Direito pelo Centro Universitário Eurípides Soares da Rocha – Marília – SP; orientadora do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Salesiano – Araçatuba – SP; pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina – PR; advogada     Acadêmico de Direito e pesquisador da Universidade Estadual de Londrina – PR; estagiário do Ministério Público do Trabalho – PR
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-56/breves-notas-sobre-as-modalidades-de-prisao-provisoria-no-ordenamento-juridico-brasileiro/
Procedimentos e atribuições do delegado de polícia e das polícias judiciárias
O Direito estabelece normas para a vida em coletividade, contudo, este conjunto de regras seria inútil se não houvesse agentes e meios de ação para alcançar o controle e o fim desejado pela lei. A partir desta idéia é que surge a constituição da polícia, e de toda a sua estrutura, que entra em atividade quando todos os outros mecanismos de controle e prevenção sociais falham ou forem considerados ineficazes. Toda a sociedade deve possuir uma organização policial, visando à proteção e a tranqüilidade da sociedade como um todo. Para garantir esta segurança, existem as polícias preventiva e judiciária, sendo que cada uma destas possui uma função pré-estabelecida que visam assegurar a paz social, prevenindo ou combatendo os crimes. O presente estudo está centrado nos procedimentos e atribuições que o Delegado de Polícia e as Polícias Judiciárias praticam com relação ao desempenho do seu trabalho. O Delegado de Polícia é responsável pela chefia da delegacia de sua circunscrição, é dele que partem as ordens de abertura de inquérito policial, de investigações, de perícias, entre outros procedimentos. A Polícia Judiciária é encarregada de cumprir as determinações da autoridade policial, sendo que delegados e polícia judiciária, em conjunto, auxiliam a justiça em seu trabalho de desvendar e punir os crimes sejam estes de menor ou maior complexidade.
Direito Processual Penal
INTRODUÇÃO O Direito deve ser interpretado de forma que possa cumprir com os seus objetivos, entre eles o de colaborar com o bem estar social, sempre protegendo e preservando a sua ética e seu poder. Neste sentido encontramos em meio ao ordenamento jurídico, inúmeros personagens que auxiliam a sociedade no papel de garantir que os seus direitos sejam respeitados e os seus deveres cumpridos. Neste meio, encontramos entre juízes e promotores, que são as figuras mais lembradas, a polícia, que é aquela que primeiro toma conhecimento dos fatos, estando estritamente posicionada para manter a ordem social do território que abrange. A polícia tem um papel muito importante dentro da sociedade, pois, é a ela que cabe prevenir e repreender os atos infracionais, procurando sempre investigar e descobrir provas que possam auxiliar a justiça no seu papel de punir ou absolver.  Nesta seara, o Direito Processual Penal dá papel de destaque com relação à polícia, seus representantes e seus procedimentos, pois é dentro do Código de Processo Penal que encontram-se nos artigos 6º e seguintes, os procedimentos a serem tomados tanto pela autoridade policial como pelos policiais. Segundo a Constituição Federal, a polícia é dever do Estado, sendo mantida para que seja garantida a segurança pública, esta legislação também divide a polícia em ramos de natureza federal, civil e militar, sendo que a Polícia Federal está subordinada a União e a Polícia Civil e a Polícia Militar aos Estados, sendo que a estas cumprem as funções que visam à garantia da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. A doutrina e a jurisprudência caracterizam e descrevem o quanto é importante e fundamental a organização policial dentro de um Estado, desta forma a polícia está intimamente ligada ao Poder deste Estado, devendo esta representá-lo no momento posterior ao cometimento de um ilícito penal. Desta forma, dentro da polícia existem hierarquias que visam a sua organização e subordinação de maneira a facilitar o desempenho das tarefas que a esta organização foi incumbida. Dentro desta organização existem os órgãos de direção superior e os departamentos especializados, encontramos o Delegado de Polícia que é a autoridade que chefia e determina o trabalho dentro de sua circunscrição, desde que obedecida a lei e as ordens superiores. O Delegado de Polícia tem a função primordial de dirigir os policiais que o auxiliam, devendo sempre que tomar conhecimento de um crime investigá-lo, abrindo inquérito policial e tomando sempre os devidos cuidados, pois,  quando se tratar de ação penal condicionada,  a instauração do inquérito dependerá de representação do ofendido e ser for ação penal privada dependerá também de requerimento da parte ofendida. Mas, em se tratando de crime de ação penal pública incondicionada o Delegado de polícia poderá instaurar o inquérito sem o requerimento da vítima, devendo para todos os casos, proceder a uma portaria onde irá determinar quando necessário a apreensão de armas, requisição de exames periciais e diligências necessárias a elucidação do fato criminoso. Das ordens que são determinadas pela autoridade policial se originam inúmeros procedimentos policias, entre eles, os mais conhecidos, a investigação criminal e o exame de corpo de delito, mas ainda existem outros, tanto de natureza externa como interna e que ajudam na elucidação dos casos e no favorecimento à justiça. Como se analisará no decorrer desta monografia, a polícia ainda se divide, em polícia administrativa ou preventiva que auxilia na prevenção dos crimes e a polícia judiciária, objeto do nosso estudo, que está encarregada de agir após a ocorrência do ato ilícito atuando na investigação das circunstâncias do crime e também de sua autoria. Dentre as atribuições da polícia judiciária encontra-se a formação do inquérito policial, desde as investigações até o relatório final do inquérito policial, além de perícias e prisões que a polícia judiciária está apta a realizar desde que em conformidade com o ordenamento legal. Desta forma, o que se pretende é fazer um pequeno estudo, comparado ao aparato policial e as suas mais variadas funções, buscando aqui elencar os procedimentos mais conhecidos, ou seja, aqueles que estão na constante rotina da vida policial e também nas jurisprudências e estudos doutrinários que conduzem à organização policial a um papel de destaque na sociedade. 1 O DELEGADO DE POLÍCIA 1.1 Conceito de Delegado de Polícia O delegado de polícia é a representação do Estado – Administração que exerce o poder de polícia e de segurança, numa função sui generis. A palavra delegado provém do latim delegatus que significa a pessoa em quem se delega uma faculdade ou jurisdição (ENCICLOPÉDIA…, data, p. 1405). [1] Para o autor Laudelino Freire (2001, p. 30) delegado é “aquele que é autorizado por outrem a representá-lo; enviado, emissário, comissário. Aquele em que se delega alguma comissão de serviço público depende de autoridade superior.” Assim, pode-se definir delegado de polícia como uma pessoa que representa o Estado em razão de um serviço público, ele possui poder para manter a ordem e a paz coletiva da sociedade. Nas palavras do autor Ubirajara Rocha (1965, p. 27), o delegado de polícia é definido como: “uma autoridade policial, cabendo-lhe por lei manter a ordem social e a tranqüilidade coletiva. Exerce autoridade e possui poder, possui função e missão que devem ser inteiramente empregados a serviço do povo.” Desta forma, o delegado de polícia é a pessoa que tem atribuição do Estado para apurar e resolver crimes, bem como manter a ordem da circunscrição. 1.2 Da Carreira de Delegado de Polícia Para que possamos chegar até o cargo de delegado de polícia é necessário primeiramente conhecermos a cadeia estrutural da polícia, até chegarmos ao chefe da Delegacia de polícia, peça importante dentro da hierarquização da polícia. Desta forma se faz necessário citar o artigo 9º da Lei nº. 10.994 (RS) de 18 de agosto de 1997, que dispõe sobre a organização básica da Polícia Civil: “Art. 9º. A Polícia Civil tem a sua organização básica institucionalizada nos seguintes órgãos: I – órgãos de direção superior: a) Chefe de Polícia; b) Subchefe de Polícia; e c) Corregedoria-Geral – COGEPOL. II – órgão de assistência e assessoramento, vinculado ao Chefe de Polícia: Gabinete do Chefe de Polícia. III – órgãos colegiados: a) Conselho de Administração Superior – CAS; e b) Conselho Superior de Polícia – CSP. IV – órgãos de execução regionalizada, vinculados ao chefe de Polícia: a) Departamento de Polícia Metropolitana – DPM; e b) Departamento de Polícia do Interior – DPI. V – órgãos de execução especializada, vinculadas ao Chefe de Polícia: a) Departamento Estadual de Polícia Judiciária de Trânsito – DPTRAN; b) Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico – DENARC; c) Departamento Estadual de Investigações Criminais – DEIC; d) Departamento Estadual da Criança e do Adolescente – DECA; e VI – órgãos de execução direta, vinculados aos órgãos de execução regionalizada ou especializada: a) Delegacias de Regionais – DRP; b) Delegacias de Polícia Especializada, Delegacias de Polícia Distritais – DPD e Delegacias de Polícia – DP; e c) Centros de Operações – CO. VII – órgãos de Apoio Administrativo e de Recursos Humanos, vinculados ao Chefe de Polícia: a) Acadêmica de Polícia Civil – ACADEPOL; b) Departamento de Administração Policial – DAP; c) Departamento Estadual de Telecomunicações – DETEL; e d) Departamento Estadual de Informática Policial – DINP. § 1º – VETADO. § 2º – Os cargos de Subchefe de Polícia, de Corregedor Geral de Polícia e de Diretor dos Departamentos e da Academia de Polícia são privativos de Delegados de Polícia da classe final da carreira.” Como se percebe o cargo de delegado de polícia não se encontra nem sozinho e muito menos desligado dos outros cargos existentes dentro desta hierarquização, sendo que a autoridade policial deve responsabilidade aos seus superiores, como o Chefe de polícia e cobra responsabilidades dos policiais civis que atuam na sede da sua delegacia.  O delegado de polícia encontra-se como responsável pela delegacia de sua competência que está colocada dentro do órgão de execução direta, sendo esta, no Rio Grande do Sul, vinculada aos órgãos de execução regionalizada e especializada onde se encontram os departamentos de Polícia Metropolitana (DPM), de Polícia do interior (DPI), o Departamento Estadual de Polícia Judiciária de Trânsito (DPTRAN), o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (DENARC), Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) e o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (DECA). Mas, o delegado de polícia tem a sua carreira organizada, segundo o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 57), “nos mesmos moldes da Magistratura e do Ministério Público, processando-se o ingresso na classe inicial, mediante concurso de provas e títulos.” A carreira do delegado de polícia é regida pela Lei estadual nº.: 12.350 (RS, 2005), de 26 de outubro de 2005, que esta determina que o ingresso na carreira deve ser por concurso público de provas e títulos.[2] Para que o candidato esteja apto a seguir na carreira de delegado de policia é necessário que o mesmo seja brasileiro, Bacharel em Direito, estar quite com as obrigações militares e eleitorais, possuir conduta moral, social e profissional que coincidam com a honradez do cargo, possuir saúde física, psiquiátrica e aptidão psicológica adequadas ao cargo e possuir ainda carteira nacional de habilitação (RS, 2005).[3] Como se observa para que uma pessoa venha a estar apta a ser um delegado de polícia e assumir as atribuições de uma função tão importante e que exige muito do ser humano, é necessário estar preparado tanto com relação à matéria das provas, quanto com relação às aptidões necessárias para exercer de forma exemplar a função. O concurso para o provimento do cargo de delegado de polícia, da Polícia Civil, é realizado e executado pela Academia de Polícia Civil e supervisionados pela comissão de concurso, que é um órgão colegiado de existência transitória, ou seja, não se trata de um conselho permanente, esta comissão tem função deliberativa e é nomeada pelo Secretário de Estado da Justiça e Segurança. A Comissão de supervisão do concurso para o provimento do cargo de delegado de polícia será integrada pelo Delegado de Polícia Diretor – Geral da Academia de Policia Civil, que fará o papel de presidente da comissão, integrará também a comissão, um Delegado de polícia representante da Chefia de Polícia, um Delegado de polícia representante do Conselho Superior de Policia, um Procurador do Estado, indicado pela Procuradoria-Geral do Estado e um integrante da Ordem dos Advogados do Brasil, da Seção do Rio Grande do Sul que será indicado pelo Conselho Seccional. É importante mencionar ainda que com relação aos Delegados de polícia que integram a Comissão de Supervisão do concurso para o cargo de delegado de polícia que estes devem ser da mais alta classe da carreira e também devem estar em atividade. O processo de seleção para o cargo de delegado de polícia, no Estado do Rio Grande do Sul, se dá em três etapas sendo a primeira, denominada fase preliminar, sendo esta constituída de uma prova preambular que será aplicada conforme o edital de seleção. A segunda fase, designada de fase intermediária é constituída de uma prova escrita discursiva da qual somente participarão os candidatos regulamente aprovados na primeira fase. E por fim, a fase final que analisará os títulos do candidato e também será realizada a prova oral, sendo aqui somente são participantes os candidatos aprovados na fase intermediária. O candidato que passar por todas as fases do concurso, ou seja, todas as fases de capacitação intelectual e que também for considerado apto nos exames de sanidade física, nas avaliações psíquicas e de aptidão psicológica, respeitado o número de vagas, será convocado para o curso de formação profissional e estágio de avaliação. Este curso de formação profissional será organizado e ministrado com exclusividade pela Academia de Policia Civil com carga horária de 800 horas, sendo que este curso pode ser aplicado em etapas, com abrangência em curso profissionalizante. O concurso para delegado de Polícia terá a validade de dois anos prorrogáveis por mais dois. 1.3 Atribuições do Delegado de Polícia O Delegado de Polícia é um funcionário público e como autoridade policial (RS, 1980)[4] preside os atos da polícia judiciária e como autoridade administrativa preside a Delegacia de Polícia, sendo que ele responde pelo regular trabalho na repartição. 1.3.1 Providências da autoridade policial quando ocorrer um crime A autoridade policial deve estar consciente de suas atribuições quando da prática de algum crime, como salienta as palavras do autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 70): “A autoridade policial ao tomar conhecimento da prática de infração penal, deve instaurar inquérito. Mas é preciso que se observem certas peculiaridades: se o delito for de ação penal privada, a autoridade policial somente poderá realizar as investigações se a vítima ou seu representante legal requerer (art. 5º, §5º, do CPP). Se for crime de ação penal pública, condicionada à representação, a autoridade policial, também somente poderá realizar as investigações se a vítima ou seu representante legal representar, nos termos do §4º do art. 5º do Código de Processo Penal. Mas, se o delito for de ação penal pública incondicionada, deverá a autoridade policial instaurar o inquérito policial, haja ou não manifestação da vontade da vítima ou de quem legalmente a represente.” Como se percebe o papel da autoridade policial é de suma importância, ele é o elemento que conduz, investiga e colhe provas que possam auxiliar a justiça no desenrolar do processo e aplicação das penas aos culpados, bem como também possam inocentar as pessoas que não tiveram nada haver com o fato criminoso. A autoridade policial deve se possível se dirigir ao local do fato e deve ainda providenciar para que nada se modifique, objetivando a maior clareza sobre o crime ocorrido e suas provas. Cabe a ele ainda, ouvir o ofendido, as testemunhas, determinar quando forem necessários, exames periciais. Sobre a presença da autoridade policial no local do fato criminoso, o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 73), comenta: “A presença da autoridade policial no local da ocorrência é de suma importância, mesmo quando se trate de delito cujo autor já esteja identificado, encontrando-se foragido ou mesmo preso, eis que o presidente do inquérito manterá na memória tudo o que viu e assim caberá fazer perguntas pertinentes as testemunhas e, no momento oportuno, ao indiciado, podendo ainda esclarecer dúvidas e omissões deliberadas por partes interessadas. Ademais, a presença da autoridade no local, faz com que todas as providências sejam tomadas de imediato, pois ela se faz acompanhar de escrivão, e dos agentes de que dispõe para a investigação de rotina e, se for o caso de morte, requisitará a presença de médico-legista, e em qualquer caso que julgar conveniente, requisitará a polícia técnica, para elaboração de laudos com fotografias e outras perícias para a elucidação dos fatos.” A autoridade policial também pode, quando julgar necessário voltar ao local da ocorrência dos fatos para reproduzí-los de maneira que possibilite descobrir provas essenciais para desvendar o crime, conforme o artigo 7º, do Código de Processo Penal.  1.3.2 Posição do Delegado de polícia frente ao inquérito policial Com base no Código de Processo Penal, art. 4º, é competência da autoridade policial, ou seja, do delegado de polícia presidir, o inquérito policial, desta forma, a autoridade policial não é parte dentro do inquérito, mas ele atua entre as partes. Desta forma, o delegado atua entre as partes, sendo que de um lado está o órgão de acusação, o Promotor de justiça, Procurador da República ou querelante; e de outro a parte acusada, ou seja, o indiciado ou querelado e seu advogado, quando tiver. De posse desta posição o delegado deve agir na investigação criminal e na instrução do inquérito policial, agindo sempre com prudência, imparcialidade e sigilo, para descobrir acima de tudo a verdade dos fatos ocorridos. No Estado de Direito, não se admite a figura do delegado inquisitor, que é aquele que acusa publicamente, aquele que apenas procura provas que possam incriminar o suspeito não levando em conta nenhum fato favorável aos direitos de defesa do indiciado. O delegado de polícia deve continuar na condução das investigações e na presidência do inquérito, objetivando sempre descobrir a verdade dos fatos não importando se a verdade irá ou não incriminar o acusado. O delegado deve trabalhar junto à comunidade para desempenhar as suas funções com êxito, mantendo sempre elos de cooperação com seus líderes e principalmente com o Ministério Público e a Magistratura. 1.3.3 Atos do Delegado com relação ao inquérito policial A lei confere ao delegado de polícia o poder e dever de praticar atos de investigação no tocante a direção do inquérito, sendo estes poderes de instrução, ordenação, coação, fiscalização e autorização. Os poderes de instrução compreendem os estabelecidos no artigo 6º, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), como pode se analisar: “Art. 6o. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I. dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II. apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III. colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV – ouvir o ofendido; V. ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI. proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII.determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII. ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes”;[5] Os atos de instrução, de responsabilidade do delegado, são aqueles destinados a dar andamento ao inquérito policial, como por exemplo: colher provas, ouvir o ofendido, o indiciado, proceder acareações, determinar o exame de corpo de delito e outras perícias necessárias, pesquisar os antecedentes do indiciado, ou seja, o delegado busca indícios sobre a verdade dos fatos. Os atos de ordenação cumprem basicamente a nomeação de curador ao acusado menor de 21 anos e em alguns casos solicitar ao juiz a nomeação de curador especial, como exemplificadamente determina os artigos do Código de Processo Penal a seguir mencionados: “Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial. Art. 33. Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal.[6]” Os atos de coação são inerentes à função policial e determinam a apreensão ou a incomunicabilidade do indiciado, como de modo exemplificatório se observa nas determinações dos artigos 6º, II; 21; 301; 304,§1º, todos do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “Art. 6o. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. § 1o. Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.[7]” Os atos de autorização inerentes ao delegado de polícia são basicamente a interceptação telefônica de qualquer natureza que sirva como prova para a investigação policial ou instrução penal, depois de deferido o pedido ao juiz, sempre devendo a autoridade policial dar ciência ao Ministério Público que poderá acompanhar a sua realização (BRASIL, 1996).[8]  Ainda como atos de autorização podemos citar o porte de arma de fogo tanto federal quanto estadual autorizado respectivamente pela Polícia Federal e Civil, como estabelece o Decreto Federal nº. 2.222/1997, art. 13 (BRASIL, 1997).[9]  No Estado do Rio Grande do Sul, pela Lei 10.994 de 18 de agosto de 1997, a autoridade policial deve presidir com exclusividade o inquérito que servirá de comprovação das diligências realizadas para apurar a infração penal e suas autoria. Por esta determinação competirá também à autoridade policial a expedição de portarias para que os policiais possam realizar diligências. 1.3.4 Suspeição e Circunscrição da Autoridade Policial Encontra-se elencado no artigo 107, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), o fundamento da não oposição de suspeição contra autoridades policiais: “Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.”[10] O autor José Geraldo da Silva (2000, p. 94), comenta com relação à suspeição: “podemos dizer que a suspeição, tão comum com relação aos juízes e aos serventuários da justiça, não atinge a autoridade policial, tendo em vista o inquérito policial, procedimento administrativo e não processo.” Em sentido contrário, está a posição do autor Luiz Carlos Rocha (1965, p. 330) que defende poder a autoridade policial se declarar suspeita em alguns casos, por analogia: “A autoridade policial, por analogia aos casos previstos para os juízes, deve dar-se por suspeito: a) se for amigo intimo ou inimigo capital de qualquer das partes; b) se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; c) se ele, seu cônjuge ou parente sangüíneo ou afim até terceiro grau sustentar demanda ou responder a processo que tenha que ser julgado por qualquer das partes; d) se tiver aconselhado qualquer das partes; e) se for credor ou devedor; tutor ou curador de qualquer das partes; e f) se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.”  Conforme o artigo 256, do Código de Processo Penal, nos casos citados, usa-se a analogia para que o delegado considere-se suspeito, mas esta suspeição não poderá ser reconhecida nem declarada, quando a parte injuriar o delegado ou de propósito der motivo para criar a suspeição. Sobre a circunscrição ou área de competência do delegado de polícia, este tem competência administrativa na área territorial onde exerce as suas funções, os limites de sua competência são determinados pela lei local, sendo que toda matéria policial é de atribuição privativa dos Estados-Membros. 1.3.5 Expedição de portarias As comunicações oficiais são feitas através de portarias, ofícios, ordens de serviço, circulares e editais, sempre dependendo da formalidade da informação. As mais utilizadas nas delegacias, pela autoridade policial, são as portarias de cunho administrativo, sendo que este documento deve conter instruções com relação à aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral, normas de execução de serviço, etc. Os atos oficiais do delegado de polícia devem ser numerados em ordem cronológica, devendo ser iniciados a cada ano e arquivados em pastas próprias. 1.3.6 Exame de livros e arquivos policiais O delegado de polícia deve verificar se a delegacia possui os livros obrigatórios, se estes estão escriturados e devidamente em dia. São livros obrigatórios, entre outros: registro de inventário, registro de ocorrência, registro de inquéritos policiais, registro de carga de inquéritos policiais, registro de fianças criminais, registro de cartas precatórias recebidas e inquéritos policiais em trânsito, etc. Os livros obrigatórios devem conter um termo de abertura e outro de encerramento, que serão ambos assinados pelo delegado de polícia. Já com relação aos livros obrigatórios no âmbito da Polícia Federal, temos entre outros, os seguintes: livro tombo onde registram-se os inquéritos policiais, livro fiança onde constam os termos de fiança, o livro de registro especiais onde se encontram os registros de cartas precatórias recebidas, etc. Deve também o delegado verificar se a repartição policial possui os seus arquivos organizados com as pastas bem identificadas, como as de ofícios expedidos, portarias, editais, requerimentos recebidos, boletins de ocorrência, termos circunstanciados, circulares, mandados de prisão, etc. 1.4 Outras atribuições do Delegado de polícia São atribuições do delegado de polícia, entre outras previstas em Lei ou normas internas, a presidência de inquéritos policiais, onde será realizada a investigação para apurar a autoria e provas a cerca do fato criminoso. Também compete à autoridade policial presidir os termos circunstanciados, ou seja, o delegado que tomar conhecimento da ocorrência da infração penal de menor potencial ofensivo deve lavrar termo circunstanciado e encaminhar a vítima e o autor do fato ao Juizado Especial Criminal, providenciando as requisições de exames periciais necessários. Neste termo circunstanciado deve conter dados básicos de ocorrência, com a identificação do autor do fato delituoso, do ofendido e do rol de testemunhas. A autoridade policial também é competente para lavrar autos de prisão em flagrante, sendo que a competência aqui se declina em razão do local onde o elemento foi preso e não do local onde praticou o delito, sendo que se no local onde foi realizada a prisão não houver autoridade policial, pode o preso ser encaminhado ao local mais próximo. Também cabe à autoridade policial apreender objetos que tiverem relação com o fato delituoso e requisitar perícias em geral para a formalização da prova criminal. E ainda, cumprir e fazer cumprir mandados de prisão, dirigir e orientar a investigação criminal e todos os atos de polícia judiciária de uma delegacia de polícia ou qualquer outro órgão policial. Cabe ao delegado ainda, proceder à verificação e exame dos atos ilícitos chegados a seu conhecimento, tomando as providências jurídicas que o caso requer, como por exemplo, a instauração de portaria para dar início as investigações e formação do inquérito policial. Elaborar relatório no que diz respeito à conclusão do inquérito policial, observando sempre os prazos, bem como representar pela decretação judicial de prisões provisórias. Ao delegado de polícia compete também proceder a sindicâncias administrativas, processos administrativos disciplinares e expedir e fiscalizar a emissão de documentos públicos de sua competência, como também gerenciar o órgão policial em que estiver lotado. Das atribuições e ordens que emanam da autoridade policial, surgem procedimentos que devem ser realizados e cumpridos pelos policiais que o auxiliam, sendo este o assunto do próximo tópico. 2 PROCEDIMENTOS POLICIAIS BÁSICOS A polícia judiciária, em especial a Polícia Civil possui inúmeros procedimentos policias decorrentes dos deveres inerentes das suas funções, como determinada o artigo 4º, da Lei 10.994 de 18 de agosto de 1997 (RS, 1997)[11]: “Art. 4º. Compete à Polícia Civil: I. exercer as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares; II. determinar a realização de exames periciais, providenciando a adoção de medidas cautelares, visando a colher e a resguardar indícios ou provas da ocorrência de infrações penais ou a assegurar a execução judicial; III. praticar os atos necessários para assegurar a apuração de infrações penais, inclusive a representação e o cumprimento de mandado de prisão, a realização de diligências requisitadas pelo Poder Judiciário ou pelo Ministério Público nos autos inquéritos policial e o fornecimento de informações para a instrução processual; IV. zelar pela ordem e segurança pública, promovendo ou participando de medidas de proteção à sociedade e ao indivíduo; V. colaborar para a convivência harmônica da sociedade respeitando a dignidade da pessoa humana e protegendo os direitos coletivos e individuais; VI. adotar as providências necessárias para evitar perigo ou lesões às pessoas e danos aos bens públicos ou particulares; VII. organizar, executar e manter serviços de registro, cadastro, controle e fiscalização de armas, munições explosivos, e expedir licença para as respectivas aquisições e portes, na forma da legislação pertinente.” Desta forma, além de apurar infrações penais, requisitar exames periciais, cumprir mandados de prisão, para que a polícia judiciária possa cumprir corretamente com os seus deveres, deve realizar uma série de procedimentos visando a realização de um trabalho que deve beneficiar toda a comunidade, sendo assim, passa-se a analisar alguns dos principais procedimentos policiais.   2.1 Plantão Policial O plantão policial é uma atividade que ocorre vinte quatro horas nas delegacias de polícia, sendo que ficam de plantão um ou mais policiais, bem como a autoridade policial, dependendo do território da circunscrição de competência do delegado. Entre as atribuições que o delegado de plantão deve cumprir se destacam: atender as partes quando possível, determinar o registro de todas as ocorrências que lhe forem apresentadas, analisar os dados para ver a necessidade de instauração de inquérito policial, tomar conhecimento das prisões, prender e autuar em flagrante os acusados de crime, bem como lavrar o Termo Circunstanciado quando o crime for de menor potencial ofensivo. Cabe ainda a autoridade de plantão arbitrar fiança nos termos da lei e cientificar o seu substituto sobre as ocorrências que foram verificadas no seu plantão e das providências tomadas. Desta forma, como a jurisprudência é uma fonte importante de estudo e pesquisa, analisa-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde pode-se perceber que o plantão judicial ainda serve para realizar acordos, como se nota na ementa a seguir: “Apropriação indébita. Imputação feita a vendedor de ter apropriado de valores pertencentes ao empregador, relativos a mercadorias vendidas. Ausência de prova documental. Acordo celebrado entre o réu e a vitima, perante o plantão policial, com devolução parcial do dinheiro ao prejudicado, antes do oferecimento da denuncia. Pobreza probatória acentuado por não ter se logrado ouvir a vitima em juízo. Apelo provido para absolver o réu, com base no art.386, VI, do CPP. (RS, Ap. Crime 70000038463).” Nesta outra jurisprudência se exemplifica outra função a que se destina o plantão policial: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. Ação contra o Estado e contra policiais militares, por alegada injusta prisão do autor. Inexistência de provas quanto às arbitrariedades atribuídas aos PMs. Diligências policiais que redundaram na condução do autor ao plantão policial, no qual este apenas prestou depoimento, sem ter sido efetivamente preso. Sentença de improcedência confirmada por seus próprios fundamentos. Apelo improvido. (RS, Ap. Cível 70005381298).” Desta forma, o plantão policial é um mecanismo que auxilia a sociedade em horários em que muitas vezes são destinados ao descanso, não impedindo assim que as medidas de urgência como prisão em flagrante e atendimento das ocorrências sejam desprezadas pela falta de policias fora do horário de expediente. 2.1.1 Atendimento de Ocorrências Na maioria das ocorrências relatadas à polícia, poucas são aquelas que tem haver com crimes que necessitam de investigação, são na verdade emergências, como acidentes, brigas familiares com lesões corporais, problemas com menores, furtos e roubos, mas mesmo assim a polícia deve estar atenta às chamadas polícias para efetivar o seu trabalho. Quando se trata de crimes de menor potencial ofensivo o policial civil ou militar que tomar conhecimento da prática de infração penal deve fazer a comunicação para a autoridade policial da respectiva circunscrição policial e sempre que possível junto com a comunicação será apresentada a vítima,  o autor do fato e as testemunhas, para que seja lavrado o Termo Circunstanciado e os mesmos sejam encaminhados ao Juizado Especial Criminal. Quando da ocorrência de um fato criminoso o policial (civil ou militar) que primeiro atender a ocorrência deve isolar o local e comunicar o fato a autoridade policial que recebendo a comunicação deve se dirigir imediatamente ao local, sendo que ao chegar ao local deve verificar o que houve e tomar as providências cabíveis. Em nenhuma hipótese o policial, que primeiro tomar o conhecimento da ocorrência, pode negar o devido atendimento a esta, tanto o policial que estiver na rua, como o que estiver em serviço no interior da unidade policial. Com relação à diligência policial o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 169), comenta: “A diligência policial não deve ser interrompida, sob pretexto algum, principalmente, no que diz respeito à ultrapassagem de um setor para outro, de um distrito para outro ou de um município para outro. Sempre que possível, deve ser obtida prévia autorização da unidade policial na qual o executor exerce funções.” Desta forma, percebe-se que o atendimento a ocorrência deve vir em primeiro lugar, não devendo em hipótese alguma o policial deixar de cumprir com os procedimentos adequados ao caso.  Quando a ocorrência se der entre limites de municípios, esta deve ser comunicada a delegacia de polícia mais próxima, o delegado após identificar o local da ocorrência deve adotar as medidas pertinentes ao caso se o fato ocorreu em sua competência territorial ou tomar as providências imediatas e encaminhar os documentos para a autoridade competente. 2.2.1 Boletim de Ocorrência O boletim de ocorrência nada mais é do que um documento utilizado pelos órgãos policias para realizar o registro da ocorrência, notícia do crime. Estas ocorrências são registras nas delegacias de polícia onde se deram os fatos. O registro do boletim de ocorrência deve conter entre outros requisitos o respectivo número do documento, o nome do indiciado e da vítima, a hora e descrição do fato e quem dele tomou conhecimento, os danos sofridos e a identificação de testemunhas quando houver. No Estado do Rio Grande do Sul, em maio de 2001, foi implantado o Boletim de Ocorrência Único, este instrumento evita que o cidadão tenha de se dirigir a uma delegacia de polícia para registrar ocorrências consideradas leves. Pois, através deste Boletim de Ocorrência Único o registro do delito poderá ser feito pelo próprio policial militar (PM) que estiver atuando no local. Segundo a Secretaria de Segurança e Justiça do nosso Estado o Boletim de Ocorrência Único pode ser expedido na forma de Termo Circunstanciado (TC) ou de Comunicação de Ocorrência Policial (COP). Os Termos Circunstanciados são utilizados em caso de delitos de menor potencial ofensivo – com pena de até dois anos – cujo autor seja conhecido. Após o termo ser lavrado pelo Policial Militar, ele é encaminhado ao Juizado, junto com o autor do delito e a vítima, onde estará um representante do Ministério Público. Já as Comunicações de Ocorrências Policiais são aplicadas quando não há a presença do autor no momento do registro. Nesse caso, o documento é encaminhado à delegacia para investigação criminal. O Boletim de Ocorrência Único utiliza um banco de dados unificado, o que permite a padronização e o correto levantamento de informações dos crimes considerados leves no Sistema de Informações Policiais (SIP). Outra questão importante quanto ao Boletim de ocorrência é o seu valor probatório, como nele se descreve um fato, este serve como veículo de informação para a investigação de crimes e o seu valor probatório é reconhecido pelos Tribunais, como se vê nas seguintes jurisprudências: “Responsabilidade civil por acidente de trânsito. Ação de ressarcimento de danos. Transporte de mercadorias. Direito legítimo da seguradora de voltar-se contra o causador do acidente para dele haver a quantia desembolsada. Responsabilidade da transportadora por ato de seu preposto, o qual, segundo a prova dos autos, agiu com culpa. No particular, ausentes outras provas, tem o boletim de ocorrência valor probatório para apuração da culpa, até mesmo porque não infirmado pelos interessados. Desprovimento da apelação. (RS, Ap. Cível 70006171722). “ECA. ATO INFRACIONAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. PRELIMINAR: a) Maioridade civil: A maioridade civil de 21 para 18 anos de idade não tem condão de afastar as disposições estabelecidas no ECA. Adotou o legislador o critério cronológico absoluto, ou seja, a proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil. b) Laudo Social: Cada caso concreto, com suas circunstâncias e peculiaridades é que vão indicar da necessidade ou não de submeter o representado a exames junto a equipe interprofissional. Caso em que o laudo mostra-se dispensável. MÉRITO Materialidade. A materialidade está comprovada pelo boletim de ocorrência, auto de arrecadação, auto de necropsia e pelos testemunhos. Autoria. Apesar da negativa do representado, o conjunto probatório demonstrou, com segurança, a prática do ato infracional. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. Considerando a gravidade do ato infracional praticado, homicídio qualificado, com uso de arma de fogo, bem como antecedentes do apelante, impõe-se a manutenção da medida sócio-educativa de internação sem atividades externas. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO NEGADO.” (RS, Ap. Cível 70011180270). Mas, se torna evidente que o boletim de ocorrência como única prova do fato delituoso também não é suficiente para que seja considerada a prova substancial do fato, como se posiciona a jurisprudência do Tribunal gaúcho: “RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE AUTOMÓVEL EM ESTACIONAMENTO DE SHOPPING. PROVA INSUFICIENTE DA OCORRÊNCIA DO FURTO. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR NÃO COMPROVADO. 1 – Ação de ressarcimento proposta contra shopping, em razão de furto de automóvel. Inexistência de prova nos autos a demonstrar que o veículo foi efetivamente furtado do estacionamento do shopping. 2 – O boletim de ocorrência, narrando o furto do mencionado veículo, não é prova insofismável de que o veículo efetivamente foi subtraído do local indicado pela autora. Declarações unilaterais da proprietária. Análise conjuntural da prova. Prova testemunhal frágil. Apelo do réu provido”. (RS, Ap. Cível 70016652505). Como se evidencia, o boletim de ocorrência é um procedimento policial importante tanto para ajudar a polícia judiciária em investigações de fatos criminosos, como para auxiliar com outras provas o informante quando do processo judicial. 2.3 Diligências Policiais As diligências policiais são procedimentos realizados pela polícia e que somente podem ser efetuadas com a determinação e o conhecimento do delegado de polícia para apurar os fatos e investigar os crimes. Com relação à determinação das diligências, o Juiz não pode determiná-las, mas sim requerê-las a autoridade policial, sob pena de ferir o sistema acusatório, como já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “CORREIÇÃO PARCIAL. DECISÃO EX OFFICIO. BAIXA DOS AUTOS À DP PARA EFEITOS DE RECONHECIMENTO DO RÉU. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. O Juiz não pode, pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988, determinar diligências policiais, especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas. No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, devendo ter, portanto, suas garantias individuais (constitucionais) respeitadas. A regra é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estado-juiz. Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora, com a definição constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática, vedando a iniciativa ex officio na produção da prova. Correição acolhida, por maioria”. (RS, Correição Parcial 70014869697). Pode ocorrer que a diligência seja de urgência, sendo que nesta hipótese pode se realizar sem a autorização da autoridade policial, mas deve ser dada a comunicação imediata ao delegado, sendo que se este entender que a diligência é irregular pode determinar que a mesma seja paralisada, ou ainda pode se dirigir ao local e se interar dos fatos. Segundo o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 214), diante da impossibilidade do delegado realizar pessoalmente a diligência, os policiais devem tomar as seguintes providenciais: “Quando da impossibilidade da autoridade policial realizar pessoalmente a diligência, os policiais que dele participam devem elaborar relatório, informando: a) nome, qualificação e endereço do preso; b) local, hora e motivo da prisão; c) valores, objetos, substâncias entorpecentes ou armas eventualmente apreendidas; d) nome, qualificação e endereço das testemunhas que presenciarem os fatos; e) qualquer incidente verificado no curso da diligência e os demais dados que ao caso se apresentarem relevantes; f) relação completa dos policiais civis que tomaram parte na diligência.” Quando da ocorrência de diligências, os policias devem zelar pelos direitos e pela privacidade das pessoas que são investigadas ou até mesmo presas, a fim de que estas ou seus familiares não sofram prejuízos decorrentes da exposição, sendo passíveis de ação por danos morais, quando o caso. O que não pode ser confundido com informações que muitas vezes são indispensáveis para que o fato delituoso seja solucionado, como entende também o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. Ação contra o Estado. Descoberta de feto em banheiro de escola estadual. Comunicação do ocorrido à autoridade policial, feita por Vice-Diretora do educandário, a qual também informou que, na mesma ocasião, uma aluna (a autora) fora dispensada por estar acometida de fortes cólicas. Informação que envolveu a demandante em diligências policiais. Fato que significava evidência de possível crime, sendo a Direção da escola obrigada a levá-lo ao conhecimento da autoridade, pois sua omissão caracterizaria contravenção penal (art. 66, I, LCP). Também se impunha o fornecimento de informações que auxiliassem na apuração do evento, aí se inserindo o comunicar a respeito da dispensa da aluna, por motivo que poderia, em tese, ter vinculação com a descoberta do feto. Atitude que não se revestiu de dolo ou culpa. Ausência de ilicitude na conduta. Improcedência da ação. Provimento do apelo do réu, prejudicado o apelo da autora. (RS, Ap. Cível 70007234198). Não configura também causa de dano moral nem erro dos policiais quando a imprensa se detém em publicar o que consta no Boletim de Ocorrência, como entendimento exposto pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “DANO MORAL. IMPRENSA. Matérias jornalísticas a respeito de diligências policiais, nas quais constou o nome do autor. A narrativa dos fatos, quanto à atuação do autor, meramente reproduziu o conteúdo de boletim de ocorrência, cujo teor originara-se de declarações do próprio demandante. Não se vislumbra ilicitude na conduta do réu, nem ocorrência do alegado prejuízo. Sentença de improcedência confirmada por seus próprios fundamentos. Apelo improvido.” (RS, Ap. Cível 70005357157). Sendo assim, a partir da ocorrência da notícia de um fato criminoso, as diligências policias são essenciais para a apuração da autoria e das circunstâncias do crime. 2.4 Furto e Roubo O furto se dá contra o patrimônio mobiliário onde o legislador tutela a coisa móvel, conforme determina o artigo 155 e segs. do Código Penal. A polícia deve dispor de planos e diligências para investigar e romper com organizações e gangues que se unem para praticar ilícitos, como furtos e roubos, a exemplo do que a Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul organiza para apurar estes crimes. O plano de ação da Polícia Civil do Estado Gaúcho, para combater o roubo de veículos é um exemplo, prevendo a integração operacional do Departamento de Investigação Criminal, com os departamentos de Polícia Metropolitana (DPM) e do Interior (DPI), tendo esta ação o objetivo de exercer fiscalização diária e realizar operações esporádicas (semanais) de grande porte, principalmente em desmanches e oficinas mecânicas, ferros-velhos, estacionamentos abertos, feiras e revendas de automóveis. Este trabalho consiste, também, na identificação de pessoas detidas pela prática dos delitos em questão, ampliando-se assim um cadastro para cruzamento de informações. Ainda para auxiliar nos procedimentos policias no Estado do Rio Grande do Sul, foi criada a Delegacia on line, onde a vítima de furto pode registrar o objeto furtado ou identificar se o objeto já foi recuperado, podendo ser acessada através do site da polícia civil. Pela delegacia on line as ocorrências são recebidas e analisadas por policiais do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), que têm prazo de 48 horas para repassar os casos às delegacias.  As informações recebidas na delegacia on-line serão encaminhadas ao DPM, que filtrará as ocorrências para detectar possíveis trotes ou casos em que não for confirmada veracidade do fato. O dispositivo utilizado pelos agentes do DPM comparará os números do código de pessoa física (CPF) e do registro geral (RG) com o nome da pessoa que preencher o boletim de ocorrência (BO). 2.5 Acidentes de Trânsito Na ocorrência de acidente de trânsito envolvendo vítima, os policiais que atenderem a ocorrência devem encaminhar os dados para a delegacia para a elaboração do boletim de ocorrência. Nos casos onde a autoria for conhecida a instauração de inquérito policial ou a lavratura do termo circunstanciado é feita pela delegacia na circunscrição onde o fato ocorreu. Nos crimes onde não se figuram vítimas, mas somente prejuízos materiais, dependendo do acerto das partes envolvidas pode se dar ou não o registro da ocorrência. O Boletim de ocorrência que for lavrado em decorrência de acidente de trânsito envolvendo danos materiais pode servir como prova judicial juntamente com outras, como demonstra a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “APELAÇÃO CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA. DANOS MATERIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA LIDE SECUNDÁRIA. JUROS DE MORA. 1. Age com culpa exclusiva a motorista que, trafegando pela pista central, desloca o veículo para a esquerda, para adentrar em via perpendicular à trafegada, cortando a frente do veículo que trafegava à sua esquerda, de forma regular. 2. Danos materiais devidamente comprovados pelas fotografias, pelo Boletim de Ocorrência e pelos orçamentos acostados aos autos. Adotado o orçamento de menor valor e não havendo demonstração de que este é excessivo, vai mantido o valor da condenação a título de danos materiais. 3. A sucumbência da lide secundária não se confunde com a sucumbência da lide principal, porque se tratam de relações jurídicas processuais distintas, que envolvem pretensões diversas e litigantes diversos. Necessidade de nova fixação dos ônus da sucumbência, de forma separada. 4. Juros de mora a contar do evento danoso, conforme Súmula 54 do STJ. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.” (RS, Ap. Cível 70016272692). Os acidentes de trânsito também podem ser registrados, no estado do Rio Grande do Sul, pela Delegacia on line, proporcionando mais agilidade aos casos, desde que estes apenas possuam danos materiais. 2.6 Menor Em face da legislação especial de que dispõe a criança e o adolescente, legislação esta que visa a sua assistência, proteção e vigilância, estes estão sujeitos a uma série de restrições e impedimentos, entre eles: a entrada e permanência em sala de espetáculos teatrais, de televisão e congêneres se menor de 10 anos e desacompanhados dos pais; a entrada de menor de 18 anos em casas de jogos, entre outros. Quando o menor estiver em situação irregular o delegado de polícia de plantão deve encaminhar o menor à autoridade judicial competente em caso de flagrante ato infracional de natureza grave, não sendo este o caso, o menor deve ser entregue aos pais ou responsáveis. O menor pode ainda cometer atos infracionais, que são também descritos como crimes ou contravenções penais. Como os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis estão sujeitos as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA[12]), sendo considerada a idade do menor na data da prática do fato ilícito. Segundo o artigo 2º do referido estatuto é considerada criança a pessoa até doze anos de idade e adolescente as pessoas de 12 a 18 anos. Desta forma se um indivíduo cometer um ato ilícito quando na data do fato tiver uma dessas idades, deve ser seguida então às regras do ECA. O menor infrator que for apreendido em flagrante de ato infracional deve ser encaminhado para a autoridade policial competente, sendo que se houver na circunscrição do ato uma repartição especializada para o atendimento dos adolescentes será este diretamente levado para esta modalidade de delegacia. Após lavrado o auto de apreensão o adolescente deve ser liberado pela autoridade policial e encaminhado aos responsáveis, sob o termo de compromisso e responsabilidade de apresentarem o adolescente ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou em dia imediato. Em caso da autoridade policial não liberar o adolescente em virtude da gravidade do ato infracional, o delegado deve encaminhar o adolescente a entidade de atendimento que fará a apresentação ao Ministério Público no prazo de 24 horas. Se na localidade onde ocorreu o ato infracional e se encontra o adolescente não houver estabelecimento adequado e de repartição policial especializada, o adolescente aguardará a sua apresentação ao promotor em dependência separada da destinada aos maiores, não podendo a apresentação exceder às 24 horas. Deve a autoridade policial ter atenção para o fato de que o adolescente a quem se atribui à prática de ato infracional, não poderá ser conduzido em compartimento fechado de veículo policial, em condições que atentem para a sua dignidade e que impliquem em risco a sua integridade física e mental. Em se tratando da Polícia Federal, a autoridade policial deve entregar as crianças infratoras aos seus pais ou responsáveis sob termo de responsabilidade ou na falta destes entregar ao Juiz responsável pela Vara da Infância e juventude ou ao Juiz que esteja exercendo a função no momento. Quando se tratar de flagrante ato infracional produzido por adolescente, comenta o ator Luiz Carlos Rocha (2002, p. 466 ): “Quando se tratar de ato infracional de adolescente, o delegado adotará uma das seguintes providências: a) encaminhamento a delegacia especializada da localidade, juntamente com objetos apreendidos e as pessoas maiores de 18 anos que possivelmente tenham sido presas junto com o adolescente; b) onde não houver delegacia especializada lavrará auto de apreensão ou boletim de ocorrência circunstanciado, na forma do artigo 173[13], do ECA, observando sempre o disposto nos artigos 174[14] e 175[15] do mesmo estatuto.” Desta forma, deve o delegado da polícia federal seguir praticamente as mesmas regras do policial civil, ou seja, liberar e entregar aos pais ou responsáveis sob termo de apresentar ao promotor, e se não liberado o adolescente apresentar este em 24 horas ao representante do Ministério Público, com a cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência. Como se analisa, a matéria pertinente a criança e ao adolescente deve ser muito bem observada pela autoridade policial e também pelos policiais envolvidos no caso, ao se deparar com um ato infracional praticado por um indivíduo que se enquadra no perfil amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.7 Pessoas Desaparecidas A pessoa desaparecida geralmente é procurada pela família, amigos e até mesmo pela polícia, sendo que num primeiro momento quando percebido que a pessoa desapareceu as pessoas próximas devem fazer uma busca em hospitais, prontos socorros, casa de parentes e se não encontrada deve o interessado se dirigir a uma delegacia de polícia para fazer o registro do desaparecimento, no caso do Estado do Rio Grande do Sul, a pessoa interessada também pode fazer o registro pela delegacia on line. A autoridade policial que estiver de plantão e que receber a comunicação do desaparecimento deve verificar se trata-se de desaparecimento ou abandono do lar. Verificando que se trata de desaparecimento o delegado deve mandar registrar o caso em boletim de ocorrência e mandará também expedir telex aos demais órgãos policiais. 2.8 Vítimas O delegado de polícia ou os policiais que atenderem a ocorrência que envolvam vítimas, devem procurar comunicar os parentes e familiares imediatamente sobre o destino dado a vítima. Os objetos que eventualmente sejam encontrados com as vítimas devem ser arrecadados pela autoridade policial, através de instrumento próprio, para posterior entrega. As vítimas e testemunhas que por ventura sofram com ameaças em virtude de colaboração com as investigações têm direito a proteção às vítimas e testemunhas, instituído pela Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.  2.9 Juizado Especial Criminal O Juizado Especial Criminal, instituído pela lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, trata das infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, são aquelas ações classificadas como contravenções penais e os crimes que a lei determina pena máxima de reclusão ou detenção não superior a um ano, ressalvados os casos em que a lei preveja procedimento especial. Quanto às contravenções penais se aplicam o procedimentos do Juizado Especial Criminal, todas as previstas na Lei de Contravenções Penais, ainda que com pena máxima superior a um ano. Na Justiça Federal existe também os Juizados Especiais que foram instituídos pela lei 10.259, de 12 de julho de 2001, sendo que este juizado é competente para processar e julgar os crimes da Justiça Federal de menor potencial ofensivo de até dois anos. Com esta diferença de tempo, entre o Juizado Espacial Estadual e o Federal, para definir a infração de menor potencial ofensivo, por beneficiar o acusado e também por analogia, em cumprimento ao princípio da isonomia, devem ser os dois anos de pena estipulados para a Justiça Federal também aplicados na Justiça Especial Estadual. Sobre esta diferença de tempo entre os dois Juizados e suas conseqüências a jurisprudência ensina: “APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA. ART. 10, CAPUT DA LEI 9.437/97. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 2º, § ÚNICO DA LEI 10.259/01. COMPETÊNCIA DO JEC. Com a edição da Lei 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Criminais da Justiça Federal, houve a derrogação do art. 61 da Lei 9.099/95. Via de conseqüência, restou ampliada a definição de infração de menor potencial ofensivo. Em face do princípio da isonomia, insculpido no artigo 5º da CF, aplica-se aludida norma na Justiça Estadual. Aplicação imediata e retroativa. Feito que iniciou com Termo Circunstanciado e, ao que tudo indica, tramitou no Juizado Especial Criminal. Competência recursal da Turma Recursal Criminal. DECLINADA A COMPETÊNCIA.” (RS, Ap. Crime 70012248670). Com relação a estes crimes, não se faz inquérito policial e sim Termo Circunstanciado (TC), que deve conter os dados básicos da ocorrência, contendo: o nome do autor, o nome da vítima e o rol de testemunhas, mas o inquérito não é totalmente abolido, pois segundo o artigo 77, § 2º, da Lei 9.099/95, se o caso for mais complexo e o Representante do Ministério Público não encontrar elementos suficientes no Termo Circunstanciado (TC) pode requerer ao Juiz o encaminhamento ao Juízo comum para que se proceda ao inquérito para apurar melhor os fatos. Com relação a este deslocamento de competência a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entende: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TERMO CIRCUNSTANCIADO. ART. 47 DA LPC. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA EM OUTRA COMARCA. PRINCÍCIO DA CELERIDADE. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA. A complexidade apta a justificar o deslocamento da competência ao juízo comum, como medida excepcional que é, deve ser entendida como aquela que não se coaduna com os princípios que norteiam a tramitação dos processos perante os Juizados Especiais, previstos no art. 62 da Lei nº 9.099/95. A necessidade de expedição de carta precatória para ouvida de testemunha, não se mostra bastante a deslocar a competência para o juízo comum. Providência que não se mostra incompatível com o procedimento sumaríssimo do JEC. Inexistência de afronta ao princípio da celeridade processual, notadamente porque o Ministério Público pretende a ouvida de uma única testemunha. Precedentes desta Corte. Competência do Juizado Especial Criminal para o processamento do feito. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE, AO FIM DE FIRMAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA APRECIAÇÃO DO FEITO.” (RS, Conflito de Competência 70015496805). Segundo alguns dos doutrinadores, entre eles Luiz Carlos Rocha e Carlos Alberto dos Rios, entendem que a autoridade policial deve encaminhar junto com o Termo Circunstanciado (TC), se houver, a ficha de antecedentes criminais do autor do fato delituoso. Com relação à prisão em flagrante o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 473), afirma: “Quanto à prisão em flagrante, não será formalizada, nem será imposta fiança, desde que o autor do fato delituoso seja, imediatamente, encaminhado ao Juizado Especial Criminal ou assuma o compromisso de a ele comparecer, no dia e hora designados. Caso contrário, se não assumir o compromisso ao se não tiver identificação, residência fixa, for reincidente ou vadio, será autuado em flagrante.” No Estado do Rio Grande do Sul, o Termo Circunstanciado obedece a portaria nº. 172, de 16 de novembro de 2000, onde constam as seguintes determinações: “I – Todo policial, civil ou militar, é competente para lavrar o Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. II – A lavratura do Termo Circunstanciado por policiais militares somente ocorrerá nas Comarcas em que houver acordo sobre o tema entre a Polícia Estadual e o(s) representante(s) do Ministério Público. III – O Termo Circunstanciado deverá ser lavrado no próprio local da ocorrência, pelo policial que a atender, e encaminhado no mesmo dia ao juizado Especial. IV – A Polícia Civil e a Brigada Militar elaborarão conjuntamente, no prazo de 90 dias, modelo a ser utilizado pelos policiais na lavratura dos Termos Circunstanciado. V – Do modelo a que se refere o item anterior deverão constar obrigatoriamente: um campo destinado à identificação daquele que é apontado como autor do suposto fato delituoso; um campo destinado à identificação da suposta vítima, ou vítimas; uma campo destinado à identificação das testemunhas, se houver, um campo destinado ao relatório sucinto da ocorrência, do qual deverão constar, sempre que possível, as versões para o fato apresentadas pela suposta vítima, ou vítimas, e do(s) suposto(s) autor(s) do fato delituoso: um  campo destinado à descrição dos documentos ou exames periciais solicitados ou juntados; um campo destinado à descrição dos objetos coletados ou aprendidos; um campo destinado ao registro da representação da vítima, e um campo destinado ao termo de compromisso de comparecimento ao Juizado Especial por parte do(s) apontado(s) como autor(es) do fato delituoso. VI – Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação. VII – Revogam-se as disposições em contrários, em especial a Portaria nº. 39/SJS-97.”[16] 2.10 Exames Periciais Nos exames periciais o delegado deve determinar de ofício que se proceda ao exame de corpo de delito e outras perícias, a partir do momento em que tomou conhecimento da infração penal e se assim haver necessidade. Segundo o que dispõe o artigo 169, do Código de Processo Penal, quando se trará de exame do local do crime, a autoridade policial deve isolar o local, para que não sejam alteradas as circunstanciais do fato até a chegada dos peritos que procederão de maneira a resguardar as evidencias e as provas do crime ocorrido. O órgão competente, no Estado do Rio Grande do Sul, para realizar perícias é o Instituto-Geral de Perícias (IGP) cuja existência é autônoma da segurança pública do Estado do Rio Grande do Sul, foi prevista na Constituição Estadual, promulgada em 1989, pelo artigo 124, então com o nome de Coordenadoria-Geral de Perícias. Em 1997, no dia 17 de julho, com a Emenda Constitucional 19, o Instituto-Geral de Perícias assumiu a atual nomenclatura, sendo então, considerada essa data a de aniversário deste órgão de segurança. Este instituto é comandado por um perito de notório conhecimento na função, sendo de livre escolha, nomeação e exoneração, pelo Governador do Estado. O Instituto-Geral de Perícias é um dos órgãos vinculados a Secretaria da Justiça e da Segurança, ao lado da Brigada Militar, da Polícia Civil, da Susepe e do Detran, ao qual compete, além de outras atribuições, especialmente: as perícias médico-legais e criminalísticas, os serviços de identificação, o desenvolvimento de estudos e pesquisas em sua área de atuação. Compõem o Instituto-Geral de Perícias: o Departamento de Criminalística, o Departamento de Identificação, o Departamento Médico Legal e os Laboratórios de Perícia. O Departamento de Criminalística é dividido por seções que realizam determinadas funções, sendo que a Seção de Levantamento de Locais é onde se realizam os levantamentos perinecroscópicos, fotográficos e topográficos em locais de crimes. Também, nesta seção se realizam as reconstituições, levantamentos papiloscópicos, exames em fitas magnéticas e perícias em casos de crimes ambientais. Ainda dentro do Departamento de Criminalística situa-se a Seção de Engenharia-legal que realiza trabalhos perícias em locais de incêndios, danos, desabamentos, desmoronamentos, explosões, esta seção também realiza perícias em veículos automotores, máquinas e numerações identificadoras de veículos. Na Seção de Balística Forense são realizadas as perícias em armas de fogo, visando determinar o funcionamento de seus mecanismos de disparo, bem como perícias em munições visando determinar calibre, distância, etc. Na Seção de Documentoscopia Forense são realizadas as perícias em grafismos, dizeres mecanográficos e impressos, esta seção realiza ainda a comparação de tintas, selos, alterações físicas em documentos, CDs, fitas cassete e equipamentos de informática. E por fim, ainda integra o Departamento de Criminalística a Seção de Fotografia onde é realizada a coleta, processamento e elaboração de imagens para as áreas de Criminalística, Medicina-Legal e de Identificação Civil e Criminal. Ainda integrando a Instituto-Geral de Perícias tem-se o Departamento de Identificação (DI) a quem compete processar a identificação civil e criminal, inclusive post mortem e elaborar e também expedir as carteiras de identidade, atuando em Porto Alegre e em 288 postos no interior do Estado. Dentro da estrutura do Instituto-Geral de Perícias tem-se o Departamento Médico-Legal (DML), que tem como principal função a perícia em pessoas vivas ou cadáveres, objetivando a prova material dos fatos ocorridos. Este departamento encontra-se estruturado em seções como o Departamento de Criminalística e é composto pela Seção de Perícias Diversas que se destina a emitir pareceres para o Poder Judiciário, Ministério Público, etc. bem como realiza consultorias internas e externas e ainda perícias em documentos médico hospitalares nos casos de erro médico. Faz parte do Departamento Médico-Legal, ainda, a Seção de Ensino e Pesquisa, sendo que esta seção é a encarregada de realizar a integração com entidades de ensino, visando proporcionar aos alunos o contato com trabalho pericial nas dependências do Departamento Médico Legal e também, proporcionar aos peritos, acesso aos recursos tecnológicos desta entidade. Ainda existe a Seção de Perícias Clínicas onde se realizam exames em pessoas vivas, nas seguintes áreas: Traumatologia, Sexologia e Odontologia. A Seção de Perícias Tanatológicas que é responsável pela realização das atividades de Remoções Fúnebres, Necropsias, Necropsias pós exumação. E, ainda, os Postos Médico-Legais que prestam o serviço pericial médico-legal no interior do Estado. Finalizando a composição do Instituto-Geral de Perícias, encontram-se o Laboratório de Perícias, onde se realizam exames em drogas apreendidas, exames toxicológicos post morten e ante morten (exames toxicológicos em urina e sangue para determinar a presença de álcool etílico, metabólicos de cocaína e maconha, anfetaminas, venenos, etc.), exames residuográficos de tiros, exames de DNA, exames hematológicos, etc. Como pode-se analisar as perícias são de suma importância para a descoberta de provas e na ajuda para a descoberta da autoria de crimes, sendo fundamental para a polícia judiciária no cumprimento do seu papel. 2.11 Prisão Prisão consiste na privação de liberdade que é determinada por ordem escrita, do juiz, do delegado de polícia, no caso de flagrante delito, ou ainda por comandante militar em transgressões disciplinares, conforme o artigo 5º, LXI e LXV da Constituição Federal. Para compreender melhor os tipos de prisões elencados abaixo, é importante mencionar o conceito de prisão penal, que é aquela que ocorre depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A partir deste conceito, passa-se a conhecer, as outras modalidades de prisão, também importantes dentro dos procedimentos policiais. 2.11.1 Modalidades de Prisão Existem algumas modalidades de prisão, entre elas a prisão em flagrante, a prisão temporária, a prisão preventiva, a prisão especial, entre outras, sendo que além de muito estudadas no âmbito policial, estas modalidades de prisão possuem também vasta importância e análise em termos jurisprudenciais. 2.11.1.1 Prisão em Flagrante A prisão em flagrante é aquela que ocorre no instante em que o crime é praticada enquanto o criminoso ainda está fugindo do local onde o crime se realizou. O artigo 301, do Código de Processo Penal, traz a determinação de que qualquer do povo poderá e as autoridades devem prender qualquer pessoa que se encontre em flagrante delito. Já o artigo 302, do mesmo dispositivo legal, menciona o momento em que se considera a ocorrência do flagrante, ou seja, quando o agente está cometendo a infração penal, acaba de cometê-la, quando perseguido se presuma ser o autor da infração ou é encontrado logo depois da infração com os instrumentos usados que façam presumir ser o autor do fato.  Seguindo os incisos do já mencionado artigo 302, do Código de Processo penal, existem algumas espécies de flagrantes, sendo que fazem parte desta classificação o flagrante propriamente dito que se dá quando o agente está cometendo ou acabou de cometer a infração penal. O quase flagrante ocorre quando o agente é perseguido pela autoridade policial ou outra pessoa e que o suspeito faça presumir ser o mesmo o autor do crime. O flagrante presumido existe quando o agente se encontra com instrumentos, armas ou objetos que façam presumir ser ele o autor da infração penal. A respeito dos tipos de flagrante a jurisprudência se posiciona: “HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. FLAGRANTE IMPRÓPRIO . PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1.FLAGRANTE IMPRÓPRIO OU QUASE FLAGRANTE. Ocorre quando o agente é perseguido, logo após o crime, em situação que faça presumir ser o autor da infração. 2.PREVENTIVA. REQUISITOS. A prisão preventiva, embora implique sacrifício à liberdade individual, é ditada por interesse social, e sua decretação se impõe sempre que presentes quaisquer dos requisitos do art. 312 do CP. No caso, subsiste decreto de prisão preventiva fundamentado na garantia da ordem pública. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.” (RS, HC 70009173170). “Hábeas corpus. Furto qualificado. Prisão em flagrante. Caracterização conceitual do flagrante presumido. Acusado flagrado horas após a rapina na posse da res furtiva e trazendo consigo objetos pessoais da vítima além de uma chave mixa. Legalidade da prisão. Ordem denegada.” (RS, HC 70006733240). A autoridade competente para proceder a lavratura do auto de prisão em flagrante é aquela do local onde ocorreu a prisão e não o local do delito, não havendo delegacia no local da prisão deve o agente ser apresentado no órgão competente mais próximo. Após a prisão em flagrante, pode ser decretada a prisão preventiva do criminoso, desde que com o devido requerimento da autoridade policial e comprovação que o individuo possua alta periculosidade e antecedentes, como pode-se observar na decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul: “HABEAS-CORPUS. PRISÃO CAUTELAR. PACIENTE QUE REGISTRA DIVERSAS CONDENAÇÕES E INDÍCIOS DE INTEGRAR A FAMIGERADA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DO PCC ORIUNDA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO PAULISTA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ART. 312, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MANUTENÇÃO. No caso em comento, o fumus delicti foi demonstrado pela prova material e pelos relatos dos policiais militares, que efetuaram a prisão em flagrante do paciente. Por outro lado, também se verifica na hipótese concreta o periculum libertatis, pois os fatos criminosos, dos quais está sendo acusado, não são isolados na vida pregressa do paciente, já que possui diversas condenações. Esta Colenda Câmara, na esteira de precedentes dos Tribunais Superiores, admite a decretação da custódia preventiva, com base na garantia da ordem, pública, nos casos em que o agente apresenta antecedentes criminais. Além disso, de acordo com a manifestação da autoridade policial, se trata de paciente com acentuada periculosidade, pois é suspeito de integrar a famigerada organização criminosa do PCC Primeiro Comando da Capital oriunda do sistema penitenciário paulista sendo um dos agentes supostamente responsáveis pela ramificação da quadrilha em nosso Estado. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. PECULIARIDADES DO PROCESSO PRINCIPAL QUE JUSTIFICAM A DILAÇÃO DO PRAZO PARADIGMA CRIADO PELA JURISPRUDÊNCIA. Não há se falar, por ora, em constrangimento ilegal, pois o marco paradigma de oitenta e um dias para a formação da culpa, criado pela jurisprudência, não é estanque nem peremptório, ou seja, pode ser flexibilizado conforme as peculiaridades do caso concreto. Isto porque se trata de caso complexo, em que figuram quatro acusados no pólo passivo da relação processual, sendo diversos os crimes pelos quais foram denunciados. Além do mais, não logrou a impetrante demonstrar qualquer desídia por parte do Ministério Público ou do Juízo na condução do processo que justificassem a ocorrência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.” (RS, HC 70016547309). A apresentação do preso à autoridade policial, não implica na obrigatoriedade deste lavrar o auto de prisão em flagrante, sendo que quando o auto de prisão for lavrado, o delegado poderá relaxá-lo da prisão, se das declarações prestadas não resultarem suspeitas sobre o preso. 2.11.1.2 Prisão Preventiva O delegado de polícia, durante as investigações ou no relatório do inquérito, pode representar ao juiz, solicitando a prisão preventiva do indiciado. Essa prisão é de origem cautelar que pode ser decretada pelo juiz, podendo ser decretada em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, até a sentença, mediante representação da autoridade policial e a requerimento do Ministério Público ou do querelante, sempre que forem atendidos os requisitos legais.  O juiz só pode decretar a prisão preventiva para os crimes dolosos punidos com reclusão, detenção e no caso de reincidência, se ficar demonstrado que o indiciado seja o autor do fato delituoso. Desta forma, os pressupostos para que se dê a prisão cautelar são a existência de prova da ocorrência do crime e que existam indícios suficientes da sua autoria. Nos crimes punidos com reclusão a prisão é decretada como garantia da ordem pública, nos crimes punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio e quando ocorrer a hipótese de reincidência em sentença transitada em julgado, salvo se entre a data do cumprimento ou da extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 anos. A prisão preventiva pode ser revogada a pedido da defesa quando no decorrer do processo não houver mais justificativa para que o indiciado assim permaneça. Deve o advogado recorrer da representação, juntando documentos que provem ter o indiciado nome definido e qualificação certa, residência fixa, emprego estável, bons antecedentes e também que o indiciado não demonstre perigo para a ordem pública e que também não impeça a aplicação da lei penal, conforme o artigo 312, do Código Processo Penal. Com relação aos requisitos da prisão preventiva, a jurisprudência se pronuncia da seguinte forma: “PRISÃO PROVISÓRIA. REQUISITOS. Para a decretação da prisão preventiva, ou manutenção da provisória em decorrência de flagrante, é indispensável prova da existência do crime e suficientes indícios de autoria, como determina a lei. Embora esta (prova) prescinda da certeza que se exige para a condenação, há a necessidade dela, não bastando mera suspeita ou indícios. Assim, se mostra constrangedora a determinação da detenção antecipada, quando o Ministério Público, em vez de denunciar o paciente com as peças encaminhadas pela autoridade policial, solicita diligências. Isto é um sinal que não há, no momento, ou prova da existência do crime ou indício suficiente da autoria ou ambos. DECISÃO: Hábeas corpus concedido. Unânime.” (RS, HC 70017265455). Cabe ao juiz, em cada caso, analisar os autos e perquirir se existem provas para que o indiciado continue preso, não bastando apenas indícios da autoria.  2.11.1.3 Prisão Temporária Quando da elaboração do inquérito policial, o delegado pode representar ao juiz, solicitando a prisão temporária do acusado ou indiciado de crimes considerados graves, que não tiver residência fixa ou que não fornecer dados que esclareçam a sua identidade, como medida imprescindível as investigações. Com relação à prisão temporária o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 193-4), comenta: “A prisão temporária será decretada pelo juiz competente, quando for imprescindível para as investigações para as investigações do inquérito policial, quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; ou ainda quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, etc.” Esta modalidade de prisão será decretada pelo juiz em função de representação da autoridade policial, ouvido sempre o Ministério Público e também a requerimento deste órgão.      Com relação ao despacho do juiz, que decretar a prisão temporária este deve ser fundamentado e despachado em vinte e quatro horas, contados a partir da representação do Ministério Público ou da representação do delegado. O juiz também pode ainda determinar informações e esclarecimentos antes de despachar a sua decisão. Quando ocorrer a decretação da prisão, o mandado será expedido em duas vias, uma delas será entregue ao indiciado e servirá de nota de culpa, sendo que somente após a expedição do mandado é que a prisão pode ser executada. O prazo é de cinco dias para a prisão temporária, podendo o prazo ser decretado por mais cinco dias em caso de extrema necessidade, conforme artigo 2º, da Lei 7.960/89, mas em exceção, a Lei 8.072/90, lei dos crimes hediondos, estabelece que a prisão temporária terá o prazo de trinta dias, que poderá ser prorrogado por mais trinta em caso de extrema  e comprovada necessidade. Quando decorrer o prazo da prisão temporária o preso deve ser posto imediatamente em liberdade, salvo se a prisão preventiva já estiver decretada, sendo que os presos temporários deverão permanecer obrigatoriamente em separado dos outros detentos. A jurisprudência coleciona decisões a respeito da prisão preventiva, cabendo aqui citar o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A PESSOA. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTIGO 121-§ 2º-IV, DO CP). Prisão temporária e posterior preventiva decretadas por decisões fundamentadas, calcadas em circunstâncias concretas do caso, autorizadoras da medida excepcional. Embora ocorrido o fato em 08.04.04, somente em 22.08.06 conseguiu a autoridade policial coletar o depoimento de uma testemunha, apontando o paciente como seu autor. Custódia que se justifica para garantir a ordem pública, abalada com a impunidade por dois anos, bem como para assegurar a lisura da instrução, evitando a indevida intromissão do paciente na mesma, sendo latente o temor das pessoas em prestar declarações sobre o fato. O âmbito estreito do hábeas corpus não comporta aprofundado exame da prova, inviabilizando análise sobre a invocada legítima defesa. Primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa não são obstáculo para a manutenção da custódia prévia, nem atenta esta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Ausência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA.” (RS, HC 70016948036). Ainda com relação à prisão temporária e sua apreciação haverá um plantão do Poder Judiciário e do Ministério Público de vinte quatro horas que servirão para analisar os pedidos desta modalidade de prisão.  2.11.1.4 Prisão Especial Em virtude de cargo ou função, determinadas pessoas possuem a prerrogativa da prisão especial, quando estas estiverem sujeitas a prisão antes da condenação definitiva. O Código de Processo Penal, em seu artigo 295, dispõe os personagens que tem direito a prisão especial, entre eles os Ministros de Estado, os Governadores, os Magistrados, os Ministros do Tribunal de Contas, etc. Além das pessoas elencadas no Código de Processo Penal, existem outras leis que possibilitam este privilégio como, por exemplo, aos Oficiais da Marinha Mercante, funcionários da Polícia Civil, advogados, etc. Nas localidades onde não houver estabelecimento específico para a prisão especial o preso será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento prisional. Na prisão especial o preso terá alguns direitos assegurados, como: alojamento condigno, alimentação, recreio, visita de parentes e amigos em horário previamente fixado, assistência médica particular, transporte diferente do empregado para os presos comuns. Sobre a prisão especial, menciona-se a seguinte jurisprudência: “AGRAVO EM EXECUÇÃO. FURTO QUALIFICADO. 1. CONDENAÇÃO PROVISÓRIA. REGIME ABERTO. PRISÃO DOMICILIAR. A prisão domiciliar é restrita as hipóteses previstas no art.117 da LEP, admitida, excepcionalmente, quando não houver local adequado para a prisão especial. Não existindo estabelecimento para o preso especial (Albergue), poderá ser ele recolhido no estabelecimento carcerário coletivo, desde que em cela distinta dos demais e atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. Inteligência do art. 295 do CPP, com redação da Lei nº. 10.258, de 11.7.01. À unanimidade, negaram provimento ao agravo.” (RS, Agravo 70005952247). Transitada em julgado a decisão penal condenatória o juiz irá determinar a transferência do réu para prisão comum por meio de Guia de Recolhimento. 2.12 Mandados de prisão Nos termos do artigo 5º, LXI, da Constituição Federal, cabe ao juiz expedir ordem de prisão, que se denomina mandado de prisão e que possui formalidades necessárias para evitar abusos dos executores. O autor Fernando da Costa Tourinho Filho (1986, p. 460), comenta: “A falta de qualquer das formalidades acarreta a inexistência da ordem de prisão.”[17] Entre estas formalidades é essencial a assinatura da autoridade competente bem como a individualização da pessoa que deve ser presa. Segundo o artigo 286, do Código de Processo Penal, o mandado será feito em duplicata devendo o executor da prisão entregar uma cópia para o preso, sendo que este deve passar recibo para a pessoa responsável pela execução da prisão, se caso o preso não quiser ou não souber assinar, este fato constará em declaração assinada por duas testemunhas. No Estado do Rio Grande do Sul, o órgão responsável pelo cumprimento de mandados de prisão é tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar, sendo que nestes casos serão auxiliadas pelos Grupos de Operações Especiais de cada polícia. Dentre os procedimentos policiais, como a prisão, o registro de ocorrências, ainda são assim considerados o inquérito policial e as investigações, sendo que para melhor organizar o estudo deste trabalho, estes assuntos serão estudados mais profundamente na análise das atribuições da polícia judiciária. 3 ATRIBUIÇÕES DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS 3.1 Conceito de Polícia A polícia foi criada pelo Estado para garantir o bem comum e limitar as atividades coercitivas individuais. A polícia consiste, segundo o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 25): “No conjunto de serviços organizados pela Administração Pública, para assegurar a ordem pública e garantir a integridade física e moral das pessoas, mediante limitações impostas a atividade pessoal.”  O vocábulo policia vem do latim politia, que procede do grego politeia e que traz o sentido de organização política, sistema de governo, ou mesmo governo. Nas palavras do autor José Geraldo da Silva (2000, p. 48), a polícia em um sentido amplo exprime “a ordem pública, a disciplina política a segurança pública instituídas, primeiramente como base política do próprio povo erigido em Estado.” A polícia resulta da fusão de princípios que impõem cumprimento as leis e regulamentos para que a ordem pública  e jurídica sejam mantidas e que as garantias individuais também sejam respeitadas. Em decorrência disso é que surge o Poder de Policia, que é atribuído ao Estado em que este pode estabelecer restrições aos direitos individuais que se oponham aos ditames políticos e que vão de encontro com a ordem e a segurança coletiva. Como se pronuncia o autor José Geraldo da Silva (2000, p. 49), em sentido mais estrito, a palavra policia designa: “O conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade a saúde pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais.” Percebe-se que a polícia tem o objetivo de resguardar a paz social e garantir que os direitos de todos sejam cumpridos e nunca violados. É uma instituição de defesa e segurança cuja principal função “é manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança individuais.” (SILVA, 2000, p. 49). A polícia se encarrega de zelar pelo bem-estar público, em uma visão de seu conjunto, é a vigilância exercida pela autoridade para manter a paz e a ordem em todos os ramos dos serviços do Estado e em todas as localidades abrangidas por este. O autor Amintas Vidal Gomes (1986, p. 1), define Polícia como a “instituição estatal destinada a manter a ordem pública a segurança pessoal, a propriedade e assegurar os direitos individuais.” Já o autor Bento de Faria (1980, p. 30), salienta que: “A polícia é a organização mantida com o fim de prevenir ou promover a repressão das infrações das leis penais, em garantia do seu respeito, ou seja, da ordem pública. Essa finalidade indica a complexidade da função, no desempenho da qual não há como recusar um relativo arbítrio, moderado e sempre inspirado nos ditames da razão, da justiça e da eqüidade.” Desta forma, se conclui que a polícia é um órgão primordial para sociedade, representa um ponto de equilíbrio entre direitos e pessoas, entre o licito e o ilícito, sendo fundamental a sua presença em qualquer comunidade com o intuito de promover a paz e o bem-estar comum. 3.2 Poder de Polícia A palavra Poder de Polícia deriva da expressão police power, originária dos Estados Unidos da América (MORAES, 1986, p. 32). A polícia é a garantia de forma concreta da realização prática de uma norma jurídica que o legislador estabeleceu abstratamente.  A sua força é criada e mantida pelo Estado para proteger a garantir tanto o individuo quanto a comunidade em que vive e seu principal fundamento é a justiça. Para o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 28) o poder de polícia: “O Poder de Polícia é o exercício de um dos poderes do Estado, sobre as pessoas e as coisas, para atender ao interesse público. A polícia age dentro dos limites do direito e as normas segundo as quais opera concorrem a construir a ordem jurídica e o poder que lhe corresponde concorre mantê-la.” O Poder de Polícia é um poder discricionário que é limitado pelas leis e pelo direito e que visa principalmente a garantia da ordem jurídica para que haja organização da sociedade. O autor José Cretella Júnior (1988, p. 537), define da seguinte forma o Poder polícia: “O poder de polícia informa todo o sistema de proteção que funciona, em nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança e a salubridade pública, caracteriza-se pela competência para impor medidas que visem tal desideratum, podendo ser entendida como a faculdade discricionária da Administração de limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do interesse coletivo.” Como bem cita o autor Marco Antonio Azkoul (1988, p. 59), o poder de policia: “Não é ilimitado, estando sujeito às limitações jurídicas, entre elas, as contidas nos direitos e garantias coletivas e individuais, liberdades públicas, prerrogativas individuais e sociais, asseguradas na Constituição e nas leis”.[18] Desta forma, o Poder de polícia é um meio de frear os abusos do direito individual que se revelam nocivos ou inconvenientes ao bem-estar social, ao desenvolvimento e a segurança da sociedade, mas este poder é limitado dentro das normas legais. 3.3 Divisão da Polícia O sistema policial do Brasil está diretamente filiado à Revolução Francesa que adotou a divisão da polícia em administrativa e judiciária, de acordo com a distinção fixada nos arts. 19 e 20 da Lei francesa de 3 do Brumário, do ano IV, de 1894. (ROCHA, L.C., 2002, p. 29). Assim o Brasil adotou o sistema policial francês, dividindo a polícia em administrativa e a judiciária, estabelecendo princípios de centralização e hierarquia. Com relação a Polícia Administrativa o autor José Geraldo da Silva (2000, p. 51), menciona: “A polícia Administrativa tem por fim prevenir crimes, evitar perigos, proteger a coletividade, assegurar os direitos de seus componentes, manter a ordem e o bem-estar públicos (…) Sua  ação se exerce antes da infração da lei penal, sendo por isso também chamada Polícia Preventiva. As vastas atribuições desse ramo da polícia são disciplinadas por leis, decretos, regulamentos e portarias. A Polícia administrativa age de forma preventiva e sua principal função é manter a ordem pública e prevenir a prática de delitos. Já a polícia judiciária, segundo o autor José Geraldo da Silva (2000, p. 50) se destina: “A investigar os crimes que não puderam ser preventivos, descobrir-lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao juízo e, conseqüentemente, a Julgamento; a prender em flagrante os infratores da lei penal a executar mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias, e a atender à requisições  destas. Assume aí o caráter de órgão judiciário auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a denominação de polícia repressiva.” Sendo assim a Polícia judiciária é aquela que está destinada a auxiliar o judiciário e também a agir depois que o delito já ocorreu, elaborando o competente inquérito policial, esta modalidade de polícia tem a função investigatória. Como ensina o autor Flávio Meirelles Medeiros (1994, p. 28): “A polícia judiciária é reservada à função policial que tem por escopo apurar infrações penais e autoria para fins de fornecer tais elementos ao órgão oficial da acusação para que este possa dar início à ação penal. A polícia judiciária é repressiva, inicia por onde falhou a polícia de segurança. Objetiva a investigação dos delitos que não puderam ser evitados pela polícia de segurança.” No Brasil, as Polícias Civis são chefiadas por delegado de polícia de carreira e pertencem ao Poder Executivo e não ao Judiciário e por determinação da Constituição estas têm a função de polícia judiciária, ou seja, tem a função de apurar as infrações penais com exceção das infrações militares. Mas, as Polícias Civis, ainda exercem o policiamento preventivo especializado de grande alcance dentro da sociedade, como por exemplo, a realização de barreiras juntos a Brigada Militar, além de participar de alguns projetos sociais. À polícia militar, que é a polícia ostensiva e de prevenção, cabe a preservação da ordem pública e aos Bombeiros Militares, além das funções atribuídas em lei, cabe também a execução de atividades de defesa civil. Já em relação à classificação da Polícia Civil, encontram-se algumas divergências, na opinião de alguns autores, entre as suas funções, sendo que o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 31) defende a idéia de que a polícia civil tem natureza preventiva e ostensiva e não apenas judiciária, como segue: “Atende-se, outrossim, que a polícia de segurança brasileira pertence ao Poder Executivo e não ao Judiciário (…) entendemos, por isso, que as funções da polícia civil são preventivas, como as da polícia militar, e também repressivas e não apenas judiciárias. Na função preventiva, a polícia civil deve manter a ordem e, num segundo momento, na judiciária ou repressiva após ocorrida a infração penal, praticar atos previstos no Código de Processo Penal e nas leis penais especiais, como a lavratura de prisão em flagrante delito, etc., e a instauração do inquérito, para apurar o crime e sua autoria.” Em posição contrária, defendendo a posição de que a Polícia civil é necessariamente judiciária, está o autor José Geraldo da Silva (2000, p. 51), que argumenta: “A polícia civil deve agir imediatamente após a prática de um delito, investigando as causas e conseqüências do fato criminoso, desvendando o delito, e apurando sua autoria. A polícia civil é, eminentemente, judiciária, pois atua após a prática do crime, para fornecer ao Poder Judiciário todos os elementos importantes que venham aprovar a materialidade e a autoria de um delito.” Com relação ainda as funções da polícia ostensiva, estas estão previstas as determinações da Constituição Federal em seu artigo 144, §5º, e também a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (1989), no artigo 129, da Constituição Estadual, que assim dispõe: “À Brigada Militar, dirigida pelo Comandante-Geral, oficial do quadro da Polícia Militar, do último posto da carreira, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, incubem a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública, a guarda externa dos presídios e a polícia judiciária militar”.[19] Desta forma, seguindo a orientação legal, a polícia ostensiva e preventiva que busca a paz e a tranqüilidade dentro do meio social em nosso Estado é a Polícia Militar que faz a guarda da ordem pública. Dentro da Constituição Federal, no artigo 144, §4º, e também na Constituição do Estado gaúcho (1989), encontra-se a função e a caracterização da Polícia Civil, como determina o artigo 133: “À Polícia Civil, dirigida pelo Chefe de Polícia, delegado de carreira da mais elevada classe, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares”. [20] Sendo assim, à Polícia Civil cabe as funções inerentes a polícia judiciária, ou seja, polícia auxiliar da justiça que procede a todas as diligências para investigar e esclarecer os fatos e as circunstâncias do delito, bem como para descobrir as informações necessárias para tão logo proceder ao inquérito policial. Com relação a Polícia Federal segundo o artigo 144, §1º, IV da Constituição Federal (1988), a mesma é organizada e mantida pela União e estruturada em carreira, destinando-se a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.[21] 3.4 Polícia Judiciária Cabe à Polícia Judiciária proceder com todas as diligências de investigação e esclarecimento dos fatos e circunstâncias de um determinado crime, para que se forme então o inquérito policial. A sua missão, como órgão estatal auxiliar da justiça, é fornecer todos os elementos vitais para a propositura da competente ação penal que será assim interposta pelo Promotor Público com base nos elementos do inquérito policial, sendo este presidido pelo delegado de policia. Nas palavras do autor José Geraldo da Silva (2000, p. 52), a Polícia judiciária tem a seguinte função: “É o olho da justiça; é preciso que seu olhar se estenda por toda a parte, que seus meios de atividade, como uma vasta rede, cubram o território, a fim de que, como a sentinela, possa dar o alarme e advertir o juiz; é preciso que seus agentes estejam sempre prontos aos primeiros ruído, recolham os primeiros indícios dos fatos puníveis, possam transportar-se, visitar os lugares, descobrir os vestígios, designar as testemunhas e transmitir à autoridade competente todos os esclarecimentos que possam servir de elementos para a instrução ou formação da culpa; ela edifica um processo preparatório do processo judiciário; e, por isso, muitas vezes, é preciso que, esperando a intervenção do juiz, ela possa tomas medidas provisórias que exigirem as circunstâncias. Ao mesmo tempo deve ela apresentar algumas garantias judiciárias: que a legitimidade, a competência, as habilitações e as atribuições de seus agentes sejam definidas; que seus atos sejam autorizados e praticados com as formalidades prescritas em lei; que, enfim, os efeitos desses atos e sua influência sobre as decisões da justiça sejam medidos segundo a natureza dosa fatos e a autoridade de que são investidos os agentes.” Quanto a sua finalidade, a Policia judiciária tem o dever de investigar as infrações penais e apurar a sua autoria para que o titular da ação penal, ou seja, o Ministério Público ou o ofendido, tenha elementos para ingressar em juízo. Desta forma, o órgão de acusação, logo o Ministério Público tem a titularidade da ação penal, mas para que o promotor público possa ingressar com a ação penal a persecução penal se dividiu em duas fases, qual seja, a da investigação e a da ação penal. A primeira fase da persecução penal inicia-se com a investigação que se dá através do inquérito policial e que é exercida pela Polícia judiciária. A segunda fase é composta pela ação penal, que tem como função requerer ao Estado-Juiz a instauração do processo penal e a punição do infrator, sendo esta exercida pelo Ministério Público. Desta forma, vemos que o Ministério Público e a Polícia Judiciária são órgãos próprios da persecução penal. Cabe a Policia judiciária então, dentro da fase da persecução criminal, colher todas as provas objetivas que recaiam sobre o corpo de delito, coisas, instrumentos, objetos que tenham ligação com o crime, sendo que compete ainda, colher as provas subjetivas que são as provas prestadas por pessoas, como depoimentos, interrogatórios, tanto de testemunhas como de envolvidos no fato.  Neste sentido, entende a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO ¿ NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECLARAÇÕES POSTERIORES DA VÍTIMA. PRESUNÇÃO. INDÍCIOS CONSISTENTES AUSÊNCIA. Inexistindo indícios consistentes de ter o recorrido sido mandante do crime, insuficiente a circunstância de responder como o denunciado por outro homicídio e as declarações tardias em juízo. Necessárias investigações, função da polícia judiciária para formar admissível a acusação, mesmo em fase de opinio delicti. NEGADO PROVIMENTO.” (RS, Recurso em Sentido Estrito 70014340384). Segundo autor Eduardo Espíndola Filho (1980, p. 300), a Polícia judiciária deve errar o menos possível: “Cabe a polícia judiciária com total isenção de ânimos e imparcialidade, a busca da verdade real, propiciando ao Poder Judiciário fazer a instrução e o julgamento com o mínimo de falhas e erros possíveis dentro das normas, fatos e valores juridicamente relevantes.” Sendo assim, evidencia-se o quanto é importante a existência e as funções que exerce a Polícia judiciária, tanto auxiliando a justiça no cumprimento do que lhe é pedido, quanto na persecução penal, mais propriamente na fase da investigação. 3.5 Atribuições da Polícia Judiciária Em decorrência dos deveres inerentes a Polícia judiciária, esta possui atribuições que irão auxiliar na elucidação de crimes e favorecimento da propositura de ação penal, como se analisará a partir de agora. 3.5.1 Investigação Investigação vem do latim investigatione e significa o procedimento por meio do qual se procura descobrir algo, já investigar, vem do latim investigatio e significa observar detalhes, examinar com atenção para descobrir. O autor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1986, p. 24), define a investigação: “A investigação consiste no indagar, de modo metódico e continuado a respeito de certa noticiada ocorrência. Quem investiga só rastreia o fato, que lhe pareceu ilícito e típico, suas circunstâncias, bem como possível autoria. A investigação ou averiguação pode levar a uma proposição simples; cabendo a instrução concluir se verdadeiro ou falso o mero enunciado. Em regra e por isso, a investigação antecede à instrução preliminar (diríamos, o inquérito policial). Aduzindo, em seguida, que na fase preliminar, prévia, ou preparatória da ação penal, de índole condenatória, a polícia judiciária pratica atos de investigação e outros de instrução criminal, suscetíveis de se repetirem em juízo ou não”.[22] A investigação pode ser feita por órgãos oficiais ou particulares, pelos serviços de segurança e inteligência, por policiais e militares, pelas CPIs, pela imprensa, etc. Mas, a investigação policial é um pesquisa sobre pessoas e coisas que são úteis para descobrir circunstâncias de um determinado fato, sendo esta realizada unicamente pela polícia. A respeito da idéia, a investigação não é somente uma atribuição da Polícia judiciária, comprova o entendimento jurisprudencial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “HABEAS CORPUS. Pleito de trancamento de procedimento investigatório iniciado e presidido pelo Ministério Público, para eventual oferecimento da ação penal. Denegação da ordem no caso examinado à ausência de justa causa que a fundamente. A eventual, futura e aleatória instauração de inquérito policial sobre os mesmos fatos não constitui óbice ao procedimento ministerial, mormente porque, ”de lege data”, a investigação criminal não é atribuição exclusiva dos órgãos da Polícia Judiciária. Inexistência de provas do abuso de poder ou coação ilegal na execução dos atos e diligências investigatórios, desenvolvidos em observância aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie, inclusive porque os notificados a comparecer perante o órgão ministerial o foram mediante prévia cientificação da faculdade de estarem acompanhados de advogado, tendo exercido os direitos subjetivos de que se entendem titulares. Lisura no procedimento em desenvolvimento e falta de razoabilidade determinativa do seu trancamento. ORDEM DENEGADA” (RS, HC 70007273691). Mas, cabe aqui, somente deter atenção a investigação policial, como bem define o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 311): “É a feita pela Polícia de segurança, para obter informações sobre a existência de um crime e de todas as suas circunstâncias, bem como de sua autoria (…) a Constituição Federal atribui, com exclusividade às polícias Federal e Civis a realização de atos próprios da investigação criminal.” Segundo o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 310), os métodos de investigação da polícia são iguais em todos os países, se diferenciando apenas no procedimento ou na forma da investigação. Sobre o Brasil ele comenta: “No Brasil a formalização da investigação policial sobre crime ou contravenção penal é feita por meio do inquérito policial ou de apuração sumária, aplicando-se o Código de processo Penal ou a Lei Federal 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais.” A respeito do inquérito policial, pode-se dizer ainda que este é um procedimento administrativo de caráter inquisitivo que formaliza a investigação policial, é o instrumento de trabalho da Polícia judiciária, contendo os elementos necessários para instruir a denúncia para o Ministério Público, nos crimes de ação penal pública ou a queixa crime do ofendido ou seu representante legal que será feita por advogado nos crime de ação penal privada.  Assim, a investigação é um procedimento de pesquisa sobre pessoas, objetos e fatos, já o inquérito é a formalização desta investigação, sendo que a investigação é uma atividade de caráter informativo destinada a preparar a ação penal seja ela pública ou privada. 3.5.2 Investigação Policial A investigação policial se inicia com a notícia de um fato criminoso que desperte a atenção da polícia, mesmo que a notícia do crime seja dada de forma anônima. Com a coleta de dados e de objetos sobre o fato, a investigação policial termina, com o sucesso das investigações ou com a falta de indícios e provas.   Mas há uma ressalva a ser feita, mesmo estando o inquérito policial arquivado e surgindo em qualquer tempo novas provas, a autoridade policial pode proceder novas investigações. A investigação depois de formalizada através do Inquérito policial deve ser enviada pelo delegado à justiça para apreciação do Ministério Público e possível oferecimento de denúncia. 3.5.3 Sindicância Sindicância nada mais é do que uma modalidade de investigação, de apuração onde se buscam desvendar e colher provas sobre determinados ilícitos cometidos, no caso, por policiais da polícia judiciária. No Estado do Rio Grande do Sul, existe como parte da organização institucionalizada e também de direção superior a COGEPOL, ou seja, Corregedoria-Geral da Policia Civil. Este órgão tem a função de apurar entre outras coisas, transgressões estatutárias atribuídas aos servidores, ilícitos penais praticados por policiais civis, proceder às inspeções de caráter administrativo nos órgãos do Polícia Civil, realizar correições de caráter permanente e extraordinário nos procedimentos penais e administrativos competentes a Polícia Civil, supervisionar e orientar os procedimentos da Polícia judiciária, baixando provimentos e instruções que visam o aperfeiçoamento e aprimoramento dos serviços prestados pela polícia. A Corregedoria-Geral da Polícia Civil terá o apoio do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM) e do Departamento de Polícia do Interior (DPI), para realizar com eficácia as suas funções, sendo que o primeiro departamento atua em relação aos municípios da região metropolitana com exceção da Capital e a segundo atua com relação aos municípios do interior do Estado. 3.5.4 Investigação Preliminar Com relação à Polícia Federal, está prevista a elaboração de uma espécie de sindicância, que se denomina investigação preliminar (IPP), sendo esta destinada a verificar a procedência ou não de informações sobre infrações penais que são levadas ao conhecimento da autoridade policial, mas que pela falta ou pouca formação de indícios não justificam a instauração do inquérito. Esta modalidade de investigação é feita de forma simples e sem formalidade, sendo que a pessoa que tiver de ser ouvida será chamada através de convite. A investigação preliminar somente pode ser instaurada por determinação das seguintes autoridades: coordenadores regionais policiais, delegados executivos e chefes de delegacias de policia federal. Quando a autoridade policial fica sabendo de um fato que tenha interesse policial, ou seja, de uma infração penal, deve determinar a abertura, por simples despacho, da investigação preliminar designando um servidor policial para conduzir a investigação de preferência que seja bacharel em Direito. As peças da Investigação preliminar são juntadas em uma só via e não necessitam de portaria, autuação ou outros despachos, esta investigação é numerada e registrada em livro próprio, sendo que nos órgãos centrais da polícia federal é registrada em cartório da SR/DPF/DF. A investigação preliminar tem um prazo de 30 dias para ser concluída, contados do registro, mas se houver a necessidade de mais prazo para a investigação a autoridade que determinou a sua abertura pode conceder novo prazo de 30 dias, se caso ainda haja necessidade de mais prazo será então instaurado o inquérito policial onde serão juntadas as peças essenciais da investigação preliminar. O controle, a fiscalização, a apreciação, bem como a decisão da investigação preliminar fica sob responsabilidade da autoridade policial que tiver feito a abertura desta modalidade de investigação. 3.5.5 Inquérito Policial É a partir do inquérito policial que a autoridade poderá formar o conhecimento da autoria e das circunstâncias delitivas, sendo esta mais uma atribuição da polícia judiciária, como passa-se a observar. 3.5.5.1 Definição, finalidade, natureza e função do inquérito policial O inquérito policial, in genere, é todo o procedimento legal que se destina à reunião de elementos com relação a uma ação penal, é a instrução extrajudicial. Já o Inquérito policial, in specie, é o inquérito propriamente dito que indica a investigação que se origina da notícia crime. (RIOS, 2001, p. 30). Para o autor Fernando da Costa Tourinho Filho (1986, p.117), o inquérito policial pode ser definido da seguinte forma: “Inquérito policial é, pois, o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.”[23] O inquérito policial nada mais é do que as diligências realizadas sob a competência da polícia judiciária, para descobrir elementos que proporcionem ao Ministério Público, ao ofendido ou seu representante, o ingresso da ação penal em juízo. O autor Ismar Estulano Garcia (1987, p. 7), esclarece o conceito de inquérito policial: “O inquérito policial é instrumento formal de investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e qual o seu autor.” Esse procedimento de investigação é realizado pela polícia judiciária e desenvolve-se através de várias diligências, como por exemplo: exame de corpo de delito, buscas e apreensões, interrogatórios, depoimentos, acareações, reconhecimento de pessoas e objetos, sendo que todas essas diligências juntas formam o inquérito que é pressuposto para ação penal tanto pública quanto privada, funcionando como peça informativa. O inquérito policial é um procedimento administrativo e inquisitivo, nele não há que se falar em defesa e nem em contraditório, sendo de natureza inquisitória, onde a autoridade policial dirige as investigações como bem quiser, sendo que, o mesmo não obedece um rito determinado e seus atos não se desprendem de maneira pré-estabelecida. Com relação à natureza inquisitiva do inquérito policial e a posição do advogado de defesa e do membro do Ministério Público, comenta o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 341): “O inquérito é de natureza inquisitiva e a sua instrução não tem caráter judiciário e muito menos processual. Assim sendo, a sua instrução não é contraditória, mas o advogado da vítima ou do indiciado pode requerer qualquer diligência que será realizada, ou não, a juízo da autoridade (…) como ao órgão do Ministério Público é conferido o direito de acompanhar as investigações o mesmo se deveria conceder ao advogado do suspeito ou do acusado, não obstante a natureza inquisitiva do inquérito. No caso não se trata de contraditório, mas de iguais oportunidades.” Oportuno mencionar, ainda, com relação à natureza inquisitiva do inquérito, o ensinamento do autor Hélio Tornaghi (1990, p. 29): “O inquérito tem caráter inquisitório. Isso significa que: a) a autoridade policial enfeixa nas mãos todo poder de direção; b) deve ela assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20, CPP); c) na fase policial não existe ainda acusação contra ninguém. Essa virá mais tarde por ato do Ministério Público (denúncia, nos crimes de ação pública) ou do ofendido (queixa, nos de ação privada). Conseqüentemente também a defesa não se faz no inquérito.” Sendo assim, o inquérito policial, consiste em um procedimento administrativo de natureza persecutória destinada a realizar todas as diligências necessárias para o descobrimento de um fato criminoso, suas circunstâncias e autores, sendo elaborado pela autoridade competente, ou seja, a autoridade policial. É o inquérito policial que materializa a investigação, sobre as circunstâncias em que se deu o crime, para que a partir daí se inicie a ação penal, tanto pelo Ministério Público quanto pelo ofendido. 3.5.5.2 Forma e valor probatório do inquérito policial O inquérito policial não se sujeita as formas indeclináveis a não ser para com o interrogatório do acusado e para o auto de prisão em flagrante, sendo que com relação a estes se faltar qualquer requisito exigido pela lei o ato será nulo. A nulidade somente irá atingir efeitos coercitivos, como da prisão processual e nunca o valor informativo dos elementos que foram colhidos da prisão em flagrante, podendo o órgão do Ministério Público oferecer a denúncia com base nestes elementos. O autor Flávio Meirelles Medeiros (1994, p. 31), identifica duas correntes com relação ao valor probatório do inquérito policial, sendo que a primeira aponta que o inquérito policial não possui valor nenhum, sendo de procedimento inquisitivo e que tem por objetivo exclusivo, fornecer elementos de informação ao acusador para dar início a ação penal. Já a segunda corrente, esta aceita na maioria das decisões judiciárias e também por parte da Doutrina, entende ser o inquérito parte hábil a embasar a sentença condenatória, desde que confirme com as provas colhidas na fase processual. O inquérito policial tem um propósito único, nele são realizadas muitas vezes, perícias e coletadas provas que com o passar do tempo o juízo já não conseguiria mais ter condições de se beneficiar destas, o autor Julio Fabbrini Mirabete (1991, p. 77), menciona, com clareza, a importância probatória que tem o inquérito policial: “Dada à instrução de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nela se realizam certas provas periciais, que, embora sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas favor idêntico aos das provas colhidas em juízo. O conteúdo do inquérito, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para a propositura da ação penal, não poderá deixar de influir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, mesmo porque integra os autos do processo, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial (…). Certamente, o inquérito serve para a colheita de dados circunstanciais que podem ser comprovados ou corroborados pela prova judicial e de elementos subsidiário para reforçar o que foi apurado em juízo. Não se pode, porém, fundamentar uma decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, o que contraria o princípio do contraditório.” A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, já decidiu a respeito da função do inquérito policial: “APELAÇÃO CRIME. TENTATIVA DE ESTELIONATO. PROVA EXCLUSIVAMENTE INQUISITORIAL. O inquérito policial é peça meramente informativa. A certeza, necessária à emissão de um juízo condenatório, somente pode se alicerçar em prova judicializada, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. APELO IMPROVIDO EM DECISÃO UNÂNIME.” (RS, Ap. Crime 70008091951). Como se observa o inquérito policial é uma peça informativa, importante dentro do processo, nela estão contidas provas especiais e técnicas que podem ajudar na hora da decisão do juiz, sendo que este pode fundamentar a sua decisão com base em pontos do inquérito, mas não totalmente uma vez que o inquérito policial não possui contraditório, o que acarretaria injustiças à pessoa julgada. 3.5.5.3 Instauração do inquérito policial O inquérito policial inicia-se com a notícia do crime, sendo que esta declaração pode ser oral ou escrita e sendo também competente qualquer pessoa do povo para fazer o ato da comunicação, assim procedendo conforme o art. 5º, § 3º, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “§ 3o. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”.[24] O delegado de polícia, ao dar início à instauração do inquérito policial, deve classificar o crime, sendo necessário que a autoridade policial saiba qual foi o delito cometido pelo acusado, como é o caso da prisão em flagrante onde a autoridade deve fornecer Nota de Culpa ao autuado, contendo o motivo da prisão com o dispositivo do Código Penal ou de Lei Federal, sem o qual não poderá ser expedida a prisão. O delegado deve fazer uma análise do caso para ver se o mesmo se trata de ação pública incondicionada, condicionada ou privada, sendo que estão no artigo 100, do Código Penal (BRASIL, 1940), as instruções para a verificação da ação penal, sendo ela pública ou privada, o que deve ser observado pela autoridade policial antes de instaurar o inquérito: “Ação pública e de iniciativa privada Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º. A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. § 2º. A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.”[25] Na ação pública, que será movida pelo Ministério Público, dependendo quando a lei exigir a representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça, sendo que nestas hipóteses a lei designará quando necessário. Sobre o assunto o autor Fernando da Costa Tourinho Filho (1990, p. 217), afirma: “Desse modo, se a lei não disser que a ação penal depende de iniciativa do ofendido, temos, então, que a ação penal será pública. Mesmo sendo pública resta indagar se sua propositura fica ou não subordinada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça. Se a lei fizer tal exigência, pode-se afirmar que tal ação é pública incondicionada, isto é, para ser promovida não depende de qualquer condição.” Desta forma, o delegado então deverá verificar se o crime ocorrido trata-se de crime de ação pública incondicionada, neste caso a autoridade policial, desempenhando as suas funções terá a obrigação de instaurar o inquérito policial, através de portaria, e irá ordenar a realização de investigações para apurar a conduta criminosa e a sua autoria. Sendo assim, quando o delegado receber a notícia do crime lavrado no boletim de ocorrência, irá investigar a procedência do fato e em caso afirmativo deverá baixar portaria para a instauração do inquérito policial. Sobre os requisitos que devem conter esta portaria e que autoridade policial deve observar, o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 338), comenta: “Na portaria, a autoridade descreve como teve conhecimento da prática do crime ou reproduz de forma sucinta e objetiva os termos da comunicação do mesmo, especifica os dispositivos legais infringidos e determina, conforme o caso: a) apreensão de armas, drogas e objetos relacionados como fato; b) a requisição de exames periciais, para a formação do corpo de delito; c) a redução a termo das declarações da vítima, se possível; d) a identificação, localização e apresentação do acusado; e) diligências necessárias á elucidação dos fatos e da autoria e f) ao final a autuação da portaria.” À medida que os requisitos, citados acima, vão sendo cumpridos o inquérito policial vai se formando, requisitos estes que devem ter uma ordem cronológica. Quando o delegado de polícia se depara com um crime cuja ação será pública condicionada, este somente poderá dar ensejo à instauração do inquérito mediante a representação do ofendido ou de seu representante, bem como das pessoas indicadas no artigo 24, § 1º, do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941).[26]  A ação pública condicionada à representação não tem procedibilidade da persecução penal sem esta representação, conforme o § 4º do artigo 5º do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “§ 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.”[27] Esta representação pode ser feita pelo ofendido ou seu procurador com poderes especiais, sendo aceita verbalmente ou por escrito, mas quando realizada verbalmente, caberá a autoridade policial reduzi-la a termo, sendo que este documento é que irá autorizar a abertura do inquérito e posteriormente o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público (BRASIL, CPP, Art. 39, 1941).[28] Quanto ao prazo são de seis meses, a contar da data em que o ofendido ou seu representante tiver conhecimento do autor do crime, para que o ofendido exerça o seu direito de representação, conforme art. 38, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia”.[29] O prazo para a representação é decadencial, uno e improrrogável, sendo que se o legitimado para a representação não o fizer nos seis meses será extinta a punibilidade. Ainda durante o inquérito a representação é retratável, mas em fase de ação penal não mais influenciará na atuação do Ministério Público. Destacam-se alguns crimes que dependem de representação entre muitos elencados no Código Penal (BRASIL, 1940): Perigo de contágio venéreo “Art. 130. Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º. Somente se procede mediante representação.” Furto de coisa comum “Art. 156. Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. § 1º. Somente se procede mediante representação. § 2º. Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente”.[30] Com relação aos crimes de ação penal privada a autoridade policial somente poderá instaurar o inquérito policial mediante o requerimento do ofendido ou de seu representante, conforme o art. 5º, §5º, do Código de Processo Penal, desta forma, como se trata de um crime de natureza privada a autoridade policial não poderá iniciar o inquérito de ofício, nem a requerimento do representante do Ministério Público ou de autoridade judiciária, a não ser que esta requisição venha acompanhada do requerimento do ofendido. O requerimento a ser feito pelo ofendido ou seu representante legal se resume, conforme entendimento do autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 63): “O requerimento solicitando a instauração do inquérito policial é um requerimento singelo, contendo a qualificação do requerente, a exposição do fato ou fatos considerados delituosos; a qualificação do agente que em tese tenha cometido o delito ou circunstâncias que o identifiquem e, por último, elementos complementares para que a investigação possa ser iniciada, como por exemplo, indicação de testemunhas que serão ouvidas para esclarecimento dos fatos.” Já com o inquérito concluído, tratando-se de ação penal privada se procederá da seguinte forma, como ensina o já referido autor (RIOS, 2001, p. 60): “Nos crimes de ação penal privada, após concluído o inquérito policial, serão os autos remetidos ao Juiz competente, que determinará seja ouvido o representante do Ministério Público, que por sua vez, notando-se tratar de ação privada, requererá  ao Juiz que aguarde a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal. Ficarão assim os autos em cartório aguardando por parte do titular da ação, o oferecimento da queixa no prazo estabelecido pela lei, sob pena de recair o seu direito.” A respeito do prazo, este é decadencial e é de seis meses, a contar do conhecimento da autoria do crime, sendo que este prazo não se interrompe com a instauração do inquérito policial. Mas, nas ações privadas o seu titular é o ofendido e depende sempre da conveniência do mesmo, pois, a repercussão do crime pode causar danos à imagem da vítima, o que geralmente o ofendido não deseja, sendo necessário assim à autorização do ofendido ou de seu representante para oferecer ou não a queixa contra o autor do crime de ação privada. O ofendido deve ter o cuidado de requerer o inquérito em tempo hábil para que não se extinga o prazo, pois, após a conclusão do inquérito a ação penal privada não pode ser iniciada sem a provocação do ofendido ou de seu representante, ou seja, sem o ingresso da queixa-crime no juízo competente. A queixa-crime deve conter alguns requisitos, entre eles, a exposição do fato criminoso com todas as suas especificações, qualificação do querelado ou características pela qual possa ser identificado, que se tenha a classificação do crime e quando necessário o rol de testemunhas. A queixa-crime deve ser ainda subscrita por advogado, acompanhada de procuração com poderes para esta finalidade e com toda a exposição do fato na procuração do ofendido. Entre os crimes que dependem de requerimento, cita-se alguns exemplos: Calúnia “Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º. Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º. É punível a calúnia contra os mortos. Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia Art. 164. Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa. Fraude à execução Art. 179. Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Parágrafo único – Somente se procede mediante queixa” (BRASIL, 1940).[31] A movimentação do inquérito policial se dá através de despachos onde a autoridade policial determina as diligências necessárias para a instrução do inquérito, visando formar um amplo conjunto probatório. O inquérito policial deve ser elaborado apenas em uma via, as folhas dos autos devem ser numeradas pelo Escrivão no canto superior direito e rubricadas pela autoridade. Ainda com relação à instauração do inquérito, o delegado pode impor sigilo quando julgar necessário para a investigação do crime, o que é perfeitamente legal para evitar o conhecimento das diligências e das provas por pessoas estranhas, mas, esse procedimento não atinge o advogado que tem o direito de consultar o inquérito.    Com relação à instauração do inquérito policial pela Polícia Federal, o mesmo não procede como na Polícia estadual, o delegado da Policia federal depende de autorização superior e de todo um processo burocrático para abertura do inquérito. As Superintendências Regionais da Polícia Federal é que irão receber a comunicação do crime, os requerimentos e representações para que se instaure o inquérito encaminhando-o para a Coordenação Regional Judiciária que em 20 dias se manifestar. Se a manifestação da Coordenação Regional Judiciária for contrária à instauração do inquérito o expediente é remetido ao Superintendente Regional que em 10 dias deve decidir sobre a instauração do mesmo. Se a manifestação pela instauração do inquérito, for positiva, o expediente será remetido para a Coordenação Regional Policial para que proceda a distribuição. Com relação aos inquéritos a serem examinados nas divisões da Polícia Federal ficará a cargo do delegado executivo, sendo que este deve obedecer aos mesmos prazos dos procedimentos das Superintendências Regionais, Caso o delegado executivo negue instauração ao inquérito policial o expediente será decidido pelo Diretor da Divisão. Com relação ao exame e decisão da instauração do inquérito policial nas delegacias de Polícia Federal, esta análise cabe ao Delegado-Chefe que tem o prazo de 10 dias para se manifestar contrária ou positivamente a instauração, sendo que se contrária é dado ciência ao interessado e se a decisão for pela incompetência da delegacia de Polícia Federal o expediente será remetido para a Polícia Civil do Estado. Os juízes federais e também os membros do Ministério Público Federal também podem solicitar requisições para apuração de fatos criminosos, devendo estas serem prontamente atendidas, sendo aqui dispensada a manifestação da Coordenação Regional Judiciária. Quanto à distribuição dos inquéritos policiais, ficará a cargo do dirigente de cada órgão estabelecer quais as autoridades que participarão da distribuição. Esta distribuição é rigorosamente em ordem cronológica de chegada dos expedientes, sem distinção por grau de dificuldade ou assunto. Mas, excepcionalmente, quando for determinado por superior e em razão da matéria, pode uma autoridade ser especialmente designada para presidir determinado inquérito. A distribuição do inquérito é feita pelo Coordenador Regional de Polícia nas Superintendências onde houver apenas um cartório, pelo Chefe da Delegacia, nas superintendências onde houver mais de um cartório, pelo Delegado Executivo, nas divisões de Polícia Federal e pelo Chefe nas Delegacias de Polícia Federal. 3.5.5.4 Formação do inquérito policial Depois de instaurado o inquérito policial tanto de ofício, como por requerimento, determinadas as diligências preliminares serão ouvidas as vítimas e as testemunhas que saibam sobre o fato ou sobre o seu autor, se procederá também que o autor e seus co-autores, quando existentes, sejam ouvidos, serão também requisitados exames periciais e vistorias complementares, e a juntada de laudos ou documentos recebidos, sendo esse um papel importante da polícia judiciária para a formação do inquérito. Quando for o caso, também pode ser que a autoridade requisite outras diligências como: acareação, busca e apreensão, prisão temporária e preventiva, etc. Dentro da formação do inquérito e como atribuição da polícia judiciária esta deve, na ocorrência policial, identificar a vítima e quando sobrevivente ao fato, perguntar sobre as circunstâncias que sofreu, quem pode ser o autor ou suas características, se tem alguma prova e tudo o que responder deve ser tomado a termo. Em que pese poder a vítima ser menor de 18 (dezoito) anos ou mentalmente enfermo e não possuir representante legal ou os interesses deste colidirem com os daquele, poderá ser nomeado um curador para proceder a queixa, sendo que este curador não pode ser nomeado pelo delegado, devendo oficiar o juiz  competente para julgar a demanda penal, solicitando um curador especial ao ofendido. Em se tratando do indiciado, este é objeto de investigação e não é garantido a este o direito ao contraditório e a ampla defesa, devida à natureza inquisitiva do inquérito. A autoridade policial mantém o investigado como objeto de investigação e não como sujeito de direitos, o que o indiciado pode exigir que seja respeitado entre outros direitos é o da liberdade, a respeito ressalta o autor Luiz Carlos Rocha (2001, p. 352): “Em princípio, toda a pessoa se presume sem culpa até e enquanto esta não for comprovada em processo que lhe assegure pleno direito de defesa. Por outro lado, para evitar que a ação policial ultrapasse os limites aos preceitos que a impedem de violar a liberdade individual, existe o controle jurisdicional a posteriori, que se exerce através do hábeas corpus e de outras  medidas previstas em lei.” Com relação ao comparecimento do indiciado perante a autoridade policial, espontaneamente ou quando preso, este será qualificado e interrogado na forma da lei, sendo que antes de iniciar o interrogatório alertará o indiciado de que este não estará obrigado a responder as perguntas, bem como outros direitos constitucionais, conforme o artigo 186, do Código de Processo Penal. A formalização da inquirição do indiciado ou acusado é feita pelo Auto de Qualificação e Interrogatório, sendo que a inquirição deve ser realizada pela própria autoridade policial que preside o inquérito. Quanto ao interrogatório, o autor Luiz Carlos Rocha (2001, p. 355), comenta a existência de dois momentos: “O interrogatório é feito em dois momentos: no primeiro, durante a investigação, o interrogatório é parte do processo operacional e não parte do processo propriamente dito, no sentido jurídico. No segundo, nos autos do inquérito, na redução a termo das declarações do indiciado, resultantes de perguntas formuladas para o termo das declarações do indiciado, resultantes de perguntas formuladas para o esclarecimento do fato delituoso que se lhe atribui e de circunstâncias pertinentes a esse fato, o delegado deve observar as mesmas formalidades do interrogatório judicial.” “Então, no primeiro interrogatório a autoridade policial irá fazer algumas perguntas em seqüência lógica ao indiciado, com o fim de esclarecer o fato e as suas circunstâncias, em um segundo momento, na formalização do interrogatório, a autoridade policial seguirá as regras do artigo 187, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. § 1o. Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. § 2o. Na segunda parte será perguntado sobre: I. ser verdadeira a acusação que lhe é feita; II. não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada à prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela; III. onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; IV. as provas já apuradas; V. se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; VI. se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; VII. todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII. se tem algo mais a alegar em sua defesa”.[32] O delegado de polícia não fica preso às questões que a lei determina, podendo este fazer outras questões que ache conveniente e pode também, ouvir o indiciado outras vezes. Caso o indiciado não compareça, se devidamente intimado, estará incidindo no crime de desobediência, conforme o artigo 330, do Código Penal. Sobre a possibilidade de novos interrogatórios, o autor Luiz Carlos Rocha (2001, p. 356), complementa: “O delegado pode, assim, proceder a novo interrogatório, a qualquer tempo, desde que antecedido de despacho fundamentado. Se antes da conclusão do inquérito, a autoridade verificar que o indiciado é autor de outros delitos não conhecidos quando da indiciação, e que tenham conexão ou continência com o primeiro, deve ouvi-lo sobre os novos fatos, em Termo de Qualificação e interrogatório.” Com relação à condução coercitiva, sem a intimação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, entende: “PROCESSUAL PENAL – RECURSO DE HABEAS CORPUS – INDICIADO – CONDUÇÃO COERCITIVA A DELEGACIA DE POLICIA – ILEGALIDADE – SALVO CONDUTO – INTIMAÇÃO – INQUERITO POLICIAL. A condução coercitiva de indiciado a delegacia de policia para prestar depoimento, sem que haja intimação, mandado de prisão ou flagrante, conquanto ilegal, não invalida os atos ate então praticados no inquérito policial. A pretensão de concessão de salvo conduto por ameaça futura e incerta, não se coaduna com o instituto do hábeas corpus, que exige justificável e evidente receio. Recurso improvido. (BRASIL, HC 3.138/DF)”.[33] A autoridade policial irá determinar o indiciamento do suspeito logo depois de reunir, no curso das investigações, provas, elementos suficientes para identificar o acusado da autoria da infração penal. Este indiciamento será feito pela autoridade policial, precedido de despacho fundamentado, onde deverão constar, com base nos elementos probatórios derivados das investigações, os motivos de sua convicção quanto à autoria do delito e sua classificação infracional. Quando se tratar de indiciado maior de 18 e menor de 21 anos, este deve ser interrogado na presença de curador idôneo, conforme o artigo 194, do Código de Processo Penal. Com relação à nomeação do curador encontra-se posições jurisprudenciais interessantes, sendo importante colecionar aquelas que se referem a nulidade do ato, com o fundamento de constrangimento ilegal ou a sua total validade: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR A INDICIADO MENOR DE 21 ANOS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. Não há que se falar em nulidade decorrente da falta de nomeação de curador ao indiciado menor de 21 anos quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, se, além de não ter sido demonstrada a ocorrência de eventual prejuízo, houve a assistência integral de seu genitor durante todo o ato. Ademais, o mencionado auto de prisão foi assinado por um Comissário de Menores. Ordem denegada.” (BRASIL, HC 23.406/MG). “DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO TENTADO E QUADRILHA ARMADA. PRISÃO EM FLAGRANTE. MENOR DE 21 ANOS DE IDADE. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Em sendo menor de 21 anos de idade o indiciado, é mandamento legal que se lhe nomeie curador no ensejo da lavratura do auto de sua prisão em flagrante, pena de nulidade e rematado constrangimento ilegal (Código de Processo Penal, artigo 15). 2. Havendo suficiente descrição das condutas imputadas aos réus na denúncia, cujas eventuais omissões podem ser supridas até a sentença final (Código de Processo Penal, artigos 41 e 569), não há falar em inépcia. 3. É estranha ao âmbito de cabimento do hábeas corpus a alegação de inconvergência entre a denúncia e o inquérito policial, enquanto requisite exame e valoração de todo o conjunto da prova. 4. Hábeas corpus conhecido em parte e em parte deferido.” (BRASIL, HC 11.402/RN). Com relação aos efeitos da não nomeação de curador ao menor de 21 anos dentro do processo, é considerado pelo Tribunal de Justiça gaúcho como mera irregularidade e não anulando o mesmo, e sim, anulando apenas a sua confissão, como podemos evidenciar nesta jurisprudência: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONUNCIA. HOMICIDIO QUALIFICADO. OCULTACAO DE CADAVER. INQUERITO. MENOR INDICIADO. FALTA DE NOMEACAO DE CURADOR. IRREGULARIDADE. INVALIDADE DE DECLARACOES. A falta de nomeação de curador a indiciado menor de 21 anos, no inquérito policial, quando da sua reinquirição, e mera irregularidade, causando a nulidade da confissão, e não a do processo, não comprometendo as declarações no auto de prisão em flagrante, ato em que teve nomeada defensora e curadora, inexistindo motivo para relaxamento da segregação. Indícios da autoria. Despronúncia. Impossibilidade. A sentença da pronuncia trata de um juízo de admissibilidade, e, havendo elementos probatórios a indicar a probabilidade de ter o acusado praticado o crime, justifica-se submeter o acusado a julgamento pelo tribunal do júri. Descabe a valoração subjetiva da aprova nesse momento, para a despronúncia, ficando o exame aprofundado da matéria aos jurados. Incidente de insanidade mental. Indeferimento. Não havendo duvida razoável sobre a integridade mental do acusado, o juiz não e obrigado a determinar o exame. Recurso desprovido” (RS, Recurso em Sentido Estrito 70000520189). Quanto do Auto de qualificação e interrogatório, este será assinado pela autoridade policial, pelo interrogado, pelo curador e por duas testemunhas de leitura, estas que devem ter ouvido a leitura do escrivão que lavrou a peça, sendo que na hipótese de prisão em flagrante, o advogado assinará além do Auto de Prisão em Flagrante Delito, a nota de Culpa. De acordo com o que determina o artigo 197, do Código de Processo Penal, a autoridade policial deve ter em mente que a confissão é apenas mais uma modalidade probatória, devendo ser colhida de forma espontânea e devendo esta guardar harmonia com as demais provas colhidas. Quanto aos tipos de confissão, sendo judicial e extrajudicial, pode-se dizer que a primeira se dá diante da autoridade judicial competente para julgar o caso e a segunda forma de confissão, ou seja, a extrajudicial, abrange todas as demais oportunidades de investigação de infrações penais, como por exemplo, diante de autoridade policial, ou parlamentar, etc. Com relação à confissão extrajudicial, o Superior Tribunal de Justiça se pronuncia da seguinte forma: HABEAS CORPUS. FURTO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. SEMI-IMPUTABILIDADE DO PACIENTE. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NA CORTE ESTADUAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. Ajustada a confissão extrajudicial ao artigo 6º, inciso V, do Código de Processo Penal, não há falar em nulidade. 2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores assentou já o entendimento no sentido de que, enquanto peça meramente informativa, eventuais nulidades que estejam a gravar o inquérito policial em nada repercutem no processo da ação penal. 3. A confissão espontânea é circunstância atenuante obrigatória, à qual se impõe, como limite, o mínimo legal abstrato da pena. 4. Não se constituindo em matéria objeto de decisão da Corte Estadual, faz-se estranha ao conhecimento deste Tribunal, pena de supressão de um dos graus de jurisdição, a alegada semi-imputabilidade do paciente. 5. Ordem parcialmente conhecida e concedida para reduzir a pena do paciente.” (BRASIL, HC 18.486/SP). Sobre a confissão judicial, que atenua a pena do acusado, o Superior Tribunal de Justiça entende: “PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.  CONTRADIÇÃO ENTRE A DEFESA TÉCNICA E A PESSOAL. INEXISTÊNCIA. ATENUANTE RELATIVA À CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA OBRIGATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Diante da confissão do réu, que, no seu interrogatório, não afirmou ter sofrido ameaça ou agressão por parte da vítima, não há falar em contradição entre a defesa pessoal e a técnica, decorrente de opção do defensor do acusado pela tese do homicídio privilegiado em detrimento da legítima defesa, que foi inicialmente sustentada quando do oferecimento da defesa prévia e do pedido de revogação da prisão preventiva. 2. Configura constrangimento ilegal deixar de considerar, na dosimetria da reprimenda aplicada, a confissão espontânea do acusado realizada perante a autoridade judicial, por se tratar de circunstância que sempre atenua a pena, nos termos do art. 65, inc.III, letra d, do Código Penal. 3. Ordem concedida para reconhecer devida a aplicação, na hipótese, da atenuante da confissão espontânea” (BRASIL, HC 45.776/PI). Ainda com relação aos procedimentos, no que diz respeito ao indiciado, é oportuno falar sobre a incomunicabilidade do mesmo, esta incomunicabilidade constitui medida que deve ser tomada com cautela pela autoridade policial, dependendo sempre do seu despacho e quando o interesse da sociedade assim exigir, conforme determina o artigo 21, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941): “Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.”[34] Desta forma, o delegado ou o promotor, podem requerer a incomunicabilidade do indiciado que será decretada pelo juiz, com despacho fundamentado, sendo que esta medida não pode ultrapassar o prazo de três dias. A primeira exigência a ser feita para a legalidade dessa medida consiste, naturalmente, em que o indiciado deve estar preso, em flagrante delito ou preventivamente. Se o indiciado puder se livrar solto, com ou sem fiança, esta medida não poderá ser efetivada, sob pena de constrangimento ilegal ou abuso de poder por parte da autoridade que a ordenou. Já um segundo requisito para que a incomunicabilidade seja reconhecida como legal é a de que esta deve ser determinada por despacho nos autos do inquérito policial, onde a autoridade policial deve expor os seus motivos para solicitar ao juiz esta medida coercitiva. Mas, há uma exceção com relação a esta incomunicabilidade, com relação ao advogado que segundo o seu estatuto, no artigo 7º, III, garante que este tem direito a se comunicar com o seu cliente mesmo sem procuração. Sobre este assunto atualmente, parte da doutrina tem entendido que pelo sistema constitucional vigente, esta medida estaria revogada, entre eles Octacílio de Oliveira Andrade (2002, p. 121), sendo que na parte da doutrina que entende que a incomunicabilidade não foi revogada está entre outros o autor Damásio de Jesus (1995, p. 17). Com relação às atribuições da polícia judiciária e aí mais propriamente, a formação do inquérito policial, como se analisa, também funciona como fonte probatória dos fatos do inquérito, a colhida do depoimento das testemunhas. A respeito da figura da testemunha, o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 380), assim a define: “Testemunha, do latim testari, é qualquer pessoa que possa afirmar, mostrar atestando, asseverar provando, a existência de um fato. A testemunha é assim toda a pessoa que presenciou ou tomou conhecimento de algum fato juridicamente relevante, no todo ou em parte, e, face disso, foi convocada a depor em processo judicial, inquérito policial ou parlamentar, processo administrativo ou sindicância.” Os depoimentos das testemunhas são muito importantes, principalmente quando se trata de crime que não deixa vestígio, não existindo restrições quanto a este tipo de prova, a não ser as elencadas no artigo 207, do Código de processo penal, ou seja, aquelas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. Ainda com relação à prova testemunhal, segundo o artigo 206, do Código de Processo Penal, poderão recusar-se a depor, o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. Sobre as testemunhas, ainda é interessante mencionar, a sua classificação, pois, tem grande relação com o valor probatório dos depoimentos. Sendo assim existe as testemunhas numerativas, que são aquelas que têm o conhecimento de um fato delituoso ou de circunstâncias importantes do mesmo, prometem sob a palavra de honra, dizerem a verdade sobre o que disser ou for perguntado e figuram entre as testemunhas que são arroladas na instrução do processo judicial. As testemunhas informantes são aquelas que não se defere o compromisso legal de dizer a verdade, como por exemplo, as pessoas elencadas no artigo 206, do Código de Processo Penal, além dos deficientes mentais e menores de 14 anos. Já as testemunhas referidas, são aquelas que são mencionadas em depoimentos prestados nos autos e que devem ser ouvidas no interesse da apuração do fato. E por fim, existe ainda, as testemunhas instrumentárias que são aquelas que embora não tenham conhecimento do fato delituoso assistem a atos processuais e diligências, como é o caso das testemunhas de leitura. Quando entre o depoimento de uma testemunha e de outra ocorrer divergências, o inciso VI do artigo 6º, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), prevê a possibilidade de fazer acareações (artigo 229, do Código de Processo Penal) entre estas pessoas para descobrir a fundo a verdade e sanar as dúvidas existentes, a saber: “Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes”.[35] Sobre a acareação, o autor Eduardo Espíndola Filho (1980, p.86 ), assim se pronúncia: “O ato processual pelo qual são submetidas a confronto pessoas que, no processo, prestam declarações em choque, sobre fatos ou circunstâncias relevantes, visando, com explicação dos pontos em desarmonia, pôr termo à divergência.”[36] Assim, somente será de valia fazer a acareação quando houver pontos importantes para serem esclarecidos sobre o fato criminoso, que serão reduzidos em termo de acareação depois de solucionadas as dúvidas. Com relação ao modo com deve agir a autoridade policial na prática, o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 366), menciona: “Recomenda-se, outrossim, que a autoridade policial não deve se dar por satisfeita com a simples retificação dos depoimentos  ou declarações anteriores, mas procurar esclarecer, pela inquirição insistente e pelas reações emotivas dos acareados qual deles falta com a verdade. Na prática, verifica-se que os acareados, geralmente, sustentam o que disseram e mantém os seus depoimentos. Mas, o policial experiente percebe quem está falando a verdade.” Já quanto ao reconhecimento de coisas e pessoas na polícia será feito conforme os artigos 6º, VI e 226 a 228, do Código de Processo Penal, sendo que a autoridade policial deve seguir estes parâmetros para desempenhar um bom trabalho. Dentre destes procedimentos ocorrerá que pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa a ser reconhecida, sendo que a pessoa que tiver de ser reconhecida será colocada, quando possível, ao lado de outras que se pareçam com ela e quem tiver de fazer o reconhecimento deverá apontá-la.  Quando a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento se encontrar tímida e amedrontada a autoridade policial cuidará para que a pessoa a ser reconhecida não veja a pessoa que tem que fazer o referido reconhecimento. Deste ato de reconhecimento será lavrado um termo pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa que fez o reconhecimento e por duas testemunhas que presenciaram o ato. Se forem muitas as pessoas a fazer o reconhecimento deve a autoridade providenciar para que não haja qualquer comunicação entre elas. Importante é mencionar que nem sempre este reconhecimento se dá como a lei determina, sobre este ponto afirma o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 367): “As repartições policiais devem ter uma sala de reconhecimento, com espelho especial, luzes e sistema de som, inclusive, para reconhecimento de voz. O que ocorre, geralmente, é a improvisação, isto é, a identificação feita através de frestas ou furos nas portas, etc.” Desta forma, para que a polícia judiciária possa desempenhar as suas funções com maior eficiência é necessário que a mesma tenha essas condições essenciais para que os procedimentos policiais possam se realizar de maneira eficaz e rápida. Outra atribuição da polícia judiciária para a formação do inquérito policial a é reconstituição do local do crime, conforme o artigo 7º, do Código de Processo Penal, sendo que esta reconstituição deve ser realizada quando necessária sempre com cautela, resguardando sempre a vida, a integridade física e moral dos participantes, bem como deve-se evitar sensacionalismo da opinião pública. Esta diligência fica a cargo da conveniência do delegado de polícia, mas o Juiz pode requisitar a polícia para a realização da reconstituição, nos casos em que entender necessária, sendo que o Ministério Público, também pode fazer o pedido através de manifestação ao Juiz. Na reconstituição, pode ocorrer que o indiciado não queira participar da mesma, sendo que este não está obrigado a participar desta reprodução, pois este não pode ser compelido a figurar contra sua própria vontade. Quanto às buscas e apreensões, realizadas pela polícia judiciária, com o intuito de desvendar crimes e formar o inquérito, o delegado de polícia pode fazer diligências, de ofício ou a requerimento das partes, para impedir o perecimento de provas e a produção do corpo de delito do fato em investigação. Sobre a busca e apreensão, comenta o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 103): “A autoridade policial deverá determinar a apreensão dos instrumentos de crime e de todos os objetos que fizerem relação com o fato, isso logo que tenha conhecimento do ilícito penal, ou seja, antes mesmo de ser instaurado o inquérito.” Desta forma, ao investigar, a autoridade policial tem o dever de apreender todo e qualquer instrumento que interesse para a elucidação do crime, mesmo por que estes objetos também devem ser sujeitos de exames para verificação de natureza e eficiência. A busca e apreensão, pode se dar de forma domiciliar ou pessoal, mas nada impede que seja realizada as duas espécies de busca. A busca domiciliar está prevista no artigo 240 e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, e visa entre outras coisas, prender criminosos, apreender armas e munições, descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a autoridade policial não pode mais pessoalmente determinar e realizar a busca domiciliar, sem o devido mandado judicial, pois a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo durante o dia por determinação judicial, conforme artigo 5º, XI. Existe também a busca pessoal, que está prevista no artigo 240, § 2º do Código de Processo Penal, sendo que é realizada nos mesmos moldes da busca domiciliar e independe de mandado. A respeito desta modalidade de busca o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 106), ensina: “A busca pessoal, não é apenas feita no corpo de alguém, mas também nos bolsos, bolsas, malas, pastas, etc., que a pessoa traz consigo ou que estão sob sua guarda dentro da esfera de sua custodia. De acordo com o artigo 240, § 2º, do Código de Processo Penal, procede-se a busca pessoal quando há fundada suspeita de que alguém oculte consigo, isto é, no próprio corpo, ou nos bolsos, etc., instrumentos do crime, produtos do crime ou elementos de prova.” Quando for feita a apreensão dos instrumentos do crime e de objetos que tiverem relação com o delito, a autoridade policial fará à lavratura do autor de exibição e apreensão, sendo que a res furtiva, será avaliada e depositada ou entregue. Ainda no campo probatório do inquérito policial encontra-se uma prova de grande valia nos crimes que deixam vestígios, ou seja, o exame de corpo de delito, sendo que a nomeação dos peritos é ato privativo da autoridade policial ou judicial e as partes não intervêm na sua nomeação. Sobre o exame de corpo de delito o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 114), coloca: “O exame de corpo de delito será feito via de regra, por peritos oficiais, quando não houver peritos oficiais, serão realizados por duas pessoas idôneas, nomeadas de preferência as que tiverem habilitação técnica. Os peritos oficiais, não prestam compromisso de bem e fielmente desempenhar a tarefa que lhes tenha sido atribuída, isso porque, quando assumiram o cargo público de perito, já prestaram compromisso, porém para o perito não oficial, o compromisso é formalidade indispensável.” O exame de corpo de delito é indispensável para a comprovação do fato delituoso, não podendo ser suprido por confissão do acusado quando a infração penal deixar vestígios. O corpo de delito é um vestígio material, é tudo aquilo que se relacionou com a infração penal, como por exemplo: o cadáver, os objetos, armas, etc. Sobre o exame de corpo de delito, tem entendido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “FURTO SIMPLES CONSUMADO. PROVA SUFICIENTE. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. INVALIDADE DO LAUDO PERICAL REALIZADO COM BASE NAS PALAVRAS DA VÍTIMA. 1. Sem eco na prova oral carreada ao processo, resta desmerecida a negativa judicial do acusado, tornando segura a autoria dos fatos narrados na denúncia. 2. Nos casos em que o crime deixa vestígios materiais, é indispensável que seja feito o exame de corpo de delito direto, evidenciando, assim, os elementos objetivos do tipo qualificador. A falta deste exame ou a sua invalidez, não pode ser sanada pela prova testemunhal. No caso em tela, o laudo foi baseado exclusivamente na palavra da vítima. 3. A ausência de perseguição e a posse tranqüila da res, induz o reconhecimento da consumação. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. POR MAIORIA”. (RS, Ap. Crime 70015150550). Quando por qualquer motivo não puder ser realizado o exame de corpo de delito, a prova testemunhal poderá suprir esta falta, ou seja, quando desaparecem os vestígios do crime. Depois que a polícia judiciária, sob o comando do delegado de polícia, tiver realizado todas as diligências e colhido todas as provas que possam embasar o inquérito policial, o investigador apresentará um relatório contendo os fatos e os dados recolhidos durante a investigação em cumprimento a ordem de serviço da autoridade. 3.5.5.5 Conclusão do Inquérito Policial Quanto ao prazo para a conclusão do inquérito policial, este dependerá do indiciado estar preso ou solto, mas, as medidas que foram determinadas na portaria da instauração do inquérito devem ser cumpridas com a máxima brevidade, observando sempre os prazos da legislação processual penal. No que se diz respeito à Justiça comum, o inquérito deve ser concluído em 30 dias, quando o indiciado estiver solto, mediante fiança ou não, podendo este prazo ser prorrogado a pedido da autoridade policial e a critério do juiz, conforme o artigo 10, §3º, do Código de processo penal. Também na Justiça comum, o prazo será de 10 dias, para a conclusão do inquérito quando o réu estiver preso em flagrante delito, a contar a data da prisão, conforme o artigo 10, caput, do Código de Processo Penal. Ainda na Justiça comum, também será de 10 dias o prazo para a autoridade policial concluir o inquérito, quando o indiciado estiver preso preventivamente, sendo que este prazo será contado a partir da execução da prisão e a este período pode ser acrescido o prazo de prisão temporária, conforme o Código de Processo Penal, artigo 10, caput, 2ª parte.  Já com relação à Justiça Federal, o inquérito deve ser concluído dentro de 30 dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por requerimento da autoridade policial, mas somente em casos essenciais. Também na esfera federal, será de 15 dias o prazo para conclusão do inquérito, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais 15 dias, conforme a Lei nº. 5.010 de 30 de maio de 1966, artigo 66. Quando houver a impossibilidade de se concluir as investigações no prazo determinado, o delegado deve solicitar a dilação do prazo, expondo de forma fundamentada as razões da impossibilidade de encerrar o inquérito no prazo determinado, mencionando ainda as diligências que faltam ser realizadas para a elucidação dos fatos. Mas, o que tem se evidenciado na prática, é que muitos advogados na tentativa de livrar seus clientes da prisão, impetram hábeas corpus, com a alegação de excesso de prazo no inquérito policial, o que não tem sido bem recebido pelos Tribunais, como demonstram as jurisprudências a seguir: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO. INQUÉRITO POLICIAL E OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. Se a denúncia já foi recebida pelo MM. Juízo de primeiro grau, resta superado o alegado constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para o seu oferecimento, bem como para a conclusão do inquérito policial (Precedentes). Ordem prejudicada”. (BRASIL, HC 31.383/RS). “PENAL. PROCESSUAL. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. INQUÉRITO. EXCESSO DE PRAZO. 1. Encontrando-se a Ação Penal em regular andamento, resta superado o constrangimento ilegal fundado em excesso de prazo na conclusão do inquérito policial. 2. Recurso Ordinário a que se nega provimento.” (BRASIL HC 10.881/PE). “HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL E PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. Já enviado o inquérito policial a juízo, oferecida e recebida denúncia, não há mais que se falar em possível vulneração aos arts. 10 e 46 do CPP. Ordem denegada.” (RS, HC 70015717598). Na Policia Federal, quando o indiciado estiver preso, o pedido de prorrogação de prazo é feita com a sua apresentação ao juiz. Terminado o inquérito, o delegado irá fazer um relatório, onde deve mencionar de forma clara e minuciosa o que foi apurado do delito e sua autoria, indicando no mesmo, as provas colhidas, os nomes das testemunhas que não foram inquiridas por não serem encontradas, determinando a remessa dos autos ao juízo, conforme o artigo 10, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal. Sobre o relatório e sua forma de elaboração o autor Luiz Carlos Rocha (2002, p. 483), comenta: “O relatório deve ser bem elaborado, vazado em linguagem escorreita, sem preocupações literárias ou artísticas, historiando todos os pormenores do fato delituoso e de sua autoria, sem assumir foros de um libelo acusatório, nem arrazoado de defesa do indiciado.” O relatório do inquérito deve ser realizado mesmo quando forem esgotadas as diligências e a autoridade policial não tenha conseguido esclarecer o fato e sua autoria, sendo que neste caso o delegado deve enviar o inquérito ao Juiz para este decidir sobre o arquivamento dos autos, ouvido o Ministério Público. Mas mesmo depois do arquivamento a autoridade policial, poderá proceder novas pesquisas se tiver notícia de outras provas, conforme os artigos 17 e 18, do Código de Processo Penal. Como já se observou, o Ministério Público ao receber os autos do inquérito policial, deve verificar se o crime trata-se de natureza de ação penal pública incondicionada, ou condicionada, presente a condição, deve oferecer a denúncia, se a autoria for conhecida e houver os indícios de prova. Mas, se no inquérito não houver autoria comprovada e nos autos não existirem elementos de convicção suficientes, o Ministério Público não poderá oferecer a denúncia, sendo que deve requer ao Juiz o arquivamento do inquérito policial, pois, somente o Juiz é competente, através de despacho, para arquivar o mesmo. A autoridade policial não poderá determinar o arquivamento do inquérito policial, assim como também o Ministério Público, sendo que deve este requer ao Juiz o seu arquivamento, sendo que da decisão que determinar o arquivamento não cabe recurso, conforme a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Inquérito policial. Arquivamento. Não cabe recurso contra a decisão judicial que, acolhendo requerimento do Ministério Público, determina o arquivamento do inquérito policial. Decisão irrecorrível, consoante iterativa jurisprudência. Recurso não conhecido.” (RS, Correição Parcial 70000833954). Também sobre o pedido de arquivamento, o autor Carlos Alberto dos Rios (2001, p. 149), comenta: “O pedido de arquivamento dos autos de inquérito policial passa pelo controle estabelecido pelo artigo 28 do Código de Processo Penal. Assim sendo, o juiz não pode obrigar o Ministério Público oferecer denúncia. Mas, não está obrigado a aceitar de imediato o pedido de arquivamento, e não aceitando fará a remessa dos autos ao Procurador-Geral da Justiça, órgão hierarquicamente superior ao representante local do Ministério Público, se este insistir no pedido de arquivamento, o juiz estará obrigado a atendê-lo, caso contrário o Procurador-Geral da Justiça, oferecerá a denúncia ou designará outro representante do Ministério Público para oferecê-la.” Analisando a jurisprudência do Tribunal de Justiça gaúcho, fica melhor evidenciada a teoria com a prática forense, como podemos analisar a respeito do arquivamento: “Correição parcial. Crime de violação de direito autoral (art. 184, §§ 1.º e 2.º, do CP). Decisão que, atendendo a requerimento do Ministério Público, determinou o arquivamento do inquérito policial. Despacho que não causa inversão tumultuária do feito. Não conhecimento.” (RS, Correição Parcial 70014157184). “CORREIÇÃO PARCIAL. PEDIDOS DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES SOLICITADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INDEFERIMENTO. INQUÉRITO POLICIAL DISTRIBUÍDO AO JUÍZO. PODER DE REQUISIÇÃO DO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO. DILIGÊNCIAS NEGATIVAS. REQUERIMENTO DE BUSCA E APREENSÃO E DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. NECESSIDADE DE ANÁLISE PELO JUÍZO. A correição parcial é a medida adequada para atacar a decisão que implica cerceamento da atividade acusatória, pois provoca tumulto processual, embora o poder de requisição previsto na Constituição Federal, art. 129, incs. VI e VIII, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, art. 26, inc. I, letra b, e inc. II, e no Código de Processo Penal, art. 47. O magistrado já havia deferido diligências que frustraram a obtenção de prontuários médico de paciente que faleceu. Cabível, portanto, a verificação da necessidade ou não de proceder-se à busca e apreensão de documentos, cuja ordem deve ser judicial. A não-apreciação do pedido pelo juízo da instrução prejudicará eventual oferecimento de denúncia por delito de ação penal pública incondicionada ou justificativa de pedido de arquivamento do inquérito policial como previsto no art. 28 do CPP. O inquérito policial está sob a guarda e controle do juízo. Logo, os pedidos de diligências devem ser apreciados pelo juízo a quem foi distribuído o inquérito. CORREIÇÃO PARCIAL DEFERIDA”. (RS, Correição Parcial 70006180590). Com relação ao relatório de conclusão do inquérito, pode a autoridade policial requer ao magistrado a decretação da prisão preventiva do indiciado, conforme se evidencia na Jurisprudência a seguir, citada: “HABEAS CORPUS. CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA A PESSOA. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO (ARTIGO 121-§2º-I e IV, COMBINADO COM O ARTIGO 14-II, AMBOS DO CP). PACIENTE QUE TEVE DECRETADA A SUA PRISÃO PREVENTIVA, A QUAL AINDA NÃO SE CONCRETIZOU. OS AUTOS ESTÃO AGUARDANDO A PRISÃO DO RÉU. PRESSUPOSTOS DA DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR QUE RESTARAM PREENCHIDOS. O decreto de prisão preventiva do ora paciente está devidamente fundamentado, calcado em circunstâncias concretas do caso, autorizadoras da medida extrema, ausente qualquer coação ilegal a ser sanada, pois trata-se da prática, em princípio, de delito de elevada ofensividade jurídica, não existindo motivos suficientes para a revogação da dita medida no presente momento processual. Tal decreto restou motivado, ainda, nos seguintes termos: ¿A materialidade está demonstrada pelos documentos de fls. 11 e 12, havendo, por outro lado, indícios de que o representado foi o autor do fato, decorrentes das declarações da vítima, que o reconheceu através de fotografia. A segregação se faz necessária por resguardo da ordem pública, eis que o delito é de extrema gravidade, sendo considerado hediondo. Além disso, também se faz necessária a prisão do réu para eventual aplicação da lei penal, eis que o mesmo não foi localizado, conforme relatório do Delegado de Polícia, que informa estar o réu em lugar incerto e não sabido. (fl. 36). Manutenção posterior de tal decisão cautelar, por persistirem os motivos determinantes da mesma, porquanto presentes os requisitos do artigo 312, do CPP. Tratando-se de delito considerado hediondo, pela legislação, está vedada a concessão de fiança ou liberdade provisória, em princípio, na forma dos artigos 1º-I e 2º-§ 1º, ambos da Lei nº 8.072/90. Tal custódia não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência. Primariedade, bons antecedentes, residência e emprego fixos não é obstáculo à manutenção da custódia prévia, nem atenta esta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Impossível o exame, em sede de Hábeas Corpus, quanto à alegação da tese consistente em negativa de autoria, suscitada pela defesa, por implicar aprofundado exame da prova. Justifica-se a manutenção da segregação prévia do paciente, por persistirem os motivos determinantes da mesma. Além disso, trata-se de delito da competência do Tribunal do Júri, sendo indispensável a presença do réu, ora paciente, para a realização do julgamento, em princípio. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.” (RS, HC 70013171517). Desta forma, no relatório, de conclusão do inquérito policial, a autoridade policial deve requerer ao Juiz a prisão preventiva do indiciado visando a garantia da ordem pública, econômica, por conveniência da instrução criminal e ainda para assegurar a aplicação da lei penal, quando sobre o delito já houver sido descoberta a sua autoria e existirem indícios de provas suficientes. CONCLUSÃO O presente trabalho buscou, sem pretensão de esgotar o tema estudado, analisar e discorrer a respeito da atenção que vem sendo dispensada pela legislação, pela doutrina e também pela jurisprudência com relação aos procedimentos e atribuições do delegado de polícia e das polícias judiciárias. Como se demonstrou o delegado de polícia e as polícias judiciárias possuem funções de suma importância para que o Estado possa manter a segurança e a ordem pública. A autoridade policial é a pessoa a quem é incumbido o dever de manter a ordem e a tranqüilidade social e em decorrência disto a este são dados poderes para comandar a sua circunscrição e determinar diligências e os procedimentos que achar necessário. O delegado de polícia deve também preencher alguns requisitos antes de estar pronto para exercer a sua função, entre eles deve passar em concurso público que é realizado pela Academia da Polícia, sendo este que é realizado em três fases, tendo ainda avaliação física e psíquica, bem como também o curso de formação na Academia da Polícia.    A autoridade policial é um funcionário público, que tem uma carreira e conseqüentemente possui responsabilidades que são cobradas por seus responsáveis, pois o delegado de polícia está localizado dentro de uma estrutura de hierarquias que a polícia possui e que se demonstra necessária para o regular cumprimento de todas as funções destinadas a este organização. O delegado de polícia deve obedecer além de outras atribuições a ele determinadas, pelas normas internas da corporação e também pelas normas contidas no artigo 6º e seus incisos do Código de Processo Penal, entre elas estar atento quando for comunicado de um ato ilícito, devendo tomar algumas providências, como: ir até o local dos fatos, determinar perícias, instaurar inquérito policial, ouvir o indiciado e o ofendido, produzir provas, remeter o Inquérito policial,ao juiz para posterior ação penal, entre outros procedimentos que irão determinar as funções da polícia judiciária. A polícia assume o seu papel no que diz respeito à garantia do bem comum e a limitação do poder coercitivo individual, sendo que esta organização é resultado de um complexo de princípios que o Estado tem o dever de manter para que as garantias individuais e coletivas sejam respeitadas. A polícia possui uma função complexa, que visa prevenir ou reprimir as infrações penais, sempre obedecendo aos parâmetros legais, principalmente os constitucionais. Como organização que responde e representa o Estado, a polícia possui um poder a ela inerente, qual seja, o Poder de Polícia, que é regulado e limitado pelas leis e que desempenha a função de manter a ordem pública e assegurar a tranqüilidade social. O Estado dividiu a polícia em administrativa e judiciária, sendo esta última o objeto principal do nosso estudo. A Polícia judiciária tem o condão de repreender os crimes já cometidos e de auxiliar a justiça na elucidação destes de forma que a justiça possa proceder ao devido processo legal. Os principais procedimentos atribuídos a função da polícia, derivam principalmente dos deveres que determina o Estado e que geralmente são regulamentados por leis ou portarias internas.  Entre estes procedimentos estão o plantão policial que é desempenhado pela autoridade policial de plantão e pelos respectivos polícias que deverão proceder ao registro das ocorrências, lavratura de Termo Circunstanciado e também diligências necessárias e determinadas pelo delegado. São procedimentos policias ainda, o atendimento aos ilícitos de furto e roubo, bem como acidentes de trânsito e também atendimento de menores tanto vítimas como infratores, sendo que neste ultimo caso, deve a autoridade policial, ter pleno conhecimento dos procedimentos necessários e regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Para auxiliar a polícia no cumprimento destes procedimentos, o Estado do Rio Grande do Sul implantou a delegacia on line para realizar procedimentos mais comuns, como registro de furtos, de acidentes de trânsito com danos materiais e registros de pessoas desaparecidas, entre outros. Esta evolução, com relação aos registros que antes somente poderiam ser feitos presencialmente na delegacia, demonstram o quanto a modernidade ajuda a polícia a desempenhar de forma mais eficaz as suas funções, determinando um atendimento mais rápido e eficiente.    Ainda, dentre as atribuições das polícias judiciárias, tanto federal quanto civil, está a investigação onde se procuram indícios e provas da materialidade e autoria do ato ilícito, para fundamentar e formar o inquérito policial e posterior processamento com a denúncia do Ministério Público ou a queixa-crime do ofendido. Além da investigação, com a formação do inquérito policial, surgem outras atribuições da polícia judiciária, pois, como a portaria da autoridade policial o inquérito está instaurado e devem ser então começadas as investigações, as perícias, os interrogatórios tanto de testemunhas como da vítima e do indiciado, sendo que ao final das diligências a autoridade policial deve fazer um relatório do que se procedeu no inquérito, antes de remetê-lo ao Juiz competente. Dentro destes procedimentos e atribuições do delegado de policia e das Polícias judiciárias, é necessário à observância dos prazos que a lei determina para o cumprimento de tais diligências, dependendo sempre se o réu estiver preso ou não. O trabalho da autoridade policial e também da polícia judiciária tem significância, tanto no campo da sociedade com determinante da paz social e ordem pública, como no campo processual, no que tange o auxílio prestado na elucidação de casos e na prestação da justiça.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-55/procedimentos-e-atribuicoes-do-delegado-de-policia-e-das-policias-judiciarias/
Visão crítica acerca do tribunal do júri
Este trabalho busca fazer uma crítica, com argumentos racionais, que rompam com o saber jurídico meramente dogmático. Não tem como objetivo principal explorar o funcionamento do Tribunal Popular a fundo, mas sim fazer um contraponto a esta Corte que perdura há muito tempo em nosso sistema jurídico. Trata-se de apontar soluções para esta Instituição, como sua exclusão definitiva, ou alteração para Tribunais mistos, que tenham julgadores técnicos julgando ao lado de pessoas leigas.
Direito Processual Penal
1 INTRODUÇÃO O Tribunal popular é um instituto muito intrigante dentro do Direito Processual Penal, tendo diversos defensores, bem como inúmeros críticos. É um procedimento diferenciado que julga delitos socialmente relevantes, quais sejam, os crimes dolosos contra a vida, isto feito através de pessoas do povo, que são leigas na Ciência do Direito. Este artigo tem o intuito de trazer uma abordagem crítica com relação ao Tribunal do Júri, rompendo com os dogmas existentes acerca desta instituição, buscando afastar-se do saber convencional e analisando-o de forma racional. Temos em vista que num mundo em que as pessoas nos dizem o tempo todo que as coisas funcionam desta ou daquela maneira, é necessário não ficar preso nestas amarras e “arranhar” a superfície da realidade com algumas indagações para ver quanta mistificação existe por aí. O Tribunal do Júri nasceu em nosso país com a Lei de 18 de julho de 1822, tendo competência para julgar os crimes de imprensa. Desde então, passou por diversas alterações chegando até a atual Constituição de 1988, que manteve o Tribunal Popular entre os direitos e garantias fundamentais, mas foi mais além, determinado novamente que este teria soberania em seus veredictos, e competência exclusiva para julgar os crimes dolosos contra a vida[1]. Salientamos desde o início que a reforma legislativa realizada pela Lei 11.689 de 2008 não foi suficiente para afastar os principais pontos negativos do Tribunal do Júri. O que houve foram modificações de emergência, dentro da perspectiva de sumarização dos procedimentos (cito aqui dois exemplos: fim do recurso de protesto por novo júri e realização de uma única audiência de instrução e julgamento-vide novo artigo 411 do CPP). 2 PAPEL DOS JURADOS NO JULGAMENTO DO JÚRI Os jurados que terão a incumbência de decidir o futuro do acusado, deliberando pela condenação ou absolvição com total autonomia para tanto (não necessitando externarem suas razões) como versa Tubenchlak: No Júri, compete aos jurados externar o veredicto; surgindo a condenação, aí sim o Magistrado influenciará no mérito do julgamento, aplicando a pena correspondente. Nada mais[2]. A eles cabe a decisão com relação à autoria e a materialidade do delito, bem como uma possível incidência de excludente de ilicitude, ou mesmo de culpabilidade ou diminuição de pena. Em suma, os jurados têm enorme poder, decidindo a vida de inúmeros réus que passam pelo julgamento do Tribunal popular. Ocorre que, muitas vezes os jurados são pessoas despreparadas para exercer uma função tão relevante que é julgar outro ser humano, pois em diversas oportunidades o processo se mostra complexo e de difícil compreensão para uma pessoa leiga. Ainda, podemos perceber que os jurados não raramente são pessoas de baixa instrução, o que traz uma dificuldade maior. Esta idéia pode ser bem compreendida numa passagem de Guilherme de Souza Nucci: “A missão de julgar requer profissionais e preparo, não podendo ser feita por amadores. É impossível constituir um grupo de jurados preparados a entender as questões complexas que muitas vezes são apresentadas para decisão no Tribunal do Júri”[3]. Então, mormente os jurados fazem um julgamento em razão do que o réu é e não efetivamente pelo delito que este cometeu. No tribunal do Júri muitas das vezes vige o tão combatido direto penal do autor, no qual julga-se com base em características pessoais do réu, através de sua folha de antecedentes criminais e sua conduta perante a sociedade (sem falar da condição econômica ou racial)[4]. Como diz Zaffaroni e Pierangeli: “[…] o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”[5]. A grande maioria dos acusados provém das classes menos favorecidas, em contraponto com seus julgadores (provenientes majoritariamente da classe média). [6] E não raras vezes os réus têm antecedentes criminais e estes são usados amplamente como arma da acusação para obter uma condenação e em grande parte isto se torna possível em razão de que o convencimento dos jurados não precisa ser motivado. Deve-se salientar que são pessoas despreparadas para julgar, pois desconhecem os conhecimentos específicos necessários da área jurídica. E não podemos nos escorar sob o manto da representação democrática e do exercício pleno da cidadania, isto porque a cidadania e a democracia são muito mais que isso, elas representam acima de tudo um julgamento justo e imparcial. O conhecimento jurídico, com a mais absoluta certeza, é fundamental para que se possa fazer um julgamento mais acertado, ou no mínimo menos falho. A margem de erro com certeza é potencialmente muito maior no Tribunal Popular (o que não quer dizer que os magistrados não erram), mas é como comparar um obstetra a uma parteira[7]. Não se pode ficar a “mercê” apenas do bom senso e da sensibilidade dos jurados para que se tenha justiça. Este tipo de Tribunal representativo do povo com certeza foi muito importante na época da inquisição em que o Poder Judiciário era submisso ao soberano, e assim este representava um julgamento mais imparcial e conseguia-se limitar o poder estatal, mas hoje com a independência do Judiciário ele perde sentido. 3 FALTA DE INDEPENDÊNCIA DOS JURADOS – INFLUÊNCIA DA MÍDIA DENTRO DO PROCESSO PENAL E NO TRIBUNAL DO JÚRI Notadamente sabe-se da pressão que a mídia exerce nos processos criminais (principalmente), tendo em vista que estes têm grande repercussão social e servem como âncoras para que se venda mais. Ocorrendo em razão disto, em muitos casos, um verdadeiro julgamento antecipado dos réus, não tendo estes a mínima chance de defesa com base nas provas e de um julgamento conforme a justiça (notadamente uma pré-condenação). Tem-se verdadeiramente a supressão do princípio fundamental do processo penal (constitucionalmente protegido no artigo 5°, inciso LVII), que é o da presunção da inocência, suplantado em razão da liberdade de imprensa (também importantíssimo para democracia). Na verdade, não se tem mais uma discussão jurídica dentro do processo, pois este já está praticamente “definido”. Um exemplo claro disto é o que está ocorrendo nas grandes ações da Polícia Federal (cito operação Tango, Anaconda…), em muitas delas vê-se nomes estampados dos acusados (não condenados ainda) em jornais como verdadeiros criminosos, tendo apenas a investigação no inquérito (longe de uma sentença transitada em julgado). O magistrado em função de sua instrução jurídico-científico e das garantias a ele outorgadas consegue com mais facilidade discernir o que é apresentado nos jornais da realidade fática do processo, mantendo sua imparcialidade[8]. Isto em função de ter isenção maior que os jurados, pois está preparado para exercer o cargo e tem técnica para tal. Assim, no Tribunal Popular, todos os princípios para tentar assegurar um julgamento imparcial perdem sua eficácia em muitos de seus julgamentos, uma vez que notadamente tem-se uma pré-condenação (principalmente em casos de maior repercussão). Na prática, como são pessoas muitas vezes despreparadas, a mídia tem força para condenar realmente por antecipação[9]. Os meios de comunicação hoje em dia estão intimamente ligados ao direito penal, através não somente das notícias com relação a crimes, mas também nos filmes e seriados. E favorecem (muito) para que se mantenha o poder estatal, através da criação de um sentimento de medo geral, justificando o exercício deste e da destruição de inúmeras garantias constitucionais, ainda mais em um país como o nosso em que há liberdade de imprensa (o que é salutar), mas com isso se veicula notícias, muitas vezes não são “totalmente” verdadeiras (que têm com base meros indícios). Pode-se perceber que nos filmes e seriados ocorre a luta do bem (policial violento e esperto) que vai combater o criminoso que representa o mau. E esse sentimento que está presente não somente nos filmes, vai se introjectando no inconsciente popular e desencadeando verdadeiros movimentos maximalistas (citamos aqui como exemplo a Lei dos crimes hediondos que nasceu por pressão de uma agência de comunicação de grande influência) [10]. A mídia, hoje em dia, tem um grande poder de influência sobre as pessoas, atuando nos inconscientes de cada cidadão, criando uma massificação do pensamento. No mundo em que vivemos, que é absolutamente capitalista, a informação é considerada pelos veículos midiático acima de tudo como um meio de se fazer dinheiro (um comércio). E a violência é um “produto” que realmente vende muito, por isso é amplamente explorada em todos os meios de comunicação. Ainda, a esse respeito numa passagem em que comenta sobre o poder da televisão e sua influência, Ignácio Ramonet diz: Um meio de comunicação central -a televisão- produz um impacto tão forte no espírito do público que os outros meios de comunicação se sentem obrigados a acompanhar esse impacto, entretê-lo e prolongá-lo[11]. Temos que falar ainda da veracidade dos fatos apresentados pelos veículos de comunicação, que muitas vezes não são devidamente “checados” e analisados sem o impacto da emoção, em prol da exclusividade ou como chamam o “furo jornalístico” (meio extremamente concorrido). No direito penal isto se perfectibiliza quando ao noticiar uma investigação, os meios de comunicação já apontam se a pessoa é inocente ou culpada (é a neurose da informação instantânea, do agora) e essa informação se dissipa rapidamente. Uma pergunta se torna latente frente a essas colocações: qual é a verdade dos fatos nos dias atuais? Podemos dizer que a verdade é aquela que a mídia nos mostra como verdadeiro (a repetição dos veículos de informação dá o tom de veracidade), mesmo com o nosso senso crítico (obviamente que nos resguardamos de algumas coisas absurdas), o falso pode se tornar verdadeiro, basta que a mídia acredite nisso[12]. Tudo isso vai se refletir no julgamento do Tribunal do povo, porque estes estão mais despreparados para julgar (sem conhecimento técnico), até por uma questão de instinto de sobrevivência (como uma “pseudo-segurança”). No Júri, buscam resguardar a sociedade de um potencial (ou real) delinqüente, assim mostrando este lado perverso deste Tribunal tão aclamado por muitos. 4 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS E ABORDAGEM CRÍTICA: IN DUBIO PRO SOCIETATE? O rito do Júri é bifásico, sendo que a primeira parte é a do juízo de admissibilidade (iudicium accusationis), devendo o juiz proferir uma decisão, na qual pode seguir por caminhos diferentes: pronúncia, desclassificação, absolvição sumária ou impronúncia. A decisão de pronúncia se dá quando o juiz convencer-se da existência de crime (s) e de indícios de que o réu seja o autor deste (s), conforme disposto no artigo 413, do CPP[13]. Esta decisão tem conteúdo declaratório (na verdade declaratório-terminativo), encerrando a primeira fase do processo (iudicium accusationis), deixando assim, nas mãos dos jurados a decisão do futuro do réu. Nesta fase do processo (iudicium accusationis) tem validade o princípio do in dubio pro societate, que significa que na dúvida em relação à autoria ou a materialidade, deve o magistrado decidir a favor da sociedade (???) mandando o réu a Júri. Na verdade isso não corrobora com o sistema atual adotado em nosso país após 1988, com a promulgação de nossa Constituição, que trouxe para o processo penal o sistema acusatório, e tem como única presunção a de inocência[14]. Então, para estar legitimado a pronunciar o réu (para ter justa causa) deve-se ter no mínimo algumas provas que amparem tal decisão[15]. Assim não se pode autorizar tamanha agressão à Constituição, porque mesmo sendo os jurados soberanos para decidir, é imperativo ter um mínimo de garantias a fim de que se tenha segurança jurídica. Não podemos aceitar isto, caso contrário, estaremos aceitando uma evidente arbitrariedade, e assim, daqui a pouco teremos que aceitar que o juiz possa produzir provas de ofício dentro do processo penal (!!). Estes exemplos (juiz produzir provas de ofício e o in dubio pro societate na 1º fase do processo de competência do Júri) são provas de que ainda há traços inquisitórios em nosso sistema de processo penal. Não estão de forma alguma alinhados à orientação constitucional democrática vigente no país. Numa outra ótica que pode analisar esta questão é que se o Ministério Público no seu papel de acusador não conseguiu lograr êxito na comprovação do fato, decide-se a seu favor, remetendo o réu para o julgamento em plenário? Tem-se aí nítida inversão, porque uma vez havendo dúvida com relação ao fato, não pode ser o réu remetido para julgamento perante o Tribunal Popular, este deve ser absolvido sumariamente[16]. 5. ANÁLISE DE ALGUNS PRINCÍPIOS VIGENTES NO TRIBUNAL POPULAR Os princípios de maior problemática (no meu sentir) serão aqui analisados, sendo eles: a soberania dos veredictos, decisão por íntima convicção, in dubio pro societate e presunção de inocência. Obviamente nos limitaremos a estes, mas existem muitos outros que se aplicam neste tipo de julgamento Inicialmente, é de suma importância que antes de adentrarmos no estudo do princípio da soberania dos veredictos, se analise pelo menos de forma superficial o conceito de soberania. Um conceito que bem exprime a idéia de soberania diz que esta se traduz em um poder incontrastável (supremo) e ao mesmo tempo independente, conceito amplo, que se relaciona com a soberania do Estado[17]. Esta soberania no plano interior se traduz na relação do Estado com os seus cidadãos, manifestando-se por meio do monopólio da coação física e pela elaboração das normas jurídicas. Já no plano externo ou internacional (relação entre os estados), se dá a partir de que estes são igualmente soberanos e assim não há a imposição de uma soberania de um Estado sobre outro[18]. Então, trata-se de um poder do estado e este não é igual à soberania que está presente no Tribunal Popular. O objetivo, foi dar ao Júri um caráter de supremacia, autonomia e plenitude para julgar no âmbito de sua competência. Assim, esta soberania se traduz na independência, sem submissão de suas decisões a Tribunais Superiores (no que tange a decisão dos jurados-mérito da causa), ou seja, sendo a última instância[19]. Soberania esta, que diz respeito a uma autonomia absoluta, que não se submete a nada, e em função desta, tratando-se de decisões que se relacionam ao mérito da causa, somente podem ser alteradas pelos decisores populares. Os magistrados dos Tribunais podem eventualmente reformar a sentença no que se refere à dosimetria da pena que é feita pelo juiz-presidente, quando nestes casos não atentariam contra a soberania do Júri Popular (não se alteraria o juízo de culpabilidade). Decorrente de uma análise um pouco mais acautelada deste princípio, podemos perceber que surge um problema grave, pois ocorrendo julgamento contrário às provas produzidas na fase judicial, em face da soberania dos veredictos, este se torna praticamente irrecorrível (ou imutável). Existe para este tipo de decisão o recurso de apelação em razão de decisão manifestamente contrária à prova dos autos (artigo 593, inciso III, letra d, do CPP), que se provido remeterá o réu a novo julgamento, mas e se neste julgamento se confirmar a decisão anterior?[20]. O nosso Código de Processo Penal é claro, diz expressamente que não se admite uma segunda apelação em razão de igual motivo, ou seja, nova apelação em razão de decisão manifestamente contrária à prova dos autos (conforme artigo 593, § 3°, do CPP). Surge então um problema que não tem uma solução jurídica aceitável, a única saída possível seria uma posterior revisão criminal, o que na verdade é uma aberração jurídica, uma vez que veríamos assim a supressão do duplo grau de jurisdição (princípio constitucional consagrado). A revisão criminal é a única forma de se reverter este tipo de decisão, o que na prática torna-se bastante difícil, tendo em vista a problemática que envolve reverter-se uma decisão neste nível recursal. Os tribunais têm tido muita cautela no que se relaciona a esta, pois a regra nos julgamentos é que se respeite a coisa julgada[21]. No Processo Penal Contemporâneo muito se apregoa que as decisões judiciais sejam fundamentadas, ou melhor, bem fundamentadas. Este apelo tem correspondência constitucional no artigo 93, inciso IX, da nossa carta Magna. Trata-se de uma obrigação que o magistrado tem para que se evitem abusos e desmandos, e principalmente para que se saiba a razão pela qual o réu está sendo condenado (uma garantia constitucionalmente prevista). As decisões judiciais são produzidas por livre convencimento motivado do juiz (não há uma valoração legal das provas), que dos fatos apresentados a ele busca a verdade, mas ele deve motivar a sua decisão, expondo os motivos da convicção (artigo 157, do CPP). Este livre convencimento diz que os juízes não estão sujeitos a uma tarifação legal de quanto vale cada prova, mas devem analisar cada uma delas (para ter validade a decisão tem que julgar com as provas produzidas no âmbito do processo) [22]. No Tribunal Popular vige o princípio da decisão por íntima convicção (imotivada), ou seja, as decisões proferidas ali não se sujeitam à fundamentação (artigo 493, do CPP), os jurados não precisam dizer as razões pelas quais decidiram de tal maneira (não são obrigados a decidir conforme as provas). A fundamentação é imperiosa para que se tenha base para um eventual recurso, num estado democrático de direito não pode haver uma arbitrariedade como esta. De uma decisão mal fundamentada de um juiz de direito tem-se recurso, interpõe-se embargos declaratórios para que o magistrado esclareça sua decisão que resultou em sentença ambígua, obscura, contraditória ou omissa (conforme artigo 382 do Código de Processo Penal). Mas na decisão do Júri tem-se uma legitimidade para que a sua decisão seja desprovida de qualquer motivação, não havendo qualquer recurso para sanar tal absurdo. A decisão imotivada vai de encontro ao princípio do Estado Democrático de Direito, no qual as decisões judiciais além de serem necessariamente fundamentadas, devem ser devidamente motivadas expressamente. Pode-se depreender que o ato decisório deve conter as razões pelas quais se decidiu daquela forma, uma decisão sem motivação é nula, com exceção do Tribunal Popular, isto por qual razão jurídica plausível? Na Constituição Federal de 1988, como no já citado artigo 93, inciso IX, há previsão de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas. A fundamentação visa reduzir a arbitrariedade estatal, bem como para que o réu condenado exerça seu direito ao recurso[23] (duplo grau de jurisdição, que como vimos já fica prejudicado no Tribunal do Júri em razão da soberania dos veredictos). Não podemos aceitar um julgamento pela consciência sem qualquer vinculação com as provas e sem explicação alguma (não cabendo aqui discutir se o Tribunal do Júri é ou não órgão do Poder Judiciário). O juiz, ao realizar o ato de julgar alguém, tem dois caminhos (em regra) a percorrer, o primeiro seria o da absolvição e o outro seria o da condenação. Então, para que faça uma análise correta ele se guia por um caminho, que são as provas a ele apresentadas, os caminhos apresentados pelo Ministério Público e pela defesa[24]. Depois em sua sentença ele expõe as razões de como chegou a tal denominador, no Júri não é necessário, julga-se como quer, desatrelado a qualquer coisa. Num julgamento criminal não se pode aceitar que se condene ou absolva uma pessoa somente baseado em respostas de sim e não, sem qualquer motivação. Já dizia o grande mestre Francesco Carnelutti: “[…] há, por exemplo, atos do juiz a respeito dos quais qualquer pessoa vê que a motivação seria supérflua (p.ex., a citação de uma testemunha para um determinado dia ou a disposição de que as oitivas se dêem numa certa ordem na audiência); mas há outros para os quais é igualmente óbvia a exigência de motivação; quando se trata de absolver ou condenar um imputado, não basta que o juiz diga sim ou não, mas que acrescente por que chegou à conclusão de sim ou não”[25]. Certamente que a motivação das decisões é a base para que se tenha efetividade na defesa dos direito fundamentais do cidadão.  Busca-se com isto, o fim da arbitrariedade (e autoritarismo) no Poder Judiciário e ainda mais, uma efetiva aplicação do direito, e também para que se concretize o direito ao recurso (duplo grau de jurisdição). Nada mais plausível e coerente que numa sociedade democrática as decisões sejam motivadas, para que se saiba que a trilha constitucional está sendo seguida e suas garantias previstas, efetivadas[26]. O princípio do in dubio pro reu, que significa que na dúvida se decide favoravelmente ao réu (no sentido processual), está intimamente ligado ao da presunção de inocência. Existem vários entendimentos para a aplicação deste principio, como um regulador da valoração das provas, ou para que se imponha uma sanção se efetivamente se comprovou a ocorrência do tipo (exemplo: para condenar é necessário que se comprove realmente que matou alguém e não que talvez tenha matado). Hoje em dia, muitas vezes vemos que se busca mitigar e reduzir o espaço deste princípio constitucionalmente assegurado, em prol da tentativa de resolver o problema da criminalidade. Mas, em um Estado Democrático de Direito não se pode deixar que isso aconteça, pois a dignidade humana é (pode-se até dizer que) um valor de maior hierarquia (ou igual) ao da liberdade[27]. No panorama de julgamento que ocorre no Tribunal Popular, temos a violação deste princípio pelo menos duas vezes, primeiramente na já analisada decisão de pronúncia na qual tem vigência o in dúbio pro societa (figura criada para o Tribunal do Júri), e em segundo lugar na decisão dos jurados por quatro votos a três, ou até outro resultado que não a unanimidade para que o réu seja condenado. Neste segundo caso temos claramente a negação deste principio, pois mesmo no caso de dúvida, pode haver a condenação do réu. Fica escancarado que a decisão é duvidosa, quando ocorre condenação com apenas um voto de diferença, ou seja, por uma conta matemática, percebe-se que quarenta e três por cento estão absolvendo o réu, mas no Tribunal do Júri, ele pode sim ser condenado assim[28]. Neste caso, para que se resolvesse este problema, o mais indicado seria que se alocasse mais um jurado para formação do Conselho de Sentença, assim alterando de sete para oito jurados. Com um número par, teríamos amenizado o problema, tendo uma maioria superior na decisão (no caso de empate ficaria configurada dúvida, sendo o réu absolvido). [29] A presunção de inocência acompanha o réu no julgamento, sendo necessário que a parte acusadora prove o que foi imputado ao réu como fato(s) criminoso(s). Devendo o órgão acusador quebrar a barreira constitucional da presunção que pesa em relação ao acusado, e em caso da não ocorrência disto, somente uma medida pode ser tomada, a absolvição do réu[30]. É preciso questionar: como podemos controlar que a presunção que diz que o imputado é inocente foi respeitada no julgamento? A resposta não demanda grandes raciocínios, basta que se observe a sentença e veja como as provas foram valoradas e o motivo pelo qual se deu a condenação. O grande problema do tribunal do Júri é que não há fundamentação, tornando muito complicado esse controle. Uma das críticas mais contundentes que se pode fazer ao Tribunal do Júri é que neste os seus julgadores decidem imbuídos basicamente da emoção, com seu instinto, ignorando em grande escala a racionalidade e a técnica jurídica (porque estes não têm formação jurídica). E suas decisões estão protegidas (como vimos no capítulo anterior) pela soberania dos veredictos e pelo juízo de íntima convicção[31]. Sabemos que para exercer uma profissão é necessário ter técnica científica (não se excepciona o exercício da jurisdição), é necessário ter preparo para que se possa julgar alguém. Os jurados não têm nem preparo técnico e na maioria das vezes nem bom senso (são adeptos do direito penal máximo). Por outro lado, a contrário senso não podemos também dizer que os magistrados sem exceção gozam de racionalidade e julgam de forma perfeita (mas em tese têm consigo a técnica jurídica). O que se procura não é a utilização unilateral da racionalidade (até porque é impossível), mas o uso proporcional da razão conjuntamente com a emoção e a técnica. O uso da emoção, conjuntamente com a racionalidade, oferecerá aos magistrados condições de não serem inconscientemente conduzidos pelas manifestações da face negativa de suas predisposições humanas para agir, pensar e sentir (reduzindo seus preconceitos e ajudando-os a se postarem no lugar de quem está sendo julgado). No Tribunal do Júri acaba por certo se sobrepondo os sentimentos pessoais de cada um dos jurados (paixões e antipatias), que decorrem de sua formação cultural e pessoal, assim se ignorando o que se busca na verdade em uma decisão judicial, que é em última análise a justiça. Neste tipo de Tribunal não há a independência que a função de julgar demanda, ficam presos muitas vezes ao estado de “guerra” (caos social em função da violência) que é proposto pela mídia[32]. Diz José Américo Abreu Costa “Toda atividade do juiz, portanto, mormente a sentença, é condicionada pelo inconsciente, sobretudo pelo inconsciente pessoal (…). É sua história pessoal, seus traumas e recalques projetados em seu discurso jurídico”[33]. A partir deste pensamento podemos analisar os magistrados populares em sua decisão, eles têm introjectado pela mídia, principalmente, e por suas relações pessoais uma ideologia compatível com os movimentos de tolerância zero (sistema de idéias repressivistas usadas para combater o crime em Nova York, iniciada em 1993 pelo então prefeito Rudolph Giuliani, que funciona prendendo e arrebatando os hipossuficientes[34]). É perigosa idéia de que se punirmos o maior número possível de pessoas, teremos uma sociedade com menos violência (esta deve ser combatida de outras formas majoritariamente, como por exemplo, através de política pública sociais)[35]. A imparcialidade (que nada mais é que a configuração de um juiz sem interesse pessoal ou privado no desfecho da causa[36]) no Júri não existe, os magistrados populares são parciais e tendem nos dias de hoje a decidirem favoravelmente a condenação. Atualmente, surge um questionamento importante: nós queremos uma sociedade onde se restrinjam direitos (lei e ordem), com tolerância zero (punir o máximo possível), ou uma sociedade onde se busque a redução dos marginalizados, distribuindo o progresso e conseqüentemente diminuindo o número de pessoas que vivem à margem da sociedade[37]. O poder do sistema penal é exercido de maneira eventual, selecionando alguns indivíduos (de regra marginalizados, de setores mais frágeis da sociedade), e tem grande divulgação da mídia em geral. Mas nós temos um sistema penal voltado para isto, ou seja, o Poder repressivo tem armas (leis) para enquadrar qualquer cidadão, mas seleciona contra quem e quando vão atuar[38]. Como diz Zaffaroni “… exercício de poder dirige-se à contenção de grupos bem determinados e não à repressão do delito” [39]. O poder do sistema penal em uma sociedade capitalista, não é nada mais que um reprodutor das desigualdades que nós encontramos na vida social afora, ou seja, o sistema penal nada mais é que a reprodução do mundo exterior[40]. Para o saber científico do direito penal se busca a intervenção mínima, com a descriminalização de crimes irrelevantes e redução radical de pena. Busca-se a aplicação do direto penal do fato, que significa punir o réu pelo delito que ele cometeu, conforme o sistema acusatório (que é o que vige, ou deveria vigorar, depois da promulgação da constituição de 1988). 6. JÚRI É REALMENTE UMA INSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA? O conceito básico de democracia é amplamente conhecido por todos, que é “o governo em que a maioria domina”, mas não é tão simples assim. A base para a democracia é a liberdade, que se dá a partir da igualdade entre os cidadãos, colocando-os em igual patamar não interessando classe social ou qualquer outra distinção, sendo que uns não têm mais direitos que outros[41]. Uma sociedade verdadeiramente democrática se traduz pela negação das desigualdades, que visa o interesse público. Para Rousseau é necessário algumas condições básicas para que se tenha democracia, que são a igualdade de participação e de condições, política como um espaço autônomo (com a participação dos indivíduos e visando o interesse público), e por fim a participação direta no poder soberano (fiscalizando o governo e decidindo em questão de maior relevância como escolha de governantes) [42]. A democracia, em razão de ser muito difícil de ser atingida, jamais existiu nem existirá. Constatamos que os estados estão cada vez maiores, os problemas se multiplicam e as discussões também. E a pedra principal que é a igualdade está cada vez mais rara dentro dos estados democráticos[43] (tomemos como exemplo o Brasil que na teoria é um país constitucionalmente democrático sendo extremamente desigual). A democracia não é meramente um conceito político, é sim a concretização dos direitos fundamentais conquistados ao longo dos anos pelo povo. Como diz José Afonso da Silva, o conceito democrático não é um conceito estático, “mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais” [44]. O que não podemos negar é a inspiração democrática que fez surgir o Tribunal Popular, mas em seu cerne não se mostra como tal. No tribunal Popular a negação de dois princípios básicos previstos em nossa constituição (como vimos no capítulo anterior), que são o da motivação da sentença penal e do duplo grau de jurisdição entre outros. São princípios basilares de um processo democrático que se preze[45]. Como sabemos, num regime democrático é impossível que tudo funcione de uma maneira democrática, podemos citar como exemplo básico a prisão (instituto mais autoritário de todos). Nestas não há de se falar em eleições, participação, direito de contestação, ou separação de poderes. A mídia, através da liberdade de expressão, exerce grande poder, quase uma dominação em cima das pessoas. O conteúdo da democracia dentro do Processo Penal está em ter igual direito de fala, de conseguir fazer um contraponto ao discurso das autoridades (é o fortalecimento do hiposuficiente frente ao poder estatal). O processo surge para solucionar de forma pacífica (evitando a vingança privada) um caso especifico, para resolver isto deve-se ter um terceiro que se representa na figura de um juiz. Este terceiro deve ter certas características para que consiga atingir a justiça, devendo ser imparcial (não interessado na causa), com esses atributos ele pode decidir e dar para cada um o que é devido. Na verdade não é um processo democrático que se quer, mas sim um processo na democracia, ou seja, que não tenha traços ditatoriais e autoritários. Neste processo os participantes devem estar em iguais condições e ter a liberdade de palavra (ponto da igualdade que o processo penal se encontra com a democracia) [46]. E como pilar disto está a motivação das decisões para que se evite a arbitrariedade. Não quer dizer que devemos para termos democracia, ou maior grau de democracia, ter pessoas leigas (que desconhecem o direito) julgando seus semelhantes. A democracia direta, ou seja, a participação de todos em todas as esferas de governo é utópica e impossível. Hoje em dia, os juizes provêm de diversas classes sociais, são da mesma forma representantes do povo (ingressam na carreira por um meio democrático, que é o concurso público). Se fossem por essa lógica de maximização do pensamento (reducionista) democrático também desapareceriam os advogados (como não existia na Grécia), por que estes representam seus clientes, sendo que o acusado torna-se um espectador passivo e quase sempre silencioso. Bem como o promotor que representa o estado, que por sua vez representa juridicamente a sociedade. Este argumento democrático é absurdo, não é válido desta maneira. Um argumento que os defensores do Júri utilizam é que este tipo de Tribunal serve para educar o povo, pois obriga a população manter-se atualizada e consciente de seus direitos[47]. Mas temos que refletir: primeiro é o fato de muitas pessoas nem conhecerem a instituição, e segundo e mais relevante, é óbvio que o Tribunal Popular não tem o dever de educar ninguém, porque esta não é sua função. [48] O Júri podia ser considerado como democrático se comparado com os magistrados no antigo regime, que eram condicionados pelo soberano. Já hoje em dia, tal argumento não pode ser levantado, pois já se ultrapassou tal barreira e o Poder Judiciário goza de independência[49], no presente busca-se que a constituição seja observada. 7. CONCLUSÕES Ao final deste articulado, é necessário que se faça um apanhado das principais questões que foram levantadas no seu curso, com o intuito de sedimentá-las, para que se possa, no futuro, discuti-las mais e ampliá-las. O Tribunal Popular de acordo com a história busca a promoção da democracia direta, com a participação popular nos julgamentos e mecanismos próprios. Com isso traz inúmeros problemas, porque não são pessoas preparadas para tal ofício. Com a Constituição cidadã de 1988, que trouxe o sistema acusatório, é imperativo que os juízes sejam imparciais, zelando pelo respeito à dignidade do acusado, o que não ocorre no Júri. Este sofre demais com as influências da mídia, não somente no caso concreto (mormente ocorre em julgamentos notórios), mas sim, com o sentimento de terror e medo que é introjectando nas mentes dos leigos (levando-os a pensar que deve-se combater a violência prendendo cada vez mais). No entanto, o principal problema desta Instituição, é a falta de fundamentação de suas decisões. O Tribunal do Júri tem suas decisões calcadas na íntima convicção dos magistrados do povo, ou seja, decidem como querem (até mesmo com base em atos de investigação preliminares). No processo penal contemporâneo, busca-se a (boa) fundamentação para que se evite o arbítrio e consiga-se exercer o duplo grau de jurisdição de uma forma apropriada. Ainda é necessário vislumbrar que nos dias atuais, cada vez mais se busca a profissionalização de todos os ramos científicos e não podemos deixar uma ciência tão importante como o Direito Penal e o Processo Penal fora disto. No Júri, os jurados decidem com o seu instinto, ignorando a racionalidade e a técnica jurídica (em razão de não terem formação para tal). Ao longo deste arrazoado percebemos inúmeros problemas relevantes referentes à forma de julgar desta Instituição que faz parte de nosso ordenamento jurídico tão fortemente e julga crimes de tão importante relevância. E a principal conclusão que se chega é necessidade de reformas para que este tipo de julgamento atenda melhor ao fim buscado: realizar a justiça. Existem alternativas possíveis de serem implantadas, em razão da abertura que a constituição deixou (dizendo que compete a lei ordinária a sua organização). O Escabinato, que seria um Tribunal misto com juízes e pessoas leigas julgando lado a lado seria uma delas. A outra seria o assessorado, que seria a participação popular nos julgamentos através de um assessoramento ao juiz com conhecimentos técnicos específicos (como exemplo um contador em um crime de sonegação). No plano ideal, poder-se-ia falar em exclusão do Júri do ordenamento jurídico brasileiro, mas isto como se sabe, é muito difícil. Isto porque este é cláusula pétrea na Constituição e somente pode ser alterado através do desuso ou elaboração de nova Carta Magna.           Advogado atuante na Justiça Federal. Pós-graduando em direito público pela ESMAFE-RS.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-55/visao-critica-acerca-do-tribunal-do-juri/
O fim do protesto por novo júri e a questão do direito intertemporal
O artigo analisa a revogação dos arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal, por força da promulgação da Lei nº. 11.689/2008 que modificou os dispositivos processuais relativos ao procedimento do Júri. É feita uma abordagem sob o aspecto da sucessão das leis processuais penais, concluindo-se que sendo normas processuais penais materiais, e mais benéficas, devem ter incidência após a sua revogação para atingir fatos ocorridos durante a sua vigência.
Direito Processual Penal
1. Introdução Foi promulgada e publicada a Lei nº. 11.689/2008, revogando, no seu art. 4o,  o Capítulo IV do Título II do Livro III do Código de Processo Penal, extinguindo o protesto por novo júri. Esta lei, que entrou em vigor no dia 11 de agosto de 2008[1], originou-se do Projeto de Lei nº. 4.203/01 e passou a estabelecer novas regras para o procedimento a ser adotado no julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os que lhe forem conexos (art. 78, I do Código de Processo Penal). O então Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, ao assumir o Ministério, editou o Aviso nº. 1.151/99, convidando o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDPa apresentar uma proposta de reforma do nosso Código de Processo Penal. Este mesmo Ministro, agora por via da Portaria nº. 61/00, constituiu uma Comissão para o trabalho de reforma, tendo como membros os juristas Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Petrônio Calmon Filho (Secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti (que mais tarde saiu, sendo substituído por Rui Stoco), Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti. Com a inesperada e lamentável saída do Ministro Dias, o novo titular da Pasta, Dr. José Gregori, pela Portaria nº. 371/00, confirmou a Comissão anteriormente formada, com a substituição já referida. Ao final dos trabalhos, a Comissão de juristas entregou ao Ministério da Justiça, no dia 06 de dezembro de 2000, sete anteprojetos que, por sua vez, originaram os seguintes projetos de lei: 1º.) Projeto de lei nº. 4.209/01: investigação criminal; 2º.) Projeto de lei nº. 4.207/01: suspensão do processo/procedimentos; 3º.) Projeto de lei nº. 4.205/01: provas; 4º.) Projeto de lei nº. 4.204/01: interrogatório/defesa legítima; 5º.) Projeto de lei nº. 4.208/01: prisão/medidas cautelares e liberdade; 6º.) Projeto de lei nº. 4.203/01: júri; 7º.) Projeto de lei nº. 4.206/01: recursos e ações de impugnação. Alguns destes projetos continuam em tramitação no Congresso Nacional; outros já foram sancionados, entre os quais os que tratam sobre provas, interrogatório e Júri. 2. O Código de Processo Penal Como se sabe, o nosso Código de Processo Penal é do ano de 1941 e ao longo desse período poucas alterações sofreu em que pese serem evidentes as mudanças sociais ocorridas no País e tendo em vista a nova ordem constitucional vigente. O seu surgimento, em pleno Estado-Novo[2], traduziu de certa forma a ideologia de então, mesmo porque “las leyes son e deben ser la expresión más exacta de las necesidades actuales del pueblo, habida consideración del conjunto de las contingencias históricas, en medio de las cuales fueron promulgadas” (grifo nosso).[3] À época tínhamos em cada Estado da Federação um Código de Processo Penal, pois desde a Constituição Republicana a unidade do sistema processual penal brasileiro fora cindida, cabendo a cada Estado da Federação a competência para legislar sobre processo, civil e penal, além da sua organização judiciária. Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (…) ”[4] Como notara o mestre Frederico Marques, “o golpe dado na unidade processual não trouxe vantagem alguma para nossas instituições jurídicas; ao contrário, essa fragmentação contribuiu para que se estabelecesse acentuada diversidade de sistemas, o que, sem dúvida alguma, prejudicou a aplicação da lei penal.”[5] Até que em 03 de outubro de 1941 promulgou-se o Decreto-Lei nº. 3.689, que entraria em vigor a partir de 1º. de janeiro do ano seguinte; para resolver principalmente questões de natureza de direito intertemporal, promulgou-se, também, o Decreto-Lei nº. 3.931/41, a Lei de Introdução ao Código de Processo Penal. Este Código, elaborado, portanto, sob a égide e “os influxos autoritários do Estado Novo”, decididamente não é, como já não era “um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça Criminal”, como dizia Frederico Marques. Segundo o mestre paulista, “continuamos presos, na esfera do processo penal, aos arcaicos princípios procedimentalistas do sistema escrito (…) O resultado de trabalho legislativo tão defeituoso e arcaico está na crise tremenda por que atravessa hoje a Justiça Criminal, em todos os Estados Brasileiros. (…) A exemplo do que se fizera na Itália fascista, esqueceram os nossos legisladores do papel relevante das formas procedimentais no processo penal e, sob o pretexto de por cobro a formalismos prejudiciais, estruturou as nulidades sob princípios não condizentes com as garantias necessárias ao acusado, além de o ter feito com um lamentável confusionismo e absoluta falta de técnica.”[6] Assim, se o velho Código de Processo Penal teve a vantagem de proporcionar a homogeneidade do processo penal brasileiro, trouxe consigo, até por questões históricas, o ranço de um regime totalitário e contaminado pelo fascismo, ao contrário do que escreveu na exposição de motivos o Dr. Francisco Campos, in verbis: “Se ele (o Código) não transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais.” É bem verdade que ao longo dos seus 60 anos de existência, algumas mudanças pontuais foram marcantes e alvissareiras como, por exemplo, o fim da prisão preventiva obrigatória com a edição das Leis de nºs. 5.349/67, 8.884/94, 6.416/77 e 5.349/67; a impossibilidade de julgamento do réu revel citado por edital que não constituiu advogado (Lei nº. 9.271/96); a revogação do seu art. 35, segundo o qual a mulher casada não poderia exercer o direito de queixa sem o consentimento do marido, salvo quando estivesse separada dele ou quando a queixa contra ele se dirigisse (Lei nº. 9.520/97); modificações no que concerne à prova pericial (Lei nº. 8.862/94); a possibilidade de apelar sem a necessidade de recolhimento prévio à prisão (Lei nº. 5.941/73); a revogação dos artigos atinentes ao recurso extraordinário (Lei nº. 3.396/58), etc. Por outro lado, leis extravagantes procuraram aperfeiçoar o nosso sistema processual penal, podendo citar as que instituíram os Juizados Especiais Criminais (Leis nºs. 9.099/95 e 10.259/01), e que constituem, indiscutivelmente, o maior avanço já produzido em nosso sistema jurídico processual, desde a edição do Código de 1941. Há, ainda, a que disciplinou a identificação criminal (Lei nº. 10.054/00); a proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas (Lei nº. 9.807/99); a que possibilitou a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais (Lei nº. 9.800/99); a lei de interceptações telefônicas (Lei nº. 9.296/96); a Lei nº 8.038/90, que disciplina os procedimentos nos Tribunais, e tantas outras, algumas das quais, é bem verdade, de duvidosa constitucionalidade (para não dizer de absoluta inconstitucionalidade). 3. A Reforma do Código de Processo Penal Pois bem. Este é o quadro atual. Além de algumas alterações pontuais, seja no próprio texto consolidado, seja por intermédio de leis esparsas, nada mais foi feito para modernizar o nosso diploma processual penal, mesmo após a nova ordem constitucional consagrada pela promulgação da Carta Política de 1988. E, assim, o atual código continua com os vícios de 60 anos atrás, maculando em muitos dos seus dispositivos o sistema acusatório, não tutelando satisfatoriamente direitos e garantias fundamentais do acusado, refém de um excessivo formalismo (que chega a lembrar o velho procedimentalismo), assistemático e confuso em alguns dos seus títulos e capítulos, bastando citar a disciplina das nulidades.[7] Destarte, podemos apontar como finalidades precípuas desta reforma a modernização do velho código e a sua adaptação ao sistema acusatório (objetivo, aliás, ainda não inteiramente alcançado), com os seus consectários lógicos, tais como a distinção nítida entre o julgador, o acusador e o acusado, a publicidade, a oralidade, a ampla defesa, o contraditório, etc. Sobre o sistema acusatório, assim escreveu Vitu: “Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, à l’époque franque et dans la procédure féodale. “Ce système, qui ne distingue pás la procédure criminelle de la procédure, se caractérise par des traits qu’on retrouve dans les différents pays qui l’ont consacré.  “Dans l’organisation de la justice, la procédure accusatoire suppose une complète égalité entre l’accusation et la défense.”[8] Ademais, a reforma está mais ou menos consentânea com os princípios estabelecidos pelo Projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero América. Neste Código-Modelo há alguns princípios básicos, a saber: 1) “O julgamento e decisão das causas penais será feito por juízes imparciais e independentes dos poderes do Estado, apenas sujeitos à lei.” (art. 2º.). 2)  “O imputado ou acusado deve ser tratado como inocente durante o procedimento, até que uma sentença irrecorrível lhe imponha uma pena ou uma medida de segurança.” (art. 3º.). 3) “A dúvida favorece o imputado”. (idem). 4) “É inviolável a defesa no procedimento.” (art. 5º.). Tais idéias serviram também de base para outras reformas feitas (ou por serem realizadas) em outros países, como a Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Chile, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Honduras, Equador, Itália e Portugal.[9] Aliás, “el Derecho procesal penal de los países latinoamericanos, observado como conjunto, ingresó, a partir de la década del’80, en un período de reformas totales, que, para el lector europeo, puede compararse con la transformación que sufrió el Derecho procesal penal de Europa continental durante el siglo XIX. No se trata, así, de modificaciones parciales a un sistema ya adquirido y vigente, sino, por lo contrario, de una modificación del sistema según otra concepción del proceso penal. Descrito sintéticamente, se puede decir que este proceso de reformas consiste en derogar los códigos antiguos, todavía tributarios de los últimos ejemplos de la Inquisición – recibida con la conquista y la colonización del continente -, para sancionar, en más o en menos, leyes procesales penales conformes al Estado de Derecho, con la aspiración de recibir en ellas la elaboración cumplida en la materia durante el siglo XX.”[10] Pode-se, portanto, inferir que as reformas processuais penais já levadas a cabo em vários países da América Latina e por virem em tantos outros, são frutos, na verdade, de modificações no sistema político destes países que foram, paulatinamente, saindo de períodos autoritários para regimes democráticos. É como se a redemocratização impulsionasse o sistema processual do tipo inquisitivo para o sistema acusatório. Aliás, é inquestionável a estreita ligação entre o sistema processual penal de um país e o seu sistema político. Um país democrático[11] evidentemente deve possuir, até porque a sua Constituição assim o obriga, um Código de Processo Penal que adote o sistema acusatório, eminentemente garantidor. Ao contrário, em um sistema autoritário, o processo penal, a serviço do Poder, olvida os direitos e garantias individuais básicos, privilegiando o sistema inquisitivo, caracterizado, como genialmente escreveu Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”. O sistema inquisitivo, portanto, “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[12] Assim, a “uniformidade legislativa latino-americana – na verdade compreendendo agora a comunidade cultural de fala luso-espanhola – apoiada em bases comuns e sem prejuízo das características próprias de cada região, é uma velha aspiração de muitos juristas do nosso continente. Além disso, ela foi o sonho de alguns grandes homens, fundadores de nossos países ou de nossas sociedades políticas. (…) “Em nossos países, geralmente, a justiça penal tem funcionado como uma ‘caixa-preta’, afastada do controle popular e da transparência democrática. O apego aos rituais antigos; As fórmulas inquisitivas, que na cultura universal já constituem curiosidades históricas; a falta de respeito à dignidade humana; a delegação das funções judiciais; o segredo; a falta de imediação; enfim, um atraso político e cultural já insuportável, tornam imperioso começar um profundo movimento de reforma em todo o continente.”[13] É evidente que o ideal seria uma reforma total, completa, que propiciasse uma harmonia absoluta no sistema processual penal, mas, como sabemos, se assim o fosse as dificuldades que já existem hoje, seriam ainda maiores. Preferiu-se, de outro modo, uma reforma que, se não chega a ser total (o que seria de difícil aprovação, à vista das evidentes dificuldades de natureza legislativa que todos nós conhecemos), também não chega a ser simplesmente pontual, até porque, como esclarece Ada, não incide “apenas sobre alguns dispositivos, mas toma por base institutos processuais inteiros, de forma a remodelá-los completamente, em harmonia com os outros.” Não é, portanto, uma reforma isolada, mas “tópica”.[14] Este movimento reformista não se limita à América Latina. Na Europa também se encontram em franco desenvolvimento reformas no sistema processual penal. A título de exemplo, podemos referir a Alemanha, onde “también el Derecho procesal penal há sido modificado en varias ocasiones entre 1997-2000”[15], a Itália[16] e a Polônia, país que “desde hace 12 años se realizan reformas en la legislación, relacionadas con el cambio de régimen político, económico y social, que tuvo lugar en 1989 y también con la necesidad de adaptar las soluciones jurídicas polacas a las soluciones aceptadas en la Unión Europea. (…) Las reformas de la legislación penal e procesal penal constituyen una parte esencial del ‘movimiento legislativo reformador’, segundo nos informa a Drª. Barbara Kunicka-Michalska, do Instituto de Ciências Jurídicas da Academia de Ciências da Polônia, em Varsóvia.[17] Recentemente, o Senado Federal instituiu uma comissão de juristas para propor um novo Código de Processo Penal; a comissão pretende concluir a redação final no mês de março de 2009, para que seja submetida a consulta pública. Segundo o presidente da comissão, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Hamilton Carvalhido, um dos principais objetivos das propostas é o de dar maior celeridade à Justiça. Um das medidas seria o fim da participação dos juízes na tramitação do inquérito policial, o qual ficaria a cargo da autoridade policial e do Ministério Público. A diligência policial não exigiria mais autorização judicial, apenas do Ministério Público.  O Ministro Carvalhido defendeu a criação da figura do juiz de garantia, a quem caberia exercer o controle sobre a legalidade da investigação, inclusive quanto à autorização para interceptações telefônicas, solicitadas pela autoridade policial. Tal juiz sairia da causa a partir do oferecimento da denúncia, dando lugar a outro magistrado, que teria maior independência para avaliar a validade das provas colhidas no inquérito. Um dos pontos do anteprojeto, que deve despertar maior polêmica, é o fim da prisão especial para pessoas com diploma de nível superior, que ficaria restrita apenas a algumas autoridades. As prisões preventivas devem ter prazo máximo delimitado. “É preciso continuar essa mudança de mentalidade de ver na [prisão] preventiva uma antecipação da sanção penal, embora não haja ainda julgamento definitivo, que possa criar a certeza da aplicação da pena”, afirmou Carvalhido.O ministro considerou positiva a decisão do Supremo Tribunal Federal, que garante a liberdade do acusado até que não haja condenação em última instância, com sentença transitada em julgado. Tal entendimento, segundo ele, reforça o princípio de que a prisão cautelar é de natureza excepcional. “É necessário que os direitos das pessoas sob investigação sejam respeitados, o que não significa dizer que não se pode prender cautelarmente”, ressalvou Carvalhido. Após passar pela consulta pública, o texto final do anteprojeto do Código de Processo Penal será submetido ao exame e aprovação dos senadores, para que seja transformado em projeto e vá à votação no Congresso Nacional. Além do ministro Carvalhido, integram a comissão, instituída em 9 de julho do ano pssado, o juiz federal Antônio Corrêa; o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Magalhães Gomes Filho; o procurador regional da República Eugenio Pacelli; o consultor legislativo do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira; o advogado e ex-secretário de Justiça do estado do Amazonas Félix Valois Coelho Júnior; o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; o delegado federal e presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal Sandro Torres Avelar; e o promotor de Justiça Tito de Souza Amaral (Fonte: Agência Brasil). O texto do relator, o procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira, assim como o PLC 111/08, deve propor a extinção da prisão especial para pessoas com diploma de nível superior, a limitação do prazo máximo para as prisões preventivas, bem como as circunstâncias em que ela pode ser utilizada. Como um texto que visa substituir integralmente o atual CPP, o anteprojeto também propõe a instituição do juiz de garantias, que participaria apenas da fase de investigação, não sendo responsável pela sentença. Segundo o consultor legislativo do Senado para as áreas de Direito e Processo Penal Fabiano Silveira, foram muitas as fontes consultadas, do Brasil e do exterior, até a comissão chegar a um anteprojeto final. Ele revelou que as recentes alterações no CPP, como as três leis sancionadas em 2008, foram preservadas naquilo que não se chocassem com a concepção de processo penal adotado pela comissão. Pela abordagem adotada, a comissão buscou delimitar o papel de cada uma das autoridades envolvidas no processo penal: o juiz, o representante do Ministério Público e o da polícia judiciária. – Estivemos sempre muito atentos para esses papéis e sua preservação, sem interferências de parte a parte. Buscamos moderar o protagonismo judicial na fase de investigação e também na iniciativa probatória na fase processual. Com essa compreensão se encaixam as propostas desenvolvidas – explicou Fabiano Silveira, adiantando ainda que o anteprojeto estimula uma aproximação entre a polícia e o Ministério Público, desburocratizando a fase do inquérito. Outra necessidade identificada pela comissão, afirma o consultor, é a de retirar resquícios autoritários do processo penal brasileiro, adequando-o ao caráter democrático e liberal da Constituição de 1988, ao mesmo tempo limitando o instituto da prisão provisória e ampliando o poder e as alternativas cautelares do magistrado. Para Fabiano Silveira, as medidas podem diminuir no país o número de prisões antes da sentença final, trazendo-o para “níveis mais aceitáveis” (Fonte: Agência Senado). 4. O fim do protesto por novo júri Como se disse, foram revogados os arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal que tratavam do protesto por novo júri, recurso exclusivo da defesa que exigia ser o condenado submetido a um novo julgamento sempre que a sentença condenatória fosse de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos, sendo inadmissível uma segunda interposição. Sem adentrar o mérito da revogação e da extinção deste recurso (que não obteve da referida Comissão a unanimidade), traremos à baila a discussão acerca de uma possível ultra-atividade dos artigos revogados e, por conseguinte, de uma irretroatividade da lei nova. Pergunta-se: quem for submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri por crime praticado (data da ação ou omissão: art. 4º. do Código Penal) antes da entrada em vigor da nova lei terá direito ao protesto por novo júri, ainda que a condenação seja-lhe posterior e quando já não mais se preveja o recurso? Neste caso, haveria impossibilidade jurídica a inviabilizar o manejo do recurso ou teríamos que admiti-lo excepcionalmente? Como se sabe há dois princípios basilares que regem o direito intertemporal das leis em matéria criminal: o primeiro afirma que a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu (art. 2°., parágrafo único do Código Penal e art. 5°., XL da Constituição Federal). Se é certo que a regra é a da irretroatividade da lei penal, e isto ocorre por uma questão de segurança jurídico-social, não há de se olvidar a exceção de que se a lei penal for de qualquer modo mais benéfica para o seu destinatário, forçosamente deverá ser aplicada aos casos pretéritos, retroagindo. Este princípio insere-se no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Carta Magna e, como garantia fundamental, tem força vinculante, “no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos”, como afirma Perez Luño[18], tendo também uma conotação imperativa, “porque dotada  de caráter jurídico-positivo”.[19] O segundo princípio é o da aplicação imediata da lei processual penal, preconizado pelo art. 2°. do Código de Processo Penal e que proclama a regra da aplicação imediata (tempus regit actum). Desta forma, à vista desses dois princípios jurídicos, haveremos de analisar o disposto no referido art. 4º. da Lei nº. 11.689/08 que extinguiu o protesto por novo júri. 5. A questão do direito intertemporal Como adiantamos, a questão reside saber se em relação aos autores de crimes dolosos contra a vida (ou conexos) haverá ainda a possibilidade de interposição daquele meio recursal, quando o crime tiver sido praticado antes da entrada em vigor da referida lei e o julgamento for posterior. Para que se manifeste um entendimento correto, urge que procuremos definir a natureza jurídica da norma ora revogada: seria ela de natureza puramente processual ou, tão-somente, penal; ou híbrida (penal e processual)? Admitindo-se a natureza puramente processual, obviamente não há falar-se em irretroatividade ou ultra-atividade; porém, se aceitarmos que são normas processuais penais materiais (ou híbridas), a ultra-atividade dos artigos revogados e a irretroatividade da nova lei impõem-se, pois, indiscutivelmente, sendo disposição mais gravosa deve excepcionar o princípio da aplicação imediata da lei processual penal. Atentemos que qualquer norma que trate de um meio recursal diz respeito a uma garantia constitucionalmente assegurada que é o duplo grau de jurisdição. O devido processo legal deve garantir a possibilidade de revisão dos julgados. A falibilidade humana e o natural inconformismo de quem perde estão a exigir o reexame de uma matéria decidida em primeira instância, a ser feito por juízes coletivos e magistrados mais experientes.[20] A Constituição Federal prevê o duplo grau de jurisdição, não somente no já referido art. 5º., LV, como também no seu art. 93, III (“acesso aos tribunais de segundo grau”).      Em França, segundo Étienne Vergès, “l´article préliminaire du Code de procédure pénale dispose in fine que ´toute personne condamnée a le droit de faire examiner sa condamnation par une autre juridiction`.”[21] Há mais de vinte anos, o jurista baiano Calmon de Passos mostrava a sua preocupação com “a tendência, bem visível entre nós, em virtude da grave crise que atinge o Judiciário, de se restringir a admissibilidade de recursos, de modo assistemático e simplório, em detrimento do que entendemos como garantia do devido processo legal, incluída entre as que são asseguradas pela nossa Constituição.” Neste mesmo trabalho, nota o eminente Mestre que “o estudo do duplo grau como garantia constitucional desmereceu, da parte dos estudiosos, em nosso meio, considerações maiores. Ou ele é simplesmente negado como tal ou, embora considerado como ínsito ao sistema, fica sem fundamentação mais acurada, em que pese ao alto saber dos que o afirmam, certamente por força da larga admissibilidade dos recursos em nosso sistema processual, tradicionalmente, sem esquecer sua multiplicidade.”[22] Não esqueçamos que a “adoção do duplo grau de jurisdição deixa de ser uma escolha eminentemente técnica e jurídica e passa a ser, num primeiro instante, uma opção política do legislador.”[23] O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8º., 2, h, que todo acusado de delito tem “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”, e tendo-se em vista o estatuído no § 2º., do art. 5º., da CF/88, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que “toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.” Assim, conclui-se que os arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal, a par de serem normas processuais, inseriam-se também no âmbito do Direito Material por constituírem garantia ao duplo grau de jurisdição. Nestas condições, ditas normas não são puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais. O jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que “está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material – que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais”, adverte que dentro de uma visão de “hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”[24] Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), “embora processuais, são também plenamente materiais ou substantivas.” Para ele, constituem exemplos de normas processuais penais materiais, dentre outras, as que estabelecem “graus de recurso”, sendo a lei aplicável aquela vigente “no tempus delicti, isto é, no momento da prática da conduta, independentemente do momento em que o resultado se produza.”[25] (grifo nosso). Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais”, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur.[26] Feitas tais considerações, lembra-se que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni.[27] A propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano: “Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. Sirva de exemplo a querela: direito de queixa é substantivo; processo da queixa é adjetivo; segundo uma e outra hipótese orienta-se a aplicação do Direito Intertemporal. O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material.”[28] Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci: “Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, – estas excepcionais por natureza.”[29] Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.”[30] 6. Conclusão Diante do exposto, entendemos que os dispositivos revogados e que tratavam da possibilidade do protesto por novo júri terão incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º. da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e no art. 2º. do Código Penal. Ressalva-se, apenas, a coisa julgada como limite lógico e natural de tudo quanto foi dito, pois todas as medidas citadas exigem que haja processo em curso ou na iminência de ser iniciado. Se já houve o trânsito em julgado, não pode se cogitar de retroatividade para o seu desfazimento, pois neste caso já há um processo findo, além do que, contendo a norma caráter também processual, só poderia atingir processo não encerrado, ao contrário do que ocorreria se se tratasse de lei puramente penal (lex nova que, por exemplo, diminuísse a pena ou deixasse de considerar determinado fato como criminoso), hipóteses em que seria atingido, inclusive, o trânsito em julgado, por força do art. 2º., parágrafo único do Código Penal[31]. Enfrentando esta questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, tratando-se “de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal.” (STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01).
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-55/o-fim-do-protesto-por-novo-juri-e-a-questao-do-direito-intertemporal/
Visão crítica (garantista) acerca do tribunal do júri
Este artigo busca fazer uma crítica, com argumentos racionais, que rompam com o saber jurídico meramente dogmático. Não tem como objetivo principal explorar o funcionamento do Tribunal Popular a fundo, mas sim fazer um contraponto a esta Corte que perdura há muito tempo em nosso sistema jurídico. Trata-se de apontar soluções para esta Instituição, como sua exclusão definitiva, ou alteração para Tribunais mistos, que tenham julgadores técnicos julgando ao lado de pessoas leigas. Palavras-chave: Direito Processual Penal – Tribunal do Júri – Crítica ao Tribunal do Júri. Sumário: 1. Introdução – 2. Papel dos jurados no julgamento do júri – 3. Falta de independência dos jurados – influência da mídia dentro do processo penal e no tribunal do júri – 4. Aspectos procedimentais e abordagem crítica: “in dubio pro societate”? – 5. Análise de alguns princípios vigentes no tribunal popular – 6. Júri é realmente uma instituição democrática?- 7. Conclusões – 8. Bibliografia. – 9. Notas de rodapé.
Direito Processual Penal
1 INTRODUÇÃO
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-55/visao-critica-garantista-acerca-do-tribunal-do-juri/
O Recurso Extraordinário na Justiça Militar
Neste trabalho estudamos o Recurso Extraordinário na  Justiça Militar, no qual analisamos o tratamento  normativo em torno do  mesmo, além da necessária abordagem doutrinária,  integrada pelo posicionamento jurisprudencial. Cuidamos ainda  na pesquisa de abordar o tema da admissibilidade, requisitos para o conhecimento e regular tramitação até final julgamento do recurso em debate, destacando os efeitos em que é recebido e suas controvérsias,  bem como a recente discussão em torno da exigência da repercussão geral no recurso extraordinário,  em material criminal, e o debate acerca da sua incidência e alcance na seara Militar.
Direito Processual Penal
I – INTRODUÇÃO. Nesta pesquisa analisamos o recurso extraordinário na esfera da Justiça Militar, estudando de forma detalhada o tratamento normativo em torno do mesmo, cuidando de abordar a previsão constitucional do recurso em estudo, sua regulamentação infra-constitucional, com exame dos dispositivos legais de regência, bem como as normas regimentais e sumulares em torno do tema, além da necessária abordagem doutrinária, complementada pelo posicionamento jurisprudencial. Na fase seguinte, cuidamos da admissibilidade do recurso, hipóteses de cabimento, além de abordar as questões relacionadas com os requisitos exigidos para o conhecimento e regular desenvolvimento do mesmo. A etapa subseqüente foi preenchida pela meditação em torno da recente discussão estabelecida em face da exigência da repercussão geral no recurso extraordinário, em material criminal, bem como sua incidência e alcance na seara Militar. Por derradeiro, apresentamos nosso posicionamento doutrinário em torno da questão enfrentada na pesquisa, entendendo, em primeiro lugar, que não se poderá exigir a repercussão no recurso extraordinário em matéria penal e, em segundo lugar, apontamos a dificuldade em demonstrar a transcendência, sobretudo na seara militar, onde surge outra intrigante questão a respeito da repercussão geral do recurso extraordinário ofertando perante a Justiça Militar se esta seria afeta apenas a esfera militar ou seria necessário o  reflexo em toda sociedade, dificultando, ainda mais, o acesso à instância extraordinária. II – TRATAMENTO NORMATIVO, DOUTRINARIO E JURISPRUDENCIAL. O recurso extraordinário tem seu lastro na Constituição Federal, com previsão expressão no artigo 102, inciso III da Lei Maior que preceitua o seguinte, in verbis: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:(omissis) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:a) contrariar dispositivo desta Constituição;b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. julgar válida lei local contestada em face de lei federal. O recurso extraordinário na campo Processual Penal Militar vem previsto expressamente no artigo 570 do CPPM. Porém, não prevalece o prazo estabelecido no artigo 571 do mesmo diploma processual, vez que este tem prisão de 10 dias para o oferecimento do recurso. Este é regulado pela lei especifica (Lei 8.038/90). O dispositivo constitucional que cuida do recurso extraordinário vem regulamentando pela Lei 8.038 de 1990[1] que disciplina a forma de interposição, prazo e as aponta as formalidades necessárias ao conhecimento, complementados por súmulas e dispositivos regimentais, além da necessária construção jurisprudencial. Cuida o diploma legal mencionado de informar o prazo para interposição do recuso em estudo, sendo o mesmo de 15 dias nos termos do artigo 26, estabelecendo que este deverá ser ofertado perante o Presidente do Tribunal recorrido, no caso específico da pesquisa,  direcionado ao Presidente do Superior Tribunal Militar – STM ou o Presidente dos Tribunais de Justiça do Estados ou ainda  o Presidente dos Tribunais de Justiça Militares Estaduais, onde houver[2], na ocasião deverá a parte recorrente demonstrar na peça recursal a exposição de fato e de direito que lastreia a questão jurídica debatida, vez que não se reavalia prova na instância extraordinária. Compete ainda ao recorrente o ônus de demonstrar o cabimento do recurso interposto, além da expor, em sede preliminar, a repercussão geral ou transcendência, questão esta que será apreciada, exclusivamente, pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da exigência inserida com a EC 45 de 2004, como logo adiante analisaremos o assunto. Após isso, a parte deverá apresentar as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. O recurso extraordinário, como visto, tem esteio no texto constitucional e, na lição de Tourinho Filho,[3] é o “ (…) meio do qual se propicia ao Supremo Tribunal Federal manter o primado da Constituição. Por intermédio dele o Excelso Pretório, guardião supremo da Lei Maior, tutela os mandamentos constitucionais”.Ada Pelegrini Grinover e outros[4] assevera que  “(…) são meios de impugnações que estão à disposição das partes, mas que visam na verdade à tutela do próprio direito federal; prestam-se somente ao reexame de questões de direito, excluída a análise de matéria de fato; e, finalmente, são cabíveis apenas nas hipóteses taxativamente elencadas(…)” A exigência da repercussão geral da matéria discutida no recurso extraordinário foi implementada através da Emenda Constitucional de número 45  que inseriu o parágrafo 3º. no art. 102 da Lei Maior que assim dispõe,  ad litteram: § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Para que pudesse ter eficácia o novel dispositivo constitucional, foi necessário a edição de norma para regulamenta a questao, isto porque  a mencionado norma não possui eficácia imediata, depende de norma regulamentadora, consoante próprio texto expresso, ou seja, “nos termos da lei”. Destarte,  “ (…) há preceitos constitucionais que tem aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia(…),[5] assim, são normas de eficácia mediata, chamadas por Maria Helena Diniz[6] de normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa. E arremata a mencionada doutrinadora, concluindo que são normas eficácia relativa porque  “Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não poderão produzir todos os  seus efeitos de imediato, porem têm aplicabilidade mediata já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional.” A repercussão geral do recurso extraordinário ou transcendência, foi regulamentado na esfera do Direito Processual Civil, pela  Lei 11.418 de 2006[7]que inseriu os artigos  543-A e  543-B ao mencionado Código de ritos, declarando que o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos do artigo 543-A do CPC. O parágrafo primeiro do artigo 543-A expressa o que deve ser entendido como repercussão geral pelo STF, com efeito no processo civil, dispondo que será considerada a existência, ou não, de questões relevantes para efeitos da transcendência aquelas do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Disciplina, ainda, o mencionado diploma processual, a hipótese de repercussão ou transcendência presumida ou tácita, sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, e uma vez negada esta, terá efeito vinculante para todos os casos idênticos, salvo eventual revisão da matéria decidida, considerando-se inadmitidos os recursos sobrestado na origem que versem sobre o semelhante matéria. Na esfera Processual Civil, autorizou a lei 11.418 de 2006 o STF a editar as normas regimentais necessárias à efetivação do disposto na repercussão geral ou transcendência.. Em relação ao cabimento do recurso extraordinário, bem como os requisitos formais para sua admissibilidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há bastante tempo, já traçou as diretrizes, nesse ponto vale conferir estudo feito pelo autor[8], asseverando o seguinte: “Para o Colendo STF, não será admitido recurso extraordinário quando a matéria não foi objeto de manifestação explicita no juízo de origem e nem foram ofertados embargos declaratórios a fim de ver discutida a questão constitucional controvertida,  portanto o prequestionamento do tema que se pretendia ver submetido à instância extraordinária. Do mesmo modo, não se admite o recurso em questão somente para reavaliação da prova. Nesse sentido é o teor das Súmulas 279 e 356 da Excelsa Corte, ad litteram: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.” (SÚM. 356) “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.” (SÚM. 279) Destaque-se, ainda, a importância da correta fundamentação do recurso extremo, demonstrando, cabalmente, a questão jurídica debatida, bem como a controvérsia existente, de forma que fique bastante evidente o que pretende levar ao conhecimento da instância extraordinária. Nesse sentido é o teor do verbete  do Colendo STF, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.” (SÚM. 284) Idêntico cuidado deve-se ter com a interposição do agravo de instrumento, nos casos de não admissão do recurso extraordinário na instância originária. Confira-se: “Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência na sua fundamentação, ou na do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia.” (SÚM. 287) Vale enfatizar, ainda, a relevância da instrução escorreita dos recursos impetrados, seja o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento, em caso de não admissibilidade do primeiro pelo juizo a quo,  sob pena de ver prejudicada a questão de direito discutida: “Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia.” (SÚMULA Nº 288) “Aplica-se a Súmula 288 quando não constarem do traslado do agravo de instrumento as cópias das peças necessárias à verificação da tempestividade do recurso extraordinário não admitido pela decisão agravada.” (SÚM. 639)” Acrescente-se, ainda, que está sedimentado no C.STF que é ônus da parte recorrente a adequada  instrução do recurso apresentado. No entanto, reafirmando a posição adotada neste trabalho, em matéria criminal, tem se permitido certa flexibilização ao rigor formal, tudo para que a ampla defesa e o  contraditório sejam preservados. Nesse passo foi a recente posição da Excelsa Corte, in verbis: Súmula 115 do STJ e Matéria Criminal[9] “A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra decisão de Ministra-relatora no STJ que, aplicando o Enunciado da Súmula 115 daquela Corte (“na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.”), não conhecera de agravo de instrumento interposto para o processamento de recurso especial inadmitido na origem. A impetração sustentava que o mencionado Verbete somente incidiria nos processos de natureza cível, não se exigindo, no processo criminal, a procuração para o advogado nomeado, pelo réu, por ocasião do interrogatório judicial e que atuara durante todo o trâmite da ação penal. Inicialmente, rejeitou-se a alegação de que o referido Enunciado seria aplicável apenas em matéria cível. Asseverou-se, no ponto, que a orientação do STF é no sentido de que o ônus quanto à correta formação do instrumento cabe exclusivamente ao agravante, ainda que em âmbito penal.  (g.n) Considerou-se que a norma contida no art. 266 do CPP, que autoriza a nomeação de defensor ao réu na audiência de interrogatório, deve flexibilizar a interpretação que é dada à formalização do agravo de instrumento em matéria penal. Nesse sentido, aduziu-se que, ao invés de ser anexado o mandato aos autos do agravo, em casos tais, deve o advogado diligenciar para que seja juntada ao feito cópia do termo de interrogatório ou uma certidão da secretaria da vara informando que sua nomeação se deu no ato de interrogatório, o que não ocorrera na espécie. Entretanto, apesar da falta de diligência da defesa constituída, entendeu-se que o paciente não poderia ser prejudicado, uma vez que chegara ao conhecimento do Supremo que ele fora defendido pelo mesmo patrono desde o interrogatório até a fase recursal, inclusive. Writ deferido para possibilitar que a autoridade apontada como coatora decida o agravo de instrumento como entender de direito, sob pena de cerceamento de defesa. Precedentes citados: AI 232439 AgR/PB (DJU de 6.8.99) e AI 326102 AgR/SP (DJU de 29.6.2001).” HC 87008/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 8.5.2007.  (g.n) No mesmo sentido do exposto acima, reafirmando a prevalência da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, em julgamento recente, voltou a Colenda Corte a decidir a questão, nos termos do vestuto julgado, consolidando o entendimento esposado,  conforme pode-se conferir, in verbis: RE Criminal e Concessão de HC de Ofício – flexibilização formalidades .Por falta de peças obrigatórias, a Turma não conheceu de agravo de instrumento em que se pretendia o processamento de recurso inadmitido na origem, mas, tendo em conta tratar-se de recurso extraordinário em matéria criminal, concedeu habeas corpus, de ofício, para anular o processo-crime instaurado contra o ora agravante, desde a intimação da defesa para apresentar as razões da apelação. Considerou-se configurada, na espécie, a patente existência de cerceamento de defesa, causada pelo equívoco na intimação, publicada em nome de advogada que não realizava a defesa do réu nos autos de origem. AI 525749/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.11.2007.  ( sem grifos no original) É de relevo salientar, por fim, o prazo para interposição do recurso extraordinário na esfera criminal, conforme mencionado acima, sendo de 15(quinze) dias (art. 26 da Lei 8.038/90), bem como do agravo de instrumento, que tem prazo de 5(cinco) dias, nos termo do art. 28 da lei de regência. “Destaque-se também que as alterações introduzidas no âmbito do Direito Processual Civil não repercutem na esfera Processual Penal, mantendo-se, portanto, a integralidade da legislação de regência, no que diz respeito ao recurso extraordinário e ao agravo de instrumento interpostos em matéria penal. Este é o teor da súmula 699 do C. STF:  “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a lei 8038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da lei 8950/1994 ao código de processo civil.” (Súmula nº 699)”[10] Além disso, cumpre a parte recorrente demonstrar, de plano, a tempestividade do recurso dirigido ao Supremo Tribunal Federal, consoante restou assentado em atual decisão, cujo teor colacionamos a seguir, in verbis: “Tempestividade de Recurso e Momento de Comprovação Aplicando a orientação fixada pela Corte no sentido de que a prova da tempestividade do recurso deve ser feita no momento da interposição da petição recursal, não sendo admitida a comprovação a posteriori de eventual prorrogação do prazo, a Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão monocrática do Min. Carlos Britto que negara seguimento a agravo de instrumento, do qual relator, em face da intempestividade do recurso extraordinário, inadmitido pelo Tribunal a quo por motivo diverso. No caso, o agravante, somente nas razões do agravo regimental, demonstrara a tempestividade do apelo extremo, por meio da prova da dilação do prazo recursal em virtude da ausência de expediente forense no período. Vencido o Min. Marco Aurélio que provia o agravo regimental por reputar que a parte não teria que sustentar a tempestividade do recurso extraordinário, porquanto não estava em jogo, uma vez que, apreciados os demais pressupostos do recurso quando do exame de sua admissibilidade pelo tribunal de origem, esse fora considerado tempestivo. Precedente citado: AI 621919 AgR/PR (DJU de 19.12.2006).” AI 495324 AgR/SP, rel. Min. Carlos Britto, 23.10.2007.  (sem grifos no original) Registre, por derradeiro, que em hipótese alguma poderá o juízo aquo deixar de encaminhar ao STF o agravo de instrumento ofertado com o objetivo de ver prosseguir recurso extraordinário interposto, ainda que patentes os vícios que não permitirão o conhecimento e o regular processamento do mesmo na instância extraordinária, cuja competência é exclusivamente a Excelsa Corte para examinar e decidir o acerca do mesmo. Nesse sentido, conferir atual precedente do C. STF, ad litteram: RECLAMAÇÃO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE REMESSA AO SUPREMO. O agravo visando à subida de recurso extraordinário, pouco importando defeito que apresente, há de ser encaminhado ao Supremo, para o exame cabível. Rcl N. 2.826-RS RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO Cumpre destacar o efeito em que é recebido o recurso extraordinário, manifestando-se a doutrina e a jurisprudência pela ausência de efeito suspensivo. Dessa forma, a decisão condenatória proferida pelo Superior Tribunal Militar – STM , bem como pelos Tribunais de Justiça, em matéria militar e Tribunais de Justiça Militares, poderão ser executadas, independentemente da interposição do recurso extraordinário. Essa é a regra geral, no entanto, entendemos que em situações específicas, comporta algumas exceções, como se verá mas adiante. O CPPM dispõe de forma expressa acerca do efeito do recurso extraordinário, afirmando em seu  art. 578 que o referido recurso não tem efeito suspensivo. Idêntico disciplinamento vem expresso no Regimento Interno do STM: Art. 134. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, desde que admitido, mas susta o trânsito em julgado da decisão recorrida. Em recente pesquisa[11], manifestei-me nos seguintes termos: “(…)os efeitos do recurso especial e extraordinário, que, segundo  doutrina e jurisprudência consolidados, até então, não impedem a execução da sentença penal, pendentes de julgamento os recursos mencionados. Este é o entendimento que se extrai do artigo 27, parágrafo 2º. da Lei 8.038/90 que rege a matéria, ad litteram: Art. 27. (omissis). (…)§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. Nesse mesmo sentido dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal(RISTF), in verbis: Art. 321 (omissis) (…) § 4° O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo. E termino a questão, nos seguintes termos, in verbis:: Em doutrina, há quem resista a este simplório entendimento decorrente do dispositivo legal mencionado. Com razão, vez que está em jogo o princípio constitucional da presunção de inocência. E, de forma alguma,  seria aceitável que lei ordinária viesse a reduzir o alcance da mencionada garantia constitucional. Nesse sentido, vale conferir a posição de Eugenio Pacelli de Oliveira[12], tendo o mesmo asseverado o seguinte: Aqui , não há muito que se argumentar: se a fundamentação de uma decisao que expressamente rejeita a aplicação de uma norma constitucional ( o principio da inocência)baseia-se em legislação ordinária, e porque estamos diante não de uma questão jurídica, mas de uma opção clara de política criminal e de política judiciária. E arremata o mencionado doutrinador, ad litteram: “[…] se a prisão decorre de critério legal inserido no sistema recursal, isto e, na gradação de certeza jurídica atribuída a determinada decisão judicial, ela só poderá encontrar justificação na probabilidade de sua manutenção. E, ai, a conclusão e inevitável:cuida-se, as escancaras, de antecipação de culpabilidade, incompatível com a situação de inocência do acusado” Vale registrar que em relação aos crimes afiançáveis a jurisprudência vem, há muito, flexibilizando a execução provisória e, uma vez prestada a fiança, poderá o acusado aguardar em liberdade a decisão final do processo, ou seja, até o julgamento do recurso especial e extraordinário. Para os demais crimes, ultimamente, vem ocorrendo o abrandamento do efeito meramente devolutivo dos recursos especial e extraordinário no tocante à execução provisória da pena privativa de liberdade. Isto porque, tem se entendido que se réu esteve em liberdade durante o decorrer de todo o processo e não praticou atos que ensejassem a prisão provisória, ou seja, não estavam presentes os requisitos da prisão cautelar, a simples confirmação da sentença condenatória pelo Tribunal não tem o condão, como efeito imediato, de deflagrar, necessariamente, a execução provisória da pena privativa de liberdade. É preciso, assim, a presença dos requisitos ensejadores da prisão cautelar, conforme disposto no Código de Processo Penal. Dessa forma, admitimos a prisão somente nos casos em que estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. Nesse sentido conferir a doutrina de Eugênio Pacelli[13], segundo o mesmo  “ A prisão pode perfeitamente ocorrer na pendência de recurso especial e extraordinário, desde  que, porem, seja fundamentada, não como mera decorrência automática do esgotamento da via ordinária impugnação, mas como medida cautelar, acautelatória dos interesses da jurisdição.” No entanto, vale registrar que apesar do entendimento doutrinário esposado, há verbete do STJ[14] de número 267, afirmando categoricamente, que a interposição de recurso sem efeito suspensivo não impede a execução do julgado penal (provisóra). “Contudo, conforme já noticiado acima, a jurisprudência[15], recentemente, começou a rever a questão, entendo que a execução provisória não poderá ser efeito automático da confirmação da sentença condenatória pela segunda instância, admitindo-a, somente, nos casos de real necessidade da custódia cautelar, devidamente fundamentada. A situação deverá ser apreciada em cada caso concreto. Vale conferir os atuais precedentes  sobre a matéria,  que sintetizam e reafirmam o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal[16] em torno da questão em debate, ad litteram: EXECUÇÃO – PENDÊNCIA DE RECURSOS. Enquanto pendente a apreciação de recurso, mesmo com eficácia simplesmente devolutiva, descabe a execução da pena. Prevalece o princípio constitucional da não-culpabilidade.(grifamos) Por derradeiro, aferir o interessante teor da ementa do vestuto julgado, in verbis: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE  FUNDAMENTO PARA A PRISÃO CAUTELAR. EXECUÇÃO ANTECIPADA. INCONSTITUCIONALIDADE. A prisão sem fundamento cautelar, antes de transitada em julgado a condenação, consubstancia execução antecipada da pena. Violação do disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição do Brasil. Ordem concedida. (g.n) No âmbito do Superior Tribunal de Justiça[17] a questão foi recentemente discutida, posicionando-se na mesma linha perfilhada, atualmente, pelo Colendo STF, consoante pode-se conferir em recente julgado: “Assim, entendemos que a depender da situação de cada caso concreto, considerando as particularidade e singularidades do mesmo, haverá ou não a execução provisória da pena privativa de liberdade. Havendo ordem de execução provisória da pena privativa de liberdade, sem ter se demonstrado a efetiva necessidade, na decisão que ordenou a expedição da guia provisória de recolhimento, poderá a parte interessada pleitear a concessão de medida cautelar, com o escopo de suspender a referida execução provisória, até o trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, poderá postular que lhe seja concedido o direito de aguardar em liberdade até o julgamento definitivo do recurso especial ou extraordinário interposto.” Em que pese o exposto, vez por outra, ainda encontramos decisões judiciais vacilantes[19] na efetivação do principio constitucional da presunção de inocência. Cumpre registrar, por derradeiro, e passarmos a fase seguinte, que na seara militar os requisitos exigidos para o conhecimento e regular processamento do recurso extraordinário são os mesmos para as outra áreas do direito.[20] Questão controvertida, no entanto, apresenta-se, como veremos a seguir, em torno da necessidade ou não da demonstração, em sede preliminar, da existência de repercussão geral ou transcendência, em matéria criminal[21], e, em se admitindo tal incumbência, resta saber se esta demonstração circunscreve-se à matéria militar ou transcende para o interesse da coletividade como um todo. “A análise da repercussão geral da matéria discutida no recurso, diga-se, desde logo, que não se confunde com a relevância federal da questão, outrora exigida pelo RISTF no art. 325, inciso XI e Súmula 282 do STF, como vem se manifestando, equivocadamente, parte da doutrina.” (…)A distinção entre a atual exigência da repercussão geral ou transcendência e a relevância federal da questão, anteriormente exigida, é que esta era apenas um instrumento que vedava a admissão de recursos extraordinários que não estavam expressamente elencados no regimento interno do STF. A transcendência, por sua vez, ao contrário, aplica-se a todos os recursos extraordinários, registre-se, não penais, levados ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal e por quorum qualificado decidirá ser há ou não transcendência daquele caso concreto subjudice. Nesse sentido, acolhemos integralmente o posicionamento doutrinário de Marcelo Andrade Feres[22] a respeito do tema, tendo o mesmo esclarecido o seguinte: Não se pode confundir, assim, a atual repercussão geral (ou transcendência) com a antiga argüição de relevância. Enquanto esta constituía um mecanismo de atribuição de admissibilidade apenas a recursos que não se encontrassem expressamente previstos na enumeração regimental, aquela é exigida de todo e qualquer apelo extraordinário, ao menos na vocação literal do novo inciso III do art. 102 da Constituição da República”[23]. Parte da doutrina, a qual nos filiamos, sustenta que o disposto no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior é norma que depende de regulamentação, ou seja, não é diploma constitucional auto-aplicável, possui eficácia limitada, vez que o próprio texto constitucional é expresso em estabelecer que o preceito tratado no referido parágrafo terá eficácia nos termos da lei. Para tanto, foi necessário a edição da Lei 11.418 de 2006 com o escopo de  regulamentar o tema. Assim, na esfera criminal faz-se a inexorável alteração do Código de Processo Penal – CPP e do Código de Processo Penal Militar – CPPM para que se possa exigir a demonstração preliminar da transcendência ou da repercussão geral, como o fez na esfera processual civil. A lastrear nosso posicionamento, temos outro argumento contundente pela inexigibilidade da demonstração da transcendência no recurso extraordinário em material criminal. Se o legislador quisesse estender da repercussão geral exigência a todos os recursos extraordinários e em todas as matérias, teria alterado a Lei 8.038 de 1990 que possui o disciplinamento para o  recurso extraordinário, ou seja é a norma de regência do recurso em debate,  e não o Código de Processo Civil, como o fez. Constata-se, assim, que falece de norma infraconstitucional regulamentadora, exigida pelo texto constitucional, para se impor a  repercussão geral ou transcendencia na seara criminal. Nesta direção, vale conferir o nosso posicionamento  doutrinário: “(..)Registre-se, desde já, por oportuno, que as alterações na esfera processual civil não repercutem, necessariamente, no direito processual penal, como, por exemplo, a divergência no prazo para interposição do recurso de agravo de instrumento no âmbito penal e civil, não se aplicando, portanto, as alterações ocorridas seara processual civil, consoante demonstramos acima. E o próprio Supremo Tribunal Federal já consubstanciou este entendimento na Sumula 699. Outro argumento, de carater substancial, que afasta a exigência da demonstração da transcendência ou repercussão geral nos recursos criminais é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico envolvido, por maioria das vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade.”[24] Em que pese tais argumentos, recentemente, para ser mais preciso dia 18 de junho de 2007, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou o marco temporal para exigência de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, inclusive em matéria criminal, o que, nos termo da fundamentação supra, com a máxima venia, me pareceu equivocado por parte daquele Egrégio Tribunal estender a regulamentação à matéria penal. Isto porque, repita-se, de início constata-se que a norma constitucional que exige a repercussão ou transcendência não e de eficácia imediata, depende de regulamentação legislativa ordinária. Veja-se que para produzir efeitos na esfera processual civil foi preciso a regulamentação através da Lei 11.418 de 19 de dezembro 2006 que inseriu novos dispositivos no referido Código. Em segundo lugar, e, sobretudo, registre-se, a relação jurídica processual penal, de per si, já transcende os interesses individuais envolvidos, consoante restou demonstrado acima. Em terceiro, caso o legislador quisesse efetivamente estender a exigência da repercussão geral a todos os recursos extraordinários e em todas as matérias, teria alterado a Lei 8.038 de 1990 por ser a norma de regência do recurso examinado e não o Código de Processo Civil, como o fez. Por derradeiro, não pode o STF regulamentar dispositivo direto do texto constitucional, através de norma regimental. Desse modo, a decisão da Egrégia Corte impondo a demonstração preliminar da repercussão geral ou transcendência  em relação ao recurso extraordinário em matéria criminal, com a máxima venia dos Eminentes Ministros, está a meu ver  equivocada e necessita de urgente reajustamento. A referida decisão, em agravo de instrumento, que não admitiu o recurso extraordinário esta  consignada nos seguintes termos, com a venia do leitor em transcrever o longo texto, por ser relevante para explicitação do debate. “O Supremo Tribunal Federal (STF), por votação unânime, acompanhando o entendimento do ministro Sepúlveda Pertence, referendou questão de ordem trazida ao Plenário pela aplicação da exigência da repercussão geral de questões constitucionais às causas em geral, inclusive às criminais, somente a partir do dia 3 maio de 2007, data em que entrou em vigor a Emenda Regimental nº 21. O ministro é o relator do Agravo de Instrumento (AI) 664567, interposto pela defesa de Orlando Duarte Alves, contra decisão que não admitiu Recurso Extraordinário em matéria criminal, sob o fundamento de que não foi atendido o artigo 543-A do Código de Processo Civil (CPC), pois o agravante deixou de trazer preliminar formal e fundamentada, na petição do recurso extraordinário, sobre a relevância da tese discutida no recurso. Este é um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário), que tem por objetivo permitir que o STF julgue somente os recursos cuja análise ultrapasse os interesses individuais das partes, priorizando assim, as causas de maior relevância, que tenham repercussão geral na sociedade. No AI, o agravante ponderou que a decisão que negou seguimento ao RE deveria ser anulada, pois não poderia “se admitir que o julgador de primeiro grau, relator do acórdão do recurso de apelação, seja competente para fazer o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário interposto contra o acórdão que o mesmo julgador havia relatado”. Assim, a defesa de Orlando Duarte pediu o conhecimento e provimento do RE, para cassar o acórdão que teria violado os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e proporcionalidade. O ministro submeteu questão de ordem ao Plenário do STF quanto à aplicação da exigência do requisito constitucional da “repercussão geral” em Recurso Extraordinário, em matéria criminal, pois a Lei 11.418/06 teria se limitado a alterar o texto do Código de Processo Civil (CPC). Outro questionamento do ministro é se a decisão agravada poderia ter exigido que na petição do RE houvesse demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais suscitadas. Para Sepúlveda Pertence, a alegação de incompetência da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não procede, pois é requisito formal do RE o ônus do recorrente, que se não atendido, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, cuja apreciação é exclusiva do STF, conforme o artigo 543-A, parágrafo 2º , do Código de Processo Civil. Para o relator o equívoco da decisão está, isto sim, “em exigir, antes das normas regimentais serem implementadas pelo STF, que o recorrente buscasse demonstrar na petição do RE a exigência da repercussão geral”. A determinação de aplicação da lei aos RE interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência, não significa sua plena execução, ficando a cargo da Corte a incumbência de estabelecer em seu Regimento Interno as normas necessárias à execução da referida lei (artigo 3º, da Lei 11.418/06). A regulamentação da lei, no Regimento Interno do STF (Emenda Regimental 21), somente entrou em vigor no dia 3 de maio de 2007, data posterior à interposição do RE, no dia 12 de abril de 2007, a que se refere o agravo. Assim, de acordo com o ministro, o STF somente irá analisar a existência de repercussão geral das questões constitucionais suscitadas nos REs a partir da vigência das normas regimentais necessárias à execução da Lei 11.418. Portanto, “seria ilógico exigir que os RE interpostos antes da vigência dessas normas regimentais contenham a preliminar em que o recorrente deverá demonstrar a existência da repercussão geral”. Desta forma, o ministro Sepúlveda Pertence declarou seu voto para resolver a questão de ordem, “pela aplicação em tese da exigência da repercussão geral das questões constitucionais às causas em geral, aí incluídas as criminais, a partir do dia 3 maio de 2007, data em que entrou em vigor a Emenda Regimental nº 21”. No entanto, a princípio, o ministro disse não admitir o RE pela inexistência de ofensa direta à Constituição, mas devido à natureza recente de casos como esse, admitia o RE. Essa decisão do ministro também foi acompanhada por unanimidade. Por sugestão do ministro Cezar Peluso, o Plenário indicou a necessidade da presidência do STF baixar um ato formal regulamentando a subida dos Recursos Extraordinários à Corte e permitir a exigibilidade de indicação de repercussão geral, a partir da data de 3 de maio do corrente ano. Peluso reputou a questão como fundamental e de especial relevância para o mundo jurídico, motivo pelo qual a Corte deve deixar muito clara esse posicionamento. A decisão final acrescentou que a exigência da preliminar forma e fundamentada sobre a repercussão geral vale para os Recursos Extraordinários contra decisões cuja intimação tenha ocorrido a partir da data de publicação da Emenda Regimental nº 21, qual seja, 3 de maio de 2007.” (grifamos) Ora, pelo visto, está o Supremo Tribunal Federal regulamentado, diretamente, dispositivo do texto da constituição, através de norma regimental. Ou seja, através de Emenda Regimental o STF esta disciplinado artigo da Constituição da Republica, o que entendo não ser admissível juridicamente. Admitimos, no entanto, que poderá, sim, exigir a repercussão ou transcendência nos recursos extraordinários ofertados em face das decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça, em matéria militar, e  pelos Tribunais de Justiça Militares, onde houver, quando decidirem acerca das questões militares disciplinares, nos expressos termos do art. 125, parágrafo 4º da Lei Maior[25]. Na esfera federal, no entanto, sem alteração da competência da Justiça Militar da União, continuando, portanto, com a competência somente para conhecer, processar e julgar crimes militares, em sentido amplo, de conseguinte, matéria exclusivamente criminal, não haverá necessidade de explicitar a transcendência ou repercussão geral nos recursos extraordinários ofertados perante o Superior Tribunal Militar. IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS. Por todo o exposto, pode-se extrair conclusões, sempre parciais, pois o estudo do direito é sempre dinâmico. Destarte, a primeira delas é que os requisitos para conhecer e processar o recurso extraordinário na Justiça Militar, em regra, são os mesmos exigidos para em outras áreas, salvo o atendimento da repercussão, quando os mencionados recursos arrostarem decisões militares de caráter disciplinar. Conclui-se também que não se poderá exigir do recorrente a demonstração, em sede preliminar, da transcendência ou repercussão geral no recurso extraordinário, ofertado em matéria criminal, na Justiça Militar, vez que a norma contida no art. 102, parágrafo 3º. da Constituição Federal  não possui eficácia imediata, ou seja é preceito constitucional com eficácia relativa e depende de complementação legislativa, sendo, portanto, a necessária a alteração do Código de Processo Penal Militar –CPPM e do Código de Processo Penal, como já ocorreu na esfera do direito processual civil com a  Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006, que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao CPC. Caso o legislador quisesse efetivamente estender a exigência da repercussão geral a todos os recursos extraordinários e em todas as matérias, teria alterado a Lei 8.038 de 1990 que possui a regulamentação própria da matéria e não modificando, somente, o Código de Processo Civil, como o fez. Por derradeiro, não pode o STF regulamentar dispositivo direto do texto constitucional, através de norma regimental. Impende salientar, por derradeiro, que a relação jurídica na esfera penal é completamente diversa das outra áreas, sendo a transcendência inerente as discussões travadas na esfera criminal. Destarte,  há interesse, sempre, de toda sociedade na realização de justiça criminal. Além do que o bem jurídico protegido, por vezes, ultrapassa a esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade. Em fim, a própria relação jurídica processual penal, de per si, já extrapola os interesses pessoais envolvidos. Em que pese o recente posicionamento do STF firmado no Agravo de Instrumento 664567, estabelecendo um marco temporal para o cumprimento da exigência da repercussão geral ou transcendência nos recursos extraordinários encaminhados a aquela Colenda Corte, inclusive em matéria criminal, a nosso sentir, incorreu em grave e inaceitável equivoco em estender (de forma indevida) a exigibilidade da repercussão geral ou transcendência para a matéria criminal, sem necessário e profundo debate especifico em torno da questão.  Além disso, repita-se, não pode o STF regulamentar, por norma regimental, dispositivo da Constituição Federal, sobretudo quando o diploma constitucional mencionado  reclama que o faça nos termos da lei.           Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal; Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-48/o-recurso-extraordinario-na-justica-militar/
Ensaio sobre uma teoria geral dos atos de comunicação no processo penal brasileiro: à luz da teoria da ação comunicativa habermasiana
O presente trabalho busca explicitar os aspectos gerais e mais abrangentes atinentes aos atos de comunicação, procurando oferecer parâmetros para uma teoria geral dos atos de comunicação, fixando características em comum entre as diversas modalidades de atos dessa natureza. Sendo assim, fixa-se os pressupostos e requisitos dos atos de comunicação, bem como os seus fundamentos e finalidades. No momento seguinte, então, é feita uma breve abordagem da Teoria da Ação Comunicativa proposta por Habermas, com o escopo de que esta sirva de espeque para a construção da teoria geral do atos de comunicação no processo penal. Por fim, os atos de comunicação são analisados à luz da Política Criminal, da Criminologia e da Constituição, com o intuito de que sejam estabelecidas algumas conclusões sobre esses.
Direito Processual Penal
1. Introdução. A citação, a intimação e a notificação são atos de comunicação no processo penal[1]. E isso, certamente, não representa para o leitor mais informado acerca do tema qualquer novidade. Pois bem. Sendo assim, para que possamos analisar, ainda que em linhas gerais esses atos de comunicação, impõe-se de imediato o dever de entendê-los como tais, ou seja, de entendê-los como atos de uma comunicação que venha a ocorrer dentro do processo. Nessa nossa breve introdução em torno dos atos de comunicação, esclarecemos, desde já, ao leitor, que não temos em mira os atos de cientificação que venham a ser realizados antes de se poder afirmar categoricamente que existe processo. Vale dizer, temos em mente apenas os atos de comunicação ocorrentes dentro do processo, dito de outra maneira, já tendo se constituído perfeitamente o processo. Feita tal observação, pensamos que a citação, a intimação e a notificação, para que sejam entendidas como atos de comunicação precisam obedecer ao que chamamos de núcleo essencial do ato de comunicação. Mas o que seria o núcleo essencial do ato de comunicação? A nosso ver, seria o núcleo em comum que todo ato de comunicação deve possuir. Esse núcleo é constituído pelos seguintes elementos: a) emissor; b) receptor; c) informação; e d) instrumento utilizado para comunicação. O emissor é sempre, a nosso ver, o Estado-Juiz. O receptor é o réu, o autor, a testemunha, o perito, o intérprete e qualquer outra pessoa que interesse ao processo. A informação é o conteúdo que se quer comunicar por meio da citação, da notificação ou da intimação. Tal informação pode ser alusiva a fato novo, a fato pretérito ou, ainda, a fato futuro do processo. O instrumento utilizado para comunicação pode ser o correio, o mandado a ser cumprido pelo Oficial de Justiça, o telefone, o fax, o e-mail, o edital ou qualquer outro meio hábil, a depender de qual seja o ato de comunicação que esteja sendo considerado. Ante o exposto, percebe-se que assim como qualquer ato de comunicação, a citação, a intimação e a notificação devem apresentar tais características. 2. Dos pressupostos e requisitos dos atos de comunicação. Tecidas essas considerações preliminares, cabe agora passarmos ao exame dos pressupostos e requisitos dos atos de comunicação. Diga-se, desde já, que tanto as observações feitas na abordagem introdutória como os esclarecimentos sobre os quais ora iremos discorrer, dizem respeito a uma teoria dos atos de comunicação, que poderemos, por assim chamar, de teoria geral da comunicação ou dos atos de comunicação. Dito de outra forma, os pilares que ora trazemos a público são aplicáveis, consideradas as peculiaridades de cada ato,  à citação, à notificação e à intimação. Portanto, não deve incorrer o operador e o estudioso do direito em tal falha, ou seja, no equívoco de imaginar que essas explicações guardam pertinência apenas à intimação e à notificação, sem se referir à citação. Enfatize-se, por uma vez mais, que tais noções são, por conseguinte, de índole genérica e abrangente. Nesse momento o leitor, poderia estar se indagando: qual a distinção entre pressuposto e requisito? E somada a tal pergunta, acrescentaríamos duas outras mais: qual a distinção entre pressuposto, requisito e condição? Tomado em consideração o ato de comunicação, quais são os requisitos e os pressupostos deste? Passemos, então, a um esboço de resposta à cada uma dessas perguntas. No que tange ao pressuposto, ao requisito e à condição, pensamos que a distinção entre tais elementos esteja no momento em que se observa o ato jurídico, isto é, encontre-se no momento de realização do ato jurídico. Se é certo que o ato de comunicação é um ato processual, força é convir que todo ato processual é um ato jurídico e, como tal, submete-se, dadas as devidas proporções, à teoria geral dos atos jurídicos. Sendo assim, pensamos que pressuposto são todos os elementos que devam existir previamente (no pretérito) à realização do ato processual (ato jurídico). Por outro lado, os requisitos são todos os elementos que devam estar presentes (no momento presente) no instante em que o ato processual está sendo consumado. Por sua vez, a condição, como já antecipa o Código Civil (CC, artigo 121 – “Considera-se condição (…) evento futuro e incerto”) são todas as circunstâncias que possam vir a ocorrer no futuro. Nesse passo, convém assinalar que o direito civil nos ensina que pode haver duas espécies de condição, quais sejam, a resolutiva e a suspensiva. Desta forma, portanto, nota-se que o ato jurídico pode ser analisado em três momentos distintos, quais sejam, pretérito, presente e futuro. Vale dizer o ato jurídico deve ser percebido no seu antes, no seu durante e no seu depois. Logo, se isso se observa quanto a ele, o mesmo deve ocorrer quanto ao ato processual, como ato jurídico que é. Cientes de que tal proposta de distinção de tais expressões pode merecer diversas críticas da doutrina, advertimos ao leitor que a distinção que ora estabelecemos, como todo argumento jurídico, tem cunho subjetivo e valorativo e que, por isso, não pode ser tomado de forma inquestionável. Dessa maneira, toda crítica é produtiva e encontra, a nosso ver, papel relevante na produção do conhecimento hermenêutico jurídico. Respondidas as duas primeiras indagações, cabe a nós agora enfrentar a última: tomado em consideração o ato de comunicação, quais são os requisitos e os pressupostos deste?           A nosso ver, os pressupostos do ato de comunicação (citação, intimação e notificação) são: a) a previsão legal do ato de comunicação; b) a relação jurídica processual em desenvolvimento. De outro lado, os requisitos são: a) o Estado-Juiz (emissor da mensagem); b) o receptor (réu, autor, perito, testemunha etc.) da mensagem; c) o conteúdo da mensagem, ou seja, o ato processual que foi realizado ou que será realizado; e d) o instrumento processual utilizado para fazer a comunicação, isto é, se foi carta precatória, ou carta rogatória, ou AR, ou e-mail etc. Mas, ao final de tais explicações, poderia restar ainda a seguinte dúvida: qual a finalidade do ato de comunicação? E mais que isso, qual o fundamento do ato de comunicação? 3. Das finalidades e fundamentos dos atos de comunicação. A finalidade do ato de comunicação é transmitir uma mensagem com sucesso. Em outras palavras, o escopo de qualquer ato de comunicação é dar publicidade de um evento que aconteceu ou que está por acontecer a uma determinada pessoa que faça parte (entendido no seu sentido amplo) do processo. Isto é, a finalidade direta do ato de comunicação é a publicidade interna ao processo.  Mas essa seria apenas uma finalidade imediata. Uma outra finalidade do mesmo ato é a que podemos denominar de mediata ou indireta. Nesse sentido, o ato de comunicação tem por objetivo deixar registrado e certificado dentro dos autos do processo que tal mensagem foi transmitida, de maneira efetiva ou fictícia, ao destinatário previsto em lei. Ou seja, a finalidade indireta do ato de comunicação é dar conhecimento às demais pessoas estranhas à relação processual da mensagem que se quis comunicar. Nesse sentido, o ato de comunicação é também uma prestação de contas à sociedade, o que, na verdade, todo processo é, na medida em que serve aos ditames da Democracia. Por isso, a finalidade indireta do ato de comunicação é a publicidade externa ao processo. Quanto aos fundamentos dos atos de comunicação, pensamos que estes sejam os seguintes: a) o princípio da publicidade, b) o princípio da ampla defesa, c) o princípio do devido processo legal, d) o princípio do contraditório, e) o princípio da motivação das decisões e f) o princípio democrático[2]. Tratam-se de princípios largamente estudados na doutrina[3], mas que merecem nessa oportunidade serem explicitados e aprofundados tendo por escopo destacar a relevância do papel desempenhado pelos atos de comunicação no processo penal contemporâneo, promovendo-se, assim, uma refundação de tais atos à luz do princípio democrático. Quanto ao princípio da publicidade, este é o fundamento mais emergente dos atos de comunicação, vez que mesmo num primeiro olhar mais aligeirado sobre os mesmos, já se percebe sua nota marcante. Note-se que tal princípio é também o primeiro a conferir a importância crescente que tais atos vêm ganhando na sociedade contemporânea. O princípio da publicidade é, a um só tempo, fundamento e finalidade do ato de comunicação. Finalidade, como destacado linhas atrás, se considerado enquanto finalidade imediata e mediata. Fundamento, se tomado como expressão de legitimidade do processo. Em outras palavras, a publicidade serve de fundamento ao ato de comunicação, pois maximiza a legitimidade desse e, por via de conseqüência, do próprio processo. No que pertine ao princípio da ampla defesa, esse se presta a fundamento do ato de comunicação, vez que garante ao réu uma comunicação clara, determinada e objetiva da imputação que lhe é feita, de sorte a proporcionar-lhe a efetiva garantia de defesa, seja essa técnica, seja por meio da autodefesa. No que concerne ao princípio do devido processo legal[4], cabe pontuar, desde já, que, mais recentemente, este vem sendo entendido pela doutrina sob dois aspectos, a saber: processual (procedural due process) e material (substantive due process). Nesse passo, então, fala-se em devido processo legal em sentido processual e devido processo legal em sentido material. Naquele sentido, o devido processo legal é compreendido como o direito que todo cidadão tem de ter o prévio conhecimento do procedimento ao qual será submetido quando vier a ser processado, ou seja, o direito a conhecer com antecedência os atos processuais a que será submetido pelo Estado, em outras palavras, o direito a não ser surpreendido. Tomado no seu sentido material, este princípio tem seus limites territoriais expandidos, passando a conter dentro de si outros princípios, como, por exemplo, o princípio da isonomia entre as partes. Nessa perspectiva, o princípio do devido processo legal deve ser compreendido como a garantia a um processo justo. Pois bem. Tecidas tais considerações, cabe assinalar, então, que o princípio do devido processo legal é também fundamento dos atos de comunicação, à medida que exige que esses sejam praticados de acordo com as regras previamente estabelecidas na lei processual e sejam exercitados da maneira mais justa. Entendemos aqui como exercício da maneira justa, o esforço que deve ser empreendido para garantir que o ato de comunicação seja real, evitando-se, ao máximo, a realização do mesmo pela via fictícia. No que tange ao princípio do contraditório, entendendo-se esse como corolário do princípio da isonomia das partes e, por conseguinte, como garantia de paridade de armas a essas, tomamos esse como outro fundamento dos atos de comunicação, em razão de que tais atos devem ser compreendidos como expressão efetiva da igualdade de oportunidades durante o trâmite do processo. Os atos de comunicação oportunizam o exercício do dissenso pelas partes, para que ao final do processo possa se construir um consenso. Por suas vez, o princípio da motivação[5] das decisões presta-se a fundamento dos atos de comunicação, pois esses devem decorrer de uma decisão judicial, produzindo e reproduzindo a mesma. Esclarecendo melhor, os atos de comunicação só existem enquanto eles mesmos, quando se apresentam como fruto de uma decisão judicial fundamentada. Se entendermos que o processo é um instrumento estiguimatizante[6], que se presta a rotular os sujeitos por eles envolvidos, perceberemos que os atos de comunicação são também, em certa medida, a primeira expressão dessa estiguimatização[7], pois é a partir desse momento que o sujeito passivo processual passa a ser rotulado pelo contexto social. Sendo assim, a decisão de determinar um ato de comunicação, deve ser necessariamente uma decisão judicial, vez que deve ser uma decisão fundamentada, ponderada e equilibrada. Por outro lado, é o ato de comunicação que produz e reproduz a decisão que por meio dele é expressa. Produz, enquanto elemento integrante e constituinte do ato de decisão, ou seja, enquanto constitutivo da manifestação de poder, tendo-se em foco o Estado-Juiz. E reproduz, na medida em que é compreendido por aquele a que se destina, reverberando na conduta futura (após a realização do ato de comunicação) do sujeito-destinatário.         Por fim, o ato de comunicação encontra seu fundamento último e mais relevante no princípio democrático, vez que, observado por esse prisma, tal ato confere legitimidade a decisão que vier a ser proferida. Entende-se por legitimidade a circunstância de que a decisão que será imposta às partes é produto da participação ativa que estas desempenham na relação processual. Nesse sentido, a decisão judicial é fruto do dissenso inicial entre as partes, voltado à busca de um consenso. E, na construção desse consenso, é de grande importância o papel dos atos de comunicação, à medida que relaciona e problematiza a pretensão do sujeito emissor e a resistência do sujeito destinatário.  4. Do destinatário do ato de comunicação O destinatário do ato de comunicação variará de acordo com a espécie de ato praticado. Isto porque, enquanto a citação só pode se dar, em regra, na pessoa do réu, sendo esse, por conseguinte, o seu sujeito destinatário por excelência, o mesmo não ocorre quanto aos demais atos de comunicação. A intimação e a notificação são atos de comunicação bastante semelhantes quanto ao sujeito destinatário. Em razão de tal circunstância, fez-se aqui a opção de cuidar do sujeito destinatário de tais atos de comunicação a partir de uma única perspectiva. Logo, onde se mencionar a expressão notificação, as considerações feitas acerca desse ato serão válidas e aplicáveis à intimação. Quanto ao sujeito destinatário da notificação (e/ou intimação), convém formular, de imediato, a seguinte indagação: a notificação (e/ou intimação) só de destina às testemunhas e aos réus? A resposta a tal pergunta é: não. Em todas as oportunidades em que a autoridade determinar que seja alguém comunicado de que deve fazer ou deixar de fazer algo, resultando a desobediência na cominação de uma sanção, então, se pode falar, de maneira técnica, em notificação. Releva notar que está excluído dessa conceituação o chamamento inicial, que se faz por meio de citação. Dessa maneira, notificam-se as testemunhas para que venham depor…Caso as testemunhas não atendam à convocação, sujeitar-se-ão às sanções estabelecidas nos artigos 218 e 219 do CPP. Notifica-se o réu para presenciar a oitiva das testemunhas. E se desatender ao comunicado? Nesse caso, o processo continuará à sua revelia, de acordo com o artigo 367 do CPP. Notifica-se o expert a está presente diante da autoridade ou em lugar determinado. A violação submetê-lo-á à cominação prevista no parágrafo único do artigo 277. Igual atitude será adotada contra o intérprete, quando notificado, por força do que pontifica o artigo 281 do codex. A vítima é notificada para se fazer presente diante da autoridade para dar declaração, uma vez que sua inobservância redundará na adoção do que dispõe o parágrafo único do artigo 201. Os jurados são notificados a comparecer à sessão do Tribunal do Júri. Na hipótese de desatendimento, a eles serão aplicadas as sanções inscritas no artigo 443. Qualquer que seja o ato do processo, deverá ser o assistente de acusação notificado posto que sua desobediência provocará a cominação imposta no parágrafo segundo do artigo 271. Notificado ainda deverá ser o querelante, quando disser respeito a ato processual a que deva comparecer, vez que a sua ausência resultará em perempção, de acordo com o inciso III do artigo 60. Note-se que o membro do Ministério Público e o Defensor são também notificados, e o seu desatendimento pode levar o magistrado, na primeira situação, a prestar tal notícia ao Procurador Geral de Justiça e, na segunda, a cominar a regra disposta no artigo 265 do codex. Convém assinalar, por conseguinte, que o único sujeito processual a quem à notificação não se dirige é ao juiz, posto que este é sempre o emissor da mensagem (do comando) a ser comunicada, não podendo, portanto, ser jamais o seu receptor. Contudo, quando fazemos tal assertiva estamos tendo em mente uma relação jurídica simples dialética, vez que se ao lado desta relação surge uma nova relação, tornando-se uma relação complexa, como, por exemplo, na exceção de suspeição, o juiz também poderá ser destinatário de uma notificação. Feitas tais considerações, tratemos, agora, de forma breve, da Teoria da Ação Comunicativa, concebida por Jürgen Habermas, de sorte a aprofundarmos a discussão acerca do ato de comunicação em si. 5. Da Teoria da Ação Comunicativa Habermasina. Antes de explicarmos detidamente a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas[8], tentaremos nessas primeiras linhas elaborar uma síntese apertada do pensamento desse importante filósofo alemão. Habermas, descendente legítimo da Escola de Frankfurt, desenvolve a chamada Teoria da Ação Comunicativa. Sua proposta visa ser um instrumento de superação da razão iluminista (razão instrumental) a qual, segundo jusfilósofo alemão, é transformada num novo mito e que encobre a dominação burguesa. Sendo assim, tal autor propõe o cultivo a lógica da troca de idéias e informações entre os sujeitos históricos, estabelecendo o diálogo[9] como forma de produção de conhecimento. Estabelecido o diálogo como forma de produção de conhecimento, Habermas, então, num momento seguinte, propõe duas abordagens teóricas possíveis à sociedade: a) o Sistema, e b) o Mundo da Vida. O Sistema refere-se à “Reprodução Material” norteada pela lógica instrumental (adequação dos meios aos fins). O Mundo da Vida, por sua vez, refere-se à “Reprodução Simbólica”, a qual é uma rede de significados que compõem determinada visão de mundo. Tais significados estão vinculados aos fatos objetivos, às normas sociais e aos conteúdos subjetivos. Segundo Habermas, durante a Modernidade[10], se assistiu à colonização do mundo da vida pelo sistema, bem como a uma crescente instrumentalização do conhecimento, o que se evidencia no surgimento do direito positivo e na circunstância de restringir o debate normativo aos técnicos e especialistas. Diante desse quadro, então, Habermas elabora sua filosofia voltando-se para o estudo da Ética e do Conhecimento. Note-se, a propósito, que sua tese para explicar a Produção de Saber Humano recorre, de certa forma, ao evolucionismo de Charles Darwin, isto porque a falibilidade possibilita desenvolver capacidades mais complexas de conhecer a realidade (evolucionismo, assim, através dos erros).    Habermas defende uma ética universalista, deontológica, formalista e cognitivista. Segundo o autor, os princípios éticos não devem ter conteúdo. Através das discussões (discurso[11]), da participação nas decisões públicas, deve-se possibilitar a avaliação dos conteúdos normativos demandados naturalmente pelo mundo da vida. Percebe-se, assim, que a teoria de Habermas é uma Teoria Discursiva em prol da Integração Social e que tem como conseqüência a Democracia e a Cidadania. Tomada por base a sua teoria, a resolução dos conflitos vigentes na sociedade deve ser resultado do consentimento de todos concernidos. Desta forma, a Justiça, de acordo com o pensamento de Habermas, é a possibilidade que o destinatário do comando normativo deve ter de influir na elaboração da norma. Logo, só há justiça por meio da democracia, por meio do agir comunicativo[12], que se ramifica por meio do discurso. Esclarecidos, preliminarmente, alguns aspectos acerca do pensamento habermasiano. Passemos, então, a tratar das três idéias fundamentais desenvolvidas por esse respeitado filósofo alemão, a saber: a) a esfera pública, b) a reconciliação da hermenêutica com o positivismo e c) a teoria da ação comunicativa. A esfera pública é o espaço no qual as pessoas discutem sobre a vida, mas que não se confunde com as esferas da vida doméstica, da igreja ou do governo. Nesse espaço, as idéias seriam examinadas, discutidas e argumentadas. Convém salientar, a propósito, que, segundo Habermas, o espaço da esfera pública[13] tem diminuído sob a influência das grandes corporações e do poder da mídia. A redução da esfera pública é, para Habermas, uma estratégia de divisão e de conquista. Quanto à reconciliação da hermenêutica e do positivismo, a sociedade e as ciências culturais humanas são domínios estruturados ao redor de símbolos. Os símbolos são objetos de interpretação e, por isso, qualquer metodologia que negligencie a hermenêutica está destinada ao fracasso. Sendo assim, existe um terceiro nível de lógica: o de poder e dominação que são explicados por uma teoria crítica. No que diz respeito à Teoria da Ação Comunicativa, Habermas, então, afirma que a linguagem é a base de sua filosofia. A linguagem é tomada como “ato de fala”[14], consideradas as suas entonações e com uma função pragmática. Em outras palavras, a teoria de Habermas acerca da linguagem é performática[15]. A linguagem, segundo Habermas, é justificada em quatro níveis de validade: a) o que é dito é compreensível (utilização de regras semânticas inteligíveis), b) que o conteúdo do que é dito é verdadeiro, c) que o emissor justifica-se por certas normas que são invocadas no uso do idioma, e d) que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor (comunicação não distorcida). Percebe-se, assim, que a teoria da ação comunicativa questiona a definição de verdade[16] como valor de caráter universal. Feitos tais esclarecimentos, tentaremos, agora, explicar com um pouco mais de profundidade a teoria discursiva de Jürgen Habermas. A Teoria do Agir Comunicativo[17] analisa as instituições jurídicas e propõe um modelo onde se interpenetram Justiça, Razão Comunicativa e Modernidade. Nesse sentido, o Direito[18] é facticidade quando se realiza os desígnios de um legislador político e é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de sanções fundadas no monopólio estatal da força. Por outro lado, o Direito é validade quando suas normas se fundam em argumentos racionais ou aceitáveis por seus destinatários. A tensão existe, portanto, na relação entre elementos sancionatórios e elementos de autolegislação. A sanção (facticidade) restringe o nível de dissenso; o dissenso é superado quando as normas jurídicas são emanações do povo (validade). A tensão se verifica entre coerção do Direito – que garante um nível médio de aceitação da regra, e a idéia de autolegislação – ou seja, da suposição de autonomia política dos cidadãos associados, o que resgata a pretensão da legitimidade das próprias regras, isto é, racionalmente aceitáveis. Habermas defende, assim, o abandono de uma razão prática e a assunção de uma razão comunicativa. A razão comunicativa, ao contrário da razão prática, não oferece nenhum tipo de indicação concreta para o desempenho de tarefas práticas, pois não é informativa. A razão comunicativa afasta-se da tradição prescritiva da razão prática. Convém assinalar, então, que Habermas quer situar a legitimidade do Direito não no plano metafísico, mas no plano discursivo procedimental[19]. Releva notar, por oportuno, que Habermas através da teoria do agir comunicativo, na qual a linguagem supera a dimensão sintática e semântica, constituindo o médium de integração social, ou seja, o mecanismo pelo qual os agentes sociais se interagem e fundamentam racionalmente as pretensões de validade discursivas aceitas por todos. Visto desta forma, segundo a filosofia habermasiana, o ordenamento jurídico emana das diretrizes dos discursos públicos e da vontade democrática[20] dos cidadãos institucionalizados juridicamente. É nesse contexto, então, que Habermas defende, portanto, a substituição de uma razão prática, baseada num indivíduo, que através de sua consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, sustentada numa pluralidade de indivíduos que, orientando sua ação por procedimentos discursivos[21], chegam à norma. Desta maneira, a fundamentação do Direito[22], a sua medida de Legitimidade, é definida pela razão do melhor argumento. O Direito, segundo Habermas, deve ser a emanação da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais. Sendo assim, nas sociedades contemporâneas pós-metafísicas torna-se inviável a fundamentação do direito numa suposta ordem natural, numa dimensão ética ou numa moral metafísica. Portanto, o princípio do discurso, após assumir forma jurídica, transforma-se em princípio da democracia. Logo, é através de uma concepção discursiva e procedimental que se pode construir uma presunção de legitimidade e racionalidade de conteúdo de uma norma. Diante do exposto, pensamos que os atos de comunicação no processo penal devem ser entendidos, dadas às devidas proporções, como “atos de fala”, ou seja, a partir de uma compreensão performática da linguagem. Nesse sentido, tais atos devem ser compreendidos como instrumentos de construção de uma verdade consensual que restará manifestada, ao final de um processo comunicativo-dialético, no ato de decisão e manifestação de poder que é a sentença. Verdade consensual esta, que, a nosso ver, é aquela que absolve o dissenso, afastando-se, desta forma, qualquer referência ao decadente dogma da verdade real. Note-se que ao consideramos os atos de comunicação no processo penal à luz da teoria do agir comunicativo, acreditamos que tais atos devem, também, está submetidos aos quatro níveis de validade da linguagem mencionados por Habermas, os quais são, novamente, aqui reproduzidos: a) o que é dito é compreensível (utilização de regras semânticas inteligíveis), b) que o conteúdo do que é dito é verdadeiro, c) que o emissor justifica-se por certas normas que são invocadas no uso do idioma, e d) que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor (comunicação não distorcida). Sendo assim, os atos de comunicação conferem legitimidade à decisão obtida por meio do processo, à medida que tal decisão é fruto do melhor argumento (argumento é racional e aceitável) e é construída a partir do dissenso e em busca do consenso.    Tecidos alguns esclarecimentos sobre a teoria da ação comunicativa e estabelecida uma vinculação entre esta e os atos de comunicação no processo penal, analisemos, agora, tais atos sob as perspectivas da Política Criminal, da Criminologia e da Constituição.  6. A Política Criminal, a Criminologia e a Constituição. Os atos de comunicação, assim como o processo penal, devem ser analisados também sob o prisma da política criminal e da criminologia[23]. Ou seja, a doutrina moderna, a nosso ver, não pode mais continuar a tratá-los apenas sob o aspecto dogmático, mas também deve compreendê-los como instrumentos de uma política criminal escolhida pelo Estado, a qual produz as mais variadas conseqüências criminológicas. É importante que se perceba o conteúdo político criminal que se encontra encoberto pelas normas prescritas pelo código de processo penal. Tal conteúdo se manifesta sob diversos aspectos, vejamos alguns: a) a proibição ou a permissão da citação por hora certa no processo penal; b) o maior ou menor elenco de hipóteses que autorizam a citação por edital; c) a própria existência da citação por edital no processo penal moderno; d) a opção por determinar a suspensão do processo no caso descrito pela norma do artigo 366 do CPP, não se permitindo, em princípio, o julgamento do réu à revelia; e) a maior ou menor limitação na utilização de novos mecanismos tecnológicos (e-mail, telegrama, telefone etc.) para a realização dos atos de comunicação; f) o pequeno número de normas dispensadas pelo código de processo penal ao tratar da intimação e da notificação; g) a despreocupação técnica do código de processo penal ao empregar como sinônimos as expressões notificação e intimação; h) a omissão do legislador em não ter delimitado, expressamente, um prazo máximo para suspensão do processo e da prescrição, dentre outros aspectos. Descoberto o véu das reais intenções do legislador, é deveras salutar, no momento seguinte, que o intérprete também perceba as conseqüências de ordem criminológica[24] que tais opções implicam ou podem implicar. Pontuemos, então, algumas delas: a) a estiguimatização do réu com a determinação do ato de citação; b) a criminalização secundária que a citação e o processo penal, como um todo, podem ocasionar; c) o caráter simbólico dos atos de comunicação; d) o aspecto preventivo-retributivo do ato de citação e do processo penal; e) os prejuízos experimentados pela pessoa equivocadamente citada, ou pelo réu que respondeu ao processo e, ao final, foi julgado inocente. Estas são algumas das repercussões criminológicas que, a nosso ver, podem ser destacadas.    Ademais, note-se, ainda, que tais atos de comunicação devem ser, agora, (re)interpretados sob o comando da Constituição Democrática de 1988, não podendo mais serem analisados, exclusivamente, à luz da legislação infraconstitucional. Tal assertiva implica, a nosso ver, nas seguintes conseqüências: a) os atos de comunicação devem ser tomados como garantias individuais do cidadão frente ao Estado, b) devem ser analisados à luz dos princípios constitucionais, c) devem ter o seu alcance delimitado pelos valores constitucionais; d) devem ter os seus contornos definidos por um processo legislativo democrático, além de outras conseqüências aqui não mencionadas.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-45/ensaio-sobre-uma-teoria-geral-dos-atos-de-comunicacao-no-processo-penal-brasileiro-a-luz-da-teoria-da-acao-comunicativa-habermasiana/
Ensaio sobre uma teoria geral dos atos de comunicação no processo penal brasileiro: à luz da teoria da ação comunicativa habermasiana
O presente trabalho busca explicitar os aspectos gerais e mais abrangentes atinentes aos atos de comunicação, procurando oferecer parâmetros para uma teoria geral dos atos de comunicação, fixando características em comum entre as diversas modalidades de atos dessa natureza. Sendo assim, fixa-se os pressupostos e requisitos dos atos de comunicação, bem como os seus fundamentos e finalidades. No momento seguinte, então, é feita uma breve abordagem da Teoria da Ação Comunicativa proposta por Habermas, com o escopo de que esta sirva de espeque para a construção da teoria geral do atos de comunicação no processo penal. Por fim, os atos de comunicação são analisados à luz da Política Criminal, da Criminologia e da Constituição, com o intuito de que sejam estabelecidas algumas conclusões sobre esses.
Direito Processual Penal
1. Introdução. A citação, a intimação e a notificação são atos de comunicação no processo penal[1]. E isso, certamente, não representa para o leitor mais informado acerca do tema qualquer novidade. Pois bem. Sendo assim, para que possamos analisar, ainda que em linhas gerais esses atos de comunicação, impõe-se de imediato o dever de entendê-los como tais, ou seja, de entendê-los como atos de uma comunicação que venha a ocorrer dentro do processo. Nessa nossa breve introdução em torno dos atos de comunicação, esclarecemos, desde já, ao leitor, que não temos em mira os atos de cientificação que venham a ser realizados antes de se poder afirmar categoricamente que existe processo. Vale dizer, temos em mente apenas os atos de comunicação ocorrentes dentro do processo, dito de outra maneira, já tendo se constituído perfeitamente o processo. Feita tal observação, pensamos que a citação, a intimação e a notificação, para que sejam entendidas como atos de comunicação precisam obedecer ao que chamamos de núcleo essencial do ato de comunicação. Mas o que seria o núcleo essencial do ato de comunicação? A nosso ver, seria o núcleo em comum que todo ato de comunicação deve possuir. Esse núcleo é constituído pelos seguintes elementos: a) emissor; b) receptor; c) informação; e d) instrumento utilizado para comunicação. O emissor é sempre, a nosso ver, o Estado-Juiz. O receptor é o réu, o autor, a testemunha, o perito, o intérprete e qualquer outra pessoa que interesse ao processo. A informação é o conteúdo que se quer comunicar por meio da citação, da notificação ou da intimação. Tal informação pode ser alusiva a fato novo, a fato pretérito ou, ainda, a fato futuro do processo. O instrumento utilizado para comunicação pode ser o correio, o mandado a ser cumprido pelo Oficial de Justiça, o telefone, o fax, o e-mail, o edital ou qualquer outro meio hábil, a depender de qual seja o ato de comunicação que esteja sendo considerado. Ante o exposto, percebe-se que assim como qualquer ato de comunicação, a citação, a intimação e a notificação devem apresentar tais características. 2. Dos pressupostos e requisitos dos atos de comunicação. Tecidas essas considerações preliminares, cabe agora passarmos ao exame dos pressupostos e requisitos dos atos de comunicação. Diga-se, desde já, que tanto as observações feitas na abordagem introdutória como os esclarecimentos sobre os quais ora iremos discorrer, dizem respeito a uma teoria dos atos de comunicação, que poderemos, por assim chamar, de teoria geral da comunicação ou dos atos de comunicação. Dito de outra forma, os pilares que ora trazemos a público são aplicáveis, consideradas as peculiaridades de cada ato,  à citação, à notificação e à intimação. Portanto, não deve incorrer o operador e o estudioso do direito em tal falha, ou seja, no equívoco de imaginar que essas explicações guardam pertinência apenas à intimação e à notificação, sem se referir à citação. Enfatize-se, por uma vez mais, que tais noções são, por conseguinte, de índole genérica e abrangente. Nesse momento o leitor, poderia estar se indagando: qual a distinção entre pressuposto e requisito? E somada a tal pergunta, acrescentaríamos duas outras mais: qual a distinção entre pressuposto, requisito e condição? Tomado em consideração o ato de comunicação, quais são os requisitos e os pressupostos deste? Passemos, então, a um esboço de resposta à cada uma dessas perguntas. No que tange ao pressuposto, ao requisito e à condição, pensamos que a distinção entre tais elementos esteja no momento em que se observa o ato jurídico, isto é, encontre-se no momento de realização do ato jurídico. Se é certo que o ato de comunicação é um ato processual, força é convir que todo ato processual é um ato jurídico e, como tal, submete-se, dadas as devidas proporções, à teoria geral dos atos jurídicos. Sendo assim, pensamos que pressuposto são todos os elementos que devam existir previamente (no pretérito) à realização do ato processual (ato jurídico). Por outro lado, os requisitos são todos os elementos que devam estar presentes (no momento presente) no instante em que o ato processual está sendo consumado. Por sua vez, a condição, como já antecipa o Código Civil (CC, artigo 121 – “Considera-se condição (…) evento futuro e incerto”) são todas as circunstâncias que possam vir a ocorrer no futuro. Nesse passo, convém assinalar que o direito civil nos ensina que pode haver duas espécies de condição, quais sejam, a resolutiva e a suspensiva. Desta forma, portanto, nota-se que o ato jurídico pode ser analisado em três momentos distintos, quais sejam, pretérito, presente e futuro. Vale dizer o ato jurídico deve ser percebido no seu antes, no seu durante e no seu depois. Logo, se isso se observa quanto a ele, o mesmo deve ocorrer quanto ao ato processual, como ato jurídico que é. Cientes de que tal proposta de distinção de tais expressões pode merecer diversas críticas da doutrina, advertimos ao leitor que a distinção que ora estabelecemos, como todo argumento jurídico, tem cunho subjetivo e valorativo e que, por isso, não pode ser tomado de forma inquestionável. Dessa maneira, toda crítica é produtiva e encontra, a nosso ver, papel relevante na produção do conhecimento hermenêutico jurídico. Respondidas as duas primeiras indagações, cabe a nós agora enfrentar a última: tomado em consideração o ato de comunicação, quais são os requisitos e os pressupostos deste?           A nosso ver, os pressupostos do ato de comunicação (citação, intimação e notificação) são: a) a previsão legal do ato de comunicação; b) a relação jurídica processual em desenvolvimento. De outro lado, os requisitos são: a) o Estado-Juiz (emissor da mensagem); b) o receptor (réu, autor, perito, testemunha etc.) da mensagem; c) o conteúdo da mensagem, ou seja, o ato processual que foi realizado ou que será realizado; e d) o instrumento processual utilizado para fazer a comunicação, isto é, se foi carta precatória, ou carta rogatória, ou AR, ou e-mail etc. Mas, ao final de tais explicações, poderia restar ainda a seguinte dúvida: qual a finalidade do ato de comunicação? E mais que isso, qual o fundamento do ato de comunicação? 3. Das finalidades e fundamentos dos atos de comunicação. A finalidade do ato de comunicação é transmitir uma mensagem com sucesso. Em outras palavras, o escopo de qualquer ato de comunicação é dar publicidade de um evento que aconteceu ou que está por acontecer a uma determinada pessoa que faça parte (entendido no seu sentido amplo) do processo. Isto é, a finalidade direta do ato de comunicação é a publicidade interna ao processo.  Mas essa seria apenas uma finalidade imediata. Uma outra finalidade do mesmo ato é a que podemos denominar de mediata ou indireta. Nesse sentido, o ato de comunicação tem por objetivo deixar registrado e certificado dentro dos autos do processo que tal mensagem foi transmitida, de maneira efetiva ou fictícia, ao destinatário previsto em lei. Ou seja, a finalidade indireta do ato de comunicação é dar conhecimento às demais pessoas estranhas à relação processual da mensagem que se quis comunicar. Nesse sentido, o ato de comunicação é também uma prestação de contas à sociedade, o que, na verdade, todo processo é, na medida em que serve aos ditames da Democracia. Por isso, a finalidade indireta do ato de comunicação é a publicidade externa ao processo. Quanto aos fundamentos dos atos de comunicação, pensamos que estes sejam os seguintes: a) o princípio da publicidade, b) o princípio da ampla defesa, c) o princípio do devido processo legal, d) o princípio do contraditório, e) o princípio da motivação das decisões e f) o princípio democrático[2]. Tratam-se de princípios largamente estudados na doutrina[3], mas que merecem nessa oportunidade serem explicitados e aprofundados tendo por escopo destacar a relevância do papel desempenhado pelos atos de comunicação no processo penal contemporâneo, promovendo-se, assim, uma refundação de tais atos à luz do princípio democrático. Quanto ao princípio da publicidade, este é o fundamento mais emergente dos atos de comunicação, vez que mesmo num primeiro olhar mais aligeirado sobre os mesmos, já se percebe sua nota marcante. Note-se que tal princípio é também o primeiro a conferir a importância crescente que tais atos vêm ganhando na sociedade contemporânea. O princípio da publicidade é, a um só tempo, fundamento e finalidade do ato de comunicação. Finalidade, como destacado linhas atrás, se considerado enquanto finalidade imediata e mediata. Fundamento, se tomado como expressão de legitimidade do processo. Em outras palavras, a publicidade serve de fundamento ao ato de comunicação, pois maximiza a legitimidade desse e, por via de conseqüência, do próprio processo. No que pertine ao princípio da ampla defesa, esse se presta a fundamento do ato de comunicação, vez que garante ao réu uma comunicação clara, determinada e objetiva da imputação que lhe é feita, de sorte a proporcionar-lhe a efetiva garantia de defesa, seja essa técnica, seja por meio da autodefesa. No que concerne ao princípio do devido processo legal[4], cabe pontuar, desde já, que, mais recentemente, este vem sendo entendido pela doutrina sob dois aspectos, a saber: processual (procedural due process) e material (substantive due process). Nesse passo, então, fala-se em devido processo legal em sentido processual e devido processo legal em sentido material. Naquele sentido, o devido processo legal é compreendido como o direito que todo cidadão tem de ter o prévio conhecimento do procedimento ao qual será submetido quando vier a ser processado, ou seja, o direito a conhecer com antecedência os atos processuais a que será submetido pelo Estado, em outras palavras, o direito a não ser surpreendido. Tomado no seu sentido material, este princípio tem seus limites territoriais expandidos, passando a conter dentro de si outros princípios, como, por exemplo, o princípio da isonomia entre as partes. Nessa perspectiva, o princípio do devido processo legal deve ser compreendido como a garantia a um processo justo. Pois bem. Tecidas tais considerações, cabe assinalar, então, que o princípio do devido processo legal é também fundamento dos atos de comunicação, à medida que exige que esses sejam praticados de acordo com as regras previamente estabelecidas na lei processual e sejam exercitados da maneira mais justa. Entendemos aqui como exercício da maneira justa, o esforço que deve ser empreendido para garantir que o ato de comunicação seja real, evitando-se, ao máximo, a realização do mesmo pela via fictícia. No que tange ao princípio do contraditório, entendendo-se esse como corolário do princípio da isonomia das partes e, por conseguinte, como garantia de paridade de armas a essas, tomamos esse como outro fundamento dos atos de comunicação, em razão de que tais atos devem ser compreendidos como expressão efetiva da igualdade de oportunidades durante o trâmite do processo. Os atos de comunicação oportunizam o exercício do dissenso pelas partes, para que ao final do processo possa se construir um consenso. Por suas vez, o princípio da motivação[5] das decisões presta-se a fundamento dos atos de comunicação, pois esses devem decorrer de uma decisão judicial, produzindo e reproduzindo a mesma. Esclarecendo melhor, os atos de comunicação só existem enquanto eles mesmos, quando se apresentam como fruto de uma decisão judicial fundamentada. Se entendermos que o processo é um instrumento estiguimatizante[6], que se presta a rotular os sujeitos por eles envolvidos, perceberemos que os atos de comunicação são também, em certa medida, a primeira expressão dessa estiguimatização[7], pois é a partir desse momento que o sujeito passivo processual passa a ser rotulado pelo contexto social. Sendo assim, a decisão de determinar um ato de comunicação, deve ser necessariamente uma decisão judicial, vez que deve ser uma decisão fundamentada, ponderada e equilibrada. Por outro lado, é o ato de comunicação que produz e reproduz a decisão que por meio dele é expressa. Produz, enquanto elemento integrante e constituinte do ato de decisão, ou seja, enquanto constitutivo da manifestação de poder, tendo-se em foco o Estado-Juiz. E reproduz, na medida em que é compreendido por aquele a que se destina, reverberando na conduta futura (após a realização do ato de comunicação) do sujeito-destinatário.         Por fim, o ato de comunicação encontra seu fundamento último e mais relevante no princípio democrático, vez que, observado por esse prisma, tal ato confere legitimidade a decisão que vier a ser proferida. Entende-se por legitimidade a circunstância de que a decisão que será imposta às partes é produto da participação ativa que estas desempenham na relação processual. Nesse sentido, a decisão judicial é fruto do dissenso inicial entre as partes, voltado à busca de um consenso. E, na construção desse consenso, é de grande importância o papel dos atos de comunicação, à medida que relaciona e problematiza a pretensão do sujeito emissor e a resistência do sujeito destinatário.  4. Do destinatário do ato de comunicação O destinatário do ato de comunicação variará de acordo com a espécie de ato praticado. Isto porque, enquanto a citação só pode se dar, em regra, na pessoa do réu, sendo esse, por conseguinte, o seu sujeito destinatário por excelência, o mesmo não ocorre quanto aos demais atos de comunicação. A intimação e a notificação são atos de comunicação bastante semelhantes quanto ao sujeito destinatário. Em razão de tal circunstância, fez-se aqui a opção de cuidar do sujeito destinatário de tais atos de comunicação a partir de uma única perspectiva. Logo, onde se mencionar a expressão notificação, as considerações feitas acerca desse ato serão válidas e aplicáveis à intimação. Quanto ao sujeito destinatário da notificação (e/ou intimação), convém formular, de imediato, a seguinte indagação: a notificação (e/ou intimação) só de destina às testemunhas e aos réus? A resposta a tal pergunta é: não. Em todas as oportunidades em que a autoridade determinar que seja alguém comunicado de que deve fazer ou deixar de fazer algo, resultando a desobediência na cominação de uma sanção, então, se pode falar, de maneira técnica, em notificação. Releva notar que está excluído dessa conceituação o chamamento inicial, que se faz por meio de citação. Dessa maneira, notificam-se as testemunhas para que venham depor…Caso as testemunhas não atendam à convocação, sujeitar-se-ão às sanções estabelecidas nos artigos 218 e 219 do CPP. Notifica-se o réu para presenciar a oitiva das testemunhas. E se desatender ao comunicado? Nesse caso, o processo continuará à sua revelia, de acordo com o artigo 367 do CPP. Notifica-se o expert a está presente diante da autoridade ou em lugar determinado. A violação submetê-lo-á à cominação prevista no parágrafo único do artigo 277. Igual atitude será adotada contra o intérprete, quando notificado, por força do que pontifica o artigo 281 do codex. A vítima é notificada para se fazer presente diante da autoridade para dar declaração, uma vez que sua inobservância redundará na adoção do que dispõe o parágrafo único do artigo 201. Os jurados são notificados a comparecer à sessão do Tribunal do Júri. Na hipótese de desatendimento, a eles serão aplicadas as sanções inscritas no artigo 443. Qualquer que seja o ato do processo, deverá ser o assistente de acusação notificado posto que sua desobediência provocará a cominação imposta no parágrafo segundo do artigo 271. Notificado ainda deverá ser o querelante, quando disser respeito a ato processual a que deva comparecer, vez que a sua ausência resultará em perempção, de acordo com o inciso III do artigo 60. Note-se que o membro do Ministério Público e o Defensor são também notificados, e o seu desatendimento pode levar o magistrado, na primeira situação, a prestar tal notícia ao Procurador Geral de Justiça e, na segunda, a cominar a regra disposta no artigo 265 do codex. Convém assinalar, por conseguinte, que o único sujeito processual a quem à notificação não se dirige é ao juiz, posto que este é sempre o emissor da mensagem (do comando) a ser comunicada, não podendo, portanto, ser jamais o seu receptor. Contudo, quando fazemos tal assertiva estamos tendo em mente uma relação jurídica simples dialética, vez que se ao lado desta relação surge uma nova relação, tornando-se uma relação complexa, como, por exemplo, na exceção de suspeição, o juiz também poderá ser destinatário de uma notificação. Feitas tais considerações, tratemos, agora, de forma breve, da Teoria da Ação Comunicativa, concebida por Jürgen Habermas, de sorte a aprofundarmos a discussão acerca do ato de comunicação em si. 5. Da Teoria da Ação Comunicativa Habermasina. Antes de explicarmos detidamente a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas[8], tentaremos nessas primeiras linhas elaborar uma síntese apertada do pensamento desse importante filósofo alemão. Habermas, descendente legítimo da Escola de Frankfurt, desenvolve a chamada Teoria da Ação Comunicativa. Sua proposta visa ser um instrumento de superação da razão iluminista (razão instrumental) a qual, segundo jusfilósofo alemão, é transformada num novo mito e que encobre a dominação burguesa. Sendo assim, tal autor propõe o cultivo a lógica da troca de idéias e informações entre os sujeitos históricos, estabelecendo o diálogo[9] como forma de produção de conhecimento. Estabelecido o diálogo como forma de produção de conhecimento, Habermas, então, num momento seguinte, propõe duas abordagens teóricas possíveis à sociedade: a) o Sistema, e b) o Mundo da Vida. O Sistema refere-se à “Reprodução Material” norteada pela lógica instrumental (adequação dos meios aos fins). O Mundo da Vida, por sua vez, refere-se à “Reprodução Simbólica”, a qual é uma rede de significados que compõem determinada visão de mundo. Tais significados estão vinculados aos fatos objetivos, às normas sociais e aos conteúdos subjetivos. Segundo Habermas, durante a Modernidade[10], se assistiu à colonização do mundo da vida pelo sistema, bem como a uma crescente instrumentalização do conhecimento, o que se evidencia no surgimento do direito positivo e na circunstância de restringir o debate normativo aos técnicos e especialistas. Diante desse quadro, então, Habermas elabora sua filosofia voltando-se para o estudo da Ética e do Conhecimento. Note-se, a propósito, que sua tese para explicar a Produção de Saber Humano recorre, de certa forma, ao evolucionismo de Charles Darwin, isto porque a falibilidade possibilita desenvolver capacidades mais complexas de conhecer a realidade (evolucionismo, assim, através dos erros).    Habermas defende uma ética universalista, deontológica, formalista e cognitivista. Segundo o autor, os princípios éticos não devem ter conteúdo. Através das discussões (discurso[11]), da participação nas decisões públicas, deve-se possibilitar a avaliação dos conteúdos normativos demandados naturalmente pelo mundo da vida. Percebe-se, assim, que a teoria de Habermas é uma Teoria Discursiva em prol da Integração Social e que tem como conseqüência a Democracia e a Cidadania. Tomada por base a sua teoria, a resolução dos conflitos vigentes na sociedade deve ser resultado do consentimento de todos concernidos. Desta forma, a Justiça, de acordo com o pensamento de Habermas, é a possibilidade que o destinatário do comando normativo deve ter de influir na elaboração da norma. Logo, só há justiça por meio da democracia, por meio do agir comunicativo[12], que se ramifica por meio do discurso. Esclarecidos, preliminarmente, alguns aspectos acerca do pensamento habermasiano. Passemos, então, a tratar das três idéias fundamentais desenvolvidas por esse respeitado filósofo alemão, a saber: a) a esfera pública, b) a reconciliação da hermenêutica com o positivismo e c) a teoria da ação comunicativa. A esfera pública é o espaço no qual as pessoas discutem sobre a vida, mas que não se confunde com as esferas da vida doméstica, da igreja ou do governo. Nesse espaço, as idéias seriam examinadas, discutidas e argumentadas. Convém salientar, a propósito, que, segundo Habermas, o espaço da esfera pública[13] tem diminuído sob a influência das grandes corporações e do poder da mídia. A redução da esfera pública é, para Habermas, uma estratégia de divisão e de conquista. Quanto à reconciliação da hermenêutica e do positivismo, a sociedade e as ciências culturais humanas são domínios estruturados ao redor de símbolos. Os símbolos são objetos de interpretação e, por isso, qualquer metodologia que negligencie a hermenêutica está destinada ao fracasso. Sendo assim, existe um terceiro nível de lógica: o de poder e dominação que são explicados por uma teoria crítica. No que diz respeito à Teoria da Ação Comunicativa, Habermas, então, afirma que a linguagem é a base de sua filosofia. A linguagem é tomada como “ato de fala”[14], consideradas as suas entonações e com uma função pragmática. Em outras palavras, a teoria de Habermas acerca da linguagem é performática[15]. A linguagem, segundo Habermas, é justificada em quatro níveis de validade: a) o que é dito é compreensível (utilização de regras semânticas inteligíveis), b) que o conteúdo do que é dito é verdadeiro, c) que o emissor justifica-se por certas normas que são invocadas no uso do idioma, e d) que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor (comunicação não distorcida). Percebe-se, assim, que a teoria da ação comunicativa questiona a definição de verdade[16] como valor de caráter universal. Feitos tais esclarecimentos, tentaremos, agora, explicar com um pouco mais de profundidade a teoria discursiva de Jürgen Habermas. A Teoria do Agir Comunicativo[17] analisa as instituições jurídicas e propõe um modelo onde se interpenetram Justiça, Razão Comunicativa e Modernidade. Nesse sentido, o Direito[18] é facticidade quando se realiza os desígnios de um legislador político e é cumprido e executado socialmente sob a ameaça de sanções fundadas no monopólio estatal da força. Por outro lado, o Direito é validade quando suas normas se fundam em argumentos racionais ou aceitáveis por seus destinatários. A tensão existe, portanto, na relação entre elementos sancionatórios e elementos de autolegislação. A sanção (facticidade) restringe o nível de dissenso; o dissenso é superado quando as normas jurídicas são emanações do povo (validade). A tensão se verifica entre coerção do Direito – que garante um nível médio de aceitação da regra, e a idéia de autolegislação – ou seja, da suposição de autonomia política dos cidadãos associados, o que resgata a pretensão da legitimidade das próprias regras, isto é, racionalmente aceitáveis. Habermas defende, assim, o abandono de uma razão prática e a assunção de uma razão comunicativa. A razão comunicativa, ao contrário da razão prática, não oferece nenhum tipo de indicação concreta para o desempenho de tarefas práticas, pois não é informativa. A razão comunicativa afasta-se da tradição prescritiva da razão prática. Convém assinalar, então, que Habermas quer situar a legitimidade do Direito não no plano metafísico, mas no plano discursivo procedimental[19]. Releva notar, por oportuno, que Habermas através da teoria do agir comunicativo, na qual a linguagem supera a dimensão sintática e semântica, constituindo o médium de integração social, ou seja, o mecanismo pelo qual os agentes sociais se interagem e fundamentam racionalmente as pretensões de validade discursivas aceitas por todos. Visto desta forma, segundo a filosofia habermasiana, o ordenamento jurídico emana das diretrizes dos discursos públicos e da vontade democrática[20] dos cidadãos institucionalizados juridicamente. É nesse contexto, então, que Habermas defende, portanto, a substituição de uma razão prática, baseada num indivíduo, que através de sua consciência, chega à norma, pela razão comunicativa, sustentada numa pluralidade de indivíduos que, orientando sua ação por procedimentos discursivos[21], chegam à norma. Desta maneira, a fundamentação do Direito[22], a sua medida de Legitimidade, é definida pela razão do melhor argumento. O Direito, segundo Habermas, deve ser a emanação da vontade discursiva dos cidadãos livres e iguais. Sendo assim, nas sociedades contemporâneas pós-metafísicas torna-se inviável a fundamentação do direito numa suposta ordem natural, numa dimensão ética ou numa moral metafísica. Portanto, o princípio do discurso, após assumir forma jurídica, transforma-se em princípio da democracia. Logo, é através de uma concepção discursiva e procedimental que se pode construir uma presunção de legitimidade e racionalidade de conteúdo de uma norma. Diante do exposto, pensamos que os atos de comunicação no processo penal devem ser entendidos, dadas às devidas proporções, como “atos de fala”, ou seja, a partir de uma compreensão performática da linguagem. Nesse sentido, tais atos devem ser compreendidos como instrumentos de construção de uma verdade consensual que restará manifestada, ao final de um processo comunicativo-dialético, no ato de decisão e manifestação de poder que é a sentença. Verdade consensual esta, que, a nosso ver, é aquela que absolve o dissenso, afastando-se, desta forma, qualquer referência ao decadente dogma da verdade real. Note-se que ao consideramos os atos de comunicação no processo penal à luz da teoria do agir comunicativo, acreditamos que tais atos devem, também, está submetidos aos quatro níveis de validade da linguagem mencionados por Habermas, os quais são, novamente, aqui reproduzidos: a) o que é dito é compreensível (utilização de regras semânticas inteligíveis), b) que o conteúdo do que é dito é verdadeiro, c) que o emissor justifica-se por certas normas que são invocadas no uso do idioma, e d) que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor (comunicação não distorcida). Sendo assim, os atos de comunicação conferem legitimidade à decisão obtida por meio do processo, à medida que tal decisão é fruto do melhor argumento (argumento é racional e aceitável) e é construída a partir do dissenso e em busca do consenso.    Tecidos alguns esclarecimentos sobre a teoria da ação comunicativa e estabelecida uma vinculação entre esta e os atos de comunicação no processo penal, analisemos, agora, tais atos sob as perspectivas da Política Criminal, da Criminologia e da Constituição.  6. A Política Criminal, a Criminologia e a Constituição. Os atos de comunicação, assim como o processo penal, devem ser analisados também sob o prisma da política criminal e da criminologia[23]. Ou seja, a doutrina moderna, a nosso ver, não pode mais continuar a tratá-los apenas sob o aspecto dogmático, mas também deve compreendê-los como instrumentos de uma política criminal escolhida pelo Estado, a qual produz as mais variadas conseqüências criminológicas. É importante que se perceba o conteúdo político criminal que se encontra encoberto pelas normas prescritas pelo código de processo penal. Tal conteúdo se manifesta sob diversos aspectos, vejamos alguns: a) a proibição ou a permissão da citação por hora certa no processo penal; b) o maior ou menor elenco de hipóteses que autorizam a citação por edital; c) a própria existência da citação por edital no processo penal moderno; d) a opção por determinar a suspensão do processo no caso descrito pela norma do artigo 366 do CPP, não se permitindo, em princípio, o julgamento do réu à revelia; e) a maior ou menor limitação na utilização de novos mecanismos tecnológicos (e-mail, telegrama, telefone etc.) para a realização dos atos de comunicação; f) o pequeno número de normas dispensadas pelo código de processo penal ao tratar da intimação e da notificação; g) a despreocupação técnica do código de processo penal ao empregar como sinônimos as expressões notificação e intimação; h) a omissão do legislador em não ter delimitado, expressamente, um prazo máximo para suspensão do processo e da prescrição, dentre outros aspectos. Descoberto o véu das reais intenções do legislador, é deveras salutar, no momento seguinte, que o intérprete também perceba as conseqüências de ordem criminológica[24] que tais opções implicam ou podem implicar. Pontuemos, então, algumas delas: a) a estiguimatização do réu com a determinação do ato de citação; b) a criminalização secundária que a citação e o processo penal, como um todo, podem ocasionar; c) o caráter simbólico dos atos de comunicação; d) o aspecto preventivo-retributivo do ato de citação e do processo penal; e) os prejuízos experimentados pela pessoa equivocadamente citada, ou pelo réu que respondeu ao processo e, ao final, foi julgado inocente. Estas são algumas das repercussões criminológicas que, a nosso ver, podem ser destacadas.    Ademais, note-se, ainda, que tais atos de comunicação devem ser, agora, (re)interpretados sob o comando da Constituição Democrática de 1988, não podendo mais serem analisados, exclusivamente, à luz da legislação infraconstitucional. Tal assertiva implica, a nosso ver, nas seguintes conseqüências: a) os atos de comunicação devem ser tomados como garantias individuais do cidadão frente ao Estado, b) devem ser analisados à luz dos princípios constitucionais, c) devem ter o seu alcance delimitado pelos valores constitucionais; d) devem ter os seus contornos definidos por um processo legislativo democrático, além de outras conseqüências aqui não mencionadas.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-45/ensaio-sobre-uma-teoria-geral-dos-atos-de-comunicacao-no-processo-penal-brasileiro-a-luz-da-teoria-da-acao-comunicativa-habermasiana/
Lei Maria da Penha: aspectos da representação e renúncia
O trabalho aqui desenvolvido tem o objetivo de auxiliar os operadores do direito, no entendimento de um dos principais pontos polêmicos da Lei Federal 11.340/06, a questão da representação e da renúncia a esta, pois a Lei trouxe ao mundo jurídico inúmeras imprevisões, destacando-se entre elas a nova regra da representação e da renúncia à representação nos crimes que especifica, as quais, sob as mais variadas interpretações, entrega ao estudioso do Direito Penal e Processual Penal uma verdadeira exegese, sempre voltando os olhos à vontade do legislador de amparar a vítima destes delitos.
Direito Processual Penal
Modernamente, sabe-se que toda ação penal, que em regra geral é pública, é instaurada para que o Estado-Administração[1] exerça um dos seus papéis mais importantes, quiçá o principal deles, o direito de punir[2] o criminoso, infelizmente nos dias atuais de forma não muito eficiente, e um dos requisitos para que haja esta intervenção estatal é a representação, exercida pela vítima ou seu representante, perante a autoridade competente, para que então o Estado-Administração esteja autorizado a realizar a persecutio criminis. [3] Dentre os inúmeros conceitos apresentados pela doutrina, a definição que melhor expressa o sentido do termo, é dada por Cezar Roberto Bitencourt (2005): “Representação criminal é a manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor. A representação, em determinadas ações, constitui condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal”. (BITENCOURT, 2005, p. 335) Dotti (2002)[4] bem define o conceito de vítima, estabelecendo que ele se estende a vários sentidos: a) originário, em que se designa a pessoa ou o animal sacrificado à divindade; b) geral, significando a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, praticados por outrem ou resultantes do acaso; c) jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente o dano ou o perigo de dano ao bem protegido pelo Direito; d) jurídico-penal restrito, designando a pessoa (física ou jurídica) que sofre diretamente as conseqüências da violação da norma; e) jurídico-penal amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente os efeitos do crime. De modo geral, agressor é a pessoa física, sem qualquer particularidade excepcional, a quem a lei atribui uma sanção penal quando do cometimento de algum tipo de violência contra outra pessoa física, em uma dada sociedade, provocando na vítima um dano em potencial. A particularidade do agressor é mais concisa ao se ler o art. 7º da lei, visto que assinala minuciosamente todas as ações que tomam forma pela mão daquele, estipulando o delineamento dos tipos de violência cometidos: Deve-se registrar, nesta senda, que o Direito Penal possui funções[5] estratégicas preventivas e repressoras, visando coibir o crime. No primeiro caso, há a divulgação geral da norma como mecanismo de desestímulo à realização da ofensa ao bem jurídico, alertando uma severa punição para o seu cometimento, e no segundo, após o delito ter tomado corpo, engrena na punição exemplar do que anteriormente tinha sinalizado, castigando o delinqüente pela sua ofensa. II. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 II.1. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA A ação penal pública condicionada, como já se viu alhures, é a exceção à regra no direito penal brasileiro, de modo que está apoiada em quatro princípios informadores: [6] 1) Oficialidade – declara qual o órgão incumbido da promoção da ação penal, e o modo como deve ser proposta, estando assim o Ministério Público atrelado à agir por ofício. 2) Indisponibilidade – remete ao órgão titular da ação penal, o Ministério Público, a impossibilidade de desistência desta, não podendo dispor, declinar, ou transigir. 3) Obrigatoriedade – ao analisar o conteúdo das provas, e vendo fortes indícios delituosos, tem o órgão perseguidor estatal a obrigatoriedade de interpor a ação penal competente para ver, ao final, punido o criminoso, independentemente de nuances políticas ou quaisquer que seja. 4) Indivisibilidade – na função histórica de acusador do delinqüente, deve o membro do parquet[7] ampliar seus horizontes investigativos, fazendo alcançar, erga omnes,[8] as sanções estabelecidas pelo direito material. Grande alvoroço trouxe a lei 11.340/06 ao mencionar expressamente no seu art. 16 a condição de representação a ser efetivada pela ofendida. Trata-se de um procedimento determinado – até o surgimento da lei 11.340/06 -, pela lei dos juizados especiais criminais, guiado pelo art. 88 desta lei, que implicava na exigência de representação, quando o crime praticado fosse lesão corporal de natureza leve. Contudo, esta exigência deixou de ser legítima com a vigência da lei 11.340/06, tornado-se este delito crime de ação penal pública incondicionada, objeto do próximo item deste capítulo. Entretanto, convém colacionar aqui que Ada Pelegrini Grinover e outros (2005)[9] afirmam que “a transformação da ação penal pública incondicionada em ação penal pública condicionada significa despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato, isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é possível: a) transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação pública incondiciona em ação condicionada. Sob a inspiração da mínima intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a segunda) foi acolhida pelo art. 88 da Lei 9.099/95″. Tal é o entendimento de Porto (2006), que expressa que “em uma interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 11.340/06, antes citados, poder-se-ia concluir que o afastamento da Lei 9.099/95 é determinação genérica, relativa, precipuamente, aos institutos despenalizadores alheios à autonomia volitiva da vítima – a transação e a suspensão condicional do processo – ordinariamente vistos como institutos essencialmente despenalizadores e, como reiteradamente aplicados de forma benevolente, granjearam a má fama de serem benefícios causadores da impunidade. Entretanto, a representação continua exigível nos crimes de lesões corporais mesmo ante a qualificadora do § 9º do art. 129 do CP, visto que, apesar de ser também uma medida despenalizadora, ela concorre em favor da vítima, outorgando-lhe o poder de decidir acerca da instauração do processo contra o acusado”. [10] Com conotação histórica, Porto (2006) esclarece que “o legislador cercou esta decisão de garantias como a exigência de que a desistência ocorra em presença do juiz e seja ouvido o Ministério Público. Ademais, o direito de decidir sobre representar ou não pressupõe a possibilidade de conciliação civil, o que, seguramente, atende a interesses da vítima, nem sempre sediados na exclusiva punição criminal do seu agressor, mas, fundamentalmente atrelados ao interesse reparatório dos danos sofridos, inclusive aqueles de caráter moral que, segundo afirma a doutrina da responsabilidade civil extramaterial, têm evidente caráter punitivo e pode importar em severa punição ao agressor. Outrossim, o art. 17 da nova Lei manifesta a preocupação do legislador com punições insuficientes nos crimes em questão”. [11] Apregoa ainda Porto (2006) que “ao proibir a aplicação de ‘cestas básicas’ e outras de prestação pecuniária ou multa isolada, o legislador está se dirigindo tanto ao Ministério Público, nas hipóteses em que ainda seja possível a transação penal ou suspensão condicional do processo e que, ab initio, [12] parece ser apenas o caso de algumas contravenções penais (vias de fato e importunação ofensiva ao pudor) como também e principalmente ao Poder Judiciário, limitando as hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do CP). Todavia, poder-se-ia argüir que a redação desse dispositivo em consonância com o anterior revela que a intenção fundamental do legislador não era afastar a exigibilidade de representação e sim evitar, doravante, a aplicação de penas pecuniárias em caso de delitos praticados com violência contra a mulher”.[13] A celeuma surge, a contrario sensu, [14] quando se discute a impropriedade de tal exigência em face do contido no art. 3º da Lei Maria da Penha, o qual elenca, dentre tantos outros direitos assegurados, o da convivência familiar, mostrando um gigantesco obstáculo que pode ser ativado, subtraindo da ofendida o direito de reaver a paz no seio de sua família, a possibilidade de rearmoniazação do lar. De conseguinte, consoante magistério de Cunha e Pinto (2007), [15] “na esmagadora maioria das vezes, se percebe a rápida reconciliação entre os envolvidos, servido o processo penal apenas para perturbar a paz familiar, quando a finalidade do aplicador da lei deve ser, sempre, a preservação da família…”. É verdadeira tal assertiva, comprovada na prática, nas varas criminais, especializadas ou não nestes crimes, visto a real manifestação das vítimas no balcão dos cartórios, desejando a extinção da ação penal oportunamente iniciada nas delegacias de polícia, consoante se extrai das informações registradas nos anexos III e IV aduanados na parte final deste trabalho, levando a uma comparação entre os processos ajuizados e as audiências solicitadas pela ofendida. Resta adequada, sem dúvida, a colocação de Porto (2006), quando adverte: [16] “a mulher vítima de violência doméstica sofrerá pressão para desistir da representação oferecida e que, dependendo de sua condição econômica ou social esta pressão poderá exercer acentuada influência em sua decisão, não é menos certo asseverar que a Lei 11.340/06 também visa minimizar ou eliminar por completo esta constelação de fatores perversos que lhe diminuem a liberdade de escolha, criando condições propícias para uma decisão mais livre por parte da vítima, e o faz ao estabelecer importantes medidas protetivas que obrigam o agressor (arts. 22 e 23) e que beneficiam diretamente a ofendida (art. 24), além das garantias de transferência no serviço público e manutenção do vínculo empregatício (art. 9º, § 2º, I e II)”. De outro turno, o autor assevera que a tese central de parte da doutrina que ainda aceita a exigência da representação é a de que o legislador pretendeu afastar apenas o benefício de natureza estrita da Lei 9.099/95, como é o caso da transação penal, e explica que tal situação é assim dada porque a regra do art. 88 desta lei está contida nas disposições finais da mesma, caracterizando norma acidental e não essencial. No entanto, exatamente neste ponto Golçalves e Lima (2006) [17] frisam que, “apesar da Lei 11.340/06, em seu art. 16, determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal leve praticadas no âmbito doméstico, somente aos crimes em que o Código Penal expressamente determine que a ação seja condicionada à representação”. II.2. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA No decorrer deste trabalho, muito já se falou sobre representação, bem como da ação penal pública incondicionada. O que se pretende aqui é demonstrar a rigidez com que deve ser tratado o instituto da representação dentro da lei 11.340/06, não somente pela ótica constitucional, mas, sobretudo, sob o prisma holístico que nos brinda a hermenêutica. A ação penal pública incondicionada é a regra no direito penal brasileiro, visto estar alicerçada nos mesmos quatro princípios informadores explanados no item anterior, entretanto a diferença salutar é que esta não necessita autorização para ser perpetrada nos portões da justiça. Segundo a interpretação de Gonçalves e Lima (2006) [18] sobre os crimes cometidos no âmbito familiar contra a mulher, “a Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se os princípios que regem a matéria, e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, induz à conclusão de que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento. Significa dizer que os crimes de lesão corporal leve cometidos contra mulher na violência doméstica não dependem de representação, ou seja, voltaram a ser considerados de ação penal pública incondicionada”. Oportuno também considerar a visão dos autores em face da Lei dos Juizados Especiais Criminais, esclarecendo que “a nova Lei não fez qualquer ressalva quanto à Lei 9099/95, ao contrário, expressamente a afastou, restaurando, com caráter repristinatório,[19] a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais leves, de modo que o Ministério Público não precisa mais de autorização das vítimas para processar os acusados, podendo iniciar a persecução penal a partir do auto de prisão em flagrante, requerimento da vítima, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa do povo”. Nogueira (2006) [20] emite posição aberta de que a lei quis vedar os benefícios decorrentes da aplicação da Lei do Juizado Especial Criminal aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, devendo buscar no conjunto das normas trazidas pela nova lei a vontade e os objetivos do legislador, não podendo, desta forma interpretar isoladamente determinados preceitos nela contidos, conjugando as disposições da lei, sem perder de vista os valores nela resguardados e suas finalidades. Fixa-se, assim, tal juízo, uma vez que os crimes que devem depender de representação são aqueles em que o interesse particular à familiaridade das vítimas reprime o empenho público em penitenciar o crime. Todavia, afirmam veementemente os autores GONÇALVES e LIMA: [21] “É do interesse público que tal violência cesse, não podendo o Estado tolerá-la em nenhuma hipótese. Há muito a violência doméstica deixou de ser considerada um problema conjugal, familiar, em que não se mete a colher. A opção brasileira, por determinação constitucional, é pelo seu combate: ‘Art. 226 (…) § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de sua relações.’ ” (GONÇALVES e LIMA, 2006) Configura-se esta explicação no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual sabemos, trata-se de um dos fundamentos da CF/88, que em nenhuma hipótese deve ser dilacerado. Para instigar o quão importante é tal fenômeno, Gonçalves e Lima (2006) ainda corroboram trazendo uma estatística preocupante: “a exigência de representação das vítimas tem gerado a total impunidade dos crimes cometidos, eis que 80% das ocorrências de violência doméstica têm sido arquivadas sob a alegação da ‘falta de interesse’ (representação) das vítimas”. Neste sentido, já tem decidido a jurisprudência pátria, [22] gradativa e repetidamente reforçando tal posicionamento: “As agressões do marido à mulher, embora, em nível probatório, dentro do mesmo universo conceitual dos delitos patrimoniais e sexuais, não merecem o mesmo tratamento destes. E não aceitar a palavra da ofendida, nos delitos da espécie em julgamento, implica, sempre e sempre, a absolvição, ou seja, numa permissão judicial para que se agrida as mulheres”. (BITENCOURT, 2005, p. 460). Neste ínterim, conclui-se que, quando a lesão é cometida contra a mulher, dentro do seu convívio doméstico e familiar, deve ela independer de representação, fazendo juz à justiça social[23] ver o delinqüente denunciado, processado e apenado, não importando o status sentimental dos prejudicados. A esse respeito, aduz Joveli (2006)[24] que “não mais depende de representação a ação penal para o crime previsto no § 9º do art. 129 do CP, no âmbito doméstico, quando a vítima for do sexo feminino, não se podendo falar, conseqüentemente, em eventual renúncia à representação em toda a persecução penal respectiva”. Evidentemente, a interpretação sistêmica da nova lei permite compreender que a lesão corporal leve fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher voltou a ser pública incondicionada. II.3. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PRIVADA Como dito no título anterior, a ação penal privada somente se processa mediante queixa, nos termos do art. 145 do Código Penal. Impende destacar que os princípios informadores da ação penal privada, presumivelmente, divergem dos demais tipos de ação penal, pois têm, em seu bojo, a exclusividade da vontade subjetiva da vítima, claramente escorçada no primeiro dos três princípios, a ver: [25] 1. Oportunidade – este princípio representa a intenção da vítima em fazer valer o direito de resgatar sua dignidade, ficando ao seu livre arbítrio a provocação do Poder Judiciário, encarregado do julgamento dos atos delituosos. 2. Disponibilidade – trata-se da iniciativa da vítima de ter à sua disposição o comando da ação penal, desde o início do feito, se não iniciado poderá renunciar ao direito de queixa, se em andamento utilizar o perdão ou a desistência, como lhe convir. 3. Indivisibilidade – da mesma forma que as demais ação penais, a provocação judiciária toma lugar contra todos os autores, co-autores e partícipes do delito. Entretanto, é salutar trazer à baila o comentário de Maria Berenice Dias: [26] “A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia[…], difamação[..] e injúria[…]. São denominados delitos que protegem a honra mas, cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria, não há atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros toma conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação. (CP, art. 61, II, f).” Conclui a autora que “estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena”. [27] Destarte, não é difícil perceber que, em determinadas situações relativas à aplicação da lei aqui tratada, alguns crimes de cunho privado, que necessitariam de apresentação de queixa, justamente à autoridade competente, para conseqüente instauração de ação penal privada, podem vir a enquadrar-se como crime de violência doméstica, eminentemente pública, através de simples representação que, diga-se, não é realizada necessariamente diante de um delegado ou escrivão policial, mas também perante o promotor de justiça ou o próprio juiz competente. III – A RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 III.1. INTERPRETAÇÃO TERMINOLÓGICA DE RENÚNCIA NA LEI 11.340/2006 Deve-se exclusivamente ao polêmico art. 16 da lei 11.340/06 as mais variadas interpretações acerca da renúncia, termo expressamente descrito no texto da lei. Pela leitura das mais tradicionais doutrinas nacionais, divulga-se que a renúncia acontece, categoricamente, antes da iniciativa estatal de perseguir o criminoso, e a retratação, no momento imediato ao oferecimento da representação e, conseqüentemente, quando já iniciada a persecutio criminis,[28] porém antes do recebimento da denúncia pelo magistrado competente. Silva Júnior (2006)[29] fala que “a manifestação da vítima negando autorização para a persecução penal é renúncia à representação”. E ainda discorre no sentido de que tal situação, sob a égide da ação penal pública condicionada, emerge como novidade, pois retrata uma nova possibilidade para este tipo de ação, que em tese depende de representação, tornando-a independente de vontade autorizadora da ofendida, a qual deterá seu prosseguimento por simples ato livre e consciente. Para Gomes (2006), o art. 16 “só fez referência à renúncia. Logo, o intérprete não pode aí incluir a retratação, que é juridicamente possível até o oferecimento da denúncia. (…) Se a renúncia só pode ocorrer antes do oferecimento da representação e se o Ministério Público antes desta manifestação de vontade da vítima não pode oferecer denúncia, parece evidente que a lei não poderia ter feito qualquer menção ao recebimento da denúncia”. No mesmo sentido, leciona Bastos (2006), [30] sobre tal circunstância: “…é que renúncia, tecnicamente, se dá antes do exercício do direito. Deste modo, só se renuncia ao direito de representação antes de exercitá-lo. Sendo assim, como se pode imaginar uma renúncia ao direito de representação antes do recebimento da denúncia, o que pressupõe que ela tenha sido oferecida, se, para ser oferecida, é imprescindível a existência da representação, condição especial que é para a deflagração da ação penal? Está confuso? É possível piorar então: a Lei parece ter estabelecido a possibilidade de se renunciar a um direito (o de representação), cujo exercício era pressuposto para o exercício de outro (o da ação penal pública condicionada), após este efetivo exercício (o oferecimento da denúncia). Isto evidentemente não é possível. Teria a Lei estabelecido uma regra inútil – o de que a representação é renunciável até o recebimento da denúncia, para o quê, obviamente, já tinha que ter sido oferecida? Ou será que, em verdade, quando se falou em renúncia, quis se ter falado em retratação?”. (BASTOS, 2006) Pela dicção de Cabette (2006),[31] a exegese do art. 16 da lei pode levar à conclusão que, em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde o procedimento policial até o oferecimento da denúncia, as Autoridades Policiais e o Ministério Público agiriam de ofício, prescindindo da manifestação da ofendida, mesmo em casos de ação penal pública condicionada a representação. Salienta também o autor que ainda que haja manifestação da ofendida, afirmando não pretender representar contra o suspeito, tal não produziria qualquer efeito jurídico, devendo, mesmo assim, procederem as Autoridades Policiais às apurações do caso e o Ministério Público formular sua denúncia, já que à vítima somente seria dado abrir mão da representação em momento posterior perante o Juiz em audiência específica. Seria como se o exercício do direito de representação da vítima e a condição de procedibilidade estivessem em suspenso para serem exercitados e exigidos em momento posterior. Teria se operado, por força do art. 16 da Lei 11.340/06, uma derrogação tácita dos art.s 5º., § 4º. e 24, ambos do Código de Processo Penal. Assim, defende que o efetivo exercício do direito de representação somente ocorreria na referida audiência especial perante o Juiz, uma vez que qualquer manifestação anterior da ofendida seria inócua, tendo como única solução entender que também o prazo decadencial a que se refere o art. 38, CPP, somente passaria a correr a partir da sobredita audiência. Cabette (2006) ainda adverte que a renúncia é instituto que está ligado somente às ações penais privadas, não sendo prevista para as ações penais públicas de qualquer espécie. Quando alguém manifesta o desejo de não representar contra algum suspeito, não se opera a “renúncia”. O ofendido simplesmente deixou de exercitar seu direito de representação naquele momento, podendo exercê-lo a qualquer tempo dentro do prazo decadencial (art. 38, CPP), desde que considere oportuno. Nem mesmo a interpretação de que o legislador teria se equivocado e, onde pretendia dizer “retratação” acabou dizendo “renúncia”, seria capaz de pôr termo aos problemas. Se assim fosse o art. 16 da Lei 11.340/06 também seria inaplicável. Se a tal “renúncia” (leia-se “retratação”) perante o Juiz deve ser realizada em audiência especial no intervalo entre o oferecimento e o recebimento da denúncia, resta claro que a pela acusatória já foi ofertada. Isso inviabiliza a retratação de acordo com o art. 25, CPP, que só a permite até o oferecimento da denúncia. Comenta também que eventualmente, poder-se-ia sustentar que o legislador, embora de forma terminologicamente equivocada, teria inovado a respeito da retratação nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim sendo, teria dilatado nesses casos o tempo oportuno para a retratação, alongando-o até “antes do recebimento da denúncia”. Afirma de forma seleta que muito embora esta pareça ser a melhor exegese do dispositivo sob comento, ela entra em conflito com o espírito da Lei 11.340/06, pois cria uma formalidade estéril que antes não existia, para o seguimento de uma ação penal com denúncia já formulada, atrasando inutilmente o procedimento e configurando uma certa insistência na proposta de que a vítima abra mão de seu direito de representação já exercitado e mantido até aquela fase. Por isso, embora a lei seja silente nesse aspecto, entende que o melhor seria se tal audiência somente fosse designada excepcionalmente em caso de requerimento da ofendida ou a fim de confirmar sua retratação espontânea e anteriormente operada no curso do Inquérito Policial. Segundo Bastos (2006),[32] “a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia” e que o que levou a lei a falar em “renúncia” foi um enunciado infeliz e mal redigido dos Juizados Especiais Criminais, o qual cogitou de renúncia quando, em verdade, o que pretendia submeter ao controle do Juiz era a retratação da representação. E sinteticamente, afirma o autor que, onde se lê “renúncia”, deve-se ler “retratação” da representação, semeando na esfera penal o benefício de tal quando do recebimento da denúncia e não o seu oferecimento, ocasionalmente descrito no art. 25 do CPP. Neste diapasão, Nogueira (2006) elabora crítica [33] no sentido de que a redação do art. 16 é imprecisa, pois a lei não trata de ações penais condicionadas à representação da ofendida, mas de infrações penais de ação penal condicionada à representação da ofendida, e sustenta: “A situação, na verdade, é de desistência da representação já formalizada. Só podemos falar em renúncia se a representação não chegou a ser formalizada. Formalidade um tanto quanto questionável, pois se para a representação não há fórmula sacramental, tratando-se de ato que  pode ser deduzido perante a autoridade policial, Ministério Público, Magistrado e até mesmo perante o oficial de justiça, que fará certidão,  não se justifica negar validade à renúncia ou desistência feitas por pessoa capaz, de forma clara e inequívoca,  até mesmo perante o oficial de justiça, que certificará  a respeito com a fé-pública inerente às suas funções.  De igual modo, excesso de rigor negar validade à desistência ou renúncia da representação reduzidas a termo perante a autoridade policial ou membro do Ministério Público.”  (NOGUEIRA, 2006) Porém, incita que a audiência para que se faça a renúncia ou desistência da representação não protegerá a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, pois ninguém poderá impedi-la de renunciar ao direito de representar ou desistir da representação que eventualmente já tenha formulado, pois trata-se de ato atentatório contra a dignidade da mulher esculpido no art. 3º.           Bacharelando em Direito – Habilitação Dogmática Jurídica, pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí, de Rio do Sul/SC
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-42/lei-maria-da-penha-aspectos-da-representacao-e-renuncia/
A repercussão geral ou transcendência no Recurso Extraordinário em matéria criminal
Este artigo trata do Recurso extraordinário na esfera criminal, no qual é abordado o tratamento normativo e jurisprudencial do mesmo, bem como a analise acerca da (in)aplicabilidade da exigência da demonstração preliminar repercussão geral ou transcendencia ao referido recurso, imposta pela disposição constitucional constante no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior e regulamentada, no âmbito processual civil, pela Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006 que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil. Discute-se, ainda, a eficácia da mencionada norma constitucional, tratando, por fim, acerca da  sua incidência, ou não, no recurso extraordinário na seara  criminal.
Direito Processual Penal
I – INTRODUÇÃO. [1] Neste trabalho analisaremos o recurso extraordinário manejado perante a justiça criminal, examinando sua admissibilidade, requisitos, aspectos procedimentais e, em especial, a exigência estabelecida pela disposição constitucional constante no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior, regulamentada pela Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006 que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, impondo a demonstração preliminar da repercussão geral da questão constitucional discutida no recurso. Na etapa inicial do presente estudo faremos uma breve pesquisa em torno do recurso extraordinário na esfera criminal, expondo sua previsão constitucional, a  regulamentação através da legislação específica, além dos requisitos exigidos pela jurisprudência para o conhecimento e processamento do mesmo. O primeiro e grande desafio na abordagem do tema escolhido é a análise acerca da aplicabilidade, ou não, da exigência da repercussão geral da questão constitucional discutida nos recursos criminais, vez que a alteração legislativa, regulamentando o disposto no art. 102, parágrafo 3º, da Constituição Federal, se deu através de acréscimos dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil. Como o tema é assaz  presente, porque a  Lei 11.418 de dezembro de 2006 entrou em vigor fevereiro de 2007, ainda não temos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria. Outro instigante debate gira em torno dos limites da exigência da repercussão discutindo se esta circunscreveria apenas na esfera penal ou também seria necessária a demonstração da transcendência para o ordenamento jurídico como um todo, atingindo, assim, a relevância econômica, política, social e jurídica. Tal questão deverá ser enfrentada pelos que admitem a incidência repercussão na seara criminal. Dessa forma, partindo para conclusão, nos posicionamos pela desnecessidade da demonstração da transcendência no recurso extraordinário ofertado perante a justiça criminal, em razão da própria essência da relação jurídica processual penal, bem como  do bem jurídico tutelado serem de interesse de toda coletividade. II – TRATAMENTO NORMATIVO E JURISPRUDENCIAL. O recurso extraordinário tem seu berço na Constituição Federal e, na lição de Tourinho Filho[2] é o “ (…) meio do qual se propicia ao Supremo Tribunal Federal manter o primado da Constituição. Por intermédio dele o Excelso Pretório, guardião supremo da Lei Maior, tutela os mandamentos constitucionais”. Para a doutrina de Ada Pelegrini Grinover e outros[3] “(…) são meios de impugnações que estão à disposição das partes, mas que visam na verdade à tutela do próprio direito federal; prestam-se somente ao reexame de questões de direito, excluída a análise de matéria de fato; e, finalmente, são cabíveis apenas nas hipóteses taxativamente elencadas(…)” A previsão constitucional do recurso em debate vem expressa no artigo 102 , inciso III da Carta Republicana, que assim dispõe, ad litteram: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (omissis) III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Regulamentando a interposição do recurso assegurado constitucionalmente, temos o disciplinamento da matéria através da Lei 8.038 de 1990 que possui a seguinte disposição legal, in verbis: Art. 26. Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de 15 (quinze) dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I – exposição do fato e do direito; II – a demonstração do cabimento do recurso interposto; III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida. Parágrafo único. Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado. Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de 15 (quinze) dias para apresentar contra-razões. § 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de cinco dias. § 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. § 3º Admitidos os recursos, os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. § 4º Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. § 5º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível, sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgar o extraordinário. § 6º No caso de parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em despacho irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial. Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 5 (cinco) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. § 1º Cada agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante e pelo agravado, dele constando, obrigatoriamente, além das mencionadas no parágrafo único do art. 523 do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido, a petição de interposição do recurso e as contra-razões, se houver. § 2º Distribuído o agravo de instrumento, o relator proferirá decisão. § 3º Na hipótese de provimento, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará, desde logo, sua inclusão em pauta, observando-se, daí por diante, o procedimento relativo àqueles recursos, admitida a sustentação oral. § 4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar. § 5º Da decisão do relator que negar seguimento ou provimento ao agravo de instrumento, caberá agravo para o órgão julgador no prazo de 5 (cinco) dias. A exigência da repercussão geral da questão discutida no recurso extraordinário foi implementada através da Emenda Constitucional de numero 45  que inseriu o parágrafo 3º. no art. 102 da Lei Maior que assim dispõe,  ad litteram: § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) O aludido parágrafo que trata da repercussão geral do recurso extraordinário ou transcendência, é regulamentado, na esfera do Direito Processual Civil, pela Lei 11.418 de 2006 que inseriu os artigos 543-A e  543-B ao mencionado Código e que preceitua o seguinte, in verbis: Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.(g.n) § 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.(g.n) § 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.” “Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1o  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2o  Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3o  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4o  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5o  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.” No tocante ao cabimento do recurso extraordinário, bem como os requisitos formais para sua admissibilidade a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há bastante tempo, já  traçou as linhas mestras  acerca do assunto. Para o Colendo STF, não será admitido recurso extraordinário quando a matéria não foi objeto de manifestação explicita no juízo de origem e nem foram ofertados embargos declaratórios a fim de ver discutida a questão constitucional controvertida,  portanto o prequestionamento do tema que se pretendia ver submetido à instância extraordinária. Do mesmo modo, não se admite o recurso em questão somente para reavaliação da prova. Nesse sentido é o teor das Súmulas 279 e 356 da Excelsa Corte, ad litteram: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. (SÚM. 356) Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. (SÚM. 279) Destaque-se, ainda, a importância da correta fundamentação do recurso extremo, demonstrando, cabalmente, a questão jurídica debatida, bem como a controvérsia existente, de forma que fique bastante evidente o que pretende levar ao conhecimento da instância extraordinária. Nesse sentido e o teor das Sumulas do Colendo STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. (SÚM. 284) Idêntico cuidado deve-se ter com a interposição do agravo de instrumento nos casos de não admissão do recurso extraordinário na instância originária. Cofira-se: Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência na sua fundamentação, ou na do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia.(SÚM. 287) Vale enfatizar, ainda, a relevância da instrução escorreita dos recursos impetrados, seja o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento, em caso de não admissibilidade do primeiro pelo juizo a quo,  sob pena de ver prejudicada a questão de direito discutida: Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia.(SÚMULA Nº 288) Aplica-se a Súmula 288 quando não constarem do traslado do agravo de instrumento as cópias das peças necessárias à verificação da tempestividade do recurso extraordinário não admitido pela decisão agravada.” (SÚM. 639) É de relevo salientar, por fim, o prazo para interposição do recurso extraordinário na esfera criminal, bem como do agravo de instrumento, caso o primeiro não seja recebido no tribunal de origem. Assim dispõe a norma de regência: Art. 26. Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de 15 (quinze) dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão(g.n) (omissis) Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 5 (cinco) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. (Lei 8.038/90)(g.n) Destaque-se também que as alterações introduzidas no âmbito do Direito Processual Civil não repercutiram na esfera Processual Penal, mantendo-se, portanto, a integralidade da legislação de regência, no que diz respeito ao recurso extraordinário e ao agravo de instrumentos interpostos em matéria penal. Este é o teor da Sumula 699 do C. STF: O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a lei 8038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da lei 8950/1994 ao código de processo civil. (Súmula nº 699) III –  A TRANSCENDÊNCIA EM MATÉRIA CRIMINAL A análise da repercussão geral da matéria discutida no recurso, diga-se, desde logo, que não se confunde com a relevância federal da questão, outrora exigida pelo RISTF no art. 325, inciso XI e Súmula 282 do STF, como vem se manifestando, equivocadamente, parte da doutrina. Assim dispõem as referidos normas: Art. 325 (1 e 5). Nas hipóteses das alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário[4]: (omissis) XI – em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.” (SÚM. 282) A distinção entre a atual exigência da repercussão geral ou transcendência e a relevância federal da questão, anteriormente exigida, é que esta era apenas um instrumento que vedava a admissão de recursos extraordinários que não estavam expressamente elencados no regimento interno do STF. A transcendência, por sua vez, ao contrário, aplica-se a todos os recursos extraordinários, não penais, levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal e por quorum qualificado decidirá ser há ou não transcendência daquele caso concreto subjudice. Nesse sentido, acolhemos integralmente o posicionamento doutrinário de Marcelo Andrade Feres[5] a respeito do tema, tendo o mesmo esclarecido o seguinte: Não se pode confundir, assim, a atual repercussão geral (ou transcendência) com a antiga argüição de relevância. Enquanto esta constituía um mecanismo de atribuição de admissibilidade apenas a recursos que não se encontrassem expressamente previstos na enumeração regimental, aquela é exigida de todo e qualquer apelo extraordinário, ao menos na vocação literal do novo inciso III do art. 102 da Constituição da República. Parte da doutrina, a qual nos filiamos, sustenta que a regra inserida pela EC 45 de 2004, impondo a demonstração preliminar da repercussão geral ou transcendência da matéria discutida no recurso extraodinario  não possui eficácia imediata, depende de norma regulamentadora, ou seja, “ (…) há preceitos constitucionais que tem aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia(…),[6] assim, são normas de eficácia mediata, chamadas por Maria Helena Diniz[7] de normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, porque Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não poderão produzir todos os  seus efeitos de imediato, porem têm aplicabilidade mediata já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional. Nesse sentido, trazemos ainda o posicionamento de Marcelo Andrade Féres[8]  em relação ao disposto no art. 102, parágrafo 3º.  da Lei Maior,  in verbis: (…), outra investigação que se alinha é aquela referente à eficácia da novel disposição constitucional. O § 3º introduzido no art. 102 da Lei Fundamental refere-se à transcendência, nos termos da lei, ou seja, demanda norma infraconstitucional para que se concretize. Cuida-se, pois, de norma de eficácia limitada. Não se pode fugir disso. É necessário que a legislação venha regular o procedimento de aferição da transcendência, bem como dar densidade àquilo que se reputa ser a transcendência. Seria ela analisada em sessão administrativa da Corte, como ocorria com a argüição de relevância? Poderia ser a transcendência econômica, social, política ou jurídica? Caberia intervenção das partes ou de terceiros no momento de seu exame? Trata-se de perguntas que, sem dúvida, reclamam respostas legislativas. Nesse passo, admitindo que o preceito contido no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior como norma de eficácia limitada, como de fato o é, vez que o próprio texto constitucional é expresso em estabelecer que o preceito tratado no referido parágrafo terá eficácia nos termos da lei, tanto é que foi preciso a edição da Lei 11.418 de 2006 para que se pudesse ter efetividade na esfera processual civil. Dessa forma, apresenta-se o primeiro e contundente argumento pela não exigência nos recursos criminais a demonstração preliminar da transcendência ou repercussão geral da matéria discutida em juízo face a ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, exigida, como dissemos, pelo texto constitucional. Para que se possa impor a comprovação da repercussão geral ao recurso extraordinário manejado na esfera criminal, faz-se, inexoravelmente, a necessária alteração do Código de Processo Penal,  como já ocorreu no Código de Processo Civil, nos termos da Lei. 11.418 de 2006. Registre-se, desde já, por oportuno, que as alterações na esfera processual civil não repercutem, necessariamente, no direito processual penal, como, por exemplo, a divergência no prazo para interposição do recurso de agravo de instrumento no âmbito penal e civil, não se aplicando as alterações ocorridas seara processual civil, consoante demonstramos acima. Outro substancial argumento que afasta a exigência da demonstração da transcendência ou repercussão geral nos recursos criminais é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico envolvido, por vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade. Além disso, é de relevo destacar que, na esfera criminal, a nosso sentir, haverá imensa dificuldade do legislador em regulamentar a questão da transcendência, até mesmo porque a própria relação jurídica processual penal, de per si, na sua essência, já ultrapassa os interesses pessoais envolvidos, como ilustraremos adiante. Constata-se que, quase sempre, os erros, as omissões e o desatendimento ao rito estabelecidos nas normas processuais, dentre outras situações, via de regra repercutem nas garantias constitucionais e, em particular, no sistema acusatório encampado pela norma constitucional. Sendo assim, tais ofensas, ensejam a provocação da instância extraordinária e não é por outra razão que o RISTF dipõe em seu art. 325 acerca do admissibilidade do recurso extraordinário em matéria criminal, ad litteram: Art. 325(1 e 5). Nas hipóteses das alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário[9]: I – (omissis) II – (omissis) III – nos processos por crime a que seja cominada pena de reclusão;(g.n) IV – nas revisões criminais dos processos de que trata o inciso anterior;(g.n) Convém rememorar que o Estado avocou para si, com exclusividade, a função de realizar justiça, vedando, portanto, aos particulares a possibilidade de faz justica com as próprias mãos[10], ou seja, somente o Estado poderá impor sanção de caráter penal (jurisdição necessária), no interesse da sociedade, através do procedimento estabelecido em lei(integralidade do rito), com imperiosa e inafastável resistência técnica (indispensabilidade da defesa), de tal foram que a imposição de pena, de forma justa, adequada e proprocional ao fato praticado, assegurando as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, dentre outros correlatos, tem respaldo o legal e legitimidade demandados por toda sociedade (realização da justiça plena). A pena infligida consoante as regras previamente estabelecidas, nos moldes demonstrados acima, é de interesse de toda sociedade, transcedende, portanto, os interesses dos envolvidos na relação jurídica processual penal, porque a realização da justiça substancial é um anseio de toda sociedade. Dessa forma, constata-se que a própria natureza da relação jurídica penal, na sua essência, de per si, transcende os interesses envolvidos no processo, repercute em toda coletividade, não se admitindo, portanto, a imposição de outros requisitos que dificultem ou prolonguem a tutela da liberdade. Se o legislador assim o fizer, seguramente, tal norma será considerada inconstitucional. Acrescente-se, ainda, que o descumprimentos das formalidades processuais estabelecidas ou a ofensa à garantia da integralidade procedimental ou ainda a inobservância das garantias constitucionais, em especial do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, bem de outros sub-princípios decorrentes daqueles, irá refletir nos dispositivos constitucionais, contrariando-os, ensejando, assim, interposição de recurso extraordinário, sem necessidade de demonstrar qualquer outra exigência. Admitindo-se a hipótese da exigência da repercussão nos recursos criminais, apenas ad argumentandum, vale destacar desde logo que o juizo acerca da transcendência ‘e de exclusividade do Supremo Tribunal Federal, sendo vedado, portanto, ao Tribunal de origem a apreciação deste requisito de admissibilidade. Ademais disso, por outro ângulo, para os que admitem a aplicabilidade da norma constitucional da repercussão geral aos recursos criminais, surge outra interessante questão a ser desvelada no tocante aos limites e alcance da exigência da transcendência, bem como o conteúdo, a substância da mesma no  âmbito criminal.. Em muitos casos, jamais a parte recorrente poderá demonstrar, por exemplo, a repercussão econômica ou política  da decisão judicial atacada que ultrapasse os interesses subjetivos da causa. Quanto aos demais requisitos, tais sejam o aspecto social ou jurídico da repercussão geral a ser evidenciada no recurso, admite-se como possível, em tese, a sua  demonstração. IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS. Por todo o exposto, conclui-se que não se poderá exigir do recorrente a demonstração, em sede preliminar, da transcendência ou repercussão geral no recurso extraordinário ofertado em matéria criminal, vez que a norma contida no art. 102, parágrafo 3º. da Constituição Federal  não possui eficácia imediata, ou como quer parte da doutrina, é preceito constitucional com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, sendo, portanto, necessário a alteração do Código de Processo Penal, como já ocorreu na esfera do direito processual civil com a  Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006, que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao CPC. Não se imporá também a exigência da repercussão geral em virtude da  relação jurídica na esfera criminal ser completamente distinta das estabelecidas nas demais áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico protegido que, por vezes, ultrapassa a esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade.Haverá, assim, grande dificuldade do legislador em regulamentar a questão da transcendência, pois como dissemos, a própria relação jurídica processual penal, de per si, já extrapola os interesses pessoais envolvidos. Acrescente-se, ainda, que o descumprimentos das formalidades ou as ofensas perpetradas contra à garantia procedimental, a inobservância do devido processo legal, em seu duplo aspecto, as ofensas à ampla defesa e ao contraditório, por fim, as regras do sistema constitucional acusatório, certamente irão repercutir nas garantias constitucionais, ensejando, portanto, a interposição do recurso extraordinário para julgamento pelo guardião da Constituição Federal. Sendo assim, deve-se levar em conta, ainda, que, na esfera penal, há interesse da sociedade que a pena imposta a um de seus membros seja forma justa (legítima), através de procedimento prévio (garantia do procedimento adequado), integral, estabelecido na norma, além de atender às garantias insculpidas na Lei Maior (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, dentre outros) sobretudo a observância do sistema constitucional acusatório. A injustiça causa temor, desconfiança e, além de tudo, desestabiliza a fé do cidadão nas instituições.  Conclui se, portanto, que a transcendência ou repercussão geral do recurso extraordinário, na esfera criminal, é tácita em virtude das especificidades da relação jurídica firmada, bem como em face do jurídico tutelado e seu imediato reflexo no direito de liberdade, como forma de atender os anseios de justiça clamados por toda sociedade. Aliado a isso, temos ainda que no processo penal há obrigatoriedade do cumprimento do rito estabelecido, o atendimento integral de todo o procedimento previsto no ordenamento jurídico, pois qualquer desvio, descumprimento ou desatendimento poderá repercutir nas garantias constitucionais do acusado e, de conseguinte, gerar reflexo no direito de liberdade de modo a ensejar a interposição do recurso extremo. Conclui-se, assim, que não se poderá exigir a demonstração preliminar da repercussão geral ou transcendência dos recursos extraordinários ofertados em matéria criminal, porque a norma constitucional não é auto aplicável, depende de lei infraconstitucional regulamentadora especifica, bem como, e mais relevante, em virtude  da própria relação jurídica estabelecida da seara processual penal de per si, na sua essência, já transcende os interesses pessoais envolvidos.           Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal; Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-41/a-repercussao-geral-ou-transcendencia-no-recurso-extraordinario-em-materia-criminal/
A utilização do bafômetro como meio de prova
O presente trabalho objetivou verificar a utilidade do bafômetro como meio probatório correlacionando se o meio é ou não eficaz para se comprovar a embriaguez. Analisamos se o bafômetro dentro dos princípios, constitucionais e de direito, é ou não obrigatório e se este fere tais princípios. Fizemos uma análise do meio pelo qual o bafômetro é colhido pela autoridade, e se sobre tais circunstâncias, é valido como prova, além de se verificar se é prova lícita ou ilícita. Foi dado ênfase, no bafômetro como meio de prova, nos processos administrativo e penal, distinguindo-se entre a aplicação da prova em um e em outro processo. Destacou-se também como os nossos tribunais estão julgando os conflitos em que o bafômetro é utilizado como meio de prova. O estudo aprofundado sobre o assunto se fez imprescindível para a correta interpretação do bafômetro no meio jurídico como prova que decisivamente repercute em todas as áreas do direito.
Direito Processual Penal
1. Introdução Pretende-se confrontar os princípios constitucionais da ampla defesa, com o princípio do artigo 5º inc. II da constituição de que, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” além do princípio “nemo tenetur se detegere” interpretado como (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), com alguns artigos da lei 11.275/06, publicada no DOU de 08/02/06 que alterou o Código de Transito Brasileiro (lei 9.503/97), sobre tudo se o Bafômetro é um meio legal e eficaz para comprovar-se a embriaguez. Discute-se há muito, se o bafômetro é ou não obrigatório, sendo o debate, continuamente provocado pelo conflito existente entre os princípios constitucionais supra mencionados, em relação ao interesse público, sendo assim, evidencia-se por necessário o estudo aprofundado sobre tal matéria, procurando solucionar a problemática existente em questão, clarificando a lide e demonstrando caminhos para a dissolução do conflito legal e principiológico. É claro o interesse positivo no debate jurídico do presente tema, considerando-se a ampla discussão ideológica já existente e a ausência de contribuições da doutrina jurídica relacionada. Além de nos aprofundar neste assunto, tecerei comentários sobre, se os agentes de transito estão agindo dentro de princípios éticos e profissionais respeitando o direito individual ou estão abusando do poder de polícia, sendo uma linha muito tênue a que divide os pólos, correlacionando com o modo em que este tipo de prova é produzido, se é um meio legal que pode ser usado como meio probatório nos processos, tanto administrativo quanto penal. Sabendo ser este assunto bastante polêmico, procurar-se-á buscar subsídios que nos indiquem um norte seguro, quanto a situação prática, pois sem sombra de dúvidas este é um assunto deveras relevante no que se refere ao trânsito, sendo que para o desenvolvimento deste trabalho, foram utilizados a pesquisa bibliográfica e o método indutivo, sendo respeitado o idioma nacional e as normas técnicas. 2. Dos princípios A discussão sobre o tema há muito se remonta, mais especificamente, com o advento da lei 9.503/97, que instituiu no ordenamento jurídico, o Código de Trânsito Brasileiro, e com ele a polêmica no que se refere ao meio pelo qual o legislador achou melhor aferir se um indivíduo encontra-se ou não impossibilitado de dirigir, o bafômetro, como expressamente exposto no artigo 277[1], que diz:  “Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”. A controvérsia se deu no artigo supra mencionado, no que se refere à afirmativa, inserida no texto legal, ”será submetido”, ficando então o condutor de todos os veículos automotores enquadrados nas situações de “envolvido em acidente de trânsito” ou “que for alvo de fiscalização de trânsito”, obrigados a se submeter a tal exame, mesmo sem a sua permissão, o que para muitos vai de encontro a nossa Constituição Federal, pois fere princípios por ela protegidos, quais sejam, o do “nemo tenetur se detegere” interpretado como (“ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”) e da ampla defesa. Porém, surgiu um outro posicionamento doutrinário, pelo qual filiou-se ao princípio inserido expressamente no artigo 5º inc. II da constituição in verbis: “ninguém será brigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por tal princípio, estavam sim, todos os condutores de veículos automotores, que se enquadrassem nas condições já expostas, obrigados a se submeter ao exame de alcoolemia, mas conhecido popularmente como bafômetro, pois a lei (9.053/97), assim os obrigava. Mas antes de nos aprofundarmos no tema, vejamos o posicionamento de Norberto Bobbio[2], sobre o que são princípios: “Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se não normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies de animais, obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas”. Vejamos separadamente cada um dos princípios invocados por ambas as correntes. 2.1 Princípio da legalidade O princípio da legalidade esta expresso na Constituição Federal no artigo 5º, inc. II e diz que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, tal princípio é aclamado por uma parte da doutrina no que se refere ao uso do bafômetro. Segundo Preleciona Alexandre de Moraes[3]: “O princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei”. Tal princípio visa dar uma maior segurança ao indivíduo e combater o poder arbitrário do Estado, pois somente pelas espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de criação de leis estabelecidas pela constituição é que se pode criar obrigações para o indivíduo, pois segundo Aristóteles[4] “a Paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei”. É oportuno, os ensinamentos de José Afonso da Silva[5] que diz: “O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática, Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei”. Sobre o prisma deste princípio, qual seja, o da legalidade, é que apontam alguns Doutrinadores, para embasar a obrigatoriedade do bafômetro, pois o Código de Trânsito, (Lei 9.503/97) no seu artigo 277 afirma que “[ … ] será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado” (grifei), pois, segundo eles, a lei existe (9.503/97), foi concebida de acordo com o processo legislativo concebido na Constituição Federal de 1988, e que impõe uma obrigação ao motorista que estiver entre as hipóteses elencadas no mesmo artigo, quais sejam, “envolvido em acidente de trânsito” ou “que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites”. O referido artigo traz uma afirmativa, será submetido, não diz, talvez, quem sabe, se o condutor estiver a fim, se não for incomodo, portanto, uma obrigação, algo quase matemático como 2+2, se envolvido em acidente, obrigatório o bafômetro, se alvo de fiscalização de trânsito, obrigatório o bafômetro, pois a lei assim determina, está expresso no corpo da norma. Mas mesmo que não estivesse expresso tal determinação no corpo da norma, para o Italiano Massimo Severo Giannini[6]: “Não é necessário que a norma de lei contenha todo o procedimento e regule todos os elementos do provimento, pois, para alguns atos do procedimento estatuído e para alguns elementos do provimento pode subsistir discricionariedade”. Como demonstrado, o princípio da legalidade é o princípio invocado por uma parte da doutrina para concluir a obrigatoriedade do bafômetro, pois, segundo eles, não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade em tal artigo, vez que, foi instituído por processo legislativo de acordo com a Constituição e traz expressamente, nos casos apontados, a submissão dos condutores de veículos automotores ao procedimento do bafômetro, Arnaldo Rizzardo[7] diz que “[…] se o Código prevê a possibilidade do exame, é porque a pessoa deve submeter-se a ele. Do contrário, não haveria sequer meios para elaborar o corpo de delito”. 2.2 Princípio nemo tenetur se detegere Uma parte da doutrina invoca o princípio expresso no brocardo latino nemo tenetur se detegere que tem sua tradução por ninguém é obrigado a produzir provas contra si, tal princípio está expresso na Convenção Americana de Direitos do Homem (1969), mas conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, mais especificamente em seu art. 8º, in verbis: Art. 8º – das garantias judiciais: ( … ); g), direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; Este princípio é invocado por uma parte da doutrina, pois o Brasil ratificou esta convenção em 25 de setembro de 1992, apesar de algumas discussões sobre o assunto, se esses princípios oriundos de tratados ratificados pelo Brasil, seriam normas constitucionais ou infraconstitucionais, pois via de regra, entraria a vigorar em nosso País como decreto legislativo. Para José Afonso da Silva[8]: “São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, no princípio da soberania popular. ( … ); A constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. ( … ) Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata […]”; Ainda sobre o assunto, Alexandre de Moraes[9] diz que “O § 2ª do art. 5º da Constituição Federal prevê que os direitos e as garantias expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados de que seja parte a República Federativa do Brasil”. Antonio Scarance Fernandes[10], tece um breve, mas interessante comentário sobre o assunto aqui tratado, então vejamos: “[…] com a Convenção da Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao direito brasileiro (Decreto 676, de 06.11.1992), o princípio foi inserido no ordenamento jurídico nacional, ao se consagrar, no art. 8º., n. 2, alínea g, que “ toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”, o que, de forma geral, significa a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma. Passou a ser comum a invocação desse princípio em face do Código de Trânsito (lei 9.503, de 23.09.1997) para justificar a possibilidade de recusa da pessoa a se submeter ao “bafômetro”, quando há suspeita de que estivesse dirigindo embriagada. Afirma-se que essa imposição é ilegal, pois ninguém pode ser forçado a produzir prova contra si mesmo.[…]”. Como vimos, é um direito individual do acusado, se quiser, não produzir provas contra si, além do mais, por tal ato o mesmo não poderá sofrer qualquer tipo de sanção, muito menos prejuízos no processo, pois se assim o fosse, estaria em dissonância com o próprio princípio, vejamos, pois, os ensinamentos do ilustre processualista Antônio Magalhães Gomes Filho[11] sobre tal afirmação: “[…] outra decorrência do preceito constitucional, ainda no terreno da prova, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos. […] representa exigência inafastável do processo penal informado pela presunção de inocência, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em objeto da investigação, quando sua participação só pode ser entendida na perspectiva da defesa, como sujeito processual. Diante disso, evidente que seu silêncio jamais pode ser interpretado desfavoravelmente, como ainda prevêem certas disposições da lei ordinária (arts. 186 e 198 do CPP)”. Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região[12], se posicionou no seguinte sentido: “[…] Não se tratando, na espécie, de declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 277 da lei nº 9.503/97 -CTB, é de se lhe restringir uma das interpretações possíveis para afastar aquela que implique na sujeição compulsória do condutor de veículos automotores a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que permita a certificação de seu estado, em seu prejuízo. ninguém, à luz das normas e princípios constitucionais, está obrigado a produzir provas contra si mesmo, pois o direito de punir, judicial e administrativamente, no direito brasileiro, rege-se pelo princípio nemo tenetur se detegere, que faculta ao indiciado/autuado adotar ou não a conduta que produzirá a prova que lhe será desfavorável. precedentes do STF e TRF´S (hc nº 77.135/sp, rel. min. ilmar galvao; hc nº 79.812/sp, rel. min. celso de mello; rhc nº 34000071702, – 200234000071702/df, rel. des. fed. luciano tolentino amaral, v.g.)”. Portanto, se não respeitadas as exigências decorrentes do princípio “nemo tenetur se detegere” quais sejam, não ensejar nenhum tipo de prejuízo ao acusado, o processo poderá ser anulado por infringir outro princípio, o do prejuízo, sendo este, sem dúvida nenhuma a viga mestre do sistema das nulidades e decorre da idéia geral de que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito. 2.3 Princípio da ampla defesa O princípio da ampla defesa esta esculpido no artigo 5º inc. LV da Constituição Federal e diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Para Celso Ribeiro Bastos E Ives Gandra Martins[13] deve-se entender por ampla defesa: “[…] o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim as diversas modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta salientar o direito em pauta como um instrumento assegurador de que o processo não se converterá em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para trava-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas. Não, forçoso se faz que o acusado se possibilite a locação da questão posta em debate sob m prisma conveniente à evidenciação da sua versão. (1988/1999. PG. 266)”. A ampla defesa é uma garantia constitucional, pois a partir dela todas as pessoas podem se beneficiar desta proteção constitucional contra o arbítrio do Estado, e por isso, hoje, este princípio se desdobra em uma série de outros direitos, protegidos de maneira específica, como por exemplo, o direito ao silêncio, direito de calar-se, direito a não produzir provas contra si, etc… Segundo Tourinho Filho[14]: […] “não obrigado a declarar contra si mesmo” – “direito ao silêncio” –, tudo não passa do velho princípio do “privilege against self-incrimination”, isto é, do nemo tenetur se detegere, daquele direito de calar-se, sem que a autoridade possa extrair desse silêncio qualquer indício de culpa. Se a República Federativa Brasileira tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III); se ninguém é obrigado fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II); se ninguém poderá ser privado da sua liberdade, sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV); se o réu tem direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII); se não há lei que obrigue o réu a falar a verdade, é induvidoso que o interrogatório (melhor seria denominá-lo declaração) é meio de defesa e não de prova. Ainda sobre o assunto, o autor[15] expõe: “[…] se o acusado pode calar-se, ficando o Juiz obrigado a respeitar-lhe o silêncio, erigido à categoria de direito fundamental, não se pode dizer seja o interrogatório um meio de prova. Por outro lado, não estando ele obrigado a acusar a si próprio, ‘não tem nenhuma obrigação nem dever de fornecer elementos de prova’ […]”. Tal afirmativa, segundo José Frederico Marques[16], decorre de que: “Uma vez que o réu, na persecução penal, é titular de direitos e obrigações, e não simples objeto das atividades estatais destinadas à aplicação da pena é indubitável que o processo penal se estrutura, como o processo civil, naquela trilogia que Búlgaro definira […]. No processo, qualquer que ele seja, não há apenas procedimento, isto é, uma série de atos que se coordenam e se sucedem sob determinada forma ou modus. Desde o momento em que ele se instaura, o juiz e as partes se encontram envoltos em uma relação particular antes inexistente, que lhes cria vínculos “juridicamente relevantes e juridicamente regulados”, como o diz Liebman. O órgão da acusação, o acusado e o juiz criminal passaram a viver sob uma atmosfera de mútuos e recíprocos direitos e obrigações, que se exercitam ou podem ser exercidos, enquanto o processo se desenvolve através do procedimento. Daí o entendimento moderno de que o processo é uma relação jurídica”. O ônus probatório, segundo o art. 156 do Código de Processo Penal diz que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” além do que, como vimos, não é lícito obrigar ao réu a produzir provas contra si, pois, o seu direito ao silêncio, decorre do princípio da ampla defesa, defesa esta que deve ser utilizada pelo indiciado/acusado da maneira mais ampla possível, neste sentido Ada Pellegrini Grinover[17], consigna, com muita propriedade que: “[…] o réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. […] A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor […] do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-se presunções que superem a presunção de inocência, solenemente proclamada no art. 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou que superem o princípio “in dúbio pro reo”. Portanto, pelo exposto acima, decorre do princípio da ampla defesa, diversas garantias ou direitos ao acusado/indiciado, como direito ao silêncio, direito a calar-se, direito a não produzir provas contra si, direito até mesmo, como demonstrado pela doutrinadora Ada Pellegrini Grinover, de mentir, contudo, sem sofrer qualquer tipo de sanção ou prejuízo. 3. Do crime de desobediência Com base nos princípios da ampla defesa e do nemo tenetur se detegere, alguns condutores de veículos automotores que foram ”convidados” a fazer o exame do bafômetro e se recusaram, tiveram sobre si uma penalidade decorrente do art. 330 do Código Penal, in verbis, “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, ora, se como vimos, pelo princípio da legalidade o condutor de veículo automotor, que estiver entre as hipóteses elencadas no art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, está obrigado a se submeter ao bafômetro e se recusa, este, por via de conseqüência, esta desobedecendo a uma ordem legal, visto que o bafômetro, por uma parte da doutrina, é obrigatório, e, tal ordem é emanada de um funcionário público, qual seja, o policial, que tem o dever de cumprir a lei. José Marcos Marrone[18], que faz parte da corrente minoritária, defende que, se o motorista recusar a se submeter ao exame do bafômetro, deve o agente de trânsito: “[…] conduzi-lo à presença da autoridade policial, que o sujeitará ao exame de sangue (teste de alcoolemia) ou, na hipótese de nova recalcitrância, ao exame clínico. Se o condutor suspeito desatender à ordem legal daquele funcionário público, negando-se a acompanhá-lo à delegacia de polícia, ou aos locais de exame, pratica o delito de desobediência, mencionado no art. 330 do Código Penal.” O Tribunal de Alçada criminal do Estado de São Paulo[19] se posicionou no seguinte sentido:  “Se a norma adjetiva determina que a autoridade mande, é porque a pessoa intimada tem que atender ao mando. Se não atender, comete delito de desobediência, por ter sido, a ordem, legal e amparada em norma vigente. A ampla defesa nada mais faz do que assegurar aos acusados todos os meios legais para a defesa, inclusive fornecendo defensores aos que não os possuem. Ela, entretanto, não concede ao acusado o direito de não atender a determinações legais, pois, se assim fosse, estaria em conflito com o disposto no inciso II, do art. 5º, da mesma Carta Magna, que reza que todos os cidadãos são obrigados a fazer algo, desde que exista lei determinando, ao afirmar que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. ”. (AC. nº 542.671/6, 6ª Câmara, Rel. Dês. Almeida Braga, Julgado em 07/06/1.989). Por outro lado Tourinho Filho[20], que faz parte da corrente majoritária, entende não ser possível que, pelo uso de um direito, o autor possa ser enquadrado, pelo crime de desobediência, vez que, estaria se recusando para não contribuir para a produção de provas que possam agir contra si, senão vejamos: “Salvo a hipótese de o indiciado não ser encontrado, a reprodução simulada poderá ficar a cargo de testemunhas presenciais. E so o indiciado a tanto se opuser? Não comete nehuma infração. Se ele não é obrigado a acusar a si próprio (nemo tenetur se detegere), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a descoberta de “alguma prova” contra ele…”. Antônio Scarance Fernandes[21], posicionando-se como Tourinho Filho, entende não ser possível a aplicação de uma penalidade a pessoa que, utilizando-se do princípio do nemo tenetur se detegere, nega ser submetido a qualquer meio de produção de provas que possa incrimina-lo, assim: “[..] como decorrência desse direito do acusado a não se incriminar não se admite que a eventual recusa de colaboração para a produção de prova contra sua pessoa possa configurar crime de desobediência (CP, art. 330)”. O Supremo Tribunal Federal[22] se posicionou no seguinte sentido: “EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido”. (grifei) Por tal julgado e pela doutrina acima exposta, é indubitável, não ser lícito a aplicação do crime de desobediência ao autor que se recusa a não submeter-se a todo e qualquer tipo de perícia que tenha caráter essencialmente probatório, pois, poderia ser caracterizada sua culpa e, portanto, estaria indo contra o princípio do nemo tenetur se detegere, ou seja, contra a auto-incriminação, pois como já vimos, a obrigação de produzir provas cabe a quem acusa e não ao acusado/indiciado. 4. Poder de polícia e abuso de autoridade É importante a abordagem desse tema, pois esta intimamente ligada ao tema desta monografia no tocante a quem de direito deve o condutor de veículo automotor se reportar nos casos[23] previstos no artigo 277 da lei 9.503/97 de averiguação de suspeita de estar alcoolizado, sendo necessária tal abordagem, para esta autoridade de trânsito não ultrapassar o seu poder de polícia e cometer um abuso de autoridade. Para tanto, devemos, primeiramente, verificar quem a lei autoriza a ser seus agentes de fiscalização, trazidos pelos artigos 24 inc. VI e 280 § 4º da lei 9.503/97 (lei de trânsito) in verbis: Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: VI. – Executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e paradas previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; 280- O correndo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: § 4º – O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. Segundo José Cretella Júnior[24], o poder de polícia: “[…] Informa todo o sistema de proteção que funciona, em nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança e a salubridade públicas, caracteriza-se pela competência para impor medidas que visem a tal desideratum, podendo ser entendido como a faculdade discricionária da Administração de limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do interesse coletivo”. Ainda sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[25] preleciona: “[…] O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; do outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia. Não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, como ensina Zanobini (1968, v. 4:191), ‘a idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado’. Themístocles Brandão Cavalcanti (1956, v. 3:6-7) diz que o poder de polícia ‘ constitui um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos’. E acrescenta que se trata de “limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem”. “O fundamento do poder de polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de supremacia sobre os administrados”. Porém a uma dissonância no que se refere aos policiais militares estarem exercendo o poder de polícia administrativa para fiscalizarem o trânsito, segundo Paulo Alves Franco[26]: “Nos municípios o trânsito é fiscalizado por agente municipal, uniformizado contratado para exercer tal função. Outros são contratados por autarquias como é o caso da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A. (EMDEC) chamados ‘os amarelinhos’ que fiscalizam o trânsito. Em São Paulo, há ‘os marronzinhos’, funcionários da Prefeitura Municipal. Esses funcionários somente poderão lavrar multas de trânsito se houver convênio da Prefeitura com o órgão estadual de trânsito competente. Determina a lei que o Policial Militar deve ser designado pela autoridade de trânsito competente, porém o legislador esqueceu-se de que a Polícia Militar tem hierarquia própria e os policiais militares não estão subordinados ao Delegado de Polícia que é a autoridade de trânsito do município; portanto, esta determinação é anódina com relação aos policiais militares serem designados pela autoridade de trânsito para fiscalizarem o trânsito”. Celso Antônio Bandeira de Mello[27] define poder de polícia administrativa, como: “[…] a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares em dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”. Mas este poder que a Administração Pública tem de intervir no interesse das pessoas com fundamento no princípio da supremacia do interesse d administração pública face o interessa particular é limitado, neste sentido, José Cretella Júnior[28] assim preleciona: “A faculdade não é, entretanto, ilimitado, estando sujeito a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis. Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de polícia, que, longe de ser onipotente, incontrolável, é circunscrito, jamais podendo pôr em perigo a liberdade à propriedade. Importando, regra geral, o poder de polícia em restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária, de modo a não figurar o abuso de poder. Não basta que a lei possibilite a ação coercitiva da autoridade para justificação do ato de polícia. É necessário, ainda, que se objetivem condições materiais que solicitem ou recomendem a sua inovação. A coexistência da liberdade individual com o poder de polícia repousa na harmonia entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de conveniência u de interesse público é, assim, pressuposto necessário à restrição dos direitos individuais. Por fim, o poder de polícia, ao manifestar-se, de modo concreto, pela ação policial não pode ferir as liberdades públicas, ou seja: ‘as faculdades de autodeterminação, individuais ou coletivas, declaradas, reconhecidas e garantidas pelo Estado, mediante as quais os respectivos titulares escolhem modos de agir, dentro de limites traçados pelo poder público’”. Tal abordagem é necessária, pelo fato de alguns agentes de trânsito, estarem exigindo do condutor de veículo automotor a submissão ao exame do bafômetro, sendo que, como já vimos, este não está obrigado a fazê-lo, sendo pelos princípios e motivos já expostos, sendo pela redação dada ao § 2º do art. 277 da lei 11.275/06[29], in verbis: “§ 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor”. Ora, a própria legislação prevê a recusa do condutor, porque este deve sofrer algum tipo de sanção, pela simples recusa de se submeter a tal exame, sendo que é este um direito individual e personalíssimo do indivíduo? Senão vejamos, o artigo 3º e 4º da lei 4.898/65 ou ainda, o artigo 350 Código Penal. Art. 3º – Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: I – à liberdade de locomoção; Art. 4º – Constitui também abuso de autoridade: a)                               ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; Art. 350 – Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder: IV – Efetua, com abuso de poder qualquer diligência. Para Celso Antônio Bandeira de Mello[30], o abuso de autoridade: “[…] se dá no caso de meios coativos que bem, por isso, interferem energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida. A via da coação só é aberta para o Poder Público quando não há outro meio eficaz para obter o cumprimento a pretensão jurídica e só se legitima na medida em que é não só compatível como proporcional ao resultado pretendido e tutelado pela ordem normativa. Toda coação que exceda ao estritamente necessário à obtenção do efeito jurídico licitamente desejado pelo Poder Público é injurídica. Este eventual excesso pode se apresentar de dois modos: a) a intensidade da medida é maior que a necessária para a compulsão do obrigado; b) a extensão da medida é maior que a necessária para a obtenção dos resultados licitamente perseguíveis”. Segundo Gilberto Passos de Freitas e Vladimir passos de Freitas[31]: “O regime de liberdades públicas em que vivemos assegura o uso normal dos direitos individuais, mas não autoriza o abuso, nem permite o exercício anti-social desses direitos. As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionalmente ao bem-estar social. Essas restrições ficam a cargo da Polícia Administrativa. Mas, sob a invocação do Poder de Polícia, não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição”. Como demonstrado, a pratica dos agentes de trânsito em obrigar o condutor de veículo automotor a se submeter ao exame do bafômetro, ou ainda, puni-lo com o crime previsto no artigo 330 do Código Penal[32] é sim um verdadeiro abuso de autoridade, pois como já aventado a própria legislação no artigo 277 § 2ª prevê a recusa, além de dar outros rumos para a autoridade verificar se o motorista encontra-se ou não embriagado, inclusive com a possibilidade de prova testemunhal, já que no referido § o legislador narra, que a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas. 5. Da prova Para iniciarmos este tema, a de ser colocado em pauta, a origem e o significado de prova, portanto, para Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha[33] a prova: “[…] origina-se do latim probatio, podendo ser traduzida como experimentação, verificação, exame, confirmação, reconhecimento, confronto etc., dando origem ao verbo probare (probo, as, are). É usado em sentidos diversos. Num sentido comum ou vulgar (verificação, reconhecimento etc.) significa tudo aquilo que pode levar ao conhecimento de um fato, de uma qualidade, da existência ou exatidão de uma coisa. Como significado jurídico representa os atos e os meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados. Contudo, em quaisquer de seus significados, representa sempre o meio usado pelo homem para, através da percepção, demonstrar uma verdade. A verdade chega à inteligência humana através de um meio de percepção. Destarte, a prova pode ser entendida como todo o meio usado pela inteligência do homem para a percepção de uma verdade”. Ainda segundo o autor Adalberto Aranha[34]: “O fato da lei penal obrigar o acusado a se defender, tanto que ao contumaz e ao que não o tem é dado defensor dativo, e a falta do exercício de defesa importar em nulidade absoluta não desfiguram o ônus probatório. Há que se estabelecer uma nítida separação. A obrigação é a de ser defendido, sob pena da sanção correspondente que é a nulidade, entendida como a prática de atos defensórios necessários, como a presença às audiências, acompanhamento das provas, alegações finais etc. A produção de prova é apenas um ônus, e, como tal, quem não a realiza de forma alguma viola o princípio da obrigatoriedade da defesa. Defender-se ou ser defendido é obrigação processual; produzir a prova é apenas um ônus. Daí por que não constitui nulidade por ausência da obrigatoriedade do exercício do direito de defesa a não-produção de provas”. Como ressaltado pelo autor “defender-se é uma obrigação processual, já a produção de prova é apenas um ônus”, ônus este que está expressamente estabelecido no Código de Processo Penal[35] que diz: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”. O nosso Código de Processo penal[36] ainda estabelece que ”Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Neste sentido, preleciona Jorge Henrique Schaefer Martins[37]: “Sabe-se que os crimes, no que respeita ao seu resultado, podem ser materiais, formais ou de mera conduta. A distinção entre eles interessa para o caso específico do corpo de delito e da prova pericial, em vista dos primeiros imprescindirem de sua ocorrência, situação que não se configura quanto aos demais. O crime material é aquele que necessita de um resultado externo, isto é, exige a ocorrência de um resultado, v. g., a morte, no homicídio; os ferimentos, na lesão corporal; a subtração nos crimes de furto ou roubo; o prejuízo, no crime de dano, dentre outras situações, ou, em outras palavras, aquele que não resta consumado sem que tenha ocorrido o dano efetivo do direito concreto. O crime de natureza formal consubstancia-se naquele onde a realização do objetivo do agente não é indispensável, visto que a conduta e o resultado decorrente do tipo penal configuram-se no momento do fato. Por fim, o crime de mera conduta exige para o seu reconhecimento, apenas o exercício de atividade, sem a obrigatoriedade de um resultado material. O corpo de delito somente se faz indispensável nos crimes de natureza material”. Ainda com relação ao corpo de delito, José da Cunha Navarro Paiva[38] relata que: “[…] é mister reconhecer, que é assaz difícil reunir o conjunto de todos os elementos do corpo de delito, salvo nos delitos compostos de elementos materiais muito simples. O momento mais favorável para apreender o corpo de delito é o flagrante delito, e ainda assim só com relação aos seus elementos no tempo presente, porque o passado desapareceu, e o futuro é contingente, sobretudo nos crimes de ferimentos e de ofensas corporais, de que podem resultar fenômenos, que nem sempre podem prever-se à priori. Depois do flagrante delito, o corpo de delito como que se dissolve, desconjuntando-se, alterando-se ou desvanecendo-se os membros que o constituem, não podendo reconstruir-se senão metafisicamente por meio de recordações, depoimentos, conjeturas ou raciocínios”. Portanto, abre-se aqui duas vertentes, quais sejam, o bafômetro na esfera Administrativa / processual administrativa e outra na esfera penal / processual penal, pois, na esfera penal é obrigatório o resultado do ilícito cometido, já na esfera administrativa, apenas é necessária a verificação da ingestão de bebida alcoólica superior ao limite estabelecido em lei, os quais, veremos oportunamente. 5.1 Do bafômetro como prova (se lícita ou ilícita) A prova pode se dar de várias formas, como, testemunhal, documental, indiciária e pericial, sendo que, o bafômetro se enquadra na prova pericial, pois através dele, verifica-se qual a quantidade de álcool ingerido pelo condutor de veículo automotor. Segundo Jorge Henrique Schaefer Martins[39] a prova pericial: “[…] quando efetivada na fase investigatória, justificada pelo risco de desaparecimento dos elementos que possam instruí-la, reveste-se de cautelaridade, não sendo dado ao indiciado o oferecimento de quesitos, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. […] a prova pericial reveste-se de relevância, em virtude da evolução tecnológica, vez que atualmente se pode obter a confirmação da presença física do agente no local do fato, ou mesmo da autoria por exame de DNA, sendo possível confirmar-se a voz de um interlocutor em conversa telefônica pelo exame próprio, aplicando-se os princípios de fonética acoplados a aparelhos sofisticados que medem a graduação das ondas vocais, enfim, existe todo um aparato técnico e tecnológico apto a dirimir dúvidas importantes em um processo”. Para podermos verificar se o bafômetro é uma prova lícita ou não, é necessário o ensinamento de Maria Cecília Pontes Carnaúba[40] que diz: “Há duas espécies de provas ilegais, quais sejam: as ilegítimas e as ilícitas propriamente ditas. As ilegítimas são aquelas produzidas de modo a afrontar a lei processual penal. É o caso das pessoas que, em função do ofício ou profissão, devem guardar sigilo, como os padres, advogados, psicólogos etc. sendo tomados depoimentos dessas pessoas relativamente a assuntos que conhecem em função do exercício de suas profissões, a prova é nula. A nulidade fundamenta-se, in casu, no art. 207 do Código de Processo Penal, pois as provas obtidas estão em desacordo com a lei processual penal, que fulmina de nulidade a produção de provas que não sejam acordes com os procedimentos e circunstâncias por ela exigidos. As provas ilícitas, por seu turno, são aquelas obtidas através de meios ilícitos, são provas cuja obtenção viola lei material. A ilicitude ocorre em função da forma pela qual a prova é colhida”. Ainda sobre o tema preleciona Luiz Francisco Torquato Avolio[41], sobre o que são provas ilícitas, sendo estas que interessam ao nosso estudo: “[…] por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, porque, como vimos, a problemática da prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana; mas, também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram definidos na ordem infra-constitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência, e outros. Para a violação dessas normas, é o direito material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando da violação do sigilo de correspondência ou de infração à inviolabilidade o domicílio, ou ainda de uma prova obtida ob tortura, haverá sanções penais para o infrator. O direito processual mantinha-se, até pouco tempo atrás, alheio a essa realidade Há que se estabelecer uma nítida separação”. Como bem ressaltado pela autora, “a prova ilícita é aquela que viola um direito constitucional”, portanto, temos, mais uma vez, duas vertentes, quais sejam, se o condutor de veículo automotor quiser se submeter ao bafômetro, sem ser compelido a fazer, a prova será lícita e conseqüentemente válida, agora, se o condutor negar-se a fazer o exame do bafômetro, por qualquer razão que seja, e por razões alheias a sua vontade for compelido a fazê-lo, indubitavelmente esta prova será considerada ilícita, portanto, não podendo ser utilizada em qualquer tipo de processo. A constituição federal em seu artigo 5º inc. LVI é clara no que diz respeito às provas ilícitas, então vejamos: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Mesmo a constituição Federal expressamente dizendo que é inadmissível a prova ilícita no processo, caso esta, seja admitida, segundo Luiz Francisco Torquato Avolio[42] ocorreram tais procedimento: “[…] o alcance dessa disposição deve extrapolar a fase da admissibilidade das provas, propriamente dita, para abranger os demais momentos processuais relativos à prova, quais sejam os da sua produção e valoração pelo juiz, em qualquer estado e grau do procedimento, como teria sido mais prudente que dispusesse, para evitar qualquer interpretação colidente com o próprio espírito das vedações probatórias; A conseqüência que decorre da utilização da prova ilícita é, inapelavelmente, a da sua ineficácia, como imposição lógica da sua inexistência jurídica como ato ou como prova; Com relação à sentença que nelas se baseou, será inquinada de nulidade, dando margem à revisão criminal ou ao habeas corpus;” Ainda sobre o assunto Maria Cecília Pontes Carnaúba[43], traz um interessante comentário a respeito do porque não serem admitidas as provas ilícitas nos processos, então vejamos: “Como se vê, a falta de efetividade dos limites aos métodos de persecução e investigação criminal gera inquietação social pela insegurança que impõe aos indivíduos. Fortalece o poder estatal a ponto de subjugar as pessoas, negando-lhes o respeito à sua cidadania, reduzindo-as à subserviência. É um sistema de mantença da ordem pública e de combate à criminalidade que não conta com a probabilidade de perdurar no mundo moderno. Em função da própria história da civilização ocidental, com o advento do Cristianismo, o homem aceitou que todo os seres humanos têm natureza semelhante. São merecedores de igual respeito individual e contam com dignidades equivalentes entre si. Inaceitável, portanto, uma situação que os subjugue ao arbítrio estatal, fortalecendo o poder deste em prejuízo do bem-estar dos cidadãos. Talvez seja em função desse passado histórico do Brasil eu eminente Ministro do STF Sepúlveda Pertence recomenda que se leve às últimas conseqüências as garantias constitucionais, mesmo que resulte na absolvição de criminosos comprovados se as provas contra si coligadas o foram por meios ilícitos”. Conforme exposto, a prova é considerada ilícita, se confrontar norma material ou garantias constitucionais, quais sejam, a igualdade entre homens, a não tortura, o pensamento, a saúde, a crença, a atividade intelectual, a intimidade, a vida, a honra, o domicílio, o sigilo da correspondência, a locomoção, o acesso à informação etc., mas acima de tudo a liberdade, liberdade está que deve ser exercida em todos os sentidos pelos seres humanos, ficando resguardado tais garantias que segundo o Ministro do STF “recomenda que se leve às últimas conseqüências”, ficando, portanto, prejudicado todo e qualquer tipo de prova que seja produzida ferindo tais garantias. Segundo Luiz Francisco Torquato Avolio[44], isso acontece porque a moderna doutrina processual entende que: “[…] o juiz deve investigar a verdade material, não se contentando apenas com os fatos que a acusação e a defesa submetem à sua consideração, mas admite limites a essa atividade, visto que, como ressalta Baumann, “o direito não deve ser realizado a qualquer preço”. Todo o direito processual, prossegue o autor, nega o princípio segundo o qual o fim justifica os meios, por existir uma relação conflitiva entre o interesse da comunidade jurídica em realizar o direito material (através da persecução penal) e o interesse dos cidadãos afetados em seus direitos pelo processo penal. Conclui encontrar-se superado o conceito de verdade, a “verdade forense”, ou seja, a verdade obtida por vias formalizadas. O princípio do livre convencimento do juiz, no sentido de liberdade na valoração da prova, é perfeitamente compatível com um procedimento probatório disciplinado pela lei, inexistindo contradição, como veremos, com as regras que disciplinam a sua introdução material no processo. O acertamento judicial não é mais visto como uma operação técnica burocratizada, que possa suprimir o diálogo e o confronto de opiniões. Se a verdade é um objetivo a ser alcançado no processo, não se pode mais contrapor a verdade formal à verdade material: no processo existe apenas uma verdade, a verdade judiciária, que é aquela que emerge d um procedimento desenvolvido em contraditório, e baseado necessariamente em critérios de admissibilidade e exclusão das provas. Há que se acrescentar, contudo, que o processo só pode fazer-se dentro de uma escrupulosa regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes, abrindo-se a escolha, refletiva por Cordero, entre dois processos: um, em que a dignidade do homem é aviltada; outro, em que é respeitada. Este último torna tolerável até mesmo os inevitáveis erros. A dicotomia defesa social-direitos de liberdade assume freqüentemente conotações dramáticas no juízo penal, avultando a obrigação do Estado de sacrificar ao mínimo os direitos de personalidade do acusado como pedra de toque de um sistema de liberdades públicas, no contexto de um Estado de Direito”. Vimos, portanto, que o juiz deve buscar a verdade judiciária no processo, não mais a verdade material ou real, pois deve ser respeitada, no mínimo que seja, a dignidade humana, já que nós estamos em um Estado Democrático de Direito, não sendo mais plausível a busca pela verdade material usurpando os direitos que durante anos foram almejados e que hoje fazem parte de uma estrutura de um Estado de Direito, sendo elevados, muitas vezes, a princípios constitucionais, ressalvando sempre a dignidade da pessoa humana. 6. No processo administrativo Como já vimos, a Administração Pública utiliza-se do poder de polícia administrativa para impor limites ao exercício de direitos e liberdades dos indivíduos, como decorrência da utilização deste poder e, caso haja descumprimento das obrigações impostas pela Administração Pública, gera para este, a possibilidade de impor sanções, neste sentido, preleciona Odete Medauar[45] que: “A imposição de sanções norteia-se pela legalidade das medidas punitivas, descabendo à autoridade “inventa-las”. O requisito de competência também prevalece. Além do mais, deve ser assegurado, ao sujeito, contraditório e ampla defesa, por força da Constituição Federal, art. 5º, LV. No caso das multas de trânsito, a existência de prazo suficiente para recorrer e ter o recurso apreciado, antes do vencimento, atende a essas garantias, pois o efeito patrimonial se concretiza no pagamento. Dentre as sanções, citem-se: as formais – cassação de licença, revogação de autorização; as pessoais – quarentena; as reais (atuação sobre coisas, tolhendo sua disponibilidade) – apreensão e destruição de gêneros alimentícios deteriorados, apreensão de armas e instrumentos usados na caça e pesca proibidas, guinchamento de veículos; as pecuniárias – multa única e multa diária; impedimentos temporários ou definitivos de exercícios de atividades – suspensão de atividades, interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos, embargo de obra, demolição de obra, demolição de edificação”. A autora[46] ainda se manifesta no seguinte sentido; “Na esfera administrativa o termo acusados designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas autuações, das quais decorrerão conseqüências punitivas; por exemplo: imposição de sanções decorrentes do poder de polícia, inclusive sanções de trânsito; atuações disciplinares sobre servidores e alunos de escolas públicas; atuações disciplinares que, por delegação, cabem às ordens profissionais; aplicação de sanções por má execução de contratos administrativos”. Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello[47] traz em seus ensinamentos a estreita ligação entre infração e sanção administrativas, que segundo ele: “[…] são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte a norma, e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra. Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera. Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não á, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativa e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boa-mente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta. […] Sanção administrativa é a providencia gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação da sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetiva-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada. São muito variadas as relações de Direito Administrativo, são também muito variadas as modalidades de sanção. Assim, existem: a) advertência; b) sanções pecuniárias – isto é, multas; c) interdição de local ou estabelecimento – como o fechamento de uma fábrica por poluir as águas; d) inabilitação temporária para certa atividade – como a suspensão do direito de licitar, ou da carteira de habilitação de motorista; e) extinção de relação jurídica entretida com o Poder Público – como as cassações de licença de funcionamento ou a decretação de caducidade de uma concessão de serviço público; f) apreensão ou destruição de bens – como, respectivamente, de equipamentos de pesca ou de caça utilizados fora das normas e de edificação construída em desobediência à legislação edilícia. Hoje não mais se admite a figura da prisão administrativa, sanção considerada pelo STF como inconvivente com o art. 5º, LV e LVI, da Constituição Federal”. Como vimos, cabe a Administração Pública resguardar e até punir quem de certa forma infringe a norma, neste caso a lei de trânsito, que estabelece regras de conduta para os condutores de veículos automotores, sendo certo, que tal norma é deveras conflitante em sua redação, pois no código de transito existem dois artigos que tratam especificamente sobre a condução de veículo automotor após ingestão de bebida alcoólica, são eles os artigos 165[48] e 276 da lei 9.503/97, in verbis: Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia. Como podemos verificar, no artigo 165, o legislador proíbe a ingestão de bebida alcoólica, em qualquer nível, estando este artigo elencado no capítulo “DAS INFRAÇÕES”, o artigo faz menção à ”dirigir sob a influência de álcool ou qualquer substância entorpecente”, vedando completamente qualquer quantidade, mas, a mesma lei em seu artigo 276 elencado no capítulo “Das Medidas Administrativas”, relata que “a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor”, portanto, há uma discrepância entre dois artigos que tratam da mesma matéria. Esta análise se faz necessária para verificarmos que o próprio código admite a ingestão de bebida alcoólica, contanto que, não ultrapasse o limite de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue, que é verificado por exames como o bafômetro, exame de sangue etc., mas como já vimos, tais exames ferem os direitos individuais, e se quiser, o condutor de veículo automotor poderá se recusar a fazer, pois alem de ferir tais direitos, a própria legislação de trânsito permite tal possibilidade. Ocorre que, como já vimos, o condutor de veículo automotor esta “obrigado” a fazer o exame do bafômetro, caso se envolva em acidente de trânsito ou que seja alvo de fiscalização de trânsito, pois bem, estando o condutor de veículo automotor enquadrado em uma das duas hipóteses, a autoridade de trânsito, conforme o art. 269[49] inc. IX da lei 9.503/97, teria que, amigavelmente, perguntar se o condutor de veículo automotor, gostaria de fazer o bafômetro, tendo em vista, as garantias constitucionais, já vistas, que permitem ao condutor se recusar a fazer tal exame sem qualquer tipo de prejuízo a sua pessoa. Temos ai, a grande problemática da utilização do bafômetro na esfera administrativa, pois, o próprio código admite uma pequena ingestão de bebida alcoólica antes de dirigir[50], e, estando o condutor de veículo automotor entre as hipóteses supra mencionadas, como fará a autoridade de trânsito para verificar se o motorista ingeriu ou não bebida alcoólica, ou, caso tenha ingerido, qual a quantidade ingerida, vez que o código admite uma certa quantidade? Vejamos o artigo 280 da lei 9.503/97 do capítulo “DO PROCESSO ADMINISTRATIVO” in verbis: Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: I – tipificação da infração; II – local, data e hora do cometimento da infração; III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; IV – o prontuário do condutor, sempre que possível; V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou do equipamento que comprovar a infração; VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração. § 1º (vetado); § 2 º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN; § 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte; § 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. Ora, a autoridade verificando a infração deverá lavrar o auto, que será enviado a autoridade competente, e esta, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível[51], sendo que, será expedida notificação ao proprietário do veículo[52] o qual terá um prazo não inferior a trinta dias[53] contados da data da notificação. Mas, caso o condutor de veículo automotor se recusa a fazer o bafômetro, como a autoridade ira verificar se o mesmo ingeriu bebida alcoólica, ou se ingeriu qual a quantidade? Isto se faz necessário, pois como já amplamente relatado, o código permite uma certa quantidade, quantidade esta que sem sombra de dúvidas não pode ser verificada a olho nu, sendo necessário um exame para aferir. A autoridade, no uso do poder de polícia administrativa, não pode obrigar o condutor de veículo automotor a se submeter ao bafômetro, sendo certo que, para o agente de trânsito lavrar o auto de infração deverá comprovar efetivamente que aquele se encontra impossibilitado de dirigir, pois infringiu o art. 276 da lei 9.503/97, extrapolando o limite de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. O legislador tentou achar outras formas de se verificar que o condutor de veículo automotor encontra-se proibido de dirigir, pois ultrapassou o limite estabelecido na legislação, tendo sobre si as penalidades legais, esta nova tentativa veio expressa na lei 11.275/06 que alterou os artigos 165, 277 e acrescentou o inciso V no artigo 302, da lei de trânsito, vejamos as alterações, in verbis: Art. 1o Esta Lei altera os arts. 165, 277 e 302 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. Art. 302. ………………………………………………………………………………………………… Parágrafo único. …………………………………………………………………………………….. V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (grifos nossos).     Como podemos verificar do § 2o da lei supra mencionada, no caso de recusa do condutor, a infração poderá ser caracterizada mediante outros meios de provas em direito admitidos, licitamente é lógico, ocorre que, como vimos, não há outra forma de se verificar efetivamente a quantidade de bebida alcoólica consumida pelo condutor, senão, pelos exames de sangue ou pelo bafômetro, é impossível qualquer ser humano, apenas olhando pra o condutor, simplesmente dizer, “esse motorista está com 2,4 por cento de álcool no sangue”, impossível, até mesmo para um profissional gabaritado, com, por exemplo, um médico. O legislador ainda continua, “acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor”, mas a meu ver, mas uma vez o legislador se equivocou, pois nenhuma pessoa é igual à outra, nem fisicamente nem biologicamente, existem pessoas que ao ingerir uma dose de whisky, por exemplo, ficam completamente embriagadas, portanto, estão impossibilitadas de dirigir, mas, a concentração de álcool no sangue daquela pessoa com certeza estaria autorizada para dirigir, pois a concentração de álcool no sangue é menor que a legalmente autorizada. Por outro lado, existem pessoas que podem consumir alta quantidade de bebida alcoólica, que certamente, pelos exames de sangue ou pelo bafômetro, estariam impossibilitados de dirigir, mas, no entanto, não apresentam qualquer tipo de notórios[54] sinais de excitação[55] ou torpor[56] provenientes do consumo de bebida alcoólica. Porém, faço uma ressalva, pois como já vimos, para lavrar a infração de trânsito, deve o agente ter presenciado o ato da infração, pois como ocorre na prática, ele não pode multar alguém que ultrapassou o sinal vermelho porque testemunhas ou outra autoridade viu, ele mesmo deve ter presenciado, mas o código fala em “outras provas em direito admitidas”, sendo certo que, a meu ver, se o condutor de veículo automotor se recusar a fazer o exame do Bafômetro, a autoridade, pelo poder de polícia e pela fé-pública que lhe é peculiar, poderá lavrar a infração, mas também deverá utilizar-se de testemunhas, para que não ocorra abuso de autoridade, pois, corre o risco de que, verificando a autoridade, que o condutor se recusa a fazer o exame do bafômetro, e, sem estarem presentes os notórios sinais de embriagues, excitação ou torpor, ser acometido com uma “falsa comprovação” de que estaria alcoolizado, sendo que a meu ver, deverá se precaver com, pelo menos, duas testemunhas. Portanto, se o condutor de veículo automotor quiser se submeter ao exame do bafômetro, esta será uma prova lícita e válida, ou ainda, se pelas outras formas de provas em direito admitidas, como a testemunhal, só será válida, se a pessoa estiver, como diz a lei, com notórios sinais de embriaguez, como não conseguindo falar ou falando enrolado, andar, com cheiro de bebida alcoólica, em fim, que sem sombra de dúvidas, a um simples olhar, possa se verificar que aquela pessoa ingeriu uma alta quantidade de bebida alcoólica e que se encontra impossibilitado de dirigir, abrindo, pois, para o condutor de veículo automotor a possibilidade da ampla defesa, para que se a autoridade lavrar a infração com a juntada de duas testemunhas, abrirá para aquele a possibilidade de também provar que não está embriagado também com base em testemunhas. 7. No processo penal O legislador elencou no código de trânsito brasileiro, lei 9.503/97, como crimes as seguintes condutas: homicídio culposo, lesão corporal culposa, omissão de socorro, fuga do local do acidente, embriaguez ao volante expondo em dano potencial a incolumidade de outrem, violação da suspensão ou proibição imposta, participação em competição não autorizada, direção de veículo sem permissão ou habilitação, entrega de veículo a pessoa não habilitada, excesso de velocidade em determinados locais e ainda, fraude no procedimento apuratório, sendo todos estes procedimento obviamente ligados à condução de veículos automotores. Porém, para este nosso estudo o que nos importa é o crime de embriaguez ao volante previsto no artigo 306 do código de transito[57], in verbis: Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Como se pode verificar do artigo supra citado, não basta que o motorista que esteja conduzindo veículo automotor esteja embriagado, mas sim para que se configure o crime de embriaguez ao volante deve estar expondo a dano potencial a incolumidade de outras pessoas, caso esteja dirigindo sob efeito de bebida alcoólica, mas não coloque em perigo de dano a incolumidade de outras pessoas, não será crime, mas sim, configurar-se-á infração administrativa. Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves[58] prelecionam no seguinte sentido: “[…] o tipo exige que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, e, por isso, não basta que o agente se encontre embriagado, sendo necessário que se demonstre que ele dirigia de forma anormal (zigue-zague, contramão de direção, subindo na calçada, cruzando sinal vermelho etc.). Nesses casos, o bem jurídico é atingido, ou seja, a segurança viária tem seu nível rebaixado pela conduta do agente e, assim, o delito se configura, ainda que a conduta não tenha atingido pessoa certa e determinada. Por isso, pode-se afirmar eu crime de embriaguez ao volante não é rime de perigo abstrato ou concreto (à incolumidade de outrem), mas sim crime de efetiva lesão ao em jurídico (segurança viária). Em suma, se fosse crime de perigo abstrato, bastaria à acusação a prova da conduta (dirigir em estado de embriaguez), hipótese em que a situação de risco seria presumida; se fosse crime de perigo concreto, seria necessário que se provasse que pessoa certa e determinada fora exposta a situação de risco. Acontece que, sendo crime de efetiva lesão ao bem jurídico (segurança do trânsito), pode-se concluir que cabe à acusação demonstrar que o agente, por estar sob a influência do álcool, dirigiu de forma anormal, ainda que sem expor a risco determinada pessoa”. Pelo exposto, vemos que, para a matéria penal pouco importa se o condutor de veículo automotor está ou não dirigindo sob a influencia de álcool e em que quantidade esta foi ingerida, mas sim, para que se materialize o delito, este deve estar expondo a dano a incolumidade de outrem, com relação ao fato de estar embriagado é importante mencionar os estudos de Paulo José da Costa Júnior e Maria Elizabeth Queijo[59] sobre o assunto in verbis: “[…] a embriaguez só se apresenta quando o grau de intoxicação atinge sensivelmente a conduta do indivíduo, prejudicando-o. Desta forma, se a concentração de álcool está em 0 e 0,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, há ausência de intoxicação. Se está entre 0,5 e 1,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, a fase é a inicial da alcoolização. Entre 1,5 e 2 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, há embriaguez; e acima de 2 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos, há embriaguez completa. Em suma: – de 0 a 0,5 – ausência de intoxicação; – de 0,5 a 1,5 – fase inicial de alcoolização; – acima de 1,5 – embriaguez. Assim, o indivíduo poderá dirigir sob a influencia do álcool se estar embriagado (concentração superior a 1,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue)”. A importância do estudo trazido a lume para este trabalho versa no sentido de que para o condutor de veículo automotor estar embriagado deve constar mais de 1,5 centímetros cúbicos de álcool por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, ocorre que, a legislação de trânsito ressalva que o motorista encontra-se impedido de dirigir com a quantidade acima de 0,6[60]. Contudo, Ariosvaldo de Campos Pires[61] ressalta que: “[…] consuma-se o crime quando o agente submete a dano potencial, isto é, a probabilidade de dano, a incolumidade pública ou a vida e a saúde de uma só pessoa, dirigindo sob a influência de álcool. A embriaguez ao volante é crime formal, de perigo concreto. Por isso, não basta a simples direção em estado alcoólico para a configuração da espécie. Mister se faz a demonstração do perigo para a incolumidade pública ou individual. Não configurado, haverá apenas a infração administrativa, prevista o art. 165 do Código de trânsito”. Como já vimos, a doutrina é pacífica no sentido de que não basta o condutor de veículo automotor estar dirigindo embriagado, mas sim, deve expor em dano potencial a incolumidade de outrem, sendo certo que o tipo penal do artigo 306 exige diversas condutas do agente para que se configure o crime de embriaguez ao volante, a primeira ação a ele imposta é que deve estar conduzindo veículo automotor, a segunda, a que se refere, é que deve estar sob a influência de álcool ou outras substâncias de efeitos análogos, e por fim, que exponha em dano potencial a incolumidade de outrem, sendo certo que, na falta de um dos elementos constitutivos do tipo penal, inexistirá o crime previsto no artigo 306, pois faltará um elemento essencial, assim como, se o motorista conduzir o veículo embriagado, mas não expor em dano a incolumidade de outrem não estará cometendo crime podendo responder apenas administrativamente, assim também não se configurará o crime do artigo 306 se expor em dano potencial a incolumidade de outrem, mas não estiver sobre os efeitos do álcool ou substâncias entorpecentes. Porém, como o tema deste trabalho refere-se ao bafômetro como meio de prova, vejamos o que a jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça diz sobre o assunto: “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, EM VIA PÚBLICA, SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MATERIALIDADE DO DELITO. RECUSA DO MOTORISTA EM SE SUBMETER AO EXAME DO BAFÔMETRO. IRRELEVÂNCIA. PROVA TESTEMUNHAL QUE PODE SUPRIR O ALUDIDO EXAME. DIREÇÃO ANORMAL. CARACTERIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO DE TERCEIROS A DANOS POTENCIAIS. DELITO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO-PROVIDO. I – A ‘influência de álcool’ de que trata o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, pode ser provada por exame bafométrico, de sangue ou mesmo por testemunhas, não sendo indispensável o exame clínico. II – A conduta do motorista que, sob efeito de álcool, dirige anormalmente, vindo a colidir seu veículo contra outro caracteriza a exposição a dano potencial a incolumidade de outrem referida pelo art. 306 da Lei 9.503/97”[62].  (Grifei). “[…]Denota-se dos autos que as provas trazidas e produzidas são totalmente contraditórias, posto que apesar do nível de álcool aferido (0,53 mg/l) no aparelho bafômetro ser superior ao permitido pela lei (0,30 mg/l), o exame de sangue constante do laudo de fls. 11 foi negativo, ou seja, não encontrou vestígios de substância alcoólica no organismo do autor/apelante. Embora o Boletim de Ocorrência possua presunção de veracidade, tal não é absoluta, podendo ser desconstituída por prova robusta. Entendo que no caso dos autos tal prova é o laudo nº 1395 do Instituto Médico-Legal, cujo resultado foi negativo para álcool etílico. Ademais, o julgador monocrático partiu de premissa equivocada ao desconsiderá-lo, sob o argumento “que o laudo de fls. 11 não se presta para afastar a presunção do laudo elaborado na hora do acidente, porque datado do dia seguinte ao evento, não existindo, aliás, evidência do momento da coleta do sangue.” Isto porque, conforme consta do referido documento o Requisitante do Exame foi a Delegacia Policial de Ipanema – Operação Verão 2002/2003, que o fez através do ofício nº 220/03, este sim datado de 03/03/03. Desta forma, o exame não foi feito em 03/03/03, posto que esta é a data do ofício que requereu a análise do sangue. Assim sendo, sendo as provas dos autos contraditórias, portanto não fazendo prova plena, é evidente que não se pode concluir com firmeza o estado de fato em que se encontrava o condutor do veículo e, por este motivo, não pode lhe ser imputada a infração descrita no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro, qual seja, dirigir sobre o efeito de álcool, em nível superior ao permitido, ou entorpecente, posto que a mesma não se encontra devidamente comprovada[…][63]” (Grifei). Antes de analisar os julgados veremos como outros Tribunais de nosso País estão julgando os casos de crimes de embriaguez no trânsito, vejamos: “PENAL. DELITO DE TRÂNSITO. LESÕES CORPORAIS. 1. Embriaguez. Prova testemunhal. A embriaguez pode ser demonstrada por meio de prova testemunhal, principalmente porque o réu não é obrigado a submeter-se ao exame de sangue ou bafômetro. 2. Dolo eventual. Comprovado. Quem, estando embriagado, conduz veiculo na contramão, em alta velocidade, assume o risco da produção do evento danoso. A unanimidade, negaram provimento ao apelo defensivo” [64]. (Grifei). Denota-se das jurisprudências aqui colacionadas que assim como o nosso Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, bem como o Superior Tribunal de Justiça tendem a julgar os casos de crime de embriaguez ao volante em um mesmo sentido, qual seja, que a embriaguez ao volante pode ser comprovada não apenas pelo exame bafométrico, mas também pela prova testemunhal, vez que, a relatividade dos efeitos do álcool sobre as pessoas se desponta de maneiras diferentes. Importante ressaltar ainda que o Superior Tribunal de Justiça[66] manifestou-se no sentido de que, o crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito, só se evidência através de atos concretos do infrator que coloque em risco a incolumidade pública que segundo conceito de Damásio de Jesus[67] é: “[…] derivada da palavra latina incolumitas, significando qualidade daquilo que está são e salvo, livre do perigo, referindo-se a coisas ou pessoas como interesse coletivo. Incolumidade pública significa segurança de todos os cidadãos. Relaciona-se com um número indeterminado de pessoas”. A interpretação dada à redação do artigo 306[68] do código de trânsito pela maioria da jurisprudência decorre de uma interpretação literal do referido diploma legal, pois, o artigo em nenhum momento indica a quantidade de álcool que deve ser ingerida pelo condutor, apenas mencionando “sob a influência de álcool”, portanto, o bafômetro é inservível para provar que o condutor de veículo automotor cometeu o delito ali descrito, vez que, para a jurisprudência pouco importa a quantidade de álcool ingerida, mas sim, se o condutor de veículo automotor a ingeriu. Portanto, para a consumação do crime de embriaguez ao volante, pouco importa se o condutor ingeriu álcool em alta ou em mínima quantidade, pois, caracteriza-se o crime por dois aspectos, o primeiro, por expor a dano potencial a incolumidade de outrem, o segundo, se ingeriu ou não álcool, pois, se em caso positivo presume-se que estaria sob a influência do mesmo. No entanto, o juiz poderá utilizar-se do bafômetro para condenar o condutor de veículo automotor enquadrado na hipótese do artigo 306 do código de trânsito, mas, se em caso de recusa do condutor, ou mesmo, por falta de homologação no bafômetro por parte do INMETRO ou até mesmo pela inexistência do bafômetro no momento do ocorrido, o magistrado poderá julgar com base em provas testemunhais, pois como já dito, se o condutor de veículo automotor ingeriu álcool em qualquer quantidade já cumpriu um dos três requisitos estabelecidos por lei, neste sentido, o bafômetro, frente a outras provas em direito admitidas, tornar-se-á inócuo. 8. Conclusão Como vimos neste trabalho, o bafômetro quando imposto pela autoridade policial, seja ela de trânsito ou não, fere alguns princípios Constitucionais e de direito, pois, a própria lei de trânsito prevê a possibilidade de o condutor de veículo automotor se recusar a ser submetido ao bafômetro. Contudo, muitas vezes o bafômetro é aferido e em diversos casos utilizado como meio de prova contra o condutor de veículo automotor, como analisamos, a prova do bafômetro só será válida se não for ilegítima ou ilícita, temos por ilegítima aquelas que são produzidas de modo a afrontar a lei processual, como, por exemplo, as pessoas que devem guardar sigilo em função de suas profissões, como os advogados, médicos etc., neste caso a prova é nula, pois está em desacordo com a lei processual penal, já a prova ilícita, é aquela obtida através de meio ilícito, viola lei material, no caso a ilicitude ocorre pela forma que a prova é colhida. Por sua vez, ambas as formas são repudiadas no processo, tanto penal quanto administrativo, mormente porque a nossa Constituição Federal veda expressamente as provas obtidas por meios ilícitos. Ademais, o bafômetro quando utilizado no processo administrativo serve somente para comprovar a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor de veículo automotor, não comprovando efetivamente se aquela pessoa está ou não embriagada, pois, como vimos, o álcool ingerido por uma pessoa que não é acostumada a beber tem seus efeitos rapidamente demonstrados, já para outras pessoas que consomem bebida alcoólica freqüentemente, os efeitos do álcool demoram a aparecer, quando efetivamente aparecem. Contudo, o bafômetro no processo penal, no que se refere ao crime de embriaguez do artigo 306 do Código de Trânsito, é inservível, pois, pouco importa a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor de veículo automotor, mas sim, se este efetivamente ingeriu bebida alcoólica, vez que, o crime exige diversas condutas do agente, entre elas, estar dirigindo veículo automotor, causar dano a incolumidade pública e estar sob a influência de álcool, na falta de qualquer um destes requisitos inexistira o crime, além do mais a jurisprudência tem se posicionado no sentido de admitir muitas vezes a prova testemunhal ao em vez do bafômetro, mormente porque esta apenas afere a quantidade de bebida alcoólica ingerida e não se o agente está ou não embriagado.           Assessor de Desembargador Tribunal de Justiça do Paraná; Especialista em Processo Civil pela PUC/PR e em Direito Público pela ESMAFE/PR
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-40/a-utilizacao-do-bafometro-como-meio-de-prova/
Prerrogativa de foro no inquérito policial
Trata-se de estudo acerca da atribuição para investigação de crimes cometidos por pessoas detentoras de prerrogativa de foro. Parte da doutrina e da jurisprudência entende que tais investigações devem ser conduzidas pelos Tribunais com competência para processar e julgar as autoridades. Outra corrente, porém, defende que tais investigações devem ser feitas pela polícia judiciária por meio de inquérito policial a ser aforado, no prazo legal, perante o Tribunal competente. A partir da análise de casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e à luz do sistema acusatório, o estudo acaba por discorrer acerca das investigações realizadas diretamente por magistrados em nosso país.
Direito Processual Penal
1. Introdução O ano de 2005 foi farto em escândalos envolvendo grandes autoridades da República. A mídia de nosso país passou boa parte de seu tempo ocupada com a investigação de agentes públicos, destacando os trabalhos desenvolvidos pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário. Chamam a atenção os equívocos cometidos pela imprensa acerca do papel de cada uma destas instituições ou órgãos nas investigações em curso, o que é até certo ponto compreensível, dado que os jornalistas, em geral, são leigos em Direito. A esse respeito, porém, há uma relevante questão não resolvida nem mesmo nos meios jurídicos, qual seja, o papel dos Tribunais nas investigações criminais em desfavor de detentores de prerrogativa de foro. Colocando a questão sob uma outra ótica: de quem seria a atribuição de investigar agentes políticos que devam ser julgados criminalmente perante Tribunais? Dos próprios Tribunais? 2. O sistema processual penal brasileiro A doutrina brasileira distingue três tipos de sistema processual penal: o acusatório, o inquisitivo e o misto. O processo acusatório se caracteriza por ser público, possuir contraditório, oportunizar a ampla defesa, e, primordialmente, por distribuir as funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos. O sistema inquisitivo, por sua vez, é sigiloso, não contraditório e reúne na mesma pessoa ou órgão as funções de acusar, defender e julgar. Já o sistema misto possui uma fase inicial preliminar inquisitorial e uma segunda fase acusatória. O nosso país adota o sistema acusatório. As funções de acusar, defender e julgar são distribuídas. A acusação é, em regra, atribuição do Ministério Público. Ao acusado pessoalmente e a seu defensor, necessariamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, cabem a defesa. A função de julgar cabe ao Poder Judiciário. Parte da doutrina entende ser misto o nosso sistema, por ter uma fase inquisitorial – a investigação pré-processual – e uma segunda fase com todas as características do sistema acusatório – o processo propriamente dito. A essa posição tem-se objetado que o processo brasileiro inicia-se com a acusação oferecida pelo Ministério Público, não havendo razão para levar em conta a fase pré-processual (inquérito policial) na classificação de nosso sistema. Há um consenso em nosso país de que o sistema acusatório é o único apto a garantir a imparcialidade do julgador, uma vez que o coloca a salvo de um comprometimento psicológico prévio decorrente do exercício  da função de defesa ou de acusação. É ele, sem dúvida, o único sistema compatível com as garantias individuais previstas na atual Constituição (art. 5º., incisos LIII, LIV, LV, LVI, LVI, LXI, LXII, LXV, LXVIII). O Supremo Tribunal Federal, como veremos adiante, já reconheceu expressamente a inconstitucionalidade de determinados dispositivos legais por ofensa ao sistema acusatório. Não se pode ignorar, porém, que a investigação pré-processual, tendo como destinatário o órgão acusador, também deve ser desempenhada por órgão diverso ao do julgamento, sob pena de ofensa ao sistema acusatório. No Brasil, tradicionalmente, a investigação pré-processual é atribuída às polícias judiciárias (Polícia Civil e Polícia Federal). Aliás, foi a preocupação em assegurar a imparcialidade do Juiz que inspirou  o artigo 252, inciso, II, do Código de Processo Penal, que prevê o impedimento do Juiz de atuar em processos em que tenha atuado anteriormente não só como defensor e órgão do Ministério Público (acusação), mas também como autoridade policial (investigação pré-processual). Em contrapartida, o mesmo Código previu a possibilidade de o Juiz iniciar o processo que tenha contravenções penais como objeto (artigos 26 e 531). Os dispositivos mencionados não foram recepcionados pela atual Constituição, como já reconheceram nossos Tribunais superiores, em virtude de incompatibilidade com o artigo 129, inciso I, da Constituição, que atribui ao Ministério Público, privativamente, a promoção da ação penal (STF, RHC 68.314/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJU 15.03.1991, p. 2648; STJ, RHC 2.363-0/DF, rel. Min. Jesus Costa Lima, RSTJ, 7/245). 3. Investigações pré-processuais no ordenamento positivo No sistema constitucional brasileiro, a investigação de crimes é, em regra, atribuída à polícia judiciária (Polícia Federal e Polícia Civil). É o que se infere do art. 144, § 1º, inciso IV, e § 4º. Ocorre que a própria Constituição concede a outros órgãos ou instituições, às vezes de forma implícita, a atribuição – ora exclusiva, ora concorrente – para investigar crimes. De tal maneira, os crimes militares devem ser investigados de forma exclusiva por autoridades militares – Constituição Federal, art. 144, § 4º, parte final, a contrario sensu. Para tanto, instituiu-se o inquérito penal militar (Decreto-lei nº. 1002/1969, Código de Processo Penal Militar). A Constituição abriga, também, a possibilidade de investigações conduzidas pelo Poder Legislativo, através das chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º). Houve previsão, ainda, da possibilidade de o Poder Legislativo, federal e estadual, instituir suas polícias (arts. 27, § 3º, 51, inciso V, art. 52, inciso XIII). Embora nos pareça certo que as atividades de tais órgãos não abranjam a investigação de crimes, frente à clara redação do art. art. 144, § 1º, inciso IV, e § 4º, foram criadas no âmbito de cada uma das casas do Congresso Nacional as chamadas “polícias legislativas” com atribuições para investigar crimes cometidos em suas dependências (Resolução nº. 59/2003 do Senado Federal e Resolução nº. 018/2003 da Câmara dos Deputados).  Em regime constitucional anterior, o Supremo Tribunal Federal consolidara o entendimento segundo o qual “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas dependências, compreende, consoante o Regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito” (Súmula 397). De maneira muito semelhante às disposições regimentais do Poder Legislativo, o atual Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal prevê em seu artigo 43 que “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”. E o § 1º do mesmo dispositivo, ao tratar de crimes cometidos nas dependências do Tribunal por pessoa que não possui a prerrogativa de foro, dispõe que “nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente”. O Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e até mesmo o Tribunal Superior do Trabalho adotaram disposições regimentais semelhantes. Em nível infraconstitucional, há previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº. 35/1979, artigo 33, parágrafo único) de que a investigação de crimes praticados por magistrados seja feita pelo Tribunal competente para processá-lo. Já as leis que disciplinam as atividades do Ministério Público dispõem que a investigação de infrações penais atribuídas aos procuradores seja feita por membro do próprio Ministério Público (Lei Complementar nº. 75/1993, artigo 18, parágrafo único, e Lei nº. 8.625/1993, artigo 41, parágrafo único). Até 2005, havia, também, a possibilidade de condução, por magistrado, de inquérito para apuração de crime falimentar (artigos 103 e seguintes do Decreto-lei nº. 7661/1945). O inquérito judicial era presidido pelo mesmo magistrado que conduzia o processo falimentar propriamente dito. 3.1. Investigações conduzidas por magistrados no Brasil Como vimos, há no país normas infraconstitucionais que dispõem sobre investigações pré-processuais conduzidas por magistrados nos casos de crimes cometidos por Juízes e de crimes cometidos nas dependências das sedes de Tribunais.  As normas regimentais que tratam da investigação de crimes cometidos nas dependências de Tribunais, a exemplo das normas análogas relativas a crimes cometidos na sede do Poder Legislativo, objetivavam impedir que tais poderes tivessem suas funções – e reflexamente a sua própria independência – embaraçadas por eventuais excessos da polícia judiciária praticados no interesse do Poder Executivo, sobretudo quando o órgão policial detinha poderes para realização de atos que hoje, necessariamente, exigiriam autorização judicial. É interessante destacar, contudo, que tais normas deferem a magistrados de Tribunais poderes para investigar crimes que, a rigor, não devam ser julgados originariamente por Tribunais, como se infere do § 1º do art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e dos dispositivos análogos dos regimentos dos demais Tribunais citados. Ressalte-se que tais normas não se referem a inquérito administrativo que objetiva apurar transgressão disciplinar de servidor do órgão. Os dispositivos regimentais dos Tribunais mencionam claramente a investigação de infração à lei penal. Tampouco pode-se falar que tais normas regulamentam a investigação penal de “pessoas sujeitas à jurisdição do Tribunal” (leia-se, detentoras da prerrogativa de foro), já que o parágrafo que costuma acompanhar o caput de tais dispositivos prevêem a atribuição de membros da corte para a realização da investigação nos demais casos (isto é, quando não envolver autoridades com prerrogativa de foro). Até mesmo o Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, que não possui competência para julgar processos em matéria penal, previu a instauração de inquérito por seu Presidente “quando caracterizada infração a lei penal na sede ou nas dependências do Tribunal” (artigo 36, inciso XIV).[i] [ii] É indene de dúvidas o fato de que a atribuição do Tribunal para investigar em tais casos não teria o condão de atrair sua competência para o processo e julgamento do caso, por não haver previsão constitucional para tanto. Aceitada a vigência de tais normas, haveria assim a possibilidade de Ministro do Supremo Tribunal Federal investigar crimes que só seriam julgados por aquela corte na via extraordinária. E até mesmo de Desembargador do Tribunal Regional Federal investigar crimes cometidos em suas dependências cujo processo deva ser julgado por um Juiz de Direito (não sendo o caso de crime que afete interesse da União). Também teríamos que admitir um Ministro de Corte Superior ter que representar a um Juiz de primeira instância pela prática de ato sujeito a reserva jurisdicional, já que a sua atribuição para investigar jamais poderia se converter em competência para julgar e decretar medidas cautelares. Imaginemos, assim, o recebimento de propina por funcionário do quadro administrativo do Tribunal Superior do Trabalho, nas dependências deste. No curso da investigação, a ser conduzida por um Ministro nos termos do regimento interno, pode se fazer necessária a quebra do sigilo bancário e telefônico do autor do crime. Para tanto, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho teria que oferecer representação perante Juiz Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, competente para processar e julgar o funcionário? Ou estaria ele autorizado a afastar diretamente os sigilos? O mesmo raciocínio poderia ser aplicado ao Superior Tribunal de Justiça. Tendo a investigação sido conduzida por um membro da corte, estaria ele impedido de atuar no caso, quando o processo chegasse àquele Tribunal pela via recursal? Como veremos, pelo menos nos casos de competência originária do Tribunal, o Ministro que atua na fase pré-processual participa do julgamento do feito como relator. Quanto às investigações presididas pelo Poder Judiciário para apuração de crimes cometidos por seus próprios membros, há algumas considerações importantes a fazer. A condenação criminal de Juízes ainda é algo extremamente raro em nosso país. Para muitos, o corporativismo e a atribuição privativa do Judiciário para investigar seus membros seriam os responsáveis pela impunidade em casos de crimes com envolvimento das citadas autoridades. A criação do Conselho Nacional de Justiça por emenda constitucional foi um ajuste necessário para resguardar as garantias da magistratura (EC n.º 45/2004). É necessário ponderar que as disposições legais que concedem ao Poder Judiciário a atribuição privativa de investigar seus membros objetivam concretizar o princípio da independência dos poderes, de forma a impedir, por exemplo, que o Poder Executivo utilize inquéritos policiais para pressionar magistrados. Sobre tais procedimentos trataremos adiante. Não se pode deixar de mencionar o inquérito judicial para apuração de crime falimentar, recentemente extinto do nosso ordenamento. O referido inquérito era uma excepcionalidade. Procurava-se justificar sua existência primeiramente porque a caracterização de parte dos crimes falimentares estava a depender da decisão judicial que decretava a falência (uma parte da doutrina entendia que a decisão judicial era condição objetiva de punibilidade, outra parte entendia que se tratava de elementar do tipo). Segundo, porque os dados necessários à formação da convicção do Ministério Público acerca do crime poderiam ser obtidos a partir das peças ou informações contidas nos autos do próprio processo falimentar. Mas o dado mais importante para nós, na sistemática da apuração judicial de crimes falimentares do Decreto-lei nº. 7.661/1945, era que a competência do magistrado do processo falimentar restringia-se à investigação do crime e ao recebimento da denúncia. Após, os autos deveriam ser remetidos ao juízo criminal. De tal maneira, o magistrado que investigava não julgava, aproximando a referida investigação daquelas conduzidas pelos “Juízes de instrução” em certos países da Europa. Registre-se que a Lei nº. 11.101/05 – Nova Lei de Falências – extinguiu o inquérito judicial falimentar, deixando tais crimes de ser investigados por magistrados do juízo falimentar. Agora, conforme a regra geral, cabe à polícia judiciária a investigação do crime falimentar, devendo o Ministério Público oferecer a denúncia diretamente ao juízo criminal. No direito europeu continental, é muito conhecida a figura do Juiz de instrução. Trata-se de magistrado que conduz investigações criminais auxiliado pela polícia judiciária e pelo Ministério Público. Após a conclusão da investigação, o caso é enviado a outro juízo para julgamento. Naquele continente, o papel do Juiz de instrução tem sido cada vez mais combatido. Na França, recentemente a figura do Juiz de instrução se tornou o pivô de uma grande discussão nacional iniciada após a conclusão do rumoroso caso Outreau[iii] e cujos efeitos na legislação daquele país ainda estão por vir. O Supremo Tribunal já se debruçou sobre a constitucionalidade de investigações realizadas diretamente por magistrados. Na ADI 1570, Rel. Min. Maurício Correa, julgamento em 12.02.2004, a Corte Constitucional reconheceu a inconstitucionalidade das disposições contidas na Lei nº. 9.034/1995 que atribuem funções investigatórias aos Juízes: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. “JUIZ DE INSTRUÇÃO”. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1º, I e IV, e § 4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.[iv]” Em seu voto, o Min. Maurício Corrêa discorreu sobre a figura do Juiz de instrução e o sistema acusatório: “10. O dispositivo em questão parece ter criado a figura de Juiz de instrução, que nunca existiu na legislação brasileira, tendo-se notícia de que em alguns países da Europa esse modelo obsoleto tende a extinguir-se. Não se trata, como sustentam as informações do Ministério da Justiça submetidas ao Advogado-Geral da União (fl.104), de simples participação do Juiz na coleta de prova, tal como ocorre na inspeção judicial (CPC, artigos 440 e 443). Nessa última hipótese, as partes têm direito de assistir à inspeção, prestando esclarecimentos que reputem de interesse para a causa (CPC, artigo 442, parágrafo único). Já no caso em exame, as partes têm acesso somente ao auto de diligência, já formado sem sua interferência.” E mais à frente, “em verdade, a legislação atribuiu ao Juiz as funções de investigador e inquisidor, atribuições essas conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigos 129, I e VIII e § 2 e 144, § 1 , I e IV e § 4). Tal figura revela-se incompatível com o sistema acusatório atualmente em vigor, que veda atuação de ofício do órgão julgador”. Apenas ressalve-se que, na sistemática instituída pela Lei nº. 9.034/1995, o Juiz responsável pelas diligências investigatórias seria o mesmo com competência para julgamento do processo, o que não ocorre, em geral, nos países europeus que ainda adotam o juízo de instrução. Ainda sob a alegação de incompatibilidade com o sistema acusatório, o Supremo Tribunal Federal entendeu não ser possível ao Juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido pelo Ministério Público (HC 82507/SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2002, pg 0092). Todavia, até o momento, aquele Tribunal não pronunciou a inconstitucionalidade das normas legais e regimentais que deferem a magistrados a atribuição para investigação de crimes. 4. Prerrogativa de foro A Constituição Federal de 1988 determina que uma série de autoridades deva ser processada e julgada criminalmente perante Tribunais, excepcionando a regra geral segundo a qual o processo deve se iniciar perante Juízes singulares (primeira instância). Esta regra é comumente designada de prerrogativa de foro, foro privilegiado por prerrogativa de função ou foro privativo. A regra teria sido incluída no texto constitucional em virtude das implicações que processos desta natureza possam ter. Assim, a prerrogativa de foro determina que certas autoridades públicas só podem ser processadas e julgadas perante órgãos colegiados (Tribunais), geralmente compostos de magistrados mais experientes. Não desconsideremos, entretanto, a opinião de parcela da população brasileira para quem o “privilégio” em questão contribuiria para retardar os processos criminais e impedir a efetiva punição de crimes cometidos por agentes públicos. A nossa atual Constituição Federal concede o foro por prerrogativa de função aos chefes do Poder Executivo, membros do Poder Legislativo federal e estadual, do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, bem como a Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas e chefes de missão diplomática de caráter permanente. Além desta extensa relação de autoridades, o Supremo Tribunal Federal atualmente reconhece a possibilidade de criação de prerrogativa de foro pelas Constituições Estaduais (ADI 2587/GO, rel. Min. Maurício Corrêa, Informativo 372)[v]. Quanto à atribuição para conduzir a investigação destas autoridades – que precede o processo e o julgamento – a Constituição nada dispôs. Como se percebe, não há nenhuma norma na Constituição brasileira, ou mesmo no sistema infraconstitucional, que disponha acerca da atribuição para investigar pessoas que possuem prerrogativa de foro. 4.1. A casuística no Supremo Tribunal Federal Passemos, pois, à análise de casos concretos de inquéritos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal para apurar notícias de crimes atribuídos a detentores de prerrogativa de foro. No Inquérito nº. 1504/DF (DJ 28.06.99, p.25), em trâmite perante aquela corte, o Min. Celso de Mello, em despacho datado de 17.06.1999, reconheceu a possibilidade de inquérito policial e investigação pela Polícia Judiciária em desfavor de Senador Federal, conforme se lê a seguir (trechos): “Imunidade parlamentar em sentido formal (CF, art. 53, § 1º, in fine). Garantia inaplicável ao Inquérito Policial. Precedente (STF) e doutrina. – O membro do Congresso Nacional – Deputado Federal ou Senador da República – pode ser submetido a investigação penal, mediante instauração de Inquérito Policial perante o Supremo Tribunal Federal, independentemente de prévia licença da respectiva Casa legislativa. A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido formal somente tem incidência em juízo, depois de oferecida a acusação penal… Com efeito, a garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo. Desse modo, o parlamentar – independentemente de qualquer licença congressional – pode ser submetido a atos de investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que tais medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o Supremo Tribunal Federal, no caso de qualquer dos investigados ser congressista (CF, art. 102, I, “b”)…” A questão foi mais claramente analisada pela Primeira Turma daquele Tribunal em habeas corpus impetrado por Deputado Federal contra ato de Delegado de Polícia Federal da cidade de Maringá/PR que instaurara inquérito policial para investigá-lo: “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL, INSTAURADO POR DELEGADO DE POLÍCIA. “HABEAS CORPUS” CONTRA ESSE ATO, COM ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO S.T.F. E DE AMEAÇA DE CONDUÇÃO COERCITIVA PARA O INTERROGATÓRIO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO S.T.F. PARA O JULGAMENTO DO “WRIT”. INDEFERIMENTO DESTE. 1. Para instauração de Inquérito Policial contra Parlamentar, não precisa a Autoridade Policial obter prévia autorização da Câmara dos Deputados, nem do Supremo Tribunal Federal. Precisa, isto sim, submeter o Inquérito, no prazo legal, ao Supremo Tribunal Federal, pois é perante este que eventual ação penal nele embasada poderá ser processada e julgada. E, no caso, foi o que fez, após certas providências referidas nas informações. Tanto que os autos do Inquérito já se encontram em tramitação perante esta Corte, com vista à Procuradoria Geral da República, para requerer o que lhe parecer de direito. 2. Por outro lado, o Parlamentar pode ser convidado a comparecer para o interrogatório no Inquérito Policial (podendo ajustar, com a autoridade, dia, local e hora, para tal fim – art. 221 do Código de Processo Penal), mas, se não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se. Obviamente, nesse caso, não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, o que, na hipótese, até foi reconhecido por esta, quando, nas informações, expressamente descartou essa possibilidade. 3. Sendo assim, nem mesmo está demonstrada qualquer ameaça, a esse respeito, de sorte que, no ponto, nem pode a impetração ser considerada como preventiva. 4. Enfim, não está caracterizado constrangimento ilegal contra o paciente, por parte da autoridade apontada como coatora. 5. “H.C.” indeferido, ficando, cassada a medida liminar, pois o Inquérito Policial, se houver necessidade de novas diligências, deve prosseguir na mesma Delegacia da Polícia Federal em Maringá-PR, sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal”. (HC 80592/PR, Min. Sydney Sanches, julgado em 03/04/2001, Primeira Turma, DJ 22.06.2001, p. 23). A Segunda Turma adotou o mesmo entendimento, fazendo menção ao sistema acusatório: I. STF: competência originária: ´habeas corpus´ contra decisão individual de Ministro de Tribunal superior, não obstante susceptível de agravo. II. Foro por prerrogativa de função: inquérito policial. 1. A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o Tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao Tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste “autoridade investigadora”, mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao Juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações. III. Ministério Público: iniciativa privativa da ação penal, da qual decorrem (1) a irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito policial fundado na falta de base empírica para a denúncia, quando formulado pelo Procurador-Geral ou por Subprocurador-Geral a quem delegada, nos termos da lei, a atuação no caso e também (2) por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o Juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido (HC 82507/SE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2002, pg 0092). E posteriormente:  “Competência. Parlamentar. Senador. Inquérito Policial. Imputação de crime por indiciado. Intimação para comparecer como testemunha. Convocação com caráter de ato de investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do STF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que Senador tenha sido intimado para esclarecer imputação de crime que lhe fez indiciado.” (Rcl 2349/TO, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/Acórdão Min. Cezar Peluso, julg. 10.03.2004, DJ 05.08.2005, p. 007, Ement. Vol. 2199-01 p. 0074). Mais recentemente, a Min. Ellen Gracie recusou pedido do Procurador-Geral da República de instauração de inquérito a ser conduzido diretamente pelo Supremo Tribunal Federal: 1. O Ministério Público Federal promoveu diligências junto à Receita Federal, à Controladoria-Geral da União e autoridades americanas (f. 4), e obteve documentação (f. 07/21) que noticia ter um Deputado Federal remetido ao exterior, através de Contas CCC-5, no período de 1999/2002, a vultosa importância de cento e noventa e sete milhões, novecentos e um mil, duzentos e cinqüenta e um reais e oitenta centavos. O expressivo numerário, segundo o Ministério Público Federal, precisa ser investigado no tocante à sua origem e regularidade. Principalmente é preciso saber se a vultosa importância foi declarada à Receita Federal nas declarações de imposto de renda. A documentação obtida pelo Ministério Público Federal deu origem a procedimento administrativo que foi autuado na Procuradoria-Geral da República. E com base nesse procedimento, o Procurador-Geral da República requereu, na petição de f. 02/03, o seguinte: “Ante o exposto, requer o Ministério Público a autuação deste procedimento como inquérito penal originário, com o indiciamento do Deputado Federal RONALDO CEZAR COELHO, pelo cometimento, em tese, de crime de sonegação fiscal. 6. Solicita, ainda, que seja realizada a quebra do sigilo fiscal do ora indiciado, referente aos anos-base de 1999 a 2002.” (f. 3). 2. Entre as funções institucionais que a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público, está a de requisitar a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). Essa requisição independe de prévia autorização ou permissão jurisdicional. Basta o Ministério Público Federal requisitar, diretamente, aos órgãos policiais competentes. Mas não a esta Corte Suprema. Por ela podem tramitar, entre outras demandas, ação penal contra os membros da Câmara dos Deputados e Senado. Mas não inquéritos policiais.  Esses tramitam perante os órgãos da Polícia Federal. Eventuais diligências, requeridas no contexto de uma investigação contra membros do Congresso Nacional, podem e devem, sim, ser requeridas perante esta Corte, que é o Juiz natural dos parlamentares federais, como é o caso da quebra do sigilo fiscal. Mas o inquérito tramita perante aqueles órgãos policiais e não perante o Supremo Tribunal Federal. Não parece razoável admitir que um Ministro do Supremo Tribunal Federal conduza, perante a Corte, um inquérito policial que poderá se transformar em ação penal, de sua relatoria. Não há confundir investigação, de natureza penal, quando envolvido um parlamentar, com aquela que envolve um membro do Poder Judiciário. No caso deste último, havendo indícios da prática de crime, os autos serão remetidos ao Tribunal ou Órgão Especial competente, a fim de que se prossiga a investigação. É o que determina o art. 33, § único da LOMAN. Mas quando se trata de parlamentar federal, a investigação prossegue perante a autoridade policial federal. Apenas a ação penal é que tramita no Supremo Tribunal Federal. Disso resulta que não pode ser atendido o pedido de instauração de inquérito policial originário perante esta Corte. E, por via de conseqüência, a solicitação de indiciamento do parlamentar, ato privativo da autoridade policial. Resta a quebra do sigilo fiscal. Mas essa quebra deverá ser requerida no âmbito do inquérito policial que o Ministério Público Federal pretende seja instaurado. Nesse inquérito, disciplinado no CPP, poderá o parlamentar justificar a regularidade da remessa do numerário, ou até mesmo impugnar a idoneidade da documentação apresentada. De qualquer sorte, não há, ainda, qualquer comprovação de que o parlamentar tenha se recusado a apresentar suas declarações do imposto de renda. 3. Diante do exposto, determino sejam os autos devolvidos à Procuradoria-Geral da República para as providências que entender cabíveis.(Pet 3248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Julg. 28.10.2004, DJ 23.11.2004, p. 41). O Superior Tribunal de Justiça acompanhou o Supremo Tribunal:  “PROCESSUAL PENAL – NOTÍCIA CRIME – INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL – INADMISSIBILIDADE – CPP, ART. 5º, II – PRECEDENTE DO STF (AGPET 2805-DF).- Consoante recente entendimento esposado pelo STF, não é admissível o oferecimento de notícia-crime à autoridade judicial visando à instauração de inquérito policial.- O art. 5º, II, do CPP confere ao Ministério Público o poder de requisitar diretamente ao delegado de polícia a instauração de inquérito policial com o fim de apurar supostos delitos de ação penal pública, ainda que se trate de crime atribuído à autoridade pública com foro privilegiado por prerrogativa de função.- Não existe diploma legal que condicione a expedição do ofício requisitório pelo Ministério Público à prévia autorização do Tribunal competente para julgar a autoridade a ser investigada.- É vedado, no direito brasileiro, o anonimato (art. 5º, IV, da CF/88). Agravo regimental improvido” (AgRg na NC 317/PE, Agravo Regimental na Notícia-Crime 2003/0071820-2, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Corte Especial, DJ 23.05.2005, p.118). Em sentido contrário, porém, o Ministro Marco Aurélio atendeu pedido similar do Procurador-Geral da República, instaurando inquérito para apurar suposto crime cometido pelo presidente do Banco do Central (Inquérito nº. 2206/DF), e realizando diretamente diligências investigatórias requeridas pela Procuradoria-Geral da República (Despacho de 07.08.2005, DJ de 16.08.2005, p. 008). O curioso neste caso é que, logo após o surgimento das primeiras notícias de crime supostamente praticado pela citada autoridade, foi editada a Medida Provisória nº. 207, de 13.08.2004, que lhe deu status de Ministro e lhe permitiu ter o Supremo Tribunal Federal como juízo natural nas causas penais. A Medida Provisória – que ficou conhecida na época como “blindagem” – foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente (ADI nº 3.289-5/DF). Interessante notar, também, que o referido inquérito tramita tendo todos os despachos do relator publicados, pela Internet inclusive[vi], tal qual o processo judicial, não assegurando o sigilo e tampouco preservando a imagem de investigados, conforme a sistemática do Código de Processo Penal, além de ser objeto de incidentes e atos processuais não existentes nos inquéritos policiais, como agravo regimental, votos e pedidos de vista dos demais Ministros – tornando tais investigações mais formais e menos céleres. 5. Conclusão Parte da doutrina, pouco habituada a investigações desta natureza, tem defendido que a investigação pré-processual de pessoas detentoras de foro privativo por prerrogativa de função deva ser conduzida pelos magistrados que oficiem perante os Tribunais competentes para processá-los criminalmente. A ausência de normas constitucionais e infraconstitucionais (exceção feita à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e às Leis Orgânicas do Ministério Público) acerca da investigação de autoridades que possuam prerrogativa de foro nos leva a concluir que a mesma deva ser conduzida segundo a regra geral, ou seja, pelas autoridades policiais. Em tais casos, cabe apenas observar que o inquérito deve ser remetido no prazo legal ao Tribunal com competência para julgar o investigado, adotando-se o mesmo procedimento nas representações para prática de atos sujeitos a reserva jurisdicional (medidas cautelares, quebra de sigilo, etc). Também não há que se falar em autorização do Tribunal para a instauração do inquérito, pois não compete a ele a valoração da notícia do crime. E nem há que se invocar a aplicação analógica da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que dispõe que a investigação criminal de magistrados deva ser feita pelo Tribunal com competência para o processo. A referida norma legal objetiva apenas assegurar a independência do Poder Judiciário, de forma a evitar que o Poder Executivo, por meio do inquérito policial, utilize investigações criminais para pressionar magistrados. Prova disso, é que os membros do Ministério Público, detentores de garantias semelhantes às da magistratura, só podem ser investigados por sua própria instituição, excluindo-se, portanto, não apenas o Poder Executivo (polícia judiciária), como o próprio Poder Judiciário (Tribunal) com competência para processá-los e julgá-los. Tampouco há que se invocar os regimentos internos dos nossos Tribunais. Com efeito, as normas regimentais mencionadas, embora se refiram a autoridades sujeitas a jurisdição daqueles Tribunais, fazem referência exclusivamente aos crimes cometidos nas dependências dos Tribunais. É o que se denota do parágrafo que acompanha tais normas, ao dispor que nos demais casos – isto é, nos casos de crimes cometidos em suas dependências por pessoas outras que não as autoridades mencionadas e portanto não sujeitas ao processo perante o Tribunal – o inquérito poderá ser conduzido por magistrado ou pela autoridade competente. As disposições regimentais buscaram, igualmente, preservar a independência do Poder Judiciário, tal qual as resoluções do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, já mencionadas. Parece-nos, pois, que todas as normas infraconstitucionais citadas que atribuem poderes investigatórios a magistrados devam ser reinterpretadas sob a luz da nova Constituição. As hipóteses ainda existentes de investigações judiciais não resguardam sequer as garantias mínimas que o sistema dos Juizados de instrução possuem na Europa, entre elas, a de que no julgamento não haja participação da autoridade que realizou a investigação. Ademais, eventuais receios da magistratura existentes quando da edição da Lei Complementar nº. 35/1979, bem como da origem das normas regimentais acerca da atribuição para investigação de crimes cometidos nas dependências de Tribunais, não se justificam diante das inovações da Constituição atual. Com efeito, não é mais possível à polícia judiciária a prática, sem ordem judicial, de um grande número de atos que antes a dispensavam: busca domiciliar, quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, prisão para averiguação, etc. De tal maneira, a simples garantia de não indiciamento em inquérito policial e a sua necessária “supervisão” judicial e ministerial são suficientes para legitimá-lo como instrumento de investigação pré-processual de quaisquer crimes. Nota-se que nossos Tribunais não são vocacionados para investigar, não por despreparo ou desinteresse dos nossos Juízes. O que se observa é que nenhum deles possui estrutura e pessoal especializado para a realização de investigações. O livro Juízes no banco dos réus, escrito pelo jornalista Frederico Vasconcelos, relata mais de uma década de investigações de crimes atribuídos a magistrados federais de São Paulo, incluindo a mais famosa delas, a Operação Anaconda. Como se depreende daquela obra, algumas irregularidades cometidas por magistrados federais de São Paulo já eram de conhecimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia mais de uma década. O mais conhecido dos magistrados presos no curso da Operação já havia sido afastado de suas funções por  4 anos, na década de 90, em virtude das investigações realizadas pelo Tribunal, tendo retornado ao exercício da magistratura por decisão do Superior Tribunal de Justiça, pela falta de conclusão das investigações. Somente anos depois, já no curso da Operação Anaconda, foi possível reunir provas contra o referido magistrado e outros de seus colegas. A história da Operação Anaconda retrata muito bem as dificuldades existentes em investigações conduzidas por Tribunais. Primeiramente por constituir uma exceção na realidade brasileira. Segundo, porque se demonstrou que, por falta de regulamentação, há diversas dúvidas acerca do procedimento a ser adotado nas investigações em curso nos Tribunais (por exemplo, o papel da polícia judiciária e do Ministério Público na fase pré-processual). Terceiro, porque talvez parte do êxito das investigações seja devido ao fato de que ela se iniciou nos moldes tradicionais, ou seja, pela polícia judiciária, sob supervisão de Juiz Federal de primeira instância e acompanhamento pelo Ministério Público, tendo como alvo inicial os integrantes da quadrilha que não possuíam prerrogativa de foro. A remessa ao TRF da 3ª Região só se deu quando já havia indícios robustos de crimes cometidos por magistrados. A investigação criminal pré-processual exige um dinamismo e informalismo para os quais nossas cortes não estão preparadas. Com efeito, além das medidas tomadas em gabinetes, a investigação criminal exige agentes preparados para sair nas ruas, entrevistar pessoas, colher informações nos mais diversos bancos de dados, realizar vigilância e filmagens, atos estes que, muitas vezes, não são registrados nos autos e cuja realização não pode simplesmente ser determinada ao órgão policial através de cotas ou despachos do Juiz, por serem realizadas, às vezes, de forma imediata após a constatação de sua necessidade. Ao permitir a realização de investigações criminais por seus Ministros – justamente em casos envolvendo grandes autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo – o Supremo Tribunal Federal coloca em xeque o sistema acusatório, único apto a resguardar a imparcialidade do Juiz. Uma eventual mudança no entendimento da Corte Suprema, justamente quando se noticia a intenção de Ministros que presidiram os dois mais importantes Tribunais do país de abandonar a magistratura para concorrer a cargos eletivos, mostrar-se-ia extremamente inoportuna, além de abrir espaço para questionamentos acerca da imparcialidade na condução de tais investigações. Acrescente-se, ainda, que tais investigações nem mesmo podem ser comparadas às atividades do Juiz de instrução na Europa, considerando que naquele continente o julgamento não é realizado pelo próprio magistrado investigante, mas por outro juízo. No presente caso, nenhuma disposição legal ou regimental há que exclua o Ministro relator (investigante) do julgamento, muito pelo contrário (Lei nº. 8038/1990). 1. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2005; 2. GOMES, Rodrigo Carneiro. Atribuição policial – Tribunais não devem conduzir investigação criminal. São Paulo: Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2006. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/46577,1. Acesso em 23.jul.06; 3. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 2003; 4. LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, Volume 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004; 5. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Volume I. Campinas: Millennium, 2003; 6. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2004; 7. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; 8. TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1988; 9. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume I. São Paulo: Saraiva, 2003. 10. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 11. VASCONCELOS, Frederico. Juízes no banco dos réus. São Paulo: Publifolha, 2005.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-31/prerrogativa-de-foro-no-inquerito-policial/
A decisão de inconstitucionalidade do § 1º. do art. 2º. da Lei Nº. 8.072/90 (Crimes Hediondos) pelo Supremo Tribunal Federal e seus reflexos no livramento condicional, na aplicação de penas restritivas de direito e na suspensão condicional da pena (Sursis).
O presente artigo visa demonstrar os reflexos da inconstitucionalidade do cumprimento da pena em regime integralmente fechado (crimes hediondos), nos demais institutos relacionados à pena privativa de liberdade, tais como livramento condicional (art. 83 do CP), substituição da pena de prisão por pena restritiva de direitos (art. 44 do CP) e a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
Direito Processual Penal
1. INTRODUÇÃO No dia 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal, mais alta corte de justiça do país, através de seu plenário, enfrentou a questão da inconstitucionalidade do § 1° do art. 2° da Lei n° 8.072/90, que previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos, pela prática da tortura,  por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e pela prática de terrorismo. Até então o STF entendia constitucional a Lei n° 8.072/90, inclusive, após a publicação da Lei 9.455/97. Referida Lei, tipificou o crime de tortura, assemelhado ao crime hediondo, passando a admitir a progressão de regime, fato que levou o STF a sumular o seu entendimento através do verbete de súmula N° 698, cuja dicção é no sentido de que: “não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão de regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”. Referida orientação merece ser revista em face do novo posicionamento adotado pela Suprema Corte. A decisão pela inconstitucionalidade, acima mencionada, foi muito criticada pelos meios midiáticos em todo o país, e especialmente por familiares de vítimas de crimes hediondos, pois autorizam os condenados pelos crimes hediondos e assemelhados a obterem a progressão de regime após o cumprimento de um sexto da pena. Significando dizer que se estão no regime fechado, após o cumprimento de um sexto da pena passam para o regime semi-aberto, desde que estejam em bom comportamento carcerário. O regime semi-aberto autoriza o trabalho externo, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (§ 2° do art. 35 do CP). Também autoriza a saída temporária nos termos do art. 122 da Lei de Execuções Penais (n° 7.210/84). Depois de cumprido mais um sexto da pena no regime semi-aberto, os condenados (inclusive os que praticaram crimes hediondos) poderão obter o regime aberto, o qual, pelo teor do art. 93 da Lei n° 7.210/84,  deveria ser cumprido em casa de albergado. Tal regime permite ao condenado sair do estabelecimento prisional sem vigilância, para trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada pelo juízo da execução penal, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga, segundo a dicção do § 1° do art. 36 do Código Penal. Negritou-se a palavra deveria em virtude de que os Estados e o Distrito Federal não cumpriram a ordem legal de instalação de casa de albergado, no prazo de seis meses, a partir da publicação da Lei n° 7.210/84, conforme determinado no § 3° do seu art. 203, e, como o condenado não pode arcar com essa ineficiência do Estado, tem-se concedido, contra lege,  o direito à prisão domiciliar ao condenado que obteve regime aberto, utilizando-se o art. 117 da lei de regência. Esse novo entendimento do STF iguala o condenado por crime hediondo ao condenado por crime não hediondo, pois os requisitos para a progressão de regime são os mesmos (cumprimento de um sexto da pena em cada regime), fazendo-se necessário que o legislador edite lei no sentido de impor requisitos diferenciadores para a obtenção de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, tais como o cumprimento de pelo menos metade da pena em cada um dos regimes prisionais. Se assim agir, estará o legislador atendendo os anseios da sociedade, assim como daqueles que forem condenados por crimes hediondos e assemelhados, pois continuarão obtendo o direito de progressão de regime. Não é nosso objetivo discutir o acerto ou não da decisão da Suprema Corte, entretanto faz-se necessário mencionar que o posicionamento do STF apenas confirmou o que grande parte da doutrina penal brasileira já argumentava. Isso porque o sistema penal adotado pelo Brasil é o sistema progressivo de cumprimento de pena, onde o réu ingressa em um regime mais rigoroso e com o passar do tempo vai obtendo a progressão até ser liberado definitivamente, ou seja, o sistema progressivo de cumprimento de pena vem atender a determinação constitucional da individualização da pena (art. 5°, inc.XLVI). Passamos agora analisar sucintamente os reflexos da decisão do Supremo quanto à concessão do livramento condicional, das penas restritivas de direito e da suspensão condicional da pena (sursis).  2. O REFLEXO DA DECISÃO DO STF NO LIVRAMENTO CONDICIONAL Até a publicação da Lei n° 8.072/90 (crimes hediondos), o Código Penal a partir do seu art. 83, tratava do Livramento Condicional estabelecendo alguns requisitos (objetivos e subjetivos) para o condenado obter tal benefício. Entre eles pode-se destacar o cumprimento de mais de um terço se o condenado não for reincidente e possuir bons antecedentes criminais ou ainda mais da metade se for reincidente em crime doloso, conforme estabelecido respectivamente nos incisos I e II do art. 83 do CP. Além desses requisitos exige-se que o condenado comprove comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto (art. 83, inc. III do CP), bem como reparar, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração (Art. 83, inc. IV do CP). A Lei 8.072/90 acrescentou o inc. V no art. 83 do CP, dispondo que o condenado por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo somente poderia obter o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena se fosse reincidente específico em crimes dessa natureza. Ou seja, criou requisitos mais graves para que os condenados por crimes hediondos e assemelhados pudessem obter o livramento condicional, impedindo o benefício aos reincidentes em crimes dessa natureza, os quais então deveriam cumprir toda a pena em regime integralmente fechado. Com a decisão do STF, julgando inconstitucional o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, os dispositivos do Código Penal que tratam do livramento condicional merecem revisão urgente pelo legislador. Isso porque a decisão do STF não alterou os referidos dispositivos. Significa dizer que aquele que foi condenado em crime hediondo para colocar os pés na rua não necessitará aguardar o cumprimento de dois terços da pena para obtenção do livramento condicional, pois até lá já obteve progressão de regime, inclusive já se encontrando no regime aberto. Ora, como dito anteriormente, o condenado que esteja cumprindo pena em regime aberto, em regra, obtêm o direito da prisão domiciliar nos termos do art. 117 da Lei 7.210/84, pois os Estados e o Distrito Federal não construíram casa de albergado. Daí que se ele já está cumprindo a pena em regime aberto, qual a vantagem em peticionar pelo livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena? E o reincidente em crime hediondo? Não poderá obter o livramento condicional mas poderá obter progressão de regime e alcançar o regime aberto. Significa dizer que a restrição do inc. V, do art. 83, do CP, acrescido pela Lei 8.072/90, perdeu totalmente o seu efeito, fazendo-se necessária a edição de uma nova lei para regular a progressão de regime aos condenados por crime hediondo e assemelhados, assim como o livramento condicional e a imposição de condições mais rígidas quando do cumprimento da pena em regime aberto. 3. O REFLEXO DA DECISÃO DO STF QUANTO AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E SURSIS. A decisão da Suprema Corte Brasileira também terá reflexo quanto à substituição da pena de prisão por penas restritivas de direitos, pois até então, a doutrina e os tribunais se dividiam no sentido de que aos condenados por crimes hediondos e assemelhados que alcançassem os requisitos do art. 44 e seus incisos do Código Penal, não poderiam ter a pena privativa de liberdade substituída em virtude da incompatibilidade do cumprimento da pena em regime integralmente fechado com as penas restritivas de direitos. Nesse sentido julgou o STJ reiteradas vezes, do qual destaco a seguinte decisão: “As alterações introduzidas no Código Penal pela Lei das Penas Alternativas (Lei 9.714/98) não alcançam o crime de tráfico de entorpecentes (crime hediondo), cujo cumprimento da pena é em regime integralmente fechado. Impossibilitada, portanto, a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos” (RHC 9.059-RJ, 5ª T., REL. Jorge Scartezzini, 04.11.1999, v. u., DJ 06.12.1999, p. 103). Fernando Capez adota o mesmo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, citando ainda vários acórdãos do referido Tribunal.[1] Em sentido contrário é a posição de Luiz Flávio Gomes, Damásio E. de Jesus entre outros, pois segundo eles não há nenhuma incompatibilidade entre a Lei dos crimes hediondos (Lei n° 8.082/90) com a Lei n° 9.714/98, que alterou substancialmente os dispositivos do Código Penal que tratavam das penas restritivas de direitos. Para eles enquanto a Lei dos crimes hediondos trata de regime de cumprimento de pena, a Lei 9.714/98, além de ser posterior, trata de substituição de pena de prisão por restritiva de direito, o que não pode ser confundido com regime de cumprimento da pena.[2]   O STF, antes de julgar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, já se inclinava pela admissibilidade da substituição da pena de prisão por restritiva de direitos para os autores de crimes hediondos e assemelhados que fossem condenados a pena privativa de liberdade de até quatro anos, presentes os demais requisitos para substituição elencados na lei. Este foi o recente entendimento ao julgar o HC N° 85894/RJ, conforme publicação no informativo n° 411 do STF, abaixo colacionado: Crime Hediondo e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos: O Min. Gilmar Mendes, relator, concedeu o writ para que, afastada a proibição, em tese, de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, o Tribunal a quo decida fundamentadamente acerca do preenchimento dos requisitos do art. 44 do CP, em concreto, para a substituição pleiteada. Reportando-se aos fundamentos de seu voto no julgamento do HC 82959/SP, no sentido de que o modelo adotado na Lei 8.072/90 não observa o princípio da individualização da pena, já que não considera as particularidades de cada pessoa, sua capacidade de reintegração social e os esforços empreendidos com fins a sua ressocialização, e, salientando que a vedação da mencionada lei não passa pelo juízo de proporcionalidade, concluiu que, afastada essa vedação, não há óbice à substituição em exame, nos crimes hediondos, desde que preenchidos os requisitos legais. Citou, ainda, a decisão proferida no HC 84928/MG (DJU de 11.11.2005), no qual assentado que, somente depois de fixada a espécie da pena (privativa de liberdade ou restritiva de direito) é que é possível cogitar do regime de seu cumprimento. Acompanharam o voto do relator os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Marco Aurélio. Em divergência, o Min. Joaquim Barbosa, acompanhado pelos Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello, denegou a ordem, invocando o entendimento perfilhado no julgamento do HC 83627/SP (DJU 27.2.2004) pela impossibilidade da substituição da pena, tendo em conta o disposto na Lei 8.072/90. Em seguida, o Tribunal, por maioria, acolhendo proposta do Min. Marco Aurélio, concedeu a liminar para que a paciente aguarde o julgamento em liberdade. Vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Britto, Carlos Velloso e Celso de Mello que a indeferiam. O julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Carlos Britto – (HC 85894/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 30.11.2005. STF-INFORMATIVO n. 411). Assim, com a decisão do STF pela inconstitucionalidade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado, a discussão acima se tornou inócua, passando os condenados por crime hediondo e assemelhados a obterem o direito da substituição da pena de prisão por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, e seguintes do Código Penal, desde que presentes os requisitos objetivos e subjetivos para tal substituição. O mesmo entendimento vale também para a concessão da suspensão condicional da pena (SURSIS), prevista no art. 77 que autoriza a suspensão da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, impondo-se ao condenado algumas condições que serão cumpridas por um período de dois a quatro anos. Até então, a doutrina e a jurisprudência se dividiam quanto a possibilidade de conceder a sursis ao autor de crime hediondo e assemelhados, que fosse condenado a uma pena de até dois anos e que preenchesse os demais requisitos exigidos pela lei. Para alguns, o entendimento era de que não caberia a sursis para os crimes previstos na lei 8.072/90, ante a incompatibilidade do benefício com o tratamento mais rigoroso imposto por essa legislação (crime hediondo, tortura, tráfico de drogas e terrorismo). Inclusive foi esse o entendimento do STF, no julgamento do HC 72.697: “É incabível a concessão do sursis em favor daquele que foi condenado pelo delito de atentado violento ao pudor, ainda que satisfeitos os pressupostos subjetivos e objetivos fixados pelo art. 77 do Código Penal, pois, tratando-se de crime hediondo, a sanção privativa de liberdade deve ser cumprida integralmente em regime fechado.” (HC 72.697, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 21/05/99). No entanto o melhor entendimento é aquele que entende não existir na lei dos crimes hediondos, norma expressa a vedar a concessão da sursis, não podendo o interprete lançar mão de interpretação extensiva ou dilatória para suprimir o benefício, o que consistiria em analogia in mallam partem.[3] Com a nova orientação do Supremo Tribunal Federal, não há mais óbice em conceder a suspensão condicional da pena para os condenados por crimes hediondos ou assemelhados que preencherem os requisitos objetivos e subjetivos elencados no art. 77 do Código Penal. 4. DA CONCLUSÃO Diante da nova orientação do Supremo Tribunal Federal, entendendo pela inconstitucionalidade do  § 1° do art. 2° da Lei n° 8.072/90, que previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos, pela prática da tortura,  por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e pela prática de terrorismo, chegamos às seguintes conclusões: a) O verbete n° 698, da Súmula do STF, deve ser revisto; b) O legislador deve o mais rápido possível regular a questão da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, adotando critérios diferenciadores dos condenados por crimes não hediondos na obtenção de progressão de regime, tal como exigir o cumprimento de pelo menos metade da pena em cada um dos regimes. c) Deve ainda alterar o inc. V do art. 83, do Código Penal, que trata do livramento condicional, pois na prática, com a nova orientação do STF, o condenado por crime hediondo que estiver em regime aberto (cumprindo pena domiciliar) não terá nenhum interesse em peticionar pelo livramento condicional. d) Não se discute mais a possibilidade ou não de se conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados por crimes hediondos ou assemelhados que preencherem os requisitos legais do art. 44 do CP, pois, até então o único empecilho era a incompatibilidade do regime integralmente fechado com a pena restritiva de direitos. e) O mesmo entendimento do item anterior deve ser aplicado para a concessão da suspensão condicional da pena (sursis), nos termos do art. 77 e seguintes do Código Penal. f) Por fim, faz-se necessária uma alteração na Lei de Execuções Penais e no Código Penal, no sentido de criar condições mais rígidas a serem cumpridas no regime aberto, que não os previstos no art. 115 da Lei n° 7.210/84, especialmente para os condenados por crimes hediondos e assemelhados, em virtude da ineficiência do Estado na implantação de Casa de Albergado ou na fiscalização de tal regime.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-30/a-decisao-de-inconstitucionalidade-do-1-do-art-2-da-lei-n-8-072-90-crimes-hediondos-pelo-supremo-tribunal-federal-e-seus-reflexos-no-livramento-condicional-na-aplicacao-de-penas-restritivas-de-direito/
Descortinando a custódia cautelar dos pressupostos à cessação
1-Prisão Pena e Prisão Processual. 2-O flagrante. 3- Prisão Temporária. 4-PrisãoPreventiva. 04 5- Prisão decorrente de pronúncia.6- Prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível.7- Conclusões
Direito Processual Penal
1-Prisão Pena e Prisão Processual Desde que nascemos, somos submetidos diariamente a um contínuo processo de assimilação cultural, e passamos a conceber institutos de uma forma tão natural que sequer nos percebemos de suas origens e de um processo evolutivo que subjaz. Assim é com a prisão, cuja dicotomia é por vezes esquecida, especialmente nos meios leigos. Destarte, podemos ter a prisão-pena e as prisões de cunho-cautelar, cujas naturezas e pressupostos diferem diametralmente, embora existam institutos e direitos que estão presentes tanto em uma, quanto nas outras. A prisão pena é, ao contrário do que se pensa, algo relativamente recente. Antes das reformas penais que marcaram o período do Iluminismo, capitaneadas por Beccaria, dentre outros, a prisão tinha um cunho quase que exclusivamente cautelar, pois as penas tendiam a ser sanções corporais ou patrimoniais, com execuções, mutilações, banimentos e confiscos, funcionamento, como regra, a prisão tão somente para assegurar a aplicação de tais penas. Hodiernamente, a prisão-pena é um dos pilares da política de repressão criminal, embora de há muito se questione sua eficácia, especialmente no que se refere aos delitos de menor gravidade, pois é notório que, ressalvadas raras exceções, o cárcere não melhora o comportamento de ninguém. Pelo contrário. Consagrado o direito de liberdade como direito fundamental pela grande maioria das modernas cartas constitucionais ocidentais, assenta-se, hoje, como fundamento da prisão-pena somente o decreto condenatório transitado em julgado, em atenção ao princípio da inocência (artigo 5º, inc. LVII da CF/88). Afasta-se, portanto, a possibilidade de execução provisória da pena[1]. Assim sendo, a prisão-pena tem uma natureza de direito material, ou seja, é materialização de uma sanção prevista no direito material penal. Em contraponto, temos a prisão de cunho cautelar, ou seja, de natureza processual[2]. Atualmente temos cinco espécies de prisão cautelar, quais sejam: a) a decorrente de flagrante; b) a preventiva; c) a temporária; d) por sentença de pronúncia, e e) por sentença pena condenatória recorrível, as quais passaremos a ver adiante, analisando seus pressupostos e eficácia. A Constituição Federal de 1988 impossibilitou a subsistência da prisão administrativa, prevista nos artigos 219 e 320 do CPC. Igual destino deu-se à prisão prevista no artigo 35 da Lei de Falências[3], ainda que existam precedentes que o neguem[4]. 2-O flagrante             A própria etimologia do vocábulo flagrante é elucidativa a respeito do instituto. Vem de “flagrans” ou seja, aquilo que flameja, reportando-se a uma situação que é apanhada ainda flamejante, quente, no calor dos fatos, referindo-se, portanto, a uma situação que está acontecendo ou acaba de acontecer. A prisão em flagrante é a única exceção à necessidade de ordem escrita e fundamentada[5] de juiz competente. Da mesma forma, também é única prisão que pode ser executada por “quisquis de populo”. Tanto assim é que preleciona o artigo 310 do CPP que qualquer do povo poderá e as autoridades policias e seus agentes deverão efetuar prisão daquele que se encontrar em estado de flagrância. Para tal desiderato, por certo que poderá o popular empregar a força necessária, dentro dos limites da lei, pois atua no exercício regular de um direito. Por outro lado, existem restrições a prisão em flagrante de algumas pessoas. É o caso dos diplomatas. Sendo o flagrante uma espécie de prisão cautelar, não se há falar em flagrante daquele que está, desde já, imune à jurisdição brasileira. O menor está sujeito a ser detido se surpreendido em execução de infração, mas não se trata de prisão em flagrante, pois a restrição da liberdade se faz em vista da apresentação posterior do adolescente à autoridade competente. Os Magistrados e membros do Ministério Público somente poderão ser presos em caso de crime inafiançável (artigos 33, inc. II, da LOMN, e 40, inc. III, da LONMP). Neste caso, a prisão deverá ser comunicada respectivamente ao Presidente do Tribunal de Justiça e ao Procurador-Geral de Justiça. No caso dos membros do Congresso Nacional, surge o artigo 53, § 2º da CF/88, somente podendo ser detidos por crime inafiancável. Neste caso os autos deverão ser encaminhados á casa respectiva em 48 horas para que delibere a respeito da prisão por maioria de seus membros. Este direito se aplica desde a expedição do diploma. Por extensão do artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, a mesma regra aplica-se aos deputados estaduais, no que couber. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três espécies de flagrante à luz da letra da lei vigente, quais sejam: o flagrante próprio, ou em sentido estrito; o flagrante impróprio; o “quase flagrante” e o flagrante “ficto”, ou “presumido”. Tais hipóteses correspondem exatamente aquelas elencadas no artigo 302 do Código de Processo Penal. Nas hipóteses do flagrante próprio também se encontra a do artigo 302, inc. II, que a rigor não caracterizaria uma situação de flagrância, pois o indivíduo, em tal hipótese, na verdade acaba de cometer a infração. Trata-se de uma opção do legislador. As situações dos incisos III e IV correspondem a presunções nas quais não deixa de haver um certo grau de subjetivismo. Mas o que deve ser afastada é a crença de que o prazo de vinte e quatro horas é um delimitador para o estado de flagrância. Tal prazo está relacionado à entrega de nota de culpa, após efetuada a prisão, mas podemos ter estados de flagrância se perpetuando por dias, ou mesmo semanas, nas hipóteses de perseguição. Da mesma forma, o preso poderá ser apresentado mesmo após vários dias, desde que sua apresentação imediata fosse impossível. Nem por isso estará afastado o flagrante. Fala-se, ainda, em flagrantes “preparados” e “esperados”. A primeira forma tem sido identificada com as situações nas quais existe a indução do agente ao delito, ostentando, portando, caráter de ilegalidade. Mas diversa é a situação do flagrante esperado, no qual inexiste a figura do “agente provocador”, ou seja, a atividade das autoridades reside em colocar-se em posição de vigilância, não havendo atuação positiva na cadeia causal. Por outras palavras, a ação é somente monitorada, sem interferência direta da autoridade policial. O flagrante esperado poderá dar ensanchas a uma situação de crime impossível, desde que a vigilância torne a consumação do delito virtualmente impossível, incidindo na espécie, a súmula 145 do STF, segundo a qual “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Em verdade, gera-se um impasse, pois há situações nas quais a vigilância aparentemente afastaria logicamente a execução do delito (seria crime impossível), e nas quais, no entanto, o agente logra perpetrar a infração. Há, assim, uma “zona cinzenta” na qual não se pode afirmar com certeza que a vigilância torna, a priori, impossível a consumação da infração. O flagrante não pode ser “revogado”, revogar é retirar a “vox”, o comando, e na prisão em flagrante não há um comando, uma decisão anterior, já que ela decorre do fato em si. Ao receber o flagrante, o juiz o homologa ou não, e no segundo caso temos um relaxamento da prisão, pois a ilegalidade da constrição enseja o seu relaxamento. Mas se o flagrante é homologado, ou seja, se é afastado o relaxamento, cabe, então, analisar se a hipótese é de liberdade provisória ou não. Atualmente, consoante a redação do artigo 310, parágrafo único, do CPP, a manutenção da prisão somente ocorrerá se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva ou se houver vedação legal à liberdade provisória. Chegou-se a pensar, em vista disso, que a manutenção da custódia após o flagrante passou a requerer a decretação da prisão preventiva. Por outras palavras, não poderia mais o custodiado ser mantido preso por “força do flagrante”. Esta perspectiva labora em equívoco. Em verdade o que a lei fez foi apenas condicionar a manutenção da prisão em decorrência de flagrante aos pressupostos da prisão preventiva, mas isso não é transformar a prisão decorrente de flagrante em prisão preventiva, se não apenas emprestar-lhe os pressupostos. Permanece vigente, desta forma, a possibilidade de manutenção de uma custódia decorrente de flagrante no curso do processo. O que ocorre é que ela somente permanecerá se estiver vedada a liberdade provisória[6] ou presentes os requisitos da preventiva. Caso não estejam presentes, deverá ser concedida a liberdade provisória. A decisão que conceder liberdade provisória está sujeita a recurso em sentido estrito, assim como a que relaxar a prisão em flagrante ilegal (artigo 581, inc. V, do CPP). A que deixar de conceder a liberdade provisória ou de relaxar a prisão ilegal está sujeita a habeas corpus. 3- Prisão Temporária A prisão temporária é uma modalidade de custódia cautelar que tem fundamento na Lei nº 7.960/89. Trata-se de uma modalidade de custódia que é exclusiva da fase inquisitorial, e tem por pressuposto a existência de um procedimento de inquérito policial, consoante se depreende do artigo 1º, inc. I, da referida lei. Não pode ser decretada de ofício, carecendo representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, ao contrário da prisão preventiva. Também está limitada a um requisito temporal, no caso 5 dias, no máximo, prorrogável, em caso de necessidade fundamentada, por igual prazo. Mas não podemos olvidar que a lei dos crimes hediondos estabelece um prazo de trinta dias (artigo 2º, § 3º da citada lei), podendo ser igualmente prorrogado por igual período. Este prazo por óbvio que somente se conta a partir da execução da ordem, significa dizer, a partir da prisão, pois são prazos de duração máxima da custódia. Uma leitura apressada do artigo 1º da Lei nº 7.960/89 poderia levar a uma amplitude gigantesca do instituto, desde que se considerasse que a presença de uma só das hipóteses do artigo já autorizaria a prisão. A melhor doutrina, e na sua esteira a jurisprudência predominante, têm, todavia, restringido o espectro de possibilidades de aplicação do instituto, requerendo-se que esteja presente o caso do inciso I e ou dos casos dos incisos II e III. Assim sendo, a prisão temporária somente poderá ser decretada quando imprescindível à investigação do inquérito policial. (inc. I) Mas, além disso, deverá o acusado não possuir residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação(inc. II), ou, ainda, haver indícios de autoria ou participação do acusado em um dos delitos elencados no inciso III, do mesmo artigo, quais sejam: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de entorpecentes, e crimes contra o sistema financeiro. O magistrado dispõe, segundo a lei (artigo 2, §2 º), de 24 horas para apreciar a representação ou requerimento. Tal regra, na prática, somente vale para o requerimento, pois a representação depende de manifestação prévia do Ministério Público. Neste caso, a melhor interpretação é a que deve o feito ser remetido em 24 horas ao Parquet, e posteriormente, quando do seu retorno, tem o magistrado 24 horas para apreciar o pedido. O mesmo vale para o caso de requisição de informações ou de apresentação do preso. A decisão deverá, em qualquer caso, ser fundamentada (artigo 93, inc. IX, da CF/88 e artigo 2º, § 2º da Lei nº 7.960/89). À prisão temporária poderá suceder a prisão preventiva, que demandará presença dos requisitos e decisão fundamentada. A prisão temporária poderá ser relaxada ou revogada. O relaxamento se destina aos casos de ilegalidade, inclusive de falta notória dos pressupostos, pois a prisão realizada sem os requisitos formais ou materiais é ilegal. A revogação, ao revés, destina-se aos casos de alteração da situação fática que façam desaparecer os motivos ensejadores da prisão. O decreto de encarceramento poderá, também, ser contrastada por via do habeas corpus em caso de ilegalidade. O recurso cabível da denegação do pedido é o recurso em sentido estrito. 4-Prisão Preventiva                  Ao contrário da prisão temporária, a prisão preventiva poderá ser decretada de ofício, por representação da autoridade policial e por requerimento do Ministério Público. Vale lembrar que a representação da autoridade policial não difere do requerimento do Ministério Público. Ambos devem expor os fatos, enquadrá-los dentro dos permissivos legais, declinando as razões da custódia e formulando seu pedido. A particularidade reside no fato de que a representação da autoridade policial é remetida ao Ministério Público para parecer prévio. Da mesma forma, é bom lembrar que a representação deve ser fundamentada, até porque é ato administrativo que não prescinde da motivação. As manifestações do Ministério Público, de seu turno, devem sempre ser motivadas, sejam elas quais forem (artigo 43, inc. III, da Lei nº 8.625/93). O caput do artigo 311 do CPP prevê, ainda, a possibilidade a decretação da custódia em qualquer fase da do inquérito policial ou da instrução criminal. Aqui surge uma questão. É que a lei fala em instrução criminal, e esta, tecnicamente, encerra-se com a abertura da fase do artigo 500 do CPP ou após a oitiva das testemunhas, dependendo do rito. Ocorre, porém, que alguns dos fundamentos da custódia elencados no artigo 312 do CPP podem ocorrer após esta fase, como, por exemplo, a asseguração da aplicação da lei penal ou a garantia da ordem pública. Seria cabível a prisão após esta fase diante desta constatação? Antes mesmo de entrar em qualquer discussão jurídica acerca do vocábulo instrução criminal e do seu alcance, é de se apontar que pode haver instrução no segundo grau, após a sentença, pois a instância ad quem pode determinar a conversão do julgamento em diligência se ocorrerem, por exemplo, fatos novos. De outra banda, o artigo 316 refere a “correr do processo”[7]. Mas para decretação da prisão mister a presença de dois requisitos basilares, dentre outros. Há necessidade de prova da existência do delito e indícios suficientes de autoria (artigo 312 do CPP). A prova de existência do crime se traduz, no mais das vezes, em sua materialidade. Evidentemente que um juízo definitivo acerca da existência do criem somente advirá na prolação da sentença, pois pode ocorrer absolvição com fulcro no artigo 386, incs. I e II. Deverá haver, portanto, prova segura de que ocorreu fato apto a caracterizar crime, ficando sua exata comprovação, sob crivo do contraditório, e qualificação postergada para fase seguinte. Já quanto à autoria, bastam indícios, significa dizer, fatos provados sumariamente, ou conhecidos, que indiretamente apontem para o acusado. É evidente que fica um largo campo dentro do qual o julgador pode transitar a fim de considera ou não presentes indícios suficientes de autoria. Toda a cautela é recomendada, portanto, pois trata-se da liberdade de uma pessoa que ainda não pode ser considerada culpada. Além da presença destes requisitos básicos, devem estar presentes os fundamentos da custódia que são referidos também no artigo 312 do CPP. São eles: a garantia da ordem pública ou ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou asseguração de aplicação da lei penal. A garantia da ordem pública ou econômica está fundalmentalmente associada à possibilidade de perpetração de novos delitos. Como raramente, ou, dir-se-ia, quase nunca, os réus costumam publicizar sua intenção de cometer novos delitos, na verdade nunca se tem certeza disso completamente. Os indícios, sobretudo dados pessoais, e, especialmente, a vida pregressa do acusado é que fornecem esteio para se presumir que isso ocorreria. Claro que há casos nos quais há elementos de convicção bastante robustos, como, ad exemplum, quando se apanha uma quadrilha altamente especializada e equipada, onde a probabilidade de que seriam cometidos novos delitos é elevada. Mas a garantia da ordem pública também se faz necessária nos casos de delitos que causam clamor público, ainda que este seja um fator muito indeterminado. Que se há de entender por clamor público? Qual o limite de repercussão que passa a autorizar a custódia? Ora, isso de pende de região para região, de época para época. Em uma pequena e pacata cidade interiorana, pode causar enorme clamor público um delito que em um grande centro é apenas mais um. Como não há como fazer uma “pesquisa de opinião”, na verdade se cai em um certo grau de subjetivismo na aferição do clamor público. Mas apesar destas reservas e dificuldade, é certo que quando um delito tem repercussão grave, atentaria contra a credibilidade do Poder Judiciário e causaria alarma social a liberdade de um acusado, sendo, portanto, um fundamento válido, desde que fundamentado. A conveniência da instrução criminal liga-se principalmente à possibilidade de que o réu venha a ocultar provas ou intimidar testemunhas. Na prática, a prisão não impede que isso ocorra, pois o causado pode se valer de terceiros, na medida em que não fica incomunicável. Porém, é certo que ao menos fica dificultada sua ação. No caso de prisão decretada por conveniência da instrução criminal, há que se salientar que a custódia fica condicionada a um prazo razoável de tramitação do feito nesta fase, tendo a jurisprudência criado o fictício lapso de 81 dias para um processo que tramite sob o rito codificado dos delitos apenados com reclusão[8]. Tal excesso de prazo não dará azo à revogação da custódia ou concessão de hábeas corpus, todavia, se decorrer devido a providências requeridas pela defesa, conforme consta da súmula 64 do STJ. Segundo o verbete sumular nº 52 do mesmo pretório, encerrada a instrução, fica superada a alegação de excesso de prazo. Já a asseguração da aplicação da lei penal tem como hipótese típica a revelia do acusado, indicando que pretende se evadir da responsabilização penal, mas também pode ocorrer em hipótese nas quais indícios indicam uma fuga ou esta é facilitada por circunstâncias particulares. Para ilustrar estas hipóteses, poderíamos citar os casos em que o réu começa a desfazer-se de bens ou nos casos em que o distrito da culpa fica próximo à fronteiras ou regiões de fácil ocultação, como regiões inóspitas ou desabitadas, ou que facilitam a fuga, como grandes entroncamentos rodo-ferroviários. Mas há, ainda outros requisitos, estes previstos no artigo 313 do CPP. Em regra, somente os delitos apenados com reclusão admitem a prisão preventiva. Por exceção, os delitos apenados com pena de detenção a admitem quando o acusado é vadio e há dúvida sobre sua identificação, não fornecendo elementos para seu esclarecimento. Mas o que é um “vadio”?. Desde que exista em algum lugar um conceito jurídico, dele devemos nos valer. No caso em apreço a opção lógica para uma definição está no artigo 59 da Lei de Contravenções Penais. Assim sendo, para que o indivíduo seja caracterizado como vadio, deverá entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho e não tendo renda suficiente para prover sua subsistência, oriunda de ocupação lícita. Logo, quem vive, exemplificativamente, de rendas, ainda que não trabalhe, não é vadio. No que diz respeito à identidade, uma vez que o acusado tenha fornecido documento, nãos e pode exigir-lhe outra identificação[9]. Nada impede, porém, que existam fundadas dúvidas acerca da veracidade da documentação apresentada. Neste caso, legítima se torna a prisão preventiva. Também será decretada a prisão preventiva daquele que tiver sido condenado definitivamente pela prática de crime doloso, ressalvado o transcurso do prazo de reincidência. Esta hipótese pode suscitar discussões assemelhadas a que ocorre quando à agravante da reincidência, a qual, segundo isolados entendimentos jurisprudenciais, representaria um bis in idem, pois um delito cuja pena já fora expiada pelo réu vem a produzir novamente efeitos contra si. Por outro lado, também se pode afirmar que o fato de ter o réu cometido outro crime não é indicativo necessário de periculosidade a ensejar sua custódia. O primeiro argumento não grassa acolhida, porque não se está impondo nova pena ao réu. Mas o segundo de fato pode suscitar ponderações, porque automatiza a prisão em vista de um fato pretérito, criando uma presunção legal. Mas se fosse seguir-se esta premissa, acabaríamos por chegar a um ponto no qual a prisão preventiva se tornaria legalmente inviável, pois os conceitos envolvidos quase sempre se reportam a presunções de fato ou de direito. Conclui-se assim, que deverão estar presentes os pressupostos do artigo 311, algum dentre os do artigo 312, e algum dentre os do artigo 313. Assim como ocorre com a prisão em flagrante, a prisão preventiva é incompatível com a presença das excludentes da ilicitude, conforme o artigo 314 do CPP. Escusado referir que a alteração dos fatos no curso do processo tanto poderá determinar a decretação da prisão preventiva como sua revogação, sempre, porém, por decisão fundamentada (artigo 93, inc. IX da CF/88 e 315 do CPP), embora o artigo 315 do CPP fale, erroneamente, em “despacho”. A prisão preventiva poderá ser relaxada, se ilegal, ou revogada, se houver alteração da situação fática. A decisão que nega pedido de prisão preventiva está sujeita a recurso em sentido estrito (artigo 581, inc. V, do CPP), sem efeito suspensivo. A que decreta a prisão, está sujeita a habeas corpus, ao qual pode ser agr5agado pedido liminar. 5- Prisão decorrente de pronúncia  O procedimento do Júri, destinado aos delitos dolosos contra a vida, tentados ou consumados, apresenta-se dividido em duas fases no primeiro grau de jurisdição. O judicium acusationis, que inicia com o recebimento da denúncia e vai até a fase dos artigos 408 e seguintes, e o judicium causae, que terá início partir do trânsito em julgado da sentença de pronúncia. Ao julgador, colocam-se quatro alternativas ao fim do judicium acusationis. Se estiver convencido da existência de crime e de indícios de autoria na(s) pessoa(s) do (s) acusado(s), acolherá a denúncia pronunciando, ocasião em que determinará os dispositivos legais nos quais incidiu o réu, sejam ou não exatamente os da denúncia, recomendando-o na prisão ou decretando-lhe a prisão, salvo se primário e de bons antecedentes. Se estiver cabalmente comprovada causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, absolverá sumariamente o réu[10], remetendo, de ofício, esta decisão a reexame pelo 2º grau de jurisdição[11]. Se não se convencer da existência de crime ou de indícios de autoria, impronuncia. Trata-se de um julgamento singular, pois quanto à motivação e embasamento lógico, aproxima-se da sentença absolutória do artigo 386, inc. I, II, II, IV, e VI do CPP, mas não impede a propositura de nova ação penal pelo mesmo delito, desde que não operada a prescrição, e que surjam novas provas, sendo que a decisão proferida com espeque no artigo 386, no procedimento comum, ou nos especiais que se valem supletivamente do CPP, se absolutória, impede a propositura de nova ação penal, ainda que surjam novas provas. Por fim, se o magistrado se convence de que o delito não é crime doloso contra a vida, procederá a desclassificação do delito, remetendo o feito ao juiz competente, se ele não o for, ocasião em que será reaberto prazo para defesa e oitiva de novas testemunhas. A prisão por pronúncia somente ocorrerá em caso de ser o réu pronunciado. Nesta hipótese, a prisão por pronúncia passa a ser o novo fundamento da custódia se o réu já estava preso preventivamente ou por força de flagrante[12]. Mas e se a sentença de pronúncia for cassada[13], como fica a situação do réu preso? Ora, se houve anulação, então o estado de prisão preventiva ou em decorrência de flagrante não teria sido alterado pela sentença, e é a este título que o réu permaneceu preso e assim poderá permanecer, caso subsistam os requisitos da custódia cautelar a que estava antes submetido. Por outras palavras, a cassação da pronúncia não implica, ipso faco, revogação da prisão anterior ou concessão de liberdade provisória[14]. A prisão decorrente de pronúncia dá ensanchas à questionamento acerca de sua constitucionalidade. Estabelecidos os primados do estado de inocência e da liberdade como regra, as prisões automáticas decorrentes de comando direto da lei, sem outras razões de fato, podem ser questionadas. Já se decidiu que “a prisão provisória, como efeito jurídico-processual decorrente da sentença de pronúncia, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”[15]. Correto, pois a custódia cautelar não ofende, qualquer que seja a sua modalidade e abstratamente considerada, a Constituição Federal. Na realidade, é possível uma interpretação perfeitamente compatível dos dispositivos do CPP com a Constituição. Se o réu já estava preso, seja por flagrante ou por prisão preventiva, é porque a liberdade provisória era vedada ou  não era possível, por estarem presentes as circunstâncias do artigo 312 do CPP, aplicável às duas modalidades de prisão (flagrante ou preventiva). Poderá, ainda, se houver primariedade e bons antecedentes, revogá-la (preventiva), ou conceder liberdade provisória (flagrante)[16]. Se o réu estava solto, o fato de ter sido pronunciado o conduz à prisão caso não seja primário e de bons antecedentes, consoante diz a lei, mas não se pode admitir a automatização da prisão. De outra banda, ainda quando esteja em situação de primariedade e com bons antecedentes, poderá lhe ser decretada a prisão se existirem razões para tanto. Quais? As do artigo 312 do CPP, pois não poderá o juiz, existindo espécie de prisão própria para a pronúncia, decretar a prisão preventiva, ainda que  estejam presentes os requisitos para tanto, Cumpre-lhe valer-se dos parágrafos 1º e 2º, do artigo 408 do CPP, e fundamentadamente, determinar a captura do réu. Se o magistrado atentar para a necessidade de fundamentação, a prisão nesta fase não decorrerá de mera aplicação mecânica da lei, mas sim de demonstração de que os antecedentes e a reincidência,, ou as circunstâncias do artigo 312 do CPP recomendam a custódia[17]. A prisão decorrente de pronúncia poderá ser revogada pelo decisor a quo quando apesar de bons antecedentes e primariedade, foi o réu preso por ocasião da decisão, por estarem presentes os requisitos da preventiva, ou, ainda, quando apenas fora mantida preventiva ou prisão em flagrante anteriormente existente, sendo o réu primário e de bons antecedentes, desde que em todas as hipóteses tenha se alterado o quadro fático. Poderá, também, ser objeto de relaxamento ou revogação no segundo grau. Neste caso o decisum pode ser vergastado pelo recurso em sentido estrito, ex vi do artigo 581, inc. IV[18], do CPP, pois a decretação da custódia também integra a decisão. O recurso poderá voltar-se à anulação da sentença. Caso acolhido, se o réu estava preso anteriormente, repristina-se a aplicação do antigo motivo, caso ainda exista. Se somente foi preso por ocasião da decisão, uma vez que reste cassada, deverá ser posto em liberdade. Poderá também, ser reconhecida a ilegalidade da custódia, mantendo-se a pronúnci,a porém. Neste caso, o tribunal poderá conceder habeas corpus de ofício, determinando a soltura do réu. Por fim, poderá haver alteração na situação fática ou nova avaliação dos fatos que ensejaram a prisão, ocorrendo, então, revogação da custódia, seja o provimento do recurso total ou parcial. De gizar que ainda que não conhecido o recurso, em caso de ilegalidade da prisão, poderá ser concedido habeas corpus de ofício pela instância ad quem. Mas poderá, igualmente, ser manejado habeas corpus diretamente[19], em caso de ilegalidade da prisão, caracterizando-se, porém, caso de falta de interesse rescursal o manejo das duas impugnações simultaneamente, ou sucessivamente com o mesmo fundamento. 6- Prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível  Esta forma de custódia cautelar encontra fundamento nos artigos 393, inc. I, e 594 do CPP. Consoante o artigo 5º, inc. LVII, somente após o trânsito em julgado de decisão condenatória alguém poderá ser considerado culpado. Tal dicção levou a concluir-se que estaria revogada a possibilidade de custódia cautelar, pois esta significaria, na prática uma verdadeira execução antecipada da pena privativa de liberdade que poderia eventualmente ser imposta. O dissídio na tardou a bater às portas dos Tribunais Superiores, onde se consignou que o princípio da inocência não é incompatível com a custódia cautelar[20]. Absolutamente correta esta exegese, pois embora sob o ponto de vista prático o fundamento de uma custódia possa fazer pouca diferença concreta para que está preso, o certo é que a prisão cautelar é diametralmente diversa da prisão-pena sob o ponto de vista jurídico. A coincidência entre os efeitos práticos de uma prisão provisória e de uma prisão-pena não autoriza a identificarmos os gêneros. Aliás, se identidade houvesse sob o ponto de vista prático, então uma simples multa de trânsito poderia ser equiparada a uma pena pecuniária de natureza penal. De outra banda, a prisão cautelar é, infelizmente, uma necessidade inarredável à repressão penal e ao controle social. O Estado e a sociedade não podem se escudar na palavra do réu ou investigado de que não irá fugir, coagir testemunhas ou repetir o delito. Aliás, se o delinqüente tivesse algum compromisso com o Estado e a sociedade, em regra sequer teria cometido o delito. Assim, resta de todo superada a alegação de que a custódia cautelar é inconstitucional, em que pesem algumas raras e ultrapassadas invocações em processos criminais deste argumento. Uma coisa, porém, é certa, o mero fato de ser condenado recorrivelmente não pode servir de lastro único para a custódia do réu, mormente se se livrou solto durante o processo[21]. Neste passo, com razão se afirma que o regime de liberdades assegurado pela Constituição Federal, havendo expressa consagração da liberdade como direito fundamental, assim como o princípio da inocência, é incompatível com a automatização das prisões. Em um tal contexto, melhor se nos antolha atrelar a prisão decorrente de sentença pena condenatória recorrível à presença dos requisitos da prisão preventiva, seja por já estarem presentes anteriormente, seja por advirem após o édito condenatório[22], ou, no mínimo a antecedentes que possam fazer antever que a liberdade do réu é um perigo para a sociedade ou prejudicial ao processo. Destarte, “da presunção constitucional de não culpabilidade decorre ser cabível, ao réu condenado por sentença recorrível, apelar em liberdade, se inexistentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva.”[23], pois “a prisão do réu, dentro no sistema processual penal vigente, é efeito da sentença condenatória recorrível (Código de Processo Penal, artigo 393), cuja desconstituição somente, e por exceção, é admitida, quando se cuidar de primário e portador de bons antecedentes e se fizerem ausentes os motivos que determinam a prisão preventiva, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal.”[24] A referida hipótese de custódia, portanto, no mais das vezes, tomaria a feição de mera mudança no fundamento de uma custódia já existente anteriormente por força de prisão decorrente de pronúncia ou prisão preventiva ou decorrente de flagrante. Nestas hipóteses, após condenar o réu, o magistrado, analisando as condições concretas do caso, deverá conceder ao réu, ou não, o direito de apelar em liberdade. O que não se pode admitir, repita-se, é o simples fato de alguém ter sido condenado, decisão esta ainda sujeita a reforma, servir de base exclusiva para um encarceramento, o mesmo argumento valendo para a sentença de pronúncia. Nos casos de necessidade de custódia para apelar, a rigor não estaria o réu preso por força de cumprimento de uma pena, e, portanto, seria impossível conceder-lhe benefícios como livramento condicional e progressão de regime. Destarte, era comum a menção à formação do denominado “PEC provisório”, algo juridicamente inexistente, pois não existe possibilidade de uma execução provisória de pena[25]. Recente verbete sumular do STF[26], no entanto, tem por admissível uma verdadeira execução provisória ao admitir que ao preso provisório sejam estendidos benefícios próprios de uma situação de execução de pena, na qual ele não se encontra na realidade. Esta situação cria a possibilidade de ter o juiz de analisar se devem ser concedidos benefícios em vista do caso concreto, mesmo estando o réu preso por força de prisão provisória, pois embora agora seja um direito seu ter assegurados estes benefícios próprios da execução, circunstâncias especiais podem recomendar que não lhe sejam deferidos. A prisão decorrente de sentença penal condenatória poderá ser relaxada, se ilegal, ou revogada, sempre pela instância ad quem, seja apreciada a questão como matéria de apelação (preferencialmente como preliminar), seja como objeto de habeas corpus. 7- Conclusões     Não resta dúvida que hoje a liberdade é um dos mais caros direitos individuais. Da mesma forma, não se pode sustentar, hodiernamente, em um Estado Democrático de Direito, que alguém possa ser considerado culpado sem que exista uma sentença condenatória transitada em julgado, prolatada após um devido processo legal, onde tenham sido garantidos com plenitude a ampla defesa e o contraditório. Por outro lado, não menos verdade é que a custódia cautelar ainda é uma necessidade inarredável, pois a natureza humana ainda se presta aos mais vis atos, e, por vezes, a asseguração da eficácia do próprio processo, ou a defesa da sociedade, recomendam o encarceramento do indivíduo que não tem, ainda, sua culpa formada. A custódia cautelar, portanto, qualquer que seja sua forma, não é incompatível logicamente com o princípio da inocência e com a consagração da liberdade como direito de máxima envergadura, pois não se pode sustentar de forma razoável que qualquer direito subjetivo individual seja absoluto, notadamente quando confrontado com o direito de toda uma sociedade. Porém, uma visão fulcrada nos primados filosóficos e jurídicos que norteiam a existência de um Estado Democrático de Direito, implica, também, em uma postura responsável diante da custódia cautelar, que passa a ser regida pelo princípio da excepcionalidade. Da mesma forma, repelindo o exercício legal e democrático do poder qualquer pessoalização, e tendo em vista o ato extremo que representa o encarceramento, os atos que o tenham por conseqüência deverão, por óbvio, ser devidamente fundamentados, excetuadas as hipóteses legalmente previstas, onde a análise posterior do fato é relegada para a autoridade competente. A fundamentação da decisão que determina a custódia cautelar é corolário lógico do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório. Desta forma, atentos a esses princípios, poderemos encontrar nas prisões cautelares um valioso instrumento de combate à criminalidade, que cresce a olhos vistos, não obstante alguns “visionários” ainda pugnem pela possibilidade de resolução deste grave problema a partir de uma perspectiva puramente social, o que tem se demonstrado um rematado equívoco.
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Medidas assecuratórias no processo penal brasileiro
Este trabalho visa esplanar de forma simples e didática, tema que freqüentemente é desconhecido e desprezado pela maioria dos advogados, as medidas cautelares no nosso ordenamento processual penal, e que por muitas vezes pode ser crucial a efetiva validade da prestação jurisdicional. A contendo, vamos delinear alguns pontos que entendemos ser pertinente ao assunto.
Direito Processual Penal
Introdução O presente trabalho monográfico tem como finalidade principal, tratar das medidas assecuratórias ou cautelares, contempladas pelo atual Código de Processo Penal brasileiro. Na primeira parte do trabalho, trataremos das regras gerais da cautelares, das suas finalidades, e o que diferenciará as cautelares penais das cautelares de previstas no Código de Processo Civil. Em seguida descreveremos as origens histórica destas medidas, o seu desenvolvimento no Brasil, e estudaremos um pouco o direito comparado. Após isto, passaremos à falar sobre as medidas propriamente previstas no CPP, procurando abordar da forma mais precisa possível, o seqüestro, a especialização da hipoteca legal, e o arresto, que apesar de também ser chamado de seqüestro, dispõe de medidas diversas daquele. Trabalhar com este tema nos deu grande prazer, visto que, poucos são os estudiosos brasileiros que se dedicam a estudá-lo de maneira mais aprofundada. Esperamos, por esta razão, dentre outras, ter trazido alguma contribuição para o seu estudo. Desenvolvimento 1. Finalidade das Medidas Cautelares em geral Nem sempre a prestação jurisdicional definitiva é imediata, isto se explica pelo acúmulo de processos que abarrotam os juízos, e também, pelo próprio desenrolar dos processos, que nem sempre podem ser definidos rapidamente. Por esta razão, o legislador tem que buscar medidas que se não trazem o resultado de pronto da demanda, pelo menos podem garantir até o final desta, que a parte lesada possa receber a prestação jurisdicional na sua plenitude, pois, senão, caso fosse impossível se acautelar um direito, a realização da justiça seria como nos dizeres de Calamandrei, “um remédio longamente elaborado para um doente já morto”.[1] Disso, podemos entender que as medidas cautelares têm como escopo principal, proteger de forma provisória os direitos do lesionado, até que o Estado possa conceder em definitivo aquilo a que ele tem direito. 2. Atributos das ações cautelares As medidas cautelares como sua própria nomenclatura diz, tem a função de garantir algo, que posteriormente será efetivado, isto é, elas buscam assegurar a execução das medidas definitivas, possuindo um caráter instrumental. Como são instrumentais, as medidas cautelares são também acessórias, vez que não têm a possibilidade de sobreviver, sem a existência de uma ação principal de conhecimento ou executória. Por fim, as ações cautelares têm como característica a sua provisoriedade, pois não são propostas com fins definitivos, e estão impossibilitadas de efetivar o direito material. Por este motivo, não há como se falar em coisa julgada material no processo cautelar, já que a cautela pode ser revogada a qualquer momento. 3. Requisitos das ações cautelares em geral Além das condições para proposição de quaisquer ações, que são a legitimidade das partes, a possibilidade jurídica do pedido e o interesse de agir, as medidas cautelares exigem mais dois requisitos que se não estiverem presentes tornam a medida inviável, são eles o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus boni iuris, que significa “fumaça do bom direito”, está relacionado à plausividade do direito substancial invocado por quem pretende a proteção deste, ou seja, aquele que pretende a obtenção da medida cautelar tem que demonstrar que efetivamente possui direitos para a sua concessão. Já o periculum in mora, ou “perigo da demora”, é a demonstração de que o direito pretendido sofre sérios riscos de sofrer lesão próxima, isto é, o requerente tem que demostrar que se a medida não for concedida o mais breve possível, o direito que ele busca irá perecer. Em poucas palavras, estes requisitos são imprescindíveis para a proposição de qualquer medida acautelatória. 4. Origem histórica das Cautelares Estudiosos da modernidade imputam ao Direito Romano a origem de institutos, que podemos dizer, que seriam embriões do que hoje entendemos como medidas cautelares. As medidas que existam àquela época, apesar de não terem isoladas em um procedimento absolutamente cautelar, procuravam tutelar os direitos substanciais. Dos vários institutos que no Direito Romano funcionavam de forma acautelatória, três gostaríamos de destacar: o nexum, a cautio damini infecti, e a missio in possessionem. O nexum surge na Lei das XII Tábuas, e tem como escopo garantir o pagamento de mútuo de dinheiro. Consistia numa obrigação contraída em virtude da qual, o devedor insolvente ficava temporariamente a serviço do credor até extinguir sua obrigação, ou lhe oferecia bens a serem penhorados[2]. Deve-se ficar bem claro, que o nexum não se confundia com a escravidão. A cautio damini infecti (caução de dano temido) era a medida que o pretor determinava uma caução para garantia do requerente. Caso a caução não se efetivasse, ele determinava a posse de quais bens do requerido este teria direito. Por fim, a missio in possessionem (entrada na posse) era uma medida de finalidade preventiva, na qual pretor ordenava a entrega da coisa objeto do litígio a um dos litigantes ou a um curador. Para encerrarmos a respeito da origem histórica das cautelares, citamos o instituto do apud sequestrem, como aquele que deu origem ao atual seqüestro. A medida consistia em se entregar nas mãos de um terceiro, o chamado sequestrer, um bem, com o fim de que este fosse conservado e depois devolvido ao vencedor demanda, evitando-se assim, que a coisa ficasse nas mãos de um dos um dos litigantes, podendo este deixar a coisa se deteriorar. Este depósito poderia se dar de duas formas, voluntariamente (por acordo das partes) ou necessariamente (por determinação judicial). 5. Desenvolvimento histórico das medidas assecuratórias no Brasil Visualiza-se a presença das medidas assecuratórias no ordenamento jurídico brasileiro, bem no início de sua colonização à época das Ordenações Afonsinas, que assim dispunham a respeito da proibição dos arrestos realizados por autoridade própria: “Parando mentes a prol do rregno estabelecemos que nehum hom ouse a penhorar outro senom aquel que poder prouar que he seu devedor ou fiador. E aquel as fezer seja peado em quinhentos soldos e correga o dano ao que recebeo.”[3] Mas apesar das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas fazerem menção expressa às medidas de cunho acautelatório, nenhuma delas conseguiu separar com nitidez o seqüestro do arresto. Basicamente, o seqüestro dos bens do réu eram requeridos para garantir o cumprimento das penas e indenizações, quando este tinha que se ausentar da comarca do juízo da causa, e também, nos casos considerados de gravidade. Após a independência do Brasil, a primeira legislação genuinamente brasileira, a falar a respeito da indenização ex delicto foi o Código Criminal de 1830. Esta codificação no seu artigo 21, prescreveu que a indenização supracitada, somente deveria ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. As únicas exceções, a esta regra, isto é, a proposição da ação de reparação do dano antes do trânsito em julgado da ação penal, seriam quando o réu estivesse ausente; se após a decisão de pronúncia ele falecesse; ou quando a ação indenizatória era interposta no juízo cível diretamente, sem se aguarda a decisão no processo criminal. O Código de Processo Criminal de 1832, também, fez referências à reparação do dano ex delicto. Podemos citar a título de exemplificação, o artigo 234, in verbis: “Art. 234. Nos casos do artigo antecedente poderão propor-se contra o ausente as ações cíveis, que competirem, para haver-se a indemnisação do damno, que houver causado como o delicto”.[4] Ocorre que na reforma do Código de Processo Criminal de 1841, ambos dispositivos foram revogados, e a competência para a interposição da ação ex delicto passou a ser exclusiva do juízo cível. Como se pode perceber, até aquele momento histórico não havia em nossos diplomas legais, qualquer menção às medidas cautelares do arresto e seqüestro. Com advento da Constituição de 1891, a regulamentação das medidas acautelatórias se tornou mais difícil, pois a referida Carta, repassou aos Estados a competência para legislarem em matéria processual penal e civil. Na Constituição de 1934, a competência legislativa então transferida aos Estados, voltou a se centralizar na União. Em 1935 foi apresentado o Projeto do Código de Processo Penal da República, o qual fez previsão das medidas assecuratórias e utilizou de maneira precisa as expressões arresto e seqüestro. Ocorre entretanto, que o referido Projeto não vingou. O Diploma Constitucional de 1937 manteve a competência legislativa processual centralizada na União, e as Leis n.º 3240/41 e n.º 3415/41, traçaram as primeiras coordenadas da figura do seqüestro no Brasil. Em 03 de outubro de 1941 é promulgado o Decreto Lei n.º 3689 (o atual Código de Processo Penal), que entrou em vigor em 10 de janeiro de 1942. Apenas a critério de explicação, o atual Código utilizou o termo “seqüestro” para se referir ao seqüestro propriamente dito e ao arresto, com isto, queremos demonstrar a inferioridade terminológica desta Lei, em relação ao Projeto de 1935, que os definiu de forma precisa e utilizou no seu texto os dois termos. 6. Medidas cautelares penais em ordenamentos jurídicos estrangeiros 6.1. Portugal O Código de Processo Penal português de 1987, faz previsão expressa de duas medidas cautelares de natureza patrimonial. A primeira é a caução econômica (art. 227) e a outra é o arresto preventivo. O que existe em comum entre as duas figuras, é que ambas só podem ser concedidas pela autoridade judicial, mediante requerimento do Ministério Público ou do lesado, independentemente da fase procedimental e processual em que se encontram, isto é, antes e após o início da ação penal. Além disso, ambas servem de preparação para a interposição de uma possível ação de reparação ex delicto. A caução econômica poderá ser proposta em relação a qualquer crime, e tem como finalidade garantir o ressarcimento do dano causado por este, devendo ser comprovado para sua concessão, o periculum in mora. Subsidiariamente o arresto preventivo, será utilizado quando a caução econômica for imposta, mas não cumprida, extinguindo-se logo que esta for efetivada. 6.2. Itália Na legislação processual italiana, duas também, assim como na portuguesa, são as medidas cautelares penais existentes, são elas o seqüestro conservativo, e a outra, o seqüestro preventivo. O seqüestro conservativo tem como fim vincular os bens móveis e imóveis do réu ao juízo, garantindo-se, assim, a futura indenização civil decorrente da sentença penal condenatória. Já o seqüestro preventivo, visa a apreensão de bens relacionados ao crime, mas que não são passíveis de confisco, toda vez que estes possam ser utilizados para agravar as conseqüências do crime ou diminuir a dificuldade do cometimento de outros. 6.3. Argentina Na nossa vizinha Argentina, a Lei 23984 y modificatórias, estabeleceu em seus artigos 518 e 519 duas medidas cautelares penais, o embargo e a Inhibición. Embargo na definição apresentada por Eloisa Mendes Damasceno[5], em dissertação defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é “uma medida judicial cautelar de coerção real dirigida contra os bens do imputado ou de terceiro civilmente responsável, visando impedir a livre disponibilidade ou a afetação com supostos gravames do patrimônio destes. Se previne com ela, o estado de insolvência que faria ilusória, em caso de condenação, a efetivação da responsabilidade patrimonial compreendida nas penas pecuniárias, nas custas processuais e na reintegração patrimonial do danificado (restituição do objeto do delito e a indenização ou reparação do dano material ou moral causado)”. Aproveitando o referido estudo da mesma autora, também extraímos de seu trabalho a definição de Inhibición, que “é uma medida precautória de exceção, substitutiva do embargo e somente por carência, insuficiência ou desconhecimento de bens do devedor para embargar, pode ser decretada. Pode ser decretada tanto contra o imputado como contra o terceiro civilmente demandado”.[6] Em comum entre elas, podemos dizer que ambas devem ser decretadas de ofício, desde que os requisitos para sua decretação estejam presentes. 7. Reparação do dano ex delicto Assim como em qualquer ato ilícito, o ilícito penal pode gerar ou causar seqüelas que deverão ser reparadas por quem o comete, principalmente, quando se pode definir precisamente quem são as vítimas do crime. Esta reparação a que estamos nos referindo, é conhecida por reparação civil do dano ex delicto. Quando nos deparamos com o caso concreto, várias são as formas que aquele que é vítima de um crime pode ser indenizado. A primeira delas, é a restituição à vítima do produto direto do crime, ou seja, sendo o agente encontrado com o produto furtado, por exemplo, este é imediatamente devolvido ao seu proprietário ou possuidor. Não havendo mais a possibilidade do produto direito do delito ser restituído à vítima, pode-se localizar outros bens ou produtos indiretos que foram adquiridos pelo autor do delito, como proveito ou fruto da atividade criminosa praticada por este, e que servirão para ressarcir à vítima pelos prejuízos decorrentes do fato delituoso. E é sobre exatamente a estes últimos bens a que fizemos referência, que recairão as Medidas Assecuratórias previstas nos artigos 125 a 144 do Código de Processo Penal. Isto não quer dizer, entretanto, que estas medidas não poderão recair sobre outros bens do patrimônio do réu estranhos ao fato criminoso, um exemplo disto, seria a medida da especialização da hipoteca legal, que poderá atingir quaisquer bens imóveis deste.[7] 8. Medidas Assecuratórias ou Cautelares Penais Com a finalidade de proteger os direitos da vítima de um delito, o Código de Processo Penal, faz previsão de medidas acautelatórias para assegurar o dano que lhe foi causado. Estas medidas que podem ser interpostas até mesmo antes do início da ação penal, durante o inquérito policial, são o seqüestro, o arresto (chamado equivocadamente também de seqüestro), e a hipoteca legal dos bens do indiciado ou responsável civil. O CPP as nomeou como processos incidentais e a competência para presidi-los será do juiz competente para julgar o processo criminal. Porém, não existe qualquer restrição de que estas medidas sejam requeridas durante o curso da ação civil para reparação do dano, não podendo se falar nesse caso em “litispendência”. Outro fato que deve ficar bem claro, é que as medidas assecuratórias não se confundem com a busca e apreensão, dizemos isto, porque esta no processo civil é medida cautelar específica, e no processo penal atua como meio de produção de prova.[8] A busca e apreensão na esfera penal servirá para os seguintes fins : a) para apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; b) para apreender instrumentos utilizados na falsificação ou contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; c) apreender correspondências abertas ou não, destinadas ao réu ou em seu poder, quando exista suspeita de que o conhecimento de seu conteúdo pode ser útil à elucidação do fato; d) apreender armas, munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) para descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) e por fim, para colher qualquer elemento necessários para formar a convicção do juiz.[9] 9. Restituição, Ressarcimento e Reparação A ação civil visa três situações diversas, que são a restituição, o ressarcimento e a reparação. A restituição é o ressarcimento na sua forma específica, isto é, a devolução da coisa objeto do crime (delitos patrimoniais) ao lesado. Se não for possível a devolução da coisa objeto do delito, restará à vítima pleitear o seu ressarcimento, ou seja, o seu pagamento em espécie (dinheiro). Ocorre que existem infrações que não há como o ofendido ser ressarcido, temos como exemplo, o homicídio. Nestas situações o que resta à família da vítima é requerer a reparação dos danos materiais e morais que esta sofreu.[10] 10. O seqüestro 10.1. Definição de seqüestro Vicente Grecco Filho[11], define o seqüestro como a “medida assecuratória, fundada no interesse público e antecipativa do perdimento de bens como efeito da condenação, no caso de bens produto do crime ou adquiridos pelo agente com a prática do fato criminoso. Por ter por fundamento o interesse público, qual seja o de que a atividade criminosa não tenha vantagem econômica, o seqüestro pode, inclusive, ser decretado de ofício”. Desta definição, podemos verificar que o seqüestro é uma medida acautelatória, utilizada no interesse do ofendido e do Estado, e tem como finalidade antecipar os efeitos da condenação criminal, assegurando que os bens pertencentes ao acusado que resultaram da prática criminosa, sirvam para reparar o dano sofrido pela vítima e pelo Estado. Tourinho Filho, tecendo comentários a respeito do artigo 125 do Código de Processo Penal, que estabelece a finalidade do seqüestro, afirma que este dispositivo legal emprega o termo de forma imprópria. Para ele, baseando-se na doutrina de Tornaghi, o artigo se refere a um misto de seqüestro e arresto, pois, o primeiro, consiste na apreensão da coisa cuja propriedade há controvérsia, isto é, recai sobre um determinado bem. Já o arresto tem como fim, a retenção de quaisquer bens pertencentes ao acusado, evitando-se, assim, que ele se esquive de ressarcir o dano, desfazendo-se de seu patrimônio. Das duas definições, podemos perceber que o primeiro não recai sobre quaisquer bens; mas o segundo, sim. Mais detalhes sobre estas medidas, vide item 12.2. Para explicar este conteúdo híbrido do artigo 125, assim se expressou: “‘Todavia, como o art. 125 diz: caberá o seqüestro dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos da infra­ção, ainda que já tenham sido transferidos a terceiros’, razão assiste a Tornaghi ao vislumbrar ali um misto de seqüestro e arresto. Embora não se trate, a rigor, de coisa sobre cuja propriedade haja controvérsia, e só assim seria seqüestro, por outro lado, não podem ser seqüestrados quaisquer bens do indiciado; apenas aqueles imóveis adquiridos por ele com os proventos da infração”.[12] 10.2. Oportunidade para interposição De acordo com o artigo 127 do Código de Processo Penal, o seqüestro pode ser concedido antes de iniciada a ação penal, ou seja, durante a fase de inquérito, bem como após o seu início. A razão de ser possível a sua proposição antes de começada a ação, se deve ao risco de que durante o procedimento investigativo, o investigado se desfaça de seus bens tornando difícil a reparação do dano. 10.3. Requisitos para a concessão da medida Os artigos 125, 126 e 127 do Código de Processo Penal, estabelecem que o seqüestro poderá ser decretado se existirem indícios veementes da origem ilícita dos bens imóveis ou móveis do indiciado ou acusado, mesmo que estes tenham sido transferidos a terceiros. Consideramos necessário, explicar individualmente cada um dos elementos exigidos pela lei para a determinação da medida do seqüestro. 10.3.1. Definição de Indícios e Indícios veementes Indício é um fato cuja a existência é certa, e que leva aquele que o analisa a um outro fato ou circunstância que não era conhecido. Indícios veementes são aqueles que geram gravíssimas suspeitas contra o acusado, indicando uma quase certeza em relação a ele.[13] O que tem que ficar bem claro, também, é que os conceitos de indício e presunção possuem significados diversos. Esta é um processo intelectual que leva aquele que investiga um fato a uma conclusão. Aquele é simplesmente um fato que se liga a outros. Ex.: a maioridade é indício de maturidade, de capacidade. Presume-se a capacidade do maior. O indício é a maioridade, e a presunção a capacidade. 10.3.2. Definição de Bens Imóveis e Móveis Os dispositivos do CPP supracitados, também dispõem que o seqüestro poderá recair sobre bens imóveis e móveis (semoventes) que resultaram como proventos da infração. Bens imóveis são aqueles que não podem ser transportados sem alteração em sua substância. Bens móveis são os que podem ser transportados de um lugar para outro sem alteração em sua substância. Os semoventes são os animais que possuem meios próprios de se locomoverem, e são equiparados aos bens móveis. 10.4. Competência para decretar a medida Somente o juiz penal é que possui competência para determinar o seqüestro. Mas para saber qual o juiz penal o competente, deve-se observar algumas regras. A primeira é a de que se os autos do inquérito já foram distribuídos, a competência será o juiz da ação. Se os autos da peça investigativa ainda não foram distribuídos, a competência será do juiz penal da comarca. Existindo mais de um juiz criminal na comarca, a competência será definida por sorteio realizado no Cartório do Distribuidor.[14] Uma observação a ser feita, é que havendo determinação da medida antes da distribuição do inquérito policial, o juiz que a concedeu, será o prevento para conhecer da ação penal. 10.5. Legitimidade Possuem legitimidade e podem requerer o seqüestro: a) o Ministério Público, mesmo em fase de inquérito, obedecidas as regras de competência; b) a autoridade policial, mediante representação para o juiz; c) o ofendido no delito; se for incapaz, seus representantes legais; se estiver morto, seus herdeiros; d) o juiz pode decretar a medida de ofício, independentemente de provocação de qualquer das partes anteriormente citadas. 10.6. Procedimento de realização da medida Como o Código de Processo Penal não prevê um procedimento próprio para a efetivação do seqüestro, mutatis mutandis, a doutrina e jurisprudência vêm entendendo que o seu procedimento deverá ser o mesmo previsto no Código de Processo Civil, para a realização da penhora. Acolhendo o pedido do ministério público, ou a representação da autoridade policial, ou o requerimento da vítima, ou mesmo, decidindo de ofício, o juiz mandará autuar em autos próprios apartados o procedimento do seqüestro. Expedido o mandado de seqüestro, deverá constar neste a autoridade que o ordenou, a localização do(s) bem(s), o motivo e os fins da diligência, e estar assinado pelo escrivão e pelo juiz. Entregue a ordem judicial ao oficial de justiça, este deverá se dirigir ao local onde se encontra o bem, e dar ciência a seu proprietário ou possuidor. Caso não seja encontrado este, o oficial deverá lavrar o auto de penhora (art. 665 do CPC). Juntado o mandado cumprido dentro das formalidades legais, a autoridade judicial ordenará a inscrição do seqüestro no Cartório de Registro de Imóveis, de acordo com a forma estabelecida no artigo 239 da Lei de Registros Públicos (n.º 6.015/73). Aplicar-se-á ao seqüestro de bens móveis todas as disposições pertinentes aos de imóveis, exceto a sua inscrição no Cartório de Registro de Imóveis, por motivos óbvios. Uma última observação, eqüivalerá ao seqüestro o indeferimento do pedido de restituição de coisas apreendidas, se o fundamento da negativa de devolução for a possibilidade de vir a ser decretado o perdimento na sentença condenatória. 10.7. Recurso cabível Grecco Filho[15], entende que a decisão que determina o seqüestro ou indefere o seu pedido, não é passível de recurso, pois ela não está arrolada no rol do artigo 581 do CPP (recurso em sentido estrito), e também, não é definitiva e nem tem força de definitiva, o que permitiria a interposição de uma apelação (art. 593, II do CPP). Na sua visão, a legalidade desta decisão somente poderia ser questionada via mandado de segurança. Data vênia, a posição do ilustre doutrinador, vislumbramos a coisa de forma diversa, vez que entendemos ser a decisão que nega ou concede o seqüestro, definitiva ou com força de definitiva. Afirmamos isto, porque não haveria outra medida recursal cabível para esta decisão, além do que, se for concedida, perdurará até o término da ação penal; e se for negada, o requerente verá seus direitos desprotegidos até uma eventual decisão final da ação penal.[16] 10.8. Embargos Realizada a diligência do seqüestro, podem ser opostos embargos, meios de defesa que, no particular, a lei processual penal confere: a) a terceiro senhor e possuidor; b) ao indiciado ou réu; c) ao terceiro de boa-fé. Nos artigos 129 e 130 do Código de Processo Penal, verificamos a imprecisão terminológica com que o legislador dispôs sobre o assunto. Em se tratando de medida cautelar, não há que falar-se em embargos, mas, sim, em contestação, a não ser que o seqüestro se faça sobre bens de terceiro absolutamente estranho ao delito. Assim, se o seqüestro recair sobre um imóvel de propriedade de pessoa absolutamente estranha à infração penal, poderá ela opor embargos de terceiro, nos termos do art. 1.046 do CPC, podendo ser contestados no prazo de 10 dias, consoante a regra do art. 1.053 do mesmo diploma. Se o seqüestro foi requerido pelo ofendido, a este cabe contestá-lo. Se ordenado pelo Juiz, de ofício, ou mediante representação da Autoridade Policial, pensamos, ainda, caber ao ofendido, como parte interessada, fazê-lo. Se requerido pelo Ministério Público, a contestação ficará a seu cargo. Mesmo nas demais hipóteses, como custos legis, deverá o órgão do Ministério Públi­co ser ouvido. Vimos que três pessoas podem opor “embargos” ao seqüestro. Uma delas é o terceiro senhor e possuidor. Quando o art. 129 do CPP fala em terceiro, sem receio de contestação, afirmamos que a referência é feita ao terceiro senhor e possuidor do imóvel objeto do seqüestro. Trata-se de pessoa completamente estranha ao delito. Assim, por exemplo, se, por equívoco ou má informação, seqüestrou-se um imóvel não adquirido do indiciado ou réu, ou, se o foi, a aquisição ocorreu muito antes do crime que se lhe imputa, o seu proprietário e possuidor poderá opor embargos. A mulher do acusado ou indiciado poderá interpor embargos de terceiro, para proteger a sua meação (art. 1046 do CPC). Os embargos de terceiro senhor e possuidor, a que se refere o art. 129 do CPP, oferecem uma particularidade: devem ser julgados logo, não se aplicando a regra do art. 130. Para as demais formas de embargos, existe esta exigência, afim de se evitar decisões conflitantes entre a ação principal e a medida cautelar. Pode, também, o indiciado ou réu opor embargos. Aqui, entendemos não se tratar de embargos, mas, de contestação, nos termos do art. 802 do CPC. Nesta contestação, o indiciado ou réu poderá, apenas, quanto ao mérito, alegar não ter sido o imóvel adquirido com os proventos do crime. Finalmente, também poderá opor “embargos” o terceiro de boa-fé. Ainda aqui entendemos tratar-se de contestação. Não basta apenas a boa-fé; é preciso que o bem lhe tenha sido transferido a título one­roso. Satisfeita essa condição, deverá provar, na contestação (CPC, art. 802), a sua insciência quanto à proveniência ilícita do imóvel, isto é, seu total desconhecimento de que o pretenso culpado o adqui­rira com os proventos da infração e, por isso mesmo, certo da licitude da aquisição. Apresentados os embargos, o que poderá dar-se a qualquer tempo, nos termos do art. 1.048 do CPC, ou a contestação, no prazo de 5 dias, segundo o estatuído no art. 802, a decisão sobre tal incidente cautelar somente será proferida depois de haver transitado em julgado eventual sentença penal condenatória. É a regra inserta no art. 130 do CPP. Contudo, em se tratando de embargos de terceiro senhor e possuidor, embora possam ser opostos a qualquer tempo, consoante a regra do art. 1.048 do CPC, se o forem logo em seguida ao ato constritivo da propriedade, é até aconselhável que o Juiz penal os solucione de pronto, a menos haja questão de alta indagação, quando, então, as partes deverão ser remetidas às vias ordinárias. Conforme expresso acima, será do juiz penal a competência para julgar qualquer das formas de embargos previstas contra à medida assecuratória do seqüestro.[17] Entendem alguns doutrinadores, apoiados em parte da jurisprudência pátria, que como não há efeito suspensivo nos embargos, tem-se admitido o cabimento de mandado de segurança para suspender a medida. O que se deve ficar bem claro, entretanto, é que a concessão deste em lugar dos embargos, somente será admissível quando o impetrante comprovar de forma inquestionável e prima facie a origem dos bens seqüestrados, de maneira a justificar a transferência da medida para o juízo cível.[18] Da decisão que acolhe ou nega os embargos, o recurso cabível será a apelação. 10.9. Levantamento O seqüestro, por ser uma medida acautelatória, pode ser revogado ou substituído a qualquer tempo nas hipóteses previstas pelo artigo 131 do Código de Processo Penal.  Em primeiro lugar, ele pode ser levantado se ação penal não for intentada no prazo de 60 dias, contado da data de sua efetivação (e não da inscrição). Isto porque se deve concluir que não se obteve prova suficiente do crime ou indícios da autoria. Transcorrido tal prazo, o seqüestro pode ser revogado ainda que, nessa data, já se tenha inicia­do o processo penal. Há, porém, decisões no sentido de que, havendo justo motivo para a de­mora na propositura da ação penal, não se deve proceder ao levantamento. Tem-se entendido, de outro lado, que o levantamento por seqüestro antes da ação penal, não impede a renovação da medida a partir do momento em que esta se iniciar.[19] Ocorre também o levantamento se o terceiro, a quem foram transferidos os bens, prestar caução suficiente para poder aplicar-se o disposto no art. 92, II, “b”, 2ª, parte (que substituiu o art. 74 da lei anterior), que se refere a qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Como a caução não é prevista no Código de Pro­cesso Penal, deve ser aplicado o artigo 827 do CPC, que se refere ao “depósito em dinheiro, pa­péis de crédito, títulos da União ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fiança”. Em última hipótese, prevê a lei o levantamento se for julgada extinta a punibilidade ou ab­solvido o réu, por sentença transitada em julgado. Não há mais nessa hipótese, razão para a medida assecuratória. Por ser uma decisão definitiva a que autoriza o levantamento, estará ela sujeita à apelação. 10.10. Depósito e Leilão dos bens seqüestrados O depósito e a administração dos bens seqüestrados é regulado de acordo com as regras do Código de Processo Civil (arts. 148 a 150), que serão aplicadas subsidiariamente no processo penal. Transitada em julgado a sentença penal condenatória, sem ter sido a medida de seqüestro sobre os bens levantada, o juiz que determinou a medida será o competente para ordenar a avaliação dos bens e a venda destes em leilão público. O dinheiro obtido servirá para indenizar à vítima, o terceiro de boa-fé, por ventura lesado, e para pagar as despesas existentes no processo[20]; o restante, se houver, será recolhido ao tesouro nacional. Não existindo licitante, o bem será adjudicado à vítima. 11. Hipoteca Legal 11.1. Definição e Espécies de Hipoteca Hipoteca legal é o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida.[21] Três são as espécies de hipoteca: a convencional, a judicial ou a legal. A primeira, decorre do contrato celebrado entre o credor e o devedor da obrigação. A segunda, advém de uma sentença judicial. A terceira, a legal, é a que nos interessa, pois sobre ela que se refere o Código de Processo Penal. A hipoteca legal é aquela instituída pela lei, como medida cautelar, favorável a certas pessoas, com o fim de garantir determinadas obrigações (vide art. 827, VI do Código Civil Brasileiro). Ainda, a respeito da hipoteca legal, a que se falar sobre a crítica de Camara Leal, à redação do artigo 134 do Código de Processo Penal, quando diz que o ofendido poderá requerer a hipoteca legal. Não é a hipoteca que a vítima poderá requerer, mas sim, a sua especialização[22], pois a hipoteca é decorrente da lei, e dá direitos ao agredido, a partir da data do cometimento do crime. 11.2. Oportunidade para interposição da medida A especialização da hipoteca legal poderá ser requerida em qualquer fase do processo. Cabe ressaltar o uso impreciso do termo indiciado na redação do artigo 134 do CPP. Mirabete[23] alerta, entretanto, que alguns tribunais do país vêm entendo que a especialização da hipoteca poderia ocorrer antes do início da ação penal, posicionamento este, que data vênia, discordamos, pois a redação do artigo supracitado, é bem clara em dizer que a especialização da hipoteca poderá ser requerida em qualquer fase do processo. 11.3. Requisitos Dois são os requisitos necessários para a especialização da hipoteca legal: a) a prova inequívoca da materialidade do fato delituoso; b) indícios suficientes de autoria. 11.4. Competência para autorizar a medida Se a especialização da hipoteca legal for requerida no juízo cível, obviamente será este o competente para decidi-la. Como estamos falando sobre uma medida assecuratória penal, a competência neste caso, será da autoridade judiciária que estiver presidindo a ação penal. 11.5. Legitimidade O pedido de especialização da hipoteca legal pode ser formulado pelo ofendido (art. 134 do CPP), pela parte (art. 135 do CPP), pelo representante legal da vítima ou seus herdeiros (art. 842, I e 827, VI do CCB) e pelo Ministério Público, quando o ofendido for pobre e a ele requeira, ou se houver interesse da fazenda pública (municipal, estadual ou federal). 11.6. Finalidade da medida A especialização da hipoteca legal possui duas finalidades básicas, a primeira, é a de satisfazer o dano ex delicto; e a segunda, pagar as penas pecuniárias se aplicadas, e também, as despesas processuais. Deve-se ficar bem claro, que a primeira finalidade tem prioridade em relação à segunda, isto é, indeniza-se a vítima primeiro, e o que sobrar o Estado recolhe, conforme o disposto no artigo 140 do CPP. 11.7. Procedimento para a especialização da hipoteca legal O procedimento para especialização da hipoteca legal está expresso no art. 135, caput e seus parágrafos. No pedido de especialização da hipoteca, a parte deverá estimar o valor da responsabilidade civil, designar e estimar o imóvel ou imóveis que terão de ficar especialmente hipotecados. Recebido o requerimento, o juiz mandará proceder o arbitramento do valor da responsabilidade e à avaliação do imóvel. A petição deverá ser instruída com as provas ou indicar as provas em que se funda a estimativa da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o responsável possuir, se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os documentos que comprovam o domínio. O acusado deverá ser citado, e deverão ser intimados todos aqueles que tiverem qualquer relação com os bens, como por exemplo, a esposa daquele, para que ela possa proteger a parte que lhe compete no patrimônio. O arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação dos imóveis será realizada por perito nomeado pelo juiz, onde não existir avaliador oficial, sendo a este facultada a consulta dos autos do processo.[24] Encerrada esta etapa, o juiz ouvirá as parte no prazo comum de dois dias, que correrá em cartório, e poderá corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer haver excesso ou ser deficiente. O valor da responsabilidade será definitivamente liquidado após a condenação, não existindo qualquer impedimento de ser requerido novo arbitramento, se qualquer das partes discordar do arbitramento realizado anteriormente à sentença condenatória. Transitada em julgado a sentença condenatória, e não havendo discordância a respeito do arbitramento, os autos deverão ser remetidos ao juízo cível, onde deverão ser executados. Deve-se observar, que independentemente dos bens do responsável serem suficientes para garantir o valor arbitrado para o dano, o juiz deverá conceder a medida, mesmo que a especialização da hipoteca garanta apenas o valor parcial da indenização. Por fim, cabe salientar, que inscrição da hipoteca legal é indispensável a fim de valer contra terceiros.[25] 11.8. Levantamento e Cancelamento da medida A hipoteca legal será levantada ou cancelada, se o réu for absolvido por sentença transitada em julgado ou estiver extinta a sua punibilidade. 11.9. Caução para evitar a hipoteca legal O Código de Processo Penal, no § 6º do artigo 135, permite que a hipoteca legal seja impedida através de caução, prestada pelo réu. A caução poderá ser realizada em dinheiro ou títulos da dívida pública, a serem cotados na bolsa, no dia em que for procedida. A grande discussão a respeito da caução, gira em torno desta ser mera faculdade do juiz ou direito subjetivo do réu. Os que entendem da última forma, argumentam que se estiverem presentes todos os requisitos legais para se evitar a medida, não poderá o juiz, negá-la ao requerente.[26] Entendemos ser este posicionamento o mais acertado, pelos motivos esposados. Os defensores da primeira posição, afirmam que o dispositivo é bem claro ao expressar “o juiz poderá deixar de mandar proceder à inscrição da hipoteca legal”.[27] Tratando-se a decisão, de liberalidade do juiz. 11.10. Recurso cabível Da decisão que mandou inscrever, ou não, a especialização da hipoteca legal, cabe recurso de apelação. Apenas as partes legitimadas poderão recorrer da decisão, não podendo terceiro prejudicado o fazê-lo. 11.11. Especialização contra terceiro responsável civil A especialização da hipoteca legal e o arresto que veremos, a seguir, poderão ser requeridos no juízo cível contra terceiro responsável, pelos mesmos legitimados da medida na esfera penal. Tal procedimento servirá como preparatório ou incidental para o processo de conhecimento condenatório, vez que o terceiro responsável, não é parte no processo penal. 12. Arresto 12.1. Definição de arresto e a imprecisão da redação do Código de Processo Penal Arresto é a retenção de qualquer bem do acusado, com a finalidade de assegurar o ressarcimento do dano, evitando-se desta feita, a dissipação do patrimônio deste.[28] A terminologia empregada pelo CPP, no artigo 137, vêm há muitos anos sendo criticada pela grande maioria da doutrina brasileira. Dizemos isto, em razão da imprecisão técnica com que é utilizado o termo “seqüestro” neste dispositivo. Na verdade, o correto seria o emprego do termo “arresto” ao invés de “seqüestro”, por causa da finalidade a que se presta a medida, que pelas suas definições são bem distintas. No tópico 12.2. diferenciaremos melhor ambos institutos. Serão arrestáveis todos os bens pertencentes ao acusado suscetíveis de penhora. O rol dos bens não penhoráveis poderá ser encontrado no artigo 649 do Código de Processo Civil.[29] 12.2. Elementos comuns e diferenças entre Arresto e Seqüestro Entre seqüestro e o arresto existem elementos co­muns e elementos diferenciais. São elementos comuns ao arresto e ao seqüestro: a) o intuito de segurança econômica, quando qualquer fato (dos previstos na lei) permite crer-se na ofensa a direitos; b) o caráter de medida cautelar, como a detenção pes­soal, os protestos, a caução, a venda judicial de objetos comerciais que te­nham sido embargados, depositados ou penhorados, se de fácil deterioração etc. Um desvia o perigo do desaparecimento da coisa — é o seqüestro; outro consiste em embargo ou impedimento, até que o devedor solva a dívida. Um supõe a questão sobre a coisa (direito real; posse); outro, a obrigação. Os elementos diferenciais estão na cautela, que diz respeito à utilidade final da relação de direito (no arresto) enquanto concerne ao próprio objeto (no seqüestro). O seqüestro supõe a litigiosidade da coisa, enquanto no arresto existe certeza sobre a titularidade dominial do objeto. Por fim, não existe arresto de pessoa, enquanto se admite o seqüestro pessoal, como na posse provisória de filhos.[30] 12.3. Oportunidade e Requisitos O arresto poderá será interposto em qualquer fase do processo, pois, como veremos no item 12.5., pode servir de preparação para a especialização da hipoteca legal. Dois requisitos deverão ser satisfeitos para poder se interpor o arresto: a) a prova da materialidade do delito; b) a existência de indícios suficientes de autoria. 12.4. Depósito e administração dos bens arrestados Os bens arrestados (seqüestrados) serão entregues a terceiro estranho à lide, que ficará responsável pelo depósito e administração dos objetos, segundo as regras processuais civis (art. 139 do CPP). 12.5. Arresto (seqüestro) prévio A lei possibilita um arresto prévio, cautelar, diante da possibilidade de haver demora no processo de especialização e inscrição da hipoteca legal. Assim, quaisquer bens imóveis do réu podem ser seqüestrados, para posteriormente ser objeto do pedido de inscrição da hipoteca le­gal, não se confundindo com o seqüestro previsto no art. 125. O arresto provisório é revogado, se no prazo de quinze dias, não for promovido o pedido de inscrição da hi­poteca legal. Note-se que esta medida, aplicar-se-á, apenas a bens imóveis, vez que é preparatória para a especialização da hipoteca legal. 12.6. Arresto (seqüestro) definitivo Antes de mais nada, cabe-nos alertar sobre o erro tipográfico na última palavra do caput do artigo 137: trata-se de “imóveis” e não de “móveis”, pois só os primeiros podem ser hipotecados, salvo as exceções legais. Além disso, a lei trata não verdadeiramente de “seqüestro” (art. 822 do CPC), mas de “arresto” (art. 813 do CPC). Só podem ser objeto desse tipo de seqüestro os bens que sejam suscetíveis de penhora. Além disso, é necessário que não haja bens imóveis ou sejam eles insuficientes para garantir a responsabilidade do acusado ou de seu responsável, para que os bens móveis possam ser arrestados. 12.7. Levantamento O arresto será levantado ou cancelado, quando a sentença penal for absolutória ou houver sido julgada extinta a punibilidade. Cancelada a medida nestes dois casos, os bens deverão ser devolvidos ao acusado. 12.8. Bens Fungíveis Se os bens móveis arrestados, nos termos do art. 137, forem fungíveis e facilmente deterioráveis, estes deverão ser avaliados e levados à leilão público, devendo ser o dinheiro apurado, depositado ou entregue a terceiro idôneo, que assinará termo de responsabilidade (art. 137, § 1º c/c art. 120, § 5º do CPP). São fungíveis os bens móveis que podem ser substituídos por ou­tros do mesmo gênero, qualidade e quantidade. 12.9. Rendas Se os bens móveis arrestados gerarem rendas, caberá ao juiz arbitrar uma importância proveniente destes rendimentos, a ser entregue à vítima para a sua manutenção e a de sua família. 12.10. Recurso cabível O recurso cabível contra a decisão que concede ou não o arresto, será a apelação, como nas demais medidas assecuratórias. Conclusões Do presente trabalho, chegamos as seguintes conclusões: I. As medidas cautelares têm como escopo principal, proteger de forma provisória os direitos do lesionado, até que o Estado possa conceder em definitivo aquilo a que ele tem direito. II. Além das condições para proposição de quaisquer ações, as medidas cautelares exigem mais dois requisitos que se não estiverem presentes, tornam a medida inviável, são eles o fumus boni iuris e o periculum in mora. III. As medidas assecuratórias incidirão sobre os bens proveito ou fruto da atividade criminosa praticada por este, e servirão para ressarcir à vítima pelos prejuízos decorrentes do fato delituoso. IV. Três são as medidas assecuratórias previstas pelo Código de Processo Penal, o seqüestro, o arresto (chamado equivocadamente também de seqüestro), e a hipoteca legal dos bens do indiciado ou responsável civil. V. Seqüestro é a medida assecuratória, fundada no interesse público e antecipativa do perdimento de bens como efeito da condenação, no caso de destes serem produto do crime ou adquiridos pelo agente com a prática do fato criminoso. VI. O seqüestro pode ser concedido antes de iniciada a ação penal, isto é, durante a fase de inquérito policial. VII. O seqüestro poderá ser decretado se existirem indícios veementes da origem ilícita dos bens imóveis ou móveis do indiciado ou acusado, mesmo que estes tenham sido transferidos a terceiros. VIII. Somente o juiz penal é que possui competência para determinar o seqüestro, a especialização da hipoteca legal, e o arresto. IX. Podem requerer o seqüestro: o Ministério Público; a autoridade policial; o ofendido no delito; e o juiz de ofício. X. A decisão que nega ou concede o seqüestro, poderá ser atacada via apelação, por ser definitiva ou ter força de definitiva. XI. Os embargos podem ser opostos na medida de seqüestro, quando requeridos, pelo: a) terceiro senhor e possuidor; b) indiciado ou réu; c) terceiro de boa-fé. XII. O seqüestro, poderá ser revogado ou substituído a qualquer tempo, nas hipóteses previstas pelo artigo 131 do Código de Processo Penal. XIII. Hipoteca legal é o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida. XIV. A hipoteca a que se refere o CPP é a legal, ou seja, a expressa na lei. XV. A especialização da hipoteca legal e o arresto poderão ser requeridos em qualquer fase do processo. XVI. Para requerer a hipoteca legal, será preciso ser a prova inequívoca da materialidade do fato delituoso; e haver, indícios suficientes de autoria. XVII. O pedido de especialização da hipoteca legal pode ser formulado pelo ofendido, pela parte, pelo representante legal da vítima ou seus herdeiros, e pelo Ministério Público, quando o ofendido for pobre e a ele requeira, ou se houver interesse da fazenda pública (municipal, estadual ou federal). XVIII. A hipoteca legal será levantada ou cancelada, se o réu for absolvido por sentença transitada em julgado ou estiver extinta a sua punibilidade. XIX. Da decisão que mandou inscrever, ou não, a especialização da hipoteca legal, ou concedeu o arresto, cabe recurso de apelação. XX. Arresto é a retenção de qualquer bem do acusado, com a finalidade de assegurar o ressarcimento do dano, evitando-se desta feita, a dissipação do patrimônio deste. XXI. O arresto prévio, poderá ser concedido, diante da possibilidade de haver demora no processo de especialização e inscrição da hipoteca legal. XXII. O arresto definitivo poderá ser concedido, quando não existirem bens imóveis ou eles sejam insuficientes para garantir a responsabilidade do acusado ou de seu responsável. XXIII. O arresto será levantado ou cancelado, quando a sentença penal for absolutória ou houver sido julgada extinta a punibilidade. Apêndice A. Artigos 125 a 144 do Código de Processo Penal “Capítulo VI Das Medidas Assecuratórias Art. 125. Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro. Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. Art. 127. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, poderá ordenar o seqüestro, em qual­quer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa. Art. 128. Realizado o seqüestro, o juiz ordenará a sua inscrição no Registro de Imóveis. Art. 129. O seqüestro autuar-se-á em apartado e admitirá embargos de terceiro. Art. 130. O seqüestro poderá ainda ser embargado: I – pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração; II – pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-15/medidas-assecuratorias-no-processo-penal-brasileiro/
A inserção brasileira no Tribunal Penal Internacional
O presente artigo tem por objetivo focalizar o acolhimento, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, do Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional. Para tal, localiza o instituto dentro do ordenamento jurídico internacional, bem como estuda a forma de acolhimento e internalização dos Tratados Internacionais pelo Brasil.
Direito Processual Penal
I – Introdução: Entre 15 de junho a 17 de julho de 1998, realizou-se em Roma, Itália, a Conferência das Nações Unidas sobre o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional que  iria afigurar como um órgão judicante internacional complementar aos sistemas judiciários nacionais. Em 07 de fevereiro de 2000 Brasil tornou-se signatário do Tratado que ainda está em processo de ratificação para ser incorporado ao nosso ordenamento jurídico. As características do Tribunal Penal Internacional, sua jurisdição, recepção e eventuais conflitos com a soberania jurídica nacional são preocupações constantes nos círculos político e judiciário brasileiros. Prova disto são os dois documentos lançados pela Câmara dos Deputados relativos ao tema[1], mais publicações em periódicos de nosso Ministério das Relações Exteriores; o que prova que o assunto não é adstrito ao interesse acadêmico mais se espraia por nossos setores político-legislativo e diplomático. O presente artigo tratará dos temas supramencionados sem deixar de referir a macroestrutura jurídica internacional, já que os temas da personalidade jurídica, Tratados Internacionais e da aplicabilidade da sanção são fundamentais e necessários para uma abordagem propedêutica do caso.  A partir da análise do ordenamento jurídico internacional[2], do conflito do Tratado de Roma com as soberanias nacionais, chegar-se-á ao acolhimento deste pelo direito interno brasileiro, especificando os atuais óbices jurídicos e políticos a sua ratificação. II – A ordem jurídica internacional A chamada Ordem Jurídica Internacional pode ser analisada de diversas formas, mas necessariamente dentro da proposta deste artigo em um contexto doutrinário para o correto entendimento e ordem metodológica . Desta feita, a ordem jurídica mundial contemporânea, deve ser estudada utilizando-se os seguintes elementos constitutivos: ( i ) personalidade jurídica internacional; ( ii ) poder legislativo; ( iii ) dano e responsabilidade  e; ( iv )  judiciário; ou seja: (i ) quem executa as leis ou as pessoas legitimadas  no Direito Internacional; ( ii ) quem legisla e o que é positivado, compondo a fonte formal da estrutura jurídica internacional; (iii)  o ato ilícito internacional e a devida imputabilidade e, por fim; (iv) os órgãos judicantes com jurisdição definida e que tutelam os direitos tendo como critério objetivo a aplicabilidade do ordenamento jurídico internacional (neste patamar incluindo-se a jurisprudência), tema este que implica também em outro delicado desdobramento: o da sanção. Cabe lembrar que sobre cada um destes pontos repousam as mais díspares divergências, acarretando no compromisso do autor de doutrinariamente apresentar os diversos direcionamentos das ciências jurídicas no âmbito internacional. Primeiramente, em relação às pessoas no Direito Internacional, pode-se indicar o que a doutrina mais tradicional aponta: “As partes, em todo Tratado, são necessariamente pessoas jurídicas de direito internacional público: tanto significa dizer  os Estados Soberanos – aos quais se equipara, como será visto mais tarde, a Santa Sé – e as organizações internacionais. Não tem personalidade jurídica de direito das gentes, e carecem, assim, por inteiro, de capacidade para celebrar tratados, as empresas privadas, pouco importando sua dimensão econômica e sua eventual multinacionalidade.”[3] É concorde e pacífico na doutrina que o Estado-Nação continuará exercendo sua personalidade de forma majoritária, da mesma forma que as Organizações Internacionais. Há contudo, muitas considerações a serem feitas quanto ao papel protagônico do indivíduo na seara internacional, pois se para Georges Scelle “a sociedade internacional é uma comunidade de indivíduos, a quem o direito aplica-se diretamente”[4], soma-se ao raciocínio que hoje um indivíduo pode dar início a procedimentos diretamente junto à jurisdições internacionais ainda que de restrita competência de matéria. Ademais, em relação a outros sujeitos não poucas vezes citados na doutrina, como as Organizações não governamentais (ONGs) e as discutidas empresas multinacionais ou transnacionais; a doutrina optou claramente por rechaçar ou por aceitar que são sujeitos fragmentários, na medida que reclamam para si fragmentos de capacidade internacional, como a própria  e inegável personalidade. Acredita-se portanto, que a relutância em admitir-se o indivíduo ou as organizações (ou empresas) transnacionais como portadoras de capacidade jurídica internacinal deve-se muito mais à inevitável herança histórica do direito internacional clássico e das teses realistas das Relações Internacionais do que a consideração do papel protagônico destas. Em relação às fontes de direito internacional, ou seja, a regra de conduta positivada a ser seguida pelos Estados, existem considerações interessantes a serem feitas. Existe uma abordagem pacífica em relação às fontes, mas uma  fragilização quando o foco privilegia a relação entre o direito interno e o internacional, principalmente sob os aspectos de (i) prevalência da norma interna ou externa, principalmente no caso, (ii) do processo de acolhimento de um Tratado internacional com normas divergentes à Constitucional ou mesmo ao ordenamento jurídico infra-constitucional. As fontes de Direito Internacional estão dispostas no Estatuto da Corte de Haia redigido em 1920, que compreende o primeiro Tribunal para a solução de litígios internacionais sem restrições territoriais ou de matéria. O artigo 38 elenca os Tratados, os Costumes e os Princípios Gerais do Direito, fazendo referência à jurisprudência  e à doutrina como meios auxiliares na determinação das regras jurídicas e facultou, sob certas condições, o emprego da equidade. Quanto a questão do caráter predominante da jurisprudência, ou da common law, bem como da falta de parâmetros objetivos do sistema legal internacional assevera Dervort: “Treaties are perhaps the most obvious method of documenting State consent  to an Internacional obligation. However, customary practice regarded as legally binding and the general principles of law recognized by civilized nations are vague and dificult to define. These sources leave much to the imagination when compared with the relatively clear lawmakink processes used in the most domestic legal systems. However, British and U.S. common law have considerable similarity”.[5]  [ tradução livre do autor:  Os Tratados são talvez o mais óbvio método de documentação do consentimento do Estado a uma obrigação internacional. De qualquer forma, a prática consuetudinária relativa ao legalmente acordado – pacta sunt servanda – e os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas são vagos e difíceis de definir. Estas fontes deixam muito para imaginação quando comparadas com a relativamente claro processo legislativo usado na maior parte dos sistemas legais. Contudo, à Common Law Britânica e à dos USA possuem considerável semelhança.] Se, com relação às fontes de Direito Internacional, não muitas divergências são apresentadas, o mesmo não se aplica às relações entre o Direito Internacional e o ordenamento jurídico interno. A questão cérnica converge para o embargo da prevalência da norma, que resulta nas duas grandes correntes doutrinárias: a moonista e a dualista. Foi Alfred von Verdross que, em 1914 cunhou a expressão “dualismo”, a qual foi aceita por Triepel, em 1923. Para os adeptos dessa corrente, o direito interno de cada Estado e o internacional são dois sistemas independentes e distintos, embora igualmente válidos. Por regularem tais sistemas matérias  diferentes, entre eles não poderia haver conflito, ou seja, um Tratado Internacional não poderia, em nenhuma hipótese, regular uma questão interna sem antes ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento receptivo que o transforme em lei nacional. Para os dualistas, os Tratados Internacionais representam apenas compromissos  exteriores do Estado, assumidos por governos na sua representação, sem que isso possa influir no ordenamento interno desse Estado. Em um caso, trata-se de relações entre Estados enquanto em outro as regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos.[6]    Por outro lado, a corrente oposta ao dualismo, o monismo, apregoa que se um Estado assina e ratifica um Tratado Internacional, é porque está se comprometendo juridicamente a assumir um compromisso; se tal compromisso envolve direitos e obrigações que podem ser exigidos no âmbito interno do Estado, não se faz necessário, só por isto, a edição de um novo diploma, materializando internamente aquele compromisso exterior. O monismo por sua vez divide-se em duas correntes: (a) o monismo internacionalista que sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens  internas constituindo ainda duas vertentes, (a.1) a que não admite a possibilidade de conflito sob pena da nulidade à norma interna, que é a de Hans Kelsen , e; (a.2) a que situa a norma contraposta no contexto somente da falta de validade. O (b) monismo nacionalista, afirma o primado do direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do Direito Internacional, aparece como uma faculdade discricionária, tendendo ao culto da Constituição e à descentralização da sociedade internacional.[7] O estudo do dano internacional, a imputabilidade e a responsabilidade são outro tema com uma tênue relação com a doutrina de direito interno. Seus desdobramentos sim, são motivo de flexibilização na doutrina como as imunidades e a já discutida questão da personalidade. Oportuno faz-se o estudo como até aqui se procedeu, generalizado, da doutrina internacional. Portanto, a saber, os elementos essenciais da Responsabilidade Internacional são:  o (a) ato ilícito; (b) a imputabilidade e ( c) o nexo causal. O ato ilício diz respeito a algo praticado por um sujeito de direito internacional, resultante de infração de norma de direito atinente a este ordenamento, ou seja, não dizendo respeito ao direito interno. “A análise estatística revela que, ao menos no plano dos ilícitos internacionais de maior notoriedade, são nas normas costumeiras  e os princípios gerais  – por oposição aos Tratados – que constituem nas mais das vezes a afronta. A razão de tal fenômeno é simples, e já terá transparecido no estudo das fontes do direito internacional público: os Tratados, beneficiários da exatidão da forma escrita, prestam-se menos à controvérsia e à burla que aquelas outras normas para cujo entendimento se depende em alto grau, dos préstimos da jurisprudência e da doutrina. “[8] Com relação à imputabilidade, justamente, aplica-se a terminologia do nexo causal, utilizado no direito interno. Pode-se portanto dividir em direta quando uma pessoa de Direito Internacional (leia-se Estado ou Organização Internacional) responde pelo ilícito e, indireta quando há uma situação de dependência como um protetorado (por exemplo Porto Rico em relação aos EUA). Como fonte de divergência, podemos citar o fato da ação ilícita de particulares que será considerada ilícito só na hipótese de deveres elementares de prevenção e repressão.[9]As imunidades e a personalidade aparecem de fato como obstáculos, servindo de paradigmas o caso Pinochet, que responde na esfera internacional enquanto pessoa individual, apesar de atos de governo estarem envolvidos,  podendo ser citado ainda, de outra monta,  que divergências normativas são um obstáculo para o acolhimento do Estatuto do Tribunal Penal Internacional pelo Brasil[10], objeto deste trabalho. O dano internacional sofrido por um Estado ou Organização, por si só não configura na contraprestação de reparação; será necessária a averiguação quanto à ilicitude do fato. Neste caso, por exemplo, o dano a investimentos estrangeiros, pode ser tanto oriundo da discricionária arrecadação, confisco ou expropriação de bens estrangeiros como o caso não menos arbitrário da proibição das atividades, ou multas relevantes em relação ao funcionamento de indústrias poluentes. O critério será que o primeiro é um ilícito contra os Direitos Econômicos dos Estados[11] e o segundo é um exercício de soberania. Os órgãos judicantes internacionais, por sua vez, são um capítulo à parte no ordenamento jurídico internacional, que possuem sua origem enquanto instituições formais nas Comissões de Inquérito estabelecidas na Conferência de Paz  de Haia em 1899, com o objetivo de solução pacífica de Controvérsias internacionais. Já em 1900, foi estabelecida a Corte Permanente de Arbitragem que tornou-se a maior organização de Arbitragem Internacional  contudo nos posteriores 20 anos obteve consequente arrefecimento nas atuações arbitrais justamente porque diversas organizações internacionais já estavam preenchendo esta lacuna em relação à litígios versando sobre matéria especializada. Após o momento de uma desestabilização dos mecanismos jurídicos internacionais que se seguiram no período do entre-guerras, a Corte Internacional Permanente de Justiça, ou World Court, passam a exercer o papel da magistratura maior internacional, com um caráter de adjudicação bastante discutido internacionalmente, mas com uma credibilidade formal indiscutível e bastante razoável em suas assertivas. “This is accepted  because it is today the official judicial organ of the United Nations and all members of that organization must become a party to the Statute of the Court to become members. Its advisory opinions and contentious cases have developed a continuity of jurisprudence that is the worldwide in scope.”[12][ tradução livre do autor: Esta ( CIJ ) é aceita porque é hoje o orgão judicante oficial da Organização das Nações Unidas e todos os membros daquela organização devem ser partes no Estatuto da Corte para tornarem-se membros. Suas opiniões consultivas e casos contenciosos têm desenvolvido uma continuidade de jurisprudência que possui uma extensão mundial.”] Embora seu caráter universal e amalgamento à ONU,  a ratificação do Estatuto da Corte, não constitui um consentimento à submissão às decisões da Corte, dependendo de outras formas de submissão como: cláusulas em acordos bilaterais ou multilaterais que assim o permitam ou adesão à opcional cláusula de submissão compulsória, sujeita ainda à reservas ou consentimento em forma de compromisso envolvendo um acordo entre as partes. A fragilidade na execução de uma decisão da Corte Internacional de Justiça é uma das querelas do Direito Internacional enquanto fim próprio do judiciário que é a busca e feitura da justiça, em uma jurisdição que tutela a ação dos sujeitos de Direito Internacional. Mas considerando o caráter opcional de submissão à Corte sob a tautologia kelseniana, se todo um ordenamento é válido; é eficaz ao mesmo tempo, considerando a submissão parcial ao órgão máximo da justiça internacional? Não poderiam deixar de serem mencionadas as chamadas Cortes Regionais ou Especializadas que compreendem muitas vezes diferentes aspectos organizacionais em relação aos Estados. Assim é a Corte Européia de Justiça que julga questões relativas aos Tratados de Integração, ou seja, de caráter compulsório em relação à soberania dos Estados europeus membros da hoje União Européia. Há também a Corte Européia de Direitos Humanos assim como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e mesmo a Centro-americana de Direitos Humanos que funciona com eficiência desde o início do século XX, todas com matéria definida, podendo os indivíduos demandarem desde que o caso já não tenha sido decidido anteriormente e sem caráter de submissão compulsória a decisão. Apesar das restrições às decisões tem encontrado uma eficácia internacional em suas atuações. Como Cortes especializadas afigura o Tribunal Internacional de Direito do Mar com plena jurisdição sobre controvérsias relativas à interpretação ou aplicação da Convenção da ONU para o Direito do Mar de 1982[13], ou o Tribunal Penal Internacional previsto no Estatuto de Roma de 1998[14]. Oportuno acentuar que correlatamente o sistema de arbitragem internacional afigura-se como um sistema eficaz, principalmente se formos considerar que todas as divergências no âmbito da Organização Mundial do Comércio resolvem-se mediante este instituto, o que ocorre também analogamente com  ilícitos relativos à responsabilidade ambiental internacional. Com as anteriores considerações, resta ainda nesta incursão breve e necessária ao ordenamento jurídico internacional, algumas considerações sobre a executividade das decisões internacionais ou a sanção que possui relação imediata e direta com a eficácia de uma norma. A insatisfação quanto ao jus cogens na aplicação das normas internacionais é evidente na doutrina: “Malgrado o nome que sustenta, não se deve imaginar que à Corte  de Justiça corresponda o papel exercido, no modelo clássico do Estado contemporâneo, pelo Poder Judiciário. A Corte é o principal órgão judiciário das Nações Unidas, mas não detém a possibilidade de impor sentenças ao coletivo internacional, face às peculiaridades do próprio direito internacional (…) o ritmo de atividade da Corte está dissociado da complexidade da vida internacional contemporânea, uma vez que tem julgado em média, menos de dois casos por ano em seus cinqüenta anos de existência (…) com a intenção de satisfazer todas as partes envolvidas (sic) age como se fosse um foro de arbitragem (…) e não raras vezes os juizes representam posições políticas de seus governos numa completa distorção de suas funções.”[15] A fragilidade da sanção relativa às normas é uma lacuna no sistema internacional,  ainda mais em considerando a realidade de nenhum Estado estar sujeito às decisões da Corte sem consentimento prévio e concomitantemente reconhecendo-a, hoje, como jurisdição obrigatória, somente cinqüenta e nove Estados e destes, sendo somente um – o Reino Unido – integrante, dada a obrigação moral internacional dos membros permanentes nos Conselho de Segurança. Há então uma desproporcionalidade clara, politicamente falando na constituição de um Sistema Jurisdicional Internacional válido e eficiente. Ficando também comprometido os princípios mundialmente aceitos da transparência administrativa e do duplo grau já que segundo o artigo 36.6 do Estatuto “qualquer controvérsia sobre a jurisdição da Corte será resolvida por decisão da própria Corte.” III – O estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional Em 15 de junho de 1998, delegados de 160 países reuniram-se em Assembléia, em Roma, Itália, para a United Nations Conference of Plenipotenciaries on the Establishment of an International Criminal Court [ Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional]. Em 17 de julho, após cinco semanas de intensas negociações, os delegados votaram a favor do Estatuto para estabelecer a Corte Internacional Penal. Já em abril de 1999 o aclamado Estatuto de Roma possuía 81 países como signatários e duas ratificações: por Senegal e Trinidad e Tobago. Hoje o referido Tratado conta com 43 Estados Ratificantes, dos quais o último foi a Suíça em 12 de outubro de 2001 e 139 signatários dos quais o último foi Zimbabwe em 17 de julho de 1998. A história do Tribunal Penal Internacional remonta à muitos esforços na época moderna, com tentativas mal-sucedidas após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Neste sentido, trata-se não somente da criação de um Tribunal Internacional mas da própria consolidação do Direito  Penal Internacional após principalmente outubro de 1946 quando do final do Julgamento de Nuremberg. Situa-se após esta data uma aspiração internacional pela criação de um Código com larga aceitação mundial,  relativo à crimes contra humanidade, dada as consequências desta lacuna durante as atrocidades praticadas na Guerra em continente europeu. Pouco tempo depois, em dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas adota a “Convenção sobre a prevenção e punição dos crimes de genocídio” que já atentava para um Tribunal com competência e Jurisdição para aplicá-lo. Separadamente, a Comissão Legal Internacional começou estudos de implementação do referido Tribunal que não puderam levá-lo a cabo, apesar da confecção de minutas,  pela oposição entre os eixos no contexto da Guerra Fria. É o que o embaixador Araújo Castro chamou de “congelamento de poder”, percebido na própria divergência tautológica em relação ao conceito de agressão que só veio a ser acordado em 1974 na Assembléia Geral da ONU. O código então foi abandonado pela impraticabilidade política temporal, que veio a esbarrar em novas exigências prementes em 1992 na guerra da Bosnia-Herzegovina que necessitou um Tribunal ad hoc para julgar os Crimes de Genocídio então reacesos em território europeu. O papel da diplomacia e plenipotenciários africanos foi sem dúvida um divisor de águas nas tratativas internacionais. São exemplos que ilustram este mérito os 10 princípios básicos propostos em setembro de 1997, por 14 nações da Comunidade de Desenvolvimento Sul-africana, a serem incluídos no Estatuto do Tribunal e a Declaração de Dakar onde representantes de 25 governos africanos reunidos em Senegal, pedem pela instituição de um Tribunal  efetivo e independente. No mesmo sentido, o papel das Organizações Não-governamentais passou a ser mais relevante e protagônico, principalmente desde a Conferência de 1992 no Rio de Janeiro sobre o meio-ambiente ( ECO-92); a partir desta, membros de ONG’s  participaram como observadores, lobbystas, consultores e membros das delegações nacionais durante os encontros preparatórios do Estatuto por parte dos Comitês especializados. A proposta veio a se efetivar então em julho de 1998 e em maio de 1999 é retomada a campanha pela ratificação mundial do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. As palavras de Kofi Annan, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, delineia a tutela do Tribunal: “The ICC promisses, at last, to supply what has for long been the missing link in the international legal system, a permanent court to judge the crimes of gravest concern to the international community as a whole – genocide, crimes against humanity and war crimes”. [ tradução livre do autor: “O Tribunal promete finalmente, a suprir o que tem sido um elo desaparecido no sistema legal internacional, um Tribunal permanente para julgar os crimes que mais gravemente dizem respeito à comunidade internacional como um todo: genocídio, crimes contra humanidade e crimes de guerra.”] Desta forma, o Tribunal Penal Internacional, irá ser uma jurisdição permanente  que irá investigar e promover a justiça para indivíduos que litigam pelos direitos estatuídos no Estatuto de Roma. Assim, comparativamente, o Tribunal Internacional de Justiça possui jurisdição restrita aos Estados e o Tribunal Penal Internacional possui capacidade de indiciar indivíduos sem se restringir limitações geográficas ou cronológicas. O Estatuto de Roma que foi votado e aprovado em 17 de julho de 1998 com um total de 120 votos a favor e 7 contrários e é composto de 13 partes e 128 artigos. As partes são divididas nos seguintes tópicos: 1) Estabelecimento do Tribunal a ser estabelecido em Haia na Holanda e sua relação com a ONU; 2) Jurisdição, Adissimibilidade e Aplicação da Lei que, primeiramente são crimes de guerra, genocídio e contra a humanidade, mas abrangem a  agressão e formas forçadas de escravagismo, esterilização, etc; 3) Princípios Gerais da Lei Penal, de diferentes sistemas legais como a não-retroatividade; 4) Composição e Administração do Tribunal; 5) Investigação e Persecução; 6) Julgamento, seguindo o princípio que “até a comprovada culpa em concordância com a lei, todo homem é inocente”, relatando esta seção os direitos da vítima e das testemunhas, bem como os poderes da Corte de ordenar ao culpado a reparação do dano ; 7) Penalidades, descartando a pena de morte mas aplicando multa e detenção; 8) Recursos e Apelação; 9) Cooperação Internacional e Assistência Jurídica entre os Estados e a Corte; 10) Aplicação das Sentenças; 11) Assembléia de Estados-partes para exercer, de certa forma, um controle externo; 12) Financiamento do Tribunal que opera-se mediante contribuições dos Estados-partes, fundos da ONU e contribuições voluntárias de governos, ONG’s, indivíduos e corporações, e ; 13) Cláusulas Finais referentes a reservas, emendas, estabelecimentos de disputas e abertura para assinaturas. Inicialmente o Tribunal será composto de 18 juízes eleitos por dois terços dos votos dos Estados-partes, para um prazo de nove anos não renováveis. Somente cidadãos dos Estados-partes poderão ser juízes no Tribunal e não poderá constar dois magistrados oriundos de um único e mesmo Estado. No mínimo nove juizes deverão ter sólidos conhecimentos de Direito e Processo Penal e da mesma forma cinco na área do Direito Internacional, Humanitário ou Direitos Humanos que irão ocupar como um todo três divisões: a pré-processual, a processual e a de apelação. A estrutura administrativa do Tribunal, apregoa ainda que na escolha dos juízes, os Estados deverão levar em conta a necessidade de representação dos diferentes e principais sistemas legais do mundo, com representatividade geográfica justa e equitativa  de homens e mulheres. O Tribunal Penal Internacional também contempla a figura do Promotor Público, ou deputados-promotores, que serão eleito pela absoluta maioria dos votos dos Estados-partes para um prazo de nove anos não renováveis. O Promotor irá ser autorizado para iniciar os trâmites pré-processuais encaminhados pelo Conselho de Segurança ou pelos Estados-partes do Estatuto, assegurada a segurança em sua atuação (proprio motu). Para a atuação do Promotor, a partir do encaminhamento pelo Conselho de Segurança, não será necessária a anuência do Estado envolvido para proceder a investigação.[16] Oportuno acentuar que o Tribunal Penal Internacional, afigura-se como uma jurisdição complementar às jurisdições nacionais, provendo o devido processo legal onde o judiciário nacional, por motivos diversos, não atue. Neste sentido, princípio do esgotamento dos recursos internos não é necessário, ou seja, não precisam ser exauridas as medidas jurídicas internas para obter a tutela jurisdicional do Tribunal. Já, por outro lado, se uma determinada investigação chegou a termo ou processo judicial transitou em julgado, este será considerado e declarado inadmissível pelo Tribunal. Em relação aos crimes elencados, a tipificação evita a má interpretação, ao mesmo tempo as fontes formais não se restringem ao Tratado de Roma, remetendo também à Convenção sobre o Genocídio de 1948 e à Convenção de Genebra de 1949. As emendas, por sua vez, deverão ser consistentes com a Carta das Nações Unidas e com o papel do Conselho de Segurança. Os crimes constantes do Tratado de Roma e sob jurisdição do Tribunal são tipificados no artigo nr. 5 e seguintes, a saber: (a) Crime de Genocídio; (b) Crimes contra a humanidade; ( c) Crimes de Guerra e (d) Crimes de Agressão. O Crime de agressão é o único ainda não exaustiva e minuciosamente definido no Tratado, pois o Tribunal exercerá sua jurisdição sobre este crime somente após a concordância dos Estados-partes e inclusão da definição deste no Estatuto. As sentenças irão ser aplicadas nos Estados designados pelo TPI, de uma lista pré-ordenada de Estados que aceitam expressamente os prisioneiros. Ao mesmo tempo o TPI irá supervisionar a aplicação da pena e as condições da detenção. O Estatuto aplica-se à indivíduos, diferindo-se da Corte Internacional de Justiça, independentemente de sua posição oficial, ou seja Chefe de Estado, de Governo ou membro de Parlamento ou outro cargo representativo mediante eleição. Esta característica na submissão do processo e na aplicação da pena diverge mormente dos ordenamentos nacionais o que causa hodiernamente óbices em acolhimentos jurídicos, inclusive o brasileiro, para a ratificação do documento, já que invoca o problema das imunidades como um todo. Nesta característica, contempla-se também a proposta do TPI de ser uma jurisdição complementar ao ordenamento soberano nacional. IV – A inserção brasileira no Tribunal Penal Internacional O primeiro ponto a ser abordado quando da relação do Tribunal Penal Internacional com o Estado-Nação é a adequação do Tratado Internacional às disposições Constitucionais e infraconstitucionais, observando também as implicações políticas que referem-se à soberania. É no contexto da adequação que valhe-se o instituto do princípio da complementariedade, previsto no parágrafo 10o.. do Preâmbulo e artigo 1o. do Estatuto de Roma. Como ensina a hermenêutica que quanto maior a indefinição de uma norma, maior será o poder do intérprete, os parágrafos 2o. e 3o. do artigo 17 do Estatuto provêm-no das premissas que deverão ser juridicamente operacionalizadas no caso de lacuna legis ou incapacidade do Tribunal. Em publicação recente em periódico com íntima ligação com nosso corpo diplomático apregoava-se: “ (…) conforme os termos da Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), a razão de ser do Tribunal é impedir que , por razões políticas, interesses econômicos subjacentes ou problemas estruturais das jurisdições internas, os acusados de tais crimes fiquem sem julgamento. Por outro lado, o princípio da complementariedade também reflete o interesse da comunidade internacional em ver fortalecida a adesão dos Estados aos ‘standards’ internacionais, assim como o desenvolvimento de seus aparatos jurisdicionais internos, ou seja o aprimoramento dos tribunais nacionais, provocando, para usar a expressão de Celso Lafer, um ‘adensamento de juridicidade’, em relação aos crimes previstos no Estatuto de Roma.”[17] O Brasil tornou-se portanto signatário do Estatuto de Roma em 7 de fevereiro de 2000. Fontes recentes (outubro de 2001) , referiram que o Brasil ainda precisará de tempo para o processo de internalização do tratado ser levado a cabo. Muito embora haja o projeto de emenda à Constituição, o Presidente Cardoso renovou a proposta ao Senado para que este procedesse a ratificação. O processo de ratificação requer a maioria simples de sucessivas votações da Câmara dos Deputados e do Senado e a Emenda Constitucional requer  3/5 da maioria em consecutivas sessões da Câmara dos Deputados. Previamente, a  Câmara dos Deputados, aprovou a emenda à Constituição, o que facilita o processo de ratificação, que foi submetido inicialmente por um grupo conjunto multipartidário de parlamentares no começo de 2000, na mesma época do procedimento de assinatura. Previamente, um encontro interministerial ocorreu em outubro de 1999 para analisar as possibilidades de incompatibilização entre o Estatuto de Roma e a Carta Constitucional de 1988 que resultou na análise de 3 pontos cruciais: a questão das imunidades, a extradição de nacionais e a pena de prisão perpétua. É importante referir que a aceitação da jurisdição da Corte Inter-americana de Direitos Humanos, como instituto judiciário internacional corrobora conjuntamente para um mais amplo convencimento político na inserção do Brasil na prática jurídica internacional. O problema da concorrência entre Tratados Internacionais e leis internas de estatura infraconstitucional, pode ser resolvido, no âmbito do direito das gentes, em princípio de duas maneiras. Numa, dando prevalência aos Tratados sobre o direito interno infraconstitucional, garantindo ao compromisso internacional plena vigência sem embargo de leis posteriores que o contradigam. Noutra, tais problemas são resolvidos, garantindo-se aos Tratados apenas tratamento paritário, tomando como paradigma leis nacionais e outros diplomas de grau equivalente.[18]O Brasil, segundo o Supremo Tribunal Federal, enquadra-se nesse segundo sistema (monismo nacionalista). Há mais de vinte anos vigora na jurisprudência brasileira o sistema paritário onde o Tratado, uma vez formalizado, passa a ter força de lei ordinária (v. RTJ 83/809 e ss.), podendo, por isso, revogar as disposições em contrário, ou ser revogado (rectius: perder a eficácia) diante de lei posterior.[19] O exercício do treaty-making power pelo Estado brasileiro – não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) – está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. No mesmo sentido, foi constatado em levantamento efetuado pela professora Cláudia Lima Marques da UFRGS que em 28 decisões do STF e STJ, duas foram a favor de acordos feitos no âmbito do Mercosul em relação à normas internas. A primazia da lei interna  contra os Tratados internacionais (não referimos aqui os já internalizados que seguirão à regra que a lei posterior derroga ou modifica a posterior). Frente à esta realidade e considerando a crescente inserção e participação brasileira na comunidade internacional, os Ministros do Supremo referiram que haveria dois meios de modificar a situação: (a ) modificar a CF/88 em relação à primazia do direito interno, como o fizeram a Argentina em 1994 e o Paraguai em 1991  e em fase de estudo no Uruguai, ou; (b) no caso do Mercosul: a criação de um Tribunal supranacional. O próprio Ministro Celso Mello defende que o Brasil “tem de se adequar à esta nova realidade”.[20] Considerando que o Tratado de Roma veda com veemência sua ratificação com reservas, conclui-se que o legislador brasileiro insere-se na difícil tarefa de internalização do Tratado, principalmente frente aos óbices Constitucionais. Mas os obstáculos à aplicação das normas do Tratado em território brasileiro não se restringem aos puramente políticos. Assim, quanto às limitações puramente jurídicas, estas se referem aos artigos 77 ao 89 do Estatuto e em relação aos quais a delegação brasileira chegou a entregar uma declaração em Roma manifestando sua preocupação. Já em relação aos óbices latu sensu, conforme o apontado pela Comissão das Relações Exteriores e da Segurança Nacional da Câmara dos Deputados em documento oficial: (i) em nosso país não existe uma consciência da necessidade, nem da eficiência de instituições internacionais; (ii) o corporativismo da magistratura nacional e a corrente encabeçada pela mídia, de lhe impor restrições e controles; ( iii) que a igualdade de todos perante a lei seja assegurada , ou seja, que o TPI só atuará em caso de omissão ou impossibilidade do exercício da jurisdição nacional; (iv) a necessidade da reforma constitucional, considerando a disparidade das normas; (v) os plenipotenciários que assinaram o Tratado não dispõe de representatividade legislativa para elaborar normas para nacionais, colocando-se o Parlamento em posição subalterna, no que atine à separação de poderes.[21] Já em relação aos óbices puramente jurídicos e relativos ao conflito de normas, podemos referir que o art. 77 do Tratado de Roma, prevê a pena de prisão perpétua  quando justificada pela “extrema gravidade do crime e as circunstâncias pessoais do condenado”. Conflitua-se portanto com o art. 5o. , XLVII, -b, da Constituição Federal que estabelece que não haverá penas de caráter perpétuo. Já o artigo 89 refere-se à extradição, prescrevendo que o acusado deve ser entregue ao TPI sem exceção aos nacionais; neste sentido nossa Carta Magna reza em seu art. 5o. LII que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, , em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. É importante ter presente o advertido por Cachapuz de Medeiros: “Os direitos e garantias fundamentais  estão entre as chamadas Cláusulas Pétreas da Constituição, isto é, não poderá ser objeto de deliberação qualquer proposta de emenda que tente aboli-los (art. 60, parágrafo 4o., IV)”.[22] A questão da extradição é quase tautológica, pois foi definido por Resek, e sendo de entendimento similar na integridade da doutrina: “Extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivíduo que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena”[23]Já no Estatuto de Roma, no art. 102, há a diferenciação: “Para os efeitos do presente Estatuto: a) por entrega se entenderá a entrega de uma pessoa a um Estado ao Tribunal, de conformidade com o disposto no presente Estatuto; b) por extradição se entenderá a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, de conformidade com o disposto em um Tratado ou Convenção ou no direito interno.” Tanto nas negociações em Roma como em New York, prevaleceu a idéia de que seria necessária uma  definição de um novo instituto jurídico. V – Conclusão: A necessidade de um Tribunal Penal Internacional, pode ser localizada ainda no final da Primeira Guerra Mundial com o julgamento do Kaiser Wilhelm II, por ofensa à moralidade à inviolabilidade dos Tratados. Da mesma forma, não se quer desabonar, mas a partir do London Agreement e do Control Council nr. 10,[24] o julgamento dos nazistas em 1945 pelo Tribunal de Nuremberg, tardiamente considerado de exceção bem como o julgamento dos japoneses pelo segundo Tribunal Militar Internacional[25] que mais uma vez reiterou a exaração de sentença em uma situação histórica onde só os vencidos são julgados, não possuindo a mesma sorte os responsáveis pelo lançamento das desproporcionais bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki. O Brasil que inegavelmente vislumbra uma maior expressão de sua tímida voz no cenário internacional[26], para uma efetiva participação nas decisões internacionais precisa não somente operacionalizar sua atuação externa mas também e no entender deste autor priorizar os instrumentos internos para a eficiência no diálogo além-fronteiras; assim além de uma política externa mais pragmática e eficiente , a própria preparação de nossa estrutura administrativo-estatal deve se aprimorar no sentido de uma maior atenção à realidade internacional. A questão é mormente perceptível quando  dados os desafios elencados neste artigo, não só na especialização da apreciação dos tratados, mas a sensibilização de toda a comunidade jurídica internacional. A matéria do presente artigo, além de referir aos óbices jurídicos ou políticos, visa apontar para o objetivo teleológico do sistema jurídico internacional como um todo: a feitura da justiça. Os guilhões que prenderiam o Brasil enquanto Estado soberano às intempéries normativas devem inexoravelmente ceder  lugar à esperança de um instituto internacional que tutele os mais altos ideais humanos. Foi o que o Subsecretário-Geral de Assuntos Políticos do Itamaraty, Embaixador Ivan Cannabrava resumiu: “no entendimento do governo brasileiro, o texto aprovado contém os elementos necessários ao estabelecimento de uma corte penal eficiente , imparcial e independente”.[27]   Bibliografia: Almeida, Paulo Roberto de. Relações Internacionais e Política Externa do Brasil. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998. Barbosa Filho, Manuel. Globalização da Miséria na América Latina. 2a. edição Dinâmica Gráfica e editora: João Pessoa, 1997. Barral, Welber de Oliveira (org.). O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 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Prisão provisória e os novos princípios constitucionais
Analisaremos, o instituto da prisão provisória em face dos novos princípios constitucionais, inseridos na nossa carta magna de 1988. Traçaremos um paralelo com o atual Código de Processo Penal, Decreto-lei 3.931, de 11-12-1941, uma lei da fase ditatorial de Getúlio Vargas; período em que as prisões eram a regra, e o estado de inocência, a exceção.
Direito Processual Penal
1. Introdução A presente obra tem como contexto, a questão da prisão provisória em face dos novos princípios constitucionais, inseridos na nossa carta magna de 1988. Como sabemos, a prisão cautelar pode se tornar um problema, quando decretada arbitrariamente, desrespeitando os ditames da lei; como, recentemente, ocorreu no Brasil durante o regime ditatorial. Para se evitar o malefício de prisões ilegais, a nossa constituição, em seu art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais diz: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantida, quando a lei admitir a liberdade a liberdade provisória, com ou sem fiança”.  Portanto, podemos ver que a lei maior quis restringir o âmbito de aplicação das medidas cautelares, dando grande relevo à liberdade provisória. Então, a partir de tal ensinamento é que abordaremos o tema do trabalho, posto que o atual Código de Processo Penal, Decreto-lei 3.931, de 11-12-1941 é uma lei da fase ditatorial de Getúlio Vargas; período em que as prisões eram a regra, e o estado de inocência, a exceção. 2. Princípios e normas constitucionais Como sabemos, a restrição da liberdade de ir e vir do ser humano, é um tema polêmico que durante toda a história foi objeto de análise. Ainda, mais prejudicial é a decretação de uma prisão provisória, quando nem sequer existe uma sentença condenatória transitada em julgado. Deste modo, a constituição de 1988, em seu art. 5º, trouxe alguns princípios: o Estado de Inocência, o Devido Processo Legal, o Contraditório, a Ampla Defesa; como também normas, por exemplo, a do inciso LXV: “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. 3. O Estado de Inocência e a Prisão Cautelar Como sabemos, o princípio do Estado de Inocência, ou Presunção de Inocência, está positivado no art. 5°, LII da atual carta magna, quando diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Ora, esse princípio não revogou as prisões provisórias, visto não ser ele um princípio absoluto, como corretamente sumulou o Superior Tribunal de Justiça[1]. Porém, ele veio a abrandar este instituto. Sendo que a prisão cautelar só poderá ser decretada nos casos extremos, como uma exceção, e desde que preenchidos todos os requisitos de nossa lei processual. Não mais indiscriminada e arbitrariamente como dantes, sob pena de ferir vários direitos constitucionais do preso. 4. A prisão cautelar e a liberdade provisória, com ou sem fiança. A partir de agora, a fiança passou a ser um direito constitucional, nos termos do art. 5º, LXVI: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Portanto, sempre que for ordenada a custódia cautelar de qualquer acusado, o juiz deverá analisar a possibilidade legal de o mesmo continuar respondendo o processo em liberdade provisória. E se o magistrado desobedecer este preceito, poderá responder pelo crime de abuso de autoridade, segundo a lei 4.898/65. Visto que nos termos do art. 4º dessa lei, constitui abuso de autoridade: “e) levar à prisão e nela deter quem quer se proponha a prestar fiança, permitida em lei”. Além dos casos em que cabe fiança, o magistrado também deverá se ater as demais hipóteses em que a liberdade provisória é admitida, independentemente do pagamento de fiança. Sob pena de propiciar constrangimento ilegal. 5. O relaxamento da prisão ilegal Outro direito constitucional, e que ao mesmo tempo se confunde com uma garantia é o relaxamento da prisão ilegal, vejamos o art. 5º, LXV, CF/88: “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Muitas vezes a prisão cautelar é decretada regularmente, obedecendo todos os requisitos da lei. Porém, posteriormente tal custódia poderá se tornar ilegal. Isso é o que ocorre cotidianamente nos casos de excesso de prazo na formação da culpa. Ou seja, a custódia temporária se tornará excessiva, causando um constrangimento ilegal aos acusados, quando os demais prazos da Instrução Criminal não foram concluídos, e os réus ainda permanecerem presos. Uma vez que toda doutrina e jurisprudências pátrias são unânimes, em afirmar ser ilegal, toda prisão provisória superior a 81 dias, nos casos de procedimento ordinário. Então, o remédio constitucional, além do “habeas corpus”, criado para solucionar tais arbitrariedaes foi o relaxamento imediato da prisão ilegal pela autoridade judiciária. E se o juiz desrespeitar este preceito, também poderá responder pelo crime de abuso de autoridade, segundo a lei 4.898/65. Visto que nos termos do art. 4º dessa lei, constitui abuso de autoridade: “d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade”. Assim, o juiz verificando qualquer ilegalidade, principalmente nos casos de excesso de prazo, deverá relaxar a prisão, de ofício. 6. Conclusão Portanto, todos esses dispositivos nos fazem concluir, que as prisões cautelares devem ser a exceção, enquanto que a liberdade provisória, a regra. Não estamos com isso, defendendo a erradicação do instituto da prisão cautelar, de nossa legislação processual. Mas apenas, tentando demonstrar o seu caráter de excepcionalidade, em face dos novos princípios constitucionais. Pois, toda a prisão provisória decretada ilegalmente poderá ferir vários dos direitos fundamentais do homem e do cidadão. Podendo, inclusive, tais arbitrariedades configurarem crime de abuso de autoridade. Enfim, a prisão cautelar tem que se adequar aos novos princípios e normas constitucionais, a fim de não ferir a própria carta magna, e conseqüentemente o Estado Democrático de Direito. Bibliografia CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal; 7ª ed. rev. e amp.; São Paulo: Saraiva. 2001. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. volume 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. HOLANDA, Marcos de. Processo Penal Para Universitários; São Paulo: Malheiros; 1996. MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal; 4ª ed.; São Paulo: Atlas S. A.; 1994. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 1999. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo; 16ª ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros; 1998. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 2; 16ª ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva 1994.
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Ação penal privada e sua importância social
O Estado impõe sua auto-limitação na prestação jurisdicional, determinando aos particulares a competência para a iniciativa da ação penal privada, a qual analisaremos a sua importância na sociedade, demonstrando as suas peculiaridades, embora seja concebida por parte da doutrina como um retorno da vingança privada.
Direito Processual Penal
Introdução Entre as manifestações da soberania do Estado há o jus puniendi, o direito estatal de impor a sanctio juris a quem infringir as normas penais. Todavia, em determinados casos, em virtude de bens ou interesses tutelados pelos dispositivos penais, de cuja natureza referem-se predominantemente particular, não cabe ao ente estatal a iniciativa da busca da prestação jurisdicional. Nestes casos, é indispensável a participação da vítima ou de seu representante legal para a imposição das medidas punitivas ao agente delituoso. A legitimidade da submissão supra-mencionada da prestação jurisdicional do Estado é contestada por alguns doutrinadores, de modo que há ordenamentos jurídicos em que não estabelecem esta modalidade de ação penal. 1. A vingança privada e o jus puniendi do Estado Nos períodos remotos da humanidade, na ocorrência de alguma conduta considerada delituosa, não havia Estado para impor uma determinada punição ao infrator. A vítima era quem deveria punir o agente delituoso, tendo em vista que nesta época aquele era considerado legítimo a agir e, se preciso, inclusive com o amparo da sua família e até do seu grupo. Entre as penas impostas, haviam o banimento, caso o agressor fosse membro da mesma tribo, e se fossem membros de grupos distintos, poderiam resultar em um conflito entre suas tribos. Em conseqüência da evolução social, o Estado surge para regulamentar as  condutas dos cidadãos, estabelecendo os seus deveres, além dos seus direitos. Caso o indivíduo venha a desobedecer as normas estatais, estará sujeito à coação do Estado, em face da lesão ao direito de outrem. Não cabe mais ao ofendido punir o agressor, e sim ao Estado. Portanto, quando a conservação da ordem jurídica encontra-se ameaçada, este irá intervir na vida individual, mediante diversos meios. Em face da ineficácia dos outros mecanismos, como a sanção civil e a administrativa, o Estado utilizará o jus puniendi, o direito de punir os infratores, considerado uma das expressões da soberania. O jus liberatis perante a vida individual deixa de ser inabalável, mediante a ação estatal em impor ao transgressor uma pena em face da sua conduta inadequada. Entretanto, a imposição penal não é a solução para todas as transgressões. Em determinadas  situações a tutela extrapenal alcança maior eficiência que os dispositivos penais. Diante das condutas indesejadas socialmente, encontram-se as que, por violarem os bens ou interesses devidamente tutelados pelo Estado em face da sua relevância, são gravemente punidas, mediante as infrações penais. No momento em que alguém pratica alguma conduta tipificada como delituosa, o jus puniendi perde o seu aspecto abstrato para tornar-se concreto, através da pretensão punitiva. Todavia, o que torna o Estado legítimo para a aplicação da sanção penal? O Estado surgiu para suprir as necessidades advindas do convívio social. Diante de condutas que venham a ameaçar a ordem pública, os bens ou interesses devidamente tutelados pelo Estado, a este compete o direito de prevenir, e se preciso, reprimir tais atos indesejados. A partir do momento em que o direito subjetivo do Estado de aplicar a sanctio juris for resistido pelo jus libertatis do hipotético autor do delito, surge a lide penal. Para solucionar o conflito de interesses, ou seja, compor o litígio, o Estado utiliza a sua função jurisdicional mediante o processo. Todavia, a atuação estatal não é através de sentimento vingativo, como ocorre na vingança privada. Há uma submissão aos preceitos legais da mesma resultando, sem dúvida, em uma conquista democrática. A auto-limitação do poder punitivo, justifica-se pelo repúdio do emprego de força, ou seja, a mesma fundamentação que impede o ofendido de utilizar os seus próprios meios para reprimir o infrator. Embora o Estado seja o titular do direito de punir, há determinadas condutas ilícitas em que o início da ação penal fica totalmente a disposição do ofendido. Trata-se da ação penal privada, um tema criticado em face da limitação do poder estatal de punir, privilegiando a vontade do particular em detrimento da deliberação do próprio Estado.        2. Peculiaridades da ação penal privada Visando uma maior compreensão sobre o referido tema, se torna necessário um breve estudo sobre a particularidade desta ação penal, como o exercício do direito de queixa e a fundamentação dos seus princípios norteadores. Tendo em vista que os bens e interesses tutelados pela ação penal privada são predominantemente de natureza individual, a prestação jurisdicional encontra-se limitada pela participação do particular. Todavia, o direito de queixa será exercido somente pelo ofendido? Segundo o art. 30 do Código de Processo Penal, como também o § 2º do art. 100 do Código Penal, a ação penal privada será promovida pelo ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. Vale salientar também a importância do acesso à justiça a quem não possui condições financeiras de arcar com honorários advocatícios sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e a sua família, pois o juiz nomeará advogado para promover a ação penal privada, em caso de requerimento da parte que comprovar a sua pobreza, como consta o caput do art. 32, dispositivo relevante em face da insuficiência da Defensoria Pública no atendimento à população carente. O Código de Processo Penal estipulou alguns requisitos sobre a legitimidade da competência do exercício do direito de queixa. O ofendido maior de 18 anos e menor de 21 anos pode promover a referida ação, como também o seu representante legal, conforme o art. 34 do supra-mencionado código. Visando a uma maior repressão às condutas delituosas, o legislador, sabiamente, autoriza a qualquer um deles a ajuizar com a ação penal privada, mesmo ocorrendo a oposição do outro. O menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, todavia, não são capazes de promover a ação, de modo que o seu referido direito poderá ser exercido pelo seu representante legal. Caso não o tenha, ou se ocorrer divergências de interesses, o juiz nomeará um curador especial, que lhe competirá a necessidade ou não de ingressar com a queixa, conforme o art. 33 do código em questão. Na morte do ofendido ou na sua declaração de ausência judicial, conforme o art. 31 do diploma processual penal, o direito de queixa será transferido ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Caso compareça mais de uma pessoa com direito de queixa, a ordem de preferência inicia-se com o cônjuge, e posteriormente ao parente mais próximo na ordem determinada no art. 31. Entretanto, se o querelante desistir da instância ou abandonar, qualquer pessoa na ordem de preferência poderá prosseguir na ação, segundo determina o art. 36 do referido código processual. Segundo o seu art. 35, a mulher casada somente exercerá o direito de queixa com o consentimento do marido, a não ser que esteja separada dele e que a ação em questão tenha como agressor o seu cônjuge. E no caso deste recusar, o juiz poderá suprir o seu consentimento. Entretanto, diante dos direitos igualitários estipulados na Constituição Federal de 1988, tal dispositivo não foi recepcionado pela norma constitucional. O direito de queixa pode ser exercido também por pessoas jurídicas, conforme o art. 37 do diploma em questão, sendo, todavia, representados por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem ou, na omissão destes dispositivos, pelos seus diretores ou sócios-gerentes. Diante das restrições impostas para o Estado exercer o jus puniendi, o oferecimento da queixa possui prazo decadencial de 6 meses, a contar da data em que tiver ciência da autoria do delito, ou em caso de ação penal privada subsidiária, do dia em que se esgotar o prazo para oferecimento de denúncia, conforme dispõe art. 38 do CPP. Ademais, o representante do Ministério Público possui o prazo de 3 dias para aditar a queixa, a partir da data em que receber os autos. Caso não se pronuncie, será dado prosseguimento ao feito, como consta no §2º do art. 46 do código em questão. É notório que a procedência de uma queixa depende da observância dos dispositivos referentes ao exercício do jus puniendi. Portanto, será rejeitada, assim como em caso de denúncia, segundo determina o art. 43 do CPP, quando o fato narrado evidentemente não constituir crime; em caso de extinção de punibilidade e, por fim, de manifesta ilegitimidade da parte ou falta de condição exigida legalmente para o exercício da ação penal, salientando ainda, no último caso mencionado, a possibilidade de impetrar novamente desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição. Segundo o art. 44, a queixa poderá ser impetrada por procurador com poderes especiais, desde que constem no instrumento procuratório o nome do querelado e a menção ao fato criminoso, salvo quando depender de diligências que devem ser previamente requeridas judicialmente. Da mesma forma que compete ao ofendido o direito de promover a ação penal privada, aquele também poderá renunciar este direito. Tal ocorrência encontra-se devidamente protegida pelos princípios da conveniência e o da disponibilidade que regem esta modalidade de ação penal. Por diversos motivos, pode o ofendido não desejar a prestação jurisdicional, de modo que é perfeitamente aceitável a sua renúncia, seja de forma expressa ou tácita. Entretanto, vale salientar que a renúncia do seu direito de buscar a proteção jurídica deve abranger todos os infratores. É o que consta no art. 49 do diploma processual penal. Outro método de extinção é o perdão do ofendido, em que poderá ocorrer após iniciado a ação penal privada exclusiva, desde que a sentença condenatória não tenha transitado em julgado. Caso a vítima promova a queixa e posteriormente venha a se arrepender, seria inconveniente a continuação do processo penal, tendo em vista que a ausência do litígio. Assim como a renúncia, o perdão abrange todos os infratores. Entretanto, conforme o art. 58 do supra-mencionado diploma, para que este ocorra é necessário que o agente infrator o aceite, de modo que o seu silêncio resulta na aceitação tácita. Além disto, o ofendido poderá abandonar a causa, segundo o art. 60, inciso I e III, do código em questão.    Diante do exposto acima, nota-se algumas distinções entre a ação penal privada e a pública. Basicamente, a principal diferença refere-se a sua  legitimidade. Desta forma, se for pública, o representante do Ministério Público deverá atuar, enquanto que, se for privada, caberá ao ofendido ou quem legalmente o represente o direito de promovê-la ou não. Esta distinção ocorre em virtude dos princípios que regem estas ações. Na ação penal privada, há o princípio da disponibilidade e o da oportunidade ou conveniência, competindo facultativamente ao particular invocar a prestação jurisdicional. E, mesmo que a promova, poderá tanto perdoar o agressor como também abandonar a lide. Por sua vez, na pública isto não ocorre. O órgão do Parquet deverá promovê-la, não cabendo em hipótese alguma, dispor a referida ação, em conformidade com o princípio da indisponibilidade. A ação penal privada também é regida pelo princípio da indivisibilidade, se tratando da impossibilidade da queixa referir-se a apenas um ou alguns infratores, quando o delito for cometido por mais agentes. Mesmo assim, caso o ofendido não cumpra o referido princípio, o representante do Ministério Público, segundo o art. 48 do diploma processual penal, interferirá, aditando a queixa. Há divergências sobre a conseqüência e amplitude do mencionado princípio. Alguns doutrinadores afirmam que a ação penal pública também é regida por este preceito geral. Todavia, há o entendimento contrário, como o seguinte posicionamento jurisprudencial: “Não há que se falar em nulidade pelo fato de não ter sido incluído na denúncia outro agressor da vítima, vez que o princípio da indivisibilidade se aplica às ações penais de iniciativa privada”. 1 Na ação penal pública, caso o Promotor de Justiça deixe de denunciar todos os infratores, a denúncia poderá ser aditada posteriormente, após a apuração dos fatos. Por fim, há também o princípio da intranscedência, cuja amplitude abrange tanto a ação penal privada como também a pública. Trata-se pela limitação da ação em penalizar apenas o infrator. 3. Ação penal privada: o retorno da vingança privada? A função punitiva estatal deve ser exercida visando a regeneração do autor do delito, como também a proteção social. Temendo uma depreciação da finalidade da aplicação do jus puniendi, diversos doutrinadores repudiam a ação penal privada. Vários ordenamentos jurídicos consideram a referida intervenção do particular no processo penal como uma regressão à vingança privada. Além do direito francês e o mexicano, o sistema italiano também não reconhece tal instituto, embora seja admitida em alguns delitos que a ação penal seja, de certa forma, subordinada ao ofendido, podendo inclusive, este extinguir o processo mediante o perdão. Seguindo o entendimento dos doutrinadores que rejeitam a ação penal privada, o Direito Penal, por possuir natureza pública, e de evidente e notório interesse social, não deve se submeter à vontade do particular. Esta, que foi bastante empregada anteriormente, desempenhada por meios vingativos, sem o menor interesse na reeducação do infrator, deve ser totalmente irrelevante. É inconcebível que, após toda a evolução socio-jurídica, o Estado venha a permitir o retorno da vingança privada, sob a dissimulação de uma ação penal. O Direito Penal é um dos ramos jurídicos de direito público, de extrema importância social. O seu exercício deve ocorrer somente nos casos em que os demais meios de coação mais brandas, como as civis e administrativas, são ineficazes. Portanto, a intervenção mínima do direito penal comprova sua importância na sociedade, de modo que deve ser repelida qualquer submissão do poder estatal em favor de interesse particular. Prosseguindo este posicionamento, a ação penal privada é inviável, tendo em vista a limitação resultante do jus puniendi, expressão da soberania estatal. Ocorre que tais pensamentos estão incoerentes. Em determinadas condutas ilícitas, em face das suas características, não cabe ao Estado a busca pela punição ao infrator, e sim ao particular. Tal fato não se trata de uma regressão do convívio social, que consagra ao Estado o jus puniendi. Resulta pelas circunstâncias peculiares de determinados bens e interesses tutelados, que ocasionariam conseqüências desagradáveis aos seus titulares na publicidade dos fatos. Desta forma, em face da predominância do interesse particular sobre o social, o Estado permite ao cidadão o direito de invocar a prestação jurisdicional. A ação penal, em momento algum, deixará de ser pública, tendo em vista que somente a iniciativa será particular, como ensina o prof. MARCOS DE HOLANDA: “Antes de mais nada, devemos esclarecer que, de espírito, toda ação é pública, pois sob o encargo do Estado. A iniciativa da ação aqui ora estudada é que é privada. Não é o particular quem irá fazê-la. Pelo contrário, ele pede ao Estado-juiz sua procedência”.2   É totalmente inadequada a comparação da vingança privada com a ação penal privada. Naquela, a própria vítima, e em alguns casos, com o auxílio da sua tribo, irá executar a pena que lhe convier. Nesta, o particular requer do Estado-juiz a prestação jurisdicional, de conformidade com os dispositivos legais. Na vingança privada. Além disto, o representante do Ministério Público acompanhará a lide, embora a sua participação  limite-se a sua  função  de fiscal da lei,  visando o interesse estatal em solucionar  os litígios apresentados  em juízo. Segundo o art. 45 do Código de Processo Penal, o representante do Parquet, aditará a queixa e, se preciso, irá intervir no processo. 4. A importância da ação penal privada na sociedade Como vimos, a ação penal privada refere-se a condutas ilícitas que afetam predominantemente interesses individuais, de modo que cabe ao ofendido ou seu representante legal iniciar o processo penal, em busca da prestação jurisdicional.  Nesta modalidade de ação penal, o direito de punir permanece ao Estado. O ofendido possui apenas a concessão do direito de promover a inicial que irá desencadear a prestação jurisdicional, que no caso, chama-se queixa crime ou simplesmente queixa. Tendo em vista que as partes da lide são os diretamente interessados, é evidente a necessidade da participação do ofendido ou de seu representante legal nas ações referentes a delitos caracterizados pela predominância dos danos oriundos de natureza particular. Isto não significa que tais delitos sejam irrelevantes ao Estado, abandonando o seu direito de buscar o jus puniendi. Ocorre que tais condutas delituosas resultam em um escasso dano a sociedade comparado-se aos danos ao indivíduo. Além disto, a publicidade dos delitos como ocorreria nas ações penais públicas, sem o consentimento da vítima, resultaria certamente em um constrangimento, tais até em alguns casos, de maior intensidade do que a própria conduta delituosa. Caso o jus puniendi do Estado em relação a estes delitos dependessem somente da atuação do representante do Ministério Público, assim como ocorre nas ações penais públicas, certamente iria resultar em uma intensa redução no exercício da prestação jurisdicional do Direito Penal. Ora, estes delitos são praticados geralmente de forma obscura, além de violar predominantemente bens e interesses individuais, como o adultério e estupro.     Torna-se necessária uma análise sobre os delitos estipulados pelo nosso ordenamento jurídico cujo jus persequendi in judicio compete ao indivíduo, para analisarmos a legitimidade da participação do particular na prestação jurisdicional. Segundo o Código Penal Brasileiro, as ações provenientes de queixa do ofendido são referentes aos delitos que tenham nas suas disposições, seguinte expressão: “Somente se procede mediante queixa”. Desta forma, são os seguintes delitos: a) Dos crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria, arts. 138 a 145, obedecendo as restrições estabelecidas neste último artigo; b) Dos crimes da usurpação: os de alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, art. 161, §1º, I e II, desde que não haja violência e se refira a propriedade particular. c) Dos crimes de dano: quando há destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia, com por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima, como também na introdução ou no abandono de animais em propriedade alheia, art. 163, caput, parágrafo único, IV e 164 c/c o art. 167. d) Do estelionato e outras fraudes: na fraude à execução, art. 179 e parágrafo único. e) Dos crimes contra a propriedade intelectual: os de violação ao direito autoral, usurpação de nome ou pseudônimo alheio, salvo quando praticados em prejuízo de entidades de direito, arts. 184 a 186. f) Dos crimes contra a propriedade industrial: contra as patentes, desenhos industriais, marcas, crimes cometidos por meio de marcas, e outros, contidos nos arts. 183 a 190 e 192 a 195 da lei nº 9.279/96, tendo em vista que tais delitos eram anteriormente estipulados no Código Penal, nos arts. 187 a 196. g) Dos crimes contra a liberdade sexual: estupro, atentado violento ao pudor, este mediante violência ou fraude, posse sexual mediante fraude, sedução, corrupção de menores e rapto, arts. 213 a 225, obedecendo as restrições do § 1º, I e II do último artigo.  h) Dos crimes contra o casamento: induzimento a erro essencial  e ocultação de impedimento para fins matrimoniais e o adultério, arts. 236 e parágrafo único e art. 240. Estes delitos são os estipulados pelo nosso sistema como os de natureza privada personalíssima, em que somente o ofendido exercerá o direito de queixa. E mesmo na morte ou  declaração judicial de ausência da vítima, este direito não poderá ser exercido, resultando na extinção da punibilidade. Portanto, diante dos delitos supramencionados, é evidente e notório o predomínio do interesse particular, tendo em vista que tais condutas criminosas realmente atingem especialmente bens e interesses individuais. 5. Motivos e conseqüências da ação penal privada subsidiária Conforme o ordenamento jurídico brasileiro, a ação penal privada divide-se em: propriamente dita ou exclusivamente privada, personalíssima e privada subsidiária da pública, a qual analisaremos adiante em face da sua singularidade. As demais ações penais privadas limitam-se aos delitos devidamente consagrados desta natureza, ou seja, aqueles em que a sua ocorrência violam os bens e interesses individuais, predominando-os em relação aos da comunidade. Mas, nesta ação, o seu alcance é bem mais amplo, abrangendo qualquer delito cuja iniciativa da ação penal é de competência do representante do Ministério Público, caso este negligencie na sua função de promover a denúncia, ultrapassando os prazos, geralmente os estabelecidos no art. 46 do Código de Processo Penal. Desta forma, ultrapassado o prazo, caso o indiciado estiver solto, o prazo será de 15 dias e será de 5 dias, se preso, o ofendido ou eu representante legal poderá promover a queixa, competente a substituir a denúncia do representante do Parquet que não cumpriu o  seu dever no período determinado. Na realidade, a substituição refere-se não somente a omissão do Ministério Público em denunciar no prazo previsto e sim a ausência da sua manifestação. Desta forma, a finalidade da referida ação é impedir que a prestação jurisdicional seja prejudicada pela omissão da participação do representante do Parquet, e não da ausência da denúncia. É o que estabelece o seguinte entendimento jurisprudencial: “Quando o titular da ação pede e obtém decisão judicial de arquivamento da representação, não há lugar para a ação privada subsidiária, pois inexistente omissão do Ministério Público”3. A autorização da ação penal privada nos delitos de ação penal pública encontra-se amplamente estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro, constando no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988, art. 29 do Código de Processo Penal e no art. 100, §3º do Código Penal. Todavia, há intensas críticas sobre os termos utilizados pelos legisladores constitucional e infra-constitucional. METON CÉSAR DE VASCONCELOS, citado por MARCOS DE HOLANDA é um dos doutrinadores que afirmam o emprego inadequado da linguagem nestes dispositivos.4 Conforme o referido artigo constitucional, na omissão do representante do Ministério Público em se manifestar no prazo estabelecido, será admitida ação penal privada nos crimes de ação pública. Ocorre que a interpretação gramatical deste dispositivo constitucional resulta em um acontecimento inconcebível, posto que, conforme analisado acima, as ações penais privadas e públicas distinguem-se principalmente em virtude dos seus princípios, geralmente incompatíveis entre si, sendo impossível a alteração destes princípios somente pela omissão do representante do Parquet. Entre as finalidades da diferença entre estes preceitos gerais resultam pelas conseqüências oriundas dos seus determinados delitos: enquanto que na ação penal privada há o predomínio da violação dos interesses e bens individuais, na pública a sociedade é diretamente interessada, tendo em vista que o delito a atinge drasticamente, de modo que os órgãos competentes do Estado deverão agir imediatamente.   Todavia, mediante a interpretação teleológica compreende-se que o legislador refere-se ao sentido formal, adjetivo da expressão ação penal privada, ou seja, o instrumento que irá iniciar a ação, e não ao sentido substantivo, o direito em si da ação. Dando continuidade ao posicionamento do doutrinador supra-mencionado, a ocorrência desta alteração da natureza intrínseca da ação, conforme encontra-se no dispositivo, seria o mesmo absurdo que a iniciativa da ação pena privada pudesse ser exercida pelo órgão do Ministério Público. Portanto, após o suprimento da omissão do Ministério Público em se manifestar no prazo estabelecido, mediante a participação do ofendido ou de seu representante legal, a ação obviamente não perde a sua natureza pública.         Conclusão É inconveniente o entendimento doutrinário que estipula o repúdio da ação penal privada, concebendo-a como um retorno a vingança privada. Estes delitos violam predominantemente bens ou interesses individuais, devem depender da participação do ofendido ou seu representante legal. A lesão oriunda da conduta criminosa na sociedade é bem mais atenuada do que em relação as conseqüências ao ofendido. Além disso, a publicidade do fato delituoso iria constranger a vitima, inclusive atingindo-a na mesma, ou até com maior intensidade de que o próprio delito A prestação jurisdicional do Estado nesta modalidade da ação penal não terá iniciativa com a atuação dos órgãos estatais competentes, e sim, ao particular. Todavia, este não irá julgará, impondo a punição e muito menos a executará, como ocorre na vingança privada. A iniciativa será exercida pelo particular, que irá requerer ao Estado o julgamento da conduta que considera delituosa, e este irá deliberar a lide conforme o estabelecido nos dispositivos legais.   Bibliografia HOLANDA, Marcos de. Processo Penal para universitários. São Paulo: Malheiros, 1996. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. V.1, São Paulo: Saraiva, 1998. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10 ed., São Paulo: Atlas, 2000. REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo Penal: Parte Geral. Volume 14, 3 ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2000 (Coleção sinopses jurídicas). TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20 ed., São Paulo: Saraiva, 1998.
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Exame do corpo de delito e o livre convencimento do juiz
O Estado, no exercício do jus puniendi, necessita ter o pleno conhecimento dos fatos e circunstâncias relacionados à autoria e à materialidade do delito. A perícia nos vestígios materiais oriundos da execução dos crimes é considerada um juízo de valor, auxiliando o julgador no seu livre convencimento probatório, apesar da dificuldade na obtenção de um laudo pericial eficiente.
Direito Processual Penal
Introdução: Incontáveis condenações de inocentes foram estabelecidas por sentenças oriundas de Tribunais que julgavam sem a comprovação da materialidade, e que somente após as suas execuções eram reconhecidos os inúmeros erros judiciários. Para que o Estado possa exercer o Poder Jurisdicional torna-se imprescindível o estudo dos fatos correlacionados a condutas consideradas delituosas. Havendo a necessidade do julgador de obter informações complexas sobre os vestígios materiais referentes a infrações, para comprovar a materialidade dos delitos e demais circunstâncias relevantes, surgem as perícias que o auxiliam nas avaliações relacionadas ao conhecimento técnico, científico ou artístico. 1.1. A prova e o jus puniendi Somente após a comprovação de condutas consideradas infrações, o juiz poderá aplicar a pena em abstrato para o caso concreto. Assim, na ausência de provas suficientes, o Estado ficará inerte. Para que a acusação consiga obter êxito, é necessária a demonstração dos fatos e demais circunstâncias referentes a uma possível conduta delituosa. Portanto, cabe à parte acusadora comprovar tais fatos e circunstâncias. Mas, conforme os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, o acusado também possui condições adequadas para exercer a sua defesa, pois caso contrário haverá nulidade em face do cerceamento de defesa. Além das partes, os terceiros, como por exemplo os peritos, e até o juiz podem praticar a atividade probatória. A prova, segundo Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha: “É o conjunto de meios idôneos e praticados no processo ou nele estranhados e tendentes à afirmação da existência positiva ou negativa de um fato destinado a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade, a fim de gerar sua convicção quanto à existência ou inexistência dos fatos deduzidos em juízo. Todo meio usado pela inteligência do homem para a percepção da verdade”.1 Entretanto, o termo “prova” possui também outros sentidos. É utilizada tanto para a conclusão das atividades probatórias (Código de Processo Penal, art. 131: “o juiz apreciará livremente a prova…” e art. 157: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”), como também referente aos meios de prova, como a documental e a testemunhal. Diante destes conceitos, a atividade probatória busca demonstrar a veracidade ou a inexistência da imputação, como também das suas circunstâncias relevantes, visando obter a convicção do juiz. Assim, se a acusação for incapaz de comprovar a existência do fato, o Estado deverá reconhecer a ausência da necessidade do exercício do jus puniendi para determinar a absolvição do acusado, segundo o art. 386, IV do Código de Processo Penal. E conforme o mesmo dispositivo legal, no inciso I, a absolvição  também irá  ocorrer quando a defesa, puder convencer o julgador da inexistência da imputação feita ao réu pela parte acusadora. Em face da sua importância, as provas são regidas pelos seguintes princípios: auto-responsabilidade das partes – em face da do ônus processual; audiência contraditória – para a produção de uma prova, é necessário uma contraprova, tendo em vista o princípio do contraditório; aquisição – a prova produzida pertence ao litigantes e ao interesse da justiça; oralidade e da concentração – visam uma maior rapidez para a produção de provas; publicidade – como os demais atos judiciais; e por fim, o livre convencimento motivado – o juiz irá avaliar as provas para fundamentar e motivar seu julgamento.  A atividade probatória poderá ser exercida pela parte interessada, de modo que o seu inadimplemento ocasionará em um prejuízo, sem todavia, ser uma obrigação. Assim, trata-se de um ônus, um encargo, pois visando o benefício que será obtido mediante o convencimento do julgador, as partes poderão praticar estas atividades; se por acaso, não cumpri-las, não serão penalizados, como ocorre com uma desobediência de alguma obrigação, embora resulte em prejuízo para o seu interesse. Mas, como referir-se à prova como um ônus processual, se há o princípio da obrigatoriedade da defesa? Além disto, o não exercício das provas para a defesa não estaria em confronto com os princípios do devido processo legal, o da ampla defesa e o do contraditório? Vale ressaltar que tais princípios visam assegurar ao acusado as condições necessárias para a obtenção de uma defesa eficiente. Para que o Estado exerça o poder jurisdicional, é preciso que as partes estejam em condições idênticas para praticar seus direitos processuais, resultando na igualdade processual. Assim, mesmo com as condições adequadas para o exercício da sua defesa, pode ocorrer o inadimplemento da atividade processual, mediante a não produção de provas, que é um ônus. Se, como foi afirmado, tanto a acusação como também a defesa podem exercer a atividade probatória, a quem cabe o ônus da prova? O nosso ordenamento estabelece que a prova da alegação incumbirá a que  fizer, segundo o art. 156 do Código de Processo Penal. Analisando os interesses das partes, conclui-se que cabe à acusação demonstrar os fatos constitutivos referentes à autoria e à tipicidade, enquanto à defesa cabe o ônus da prova de fatos extintivos, impeditivos ou modificativos. Mas, quando se tratar de provas relevantes para o exercício do poder jurisdicional, o juiz pode determiná-las de ofício. Se a acusação afirma a existência de um fato considerado delituoso, resultante da conduta de um denunciado, o ônus da prova sobre os fatos em questão não cabe a defesa, e sim a parte acusadora, tendo em vista que é esta quem irá se beneficiar com o convencimento do juiz. E, quando a acusação referir-se a delito culposo, também deve comprovar esta modalidade, o que não ocorre com o elemento subjetivo doloso. Tal distinção ocorre tendo em vista a presunção do dolo após a comprovação do fato relacionado. Portanto, nos crimes culposos, a negligência, a imperícia ou a imprudência deverá ser comprovada pela acusação, mas nos delitos dolosos, este elemento subjetivo é conseqüência, desde que comprovada a autoria e a materialidade. E quanto à defesa, visando obter a improcedência da acusação, necessita comprovar a existência de fatos: extintivos, como a prescrição e a decadência;  impeditivos, como as exclusões de culpabilidade e modificativos, como a exclusão da antijuridicidade. 1.2. Perícia: Um simples meio de prova? Há casos em que se tornam necessários conhecimentos técnicos, científicos ou  artísticos para  comprovar determinados  fatos relevantes para o exercício do Jus Puniendi. Entretanto, é inegável a impossibilidade do julgador em abranger todos estes conhecimentos. Mas, por outro lado, o Estado não pode ficar inerte diante da necessidade de conhecimentos diversos, essenciais para a comprovação da prática de condutas delituosas, ou mesmo de relevantes circunstâncias correlacionadas, pois caso contrário, o poder jurisdicional perderia demasiadamente a sua eficácia. Torna-se, portanto, imprescindível para a aplicação adequada do direito em algumas situações a perícia, que consiste em um exame de natureza técnica, científica ou artística, visando auxiliar no exercício jurisdicional estatal, em face da incapacidade do juiz em conhecer sua complexidade. A perícia deverá ser feita por peritos, apreciadores técnicos, que assessoram o julgador fornecendo informações relevantes. Assim, para uma melhor compreensão sobre a perícia, é necessária uma breve análise sobre os peritos. Considerado como um dos auxiliares da Justiça, o perito está sujeito à disciplina judiciária, mesmo que não seja oficial, segundo o art.275 do CPP. O nosso ordenamento estabelece que o exame pericial será feito por dois peritos oficiais, cujo exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, conforme os arts. 159 e 178 do CPP.  Entretanto, há ocasiões em que, em virtude da ausência de peritos oficiais, o art. 159, §1º deste código estabelece a realização do exame por duas pessoas, necessariamente portadoras de curso superior, de preferência que tenham habilitação técnica referente ao caso concreto. E conforme o seu §2º, os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo, o que não ocorre com os oficiais, pois os mesmos prestam compromisso na investidura no cargo. O legislador do código adjetivo penal, ciente da importância dos laudos, estabelece no art. 179, caput, que quando elaborados por peritos não oficiais, o auto deve ser lavrado por um escrivão e assinado pelos peritos e também pela autoridade, se presente ao exame. Afinal, a perícia é apenas mais um meio de prova? Não. Embora esteja no Código de Processo Penal no Título VII, referentes às provas, não deve ser tratada apenas como um simples meio de prova. Tal entendimento fundamenta-se pelo fato de que enquanto nas provas, como por exemplo a testemunhal, o julgador obtém apenas declarações, no exame pericial os dados obtidos são provenientes de um auxiliar da justiça, que presta compromisso, emitindo um juízo de valor sobre os fatos, podendo abranger tanto o próprio corpo de delito, resultando na perícia intrínseca, como também os elementos que possam ser utilizados como prova do delito, referindo-se neste caso na perícia extrínseca. A finalidade da perícia não se limita a informar ao juiz apenas como ocorreu o fato analisado – perícia “percipiendi” – como se busca nos meios de prova; pode pesquisar os fatos para, posteriormente, mediante os seus conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, explicar as probabilidades resultantes, quais as possíveis conseqüências – perícia “deducendi”. Enquanto a testemunha declara o que observou ou o que ficou ciente, o perito vai além: a avaliação proveniente de seus conhecimentos proporciona dados suficientes para a obtenção de declarações sobre fatos futuros, oriundos da observação de eventos ocorridos. O perito deve emitir um juízo de valor, motivo pelo qual a perícia é essencialmente subjetiva. Mediante os seus estudos sobre os eventos analisados, o perito não se limita apenas à realidade, ou seja, como ocorreu o fato e o que está ocorrendo. Assim, através de seus experimentos, estabelece as probabilidades, informando não somente o diagnóstico, como também o prognóstico. Compreende-se, portanto, que a perícia não se encontra no mesmo patamar das provas, estas relacionadas somente aos fatos. Este é o mesmo entendimento defendido pelo Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha: “Contudo, embora situada como uma prova nominada idêntica às demais, para nós, numa afirmativa arrojada, tem a perícia uma natureza jurídica toda especial que extravasa a condição de simples meio probatório, para atingir uma posição intermediária entre a prova e a sentença. A prova tem como objeto os fatos, a perícia, uma manifestação técnico-científica, e a sentença, uma declaração de direito. Logo, a opinião, que é objeto da perícia, situa-se numa posição intermediária entre os fatos e a decisão”.2 Todavia, há ocasiões em que não se torna possível o exame de corpo de delito, em face do desaparecimento dos vestígios materiais. Nestes casos,  materialidade do delito deverá ser obtida pela prova testemunhal. É o que estabelece o art. 167 CPP. Vale ressaltar que é permitida esta substituição somente quando for impossível o exame de corpo de delito. Entretanto, o legislador estabelece que o exame pericial pode ser suprida pela prova testemunhal, mas não pela confissão do acusado. Qual seria então a finalidade desta proibição, contida no art. 158 do CPP? HÉLIO TORNAGHI afirma que a perícia indireta ocorre quando os peritos emitem o seu juízo de valor, não analisando o corpo de delito, como ocorre na perícia direta, e sim sobre os depoimentos, filmes, objetos ou por outros meios.3 Nota-se, portanto, a distinção entre a perícia indireta e a simples prova testemunhal, em que esta se refere apenas a declarações sobre o que viu ou ouviu. Mais adiante, este doutrinador analisa o valor atribuído a confissão, tendo em vista as possíveis causas que podem resultar em uma falsa confissão. Além disto, vale salientar que o exame pericial visa comprovar a materialidade do delito, o que não ocorre com a confissão. Concluindo, estabelece que: “O exame de corpo de delito refere-se à materialidade do fato, mas não à autoria; a confissão se relaciona com a autoria mas não prova a materialidade do fato. Parece que a jurisprudência se antecipou às leis no reconhecimento dessas verdades. A literatura está repleta de decisões absolutórias proferidas em casos em que o réu havia confessado, mas o teor da confissão não estava confirmado pelo exame de corpo de delito, ou porque esse inexistisse ou porque o desautorizasse”.4 1.3. Exame do corpo de delito Algumas condutas delituosas deixam vestígios materiais após o seu cometimento, como por exemplo a existência de pistas relevantes para o reconhecimento da prática delituosa. Nestas ocasiões, o meio mais adequado para a comprovação do ato criminoso é mediante o exame pericial, que analisará o corpo de delito, cujo procedimento será aprofundado posteriormente. Assim, o corpo de delito consiste nos diversos vestígios materiais resultantes da conduta infracional. E para a comprovação concreta do crime utiliza-se o exame de corpo de delito, que refere-se ao laudo feito por peritos que, após um estudo sobre o corpo de delito, irá demonstrar ou não a materialidade do crime. O laudo do exame do corpo de delito deve ser elaborado, mesmo de forma indireta, se houver vestígios materiais da conduta criminosa, segundo o art. 158 do CPP. Em se tratando de outras perícias, o juiz ou a autoridade policial poderá negar a sua realização quando não houver necessidade para sua elaboração para o esclarecimento da verdade, em conformidade com o princípio da economia processual. Mas, se for o exame do corpo de delito, deve ser realizado, mesmo se em face das demais provas,  aparentemente apresentar-se desnecessário. Isto ocorre pelo fato de que a perícia visa comprovar a materialidade da conduta infracional, mediantes os seus vestígios. Na ausência da comprovação da materialidade, o Estado não se encontra em condições apropriadas a exercer a sua função jurisdicional.  Tendo em vista que a perícia visa emitir um juízo de valor, e que, segundo o art. 159, caput, do CPP, este exame deve ser feito por dois peritos, pode ocorrer divergências entre as suas conclusões. Nessas ocasiões, estabelece a 1ª parte do art. 180 do CPP que os peritos consignarão no auto de exame as declarações e suas respostas, ou cada um irá redigir separadamente o seu laudo. Em face das divergências, a autoridade deve ouvir um terceiro perito. Este dispositivo legal ainda esclarece que, se este também divergir de ambos, a autoridade poderá mandar  procedência de um novo exame por outros peritos. Compreende-se que, em face da liberdade do julgador, em não ficar adstrito ao laudo, podendo inclusive aceitá-lo ou rejeitá-lo, totalmente ou parcialmente,  segundo  o art. 182 do CPP, ele  possui a faculdade de proceder ou não o novo exame, diante das divergências dos peritos. Entretanto, vale ressaltar que este artigo utiliza o termo “autoridade”, abrangendo, portanto, tanto a policial como também a judiciária. Desta forma, a faculdade em proceder o novo exame não seria apenas do julgador, mas também da autoridade policial. Caso a perícia apresente a inobservância de formalidades, ou mesmo omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará, dependendo da ocasião suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo, conforme o art. 181 do CPP. E, no seu parágrafo único, estabelece também a possibilidade do juiz em proceder um novo exame pericial, caso julgue conveniente. 1.4. Procedimento para o exame do corpo de delito Visando uma melhor análise dos peritos sobre os fatos para emitir um juízo de valor, informando o diagnóstico e o prognóstico, torna-se necessário que não ocorra nenhuma alteração sobre o estado das coisas em um local onde ocorrer algum delito. E, para tanto, a polícia deverá auxiliar os peritos, preservando o corpo de delito, ou seja, os vestígios materiais dos crimes. O art. 6º estabelece as procedências que deverão ser feitas pela autoridade policial logo que tiver conhecimento da prática de alguma conduta delituosa. No inciso I estabelece que deverá dirigir-se o local onde ocorreu o delito, providenciando a permanência do estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais. E quanto aos objetos relacionados ao ato infracional, deverão ser apreendidos pela autoridade policial, após a liberação dos peritos criminais, conforme seu inciso III. Além disto, o inciso VII estabelece que deverá também determinar a procedência, se for preciso, do exame do corpo de delito e demais perícias. O art. 169 do CPP, reitera a importância da participação da autoridade policial em providenciar a preservação do estado das coisas até a chegada dos peritos, os quais poderão inclusive utilizar-se de fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos para um maior esclarecimento dos laudos. Nota-se a excessiva preocupação do legislador em estabelecer a necessidade da preservação do corpo de delito, cujo exame poderá ser realizado em qualquer dia e a qualquer hora, segundo o art. 161 do CPP. Entretanto, os poucos investimentos governamentais e o desconhecimento da sociedade em conservar os vestígios materiais dos delitos, auxiliam para as alterações do corpo de delito. Quando isto ocorrer, os peritos deverão registrá-los no laudo e discutirão no relatório suas conseqüências, conforme o art. 169, p.u. do CPP. A perícia poderá ser determinada: pela autoridade policial, quando tiver conhecimento da prática da infração penal (art. 6º, VII) ou até na conclusão do inquérito; pelo juiz, na instrução processual; pelas partes, na denúncia, ou n queixa, como também na defesa prévia (art. 395) e nas últimas diligências (art. 499). E, se a autoridade policial ou judiciária, como também pelas partes, poderão determinar a perícia, o mesmo ocorre com a formulação dos quesitos, desde que seja até o ato da diligência, segundo o art. 176 do CPP. O laudo pericial divide-se em quatro partes: preâmbulo – contendo o nome dos peritos e seus títulos, como também o objeto da perícia; exposição – local onde os peritos narram minuciosamente o que foi observado; discussão – análise dos fatos observados, com os argumentos que fundamentam o parecer; e por fim a conclusão – que consiste na resposta dos quesitos. Assim, o laudo pericial será elaborado pelos peritos, no prazo máximo de 10 dias, onde descreverão detalhadamente o que examinarem, e responderão aos quesitos. Este prazo poderá ser prorrogado somente em casos excepcionais, a requerimento dos peritos, conforme o art. 160 CPP. 1.5. O laudo pericial e o julgamento A finalidade das provas consiste em obter o convencimento do julgador. Ao avaliar as provas, o juiz deverá fazer uma análise dos elementos apresentados para fundamentar a sua decisão. É, sem dúvida, um ato intelectual, de natureza personalíssima, pois um mesmo fato poderá facilmente ter julgamentos distintos se forem analisados por diversos juízos. Entretanto, o Estado não visa em momento algum um exercício mecânico do juiz. Além disto, há  determinados requisitos que condicionam o julgador. Para uma melhor compreensão, torna-se necessário um breve estudo histórico sobre a avaliação probatória. Inicialmente empregava-se uma hierarquia preestabelecida dos valores das provas. Foi utilizada pelo sistema de prova legal. Era a época das ordálias, em que a atividade do juiz era restringida pelo resultado das provas apresentadas, de modo que devia apenas mencionar o resultado, sem nenhuma apreciação própria dos fatos. Assemelhando-se, de certo modo, à soberania dos governantes absolutistas, surgiu em Roma o sistema da livre convicção, ou da certeza moral do juiz. Desta forma, o julgador age segundo a sua consciência, sem estar vinculado a nenhuma regra. A liberdade existente para o julgamento era total, pois em face da sua convicção, analisava a natureza e a admissibilidade das provas. Assim, poderia inclusive não haver o julgamento, na ausência de convencimento do julgador, como também não era necessário a motivação e os fundamentos referentes a uma decisão. Lembra bastante o sistema utilizado pelo Tribunal do Júri. Analisando os dois sistemas supramencionados, nota-se que se referem a dois extremos: o excessivo apego as regras, limitando demasiadamente o exercício do juiz e no outro, a total liberdade do julgador, que decide segundo o seu livre convencimento. Buscando encontrar o meio termo, surgiu provavelmente também em Roma, o sistema da persuasão racional. O juiz deveria decidir segundo a sua convicção, mas vinculado a algumas regras preestabelecidas. Desta forma, os julgamentos devem ser fundamentados e motivados. O nosso ordenamento utiliza o sistema da convicção condicionada, de modo que o juiz deve avaliar as provas mediante o seu convencimento, mas vinculado os dispositivos legais, embora o art. 157 do CPP afirme que o juiz apreciará livremente as provas para formar a sua convicção. Segundo Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, em face das diversas possibilidades das provas apresentadas em juízo, a avaliação pelo juiz poderá resultar em uma certeza, sobre uma condenação ou absolvição; uma dúvida ou mesmo em uma ignorância, resultado esta da ineficácia da atividade probatória. A condenação somente deverá ser decretada quando a análise das provas convencerem o julgador da autoria e da materialidade (e na ausência de fatos extintivos, impeditivos ou modificativos).5 E em relação a apreciação dos laudos periciais, há os sistemas vinculatório e o liberatório. No primeiro caso a decisão judicial deve estar necessariamente em conformidade com o exame pericial. No segundo, adotado pelo nosso ordenamento, o laudo pericial poderá ser aceito ou não pelo julgador, tendo este a liberdade para a sua apreciação. É o que estabelece os arts. 157 e 182 do CPP. Vale salientar ainda o grau de influência das perícias nas decisões do Tribunal do Júri, tendo em vista a sua relevante competência constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, como determina o art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Em alguns julgamentos na comarca de Sobral, estado do Ceará, uma considerável parcela dos jurados seguiram a conclusão pericial, mesmo havendo provas robustas divergentes capazes de fundamentar decisão contrária. Tal fato provavelmente é resultante da pouca experiência dos membros do conselho de sentença na avaliação das provas apresentadas em juízo, mediante efetivo exercício do livre convencimento probatório, posto que geralmente tiram algumas dúvidas através de sucintos esclarecimentos do juiz-presidente do júri, como determina o art. 478 do Código de Processo Penal, caso ainda não se considerem habilitados. É notória a dificuldade existente em se obter um laudo pericial eficiente: os escassos recursos governamentais em custear as despesas em estabelecer quantidade suficiente de peritos, como também sobre importância na preservação e conservação dos vestígios materiais oriundos dos delito. Diante da eterna lentidão do fato jurídico em alcançar o fato social, a perícia, com o avanço científico e tecnológico poderá, sem dúvida, contribuir bastante para a eficácia do Poder Jurisdicional do Estado.       Bibliografia: ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Perícia Médica Judicial. Rio de Janeiro: Guanabara Dois S.A., 1982. ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 3ª ed. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 1994. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As Nulidades no Processo Penal. 4ª ed., ver. atual. e ampl., São Paulo: Malheiros, 1995. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2000. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões Processuais Penais Controvertidas. 4ª ed., ver. atual., São Paulo: Universitária de Direito, 1995. TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 9ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 1995.
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Interceptação telefônica face às provas ilícitas
A interceptação de comunicações telefônicas surgiu como instrumento eficaz na luta contra o crime. Assim, é necessário estudar as hipóteses em que poderá ser aceita como prova sem ser declarada sua inconstitucionalidade e, por via de conseqüência, determinado seu desentranhamento dos autos do processo em que foi produzida.
Direito Processual Penal
1. Conceito Prova ilícita é aquela “colhida com infringência às normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e, especialmente, dos direitos de personalidade e mais especificamente do direito à intimidade” [1]. “A garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes não só a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar suas razões, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz”[2]. O direito à prova engloba todo e qualquer meio probatório ao dispor das partes. A regra é a liberdade probatória. Há, todavia, exceções, que devem ser razoavelmente justificadas. Abandona-se, portanto, na atualidade, a enumeração taxativa dos tradicionais meios de prova para permitir que “se recorra a expedientes não previstos em termos expressos, mas eventualmente idôneos para ministrar ao juiz informações úteis à reconstituição dos fatos (provas atípicas)”[3]. Normalmente, estabelece-se uma confusão entre os termos “prova ilegal”, “prova ilícita” e “prova ilegítima”, mas há diferenças. A prova ilegal é o gênero, i.e., o conjunto de todas as provas obtidas com infração às normas de direito (prova vedada). Prova ilícita e ilegítima são espécies de prova ilegal. A primeira viola proibição de direito material, i.e., infringe normas ou princípios postos pela Constituição e pelas leis, a fim de proteger as liberdades públicas, os direitos da personalidade e sua manifestação – o direito à intimidade e a segunda infringe proibição de ordem processual. “A prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados , ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5o, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”[4]. 2. Correntes doutrinárias Nos trabalhos da Assembléia Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988, exerceu grande influência um grupo de juristas que assessorou os congressistas. Entre eles predominava a corrente da não admissão das provas obtidas ilegalmente. Deve-se a isto a proibição categórica do art. 5o, LVI. Não obstante esta proibição é perfeitamente possível que uma prova considerada ilícita venha a tornar-se lícita por força do princípio da proporcionalidade, corolário do Estado de Direito e grande colaborador da repressão ao crime, devido ao caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Por isto tem sido admitida, entre nós, respeitando-se o princípio da presunção de inocência, a prova ilícita, exclusivamente, para inocentar. A jurisprudência do STF é uníssona no sentido de que o princípio da proporcionalidade deve ser aceito somente pro reo, mas há uma decisão isolada do STJ que admite o princípio da proporcionalidade pro reo ou pro societate: “EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. ESCUTA TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. RÉU CONDENADO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA, QUE SE ACHA CUMPRINDO PENA EM PENITENCIÁRIA, NÃO TEM COMO INVOCAR DIREITOS FUNDAMENTAIS PRÓPRIOS DO HOMEM LIVRE PARA TRANCAR AÇÃO PENAL (CORRUPÇÃO ATIVA) OU DESTRUIR GRAVAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA. O INCISO LVI DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO, QUE FALA QUE ‘SÃO INADMISSÍVEIS…AS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO’, NÃO TEM CONOTAÇÃO ABSOLUTA. HA SEMPRE UM SUBSTRATO ÉTICO A ORIENTAR O EXEGETA NA BUSCA DE VALORES MAIORES NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE. A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, QUE É DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA, OFERECE AO JUIZ, ATRAVÉS DA ‘ATUALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL’ (VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG), BASE PARA O ENTENDIMENTO DE QUE A CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INVOCADA É RELATIVA. A JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA, MENCIONADA EM PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É TRANQÜILA. SEMPRE É INVOCÁVEL O PRINCIPIO DA ‘RAZOABILIDADE’ (REASONABLENESS). O ‘PRINCÍPIO DA EXCLUSÃO DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS’ (EXCLUSIONARY RULE) TAMBÉM LÁ PEDE TEMPERAMENTOS. ORDEM DENEGADA.”[5] Como bem assevera José Frederico Marques, “limitações várias, decorrentes dos princípios constitucionais de proteção a garantia da pessoa humana, impedem que para a procura da verdade lance-se mão de meios condenáveis e iníquos de investigação e prova (…) inadmissível é, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim tentar legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória”[6]. Acrescenta Ada Pellegrini Grinover que é “inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas no processo, preconizando pura e simplesmente a punição daquele que cometeu o ilícito (male captum bene retentum): significa ela, ao mesmo tempo, a prática de atos ilícitos por agentes públicos ou por particulares e compactuar com violações imperdoáveis aos direitos da personalidade. No Estado de Direito, a repressão do crime não pode realizar-se pela prática de ilícitos, que são, freqüentemente, ilícitos penais”.[7] Se um acusado consegue demonstrar sua inocência de maneira inconteste, mas com base em prova ilícita, tem-se inclinado a doutrina pela não-aplicabilidade do art. 5o, LVI, CF, já que o direito de provar a inocência se impõe sobre o interesse estatal de sancionar condutas típicas. Além disso, não pode interessar ao Estado a condenação de um inocente em detrimento da impunidade do verdadeiro culpado. Encaixa-se aqui, igualmente, a prova ilícita em legítima defesa, pois os direitos humanos fundamentais, entre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5o, CF, não podem servir de escudo de proteção à prática de atividades ilícitas e nem se prestar a afastar ou diminuir a responsabilidade por atos criminosos, pois, desta forma, estar-se-ia desrespeitando o Estado de Direito. Se, v.g., uma vítima de extorsão grava sua conversa com o criminoso, esta prova é válida, pois este invadiu a esfera de liberdades públicas da vítima ao ameaçá-la e coagi-la e esta, em legítima defesa de suas liberdade públicas (o que exclui a ilicitude da prova por ser causa de exclusão da ilicitude) produziu a referida prova para responsabilizar o agente. Outro caso é o do filho que realiza gravação de vídeo, clandestinamente, comprovando maus-tratos por parte de seu pai e sem o conhecimento deste. Não se pode, igualmente, objetivar a proteção da intimidade do pai agressor, pois este, anteriormente, desrespeitou a dignidade e incolumidade física de seu filho, que, em legítima defesa, produziu a referida prova.[8] Neste sentido foi o voto do Min. Moreira Alves no Habeas Corpus 74.678-1/SP: “seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como diálogo com seqüestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significa o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa”[9]. Tal flexibilização não importa em ofensa ao princípio constitucional da igualdade das partes, pois a acusação dispõe de recursos mais amplos que o réu. “Em tal perspectiva, ao favorecer a atuação da defesa no campo probatório, não obstante posta em xeque a igualdade formal, se estará tratando de restabelecer entre as partes a igualdade substancial. O raciocínio é hábil, e, em condições normais, dificilmente se contestará a premissa da superioridade de armas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas. É fora de dúvida que atualmente, no Brasil, certos traficantes de drogas estão muito mais bem armados que a polícia e, provavelmente, não lhes será mais difícil que a ela, nem lhes suscitará maiores escrúpulos, munir-se de provas por meios ilegais. Exemplo óbvio é o da coação de testemunhas nas zonas controladas pelo narcotráfico: nem passa pela cabeça de ninguém a hipótese de que algum morador da área declare à polícia, ou em juízo, algo diferente do que lhe houver ordenado o ‘poderoso chefão’ local”.[10] Antes da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido três casos eliminando as interceptações telefônicas clandestinas, posição que foi corroborada com a advento da Carta Magna de 1988. Duas destas decisões são referentes ao processo civil determinando o desentranhamento dos autos de fitas gravadas clandestinamente, respectivamente em 11/nov./1977 e 28/jun./1984 e a terceira é relativa ao processo penal, determinando, o STF, trancamento de inquérito policial que se baseou em interceptação telefônica realizada por particulares, esta em 18/12/1986. Os tribunais têm aplicado o dispositivo constitucional e o STF tem mantido sua posição de não admissão de provas ilícitas, como se pode deferir do HC-69.912/RS, julgado em 30/jun./1993 e no julgamento da ação penal 307-3/DF contra o ex-Presidente Collor e Paulo César Farias[11]. Necessário é ressaltar o caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Este caráter relativo só pode ser validamente aplicado no caso concreto, em que se saberá qual interesse se sobreporá aos demais (princípio da proporcionalidade). Cite-se, aqui, a sábia colocação do mestre Celso Ribeiro Bastos: “o preceito constitucional há de ser interpretado de forma a comportar alguma sorte de abrandamento relativamente à expressão taxativa de sua redação”[12]. A Constituição estabelece, expressamente, que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, mas não expõe a conseqüência da contrariedade de tal mandamento. Todavia, os princípios gerais sobre a atipicidade constitucional abraçaram a árdua tarefa de orientar o intérprete. É cediço que, a desobediência a um mandamento constitucional, acarreta, como sanção, no mínimo, nulidade absoluta.  Com relação a esta matéria, deduz-se que a aceitação de uma prova ilícita no processo importaria, no mínimo, nulidade absoluta da prova, não podendo servir como fundamento de decisão judicial. Ada Pellegrini Grinover leciona que “as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tidas como provas. Trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria da inexistência jurídica. Elas simplesmente não existem como provas: não têm aptidão para surgirem como provas. Daí sua total ineficácia”[13]. As provas irregularmente admitidas no processo não poderão ser apreciadas em nenhuma instância, pois não têm existência jurídica, e deverão ser desentranhadas dos autos, conforme já determinou o STF. Entretanto, a não admissão, pelo STF, de provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois como ressalta o Ministro Moreira Alves, a previsão constitucional não afirma “que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos” (voto do Min. Moreira Alves, no HC-69.912/RS, DJU 25/mar./1994). Poderemos identificar três situações relativas à sentença que se baseou em prova viciada pela ilicitude do meio com que foi obtida: a) Se a sentença transitou em julgado será nula e poderá ser desconstituída por revisão criminal; b) Se se tratar de habeas corpus o tribunal anulará a sentença e determinará o desentranhamento das provas viciadas; c) Se a sentença foi pronunciada por Júri. Esta questão desdobra-se em dois casos: 1o) A decisão se apoiou na prova ilícita poderá ser reformada por recurso ou anulada por habeas corpus. Neste último caso, não sendo impetrado o remédio constitucional, o juiz Presidente não tomará qualquer providência, sendo, porém, o veredicto dos jurados, inevitavelmente nulo. 2o) Se, apesar de estar inserida no processo, a prova ilícita não foi levada em consideração na pronúncia, o Presidente ordenará seu desentranhamento antes que os jurados dela tomem conhecimento. Observe-se que, se a ela se fizer qualquer referência no plenário, o juiz deverá dissolver o Conselho de Sentença. Em síntese, se a sentença se basear em prova obtida por meio ilícito, será nula, todavia, não o será se o juiz motivá-la em razões que provem que ela não foi a única prova que fundamentou sua decisão ou que chegaria ao mesmo convencimento independentemente da sua existência. Esta a orientação do Supremo no HC 73.461 julgado em 11-06-96, do qual foi o relator o Min. Octavio Galotti: “se as provas que serviram de base à sentença e ao acórdão foram obtidas sem auxílio dos elementos informativos fornecidos pela escuta telefônica, não há falar em nulidade da condenação. Hipótese em que não se aplica a doutrina dos ‘frutos da árvore envenenada’ ”[14]. No mesmo sentido o HC-74.441/SP: “A escuta telefônica, prova ilicitamente obtida, nenhuma influência exerceu, no caso, na formação do convencimento do Magistrado de 1o grau e do Tribunal prolator do acórdão impugnado, já que se basearam em outros elementos de prova, validamente recolhidos, sendo certo, ademais, que as investigações policiais tiveram início com base em denúncia anônima e não com a escuta referida. Nulidade inexistente.”[15] Cite-se o voto do Min. Ilmar Galvão, afirmando a interceptação telefônica, in casu, como subsidiária e ineficaz, não sendo possível atribuir-lhe o poder de invalidar o processo e conseqüentemente a sentença condenatória. Corrobora este entendimento o expresso a seguir: “EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica – prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam – não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial.”[16] Sendo a prova vedada, entretanto, fundamento da decisão, impossível é a aceitação do processo, salvo em benefício da defesa, pois há que se prestigiar o bem de interesse público consistente na paz social. Isto posto, é evidente a dificuldade de se chegar a conclusões definitivas a respeito da efetividade da inadmissão das provas ilícitas, que só poderá ter orientação fixa diante do caso concreto que se nos apresentar. A decisão da nossa Corte Suprema no HCQO-74.299/SP anulou o processo criminal, “com base no voto do relator, a partir do entendimento de que toda a persecução criminal havia resultado de escuta telefônica ilícita”[17]. Diametralmente oposto foi o voto do Ministro Moreira Alves no HC-69.912/RS, j. 30/jun./1993 quando, referindo-se ao art. 5o, LVI, CF, afirma que “não diz esse dispositivo que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos. Portanto, se num processo houver provas lícitas e ilícitas, a ilicitude destas não se comunica àquelas para que se chegue à absolvição por falta de provas, ou se anule o processo pela ilicitude de todas as provas produzidas”. 3. Prova ilícita por derivação Esta é outra questão que gera controvérsias, segundo a qual o processo com prova ilícita ressente-se de nulidade totalmente ou somente sobre os atos subsequentes à produção da famigerada prova. “O problema das provas ilícitas por derivação, por uma imposição lógica, só se coloca nos sistemas de inadmissibilidade processual das provas ilicitamente obtidas. Concerne às hipóteses em que a prova foi obtida de forma ilícita, mas a partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer as circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos.”[18] É o caso, v.g., da interceptação telefônica através da qual a polícia descobre um esquema de tráfico de drogas com nomes de envolvidos, local que o objeto do crime será repassado etc. A gravação, sem dúvida constituiria prova ilícita e seria excluída do rol probatório do processo. Mas, e o flagrante dos envolvidos no delito, seria válido? Ao nosso ver, não, pois o bem jurídico tutelado (a intimidade) seria, igualmente, atingido. E, além disso, a interceptação não teve fulcro em ordem judicial. Isso decorre do fato de que “a regra da exclusão é aplicável a toda prova maculada por uma investigação inconstitucional” [19]. É a conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada, doutrina de procedência norte-americana segundo a qual se não for possível o acesso a outras provas sem o apoio da prova ilícita as demais ficam contaminadas pela ilicitude desta, i.e., o vício de origem se tranfere para as demais provas. Mas a admissão dessa teoria não constitui proibição absoluta da utilização de elementos derivados da prova ilícita, visto que tem encontrado limitações na doutrina nacional, estrangeira e pela própria Corte Suprema norte-americana. São eles: independent source (quando a prova ilícita não é absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, i.e., se entre elas não houver conexão de causa e efeito); inevitable discovery (quando a prova seria, inevitavelmente, descoberta por investigação legal); purged taint (quando for possível distinguir o meio de obtenção da prova secundária da ilegalidade inicial). A nossa Constituição relegou à doutrina e jurisprudência a disciplina a respeito da prova ilícita por derivação, só tendo manifestado seu posicionamento expresso quanto à inadmissão da prova ilícita. Com efeito, de nada adiantaria vedações à admissibilidade de prova se, por via derivada, informações colhidas através de condutas atentatórias ao ordenamento, pudessem servir ao convencimento do juiz. “Decorrendo as demais provas do que levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem.”[20] A existência de uma prova ilícita no processo não anula todo o feito, como bem ressaltou o min. Moreira Alves no HC 69.912-0/RS, DJU 25/03/1994. Neste caso, será mister demarcar as conseqüências da inadmissibilidade de tal prova, determinando se todas as provas que dela procederam serão contaminadas ou se apenas a prova obtida com infringência ao direito material será excluída. “As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo.”[21] O STF decidiu, por força dos votos dos Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves, no referido Habeas Corpus, pela admissibilidade das provas derivadas das ilícitas[22]. O julgamento do referido HC 69.912/RS, indeferiu, inicialmente, a ordem por maioria de 6 votos a 5, entendendo que a ilicitude da prova ilícita não se comunica às provas derivadas foi, posteriormente, anulado pela declaração de impedimento de um dos Ministros. Foi realizado novo julgamento, no qual foi deferida a ordem pelo empate, já o Regimento Interno do STF (art. 150, §3o) determina que o empate favorece o paciente, decidindo-se, portanto, pela contaminação das provas derivadas das ilícitas (teoria dos frutos da árvore envenenada)[23]. In verbis: “… NÃO OBSTANTE, INDEFERIMENTO INICIAL DO HABEAS CORPUS PELA SOMA DOS VOTOS, NO TOTAL DE SEIS, QUE, OU RECUSARAM A TESE DA CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DECORRENTES DA ESCUTA TELEFÔNICA, INDEVIDAMENTE AUTORIZADA, OU ENTENDERAM SER IMPOSSÍVEL, NA VIA PROCESSUAL DO HABEAS CORPUS, VERIFICAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS LIVRES DA CONTAMINAÇÃO E SUFICIENTES A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO QUESTIONADA; NULIDADE DA PRIMEIRA DECISÃO, DADA A PARTICIPAÇÃO DECISIVA, NO JULGAMENTO, DE MINISTRO IMPEDIDO (MS 21.750, 24.11.93, VELLOSO); CONSEQÜENTE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO, NO QUAL SE DEFERIU A ORDEM PELA PREVALÊNCIA DOS CINCO VOTOS VENCIDOS NO ANTERIOR, NO SENTIDO DE QUE A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – A FALTA DE LEI QUE, NOS TERMOS CONSTITUCIONAIS, VENHA A DISCIPLINÁ-LA E VIABILIZÁ-LA – CONTAMINOU, NO CASO, AS DEMAIS PROVAS, TODAS ORIUNDAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NA ESCUTA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE), NAS QUAIS SE FUNDOU A CONDENAÇÃO DO PACIENTE.” Esta é a orientação do STF no HC-72.588/PB: “… 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo.”[24] É importante observar que, “pela apertada margem de um voto, a atual posição do Supremo é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação”[25], sendo suficiente, v.g., a aposentadoria de um Ministro favorável à inadmissão de tais provas para que o posicionamento jurisprudencial possa se alterar[26]. Diante de todas estas considerações, fica uma indagação: a doutrina dos “frutos da árvore venenosa” não seria um fator de ampliação das perspectivas para infratores atuais e potenciais de escapar às sanções cominadas em lei gerando uma onda de impunidade devida à expansão da criminalidade organizada? Esta é, sem dúvida, uma questão, muito difícil de responder. Não se deve, todavia, olvidar a colocação do mestre José Carlos Barbosa Moreira que ressaltou “a enorme dificuldade que sentimos em aderir a uma escala de valores que coloca a preservação da intimidade de traficantes de drogas acima do interesse de toda a comunidade nacional (ou melhor: universal) em dar combate eficiente à praga do tráfico – combate que, diga-se de passagem, é também um valor constitucional, conforme ressalta da inclusão do ‘tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins’ entre os ‘crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia’ (art. 5o, nº XLIII)”[27].   Bibliografia AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, 2 v. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6a ed., São Paulo: Saraiva, 2001. CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. O Processo Penal em face da Constituição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1992. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1988. MORAES, Alexandre de  (coord.). Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, p. 249-266, 1999. GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal (As interceptações telefônicas). 2a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 4a ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1996. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades do Processo Penal. 6a ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. GRINOVER, Ada Pellegrini. Interceptações Telefônicas e Gravações Clandestinas no Processo Penal. In: Novas Tendências do Direito Processual. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1990. JÚNIOR, Nelson Nery. 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Utilização de estruturas societárias offshore no planejamento patrimonial de pessoas físicas: Impactos tributários para residentes fiscais no Brasil
O planejamento patrimonial e sucessório tem se tornado cada vez mais comum entre os brasileiros, principalmente em virtude das constantes mudanças dos cenários político e econômico ocorridas nos últimos anos. Com isso, enquanto alguns apresentam dúvidas sobre consequências fiscais da utilização de estruturas societárias no exterior em seus planejamentos patrimoniais e sucessórios, outros que detém patrimônio relevante para adotarem tais estratégias, desconhecem a existência, funcionamento e impactos dessas estruturas. Este artigo tem o objetivo de apresentar as estruturas societárias offshore utilizadas com maior frequência na reorganização patrimonial de pessoas físicas residentes no Brasil, com o intuito otimizar a tributação de seus investimentos, proteger seus ativos de eventuais riscos e facilitar a sucessão. Aborda, também, as principais características de cada uma dessas estruturas e seus respectivos impactos fiscais, principalmente quanto à tributação da renda.
Direito Tributário
Sumário: Introdução. 1. Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. 1.1. Imposto Sobre a Renda de Pessoas Físicas. 1.2. Conceitos de Residência e Domicílio Fiscal no Brasil. 1.3. Renda Auferida no Exterior. 2. Sociedades Offshore – Conceito e Estrutura. 2.1. Paraísos Fiscais. 2.2. Tributação da Distribuição de Renda em Sociedades Offshore. 3. Trust – Conceito e Origem. 3.1. Estrutura. 3.2. Tributação. 3.2.1. Impactos Tributários na Entrega dos Bens ao Trustee. 3.2.2. Tributação da Distribuição aos Beneficiários. 4. Fundos de Investimento. Considerações Finais. Referências.   Introdução Diante do atual cenário econômico e político brasileiro, tornou-se comum a busca por investimentos em mercados mais seguros e consolidados, principalmente no exterior. A pandemia da COVID-19, a propositura de projetos de lei para a taxação de grandes fortunas, possível aumento das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, e a votação da Reforma Tributária são algumas das razões que motivaram os brasileiros a diversificar seus investimentos. Com isso, notou-se um grande aumento na procura por estratégias de reorganização patrimonial que utilizam estruturas societárias offshore, com o objetivo de alcançar maior segurança e blindagem quanto aos possíveis impactos decorrentes da volatilidade do mercado nacional (Le Senechal, 2022). As sociedades offshore, geralmente localizadas em paraísos fiscais, são as mais utilizadas como forma de planejamento patrimonial, em virtude de seu baixo custo e simplicidade da estrutura. Já os Trusts, são estruturas mais complexas, que demandam maior investimento para sua elaboração e manutenção, bem como são comumente destinados a pessoas que detém patrimônios elevados e visam a perpetuação de seu legado para as gerações futuras. Interessante mencionar também que, embora menos utilizados, os fundos de investimento no exterior são juridicamente diferentes dos brasileiros, visto que são tratados como sociedade (anônima, limitada) e aqui assumem forma de condomínio. Diante dessas diferenças, torna-se de suma importância o estudo das estruturas apresentadas, de maneira a proporcionar uma exposição concisa e de fácil entendimento e apresentar os impactos tributários sobre a reorganização e distribuições de renda realizadas a residentes fiscais no Brasil. Assim, o foco principal deste trabalho será a apresentação das estruturas e dos possíveis impactos tributários relacionados à sua implementação, visando identificar o fato gerador em cada caso específico e, consequentemente, o tributo aplicável à movimentação.   A Constituição Federal (“CF”), em seu artigo 153, inciso III, determina que é de competência da União a instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (Brasil, 1988). O artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”) trata do mesmo tema e define o fato gerador do imposto como a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza (Brasil, 1966). No inciso I do artigo 43 do CTN tem-se que renda é o “produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos”.  O mesmo artigo, em seu inciso II, define “proventos de qualquer natureza” como os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (Brasil, 1966). O artigo 43 do CTN define, ainda, a base de cálculo do imposto. Segundo este dispositivo, o imposto será calculado sob “o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (Brasil, 1966). Com isso, pode-se concluir que a renda é o montante auferido por pessoa física ou jurídica, fruto do capital, do trabalho, ou de ambos, que resulte em acréscimo patrimonial. Este acréscimo configura o fato gerador do imposto e seu valor será utilizado para o cálculo do imposto devido. Diante da ocorrência do fato gerador, a pessoa física ou jurídica que adquiriu disponibilidade passa a ocupar a posição de sujeito passivo na relação tributária e, desta forma, se torna contribuinte do imposto nos termos do artigo 45 do CTN.   1.1 IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOAS FÍSICAS Está sujeito ao recolhimento do imposto de renda das pessoas físicas (“IRPF”) os residentes ou domiciliados no Brasil, que aufiram rendimentos superiores a vinte e quatro salários-mínimos fiscais, nos termos do artigo 1º da Lei 4.506/64 (Brasil, 1964). Além disso, O Decreto nº 9.580 de 2018 (“RIR/18”) define em seucaputque são contribuintes do imposto as pessoas físicas “que perceberem renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, (…), sem distinção de nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão” (Brasil, 2018). Desta forma, torna-se imprescindível o entendimento acerca dos requisitos que determinam a residência e domicílio fiscal no Brasil para que se estabeleça os rendimentos tributáveis das pessoas físicas.   1.2 CONCEITOS DE RESIDÊNCIA E DOMICÍLIO FISCAL NO BRASIL A começar pelo conceito de domicílio fiscal, o artigo nº 127 do CTN determina que na falta de eleição de domicílio tributário pelo contribuinte ou responsável, considera-se para as pessoas físicas a sua residência habitual, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade (Brasil, 1966). Já o conceito de residência fiscal é mais amplo e, de acordo com o artigo 2º da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 208/2002 (“IN 208/02”), que trata dos rendimentos auferidos de fontes pagadoras situadas no exterior, por residentes fiscais no Brasil, é considerado residente para este fim o indivíduo:   I – que resida no Brasil em caráter permanente; II – que se ausente para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior; III – que ingresse no Brasil: a) com visto permanente, na data da chegada; b) com visto temporário: 1. para trabalhar com vínculo empregatício ou atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos de que trata a Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013, na data da chegada; 2. na data em que complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses; 3. na data da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses; IV – brasileira que adquiriu a condição de não-residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada; V – que se ausente do Brasil em caráter temporário ou se retire em caráter permanente do território nacional sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, de que trata o art. 11-A, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência. Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso III, “b”, item 2, do caput, caso, dentro de um período de doze meses, a pessoa física não complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, novo período de até doze meses será contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior (IN 208/2002, art.2º) (Receita Federal do Brasil, 2002).   Nota-se que existem inúmeras possibilidades de caracterização da residência fiscal no Brasil de acordo com os dispositivos legais expostos anteriormente. Desta forma, nas palavras do ilustre professor Luiz Eduardo Schoueri (2012, p. 347):   (…) o sistema brasileiro adota critérios diferentes para a qualificação do residente; a) para os nacionais, o critério é subjetivo: cabe investigar e demonstrar o animus, sendo condições objetivas meros indícios, mas não elementos suficientes para a caracterização da residência; e b) para os estrangeiros, o critério é objetivo: embora possa estar presente o animus, o legislador dispensa sua prova, vinculando a residência a elementos observáveis.   Assim, para o objetivo deste trabalho, concentra-se no fato de que a hipótese de incidência do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade decorrente de acréscimo patrimonial, avindo do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e que as pessoas físicas que se enquadrem nas hipóteses elencadas no artigo 2º da IN 208/02 e aufiram renda superior a vinte e quatro salários-mínimos no ano-calendário, serão consideradas contribuintes para fins do IRPF.   1.3 RENDA AUFERIDA NO EXTERIOR Caso uma pessoa física se enquadre nas hipóteses de residência fiscal no Brasil, os rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior e os ganhos de capital apurados na alienação de bens e direitos no exterior estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, nos termos do art. 1º da IN 208/02. Entretanto, em alguns casos, uma pessoa física pode ser considerada residente fiscal em múltiplas jurisdições, justamente por conta de seus investimentos e bens nelas situados e, consequentemente, um mesmo rendimento estará sujeito à tributação pelo imposto de renda em mais de um país. Diante dessa questão, para evitar a bitributação sobre a renda e o capital, o Brasil possui firmou Tratados Internacionais com trinta e quatro países, para definir as questões relativas ao conceito de renda, impostos incidentes sobre ela nos dois países contratantes e suas respectivas alíquotas, os conceitos de residência fiscal e os métodos para evitar a dupla tributação. Porém, quando um rendimento for auferido no exterior, por pessoa física residente no Brasil, em um país com o qual não há tratado internacional de bitributação, o imposto incidente sobre a renda deverá ser recolhido (i) na jurisdição em que for percebido, de acordo com as leis locais; e (ii) na sistemática de recolhimento mensal (carnê-leão) no Brasil, nos termos do caput do artigo 16 da IN 208/02:   Art. 16. Os demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior por residente no Brasil, transferidos ou não para o País, estão sujeitos à tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, e na Declaração de Ajuste Anual (Receita Federal do Brasil, 2002).   O parágrafo único do artigo supracitado admite, todavia, a compensação dos valores pagos a título de imposto de renda sobre rendimentos auferidos no caso de o Brasil possuir tratado de bitributação com o país em que os valores forem percebidos:   1º O imposto de renda pago em país com o qual o Brasil tenha firmado acordo, tratado ou convenção internacional prevendo a compensação, ou naquele em que haja reciprocidade de tratamento, pode ser considerado como redução do imposto devido no Brasil, desde que não seja compensado ou restituído no exterior (IN 208/2002, art. 16, § 1º) (Receita Federal do Brasil, 2002).   Pode-se entender, portanto, que quando houver tratado para evitar a bitributação, um mesmo rendimento auferido por pessoa física não será tributado em múltiplas jurisdições ou, quando for, os valores pagos a título de imposto sobre a renda no exterior poderão ser deduzidos aqui. Ainda em relação ao imposto de renda das pessoas físicas e os rendimentos auferidos no exterior, cabe a análise acerca dos benefícios tributários decorrentes da utilização de estruturas societárias offshore para os residentes fiscais no Brasil, sob o viés da natureza dos investimentos. Se o montante estiver alocado em uma conta de depósito, sem que haja aplicação ou movimentação, apenas o saldo em 31/12 do respectivo ano-calendário deverá ser inserido na ficha de Bens e Direitos da Declaração de Ajuste Anual do IRPF e o acréscimo patrimonial decorrente de variação cambial não será tributado, por não configurar rendimento, nos termos do parágrafo 4º do artigo 29 da Lei nº 9.250/95 (Brasil, 1995). Já na hipótese de aplicação de valores em portifólios de investimentos, ou da alienação de bens e direitos mantidos no exterior, os rendimentos decorrentes dessa aplicação serão tributados como ganho de capital, em conformidade com o artigo 24 da Medida Provisória 2.158-35/2001 (Brasil, 2001). O autor José Henrique Longo no livro “Planejamento Sucessório: Aspectos Familiares, Societários e Tributários”, de sua coautoria, pontua que:   O rendimento financeiro auferido em moeda estrangeira é considerado como ganho de capital, nos termos do art. 24 da MP 2.158-35. Independentemente do tipo de aplicação (se de risco ou não), a regra é sempre a mesma: no momento de resgate, deve ser apurada a diferença em reais entre o valor da liquidação ou resgate da aplicação financeira e o custo de aquisição (Kignel; Phebo; Longo, 2014).   No mesmo livro, com base na Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 118/00, José Henrique Longo diz que o ganho de capital deve ser calculado sobre cada uma das operações, separadamente, e que não há hipótese de compensação dos valores auferidos no exterior com eventuais perdas decorrentes de outras operações realizadas pelo mesmo contribuinte (Kignel; Phebo; Longo, 2014). Ou seja, a cada resgate ou alienação, deve ser calculado e recolhido o IRPF e os valores pagos durante o ano-calendário não são objeto de dedução do IRPF apurado na entrega da Declaração de Ajuste Anual no exercício correspondente:   Para não deixar dúvidas quanto à segregação aplicada a cada operação de resgate, a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 118/00 dispões que: (a) o imposto é apurado em cada operação, (b) e que deve ser recolhido até o último dia do mês seguinte. O rendimento financeiro no exterior não pode ser compensado com eventual perda verificada em outras operações da mesma pessoa, nem pode ser levado para apuração da base de cálculo com deduções permitidas pela legislação (educação, saúde, etc.). Portanto, há ofensa do princípio especial da universalidade exatamente porque não se permite a conjugação desse ganho individual com as demais operações e fatos relacionados à mesma pessoa física (Kignel; Phebo; Longo, 2014).   Importante pontuar também que, para fins fiscais, considera-se o ganho de capital a diferença positiva entre o valor de alienação e o respectivo custo de aquisição[2]. Desta forma, quando um contribuinte realiza lucro na operação de resgate ou de alienação de um bem ou direito, este valor configura hipótese de incidência do IRPF. Por fim, para concluir os aspectos relativos à tributação dos rendimentos oriundos do exterior, por estes serem tratados como ganho de capital, aplica-se disposto no artigo 21 da Lei nº 8.981/95 quanto à apuração do IRPF. A diferença positiva será submetida à tabela progressiva e serão utilizadas as alíquotas de (i) 15% para rendimentos de até cinco milhões de reais; (ii) 17,5% entre cinco e dez milhões de reais; (iii) 20% entre dez e trinta milhões de reais e (iv) 22,5% para valores acima de trinta milhões de reais (Brasil, 1995). Assim, com a complexidade da tributação na esfera da pessoa física, fica clara a necessidade de otimização dos investimentos expostos anteriormente por meio de estruturas societárias no exterior. Busca-se, com isso, o diferimento da tributação, pois os rendimentos das aplicações realizadas por pessoas jurídicas no exterior somente serão tributados na esfera da pessoa física de seus sócios quando houver efetiva transferência dos ativos a eles. Nos capítulos seguintes, destinados à abordagem das estruturas utilizadas no ramo do planejamento patrimonial, será apresentado um estudo detalhado acerca dos impactos tributários pertinentes a cada uma delas.   2. SOCIEDADES OFFSHORE É chamada de sociedade offshore aquela que está constituída e desempenha suas atividades fora do país de domicílio do acionista. Este tipo de sociedade é muito utilizado por pessoas físicas em seus planejamentos patrimoniais, não só por residentes fiscais no Brasil, como no mundo inteiro. Essas sociedades, também conhecidas como Private Investment Companies (“PIC”), são constituídas visando deter e movimentar, no âmbito da pessoa jurídica, os investimentos que seriam feitos pelos seus sócios como pessoa física. Assim, ao invés de os sócios deterem investimentos no exterior diretamente em seu nome, ele passa a ter apenas participação acionária em uma empresa no exterior e esta realiza a movimentação dos ativos (Kignel; Phebo; Longo, 2014). As PICs geralmente são formadas por (i) sócio(s); (ii) diretor(es) e (iii) Registered Agent. O último é responsável por abrigar o endereço da estrutura e cuidar da parte burocrática de qualquer alteração superveniente que se faça no quadro societário da companhia. Além disso, os rendimentos auferidos por essas empresas, enquanto não são transferidos aos sócios, estão sujeitos às regras de tributação do país em que estão constituídas. Por este motivo, utiliza-se muito essa estrutura em planejamentos patrimoniais, visto que em paraísos fiscais a tributação é quase inexistente. Nesse sentido, é de suma relevância informar que, desde que as quotas ou ações das empresas situadas no exterior, detidas por residente fiscal no Brasil, estejam declaradas na ficha de bens e direitos da DIRPF, não é considerada ilegal a manutenção deste bem, ainda que ele esteja localizado em paraíso fiscal. Assim, entre as vantagens trazidas pelo uso de sociedades no exterior, pode-se classificar como principais: (i) a isenção tributária sobre os investimentos auferidos pela empresa na jurisdição em que foi constituída, pois estão geralmente localizadas em paraísos fiscais; (ii) diferimento tributário na tributação de seus rendimentos, no âmbito da pessoa física acionista; e (iii) garantia de maior privacidade quanto aos dados dos sócios e de seus respectivos investimentos.   2.1 PARAÍSOS FISCAIS Por ser muito comum a constituição de empresas em paraísos fiscais, como estratégia de investimento, cabe o estudo acerca dos requisitos para que um país seja tratado como paraíso fiscal e os respectivos impactos tributários relacionados. Entende-se por paraíso fiscal qualquer nação que apresente tributação reduzida ou inexistente sobre a renda, bem como proporcione aos investidores que nele desejam alocar recursos, um elevado grau de proteção no que tange ao compartilhamento de informações relativas às suas estruturas. Tal contexto propicia que a troca de informações entre o referido paraíso fiscal e o país de origem do sócio seja quase nulo. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou dados que apontam a existência de mais de quarenta territórios internacionais que são considerados como paraíso fiscal. Já a Receita Federal do Brasil dispõe na Instrução Normativa da nº 1037 de 2010 (Receita Federal do Brasil, 2010) que são considerados como paraísos fiscais as jurisdições que (i) não praticam a tributação da renda a nenhum nível; (ii) tributam a renda em valores menores a 20% do que foi auferido durante o ano-calendário pelos contribuintes; e (iii) países cuja legislação interna não permite acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade[3]. Tal normativo indica também quais jurisdições possuem regimes fiscais privilegiados.   2.2 TRIBUTAÇÃO Como mencionado anteriormente, segundo as regras tributárias brasileiras[4], os rendimentos auferidos por pessoa jurídica não estão sujeitos à tributação do imposto de renda da pessoa física enquanto não forem efetivamente transferidos aos seus sócios, na distribuição de lucros e dividendos, ou por alienação das quotas societárias. Neste sentido, o autor José Henrique Longo pontua brilhantemente os rendimentos auferidos no exterior envolvendo investimento em pessoas jurídicas serão tributados pelo IRPF:   No caso de distribuição de lucros, esse rendimento inclui-se na apuração mensal da base de cálculo do IRPF com aplicação da tabela progressiva, após as deduções autorizadas. Com esse tratamento, o rendimento de distribuição de lucros advindos do exterior não está eivado das inconstitucionalidades presentes na apuração de ganho de capital e que forma acima mencionada. Tal valor é parte integrante da correta apuração da renda, com o mesmo tratamento das demais fontes de rendimento. Portanto, o rendimento de distribuição de lucros do exterior provenientes de PIC, correspondente ao ganho financeiro das aplicações promovidas pela empresa no exterior, sofre a incidência do IRPF nos limites fixados pela Constituição Federal. A segunda hipótese citada é o ganho de capital na alienação do investimento na PIC, isto é, a pessoa física residente no Brasil vende as suas ações da PIC para terceiro e apura ganha capital. O tratamento fiscal dado pela legislação ordinária é o mesmo para ganho de capital de aplicação financeira no exterior: a apuração é independente dos demais elementos que compõem o efetivo acréscimo patrimonial da pessoa (Kignel; Phebo; Longo, 2014).   Assim, pode-se concluir que essa estrutura, por ser de baixo custo e promover o diferimento tributário às pessoas físicas residentes no Brasil, constitui uma enorme vantagem para os investidores do mercado internacional.   3. TRUST– CONCEITO E ORIGEM O Trust encontra sua origem na Inglaterra, durante a idade média, e é um instrumento baseado nas regras do direito anglo-saxão[5], originalmente destinado ao fim da organização patrimonial para a sucessão. Durante o período da história em que ocorreram as cruzadas, os indivíduos que saiam às expedições deixavam suas propriedades sob os cuidados e titularidade de terceiros, para que, diante de eventual falecimento, seus herdeiros tivessem a garantia de recebimento daquilo que lhes pertenciam, sem que houvesse qualquer risco de interferência dos senhores feudais (Neto, 2016). Desta forma, extrai-se que este instrumento, desde a sua origem, era baseado em relação de confiança, como o próprio nome diz. Nesse sentido, Eduardo Salomão Neto (2016, p. 19) pontua que ao invés de nos apegarmos à definição da estrutura, é mais relevante que entendamos o funcionamento deste instituto, pois ele permite “a uma determinada pessoa ter gozo de um determinado bem sem figurar nominalmente como sua proprietária ou titular”. Sobre o tema, o ilustre autor Melhim Namem Chalhub (2001, p. 19) define:   Com efeito, opera-se a constituição de um trust mediante entrega de certos bens a uma pessoa, para que deles faça uso conforme determinado encargo que lhe tenha sido cometido, repousando esse conceito na confiança depositada naquele que recebe os bens. Aquele que entrega os bens e, por consequência, institui o trust, é denominado settlor (instituidor); o settlor transmite, efetivamente, a propriedade sobre os bens. Aquele que recebe os bens, e assume a obrigação de administrá-los, denomina-se trustee (aquele em quem se confia). Aquele em favor de quem o trust é instituído denomina- se cestui qu trust (aquele que confia).   Em outros termos, pode-se definir o Trust como uma estrutura que permite ao indivíduo titular dos bens (chamado de Settlor), dispor sobre a distribuição de seus ativos em vida e após o seu falecimento, mediante a transferência de seus bens a um terceiro que realizará a manutenção e administração dos mesmos (Trustee) de acordo com as vontades do Settlor previstas em contrato, em benefício daqueles que o Settlor indicará como beneficiários, que podem ser seus herdeiros, terceiros ou, ainda, ele mesmo (Fagundes, 2012). Assim, pode-se concluir que, para a formação do Trust, é necessária a manifestação de vontade da pessoa física titular dos bens e direito acerca da transferência da titularidade de seus ativos a um terceiro, que será pautado por um contrato extrajudicial e este administrará os bens transferidos em favor daqueles que forem elencados como beneficiários da estrutura.   3.1 ESTRUTURA A começar pela figura que inicia a relação de confiança, chama-se Settlor o indivíduo que detém em seu nome os ativos que serão entregues ao terceiro que realizará a administração dos bens em seu favor. Desta forma, é necessária a comprovação de que os bens objeto do contrato estão sob sua titularidade e plenamente disponíveis, para se se efetive a reestruturação. Como mencionado no item anterior, é necessária a manifestação de vontade expressa do Settlor para que a estrutura seja formada. Nesta manifestação, devem constar as regras para a administração dos bens que serão transferidos, bem como aqueles que serão beneficiados pelos rendimentos que essa estrutura auferir, bem como, em caso de dissolução da estrutura, como será feita a distribuição dos bens que a ela foram conferidos. Ou seja, ainda que se trate de uma estrutura estabelecida sob os pilares da confiança, o Settlor poderá dispor livremente no momento da constituição a forma como os ativos transferidos serão administrados e distribuídos, apontando direitos e obrigações, tanto ao terceiro que receberá os bens, como aos beneficiários da estrutura. Após este ato, o Settlor deixa de ser titular dos bens e estes passam a ser detidos diretamente pelo Trustee (Santos, 2009, p. 54). Cabe ainda, ao Settlor, a prerrogativa de se eleger como entidade fiscalizadora do Trust, de modo a verificar periodicamente a administração realizada pelo Trustee, nomearse como beneficiário, excluir ou eleger novos beneficiários, ou ainda determinar a dissolução do Trust, desde que essas disposições se façam presentes no instrumento de constituição da estrutura. Acerca do disposto acima, cabe mencionar que no caso de o Settlor figurar, também, como beneficiário da estrutura, a jurisprudência da Common Law admite o acesso de credores ao patrimônio do Trust, uma vez que ainda que a titularidade tenha sido transferida, este indivíduo poderá ter acesso aos bens no futuro, de forma que a estrutura perde seu objetivo (Santos, 2009, p. 54). Passa-se à análise da figura do Trustee. Este passará a ser titular dos ativos que serão objeto da estrutura e exercerá as funções relativas à administração e manutenção dos bens, em conformidade com o exposto no instrumento de constituição, que exprime a vontade do Settlor. Nas palavras do ilustre autor Melhim Namem Chalhub (2001, p. 43), o Trustee recebe o legal title dos bens e está obrigado a realizar a administração destes, de acordo com a manifestação de vontade do Settlor. Quanto ao desempenho dessa atividade, o Trustee pode ser (i) o próprio Settlor, o que não confere à estrutura a totalidade de seus benefícios; (ii) outro indivíduo em sua pessoa física, que seja de confiança do Settlor; (iii) uma pessoa jurídica especializada na prestação de serviços de administração de Trusts (Trustee Profissional); ou, ainda (iv) uma Private Trust Company (PTC), que consiste basicamente em uma sociedade offshore, que não preste serviços de Trustee de forma profissional e que, geralmente, é de titularidade do próprio Settlor. Entre as obrigações basilares do Trustee, Raquel Amaral dos Santos (2009, p. 56-57)  destaca: (i) exercício da melhor administração em favor dos beneficiários; (ii) realização de investimentos seguros, mas que sejam benéficos ao patrimônio a ele confiado; (iii) segregação entre o patrimônio transferido e aqueles que são de titularidade do Trustee, para que os bens anteriormente pertencentes ao Settlor não sejam atingidos por eventuais dívidas do Trustee; (iv) prestação de contas ao Settlor; (v) distribuição de bens e eventuais rendimentos, nos termos do instrumento de constituição do Trust; (vi) diversificação de investimentos; (vii) imparcialidade no exercício da administração; e (viii) não transferir a terceiros a administração dos bens que a ele foram concedidos. Por se tratar de questões obrigacionais, caso os bens transferidos sofram algum tipo de avaria ou sofram prejuízo financeiro, decorrente da má administração do Trustee, medidas legais poderão ser adotadas pelo Settlor frente a esta figura. Entretanto, quanto aos investimentos, cabe ressaltar que é admissível o apontamento de um indivíduo como Investment Manager, caso seja da vontade do Settlor que os ativos financeiros sejam administrados por uma gestão especializada. Além disso, por se tratar de um instrumento de origem na Common Law, é comum e plenamente legal o tratamento desigual de beneficiários, de acordo com a manifestação de vontade do Settlor. Ou seja, ainda que o instituidor possua herdeiros necessários, por exemplo, é cabível no exterior que este não participe das distribuições do Trust em caso de falecimento do patriarca. Cabe, ainda, apontar que não é permitido ao Trustee destituir-se de suas funções ou realizar a revogação do Trust. Apenas o Settlor poderá praticar estes atos ou, mediante previsão expressa em contrato, um terceiro que tenha sido apontado como Protector. Por fim, diante da morte do Settlor, o Trust se manterá ativo e as distribuições previstas por ele no ato constitutivo passarão a ser feitas rigorosamente segundo sua vontade, a não ser que tenha sido estipulada na formação da estrutura a sua dissolução da e consequente entrega dos bens aos beneficiários neste evento. Quanto aos beneficiários, estes serão os indivíduos que receberão eventuais rendimentos provenientes da estrutura e possuirão o chamado Equitable Title, ou seja, terão a titularidade dos bens, mas sem efetivamente possuí-los (Chalhub, 2001, p. 45). Em regra, todos os Trusts precisam ter beneficiários específicos, com exceção daqueles que possuem destinação à caridade, em que é possível a determinação pelo Settlor da distribuição do montante a alguma instituição de caridade relevante ao tempo em que esta for ocorrer, de escolha do Trustee. Além disso, cabe aos beneficiários a possibilidade de requerer ao Trustee prestação de contas e cumprimento de suas obrigações basilares. Ou seja, caso o beneficiário tenha conhecimento do Trust e da sua condição, ele poderá exercer a função de fiscalização sobre a atividade do Trustee (Chalhub, 2001, p. 46). Além disso, com relação às distribuições aos beneficiários, essas podem ocorrer periodicamente, tanto em vida como após o falecimento do Settlor, ou mediante a dissolução do Trust, onde todos os ativos serão entregues aos beneficiários pelo Trustee, nas regras determinadas pelo Settlor. Mais uma vez, todas as regras relacionadas à distribuição de ativos serão estipuladas pelo Settlor no momento da constituição, de forma que este possa estabelecer eventos, condições e valores das respectivas distribuições. Para finalizar os elementos constitutivos do Trust, será feita uma rápida passagem acerca do objeto que a ele será conferido. É absolutamente necessário que os bens transferidos ao Trust sejam (i) de plena titularidade do Settlor, de forma que este possa livremente dispor sobre os ativos; e (ii) que estes tenham valor econômico ou financeiro e possam ser desvinculados à figura do Settlor (Chalhub, 2001, p. 41). Ou seja, não é possível a transferência de objetos personalíssimos ao Trust. Além disso, como mencionado anteriormente, eventuais dívidas contraídas pelo Trustee não deverão, em hipótese alguma, afetar os bens a ele conferidos em Trust, pois há segregação patrimonial entre os ativos.   3.2 TRIBUTAÇÃO Como apontado nos capítulos anteriores, os Trusts podem ser constituídos para os mais diversos propósitos, de forma que os impactos tributários podem ser divergentes em cada um deles. Desta forma, para que se possa realizar uma análise aprofundada acerca da tributação dessa estrutura e levando em consideração que o objeto deste trabalho é o estudo dos impactos tributários relacionados ao planejamento patrimonial, a análise será dividida em dois momentos: (i) na transferência dos bens ao Trustee, diante da constituição do Trust; e (ii) distribuição dos bens, diante da dissolução do Trust em virtude do falecimento do Settlor. Considerando que não há atualmente previsão acerca deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina nacional discute a incidência de três impostos sobre as operações relacionadas ao Trust, sendo eles o IRPF, de competência Federal, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) de competência Estadual e Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI), da alçada municipal. No capítulo seguinte, portanto, analisa-se a incidência de cada um destes tributos, no momento da transferência dos bens ao Trustee pelo Settlor, considerando que este é residente fiscal no Brasil e que os bens transferidos estão aqui alocados.   3.2.1 Impactos Tributários na Entrega dos Bens ao Trustee A começar pelo Imposto de Renda, este somente incide diante da ocorrência de acréscimo patrimonial percebido pelo contribuinte durante o ano-calendário, nos termos do artigo 43 do CTN, conforme exposto no capítulo 1.1 deste trabalho:   Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (Brasil, 1966).   Assim, não há que se falar em incidência do IRPF, uma vez que no momento da constituição do Trust, o Settlor residente fiscal no Brasil deixa de ser titular da propriedade transferida, de forma que experimenta um decréscimo patrimonial. No mais, também não está sujeito ao imposto sobre a renda o Trustee, pois ele recebe apenas a titularidade dos bens e não a sua propriedade de fato. Já para os beneficiários, na hipótese de o Settlor instituir distribuições periódicas a serem realizadas pelo Trust, enquanto estiver vivo, configura-se acréscimo patrimonial a estes indivíduos e os rendimentos por eles percebidos, oriundos do Trust, serão tributados pelo IRPF (Fagundes, 2012) pela tabela progressiva do ganho de capital. Mas, caso não sejam realizadas distribuições periódicas, de forma que os beneficiários apenas receberão os ativos no evento do falecimento do Settlor, trata-se de uma transmissão sucessória e não está sujeita à incidência do IRPF, conforme artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/88 (Brasil, 1988). Quanto ao ITBI, a Constituição Federal dispõe no artigo 156, inciso II que:   Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (Brasil, 1988);   Tomando como exemplo a legislação do município de São Paulo acerca do ITBI:   Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI-IV tem como fato gerador: I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso: a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física; b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões; II – a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis. Parágrafo único. O Imposto de que trata este regulamento refere-se a atos e contratos relativos a imóveis situados no território do Município de São Paulo (Sâo Paulo, 2014).   Diante do exposto acima, ainda que haja a celebração de uma transmissão inter vivos, nos termos da legislação Federal e Municipal, a transferência dos bens do Settlor ao Trustee não configura hipótese de incidência do ITBI, pois (i) não se trata de transmissão onerosa; e (ii) o Trustee não adquire a plena propriedade dos bens recebidos, apenas a titularidade e deveres relativos à sua administração. Por fim, sabe-se que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação incide nas transmissões não onerosas de bens e direitos, realizadas a título de doação ou percebidas em virtude da sucessão. Este é um tributo de competência estadual, nos termos do artigo 155, inciso I da Constituição Federal (Brasil, 1988). Desta forma, toma-se por base, a legislação do Estado de São Paulo acerca deste tributo, expressa pela Lei nº 10.705/2000 (São Paulo, 2000). O artigo 2º do referido normativo dispõe que:   Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido: I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória; II – por doação. 1º – Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários. 2º – Compreende-se no inciso I deste artigo a transmissão de bem ou direito por qualquer título sucessório, inclusive o fideicomisso. 3º – A legítima dos herdeiros, ainda que gravada, e a doação com encargo sujeitam-se ao imposto como se não o fossem. 4º – No caso de aparecimento do ausente, fica assegurada a restituição do imposto recolhido pela sucessão provisória. 5º – Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão (São Paulo, 2000).   Ao analisar o texto legal, é possível compreender que toda transmissão de bens ou direitos, realizada a título não oneroso, é objeto de incidência do ITCMD, seja por doação ou por sucessão. Entretanto, no caso da constituição do Trust e, consequente, transferência dos bens do Settlor ao Trust, estes ativos estão sendo transmitidos para serem administrados em favor de terceiros. Desta forma, assim como acontece com o ITBI, o Trustee não adquire plena propriedade dos ativos, portanto tal movimento não configura doação, nem se enquadra na hipótese de transmissão causa mortis. Por conseguinte, conclui-se que não há incidência do ITCMD no momento da constituição do Trust (Santos, 2009, p. 193-194). Em suma, a análise dos diferentes tributos aplicáveis ao Trust revela que, em geral, a constituição de um Trust não gera incidência de IRPF, ITBI ou ITCMD. O Settlor experimenta um decréscimo patrimonial ao transferir a propriedade ao Trustee, que não adquire a plena propriedade dos bens, mas sim a titularidade e deveres relacionados à sua administração. Assim, a tributação de beneficiários ocorre apenas em casos específicos, como quando há distribuições periódicas realizadas pelo Trust durante a vida do Settlor, ou quando a transmissão de bens ocorre no momento do falecimento do Settlor.   3.2.2 Tributação da Distribuição aos Beneficiários Em conformidade com o que fora exposto nos capítulos anteriores, no evento da distribuição dos ativos do Trust, o beneficiário adquire acréscimo patrimonial, fato este que, isoladamente, é hipótese de incidência do imposto de renda nos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional (Brasil, 1966). Entretanto, o artigo 6º, inciso XVI, da Lei nº 7.713/88 determina a isenção do IRPF sobre os valores percebidos a título de doação ou herança: “Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (…) XVI – o valor dos bens adquiridos por doação ou herança” (Brasil, 1988). Cabe mencionar, porém, que a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta COSIT nº 41/2020, que determina a incidência do referido imposto sobre os bens adquiridos em virtude da distribuição de Trusts por beneficiários residentes fiscais no Brasil (Receita Federal do Brasil, 2020). Isso porque, no caso analisado pela RFB, foram realizadas múltiplas transferências aos beneficiários, o que caracterizou distribuição de rendimentos e não transmissão causa mortis ou doação. Apesar de as soluções de consulta COSIT serem vinculantes[6], este entendimento ainda é controverso e passível de questionamento, a depender da estrutura, finalidade e regras de distribuição adotadas pelo Trust. Da mesma forma que ocorre com a transferência das propriedades ao Trustee, não cabe falar-se em ITBI na transferência dos ativos do Trust aos beneficiários, vez que este ato não é oneroso em nenhuma esfera. Assim, ainda que haja a celebração de negócio jurídico inter vivos, este não é oneroso, portanto não pode ser hipótese de incidência do ITBI. Para finalizar a análise dos impactos tributários inerentes ao Trust, trata-se do ITCMD na transferência dos ativos do Trust aos beneficiários. Apesar de, claramente, essa movimentação se enquadrar nas hipóteses de transmissões abrangidas pelo ITCMD, quais sejam, transmissões causa mortis ou doações, de bens e direitos, a título gratuito, recente decisão do Supremo Tribunal Federal mudou o entendimento acerca da tributação dessas operações. Isto pois, no julgamento do RE 851108 (Brasil, 2022), foi analisada pela corte suprema a possibilidade de cobrança do ITCMD com base com base no art. 24, § 3º, da CF e no art. 34, § 3º, do ADCT, que confere aos Estados competência plena legisladora diante da inexistência de lei complementar que verse sobre o tema. O ITCMD, apesar de ser um imposto de competência Estadual, nos casos em que os bens transmitidos ou o doador ou de cujus estão localizados no exterior, o artigo 155, parágrafo 1º, inciso III da Constituição Federal (Brasil, 1988). O STF, ao analisar o tema 825 de repercussão geral, decidiu que é inconstitucional a cobrança do ITCMD pelos Estados nas hipóteses elencadas no artigo supracitado, devendo lei complementar versar sobre o tema. Desta forma, a partir de maio de 2022, todas as transmissões que envolvem o exterior não poderão ser tributadas pelo ITCMD enquanto não houver edição de lei complementar. Neste sentido, tem o Tribunal de Justiça de São Paulo decidido sobre o tema:   Apelação Cível – Mandado de segurança – ITCMD – Impetrante que recebeu através de “trust“, a título de doação, a totalidade das ações de empresa localizada no exterior – Alegação de invalidade da Lei Estadual nº 10.705/00 que instituiu o imposto – Cabimento – Hipótese em que a Constituição Federal condicionou a instituição da exação a lei complementar que ainda não foi editada – Inteligência do art. 155, § 1º, III, b, da Constituição Federal – Inconstitucionalidade do art. 4º, inciso II, alínea b, da Lei Estadual nº 10.705/00 declarada por este Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000 – Sentença de procedência mantida. Recursos não providos (São Paulo, 2021).   APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DOAÇÃO DE AÇÕES DE EMPRESA ESTRANGEIRA. ITCMD. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Doação de ações de empresa estrangeira por “trust” estabelecido no exterior. Hipótese de tributação pelo ITCMD que depende da edição de lei complementar, nos termos do art. 155, § 1º, III, a, da Constituição Federal. Impossibilidade de cobrança do tributo pelo Estado de São Paulo, com base na Lei Estadual 10.7005/00. Inconstitucionalidade já declarada pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça (Arguição de Inconstitucionalidade n. 0004604-24.2011.8.26.0000). Aplicabilidade do Tema de Repercussão Geral nº 825, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Sentença de procedência mantida. Recurso de apelação e remessa necessária não providos (São Paulo, 2022).   Assim, conclui-se que a transferência dos ativos decorrente da dissolução do Trust, em virtude do falecimento do Settlor, não deve ser tributada pelo ITCMD.   4. FUNDOS DE INVESTIMENTO Por fim, passa-se rapidamente pelo conceito e tributação dos fundos de investimento, pois estes são menos utilizados nos planejamentos patrimoniais e, quando aplicados, geralmente detém destinação específica. Pode-se chamar de fundos de investimento no exterior a combinação de recursos, que tem como finalidade a aplicação no mercado financeiro. Portanto, os bens transferidos aos fundos de investimento são, normalmente, valores pecuniários. Diferentemente do exterior, os fundos de investimento brasileiros são sistematizados em forma de condomínio, nos termos da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) nº 555 de 2014 (Comissão de Valores Mobiliários, 2014). Estas estruturas devem ser administradas por pessoas jurídicas especializadas e estas devem obter a autorização da CVM para o exercício da sua função. Já no exterior, os fundos de investimento assumem forma de sociedade e podem assumir diversos tipos societários como, por exemplo, sociedades de responsabilidade limitada, ou sociedades anônimas, a depender da jurisdição em que estão localizados. Interessante pontuar que no exterior é muito comum que os fundos tenham subdivisões, tanto em classes de ações como em participação em outras sociedades e os investimentos realizados por eles são segregados e não se comunicam. Por serem configurados na forma de sociedade no exterior, a tributação aplicada a eles no Brasil é similar à das sociedades offshore. Portanto, estão sujeitos à tributação apenas pelo imposto de renda serão tributados somente os valores relativos aos rendimentos que forem efetivamente devolvidos aos seus acionistas.   Considerações Finais Este trabalho teve por objetivo a análise das estruturas societárias mais utilizadas no exterior, para fins de planejamento patrimonial de pessoas físicas no Brasil, de forma a apresentar seus conceitos, estruturas, principais questões relativas ao seu funcionamento e sua tributação aqui no Brasil. A priori, foi realizado o estudo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre a renda das pessoas físicas, para delimitar a incidência deste tributo tão relevante ao escopo do trabalho. Com isso, conclui-se que a tributação da renda ocorre sobre a aquisição de disponibilidade, decorrente de acréscimo patrimonial auferido pelos contribuintes, oriundos do trabalho, do capital, ou da combinação de ambos. Analisaram-se também os benefícios genéricos da manutenção de investimentos no exterior e sua respectiva tributação no Brasil, a fim de estabelecer uma linha de raciocínio apropriada para a realização de uma análise mais aprofundada acerca das vantagens proporcionadas por cada uma das estruturas. Com isso, pôde-se observar que a legislação brasileira traz inúmeras possibilidades de tratamento tributário, a depender da categoria de investimento mantido no exterior. A começar pelas sociedades offshore, constatou-se que o único imposto incidente sobre os rendimentos por elas obtidos é o IRPF, que será cobrado na forma de ganho de capital, sob alíquotas progressivas, quando da entrega dos valores auferidos aos sócios, mediante distribuição de lucros ou alienação. Já a respeito do Trust, por esta se tratar de uma estrutura mais complexa, notou-se que seu desenvolvimento se pauta em uma relação de confiança, em que as vontades do Settlor devem ser seguidas pelo administrador fiduciário, conforme o que for estipulado em seu instrumento constitutivo. Quanto à tributação, verifica-se dois momentos cruciais para a análise, quais sejam (i) a transferência dos bens ao Trustee; e (ii) a distribuição dos bens aos beneficiários. No primeiro momento, não deve ocorrer tributação da renda, por não haver aquisição de disponibilidade, do ITBI por não se tratar de negócio jurídico oneroso, nem de ITCMD, por não ser uma transmissão causa mortis, nem doação. Já no segundo momento, há controvérsias quanto à incidência do IRPF por recente pronunciamento da Receita Federal do Brasil, a incidência do ITBI se mantém afastada e o ITCMD não poderá ser cobrado por ausência de Lei Complementar que verse sobre o tema, conforme decidido pelo STF no julgamento do tema de repercussão geral nº 825. Por fim, quando aos fundos de investimento, estes se organizam no exterior de forma diferente aos existentes no Brasil, de forma que os rendimentos por eles produzidos são tributados de forma semelhante às sociedades offshore. Conclui-se, portanto, que são inúmeras as possibilidades de planejamento patrimonial existentes hoje, ainda mais com a utilização de veículos no exterior, de forma que cabe a análise individual de cada caso para a determinação da maior vantagem tributária.   Referências Brasil. Congresso Nacional. Decreto n. 9.580, de 21 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de novembro de 2018, ano 2018.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9580.htm. Acesso em: 20 nov. 2022.   Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 4.506, de 29 de novembro de 1964. Dispõe sôbre o impôsto que recai sôbre as rendas e proventos de qualquer natureza. Diário Oficial da União, Brasília, 30 de novembro de 1964, ano 1964.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4506.htm. Acesso em: 10 out. 2022.   Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 5.172, de 24 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, 27 de outubro de 1966, ano 1966.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 5 set. 2022.   Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 7.713, de 21 de dezembro de 1988. Altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1988, ano 1988.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7713.htm. Acesso em: 11 abr. 2022.   Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 8.981, de 19 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de janeiro de 1995, ano 1995.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8981.htm. 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Acesso em: 13 abr. 2023.   [1]Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil no XXXV em outubro de 2022. Possui vasta experiência em assessorar clientes nacionais e internacionais nas áreas de Planejamento Patrimonial e Sucessório, Tributária e Reorganização Societária Offshore. E-mail: [email protected] [2]Art. 1º e preâmbulo da Instrução Normativa SRF nº 118/2000; Arts. 2º e 3º e preâmbulo da Instrução Normativa SRF nº 84/2001 (VALOR, 2022). [3]Art. 1º Para efeitos do disposto nesta Instrução Normativa, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade, as seguintes jurisdições (…). (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2010). [4]Art. 1º Os rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior, inclusive de órgãos do Governo brasileiro localizados fora do Brasil, e os ganhos de capital apurados na alienação de bens e direitos situados no exterior por pessoa física residente no Brasil, bem assim os rendimentos recebidos e os ganhos de capital apurados no País por pessoa física não-residente no Brasil estão sujeitos à tributação pelo imposto de renda, conforme o disposto nesta Instrução Normativa, sem prejuízo dos acordos, tratados e convenções internacionais firmados pelo Brasil ou da existência de reciprocidade de tratamento.§ 1º Consideram-se recebidos os rendimentos e ganhos de capital no mês em que primeiro ocorrer o pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa ao beneficiário (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2002). [5]Sistema jurídico inspirado nas raízes da cultura jurídica da Inglaterra, que é, em essência, um sistema jurisprudencial. [6]Art. 31. Para fins do disposto no art. 30, serão observados os atos normativos, as soluções de consulta e de divergência sobre a matéria consultada proferidas pela COSIT, bem como as soluções de consulta interna da COSIT e os demais atos e decisões aos quais a legislação atribua efeito vinculante (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2021).
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Cláusulas Pétreas: Limitações ao Poder de Tributar
Os critérios constitucionais aplicáveis ao poder de tributar e suas limitações à criação de tributos são cláusulas pétreas. A legalidade compreende atos exarados por processos legislativos diferentes e tratados internacionais. A irretroatividade compreende o efeito prospectivo das normas, exceto aquelas que cominem multa pecuniária menos severa. A anterioridade prevê a vedação de exigência de tributo no mesmo ano civil em que haja sido instituído ou aumentado e antes de decorrido o prazo nonagesimal, conforme o caso. A igualdade impede tratamento discriminatório injustificado. A capacidade contributiva orienta a tributação do fato presuntivo de riqueza. A vedação ao confisco impede a assimilação de parcela substancial da propriedade privada. O sigilo fiscal legitima a inviolabilidade da vida privada. A liberdade de tráfego de pessoas e bens é privilegiada. A transparência dos tributos resguarda o direito dos consumidores de acesso à informação. O tratamento fiscal simplificado, diferenciado e favorecido destinado às microempresas e empresas de pequeno porte é mecanismo de fomento à atividade econômica. A imunidade tributária direciona a não incidência qualificada a valores. Os princípios fundamentais tributários propiciam a construção de relações jurídicas com segurança e previsibilidade.
Direito Tributário
Introdução O poder de tributar é essencialmente constitucional e pautado na supremacia do interesse público sobre o particular. A legislação tributária subordina-se às normas constitucionais de competência e de limitação. Ela estabiliza a relação obrigacional tributária entre o ente federado competente e o contribuinte, substituto ou responsável no âmbito da obtenção de receita pública para a consecução dos objetivos fundamentais republicanos e constitui fonte de financiamento estatal. Trata-se de fonte de receita derivada de mantença da estrutura organizacional de suas instituições e das políticas públicas, como saúde, previdência, assistência, educação, cultura, desportos e meio ambiente. Mediante o sistema tributário nacional estruturado, há fixação da competência para a criação dos tributos em espécie pelos entes políticos da Federação por meio de processo legislativo próprio. As normas gerais de direito tributário aplicáveis a todos os sujeitos ativos, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios explicitam os contornos da legislação infraconstitucional, da obrigação ex lege, do crédito tributário e de sua respectiva administração. A matéria tratada neste artigo versa sobre os princípios constitucionais que regem a instituição legal de tributos pelos sujeitos ativos. O tema-problema proposto que se apresenta é o exame dos princípios que regem as limitações ao poder de tributar como cláusulas pétreas constitucionais que não podem ser objeto de deliberação de proposta de emenda tendente a aboli-las. Tem-se como objetivo esmiuçar a natureza jurídica principiológica tributária como instrumento de promoção da previsibilidade e da segurança jurídica. No desenvolvimento da investigação, utiliza-se a pesquisa bibliográfica por meio do método dedutivo e comparativo a partir da análise da legislação pertinente, da doutrina e da jurisprudência. Aplica-se como referencial a teoria de Ricardo Lobo Torres de que o tributo é o preço da liberdade da sociedade e seu instrumento garantidor. Esse autor ensina que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais” (TORRES, 1999b, p. 14). Examina-se o Sistema Tributário Nacional (STN) eminentemente constitucional com a fixação da competência dos sujeitos ativos da Federação, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para a criação de tributos. Busca-se demonstrar que as limitações ao poder estatal de tributar foram alçadas a cláusulas pétreas, em relação às quais é vedada a deliberação legislativa destinada a revogá-las. Analisam-se as características dos princípios tributários constitucionais, inclusive de acordo com os parâmetros fixados nos entendimentos exarados pelos Tribunais superiores.   O constitucionalismo principia estabelecendo os pilares da limitação do poder e supremacia da lei ou rule of law própria do Estado de Direito. Devido à necessidade de uma intervenção estatal, o aspecto social toma relevância. Com um impulso reformador, o constitucionalismo evolui para o patamar em que se estimulam parcerias entre Estado e sociedade, valorizando-se a democracia de inclusão e a interação cooperativa de promoção da justiça social. Finalmente, após uma transformação democrática, as oportunidades de participação do povo em processos deliberativos institucionalizados são ampliadas. Atualmente prevalece o novo estágio, dados “a força normativa dos princípios constitucionais e o fortalecimento da jurisdição constitucional: elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo”, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) proferido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 477554/MG (BRASIL, 2011). Busca-se, assim, a eficácia das normas programáticas pela concretude dos princípios fundamentais e a reaproximação entre legalidade e ética, que balizam a expansão da jurisdição constitucional com eficácia irradiante (DEZEN JUNIOR, 2015, p. 1584-2578). Hodiernamente o Estado Democrático de Direito, característica do Estado Constitucional, reconhece uma ordenação estatal mantenedora dos direitos fundamentais, individuais e coletivos (MORAES, 2019, p. 5-6). O Brasil contempla a forma federativa de Estado, o regime de governo presidencialista e o sistema hierárquico de normas com garantia dos direitos fundamentais de efetiva realização, a separação funcional do poder estatal uno como forma de preservar as liberdades e o respeito à soberania popular (BULLOS, 2017, p. 1-53). O STF esclareceu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.024/DF, que A “forma federativa de Estado” — elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República — não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege (BRASIL, 2007).   O Estado Federal rege-se pelo princípio do interesse e garante a autonomia aos entes federados, que se pauta pela repartição de todas as competências, inclusive legislativas, administrativas e tributárias (MORAES, 2019, p. 339-341). A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) (BRASIL, 1988) decorre do poder constituinte originário de inaugurar uma ordem jurídica inédita, autônoma e incondicionada, ressalvados os direitos fundamentais imanentes à cosmovisão do povo, a configuração do Estado soberano e as regras internacionais como as cláusulas pétreas limitadoras da atuação estatal, conforme exemplificado pelo STF no Mandado de Segurança nº 22164/SP (BRASIL, 1995). Em última análise, da supremacia constitucional se origina o primado que é fundamento de validade do arcabouço normativo superveniente e da jurisprudência (K. G. CARVALHO, 2011, p. 235-236; COSTA, 2019, p. 1325). O STF pronunciou-se na Reclamação nº 4335/AC (BRASIL, 2014, p. 150-151) no seguinte sentido:   A Constituição conhecida como cidadã sobressai como a técnica jurídica que modela o poder estatal concernente à organização, à estrutura, à fixação de competências, aos limites de atuação, às normas programáticas e aos princípios fundamentais positivados que expressam a acepção axiológica da sociedade. Funda-se no princípio republicano da certeza e igualdade formal das pessoas. Os direitos humanos propagam-se em meio às normas-regras de preceitos valorativos, expandindo-se de modo a atender aos novos anseios derivados da incessante construção evolutiva da sociedade. O Sistema Tributário Nacional (STN) previsto nos arts. 145 a 162 da CRFB (BRASIL, 1988) sinteticamente estabelece as competências da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, as limitações ao poder de tributar, a via legislativa própria das normas gerais de regência da matéria e a repartição das receitas derivadas. Está pautado na máxima da rule of law, o substrato da legalidade, da democracia, do acesso à justiça e do direito de petição que valida a supremacia do interesse público sobre o particular. Configura-se pela transferência compulsória de uma parcela da riqueza gerada pela sociedade ao patrimônio público. Na qualidade da função fiscal e arrecadatória, visa à manutenção das estruturas e organizações institucionais do Estado para fins de implementação das políticas públicas como implementação dos direitos humanos. Trata-se do “instrumento mais significativo pelo qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva” (P. B. CARVALHO, 2018, p. 4677-473; COSTA, 2019, p. 1229-1389). A preponderância do interesse público é incontestável, e por essa razão as normas têm caráter cogente inderrogável pela vontade dos sujeitos da relação jurídico-obrigacional. O STN tem principiologia própria, exegese peculiar e específica valoração fática (PAULSEN, 2020b, p. 474-568). A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominada Código Tributário Nacional (CTN) (BRASIL, 1966), que foi recepcionada pelas normas constitucionais com estatura de lei complementar por “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária” (art. 146 da CRFB) (BRASIL, 1988), assim conceitua: Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.   O tributo trata-se do preço da liberdade social e seu instrumento garantidor, já que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado”, caso em que o “Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais” (TORRES, 1999b, p. 14 e 59-60). Também pode ser entendido como o preço da cidadania, pois o “dever de pagar tributo, na realidade, certamente integra o feixe de relações jurídicas que se pode denominar estatuto do cidadão. Embora nem sempre tenha sido assim, pagar tributo é atualmente um dever fundamental do cidadão” (MACHADO, 2009, p. 11; K. G. CARVALHO, 2011, p. 587; BULLOS, 2002, p. 56). Essa tese foi ratificada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF (BRASIL, 2012), com base nos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (arts 1º e 3º da CRFB) (BRASIL, 1988) conhecidos como metas prioritárias e vetores para edição e aplicação dos atos infraconstitucionais: A tributação somente se legitima pela adesão popular e democrática, cujo expoente é a regra da legalidade (no taxation without representation). Sua expressão análoga no campo financeiro é a reserva legal para autorizar gastos públicos (no expenditure without representation).     No aspecto de direitos fundamentais, a tributação “viabiliza as possibilidades de se construir uma sociedade […] solidária, permitindo que as desigualdades sociais sejam reduzidas e a pobreza, bem como a marginalização, seja erradicada ou minimizada” (BUFFON, 2009, p. 264). Esclareça-se que “é a receita tributária que viabiliza a adoção de políticas públicas [e a] universalização do acesso [aos] direitos fundamentais” (GONÇALVES, 2018, p. 15). A competência tributária constitucional indelegável, irrenunciável e exercida a qualquer tempo autoriza plenamente os sujeitos ativos, quais sejam a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, a instituir, modificar e extinguir tributos. A fixação de ordem constitucional é taxativa ou numerus clausus. A capacidade do ente tributante pode ser delegada, uma vez que há “atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra” (arts. 6º e 7º do CTN) (BRASIL, 1966). O Distrito Federal, além de poder instituir impostos pertinentes aos Estados-membros cumulativamente, também o pode em relação aos Municípios. Há casos específicos da possibilidade do exercício comum a todos os entes tributantes. Cabe à União, em caráter residual, instituir impostos não cumulativos e que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios diferentes daqueles já previstos, e extraordinariamente criar impostos na iminência ou em caso de guerra externa (arts. 145 a 162 da CRFB) (BRASIL, 1988). A bitributação é vedada no caso de haver conflito de competência pelo desrespeito à esfera de competência entre os entes com base em um mesmo fato gerador. Por outro lado, o bis in idem permitido configura-se pela circunstância em que o mesmo sujeito ativo competente tribute mais de uma vez o sujeito passivo em razão da mesma causa, de acordo com o Recurso Especial nº 1429656/PR (BRASIL, 2014) proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) (CHIMENTI, 2018, p. 352-449). O mecanismo de repartição das receitas tributárias é o pressuposto pacto federativo cooperativo ou de equilíbrio traduzido na harmonia que orienta as relações institucionais com o “absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados” (PAULSEN, 2020b, p. 1842-1927). Os Estados-membros e Distrito Federal estão vinculados à celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais nos termos do art. 155 da CRFB (BRASIL, 1988) e da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 (BRASIL, 1975), que constituem o enquadramento legal do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Em conformidade com o STF, tem-se que: Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada “guerra fiscal”. Precedentes (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.247) (BRASIL, 2011):   A concessão de benefícios fiscais de forma unilateral pelos Estados-membros e Distrito Federal justifica as restrições ao exercício da competência legislativa constitucional como mecanismo de impedimento da conhecida guerra fiscal.     Princípios são inspirados nas normas com alto nível de generalização e abstracionismo. Significam o ponto de partida ou a razão que justifica a existência, organização e funcionamento de um sistema. Caracterizam-se por consubstanciar valores, ser interferentes por contraposição ou complementação, e ainda autoaplicáveis, autoconceituáveis e onivalentes. Classificam-se em: fundamentais ou gerais de direito; políticos constitucionalmente conformadores, que explicitam valores estruturantes; constitucionais impositivos, que orientam a ação dos poderes estatais; e garantidores, que têm conteúdo normativo (K. G. CARVALHO, 2011. p. 555-566). As regras ampliam o grau de concretização e decorrem de proposições organizacionais de natureza instrumental e de preceitos disciplinadores primários, que prescrevem uma conduta, e secundários, que impõem sanção em decorrência da inobservância das proposições. Assim, são de elevado grau de especialidade e concretude (GARCIA, 2015, p. 105-115). As limitações constitucionais ao poder de tributar abrangem um rol de princípios e regras previstos essencialmente em normas constitucionais destinadas a circunscrever o exercício do poder de legiferação. A imutabilidade dos princípios constitucionais pauta-se pela máxima de que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir […] os direitos e garantias individuais”, alçando-os a cláusulas pétreas (art. 60 da CRFB) (BRASIL, 1988). Os direitos fundamentais e garantias tributárias dos sujeitos passivos diante dos entes tributantes previstos na Constituição, último patamar de juridicidade e diretriz de conteúdo de ato infraconstitucional, formam um rol de dispositivos prevalentes de valores protegidos, que organizam o Estado. Trata-se da expressão da vontade do constituinte originário de defesa de uma valia como algo com estimação subjetiva soberana da sociedade e do Estado. Os princípios que regem o STN estão qualificados como cláusulas pétreas na medida em que refletem limitações ao poder estatal de tributar e direcionar a atividade legislativa. Consubstanciam mecanismos de fomento da previsibilidade e da segurança jurídica e verdadeiras demarcações materiais ao poder constituinte derivado de alteração, não podendo assim haver supressões. Tem-se que o: princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula de modo inexorável o entendimento e aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam (CARRAZZA, 2021b, p. 42).   O estado de isolamento normativo é inadmissível, já que a disposição fundamental propaga-se de forma lógica pelo ordenamento jurídico pátrio que lhe atribui a vitalidade e lhe confere a relação de pertinência. A atividade cognoscitiva de interpretação deve ser efetivada de acordo com o conjunto legal em sentido amplo com o escopo de acomodar a permeabilidade de diretivas supremas às realidades social, econômica e política (CARRAZZA, 2021b, p. 33-57). Sobre o tema, o STF firmou o entendimento de que os princípios constitucionais tributários qualificam-se como cláusulas pétreas:         A legitimidade e a aceitação da exigência fiscal estão ancoradas na eficiência da consecução das políticas públicas atinentes aos direitos fundamentais. Trata-se de cláusulas pétreas que preservam esses direitos e garantem a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, não podendo ser alteradas pelo poder constituinte derivado. Esse regime proporciona condições para a consecução dos objetivos fundamentais republicanos da promoção do bem de todos de forma equânime, da redução das desigualdades sociais, da cidadania, da dignidade da pessoa humana como imperativo categórico, do pluralismo político e do desenvolvimento, dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º da CRFB) (BRASIL, 1988) (MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 6-9). Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.557, de 2011 (BRASIL, 2011), com o escopo de instituir o Código de Defesa do Contribuinte em âmbito nacional como forma de proteger os “direitos fundamentais do contribuinte brasileiro, de forma a coibir ações infundadas, com fundamento nos princípios constitucionais de respeito à função social das normas tributárias e à dignidade humana”.   Os princípios constitucionais tributários expressam direitos fundamentais do sujeito passivo limitantes do poder estatal de tributar e postulados imperativos ou cláusulas pétreas que têm como destinatário o poder estatal personificado nas pessoas jurídicas de direito público, quais sejam União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios denominados sujeitos ativos (art. 145 da CRFB) (BRASIL, 1988).   3.1 Princípio da Legalidade A legalidade tributária, reserva absoluta de lei infraconstitucional ou tipicidade cerrada, segue o primado do nullum tributum sine lege como dogma, pois é vedado aos entes federados “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150 da CRFB) (BRASIL, 1988), observando-se que se equipara “à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso” (art. 97 do CTN) (BRASIL, 1966). No tocante à legislação tributária, as espécies compreendidas no processo legislativo, incluindo os tratados internacionais e decretos presidenciais, são consideradas como as fontes formais principais, além da própria Constituição e das suas emendas (AMARO, 2019, p. 2693-2702), conforme jurisprudência pacífica do STF: A essência do direito tributário — respeitados os postulados fixados pela própria Constituição — reside na integral submissão do poder estatal à rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296/DF) (BRASIL, 1995).   A lei complementar tem processo diferenciado, e inexiste relação hierárquica com a lei ordinária (Recurso Extraordinário nº 377457/PR) (BRASIL, 2008). Está identificada por um rol em caráter exaustivo de conteúdo substantivo elencado nas normas constitucionais. O respectivo projeto deve ser aprovado por maioria absoluta em ambas as Casas do Poder Legislativo em um só turno. Tem divulgação oficial depois que o Presidente da República sancionar e promulgar o texto. Trata-se de diretiva reservada a dispor sobre conflitos de competência entre os entes federados, a regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e a estabelecer normas gerais. Vale destacar que matérias reservadas a lei complementar não podem ser editadas em medidas provisórias nem versar sobre tratados e convenções internacionais. Tal lei destina-se a estabelecer critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência para as sociedades cooperativas, para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, bem como instituir, modificar e extinguir contribuições, empréstimos compulsórios, imposto sobre grandes fortunas e aqueles decorrentes do exercício da competência residual da União. Essa legislação ainda é a orientação diretiva para a celebração de convênios de subordinação firmados entre Estados-membros e o Distrito Federal (Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975) (BRASIL, 1975) e entre os Municípios (Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003) (BRASIL 2003), visando harmonizar “a concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais”, uma vez que os entes tributantes não podem se servir de sua competência constitucional para promover a guerra fiscal, em conformidade com os pronunciamentos do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.458/AL (BRASIL, 2003) e no Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.705/DF (BRASIL, 2012) (AMARO, 2019, p. 3755-3846; PAULSEN, 2020b, p. 3807-3841). A resolução do Senado Federal é a via adequada para tratar da fixação de limites mínimos e máximos de tributos de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, inclusive com o intuito de evitar a guerra dos portos. Além disso, destina-se a “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, nos termos dos arts. 52 e 155 da CRFB (BRASIL, 1988; PAULSEN, 220b, p. 3792-3803). Por sua vez, a lei ordinária é a espécie normativa usual de regência de instituição, modificação e extinção de imposto, taxa e contribuição de melhoria, bem como de subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão. Somente tem publicidade após completado o rito de o projeto ser aprovado em um só turno por maioria simples, por uma Casa do Congresso Nacional, e revisto pela outra, quando então é enviado à sanção ou promulgação do Chefe do Poder Executivo, que pode expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei que não inovem na ordem jurídica (AMARO, 2019, p. 3854-3862). O tratado ou a convenção internacional somente integram o ordenamento jurídico pátrio após se completar o iter de assinatura executiva, aprovação por decreto legislativo, ratificação com o respectivo depósito e finalmente promulgação e publicação respectiva do decreto presidencial. Conforme a premissa da paridade normativa, os tratados como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) (BRASIL, 1947) e convenções internacionais para evitar dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, “uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”, de modo a revogar ou modificar as normas internas sobre a matéria (AMARO, 2019, p. 3878-3872). O STF assim se pronunciou: Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480/DF) (BRASIL, 2001).     O regime fiscal inserido em convenções internacionais para evitar dupla tributação (art. 98 do CTN) (BRASIL, 1966) (COÊLHO, 2020, p. 416-417) atinge tributos de competência de todos os entes federados, tal como o STF assentou: Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos […], pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém — em face das unidades meramente federadas — o monopólio da soberania e da personalidade internacional. – Considerações em torno da natureza político-jurídica do Estado Federal. Complexidade estrutural do modelo federativo. Coexistência, nele, de comunidades jurídicas parciais rigorosamente parificadas e coordenadas entre si, porém subordinadas, constitucionalmente, a uma ordem jurídica total (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 543943/PR) (BRASIL, 2011).   A medida provisória é ato normativo de edição exclusiva do Presidente da República com força de lei ordinária em casos excepcionais de demonstração dos pressupostos autorizadores concomitantes: relevância e urgência, dado o aspecto temporal do rito na tramitação de projeto de lei e a “razão positiva da disciplina”, tal como pronunciado pelo STF no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 592377/RS (BRASIL, 2015). Com força de lei ordinária, tem validade de sessenta dias, podendo ser prorrogada uma vez por igual período. Caso nesse prazo não seja convertida em lei pelo Congresso Nacional, perde sua eficácia (AMARO, 2019, p. 3871-3872). Os decretos legislativos, atos exclusivos do Congresso Nacional, prestam-se à aprovação dos tratados internacionais e aos efeitos das medidas provisórias não convertidas em lei. Ao Senado Federal cabe emitir resoluções definindo as alíquotas de impostos de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal. Ademais, os entes políticos são responsáveis pela edição das normas complementares à legislação tributária (AMARO, 2019, p. 4192-4259). Em caráter excepcional, o Poder Executivo pode editar lei delegada com natureza jurídica de lei ordinária, desde que autorizado expressamente pelo Poder Legislativo mediante resolução e em determinados limites (MORAES, 2019, p. 750-988). Esta resolução de “outorga parlamentar de funções normativas” “não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum”, nos termos do entendimento do STF: A essência do direito tributário — respeitados os postulados fixados pela própria Constituição — reside na integral submissão do poder estatal à rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. – A nova Constituição da República revelou-se extremamente fiel ao postulado da separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder à delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo. A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo (Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296/PE) (BRASIL, 1995).   Atenuando a estrita legalidade tributária, os decretos e regulamentos presidenciais (art. 84 da CRFB) (BRASIL, 1988) são expedidos em virtude de lei e para sua fiel execução. O campo de complemento à sua normatização é amplo, “integrando a própria norma tributária impositiva”, por serem equiparados a leis, tratados e convenções internacionais em matéria tributária (art. 100 do CTN) (BRASIL, 1966) (PAULSEN, 2020b, p. 3924-3943). Hodiernamente, a judicialização fiscal provocada com efeito vinculante erga omnes se expande em decorrência da redemocratização brasileira, da constitucionalização abrangente e do próprio sistema de controle de constitucionalidade normativo que visa, inclusive, assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal. A expansão da litigiosidade mostra que se por um lado a sociedade civil “vem se tornando mais consciente de seus direitos e sua cidadania”, por outro constata-se um “espírito de emulação” pelo descumprimento de obrigações inclusive no trato de questões nacionais relevantes (BARROSO, 2018, p. 336-444). Cabe observar que a legística abrange a common law ou direito consuetudinário, em que há contribuição da jurisprudência decorrente das normas já interpretadas, e a civil law, de origem romano-franco-germânica, em que a estrutura básica jurídica pauta-se pela lei em sentido amplo tal como o ordenamento jurídico brasileiro está estruturado. Há que ressaltar que a hermenêutica jurídica muito desenvolve e se aperfeiçoa no âmbito de um ordenamento jurídico pujante com boas leis a fomentar crescimento econômico, social e político de uma sociedade e propiciar a célere prestação jurisdicional, pois “lei clara não carece de interpretação”, do latim lex clara non indiget interpretatione (MACHADO, 2016. p. 73-74). A teoria orientada pela ratio decidendi de precedentes, própria da common law, fixa teses jurídicas contendo racionalidade argumentativa promovida pelo obiter dictum na construção de normas. Porém, na sua aplicação há que se atentar para as técnicas da distinguishing da inadequação, da overruling e overriding (respectivamente, da superação total ou parcial), da signaling de revogação posterior, da transformation de incompatibilidade e da per incuriam da não vinculação. Essa sistemática, se por um lado prima pela isonomia de tratamento entre os jurisdicionados, segurança jurídica e celeridade processual, pelo outro distancia-se da inovação e da autonomia judicial (DIDIER JR.; OLIVEIRA; BRAGA, 2015, p. 442-467). Dada a complexidade do STN, o acesso em profusão ao Poder Judiciário para solução das controvérsias é uma realidade, o que tem aproximado o ordenamento jurídico pátrio na espécie do sistema common law firmado na verticalização de precedente vinculante o qual implementa a segurança jurídica como valor que tem primazia na legislação (MORAES, 2019, p. 788-872). A legislação tributária é complexa e caracterizada pela reduzida compilação e sistematização que obstaculiza sua cognoscibilidade, fatores que ensejam interpretações divergentes por parte do operador, distorções distributivas e redução de investimentos na produção de riquezas. Tais fatores incrementam a litigiosidade no âmbito administrativo e a judicialização, dada a vitalidade político-social contemporânea que fomenta a imprevisibilidade e a insegurança jurídicas. Esses instrumentos são utilizados como câmbio normativo do texto constitucional e do infraconstitucional com fundamento em princípios determinantes e conformadores, para reverberarem nas cortes judiciais e não nas instâncias políticas tradicionais (BÖKENFÖRDE, 2000, p. 181-182). Tal procedimento pauta-se pelo implemento de mecanismo de uniformização e fixação de precedentes em caso de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito nos Tribunais superiores. O recurso selecionado como paradigma deve conter “abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”. São objeto desses ritos específicos o recurso extraordinário com repercussão geral de temas “com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os interesses subjetivos da causa” e o recurso especial repetitivo. Os demais recursos pendentes de julgamento com base em idêntica controvérsia ficam sobrestados até a decisão definitiva do leading case, nos termos dos arts. 1036 a 1041 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que institui o Código de Processo Civil (CPC) (BRASIL, 2015). Nesse contexto, o STF também pode editar súmulas vinculantes sobre questão constitucional acerca de matérias que acarretem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (art. 103-A da CRFB) (BRASIL, 1988). Os precedentes habilitados com efeito vinculante são aplicados como atos integrantes no rol da legislação tributária, sendo dotados de segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade e igualdade (LEMOS, 2009, p. 42-44; MORAES, 2019, p. 313-314, 333, 644-652; SERAU; REIS, 2009, p. 25-28).   3.2 Princípio da Irretroatividade Por via de regra, a irretroatividade da lei permeia o sistema jurídico brasileiro, já que a lei em vigor tem efeito prospectivo imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito consumado conforme a legislação de regência, o direito adquirido que o titular exerça nas condições previstas e a coisa julgada da decisão judicial de que já não caiba recurso (BRASIL, 1942). Essas disposições aplicam-se à legislação tributária inovadora que tem efeitos prospectivos imediatamente aos fatos geradores futuros e àqueles iniciados ainda pendentes de definitividade de ocorrência. Vedada está a cobrança de tributos pelos entes federados “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. A não surpresa ou segurança jurídica é corolário da legalidade pela imprescindibilidade prévia de normatividade do gravame. Em geral, a lei tributária tem vigência a partir da data da publicação, porém o atributo de vigor com força vinculante emerge após observados os critérios constitucionais de anterioridades específicas, lapso temporal em que se verifica a sua vacância, vacatio legis, conforme art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988) (MAZZA, 2020, p 7794-7931; COSTA, 2019, p. 1519). Em caráter de absoluta excepcionalidade, a lei declarada interpretativa sobre existência de fundada dúvida sobre o conteúdo normativo aplica-se aos atos ou fatos pretéritos. O critério de não inovação na ordem jurídica é o pressuposto, pois “a retroprojeção normativa da lei deve limitar-se tão somente a reproduzir”, “ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance”, não podendo gerar nem produzir gravames, tal como o STF assentou na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 605/DF (BRASIL, 199) (MAZZA, 2020 p. 7799-7869). As regras intertemporais de procedimentos sujeitam-se à retroatividade da norma que amplia os poderes de investigação das autoridades administrativas e institui novos critérios de apuração das exigências fiscais, outorgando-lhe maiores garantias e privilégios nos termos do art. 144 do CTN (BRASIL, 1966) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1134665/SP proferido pelo STJ (BRASIL, 2009) (COÊLHO, 20202, p. 506-507; BALEEIRO; DERZI, 2018, p. 1203-1204). A sanção tributária, corporificada em multa pecuniária, é aplicada em razão do descumprimento da obrigação ex lege no prazo, no tempo e no lugar prescritos por norma jurídica primária. Em se tratando de ato não definitivamente julgado, a lei incide sobre fato pretérito, quando deixa de defini-lo como infração ou contrário a qualquer exigência, incorporando mutatis mutandis o léxico penal abolitio criminis, ainda “quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática” (art. 106 do CTN) (BRASIL, 1966). Em caso de superveniência de lei que defina penalidade menos gravosa, a legislação tributária acolhe o princípio da retroatividade benigna como “garantia mínima do contribuinte”, desde que o ato não tenha sido definitivamente julgado, de acordo com o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 647518/SP (BRASIL, 2008) e o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 922984/SP (BRASIL, 2009), ambos proferidos pelo STJ. Esses preceitos foram tomados de empréstimo da legislação penal conforme pacificada pelo STF, e por essa razão, pela lógica teleológica, não devem ser potencializados no trato da legislação tributária, tendo em vista o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 86005/SP (BRASIL, 1982) e o Recurso Extraordinário nº 407190/RS (BRASIL, 2005) (COÊLHO, 2020, p. 423-426). A legislação tributária penal, jus tributandi, prevê sanções, em regra pecuniárias. Origina-se do descumprimento de obrigações principais de dar como objeto o pagamento de tributo decorrente da ocorrência do fato gerador e de obrigações acessórias de fazer, não fazer ou tolerar procedentes de desobediências de prestação de informações no interesse da arrecadação ou da fiscalização, circunstâncias que não elidem o pagamento do crédito (art. 113 do CTN) (BRASIL, 1966). Nesse caso, tem-se a imposição de multas derivadas pela não observância de determinações compulsórias cogentes com atributo de autoexecutoriedade de natureza administrativa que implicam sanções administrativas, já que tributo não constitui sanção de ato ilícito ou crime (SHOUERI, 2019, p. 23410-23443).   3.3 Princípio da Anterioridade Aos entes federados é vedado cobrar tributo no mesmo ano civil (art. 34 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964) (BRASIL, 1964) “em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (art. 150 da CRFB) (BRASIL, 1988). Os princípios da anterioridade abrangem a anual ou genérica e a nonagesimal ou especial, estando estreitamente associados à não surpresa, à segurança, à confiança e à previsibilidade. Tais princípios têm como conteúdo a instituição e majoração de tributo, definição de novas hipóteses de incidência, bem como extinção e redução de isenções (art. 104 do CTN) (BRASIL, 1966). O STF assim se manifestou: […] imperativa a observância do princípio da anterioridade, geral e nonagesimal (art. 150, III, b e c, da Constituição Federal), em face de aumento indireto de tributo decorrente da redução da alíquota de incentivo” “Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1040084/RS) (BRASIL, 2018).   A majoração da alíquota do IPI, passível de ocorrer mediante ato do Poder Executivo – artigo 153, § 1º –, submete-se ao princípio da anterioridade nonagesimal previsto no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal (Medida Cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4661/DF) (BRASIL, 2012).   Essas condições de procedibilidade legiferante são exigidas de forma cumulativa ou isoladamente, e estão enumeradas por um rol taxativo nas normas constitucionais (SHOUERI, 2019, p. 9405-9808; AMARO, 2019, p. 2885-3118; PAULSEN, 2020b, p. 2900-3039). Os atos expedidos pelas autoridades administrativas com natureza de normas em sentido amplo submetem-se aos princípios das anterioridades, exceto nos casos em que se altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária, tendo em vista o enunciado da Súmula Vinculante STF nº 50, que prevê que a “Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade” (BRASIL, 2015).   3.4 Princípio da Igualdade “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade” (BARBOSA, 1999, p. 26). A igualdade tributária veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”. Tem base axiológica no postulado da igualdade que considera que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e na ideia de justiça contida no princípio republicano (arts. 5º e 150 da CRFB) (BRASIL, 1988). Sobressaem os entendimentos do STF:   Sob o pretexto de tornar efetivo o princípio da isonomia tributária, não pode o Poder Judiciário estender benefício fiscal sem que haja previsão legal específica. No caso em exame, a eventual conclusão pela inconstitucionalidade do critério que se entende indevidamente restritivo conduziria à inaplicabilidade integral do benefício fiscal. A extensão do benefício àqueles que não foram expressamente contemplados não poderia ser utilizada para restaurar a igualdade de condições tida por desequilibrada (Recurso Extraordinário nº 405579/PR) (BRASIL, 2011).       Essa igualdade reflete no sistema constitucional, inclusive “na implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, impondo, por vezes, tratamento desigual em circunstâncias específicas e que militam em prol da igualdade” na “adequada correlação valorativa” (SHOUERI, 2019, p. 10023-10284; AMARO, 2019, p. 3127-3173; PAULSEN, 2020b, p. 1646-1756).   3.5 Princípio da Capacidade Contributiva Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, considerando-se os direitos individuais, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas, já que esta se identifica com o “fato-signo presuntivo de riqueza”, traduzido no potencial de suportar o encargo financeiro fiscal (art. 145 da CRFB) (BRASIL 1988). Em se tratando de projeção da igualdade e da solidariedade, o postulado da capacidade contributiva é orientado para que a despesa pública seja rateada equitativamente na medida da fruição de riqueza garantida pela própria estrutura estatal. Encerra-se no limite condicional do possível atribuído a impostos e segue o imperativo da justiça fiscal, preservando o mínimo vital e evitando excessos. O STF manifestou-se nesse sentido:   Esse postulado contempla os critérios da progressividade da alíquota do tributo na medida em que é acrescida à base de cálculo, da proporcionalidade quando há relação de grandeza entre ambos, e da seletividade em razão inversa da essencialidade do bem (SABBAG, 2020, p. 729-786; SHOUERI, 2019, p. 10111-10133; CARRAZZA, 2016a, p. 1488; AMARO, 2019, p. 3202-3318; PAULSEN, 2020b, p. 1437-1522).   3.6 Princípio da Vedação ao Confisco Os entes tributantes estão impedidos de se valer do tributo com efeito de confisco, cuja expressão trata-se de conceito jurídico indeterminado na ordem constitucional. O exame do conjunto probatório fático da situação ocorrente é imprescindível para evidenciar esta circunstância de “absorção substancial da propriedade privada”. O requisito paradigmático do excesso consiste no quantum que ponha em risco a totalidade dos bens e direitos ou exceda o modelo constitucional da capacidade contributiva dotada de equidade, proporcionalidade e razoabilidade. O STF revelou que:   Pretendida violação ao preceito inscrito no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal – caráter alegadamente confiscatório da multa tributária cominada em lei – considerações em torno da vedação constitucional do tributo confiscatório – indeterminação conceitual, no plano da constituição da república, da noção de efeito confiscatório – doutrina – necessária indagação, em cada caso ocorrente, de elementos fáticos essenciais à constatação do caráter de confisco da obrigação tributária – imprescindibilidade de reexame de índole fático-probatória (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 831377/MG) (BRASIL, 2015).   Certo é que esse princípio compreende uma cláusula aberta a reclamar uma diretiva genérica e imparcial aplicável a destinatários indeterminados. A “desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica” é fator determinante da interdição injusta da apropriação estatal que comprometa os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (COSTA, 2019, p. 1669-1707; MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 72-74).   3.7 Princípio do Sigilo Fiscal Tendo como fundamento de validade o sigilo de dados e a inviolabilidade da vida privada e da intimidade (art. 5º da CRFB) (BRASIL, 1988), a Fazenda Pública está proibida de divulgar informação a que tenha acesso em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, exceto sobre representações fiscais para fins penais, inscrições na dívida ativa e parcelamentos. Nos limites normativos, é permitida a assistência mútua e permuta de informações para atender as solicitações de autoridade administrativa, a requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça, os convênios entre os entes federados e, cumprindo padrões internacionais, a União entre Estados estrangeiros, de acordo com os arts. 197 a 199 do CTN (BRASIL, 1966) e o Decreto nº 8.842, de 29 de agosto de 2016 (BRASIL, 2016). Sem necessidade de prévia autorização judicial, a autoridade administrativa pode examinar registros das instituições financeiras quando indispensáveis na apuração de fatos tributáveis e desde que haja procedimento instaurado e o “translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”, tal como expresso na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001). O STF estabeleceu: O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 601314/SP) (BRASIL, 2016).   Os entes federados devem assegurar a execução do acesso à informação em conformidade com a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e o sigilo como exceção (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011) (BRASIL, 2011). Em contrapartida, os dados pessoais devem ser protegidos e tratados “para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço” (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) (BRASIL, 2018) (SHOUERI, 2019, p. 25099-25191; AMARO, 2019, p. 9897-9947; PAULSEN, 2020b, p. 7104-7271).   3.8 Princípio da Liberdade de Tráfego Aos entes políticos é vedado instituir tributos interestaduais ou intermunicipais como forma de restringir o exercício da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens de qualquer natureza, ainda que de forma indireta como instrumento de constrangimento ilegal. Essa limitação constitucional não se aplica na exigência de “pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (arts. 150 e 173 da CRFB) (BRASIL, 1988). O STF declarou: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu (Súmula nº 545) (BRASIL, 1969).   Como a regra, agora, é a da concessão sem exclusividade (art. 16), o usuário teria sempre a liberdade de escolha entre os vários prestadores de serviço público (linhas de ônibus, por exemplo). Todavia, havendo exclusividade na sua prestação, a liberdade de escolha do usuário ficaria restrita à utilização ou não do serviço’ (op. cit., p. 160). Não fosse assim, “se por liberdade de escolha se entendesse, no caso de concessão de rodovia, a possibilidade de optar por uma via alternativa de livre trânsito, gratuita, ter-se-ia que entender que, para se cobrar tarifa pela prestação de serviço público de telecomunicações, água e esgoto, energia ou gás canalizado, seria necessária a existência de um serviços público de telecomunicações, água e esgoto, energia ou gás canalizado prestado gratuitamente pelo Poder Público, o que seria inconcebível”. (Antônio Carlos Cintra do Amaral, Decisões e Pareceres Jurídicos sobre Pedágio, ABCR, São Paulo, 2002, p. 31). Essa forma de interpretação é a que melhor atende à necessária compatibilidade da lei com a Constituição, que, como se disse, autorizou a cobrança de pedágio ainda que isso pudesse importar limitação ao tráfego de pessoas e de bens (Recurso Extraordinário nº 483251/PR) (BRASIL, 2011).     Essa taxa difere dos tributos abrangidos por esse princípio, já que a cobrança desse preço público é fixada por critérios de equidade e não está condicionada à prévia autorização orçamentária, apesar de compulsória pela reciprocidade, “porquanto o recolhimento dos valores nos postos de cobrança é a condição para que se transite” nas vias pedagiadas (SHOUERI, 2019, p. 4016-4138; AMARO, 2019, p. 3349-3386; PAULSEN, 2020b, p. 3071-3099).   3.9 Princípio da Transparência dos Tributos No contexto da responsabilidade política, os consumidores têm direito a informações constantes em documentos fiscais sobre a totalidade de tributos incidentes na determinação do valor de venda, de acordo com o art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988) e a Lei nº 12.741, de 8 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2012). O STF evidenciou:   Tal princípio possui grande valor, visto que é “essencial ao fortalecimento da democracia que o seu financiamento seja feito em bases essencialmente republicanas e absolutamente transparentes” (SHOUERI, 2019, p. 1542-1546; AMARO, 2019, p. 3386-3394).   3.10 Princípio do Tratamento Fiscal Simplificado, Diferenciado e Favorecido Este princípio fundamental da ordem econômica prescreve que os entes federados devem conferir às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento simplificado, diferenciado e favorecido em relação ao cumprimento das obrigações tributárias, conforme arts. 170 e 179 da CRFB (BRASIL, 1988) e Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006). As pessoas jurídicas de menor potencial competitivo no mercado são as destinatárias desse estímulo à livre-iniciativa com o propósito de evitar o desequilíbrio concorrencial, em consonância com os fundamentos da isonomia e da capacidade contributiva. O STF evidenciou:     A microempresa ou a empresa de pequeno porte que preencham as condições legais podem optar de forma irretratável para todo o ano calendário pelo “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional” de tributos federais, municipais, distritais e municipais. Essa sistemática diferenciada, simplificada e favorecida de tributação é administrada pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), formado por representantes dos entes federados.   3.11 Princípio da Imunidade Tributária As normas constitucionais que conferem competências tributárias aos entes federados também vedam a exigência de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, delimitando expressamente o campo de incidência tributária como exonerações qualificadas, nos termos do art. 150 da CRFB (BRASIL, 1988). O STF demonstrou que:       Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil, o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar […] É fácil percebermos que esta alínea ‘b’ visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos (Recurso Extraordinário nº 562351/RS) (BRASIL, 2012).   Trata-se de hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada como um direito fundamental, que afasta a irradiação da regra matriz por força da norma negativa de competência. Observe-se que esse favor fiscal subjetivo atinge somente as funções típicas, excluídas as atividades econômicas exercidas em regime de livre concorrência. A imunidade recíproca alcança os entes políticos como garantia da forma federativa estatal, em virtude da ausência de capacidade contributiva por parte deles, e do repasse do produto da arrecadação na repartição de receitas tributárias. A sua extensão às autarquias e fundações públicas está restrita às finalidades essenciais da entidade protegida. A proteção à liberdade de crença é favorecida mediante concessão de imunidade a qualquer culto, com a finalidade de “assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais”. Os partidos políticos, inclusive suas fundações, as entidades sindicais dos trabalhadores e as instituições de educação e de assistência social sem finalidade lucrativa, pessoas jurídicas de direito privado alcançadas pela imunidade, estão sujeitos ao cumprimento de requisitos legais, tais como não remunerar seus dirigentes pelos serviços, “aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais, manter escrituração completa, cumprir as obrigações acessórias e assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição da mesma natureza”, conforme art. 14 do CTN (BRASIL, 1966), Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002) e arts. 12 a 14 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1997). O enunciado da Súmula nº 612 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prescreve: O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade (BRASIL, 2018).   Os enunciados do STF pacificaram: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas (Súmula Vinculante nº 52) (BRASIL, 2015).   A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias (Súmula Vinculante nº 57) (BRASIL, 2020).   Privilegiando-se a liberdade de informação, manifestação do pensamento e estímulo à cultura, são imunes de impostos os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, incluindo o livro eletrônico, bem como as obras artísticas em geral, produzidas internamente por autores e interpretadas por artistas nacionais. Hodiernamente, a “interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos” (COSTA, 2019, p. 1750-2249; AMARO, 2019, p. 3456- 3613; PAULSEN, 2020b, p. 2190-2632). A imunidade tributária nas exportações não alcança o sujeito passivo, mas sim o bem ou serviço a ser exportado. Esse benefício fiscal, porém, não alcança o lucro das pessoas jurídicas exportadoras. Nesse sentido, o STF divulgou o seguinte:   Imunidade – Capacidade Ativa Tributária. A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. Imunidade – Exportação – Receita – Lucro. A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras. Lucro – Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – Empresas Exportadoras. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 564413/SC) (BRASIL, 2010).   Com relação à desoneração tributária das exportações brasileiras, o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) forneceu a seguinte explicação:   O tratamento fiscal das exportações brasileiras segue a prática mundial e busca a desoneração dos tributos indiretos sobre as exportações. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 definiu que não incidem sobre as exportações brasileiras o IPI (art. 153, § 3º, III), o ICMS (art. 155, § 2º, X, “a”) e as Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômico, tais como o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS (art. 149, § 2º, I). Além de não incidirem sobre o faturamento das exportações, o exportador mantém o direito ao crédito gerado pela incidência desses tributos sobre a aquisição dos insumos empregados nos produtos exportados. Portanto, os valores correspondentes a esses tributos não devem compor o preço do produto final exportado (BRASIL, 2021).   O tratamento fiscal das exportações de bens ou serviços nacionais observa a práxis universal e busca a desobrigação fiscal de bens e serviços nacionais, propiciando a competitividade no cenário internacional. Compreende os impostos sobre industrialização de produtos, comercialização de mercadorias e de serviços, e ainda as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (arts. 149, 153, 155, e 156 da CRFB) (BRASIL, 1988).   Considerações Finais A premissa basilar do Estado soberano é que suas estruturas e organizações institucionais, bem como o exercício de suas atribuições, sejam mantidas pela transferência compulsória de uma parcela da riqueza gerada pela sociedade ao patrimônio público mediante receitas derivadas decorrentes de tributos. Trata-se de “preço da liberdade” que salvaguarda a democracia fiscal e a garantia dos direitos fundamentais. Com relação ao STN, verifica-se que é eminentemente constitucional, com a fixação da competência dos sujeitos ativos da Federação, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para a criação de tributos. As limitações ao poder estatal de tributar pautadas em princípios positivados estão alçadas a cláusulas pétreas, em relação às quais é vedada a deliberação legislativa destinada a revogá-las, consolidando-se assim o seu aspecto republicano. A legalidade consolida que não se pode “exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça”, contemplando normas elaboradas por distintos processos legislativos e tratados internacionais. O conjunto de numerosos atos pertinentes à legislação tributária proporciona abundância interpretativa que se propaga em provimentos jurisdicionais vinculantes que se acercam do direito consuetudinário. A irretroatividade resguarda a exigência de tributos com base na legislação que os institui ou aumenta, não alcançando fatos geradores ocorridos antes da sua vigência. Excepcionalmente, têm efeitos retroativos as leis declaradas interpretativas, aquelas que ampliam os poderes fiscais de investigação, e ainda as que cominem penalidades pecuniárias menos gravosas. A anterioridade impede a exigência de tributo no ano civil “em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”, conforme o caso. A igualdade obstrui tratamento discriminatório injustificado no sentido de que a lei não pode “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”. A capacidade contributiva direciona a tributação com base no fato presuntivo de riqueza como limite condicional do possível. A utilização de tributo com a finalidade de confisco é vedada, com o escopo de impor obstáculo à assimilação de parte vultosa da propriedade privada. O sigilo fiscal reconhece a inviolabilidade da vida privada e da intimidade da pessoa, uma vez que a Administração Pública está impedida de divulgar informações a que tenha acesso em razão de ofício. O tributo não pode restringir o exercício da liberdade de tráfego de pessoas e bens. A transparência dos tributos abriga o direito dos consumidores de acesso a informações constantes em documentos fiscais sobre a totalidade de tributos incidentes na determinação do valor de venda. O tratamento fiscal simplificado, diferenciado e favorecido destinado às microempresas e empresas de pequeno porte é aplicado em razão do notório reduzido potencial competitivo de mercado, sendo um instrumento de estímulo à livre-iniciativa da atividade econômica. A imunidade trata da não incidência tributária qualificada que tem como componente principal valores sociais positivados. No contexto de um sistema jurídico de imperfeições axiológicas dos princípios elementares, emergem o dinamismo e a fluidez de fenômenos sociais e diversidade dos fatos da vida que impressionam os sentidos distinguidos por propriedades específicas. Tais circunstâncias afetam a estática e transitoriedade do ordenamento, inspirando-o ao ânimo progressista, ao aperfeiçoamento dos critérios dogmáticos e à paulatina assimilação destas potências infracionais para depuração irradiante que se prolonga no tempo, contribuindo sobremaneira para a construção de relações fiscais seguras e previsíveis.
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Os principais aspectos da tributação na agropecuária
Na República Federativa do Brasil, o exercício da atividade econômica da agropecuária, constitui a principal forma de empreendimento desenvolvida no país, correspondendo a 49,9% das exportações brasileiras, fomentando a economia brasileira em U$$ 45 (quarenta e cinco) bilhões de dólares no primeiro semestre de 2016. Por agropecuária, entendemos a exploração das atividades agrícolas, pecuárias, extração e a exploração vegetal e animal; a transformação de produtos agrícolas ou pecuários, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, realizada pelo próprio agricultor ou criador. Como se pode observar o objeto atinente as atividades ruralistas é amplo, sendo vasta a incidência da tributação ocorridas nos vários fatores de produção e circulação da atividade econômica desenvolvida. Importante mencionar que o exercício de tal atividade pode ocorrer tanto por produtor rural pessoa física quanto com a constituição de pessoa jurídica. Mudar-se-á o regime jurídico conforme a caracterização ou não de pessoa jurídica.
Direito Tributário
Introdução O principal aspecto da tributação na agropecuária decorre da preocupação com o ônus tributário suportado pelo produtor rural, no desempenho de sua atividade econômica. Tal preocupação justifica-se ao considerarmos que o Brasil é um dos principais exportadores agrícolas mundiais. Em 2016, as exportações nacionais fomentaram a economia em U$$ 45 (quarenta e cinco) bilhões de dólares no primeiro semestre de 2016. De um lado obtemos a organização tributária, responsável pela instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos. Do outro, há o contribuinte – pessoa física ou jurídica – que suporta o ônus que lhe foi imputado. Há uma relação jurídica estabelecida e que deve ser respaldada pela ordem constitucional, até então vigente desde 1988. Nossa carta magna defende a ordem econômica que deve ser coerente com os fundamentos da República Brasileira. O manejo da terra e suas riquezas remontam aos mais antigos documentos históricos que tratavam sobre o assunto: as ordenações. Deste modo, o poder instituído buscou regrar a questão fundiária no Brasil. Com o andar da história, surgiram as capitanias hereditárias – sistemas de distribuições de terras realizado pela metrópole portuguesa sobre as terras brasileiras, outorgando direitos aos fazendeiros de utilizar extensões de terras. Curiosamente esse sistema de concessão de direitos alusivos ao manejo da terra, implementado por Portugal na época imperialista, muito assemelha-se com as divisões latifundiárias da idade média ocasionada na Europa dos séculos V ao XV d.C. Independentemente da nomenclatura utilizada e o período correspondente, certo é que o Estado preocupou-se em regulamentar a questão da terra. O Brasil possui uma faixa territorial de 8.516.000 km². O desempenho da atividade econômica da agropecuária justifica-se pelas vastas extensões territoriais que o país possui. O que contribui e muito para todas as formas de extração; a exploração das atividades agrícolas, pecuárias, extração e a exploração vegetal e animal; a transformação de produtos agrícolas ou pecuários, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, realizada pelo próprio agricultor produtor rural. Como não óbice jurídica para a constituição de pessoa jurídica para a desenvoltura da atividade, a tributação é diferenciada se o produtor rural é formada por sociedade empresária ou pessoa física. Este artigo científico visa analisar os principais tributos suportados pelo produtor rural e discorrer sobre o regime jurídico suportado pelo exercício do agronegócio.   Sabe-se que o Estado brasileiro adotou o sistema capitalista como regime econômico, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observados os princípios da propriedade privada e sua função social; bem como a livre concorrência. Deste modo foi disciplinado pela Constituição Federal de 1988 o regramento jurídico da ordem infraconstitucional brasileira. Função social da propriedade privada. Ordem econômica. Valorização do trabalho humano. Tributação. São temas atinentes a ordem constitucional estabelecida e que visam a validar as normas regulamentadoras da livre iniciativa e segmento empresarial brasileiro. Pois bem, o constituinte originário albergou vários aspectos jurídicos-econômicos para compor o campo de incidência das normas brasileiras. No tocante a propriedade privada, foi estabelecida uma função social para ela. Sendo cumprida quando há o devido aproveitamento racional e adequado da terra; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. Desta forma, cabe ao proprietário rural, no desempenho de atividade econômica, a observância daqueles postulados elencados pelo poder constituinte originário. No tocante ao exercício de atividades rurais, nas palavras de Pedro Eisttein dos Santos Anceles:   Atividade, em sentido genérico, designa a soma de ações, de atribuições, de encargos ou de serviços desempenhados pela pessoa física ou jurídica. Apud Pannucio: é o tipo de atividade que qualifica a empresa e assim lhe estabelece a disciplina jurídica. É o tipo de atividade que qualifica o sujeito, que, em falta do exercício da atividade, é neutro; e de outra parte, o nexo entre atividade e sujeito, através da imputação, nasce do fato óbvio que não pode existir atividade sem sujeito. Nem pode existir atividade que não utilize os meios (organizações de pessoas e de coisas), o que evidencia a relação entre atividade de empresa e estabelecimento (ANCELES, 2001, p. 23).   Na acepção colocada pelo autor acima mencionado, percebe-se que a atividade econômica desenvolvida pelo indivíduo irá determinar a tipologia da disciplina jurídica a ser empregada. Qualificando tanto o sujeito quanto o exercício do empreendimento rural. No tocante a tributação do produtor rural – pessoa física ou jurídica – é indispensável informar que há facultatividade para o desempenho do empreendedorismo rural. A Carta Magna de 1988, no capítulo concernente a política agrícola e fundiária estabeleceu que a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. Sendo está cumprida quando há atendimento a graus e exigências estabelecidos em lei, como o aproveitamento racional e adequado da terra, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Destarte, o constituinte originário elegeu que a função social da propriedade rural será desenvolvida mediante o cumprimento daqueles postulados.  Interessante informar que a propriedade rural vai muito além que ser dono de extensões de terra. O instituto em análise foi estudado pelos romanos, atribuindo-o as características de usar, dispor e gozar da coisa. A Idade Média contribuiu para a regulamentação do manejo da terra entre os feudos ou servos. No Brasil, ainda que em tempos remotos, a terra foi objeto de atenção normativa em ordenações Filipinas, Manuelinas e Afonsinas. As capitanias hereditárias – sistema de distribuição de faixas de terras pela coroa portuguesa – nos demonstra que a divisão das faixas territoriais produtivas remonta a épocas longínqua, mas que gozam de atenção estatal. Interessante a imagem abaixo demonstrando a divisão das Capitanias Hereditárias: Conforme pode-se deduzir, a divisão de grandes faixas de terras ocorria de modo a facilitar o sistema de administração territorial criado pelo rei D. João III, pois evitava-se invasões estrangeiras, assemelhando-se ao sistema feudal implementado na Idade Média, só que ao receber a concessão estatal, havia a hereditariedade como forma de transmissão de dos direitos de utilizar a terra (CARVALHO, José Baptista de. Capitanias hereditárias. Disponível em: <www.historiadobrasil.net/capitaniashereditarias.). Hodiernamente, mesmo transcritos séculos da instauração das capitanias hereditárias, o Estado brasileiro também visa regulamentar a exploração econômica fundiária no Brasil, condicionando-a ao cumprimento de sua função social. O Estatuto da terra corroborando este entendimento dispõe que: “a propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal”.   O Estado utiliza da arrecadação tributária para suprir as necessidades básicas dos indivíduos. Como em um contrato social, aquele ente organizacional possui a prerrogativa de fornecer bens ou serviços à população. Aos súditos, tão somente, devem arcar com a carga que lhe são imposta, advindo daí a significação do vocábulo tributo, do latim tributare como algo imposto. Mas não é toda contraprestação pecuniária que deve ser compreendida como tributo. O Código Tributário Nacional, em seu art. 3° estabelece que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Consoante leitura do texto legislativo, podemos compreender que tributo é a arrecadação pecuniária por meio do qual o Estado arrecada recursos financeiros para cumprir suas funções essenciais. Não é multa, tão pouco corresponde a alguma sanção. A Compulsoriedade revela a irrelevância da volutio humana na arrecadação tributária, todavia, com a previsão do princípio da legalidade pela carta política, é imposto a organização tributária o respeito à lei como corolário principal para respaldar a atividade arrecadatória. O Supremo Tribunal Federal adotou a teoria pentapartida na classificação das espécies tributárias, alocando-as e grupos de: a) empréstimos compulsórios; b) impostos; c) taxas: d) contribuições especiais; e) contribuição de melhoria. O interesse na classificação dos tributos não é apenas de ordem acadêmica, distante das consequências práticas que o tema pode despertar. O próprio texto constitucional adota uma classificação por elementos que entende relevantes e faz, daí, resultar consequências relativamente ao seu regime jurídico (KONKEL JUNIOR, 2005, p. 119). A Constituição Federal nos conduz a vinculação da atividade estatal ao tributo a fim de classifica-lo. Oportuno mencionar que a estrita correspondência do produto arrecadado é objeto de estudo do Direito Financeiro. Preocupando-se tão somente o Direito Tributário com a instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos. Realizada esta análise, atentaremos a categoria das contribuições, que subdividem-se contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições do interesse de categorias profissionais ou econômicas e contribuições de seguridade sociais, estas englobando as CSL, COFINS e PIS. Sendo que cabe à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, no tocante à a) definição de tributos e suas espécies, fatos gerados e bases de cálculo; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária; c) adequado tratamento tributário. Respeitados os princípios da anterioridade nonagesimal, sendo que as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituídos ou modificado. Hodiernamente, no que concerne às contribuições, a destinação faz parte de sua própria estrutura, pois a previsão legal de destinação diversa daquela determinada pelo texto constitucional, acarreta a própria inconstitucionalidade do tributo. Paulo de Barros Carvalho corroborando a compreensão da classificação das exações tributária aduziu que: “no degrau de hermenêutica jurídica, o grande desafio de quem pretende desvelar conteúdo, sentido e alcance das regras de direito radica na infestável dicotomia entre a letra da lei e a natureza do fenômeno jurídico subjacente”. Evidenciando-se a pertinência da interpretação das normas tributárias como corolário da compreensão do fenômeno impositivo. Aliás, foi esse doutrinador que criou a Regra Matriz de Incidência Tributária exemplificada abaixo: Fonte: Representação Esquematizada retirada do seguinte endereço eletrônico: <https://www.google.com.br/search?q=regra+matriz+de+incid%C3%AAncia+tribut%C3%A1ria&rlz=1C1NHXL_pt-BRBR729BR729&espv=2&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwip66-28J3TAhXC6yYKHTY1B3oQ_AUIBygC&biw=1536&bih=740#imgrc=Y9sq10cImgSVAM>. A regra matriz de incidência impositiva constitui modelo teórico tributária envolvendo todas as operações que compõem o tributo: os critérios material (verbo de complementação indeterminada), temporal e espacial; pessoal e quantitativo, visam estabelecer a relação jurídica tributária como a habilitada a produção de efeitos no mundo fenomênico, respeitado a legalidade de tais atos, como garantia constitucional ao cidadão-contribuinte. Nas palavras do criador da RMIT: “a esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um ultíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundando da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Sendo seu emprego é extremante fácil e prático” (BARROS, 2016, p.343).   Antes de adentramos na compreensão do produtor rural pessoa física ou jurídica, informamos que as atividades de agronegócio correspondem a 49,9% das exportações brasileiras, fomentando a economia brasileira U$$ 45 bilhões no primeiro semestre de 2016, os dados são do jornal online gazeta do povo. É evidente a relevância do empreendedorismo agrícola brasileiro, o país é um grande celeiro nacional. Deste modo, é de suma relevância que o desempenho das atividades rurais atendam à sua função social. E não há como omitir a respeito da tributação enfrentada pelos produtores rurais, tema que será abordado em momento oportuno. Por ora, denotemos em conceituar quem exerce aquele atividade e como ocorre o regramento jurídico correspondente, para tão somente avançarmos em compreender a carga tributária suportada por esse segmento da economia nacional: O agronegócio é um conjunto de negócios também relacionados à agricultura, inserido no patamar econômico, baseado numa cadeia produtiva diretamente ligada à indústria e ao serviço, de forma a atender o consumidor, com produto retirado do campo e levado ao mercado interno e externo, sempre pela busca da excelência em produtividade, qualidade e rentabilidade. Relacionando-se com a cadeia produtiva, com os produtores e os que estão envolvidos no processamento e distribuição (Os impactos tributários e operacionais, na conversão do produtor rural, pessoa física para pessoa jurídica no setor agrícola de grãos e fibras. Disponível em: <www.crcba.org.br/submissaodetrabalhos/arquivos/8e9795ce78.pdf>. A produção agrícola é responsável pelos setores da agricultura no setor econômico, com base em cadeia produtiva, onde o produtor rural exerce função de destaque porque é ele quem ordena os fatores de produção (capital, insumo, mão de obra especializada) com vistas a produção de bens ou serviços agropecuários comercializáveis. Na atividade rural encontram-se duas formas jurídicas possíveis de exploração: pessoa física ou jurídica, que segundo o código civil o primeiro é a pessoa natural, capaz de direitos e deveres na ordem civil e sua existência termina com a morte e o segundo é a união de indivíduos que, por meio de um trato reconhecido por lei, formam uma nova pessoa, com personalidade distinta da de seus membros (Os impactos tributários e operacionais, na conversão do produtor rural, pessoa física para pessoa jurídica no setor agrícola de grãos e fibras. Disponível em: <www.crcba.org.br/submissaodetrabalhos/arquivos/8e9795ce78.pdf). Importante mencionar que o desempenho da agropecuária por produtores rurais pessoa física é distinto da tributação suportada pela sociedade empresária rural. Sendo que aquele produtor, suporta o ônus dos seguintes tributos: Imposto de Renda Pessoa Física; Contribuições Previdenciárias e Contribuição Sobre o Lucro Pessoa Física. A legislação do Imposto de Renda estabelece que os “resultados provenientes da atividade rural estão sujeitos ao IR, quando obtido: a) de forma simplificada, mediante prova documental, dispensada a escrituração, quando a receita bruta total auferida no ano-base não ultrapassar setenta mil BTNs; b) escritural, mediante escrituração rudimentar, quando a receita bruta total do ano-base for superior a setenta mil BTNs e igual ou inferior a setecentos mil BTNs; c) contábil, mediante escrituração regular em livros devidamente registrados, até o encerramento do ano base, em órgão da Secretaria da Receita Federal, quando a receita bruta total no ano-base for superior a setecentos mil BTNs. Deste modo, a arrecadação do Imposto de Renda do contribuinte produtor rural pessoa física ocorre sobre 20% (vinte por cento) da receita bruta da atividade rural por ano base. Informando que o fator determinante de pequeno, médio e grande produtor rural é fixado consoante a receita bruta aferida. As obrigações acessórias tributárias como a escrituração regular em livros contábeis será diferenciada conforme a tipologia do produtor rural. De forma simplificada quando a receita bruta total auferida no ano-base não ultrapassar setenta mil BTNs; escritural quando a receita bruta for superior a setenta mil BTNs e mediante escrituração regular em livros devidamente registrados, até o encerramento do ano base, em órgão da Secretaria da Receita Federal, quando a receita bruta total no ano-base for superior a setecentos mil BTNs. As contribuições sociais são destinadas ao custeio da ordem social conforme disposição emanada da Constituição Federal de 1988. A legislação previdenciária estabelece que:   Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97). II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.   Deste modo, o produtor rural empregador paga a título de contribuição previdenciária 2% (dois por cento) sobre a comercialização de sua produção agropecuária e 0.1% destinado ao financiamento das prestações por acidente de trabalho. A Contribuição Sobre o Lucro Pessoa Física gera as seguintes obrigações acessórias ao produtor rural:  a) a pessoa física fica obrigada à conservação e guarda do livro Caixa e dos documentos fiscais que demonstrem a apuração do prejuízo a compensar; b) à opção do contribuinte, o resultado da atividade rural, quando positivo, limitar-se-á a vinte por cento da receita bruta do ano-calendário.   A incidência tributária da Contribuição Sobre o Lucro do produtor rural pessoa jurídica abrange os resultado obtidos pelo exercício da atividade agropecuária. Deste modo, devemos compreender o desenvolvimento da atividade ruralista pela sociedade empresária. O art. 966 do código civil considera como empresário quem exerce atividade econômica, profissionalmente, de forma organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. A lei civilista definiu o sujeito que gerencia profissionalmente o desempenho da atividade empresária, para a produção ou circulação de produtos, bens, serviços. É sabido que a regularidade do empresariado fica a cargo das juntas comerciais, que segundo a lei n. 8.934/94, “tem a finalidade de dar garantia, publicidade, autenticidade e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, quando subordinados a registro”. Deste modo, a regra jurídica é a de que haja a constituição dos atos empresarias realizados pelas juntas comerciais. Consubstanciando-se em atos declaratórios das sociedades empresárias. A única exceção a essa regra é a constituição das sociedades empresárias rurais. Interessante os apontamentos realizados por Caroline Stefanello: O código civil em vigor, ao tratar do empresário rural, assegura-lhe um tratamento favorecido, diferenciado e simplificado, dispondo que o mesmo não se sujeita ao registro comercial. No entanto, faculta-lhe adquirir a condição plena de empresário, mediante sua inscrição no Registro do Comércio (arts. 970 e 971). Dispõe, ainda, que a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode requerer inscrição no Registro do Comércio, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária (art. 984). Os tipos societários mais utilizados são sociedade limitada e sociedade anônima. Tanto na sociedade limitada quanto na sociedade anônima, a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais é limitada, sendo que as regras de determinação desse limite variam de total do capital social não integralizado, na anônima o acionista responde até o limite do valor não integralizado da parte do capital social que ele subscreveu. O código civil dispõe sobre as sociedades limitadas a partir do art. 1.052 enquanto que as sociedades anônimas são regidas por lei especial. Porém, atualmente o produtor rural também pode optar pela empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI, incluída no Código Civil pela Lei n. 12.441/2011, na qual será titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País, na forma do que disposto no art. 980-A do Diploma Civil, o que pode ser facilmente alcançado se integralizar o capital mediante a conferência do próprio imóvel rural e/ou maquinários agrícolas. (STEFANELLO, Caroline Maria Alburquerque. Estratégias societárias como ferramenta de planejamento tributário na atividade rural. Disponível em: < http://www.fbtedu.com.br/blog/planejamento-tributario-atividade-rural/>. Acessado em: 20/04/2017 16:25:2)   No tocante ao desenrolar da atividade ruralista, a lei não dispensou a exclusividade de seu desempenho mediante constituição de sociedade empresária. Deste modo, tanto o produtor rural pessoa física e pessoa jurídica podem desenvolver aquelas atividades econômicas, sendo que o código civil disciplina as formas de constituição, regularização e as espécies societárias do empresariado brasileiro. Cabendo a cada sócio empresário a escolha do tipo societário que melhor lhe aprouver. Todavia, o exercício da atividade empresarial por si só, pode ser caracterizada mediante o agrupamento dos fatores de produção, a circulação de bens e serviços, a prática de atos de comércio. A regularização da atividade, mediante registro nas juntas comerciais, constitui importante mecanismo de regramento jurídico do segmento empresarial no Brasil. No tocante a arrecadação da CSL é importante mencionar que a contribuição social sobre o lucro (CSL), também é uma das fontes de recursos previstas no art. 195 da Constituição Federal para atender ao programa de seguridade social. As contribuições sociais poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da data de publicação da lei que as houver instituído ou modificado. A CSL poderá ser cobrada no mesmo ano da instituição ou aumento de sua alíquota, desde que observado o prazo fixado de 90 dias (ANCELES, 2001, p. 280). Foi mencionada a declaração de inconstitucionalidade pelo STF da Lei n. 7.689/88, que institui a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas que exploram atividade rural dos artigos oito e nono da respectiva legislação, nos termos: (…) Inconstitucionalidade do art. 8°, da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F, art. 150, III, “a”) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro do prazo de noventa dias da publicação da lei. (…) Pois, ao determinar, porém, o art. 8° da Lei 7689/88 que a contribuição no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no art. 150, III, “a”, da Constituição Federal, que proíbe que a lei que institui tributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 15. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Requerente: Confederação das Associações de Microempresas do Brasil). A declaração de inconstitucionalidade efetuada pelo STF, na Lei n. 7.689/1988 ocorreu porque a Constituição Federal determina a aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal na exigibilidade da contribuição social e o texto normativo violou esse princípio. A primeira observação que realizamos é que a contribuição social sobre o lucro tem o seu produto de arrecadação vinculado ao financiamento da seguridade social. Como a CSL visa tributar o lucro, este subdivide-se em real e presumido, variando a arrecadação conforme a espécie de proveito da atividade desenvolvida. Pedro Einstein compreende “o lucro real como o resultado do exercício (lucro ou prejuízo contábil) do período de apuração, ajustado pela adição, exclusão e compensações autorizadas pela legislação do imposto de renda”. A lucratividade e a rentabilidade são dois fenômenos que afetam diretamente o desenvolvimento da atividade ruralista, por relacionar-se com investimos financeiros realizados pelo produtor rural e o rendimento advindo dessa operação. O conceito de lucro é o resultado obtido da receita subtraída das despesas/custos/deduções, tudo o que resta desta operação matemática é compreendido como lucro. O fator tempo é fundamental para dimensionar o lucro em dado período de apuração, comparando-o como lapsos temporais anteriores. Já a renda está relacionada aos retornos sobre o investimento que foi realizado pelo produtor rural a longo prazo. Há regimes diferenciados de tributação consoante os lucros obtidos pelo produtor rural. Sendo eles: a) SIMPLES; b) lucro real; c) lucro presumido; d) lucro arbitrado: Fonte: Tabela de autoria da criadora deste artigo. Dados retirados do endereço eletrônico: < https://www.treasy.com.br/blog/csll-contribuicao-social-sobre-o-lucro-liquido>.   Trata-se de um regime de tributação diferenciado instaurado pelo constituinte originário, que estabelece unificação de arrecadação impositiva, tratando-se de exceção ao pacto federativo consagrado no art. 1° da Constituição Federal e a respectiva competência tributária para instituir e receber tributos, ressalvado a distribuição do produto arrecadado aos respectivos entes da federação. Considera-se microempresa, aquela que tenha auferido, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições. No tocante ao sistema tributário do lucro real – apuração do lucro de uma empresa, por meio de um balanço contábil (CALDERELLI, enciclopédia contábil brasileira, p. 519), convém informar que as sociedades empresárias ou empresário individual pagarão a exação mediante o lucro líquido no período apurado (geralmente trimestralmente), após contabilização daqueles resultados no LALUR – Livro de Apuração do Lucro Real. O sistema de tributação de lucro presumido é estabelecido para as sociedades empresárias que não possuem escrituração contábil, consistindo em determinar o lucro tributável com base na receita bruta verificada em cada exercício financeiro. Depois de chegado ao lucro, aplicar-se-á a alíquota de presunção variantes conforme a atividade econômica desenvolvida pelo produtor rural. O sistema de lucro arbitrado é o utilizado pela autoridade tributária quando a pessoa jurídica deixa de cumprir as obrigações relativas à determinação do lucro real ou presumido. Sendo uma modalidade adotada pelo fisco, para lançar a tributação, quando a sociedade empresária não possui escrituração contábil organizada (CALDERELLI, enciclopédia contábil brasileira, p. 519). Importante mencionar que há tramitação da Proposta de Emenda à Constituição de n. 233/08 que busca simplificar o sistema tributário nacional: Criando o imposto sobre o valor adicionado federal (IVA-F), que unificará as contribuições sociais: Cofins, Pis e Cide-combustível; extingue e incorpora a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ). A reforma também visa estabelecer mecanismos para repartição da receita tributária c) institui um novo ICMS que passará a ter uma legislação única, com alíquotas uniformes, e será cobrado no estado de destino do produto; d) desonera a folha de pagamento das empresas; e) acaba com a contribuição do salário-educação e parte da contribuição patronal para a Previdência Social (BRASIL. Câmara dos deputados. Proposta de Emenda à Constituição PEC 233/2008, de iniciativa do Poder Executivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=550808&filename=SBT+2+CCJC+%3D%3E+PEC+233/2008>).   A proposta de emenda à constituição 223/08 padece de inconstitucionalidade material considerando que o Brasil adotou a forma republicana de governo e federativa de Estado, significando afirmar que cada ente da federação possui autonomia político-administrativa para exercer seu poder de tributar, para que a proposta segue com seu propósito inicial dever-se-ia alterar a forma de Estado e de governo para implementá-la ao sistema tributário-constitucional vigente. Enquanto corre a tramitação da PEC no congresso nacional, recordando que necessário é a discussão e votação em cada casa do congresso nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos três quintos dos votos dos respectivos membros (CF, art. 60 §2°), atentamos a regra tributária da Contribuição sobre o lucro. Entre as contribuições sociais, estão a Contribuição Social sobre Faturamento (COFINS), Contribuição Social sobre o Lucro e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS/Pasep). A Lei complementar n. 70/91, institui a contribuição social para o financiamento da seguridade social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, calculada sobre o valore do faturamento mensal das pessoas jurídicas:   Faturamento é o somatório do produto de vendas ou de atividades concluídas num dado período e representa o total das receitas decorrentes da atividade econômica geral da empresa. Portanto, para Geraldo Ataliba e Cláber Giardino, a consistência do fato avaliável pelo faturamento só pode ser “… o conjunto de negócios ou operações que a ele (faturamento) dá ensejo. Assim, para haver ‘faturamento’ é indispensável que se tenham realizado operações mercantis, ou vendido produtos, ou prestado serviço, ou realizado operações similares”. Todas essas operações conduzirão à obtenção de uma receita decorrente do faturamento, cuja periodicidade – diária, semanal, mensal, anual, etc. – poderá variar ao sabor dos interesses políticos (KONKEL JUNIOR, 2005, p. 268). Nas palavras do mencionado autor, faturamento é compreendido como o produto das vendas ou atividades condicionada ao fator tempo. São os recursos provenientes do exercício da atividade considerando determinada periodicidade – diária, mensal ou anual. Sendo que o Poder Público, a título de arrecadação tributária, recebe aqueles valores adimplidos pelo produtor rural.   Sendo que houve o debate no STF acerca da inconstitucionalidade da COFINS:   (…) A constitucionalidade da COFINS foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 1-1/DF. Sendo que o STF enfrentou as seguintes questões que vinham sendo debatidas pela doutrina acerca da inconstitucionalidade da COFINS: a) a impossibilidade de convivência da COFINS com o PIS; b) o ferimento do princípio da não cumulatividade dos impostos da União; c) a atribuição das funções de fiscalizar e arrecadar à Receita Federal; d) a COFINS seria uma nova contribuição, com base na competência residual da União (artigo 195, § 4°, Constituição Federal), o que estaria a reclamar a sua instituição por meio de lei complementar; e) violação do princípio constitucional da anterioridade, visto que o Diário Oficial de 31/12/91 somente circulou no dia 02/01/92 (KONKEL JUNIOR, 2005, p. 260). Deste modo, o faturamento corresponde ao vulto das receitas decorrentes da atividade econômica geral da empresa. Konkel Junior aludindo a Geraldo Ataliba e Cléber Giardino inferem que “o faturamento não pode ser materialidade da incidência de nenhum tributo, mas apenas seu critério, a mensuração de um fato economicamente avaliável. Um número uma quantidade, um montante não é um fato: é a dimensão de um fato; é sua medida”. Deste modo o que a legislação tributária considera como a base tributável da COFINS não passa da mensuração de um fato economicamente tributável, não podendo sobre pretexto do direito tributário, ser considerado como a base de cálculo, mas sim como o critério quantitativo da contribuição social. Sendo que a base de cálculo da COFINS o faturamento mensal da pessoa jurídica, sendo considerado como a “receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza. A definição de receita bruta é abrangente e corresponde à totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, podendo ser constituída de juros, alugueis, royalties e outros valores que representem ingresso na pessoa jurídica. A alíquota do aludido tributo é de 2% (dois por cento). No tocante as isenções, do latim eximire, pressupõe eximir-se o sujeito passivo da constituição do crédito tributário, posto que, como elemento excludente, impede seja o lançamento efetivado. Há isenções da COFINS e PIS/PASEP para as receitas: a) exportação de produtos agropecuários para o exterior; b) dos serviços prestados a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior. Sendo inaplicada a COFINS e PIS/PASEP as pessoas jurídicas que explorar atividade rural e recolher os tributos sob a modalidade do SIMPLES. Por se tratar de regime jurídico diferenciado, simplificando e favorecido, aplicável às pessoas jurídicas consideradas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, essas contribuições são devidas e recolhidas de forma unificada. Sendo o prazo para o pagamento até o último dia útil da quinzena subsequente ao mês de ocorrência dos fatos geradores. O Programa de Integração Social, é um Fundo de Participação constituído pelas seguintes parcelas: A Constituição Federal de 1988, por sua vez, concedeu destinação diversa para o PIS, passando pois a financiar, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o parágrafo terceiro do artigo 239 da Constituição Federal. A natureza jurídica do PIS, após a edição da Constituição Federal de 1988, já foi objeto de apreciação pelo STF por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1-1/DF, cujo voto condutor do ministro Moreira Alves consagrou que: No tocante ao PIS/PASEP, é a própria Constituição Federal que admite o faturamento do empregador seja base de cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso, é a COFINS. De feito, se o PIS/PASEP, que foi caracterizado, pelo artigo 239 da Constituição, como contribuição social por lhe haver dado esse dispositivo constitucional permanente destinação previdenciária, houvesse exaurido a possibilidade de instituição, por lei, de outra contribuição social incidente o faturamento dos empregadores, essa base de cálculo, por já ter sido utilizada, não estaria referida no inciso I do artigo 195, que é o dispositivo da Constituição que disciplina, genericamente, as contribuições sociais, e que permite que, nos termos da lei (e, portanto, de lei ordinária), seja a seguridade social incidente sobre o faturamento dos empregadores.   Sendo que a discussão alusiva ao PIS/PASEP é admissão, pelo poder constituinte originário, do faturamento do empregador configuraria natureza jurídica de contribuição social. Alegando, o mencionado ministro que o texto constitucional deu-lhe destinação previdenciária e logo, detendo a caracterização tributária. Oportunamente, com a promulgação da Lei n. 9.718/98 que altera a legislação tributária federal, foi aduzido que a base de cálculo das contribuições do PIS/PASEP e COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base em seu faturamento, compreendendo este a receita bruta auferida pela pessoa jurídica, com as devidas exceções elencadas pelo legislador originário.   Considerações finais Com o estudo do tema proposto: os principais aspectos da tributação na agropecuária, buscou-se analisar a carga tributária suportada pelo produtor rural pessoa física e jurídica, fazendo as principais distinções sobre os regramentos jurídicos em ambos os casos. A lucratividade e a rentabilidade são dois fenômenos que afetam diretamente o desenvolvimento da atividade ruralista, por relacionar-se com investimos financeiros realizados pelo produtor rural e o rendimento advindo dessa operação. O conceito de lucro é o resultado obtido da receita subtraída das despesas/custos/deduções, tudo o que resta desta operação matemática é compreendido como lucro. Sendo que ocorrerá significativas mudanças da rentabilidade e lucratividade a depender de constituição ou não de pessoa jurídica para desempenho da atividade agrícola. Foi mencionado também o papel desempenhado pelas juntas comerciais enquanto órgãos estaduais responsáveis pela regularização dos empreendimentos brasileiros. De tal sorte que o produtor rural poderá optar por regimes de tributação consoante sua volutio e rentabilidade. Do SIMPLES aos sistemas de lucro real, presumido ou arbitrado, a administração tributária coloca à disposição do produtor rural a oportunidade de aderir ao melhor regramento jurídico que lhe aproveite. Demonstrando a preocupação estatal em facilitar e aperfeiçoar os sistemas de arrecadações tributárias.
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A Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal: Aspectos Teóricos e Práticos com Decisão do Resp. 1.340.553/RS
Os dados demonstram que a extinção imprópria dos executivos fiscais supera a extinção em razão da satisfação do crédito por meio de pagamento. Tendo em vista os vários debates jurisprudenciais e doutrinários em especial sobre a viabilidade de decretação de ofício e do termo inicial e final da contagem da suspensão de 1 (um) ano e da prescrição intercorrente, previstos no artigo 40, §§1º e 2º da Lei de Execução Fiscal aliado aos efeitos práticos do julgamento do Resp. 1.340.553 se propõe o presente trabalho. Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e quantitativa, método empírico por meio da atuação prática na Procuradoria Fiscal com mais de 10 (dez) execuções fiscais, método dedutivo-exploratório, com busca literária, trabalhos científicos, bem como também doutrinas e jurisprudências relacionadas ao tema em tela. Em que pese a polêmico sobre a aplicação da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal, verificou-se, por meio deste trabalho, que tal instituto deve ser interpretado a luz da utilidade e finalidade do processo executivo, respeitando o poder-dever do magistrado em conduzir o processo, o devido processo legal e a segurança jurídica.
Direito Tributário
Introdução Partindo da premissa que o instituto da prescrição intercorrente é recente no direito brasileiro, e, desde então há grandes controvérsias sobre a sua constitucionalidade, aplicabilidade e fixação do marco temporal para seu início e término, aliado ao recente julgamento do Recurso Especial n.º 1.340.553 em repetitivo se propõe o presente trabalho voltado à visão prática de atuação em uma Vara de Execução Fiscal. O grande volume de ações de execução fiscal em virtude do alto índice de inadimplência que os entes públicos enfrentam em relação aos tributos sobrecarregam as varas de execução fiscal, sendo um gargalho para o Poder Judiciário, entretanto a “necessidade de equacionar a gestão no volume de processos não pode avançar os limites que respeitam a harmonia e a independência entre os Poderes, criando soluções que gerem potencial desequilíbrio de ordem social ou econômica[1]”. Em um primeiro momento será abordado de forma sucinta à formação do título executivo extrajudicial, início do processo de execução fiscal e a prescrição intercorrente na execução fiscal, a fim de contextualizar o assunto e ressaltar a importância do instituto, mas sempre voltado ao respeito do devido processo legal, do acesso ao judiciário, da razoável duração do processo e da finalidade do processo executivo. Ato contínuo houve destaque do papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária em um regime de colaboração para a persecução do crédito, tendo em vista que há vários atos e diligências que são privativos ou subsidiários do judiciário o que foge ao controle da parte exequente. Partimos, então, para aplicação dos prazos previstos nos §§1º e 2º do artigo 40 da Lei de Execução antes e depois da conclusão do Recurso Especial n.º 1.340.553 como a forma de contagem da suspensão de 1 (um) ano, do quinquênio prescricional, a legislação tributária aplicável, súmulas, doutrina e por fim o novo entendimento da Corte do Superior Tribunal de Justiça. Finalizando, com todo respeito jurídico apresentamos críticas às teses fixadas porque automatiza a fluência dos prazos de suspensão e da prescrição intercorrente, retirando do magistrado o poder-dever de condução do processo, atribuindo punição a parte exequente por mora que não lhe pode ser atribuída, desvirtua a própria natureza do processo executivo que é a satisfação do crédito executado, além de trazer prejuízos a toda coletividade.   1 Breve explanação sobre a formação do título executivo e do início do processo de execução fiscal O processo de execução fiscal é instrumento importante para a arrecadação e indispensável para Fazenda Pública para recebimento dos créditos inscritos em dívida ativa, seja de natureza tributária ou não tributária. “Conforme dispõe a Lei n.º 6.830/80 a execução fiscal seguirá o procedimento nela descrito, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, desde que não sejam incompatíveis com as normas reguladoras do procedimento especial (CHIMENTE et al, 2008, p. 37)”. “A cobrança do crédito fiscal, por meio de um procedimento próprio, foi pensado com intuito de acelerar a satisfação coativa, em prol do interesse público que se reveste a cobrança das receitas de natureza eminentemente estatal (CHIMENTE et al, 2008, 38)”.  Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e Municípios, bem como suas respectivas autarquias e fundações públicas deverão utilizar o procedimento preconizado na Lei de execução fiscal para a cobrança de dívida ativa de titularidade de cada ente. O título que institui a execução fiscal é denominado de Certidão de Dívida Ativa (CDA)[2]. A inscrição na dívida ativa ocorre apenas depois da constituição definitiva do crédito, assim para se formalizar o crédito tributário a legislação exige que seja realizado o lançamento. O lançamento é um ato formal realizado por meio de um processo administrativo tributário, sendo obrigatória a obediência ao previsto no artigo 142 do Código Tributário Nacional[3] para a constituição definitiva do crédito tributário. É possível inscrever o crédito tributário em dívida ativa depois de vencido o prazo para pagamento. A referida inscrição é feita por meio de um procedimento administrativo destinado a apurar a liquidez e certeza do crédito[4], devendo ser emitida uma certidão para atestar os referidos atributos. Esse documento, denominado de certidão de dívida ativa[5], constitui o título executivo apto a legitimar a propositura da execução fiscal. A certidão dívida ativa deve conter os mesmos requisitos formais exigidos no termo de inscrição, conforme disciplina o parágrafo único do artigo 202 do Código Tributário Nacional[6] e o § 6º do artigo 2º da Lei de Execução Fiscal[7]. Segundo o professor Anderson Madeira (MADEIRA, 2014): “podemos entender como dívida ativa tributária o título executivo extrajudicial da Fazenda Pública representativo de débito fiscal (tributo ou multa) vencido e não pago por parte do sujeito passivo”. A partir desse momento surge o direito do ente fazendário de iniciar a cobrança judicial do crédito tributário definitivamente constituído e não pago pelo contribuinte, respeitando o prazo de 05 (cinco) anos previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional[8]. Caso o executivo fiscal não seja ajuizado dentro do prazo prescricional de 05 anos o próprio crédito tributário será aniquilado, mas o ajuizamento do executivo fiscal dentro do lapso temporal acarretará a interrupção da prescrição pelo despacho do juiz que ordenar a citação, retroagindo a data do protocolo da petição inicial. Com o início da cobrança judicial por meio do rito especial previsto na Lei de Execução Fiscal a prescrição ordinária permanece interrompida, sendo que no curso do processo executivo poderá desencadear um novo prazo prescricional denominado de prescrição intercorrente. Nesta linha, Robson Zanetti (2011, p. 65) explica que existem dois tipos de prescrição no direito tributário: “Temos duas espécies de prescrição no direito tributário: uma que ocorre antes do ajuizamento da execução fiscal, conhecida por prescrição consumativa (genérica) e outra após a execução, chamada prescrição intercorrente” (CLEMENTINO, 2019).[9]   1.1. Da prescrição intercorrente na execução fiscal O decurso do prazo prescricional durante o processo judicial de execução fiscal é denominado prescrição intercorrente. Em uma sucinta diferenciação temos em um primeiro momento o decurso do prazo prescricional (consumativo) para o ajuizamento da ação de execução fiscal, e, em um segundo momento a ordem jurídica estabelece um novo prazo prescricional (intercorrente) para que a demanda seja processada e finalizada, evitando a tramitação eterna de inúmeras demandas judiciais. Nada melhor que começar a analisar esta variação sob o prisma do sentido terminológico da palavra. José da Silva Pacheco (2009) leciona que a palavra “intercorrente” é um adjetivo oriundo do latim inter (entre) e currere (correr), significando o que sobrevém, ou se mete de permeio. Da mesma sorte, o dicionário online de português (DICIO) propõe um significado semelhante: o que sobrevém no decurso de outra coisa (CLEMENTINO, 2019).[10] É possível conceituar a prescrição intercorrente como aquela que ocorreu no curso do processo judicial de execução fiscal em virtude da não citação do devedor ou mesmo com a citação do executado, não foram localizados bens à penhora dentro do tempo previsto na legislação infraconstitucional. “A prescrição intercorrente é um instituto criado pela tradição jurídica brasileira (sob influxo da jurisprudência e da doutrina) e positivado em lei no §4ª do art. 40 da Lei de Execução Fiscal (por força do advento da Lei n.º 11.051/04, vigente em 30/12/2004) (CHUCRI et al., 2019, p. 740)”. O fundamento é buscado no princípio da segurança jurídica e para evitar a eternização dos processos, conforme afirmado pelo Ministro Luiz Fux em seu voto no Recurso Especial n.º 649.353/PR, Primeira Turma, DJ 28/03/2005: “Essa exegese impede que seja eternizada no Judiciário uma demanda que não consegue concluir-se por ausência dos devedores ou de bens capazes de garantir a execução”. “Isso não significa que o processo não possa se prolongar no tempo, como é costume acontecer por motivos vários, mas que esse prolongamento se dê pela realização de atos úteis para que o processo atinja o seu termo. O escopo do processo executivo é a satisfação do crédito do exequente. Mas a busca desse fim só se justifica na medida em que se praticam atos processuais que potencialmente conduzam para esse fim (utilidade) (CHUCRI et al., 2019, p. 741)”. Sendo assim, uma vez identificado que não há mais atos úteis para alcançar o escopo do executivo, o mesmo estará fadado ao insucesso, portanto, deverá ser extinto, alcançando ou não a sua finalidade.   1.2. Do art. 40 da Lei de Execução Fiscal e da sua constitucionalidade O art. 40 da Lei 6830/80[11] traz a previsão da prescrição intercorrente para aplicação nas ações de execução fiscal. É importante enfrentar a constitucionalidade da previsão da prescrição intercorrente em relação aos créditos de natureza tributária, diante da exigência de lei complementar para dispor sobre prescrição tributária (Artigo 146, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal de 1988[12]) (MELO FILHO, 2011). A jurisprudência[13] declarou a inconstitucionalidade do §4º do art. 40 da LEF para, sem redução de texto, dar-lhe interpretação conforme no sentido de que a prescrição se conta desde quando determinada a suspensão do processo – e não do seu arquivamento, devendo excluir, portanto o prazo de 1 (um) ano de suspensão do §2º na contagem da prescrição intercorrente. O primeiro argumento da decisão foi que o prazo prescricional previsto no Código Tributário Nacional do crédito tributário é de 05 (cinco) anos, e, a aplicação do prazo de 1 (um) ano da suspensão elevaria o prazo prescricional para 06 (seis) anos. Já o segundo argumento alicerça na premissa de apenas lei complementar poderia dispor sobre a suspensão do prazo prescricional, e, não uma lei ordinária como é o caso da Lei de execução fiscal. Entretanto, é possível perceber uma aplicação seletiva a inconstitucionalidade do §4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, pois se a suspensão do prazo prescricional é inconstitucional, por óbvio a própria criação do instituto da prescrição intercorrente[14] em matéria tributária por lei ordinária também padeceria do vício de inconstitucionalidade. É induvidoso que a prescrição intercorrente não tem assento no Código Tributário Nacional, ou seja, deve-se, explicar que o Código Tributário Nacional não prevê atos processuais praticados na execução fiscal como os eventos interruptivos da prescrição, mas regulamenta tão somente a prescrição ordinária. Ademais, o §2º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal cuida do prazo de suspensão do processo de execução pela inexistência de bens penhoráveis ou pela não localização do devedor, tratando-se de típica disposição de natureza processual (CHUCRI, et al., 2019), portanto não há qualquer violação constitucional à reserva de lei complementar no estabelecimento, por lei ordinária processual, de regra de prazo máximo de suspensão do processo. Não é demasiado ressaltar que o legislador foi absolutamente coerente na sua escolha, tendo em vista que para aplicação da prescrição intercorrente exige-se inércia da parte na condução do processo, e, se processo encontra-se suspenso, por determinação judicial, não poderia fluir a contagem da prescrição intercorrente por incompatibilidade lógica (§2º do art. 40, Lei de Execução Fiscal). Em uma leitura atenta da lei de execução fiscal, é possível identificar que o legislador corretamente fixou o prazo para início da fluência da prescrição intercorrente depois de decorrido o prazo de suspensão do processo[15]. “Nessa perspectiva, o TRF4[16] acabou por declarar a inconstitucionalidade do próprio marco inicial da contagem do prazo de prescrição intercorrente definido por lei ordinária (CHUCRI et al., 2019, p. 748)”. “Na tramitação de uma ação de execução fiscal há um evidente regime colaborativo entre a parte Exequente e o Poder Judiciário, portanto não é tarefa fácil e nem estanque delimitar-se o evento que de fato caracteriza a inércia passível de punição para a contagem da prescrição intercorrente (CHUCRI et al., 2019, p. 748)”. Deve-se ainda refletir por que o marco inicial definido pelo Poder Judiciário deve prevalecer se o fundamento da decisão é a necessidade de previsão em Lei Complementar? “Nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade do marco inicial da contagem do prazo da prescrição intercorrente presta um desserviço à segurança jurídica e à operacionalidade própria do instituto, como definido em lei (CHUCRI et al., 2019, p. 749)” (DAMASCENO, 2018). O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral pelo pleno do Recurso Extraordinário n.º 636.562/SC – Tema 390, Relator Ministro Roberto Barroso, em que se discute, à luz dos art. 146, III, b, da Constituição Federal, a constitucionalidade ou não, do artigo 40, §4º, da Lei 6.830/1980, que regula a prescrição intercorrente no processo de execução fiscal, sob a alegação de que não se trata de matéria reservada à lei complementar. Ainda pendente de julgamento.   1.3. Do papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária na operacionalidade dos §1º e §2º do art. 40 da Lei de Execução Fiscal Sem adentrar as questões de excesso de carga tributária no país porque foge à proposta do presente trabalho é importante lembrar que há uma forte ligação entre o direito tributário e os direitos fundamentais, em especial o dever fundamental de pagar os impostos que reflete em toda a sociedade em especial na implantação das políticas públicas. Os entes federativos possuem um índice de inadimplência muito alto o que reflete diretamente na quantidade de processos de execução fiscal ajuizados todos os anos, isso decorre de vários fatores, entretanto a sobrecarga de processos nas varas de execução fiscal não pode ser motivo para aplicação de prazo estanque para finalizar a execução fiscal sob pena de subverter toda sistemática do ordenamento jurídico em especial a finalidade e a utilidade do processo executivo prestigiando os devedores contumazes, desprestigiando aqueles que cumprem com seus deveres e prejudicando toda a coletividade. Assim, é bom ressaltar que o processo executivo não tem prazo fixo para finalizar. Portanto, é absolutamente censurável a aplicação do instituto como estipulador de prazo certo para encerramento do executivo fiscal, pois para ter resultados efetivos é imprescindível um alinhamento de medidas e esforços de todos os envolvidos. Apenas haverá mudanças e resultados se todos os órgãos, Poderes e a sociedade se comprometerem em cada um cumprir o seu papel. “A ação de execução fiscal é o meio jurídico-processual de que dispõe o credor para a satisfação de um crédito constante em um título com eficácia executiva. A finalidade da ação de execução fiscal é bem clara, qual seja, a satisfação do crédito exequendo (CHUCRI et al., 2019, p. 628)”. Quando iniciado o processo, é possível que depois da citação ocorra o pagamento imediato, o parcelamento do débito ou realização de diligências necessárias para a marcha processual até sobrevir de fato impedimentos à sua normal continuidade, provocando a sua suspensão. Enquanto o processo estiver tramitando, com adoção de atos, seja pelo credor ou pelo judiciário, no sentido de localizar o devedor ou bens penhoráveis, não há que se falar em contagem de prazo de suspensão e de prescrição intercorrente. Na prática forense de uma Vara de Execução Fiscal há uma inegável sobrecarga de trabalho em virtude da quantidade de ações de execução fiscal protocoladas anualmente, e isso significa um maior lapso temporal entre o requerimento da Procuradoria Fazendária, a apreciação pelo magistrado e no cumprimento pelo cartório da vara, portanto é inconcebível atribuir inércia da parte exequente com incidência do prazo da prescrição intercorrente, enquanto há requerimento a ser apreciado ou determinação a ser cumprida pelo cartório. “Existem diligências que são de (i) competência privativa do Poder Judiciário, como a ordem para a atuação do cartório, dos oficias de justiças nas atividades de expedição e cumprimento de mandados de penhora, avaliação, arresto e outras medidas, requisição de documentos e de informações sujeitas à reserva de jurisdição, como os que possam violar o sigilo fiscal e bancário do devedor. Há diligências que competem subsidiariamente (ii) ao Poder Judiciário, que deve requisitar por ordem para serem cumpridas, como por exemplo, recusa ao atendimento de informações ou documentos solicitados diretamente pela Procuradoria Fazendária aos cartórios de registros de imóveis, etc. Têm-se ainda aquelas diligências em que o Poder Judiciário assume por avocação, caso em que o Judiciário, voluntariamente, atende ao pedido da Procuradoria Fazendária mesmo quando se tratar de diligências que lhe competiriam executar (CHUCRI et al., 2019, p. 685)”. “A execução, ou está em andamento regular, ou está suspensa, ou paralisada (CHUCRI et al., 2019, p. 628)”. A suspensão é o sobrestamento do processo justificado em razão de questões havidas dentro do processo (relacionadas ao crédito tributário, como por exemplo, hipóteses previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional), ou fora dele, porém com repercussão (processos incidentais, ações autônomas, processo falimentar, entre outros), que necessita ser solucionada para retornar a marcha processo da execução. Vejamos que são situações que ocorrem que não são decorrentes de qualquer inércia da parte exequente, sendo assim, não se pode falar em prescrição intercorrente. Nos casos em que o processo está tendo regular tramitação com adoção de atos que visam a atingir o seu fim, independentemente do tempo que levar para conclusão das diligências não há ainda a suspensão do processo do §1º do art. 40, nem início da prescrição intercorrente. Somente depois de esgotadas as diligências necessárias para localizar o devedor ou bens penhoráveis, é que poderá se determinar a suspensão de 1 (um) ano do processo, intimando a Fazenda Pública dessa suspensão pelo art. 40 da Lei de Execução Fiscal, passado esse período, sem manifestação da parte exequente, o processo, então, passa a ser arquivado sem baixa na distribuição, e a partir desse momento a Procuradoria Fazendária tem conhecimento do início da contagem do prazo da prescrição intercorrente, tudo em respeito ao princípios da não surpresa. É que, na prática forense, há um fluxo a ser seguido de acordo com a situação processual de cada caso concreto, não sendo possível definir uma linha divisória e estanque entre a atuação do Judiciário e da Fazenda, para se estabelecer, com segurança, quando terminar uma e começa outra, porque eles atuam em regime colaborativo, havendo diligência que competem privativamente ou subsidiariamente do Poder Judiciário. “Ademais, o tempo de conclusão de diligências não está na esfera de controle da Fazenda Pública, podendo haver atraso ou ausência injustificada de resposta pelos órgãos oficiados (CHUCRI et al., 2019, p. 687)”. “No pacto social entrega ao Estado-juiz o monopólio da administração da justiça, o que significa o monopólio do uso da força sobre a liberdade e o patrimônio de todos os cidadãos (CHUCRI et al., 2019, p. 686)”. Assim, não se mostra acertada a interpretação de fixação de prazo prescricional durante a tramitação do processo com a única finalidade de descongestionar o judiciário e colocar fim aos processos executivos, pois desvirtua o ordenamento jurídico e penaliza demasiadamente não só o erário público, mas toda a sociedade. Na tramitação de uma execução fiscal, todos os envolvidos devem primar pela sua finalidade, qual seja o pagamento do crédito tributário, mas na tramitação dos inúmeros processos a parte exequente se depara com grandes entraves que dificulta o atingimento da sua finalidade. “Os agentes do Estado-juiz, os juízes, precisam ter essa consciência e exercer, com dedicação e firmeza, a tarefa que lhes compete por natureza e de forma exclusiva: o monopólio do uso da força para a constrição e expropriação dos bens do devedor. O fracasso de uma execução fiscal não representa apenas o fracasso do Estado-administração; é também o fracasso do Estado-juiz (CHUCRI et al., 2019, p. 686)”.   1.4. Da aplicação da prescrição intercorrente antes do Resp. 1.340.553 Inicialmente o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal foi previsto apenas com os §§1º, 2º e 3º levando a interpretação de que ação de execução fiscal poderia permanecer em arquivo provisório por um período indefinido: Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 passaram a defender que as ações judiciais executivas não poderiam ser eternas em respeito aos princípios da razoável duração do processo e da segurança jurídica. Assim, sob o influxo da jurisprudência e da doutrina foi positivado o §4º da Lei de Execução Fiscal com o advento da Lei n.º 11.051/04. In verbis: Com inclusão do §4º no artigo 40 da Lei de Execução Fiscal iniciou-se os debates sobre em qual momento deveria iniciar a contagem do prazo da prescrição intercorrente. Por fim, restou consolidada, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência que determinava a contagem do prazo de prescrição intercorrente – 05 (cinco) anos para o crédito tributário – a partir do arquivamento dos autos nos termos do §2º do artigo 40, e, mesmo tendo ocorrido à prescrição intercorrente está não poderia ser decretada de ofício.[17] (SANDER, 2012) O Superior Tribunal de Justiça acabou sumulando seu posicionamento no verbete n.º 314[18]. Restando claro por meio da súmula que a causa da prescrição intercorrente na execução fiscal é a inatividade processual, a impossibilidade de o credor agir (inércia), não por sua culpa, mas em razão da falta de bens ou do próprio devedor (execução frustrada). É possível afirmar que o legislador não teve a intenção de padronizar o prazo para todas as execuções fiscais. O procedimento do art. 40 da Lei de Execução Fiscal começa com a impossibilidade de localizar o devedor ou encontrar seus bens, entretanto tais fatores só podem ser averiguados na constância do processo, após as diligências mínimas da Fazenda e do Judiciário. Na prática de uma ação de execução fiscal há várias diligências possíveis a serem realizadas tanto pelo Poder Judiciário quanto pela para exequente visando à localização do devedor ou de bens penhoráveis. Em caso de retorno de “AR” com tentativa infrutífera para citação do devedor surge várias possibilidade a depender da informação prestada pelos correios, por exemplo, é possível o ente fazendário solicitar consulta em sistemas alternativos, (SIEL, INFOJUD, CADSUS), de acesso restrito ao judiciário para buscas de novos endereços ou ainda realizar diligências internas com auxílio da Secretaria da Fazenda, assim como o requer nova tentativa de citação por oficial de justiça, e, posteriormente por edital. Já em relação a localização de bens penhoráveis, é possível requerimento de diligências de competência privativa do Poder Judiciário com buscas no sistema SISBAJUD, RENAJUD, Declaração do Imposto de Renda, dentre outros. Todas essas diligências são mínimas, necessárias e realizadas enquanto a execução encontra-se em seu andamento regular. Depois de realizados todos os possíveis impulsos úteis que conduzam a satisfação do crédito tributário, é possível a suspensão do processo pelo prazo de 1 (um) ano, seja em razão de decisão judicial clara nesse sentido intimando a Fazenda Pública, seja em razão de pedido expresso do ente público. Depois de operado o prazo de 1 (um) ano de suspensão sem manifestação da Procuradoria Fazendária, ocorre o arquivamento do processo, sem baixa na distribuição, de forma automática, dispensada a intimação da Fazenda Pública. Transcorrido o prazo de 05 (cinco) anos do arquivamento provisório a Fazenda Pública deverá ser intimada para manifestar sobre a fluência do prazo da prescrição intercorrente não podendo ser decretada de ofício por envolver direito patrimonial, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça[19]. Dessa forma, o artigo 40 e seus §§ não podem ser utilizado de forma estanque e irrestrita para todas as execuções fiscais apenas com intuito de reduzir o número de ações de execuções fiscais, mas é necessário a sua aplicação de acordo com marcha processual de cada caso concreto sempre à luz de sua finalidade precípua que é a satisfação do crédito tributário aliado aos princípios da segurança jurídica, efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo.   1.5. Da aplicação da prescrição intercorrente após o Resp. 1.340.553 O Ministro Relator Mauro Campbell Marques converteu o Agravo em Recurso Especial nº 217.042 no Recurso Especial nº 1.340.553 para ser julgado conforme o rito dos Recursos Repetitivos que resultou na fixação das seguintes teses:   “4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução; 4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 – LEF, findo o  qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato; 4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromperem o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos -, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera[20]”.   Embora exista controvérsia sobre o marco inicial para a contagem da suspensão e do prazo da prescrição intercorrente a fixação das teses no Recurso Especial n.º 1.340.553/RS traz certa perplexidade, pois está na contramão do princípio processual da cooperação, da legítima confiança e da segurança jurídica, se aproximando a tese da jurisprudência defensiva com o afã de reduzir o número de processos em tramitação, causando grande prejuízo ao erário público e ocasionando a extinção de milhares de execução fiscal que tramitava em todas as varas do país.[21] Nesse tópico iremos tratar apenas dos itens 4.1, 4.2 e 4.3 que influenciam diretamente na contagem do prazo de suspensão e da prescrição intercorrente. A primeira tese (item 4.1 do acórdão), ao fixar que o prazo de suspensão de 1 (um) ano tem início, automaticamente, na data da ciência da fazenda pública sobre a não localização do devedor ou dos bens penhoráveis criou uma espécie de suspensão virtual, pois nesse primeiro momento em verdade a Procuradoria Fazendária providencia o impulsionamento do processo justamente com o objetivo de localizar o devedor ou bens penhoráveis. A citação inicial nas ações de execução fiscal ocorre, preferencialmente e majoritariamente, por correio. No caso da primeira tentativa de citação, por correio, restar infrutífera a parte exequente realiza diligências internas possíveis e faz requerimentos ao Poder Judiciário para andamentar o processo, podendo inclusive, requerer a citação por oficial de justiça, para seguidamente, caso infrutífera a segunda tentativa, requerer a citação por edital. Em relação a intimação da não localização de bens penhoráveis, temos que na prática, a primeira tentativa ocorre com o requerimento de busca de valores em dinheiro por meio do SISBAJUD ferramenta de uso privativo do Poder Judiciário, a partir desse momento há prosseguimento nas buscas por outros bens que na maioria das vezes também é privativo do judiciário, como busca de veículos por meio do RENAJUD, Bens declarados no Imposto de Rende, bens imóveis, dentre outros. Observe que é antagônico atribuir à contagem do prazo de suspensão do processo se em verdade o processo está em seu andamento regular, ou seja, não é possível que o processo esteja suspenso e prosseguindo ao mesmo tempo. A contagem do prazo conforme fixado no repetitivo traz insegurança jurídica e prejuízo aos entes públicos, principalmente, aqueles menores, que não dispõe de meios tecnológicos para acompanhar a suspensão virtual criada pela jurisprudência e acompanhar todos os prazos de requerimentos realizados dentro do processo, pois o prazo do juiz e dos auxiliares da justiça é impróprio. Aqui cabe a reflexão de que o advogado público atua, normalmente, com uma realidade de mais de 10 (dez) mil processos de execução fiscal. Nesse cenário, vários processos de execução fiscal serão extintos sem ao menos esgotar todos os meios possíveis e disponíveis para localizar o devedor ou bens penhoráveis, tendo em vista que o prazo do Poder Judiciário é impróprio, e, a parte exequente não tem qualquer influência no cumprimento do mesmo. Na sistemática anterior ao julgamento do Resp. 1.340.553, quando o processo executivo era suspenso por 1 (um) ano a Fazenda Pública era intimada e, naquele momento, no processo específico em que foi proferida a decisão determinando o início da suspensão a parte exequente, por meio do Procurador Fazendário, tem pleno conhecimento das diligências já realizadas e as possíveis medidas que devem ser tomadas durante o lapso temporal para evitar a prescrição intercorrente, já com o novo entendimento repetitivo do Superior Tribunal de Justiça inúmeras execuções podem ser extintas sem ao menos esgotarem todos os meios processuais possíveis para a satisfação do crédito tributário. Apesar de a prescrição ter enfoque em suposta punição por inércia da parte, na sistemática anterior ao julgamento do Resp. 1.340.553, ao reconhecer a prescrição intercorrente existia uma sensação de justiça, pois havia a identificação da impossibilidade e a inutilidade do prosseguimento do processo para atingir a sua finalidade, ou seja, tanto a Fazenda Pública, quanto o Poder Judiciário em regime de colaboração, esgotaram todos os meios possíveis para a satisfação do crédito executado. Não é justificável uma aplicação estanque do prazo para o término da ação de execução fiscal sob o argumento da existência de excesso de pedidos dilatórios, pois para evitar esse prolongamento injustificado do processo o magistrado tem meios para inibir. Essa pressa do Poder Judiciário para fixar o prazo de início da suspensão, para logo iniciar o prazo de prescrição intercorrente ofende o principal objetivo do Judiciário que é dar justiça aos jurisdicionados, além de aumentar a sensação da sociedade que não pagar tributos compensa, desprestigia aqueles que cumprem o seu dever fundamental de pagar os tributos. A segunda tese firmada (item 4.2 do acórdão) deliberou quanto ao termo inicial do prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Os ministros entenderam que o término do prazo de 1 (um) ano de suspensão ocorrerá independentemente de petição da Fazenda Pública ou do pronunciamento judicial. Assim, após o término do prazo de 1 (um) ano de suspensão, se iniciará automaticamente o prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Durante o período do prazo de 05 (cinco) anos, o processo deverá ficar arquivado (sem baixa na distribuição), nos termos do artigo 40, parágrafos 2º, 3º e 4º da LEF. Após o esgotamento do prazo da exigibilidade, e depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá o juiz reconhecer de ofício a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.[22] Novamente o Superior Tribunal de Justiça criou um arquivo provisório virtual, pois na prática os processos estão em andamento, ou seja, as diligências necessárias e úteis para a satisfação do crédito executado não se esgotaram no primeiro ano de suspensão, e, não há remessa para o arquivo, mas sim regular prosseguimento da ação durante esse período de 05 (cinco) anos de contagem da prescrição intercorrente nos moldes fixados no repetitivo. Nesse ponto, aplica-se tudo que já foi argumentado em relação à suspensão virtual, pois é inconcebível a punição pela inércia da parte, se na prática o processo encontra-se ativo em marcha normal. Se, em regra, a prescrição é indissociável da ideia de inércia do titular de uma pretensão em exercê-la, uma sanção pelo não exercício de uma pretensão no tempo, como é possível contar a prescrição intercorrente durante o andamento processual? Nesse ponto, leva-se em consideração para fins da contagem do prazo prescricional não apenas a condução processual da parte exequente, mas também a própria morosidade do Poder Judiciário, penalizando duplamente o erário, primeiro pela extinção prematura da ação executiva sem esgotar todos os meios necessários e úteis para satisfação do crédito tributário, segundo por computar o prazo impróprio do judiciário no curso do prazo da suposta suspensão e da prescrição intercorrente. Já na terceira tese (item 4.3 do acórdão) o Superior Tribunal de Justiça inovou criando uma hipótese de causa interruptiva da prescrição intercorrente que se aplica apenas para os casos em que já houve citação, porém não foi localizados bens a penhora. Nessa situação, a Fazenda Pública deve requerer localização dos bens do devedor no prazo de seis anos (1 (um) ano de suspensão + 05 (cinco) anos de prescrição).  Após esgotado o referido prazo, não será mais permitida a juntada de petição requerendo localização de bens, mas as petições juntadas antes do prazo surtirão efeitos quando, a qualquer tempo, forem encontrados bens do devedor. Isso porque a prescrição intercorrente deve ser considerada interrompida e retroagirá à data do protocolo da petição que requereu a providência infrutífera.[23] Essa terceira tese decorre das teses excêntricas fixadas nos itens 4.1 e 4.2 que autorizam aos magistrados extinguirem as execuções fiscais no prazo fixo de 06 (seis) anos independentemente da situação processual que se encontre, inclusive, se não fosse criada a interrupção do item 4.3 por localização de bens do devedor decorrente de requerimento realizado antes do decurso do prazo, estaríamos diante de uma exótica situação jurídica de extinção do executivo com bens penhorados, simplesmente porque decorreu o prazo estanque determinado pela jurisprudência para término do processo. Na prática de uma vara de execução fiscal após a penhora dos bens pode existir um longo caminho a ser percorrido em virtude do sistema processual brasileiro que, na maioria das vezes, não é possível cumprir dentro do prazo de 06 (seis) anos fixado pelo Superior Tribunal de Justiça. No item 4.3 do acórdão ainda cabe à discussão sobre a reserva de lei complementar para tratar sobre hipótese de interrupção de prescrição em matéria tributária. Essa tese também desconsidera os poderes do Juiz para gerir o processo. De fato, nem a Procuradoria da Fazenda Pública nem o Juiz são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão, mas é o próprio artigo 40 que estabelece que o Juiz proferirá o despacho para iniciar a suspensão. O entendimento de que a suspensão é automática exclui da possibilidade de apreciação do Juiz o caso concreto, avaliando se, de fato, não é possível localizar o devedor ou os bens penhoráveis. É o Juiz quem deve compulsar os autos e fazer a análise a respeito das tentativas de citação do devedor (HOFF, 2018). A Ministra Assusete Magalhães também revelou sua preocupação com a tese 4.1 estabelecida pelo Min. Relator (HOFF, 2018, p. 54). “Não se pode retirar do Juiz da execução o poder-dever de dirigir o processo. Na suspensão automática, o magistrado sequer teria conhecimento de que se mostrou desprovida de êxito a tentativa de citação ou de localização de bens do executado. O feito voltaria para o cartório e repousaria inalterado no escaninho, até posterior impulso do exequente, se fosse o caso. Seria autorizar uma espécie de automatização indesejável do processo de execução fiscal, à revelia da disposição do caput do art. 40 da Lei 6.830/80, que restaria violado. A observância desse comando legal não torna o juiz senhor do início do prazo prescricional, notadamente se fixadas as teses ora propostas. Não me parece ser esse o enfoque da LEF, que apenas lhe confere o poder, que se mostra inerente ao exercício da atividade jurisdicional, de bem proceder à condução do processo”. Nessa senda, a tese sustentada pelo Ministro Hermann Benjamin revela-se muito mais adequada à teleologia do processo de execução fiscal: “Assim, para os fins do art. 40 da Lei 6.830/1980, a exegese mais adequada é aquela segundo a qual a suspensão da Execução Fiscal não é automática, mas depende da constatação, pelo magistrado responsável pela condução do processo, de situação de crise (suspensão-crise), isto é, de que o processo não possui condições regulares de prosseguimento, uma vez que tanto o Poder Judiciário quanto a parte interessada (Fazenda Pública credora) não obtiveram meios para localizar o devedor ou os bens passíveis de constrição”. Não é difícil encontrar processos executivos com requerimentos da Fazenda Pública para serem apreciados a mais de ano, portanto levar em consideração esse prazo para finalização do processo ofende o próprio direito de acesso à justiça, prejudica o erário, desprestigia os contribuintes que pagam os tributos, incentiva a inadimplência e desvirtua o objetivo da execução fiscal. Com todo respeito jurídico, não comungamos do posicionamento dos Ilustres Ministros do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 1.340.553/RS. A prescrição intercorrente está vinculada a um implícito dever de natureza processual de dar impulso útil ao processo executivo, assim à fixação de um prazo estanque durante o andamento regular do processo descaracteriza a própria natureza jurídica do instituto, pois estão atribuindo todas as intercorrências processuais como se fossem responsabilidades exclusivamente da parte exequente, como por exemplo, o prazo impróprio do magistrado e dos auxiliares da justiça e as diligências privativas do Poder Judiciário, além de esvaziar o poder-dever de condução do processo pelo magistrado. Aqui não se defende a perpetuação ad eternum dos executivos fiscais, mas o respeito ao devido processo legal e as peculiaridades de cada caso concreto.   Conclusão A prescrição intercorrente na execução fiscal, é um tema que gera controvérsias no sentido de fixação do marco inicial e final para a contagem do prazo e o julgamento do Recurso Especial 1.340.553/RS em sede de recursos repetitivos, teve a intenção de solucionar essa situação. Inicialmente realizamos um breve relato sobre a formação do título executivo extrajudicial e do início do processo de execução fiscal, posteriormente adentramos na teoria e na prática da prescrição intercorrente dando enfoque na aplicação do instituto antes e depois do Recurso Especial 1.340.553/RS, assim como o papel do Poder Judiciário e da Procuradoria Fazendária para o atingimento da finalidade do executivo que é a satisfação do crédito tributário. Vimos que a operacionalização do artigo 40 §§ 1º e 2º da Lei de Execução Fiscal, depende muito mais de uma atuação colaborativa entre o Poder Judiciário e a parte exequente do que apenas da Fazenda Pública, tendo em vista os inúmeros atos processuais e diligências que são de competência privativa ou subsidiária do judiciário. Outrossim, automatizar o prazo recursal desconstrói toda a finalidade da ação de execução fiscal retirando do juiz o poder-dever de dirigir o processo, atribuindo penalidade excessiva a parte exequente que suportará o escoamento do seu prazo para a busca da satisfação do crédito executado por mora que não lhe é imputável, além de tornar o executivo pró-contribuinte, prejudicando o erário. Ademais, ao automatizar o prazo da suspensão do processo e da prescrição intercorrente criando a figura da suspensão virtual, do arquivo provisório virtual e de uma nova hipótese de interrupção da prescrição, a decisão se aproxima de uma jurisprudência defensiva mais preocupada com a gestão processual voltada à redução de processos em tramitação, beneficiando o devedor mal-intencionado, a ocultação de bens, desprestigiando o contribuinte que se esforça para pagar seus tributos, avançando os limites que respeitam a harmonia e a independência entre os Poderes, criando soluções que geram potencial desequilíbrio de ordem social e econômica[24]. Com todo respeito jurídico, não compartilhamos com o entendimento dos Ministros em relação à fixação de prazos estanques sem levar em consideração o espírito legislativo, a prática forense das Varas da Fazenda Pública de inúmeros Municípios do país, retirando o poder de condução do processo do magistrado e punindo excessivamente a parte exequente, e reflexamente toda a coletividade.
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As Decisões Judiciais Frente À Pandemia E A (In)capacidade Contributiva Tributária
O presente artigo é embasado por um estudo bibliográfico e jurisprudencial detalhado do princípio da capacidade contributiva e a sua aplicação no Direito Tributário. Nesse trabalho, observa-se que essa premissa que garante a isonomia tributária, respeitando assim a dignidade da pessoa humana. Além disso, há uma análise acerca dos efeitos da crise humanitária, social e econômica decorrente da pandemia do COVID-19 na arrecadação de tributos brasileiros. Destaca-se a necessidade de adoção de medidas pelos entes federados para amenizar a dificuldade econômica dos indivíduos e a baixa na arrecadação tributária. Evidenciam-se as decisões do Poder Judiciário quando questionado acerca da redução ou até mesmo da ausência da capacidade contributiva frente à pandemia do Coronavírus. Por fim, demonstram-se os fundamentos judiciais para a impossibilidade de suspensão dos tributos pelos juízes, por norma.
Direito Tributário
Introdução             A pandemia causada pelo Coronavírus tornou-se um fato histórico mundial, porque trouxe um caos global, caracterizado, ao mesmo tempo, por uma crise sanitária, humanitária e socioeconômica. Por conta de medidas para proteger o Brasil, para tentar controlar a disseminação do COVID-19, muitos cidadãos e pessoas jurídicas acabaram enfrentando uma das maiores crises financeiras. Como reflexo dessa crise econômica mundial, é possível perceber a queda na arrecadação dos encargos tributários brasileiros, afetando diretamente os cofres públicos estatais, dificultando a prestação de serviços essenciais. Esse artigo visa demonstrar a importância da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva na tributação em frente a pandemia do COVID-19, evitando assim o aumento da desigualdade social, além da análise do comportamento do Poder Judiciário quando questionados diretamente sobre isso. O presente trabalho vai abordar de forma minuciosa sobre o princípio da capacidade contributiva, demonstrando também o quanto a arrecadação fiscal foi afetada no Brasil, devido à pandemia. Além disso, irá fazer uma análise das decisões quando o Poder Judiciário é abordado para decidir sobre a aplicação desse princípio diante da dificuldade em recolher os tributos brasileiros diante da pandemia.   O princípio da capacidade contributiva é considerado um desdobramento do fundamento da isonomia tributária, porque garante que haja um tratamento igualitário para os contribuintes que possuam a mesma capacidade de dispor de seus recursos financeiros para arcar com os encargos fiscais e, ao mesmo tempo, que também haverá distinção para os contribuintes que possuam capacidade econômica diferentes. Em outras palavras, esse fundamento tributário é o que vai garantir a máxima do princípio da isonomia do direito geral nesse ramo jurídico, ou seja, tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade no que se refere ao Direito Tributário, ou seja, é esse princípio que vai trazer a justiça da tributação.             O jurista Cláudio Carneiro (2020, p. 467) inclusive afirma que “Vale ressaltar que a igualdade genérica já existia quando a igualdade tributária foi preconizada por Adam Smith, que a chamava de princípio da justiça tributária, exteriorizando que os súditos deveriam contribuir de forma proporcional às suas capacidades. Daí por que temos hoje uma íntima relação do princípio da capacidade contributiva como forma de prestigiar a isonomia tributária. Ocorre que no Brasil, com a teoria da personalização do imposto, essa igualdade deixou de ser simplesmente matemática, ou numérica, ou real, para ser uma igualdade pessoal, justificada pelas condições pessoais do contribuinte, daí as isenções de tributos reais (IPTU, IPVA, IPI etc.), que, repisa-se, levam em conta a pessoa do titular da coisa, daí termos uma igualdade econômica e uma igualdade jurídica” Ademais, a capacidade contributiva está intimamente interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o contribuinte não deve ser tributado de modo que afete a sua subsistência mínima de forma digna. Em suma, a pessoa deve arcar com o custeio dos tributos, mas conforme sua capacidade econômica, de modo que não prejudique o cidadão, atingindo assim o seu mínimo existencial. Destaca-se assim, que a dignidade do ser humano e a garantia do básico para a sua sobrevivência e de seus familiares, deve ser preponderante e superior ao poder de tributar do Estado. Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva é possível ser visualizado na análise, tanto do indivíduo que não pode ser tributado, se for afetar o seu mínimo vital, quanto do cidadão detentor de riquezas econômicas, que não pode ser tributado de forma excessiva que torne confisco de seus bens, desestimulando assim os contribuintes à geração de riqueza. Além do mais, a natureza jurídica desse princípio para alguns doutrinadores como Claudio Carneiro, Sacha Camon trata-se de uma limitação constitucional ao poder de tributar. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou-o como uma norma programática, ou seja, uma orientação a ser seguida pelo legislador infraconstitucional e que poderia ser retirada da constituição através de uma emenda constitucional. (CARNEIRO, 2020, p. 142). Essa premissa tributária é considerada por muitos doutrinadores como um princípio de sobredireito ou metajurídico, isto é, tem o dever de conduzir todo o sistema tributário, mesmo que não fosse expresso na Carta Magna brasileira. Contudo, a Constituição Federal de 1988 trata explicitamente do princípio da capacidade contributiva, no parágrafo primeiro do seu artigo 145: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” No campo doutrinário, esse termo “sempre que possível” é entendido por duas vertentes, na primeira – que será sempre possível fazer a análise da capacidade contributiva em qualquer tributo, e na outra é a interpretação literal do texto constitucional, em qual a capacidade contributiva deveria ser aplicada nos impostos pessoais, ou seja, haverá situações em que o Estado ficará impossibilitado de aplicar o princípio. Frisa-se, que essa expressão não torna a aplicação do princípio uma faculdade para o legislador ou intérprete da lei. Note-se que o texto constitucional supracitado afirma que o princípio da capacidade contributiva é aplicado aos impostos, porque são neles que a sua aplicação será indiscutivelmente visualizada. É importante ressaltar, que embora a legislação constitucional só se refira à espécie tributária dos impostos, já é um consenso para grande parte da doutrina que esse princípio é aplicável aos demais tributos, desde que respeitado as suas particularidades. Do mesmo modo, é notória a sua aplicação no tocante aos empréstimos compulsórios; as contribuições, como, por exemplo, a contribuição social sobre o lucro, também pode ser aplicado às contribuições previdenciárias. Além disso, isso já foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário n. º 406.955/MG, no qual confirmou o entendimento que “todos os tributos submetem-se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos. ” Contudo, ilustres doutrinadores como Leandro Paulsen e Hugo de Brito Machado afirmam que não seria possível a aplicabilidade desse princípio no que se refere a espécie tributária de taxas, por ser um tributo contraprestacional, ou seja, tem como fato gerador a prestação de uma atividade estatal, não sendo possível assim analisar a capacidade contributiva do tributado. Em frente a essa corrente, há ilustres tributaristas como Ricardo Lobo Torres que afirma que o princípio aqui discutido deve ser aplicado de forma negativa, em outras palavras, analisaria a incapacidade contributiva dos cidadãos. Embora haja essa discussão doutrinária, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já possui julgamentos em sentido contrário, como, exemplificado, no Recurso Extraordinário nº 232.393/SP, em que foi discutido a possibilidade de considerar a área do imóvel do contribuinte ao calcular a taxa de coleta de lixo, e no Agravo Regimental no RE 176.382-5 CE, na discussão da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários. Nesses casos citados na jurisprudência, utiliza-se a premissa que para a base de cálculo do tributo existe alguma riqueza do contribuinte, por exemplo, quem possui um imóvel maior presume-se que produz mais lixo de quem tem um imóvel menor, justificando assim a utilização do valor venal da propriedade urbana para analisar a capacidade contributiva ao aplicar a taxa de coleta de lixo, assim como na taxa de fiscalização da CVM, em que tem como critério para base de cálculo o patrimônio líquido da empresa. Por fim, o princípio da capacidade contributiva tenta amenizar as desigualdades sociais existentes e estimula o desenvolvimento social, pois o FISCO não irá cobrar ou amenizará a arrecadação tributária dos menos privilegiados economicamente, e recolherá mais dos contribuintes que possuem mais riquezas tributáveis.   1.1 Espécies da capacidade contributiva 1.1.1 A capacidade contributiva objetiva A capacidade contributiva, por um lado haveria a capacidade objetiva ou absoluta que é observada pela simples análise do aspecto econômico, isto é, uma verificação de indícios de riqueza do contribuinte, descontando os gastos necessários para a geração daquele patrimônio ou renda. Sendo assim, o cidadão ao ser tributado, deveria ser analisado seu patrimônio líquido.   1.1.2 A capacidade contributiva subjetiva Por outro lado, a capacidade subjetiva (relativa ou pessoal) vai analisar as características pessoas desse cidadão, vai considerar todos os seus gastos pessoais, como alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, ou seja, considerará a renda líquida do contribuinte, como, por exemplo, acontece no Imposto de Renda, em que se analisa a quantidade de dependentes, que se deduzem os gastos com plano de saúde e/ou despesas com educação. Parte significativa da doutrina, defende que a Carta Magna, ao expressar o princípio da capacidade contributiva se refere a sua capacidade subjetiva, porque observa a capacidade econômica real do contribuinte, garantindo assim que ele é capaz de arcar com a carga tributária, sem renunciar ao que seria imprescindível para a sua sobrevivência e de sua família. Há juristas que afirmam ser a aplicação da teoria da personalização ou personificação, em que o tributo necessita se ajustar as condições pessoais de cada contribuinte.   1.2 Subprincípios da capacidade contributiva 1.1.2 Progressividade A progressividade fiscal é uma técnica na qual se utiliza as alíquotas progressivas para aplicar o princípio da capacidade contributiva, ou seja, as alíquotas irão variar segundo a capacidade econômica do contribuinte.  Nesse caso, pode-se visualizar que quanto mais o indivíduo ganhar, mais terá o ônus de pagar os tributos. Esse subprincípio pode ser aplicado tanto aos impostos pessoais, quanto aos reais. Além disso, a progressividade pode ser considerada simples – quando há variação de alíquotas conforme o aumento da base de cálculo – ou gradual – que será visualizada quando há a aplicação de alíquotas maiores somente nos valores que ultrapassarem a parte da base de cálculo referente a alíquota mínima, havendo uma tabela progressiva, como, por exemplo, o que ocorre no Imposto sobre Renda. Dessa forma, por ser a progressividade gradual a mais eficiente para promover a justiça na tributação, ela é a adotada pelo direito brasileiro, via de regra. Há um entendimento jurisprudencial no sentido que essa progressividade das alíquotas nos impostos reais somente pode ser aplicada com expressa previsão constitucional. Desse modo, seriam progressivos apenas: a) o Imposto sobre a Renda, no artigo 153, §2º, I da Constituição Federal – no qual se tributa menos o contribuinte com menor capacidade econômica, assim como mais o contribuinte que tiver uma maior capacidade econômica; b) o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, no artigo 153, §4º, I da Constituição Federal – que desestimula propriedades improdutivas e c) Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano, no artigo 156, §1º, I e II da Constituição Federal – haverá alíquotas progressivas conforme o valor venal do imóvel, além de acordo com o binômio localização e uso do imóvel. Salienta-se que o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.038. 357 em Agravo Regimental, entendeu que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural também pode ter alíquotas progressivas em razão do tamanho da propriedade rural, desde que cumulado com a observação do grau de utilização da terra, estimulando assim a produtividade do imóvel rural. Ademais, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano – o IPTU poderá ter as alíquotas diferenciadas em relação a sua localização, se é área residencial, comercial ou industrial e/ou a observância se é uma área nobre ou de risco, é aplicado o princípio da capacidade contributiva, ao subentender que quanto mais caro o imóvel, mais condições econômicas teria para ajudar a custear com o Fazenda Estatal. Vale frisar, que a quantidade de imóveis de propriedade do contribuinte não pode ser utilizada como medida para capacidade contributiva, conforme entendimento já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a súmula nº 589. Embora não esteja expressa a progressividade do Imposto sobre Transmissão Causas Mortis e Doação, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 562.045/RS admite a possibilidade de alíquotas progressivas nesse imposto: “É possível aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCMD, pois, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderia expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. A progressividade de alíquotas do imposto em comento não teria como descambar para o confisco, porquanto haveria o controle do teto das alíquotas pelo Senado Federal (CF, art. 155, § 1º, IV). Diferentemente do que ocorreria com o IPTU, no âmbito do ITCMD não haveria a necessidade de emenda constitucional para que o imposto fosse progressivo. ” O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores também não tem previsão expressa quanto às alíquotas progressivas, mas há uma discussão doutrinária que haveria uma progressividade de forma implícita ao afirmar que “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização de veículo”, conforme o artigo 155, § 6º, II da Constituição Federal. Contudo, muitos doutrinadores consideram essa uma progressividade extrafiscal, com fins regulatórios e intervencionistas pelo Estado, diferentemente das alíquotas progressivas com finalidade meramente arrecadatória.   1.1.2 Proporcionalidade Este subprincípio, ao contrário do da progressividade, não aparece de forma explícita no texto constitucional. Ele deve ser aplicado para que o ônus fiscal seja proporcionalmente a riqueza do contribuinte em cada circunstância analisada, assim, haverá a incidência de alíquotas fixas, mas considerará uma base de cálculo variável. A aplicabilidade dele será vista nos impostos reais, aquele quais os fatos geradores são elementos econômicos do bem, não considerando as características pessoais do contribuinte.   1.2.3 Seletividade O subprincípio da seletividade será importante para a capacidade contributiva, porque haverá a aplicação de alíquotas considerando a essencialidade do produto, mercadoria ou serviço, ou seja, os bens mais supérfluos serão tributados com alíquotas maiores que os mais essenciais. A seletividade pode ser notada de forma expressa no texto constitucional tanto no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS,  de forma facultativa, em fulcro ao artigo 155, §2º, III, da Carta Magna que “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”, quanto no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, que será obrigatória, conforme o artigo 153, §3º, I, da Constituição Federal que afirma que “será seletivo, em função da essencialidade do produto”. Alguns tributaristas afirmam que a seletividade também incidiria no IPVA, quando analisa o tipo e a utilização do veículo automotor, e no IPTU, quando haverá alíquotas diferenciadas conforme a localização e utilização do imóvel.   1.3 Consequências da incapacidade contributiva Além do mais, os doutrinadores que defendem a análise da capacidade negativa ou incapacidade contributiva afirmam que deve se analisar sob a ótica de que o contribuinte é incapaz de arcar com aquela tributação sem afetar o suficiente para sua subsistência, por isso justificaria a imunidade ou isenção de algumas espécies tributárias, como se pode ver no caso da taxa e custas judiciárias para os comprovadamente pobres. É possível visualizar também a aplicação negativa do princípio da capacidade contributiva em determinas situações, como no caso de redução ou até mesmo isenção da contribuição de melhoria em locais de residências humildes em que ao pagar esse tributo afetaria diretamente na sua sobrevivência, sendo necessário até vender a própria moradia para conseguir arcar com esse ônus fiscal. Ademais, diante da ausência de capacidade econômica real, o texto constitucional afasta a tributação, caracterizando assim a imunidade, como, por exemplo, as taxas de serviços na obtenção de certidão de casamento e óbito para as pessoas reconhecidas pobres. Existe também a possibilidade de isenção no caso de dispensa de pagamento de tributos por incapacidade contributiva, quando é previsto em legislação infraconstitucional, como no caso de isenção de taxa de inscrição de concurso público para desempregados.   A pandemia do COVID-19 é uma crise sanitária, humanitária e social de dimensão global que atribuiu uma nova realidade mundial. Sendo assim, foi necessário que várias medidas fossem tomadas para tentar controlar a disseminação do Corona vírus, como o controle da liberdade de ir e vir; suspensão das atividades escolares; restrição de acesso aos parques, às praias e áreas públicas que poderia acarretar aglomeração, além do fechamento do comércio não essencial, shoppings, cinemas, feiras públicas. Essas medidas adotadas afetaram a economia de forma direta, porque muitas empresas e trabalhadores autônomos precisaram parar de exercer suas atividades para evitar a propagação do vírus, seguindo as regras impostas pelos entes federados, ora Estado-membro, ora município. Como consequência, esses empresários tiveram o seu orçamento e lucros imediatamente atingidos, porque impossibilitou os ganhos obtidos por venda de mercadorias e prestações de serviços. Logo, sem obtenção monetária, eles ficam impossibilitados de arcar com suas responsabilidades financeiras contratuais, trabalhistas, inclusive, tributárias. Essa instabilidade no setor empresarial afeta toda a sociedade, pois acarreta a falência de várias pessoas jurídicas que não mais conseguirão se manter, e, à vista disso, aumenta o número de desempregos, bens e serviços que deixarão de ser prestados, intensifica a desigualdade social e a diminuição no giro econômico. Diante desse cenário, os entes públicos são diretamente atingidos porque sem a geração de recursos financeiros, não haverá base de cálculos para que incida a tributação. Além disso, O Tribunal de Contas da União divulgou relatório no TC nº 016.841/2020-4, que comprova justamente o quanto a economia e arrecadação tributária foram afetadas por conta da pandemia do COVID-19, porque o PIB brasileiro retrocedeu 4,1% em 2020, quando comparado com o ano de 2019, sendo a pior performance anual desde 1996, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E como consequência disso, pode-se observar que houve um déficit de R$ 743,1 bilhões em 2020, segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional, justificado pela expressiva queda na arrecadação, que teve uma frustração de R$ 125,96 bilhões de reais de recebimento tributários. Em decorrência dessa pandemia enfrentada, o Brasil teve que acionar o sistema constitucional de crise e declarar o estado de calamidade pública por meio do decreto legislativo nº 06/2020, como mecanismo em prol da saúde pública. Por intermédio desse decreto, foi suspenso normas de licitação e metas fiscais. Ademais, a arrecadação estatal não pode deixar de ocorrer visto que para o governo atuar é preciso da tributação, ou seja, não dá para acabar com a cobrança tributária, pois é dela que vem os recursos para cumprir as necessidades estatais, inclusive as ações afirmativas para o controle da pandemia e a prestação de serviço de saúde para os que precisam, além de os demais serviços estatais prestados. Dessa forma, é necessário a adoção de respostas normativas estatais para resguardar as empresas, conservar o maior número de empregos possíveis e até mesmo preservar a capacidade contributiva dos indivíduos. Por isso, Arthur M. Ferreira Neto e Alexandre Ravanello afirmam que: “medidas urgentes estão sendo adotadas pelo Legislativo e pelo Executivo, de modo a dar algum alívio momentâneo para o empresariado. No entanto, tais medidas foram estruturadas em termos gerais e abstratos ou para acudir prioritariamente esse ou aquele setor econômico, de modo que acabarão deixando de fora dessa rede de proteção inúmeros casos extremos de contribuintes que, dentro da já excepcional crise pandêmica que afeta a todos, estão sendo mais gravemente lesados. E, na casuística dessas situações, caberá ao Judiciário avaliar se esses contribuintes deverão ser abandonados à própria sorte ou se deverão receber alguma proteção extraordinária que lhes permita sobreviver.” (2020, p. 536) Por consequência, a crise provocada pela pandemia do Coronavírus reverbera no Direito Tributário, por isso, o Estado deve tomar atitudes para amenizar a crise e dificuldade no recolhimento tributário. Vale ressaltar, que essas medidas estatais relativizando o cumprimento das legislações tributárias aconteceu de maneira globalizada. Foram adotadas medidas imediatas normativas, como a prorrogação do prazo para pagamentos de tributos ou diferimento no cumprimento de obrigações acessórias; a propositura de criação de tributos excepcionais; a redução temporária, a isenção ou a alíquota zero de alguns tributos. Ademais, De acordo com estudo realizado pelo Núcleo de Tributação do Centro de Regulação e Democracia do INSPER, que analisou as medidas tributárias adotadas por 43 (quarenta e três) países, dessas ações a mais adotada foi o diferimento do pagamento dos tributos, por ser considerada uma medida imediata, para tentar manter as empresas e, por consequente, a econômica funcionando; seguida pela diminuição da carga tributária e postergação das obrigações acessórias. Além disso, a criação de tributos excepcionais é prevista constitucionalmente, de forma expressa, como pode ser observado na possibilidade de instituição de empréstimos compulsórios, conforme o artigo 148, I, da Carta Magna Brasileira, “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; (…) Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.”. Inclusive, há em trâmite um projeto de Lei Complementar nº 34/2020, que institui o Empréstimo Compulsório visando atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública devido a pandemia do COVID-19. Outrossim, o Estado Fazendário que depende da receita da tributação para prestação da atividade estatal, a falta de arrecadação decorrente da pandemia, provoca, por ventura, a necessidade de obter mais recursos. Alguns juristas afirmam, inclusive, que deveria ser criado o Imposto sobre Grandes Fortunas, a contribuição que incida sobre a movimentações na Bolsa de Valores, tributos sobre transação digital, já que com a pandemia haverá um agravamento da situação dos mais pobres, e os mais privilegiados financeiramente deveriam arcar com mais contribuições tributárias. Já que é devidamente comprovado por “estudo desenvolvido por pesquisadores do Ipea e publicado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD) mostrou que o Brasil está no grupo de cinco nações em que a parcela mais rica da população recebe mais de 15% da renda nacional. O 1% mais rico do Brasil concentra entre 22% e 23% do total da renda do país, nível bem acima da média internacional”. (VITTORIA, Aline Della, 2020).   2.1 Reflexos da pandemia no direito tributário brasileiro O reflexo disso, no direito tributário brasileiro, pode se observar no âmbito federal: na Medida Provisória nº 899/2020 – em que houve a suspensão do prazo para empresas recolherem o Simples Nacional para a União; a redução das contribuições do Sistema “S” de forma temporária, em fulcro a Medida Provisória nº 932/2020; a suspensão do prazo para as empresas pagarem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; através da Lei 173/2020 suspendeu o pagamento das dívidas previdências com o Regime Geral da Previdência Social e da contribuição patronal dos Regimes Próprios de Previdência. Também houve a redução a zero de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto sobre a Importação de Produtos estrangeiros e tarifas de importações de bens e produtos de uso médico-hospitalar e farmacêuticos utilizados diretamente para o combate do Coronavírus; isenções do Imposto sobre Operações Financeiras nas operações de crédito da conta COVID; prorrogação do prazo para a entrega da declaração do Imposto sobre a Renda. Além disso, modificaram o atendimento na Receita Federal, houve a suspensão dos seus processos, além dos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, o prazo da validade de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de débitos foram prorrogados por 90 (noventa) dias, dentre outras medidas.   2.2. Medidas possíveis a ser adotadas no direito tributário 2.2.1. Prorrogação do prazo de vencimento             O diferimento do prazo do vencimento dos tributos foi a medida mais adotada pelos entes tributantes, tanto em âmbito mundial, quanto nacional para tentar amenizar a situação deixada pela crise econômica-tributária decorrente da pandemia do covid-19. Ademais, consistirá na prorrogação, de forma administrativa, do prazo do vencimento para quitar com o tributo, sem adicional de juros. Essa alteração do prazo pode ser realizada por meio de decretos ou normas complementares, conforme decisão de Recurso Extraordinário nº140.669/PE pelo Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. ART. 66 DA LEI Nº 7.450/85, QUE AUTORIZOU O MINISTRO DA FAZENDA A FIXAR PRAZO DE RECOLHIMENTO DO IPI, E PORTARIA Nº 266/88/MF, PELA QUAL DITO PRAZO FOI FIXADO PELA MENCIONADA AUTORIDADE. ACÓRDÃO QUE TEVE OS REFERIDOS ATOS POR INCONSTITUCIONAIS. Elemento do tributo em apreço que, conquanto não submetido pela Constituição ao princípio da reserva legal, fora legalizado pela Lei nº 4.502/64 e assim permaneceu até a edição da Lei nº 7.450/85, que, no art. 66, o deslegalizou, permitindo que sua fixação ou alteração se processasse por meio da legislação tributária (CTN, art. 160), expressão que compreende não apenas as leis, mas também os decretos e as normas complementares (CTN, art. 96). Orientação contrariada pelo acórdão recorrido. Recurso conhecido e provido.” Por causa disso, torna-se a medida mais adotada, porque dependeria apenas do próprio Poder Executivo, sendo a mais célere ação para amenizar a crise econômica. Nesse caso, não haverá renúncia, nem diminuição da arrecadação tributárias, apenas a sua postergação.   2.2.2. Moratória e parcelamento             Tanto a moratória, quanto o parcelamento são hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário. Esses dois institutos estão previstos no Código Tributário Nacional. Na moratória, haverá a dilação do prazo para a quitação do tributo vencido e depende de lei autorizativa, que bastará para a moratória geral, pois será ela que determinará as condições para os contribuintes se beneficiarem. Contudo, quando se tratar de moratória individual, haverá além da lei, a atuação administrativa por despacho administrativo para obter a concessão do benefício. Já o parcelamento, incide no requerimento a Fazenda Estatal que autorize para que o pagamento seja realizado em parcelas após o vencimento dos créditos tributários. Essa prorrogação deverá ser concedida por lei autorizativa, na forma e nas condições que ela determinar, se diferenciando da moratória porque nesse caso incidirá juros e multas. Os dois institutos “são meios reconhecidos de atuação diante situações de crise política e econômica de extrema gravidade, porque reconhecem a dificuldade para o pagamento (LIBERTUCI, 2012, p.359; BALEEIRO, 2013, p.1256). Como consequência, durante a existência da causa suspensiva, o prazo prescricional para cobrança do tributo deixa de correr, restando obstada a inscrição em dívida ativa ou qualquer outra medida do credor para postular o recebimento do tributo devido (TOMÉ, 2010, p.15). Nas hipóteses de suspensão ou extinção de exigibilidade do crédito tributário, de acordo com a previsão do artigo 97, inciso VI, do CTN, também é necessária a observância do princípio da legalidade (art. 5º, II, CF; art. 150, I e III, CTN). No caso do parcelamento lato sensu e da moratória, segundo artigo 155-A do mesmo Código, deverão ser vinculadas mediante Lei ordinária.” (TEODOROVICZ; BORGES; STEMBERG, 2020)   2.2.3. Remissão A remissão é uma forma de extinção do crédito tributário, em que há o perdão do débito tributário e pode ser adotado, de forma excepcional e mediante uma lei que autorize, para aqueles contribuintes que estão em uma conjuntura financeira extremamente delicada. A propósito, não se confunde com o instituto da anistia, que consiste na extinção da penalidade por infração tributária. Essa possibilidade tem previsão expressa no artigo 172, inciso I do Código Tributário Nacional:  “A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo. ” Salienta-se que a remissão só pode ser concedida por meio de uma lei autorizativa, pelo próprio ente federativo que tem a competência de criar o tributo, pois implica em renúncia de receita tributária. Vale ressaltar, que no planejamento do governo federal ainda não há a possibilidade de remissão em tributos da União por conta da pandemia do Coronavírus.   2.2.4. Desburocratização de medidas administrativas Essas medidas não terão impactos na arrecadação tributárias, mas haverá redução de gastos de recursos públicos e facilitam os processos tributários administrativos. São exemplos: o atendimento ao cidadão através do Telegram para resolver serviços do CPF – Cadastro de Pessoas Físicas; a prorrogação da validade das certidões negativas de débitos e das certidões positivas com efeitos de negativas; a facilitação no fornecimento de informações para fins de obtenção de créditos por empresas de pequeno porte e microempresas, dentre outras. Uma medida que pode ser adotada de forma permanente que caracteriza a desburocratização de medidas administrativas, é a possibilidade do julgamento virtual pelo CARF, porque economiza tempo, além de poupar os cofres públicos nessa modalidade da atividade administrativa.   O princípio constitucional da capacidade contributiva deve ser examinado no momento da elaboração das leis tributárias, para que o mesmo seja previsto tanto no sentido positivo, quanto no sentido negativo. Por conta disso, o Poder Judiciário deverá analisar a aplicação desse princípio com dois enfoques: a) se a lei fiscal criada, em sentido abstrato, respeita à capacidade contributiva, ou seja, se é uma lei constitucional ou se houve omissão legislativa, que acarretaria a inconstitucionalidade do diploma normativo e b) a sua observância no caso concreto, isto é, ao aplicar determina lei ao contribuinte, houve o respeito ou não a sua capacidade econômica real de arcar para angariar recursos estatais. Não há dúvidas que, o Poder Judiciário poderia aferir se houve ou não o respeito ao princípio ao analisar a situação concreta. Entretanto, não cabe aos julgadores substituir o Poder Legislativo e determinar valores a serem pagos a título de arrecadação, sob pena de estar ferindo a função típica dos legisladores. Com a crise pandêmica existente no mundo e os decretos governamentais restringindo as atividades econômicas, a justiça brasileira tem recebido inúmeros processos judiciais que busca resguardar os cidadãos que tiveram sua capacidade contributiva brutalmente atingida. Essas ações geram em torno de pedidos de prorrogação de prazo para pagamento dos tributos, além da suspensão da obrigação tributária, por conta de dificuldade de arcar com o ônus tributário, devida ao colapso econômico gerado pelo COVID-19. Diante desse cenário inesperado e incomum, as ações tributárias surgiram baseadas em alguns fundamentos: 1- o estado de calamidade pública que o Brasil vive, caracteriza um caso fortuito ou força maior; 2- a impossibilidade da atuação das atividades econômicas não essenciais, frente aos decretos proibitivos em prol da saúde pública; 3- a suspensão ou prorrogação dos tributos vencidos, em prol de arcar primeiro com as responsabilidades contratuais e trabalhistas, visto a drástica redução econômica, e assim,  evitar um mais demissões nas empresas. Algumas decisões com esses embasamentos foram consideradas favoráveis como, por exemplo, nos Agravos de Instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, nº 2087677-39.2020.8.26.0000 e nº 2087517-14.2020.8.26.0000, ambos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Agravo de Instrumento nº 0803581-39.2020.8.10.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Entretanto, essas decisões foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme pode ser observado nas Suspensão de Segurança nº 5363; Suspensão de Segurança nº 5373; Suspensão de Segurança nº 5374; Suspensão de Segurança nº 53775; Suspensão De Tutela Provisória nº 185; Suspensão De Tutela Provisória nº 193 e Suspensão De Tutela Provisória nº 439, e nem foram providos o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1308419 e o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1307729. Além disso, tem sido orientado pelos tribunais a decidirem pelo o indeferimento do pedido de suspensão dos tributos, fundamentadas pela possibilidade de causar inseguranças jurídicas e afronta ao princípio da isonomia, pois haveria tratamento diferenciados a contribuintes com mesma capacidade contributiva. Do mesmo modo, haverá ofensa ao princípio da legalidade tributária, porque para a concessão de moratória e/ou parcelamento das espécies tributárias é necessária a criação de uma legislação ordinária autorizativa, que é de competência do Poder Legislativo. Ademais, o Poder Judiciário ao decidir a favor do contribuinte, nessas situações, afrontaria ao princípio da separação dos poderes e estaria invadido as funções típicas do Poder Legislativo – porque o juiz não poderia atuar como um legislador positivo, editado atos normativos em suas decisões, e as funções substanciais do Poder Executivo – ou seja, não poderia substituir os critérios de conveniência e oportunidades da Administração Pública e nem reduzir alíquotas de certas espécies tributárias por meio do decreto. Outro problema devastador é o efeito multiplicador das decisões judiciais, porque uma decisão favorável ao contribuinte refletiria no ingresso de inúmeros processos solicitando a suspensão de pagamento de tributo. Isso afetaria extremamente o orçamento público, afinal são os valores arrecadados pelos tributos que torna possível a atividade estatal, já que é uma das principais fontes da receita pública. Evidencia-se que o Brasil já sobrevive a uma verdadeira crise econômica e uma significativa baixa arrecadatória devido ao caos pandêmico, como observado no Relatório Elaborado pelo Tribunal de Contas da União, anteriormente citado. Nesse momento, o país já possui uma grande dificuldade para manter as atividades estatais necessárias, por falta de recursos suficientes, além das despesas urgentes que surgiram para tentar controlar a disseminação do Coronavírus. Dessa forma, devida a importância da decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli na Suspensão de Tutela Provisória nº 439, que é como o Supremo Federal Tribunal vem, reiteradamente, decidindo nos casos envolvendo a pandemia do Coronavírus e a possibilidade de suspensão do crédito tributário, recorre-se citar trecho desse julgamento: “Não se ignora que a situação de pandemia, ora vivenciada, impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio Estado, em suas diversas áreas de atuação. Mas, exatamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica, em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado, a quem incumbe, precipuamente, combater os nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia. Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento. Apenas eventuais ilegalidades ou violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos, mas jamais – repita-se – promover-se a mudança das políticas adotadas, por ordem de quem não foi eleito para tanto e não integra o Poder Executivo, responsável pelo planejamento e execução dessas medidas. Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa. Ademais, a subversão, como aqui se deu, da ordem administrativa vigente no município de Ribeirão Preto (SP), em matéria tributária, não pode ser feita de forma isolada, sem análise de suas consequências para o orçamento municipal como um todo, que está sendo chamado a fazer frente a despesas imprevistas e que certamente têm demandado esforço criativo, para a manutenção das despesas correntes básicas daquele município. Além disso, a concessão dessa benesse de ordem fiscal a uma empresa denota quadro passível de repetir-se em inúmeros processos, pois todos os demais contribuintes daquele tributo poderão vir a querer desfrutar de benesse semelhante.” Sendo assim, não cabe o Poder Judiciário atuar em relações tributárias no que se refere a suspensão do pagamento de tributos, pois vai além da sua função típica, como supracitado. Contudo, será possível a intervenção judicial – de maneira, excepcional – para respeitar o mínimo existencial do indivíduo e a aplicação do princípio da capacidade contributiva e, consequentemente, o respeito à dignidade da pessoa humana, quando os demais Poderes forem omissos, impedindo o contribuinte de gozar plenamente de seus direitos constitucionais tributários. Em síntese, o Poder Judiciário atuará diante da falta de sensatez e cobrança excessiva ultrapassando os limites da normalidade diante de uma crise humanitária, social e econômica, desde que haja supressão de atitudes do Chefe do Executivo e do Poder Legislativo.   Considerações finais             A pandemia do Coronavírus é um fato histórico, inesperado que atingiu o Brasil em março de 2020. Com isso, afetou a saúde pública brasileira, trazendo à tona uma verdadeira crise social, humanitária e econômica. Infelizmente, a crise financeira e econômica foi agravada pela necessidade de fechamento de locais com possibilidade de aglomeração, como praias, parques, e empresas que vendam mercadorias ou prestem serviços não essenciais. Esses indivíduos impossibilitados de gerar rendas, seja como autônomos, seja como empresas, acabam por ter dificuldades financeiras para arcar com as despesas contratuais, trabalhistas e tributárias. Ademais, alguns cidadãos passam por situação de extrema pobreza, ora por perderem seus empregos, ora por sua forma de obtenção de renda estar dentre as proibidas para tentar controlar a propagação do Coronavirus. Além do mais, a arrecadação tributária é a principal fonte de recolhimento de recursos públicos, do qual custeia os serviços públicos essenciais. E o recolhimento dos tributos pela Fazenda Fiscal sofreu um grande impacto na pandemia, porque o pagamento das diversas espécies tributárias foi deixado em segundo plano, por necessidade de manter o básico vital. Com a pandemia, houve vários gastos urgentes inesperados como medidas de controle para evitar a proliferação do COVID-19, além de aquisições de testes, do aparelhamento e da construção de hospitais de campanha, para tentar amenizar e salvar o maior número de vidas. Houve também uma drástica redução no volume arrecadatório, pela falta de pagamento pelos contribuintes e até mesmo pelas medidas adotadas pelos entes federados, como isenção, alíquotas zeros em alguns determinados produtos utilizados para o controle da pandemia, para tentar amenizar os custos com a pandemia. Com isso, os contribuintes, por estar diante de um cenário fora da normalidade, começaram a buscar o Poder Judiciário, alegando não haver capacidade contributiva no momento, solicitado suspensão do crédito tributário por meio de moratória ou parcelamento. Os juízes e tribunais passaram a decidir que eles não podem fazer vez do Poder Legislativo e criar decisões que são verdadeiras legislações normativas, pois afrontaria os princípios da legalidade tributária, da separação dos poderes, além da isonomia tributária, porque acabaria tratando pessoas com a mesma capacidade contributiva de maneiras diversas. Por fim, o Poder Judiciário só poderá decidir acerca das relações jurídicas tributárias, quando algum ente cobrar tributos de forma abusiva, ferindo assim a dignidade da pessoa humana, afetando o básico vital. Vale ressaltar, que a capacidade tributária é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar. Será por meio desse princípio, que haverá a aplicabilidade da isonomia tributária, pois quem possui mais riquezas deverá arcar com mais ônus fiscal. Deve-se analisar esse fundamento por meio da capacidade contributiva real, em que considera as riquezas pessoais do indivíduo, descontadas as despesas necessárias suas e de sua família, para que assim, haja justiça tributária na arrecadação fiscal.
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Economia Digital e o Conceito de Estabelecimento Permanente. Um Novo Elemento de Conexão
O presente trabalho se propõe a avaliar um novo elemento de conexão em substituição à noção clássica de estabelecimento permanente, que seja capaz de enfrentar os desafios trazidos pela economia digital, especialmente no que tange à bitributação e à identificação do poder tributante.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO  A expansão mundial do número de usuários das plataformas digitais contribuiu para uma relação global sem precedentes. Em razão disso, os agentes econômicos atuantes no segmento de informação digital adaptaram suas estruturas a esse novo contexto.  Os bens intangíveis dominaram o comércio eletrônico. Com o aprimoramento da internet, passou-se, para além da venda de produtos e serviços pelo mercado digital, a consumir esses itens pela própria plataforma digital, a exemplos de música e filmes.  Esse ambiente inovador propiciou a criação de modelos econômicos importantes, com atuação significativa no mercado global atual. São exemplos dessas inovações a computação na nuvem, transmissão de conteúdo digital pela internet, nanotecnologia, moedas virtuais, marketplaces, dentre outros.  A partir disso, notou-se uma revolução perene na sociedade, que transforma em uma velocidade exponencial a forma pela qual as pessoas interagem.  A denominada economia digital cresce 2,5 vezes mais rápido que a economia tradicional, de modo que, em 2025, representará US$ 23 trilhões. No Brasil o cenário não é diferente, pois, em 2021, a economia digital deve corresponder a 25% de todo o Produto Interno Bruto1.  O crescimento acelerado da economia digital impõe grandes desafios às legislações, uma vez que essa foram pensadas a partir da economia tradicional, cujo foco reside na localização física dos contribuintes (residência), na origem dos rendimentos (fonte) e, não menos importante, na presença de uma ação humana de executar ou conceder algo.  A economia digital permite que as empresas interajam com seus consumidores ao redor do globo sem, de fato, possuírem estabelecimentos onde seus produtos e serviços são consumidos. Isso representa uma afronta às noções de residência e de estabelecimento permanente.  Por essa razão, é preciso reavaliar o conceito de estabelecimento permanente, ambientado sob um novo elemento de conexão que seja suficiente e prático, capaz de solucionar os entraves à classificação do poder tributante e à bitributação, prevalecendo a neutralidade e a igualdade nas relações tributárias.   Nesse cenário, o presente artigo busca abordar os principais problemas enfrentados pelo conceito tradicional de estabelecimento permanente em face da economia digital.     O advento da tecnologia resultou em novas formas e modelos negociais, interferindo diretamente nas relações comerciais, seja entre empresa e consumidor, seja entre as corporações relacionadas.  Presencia-se uma constante mudança que transforma, de maneira acelerada, a sociedade e a forma pela qual as pessoas se relacionam e se comunicam. Em termos econômicos, a principal implicação da tecnologia é a forma como a economia digital se apresenta e os mecanismos por ela utilizados para viabilizar a sua manutenção e permanência, que ultrapassam barreiras antes desconhecidas.  Nesse campo dos negócios desenvolvidos na seara da economia digital, há uma perda relevante da importância da ação humana, bem como a presença física se torna prescindível, tendo como protagonista dessa economia o bem intangível.  A partir disso, surgem diversos conflitos atinentes a essa nova economia, eis que o alto fluxo financeiro se tornou uma variável e a maior problemática a ser solucionada. Foram abertas lacunas nos atuais sistemas jurídicos, os quais, pautados em uma economia tradicional, não são capazes de contemplar e gerir essa nova realidade.  De acordo com o Professor Schoeuri2, as transações envolvendo o mercado da internet, em muitos casos, buscam conciliar a venda de mercadorias com prestações de serviços, em negócios jurídicos complexos e de difícil caracterização. Sabe-se que essa aglutinação gera inúmeros debates, como foi o caso do licenciamento de software, levado à Suprema Corte por meio das ADIs nºs 5659 e 1945. Nessa ocasião, o STF decidiu que incide somente o ISSQN, em detrimento do ICMS.  Observa-se, sobretudo, um desafio conceitual: alocar o que é real ou virtual, para definição do momento de ocorrência do fato gerador tributário, bem como da competência tributária. Esse é o caso, por exemplo, da discussão que permeia situações de cloud computing (Iaas, PaaS e SaaS), sharing economy e over-the-top-services, que podem ser assim sintetizados:  Não por outra razão, o conceito de estabelecimento permanente, que representa um dos pilares em matéria de tributação internacional, também vem sendo desafiado.  Instituído como um elemento de conexão para a definição da jurisdição competente para tributar os lucros, receitas, transações e patrimônios de uma empresa, o seu fim precípuo é evitar a bitributação. Isso significa dizer que o estabelecimento permanente opera como um agente limitador, isto é, um nexo econômico/causal que autorize a tributação dos lucros empresariais no país da fonte por não residentes.  Pautado na proposta do modelo da OCDE, em seu art. 5º, existem diversas espécies de estabelecimento permanente, com características distintas. Nesse sentido, é o que se retira, por exemplo, do acordo firmado pelo Brasil com a Finlândia3:  “Art. 5º. Estabelecimento Permanente  7.O fato de uma sociedade residente de um Estado Contratante controlar ou ser controlada por uma sociedade residente do outro Estado Contratante, ou que exerça sua atividade nesse outro Estado (seja através de um estabelecimento permanente ou de outro modo qualquer), não será por si só bastante para fazer de qualquer dessas sociedades estabelecimento permanente da outra”.   Conquanto não haja um consenso sobre a amplitude dessas espécies, a noção clássica de estabelecimento permanente prevê uma instalação fixa para o exercício em todo ou em parte de uma atividade.   Por assim dizer, no que diz respeito aos lucros empresariais auferidos por não residentes, esses valores são tributos no Estado de Residência, exceto na hipótese em que constituído um estabelecimento permanente, cuja acepção foi reproduzida acima, situado no Estado fonte.  As lições do professor Heleno Tôrres4 sintetizam a aplicação do conceito de estabelecimento permanente:  “Numa acepção ampla, como adotado pelos modelos de convenções, a definição de estabelecimento permanente engloba todas as hipóteses de atuação direta das pessoas não-residentes, excetuada a prática de atos isolados, envolvendo tanto as filiais, agências e sucursais como qualquer outra forma de base fixa de negócios instalada no território diverso daquele onde encontra-se a matriz”  Pode-se depreender que a noção clássica de estabelecimento permanente, sedimentado na presença física, congrega para a solução de conflitos no âmbito da economia tradicional. Já na economia digital, na qual imperam diversos novos modelos jurídicos em um ambiente inovador e virtual, o conceito de estabelecimento permanente possui aplicação restrita, uma vez que os agentes econômicos operam em diversos países, sem, de fato, possuírem uma instalação física nesses.  Aliás, com base no conceito clássico de estabelecimento permanente, há um forte estímulo para as empresas de tecnologia deslocarem seus estabelecimentos a jurisdições com tributação favorecida. Isso porque a noção clássica não permite capturar os modelos de negócios de serviços fornecidos em âmbito digital em um determinado território, de modo a atrair, para ali, a competência tributária.  Em função disso, o conceito clássico de estabelecimento permanente, fundado na presença física, deixou de ser efetivo para evitar a erosão das bases tributárias no campo da economia digital.   Surge, a partir disso, a discussão envolvendo a necessidade de elaboração de um novo paradigma a respeito do tema, a fim de instituir um novo conceito de estabelecimento permanente, capaz de lidar com o alto fluxo de dados e a ausência de presença física no território.  Isso porque o desafio da economia digital reside, principalmente, em identificar o país com o poder tributante. Essas são as palavras também do Professor Schoeuri5:  “A percepção da existência de um mercado virtual, que não se encaixa no tradicional binômio nacional/não nacional, permite que se traga à tona a discussão acima sobre a legitimidade da tributação. Com efeito, o mercado virtual, posto que intangível, não é inexistente: há rendimentos sendo produzidos e diversos Estados buscando a sua tributação”.  Focado nesse objetivo, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por meio do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), identificou, na Ação nº 1 (Adressing the Tax Challenges of the Digital Economy), os desafios fiscais decorrentes da economia digital. É o que se passa a analisar.    2. A AÇÃO Nº 01  Foi em 2013, em função de solicitação advinda dos líderes das vinte maiores economias mundiais (G20), que a OCDE promoveu a elaboração de um estudo e um plano para combater a erosão da base tributável a transferência artificial de lucro, mais tarde intitular o Plano de Ação BEPS (Base Erosion and Profit Shifting).  Foram elaboradas 15 Ações, com diferentes temas e finalidades, todas, por sua vez, com o objetivo central de lidar com a erosão da base tributária e a transferência artificial de lucro. Dentre elas, destaca-se a Ação nº 1, destinada a tratar dos desafios da Economia Digital.  A Ação nº 1 se propôs a estruturar novos mecanismos fiscais capazes de lidar com esse avanço tecnológico, com enfoque no (i) deslocamento de estabelecimentos para países de baixa ou nula tributação, (ii) na ausência de regulamentação sobre a transação de intangíveis e (iii) na definição dos sujeitos ativos ou entes competentes para tributar o lucro.  Fundado nesses três pilares, a Ação nº1 sugere que a revolução digital seja acompanhada de uma revolução tributária, adequada ao surgimento de novas bases tributárias. Essa adequação, segundo a OCDE, se dá por meio da (i) neutralidade, (ii) eficiência, (iii) certeza e simplicidade, (iv) efetividade e justiça, (v) flexibilidade e sustentabilidade e (vi) proporcionalidade.  Além das diversas propostas, em especial sobre a criação de um tributo específico para o cenário tecnológico, a OCDE, por meio da Ação nº 1 do Projeto BEPS, também adentrou na discussão quanto ao conceito de estabelecimento permanente.  Nesse aspecto, a OCDE, no que diz respeito à ausência de presença física, sustentou que uma possível solução para esse problema, a conferir ao Estado fonte o poder tributante, seria introduzir um novo elemento de conexão para a tributação: a presença econômica significativa.  Esse elemento consiste, em resumo, na “presença tributável” no país fonte da empresa prestadora de serviços digitais, identificada por meio de critérios que evidenciem uma interação dita permanente e com propósitos, capaz de atribuir ao país da fonte a tributação dos lucros. De acordo com a OCDE, essa presença tributável poderia ser observada com base nos seguintes critérios:  A presença cumulativa desses três critérios, segundo a OCDE, seria suficiente para evidenciar a “presença tributável” no país. Esse novo elemento de conexão operaria como uma alternativa à noção clássica de estabelecimento permanente.  De outra banda, o “Digital Service Tax” (DST), enviesado pela comunidade europeia, compreende uma noção similar, ao partir do conceito de estabelecimento permanente digital ou virtual, cuja identificação também se dá com base em três critérios: (i) quantidade de receita auferida em um país em virtude dos negócios da economia digital; (ii) quantidade de usuários existentes naquele país; (iii) e quantidade de contratos firmados com partes situadas naquela jurisdição.    3. DAS PROPOSTAS ENVIESADAS PELA DOUTRINA   A partir da análise do conceito de estabelecimento permanente e da viabilidade das propostas acerca de novos elementos de conexão pela OCDE, seguida pela comunidade europeia, a doutrina também já se debruçou sobre o tema.  José Casalta Nabais, ao tratar do tema plano de fundo, coloca bem o problema a ser enfrentado com a economia digital: saber se os conceitos tradicionais de residência e estabelecimento permanente são suficientes para compreender os novos modelos de negócios jurídicos.  Segundo Nabais6, a solução mais razoável seria o compartilhamento do produto tributável entre o Estado de residência e o Estado da Fonte:  “rendimentos gerados através do comércio eletrônico hã-de ser tributados com o recurso aos elementos de conexão tidos por legítimos iure gentium em se de tributação do rendimento, isto é, a residência e a fonte”  O Professor Luís Eduardo Schoeuri7, por sua vez, ao identificar que a economia digital eleva a discussão sobre o poder tributante, defende que o Estado onde ocorre consumo é o ente competente para tributar, guiada pela fonte do rendimento na sua modalidade fonte do pagamento. Registra, ainda, que o local do vendedor é insignificante, diante da particularidade do comércio eletrônico8:  “Tratando-se de comércio eletrônico, onde a localização física do estabelecimento vendedor desempenha papel ainda mais insignificante, não é difícil conceber que com muito mais força se desenvolvam tais rotas (florescimento de empresas comerciais situadas em paraísos  fiscais)”  Extrai-se da doutrina do Professor Schoeuri uma solução simples e pragmática, guiada por um único critério: fonte do pagamento. O Professor ainda registra que os Estados tendem a manter seus critérios de tributação baseados na presença física e a não conferir tratamento tributário distinto à economia digital, o que inviabiliza a captura de suas bases pela fiscalidade:  “No âmbito do BEPS, deve-se ver que os Estados fincam o pé nos atuais critérios de tributação, baseados na presença física (estabelecimento permanente) e ao mesmo tempo se propõem a não conferir um tratamento diverso ao comércio virtual, então a própria tributação da economia virtual se torna inviável”  Para o Professor Onofre Batista9, a solução para a guerra fiscal, decorrente, inclusive, da concepção referente ao estabelecimento permanente, que se implementou com a “modernidade líquida”, depende de “uma ação coordenada dos Estados nacionais”. Não há consenso sobre como se deve tributar a economia globalizada em que o capital voa, muito menos a economia digital.   Tarcísio Magalhães10 aponta que a era da “modernidade líquida” representa uma ruptura com o “princípio da territorialidade” (source taxation). Conforme o autor11, em um verdadeiro “tribute-me se for capaz” (vide o relatório 12 “Tax Us If You Can”), a mobilidade do capital trouxe consigo a mobilidade (ou levou à fuga) de tributos.    Reuven S. Avi-Yaonah13 entende que a solução está na coordenação de regimes por meio de organizações como a OCDE: “The key to finding a solution to the tax competition problem is to attack it on a broad multilateral basis, through an organization such as OECD.14”   Marie Lamensch15, professora e estudante do direito tributário europeu, sugere, com a finalidade de superar os desafios da economia digital, a reforma substancial do IVA europeu, com base nos seguintes pilares: a) alteração do tributo para começar a abranger os bens intangíveis de uma forma geral, e não como fornecimento de serviços; b) tributação com base no país do destino; e c) cálculo e recolhimento do IVA por meio de mecanismos completamente automatizados. Vê-se que, diferente de outros doutrinadores, a professora se filia à corrente que defende a tributação exclusiva no país do destino.  Roberto França de Vasconcellos, em obra intitulada de “Tributação do comércio eletrônico internacional”, também tratou dos principais desafios da economia digital para as legislações tributários. Avaliou, inclusive, o elemento de conexão vinculado à fonte do rendimento e à residência, perpassando pelas noções clássicas. O autor defende que somente o país da fonte figura como legítimo para tributar a renda.16  Conforme mencionado anteriormente, tendo em vista o cenário atual político social, inclusive na iminência de uma reforma tributária, a discussão relativa ao poder tributante, sob o espeque de um novo elemento de conexão para a classificação do Estado competente, merece destaque.    CONCLUSÃO  Os desafios impostos pelo crescimento da economia digital no direito tributário internacional demandam uma resposta rápida e rebuscada, capaz de lidar com esse avanço tecnológico.   Parece-se nos que o elemento de conexão fundado no signo presuntivo da “presença tributável”, alçado pela OCDE e similar ao “Digital Service Tax” europeu, ressoa como um método complexo e tortuoso.  A presença de três critérios cumulativos (receita gerada, fatores digitais e fatores de usuários) não contribui para o alcance efetivo da tributação no local onde se dá o consumo. Basta imaginar-se a hipótese de uma multinacional que, embora possua uma presença comercial relevante, deixa de preencher o critério dos fatores digitais, atraindo a competência para o Estado da residência.  Isso vai na contramão da igualdade tributária e da neutralidade fiscal, incentivando que as empresas promovam planejamentos tributários agressivos, com a finalidade de transferirem sua residência para jurisdições com cargas tributárias inferiores.  A tributação no comércio eletrônico, por assim dizer, deve ser guiada apenas pelo critério da fonte do pagamento, onde situada a fonte pagadora, sendo que, em razão das dificuldades e características inerentes ao comércio eletrônico, o parâmetro da fonte da produção é insignificante.
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A Aplicabilidade Da Imunidade Tributária Recíproca Entre Os Entes Federativos Nos Tributos Indiretos
Este trabalho apresenta o instituto da imunidade tributária recíproca que consta no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, a respeito da sua aplicação nos tributos indiretos que são eles o IPI e o ICMS, uma vez que estes tributos apresentam o fenômeno da repercussão ou translação, onde o contribuinte de fato seria o ente federado. Diante desta possibilidade, a imunidade recíproca teria incidência, em razão do ente federado suportar a carga tributária. No entanto, o STF não adota a interpretação substancial, mas sim a de cunho formal, que abrange os tributos diretos. Além disso, constata que o STF está autorizado a realizar controle de constitucionalidade em emendas constitucionais que tentem abolir o instituto da imunidade recíproca.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho busca apresentar a imunidade tributária recíproca presente no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, que garante a proteção dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de tributar sobre o patrimônio, renda e serviços entre si, e a extensão deste instituto as autarquias e fundações mantidas pelo poder público. Demonstrando a possibilidade de incidência do referido instituto nas relações dos entes federativos no que diz respeito aos tributos indiretos, qual seja, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em razão do fenômeno da translação ou repercussão tributária. No entanto o tema é bastante debatido no meio jurídico, onde há uma parcela que adota a interpretação de cunho formal e outra substancial. Embora o legislador tenha apresentado na carta magna diversas possibilidades de imunidade, faz-se necessário dá uma atenção especial a imunidade tributária recíproca, visto que toda a sua relação se baseia na estrutura do estado de direito e no federalismo. Por esta razão ao logo do trabalho é possível visualizar que se trata de uma pesquisa histórica bibliográfica, que se inicia com a abordagem da natureza do próprio Estado Federal e os mecanismos que sustentaram até hoje a sua indissolubilidade. O presente artigo científico é composto de cinco subtemas que procuram desenvolver as complexidades do Estado Federal, no que se refere a essencialidade pública, porém devido o tema ser extenso, foi direcionado a pesquisa conforme as limitações constitucionais ao poder de tributar. O primeiro, tem como objetivo inserir o leitor aos passos iniciais do federalismo após a saída do estado unitário, e mostra a estrutura do Estado Federal Brasileiro e as peculiaridades com que se fundaram, buscando explicar a razão pela qual tal forma de estado perdura até hoje. O segundo, visa relacionar o princípio do pacto federativo com a imunidade recíproca, visto que ambos surgiram com o poder originário, e justifica a razão pela qual os entes federativos não pagam tributos. Desse modo o terceiro, abrange especificamente quanto a possibilidade de Controle de Constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), em virtude de emenda constitucional que viola clausula pétrea, procurando exemplificar por meio da ADI nº939. Por conseguinte, o quarto engloba a extensão da norma imunitória as fundações e a autarquia, e expondo que a imunidade estendida a estas diferencia-se do ente federativo, e a possibilidade de perca de tal imunidade em caso de desrespeitos de preceitos originários. Assim sendo o quinto, trata a respeito da interpretação formal e subjetiva, explicando a relação entre o contribuinte de direito e o de fato, mencionando a teoria adotada pelos Tribunais Superiores, e evidenciando o desrespeito a garantia fundamental. O presente trabalho tem como objetivo chegar à conclusão de incidência dos impostos indiretos, nos entes federativos abrangidos pelo instituto da imunidade recíproca.   A princípio a Constituição do Império do Brasil de 1824 se fundava nos moldes do Estado Unitário, que estabelecia em seu texto o Poder Moderador tendo como característica primordial o poder absoluto do Monarca, conforme a percepção de Marcelo Novelino a respeito das formas de Estado em especial a composição dos elementos básicos do Estado Unitário este explica: “Os Estados unitários (ou simples) têm como característica a centralização política e o monismo de poder. Existe apenas um centro de poder político responsável pela produção de normas jurídicas a serem observadas indistintamente por todo o território. Como consequência dessa unidade na produção normativa, verifica-se, a priori, a existência de um único órgão legislativo situado no Poder Central. Em grande parte dos Estados unitários, no entanto, ocorre uma descentralização administrativa visa assegurar relativa autonomia regional ou local com vista a executar ou gerir algumas competências outorgadas pelo Poder Central. Na descentralização política, não apenas a execução das decisões políticas é descentralizada, mas a própria autonomia de governo e de elaboração de leis (NOVELINO, 2019).” Assim sendo, de certa forma “todo poder emanava do Imperador” (ANGELOZZI,2009), ou seja, a Constituição do Império do Brasil de 1824 teve como característica o Estado Unitário cabe destacar que esta forma de poder se assemelha com o Estado absolutista do império industrial do século XIX. Após finalização do regime, nasceu do pensamento positivista a Constituição da República Federativa do Brasil em 1891, esta trazia em seu texto o início da instauração do Estado Federal, em consonância com o entendimento de Sahid Maluf em relação a essência do Estado Federal este considera que: “A forma federativa consiste essencialmente na descentralização política: as unidades federadas elegem os seus próprios governantes e elaboram as leis relativas ao seu peculiar interesse, agindo com autonomia predefinida, ou seja, dentro dos limites que elas mesmas estipularam no pacto federativo. A autonomia administrativa das unidades federadas é consequência lógica da autonomia política de direito público interno (MALUF,2018).” Convém destacar que não existe dois Estados Federais idênticos, porque tanto a sua evolução histórica, como sua localização geográfica, sua força frente ao mercado mundial e seu interesse tanto político como social são distintos, ou seja, possui variáveis que vão repercutir na forma que o Estado Federal irá desenvolver. A exemplo disso, podemos comparar a evolução do Estado Federal nos Estados Unidos com o do Brasil, no primeiro caso os entes (estados) cederam sua autonomia ao ente central e no caso do Brasil foi ao contrário o Estado Unitário (central) se dissolveu e descentralizou a autonomia para vários entes. Em concordância com o entendimento de Alexandre de Moraes no que se refere ao conceito de Estado Federal este expõe: “A adoção da espécie federal do Estado gravita em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e indissolubilidade, pois como aponta José Roberto Dromi, analisando a federação argentina, “a simples federação pura é tão irrealizável quanto um sistema unitário, pois é uma aliança e as alianças não perduram” (MORAES, 2019).” Portanto, a característica primordial do Estado Federal instaurado no Brasil é o fato de os estados-membros compor o mesmo território e o poder tanto da União como dos entes emanar sobre a mesma população, e pelo fato de ao mesmo tempo que a União exercer a sua supremacia entre estes, ela tem que respeitar a autonomia constitucional dos estados-membros. Além disso, a existência de uma constituição Federal e Estadual, ou seja, ocorrer não somente uma descentralização administrativa de competências, mas também política. 2. A INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO FRENTE AO INSTITUTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA De acordo com Geraldo Ataliba o sistema constitucional tributário brasileiro deu-se com a outorga do sistema monárquico, onde começou a dá seus primeiros passos na Constituição de 1891, porque até este momento o Império brasileiro estava preocupado com o Estado Unitário vigente na época e não com as complexidades do Estado Federal (ATALIBA,1968). A Constituição de 1891 inaugurou o sistema federal trazendo modificações qualitativas a configuração jurídica do Estado Brasileiro. Apresentando no caput de seu art.10 expressamente o instituto da imunidade recíproca, “É proibido aos estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”. Outro aspecto levantado por Geraldo Ataliba é que o sistema tributário e as normas constitucionais possuem relação de dependência que dizer, que estão ligadas com os demais princípios constitucionais. Deste modo as normas da imunidade recíproca podem ser compreendidas se interpretada por meio do princípio federativo que é um dos pressupostos de finalidade da norma (ATALIBA,1986). Conforme Marcelo Novelino pode-se conceituar o princípio federativo como: “Etimologicamente, a palavra federação remota ao vocábulo latino ‘foedus’, que pode ser entendido como ‘aliança’ ou ‘pacto’. A forma federativa de Estado tem sua origem a partir de um pacto celebrado entre Estados que cedem sua soberania para o ente central e passam a ter autonomia nos termos estabelecidos pela constituição. Nessa aliança que toma forma de um só Estado é instituído um governo central ao lado de outros regionais, dotados de autonomia necessária à preservação das diferenças culturais locais, mas unidos em prol de ideais comuns. Há, portanto, a incidência de mais de uma esfera de poder sobre a mesma população e dentro do mesmo território (NOVELINO,2019).” É necessário entender que o conceito do princípio federativo se refere as finalidades básicas do Estado Federal, isto é, a unidade nacional (pacto) e a necessidade descentralizadora (governo central/regionais), que estão unidos a fim de preservar a indissolubilidade do vínculo federativo. Segundo Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, uma vez que os entes federativos são providos de autonomia, a garantia destes é a imunidade recíproca. Desta forma não podem criar empecilhos para atuação de outro ente por intermédio de impostos preservando assim o princípio da isonomia entre entes federativos (MENDES; GONET,2017). De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF): “A garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tributos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação são imunes de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. (STF, AI 174.808-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-3-96, DJ de 1º-7-96)” Embora o princípio federativo seja um dos primeiros pressupostos de finalidade para entendimento da norma da imunidade recíproca a interpretação deste deve ser acompanhada do princípio da Capacidade Contributiva, porque embora o conceito deste princípio seja a análise da potencialidade de incidência de um tributo, deve está claro que a mera capacidade econômica de um ente não significa que este possuirá capacidade contributiva, porque é necessário analisar as condições pessoais de cada indivíduo para a aplicação do tributo. No que concerne a incidência deste princípio em referência aos entes federativos, Luís Eduardo Schoueri esclarece que: “Importa ter sempre em mente o que já se afirmou: a capacidade contributiva não se confunde com a capacidade econômica. Por certo, existem recursos no setor público e, nesse sentido, há capacidade econômica. Não basta esta, entretanto, para que haja tributação. Importa que tais recursos estejam disponíveis, i.e., que possam ser apropriados pelo Poder Público por meio da tributação. No setor público, não há tal disponibilidade. Todos os recursos ali alocados já estão, por princípio, destinados a uma finalidade pública. Não há “sobras” que possam ser captadas pela imposição de tributos. (SCHOUERI,2019).” Portanto com base no entendimento acima mencionado, é necessário ter em mente que o Ente Federativo tem Capacidade Econômica, no entanto tais recursos estão diretamente ligados a finalidade pública, ou seja, tais riquezas já estão direcionadas não restando recursos para serem tributados. Sendo assim, pode-se concluir que o Ente será passível do Princípio da Capacidade Contributiva, quando a atuação se der fora da finalidade pública. O raciocínio obtido acima não é diferente do apresentado pelo Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do Recurso Extraordinário n°434.251/RJ abaixo: “1) A imunidade é “subjetiva”, isto é, ela se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em condições mais vantajosas, independente do contexto; 2)Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem salvo a autonomia política. Em decorrência, a circunstância de a atividade ser desenvolvida em regime de monopólio, por concessão ou por delegação, é de todo irrelevante; 3)A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante. (STF, RE n° 434.251-RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 19/04/2017, DJ de 31/08/2017)” Assim sendo, o primeiro item levantado pelo Relator Joaquim Barbosa refere-se à satisfação dos objetivos institucionais do ente federado, ou seja, a finalidade da imunidade. Já no segundo item este mostra que a tributação somente surge quando se tem a Capacidade Contributiva. No último este reconhece a atuação do Princípio da Livre Concorrência. Desse modo, não existe uma única imunidade existente, esta irá depender de como o caso concreto irá se apresentar, para ser enquadrado de acordo com o intuito constitucional, a fim de verificar se será aplicado o dispositivo ou não. A vista disso, é importante conceituar o instituto da imunidade recíproca com base no julgamento do Recurso Extraordinário n°599.176/PR, segue abaixo o entendimento do Relator Joaquim Barbosa: “A imunidade tributária recíproca é norma constitucional de competência que proíbe a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos entes federados. Essa imunidade é instrumento de preservação e calibração do pacto federativo, destinado a proteger os entes federados de eventuais pressões econômicas, projetadas para induzir escolhas políticas ou administrativas da preferência do ente tributante. Nesse contexto, a imunidade tributária recíproca é inaplicável se a atividade ou a entidade tributada demonstra capacidade contributiva; se houver risco à livre iniciativa e às condições de justa concorrência econômica; ou se não houver risco ao pleno exercício da autonomia política que a Constituição conferira aos entes federados. A Constituição é expressa ao excluir da imunidade: a) o patrimônio; b) a renda; e c) os serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que houvesse contraprestação ou pagamento de preço ou tarifas pelo usuário”. (STF, RE n°599176/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 05/06/2014)” É importante deixar claro se não há subordinação e inexiste relação de hierarquia entre os entes, pois são dotados de autonomia política e administrativa, não existe razões de preferência entre eles, para tributar bens, rendas ou serviços. Devido ao fato de estarem atuando conforme a finalidade pública constitucional não estão praticando o fato gerador do princípio da capacidade contributiva, porque embora detenham capacidade econômica estas verbas já estão direcionadas a suas finalidades, não caracterizando enriquecimento do ente federado. Além disso, cabe destacar que no momento da confecção da norma o legislador não limitou a incidência da imunidade, ou seja, esta foi ampla resguardando a todo patrimônio, renda ou serviços do ente federativo que estejam ligados a finalidade pública não haverá incidência de tributos. Em continuidade com o acima citado Josiane Minardi esclarecer que: “[…] a imunidade recíproca abrange apenas os impostos, porque se referem a tributos não vinculados a uma atividade estatal específica. O Estado cobra os tributos em razão de seu Poder de Império (Poder Extroverso) para obter recursos dos particulares e suprir as necessidades públicas (MINARDI,2018)” Visto que a imunidade recíproca é aplicável somente aos impostos, porque são tributos não vinculados a atividades do Estado, e devido aos entes federativos possuírem apenas capacidade econômica lhe torna incapaz de possuir Capacidade Contributiva, ou seja, os entes federativos não são passíveis de aplicação de impostos. Além do mais, o princípio federativo e da isonomia reforça o entendimento do princípio da Capacidade Contributiva, pois torna o instituto da imunidade recíproca uma garantia constitucional ou melhor, uma cláusula pétrea que evita a indissolubilidade do Estado Federal e preserva a autonomia dos entes entre si. 3. O INSTITUTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Em harmonia com o entendimento de Alexandre de Moraes, este conceitua o controle de constitucionalidade como “Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais” (MORAES,2019). Consequentemente então, o controle de constitucionalidade seria a própria validação do princípio da legalidade ao verificar que a norma está de acordo com os requisitos formais e materiais. No entanto é necessário ter conhecimento, a respeito da existência de normas criadas pelo poder originário que possuem a característica de modificar a Constituição Federal, que é o caso do poder constituinte derivado, conforme Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino a essencialidade deste poder “Tem característica de ser um poder jurídico, derivado, limitado (ou subordinado) e condicionado” (PAULO; ALEXANDRINHO,2015) Embora o poder constituinte derivado tenha a possibilidade de modificar a Constituição Federal, este é limitado ou subordinado ao poder originário, visto que tem que respeitar os princípios constitucionais preexistentes, não modificando a Constituição Federal em sua essencialidade, ou melhor, é necessário seguir as regras criadas pelo poder originário. O desrespeito ao poder originário acarreta a inconstitucionalidade da norma, em concordância com o entendimento do STF, podemos visualizar no julgamento da ADI nº2.356 e ADI nº2.362: “A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou supra positivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas. (STF, ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 25-11-2010, DJE de 19-05-2011).” Diante disto, é preciso expor o conceito de Alexandre Mazza quanto a norma da imunidade, pois determina a sua extensão e delimita o poder desta norma: “A imunidade é uma norma constitucional que limita a competência tributária. Afastando a incidência de tributos sobre determinados itens ou pessoas. Assim, a imunidade opera no plano constitucional interagindo com as regras que definem a competência para a instituição de tributos antes que o fato gerador ocorra. (MAZZA,2018).” Portanto a norma da imunidade tributária seria uma não incidência do tributo a um ente específico, que ocorre em razão de uma proteção constitucional este ficaria fora do campo de ocorrência tributária. Além disso, a norma da imunidade possui em sua bagagem conceitual princípios tributários constitucionais que limitam o poder de tributar, fato este que dá força de cláusula pétrea. Dado a imunidade recíproca que consta no art. 150, VI, “a” da CF, ser clausula pétrea a referida está amparada pela proteção do art.60, §4°,I , e também por ser princípio garantidor da Federação, não pode ser revogado por emenda constitucional, porque trata-se de poder originário não podendo ser modificado pelo poder derivado. Além do mais, em conformidade com o julgamento do STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 939: “A emenda constitucional n°3, de 17.03.1993, que no art.2, autorizou a União a instituir o I.P.M.F, incidindo em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. Desse dispositivo, que ,quanto a tal tributo, não se aplica “art.150,III,b e IV, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis(somente eles, não outros): 1.-o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art.5.,par.2.,art.60,par.4.,inciso IV e art.150,III,b, da Constituição);2.-o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art.60,par.4.,inciso I, e art.150,IV, a, da C.F). (STF – ADI: 939 DF, rel. SYDNEY SANCHES, 15/12/1993, TRIBUNAL PLENO)” Ficou clara a violação direta a Constituição, porque inviabilizou o cabimento de controle normativo abstrato. Tendo em vista que a emenda constitucional ao tentar criar o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (I.P.M.F) feriu a matéria disposta na garantia constitucional da imunidade recíproca dos entes federativos, que conferiu a este “status” de cláusula pétrea. Entretanto como Alexandre Mazza ressalta que embora os entes federativos não possam instituir impostos entre si, visto que é passível de controle de constitucionalidade, esta limitação não se estende as taxas ou contribuições de melhoria desde que instituídos por lei. 4. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E A TRANSFERÊNCIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS A TERCEIROS Além do mais a imunidade recíproca não se restringe a apenas aos entes federativos, mas também se estende as autarquias e fundações públicas mantidas pelo poder público, ou seja, aquelas que estão diretamente ligadas as finalidades essenciais do Estado, conforme disposição do art.150, §2º, da CF: “§2º.A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes.” Logo em razão, destas autarquias e fundações não estarem ligadas a exploração da atividade econômica e em consequência de isso não possuírem capacidade contributiva, tão somente capacidade econômica que estão diretamente relacionadas as suas finalidades essenciais, resguardando assim a livre concorrência e o domínio econômico entre os entes públicos e particulares, garantia que aparta a aplicação de impostos. Contudo esta imunidade recíproca pode ser afastada, caso a fundação ou autarquia tenha intuito lucrativo mediante contraprestação do usuário do serviço realizado por meio tarifa ou preço, tal previsão consta no art. 150, §3º, da CF: “§ 3º. As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” A previsão legal de retirada da norma imunizante é plausível, porque visa resguardar o princípio da livre concorrência, onde não seria justo o legislador garantir a imunidade ao ente e em virtude disto, este utilizar-se de meios lucrativos para se beneficiar economicamente. Levando em consideração as peculiaridades de apresentação da norma da imunidade recíproca, onde o legislador restringiu a sua aplicação, podemos notar abaixo a percepção de Alexandre Mazza a respeito do assunto, este expõe: “A imunidade das pessoas de direito público das autarquias e fundações públicas tem o alcance mais restrito do que a imunidade das entidades federativas. Isso porque o art.150, §2º, da CF reduz a imunidade das pessoas públicas da administração indireta somente “ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”. (MAZZA, 2018).” Deste modo, está claro que a fundação ou autarquia somente estará amparada pelo instituto da imunidade recíproca no que se refere ao imposto que recair diretamente sobre a sua atividade finalística, já os entes federativos estão imunizados totalmente. Para fins de comprovação de desvio de finalidade de autarquia ou da fundação o STJ decidiu em julgamento do Agravo em Recurso Especial nº304.126, a quem recai o ônus de provar: “Há presunção que o imóvel da entidade autárquica está afetado a destinação compatível com os objetivos e finalidades institucionais. Logo, o ônus de provar o contrário, para fins de afastar a imunidade, recai sobre o poder público tributante. (STJ, AgRg no REsp 304.126/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgamento em 13-08-2013, DJE de 22-08-2013).” Portanto ficará a cargo do órgão tributante comprovar o dever de cobrar de instituição amparada pela imunidade recíproca, visando sempre resguardar os princípios constitucionais que prezam pela justa concorrência entre o ente público e o particular. 5. A IMUNIDADE RECÍPROCA E OS IMPOSTOS INDIRETOS A imunidade recíproca que consta no art. 150, VI, “a”, da CF, possui vedação expressa a imposição de impostos em matéria de patrimônio, renda ou serviços entre os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), conforme exposto nos tópicos anteriores, porém a vedação que trata este artigo deve ser interpretada de maneira literal ou substancial? Considerando a interpretação literal do dispositivo legal, os impostos que tratam da matéria de patrimônio, renda ou serviços, com o auxílio do Código Tributário Nacional (CTN) e da Constituição Federal (CF), são: Imposto sobre Grandes Fortunas-IGF (CF, art. 153, VII); Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural-ITR (CTN, arts. 29 a 31); Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana-IPTU (CTN, arts.32 a 34); Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles relativos-ITBI (CTN, arts. 35 a 42); Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza-IR (CTN, arts. 43 a 45); Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza-ISS (CF, art. 156, III); e Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação-ITCMD (CF, art. 155, I). No entanto o instituto da imunidade recíproca é uma garantia constitucional que protege a indissolubilidade do pacto federativo, ou seja, quando o legislador restringe seu rol de aplicabilidade levando em consideração a literalidade da norma, esta garantia estaria de certa forma prejudicada, porque além dos impostos relacionados acima, resta os Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto Estadual sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS). De acordo com o entendimento de Aliomar Baleeiro, no que se refere ao rol taxativo de aplicabilidade do referido instituto este expõe “A imunidade recíproca é um instituto jurídico-político expressamente consagrado na Constituição e não pode ser anulado pelas sutilezas e jogos de palavras do legislador ordinário” (BALEEIRO,2006), visto que é uma garantia do poder originário. Tendo em vista, que tanto o Imposto sobre Produtos Importados (IPI) como o Imposto Estadual sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS), são tributos indiretos, é necessário apresentar o conceito com base a percepção de Eduardo M. L. Rodrigues de Castro, Helton Kramer Lustoza e Marcos de Freitas Gouveâ, “Os tributos indiretos são aqueles que permitem a transferência de seu encargo econômico-financeiro para pessoa diversa daquela fixada em lei como contribuinte” (CASTRO;LUSTOZA;GOUVEÂ,2018). Sendo assim de acordo com Zelmo Denari, existe dois tipos de contribuintes o de direito e o de fato, no primeiro caso o contribuinte de direito é aquele que possui lei que fixa o recolhimento de impostos, já o segundo é aquele suporta toda a carga tributária (DENARI,2008). Com base em Paulo de Barros Carvalho podemos realizar uma interpretação extensiva a relação tributária e o direito das obrigações quando se trata do Imposto sobre Produtos importados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), porque os polos que importam é o credor e o devedor não integrando a está relação terceiro interessado. Sendo assim conforme sustenta a sua teoria, não é aplicável a imunidade recíproca devido a responsabilidade econômica ser transferido a terceiros, ou seja, serão beneficiados elementos estranhos aos Entes Políticos. E a imunidade recíproca é para proteger o patrimônio dos entes federativos e não do particular (CARVALHO,2019). Portanto conforme reforça o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “A imunidade tributária recíproca não se aplica ao Imposto sobre Produtos Industrializados, pois o contribuinte desse imposto é o industrial ou o produtor. O município não realiza o fato gerador desse tributo, razão pela qual não há que se falar em contrariedade ao disposto no art.150, inc.VI, alínea a, da Constituição da República. Este Supremo Tribunal assentou que “a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados” (Súmula 591 do Supremo Tribunal Federal). [RE 371.243, rel. min. Carmen Lúcia, dec. Monocrática, j.1º-2-2011, DJE 34 de 18-2-2011].” Contudo a extenso debate quanto a aplicação do instituto da imunidade recíproca no que diz respeito ao patrimônio, renda e serviços, é bastante discutido no meio doutrinário e no meio jurídico, onde podemos observar a existência de diversos julgamentos discutindo sobre este tema. Como é o caso do julgamento do Recurso Extraordinário n°203.755 onde buscava reconhecer a imunidade tributária recíproca no que tange ao ICMS dos produtos que irão integrar o patrimônio do ente federado: “As operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, estão cobertas pela imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF. Com base nesse entendimento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Espírito Santo contra acórdão que deferira segurança impetrada por instituição de ensino, visando ao não pagamento do ICMS na entrada de mercadorias importadas do exterior, destinadas a integrar o seu ativo fixo. (RE 203.755-ES, rel. Min. Carlos Velloso, 17.09.1996).” Também teve o caso do julgamento do Recurso Extraordinário n°243.807 que buscava reconhecer a imunidade tributária recíproca no que diz respeito ao IPI das bolsas de sangue utilizas na prestação de serviço do ente federado: “Imunidade tributária. Imposto sobre produtos industrializados e impostos de Importação. Entidade de assistência social. Importação de “Bolsas p/ coleta de sangue”. A imunidade prevista no art.150, VI, c, da Constituição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso não conhecido. (STF-RE:243.807-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 15.02.2000).” Mas embora tenha diversos julgamentos não reconhecendo esta extensão da aplicabilidade do IPI e do ICMS, não deve ser restrito a aplicação da imunidade tributária recíproca nos impostos indiretos, porque esta diz respeito a proteção quanto a tributação sobre o patrimônio, renda ou serviços prezando assim a garantia constitucional que fornece autonomia e igualdade entre os entes federados. Desta forma preservando a indissolubilidade do pacto federativo, pois os impostos indiretos sofrem o fenômeno da repercussão ou translação tributária, onde ao invés do contribuinte de direito suporta a carga tributária, quem irá absorver é o consumidor final, como afirma Eduardo Sabbag: “O fenômeno da repercussão tributária (ou translação) envolve dois contribuintes, no âmbito dos impostos indiretos: o contribuinte de direito (de jure) e o contribuinte de fato (de facto). Aquele procede à recolha do imposto, diante da realização do fato gerador; estes absorvem o impacto da imposição tributária. (SABBAG,2017).” Assim sendo, caso ocorra a inversão do contribuinte de direito ser a empresa privada que vende o produto e o de fato o ente público, que em virtude de absorver a carga tributária, deverá incidir o instituto da imunidade, para evitar a diminuição do patrimônio do ente federado, conforme explica Eduardo Sabbag, levando em consideração a interpretação de cunho substancial. No entanto este expõe em sua obra, que para entendimento desta matéria tem-se dois métodos de interpretativos: “O primeiro de cunho substancial que é em relação a dimensão econômica havendo ocorrência tributária no que diz respeito a posição na relação obrigacional em que se encontre o ente federado, ou seja contribuinte de direito ou de fato, porque se este tiver no lugar de contribuinte de fato não incide a carga tributária. Já a segunda corrente de interpretação é de cunho formal não incide sobre a perspectiva econômica, mas é dimensão jurídica onde o contribuinte de direito é amparado pela imunidade recíproca (SABBAG,2017).” Portanto quem seria afetado é o consumidor final ou melhor, o ente federado, sendo assim este ônus financeiro tanto sobre serviços como em seu patrimônio está ferindo gravemente a garantia constitucional expressa em nossa carta magna. No entanto tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) como o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não adota a interpretação de cunho substancial no momento.   CONCLUSÃO A imunidade tributária recíproca é uma garantia constitucional dada pelo poder originário a entes específicos, que se baseia em princípios fundamentais que sustentam o Estado de Direito, para que não ocorra a indissolubilidade do pacto federativo e assim preservando as finanças do ente público, não permite a tributação dos entes federativos entre si. Uma das razões pelo qual não são objeto de tributação é por não possuírem capacidade contributiva, mas sim econômica, no entanto estes recursos estão direcionados a atividade estatal. Contudo conforme demonstrado ao longo do trabalho o STF tem apresentado preferência a interpretação de cunho formal, ou seja, que a norma imunizante compreende apenas os tributos diretos. No entanto há um forte debate no meio doutrinário jurídico, onde tem uma parcela que adota a interpretação de cunho formal e outro substancial. Embora tenha diversas discussões a respeito do assunto, um fato que é pacificado é a inconstitucionalidade de norma de origem do poder derivado que incorre em tributação ao ente federativo. Nesse contexto, é possível visualizar que o fenômeno da translação ou da repercussão, somente poderá ser alegada a incidência da imunidade recíproca em relação aos tributos indiretos, quando o contribuinte de direito for o ente público e por causa disso seu patrimônio, serviços ou renda foi atingido. Como o legislador estendeu a imunidade a fundações e autarquias mantidas pelo poder público, porém tal extensão deu-se de maneira restritiva a suas atividades finalística. Além disso, independentemente de ser ente federativo ou autarquia e fundação, caso tenha intuito de exploração econômica, irá perder consequentemente está garantia constitucional. Assim é possível concluir que a imunidade recíproca é uma garantia constitucional sustentada pelo pacto federativo, que visa a preservação do domínio econômico e da livre iniciativa, que está firmada na supremacia do ente público sobre o privado, que compreende tanto os tributos indiretos como os diretos, cuja finalidade é a proteção do ente político, a fim de garantir a indissolubilidade do pacto federativo, por meio da autonomia política administrativa de tais entes.
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Moeda, Correção Monetária e o Valorismo no Direito Tributário Brasileiro
O presente artigo visa analisar a relação entre o valorismo e a correção monetária no direito tributário brasileiro. Para tanto, este trabalho objetivou responder sobre o que seria de fato a moeda; sobre as teorias de como se dá a sua atribuição de valor, analisando o valorismo e o nominalismo como teorias de valor da moeda, a sua influência histórica no sistema jurídico-positivo nacional e sobre qual teoria foi adotada pelo ordenamento pátrio a partir do Plano Real, em especial pelo sistema tributário nacional e as suas consequências na correção monetária da base de cálculo dos tributos. A relevância da pesquisa se dá pelo fato do entendimento predominante no Fisco e no Judiciário sobre a impossibilidade de correção monetária dos elementos que compões a base de cálculo dos tributos sem lei que o determine, afetando diversos contribuintes. Os resultados, em resumo, foram pelo entendimento de que, o Plano Real não pode ser considerado verdadeiramente nominalista e que valorismo foi adotado tanto pelo direito tributário nacional como pelo constituinte, de modo que a correção monetária não deve ser apenas permitida, mas é obrigatória para fins de garantia do princípio da capacidade contributiva. Esta é uma pesquisa bibliográfica, realizada a partir do levantamento qualitativo das leis e da doutrina, utilizando-se também o método dedutivo.
Direito Tributário
Introdução As obrigações tributárias estão intimamente ligadas à moeda, seja porque só podem, via de regra, serem pagas por ela, seja porque o fato gerador do imposto deve ser monetariamente avaliável, presumindo alguma riqueza do individuo. Sabe-se que, com o passar do tempo, por diversas razões, pode haver uma variação no poder aquisitivo das moedas, denominando-se inflação, quando há a perda do poder aquisitivo, ou deflação, quando há ganho de poder aquisitivo. Nesse contexto, torna-se essencial avaliar a questão de como o valor da moeda se modifica no tempo e como o direito considera essas alterações para fins obrigacionais tributários. Tal circunstância se torna bem relevante quando se considera que a Receita Federal e os tribunais negam o direito de os contribuintes corrigirem monetariamente os custos de aquisição dos seus bens e direitos. Caso o façam, haverá incidência de imposto de renda, acarretando tributação sem que haja ganho real. Esse fato termina por afetar também a apuração do ganho de capital na alienação desses bens e direitos, o qual fica vinculado a um custo de aquisição absolutamente desatualizado, de modo que parcela do ganho de capital se trata meramente de recomposição da perda inflacionária, o que é ignorado pelas autoridades fazendárias sob o argumento de que não há previsão legal para a correção monetária desses valores, defendendo a tese de que todo o ganho de capital deve ser tributado pelo imposto de renda. Dessa forma, o presente trabalho objetivou analisar sobre o que seria, de fato, a moeda; sobre as teorias de como se dá a sua atribuição de valor, analisando o valorismo e o nominalismo como teorias de atribuição de valor à moeda e as suas influências históricas no sistema jurídico-positivo nacional. Além disso, buscou-se responder também sobre qual teoria, a partir do Plano Real, foi adotada pelo ordenamento pátrio, em especial pelo sistema tributário nacional e quais as suas consequências para a concepção da correção monetária dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos. A pesquisa constou basicamente de levantamento normativo e bibliográfico, utilizando-se também o método dedutivo, por entender ser mais adequado aos fins pretendidos.   Durante muito tempo, o principal meio para pagamento de obrigações e “compra” de produtos foi a permuta. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7). As partes trocavam os excessos das suas produções por bens que entendiam como necessários, mas que não eram capazes de produzir. Assim, um fazendeiro que plantava trigo, mas não criava porcos, trocava parte do resultado da sua plantação com um criador de porcos que precisava de trigo, de modo que ambas partes satisfaziam suas necessidades.   Com a evolução do comércio, surgiu a necessidade de se ter um outro meio para pagamento das obrigações contraídas, além da simples troca de produtos. Sendo assim, por volta do ano 600 a.C., a partir do povo Lídio, na atual Turquia, surgiram as moedas como forma de dar agilidade e facilitar o comércio. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7).   Naquele momento inicial, as moedas desempenharam uma função dupla de meio de troca e de riqueza intermediária, funções que são mantidas até atualmente. (MOREIRA NETO, 1994, p. 7). Todavia, a ciência econômica atual define em três os principais papeis desempenhados pelas moedas: i) a moeda como meio de troca, ii) a moeda como reserva de valor e iii) a moeda como unidade de conta. Quaisquer das moedas do globo, se não desempenharem adequadamente essas três funções, são chamadas de defectivas. (MANKIW, 2013, p. 311).   Como meio de troca, tem-se a moeda como forma para pagamento das obrigações, sendo dotada de poder liberatório, ou seja, capaz de quitar uma obrigação. (MOREIRA NETO, 1994, p. 8). Enquanto depósito de poder aquisitivo, tem-se a moeda como uma forma de se acumular riqueza, função essencial em uma economia capitalista, uma vez que é a poupança de recursos que permite novos investimentos. Por fim, a função de unidade de conta é aquela na qual se tem a moeda como instrumento de mensuração e registro do valor econômico das mercadorias e serviços. (MANKIW, 2013, p. 311).   É justamente nessas duas últimas funções, a de reserva de valor e unidade de conta, que se tem um grande problema especialmente relevante para o objetivo deste trabalho. Isso porque, por mais que o Estado juridicamente atribua um valor nominal a uma moeda, é possível que, no mundo dos fatos, ela venha sofrer uma alteração valorativa. A esse fenômeno se dá o nome de inflação, quando a moeda perde poder aquisitivo ou deflação, quando a moeda ganha poder aquisitivo, sendo ambos fenômenos econômicos relacionados com a moeda e com o valor ao longo do tempo. (MANKIW, 2013, p. 333 e 334).   Para melhor se entender a questão, entretanto, torna-se válido trazer um breve histórico das teorias de valor monetário, bem como conceituar o que se tem por nominalismo e valorismo, uma vez que são conceitos chaves e serviram de base teórica para a compreensão atual do valor da moeda e, por consequência, para construção de uma teoria da correção monetária.   Para este momento, no entanto, vale apenas definir que moeda seria o conjunto de determinados ativos que são usados e amplamente aceitos para se comprar bens e serviços de outras pessoas. (MANKIW, 2013, p. 311).   Pode-se atribuir o surgimento do conceito de valor para a moeda aos intelectuais da Idade Média, que precisavam explicar o que ocorria quando o soberano promovia modificações nas peças monetárias, reduzindo a quantidade do metal de que eram cunhadas. (JANSEN, 2013, p. 7). Dessa discussão, surgiu a noção de valor para explicar o que era intrínseco e o que seria extrínseco àquelas peças monetárias. Nasce, então, a ideia do valor intrínseco, expresso por um número que está relacionada ao preço, no mercado internacional, do metal em que a referida moeda era fabricada. Portanto, uma moeda valeria intrinsecamente, por exemplo, a quantidade de ouro que ela possuía na sua estrutura. (JANSEN, 2013, p. 8). Mankiw (2013, p 311), por sua vez, define como valor intrínseco o fato de um determinado item ter valor ainda que não seja utilizado como moeda. Além do valor intrínseco, surgiu, no século XIII, o conceito do valor extrínseco, que encontra sua origem a partir de uma norma relativa à cunhagem instituída por Carlos Magno, a partir da qual se estabelece uma relação de valor meramente abstrata entre determinadas peças monetárias. (JANSEN, 2013, p. 8). Consolidou-se, entretanto, na Idade Moderna, a prevalência da doutrina do valor intrínseco, o que, na prática, não impedia que os soberanos continuassem a promover alterações nas ligas metálicas, sem que houvesse, por força do princípio do valor extrínseco, uma correspondente alteração no valor nominal das moedas. (JANSEN, 2013, p. 18). Foi justamente em virtude dessas alterações nas ligas metálicas das moedas, em razão das quais, por vezes, a parcela de metais preciosos na sua estrutura, como ouro e prata, era reduzida, que diversas disputas judiciais foram travadas, questionando, no que se refere àquelas obrigações que foram contraídas antes da alteração das ligas metálicas, qual deveria ser o montante pago: i) o valor atual do metal constante nas moedas ou ii) o valor extrínseco, abstrato, independentemente de qualquer alteração nas composição metálica das moedas. (JANSEN, 2013, p. 18). Como solução para essas disputas, surge, em meados do século XVI, o princípio do valor nominal. A partir desse novo princípio, decorrente do conceito de valor extrínseco acima descrito, o devedor de determinada relação obrigacional, deveria, em moeda, apenas a soma nominal constante do contrato, independentemente de quaisquer alterações que a moeda tenha sofrido em sua composição. (JANSEN, 2013, p. 18). O nominalismo, em simples resumo, pode ser conceituado, portanto, como um princípio da teoria monetária a partir do qual a atribuição legal de um determinado valor nominal à moeda não é suscetível a alterações. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9). O valorismo, por sua vez, surge por volta do século XIX, indo de encontro ao nominalismo, uma vez que busca manter estável o valor de uma determinada prestação, ainda que haja a desvalorização da moeda. O valorismo acaba por prejudicar uma das três funções da moeda citadas acima: a de unidade de conta, uma vez que elas não mais serviriam para aferir o valor das obrigações ao longo do tempo. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9). Ou seja, mantém-se a moeda como o meio de troca e forma de quitação das obrigações. Entretanto, pela adoção ao valorismo, há um outro referencial em virtude do qual se manteria o valor orignal de determinada obrigação, denominado de indexador. Assim, o valor nominal da dívida seria periodicamente atualizado pelos indexadores de modo a refletir a variação inflacionária do período, fato que se denomina atualização ou correção monetária. (MOREIRA NETO, 1994, p. 9). A correção monetária é, portanto, decorrência direta do valorismo, por meio da qual se busca manter determinado padrão de valor, independentemente do valor nominal da obrigação. Arnoldo Wald (1966, p. 139) discorre sobre três principais teorias jurídicas para execução da correção monetária: a teoria da imprevisão, a teoria das dívidas de valor e a cláusula de escala móvel. A teoria da imprevisão foi adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002, quando, em seus artigos 478 a 480 estabelece que, em virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível, caso a prestação se torne onerosamente excessiva, a parte prejudicada pode pleitear judicialmente a redução ou alteração na forma de seu cumprimento. (VENOSA, 2011, p. 477 a 479). Por sua vez, por meio da teoria da escala móvel, transmite-se, para determinado contrato, uma cláusula que prevê um índice de valor, a partir do qual fará variar a quantidade da moeda necessária para o cumprimento da prestação. (MOREIRA NETO, 1994, p. 12). Em virtude da Lei nº 10.192/2001, a terceira lei referente ao Plano Real, há permissão expressa, no seu artigo 2º, para a adoção de cláusula de escala móvel no direito brasileiro, desde que o lapso temporal para atualização da obrigação não seja inferior a um ano. Por fim, tem-se a teoria das dívidas de valor, por meio da qual se estabelece que as dívidas não fariam referência à uma quantia certa, mas sim um valor certo. Por meio dessa teoria, segundo afirma Moreira Neto (1994, p.12), não haveria um débito de quantum, mas sim de quid. Exemplificando o conceito acima, ter-se ia uma situação em que o conteúdo de terminada dívida não estaria vinculado a uma numerário específico, situação que se dá, por exemplo, no caso de uma indenização na qual o devedor deve restituir a coisa ao estado anterior. Todavia, é importante destacar que, apesar dessas três hipóteses citadas por Wald, o Brasil, a partir de meados do século XX, passou a adotar o valorismo como regra geral, independentemente do enquadramento ou previsão dessas hipóteses, de modo que a correção monetária foi amplamente adotada no sistema nacional. Feita essa breve introdução sobre o tópico, bem como sobre as principais teorias que regem a correção monetária, cumpre, para os fins jurídicos deste trabalho, independentemente de estudos econômicos sobre qual dentre os dois sistemas (o valorismo ou o nominalismo) seja o melhor, apenas examinar qual dos dois regimes foi adotado pela República Federativa do Brasil, seja no âmbito constitucional, seja no âmbito legal e, mais especificamente, se há alguma preferência para a adoção de um desses dois regimes nas obrigações tributárias. Para tanto, entende-se importante a narrativa histórica sobre a adoção da correção monetária no Brasil até os dias atuais, o que se fará a seguir.   Apesar de ser possível identificar a previsão legal da correção monetária já na década de trinta, por meio da adoção da teoria da imprevisão pelo Decreto-Lei nº 24.150/1934 (WALD, 1966, p. 141), foi em 1964 que se pode afirmar que a correção monetária se tornou política oficial do governo, especialmente em virtude da Lei nº 4.357/1964, a partir da qual se criou o primeiro, dentre o vários que o sucederam, indexador na economia brasileira: a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional). (MOREIRA NETO, 1994, p. 13). Como consequência disso, tem-se, conforme informado no tópico anterior, uma situação na qual a moeda deixa de exercer a sua função de unidade de conta. Em virtude disso, Letácio Jansen comenta que:   “(…)passou-se a agir, na prática, como se houvesse, no Brasil, duas moedas: o cruzeiro, sujeito à deterioração pela inflação, e a ORTN, que muitos chamavam “a moeda dos ricos”, e que era “corrigida” periodicamente para proteger os seus titulares dos efeitos da inflação.” (JANSEN, 2013, p. 54)   Após a ORTN, também pode-se citar, sem pretensão de completude, outros indexadores, tais como a UPC (Unidade Padrão de Capital), criada pela Lei nº 4.380/1964 para que corrigisse as prestações devidas ao Sistema Nacional de Habitação; MVR (Maior Valor de Referência), positivado pela Lei nº 6.205/1975; URV (Unidade Real de Valor), por meio da Medida Provisória nº 434/94 e a UFIR (Unidade Fiscal de Referência) criada a partir da Lei nº 8.383/1991. Independentemente dos diversos indexadores criados, tem-se, entre eles, uma característica em comum: no Brasil, os indexadores nunca foram uniformes para todas as espécies de dívidas, inclusive servindo como forma de manipulação e privilégio a certos entes. Justamente por conta disso, Moreira Neto teceu fortes críticas à URV, como indexador criado especificamente para o ainda incipiente Plano Real, mas que também, como seus antecessores, não abarcou igualmente todos os créditos, mantendo-se ainda a vigência de alguns indexadores, sendo que, parte deles, eram mais benéficos ao credor do que outros:   “Como se pode observar, ainda que tenha havido propósito de devolver o País ao nominalismo, a Reforma Monetária em curso continua a tratar, como todas as precedentes, com embaraçosa desigualdade os diferentes tipos de créditos, tendo sido mantidos, por exemplo, os privilégios do setor fiscal (UFIR e unidades locais), mas como resultado de pressões, acabaram sendo discriminados os servidores públicos estaduais e municipais que não ficaram expressamente cobertos pela URV, condenados a perder o “poder aquisitivo” ou o “valor real” de seus respectivos vencimentos, soldos, proventos e pensões.” (MOREIRA NETO, 1994, p. 16).   Malgrado a URV não tenha abarcado todos os tipos débitos do sistema jurídico brasileiro, mantendo-se uma atualização desigual para uma parcela das prestações de determinadas naturezas, foi com o desenvolvimento do Plano Real que se teve a desindexação da economia, com eliminação de quase todos os indexadores que interferiam na função da moeda como unidade de conta das prestações no país. Justamente em razão dessa desindexação, alguns doutrinadores defendem que o Plano Real inseriu, na política monetária brasileira, o nominalismo, como, por exemplo, defende Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p. 945). Entretanto, importante destacar que o Plano Real jamais poderia ser considerado como um plano monetário de natureza essencialmente nominalista, uma vez que manteve a possibilidade de correções monetárias anuais.[1] Tampouco poderia o sistema jurídico brasileiro pós-Plano Real ser entendido como nominalista puro, uma vez que a própria Constituição Federal prevê a obrigatoriedade de correção monetária de certas obrigações e, como já foi demonstrado acima, só há que se falar em correção monetária a partir de uma óptica valorista. Em verdade, todas as vezes que o constituinte tratou expressamente sobre obrigações de pagar, foi prevista a correção monetária das obrigações[2], com exceção do artigo 46 da ADCT em que foi expressamente previsto que não haveria incidência de correção monetária em hipótese extremamente limitada, sendo, inclusive, considerada como benefício excepcional dado aos micro e pequenos empresários e produtores rurais. O tratamento excepcional dado a esse artigo faz transparecer, ainda mais, o ideário tipicamente valorista do Constituinte. Por conta disso, não se pode concordar com a opinião de Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p. 945) ao dizer que atualmente se está em um sistema que adota o nominalismo, uma vez que foi o próprio constituinte originário, em diversas ocasiões, quem previu a incidência, em quase todas as situações em que tratou de obrigação de pagar, da correção monetária, ressalvada uma exceção, que, inclusive, pela forma como foi redigida, confirma a regra. Dessa maneira, ainda que o Plano Real, medida infraconstitucional, optasse por uma adoção radical ao nominalismo purista, o que, reitera-se, não o fez, jamais poderia fazê-lo para toda a ordem jurídica brasileira, tendo em vista que há expressa disposição constitucional no sentido de garantir o direito constitucional subjetivo à correção monetária em diversas ocasiões. O mérito do Plano Real não foi, pois, abolir o valorismo do Brasil, mas sim reduzir a profusão de indexadores que habitavam o sistema jurídico nacional, dirimindo, em grande parte, a intensidade da desigualdade que acarretavam. Este trabalho defende, portanto, que, no Brasil, ainda vigora um sistema tipicamente valorista, a partir do qual a correção monetária não deixa de existir, mas passa a ser melhor regulada e mais restrita no que se refere a aplicação de diferentes indexadores. Além disso, considerando que o âmbito deste trabalho seja o Direito Tributário, salienta-se o fato de que o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 97, §2º, previu a possibilidade de correção monetária da base de cálculo dos tributos independentemente de Lei, uma vez que se trataria de mera recomposição da perda inflacionária. É justamente sobre a correção monetária no direito tributário que tratará o tópico a seguir.   O art. 146, II, dispõe que cabe a Lei Complementar regulamentar, dentre outras questões, as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, sendo essas aquelas normas majoritariamente previstas no Título VI, Capítulo I, Seção II, da Constituição Federal. Dentre as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, vale destacar o art. 150, I, da Constituição Federal, do qual se extrai a norma que a doutrina comumente denomina “princípio da legalidade” ou “regra da legalidade” que, apesar da divergência semântica, tratam, no mais das vezes, da mesma questão. Objetivando-se evitar entendimentos ambíguos, tratá-la-emos, neste trabalho, apenas como legalidade tributária. Também para fins deste trabalho, considera-se desnecessário o estudo minucioso dessa norma e de todas as duas derivações. Neste momento, entende-se por essencial apenas a definição de seus contornos para melhor desenvolvimento do tema. Traz-se, portanto, para esse fim, a definição de Carrazza, para quem a legalidade significa que:   “A lei, em suma, deve indicar todos os elementos da norma jurídica tributária, inclusive os quantitativos, isto é, aqueles que dizem respeito à base de cálculo e à alíquota da exação. Enfatizamos que somente a lei pode (i) criar o tributo e (ii) redimensionar, para mais, o quantum debeatur.” (CARRAZZA, 2013, p. 276)   Ou seja, pela legalidade tributária, não basta a lei autorizar a criação ou o aumento do tributo, ela mesmo deve fazê-lo. Por outro lado, como a legalidade é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar, para o integral entendimento da norma, essencial se faz verificar a forma como ela foi regulamentada infraconstitucionalmente. O diploma responsável por isso é a própria Lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional, que, malgrado originariamente seja lei ordinária, foi recepcionado pelo ordenamento jurídico instaurado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar. (SCHOUERI, 2018, p. 75). Nesse sentido, o artigo 97 pode ser considerado como o principal responsável pela regulamentação da legalidade no Código Tributário Nacional, que assim dispõe:   “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.   Sucede que, diante da ênfase constitucional dada ao fato de que não deve haver majoração de tributo sem que a lei assim determine, chama atenção a previsão contida no § 2º do supracitado art. 97 do CTN, ao determinar que a mera atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo não corresponderia a uma majoração. Nesse mesmo sentido, Yonne Dolacio de Oliveira:   “A interpretação doutrinária ou jurisprudencial desses parágrafos sempre entendeu que o §1º exigia lei, também, em qualquer alteração da base de cálculo que tornasse o tributo mais oneroso. Todavia, se se tratasse de mera correção monetária do valor da base de cálculo segundo os índices oficiais, haveria apenas atualização do seu valor no tempo, e não aumento.” (OLIVEIRA, 2013, p. 44)   Nesse contexto, o §2º do art. 97 do CTN se trata de disposição de índole essencialmente valorista, uma vez que dispõe sobre a possibilidade de correção monetária, o que seria impensável em um ambiente de adoção ferrenha ao nominalismo. Entretanto, a norma extraível do §2º vai muito além da mera permissão de atualização monetária da base de cálculo do imposto sem lei. Veja-se que não se poderia considerar a permissão da atualização monetária como mera exceção à legalidade. Em verdade, nem poderia o Código Tributário Nacional dispor contrariamente ao que foi determinado pela Constituição. Ao regular a legalidade, o legislador complementar não poderia deturpar a previsão constitucional nem estipular exceções que não fossem aquelas expressamente previstas pelo constituinte. Assim, ao dizer que a correção monetária da base de cálculo do tributo não corresponde a um aumento da carga tributária, fato que exigira lei, o que se explicita, na verdade, é a adesão, pelo do Sistema Tributário Brasileiro, ao valorismo. O que se defende aqui, portanto, é que o referido dispositivo não pode, em nenhuma hipótese ser interpretado como uma mera exceção à legalidade a favor dos entes estatais. Ao prever a atualização monetária da base de cálculo sem lei, o legislador complementar, na verdade, por não poder atribuir exceção à disposição constitucional, apenas demonstrou, de forma consequencial, a adesão do Sistema Tributário Brasileiro ao regime valorista. Todavia, a adoção pelo legislador complementar, seja ao regime nominalista, seja ao valorista, não pode ser parcial ou se limitar apenas a parte da obrigação, nem ignorar as consequências jurídicas que acarreta, sob pena de grave incoerência sistêmica e injusto tratamento a polos distintos de uma mesma obrigação. Assim, uma vez adotado o regime valorista, o Fisco tem, obviamente, a possibilidade de, por mero decreto, ato de vontade da autoridade administrativa, atualizar os elementos que compõe a base de cálculo do tributo, sem que se configure aumento de carga tributária. Sucede que esse não é o único reflexo do valorismo no direito tributário. Como dito, a adoção ao valorismo não pode ser parcial, beneficiando ou prejudicando apenas um dos lados da obrigação tributária. Na verdade, deve necessariamente afetar igualmente todos os polos que nela se encontram. Com isso em mente, vale destacar que a adoção ao valorismo tem outros reflexos lógicos curiosos: na hipótese de estar-se em um ambiente de deflação, no qual o poder aquisitivo da moeda cresce com o tempo, a não atualização da base de cálculo para menos por parte do Fisco, acarretaria, sob uma ótica valorista, inequívoco aumento de carga tributária sem que houvesse lei que o previsse, de modo que, ou se deveria publicar lei para se mantivesse o valor da base de cálculo ou, necessariamente, atualizar-se-ia monetariamente a base de cálculo do imposto para menos, sob pena de violação ao art. 150, I, da Constituição Federal de 1988. Consequência lógica semelhante é analisada por Carrazza, que defende a necessidade de atualização monetária da tabela progressiva no imposto de renda, sob pena de violação ao art. 150, I, da Constituição Federal:   “Realmente, impedir a correção de tais índices, valores e limites de descontos obrigou os contribuintes a efetuar, sem apoio em lei, desembolsos sempre maiores em relação aos que faziam no exercício de 1996. E não por haverem aumento suas disponibilidades de riqueza nova, senão porque o Governo, cômoda e olimpicamente, ignorou a inflação havida no período. Se preferirmos, a não-atualização dos preditos índices, tabelas e limites de dedução “ampliou” a base de cálculo do IRPF, sem que lei assim o determinasse” (CARRAZZA, 2009, p. 331).   Em se tratando de ganho de capital, por exemplo, caso se ignore a inflação de determinado período, diante de uma ótica valorista, evidentemente adotada pelo legislador complementar, estar-se-ia, inconstitucionalmente, ampliando a base de cálculo do Imposto de Renda sem qualquer lei nesse sentido. Nesse caso, é de se entender que o mesmo art. 97, §2º, do CTN que autoriza a atualização da base de cálculo para não acarretar redução real à arrecadação é aquele que, em conjunto do art. 150, I, da Constituição Federal, obriga a sua atualização de modo que não haja acréscimo real sem lei que o preveja, quando assim for o caso. Nessas hipóteses, não há como prosperar o posicionamento adotado pelo Fisco e pela jurisprudência, nem há como se falar em ausência de disposição legal expressa para a atualização da base de cálculo do imposto. Entende-se que, pelo fato de o legislador complementar ter adotado uma ótica valorista, sempre que a variação do poder aquisitivo das moedas acarretar uma situação de aumento real de carga tributária, a correção monetária é mandatória sob pena de violação da legalidade tributária; ou seja: a regra seria que quando a não atualização da base de cálculo acarretar aumento de carga tributária, a sua não atualização deve ser autorizada por lei. Caso contrário, é mandamental fazê-la. Dessa forma, a correção monetária, portanto, não seria uma alteração no regime jurídico da obrigação tributária, seria apenas a manutenção do montante de imposto que fora decidido democraticamente pelo parlamento. Todavia, além da evidência do art. 97, §2º, do CTN, este trabalho defende também que a correção monetária é devida inclusive por imperativo constitucional, especialmente como decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva, que será objeto do tópico seguinte.   Como dito no final do tópico anterior, a preferência pelo valorismo no direito tributário, no entanto, não se justifica apenas por disposição legal. O próprio princípio constitucional da capacidade contributiva em sua perspectiva absoluta, faz com que a correção monetária dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos seja regra no sistema tributário nacional. Nesse sentindo, a capacidade contributiva absoluta, para Regina Helena Costa, teria a seguinte definição:   “Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial.” (COSTA, 2012, p. 28).   Ou seja, a capacidade contributiva, a partir da sua perspectiva absoluta, diz respeito justamente à necessidade de eleição de critérios a partir dos quais se mostra a capacidade financeira de o contribuinte arcar com a obrigações tributárias que dali serão decorrentes. Ora, a ausência, durante um longo período de tempo, de revisões periódicas dos parâmetros utilizados para apuração da base de cálculo dos impostos afetaria justamente o referido princípio da capacidade contributiva, especialmente quando se considera a aptidão para concorrer com as despesas públicas. Isso é evidente ao se considerar que a inflação de determinado período faz com que R$ 100,00 (cem reais) em 2020 tenha um valor muito inferior do que tinha no ano 2000, demonstrando uma capacidade financeira muito menor que, anteriormente, o mesmo valor demonstrava. Não por outro motivo que Roque Antonio Carrazza defende a obrigatoriedade da atualização da tabela progressiva do imposto de renda, verbis:   “No caso do IRPF, a perda do valor da moeda – consequência do nefasto processo inflacionário – leva a rendimentos líquidos só formalmente mais altos, circunstância que obriga o legislador a constantes revisões, a fim de que continuem sendo levadas em conta em cada exigência fiscal, as reais aptidões econômicas do contribuinte.” (CARRAZZA, 2013, p.331)   A análise de Carrazza é absolutamente cabível quando se observa que, ainda que haja valores nominalmente maiores, é absolutamente possível que demonstrem capacidade contributiva substancialmente menor. Imagine-se que, em um período de 20 anos tenha havido uma inflação total de 100% (cem por cento). Dessa forma, R$ 100,00 (cem reais) no ano 2000, equivaleria a R$ 200,00 (duzentos reais) em 2020. Sendo assim, muito embora R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) em 2020 seja nominalmente maior que R$ 100,00 (cem reais) em 2000, representa inegavelmente menor riqueza. É justamente porque há variação da capacidade contributiva ao longo do tempo, como já mencionado por Carrazza, que Regina Helena Costa destaca, como um dos atributos do Princípio da Capacidade Contributiva, a atualidade, uma vez que, segundo a referia autora:   “A atualidade da capacidade contributiva, por sua vez, exige que esta esteja presente no momento em que a lei incide sobre o fato. Trata-se, portanto, de uma noção temporal. Se o legislador pretendesse onerar uma capacidade contributiva relevada por fato pretérito, teria de lançar mão de uma presunção de que tal capacidade ainda perdura, seria o caso, mesmo de retroatividade.” (COSTA, 2012, p. 28).   O atributo da atualidade, portanto, faz completo sentido, de modo a evitar a escolha de fatos que não mais tenham condão de revelar a real capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Assim, a consequência lógica da proteção desse princípio é a adoção apenas de critérios atuais para a tributação, de modo a garantir que haja real capacidade contributiva. Nesse ponto, tanto Regina Helena como Roque Carrazza parecem convergir no sentido de que os fatos econômicos passados não serviriam para garantir a real capacidade contributiva dos contribuintes, tendo em vista a possibilidade de que infinitos fatores venham a alterá-la, dentre eles, a inflação. No caso da tributação do ganho de capital, por exemplo, a ausência de correção monetária dos elementos que formam o ganho de capital, como o custo de aquisição, fere o atributo da atualidade do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que se ignora a perda do poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo, aumentando indevidamente a base de cálculo do imposto de renda, sem que haja substrato econômico para tanto. Nessa hipótese, adotar-se-ia um critério que não mais condiz com a verdadeira capacidade econômica do contribuinte, de modo a considerar um acréscimo patrimonial meramente nominal, que inexiste de fato. A partir disso, poder-se-ia chegar, inclusive, a uma situação em que é possível a tributação, pelo Imposto de Renda, da redução real do patrimônio como no caso, por exemplo, de o ganho de capital ser inferior à variação inflacionária de um determinado período, o que, em suma, significaria a tributação do patrimônio e não da renda. No limite do exemplo acima, a inexistência de correção monetária na apuração dos elementos que formam a base de cálculo dos tributos, autorizaria a tributação de fato que presume empobrecimento e não riqueza, o que absolutamente não pode ser aceito sob a ótica do princípio da capacidade contributiva. Além disso, também no que se refere ao imposto de renda, a discussão poderia se alongar ao se indagar se, no conceito de renda, estariam inclusos os valores meramente nominais que não acarretam efetivo ganho real. Todavia, o objeto desse artigo não é a definição do conceito de renda, mas sim defender a necessidade de correção monetária para todo o sistema tributário sempre que a variação inflacionária acarretar variação real da carga tributária. Dessa forma, entende-se que a correção monetária surge como uma necessidade constitucional para preservação do princípio da capacidade contributiva absoluta. No entanto, como só se pode falar em correção monetária em um regime monetário valorista, o princípio da capacidade contributiva surge, pois, como um verdadeiro fundamento normativo, no âmbito constitucional, para a adoção do valorismo pelo direito tributário brasileiro.   Conclusão Tem-se o conceito de moeda como um ativo amplamente aceito que é utilizado para pagamento de mercadorias e serviços adquiridos ou contratados. As moedas exercem três principais funções: a de meio de troca, a de unidade de conta e a de reserva de valor. Por diversos motivos, entretanto, as economias podem estar sujeitas à inflação ou à deflação, o que acaba por influenciar as funções do instrumento monetário. A teorias do valor da moeda sofreram grandes transformações ao longo do tempo, iniciando com o valor intrínseco das peças monetárias cunhadas em metais preciosos, a teoria do valor extrínseco, adotada por alguns governantes na idade média para fins de política monetária, o nominalismo, como resposta às discussões obrigacionais que surgiram em virtude das divergências entre o valor intrínseco e o valor extrínseco, e, por fim, o valorismo como contraponto ao nominalismo. O nominalismo é a teoria monetária pela qual se entende que o valor legalmente atribuído à moeda não é suscetível a alterações. O valorismo, por sua vez, é o contraponto ao nominalismo, figurando como teoria a partir da qual se busca manter estável o valor de uma determinada prestação, ainda que haja a perda do poder aquisitivo da moeda. A correção monetária é decorrência lógica do valorismo, servindo como o instrumento pelo qual o valor nominal das obrigações é periodicamente atualizado de forma a refletir a variação do poder aquisitivo da moeda. A correção monetária, na história recente brasileira, foi amplamente adotada, em virtude das oscilações inflacionárias às quais o Brasil esteve sujeito no século XX. Nesse contexto, havia uma profusão de diversos indexadores aplicáveis a diferentes tipos de obrigações, o que acabava por acarretar desigualdade e privilégios para determinadas categorias. A partir do Plano Real, instituído a partir de dispositivos legais, malgrado tenha havido a extinção dos diversos indexadores econômicos vigentes, não adotou e nem poderia ter adotado o nominalismo purista, uma vez que há expressa previsão constitucional para correção monetária em diversas obrigações, e que essa só é possível em um sistema valorista. Verificou-se também que o art. 97, §2º, do Código Tributário Nacional, não traz consigo uma verdadeira exceção à legalidade, mas, na verdade, trata-se de uma descrição da consequência acarretada pela adoção a um regime valorista. A norma extraível do referido artigo, portanto, é aquela pela qual se entende a adoção do regime valorista para as obrigações tributárias. Por se adotar um regime valorista no direito tributário, a mera correção monetária, quando se considera um ambiente de inflação, não acarreta aumento de carga tributária. Todavia, em um ambiente de deflação, a ausência de correção monetária implica o seu aumento de modo que deve haver previsão legal para tanto, nos termos do art. 150, I, da Constituição Federal. Ou seja, a regra seria: quando a não atualização da base de cálculo acarretar aumento de carga tributária, a sua não atualização deve ser autorizada por lei. Caso contrário, é mandamental fazê-la. Por fim, o princípio da capacidade contributiva, em sua perspectiva absoluta, traz consigo a necessidade de eleição de critérios que demonstrem a capacidade de o contribuinte fazer frente às despesas públicas. Além disso, o seu atributo da atualidade exige que haja a eleição de critério atuais para tanto. Dessa forma, a não correção monetária de elementos que formam a base de cálculo dos tributos implicaria violação ao referido princípio, uma vez que se utiliza critério passado para fins de composição da base de cálculo do imposto de renda, o que pode acarretar situações desconexas com o sistema jurídico, como, por exemplo, a tributação da redução real do patrimônio pelo imposto de renda.
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Repetição do Indébito Tributário: Análise da Regra do Artigo 166 do Código Tributário Nacional em Face do Ordenamento Jurídico Brasileiro
Este trabalho analisa a regra do artigo 166 do Código Tributário Nacional no que tange à legitimidade de, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, o chamado contribuinte de direito, que tenha repercutido o valor de um tributo ao contribuinte de fato, ter direito à restituição do respectivo valor que não atingiu sua esfera patrimonial. É feita também uma análise da situação do contribuinte de fato relativamente a tal cenário. Para tanto, é necessário verificar se a disposição legal é coerente com o ordenamento jurídico, através de pesquisas legislativa, doutrinária e jurisprudencial. Verifica-se que a regra extraída do referido dispositivo legal está em dissonância com normas, de variadas naturezas, integrantes do ordenamento jurídico.
Direito Tributário
Introdução O sistema tributário delineado na Constituição da República de 1988 é marcado pela sua riqueza de detalhes, notadamente pelo fato de a vigente Carta Política brasileira ser caracterizada, quanto à sua extensão, como analítica. Referida riqueza de detalhes se dá principalmente no que tange aos princípios e às regras basilares do Direito Tributário. Dentre os princípios elencados no Capítulo I do Título VI da Constituição Federal de 1988, ganha destaque para fins do presente estudo o princípio da legalidade. Segundo esse princípio, não é possível exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, inciso I, da Constituição da República de 1988). Nesse sentido, em regra, os elementos fundamentais dos tributos em geral (fato gerador, sujeito passivo, alíquota e base de cálculo) devem estar bem delineados em lei stricto sensu, e em consonância aos comandos constitucionais (como, por óbvio, toda lei deve estar). Ocorre que, por vezes, determinada exação é instituída pelo Estado sem observância dos requisitos constitucionais e nem mesmo dos requisitos legais (v.g., lei complementar nacional que define normas gerais e que não é observada por determinado Município), o que a torna indevida. Por outro lado, embora devido o tributo, por vezes o contribuinte o paga a maior ou até mesmo quando não é o sujeito passivo de determinada obrigação tributária. Para tais casos, prevê o artigo 165 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional) que o sujeito passivo tem direito à restituição total ou parcial do tributo, nos casos em que especifica. Especialmente para os chamados “tributos indiretos”, que serão abordados mais à frente, dispõe o artigo 166 do Código Tributário Nacional que a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. Conforme será demonstrado ao longo do presente trabalho, embora sem maiores aprofundamentos do tema, dado o caráter mais objetivo do presente artigo, a supracitada previsão legal gera discussão nos âmbitos doutrinário e principalmente jurisprudencial, uma vez que permite àquele que de fato não tenha suportado o encargo financeiro do tributo, pleitear sua restituição perante o Fisco. Logo, o objeto deste trabalho é analisar a regra do artigo 166 do Código Tributário Nacional (somente) no que tange à legitimidade de, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, o chamado contribuinte de direito, que tenha repercutido o valor de um tributo ao contribuinte de fato, ter direito à restituição do tributo que, em verdade, não invadiu sua esfera patrimonial. É feita também uma análise da situação do contribuinte de fato relativamente a tal cenário. Não se analisa neste breve estudo o caso em que o contribuinte de direito prove ter assumido o encargo do tributo indireto, pois assim é patente o seu direito a reclamar a restituição em juízo ou diretamente perante o Fisco. Para tanto, faz-se a abordagem do presente trabalho através de estudo doutrinário, das normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, sendo assim uma pesquisa bibliográfica e documental. O presente trabalho está dividido em sete pequenos itens. No primeiro item (o presente) é feita uma brevíssima introdução e contextualização do tema. Nos demais itens, são apresentados conceitos pertinentes ao presente trabalho (como o de tributo indireto), posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, bem como considerações que envolvem a aplicação do direito material e do direito processual (princípios e regras), inclusive sob a égide da Constituição da República de 1988. Assim, busca-se fazer uma análise do tema adotando-se uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, pois, para os fins do presente estudo, referido método de interpretação se mostra mais apto e pertinente, na medida em que tem por propósito a resolução de conflitos de normas jurídicas (FRIEDE, 2011, p. 167). Ao final, é apresentada a conclusão do presente artigo.   1 Breves considerações sobre o conceito de tributo indireto e de contribuinte de fato Para os fins do presente artigo, necessário explorar, ainda que de forma sucinta, a noção do conceito de tributo indireto e de contribuinte de fato. Isso porque o vigente Código Tributário Nacional dispõe em seu artigo 166 que a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. Há certos tributos, como, por exemplo, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), cuja repercussão tributária (ou seja, a transferência do respectivo encargo a terceiro) é de mais fácil visualização na prática (principalmente quando da análise de notas fiscais). Para melhor elucidação do que é um tributo indireto, oportuna é a colação da lição do professor e magistrado Sergio Pinto Martins (2018, p. 119), que diferencia tributo indireto de tributo direto, bem como contribuinte de direito e contribuinte de fato, da seguinte forma: “Nos tributos diretos, quem paga e suporta o ônus é o contribuinte de direito, não repassando nada a terceiro (exemplo: imposto de renda). Nos tributos indiretos, quem realmente suporta o tributo é o contribuinte de fato, que, ao comprar a mercadoria, tem repassado pelo contribuinte de direito o tributo para o preço dela (exemplo: ICMS).” O repasse do valor do tributo é comumente chamado pela doutrina e pela jurisprudência de repercussão tributária ou repercussão econômica do tributo, em que “o ônus tributacional repercute sobre o ocupante da fase posterior numa operação plurifásica, não sendo de responsabilidade daquele que deu ensejo à circulação originária” (SABBAG, 2018, p. 493). O professor Hugo de Brito Machado Segundo (2018, p. 447) critica a referida classificação, pois todo tributo (seja ele classificado como direto ou indireto), em verdade, comporta transferência do encargo financeiro. Diz o citado autor: “A rigor, de um ponto de vista econômico, todo tributo comporta transferência do encargo financeiro. Aliás, não apenas todo tributo, mas todo e qualquer ônus sofrido, por quem quer que seja, comporta, em tese, transferência do encargo financeiro a terceiros. No âmbito de uma sociedade comercial, o preço das mercadorias pode – aliás, deve, para que a empresa seja lucrativa e não vá à falência – servir para que aquele que as vende recupere o que gastou com aluguel de máquinas e imóveis, salários, energia elétrica, água, telefone, frete etc. Tudo isso é “repercutido” nos preços dos bens ou serviços vendidos, sob pena de a atividade não se mostrar lucrativa. Note-se que, mesmo entre os tributos, não há uma “espécie” cujo ônus possa ser repassado a terceiros, e outra em que isso não seja possível. Impostos considerados “indiretos”, como o ICMS e o IPI, podem eventualmente ser economicamente suportados apenas pelo vendedor, e não pelo comprador da mercadoria correspondente. Por outro lado, impostos como o IPTU, ou o Imposto de Renda, usualmente considerados “diretos”, são não raro repercutidos, a exemplo do que ocorre entre o médico autônomo e o seu paciente (o médico “embute” o IRPF em seus honorários), e o locador e o locatário de um imóvel (o locador “transfere” o ônus do IPTU ao locatário). Muitos outros exemplos poderiam ser citados, com quaisquer tributos.” O citado autor (o professor Hugo de Brito) prossegue fazendo uma diferenciação entre repercussão jurídica e repercussão meramente econômica do ônus do tributo. Segundo o referido professor, a primeira modalidade de repercussão do tributo ocorre quando normas jurídicas elegem como sujeito passivo pessoa distinta daquela que realiza o fato gerador (como, por exemplo, a retenção, pela fonte pagadora, do imposto sobre a renda auferida por terceiro). Já a repercussão econômica se dá quando o fato gerador é realizado pelo próprio sujeito passivo da obrigação tributária, inexistindo norma que lhe obrigue de exigir de terceiro o tributo pago (2018, p. 448). Nesse sentido, o citado doutrinador conclui que: “Como todo tributo pode, do ponto de vista econômico, ser repassado, não é a este repasse econômico que o art. 166 do CTN se está referindo. O dispositivo em comento faz alusão aos “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”, deixando claro que existem aqueles que não comportam essa transferência. É à transferência jurídica do encargo, portanto, que o artigo se reporta. Exemplo de tributo repassado juridicamente é o Imposto de Renda Retido na Fonte, a CPMF, a contribuição previdenciária (parcela do empregado) e todos aqueles exigidos no âmbito de sistemáticas de “substituição tributária”, nos termos do art. 128 do CTN […].” (2018, p. 449). As duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (Primeira e Segunda Turmas da Primeira Seção), por sua vez, entendem que há repercussão jurídica quando a lei institua a substituição tributária (artigo 128 do Código Tributário Nacional), e quando o tributo tenha como fato gerador uma operação, na qual duas pessoas participem, onerando o primeiro sujeito desta operação e possibilitando que esse primeiro sujeito, no âmbito do negócio firmado, acrescente o ônus do tributo, repercutindo-o de modo direto e imediato no preço ao segundo sujeito da operação. Portanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é mais abrangente do que, por exemplo, o do professor Hugo de Brito Machado Segundo, sendo mais próximo ao de Eduardo Sabbag (conforme citado acima). Pode-se entender que aquilo que é chamado por alguns de “mera repercussão econômica do tributo”, por ter previsão no artigo 166 do Código Tributário Nacional (previsão em lei, portanto) é, em verdade, uma classificação tornada jurídica por vontade do legislador. Adotando os ensinamentos acima demonstrados, temos que o tributo indireto é aquele passível de repercussão, por parte do sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte de direito) a um terceiro, chamado de contribuinte de fato. Referida repercussão do encargo do tributo se dá por determinação legal ou quando há o seu acréscimo ao preço de um bem objeto de operação plurifásica. Pelo visto acima, percebe-se que no caso dos tributos indiretos, passíveis de repercussão do respectivo encargo, de fato não há diminuição ou invasão no patrimônio do chamado contribuinte de direito, não obstante seja ele quem tenha a obrigação de repassar os valores ao Fisco, pois titular da relação tributária, ao contrário do chamado contribuinte de fato, que é terceiro no que tange a tal relação.   2 Doutrina e jurisprudência sobre a legitimidade ativa prevista no artigo 166 do Código Tributário Nacional Foi demonstrado que na sistemática dos tributos indiretos não há verdadeira agressão ao patrimônio do contribuinte de direito, não obstante seja ele quem tenha a obrigação de repassar os valores ao Fisco, ao contrário do que ocorre com o chamado contribuinte de fato, terceiro no que tange à obrigação tributária. Ocorre que, à luz do artigo 166 do Código Tributário Nacional, a partir de uma interpretação literal do seu enunciado, tem-se que, mesmo tendo repassado o encargo financeiro do tributo a um terceiro, o contribuinte titular da relação jurídico-tributária pode pleitear a restituição do tributo indevidamente recolhido aos cofres públicos. Nesse diapasão, o referido dispositivo legal não autoriza o contribuinte de fato pleitear a restituição do tributo indevidamente pago. Oportuno citar o referido dispositivo legal na íntegra: Art. 166. “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.” E a interpretação mencionada acima é a que vem sendo dada pela jurisprudência e por parte da doutrina, conforme será demonstrado a seguir. Analisando o artigo 166 do Código Tributário Nacional, o magistrado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Leandro Paulsen (2014, p. 206), entende que: “Aquele que paga tributo em nome de outrem não tem legitimidade para pleitear a sua repetição. Isso porque não há relação jurídica que o vincule ao sujeito ativo da relação tributária. O pagamento, por si só, seja efetuado por liberalidade do pagador ou em cumprimento a compromisso assumido, não legitima o pagador. […] O locatário que paga o IPTU em nome do locador, e o vendedor de imóvel que efetua o pagamento do ITBI em nome do adquirente […] não se legitimam à repetição, cabendo referir, nesses casos, ainda, que os contratos não são oponíveis ao fisco, conforme o art. 123 do CTN.” No mesmo sentido, para Eduardo Sabbag (2016, p. 1859): “[…] cabe ao contribuinte de direito pleitear a repetição do indébito, desde que fique comprovada a não transferência do encargo financeiro […] relativo ao tributo, ou esteja ele autorizado expressamente pelo terceiro que suportou o referido encargo a receber a restituição […].” O Supremo Tribunal Federal, entendia que “[e]mbora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”, conforme enunciado de número 71 da Súmula do referido Tribunal, aprovada em sessão plenária de 13.12.1963. Ocorre que, com o advento do Código Tributário Nacional em 1966, a restituição de tributo indireto passou a ser permitida expressamente (artigo 166). Assim, o Supremo Tribunal Federal, atualizando sua jurisprudência, passou a entender que “[c]abe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo” (enunciado 546 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aprovada em sessão plenária de 03.12.1969). Ou seja, o entendimento do Supremo Tribunal Federal coincide com a literalidade do enunciado do artigo 166 do Código Tributário Nacional. O Superior Tribunal de Justiça, que vem enfrentando mais vezes a matéria, entende que a exigência legal de que o contribuinte de direito tenha suportado o ônus tributário ou esteja autorizado pelo contribuinte de fato a pleitear a restituição, não legitima este reclamar a restituição em face do Fisco. Nesse sentido, são os seguintes julgados para conferência: AgRg no REsp 1.228.837/PE, AgRg no REsp 1.233.729/SC e, principalmente, REsp 903.394/AL (cujo julgamento foi realizado sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, ou seja, recurso repetitivo). A partir da análise do mencionado REsp 903.394/AL, Sabbag (2016, p. 1468-1469) sintetiza bem o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, da seguinte forma: “(I) o contribuinte de fato não integra a relação jurídico-tributária, a qual se mantém adstrita apenas ao contribuinte de direito, o verdadeiro sujeito passivo da obrigação tributária; (II) o art. 165 do CTN assegura a restituição apenas ao sujeito passivo da obrigação tributária, o que deve ser considerado, pela via da interpretação sistemática, quando se aplica o art. 166 do CTN. (III) o fato de existir um condicionamento para que o contribuinte de direito possa predicar a devolução – o de que não tenha ocorrido a transferência do ônus para o contribuinte de fato – não transfere a este a legitimidade para exercer a mesma pretensão.” Sobre o fundamento do Superior Tribunal de Justiça, de que o contribuinte de fato não pode reclamar o indébito por não integrar a relação jurídico-tributária, a doutrina faz severas críticas, pois em verdade trata-se de argumento incoerente, muitas vezes levantado pela Fazenda Pública simplesmente para impossibilitar a restituição do tributo indevidamente pago. A esse respeito, v.g.: “Não é lícito, nem moral, nem mesmo coerente, a conduta muitas vezes adotada pela Fazenda Pública, que, depois de negar a legitimidade ao contribuinte de direito por conta da suposta repercussão, nega essa legitimidade também ao contribuinte de fato, sob o argumento de que este ‘não integra a relação jurídica com a Fazenda’.” (MACHADO SEGUNDO, 2018, p. 452-453). Ou seja, sobre o artigo 166 do Código Tributário Nacional, vem sendo aplicada uma interpretação literal pelo principal intérprete da legislação federal (Superior Tribunal de Justiça). Portanto, segundo a jurisprudência e ao menos parte da doutrina, entende-se que, mesmo tendo repercutido o encargo do tributo, estando autorizado pelo contribuinte de fato, somente o contribuinte de jure pode reclamar a restituição em face do próprio Fisco (requerimento administrativo) e em juízo. Sobre a autorização exigida pelo dispositivo objeto de análise, válido também apontar o entendimento de Luciano Amaro (2006, p. 425): “A “autorização” dada pelo terceiro opera em sentido análogo: se o terceiro, sabendo do recolhimento indevido, opta por permitir o pedido de restituição sem que, previamente, o contribuinte de direito o tenha ressarcido, não haveria por que violentar a vontade das partes, exigindo o prévio ressarcimento ao terceiro para legitimar a restituição.” Por fim, apenas para registrar, convém apontar que a única hipótese vislumbrada pelo Superior Tribunal de Justiça para o contribuinte de fato pleitear a repetição do indébito tributário, é aquela na qual o contribuinte de fato é consumidor de serviços prestados por concessionárias, pois, nesse caso, a legislação especial prevê de forma expressa o repasse do ônus tributário. O mesmo ocorre no serviço essencial prestado em regime de monopólio, em que qualquer exação tende a ser repassada ao consumidor, conforme REsp 1.278.688/RS (PAULSEN, 2014, p. 206). Entretanto, trata-se de hipótese que não ocorre tanto na prática se comparada àquelas em que os tributos são recolhidos por particulares atuantes no ramo privado e repassados a comerciantes e consumidores, razão pela qual não será explorada no presente trabalho.   3 A legitimidade para pleitear a restituição do tributo objeto de repercussão permite o enriquecimento sem causa Conforme visto, a interpretação que se vem dando ao artigo 166 do Código Tributário Nacional é no sentido de que mesmo tendo repercutido o encargo do tributo, estando autorizado pelo contribuinte de fato, o contribuinte de jure pode reclamar a restituição perante o Fisco. Ocorre que, sem mais delongas, a interpretação literal que vem sendo dada à referida norma, conforme demonstrado acima, permite o enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. O advogado português Luís Pedro Moitinho de Almeida (1996, p. 25), conceitua o enriquecimento sem causa da seguinte forma: “O enriquecimento sem causa é um evento, um fato que se verifica quando o patrimônio de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do patrimônio de outrem, embora não deixe de ser um conceito jurídico, um fato jurídico sintético com complexos formados à custa de fatos materiais concretos.” A vedação ao enriquecimento ilícito, ou sem causa, é na verdade um princípio que por vezes é invocado pela doutrina e pela jurisprudência, calcado na moral, na boa-fé e nos princípios gerais do Direito, conforme previsto no artigo 4º do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, que é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Conforme ensinado pela doutrina, os princípios jurídicos possuem três funções que lhes são inerentes: função orientadora (orientam o legislador na produção das normas jurídicas), função interpretativa (são um norte para a interpretação das normas) e função normativa (são dotados de força normativa). (BALTAR NETO; TORRES, 2020, p. 50). Se o contribuinte de direito paga tributo que, por qualquer motivo, não é devido aos cofres públicos, e embute o seu valor no preço de um produto ou serviço, será, em verdade, “indenizado” posteriormente pelo contribuinte de fato quando este pagar o respectivo preço. Nesse caso, o contribuinte de fato sim é quem arcará com o ônus do tributo, e terá consequentemente seu patrimônio agredido por uma exação eventualmente indevida. Nessa mesma situação, quanto ao contribuinte de direito, a ele é franqueada a possibilidade de reclamar a restituição dos valores repassados ao Fisco, desde que demonstre a autorização por parte do contribuinte de fato, em clara possibilidade de enriquecimento sem causa. Por exemplo: determinado prestador de serviço inclui no preço do seu serviço o valor correspondente ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Assim, evidentemente, o tomador desse serviço arcará com a carga tributária ao pagar o preço do serviço, já que neste já terá sido incluído o valor do referido imposto. Nesse mesmo exemplo hipotético, posteriormente, é verificado que a cobrança do referido imposto sobre o serviço prestado é indevida, pois o serviço não tem qualquer previsão na lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, que dispõe sobre o ISSQN. O tomador do serviço, mesmo arcando com o ônus tributacional, nada poderá reclamar, ao contrário do prestador do serviço, mesmo já tendo sido “indenizado” pelo tomador. No caso hipotético acima, vê-se clara a possibilidade de enriquecimento sem causa do sujeito passivo da obrigação tributária, isto é, do prestador de serviços.   4 A repetição de tributo indireto objeto de repercussão e as condições da ação (artigo 17 do Código de Processo Civil) Nos termos do artigo 17 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), “[p]ara postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”, sob pena de carência da ação e extinção do processo sem resolução do mérito. Conforme definição de Alexandre Freitas Câmara (2016, p. 37), legitimidade “é a aptidão para ocupar, em um certo caso concreto, uma posição processual ativa”. Conforme visto acima, a doutrina e a jurisprudência conferem legitimidade para o contribuinte de direito reclamar a restituição do tributo repercutido, desde que haja autorização pelo contribuinte de fato. Ainda com base no escólio do professor Alexandre Freitas Câmara (2016, p. 38-39), interesse “pode ser definido como a utilidade da tutela jurisdicional postulada”, sendo que “aquele que vai a juízo em busca de providência inútil não tem interesse de agir e, por isso, verá o processo extinto sem resolução do mérito”. Como dito acima, o valor do tributo dito indireto é embutido na mercadoria ou no serviço, de modo que o contribuinte de direito, nessa hipótese, é indenizado pelo contribuinte de fato quando este adquire o bem. Portanto, ajuizar ação de repetição do indébito tributário, nesses moldes, é providência inútil ao contribuinte de direito, já que ele não teve seu patrimônio agredido pela exação fiscal (isso sem deixar de lado a tese do enriquecimento sem causa, tema de direito material). Todavia, não é esse o entendimento aplicado na prática, conforme demonstrado acima. Trata-se de incoerência também com as normas processuais.   5 Violação de normas constitucionais Embora encontre limitações de ordem constitucional (BALTAR NETO; TORRES, 2020, p. 649), o direito de propriedade é consagrado como direito fundamental pela Constituição da República de 1988, que dispõe em seu artigo 5º, inciso XXII, que “é garantido o direito de propriedade”. Referido direito também é previsto no caput do mencionado artigo 5º. Conforme demonstrado acima, no caso dos tributos indiretos, verifica-se facilmente a possibilidade de o contribuinte de fato ter seu direito de propriedade violado, na medida em que pode arcar com encargo financeiro relativo a tributo repercutido em produto ou serviço, sem poder pleitear a restituição da exação eventualmente indevida, conforme vem entendendo a jurisprudência do principal intérprete da legislação federal, o Superior Tribunal de Justiça. Portanto, a esfera patrimonial do contribuinte de fato é ilegitimamente agredida. Ainda, conforme se extrai do artigo 166 do Código Tributário Nacional e da jurisprudência mencionada nas linhas acima, aquele que teve direito lesado (o contribuinte de fato) se vê impedido ou não vislumbra amparo em ingressar em juízo para pleitear a restituição da exação indevida cuja carga financeira suportou. O supramencionado dispositivo do Código Tributário Nacional é claro ao se referir ao terceiro como alguém não abarcado pela possibilidade de pleitear a restituição do tributo (quando diz “[…] no caso de tê-lo transferido [o encargo financeiro] a terceiro […]”). É certo que o direito de ação é abstrato, ou seja, o indivíduo o possui independentemente de ter o direito substancial que alega. Entretanto, a lei e a jurisprudência entendem que o contribuinte de fato não tem direito à restituição do tributo dito indireto recolhido pelo contribuinte de direito e repercutido no produto ou serviço. Ou seja, ainda que o contribuinte de fato ingresse com medida judicial com base no artigo 165 do Código Tributário Nacional, certamente será considerado como parte ilegítima (artigo 485, inciso VI, Código de Processo Civil), de nada adiantando ter exercido o seu direito de ação. Nesse cenário, ao final do processo, o contribuinte de fato ainda teria que arcar com os ônus da sua sucumbência (custas, despesas processuais e honorários advocatícios). Logo, não parece que a lesão a direito do contribuinte de fato é realmente apreciada pelo juiz. Portanto, com a devida venia de quem entende o contrário, na atual conjuntura jurisprudencial e legal, na opinião do autor do presente artigo há clara violação ao inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, que determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, garantia essa alijada do chamado contribuinte de fato. Por outro lado, a possibilidade de o contribuinte de direito, no caso tratado no presente artigo, enriquecer sem causa em prejuízo do contribuinte de fato e, em última análise, da própria Fazenda Pública, fere também o princípio da igualdade, estampado no caput do artigo 5º da vigente Constituição Federal. Em suma, vê-se que a norma em análise viola preceitos fundamentais, sendo em tese passível de arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal com base no artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999, já que o Código Tributário Nacional (1966) é anterior à Constituição da República (1988), e o artigo 166 permanece com a sua redação original. Embora não possam ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, as normas anteriores à Constituição Federal de 1988 podem ser objeto de uma espécie de “controle concentrado de recepção” (MORAES, 2016, p. 774). O Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre o que entende por preceito fundamental, mas a doutrina traz sugestões. Nesse sentido, podem ser entendidos como preceitos fundamentais aqueles que informam o sistema constitucional, que estabelecem comandados basilares indispensáveis à defesa dos pilares da manifestação do poder constituinte originário, incluindo o mencionado artigo 5º da Constituição, conforme preleciona Uadi Lammêgo Bulos (2000, p. 901, apud LENZA, 2010, p. 300-301).   Conclusão Conforme foi demonstrado neste breve estudo a partir de uma interpretação sistemática envolvendo algumas (porém importantes) normas do ordenamento jurídico brasileiro, permitir que o contribuinte de direito obtenha o ressarcimento de valores que repercutiu em produto ou serviço possibilita o seu enriquecimento sem causa, bem como gera incompreensível incoerência no sistema normativo, violando também, em última análise, o princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição da República de 1988). Quanto ao contribuinte de fato, foi demonstrado que seus direitos e garantias fundamentais, todos de ordem constitucional, como o direito de propriedade e a apreciação de sua causa pelo Poder Judiciário (artigo 5º, incisos XXII e XXXV da Constituição da República de 1988), são manifestamente violados com a aplicação que vem sendo dada pela jurisprudência ao artigo 166 do Código Tributário Nacional. Portanto, conclui-se que a regra insculpida no artigo 166 do Código Tributário Nacional, tratada neste trabalho, é passível de ser afastada ou de sofrer nova interpretação (embora possa haver violação à própria literalidade do enunciado) pelo Supremo Tribunal Federal, através do mencionado controle concentrado de recepção, bem como de ser reformada pela via mais adequada e democrática, que possibilita a inovação no ordenamento jurídico, isto é, pelo Poder Legislativo exercendo sua função típica.
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A Abrangência das Imunidades Tributárias Concedidas aos Templos de Qualquer Culto
O Direito Tributário consiste em matéria de bastante questionamento e, nos últimos tempos, tem sido foco de muita polêmica, seja devido à proposta de reforma tributária, seja devido aos escândalos políticos acerca da corrupção envolvendo o uso dos valores com arrecadação tributária em campanhas políticas ou controvérsias em torno da questão das imunidades tributárias religiosas, previstas na Constituição Federal no artigo 150, inciso VI, alínea B, como forma de limitação ao poder de tributar dos entes federativos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO‌ Conforme disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN):   Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.   Estes tributos serão de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em conformidade com o texto constitucional que elenca estas competências em seu artigo 145. Desta forma, o presente trabalho possui como objetivo a efetiva análise das limitações constitucionais ao poder de tributar, em especial ao instituto previsto no artigo 150, inciso VI, alínea b da Constituição Federal onde está prevista imunidade específica aos templos de qualquer culto, com base no artigo 5º, inciso VI também da CF/88. O objetivo primordial desta concessão consiste em assegurar a liberdade da prática religiosa no país, sendo previsto em um dos artigos principais de nossa norma fundamental e entendida portanto como direito fundamental do indivíduo, por isso essa imunidade tem o fito de garantir que esta liberdade seja efetivamente colocada em prática, por se entender que a instituição de tributo poderia limitar o exercício da igreja de forma equânime. Neste ínterim, este estudo tem o intuito de analisar a abrangência desta garantia, as controvérsias que relacionadas a ela existem, bem como averiguar se de fato ela atende os princípios a que se propõe. De início, buscaremos no ordenamento brasileiro normas e princípios que nos mostrarão a regulamentação da tributação e seus limites aplicados atualmente no Brasil. Prontamente, apresentaremos as controvérsias acerca do tema central do estudo, confrontando com a legislação e jurisprudências, apontando empiricamente a aplicabilidade das normas na esfera religiosa. Por fim, analisaremos o tema com base nas fundamentações apresentadas, confrontando e analisando a pertinência dos Princípios com o objetivo de verificar as controvérsias existentes na aplicação no caso concreto existente junto às igrejas e líderes religiosos.   1. CONSIDERAÇÕES AO DIREITO TRIBUTÁRIO 1.1 Conceito Para adentrarmos ao assunto trabalhado neste artigo, carecemos antes de qualquer coisa, compreender a matéria primordial que embasa todo o estudo, o Direito Tributário. Direito Tributário é definido pela doutrina como imposição, arrecadação e fiscalização dos tributos que resultará em uma relação obrigacional entre contribuinte e estado, ou seja, ao Estado é conferido o poder de exigir e ao contribuinte o dever de pagar, nestes termos, Luis Eduardo Schoueri traz que:   “O Código Tributário Nacional trata a relação jurídico-tributária, inserindo-a no campo da obrigação tributária.” Uma “obrigação” implica um vinculo jurídico (i.e. protegido pelo “Direito) que une duas pessoas, por meio do qual uma (o devedor) deve efetuar uma prestação de natureza patrimonial (o objeto: dar, fazer ou não fazer) a outra (o credor). Se o devedor não cumprir sua obrigação, pode o credor pleitear ao Estado, por meio do Poder Judiciário, que constranja, inclusive com emprego de força, o devedor ao cumprimento da obrigação. Esta possibilidade, dada ao credor, de acionar o Estado, permite que se designe o credor de sujeito ativo, enquanto o devedor será o sujeito passivo.” (Direito Tributário – Luis Eduardo Schoueri – 9 ed. – Saraiva, Jur., 2018)”.     Desta forma, este ramo do direito irá reger a relação entre o Fisco, que nada mais é do que o Estado atuando como gestor do tesouro público, ou seja, será responsável por esta arrecadação dos tributos e também por fiscalizar esta tributação para que ocorra de forma regular e justa. Para fins de arrecadação, não será relevante se a origem do patrimônio se deu a partir de uma atividade ilícita, amparado pelo Princípio do Pecunia Non Olet, previsto no artigo 118 do Código Tributário Nacional, o que importa para o fisco é o fato gerador, se ele estiver em conformidade com a hipótese de incidência prevista, o tributo será devido. Vejamos: Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. “(…)Desse conceito legal, vê-se que, se por um lado o tributo não se presta a coibir atividade ilícita, por outro, pode e deve ser exigido dessas atividades, desde que, desconsiderada a ilicitude, o fato gerador reste caracterizado. Trata-se do princípio da pecunia non olet(…)”.   Sendo assim, compreende-se que, o tributo não será cobrado como forma de sanção, mas sim, cobrado em decorrência do fato gerador caracterizado desconsiderando-se a ilicitude no fato para fins de tributação.   1.2  Espécies de Tributos O Código Tributário Nacional dispõe em seu artigo 5º acerca das espécies de tributos, adotando a teoria tripartite e os definindo como sendo “impostos, taxas e contribuições de melhoria”, porém, no Supremo Tribunal Federal, é pacífico o entendimento e adoção da teoria quintapartite, percebendo como tributos como sendo impostos; taxas; contribuições de melhoria; empréstimos Compulsórios e contribuições especiais. Vejamos como julgou o STF em RE 138.284/CE, segundo voto do ministro Carlos Velloso:   As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (C.F., arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (C.F., art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.l. de melhoria (C.F., art. 145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, I, II, III), C.2.1.2. outras de seguridade social (C.F., art. 195, parág. 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, C.F., art. 212, parág. 5º, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, C.F., art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (C.F., art. 149) e c.3.2. corporativas (C.F., art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148).   Ainda neste enfoque, nas palavras de Paulo Caliendo:   “(…)Para o STF, as contribuições são genenro que abrange uma multiplicidade de subespécies, tais como: as contribuições para o financiamento da seguridade social, as contribuições de melhoria, de intervenção no domínio econômico, de interesse de categorias de interesse de categorias profissionais e econômicas.” (Paulo, C. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2018. 9788553610440. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553610440/. Acesso em: 01 Oct 2020)   A justificativa para a existência da tributação ocorre a partir da necessidade de recursos financeiros para a manutenção do Estado, independente da finalidade a que se destinará desde que objetivando o interesse público, vez que é impossível se manter um estado sem recursos financeiros, portanto não há que se falar em tributos como forma de sanção, mas sim, como forma de contribuição do cidadão para com o Estado e suas necessidades materiais. Desta forma, remata-se a definição de tributo como forma de contribuição, objetivando a manutenção e preservação do estado, bem como garantia do bem estar social e, Direito Tributário como sendo o conjunto de normas que irão reger esta relação delimitando parâmetros e regulamentando a aplicação do instituto nos casos concretos.   1.3 Natureza Jurídica de Tributo Direito Público consiste no ramo do direito que tem por objeto principal a regulamentação dos interesses da sociedade, alcançando não somente as normas jurídicas que regem atividades, funções e organizações do Estado, mas também irão regulamentar as normas jurídicas que norteiam as relações entre ele e os particulares. Consideremos as asserções de Guilherme de Souza Nucci:   “O direito público regula as relações cultivadas pelo Estado e pela sociedade, podendo dar-se entre o Estado e o indivíduo, entre o Estado e a sociedade, entre a sociedade e o indivíduo ou em meio a conflitos sociais. Por via indireta, pode atingir interesses individuais.” (Souza, N.G. D. Instituições de Direito Público e Privado. Rio de Janeiro/RJ, Grupo GEN, 2019. 9788530984960. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530984960/. Acesso em: 11 Nov 2020)   Destarte, entende-se o Direito Tributário como concernente ao Direito Público. Em que pese haver certa discussão entre a dicotomia Pública e Privada, interpreta-se como sendo de natureza pública, vez que o Estado integrará a relação como ente Supremo. Nas palavras de Amilcar de Araujo Falcão:   “O direito tributário pertence ao direito público, quer esse se determine pela natureza do sujeito da relação jurídica, quer pela preeminência do interesse protegido, quer pelo caráter imperativo ou proibitivo das normas que o regem, quer, enfim, pela forma especial que assume, em cada caso, a tutela jurídica.” (O Direito Tributário: Sua conceituação, natureza e autonomia – Amilcar de Araujo Falcão – p 498 – vol. 27 – Revista de Direito Administrativo, p. 1).   Noutro giro, para compreender a natureza jurídica de tributo busca-se amparo no artigo 4º do Código Tributário Nacional, onde a definição desta natureza se dará a partir de seu fato gerador: Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto da sua arrecadação. Ou seja, neste contexto sabe-se que a definição da natureza do tributo está atrelada a um fato ou, conjuntos de fatos vinculados pelo legislador ao nascimento de uma obrigação jurídica de pagar determinado tributo. Nota-se que cada espécie tributária elencada no artigo 145 da CF/88 terá uma característica específica e esta característica será variada em conformidade com seu fato gerador. Vejamos o que traz a doutrina a partir das palavras de Fabiana Lopes Pinto: “Identificação da forma de cobrança, natureza jurídica, características postas pelo direito positivo, enquadramento a um grupo de fatos, finalidade, motivação, competência, destinação do produto arrecadado, bem como denominação, objetivos da cobrança, interesses públicos diretos e indiretos, vinculação a uma atividade estatal ou a um pagamento estatal futuro, entre outros, podem ser critérios e características essenciais à identificação de um tributo ou preço público e, consequentemente, dos princípios constitucionais que irão reger aquela cobrança. (Coleção Sucesso – Concursos Públicos e OAB – Direito Tributário – PINTO, Fabiana Lopes – Barueri, SP – Manole, 2012)”.   Isto posto, nota-se que para definir um fato gerador e o enquadrar em determinada espécie tributária, deve-se considerar diversos fatores, dentre eles interesses públicos, finalidade e motivação e partir destes elementos, adaptar aos moldes de incidência tributária para que consista em fato gerador próprio do respectivo tributo.   2. Das Imunidades Tributárias 2.1  Conceito Como constatado até o momento, ao Estado é conferido grande poder no tocante a esta relação tributária, sendo outorgado a ele autoridade no que tange a instituição, fiscalização e arrecadação de tributos, mas para além deste poderio nesta esfera, também é imposto a ele limites para que não realize esta função de forma descontrolada e abusiva. A limitação ao poder de tributar consiste no comedimento dos poderes conferidos ao Estado pela Constituição Federal, ou seja, estas limitações são regras de Competência cujo objetivo é criar impedimentos na atividade estatal de criar tributos para que seja realizada de forma justa para o contribuinte. Nas palavras do Professor Eduardo Sabbag:   “As limitações ao poder de tributar são, em última análise, qualquer restrição imposta pela CF às entidades dotadas de tal poder, no interesse da comunidade, do cidadão ou, até mesmo, no interesse do relacionamento entre as próprias entidades impositoras”. (SABBAG, p. 01, 2012)   Neste ínterim, o instituto das imunidades tributárias está previsto na Constituição Federal, precipuamente no artigo 150, e prevê um rol de restrições aos poderes atribuídos aos entes federativos para tributar, que se expressa através do instituto das Limitações ao Poder de Tributar e nesta relação, em especial no inciso VI do artigo supracitado, encontram-se previstas as imunidades tributárias. Este regulamento assegura que, naquelas hipóteses específicas, aos entes federativos está vedado instituir impostos, isto quer dizer que, ainda que exista previsão de incidência de determinado imposto para aquele fato gerador praticado por um destes entes elencados como imunes, não recairá a cobrança tributária.   2.2 Espécies de Imunidades Tributárias Nos moldes do artigo 150, inciso VI da CF/88, não serão instituídos impostos, ou seja, serão considerados imunes: Ainda em nossa carta magna, apresentam-se previstas outras imunidades, como no artigo 151, incisos I e II, onde in verbis: Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; II – tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes; No primeiro inciso, a imunidade versa sobre igualdade territorial, a fim de que se garanta desenvolvimento equânime em todo território, haja vista que algumas regiões do Brasil são mais desenvolvidas e possuem mais capacidade contributiva que outras.  No segundo, teremos uma vedação à União, vez que apenas ela tem poder para tributar rendas, proibindo assim de tornar seus títulos públicos mais atrativos, bem como impedir que os agentes públicos da própria União, tenham seus rendimentos tributados de forma inferior que os agentes dos demais entes federativos. Ademais, o artigo 153, §3º, inciso III CF/88, aduz a imunidade de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), conferida a produtos industrializados destinados ao exterior e no §4º, inciso II do mesmo artigo, haverá a imunidade do ITR (Imposto Territorial Rural), concedido a “pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel”. Ainda neste sentido, o artigo 155, §3º, CF/88 contará imunidade para “operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País” de todos os impostos, salvo o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços), II (Imposto de Importação) e IE (Imposto de Exportação). Insta salientar que, com fulcro nos dispositivos acima citados, as imunidades versam apenas sobre impostos, que como vimos anteriormente, consiste em uma das espécies de tributos, isto significa que as demais formas não estão afastadas, podendo recair sobre estes entes, taxas, contribuições, etc.   2.3 Imunidade e Isenção Para prosseguimento deste estudo, é imperioso que se faça a diferenciação entre isenção e imunidade. Conforme trazido nos dispositivos acima, a imunidade é uma limitação ao poder do Estado em tributar, ou seja, os entes federativos estão proibidos pela Constituição, de instituir imposto para determinada hipótese especificada em lei, já a isenção, será uma hipótese de exclusão do crédito tributário, nos termos do art. 175 do CTN; onde não é vedado ao ente tributar aquela categoria, ele apenas estará impedido de cobrá-lo naquela situação específica, não eximindo ainda o isento das obrigações acessórias decorrentes daquela obrigação principal, caso haja. Como exemplo, ilustra-se a partir do IR (Imposto de Renda), onde a isenção é conferida a um rol específico de indivíduos, previsto no artigo 6º da Lei 7.713/88, dentre estes isentos encontraremos aquelas pessoas que possuem rendimentos mensais de valor inferior a R$ 1.999,18, sendo assim, podemos perceber que não há uma imunidade tributária prevista em Constituição Federal, mas tão somente uma hipótese onde aquele imposto não será cobrado. Nos dizeres de Luís Eduardo Schoueri: “(…) o crédito tributário surge, mas o pagamento é dispensado, por conta da isenção. Assim é que a isenção está compreendida dentro do campo da incidência da norma, já que o legislador contemplou a hipótese (e por isso não seria caso de falar-se em não incidência), mas isentou o contribuinte do pagamento.” (Eduardo, S. L. Direito tributário. Editora Saraiva, 2018. 9788553610174. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553610174/. Acesso em: 01 Oct 2020.)   Destarte, a partir da compreensão do instituto das imunidades como sendo dotado de uma dimensão colossal, passa-se a entender que, esta imunidade deve ser conferida com muito cuidado e fiscalização, haja vista que, como levantado até agora, a finalidade da arrecadação tributária é a manutenção do Estado e bem estar social, ao passo que uma imunidade ou isenção é concedida, esta falta de recolhimento pode ter grande impacto nos cofres públicos e com isso na vida da população.   3. DAS IMUNIDADES AOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO 3.1 Contexto Histórico do Direito Tributário e Imunidades Os tributos existentes hoje, foram estabelecidos na Grécia (século VIII a.C.), sendo imposto pelo Estado o pagamento de tributos pelo contribuinte com o objetivo de manter e aumentar a civilização, que, como visto neste estudo, consiste em justificativa primordial para a tributação, vez que para que o Estado se mantenha, é necessário recursos financeiros. “No Direito Tributário, a prestação de tributos servia para manter o exército, os templos e as instituições púbicas. A importância do tributo pago também é visto na época de secas, onde o Estado passa a alimentar toda a sociedade e distribui sementes para o próximo inverno. Assemelhando-se ao que hoje conhecemos por empréstimo compulsório.” (RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. A História do Direito Tributário no Egito e na Grécia. Toda Matéria, Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27836496_A_HISTORIA_DO_DIREITO_TRIBUTARIO_NO_EGITO_E_NA_GRECIA.aspx. Acesso em: 10 nov. 2020.) De mesma forma histórica, ampara-se a existência da imunidade religiosa no que tange o pagamento de contribuições. No Egito antigo, a imunidade tributária era concedida aos templos e sacerdotes, chegando a alcançar um terço de todas as terras egípcias, concedendo a cada sacerdote o equivalente a cem cúbitos quadrados de terra livre. Além de serem imunes, os templos eram locais sagrados a tal ponto de se tornar refúgio do povo para escapar do governo, especialmente dos escribas, que na época eram responsáveis pela cobrança tributária, ou seja, dentro daquele local sacro, não só não era permitida a cobrança de tributos do lugar, como também de quem dentro dele estivesse. Esta imunidade existe desde então, e esteve presente na Europa desde o século 4, sendo trazida para o Brasil no momento em que foi colonizada por Portugal, existindo no país em seus 520 anos, ou seja, a legislação prevê esta prerrogativa desde que a Igreja católica ainda integrava o Estado como soberana, sendo imperioso salientar ainda que, apenas em 1891 houve de fato o rompimento entre Estado e Igreja, através da promulgação da Constituição do respectivo ano. Sendo assim, esta regra sempre esteve vigente e possui embasamento no poder da Igreja Católica perante os demais, sendo a liberdade religiosa de forma absoluta apenas assegurada na Constituição Federal de 1988, isto é, a fundamentação utilizada hoje para imunidade que seria a garantia deste direito fundamental de liberdade, não existia anteriormente, sendo embasada tão somente por uma questão de poderio do Catolicismo, vez que, à Igreja Católica já era assegurado este privilégio, e às demais religiões não, por somente na Constituição de 1824 ser admita a existência de outras religiões, mas ainda assim, com restrições, haja vista que as crenças não católicas não possuíam liberdade plena.   3.2 Conceito de Imunidades Tributárias aos Templos de Qualquer Culto Como visto no capítulo anterior, as imunidades são estipuladas como forma de limitar os entes federativos de realizar a função de instituir impostos, sendo a imunidade aos templos de qualquer culto uma forma desta limitação, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea b da Constituição Federal de 1988. A justificativa para que se conceda imunidade especificamente a estes entes, se encontra no artigo 5º, inciso VI CF/88, pois o objetivo é a garantia da liberdade dos cultos religiosos. In verbis:   VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;     Para além desta garantia à liberdade religiosa prevista no artigo supracitado, encontra-se no âmbito dos tratados internacionais a salvaguarda da existência equilibrada e tolerância para todas as formas de expressão religiosa dentro de um país, tendo em vista a grande austeridade existente em diversos locais do mundo, decorrente da opressão relativa à religião. Destarte, veja-se o primeiro documento que lidou diretamente com os direitos e garantias acerca da religião, qual seja, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que possui como um de seus objetivos primordiais o respeito e a garantia de direitos fundamentais e liberdades, in verbis:   “A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.”     Nesta declaração de âmbito mundial, estará disposto no artigo 18 a garantia específica à liberdade religiosa, onde:   “Artigo 18°: Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”     Ainda neste contexto, figura resguardados estes direitos na Declaração da Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções, de 25 de Novembro de 1981 da ONU, que possui o objetivo de firmar o comprometimento de todos os países assinantes a reguardar os direitos da dignidade e igualdade, “promovendo e estimulando o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião”. Referindo-se diretamente ao direito de liberdade religiosa nos artigos 1º, 2º e 3º. De forma ainda mais contundente, verifica-se no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que representa extrema relevância devido à sua força vinculante por se tratar de um pacto e possuir mais pujança que uma mera declaração. Dentro deste pacto os principais artigos relacionados ao tema religioso, serão 18, 19, 20 e 27 que, em resumo, garantem a proteção de pensamento, crença, raça e religião, ainda que concernente a algum grupo de minorias, a todos caberá o apanágio da liberdade religiosa. Isto posto, percebe-se que as imunidades aos templos de qualquer culto, pautam-se primordialmente nos princípios da igualdade e liberdade garantidos através do direito fundamental de livre expressão de crença, neste caso, e, a partir ainda da interpretação do artigo 19 da CF/88, onde é vedado aos entes religiosos embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas, e por este embaraçamento, entende-se dificultar, complicar o andamento destes entes, garantindo assim, que esta atividade seja exercida de forma livre.               Como visto até o presente momento, compreende-se pelo embasamento da imunidade concedida aos templos de qualquer culto, previsto na Constituição Federal, nas garantias e no princípio da liberdade de consciência e de crença.  Sendo assim, busca-se a partir deste capítulo, assimilar qual a abrangência desta concessão conferida às organizações religiosas e se, empiricamente são asseguradas aos templos de quaisquer cultos. Inicialmente, resta imperioso se defiinir quais impostos efetivamente as organizações religiosas não pagam. Entre os mais comuns estão, Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), este em especial, caberá aos contratos de aluguel quando o ente religioso figurar como locador, ou seja, se alugar a propriedade do templo para um terceiro, ainda que para fim diverso da propagação da fé, conforme súmula vinculante Nº 724 do Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento restou dilatado aos templos religiosos, onde garante a imunidade de IPTU “aos imóveis pertencentes a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”. A justificativa para que se conceda a imunidade deste imposto em propriedade de domínio da organização religiosa, se perfaz pelo entendimento de que, se estes valores fossem pagos ao Município, seriam capazes de causar escassez de recursos que poderiam ser utilizados nas atividades essenciais a que se destinam. Noutro giro, persevera uma controvérsia no que tange a mesma incidência de IPTU nos contratos de aluguel, nos casos em que o ente religioso figure como locatário do imóvel, ou seja, alugando local pertencente à terceiro para que realize a propagação da fé, em regra não seriam imunes, porém, este entendimento vem possuindo certas divergências. Conforme entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao considerar válida a Lei 4.768/2014 do Município de Suzano/SP, que visava suspender a cobrança do imposto do locatário que utilize o imóvel para atividades religiosas. À luz da ementa do processo Nº 2253861-24.2016.8.26.0000:   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei n. 4.768, de 17 de abril de 2014, do Município de Suzano, que “dispõe sobre a concessão de isenção do pagamento do IPTU aos imóveis locados por templos religiosos” – Ausência de inconstitucionalidade formal decorrente de vício de iniciativa – Entendimento consagrado pelo E. STF de que de que a competência para iniciar processo legislativo sobre matéria tributária não é privativa do Poder Executivo – Inocorrência de criação de despesa sem a correspondente previsão de custeio – Desrespeito, contudo, ao artigo 163, incisos II e VI, ‘b’, e § 4º, da Constituição Estadual – Violação ao princípio da isonomia tributária – Dentro do grupo escolhido para se beneficiar da isenção tributária (entidades religiosas que são locatárias de imóveis no Município de Suzano), o estabelecimento de qualquer restrição ou distinção desmotivada representa uma verdadeira violação ao princípio da isonomia e limita indevidamente à liberdade religiosa – Configurada a inconstitucionalidade da expressão “há pelo menos 06 (seis) meses” (g.n.), constante do caput do artigo 2º da lei vergastada – Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2253861-24.2016.8.26.0000; Relator (a): Moacir Peres; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo – N/A; Data do Julgamento: 31/05/2017; Data de Registro: 06/06/2017)     Ainda neste sentido, o ex-senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), hoje prefeito do Rio de Janeiro propôs a PEC 113/2015, aprovada pelo Senado em segundo turno, que objetiva a abrangência deste entendimento por todo país e, portanto, livrando todos os templos da incidência do referido imposto, ainda que figurem como locatários. A proposta aprovada no Senado foi remetida à Câmara dos Deputados como PEC 200/2016 e se encontra pronta para Pauta em Plenário Ademais, estarão os templos de qualquer culto imunes de Imposto de Renda (IR) no que diz respeito à contribuição e doações de fiéis, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nestes casos, é necessária que esta imunidade seja renovada através de projeto de lei complementar constando prazos de vigência destes incentivos ficais, atualmente, o projeto Nº 55 de 2019, foi sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro, alterando o texto da lei Complementar Nº 160/17, autorizando com isto, a prorrogação da imunidade deste imposto às organizações religiosas até 31 de Dezembro de 2032, e por fim, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Sendo assim, nota-se a presença de grandes controvérsias e abrangências no que tange as imunidades conferidas aos entes religiosos diante da aplicação nos casos concretos. Em regra ocorrem as imunidades nestes impostos supramencionados, porém, empiricamente depara-se com variações. Veja-se o entendimento abaixo proferido pelo relator Francisco Donizete Gomes, ao votar remessa necessária de processo ajuizado pela Igreja Católica a fim de garantir sua imunidade de Imposto de Importação, no momento de importar sinos e seus equipamentos de montagem de Rortedã, na Holanda, para o Brasil, perfazendo um total de € 43.770,00  (TRF4 5000023-67.2019.4.04.7008, PRIMEIRA TURMA):   EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. IMUNIDADE. TRIBUTÁRIA. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. ART. 150, INCISO VI, ALÍNEA B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IPI – IMPORTAÇÃO. 1. O art. 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal, confere imunidade tributária aos templos de qualquer culto, abrangendo não somente os prédios destinados ao culto, mas também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da entidade religiosa. 2. Sendo a impetrante entidade uma organização religiosa, instituída como subdivisão da Igreja Católica Apostólica Romana, as importações de produtos relacionados com sua atividade fim estão abrangidas pela imunidade tributária em questão. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF4 5000023-67.2019.4.04.7008, PRIMEIRA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 10/07/2019). “(…)A imunidade de entidades religiosas tem por objetivo garantir a liberdade de culto religioso; atingindo todos os impostos que incidem sobre o patrimônio, a receita e os serviços prestados por estas entidades. No dizer de Regina Helena Costa (Imunidades Tributárias. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 156): “Como imunidade política e incondicionada, visa a garantir a eficácia da diretriz constitucional contemplada no art. 5º, VI, que assegura a liberdade de crença e o livre exercício de cultos religiosos, densificando-os“. Ao analisar a imunidade de entidades religiosas, esta Corte já manifestou-se no sentido de que “a imunidade prevista na Constituição que veda a instituição de impostos sobre ‘templos de qualquer culto’ deve ser interpretada de forma extensiva, a fim de abranger o patrimônio, renda e serviços relacionados com crenças religiosas enquanto instituição” (TRF4, MAS 2002.70.00.064442-0, Primeira Turma, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, DJ 15/03/2006). Portanto, sendo a impetrante entidade uma organização religiosa, instituída como subdivisão da Igreja Católica Apostólica Romana, as importações de produtos relacionados com sua atividade fim estão abrangidas pela imunidade tributária em questão.(…)”     Destarte, nota-se neste caso concreto a abrangência que esta concessão sem dúvidas alcança vez que, o templo religioso em análise consiste em Igreja Católica e com grande poder contributivo, notado pelo valor exorbitante dos produtos importados. Reitera-se que a justificativa para a existência desta prerrogativa é justamente não embaraçar o funcionamento da instituição, garantir a liberdade religiosa bem como viabilizar as atividades sociais em prol da comunidade. Dito isso, passa-se a refletir se, estes valores que poderiam estar nos cofres públicos, utilizados para fins sociais e garantias individuais como saúde, educação e segurança, não estão sendo desviados e empregados para bem estar e uso tão somente dos líderes religiosos? Ademais, é cediço que, esta imunidade consiste atualmente em uma linha tênue no que diz respeito a brechas para distorções. Inicialmente, amenta-se que, para que haja as prerrogativas e não incidência dos impostos em análise é necessário que, os bens estejam registrados em nome do templo religioso, ou seja, como exemplo tem-se o automóvel; é requisito para imunidade do IPVA (Imposto sobre a propriedade de veículos automotores), que o veículo esteja registrado em nome da instituição religiosa e utilizado para atividades elementares a ela, caso contrário, teremos a incidência do imposto. Porém, na prática, encontra-se uma concessão sem a limitação expressa em lei, sendo as interpretações variadas e passíveis de aplicação de forma adaptada a cada concepção. Veja-se este caso concreto, onde, a Igreja Batista Central de Brasília ajuizou ação em desfavor do Distrito Federal para que fosse reconhecida a imunidade de diversos bens listados na exordial. Em primeiro grau, o juízo entendeu que esta concessão seria devida a alguns bens, mas a outros não, leia-se o seguinte trecho:   “Além disso não me parece razoável que vários bens indicados na petição inicial atendam precipuamente às necessidades essenciais de uma instituição religiosa sem fins lucrativos, tais como acomodações ou hospedagens localizadas em áreas nobres do Distrito Federal disponibilizadas gratuitamente a pastores e missionários e dois veículos FORD Fusion, de alto valor no mercado.” (A G .REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 953.795 DISTRITO FEDERAL, 21 de Jun. de 2016, Acesso em 22 de Out. de 2020, Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11506566)   Sendo assim, fica evidente neste caso concreto o alto poder contributivo desta instituição, devidamente reconhecida em juízo, desta forma, podemos questionar novamente a destinação das verbas recebidas pelos líderes religiosos e se, não estamos aqui por intermédio da própria Constituição Federal abrindo uma enorme brecha para uma corrupção legítima através do desvio da finalidade das verbas provenientes da propagação da fé? Ainda neste sentido, tem-se o caso atual de grande repercussão na mídia, onde se intentou um perdão de dívidas contraídas por entes religiosos que somam Um Bilhão de reais. Esta dívida consiste justamente na distorção realizada por líderes religiosos e recusa em pagar Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Como visto neste estudo, toda a imunidade se baseia justamente em garantir liberdade de crença a todas as religiões de forma equânime e, versam precipuamente sobre os bens das entidades religiosas e não de seus líderes, esta contribuição recai sobre o patrimônio, remunerações, e outras contribuições previdenciárias de seus líderes e não dos templos religiosos, devido a este impasse e como forma de burlar a legislação, o pagamento destes tributos não é realizado e enquanto isso, a dívida aumenta ainda mais. Buscando se esquivar destas cobranças e a anistia deste débito, o deputado federal David Soares, filho de R.R. Soares, um dos maiores líderes religiosos, ministro do Evangelho e apresentador do programa Show da Fé, foi autor da emenda que incorporou este perdão no projeto de Lei 1.581/2020. O intuito do deputado era justamente que o Governo eximisse as igrejas evangélicas desta contribuição e perdoando assim, as dívidas já existentes, já que o efeito da lei retroagiria e alcançaria os débitos já lançados. O projeto de lei restou sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, atual Lei 14.057/2020, mas vetado no tocante ao perdão, reconhecendo o presidente que ao realizar tal medida estaria cometendo crime de responsabilidade.   CONCLUSÃO Por conseguinte, diante primordialmente dos entendimentos e casos concretos trazidos, conclui-se a literalidade no tocante a interpretação da concessão das imunidades aos templos religiosos, não obstante, encontram-se divergências na aplicação, vez que, no mundo fático as situações poderão e serão variadas, como vimos no caso do IPTU, abrindo assim a questão para demais erudições. Nota-se que, indubitavelmente, este instituto possui vasto alcance e, apesar de ser justificado pela isonomia, e garantias individuais de liberdade de crença, é pautado, sobretudo no poderio da Igreja Católica, tendo em vista sua histórica soberania e atualmente a liberdade estendida à todas as demais religiões. Entretanto, torna-se evidente a necessidade de se repensar esta concessão, em virtude do transvio da finalidade. Frisa-se que um dos princípios primordiais da Administração Pública atinente aos cofres públicos, consiste na Supremacia do Interesse Público, e é cediço, como visto no último caso concreto trazido no tópico anterior, que, diante tamanha controvérsia, o prejuízo dos cofres públicos é desmedido, portanto, conclui-se através deste estudo, que certamente a sociedade vem sofrendo impactos diretos com a falta de verbas do governo, em decorrência de uma regalia garantida hodiernamente por um costume, porquanto, a liberdade religiosa traduz-se em garantia assegurada pela Constituição através de cláusula pétrea, e à vista disso, não há que se falar em limitação deste direito, ainda que sejam instituídos impostos aos templos. Não obstante, visando o benefício de entidades sem fins lucrativos, estes entes ainda assim, teriam garantidos seus direitos de imunidade desde que, cadastradas como instituições de assistência social ou sem fins lucrativos, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea C, desta sorte, o serviço prestado à comunidade não seria prejudicado, mas tão somente se findaria com tamanha controvérsia e desvio da finalidade da verba pública, deixando de favorecer líderes religiosos que hoje figuram revistas como a Forbes, destacando-se em decorrência de seu notório patrimônio, e destinada a seu verdadeiro fim garantido pela Constituição Federal de 1988, quais sejam, a liberdade e igualdade. Por fim, nas palavras de Piero Calamandrei finaliza-se este estudo com a seguinte reflexão: “Há mais coragem em ser justo, parecendo ser injusto, do que ser injusto para salvaguardar as a aparências da justiça”.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-abrangencia-das-imunidades-tributarias-concedidas-aos-templos-de-qualquer-culto/
O direito tributário no Brasil sob a ótica do contribuinte e a justiça tributária
O Sistema Tributário Brasileiro, atualmente, se apresenta como um compilado de tributos aleatórios e cumulativos, sistematizados em uma legislação complexa, confusa, contraditória e com alta incidência sobre o consumo, onde, nem mesmo, os especialistas apresentam domínio absoluto. Tendo em vista esse cenário, o presente estudo teve por escopo analisar os dispositivos legais mais relevantes para o contribuinte comum, especialmente no que diz respeito à maneira como esses tributos encontram-se embutidos em serviços e produtos rotineiro, mascarando sua real existência para o cidadão comum. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica acerca da legislação, da doutrina e da jurisprudência pertinentes ao ramo do Direito Tributário no Brasil. Ao fim do estudo, foi possível inferir que uma das principais falhas desse sistema está situada na ausência de delimitação explícita dos impostos custeados pelo contribuinte, visto que as empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de produtos, incluem, de forma velada ou obscura, o valor correspondente às incidências fiscais ao valor final da compra, de modo que o consumidor, na maior parte das vezes, não tem ideia da incidência desses valores sobre o valor final do produto.
Direito Tributário
Introdução O Brasil é um país mundialmente conhecido, dentre outras características, como um país marcado pela desigualdade social e pela má distribuição da renda, gerados, principalmente, em decorrência da ineficiência do nosso sistema tributário, onde quem menos recebe é quem mais contribui para o Sistema Arrecadatório. No entanto, a maior parte da população brasileira, composta por cidadãos de baixa renda e, consequentemente, isenta da declaração anual do Imposto de Renda, carrega a plena convicção de que não paga imposto algum para o governo, ignorando a incidência implícita das taxas tributária nos mais rotineiros produtos e serviços. Com efeito, na intenção de não repartir com estados e municípios, o aumento da tributação, a União passou a utilizar-se das contribuições sociais para incrementar sua receita, tornando, assim, mais difícil ao contribuinte, saber quanto, efetivamente, está pagando de tributos. Ou seja, diversos produtos, como os produtos do ramo das bebidas, têm imputada, ainda, a carga tributária repassada do IPI, de modo que que os tributos e tarifas públicas incidem várias vezes sobre determinado produto ou serviço. Por exemplo, apenas para circular com seu veículo, o cidadão contribui, cumulativamente, de diversas maneiras, ao arcar com a CIDE/Combustíveis (inserido no preço dos combustíveis); o ICMS sobre mercadorias e fretes (embutido nos preços de cada um dos produtos adquiridos e nos combustíveis); além do IPVA, pago sobre a propriedade do veículo. Porém, por não precisar realizar a Declaração Anual de Imposto de Renda, o cidadão mais humilde detém a ideia, equivocada, de que os serviços prestados pelo Poder Público, de forma “gratuita”, são, realmente, concessões de um Estado generoso e preocupado com os mais desprovidos de recursos, aceitando, sem questionar, a péssima qualidade dos mesmos. O presente estudo tem, portanto, o escopo de analisar as especificações do Sistema Tributário Brasileiro, com ênfase especial à discriminação dos impostos embutidos em bens e produtos comuns e à condição do contribuinte de menor poder aquisitivo e, consequentemente, mais atingindo pelas más condições dos serviços públicos ofertados, visto que considera estar recebendo um “favor” do Estado, ao se utilizar desses serviços, não estando, portanto, em condições morais de reclamar das péssimas condições ofertadas. É preciso, pois, suscitar o debate acerca da contribuição tributária velada, incutindo na população a concepção de que serviços públicos, tais como educação, segurança e saúde, não são meras cortesias do Estado, mas sim, direitos conquistados enquanto produto da participação na economia estatal, passíveis, pois, de questionamento e cobranças por melhorias. Somente com a conscientização dos contribuintes será possível pressionar os governantes no sentido de racionalizar os gastos públicos e a tributação, propiciando condições para o aumento da eficiência da economia, otimizando o consumo.   1 Tributos: origem, conceitos e definições 1.1 Da origem histórica dos tributos Inicialmente voluntária, a contribuição tributária, tem origem remota e, claramente, acompanhou a evolução do homem, estando presente já no âmbito das primeiras sociedades, sob a forma de presentes ou ofertas destinadas aos líderes ou chefes, em agradecimento aos seus serviços ou sua atuação em favor da comunidade. Posteriormente, as contribuições tributárias passaram a ser compulsórias, quando os vencidos de guerra eram forçados a entregar parte ou a totalidade de seus bens aos vencedores, seguida pelo estabelecimento de uma contribuição pecuniária, sob a forma de tributos a ser paga pelos súditos aos chefes de Estado. (FERREIRA, 2016, p. 01) Assim, a instituição e a cobrança do tributo passaram por uma série de modificações com o passar das eras, tendo início na Grécia, no século VII a.C., nos moldes como conhecemos hoje, mediante administração pelo Estado, quando, às custas do trabalho escravo e dos tributos pagos pelos cidadãos, os gregos construíram uma das maiores civilizações do mundo antigo. Em Roma, por sua vez, cobrava-se imposto pela importação de mercadorias (“portorium”) e pelo consumo geral de qualquer bem (“macelum”). Os tributos pagos pelas províncias anexadas ao império e o pagamento de impostos pelos cidadãos foram essenciais à formação e manutenção do império. (FERREIRA, 2016, p. 01) Na Idade Média, por sua vez, os servos constituíam com seus senhores uma relação hereditária de dependência, amplamente conhecida como vassalagem, ondem, em troca de proteção, os vassalos além de oferecer aos senhores de terras, sua mão de obra, ainda pagavam pesados impostos. (FERREIRA, 2016, p. 01) Durante a Idade Moderna, na vigência do absolutismo, a sociedade estruturava-se em castas, onde as classes dominantes eram divididas em nobreza e clero que nada pagavam, e em comerciantes (burgueses) e trabalhadores sustentavam os Estado por meio de pesados tributos, o que acabou culminando na Revolução Francesa. (FERREIRA, 2016, p. 01) Com as Revoluções Liberais, o Estado passou a ser limitado por normas jurídicas, evitando, assim, o abuso, num esboço que prevalece até os dias atuais. Nos regimes democráticos, como é o caso do Brasil, a Constituição, que é a Lei Maior de um país, deve garantir os direitos dos contribuintes, impondo limites ao poder do Estado de tributar de forma indiscriminada.   1.2 Dos tributos: conceitos e definições O tributo é uma prestação pecuniária, imposta aos contribuintes de um Estado de forma compulsória e sem distinção, de maneira que todos estão sujeitos a esse poder de tributar. Gubert (2001) menciona que sendo o tributo a fonte de custeio da atividade estatal, ele torna-se elemento imprescindível à constituição do Estado. O conceito de tributo encontra-se estabelecido no artigo 3º do Código Tributário Nacional, como sendo “toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Desta feita, o Tributo constitui uma obrigação do cidadão para com o Estado, de cunho obrigatório, imposta a todos os cidadãos, ainda que de forma indireta, uma vez que, além dos impostos específicos como IPTU, IPVA, Imposto de Renda, em qualquer compra básica no mercado brasileiro, estão embutidos tributos como  o ICMS, o PIS e a COFINS, de maneira que, quanto mais elevada a carga tributária, maiores as distorções introduzidas no sistema, no propósito de mascarar os valores e as modalidades como os tributos são cobrados, de modo que o cidadão nas camadas sociais mais baixas desconhece esses valores e a situação como um todo. O conceito jurídico de tributo conforme Becker (2007) é o objeto da prestação que satisfaz determinado dever. Segundo o mesmo a relação jurídica tributária vincula o sujeito passivo ao sujeito ativo, impondo ao sujeito passivo o dever de efetuar uma predeterminada prestação e atribuindo ao sujeito ativo o direito de obter a prestação. O Sistema Tributário no sentido exato segundo Santos (1970, apud DENARI, 2008), […] é a totalidade dos tributos arrecadados no país e todo o conjunto de regras jurídicas que disciplinam o exercício do poder impositivo pelos diversos órgãos, aos quais a Constituição nacional atribui competência tributária. No entanto, cabe ao Estado, estabelecer regras que indiquem, nitidamente, que parcela do patrimônio privado deverá ser repassada aos seus entes federativos. De acordo com o artigo 145 da Constituição Federal, existem no ordenamento jurídico brasileiro 3 (três) espécies de tributos, quais sejam os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, conforme rezam os respectivos artigos:   Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. (…) (BRASIL, grifos do autor, p. 18)     O referido artigo dispõe, ainda, em seu parágrafo primeiro que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão nivelados em conformidade com a capacidade econômica do contribuinte, respeitando-se os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (BRASIL, 1988). Na mesma linha, em consonância com o previsto em nossa Lei Maior, o artigo 5º, do Código Tributário Nacional, define como tributos os “impostos, taxas e contribuições de melhoria” (BRASIL, 1966). Assim, analisando-se os dois dispositivos distintos, acima listados, as espécies tributárias são divididas em impostos, taxas (se serviço, de utilização de via pública e, ainda, contribuições de melhoria), contribuições (sociais, econômicas e corporativas) e empréstimos compulsórios, não sendo as contribuições de melhoria uma espécie tributária autônoma, mas sim uma modalidade. A Constituição, estabelece, ainda, em seu artigo 146, que dispor sobre a matéria tributária é competência estatal mediante lei completar, conforme depreende-se abaixo:   Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:     Dessa forma, dentre as atribuições que lhe foram conferidas, compete ao Estado atuar com vistas, sobretudo, a fiscalizar o mercado, incentivar a concorrência e, quando necessário, combater eventuais desvios que importem em desequilíbrios concorrenciais, definindo, ainda, isenções e benefícios fiscais ao microempreendedor e às empresas de pequeno porte. Isso significa que, conforme previsto no artigo em comento, em seu inciso I, a prerrogativa de lei complementar para a resolução de potenciais conflitos de competência entre os estes federativos.  A previsão se justifica pelas várias zonas de interseção entre as materialidades econômicas previstas constitucionalmente como regras de competência, geralmente, exercida pela lei complementar definidora do fato gerador de cada tributo, como ocorre com o conceito de imóvel rural e urbano, que é o delimitador da competência federal do ITR e da municipal no IPTU. Tais funções estatais, nesse contexto, ganham especial relevância quando verificado que o ambiente de livre mercado mostra-se vulnerável a falhas estruturais, as quais importam em concentração de poder econômico, principalmente na formação de monopólios e oligopólios, assim como a falhas de conduta, consubstanciadas em comportamentos ou condutas desleais como carteis, prática de preços predatórios, concorrência parasitária, entre tantas outras, Assim é que, conforme afirma José Luís Roberto Brazuna (2009, p. 69), a livre concorrência não se confunde com um estado de concorrência perfeita, mas como um estado de equilíbrio em que se deve garantir aos agentes econômicos a liberdade de ação e liberdade de oportunidades no mercado.   1.3 Tipos de tributos O Sistema Tributário Brasileiro adota o princípio da estruturalidade orgânica do tributo, pelo qual a espécie tributária é determinada pelo seu fato gerador, admitindo, a Constituição Federal, em seu art. 145, três modalidades de tributos, na chamada Teoria Tripartite, em consonância com as previsões contidas no art. 5º do CTN. De acordo com Artigo 16º. Do CTN, imposto “é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independentemente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. O Imposto é o tributo mais importante incidindo de forma independente da vontade do contribuinte, ou seja, compulsoriamente, de forma impositiva. Destarte, temos que o imposto é o tributo que tem como fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte (Art. 16 do CTN), se constituindo em tudo o que não está vinculado a uma contraprestação direta a quem o está pagando. Considerada a principal fonte arrecadatória estatal, por incidir nos mais variados serviços e produtos, independentemente da vontade do contribuinte as receitas provenientes da arrecadação de impostos são destinadas ao custeio das despesas gerais do estado, visando promover o bem comum. Entre os principais impostos do Brasil, podemos citar o ICMS – Imposto s/Circulação de Mercadorias e Serviços, que incide sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação; o IPVA, cobrado sobre os veículos, a ser pago por seus proprietários todos os anos; o IPTU, cuja incidência recai sobre a propriedade imobiliária, o IR, cobrado com base nos rendimentos anuais das pessoas físicas e jurpidicas, além do IOF, decorrente das  operações de crédito, câmbio e seguro ou afins, e o ISS, que é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS): tem como fato gerador a prestação de serviços constantes. (JUNIOR, 2018) Segundo o disposto no artigo 77º do CTN, taxa é um tributo “que tem como fato gerador o exercício regulador do poder de polícia, ou a utilização efetiva e potencial, de serviço público específico e divisível”, tendo como mais notórios exemplos a Taxa de Emissão de Documentos, cobrada para emissão de RG e CPF, e a Taxa de Licenciamento Anual de Veículo, cobrada anualmente, para gerar o novo documento do veículo. Porém, a teoria mais aceita entre os doutrinadores é a Teoria Quinquepartite ou pentapartite, mais aceita entre os doutrinadores, argumenta que seriam cinco as espécies tributárias, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais, com base na análise conjunta dos artigos 145, 148 e 149 da CF/88. No que se refere às chamadas ‘contribuições’, segundo o artigo 5°, do CTN, estas podem ser classificadas em dois tipos: as chamadas Contribuições de Melhoria e as chamadas Contribuições Especiais. A contribuição de melhoria é o tributo cobrado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, com o objetivo de custear financeiramente as obras públicas decorrentes de valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado (Art. 81 do CTN). Dessa forma, a instituição e a cobrança de uma Contribuição de Melhoria têm por escopo fazer com que os contribuintes beneficiados, direta e indiretamente, após a concretização de uma obra pública sejam responsabilizados pelo pagamento da mais valia imobiliária, como, por exemplo, quando o Poder público (União, Estados, Distrito federal e Municípios) promove a pavimentação de vias, onde esta obra acaba promovendo a valorização dos imóveis circunscritos, sendo permitida, ao Estado, a cobrança de uma contribuição de melhoria pelas obras públicas que geraram a valorização nestes imóveis. As chamadas contribuições sociais constituem um tributo com destinação específica, como é o caso da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, conhecida como Cosip ou Cip, que consiste  na imposição de uma taxa de iluminação pública para custear as despesas com a disponibilização da iluminação pública aos munícipes, como uma alternativa encontrada pelos Municípios para incrementarem suas receitas, sob o argumento de que os munícipes estariam apenas restituindo aos cofres Municipais os gastos decorrentes dos serviços de iluminação pública. O empréstimo compulsório, por sua vez, é tratado no art. 148 da Constituição Federal brasileira, que restringe essa espécie de tributo apenas para casos especiais. A Lei evidencia os cenários em que a cobrança seria justificada, como durante uma guerra com outra nação ou sua iminência e calamidade pública. Em adição, outro investimento de caráter público que seja primordial no momento. O art. 148 estipula ainda que: “a aplicação dos recursos provenientes de sua arrecadação é vinculada à despesa correspondente, que justificou sua instituição”. Um exemplo relativamente recente de empréstimo compulsório no Brasil foi o confisco das poupanças da população no Plano Collor, ocasião em que o dinheiro recolhido das contas pessoais do ovo, funcionou como uma espécie de empréstimo para o governo, na época.   1.4 A origem do Sistema Tributário no Brasil A República brasileira herdou do Império boa parte da estrutura tributária que esteve em vigor até a década de 30. Sendo a economia eminentemente agrícola e extremamente aberta, a principal fonte de receitas públicas durante o Império era proveniente do comércio exterior, particularmente, em razão do imposto de importação que, em alguns exercícios, chegou a corresponder a cerca de 2/3 da receita pública, onde, às vésperas da proclamação da República, este imposto era responsável por aproximadamente metade da receita total do governo (VARSANO, 2014). A Constituição seguinte, datada de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores alterações, a composição do sistema tributário existente ao final do Império. Porém, tendo em vista a adoção do regime federativo, era necessário dotar os estados e municípios de receitas que lhes permitissem a autonomia financeira. Dessa forma, aderiu-se ao regime de separação de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados. (OLIVEIRA, 2018). Ao governo central couberam, privativamente, o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selo e taxas de correios e telégrafos federais; aos estados, foi concedida a competência exclusiva para decretar impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre a transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões, além de taxas de selo e contribuições concernentes a seus correios e telégrafos. Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos municipais de forma a assegurar-lhes a autonomia. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias (PASSOS, et al, 2018). Posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1934, os estados passaram a deter competência para instituir impostos de vendas e consignações, enquanto que os municípios receberam a prerrogativa de decretar tributos. A constituição de 1946, por sua vez, trouxe poucas mudanças ao Sistema Tributário Nacional (STN), realizando, apenas, a redistribuição da arrecadação entre União, Estados e Municípios e criando dois novos impostos: o imposto sobre selo municipal e o imposto de indústrias e profissões (VARSANO, 2014). Anos mais tarde, a Emenda Constitucional Nº 18, de 1965, também conhecida como a reforma tributária de 1965, organizada pelo professor Gilberto de Ulhôa Canto, no Governo Castello Branco, intentava a “redução de impostos”, mediante a implantação de um sistema de distribuição das receitas dos impostos arrecadados a nível municipal e estadual para a esfera federal federal,  estimulando “a substituição dos fatos geradores constituídos de atos jurídicos por fatos de natureza econômica que pudessem adequar a capacidade contributiva, tomando por bases elementos como renda, consumo e patrimônio. (DORNELLES, 2013, p. 04) Tratava, assim, de uma reforma tributária cuja finalidade primária consistia em diminuir a autonomia dos estados e dos municípios para instituir tributos, ao mesmo tempo que centralizada essa distribuição de recursos no âmbito federal, restando aos municípios, apenas a cobrança do  ISS e do IPTU, enquanto que, aos Estados, cabia impor o ICMS e  ITBI, de modo que a competência residual ficaria somente com a União ou seria extinta. (DORNELLES, 2013). Em seguida, com a promulgação da Constituição de 1967, estabeleceu-se o Sistema Tributário Nacional, instituído pela anterior Emenda Constitucional Nº 18/65, voltada para sistematização e consequente regulamentação das normas de tributação (MARTUSCELLI, 2010). Finalmente, com a sanção da Constituição Federal de 1988, foi alterada, significativamente o modelo e a estrutura da distribuição de competências e receitas entre os entes da federação, cuja qual beneficiava estados e municípios em detrimento da União, como se observava, por exemplo, na figura dos impostos únicos (incidentes sobre a energia elétrica, os combustíveis e os minerais) e especiais (transportes rodoviários e serviços de comunicação), culminando criação de um único imposto, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). (DE OLIVEIRA, 2010). Por outro, lado, a Carta Política de 1988 manteve, praticamente, toda a estrutura da Emenda Constitucional de nº 18 de 1965, de maneira que, tanto o IR, como o IPI permaneceram como os carros-chefes da arrecadação da União e o antigo ICM (que se tornou ICMS), transformou-se na principal fonte de arrecadação dos estados. Especialmente a partir da década de 1990, sucessivas crises, principalmente de natureza financeira, contaminaram a economia mundial e paralisaram o crescimento econômico, devido ao seu efeito-contágio no mundo globalizado: a moratória mexicana em 1994-95; a crise dos países do Sudeste Asiático de 1996-97; a moratória russa, em 1998; a falência da primeira fase do Plano Real, no Brasil, em 1998-99; a crise da internet, em 2000; a da Argentina, em 2001, até desaguar na crise mais aguda da história do capitalismo desde a década de 1930, a do crédito subprime, deflagrada nos Estados Unidos, de 2007-2009; e, no ano seguinte, da dívida soberana europeia, as quais, até os dias atuais, continuam contaminando a economia global. (OLIVEIRA, 2018) Percebe-se, assim, que em cada fase evolutiva da tributação, no Brasil, o Estado teve de se utilizar, consideravelmente, do orçamento e lançar-se a um temerário processo de endividamento para salvar o Capital, com a finalidade de impedir a deflação de preços dos produtos e de ativos, seguidas de depressões profundas e prolongadas como ocorrera na crise de 1930 (OLIVEIRA, 2018). Com efeito, deu-se início à desmontagem do Estado do bem-estar nos países em que ele existia, pondo em marcha um processo de aniquilação dos elementos de solidariedade do sistema, com o Estado renunciando, , ao seu papel de agente orientador e regulador do crescimento, para atender as necessidades de recursos do Capital. (PASSOS, et al, 2018). Ademais, desde a estruturação do sistema tributário, iniciada em 1891, valeu-se, predominantemente, dos impostos indiretos para o financiamento das atividades do Estado, inclusive, após a Constituição de 1988, visto que os constituintes, ainda que orientados pelos princípios da democracia e da justiça fiscal, dedicaram mais atenção ao resgate da federação, enquanto as voltadas para a redução das desigualdades, como a maior taxação da renda e da propriedade, foram transferidas para serem aprovadas no campo infraconstitucional, o que não ocorreu.   1.5 Sistema Tributário Brasileiro O Sistema Tributário Nacional, encontra-se disposto na Constituição Federal de 1988 no Título VI, da tributação e do orçamento, mais especificamente, no Capítulo I, do Sistema Tributário Nacional, artigos 145 a 156, associado a outras normas esparsas ao longo da CF/88, como, por exemplo, o art. 7º, III, que trata do Fundo de garantia por tempo de serviço; o art. 195, referente à seguridade social, o art. 212, §5º, que prevê a contribuição social do salário-educação para a educação básica pública, como fonte adicional de financiamento, a ser recolhida pelas empresas na forma da lei; além dos artigos 239 e 240, mais uma série de Emendas Constitucionais. No entanto, o Sistema Tributário Brasileiro, considerado o conjunto dos tributos e normas que regulamentam sua arrecadação, bem como o poder impositivo do Estado, é regido pela Emenda Constitucional nº 18 de 1º de dezembro de 1965, sendo regulamentado efetivamente pela Lei nº 5.172 de 1966. Assim, os pilares do sistema tributário brasileiro, ora em vigor, foram estabelecidos em meados dos anos 1960, quando a economia brasileira era subdesenvolvida, muito fechada ao exterior e com elevada inflação, mas o sistema sempre ostentou um elevado grau de descentralização. Os governos militares pós-1964 centralizaram poderes e receitas que a Assembleia Constituinte de 1987/88 se preocupou em descentralizar. Contudo, a Constituição de 1988 criou, na prática, dois sistemas tributários paralelos: um composto por impostos cuja receita é repartida entre estados e municípios e outro formado por contribuições sociais cuja receita não é partilhada. Desde então, as contribuições se diversificaram, e o aumento de sua arrecadação superou o dos impostos, reconcentrando a receita. Nesse longo período, economia e sociedade muito mudaram no Brasil, mas o sistema tributário nunca sofreu uma reforma de envergadura – não por falta de tentativas, posto que vários projetos, com objetivos os mais distintos, foram propostos e sempre fracassaram, quando muito aprovando medidas pontuais, quase sempre voltadas para um aumento ainda maior da carga tributária   2 Os impactos e a complexidade da carga tributária para o contribuinte A alta carga tributária brasileira traz como consequências diretas, o desestímulo aos investimentos no país, o aumento indireto da inflação e a diminuição do PIB em longo prazo. No cenário nacional atual, os recentes aumentos na carga tributária estão provocando uma elevação da inflação no Brasil, gerada, principalmente em decorrência da instituição de tributos indiretos que afetam as relações de consumo, nas quais a lei designa o contribuinte de direito para recolher os valores aos cofres públicos (industriais e comerciantes), porém, quem realmente suporta o ônus financeiro é o contribuinte de fato, ou seja, aquele que compra o produtos e mercadorias. No entanto, a inflação é apenas um dos problemas decorrentes do nosso Sistema Tributário. Em adição, existe, ainda, uma complexa teia de normas e procedimentos que, por vezes, na ânsia de neutralizar para o governo os efeitos da inflação, viola direitos legal e constitucionalmente assegurados aos contribuintes, em especial os empresários da indústria e comércio. Ademais, muitos brasileiros, motivados pelos os impactos sofridos pela imposição da carga tributária, juntamente com a inserção cumulativa de vários impostos atribuídos às mais variadas relações de consumo no cotidiano do brasileiro, aliados à falta de retorno do verdadeiro destino da arrecadação desses impostos, frequentemente, causam um sentimento de impotência e decepção no contribuinte, levando à sonegação fiscal. Assim, a tributação brasileira sufoca as empresas e os contribuintes pessoas físicas, e não responde na mesma medida, prestando serviços de qualidade, de sorte que a saúde pública oferecida não é suficiente (em quantidade e qualidade), a educação pública é ineficiente, falta segurança. Isso faz com que se gaste duas vezes pelos mesmos motivos: se paga tributos para se ter esses serviços, mas também é preciso arcar com despesas com planos de saúde, escolas particulares, segurança, dentre outros.   2.1 Reforma Tributária Entre os debates mais constantes e infindáveis da atualidade, encontra-se a reforma tributária, mencionada, principalmente, em épocas eleitorais, como promessa de campanha, numa alusão à realização de ampla reforma tributária no Brasil. No entanto, decorrido o período eleitoral, raramente, a proposta tem efeitos e realizações concretas, gerando os mais diversos tipos de questionamento (OLIVEIRA, 2018). No entanto, dentre a população, verdadeiramente, existe um sentimento comum de sua importância especialmente pela necessidade, por exemplo, da simplificação de obrigações tributárias e redução do ônus fiscal, de modo que o tema é de natureza constante, porém ambivalente, cabendo aos governantes e a administração fazendária promover essas alterações de formas cabíveis sem prejudicar a competitividade das empresas nacionais. Em contrapartida, um dos maiores desafios da reforma tributária está relacionado à necessidade de recompor a capacidade de financiamento do setor público, visando lhe conferir, novamente, condições para atuar como agente do processo de crescimento e realizar os investimentos requeridos em infraestrutura econômica, ciência e tecnologia, urbanização, educação, política ambiental, por exemplo, mitigando pontos de estrangulamento da economia que aumentam, sobremaneira, o “custo-Brasil”, em observância ao princípio da responsabilidade fiscal, dentro dos limites da capacidade financeira do Estado, mas preservando as bases do Estado Social. Recém aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a reforma tributária objeto da PEC 45/2019, conta com respeitáveis apoios, especialmente, da sociedade em geral, que considera a referida medida, como uma esperança para a distribuição equitativa da carga tributária. Todavia, se a necessidade de mudanças é inquestionável, a aprovação desse projeto suscita o questionamento acerca das alterações propostas e seus reais benefícios para o contribuinte, principalmente, no que concerne aos efeitos práticos da PEC 45/2019. Muito embora o foco da PEC 45/2019 esteja destinado à tributação sobre o consumo, na prática, sobretudo no bolso do consumidor, as ideias centrais do referido projeto, acabarão por implicar em aumento dos impostos. Ao tentar implantar o chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao ICMS, IPI, ISS e PIS/COFINS, realmente, o IBS será “uniforme” para todos os bens e serviços, fazendo com que, quase todos os setores sofrerão alguma elevação tributária. Nesse contexto, produtos agrícolas, por exemplo, que, atualmente, não se sujeitam ao IPI, passarão a absorvê-lo parcialmente. Serviços tradicionais, como advocacia, contabilidade, odontologia, hoje submetidos ao ISS com alíquota média de 4,38%, terão sua tributação acrescida de percentuais equivalentes ao IPI e ao ICMS. Se o IBS tiver alíquota de 25%, como se intenciona, estima-se que haja majoração de mais de 300% para serviços prestados por pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido. Para os autônomos, o impacto será ainda significativo, podendo chegar a quase 700%, pois, será adicionado não, apenas, o valor equivalente ao IPI e ICMS, mas também ao PIS/COFINS, que, na conjuntura atual, não alcança tais pessoas físicas. O IBS, pois, seria instituído e regulamentado por lei complementar da União. Estados e Município, cujos quais poderão apenas alterar suas alíquotas, porém com severas restrições, respeitando-se os mínimos fixados pelo Senado para cobrir gastos com saúde e educação, que deverão ser os mesmos “para todos os bens e serviços”, sendo vetada, ainda, a redução do tributo em função da essencialidade do item (cesta básica, p. ex.) ou de políticas de desenvolvimento local. Outro fator preocupante relacionado à PEC 45/2019, digno de menção, diz respeito caráter centralizador do Comitê Gestor vinculado à União, responsável pela disciplina, fiscalização e regulamentação do IBS, assim como por toda a arrecadação, porquanto uma evidência inequívoca da inconstitucionalidade do projeto, uma vez que, segundo dados do Tesouro Nacional citados no voto do Relator da matéria na CCJ da Câmara, 43% (quarenta e três por cento) da atual arrecadação dos Municípios e 88% (oitenta e oito por cento) das receitas tributárias dos Estados passarão a ser controlados pelo Poder Central. Tal remanejamento de competências e receitas tributárias não coaduna com as previsões constitucionais voltadas para a preservação de uma sociedade justa e igualitária, já que tende a enfraquecer a autonomia financeira dos entes descentralizados, com efeitos deletérios sobre a realização de suas atribuições constitucionais, na medida em que eles não estarão autorizados a instituir e arrecadar o IBS, variar alíquotas em função do setor, produto ou das circunstâncias econômico-sociais de cada momento. A referida PEC tenta, ainda, estabelecer o Imposto Seletivo para “desestimular o consumo” de bens e serviços que gerem externalidades negativas, sem que haja quaisquer limites a serem observados pela figura, nem critérios que definam os produtos e setores atingidos, podendo resultar instituição de um imposto de amplo espectro, incidente em duplicidade sobre os mesmos itens objeto do IBS. Nesse sentido, por exemplo, veículos movidos a combustíveis fósseis poderiam ser alvo desse tributo, pois são poluidores e podem ser substituídos por carros a álcool ou elétricos. Em suma: a pretexto de suposta extra-fiscalização, o Imposto Seletivo poderá incidir sobre vasta gama de itens. Ademais, trata-se de uma reforma extremamente complexa, em que se ambiciona revogar 19 dispositivos, ao mesmo tempo em que busca introduzir outros 141 novos, na Carta Política de 1988, originando, aproximadamente, 40 novos conceitos, de forma que o aludido sistema será adaptado à base de “tentativa e erro”, especialmente, nos dois primeiros anos, ao passo que na primeira década, pós-reforma, o País conviverá com dois modelos paralelos, o novo e o atual, onde os contribuintes prestarão contas aos três níveis de fiscalização existentes e àquele a ser criado para tratar do IBS. Finalmente, aduz-se que, concluída a transição inicial, nada garante que o sistema seguirá sem alterações, sendo, portanto, duvidoso, o prazo de 50 anos para que Estados e Municípios sejam reparados pelas perdas resultantes de sua implantação, tendo em vista que os Estados lutam para que a União compense os prejuízos oriundos da eliminação do ICMS-Exportação promovida pela EC 42/03. De resto, admitida a suposta neutralidade arrecadatória do modelo, em termos agregados, as perdas haveriam de ser compensadas com mais carga tributária. Resumidamente falando, o País necessita de reforma tributária que não implique aumento de impostos e garanta segurança, transparência, simplificação e neutralidade. Tais imperativos não são satisfeitos pela PEC 45/2019. Além do mais, a referida reforma visa resolver os problemas sobre o desequilíbrio das contas públicas, o que sempre será uma pedra no sapato de qualquer governo, enquanto não houver de forma eficaz uma fiscalização dos gastos públicos e o combate tanto da corrupção passiva quanto da ativa. Somando-se a isso, os governos anteriores ao atual já enfrentaram os referidos desequilíbrios nas contas públicas, entretanto, adotaram os denominados Ajustes Fiscais, os quais têm por objetivo reequilibrar o quadro das receitas e despesas de um governo, por meio de reduções de gastos e aumento da arrecadação pela elevação das alíquotas dos tributos. Finalmente, no que diz respeito ao aumento da arrecadação, esta submete o contribuinte a uma elevada carga tributária; enquanto, poderiam ser adotadas, em substituição ao referido aumento, algumas revogações de incentivos fiscais que postergassem uma arrecadação do presente para ser tributada no futuro, de modo que a dilação de prazo muito extensa do benefício que, aliada à falta de controle dos gastos públicos, contribuem para um “efeito dominó” do desequilíbrio das contas públicas.   Considerações finais A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre as espécies de tributos, em seu artigo 145, quais sejam: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No entanto, não define nem institui tributos. O que a nossa Carta Magna faz é escolher certos fatos ou atos e negócios jurídicos que expressam riqueza e distribui a competência para instituir tributos sobre estes fatos aos entes federativos (União, Estado, Município e Distrito Federal) ou a entidades paraestatais, de modo que, cada um deles, ada ente, no âmbito da competência outorgada pela Constituição, deverá instituir os tributos respectivos. Nesse sentido,  tributo pode ser conceituado como dever fundamental e que se constitui em prestação pecuniária que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a direção dos princípios constitucionais de capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei e elaborado de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição Federal. Dessa forma, um sistema tributário, para ser realmente eficiente, deve sempre procurar respeitar os princípios de produtividade e de justiça fiscal; em relação ao primeiro princípio, uma boa base tributária dá condições para que a receita possa acompanhar o crescimento da economia; já com referências à justiça fiscal, é fundamental que o sistema tributário almeje gravar o contribuinte segundo a capacidade econômica. Entretanto, no Brasil, existe uma pirâmide salarial — com o predomínio da classe mais baixa, que detêm os menores salários, incluindo, ainda, os desempregados e a economia informal. Torna-se necessária, assim, uma especial atenção às variáveis econômicas, principalmente àquelas ligadas à renda “per capita” e a sua distribuição no País. Dessa forma, vários países poderiam ser melhor investigados, à medida que são incluídos na avaliação modelos ou índices já testados e sugeridos pela literatura sobre finanças públicas. Por outro lado, as condições políticas e sociais de cada um dos países também poderiam ser incluídas nas análises. Também novos modelos econométricos devem ser melhor especificados para poder apreender o fenômeno da carga tributária em um determinado país. Uma reforma tributária ampla e eficaz, portanto, faz-se urgente, tendo em vistas, principalmente, a capacidade econômica do contribuinte, fazendo, assim, incidir a tributação muito mais sobre a renda acumulada do que sobre a renda consumida, levando em conta uma maior progressividade na renda auferida.
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Necessidade De Regulamentação Do Imposto Sobre Grandes Fortunas à Luz Do Princípio Da Capacidade Contributiva em Razão da Pandemia de COVID-19
Este trabalho tem por objetivo avaliar a pertinência das propostas de alteração no âmbito tributário atualmente em discussão no Congresso Nacional, apresentadas pelo Ministério da Saúde para aumentar a arrecadação fiscal e fazer frente ao passivo extraordinário tido pelo Governo Federal com o enfrentamento da pandemia de COVID-19, especialmente com fulcro no princípio constitucional da capacidade contributiva. A metodologia utilizada para tanto leva em consideração os índices socioeconômicos do Brasil e analisa a possibilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto constitucionalmente, mas jamais regulamentado pelo Congresso Nacional, como mecanismo adicional de arrecadação tributária, com base na interpretação de dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro e fundamentações doutrinárias acerca do tema.
Direito Tributário
Introdução Pode-se afirmar que o ano de 2020 ficará marcado pelo surgimento de uma pandemia que teve o condão de, literalmente, parar o mundo. O novo vírus, SARS-CoV-2, pertencente à família dos Coronavírus, difere-se dos familiares na medida em que tem o condão de infectar humanos, podendo ser assintomático ou sintomático, sendo que, nesta última forma, afeta o sistema respiratório de forma semelhante a um resfriado, podendo, contudo, desenvolver complicações severas (2020). Em apenas 5 meses desde o primeiro registro da doença, o mundo conta com 20.737.697 casos confirmados e 751.887 mortes. Dentro desse contexto, o Brasil aparece em segundo colocado na lista de países com mais casos da doença (3.164.785) e ocupa a mesma colocação na contagem de mortos em decorrência da COVID 19, mais de 104 mil, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que já bateram a marca de 166 mil mortos (CSSE, 2020). Sem embargo, os prejuízos globais trazidos pela instauração da pandemia de COVID-19 não se limitam à perda de incontáveis vidas, mas vai além, afetando diretamente os setores econômicos, a educação, a saúde pública, entre outros. Além do exposto, o prolongamento da crise em razão da dificuldade de identificação de mecanismos de combate à doença ou vacinas preventivas multiplicaram os prejuízos acarretados pela pandemia, visto que as medidas de prevenção mais eficazes encontradas até hoje se fundamentam basicamente no isolamento social, mecanismo que é incompatível com o atual modelo de gestão econômica e social dos países na atualidade. Diante do supramencionado contexto, o Brasil se vê mergulhado em uma crise generalizada, ante a dificuldade de controle da disseminação da doença, a qual exige a manutenção do afastamento social agravada pela necessidade de fechamento, principalmente mas não exclusivamente, do setor terciário da economia como fonte de estímulo para que a população fique em casa. Da mesma forma, enfrenta dificuldades no âmbito da saúde, em razão da precariedade do Sistema Único de Saúde para comportar o elevado e constante número de contaminados pela doença que necessitam de cuidados médicos. Para fazer frente aos prejuízos financeiros da pandemia, estuda-se atualmente no Congresso Nacional a possibilidade de instituição de novas tributações, ou, alternativamente, uma reforma tributária que proporcione uma maior arrecadação fiscal para compensar os dispêndios tidos até o presente momento com auxílios destinados à sociedade e ao setor econômico como um todo, abalados pela paralização geral experimentada, bem como os aportes extras necessários para o regular funcionamento do sistema público de saúde nacional. Ocorre que, diante das propostas trazidas principalmente pelo Ministério da Economia para o enfrentamento da crise no âmbito fiscal, questiona-se se estão sendo observados, pelo Governo Federal, os princípios norteadores do direito tributário, em especial o princípio da capacidade contributiva, para a instauração de novos tributos que onerarão a população em tão delicado momento. O objetivo deste artigo, portanto, é identificar se, no ordenamento jurídico brasileiro atual, não existem mecanismos alternativos de captação de recursos que, diferentemente dos propostos recentemente pelo Ministério da Economia, possibilitariam o aumento da arrecadação fiscal se mostrando melhor adequados à realidade e possibilidade de arrecadação da população brasileira, neste momento de dificuldades. Para a construção da supramencionada análise, foram utilizados dispositivos legais presentes no ordenamento jurídico brasileiro bem como fundamentações doutrinárias do ramo.   Além dos impactos diretos e desastrosos da doença para a população, corroborados pelos números alarmantes colacionados na Introdução deste artigo, tem-se que a COVID-19 também foi responsável por uma severa alteração no contexto econômico global. Em razão da ausência de cura ou vacina preventiva para a doença, a única medida eficaz amplamente utilizada no combate do vírus causador da COVID-19 é o distanciamento social (2020), o qual, entre outros aspectos, gerou impactos diretos no comércio e em todo o setor terciário da economia, que se viu obrigado a fechar as portas temporariamente no intuito de combater a disseminação do vírus. De acordo com o IBGE, a queda do comércio em abril de 2020 foi de 16% no total. Além disso, todos os ramos pesquisados sofreram quedas, inclusive, “aqueles considerados essenciais durante a pandemia, como hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-11,8%) e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria e cosméticos (-17%)” (GARCIA, 2020). Já os setores não essenciais apresentaram quedas muito mais abruptas. Vestuários e calçados diminuíram suas vendam em 60,6% no mesmo período, enquanto livros, jornais e revistas apresentaram uma redução de 43,4% no total de vendas (GARCIA, 2020). E não é apenas o setor terciário que está sofrendo impactos devido à pandemia de COVID-19. Segundo o IBGE, em abril de 2020, o setor industrial apresentou uma queda de 18,8% em comparação com o mês de março do mesmo ano, além de ter alcançado o “recorde de 4,9 milhões de postos de trabalho perdidos no trimestre encerrado em abril” (GARCIA, 2020). Medindo-se as perdas econômicas pelo IBC-Br, índice medido pelo Banco Central que “avalia a evolução da economia com informações sobre o nível de atividade dos setores de indústria, comércio, serviços e agropecuária, além do volume de impostos” (QUINTINO, 2020), a retração econômica brasileira no mês de março de 2020 foi de 9,73%. Acerca desse tema, Larissa Quintino ainda pontua: “A queda brusca pode indicar o grau de recessão que o país caminha em 2020, que deve ficar na casa dos 6,5%, segundo estimativas do mercado financeiro, apesar de algumas instituições preverem quedas ainda mais bruscas. O Banco Mundial, por exemplo, estima recuo de 8% no PIB brasileiro neste ano”. (QUINTINO, 2020) Além disso, a pandemia trouxe aos governos federal e estaduais a necessidade de adoção de voluptuosos gastos não contingenciados para medidas de combate ao COVID-19. Em adição às despesas diretas com o sistema de saúde, que em abril de 2020 ultrapassaram os 14,3 bilhões de reais (COSTA, 2020), a pandemia e suas consequências econômicas fizeram surgir a necessidade da instituição do Auxílio Emergencial, que nada mais é do que um auxílio estabelecido pelo Governo Federal, no valor de R$600,00 reais mensais, destinado aos micro empreendedores individuais, trabalhadores autônomos, informais e desempregados, que perderam ou encontram-se sem sua fonte de renda diante do enfrentamento da crise causada pelo COVID-19 (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2020). Previsto para durar apenas 3 meses, diante do não abrandamento da pandemia, o Governo Federal entendeu pela necessidade da ampliação do período de pagamento do benefício, o que terá o condão de elevar as despesas governamentais com o auxílio emergencial para 200 bilhões de reais (UOL, 2020). Verifica-se, portanto, que não apenas o surgimento do vírus causador da COVID-19 trouxe impactos devastadores à economia, mas a dificuldade em encontrar uma cura para a doença agravou, e muito, a necessidade de ampliação e manutenção não apenas das medidas de distanciamento social, como também de despesas adicionais para auxiliar os setores privados da economia num geral e a própria população a enfrentar esse período de pandemia.   Diante dos gastos extraordinários tidos com o enfrentamento da pandemia de COVID 19, o Ministério da Economia e a Casal Civil já manifestaram publicamente o interesse em ultrapassar o teto de gastos de 2021, sob alegação de que os dispêndios não provisionados com a pandemia impossibilitariam o fechamento das contas públicas dentro do limite previsto pelo Tribunal de Contas da União (JORNAL NACIONAL, 2020). E é justamente nesse cenário de crise sanitária e econômica que se estuda no Congresso Nacional a possibilidade de instituição de novos impostos no intuito de aumentar a arrecadação tributária federal e contrapesar os dispêndios governamentais decorrentes da COVID-19. O atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, já manifestou interesse na criação de um novo formato da CPMF, o chamado imposto sobre transações eletrônicas. Na proposta de Paulo Guedes, o referido imposto teria a alíquota de 0,20% a 0,40% sobre as transações financeiras eletrônicas, e se justificaria em razão do elevado crescimento do setor bem “como da necessidade de compensar a redução e a desoneração de outras contribuições” (LIMA, 2020). A ideia, contudo, não está sendo vista com bons olhos, nem pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (AGÊNCIA O GLOBO, 2020), como também por especialistas da área. Para o economista e ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn: “Trata-se de um imposto distorcido. Podemos chamar de CPMF porque é exatamente isso que está sendo criado, e a ideia de que será usada para desonerar a folha de pagamento não procede. A CPMF é a porta de mais impostos, não para a desoneração. Vai servir para arrecadar mais 100 bilhões de reais por ano e terá outros efeitos. A competição do sistema bancário, por exemplo, vai sofrer. Os juros vão subir. Os spreads bancários serão maiores” (GOLDFAJN, 2020, apud MENDES, 2020). Na mesma esteira, “a reforma tributária pretendida pelo governo federal pode tornar os livros mais caros”. Isso porque pretende-se a instituição de uma nova contribuição, denominada Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços, a qual substituiria as atuais contribuições para o financiamento da seguridade social (“COFINS”). Ocorre que tanto a Constituição Federal quanto a Lei 10.865/2004, instituidora do COFINS, garantem a isenção fiscal às editoras de livros. Contudo, a nova proposta pretende acabar com essa isenção, acrescendo a carga tributária de 12% ao setor (AGÊNCIA SENADO, 2020). A justificativa de Paulo Guedes para tanto encontra-se na polêmica afirmação de que “a isenção dos livros beneficia quem poderia pagar mais impostos” (AGÊNCIA SENADO, 2020), dando-se a entender que livros são artigos de luxo ou itens supérfluos de consumo. Parece esquecer-se, contudo, que os livros configuram ferramenta essencial na alfabetização, desenvolvimento do raciocínio e exercício da memória, além de representar uma forma clássica de entretenimento para a população (BATISTA, 2020). Verifica-se, portanto, que até o presente momento, as alternativas apresentadas pelo Ministério da Economia para maximizar a arrecadação fiscal ante os dispêndios não previstos em razão da pandemia de COVID-19 pouco esclarecem acerca das consequências sociais que acarretariam, da mesma forma que não trazem qualquer lógica de adequação à realidade da população que seria submetida a um aumento na carga tributária.. Acerca de referido aumento, frise-se, não só o Brasil como o mundo estão enfrentando uma severa crise de natureza sanitária e econômica, cenário este onde um número significativo da população economicamente ativa perdeu sua fonte de renda. A corroborar: “De acordo com o IBGE, 12.428 milhões de pessoas estavam desempregadas na quarta semana de junho, 675 mil a mais que na semana anterior. Já na comparação com a primeira semana de maio, o contingente de desempregados no país aumentou em cerca de 2,6 milhões de pessoas – uma alta de 26% no período em sete semanas.” (SILVEIRA, 2020) Complementarmente, observa-se que “a taxa de desemprego ficou em 13,1%, a maior registrada desde o começo de maio, quando era de 10,5%” (SILVEIRA, 2020). Importante ressaltar, ainda, que a desestabilidade econômica da população não deve ser medida exclusivamente pelo desemprego. Veja-se que, por exemplo, em razão do distanciamento social necessário no combate à pandemia de COVID-19, 9,7 milhões de trabalhadores ficaram sem suas remunerações no mês de maio de 2020 (AGÊNCIA IBGE, 2020). Dessa forma, o aumento da tributação da população em geral ante o crescimento alarmante dos índices acima colacionados mostra-se um contrassenso e representa um verdadeiro descaso do governo perante seus governados, que diante de uma abrupta diminuição ou perda da renda deveriam, em verdade, ser contemplados por políticas públicas assistencialistas, e não uma elevação na carga tributária deles exigida.   Em contrapartida às supramencionadas e controversas novas taxações há um imposto, ao que parece, esquecido pela população, e já previsto na Constituição Federal, que pouco se discute na pauta do Congresso Nacional: o Imposto sobre Grandes Fortunas, ou “IGF”. Embora existam atualmente 4 projetos acerca do tema tramitando no congresso (AGÊNCIA SENADO, 2020), pouco se discute sobre o tema e, são remotas as possibilidades de que haja sua efetiva implementação, ainda que diante de um cenário caótico global, tanto na economia quanto na saúde. Sabe-se que a regulamentação do IGF sempre foi fato controvertido e que apresenta visões antagônicas acerca das possíveis consequências ante sua instituição. De forma resumida, explica Sacha Calmon Navarro Coelho: “Seus defensores afirmam que a exação se constitui em instrumento de distribuição de renda, porquanto o valor auferido com os mais ricos de nossa sociedade poderiam ser empregados em benefício das parcelas mais carentes da população, mediante a oferta de melhores serviços públicos. Os opositores à cobrança em tela, por sua vez, sustentam que, mormente no mundo globalizado dos dias atuais, a riqueza é móvel, não possui nacionalidade; por conseguinte, o IGF tão só conseguiria afugentar capitais brasileiros para locais de tributação mais favorecida.” (COELHO, 2020) Com possibilidade de instituição autorizada expressamente no artigo 153, VII, da Constituição Federal de 1988, a regulamentação de um Imposto sobre grandes fortunas compete exclusivamente à União e deve ocorrer mediante aprovação de lei complementar, na qual também deverá ser editado o conceito de “grandes fortunas” (KFOURI JUNIOR, 2018, p. 442). À primeira vista, essa aparenta ser uma das maiores preocupações no que concerne o IGF. Nas palavras de Kfouri Junior, “a depender do conceito atribuído à grande fortuna é capaz que um imóvel de médio valor, amealhado com o suor de anos de trabalho, poderá acabar sendo considerado grande fortuna” (2018). Nesse sentido, subentende-se que o projeto de lei complementar reguladora do IGF, além de revestido de total seriedade e imparcialidade, deve considerar o conceito de riqueza com base nos índices sociais brasileiros, de forma a não taxar indiscriminadamente a classe média e quem, porventura, tenha condições de vida confortáveis porém longe de atingirem o patamar da riqueza. Acerca da suposta subjetividade que permeia o termo “grandes fortunas”, discorre Machado Segundo: “Não se trata, porém, de óbice intransponível, sendo de resto uma questão que se apresenta em relação a qualquer outro tributo cujo âmbito de incidência esteja descrito no texto constitucional (renda, produto industrializado, serviço etc.). Tendo em mente que fortuna designa um patrimônio consideravelmente grande, situado muito acima da média, uma grande fortuna será aquela realmente situada no topo da pirâmide econômica, cuja dimensão caberá à lei complementar definir com maior precisão, mas que não é dotada de imprecisão maior do que outras expressões ou palavras usadas no texto constitucional para definir competências impositivas” (MACHADO SEGUNDO, 2019). Além disso, conforme bem sabido no meio jurídico, “se houver equívoco por parte do legislador, que inserir no conceito de grande fortuna um patrimônio que assim não deva ser considerado, a questão, de mais a mais, poderá ser submetida ao crivo do Judiciário, como de resto ocorre com os demais impostos” (MACHADO, 2014, apud, MACHADO SEGUNDO, 2019). Observa-se, então, que a Constituição deixou à escolha do legislador a definição do conceito grandes fortunas justamente para que a edição do tributo pudesse se adequar à realidade social na qual estivesse inserida no momento de sua regulamentação. Da mesma forma, como garantia a eventuais disparidades ou contradições constantes na norma, será passível de revogação ou edição caso se mostre desproporcional à realidade dos contribuintes a quem viesse a vincular. Cabe aqui a observação, contudo, que eventual edição de lei regulamentadora do IGF deve levar em consideração a existência de impostos sobre o patrimônio, como o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (“IPTU”), Imposto Territorial Rural (“ITR”), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (“IPVA”), etc. Isso porque, a depender da estipulação do fato gerador do IGF, a sua cobrança conjunta com referidos impostos pode configurar bis in idem de parte do patrimônio taxado (MACEDO, 2019, p. 28). Outro argumento comumente adotado pela camada contrária à regulamentação do IGF reside na suposta baixa capacidade de arrecadação desse tributo, em comparação aos demais tributos federais. Contudo, diante de um cenário de caos sanitário e necessidade urgente de arrecadação fiscal para fazer frente aos gastos extraordinários tidos com a COVID-19, tal argumento se mostra um tanto quanto infundado. Nesse sentido, Machado Segundo ressalta com brilhantismo: “O fato de a arrecadação obtida com esse imposto não ser significativa, por sua vez, não é razão para que não seja instituído. Primeiro, porque seria ela, de qualquer modo, alguma arrecadação. Segundo porque sua principal finalidade não seria suprir os cofres públicos com abundância de recursos, mas realizar o princípio da capacidade contributiva e incrementar a legitimidade do sistema tributário brasileiro” (MACHADO SEGUNDO, 2019). E é exatamente este o principal contraponto às políticas de tributação que o Governo vem defendendo, na medida em que ambas propostas trazidas acima pelo Ministro da Economia acabarão por tributar toda a população sem primeiro levar em consideração qualquer proporcionalidade acerca da sua capacidade contributiva. Vale relembrar que um dos princípios norteadores do Direito Tributário é justamente o chamado “Princípio da Capacidade Contributiva”, previsto constitucionalmente, o qual determina que os tributos serão calculados levando-se em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A corroborar, com o exposto, cite-se o parágrafo primeiro do artigo 145 da Constituição Federal de 1988: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (g.n.)” (BRASIL, 1988) Nas palavras de Leandro Paulsen: “A capacidade contributiva não constitui apenas um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias” (PAULSEN, 2020, p. 76). Ainda, para Sacha Calmon Navarro Coelho: “Esse conceito traduz a aptidão de o indivíduo ser sujeito passivo de tributos e, com isso, concorrer para os gastos públicos. A rigor, portanto, a capacidade contributiva é o motor operacional do princípio da igualdade na esfera tributária, tendo o condão, por isso mesmo, de realizar o próprio valor justiça” (COELHO, 2020). O princípio da capacidade contributiva, portanto, é o mecanismo que justifica e corrobora a necessidade de instituição e regulamentação de impostos da natureza do IGF, diante de um cenário de crise como o instaurado pela pandemia de COVID-19. Isso porque, diante da atual necessidade extraordinária de aumentar o recolhimento fiscal, a estipulação de tributos proporcionalmente em razão da renda e patrimônio pautada no binômio “necessidade de arrecadação X possibilidade de contribuição” representa não apenas justiça fiscal, nos termos trazidos por Leandro Paulsen, como possibilidade de maior arrecadação estatal sem, contudo, configurar abuso de qualquer natureza à parte da população que não dispõe de recursos para suportar o incremento da carga tributária a si atribuída. Corroborando com a necessidade de adoção de mecanismos equitativos de tributação, importante fazer menção aos índices socioeconômicos brasileiros, os quais demonstram a gigantesca disparidade econômica experimentada entre os extremos opostos da pirâmide econômica. Levantamento recente do IBGE para atualização do índice de GINI determinou que: “O Índice de Gini do rendimento médio mensal real domiciliar per capita, que varia de zero (igualdade) até um (desigualdade máxima), foi estimado em 0,545 em 2018. Entre 2012 e 2015 houve uma tendência de redução (de 0,540 para 0,524), que foi revertida a partir de 2016, quando o índice aumentou para 0,537, chegando a 0,545 em 2018” (IBGE, 2020). As conclusões do levantamento do IBGE são assustadoras, na medida em que 10% da população concentra 43,1% da massa de rendimentos do país (IBGE, 2020). Além disso, foi apurado “que a renda dos mais ricos é 33,8 vezes maior que a média dos 50% mais pobres. Um recorde na série histórica do IBGE, que começou em 2012” (JORNAL NACIONAL, 2019). Assim, indaga-se se diante de uma crise sanitária e econômica de dimensões globais não seria de extrema relevância a edição de um tributo, frise-se, já previsto constitucionalmente, que vinculasse apenas a camada mais rica da população, ou seja, que financeiramente dispõe de maior comodidade de recursos para enfrentamento de um cenário de crise, no intuito de complementar a captação de renda da União, antes de se cogitar a edição de um novo tributo que onere indiscriminadamente uma grande parte da população, que já está enfrentando a crise instaurada pelo COVID 19 de forma tão precária, ou alternativamente, onere um bem essencial para a disseminação educacional e alfabetização da população? Apenas após a instauração da pandemia de COVID-19 já foram propostos 2 projetos de lei para regulamentar a cobrança de IGF (AGÊNCIA SENADO, 2020), prevendo justamente a adoção do referido imposto como mecanismo de auxílio fiscal no combate à pandemia. Para exemplificar, cite-se o projeto de lei nº 183/2019, de autoria do Senador Plínio Valério, que considera como “grande fortuna o patrimônio líquido que excede o valor de 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda” (AGÊNCIA SENADO, 2020), representando, portanto, a monta atual de R$22,8 milhões de reais. De acordo com o relator do projeto: “O presidente da Fenafisco [Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital], Charles Alcântara, diz que o Brasil tem 206 bilionários com fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão. Eles pagam proporcionalmente menos impostos que a classe média e os pobres. Se taxasse o patrimônio trilionário dessas famílias em 1%, seria possível arrecadar R$ 80 bilhões.” (VALÉRIO, apud AGÊNCIA SENADO, 2020) A alíquota instituída de acordo com o projeto de lei não será fixa, e irá variar de acordo com as 3 faixas de tributação previstas: “Quem tem patrimônio líquido entre 12 mil e 20 mil vezes o limite de isenção (entre R$ 22,8 milhões e R$ 38 milhões) paga 0,5% de imposto. As fortunas entre 20 mil e 70 mil vezes (entre R$ 38 milhões e R$ 133,2 milhões) pagam 0,75%. Milionários com patrimônio acima desse valor são tributados em 1%.” (AGÊNCIA SENADO, 2020) O projeto determina a incidência do imposto para pessoa física ou jurídica, e faz a ressalta de que moradores de países estrangeiros se sujeitam exclusivamente ao proporcional do patrimônio que exista no Brasil. Em termos de números, sabe-se que a arrecadação mediante taxação de grandes fortunas pode não ser o suficiente para suprir as necessidades governamentais no momento. Contudo, essa tributação teria o potencial de aumentar, em bilhões, a arrecadação fiscal federal, de forma que, possivelmente, poderia possibilitar a edição de outros tributos em valores e alíquotas inferiores às planejadas atualmente pelo Ministério da Economia, onerando consideravelmente menos a população geral. Assim, com fulcro no princípio da capacidade contributiva, analisando-se um cenário de crise como o da atual pandemia de COVID-19, mostra-se mais arrazoado que primeiro se aumente a tributação daqueles que dispõe de recursos para contribuir sem que isso diminua sua possibilidade de subsistência, para que, apenas em um segundo plano, se pense em complementar a arrecadação fiscal mediante aumento da tributação da população em geral, que já está vinculada ao pagamento de uma elevada carga tributária e que, proporcionalmente, não dispõe da mesma abundância de recursos que os componentes do topo da pirâmide econômica brasileira.   Conclusão Veja-se, portanto, que diante do cenário de alta concentração de renda e extrema desigualdade social que permeiam o Brasil, a regulamentação do IGF teria o condão de criar uma nova fonte de arrecadação fiscal onerando, contudo, apenas uma singular camada da população que, de acordo com os levantamentos o IBGE, dispõe de quase metade do patrimônio total de todos os brasileiros. Nesse sentido, ressalta-se que a proposta de implementação do IGF feita neste estudo decorre da manifesta necessidade do Governo Federal de angariar recursos em razão de dispêndios originalmente não previstos ou contingenciados e estaria intrinsicamente vinculada e autorizada pelo Princípio constitucional da Capacidade Contributiva. Ora, considerando-se que o governo já deu indícios de que enfrentará dificuldades de manter-se dentro do teto orçamentário em razão das despesas extraordinárias tidas em virtude do COVID-19, demonstra-se um tanto controverso que não se institua, às pressas, um imposto no formato do IGF, que, conforme trazido acima, teria a capacidade de arrecadar bilhões mediante tributação de uma parte tão pequena e privilegiada da população. Não se alega aqui que a instauração do IGF teria o contão de resolver a situação econômica do Brasil, longe disso. O que se quer demonstrar, em realidade, é que o Brasil dispõe de ferramentas equitativas para o enfrentamento do atual cenário de crise que sequer são cogitadas, enquanto governantes e políticos insistem em ferramentas de arrecadação capazes de onerar uma grande fatia da população brasileira que, repita-se, já não dispõe do necessário para sua subsistência e potencialmente teve sua renda abruptamente diminuída ou extinta em razão da crise ocasionada pela pandemia de COVID-19.
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Os Direitos Fundamentais do Contribuinte e a Efetividade da Justiça Tributária no Brasil
O Sistema Tributário Brasileiro, atualmente, se apresenta como um compilado de tributos aleatórios e cumulativos, sistematizados em uma legislação complexa, confusa, contraditória e com alta incidência sobre o consumo, onde, nem mesmo, os especialistas apresentam domínio absoluto. Tendo em vista esse cenário, o presente estudo teve por escopo analisar os dispositivos legais mais relevantes para o contribuinte comum, especialmente no que diz respeito à maneira como esses tributos encontram-se embutidos em serviços e produtos rotineiro, mascarando sua real existência para o cidadão comum. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica acerca da legislação, da doutrina e da jurisprudência pertinentes ao ramo do Direito Tributário no Brasil. Ao fim do estudo, foi possível inferir que uma das principais falhas desse sistema está situada na ausência de delimitação explícita dos impostos custeados pelo contribuinte, visto que as empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de produtos, incluem, de forma velada ou obscura, o valor correspondente às incidências fiscais ao valor final da compra, de modo que o consumidor, na maior parte das vezes, não tem ideia da incidência desses valores sobre o valor final do produto.
Direito Tributário
Introdução O Brasil é um país mundialmente conhecido, dentre outras características, como um país marcado pela desigualdade social e pela má distribuição da renda, gerados, principalmente, em decorrência da ineficiência do nosso sistema tributário, onde quem menos recebe é quem mais contribui para o Sistema Tributário. Assim, a maior parte da população brasileira, composta por cidadãos de baixa renda e, consequentemente, isenta da declaração anual do Imposto de Renda, carrega a plena convicção de que não paga imposto algum para o governo. No entanto, no intuito de não repartir com estados e municípios, o aumento da tributação, a União passou a utilizar-se das contribuições sociais para incrementar sua receita, tornando, assim, mais difícil ao contribuinte, saber quanto, efetivamente, está pagando de tributos. Ou seja, diversos produtos, como os produtos do ramo das bebidas, têm imputada, ainda, a carga tributária repassada do IPI, de modo que que os tributos e tarifas públicas incidem várias vezes sobre determinado produto ou serviço. Por exemplo, apenas para circular com seu veículo, o cidadão contribui, cumulativamente, de diversas maneiras, ao arcar com a CIDE/Combustíveis (inserido no preço dos combustíveis); o ICMS sobre mercadorias e fretes (embutido nos preços de cada um dos produtos adquiridos e nos combustíveis); além do IPVA, gerado sobre a propriedade do veículo. Porém, por não precisar realizar a Declaração Anual de Imposto de Renda, o cidadão mais humilde detém a ideia, equivocada, de que os serviços prestados pelo Poder Público, de forma “gratuita”, são, realmente, concessões de um Estado generoso e preocupado com os mais desprovidos de recursos, aceitando, sem questionar, a péssima qualidade dos mesmos. O presente estudo tem, portanto, o escopo de analisar as especificações do Sistema Tributário Brasileiro, com ênfase especial à discriminação dos impostos embutidos em bens e produtos comuns e à condição do contribuinte de menor poder aquisitivo e, consequentemente, mais atingindo pelas más condições dos serviços públicos ofertados, visto que considera estar recebendo um “favor” do Estado, ao se utilizar desses serviços, não estando, portanto, em condições morais de reclamar das péssimas condições ofertadas. É preciso, pois, suscitar o debate acerca da contribuição tributária velada, incutindo na população a concepção de que serviços públicos, tais como educação, segurança e saúde, não são meras cortesias do Estado, mas sim, direitos conquistados enquanto produto da participação na economia estatal, passíveis, pois, de questionamento e cobranças por melhorias. Somente com a conscientização dos contribuintes será possível pressionar os governantes no sentido de racionalizar os gastos públicos e a tributação, propiciando condições para o aumento da eficiência da economia, otimizando o consumo.   1 Tributos: origem, conceitos e definições 1.1 Da origem histórica dos tributos Inicialmente voluntária, a contribuição tributária, tem origem remota e, claramente, acompanhou a evolução do homem, estando presente já no âmbito das primeiras sociedades, sob a forma de presentes ou ofertas destinadas aos líderes ou chefes, em agradecimento aos seus serviços ou sua atuação em favor da comunidade. Posteriormente, as contribuições tributárias passaram a ser compulsórias, quando os vencidos de guerra eram forçados a entregar parte ou a totalidade de seus bens aos vencedores, seguida pelo estabelecimento de uma contribuição pecuniária, sob a forma de tributos a ser paga pelos súditos aos chefes de Estado. (FERREIRA, 2016, p. 01) A instituição e a cobrança do tributo passaram por uma série de modificações com o passar das eras, tendo início na Grécia, no século VII a.C., nos moldes como conhecemos hoje, mediante administração pelo Estado, quando, às custas do trabalho escravo e dos tributos pagos pelos cidadãos, os gregos construíram uma das maiores civilizações do mundo antigo. Em Roma, por sua vez, cobrava-se imposto pela importação de mercadorias (“portorium”) e pelo consumo geral de qualquer bem (“macelum”). Os tributos pagos pelas províncias anexadas ao império e o pagamento de impostos pelos cidadãos foram essenciais à formação e manutenção do império. (FERREIRA, 2016, p. 01) Na Idade Média, por sua vez, os servos constituíam com seus senhores uma relação hereditária de dependência, amplamente conhecida como vassalagem, ondem, em troca de proteção, os vassalos além de oferecer aos senhores de terras, sua mão de obra, ainda pagavam pesados impostos. (FERREIRA, 2016, p. 01) Durante a Idade Moderna, na vigência do absolutismo, a sociedade estruturava-se em castas, onde as classes dominantes eram divididas em nobreza e clero que nada pagavam, e em comerciantes (burgueses) e trabalhadores sustentavam os Estado por meio de pesados tributos, o que acabou culminando na Revolução Francesa. (FERREIRA, 2016, p. 01) Com as Revoluções Liberais, o Estado passou a ser limitado por normas jurídicas, evitando, assim, o abuso, num esboço que prevalece até os dias atuais. Nos regimes democráticos, como é o caso do Brasil, a Constituição, que é a Lei Maior de um país, deve garantir os direitos dos contribuintes, impondo limites ao poder do Estado de tributar de forma indiscriminada.   1.2 Dos tributos: conceitos e definições O tributo é uma prestação pecuniária, imposta aos contribuintes de um Estado de forma compulsória e sem distinção, de maneira que todos estão sujeitos a esse poder de tributar. Gubert (2001) menciona que sendo o tributo a fonte de custeio da atividade estatal, ele torna-se elemento imprescindível à constituição do Estado, O conceito de tributo encontra-se estabelecido no artigo 3º do Código Tributário Nacional, como qualquer dinheiro, juro obrigatório que pode ser expresso em moeda ou no seu valor, mas não constitui sanção por atos ilícitos, é regulado por lei e cobrado através de atividades administrativas. As obrigações podem ser voluntárias ou legais. As primeiras decorrem da vontade das partes, assim, do contrato, enquanto que as legais resultam da lei, por isso são denominadas obrigações ex lege e podem ser encontradas tanto no direito público quanto no direito privado. Por sua vez, as diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são: a) os impostos (CF, art. 145, I; arts. 153, 154, 155 e 156), b) as taxas (CF, art. 145, II), c) as contribuições, que são c.1) de melhoria (CF, art. 145, III), c.2) sociais (CF, art. 149), que, por sua vez, podem ser c.2.1) de seguridade social (CF, art. 195; CF, 195, § 4º) e c.2.2) salário educação (CF, art. 212, § 5º) e c.3) especiais: c.3.1) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2) de interesse de categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148). Isso significa que o Tributo se apresenta como uma obrigação do cidadão para com o Estado, ainda que de forma indireta, uma vez que, além dos impostos específicos como IPTU, IPVA, Imposto de Renda, em qualquer compra básica no mercado brasileiro, estão embutidos tributos como  o ICMS, o PIS e a COFINS, de maneira que, quanto mais elevada a carga tributária, maiores as distorções introduzidas no sistema, no propósito de mascarar os valores e as modalidades como os tributos são cobrados, de modo que o cidadão nas camadas sociais mais baixas desconhece esses valores e a situação como um todo. O conceito jurídico de tributo conforme Becker (2007) é o objeto da prestação que satisfaz determinado dever. Segundo o mesmo a relação jurídica tributária vincula o sujeito passivo ao sujeito ativo, impondo ao sujeito passivo o dever de efetuar uma predeterminada prestação e atribuindo ao sujeito ativo o direito de obter a prestação. O Sistema Tributário no sentido exato segundo Santos (1970, apud DENARI, 2008), […] é a totalidade dos tributos arrecadados no país e todo o conjunto de regras jurídicas que disciplinam o exercício do poder impositivo pelos diversos órgãos, aos quais a Constituição nacional atribui competência tributária. No entanto, cabe ao Estado, estabelecer regras que, clara e antecipadamente, indiquem que parcela do patrimônio privado deverá ser repassada aos seus entes federativos. O âmbito brasileiro tributário tem em sua Constituição Federal no art. 145 como espécies de tributos os impostos, as taxas e as contribuições, contendo a seguinte redação:   “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.   Mais adiante, em seu artigo 146, o referido diploma legal estabelece, ainda, que:   “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:     Dessa forma, dentre as atribuições que lhe foram conferidas, compete ao Estado atuar com vistas, sobretudo, a fiscalizar o mercado, incentivar a concorrência e, quando necessário, combater eventuais desvios que importem em desequilíbrios concorrenciais. Assim, tem-se prevista no art. 146 da Carta Magna de 1988, em seu inciso I, a prerrogativa de lei complementar para a resolução de potenciais conflitos de competência entre os estes federativos.  A previsão se justifica pelas várias zonas de interseção entre as materialidades econômicas previstas constitucionalmente como regras de competência, geralmente, exercida pela lei complementar definidora do fato gerador de cada tributo, como ocorre com o conceito de imóvel rural e urbano, que é o delimitador da competência federal do ITR e da municipal no IPTU. Tais funções estatais, nesse contexto, ganham especial relevância quando verificado que o ambiente de livre mercado mostra-se vulnerável a falhas estruturais, as quais importam em concentração de poder econômico, principalmente na formação de monopólios e oligopólios, assim como a falhas de conduta, consubstanciadas em comportamentos ou condutas desleais como carteis, prática de preços predatórios, concorrência parasitária, entre tantas outras, Assim é que, conforme afirma José Luís Roberto Brazuna (2009, p. 69), a livre concorrência não se confunde com um estado de concorrência perfeita, mas como um estado de equilíbrio em que se deve garantir aos agentes econômicos a liberdade de ação e liberdade de oportunidades no mercado.   1.3 Tipos de tributos O Sistema Tributário Brasileiro adota o princípio da estruturalidade orgânica do tributo, pelo qual a espécie tributária é determinada pelo seu fato gerador, admitindo, a Constituição Federal, em seu art. 145, três modalidades de tributos, na chamada Teoria Tripartite:   “Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.” (BRASIL, 1988)   O Código Tributário Nacional, de 1966, em consonância com a Carta Magna, estabelece, em seu art. 5º, as mesmas modalidades de tributos: “Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Porém, a teoria mais aceita entre os doutrinadores é a Teoria Quinquepartite ou pentapartite, mais aceita entre os doutrinadores, argumenta que seriam cinco as espécies tributárias, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Ao seu fundamento o art. 145 da CRFB traz uma enumeração numerus apertus, devendo ser interpretado conjuntamente com o art. 148 e art. 149, ambos da CF/88. Dessa forma, temos que o imposto é o tributo que tem como fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte (Art. 16 do CTN). Em outras palavras, imposto é o tributo que não está vinculado a uma contraprestação direta a quem o está pagando. As receitas provenientes da arrecadação de impostos são destinadas ao custeio das despesas gerais do estado, visando promover o bem comum. É considerado o tributo mais importante, tendo em vista sua incidência compulsória, imposta independentemente da vontade do contribuinte. Dentre os principais impostos do Brasil podem ser citados o ICMS, o IPVA, o IPTU, o Imposto de Renda (pessoa física e jurídica) Imposto sobre Operações de Crédito (IOF): incide sobre as pessoas físicas e jurídicas que realizarem operações de crédito, câmbio e seguro ou afins, o ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, tendo como fato gerador a prestação de serviços constantes. (JUNIOR, 2018) Um dos impostos mais aplicados no Brasil é, justamente, o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cuja incidência recai sobre os mais variados produtos, incluindo operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares, prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores, além de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza. O IPVA, por sua vez, é o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores e incide sobre os proprietários de veículos, devendo ser pago anualmente, enquanto que o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) incide sobre a propriedade predial e territorial urbana, tendo por fato gerador a propriedade. Finalmente, o Imposto de Renda e de qualquer natureza, tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas incide sobre o capital do contribuinte ou sobre os produtos do trabalho, ou seja, incide sobre o rendimento, enquanto que o Imposto sobre crédito comercial (IOF) tem sua incidência sobre pessoas físicas e jurídicas que realizam negócios de crédito, câmbio e seguros ou negócios semelhantes. Já o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) refere-se ao imposto cobrado a prestação de serviços fixos. (Novembro de 2018) Segundo o artigo 77 do Código Tributário Nacional, a tributação é uma espécie de tributação, “tem efeito desencadeador, ou seja, a fiscalização e o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva e potencial de serviços públicos específicos e divisíveis”. Alguns exemplos de taxas: taxa de emissão de documentos (níveis municipal, estadual e federal): por exemplo, para emissão de RG, CPF e RG; Taxa anual de licenciamento de veículos – art. Lei Nº 9.503 / Lei Nº 130 de 1997, que gera, anualmente, os novos documentos veiculares; Taxa de registro comercial (Comissão de Comércio): taxa cobrada para registro do contrato de sociedade. A contribuição de melhoria refere-se aos tributos cobrados pela União, pelos estados, pelo distrito federal e pelos governos municipais nos respectivos âmbitos de atribuição. Destina-se ao custeio das obras públicas incorridas na avaliação imobiliária. O limite total são os custos incorridos, e como limite próprio, O valor do produto de trabalho de cada propriedade pode ser aumentado (Artigo 81 do CTN). Dessa forma, a instituição e a cobrança de uma Contribuição de Melhoria têm por escopo fazer com que os contribuintes beneficiados, direta e indiretamente, após a concretização de uma obra pública sejam responsabilizados pelo pagamento da mais valia imobiliária, como, por exemplo, quando o Poder público (União, Estados, Distrito federal e Municípios) promove a pavimentação de vias, onde esta obra acaba promovendo a valorização dos imóveis circunscritos, sendo permitida, ao Estado, a cobrança de uma contribuição de melhoria pelas obras públicas que geraram a valorização nestes imóveis. As chamadas contribuições sociais constituem um tributo com destinação específica, como é o caso da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, conhecida como Cosip ou Cip, que consiste  na imposição de uma taxa de iluminação pública para custear as despesas com a disponibilização da iluminação pública aos munícipes, como uma alternativa encontrada pelos Municípios para incrementarem suas receitas, sob o argumento de que os munícipes estariam apenas restituindo aos cofres Municipais os gastos decorrentes dos serviços de iluminação pública. Os empréstimos compulsórios são tratados novamente na forma artística. O Artigo 148 da Constituição Federal Brasileira restringe tais impostos a circunstâncias especiais. A lei enfatiza opções de cobrança razoáveis, como uma guerra com outro país ou um desastre público iminente. Além disso, outro investimento público que atualmente é vital. O referido artigo traz, ainda, que “a utilização dos recursos extraídos dos seus recursos está atrelada aos respectivos custos, o que comprova a racionalidade da sua organização”. No Brasil, um exemplo relativamente novo de empréstimos compulsórios é o confisco das economias das pessoas no programa Koror, quando o dinheiro arrecadado da conta pessoal do ovo era um empréstimo ao governo.   1.4 A origem do Sistema Tributário no Brasil A República brasileira herdou do Império boa parte da estrutura tributária que esteve em vigor até a década de 30. Sendo a economia eminentemente agrícola e extremamente aberta, a principal fonte de receitas públicas durante o Império era o comércio exterior, particularmente o imposto de importação que, em alguns exercícios, chegou a corresponder a cerca de 2/3 da receita pública, onde, às vésperas da proclamação da República, este imposto era responsável por aproximadamente metade da receita total do governo. (VARSANO, 1996, p. 12). A Constituição seguinte, datada de 24 de fevereiro de 1891 adotou, sem maiores alterações, a composição do sistema tributário existente ao final do Império. Porém, tendo em vista a adoção do regime federativo, era necessário dotar os estados e municípios de receitas que lhes permitissem a autonomia financeira. Dessa forma, aderiu-se ao regime de separação de fontes tributárias, sendo discriminados os impostos de competência exclusiva da União e dos estados. (VARSANO, 1996, p. 12). Ao governo central couberam, privativamente, o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selo e taxas de correios e telégrafos federais; aos estados, foi concedida a competência exclusiva para decretar impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre a transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões, além de taxas de selo e contribuições concernentes a seus correios e telégrafos. Quanto aos municípios, ficaram os estados encarregados de fixar os impostos municipais de forma a assegurar-lhes a autonomia. Além disto, tanto a União como os estados tinham poder para criar outras receitas tributárias (VARSANO, 1996, p. 13). Posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1934, os estados passaram a ter competência para instituir impostos de vendas e consignações, enquanto que os municípios receberam a prerrogativa de decretar tributos. A constituição de 1946, por sua vez, trouxe poucas mudanças ao Sistema Tributário Nacional (STN), realizando, apenas, uma redistribuição das arrecadações entre União, Estados e Municípios e criando dois novos impostos: imposto sobre selo municipal e o imposto de indústrias e profissões. Posteriormente, a Emenda Constitucional No 18, de 1965, também conhecida como a reforma tributária de 1965, elaborada pelo professor Gilberto de Ulhôa Canto, no Governo Castello Branco, ensejava a “redução de impostos”, a instituição de um “sistema de repartição de receitas dos impostos da União para os Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios”, e “a substituição dos fatos geradores representados por atos jurídicos por fatos de natureza econômica que pudessem medir a capacidade contributiva, tais como renda, consumo e patrimônio”. (DORNELLES, 2013, p. 04) A reforma tributária tinha como um dos objetivos “reduzir a autonomia dos estados e dos municípios para instituir tributos” e centralizar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, tornando-os mais eficientes. Para os municípios caberiam o ISS e o IPTU, e, para os Estados, ficariam atribuídos o ICMS e o ITBI. Outra medida tomada foi à vedação à bitributação e, a competência residual ficaria somente com a União ou seria abolida. (DORNELLES, 2013, p. 04). Com a Constituição de 1967, foi dado início ao Sistema Tributário Nacional, criado pela anterior Emenda Constitucional n.º 18/65, no Capítulo V, do Título I, artigo 18, onde fez constar em “seu texto um capítulo específico acerca das normas de tributação de forma sistematizada” (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi modificada, “consideravelmente, a estrutura da distribuição de competências e de distribuições de receitas entre os entes da federação, beneficiando estados e municípios em detrimento da União”, exemplos dessa distribuição de competência dos Estados são dos “impostos únicos (incidentes sobre a energia elétrica, os combustíveis e os minerais) e especiais (transportes rodoviários e serviços de comunicação)”, sendo integrado em um único imposto, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). (DE OLIVEIRA, 2010, p. 39). Em contrapartida, a Carta Política de 1988 manteve, praticamente, toda a estrutura da Emenda Constitucional de nº 18 de 1965, de forma que, tanto o IR, como o IPI permaneceram como os carros-chefes da arrecadação da União e o antigo ICM (que se tornou ICMS), transformou-se na principal fonte de arrecadação dos estados.   1.5 Como funciona o Sistema Tributário Brasileiro O Sistema Tributário Brasileiro, considerado o conjunto dos tributos e normas que regulamentam sua arrecadação, bem como o poder impositivo do Estado, é regido pela Emenda Constitucional nº 18 de 1º de dezembro de 1965, sendo regulamentado efetivamente pela Lei nº 5.172 de 1966. Assim, os pilares do sistema tributário brasileiro, ora em vigor, foram estabelecidos em meados dos anos 1960, quando a economia brasileira era subdesenvolvida, muito fechada ao exterior e com elevada inflação, mas o sistema sempre ostentou um elevado grau de descentralização. Os governos militares pós 1964 centralizaram poderes e receitas que a Assembleia Constituinte de 1987/88 se preocupou em descentralizar. Contudo, a Constituição de 1988 criou, na prática, dois sistemas tributários paralelos: um composto por impostos cuja receita é repartida entre estados e municípios e outro formado por contribuições sociais cuja receita não é partilhada. Desde então, as contribuições se diversificaram, e o aumento de sua arrecadação superou o dos impostos, reconcentrando a receita. Nesse longo período, economia e sociedade muito mudaram no Brasil, mas o sistema tributário nunca sofreu uma reforma de envergadura – não por falta de tentativas, posto que vários projetos, com objetivos os mais distintos, foram propostos e sempre fracassaram, quando muito aprovando medidas pontuais, quase sempre voltadas para um aumento ainda maior da carga tributária O Sistema Tributário Nacional, encontra-se disposto na Constituição Federal de 1988 no Título VI, da tributação e do orçamento, Capítulo I, do Sistema Tributário Nacional, artigos 145 a 156, que nos remete a lembramo-nos do Código Tributário Nacional, Lei nº. 5. 172, de 25 de outubro de 1966. (MELO, 2006, p. 12). No entanto, a Constituição também prevê outras regras, como a contida no art. 7º, III, o seu tempo de serviço relativo ao fundo garantidor; art. 195 refere-se à previdência social, que deve ser custeada por toda a sociedade direta ou indiretamente por meio da União, os orçamentos dos estados, distritos federais e governos municipais, bem como os recursos das seguintes doações sociais, na forma da lei; Artigo 212, parágrafo 5, que estipula que a educação básica pública será usada como uma fonte adicional de recursos para contribuições sociais para os salários de educação legalmente arrecadados da empresa; art. 239, §§1 e 4: §1, art. 240 e, finalmente, a emenda constitucional 21/1999; 37/2002; 39/2002; 42/2003; 45/2004 e 47/2005.   2 Os Impactos e a Complexidade da Carga Tributária para o Contribuinte A alta carga tributária brasileira traz como consequências diretas, o desestímulo aos investimentos no país, o aumento indireto da inflação e a diminuição do PIB em longo prazo. No cenário nacional atual, os recentes aumentos na carga tributária estão provocando uma elevação da inflação no Brasil, gerada, principalmente em decorrência da instituição de tributos indiretos que afetam as relações de consumo, nas quais a lei designa o contribuinte de direito para recolher os valores aos cofres públicos (industriais e comerciantes), porém, quem realmente suporta o ônus financeiro é o contribuinte de fato, ou seja, aquele que compra o produtos e mercadorias. No entanto, a inflação é apenas um dos problemas decorrentes do nosso Sistema Tributário. Em adição, existe, ainda, uma complexa teia de normas e procedimentos que, por vezes, na ânsia de neutralizar para o governo os efeitos da inflação, viola direitos legal e constitucionalmente assegurados aos contribuintes, em especial os empresários da indústria e comércio. Ademais, muitos brasileiros, motivados pelos os impactos sofridos pela imposição da carga tributária, juntamente com a inserção cumulativa de vários impostos atribuídos às mais variadas relações de consumo no cotidiano do brasileiro, aliados à falta de retorno do verdadeiro destino da arrecadação desses impostos, frequentemente, causam um sentimento de impotência e decepção no contribuinte, levando à sonegação fiscal. Assim, a tributação brasileira sufoca as empresas e os contribuintes pessoas físicas, e não responde com serviços de qualidade. A saúde pública oferecida não é suficiente (em quantidade e qualidade), a educação pública é ineficiente, falta segurança. Isso faz com que se gaste duas vezes pelos mesmos motivos: se paga tributos para se ter esses serviços, mas também é preciso arcar com despesas com planos de saúde, escolas particulares, segurança, dentre outros.   2.1 Reforma Tributária Dentre os debates mais constantes e infindáveis da atualidade, encontra-se a reforma tributária, mencionada, principalmente, em épocas eleitorais, numa alusão à realização de ampla reforma tributária no Brasil. No entanto, decorrido o período eleitoral, raramente, a proposta tem efeitos e realizações concretas, gerando os mais diversos tipos de questionamento. O fato é que, verdadeiramente, existe um sentimento comum de sua importância especialmente pela necessidade, por exemplo, da simplificação de obrigações tributárias e redução do ônus fiscal, de modo que o tema é de natureza constante, porém ambivalente, cabendo aos governantes e a administração fazendária promover essas alterações de formas cabíveis sem prejudicar a competitividade das empresas nacionais. Aprovada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a reforma tributária prevista pela PEC 45/2019, tem sido vista como uma possível solução para equilibrar a tributação nacional para o bolso do contribuinte, especialmente, considerando-se a complexidade do sistema tributário e seus efeitos nocivos sobre a economia, agravados em tempos de retração. Nesse sentido, a referida proposta de emenda constitucional tem como foco principal reduzir a tributação sobre o consumo, mediante a criação de um imposto único, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição ao ICMS, IPI, ISS e PIS/COFINS, a ser instituído e disciplinado por lei complementar da União, estando sujeito à fiscalização por meio do Comitê Gestor vinculado à União. Em contrapartida, os Estados e Municípios poderão, tão-somente, modificar suas alíquotas, mas com severas restrições, uma vez que os percentuais deverão ser os mesmos “para todos os bens e serviços”, respeitando-se os mínimos fixados pelo Senado para cobrir gastos com saúde e educação, ficando proibida a redução do tributo em função da essencialidade do item (cesta básica, p. ex.) ou de políticas de desenvolvimento local. Tal caráter centralizador é tido como uma evidência contundente da inconstitucionalidade do projeto. De fato, segundo dados do Tesouro Nacional citados no voto do Relator da matéria na CCJ da Câmara, 43% (quarenta e três por cento) da atual arrecadação dos Municípios e 88% (oitenta e oito por cento) das receitas tributárias dos Estados passarão a ser controlados pelo Poder Central. Essa realização de competências e receitas tributárias não coaduna com o Pacto Federativo, tendo em vista sua tendência ao enfraquecimento da autonomia financeira dos entes descentralizados, com efeitos lesivos sobre a realização de suas atribuições constitucionais, na medida em que eles não estarão autorizados a instituir e arrecadar o IBS, variar alíquotas em função do setor, produto ou das circunstâncias econômico-sociais de cada momento. No entanto, um dos principais paradoxos trazidos PEC 45/2019 consiste no aumento de impostos. Muito embora o IBS tenha sido idealizado para ser “uniforme para todos os bens e serviços”, é fato que, boa parte dos setores atingidos sofrerão alguma elevação tributária. Diante dessa nova visão, os produtos agrícolas que atualmente não estão sujeitos ao IPI irão absorver parcialmente o IPI. Além disso, os serviços tradicionais (como jurídico, contábil) passaram a estar sujeitos à alíquota média da Estação Espacial Internacional (ISS) de 4,38%, e sua alíquota aumentará em percentual equivalente ao IPI e ao ICMS. Conforme relatado, se a alíquota do IBS for de 25%, estima-se que os serviços prestados por pessoas jurídicas que optam por assumir lucros aumentarão em mais de 300%. Para os autônomos, o impacto será ainda maior, chegando a quase 700%, pois será somado, não só pelo valor correspondente ao IPI e ICMS, mas também ao PIS / COFINS, que hoje não tem esse impacto pessoal. Mas isto não é tudo. A citada PEC também buscou estabelecer tributos seletivos para “diminuir o consumo de bens e serviços que geram externalidades negativas”. No entanto, a figura não tem restrições, nem define os padrões dos produtos e indústrias afetados. Este tipo de delegação discricionária pode resultar na cobrança de uma taxa de amplo espectro, em duplicata para o mesmo projeto sujeito ao IBS. Nesse sentido, por exemplo, os veículos movidos a combustíveis fósseis podem ser alvo do imposto porque são poluidores e podem ser substituídos por álcool ou veículos elétricos. Ou seja, a pretexto de suposta extrafiscalização, o Imposto Seletivo poderá incidir sobre vasta gama de itens, com consequente elevação de preços no setor de serviços, e um possível tratamento mais brando para o setor financeiro, que pagaria uma alíquota menor. Com isso, a PEC criou mais um tributo seletivo com a utilização do chamado “imposto extra”. Além disso, não permite isenções fiscais ou financeiras, incentivos ou reduções de benefícios e reduções na base de cálculo ou crédito presumido. Isso significa que criamos uma “ave de rapina” no sistema tributário nacional. Ademais, trata-se de uma reforma extremamente complexa, em que se ambiciona revogar 19 dispositivos e introduzir 141 outros na Constituição, dando origem a quase 40 novos conceitos. No intuito de dirimir tais dificuldades e facilitar a introdução do novo sistema no cenário brasileiro, nos primeiros dois anos, o sistema será adaptado à base de “tentativa e erro”, ao passo que na primeira década, pós-reforma, o País conviverá com dois modelos paralelos, o novo e o atual, onde os contribuintes prestarão contas aos três níveis de fiscalização existentes e àquele a ser criado para tratar do IBS. No entanto, transcorrido o período de adaptação, não há garantia de que o sistema continuará operando sem alterações. Portanto, o prazo de 50 anos para indenizar o estado e os municípios pelos prejuízos causados ​​pelo novo imposto é duvidoso. Afinal, os países lutam pela aliança há mais de 15 anos para compensar os prejuízos causados ​​pelo cancelamento da exportação do ICMS preconizado pela EC 42/03. Além disso, supondo que a receita do modelo seja considerada neutra, mais carga tributária deve ser usada para compensar a perda. Nesta senda, o País necessita de reforma tributária que não implique aumento de impostos e garanta segurança, transparência, simplificação e neutralidade. Tais imperativos não são satisfeitos pela PEC 45/2019. Além do mais, a referida reforma visa resolver os problemas sobre o desequilíbrio das contas públicas, o que sempre será uma pedra no sapato de qualquer governo, enquanto não houver de forma eficaz uma fiscalização dos gastos públicos e o combate tanto da corrupção passiva quanto da ativa. Somando-se a isso, os governos anteriores ao atual já enfrentaram os referidos desequilíbrios nas contas públicas, entretanto, adotaram os denominados Ajustes Fiscais, os quais têm por objetivo reequilibrar o quadro das receitas e despesas de um governo, por meio de reduções de gastos e aumento da arrecadação pela elevação das alíquotas dos tributos. Finalmente, no que diz respeito ao aumento da arrecadação, esta submete o contribuinte a uma elevada carga tributária; enquanto, poderiam ser adotadas, em substituição ao referido aumento, algumas revogações de incentivos fiscais que postergassem uma arrecadação do presente para ser tributada no futuro, de modo que a dilação de prazo muito extensa do benefício que, aliada à falta de controle dos gastos públicos, contribuem para um “efeito dominó” do desequilíbrio das contas públicas.   Considerações Finais A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre as espécies de tributos, em seu artigo 145, quais sejam: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No entanto, não define nem institui tributos. O que a nossa Carta Magna faz é escolher certos fatos ou atos e negócios jurídicos que expressam riqueza e distribui a competência para instituir tributos sobre estes fatos aos entes federativos (União, Estado, Município e Distrito Federal) ou a entidades paraestatais, de modo que, cada um deles, ada ente, no âmbito da competência outorgada pela Constituição, deverá instituir os tributos respectivos. Nesse sentido,  tributo pode ser conceituado como dever fundamental e que se constitui em prestação pecuniária que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a direção dos princípios constitucionais de capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei e elaborado de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição Federal. Dessa forma, um sistema tributário, para ser realmente eficiente, deve sempre procurar respeitar os princípios de produtividade e de justiça fiscal; em relação ao primeiro princípio, uma boa base tributária dá condições para que a receita possa acompanhar o crescimento da economia; já com referências à justiça fiscal, é fundamental que o sistema tributário almeje gravar o contribuinte segundo a capacidade econômica. Entretanto, no Brasil, existe uma pirâmide salarial — com o predomínio da classe mais baixa, que detêm os menores salários, incluindo, ainda, os desempregados e a economia informal. Torna-se necessária, assim, uma especial atenção às variáveis econômicas, principalmente àquelas ligadas à renda “per capita” e a sua distribuição no País. Dessa forma, vários países poderiam ser melhor investigados, à medida que são incluídos na avaliação modelos ou índices já testados e sugeridos pela literatura sobre finanças públicas. Em compensação, as condições políticas e sociais de cada um dos países também poderiam ser incluídas nas análises. Também novos modelos econométricos devem ser melhor especificados para poder apreender o fenômeno da carga tributária em um determinado país. Uma reforma tributária ampla e eficaz, portanto, faz-se urgente, tendo em vistas, principalmente, a capacidade econômica do contribuinte, fazendo, assim, incidir a tributação muito mais sobre a renda acumulada do que sobre a renda consumida, levando em conta uma maior progressividade na renda auferida.
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Análise Sobre a não Incidência do Iss na Incorporação Imobiliária
O presente artigo busca analisar sobre a não incidência do ISS na incorporação imobiliária. Buscou-se conhecimento nos institutos de direito tributário, direito civil, jurisprudências e a legislação brasileira, visto que estes se entrelaçam ao tema. Também foram realizadas pesquisas junto a obras literárias, sites e artigos sobre o que é o ISS, a incorporação imobiliária, incorporadora e incorporador, a atividade de prestação de serviço, obrigação de dar e fazer e os tributos atinentes a cada fato gerador destas atividades. A escolha deste tema objetiva esclarecer, eventuais dúvidas sobre a incidência ou não incidência do ISS na incorporação imobiliária na situação em que o incorporador é o proprietário do terreno e os riscos da atividade é totalmente absorvida por ele, trazendo uma análise bibliográfica e jurisprudencial sobre a não incidência do ISS na incorporação imobiliária.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O investimento em construções, seja para a classe média ou para a população de baixa renda, é um campo de fundamental importância para a manutenção da economia e com diversos impactos, tanto na área econômica quanto social do país. Neste sentido, o presente artigo pretende abordar saliente questão na prática do Direito Tributário. Trata-se da análise da não incidência do ISSQN na incorporação imobiliária. O que deve ser considerado para que a incidência ocorra ou não. Quando o ISS deve ser pago e onde ocorre o seu fato gerador. Em análise jurisprudencial é possível observar diversos julgados sobre o tema. Buscando entendimento sobre o assunto proposto, podemos verificar que os Municípios, os quais possuem competência para instituir o ISS, por vezes, divergem do entendimento dos tribunais. Para obter entendimento sobre as questões propostas para este artigo, foi realizada pesquisa através de bibliografia, sites e artigos sobre os aspectos do ISS, incorporação imobiliária e a análise jurisprudencial. Evidente que a presente pesquisa não pretende esgotar todos os aspectos do ISS. Contudo, no que tange à não incidência do ISS na incorporação imobiliária, o anseio é estabelecer conclusão perante a jurisprudência.   1.1 Conceito de ISS Também conhecido como ISSQN sigla para Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, está disposto no Art. 1° da Lei Complementar n°116/2003 “O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.” Para uma melhor compreensão do tema, faz-se necessário observar o que diz a doutrina sobre o assunto, Para HACK (2015. Pág. 232.), “O ISS é o imposto sobre Serviços, sendo as letras “QN” adicionadas ao final das siglas para designar que são tributados serviços de qualquer natureza. Estão sujeitos ao ISS todos os serviços que não sejam tributados pelo ICMS. Assim, todos os serviços diferentes de comunicações e transporte interestadual e intermunicipal estão sujeitos à tributação municipal pelo ISS (Melo, 2008).” Para PINTO (2012. Pág. 103.), “O ISS tem como fato gerador a prestação de serviços, conforme definidos na Lei Complementar n. 116/2003. Essa definição é taxativa, não devendo os serviços que não estão nesse rol ter a incidência desse imposto. É de competência dos municípios sua instituição, mas caberá à referida lei a fixação das alíquotas mínimas e máximas, determinar as condições as quais se concederão incentivos e benefícios. ” Podemos observar que o ISSQN é o imposto que tem a incidência na prestação de serviços, e que a competência para o instituir é dos Municípios e do Distrito Federal, mediante edição de lei ordinária, que deverá estar em consonância com a Lei Complementar n. 116/2003. Sob essa perspectiva SABBAG (2018. p.1479/1489.) diz que: (…) em face do princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I, da CF; e art. 97 do CTN), os Municípios, para que possam cobrar o ISS dos prestadores de serviços, devem instituí-lo por meio de lei ordinária própria, que poderá adotar todos os itens da Lista de Serviços anexa à lei complementar, ou apenas alguns deles, sendo-lhes, porém, defeso criar serviços não previstos nessa norma complementar, sob pena de inconstitucionalidade. Ou seja, a lei complementar traz no seu anexo, uma lista de quais os tipos de serviços que terão a incidência deste imposto. Em uma ressalva doutrinária, é possível observar uma evolução sobre o tema do ISS na Constituição Federal, pois inicialmente trazia em seu bojo o termo “serviço” como sendo de forma genérica e não demonstrando sobre quais serviços deveriam de ser tributados, segundo COELHO (2020. Pág. 433.), “às luzes da nova Constituição, a questão dos serviços tributáveis deve ser, necessariamente, reinterpretada. É que na Constituição de 67, o seu art. 24, inciso II, dizia competir aos Municípios instituir imposto sobre “serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei complementar”. A redação falava genericamente em serviços, sem nomeá-los. E, mais, dava prevalência a serviços tributados, antes, pela União e os Estados, que podiam recortar a área dos serviços à disposição dos entes municipais. É o que não ocorre com a redação da Constituição de 88, que apropria em prol dos municípios todos os serviços (de qualquer natureza) não compreendidos no art. 155, II. Isto é, todo e qualquer serviço que não seja de comunicação e de transporte interestadual e intermunicipal sujeita-se ao ISS, por expressa determinação constitucional, inclusive o de transporte municipal (transporte no âmbito territorial do Município). Houve, no plano constitucional, intensa mudança.” As normas gerais do ISS não estão definidas no Código Tributário Nacional (CTN), mas sim na lei complementar 116/03. Inclusive, atendendo ao disposto no art. 156, § 3º, essa lei complementar limita, em regra, o valor mínimo da alíquota em 2% e o máximo em 5%. Ademais, a Lei Complementar 116/03, também prevê em seu art. 2º isenção de ISS aplicada a todos municípios quando houver exportação de serviços para o exterior. Conforme SEGUNDO (2018. Pág. 121.), “pode-se dizer, então, que o serviço considera-se exportado quando desenvolvido no exterior, ou quando for desenvolvido no Brasil, mas seu resultado se verificar apenas no exterior. Seria o caso, por exemplo, do deslocamento do prestador do serviço ao exterior, para lá executá-lo(…)” O art. 151, III CTN, traz a vedação da isenção heterônoma, isto é, a União, em regra, não pode instituir isenções de tributos de competência de outros entes. No entanto, há três exceções admitidas pela doutrina, sendo uma delas essa previsão da lei complementar que trate sobre o ISS conceda isenção que se aplicará a todos os municípios do país, ou seja, ocorrerá uma isenção heterônoma. O ISS é classificado como “imposto proporcional” pois possui alíquota fixa e o que modifica é a base de cálculo do imposto”(CAROTA, 2018. Pág.14). Também “classificado como “imposto cumulativo” cobrado a cada período de tempo o valor integral do imposto sem aproveitar o crédito da etapa anterior” (Idem. Pág.15)   1.2 Fato Gerador do ISS A aplicação da legislação terá correlação direta com o princípio da irretroatividade, conforme dispõe o art. 105 do CTN. “Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116”. Portanto, “pode-se dizer que ao realizar a prestação do serviço, através de empresa ou profissional autônomo, ocorrerá o fato gerador do ISS, ainda que essa não constitua atividade preponderante do prestador, conforme determina o art. 1º da Lei Complementar 116/03” (SABBAG, 2015 Pág.1479). Entretanto caso não ocorra a prestação do serviço o tributo não poderá ser exigido. Dessa forma, pode-se dizer que o Imposto sobre Serviços (ISS), incide, sobre a prestação de serviços, ou seja, se manifesta no trabalho ou atividade econômica mensurável. Contudo, HACK (2015, Pág. 232.) diz que “Estão sujeitos ao ISS todos os serviços que não sejam tributados pelo ICMS”. Ou seja, as prestações de serviços não tributadas pelos Estados é que são passíveis de tributação por competência dos Municípios, podendo-se falar em uma espécie de competência residual para cobrança do ISS. PAULSEN (2012. Pág. 232) explica que o ISS vai além da incidência sobre “serviço”, ele se materializa na obrigação de “fazer”: “O cerne da materialidade do ISS não se restringe a “serviço”, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de “fazer”, de conformidade com as diretrizes de direito privado. A obrigação de “fazer” concerne à prestação de uma utilidade ou comodidade a terceiro, de modo personalizado e incindível, configurando-se de modo negativo à obrigação “de dar” (entrega de coisas móveis ou imóveis a terceiros).” Neste sentido, podemos observar que o ISS incide na prestação de serviço em que o negócio jurídico é a obrigação de “fazer”, e não de “dar”. (Idem. Pág. 233.). Dessa forma, pode-se dizer que de acordo com o art. 156, III, da Constituição Federal “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. incidirá o ISS. Para corroborar com o tema (Hack, 2015, Pág. 232.) diz que, por serviço, endentemos uma obrigação de fazer prestada por uma pessoa a outra sem vínculo empregatício (Machado, 2012). Assim, serviços de dentistas, médicos, engenheiros, arquitetos, fisioterapeutas, advogados, contadores, marceneiros, encanadores e outros tributados pelo ISS. “O ISS não incide sobre locações, serviços de telecomunicações, transportes interestaduais, intermunicipais e o próprio trabalho celetista” (Idem. Pág.201). Sobre estas incidirá outros tributos como por exemplo o ICMS. Segundo o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, aquele que somente transporta pessoas ou bens para si próprio não presta serviços, não provoca a incidência do ISS, pois apenas o transporte para terceiros é que representa prestação de serviços, venda de um bem imaterial, provocadora da incidência do imposto. (RE nº 101.339, Rel. Min. Moreira Alves , D.J.U. de 08 .06.1984. Acesso em: 17.mar.2020.) Da mesma forma, empresa imobiliária que realiza construção civil para si própria não é prestadora de serviços, ainda que tenha por objeto a revenda. (RE nº 78.927, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, D.J.U. de 04.07.1974. Acesso em: 17.mar.2020.). Para GLASENAPP (2019. Pág. 51) “o ISS não incide na compra e venda, pois, a prestação de serviços que inclui fornecimento de mercadoria é tributada pelo ICMS”. O ISS tem a incidência sobre todos os demais serviços que estejam previstos na LC 116/03. Quando houver um serviço prestado por uma empresa ou um profissional autônomo estando relacionado na lista anexa da Lei Complementar n° 116/2003 sobre esse incidirá o ISS.   1.3 Competência Territorial para cobrança do ISS O ISS possui caráter arrecadatório devendo ser pago pelo prestador de serviço ao município, o art. 3° da Lei n°116/2003 diz que “O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV” Conforme PINTO (2012. Pág. 103), “trata-se de um tributo de caráter arrecadatório ou fiscal devendo ser pago pelo prestador de serviços ao município do local de sua sede ou por um eventual responsável descrito pela lei. Todavia, em alguns casos estabelecidos pela lei complementar, o local de pagamento do tributo será no local da prestação de serviços”. No que se refere ao local da prestação dos serviços, e o imposto, devido, considerar-se- á, em regra, o local em que se situar a sede do estabelecimento do prestador do serviço, ou na falta deste, o domicílio do prestador, de acordo com o art. 3º da já referida lei complementar. Podemos citar como exemplo, uma construtora que possua a sua sede na cidade de Caxias do Sul, mas realize prestação de serviço em outra cidade como por exemplo Farroupilha, o ISS devido deverá ser pago em Caxias do Sul, pois, é nesta cidade que se encontra o estabelecimento da sede da empresa. Conforme BARREIRINHAS e CURADO (2011. p. 70.), “importante ressaltar que, o STJ tem um entendimento contrário a este tema, pois, entende que o critério a ser adotado é o local da prestação do serviço, independentemente do local da sede da empresa, cabendo a esse município a sua exigibilidade e arrecadação.” Ainda neste sentido, (Idem. Pág. 71) explicam “a fim de minimizar os efeitos nocivos da guerra fiscal, a Corte Superior de Justiça introduziu enorme insegurança jurídica na tributação do ISS, fazendo com que o contribuinte do imposto fosse, muitas vezes, gravado em bis in idem e, pior, trazendo conflitos espaciais…” O ISS é um tributo incidente sobre fatos, cuja natureza comporta desdobramentos que ultrapassam o âmbito municipal, isso ocorre por ter não apenas um critério material, mas também por levar em consideração o critério territorial, assim, só pode exigir a cobrança dos impostos nos limites dos seus respectivos territórios.   2. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA 2.1 Definição de Incorporação Imobiliária Sobre a incorporação imobiliária, o artigo 28, parágrafo único da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, demostra um conceito sobre essa atividade: “Art. 28, Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.” Para a doutrina incorporação imobiliária é “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações” (ALMENDANHA. Acesso em: 16.mai.2020.). SABBAG (2015, Pág. 1509) define a incorporação imobiliária como sendo “um negócio jurídico com a finalidade de promover e realizar construção civil voltada para alienação de unidades edificadas autônomas.” Incorporação se trata do instituto jurídico que executa e promove as construções constituídas por unidades autônomas. Trata-se da formalização dos detalhes do novo empreendimento no Cartório de Imóveis. Já a incorporadora é responsável por tornar os projetos viáveis, estudando opções de terreno e ainda verificando aspectos físicos da construção. Podemos observar que a incorporação imobiliária é a atividade de construção de edificações ou conjunto de edificações em unidades autônomas com o objetivo de alienação.   2.2. Definição de Incorporador No art. 29 da lei 4.591/64 encontramos a definição de incorporador: “Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.” O incorporador é quem se compromete a construir e a entregar a cada adquirente, a sua respectiva unidade, dentro de certo prazo e determinadas condições. Sobre esse conceito encontramos divergência pela doutrina, PEREIRA (2018. Pág. 231.) entende que, o conceito da Lei, foi um equívoco do legislador e que a redação do texto deveria ser diferente para explicitar o conceito de incorporador, para ele o conceito deveria ser: “Considera-se incorporador e se sujeita aos preceitos dessa lei toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação total ou parcial de edificação composta de unidades autônomas, qualquer que seja a sua natureza ou destinação.” O incorporador pode ser pessoa física ou jurídica, o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário que assumir a garantia da entrega da obra e desejar vender as unidades, o construtor e o corretor de imóveis. PEREIRA (2018. Pág. 229.) leciona quais são as competências do incorporador e como ele não se confunde com outras pessoas que participam do processo de incorporação, “compete ao incorporador planejar a obra, redigir contratos, obter o projeto arquitetônico, faze-lo aprovar pela autoridade, tudo em termos tais que o edifício se constrói segundo o plano do incorporador, e o condomínio se constitui na forma da minuta por ele redigida.” “Com ele não se confunde as pessoas que contrataram a prestação de serviços, a execução de obras ou o financiamento de materiais ou utilidades integrativas do edifício. Na sua qualidade de incorporador age in nomine suo e por direito próprio. De, pois suportar, como o fundador da S.A., os riscos da sua iniciativa e as responsabilidades do andamento do plano. Tanto maior é a responsabilidade, e tanto mais pessoal é esse risco, quanto é certo que seu negócio de incorporação é lucrativo”. (Idem. Pág. 230). Esse instituto é a figura de direito caracteriza pela sua atividade, que consiste em construir para vender, assumindo para si os riscos do negócio. Cabe ainda comentar que para a doutrina a atividade de incorporador se dá quando a promessa de compra e venda dos imóveis acontecem antes do imóvel estar pronto, sem o habite-se, depois do habite-se se torna um condomínio e se aplicam as regras de um condomínio e este não procederá mais como incorporador. “Aquele que constrói para si mesmo sem a intenção de comercializar não pode ser caracterizado como incorporador, no entanto, se construir e antes da conclusão da obra a expuser a venda, este se converterá em um incorporador”. (Idem. Pág. 233).   2.3. Responsabilidade Tributária das Incorporadoras. Sabemos que na sua grande maioria a incorporação imobiliária é realizada por pessoa jurídica de direito privado, geralmente empresas que por definição própria ou por imposição legal, estão enquadradas no Lucro Real ou Presumido. Estas empresas estão sujeitas ao pagamento de tributos, como impostos e as contribuições sociais. Poderíamos listar aqui diversos tópicos para falar sobre o regime tributário e os tipos de tributos devidos na incorporação imobiliária, mas com o objetivo de delimitar o tema sobre a incidência ou não do ISS na incorporação imobiliária, vamos nos ater somente ao imposto ISS. Como vimos anteriormente o ISS tem a incidência na prestação de serviço de qualquer natureza com exceção nos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação que são tributos de competência Estadual. Ou seja, o fato gerador do ISS é a prestação de serviço que gera a obrigação de fazer. NASCIMENTO (2015. Pág. 137 e 138) diz que, muitas pessoas se equivocam achando que na incorporação imobiliária não teria a incidência do ISS por não estar descrita na lista anexa da Lei n°166/2003, no subitem 7.02, que dispõe sobre a incidência do ISS na construção civil. Ainda, segundo ele a incidência ou não incidência do ISS vai depender do tipo de incorporação a ser realizada. Para complementar com o assunto, encontramos na doutrina uma diferenciação de quando se aplica o ISS e quando não se aplica, o entendimento é de que quando um adquirente realiza um contrato de construção com a incorporadora que também seja construtora ou com a construtora para construir seu imóvel, então sobre essa operação incidirá o ISS, pois trata-se de obrigação de fazer. Situação adversa e que não incide o ISS, é a operação em que o adquirente celebre o contrato de venda ou promessa de venda do imóvel com o incorporador, e nessa construção os riscos e todo o custo da obra a preço global seja do incorporador, neste caso, não há que se falar em incidência do ISS pois juridicamente não estão contratando uma prestação de serviço, obrigação de fazer mas sim uma obrigação de dar de entregar o imóvel pronto. Neste sentido, SABBAG (2015. Pág. 1510) diz que: “(…) o construtor pode ser o próprio incorporador, afastando-se o ISS, no âmbito da mencionada “incorporação direta”. Nesta, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, para depois vender as unidades autônomas por preço que compreende a cota do terreno somada à construção. Enquanto ele assume o risco da construção, obrigando -se a entregá-la pronta, o adquirente objetiva a posterior aquisição da propriedade, mediante o pagamento do preço acordado. Assim, o incorporador não presta serviço de “construção civil” ao adquirente, mas para si próprio. Desse modo, não incide o ISS na incorporação direta, já que não se tem uma prestação de serviços em favor de terceiros (serviço -fim), mas um inequívoco “serviço-meio”, composto de etapas intermediárias cuja realização vai beneficiar o próprio prestador. Portanto, não incide o ISS na incorporação direta, uma vez que tal atividade compõe-se de fases intermediárias realizadas em benefício do próprio construtor, no caso, o incorporador. Esse entendimento já foi pacificado pelo STJ: “não é possível a cobrança do Imposto sobre Serviços na atividade de incorporação imobiliária, quando a construção é feita pelo incorporador em terreno próprio, por sua conta e risco. O entendimento é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o recurso do município de Natal (RN) contra a Empresa de Serviços e Construção Ltda (Escol). Em relação aos tributos, segundo RIZZARDO (2014. pág. 907) a responsabilidade do incorporador vai até a venda das unidades e o devido registro na matrícula do imóvel, ratificando o entendimento de que a atividade de incorporação imobiliária se dá em quanto a construção não está concluída, após sua conclusão o negócio jurídico não poderá mais ser tratado como incorporação imobiliária.   3. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A NÃO ICIDÊNCIA DO ISS Muito já se discutiu e até hoje se discute em nossos Tribunais a respeito da incidência ou não do Imposto sobre Serviços – ISS na incorporação imobiliária. Em diversas situações podemos verificar que os municípios cobram o ISS mesmo em situações que não teria a incidência do mesmo. Traremos neste capítulo algumas jurisprudências sobre essa temática, discutida em diferentes tribunais. Vamos observar que na grande maioria dos julgados além do conjunto fático-probatório a questão saliente dar-se-á na obrigação de “dar” e “fazer”, o tipo de negócio jurídico acordado entre as partes, bem como, a observância da lista de serviços anexa da LC n°116/03 tributados pelo ISS para definir se naquela situação existe ou não existe a incidência do ISS. Verificaremos a seguir algumas jurisprudências sobre a não incidência do ISS na incorporação imobiliária. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. ISSQN. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. REGIME DA CONSTRUÇÃO DIRETA. TERRENO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA DE ISS. RESPONSABILIDADE   SOLIDÁRIA.   NÃO   VERIFICADA. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN possui previsão a nível federal na Lei Complementar nº 116/2003, segundo a qual se trata de imposto que tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador (artigo 1º). A construção civil pelo regime da contratação direta entre incorporador e adquirente das unidades autônomas não constitui fato gerador de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. Ainda, não é possível equiparar a atividade de empreitada com a de incorporação, conforme entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça EREsp nº 884.778/MT. O contexto probatório revela que a parte demandante edificou empreendimento em terreno próprio, atuando como incorporadora de empreendimentos imobiliários. Ou seja, inexiste prestação de serviços no caso concreto a incidir ISSQN. Honorários majorados na forma do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil. APELAÇÃO   DESPROVIDA.   UNÂNIME.(Apelação   Cível, Nº70083681643, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em: 11-03-2020. Acesso em 17-05-2020). No acordão mencionado, verificamos que a controvérsia reside na incidência ou não de ISS pela edificação de empreendimento próprio pelo contribuinte na qualidade de incorporador e a observância da lista anexa da LC n°116/03 na qual não consta a incorporação imobiliária como sendo tributada pelo ISS. Exalta a natureza taxativa da lista de serviços, traz em seu corpo jurisprudência no mesmo sentido, ficando claro que, só existe fato gerador imponível do ISSQN sobre obrigações de fazer específicas na lista de serviços. Cabe comentar que a parte demandante edificou empreendimento em terreno próprio, atuando como incorporadora de empreendimentos imobiliários, não sendo possível ela prestar serviço para ela própria, portanto, a não incidência do ISSQN ficou caracterizada. RECURSO INOMINADO. SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO. ISS. INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA DIRETA. COBRANÇA POR ESTIMATIVA. NÃO INCIDENCIA DO TRIBUTO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA   POR   SEUS   PRÓPRIOS   FUNDAMENTOS.   I. Em observância aos princípios norteadores dos juizados especiais, tais como celeridade, simplicidade, economicidade, entendo que a sentença bem enfrentou a questão, motivo pelo qual deve ser confirmada pelos próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº. 9.099/95. II. O ISS tem como fato gerador a prestação de serviço – por empresa ou profissional autônomo – de serviços descritos na lista de serviços da Lei Complementar nº 116/2003. III. Na Lista de Serviços – Anexo I – da Lei Complementar 116/2003 consta o item 7.02: Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). III. Ou seja, neste rol taxativo, não se encontra prevista a incorporação a preço fixo ou incorporação direta. Na modalidade de incorporação direta, vale dizer, quando o incorporador realiza as obras de construção civil em terreno próprio, não incide o ISS. Se não houver preço, nem mesmo prestação de serviço a terceiro, acaso realizado em próprio benefício, não há base de cálculo, nem fato gerador, pelo que não haverá falar em incidência do imposto. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71008965154, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: José Luiz John dos Santos, Julgado em: 19-02-2020. Acesso em 17-05-2020). No acórdão citado a cima, podemos verificar novamente a discussão sobre o rol taxativo da lista anexa da LC n°116/03, a realização de obra em terreno próprio, realizada para o seu próprio benefício e a não incidência do ISS. Nos traz mais uma vez a lista taxativa dos serviços sobre os quais recai o ISS, além de demonstrar exemplos de incorporadoras e que estas não estão na lista de serviços exemplificados. Sendo assim, se não houver preço, nem mesmo prestação de serviço a terceiro, acaso realizado em próprio benefício, não há base de cálculo, nem fato gerador, pelo que não haverá falar em incidência do imposto. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ISSQN. INOVAÇÃO RECURSAL. INOCORRÊNCIA. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-E. TEMA 810. TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS. ISENÇÃO. 1. O Município de Canela trouxera em contestação a alegação de que é devido ISS no caso, considerando que incorporação-construção também é empreitada. Desacolhimento da preliminar contrarrecursal de inovação recursal. 2. A construção civil, pelo regime de contratação direta entre o incorporador e o adquirente de cada unidade autônoma, não constitui fato gerador do ISS, pois a hipótese configura contrato de promessa de compra e venda e não contrato de prestação de serviço. Inteligência do REsp n. 884778/MT, julgado no dia 22/09/2010, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, restando pacificada a questão. O mesmo julgado ainda assentou que, não obstante a Lista de Serviços Anexa ao Decreto-Lei n. 406/1968 preveja a incidência de ISSQN em relação à execução de obra de engenharia por administração, por empreitada ou subempreitada, não é possível equiparar a atividade de empreitada com a de incorporação. Como a referida lista é taxativa, não se cogita da incidência do tributo. Destaque-se que os precedentes invocados pelo recorrente, segundo os quais incidiria ISS se a alienação das unidades ocorresse anteriormente ao habite-se, referem-se à compreensão antiga do STJ, a qual foi objeto de pacificação no referido julgado em 22/09/2010. 3. Além disso, figura a empresa autora como outorgante em compromissos de compra e venda, evidenciando tratar-se de construção contratada diretamente, não se incluindo no rol de serviços tributáveis por ISS, portanto. 4. Taxa Única de Serviços Judiciais. A contar de 15/06/2015 a prestação de serviços públicos de natureza forense está sujeita ao pagamento de taxa única de serviços judiciais, devida pelas partes ao Estado, por força da Lei nº 14.634/2014. A União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações são isentas do pagamento de Taxa Única de Serviços Judiciais por força do disposto no art. 5º, I, da referida Lei. Acolhimento da irresignação do Município. 5. Aplicável à espécie os índices de correção monetária do IPCA-E, em atenção ao entendimento sufragado pelos Tribunais Superiores no tocante aos consectários legais das condenações impostas à Fazenda Pública. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº70082086109, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 27-11-2019. Acesso em 17-05- 2020). No acórdão supracitado, vamos observar que o julgador cita a lista taxativa de serviços sobre os quais recai a incidência do ISS, demostrando que não há fato gerador deste tributo no relacionamento cliente e incorporadora, mesmo sendo incorporadora-construtora, pois esta realiza um contrato de promessa de compra e venda com seu cliente ou seja obrigação de entregar e não de fazer. Sendo assim a incorporadora absorveu a atividade de construção, concluindo-se que ninguém presta serviço para si mesmo. APELAÇÃO       CÍVEL.       DIREITO       TRIBUTÁRIO.     ISSQN. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. No caso, há incorporação imobiliária. A parte autora agiu por conta própria, construiu em terreno próprio, por sua conta e ordem, conforme seu projeto original, de forma que não prestou serviço a terceiros. Tal situação não se enquadra no previsto no art. 91, § 1º, item 7, subitem 7.02 da LC nº da LC nº 183/2013. Não há prestação de serviço a terceiros, ainda que ocorra a venda de apartamentos na planta, não havendo falar em incidência de ISSQN. Precedentes jurisprudenciais. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº70080815657, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em 29/05/2019). (TJ-RS – AC: 70080815657 RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Data de Julgamento: 29/05/2019, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/06/2019. Acesso em 17-05-2020) No julgado acima mencionado, veremos as características principais da incorporação imobiliária, onde a incorporadora constrói em terreno próprio por sua conta e ordem, executando projeto próprio, de forma a não prestar serviços a terceiros, não havendo assim o fato gerador da incidência do ISS. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. CONSTRUÇÃO PELO REGIME DA   CONTRATAÇÃO   DIRETA.   TERRENO   PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. 1. No EREsp nº 884778/MT, 1º Seção, o STJ pacificou entendimento, no sentido de que a construção civil pelo regime de contratação direta entre o incorporador e o adquirente de cada unidade autônoma não constitui fato gerador do ISS, pois a hipótese configura contrato de promessa de compra e venda e não contrato de prestação de serviço. Mesmo julgado ainda assentou que, não obstante a Lista de Serviços Anexa ao Decreto-Lei nº 406/68 preveja a incidência de ISS em relação à execução de obra de engenharia por administração, por empreitada ou subempreitada, não é possível equiparar a atividade de empreitada com a de incorporação e como a referida lista é taxativa, não se cogita da incidência do tributo, sendo que a Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/03 (incidente no caso), no item 7.02 apresenta similar redação. 2. Prova dos autos a evidenciar que se trata de contratação direta, pois o demandante construiu em terreno próprio, por conta e risco e realizou a venda das unidades autônomas a terceiros por preço global. Ausência de indícios de que o valor despendido com mão- de-obra própria seja desproporcional à construção efetuada,… ônus que incumbia ao Município. 3. Alegação de que houve pagamento a menor do ISS relativo à mão de obra da execução da edificação, em relação ao patamar mínimo estabelecido na legislação municipal, que não encontra amparo na prova produzida. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70081419723, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 29/05/2019).(TJ- RS – REEX: 70081419723 RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Data de Julgamento: 29/05/2019, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/06/2019. Acesso em 17-05-2020). Nesta outra jurisprudência, vemos novamente sendo invocado a lista taxativa do rol de serviços incidentes de ISS da LC n° 116/03, na qual a incorporadora não se enquadra, além de apresentar que construiu em terreno próprio, por conta e risco, não caracterizando o serviço para terceiros, efetuando apenas contrato de promessa de compra e venda e não contrato de serviços com terceiros, descaracterizando o fato gerador do ISS.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a presente pesquisa, podemos constatar o que é o ISS, quais os serviços que estão sujeitos ao imposto, a importância de se observar que na lista anexa da Lei Complementar n. 116/2003 existe um rol taxativo de quais tipos de serviços que terão a incidência do mesmo. Em uma ressalva doutrinária, foi possível observar a evolução sobre o tema do ISS na Constituição Federal. Discutimos sobre o caráter arrecadatório do imposto, e a competência territorial para o pagamento do mesmo. Em um segundo momento, analisando a incorporação imobiliária, compreendemos que a mesma se caracteriza pela atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção com o objetivo da alienação total ou parcial das edificações em conjunto ou compostas de unidades autônomas. Neste mesmo viés, fizemos o estudo da figura do incorporador, para demonstrar o que é o incorporador, quem pode ser incorporador e a diferença em relação a incorporadora e uma construtora. Tivemos a oportunidade de constatar o entendimento jurisprudencial já pacificado no que tange a incorporação imobiliária direta, em construção realizada em terreno próprio por conta e risco do incorporador, no qual o objetivo é a venda das unidades autônomas, fato este que não ocorre a incidência do ISS, porque a finalidade do serviço é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluída e devidamente registradas. Vimos que existe um equívoco da parte de alguns municípios em cobrar o ISS mesmo não sendo devido pois, nesta modalidade a construção civil é simples meio para atingir o objetivo final da incorporação direta, sendo o serviço da construção prestado em proveito próprio, pelo construtor, e não para terceiros, de forma que não há prestação de serviço e, portanto, a não incidência do imposto. Tendo em vista os aspectos observados, longe de se esgotar o tema, com essa sucinta pesquisa percebemos que há a incidência do ISS em um determinado tipo de contratação na incorporação imobiliária. No entanto, outros tipos de pesquisas relacionadas ao tema podem ser realizadas como por exemplo as situações em que a incorporadora na qualidade também de construtora ou a construtora realizem a prestação de serviço a um terceiro em outra cidade que não seja a cidade da sede da empresa, como existe prestação de serviço haverá a incidência do ISS, a pergunta é onde deverá ser pago o imposto? Diante desta possibilidade muitas empresas buscam estabelecer sua sede em cidades com a menor taxa de ISS. A lei nos diz que o imposto é devido no local onde se encontra a sede da empresa e não no local do serviço prestado, porém uma parte da jurisprudência diz que o ISS é devido no local da prestação do serviço, como fica essa situação? Um estudo poderá ser feito para o esclarecimento deste tema.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/analise-sobre-a-nao-incidencia-do-iss-na-incorporacao-imobiliaria/
Gestão tributária municipal como desenlace à crise
O presente artigo objetivou discorrer sobre a gestão tributária municipal como meio para diminuir prováveis impactos devido à pandemia de Coronavírus, tendo-se como base o Direito Tributário. Inicialmente, analisa-se a possibilidade de instituição de um tribunal administrativo tributário municipal; a arbitragem tributária, inclusive o Projeto de Lei n° 4257/2019; a gestão compartilhada de tributos e informações e a atualização da base de cálculo do IPTU pelo sistema de georreferenciamento. Posteriormente, examina-se a visão do pagamento de tributos, objetivando ampliar o pensamento crítico, para que a boa-fé seja presumida. A partir disso, ao longo do artigo são trazidos conceitos e discussões sobre como melhorar a gestão municipal, não apenas para melhorar a arrecadação, mas também a estrutura administrativa e processual municipal.
Direito Tributário
Introdução Na busca por um novo Estado, Getúlio Vargas buscou um aparelho estatal mais eficiente, implantando uma maior racionalidade na Administração Pública com a simplificação, padronização e compra racional de materiais, revisão da estrutura e aplicação de métodos e procedimentos. Junto com demais reformas de 1930, iniciamos o modelo burocrático weberiano no Brasil, supostamente a “melhor maneira” para aumentar a eficiência, eliminar o nepotismo e reduzir a corrupção (BRESSER-PEREIRA, 2009). Possivelmente, experimentamos, no Estado brasileiro, muito mais as disfunções da burocracia do que a burocracia em si. Surge, então, posteriormente, o modelo gerencial, preenchendo um vácuo teórico e prático (ABRUCIO, 1997). A Administração Pública tradicional tem sido desacreditada teórica e praticamente, por isso a adoção de novas formas de gestão pública significou a surgimento de um novo paradigma no setor público (HUGHES, 2003). O gerencialismo (managerialism ou public management) apresenta a Nova Gestão Pública (New Public Management) através de reformas na estrutura do Estado, ocorrendo em países como Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido, há um contraponto a Administração Pública Burocrática. Nesse sentido, podemos diferenciar Administração Pública e gerenciamento público.   O primeiro se refere à forma de administração organizada em níveis hierárquicos (top down), representado pelo formalismo, cumprimento de procedimentos e massificação nos serviços; preocupa-se com o processo, conhecido popularmente como “burocracia”. O segundo, à visão gerencial da Administração Pública, envolvendo o compartilhamento de competências (botton up), metas e serviços customizados, entre outros; preocupa-se como resultado. Destarte, sem pretensão senão a de introduzir o tema, o gerenciamento tributário será analisado como mecanismo de organização da Administração tributária municipal em meio à pandemia. Nessa linha, a gestão tributária considera todo o ambiente, isto é, a ecologia tributária, que envolve as atividades de fiscalização, arrecadação, restituição e atendimento tributários. Como fator externo (exógeno), a Covid-19 influencia fatores internos (endógenos). Como é incerta consequência da pandemia na economia, seja a nível mundial ou nacional, pensar racionalmente a gestão do Estado parece um caminho. Evitam-se casos como o de um Município de Santa Catariana em 2018, em que o ente moveu execução fiscal contra si por uma dívida de IPTU, mas não conseguiu localizar o devedor (o próprio município) nem seus bens[1]. O Município não localizado certamente carece de gerência tributária, pois até a fase de execução fiscal, há um trâmite constituído pelo lançamento, inscrição do devedor em dívida ativa etc. e, ainda assim, houve o ajuizamento e localização “ineficaz” de bens do devedor. Posto isso, a gestão tributária em âmbito municipal, por representar o ente com menor extensão territorial, nos permite analisar de forma quase microscópica seus efeitos.   I. Abordagem teórica Existem vários modelos para medir a eficiência e eficácia da Administração Tributária. A finalidade da Ferramenta de Avaliação e Diagnóstico da Administração Tributária – TADAT[2] é fornecer um meio padronizado de avaliação da situação dos principais componentes do sistema da Administração. São avaliadas áreas de desempenho como o (i) pagamento de tributos dentro do prazo, incluindo o uso de meios eletrônicos e (ii) resolução eficiente de litígios tributários, incluindo o tempo para resolução, entre outras (TADAT, 2019). Avaliar desempenhos, na linha da TADAT, permite uma maior visualização da tributação. Não apenas em termos de arrecadação se consiste uma gestão tributária eficaz, visto se tratar de um “administrar”, não especificadamente uma ação ou um “fazer”. A gestão fiscal responsável encontra no planejamento o principal instrumento para que o gestor público possa cumprir metas e outras determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, Lei Complementar nº 101/2000 (PALUDO, 2013). Em outras palavras, o planejamento é inerente para o cumprimento do objetivo de responsabilidade na gestão fiscal contemplado pela LRF, vejamos: Art. 1° Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. Assim, o planejamento consiste em um estudo prévio à concretização dos fatos administrativos. Com efeito, podem ser previstos riscos, apontadas medidas caso os riscos se concretizem e corrigidas as distorções, assegurando uma maior possibilidade de sucesso dos objetivos determinados. Posto isso, o planejamento tributário é um dos instrumentos mais seguros que um ente dispõe para organizar a administração orçamentária. Dentre as medidas que poderiam ser utilizadas em nível municipal, destacamos: o tribunal administrativo, arbitragem tributária, gestão compartilhada e atualização da base de cálculo do IPTU.   I.I. Do tribunal administrativo É de amplo conhecimento a grande quantidade de processos no Poder Judiciário desencadeando diversos problemas. A digitalização de processos físicos ainda é uma questão delicada nos processos tributários, várias varas não digitalizaram seus processos ou estão caminhando lentamente, precisando inclusive de servidores disponibilizados[3]. Retirar o excesso de peso no Judiciário passa a ser também uma questão a ser revolvida na gestão. Ao instituir um tribunal administrativo municipal, em termos de contencioso administrativo municipal, esperam-se resultados e diligências a fim de evitar processos judiciais, posto que a discussão findou, em tese, com êxito na seara administrativa. Nessa linha, o tribunal estaria voltado a apreciar e julgar a pleitos dos pagadores de tributos contra exigências lançadas pela respectiva Administração Tributária, com o objetivo de reduzir litígios tributários. Temos como exemplo o Tribunal Administrativo de Recursos Tributários – TART instituído pelo Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O TART é um órgão com competência para decidir administrativamente, em segunda instância, as questões de natureza tributária envolvendo o Município de Porto Alegre e os pagadores de tributos. Em direção semelhante, o Distrito Federal – DF, ente que acumula as competências tributárias dos Estados e dos Municípios (ALEXANDRE, 2017), possui o tribunal conhecido como Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais – TARF, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, responsável pela revisão em segunda e última instância administrativa de tributos do DF, além de reconhecimento de benefícios fiscais, regimes especiais e restituição de impostos (HABLE, 2014). A realidade de Porto Alegre e do Distrito Federal não é a mesma dos demais Municípios, talvez a minoria reconheça a necessidade de um tribunal específico. Como pontos positivos da instituição de um tribunal específico, podemos citar a celeridade processual, a economicidade, o conhecimento técnico, a possível não obrigatoriedade da presença de um advogado e, inclusive, a coisa julgada formal nas decisões contrárias à Administração, sem esquecer o disposto no art. 5º, XXXV, da CF, também chamado de cláusula do acesso à justiça (MESQUITA, 2013), a respeito da não afastabilidade do Poder Judiciário. A instituição do tribunal administrativo-tributário, a nosso ver, pode representar significativamente a diminuição de demandas do Judiciário e, principalmente, a celeridade e eficácia da decisão, posto que pouco prospera assegurar o princípio do razoável tempo do processo sem a conformação ou aceitação da decisão pelo contribuinte (DIDIER JUNIOR, 2017). Sobre esse tema, destacamos que a irresignação é intrínseca a quase todo ser humano. Os recursos elencados no rol taxativo no Código de Processo Civil apenas corroboram com a ideia apresentada, não nos cabendo fazer juízos de valor. Com isso, surge a necessidade de julgamento de segunda instância administrativa a ser adotado, a saber, um tribunal administrativo tributário. Se possível, a ser adotado por quase todos os Municípios ou, no mínimo, todas as capitais e cidades como Campinas – São Paulo, que é responsável pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região devido ao seu tamanho, tendo em vista o fracionamento da competência jurisdicional trabalhista (NASCIMENTO, A.; NASCIMENTO, S., 2014). Por outro lado, em âmbito estadual, o processo de criação de um tribunal específico está mais avançado. Muitos Estados possuem um órgão colegiado de julgamento de segunda instância administrativa para solução dos litígios entre os contribuintes e o Fisco Estadual, conhecido como tribunal administrativo tributário, contando com variações no nome.   I.II. Da arbitragem tributária Pela complexidade do sistema tributário brasileiro e da alta carga tributária que recai sobre as pessoas jurídicas, os processos duram anos para transitar em julgado. Abre-se, então, o debate a respeito de método alternativo para resolução de litígios em matéria tributária: a arbitragem. A utilização da arbitragem tributária seria vetor de ampliação da justiça fiscal, no sentido em que haveria a resolução da demanda com isonomia e publicidade caso fossem respeitadas garantias constitucionais. Parece-nos uma alternativa para a gestão, mesmo sabendo que haveria a impossibilidade, ao menos em tese, de renúncia de receita, aspecto receoso para o orçamento. O Projeto de Lei – PL n° 4257, de 2019, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), tem objetivo de modificar a Lei nº 6.830/1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, para instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, nas hipóteses que especifica. O PL teve como justificativa os altíssimos gastos para tentar vencer o imenso volume de processos, tendo as execuções fiscais percentuais relevantes desse custo. No estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), feito em 2011, concluiu-se que o custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional junto à Justiça Federal é de R$ 5.606,67. A recuperação do crédito público é um grande desafio para o Poder Judiciário. Diversos processos estão pendentes de baixa, sendo a execução fiscal fator relevante para a morosidade do Judiciário. Conforme o relatório Justiça em Números[4], divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em 2019, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2018, apenas 10 foram baixados. E, desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia em 8,5 pontos percentuais, passando de 71,2% para 62,7% em 2018. Nessa linha, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências já adotadas, com insucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional, para a localização do devedor ou do patrimônio a fim de satisfazer o crédito tributário. Resta-se clara a relevância de novas formas para evitar o processo judicial, visto que o tempo de giro do acervo desses processos é de 8 anos e 8 meses. Posto isso, é extremamente interessante que o Congresso Nacional passe a discutir e analisar soluções que levem à possível desjudicialização de demandas, em outras palavras: soluções que retirem alguns assuntos que hoje, em virtude da legislação vigente, são de certa forma desnecessariamente judicializados. Passemos a comentar a necessidade ou não de participação do Poder Judiciário, levando em conta se há necessidade de intervenção do juiz para proteger direitos fundamentais do cidadão quando se trata de arbitragem. Deveria a legislação apenas prever o processamento de uma ação caso a intervenção do juiz fosse considerada imprescindível à proteção a um direito fundamental de um cidadão? Em tese, sim. Não obstante, esse não é o caso da execução fiscal dos tributos que são devidos em razão da propriedade, posse ou usufruto de bens imóveis passíveis de alienação ou da propriedade de veículos, previstos nos arts. 145, II e III, 153, VI, 155, III, 156, I, da CF. Além deles, inclui-se no PL a cobrança de contribuições de melhoria e de taxas devidas pela propriedade, posse ou usufruto de imóvel. Para o PL, não há motivo para que a cobrança de tais tributos seja exclusivamente feita por meio da execução fiscal. Nesses processos de execução, não existe necessidade de localizar o bem do devedor, pois a obrigação tributária surge pelo fato deste ser proprietário, usufrutuário ou possuidor de certo bem. A edição de lei autorizando a execução administrativa desses tributos não ofenderia ou retiraria direitos ou garantias fundamentais e procedimento similar, previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, adotado por instituições financeiras, já foi declarado compatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal no RE 408224 AgR (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJe de 30.08.2007). Ainda sobre o tema, a Lei nº 8.009/1990, conforme o art. 3º, IV, expressamente afasta a impenhorabilidade do bem de família em processos de execução fiscal movidos para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar. E, no mesmo caminho, exclui os veículos de transporte da característica de bem de família, perdendo a qualidade de impenhorável. Ou seja, caso o devedor não quite os tributos, a solução legal, que não deve ser afastada pelo magistrado consoante a jurisprudência pátria à luz da legislação, é justamente a alienação dos imóveis ou veículo para quitação da dívida. Como parte final, o PL não representa novidade no ordenamento jurídico brasileiro. O que se pretende, na verdade, é autorizar a Fazenda a optar pelo procedimento regulado nos arts. 31 a 38 do Decreto-Lei nº 70/1966 no qual as instituições financeiras já usam para cobrar dívidas hipotecárias. Segundo o PL, o procedimento arbitral, após julgamento dos embargos, deve permitir a imediata satisfação do crédito. A circunstância de o devedor garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, possibilita que, caso a Fazenda vença o julgamento, possa logo levantar o valor, extinguir a execução e não terá o ônus de procurar bens ou se submeter a alienação de bens imóveis ou demais modalidades de garantia. E, para evitar ônus adicional à Fazenda Pública, o projeto prevê que, se o executado optar pela arbitragem, que deverá ser autorizado pela lei de cada ente, deverá antecipar as custas. Sendo a Fazenda parte vencida, ressarcirá as despesas conforme legislação local e arcará com honorários advocatícios arbitrados em conformidade com o CPC, os quais serão, após definidos, reduzidos pela metade. Os custos com o procedimento arbitral não poderão exceder esse valor. Tem-se, com isso, critério que não deve implicar ônus adicional para a Fazenda caso escolha o procedimento arbitral e seja parte vencida.   I.III. Da gestão compartilhada A respeito da gestão compartilhada, trata-se de  método administrativo em que os colaboradores visam o pensamento estratégico nas tomadas de decisões, em termos tributários, volta-se ao compartilhamento de banco de dados, cadastros e inclusive sistemas, a exemplo do Simples Nacional. A gestão pode ser um avançado meio de arrecadação, fiscalização e cobrança, devendo, por óbvio, ser respeitada a autonomia de cada ente para que não haja subordinação ou sentimento de inferioridade e superioridade, posto que há distribuição de competências. Nessa linha, o compartilhamento de informações por parte das administrações públicas objetiva a maximização da eficácia das atividades (NOVAIS, 2018), dando valora a busca pelo crédito tributário. A Lei municipal nº 14.133/2006 do Município de São Paulo, criou o programa de modernização da administração tributária, objetivando promover a responsabilidade na gestão fiscal através do aumento da eficiência e eficácia na arrecadação municipal. No artigo 6°-A, § 1º, IV, restou reconhecida a atribuição da função federativa aos auditores fiscais municipais, considerando como função federativa o desenvolvimento da gestão compartilhada do cadastro fiscal de pessoas jurídicas de qualquer porte, atividade econômica ou composição societária. Posteriormente, o inciso VI do mesmo artigo também considerou como função federativa o compartilhamento da arrecadação, fiscalização e cobrança de tributos de competência não exclusiva do Município. Tais incisos apenas corroboram o mérito da discussão sobre a gestão, podendo ser ampliado o banco de dados para demais Municípios. O compartilhamento permite ao auditor, no caso, o auditor fiscal municipal, o melhor desempenho de suas atividades.   I.IV. Da atualização da base de cálculo do IPTU Como último item a ser abordado na gestão tributária municipal, indica-se ao Fisco a atualização da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU através do sistema de georreferenciamento. A título de esclarecimento, por georreferenciamento, entende-se o sistema usado principalmente para padronizar a identificação de imóvel rural, sendo feito por meio de um processo de reconhecimento das coordenadas geográficas do local partindo de mapas ou imagens, conforme manual de normas técnicas para o georreferenciamento das propriedades rurais divulgado pelo INCRA em 2003. A atualização em análise não se trata de majoração de tributo, uma vez que, conforme dispõe o Código Tributário Nacional em seu artigo 97, § 2º, não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II (majoração ou redução de tributos), a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. Ratificando o artigo, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 160: “É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”. Posto isso, sabendo que o imposto é calculado com base na propriedade e ela está passível de modificação (reformas/ampliação) com o decurso do tempo, surge à necessidade de fiscalização, a exemplo de drones, para que o Fisco municipal tenha seu sistema frequentemente atualizado e possa cobrar por uma base de cálculo justa e não por uma registrada na década passada. É nessa linha que justificamos a relevância da atualização da base de cálculo do IPTU. Além da atualização da base de cálculo, há um fator referente à alíquota do IPTU. O imposto, que em regra é fiscal, possui uma exceção facultativa relacionada à progressividade no tempo (HARADA, 2017). Essa progressividade ocorre quando o particular não atende a função social da propriedade urbana, conforme o do art. 156,§ 1°, e do art. 182, § 4º, da CF, não promovendo o seu adequado aproveitamento. Resta, então, ao Município, em termos de gestão tributária, aumentar a carga tributária referente ao imóvel. Contudo, a progressividade não deve exceder duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitando a alíquota máxima de 15%, conforme artigo 7º, §1º do Estatuto da Cidade, a fim de não gerar efeito confiscatório previsto no artigo 150, IV, da CF.   I.V. Da mudança de visão Além das medidas apontadas, existe uma visão ou linha de pensamento que deveria ser adotada, que não se restringe apenas ao âmbito municipal. A visão é a mudança da forma de visualizar o pagador de tributos ou o contribuinte. Frequentemente, em uma execução fiscal, pensamos no pagador de tributos como enganador ou um mal a ser combatido. A visão do réu como “errado” se repete nos demais ramos do Direito, principalmente do Direito Penal (a ideia se semelha à do inquérito policial). Nessa linha, os réus no processo penal são considerados inocentes e assim deve ser no processo tributário, uma presunção de “inocência”, que não necessariamente deve durar até o trânsito em julgado, mas que seja a condição inicial. A presunção de boa-fé deveria ser posta em primeiro lugar, afastando a possibilidade enrustida de não colaboração com a Fazenda, especialmente pela situação econômica que será encontrada após a pandemia. Certamente, não serão todos os futuros executados que tiveram a intenção de não pagar, a título de evasão fiscal. Pelo contrário, o não pagamento pode ter sido causado efetivamente pela falta de dinheiro, o superendividamento tem grande probabilidade de estar presente na vida de muitos brasileiros nos meses seguintes. A título de aprofundamento, por essa razão, acertadamente, a União prorrogou o prazo para a entrega da declaração do Imposto de Renda referente ao exercício de 2020, exercício de 2019, conforme Instrução Normativa RFB n° 1930/2020. Com a prorrogação, a declaração pode ter sido feita com mais calma, colocando em segurança, além do contribuinte, os profissionais envolvidos, como contadores. Por dedução, ela também se baseou na estabilidade emocional/financeira do pagador de tributos, visto que vários empregados foram demitidos e obviamente foram pegos de surpresa. Com isso, a prorrogação pode ser uma linha a ser adotada pelos Municípios, por exemplo, no IPTU ou IPVA a ser pago em 2021, por exemplo. Já que citamos o IPVA, os motoristas de aplicativo são (talvez sempre foram) uma categoria formada por pessoas transitórias, entre idas e vindas. Ao realizar buscas pelo RENAJUD, sistema on-line de restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça, e determinar a proibição de circulação, poderá significar perder a única fonte de renda de um núcleo familiar. Não estamos falando sobre anistia, mas uma visão individual e sensível. Cuida-se, portanto, de uma nova visão a ser adotada tendo em vista a situação atual vivida e a que virá.   Conclusão A Administração não é puramente uma máquina arrecadatória, mesmo durante a pandemia de Coronavírus. O objetivo não é arrecadar mais, porém, tecnicamente falando, arrecadar melhor; podendo ser justificado pela gestão tributária não se preocupar, em fase inicial, em estudar criação de tributos e, sim, administrar os já existentes. Entendemos que a maior tarefa é prestação de serviços ao pagador de tributos. O aumento da arrecadação deve ser um processo contínuo, consistindo pela eficácia dos meios de cobrança e investimento tecnológicos necessários. Para tanto, o investimento financeiro é imprescindível, e o impacto nos cofres públicos, aparentemente, mínimo quando comparado ao dinheiro que será revertido. Cabe-nos ressaltar que as adaptações e soluções para a gestão variam para cada Município, pois a situação econômica varia conforme a região do país e a forma como eles lidarão economicamente após a pandemia é singular. Não há recursos tecnológicos ou técnicas de gestão que farão a arrecadação aumentar imediatamente e essa não é a proposta. A população é a primeira camada a sofrer com o recesso econômico e uma alta carga tributária pouco ajudaria a lidar da melhor forma. É nessa linha que a definição da base imponível deve buscar uma justa exação, sem exagero ou transbordamento, não obstante sem reduzir ou suprimir para não desvirtuar o tributo e gerar injustiça fiscal (SILVA; PEREIRA, 2016). Deve-se ter em mente que uma inconsistente gestão tributária possibilita inadimplências, informalidades, fraudes e até sonegações fiscais, refletindo na falta de receitas necessárias para a concretização de políticas pública.
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Imunidade Tributária e as Entidades Beneficentes de Assistência Social: a (In)Constitucionalidade do CEBAS
Este trabalho aborda o conceito de imunidade tributária. Em específico, trata das imunidades outorgadas às instituições beneficentes de assistência social quanto aos impostos de qualquer natureza e às contribuições para a seguridade social, bem como suas condicionantes materiais e formais, entre as quais se insere a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS). Diante da polêmica constitucionalidade desta Certificação e do resultado do julgado do Recurso Extraordinário nº 566.622 pelo Supremo Tribunal Federal, propõe a desnecessidade do seu requerimento para o reconhecimento das imunidades aludidas, desde que demonstrado, por outros meios, o cumprimento dos requisitos previstos em lei complementar.
Direito Tributário
Introdução Tributo é uma das formas que o Estado possui para obter recursos destinados a financiar suas atividades. Poder de tributar é o direito do Estado de intervir no patrimônio dos cidadãos a fim de obter os recursos necessários a viabilizar suas finalidades. No âmbito do Direito Financeiro, segundo doutrina de Aliomar Baleeiro, “(…) para auferir o dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais”[2]. De acordo com o autor, esses meios universais assumem grau maior ou menor de importância segundo a época e as contingências experimentadas pelos Estados. Correspondem a tais meios: a) as extorsões sobre outros povos ou as doações voluntárias deles recebidas; b) o recolhimento das rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) a exigência de tributos ou penalidades com uso da coação; d) a atitude de tomar ou forçar empréstimos; e) a fabricação de dinheiro metálico ou de papel[3]. No Estado Social de Direito, a tributação é funcional, isto é, a competência tributária é assegurada como instrumento para a garantia dos direitos sociais. Esta noção pode ser extraída do artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “Artigo 13º – Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades[4]. Nesse sentido, contribuir é um aspecto de exercício da cidadania. É um dever e, ao mesmo tempo, um direito. Nas palavras de Leandro Paulsen, há um “dever fundamental de pagar tributos”[5] e, ainda, “(…) a tributação, em Estados democráticos e sociais, é instrumento da sociedade para a consecução de seus próprios objetivos”[6]. Se a tributação é inevitável, ela deve ser justa e observar os limites ao poder de tributar. Tais limitações estão previstas constitucionalmente, na legislação infraconstitucional ou derivam de princípios considerados implícitos no ordenamento jurídico. Princípios, regras, além de imunidades e a própria competência tributária são limitações a esse poder. É importante considerar as imunidades e demais limitações ao poder de tributar como garantias fundamentais, a fim de atribuir-lhes a roupagem de cláusulas pétreas, nos moldes do artigo 60, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Com efeito, o Supremo Tribunal Federal declarou que essas limitações constituem cláusulas pétreas, em caso no qual foram analisadas as imunidades dos templos de qualquer culto (artigo 150, VI, “b”, CRFB), sobre livros, jornais e periódicos (artigo 150, VI, “d”, CRFB), e das entidades sindicais (art. 150, VI, “c”, CRFB)[7]. Essas limitações, quando respeitadas, acabam por revestir de constitucionalidade e legitimidade a cobrança de tributos pelos entes estatais.   As imunidades consistem em obstáculos constitucionais ao poder de tributar. O texto constitucional confere a competência tributária, mas, ao mesmo tempo, impõe sua limitação quando configurados certos pressupostos. Sobre o tema, Roque Antonio Carrazza propõe que, a partir do momento em que promulgada a CRFB, as pessoas políticas não mais detêm o poder de tributar, mas apenas a competência tributária: “Poder tributário tinha a Assembleia Nacional Constituinte, que era soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a mesma Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal”[8]. As imunidades foram estabelecidas pelo poder constituinte com o objetivo de resguardar valores tidos por fundamentais. Entre os valores protegidos pela CRFB, é possível apontar o equilíbrio federativo, a liberdade política, religiosa, de associação, de pensamento e de expressão. Conforme ensinamento de José Souto Maior Borges, elas servem a “(…) assegurar certos princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livres das interferências ou perturbações da tributação”[9]. As imunidades, portanto, são instituto caracterizado por diversas concepções doutrinárias. São forma de limitação ao poder de tributar ou limitação à competência tributária, a depender do posicionamento adotado. Para alguns autores, correspondem a normas declaratórias da incompetência das pessoas políticas para a instituição de tributos. Nesse sentido, Paulo Barros de Carvalho afirma que as imunidades constituem: “(…) classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”[10]. Para outros autores, são regras jurídicas de categoria superior que impedem a incidência da lei tributária. É o que aduz Hugo de Brito Machado: “Pode ainda ocorrer que a lei de tributação esteja proibida, por dispositivo da Constituição, de incidir sobre certos fatos. Há, neste caso, imunidade. A regra constitucional impede a incidência da regra jurídica de tributação. Caracteriza-se, portanto, a imunidade pelo fato de decorrer de regra jurídica de categoria superior, vale dizer, de regra jurídica residente na Constituição, que impede a incidência da lei ordinária de tributação”[11]. O presente trabalho adota o conceito de imunidade como norma negativa de competência. Nessa linha, Leandro Paulsen leciona: “As regras constitucionais que proíbem a tributação de determinadas pessoas, operações, objetos ou de outras demonstrações de riqueza, negando, portanto, competência tributária, são chamadas de imunidades tributárias. Isso porque tornam imunes à tributação as pessoas ou base econômicas nelas referidas relativamente aos tributos que a própria regra constitucional negativa de competência específica”[12]. As imunidades possuem sede exclusiva no texto constitucional. Como é a CRFB que confere a competência tributária, somente ela pode estabelecer as imunidades. Todavia, embora apenas o texto constitucional possa fixá-las, cabe à lei complementar regulamentá-las, na forma do artigo 146, II, da CRFB: “Cabe à lei complementar: (…) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”[13]. Há, no texto constitucional, duas previsões de imunidade para instituições de assistência social e entidades beneficentes. A primeira delas recai sobre impostos e é estabelecida no artigo 150, VI, “c”, da CRFB: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”[14]. Esta imunidade é considerada genérica pela Suprema Corte, pois nega a competência para instituição de impostos de qualquer natureza. Também é compreendida como imunidade subjetiva, na medida em que é outorgada em função da pessoa, isto é, em função do sujeito beneficiado[15]. A segunda imunidade refere-se às contribuições para a seguridade social, também chamadas de contribuições previdenciárias. Ela está prevista no artigo 195, § 7º, da CRFB: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social; III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (…) § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”[16]. Apesar de o dispositivo constitucional utilizar a expressão “são isentas”, a hipótese em comento é de imunidade. Tecnicamente, a isenção deriva de disposição legal e consiste em benefício fiscal que pressupõe a existência de competência tributária e o seu exercício. Uma vez instituído o tributo, a isenção provoca a desoneração de determinado contribuinte ou operação e depende sempre de fonte legal[17]. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal declarou que a previsão não se trata de benefício fiscal, mas de verdadeira imunidade[18]. Ademais, no Recurso Extraordinário nº 636.941, decidiu que “A isenção prevista na Constituição Federal (art. 195, § 7º) tem o conteúdo de regra de supressão de competência tributária, encerrando verdadeira imunidade”[19]. Esta última imunidade diz respeito às contribuições da seguridade social, abrangendo todas aquelas instituídas no exercício da competência do artigo 195, I a IV, da CRFB, e também as instituídas no exercício da competência residual outorgada pelo § 4º do mesmo dispositivo. Desse modo, é aplicável às contribuições previdenciárias, PIS e COFINS (inclusive de importação) e contribuição social sobre o lucro. Não abrange, porém, as contribuições destinadas a terceiros[20]. Referida imunidade é entendida como condicionada, vez que há remissão expressa, no texto constitucional, a condições ou requisitos estabelecidos pela lei. A depender da existência ou não de remissão, na CRFB, à existência de condicionantes na legislação infraconstitucional, as imunidades são classificadas em condicionadas ou incondicionadas[21]. Via de regra, é reconhecida a autoaplicabilidade das imunidades, enquanto normas negativas de competência de tributar. Relativamente às imunidades que exigem regulamentação (condicionadas), o entendimento da doutrina também é no sentido da autoaplicabilidade. Nessa linha, é a compreensão de Regina Helena Costa: “Se (…) a norma constitucional acolhedora da imunidade tributária qualificar-se como de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passível de restrição, estar-se-á diante de uma imunidade condicionável aos termos da lei complementar. Preferimos o termo ‘condicionável’ ao vocábulo ‘condicionada’, comumente utilizado pela doutrina, porque, como afirmamos anteriormente, a imunidade tributária não se abriga em normas constitucionais de eficácia limitada, que demandam, necessariamente, a intervenção do legislador infraconstitucional (…) Em decorrência desse raciocínio, a eventual hipótese de omissão legislativa não implicará a inviabilização da fruição da exoneração fiscal”[22]. Entretanto, em sentido contrário ao alinhavado pela doutrina, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o revogado artigo 153, § 2º, II, da CRFB, considerou possível a retenção de imposto de renda na fonte sobre os proventos dos aposentados com mais de 65 anos, com renda constituída exclusivamente de rendimentos de trabalho, até que surgisse lei fixando os termos e limites da imunidade[23].   Instituições de assistência social são aquelas que desenvolvem uma das atividades descritas no artigo 203 da CRFB: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”[24]. Esta definição se encontra refletida nos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.742/1993, que dispõem sobre a organização da assistência social[25]. Essas instituições auxiliam o Estado na realização de necessidades básicas em favor da população. Até 27/11/2008, necessitavam de certificação conferida pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Após a edição da Lei nº 12.101/2009, com as alterações pelo Decreto nº 8.242/2013, passaram a depender de certificados concedidos pelo respectivo Ministério da área de atuação. Em razão da burocracia, elas enfrentam dificuldades para conseguir o reconhecimento do governo como entidades prestadoras de serviços nas áreas da assistência social. É o que argumenta Maria Rejane Bitencourt Machado: “Estas entidades, por serem de fins não econômicos, têm por natureza imunidade tributárias de impostos. Depois de preenchida uma série de requisitos passam a gozar de isenções de contribuições previdenciárias, onde uma das principais condições é o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, aquele que anteriormente era conferido pelo CNAS e agora será deferido ou não pelos respectivos Ministérios, conforme as respectivas áreas de atuação. Por esta razão acabam se tornando alvo da fiscalização que busca valores para compor os cofres públicos, geralmente deficitários e, igualmente, para verificar o cumprimento, por parte das EBAS, das ações sociais por elas desenvolvidas, bem como dos demais aspectos legais inerentes à certificação”[26]. Há quem proponha que as entidades de assistência social constituem gênero, do qual as entidades beneficentes de assistência social e as entidades filantrópicas são espécies. Segundo essa linha argumentativa, entidade beneficente é aquela que dedica parte de suas atividades ao atendimento gratuito da população vulnerável. A entidade filantrópica, por sua vez, é a que atua em prol das pessoas carentes de modo gratuito e universal, com manutenção exclusiva a partir de doações[27]. Este estudo concentra seu objeto nas entidades beneficentes de assistência social, compreendidas como aquelas dependente do reconhecimento governamental por meio da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS), que fazem jus, nesta condição, às imunidades constitucionais em relação aos impostos e também às contribuições para a seguridade social, referidas nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, ambos da CRFB. Para o reconhecimento da atuação beneficente de assistência social, o ordenamento jurídico não exige filantropia. Pode haver atividade econômica rentável, mas é vedada a finalidade lucrativa. Dito de outro modo, é possível que a atividade seja financiada a partir de outras trabalhos remunerados, desde que as receitas sejam aplicadas apenas para os objetivos da instituição. Assim, não se pode confundir a finalidade beneficente ou assistencial com a ausência de superávit, o qual é permitido e até mesmo desejável, a fim de possibilitar a ampliação do escopo das atividades desempenhadas. No entanto, todos os resultados devem ser revertidos o desempenho de suas finalidades[28]. O caráter assistencial depende da natureza da atividade que constitui o objeto social dessas entidades. Em sentido estrito, ele advém do desempenho das finalidades previstas no artigo 203 da CRFB, já mencionado. Em sentido amplo, o Supremo Tribunal Federal considera assistenciais também as atividades voltadas à educação e à promoção ou à recuperação da saúde[29]. Como visto, o artigo 146, II, da CRFB, exige a lei complementar para a disciplina das limitações ao poder de tributar, enquanto os artigos 150, VI “c” e 195, § 7º, mencionam apenas os requisitos e as exigências da lei. Nas hipóteses em que a regulamentação de uma imunidade é expressamente exigida pelo texto constitucional, há controvérsia quanto ao instrumento adequado para a sua veiculação. O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, declarou que, quando o texto constitucional refere-se à lei, esta é a lei ordinária, porquanto a lei complementar deve ser requerida expressamente[30]. No que toca à discussão em exame, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 428.815-0, a Corte entendeu que as condições materiais para o gozo de imunidade, como o modo beneficente de atuação das entidades de assistência social, são matéria reservada à lei complementar, por força do art. 146, II, da CRFB. De outro lado, os aspectos meramente procedimentais, referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo, como a obtenção da Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), podem ser disciplinadas pela lei ordinária[31]. É o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66) que regulamenta a matéria no nível de lei complementar, considerando que foi recepcionado, nesta condição, pela ordem constitucional[32].  No âmbito da legislação ordinária, a matéria é disciplinada pela Lei nº 8.212/1991. O artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe sobre a imunidade genérica a impostos de entidades beneficentes de assistência social e exige, como condicionantes materiais, a não distribuição de parcela de patrimônio e rendas a qualquer título; aplicação integral no país dos seus recursos para conservação dos objetivos institucionais; manutenção de escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão: “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos”[33]. É preciso observar que o dispositivo trata expressamente da imunidade quanto aos impostos, nada dispondo sobre a imunidade quanto às contribuições para a seguridade social. Em relação a estas, portanto, a sua aplicação decorre de analogia. No âmbito da legislação ordinária, o artigo 55 da Lei nº 8.212/1991 trazia condicionantes específicas para o reconhecimento da imunidade sobre as contribuições à seguridade social das entidades beneficentes de assistência social: “Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II – seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; III – promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente, ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades”[34]. Em análise de embargos de declaração opostos contra o acórdão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.622, o Supremo Tribunal Federal acabou por declarar constitucional o artigo 55, II, da Lei nº 8.212/1991 e reconhecer a legitimidade da exigência da Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social: “Decisão: O Tribunal, por maioria, acolheu parcialmente os embargos de declaração para, sanando os vícios identificados, i) assentar a constitucionalidade do art. 55, II, da Lei nº 8.212/1991, na redação original e nas redações que lhe foram dadas pelo art. 5º da Lei nº 9.429/1996 e pelo art. 3º da Medida Provisória n. 2.187 -13/2001; e ii) a fim de evitar ambiguidades, conferir à tese relativa ao tema n. 32 da repercussão geral a seguinte formulação: “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas”, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber, Redatora para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 18.12.2019”[35]. Aludida decisão foi tomada em plenário em 18/12/2019 e a ata de julgamento foi publicada e divulgada em 31/01/2020. Ocorre que a Lei nº 12.101/2009 revogou o artigo 55 da Lei nº 8.212/1991 e ampliou os requisitos necessários ao reconhecimento da imunidade e ao processo de certificação das entidades beneficentes de assistência social, trazendo verdadeiras condicionantes materiais. Entre os dispositivos sobre o assunto, está o artigo 29 da Lei nº 12.101/2009: “Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos: I – não percebam, seus dirigentes estatutários, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto; VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial; VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária; VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. § 1º A exigência a que se refere o inciso I do caput não impede: I – a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; II – a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal. § 2º A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 1o deverá obedecer às seguintes condições: I – nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e II – o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo. § 3º O disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho”[36]. Não obstante, à luz dos argumentos esposados no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.622, na linha da tese vencedora proposta pelo Ministro Marco Aurélio, as disposições da referida legislação são formalmente inconstitucionais e a exigência de CEBAS para o reconhecimento do direito à imunidade é, ao mínimo, controversa.   No julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.622, o Supremo Tribunal Federal inicialmente fixou a tese de que: “Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar” (Tema nº 32 de repercussão geral)[37]. Contudo, em análise de embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional, o plenário da Corte decidiu pela constitucionalidade do artigo 55. II, da Lei nº 8.212/1991, na redação original e nas redações dadas pela Lei nº 9.429/1996 e pela Medida Provisória nº 2.187-13/2001, bem como modificou a tese anteriormente fixada para a seguinte: “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas”[38]. Portanto, ainda que prevista em lei ordinária, a exigência da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS) como requisito para o gozo da imunidade tributária em relação às contribuições para a seguridade social foi considerada constitucional pela Corte. Após o exame dos embargos declaratórios, foi firmado entendimento de que a lei ordinária pode dispor sobre aspectos formais, como a certificação, fiscalização e controle das entidades beneficentes, denominados, pelo Supremo Tribunal Federal, de meramente procedimentais, entre os quais estaria inserida a exigência de CEBAS. A decisão acaba por vulnerar o exercício de direito à imunidade por tais entidades, além de configurar contradição com a tese anteriormente fixada no próprio julgado, no sentido de que apenas a lei complementar poderia estipular condicionantes para o gozo das imunidades. Isso porque a mencionada Certificação, na forma estabelecida pela legislação ordinária, não possui caráter meramente procedimental. Atualmente, ela somente é concedida se atendidos os requisitos elencados pela Lei nº 12.101/2009. A título exemplificativo, para fazer jus à certificação, segundo a legislação, as entidades atuantes na área de saúde devem “(…) ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento)”[39]. As entidades de educação devem “(…) conceder anualmente bolsas de estudo na proporção de 1 (uma) bolsa de estudo integral para cada 5 (cinco) alunos pagantes”[40]. Entidades de assistência social devem realizar “(…) acolhimento institucional provisório de pessoas e de seus acompanhantes, que estejam em trânsito e sem condições de autossustento, durante o tratamento de doenças graves fora da localidade de residência”[41]. A lei ordinária, de acordo com a tese firmada pela própria Suprema Corte, não pode estabelecer requisitos adicionais, não previstos no texto constitucional ou na lei complementar para obstaculizar o exercício da imunidade. Nesse sentido, foi o posicionamento adotado pelo Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário nº 566.622, cujo voto foi considerado vencedor na ocasião: “Da necessidade de interpretar teleologicamente as imunidades tributárias, amplamente reconhecida pelo Supremo como meio ótimo de realização dos valores e princípios subjacentes às regras imunizantes, resulta o dever corolário de interpretar estritamente as cláusulas restritivas relacionadas, inclusive a constitucional. Daí advém a reserva absoluta de lei complementar, conforme o artigo 146, inciso II, da Carta de 1988, para a disciplina das condições referidas no § 7º do artigo 195 (…) Cabe à lei ordinária apenas prever requisitos que não extrapolem os estabelecidos no Código Tributário Nacional ou em lei complementar superveniente, sendo-lhe vedado criar obstáculos novos, adicionais aos já previstos em ato complementar. Caso isso ocorra, incumbe proclamar a inconstitucionalidade formal. Revelada essa óptica, cumpre assentar a pecha quanto ao artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, revogado pela Lei nº 12.101, de 2009”[42]. As disposições da Lei nº 12.101/2009, mormente no que diz respeito ao processo de certificação de CEBAS, não se limitam a aspectos procedimentais ou formais. Há a exigência do cumprimento de relevantes condicionantes materiais, em franca contrariedade ao estabelecido no artigo 146, II, da CRFB, e à tese inicialmente delineada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 32 da repercussão geral. Como salientado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 237.718 em 29/03/2001, a posição jurisprudencial que vem sendo construída pelo Supremo Tribunal Federal é “(…) decisivamente inclinada à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade (…)”[43]. Apesar do resultado final do julgado, o Ministro Marco Aurélio também consignou a importância de solucionar o aparente conflito entre as normas analisadas no Recurso Extraordinário nº 566.622 a partir de uma interpretação teleológica: “Os precedentes revelam, de modo inequívoco, a linha metodológica do Tribunal – a interpretação teleológica das imunidades. É importante destacar a necessidade permanente de compatibilizar a abordagem finalística das imunidades com o conjunto normativo e axiológico que é a Constituição. Com a Carta compromissória de hoje, existe uma variedade de objetivos opostos, estabelecidos em normas de igual hierarquia. Nesse âmbito de antinomias potenciais, o elemento sistemático adquire relevância prática junto ao teleológico”[44]. Entre a doutrina, Ives Gandra Martins propõe que, tanto em relação à imunidade do artigo 150, VI, “c” da CRFB, como no que tange à imunidade do artigo 195, § 7º, da CRFB, é a lei complementar que deve estipular as condicionantes para o seu exercício, sob pena de supressão das finalidades almejadas pelo texto constitucional: “A fim de evitar, o constituinte, que tal perfil da Administração, que tem conformado os gestores públicos e os governantes neste século, venha a inviabilizar atividades e pessoas, cuja colaboração com as finalidades superiores do Estado resta evidente, impondo tributação indesejável, tornou tais pessoas, atividades e situações imunes, afastando qualquer espécie de incidência por impostos, no artigo 150, inciso VI (…) a lei a que faz referência o constituinte, para as entidades de assistência social, é sempre a lei complementar. Tanto no direito anterior, como no atual,  menciona, a Constituição, a lei, mas tal lei é a lei complementar. (…) se fosse, o constituinte, deixar ao alvedrio do Poder Tributante, a colocação dos requisitos necessários para o gozo da imunidade, à evidência, poderia ser criado tal nível de obstáculos que a imunidade constitucional, na prática, seria eliminada. Seria letra morta. Sem valia. (…) Ora, ao cuidar, o § 7º do art. 195, da mesma espécie de instituições de assistência social, para gozo da imunidade, não só em nível de impostos, mas também de contribuições sociais, fez idêntica referência de submissão à lei. Desta forma, por ser idêntica hipótese, a lei de que fala é a lei complementar, que é lei nacional –não da União, mas da Federação– para efeitos de normas gerais de direito tributário”[45]. Na linha da jurisprudência adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o aspecto finalístico das imunidades deve ser considerado em qualquer aplicação ou interpretação do alcance de suas condicionantes. Quanto a esse ponto, é relevante o ensinamento de Rogério Tobias Carvalho: “Impende salientar que, embora a imunidade seja subjetiva, direcionando-se de forma imediata às instituições de assistência social, mediatamente, ela protege as pessoas amparadas por tais instituições beneficentes. Os verdadeiros destinatários da garantia da norma constitucional não são as pessoas jurídicas, que não são um fim em si próprias, mas sim os carentes por ela assistidos, os quais fazem parte do imenso tecido social mais pobre da população. Com isso, pode-se afirmar que sua base de sustentação maior está na importante missão de proteger, cercar o ser humano do mínimo vital indispensável à existência digna, através de ações de assistência social, impedindo que o exercício do poder tributário o aniquile ou embarace o funcionamento dessas entidades”[46]. Nesse sentido, uma interpretação teleológica e sistemática da finalidade das imunidades trazidas pelo texto constitucional nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, permite apreender que os destinatários finais dessas garantias não são apenas as pessoas jurídicas, mas a população hipossuficiente beneficiada pelas atividades de assistência social. Também é importante perceber que os benefícios se respaldam na atuação dessas entidades em áreas nas quais a presença estatal é inexistente ou insuficiente. Diante dessas balizas interpretativas, a Lei nº 12.101/2009, enquanto lei ordinária, ao criar requisitos não previstos na legislação complementar, tampouco no texto constitucional, é formalmente inconstitucional. Os requisitos legais nela estabelecidos, para o reconhecimento do caráter beneficente e assistencial das entidades, em face da inconstitucionalidade formal, não persistem. Sobre este ponto, novamente, são pertinentes os ensinamentos de Ives Gandra Martins: “Nenhuma lei ordinária de qualquer poder tributante pode criar requisitos adicionais, impondo ônus que o constituinte deliberadamente quis afastar. Todos os requisitos acrescentados ao restrito elenco do artigo 14 são inconstitucionais, em face de não possuir o Poder Tributante, nas 3 esferas, nenhuma força legislativa suplementar. Apenas a lei complementar pode impor condições. Nunca a lei ordinária, que, no máximo, pode reproduzir os comandos superiores”[47]. Por conseguinte, é o artigo 14 do CTN, este recepcionado pela CRFB como lei complementar, que deve fixar os requisitos para o reconhecimento, tanto da imunidade prevista no artigo 150, VI, “c” da CRFB, como da imunidade do artigo 195, § 7º, da CRFB, por analogia, considerando a ausência de legislação complementar específica. De acordo com o referido dispositivo, a entidade beneficente é aquela sem fins lucrativos, atuante no campo da assistência social, por meio do auxílio do poder público no atendimento a necessidades básicas da população, com aplicação integral de recursos no país para a manutenção do objetivo social e conservação de escrituração regular de receitas e despesas. A apresentação de documentos como estatuto social, escrituração contábil, declaração de utilidade pública outorgada pelos entes federados, entre outras provas que atendam aos preceitos do CTN, é suficiente para que a entidade demonstre fazer jus às imunidades. Além disso, os requisitos estipulados no artigo 14 do CTN satisfazem, plenamente, o controle de legitimidade dessas entidades pelo órgão competente, qual seja a Receita Federal do Brasil. O § 1º do mencionado artigo estabelece, inclusive, a suspensão automática do benefício caso atestada a inobservância dos parâmetros nele definidos: “Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício”[48]. Por fim, é importante destacar que as imunidades relativas a determinadas pessoas, tais quais as hipóteses em comento, não dispensam o seu titular do dever de cumprir obrigações tributárias acessórias, como prestar declarações e emitir documentos. As obrigações acessórias possuem caráter instrumental e prestam-se a auxiliar o fisco. Também não impedem a sujeição a obrigações na qualidade de substituto ou responsável tributário[49].   Conclusão Este trabalho abordou o conceito do poder de tributar e também algumas das concepções doutrinárias sobre o instituto das imunidades tributárias. Para os fins propostos no estudo, foi adotado o conceito de imunidade como norma negativa de  competência tributária. Na sequência, o artigo tratou das imunidades previstas nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, da CRFB, a fim de expor a controvérsia acerca da exigência de lei complementar ou lei ordinária para a fixação de condicionantes ao seu exercício. Em vista dos fundamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.622, foi sustentada a inconstitucionalidade formal da Lei nº 12.101/2009 e da exigência de CEBAS para o reconhecimento do direito às aludidas imunidades quanto às entidades beneficentes de assistência social. Em ambas as hipóteses imunizantes discutidas, há dois requisitos a serem preenchidos pelas entidades beneficiadas. O primeiro deles é constituir-se como entidade atuante nas áreas do artigo 203 da CRFB ou nas áreas de educação e promoção ou recuperação à saúde, consoante delineado pelo Supremo Tribunal Federal[50]. O segundo requisito é o cumprimento das exigências estabelecidas em lei. Este trabalho expôs que a definição do alcance do segundo requisito deve observar a sistemática do texto constitucional e a teleologia das imunidades em discussão. Em se tratando de entidades beneficentes de assistência social, o fundamento constitucional que justifica a existência das regras imunizantes é a garantia de realização de direitos fundamentais sociais. Os destinatários mediatos desses benefícios são as parcelas mais vulneráveis da população, que dependem dos serviços prestados nas respectivas áreas de assistência. Como defendido, não é dado ao legislador ou ao aplicador do direito assumir qualquer premissa no sentido de condicionar ou restringir a norma que imuniza para além das previsões contidas na própria previsão constitucional ou em lei complementar. As exigências legais que dizem respeito à própria entidade, extrapolando aspectos meramente formais, são sempre normas de regulação e, portanto, devem ser veiculadas em lei complementar, na forma do artigo 146, II, da CRFB. O desrespeito desta regra representa a inconstitucionalidade formal do dispositivo. Diante da ausência de legislação complementar específica, é o artigo 14 do CTN que estabelece tais condicionantes em relação à imunidade do artigo 150, VI, “c”, da CRFB, e, por aplicação analógica, quanto à imunidade do artigo 195, § 7º, da CRFB. Os requisitos nele estabelecidos são suficientes para que a autoridade competente (Receita Federal do Brasil) ateste a legitimidade das entidades, podendo, em todo caso, suspender o benefício, caso comprovado o descumprimento, na forma do seu § 1º. Cabe, então, à lei ordinária, limitar-se a prever parâmetros objetivos, que não ultrapassem aqueles previstos na CRFB e no CTN ou em lei complementar superveniente, a fim de estabelecer o procedimento necessário ao reconhecimento do direito, vedada a criação de obstáculos adicionais à sua fruição. A Lei nº 12.101/2009, sob o pretexto de disciplinar aspectos procedimentais, restringiu o alcance subjetivo da regra constitucional, instituindo condicionantes prévias ao reconhecimento do direito. Por tal motivo, em face do artigo 146, II, da CRFB, e também da interpretação sistemática do texto constitucional e da teleologia das normas imunizantes, deve ser reconhecida a sua inconstitucionalidade formal. Enquanto inexistente regramento jurídico a substituir o relativo à CEBAS, deve ser reconhecida a imunidade tributária da entidade que apresente comprovação do desempenho da atividade beneficente de assistência social, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 14 do CTN.
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Os Critérios Diferenciadores Entre a Mera Inadimplência do ICMS Recolhido em Operações Próprias e a Apropriação Indébita Decidida pelo STF no RHC 163.334
O enunciado da tese firmada pelo STF no RHC 163.334 terá repercussões relevantes no meio empresarial, na situação financeira dos cofres públicos estaduais e no próprio Poder Judiciário visto que houve a criminalização do não recolhimento do ICMS apurado em regime próprio quando ocorrer de forma dolosa e contumaz. Há  diferenças entre os julgados do STF e o proferido no HC 399.109 pelo STJ que tratam do mesmo tema. Os requisitos para a configuração do crime de apropriação indébita e sua diferenciação da conduta do mero inadimplemento são o tema do presente artigo.
Direito Tributário
Introdução A configuração da apropriação indébita tributária  sempre causou divergências no meio doutrinário e jurisprudencial, principalmente, em relação aos impostos envolvidos e  à sujeição ativa do crime previsto no art. 2º II da Lei 8.137/90 O julgamento do HC 399.109 no STJ pela Terceira Seção unificou os entendimentos contrários emanados da 5ª e 6ª turmas. Esta se posicionava no  sentido que apropriação indébita se constituia apenas nos casos de substituição tributária e  não alcançava os tributos devidos pelo próprio contribuinte. Aquela firmava a compreensão de  sujeição passiva da obrigação  tributária poderia ser atribuída ao substituto  tributário,  nos impostos  diretos, ou,  ao contribuinte, nos tributos indretos. Esta foi a tese que prevaleceu na Terceira Seção. Pelo entendimento firmado no STJ,  o  contribuinte será sujeito ativo do crime de apropriação  quando não recolher o tributo cujo ônus financeiro houver  sido repassado ao adquirente da mercadoria ou serviço. Nesta sistemática, o valor do tributo pertence ao Estado, atuando o comerciante como mero intermediário. A carga tributária embutida no preço do produto, não se integra ao patrimônio do contribuinte, não se subsume ao conceito de receita ou faturamento estabelecidos pelo Direito Privado. O STF, enfrentou a questão no RHC 163.334 e confirmou o julgado do STJ, porém, acrescentando que o crime somente se aperfeiçoaria se houvesse a  elementar “de forma contumaz”. O conceito jurídico de  contumácia ainda requer construção mais sólida na jurisprudência e na doutrina, sendo o tema objeto de discussão legislativa. A tese firmada pacifica a divergência jurisprudencial até então existente. A conduta prevista no art. II da Lei 8.137/90 aplica-se ao não recolhimento de impostos indiretos de responsabilidade do contribuinte. Porém, do enunciado, surgem novos questionamento sobre sujeição passiva do crime, o tipo de dolo requerido, a existência de excludentes de ilicitudes e a elementar contumácia. Além disso, se a conduta não se adequar às exigências do tipo penal,  então se estará diante de mero inadimplemento de tributos, conforme súmulas 430 e 435 do STJ. Destarte,  o real questionamento que se apresenta  é diferenciar o mero  inadimplemento da apropriação indébita tributária.   1. A literalidade da tese do STF e ementa do STJ A tese fixada pelo STF no RHC 163.334 foi a seguinte: “ O contribuinte que, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixa de recolher ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do artigo 2, inciso 2, da Lei 8.137. ” (grifo nosso) O  Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 399.109 redigiu a seguinte ementa: “HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS POR MESES SEGUIDOS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA.ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO PELO RÉU DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS “DESCONTADO E COBRADO”. ABRANGÊNCIA.TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. ORDEM DENEGADA.   2.  Análise do Ementa do HC 399.109 do STJ e  Fundamentações do Ministro Relator             Percebe-se pela literalidade do ementa do HC 399.109 ou do voto do relator que o STJ se debruçou sobre os temas envolvendo:   Do voto do Ministro Relator Rogério Schietti Cruz se extrai os fundamentos essenciais para compreensão do tipo penal. Inicialmente, o Ministro esclarece que o crime de apropriação indébita assemelha-se ao previsto no art. 168 do CP e  somente pode ocorrer com coisas móveis fungíveis e infungíveis, estas conforme preceituado no  art. 85 do CC).  Acrescenta ao tipo o  elemento normativo “coisa alheia” compreendida como coisa de propriedade atual de outrem, que não o agente do crime. Enfim, conclui que  “somente os bens móveis infungíveis podem ser objeto de apropriação indébita, na medida em que o agente, ao receber bem alheio móvel fungível em depósito não se apropria de algo que se tornou proprietário”.             Entretanto, ele abre um a exceção para as coisas fungíveis que são entregues não para depósito mas para serem transferidas a terceiro. Neste caso, o apoderamento de  coisas fungíveis pode  suscitar a apropriação indébita. E, amparado, por decisões do STF e STJ, firma a compreensão de que “estará configurado o crime de apropriação indébita, quando o agente se apropria de coisa fungível que lhe foi confiada para transmissão a terceiro ou para outra finalidade que não o depósito” (grifou-se). Efetua-se, na sequência, a análise individual dos itens da ementa:   2.a) Da irrelevância da declaração do imposto recolhido e a consumação do tipo pela conduta omissiva             O item 1 do acórdão do STJ refere-se à irrelevância da declaração do imposto inadimplido visto que a “clandestinidade” não constitui elementar do tipo penal. Em verdade, a apropriação indébita em comento é crime formal aperfeiçoando-se com a conduta típica omissiva de “ deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontando ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. (art.2º-II- da Lei 8.137/90). Não exige a ocorrência do resultado para sua configuração como os crimes previstos no artigo 1º da referida lei. Nesse sentido, abordando a conduta tipificadora da apropriação indébita leciona  LOVATTO  (2008,pág.129): “A reprovabilidade não se situa no não-pagamento da dívida, mas na conduta de quem, por obrigação legal, cobra ou desconta o tributo e não o recolhe a quem de direito, ficando com aquilo que não lhe pertence. Daí que não se trata de penalização por dívida, mas, à semelhança da apropriação indébita, da conduta do agente  penalmente relevante”. Na mesma esteira, defendendo a configuração do crime mediante a simples conduta DECOMANIN (2010, pág.360): “O puro e simples não recolhimento do ICMS  pelo contribuinte figura o crime   previsto pelo art. 2º, II, da Lei 8.137/90.(…) “Numa primeira abordagem, de cunho eminentemente econômico, deixando de parte discussões doutrinárias sobre os tributos conhecidos como diretos e indiretos, e levando em conta apenas o aspecto econômico a partir do qual são conceituadas essas espécies, ou seja, atentos ao fato de que existem tributos cujo ônus é imediatamente repassado pelo contribuinte a terceiro, em contrapartida a outros em que tal não ocorre, e sabendo-se que o ICMS inclui-se na categoria dos indiretos, ou seja, daqueles cujo montante é cobrado pelo contribuinte ao adquirente dos produtos tributados, encontrando-se a incidência tributária previamente embutida no próprio preço da mercadoria vendida, conclui-se que o não recolhimento do ICMS no prazo previsto pela legislação implica a ocorrência desse crime. O contribuinte efetivamente repassou ao adquirente da mercadoria tributada o ônus representado pelo ICMS. Cobrou-o, portanto, a terceiro, devendo recolher aos cofres públicos o montante assim apurado.Se não o faz, comete crime examinado”(grifo nosso)   De ressaltar-se que para a configuração da fraude, sonegação e conluio há de se perquerir sobre a clandestinidade da conduta, a intenção de ludibriar a autoridade fiscalizadora. Tal exigência não se faz presente nos crime preceituados no artigo 2º da Lei 8.137/90. Acrescente-se, ainda, que se houver omissão da declaração haveria o crime de sonegação previsto no  art. 1º da citada com agravavamento da pena no intervalo de 02 a 05 anos. Se a pena ultrapassar os 04 anos ou houver reincidência, há impedimentos à substituição da pena de prisão por restritiva de direitos. Por tais razões, se conclui que não há benefícios para aquele contribuinte que opta por não declarar, bem como, que haverá incremento da sonegação com o julgado em exame.   2.b) Do sujeito ativo do crime e do elemento subjetivo da conduta             Tem-se como pessoa legitimada a cometer a apropriação o sujeito passivo da obrigação tributária que tanto pode se originar da relação direta  com o fato gerador (contribuinte)   ou indireta (responsável tributário), com responsabilidade/dever atribuído por lei, em função de relacionamento com o contribuinte ou com fato gerador. (arts. 121 do CTN). No caso sub examine, não se está se referindo ao  substituto tributário (art. 155-CF) mas àquele que repassou o ônus do tributo, cobrando do adquirente, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, mas não pagou ao Fisco. A apropriação indébita tributária perpetrada por substituto tributário ou responsável tributário já não suscitava dúvidas em sua aplicação. É cediço que haverá a penalidade administrativa imposta pela própria Administração Pública consistente, de modo geral, em pecúnia (multa) e obrigação de fazer direcionada a pessoa jurídica. Já a penalidade criminal é competência do Poder Judiciário será direcionada ao agente pessoa física do sócio-administrador, com ciência do ilícito e poder diretivo na sociedade empresária, responsável pelo não recolhimento do tributo aos cofres públicos. Aplicam-se a estes os mesmos critérios identificadores de responsabilidade tributária por infrações previstos nos artigos 134 e 135 do CTN observando-se os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários já consolidados em relação ao tema. Não houve inovação neste campo. Diga-se, em relação ao elemento subjetivo da conduta, que não se exige dolo específico para configuração do ilícito, sendo bastante o dolo genérico. Destarte, não havendo exclusão de culpabilidade, motivos de caso fortuito ou força maior, inexigibilidade de conduta diversa ou  erro de proibição, bastará a ocorrência da omissão do repasse para tipicidade do crime. De ressaltar-se que mera dificuldade financeira da empresa não é suficiente para configurar a exclusão da culpabilidade, segundo o STJ. Porém, neste item específico, o STF exige  o comportamento reiterado da conduta inadimplente. A conduta omissa do contribuinte em não recolher o imposto que reteve do adquirente é o que configura o elemento dolo exigido para a tipificação do crime. Pode pagar, mas não o faz.   Segundo EISELE (2002, pág. 175):   “O art. 2º, II, da Lei 8.137/90, descreve a evasão tributária não fraudulenta (inadimplência) de tributos indiretos ou devidos por agentes de retenção. Trata-se de situação vulgarmente conhecida por “apropriação indébita tributária”. (…) Tal identificação decorre do fato de que, nos tributos indiretos (aqueles nos quais o contribuinte transfere sua repercussão financeira para terceiro), o sujeito passivo da obrigação tributária pode cobrar (ou, eventualmente, receber) de terceiro, a carga econômica correspondente ao valor do tributo, motivo pelo qual não suporta (em tese) seu custo (mediante o mecanismo da repercussão. Exemplo dessa situação ocorre no ICMS, eis que o contribuinte, ao vender uma mercadoria, destaca na nota fiscal o valor correspondente ao imposto que integrará o preço que será pago pelo adquirente. Nessa relação, o comprador é denominado (de forma aleatória) como “contribuinte de fato”, porque pagará ao vendedor o valor representativo do ICMS contabilmente incluído no preço, embora não sejam efetivamente, contribuinte do tributo, pois o único sujeito passivo da obrigação tributária é o vendedor, denominado (também de forma ilustrativa) como “contribuinte de direito”. Caso o contribuinte (vendedor) receba o preço da mercadoria (no qual se encontra inserido o valor correspondente ao ICMS) pago pelo adquirente e não efetue o recolhimento do tributo no prazo legalmente estabelecido, estaria, em tese, obtendo uma vantagem econômica ilícita decorrente do recebimento de um valor que deveria repassar aos cofres públicose que manteve em seu âmbito de disponibilidade.”   Sobre a inexigibilidade de dolo específico, o seguinte julgado do STJ:   “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/1990. INADIMPLEMENTO. SÓCIOGERENTE. FALTA DE REPASSE DE ICMS DECLARADO EM REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CONDUTA TÍPICA. TIPO PENAL QUE  NÃO EXIGE ESPECIAL FIM DE AGIR. RECURSO NÃO PROVIDO. (AgRg no AREsp 772.503/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 29/02/2016)” (grifo nossol)   Veja-se o recorte do voto do Ministro tratando da ausência de clandestinidade e  e da caracterização do elemento subjetivo ( dolo):   “Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que, na apropriação indébita, inexiste clandestinidade (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal,parte especial, v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 421), fraude ou qualquer outro ardil. Assim, o pressuposto do referido delito “é a anterior posse lícita da coisa alheia, da qual o agente se apropria indevidamente”(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, v. 3.São Paulo: Saraiva, 2003, p. 236). Por fim, o sujeito ativo do delito é aquele que possui ou detém o bem móvel alheio. O elemento subjetivo é o dolo, caracterizado pela vontade livre e consciente de apropriar-se da coisa alheia móvel de que tem a posse em nome de outrem, ou seja, a vontade de não restituir ou de desviá-la de sua finalidade. Nas palavras de Magalhães Noronha, “[c]onsiste o dolo genérico na vontade de inverter o título, pelo qual se tem a posse ou a detenção,transformando-se de possuidor alieno domine em possuidor animus domine”(Direito Penal, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1988-1991, p. 334).”   2.c) Dos termos “cobrado ou descontado” a limitar o sujeito ativo do crime O artigo 2º-II da Lei 8.137/90 traz o seguinte enunciado: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (…) II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de ‘’contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos” (grifo nosso). O termo “descontado” é adotado peros jurisconsultos quando da existência do instituto da substituição tributária, sistemática pela qual a lei atribui a um integrante do arranjo produtivo (substituto/substituinte)   o dever de arrecadar tributo devido pelos demais contribuintes (substituídos). É dizer, o  agente substituto “desconta” o imposto devido pelos demais contribuintes (substituídos) que ocupem posição anterior ao fator gerador (substituição regressiva ou “para trás”) ou posterior ( substituição progressiva ou “para frente”). Já o termo “cobrado” na nova acepção jurisprudencial refere-se ao repasse do ônus financeiro de trituto indireto  ao adquirente da mercadoria ou serviço. Nos casos de tributos indiretos, é o consumidor quem paga de forma efetiva o referido valor. Arca com a repercussão econômica no preço do produto. No caso do ICMS, os integrantes da cadeia produtiva embutem os custos, despesas e margem de lucro no preço de revenda, que pela própria natureza da mercancia, pressume-se mais elevado que o valor da aquisição. Embora o comerciante seja o contribuinte do imposto, ele atua apenas como mero arrecadador em nome do Estado, cobrando (retendo) o tributo para posterior envio aos cofres públicos. Nos impostos indiretos não há coincidência nas figuras do contribuinte de direito (comerciante) e contribuinte de fato (adquirente). O repasse do ônus financeiro do tributo é essencial para tipificação do crime. Nesse sentido, colaciona-se a lição de  LOVATTO (2008, pág. 128): “Deve haver, para tipificar-se o fato, que o contribuinte tenha o dever legal de cobrar ou descontar quando a obrigação tributária seria daquele de quem se cobra ou desconta. Antecipa-se a cobrança ou o desconto. No caso do ICMS, o contribuinte de fato não deve o ICMS. A obrigação é do contribuinte de direito, com exceção, com se disse, da substituição tributária. (…)  Aquilo que é cobrado ou descontado não o é do contribuinte de fato, mas, tecnicamente, só se cobra ou se desconta de contribuinte de direito. E esta conduta é exercida em nome da pessoa jurídica de direito público por dispositivo legal, daí por que o substituto tributário (e não o consumidor) tem a obrigação de cobrar ou descontar o tributo e recolhê-lo aos cofres públicos. Se o tributo foi cobrado e  não recolhido, configurou-se o delito. E se o tributo não foi cobrado ou descontado, configura-se o delito? O tipo penal não é deixar de recolher tributo que deveria ser cobrado, mas a qualidade do tributo que deixa de ser recolhido é de tributo cobrado ou descontado. Consequentemente, se o tributo não foi cobrado, nem descontado, embora pareça estranho, não se configura o delito. Haverá ilícito tributário, contudo o ilícito penal não se configura por ausência de elementar fundamental. Interpretação diversa funda-se num equívoco consistente em adotar a esfera penal para cobrança de tributo. Esta deve ficar restrita à execução fiscal. (…).” (grifo nosso)   Mais um vez,  recorre-se ao voto do  Ministro Relator Rogério Schietti Cruz no HC 399.109,  para  uma acepção mais acurada da  expressão “descontado ou cobrado” e sua conexão com a autoria do ilícito a partir da atribuição da capacidade ativa tributária do Estado para o contribuinte. Nesse sentido: :   “Os termos “descontado ou cobrado” não correspondem,tecnicamente, ao fenômeno tributário originado pela relação jurídica que serve de substrato para a conduta descrita no tipo penal. Com efeito, nenhum sujeito passivo de obrigação tributária (direto ou indireto) “desconta ou cobra” tributo; na verdade, ele retém.   Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. A capacidade tributária ativa é a aptidão para figurar, por lei, na posição de sujeito ativo da relação tributária, ou seja, na posição de credor, com as prerrogativas que lhe são inerentes de fiscalizar o cumprimento das obrigações pelos contribuintes e de cobrar os respectivoscréditos tributários.   Há casos em que o Poder Público permite que o particular arrecade o tributo, sem que isso represente delegação da capacidade ativa tributária, já que o particular, nessa condição, apenas procede à exação (retenção).   Diante disso, é correto afirmar que somente o sujeito ativo da obrigação tributária é que pode cobrar tributo, cabendo ao agente de arrecadação, tão somente, a sua retenção para posterior recolhimento ao Fisco. Tal percepção tributária do termo “cobrar” descrito no tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, acaba por se traduzir em uma deficiência de técnica legislativa na redação do dispositivo, porquanto sujeito passivo jamais cobra tributo.”   Sobre o termo “descontado”o Ministro esclarece que  o sujeito passivo da obrigação tributária na qualidade de substituto tributário retém tributo, não desconta “absolutamente nada” e recorre ao parágrafo único do  art. 158 do CTN para exemplificar que a ideia de desconto, advém da possiblidade do Estado, quando autorizaodo por lei, de conceder abatimentos nos casos de pagamento antecipado do crédito tributário. Outra possibilidade, segundo ele,  é tomar a palavra “descontado” como significado de diminuído, abatido, ou reduzido. Assim, o empregador abate/reduz/desconta/ o Imposto de Renda de seus empregados. E conclui: “ o termo “descontado” refere-se às operações tributárias que resultem diretamente na redução do valor a ser percebido pelo contribuinte que não pode repassar para outrem o ônus tributário.” Jà o termo “cobrado”, continua o Ministro, remete à idéia de acréscimo, de adição. Segundo ele, “ essa percepção é apreendida nos tributos indiretos, cuja incidência acarretará o aumento do valor do produto a ser suportado pelo contribuinte de fato.” E exemplifica mais adiante:   “A título de exemplo, menciono o ICMS. O produtor, ao iniciar a cadeia de consumo, recolhe o imposto sobre operações próprias e é reembolsado desse valor com a transferência do encargo para o atacadista que, por sua vez, o transfere para o varejista e que, por fim, repassa para o consumidor final. Veja-se que nessa hipótese, mesmo no caso do ICMS incidente sobre operações próprias, o produtor “cobra” (é reembolsado pela retenção) do próximo adquirente do produto na cadeia de produção, até que o consumidor final, após sucessivas transferências de encargo, suporte o ônus de pagar o valor correspondente ao ICMS, que será acrescido ao valor final do produto”.   Após as ponderações acima, conclui o Ministro:   “Assim, o significado da palavra “desconto” melhor se amolda, sob o prisma penal, aos casos de tributos diretos em que há a responsabilidade por substituição tributária (nas hipóteses em que o responsável pela retenção na fonte não recolhe o tributo). O termo “cobrado”, por sua vez, deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos, mesmo aqueles realizados em operações próprias, visto que o contribuinte de direito, ao reter o valor do imposto ou contribuição devidos, repassa o encargo para o adquirente do produto.” Assim, em se tratando de  impostos indiretos, somente aquele  que “cobra” ou “desconta” tributo, por força de lei. pode ser o agente ativo do crime de apropriação indébita, se não efetua o recolhimento ao Estado no prazo legal, com dolo de apropriar-se da quantia Conclui-se que  sujeito ativo do crime previsto no 2º-II da Lei 8.137/90, é constribuinte  de direito, sujeito passivo direto da obrigação tributária, que deixa de recolher tributo indereto retido (cobrado)  do adquirente do produto mercadoria ou serviço, de forma reiterada e com dolo de apropriação do que não lhe pertence.   2.d) Da origem histórica dos termos “cobrado” ou “descontado” O projeto de lei elaborado pelo Poder Executivo e protocolado na Câmara dos Deputados sob o nº Lei 4788-B,  tendo como relator o deputado Nelson Jobim, tinha a seguinte redação original:   “Art..2º Constitui, ainda, crime contra a administração tributária:   IV- deixar de recolher aos cofres públicos, nos sessenta dias seguintes ao término do prazo fixado, tributo ou contribuição que tenha retido na fonte;   V- deixar de recolher aos cofres públicos, nos sessenta dias seguintes ao término do prazo fixado, tributo ou contribuição recebido de terceiros mediante acréscimo ou inclusão no preço do produto ou serviços cobrados na fatura, nota fiscal ou documento assemelhado.” (grifou-se)   O Dep. Relator justificou a fusão dos incisos IV e V com base no princípio da legalidade penal e ausência de clareza na redação dos tipos penais e exemplificou:          “Assim, os modelos surgem imperfeitos ou, por demais, abertos (por exemplo art. 1, V; art. 2, V; art. 6, VIII). Ora a descrição surge vazia de conduta, socialmente desaceita; ora o comportamento proibido vem incompletíssimo.” Muitos  juristas se valem da supressão do  inciso V para fundamentar que o objetivo do legislador era penalizar a conduta  de não recolher tributo indireto “cobrado” do adquirente.  No mesmo raciocínio, no inciso IV o fim era coibir o não recolhimento de imposto “descontado” ou retido de outro contribuinte. Porém, pode-se concluir  que a fusão de ambas as condutas na expresão “cobrado ou descontado” resultou em maior discussão jurídica. Entende-se que a redação original era mais clara na definição dos tipos penais.   2.e) Do tratamento Isonômico do Contribuinte e do Substituto tributário Os sujeitos passivos da relação tributária estão previstos no art. 121 do CTN e nos remete ao tema da responsabilidade tributária, inclusive aquela decorrente do cometimento de infrações. Veja-se a lição de renomados doutrinadores sobre o assunto: Na doutrina de CASSONE (2018, pág.222): “No direito tributário, a expressão “responsabilidade tributária” é tomada em sentido estrito, com base no art. 121 do CTN, que define o sujeito passivo da obrigação tributária principal como sendo a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, sendo qualificado como: I –contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fatogerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra dedisposição expressa de lei. Contribuinte é o sujeito passivo direto. Responsável é o sujeito passivo indireto”. Mais adiante , o Autor tratando sobre responsabilidade tributária por substituição assim se manifestou: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário à terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”   Pela simples leitura, percebe-se que a lei pode excluir o contribuinte do pagamento do tributo, para atribuir essa responsabilidade a uma terceira pessoa, desde que vinculada ao fato gerador.   “Terceira” (art. 121, II), porque primeira pessoa é o Fisco (art. 119) e segunda pessoa é o contribuinte (art. 121, I). Pode reunir a qualidade de terceira pessoa, de conformidade com o que dispuser a lei de imposição tributária: o pagador, o doador, o adquirente, o transportador, o armazenador, o depositário, o consignatário etc.               Assim, a teor do art. 128 do CTN, responsabilidade tributária por substituição ocorre quando, em virtude de disposição expressa em lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou situação tributados. Nessa hipótese, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto pelo sujeito passivo indireto.”   Caliendo (2019, pág. 489), tratatando sobre a distinção entre contribuinte e responsábel tributário, traz valioso ensinamento sobre o função exercida pelo consumidor quando o tributo envolvido é indireto. Veja-se:   “A distinção entre contribuinte e responsável tem sido apontada como duas formas de sujeição passiva: direta e indireta. Seria sujeito passivo direto o contribuinte que possui relação direta com o fato gerador, e seria sujeito passivo indireto o responsável que possui uma relação indireta com o fato gerador, permeada pela lei que lhe atribui em virtude do vínculo com o sujeito passivo direto (contribuinte). Apesar de essa distinção ter se afirmado na doutrina601, entendemos que a distinção pode conduzir a equívocos. O primeiro seria a sua confusão com o sujeito passivo em tributos indiretos, em que existe uma cisão entre o contribuinte de fato e de direito. No caso, o sujeito passivo será o contribuinte de direito que reflexamente atinge o patrimônio de um terceiro, denominado de contribuinte de fato, que sofre o encargo econômico. Nos tributos indiretos, pode existir ainda a presença de um sujeito passivo indireto, ou seja, de um responsável que atua por substituição ou transferência em relação ao contribuinte de direito e que difere igualmente do contribuinte de fato. Assim nós teríamos a situação da presença de sujeitos passivos diretos e indiretos em tributos indiretos.” Ainda sobre sujeição passiva, PAUSEN (2019,pág.211 ) aborda a questão do condumidor: “Não constitui sujeito passivo o mero pagador que, por liberalidade, paga tributo em nome de outrem. Também não é sujeito passivo o chamado contribuinte de fato, a quem é diretamente transferido o ônus econômico do tributo mediante destaque expresso do valor devido na operação, mas que não está obrigado ao pagamento e não pode ser demandado pelo Fisco. Por fim, tampouco pode ser considerado sujeito passivo o contribuinte econômico, ou seja, aquele que suporta mediatamente o ônus da tributação”   Destaque-se que doutrinares renomados e parte da juriprudência consideravam que apenas o substituto tributário incidia em crime de apropriação indébita quando “descontava” o tributo do substituído e não recolhia a quantia correspondente ao Fisco.. Nesse caminhar, PAUSEN (2019, pág.709):   “A  apropriação indébita tributária está estritamente relacionada à substituição tributária. Dá-se quando o substituto, ao realizar um pagamento ao contribuinte, procede à retenção do tributo devido por este último, porque a lei assim lhe determina, mas deixa de cumprir a obrigação de repassar tal montante aos cofres públicos. Ou seja, retém do contribuinte em nome do Fisco e se apropria dos valores em vez de dar-lhe a destinação legal. Também ocorrerá quando a regra matriz de substituição tributária determine que o substituto exija do contribuinte o montante do tributo para repassar aos cofres públicos e deixe de ser feito tal repasse.”   Desta forma, não apenas o substituto tributário pode ser o agente ativo do crime, podendo o contribuinte cometer ilícito penal nos casos de tributos indiretos, repassando o ônus financeiro ao adquirente e não recolhendo o  imposto ao Fisco com consciência do ilícito. Porém, existe uma diferenciação marcante entre contribuinte e substituto tributário. Aquele precisa agir com contumácia, segundo o STF. Este basta uma só conduta omissiva consistente no não recolhimento do imposto para responder pelo crime.   2.f) Da exclusão de ilicitude e comprovação do dolo em inquérito judicial A autoridade fiscal, ao deparar-se com um ilícito penal tributário, aplicará penalidade administrativa consistente em multa pecuniária e/ou obrigação de fazer  e efetuará a notificação ao  Ministério Público para que este inicie a ação penal incondicionada objetivando a apuração dos fatos e criminalização da conduta. Caberá ao Ministério Público produzir provas de que a conduta é típica e antijurídica e averiguar a inexistência de causas extintivas da ilicitude. No ICMS próprio, o lançamento ocorre por homologação. Logo, o próprio contribuinte informa no Livro Registro de Apuração do ICMS e o declara  na Guia de Informação e Apuração do ICMS e/ou DIME – Declaração do ICMS e do Movimento Econômico. Estes documentos comprovam  que o fato gerador e a transação financeira do recebimento se efetivaram. São provas da concretização do negócio e não meras expectavias de vendas. Provam que o ICMS foi incluso no preço da mercadoria/serviço. Em não havendo causas excludentes de ilicitude, o conjunto probário citado  é sufiente para comprovar a conduta omissiva e o dolo subjetivo genérico visto tratar-se de  tipo penal que se aperfeiçoa com a simples omissão pelo contribuinte no repasse ao fisco do imposto cobrado. Nesse entendimento, o julgado do TJSC, em consonância com o STJ, elenca  como excludentes de culpabilidade a inexibilidade de conduta diversa: “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º,II, DA LEI 8.137/90, POR OITO VEZES, EM CONTINUIDADE DELITIVA. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PLEITEADO O RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90, ANTE A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA.DESCABIMENTO. FALTA DE RECOLHIMENTO DE IMPOSTO ELEVADO À CATEGORIA DE CRIME. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM PRISÃO CIVIL. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CÂMARA.MÉRITO. PLEITEADA ABSOLVIÇÃO DIANTE DA NÃO COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO DAS OPERAÇÕES ECONÔMICAS TRIBUTADAS. DISPENSABILIDADE. DECLARAÇÕES RELATIVAS AO ICMS QUE SÃO PRESTADAS PELA PRÓPRIA EMPRESA. SUSTENTADA A  TIPICIDADE DA CONDUTA, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A OMISSÃO NO RECOLHIMENTO CONSTITUI MERO INADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO. INVIABILIDADE. APELANTE QUE, NA CONDIÇÃO DE RESPONSÁVELTRIBUTÁRIO, ASSUME A OBRIGAÇÃO DE REPASSAR OS VALORES RECOLHIDOS A TÍTULO DE ICMS AO FISCO, OS QUAIS SÃO ARCADOS PELO CONTRIBUINTE DE FATO. ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO.INVIABILIDADE. DELITO COM DOLO GENÉRICO, QUE DISPENSA A INTENÇÃO DE FRAUDAR O FISCO. ADEMAIS, CRIME QUE SE CONSUMA COM A SIMPLES OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA EM RAZÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS SUPORTADAS PELA PESSOA JURÍDICA. IMPOSTO INDIRETO, CUJA CARGA ECONÔMICA RECAI  SOBRE O CONSUMIDOR FINAL. EMPRESA ADMINISTRADA PELO APELANTE QUE DETINHA APENAS A OBRIGAÇÃO DE RECOLHIMENTO E REPASSE DAS VERBAS AOS COFRES PÚBLICOS. CONDENAÇÃO MANTIDA.(…..). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJSC, Apelação n. 0031202-81.2013.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. ErnaniGuetten de Almeida, j. 09-08-2016).” (Grifo nosso).   Em    relação  à  excludente  de  ilicitude, crime não se configurará  quando a falta de recolhimento ocorrer em virtude de fato relevante e inevitável (caso fortuito ou força maior), independentemente, portanto, da vontade do agente.   3. Da elementar “contumácia” acrescida pelo STF O ministro relator Luiz  Roberto  Barroso, relator do RHC 163.334/SC,  fez questão de destacar que “o inadimplente eventual é totalmente diferente do devedor contumaz, que faz da inadimplência tributária seu modus operandi”. Segundo o Ministro, se o contribuinte demonstra de forma objetiva que está em situação ruinosa, não se aperfeiçoa a criminalização, sendo considerada mera inadimplência de tributo. Do site do STF, colhe-se: “O ministro Roberto Barroso assinalou em seu voto que o valor do ICMS cobrado em cada operação comercial não integra o patrimônio do comerciante. Ele é apenas o depositário desse ingresso de caixa, que, depois de devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos. A falta desse recolhimento, para o ministro, não é mero inadimplemento tributário, mas apropriação indébita. Este crime, contudo, exige a demonstração do dolo (intenção de cometer o crime). Assim, é preciso examinar o caso concreto para distinguir os comerciantes que enfrentam dificuldades dos que adotam a prática incorreta. “O inadimplente eventual é totalmente diferente do devedor contumaz, que faz da inadimplência tributária seu modus operandi”, explicou.” (grifou-se). Por devedor contumaz define-se aquele que tem a sonegação como modelo de negócio, pratica preços predatórios  e tem a intenção de apropriar-se do recurso pertencente aos cofres públicos, cobrado do consumidor no ato da venda da mercadoria ou prestação de serviços tributados pelo ICMS. É  aquele que não paga tributo de forma reiterada, pratica preço abaixo do valor de aquisição, utiliza-se de “laranjas”, aproveita-se da inadimplência para ganhar mercado e obstaculariza a ação fiscalizatória da fazenda. Segundo SCAFFI (2019),  em artigo eletrônico  sobre o tema: “O problema ocorre quando a empresa adota como modelo de negócio a sonegação contumaz, que se torna o eixo central de sua atividade e de seu lucro. Nesta situação, constata-se facilidade do devedor se evadir da tributação regular, com dificuldades de arrecadação pelos entes públicos acerca de suas operações, e isso ocasiona distúrbios concorrenciais que podem levar ao domínio dos mercados, ao abuso de posição dominante e até mesmo a situações de insolvência por parte da concorrência”. Mais adiante, o jurista, referindo-se ao artigo 2º do Projeto de Lei 1646/2019, em trâmite no Congresso Nacional, informa da inexistência previsão de sanções penais, apenas administrativas, e elenca os critérios identificadores do infrator contumaz: “(a) de que uma pessoa jurídica tenha sido constituída para a prática de fraude fiscal estruturada, inclusive em proveito de terceiros; (b) de pessoa jurídica constituída por interpostas pessoas que não sejam os verdadeiros sócios ou acionistas (figura mais conhecida por laranja); (c) pessoa jurídica constituída com o propósito de se evadir da cobrança de tributos; ou (d) que a pessoa física, devedora principal ou corresponsável, deliberadamente oculte bens, receitas ou direitos com o propósito de não recolher tributos ou burlar mecanismos de cobrança fiscal”. E finaliza, informando sobre as quantias sonegadas,  duração da situação irregular do crédito tributário e necessidade de aperfeiçoamento do projeto: “Para fins do projeto de lei, considera-se inadimplência substancial e reiterada de tributos a existência de débitos, em nome do devedor ou das pessoas físicas ou jurídicas a ele relacionadas, inscritos ou não em dívida ativa da União, de valor igual ou superior a quinze milhões de reais, em situação irregular por período igual ou superior a um ano. Considera-se em situação irregular o crédito tributário que não esteja garantido ou com exigibilidade suspensa, conforme estabelecido pelo CTN.Trata-se de uma definição amplíssima, que deve ser aperfeiçoada, para não penalizar a mera inadimplência decorrente de crises empresariais e econômicas, bem como o planejamento tributário lícito = elisão fiscal.” Cabe complementar, o caso concreto relativo os  HC 399.109 e RHC 163.334,  envolvia devedor que reincidiu em inadimplência por oito vezes no período de 09/2008 e 07/2010, tendo sido autuado pelo fisco estadual em 04/2009 e 10/2010. O montante inadimplido alcançou R$ 30 mil. Porém, conforme noticiado no portal do STF, o representante do Ministério Público afirmou que o acusado seria devedor contumaz,  já constituiu três empresas e tem uma dívida história de mais de R$ 700 mil. Importante ressaltar  que o art. 2º, II, da Lei 8.137  já teve sua constitucionalidade declarada pelo STF nos recursos ARE 999.425 e HC 174.412 nos quais se interpretou que a conduta tipificada objetiva coibir atos fraudulentos praticados pelo contribuinte para burlar a ação fiscalizatória do fisco.  Não almeja  a punir o mero inadimplemento. Os casos analisados se referiam a contribuintes que praticaram atos fraudulentos de forma reiterada. Um deles com 45 ocorrências. Conclui-se pelo exposto, embora não tenha ficado claro no RE 399.109, que houve a preocupação do STF em punir não o mero inadimplemento, mas aquele contribuinte contumaz, que faz da inadimplência de tributos um modelo de negócios,  prejudica a concorrência, obtém enriquecimento ilícito e  utiliza-se  de mecanismos fraudulentos como empresas de fachada, sócios “laranjas” e outros ardis.   4. As motivações dos Ministros do STF No julgamento do RE 550.768, o STF , com o Ministro Joaquim Barbosa como relator, cassou o registro especial de uma indústria de cigarros que  reiteradamente práticava o não-recolhimento de tributos, utilizando-se da sistemática como vantangem competitiva indevida  num mercado altamente concentrado. O bem protegido era a livre concorrência de mercado. Segundo notícias colhidas no portal do STF,  a fundamentação da apropriação indébita do ICMS próprio tem suas raízes fincadas no RE 574.706 de março/17, no qual o plenário deliberou sobre a exclusão do imposto da base de cálculo de incidência do PIS/COFINS sob a motivação de que não se pode considerar como ingresso tributável uma verba que é recebida pelo contribuinte apenas com o propósito de pronto repasse a terceiro, ou seja, ao Estado. O Ministro Fachin, cujo entendimento foi seguido pelas  Ministras Rosa Weber e Carmem Lucia,  citou o referido acórdão e afirmou que “não se trata apenas de inadimplemento fiscal, mas a disposição de recurso de terceiro”. Cite-se, também, a preocupação com a situação de penúria dos cofres públicos estaduais e a necessidade de se extirpar do mercado a sistemática  sonegação de ICMS próprio por devedores contumazes de larga envergadura que comprometem a livre concorrência com seus preços predatórios. O julgado buscou erradicar essa fonte de enriquecimento ilícito. É o que se extrai do artigo publicado pelo Ministro Luiz Roberto Barroso, publicado em 24.12.19, numa revista eletrônica: “O Pleno do Tribunal reconheceu como criminosa a conduta do contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz, o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. A decisão foi importantíssima para as finanças dos Estados e para a livre concorrência, já que os devedores contumazes se valem de forma sistemática da inadimplência como forma de financiar suas atividades, vender seus produtos abaixo do preço de custo e enriquecer ilicitamente. Não está abrangido pela criminalização o contribuinte que apenas deixou de recolher o tributo ocasionalmente.” Além de unificar o entendimento jurisprudencial sobre o tema há o entendimento na  doutrina e jurisprudencial de que a inadimplência fraudulenta ou reiterada de impostos impede o Estado de concretizar os direitos fundamentais e coletivos previstos na Carta Magna. O Ministro Luiz Roberto Barro, relator do RHC 163.334 emitiu a seguinte opinião extraída do portal do STF: “Os crimes tributários impedem o país de melhorar a vida de seus cidadãos e que, e a falta de recolhimento intencional e reiterado do ICMS prejudica não só o Erário, mas a livre concorrência, pois uma empresa que sistematicamente deixa de recolher o tributo se coloca em vantagem competitiva em relação à que cumpre suas obrigações’ Na mesma direção, trilham os seguintes doutrinadores; Para FELDENS ( 2002, pág.86):   “Como pode o Estado  cumprir com as funções – mínimas que sejam – que lhes são acometidas, fazendo chegar aos excluídos do “sistema” esse mínimo de democracia substancial? Em nosso contexto político-socioeconômico, em que os meios de produção de riqueza estão acometidos à iniciativa privada, há uma única e singela maneira: a arrecadação fiscal”.   Na mesma trilha, PINTO (2001, pág.75):   “A justificação dos crimes contra a ordem tributária encontram-se no fato de que a conduta criminosa, além de causar um prejuízo imediato a integridade patrimonial do Erário Público (lesando a função pública da arrecadação), acaba por obstaculizar a realização do valor constitucional da solidariedade de todosos cidadãos na contribuição da manutenção dos gastos públicos e dificultando a efetivação do Estado Democrático de Direito”.   É dizer, que a criminalidade fiscal é obstáculo para que o Estado Democrático de Direito cumpra seus deveres constitucionalmente estabelecidos de implementação de uma política de justiça social e de livre concorrência no mercado, devendo coibir os crimes tributários distinguindo, com acuidade e robustez probatória,  os fraudadores dos empresários que incidiram em mera inadimplência.    Conclusão Os julgamentos do HC 399.109 do STJ e RHC 163.334 do STF apontam o substituto tributário, que “desconta” tributo dos substituídos, e o contribuinte, que “cobra”  (retém) tributo indireto do adquirente, como depositários transitórios dos impostos indiretos, tendo ambos o dever de efetuar o recolhimento aos cofres públicos  nos prazos legais. O crime de apropriação de ICMS próprio difere-se do mero inadimplemento quando o contribuinte faz da inadimplência de impostos um modelto de negócio, pratica preços predatórios, utiliza-se de empresas de fachadas ou sócios “laranjas”. Enfim, tem um histórico operacional “contumaz” de não pagar tributo. Os parâmetros estabelecidos nas cortes superiores devem ser observados sob pelas instâncias de 1º grau sob pena de termos a mera inadimplência transformada em ilícito penal. Tais decisões serão essenciais para a consolidação do conceito jurídico da elementar contumácia. Enfim, a  tutela penal da ordem tributária encontra-se fundamentada no conccepção de que os direitos fundamentais sociais previstos nos art. 6º, 196 e 205 da Constituinção Federal ,  que tem como um de seus principais fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º-III), somente poderão ser implementados pelo Estado Democrático de Direito através da política de arrecadação de tributos. Cuiabá-MT, 27 de janeiro 2020. Anderson Torquato Scorsafava Especializado em Direito Tributário pela Facudade Legale
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/os-criterios-diferenciadores-entre-a-mera-inadimplencia-do-icms-recolhido-em-operacoes-proprias-e-a-apropriacao-indebita-decidida-pelo-stf-no-rhc-163-334/
Substituição tributária nas operações subsequentes do ICMS: reflexões acerca de sua constitucionalidade
A substituição tributária das operações subsequentes é um tema que desperta grandes discussões no mundo jurídico, principalmente no direito tributário. Constitui-se como um sistema de arrecadação que possibilita o recolhimento do tributo antes mesmo da ocorrência do seu fato gerador. Referido instituto jurídico admite algumas formas de aplicação e suscita aos profissionais incertezas quanto a sua operacionalização. Este artigo tem por objetivo analisar os aspectos constitucionais da substituição tributária das operações subsequentes, evidenciando seu conceito e ditando os casos nos quais deverá ou não ser aplicada, tomando como referência a Constituição Federal e normas infraconstitucionais, assim como balizada doutrina a respeito do assunto.
Direito Tributário
Introdução Este artigo aborda a questão da constitucionalidade da substituição tributária das operações subsequentes (substituição para frente) no pagamento de tributos.  Trata-se de um mecanismo que antecipa o recolhimento do imposto, antes mesmo da ocorrência de seu fato gerador. Serão analisados os dispositivos constitucionais que versam sobre o tema, assim como normativas infraconstitucionais e jurisprudência correlata, a fim de perquirir sobre sua legitimidade. O tema é bastante controvertido, tendo em vista que, diante do disposto no Código Tributário Nacional, somente existe obrigação tributária com a efetiva ocorrência do fato gerador. Nesse compasso, não haveria justificativa para a lei tipificar uma responsabilidade a um sujeito passivo se o fato gerador ainda não ocorreu. Tratar-se-ia, no caso, de um fato gerador presumido. É a partir desse ponto que se inicia a discussão sobre a constitucionalidade dessa modalidade de responsabilidade tributária, ainda que haja regulamentação a respeito na Constituição Federal. O artigo constitucional que concentra a discussão sobre essa modalidade de responsabilidade tributária é o 150, § 7º, o qual preconiza: “A Lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição de quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Em 1996, a Lei Complementar 87/96 (normativa que dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências) consolidou sua regulamentação, definindo os parâmetros a serem seguidos pelas legislações estaduais. Assim ela prevê: “Art. 6º,§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes,…”. (destaque efetuado). Observa-se que a Lei Complementar prevê atribuições de responsabilidade nas operações ou prestações “antecedentes, concomitantes ou subsequentes”. Diante do exposto, e em consonância com o artigo 138 do Código Tributário Nacional, vê-se que a responsabilidade pelo pagamento do tributo deve ser atribuída a um sujeito que esteja atrelado ao fato gerador da obrigação. Vale ressaltar que, antes de haver a referida normatização constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendia que essa categoria de responsabilidade tributária era inconstitucional, uma vez que, com sua aplicabilidade, seriam lesados grandes princípios norteadores do direito, tais como a segurança jurídica, a anterioridade tributária, a legalidade e a capacidade contributiva. A despeito dessa discussão, a doutrina ainda se biparte entre os que defendem sua constitucionalidade e os que a refutam. Dessa feita, o objetivo geral do artigo é analisar a juridicidade desse mecanismo, sopesando o cenário de cobrança do tributo antes mesmo da ocorrência de seu fato gerador, assim como aspectos de controle de arrecadação e fiscalização pelos agentes de administração tributária.   Inicialmente, cumpre observar o que vem a ser o instituto da substituição tributária. A doutrina a define como a possibilidade de cobrança antecipada de um tributo em relação a um fato gerador futuro. (ROSA, 2011, p.108). Ocorre que, analisando as disposições do Código Tributário Nacional, a regra é que somente nasce a relação jurídico-tributária a partir da ocorrência do fato gerador, isto é, a partir da subsunção do fato ocorrido à norma prevista no ordenamento jurídico. Em razão disso, abriu-se a discussão sobre se as unidades federadas poderiam utilizar a substituição tributária das operações subsequentes como forma de facilitar o controle da arrecadação e da fiscalização do tributo. Antes da análise da juridicidade do instituto, vale ressaltar que para conhecer o tributo e seus contornos, assim como aspectos legais de sua instituição, o operador do direito deve se pautar pela regra matriz de incidência tributária, ou seja, deve se valer da norma de conduta prevista na lei que disciplina a relação tributária. Da regra matriz se extraem alguns aspectos que determinam o nascimento da obrigação tributária, quais sejam: aspectos pessoal, material, espacial, temporal e quantitativo. Pelo aspecto pessoal é possível perceber as partes que compõem a relação jurídica (sujeito ativo e passivo); quanto ao aspecto material, tem-se a ação descrita na hipótese de incidência. Pelo caráter espacial, por sua vez, percebe-se a localidade à qual será atribuída a ocorrência da ação. No caráter temporal da regra matriz depreende-se o tempo em que se deu ação (componente da regra matriz sobre o qual se debruçam os estudiosos para averiguar a constitucionalidade da substituição tributária progressiva); e pelo aspecto quantitativo alcança-se o valor auferível da operação. Assim, para apreender se é apropriada a exigência de algum tributo, necessário se faz observar, nas diretrizes legais, seu fato gerador, sua base de cálculo, sua alíquota e os sujeitos que integram a relação jurídica.   1.1 Dos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária Com relação aos sujeitos, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 119, dispõe: “sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Nessa lógica, sujeito ativo é o ente político responsável pela competência tributária. O sujeito passivo, por sua vez, está definido no artigo 121 do mesmo diploma legal: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Logo, nota-se que o responsável tributário é aquele que se submete, em virtude de lei, à vontade do estado de exigir a prestação tributária, por possuir vinculação ao fato gerador da obrigação tributária. A responsabilidade pode ser classificada por substituição ou por transferência. A primeira surge com a ocorrência do fato gerador. Já a responsabilidade por transferência decorre de um evento posterior à ocorrência do fato gerador. A figura da responsabilidade tributária está amplamente regulada nos artigos 128 a 138 do Código Tributário Nacional. No artigo 129 encontram-se os contornos da responsabilidade dos sucessores, que ocorre nos casos de atribuição aos adquirentes de imóveis da incumbência sobre a arrecadação dos impostos, taxas e contribuições incidentes sobre o bem adquirido. Incluem-se nessa categoria a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra, assim como a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual. Nesses casos, as pessoas jurídicas respondem pelos tributos devidos até a data do ato na condição de responsáveis. No artigo 134 do mesmo diploma legal está disposta a responsabilidade de terceiros, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Há, ainda, a figura do responsável por infrações, que responde nas ocorrências de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, além de infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar e infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico. Demais contornos sobre a figura do responsável tributário estão contidos no artigo 128 do CTN, vejamos: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Citado dispositivo foi muito lembrado nas discussões sobre a legalidade da responsabilidade por substituição tributária das operações subseqüentes. Contudo, somente com a introdução da Emenda 03/93, a Constituição Federal passou a autorizar tal procedimento. No que tange às modalidades de responsabilidade, a que mais suscita dúvidas a respeito de sua legitimidade é a substituição tributária, principalmente em sua modalidade antecipada, a qual se verifica quando a lei determina que uma terceira pessoa deva pagar o tributo em substituição ao contribuinte no momento da ocorrência do fato gerador. Percebe-se, porém, que sua instituição se deu para facilitar a arrecadação e a fiscalização dos tributos por parte do Fisco. A título de exemplo de como a substituição tributária é operacionalizada, pode-se mencionar sua utilização pelos Estados na arrecadação do ICMS, imposto responsável pela maior parte da receita derivada dessas unidades federadas. Na cadeia de circulação de mercadorias, existem diversos contribuintes (importadores/fabricantes, atacadistas, distribuidores e varejistas) responsáveis pelo pagamento do mencionado imposto e fiscalizar cada um desses sujeitos passivos a fim de apurar a regularidade das operações realizadas, o cumprimento das obrigações e, principalmente, o recolhimento do débito tributário, seria moroso e difícil. Diante das dificuldades encontradas na apuração, os estados atribuíram, por lei, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto ao contribuinte que se encontra no início da cadeia de circulação da mercadoria, como forma de aperfeiçoar o controle das obrigações tributárias.   1.2 Substituição tributária progressiva, concomitante e regressiva A substituição tributária se apresenta sob três modalidades: substituição tributária das operações subsequentes (substituição tributária para frente), substituição tributária das operações concomitantes e substituição tributária regressiva (substituição tributária para trás). Quanto à substituição tributária regressiva, esta ocorre nos casos em que as pessoas ocupantes das posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores nessas mesmas cadeias. Não existem muitos questionamentos acerca desta modalidade de substituição, uma vez que o pagamento do imposto é apenas diferido, ou seja, o fato gerador já ocorreu, mas o tributo será pago posteriormente. Há também a possibilidade de se instituir a figura do responsável tributário das operações concomitantes. Nesta modalidade, o imposto é recolhido no instante em que ocorre o fato gerador, tendo como exemplo a responsabilidade do contratante pelo débito tributário devido nos serviços de transporte prestado por autônomo ou empresas transportadoras não inscritas no cadastro de contribuintes. Já a substituição tributária para frente se dá nos casos em que as pessoas ocupantes das posições seguintes das cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições anteriores nessas mesmas cadeias. Nota-se que, neste último caso, haverá a antecipação do pagamento do tributo, antes mesmo da efetiva ocorrência do fato gerador. Surgem daí os questionamentos acerca de sua legitimidade. Vale reiterar que a própria Constituição Federal prevê, em seu artigo 150, § 7º, parte final, a restituição do tributo pago caso o fato gerador presumido não ocorra. Ademais, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de restituição quando ocorre o fato gerador por um valor inferior ao recolhimento realizado pelo responsável no inicio da cadeia. Desse modo, entende-se que não haverá encerramento da cadeia tributária, uma vez que o contribuinte poderá requerer a restituição do valor pago à maior quando a base de cálculo utilizada para a operação efetivamente realizada for inferior ao valor recolhido. A Fazenda Pública, outrossim, poderá cobrar a complementação do débito, caso a base de cálculo utilizada para a operação seguinte seja superior àquela empregada no cálculo da substituição tributária.   1.3 Do encerramento da cadeia de tributação O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o encerramento da cadeia de tributação, nos casos de substituição tributária progressiva, foi alterado, após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593849, com repercussão geral reconhecida. Antes dessa deliberação havia o encerramento da cadeia de tributação, tendo em vista que não era devida ao contribuinte substituído a restituição da diferença entre o valor do tributo recolhido previamente e aquele realmente devido no momento da operação de venda. No entanto, em 2016, a Suprema Corte sedimentou o entendimento de que o contribuinte teria direito à diferença entre o imposto pago e o calculado a título de substituição tributária. Segundo consta no acórdão proferido, o tributo só se torna efetivamente devido com a ocorrência do fato gerador, e a sua inocorrência total ou parcial exige a devolução do imposto, sob pena de ocorrência de confisco ou enriquecimento sem causa do Estado. Dessa forma, não há mais que se falar em encerramento da tributação ou em definitividade de base de cálculo quando houver substituição tributária progressiva e o valor recolhido for superior ou inferior ao utilizado no cálculo da quantia presumida, diante da possibilidade de devolução do tributo antecipado.   1.4 Do cálculo da substituição tributária progressiva do ICMS Conforme explanado, um dos maiores expoentes da substituição tributária progressiva é o imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Citado imposto é regulado por cada estado instituidor e suas legislações trazem dispositivos que abordam a figura da substituição tributária. O primeiro fundamento de validade do instituto é a Constituição Federal, no artigo 150, § 7º. Além disso, a LC 87/96, que traça aspectos gerais sobre o ICMS, apresenta alguns delineamentos sobre o regime. Acerca de seu aspecto quantitativo, a LC 87/96 disciplina em seu artigo 8º a composição da base de cálculo na substituição tributária. Da leitura da norma, entende-se que a base de cálculo do ICMS é obtida pelo somatório do valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário com o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. A lei estabelece que, caso o preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, será o referido preço por ele estabelecido. Demais disso, preceitua que, existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estadual estabelecer como base de cálculo este preço. A respeito da margem de valor agregado, que deve ser adicionada ao cálculo do valor do imposto devido, a lei complementar aduz que será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei. Sobre o valor presumido Ângelo Braga Netto Rodrigues de Melo esclarece: “ao elemento material real (operação praticada pelo substituto) corresponde, para fins de base de cálculo, um valor real; para o elemento material presumido, corresponde uma base de cálculo presumida, obtida por intermédio de um inteligente mecanismo que busca alcançar o real preço de mercado. Então, é obvio que a base de cálculo confirma perfeitamente a hipótese de incidência, além de determinar a “intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.”. Desta feita, o imposto a ser pago pelo substituto tributário corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.   1.5 As figuras do substituto tributário e do substituído tributário Quando se faz a análise da responsabilidade tributária por substituição, é importante perquirir sobre os sujeitos que integram essa relação jurídica, quais sejam, o substituto tributário e o substituído. O substituto é aquele que efetivamente recolhe o imposto das transações subsequentes. O contribuinte substituído é aquele acaba sendo dispensado de realizar o pagamento do imposto, já que este fora feito anteriormente pelo substituto. Para Leonardo Pausen (2009): “A figura da substituição tributária existe para atender a princípios de racionalização e efetividade de tributação, ora simplificando os procedimentos, ora diminuindo as possibilidades de inadimplementos ou ampliando as garantias 12 de recebimento do crédito. A rigor, a substituição tributária não é propriamente uma figura de responsabilidade tão-somente, pois a lei obriga o substituto a efetuar o pagamento do tributo e não apenas a responder no caso de inadimplemento pelo contribuinte. Mas o CTN não distingue as figuras.” Importa reiterar que, caso não ocorra operação ou prestação subseqüente ao pagamento do imposto ou esta seja realizada por valor superior ao recolhido, o contribuinte substituído poderá pleitear a repetição do indébito tributário. O artigo 10 da LC 87/96 e seus parágrafos regulam a forma de restituição desses valores: “Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar. § 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo. § 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.” Soma-se a isso a questão da aplicabilidade do artigo 166 do Código Tributário Nacional à figura da responsabilidade tributária por substituição.      Referido artigo contem os seguintes dizeres: “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.” Essa regra tem por objetivo evitar a restituição dos valores pagos ao contribuinte de direito, que apenas efetuou o recolhimento do tributo, mas não arcou com o encargo financeiro por haver transferido a um terceiro, o contribuinte de fato. Vale ressaltar que tanto o artigo 150, § 7º, da Constituição Federal quanto o artigo 10 da Lei Complementar 87/96, que tratam de tal restituição, não condicionam o ressarcimento do ICMS na substituição tributária pelo substituído à comprovação do encargo financeiro. Tal fato se dá porque se presume que o encargo foi suportado pelo substituído, que é o contribuinte de fato e que arcou com o encargo financeiro decorrente do imposto. De igual modo, é imperioso observar que, em nenhum momento, nas páginas do acórdão do STF, houve qualquer menção a tal dispositivo legal, o que só reforça a constatação de que de fato é o contribuinte substituído quem arca com o ônus do imposto e deve ser contemplado com a restituição. A fim de reforçar esse posicionamento, a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça afasta argumentos no sentido de que o ressarcimento, na substituição tributária, estaria vinculado à observância da regra do artigo 166 do CTN, a saber: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO MENOR QUE A PRESUMIDA. DIREITO À DEVOLUÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. DIREITO DE O SUBSTITUÍDO PLEITEAR A REPETIÇÃO DE CRÉDITO ANTERIOR À LC N. 87/1996. QUESTÃO DECIDIDA À LUZ DE FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 166 DO CTN. INAPLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO. DEMANDA AJUIZADA ANTES DA LC N. 118/2005. TESE DOS “CINCO MAIS CINCO [STJ, AgInt no REsp 1.426.465/PR, 1ª Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJ 7.2.2019].” Desta forma, verifica-se que o contribuinte substituído é quem de fato arca com o encargo financeiro do ICMS-ST, afastando a viabilidade de repasse do encargo tributário ao consumidor final.   1.6 Da constitucionalidade da substituição tributária progressiva A corrente doutrinária favorável à substituição tributária das operações subsequentes alega que a antecipação do tributo é constitucional e que deve ser levado em consideração, a título de legalidade, o tempo de pagamento do tributo e não o da ocorrência do seu fato gerador. Deveriam ser analisados, portanto, dois aspectos distintos do regime. O primeiro diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador, que faz nascer a obrigação tributária; e o segundo seria o momento do pagamento do tributo, que pode ser estabelecido antes mesmo do surgimento da obrigação tributária, desde que seja assegurada ao substituído a restituição dos valores pagos em excesso ou em virtude de fato gerador não ocorrido. Para Marco Aurélio Greco é plenamente aceitável a tributação anterior ao fato gerador: “A visão tradicional, com a devida vênia, desconsidera uma característica ínsita ao fenômeno jurídico que é a de as normas serem produtos de atos de vontade em que, portanto, se agregam elementos que serão válidos desde que não contrariem a norma superior. A Constituição Federal atribui competência (âmbito de cabimento de legislação) em matéria tributária, mas não exige que, no exercício desta competência, o modelo criado seja única e exclusivamente o obrigacional. O Direito conhece inúmeras outras situações jurídicas subjetivas que podem ser criadas de modo a assegurar o atendimento às finalidades e objetivos da tributação. O Direito não se resume ao modelo obrigacional! Em suma, a competência tributária constitucionalmente conferida comporta todos os modelos operacionais que não contrariem a sua essência, nem o conjunto de princípios do sistema e garantias asseguradas ao contribuinte.” Nessa linha, Sacha Calmon (1999) leciona sobre a adoção do regime: “(…) a sua adoção constitui exigência da sociedade moderna, visando à aplicação do princípio da praticabilidade da tributação, apoiando-se em dois valores básicos: necessidade de evitar a evasão fiscal (segurança fiscal) e de assegurar recursos com alto grau de previsão e praticabilidade (certeza fiscal).” Preceituam os defensores, ainda, que substituto e substituído mantém um vinculo econômico no processo de circulação de mercadorias e a lei tem o poder de estender-lhes o vinculo jurídico da substituição, desde que garantidos o reembolso e a restituição do indébito. (TORRES, 1996, p. 192). Por seu turno, a corrente contrária à substituição tributária apregoa que ao se permitir que fatos futuros e incertos sejam tributados antecipadamente sem saber ao certo se realmente ocorrerão, haverá uma grave vulneração ao principio da segurança jurídica. Interessa acrescentar a posição do doutrinador Carrazza (2006), inserido dentre os que refutam o citado regime: “(…) a referida Emenda Constitucional “criou” a absurda figura da responsabilidade tributária por fato futuro, ou, como querem alguns, da substituição tributária “para frente”. Deveras, o supracitado preceito “autoriza” a lei a fazer nascer tributos de fatos que ainda não ocorreram mas que, ao que tudo indica, ocorrerão. Noutros termos, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigações tributárias.” Tem-se, ainda, a explanação de José Eduardo Soares Melo (2006), que discorre sobre a incompatibilidade do regime com os princípios constitucionais: “Inaplicável – como regra – a figura da presunção como resultado do processo lógico, e mediante o qual fato conhecido, cuja existência é certa, infere-se fato desconhecido ou duvidoso, cuja existência é provável. Não se estará diante de uma autêntica presunção legal (“juris et de jure”) estabelecendo uma verdade jurídica, pois supor que um fato tributário acontecerá não é jamais o mesmo que tornar concreta sua existência, de modo a conferir segurança e certeza a uma exigência tributária.” O Supremo Tribunal Federal alinha-se a primeira corrente ao reconhecer a legitimidade do mecanismo da substituição tributária. Trago à colação julgado da Suprema Corte nesse sentido: AGRAVO ‘INOMINADO – APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA – RECOLHIMENTO POR REGIME DE ESTIMATIVA – CONSTITUCIONALIDADE – ARTIGO 150, § 7º, DA CF/88 – CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO – INTERPRETAÇÃO – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO C. STF – LEI ESTADUAL Nº 5.541/97 – HIGIDEZ DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – REJEIÇÃO – CONTINUIDADE DA EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO (STF – AI: 860652 ES – ESPÍRITO SANTO, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 14/03/2016. Data de Publicação: DJe-050 17/03/2016).” Tem-se, portanto, que hoje, a despeito de alguns posicionamentos dissonantes, a responsabilidade por substituição tributária das operações subsequentes é legítima e serve como instrumento facilitador da atuação dos agentes da administração tributária, promovendo uma maior justiça fiscal.   Conclusões Diante de todo o explanado, percebe-se que a substituição tributária progressiva surgiu objetivando facilitar o controle da arrecadação e da fiscalização dos tributos e tem como um de seus pressupostos a facilitação da operacionalização do recolhimento dos tributos instituídos pelos entes federados, na medida em que reduz o universo de contribuintes a serem fiscalizados e evita que ocorra a sonegação dos tributos devidos. Contudo, em que pese ser uma medida que facilita a fiscalização do Estado para o pagamento dos tributos, a substituição progressiva é tema que ainda provoca acirrados debates na doutrina. Alguns juristas apregoam sua inconstitucionalidade, por, supostamente, ferir alguns princípios constitucionais, como a legalidade e a segurança jurídica. Outros estudiosos do direito, por sua vez, defendem sua juridicidade, sob o argumento de que a análise da substituição se referiria ao tempo de pagamento do tributo, o qual poderia ser antecedente, sem interferir no tempo de ocorrência do fato gerador. Esses estudiosos sugerem que a antecipação do pagamento de impostos é largamente admitida no nosso direito e não padece de vicio de inconstitucionalidade A despeito dos debates sobre o tema, a substituição tributária para frente possui abordagem constitucional e os Tribunais Superiores defendem sua legitimidade. Recentemente o Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento sobre a repetição ao substituído da diferença entre o valor presumido e o efetivamente realizado na operação de venda, fazendo com que não haja mais encerramento da cadeia de tributação com o pagamento realizado. Desta forma, torna-se mais justa a utilização desse regime, propiciando ao contribuinte substituído a possibilidade de reaver valores pagos a maior e evitando o enriquecimento ilícito por parte do Estado. Assim e diante do exposto, verifica-se que os entes políticos que atribuírem a responsabilidade por substituição a terceira pessoa por fato gerador que deva ocorrer posteriormente não estarão agindo ao desamparo da lei e estarão escorados na melhor jurisprudência. Além do mais, vale ressaltar que estando a retenção antecipada prevista na Constituição Federal, não se pode mais alegar sua inconstitucionalidade.
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A progressividade das alíquotas do ITBI e a insegurança jurídica
O presente trabalho visa analisar a insegurança jurídica decorrente da aplicação de alíquotas progressivas no ITBI. O estudo explora a discussão acerca da interpretação doutrinária e jurisprudencial do Princípio da Capacidade Contributiva, bem como a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da progressividade de alíquotas do ITBI, analisando os votos dos Ministros e a posição da doutrina atual. Neste trabalho foi estudada a alteração de entendimento do STF que, ao julgar a progressividade do ITCMD, passou a permitir a progressividade tributária no caso de impostos classificados como “reais”. Essa alteração de entendimento acerca da progressividade nos impostos reais gerou insegurança jurídica, dada a possibilidade da edição de leis municipais que instituam alíquotas progressivas. Também, foi analisada a jurisprudência atual dos tribunais, de modo a identificar como a deliberação do STF impactou nas decisões de tribunais inferiores. Por fim, conclui-se que, embora o STF tenha permitido a progressividade no caso de impostos reais, a proibição ainda não foi alterada no tocante ao ITBI. Apesar de ter enfraquecido o fundamento da Súmula 656, e possivelmente indicado um futuro posicionamento do Tribunal, até que ocorra uma manifestação formal por parte do Supremo, a progressividade do imposto municipal continua vedada.
Direito Tributário
Introdução O princípio da Capacidade de Contribuição é um dos pilares do Direito Tributário. Na Constituição Federal de 1988, ele encontra-se previsto no § 1º do artigo 145, que dispõe que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. A fim de se garantir a aplicação desse princípio, a doutrina apresenta algumas técnicas, tais como a proporcionalidade, a seletividade e a progressividade. A progressividade tributária consiste na aplicação de alíquotas diferenciadas, graduação esta definida pelo legislador em função de critérios eleitos, os quais buscam satisfazer o Princípio da Capacidade Contributiva, de tal forma que quem possui mais riqueza deve arcar com maior quantidade de tributos. Não se trata, portanto, de incorrer no pagamento de mais tributos apenas proporcionalmente, mas sim, uma maior quantidade efetiva de desembolso. Como se verá ao longo deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal, durante muito tempo, considerou que os tributos classificados como “reais” não poderiam sofrem incidência de alíquotas progressivas, uma vez que, por não levar em consideração os aspectos pessoais do sujeito passivo, violaria o princípio da Capacidade de Contribuição. Tal entendimento pode ser comprovado por meio do RE nº 153.771-0/MG de 1996[1], o qual inadmitiu a progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por considerar que esse imposto possui caráter real – o que seria incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte. Também há o RE nº 234.105-3/SP de 1999[2], o qual julgou que a Constituição Federal, no caso do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter vivos (ITBI), não autoriza a progressividade das alíquotas, utilizando, dentre outros fundamentos, o fato de o ITBI ser um imposto real. Assim, após diversos julgados no mesmo sentido, o STF editou, em 2003, a Súmula Vinculante nº 656, que prescreve ser inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter vivos – ITBI com base no valor venal do imóvel; ou seja, pacificou, neste momento, o entendimento acerca da progressividade de alíquotas no ITBI. Porém, no ano de 2013, no julgamento do RE nº 562.045/RS[3], o STF determinou a constitucionalidade da progressividade de alíquota de Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de bens e direitos – ITCMD. Nesse caso, foi novamente apreciada a questão da progressividade de impostos reais, decidindo-se, agora, pela possibilidade de aplicação de alíquotas progressivas mesmo quando se tratar de impostos reais. Com base nesta decisão, diversos autores passaram a defender a tese da superação da Súmula 656 sob o fundamento de que, ao possibilitar a progressividade para o ITCMD, o STF deveria adotar o mesmo posicionamento para o ITBI. Tal fato gera uma situação de insegurança jurídica, que afeta não apenas os mais de 5 mil municípios brasileiros como, também, milhões de contribuintes. No presente trabalho, será estudada tanto a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da progressividade tributária, bem como os principais julgados da corte acerca do tema e também os fundamentos empregados pelos Ministros. O enfoque do estudo será na progressividade do ITBI, dado que a recente decisão sobre o ITCMD poderia afetar a questão relacionada ao imposto municipal. Ao longo da análise será empreendido um estudo específico acerca do ITBI, inclusive com um comparativo entre suas semelhanças e diferenças no tocante ao ITCMD. Para tal, serão apresentadas as principais classificações doutrinárias acerca dos tributos e como estes podem influir na questão da progressividade; também serão analisadas as principais posições doutrinárias acerca da Capacidade de Contribuição e da progressividade, uma vez que é patente a divergência entre os autores. Ademais, será analisada a jurisprudência que trata do tema, investigando-se os fundamentos dos votos dos acórdãos. Por fim, será apresentada a discussão atual acerca da questão da progressividade das alíquotas do ITBI, bem como serão tecidas as conclusões às quais o estudo chegou.   O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI possui, em sua origem, estreita relação com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens – ITCMD. Considerando que o tema de estudo da presente pesquisa é a progressividade das alíquotas para o ITBI, faz-se relevante analisar as semelhanças e diferenças entre tais impostos, uma vez que muitos argumentos levantados pela doutrina e pela a jurisprudência são comuns a ambos impostos. A origem do ITBI remonta ao Alvará de 03 de junho de 1809, por meio do qual se criou o imposto da sisa da compra e venda dos bens de raiz. Por sua vez, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, datada de 1891, estabeleceu, em seu artigo 9º, que competia exclusivamente aos Estados decretar impostos sobre transmissão de propriedade; já a Constituição de 1934 segregou o referido tributo em imposto sobre a transmissão de propriedade causa mortis e em imposto sobre transmissão de propriedade imobiliária inter vivos, inclusive sua incorporação ao capital de sociedades, mantendo-se aos Estados a competência privativa para a sua instituição. Posteriormente, tanto a Constituição de 1937 quanto a de 1946 mantiveram a competência estadual para se instituir esse tributo. Por meio da edição da Emenda Constitucional nº 5, de 1961, a competência foi compartilhada entre Estados e Municípios, cabendo, portanto, a estes entes a competência relativa ao imposto sobre a transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedades, mantendo-se aos Estados a competência para instituir o imposto sobre a transmissão de propriedade causa mortis. Porém, após poucos anos, precisamente em 1965, a Emenda Constitucional nº 18/1965 procedeu novamente a uma reformulação do sistema tributário nacional, voltando a unificar os dois impostos e os reinserindo sob a competência dos Estados. Da mesma forma, a Constituição de 1967 estabeleceu que o imposto era de competência dos Estados e do Distrito Federal. Por fim, a Constituição de 1988 novamente segregou os impostos, de modo que o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD ficou sob a competência dos Estados e do Distrito Federal, já o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis inter vivos ficou a cargo dos Municípios. A seguir encontram-se transcritos os artigos 155 e 156 da Constituição Federal de 1988[4], os quais outorgam a competência tributária aos respectivos entes: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III – propriedade de veículos automotores.    Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana; II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.” A competência do ITBI é de âmbito municipal, portanto, cada cidade pode elaborar a sua própria lei instituidora. Evidentemente, cada lei será diferente, com particularidades locais próprias; no entanto, de modo geral, a estrutura básica é semelhante. Com efeito, existe uma série de semelhança entre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, a começar por sua origem histórica e por ambos terem sido, por muito tempo, de competência estadual. Porém, sua principal diferença reside no fato de que o imposto municipal incide sobre transmissões onerosas, ao passo que o imposto estadual recai sobre operações gratuitas. Essa diferença traz grandes consequências se os tributos forem analisados sob o aspecto econômico. Enquanto as operações gratuitas constituem verdadeiros ganhos de rendimento para o contribuinte, semelhantemente ao que ocorre no Imposto de Renda – IR, as operações onerosas são similares às relações de consumo, tal como no caso dos impostos que incidem sobre a compra de produtos. Como se verificará nas seções seguintes, a diferença entre impostos sobre renda e impostos sobre consumo, ao lado da discussão sobre a interpretação do Princípio da Capacidade Contributiva e também da inteligência do § 1º do artigo 145 da Constituição de 1988, configuram a principal fonte de discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da progressividade das alíquotas do ITBI.   2. Classificação dos tributos Dando continuidade à análise dos tributos, a doutrina elenca diversos critérios de classificação, tais como: Diretos e Indiretos; Pessoais e Reais; quanto à competência de quem os instituiu ou cobra; quanto ao caráter fiscal ou extrafiscal; pelo critério financeiro; pelo critério de fixo ou variável; quanto à progressividade, proporcionalidade ou seletividade; quanto à sua classificação imposta pelo CTN, entre outras. No presente estudo, duas classificações se mostram fundamentais, a saber: a que se refere a impostos Diretos e Indiretos; e a que se refere a impostos Pessoais e Reais. Conforme será verificado nas próximas seções, a discussão sobre a progressividade dos tributos envolve a interpretação do Princípio da Capacidade Contributiva, de modo que grande parte do debate gira em torno da possibilidade da progressividade no caso de impostos Reais, por essa razão, é relevante classificá-los.   2.1 Diretos e Indiretos De acordo com Amaro (2017, p.112), a divisão de tributos em diretos e indiretos configura uma classificação de fundo econômico, contudo, com reflexos jurídicos. Os primeiros são devidos, “de direito”, pelas mesmas pessoas que, “de fato”, suportam o ônus do tributo, como por exemplo, o Imposto de Renda; os indiretos, ao contrário, são devidos, “de direito”, por uma pessoa (denominada “contribuinte de direito”), mas suportados por outra (“contribuinte de fato”). Ou seja, o “contribuinte de direito” recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro para o “contribuinte de fato”. O IPI, o ICMS e o ISS são exemplos de impostos indiretos. No entanto, ainda segundo o autor, é preciso ter certa cautela com essa classificação, pois, juridicamente, todo contribuinte é de direito, pois é a lei que o define. Assim, é necessária uma análise de conteúdo econômico, a fim de identificar a quem caberia o ônus e, por conseguinte, apontar-se-á se há – ou não – a figura do contribuinte de fato, como personagem diversa. Tal classificação é fonte de incertezas, pois, não raras vezes, tributos ditos “indiretos” não são repassados a terceiros, mas suportados pelo próprio contribuinte de direito; por outro lado, é difícil encontrar um tributo dito “direto” que não possa, por meio de algum mecanismo, ser “embutido” no preço de bens ou de serviços e, portanto, ser “repassado” a terceiros. Para Shoueri (2016. p.171), essa classificação não possui relevância prática e tampouco encontra suporte nos estudos de finanças públicas. O critério financeiro, por sua vez, leva em consideração o fluxo circular de riquezas, sendo, portanto, indiretos os tributos que incidem sobre a renda consumida e, diretos, os demais (sobre renda produzida, distribuída ou poupada). A partir da classificação financeira proposta por Shoueri, seria possível identificar uma das diferenças entre o ITBI e o ITCMD. Ao se interpretar a definição sugerida pelo autor, poder-se-ia classificar o ITBI como tributo indireto, haja vista que incide sobre a renda consumida, ao passo que o ITCMD seria um tributo direto, visto que recai sobre a renda. Porém, ao considerar a definição tradicional da classificação entre impostos diretos e indiretos, Shoueri destaca que a jurisprudência do STJ mantém-se firme ao entender como “indiretos” apenas ICMS, ISS e IPI. A doutrina também traz, aliado ao conceito de impostos Indiretos, o conceito de Repercussão Tributária. De acordo com o apresentado por Carneiro (2018. p. 269), a Repercussão Tributária é o repasse do encargo financeiro do tributo para quem estiver na etapa subsequente da cadeia econômica; desse modo, o repasse pode ou não gerar um “efeito cascata”. A fim de minimizar esse efeito, surge o sistema da não cumulatividade. Discute-se, então, se a Repercussão Tributária seria um fenômeno econômico ou jurídico: para parte da doutrina, trata-se de um fenômeno jurídico, para outra, é um fenômeno econômico.   2.2 Pessoais e Reais Quanto à classificação entre pessoal e real, Amaro (2017. p. 112) assevera que esta depende do ato de se verificar se na configuração do fato gerador predominam características objetivas ou subjetivas. Se o tributo leva em consideração aspectos pessoais do contribuinte (como por exemplo, nível de renda, estado civil, família etc.), ele se diz pessoal; real será o tributo que ignora tais aspectos. Frequentemente, na mesma espécie tributária, combinam-se características pessoais ou subjetivas e características materiais ou objetivas. O Imposto de Renda é típico imposto pessoal, embora, em algumas hipóteses, possa apresentar caráter real (por exemplo, no caso de rendimentos de residentes no exterior, em que o imposto incide exclusivamente na fonte, abstraindo, em regra, as condições pessoais do beneficiário); o imposto de transmissão de imóveis já constitui exemplo de imposto real. Como se verá amplamente detalhado nas próximas seções, o entendimento tradicional do STF era no sentido da impossibilidade de aplicação de alíquotas progressivas na base de cálculo de impostos reais, haja vista que isso violaria o Princípio da Capacidade Contributiva. Porém, recentemente, o entendimento da corte foi alterado: no julgamento do RE nº 562.045/RS, o Supremo adotou uma interpretação ampliativa do Princípio da Capacidade Contributiva, determinando ser possível a progressividade tributária para impostos reais, possibilitando, assim, a progressividade para o ITCMD.   3. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E PROGRESSIVIDADE A Capacidade Contributiva é um verdadeiro princípio constitucional que rege o Direito Tributário; está associada à justiça social e ao ideal de que cada indivíduo deve contribuir de acordo com sua capacidade econômica, ou seja, aqueles que podem mais, pagam mais, e, os que podem menos, pagam menos. O princípio, segundo Gregório (2011. p. 160-165), remonta ao Antigo Egito, firmando-se, com o advento do capitalismo, como postulado para a tributação. De acordo com o autor, a partir de sua inserção na Declaração de Direitos de 1789, a Capacidade Contributiva encontra-se presente nas Constituições de diversos países. No Brasil, encontra-se prevista no art. 145, § 1º, da Carta Política de 1988[5]. A seguir, a transcrição do artigo: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Mesmo sendo um princípio, a Capacidade de Contribuição não pode ser aplicada isoladamente, mas deve ser ponderada em conjunto com outros princípios constitucionais, tais como: o da Igualdade e o da vedação ao confisco. Conforme ressalta Gregório (2011. p. 160-165), os princípios impõem limitações e proibições dirigidas tanto ao legislador quanto aos aplicadores da lei. Na perspectiva do autor, a Capacidade Contributiva é a melhor expressão da Justiça Fiscal e Distributiva; ainda segundo Gregório, ao longo do tempo, a doutrina utilizou-se de diferentes critérios para conceituar a Capacidade Contributiva. Tais critérios se dividem em três grupos, quais sejam: 1) Os que aproximam a Capacidade Contributiva dos ideais de Justiça Fiscal, Igualdade e Isonomia; 2) Os que relacionam a Capacidade Contributiva às diferentes particularidades atribuídas ao sujeito passivo do fenômeno da incidência, tais como: suas possibilidades reais, sua subsistência e sua idoneidade patrimonial; 3) Os que vinculam a Capacidade Contributiva à proporcionalidade, à revelação de riqueza, à distribuição dos gastos públicos ou à obrigação perante o fisco. Como se verá na seção referente à evolução do entendimento do STF sobre a progressividade, existe divergência jurisprudencial acerca da interpretação do § 1º do artigo 145 da Constituição Federal. Tal divergência diz respeito principalmente acerca de qual critério deverá ser adotado a fim de se interpretar o Princípio da Capacidade Contributiva. Tradicionalmente, o STF interpretava de forma restritiva a Capacidade, portanto, considerando apenas o aspecto subjetivo do sujeito passivo. Porém, recentemente, esse entendimento foi alterado, uma vez que o STF passou a admitir a possibilidade de progressividade nos impostos reais, adotando, assim, a interpretação ampliativa, a qual prevê que a Capacidade de Contribuição pode ser mensurada a partir de signos externos de riqueza; dessa forma, a Corte passou a adotar um critério objetivo, o qual não depende, necessariamente, das características pessoais do contribuinte. Elizabeth e Roque Carrazza são dois defensores da interpretação objetiva da Capacidade Contributiva. Ao tratar da definição de Capacidade Contributiva, Carrazza (1998. p. 45) aponta que a capacidade econômica é, em seu conceito mais amplo, a aptidão que cada cidadão tem, em tese, para contribuir – mediante impostos – para o abastecimento dos cofres públicos, sem prejuízo das próprias necessidades de subsistência, bem como das de sua família. Porém, a autora afirma que, atualmente, esse conceito estaria ultrapassado sob o ponto de vista jurídico. Isso porque, na ótica de Carrazza, a Constituição elenca como fatos passíveis de tributação os que considera fatos-signo presuntivos de riqueza; tais fatos são tidos como exteriorizações da capacidade contributiva do cidadão. Quanto ao alcance desse princípio, conforme Carrazza (2015. p. 105), os impostos, quando ajustados à capacidade contributiva do indivíduo, permitem que os cidadãos cumpram, perante a sociedade, seus deveres de solidariedade política, econômica e social. Assim, segundo o autor, os que pagam este tipo de exação devem contribuir para as despesas públicas não em razão daquilo que recebem como retorno por parte do Estado, mas sim de suas potencialidades econômicas. Carrazza salienta que a capacidade contributiva à qual a Constituição alude – e que a pessoa política é obrigada a levar em consideração ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência – é objetiva, e não subjetiva. É objetiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, de modo a considera-lo individualmente, mas sim às suas manifestações objetivas de riqueza (ter um imóvel, possuir um automóvel etc.). Assim, conforme aponta Carrazza, atenderia ao Princípio da Capacidade Contributiva a lei que, ao instituir o imposto, colocasse em sua hipótese de incidência fatos que, a priori, fizessem presumir que quem os realiza possui riqueza suficiente para ser alcançado pelo imposto específico. Desse modo, pouco importaria se o contribuinte que praticou o fato imponível do imposto não reunisse, por razões personalíssimas, condições para suportar a carga tributária; por exemplo, uma pessoa pobre que ganhe um carro importado em um sorteio deverá pagar o respectivo IPVA, independentemente de sua situação financeira pessoal. Tal como mencionado anteriormente, a Capacidade Contributiva decorre do entendimento acerca do § 1º do artigo 145 da Constituição. Ao se interpretar o parágrafo, segundo aponta Amaro (2017. p. 166-169), a expressão “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Assim, a depender das características de cada imposto – ou da necessidade de se utilizar o imposto com finalidades extrafiscais –, os princípios poderiam ser excepcionados. Ou seja, diferentemente da perspectiva de Carrazza, Amaro entende que deve ser considerado tanto o aspecto objetivo quanto o subjetivo. Amaro assevera ainda que os impostos reais também devem ser informados pelo Princípio da Capacidade Contributiva. Não haveria, segundo ele, no caso de impostos indiretos, qualquer razão pela qual pudessem ser desconsiderados os valores que os princípios buscam preservar. Faz-se importante destacar que Amaro afirma que os impostos reais devem ser informados pelo Princípio da Capacidade Contributiva, porém, o que não significa, necessariamente, que deva ser aplicada a progressividade, haja vista que a progressividade tributária constitui apenas uma dentre as demais técnicas empregadas para se garantir o princípio em questão. Dois autores que adotam a posição de que deve ser considerado apenas o critério pessoal são: Ives Gandra da Silva Martins e Hugo de Brito Machado. Ambos sustentam que a ressalva “sempre que possível” aplicar-se-ia somente para a personalização, e que, caso não o fosse, o Princípio da Capacidade Contributiva ficaria anulado. De fato, de acordo com definição de Machado Segundo (2019. p. 93), ao interpretar o § 1º do art. 145, ele aponta que: “Ter caráter pessoal significa ser calculado, ou ter o seu montante determinado, conforme as peculiaridades e características inerentes a cada contribuinte”. Uma crítica feita por aqueles que são contrários a considerar apenas o aspecto objetivo é a seguinte: suponha que um jovem casal decida morar junto e comprar um apartamento próprio, mas, por possuir poucos recursos financeiros, esse casal opta por um financiamento a ser pago em vinte anos, a fim de poder honrar com as prestações, no entanto, o casal passa por uma grave dificuldade financeira; por outro lado, um rico investidor decide comprar quatro apartamentos no mesmo prédio do casal, e esse investidor possui capacidade de pagar à vista todos os imóveis, pois o montante gasto representa apenas uma pequena parcela de seu capital. Nesta situação hipotética, todos os imóveis do prédio possuem o mesmo valor. Assim, considerando-se que a mesma alíquota seja aplicada sobre o valor do imóvel, tanto o jovem casal quanto o rico investidor pagarão rigorosamente a mesma quantidade de imposto por cada imóvel. Ressalte-se que, em sua essência, o Princípio da Capacidade Contributiva apregoa que quem possui maior capacidade deveria pagar mais impostos; então, no presente caso, configurar-se-ia uma injustiça tributária, dado que a quantidade de tributo foi rigorosamente a mesma para o casal e para o investidor. Uma outra situação, ainda mais grave, que poderia ocorrer é a seguinte: considere-se que o preço do imóvel comprado pelo jovem casal seja de um milhão de reais. O investidor, por sua vez, decide comprar quatro apartamentos no valor de duzentos e cinquenta mil reais cada. Supondo que, neste exemplo dado, o Município tenha instituído uma lei que prevê alíquotas progressivas para o ITBI, de tal sorte que, para imóveis de duzentos e cinquenta mil reais, incida a alíquota de 2%, ao passo que, para o imóvel de um milhão de reais, incida uma alíquota de 5%. No caso em tela, ambos investirão um milhão de reais em imóveis, porém, o casal pagará cinquenta mil reais de impostos, enquanto o rico investidor pagará vinte mil reais. Isto é, o rico investidor desembolsará a mesma quantidade de dinheiro que o casal para a compra dos imóveis, porém, pagará menos imposto. No que concerne à mensuração da Capacidade Contributiva, segundo aponta Gregório (2011. p. 160-165), na hipótese de ser identificado quaisquer óbices que dificultem a personalização do imposto, a Capacidade Contributiva será evidenciada pela seletividade, a exemplo do que se dá com os impostos indiretos. Em relação aos impostos, a mensuração se apresenta sob diferentes aspectos, de modo que pode ser verificada por meio da renda, do patrimônio ou do consumo de bens ou de serviços. Da mesma forma, Amaro (2017. p. 166-169) afirma que, no campo dos impostos indiretos, que se caracterizam por sua regressividade, esta poderia ser atenuada por meio da aplicação da seletividade em função da essencialidade dos bens; a seletividade, neste caso, apresentar-se-ia como uma técnica de implementação da justiça fiscal. Conforme resume Carrazza (1998. p. 86), no tocante aos impostos, a igualdade tributária é garantida por meio do respeito à capacidade contributiva; em relação às taxas, pelo princípio da retribuição ou remuneração do serviço público ou da atividade de polícia; e, no que diz respeito às contribuições, pelo princípio da proporcionalidade da atuação do Estado relativa ao contribuinte. Ao abordar o IPTU, Carrazza afirma que tal imposto só estará respeitando o Princípio da Capacidade Contributiva se estiver presente a progressividade das alíquotas. A autora exemplifica ao salientar que este imposto deve ter como base de cálculo o valor do imóvel tributado, sendo que sua alíquota deveria ser maior ou menor, a depender de seu valor. Importante é destacar que o argumento defendido pela autora é do ano de 1998, portanto, anterior à Emenda Constitucional nº 29/2000, a qual previu a progressividade do IPTU, ou seja, em uma época em que o STF vedava expressamente a adoção de alíquotas progressivas para esse imposto. Acerca da aplicação da progressividade como forma de garantir o Princípio da Capacidade Contributiva, Carrazza (2015. p. 106) destaca que todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos, porque é graças à progressividade que se conseguiria atender ao Princípio da Capacidade Contributiva. Para o autor, as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo; assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, maior haverá de ser a alíquota aplicável, na determinação do quantum debeatur. Carrazza dá continuidade a seu raciocínio ao evidenciar que progressividade não se confunde com proporcionalidade. Para o autor, a proporcionalidade atrita com o Princípio da Capacidade Contributiva porque faz com que pessoas economicamente fracas e também indivíduos economicamente fortes paguem impostos calculados sob as mesmas alíquotas. Isto desatenderia ao Princípio da Capacidade Contributiva, haja vista que ambos estão pagando, em proporção, o mesmo imposto, de forma que não é levado em consideração a capacidade econômica de cada qual. A progressividade também é defendida por Amaro (2017. p. 166-169). A seu ver, a progressividade é um preceito que se aproxima do Princípio da Capacidade Contributiva; assim, a progressividade não seria uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas um refinamento desse postulado. A proporcionalidade implicaria, portanto, que riquezas maiores gerassem impostos proporcionalmente maiores; por sua vez, a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas de riqueza seja maior, fazendo, desse modo, valer também o Princípio da Capacidade Contributiva. Carrazza (2015. p. 107) enfatiza ainda que, salvo as exceções que a própria Lei Maior alberga, os impostos com alíquota fixa são inconstitucionais, em virtude de ofensa ao Princípio da Capacidade Contributiva, que estabelece que cada contribuinte seja tributado de acordo com suas manifestações objetivas de riqueza. Quanto ao ITBI, consoante Martins (2012), é perfeitamente cabível a progressividade fiscal no tocante tanto ao ITBI quanto ao ITCMD, de acordo com o Princípio da Capacidade Contributiva. O autor destaca que a Súmula 656 do STF (que proíbe a progressividade das alíquotas do ITBI) subsiste pela tradição, ou seja, pelo Convencionalismo. Por fim, constata que o STF, ao proibir a progressividade com base na capacidade contributiva, estaria se valendo de uma interpretação restritiva do Princípio da Capacidade Contributiva, resultando, segundo o autor, em uma tributação regressiva e injusta. No mesmo sentido, Conti (1999) sublinha que, não obstante a progressividade atinja resultados mais precisos quando aplicada sobre a renda auferida, é possível admitir que a progressividade do ITBI obedeça ao Princípio da Capacidade Contributiva. Na perspectiva do autor, é legítima a presunção de que o adquirente de um imóvel de maior valor tenha maior capacidade de arcar com o ônus tributário do que aquele indivíduo que negociou um imóvel de menor valor, devendo, portanto, suportar uma tributação mais gravosa. Para Harada (2016. p. 186), a obrigação tributária é sempre pessoal e presume-se que quem adquire um imóvel de valor venal mais elevado espelha objetivamente maior capacidade contributiva do que aquele indivíduo que adquire imóvel de valor venal menor, o que faz incidir o disposto no § 1º do art. 145 da Constituição Federal, segundo o qual os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Harada (2017. p. 543), em outra obra, aponta que a progressividade do ITBI – instituída pela legislação paulistana, sob a Lei nº 11.154/91[6] – foi de natureza estritamente fiscal, fundada exclusivamente no Princípio da Capacidade Contributiva, isto é, não possui relação com a função social da propriedade, pois, segundo o autor, inexiste e tampouco poderia existir uma transmissão de propriedade que cumpra a função social e uma outra que não satisfaça essa função. Ainda segundo Harada, a progressividade (do ITBI, no âmbito da legislação paulistana) foi condenada mais pelo aspecto da exacerbação das alíquotas, que variavam entre 2%, 4% e 6%, e menos por sua fundamentação básica de que, por ser imposto de natureza real, não importaria o aspecto subjetivo do contribuinte. Na perspectiva de Harada, se a progressividade variasse entre 0,5% até 2%, o entendimento do STF, ao apreciar a matéria, teria sido diferente, dado que a egrégia Corte julgou inconstitucional o artigo da Lei nº 11.154/91[7], que previa a progressividade das alíquotas.   4. EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A PROGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA Conforme disposição Constitucional, cabe ao Supremo Tribunal Federal a função de interpretar a Carta Magna de 1988. Portanto, as discussões acerca da constitucionalidade de alíquotas progressivas no ITBI envolvem o entendimento dos Ministros acerca desta matéria. No presente trabalho, serão analisados apenas os julgados do STF posteriores à Constituição de 1988, portanto, serão desconsiderados os posicionamentos e os votos proferidos sob a égide de constituições pretéritas. Em 1996, ao julgar o RE nº 153.771-0/MG[8], o STF se debruçou sobre a constitucionalidade da Lei nº 5.641[9], de 22 de dezembro de 1989, editada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Tal lei estabelecia alíquotas progressivas para o IPTU, que deveriam ser majoradas de modo proporcional ao aumento da base de cálculo. Acerca desse julgado, o relator, o Ministro Carlos Velloso, foi voto vencido, tendo a relatoria do acordão ficado a cargo do Ministro Moreira Alves. Segue transcrita a Ementa: “EMENTA: – IPTU. Progressividade. – No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. – Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. – Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso Extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no Município de Belo Horizonte.” O Ministro Carlos Velloso (que foi voto vencido) expressamente define em seu posicionamento que a Capacidade Contributiva deve ser identificada tendo por base as manifestações de riqueza; para tal, ele cita Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza, Elizabeth Nazar Carrazza e José Maurício Conti. Velloso argumenta que a progressividade pode se dar tanto com o intuito fiscal como extrafiscal e, de acordo com o seu entendimento, é constitucional a previsão de alíquotas progressivas com fins fiscais. O Ministro Moreira Alves, por sua vez, adota uma interpretação bastante restritiva acerca da capacidade contributiva; ele retoma a classificação de impostos reais e impostos pessoais, e interpreta que, ao se aplicar o artigo 145, § 1º, da Constituição, o Fisco deve considerar somente os critérios subjetivos do contribuinte, desse modo, a progressividade não poderia ser aplicada em impostos reais, visto que violaria o Princípio da Capacidade Contributiva. Todos os votos seguintes ao do Ministro Moreira Alves adotaram a mesma posição. À época desse julgado, com exceção do Ministro Carlos Velloso, todos os outros membros do STF entendiam que a progressividade tributária conflitava com impostos reais, haja vista não considerar as características pessoais do sujeito passivo. No ano de 1999, a questão da progressividade tributária foi novamente tema de julgamento no RE nº 234.105-3/SP[10]. Na ocasião, foi discutida a progressividade das alíquotas do ITBI, uma vez que a Lei nº 11.154/91[11] do município de São Paulo previa tal forma de tributação. Neste acordão, o STF inadmitiu a progressividade fiscal do ITBI por entender que o imposto possui caráter real, o que seria incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte; também, expressamente, além de se posicionar contra o sistema de progressividade de alíquotas para o ITBI, admitiu a progressividade para o ITCMD. O referido julgado, que teve relatoria do Ministro Carlos Velloso, teve votação unânime; os votos foram fortemente influenciados pelo RE nº 153.771-0/MG, o qual definiu que a progressividade tributária é incompatível com impostos reais. A seguir, a ementa do acordão: “EMENTA: Constitucional. Tributário. Imposto de Transmissão de Imóveis, Inter Vivos – ITBI. Alíquotas progressivas. C.F., art. 156, II, §2º. Lei nº 11.154, de 30.12.1991, do Município de São Paulo, SP. I – Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos – ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o Princípio da Capacidade Contributiva proporcionalmente ao preço da venda. II – R.E. conhecido e provido.” O Ministro relator Carlos Velloso[12], em seu voto, proferiu a seguinte máxima: “Tem-se, portanto, a regra: enquanto na transmissão causa mortis, ou no imposto sucessorial, realiza-se o Princípio da Capacidade Contributiva mediante alíquotas progressivas, na transmissão inter vivos aquele princípio realiza-se proporcionalmente ao preço da venda”. Isto é, já em 1999, o Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Carlos Velloso, posicionava-se no sentido de permitir a adoção de alíquotas progressivas, vedando expressamente o uso da progressividade no ITBI, o qual deveria ser apenas proporcional. O Ministro Nelson Jobim afirmou, em seu voto, entender que o imposto de transmissão inter vivos, respeitadas as suas peculiaridades, corresponderia à circulação de bens imóveis, ou seja, semelhantemente ao ICMS; portanto, por ser um imposto real, seria insuscetível à verificação da condição pessoal. Os demais votos seguiram o mesmo posicionamento no tocante à incompatibilidade de impostos reais e progressividade tributária. Interessante destacar que, em seu voto, o Ministro Nelson Jobim, lança mão como argumento justamente o fato de o ITBI ser um imposto sobre consumo e que, por isso, a progressividade violaria a Capacidade Contributiva, diferentemente do que se dá com o ITCMD que incide sobre a renda recebida. Tal entendimento vai ao encontro do voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, visto anteriormente. Ainda em 1999, foram julgados o RE nº 227.033-1/SP[13] e o RE nº 252.044-6/SP,[14] os quais também trataram da progressividade das alíquotas do ITBI. Em ambos os casos, foi seguido o entendimento do RE nº 234.105-3/SP, verificado anteriormente, que proibia a progressividade no caso do imposto inter vivos. No ano de 2000, foi editada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº 29/2000, que alterou a redação do artigo 156 da Constituição Federal. Após a aprovação da Emenda, o referido artigo[15] passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 156………………………………………………………………………………………………………….. I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.” Desse modo, a Constituição passou, então, a prever expressamente a progressividade fiscal do IPTU. Saliente-se que a não previsão da progressividade foi justamente um dos fundamentos empregados pelo STF para proibir a progressividade do imposto predial julgado no RE nº 153.771-0/MG, visto anteriormente. Já em 2003, o STF editou duas Súmulas vinculantes concernentes à progressividade, uma tratando do ITBI e, outra, do IPTU. Conforme redação da Súmula 656, é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão inter vivos de Bens Imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel; por sua vez, a Súmula 668 afirma ser inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, anteriormente à Emenda Constitucional nº 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinadas a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. Verifica-se que ambas as Súmulas reforçam o entendimento que o STF vinha adotando, qual seja, o de que a progressividade fiscal era inconstitucional para ambos os tributos. Porém, no tocante exclusivamente ao IPTU, passou a ser permitida em razão da previsão constitucional incluída por meio da Emenda Constitucional nº 29/2000. Durante o período de 2000 a 2010, o STF, em diversos momentos, emitiu decisão acerca da progressividade tributária. Quanto ao ITBI, sempre adotou o entendimento da Súmula 656, vedando a progressividade, conforme pode ser constatado nos AG.REG. no Agravo de Instrumento 422.537-4/MG[16] e no AG.REG. no Agravo de Instrumento 456.768/MG[17]. Por sua vez, quanto ao ITCMD, o pretório excelso adotou entendimento diverso; no AI 581.154/PE, o Ministro Sepúlveda Pertence proferiu decisão desfavorável à progressividade das alíquotas do ITCMD; porém, já no RE nº 557.618/RS, o Ministro Eros Grau proferiu decisão favorável à progressividade das alíquotas do ITCMD, assim como no RE nº 563.261/RS, em que o Ministro Marco Aurélio também proferiu decisão favorável. Quanto a esta última decisão, o Ministro Marco Aurélio invocou o voto do Ministro Carlos Velloso (já apresentado anteriormente), que expressamente previa a progressividade no imposto de transmissão causa mortis, ou sucessorial, e vedava a progressividade em casos de transmissão inter vivos. Em 2010, no julgamento do RE nº 423.768/SP[18], foi novamente tratada a questão da progressividade das alíquotas do IPTU, contudo, agora, sob a égide da Emenda Constitucional nº 29/2000. Tal acordão determinou como legítima – sob o ângulo constitucional – lei que previsse alíquotas diversas, uma vez editada posteriormente à EC nº 29/2000. Aqui, a principal discussão envolvendo esse julgado não se referia somente à constitucionalidade da lei que previa o IPTU em face da nova norma constitucional, também se julgou a constitucionalidade da própria EC nº 29/2000. Após debate acerca da lide que abordava se a norma violava ou não cláusula pétrea do constituinte originário, foi entendido pelo STF que a Emenda Constitucional não violou cláusula pétrea. É importante destacar que, já neste acordão, o STF se posicionou favorável à adoção da progressividade de impostos reais. Tanto a Ministra Cármen Lúcia quanto o Ministro Ayres Britto mencionaram expressamente a possibilidade de progressividade no caso de impostos reais. O Ministro Ayres Britto[19], em seu voto, trata inclusive do ITBI, ao afirmar que: “A Constituição quer, sim, que se leve em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo, mesmo quando se trata de impostos reais. Isto porque: a) tal linha de conta é que tira a Constituição do papel para concretizar de modo conjugado os princípios da função social da propriedade, da justiça fiscal e da isonomia tributária; b) se assim não fosse, para que a Constituição faria expressa referência a impostos reais, a exemplo do IPTU, ITR, ITBI, num contexto de explicita referência à capacidade contributiva?.” Em 2013, foi julgado o RE nº 562.045/RS[20], em que foi tratado o Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão que julgou inconstitucional o artigo 18 da Lei Estadual nº 8.821/1989, que instituiu um sistema progressivo de alíquotas para o ITCMD. Faz-se fundamental salientar que este foi um Recurso de Repercussão Geral, discutindo sobre a mesma matéria, em conjunto, os seguintes Recursos Extraordinários: RE nº 544.438, RE nº 544.298, RE nº 552.553, RE nº 552.707, RE nº 552.862, RE nº 553.921, RE nº 555.495, RE nº 570.849 e RE nº 551.401. Seu relator, o Ministro Ricardo Lewandowski, foi voto vencido, tal como o Ministro Marco Aurélio. Já a redatora do acórdão foi a Ministra Cármen Lúcia; além dela, votaram favoravelmente os Ministros Eros Grau, Menezes Direito, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Teori Zavascki e Gilmar Mendes. A seguir, a Ementa do acordão: “EMENTA: Recurso Extraordinário. Constitucional. Tributário. Lei Estadual: Progressividade de alíquota de Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens e Direitos. Constitucionalidade. Art. 145, § 1º, da Constituição da República. Princípio da Igualdade Material Tributária. Observância da Capacidade Contributiva. Recurso Extraordinário Provido.” O voto do Ministro Ricardo Lewandowski adotou uma posição conservadora, ao realizar uma interpretação estrita do § 1º do artigo 145 da CF e ao utilizar como principal argumento o entendimento que o STF vinha adotando, a de que não seria possível a progressividade de alíquotas para impostos reais; desse modo, dado que o ITCMD é um imposto real, não seria possível a sua progressividade. O referido Ministro menciona o julgamento do RE nº 153.771/MG, que abarca o IPTU. Naquele acordão, ficou definido, como premissa, que o IPTU é um imposto real, e que, por esta razão, é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte. Conforme verificado anteriormente, segundo tal acordão, a progressividade do IPTU em relação à função social da propriedade só era permitida pois encontrava-se expressamente prevista na Constituição. Em seu argumento, também é citado o voto do Ministro Moreira Alves, que defendia que os impostos reais, por não levarem em consideração a condição pessoal do sujeito passivo do imposto, não poderiam ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte; desse modo, a progressividade só teria sentido ao se tratar de impostos de caráter pessoal. O Ministro supracitado trouxe ainda doutrina que defende que a progressividade só é permitida, no que concerne a impostos reais, quando se trata de aplicação extrafiscal do imposto. Tal exceção ocorreria pois o que o que está em pauta não seria a capacidade contributiva do contribuinte, a qual só seria considerada em relação a impostos pessoais com finalidade fiscal. É mencionado, também, o julgamento do RE nº 234.105/SP, em que se discutiu a possibilidade de fixação de alíquotas progressivas para o ITBI. Nesse julgamento, com exceção do Ministro Marco Aurélio, os votos dos demais componentes da Corte (ou seja, de Nelson Jobim, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence, Octavio Gallotti, Sydney Sanches e Moreira Alves), embora tivessem acompanhado o relator no tocante à parte dispositiva do voto, ao invés de invocarem a ausência de autorização constitucional para fixação de alíquotas progressivas em relação ao ITBI, adotaram como fundamento a distinção entre impostos de natureza real e pessoal. Após expor jurisprudência comparando impostos reais e pessoais, o Ministro relembrou que a Corte já apresentou decisões monocráticas em sentido divergente, tal como na decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio, referente ao RE nº 563.261/RS, na qual considerou hígida, sob o ponto de vista constitucional, a progressividade do ITCMD, e na prolatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence no AI 581.154/PE, que concluiu pela inconstitucionalidade dessa sistemática fiscal. O principal argumento do Ministro é o de que a graduação dos impostos deve necessariamente estar atrelada à expressão “capacidade econômica do contribuinte”. É importante registrar aqui que ele adota a interpretação restritiva sobre o conceito de Capacidade Contributiva, em que a capacidade econômica encontra-se atrelada exclusivamente ao critério pessoal do sujeito. De acordo com o Ministro, a técnica a ser adotada para impostos reais deve ser a seletividade – e não a progressividade. Consoante o Ministro, a progressividade, como forma de graduação dos tributos, não estaria vedada para os impostos reais, entretanto, ela só deveria ser instituída quando existir expressa autorização no texto constitucional. E, mesmo nesses casos, só seria admitida a fim de dar concreção aos efeitos extrafiscais desejados pelo constituinte, desprezando-se, portanto, a capacidade econômica deste. Ainda, conforme exposto em sua argumentação, a vedação da progressividade no caso dos impostos de natureza real – constante do art. 145, § 1º, da Carta Magna, ao lado dos princípios da legalidade, da irretroatividade, da anterioridade, da isonomia e da proibição do confisco – configuraria garantia constitucional e direito individual do contribuinte, os quais não podem ser afastados por lei ordinária estadual; ou seja, na ótica do Ministro, a não aplicação de alíquotas progressivas seria verdadeira garantia constitucional. Entendimento este diametralmente oposto ao de autores como Roque Carrazza (2015. P.104), que compreende que a aplicação das alíquotas progressivas é que configuraria uma garantia prevista na Constituição. O outro voto divergente foi proferido pelo Ministro Marco Aurélio, segundo o qual, o caráter real ou pessoal do tributo não é impeditivo da progressão de alíquotas, o que não significaria afirmar que todo tributo estaria sujeito à mencionada técnica. De acordo com o Ministro, a questão precisaria ser analisada sob o ângulo da capacidade contributiva. O Ministro Marco Aurélio também adota a interpretação restritiva de Capacidade Contributiva, ao afirmar que a progressividade das alíquotas do Imposto Causa Mortis olvida completamente a situação real patrimonial do sujeito passivo. Consoante o explicitado em seu voto, para esse tributo, seria necessário algum grau de personalização na progressão das alíquotas, pois, sem a pessoalidade, inevitavelmente haveria injustiça. Ao ilustrar com um exemplo, ele argumenta que a legislação estadual, tal como posta, permitiria que herdeiros, legatários ou donatários em situações econômicas absolutamente distintas – isto é, um rico e outro pobre – seriam compelidos ao pagamento de igual valor do tributo, que poderia ser elevado, a depender dos bens recebidos. Tal ótica contrariaria, simultaneamente, o Princípio da Capacidade Contributiva e o da isonomia tributária. Desta forma, mesmo que fosse admitida, em tese, a progressividade em impostos reais, na espécie, a legislação estadual impugnada violaria o princípio maior da capacidade contributiva ao implementá-la do modo como procedeu. O voto do Ministro Eros Grau traz as lições do professor José Mauricio Conti, já apresentadas anteriormente no presente trabalho. Segundo ele, todos os impostos estão sujeitos ao Princípio da Capacidade Contributiva, mesmo aqueles que não tenham caráter pessoal. Em sua argumentação, utiliza os conceitos de tributos diretos e indiretos e também aborda os tributos que afetam a renda auferida e a renda despendida. O Ministro Eros Grau conclui que todos os impostos podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo, bem como seria possível aferir a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCMD. Ele reforça que todos os impostos estão sujeitos ao Princípio da Capacidade Contributiva, especialmente os diretos, independentemente de sua classificação como sendo de caráter real ou pessoal, pois segundo o Ministro, essa questão é completamente irrelevante. No que concerne ao voto do Ministro Menezes Direito, este segue o entendimento do Ministro Eros Grau, ao realizar uma interpretação ampliativa do art. 145, § 1º, qual seja, no sentido de que a disciplina constitucional autorizou que esses impostos, sempre que possível, levem em consideração a capacidade contributiva do contribuinte, inclusive sendo esta aferida por meio da exteriorização de riqueza. Ele afirma ainda que a disciplina constitucional é no sentido de que a possibilidade da progressividade dos impostos deve ser aceita sempre que a natureza do imposto assim autorize. A Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, também seguiu o entendimento do Ministro Eros Grau. De acordo com ela, não haveria de se cogitar a inconstitucionalidade da progressividade das alíquotas do ITCMD, haja vista que, ao editar esta lei, o Estado estaria dando sequência, concedendo aplicação plena, fornecendo concretude ao Princípio da Capacidade Contributiva, nos termos do § 1º do artigo 145, para se fazer a gradação, mediante a adoção da técnica de progressividade a fim de assegurar a aferição da capacidade econômica do contribuinte. Observa-se que a Ministra segue o entendimento da doutrina majoritária, que entende que a Capacidade Contributiva deve se dar objetivamente, por meio da mera manifestação de riqueza. Faz-se interessante destacar que a Ministra Cármen Lúcia expressou, em seu voto, uma preocupação em relação à conclusão do julgado e à alteração da jurisprudência, que estava sendo favorável à progressividade de alíquotas para o ITCMD. Conforme suas palavras: “Registro, inicialmente, preocupação de que se essa vier a ser a conclusão (posição do Ministro Lewandowski que foi superada), estaria alterada a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal que, na sua maioria, vinha decidindo em sentido diverso. A minha preocupação é porque escutei várias vezes, aqui, entre outros, o Ministro Sepúlveda Pertence dizer que quando a jurisprudência muda, especialmente em matéria tributária, o Supremo Tribunal precisa expressar isso, até para a garantia da segurança jurisprudencial. Digo isso também porque há muitos casos de Estados e Municípios adotando o mesmo comportamento e alguns até já vieram aqui e há muito pouco tempo.” O Ministro Joaquim Barbosa argumentou que entende que a técnica da progressividade constitui um instrumento, por excelência, para aferição da capacidade contributiva. Continua seu raciocínio ao afirmar que a tributação ad valorem com a especificação de única alíquota é insensível à intensidade econômica da base que se está tributando, circunstância esta que poderia gerar distorções que igualassem sujeitos passivos que, em verdade, ostentam situações bastante diversas. Por esta razão, seguiu o voto de divergência. O Ministro Ayres Britto apontou que a compatibilidade entre impostos reais e alíquotas progressivas foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 423.768, cuja relatoria foi do Ministro Marco Aurélio. Julgado este – já discutido anteriormente neste trabalho – que tratou do precedente em que se examina a progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), introduzida pela Emenda Constitucional nº 29. Conforme o Ministro Ayres Britto destaca, dado que a relação jurídico-tributária é, a seu ver, entre sujeitos de direitos, assegura-se o princípio da igualdade pela consideração da capacidade contributiva, e esta, em se tratando de IPTU, pela progressividade da alíquota em face das circunstâncias que revelem, por presunção, maior riqueza urbano-imobiliária. Conclui ao asseverar que pouco importa que o tributo seja da espécie real, pois o que interessa seria o sujeito passivo da obrigação tributária. Em seu voto, a Ministra Ellen Gracie, diferentemente dos outros Ministros, constrói sua argumentação ao comparar o ITCMD com o ITBI. De acordo com ela, o imposto de transmissão causa mortis possui diferenças em relação ao imposto de transmissão inter vivos na medida em que, no ITCMD, é considerada sempre uma transmissão a título gratuito, sendo que há, necessariamente, um engrandecimento do patrimônio do recipiente – da doação ou da herança –, ao passo que, no imposto o inter vivos, geralmente, há onerosidade, ou seja, adquire-se o bem imóvel, no entanto, em contrapartida, adquire-se também, por exemplo, a obrigação do pagamento de um financiamento. Na perspectiva da Ministra, o ITCMD permite mais do que uma simples presunção indireta acerca da capacidade contributiva do contribuinte; isso porque não se trata de um tributo que incida sobre a propriedade de um bem, por exemplo, de características estáticas e dissociadas da situação do contribuinte, ou que tome de modo isolado qualquer outra realidade econômica. O imposto sobre a transmissão causa mortis é devido pelo “beneficiário ou recebedor do bem ou direito transmitido” por ocasião do direto e necessário acréscimo patrimonial que tal transmissão implica. Trata-se, portanto, de um acréscimo patrimonial a título gratuito, que revelaria, por si mesmo, a capacidade contributiva. A ministra chega à conclusão de que o imposto simplesmente implicaria a redução do acréscimo patrimonial líquido, assim, de modo algum, o contribuinte não precisaria dispor senão de parte do acréscimo percebido. A Ministra segue neste raciocínio, ao afirmar que o ITCMD se diferencia do ITBI, o qual é objeto da Súmula 656, porquanto o ITBI diz respeito à transmissão onerosa, em que há a aquisição da propriedade em uma operação sinalagmática em que o adquirente assume o ônus da contrapartida. No ITBI, a simples operação de transferência não permitiria que se soubesse qual a real disponibilidade do adquirente para pagamento do imposto. Ao concluir seu voto, a Ministra afirma que o ITCMD se distingue do ITBI, pois o imposto causa mortis sequer se trataria de um típico imposto real, porquanto o próprio fato gerador revelaria inequívoca capacidade contributiva dele decorrente. Na ótica da Ministra, considerando a subjetivação que o ITCMD admite, seria possível considerar que, na classificação entre impostos reais e pessoais, ele penderia mais para esta categoria. Desse modo, por revelar efetiva e atual capacidade contributiva inerente ao acréscimo patrimonial, o imposto sobre transmissão causa mortis, também conhecido como imposto sobre heranças ou sobre a sucessão, seria um imposto que se vocaciona à tributação progressiva. É importante destacar que o argumento desenvolvido pela Ministra Ellen Gracie é bastante semelhante ao apresentado em julgados anteriores pelo Ministro Nelson Jobim e pelo Ministro Carlos Velloso, já devidamente discutidos neste estudo. Pare eles, parece que a questão principal não é acerca da classificação entre tributo pessoal ou real, mas sim o fundamento econômico que enseja o tributo, ou seja, sua transmissão gratuita ou onerosa. De acordo com o voto do Ministro Teori Zavascki, a progressividade não só não é incompatível como também atende ao Princípio da Capacidade Contributiva; ele cita expressamente os votos do Ministro Ayres Britto e da Ministra Ellen Gracie. O Ministro conclui que a progressividade não é incompatível com os denominados impostos reais, sendo que o Princípio da Capacidade Contributiva deve ser aplicado a todos os impostos. Finalmente, o Ministro Gilmar Mendes assevera não ser necessário previsão constitucional para que seja aplicável a progressividade tributária. Para ele, o problema da progressividade no ITCMD seria caso o Estado criasse a progressividade de forma confiscatória, no entanto, neste caso, existiriam outros remédios a serem adotados. Recentemente, em que pese alguns autores postularem pela superação da Súmula 656 (como será melhor analisado na seção seguinte), o Supremo Tribunal Federal ainda respeita o entendimento de que o ITBI é incompatível com a progressividade fiscal, conforme pode ser percebido por meio do RE nº 928.586 /RS de 2015[21] e do RE nº 928.586 AGR/RS de 2017[22]. A fim de sintetizar os julgados mais relevantes acerca do tema, bem como resumir as informações apresentadas nesta seção, foi elaborada uma tabela-resumo com a evolução do posicionamento do STF acerca da progressividade tributária. Segue Tabela, abaixo:   Tabela 1 – Evolução do posicionamento do STF sobre a progressividade Fonte: Elaboração própria   5. DISCUSSÃO ATUAL ACERCA DA PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS DO ITBI Ante todo o exposto na seção anterior, é possível verificar que o entendimento adotado pelo STF era no sentido de assumir uma interpretação restritiva acerca do princípio da Capacidade de Contribuição. Assim, por muito tempo, a Corte entendeu que a progressividade tributária se mostrava incompatível com impostos reais, uma vez que a fixação de alíquotas progressivas, por não considerar as características pessoais do sujeito passivo, violaria a Capacidade Contributiva. Entendimento este que se encontrava tão consolidado que, inclusive, foi sumulado, por meio da Súmula Vinculante 656, ao tratar do ITBI. Porém, após a decisão do RE 562.045/RS[23], a qual julgou constitucional a fixação de alíquotas progressivas para o ITCMD, diversos autores passaram a defender a tese de que a mesma interpretação deveria ser aplicada ao ITBI, sugerindo, dessa forma, a superação da Súmula 656 do STF. Rocha (2014), por exemplo, afirma que: “Conclui-se, a partir desse novo entendimento acerca da aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva aos impostos reais, que, embora não cancelada expressamente a Súmula 656 do STF em relação ao ITBI, o RE 562.045 acabou por reconhecer a constitucionalidade da progressividade não só do ITCD como também do ITBI, de modo que restou prejudicada a redação desta Súmula.” Porém, em que pese a opinião da autora, certamente tal posicionamento está equivocado ao afirmar que o STF reconheceu implicitamente a constitucionalidade da progressividade do ITBI. Além de a súmula continuar vigente, conforme as palavras proferidas pela Ministra Cármen Lúcia no julgado, caso a jurisprudência fosse alterada, especialmente no tocante à matéria tributária, o Supremo Tribunal Federal precisaria, com efeito, expressar isso, até para a garantia da segurança jurisprudencial. Ou seja, caso fosse interesse do Supremo alterar a sua jurisprudência, ele o faria expressamente – e não implicitamente. Outros autores que defendem a superação da Súmula são Rosenblatt e Pereira (2017). Para eles, a Súmula 656 do STF deve ser superada, dado que o STF já alterou de forma considerável o seu entendimento sobre o tema. Na perspectiva desses autores, após o STF ter reconhecido a possibilidade de aplicação da progressividade para tributos reais, cuja previsão de progressividade não consta no texto Constitucional, não restariam fundamentos para não ser autorizada para o ITBI essa sistemática. Também na mesma linha argumentativa, Serpa (2016) afirma que a Súmula 656 deveria ser revista ou mesmo cancelada, a fim de se permitir a progressividade no ITBI, haja vista a vedação expressa existente no enunciado. Segundo o autor, esse procedimento seria pertinente para que o sistema de aplicação das normas tributárias pudesse conviver harmonicamente entre si, e para que não contrariasse a linha de pensamento do STF mudada recentemente. Da mesma forma, Ribeiro (2018) ressalta que a mudança da jurisprudência, no que se refere ao ITBI, é provável, considerando-se o mais recente posicionamento do STF acerca do ITCMD. Ainda de acordo com o autor, uma Corte que busca sustentar o respeito à capacidade contributiva contemplada no art. 145, § 1º, uma vez que permite a progressividade para um determinado imposto, deveria também a permitir para os outros que têm as mesmas características do primeiro. De fato, o principal argumento do STF era o de que a progressividade tributária era vedada para tributos reais, entendimento este que veio a ser superado por meio do acordão do RE nº 562.045/RS. Porém, a superação do entendimento de que não é possível a progressividade nos impostos reais não implica como consequência direta a permissão da progressividade para o ITBI. Em que pese existirem diversas semelhanças entre o ITBI e o ITCMD, inclusive o fato de ambos serem classificados como tributos “reais”, existem entre eles algumas diferenças essenciais, principalmente no tocante ao fato de o ITCMD ser um imposto sobre renda recebida, ao passo que o ITBI é um imposto sobre o consumo. Fato este que foi parte da argumentação feita pelo Ministro Carlos Velloso, pelo Ministro Nelson Jobim e pela Ministra Ellen Gracie. Ademais, o Ministro Carlos Velloso, já em 1999, previu a progressividade para o ITCMD e a vedação para o ITBI, argumento este que, ao longo do tempo, foi replicado em diversos outros julgados. O próprio STF já havia reconhecido a progressividade para o ITCMD em outros momentos, antes de proferir o acordão de 2013; no entanto, ao tratar do ITBI, a Corte sempre se posicionou contrariamente, tanto é que editou uma Súmula Vinculante sobre o tema. Caso o Supremo passe a adotar uma interpretação objetiva do Princípio da Capacidade Contributiva, conforme defendido por Roque Carrazza, deveria permitir a progressividade das alíquotas também para o ITBI. Porém, o que parece é que o excelso pretório flexibilizou a progressividade no caso de tributos reais, com a finalidade de permitir a progressividade especificamente no caso do ITCMD. Dessa forma, o colegiado passou a permitir a progressividade para tributos reais, no entanto, sua interpretação quanto ao alcance do Princípio da Capacidade Contributiva ainda não é clara. Em princípio, o STF entende que, no caso do ITCMD, é possível aferir a Capacidade Contributiva, visto que o sujeito está recebendo recursos financeiros, de modo que a capacidade seria mensurada com base neste montante; porém, o mesmo raciocínio não se aplicaria, de imediato, em se tratando do ITBI. Finalmente, outros autores ressalvam que, a despeito da nova posição do STF acerca da progressividade do ITCMD, a progressividade do ITBI continua vedada pela Suprema Corte. Conforme Paulsen (2017. p. 328): “O STF entende que o ITBI é um imposto de natureza real e que, por isso, não se presta à progressividade. Porém, não se pode ter certeza de que esse entendimento vá perdurar. Lembrando que, relativamente ao Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), a posição do STF também era no sentido de que teria natureza real e que, por isso, seria descabida sua progressividade, mas, em 2013, acabou por superar esse entendimento e admiti-la.” Também, segundo Coelho (2020. p. 246), trata-se: “de se mencionar que o imposto em comento (ITBI) não pode ser progressivo, como estatuiu o próprio STF por meio da Súmula nº 656. Urge advertir, porém, que conquanto seja esta a posição ora em voga na Suprema Corte, percebe-se uma tendência de mudança, sobretudo após o julgamento do RE nº 562.045/RS, para permitir que o ITBI – tradicionalmente classificado pela doutrina como imposto real – seja regido pela progressividade. Isso, decerto, como forma de promover o Princípio da Capacidade Contributiva.” Como pontuado por Sabbag (2018. p. 1250), a orientação intelectiva (da Súmula 656) perdeu força com a recente chancela da progressividade para o ITCMD, todavia, tal fato não altera a condição de vedação de progressividade para o ITBI. O autor assevera que, desse modo, não se cogita sua progressividade consoante posição predominante na doutrina e na jurisprudência.   6. JURISPRUDÊNCIA ATUAL Conforme visto na seção anterior, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que passou a permitir a progressividade das alíquotas para impostos classificados como “reais”, –mais especificamente ao tratar do ITCMD –, parte da doutrina passou a defender a superação da Súmula 656; tal decisão também teve efeitos na jurisprudência dos tribunais inferiores, como será abordado ainda nesta seção. Primeiramente, é importante destacar que o enunciado da Súmula do STF veda a progressividade das alíquotas baseada exclusivamente no valor venal do imóvel. No entanto, em alguns casos, as legislações municipais elaboram regras de forma a diferenciar as alíquotas em funções de outros critérios – e é justamente nestes casos que surgem as controvérsias jurisprudenciais. Como pode ser verificado no acordão a seguir (datado de setembro de 2018), a lei municipal de Romaria/MG, em seu artigo 256, previa alíquota progressiva para o ITBI. Este dispositivo foi considerado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG. “EMENTA: Apelação Cível. Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis. Município de Romaria. Alíquota Progressiva. Inconstituconalidade. Repetição de Indébito. Prova. Ausência. Recurso Não Provido. – Diante da proibição de reformatio in pejus e, considerando que a eventual inconstitucionalidade da lei Municipal que estabelece a alíquota para cobrança do ITBI no Município de Romaria não foi objeto do recurso interposto, deve ser mantida a sentença que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 256 do Código Tributário de Romaria/MG. – Tendo em vista a prova do recolhimento da importância equivalente a 2% (dois por cento) do valor pago a título de arrematação do imóvel citado nos autos, não havendo pagamento realizado com fundamento em alíquota superior, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido de repetição do indébito.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0431.12.005459-5/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2018, publicação da Súmula em 12/09/2018).” Também no Estado de em Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0024.06.271329-2/001, de 2014, o relator acompanha o enunciado da Súmula do STF, ao citar expressamente que é inconstitucional a lei que estabeleça alíquotas progressivas para o ITBI com base no valor venal do imóvel. “EMENTA: Apelação Cível – Embargos à Execução – Excesso de Execução – ITBI – Alíquotas Progressivas – Inconstitucionalidade – Parcial Procedência do Pedido Inicial – Recurso Provido. – Nos termos da Súmula 656 do STF, “é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão inter vivos de Bens Imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”.  (TJMG  –  Apelação Cível  1.0024.06.271329-2/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/11/2014, publicação da Súmula em 09/12/2014)” Igualmente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou, em 2015, a ilegalidade do sistema de alíquotas progressivas do ITBI, mencionando expressamente a Súmula 656. “EMENTA: Apelação Cível. Mandado de Segurança. ITBI. Ilegalidade da Exação. Extinção do Feito. Descabimento. O mandado de segurança questiona a legalidade da cobrança do ITBI, na extinção de condomínio sobre bem imóvel. Irrelevante a existência de previsão na legislação municipal de regência. O STF com relação ao imposto de transmissão ‘inter vivos’ reconhece a patente ilegalidade do sistema de alíquotas progressivas (Súmula n. 656), bem como, fulmina a cobrança do tributo sobre contratos de promessa de compra e venda. O mandado de segurança é o remédio apropriado para suspender a exigibilidade do tributo (art. 151, IV, do CTN). Descabimento da extinção do feito sem resolução de mérito. Apelação provida. (Apelação Cível, nº 70063768055, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, julgado em 15/04/2015)” Os casos controversos surgem quando leis municipais instituem parâmetros de diferenciação de alíquotas em função de outros critérios que não seja o valor venal do imóvel. Por exemplo, a lei municipal de Porto Alegre que previa alíquotas diferenciadas como benefício fiscal; a referida lei estabelecia uma alíquota de 0,5% para aquisição de imóveis financiados e 3% para aquisição de imóveis não financiados. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou diversos processos semelhantes tratando desse tema, e possuía jurisprudência pacífica no sentido de que, neste caso, não seria aplicada a Súmula 656, haja vista que não se configuraria caso de progressividade tributária. Tal entendimento pode ser verificado no acordão de 2015, a seguir. “EMENTA: Agravo. Direito Tributário. Decisão Monocrática. Possibilidade de se negar seguimento a recurso que se mostra em confronto com jurisprudência dominante deste Tribunal ou de Tribunais Superiores, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil. Ratificação da decisão pelo Colegiado. ITBI. Lei Municipal n° 197/1989. Alíquotas Diferenciadas em Razão de Benefício Fiscal. Ausência de Progressividade. A previsão contida na lei municipal de alíquotas diferenciadas de ITBI não caracteriza a progressividade do imposto nas hipóteses em que incida a alíquota maior – 3%. Não havendo distinção das alíquotas em função do valor venal do imóvel, e sim em decorrência de benefício fiscal concedido pela lei municipal para casos específicos nela descritos, não há afronta à capacidade contributiva do sujeito passivo, não havendo inconstitucionalidade a ser declarada. Precedentes. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70065268120, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, julgado em 30/07/2015)” Porém, ao julgar o RE nº 928.586/RS de 2015[24] e o RE nº 928.586 AGR/RS de 2017[25], o STF reformou a decisão do TJRS, asseverando que, mesmo nessa situação (diferenciação de alíquotas em função do imóvel ser ou não financiado), o fato configuraria progressividade tributária e, portanto, enquadrar-se-ia na situação da Súmula 656, sendo, desta maneira, inconstitucional. Semelhantemente, a lei municipal de Curitiba também previa alíquotas diferenciadas em função de determinadas características. O artigo 50 da Lei Complementar nº 40/2001[26] possuía a seguinte redação: “Art. 50. A alíquota é de 2,7% (dois vírgula sete por cento). Parágrafo Único. Na aquisição de imóvel para fins residenciais financiado, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos e com garantia hipotecária ou por alienação fiduciária, serão aplicadas as seguintes alíquotas, respeitado o valor venal do imóvel: I – Para imóvel com valor venal de até R$ 70.000,00 (setenta mil reais): “nihil”; II – Para imóvel com valor venal de R$ 70.000,01 (setenta mil reais e um centavo) até R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais): 0,5% (meio por cento). III – Para imóvel com valor venal de R$ 140.000,01 (cento e quarenta mil reais e um centavo) até R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), corrigidos pelo IPCA, a alíquota será de 2,4% (dois vírgula quatro por cento). (Redação dada pela Lei Complementar nº 92/2014) (Revogado pela Lei Complementar nº 108/2017).” Também neste caso, o TJPR julgou diversos processos para se discutir a constitucionalidade do supracitado artigo. Tal como no Rio Grande do Sul, o Tribunal paranaense entendia que este caso não se enquadrava na progressividade prevista na Súmula 656, conforme pode ser verificado no julgado abaixo, de 2015. “Apelação Cível – Mandado de Segurança – ITBI – Alegação de Inconstitucionalidade da Progressividade do art. 50, Parágrafo Único, da Lei Complementar 40/2001 do Município de Curitiba – Não Aplicação da Súmula 656 do STF – Alteração do Entendimento Jurisprudencial no Julgamento do RE 562.045 – Precedente que embora trate da possibilidade de progressividade no caso do ITCMD admitiu a aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva a todos os impostos, independentemente de sua natureza – Previsão de alíquotas distintas levando em consideração vários fatores e não só o valor venal do imóvel – Concessão De Benefício Fiscal – Sentença reformada para o fim de denegar a segurança pleiteada – Recurso conhecido e provido. (TJPR – 2ª C. Cível – Acr – 1281067-8 – Curitiba – Rel.: Antônio Renato Strapasson – Unânime – Julgado em 10/02/2015)” É interessante destacar que, em seu voto, o relator faz expressamente menção ao Recurso Extraordinário que admitiu a progressividade do ITCMD, além de aludir à jurisprudência do TJRS quando do julgamento da lei de Porto Alegre. Porém, esta decisão foi anterior à decisão do STF que reformou o julgado do TJRS, e ainda não foi apreciada pela Corte máxima. Caso seja julgada neste colegiado, muito provavelmente será reformada, dado que se trata de uma situação análoga à da decisão do caso visto acima. Atualmente, o artigo da Lei municipal em questão foi revogado pela Lei Complementar nº 108/2017[27], a qual prevê uma alíquota fixa de 2,7% para qualquer transmissão, portanto, não distingue mais entre imóveis financiados ou não. No Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça se debruçou sobre caso semelhante ao dos municípios de Porto Alegre e de Curitiba, julgando de maneira idêntica a dos outros tribunais estaduais, conforme pode ser verificado no julgado de 2015, a seguir.   “EMENTA: Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI – Progressividade – Alíquotas distintas – Relação com o aumento da base de cálculo – Inocorrência – Impostos de caráter real – Supremo Tribunal Federal (STF) – Alteração do entendimento. Capacidade contributiva – Arrematação do bem em hasta pública- Valor venal – Preço pago – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Processo antiexacional preventivo – Não constituição do crédito tributário- Improcedência total ou parcial. Condenação do contribuinte – Impossibilidade. 1. O simples fato de a legislação municipal estabelecer alíquotas diferenciadas para fins de incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) não implica a progressividade, mormente se a utilização de uma ou outra não guarda relação direta com o aumento da base de cálculo. Como se pode perceber pela transcrição da Ementa, a justificativa dada pelo relator é muito semelhante à do julgado no Paraná. De acordo com o entendimento deste Tribunal, o STF passou a permitir a progressividade do ITBI, e que, no caso concreto, não seria aplicável a Súmula 656. Contudo, a mesma observação feita no caso de Curitiba se aplica também no caso mineiro; ao apreciar o caso de Porto Alegre, o STF reformou a decisão do Tribunal Estadual, portanto, é provável que, neste caso, a decisão também seja reformada. Ante o exposto, pode-se concluir que, no caso de progressividade de alíquotas com base no valor venal, todos os Tribunais respeitam o enunciado da Súmula 656; entretanto, estão sendo aceitos pelos Tribunais Estaduais casos em que ocorre diferenciação de alíquota com base em outros critérios, sendo que já existem precedentes no Rio Grande do Sul, no Paraná e em Minas Gerais. Esses tribunais fundamentam suas decisões com base no julgado do RE nº 562.045/RS, que considerou constitucional a progressividade de alíquotas para o ITCMD e permitiu a progressividade tributária no caso de impostos classificados como “reais”. Todavia, no caso de Porto Alegre, ao enfrentar a matéria, o STF reformou a decisão do Tribunal Estadual, afirmando que, mesmo que sejam considerados outros critérios, ainda assim se enquadraria na hipótese da Súmula 656.   CONCLUSÃO Ante todo o exposto, à guisa de conclusão, é possível depreender que: A doutrina não é pacífica em relação à progressividade do ITBI. Embora seja defendida pela maioria, autores como Hugo de Brito Machado possuem entendimento contrário.
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ICMS Ecológico: O Direito Tributário como Instrumento de Transformação Social
Este trabalho tenciona abordar uma forma de tributação ambiental que tem apresentado bons resultados nos Estados brasileiros em que foi adotada: o ICMS ecológico. Trata-se de instrumento em prol do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que se baseia no caráter extrafiscal admitido por alguns tributos. As legislações estaduais que preveem essa política pública estabelecem que um percentual do ICMS arrecadado pelos Estados seja repartido com seus Municípios, desde que estes cumpram com determinados critérios ambientais. Esse mecanismo surge, num primeiro momento, para compensar os Municípios que possuem áreas de preservação com restrição de uso, dificultando o desenvolvimento local. Contudo, com o passar dos anos, a política demonstrou ser muito mais do que mera ação compensatória; trata-se de um investimento na qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Isso é o que aqui se pretende demonstrar, sendo o objeto de estudo dividido em três capítulos: o primeiro versará sobre o Direito Tributário como instrumento de transformação social; o segundo esclarecerá em que consiste o ICMS ecológico; enquanto o terceiro e último será responsável por apontar os Estados da federação que se alinharam a essa política pública em benefício da causa ambiental.
Direito Tributário
Introdução O artigo científico que ora se apresenta intenciona abordar a implementação de políticas públicas pelo Estado brasileiro para o desenvolvimento de um modelo socioeconômico sustentável, tomando como centro de estudo o que se denominou de ecotributação, mais especificamente, o ICMS ecológico. Parte-se, para tanto, da concepção de que o Direito é um instrumento de transformação social cuja um dos principais meios para a concretização de valores e princípios jurídicos, estabelecidos pela Carta Magna, é a execução de políticas públicas, forma de intervenção do Estado na economia. Dentre essas políticas públicas, deve-se destacar, encontra-se a tributação ambiental ou ecotributação, que, utilizando incentivos e benefícios fiscais, visa à proteção e conservação do meio ambiente, para promover o desenvolvimento sustentável. A relevância de tal pesquisa está justamente no direito inconteste das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a ser defendido tanto pela coletividade, quanto pelo Poder Público, conforme previsão constitucional. E, nesse contexto, o Direito Tributário apresenta-se como indispensável aliado da proteção ambiental, ao incentivar determinados comportamentos, tanto de contribuintes quanto dos próprios entes tributantes, por meio do possível caráter extrafiscal da tributação, a exemplo do ICMS ecológico. Diante dessas premissas, este trabalho procurará demonstrar, no primeiro capítulo, a destacada atuação do Direito Tributário nas atividades para a consecução dos objetivos e princípios constitucionalmente consagrados, como o desenvolvimento sustentável. O segundo capítulo, por sua vez, tratará especificamente de uma política pública tributária pautada na função extrafiscal da tributação, qual seja, a implementação do ICMS ecológico. Em que consiste e quais os benefícios de tal política é o que se pretende analisar nesse ponto da pesquisa. O terceiro capítulo, finalmente, fará um estudo histórico-comparativo entre as atuais legislações estaduais que se preocuparam em tratar do ICMS ecológico, abarcando a experiência de Estados brasileiros que potencializaram o caráter extrafiscal do imposto em questão. E, para responder as questões suscitadas no decorrer desse estudo, buscar-se-á apoio no posicionamento de renomados doutrinadores, tais como Leandro Paulsen, Kiyoshi Harada, Ricardo Alexandre e Eduardo Sabbag, que representarão parte da comunidade jurídica especializada no assunto. Será utilizado, ainda, o método dedutivo de pesquisa, uma vez que se analisará primeiramente as políticas públicas tributárias, o instituto do ICMS ecológico, para depois serem comparadas a legislação e a prática dos Estados da federação que o adotaram. Ademais, serão observadas as técnicas documental e bibliográfica, porque lançar-se-á mão de registros oficiais, como textos legislativos, entendimentos das diversas instâncias jurídicas do Brasil, tomando como base as abordagens do tema feitas em livros, periódicos e artigos.   Priorizando a boa didática, esta pesquisa trará, primeiramente, uma visão global do direito tributário como instrumento da transformação social, para depois adentrar no mérito da pesquisa, isto é, a implementação do ICMS ecológico, política pública socioambiental.   1.1 Direitos Fundamentais, Tributação e a Preocupação com as Futuras Gerações Configurando um dos pilares do Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais, que são aqueles mais básicos à dignidade da pessoa humana, não têm uma origem precisamente determinada, mas podem ser identificados como um fruto histórico, que se desenvolveu de forma gradual, paulatina. A doutrina majoritária, todavia, entende que os direitos fundamentais surgiram, num primeiro momento, como uma defesa do cidadão contra o Estado centralizador, como uma maneira de assegurar a liberdade e a igualdade, garantias individuais. Ocorre que, com o passar do tempo, verificou-se a necessidade de ampliar a perspectiva de tais direitos para que situações sociais fossem solucionadas. As garantias individuais mostraram-se insuficientes diante da dinâmica social. A esse respeito, prelecionam Fernando Facury Scaff e Lise Vieira da Costa Tupiassu: “Surgiram então as conquistas dos direitos sociais em vários ordenamentos jurídicos do planeta, dentre eles o brasileiro, no início do século XX. Não se trata apenas de direitos da pessoa contra o Estado, mas do homem inserido no sistema econômico de produção, com a necessária intervenção do Estado para diminuir as desigualdades sociais e econômicas existentes. Porém a evolução dos estudos jurídicos constatou ser insuficiente a preocupação com o coletivo, sendo também necessário que o Direito se ocupasse dos interesses difusos da sociedade, que são aqueles que atingem um grupo indeterminado, e indeterminável, de pessoas. São tais as lesões causadas por poluição ambiental, congestionamentos de tráfego, problemas de direito do consumidor etc. Não se pode determinar a quantidade de pessoas alcançadas pelo dano”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 161) Os referidos autores destacam a preocupação atual de garantir não apenas os interesses do indivíduo ou de uma coletividade certa, delimitada. Busca-se, agora, proteger interesses difusos, isto é, aqueles que alcançam um número indeterminado ou indeterminável de pessoas. Ademais, o legislador moderno intenciona somar a essa nova concepção de direitos fundamentais a tutela dos interesses das futuras gerações, e não apenas daquelas já existentes. Há uma projeção da dimensão humana. O Estado e a sociedade devem se preocupar em assegurar, também, o bem comum para as futuras gerações. E, nesse ínterim, o Direito Tributário apresenta-se como um importante aliado do Estado para a consecução dos seus objetivos. Superando a ideia de uma tributação sem finalidade, para mero enriquecimento dos cofres públicos, verifica-se que a arrecadação de tributos pode ser um claro instrumento da sociedade, uma vez que possibilita manter as instituições capazes de proclamar e promover os direitos fundamentais e sociais (PAULSEN, 2017, p. 17). Aproveitando mais uma vez os dizeres de Scaff e Tupiassu, observa-se que é mister “sempre ter em mente a necessária transformação do direito tributário atual para um direito tributário das futuras gerações, onde [sic] se configure que a arrecadação atual servirá para construção de um mundo com fronteiras mais tênues, porém unificado pela efetivação dos direitos humanos”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 164) A tributação passa a ser vista, portanto, como uma forma de concretização de princípios e valores constitucionais; “[…] em Estados democráticos e sociais, é instrumento da sociedade para consecução de seus próprios objetivos. Pagar tributo não é mais uma submissão ao Estado, tampouco um mal necessário” (PAULSEN, 2017, p. 17).   1.2 O Direito Tributário, a Extrafiscalidade e a Implementação de Políticas Públicas O indiscutível processo de globalização por que passou e ainda passa o mundo contemporâneo causou uma significativa alteração nos conceitos de povo, território e soberania. Fronteiras foram reduzidas, centros de decisões políticas deslocados e, por consequência, o Direito, como instrumento de aplicação de normas pelo Estado, deve ser agora pensado globalmente. Fato é que o Direito Tributário sempre esteve relacionado às ideias de soberania e território. Utilizando-se do seu poder de império, o Estado, dentro do seu território, impõe a cobrança de tributos aos seus súditos. Entretanto, a revolução tecnológica, cultural e social, acima referida, também muito influenciou a forma dos Estados manterem suas despesas públicas na atualidade. Apesar da forte relação com a definição de território, a proliferação de tratados internacionais, num primeiro momento para evitar a bitributação, trouxe a figura da extraterritorialidade para o Direito Tributário. E um assunto recorrente, que já não é novidade e tem reflexos diretos nessa nova análise do Direito Tributário, rompendo com a ideia centrada na pura e simples arrecadação, é a questão da preservação ambiental. A preocupação com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, fundamentos da sobrevivência e qualidade da vida humana, extrapolou os contornos geográficos dos Estados e passou a ser temática de diversos tratados e encontros de nações. Estas, a partir de então, se comprometeram a adotar mecanismos voltados para a preservação e conservação ambiental. Por oportuno, o Direito mostra-se, como já dito, como grande aliado, pois, além de ser um instrumento de regulação do comportamento social, pode transformá-lo, implementando políticas públicas aptas a alcançar objetivos estabelecidos pela Constituição e/ou firmados em tratados internacionais. A tributação e o caráter extrafiscal que os tributos podem assumir é um importante instrumento adotado pelos Estados nesse sentido. Isso porque, apesar de os tributos serem a principal fonte de arrecadação e financiamento da máquina estatal, “[…] sempre oneram as situações ou operações as quais incidem, acabam por influenciar as escolhas dos agentes econômicos, […] e por vezes são instituídos ou dimensionados justamente com esse objetivo”. (PAULSEN, 2017, p. 25-26) Diz-se, portanto, que um tributo é extrafiscal quando tem por finalidade principal estimular ou inibir condutas dos contribuintes, tratando-se de verdadeiro instrumento utilizado pelo Estado para intervir na sociedade, em especial no âmbito econômico e social. “De fato, os tributos, em função de sua própria natureza, devem exercer uma finalidade eminentemente voltada ao bem comum, devendo ser otimizada sua utilização como instrumento de implementação das políticas de proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 167) Assim, adotando a extrafiscalidade de tributos para a implementação de políticas públicas ambientais e dando origem ao que se tem denominado de ecotributação, o Direito Tributário aproxima-se cada vez mais da questão ambiental.   1.3. Princípios Gerais das Políticas Públicas Ambientais A relação do homem com o meio ambiente nem sempre foi caracterizada por cuidados com a proteção e preservação do último, resultando a busca pelo progresso sem limites em uma contínua degradação ambiental, que hoje tem significativos e preocupantes reflexos na qualidade da vida humana. Diante dessa realidade, muitos países se uniram em prol da causa ambiental, passando a adotar medidas internacionais e nacionais para reduzir ou evitar o impacto das atividades humanas no meio ambiente. No Brasil, essa mudança de postura diante da questão ambiental pode ser evidenciada pela preocupação do legislador de, tanto no âmbito constitucional quanto infraconstitucional, trazer a previsão de princípios e mecanismos protetivos. O artigo 225 da Constituição Federal de 1988, por exemplo, expressa a necessidade e o dever do Estado e da sociedade de preservar o meio ambiente e garantir sua manutenção para as gerações futuras: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (BRASIL, 1988) E, como já mencionado, o Direito Tributário tem se mostrado, cada vez mais, como um importante instrumento do Estado de adequação do comportamento de contribuintes e entes tributantes em benefício da qualidade ambiental. Importa ressaltar, contudo, que essa aproximação entre Direitos Tributário e Ambiental na implementação de políticas públicas requer a observância de certos princípios, encontrando-se alguns deles legal ou constitucionalmente previstos, como exposto anteriormente. Cristina Gerber João, em sua tese de doutorado (2004, p. 57), evidencia alguns princípios gerais a serem considerados pelas políticas públicas ambientais. Seriam eles: o princípio do microssacrifício das liberdades individuais, o da precaução, o respeito às instituições existentes, a administração construtiva e o princípio da subsidiariedade. O microssacrifício das liberdades individuais estaria relacionado à necessidade de se obter um macrocontrole da situação, de modo que “[…] a política deve estipular o quanto deve ser preservado (o macrocontrole). As pessoas devem estipular onde, como e quanto estão dispostas a sacrificar da sua produção […]”. (JOÃO, 2004, p. 61) As liberdades individuais precisam ser respeitadas, mas sem que seja esquecida a responsabilidade de todos na utilização de recursos naturais para a consecução do bem comum. Nessa esteira, merece destaque o princípio da precaução, cuja definição varia de acordo com a forma com que se pretende aplicá-lo; pode ser global e generalizado ou específico. A legislação brasileira optou por uma previsão genérica, como se pode depreender da leitura do já mencionado art. 225, caput e parágrafos, da Carta Magna. Trata-se, na verdade, de um megaprincípio na implementação de políticas públicas, que não exige prova científica do dano ambiental resultante de atividade humana para que se aplique determinada medida de proteção ao meio ambiente (JOÃO, 2004, p. 61). Essa seria a grande diferença em relação ao também destacado princípio da prevenção, para aqueles que distinguem os dois, visto que o último versaria sobre um risco certo ou conhecido ao meio ambiente, que deveria ser combatido pelo Estado. Com relação ao respeito às instituições existentes, a autora aponta que, mesmo que os objetivos almejados estejam distantes da realidade, as condições presentes devem ser tomadas como ponto de partida e utilizadas da melhor forma possível. A administração construtiva, por sua vez, diz respeito a implementação de políticas públicas que considerem o espaço, o contexto e o tempo em que se dará, pois “[…] o nosso sistema econômico e cultural está constantemente evoluindo e políticas, hoje consideradas muito eficientes, poderão deixá-lo de ser amanhã, dentro de um novo contexto socioeconômico. Da mesma forma, inúmeros instrumentos considerados ideais para uma determinada situação teórica podem estar fadados ao insucesso por ocasião da sua implementação prática. Além disto, uma política pública comprovadamente eficaz para um determinado povo ou comunidade pode ter conseqüências diferentes em situações distintas”. (JOÃO, 2004, p. 64) Finalmente, o princípio da subsidiariedade estaria relacionado à necessidade de os instrumentos da política pública a ser aplicada estarem em consonância com o domínio da atividade que se pretende alcançar. “Por exemplo, o ICMS-Ecológico é um instrumento desenvolvido para o nível local (as municipalidades). Existem, entretanto, inúmeras ações que dependem da esfera estadual e da federal para que o instrumento tenha eficácia. Estas ações fogem do domínio local, mas precisam ser desenvolvidas. Nestes casos, deve-se pensar em mecanismos complementares”. (JOÃO, 2004, p. 64) Por óbvio, muitos outros princípios, constitucionais ou não, merecem ou devem ser respeitados para que as políticas públicas obtenham um bom desempenho e estejam de acordo com os pilares de um Estado Democrático de Direito como o nosso. Contudo, a abordagem trazida pela autora em sua dissertação é interessante justamente por delimitá-los aqueles que estão mais relacionados aos casos concretos.   Tratar-se-á agora do que deu título a essa pesquisa, o ICMS Ecológico. Em que consiste essa política pública ambiental, que tem sido cada vez mais adotada pelos Estados da Federação, é o que se pretende esclarecer.   2.1. Competência Tributária e Repartição de Receitas do ICMS Em consonância com a doutrina majoritária, o Sistema Tributário Brasileiro possui cinco espécies de tributos, isto é, impostos, taxas, contribuições especiais, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios. Por sua vez, todos esses tributos são instituídos e majorados segundo a competência discriminada na Carta Magna de 1988. Esta, como já muito divulgado pela doutrina, não cria tributos, apenas atribui competência aos entes tributantes – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – para que eles o façam. De acordo com o ensinamento de Eduardo Sabbag (2017, p. 516), “a competência tributária é a habilidade privativa e constitucionalmente atribuída ao ente político para que este, com base na lei – e imprescritivelmente –, proceda à instituição da exação tributária. Com efeito, esse exercício pode ocorrer a qualquer tempo, o que dota a competência tributária de imprescritibilidade”. Competência tributária é, portanto, o poder de criar tributos, concedido às pessoas jurídicas de direito público da Administração Direta, os entes políticos, e restrito às suas esferas de atuação. Há, assim, a consagração do princípio do federalismo (SABBAG, 2017, p. 516). No que diz respeito especificamente aos impostos, o artigo 153 da Constituição Federal delimita aqueles que podem ser instituídos pela União, enquanto os artigos 155 e 156 tratam dos impostos a serem criados pelos Estados/DF e Municípios/DF, respectivamente. Nesse sentido, dispõe o art. 155, II, da Constituição Federal que: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I- […]; II –  operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior […]”. (BRASIL, 1988) O ICMS ou imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, portanto, pode ser instituído apenas pelos Estados e pelo Distrito Federal, conforme se depreende da leitura do artigo supracitado. O mencionado imposto, destaque deste trabalho monográfico, é “[…] sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da EC n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. É gravame plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não cumulatividade – art. 155, §2º, I, CF), real (as condições da pessoa são irrelevantes) e proporcional, tendo, predominantemente, um caráter fiscal. Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, §2º, I ao XII, da CF, robustecido pela LC n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariem a Constituição Federal”. (SABBAG, 2017, p. 1538) Logo se vê a importância do ICMS para os Estados e o DF, uma vez que constitui a principal fonte de arrecadação destes entes políticos, chegando a representar cerca de 80% desta, conforme preleciona Sabbag no excerto acima. Para Cristina Gerber João (2004, p. 85), isso ocorre por se tratar de um tributo genérico“[…] sendo, certamente, o tributo mais abrangente que a Federação possui.  A sua amplidão está ligada à gama de acontecimentos que onera. São considerados ‘fato gerador’ do imposto três acontecimentos reais concretos: 1) a circulação de mercadorias ou bens […]; 2) a prestação de serviço de transporte, quando do pagamento pelo serviço prestado; 3) prestação por serviços de comunicação, sendo aí englobadas todas as possibilidades, alternativas ou não, de comunicação de qualquer natureza”. Contudo, não se pode esquecer que nem toda a renda proveniente da arrecadação de ICMS pertence ao ente com competência para a sua instituição. Isso porque a Constituição Federal prevê a possibilidade de uma entidade política ter participação no produto da arrecadação de impostos de outra, e a receita de ICMS faz parte dessa dinâmica. Kiyoshi Harada (2016, p. 97) explica que “esse critério visa, antes de mais nada, assegurar recursos financeiros suficientes e adequados às entidades regionais (Estados-membros) e locais (Municípios) para o desempenho de suas atribuições constitucionais. […] Uma distribuição equitativa dos impostos poderia prescindir desse mecanismo de repartição de receitas tributárias, em que Estados, DF e Municípios participam de certas receitas da União e os Municípios participam de algumas receitas dos Estados”. Harada (2016, p. 97) questiona, pontualmente, a necessidade de haver um mecanismo de repartição de receitas tributárias. Como assegurado pelo autor, caso o nosso sistema tributário fosse caracterizado por uma distribuição equitativa de tributos, a repartição seria dispensável. Ademais, pode parecer que a participação na renda obtida pela arrecadação de um ente seja vantajosa para aquele que recebe esses valores sem ter que fiscalizar ou cobrar. Contudo, o que se percebe na prática é a autonomia do último sendo tolhida, havendo até mesmo um direcionamento infligido dos recursos que lhe são transferidos por meio de limitações e condicionamentos constitucionais (HARADA, 2016, p. 97). A despeito dessas observações, fato é que a Constituição estabeleceu a repartição das receitas provenientes da arrecadação de ICMS dos Estados com os Municípios, como se pode ver:“Art. 158. Pertencem aos Municípios: I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; II – cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; III – cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios; IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal”. (BRASIL, 1988. Grifos nossos) Como se pode observar, vinte e cinco por cento do que os Estados arrecadam com ICMS devem ser distribuídos entre os seus Municípios, atendendo ainda às regras dispostas no parágrafo único do art. 158 da Constituição. Assim, dos 25% a serem repartidos, três quartos ou 75%, no mínimo, serão destinados aos Municípios que mais contribuíram com a arrecadação do referido tributo, pois essa divisão será proporcional ao valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e na prestação de serviços. Ressalte-se que a definição de valor adicionado foi dada pelo art. 1º, §3º, da Lei Complementar 63/1990, segundo o qual “[…] o valor adicionado corresponderá, para cada Município, ao valor das mercadorias saídas acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil. Nessa linha, é correto afirmar que o valor de ICMS repassado a cada Município, por ser proporcional ao valor adicionado nas operações tributadas realizadas no respectivo território, é também proporcional à contribuição que cada Município deu à arrecadação estadual do ICMS”. (ALEXANDRE, 2015, p. 667) Já sobre os outros 25% do total a ser repartido, ou um quarto, os Estados terão autonomia para definir as regras dessa divisão, por meio de lei, podendo até mesmo utilizar a própria regra do valor adicionado. A respeito dessa autonomia estadual, analisa Ricardo Alexandre (2015, p. 666): “A discricionariedade estadual, contudo, possui limites. Segundo o STF, é vedado, à legislação estadual, a pretexto de resolver as desigualdades sociais e regionais, alijar, completamente, um Município da participação nos recursos em questão. No caso concreto, a Corte Suprema declarou inconstitucionais anexos de lei do Estado do Rio de Janeiro que excluíam a Capital do Estado da partilha da parcela do ICMS cujos critérios de repartição devem ser definidos por lei estadual (RE 401.953/RJ – noticiado no Informativo 467 do STF, de 23.05.07)”. Verifica-se, pois, que a liberdade para os Estados repartirem sua receita de ICMS com seus Municípios é mitigada.   2.2. O ICMS Ecológico Como se pôde ver até aqui, os Municípios mais populosos e que geram circulação de mercadoria são privilegiados em relação àqueles menos desenvolvidos no que diz respeito à repartição de receitas de ICMS dos Estados com estes. Isso porque, destaque-se novamente, 75% do que é dividido com os Munícipios será proporcional ao valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e na prestação de serviços. Contudo, tem-se observado que tais Municípios, que possuem maiores condições de desenvolvimento econômico, costumam ser os principais responsáveis por gerar externalidades ambientais negativas, tendo em vista a adoção de atividades predatórias em nome do crescimento desenfreado. Diante dessa conjuntura, Fernando Facury Scaff e Lise Vieira da Costa Tupiassu ponderam que “esta lógica necessariamente deve ser alterada, pois não dá conta da dinâmica da realidade e, principalmente, não se conforma com a proteção constitucional conferida ao meio ambiente, tampouco com o instrumento principiológico do poluidor-pagador. A intervenção do Estado sobre domínio econômico-ambiental surge, então, buscando corrigir as falhas trazidas pelas externalidades ecológicas […]”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 169-170) Assim, o ICMS ecológico aparece como uma política pública de incentivo à conservação dos recursos naturais. Trata-se de um mecanismo utilizado por alguns Estados da federação para compensar os Municípios que “[…] sofrem limitações de ordem física para o desenvolvimento produtivo, em razão de seu comprometimento territorial com áreas ambientalmente protegidas” (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 170). É uma intervenção positiva do Estado baseada em um incentivo fiscal. Surgiu, em 1991, no Paraná, “por iniciativa de prefeitos de municípios que sofriam limitações quanto ao licenciamento ambiental para atividades econômicas em seus territórios, em virtude da existência de espaços protegidos por integrarem mananciais de abastecimento de água para municípios vizinhos. […] Teve como principal característica, naquele momento, a compensação financeira pelo custo de oportunidade gerado em função das restrições legais impingidas”. (JOÃO, 2004, p. 92) Percebe-se, dessa forma, que a política pública em apreço relaciona-se à uma tentativa de gratificar os Municípios que, restritos da utilização econômica de parte de seu território por motivo de preservação ambiental, viam-se penalizados com um menor repasse orçamentário, em detrimento das benesses que proporcionavam à sociedade. Assim, aproveitando da liberdade que têm para repassar um quarto da parcela de ICMS devida aos Municípios, alguns Estados optaram por beneficiar aqueles que implementam políticas públicas ambientais. A política, pode-se dizer, tem sido bem disseminada, visto que incentiva o investimento dos Municípios na qualidade de vida de sua população, tanto a atual quanto a futura (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 172), e foi adotada por vários outros Estados ao longo dos anos, como se verá posteriormente. Ademais, a facilidade de implementação desse instrumento de ecotributação também pode ser explicado pelo fato de não exigir complexas alterações legislativas. Para a sua adoção, mostra-se suficiente, via de regra, a edição de legislação estadual que o regulamente (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 173). Cada Estado, analisando as peculiaridades de seus Municípios, estabelece os critérios ecológico-sociais e o percentual de ICMS a ser repassado para estes, de forma que “os valores e critérios legalmente estabelecidos passam então a ser quantificados diante dos dados fáticos, proporcionando a definição de um ranking ecológico dos municípios. Deste modo, cada município receberá um montante proporcional ao compromisso ambiental por ele assumido, o qual será incrementado conforme a melhoria da qualidade de vida da população”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 174) Não há, portanto, a criação de novo tributo, mas sim a reconfiguração do percentual repassado de ICMS, que antes era distribuído apenas com base no valor adicionado. Ressalte-se também que o custo operacional pode ser considerado pequeno, uma vez que é possível aproveitar as estruturas administrativas já existentes para que se proceda o cadastro das áreas de preservação ambiental, a serem mantidas pelas unidades municipais, e a verificação dos critérios estabelecidos pela legislação estadual. Um ponto importante diz respeito à fiscalização da destinação que é dada a esses repasses de ICMS ecológico. Num primeiro momento, cabe ao Tribunal de Contas essa tarefa. Contudo, há quem defenda que é dever também da população informar-se e cobrar da administração municipal que parte desse recurso seja investido nas próprias unidades de conservação. Deve-se destacar que o fato gerador e as receitas advindas da arrecadação de ICMS são não vinculados, isto é, não estão obrigatoriamente relacionados ou destinados a uma atividade específica, visto tratar-se de imposto. Para alguns, haveria, por esse motivo, até mesmo uma impropriedade terminológica, posto que “na verdade não se trata de uma nova modalidade de tributo ou uma espécie de ICMS, parecendo mesmo que a denominação é imprópria a identificar o seu verdadeiro significado, de vez que não há qualquer vinculação do fato gerador do ICMS a atividades de cunho ambiental. Da mesma forma, como não poderia deixar de ser, não há vinculação específica da receita do tributo para financiar atividades ambientais. Não obstante, a expressão já popularizada ICMS ECOLÓGICO está a indicar uma maior destinação de parcela do ICMS aos municípios em razão de sua adequação a níveis legalmente estabelecidos de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei”. (PIRES apud SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 175) Pelo exposto, apesar de ser esperado e recomendável, tendo em vista a finalidade dessa política pública, não há como vincular as receitas de ICMS obtidas pelos Municípios, através do repasse estadual, às atividades de preservação das áreas ambientalmente protegidas. Desta feita, infelizmente, há alguns Municípios que, tomando por base a característica da não vinculação das receitas dos impostos, utilizam as Unidades de Conservação (UC’s) apenas para aumentar sua arrecadação de ICMS, sem se comprometerem a, de fato, destinar esse recurso, ou parte dele, para a preservação destas. Essa situação, que pode desvirtuar o objetivo laudável da política do ICMS ecológico, Maria Dalce Ricas (2017) denominou de “indústria de APAS”. Em Minas Gerais, por exemplo, um levantamento feito pela Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA), referente às gestões municipais que se encerraram em 2016, revelou que em onze Municípios nenhum valor considerável do ICMS ecológico repassado a tais entes foi destinado às Áreas de Proteção Ambiental (APA’s), havendo total descaso das prefeituras com estas e surgindo, pois, verdadeiras “Unidades de Conservação de Papel”.  É o que observa Sabrina Rodrigues: “A Lei que está vigorando atualmente é a lei nº 18.030/09, que não obriga as prefeituras a investirem nas unidades de conservação geradoras do ICMS Ecológico. “Esse é um dos grandes problemas da lei, ela não obriga que o município pegue esse dinheiro do ICMS ecológico e aplique nas unidades de conservação do seu território, do seu município”, explica Henri Collet, secretário de unidades de conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), responsável pelo repasse do benefício aos municípios”. (RODRIGUES, 2017) Mesmo diante da lastimável constatação de que algumas gestões municipais venham desvirtuando o propósito da política pública do ICMS ecológico, ainda é assente que esta é uma boa alternativa para a preservação do meio ambiente. Dalce Ricas não esconde sua posição favorável a implementação desse instrumento de ecotributação, mas propõe a sua “moralização”: “Somos integralmente favoráveis ao ICMS ecológico, mas é preciso urgentemente moralizá-lo. […]. Entregamos o documento e solicitamos reunião técnica ao presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Glaycon Franco, e enviamos solicitação de abertura de inquérito civil aos promotores das comarcas dos municípios investigados. A Amda apresentou algumas propostas, como: reavaliação da destinação dos recursos, revisão dos parâmetros que regulam o repasse do ICMS, mais rigor na avaliação dos municípios que devem recebê-lo, previsão de exclusão ou suspensão do cadastro de municípios que descumprirem as regras ou serem indutores de degradação das unidades de conservação e de sua zona de amortecimento. Além disso, a exigência de Plano de Manejo implantado para inscrição no cadastro, fiscalização efetiva para comprovação das informações prestadas pelos municípios e de atividades econômicas ou de infraestrutura implantadas dentro das APAs municipais. E previsão legal de transparência por parte do IEF do processo de apuração dos valores a serem repassados e das prefeituras no que se refere à aplicação dos recursos”. (RICAS, 2017) Valorizar os aspectos fundamentais para um meio ambiente saudável, refletindo diretamente no bem-estar das presentes e futuras gerações, é o escopo do ICMS ecológico, e não simplesmente aumentar a renda das unidades municipais. Isso é algo que não se pode perder de vista. A política é boa, pode ser concretizada sem haver a necessidade de muito investimento, além de gerar significativos resultados na qualidade de vida humana, mas carece de atenção e fiscalização, seja por parte dos órgãos públicos competentes para esse mister ou da própria sociedade civil.   Será abordado, finalmente, o rol Estados da federação brasileira que adotaram a política pública do ICMS ecológico, fazendo-se um breve estudo histórico-comparativo das legislações estaduais que o instituíram.   3.1. Os Estados que Adotaram a Política Pública do ICMS Ecológico Conforme registrado anteriormente, a política pública do ICMS ecológico foi concebida, pioneiramente, no Estado do Paraná, em 1991, como forma de compensar as restrições ao desenvolvimento econômico, impingidas pela instituição de áreas de preservação ambiental em áreas municipais. Assim, em 21 de dezembro de 1990, foi publicada a lei estadual paranaense – Lei nº 9.491 – para regular os critérios ecológicos para repasse das verbas municipais dos ICMS aos Municípios do respectivo Estado. A lei em questão foi ainda regulamentada pela Lei Complementar nº 59/91 e pelo Decreto Estadual nº 974/91. Por ter saído na frente ao associar o caráter extrafiscal do ICMS à proteção do meio ambiente, o Estado do Paraná também experimentou os primeiros resultados – positivos, diga-se de passagem – do ICMS ecológico. De acordo com Scaff e Tupiassu: “O número de Municípios beneficiados eleva-se a cada ano. Em 1992, foram 112; em 1998, o número já havia aumentado para 192 Municípios. Consequentemente, os dados da preservação ambiental no Estado mantêm-se em constante crescimento. Estima-se que, desde a aprovação da Lei do ICMS Ecológico, em 1991, as áreas protegidas no Paraná aumentaram 950%, e que nos cinco anos de efetivo desenvolvimento do projeto, conseguiram-se resultados maiores e melhores do que em 60 anos de políticas públicas em áreas protegidas”. (SCAFF, TUPIASSU, 2004, p. 177) Seguindo o exemplo do Paraná, em 23 de dezembro de 1993, publicou-se a Lei Complementar 8.510 no Estado de São Paulo. Desde então, muitas áreas economicamente limitadas por questões de preservação, como o Vale da Ribeira e os Municípios localizados na região da Mata Atlântica, foram beneficiadas com maiores repasses de ICMS (SCAFF, TUPIASSU, 2004, 177-178). Vislumbrando os bons resultados alcançados pelos Estados vanguardistas na implementação do ICMS ecológico, o que pode ser comprovado pela propagação do debate acerca da utilização sincronizada de instrumentos econômicos, tributários e de políticas ambientais, bem como pela promoção da qualidade de vida das populações, outras unidades da federação passaram a adotar a referida política pública. Desta feita, até o presente momento, dezessete Estados brasileiros legislaram sobre o ICMS ecológico e hoje distribuem parte de suas receitas de ICMS entre os Municípios que cumprem com os requisitos legalmente estabelecidos. Além do Paraná e de São Paulo, os Estados do Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Tocantins regulamentaram e instituíram em seus territórios o ICMS ecológico. Deve-se destacar, ainda, que muitos daqueles Estados que ainda não fazem parte desse rol discutem a possibilidade ou já estão prestes a adotar o mecanismo em análise.   3.2. Estudo Histórico-Comparativo das Legislações Estaduais sobre o ICMS Ecológico O pioneirismo já ressaltado do Paraná na instituição do ICMS ecológico permitiu que o Estado obtivesse a legislação mais detalhada no que diz respeito ao repasse desse tributo a seus Municípios. A política pública em comento foi apresentada, pela primeira vez, na Constituição paranaense de 1989, mas sua efetiva regulamentação ocorreu em 1991, com a Lei nº 9.491, além da Lei Complementar nº 59 e do Decreto Estadual nº 974/91. Da leitura dos mencionados dispositivos legais, depreende-se que 5% do ICMS repartido com as unidades municipais são repassados àquelas que possuem áreas de proteção ambiental (2,5 %) ou mananciais de abastecimento (2,5%). Deve-se destacar ainda que a legislação paranaense incentiva os Municípios a investir esse valor arrecadado nas próprias unidades de conservação, sejam elas estaduais, federais ou até mesmo particulares – tratam-se das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) –. Assim, aqueles que possuem uma melhor gestão ambiental são mais beneficiados. Segundo Estado a aderir ao ICMS ecológico, São Paulo regulou essa política em 1993, com a publicação da Lei nº 8.510.  Contudo, tem-se considerado a sua legislação ultrapassada, uma vez que esta não sofreu qualquer tipo de revisão desde a sua publicação. Apesar de a legislação paulista ainda não ter sido atualizada, há propostas encaminhadas à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que pretendem rediscutir e reformular a lei do ICMS ecológico de tal unidade federativa. Da forma em que se encontra atualmente, a lei paulista destina 0,5%, dos 25% de ICMS repassados aos Municípios, àqueles que possuem espaços territoriais especialmente protegidos. Há um critério de ponderação que leva em consideração o nível de restrição de uso de cada uma dessas áreas. Assim sendo, estações ecológicas e reservas biológicas têm peso 1,0; parques estaduais, peso 0,8; zonas de vida silvestre em áreas de proteção ambiental, peso 0,5; reservas florestais, de desenvolvimento sustentável e extrativistas recebem peso 0,2 e as áreas de proteção ambiental e áreas naturais tombadas, peso 0,1. Em 1994 foi a vez do Mato Grosso do Sul aprovar o ICMS ecológico com a promulgação da Lei Complementar nº 77. Desde então, dos 25% de ICMS destinados aos Municípios, 5% são repassados aos que tenham terras indígenas reconhecidas ou unidades de conservação inscritas em cadastro estadual, além daqueles que possuem plano de gestão, sistema de coleta seletiva e disposição final de resíduos sólidos licenciada. No território sul mato-grossense, a política pública foi atualizada nos anos seguintes pela Lei nº 2.193/2001, Lei nº 2.259/2001, Decreto nº 10.478/2001 e Lei Complementar nº 159 de 2011. Mina Gerais, por sua vez, foi o quarto Estado a legislar sobre a distribuição de ICMS levando em consideração aspectos ambientais. A Lei nº 12.040/95, mais conhecida como “Lei Robin Hood”, inovou em relação às outras legislações estaduais que já tratavam do tema, uma vez que adotou critérios socioculturais para o repasse de ICMS aos Municípios. A lei mineira pretende atenuar o desequilíbrio social, incentivando os investimentos na educação, saúde, agricultura, patrimônio cultural e preservação do meio ambiente. Desde 2011, o percentual destinado ao critério ambiental, do repasse de ¼ de ICMS previsto constitucionalmente, é de 1,10%. Para tanto, devem ser observados três aspectos: o índice de saneamento ambiental, referente a aterros sanitários, estações de tratamento de esgoto e usinas de compostagem; o índice de conservação no que diz respeito às Unidades de Conservação e demais áreas protegidas; e a relação percentual entre a área de ocorrência de mata seca em cada Município e sua área total (novo critério trazido pela Lei 18.030/2009). O ano de 1996 foi importante para a política pública do ICMS ecológico, visto que quatro Estados entraram para o rol de adeptos do programa. Tratam-se dos Estados do Amapá, Ceará, Rio de Janeiro e Rondônia. No Amapá, o ICMS ecológico foi implementado pela Lei nº322/1996, mas esta até hoje não foi regulamentada pelo Poder Executivo, mesmo com a determinação do artigo 5º da lei de que tal regulamentação acontecesse no prazo de noventa dias. Assim, semelhante ao que ocorre em São Paulo, o anexo da lei equivale à sua regulamentação e não há na legislação amapaense previsão de categorias de Unidades de Conservação de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –SNU –, visto que este foi instituído apenas no ano 2000 pela Lei nº 9.985. Há a previsão de repasse de 1,4% do ICMS destinado às gestões municipais para aquelas que possuam unidades de conservação. Contudo, existe proposta de alteração da mencionada lei que, uma vez aprovada, acrescentará outros critérios ao índice de conservação ambiental a ser observado pelos Municípios para receberem esse valor. A exemplo de Minas Gerais, o Ceará adotou o ICMS socioambiental, levando em consideração para a distribuição, além do meio ambiente, a educação, saúde, dentre outros critérios. A Lei nº 14.023 delimitou o percentual de 2% do ¼ de repasse de ICMS para os Municípios cearenses que apresentam qualidade de meio ambiente, isto é, basicamente, aqueles que possuem um sistema de gestão integrada de resíduos sólidos. Em 2009, todavia, o Estado publicou a Nota Técnica nº 32, que esclareceu os procedimentos a serem respeitados pelos Municípios para terem direito ao bolo de ICMS repartido. No Rio de Janeiro, a Lei nº 2.666/96 foi alterada pela Lei nº 5.100/2007, e assim, desde 2011, 2,5% da receita de ICMS destinada aos Municípios cariocas estão relacionados ao critério ambiental. O índice de repasse de ICMS ecológico nesse Estado é composto de forma que, dos 2,5% repassados, 45% referem-se às unidades de conservação; 30% à qualidade da água; e 25% à administração de resíduos sólidos. Ressalte-se, ainda, que as prefeituras que criarem suas unidades de conservação têm direito a 20% dos 45% destinados à manutenção das áreas protegidas. Outro Estado a adotar o ICMS ecológico em 1996, por meio da Lei Complementar nº 147, Rondônia veio a regulamentá-lo apenas em 2001, mas essa regulamentação foi revogada por um novo decreto – Decreto nº 11.908 – em 2005. Desde então, há um percentual de ICMS ecológico de 5% para as unidades de conservação, considerando aspectos quantitativos, isto é, leva-se em conta a relação entre a área total das unidades de conservação do Município e a das unidades de conservação do Estado no ano anterior ao da apuração do índice. Uma novidade na legislação rondoniense é a previsão de redução do valor de ICMS ecológico repassado aos Municípios em que as áreas de preservação são invadidas ou exploradas ilegalmente. Essa importância será, pois, transferida para as prefeituras que estabelecerem sistemas de gestão das unidades de conservação. No ano seguinte, em 1997, foi a vez do Rio Grande do Sul adotar esse instrumento de conservação ambiental, através da Lei nº 11.038. Esta optou por associar o repasse de ICMS ecológico ao tamanho da área das unidades de conservação contidas no Município. O percentual de repasse é de 7%, sendo necessário destacar, contudo, que a referida lei ainda não passou por um processo de regulamentação, apesar de haver perspectivas de aprimoramento desta. Três anos depois, baseados na experiência bem-sucedida de outros Estados, Mato Grosso e Pernambuco implementaram o ICMS ecológico. Em Mato Grosso, a política foi abordada pela Lei Complementar nº 73/2000 e regulamentada pelo Decreto nº 2.758/2001. Já em Pernambuco, o mesmo aconteceu por meio das Leis nº 11.899/2000, 12.206/2002, 12.432/2003 e dos Decretos nº 23.473/2001, 25.574/2003 e 26.030/2003. Mato Grosso optou por uma implementação gradual, adotando inicialmente apenas um critério quantitativo, isto é, a existência de unidades de conservação e terras indígenas nos Municípios, situação em que seria destinado 5% de ICMS ecológico para estes, a partir de 2002. Desde 2013, no entanto, surgiu também um critério qualitativo. Pernambuco, por sua vez, foi outro Estado a desenvolver um critério socioambiental para o repasse do ICMS destinado aos Municípios, objetivando melhorar suas condições de saúde, educação e seu meio ambiente. No que concerne especificamente ao aspecto ambiental, associou o repasse de 1% do bolo de 25% de ICMS às unidades de conservação existentes nos Municípios, levando-se em conta a área dessas unidades, a área do Município, a categoria de manejo e o grau de conservação do ecossistema protegido. Além disso, 2% são distribuídos entre as Prefeituras que possuem sistemas de tratamento de resíduos sólidos, com unidade de compostagem ou de aterro sanitário. Tocantins, apesar de ser o mais jovem Estado brasileiro, também já se alinhou à política do ICMS ecológico, legislando em 2002 acerca desse incentivo à preservação ambiental. Assim, em 4 de abril de 2002, foi publicada a Lei nº 1.323, dispondo sobre os índices que compõem o cálculo da parcela do produto arrecadado de ICMS pertencente aos Municípios. Quanto ao percentual de ICMS ecológico destinado a cada Município desse Estado, estabeleceu-se o patamar de 13%, o qual é dividido da seguinte forma: 2% para a política municipal de meio ambiente; 3,5% para as unidades de conservação e terras indígenas; 2% para o controle de queimadas e o combate aos incêndios; 2% para a conservação do solo; 3,5% para saneamento básico, conservação da água e destinação do lixo. Ainda, dois indicadores são considerados, um quantitativo e outro qualitativo, garantindo este último a qualidade do tratamento a cada um dos critérios acima mencionados. Mais um Estado a implementar o ICMS ecológico, o Acre possui uma gestão voltada para o desenvolvimento sustentável, de modo que, desde 2014, passou a destinar 5% do ICMS arrecadado para os Municípios que possuam unidades de conservação ambiental, conforme disposto na Lei nº 1.530/2004 e no Decreto nº 4.918/2009. No Piauí, a edição da Lei nº 5.813, de 3 de dezembro de 2008, tinha por escopo beneficiar os Municípios que se destacassem na proteção ao meio ambiente. Adequando-se à política do ICMS ecológico, criou o “Selo Ambiental”, de forma que apenas os Municípios que possuírem tal selo estarão aptos a receber o percentual de 5% de ICMS ecológico. Os Municípios que possuem o selo podem ainda ser distinguidos por três categorias: A, para aqueles que atenderem a seis requisitos legais do total de nove; B, para os que atenderem a quatro requisitos; e C, para os que atenderem a três. Dos nove requisitos aludidos, podem ser citados como exemplos: a gestão de resíduos, a proteção de mananciais, a redução do desmatamento, a identificação e minimização de fontes de poluição, dentre outros. Além disso, há a necessidade de existir um Conselho Municipal do Meio Ambiente para que o Município possa participar da política pública. Em 2011, dois Estados também inseriram em sua legislação a previsão do ICMS ecológico. São eles: Goiás e Paraíba. Em Goiás, a Lei Complementar nº 90 regulamentou a Emenda Constitucional nº 40 que determinava o repasse de 5% de ICMS ecológico para os Municípios que abrigassem unidades de conservação ambiental, sendo diretamente por elas influenciados, ou que possuíssem mananciais de abastecimento. A partilha desse percentual, todavia, deve observar alguns critérios: 3% se destinará aos municípios que apresentarem gestão ambiental de acordo com padrões de desenvolvimento sustentável e de conservação de recursos naturais; 1,25% para aqueles que tenham regulamentado e colocado em prática pelo menos quatro de nove providências discriminadas na lei; 0,75% para os Municípios que tenham regulamentado e colocado em prática pelo menos três das mesmas nove providências. Já na Paraíba, a política pública foi instituída pela Lei nº 9.600, que prevê o repasse dos mesmos 5%, a título de ICMS ecológico, aos Municípios que tenham em seus territórios uma ou mais unidades de conservação, sendo estas públicas ou privadas, municipais, estaduais ou federais, desde que considerado os critérios de qualidade definidos pela SUDEMA – Superintendência de Administração do Meio Ambiente. Finalmente, o Estado do Pará foi o último da região Norte e da Federação, até o presente momento, a aderir e legislar sobre o ICMS ecológico. Em 16 de julho de 2012, publicou-se a Lei nº 7.638, contudo, faz-se mister destacar que esse instrumento em prol da preservação ambiental só entrou em vigor no Estado três anos depois, isto é, em 2015. A lei paraense beneficiou os Municípios que possuem unidades de conservação ou outras áreas protegidas, previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, assim como aquelas que integram o Sistema Estadual de Biodiversidade e Áreas Protegidas, ou seja, as estradas cênicas, os rios cênicos, as reservas de recursos naturais, as áreas de preservação permanente e de reserva legal. Para os Municípios que respeitam os critérios legalmente estabelecidos, o Estado repassa 8% dos 25% de ICMS repartidos com estes entes. Estes são, portanto, os dezessete Estados brasileiros que, vislumbrando a necessidade e importância de garantir um meio ambiente saudável, de qualidade, para as atuais e futuras gerações, adotaram a política pública ambiental do ICMS ecológico. Há em vários outros Estados da Federação propostas para implantar esse mecanismo em prol de um desenvolvimento sustentável, mas que ainda não se tornaram objeto de leis estaduais. A perspectiva é de que isso ocorra nos próximos anos, tendo em vista a crescente preocupação nacional e internacional com a causa ambiental e seu reflexo direto na qualidade de vida humana.   Conclusão A preocupação com a preservação e conservação do meio ambiente, tema em destaque neste trabalho, não é de hoje e nem se restringe ao âmbito nacional. Pelo contrário, vários têm sido os encontros entre as nações para discutir e apontar soluções para a degradação ambiental e as suas consequências para a vida na Terra. O homem, animal racional, é apontado como o principal responsável pelas alterações climáticas e tantas outras transformações negativas no ecossistema natural, observadas ao longo dos anos, em decorrência da sua busca constante pelo desenvolvimento econômico.  Contudo, é também um dos que mais sofre com os efeitos do desequilíbrio ambiental. Em virtude disso, a razão humana está se voltando para a conscientização de que, sem um meio ambiente equilibrado e saudável, não há vida de qualidade. Como reflexo e resposta a essa mudança de mentalidade, segundo a qual a natureza não é apenas um bem a ser utilizado ao bel prazer do homem, a própria vida em sociedade passou a apresentar novas práticas e comportamentos. E, nesse ínterim, sendo o Direito um dos principais instrumentos de conformação social, não poderia estar de fora desse processo de conscientização e inovação comportamental. Atenta à necessidade de associar desenvolvimento e preservação ambiental, a Constituição brasileira elegeu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma garantia fundamental das presentes e futuras gerações. Dessa forma, tanto o poder público quanto a própria sociedade estão incumbidos do dever de proteger e manter a qualidade do meio ambiente. Para a consecução desse fim, o desenvolvimento de políticas públicas, mecanismo de intervenção do Estado na economia, demonstra ser um bom caminho. E, nesse sentido, o Direito Tributário pode ser um importante aliado. A ecotributação é um exemplo de que, utilizando-se do caráter extrafiscal apresentado por alguns tributos, é possível estimular determinados comportamentos tanto por parte dos contribuintes, quanto dos próprios entes tributantes. E uma das políticas públicas tributárias de maior sucesso para a preservação ambiental é a do ICMS ecológico, hoje adotada por muitos Estados brasileiros. Tal política toma como ponto de partida a previsão constitucional de repartição das receitas de ICMS dos Estados com seus Municípios. Contudo, para fazerem jus a esse repasse, as gestões municipais devem observar certos critérios ambientais discriminados nas respectivas legislações estaduais. Trata-se, num primeiro momento, de uma forma de compensar os Municípios que abrigam reservas naturais, áreas de conservação ambiental que não podem ser utilizadas em prol do desenvolvimento econômico clássico. Com o passar dos anos, todavia, o que se observou em muitos Estados adeptos dessa política é que esta deixou de ser um simples mecanismo compensatório, tornando-se um meio de aumentar a qualidade de vida das atuais e futuras gerações. Por oportuno, é importante ressaltar que o escopo do ICMS ecológico não é simplesmente gerar novas rendas aos Municípios, mas sim garantir o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Desta feita, faz-se mister que as prefeituras se comprometam a não só destinar parte do território municipal às áreas de preservação ambiental, mas também a mantê-las e a investir uma parcela dos recursos advindos do ICMS ecológico na gestão dessas unidades de conservação. Caso não haja esse comprometimento, a mencionada política pública, que se mostra tão promissora, pode ser desvirtuada e tornada ineficaz. É um dever dos órgãos públicos competentes, como também da sociedade, fiscalizar e cobrar a responsável administração desses recursos, para que os reais objetivos do ICMS ecológico não sejam olvidados.
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Direito tributário constitucional: análise da incidência do imposto de importação na baixa de programa de computador de prateleira de site internacional
O objetivo deste trabalho é avaliar a possível incidência do Imposto de Importação sobre a baixa de aplicativos realizada por meio de sítio internacional. Iremos inicialmente determinar o conteúdo do termo programa de computador pela avaliação da legislação correspondente e a partir disto, iremos avaliar a incidência tributária deste imposto.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com o avanço da tecnologia, o ser humano fica mais e mais dependente para a realização das tarefas do dia a dia, das mais básicas até as mais complexas. Neste contexto, os programas de computador possuem grande valia para a redução de atividades manuais, eliminação de riscos por erros de imputação de informação, bem como agilidade na troca de informações entre pessoas, dentre as diversas possibilidades de utilização de programas para o bem estar de uma sociedade. Muito se avançou no século passado para automatizar as atividades, com o objetivo na redução dos custos empresariais, seja pela eliminação dos custos de trabalho, seja pela redução de erros no processamento de dados de forma manual. Neste evoluir e em função da criação de uma realidade virtual antes quase incipiente, deu-se também uma aceleração na troca de dados são que são feitos de forma instantânea, alterando o comportamento de toda uma população. Exemplo simples são os telefones celulares que conectam pessoas localizadas em quase qualquer lugar do mundo de forma instantânea, sem contar os inúmeros aplicativos que estes aparelhos têm, os quais facilitam a vida de seus usuários, tais como agenda eletrônica, calendário, acesso à internet, etc. Neste contexto também nascem novas situações onde o direito se materializa, em decorrência de novos tipos de relações jurídicas criadas nesse novo cenário. Os contratos que em sua grande maioria eram firmados entre pessoas e de forma física, passam a contar com praticidade das assinaturas eletrônicas. Informações que levavam dias a serem transmitidas, pois contavam somente como o meio físico passou a ser livremente transmitidas entre duas ou mais pessoas de forma instantânea. Destas novas relações que se instauram, novas obrigações também são criadas. Em certos casos são relações jurídicas comuns como, por exemplo, a importação de produtos onde as relações comerciais são fechadas de forma eletrônica. Com estes novos horizontes, novas situações são criadas as quais não possuem clara definição legal e conseqüentemente questões tributárias também são identificadas, e passam a ser discutidas pela doutrina e jurisprudência, com o objetivo de se tentar determinar qual a natureza jurídica de determinada relação e assim a determinação da incidência tributária. Dado esse cenário, nosso objetivo é o de avaliar a natureza jurídica do termo “programa de computador” que no nosso dia a dia chamamos de ‘software”. Em função desta determinação, estudarmos a carga tributária incidente sobre a baixa dos programas efetuados pela internet. DELIMITAÇÃO DO TERMO: PROGRAMA DE COMPUTADOR A delimitação do termo deve necessariamente passar pela utilização de ferramentas que possam ajudar o aplicador do direito a extrair corretamente de um dado signo, este entendido com unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico da relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a teoria husserliana[1]. Por esta teoria, suporte físico é a coisa física que nossos sentidos registram. É a coisa em si, sua composição física. Já o significado é o nome que atribuímos a este objeto. Este nome é atribuído de forma arbitrária pelo ser humano que passa a creditar a determinado objeto um título qualquer, referência esta que é tomada por um universo da população que concorda em relacionar um determinado objeto físico com aquele nome, o que tratamos como significado. Dada esta identificação entre o nome atribuído à coisa, que é representada por uma palavra e a própria coisa física que se trata, nasce a significação. A significação é a identificação da coisa na mente do ser cognoscente.  Quando pensamos na coisa, temos a significação. Este curto intróito nos ajuda a pensar no que pode significar o verbete “programa de computador”. Significa uma relação de comandos elaborada em linguagem própria computacional, com o objetivo de ser processado por um computador e conseqüentemente a realização de tarefas. Esta delimitação é importante neste caminho que começamos a traçar as linhas que delimitam o objeto do estudo, dado que diversas significações serão importantes para a construção da regra matriz de incidência. Neste sentido, iremos investigar os seguintes significados: o de programa de computador, produto e mercadoria, Programa de computador então são ordens definidas de forma lógica e organizada para serem executadas por equipamento de informática. Estas ordens são determinadas com  de linguagem própria de programação computacional e tem como objetivo a realização de diversas atividades. A partir da década de 80 a computação teve seu acesso facilitado à grande maioria da população em função do barateamento dos equipamentos envolvidos neste seguimento econômico e, neste esteio, nosso sistema de direito positivo buscou definir com legislação própria a questão tratada. Na lei 7.609/87, foram inicialmente determinados os contornos do que o direito positivo resolveu por determinar como programa de computador. “Art. 1º São livres, no País, a produção e a comercialização de programas de computador, de origem estrangeira ou nacional, assegurada integral proteção aos titulares dos respectivos direitos, nas condições estabelecidas em lei. Parágrafo único. Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programas de computador é o disposto na Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, com as modificações que esta lei estabelece para atender às peculiaridades inerentes aos programas de computador.” Esta lei foi alterada pela lei 9.609/98 que manteve na integridade o significado determinado no caput do artigo 1º. “Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.” Segue em mesma direção a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE): “Definition:  Computer software is an asset consisting of computer programs, program descriptions and supporting materials for both systems and applications software; included are purchased software and software developed on own account, if the expenditure is large.”[2] Notamos aqui que se trata primordialmente do produto intelectual que objetiva estabelecer um conjunto organizado de instruções em linguagem apropriada, de forma que a maquina possa interpretar os comandos e realizar uma ou mais tarefas determinadas. Esta definição posta na lei leva a primeira conclusão que os programas de computador são produtos intangíveis, fruto do exercício intelectual do ser. Desta forma, quando vemos a relação tríade da semiótica, vemos que o programa é onde estão armazenadas de forma lógica as ordens a serem cumpridas pelo equipamento de informática e a significação é a existência de uma seqüência de ordens para solução de um determinado problema existente. A lei 9.609/98 enfatiza esta conclusão quando em seu artigo 2º determina que programas de computação têm natureza de obras literárias gozando deste mesmo regime de proteção. “Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”. Em certos momentos, este programa é encontrado residente em arquivos físicos portáteis como mídias, disquetes, pen drives, ou em outras circunstâncias é obtido por baixa diretamente de endereço eletrônico de provedor. Se tratarmos de propriedade intelectual, devemos então avaliar como o Instituto de Propriedade Intelectual define o que é um programa de computador. Este instituto determina que software é o que está disposto na lei 9464/98: “Definição: De acordo com o artigo 1° da Lei 9.609/98 (Lei de Software), Programa de Computador “é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”[3] Tendo então estabelecida significação do termo programa de computador, cabe então ser estabelecida uma distinção entre os softwares preparados por encomenda e aqueles para distribuição em massa ou os chamados softwares de prateleira. DEFINIÇÃO DO OBJETO JURÍDICO: MERCADORIA OU CESSÃO DE  USO DISTINÇÃO ENTRE PROGRAMAS DE COMPUTADOR Os softwares por encomenda são aqueles onde o contratante do serviço define as premissas do aplicativo a ser desenvolvido para o contratado. Este por sua vez desenvolve as rotinas contratadas e entrega o resultado do seu trabalho integralmente, tendo o contratante direito sobre os arquivos fonte do programa de computador, o seja adquire a propriedade sobre aquela funcionalidade. Do sítio do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, extraímos valiosas notas sobre a questão do direito do autor do programa de transferir a propriedade para terceiros, podendo em certas situações se opor a alterações que possam deformar, mutilar ou prejudicar a honra ou reputação do autor. Titularidade e Criador Somente a pessoa física ou um grupo delas pode criar um programa de computador. O titular é aquele que detém o direito de exploração da obra, podendo ser uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas. Se o titular do direito não for o criador, o pedido deverá ser instruído com documentos que comprovem a transferência de direitos, devendo ser apresentado um documento de cessão ou de comprovação de vínculo (empregatício ou prestação de serviços) com a empresa. No caso de apresentação de documento de cessão, este deverá ser claro e explícito na delimitação dos direitos, pois em se tratando de direito de autor, os negócios jurídicos são sempre interpretados de forma restritiva. Direitos Como a proteção dos programas de computador é afeta ao Direito Autoral, esta compreende direitos morais, que são inalienáveis e irrenunciáveis, e patrimoniais. Os direitos morais que se aplicam aos programas de computador são o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa e o direito de se opor a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem em deformação, mutilação ou que prejudiquem a sua honra ou reputação. Desta forma, se o titular não é o criador, é aconselhável obter do criador autorização para modificações futuras. Os direitos patrimoniais que se aplicam aos programas de computador são o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra, incorrendo em ilícito quem, por qualquer meio, no todo ou em parte, reproduz, vende, expõe à venda, importa, adquire, oculta ou tem em depósito para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador produzido com violação de direito autoral, ou seja, sem a autorização expressa do autor ou de quem o represente.[4] Neste caso, quanto há uma relação jurídica estabelecida entre partes independentes para a elaboração de rotinas de programação afeitas a confecção de um programa de computador cuja propriedade será transferida para o contratante, tem-se aqui uma prestação de serviços. Em breve síntese, prestação de serviço é a relação jurídica firmada entre partes onde não há subordinação de trabalho, há remuneração pela entrega da coisa, há a entrega da coisa para terceiros, são realizadas por pessoas sem vínculo de relação de emprego. Para Aires Barreto em palestra proferida no V Congresso de Direito Tributário, apresentou seu entendimento sobre a determinação dos elementos necessários da prestação de serviço. Diz o prestigioso parecerista: “Serviço é o resultado da prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial” O que se transfere neste contrato é então o programa sem reservas, ou seja, o novo titular possui direito de alterá-lo desde que não resulte em afronta à honra ou reputação do autor. Temos então que nesta relação jurídica, o contratante passa a poder usar, gozar e dispor sobre o ativo, ou seja, passa a ter direito de propriedade sobre o software. PROPRIEDADE,POSSE E DIREITO DE USO O direito de usar (Jus utendi) corresponde a possibilidade poder extrair da coisa todos os serviços que se pode realizar, sem que haja alteração de seus elementos fundamentais. O direito de fruir (Jus fruendi) destaca-se pela possibilidade do recebimento dos frutos e na utilização dos produtos, podendo explorar a coisa para os fins a que se propõe este ativo. Já o direito de dispor (Jus abutendi ou disponendi) significa o poder que o titular possui de alienar, doar, gravar, alterar, mutilar a coisa. Nos termos do Código Civil de 2002, temos: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” De outro lado, aqueles aplicativos que têm como fonte originária a idéia do próprio autor e se destina a utilização do mercado em geral, sem que estes tenham acesso ao programa fonte, ou seja, a pessoa tem acesso às funções do aplicativo de forma a resolver seus problemas, mas não pode alterar deformar ou mutilar suas funções. São os chamados softwares de prateleira. Estes programas são desenvolvidos de forma que possa ser útil a uma coletividade e que esta seja somente usuária do aplicativo, sem que seja possível alterar suas funções essenciais de controle nas rotinas do programa de computador. Neste grupo normalmente se incluem jogos eletrônicos, planilhas de cálculo, gerenciadores de bases de dados, etc. Questão interessante se abre neste tipo de situação é: qual o tipo de contrato que será firmado entre as partes, uma vez que o usuário poderá somente gozar e fruir do aplicativo sem que se possa dele dispor. Sem poder dispor, o usuário somente poderá fruir e gozar da coisa e seus frutos dado que nesta relação não há a transferência da propriedade, mas tão somente a posse. Nos termos do Código Civil: “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” Se a relação é de posse e não de propriedade, a relação contratual é caracterizada como uma relação onde o usuário pode somente gozar do bem, ocorrendo então uma concessão de licença de uso do programa de computador. QUESTÃO DO CONTRATO: LOCAÇÃO OU CESSÃO DO USO Cabe-nos então tentar elucidar qual o contrato que melhor enquadra a relação de cessão. Duas parecem ser as respostas. Ou estamos tratando de um contrato de locação ou falamos sobre a remuneração de royalties, os quais passaremos a definir abaixo dada a importância deste conceito na definição da hipótese de incidência do tributo. O contrato de locação pressupõe a relação jurídica onde o contratado tem obrigação de ceder num determinado período o direito de gozar e fruir de determinado ativo. Nas palavras de Sílvio Rodrigues, “A locação é o contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração que a outra paga, compromete-se a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, ou o uso e gozo de uma coisa infungível (locação de coisas); ou a prestação de um serviço (locação de um serviço); ou a execução de algum trabalho determinado (empreitada). Trata-se de contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e não solene. Bilateral, porque envolve prestações recíprocas de cada uma das partes. Oneroso, dado seu propósito especulativo. Consensual, porque independe da entrega da coisa para seu aperfeiçoamento, opondo-se, assim, aos contratos reais, em que a tradição é elemento constitutivo do contrato.Comutativo, porque cada uma das partes, desde o momento da feitura do ajuste, pode antever e avaliar a prestação que lhe será fornecida e que, pelo menos subjetivamente, é equivalente da prestação que se dispõe a dar. Não solene, porque a lei não impõe forma determinada para o seu aperfeiçoamento.” Nesta avaliação descartaremos a possibilidade de locação de serviços e a empreitada, uma vez que quando tratamos de serviço ou mesmo a empreitada entendemos que há a tradição da coisa por inteiro, isto é, o direito de dispor da coisa, transferindo-se então as fontes do programa o que já tratamos anteriormente. De outro lado, a lei 9.609/98 que tratou especificamente dos programas de computador, estabelece que estes devam ser tratados como direitos autorais. “Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei”. Ainda, em seu artigo 9º, está determinado que o uso do aplicativo será objeto de contrato de licença. “Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.” Da leitura do artigo 10 desta mesma lei, extraímos que haverá a remuneração do titular dos direitos do programa. “Art. 10. Os atos e contratos de licença de direitos de comercialização referentes a programas de computador de origem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos e estabelecerão a remuneração do titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior”. (grifos nossos) A remuneração do autor em face da cessão de direitos autorais pela utilização de programa de computador é chamado de royalty. Em que pese a utilização de terminologia estrangeira, este foi o significado, utilizando a conceituação de Husserl, para designar a forma de pagamento sobre este tipo de remuneração. Reproduzimos abaixo através da Solução de Consulta Receita Federal Nº 86 de 08 de Julho de 2009 o conceito acima descrito. “ASSUNTO: Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE EMENTA: PROGRAMAS DE COMPUTADOR. LICENÇA DE USO. IMPORTAÇÃO DE SOFTWARE. Até 31 de dezembro de 2005, a empresa signatária de contratos de cessão de licença de uso de software, independentemente de estarem atrelados à transferência de tecnologia, era contribuinte da Cide, relativamente às remessas efetuadas ao exterior a título de royalties. A partir de 1º de janeiro de 2006, à vista do disposto nos arts. 20 e 21 da Lei nº 11.452, de 2007, apenas a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software) que envolver a transferência da correspondente tecnologia estão sujeitas à incidência da Cide.” Quando confrontamos o contrato de aluguel com o contrato de cessão de licença de uso de software, percebemos que a lei determinou que fosse utilizada essa modalidade específica de relação e não um simples contrato de aluguel. Ademais, aplicativos não se deterioram, mas se desatualizam quando avaliamos o ativo pela ótica de utilização. Somente no caso de aluguel isto ocorre e é tutelado pelo Código Civil: “Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava”. Concluindo, caso seja contratado programa de computador cujo aplicativo for transacionado sem reservas ou seja terá este direito de fruir, gozar e dispor do bem, trataremos de contrato de prestação de serviços. De outro modo, caso haja somente a possibilidade do usuário fruir e de gozar do ativo, então tratamos de contrato de cessão de licença de uso de software cuja remuneração será chamada de royalty. PROGRAMA DE COMPUTADOR: PRODUTO OU MERCADORIA? Outra questão que se abre é a possibilidade de demarcar o aplicativo de computador como produto ou mesmo mercadoria de forma a estar compreendido na matriz constitucional ou em leis inferiores que regulamentaram a regra matriz de incidência tributária. Analisando a questão, Paulo de Barros comenta da seguinte forma: “ Não se presta o vocábulo (mercadoria) para designar, nas províncias do direito, senão coisa móvel, corpórea, que está no comércio.” [5] Na obra Tributação na Internet, Hugo de Brito Machado traz à colação, inúmeros juristas para delimitar o aspecto físico de produto e mercadoria. Para Américo Lacombe, “Produto é, portanto um bem móvel e corpóreo, enquanto que mercadoria tem um conceito mais restrito, pois é um bem móvel, corpóreo destinado ao comércio.”[6] Continuando seus comentários sobre o tema, cita Sebastião de Oliveira Lima, nos seguintes termos: “Sabendo-se que produto é gênero do qual mercadoria é espécie e conceituados o primeiro como sendo um bem corpóreo, enquanto que o segundo é bem corpóreo e destinado ao comércio. (….)[7] Na mesma linha seguem José Eduardo Soares de Melo, Aliomar Baleeiro, Cleber Giardino, Carvalho de Mendonça, que atribuem a produto e mercadoria uma qualidade física, corpórea, de tangibilidade. As discussões sobre a natureza material da regra matriz de incidência do Imposto de Importação é de extrema relevância dado que a partir da definição de seu objeto (produto, mercadoria ou cessão de direitos) teremos o correto entendimento da incidência deste imposto na baixa de programas de computador. Tributação sobre a baixa de programas de computador Sistema Constitucional Brasileiro Antes de iniciarmos as análises da incidência propriamente dita pela composição da avaliação da regra matriz de incidência tributária, faremos breve digressão sobre o sistema Constitucional brasileiro com o objetivo de entendermos o processo de positivação do sistema tributária brasileiro. Tomando como aprendizado o ensinamento de Hans Kelsen, nosso sistema jurídico é baseado em um sistema legislativo positivo onde as normas primárias estão fincadas na Constituição Federal e as normas inferiores buscam fundamento de validade na norma superior. Este fundamento de validade da norma está residente na existência de uma norma fundamental pressuposta e insofismável. Neste sentido, para que a norma seja válida deve esta buscar seu fundamento de validade em norma superior. Determina a Constituição Federal em seu artigo 1º “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Nosso sistema republicano é baseado numa Federação onde a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal convivem harmonicamente em função da observação das regras de conduta determinadas no texto constitucional. O poder é transferido à República através da outorga destes entes com o objetivo de um bem maior a ser conquistado em conjunto. O texto constitucional é uma carta que define as linhas mestras de conduta entre as pessoas, sejam elas entre pessoas públicas e privadas, entre pessoas públicas e entre pessoas privadas. Nela estão estabelecidas as competências exclusivas e as que podem ser partilhadas entre os entes da federação bem como a forma de resolução de conflitos entre elas. Prescreve o artigo 18, da autonomia dos entes federativos. Esta autonomia é limitada às prescrições do texto constitucional. “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. É o ensinamento do ilustre Professor Roque Carrazza, “Os Estados-membros editam, também suas próprias leis, que devem harmonizar-se com a Constituição Federada e com os princípios sensíveis da Constituição do Estado Federal (não com as leis da União) Demais disto, num Estado Federal, ao Legislativo da União é interdito anular, mutilar ou, mesmo, usurpar as competências estaduais que, repitamos, estão perfeitamente desenhadas na Constituição da República.”[8] Legalidade não nos parece ser um princípio isolado, mas ao contrário, acredito estar diretamente conectado com a sensação de segurança que as pessoas querem ter, de forma com que possam planejar suas atividades sem percalços. Como já dizia Aristóteles: A lei é ordem; uma boa lei é uma boa ordem.[9] Algumas leis são melhores do que outras, isto ninguém duvida, seja pela facilidade de aplicação, seja pela percepção de harmonia quando trata de forma isonômica aqueles em mesmas condições mas, dado sua sujeição, deve ser seu comando obedecido exceto pela tutela dada pelo poder judiciário. Sócrates tomou cicuta por obediência à lei. Segurança é a própria Constituição Federal onde determina os direitos e deveres da Republica e aqueles a ela tutelados. Em seu preâmbulo, já informa a necessidade de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais da pessoa dentre outros de forma a resguardar esta garantia. [10] Sistema Constitucional Tributário Brasileiro A partir da leitura do texto constitucional, nos deparamos com uma vastidão de princípios e regras que tem como objetivo a determinação das competências dos entes federados. Quando tratamos da competência tributária, esta é concorrente quando tratamos de matéria tributária. “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro.” A explicação para isto é que todos os entes federativos possuem capacidade para tributar naqueles tributos determinados no texto constitucional e a instituição, ou seja, o nascimento do tributo saem dos diplomas infra-constitucionais. Optou o legislador pátrio por gravar o sistema tributário na Constituição Federal. Neste sentido, qualquer regra tributária nova somente pode ser positivada quando observados todos os ditames do diploma constitucional brasileiro. Sejam estes ditames os princípios constitucionais plasmados nos direitos e garantias fundamentais bem como no capítulo do sistema tributário ou qualquer outro princípio implícito ou explícito trazido neste diploma. Roque Carrazza nos ensina que: “A Constituição, como já vimos, é a base de todo o nosso direito público, notadamente de nosso direito tributário. De fato, no Brasil, por força de uma série de peculiaridades, as normas tributárias são, por assim dizer, o corolário dos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.[11] Os princípios têm como principal característica nortear a pessoa quanto à a sua conduta. São como linhas mestras que esculpem uma obra, atribuindo ao ordenamento jurídico uma estrutura firme e concatenada de forma que a mais simples ordem seja facilmente executada com a ajuda dessas linhas mestras. No artigo 150 da Constituição Federal estão descritos diversos princípios gerais que trataremos neste trabalho. Trata-se dos princípios da legalidade, anterioridade, isonomia, anualidade, não confisco e princípio republicano. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV – utilizar tributo com efeito de confisco; V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” O princípio da legalidade impõe ao poder legislativo que a instituição ou aumento de tributos somente poderá ser feito por lei. Esta determinação, também insculpida no artigo 5º inciso II do texto constitucional que impõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, traz em seu altiplano a noção de segurança, pois para que haja incremento da carga tributária, deve haver um processo democrático previamente determinado com publicidade dos atos, com das discussões em comissões parlamentares, votação feita pelos representantes do povo e dos Estados, a chancela presidencial e a publicidade em mídia pública. Ao mesmo tempo, o respeito à lei é uma obrigação de todos, principalmente ao Estado que tem suas atribuições e obrigações vinculadas à lei. (Durum hoc est sed ita Lex scripta est) “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (…)” O princípio da legalidade em matéria tributária excetua a alguns tributos específicos a obrigação de sua majoração ser feita por lei. São os tributos que possuem como natureza o controle da economia. Regulam os fluxos de capital, entrada, produção e saída de materiais e produtos. Esta exceção é descrita no § 1º do artigo 153. “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; § 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” A isonomia é princípio basilar de convivência harmônica entre pessoas. Por este caminho, restringe-se o tratamento desigual. É com muita normalidade que se confunde as bases valorativas deste princípio. Isonomia não significa tratar todos da mesma maneira, mas tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. A Constituição Federal brasileira em diversos momentos afirma tal situação. Seja para aqueles proprietários de pequena propriedade rural (artigo 5º XXVI), sejam juros subsidiados e incentivos fiscais para empresas localizadas em zonas incentivadas (§ 2º do artigo 43) ou mesmo, dentre diversos outros exemplos, a emissão de certidões de forma gratuita para aqueles comprovadamente pobres (artigo 5º, inciso LXXVI). O que este princípio visa é evitar que pessoas que possuam mesma capacidade econômica sejam tratadas de forma diferente. Este tratar de forma igual os iguais e desigualmente os desiguais pressupõe uma igualdade relativa, dentre faixas relativamente flexíveis de riqueza. A progressividade no imposto de renda tem exatamente este papel. Quanto mais uma empresa aufere de renda, maior será a alíquota. É claro que os critérios são arbitrários até porque é impraticável critérios muito subjetivos para definir grupos. Para fins de imposto de renda da pessoa jurídica, estão sujeito ao adicional de 10% as empresas que auferirem lucro tributável maior que R$ 240.000,00. Critérios como este, desde que sujeitos a proporcionalidade e razoabilidade, fazem com que o princípio da isonomia seja plenamente aplicável. De outro lado, a concessão de benefícios para pessoas específicas e não para outras contidas no mesmo grupo fere frontalmente o princípio da isonomia. Exemplo claro são os incentivos fiscais dados a algumas empresas que possuem características similares. Duas indústrias que fabricam o mesmo produto sendo que apenas a uma foi concedido um benefício fiscal. É patente que neste caso uma das empresas sucumbirá rapidamente dado o efeito danoso do tributo em sua linha de produtos que não possui correspondência com este eventual concorrente. O objetivo do princípio da anterioridade é o de evitar surpresas dado que a lei não pode tributar fatos já ocorridos, pois, nos termos do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Nem sempre é de fácil visualização a aplicação destes princípios nos casos do inciso XXXVI.  Tomemos como exemplo uma importação de produto. A lei determinou que o aspecto temporal para nascimento da obrigação de pagar o Imposto de Importação é a entrada do bem no País. Passados quatro meses após a operação mercantil contratada chegam os produtos no porto do destino do adquirente. Ocorre que a alíquota que era 5%, passou a ser 40%. Como fica esta situação? Em que pese a clara desobediência ao ato jurídico bem como insegurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal no RE 224.285-9 decidiu que não haveria irretroatividade, pois o aspecto temporal é o registro da declaração de importação. Outro exemplo gritante são os chamados pacotes econômicos publicados no último dia do ano para que tenha sua vigência e eficácia para o próximo ano. Em suma, o que a lei deve trazer é segurança para que o contribuinte, possa fazer suas devidas programações financeiras mas nunca ter surpresas no fechamento do ano. Surpresas estas que impactarão de frente com sua estratégia negocial podendo gerar grandes prejuízos para as empresas. É de se perceber que tal procedimento adotado pelos entes federativos foi relativamente amenizada com a publicação da Emenda Constitucional nº 42, mas foram excluídos alguns tributos desta lista que são impactantes no resultado da empresa. Cito o caso do Imposto de Renda que representa 34% do lucro tributável de empresa ou, pela ótica da pessoa física, 27,5% também representativo. Regra Matriz de incidência – contornos da teoria Feitas estas breves digressões sobre estes princípios gerais, passaremos a comentar o conceito da estrutura da regra matriz, elaborada por Paulo de Barros Carvalho. Paulo de Barros Carvalho em sua obra Direito Tributário, Linguagem e Método, estabelece com maestria a conformação da regra matriz de incidência, tecendo os seguintes comentários: “As leis não trazem normas jurídicas organicamente agregadas, de tal modo que nos seja lícito desenhar com facilidade, a indigitada  regra matriz de incidência, que todo o tributo hospeda, como centro catalisador de seu plexo normativo. Pelo contrário, sem arranjo algum, os preceitos se dispersam pelo corpo do estatuto, compelindo o jurista a um penoso trabalho de composição. Visto por esse prisma, o labor científico aparece como árduo esforço de procura, isolamento de dados, montagem e construção final do arquétipo da norma jurídica.[12] O tema apresentado pelo nobre jurista fez revolução no meio acadêmico, pois desmistificou a chamada “escola de glorificação do fato gerador” onde tudo gravitava em torno desse signo.   O que fez foi segmentar a relação tributária entre a hipótese e a conseqüência, subdividindo cada um destes grupos em aspectos independentes que, quando integrados passam a formar os elementos necessários da relação tributária. Fazendo suas considerações sobre a regra-matriz de incidência, Raquel Novais faz preciso comentário, explicando que a enunciação da regra matriz de incidência: “É o resultado da identificação, seguida da reunião de vários enunciados, colhidos dos textos legislados e que culminam com a formulação do juízo hipotético condicional, que traz: (i) no seu antecedente ou hipótese, a descrição de um evento – indicando os elementos que permitam averiguar a sua ocorrência, pela descrição de um núcleo no qual se encontra a própria materialidade do evento, associado a condicionantes espaço-temporais; e (ii) no seu conseqüente implicado pela previsão da ocorrência do evento, a prescrição de uma relação, de cunho obrigacional, que coloca dois sujeitos em posição de credor e devedor quanto ao tributo, definido materialmente pela associação de dois elementos: a base de cálculo e alíquota.[13] Tomando-se como exemplo o ICMS. pela hipótese teremos então o aspecto material, formado por verbo mais seu complemento (Circular mercadoria); aspecto temporal, num determinado período de tempo (hoje) e um aspecto espacial (em São Paulo). Pelo lado da conseqüência, temos dois aspectos. O aspecto pessoal onde localizamos os sujeitos relacionados ao evento. Sujeito passivo é aquele que possui o liame obrigacional pela realização do aspecto material e o sujeito ativo aquele tem o direito-dever de receber o tributo. Quanto ao segundo, temos o aspecto quantitativo, formado pela base de cálculo e alíquota. Nestes aspectos o que temos, resumidamente. é a eleição de um signo presuntivo de riqueza para qualificar o tributo a ser cobrado. Mercadoria neste caso será o valor da operação com a mercadoria. A alíquota é o percentual que, aplicado à base de cálculo, resultará o quantum devido aos cofres públicos. Esta alíquota é importante, pois é baseado nisto que se abre a discussão para o não confisco. Quando se apropria por parte relevante do bem, isto poderá ser considerado confisco. Dada estas brevíssimas linhas sobre a regra matriz de incidência, trataremos de avaliar a incidência de tributos sobre a baixa eletrônica de arquivos magnéticos que é o objetivo final deste trabalho. Imposto de Importação: Breve histórico do tributo: O Imposto de importação é um dos mais antigos tributos instituídos no Brasil. No Brasil-Colônia, a tributação era concentrada nos tributos sobre a exportação  (pau Brasil, ouro) ou eventuais explorações de portos. A partir da abertura dos portos no País, nasce a oportunidade da exploração do comércio internacional e com isto a tributação sobre as importações de produtos estrangeiros. “Por outro lado, pertencia à receita provincial todas as importações, que não estivessem listadas no Art. 11, por serem da competência do Governo Central. Em termos gerais, contudo, pode-se dizer que a maior fonte de receita das províncias estava no imposto de importação”. [14] Nesta época, o imposto sobre as importações era extremamente relevante para os cofres do governo como mostra este estudo tendo hoje sua representação reduzida para 2.5% do total arrecadado.[15] Naquele momento, as receitas foram dividas entre os entes federativos da seguinte forma: a União ficava com o imposto de importação, consumo e selos e às Províncias, vindo a se tornarem Estados, foi atribuído o Imposto de Exportação, o que acabou por influenciar a distribuição de rendas, uma vez que a produção de café no sul era bem mais relevante do que no nordeste, podendo ser uma das causas das diferenças econômicas atuais entre estas duas regiões do País. Conformação da regra matriz de incidência tributária do Imposto de importação A competência tributária para a criação do imposto de Importação está depositada na Constituição Federal em seu artigo 153 nos seguintes termos: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros;” Iniciamos logo informando que para a correta criação deste tributo, deverá o ente estatal competente, respeitar todos os princípios constitucionais atinentes a este tributo. Sejam estes os que regem o sistema republicano, sejam os que tratam das garantias individuais e coletivas bem como aqueles específicos determinados no Capítulo do Sistema Tributário Nacional. No caso deste específico tributo, informamos de plano que identificamos a implicação dos seguintes princípios: Segurança jurídica pela impossibilidade de retroagir a aplicação da norma; quanto à igualdade, ser aplicado em situações equivalentes e entre pessoas equivalentes e com referência à legalidade, ou seja, a criação ou majoração de tributos imposta por lei, no caso deste Imposto, há uma regra específica que outorga poderes ao Poder Executivo para alteração das alíquotas[16], Outra exceção aos princípios constitucionais tributários, situação sobremaneira importante, é que esse tributo não está subordinado ao princípio da anterioridade da lei nos termos do artigo 150, III b e c. Isto porque o Imposto de Importação tem como característica sua extrafiscalidade, do qual também fazem parte o Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações Financeiras de Câmbio e Valores Mobiliários. A extrafiscalidade consiste na utilização do tributo para controlar, incentivar ou mesmo inibir determinadas situações ao invés de simplesmente servir para arrecadar valores aos cofres públicos da União. Abaixo decisão do Ministro Carlos Veloso no RE 225602 onde disserta sobre a questão da extrafiscalidade. Identificamos também a aplicação do não confisco, princípio de difícil classificação dada a dificuldade de determinar o limite a qual o particular pode ter seu patrimônio expropriado de forma legal pelo Poder Público. Aspecto Material do Imposto de importação: O aspecto material busca determinar a materialidade do evento, ou seja, qual a atividade exercida por pessoa física ou jurídica que o legislador tomou de empréstimo, para indicar existência do liame obrigacional para o nascimento do Imposto de Importação. Este aspecto material é composto por um verbo de ação mais seu complemento de forma a dar correta percepção do átimo preciso na constituição do liame obrigacional. Discutimos sobre o imposto de importação, ou seja, o verbo importar mais seu complemento, o produto. Em outras palavras, trazer produto produzido no exterior para nosso País. Mas não é qualquer movimentação de produto que deve ser considerada como importação. Há situações onde a internalização de produtos não deve ser considerada como importação. São aquelas que têm natureza temporária, não ocorrendo desta forma, a entrada definitiva no País, como por exemplo, a consignação, devolução e afins[17]. Questão interessante aparece quando analisamos o signo produto. Já indicamos que a Constituição Federal elegeu o signo produto como o complemento do verbo importar. Produto significa o resultado de uma atividade, seja ela fabril ou intelectual, que é criado por de um sistema próprio e definido de forma a atender uma necessidade qualquer. Então teremos que a importação de uma coisa ou idéia, estará sujeita à incidência deste imposto. Veja que o termo produto aqui escrito não tem uma subclasse industrializado como é o caso do Imposto sobre produto industrializado (IPI). O termo é simplesmente produto. Como tal termo é amplo, é de se entender que a entrada de qualquer bem, corpóreo ou não se sujeitaria ao imposto de importação. A avaliação comporta análise histórica legislativa do referido imposto. Até a publicação da Emenda Constitucional no.  18 de 1965, a Constituição Federal discriminava a incidência do imposto de importação através do complemento mercadorias. Com a emenda no. 18, o texto constitucional foi alterado para importação de produtos industrializados, isto porque é termo de maior abrangência do que o signo mercadoria. Tanto produto como mercadoria, como muito já tratou a jurisprudência e a doutrina, e que foi explorado no início deste trabalho, é objeto físico, móvel e corpóreo, Podemos entender que dado o dinamismo da linguagem, produto do intelecto humano pode ser entendido como contido no complemento “produto”, mas quando nos deparamos com o verbo importar, este prevê permanência, perenidade. Essa perenidade somente se aplica ao software por encomenda dado que o importador adquire o produto com suas fontes de programação, direito a propriedade da coisa, ou seja, carrega esta característica de perpetuidade. Neste caso estaria sujeito o imposto de importação. Mais adiante, verificaremos que o poder legislativo optou por restringir mais ainda o complemento “produto” determinando o aspecto material como mercadoria, em lei ordinária que criou o tributo.  Com esta restrição, mais ainda se complica a possibilidade da incidência do imposto de importação sobre a baixa de aplicativos de sítio internacional. De outra forma, no caso dos softwares de prateleira não há esta relação de perenidade dado que a forma de negócio é praticada distintamente de uma contratação de serviços. Esta relação jurídica ocorre por contrato de cessão de uso do aplicativo, o qual não possui característica definitiva, sendo então excluída a possibilidade de ser tratada como importação. Interessante verificar que mesmo a Constituição Federal posterior a 1965 e o Código Tributário Nacional tenham sido publicados se utilizando o complemento “produto”, as legislações que instituíram o tributo posteriormente mantiveram o termo mercadoria. Extraímos do Código Tributário Nacional, a estrutura da regra matriz de incidência do tributo em tela: “Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. Art. 20. A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação. Art. 21. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política cambial e do comércio exterior. Art. 22. Contribuinte do imposto é: I – o importador ou quem a lei a ele equiparar; II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados.” Posteriormente, leis inferiores que regularam a matéria, mantiveram em seu texto legal o signo mercadoria, a despeito do que havia inovado a Constituição Federal a partir daquela emenda. Abaixo artigo 69 do Decreto 6.759 publicado em 2009 cujo objetivo é o de regulamentar a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior: “Art. 69.  O imposto de importação incide sobre mercadoria estrangeira.” grifos nossos. Questão que se abre é se esta distinção poderia conviver, harmonicamente, no sistema jurídico tributário. Produto é o resultado do esforço humano, mecânico ou a combinação de ambos havendo a transformação de sua condição original. No caso de mercadoria, não há nenhuma alteração em sua forma original, mas tão somente é objeto de revenda. Produto e mercadoria possuem divergências em suas classificações, mas podem se inter-relacionar naquilo que não se conflitam. Neste sentido, quando confrontamos as noções impostas aos dois signos, poderemos perceber que à “mercadoria”, cabe toda a sorte de operações com produtos físicos ou tangíveis mas não cabe negociação de intangíveis. Mercadorias são aquelas destinadas ao comércio. Neste sentido, quando colocamos em perspectiva produto e mercadoria, verificamos que não caberia a incidência do imposto de importação sobre baixa de arquivo de programa pela impossibilidade jurídica da classificação deste ativo como mercadoria, objeto este móvel, corpóreo destinado ao comércio. Infelizmente não é bem esta a posição do Supremo Tribunal Federal que classifica os programas para revenda (softwares) como mercadorias. No RE 285.870 que abaixo reproduzimos, temos a incidência do ICMS dado que há um instrumento físico para manuseamento pelo comprador. Este meio físico, que é a base de incidência serve somente como veículo para o transporte das informações e não é o contrário. No caso de pagamento pela cessão de uso, o que alguns tratam de forma leiga como “compra de software”, o aplicativo é carregado em um computador que irá executar os comandos, em função deste software e muitas das vezes este meio físico é descartado.” Não se adquire esta mídia, mas tão somente se paga pelo direito de usar o aplicativo. Construir a norma de forma a entender que se adquire o meio físico atenta contra os princípios da lógica. Seria como entender que a caixa que transporta produto de limpeza deveria ser base para o ICMS. Trata-se de meio físico para transporte de mercadorias e não a mercadoria propriamente dita. Não há mercadoria, há a comercialização dos direitos de uso do bem.   Aspecto Temporal do Imposto de importação Tratando sobre a questão do aspecto temporal do tributo, este incide no momento da entrada no território nacional. Ocorre que dada a impossibilidade de se controlar esta entrada, uma vez que esta linha divisória marítima, aera ou terrestre é de difícil acompanhamento pelas autoridades fazendárias, optou-se pela atribuição de momento distinto ao da entrada para fins da determinação desta ocorrência. A lei estabeleceu o momento da ocorrência é o do desembaraço alfandegário, ou seja, no momento do registro da declaração de importação, ao invés da entrada no território nacional. Muito já se discutiu sobre o momento onde o tributo é devido, pois o registro da declaração de importação não coincide com o momento da compra. Diferentemente de uma compra onde as partes situam-se um uma mesma região, a importação resulta em partes localizadas em Países diferentes e normalmente com distâncias relevantes entre o comprador e o vendedor. Neste sentido, o prazo entre o pedido, produção e entrega dos produtos é maior que numa rotineira operação interna. Ocorre que, celebrada a operação interna, fica sujeita às regras tributárias estabelecidas naquele átimo de tempo, nos termos do artigo 116 do Código Tributário Nacional. “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:… II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.” De forma diferente, a alíquota aplicável para o Imposto de Importação pode ser alterada a qualquer momento e este momento que determina a situação jurídica é o desembaraço aduaneiro. Se por exemplo, uma empresa importa sapatos da China, a alíquota do Imposto de Importação aplicável a esta operação não é aquela no momento da assinatura do contrato de importação, mas no momento do registro do contrato de câmbio que ocorre em período não maior que noventa dias da chegada da mercadoria no porto.[18] Tal situação gera insegurança dado que a alíquota pode ser diferente entre a data do fechamento do negócio e a data do registro do fechamento de câmbio, o que poderá gerar distorções no custo do produto que, como conseqüência, poderá inviabilizar a venda da mercadoria no mercado local. Caso de grande repercussão nacional foi o aumento de alíquotas do Imposto de Importação sobre veículos. Em breves linhas, na década de 90, houve grande demanda sobre veículos importados. Nesta batida, o Governo Federal resolveu aumentar a alíquota de imposto de forma a refrear este impulso de compras. Ocorre que diversos importadores possuíam pedidos em curso, muitos deles com mercadorias paradas nos portos, prontas para desembaraço e conseqüente registro das declarações de importação. Sendo o aspecto temporal o registro da declaração e o aumento da alíquota ocorreu entre a compra e o desembaraço, diversos importadores ajuizaram ação com o objetivo de que a alíquota do Imposto de Importação, válida nestas operações, fosse aquela vigente na data da aquisição e não na data do registro do contrato de câmbio, momento este que representa a internalização da mercadoria. Os tribunais rechaçaram a demanda baseada no entendimento que o aspecto temporal é o desembaraço e não a aquisição, conforme podemos verificar no RE 224.285-9. Aspecto Espacial do Imposto de importação Quanto ao aspecto espacial, maior ainda sua complexidade. Esse implica em demarcarmos o lugar físico onde se ultrapassa as fronteiras e se adentra no Estado Brasileiro. As fronteiras brasileiras foram estabelecidas pela Lei Nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993 que dispõe sobre o mar espacial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiras. Em seu capítulo primeiro, determina os limites territoriais brasileiros. “Do Mar Espacial Art. 1º O mar espacial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil. Parágrafo único. Nos locais em que a costa apresente recorte profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base, a partir da qual será medida a extensão do mar espacial. Art. 2º A soberania do Brasil estende-se ao mar espacial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.” Neste sentido, uma vez dentro do espaço brasileiro determinado por lei, seria devido o imposto de importação. Imaginemos uma embarcação que carrega minério de ferro importado da Índia para o Brasil. Uma vez entrada a embarcação neste perímetro, seria devido aos cofres públicos o imposto de importação. São diversas as questões que se abrem quando a incidência é transferida para a entrada da mercadoria no território nacional. A primeira questão é sobre o responsável pelo recolhimento, pois atingindo a linha demarcatória brasileira, somente os tripulantes da embarcação poderiam recolher o tributo. Ocorre que o sujeito passivo descrito no conseqüente da norma é o importador, o que trataremos neste trabalho. Parece ser pouco provável que atingindo determinado ponto, fosse enviado nota ao importador para que este providenciasse o pagamento. Outra questão é a identificação das doze milhas náuticas. Em que pese o alto nível de sofisticação da tecnologia, pode ocorrer que os controles da embarcação não sejam tão confiáveis incorrendo em erro de identificação do dia preciso e com isto, a taxa da moeda de conversão pode não representar a realidade bem como a alíquota, gerando prejuízos para qualquer um dos sujeitos da relação tributária. Poderíamos listar outras questões sobre a fragilidade deste quesito, mas o que importa é que é de difícil controle e fiscalização haver a incidência neste lugar e tempo, uma vez que tanto o aspecto temporal quanto o espacial estão intimamente ligados. O mundo jurídico trabalha com ficções e presunções. Tais critérios são necessários para que se dê operatividade ao direito. A cerca da distinção entre presunção e ficção Alfredo Augusto Becker esclarece: “A distinção entre presunção e ficção existe apenas no plano pré-jurídico, enquanto serviam de elemento intelectual ao legislador que estava construindo a regra jurídica. Uma vez criada a regra jurídica, desaparece aquela diferenciação porque tanto a presunção, quanto a ficção, ao penetrarem no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica, ambas entram como VERDADES (realidades jurídicas).” [19] Ou seja, a verdade é que o imposto de importação é devido no momento do desembaraço da mercadoria e não quando do atingimento do ponto divisório das milhas náuticas brasileiras. O aspecto espacial determinado pela lei é o desembaraço aduaneiro, nos termos do artigo 23 e 44 do Decreto Lei 37/66. “Art. 23 – Quando se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o artigo 44. Art.44 – Toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via, destinada a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do imposto, deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento.” (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988) São momentos diferentes ou há possibilidade de convívio destas normas objetivas no mesmo sistema jurídico? Acreditamos que a resposta se encontra na determinação do lugar relativo ao aspecto espacial e no momento da eleição do lançamento fiscal. Se o marco territorial para fins de validação da hipótese da incidência é a entrada no território brasileiro, isto ocorre a partir daquele lugar. Como o aspecto temporal caminha de mãos dadas com este elemento, então no momento do atingimento deste lugar, seria o momento do nascimento da obrigação tributária. Como já mencionamos, haveria uma grande dificuldade para o controle deste marco territorial dada a fragilidade deste limite. Quando tratamos de controles terrestres, realmente o controle é mais simples, mas neste caso a dualidade se encontra entre a determinação legal e a validação deste lugar. De outro lado, a constituição da obrigação tributária pode ocorrer e normalmente ocorre posteriormente ao nascimento do fato jurídico tributário que deu origem a obrigação, normalmente porque o instituto da substituição tributária tem sido entendido pelos tribunais superiores como definitiva, ocorrendo ou não o fato, nos termos praticados no elo anterior da cadeia. Isto é nítido nos tributos por auto-lançamento, onde a declaração é feita em momento posterior à ocorrência do fato. Tomamos como exemplo o Imposto Sobre Serviços (ISS). Imaginando uma empresa prestadora de serviços que realiza suas atividades normais com diversos clientes.  A cada serviço prestado, há o nascimento da obrigação tributária. De acordo com Paulo de Barros a incidência se dá de forma automática e infalível no momento da prestação do serviço. Ocorre que seu lançamento acontece em momento posterior por de declarações municipais determinadas em lei, ou seja, existe um descasamento entre as datas da ocorrência da hipótese e a declaração da obrigação. Há um terceiro momento que é o do pagamento. Este momento ocorre posteriormente ao momento da ocorrência da hipótese bem como da constituição da obrigação. É a partir deste momento que ocorre a liquidação da obrigação tributária. Ou seja, há três momentos distintos que devemos avaliar. A relação jurídica propriamente dita; o ato de declaração e constituição da obrigação tributária e o pagamento. São situações distintas que deveriam ser tratadas de forma diferente. Se o fato jurídico ocorreu na compra do bem, mais ainda certo deveria ser a incidência do imposto de importação ter sobrevindo neste momento. Este é o fundamento da segurança jurídica. É a previsibilidade dos resultados dos atos. Situação esdrúxula como esta seria o uma pessoa domiciliada e residente no Acre que adquire um veículo no Rio Grande do Sul, ficar sujeito à incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no momento em que a mercadoria chegasse ao destino. Não tenho dúvida que o primeiro argumento que se usaria nesta questão é que o ICMS está sujeito ao princípio da anualidade e nonagesimalidade. Desta forma, qualquer alteração na alíquota somente seria possível por lei e válida no próximo ano e eventualmente decorrido noventa dias, caso a lei tenha sido publicada no último dia do ano. O que se busca é ter certeza de que o custo contratado é adequado aos possíveis preços a serem praticados na revenda destes produtos. Neste sentido, discordamos da decisão publicada pelo argumento aqui apresentado. A bem da verdade, a única forma de se compatibilizar segurança com a entrada do bem em território nacional é, no momento da disponibilidade jurídica da mercadoria, ou seja, no momento da compra. Já trabalhamos com os conceitos de posse e propriedade e percebemos que o direito de propriedade é bem mais amplo do que o de posse pelo direito do proprietário de dispor do bem. Neste sentido então, a operatividade da norma estaria condicionada à aquisição da mercadoria no exterior, o que facilitaria por demais o processo por diversos ângulos. Evitaria uma série de riscos cambiais dado que não haveria mudança na taxa de conversão da moeda, pois a referência para cálculo seria feita no próprio dia; Evitaria riscos com despachantes que atuam por conta do importador em uma grande maioria das vezes recebendo o dinheiro para liquidar a operação e mais importante que tudo, evitaria surpresas pela possibilidade da União aumentar a alíquota do tributo no curso da entrega da mercadoria no País. Aspecto pessoal do Imposto de importação Passemos então para a avaliação das conseqüências do nascimento de uma relação tributária. O nascimento da obrigação tributária manifesta-se pela existência do fato (aspecto material) em um determinado espaço de tempo (aspecto temporal) e num determinado lugar (aspecto espacial). Dada esta ocorrência, a conseqüência é determinada pela conexão entre duas pessoas sendo uma aquela que tem a obrigação de pagar e a outra o direito-dever de receber o tributo. Mas pagar e receber o quê? Como se calcula esta obrigação? Será a junção entre base de cálculo e alíquota. Nas palavras de Paulo de Barros, tratando a Regra Matriz de Incidência, comenta que: “Já na conseqüência, observaremos um critério pessoal (sujeito ativo e passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). [20] Mais adiante o autor tece comentários interessantes sobre o assunto, onde menciona: “A faculdade de exigir o objeto dá a substância do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo da relação e, ao passo que a conduta de prestá-lo define o dever jurídico a cargo do sujeito passivo.”[21] Neste sentido, a competência constitucional de instituir o Imposto sobre Importação é da União, nos termos do artigo 153, I da Constituição Federal. De outro lado da relação tributária temos o sujeito passivo. Este representa a pessoa que deve pagar o tributo. Poderíamos dividir este sujeito passivo em dois grupos. O contribuinte do imposto e terceira pessoa que a lei determinar, nos termos do Código Tributário Nacional: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Quando avaliamos a determinação legal sobre a responsabilidade de recolhimento do Imposto de Importação, ou seja, o sujeito passivo da relação tributária da importação, temos uma quantidade relativamente extensa de contribuintes. “Art.31 – É contribuinte do imposto: I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no Território Nacional; II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; III – o adquirente de mercadoria entrepostada. Art . 32. É responsável pelo imposto: I – o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno; II – o depositário, assim considerada qualquer pessoa incumbida da custódia de mercadoria sob controle aduaneiro. Parágrafo único.  É responsável solidário: I – o adquirente ou cessionário de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto; II – o representante, no País, do transportador estrangeiro; III – o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. c) o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora d) o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora.” Quando avaliamos a questão da baixa de programas de computador, analisando estritamente pela ótica do sujeito passivo, aplicar-se-ia o disposto no inciso I do artigo 31 deste Decreto Lei dado que será então aquele que promoverá a entrada da mercadoria no Território Nacional. Aspecto quantitativo do Imposto de importação Tendo este quadro delineado, passaremos a analisar a medida quantitativa da relação tributária tendo em vista a ocorrência do fato jurídico tributário. Quando falamos em medidas, nos referimos a mensuradores. É o objetivo destes mensuradores a determinação exata do valor devido. Em outros termos, tratamos de dívida calculada pela aplicação de uma determinada alíquota sobre uma base de cálculo determinada ou valores fixos ligados a medidas de peso, litros, metros, etc. Explorando o binômio base de cálculo e alíquota, percebemos que esta deve ter clara relação com o aspecto material da hipótese de incidência, dada a implicação lógica entre estes dois aspectos. A base de cálculo apresenta funções determinantes na obtenção do valor devido. Tem função de validar o aspecto material de incidência, dado que o fato jurídico tributário deve ter estreita relação com a sua base de cálculo. Neste sentido, a base de cálculo para fins de determinação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica somente poderia ser o lucro líquido ajustado, ou em outras palavras, o lucro real. Caso fosse determinado que a base de cálculo deste imposto fosse o faturamento, incorreríamos em uma incongruência lógica, pois a renda é o resultado das operações da companhia, diferentemente de faturamento que exprime o valor das vendas da empresa. São duas riquezas distintas que servem para funcionar como mensuradores de hipóteses de incidência também distintas. A base de cálculo deve combinar adequadamente com o aspecto material, de forma que a eleição da base de cálculo possa traduzir adequadamente o interesse do legislador em gravar como signo presuntivo de riqueza, um determinado fato jurídico. Neste sentido, quando tratamos do ICMS, a base de cálculo é o valor da operação da mercadoria. Há aqui correlação lógica dos aspectos, pois o valor da mercadoria é exatamente a base de cálculo do tributo. Quando avaliamos a base de cálculo do Imposto de Importação, nos deparamos com duas situações tipificadas no Decreto-Lei 37/66, as quais descreveremos abaixo: “Art.2º – A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota for específica, a quantidade de mercadoria, expressa na unidade de medida indicada na tarifa; II – quando a alíquota for “ad valorem”, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do art.7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT.” Em breves comentários, o acordo informado no inciso II trata das regras acordadas na Rodada Uruguai onde diversos Países fixaram regras gerais para prática do comércio internacional. Estas regras de convivência visam evitar a transferência de resultados entre Países que será fundamentada por critérios equitativos, uniformes e neutros. Estas regras foram incorporadas à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo no. 30 de 15 de novembro de 1994 e diplomas infra-legais posteriores. Neste sentido, em se tratando de importação de mercadorias, ficam estas subordinadas às regras estabelecidas na Rodada Uruguai. Por último, trataremos da alíquota. Esta por sua vez representa o percentual que aplicado a um signo presuntivo de riqueza define o quanto será retirado do contribuinte para ser entregue ao poder público. Como vimos anteriormente, este imposto possui uma característica distinta da maioria dos tributos que estão sujeitos à publicação de lei para majoração de alíquota. A alíquota pode ser alterada a por ato normativo do poder executivo, nos termos do § 1º do artigo 150 da Constituição Federal, onde seus limites foram definidos nos termos da Lei 3.244 de 1957.[22] As alíquotas se encontram determinadas na TEC – Tarifa Externa Comum as quais foram incorporadas ao nosso sistema jurídico pelo Decreto Legislativo no. 350 de 1991 e ratificada pelo Decreto no. 1.343 de 1994 que foi revogado pelo Decreto no 2.376 de 1997. Conclusão: Programas de computador rotinas são produtos da criação humana onde ordens são transcritas de forma lógica de forma que o computador, quando em contato com estas ordens possa executá-la. O aspecto material do Imposto de Impostação é importar produto. Leis ordinárias que regulam a incidência do Imposto de Importação incorporaram ao sistema jurídico o complemento do verbo mercadoria em substituição a produto. Produto é termo amplo onde mercadoria está contida, desta forma ambos signos convivem harmonicamente nos textos legais. Mas mercadoria é coisa física com finalidade de comércio, o que não é o caso de softwares baixados uma vez que o se comercializa é a cessão de uso desta idéia. Não bastasse isto, o termo importar tem natureza permanente o que não corresponde a baixa de software para usuário objeto deste estudo dado que não há a transferência da propriedade do software mas somente a cessão dos direitos de uso. Neste sentido, entendemos que a atividade de baixar de programa de computador de site internacional não está sujeita ao imposto de importação.
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Considerações sobre o planejamento tributário para empresas enquadradas no Simples Nacional
O planejamento tributário visto, de maneira prática, como uma maneira lícita de gestão empresarial e administração visando a previsibilidade da incidência dos tributos e, assim, antecipação de situações que utilizem o fato gerador como um propósito além da economia de caixa da empresa. Assim, trazendo a questão para o ambiente das empresas do Simples Nacional, vislumbra-se a instituição de procedimentos favoráveis à manutenção e crescimento de empresas que, por vezes, são desenquadradas do programa por falta desta organização.
Direito Tributário
Introdução A complexidade do estudo sobre tributos, sua obrigação compulsória e a alta carga tributária existente no nosso país, há tempos deixaram de ser tratados apenas como  cumprimento de obrigações da Empresa, exigindo que o gestor, juntamente com o advogado e contator, não só administre o funcionamento do negócio como também planeje os custos tributários para sobreviver diante do mercado e suas crises. Há quem diga que optar por um Planejamento Tributário para sua empresa é luxo, que não há necessidade ou que apenas servem para grandes empresas. Em estudo desenvolvido neste material demonstramos o contrário, até mesmo para pequenas empresas. O presente estudo não serve apenas para demonstrar os pilares de um Planejamento Tributário, mas também para que este seja desmistificado para com aqueles que uma vez pensaram que este tipo de serviço não recairia bem para sua atividade comercial. É simples observar sua necessidade quando paramos para pensar que toda empresa que exerce algum tipo de atividade comercial é pagadora de tributo. Tributo este que muitas vezes é pago sem uma maior observância de sua concretude, podendo ser pago de maneira equivocada, ou mesmo não ser pago, diante da possível ausência de configuração do fato gerador. Portanto, vamos apresentar no estudo a seguir, não só a importância, mas também a necessidade de uma estruturação tributária em qualquer empresa, pode ser o diferencial para a continuidade e crescimento do empreendimento. Além de aprofundar um pouco em termos práticos e técnicos que podem ser utilizados nas pessoas jurídicas e podem trazer a tão sonhada redução da carga tributária.   Consiste, basicamente, na tomada de decisões sobre uma ação, não simulada, anterior à ocorrência do fato gerador com o objetivo de economia da carga tributária tanto de uma pessoa jurídica quanto física, reduzindo a burocracia por meio do aproveitamento de processos e procedimentos, eliminando eventualidades tributárias por meio de controle interno ou postergando o pagamento de um tributo para melhor administração do negócio e do fluxo de caixa de uma Empresa – ou reserva financeira. Porém, o planejamento em si surge muito antes do próprio processo, analisando-se todo o modelo de negócio juntamente com a origem e histórico de todas as transações que da empresa, revisão fiscal de todos os impostos pagos nos últimos anos, assim como o regime tributário adotado.   1.1. Tipos de Planejamento tributário. Estratégico: de maneira a reestruturar características da empresa, como capital e localização. Operacional: utilizando-se matéria prescrita em lei para definir a forma de tributação das operações.  (I) Preventivo: consiste em avaliar a empresa no atual momento traçando as implementações que serão realizadas juntamente com um diagnóstico, assim como avaliação de impacto de cada operação em diferentes cenários; (II) Corretivo: utilizado quando se verifica alguma inconsistência para que, de maneira corretiva, evite que a empresa se exponha ao fisco ou recupere valor pagos a maior; (III) Especial: surge em função de fatos que impactam diretamente na operação da empresa, como lançamento de novos produtos ou processos de reestruturação societária. A base de um bom planejamento tributário é a existência de dados internos e externos atualizados e confiáveis da empresa, como lucro, forma de operação,  base de cálculo, alíquota e fato gerador dos impostos, de forma que tanto o profissional contabilista quanto o advogado trabalhem em conjunto em busca de apresentar a melhor oportunidade para a empresa.   1.2. A importância do planejamento tributário para a Empresa. Sempre haverá a opção por menos onerosa para determinada operação, e essa forma de estruturar o negócio não é apenas uma faculdade, além de tornar-se uma questão de sobrevivência empresarial trata-se de um direito legal do administrador, conforme determina o artigo 153 da Lei nº 6.404/76. “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” Portanto, tendo em vista a alta carga tributária e a complexa legislação, a adoção de um sistema de economia legal e a correta administração do ônus tributário se tornam imprescindíveis.   É do conhecimento de muitos que o Estado, muitas vezes, utiliza sua ‘máquina de leis’ para trazer alterações repentinas intituladas de ajustes fiscais, resultando em aumento da carga tributária, e, por isso, os contribuintes acabam agindo de maneira errada (evasão fiscal) diante da interpretação à lei em busca de reduzir o pagamento de tributos. O nosso sistema brasileiro admite a figura da elisão fiscal, como forma de alcançar um menor impacto tributário, decorrente de ato ou negócio jurídico real. Em outra ponta, a evasão fiscal se constitui por meio de uma conduta ilícita a fim de evitar o nascimento da obrigação tributária e a incidência do tributo. Obviamente, nenhum contribuinte estará coagido a pagar maior carga fiscal do que aquela efetivamente definida em lei. Portanto, se o contribuinte tem duas ou mais opções, sendo elas lícitas, terá o direito de escolher aquela que resulte no menor pagamento de tributo ao Ente Público. A Receita Federal do Brasil vem autuando contribuintes que realizarem planejamentos tributários elaborados para reduzir tributos. Porém, se os atos e negócios jurídicos forem lícitos e verdadeiros fica caracterizado o abuso de autoridade.   2.1. Instituição de tributos como meio de manutenção do Estado. Os tributos, em suas diversas espécies, compõem o Sistema Tributário Brasileiro, o qual é organizado para constituir uma obrigação que imponha ao contribuinte o dever de entregar certa quantia em dinheiro ao Estado (lato sensu), sendo sua principal fonte arrecadatória. Servem, portanto, como importante meio para o atendimento às necessidades financeiras do Estado de modo que este possa realizar sua função social de promover o bem comum, a igualdade e a justiça, por meio do desenvolvimento social e econômico.   2.2. É possível conceituar ato ou negócio jurídico com propósito negocial? A liberdade econômica e de auto-organização empresária possibilita a realização de qualquer procedimento que não seja vedado em lei. Contudo, como vimos, a atuação pura e simplesmente com o objetivo de redução de tributos vem sendo limitada pelas autoridades administrativas e judiciais. O que se busca numa operação é que esteja presente o propósito daquele negócio – que não seja somente a redução da carga tributária – de modo a justificar a necessidade interna da empresa. Um planejamento que não causa risco deve cumprir requisitos como ausência de simulação ou fraude à lei, observância do fato gerador, motivação e substância do negócio. O artigo 14 da MP 66/2002 viria dispor sobre a aplicação do propósito negocial ao planejamento tributário ao tratar que a falta de propósito ou abuso de forma são passíveis de desconsideração do ato ou negócio, porém o Congresso Nacional a vetou quando da publicação da Lei n.º 10.637 de dezembro de 2002. Cabendo, portanto, a interpretação do caso concreto.   2.2.1. Entendimento do CARF sobre propósito negocial O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais vem impondo alguns limites para a realização do planejamento tributário, quais sejam: (i) licitude das operações, (ii) ausência de abuso de direito ou forma e (iii) presença de propósito negocial. Interpretando cada situação de acordo com o artigo 116 do CTN, que prevê a possibilidade de a autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza da obrigação tributária. Apesar de utilizar este artigo como norma jurídica antielisiva, tal dispositivo depende da previsão em lei. Importante destacar, também, que a redução de tributos também pode ser vista como um propósito negocial, quando uma empresa que planeja e diminuição de impostos para ampliação de sua sede e, consequentemente, contratação de novos funcionários, por exemplo.   2.3 Responsabilidade dos sócios Neste contexto, lembramos que a pessoa jurídica é contribuinte das operações realizadas e estão diretamente ligadas ao fato gerador, sendo responsável pela prática de atos. No entanto, deve-se vislumbrar a possibilidade de responsabilidade solidária dos administradores da empresa pelos tributos devidos por ela, conforme elenca o artigo 134 do CTN. Primeiramente, devemos observar alguns requisitos para que haja responsabilidade solidária da pessoa física: (i) impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, (ii) ação ou omissão imputável à pessoa designada como responsável. Ou seja, quando houver omissão da obrigação tributária pelo contribuinte ela pode ser cobrada do administrador de forma solidária. Se ficar demonstrado, porém, que o administrador ou sócio agiu com excesso de poder ou infração à lei ou ao contrato social, agindo com finalidade de burlar o Fisco, ele responderá de forma pessoal, excluindo a responsabilidade da pessoa jurídica. Deve-se observar, contudo, que o mero inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal. Se a empresa deixou de cumprir alguma obrigação por falta de recursos em caixa, por exemplo, não há o que se falar em responsabilidade do sócio ou administrador. Nesta mesma linha o STJ editou uma súmula de nº 430 pontuando que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”, devendo observar, de fato, se o mesmo agiu com excesso ou infração à lei para que seja pessoalmente responsável pela obrigação tributária. Necessário, por fim, pontuar que a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) impôs limites a responsabilização dos sócios, reconhecendo através do artigo 49-A do Código Civil que “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”. Além disso diante da a comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o artigo 50 do CC dispôs em seus parágrafos hipóteses para responsabilização dos sócios ou administradores. Ou seja, se a pessoa jurídica tiver agido com o propósito de lesar credores ou de praticar ilícitos, e houver confusão patrimonial de forma a realizar transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, por exemplo, podem responder com seu patrimônio pessoal pela obrigação tributária da pessoa jurídica.   Para se iniciar um planejamento tributário se torna necessário verificar diversos atos internos da empresa de maneira detalhada – que  neste trabalho pontuamos de maneira suscinta – quais sejam: (i) análise e escopo, (ii) elaboração e projeção, (iii) teste e negociação, e (iv) execução e acompanhamento.   O Simples Nacional surgiu com o marco regulatório o do artigo 146, III, d, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Nasceu da ideia de oferecer um tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, utilizando-se de um regime unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos. Com a edição da Lei Complementar nº 123/2003 estabelecendo o tratamento diferenciado e favorecido para as micro e pequenas empresas, pode-se observar que seu objetivo é fomentar o desenvolvimento das ME, EPP e do MEI, por meio de um sistema uniforme, facilitando o cumprimento das obrigações tributárias.   4.1. Critérios para enquadramento Para a empresa se encaixar nas modalidades permitidas do Simples Nacional é necessário o cumprimento de alguns requisitos, principalmente no tocante à limitação da receita bruta anual da empresa: MICROEMPRESAS (ME): Não poderá exceder o limite de receita bruta no ano-calendário de R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (EPP): Empresas que auferirem a receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) no ano-calendário. MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI): Empreendedor que exerça as atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviço no âmbito rural, e que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior de até R$81.000,00 (oitenta e um mil reais). O contribuinte deverá, além de se enquadrar no limite de receita bruta, formalizar a opção por meio do Portal do Simples Nacional, devendo cumprir todos os requisitos previstos na legislação.   4.1.1. Pessoas jurídicas excluídas do programa do Simples Nacional O § 4° do art. 3° da LC n. 123/2006, elenca as dez hipóteses em seus incisos em que as empresas não poderão se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica que: Capital não poderá ser constituído pelo de outra Pessoa Jurídica; Não poderá ser filial, sucursal, agência ou representação, no País, de Pessoa Jurídica com sede no exterior; Empresário ou sócio de outra MPE que ultrapasse o limite global de R$4.800.000,00 (Quatro milhões e oitocentos mil reais). Titular ou sócio partícipe com mais de 10% (dez por cento) do capital social de outra empresa não beneficiada pelo Simples Nacional, que ultrapasse o limite global de R$4.800.000,00 (Quatro milhões e oitocentos mil reais). Sócio ou titular que seja administrador ou equiparado de outra Pessoa Jurídica com fins lucrativos que ultrapasse o limite global de R$4.800.000,00 (Quatro milhões e oitocentos mil reais). Cooperativas, exceto consumo. Participante do capital de outra Pessoa Jurídica. Que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de previdência complementar. Sociedades Anônimas Titulares ou sócios não podem guardar, cumulativamente, com o contratante do serviço, a relação de Pessoalidade, Subordinação e Habitualidade.   4.2. Apuração dos tributos Primeira vantagem a ser levada em conta quando do enquadramento no Simples Nacional é o recolhimento unificado de quase todos os tributos, calculados com base na sua receita bruta, mediante emissão de guia através do aplicativo PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional). O Simples Nacional implica no recolhimento mensal dos seguintes tributos: I – Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ); II – Imposto sobre Produtos industrializados (IPI); III – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS): V – Contribuição para o PIS/PASEP; VI – Contribuição para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, exceto no caso das MEs e EPPs que se dediquem às atividades de prestação dos seguintes serviços: construção de imóveis e obras de engenharia em geral; vigilância, limpeza ou conservação; advocatícios; VII – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços e sobre Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal (ICMS); VIII – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Contribuição Previdenciária Patronal, para atividades específicas elencadas nos Anexos da referida Lei Complementar. Em se tratando de ICMS e ISS, existem ressalvas incidentes nas operações ou prestações específicas a serem analisadas quando da análise e recolhimento. Importante destacar que alíquota efetiva a ser paga dependerá da receita bruta gerada pela empresa no ano-calendário anterior ao recolhimento, bem como do valor da alíquota nominal e da parcela a deduzir encontrados nos Anexos I ao V da lei 123/2006 ao qual a empresa é tributada. Tal cálculo é realizado quando o contribuinte declara o valor da receita bruta no sistema do PGDAS, sendo emitida a guia para pagamento imediato.   4.3 Possibilidade de redução de alíquota do ICMS e ISS O Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) divulga, anualmente, um sublimite de receita bruta auferida para o recolhimento do ICMS e do ISS devido pelos optantes do Simples. Na oportunidade, cada Estado deve informar ao CGSN se adere ao sublimite ou não. Conforme os artigos 19, caput e § 4º, e 20 da LC 123/2006 e Resolução do CGSN nº 150/2019, os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) seja de até 1% (um por cento), para efeito de recolhimento de ICMS e ISS, PODERÃO optar pelo sublimite na forma do Simples Nacional para empresas com receita bruta até R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil). Já para os Estados cuja participação no PIB seja superior a 1% são OBRIGADOS a optar pelo sublimite no valor de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Mas, o que é Sublimite: é um teto mais baixo de faturamento para que a empresa do Simples Nacional continue recolhendo o ICMS ou ISS dentro do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – PGDAS-D, junto com os demais impostos e contribuições. Tomando por base o valor do PIB em 2019 divulgado pelo IBGE, o limite corresponde aos seguintes valores por Estado: R$ 1.800.000,00: Acre e Amapá; R$ 3.600.000,00: Distrito Federal e demais Estados. O contribuinte que estiver impedido de recolher o ICMS e ISS pelo regime do Simples Nacional fica sujeito ao regime normal de apuração. Por exemplo: Uma Empresa de Pequeno Porte, situada em Pernambuco, faturou R$3 milhões no ano anterior e acredita que esteja sendo apurado o valor de ICMS e ISS pela tributação normal. Como proceder diante da situação? Inicialmente, deve ser feita uma análise de caixa para verificar se a receita bruta condiz com o declarado, se estiver dentro do limite máximo de recolhimento de ICMS e ISS, devem obrigatoriamente ser calculados pelas alíquotas do Simples Nacional.   4.4 Participação em Licitações Como já mencionado neste presente estudo, a instituição da LC 123/2006 permitiu tratamento diferenciado e favorecido para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Uma das vantagens, quando da participação em licitações para aquisições de bens e serviços, é que ao enviar a comprovação de regularidade fiscal e trabalhista, a empresa poderá participar do certame mesmo que contenha restrições, e caso seja o vencedor lhe é assegurado o prazo de 5 (cinco) dias para regularizar a documentação, sob pena de desclassificação. Sendo-lhe garantidos, também, critérios preferenciais em caso de desempate. Oportuno destacar, também, que existem órgãos e entidades obrigadas a realizar processos licitatórios para contratação dessas empresas quando o valor seja até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).   4.5 Micro Empreendedor Individual (MEI) O Micro Empreendedor Individual é considerado o empresário que exerce atividade de forma independente, que tenha auferido receita bruta no ano anterior até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), se enquadre como Simples Nacional, salvo impedimentos específicos. São requisitos do MEI: (i) optante pelo Simples Nacional; (ii) atividades do Anexo XIII da Resolução do Simples Nacional; (iii) possuir um único estabelecimento; (iv) não participar de outra empresa como titular, sócio ou administrador; (v) não contratar mais de um empregado; (vi) não guardar, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade. A tributação será fixa mensal no valor fixo mensal de R$ 45,00 se for comércio ou indústria; de R$ 49,00 para prestação de serviço; ou de R$ 50,00 quando for comércio e serviços. Esses valores são destinados à Previdência Social e ao ICMS ou ao ISS.   4.6 Possibilidade de Parcelamento dos Débitos De acordo com o artigo 21, §16 da lei do Simples Nacional, se o contribuinte estiver em débitos junto ao Simples Nacional poderá solicitar o parcelamento da dívida em até 60 (sessenta) parcelas mensais, sucessivas. Devendo ser observado o valor mínimo de R$ 300,00 (trezentos reais) para parcelamentos no âmbito da Receita Federal do Brasil (RFB) ou Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Se houver o pagamento, será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que o pagamento estiver sendo efetuado. Importante atentar que diante da falta de pagamento ou de pagamento parcial de 3 (três) parcelas, consecutivas ou não, ou diante da falta de pagamento de uma parcela quando todas estiverem pagas, ocorrerá imediata rescisão do parcelamento e encaminhamento do débito para inscrição em dívida ativa, ou prosseguimento da execução, importando ao contribuinte ficar atento com cumprimento das parcelas acordadas.   Reservamos este tópico para abordar, de forma prática, algumas alternativas que podem ser utilizadas pelas MPEs como forma de planejamento. Para Micro Empreendedor Individual, por exemplo, existe a possibilidade de redução de alíquota para tributação municipal de IPTU. De acordo com o artigo 18-D da LC 123/2006, o Município deverá assegurar tratamento mais favorecido ao MEI que realiza sua atividade no mesmo local onde reside, mediante aplicação da menor alíquota vigente para aquele Município. A Constituição Federal, em seu artigo 156, § 1, também dispõe que o Município poderá estabelecer alíquotas progressivas de acordo com a localização e uso. Já que, nesta situação, se configuraria o uso misto do imóvel (residencial e comercial), seria oportuno flexibilizar a menor alíquota, corroborando com o tratamento favorecido. Outro exemplo comum de planejamento corporativo acontece com profissionais de salões de beleza, onde muitas vezes os valores repassados a cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, pedicures, depiladores e maquiadores (profissionais de que trata a Lei n. 12.592/18) são contabilizados em sua integralidade no cálculo dos tributos, quando se poderia fazer um contrato de parceria com os profissionais onde ele ficaria responsável pelo recolhimento. Ou seja, se forem contratados por meio de parceria, nos termos da legislação civil, não integrarão a receita bruta da empresa contratante para fins de tributação, cabendo ao contratante a retenção e o recolhimento dos tributos devidos pelo contratado, segundo a LC n. 155/2016. Mas há um detalhe muito importante, para o salão-parceiro deduzir a quota-parte, é necessário que os profissionais-parceiros sejam pessoas jurídicas. Se o profissional parceiro for pessoa física, o salão não poderá deduzir a quota-parte paga a esse profissional. Exemplo: O salão fatura R$ 100,00 por corte de cabelo e barba, e tem um contrato de parceria com o profissional cabeleireiro de R$ 40,00 por corte. A receita bruta do salão será de R$ 60,00 e não R$ 100,00, como antes. Então a receita do salão era de R$ 100,00 e pagava imposto sobre a receita bruta de R$ 100,00. E com o contrato de parceria com o profissional, atualmente paga o imposto sobre a receita bruta de R$ 60,00. Ficando os R$40,00 restante sobre a responsabilidade do Profissional. [5]   Conclusão Vimos no decorrer deste E-book que é plenamente possível se fazer um planejamento operacional de uma empresa enquadrada no simples nacional, conhecendo inicialmente o mercado onde ela atua para vislumbrar toda a cadeia da produção e serviço, vislumbrando possibilidades de correção ou ajuste para saúde empresarial. Todavia, é importante também ter conhecimento de que bons profissionais se tornam a chave para alinhar o funcionamento da empresa às obrigações fiscais. Assim como adequar a atividade empresarial às normas regulatórias.
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Coronavírus e o Impacto Fiscal Aos Cofres Públicos Brasileiros
O presente artigo, traz a baile a discursão sobre o impacto fiscal em meio a atual pandemia causada pelo o vírus COVID-19 que acomete o mundo, a pesquisa foi realizada através de dados emitido pelo o Governo Federal, além de sites renomados na área econômica e tributária. Tem como objetivo demonstrar de formar simples o impacto causado aos cofres públicos, para a presente produção, trazemos  uma análise geral da economia atual, bem como o conceito de tributo e suas vertentes,  além de fazermos um comparativo  com base no PIB (Produto Interno Bruto) de 2019, para se ter dados e assim produzir  uma análise futura do impacto aos cofres públicos pós  pandemia.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Você já viu que ao longo da nossa história o mundo já passou por vários desastres, tanto naturais como causado pelo homem, tais como guerras, catástrofes como furacões, terremotos e vírus e como em todas as causas quem sofre é o povo. Pois bem, no ano de 2019, tivemos o início de um novo desastre, na qual tomou uma proporção com tamanho sem fim, estamos aqui falando da pandemia gerada pelo COVID-19. Como sabemos o vírus está causando uma grave crise na saúde em todo o mundo, só que além da saúde o vírus traz um grande impacto no comercio na economia e na politica no mundo. Muitos países adotaram as medidas estabelecida pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que traz como meio de prevenção o isolamento social. Mesmo diante do tal isolamento muitos países estão com uma enorme taxa de mortalidade, pois adotaram a medida em momento tardio. No Brasil, mesmo o governo adotando as medidas necessárias em tempo hábil, o numero de morte está alto, além da grave crise que estamos enfrentando na saúde, a população vem sofrendo com outras consequências geradas pelo o COVID-19, tais como o desemprego, violência doméstica, fome, suicídio entre outas. No entanto o nosso foco é na crise fiscal que vem acometendo o Brasil.  Podemos dizer que o mercado financeiro está implodido, uma vez que com o mercado fechado e a população em casa a renda que era para estar sendo produzida está parada. Como meio de saída o legislativo vem criando leis para que o governo federal assuma boa parte da crise. Mais como ficará os cofres públicos após essa pandemia e quem arcará com as despesas.   No final do ano de 2019, o PIB (Produto Interno Bruto), fechou com 1,1%, abaixo do esperado pelo o ministro da economia e como ninguém teve a previsão, de que o vírus, que até então estava apenas no continente asiático, transpusesse fronteiras e chegasse ao Brasil. Com a chegada da pandemia o governo brasileiro teve que adotar medidas drásticas para tentar controlar o colapso na saúde, tendo em vista que não hospitais suficientes para uma população de 209 milhões de habitantes, com isso o comercio foi obrigado a fechar,  e com o pouco faturamento  muitos impostos foram adiados para priorizar as verbas  trabalhistas. Tendo em vista que essa crise irá passar e a economia irá fluir, aos poucos, os empregos devem ser mantidos, pois não adiantar aumentar os números de desempregados, pois isso geraria uma crise ainda maior no âmbito nacional. Diante disso, os pagamentos de tributos estão sendo adiados. A queda no setor comercial estar enorme trazendo consequências não somente a nível do Estado, mas a nível mundial. Prova evidente desta crise são as próprias medidas do Governo Federal, dentre as quais destacamos a recente Medida Provisória n. 927, de 22/03/2020, com medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e o pacote econômico do Governo Federal, abaixo do esperado, quando comparado a outros países. Em relatório recente do Banco Central – BACEN, intitulado de “Relatório de Inflação[1]” datado do mês de março de 2020, foi revisada a provisão do PIB do Brasil para o ano de 2020, que estava previsto anteriormente de 2,2% no fim do ano, e com a pandemia, a provisão foi revisada para 0%, conforme. Além disso, o relatório do Banco Central diz sobre os “efeitos econômicos da pandemia de COVID-19” e dos “Impactos da COVID-19 sobre a economia brasileira”. Na qual deixa claro que a COVID-19 teve impacto na economia brasileira e que o cenário para o futuro é de total incerteza. O relatório mais recente emitido pelo o Banco Mundial, intitulado “A Economia no Tempo da COVID-19[2]” no dia (12) de abril, estima uma queda de 5% no PIB do Brasil para o ano de 2020. Segundo o relatório há três aspectos que irá conduzir a economia para baixo. A primeira é a queda nas demandas externas, causado um grande impacto no setor de exportação. O segundo é a queda no preço do petróleo diante do baixo valor internacional. E o terceiro, é as medidas tomadas para conter a disseminação do COVID-19, que deverá reduzir a circulação de pessoas causando assim o enfraquecimento na economia do país. Em relação a previsão para o PIB do Brasil em 2021 e 2022 é de 1,5% e 2,3%, respectivamente. O governo brasileiro foi moroso ao admitir que haveria queda na atividade econômica em 2020. Em 12 de março, já com a pandemia decretada pela OMS, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que no pior cenário causado pelo o vírus, o PIB seria de 1%, ou seja, o crescimento da economia seria menor do que o resultado de 1,1% em 2019.   “Se nós continuarmos com as nossas formas de vida, a economia resiste um pouco mais porque nós vamos continuar saindo, almoçando, indo a jogo de futebol e a contaminação aumenta. Se nós, por outro lado, mudamos nosso comportamento, a contaminação desce, mas a economia afunda”, afirmou. (Paulo Guedes, Ministro da Economia)   Em 10 de abril, já com medidas de isolamento social em pratica em diversos estados e com o grande número de infectados, Paulo Guedes, em uma videoconferência com senadores falou na possível queda de 4% no PIB em 2020. A projeção atual do governo para o crescimento do PIB em 2020 está em 0,02%. No dia 06 de abril, Analistas de mercado consultados pelo Banco Central (BC) projetavam queda de 1,18% para 2020, no último Boletim Focus, divulgado para 2021 permaneceu estável em 2,50%. Em 05 de maio a Secretaria Especial de Fazenda apresentou nova projeção atualizada do déficit primário do Governo Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) para 2020, que agora é estimado em R$ 566,6 bilhões. Para o setor público consolidado (que inclui estados, municípios e estatais), o déficit primário projetado alcança R$ 601,2 bilhões. Segundo o relatório os números foram calculados levando em consideração a estimativa de retração de 3,34% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, que é a mais recente estimativa dos agentes de mercado apurada pelo Boletim Focus, do Banco Central. Sob essa perspectiva, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) alcançaria 90,8% do PIB. A Secretaria Especial de Fazenda, entretanto, realizou projeções considerando retração do PIB de 2020 entre 1,34% (em um cenário mais otimista) e 5,34% (cenário mais pessimista). Na hipótese de a queda do PIB ficar em 1,34%, o déficit primário do Governo Central seria de R$ 546,1 bilhões e a DBGG ficaria em 88,6% do PIB. Considerando queda de 5,34% do PIB, o déficit primário do governo central subiria a R$ 587,1 bilhões e a DBGG atingiria 93,1% do PIB. É certo que, não saberemos como ficará a economia do Brasil após a crise acometida pelo o COVID-19. Mesmo diante das mais severas punições, tais como o alto número de mortes, bem como a elevada taxa do desemprego. O que sabemos ao certo é que a população brasileira está sofrendo no presente, bem como futuramente. E qual medida, seria a mais a adequada para que não entrássemos em uma recessão econômica, pais como os Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido, adotaram medidas como a redução ou corte nas taxas juros dos bancos, além de injetar bilhões na economia. E no Brasil, não foi diferente, não só adotou medidas parecidas como está investindo mais que a média dos países avançados e quase o dobro do que as nações emergentes para combater os efeitos do coronavírus. As medidas brasileiras de combate à COVID-19 já anunciadas representam um impacto primário equivalente a 4,81[3]% do PIB em 2020. A média dos países avançados é de 4,3% do PIB. Entre os emergentes, a média é de 2,3%. Tais dados foram apontados pelo secretário do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, no dia (01) de maio. Mesmo diante de tantas medidas, para conter a crise é certo que está é maior, que a crise financeira de 2008, e segundo o apontamento, de alguns estudiosos a atual crise pode ser comparada com a Grande Depressão de 1929. O que nos resta sabemos se todos os esforções serão suficientes para conter a atual crise. E o que a população poderá fazer, é trabalhar de casa, movimentar doções para os menos afortunados, comprar nos pequenos comerciantes, pois é pequeno comércio que mais movimenta a economia.   No decorrer dos tempos, foram criados os mais variados tipos de tributos em nosso país, ocorreu também várias revoltas por conta da grande arrecadação podemos citar a Conjuração Mineira (1789), que foi devido à cobrança excessiva de imposto sobre a mineração do ouro na época. As diversas maneiras de tributação que ocorreram ao longo do tempo, refletem até os dias atuais. É importante lembrar que muitas das pessoas agem como se os benéficos oferecidos pelo estado fossem gratuitos, pois bem sabemos que não é assim, pois estes benefícios são cobrados através de impostos pagos pelo o próprio cidadão e administrado pelo o estado. Destarte podemos afirmar que todo tributo é resultado em forma de bens e serviços públicos: como saúde, educação etc; para a sociedade. (REVISTA GESTÃO EM FOCO, 2017).   2.1 A Decorrência dos Tributos Para a Sociedade Sabemos que a carga tributária brasileira é a mais elevada do mundo, e que a população é a mais afetada, cerca de 2/5 do salário é comprometido com tributos. Certifica-se que os o regime tributário é complexo, regressivo e disfuncional e a população mais pobre é quem mais sofre com isso. Pois a alta carga tributária tira a competitividade das indústrias brasileiras perante o mercado mundial, reduz a produtividade e aumenta os custos. De acordo com o Observatório, a injustiça tributária materializa-se, principalmente, no fato de que quem ganha menos (trabalhadores assalariados e pobres) paga mais, favorecendo proprietários e aplicadores, que, proporcionalmente, recolhem menos impostos. Essa realidade, que se manifesta também territorialmente, é decorrência de cinco características que se interrelacionam: o sistema tributário é regressivo e a carga é mal distribuída; o retorno social é baixo em relação à carga tributária; a estrutura tributária inibe as atividades produtivas e a geração de emprego; o pacto federativo é inadequado em relação às suas competências tributárias, responsabilidades e territorialidades; e, finalmente, não há cidadania tributária. (MARTINS, 2017) E isto reflete diretamente no número de empregos e na geração de riqueza para o País. Nota-se que a população trabalha cerca de quatro meses ao ano só para pagar tributos, e que em compensação o governo não assegura serviços públicos de boa qualidade. Além do mais verificamos que mesmo como a carga tributária mais eleva o crescimento econômico não é adequado para a sociedade devido à falta de nitidez no destino dos impostos arrecadados pelos Estados.   2.2 Conceito de Tributo A definição de tributo sempre foi obscura para a população por um ser um tanto complexa.  Desse modo ao analisarmos a legislação vigente, vemos que, no art. 3 do CTN, a definição de tributo: Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966).   Segundo o doutrinador AMARO, o conceito de tributo trazido pelo código é muito vago, deixando a deseja em muitos aspectos, como no fato de não ter deixado claro quem seria o credor da prestação pecuniária, podendo assim causar confusões em outras obrigações imposta por lei, o conceito de tributo segundo o doutrinador: “Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público.” (AMARO, 2006 p 25). Portanto, tributo é uma obrigação de pagar, criada em lei, impondo aos indivíduos o dever de entregar parte de suas rendas e patrimônio para a manutenção e desenvolvimento do Estado, onde o estado deve representá-la se fazendo presente nas áreas de interesse, sobretudo na saúde, educação, segurança entre outras. Conforme já mencionado, o Brasil tem a mais elevada carga tributária do mundo, e o tributo não deriva apenas da arrecadação de impostos como muitas pessoas imagina, existem outras formas de tributação como, taxas e contribuições de melhorias, em analise iremos abordar de forma clara e detalhada cada uma. É uma quantia em dinheiro que os cidadãos do país devem pagar ao estado para garantir a funcionalidade dos serviços públicos. Nota-se que imposto encontra-se no art. 16, do CTN, a seguinte definição: Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. O imposto independe de qualquer atividade específica do Estado, ou seja, não se faz necessário qualquer atuação estatal para que o contribuinte pague o imposto o fato gerador do imposto, segundo a doutrina é: “O fato gerador do imposto é uma situação (por exemplo, aquisição de renda, prestação de serviços etc.) que não supõe nem se conecta com nenhuma atividade do Estado especificamente dirigida ao contribuinte. Ou seja, para exigir o imposto de certo indivíduo, não é preciso que o Estado lhe preste algo determinado”. (AMARO, 2009, p.30)   Ou seja, não é necessária que se realize nada em benefício do contribuinte, basta está previsto em lei, Os impostos incidem sobre a renda e o patrimônio da pessoa física e jurídica cujo pagamento dos impostos é obrigatório, é obrigação do Estado, no entanto, utilizar o dinheiro obtido dos impostos e investir em obras, ações e serviços de qualidade para a população. Infelizmente, esta não é uma realidade presente no Brasil, uma vez que o destino dos valores arrecadados é de responsabilidade do governo. Estes sãos os principais impostos cobrados no Brasil: Federais – IR (Imposto de Renda) – Imposto sobre a renda de qualquer natureza. No caso de salários, este imposto é descontado direto na fonte. – IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados. – IOF – Imposto sobre Operações Financeiras (Crédito, Operações de Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários). – ITR – Imposto Territorial Rural (aplicado em propriedades rurais). – II – Imposto sobre importação (tarifa alfandegária). Estaduais – ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. – IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (carros, motos, caminhões). Municipais – IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (sobre terrenos, apartamentos, casas, prédios comerciais). – ITBI – Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens e Imóveis e de Direitos Reais a eles relativos. -ISS-Impostos Sobre Serviços.   2.4 Taxas As taxas de certo modo é um tributo pago para quem presta um serviço, sendo ela paga por pessoas jurídicas e pessoas físicas. Conforme a CTN, as taxas podem ser cobradas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a definição de taxa encontra-se no art. 77 do CTN. Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966). Assim a doutrina nos ensina o seguinte: “Contribuinte da taxa será, portanto, a pessoa que provoca a atuação estatal caracterizada pelo exercício do poder de polícia, ou a pessoa a quem seja prestada (ou à disposição de quem seja colocada) a atuação do Estado traduzida num serviço público divisível. Temos, assim, taxas de polícia e taxas de serviço”. (AMARO, 2009, p.32) Portanto, a taxa é um tributo de caráter obrigatório para quem buscar serviços públicos prestados pelo estado. Como por exemplo, o pagamento das taxas de bombeiro ou de coleta de lixo, pedágios em rodovias. Porém não tem o mesmo caráter de exigência que tem os imposto que sim é obrigatório como o IPVA ou o IPTU.   2.5 Contribuições de Melhorias Conforme o Código Tributário Nacional em seu art. 81 expõe a seguinte definição: Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966).   As contribuições de melhorias segundo Amaro (2009, p. 46), “Conecta-se com determinada atuação estatal, qual seja, a realização de uma obra pública de que decorra, para os proprietários de imóveis adjacentes, uma valorização (ou melhoria) de suas propriedades”. Ou seja, contribuição de melhorias nada mais é, do que uma ação direta do estado quando, à realização de uma obra pública e a consequente valorização imobiliária desta obra. Sem estas duas particularidades, ou então ocorrendo apenas uma delas, não é possível criar uma contribuição de melhoria que tem por finalidade custear obras públicas. São exemplos de contribuições melhorias, tais como a reforma do imóvel, a inauguração de um shopping na região, o asfaltamento de uma rua, a construção de praças, entre outras.   A arrecadação das Receitas Federais, que chegou a atingir o recorde em janeiro de 2020, com o valor de R$ 174.991 milhões, apresentou queda em fevereiro, totalizando R$ 116,430 milhões, com queda real IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), ou seja, descontada a inflação de 2,71%, na comparação com o mesmo mês de 2019. Esse foi o menor resultado para o mês desde 2018, quando chegou a R$ 113,586 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. As receitas administradas pela Receita Federal, como impostos e contribuições federais, chegaram a R$ 112,141 milhões, resultando em queda real de 4,55%. A redução na arrecadação em fevereiro é explicada por um fator que ocorreu em 2019 e não se repetiu em 2020. Em fevereiro do ano passado, houve arrecadação extraordinária de R$ 4,6 milhões de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Segundo a Receita, o crescimento da arrecadação de IRPJ foi decorrente de ganhos de capital com a venda de bens pelas empresas e na bolsa de valores. Com a crise na saúde pública e a péssima administração do sistema federal sobre o fisco brasileiro. Conforme a Constituição Federal, em seu art. 23º os estados e os municípios tem competência para cuida da saúde do seu povo, porém tal competência deve estar dentro do   limite da sua capacidade financeira. Nesse sentido, em meio a atual crise os governadores clamam a união por ajuda aos custos derivados da pandemia. Por outro lado, as necessárias medidas sanitárias de isolamento social diminuem a atividade econômica e, de quebra, derruba fortemente a arrecadação dos entes federativos através de tributos como, (ICMS, ISS, IR, CSLL, ISSI, PIS e COFINS). Notamos que os estados e os municípios, muitos com dividas carregadas por anos, estão sendo ameaçados a um endividamento maior, diante do isolamento social causado pela pandemia. Estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, estimam um déficit de R$ 20, R$ 16, R$ 15, R$ 3 bilhões e R$ 700 milhões respectivamente aos cofres públicos. Segundo o IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatísticas), estes cincos entes federativos representam 65% do PIB do país. Em meio a baixa arrecadação dos entes federativos por conta da pandemia a Câmara dos Deputados aprovou no dia (13) de abril o  projeto de lei complementar o “plano de promoção do equilíbrio fiscal” que é um substitutivo ao plano Mansueto, que visa recompor à arrecadação dos tributos nos Estados, Distrito Federal e Municípios, dos meses de maio a outubro em meio à crise causada pelo COVID-19, com o objeto de reduzir maiores efeitos na economia. Segundo o projeto a União terá que desembolsar em torno de R$ 98 mil reais. No entanto tal valor é contestado pela equipe econômica em uma nota técnica publicada no dia (15) de abril, prevê o impacto em torno de R$ 93 bilhões reais. A votação no senado ficou prejudicada por conta da aprovação da PLC 39/2020, que tramitava em conjunto. A PLC 39/2020, aprovada no dia (02) de maio no senado, informa que a União irá arcar com auxílio em torno de R$ 240 bilhões, para os entes federativos em combate ao COVID-19. No entanto nos portais de notícias vinculado a câmara dos deputados e ao senado federal informar que o valor é de R$ 125 bilhões, como seria este valor se o texto aprovado deixa claro que a união ira arcar com (04) parcelas mensais no valor de R$ 60 bilhões cada. Diante da análise verificamos que há muitas leias sendo aprovada e claro todas envolve muito dinheiro público e a lógica usada é pandemia causada pelo COVID-19. Observamos que diante do estado de calamidade pública, aprovado pelo Congresso que suspende o cumprimento da meta fiscal em 2020, está em déficit. Resultando assim em menos receitas menos e mais despesas em meio ao COVID-19, fazendo com quer as dívidas públicas do brasil permaneça em vermelho. No atual momento prezamos que o governo atue de forma equilibrada entre a saúde e a economia, para que transpassando esta fase, não tenhamos uma elevada incidência tributarias dos mais variados índices, como muitos dos legisladores só pensa em aumentá-los ainda mais, como a ideia do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). No entanto, o momento presa por alternativas que ajudem as empresas, os empregados e não em manobras políticas para criações de novos tributos, por tanto não é o momento de se falar em aumento ou criação de tributos ou de leis que venha trazer prejuízo futuro a população.   Como o mercado encontra-se em recesso em meio ao coronavírus, e com os cofres públicos incerto em face do desequilíbrio fiscal que por hora encontra-se ocorrendo. Com base no estudo realizado IBPT (Instituo Brasileiro de Planejamento e Tributação), levando em conta  o isolamento social e o funcionamento apenas das atividades essências  até o final do mês de maio a perda em arrecadação será equivalente a R$ 906 bilhões de reais ou 32,38%, o que resultar no ano de 2020, o total de R$ 1,89 trilhão o que será muito baixa comparada ao ano de 2019, que foi de R$ 2 trilhões. A prospecção vai até o mês de julho, onde a perda em arrecadação será de R$ 1,1 trilhão ou 39,32%, com o resultado total de arrecadação durante o ano de 2020 de R$ 1,7 trilhão, ou seja, arrecadação muito abaixo do esperado para o ano de 2020. Levando em conta que o déficit previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentaria) era de R$ 124 bilhões, ou equivalente a 1,6% do PIB, diante disso teremos uma perda muito elevada à medida que o isolamento social se estende. No dia (02) de abril, então secretário da fazenda Waldery Rodrigues, informou que o déficit tem previsão de aumento de R$ 419,2 bilhões, ou seja, 5% do PIB, e o motivo do aumento está relacionado a medidas de combate ao avanço da crise do coronavírus. Segundo o secretário, essas medidas somam R$ 224,6 bilhões e se confirmado o déficit de R$ 419,2 bilhões, o valor será o maior da série histórica. Ele afirmou também que o valor é uma estimativa e pode ser revisada mais adiante. Os gastos ora analisados, com o prejuízo imposto aos cofres públicos, diante da pandemia será a pior da história, superando o recorde de 2016, quando o rombo fiscal foi de R$ 161,3 bilhões, o equivalente a 2,5% do PIB. Isso tudo porque o governo tem por obrigação injetar dinheiro para que a população não sofra ainda mais. Segundo o economista-chefe do BPN Paribas, para o Brasil, defende a adoção de medidas para evitar um aumento contínuo das despesas, a fim de conter o crescimento da dívida nos anos seguintes. “O governo precisará agir para manter o sistema financeiro com liquidez e fazer o máximo possível para evitar uma crise fiscal a partir de 2021. É importante garantir que as medidas tomadas em relação ao aumento de gastos fiquem circunscritas a 2020. O governo não pode anunciar medidas que depois fiquem permanentes, porque vão piorar o quadro de ajuste fiscal.”   O Brasil parece se alinhar à maioria dos países do mundo, buscando primordialmente adiar o cumprimento de obrigações acessórias e proporcionar fluxo de caixa às empresas mediante a postergação de tributos, mais esporadicamente comprometendo o orçamento público de maneira definitiva com isenções e reduções tributárias. Mesmo diante de todo o impacto causado aos seus cofres, o que é necessário, diga-se de passagem, ou vamos dizer momentâneo, contanto que tais prejuízos não perdure por anos.  Até porque não há como definir o valor total do impacto, pois a pandemia ainda está ativa e o isolamento social continua, mesmo com o funcionamento dos serviços essenciais não dá para prever o gasto final com os custos gerado pela COVID-19. Só nos resta aguarda o fim da crise e crer que durará apena o tempo necessário.   E aí, quem irá pagar esse prejuízo após o surto do coronavírus? Sabemos que as receitas públicas provêm da exploração do patrimônio público e tributos, por meio patrimonial poderá acelera vendas dos patrimônios públicos entre outas. Já no âmbito tributário quem sofrera é o contribuinte.  Pois o fisco poderá elevar as alíquotas dos atuais tributos, (PIS, COFINS, ICMS, ISS, CIDE etc.), ou poderá ser criado novos tributos por nossos legisladores como o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) ou impor empréstimos compulsórios (IE). Não importa agora como iremos pagar a conta, mais sabemos que de alguma formar todos esses rombos no dinheiro público, que se diga é o dinheiro do povo, será arcado por nós (o povo). Ocorre que este é um caminho que sobrecarregará a instável recuperação econômica, claro em meio a tantos tributos já existentes,  não a como prever que através da arrecadação  e da exploração patrimonial a economia do Brasil se recupere em 01,02 ou 03 anos, é irrisório mais sabemos que os efeitos dessa crise irá nos afetar direta ou indiretamente por alguns anos, logo poque estamos sofrendo desde de 2014, com os cofres do brasil em vermelho e a economia tentando subir o patamar, mesmo diante dos receios dos poucos investidores estrangeiros no Brasil. A população então tentara através dos seus direitos não arcar com todo esse prejuízo, bem como planejar-se tributariamente a reorganização de seus negócios, para enfrentar esses novos tempos seria fundamental que o Governo Federal criasse um regime tributário eficaz que tenha como eixo central a manutenção do emprego, da economia e das finanças. É preciso que as autoridades continuem atentas ao sistema econômico, o financeiro e o tributário, adotando as medidas adequadas em meio a crise pandêmica, para que as pessoas físicas e jurídicas possam sair inteiras e com saúde física, mental e econômica suficientes para a retomada do crescimento, que virá. Ainda é cedo para ver os efeitos pós-coronavírus no Brasil e no mundo. Mas, há fortes indícios de uma recessão econômica global. Sabemos que o país estava no início da recuperação econômica e com isso o cenário ficou mais difícil. “O bem-estar mundial será muito maior se os países optarem pela cooperação, a ajuda e a solidariedade em momentos de crise, e por compartilhar informação e avanços científicos em vez de fazê-lo pela autarquia e o confronto”, diz Rafael Doménech, responsável de análises econômicas do BBVA Research.   Portanto, com base na frase de Rafael Doménech, se os povos se unissem e fossem mais solidários neste atual momento, talvez essa crise já tivesse cessado e as pessoas não estaria sofrendo tanto, através da união e da cooperação já poderíamos ter uma vacina, as balanças comerciais já estariam em alta, porém não é isso que estamos vivendo. Nesse ponto, enfatizo aqui a esperança do povo brasileiro para que juntos possam sair dessa batalha diária.   CONCLUSÃO Sabemos que ao longo da história o mundo já sofreu com vários desastres, e que em pleno no ano de 2020, o mundo passa pela atual crise, declara pela OMS como pandemia, o COVID-19,  fez o mundo para completamente, mexeu com a saúde, o trabalho, a economia, os diretos, entre outros . No atual cenário o Brasil está em uma crise devastadora, tanto na suade como na economia. No final do ano de 2019, o PIB (Produto Interno Bruto), fechou com 1,1%, abaixo do esperado pelo o ministro da economia, e ninguém teve a previsão da chegada do vírus. Com a chegada da pandemia o governo brasileiro teve que adotar medidas drásticas para tentar controlar o colapso na saúde, tendo em vista que não hospitais suficientes para uma população de 209 milhões de habitantes, com isso o comércio foi obrigado a fechar,  e com o pouco faturamento  muitos impostos foram adiados. Verificamos quem janeiro o país teve uma forte arrecadação tributária com o valor de R$ 174.991 milhões, apresentou queda em fevereiro, totalizando R$ 116,430 milhões, descontada a inflação de 2,71%, na comparação com o mesmo mês de 2019. Esse foi o menor resultado para o mês desde 2018, quando chegou a R$ 113,586 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Com a decretação do estado de calamidade em março, fez com que tramita-se no Congresso Nacional, vários projetos de leis para tentar afrouxar as rédeas da economia, para que não entre em colapso total, uma vez que com a população em suas casas, o comércio não fluir, por tanto não a renda para  população e os cofres públicos ficam sem receitas. Levamos em conta que o déficit previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentaria) era de R$ 124 bilhões, ou equivalente a 1,6% do PIB, diante do isolamento teremos uma perda. de R$ 419,2 bilhões, ou seja, 5% do PIB, e o motivo do aumento está relacionado as medidas de combate ao avanço da crise do coronavírus. Isso tudo porque o governo tem por obrigação injetar dinheiro para que a população não sofra ainda mais. Mas será se é necessária toda essa enxurrada de dinheiro público, para cobrir a crise econômica causada pela pandemia. É certo que todo esse dinheiro sairá do bolso da população não importa agora como iremos pagar a conta, mais sabemos que de alguma formar todos esse rombo no dinheiro público, que se diga é o dinheiro do povo, será arcado por nos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/coronavirus-e-o-impacto-fiscal-aos-cofres-publicos-brasileiros/
Sindicalização consumerista e a contribuição social de proteção ao consumidor (CPCON) em tempos de Pandemia
A primeira versão do trabalho foi escrita em 2016 e publicada em um livro em 2017 e visava demonstrar o consumidor como o atual explorado economicamente que tem necessidade de uma participação estatal efetiva na proteção de seus direitos e tal trabalho também objetivava comparar as semelhanças da atual sindicalização consumerista com a sindicalização trabalhista, bem como a necessidade de atuação do setor privado na proteção dos direitos do consumidor com o auxílio de um investimento estatal custeado através da criação de uma contribuição social denominada CPCON a ser destinada ao Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça. Com a crise da pandemia atingindo principalmente o setor turístico e a visualização da participação dos sindicatos trabalhistas na crise do Coronavírus, viu-se que esse debate deve entrar na pauta novamente, sendo mais necessário do que antes.
Direito Tributário
Introdução O poder econômico evoluiu a tal ponto em que a atual vítima desse poder em excesso é o consumidor, substituindo, mas não eliminando, a figura do trabalhador à época da pós-revolução industrial. Com a sindicalização dos direitos dos trabalhadores muitos entraves às empresas foram necessariamente realizados em prol desses trabalhadores. Agora, com a evolução do poder econômico, surgem associações protetoras dos direitos do consumidor assemelhando essas associações à função dos sindicatos dos trabalhadores construídos no passado. Não é a intenção do artigo promover aprofundamento de discussões sobre os pontos positivos ou negativos do sindicalismo brasileiro nem promover melhorias e reformas no mesmo nem mesmo discorrer sobre a nomenclatura correta dos tributos abordados. O que se pretende é comparar uma nova fase de sindicalização que mantém o detentor do poder econômico como explorador e dessa vez o consumidor como o atual explorado sem proteção efetiva dentro do sistema capitalista. Ademais, o surgimento dos sindicatos trabalhistas, antes de qualquer ato estatal, gera uma legislação protetiva construída após esses movimentos, enquanto que no âmbito do sindicato consumerista ocorre o contrário, onde a legislação já existe e o Estado promove suas intenções em prol desses direitos do consumidor, porém não é efetivo e por isso surgem organizações do sistema privado visando essa proteção. Partindo dessas premissas, busca-se compreender como o Estado, detentor da legitimidade para restringir o poder econômico, pode auxiliar essa sindicalização a fim de promover maior informação e segurança ao consumidor e incentivando o combate à afronta à concorrência sem romper com o direito à livre iniciativa e incentivo ao empreendedorismo. O estudo do presente trabalho também visa demonstrar a inviabilidade de inserção de comportamentos internacionais de combate ao abuso do poder econômico dentro do direito do consumidor diante da diferença técnica e estrutural brasileira. Isso faz com que o Estado, como norteador e um dos construtores de ideologias sociais, possa atuar, em conjunto com o setor privado, a fim de inovar a cultura de um país não desenvolvido como o Brasil e demonstrar a importância de proteção a tal direito que afeta indiretamente toda a sociedade. A semelhança com a sindicalização trabalhista com a formação atual de sindicatos consumeristas leva à necessidade de uma fonte de custeio para garantir a presença dessas organizações sociais privadas dentro do mercado, tal como a contribuição sindical, atualmente em crise de existência, mas que foi determinante para a construção de proteção dos direitos trabalhistas, talvez não plena, mas mais desenvolvida. A crise do Coronavírus demonstrou a falta de representatividade e atuação dos sindicatos trabalhistas no momento em que seus supostos representados mais necessitavam, enquanto que os consumidores continuaram desamparados sem nenhum proteção.   1 – Sindicalismo nas relações de trabalho O alto grau de exploração dos trabalhadores no início da industrialização levou ao surgimento de agrupamentos em luta para diminuir este regime abusivo. Esse movimento de massas gera a necessidade de institucionalização que exprime esse movimento como um personagem de vida própria.[1] Os sindicatos brasileiros nascem através de movimentos grevistas trazidos pela penetração ideológica proletária de imigrantes europeus que somente irão materializar-se com o apoio de um projeto político com a consciência da necessidade de organização.[2] Esses movimentos eram severamente punidos no início do século XX e somente começaram a tomar corpo na década de 1930, com o rearranjo do bloco de forças dominantes. A nova estrutura do poder dessa época busca na legislação de ditaduras europeias a técnica jurídica apropriada para lidar com os trabalhadores e encontra inspiração no sistema italiano denominado “Carta del Lavoro” [3] no governo de Mussolini.[4] Engessavam-se assim as relações entre capital e trabalho dentro de um mesmo território jurídico. O Estado, através de leis, instituía os direitos do trabalhador e se encarregava de fazê-los valer através do Ministério do Trabalho e da Justiça do Trabalho.[5] Essa movimentação das massas na luta por melhores condições de vida somente poderia existir nos traços ditados pelo Direito e o Estado seria pouco eficiente nessa conduta do entendimento direto entre empregados e empregadores e era necessário ambos os lados serem representados dentro de mecanismos institucionais oficiais. O universo da atividade produtiva dividia-se então em profissional e econômico. O Estado reconhecia a existência de determinadas categorias com um limite geográfico e estas deveriam pedir ao Estado um ato de constituição denominado de carta sindical. As entidades formadas eram autarquias atípicas, custeadas por um imposto sindical, sendo que suas finalidades e limites eram traçados pela lei.[6] Com o avanço na história e com a presença de crises e diferentes ideologias políticas, o movimento sindical esteve presente e foi determinante para surgir direitos hoje que consideramos imprescindíveis ao trabalhador, tal como exemplo, o direito ao décimo terceiro salário, onde lideranças combativas promoveram uma grande greve nacional vitoriosa em julho de 1962.[7] Contudo, com a crescente influência desses grupos operários, o aumento das greves e a criação de algumas organizações políticas comunistas fizeram com que entrasse em ebulição a sociedade trabalhadora com vista a derrubar a ordem burguesa no Brasil. Daí porque, através da união das classes dominantes com a força militar, surgiu o golpe de Estado e a ditadura militar.[8] Tal período teve notoriedade ao movimento dos trabalhadores com a criação do Arrocho Salarial pelo Estado Militar, ou seja, o reajuste coletivo de salários somente poderia ser implantado por autorização da União e em percentuais por ela anualmente fixados, o que inibiu o movimento sindical, pois proibia greves acima desses percentuais fixados por lei e retirava poder do Judiciário em alterar tais limites. Após um período sangrento de luta por direitos, dirigimo-nos para a década de 1970, onde surgem poderosos movimentos grevistas no setor automobilístico na região do ABC no Estado de São Paulo, visando melhores condições de trabalho. Com a queda da ditadura em 1985 e a promulgação da Constituição Federal de 1988 surge uma nova etapa de liberdade para o associativismo dos trabalhadores ventilado pela liberdade formal.[9] Na medida em que a Constituição Federal de 1988 diz que a lei não pode exigir autorização do Estado para a fundação sindical, toda a burocracia pretérita foi extinta, mantendo-se somente a necessidade de preservação jurídica quanto à unicidade da categoria e a base territorial de tal sindicato.[10] Em resumo, podem-se encontrar três concepções na relação de Estado com as relações de trabalho, conforme a escolha política de cada um[11], senão vejamos: – concepção neoliberal: o Estado se afasta e se omite dos conflitos coletivos deixando a atuação sindical livre no mercado; – concepção corporativista: o Estado regulamenta e reprime o exercício da ação sindical; – concepção democrática: o Estado deve organizar as relações de trabalho, sem reprimir a ação sindical ou se omitir do tratamento institucional da matéria. Ou seja, organiza as relações de trabalho e incentiva o exercício da ação sindical.[12] No Brasil, conforme vimos, o sistema historicamente adotado foi o modelo corporativista, que somente foi abrandado pela Constituição Federal de 1988, mas mantido como forma de organização sindical.[13] Isso porque a Constituição Federal de 1988, apesar de ter dito que assegurava a liberdade sindical, quando impôs o monopólio de representação sindical e impediu estruturação conforme a vontade dos grupos e impôs contribuição compulsória para quem não é associado, violou exatamente o disposto da liberdade sindical[14], por isso a concepção atual é corporativista amenizada.   1.1. – Representatividade sindical em tempos de pandemia O Direito intervém, portanto, para limitar a liberdade dos administrados, impedindo que um agente imponha sua vontade pela força ante a vontade do outro, porém, no que se refere aos sindicatos, a situação se inverte, pois o Direito intervém para proteger exatamente a coação contra a liberdade do comércio dos patrões, incentivando os trabalhadores à autotutela de seus interesses[15], como por exemplo a legitimidade das greves. Os sindicatos precisam estar aptos a representar não só o núcleo forte e tradicionalmente organizado da força de trabalho, mas de dar voz ao lado mais fraco que, exatamente pela sua fraqueza e marginalização, tende a ficar desorganizado, excluído da proteção estatal. O maior desafio é alargar a área de representação, buscando alcançar as minorias e os marginalizados, sem perder a força e a organização.[16] É importante destacar que a receita recebida pelos sindicatos visa cumprir certas atividades, tal como a função negocial de ajustar as convenções/acordos coletivos do trabalho, além da função assistencial conferida por lei e estatutos para prestar serviços aos seus representados: educação, saúde, fundação de cooperativas, serviços jurídicos, dentre outros.[17] Pois bem, nosso atual modelo constitucional revela a unicidade sindical como atuante no país, ou seja, um só sindicato representativo dentro de determinada área geográfica, o que demanda altas críticas ao modelo, até porque outros países preservam a pluralidade sindical e não a unicidade. Para exemplificar essa situação temos a própria Itália, a qual o Brasil copiou o modelo da legislação trabalhista, onde esta aboliu o tributo sindical para trabalhadores não filiados ao sindicato e abraça a pluralidade sindical. Assim como em outros países desenvolvidos como a Áustria, EUA e Canadá.[18] Contudo, a contribuição sindical e unicidade sindical é exceção à regra e mantida em sua grande maioria em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, o que demonstra a necessidade desse modelo sindical para se chegar ao desenvolvimento pleno do país. Não só o Brasil, mas o mundo, aparenta estar no fim do sindicalismo trabalhista e no início do sindicalismo consumerista. A sociedade entendeu, após a sindicalização, que é importante preservar os direitos trabalhistas. Observa-se que o cotidiano das práticas trabalhistas está levando a uma aproximação direta do empregador e empregado na solução de conflitos, proporcionando um esvaziamento da representatividade sindical[19], tão importante e necessária no passado. É presente a decadência do modelo atual do sindicalismo trabalhista, mas não se nega os benefícios que trouxe para a sociedade, além de maior proteção e ideologia social da importância da valorização humana do trabalhador. Talvez esse modelo precise atualizar-se para evitar seu fim diante de modernos procedimentos e novas formas jurídicas de trabalho que tendem a extinguir a representatividade sindical trabalhista. Acreditamos que foi devidamente testada a sua permanência na pandemia do COVID-19, revelando o lobby de sindicatos no judiciário e legislativo a fim de manter a obrigação de negociação e participação destes para acordos de contrato de trabalho, mesmo sabendo que diversos sindicatos sequer respondem e-mails e telefonemas, não tendo, ainda, atendimento presencial em tempos de quarentena. Ora, como manter a presença desses sindicatos nas negociações quando, em sua maioria, ficaram mais ausentes na participação da vida do trabalhador na crise do que antes? Não se está aqui criticando a existência e importância dos sindicatos, mas sim sua atuação no momento notório de necessidade dessa participação, o que, infelizmente, não se viu. A nova Era representa a sindicalização consumerista de forma a trazer os mesmos benefícios dados aos trabalhadores no passado e vigentes no presente, mesmo que daqui a alguns anos seja enraizada tal ideologia da sociedade e também entre em crise tal sindicalização se esta for um modelo ultrapassado para o seu tempo. Importante relembrar que o que abriu caminho para o sindicalismo moderno foi a Revolução Industrial[20] e o reconhecimento do sindicato por parte dos poderes públicos só ocorreu quando ele já existia de fato[21], o que já ocorre no âmbito do consumidor com a presença de diversas associações de proteção. É inegável afirmarmos que convenções coletivas de trabalho são esforços da democratização do direito na medida em que possibilitam que os interessados proponham suas próprias condições de trabalho[22]. De forma semelhante, está se iniciando a Era do consumidor em propor as condições de consumo. Tais condições, de forma individual não tem a força convincente necessária. Nesse sentido, sem a presença dos sindicatos seria impossível a institucionalização de qualquer processo de negociação coletiva, pois a organização sindical continua sendo o âmbito no qual se desenvolvem esses entendimentos mais dinâmicos e condizentes com a realidade, através de medidas das forças sociais, econômicas e profissionais.[23] Cabível observar de que a natureza jurídica de uma entidade sindical no Brasil é de caráter privado. Apesar de alguns parlamentares levantarem a bandeira de apoio ao movimento sindical isso não quer dizer que este seja de direito público, pois alegar que o sindicato tem natureza de direito público é negar a própria existência do sindicato.[24] Assim, nos aparenta que, socialmente, a função do sindicato trabalhista já foi feita na sociedade e, com a crise política de seu principal motivador no país (Partido dos Trabalhadores)[25], talvez possamos reconhecer a força política do sindicato trabalhista sem a necessidade do custeio do Estado para lhe dar tal força. Esse custeio era feito pela contribuição sindical.   No Brasil, a estrutura sindical é baseada no sindicato único em determinado território geográfico, submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste, percebendo, para sua manutenção, uma contribuição sindical.[26] A raiz do modelo sindical atual, portanto, se liga ao período corporativista do Estado Novo, instituído pelo presidente Getúlio Vargas, que na pretensão de conceber a imagem de “pai dos pobres”, escondeu o verdadeiro interesse dos empregadores da época, onde o Estado detinha o controle dos sindicatos. O regime autoritário getulista avançou no campo sindical, marcado por esse controle estatal do monopólio de representação e também das fontes de custeio de tais entidades sindicais.[27] Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a criação formal normativa de tal contribuição sindical[28], alguns doutrinadores tentavam enxergar uma finalidade social no então tributo sindical. Isso porque a contribuição sindical gera muitas discussões do ponto de vista político e ideológico da sua viabilidade atual, pois quando foi criada, surgiu em um sistema sindical corporativista, quando havia total intervenção do Estado nos sindicatos, mas após a CF/88 não mais se permitiu a intervenção estatal no sindicato. Assim, não tendo uma atuação estatal a ela vinculada não teria sentido existir tal tributo, corroborado pelo fato que ocorria cobrança, inclusive, de não associados, contrariando o princípio da liberdade associativa.[29] Alterações legislativas e decisões do STF ratificaram essa afirmação e, atualmente, a contribuição sindical compulsória, apesar de seu importante papel histórico, não tem mais vigência no país (alterações da CLT pelo art. 1º, da lei 13467/2007)[30]. Pois bem, concluiu-se que, através do então Fundo Social Sindical, as regiões mais ricas colaborariam em benefício dos trabalhadores das regiões mais pobres, alcançando, assim, uma solidariedade entre todos os componentes da classe, permitindo uma distribuição justa dos recursos dos sindicatos.[31] Contudo, os objetivos da contribuição sindical (antigamente compulsória) têm sido meramente assistencialistas nos dias de hoje. Isso porque para os sindicatos, tanto dos empregadores como dos trabalhadores, as receitas têm destinação para assistência jurídica, médica, odontológica, bibliotecas, esportes, dentre outras. Ocorre que a principal função de um sindicato, que é a defesa da categoria e a luta em prol dos direitos, tem sido colocada em segundo plano. Assim, os recursos acabavam beneficiando mais os associados, porém todos eram obrigados a contribuir.[32] Para maior objetividade no que o artigo busca trazer, cabível informar que a contribuição sindical tem destinação própria de sua arrecadação e 20% do que é recolhido era repassado para uma conta, chamada de “conta especial emprego e salário”, que visava complementar o custeio das despesas ordinárias do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre eles o Fundo de Amparo ao Trabalho (FAT) [33], que paga os gastos públicos com seguro-desemprego, abono salarial, qualificação profissional, intermediação de emprego, dentre outros. Isso significa que fundos de arrecadação podem ser úteis para repassar à sociedade uma distribuição de riquezas dos detentores do poder econômico, nem que esse fundo, tal como exemplo o FAT, seja usado para financiar inovação tecnológica, como o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), ou repassar verbas aos órgãos de fiscalização para maior eficiência em suas medidas, tal como o CADE e SENACON e PROCON, pois isso gera benefícios para a concorrência e ao consumidor de um modo geral. Para se ter uma ideia de valores, a contribuição sindical, na parte que era repassada à Conta Especial de Emprego e Salário tinha como total, só em 2016, o montante de R$ 557.660.504,25[34]. Logicamente que existem críticas sobre o repasse de 40% desse fundo (FAT) para outras contas especiais, principalmente para financiamento de programas de desenvolvimento econômico por intermédio do BNDES, porém essa seria matéria de outro trabalho aprofundado sobre o tema. O que se quer demonstrar é o quanto a arrecadação compulsória sobre a riqueza do poder econômico, desconsiderando o arrecadado do trabalhador, pode retornar para a sociedade em benefícios ao próprio trabalhador e, nesse momento, espera-se que uma contribuição compulsória semelhante seja feita em prol do consumidor. Nessa linha de raciocínio que surge a necessidade de organizações sociais usufruírem, fiscalizarem e imporem o devido uso dessas arrecadações em prol dos seus interesses, no caso, interesses dos consumidores.   3 – Sintomas da sindicalização na relação de consumo Como já dito, com a criação de normas trabalhistas engessava-se as relações entre capital e trabalho dentro de um mesmo território jurídico. O Estado, através de leis, instituía os direitos do trabalhador e se encarregava de fazê-los valer através do Ministério do Trabalho (atual Ministério do Trabalho e Emprego) e da Justiça do Trabalho. Pois bem, o mesmo ocorre no âmbito do consumidor. O Estado, a nível federal, através de leis, visando a estabilidade de relação do consumidor e do capital em um mesmo território jurídico, institui direitos do consumidor e se encarrega de fazê-los valer através do Ministério da Justiça e seus órgãos de proteção ao consumidor: CADE, SENACON e SEAD, dentre outros. A sindicalização do consumidor está já presente, na medida em que consideramos que os bens e serviços, em qualquer sociedade, são repartidos em função do poder de que dispõem os parceiros envolvidos neste embate de interesses e, quando essa repartição é desigual a um grupo, surgem os sindicatos. Assim, para obter poder de barganha dentro do conflito distributivo, é que, historicamente, os explorados passaram a criar agências que os unificassem em vontade coletiva organizada. O objetivo da instituição sindicato reside em multiplicar, através de ato coletivo, o poder dos trabalhadores na disputa pela divisão da riqueza social existente. [35] O mesmo ocorre com a ideia de proteção ao consumidor que, atualmente, é o explorado pelo sistema capitalista, mas sem a ciência direta de que isso ocorre. Tal realidade é vigente principalmente em países menos desenvolvidos, o que é pior e engendra a necessidade maior de criação de agrupamentos para uma proteção coletiva dos apossados pela ignorância ou sem força de combate. Nas palavras de Francesco Galgano, vemos que o futuro aparenta estar submerso por uma lei do mercado que não detém de um Estado interventor, haja vista a constante movimentação dessa lei por todo o território global, porém, diante dessa realidade, há uma crescente onda de movimentos organizados como Estados e buscando seus interesses e controle da circulação da riqueza [36] [37], porém não haverá uma influência determinante nessa conduta sem o apoio estatal de onde surgirem esses movimentos sociais. Celso Furtado conecta o poder econômico e o poder político relatando que o ponto comum entre estes é a faculdade de impor a uma coletividade a visão globalizadora, sem a qual não seria possível falar de racionalidade macrossocial.[38] Pode-se concluir daí a necessidade de institucionalizar os agrupamentos sociais em prol da defesa do consumidor a fim de promover uma forma de poder neutralizador, tal qual ocorreu com os sindicatos trabalhistas. Isso porque as operações de mercado são, via de regra, transações entre agentes de poder desigual.[39] O poder político, capaz de alterar o comportamento de amplos grupos sociais, configura-se como uma estrutura complexa na qual as instituições que formam o Estado interagem com os grupos que dominam o processo de acumulação e com as organizações sociais capacitadas para interferir de forma significativa na distribuição da renda.[40] Em um mundo globalizado as empresas abrem espaço num plano plurinacional para gerar novos recursos do poder com vistas a aumentar o ritmo da própria expansão em razão da concorrência ou pressões sociais emergentes em seu país. Isso porque a evolução social, nos países que lideram a civilização industrial, opôs ao crescente poder das empresas formas cada vez mais eficazes de organização social que pressionam no sentido de uma distribuição mais próxima de uma renda igualitária.[41] Como exemplo tem-se a Suécia que, ao lado de gigantescas empresas que comandam os setores dinâmicos da vida, aparecem poderosas organizações sociais com projeções políticas.[42] [43] Assim, países como o Brasil são alvos dessas grandes empresas, pois não possuem forças sociais internas neutralizadoras, o que retorna a concentração de riquezas que essas empresas perderam em seus países desenvolvidos. De certa forma, a construção de organizações sociais com o amparo e auxílio do Estado serão determinantes para a evolução social do país. Importante observar que as organizações sociais desenvolvidas conseguem concentrar as riquezas de suas empresas nacionais em seus países[44] e pode ser um importante papel político do Estado em visar a mantença de riquezas dentro do território nacional com o auxílio dessas organizações sociais que o próprio Estado ajudará a desenvolver. Ademais, cabível lembrar que, a título de exemplo da força sindical, o ato de abandono de emprego, no passado, era considerado crime em alguns países, o que se verifica a ampla necessidade de sindicalização dos explorados para confrontarem o poder econômico alterando as intenções unilaterais dos capitalistas, que detém do poder econômico e político do Estado. [45] Em uma visão filosófica, Ernst Bloch afirmava que os burgueses criam lemas e leis e não são aptos a praticá-las porque são parciais. Este cita o exemplo dos três lemas da revolução francesa que são originários da burguesia, mas ela própria não pode levá-los adiante justamente porque em suas mãos são parciais, feitos para não serem cumpridos. Somente os explorados, a classe trabalhadora, será capaz de dar plenitude a tais preceitos.[46]   3.1 – Sindicalização consumerista internacional Conforme visto, a relação de consumo segue a mesma linha e somente esses novos “neoexplorados” pelo sistema capitalista podem dar plenitude à aplicação das leis, cabendo ao Estado promover uma conduta de institucionalização destes a fim de equilibrar a distribuição de riquezas do poder econômico entre seus agentes. O Estado Brasileiro por si só não suportará, e já não suporta, a demanda nem a eficiência necessária para conduzir políticas de proteção ao consumo, sendo necessário conciliar com o setor privado que surge para seguir suas diretrizes e torná-las eficientes. Para tanto, pode conceder maior influência política dessas criações do setor privado através de institucionalização das mesmas e repasse de fundos criados para manter a existência e efetividade dessas atividades.[47] De forma comparada, nos EUA vemos os pioneiros no movimento de defesa do consumidor onde, em 1891, foi criada a chamada New York Consumers League, atualmente Consumers Union, uma associação sem fins lucrativos, mas que tem alta influência no mercado americano diante de suas pesquisas técnicas, mobilidade social e influência no mercado através de divulgação de informações aos consumidores. Um exemplo é a luta por diminuição de produtos químicos em cereais visando a qualidade na saúde das crianças onde, após estudos demonstrarem limitação do uso de determinada substância para evitar prejuízo à saúde infantil, finalizou tal medida em alteração normativa.[48] Desproporcional é a comparação de tal associação americana com a realidade brasileira, pois em análise de seu relatório anual de receitas, a Consumers Unions advém de uma receita de, só no ano de 2016, um montante de R$ 247.667.000,00[49], o que inviabiliza a construção de uma associação não governamental, independente do setor privado, e de tal significância, sem o suporte do Estado em um país como o Brasil. A proteção do consumidor parece muito mais enraizada diante da globalização da economia, onde há até “sindicatos” internacionais de proteção ao consumidor, tal como a Consumers International (CI)[50], com sede no Reino Unido, sendo esta a federação mundial de grupos de consumidores que, trabalhando em conjunto com os seus membros, serve como a única voz global independente e credível para os consumidores. Dar legitimidade a essas associações do consumidor para ajuizamento de ações coletivas é um importante avanço para busca dos direitos do consumidor, mas será que somente a Justiça poderia acarretar benesses ao consumidor com toda sua morosidade?[51] Cremos que medidas extrajudiciais têm mais efeito no mercado dinâmico e somente com investimento estatal no setor privado sindicalizado isso seria possível. A ONU, por meio de sua resolução 39-248[52], em 1985, estabeleceu a necessidade de investimento estatal para diferir informações e suporte aos consumidores diante do poder econômico, tendo o Estado como mentor das diretrizes que deseja promover maior proteção. Tal documento é o primeiro e único documento efetivo da proteção internacional do consumidor.[53]   3.2 – Sindicalismo consumerista na realidade brasileira Nesse caminho internacional e com uma simples pesquisa em sites de buscadores vemos diversos exemplos de associações brasileiras que se originaram como a International Law Association (ILA), Consumers International (CI) e International Association of Consumer Law (IALC), tais como PROTESTE JÁ; IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa de Consumidor; ANDECON – Associação Nacional de defesa do Consumidor; ANADEC; Portal Do Consumidor; ANDIF; Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON; dentre outras. Assim, tendo em vista que esses já possuem um caráter de sindicato, tal como o sindicato das relações de trabalho, necessária essa atenção estatal para promover o desenvolvimento social com o auxílio da iniciativa privada. Isso porque, uma das consequências do processo de globalização é a redução do poder do Estado diante das organizações internacionais e das grandes corporações privadas atuantes no mercado globalizado, com redução do poder dos cidadãos (consumidores no caso) [54], fazendo com que seja necessário o Estado investir na neutralidade desse poder econômico com a atuação do setor privado sindicalizado. A disciplina interna feita pelos países quanto à proteção do consumidor se mostra, portanto, insuficiente diante da crescente globalização.[55] A construção do sindicalismo consumerista é visível no país, porém tais sindicatos não detêm de força política para cogitar mudanças. Os consumidores, como força política, não conseguem levar, com eficiência, seus pontos de vista aos formuladores de políticas públicas (e até privadas).[56] Desse fato do poder político que surge a ideia de uso de um fundo de arrecadação para fortalecer organizações sociais a agirem em prol do consumidor em países não desenvolvidos, como o Brasil, que necessitam do setor privado para atender demandas sociais que este não comporta. Para dar força política a essas organizações é necessário que o Estado as institucionalize, mas que estas detenham de autonomia financeira e política para não serem influenciadas por doadores do empresariado nem dominadas pelo interesse estatal que as remuneraria. Isso porque a legislação nacional promove no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 107[57] a possibilidade desses sindicatos consumeristas proporem convenções coletivas com sindicatos representantes da categoria econômica, porém essas entidades sociais muitas vezes vivem de doações do próprio empresariado, perdendo sua autonomia e força política. Com a realidade brasileira de um país não desenvolvido, necessário o financiamento dessas organizações sociais consumeristas para deterem de poderes semelhantes aos poderes dos sindicatos dos trabalhadores, sendo uma forma resolúvel, mas ainda nascente no campo das ideias: a criação de uma contribuição social.   4 – Contribuição social de proteção ao consumidor – CPCON Com os indícios de uma nova formação sindical consumerista e a comparação com o ocorrido na formação sindical trabalhista talvez estejamos próximos da realidade de o Estado intervir na economia a ponto de custear essas organizações sociais conforme o anseio popular por tal medida se aumente. Nos países desenvolvidos há um certo consenso sobre o papel do Direito do Consumidor, seus objetivos, seus problemas maiores e os seus limites. Isso porque, nesses países, a proteção do consumidor foi, em definitivo, incorporada à realidade social.[58] Diversamente, em países menos desenvolvidos, a proteção do consumidor ainda é um tema novo, desconhecido de muitos, não estando totalmente integrado no cotidiano dos cidadãos, no comportamento empresarial e na legislação na formulação de políticas públicas. Em verdade, direitos elementares dos consumidores, consagrados em outras nações são, em muitos casos, absolutamente ignorados. Esse descaso deixa de ser ironia, pois é exatamente nos países mais pobres que, em face da fragilidade econômica e psicológica dos consumidores, mais se faz necessário o respeito a esses direitos básicos.[59] Isso quer dizer que, apesar dos problemas de consumidor serem semelhantes em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, a maneira de tratamento e os instrumentos e soluções para esses problemas serão necessariamente diferentes. Em resumo, problemas semelhantes, mas inseridos em contextos diversos, podem demandar soluções distintas.[60] Isso se explica porque nesses países menos desenvolvidos há outras necessidades mais urgentes e imediatas, por isso uma contribuição social para auxiliar o setor privado em suprir a ausência necessária do Estado que visa melhorar outras áreas, tal como saúde, educação, emprego, alimentação, transporte, habitação, dentre outros.[61] Somente com a transformação de ideologia social brasileira para “culturalizar” essa necessidade de proteção ao consumidor; e o tributo é a melhor forma representativa de força estatal para auxiliar na alteração dessa ideologia social e talvez a instituição dessa nova contribuição seja necessária, pelo menos à primeira vista, em uma sociedade de um país em desenvolvimento como o Brasil. Uma contribuição social para preencher um fundo que alimente e mantenha as organizações sociais em prol dos direitos do consumidor é atual para a realidade jurídica em que vivemos diante do surgimento do sindicalismo consumerista. Tal Fundo de recolhimento seria tão importante para o consumidor quanto para os empresários/empresas. Vejamos o exemplo do setor turístico, altamente atingido pela crise da pandemia do COVID-19 e as quarentenas obrigatórias com consequentes cancelamentos de viagens. Por óbvio os consumidores visam a restituição do montante pago pela viagem cancelada e as empresas visam manter esse dinheiro em caixa. Ora, um fundo para atender emergências poderia suprir ambas as intenções e, ainda, tentar manter a renda dos consumidores/empresa, pelo menos por um período, sem influência da crise. A intervenção estatal com desobrigação de restituição imediato ao consumidor de cancelamento de eventos turísticos não supre o problema econômico e trata-se apenas de uma segurança jurídica sem agradar os dois lados da moeda.[62] Assim, usando como parâmetro os erros e acertos do sindicalismo trabalhista, podemos chegar em uma eficiência na gestão dessa contribuição apesar de características diferentes que possam trazer dificuldades, tal como exemplo a presença do pluralismo sindical consumerista por natureza, já que dificilmente se conseguiria segmentar um consumidor em determinado tipo de produto ou serviço consumido (área segmentada), como ocorre com os sindicatos trabalhistas. Categorizar essas associações a fim de combater abusos específicos de agentes do poder econômico seria um desafio, mas não impossível para iniciar a construção dessa neutralidade do capital, tal como exemplo os consumidores do sistema financeiro ou da construção civil, de forma a trazer maior transparência, respeito à concorrência e suporte aos consumidores hipossuficientes em uma relação mercantil e também ao Estado. Como vimos nos sintomas da sindicalização do consumidor, nada mais justo que tributar os detentores dos poderes econômicos com uma contribuição “sindical”, onde aqui chamamos de Contribuição de Proteção ao Consumidor (CPCON). A contribuição é a mais indicada para tal medida, pois é um tributo vinculado a uma atividade estatal e, mesmo com a presença da chamada Desvinculação das Receitas da União (DRU), a contribuição evita ação discricionária do Executivo com a arrecadação de impostos e imprevisibilidade de repasse de verbas à proteção do consumidor. A fase brasileira da proteção ao consumidor, semelhante ao que ocorreu com o surgimento do sindicalismo trabalhista, depende do setor privado atuante e já existentes, em conjunto com os órgãos públicos também já existentes. Em uma breve comparação, independente das variáveis, com a arrecadação de contribuição sindical trabalhista em 2016 (R$ 557.660.504,25) [63] e a receita em 2016 do CADE (órgão de proteção ao direito concorrencial no país – aproximadamente R$ 26.000.000,00) [64], poderíamos ter a presença aproximada de 21 CADEs, o que demonstra o quanto de benefício social pode ser trazido, obviamente com a gestão do fundo de forma eficiente, com a criação dessa nova contribuição e a efetiva proteção do consumidor. Vê-se que a questão de consumo correspondente a 90% de interesse dos cidadãos em levar a demanda ao judiciário brasileiro[65], o que auxilia na menção dos sintomas da sindicalização e também representa o alto custo indireto causado pelo poder econômico abusivo na estrutura do Estado Brasileiro e seu Judiciário (não é loucura crer que os juizados especiais cíveis tem alta influência na litigiosidade consumerista) devendo um tributo compor essa lacuna aos causadores do custo e restabelecer o equilíbrio do ganho do detentor do poder econômico com o valor social de sua atividade. O artigo visa informar que uma nova tributação poderá surgir diante da desigualdade que ocorre em uma relação de consumo, na qual o consumidor sequer sabe o quanto é afetado por regras anticoncorrenciais e abusivas. Isso se justifica porque “uma tendência estrutural de caráter antissocial requer, para ser modificada, uma deliberada ação política”.[66] Para tal obscuridade que o Estado deve atuar para demonstrar à sociedade a conduta correta para garantir a paz social, mas vemos que, na prática, o Estado isolado não é eficiente, sendo necessária a complementação desse combate pelo setor privado, mas, em um país em desenvolvimento, necessária a participação de custeio do Estado nas organizações sociais.   4.1 – Breves considerações sobre a regra-matriz de incidência e a destinação da arrecadação da CPCON                       Como início das discussões, obviamente que tal contribuição será objeto de muito estudo e críticas, bem como a forma de destinação aos sindicatos consumeristas, porém, tenta-se abordar algumas breves considerações sobre tal tributo, que pode estar próximo em nossa sociedade. A primeira característica positiva é que as contribuições têm destinação própria e vinculada e são mais fáceis de administração e transparência no mau uso. Dedução na base de cálculo do imposto de renda (IR) e isenção para micro e pequenas empresas seria um caminho, mas alterações legislativas deveriam ser feitas e o pacto federativo, ameaçado com a diminuição do repasse de IR aos fundos de participação estaduais e municipais, poderia ser um empecilho para tal medida. Se a CPCON pudesse ser repassada ao preço da mercadoria ou serviço não seria o ideal, pois iria onerar ainda mais o consumidor e prejudicar os bons empresários, porém, uma ideia seria utilizar o mecanismo da nota fiscal paulista (lei paulista nº 12.685/2007) [67], criando inúmeros fiscais sem qualquer custo (cidadãos), que poderiam utilizar o recolhimento da CPCON como créditos ou restituição de valores. Cautela nunca será de menos na construção da destinação arrecadatória de tal contribuição, pois, como exemplo, desde que a intervenção do Estado da associação sindical trabalhista foi banida pela CF/88, o número de fundações sindicais mais do que dobrou (de 7 mil para 17 mil) [68], o que revela a necessária participação do Estado no setor privado para que não ocorra desvios de finalidade tão somente para angariar verbas compulsórias sem qualquer benefício ao consumidor. O que também se deve atentar é a diretriz internacional já informada anteriormente referente à Resolução da ONU 248/85, visando que as normas não se transformem em barreiras comerciais.[69],[70] Com vista à cooperação nacional e mantendo a diplomacia entre países para justificar a criação de tal contribuição sem afetar o comércio internacional devemos nos atentar também aos estudos da International Law Association (ILA), que, dentre vários princípios, tem como um deles o princípio da participação dos grupos e associações de consumidores na participação ativa na elaboração e na regulação da proteção do consumidor.[71] No Brasil, dificilmente terá muito impacto a adoção de mais uma medida burocrática em recolhimento de tributo, pois, infelizmente, o empresariado já está acostumado. A complexidade fiscal brasileira já está enraizada nas empresas que seriam alvo dessa contribuição. Ademais, uma empresa que já detém de suporte para o ICMS, por exemplo, não terá nenhuma dificuldade para inserir em sua contabilidade um recolhimento de contribuição social. Para o empresariado, isso visaria a própria proteção da concorrência e igualdade entre os agentes econômicos. Possivelmente aumentaria a aceitação social e um retorno mais eficiente para a sociedade com o encaminhamento direto dessa arrecadação para os órgãos de proteção ao consumidor, seja de forma direta ou indireta, tais como o CADE, Procon, ONGs ou instituições que protegem o direito do consumidor. Para tal efetividade não se sugere a criação de um Fundo tal como mencionado anteriormente, já que este fundo já existe, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) vinculado ao Ministério da Justiça, fundo este que deverá ter uma concentração de riquezas fora do âmbito orçamentário garantindo melhor gestão e flexibilidade no uso. Tal Fundo, criado pela lei nº 7347/85 tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos, mas também poderia ser utilizado para prevenção de danos e a prevenção, efetivada pela fiscalização, é mais eficiente se feita pelo setor privado, ou seja, os sindicatos consumeristas. Ora, na atual pandemia que se vive, a gestão desse fundo e o repasse dos valores aos consumidores que pagaram viagens/eventos/hospedagens cancelados sustentaria tanto as empresas quanto os próprios consumidores. A prática dessa disponibilização já pode ser exemplificada com o mesmo direcionamento de valores do FGTS à população,[72] demonstrando a viabilidade prática desse apontamento. Uma ideia para a destinação da verba desse fundo aos sindicatos consumeristas poderia ser distribuída com base em números de associados e obrigar preenchimento de certos requisitos de atuação do sindicato, de forma a gerar maior verba a quem representa maior número de consumidores, mesmo que sejam do mesmo perfil, já que, conforme dito, diferente da sindicalização trabalhista, o sindicato consumerista já nasce de forma pluralista, podendo ter diversos representantes de diferentes tipos de consumidor concomitantemente. Em uma visão constitucional, conforme artigo 149 da Constituição Federal de 1988, a União pode criar novas contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e estaria aí a fundamentação constitucional para a criação da referida CPCON.[73]   Considerações finais             Como visto, a movimentação social sempre surge diante da presença de um abuso econômico dos exploradores, seja de mão-de-obra, seja do capital. Com o breve histórico e dados trazidos do sindicalismo do trabalhador no país, podemos verificar que se constrói uma nova organização social em prol dos explorados, desta vez para o consumidor, com vista a combater os abusos, semelhante ao que ocorreu na representatividade dos sindicatos dos trabalhadores. Em razão de a economia estar globalizada, essa organização social cada vez mais detém de um caráter internacional que se comunica com a divulgação de dados de diferentes associações internacionais a fim de promover o bem-estar social em uma sociedade de livre mercado, mas que respeite a concorrência leal. Tal globalização gera a iniciativa de proteção às organizações sociais consumeristas pelos Estados, pois as atividades produtivas se fragmentam no mundo acatando seletivamente as distintas legislações nacionais e concentrando investimentos nos países mais favoráveis ao seu lucro. Em um país em desenvolvimento como o Brasil, dificilmente se consegue adotar as mesmas medidas de proteção de consumidores dos países desenvolvidos, devendo tomar medidas que sejam eficientes para igualar o nível de proteção ao consumidor e a concorrência dos países desenvolvidos, trazendo uma estabilidade nesse setor e maior interesse de investimentos. Atualmente, o modelo sindical trabalhista é discutível, principalmente com a efetividade das medidas representativas dos sindicatos, porém, é imperioso observar a importância desses movimentos sindicais na história pela luta de vários direitos trabalhistas, o que torna a impossibilidade de desvinculação da atividade sindical em uma estratégia de desenvolvimento social. A identificação desse movimento enraizado na sociedade é representada pela interpretação atual do próprio STF (RE 1.018.459 em sede de repetitivo e ADIN 6363) e legislativo (extinção da contribuição compulsória – Lei 13467/2017), o que demonstra que não é mais necessária tanta proteção politizada desses, haja vista a institucionalização desse sentimento de proteção necessária ao trabalhador. A própria justiça do trabalho, respeitando opiniões em contrário, faz bem, atualmente, o papel de proteção do trabalhador melhor que o sindicato. Talvez essa sindicalização do consumidor também entre em decadência, mas hoje é necessária como uma neutralidade contra o abuso do poder econômico e de forma a incentivar investimentos em um mercado que se tornaria igualitário. Uma das principais abordagens no artigo é relevar a independência dos sindicatos do setor privado e do setor público, o que demonstra a inviabilidade de entidades que fiquem na dependência de doações do empresariado ou de interesses políticos, geralmente conectados com os detentores do poder econômico aos quais justamente essas organizações sociais visam combater a abusividade, sendo necessária a imposição de uma medida que torne esses sindicatos independentes e autônomos. A criação da CPCON de forma a dar maior arrecadação ao Fundo de Direitos Difusos e promover a força política necessária a esses sindicatos consumeristas será de grande avanço à sociedade brasileira, atentando ao fato de ser temporária, ou seja, limite temporal de se enraizar socialmente essa necessidade de proteção ao consumidor. Observando várias medidas políticas ao decorrer da história, vemos que a grande maioria das providências que perduram no tempo por longo período acabam por perderem seu objetivo ou alteram a sua finalidade. Assim, a sindicalização do consumidor com o auxílio de políticas obrigatórias de custeio do Estado é uma necessidade atual, mas não se pode descartar sua possível desnecessidade no futuro diante de uma atualização de ideologia social em relação ao consumidor, o que revelaria, pelo lado positivo disso, um desenvolvimento social, por isso, eventual contribuição criada para custear tal feito, deve ser temporária e eficiente no período necessário e não se eternizar.
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Fronteiras do Princípio da Capacidade Contributiva
O artigo tem como objeto de estudo os limites do princípio da capacidade contributiva. A metodologia adotada abrange revisão bibliográfica da doutrina constitucional e tributária acerca dos princípios da igualdade, capacidade contributiva, mínimo existencial e do não confisco e a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O artigo compreende três tópicos, que envolvem abordagem da evolução histórica do princípio da capacidade contributiva, a sua conjugação com o princípio da igualdade e um estudo de suas limitações, mínimo existencial e confisco, abordando ainda os seus conceitos e os desafios de delimitação, efetivação e controle jurisdicional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O princípio da capacidade contributiva, inspirado no ideal de justiça distributiva, é decorrente do princípio da igualdade, possui assentamento constitucional e está limitado pelo mínimo existencial e confisco. Nessa perspectiva, o estudo do mínimo existencial e confisco, como limitações da capacidade contributiva, parte da necessidade não apenas de se estabelecerem limites mais explícitos e estáveis de demarcação do poder de tributar, mas, sobretudo, de se assegurar a efetivação dos direitos e valores plasmados no texto constitucional. O tema é atual, dado o crescente aumento da carga tributária em nosso país para fazer frente às necessidades públicas cada vez mais complexas e diversificadas. Nesse sentido, a opção metodológica adotada para a elaboração do presente artigo parte de revisão bibliográfica da doutrina constitucional e tributária acerca dos princípios da igualdade, capacidade contributiva, mínimo existencial e do não-confisco, conjugada com a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, o trabalho está dividido em três tópicos: primeiro, uma abordagem da evolução histórica do princípio da capacidade contributiva; em um segundo momento, a conjugação deste com o princípio da igualdade; e, por fim, um estudo de suas limitações, mínimo existencial e confisco, versando sobre os seus conceitos e os desafios de delimitação, efetivação e controle jurisdicional.   1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA O princípio da capacidade contributiva está pautado no ideal de justiça distributiva, com a equitativa distribuição de encargos entre os contribuintes para a manutenção do Estado, viabilizando a realização das funções que lhe são afetas. Gregório (2011), fazendo uma digressão histórica do instituto e tomando por base os estudos de Valentin Jones, informa que a Civilização Egípcia passou a praticar a tributação segundo a riqueza disponível com a ascensão ao trono de Thutmosis III em 1483 a.C. Respaldado nos estudos de Emilio Giardina, Becker (2013) afirma que o princípio da capacidade contributiva tem a sua gênese no ideal de justiça distributiva construído pelos filósofos gregos, reaparecendo na filosofia escolástica, com a recomposição do sistema aristotélico. Todavia, foi com a passagem do patrimonialismo para o capitalismo que, segundo Gregório (2011), o princípio da capacidade contributiva se alicerçou como verdadeiro postulado para a tributação. Neste sentido, Baleeiro (2010) afirma que o princípio da capacidade contributiva adveio da doutrina de Von Iusti, sendo depois difundida na obra A Riqueza das Nações, de 1776, por Adam Smith. A relevante contribuição prestada pela referida obra é assinalada por Costa (2012, p.18), em que cita Adam Smith, o qual sustenta que a justiça na imposição fiscal só pode existir se a obrigação de contribuir para o custeio da despesa pública guardar relação com os haveres dos contribuintes, nisso residindo a “igualdade ou desigualdade da tributação”. No entanto, o princípio da capacidade contributiva veio a ser positivado apenas na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 13, com a seguinte redação: “Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades”. Sob a influência da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, vários países introduziram em suas Constituições o princípio da capacidade contributiva, passando este a constar na Constituição de Weimar, com a seguinte redação em seu artigo 134: “todos os cidadãos, sem distinção, contribuirão na proporção de seus próprios meios a todos os ônus públicos, em conformidade à lei”. No Brasil, o princípio da capacidade contributiva constou expressamente na nossa primeira Constituição imperial de 24 de março de 1824, que consignava em seu artigo 179, inciso XV, que “ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado na proporção de seus haveres”. As Constituições seguintes de 1891, 1934 e 1937 não trouxeram igual disposição, silenciando-se acerca do presente princípio, o qual voltou a vir expresso no texto constitucional de 1946, por influência de Baleeiro, no artigo 202, com a seguinte redação: “Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Os textos constitucionais posteriores a 1946 não trataram expressamente do princípio da capacidade contributiva, que voltou ao texto constitucional na Constituição Federal de 1988, no art. 145, § 1°.   2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE Os princípios são vetores de direção das demais normas que compõem o nosso sistema jurídico e devem coexistir sem que se possa falar em sobreposição de um em relação a outro. Contudo, o postulado da igualdade, independentemente das menções expressas no texto constitucional a indicar a sua relevância, é um dos maiores princípios a compor e orientar o nosso sistema jurídico, pois está a assegurar política democrática. O princípio da igualdade, segundo Sarlet (2015), encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, tendo a Declaração Universal da ONU consignado expressamente que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Campos (1956 apud Mello, 2015) defende que o primeiro destinatário do aludido princípio é o legislador e, consequentemente, a legislação, sendo que os critérios de política legislativa, ainda que discricionários, têm como limitação fundamental o princípio da igualdade. Consagrado direito fundamental de primeira geração, o princípio da igualdade recebeu expressa menção no artigo 5°, “caput” da Carta Magna ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Somam-se a essa previsão várias outras passagens no texto constitucional a reforçar a adoção e importância do princípio da igualdade, dentre as quais destacamos o preâmbulo, que elenca a igualdade como valor supremo de nossa sociedade e, na área tributária, a positivação do princípio no art. 150, II, ao vedar tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Ainda no texto constitucional, encontramos como desdobramento do princípio da igualdade o princípio da capacidade contributiva, o qual, segundo Carrazza (2015), auxilia na realização dos ideais republicanos. O princípio da capacidade contributiva reforça o ideal do justo distributivo na seara tributária. A necessidade de se distribuir o ônus tributário, ou melhor, as despesas do Estado, entre os seus cidadãos, de forma isonômica, é um ideal, postulado da tributação, mesmo antes de qualquer menção expressa em diploma normativo. Carvalho (2015) afirma que, mesmo se a Constituição Federal de 1988 não tivesse consignado expressamente o princípio da capacidade contributiva, a exemplo da Constituição Federal de 1967, este seria extraído das dobras do princípio da igualdade. O mesmo autor entende que toda a atividade legislativa deve estar condicionada ao princípio da igualdade, e o seu emprego na seara tributária só se viabiliza quando se considera a capacidade contributiva daquele que vai arcar com o gravame fiscal (Carvalho, 2015). Nesse sentido, Borges (2003, p. 59) consigna que os indivíduos são “naturalmente desiguais, tanto física como intelectual e economicamente. Essas desigualdades devem ser respeitadas, pois é exatamente em razão delas que se impõe o princípio da igualdade perante a lei.” O respeito à desigualdade econômica se dá com a adoção do princípio da capacidade contributiva, o qual está baseado na lição aristotélica do justo distributivo, endossada pela célebre frase de Rui Barbosa (1997, p. 26) em sua Oração aos Moços: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”. No entanto, Mello (2015) aduz que essa notória lição aristotélica é insuficiente, pois dela surgem as seguintes perguntas: Quem são os iguais e os desiguais? Qual o critério de distinção legitimamente manipulável? Neste mesmo sentido, Paula Junior (2012) observa que é no momento da implementação do princípio da igualdade que se encontram as dificuldades e divergências. Mello (2015) afirma que a compatibilidade das discriminações é aceitável, compatível com o princípio da igualdade, quando da existência de uma “correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”, devendo tal correlação ser compatível com os interesses tutelados na lei maior. No campo tributário, Ávila (2015, p. 200) afirma que a igualdade é garantida quando a lei tem um conteúdo isonômico, diferenciando contribuintes “por meio de fundadas e conjugadas medidas de comparação, atreladas a finalidades constitucionalmente postas.” A necessária complementação do princípio da igualdade na seara tributária, conforme ensinamento de Carrazza (2015), realiza-se pelo princípio da capacidade contributiva. O aludido princípio refere-se, na lição de Silva (2015, p.223), “à repartição do ônus fiscal de forma mais justa possível”, com a adoção, pela Constituição Federal, da teoria objetiva, com a distribuição da carga tributária com base na capacidade econômica do contribuinte. Carvalho (2015) informa que o emprego do princípio da igualdade somente se viabiliza na medida em que é considerada a capacidade de contribuir daquele que irá arcar com a exação fiscal. Portanto, o legislador deve ater-se à procura de fatos que demonstrem signos presuntivos de riqueza, uma vez que apenas desta maneira a carga tributária poderá ser distribuída de maneira uniforme. Assim, a aferição da existência de justificativa racional para a outorga de tratamento jurídico diferenciado se extrai, na seara tributária, dos fatos presuntivos de renda ou riqueza, para fins de se distribuir a carga tributária de maneira equitativa.   3 LIMITES AO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O princípio da capacidade contributiva tem dicção expressa no texto constitucional no art. 145, § 1º, com a seguinte redação: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte […]”. Costa (2012, p. 112) o define como “a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário para suportar a carga tributária, numa obrigação cujo objeto é o pagamento do imposto, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação”. O referido princípio, na lição de Dutra (2012, p. 288), “tem como fundamentos axiológicos o sobreprincípio da justiça e o princípio da isonomia”. Carrazza (2015) aduz que a capacidade contributiva deve ser entendida como a colaboração de cada indivíduo para as despesas do Estado, de acordo com a sua possibilidade, não sendo qualquer manifestação de riqueza apta a este propósito. Segundo o entendimento de Valadão (2000, p. 246), o referido dispositivo “direciona a instituição e regulamentação das modalidades tributárias”. A competência para a instituição e regulamentação das modalidades tributárias está jungida a um rol de comportamentos que devem denotar a capacidade contributiva do sujeito passivo da relação tributária, para que a esta possa ser atribuída legitimidade de exigir compulsoriamente a colaboração pecuniária para a manutenção do Estado. A capacidade contributiva pode ser dividida em dois conceitos: capacidade contributiva objetiva e capacidade contributiva subjetiva. A capacidade contributiva objetiva ou absoluta volta-se para fatos que constituam, por si, manifestação de riqueza, ou seja, de eventos a serem selecionados pelo legislador, por se tratar de eleição de cunho político concernente ao potencial de contribuir para o custeio das despesas públicas. A capacidade contributiva subjetiva ou relativa, por sua vez, é aquela que, ao invés de analisar a capacidade sob o ângulo de determinado evento, volta-se para o sujeito passivo, a fim de verificar o seu grau de aptidão para contribuir com o custeio das despesas públicas. Assim, enquanto a capacidade contributiva objetiva constitui fundamento jurídico da exação e diretriz da definição de sua hipótese de incidência, a capacidade contributiva subjetiva apresenta-se como critério de graduação dessa exação e, ao mesmo tempo, como instrumento de limitação. O legislador deve escolher situações que apresentem conteúdo econômico, sendo que os impostos, quando ajustados ao referido princípio, permitem aos cidadãos cumprirem seu dever de solidariedade política, econômica e social (Carrazza, 2015). O ajuste ao princípio da capacidade contributiva passa por limitadores externos, de observância cogente, os quais são o mínimo existencial, em uma das extremidades, e o confisco, na extremidade diametralmente oposta. Nesse sentido, Torres (1995, p. 138) afirma que “a capacidade contributiva começa além do mínimo necessário à existência humana digna e termina além do limite destruidor da propriedade.” O mínimo existencial empresta imunidade à incidência da norma tributária em virtude da ausência de signo presuntivo de renda ou riqueza; por sua vez, o não confisco é um marco limitador da capacidade contributiva com o escopo de evitar o esgotamento da renda ou riqueza, proporcionando o respeito à propriedade privada e a continuidade da tributação para a manutenção e o desenvolvimento do Estado.   3.1 MÍNIMO EXISTENCIAL O mínimo existencial revela-se direito subjetivo, com proteção negativa contra a intervenção estatal e, ao mesmo tempo, com faceta positiva, concernente às prestações estatais. Tratando das facetas positiva e negativa, Sarlet (2015, p. 101) aduz que “se o mínimo existencial é aquilo que o Estado, em todo o caso, deve assegurar positivamente, também é aquilo que o Estado deve respeitar por força de um dever de não intervenção”. Buffon (2009) afirma que a observância do princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligada à garantia do mínimo existencial. Sendo que, para sua concretização, deve-se atribuir máxima eficácia aos direitos sociais de cunho prestacional, que tenham aptidão de assegurar condições mínimas para uma existência digna. De outro lado, é proibido ao Estado cobrar exações que possam atingir o mínimo vital a uma existência digna. Essa segunda dimensão é chamada de status negativus, a qual, na lição de Torres (PONTES DE MIRANDA, 1987; DÜRIG, 1987 apud Torres, 1990, p. 69), “se afirma principalmente no campo tributário, através de imunidades fiscais: o poder de imposição do Estado não pode invadir a esfera da liberdade mínima do cidadão representada pelo mínimo existencial”. O mínimo existencial decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana e, por impedir a tributação, outorgando direito subjetivo a um conjunto de pessoas, deve ser entendido por imunidade. Ressalvamos que essa visão se distancia do posicionamento puramente positivista das imunidades adotado por parte da doutrina. (Cf., entre outros, Carrazza, 2015, e Carvalho, 2015). Para essa corrente doutrinária, as imunidades têm de ter assento constitucional, vale dizer, devem vir de forma expressa no texto constitucional, sendo esta a diferenciação em relação às isenções que, por sua vez, possuem assento em norma infraconstitucional. Por outro lado, Costa (2012) aduz que as imunidades, além de serem extraíveis em norma expressa do texto constitucional, também podem ser retiradas de princípios albergados constitucionalmente que outorgam direitos públicos a determinadas pessoas de não se submeterem à tributação. Essa visão mais ampliativa das imunidades nos parece ser a interpretação mais adequada para a devida observância do princípio da dignidade da pessoa humana, tornando imune da incidência da norma tributária o mínimo existencial. A imunidade do mínimo existencial, como limitação ao poder de tributar, é a que nos interessa tratar para efeito de limite externo do princípio da capacidade contributiva. Costa (2012), com esteio na lição de Sainz de Bujanda (1963), aponta para a impossibilidade de separar o mínimo existencial do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a existência deste só é possível quando há riqueza acima do mínimo vital. Buffon (2009, p. 181) preleciona que: “[…] em qualquer modelo estatal – e no Estado Social principalmente – é inadmissível que o cidadão desprovido de capacidade para prover o seu próprio sustento seja compelido a contribuir para o Estado, especialmente quando este lhe sonega aquilo de mais básico que prometeu prover (saúde, educação, segurança, habitação, salário digno, etc.).”   A intributabilidade do mínimo existencial está baseada na dimensão fraternal de se construir uma sociedade solidária, na qual contribuam para a consecução de seus objetivos apenas aqueles que demonstrem ter capacidade contributiva, não se exigindo, dos que não a possuem, o sacrifício do mínimo existencial. À vista disso sustenta Falcão (2013, p. 113) que: “[…] A perspectiva de uma relativa primazia dos ideais de solidariedade foi confirmada, embora de forma paradoxal em razão de suas convicções, por Adam Smith: “nenhuma sociedade, na qual uma parte de seus membros é pobre e miserável, não pode prosperar e ser feliz”. Como tratado anteriormente, essa foi a lógica adotada por Bismarck na consagração dos valores do socialismo de cátedra alemão. O chanceler da unificação pregou que nenhuma sociedade poderia se desenvolver com parte de seus integrantes vivendo na precariedade.”   O que se busca do mínimo existencial, em última análise, é uma solidariedade na qual indivíduos de uma mesma sociedade que tenham capacidade tributária amparem aqueles que não a têm, arcando com as despesas para a manutenção e desenvolvimento do Estado. A fixação do mínimo existencial, conforme lição de Costa (2012, p. 74), há de variar conforme a conceituação de “necessidades básicas”, mudando, pois, seu entendimento segundo os aspectos temporal e espacial. A extensão normativa do mínimo existencial deve estar amparada nas condicionantes sociais, políticas e econômicas existentes no momento de sua análise. A interpretação adequada, segundo Hesse (1991, p. 22-23) “é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”. A Constituição Federal de 1946 delineava a intributabilidade do mínimo existencial, ao constar a seguinte redação no seu artigo 15, § 1º: “são isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável a habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica”. Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe em seu art. 25, 1, o que segue: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”   Na Constituição Federal de 1988, no que pese não existir dicção expressa acerca da intributabilidade do mínimo existencial, a vedação se extrai do modelo social adotado e do conjunto de normas e princípios integrantes do nosso ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, Torres (1995, p. 127) ensina que na ausência de previsão expressa no texto constitucional, o mínimo existencial deve ser procurado “na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão”. Torres (1995, p. 132) complementa o seu entendimento com a constatação de que o mínimo existencial também está implícito “na proclamação do respeito à dignidade humana, na cláusula do Estado Social de Direito e em inúmeras outras classificações constitucionais ligadas aos direitos fundamentais”. A referida procura pelo mínimo existencial no texto constitucional já apresenta resultado no seu preâmbulo, o qual consagra diversos valores supremos, dentre os quais a liberdade, a segurança, o bem-estar e a justiça, não cabendo ao Estado tributar o patrimônio indispensável à consecução destes objetivos (Carrazza, 2015). Prosseguindo a leitura do texto constitucional, no primeiro artigo está plasmada como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, sobre a qual se ancora o mínimo existencial. A dignidade da pessoa humana, segundo Pezzi (2011), dá contornos ao núcleo essencial do direito, emprestando imunidade contra o agir estatal e sendo de extrema valia para a seara do direito tributário. Por sua vez, o art. 3º da Constituição Federal, ao determinar que o Estado deve intervir com o escopo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, também empresta fundamento à intributabilidade do mínimo existencial como meio de alcançar esse objetivo e implementar a igualdade em seu aspecto substancial. O parâmetro para estabelecer o mínimo existencial também é encontrado no texto constitucional, o qual, no seu art. 7º, IV, ao tratar do salário mínimo, dispõe que este deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do cidadão e de sua família “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, sendo este mais extensivo do que o da Constituição de 1946, em seu art. 15 § 1º. O supracitado parâmetro também é encontrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se extrai da leitura dos julgados da ADInMC 2.010 – DF, DJ 12.04.2002 e ADIn-MC-QO 2.551-1 – DF, DJe 15/04/2011, ambos sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, e do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.185.474-SC, sob a relatoria do Ministro Humberto Martins. Em relação ao último julgado, o Superior Tribunal de Justiça deixa claro que o mínimo existencial não pode ser entendido apenas como o mínimo para a sobrevivência, tendo conteúdo muito mais abrangente, para incluir condições socioculturais, com o escopo de assegurar inserção social mínima. Para a quantificação do mínimo existencial, Zilveti (2004) propõe a realização de  censo demográfico e social com o escopo de subsidiar o legislador a apurar os custos com as necessidades básicas, as elencadas no art. 7º, IV, para o indivíduo e sua família, em diferentes regiões do país. A proposta do autor é inspirada na quantificação de mínimo existencial utilizada pela Suíça, país com extensão territorial de 41.285 km², correspondente ao Estado do Rio de Janeiro (43.696 km²), onde, em determinados locais, o mínimo existencial chega a ser quase o dobro do que o de outras localidades do mesmo país. Perfilhamos do mesmo entendimento, sobretudo em um país de dimensões continentais e com tantas diferenças regionais. Ademais, a realização de pesquisa para se apurar o mínimo existencial regionalizado não parece ser tarefa que ensejaria maiores dificuldades e auxiliaria na construção de uma faixa de isenção, sobretudo do imposto de renda, mais próxima da realidade local. No âmbito do Poder Judiciário, questão das mais interessantes é a aplicabilidade do princípio da intributabilidade do mínimo existencial. Becker (2013, p. 523) afirma que “o juiz pode declarar a inconstitucionalidade da lei tributária exclusivamente sob o ângulo do legislador ordinário e nunca sob o ângulo de um determinado indivíduo que realizou a hipótese de incidência no caso singular”. Becker (2013, p. 524) fundamenta o seu posicionamento pela inadmissão de o juiz deixar de aplicar a lei tributária em cada caso concreto singular, pois, assim agindo, resultaria em “perda da certeza e praticabilidade do direito; desconhecimento que a regra jurídica deforma a realidade e lhe imprime determinismo artificial; substituição do direito pela moral; confundir validade e justiça da regra jurídica e inversão de toda a fenomologia jurídica”. Defende posicionamento diametralmente oposto Costa (2012, p. 114), ao consignar a viabilidade de, no caso concreto, se apurar a inconstitucionalidade de determinada imposição tributária, devendo o magistrado, “diante de uma situação em que constatar a ausência de capacidade contributiva relativa ou subjetiva ou o excesso de carga fiscal sobre determinado sujeito, negar efeitos à lei impugnada in casu.” Corroboramos com o posicionamento quanto à viabilidade de o magistrado, no caso concreto, reconhecer a ofensa ao mínimo existencial, afastando a incidência da norma tributária em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição. O princípio da inafastabilidade da jurisdição não se resume à representatividade de direitos junto ao Poder Judiciário, mas à efetivação substancial desses direitos, vale dizer, a exequibilidade do direito vindicado. A própria noção de neoconstitucionalismo desenvolvida a partir do presente século se afasta da visão de um texto constitucional atrelado à concepção de mero limitador do Poder Público, para dirigir-se à eficácia da Constituição, tomado este como instrumento efetivo de concretização dos direitos fundamentais. Excluir a possibilidade de proteção ao mínimo existencial pela via judicial de um indivíduo que realizou a hipótese de incidência no caso singular constitui ofensa grave e frontal ao direito fundamental do acesso à justiça e uma negativa à efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, III da vigente Constituição Federal. Os Poderes Públicos, de todas as esferas, estão vinculados às normas constitucionais. A impossibilidade de o magistrado analisar ofensa ao mínimo existencial no caso concreto olvida a legitimidade do Poder Judiciário em controlar os atos e omissões dos Poderes Públicos e fere o próprio princípio da supremacia da Constituição, ao negar proteção a um direito inspirado diretamente na dignidade da pessoa humana, negando sua fundamentalidade. Cumpre registrar, por necessário, que, quando o magistrado afasta, no caso concreto, a incidência de norma tributária com efeito confiscatório, ele o faz sem que igual vedação seja discutida na doutrina. São dois lados da mesma moeda, dois limites externos de um mesmo princípio, que merecem igual apreciação por parte do Poder Judiciário. Entendemos que mecanismos processuais plurais são previstos pelo novo Código de Processo Civil para contornar eventuais instabilidades ocasionadas por decisões que venham a afastar a incidência de normas tributárias no caso concreto. Os precedentes vinculantes e mesmo os não vinculantes (persuasivos ou argumentativos) podem e devem ser utilizados para mitigar a liberdade de atuação jurisdicional no afastamento de normas tributárias em casos concretos, na hipótese de sua incidência sobre o mínimo existencial. A referida técnica, base do sistema jurídico anglo-saxônico e adotada com bastante ênfase pelo CPC de 2015, empresta maior uniformidade e previsibilidade às decisões judiciais e, por consequência, segurança jurídica. O controle jurisdicional do princípio da intributabilidade do mínimo existencial em casos concretos se coaduna com o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição, onde se extrai de forma expressa do texto constitucional que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ficar excluída da apreciação do Poder Judiciário, sobretudo quando a lesão ou ameaça se volta contra o princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Necessário pontuar, igualmente, que a referida decisão judicial será passível de recurso e deverá respeitar as exigências de contraditório prévio e de fundamentação analítica, nos moldes do art. 927, § 1º do CPC/2015. Por outro lado, entendemos não caber ao Poder Judiciário, na ausência de critérios estabelecidos pelo legislador, definir o que seja o mínimo existencial de forma abstrata, agindo como legislador positivo. Nesse sentido, Amaral (2013) faz referência à decisão do 1º Senado da Corte Constitucional Alemã de 09 de fevereiro de 2010 que, ao julgar a inconstitucionalidade da unificação de benefícios sociais sob o fundamento de incompatibilidade com a garantia do mínimo existencial, o benefício básico concedido para adultos e crianças, não estabeleceu novos parâmetros, por entender que é de competência do legislador assim definir o nível mínimo do benefício. A Corte manteve a validade dos dispositivos tidos por inconstitucionais até 31 de dezembro de 2010 para que o Poder Legislativo aprovasse lei substitutiva, ficando esta obrigada, por força da decisão, a informar os métodos, estimativa e cálculos utilizados. À guisa desse entendimento, sustentamos que a estipulação de critérios, de forma abstrata, do mínimo existencial, configura invasão do Poder Judiciário na esfera de competência do Poder Legislativo. No entanto, a despeito de não poder o Poder Judiciário estabelecer critérios abstratos do que seja o mínimo existencial, compete a este verificar se a escolha do legislador da hipótese de incidência tributária recai sobre signo presuntivo de renda ou capital. Neste sentido, Becker (2013, p. 524) sustenta que o magistrado tem a obrigação jurídica de declarar “a inconstitucionalidade da lei tributária se o legislador tiver escolhido para composição de sua hipótese de incidência fatos que não são signos presuntivos de renda ou capital acima do indispensável”. Zilveti (2004, p. 223), por sua vez, entende que: “O direito constitucional do contribuinte deve conter o poder de tributar do Estado, ativamente, por meio de ação, pelo controle difuso de constitucionalidade (mandado de segurança, por exemplo), e pelo controle concentrado (ação direta de inconstitucionalidade – ADIN -, por exemplo). O papel do controle jurisdicional é de reprimir o abuso do legislador tributário que desrespeite o mínimo existencial e, portanto, a capacidade contributiva do cidadão.”   Outrossim, além das circunstâncias sociais e econômicas, o parâmetro do mínimo existencial deve ser estabelecido em relação a cada espécie tributária, levando em consideração, no curso do processo legislativo de elaboração da lei, a finalidade e estrutura da exação. Conclui-se que o mínimo existencial tem fundamento na Constituição e não na lei, estando amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, solidariedade e no objetivo de redução das desigualdades regionais e sociais, resultando na necessidade de efetivação imediata.   3.2 NÃO-CONFISCO O princípio do não confisco atua como instrumento limitador na outra ponta da capacidade contributiva e, ao contrário do mínimo existencial, tem dicção expressa no plano constitucional no artigo 150, IV. A proibição de tributo com efeito confiscatório passou a constar expressamente apenas com a Constituição Federal de 1988. Em todas as Constituições brasileiras anteriores, desde a imperial de 1924, passando pelas de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969, não havia menção expressa de proibição do confisco tributário. Machado (2009) esclarece que a presente norma tem natureza meramente explicitante, pois a vedação de confisco se extrai do próprio direito de propriedade, direito fundamental garantido no art. 5º, XXII da Constituição Federal. Além da necessidade de proteção ao direito fundamental à propriedade, o efeito confiscatório do tributo provoca efeito autofágico, que deve ser combatido, em razão da necessidade de a atividade geradora de recursos se retroalimentar para a contínua e permanente manutenção e desenvolvimento do Estado. A referida proibição dirige-se ao efeito confiscatório do tributo, não podendo este servir de instrumento para o confisco. Contudo, no próprio texto constitucional encontramos dispositivos autorizando a subtração total ou substancial da propriedade, mas sob o viés de pena. Nesse sentido, a perda de bens tem previsão na Constituição Federal em seu artigo 5° XLVI, “b”, mas como sanção penal. Igualmente, o artigo 243 caput prevê a sanção de subtração total da propriedade quando nesta forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou nela ocorra a exploração de trabalho escravo. O mesmo artigo 243, em seu parágrafo único, também por força da Emenda Constitucional nº 81/2014, passou a estabelecer o confisco de todo bem que tenha valor econômico decorrente do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração do trabalho escravo. Reforçamos que as três possibilidades tratadas distinguem-se da proibição do artigo 150, IV, pois são decorrentes de ato ilícito, enquanto o tributo, conforme se depreende da sua própria conceituação no artigo 3º do Código Tributário Nacional, não constitui sanção por ato ilícito. Costa (2012, p. 83) define confisco como “a absorção total ou substancial da propriedade privada, pelo Poder Público, sem a correspondente indenização”. Contudo, no que pese a conceituação do presente instituto não apresentar grandes celeumas ou diferenciações por parte da doutrina, a sua delimitação é tormentosa. Delimitar com precisão este instituto é uma tarefa que gera grandes dificuldades na seara tributária, não existindo critério predeterminado a apontar o que seja confiscatório. Dutra (2010, p. 113) consigna que “situações absurdas são facilmente perceptíveis, e quanto a estas não existe discussão. Todavia, o grande problema reside nas situações intermediárias.” A delimitação do que venha a ser ou não confiscatório é, na lição de Baleeiro (2010, p.903), um problema econômico facilmente percebido com diversos exemplos em que a tributação progressiva pode chegar próxima dos 100% da renda sem que, com isso, possamos afirmar ser ela confiscatória. Exemplo clássico para ilustrar a situação é a elevadíssima alíquota do IPI sobre o cigarro, sem que com isso possamos falar em efeito confiscatório. No presente caso registra-se o caráter extrafiscal da exação, com o escopo de desestimular o consumo e mitigar as despesas, na área da saúde, geradas com o seu consumo. Não por outro motivo, a explicitação do que venha a ser confisco não é encontrada em nenhuma lei infraconstitucional, nem sequer no Código Tributário Nacional encontramos uma única menção à expressão confisco. Neste sentido, preleciona Becho (2009, p. 470): […] o legislador não deve laborar buscando uma definição ou estipulando os limites para o que seja uma tributação que tenha efeitos confiscatórios. O reconhecimento para a tributação confiscatória exige uma análise fática e conjuntural, que é alterada por circunstâncias econômicas, nos moldes que o princípio da capacidade contributiva, bem como por circunstâncias sociais, dependendo do retorno que o Estado dá ao contribuinte e aos demais membros da sociedade, pelos tributos que arrecada.   A tributação extrafiscal é outro elemento a ser considerado para a aferição da razoabilidade e proporcionalidade da tributação em casos concretos. No que pese a extrafiscalidade mitigar a necessidade de observância ao princípio da capacidade contributiva, esta ainda está sujeita aos limites do mínimo existencial e não confisco, mas com contornos próprios à sua natureza. Assim, caberá ao Poder Judiciário, em última análise, verificar se determinada exação é ou não confiscatória, com fundamento nas circunstâncias singulares do caso submetido à apreciação. Valadão (2012), com amparo na lição de Hugo de Brito Machado, informa que os princípios positivados no texto constitucional previnem eventuais tentativas de agressão aos direitos fundamentais, ficando a cargo do Poder Judiciário a análise do caso concreto. O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, tem admitido a discussão do efeito confiscatório do tributo, conforme julgamento da ADIMC 1.075-1/DF, sob a relatoria do Ministro Celso de Melo. Outrossim, a Suprema Corte firmou entendimento na ADInMC 2.010 – DF no sentido de que para análise do efeito confiscatório deve ser considerada toda a carga tributária a incidir sobre determinado patrimônio do contribuinte. Contudo, com o escopo de assegurar a manutenção do pacto federativo, a carga tributária a ser considerada é a de um único ente isoladamente. Desta forma, não se leva em consideração a carga tributária da União, do Estado e do Município em conjunto, mas sim a totalidade da carga tributária de cada um destes entes. A despeito de o art. 150, IV da Constituição Federal referir-se a tributo, o Supremo Tribunal Federal tem estendido esta vedação de efeito confiscatório para a multa. Nesse sentido, na referida ADIMC 1.075-1/DF, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, em sede de medida cautelar, foi reconhecida a ofensa ao princípio do não confisco do art. 3º e seu parágrafo único da Lei nº 8.846/94, que instituiu multa de 300% (trezentos por cento) sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado, pelo descumprimento de obrigação acessória, consubstanciada na não emissão de nota fiscal. Em outra oportunidade, em sede do RE 582.461/SP, DJe de 18/08/2011, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal volta a analisar multa moratória no percentual de 20% (vinte) por cento, sob a luz do princípio do não confisco, mas para dessa vez entender pela ausência de caráter confiscatório, sob o fundamento de que tal percentual está dentro dos limites aceitos pela jurisprudência daquela corte. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 748.257/SE, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, utilizando como precedentes as ADIMC 1.075-1/DF, relatoria do Ministro Celso de Melo; ADI 551/RJ, relatoria do Ministro Ilmar Galvão; RE 657.372 – AgR/RS, relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski; RE 91.707/MG, relatoria do Ministro Moreira Alves; RE 81.550, relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque, entendeu serem abusivas as multas fixadas que superam o percentual de 100% (cem por cento). Interessante pontuar, acerca do tema, que a Constituição Federal de 1934, em seu artigo 184, parágrafo único, estabelecia percentual máximo de 10% (dez por cento) sobre a importância do débito para as multas de mora por falta de pagamento de impostos ou taxas, disposição que não se repetiu nas Constituições posteriores. Acreditamos que a estipulação de patamares máximos, de modo abstrato, construídos pela Constituição de 1934, bem como pelos julgados do Supremo Tribunal Federal, não parecem ser a melhor técnica a ser adotada para as multas de natureza penal tributária. A aplicação da multa deve estar norteada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mas em relação, sempre, a casos concretos, ou melhor, às condutas reputadas ilícitas. A valoração da conduta é que irá nortear o patamar da multa a ser aplicada, podendo o percentual ser de mais de 100% (cem por cento) quando percentual inferior não se mostrar suficiente para o cumprimento da finalidade pedagógica e, sobretudo, inibitória da conduta que se reputa indesejada pelo ordenamento jurídico tributário. O elemento pedagógico-desestimulador inibe o infrator da reiteração do ilícito que ensejou a aplicação da multa, devendo guardar harmonia, não com a vantagem tributária, mas com a intensidade da conduta proibida pelo ordenamento jurídico. Por essa razão, a não emissão de nota fiscal concernente à venda de determinada mercadoria pelo valor de R$ 5,00 (cinco reais) não fornece parâmetro para a fixação da multa, a qual deve levar em consideração a gravidade da conduta em si, sob viés punitivo e suficientemente inibitório da prática de novas condutas. O Ministro Sepúlveda Pertence, por oportunidade da ADIMC 1.075-1/DF, chegou a se manifestar nesse sentido ao diferenciar a multa moratória da típica multa penal, devendo, para esta última, a vantagem tributária decorrente da infração ser menor do que o risco desta, a fim de que o risco não valha a pena ser corrido. Em síntese, esta vedação constitucional dirigida ao legislador em um primeiro momento e ao intérprete e aplicador da norma, ao Poder Judiciário, em um segundo momento, deve ser analisada à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com a perspectiva de que a tributação atinja o seu fim sem comprometer o exercício de direitos individuais e sociais contidos no texto constitucional, garantindo às pessoas existência digna.   CONCLUSÃO O princípio da capacidade contributiva, instrumento segregador de indivíduos conforme o poder econômico, inspirado no ideal de justiça fiscal, encontra previsão expressa na Constituição Federal de 1988. Para a arrecadação de tributos, fonte primordial das receitas públicas, há a necessidade de se delinear a capacidade contributiva, não podendo esta incidir aquém do mínimo, para não incorrer em ofensa ao princípio da intributabilidade do mínimo existencial e, além do máximo, para não resultar confiscatória. A necessidade de estabelecer limites mais explícitos e estáveis de demarcação do poder de tributar é crucial para que se possa garantir a todos os cidadãos que serão tratados igualitariamente. Se o Estado existe em razão do homem, e por isso lhe cabe o dever da prática de ações positivas de gestão dos recursos públicos de forma equitativa e economicamente eficiente, também lhe cabe, por dever da prática de ação negativa, a não tributação do mínimo existencial, para que aquelas ações que buscam a efetivação de direitos sociais não sejam anuladas por esta. A vedação de tributação do patrimônio necessário para a manutenção de uma vida digna constitui importante limitador do princípio da capacidade contributiva e assume relevância e imperiosidade para a construção de um Estado justo e de bem-estar social, capaz de diminuir desigualdades sociais e garantir o seu pleno desenvolvimento econômico. Por outro lado, a tributação confiscatória afronta o direito fundamental de propriedade e atenta para a sobrevivência do próprio Estado Fiscal, esgotando fonte de recursos necessários para o custeio de direitos fundamentais e sociais consignados no texto constitucional. Assim, o incremento do sistema de arrecadação encontra seu limite no ordenamento jurídico pátrio, cabendo ao Poder Judiciário, na análise de casos concretos, prezar pela higidez do sistema e contenção do avanço da carga tributária para fora das fronteiras delineadas pelo mínimo existencial e não confisco.
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A Tributação Verde na Política Tributária do Brasil: Uma Discussão Acerca do Desafio de Associar os Tributos ao Meio Ambiente
O trabalho em mãos estuda e discute os Tributos Verdes, sua aplicação em outros países e os desafios para a implantação no Brasil, haja vista o forte interesse econômico-financeiro que circunda o debate nacional. A prática tributária em análise busca reduzir os danos ao meio ambiente, seja por meio de criação, majoração ou isenção fiscal, o que desperta um amplo canal de resistências, seja no parlamento ou em ambientes empresariais, de onde emergiu o artigo a seguir. Foram utilizados como marco teórico os princípios tributários e a tutela constitucional do meio ambiente e do fisco, bem como o método científico indutivo, em função de que a força das observações empíricas é que sustenta a conclusão, consubstanciada na necessidade de convergir os interesses econômicos e a sustentabilidade ambiental, através do exercício do poder de tributar.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Crescentemente, a preocupação com o meio ambiente vem ganhando destaque na comunidade internacional, sobretudo nos pactos multilaterais firmados pelos países ou até mesmo quando não representada pelo consenso sobre a potencialidade destrutiva da emissão de gases poluentes e outros atores. Como existe uma extensa demanda pelo consumo de bens e serviços, a atividade produtiva, preponderantemente movida por atender a esta procura, preocupa-se mais com aspectos mercadológicos do produto do que com o impacto ambiental obtido desse processo. Em verdade, não está superada a compreensão de que essas consequências são laterais e não pertencentes ao campo prioritário de análise. Acordos de cooperação e outras transações em favor do meio ambiente são consequências do poder de barganha política ou de garantia de aplicação de recomendações de entidades de notabilidade universal, mas não são medida exclusiva para se atingir sustentabilidade ambiental. Prova disso, é que alguns Estados ao redor mundo, por meio do seu poder de império, há certo tempo já enxergam a tributação como um meio de atenuar danos ambientais e atingir índices recomendáveis de proteção ao ecossistema. É o que se entende por tributação verde, método que, se por um lado evidentemente centraliza sua função na proteção ao meio ambiente, de outro enfrenta enorme resistência quanto à sua implantação, inclusive no Brasil, circunstância que impulsiona a discussão instaurada neste artigo. Isso se explica pelo impacto econômico-financeiro que pode ser acarretado a determinadas organizações empresariais e pela dificuldade de se encaixar a espécie ao Sistema Tributário Nacional, já composto por limitações e complexas repartições de competências. Desde 2019, com a tramitação da Reforma Tributária, desejada há tanto tempo – na mesma medida em que é repelida – nota-se uma tendência para que temas como “tributação verde” sejam escanteados, se considerados os obstáculos a que se submeteriam no processo legislativo, tal como ocorre, por exemplo, com a “taxação” das grandes fortunas. Inobstante, a tutela constitucional do meio ambiente não autoriza que seja descartada a possibilidade de se discutir amplamente o tema, cotejando-o com a legislação tributária internacional, de maneira a viabilizar a utilização da tributação verde como ferramenta a serviço da sustentabilidade. Dito isso, o objetivo geral desse artigo, através da metodologia indutiva e com parâmetro no Direito comparado, consiste na identificação das hipóteses de aplicabilidade dos tributos verdes, assim como dos seus desafios político-econômicos, em compatibilidade com as diretrizes constitucionais tributárias e de meio ambiente.   1  TRIBUTAÇÃO VERDE: ASPECTOS GERAIS De início, impõe-se análise de um contexto global que deu ensejo à discussão sobre a implementação de uma legislação tributária que levasse em conta o meio ambiente. O padrão de consumo estabelecido em boa parte do mundo, mesmo quando consideradas as peculiaridades domésticas de cada país, registra um fato em comum, a saber: a necessidade de uma elevada produção de bens e serviços, com vistas a atender uma demanda. Essa procura, aliás, não se atém às limitações geográficas, dado o alto fluxo de importações e exportações. Assim, por exemplo, toda a cadeia produtiva do Brasil tem no horizonte o atendimento de uma demanda para além do nosso território, considerando também os parceiros comerciais que o país possui. Daí se explica – mas não se justifica – uma despreocupação com o impacto ambiental produzido. Com o passar do tempo, o advento e força do movimento ambientalista fizeram com que grandes encontros internacionais fossem efetivados em prol da causa ambiental. Não se pode olvidar, a título de exemplo, da Conferência de Estocolmo em 1972, e da ECO 1992, no Rio de Janeiro, ambas sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas. Outros encontros e conferências foram realizados por iniciativa de outras organizações como a OCDE e OMC, sempre colocando em pauta as medidas que poderiam ser tomadas para proteger o ecossistema, incluindo ações de tributação. Muito antes disso, entretanto, no remoto ano de 1920, o economista Arthur C. Pigou desenhou um imposto decorrente de uma externalidade negativa. Isto é, para cada atividade comercial que gerasse um dano, haveria incidência do tributo, que ficou conhecido como “Pigouvian Tax”, ou no português, “Imposto Pigouviano”. Essa prática, apesar de não ter sido utilizada unicamente com essa finalidade, se encaixa nas definições de tributo verde, porque da produção da indústria, comércio e outros, nota-se uma extremidade benéfica relacionada ao suprimento da demanda, e outra maléfica (negativa), que ofende a natureza. Necessário destacar que em algumas discussões sobre o tema, vê-se falar em impostos verdes. No entanto, o emprego da expressão “tributo” é mais proveitoso, eis que outras modalidades tributárias, fora os impostos, também servem ao meio ambiente. Sem conceituação universal definida, pode-se afirmar que o tributo verde é, pois, a utilização da política tributária para proteger e resguardar o meio ambiente em todas as suas formas, razão de ser da análise que se fará sobre os desafios de sua aplicação. Portanto, a amplitude conceitual pode ser entendida como um ato proposital que permita ao fisco atuar de várias formas, isentando, majorando ou minorando a carga tributária, de forma a sintonizá-la com a progressão social que se tenciona.   1.1       O Tema Sob o Prisma da Constituição da República A Constituição da República de 1988 constituiu uma densa tutela ao meio ambiente, no mesmo grau em que sustenta um sistema tributário complexo. Esse estado é que permite uma interpretação conjugada entre os tributos e o meio ambiente, de modo que será possível concluir que a tributação verde tem na Constituição um suporte. O artigo 225 da Carta dá ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a posição de direito inerente a todos. Vale dizer, é garantido a todo indivíduo o gozo de um meio ambiente protegido. “Constituição – Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” Ao comentar essa definição, Paulo de Bessa Antunes (2004) deixa clara a amplitude da proteção constitucional ao meio ambiente, que inclusive não pode ser mais vista em desatenção ao gênero humano, posto que é bem de uso comum. “Um aspecto que julgamos da maior importância é o fato de que, após a entrada em vigência da Carta de 1988, não se pode mais pensar em tutela ambiental restrita a um único bem. Assim é porque o bem jurídico ambiente é complexo. O meio ambiente é uma totalidade e só assim pode ser compreendido e estudado.” Sobre a quem incumbe a proteção ao meio ambiente, anote-se que a Constituição optou pela competência comum entre Municípios, Estados, Distrito Federal e União, em atenção ao artigo 23 da Lei maior.   “Constituição – Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;” (Grifamos).   Desse modo, todos os entes da federação deverão envidar esforços para a proteção do meio ambiente. À luz do nosso tema, é prudente afirmar que os tributos municipais, estaduais e federais podem ser parte de uma política tributária verde. Há ainda, no Direito Ambiental, um princípio que se aproxima do que se discute. Cuida-se do poluidor pagador, segundo o qual aquele que polui deverá arcar com os custos de sua atividade danosa, para que não se constitua o direito de poluir ou degradar o ecossistema. “É certo que o Direito Ambiental, para cumprir a sua missão de tutela ao interesse público, deverá poder impor medidas antipoluição a instalações já existentes, sob pena de violar-se o princípio poluidor-pagador e perpetuar o direito a poluir.” (MILARÉ, Edis. 2018) Muito embora se trate de uma forma de pagamento que, em primeira análise, não foi pensada dentro de um modelo fiscal, a nosso sentir ela se manifesta também por meio da carga tributária, sem prejuízo de outros encargos financeiros previstos em lei. A semântica vem do mesmo artigo 225, §§ 2º e 3º. “Constituição – Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.   Como o debate da tributação verde trilha um caminho interdisciplinar, as diretrizes constitucionais devem se fundir ao também constitucional princípio da capacidade contributiva, próprio do Direito Tributário, e que preza pela fixação de tributos em observância à capacidade e condição econômica do contribuinte. “Constituição – Artigo 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. A compreensão deste postulado recomenda a precisão da obra do refinado jurista Luciano Amaro (2006), nestes termos reproduzida:   “O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva (inadequada a sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica.”   Veja-se que a redação é clara ao mencionar a relevância da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. E não se trata unicamente de uma aferição quantitativa, sobre quem possui mais ou menos renda. Para além dessa concepção, o princípio nos convida a analisar as características dessa atividade. Em verdade, o princípio da capacidade contributiva autoriza que atividades econômicas possam ser tributadas também conforme o seu grau de lesividade, inclusive ao meio ambiente. Trata-se de um fundamento elementar à tributação verde. Dessa maneira, na discussão da conveniência e adequação dos tributos verdes, a favor da prática são encontrados fundamentos constitucionais em abundância, tanto na seara tributária quanto na ambiental, o que revigora a interdisciplinaridade temática aqui estabelecida.   1.2       Classificação dos Tributos Verdes Quanto à Sua Função Os tributos podem ser classificados de várias formas. Uma delas é quanto à função desempenhada por cada um. Dito de outra forma, põe-se em evidência o fim a ser atingido pelo fisco com aquela cobrança. O poder de tributar, que se diga sempre, é uma expressão da intervenção estatal, seja na economia, na política ou diretamente na vida do contribuinte. Assim, um tributo, mesmo que possua finalidade clássica de arrecadar recursos para os cofres públicos, pode possuir outra intenção, contexto de onde se exprime a classificação dos tributos entre fiscais e extrafiscais. O primeiro modal é de natureza patrimonial, ou seja, busca sempre acrescentar recursos ao Poder Público. Tal motivo se justifica por si só quando observada a alta demanda por serviços públicos, financiados, comumente, pela verba proveniente do contribuinte. Os tributos fiscais existem porque o Estado precisa se viabilizar financeiramente, naquela tônica desenhada pelo contratualismo, em que o soberano administra a sociedade, que por sua vez arca com os custos dessa proteção, que hoje pode ser chamada de gestão, já que mais prolixa. “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.” (Do contrato Social, ROUSSEAU, p.24) Na modalidade extrafiscal, de outro lado, o tributo visa modificar alguma circunstância para além da capitalização, o que se opera para a regulação da balança comercial ou outros setores que sofrem variações consideráveis por meio da política tributária. “Assim, se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde, etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias.” (AMARO, Luciano, 2006. p.89). Evidentemente, quando se ventila a incidência tributária em favor do meio ambiente, há um comportamento que se pretende alterar. A arrecadação não pode ser escanteada, mas como sobredito, o tributo verde pode implicar em isenção ou minoração de tributos, o que rompe com o anseio de acúmulo financeiro, mantendo-se a extrafiscalidade. Muito bem destacou Dejalma de Campos, na clareza de sua obra “Direito Financeiro e Orçamentário”, na linha de que “a extrafiscalidade desenvolve-se não só por intermédio da imposição tributária, como também por isenções, imunidades e incentivos que procuram estimular atividades de interesse público.” (1995, p.62). De novo: se o agente público maneja um tributo verde que abrande o seu peso sobre as atividades ecologicamente viáveis, consequentemente será reduzido o volume da contribuição. Mais sustentabilidade, nesse caso, significa menos dinheiro no bolso do Estado. Por isso o tributo verde deve ser extrafiscal, mas é também por isso que ele encontra duros entraves.   2 TRIBUTOS VERDES NA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL Já se mencionou que organizações internacionais possuem um papel muito importante na instituição de tributos ambientais. De algumas conferências nasceram acordos e iniciativas convidativas ao meio ambiente, em que pese a timidez da adesão. As informações atuais dão conta de que a Europa é quem mais segue esse sistema de tributos. Segundo estudos realizados pela Câmara dos Deputados do Brasil em 2015 (referenciados na OCDE), a Finlândia protagonizou o primeiro caso de tributação sobre a introdução de carbono (CO²) em combustíveis fósseis, o que lhe rendeu a quantia de 500 (quinhentos) milhões de euros no ano de 2010. A Suécia colheu os mesmos frutos ainda em 2009, ao tributar o carbono e outros agentes. Naquele país, havia uma insatisfação sobre a tributação da renda, que veio a ser reduzida após a expressiva quantia arrecadada pela tributação ambiental (500 milhões de euros). No mesmo caminho seguiu a Dinamarca, que atenuou a carga tributária sobre as energias renováveis. Os alemães decidiram tributar a indústria automobilística, tendo como norte a intensidade e volume da emissão de enxofre. Como resultado, a Alemanha viu crescer seus índices de inovação tecnológica, já que o setor foi forçado a se adequar ao novo modelo, fato que resultou na redução da degradação ambiental que geralmente era provocada. Só que os exemplos ruins também devem servir de lição. Na França, em 2009, instituiu-se uma taxa sobre a emissão de carbono que, em primeiro momento, aliviaria a carga tributária em outros setores. Ocorre que o rol de isenções ao novo tributo foi tão extenso, que 93% dos responsáveis pela emissão não iriam contribuir. A Corte Constitucional da França julgou o tributo inconstitucional (SPECK et al., p. 108-109). O Brasil pode, sem dúvidas, procurar nos exemplos acima um guia para ampliar o catálogo de tributos com características similares. Todavia, há de se pensar o campo de incidência com a real degradação provocada e coibir isenções movidas pelo interesse econômico.   3  TRIBUTAÇÃO VERDE NO BRASIL O drama ambiental ganha particularidades quando investigado à ótica do Brasil. Isso porque apresenta-se um paradoxo: o país detém alguns dos maiores espaços de riqueza ambiental a se preservar, e ao mesmo tempo pouco se discute saídas fiscais para a pujante ofensa ao meio ambiente. Em capítulo próprio, já se viu que a Constituição dá margem e até incentivo para a criação de tributos ambientais. Contudo, outros pontos de influência concentram-se no debate, de modo a torná-lo improdutivo, na maioria das vezes. A seguir, serão apurados alguns casos práticos de tributação verde no Brasil, uns sem a finalidade ambiental expressa, outros com distorção fática do objetivo original, mas que são proveitosos à pesquisa proposta.   3.1       Casos de Aplicação Prática O artigo 3º da Lei nº 10.336/2001, ao tratar da CIDE combustíveis, detalha seus fatos geradores, que notavelmente se constituem a partir de atividades nocivas ao meio ambiente, mediante utilização (importação e exportação) dos agentes abaixo colacionados:   “Lei 10.336/2001 – Artigo 3o. A Cide tem como fatos geradores as operações, realizadas pelos contribuintes referidos no art. 2o, de importação e de comercialização no mercado interno de: I – gasolinas e suas correntes; II – diesel e suas correntes; III – querosene de aviação e outros querosenes; IV – óleos combustíveis (fuel-oil); V – gás liqüefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta; e VI – álcool etílico combustível.”   Tem-se, então, um tributo de caráter ambiental, que possui incidência com parâmetro na importação e exportação de vários agentes lesivos ao ecossistema. Entretanto, em termos práticos – e isso importa muito – a contribuição vem sendo utilizada quase que com a finalidade única de controlar os preços de petróleo e outros recursos. Quanto ao produto da arrecadação, melhor sorte não alcança o meio ambiente, que sequer possui verba a ser utilizada a seu favor, haja vista que o recurso arrecadado pela CIDE não está vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, cabendo à Lei Orçamentária dar a destinação em atenção ao disposto a seguir:   “Lei 10.336/2001 – Artigo 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001. I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e III – financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.”   Conclui-se do dispositivo de lei indicado acima, que existe um tributo de característica ambiental, mas que não dá garantias de sua eficácia, tendo em vista a autorização para que os gastos sejam efetivados em outras áreas, o que acaba por se consolidar na prática, embora esteja previsto o fomento de projetos ambientais. Já no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tem-se uma prática mais adequada ao que se defende. A Lei nº 12.375/2010 criou um crédito cujo acesso depende da utilização de resíduos sólidos na industrialização dos produtos. Para além disso, os resíduos precisam ser adquiridos junto à cooperativas de catadores devidamente caracterizadas.   “Lei 12.375/2010 – Artigo 5o  Os estabelecimentos industriais farão jus, até 31 de dezembro de 2018, a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na aquisição de resíduos sólidos utilizados como matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de seus produtos. Art. 6o  O crédito presumido de que trata o art. 5o desta Lei:  I – será utilizado exclusivamente na dedução do IPI incidente nas saídas dos produtos que contenham resíduos sólidos em sua composição;  II – não poderá ser aproveitado se o produto que contenha resíduos sólidos em sua composição sair do estabelecimento industrial com suspensão, isenção ou imunidade do IPI;  III – somente poderá ser usufruído se os resíduos sólidos forem adquiridos diretamente de cooperativa de catadores de materiais recicláveis com número mínimo de cooperados pessoas físicas definido em ato do Poder Executivo, ficando vedada, neste caso, a participação de pessoas jurídicas; e  IV – será calculado pelo adquirente mediante a aplicação da alíquota da TIPI a que estiver sujeito o produto que contenha resíduos sólidos em sua composição sobre o percentual de até 50% (cinquenta por cento) do valor dos resíduos sólidos constantes da nota fiscal de aquisição, observado o § 2o do art. 5o desta Lei.”    Cuida-se de um legítimo incentivo às práticas ecologicamente viáveis, servindo-se da legislação tributária para modificar o comportamento da produção industrial, tal como estimulam as melhores práticas internacionais. Recentemente chamou a atenção o fato ocorrido em Santa Catarina. O chamado “ICMS verde”  impôs uma nova alíquota deste tributo para os produtos agrotóxicos. Registre-se, por oportuno, que havia isenção para tais agentes. Agora, o percentual de incidência alcança até 17%. A mudança, já era de se esperar, contou com imensa reprovação do setor atingido. A medida está em linha com a tese defendida, uma vez que procura desabastecer um comportamento reconhecidamente nocivo (produzir com agrotóxicos), que impacta diariamente a vida das pessoas, almejando a migração para o cultivo de alimentos e outros produtos de modo saudável. Algumas cidades adotaram o “IPTU verde”, que dá descontos, geralmente, aos contribuintes que adotem práticas em prol do meio ambiente, como, por exemplo, preservação de mata e redução do consumo de água. Nesse contexto, em Ribeirão Preto/SP, foi aprovada a Lei Complementar Municipal nº 2996/2019, que institui o IPTU nos moldes citados acima. Vale o registro de que, antes da aprovação da lei, houve uma grande disputa política e judicial entre Executivo e Legislativo (TJ/SP Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2001841- -69.2018.8.26.0000, Rel. Des. MÁRCIO BARTOLI), uma vez que o gestor municipal alegava crise orçamentária que impediria a concessão do benefício, ao passo que os legisladores defendiam que a prática já havia se tornado um costume, e com bons resultados.   LEI COMPLEMENTAR Nº 2.996, DE 03 DE OUTUBRO DE 2019 Artigo 1º Fica instituído no município de Ribeirão Preto a concessão de benefício tributário de Imposto Predial e Territorial Urbano – “IPTU VERDE”, que se destina a apoiar a adoção de técnicas voltadas aos conceitos da sustentabilidade, prevendo medidas construtivas e procedimentos que aumentem a eficiência no uso de recursos e diminuição do impacto socioambiental, conforme definido nesta lei complementar.   Artigo 2º Será concedido o benefício tributário, consistente em reduzir o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), aos proprietários de imóveis residenciais, que adotem medidas que estimulem a proteção, preservação e a recuperação do meio ambiente, devendo ser: I – implantação de sistema de captação e utilização de água pluvial, comprovado mediante documentação técnica; II – implantação de sistema de reuso de água residual, após o devido tratamento atendendo normas e parâmetros nacionais, comprovado mediante documentação técnica e certificado; III – plantio e conservação de árvores nativas, nos termos conceituado pelo Código do Meio Ambiente, uma árvore para cada 100 (cem) metros quadrados completos de área construída, comprovado mediante documentação técnica ou fotos; IV – implantação de sistema de aquecimento hidráulico solar, para redução do consumo de energia elétrica no imóvel, comprovado mediante documentação técnica ou fotos ou nota fiscal; V – implantação de sistema de energia solar (fotovoltaica), para redução do consumo de energia elétrica no imóvel, comprovado mediante documentação técnica ou fotos ou nota fiscal; VI – implantação de sistema de utilização de energia eólica, comprovado mediante documentação técnica ou fotos ou nota fiscal; VII – construção com materiais sustentáveis, consistente na utilização de materiais que atenuem os impactos da degradação ambiental, comprovado mediante apresentação de selo ou certificado; VIII – instalação de telhado verde, em todos os telhados disponíveis no imóvel para esse tipo de cobertura, comprovado mediante projeto e documentação técnica. (…)”   Em Belo Horizonte, o Projeto de Lei nº 179/2017, em trâmite na Câmara Municipal, também prevê a adoção do “IPTU verde”. Com os termos a seguir, o projeto carece de aprovação em 2º turno no plenário da Casa.   “Art. 1° – Fica instituído o Programa de Incentivo à Sustentabilidade Urbana nos imóveis do Município de Belo Horizonte, denominado IPTU VERDE. ;   São esses alguns exemplos da tentativa de se fazer da tributação um caminho para a sustentabilidade. Porém, ainda é necessário ajustar certos pontos e objetivos, sobretudo em relação à criação de uma estrutura que comporte a tributação verde de modo sistêmico, e não isoladamente, como ocorreu em todos os casos citados. É dizer, com isso, estabelecer um ponto de convergência entre Estados, Municípios e União, em que a tributação verde seja um objetivo de todos os entes, de modo ordenado e intercambial.   3.2       Tributação Verde na Reforma Tributária Há muito tempo se houve falar em urgência de uma reforma tributária. Vários projetos se hospedam no Congresso Nacional, mas nunca se obteve uma solução consensual para as inconsistências do Sistema Tributário Nacional. Ocorre que, em relação ao tema enfrentado, não há uma preocupação em moldar o Sistema Tributário Nacional a fim de se adequar a padrões de sustentabilidade. A necessidade de uma reforma sempre passa pela regressividade tributária, índice elevado de sonegações e arrocho orçamentário dos entes. No Senado Federal, o projeto mais adiantado, em termos de tramitação, é a PEC 110/2019, que ainda não chegou ao plenário. Ela estabelece a extinção de 9 (nove) tributos, que darão ensejo a criação de um imposto único, denominado de Imposto sobre o Valor Agregado. Já na Câmara dos Deputados, o destaque é para a PEC 45/2019, que prevê a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços, em substituição a 5 (cinco) outras espécies tributárias. Também há rumores de que o Governo Federal enviará ao Congresso uma proposta própria, destinada a ajustar o Sistema Tributário Nacional com o conturbado orçamento da União. A redução de impostos, a grosso modo, pode ser considerada uma boa prática. No entanto, o produto da arrecadação dificilmente será destinado às causas ambientais ou às políticas do Ministério respectivo. Em caso de inexistir um movimento que leve a tributação ambiental à pauta do legislativo, dificilmente haverá grandes modificações da estrutura atual, nesse ponto individualmente considerado. Posto isso, a Reforma Tributária possui como núcleo a tentativa de simplificar a incidência e cobrança dos tributos, mas de fato não engloba, até o momento, questões ambientais que inovem o assunto em verificação.   3.3       Impactos na Economia Com os precedentes supramencionados, observa-se que da tributação verde poderão florescer consequências no plano econômico, especialmente se o processo estiver desacompanhado da obstinação necessária. Afirmou-se, anteriormente, que o tributo tem como finalidade primeira a arrecadação. Nessa direção, se o tributo verde carrega consigo certa extrafiscalidade, e mais do que isso, se ele pode significar não só aumento, mas também redução de incidência, é certo que a arrecadação pode cair, se não for compensada de outro modo. Sabe-se que há um rol extenso de direitos sociais, todos eles, aliás, de cumprimento obrigatório pelo Estado. Atendê-los, com a carga tributária atual, já é difícil, reduzindo a aquisição de recursos isso poderá se agravar ainda mais. Todavia, os tributos ambientais, quando pensados da maneira correta, inibem essa deficiência apenas com a redistribuição do ônus tributário em outras esferas. Há quanto tempo se fala em tributar as grandes fortunas? E mais, por qual motivo não se conteve, até então, a desastrosa política regressiva em vigor? Um ajuste de concentração das incidências tributárias é capaz de resolver qualquer temor em relação à diminuição de recursos em decorrência de implementação de tributos ambientais. Outra possível perda que se alega é a de receita das empresas que são ou serão atingidas pelos tributos verdes. O emblemático e já citado caso de Santa Catarina contou ainda com a emissão de uma nota da Federação da Agricultura do Estado (FAESC), reagindo fervorosamente contra a feitura dos tributos verdes, por meio do Presidente José Zeferino Pedroso.   “A decisão de aumentar a tributação sobre insumos agrícolas terá um efeito devastador na sociedade catarinense. É uma decisão errada e injusta. É uma punhalada nas costas de quem produz, atingindo não só o produtor rural, como também a agroindústria. O governo esquece que o agronegócio sempre foi a locomotiva da economia catarinense.”   Para além disso, quem se dedica ao tema deverá vigiar a postura de países de grande relevância, que estão deixando convenções em prol do meio ambiente, como os Estados Unidos, que em novembro de 2019 formalizaram a saída do Acordo do Clima, realizado em Paris no ano de 2015. Este é um dado alarmante, que se virar tendência, dificultará ainda mais a penetração da tributação verde no Sistema Tributário Nacional, na medida que o Brasil tende a seguir movimentos internacionais, dada a sua deficiência em pesquisa, ciência e tecnologia próprias. Assim sendo, em resumo, as consequências advindas da tributação verde podem ser mitigadas com organização e racionalidade. Deletério, em verdade, será o efeito para o meio ambiente, na hipótese de ser ignorada mais uma saída para protegê-lo.   CONCLUSÃO A instituição de tributos verdes, como se viu, pode ser um exitoso caminho para se alcançar a sustentabilidade e, de quebra, reduzir a carga tributária em outras atividades, tal como ocorrido em alguns países da Europa. Contudo, se nada de revolucionário se mencionar em uma provável reforma tributária, a tributação verde continuará a ser uma medida tímida, com aplicação em casos isolados, e de difícil introdução nos debates mais notórios. Para que esse cenário seja revertido, deverão ser rompidos obstáculos como o grande interesse econômico, a produção desenfreada e a possível queda de arrecadação que sobrevirá, caso a estrutura não seja desenhada em um contexto holístico de tributos. Viu-se que o Brasil espelha uma grande contradição, na medida que é um país com grande área de preservação ambiental e, a despeito disso, não pensou um paradigma de tributação verde que seja condizente com a sua posição no mundo, principalmente se considerarmos que outros países, que pouco possuem a preservar, se dedicam com afinco a essa tarefa. Daí, não se pode evitar o manejo exagerado de instrumentos de indústria danosos ao meio ambiente, uma vez que a demanda consumerista se expande, e o processo produtivo necessita corresponder a essa expectativa. Ante o exposto, embora o contexto majoritário não se adeque ao sistema defendido, é viável uma reafirmação de crenças e princípios que inclinem os indivíduos a um exercício de consciência, para que sejam desenvolvidos métodos de sustentabilidade em todos os campos, em homenagem, mormente, ao meio ambiente e justiça fiscal.
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A Natureza Jurídica das Custas Processuais
Não há duvidas que o estudo sobre o tema em destaque se predispõe a esclarecer e a contribuir na resolução de diversos litígios relacionados ao assunto. Interessante se faz ressaltar que a prestação de serviços públicos específicos e indivisíveis do aparato judicial se mostra na atualidade como de valor imprescindível no Estado Democrático de Direito.  Sob esse prisma, o presente estudo procura abordar o tema, demonstrando os argumentos tendentes a financiar o mecanismo judiciário a partir do pagamento das custas processuais, não obstante a prestação jurisdicional não manifeste total dependência por àquelas. Acrescente-se que o aludido tributo cuida-se de uma obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo. Nesse diapasão, cinge-se averiguar a natureza jurídica das despesas processuais como espécie tributária – taxa – consubstanciando na efetiva prestação dos serviços, e não na sua potencial utilização, como fato gerador na exigência daquelas, isso porque se abstrai de seu conceito ser uma prestação pecuniária relativamente facultativa, instituída por lei, e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É cediço que no âmbito das relações jurídicas tributárias, muito se tem discutido a respeito da natureza jurídica das custas processuais, mormente porque o referido instituto encontra-se por demais presente no mecanismo da prestação jurisdicional. Para que se possa melhor divagar sobre o tema, urge ultrapassarmos algumas barreiras que se mostram necessárias à compreensão do assunto. Toda essa discussão, aliás, ganhou extrema relevância haja vista a obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo Nessa toada, além de diversas manifestações doutrinárias, uma gama de produções jurisprudenciais concernentes ao tema epigrafado será também estudada, oriunda especialmente da Suprema Corte. É também desígnio desta pesquisa uma análise institucional do conceito legal de tributo, bem como suas espécies, passando pela análise das teorias explicativas que procuram dissecar sua classificação. Além disso, outra importante vertente desse esforço científico é estabelecer paradigmas sobre o assunto tendo em conta as repercussões que o mesmo se afigura na realidade da Administração da Justiça. Debruçando-se sobre o texto, o capítulo subsequente à presente introdução fora inteiramente dedicado ao estudo do conceito legal de tributo fomentado pelo Código Tributário nacional, bem como seus elementos, como aporte teórico necessário à posterior análise da natureza jurídica das custas processuais. A respeito, consta dessa parte da pesquisa que a evolução do Direito Tributário brasileiro fez com que surgissem diversas teorias sobre as espécies tributárias existentes, todas destinadas a tentar enquadrar didaticamente as diferentes modalidades de tributos criadas pelo poder público. O segundo capítulo passa a abordar o tema de uma específica espécie tributária, fazendo-se uma acurada exposição acerca da sua definição jurídica, até as características a ela inerentes. Mas não só isso. Analisa-se o polêmico aspecto da diferenciação entre as taxas e o preço público, como contraponto à conclusão sobre o tema. Já o terceiro capítulo, corroborado com o embasamento presente nos dois outros que o antecedem, se ocupa do cerne da presente pesquisa, qual seja, natureza jurídica das custas processuais. Para tanto, elencam-se posicionamentos doutrinários à referida matéria, lançando-se mão de importante análise jurisprudencial a respeito. Diga-se que os referidos posicionamentos são atinentes a uma pluralidade de doutrinadores e pensadores, ligados aos mais diversos seguimentos jurídicos, rechaçando-se o apego ideológico meramente institucional. O mencionado capítulo, além de proceder a um apanhado de toda a pesquisa, reforça o posicionamento eleito como mais adequado após toda a análise do tema em apreço. Por fim, busca-se evidenciar que as custas judiciais têm natureza tributária (são taxas pela prestação de serviço público) e devem ser obrigatoriamente fixados em lei (exigência da legalidade tributária).   Antes de adentrarmos no cerne da vexata quaestio, mister se faz analisar o instituto jurídico denominado tributo, do qual irradiam todas as nuances correlatas ao estudo em questão. Pois bem. É cediço na doutrina e na jurisprudência o conceito legal do que se representa tributo, isso porque não se olvidou o legislador de estabelecer que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada”. Nesse diapasão, considerando o aludido conceito legal, passemos a examinar cada um dos elementos de que compõe o mesmo, a fim de melhor entendermos sobre o instituto jurídico em riste.   1.1 Elementos conceituais do Tributo 1.1.1 Prestação pecuniária Na verdade, cuida-se de uma obrigação do contribuinte em arcar com os meios necessários de que se servem o ente estatal, na busca em realizar os serviços públicos aptos a atender ao interesse coletivo. Nessa planura, revela-se de forma cabal que não se estabelece como forma de prestação do tributo, a realização de serviços, de sorte que inexiste nos sistemas tributários das nações a propensão ao tributo in natura ou pro labore. Da mesma forma, não se cogita da prestação voluntária que não sejam em dinheiro, mas a estas considerações analisaremos mais especificamente logo a seguir.   1.1.2 Compulsória Urge esclarecer, inicialmente, que, em que pese todas as prestações jurídicas sejam, a princípio, obrigatórias, a prestação pecuniária compulsória implica dizer que se independe da vontade do sujeito passivo para poder efetivá-la, ainda que contra seu interesse. Nesse sentido, o dever de quitar um tributo nasce independente da vontade de cada um, tendo em conta que, consolidado o fato previsto na norma jurídica, ressoa o dever automático no qual alguém ficará adstrito ao cumprimento de uma prestação pecuniária, quer seja uma obrigação principal, quer acessória. É preciso frisar que a prestação tributária emana direitamente da lei, em atenção ao postulado constitucional da legalidade, razão pela qual, portanto, não se imiscui qualquer ato de vontade daquele que assume a obrigação.   1.1.3 Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir Ressalte-se que neste elemento comete o legislador uma flagrante redundância dogmática, vez que como o tributo se exprime como uma prestação pecuniária, então porque se dizer que esta mesma prestação se consubstancia em moeda. Ora, é clarividente que inexiste no Direito Tributário Brasileiro um tributo in natura ou pro labore, mormente porque não se admite a instituição de tributo diverso do dinheiro ou em unidade de serviços. Nesse diapasão, a dívida do tributo há de ser correspondida em dinheiro, e não mediante entrega de bens, ainda mais porque se assim acontecer, eventual penhora será convertida em pecúnia para satisfação do crédito tributário. Não se mostra despicienda a afirmação, portanto, de que Estado necessita da prestação compulsória do tributo pago em pecúnia a fim de atender ao interesse coletivo na prestação dos serviços públicos.   1.1.4 Que não constitua sanção de ato ilícito Quando se afirma que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, visa o legislador distingui-lo justamente da penalidade, já que a hipótese de incidência de determinado tributo não pode se constituir como algo ilícito, no entanto, não é certo dizer que o rendimento auferido de uma atividade ilícita não se submete a qualquer tributo, tendo em conta que se a situação prevista em lei como necessária ao surgimento de uma obrigação tributária decorre de uma atividade ilícita, não está aqui a se afirmar que se trata de uma hipótese de incidência. Nesse diapasão, exemplificando a questão, se acaso são apreendidos de determinado traficante de drogas vários aparelhos e bens que não foram objeto de tributação, ainda que se constitua de atividade ilícita, a hipótese de incidência nestes casos se deu pela simples aquisição de tais produtos, resultando na constituição dos fatos geradores da obrigação principal no pagamento dos respectivos tributos, tendo em vista que não se efetivou o pagamento do crédito tributário. A este fenômeno, a doutrina o denomina de princípio do non olet. Acrescente-se, por oportuno, que não se faz necessário debruçarmos sobre o referido princípio isso porque as observações devem estar direcionadas na resolução do tem em destaque.   1.1.5 Instituída em lei Nessa planura, quis o legislador deixar claro que a obrigação ex lege se consubstancia no postulado na estrita legalidade na medida em que, ao se constituir o tributo, não se mostra auspicioso o reconhecimento de uma convergência de vontades na constituição da caracterização de determinado tributo. Nesse norte, dois preceitos em particular nos chamam a atenção na Magna Carta, a saber o  art. 5º, II, o qual dispõe que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”; acrescente-se o art.150, I, que diz mais especificamente “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, instituir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Importante deixar claro que o escopo de um diploma legal, quer seja ele ordinário ou complementar, não se reduz na instituição de um tributo, mas também proporciona a criação de todos os elementos necessários a fim de que ele possa irradiar seus efeitos nas relações jurídicas tributárias, ou seja, emanam da instituição de um tributo os elementos que o integram como a hipótese de incidência, os sujeitos da relação, a base de cálculo e a alíquota, bem como o prazo respectivo do tributo a ser pago. Sendo assim, não há como imaginar em obrigações tributárias, no direito brasileiro, que não sejam ex lege.   1.1.6 Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada Por se tratar da última condição estatuída pelo legislador para definir o conceito de tributo, é por demais cediço no direito tributário que a atividade de se constituir um crédito tributário ressoa a partir de uma atividade necessariamente vinculada. Ora, é sabido que a atividade administrativa vinculada é aquela segundo a qual não se permite a autoridade administrativa a liberdade de apreciar a conveniência ou oportunidade de agir. Nesse contexto, importante trazer à tona a lição do magistério autorizado por Hugo de Brito, vejamos: Dizendo o CTN que o tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, quer significar que a autoridade administrativa não pode preencher com seu juízo pessoal, subjetivo, o campo de indeterminação normativa, buscando realizar em cada caso a finalidade da lei. Esta deve ser minudente, prefigurando com rigor e objetividade os pressupostos para a prática dos atos e o conteúdo que estes devem ter. Deve descrever o fato gerador da obrigação tributária, a base de cálculo, a alíquota, o prazo para pagamento, os sujeitos da relação tributária e tudo o mais. Nada fica a critério da autoridade administrativa, em cada caso. Quando a lei contenha indeterminações, devem estas ser preenchidas normativamente, vale dizer, pela edição de ato normativo, aplicável a todos quantos se encontrem na situação nele hipoteticamente prevista. Assim, a atividade de determinação e de cobrança do tributo será sempre vinculada a uma norma.[1] Desse modo, com supedâneo na lição supra, podemos afirmar que se determinado tributo é devido, há de ser cobrado nos termos da lei, de modo que, seguindo este pensamento, acaso não seja devido nos moldes de alguma lei em particular, não poderá ser exigido.   2.1 Teorias Explicativas A evolução do Direito Tributário brasileiro fez com que surgissem diversas teorias sobre as espécies tributárias existentes, todas destinadas a tentar enquadrar didaticamente as diferentes modalidades de tributos criadas pelo poder público. Pois bem, nesse diapasão, urge discorrer, inicialmente, sobre a primeira das teorias. Para aqueles que defendem a teoria bipartida, qualquer espécie tributária, independentemente do nome atribuído pelo legislador, ou se classificaria como tributo não vinculado (típico de imposto), ou se enquadraria como tributo vinculado (típico de taxa). Atualmente esta classificação dicotômica ainda vige, mas não como modo de diferenciar espécies tributárias, mas como modo de enquadrar os diferentes tributos segundo a existência ou não de uma contraprestação estatal específica em favor do contribuinte. Frise-se fora capitaneada por Geraldo Ataliba, acompanhado de Pontes de Miranda e Alfredo Augusto Becker. A teoria tripartida, a mais conhecida dentre as demais, tira seu embasamento da literalidade do CTN que estatui em seu art. 5º, sem rodeios, que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Os defensores desta corrente atualmente propugnam que esta é também a classificação adotada pela CF/88, conforme estabelecido em seu art. 145:   CF/88, Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, […]; III – contribuição de melhoria. […]. Diga-se, em tempo, que esta teoria tripartite – tripartida ou tricotômica – sempre gozou de grande prestígio entre os tributaristas, razão pela qual foi influenciada pelo Código Tributário Alemão de 1919, estando presente já na Constituição Federal de 1946, na posterior Emenda Constitucional n. 18/65 e, após, no art. 5º do CTN, culminando, por sua vez, com a inserção no atual texto constitucional – art.145. No entanto, o próprio Constituinte Originário já arrolou, em trechos supervenientes da CF/88, outros tipos de tributos, como os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais lato sensu, estas últimas que compreendem as contribuições de intervenção no domínio econômico, as de interesse das categorias profissionais ou econômicas e as previdenciárias. Assim, reputa-se um tanto quanto ultrapassada a existência desta teoria tripartite. Nesse contexto, conforme o magistério autorizado de Alexandre de Moraes, surge a teoria quadripartite, compreendendo, além dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, agora os empréstimos compulsórios. Com efeito, o art. 15 do CTN, estatui que somente a União, diante de alguns casos excepcionais, poderia instituir empréstimos compulsórios, que seriam transferências obrigatórias de dinheiro do setor privado para o setor público para suprir necessidades esporádicas, estando o Estado vinculado a devolver estes recursos depois de cessadas as necessidades de sua arrecadação. Nesta mesma linha de raciocínio, a CF/88 (vide art. 148) outorgou à União a prerrogativa de instituir, mediante lei complementar, empréstimos compulsórios para atender a despesas excepcionais ou de relevante interesse nacional. Não há unanimidade da doutrina sobre essa classificação; assim, entendemos que são espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios.[2] Não fosse o bastante, com supedâneo na produção doutrinária de Ricardo Lobo Torres, este hermeneuta afirma que as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas referidas no art. 149, amalgamam-se, no eixo conceitual, às contribuições de melhoria mencionadas no art. 145, III da CF, “subsumindo-se todas no conceito mais amplo de contribuições especiais” (2007, p. 371-372). Nessa perspectiva, surgiu a teoria pentapartite, que passou a prever 05 (cinco) espécies de tributos, a saber: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios. Atualmente, a maioria da doutrina pátria considera esta como a escola que melhor descreve as diferentes modalidades tributárias existentes no Brasil, já tendo sido, inclusive, objeto de voto em julgamento no STF. Com efeito, merece registro o elucidativo trecho do voto do Ex-Ministro da Suprema Corte, Moreira Alves, no RE 146.733/SP: (…) De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. (grifos nossos).[3] Luciano Amaro, com louvor, debruça-se bem sobre a aludida teoria, razão pela qual merece transcrição do excerto de sua magnífica obra doutrinária: Os critérios de classificação dos tributos não são certos ou errados. São mais adequados, menos adequados, ou inadequados (a) no plano da teoria do direito tributário, ou (b) no nível do direito tributário positivo, como instrumento que permita (ou facilite) a identificação das características que devem compor cada espécie de tributo (…).[4] A idéia das contribuições sociais foi plenamente recepcionada pela CF/88, que previu, em seu art. 149, a possibilidade da União instituir esta espécie de tributo. No entanto, o Constituinte Originário foi além e permitiu que a União também pudesse instituir outras contribuições, relacionadas à intervenção no domínio econômico ou ao interesse de categorias profissionais/econômicas. A partir daí, a denominação contribuição social foi ampliada para aquilo que parte da doutrina chamou de ‘contribuição especial’, que se dividiria em contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas. Examinadas as principais teorias explicativas da classificação do tributo, resta-nos salientar que, com a edição da EC 39/02 fez surgir mais uma espécie de tributo, a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (CCSIP), de competência municipal. Sobre esta nova modalidade muito ainda se discute em relação ao perfeito enquadramento no ordenamento jurídico. Nesse diapasão, observa Eduardo Sabbag que já se apregoa a existência de uma sexta modalidade tributária. Vejamos excerto de sua produção acadêmica:   Ad argumentandum, há quem defenda que, com o advento da Emenda Constitucional nº 39/2002, que trouxe à baila a CIP ou Contribuição de Iluminação Pública, de competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal, consoante o art. 149-A da CF/88, passou a viger uma teoria “hexapartida”, dada a singularidade do tributo ora surgido.[5]   Pois bem. Superado o exame das aludidas teorias, mister se faz analisar no capítulo que se segue, acerca da espécie tributária denominada taxa, bem como sua classificação para efeito de resolução do tema em destaque.   3.1 Taxa – Conceito jurídico Importante ressaltar que, assim como no tributo – gênero – esta espécie tributária possui também um conceito ex lege, isso porque assim dispõe o art. 77 do CTN, in verbis: Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fator gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. Entende-se como serviço prestado ao contribuinte o serviço que este utiliza efetivamente, e posto à disposição àquele potencialmente utilizável pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Dessa maneira, na primeira hipótese, percebemos que esta se configura quando os serviços são usufruídos efetivamente a qualquer título; enquanto que no segundo caso, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em pleno funcionamento. Se o serviço público não é de utilização compulsória, só a sua utilização efetiva enseja a cobrança de taxa. Se a utilização é compulsória, ainda que não ocorra efetivamente essa utilização a taxa poderá ser cobrada. Em qualquer caso é indispensável que a atividade estatal, vale dizer, o serviço público específico e divisível, encontre-se em efetivo funcionamento. Em outras palavras, é condição sine qua non para a cobrança da taxa a efetiva existência do serviço à disposição do contribuinte. Como se está a tratar da análise do dispositivo supra, mister esclarecer que, segundo dispõe o parágrafo único do art. 77 do CTN, a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos impostos, isso porque a diferença entre os dois tributos reside precisamente na diferença da natureza dos respectivos fatos geradores. Assim, desnecessária se mostra a restrição contida no referido dispositivo legal, porquanto, com ou sem ela, nenhuma taxa poderia ter fato gerador idêntico ao de um imposto. Desse modo, por arremate, oportuno salientar que taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese normativa, a descrição de um fato revelador da atividade estatal, voltada direta e especificamente ao contribuinte.   3.1.1 Sub-Espécies Baseando-se no estudo do art. 77 do CTN, afigura-nos presente a classificação das taxas em duas subespécies, quais sejam: as taxas exigidas em razão do exercício do Poder de Polícia e as cobradas pela prestação de serviços públicos. Passemos, pois, a analisar, resumidamente, cada uma delas.   3.1.1.1 Taxas exigidas em razão do Poder de Polícia Por força do que dispõe o art. 78 do CTN, considera-se poder de polícia “A atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. Diante destas premissas, ressalte-se que só o Poder Público é titular do poder de polícia, o que significa dizer que estes atos jamais poderiam ser exercitados por particulares, ou seja, quando o Estado exerce poder de polícia, é de taxa e só dela se pode cogitar.   3.1.1.2 Taxas cobradas pela prestação de serviços públicos Acerca dos serviços públicos que habilitam o incremento de taxas, bastante percucientes são as explicações trazidas pelo Código Tributário Nacional, em especial no artigo que se segue abaixo, in verbis:   Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se: I – utilizados pelo contribuinte: II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.   Dessa forma, com supedâneo no aludido dispositivo, urge esclarecer que a maioria dos doutrinadores ensina que a taxa corresponde ou está ligada a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Justifica-se, assim, a taxa pelo exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço público, por serem atividades privativas, próprias do Estado. Sucede que, nesta seara, a definição do que seja atividade específica do Estado enseja divergências insuperáveis. Aquilo que em determinado lugar considera-se atividade própria do Estado em outros lugares pode não ser assim considerado. Pois bem. Estabelecidas estas premissas salutares, antes de adentrarmos no cerne da vexata quaestio, necessário ressaltar a diferença que se estabelece entre a taxa e preço público, posto que a análise desta questão está umbilicalmente relacionado ao tema.   3.2 Diferenciação entre taxa e preço público A realidade está em que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preços (regime contratual) ou por taxas (regime de Direito Público). O dilema resolve-se pela opção do legislador. Se escolher o regime tributário das taxas, ganha a compulsoriedade do tributo, inclusive pela mera disponibilidade do serviço, se prevista a sua utilização compulsória (CTN, art. 79, I, “b”), mas fica manietado pelas regras de contenção do poder de tributar. Acaso escolha o regime contratual, perde a compulsoriedade do pagamento pela mera disponibilidade do serviço, mas ganha elasticidade e imediatez na fixação das tarifas Pois bem. Cingindo-se a análise da questão em voga, urge esclarecer que o tributo, por força de expressa disposição legal, é prestação pecuniária compulsória – art.3º do CTN. Por conta disso, não se permite falar em taxa facultativa, sendo esta subespécie daquele. Sendo o fato gerador da taxa um serviço daqueles que, nos termos do art. 79, inciso I, “b”, são de utilização compulsória, então o pagamento da mesma efetivamente é simples decorrência de encontrar-se o contribuinte em condições de poder utilizar o serviço, ainda que não o faça. No entanto, se o fato gerador da taxa for a efetiva utilização do serviço, dessa maneira o contribuinte poderá se eximir do pagamento bastando que não o utilize. Daí não se poderá concluir que a taxa é facultativa. Ora, se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos. O contribuinte estará seguro de que o valor dessa remuneração há de ser fixado por critérios definidos em lei, por isso que se costuma afirmar que, ao contrário do preço que é contratualmente acordado, a taxa não decorre da autonomia da vontade, mas é unilateralmente imposta pela lei. Terá, pois, em síntese, as garantias insertas na Constituição. Por via transversa, se a ordem jurídica não obriga a utilização do serviço público, posto que não proíbe o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então a cobrança da remuneração atinente não ficará sujeita às limitações do sistema tributário. Pode ser fixada livremente pelo Poder Público, pois o seu pagamento resulta de simples conveniência do usuário do serviço. À liberdade que tem o Poder Público na fixação do preço público, sem a necessidade de lei a estabelecer os critérios para a determinação do valor devido, representa a liberdade do cidadão de utilizar, ou não, o serviço correspondente. De um lado é autorizado ao Poder Público fixar o valor devido mediante ato administrativo, ou seja, ato de autoridade do Poder Executivo; do outro, o contribuinte é liberado para utilizar, ou não, o serviço, de acordo com as suas conveniências. Se o contribuinte não tem essa liberdade, porque é compulsória a utilização dos serviços, o Poder Público estará igualmente limitado pela ordem jurídica no que alude aos critérios para a fixação do valor a ser cobrado, que será um tributo. Importante se faz ressaltar, por oportuno, o posicionamento do ilustre tributarista Sacha Calmon que, a fim de aplainar quaisquer incertezas, dispõe de modo esclarecedor sobre as principais diferenças terminológicas e jurídicas entre as taxas e os preços públicos. Vejamos excerto de sua obra, in literis, a fim de se evitar tautologia desnecessária: De ver, em larga síntese, o preço público (espécie contratual) e a taxa (espécie tributária) ao lume do senso comum dos juristas segundo os “lugares” (topos) que assumem em suas manifestações teóricas: Não fosse o bastante, por oportuno, digno se faz aludir às lições do Ex-Ministro Carlos Veloso que põem em xeque a diferenciação em epígrafe, ao proferir na ADI nº 2.586-4/DF a seguinte decisão, sob sua relatoria:   (…) Há quem sustente que, quando o Estado presta serviço público, se quiser que tais serviços sejam remunerados, somente poderá fazê-lo mediante taxas (Geraldo Ataliba, ‘Sistema Tributário na Constituição’, Rev. de Dir. Trib., 51/140; Roque Carrazza, ob.cit., p. 247). Não vamos a tanto, não obstante reconhecermos que são poderosos e científicos os argumentos de Ataliba e de Carrazza. Ficamos na linha da lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho, que entende ser possível a cobrança de preços pela prestação de serviço público. Sacha argumenta com o § 3º do art. 150 da Constituição, do qual deflui que ‘o Estado, além das atividades econômicas exercíveis em lide concorrencial, pode, mediante instrumentalidade, prestar serviços públicos mediante contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelos usuários’, conclusão que se completa da leitura do que está disposto no art. 175, parág. único, inciso III, da Lei Fundamental. Por isso, acrescenta o magistrado e professor, que ‘só resta mesmo editar a lei requerida pela Constituição, necessária a uma segura política tarifária, em prol dos usuários’ (Sacha Calmon Navarro Coêlho, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, Forense, 1990, pp. 56/57). (…) Concedo que há serviços públicos que somente podem ser remunerados mediante taxa. Do acórdão do RE nº 89.876-RJ, relatado pelo eminente Ministro Moreira Alves (RTJ 98/230) e da conferência que S. Exa. Proferiu no ‘X Simpósio Nacional de Direito Tributário’, subordinado ao tema: ‘Taxa e Preço Público’, realizado em São Paulo, em 19.10.85, cujo resumo, da lavra dos ilustres professores Vittorio Cassone e Carlos Toledo Abreu Filho, encontra-se publicado no Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. XI, co-edição Ed. Resenha Trib. e Centro de Estudos de extensão Universitária, São Paulo, 1986, penso que podemos extrair as seguintes conclusões, com pequenas alterações em relação ao pensamento do eminente Ministro Moreira Alves: os serviços públicos poderiam ser classificados assim: 1) serviços públicos propriamente estatais, em cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania, visualizada esta sob o ponto de vista interno e externo: esses serviços são indelegáveis, porque somente o Estado pode prestá-los. São remunerados, por isso mesmo, mediante taxa, mas o particular pode, de regra, optar por sua utilização ou não. Exemplo: o serviço judiciário, o de emissão de passaportes. Esses serviços, não custa repetir, por sua natureza, são remunerados mediante taxa e a sua cobrança somente ocorrerá em razão da utilização do serviço, não sendo possível a cobrança pela mera potencialidade de sua utilização. Vale no ponto a lição de Geraldo Ataliba, no sentido de que não é possível instituir taxas por serviços não efetivamente prestados. O que acontece é que certos serviços podem ser tornados obrigatórios pela lei e é isto o que significa a locução ‘posto à disposição do contribuinte’. É isto, aliás, o que resulta do disposto no art. 79, 1, b, CTN. 2) Serviços públicos essenciais ao interesse público: são serviços prestados no interesse da comunidade. São remunerados mediante taxa. E porque é essencial ao interesse público, porque essencial à comunidade ou à coletividade, a taxa incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do serviço. É necessário que a lei – para cuja edição será observado o princípio da razoabilidade, mesmo porque, como bem lembrou o Ministro Moreira Alves, citando Jàze, a noção de serviços essenciais é de certo modo relativa, porque varia de Estado para Estado e de época (RTJ 98/238) – estabeleça a cobrança sobre a prestação potencial, ou admita essa cobrança por razão de interesse público. Como exemplo, podemos mencionar o serviço de distribuição de água, de coleta de lixo, de esgoto, de sepultamento. No mencionado RE nº 89.876-RJ, o Supremo Tribunal decidiu que, ‘sendo compulsória a utilização do serviço público de remoção de lixo – o que resulta, inclusive, de sua disciplina como serviço essencial à saúde pública –, a tarifa de lixo instituída pelo Decreto nº 196, de 12 de novembro de 1975, do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro, é, em verdade, taxa’ (RTJ 98/230). 3) Serviços públicos não essenciais e que, não utilizados, disso não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o interesse público. Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser concedidos e podem ser remunerados mediante preço público. Exemplo: o serviço postal, os serviços telefônicos, telegráficos, de distribuição de energia elétrica, de gás etc.[7] Nessa planura, é certo que o posicionamento do regime legal adotado resolve em parte a questão. Ao jurista cabe apenas indagar qual o regime jurídico que o legislador adotou. Se for o regime jurídico-tributário, temos taxas. Se for o regime contratual, temos preço público. Seguindo esta linha conclusiva de pensamento, interessante anotar a menção doutrinária a respeito, do eminente tributarista Ricardo Alexandre, vejamos: Na prática, a melhor maneira de identificar se determinada exação é cobrada pelo Estado é taxa ou preço público é verificar o regime jurídico a que o legislador submeteu a cobrança.[8] Desse modo, é de clareza solar que o regime jurídico das exações cobradas pela Administração na prestação de serviços públicos, bem como no poder de polícia, decorre da relação tributária, de sorte que a compulsoriedade daquelas exigências não emanam da vontade das partes. Por arremate, em linhas gerais, merece ser consignado que preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu. Pois bem. Estabelecidas essas premissas passemos ao cerne da questão.   É cediço que a experiência histórica demonstra que a concentração de poder estava fulcrada no seio dos Poderes Executivo e Legislativo, de modo que o Judiciário somente veio à tona com a tripartição dos poderes externada na obra de Montesquieu. Até então, a função de se cobrar os tributos estava centralizada no Executivo, na pessoa do soberano, a quem incumbia o papel de gerenciar a máquina e julgar aquilo que lhe era conveniente e necessário para a administração pública. A esse respeito, Vicente Greco Filho aduz que: Antes da petição de 1215, ao Rei era guardada a prerrogativa de conceder a coação estatal para a execução de devedores, por exemplo, somente mediante pagamento. Não se trata, como alguns querem interpretar, da existência das custas judiciais como hoje são entendidas. Era um verdadeiro pagamento para que o interessado pudesse ter os favores da coação oficial e que, no caso de recusa, determinava a não-intervenção da autoridade real.[9] Nessa toada, era certo que para o soberano conceder algum direito pleiteado pelos súditos, necessário se tornava o pagamento de alguma quantia representativa da consulta e provocação judicial a que era submetido o monarca. A partir dos ensinamentos de Aliomar Baleeiro, oportuno se mostra elucidar a questão trazendo à tona seus ensinamentos, vez que o mesmo compendiou a possível origem das custas e emolumentos: Era mais uma situação pessoal e patrimonial do monarca, que reservava a si a função de julgar, e cobrava. Quando ele ficou muito ocupado, criou funcionários, criados, a palavra ‘ministro’ significa criado, e a esses auxiliares, esses criados que faziam a justiça para ele, os juízes, passou a dar-lhes o gozo de uma renda. Era o sistema de paga na época. Tal estado de coisas, tal estado de espírito, terá influído no texto da Magna Charta, imposta pelos barões a João-Sem-Terra em 1215? “A ninguém venderemos (to no one we will sell) direito ou justiça…” Os barões fizeram invectivas não à justiça paga, mas à justiça “comprada”.[10] Sem maior vagar sobre o tema, destaque-se que ao longo do tempo, sua cobrança passou por uma série de evoluções de modo a racionalizar sua exigência a partir de tabelas predeterminadas nas legislações, e não mais ao alvedrio da lei, tampouco sob a arbitrariedade dos governantes. A esse respeito, ressalte-se que o constituinte separou a competência da União e dos Estados para legislar (a) sobre tributos e (b) sobre custas judiciais – art. 24, IV da CF – como que denotando se tratar de matérias diversas, no entanto, como adiante se verá, é estreme de dúvidas que a prestação jurisdicional propriamente dita tende a se revelar de natureza tributária. Dessa maneira, não se olvida que a criação das custas se deu, sobremaneira, para custear e financiar o aparato administrativo que se exige quando provocado o poder jurisdicional do Estado na resolução de algum litígio, ou seja, as custas processuais são devidas pelo processamento dos feitos a cargo dos serventuários da justiça ao exercerem a prestação de serviço público.   4.2 A Natureza Jurídica das custas processuais Cingindo-se, neste momento, à análise do cerne da questão, mostra-se imperioso ressaltar que, sendo as custas processuais as despesas que as partes devem pagar para ter acesso ao Judiciário, as mesmas são instituídas por lei e visam a prestação de serviços públicos essenciais, ainda que postos à disposição dos cidadãos. Expliquemos melhor. Muito se discutiu sobre a natureza jurídica das custas processuais, no entanto, em que pese a vacilante jurisprudência de outrora, sedimentou-se o entendimento segundo o qual vem se considerando que as custas sã espécies de tributos, na forma de taxas. Nesses serviços públicos de utilização relativamente facultativa, o cidadão não é obrigado a valer-se de tais serviços, salvo se optar por exercer algum direito relacionado. Trata-se de serviços públicos indelegáveis, ínsitos à soberania, como os serviços judiciais. No caso desses serviços, portanto, somente é possível a cobrança pela efetiva prestação dos serviços, o que se amolda com o conceito legal determinado no art. 77 do CTN, e já anteriormente estudado, e nunca pela utilização potencial. Com efeito, quando movida uma ação, a esse tipo de serviço prestado pelo Judiciário cabe o pagamento de taxa judiciária para financiar a Administração da Justiça, mas apenas pela prestação efetiva do serviço. A esse respeito, percucientes são as observações do ilustre doutrinador Robinson Sakiyama, as quais merecem anotação: Agora, como já dito, se não há compulsoriedade alguma na utilização do serviço ou, melhor dizendo, se o serviço é de utilização absolutamente facultativa, não há cobrança de taxa, e sim de preço público. [11] Restou sedimentado no julgamento do RE nº 116.208-2, em 20.04.1990, pelo eminente Ex-Ministro Moreira Alves da Suprema Corte, que a natureza jurídica das custas processuais seria, então, a de taxa, como espécie tributária. Naquela ocasião, ficou assim consignado: Decisão: O Tribunal por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votou o Presidente. Plenário. 20.4.90. Ementa: – Custas e emolumentos. Natureza jurídica. Necessidade de lei para sua instituição e aumento. – Esta Corte já firmou o entendimento, sob a vigência da Emenda Constitucional nº 1/69, de que as custas e os emolumentos têm a natureza de taxas, razão por que só podem ser fixados em lei, dado o princípio constitucional da reserva legal para a instituição ou aumento do tributo, portanto, as normas dos artigos 702, I, “g”, e 789, parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho não foram recebidas pela Emenda Constitucional nº 1/69, o que implica dizer que estão elas revogadas. Recurso extraordinário conhecido e provido.[12] Acrescente-se que, seguindo-se esta trilha, advieram vários pronunciamentos jurisprudenciais da Suprema Corte com o desiderato de corroborar àquele entendimento pioneiro. Portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu em outros diversos acórdãos que as custas judiciais têm natureza tributária (são taxas pela prestação de serviço público) e devem ser obrigatoriamente fixados em lei (exigência da legalidade tributária). À propósito, ressaltemos algumas dessas decisões:   EMENTA: (…) as custas, a taxa judiciária, e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal.[13]   EMENTA: As custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais, por não serem preços públicos, mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade […] O art. 145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236, CF).[14] Assim, como as custas judiciais são tributos, não é possível a qualquer Tribunal fixá-las por Resolução ou outro ato próprio, sendo necessária a edição de lei em sentido estrito estipulando o valor. Não fosse o bastante, a cobrança dos valores majorados só pode der feita a partir do exercício subseqüente – anterioridade – e se decorridos ao menos noventa dias da publicação da nova lei – noventena. Isso de deve, portanto, em razão da natureza jurídica das custas processuais, pois que, sendo espécie tributária – taxas – persiste à limitação ao poder de tributar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do art. 150, caput, da CF, c/c incisos correlatos. Dessa maneira, forçoso concluir que as custas processuais possuem a natureza jurídica de taxa, mormente porque são cobradas pela Administração da Justiça para cobrir os custos e financiar o aparato judicial quando se verifica a prestação de serviços públicos divisíveis e específicos pelos serventuários da justiça. Não obstante, por arremate, insta tergiversar que a exigência desse tributo se consubstancia na medida em que há a efetiva prestação dos serviços, e não quando são colocados à disposição do contribuinte. Sendo assim, por todo o exposto, mostra-se despicienda debruçarmos mais sobre o tema, tendo em conta que a análise sobre o mesmo se mostrou exaurido.   CONCLUSÃO Ante a análise do tema epigrafado, restou provada e por demais demonstrada a natureza jurídica das custas processuais. Como visto, inúmeros são os argumentos favoráveis as custas processuais consubstanciarem como espécies tributárias – taxa, em que pese haja posicionamentos contrários a respeito, por entenderem serem àquelas meros preços públicos. Contudo, não obstante os valiosos argumentos, por vezes de natureza meramente interpretativa, independentemente de que lado da trincheira se encontrem, há de se observar que esta discussão se sobrepõe ao simples debate acadêmico. Está em jogo muito mais do que pontos de vista doutrinários ou jurisprudenciais. Não se pode permitir que discursos teóricos, quase sempre extremamente legalistas, façam com que se passe ao largo da Justiça. A realidade está em que os serviços públicos de utilidade, específicos e divisíveis, podem ser remunerados por preços (regime contratual) ou por taxas (regime de Direito Público). Nessa conjuntura, o dilema resolve-se pela opção do legislador. Ora, considerando que o legislador adotara o regime tributário das taxas, ganharam as custas judiciais a compulsoriedade do tributo por não serem preços públicos, mas, sim, taxas, não podendo, dessa forma, ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade, tampouco serem exigidas quando o cidadão não se valer dos serviços judiciais, salvo se optar por exercer o direito constitucional de petição no acesso ao Judiciário. Dessa maneira, não custa repetir que o serviço judiciário, por sua natureza, são remunerados mediante taxa e a sua cobrança somente ocorrerá em razão da utilização do serviço, não sendo possível a cobrança pela mera potencialidade de sua utilização, isso porque nesses serviços públicos de utilização relativamente facultativa, o cidadão não é obrigado a valer-se de tais serviços, salvo se optar por exercer algum direito relacionado. Trata-se, portanto, de serviços públicos indelegáveis, ínsitos à soberania e à Administração da Justiça. Assim, por tudo que fora exposto e com elevada vênia às respeitáveis opiniões em contrário, entende-se ser perfeitamente compatível a natureza jurídica das custas processuais como espécie tributária, ao se amoldar ao instituto das taxas.
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Imunidade Tributária Dos Templos de Qualquer Culto Contornos e Abrangência
O presente artigo discorre sobre a imunidade tributária dos templos de qualquer culto prevista na atual Constituição Federal, a fim de delimitar o seu alcance em relação ao patrimônio pertencente a entidade religiosa e quais destas poderiam ser beneficiadas pela norma imunizante a partir da visão doutrinária e jurisprudencial. Para melhor entender o seu alcance em relação aos patrimônios pertencentes a entidade religiosa e quais podem assim ser consideradas para usufruto da benesse constitucional, analisamos a origem e todas as evoluções desta modalidade de imunidade tributária atribuída pelas constituições brasileiras aos templos religiosos, uma vez que os entendimentos sobre o seu alcance variaram ao longo das décadas, de acordo com os respectivos valores sociais existentes em cada época.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Vigente no atual ordenamento jurídico constitucional, a imunidade tributária dos templos de qualquer culto está prevista no artigo 150, VI, “b”, dispositivo este o qual veda aos entes políticos instituírem impostos sobre o seu patrimônio, a sua renda e serviços. Tal espécie de imunidade tributária teve como seu marco inicial no ordenamento jurídico brasileiro, a previsão implícita na constituição de 1891, a qual estabeleceu em seu artigo 11[1], II[2], a impossibilidade dos estados e da união em embaraçar ou subvencionar o exercício de cultos religiosos. Este texto constitucional foi o pontapé inicial para a implantação das denominadas imunidades dos templos religiosos dentro dos subsequentes sistemas constitucionais brasileiros. Importante frisar que até a proclamação da República, a religião oficial do Império do Brasil era o catolicismo, conforme apontava o artigo 5º, da Constituição Federal Brasileira, o qual estabelecia a religião Catholica Apostólica Romana como aquela oficialmente adotada pelos cidadãos do império. No final do império, com o advento regime republicano, através da proclamação do império em república datada de 15 de novembro de 1889, através de um golpe que depôs o Imperador Dom Pedro II, o Brasil adotou a primeira postura laica em sua história ao editar a Constituição Federal de 1891, estabelecendo expressamente que a imunidade tributária seria um direito assegurado aos “cultos religiosos” (Art. 11, 2º), dada a miscigenação cultural e religiosa da população brasileira existente à época de sua edição. Portanto, a proclamação da república serviu como marco inicial para a adoção de um estado laico no Brasil, vez que deixou de favorecer unicamente a religião católica, predominante à época do império, com o benefício imunizante correspondente a desoneração tributária, visando assim manter a ordem, a harmonia e a tolerância em relação as demais religiões existentes no território nacional, advindas da forte imigração de pessoas ao território nacional no decorrer das décadas antes da Proclamação da República. Importante destacarmos, nos moldes das considerações ventiladas pelo saudoso jurista Ricardo Lobo Torres[3], que a partir do período republicano (1891), até a Constituição Federal de 1937, a regulamentação das imunidades tributárias dos templos religiosos se deu por intermédio de legislação infraconstitucional, leia-se ordinária, e somente após a Constituição Federal de 1946 a norma imunizante passou a ter regulamentação expressa a nível constitucional. O atual ordenamento jurídico advindo da Constituição Federal de 1988, dado o seu caráter mais humanístico pós regime militar, chegando até a ser conhecida como “Constituição Cidadã” em razão de sua flexibilidade em assegurar garantias aos cidadãos decorrentes do período de redemocratização do estado brasileiro, dado o seu caráter laico, passou a prever expressamente o direito de acesso do cidadão a sua liberdade de crença, ao exercício e inviolabilidade dos locais dos cultos religiosos, como sendo uma espécie de direito e garantia fundamental, conforme expressamente previsto no artigo 5º, VI, do texto constitucional. Ainda, visando corroborar a liberdade de crença e realização de cultos religiosos, a Constituição Federal de 1988, além de prever expressamente esta garantia, denegou expressamente os entes políticos qualquer conduta que inviabilizasse os cidadãos de estabelecerem cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los ou embaraçar-lhes o funcionamento, de acordo com regramento previsto no artigo 19, I. Portanto, de acordo com as considerações delineadas acima, entendemos que a constituição de 1988 deu uma real importância ao laicismo no Brasil ao assegurar aos cidadãos o direito à liberdade religiosa, através de processamento de cultos em templos que correspondam respectivamente a sua fé baseada a devoção em determinada divindade escolhida ao seu livre arbítrio. Logicamente, visando colaborar com tal garantia, a Carta Magna atual tratou de assegurar todos os mecanismos possíveis para que o cidadão exerça o seu direito à liberdade religiosa, dentre eles a desoneração tributária por intermédio de mandamento constitucional, leia-se “imunidade tributária”. Assim, com supedâneo nas razões articuladas no presente tópico introdutório, com o advento da Constituição Federal de 1988 surge então a figura da “imunidade tributária dos templos de qualquer culto”, expressamente positivada no artigo 150, VI, “b’, do vigente ordenamento jurídico constitucional, a qual será objeto de análise e estudos do presente trabalho.   1  NORMAS JURÍDICAS As normas jurídicas são os elementos componentes de um sistema jurídico, de forma hierarquizada, as quais mantêm entre si relações de coordenação e subordinação com a finalidade de dar uma maior efetividade na forma operacional de um determinado sistema. Corrobora com esta premissa, no que diz respeito ao conceito adotado no presente artigo inerente a conceituação dada ao instituto das normas jurídicas, a premissa fixada por Paulo de Barros Carvalho: O sistema do direito oferece uma particularidade digna de registro: suas normas são dispostas numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação que se opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e suas transformações.[4] A partir destas considerações iniciais, com respaldo na premissa acima ventilada, a qual serve de subsídio ao nosso posicionamento, classificamos as normas jurídicas como elementos componentes de um sistema jurídico, os quais se relacionam entre si de forma hierarquizada, em forma de coordenação e subordinação. Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura, As primeiras estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas nas relações intersubjetivas; as de estrutura ou de organização dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõem sobre órgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema.[5] Ademais, corroborando com a premissa de Paulo de Barros Carvalho, a qual adotamos no presente trabalho, Noberto Bobbio também tratou de efetuar a divisão das normas jurídicas quanto ao seu objeto, diferenciando as normas de estrutura e as normas de conduta, assim se manifestando: Em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura, isto é, normas dirigidas diretamente a regular a produção de outras normas. Comecemos pela Constituição […] há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos, como as que dizem respeito aos direitos de liberdade; mas existem outras normas que regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder Legislativo, e, portanto, não estabelecem nada a respeito de pessoas, limitando-se a estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas.[6] Assim, quanto a divisão adotada pela doutrina tradicional a respeito do objeto das normas jurídicas, discorreremos de forma mais analítica a seguir.   1.1              Normas de Estrutura Entendemos por normas de estrutura como sendo aquelas ligadas ao plano da competência tributária do ente político que lhe é assegurada pela Constituição Federal, a qual lhe permite através desta norma originária a produção de outras normas ligadas ao plano infraconstitucional, dirigindo-se diretamente as condutas dos sujeitos, devendo estas, obviamente, observar os limites capitulados no texto constitucional. Nesta linha de raciocínio, entendemos que o texto da Constituição Federal, na seara do Direito Tributário, possui normas de estrutura as quais outorgam competência aos entes políticos para editar normas referentes aos tributos que são de sua competência bem como lhe impõe limites ao exercício desta atividade por meio dos princípios nela previstos. Para ilustrar esta premissa, trazemos à baila o conceito adotado por Paulo de Barros Carvalho a fim de conceituar as então denominadas normas de estrutura: São normas que aparecem como condição sintática para a elaboração de outras regras, a despeito de vincularem comportamentos disciplinadores que se vertem igualmente sobre os comportamentos intersubjetivos.[7] Ademais, a título de exemplo de tais regras, concordamos com a classificação de Paulo de Barros Carvalho[8] no sentido de apontar como exemplo de tais normas àquelas que outorgam competências, isenções, procedimentos administrativos, procedimentos judiciais e imunidades tributárias. Ou seja, em síntese, podemos entender que as normas de estrutura partem do maior plano da legislação, no Direito Brasileiro, qual seja a Constituição Federal, a qual servirá como elemento objetivo de embasamento para criação de outras normas. Com base nestas considerações, podemos dizer que as normas jurídicas de estrutura, também denominadas de regras jurídicas de competência, são aquelas que possuem um antecedente descrevendo um fato no qual acarretará no processo de enunciação crucial para a criação de um tributo e consequentemente uma relação jurídica que terá como objeto uma permissão concedida aos entes políticos em relação ao exercício da competência em relação à instituição de tributos, sendo, evidentemente, necessária a observância de limites formais e materiais estabelecidos na Constituição Federal. Portanto, de acordo com as considerações expostas ao longo deste tópico, entendemos que é por intermédio das normas de estruturas que o ordenamento jurídico estabelece os parâmetros de criação de novas normas jurídicas, assim entendidas como normas de conduta, as quais farão parte em um nível inferior de um sistema jurídico compostos entre normas de superior e inferior hierarquia as quais relacionam-se entre si a fim de estabelecer limites em relação ao seu campo de atuação.   1.2              Normas de Conduta No que diz respeito às normas de conduta, entendemos como aquelas que partem do âmbito infraconstitucional, criadas a partir de normas de estrutura a nível constitucional, objetivando regulamentar as relações intersubjetivas entre os sujeitos componentes de um sistema jurídico, modalizando-as deonticamente como permissivas, obrigatórias e proibitivas. Esta modalidade de norma jurídica pode ser dividida em duas espécies: (i) normas gerais e abstratas e (ii) normas individuais e concretas. As (i) normas gerais e abstratas são voltadas para uma futura projeção da norma jurídica, ou seja, eventos que futuramente possam ocorrer com a respectiva vertente em linguagem jurídica competente. A exemplo dessa afirmação, vejamos a Regra Matriz de Incidência Tributária de determinado tributo (IPTU, ICMS, ISS, IPI, etc). Já as (ii) normas individuais e concretas são aquelas voltadas para tempo pretérito, ou seja, descrevem um evento já ocorrido no plano fático que caracterizam a efetivação dos critérios elencados na Regra Matriz de Incidência Tributária, assim entendida como o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão de incidência tributária, de acordo com os dizeres de seu criador, Paulo de Barros Carvalho.[9] A título de exemplo das denominadas normas individuais e concretas, temos o lançamento tributário, de acordo com a sua sistemática positivada nos artigos 142 e seguintes do Código Tributário Nacional. Ademais, entendemos que a incidência das normas de conduta não se dá de forma automática e infalível, já que é necessário, para isso, a presença de um agente para verter o evento em linguagem jurídica competente para constituir o fato jurídico tributário, o que caracteriza o processo de positivação das normas, seguindo os ditames da premissa adotada por Paulo de Barros Carvalho.[10] Corroboramos também com o autor no sentido de entendermos que a incidência e a aplicação da norma jurídica no processo de positivação deverão ocorrer de forma concomitante e não em momentos distintos, como entende a clássica doutrina defendida por Pontes de Miranda.[11] Assim, formamos o posicionamento visando classificar as normas jurídicas de condutas como aquelas que requerem uma prescrição normativa já existente as quais delimitem parâmetros normativos a serem seguidos em sua prescrição. Em outras palavras, mas na mesma linha de raciocínio, são os dizeres de Paulo de Barros Carvalho: As outras, com seu timbre de mediatidade, instituem condições, determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a construção de regras do primeiro tipo. Denominemos normas de conduta às primeiras e normas de estrutura as últimas.[12] Corroboramos com o autor no sentido de apontar como exemplo de normas de conduta as regras matrizes de incidência dos tributos e todas aquelas as quais prelecionam acerca do cumprimento de deveres instrumentais ou formais, as quais são referentes às obrigações acessórias. Com base nas considerações acima expostas, a diferença crucial existente nestes dois tipos de espécies normativas reside no fato de as regras de estruturas prescreverem o relacionamento a ser seguido pelas normas de conduta entre si, bem como a produção e modificação que eventualmente queria produzir em face de outras normas já preexistentes, já as normas de conduta serão aquelas que se dirigem diretamente às condutas das pessoas por meio de um plano normativo já preexistente.   2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA 2.1              Conceito Existem diversos conceitos de imunidade na doutrina tributária. Uns tendem a posicionar-se no mesmo sentido, definindo a imunidade como uma (1) limitação constitucional ao poder de tributar e outras tendem a defini-la como uma (2) regra excludente do poder de tributar, sendo estas duas correntes majoritárias existentes na doutrina. No presente trabalho, divergiremos destas duas correntes. Pois bem, primeiramente, a definição da imunidade como (1) limitação constitucional ao poder de tributar é aquela a qual salienta que a norma imunizante consiste em uma limitação prevista na Constituição Federal, a qual inibe a competência tributária. Nesta linha de raciocínio, são as palavras de José Souto Maior Borges: É a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar. Mais precisamente ainda: a eficácia específica do preceito imunitório consiste em delimitar a competência tributária aos entes políticos. Porquanto consiste numa limitação constitucional, a imunidade é uma vedação, uma negativa, uma inibição ao exercício da competência tributária. A imunidade é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária.[13] Em contraposição a premissa supramencionada, Humberto Ávila tende a conceituar a imunidade como (2) regra “excludente do poder de tributar”, já que a sua fenomenologia tende e suprimir uma parcela da competência dos entes políticos em tributar, senão vejamos as palavras do doutrinador: A supressão (interna) de uma parcela do poder de tributar por meio de norma constitucional recebe o nome de imunidade […]. As imunidades, enquanto normas, são, em geral, regras expressas. Sob esse ponto de vista, é correto afirmar que as imunidades são regras expressas, excludentes do poder de tributar.[14] Conforme se observa, as duas correntes tradicionais supramencionadas tendem a tratar o instituto da imunidade tributária como sendo uma (1) limitação constitucional da competência tributária dos entes políticos ou a (2) supressão ou exclusão da competência dos entes quanto ao seu poder de tributar, de acordo com os conceitos de sua doutrina. Todavia, conceituamos o instituto da imunidade tributária de forma diversa. Entendemos que as Imunidades Tributárias consistem em normas jurídicas de âmbito constitucional que impõem ao legislador infraconstitucional uma espécie de proibição quanto a imposição de normas de conduta que instituam tributos em determinadas hipóteses de incidência. Corrobora com esta premissa Robson Maia Lins[15]: Tratam-se, em síntese, de normas jurídicas necessariamente de nível constitucional, as quais estabelecem uma proibição ao legislador infraconstitucional de emitir regras jurídicas que instituam determinados tributos em certas situações específicas (há a associação dos modais deônticos “proibido” + “obrigar”). Com a devida vênia, na esteira das críticas adotadas por Paulo de Barros Carvalho, não concordamos com a teoria de José Souto Maior Borges, a qual classifica a imunidade como (1) limitação constitucional ao poder de tributar, uma vez que entendemos que a imunidade não limita a competência tributária dos entes políticos a ponto de retirá-la em relação a determinadas hipóteses de incidência, mas apenas a delimitaria para então estabelecer os contornos da incidência da norma jurídica imunizante. Portanto a terminologia correta, ao nosso ver, seria a utilização da expressão “delimitação” ao invés de “limitação” para fins de conceituar a imunidade tributária. De outra forma, com toda máxima vênia que lhe é pertinente, ousamos discordar do nobríssimo jurista Humberto Ávila, o qual conceitua a imunidade tributária como uma (2) supressão ou exclusão da competência dos entes quanto ao seu poder de tributar. Discordamos de tal premissa por entender incoerente a utilização das expressões “supressão” ou “exclusão”, pois utilizando as duas terminologias a fim de conceituar a imunidade tributária, leva o intérprete a obter a ideia de que a norma imunizante retira a competência do ente político em relação ao seu poder de tributar, todavia tal fenomenologia não faz sentido, uma vez que entendemos não ser possível excluir uma competência tributária que jamais foi inserida no ordenamento jurídico tributário constitucional, ou seja, para “suprimir” a competência tributária ela necessitaria estar inserida no ordenamento jurídico, pois caso contrário não há de se falar em supressão. Por estas razões, na esteira do professor Robson Maia Lins[16], em prefácio a Paulo de Barros Carvalho, posicionamos para conceituar a imunidade como normas jurídicas (norma de estrutura) a nível constitucional, que estabelecem proibições ao legislador infraconstitucional quanto a possibilidade de emissão de normas jurídicas tributárias em face de determinadas hipóteses de incidência.   2.2              Alcance em relação as espécies tributárias Na Constituição Federal de 1988 consta expressamente em seu texto imunidades tributárias relativas aos impostos, taxas, contribuições de intervenção de domínio econômico e contribuições sociais. Lógico que tal entendimento, para não ser eivado de vício em relação ao seu fundamento, respalda-se na classificação pentapartida das espécies tributárias, a qual preleciona que na Constituição Federal existem cinco espécies de tributos, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições. Tal premissa, na qual registramos nossa concordância, é adotada por Ives Gandra da Silva Martins[17] e pelo Supremo Tribunal Federal. Pois bem, as imunidades em relação aos impostos encontram previsão a princípio no artigo 150, VI, “a” a “e”, o qual veda a cobrança de impostos incidentes sobre o patrimônio (IPTU, IPVA, ITR, ITBI), renda (IR) e serviços (ICMS, ISS) dos entes políticos, templos de qualquer culto, partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil. Adiante, ainda em relação aos impostos, temos a imunidade atribuída aos produtos industrializados destinados à exportação quanto a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e ainda a imunidade das pequenas glebas rurais em relação a incidência do Imposto Territorial Rural – ITR, conforme previsão do artigo 153, §§ 3º, III e 4º, II. Por fim, vemos que as operações de transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação ou cisão ou extinção de pesso jurídica serão imunes quanto a incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, conforme prevê o artigo 156, §2º, I. Em relação as taxas, o texto constitucional estabelece que todos os serviços inerentes ao acesso ao judiciário, registros públicos, emissão de documentos ou certidões nos órgãos da administração pública direta ou indireta, serão imunes quanto a cobrança deste tributo quando o contribuinte demonstrar a sua hipossuficiência em relação ao seu pagamento, conforme artigo 5º, incisos XXXIV, LXXIII, LXXIV, LXXXLI e LXXVII. No tocante as contribuições de intervenção de domínio econômico – CIDE, haverá a imunidade das receitas decorrentes de exportação, de acordo com o artigo 149, §2º, I. Por fim, no tocante as contribuições sociais, serão imunes a princípio, também, as receitas auferidas pelas pessoas jurídicas em decorrência de suas operações destinadas a exportação (Art. 149, §2º, I), bem como estarão imunes em relação a este tributo a folha de salários, receita, faturamento, lucro das então denominadas entidades beneficentes da assistência social, quando devidamente certificadas em razão do cumprimento dos quesitos delineados na lei 12.101/09,  conforme preconiza o artigo 195, §7º, do texto constitucional. Em suma, apontamos estas imunidades tributárias previstas no texto constitucional vigente, não havendo nada que impeça que o legislador insira no ordenamento constitucional uma nova espécie de imunidade. Ademais, registramos que a imunidade é extensiva a todas as espécies tributárias, conforme salienta Clélio Chiesa[18]: Neste trabalho, defende-se a tese de que o texto constitucional contempla hipóteses de imunidades referentes a tributos que não são impostos, como é o caso do art.5º, inciso XXXIV, “a” e “b”, inciso LXXIV, LXXVII e art. 195, § 7º, art. 226, §1º, todos da Constituição Federal. Portanto, no âmbito deste trabalho, o instituto das imunidades não diz respeito somente a impostos, mas pode referir-se a qualquer uma das espécies tributárias. Percebemos então que o ordenamento jurídico constitucional prevê a existência de imunidades tributárias que abarcam os impostos, taxas, contribuições de intervenção de domínio econômico e contribuições sociais, conforme defendido no presente trabalho, porém não há nada que impeça o legislador constituinte de estendê-las a qualquer uma das demais espécies tributárias, claro, levando em consideração que adotamos a classificação pentapartida.   2.3  Instrumento normativo adequado para regulamentação das imunidades O artigo 146 da Constituição Federal estabelece quais são as atribuições da lei complementar em matéria tributária. Os incisos I a III deste dispositivo, na esteira da corrente tricotômica a qual somos adeptos no presente trabalho, entendemos que cabe a esta espécie normativa a) dispor sobre conflitos de competência; b) regular as limitações do poder de tributar e c) estabelecer normas gerais em direito tributário, senão vejamos: Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: Pois bem, de acordo com o inciso II, é função da lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, no que interessa ao presente caso, estamos tratando da imunidade tributária. Entendemos que a norma constitucional prevista neste dispositivo impõe o dever ao legislador de regulamentar os quesitos necessários para usufruto das denominadas imunidades condicionadas, assim entendidas como aquelas previstas no artigo 150, VI, “c”, da CF/88, através da edição de lei complementar. Todavia, existem posicionamentos divergentes na doutrina em relação a premissa que adotamos no presente trabalho, os quais entendem como desnecessária a edição de lei complementar para fins de regulamentar as denominadas imunidades condicionadas. A título de exemplo, Hamilton dias de Souza[19] tem como premissa que a imunidade tributária possui norma autoaplicável, sendo, portanto, desnecessária a edição de lei complementar para estabelecer os requisitos a serem preenchidos pelos respectivos beneficiários a fim de gozarem do benefício imunizante. Não concordamos com tal premissa uma vez que entendemos que as imunidades tributárias condicionadas não são autoaplicáveis, estando submissas a regulamentação de legislação complementar a fim de impor aos beneficiários do art. 150, VI, “c”, da CF/88, os quesitos necessários para usufruto. Tais quesitos estão devidamente explicitados no artigo 14, incisos de I a III, do Código Tributário Nacional, os quais estabelecem que: Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Portanto, entendemos que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), por atribuição de competência que lhe é assegurado pelo artigo 146, II, da Constituição Federal, na condição de lei complementar em matéria tributária, deverá estabelecer os requisitos indispensáveis para que os beneficiários das denominadas imunidades condicionadas possam dela gozar, a fim de ter excluído de seu patrimônio, renda ou serviços a incidência dos respectivos impostos. Entendemos ser inegável a competência única e exclusiva da lei complementar federal para regular os requisitos para usufruto das imunidades tributárias até mesmo para evitar que os entes políticos legislem a seu bel prazer através da edição de leis ordinárias estabelecendo quais seriam os quesitos para que os beneficiários possam usufruir das imunidades tributárias condicionadas. Corrobora com esta premissa Frederico Araújo Seabra de Moura, ao dizer que: Não é por outra razão que o Texto Magno, em seus artigos 150, VI, “c” e 146, II, exige que lei complementar positive no sistema as formalidades necessárias para que as pessoas lá mencionadas gozem dos benefícios da imunidade. E essa lei complementar, sem qualquer dúvida, é veiculadora de norma geral em matéria tributária, pois pretende padronizar os requisitos para gozo da imunidade em todas as esferas políticas, visando evitar situações como a exemplificada no parágrafo anterior.[20] Pelo então exposto, posicionamos no sentido de atribuir a lei complementar a competência como veículo normativo responsável para regulamentar as então denominadas imunidades condicionadas previstas no artigo 150, VI “c”, do texto constitucional, impondo, nos termos do artigo 14, I a III, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), todos os requisitos necessários para usufruto da imunidade tributária em relação aos impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços.   3 IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO 3.1              Origem histórica no ordenamento jurídico brasileiro Na era do Brasil Colônia, desde o seu descobrimento em 22 de abril de 1500 até a sua independência em 07 de setembro de 2019, seguia-se o ordenamento jurídico português. Com o final do Brasil Colônia em 1822, tendo início a era do Brasil Império, foi editada a Constituição de 1824 a qual passou a prever uma espécie de imunidade implícita as igrejas católicas, já que esta carta magna reconheceu tal religião como oficial do império, através de seu artigo 5º[21], e isso gerava uma automática impossibilidade de tributação de seus templos. No decorrer das décadas, com o advento da Constituição Federal de 1891, a imunidade tributária dos templos católicos passou a ter contornos mais visíveis, ao prever expressamente que é vedado aos Estados e a União “estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”, conforme previsão de seu artigo 11, 2º).[22] A Constituição Federal de 1934 manteve o comando normativo existente no supramencionado dispositivo (art. 11) da constituição anterior (1891), ainda prevendo uma espécie de imunidade tributária implicitamente prevista no texto constitucional, todavia ampliou a vedação também ao Distrito Federal e municípios, uma vez que as figuras destes entes políticos não existiam até então, sendo o território brasileiro dividido somente em estados. A partir desta carta magna os municípios passaram a ter uma autonomia expressa (art. 13º), inclusive para instituir seus impostos e taxas (II), razão pela qual passou-se a restrição a abrangê-lo, conforme previsto em seu artigo 17[23], II[24]. Adiante, a Constituição Federal de 1937 não alterou a redação do dispositivo existente no texto constitucional anterior (1934), todavia alterou a previsão da norma imunizante, passando do artigo 17, II, para o então artigo 32[25], “b[26]”. Analisando o bojo dos comandos normativos existentes nas Constituições Federais de 1824, 1891, 1934 e 1937, percebemos que não havia nenhuma restrição expressa aos entes políticos de instituírem tributos sobre os templos de qualquer culto. O que se havia, à época, era uma espécie de imunidade tributária implícita no texto constitucional, a qual vedava aos entes políticos praticar condutas que subvencionassem ou subvencionassem as práticas de cultos religiosos, ou seja, na prática seria o mesmo que tributar as entidades religiosas a ponto de onerar suas atividades de modo a inviabilizar a realização de suas finalidades essenciais, qual seja, a prática de cultos religiosos. Na esteira deste raciocínio, são as palavras de Ricardo Lima de Oliveira: A leitura e a compreensão dos artigos citados acima é fundamental para se verificar que as Constituições Brasileiras de 1824, 1891, 1934 e 1937 não traziam nenhuma disposição expressa sobre a imunidade das Igrejas. O que se tinha nos textos constitucionais era a proibição de que o Estado interviesse nos cultos religiosos, seja para manter, subvencionar ou embaraçar seu funcionamento. Isto é, não poderia patrocinar financeiramente nem atrapalhar seu exercício. Mas, apesar de as referidas constituições não apresentarem em seus textos a referência expressa a imunidade dos templos religiosos, havia uma imunidade tácita. Os governos (tanto durante o império quanto durante a República) não cobravam tributos das igrejas. Muito pelo contrário, em alguns casos até remuneravam os seus dirigentes e sustentavam os locais de ensino religioso, como visto nos tópicos anteriores.[27] Com o advento da Constituição Federal de 1946, o ordenamento jurídico constitucional passou a prever explicitamente a imunidade tributária dos templos religiosos, ao vedar expressamente a cobrança de impostos incidentes sobre suas rendas, de acordo com o seu artigo 31, V, “b”, abaixo transcrito:   Art. 31 – A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:   V – lançar impostos sobre:   Como se observa, constatamos que a mudança primordial ocorrida na seara das imunidades tributárias se deu a partir do advento da Constituição Federal de 1946, aonde passou-se a ter uma garantia expressamente prevista em seu texto, outrora prevista apenas implicitamente nos anteriores textos constitucionais conforme suscitado, a fim de assegurar aos templos de qualquer culto de não serem tributados em relação a impostos. Este foi o marco inicial existente no ordenamento jurídico tributário constitucional brasileiro a fim de assegurar aos templos de qualquer culto a não incidência de impostos sobre seus bens, rendas, serviços, etc. A constituição subsequente, de 1967 com as alterações da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, nada mais fizeram, por intermédio de seus artigos 20[28], III[29], “b[30]” e 19[31], III[32], “b[33]”, do que reiterar a previsão expressa de imunidade tributária aos templos de qualquer culto em relação aos impostos. Por fim, a atual Constituição Federal de 1988 assegurou a manutenção da imunidade tributária aos templos de qualquer culto em relação aos impostos, desde sua criação implícita por intermédio da constituição de 1824 e explícita através da Constituição de 1946, em relação a impostos, todavia criou-se mecanismos delimitando a sua abrangência bem como quesitos a serem cumpridos para fins de legalizar o usufruto de tal benesse constitucional, conforme abordaremos nos capítulos seguintes.     4  A IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO SEGUNDO A CF/88 A imunidade dos templos de qualquer culto encontra previsão na Constituição Federal de 1988, através do artigo 150, VI, “b”, o qual estabelece que: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:   VI – instituir impostos sobre:     O fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto de acordo com a atual constituição é respaldado nas garantias fundamentais previstas nos incisos VI, VII, e VIII, do artigo 5º, os quais estabelecem a liberdade de consciência e de crença a todos os cidadãos brasileiros, senão veja-se: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:   VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;   VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;   VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; Conforme depreendemos através da leitura das garantias fundamentais previstas nos dispositivos mencionados, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a previsão expressa de mecanismos que possibilitem a todos os cidadãos brasileiros o acesso a religião, conferindo-lhes o direito amplo e irrestrito de exercerem a sua liberdade religiosa. Neste sentido, são as palavras de Roque Antônio Carraza[34]: Como facilmente se percebe, a ratio essendi destes dispositivos é garantir, a todas as pessoas, sua religiosidade e, mais do que isso, permitir que a divulguem e manifestem livremente. A Constituição conferiu-lhes a titularidade ativa do direito à ampla e irrestrita liberdade religiosa. Assim, qualquer medida, seja legislativa, seja administrativa, que, sem razão plausível, anule ou tolha a liberdade de culto, padecerá de inconstitucionalidade. Portanto, a fim de assegurar a todos os cidadãos o cumprimento das supramencionadas garantias, bem como assegurar a manutenção das atividades religiosas dos templos de qualquer culto, a atual Carta Magna prevê a expressa desoneração em relação aos pagamentos dos impostos incidentes sobre o patrimônio, renda e serviços. No que diz respeito ao conceito de “templo”, do latim templu, a fim de delimitarmos a abrangência da imunidade em análise, a doutrina aponta a existência de 3 (três) teorias predominantes, quais sejam a (I) clássico-restritiva, (II) clássico-liberal e a (III) moderna. Primeiramente, em relação a (I) Teoria Clássico-Restritiva, para os fiéis defensores dessa teoria, como Sacha Calmon Navarro Coelho e Pontes de Miranda[35], o conceito de “templo” para fins de delimitar a abrangência da imunidade tributária, consiste no local destinado à celebração do culto, ou seja, a imunidade abrange tão somente o local do culto, não se estendendo aos demais imóveis de propriedade da entidade religiosa. A título de exemplo, de acordo com esta teoria, um imóvel de propriedade da entidade religiosa utilizado como estacionamento de veículos dos fiéis não estaria acobertado pela benesse imunizante uma vez que não congrega a expressão “culto”. Em um segundo momento, temos a denominada (II) Teoria Clássico-Liberal, a qual denomina o conceito de “templo” de uma forma mais abrangente, de forma a classificar “templo” como sendo todo aquele patrimônio da entidade religiosa que contribui para a realização de sua atividade essencial, qual seja a realização de “culto” religioso. Como fiel defensor dessa premissa, citamos Aliomar Baleeiro[36], aduzindo que não deve ser considerado o templo “apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento”, ou seja, todos aqueles imóveis da entidade religiosa que contribuam para a regular desenvoltura de suas atividades essenciais, desde que não sejam estes empregados para fins econômicos. Por fim, a (III) Teoria Moderna conceitua templo como “entidade” de uma forma ampla, podendo instituição, organização ou instituição mantenedoras de templos religiosos, ou seja, em sentido jurídico entidade possui um conceito mais amplo do que pessoa jurídica, conforme salienta Flávio Campos.[37] Posicionamos aqui no sentido de entender que a (II) Teoria Clássico-Liberal, na esteira da premissa de Aliomar Baleeiro, como sendo a mais adequada a se utilizar bem como a aceita pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que a imunidade contempla não somente o imóvel correspondente ao local do culto, mas também todos aqueles aglomerados que são utilizados para contribuir na execução as finalidades essenciais da instituição religiosa, conforme será demonstrado no decorrer do presente trabalho. Também corrobora com esta premissa, em relação ao conceito de “templo” para fins de apontar a abrangência da imunidade tributária, Hugo de Brito Machado ao dizer que: Templo não significa apenas a edificação, mas tudo que seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para a residência dos religiosos.[38] De acordo com as premissas ventiladas no presente tópico, posicionamos no sentido de que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, respaldada em diversas garantias constitucionais aplicáveis a este positivadas no artigo 5º da CF/88 (liberdade de crença, assistência religiosa, etc.), apontam para desonerar as instituições religiosas em relação ao dever de pagar impostos incidentes não somente no imóvel no qual é realizado o culto, como também os demais aglomerados os quais são cruciais para a realização das finalidades religiosas.   4.1              Alcance da imunidade tributária em relação ao patrimônio dos templos de qualquer culto Conforme estudamos no capítulo anterior, a imunidade dos tempos de qualquer culto encontra-se positivada no artigo 150, VI, “b”, da então vigente Constituição Federal. Pois bem, em relação ao alcance de tal imunidade, o referido dispositivo, por intermédio de seu §4º, estabelece que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto “compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”, senão veja-se: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: Interpretamos a norma existente no disposto no §4º acima transcrito, para afirmar que o alcance da imunidade tributária abarca a todo o patrimônio da entidade religiosa destinado as suas finalidades essenciais, assim entendida como a prática da atividade religiosa, não abarcando tão somente o imóvel exclusivamente destinado a realização do culto. Neste rol, incluímos a casa do padre (ou pastor), o convento, o cemitério destinado ao enterro dos membros da entidade religiosa (freis, padres, freiras, pastores, bispos, etc.), estacionamento destinados aos fiéis em dia de cultos, etc. Esta é a concepção que entendemos ser a mais adequada para fins de delimitar o alcance da imunidade tributária em análise, a qual reproduz a premissa fixada pelos fiéis adeptos da (II) Teoria Clássico Liberal,  que classifica a expressão “templo” como “atividade”, nesta linha de raciocínio todo o patrimônio, renda e serviços da entidade religiosa que estejam direta ou indiretamente direcionados as atividades essenciais da entidade religiosa, qual seja a prática de culto, estará acobertada pela imunidade tributária. É nesta premissa, adotada no presente trabalho, que a maioria dos doutrinadores se embasam. Nesta linha de raciocínio, vejamos a premissa ventilada por Paulo Caliendo: A concepção templo atividade entende que a imunidade se estende aos templos entendidos como o conjunto de práticas e atividades dirigidas à realização do culto. Nessa compreensão a imunidade se dirige ao conjunto de bens que viabilizam direta ou indiretamente a prática do culto, incluindo não somente o imóvel aonde está situado o templo, mas também outros imóveis de suporte ao exercício religioso: residência do ministro de confissão, centro de ensino religioso, centro de práticas e reflexões eclesiásticas e os veículos utilizados para este fim (avião, automóvel etc.). Em suma, nesta tese a imunidade se identifica com o actus, ou seja, como se exercita o direito fundamental à liberdade religiosa por meio do culto.[39] Ademais, falamos muito no presente trabalho em finalidades essenciais dos templos de qualquer culto, mas em que consiste tal expressão e o que abrangeria em relação ao patrimônio do tempo a fim de delimitarmos o alcance da imunidade em análise. Sobre os pontos formulados, as palavras de Roque Antônio Carraza são bem esclarecedoras: A nosso sentir, as que se referem à prática dos atos litúrgicos, à divulgação das crenças da Igreja (proselitismo religioso), à orientação espiritual dos fiéis, à formação dos ministros da entidade religiosa e ao exercício de atividades filantrópicas e de assistência social, que põem em ação os ensinamentos doutrinários da confissão religiosa.[40] Ou seja, as finalidades essenciais dos templos de qualquer culto consistem em todas aquelas práticas que visem a divulgação dos dogmas religiosos da entidade, que vão desde a orientação espiritual dos fiéis, práticas de atividades de cunho filantrópico visando atender os bons costumes, a divulgação dos dogmas religiosos, até a formação de líderes religiosos que visem perpetuar a divulgação de determinado dogma religioso. Outra questão que merece destaque ao nosso ver é inerente ao conceito da palavra “culto”, a fim de delimitarmos o alcance da imunidade em análise. Em outras palavras, o que seria “culto” para utilizarmos como artifício delimitador da imunidade dos templos? O conceito de “culto” que encontramos no Dicionário[41], é aquele que o classifica como “um conjunto de atitudes e ritos pelos quais um grupo de fieis adora ou venera uma divindade”. Seu conceito, na seara do Direito Tributário, para fins de delimitar o campo de atuação da imunidade tributária prevista no texto constitucional, é um significado amplo, que abrange várias atividades voltadas para a devoção de determinada divindade, conforme novamente bem explica Roque Antônio Carraza: Por outro lado, também não se contesta que a palavra “culto” é polissêmica, servindo para designar seja o conjunto de atitudes, ritos ou cerimônias desenvolvidas por uma igreja, com escopo de melhor pregar a mensagem divina, seja a própria “confissão religiosa”. No primeiro sentido, laico, o culto não passa de uma reverência respeitosa a Deus ou a entes sobrenaturais. Nosso ordenamento jurídico inadmite que tal conduta seja perturbada ou escarnecida, que quando realizada no interior dos templos, quer quando se dá em público, vale dizer, em cerimônias e festividades religiosas.[42] Nesta linha de raciocínio, entendendo a pluralidade da expressão “culto” como sendo uma série de atos praticados pela entidade religiosa ligados a devoção de uma determinada divindade, podemos nesta premissa afirmar também que todos os imóveis que estariam diretamente ligados a manutenção e ao desenvolvimento do “culto” da entidade religiosa, seriam abarcados pelo manto da imunidade tributária. Esse é o entendimento que achamos mais adequado a fim de delimitar o alcance da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, pois com o advento da Constituição Federal de 1988, a abrangência desta imunidade passou a ter um caráter mais subjetivo, por englobar o patrimônio, a renda e os serviços das entidades religiosas, tendo portanto uma interpretação mais ampliativa, nos dizeres de Ives Gandra Martins da Silva e Paulo de Barros Carvalho.[43] Reforça este posicionamento o fato de a Constituição de 1967, alterada pela EC nº 1, de 1969, através de seu artigo 20, III, “b”, prever restritamente o alcance da imunidade tributária tão somente em relação ao imóvel no qual está localizado o templo em si, uma vez que nessa carta magna a denominação de “templo” era tão somente a edificação na qual de fato realizava-se o culto religioso. Assim, concluímos que a Constituição de 1988 deu uma interpretação mais ampliativa da palavra “templo”, uma vez que a redação do §4º, de seu artigo 150,  vedou a incidência de impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, estendendo o alcance da norma imunizante advinda do anterior texto constitucional (1967), passando a norma imunizante a englobar todos os principais quesitos (patrimônio, renda e serviços) necessários para a manutenção das finalidades essenciais dos templos de qualquer culto, assim entendidas como aquelas cerimônias voltadas ao culto de determinada divindade.   4.2              Imunidades dos templos de qualquer culto e os impostos indiretos Como é cediço e fato notório ao presente caso, no ordenamento jurídico tributário temos o que a doutrina e a jurisprudência classificam como impostos diretos e indiretos. Os impostos diretos, nos dizeres de José Eduardo Soares de Melo[44], são aqueles que não têm repercussão econômica em terceira pessoa, uma vez que a carga econômica é suportada diretamente pelo contribuinte. A exemplo desta modalidade de impostos, citamos o IR, IPTU, IPVA, ITBI, ITCD, etc. De outra forma, os impostos indiretos são aqueles cujo encargo tributário é transferido pelo contribuinte de direito, assim entendido como o sujeito passivo da relação jurídico tributária, a terceira pessoa alheia a regra matriz de incidência tributária, o dito contribuinte de fato. A exemplo destes impostos, citamos o ISS, ICMS e IPI. Pois bem, na seara das imunidades tributárias dos templos de qualquer culto, muito se discutiu perante o Supremo Tribunal acerca de possibilidade de usufruir da imunidade tributária na condição de contribuinte de fato ou de direito, em operações que caracterizam a hipótese de incidência dos impostos indiretos. Em um primeiro momento, analisamos a hipótese de uma entidade religiosa que exerce a venda de mercadorias aos seus fiéis, estaria tal operação sujeita a incidência do ICMS? Primeiramente, para chegarmos a uma resposta, partimos da análise do texto constitucional, onde constatamos que o §4º, do artigo 150, prevê de forma expressa que as imunidades dos templos de qualquer culto abrangem tão somente os impostos incidentes sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, assim entendidas, como a efetiva prestação de “culto”. Ou seja, se a entidade religiosa vende mercadorias, por exemplo artefatos religiosos, a operação de venda em si, ao nosso entender, é uma operação totalmente desvirtuada de suas ditas “finalidades essenciais”, já que possui caráter de mercancia, ou seja, comércio. Nesta linha de raciocínio, os estados, sob uma ótica extremamente fiscal almejando a arrecadação de tributos, tende a impor em face da entidade a exigência do ICMS incidente sobre tais operações, daí analisaremos sob a visão do Supremo Tribunal Federal se tais operações de venda de mercadorias praticadas pela entidade religiosa devem ser tributadas ou estariam acobertadas pelo manto da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “b”, do texto constitucional. Pois bem, em casos como este, o Supremo Tribunal proferiu um julgamento no ano de 2006, através dos embargos de divergência no RE nº 186.175/SP[45], sob relatoria da Ministra Ellen Gracie, fixando o entendimento de que a entidade religiosa, na condição de contribuinte de direito, quando praticar operações de comércio de bens por ela produzidos, estará acobertada pelo manto da imunidade tributária desde que a renda oriunda desta atividade seja inteiramente voltada a manutenção de suas atividades essenciais. Embora o julgamento em questão faça menção as instituições de assistência social, tal entendimento vem sendo aplicado, desde então, por analogia as instituições de ensino religioso, os aqui estudados templos de qualquer culto. Portanto, esta é a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal quanto a questão, ou seja, quando a entidade religiosa, na condição de contribuinte de direito, realizar operações de venda de mercadorias, tais operações estarão imunes ao ICMS. Ademais, ainda na seara dos impostos indiretos, outra questão bem comum que eivada de discussão diz respeito aos imóveis da entidade religiosa, alheios àqueles utilizados para a realização do culto à divindade, os quais são utilizados para a prestação de serviços de estacionamento e guarda veículos automotores em dias de culto ou em dias comuns. Pergunta que não se quer calar: Estariam tais serviços de estacionamento e guarda de veículos imunes a incidência do Imposto sobre Serviço – ISS? Assim como na hipótese que aventamos anteriormente, especificamente em relação ao ponto que apontamos em relação a destinação da receita auferida em decorrência da venda de mercadorias, a resposta é não, desde que toda renda auferida em razão dos serviços de guarda e estacionamento de veículo automotores, independentemente se destinados a fiéis ou terceiros interessados, seja revestida em prol das finalidades essenciais da entidade religiosa. Neste sentido, foi o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em 2012 no Recurso Extraordinário com Agravo de nº 673606, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, o qual assim restou ementado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 150, VI, “C”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COBRANÇA PELA UTILIZAÇÃO DE SEU ESTACIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ISS. IMPOSSIBILIDADE DESDE QUE A RENDA AUFERIDA SEJA REVERTIDA EM PROVEITO DE SUAS ATIVIDADES ESSENCIAIS. 1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal impede a incidência do ISS tendo como base de cálculo o preço cobrado pela utilização do estacionamento da entidade social, desde que a renda seja totalmente revertida para o custeio de suas atividades essenciais. Precedente: RE 144.900, Segunda Turma, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ DE 26.09.1997[46]. Ponderada estas considerações, vislumbramos que os templos de qualquer culto, sempre quando figurarem na condição como contribuintes de direito nas relações jurídico-tributárias que envolvam os impostos indiretos, farão jus ao benefício imunizante desde que a renda auferida em decorrência da venda de produtos ou prestação de serviços, sejam revestidas as suas finalidades essenciais. Pois bem, outra celeuma surge: E quando os templos de qualquer culto figuram na relação jurídico-tributária na condição de contribuinte de fato, estariam acobertados pelo manto da imunidade em relação aos encargos econômicos que lhe são repassados pelos contribuintes de direito em relações jurídico tributárias que envolvem os impostos indiretos? Sobre este ponto, as palavras de Robson Maia Lins são bem esclarecedoras: O entendimento que aparece reiteradamente no âmbito da Suprema Corte é no sentido de que a imunidade somente tem lugar ali onde o sujeito imune seja contribuinte de direito, inaplicável nas situações em que revista somente a condição de contribuinte de fato, havendo motivo suficiente para acreditar que as razões de decidir nesses casos poderiam se aplicar integralmente às imunidades de entidades religiosas.[47] O autor corrobora com a Suprema Corte no sentido de afirmar que os templos de qualquer culto quando figurarem na relação jurídico tributária na condição de contribuinte de fato, não possuem a prerrogativa de usufruírem do manto da imunidade tributária pelo fato de não figurarem no polo passivo da relação jurídico tributária. De fato, corroboramos com esse posicionamento para afirmar a impossibilidade do templo de qualquer culto em usufruir dos efeitos da imunidade tributária quando figurarem na relação jurídico-tributária como contribuinte de fato, uma vez que são sujeitos alheios a composição da Regra Matriz de Incidência Tributária, especificamente em relação ao seu critério pessoal, previsto no consequente da norma. Daí então, como poderia o templo de qualquer culto ser atingido pelos efeitos da imunidade tributária, se não compõe o critério pessoal da Regra Matriz de Incidência Tributária de determinada espécie tributária? Mesmo nos casos dos tributos indiretos, não há de se falar em extensão dos efeitos da norma imunizante quando o seu beneficiário, in casu os templos de qualquer culto, não comporem o polo passivo da Regra Matriz de Incidência. Para fins meramente ilustrativos, visando ilustrar a premissa doravante defendida, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aponta, neste sentido, para fins de afirmar que os templos de qualquer culto, quando figurarem na condição de contribuinte de fato em uma relação jurídico tributária passível de incidência do ICMS, não farão jus a fruição do efeito imunizante, senão vejamos o leading case abaixo: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. ART. 150, INCISO VI, ALÍNEA B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ICMS. CONTRIBUINTE DE FATO. CONTRIBUINTE DE DIREITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A imunidade tributária, diferentemente do instituto jurídico da isenção, constitui verdadeiro limite ao poder de tributar, na medida em que inibe a própria competência constitucional do Ente Político de instituir o tributo em determinas situações fáticas ou jurídicas descritas no texto constitucional. Assim, por restringir a autonomia do ente federativo, a imunidade tributária deve estar expressamente prevista na Constituição Federal. 2. O art. 150, inciso VI, alínea b, da Constituição Federal, confere imunidade tributária aos templos de qualquer culto, abrangendo não somente os prédios destinados ao culto, mas também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da entidade religiosa. Precedentes do e. STF. 3. No tocante ao ICMS, há divisão da realidade da figura do contribuinte entre contribuinte de fato, que realmente suporta o ônus econômico do tributo, e contribuinte de direito, que é designado legalmente para o pagamento do imposto. 4. A imunidade tributária não pode aproveitar a terceiros que não sejam os sujeitos passivos da obrigação tributária. Precedente do STF. 5. Haja vista a entidade religiosa apresentar-se como contribuinte de fato, e não como contribuinte de direito, não pode ser considerada como sujeito passivo da tributação, de modo que sua imunidade tributária não pode afastar a incidência do ICMS. 6. O arbitramento dos honorários advocatícios em patamar irrisório é aviltante e atenta contra o exercício profissional. A fixação da verba honorária há de ser feita com base em critérios que guardem a mínima correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional. 7. Negou-se provimento à apelação. (TJ-DF – APC: 20140110842272, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 25/11/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 07/12/2015 . Pág.: 184). Pelo que então foi exposto no presente tópico, no que diz respeito aos impostos indiretos, concluímos que, em um primeiro momento, quando os templos figurarem na sujeição passiva (critério pessoal) das relações jurídico-tributárias (Regras Matrizes de Incidência), farão jus ao usufruto da norma imunizante a qualquer tempo desde que revertam a renda decorrente da arrecadação em prol  passíveis de sua incidência em suas atividades essenciais, uma vez que adotamos ao longo do presente trabalho a tradicional (II) Teoria Clássico Liberal, a qual, conforme dito em alhures, classifica a expressão “templo” como “atividade”, nesta linha de raciocínio todo o patrimônio, renda e serviços da entidade religiosa que estejam direta ou indiretamente direcionados as atividades essenciais da entidade religiosa, qual seja a prática de culto, estará acobertada pela imunidade tributária. No caso dos impostos indiretos, estando a renda, independente da utilização do bem, móvel ou imóvel, estar relacionado com sua atividade essencial, havendo vinculação de sua renda a atividade essencial da entidade fará então jus o bem ao benefício da norma tributária imunizante. Por fim, no que concerne a hipótese dos templos em figurarem como contribuinte de fato nas relações jurídico tributárias que envolvam os impostos indiretos, conforme demonstramos, não estarão abrangidos pelos efeitos das normas imunizantes por impossibilidade de sua extensão a sujeitos alheios a relação jurídica tributária, no que concerne a sua respectiva sujeição passiva.   5. TEMAS CONTROVERTIDOS 5.1              Imunidade dos templos e os bens com finalidades adversas aquelas entendidas como essenciais Um tema que causa muito celeuma nos tribunais e considerável divergência nas doutrinas que abordam o tema inerente a imunidade tributária dos templos, diz respeito a possibilidade da norma imunizante abranger aqueles bens com finalidades adversas condizentes a prática do culto religioso. A exemplo disso, destacamos uma situação hipotética clássica: “Bem imóvel de propriedade do templo alugado a terceiros com finalidade adversa a prestação de culto religioso, estaria abarcado pelo manto da imunidade tributária em relação aos impostos nele incidentes?”. Pois bem, de início constatamos que o §4º, do artigo 150 do texto constitucional consiste em uma clara restrição ao alcance da imunidade do templo, ao direcioná-la exclusivamente em relação ao patrimônio, renda e os serviços relacionados as suas finalidades essenciais, senão vejamos: Entendemos que a norma prevista no dispositivo acima transcrito serve como extensão do alcance da norma imunizante para além do imóvel no qual é praticado o culto religioso do templo. Corrobora com esta premissa Robson Maia Lins: “Trata-se de limite que confirma o alcance do preceito imunizante para além do só imóvel que abriga o culto, de modo que abrangerá também outros elementos que ainda não sejam propriamente de liturgia de uma certa religião, possam com ela relacionar-se”.[48] Tal premissa a qual adotamos no presente trabalho nada mais faz do que reproduzir aquela a qual conceitua “templo” para fins de determinar o alcance da norma imunizante, qual seja a “clássico-liberal”, cuja concepção corresponde a “templo-atividade”. Nesta linha de raciocínio, a imunidade tributária dos templos deverá necessariamente abranger seus bens imóveis com finalidades adversas as suas institucionais, todavia um quesito se faz importante de ser observado: o revestimento de toda renda auferida em decorrência da utilização deste bem por finalidade adversa, deverá necessariamente ser revestida em prol das atividades, aí sim, essenciais do templo. Isto porque acaso a renda auferida em decorrência da utilização de seus bens não sejam revestidas em suas finalidades essenciais previstas em seu estatuto, estaremos diante da flagrante violação ao princípio da livre concorrência (Art. 173, §4º, da CF/88), o qual consiste em um flagrante limitador do alcance da imunidade tributária dos templos de qualquer culto. Esta foi a premissa adotada pelo Supremo Tribunal Federal em 2002, a partir do julgamento do RE 325.822, sob relatoria do Ministro do Gilmar Mendes, cujo entendimento predominante foi no sentido de que a imunidade dos templos de qualquer deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas também todo imóvel que se encontra alugado a terceiros. O referido acórdão restou assim ementado: EMENTA: Recurso extraordinário. Citamos o leading case acima relacionado, almejando corroborar com a premissa aqui defendida para demonstrar que o fator “renda” do imóvel é crucial para determinar ou não a legitimidade de seu usufruto da benesse constitucional imunizante. Ou seja, conforme dizemos no início deste capítulo, pode o imóvel ter destinação adversa, mas se gerar “renda” e esta for redirecionada a manutenção das atividades essenciais do templo, será abarcado pelo manto imunizante conforme a interpretação extensiva da imunidade tributária dada pela teoria clássico-liberal, já que de certa forma este contribui indiretamente com a manutenção das atividades essenciais do templo mediante a produção da respectiva renda que lhe é revestida. Corrobora com esta premissa Robson Maia Lins: Uma das formas de estabelecer essa relação indispensável a imunidade é pela obtenção de receita para custear a atividade religiosa. Foi precisamente a situação do recurso acima citado e, seguindo a mesma razão de decidir, poderemos inferir que outros ativos, como depósitos financeiros e a renda decorrentes de sua aplicação – serão considerados imunes, desde que seja respeitada sua destinação ao custeio da finalidade essencial que, no caso, é a manutenção do culto religioso.[49] Na esteira deste raciocínio, a Suprema Corte editou a súmula 724, a qual prevê que “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente as entidades referidas no artigo 150, VI, “c”, da Constituição desde que o valor do aluguéis sejam aplicados em suas atividades essenciais”, senão vejamos: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades. Conforme se observa no teor da súmula invocada, o seu texto faz menção a alínea “c” do inciso VI, do artigo 150, acobertando expressamente as fundações, sindicatos dos trabalhadores, instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, todavia, uma vez que a possui fundamento no §4º do mesmo dispositivo, entendemos que os templos de qualquer culto também estão abarcados pelo seu entendimento. Portanto, adotamos como premissa no presente trabalho aquela que aponta pela extensão da imunidade tributária aos imóveis do templo com finalidade adversa, todavia se faz necessário que toda a renda auferida em decorrência da utilização destes por terceiros, sejam revestidas em prol das atividades essenciais do templo, pois daí o manto imunizante se faz presente de acordo com os ditames do §4º, do artigo 150, do texto constitucional, afastando-se então do alcance do fator limitador do usufruto da benesse imunizante proveniente do princípio da livre concorrência (Art. 173, §4º, CF/88).   5.2              Imunidade dos templos e os cemitérios agregados a entidade religiosa Durante muito tempo foi discutido nos tribunais superiores quanto a possibilidade de extensão da imunidade tributária atribuída aos templos de qualquer culto em face dos cemitérios de sua propriedade. Pois bem, no presente tópico analisaremos a imunidade dos cemitérios ligados as entidades religiosas em três hipóteses: 1) quando de propriedades dos templos, estão diretamente vinculados as atividades essenciais da instituição religiosa; 2) quando de propriedades dos templos, não vinculados a tais atividades; e, por fim 3) quando pertencentes a pessoa jurídica de direito privado, pela realização de cultos religiosos em homenagem aos mortos, seriam beneficiados pela imunidade dos templos. Como é cediço e fato notório ao presente caso, existem entidades religiosas cujo o acervo patrimonial não inclui somente o terreno no qual está edificado o seu templo, mas também outros imóveis que compõem o acervo patrimonial da entidade religiosa, a fim de viabilizarem a prática de suas finalidades essenciais como um todo, como por exemplo casa de líderes religiosos (padres, pastores, etc.), estacionamento de veículos automotores para os fiéis, escolas pertencentes a entidade religiosa destinadas aos fiéis e, no caso em análise, os cemitérios para o sepultamento de líderes e membros da entidade religiosa. Bom, como amplamente discorrido no presente trabalho e doravante reforçado, em resposta a primeira situação hipotética ora levantada, entendemos que a imunidade tributária dos templos religiosos previstas na Constituição Federal engloba não somente o imóvel no qual está edificado o templo religioso, mas também todos os imóveis que estejam diretamente relacionados com suas finalidades essenciais ou gerem rendas que sejam revertidas em prol da manutenção delas. Como já foi dito, tal pensamento parte da premissa “clássico-liberal”, cuja concepção corresponde a “templo-atividade”. Com base nesta premissa, os cemitérios pertencentes as entidades religiosas estariam beneficiados pelo manto imunizante, quando utilizados para o sepultamentos de seus líderes e membros. Corrobora com tal posicionamento, desde maio de 2008 na ocasião do julgamento do RE 578562, sob relatoria do Ministro Eros grau, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal cuja ementa segue abaixo colacionada: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. Ademais, em relação a segunda situação hipotética levantada, inerente a um cemitério de propriedade do templo religioso, mas utilizado com finalidade diversa daquelas essenciais de cunho religioso em decorrência da locação a terceiros, entendemos que ao manto da benesse imunizante se estende a tal ocasião desde que a renda oriunda desta locação seja revestida para a manutenção de suas finalidades essenciais. Ou seja, de qualquer forma, se o patrimônio ou a renda gerada em decorrência do uso por terceiros for revestida nas finalidades essenciais do templo, entendemos que o benefício imunizante abarcará o cemitério pertencente a entidade religiosa, cuja utilização decorre de uso de terceiros, em interpretação extensiva a presente situação hipotética do que preleciona a súmula 724, do Supremo Tribunal Federal. Para ilustrar tal premissa, trazemos à baila o julgado da suprema corte proferido através do RE 325822 em 18 de dezembro de 2002, sob Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, aonde foi exarado o entendimento de que os imóveis de propriedade dos templos de qualquer culto quando alugados a terceiros, desde que a renda seja revestida em prol de suas finalidades essenciais, devem gozar do mando de imunidade tributária partindo de uma interpretação extensiva do que preconiza o §4º, do artigo 150, do texto constitucional, senão vejamos: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. Por fim, na hipótese de um cemitério particular pertencente a determinada pessoa jurídica de direito privado com finalidade essencial diversa a prestação de culto religioso, não há como entendermos que tal situação garante o usufruto da benesse constitucional. Até mesmo porque não há como estender a interpretação da norma imunizante atribuída aos templos religiosos em relação aos cemitérios unicamente pelo fato do local ocorrer culto aos mortos que lá estão enterrados, uma vez que, em primeiro lugar, o imóvel é de propriedade de pessoa natural e laica e em segundo o imóvel é empregado unicamente com finalidade econômica e lucrativa, ou seja, totalmente diversa a finalidade dos templos religiosos. Enfim, a soma destes dois fatores por si só não possibilitam a extensão da interpretação da imunidade tributária atribuída aos cultos, até mesmo porque um eventual entendimento contrário caracterizaria uma expressa afronta ao princípio constitucional da livre concorrência, previsto no artigo 170, §único, de seu texto, pois seria hipótese de concorrência desleal ante o favorecimento de determinadas pessoas jurídicas do ramo de serviços funerários em razão do usufruto da imunidade tributária, em face de outras do mesmo ramo que não são beneficiárias de tal benefício. Tal questão já foi até mesmo decidida pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 544.815, por intermédio do informativo nº 507, aonde prevaleceu o entendimento de que o serviço funerário não se “submeteria à regra que exclui a incidência de impostos se desempenhada por particular em regime de concessão ou delegação (art. 150, §§ 2º, 3° e 4º) devendo por isso ser tributado o terreno utilizado para tal atividade”. O referido julgado restou assim consignado: Imunidade Tributária: Cemitérios e Exploração Comercial – 2 O Min. Joaquim Barbosa rejeitou, em seguida, a alça da do terreno em exame à condição de templo de qualquer culto. Ressaltou, no ponto, que a expressão “templo” abrangeria os anexos e outras construções nos quais a entidade religiosa desempenhasse atividades essenciais à consecução de seus objetivos institucionais, mas que não seria coerente, partindo dessa premissa, concluir que terrenos explorados comercialmente por entidades não eclesiásticas, para fins que não são necessariamente próprios à expressão da crença, fossem considerados templos. Além disso, ressaltou que a propriedade imóvel de que se trata seria destinada à prestação de serviços funerários e ao sepultamento, e sendo o serviço funerário atividade de interesse público, especificamente de saúde pública e de saneamento, não se trataria ontologicamente de questão de índole religiosa. Aduziu que, para reformar o acórdão recorrido, também seria necessário reconhecer que a pessoa que explora o terreno se dedicasse inexoravelmente à prática de ritos religiosos fúnebres, o que não estaria comprovado nos autos, sendo, ademais, lícito presumir que a execução de ritos religiosos não seria obrigatória, porque o cemitério não seria exclusivo ao sepultamento de fiéis de uma ou outra religião. Afirmou, ademais, que o serviço funerário se submeteria à regra que o exclui da imunidade se desempenhado por particular em regime de concessão ou delegação (CF, art. 150, §§ 2º, 3º e 4º), devendo, por isso, ser tributado o terreno utilizado para tal atividade. RE 544815/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.5.2008. (RE-544815). Pelo então exposto, com base nas considerações explanadas ao longo do presente tópico, entendemos que apenas os cemitérios diretamente vinculados as finalidades essenciais dos templos de qualquer culto ou aqueles que estão alugados a terceiros cuja renda auferida em decorrência de tal locação seja revestidas em prol de suas finalidades, estarão abrangidos pelo manto da imunidade tributária dada a intepretação conjunta dos quesitos delineados no §4º (patrimônio, renda e serviços) do artigo 150, da CF/88.   5.3              Imunidade dos templos e as lojas maçônicas Um ponto escasso na seara da imunidade tributária dos templos de qualquer culto diz respeito a possibilidade de sua abrangência em relação as lojas maçônicas. Como bem delineados no preambulo do presente trabalho, a imunidade tributária dos templos de qualquer culto diz respeito àquelas religiões que dentro dos seus rituais religiosos, pratiquem o culto a determinada divindade, cujos princípios estejam atrelados aos bons costumes, os quais servem de subsídio para fomentar o amor e a paz entre os indivíduos da sociedade, em consonância com os motivos que deram ensejo ao nascimento desta modalidade de imunidade desde a primeira constituição da república (1824). Pois bem, de acordo com a notória enciclopédia universal Wikipédia[50], a maçonaria consiste em uma sociedade fraternal a qual admite adesão de todos os homens livres e de bons costumes, sem distinção de raça, religião, ideais, posição política ou posição social. Pouco se sabe acerca dos princípios que compõem os ideais maçônicos uma vez que estes são de conhecimento apenas de seus respectivos membros, mas segundo o entendimento dos tribunais superiores, a maçonaria consiste em reuniões sociais sem finalidade alguma de prestar culto a determinada divindade, razão pela qual não pode ser considerada como uma religião. Até mesmo porque, diferentemente das religiões existentes no Brasil, a adesão de novos membros a maçonaria é bem restrita por tratar-se de uma espécie de associação fechada, que não cultua nenhuma divindade, mas apenas tem como fundamento um estilo de vida que deve ser seguido pelos seus membros. Nesta linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, através do RE 562.351/RS, sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandoski, entendeu que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal, é adstrita aos templos de qualquer culto religioso, não se estendendo as lojas maçônicas, uma vez que estas não professam qualquer espécie de religião. Como base nesta premissa, a suprema corte, desde 2012, tem entendido que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não se aplica as lojas maçônicas, devendo incidir os respectivos impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços. Eis a ementa deste julgado: Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida. (RE 562351, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 04/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-245 DIVULG 13-12-2012 PUBLIC 14-12-2012). O referido caso teve origem no Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, onde este ajuizou uma Execução Fiscal almejando o recebimento de créditos tributários de IPTU incidente sobre imóveis de propriedade da Grande Oriente do Rio Grande do Sul, uma loja maçônica, onde esta opôs Embargos à Execução fiscal sob a égide do argumento de que estaria acobertada pela imunidade tributária capitulada na alínea “b”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88, pelo fato de enquadrar-se como “templo de qualquer culto”, para fins religiosos. Discordamos do entendimento da suprema corte uma vez que acreditamos que a maçonaria, embora conhecemos pouco a respeito, consiste em uma verdadeira religião por apresentar diversas características próprias dos ritos sacramentais existentes no catolicismo, tais como liturgia cerimonialista, doutrinas, símbolos, liturgia cerimonial ou mental, as quais culminam na “evolução” de seus membros em razão da prática de condutas diretamente ligadas aos bons costumes. Corroborando com a nossa premissa, no leading case ora reproduzido, a Procuradoria Geral da República apresentou seu parecer opinando pelo provimento do Recurso Extraordinário apresentado pela entidade maçônica (Grande Oriente do Rio Grande do Sul), a fim de que fosse reconhecida a sua imunidade tributária nos parâmetros da alínea “b”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88, uma vez que os prédios em que funcionam as reuniões da maçonaria “são verdadeiros templos nos quais são realizados rituais e cultos, sobre a proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal”. O parecer ficou ementado nos seguintes termos: RE. MAÇONARIA, IMUNIDADE DE IPTU. TEMPLO E CULTO. IMPLICAÇÕES. Mesmo que não se reconheça à Maçonaria (Grande Oriente doo Rio Grande do Sul) como religião, não é menos verdade que seus prédios são verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal. Seus Templos têm direito à imunidade de tributos, consoantes o art. 150, inc. VI, Letra “b”, da Constituição Federal.[51] Portanto, divergimos da posição da suprema corte a fim de delimitarmos uma premissa a qual entende que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto deve ser evidentemente estendida para as lojas maçônicas uma vez que seus ritos sacramentais são característicos das demais religiões existentes no Brasil.   5.4              Imunidade dos templos e as religiões africanas As religiões africanas são aquelas originárias do continente africano e foram trazidas ao Brasil através do tráfico frequente de escravos realizados nos séculos XVI e XIX. As religiões africanas estabelecidas em território nacional com um maior número de fiéis, assim podemos dizer, são o candomblé e a umbanda.[52] As religiões afrodescendentes mais conhecidas no território nacional, como o candomblé e a umbanda, possuem como divindades os denominados “Orixás” (Xangô, Oyá, Ogun, Oxossi), que são os deuses cultuados em suas cerimônias religiosas, realizadas em seus templos denominados de “terreiros”. O sacerdócio destas religiões, são exercidos pelos conhecidos “pais de santo”.[53] Pois bem, como dissemos no começo do presente trabalho, a origem da imunidade tributária dos templos de qualquer culto foi introduzida na primeira constituição federal brasileira de 1824, abrangendo especificamente a religião católica por ser a religião oficial do Brasil império. Assim, durante muitos anos, não foi reconhecido pelos tribunais superiores que os imóveis onde são realizadas as cerimônias das religiões africanas estariam abrangidos pela imunidade tributária dos templos de qualquer culto, uma vez que tal benefício imunizante abrangeria tão somente àquelas religiões ligadas ao cristianismo. No que concerne a problemática ora posta em pauta, tal controvérsia foi levada aos tribunais a fim de que se pronunciassem acerca da extensão da imunidade tributária dos templos de qualquer culto em relação aos imóveis nos quais são realizadas as cerimônias das religiões afrodescendentes. Trata-se da Apelação Cível nº 70080667371 interposta pelo Município de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, em face de uma sentença que julgou procedente os Embargos à Execução ajuizado por Marli Terezinha Sbiczanski Friguetto, o qual tinha como objeto embargar uma execução fiscal que visava a cobrança de débitos tributários de IPTU incidentes sobre um imóvel de sua propriedade, no qual funcionava um centro de umbanda denominado “Illê Afro Rios de Oxalá”. A sentença reconheceu a imunidade tributária do imóvel no qual funcionava as cerimônias do centro de umbanda, razão pela qual o Município de Passo Fundo interpôs apelação questionando unicamente a controvérsia com base na matrícula do imóvel que não constava como templo religioso e a questão foi levada a análise do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O tribunal manteve a sentença sob a égide do argumento de que “a manifestação de religiosidade propicia a imunização ao poder tributário do ente público, visto que esta vinculada à finalidade essencial da entidade religiosa e de culto (cento de umbanda), inexistindo prova em sentido contrário produzido pelo fisco, ônus que lhe competia”. Com base nos referidos argumentos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença, a fim de reconhecer que o centro de umbanda usufrui da imunidade tributária atribuída pela Constituição Federal aos templos de qualquer culto, dada a realização de cerimônias religiosas no imóvel a fim de cultuar suas respectivas divindades. Eis a ementa do julgado: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. CENTRO DE UMBANDA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECONHECIDA. (TJ-RS – AC: 70080667371 RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Data de Julgamento: 24/04/2019, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2019). Particularmente, corroboramos com o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através do leading case trazido à baila, para afirmar que os imóveis onde são realizadas as cerimônias das religiões afrodescendentes merecem jus ao usufruto da imunidade tributária atribuída pela Carta Magna aos templos de qualquer culto, considerando que tal benesse  constitucional é irrestrito as religiões existentes em nosso país, desde que cultuem divindades ligadas aos bons costumes, partindo da premissa que o Brasil é um estado laico (Art. 5º, VI, CF/88). Assim, entendemos que o benefício imunizante não pode estar adstrito as religiões cristãs, já que com o advento da Constituição Federal de 1988 adotou-se expressamente a posição de que o Brasil é um estado laico, portanto, não pode haver o favorecimento de determinada religião em face de outras tão somente em razão de diferentes crenças, pois neste caso estaríamos diante de flagrante ofensas a princípios constitucionais como o da isonomia tributária previsto no artigo 150, II, da CF/88. Portanto, posicionamos no sentido de que os imóveis em que são realizadas as cerimônias religiosas das religiões afrodescendentes fazem jus ao usufruto da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, assim como o de qualquer outra religião que possua a prática de cultuar divindades ligadas ao bem e aos bons costumes para colaborar então com o bem-estar social.   5.5              Imunidade dos templos e os cultos satânicos Por fim, a última questão polêmica que trataremos no presente trabalho diz respeito a abrangência da imunidade tributária dos templos de qualquer culto insculpida no artigo 150, inciso VI, “b”, da CF/88, em relação aos imóveis utilizados para cultos satânicos. Estariam tais imóveis enquadrados na acepção de “templo” para fins de usufruto do benefício da imunidade tributária previsto no texto constitucional? Pois bem, a doutrina majoritária posiciona-se ser contrária a imunidade dos templos que professam o satanismo, uma vez que os princípios atrelados a esta “religião” processam uma série de rituais que vão contra os bons costumes e a fé cristã, tais como sacrifícios de animais, ódio, vingança, racismo, etc., sendo tais fatores cruciais para descaracterizar tal seita como religião. Segundo esta premissa, os cultos religiosos não devem fazer menção a rituais violentos e muito menos de doutrinar condutas adversas àquelas garantias asseguradas aos indivíduos pelo texto constitucional. Comum é que nas religiões ligadas ao ocultismo, seus princípios sejam voltados a práticas de condutas antagônicas ao cristianismo, tais como sacrifícios humanos ou de animais, uma vez que estas práticas vão de flagrante afronta aos bons costumes e, principalmente, as leis, sendo estes preceitos atos expressamente ilícitos. Ives Gandra Martins, fiel defensor da premissa na qual afirma que os templos satânicos não possuem legitimidade para usufruto da imunidade tributária assegurada pela Carta Magna aos templos religiosos, aduz que tais templos não estariam acobertados pelo manto imunizante uma vez que a Constituição Federal ter sido promulgada “sob a proteção de Deus”, portanto “seria irracional que se desse imunidade aos templos de culto demoníacos, posto que seriam a negação do preâmbulo do Texto Superior”.[54] Na mesma linha, são as palavras de Osvaldo Othon de Pontes Saraiva Filho: Embora a imunidade dos templos e dos cultos seja, em regra, incondicionada, deduz-se, diante do próprio texto constitucional, que tal imunidade não abrange os templos de inspiração demoníaca, nem cultos satânicos, nem suas instituições, por contrariar a teologia do texto constitucional e em homenagem ao preâmbulo da nossa Constituição, que diz ser a mesma promulgada sob a proteção de Deus.[55] Posicionamos no presente trabalho a fim de concordar com as premissas acima mencionadas, afirmando que os templos satanistas não fazem jus ao usufruto da imunidade tributária atribuída aos templos de qualquer culto pelo texto constitucional, uma vez que a doutrina e os princípios que os envolvem possuem fundamentos totalmente adversos àqueles previstos na Carta Magna. Consideramos, diferentemente de outras premissas, que o preâmbulo constitucional[56] possui considerável relevância em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que os princípios constitucionais, ao assegurarem garantias coletivas ou individuais aos cidadãos, possuem como fundamento todos aqueles preceitos que são baseados nos bons costumes que visam contribuir para a ordem e o desenvolvimento da sociedade, os quais são em grande parte previstos na religiões existentes e reconhecidas no território brasileiro. Como abordamos no início do presente trabalho, desde a edição da Constituição Federal em 1891, a imunidade tributária dos templos foram criadas visando assegurar a propagação do cristianismo ensinado pela igreja católica, a qual era a religião oficial do império. O catolicismo, por possuir sua doutrina fundamentada na religião cristã, possui diversos princípios que visam doutrinar seus fiéis acerca da relevância da prática de atitudes que se enquadram nos bons costumes, como amor ao próximo, respeito, perdão, etc. Tais atitudes levam ao desenvolvimento social, a fim de colaborar com o bem-estar dos indivíduos que compõem a sociedade. Assim sendo, considerando que a doutrina satânica prega valores totalmente adversos àqueles princípios estatuídos na Constituição Federal, entendemos que os imóveis nos quais são realizadas as cerimônias ou rituais ligados a tal doutrina não se enquadram na norma imunizante atribuída aos templos religiosos pelo texto constitucional, por intermédio de seu artigo 150, VI, “b”.   CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho discorremos sobre o instituto da imunidade tributária conceituando-o como norma de estrutura de nível constitucional que proíbe o legislador infraconstitucional de emitir de normas jurídicas tributárias em face de determinadas hipóteses de incidência. Quanto ao seu alcance em relação as espécies tributárias, levando em consideração que adotamos a corrente de classificação pentapartida, entendemos que o texto constitucional estabelece hipóteses de imunidades tributárias que abarcam impostos (arts. 150, VI, “a” a “e”, 153, §§ 3º, III e 4º, II e 156, §2º, I), taxas (Art. 5º, XXXIV, LXXIII, LXXIV, LXXXLI e LXXVII), contribuições de intervenção de domínio econômico (Art. 149, §2º, I) e contribuições sociais (Art. 195, §7º). Para a regulamentação das imunidades tributárias, no que diz a imposição de requisitos pela legislação para o seu usufruto, entendemos que cabe a legislação complementar regulamentá-los conforme estabelece o artigo 146, II, da Carta Magna. Qualquer outra espécie normativa, tal como uma lei ordinária, não detém a competência para tal regulamentação sob pena de flagrante ilegalidade. Pois bem, no que diz respeito a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, sua origem teve como marco inicial, implicitamente, a Constituição Federal de 1891, a qual previa em seu artigo 11º, 2º), a impossibilidade da União e os Estados de embaraçarem o exercício de cultos religiosos mediante a imposição de normas tributantes. Conforme discorremos no presente trabalho, a imunidade em questão contemplava apenas os templos católicos em razão do catolicismo ser a religião oficial do império. As constituições subsequentes a de 1891 nada mais fizeram de que reproduzir a imunidade implícita aos templos de qualquer culto pela primeira constituição, uma vez que não trouxeram nenhuma disposição expressa neste sentido. Apenas com o advento da Constituição Federal de 1946, o ordenamento jurídico constitucional brasileiro passou a prever explicitamente a imunidade tributária dos templos religiosos, por vedar expressamente a cobrança de impostos em face de seu patrimônio, renda ou serviços, conforme disposição expressa de seu artigo 31, V, “b”. As demais constituições subsequentes a 1946 (1967, 1969) nada mais fizeram do que reiterar a norma imunizante prevista na constituição de 1946, a inovação, assim podemos dizer, adveio da Constituição Federal de 1988, a qual apenas impôs mecanismos necessários para o usufruto da imunidade tributária, quais sejam àqueles delimitados nos incisos de I a III, do artigo 14, do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66). Sobre o conceito de “templo”, a fim de delimitarmos o alcance da imunidade tributária em análise, apontamos no presente trabalho a existência de 3 (três) teorias predominantes, quais sejam (I) clássico-restritiva; (II) clássico-liberal e a (II) moderna. Adotamos no presente trabalho a (II) Clássico-Liberal, uma vez que a nossa premissa é no sentido de afirmar que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não contempla apenas o imóvel onde são realizadas as cerimônias religiosas, mas também todos aqueles aglomerados que são utilizados para contribuir com as finalidades essenciais da instituição religiosa. Neste sentido, é a nossa interpretação do que dispõe o artigo 150, §4º, da Constituição Federal o qual estabelece como quesito condicional para usufruto da imunidade tributária àquele patrimônio dos templos de qualquer culto que estejam relacionados as suas finalidades essenciais. Apresentamos vários temas controvertidos no presente trabalho no tocante a seara da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, partindo de nossa premissa sobre as questões pontuadas, bem como o olhar da doutrina e da jurisprudência sobre tais questões eivadas de controvérsia. Em um primeiro momento, abordamos sobre a possibilidade de usufruto da imunidade tributária àqueles bens com finalidades diversas àquelas atividades essenciais dos templos de qualquer culto. Posicionamos neste ponto para afirmar que determinados imóveis de propriedade dos templos, mesmo com finalidade diversa daquela voltada para a prática de cultos religiosos, poderão usufruir da benesse imunizante desde que produzam renda e esta seja revestida em prol das finalidades essenciais da entidade religiosa. Tiramos como exemplo casos práticos neste sentido em que é discutido o direito de usufruto da imunidade tributária dos imóveis de propriedade dos templos que são alugados a terceiros, em relação ao IPTU. Assim como a premissa que apontamos, os tribunais superiores corroboram conosco no sentido de afirmar que tais imóveis permanecem imunes desde que a renda gerada em decorrência da locação seja aplicada em prol das finalidades essenciais da entidade. Adiante, em relação aos cemitérios de propriedade de uma entidade religiosa, quando ligados diretamente as suas atividades essenciais, evidentemente estarão acobertados pela imunidade tributária dos templos de qualquer culto. Na mesma linha, entendemos que na ocasião da gestão destes cemitérios estarem sob o comando de terceiros, desde que a renda auferida em decorrência de tal locação seja revestida em prol das finalidades essenciais dos templos de qualquer culto, o imóvel no qual funciona o cemitério também estará abarcado pelo manto da imunidade tributária dos templos de qualquer culto. Em relação as lojas maçônicas, adotamos uma premissa na qual entende que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto deve ser aplicada em relação ao seu patrimônio, renda e serviços, uma vez que os seus ritos sacramentais são bem característicos das demais religiões existentes no território nacional, divergindo assim do que entende a Suprema Corte sobre a questão. No tocante a possibilidade de aplicação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto em face das religiões afrodescendentes, entendemos que todo seu patrimônio, renda ou serviços fazem jus a imunidade dos impostos, uma vez que as práticas de suas cerimônias religiosas possuem evidentemente todos os quesitos peculiares de uma religião, tais como o culto de divindades as quais estão ligadas ao bem e aos bons costumes a fim de colaboração então com o bem-estar social. Corroborando com esta premissa, apresentamos o entendimento da Suprema Corte a respeito, no qual em um leading case específico foi reconhecido o direito de usufruto da imunidade tributária dos templos de qualquer culto a um centro de umbanda. Por fim, apresentamos como último tema de controvérsia nos tribunais superiores a possibilidade de abrangência da imunidade tributária dos templos de qualquer culto em imóveis os quais são realizados cultos satânicos. A premissa adotada no presente trabalho, respaldada pelo entendimento de Ives Gandra Martins, foi no sentido de apontar pela impossibilidade de usufruto da imunidade tributária nos imóveis em que são realizados os cultos satânicos em razão desta doutrina possuir valores totalmente adversos àqueles princípios estatuídos pela Constituição Federal, uma vez que a teologia existente no texto constitucional diz respeito a “Deus” e a valores indispensavelmente associados a prática de condutas ligadas aos bons costumes, razão pela qual não poderiam tais templos acobertados pelo manto da imunidade tributária atribuída aos templos de qualquer culto.
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Evasão e Elusão Regulatória das Leis e da Constituição no Direito Tributário
O presente artigo visa realizar uma abordagem um pouco diferente acerca dos fenômenos da evasão, elisão e elusão fiscal. Assim, inspirado nos estudos realizados pelo professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos no artigo denominado “Interpretação e Elusão Legislativa no Direito Tributário”, publicado na obra “Direitos Fundamentais e Estado Fiscal: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres”, a trilogia da economia fiscal é analisada sob o prisma do agente regulador ao invés do contribuinte. Nessa toada, são abordados casos concretos que são de conhecimento público e que configuram um verdadeiro drible aos dispositivos legais e constitucionais. Assim, esses atos normativos infralegais, apesar de ostentarem aparência de legalidade, acabam se equivalendo aos fenômenos da evasão e elusão regulatória das leis e da constituição por parte do agente regulador, representando violações frontais e oblíquas às disposições da legislação e da Constituição Federal, respectivamente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo acadêmico é uma singela contribuição aos estudos realizados pelo professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos no artigo denominado “Interpretação e Elusão Legislativa no Direito Tributário”, publicado na obra “Direitos Fundamentais e Estado Fiscal: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres”. Assim, do mesmo modo o artigo do professor Carlos Alexandre trata da interpretação e elusão legislativa no direito tributário, o presente artigo visa abordar a questão da elusão regulatória no âmbito do direito tributário. Demonstrando que o fenômeno detectado não se resume às leis propriamente ditas, mas também se encontra presente nos atos normativos secundários, mormente aqueles expedidos por agências reguladoras, no caso a ANCINE. Dessa maneira, assim como o contribuinte possui o dever fundamental de pagar tributos justos e democraticamente instituídos, o Estado também, no exercício do poder de tributar, deve se ater aos limites impingidos na Constituição Federal e nas leis. Assim, dentro da seara da liberdade individual do contribuinte que visa sempre alcançar o melhor resultado econômico possível, o planejamento fiscal como forma de economia tributária somente poderá ser considerado lícito quando não houver abuso de direito – planejamento tributário abusivo. Por outro lado, “(…) a mesma lógica que limita a liberdade de ação dos contribuintes pode ser aplicada em face da discricionariedade ou liberdade de conformação do legislador tributário (…)[1]“. E, na sequência, esse mesmo raciocínio também se aplica à liberdade de conformação do agente regulador. Nesse diapasão, considerando que o agente regulador realiza uma elusão da lei ou da constituição quando pratica fraude ou abuso do poder regulamentar, fica evidenciado que há uma fuga às limitações e imposições legais e/ou constitucionais sem violar diretamente a constituição e/ou as leis tributárias. A configuração deste template revela a possibilidade de se traçar um paralelo com a elusão tributária, porquanto as práticas tem estrutura e dinâmica similares, eis que por meio de um comportamento formalmente adequado, realiza-se um contorno a um determinado dever, proibição ou limitação normativa. Frise-se, por derradeiro, que o objetivo da analogia não é de engendrar mera alteração léxica ou terminológica, mas é no sentido de contribuir no combate efetivo às práticas elusivas. De maneira que o discurso ético de enfrentamento ao comportamento malicioso do contribuinte deve ser aplicado também ao agente regulador, devendo haver uma tutela reforçada no que diz respeito a exigência de reciprocidade entre os direitos e deveres preconizados no Estado Democrático Fiscal.   No texto do professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Alexandre de Azevedo Campos, é feito um estudo de caso  em torno da Lei nº. 18.371/2014 do estado do Paraná, publicada em 16/12/2014, republicada em 17/12/2014, a qual promoveu alterações substantivas na sua legislação tributária estadual, incluindo a modificação da Lei nº. 14.260 de 22/12/2003 que versa sobre o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Especificamente no seu art. 4º que foi responsável por majorar a alíquota do imposto de 2,5% para 3,5% para os casos gerais de veículos registrados ou cadastrados nos órgãos competentes[2]. Cabe destacar que na redação anterior da Lei nº. 14.260/2003, além da previsão da alíquota de 2,5%, o art. 2º, § 1º, alínea “e”, dispunha que o fato gerador do imposto ocorreria todo o dia 1º de cada ano em relação aos veículos adquiridos em anos anteriores. “Daí que, como houve majoração de alíquota, e a Lei nº. 18.371/2014 foi publicada apenas em 16/12/2014, o aumento praticado não poderia, a princípio, surtir efeitos para o ano de 2015 (…)”[3]. E isso ocorre por força do comando constitucional previsto no art. 150, inciso III, alínea “c” da Constituição Federal, o qual tem como substrato o princípio da anterioridade nonagesimal. Em outras palavras, considerando que a norma que majorou a alíquota do IPVA apenas poderia incidir 90 dias após a sua publicação, ou seja, a partir de 16/03/2015, porquanto sua publicação ocorreu em 16/12/2014. E, sabendo-se que o fato gerador do imposto ocorria apenas no dia 1º de cada ano, tal como preconizava o art. 2º, § 1º, alínea “e”, a majoração da alíquota somente poderia surtir efeitos a partir do ano de 2016. Porém, como forma de “burlar” a regra da anterioridade, o legislador paranaense alterou a data do fato gerador do imposto exclusivamente para o ano de 2015 com o fito de fazer com que a produção dos efeitos da majoração ocorresse naquele exercício financeiro seguinte, aduzindo que: Art. 5º o fato gerador do imposto de que trata a lei nº. 14.260, de 2003, referente ao exercício de 2015, em relação aos veículos automotores adquiridos em anos anteriores, ocorrerá no dia 1º de abril de 2015. (…) Nesse sentido, o professor Carlos Alexandre indaga se seria possível o legislador utilizar da sua competência tributária e de sua liberdade de conformação para driblar ou contornar limitações impostas pelo constituinte. Chega a ser curioso o sarcasmo do legislador de utilizar-se do dia 1º de abril para fixar a novel data do fato gerador exclusivamente para aquele ano em que se majorou a alíquota, porquanto este dia é nacionalmente conhecido como o dia da mentira[4]. Com o mesmo intuito, no presente artigo será elencado  a seguir um caso de cunho regulatório ocorrido na Agência Nacional do Cinema – ANCINE, mas com o enfoque voltado para a autoridade administrativa que profere a decisão e determina a publicação das normas de regulação. De certo que, em se tratando de um fato oriundo de uma espécie tributária bem menos conhecida que o IPTU, a explicação será mais detalhada e com e exposição dos dispositivos legais respectivos, com vistas a facilitar a compreensão do leitor. Assim, de acordo com o parágrafo único do art. 32 da MP 2.228-1/01, a CONDECINE-REMESSA[5] incidirá sobre o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo. Sendo certo que, consoante o disposto no §2º do art. 33 da MP 2.228-1/01 a CONDECINE será determinada mediante a aplicação de alíquota de onze por cento sobre as importâncias ali referidas. Dito de outro modo, o agente econômico que realiza um destes verbos previstos no parágrafo único do art. 32, consumando o fato imponível tributário, descritos no art. 32 da MP 2.228-1/01, deverá recolher a título de CONDECINE a alíquota de 11% sobre as importâncias que forem objeto da remessa ao exterior. E o objetivo subjacente à norma tributária é simples, pois visa estimular a diversificação da produção cinematográfica e videofonográfica nacional, além do fortalecimento da produção independente e das produções regionais com vistas ao incremento de sua oferta e à melhoria permanente de seus padrões de qualidade, na forma do art. 6º, inciso VI da MP 2.228-1/01. Ademais, no que concerne à hipótese de isenção, dispõe o art. 39, X, da Medida Provisória nº 2.228-1/2001 o seguinte:   Art. 39.  São isentos da CONDECINE: (…) X – a CONDECINE de que trata o parágrafo único do art. 32, referente à programação internacional, de que trata o inciso XIV do art. 1º, desde que a programadora beneficiária desta isenção opte por aplicar o valor correspondente a 3% (três por cento) do valor do pagamento, do crédito, do emprego, da remessa ou da entrega aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, das importâncias relativas a rendimentos ou remuneração decorrentes da exploração de obras cinematográficas ou videofonográficas ou por sua aquisição ou importação a preço fixo, bem como qualquer montante referente a aquisição ou licenciamento de qualquer forma de direitos, em projetos de produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de longa, média e curta metragens de produção independente, de co-produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de produção independente, de telefilmes, minisséries, documentais, ficcionais, animações e de programas de televisão de caráter educativo e cultural, brasileiros de produção independente, aprovados pela ANCINE.   (…)     (…)   (Grifos nossos) A partir do texto legal, depreende-se que o legislador criou uma verdadeira hipótese de isenção fiscal para a CONDECINE-REMESSA que funciona da seguinte maneira: segundo os artigos 32, parágrafo único, e 33, §2º da Medida Provisória 2.228-1/2001[6], as programadoras estrangeiras são obrigadas a recolher 11% do valor da remessa ao exterior dos lucros decorrentes da exploração de obra cinematográfica, a título de CONDECINE – Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. No entanto, como forma de incentivar o cinema nacional, a mesma Medida Provisória, no seu art. 39, X, faculta a essas programadoras investirem 3% “em projetos de produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de longa, média e curta metragens de produção independente, de co-produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de produção independente, de telefilmes, minisséries, documentais, ficcionais, animações e de programas de televisão de caráter educativo e cultural, brasileiros de produção independente, aprovados pela ANCINE” [7] Em outras palavras, ao invés de pagar 11% a título de CONDECINE em seu valor total, a Medida Provisória estimula o investimento direto no cinema nacional independente, por meio do investimento de 3% da base de cálculo em um projeto de produção brasileira independente, desde que existente[8] e previamente aprovado pela ANCINE. Dessa maneira, a Fazenda Pública renuncia a percepção integral do tributo, correspondente a 11% do valor da remessa, e permite que o contribuinte/investidor faça o aporte de 3% em um projeto existente e previamente aprovado pela ANCINE que constitua obra brasileira independente[9]. Além da renúncia à percepção integral do tributo por parte da Fazenda Pública, o contribuinte ainda pode se valer do investimento para obtenção de até o montante de 49% dos direitos patrimoniais sobre a obra audiovisual que fora objeto do respectivo aporte pelo contribuinte. O que denota a possibilidade do investidor obter o direito de perceber a remuneração advinda da exploração econômica da obra, bem como sobre o licenciamento de produtos derivados. Portanto, o contribuinte/investidor não se vale apenas da economia tributária, mas também passa a obter ativos financeiros sobre a obra audiovisual a qual realizou o seu investimento. A título meramente ilustrativo e didático, pode ser ventilada a seguinte hipótese para facilitar a compreensão da questão posta. Imagine-se que a base de recursos tributáveis com fundamento no art. 32 parágrafo único da MP 2.228-1/2001 seja de 100 milhões de reais em remessas para o exterior. De acordo com o fluxo normal de tributação, o contribuinte deverá recolher a alíquota de 11%, ou seja, R$ 11 milhões de reais a título de CONDECINE-REMESSA, que serão destinados ao FSA, recolhendo-se primeiro 30% de DRU[10] (3 milhões e 300 mil reais), que são recursos livres para o Tesouro destinar a outras despesas de custeio ou investimento tais como saúde, educação, saneamento básico, habitação, mobilidade urbana, segurança pública, meio ambiente, benefícios especiais voltados à mínimo existencial, pagamentos da dívida pública, etc. De conseguinte, ao Fundo Setorial do Audiovisual – FSA, são destinados 7 milhões e 700 mil reais, que serão aplicados em projetos audiovisuais por seleção pública e podem ter como licenciadores até mesmo concorrentes do contribuinte original ou mesmo emissoras de televisão pública, estatal ou comunitária; podem ser aplicados em infraestrutura, capacitação, projetos para cinema, televisão ou outras mídias. Por outro lado, caso a programadora opte por fazer uso do mecanismo de isenção fiscal previsto no art. 39, X da MP 2.228-1/2001, esta recolherá 3% do valor remetido ao exterior, ou seja, 3 milhões de reais, para aplicar em projetos audiovisuais de produção independente, nos quais, além de gerar conteúdo para incluir na sua própria grade de programação ou estoque via plataformas de streaming, também passará a ser detentora de até 49% sobre os direitos patrimoniais da obra, com efeitos futuros sobre os recebíveis oriundos de explorações econômicas diversas. Em outras palavras, a programadora adquire conteúdo sem despender de seus recursos próprios, mediante a utilização de recursos públicos. Além disso, se rentabiliza como investidor. Sem olvidar a economia significativa de 72% (setenta e dois por cento) do valor integral do tributo devido, ou seja, 7 milhões e 700 mil reais no caso concreto, que seria o valor remanescente pelo recolhimento com base na alíquota de 11% aposta no art. 32 parágrafo único da MP 2.228-1/2001. Cumpre ressaltar que a programadora tem um prazo decadencial de 270 dias para realizar essa alocação, na forma do § 3º do art. 39 da MP 2.228-1/2001, caso contrário os 3 milhões de reais serão destinados ao Fundo Setorial do Audiovisual. Não obstante a clareza da regral legal, em 17 de novembro de 2005, a ANCINE publicou a Instrução Normativa nº. 46/2005[11], dispondo no art. 7º, parágrafo 5º do que “a indicação formal do projeto a ser beneficiado interrompe a contagem do prazo legal para a aplicação dos recursos até a decisão da ANCINE sobre sua aprovação”. Confira-se. Da Aplicação dos Recursos Art. 7º – A empresa estrangeira ou sua representante destinará os valores depositados na conta-corrente de recolhimento aos projetos de seu interesse, previamente aprovados pela ANCINE. (Grifos nossos) Nesse sentido, apesar de dispor no art. 7º, parágrafo 4º que o prazo máximo para destinação dos recursos de que trata o caput é de 270 (duzentos de setenta) dias  contados da data do efetivo crédito de cada depósito na conta corrente de recolhimento. Reproduzindo, basicamente, o disposto no parágrafo 3º do art. 39 da MP 2.228-1/2001, avançou demais no tocante ao parágrafo 5º tratando de interrupção do prazo decadencial legal. Verifica-se assim que, ao arrepio da lei, a Agência determinou na IN 46 que “a indicação formal do projeto a ser beneficiado interrompe a contagem do prazo legal para a aplicação dos recursos até a decisão da ANCINE sobre sua aprovação”, e que “na hipótese de não aprovação do projeto, a contagem do prazo prosseguirá pelo período remanescente”. Sem perder tempo com a óbvia impropriedade técnica acerca do mau uso acerca dos conceitos jurídicos que englobam as noções processuais de interrupção do prazo e da suspensão do prazo, que não se confundem[12], o fato é que este prazo jamais poderia ter sido flexibilizado de qualquer maneira, seja para suspensão ou para interrupção. Note-se que a extrapolação do poder regulamentar somada a não atualização da regra normativa infralegal, que só veio a ocorrer no ano de 2017 com a IN 133. Acabou concebendo uma brecha para operações sem prazos determinados e que violariam o prazo decadencial de 270 dias estabelecido em lei. Contudo, vale destacar que nem mesmo a IN 46/2005 da ANCINE teve a ousadia de permitir que projetos não protocolados na Agência – inexistentes[13] -, fossem objeto de aplicação de recursos, o que seria ainda mais bizarro. Tal comportamento, contudo, foi detectado por um relatório de auditoria interna[14] cujas impressões foram publicadas na imprensa que identificou problemas na captação de, ao menos, R$ 200 milhões de reais em projetos e indicou evasão fiscal na ordem de R$ 157,7 milhões de reais. Cita a referida matéria que “dos 64 projetos com irregularidade, em 47 os recursos foram aplicados antes que o esboço da obra fosse aprovado ou submetido à análise. Outros 17 tiveram recursos aplicados após o prazo legal de 270 dias“[15]. Mas o ponto interessante é o seguinte: a nova IN apesar de ter sido aprovada em 07/03/2017[16], somente foi publicada em 18/05/2017, ainda assim com a aposição de um período de vacância em um lapso temporal de 15 dias. No intervalo temporal, de março a maio, mais precisamente em 11/04/2017[17], a Diretoria Colegiada aprovou a realocação de três projetos[18] sob a égide permissiva anterior que havia ultrapassado o prazo legal de 270 dias. Registre-se que alguns deles sequer foram protocolados na agência, mesmo com questionamentos da área técnica e com a própria Diretoria Colegiada estando convencida de que o regramento da IN ANCINE 46/2005 não seria mais desejável, e por tal motivo tendo ela mesma aprovado novo regramento, conforme se verifica da ata da Reunião de Diretoria Colegiada nº. 650 de 07 de março de 2017[19]. Assim, ainda que não vigente e devidamente publicada, exclusivamente por opção da Diretoria Colegiada da época, a alteração normativa demonstrava significativa alteração em favor da legalidade e da segurança jurídica. Percebe-se então que a alteração da norma visou consolidar o entendimento já antigo da área técnica[20] no sentido de que não caberia ao agente regulador “inovar” na matéria e contrariar o disposto na lei, sob pena de causar insegurança jurídica. Não havendo qualquer razão para que houvesse uma demora injustificada para a publicação da referida instrução normativa, principalmente no caso de terem processos pendentes de análise acerca do tema. Não por acaso, a Instrução Normativa n.º 133/2017 restabelece a lógica jurídica e conserta a IN 46/2005, aduzindo que “a empresa titular da conta de recolhimento aplicará os recursos provenientes dos benefícios fiscais recolhidos por meio dos boletos bancários em projetos aprovados pela ANCINE (…) O prazo máximo para aplicação dos recursos do art. 39, inciso X da MP nº. 2.228-1/01 é de 270 (duzentos e setenta) dias, improrrogável, a contar da data do efetivo crédito de cada depósito na conta de recolhimento (…) Caso os valores dos benefícios fiscais já tenham sido aplicados a um projeto e ainda não tenham sido transferidos para a conta de captação, os mesmos poderão ser aplicados em outro projeto, desde que respeitados os prazos legais para aplicação previstos nos art. 10 e 11 desta Instrução Normativa (…) Os valores não aplicados em um determinado projeto no prazo estabelecido nos art. 10 e 11 desta Instrução Normativa serão destinados ao Fundo Nacional de Cultura – FNC, alocados em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual – FSA, acompanhados dos respectivos rendimentos”.   No caso do IPVA, o PT e o Partido Comunista do Brasil – PC do B propuseram uma ADI questionando o dispositivo da Lei nº. 18.371/2014 do estado do Paraná que alterou a data do fato gerador com base nos seguintes fundamentos: violação ao princípio da irretroatividade, da anterioridade nonagesimal e da isonomia tributária. Sendo certo que a alegação de quebra da isonomia, que é o fundamento que nos mais interessa neste artigo, aduzia que a majoração promovida pela legislação alcançou apenas os veículos adquiridos antes de 2015 e após 1º de abril de 2015. Permanecendo sujeitos à alíquota anterior, portanto, mais reduzida, os contribuintes que adquirissem veículos no período situado entre 1º de janeiro e 31 de março de 2015. Implicando em discriminação injustificada. Na sequência, o Procurador-Geral da República, em suma, contestou o pleito preconizando a liberdade do legislador estadual de alterar a data da ocorrência do fato gerador do imposto. E, por conseguinte, sustentou que foram respeitados os princípios da anterioridade e irretroatividade[21]. De outra ponta, no caso concreto regulatório trazido por este artigo, os fundamentos apesar de não serem exatamente idênticos, guardam significativa similitude em sua substância. No caso concreto regulatório constante no capítulo antecedente, fica demonstrado que ao criar uma instrução normativa que permite o “alargamento” por meio de uma atécnica “interrupção” do prazo de 270 dias[22] da isenção fiscal é flagrantemente contra legem e que viabiliza a construção de entendimentos calcados na lógica de “excepcionalidades” para permitir aportes em projetos não aprovados previamente pela agência, viola a isonomia, por engendrar discriminações injustificadas[23]. Obviamente que o alargamento do prazo de 270 dias contido da antiga IN 46/2005 da ANCINE, per se, já constitui vício situado no plano da legalidade, porquanto viola o disposto no art. 38, I da MP 2.228-1/2001. Acrescente-se a isso o fato de que o uso de dispositivo da instrução normativa eivado de ilegalidade para driblar o prazo decadencial legal configura um modus operandi cuja engrenagem e o resultado prático se aproxima do conteúdo da ADI 5.282/PR e corroboram também clara violação à isonomia. Explico melhor. A construção de um ato infralegal que visa driblar ou burlar as regras apostas no art. 39, inciso X e § 3º da MP 2.228-1/2001 é um estratagema similar ao utilizado pelo legislador paranaense cujo intento era fugir da anterioridade nonagesimal e majorar o tributo naquele mesmo exercício financeiro, haja vista que em ambos os casos a norma de hierarquia inferior burlava a regra de hierarquia superior dando a aparência de legalidade para a operação. Isso sem olvidar o fato que há completo descarte da norma contida no art. 111 do CTN.    Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:  I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. (grifos nossos)   Nesse sentido, verifica-se que caso haja sua utilização sem a devida fiscalização por parte do órgão regulador, pode haver um comportamento malicioso por parte do contribuinte no intuito de realizar o depósito voltado apenas para economia tributária de 72%, sem preocupação com a aplicação efetiva em uma obra produzida por produtora brasileira independente, devendo ser objeto de análise dos fiscais em relação ao comportamento elisivo, o que importaria na obtenção de provas por simulação e condenação em recolher a integralidade do tributo devido. Nesse diapasão, a economia tributária e os benefícios ao contribuinte/investidor são nítidos. Porém, caso não possua um projeto protocolado e existente, previamente aprovado pela Agência para captação ou adequado à sua grade, eventual comportamento oportunista pode ensejar na construção de um “receptáculo” de projetos. Neste caso, podem surgir as mais variadas hipóteses de fraudes. A título meramente exemplificativo, pode ocorrer uma ocasião em que haja a prorrogação ilimitada do prazo de 270 dias para fruição dos recursos, mantendo os mesmos vinculados àquela programadora responsável pelo recolhimento e à produtora. Outro artifício é a utilização de projetos para “guardar lugar na fila”, com trocas ilimitadas por prazo ilimitado ou ainda a utilização de projetos que podem existir no mundo real, fora da Agência, mas que não foram sequer protocolados ou ainda não foram aprovados para captação, não sendo objeto de destinação. Além disso, a malfadada prorrogação do prazo de 270 dias enseja a possibilidade de burla ao teto de captação[24] e  afasta o depósito para fins da DRU. No que tange a ausência de recolhimento da verba destinada à desvinculação de receitas da união – DRU, cumpre transcrever as palavras de Emerson Garcia que esclarece bem as externalidades negativas da evasão fiscal e seus impactos nas políticas públicas. Ausculte-se:   “As políticas públicas, ademais, são sensivelmente atingidas pela evasão fiscal, que consubstancia uma das facetas dos atos de corrupção. Com a diminuição da receita tributária, em especial daquela originária das classes mais abastadas da população, diminui a redistribuição de renda às classes menos favorecidas e aumenta a injustiça social”.   Registre-se, ainda, que na hipótese específica da CONDECINE-REMESSA, o legislador conferiu à autoridade fazendária a competência para o exercício de sua fiscalização, conforme se extrai do art. 38 da Medida Provisória nº 2.228-1/2001. Confira-se.   Art 38. A administração da CONDECINE, inclusive as atividades de arrecadação, tributação e fiscalização, compete à:          I – Secretaria da Receita Federal, na hipótese do parágrafo único do art. 32;          II – ANCINE, nos demais casos.            (Grifo nosso)   Com efeito, pelo teor do art. 38 da MP nº. 2.228-1/01, fica claro que cabe à Secretaria da Receita Federal – SRF e não à ANCINE, a prática dos atos referentes à arrecadação e fiscalização na hipótese do parágrafo único do art. 32 da Medida Provisória nº. 2.228-1/01. Por conseguinte, também compete à SRF as atividades tributárias que congregam a interpretação da aplicação da legislação tributária, edição de regulamentos infralegais específicos e de pareceres normativos, entre outros. A esse respeito, cabe destacar que a própria Secretaria da Receita Federal possui entendimento, exarado na SOLUÇÃO DE CONSULTA SRRF/8ª RF/DISIT Nº 87, de 14 de março de 2007, fruto de consulta formulada por um contribuinte sobre a CONDECINE-REMESSA, no qual expressa que o referido incentivo deve ser interpretado de maneira literal, não comportando extensão de qualquer tipo. Veja-se:   “(…)considerando-se que matéria envolvendo a outorga de isenção, de acordo com o artigo 111[25] do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), enseja uma interpretação literal, lança-se mão da linguagem vernácula para se proceder à correta exegese do texto legal”[26].   Diante do exposto, conclui-se que para que haja o aporte dos recursos para fins de isenção fiscal em um projeto audiovisual, este deve preencher os seguintes requisitos: i) que seja um projeto existente, ou seja, devidamente protocolado na agência; ii) que o projeto seja previamente aprovado pela ANCINE, com a avaliação dos requisitos mínimos consoante regulamentação própria[27]; iii) que a aplicação dos valores referentes aos 3% do valor da remessa ou pagamento ao exterior seja realizada na mesma data deste ato; iv) que os valores não aplicados na forma do inciso X do caput do art. 39 da MP nº 2.228-1/01 destinar-se-ão ao Fundo Setorial do Audiovisual após 270 (duzentos e setenta) dias de seu depósito na conta; v) que os projetos produzidos com estes recursos estão limitados a 95% (noventa e cinco por cento) do total do orçamento aprovado pela ANCINE para o projeto; vi) a administração da CONDECINE, inclusive as atividades de arrecadação, tributação e fiscalização, compete à Secretaria da Receita Federal.   As disposições da Medida Provisória são autoexplicativas, confira-se os trechos aqui destacados: “(…) desde que a programadora beneficiária desta isenção opte por aplicar o valor correspondente a 3% (três por cento) do valor do pagamento (…) em projetos de produção de obras (…) aprovados pela ANCINE. (…) Os valores (…) deverão ser depositados (…) em instituição financeira pública, em nome do contribuinte (…) Os valores não aplicados na forma do inciso X do caput deste artigo, após 270 (duzentos e setenta) dias de seu depósito (…) destinar-se-ão ao FNC e serão alocados em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual”. Parece bastante preciso que a aplicação seja realizada em projetos que já tenham sido aprovados pela agência no momento da alocação, e por tal motivo o legislador ofertou um prazo adequado de 270 dias ou 9 meses, o que é bastante razoável para se analisar as condições de um projeto já aprovado. Ademais, pela redação do art. 38, I, da Medida Provisória n.º 2.228-1/2001, é evidente que a  ANCINE não é a autoridade tributária lato sensu para realizar as atividades de arrecadação, tributação e fiscalização do mecanismo de incentivo inserido no art. 39, X, da Medida Provisória n.º 2.228-1/2001, e sim a Secretaria da Receita Federal. De modo que não lhe cabe excepcionar regras, criando vantagem determinada para um agente econômico específico. Frise-se que após a instituição do FSA mediante a alteração do dispositivo da Lei n.º 11.437/2006, restou fulminada qualquer pretensão da ANCINE acerca da governança residual dos recursos. Haja vista que o parágrafo 3º do art. 39 da MP 2.228-1/2001 aduz que “os valores não aplicados na forma do inciso X do caput deste artigo, após 270 (duzentos e setenta) dias de seu depósito na conta de que trata o § 2o deste artigo, destinar-se-ão ao FNC e serão alocados em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual”. Fato este que é reforçado pela demora injustificada para a publicação da nova Instrução Normativa (a IN 133 da ANCINE) já devidamente aprovada em 07/03/2017, mas somente publicada em 18/05/2017, ainda assim com a aposição de um período de vacância em um lapso temporal de 15 dias. Tal como explanado no capítulo anterior. Outrossim, a ênfase na expressão “improrrogável” constante na IN 133 da ANCINE é relevante, pois o legislador, em matéria de isenções e benefícios fiscais, precisa estabelecer de maneira clara e precisa a disciplina dos prazos. Trata-se de uma questão fundamental, pois há de se respeitar o disposto no art. 111, inciso II do CTN. Não é demais relembrar que a extensão do prazo decadencial de 270 dias sempre inexistiu na literalidade do art. 39, X da MP 2.228-1/2001. Rechaçando-se, portanto, quaisquer interpretações que tenham o objetivo de criar prorrogações ilusórias não previstas no dispositivo legal com o fito de burlar o prazo decadencial. O que seria, de fato, ilegal. De igual forma as decisões de “excepcionalidade” que permitem o uso da discricionariedade pelo colegiado que profere a decisão permissiva para admitir aportes em projetos inexistentes – ainda não protocolados -, e não aprovados previamente pela Agência[28] também violam a isonomia ante a ocorrência de discriminações injustificadas. Repita-se aqui que nem a IN 46/2005 que extrapolou seu poder regulamentar ao flexibilizar um prazo legal que é improrrogável permitiria o aporte de recursos públicos em um projeto que jamais fora protocolado na agência. Hipoteticamente, para tentar defender esse drible ou contorno acerca da demora na publicação da IN 133 da ANCINE e já fazendo as vezes da Procuradoria-Geral da República tal como aquela que atuou no caso do IPVA[29], poder-se-ia cogitar em uma manifestação sustentando a discricionariedade administrativa, corroborada pela conveniência e oportunidade pela demora injustificada para realizar a publicação da Instrução Normativa 133 que já havia sido previamente aprovada há dois meses atrás. E o respeito ao princípio do tempus regit actum para atestar a validade do regramento antigo colimado na IN 46 da ANCINE em detrimento da novel IN 133 já aprovada, mas não publicada. Contudo, no tocante o argumento da extrapolação do poder regulamentar na própria IN 46/2005 para usurpar a competência da Receita Federal, na forma do art. 38 da MP 2.228-1/01 e relativizar o prazo decadencial de 270 dias, confesso que a Procuradoria-Geral da República teria maiores dificuldades para contra-argumentar, ainda que fragilmente, as alegações em face do dispositivo da IN 46 da ANCINE. Bem como para sustentar outra modalidade de interpretação que não fosse a literal, tal como preconiza o art. 111 do CTN. Sendo certo que jamais caberia uma interpretação “esotérica” que permitisse tal violação às normas legais. Sem olvidar que os fatos demonstram que caso houvesse respeito à boa-fé e isonomia no tratamento dos casos de “realocações” realizados após a aprovação da IN 133/2017, seria muito mais íntegro que o colegiado decidisse acerca das alocações após a concretização da publicação e vigência da norma anteriormente aprovada. Sem olvidar que o entendimento expresso acerca da improrrogabilidade do prazo decorre da própria lei e da sua exegese em consonância com o art. 111 do CTN.   Para facilitar a compreensão, segue abaixo o esquema hipotético, passo a passo, mostrando como seriam concedidas as isenções fiscais com a alocação em projetos que sequer haviam sido previamente protocolados na Agência.       iii) A isenção fiscal prevista no art. 39, inciso X da MP 2.228-1/01 somente pode ser utilizado se a programadora internacional “X” que investir o montante de 3% sobre o valor total remetido para o exterior em um projeto produzido por produtora brasileira independente previamente aprovado pela ANCINE. Em outras palavras, a programadora “X” deixa de ter que recolher os 11% de CONDECINE e investe 3% sobre aquela base de cálculo;         vii) Enquanto o tempo vai passando, o dinheiro depositado pela Programadora Internacional “X” fica depositado em uma conta do Banco do Brasil vinculada à Produtora Brasileira Independente “Y”, na forma do § 2º do art. 39 da MP 2.228-1/01. Sendo certo que os valores vão tendo rendimentos mensais equivalentes a um fundo de investimento de renda fixa;   viii) Com isso, verifica-se duas impropriedades: em primeiro lugar, fica clara a burla à parte final do art. 39, inciso X que aduz claramente que os recursos devem ser investidos em um projeto aprovado pela ANCINE. Ora, se o projeto jamais foi protocolado é humanamente impossível que tenha sido aprovado. Em segundo lugar, há uma violação frontal ao prazo decadencial de 270 dias aposto no §  3º do art.  39 da MP 2.228-1/01, haja vista que essas “realocações” concedidas pelo colegiado prorrogavam indevidamente o prazo decadencial de 270 dias;         xii) Por outro lado, o Fundo Setorial do Audiovisual e o restante do mercado perdem a possibilidade de terem essa verba investida de forma democrática para um outro agente econômico, haja vista que o § 3º do art. 39 da MP 2.228-1/01 dispõe que “os valores não aplicados na forma do inciso X do caput deste artigo, após 270 (duzentos e setenta) dias de seu depósito na conta de que trata o § 2o deste artigo, destinar-se-ão ao FNC e serão alocados em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual”.   Segue abaixo um esquema ilustrativo para facilitar a compreensão do estratagema. Na sequência, é demonstrado a seguir o cronograma com as datas da aprovação e publicação da IN 133/2017 da ANCINE com a aprovação dos três projetos sob a égide do regramento anterior, qual seja a IN 46/2005 da ANCINE. Art. 11. O prazo máximo para aplicação dos recursos do art. 39, inciso X da MP nº. 2.228-1/01 é de 270 (duzentos e setenta) dias, improrrogável, a contar da data do efetivo crédito de cada depósito na conta de recolhimento. iii) Exatamente neste interregno, mais precisamente em 11/04/2017[32], a Diretoria Colegiada aprovou a realocação de três projetos[33] sob a égide permissiva anterior em casos os quais havia ultrapassado o prazo legal de 270 dias. Registre-se que alguns destes sequer foram protocolados na Agência, mesmo com questionamentos da área técnica e com a própria Diretoria Colegiada estando convencida de que o regramento da IN ANCINE 46/2005 não seria mais desejável, e por tal motivo tendo ela mesma aprovado novo regramento, conforme se verifica da ata da Reunião de Diretoria Colegiada nº. 650 de 07 de março de 2017[34]. Segue abaixo um esquema ilustrativo para facilitar a compreensão das datas.   Nas palavras do professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos, “(…) não se trata de uma violação direta, frontal, aberta, ostensiva, mas sim, indireta, sutil, disfarçada, sub-reptícia, oblíqua”[35]. Assim, por meio de um comportamento formalmente adequado, realiza-se um contorno, um drible a um determinado dever, proibição ou limitação normativa. Analogicamente, na elusão, enquanto o contribuinte busca uma fuga sub-reptícia ao dever positivo de pagar tributos, o legislador procura desviar de alguma limitação constitucional ao poder de tributar[36]. Os termos evasão, elisão e elusão fiscais, que compõem a trilogia da economia fiscal, possuem diferentes acepções, não possuindo um consenso na doutrina[37]. Contudo, neste trabalho será adotado o entendimento de que a evasão e a elusão serão considerados comportamentos antijurídicos. Sendo certo que a elusão se distancia da evasão justamente por não impingir violação frontal e direta da norma tributária. Mas sim um drible ou um contorno. Uma espécie de economia tributária ilícita obtida mediante fraude à lei, abuso de direito ou de forma jurídica. Por outro lado, a elisão seria mais alinhada ao planejamento tributário, o qual seria uma conduta lícita[38]. Na tentativa de transportar os respectivos conceitos para a visão do legislador, o professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos traça o seguinte grupo analógico para a trilogia da economia fiscal: (i) comparadas à economia lícita de impostos, têm-se leis tributárias que promovem restrições às escolhas dos contribuintes, tal como as medidas extrafiscais, ou discriminações (benefícios fiscais), implicando certa tensão com os direitos fundamentais, mas são válidas porque justificadas pela própria Constituição Federal; (ii) comparadas à evasão fiscal, têm-se as leis tributárias que violam frontalmente as normas constitucionais; (iii) comparada à elusão fiscal, têm se as leis tributárias que contornam as limitações constitucionais ao poder de tributar, violando sutilmente essas normas[39]. Trazendo essa analogia para o campo regulatório que é o escopo deste artigo, teremos os seguintes conceitos: (i) comparadas à economia lícita de impostos, têm-se as regulamentações de dispositivos legais tributários que regulamentam restrições às escolhas dos contribuintes, tal como as regulações de medidas legais extrafiscais, ou discriminações (benefícios fiscais); (ii) comparadas à evasão fiscal, têm-se os atos regulatórios que violam frontalmente as normas legais e/ou constitucionais, ou seja, são atos normativos secundários que extrapolam o poder regulamentar de modo a contrariar a norma legal contra legem ou constitucional; (iii) comparada à elusão fiscal, têm se os atos regulatórios tributários que contornam as limitações constitucionais ao poder de tributar, violando sutilmente essas normas. Nesse artigo, há uma certa mudança de paradigma em torno da analogia engendrada pelo professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos no texto sobre “Interpretação e Elusão Legislativa da Constituição no Direito Tributário”, pois ao invés do enfoque ser no parâmetro do controle de legalidade ou constitucionalidade, que seria a lei ou a Constituição Federal, aqui este será voltado para o responsável pela fraude ou abuso de poder, ou seja, o foco é no sujeito propriamente dito. De modo que a trilogia da economia fiscal faz a passagem da figura do contribuinte, tal como comumente estudada, perpassando pelo legislador – que passa a ser visto com um ator capaz de perpetrar atos ilícitos de evasão e elusão fiscais da constituição -, até chegar no ponto nevrálgico deste texto que é o ato praticado pelo agente regulador, que pode praticar atos de evasão ou elusão fiscal das leis e/ou da constituição. Em outras palavras, da mesma forma que a fraude à lei e o abuso de direito são elementos constitutivos da elusão tributária por parte do contribuinte, a fraude à constituição e o abuso do poder de legislar se traduzem na elusão da constituição pelo legislador tributário. Finalmente, a fraude às leis e a constituição e o abuso de poder regulamentar se traduzem na elusão das leis e/ou da constituição perpetrada pelo agente regulador.   4.1 FRAUDE ÀS LEIS E À CONSTITUIÇÃO PELO AGENTE REGULADOR Considerando que a fraude à lei é um dos elementos constitutivos da elusão tributária, no caso em que o contribuinte alcança resultado prático vedado pela lei tributária por meio de ato ilícito por meio oblíquo, indireto. Na fraude à constituição, o legislador também passa a alcançar resultado prático vedado por norma constitucional tributária por vias transversas, cometendo elusão às normas constitucionais[40]. “Na fraude à constituição, diferentemente, o legislador se apoia em uma norma constitucional (norma de cobertura) – normalmente uma norma de competência -, que dá aparência de validade ao ato, para driblar ou contornar outra norma constitucional, de caráter cogente, que vem a ser a norma fraudada. Exercendo competência constitucionalmente atribuída, observando o devido processo legislativo formal, o legislador pratica ato que configura meio ardiloso para, em última análise, evitar o que a constituição proíbe, limita ou mesmo impõe”. O exemplo mencionado pelo professor é a ADI 2.984/DF que trata da constitucionalidade ou não de revogação de medida provisória por outra medida provisória que estivesse trancando a pauta do Congresso na forma do Art. 62, § 6º da Constituição Federal. Apesar do STF ter asseverado a constitucionalidade daquela revogação, a discussão sobre o risco de fraude por eventuais excessos ficou no obiter dictum. Tendo sido discutido naquela ocasião o alcance do § 10 do art. 62 da Constituição Federal que trata da vedação a reedição na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Como não há menção expressa a medida provisória “revogada” no texto constitucional, surgiu o temor de que houvesse tal tentativa ardilosa de burla. Tendo sido mantida a advertência na fundamentação daquele decisum que estaria afastada a possibilidade de reedição de medidas provisórias revogadas, sob pena de violação ao sistema instituído pela EC 32. Já no que diz respeito à elusão perpetrada pelo agente regulador que faz parte do escopo deste trabalho, tanto a fraude à lei quando à constituição são possíveis de ocorrer. O agente regulador se situa numa posição parecida com a do legislador, sendo certo que o mesmo está submetido não somente à constituição, mas também as leis, haja vista que tem a competência para emanar atos infralegais. De modo o agente regulador pode alcançar resultado prático vedado por norma constitucional ou legal tributária por vias transversas, cometendo elusão às normas constitucionais ou legais. Um exemplo que pode ser mencionado é a questão da CONDECINE-VOD (vídeo por demanda), inserida na CONDECINE TÍTULO, prevista no inciso I do art. 33 da MP 2.228-1/01. A CONDECINE-TÍTULO tem seu espectro de incidência recaindo sobre a exploração comercial de obras audiovisuais em cada um dos segmentos de mercado, quais sejam: salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura, TV aberta e “outros mercados”. Sendo certo que o valor da contribuição varia conforme o tipo da obra, seja esta publicitária ou não, além do segmento de mercado. E, no caso das obras não publicitárias, a duração (curta, média ou longa-metragem) e, ainda, a forma de organização da obra (seriada, na qual a cobrança se dá por capítulos ou episódios, e o caso do conjunto de obras audiovisuais para o segmento de vídeo doméstico). A CONDECINE Título é devida a cada cinco anos para as obras não publicitárias e a cada 12 meses no caso de obras publicitárias. Cabe à ANCINE a cobrança e fiscalização desta modalidade. Inicialmente, a redação atual do Art. 33 da MP 2.228-1/2001, traz a seguinte previsão:   “Art. 33. A Condecine será devida para cada segmento de mercado, por: I – título ou capítulo de obra cinematográfica ou videofonográfica destinada aos seguintes segmentos de mercado:   Diante disso, a inclusão do segmento de Vídeo por Demanda no conceito de “outros mercados” com o uso de instrumento normativo infralegal, tal como no caso da Publicidade na Internet[41] o qual foi revogado antes de entrar em vigor, ocorreu consoante previsão no art. 24, § 2º, inciso IV da IN 95/2011 da ANCINE, bem como nas Instruções Normativas 104 e 105. Tudo isso ao arrepio do art. 149, § 4º da CRFB/1988[42], confira-se:   Art. 24. A CONDECINE será devida uma vez a cada 12 (doze) meses, por título de obra audiovisual publicitária, por segmento de mercado audiovisual em que seja comunicada publicamente, conforme valor definido em regulamento pelo Poder Executivo Federal, nos termos do § 5º do art. 33 da Medida Provisória 2.228-1, de 06 de setembro de 2001. (Alterado pelo art. 1º da Instrução Normativa nº 134)   (…)   I – Vídeo por demanda; II – Audiovisual em mídias móveis; (Revogado pelo art. 43 da Instrução Normativa nº 105) III – Audiovisual em transporte coletivo; e IV – Audiovisual em circuito restrito. V – Publicidade audiovisual na Internet. (Revogado pelo art. 2º da Instrução Normativa nº 147) (Grifos nossos)   Frise-se que pela forma como está redigida a MP 2.228-1/2001 o fato gerador da CONDECINE não se esgota no art. 32, haja vista que quando o art. 33 trata dos segmentos de mercado os quais a CONDECINE será devida, pois acaba descrevendo não somente o elemento quantitativo tributário, mas também se referindo ao próprio fato gerador do tributo (hipótese de incidência e fato imponível[43]). Desse modo, caso haja a ocorrência de qualquer um dos verbos positivados nos incisos do art. 32 da MP 2.228-1/2001, caso os mesmos não estejam inseridos em quaisquer dos segmentos de mercado descritos no art. 33 da MP 2.228-1/01[44], não incidirá o tributo. Dito de outro modo, caso a hipótese prevista no art. 32 da MP 2.228-1/2001 venha a se configurar no mundo concreto, mas não ocorra em quaisquer segmentos de mercado assinalados no art. 33, será flagrante a hipótese de não incidência tributária. Razão pela qual o art. 33 não pode deixar de ser considerado como também fato gerador para ser enxergado meramente como elemento quantitativo tributário. Por isso entende-se aqui que a CONDECINE é eivada de fato gerador complexo, justamente pela necessidade de realizar um cotejo entre os arts. 32 e 33 da MP 2.228-1/2001 para aferição da efetiva incidência do tributo, amoldando a hipótese de incidência ao caso concreto mediante a verificação do segmento de mercado em que ocorreu o fato imponível. Registre-se que o elemento material do fato gerador, o qual diz respeito aos comportamentos dos indivíduos, são exatamente aqueles que encerram a substância de um ato, fato ou situação jurídica sobre a qual incide um tributo, transposto em um “facere”, um “dar” ou um “ser”. São formados, portanto, invariavelmente, por verbos (de ação ou de estado), seguidos de um complemento. No caso concreto, o art. 33 configuraria justamente esse complemento essencial para a configuração do fato gerador tributário. Sem olvidar, tampouco, a óbvia função quantitativa do art. 33 da MP 2.228-1/2001. De modo que é fundamental que o operador do direito se atente para a sua sutil, porém importante função complementar de permitir aferição da ocorrência ou não do fato gerador tributário. Confira-se.   Art. 33.  A Condecine será devida para cada segmento de mercado, por:            (Redação dada pela Lei nº 12.485, de 2011)   I – título ou capítulo de obra cinematográfica ou videofonográfica destinada aos seguintes segmentos de mercado:             II – título de obra publicitária cinematográfica ou videofonográfica, para cada segmento dos mercados previstos nas alíneas “a” a “e” do inciso I a que se destinar;            (Redação dada pela Lei nº 12.485, de 2011)           (Produção de efeito)   III – prestadores dos serviços constantes do Anexo I desta Medida Provisória, a que se refere o inciso II do art. 32 desta Medida Provisória. (Incluído pela Lei nº 12.485, de 2011)         I – uma única vez a cada 5 (cinco) anos, para as obras a que se refere o inciso I do caput deste artigo;         (Incluído pela Lei nº 12.485, de 2011)   II – a cada 12 (doze) meses, para cada segmento de mercado em que a obra seja efetivamente veiculada, para as obras a que se refere o inciso II do caput deste artigo;          (Incluído pela Lei nº 12.485, de 2011)   III – a cada ano, para os serviços a que se refere o inciso III do caput deste artigo.          (Incluído pela Lei nº 12.485, de 2011)     Dessa maneira, o agente regulador ao usar ardilosamente a alínea “e” do inciso I do art. 33 da MP 2.228-1/2001 que trata dos “outros mercados, conforme anexo” como segmento de mercado autônomo para instituir, por Instrução Normativa e não por meio de lei, a tributação de vídeo por demanda – VOD, acaba cometendo fraude ao disposto no art. 149, § 4º da CRFB/1988, o qual dispõe que: “a lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez”. Assim o regulador usurpa a competência legal firmada na CRFB/1988 para instituir novas contribuições utilizando-se, artificiosamente, de um dispositivo legal mal redigido. Logo, ao “instituir novos tributos” por meio de Instrução Normativa ao invés de utilizar o meio legal, o regulador pratica ato eivado de inconstitucionalidade. Nesse sentido, o agente regulador se apoia em uma norma legal (norma de cobertura) que dá aparência de validade ao ato, para driblar ou contornar uma norma constitucional, de caráter cogente, que vem a ser a norma fraudada. O que resulta, na prática, um ato que configura meio ardiloso para, em última análise, evitar o que a constituição proíbe, limita ou mesmo impõe.   4.2 ABUSO OU DESVIO DO PODER REGULAMENTAR Na elusão tributária, o abuso de direito ocorre quando há o abuso na interpretação por parte do contribuinte acarretando prejuízos à ratio da norma, contornando assim o dever tributário. Falta-lhe boa-fé objetiva que traduz os deveres de lealdade e confiança. Não há uma violação direta À norma tributária como ocorre no caso da evasão, mas uma contrariedade ao espírito da lei – mens legis. No campo do direito público, essa discussão surge no estudo dos atos administrativos. Sendo certo que o desvio de finalidade como modo abusivo do exercício do poder, o que termina alcançando fins estranhos ou incompatíveis com a norma legal. Sendo este um ato marcado pela sutileza, cujo escopo é de contornar as finalidades da lei, camuflando-se sob o manto de uma pretensa regularidade. Na Itália, a teoria do desvio de poder evoluiu para o campo dos atos legislativos como modalidade sutil e indireta de vício material de inconstitucionalidade[45]. Na doutrina portuguesa, Canotilho sustenta que o excesso de poder legislativo pode ser revelado tanto no confronto da lei consigo mesma, tendo especial atenção os fins por ela perseguidos como no confronto da lei com os fins estabelecidos na constituição[46]. Assim, será verificado o excesso de poder (ecesso di potere) quando o agente, servindo-se inicialmente de uma competência que a lei lhe confere, romper os limites estabelecidos por esta, bem como quando contornar dissimuladamente tais limites, apossando-se de poderes que não lhe são garantidos por lei[47]. Nas palavras de Carlos Alexandre de Azevedo Campos acerca do abuso ou desvio de poder de legislar, pode se dizer que se trata de “(…) comportamento sutil, malicioso, por meio do qual o legislador atua fora dos limites teleológicos de sua competência ou contorna a ‘ratio’ ou espírito de normas constitucionais (…)”. A título de exemplo, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADIn nº 1.158-8/AM, suspendeu os efeitos de lei ao fundamento de abuso da função legislativa, asseverando que: “(…) a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável”. Nesse diapasão, no caso do referido artigo, tanto o abuso dos atos administrativos quanto do poder de legislar serão fundamentais para a compreensão do tema da elusão regulatória das leis e da constituição. Haja vista que na seara do Direito Regulatório tanto os atos normativos secundários calcados no poder regulamentar como os atos administrativos propriamente ditos baseados nas decisões proferidas pelas autoridades administrativas são passíveis de praticar os contornos às normas jurídicas legais e constitucionais. Assim, segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos[48]: “(…) o legislador realiza uma ‘elusão’ da constituição quando pratica fraude ou abuso do poder de legislar. Em ambos os casos, há fuga às limitações e imposições constitucionais sem violar diretamente a Carta da República. A configuração dessa moldura revela a viabilidade da comparação com a elusão tributária. As práticas tem estrutura e dinâmica similares: por meio de um comportamento formalmente adequado, realiza-se um contorno, um drible a um determinado dever, proibição ou limitação normativa”.  E prossegue asseverando que o objetivo da analogia não é de mera alteração terminológica, mas no sentido de contribuir no combate às práticas elusivas[49]. Dessa forma, o discurso ético  de combate ao comportamento malicioso do contribuinte deve ser aplicado também ao agente regulador, devendo haver uma tutela reforçada no que diz respeito a exigência de reciprocidade entre os direitos e deveres preconizados no Estado Democrático Fiscal. Nesse diapasão, há nítidos elementos que demonstram o abuso de direito perpetrado na criação de normas infralegais e em sua interpretação ao arrepio do disposto no art. 111 do CTN. Confira-se o trecho constante na jurisprudência do STJ[50] acerca da exegese em casos de isenção fiscal. (…) 7.  Constituindo  o  benefício fiscal em comento forma de outorga de isenção  parcial,  a  legislação tributária a ele referente deve ser interpretada literalmente, a teor do art. 111, II, do CTN.8.   A   Administração   Pública  está  vinculada  ao  princípio  da legalidade,  razão pela qual, se emitidos em discrepância com a lei, os  laudos  constitutivos  devem  ser  anulados,  o  que  atinge, em consequência,  a  concessão  do  benefício fiscal, em razão do vício insanável  de  que  se  revestem aqueles atos administrativos, e não porque,  uma vez deferido o incentivo, ele deixou de ser conveniente para  a  administração,  hipótese  em  que a sua revogação não seriapermitida (art. 178 do CTN). (…) (REsp 1128717/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 31/08/2017) Além disso, fica claro que também há abuso do poder exercido pela autoridade administrativa que detém o poder para aprovar as normas infralegais e determinar sua devida publicação – que no caso da ANCINE é a sua Diretoria Colegiada -; porquanto, quando resta demonstrado que o órgão colegiado aprova uma norma que corrige o texto da anterior consolidando um entendimento técnico sedimentado (IN 133/2017) e não deixa qualquer margem de dúvida para a burla ou drible no que tange o prazo de 270 (duzentos e setenta) dias aposto no § 3º do art. 39 da MP 2.228-1/2001, mas deixa de publicar o ato normativo após a sua aprovação por mais de 30 dias para que dentro desse lapso temporal aprove outros projetos sob a égide do regramento anterior (IN 46/2005). Cumpre lembrar que conforme aqui esposado, que durante o intervalo temporal, de março a maio, mais precisamente em 11/04/2017[51], a Diretoria Colegiada aprovou a realocação de três projetos sob a égide permissiva anterior que havia ultrapassado o prazo legal de 270 dias. Registre-se que alguns deles sequer foram protocolados na agência – eram inexistentes -, mesmo com questionamentos da área técnica e com a própria Diretoria Colegiada estando convencida de que o regramento da IN ANCINE 46/2005 não seria mais desejável, e por tal motivo tendo ela mesma aprovado novo regramento, conforme se verifica da ata da Reunião de Diretoria Colegiada nº. 650 de 07 de março de 2017[52] (data da aprovação), mas que só foi publicada em 18 de maio de 2017[53] (data da publicação no Diário Oficial da União). Assim, ainda que não vigente e devidamente publicada – exclusivamente por opção da Diretoria Colegiada da época -, a alteração normativa demonstrava significativa mudança em favor da legalidade e da segurança jurídica. A alteração da norma que regulamentava a isenção fiscal do art. 39, X da MP 2.228-1/2001 visou consolidar o entendimento já antigo da área técnica[54] no sentido de que não caberia ao agente regulador “inovar” na matéria e contrariar o disposto na lei, sob pena de causar insegurança jurídica. Não havendo qualquer razão para que houvesse uma demora injustificada para a publicação da referida instrução normativa, principalmente no caso de terem processos pendentes de análise acerca do tema. Em suma, o órgão colegiado da Agência aprovou o novo texto normativo em 07/03/2017, não publicou no diário oficial imediatamente após a sua aprovação de maneira injustificada, depois aprovou três projetos sob a égide do regramento anterior na Reunião do dia 11/04/2017 e, posteriormente, realizou a publicação da IN 133/2017 somente em 18/05/2017.   No texto do professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos[55] entende que o legislador paranaense no caso do IPVA pratica elusão da constituição ao promulgar a lei nº 18.371/2014 que altera a data do fato gerador do imposto exclusivamente para o ano de 2015 para o fatídico 1º de abril. Dessa maneira, demonstra a ocorrência de fraude à constituição diante da violação à isonomia por ter promovido discriminações injustificadas e, por conseguinte, inconstitucionais. Na sequência, aponta o abuso de poder pelo legislador paranaense ao abusar da literalidade do inciso III do art. 150 da CRFB/1988 e violar a ratio da EC nº 42/2003[56] na parte em que introduziu a anterioridade nonagesimal no sistema de garantias constitucionais dos contribuintes. Haja vista que a EC 42/2003 visava justamente evitar a odiosa prática de permitir a majoração de tributos no apagar das luzes, ou seja, no final do ano anterior, com vigência imediata para o ano subsequente. Cumpre mencionar que não é admissível que a liberdade do legislador na escolha da data do fato gerador do imposto possa servir de mecanismo para contornar uma limitação constitucional ao poder de tributar. Sendo, portanto, uma análise teleológica da ratio da EC 42/2003. Transpondo a questão da elusão para o agente regulador, não se pode chancelar condutas oportunistas de agentes econômicos que objetivem planejamento tributário indevido e acarretem na evasão fiscal, prejuízos à arrecadação fazendária (no caso da lesão à Desvinculação das Receitas da União) ou lesão ao Fundo Setorial do Audiovisual. Assim, não deve dispor sobre flexibilização do prazo decadencial de 270 (duzentos e setenta) dias, tampouco permitir a destinação de recursos para projetos que ainda não foram aprovados pela Agência, tal como determina a parte final do art. 39, X da MP 2.228-1/2001 ou, pior, que sequer foram apresentados, leia-se protocolados, à agência para aprovação, ainda que existam na vida prática e que possam, no futuro, serem apresentados à ANCINE para aprovação para captação de recursos. Segundo o professor Marcus Abraham[57], a interpretação restritiva impõe uma conduta interpretativa, a qual se aplica às isenções fiscais, é calcada no brocardo latim “plus dixit quam voluit”, buscando ater-se aos limites estritos da letra da lei, daí ser denominada no CTN interpretação literal, tal como faz o seu art. 111. Estão sujeitas, portanto, à regra de hermenêutica que impõe interpretação literal, não comportando interpretação extensiva. Frise-se que o limite da ANCINE reside nas suas competências internas dentre as quais compreendem a disposição sobre quais são os requisitos para um projeto ser aprovado, questões orçamentárias e formais do projeto, o sujeito apto a apresentá-lo, nível de captação de recursos do agente econômico requerente, a documentação comprobatória, etc. Mas jamais invadir a competência da Secretaria da Receita Federal, principalmente emitindo atos contra legem. A ANCINE não pode abdicar de realizar os atos intrínsecos referentes à regulação de acesso e permitir alocação de recursos em projetos que sequer foram protocolados para aprovação na Agência, ou que, protocolados, ainda não tinham completado o percurso de aprovação. Dentre esses atos, estão compreendidos os elementos essenciais à aplicação da política pública, tais como a natureza do agente econômico proponente, a aferição do registro do produtor na ANCINE e o preenchimento dos requisitos legais e normativos necessários para sua qualificação como independente, se o proponente possui classificação de nível para aquela captação com base na IN 119 da ANCINE, se aquele projeto é elegível ao financiamento público, se há embaraços relacionados à propriedade intelectual e que possam prejudicar a realização do projeto e ocasionar prejuízo os recursos públicos alocados, entre outros[58]. Tal permissividade, inclusive se revestida de ato normativo infralegal como um dispositivo em Instrução Normativa, poderia abrir brechas para comportamentos oportunistas, simulacros de planejamento tributário e, em última análise, pode configurar violação dos estritos comandos legais e usurpação da competência privativa da Secretaria da Receita Federal pelo aspecto lato sensu de administração tributária que lhe confere o art. 38, inciso I da  Medida Provisória nº 2.228-1/2001[59]. Portanto, fica claro que a finalidade da política pública não é resguardar recursos personalíssimos a determinado projeto de determinada produtora ou favorecer a determinada programadora internacional, mas dar-lhe a finalidade de financiar projetos audiovisuais de maneira impessoal, isonômica e democrática. Assim, no plano constitucional, verifica-se claramente violação aos princípios da legalidade, isonomia, transparência e impessoalidade. E, no plano da legalidade, há violação frontal ao art. 111, inciso I do CTN; à parte final do inciso X do art. 39 da MP 2.228-1/01 quando aduz que o projeto deve ser aprovado pela ANCINE; bem como violação ao § 3º do art. 39 da MP 2.228-1/01 que trata do prazo decadencial de 270 dias. Além da burla por conta da aprovação de projetos após a aprovação de uma nova instrução normativa que não fora publicada imediatamente por razões desconhecidas. Sendo certo que tal estratagema evidencia um drible ao mecanismo de isenção fiscal como um todo, impingindo prejuízo ao erário público e uma necessidade de que se faça o recolhimento integral do tributo, haja vista que o não preenchimento dos requisitos mínimos para a obtenção da isenção fiscal deve ensejar a cobrança integral do tributo aposto no parágrafo único do art. 32 da MP 2.228-1/2001. Não é demais relembrar que no exercício do poder de autotutela, tem a administração pública tem o poder-dever de anular seus atos caso constatada alguma ilegalidade, hipótese em que a anulação gerará efeitos ex tunc. Não havendo que se falar em direito adquirido à fruição de benefícios ou vantagens ilegais, visto que o respeito aos direitos adquiridos se impõe apenas no caso de revogação de atos administrativos, estritamente por motivo de conveniência ou oportunidade da própria administração. O efeito ex tunc decorre da invalidação por ilegalidade, em não se mostrando possível a convalidação. Nesse mesmo sentido é o disposto na Súmula 473 do STF, ao afirmar que “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. De igual modo, cumpre mencionar a Súmula 346 do STF, a qual prescreve que “a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Diante do exposto, se mostra imperioso o reconhecimento do drible ou contorno sub-reptício aos dispositivos elencados nos diplomas normativos devidamente discriminados ao longo do artigo, de modo a demonstrar uma conduta por parte do agente regulador contrária à mens legis e à aplicação da hermenêutica jurídica restritiva em matéria de isenção fiscal. Ensejando assim um comportamento oportunista por parte do contribuinte que realiza a elusão fiscal calcada no planejamento tributário abusivo. Relembrando a analogia realizada no capítulo anterior para o campo regulatório os conceitos construídos foram os seguintes: (i) comparadas à economia lícita de impostos, têm-se as regulamentações de dispositivos legais tributários que regulamentam restrições às escolhas dos contribuintes, tal como as regulações de medidas legais extrafiscais, ou discriminações (benefícios fiscais); (ii) comparadas à evasão fiscal, têm-se os atos regulatórios que violam frontalmente as normas legais e/ou constitucionais, ou seja, são atos normativos secundários que extrapolam o poder regulamentar de modo a contrariar a norma legal contra legem ou constitucional; (iii) comparada à elusão fiscal, têm se os atos regulatórios tributários que contornam as limitações constitucionais ao poder de tributar, violando sutilmente essas normas. Desse modo, tem-se que no caso concreto regulatório trazido à baila que a violação a regra de interpretação literal preconizada no art. 111 do CTN e o desrespeito à regra de competência da Secretaria da Receita Federal constante no art. 38, I da MP 2.228-1/2001 são violações flagrantes e frontais às normas legais. Portanto, seriam atos comparados à evasão fiscal. Aqui denominados de evasão regulatória das leis. Da mesma foram que a aprovação de projetos não protocolados na Agência, os quais obviamente não foram previamente aprovados pela ANCINE, os quais implicam em descumprimento a parte final do art. 39, inciso X da MP 2.228-1/2001. Na sequência, o ato regulamentar de criar uma extensão artificial do prazo decadencial de 270 dias constante no § 3º do art. 39 da MP 2.228-1/2001 para viabilizar um favorecimento a particulares em detrimento da gestão democrática do aporte pelo Fundo Setorial do Audiovisual – FSA, corresponde a uma elusão regulatória das leis na modalidade de abuso de direito, porquanto denota um desvio oblíquo, sub-reptício e sutil da regra legal por intermédio de um mecanismo infralegal. De igual forma, há elusão regulatória das leis na modalidade de abuso de direito quando ocorre a demora injustificada para que a Diretoria Colegiada publique a norma já aprovada em reunião do colegiado. Principalmente quando nesse interregno entre a aprovação da norma e da publicação, o colegiado aprove projetos sob a égide do regramento anterior cujo texto encontra-se superado.   CONCLUSÃO Não é incomum que os agentes reguladores utilizem meios oblíquos e sutis para desviarem-se dos preceitos legais e constitucionais que balizam o compêndio normativo tributário que podem dar ensejo a consequências desastrosas, seja por erro grosseiro ou com intenções escusas. Nas palavras de Emerson Garcia[60], “(…) a corrupção se apresenta como um meio de degradação do interesse público em prol da satisfação do interesse privado”. Nesse sentido, fica clara a relevância do aprofundamento deste tema cuja importância valorativa se extrai da ideia central do artigo do professor Carlos Alexandre[61], qual seja: alcançar a reciprocidade entre direitos e deveres fundamentais dos contribuintes. De modo que a elusão regulatória é um desvalor constitucional ao sistema democrático estruturado sob regras que. de um lado, limitam o poder de tributar e, de outro, protegem a higidez financeira do Estado. Assim, a hipernomia – fenômeno constatado pelo excesso de normas as quais podem apresentar as mais diversas situações de contradição entre comandos normativos de mesma hierarquia, extrapolação do poder regulamentar ou, até mesmo, uma utilização de diversos conceitos jurídicos indeterminados, os quais necessitam de um complemento discricionário do intérprete -; esconde um viés autoritário sob o manto de uma ilusão democrática e inovadora, que pode se revestir com entendimentos calcados em “excepcionalidades”[62]. De modo que o excesso normativo vai se assemelhando à ausência de normas, diante da necessidade do uso da discricionariedade para proferir a decisão. E, no afã de solucionar uma questão específica, o intérprete afasta-se cada vez mais da técnica e aproxima-se do ato de vontade. Portanto, a definição do que é lícito ou não, vai deixando de existir ante a ausência de pressuposto ôntico primário, dando azo à burocracia e à gestão dos casos excepcionais. Portanto, o excesso normativo, diante dos mais diversos embricamentos possíveis acaba equivalendo à sua ausência.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-193/evasao-e-elusao-regulatoria-das-leis-e-da-constituicao-no-direito-tributario/
Crime de Sonegação Fiscal: Lei 8.137/90
O presente artigo tem como objetivo principal analisar os crimes de sonegação fiscal praticados contra a ordem tributária. A sonegação fiscal está prevista na Lei 8.137/90 e tem como definição a ocultação dolosa, mediante fraude, astúcia ou habilidade, do recolhimento do tributo devido ao poder público. Para atingir o objetivo proposto, foi realizada uma análise específica dos crimes previstos nos artigos 1° e 2° da Lei n° 8.137/90, que tem como finalidade, proteger a legislação tributária, direcionando o contribuinte à luz da observância das normas do direito tributário e das normas estabelecidas pelo fisco. A metodologia utilizada para elaboração deste trabalho foi através de pesquisas bibliográficas, estudo de doutrinas, legislação e jurisprudências específicas ao assunto em epígrafe. A Lei 8.137/90 revogou a Lei 4.729/65 que era a antiga lei que disciplinava os crimes de sonegação fiscal. Esta Lei, tem como objetivo também, aumentar a arrecadação dos tributos, coibindo algumas condutas que são identificadas como sonegadoras fiscais. Por fim, o crime de sonegação fiscal interfere na estrutura econômica do país e deve ser eliminado pelo Estado e pela sociedade através da conscientização dos seus impactos.[3]
Direito Tributário
Introdução Um dos maiores problemas que os governos enfrentam no Brasil é o crime de sonegação fiscal, previsto na Lei 8.137/90. A falta de recursos financeiros causados pela sonegação colabora para o surgimento de desigualdades sociais e falhas em diversas áreas como saúde, segurança e na educação. Os crimes contra a ordem tributária tutelam os interesses estatais no que tange a arrecadação de tributos. A proteção jurídica de natureza criminal está relacionada com o ambiente macro-social que significa que deve ser aplicado a questões do senso crítico observando as tutelas dos interesses coletivos no tocante a este crime. A partir daí é que surge a materialização do crime de sonegação fiscal. O artigo 1º da Lei 8.137/90 estabelece: “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:(Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000). I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;      II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa” (Brasil, 1990). O delito que está presente no crime de sonegação fiscal define-se pela ação de suprimir ou reduzir tributo por uma variedade de comportamentos, como por exemplo, omitir informações, fraudar a fiscalização, elaborar documentos falsos etc. É óbvio, que para dizer que o crime foi consumado, seria necessário que todos os elementos citados no artigo 1° da Lei 8.137/90 estejam presentes. Com o visível crescimento e desenvolvimento da sociedade e a grande carga tributária brasileira, houve a necessidade do legislador formular Leis específicas que integrem a ordem tributária de maneira independente da Lei Penal, no intuito de evitar que se tenham interpretações distintas e equivocadas da Lei. Resta claro, que é necessário também observar quais atividades podem ser consideradas ilícitas e passíveis da aplicação de medidas punitivas do Estado.   A sonegação fiscal é compreendida como um ilícito tributário pelo qual visa suprimir ou diminuir tributo, omitindo, fraudando, alterando, falsificando, adulterando e ocultando informações. Caso o contribuinte pretenda diminuir os seus encargos tributários, poderá fazê-lo de forma legal por meio da chamada “elisão fiscal” ou através do planejamento tributário. A evasão fiscal é também uma característica da sonegação. A fraude ou sonegação fiscal consiste na utilização de procedimentos que violem de forma direta a lei fiscal ou o regulamento fiscal, no qual o contribuinte age com objetivo de favorecer a si ou terceiros, através da sonegação. Alguns instrumentos que viabilizam a constatação da sonegação fiscal são, como por exemplo, as declarações sobre movimentação de cartões de crédito, cruzamentos de dados sobre pagamentos e deduções efetuadas, arquivos enviados ao fisco (contendo entrada e saída de mercadorias), etc. Conforme Fabio Bandeira de Mello (2010.p.03), a sonegação de imposto tem como característica a omissão de rendimentos, no ato do preenchimento de sua declaração anual do IRPF[4]. Diferentemente do IRPJ[5], a sonegação se processa mensalmente, seja ocultando recibos ou lançando um valor menor em comparação aos serviços prestados. A principal finalidade da sonegação é impedir a tributação e o pagamento do imposto. O sistema de fiscalização da Secretária da Receita Federal está relacionado com informações cruzadas, pelo qual verifica-se quem paga e o valor contra quem recebe.   1.1. Sonegação fiscal e suas principais causas Hoje, no Brasil, quem comete um ilícito penal tributário dificilmente será punido. Em alguns países, como por exemplo, nos Estados Unidos, a sonegação fiscal é um dos crimes mais severamente punido. Há uma série de causas que justificam esse ato ilícito. Segue algumas abaixo: Causa de natureza Legal: há aumento nas alíquotas, aplicações infrutíferas de penalidades, restrições de interpretação da legislação sobre o sigilo de dados; Principais causas administrativas ocasionadas nos Poderes executivos e judiciário: há uma deficiência nas 3 esferas do poder; desvio de recursos humanos, descontinuação administrativa, inadequação e desvio de recursos materiais, déficit no setor de processamento de dados, cadastro de pessoas físicas e jurídicas inconsistente, agentes do fisco inseguros, fiscalização, cobrança e aplicação de penalidades ineficaz. Causas de natureza econômica: informalidade da economia, concorrência de empresas e recessão. Causas de natureza sócio culturais: consistência tributária de contribuintes, escassez da educação, má vontade política para que seja combatida a sonegação e, falta de transparência com relação à aplicação do produto da arrecadação. Causas de natureza ilícita: corrupções administrativas e prevaricação dos agentes do fisco. Há também as causas de concorrência desleal que ocorre quando o sonegador não recolheu aos cofres públicos os tributos que eram devidos e, por seguinte, oferece mercadorias com preço abaixo da concorrência, tendo como consequência a insolvência, caso o poder tributante não tome as devidas providências. Atualmente, esses problemas são justificados como dificuldades financeiras, aumento da carga tributária, altos casos de corrupção relacionada a entidades governamentais, que acaba consequentemente gerando dúvidas quanto a idoneidade da atividade estatal por falta de uma fiscalização e punições mais severas.   1.2. Alguns tipos de Sonegação Fiscal De acordo com o IBPT[6] (2009), segue alguns tipos de sonegação fiscal: Meia nota – tem por definição a emissão de notas fiscais com valores menores, no qual o contribuinte faz declaração de um valor menor no intuito de pagar menos imposto para reduzir custos. Levando em consideração que essa prática é ilegal, tal fato acarreta em multas e outras complicações. Calçamento de nota – trata-se de um procedimento perigoso que consiste na emissão de documentos fiscais com adulteração, tanto no preço, quanto nas descrições de mercadoria. Este procedimento é um crime também de ordem tributária. Acréscimo patrimonial a descoberto – o contribuinte não declara devidamente o aumento do seu patrimônio com o objetivo de pagar menos imposto. Doação irregular – é efetuada a entidades que não são habilitadas e que o valor do comprovante ultrapassa ao que foi de fato doado. Utilização de laranjas – prática bastante utilizada por criminosos. Tal prática refere-se ao empréstimo do nome de uma determinada pessoa ou conta bancária para fazer intermediação de uma negociação fraudulenta, ocultando a identidade de um outro indivíduo. Para que seja evitado as consequências da sonegação, a melhor alternativa é fazer um planejamento tributário com um especialista da área, que tenha reconhecimento no mercado.   Na esfera dos crimes contra a ordem tributária, a legislação brasileira lista na Lei 8.137/90, condutas que tem como referência a obrigação de pagar os devidos tributos classificados como crimes, determinando sanções administrativas e penais para os que realizarem[7]. São selecionados os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade, pelo qual recebem proteção do Direito Penal, e que são reservados aos autores de determinados crimes, penas restritivas de liberdade, cumuladas ou não com penas de natureza patrimonial. As penas mais graves aceitas pelo Direito brasileiro são as restritivas de liberdade que envolvem diretamente o indivíduo infrator. Tal fato, faz com que o legislador aplique um regime jurídico de forma diferenciada para exigência das mesmas, devendo ser aplicadas unicamente pela autoridade judiciária. Conforme entendimento de Hugo Brito Machado (2011, p.48): “O legislador não é livre para determinar as sanções em algumas categorias mencionadas, devido na Constituição existirem dispositivos que privem da autoridade judiciária o que compete a aplicação de sanções que consolidem restrições ou à privação da liberdade física e, assim determinadas sanções não podem ser caracterizadas como cíveis ou administrativas, pois isso implica em que sejam retiradas do regime jurídico vinculado a própria categoria de sanções.” É claro que, o legislador podendo solucionar ou classificar como crime determinadas condutas, atribuindo e aplicando sanções, não pode caracterizá-las de qualquer forma, alterando dispositivo constitucional principalmente no que tange às sanções vinculadas à privação de liberdade. Com base na pretensão punitiva do Estado, entende-se que ela deve ser interpretada e aplicada em concordância com o Estado Democrático de Direito, e o direito de punir engloba a garantia de aplicação da pena por uma sentença prolatada sob o amparo do devido processo legal e das demais garantias constitucionais. De acordo com a interpretação de Claúdio Costa (2003, p.26): ” A lei 8.137/90 foi editada no governo Collor durante um movimento de ampliação do direito penal e exarcebação das sanções penais, manifestamente contemporâneo ao projeto neoliberal implantado na América Latina. O marco cronológico desse movimento de política neoliberal foi exatamente o início da década de 90. Se por um lado, esse movimento, atingia a criminalidade, fazendo substituição do tratamento social da miséria pelo tratamento penal, frente a necessidade de diminuição do Estado, de outro modo, traz a utilização simbológica do direito penal diante do crime do colarinho branco, agindo como legitimador do sistema e mascarando uma imagem rígida de exclusão do pequeno capitalista e micro-investidor, com o intuito de assegurar a proteção dos interesses dos associados financeiros supranacionais.” A lei 8.137/90 regulou a matéria em que trata a Lei 4.729/65, contemplando, em maior parte, as condutas que foram apenadas através desta Lei 4.729/65. Resta claro, que o primeiro diploma legal que estatuiu em específico o crime tributário, surgiu com o advento da lei nº 4.729/65, que teve por definição o crime de sonegação fiscal decretando a respectiva pena. Contudo, atualmente temos a Lei 8.137/90, que caracteriza os crimes contra a ordem tributária. Apesar de regular a matéria da Lei 4.729/65, a Lei 8.137/90 o fez de maneira diversa, mudando os delitos tributários, uma vez formais, em crimes materiais ou de resultados, deixando ainda mais rígida, a sanção penal com base no diploma anterior. Com relação a essas mudanças têm-se o pensamento de César de Faria Junior (2006, p.38): “É óbvio que o caput do art.1º da Lei 8.137/90 requer um resultado, pois sem este não se perfaz o crime tributário, seja ele supressão ou redução do tributo, estabelece nos mais variados incisos as condutas e formas pelo qual o agente obtêm determinado resultado no que se assemelha ao crime de estelionato previsto no art.171 do Código Penal. Sendo assim, não há o que se falar em estelionato sem obter vantagem ilícita, com prejuízo alheio, ou seja, não se pode relatar ter ocorrido crime contra a ordem tributária (art.1º), sem que comprove supressão ou redução do tributo, pois deve ocorrer no entanto, anterior a ação penal, através da via especializada, própria para resolver esta questão, que seria de fato de Direito Tributário.” Ressalta-se que a Lei 8.137/90 não só trata da lei dos crimes contra a ordem tributária, bem como das relações de consumo. Ao analisar o primeiro capítulo da Lei supra, observa-se que ele é composto por duas sessões, sendo elas: dos crimes que são praticados por particulares, constantes nos artigos 1º e 2º e dos crimes em que se refere o art.3º, no qual são praticados por funcionários públicos. Ao tratar-se do capítulo segundo da referida Lei, o mesmo é composto dos artigos 4 e 7, que no geral tem por descrição as condutas típicas de crimes das relações de consumo e contra a ordem econômica, juntamente com o capítulo 3º, em que tem o disposto sobre as penas de multas aplicadas aos crimes contra a ordem tributária. Por fim, o capítulo 4 com os artigos 11 a 23 interpretam as disposições relacionadas à aplicação da lei. Analisando o artigo 1º da atual lei tributária, observa-se que a mesma descreve os delitos no qual ações físicas são descritas em diversas cláusulas, incluindo na primeira seção, os delitos cometidos por particulares, conforme relatado anteriormente, com o seguinte dispositivo: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias” (BRASIL, 1990). Observa-se que, a tipicidade do crime está na redução ou supressão do tributo. Na Lei 8.137/90, a fraude passa a ser a maneira de realização do tipo que se efetiva com a supressão ou redução dos tributos, enquanto a Lei 4.279/65 teria como núcleo do tipo a fraude, materializada nos termos utilizados para definir as condutas inseridas no art.1º do diploma legal. Conforme exposto abaixo, têm-se a análise de que a fraude é o modo de execução imperante do delito: “Art.1º.I – Omitir informação ou prestar declaração às autoridades fazendárias – fraude por meio de falsidade;. I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação em documento ou livros fiscais; III – falsificar ou adulterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou outro documento tributável – fraude por meio de falsidade; IV – elaborar, emitir, distribuir, fornecer e utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato – fraude por meio de falsidade; V – negar-se ou deixar de emitir nota fiscal ou fornecê-la em desacordo com a legislação – fraude por meio de falsidade; Art. 2º. I – Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar uma fraude – fraude por meio de falsidade; Exigir, pagar ou receber parcela de incentivo fiscal indevidamente – fraude” (Brasil, 1990). Os vários tipos inseridos na lei supra são dolosos, ou seja, determinam uma vontade livre e consciente de produzir um crime contra a ordem tributária. Determina a lei o dolo específico, tendo em vista a intenção direcionada para um resultado especial, que é o de suprimir ou reduzir o devido tributo. A única previsão de delito culposo que se tem na Lei 8.137/90 compreende-se a alguns tipos referente aos crimes contra a relação de consumo do art. 7º, parágrafo único que não se reflete da existência da modalidade culposa, em origem de crimes contra a ordem tributária e que se equiparam aos dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.137/90. Segundo Antônio Corrêa (1996, p.17): “Esta forma de delito não envolve tentativa, pois até o final do prazo para que se cumpra a obrigação acessória, em regra, com data e assinatura do sujeito passivo, ela não produzirá efeitos. Mas, agindo e completando-o, lançando a firma, estará consumado com a sua entrega na repartição.” Diante do exposto, foi editada pelo STF dia 11 de dezembro de 2009, a Súmula Vinculante 24, no qual é importante registrar algumas considerações acerca dos princípios constitucionais e processuais penais em questão. Com base na Súmula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º incisos I a IV da lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo” (BRASIL, 2009). O disposto acima pela Súmula Vinculante 24, trata-se quando os crimes forem materiais. A Súmula cita o artigo 1º, inciso I a IV da Lei 8.137/90. Nos crimes do artigo 1º, inciso I, II, III e IV da Lei 8.137/90 que são crimes materiais contra a ordem tributária, não se tipifica o crime, ou seja, não tem tipicidade no sentido formal antes do lançamento definitivo do tributo. Para melhor entender a Súmula, é preciso analisá-la por partes. O que é um crime material contra a ordem tributária? – É um crime que se exige resultado, ou seja, é necessário que ocorra um resultado naturalístico. Esse resultado naturalístico consiste na diminuição da arrecadação de tributos do Estado. Seja porque alguém se apropriou de tributo, ou por ter sonegado, ocorre uma redução da arrecadação tributária. Como por exemplo, o Estado arrecadou menos e por tal fato sofre o prejuízo, que é esse estado naturalístico de sua arrecadação. Existem crimes contra a ordem tributária que exigem isso. O artigo 1° da Lei 8.137/90 é muito claro quando diz: “Reduzir ou suprimir o pagamento de um tributo ou qualquer acessório, ou seja, pagar menos ou deixar de pagar (BRASIL, 1990)”. Pagar menos ou deixar de pagar um tributo, isso significa dizer que houve um resultado naturalístico. Esse resultado naturalístico é a arrecadação tributária do Estado diminuindo, porque pagou menos ou deixou de pagar um tributo que deveria pagar. Isso é o que caracteriza um crime de natureza material contra a ordem tributária, que exige o resultado de lesão de dano à arrecadação tributária do Estado. O contribuinte e o Estado vão arrecadar menos tributo. É necessário que ocorra o resultado para que se configure o crime de natureza material contra a ordem tributária. A Súmula cita o artigo 1º nos incisos I até o inciso IV. O inciso V, de fato, vem sendo considerado pela jurisprudência tanto do STJ, bem como do STF um crime formal que pode causar um resultado, mas não precisa. Quando o agente deixa de praticar as condutas, como por exemplo, deixando de emitir a nota fiscal, já se caracteriza a consumação do crime, não sendo necessário que se leve a redução ou supressão. De tal forma, o STJ e o STF têm jurisprudência consolidada no sentido de que o inciso V é formal e que, portanto, a Súmula não se aplica a ele. Já o artigo 2º da Lei 8.137/90, tem apenas uma modalidade que é o inciso II, que também é material. O inciso II, do artigo 2º da Lei 8.137/90 é a apropriação tributária. Sem o lançamento definitivo de tributo não é possível configurar o crime do artigo 2º, inciso II. Assim, como o artigo 1º exige o resultado, portanto, a Súmula se aplica sem sombra de dúvida como está expresso nela, os casos do inciso I a IV do artigo 1º, e também ao inciso II do artigo 2º, os demais não. Além disso, o artigo 168-A e o artigo 337-A do Código Penal que são crimes específicos contra a previdência social são também de natureza material. Apropriação indébita previdenciária elencado no artigo 168-A e a sonegação de contribuição previdenciária, artigo 337-A do Código Penal, são nitidamente crimes contra a ordem tributária. E sendo nitidamente crimes contra a ordem tributária, é evidente que esses crimes são materiais e se sujeitam à Súmula Vinculante 24. A Súmula Vinculante 24 se aplica expressamente aos artigos I, inciso I ao IV, da Lei 8.137/90, mas ela também se aplica ao artigo 2º, inciso II da referida Lei. Qualquer desses crimes contra a ordem tributária exige que ocorra o lançamento definitivo, pois sem ele, o crime não se tipifica. O crédito tributário é constituído de modo definitivo quando o processo administrativo que apura a sonegação e a apropriação termina. Quando esse processo administrativo termina, é concluído, ocorrendo o lançamento definitivo do tributo. Isso significa dizer, que os crimes materiais da ordem tributária à luz da Súmula 24 do STF não se tipificam, ou seja, não se concretizam legalmente enquanto houver um processo administrativo em curso apurando essa sonegação ou apropriação. É necessário que o processo administrativo fiscal termine com o lançamento definitivo do tributo, para que então seja tipificado o crime contra a ordem tributária. Enquanto não ocorrer o lançamento definitivo, não ocorre a tipificação do crime contra a ordem tributária e é exatamente isso que o STF transmite através do enunciado da Súmula 24. A consequência disso é que não pode acontecer qualquer ato de persecução penal, para apurar um fato que por meio de uma Súmula Vinculante está sendo declarado atípico. Enquanto não ocorrer o lançamento definitivo, esse fato é atípico e não há como praticar atos de persecução penal contra o agente. A Súmula do STF elevou o lançamento definitivo ao elemento da tipicidade, não podendo ser tipificado o fato antes do lançamento definitivo. É direito material e não direito processual. Bastante ainda teria a ser analisado acerca das condutas e dos tipos expressos na lei 8.137/90, no entanto restringir-se-á o presente estudo a estes mínimos comentários, tendo em vista a necessidade de abordar outros assuntos relacionados ao tema, para que melhor seja atingido os objetivos inicialmente propostos.   Conclusão A sonegação de tributos é um problema bastante complexo, que traz como consequência a destruição da situação fiscal do país e gera um aumento da desigualdade, levando à sérios problemas econômicos. Este trabalho, teve como objetivo mostrar um dos grandes problemas relacionado ao sistema tributário brasileiro que é a sonegação fiscal, com ênfase na Lei 8.137/90. Trata-se de um tema de interesse de todos, por ter influência direta nos rendimentos da população brasileira. Resta claro, que ao mencionar a sonegação fiscal como tema, existem outros assuntos que podem complementar o estudo e permitir que seja cobrado melhor os direitos de cada um. Um dos grandes propósitos também deste estudo, foi realizar alguns apontamentos acerca da Lei nº 8.137/90, abordando aspectos legais a partir de entendimentos doutrinários de grandes autores. O Estado por não ter condições de manter a ordem social e o bem-estar de todos, através de receitas originárias, ele tributa de cada contribuição para que seja arcada com as despesas públicas, como por exemplo, educação, saúde, segurança, entre outras atividades por ele desenvolvidas. Em paralelo, a esta ação estatal, existem várias pessoas que se utilizam de diversas formas para que o pagamento dos tributos seja evitado. A norma tributária é interpretada pela maioria como uma rejeição social, por ter o entendimento de que a tributação corresponde a uma forma de intervenção do Estado e de retirada compulsória de parte da renda e patrimônio de terceiros. E a sociedade se contagia e aceita os diversos meios que os contribuintes encontram para não pagar os tributos. Embora o Estado tenha mudado esta postura de interventor, os ilícitos fiscais continuam sem uma punição mais rígida por conta da sociedade. E algumas pessoas são leigas diante da aplicação dos recursos arrecadados, e de outro modo, indignadas diante dos desvios das verbas públicas e da corrupção. O aumento da carga tributária e as dificuldades dos grandes e pequenos empresários, são argumentados por uma boa parte dos sonegadores, mas que ainda aceitável por quem quer continuar com um país corrupto. Na responsabilidade de acabar com a sonegação, a administração tributária utiliza-se de mecanismos legais, importantes para combater os danos causados pelos sonegadores, tanto aos cofres públicos, quanto à sociedade. Contudo, esses mecanismos não foram suficientes para que fosse combatido o grupo resistente ao pagamento desses impostos. Diante do exposto, observa-se que o Estado é frágil, no que tange à edição das leis, por muitas vezes ferir os princípios constitucionais consagrados do Sistema Constitucional Tributário, dando brecha cada vez mais para que sejam proliferados tais atos ilícitos. Os atos abusivos e arbitrários do Estado, fere os direitos e garantias fundamentais e estimula ainda mais a sonegação. Por fim, é equilibrando os direitos dos indivíduos e as obrigações tributárias dos contribuintes, junto com a atividade de tributar do Estado e um planejamento tributário, que pode ser minimizado grande parte deste problema. Que a abordagem deste assunto não finalize através deste trabalho, sendo um ponto de partida para melhor estudo do tema.
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O caráter sui generis da tributação do Serviço de Iluminação Pública frente ao Sistema Tributário Brasileiro
O presente trabalho é formado por elementos de convicção provenientes da revisão de literatura, legislação e julgados dos tribunais superiores, estruturado em pesquisa qualitativa com o fim de promover um estudo sobre o caráter sui generis do serviço de iluminação pública, formando um processo cognitivo voltado para a evolução da tributação que esse serviço foi adquirindo com o desenvolvimento do Sistema Tributário Brasileiro, bem como com vias a explicitar o porquê de ser-lhe conferido tal caráter.
Direito Tributário
Introdução A tributação é um fenômeno histórico fundado na derivação do patrimônio do particular para os cofres do Estado com o fim de obter recursos para sua utilização na execução de atividades e serviços essenciais para a sociedade. Muito embora a utópica ideia de um sistema tributário estruturado, com bases sólidas e limitadores princípiológicos que estejam despidos de todo o aparato político que cerceia a atividade tributária seja uma concepção ainda muito à frente do nosso sistema atual, o funcionalismo estatal no que se refere ao sistema financeiro acaba por, de certa forma, desempenhar suas funções, o que permite a observação de que em certo grau o fenômeno da tributação está cumprindo com  seu real papel, qual seja, a obtenção de recursos. Desde a instalação da família real no Brasil, podemos ver a formação e desenvolvimento de um Sistema Tributário que ainda pende de essencialidade, mas que não deixa a desejar no quesito arrecadação, sendo que tanto o Código Tributário Nacional de 1966, quanto a Constituição Federal de 1988 são os grandes responsáveis pela formação do atual Sistema Tributário Brasileiro, levando em conta todas suas espécies tributárias, características gerais, princípios limitadores e até mesmo bases ideológicas. Em que pese termos um Sistema Tributário recheado de normatividade, o que é essencial para sua funcionalidade, o movimento político cumulado com o fenômeno jurídico, ainda dá azo para o surgimento de singularidades jurídicas, inclusive dentro do referido sistema, ocasionando uma margem de inconsistência no complexo organismo tributário. O presente trabalho versará exatamente sobre uma destas singularidades tributárias, definida pela Constituição Federal de 1988 como Contribuição para o Serviço de Iluminação Pública (COSIP/CIP), consubstanciada não na tributação propriamente dita de tal serviço, mas sim na sua caracterização e na forma como ele é tributado em nosso Sistema Tributário. O objetivo central é confrontar tal contribuição com as demais espécies tributárias a fim de demonstrar que ela se trata de uma tributação de caráter sui generis e/ou particularizada de um serviço essencial. Com vias a alcançar tal objetivo, primeiramente far-se-á a exposição da teoria da pentapartição e o seu desenvolvimento no Sistema Tributário atual, com posterior discursão individualizada de cada uma das espécies tributárias. Posteriormente, será feita a confrontação entre o serviço de iluminação pública e as taxas, demonstrando o porquê que tal serviço não pode ser tributado através desta espécie tributária. Em seguida, será feita uma breve explanação das características gerais das contribuições especiais ou parafiscais, o que concorre para o sucesso e conclusão do presente trabalho. Por fim, tratar-se-á especificamente da Contribuição do Serviço de Iluminação Pública, expondo os motivos de seu caráter sui generis em nosso ordenamento jurídico, inclusive demonstrando através de julgados dos tribunais superiores sua definição como tributo singular.   A tributação é um fenômeno histórico, político, econômico e social cujo o surgimento data da aparição das primeiras sociedades organizadas como um corpo cujo o comportamento social era ditado por aspectos legais básicos. Apesar da identificação exata do momento em que surgiu a tributação ser um trabalho que demanda o cruzamento de diversos aspectos históricos e culturais inerentes a estas sociedades antigas, tal fenômeno sempre teve um objetivo primordial que ainda está incrustado em sua filosofia até os dias de hoje, qual seja, o caráter arrecadatório como meio de aquisição de recursos para aplicação, pelo Estado, na execução de atividades essenciais ao desenvolvimento e convivência harmônica da sociedade. Tal objetivo traz à tona uma série de questões envolvendo o desenvolvimento do sistema tributário de um Estado organizado, sendo que o pilar básico que define a atividade tributária centra-se na derivação de uma parte do patrimônio do particular com destino aos cofres públicos, cujo o fundamento já apresentado, é a aquisição de recursos para o investimento em atividades estatais, fazendo com que a existência e consistência deste Estado necessite, para sua manutenção, de um coerente sistema tributário. Neste sentido, Luiz Eduardo Schoueri (2012; p. 16) proclama que “dificilmente se encontrará quem sustente com seriedade o desaparecimento do Estado como forma de organização política. A existência de um Estado implica a busca de recursos financeiros para sua manutenção”, o que reafirma a existência de uma relação simbiótica entre o Estado e a tributação. Em que pese toda a filosofia em volta da necessidade e surgimento da tributação, o Sistema Tributário Brasileiro sofreu e ainda sofre severas modificações no que se refere a formação de uma dinâmica estrutural que estabeleça no ordenamento jurídico brasileiro a existência de espécies tributárias estáveis. Não é nenhuma surpresa que existam controvérsias acerca de quais e quantas são as espécies tributárias, uma vez que nossa matriz constitucional é baseada em um fator de recepcionalidade normativa, o que significa que a promulgação de um novo texto constitucional não importa necessariamente na revogação de todas as normas anteriores a ele, mas sim na recepção, por este, daquelas normas que compactuam com suas premissas. O fato de que o Brasil adota este sistema de recepção constitucional é o que evidencia a controvérsia acerca das espécies que compõe o Sistema Tributário, vez que o Código Tributário Nacional (CTN) é anterior a Constituição vigente, sendo que esta traz em seu texto espécies tributárias além das que estão presentes no CTN. Para melhor visualizar tal situação, o Código Tributário Nacional em seu art. 5º, determina que as espécies tributárias são os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, enquanto que a Constituição de 1988, além de trazer as três espécies já mencionadas, incluiu outras duas: os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais (ou parafiscais). A existência desta controvérsia fez com que surgisse quatro correntes que justificam a existência de espécies tributárias, que nos ensinamentos do professor Ricardo Alexandre (2019, p. 51), são: “(1) a dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e as taxas; (2) a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; (3) a pentapartida ou quinquipartida, que acrescenta ao rol da tripartida os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, previstos nos arts. 148 e 149 da Constituição Federal, respectivamente; (4) a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que junta todas as contribuições em um único grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios.” Não obstante às diversas correntes que surgiram a partir da controvérsia empossada pelas espécies tributárias, urge salientar que, dentre todas, àquelas que são mais discutidas na atualidade promovem uma verdadeira divisão de pensamentos e interpretações por parte dos doutrinadores. Àqueles que defendem a teoria tripartite, com fundamento visionado no Código Tributário Nacional, representam, hoje, um pensamento vigente em uma parte minoritária da doutrina e da jurisprudência, o que faz com que a parcela majoritária dos doutrinadores, dos tribunais e, inclusive, das bancas de concursos públicos preferenciem a teoria quinquipartite ou da pentapartição inaugurada pela Constituição Federal de 1988. O entendimento basilar do desenvolvimento destas teorias é fundamental para a cognição do tema deste trabalho, tendo em vista que ele só é possível em razão da existência de um Sistema Tributário que adota a teoria da pentapartição, como será demonstrado mais à frente. Não bastasse a própria Constituição Federal de 1988 promover a evolução do Sistema Tributário Brasileiro a um novo patamar, bem como o desenvolvimento da doutrina neste mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal é grande defensor da teoria da pentapartição. Tal postulado é abstraído da existência, no próprio Tribunal Superior, de precedentes que defendem esta ideia. Neste sentido é a jurisprudência do STF, que através do RE 138.284 e RE 146 733, reconhece a existência de contribuições parafiscais/sociais como possuidoras de natureza tributária. Senão vejamos: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. Lei nº 7.689, de 15.12.88. I. – Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. (STF, RE 138.284, publicado em 01/07/1992) EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. LEI 7689/88. – NÃO E INCONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS, CUJA NATUREZA E TRIBUTARIA. […] (STF, RE 146.733, publicado em 29/06/1992)” Além da própria jurisprudência do STF reconhecer a predominância da teoria da pentapartição, a interpretação teleológica e histórica que pode-se abstrair do próprio texto constitucional induz exatamente a um Sistema Tributário formado por cinco espécies tributárias e não apenas três. O professor Alexandre Mazza defende, que “de fato, o modo como o tema vem tratado na Constituição de 1988 sugere uma opção do constituinte pela divisão quinquipartida das espécies tributárias.” (MAZZA, 2018 p. 156) Ademais, como já salientado, o nosso sistema constitucional é pautado pela teoria da recepção e o fato de esta justificar a existência de uma controvérsia, no ponto em que temos um embate entre a Constituição de 1988 e o Código Tributário Nacional de 1966, ao mesmo tempo traz uma solução bastante clara para tais controvérsias. A teoria da recepção determina que a promulgação de uma nova ordem constitucional irá recepcionar as leis anteriores ao novo texto constitucional, desde que compatíveis com a nova Constituição e não recepcionará aquelas que contrarie o seu texto. Veja que o cerne de tal teoria é que todo o ordenamento jurídico gira em torno da Constituição e não o contrário. Assim, quando a Constituição de 1988 recepcionou o CTN, inclusive no que se refere às espécies tributárias, este não fez para que as regras contidas no CTN fossem aplicadas de forma absoluta, mas muito pelo contrário, o fez ratificando as normas que eram compatíveis e modulando àquelas que não o era. Tal ideia vale para as teorias relacionadas às espécies tributárias, vez que antes da Constituição de 1988, vigorava a teoria trinária, com a sua promulgação, esta ideia sofreu modulação, passando a vigorar a teoria da pentapartição.   A título de cognição preliminar, a evolução da tributação do serviço de iluminação pública teve suas origens nas taxas, uma das espécies tributárias já comentadas. A grande repercussão em torno da tributação de tal serviço por meio das taxas se deu especialmente diante das características básicas que esta espécie tributária possui em contraponto com a ausência de compatibilidade entre esta espécie tributária e o serviço de iluminação pública. Tal incompatibilidade foi determinante para o surgimento da discussão, nos tribunais superiores, acerca da inconstitucionalidade incidente na tributação do serviço de iluminação pública por meio dessa espécie tributária, uma vez que totalmente incompatível com suas características. Para entendermos o cerne de tal controvérsia, bem como o deslinde e o alcance da conclusão que determinou a inconstitucionalidade da tributação do serviço de iluminação pública pelas taxas, é necessário entendermos, primacialmente, como funciona a referida espécie tributária. As taxas não tiveram sua origem com a Constituição Federal de 1988, uma vez que bem antes da promulgação desta, já havia no texto do Código Tributário Nacional a previsão de tal modalidade tributária. No entanto, como o objetivo central desta subseção não envolve o contexto histórico das taxas, mas sim a discussão da inconstitucionalidade da premissa acima especificada, é imperioso que tomemos como ponto de partida sua previsão perante a atual ordem constitucional. Com previsão no art. 145, inciso II, da CRFB/88, bem como no art. 77 do CTN, as taxas podem ser instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo, portanto, espécie tributária dotada de competência comum: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […] II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;” O próprio texto constitucional fornece uma série de elementos caracterizadores da referida espécie tributária, determinantes, pois, por distingui-la das demais espécies e conferindo a ela uma identidade tributária própria. As taxas de forma geral é contraprestação pecuniária cobrada por um dos entes públicos em razão da prestação de um serviço que possa ser utilizado de forma efetiva pelo contribuinte, ou que tenha sido colocado a sua disposição. Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi definem taxa da seguinte forma: “Taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem à sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos.” (BALEEIRO; 2018, p. 1228) Com o entendimento conceitual acerca das taxas, entoa alinhavar que estas podem ser exteriorizadas de duas formas, sendo uma pelo exercício do poder de polícia, sendo chamada de taxa de polícia, e a outra pela prestação de um serviço público à população, denominada de taxa de serviços. A aplicabilidade das taxas de polícia tem seu potencial revelado como meio de restringir determinadas liberdades que a população possui em detrimento do próprio contexto público/coletividade, sendo que elas são mais visivelmente identificáveis através das taxas de localização (taxa única cobrada para o registro de localização de determinado estabelecimento) ou das taxas de funcionamento (cobrada em detrimento da continuidade do exercício da atividade pelo contribuinte). No entanto, para o contexto do presente trabalho, a modalidade de taxas que realmente importam são as taxas de serviço, as quais são cobradas em decorrência de uma anterior prestação de serviço pelo poder público ao contribuinte, possuindo as seguinte características, primordiais ao nosso estudo: a) serviço específico; b) divisível. No que se refere aos serviços públicos específicos e divisíveis, o Código Tributário Nacional, em seu art. 79, incisos II e III, traz em seu bojo a definição técnica que melhor apresenta o significado de tais características como sendo: “II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.” Apesar da difícil compreensão que se possa ter através da simples leitura destes conceitos, o professor Ricardo Alexandre (2019, p. 64) apresenta essas características de uma forma mais didática: “Na prática, o serviço público remunerado por taxa é considerado específico quando o contribuinte sabe por qual serviço está pagando […]; A divisibilidade, por sua vez, está presente quando é possível ao Estado identificar os usuários do serviço a ser financiado com a taxa. De uma maneira ainda mais prática, pode-se afirmar que um serviço reúne as características da especificidade e da divisibilidade (podendo ser remunerado por taxa) quando para ele é possível, tanto ao Estado quanto ao contribuinte, a utilização da frase “Eu te vejo e tu me vês”. O contribuinte “vê” o Estado prestando o serviço, pois sabe exatamente por qual serviço está pagando (especificidade atendida) e o Estado “vê” o contribuinte, uma vez que consegue precisamente identificar os usuários (divisibilidade presente).” Considerando tais pontuações feitas pelo professor Ricardo Alexandre, para que um serviço possa ser remunerado por meio de taxa este tem que apresentar as características da especificidade e da divisibilidade, de forma que ambas as partes da relação tem que enxergar um ponto fundamental, o Estado tem de poder identificar o usuários do serviço prestado, e em contrapartida do contribuinte tem que saber por qual serviço ele realmente está pagando aquele tributo. Partindo deste pressuposto, conseguimos identificar o grande problema em torno da tributação do serviço de iluminação pública por meio de taxas, vez que, embora este serviço apresente a característica da especificidade, de forma que o contribuinte saberia que estaria pagando aquela taxa em decorrência da iluminação das vias urbanas de que possa usufruir, de outro lado lhe falta a segunda característica, de forma que o Estado não consegue identificar usuário por usuário e, principalmente, não consegue mensurar a quantidade de iluminação pública utilizada por cada contribuinte, uma vez que ela atende a toda coletividade. Munidos dessa incompatibilidade, os tribunais superiores firmaram entendimento no sentido de ser inconstitucional a cobrança do serviço de iluminação pública por meio de taxas, o que, por sua vez culminou na edição de duas súmulas pelo STF. Primacialmente, é importante fazer menção ao entendimento jurisprudencial já firmado por estes tribunais, senão vejamos: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO DE OFÍCIO. […] (REsp 1110578/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010) (STJ; 2010, DJe) (Grifos nossos). EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPTU. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. SÚMULA 668 DO STF. TIP. TCLLP. INCONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. É inconstitucional a progressividade do IPTU do Município do Rio de Janeiro anterior à EC 29/2000. Súmula 668 do Supremo Tribunal Federal. 2. O Supremo firmou entendimento no sentido de que o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa [Súmula n. 670]. Quanto à TCLLP, o Supremo decidiu pela inexigibilidade da exação por configurar serviço público de caráter universal e indivisível. [RE n. 256.588-ED-EDv, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Pleno, DJ de 3.10.03]. 3. Não se configura, no caso, excepcionalidade suficiente a autorizar a aplicação de efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 510336 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/04/2007, DJe-013 DIVULG 10-05-2007 PUBLIC 11-05-2007 DJ 11-05-2007 PP-00102 EMENT VOL-02275-18 PP-03576) (STF; 2007, DJe) (Grifos nossos)” Além disso, já se tornaram pacíficas as decisões dos tribunais superiores acerca deste assunto, conforme pode-se depreender do REsp 1438559 / RJ 2014/0044636-7; REsp 1234442 / SP 2011/0018447-2; AgRg no RO 105 / RJ 2010/0092610-7; EDcl no REsp 1110578 / SP 2009/0008313-4; RO 102 / RJ 2010/0061009-7; os quais são apenas algumas de muitas demandas cujas as decisões entoam no mesmo sentido. Não bastasse o entendimento jurisprudencial já pacificado entre os tribunais, o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF com repercussão geral fez com fosse editada a Súmula nº 670 e posteriormente a Súmula Vinculante nº 41, que dispõe com clareza solar que “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa” (STF, 2015, DJe). Desta forma, a fase do processo evolucionário da tributação da iluminação pública, a qual declara a inconstitucionalidade da remuneração do serviço de iluminação pública prestado pelo poder público mediante taxa, encerra-se deixando evidente que tal serviço por não ser compatível com uma das características das taxas, qual seja a divisibilidade, não pode ser cobrado por meio desta espécie tributária.   Quando da disposição acerca do princípio da pentapartição, fora mencionado que a nova ordem constitucional instaurou uma modificação quantitativa e até mesmo qualitativa nas espécies tributárias, de forma que a Constituição de 1988 introduziu no Sistema Tributário Nacional duas novas espécies de tributos, sendo elas os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais. Uma vez que a controvérsia que envolve a teoria da pentapartição já foi mencionada e até mesmo sanada, no presente momento faremos menção às características gerais das contribuições especiais, de forma que torna-se de extremo valor o entendimento de tal para um melhor esclarecimento acerca do caráter sui generis da Contribuição do Serviço de Iluminação Pública (CIP ou COSIP). Com previsão constitucional no art. 149, as contribuições especiais são divididas em três grandes grupos, a saber, as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, para o fim de adquirir recursos para fomentar, desenvolver e organizar os planos sociais e econômicos. Kyoshi Harada faz menção à controvérsia doutrinária que paira sobre a natureza jurídica das contribuições especiais, que muitas vezes são chamadas de contribuições parafiscais. Assim: “Muita controvérsia doutrinária existe acerca da natureza jurídica das contribuições sociais. Para alguns autores, elas teriam a natureza de imposto ou de taxa; para outros, seriam meros impostos com destinação específica; para outros, ainda, elas não teriam natureza tributária, apesar de sua compulsoriedade. Estes últimos classificam as exações compulsórias em tributárias e não tributárias.” (HARADA; 2018, p. 376) Tais considerações e controvérsias são essenciais para que possamos reforçar a teoria da pentapartição e especialmente identificar a autonomia dessa espécie tributária, vez que as distinções que esta possui em relação às demais espécies são fáceis de serem visualizadas. O primeiro ponto a ser demonstrado é que estas contribuições possuem natureza eminentemente parafiscal, ou seja, sua finalidade não é meramente arrecadatória, mas sim voltada para o desenvolvimento e fomentação de um setor específico do plano social ou econômico. Os impostos, de uma forma geral, são caracterizados como tributos não vinculados a uma ação estatal e cuja a arrecadação também é não vinculada, de forma que o montante arrecado vai para os cofres públicos sem ter destino específico. As contribuições especiais, por sua vez, embora sejam bem parecidas com os impostos, possuem sua arrecadação vinculada, vez que o produto de sua arrecadação é destinado ao ramo e/ou setor social ou econômico que se procura desenvolver ou modular. Neste sentido, pontua Vittorio Cassone (2007, p. 74) que “parafiscal quer dizer ‘ao lado do fiscal’, algo que anda paralelamente com o Estado. Traduz-se na entidade que se mostra como um ‘quase-Estado’, uma ‘extensão’ do Estado”. Não obstante a definição de parafiscal dada por Vottorio Cassone, é imprescindível para o presente momento que esteja claro do que se tratam as contribuições especiais, sendo que nada mais é que a atuação estatal em pontos específicos do meio social e econômico, conforme dispõe o professor Eduardo Sabbag (2018, p. 565): “As contribuições são tributos destinado ao financiamento de gastos específicos, sobrevindo no contexto de intervenção do Estado no campo social e econômico, sempre no cumprimento dos ditames da política de governo.” Ademais, para fins mais didáticos acerca das contribuições especiais, os seus principais grupos se subdividem em subgrupos que acabam por tornar mais evidente a esse caráter parafiscal inerente a essa espécie tributária. Assim, as contribuições sociais são compostas pelas contribuições sociais gerais (contribuição ao salário-educação e contribuições ao Sistema “S”), contribuições de seguridade social (que envolve as fontes de custeio previstas no art. 195 da CRFB/88) e outras contribuições especiais caracterizadas como contribuições sociais residuais. Por sua vez, as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas tem como suas principais subdivisões, a contribuição-anuidade, contribuição sindical. Por fim, as contribuições de intervenção no domínio econômico é subdividida em CIDE-combustível e CIDE-remeças. Em que pese todas estas considerações em relação às contribuições especiais, o que interessa para o presente trabalho é a inferência acerca de seu caráter parafiscal, ou seja, não é o ente que criou a lei que faz a fiscalização e recolhimento do tributo, mas sim um outro ente para o qual tais funções foram delegadas que são responsáveis por fiscalizar todos os seus parâmetros de existência e exação, bem como a realizar a cobrança, de forma que, geralmente, o produto arrecadado já possui destinação específica, voltada para o desenvolvimento, fomentação e manutenção da atividade da qual incide a contribuição especial. Uma vez mencionado o caráter parafiscal ínsito às contribuições especiais, é exatamente esta característica que faz com que a Contribuição de Iluminação Pública seja identificada como possuidora de excentricidade em relação às Contribuições Especiais de forma geral, fato este que passa-se a discutir.   O caráter anômalo da COSIP tem início com a própria edição da Emenda Constitucional nº 39/2002 que lhe deu origem, sendo que em seu processo legislativo acabou por ser aprovada com uma série de vício de formalidade. O próprio texto constitucional, em decorrência do sistema rígido em que a Constituição de 1988 foi sancionada, determina que a modificação do texto constitucional pode se dar através de emendas constitucionais, conforme se abstrai do art. 60 da CF/88. Ocorre que o trâmite da EC nº 39/2002 que deu origem a COSIP se deu de forma exótica, vez que o voto da referida emenda não se deu da forma como deveria ser, sendo que não foram observados os períodos previstos nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado, considerando que a votação dos dois turnos se deu de forma cumulativa em um mesmo dia, para que fosse evitado o retardamento tributário proveniente dos princípios da legalidade e anterioridade tributária. Neste sentido pontua o professor Eduardo Sabbag (2018, 619-620): “Ad argumentandum, critica-se, não sem razão, o processo elaborativo da EC n. 39/2002. É que o trâmite, de modo exótico e inédito, deu azo à violação do processo legislativo, não se permitindo votar a Emenda – como deve ser – em dois turnos, nas duas Casas do Congresso Nacional, com o devido respeito ao interstício mínimo previsto nos Regimentos Internos da Câmara e do Senado. Os dois turnos foram realizados, cumulativa e açodadamente, no mesmo dia, para que se evitassem os efeitos retardadores da aplicação do princípio da anterioridade tributária, caso houvesse a transposição do ano que se findava. Infelizmente, em casos semelhantes, o STF tem entendido que a interpretação do Regimento Interno das Casa Legislativas é matéria interna corporis, não sendo suficiente para a declaração de inconstitucionalidade formal do tributo.” Desse modo, pode-se observar que o próprio surgimento da COSIP se deu de forma anômala, vez que o próprio processo legislativo de elaboração da emenda constitucional que lhe deu origem, se deu de forma incomum e diferente do que prevê o texto legal e as próprias normas atinentes ao processo legislativo. Além disso, é notável que como regra geral de todos os tributos que são instituídos, deve o legislador apontar de forma clara todos os pilares essenciais que norteiam tal tributo, qual seja, o polo passivo, a alíquota que será aplicada, qual será a base de cálculo, havendo, pois, um verdadeiro buraco no aparato legislativos relativo a tal contribuição. Primeiramente, discute-se se tal tributo é dotado de referibilidade, ou seja, de uma relação sinalagmática entre o sujeito passivo e o fato gerador, que claramente é a iluminação dos ambientes públicos de uso comum da população. A crítica que faz padecer a existência de referibilidade de tal tributo, centra-se na difícil tarefa em identificar quem é o sujeito passivo, e até mesmo qual o grau de pessoalidade que tal sujeito passivo possui para como o fato gerador. De forma mais clara, a normativa tributária descreve a diferença básica entre responsável tributário e contribuinte direto, sendo que a definição mais básica que se tem sobre este último é que ele é identificável por possuir uma relação direta e pessoal com o fato gerador. Desse modo, o questionamento que se faz em relação à COSIP é exatamente qual o grau que o sujeito passivo apontado pelo fisco no momento da exação tributária, possui para que se possa dizer que ele têm uma relação direta e pessoal com o fato gerador de tal tributo. Além disso, a tarefa de identificar o sujeito passivo de tal contribuição se torna mais árdua no que se refere à identificação do contribuinte que se utiliza de tal serviço. Outro ponto que se discute com veemência é que os tributos de uma forma geral, ao serem instituídos estão submetidos às variadas limitações constitucionais consubstanciadas em princípios tributários, quais sejam o princípio da legalidade, da anterioridade, do não confisco, da irretroatividade, da isonomia, da capacidade contributiva, dentre outros. Tal ponto é mencionado aqui, exatamente pelo fato de que o texto constitucional atrela à COSIP apenas os princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade, o que acaba por dispensar a incidência dos demais princípios a tal contribuição, que nas palavras de Eduardo Sabbag (2018, 620) “parece denotar uma imprópria postura reducionista, haja vista a inafastável conexão dos tributos a todos os princípios constitucionais tributários”. Além disso, recrudesce a crítica acerca da inconsistência tributária atrelada a tipologia a qual a tributação da iluminação pública se apresenta atualmente, o fato de que alguns doutrinadores apelam por dispor que a COSIP nada mais é do que um “imposto transvestido de contribuição”. Tal declaração parece um tanto ou quanto controversa, pois se assim fosse muitas regras basilares estariam sendo violadas, a começar pelo pacto federativo, no qual o imposto que recai sobre a energia elétrica é o ICMS de competência legislativa dos estados, enquanto que a COSIP ao ser considerada um imposto, que por sua vez é instituída pelos municípios e pelo Distrito Federal, teríamos uma verdadeira invasão de competência, o que por sua vez viola o pacto federativo. No mais, além da violação ao pacto federativo, uma vez que se considera a COSIP um imposto, teríamos, pois, uma hipótese de bitributação, uma vez que dois entes políticos distintos estariam tributando sobre o mesmo fato gerador. Finalmente, os impostos são caracterizados pelo sua não afetação, de forma que sua arrecadação não se dá com um compromisso já firmado em relação a sua destinação, enquanto que a contribuição arrecadada em decorrência do serviço de iluminação pública visa ao provimento da manutenção desse serviço, ou seja, possui afetação. Muito embora a tributação do serviço de iluminação pública seja considerada uma contribuição especial, como já explanado, não encontra-se presente no rol de contribuições descritas no art. 149 da CF/88, senão vejamos: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” Dessa forma, não se trata de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, primeiramente por não ser de competência da União, além de não ter como finalidade o controle ou regulação de um dos setores da economia. Não se trata também de uma contribuição social, uma vez que estas ou estão relacionadas com o plano social, quando caracterizada como contribuição social geral, ou com a seguridade social, o que não é possível visualizar na COSIP. Por fim, não se refere a uma contribuição relativa aos interesses das categorias profissionais ou econômicas, porque não versa, ou possui qualquer natureza voltada para o sistema de trabalhadores e empregadores. A Emenda Constitucional nº 39/2002 introduziu no texto constitucional o art. 149-A que cria a Contribuição do Serviço de Iluminação Pública, de competência dos municípios e do Distrito Federal, com a finalidade de promover o custeio e/ou manutenção do referido serviço. Tendo em vista toda a discussão acerca dessa contribuição dentro do Sistema Tributário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, com julgamento de repercussão geral, reconheceu o caráter sui generis da referida contribuição: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM ADI ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP. ART 149-A, CF. LC N. 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA, (…) III – Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (RE 573.675 Repercussão Geral, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. em 25-03-2009)” Desta forma, não bastasse a colisão entre a COSIP e a natureza parafiscal das contribuições especiais, seu caráter sui generis provém também da sua ausência dentre as contribuições caracterizadas como especiais no art. 149 da CF/88, o seu não enquadramento em qualquer outra tipologia tributária,  deficiência quanto aos aspectos gerais e principiológicos atinentes a todos os tributos, ousando inferir, inclusive, que seu tratamento como “contribuição” se dá tão somente por causa do texto constitucional.   Considerações finais Pautado em um Sistema Tributário que recepciona a teoria da pentapartição no que se refere às espécies tributárias, anormalidades jurídicas permeiam este sistema quando o assunto é Contribuição de Serviço de Iluminação Pública, vez que conforme exposto neste trabalho, não há uma tipologia propriamente dita a qual tal contribuição se encaixe com perfeição. Como visto, não é uma taxa pois lhe falta o quesito da divisibilidade, não é imposto pois violaria o pacto federativo, traduziria-se em hipótese de bitributação e detém afetação. Também não pode ser classificada como uma contribuição especial pois lhe carece a qualidade de parafiscalidade e de expressa previsão legal como contribuição especial. Não obstante aos fundamentos apresentados, o próprio Supremo Tribunal Federal, acolhe a percepção de tributo sui generis, conforme se pode abstrair de seus julgados, conferindo à Contribuição de Serviço de Iluminação Pública a natureza de tributo particularizado, caracterizado por sua singularidade em detrimento das demais espécies tributárias, concluindo-se, pois, o presente trabalho com essa ideia.
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O Princípio Jurídico-Constitucional da Legalidade Tributária e Seus Subprincípios Imanentes à CRFB/1988
RESUMO: Abordou-se o princípio jurídico-constitucional da legalidade tributária e os seus dois subprincípios. Teve-se por objetivos o levantamento das fontes primárias do princípio em questão, a distinção entre o princípio genérico da legalidade e o da estrita legalidade tributária, a identificação de subprincípios deste último e o levantamento dos dispositivos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que abrigaram estes subprincípios. Partiu-se de um breve apanhado histórico das principais fontes da estrita legalidade tributária, após, passou-se à revisão da teoria, só então deu-se tratamento aos seus segmentos principiológicos a partir da CRFB/1988. Observou-se que o princípio em tela buscava atender aos anseios de justiça dos contribuintes desde, pelos menos, o início do século XIII na Europa. Atualmente, no Brasil, a CRFB/1988 ainda continua resguardando explicitamente estes mesmos anseios, porém, dentro do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Esses resultados auxiliam na compreensão da exegese do capítulo que trata da tributação na atual Carta Constitucional Brasileira.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO No Estado Constitucional Brasileiro, o princípio genérico da legalidade fez sua estreia no fim do primeiro quartel do século XIX, no período do Brasil Império, quando o Brasil já não era mais colônia, mas sim sede do governo do Império Português. Naquele momento, o princípio em tela debutou com toda pompa e solenidade nos seguintes termos: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: Cento e sessenta e quatro anos mais tarde, este mesmo princípio é reforjado para se adaptar à sociedade brasileira do século XX e ressurge adscrito na Constituição Cidadã, in verbis: Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança é à propriedade, nos termos seguintes: […] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). Não se está dizendo aqui que o princípio genérico da legalidade foi esquecido em todas as demais Constituições brasileiras, haja vista que uma leitura superficial destas Constituições facilmente permitirá reconhecê-lo, por exemplo, no art. 72, § 1.º, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891; no art. 113, 2, do Decreto Legislativo n. 36, de 18 de dezembro de 1935, o qual emendava a Constituição de 1934; no art. 141, § 2.º, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946; e, finalmente, no art. 150, § 2.º, da Constituição do Brasil de 1967, tendo sido preservado até mesmo no art. 153, § 2.º, da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. Apenas a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, a dita “Polaca”, elaborada pelo jurista Francisco Campos (o mesmo que elaborou a Ato Institucional n. I, de 9 de abril de 1964; o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal; e o Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal) não resguardou o princípio genérico da legalidade, sequer, como “letra morta”. De qualquer forma, o princípio é o mesmo, apenas, na CRFB/1988, foi adequado, por assim dizer, à perspectiva republicana de governo, como também à perspectiva democrática de poder do último quartel do século XX. Com efeito, o princípio da legalidade é um princípio amplo que se irradia da Carta Cidadã sobre as demais searas do ordenamento jurídico brasileiro, v.g., o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Tributário, dentre tantos outros. No caso particular do Direito Tributário, aderindo-se a esta seara, o princípio da legalidade constitucional ganha especificidade e adquire um caráter estrito. Com isso se quer dizer que a disciplina de temas relativos à criação e à majoração de tributos, graças à previsão constitucional, só poderá viger no ordenamento jurídico nacional se emanadas do Poder Legislativo, pois está reservada à deliberação deste Poder, em razão de que apenas ele é competente para elaborar leis abstratas, genéricas, imperativas, coercitivas e impessoais, i.e., leis em sentido estrito. Nas próximas seções, deter-se-á sobre as principais fontes históricas do princípio da legalidade tributária – uma vez que este princípio toca diretamente a criação e a majoração de tributos – e, em seguida, discute-se a maneira como a Carta Cidadã recepcionou tal princípio, pondo-se em evidência seus dois subprincípios (segmentos ou aspectos): o subprincípio da reserva de lei formal e o subprincípio da reserva material (substancial, conteudística de lei, também denominado princípio da tipicidade).   1 PRINCIPAIS FONTES HISTÓRICAS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA Nos tempos atuais é natural que a instituição e a majoração de tributos sejam reservadas à competência privativa do Poder Legislativo, pois este é o único Poder possuidor de órgãos representativos do contribuinte. Mas nem sempre foi assim. Aliás, a primeira previsão do princípio da legalidade tributária de que se tem notícia se deu em plena Alta Idade Média, na Inglaterra, no ano de 1215, início do século XIII, no reinado do, assim denominado, João Sem-Terra. Refere-se à Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannem et Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Anglicae[2], assinada em 15 de junho de 1215, cujas cláusulas[3] 12 e 14, trazem o germe do princípio da legalidade tributária, in verbis: […] Conforme entendimento de Comparato (2015, p. 93), estas cláusulas abrigam “[…] o princípio básico de que o exercício do poder de tributar deve ser consentido pelos súditos [logo] não haverá tributação sem que os contribuintes deem o seu consentimento, por meio de representantes […]”. Nesse momento os representantes assumem a figura de um “conselho comum do reino” (Parlamento) composto por arcebispos, bispos, abades, condes, os principais barões e os vassalos convocados por carta convocatória, na qual se especificará a razão da convocação, para reunião a ser realizada em prazo não inferior a quarenta dias, em data e local determinados. Com isso, empoderou-se ainda mais a ideia de um Parlamento que limitasse o poder do monarca. Mais tarde, a mesma ideia de prévio consentimento do Parlamento para a instituição de tributo (germe do princípio da legalidade tributária) reaparece na Petição de Direitos, de 7 de junho de 1628, elaborada pelo Parlamento inglês e assinada pelo rei Carlos I: […] Finalmente, no fim do século 17, com o término da Revolução Gloriosa, que depôs o rei James II, a Declaração Inglesa de Direitos de 1689, elaborada por um Parlamento ostensivamente burguês, foi imposta aos monarcas William III de Orange e Maria II de Inglaterra em 13 de janeiro daquele ano, e incorporada em ato do Parlamento em 16 de dezembro do mesmo ano, pondo fim ao poder absoluto na Inglaterra e instituindo, dessa forma, o Parlamento como principal força política a partir de então. E destarte os referidos Lordes Espirituais e Temporais e Comuns, em conformidade com suas respectivas cartas e eleições, estando agora reunidos como representantes plenos e livres desta nação, levando em consideração muito seriamente os melhores meios para alcançar os fins supracitados, em primeiro lugar (como seus ancestrais, em caso semelhante, costumavam fazer) para reivindicar e garantir seus antigos direitos e liberdades, declaram: […] Que a coleta de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem concessão do Parlamento, por longo tempo, ou de outra maneira que aquela é ou será concedida, é ilegal (Declaração Inglesa de Direitos de 1689, tradução livre)[6]. Desde então, ficou estabelecido que incumbe ao Poder Legislativo, por exemplo, zelar pelo secular princípio do consentimento dos impostos pelos contribuintes, soclo do conceito de autotributação, elevado, pela Revolução Francesa, à condição de direito inalienável a servir de pedra angular aos atos tanto do Poder Executivo quanto do próprio Poder Legislativo.  Do legado deixado pela Revolução Francesa destaca-se, particularmente para o Direito Tributário, os dois artigos que ora se reproduz logo abaixo: Art. 14. Todos os Cidadãos têm o direito de averiguar, por eles mesmos ou por seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de acompanhar o seu emprego, e de determinar a sua proporção, a arrecadação e a duração[7]” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, tradução livre). Observe-se que do bojo do texto supracitado se pode perfeitamente depreender (i) o princípio do consentimento dos impostos pelos contribuintes, consequentemente, o conceito de autotributação – a partir da conduta pró-ativa do próprio contribuinte –, e (ii) a incumbência investida no Poder Legislativo de zelar pelo princípio em pauta – pela via da representação do contribuinte, princípio da representatividade do cidadão. Ex positis que o dever de cuidado da legalidade tributária cabe tanto ao contribuinte em si quanto ao Poder Legislativo.   2 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A CARTA CIDADà Nabais (2005, p. 452) define o princípio da legalidade tributária ou fiscal[8] como sendo aquele princípio que restringe a criação e a disciplina dos elementos essenciais dos tributos à intervenção do Poder Legislativo. Ainda segundo o mesmo autor essa intervenção poderá ser de natureza material, quando fixa a disciplina, ou de natureza formal, quando autoriza o Governo, os entes e autarquias locais a estabelecê-los (NABAIS, op. cit., p. 452-453). Em consonância com Nabais (Op. cit., p. 140), pode-se dizer que, no caso brasileiro, esse princípio se exprime pela premissa constitucional de que é elemento precípuo do imposto, a sua criação e regulação por meio de lei do Congresso Nacional, ainda que, com a sanção do Presidente da República: Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, […] dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I – sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas […] (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). Sem perder de vista que (i) os demais entes da Federação possuem competência concorrente para legislar sobre matéria tributária e (ii) nesta mesma matéria, a competência da União se restringe ao estabelecimento de normas gerais, veja-se: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; Segundo Nabais (2006, p. 136-137), o princípio da legalidade tributária fixa “[…] limites de natureza formal, limites relativos portanto a quem pode tributar, ao como tributar e ao quando tributar […].” O mesmo princípio, de acordo com Nabais (2006, p. 137), também “[…] estabelece limites de natureza material, limites relativos portanto ao que e ao quanto tributar […].” Por conseguinte, o princípio da legalidade tributária possui dois aspectos, segmentos (NABAIS, 2006, 140) ou subprincípios (NABAIS, 2005, p. 453), aos quais se deu tratamento na subseção seguinte.   2.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E SEUS SUBPRINCÍPIOS De acordo com Nabais (2005, p. 453; 2006, p. 140), o princípio da legalidade tributária ou fiscal (Steuergesetzmässigkeit) tem por segmentos ou aspectos os subprincípios da reserva de lei formal (Gesetzvorbehalt) e da reserva material, substancial ou conteudística de lei, também denominado princípio da tipicidade (Tatbestandsmässigkeit). Percebe-se uma base dogmática alemã subjascente. Tomando-se por base a CRFB/1988, verifica-se com facilidade que o princípio da legalidade tributária se desdobra em dois aspectos ou segmentos, a saber, o subprincípio da reserva formal de lei e o subprincípio da reserva material de lei, os quais podem ser esquematizados como apresentado logo abaixo: O constituinte originário, e mesmo o constituinte derivado, em algumas ocasiões, por meio do princípio da reserva de lei formal autoriza o legislador regional, i.e., as Assembleias Legislativas (no caso da competência tributária dos Estados-membros brasileiros), a Câmara Legislativa do Distrito Federal (no caso da competência tributária do Distrito Federal do Brasil) e o legislador local, i.e., as Câmaras Municipais (no caso da competência tributária dos Municípios brasileiros) a intervirem formalmente para instituir seus próprios tributos, desde que respeitadas certas diretrizes instituídas na mesma lei que homologar a intervenção (NABAIS, 2006, p. 140 e NABAIS, 2005, 452-453). São exemplos da manifestação do princípio da reserva de lei formal na CRFB/1988: (i) o art. 145, I, II e III – os quais autorizam os entes da federação a instituírem tributos e elenca esses tributos; (ii) o art. 146, o qual reserva à lei complementar a disposição sobre conflito de competência em matéria tributária, a regulação de limitações constitucionais ao poder de tributar e o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária; (iii) o art. 146-A, o qual reserva à lei complementar o estabelecimento de critérios especiais de tributação para a prevenção de desequilíbrios da concorrência, resguardando a competência da União de, por lei, estabelecer normas de igual objetivo; (iv) o art. 147, o qual atribui à União a competência para arrecadar os impostos estaduais e municipais em Territórios Federais, desde que este não seja dividido em Municípios, e ao Distrito Federal a competência para arrecadar os impostos municipais; (v) o art. 148, caput, o qual autoriza a instituição de empréstimo compulsório por meio de lei complementar por parte da União; (vi) o art. 149, caput, e seu § 1.º, in initio, os quais instituem a competência exclusiva da União para a instituição de contribuição social de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, bem como, autorizam os demais entes da União a instituírem contribuição social para o custeio do regime previdenciário dos seus servidores; (vii) o art. 149-A, o qual autoriza os Municípios e o Distrito Federal a instituírem contribuição social para o custeio do serviço de iluminação pública; (viii) o art. 153, I ao VII, os quais autorizam a União a instituir impostos sobre importação, exportação, renda e proventos, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio, seguro, títulos ou valores mobiliários, propriedade rural, e grandes fortunas nos termos de lei complementar; (ix) o art. 154, I e II, os quais, respectivamente, estabelecem as competências residual e extraordinária da União para a instituição de impostos; (x) o art. 155, I ao III, os quais autorizam os Estados e o Distrito Federal a instituírem impostos sobre a transmissão causa mortis e doação, sobre as operação relativas à circulação de mercadorias, sobre a prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal, sobre a prestação de serviço de comunicação e sobre a propriedade de veículos automotores; e, (xi) o art. 156, I ao III, os quais autorizam os Municípios a instituírem impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, a transmissão inter vivos de bens imóveis, de direitos reias sobre imóveis e sobre a cessão de direitos a sua aquisição. É digno de menção o fato de que todos os dispositivos apontados no parágrafo acima se relacionam à disciplina para estabelecer quem poderá tributar, como tributará e o quanto tributará. Por seu turno, o princípio da reserva material de lei exige que a lei stricto sensu – seja instituída pelo constituinte originário, seja pelo constituinte derivado, seja pela Assembleia Legislativa, seja pela Câmara Legislativa, seja pela Câmara Municipal –, “[…] contenha a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada […]” (NABAIS, 2006, p. 140), i.e., relativamente a cada tributo, a lei também deve regularizar: […] a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, sendo certo que, quanto às garantias dos contribuintes, a reserva apenas é exigida se e na medida em que estas sejam objecto de restrição ou condicionamento e já não quando forem objetos de ampliação ou alargamento (NABAIS, op. cit., p. 140-141). A ideia de restrição ou condicionamento e a ideia de ampliação ou alargamento se referem exclusivamente às garantias não fundamentais dos contribuintes portugueses especificamente, segundo o próprio autor declara em nota de rodapé de n. 18 (NABAIS, op. cit., p. 141). O autor acrescenta ainda que se se tratasse de garantias fundamentais de outra natureza, estas estariam sob o âmbito da reserva de lei constante no art. 165.º, 1, “b”, da Constituição da República Portuguesa de 1976, in verbis: Art. 165.º (Reserva relativa de competência legislativa) Não existe essa previsão na CRFB/1988, pois, como é de conhecimento geral, embora o Presidente da República tenha legitimidade para propor emenda à Carta Cidadã, art. 60, II, da CRFB/1988, nenhuma proposta tendente a abolir – nem mesmo restringir ou condicionar –direitos e garantias individuas será objeto de deliberação no Congresso Nacional, art. 63, IV, da CRFB/1988. Portanto, no caso brasileiro, as garantias fundamentais dos contribuintes e as garantias fundamentais de qualquer outra natureza são cláusulas pétreas, pois estão sobre o abrigo das limitações materiais ao poder de reforma da Lex Mater. São exemplos da manifestação do princípio da reserva de lei formal na CRFB/1988: (i) o art. 145, §§ 1.º e 2.º, os quais, respectivamente, instituem a garantia da capacidade contributiva do contribuinte e a garantia da vedação de aplicação de base de cálculo própria de imposto a taxas; (ii) o art. 148, § 1.º, in fine, e §§ 2.º ao 4.º, os quais vedam a cobrança aos servidores efetivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de alíquota inferior à da contribuição dos servidores efetivos da União para o custeio do regime previdenciário, bem como, a incidência  das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre receitas advindas  de exportação, contudo autoriza a incidência sobre a importação de produtos e serviços estrangeiros autorizando também a atribuição de alíquotas ad valorem ou específicas e, por último, possibilitam a equiparação da pessoa natural destinatária da operação de importação à pessoa jurídica, desde que na forma da lei, reservando ainda à lei ordinária a previsão de hipóteses nas quais tais contribuições incidirão apenas uma vez; (iii) os arts. 150 a 152, os quais asseguram uma série de garantias aos contribuintes por meio de vedações à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; o art. 153, §§ 1.º ao 5.º, os quais disciplinam a incidência dos impostos sob a competência da União[9], previstos nos incisos I ao VI, do art. 153, da CRFB/1988; o art. 155, §§ 1.º ao 6.º, os quais disciplinam a incidência dos impostos sob a competência dos Estados e do Distrito Federal[10], previstos nos incisos I ao III, do art. 155, da CRFB/1988; e, os arts. 157 a 161, os quais disciplinam a repartição das receitas tributária entre os entes da federação. Por fim, é digno de menção o fato, desta feita, de que o conteúdo dos dispositivos abordados no parágrafo acima diz respeito à disciplina dos limites relativos ao que e ao quanto tributar ou ao quanto se distribuir entre os entes da federação.   CONCLUSÃO A ideia de existência de um Parlamento está no germe da ideia de legalidade tributária, i. e., os tributos só seriam legítimos se e quando discutidos e previamente aprovados pelo corpo de indivíduos que, no fim das contas, estarão obrigados a pagá-lo (autotributação), do contrário o que se tem é a famigerada ideia de absolutismo. Claro que com o desfilar dos anos, essa ideia primeva de representação direta evoluiu para a ideia de representação indireta dos dias atuais, mas em sua essência prevalece a ideia de consentimento prévio do Parlamento, o Congresso Nacional, no caso do Brasil. Não se pode olvidar que a grande maioria das Constituições brasileiras, exceção feita apenas à Constituição de 1937, a “Polaca”, registrou a existência de um princípio genérico da legalidade, do qual derivam diversos outros princípios de estrita legalidade referentes a diversas searas do direito, como é o caso da legalidade tributária, ou estrita legalidade tributária. No Brasil, o princípio da legalidade tributária é fundamento para diversos direitos e garantias constitucionais fundamentais do contribuinte com status de cláusula pétrea. O princípio da estrita legalidade tributária, ou simplesmente princípio da legalidade tributária, se subdivide em dois seguimentos ou aspectos principiológicos também chamados de subprincípios, a saber, o subprincípio da reserva de lei formal e o subprincípio da reserva material, substancial ou conteudística de lei também chamado de princípio da tipicidade. Uma lista extensa de dispositivos da CRFB/1988 que resguardam esses subprincípios foi feita na última seção deste artigo.
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Das Limitações do Poder de Tributar do Estado: Imunidade
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar a imunidade tributária, trazida pela nossa Constituição Federal de 1988, no título VI, da Tributação e do Orçamento, em seu artigo 150, inciso VI, alíneas A à E.  Estas imunidades são inerentes à várias classes, desde pessoas físicas, até as instituições, o intuito será mostra a força que este artigo tem de imunizar tributos que o Estado impõe para nós. Para tanto, foi necessário transcorrermos pelo Direito Financeiro definido certo conceitos primordiais para entendermos o tema em foco, para ao final explicarmos o Direito Tributário e seus conceitos. Sendo sempre utilizado doutrinas e jurisprudências para compreensão do tópico em discussão. Pois ao tratarmos de imunidade tributária devemos ter em foco que não é um simples instituto, mas sim uma limitação da qual, transmite aos seus sujeitos ativos uma proteção de pagar valores exorbitantes ou não. Tema este que nos tempos atuais se tornam um escape para instituições e pessoas.
Direito Tributário
Sumário dos itens abordados: INTRODUÇÃO 1. DIREITO FINANCEIRO/ Considerações Iniciais/ 1.1 Atividade Financeira/1.1.1 Receita Pública/1.1.2 Despesa Pública/1.1.3 Natureza/1.2 Ciência das finanças/1.3 Direito Financeiro como ordenamento jurídico/1.4 Direito Financeiro e Direito Tributário/2. DIREITO TRIBUTÁRIO/2.1  Conceito de Tributo/2.2 Espécies de Tributo/2.2.1 Impostos/2.2.2 Taxas/2.2.3 Contribuição de Melhoria/2.2.4 Empréstimo Compulsório/2.2.5 Contribuições Especiais/3. DA LIMITAÇÃO DO PODER DE TRIBUTAR/ 3.1 Princípios Constitucionais Tributários/3.1.1 Princípio da legalidade/3.1.2  Princípio da Igualdade Tributária/3.1.3 Princípio da irretroatividade da lei tributária /3.1.4 Princípio da anterioridade tributária e anterioridade /mitigada ou nonagesimal/3.1.5 Princípio da vedação ao confisco/3.1.6 Princípio da Ilimitabilidade do Tráfego de pessoas ou de /bens/3.1.7 Princípio da capacidade contributiva/3.1.8 Princípio da Uniformidade Geográfica/3.1.9 Princípio da imunidade /4. DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA/4.1 Imunidade recíproca/4.2 Imunidade para templos de qualquer culto/4.3 Imunidade das Instituições/4.4 Imunidade dos livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão/4.5 Imunidade das produções, fonogramas e videofonogramas musicais/5. INCIDÊNCIA, NÃO INCIDÊNCIA, ISENÇÃO, ANISTIA E ALIQUOTA ZERO./5.1. Incidência/5.2 Não Incidência/5.3 Isenção /5.4 Anistia/5.5 Alíquota zero/ CONSIDERAÇÕES FINAIS/ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS/WEBGRAFIA/ANEXO A- TABELA NOVENTENA.   INTRODUÇÃO Atualmente, o nosso país está vem sofrendo no mercado financeiro e político, seja por desvios de verba ou corrupções. Fazendo mudar drasticamente nosso cenário seja no modo social ou político, estando as pessoas obrigadas a procurar meios mais fácies de sobrar recursos. É evidente que com essas circunstâncias as pessoas comecem a querer diminuir o pagamento de despesas e impostos. Diante disso o presente trabalho visa reabrir o entendimento sobre a incidência dos impostos diretos e indiretos em operações comerciais, empresarias e estatutárias, por sujeitos declarados ou reconhecidos como imunes, especificados no artigo 150, inciso VI, alínea “a” até alínea “e” da Constituição Federal de 1988. Salientamos ainda, que no direito tributário brasileiro, existem diversas formas de dispensas tributárias, mas trataremos neste trabalho especificadamente da imunidade, devido a mesma dar vedação total ao poder de tributar, em alguns casos. Logo ao iniciarmos, vamos viajar pelo universo do Direito Financeiro, pois à primeira coisa que fica evidente é que o dinheiro precisa entrar no caixa, mas de modo que não seja ilícito ou que tenha ferido os princípios constitucionais da tributação. Iremos também, relembrar resumidamente alguns conceitos básicos do Direito Tributário, como por exemplo, espécies de tributo. Vale ressaltar, que iremos seguir caminho nos princípios constitucionais tributários que dão limites, na legislação, pois caso isso não ocorra, iremos trabalhar somente para pagar impostos. E por fim, falaremos do tema em foco, sendo imunidade tributária, e com isso arguir sobre cada tipo existente, explicando ainda diferenças entre isenção, anistia, não incidência e incidência.   1.             DIREITO FINANCEIRO Considerações Iniciais Antes de explanar sobre o tema em foco, salientamos que devemos compreender um pouco a sistemática do Direito Financeiro, pois é de vital importância, sendo que o mesmo cuida de ciência jurídica, que permite ao Estado Brasileiro realizar a árdua missão de desenvolver a economia e tentar ao máximo acabar com a desigualdade e a pobreza. Diante disso, essa ciência trata, acima de tudo, da redistribuição das riquezas, do equilíbrio financeiro entre os entes federativos, da participação direta e indireta da coletividade na elaboração de orçamento, do controle da arrecadação e dos gastos públicos e da preocupação dos seus princípios com o bem estar da comunidade, ou seja, faz tudo que é possível para transformar a justiça fiscal em justiça social. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º dispõe os objetivos da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, logo esses objetivos tem como fundamentos os incisos elencados no artigo 1º do qual relata, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Ocorre que nada adianta os exaustivos debates sobre a efetividade dessas normas, se não houver dinheiro para financiar os anseios disposto na constituição e da sociedade. É imprescindível que para essas pretensões, recursos financeiros se fazem mais do que inevitável, para atingir esses objetivos. Podemos destacar então as palavras do autor Marcus Abraham, que relata em sua obra: “Como ensina a economia política, os desejos humanos são ilimitados, mas a possibilidade material de atendê-los é restrita. Assim, no Brasil, como em todas as demais nações do mundo contemporâneo, os recursos públicos são limitados e seus governantes não pode gastá-los de forma descontrolada e desarrazoada. A responsabilidade fiscal é imperativa.”[1] Logo, não basta arrecadar de forma equilibrada, se a administração desse dinheiro, não for de forma eficiente e nessa mesma linha a aplicabilidade deve ser de forma criteriosa para poder atender as necessidades públicas de maneira ampla e satisfatória. Nesse aspecto destacamos o Direito Financeiro, sendo um complexo sistema jurídico, ou seja, esse instituto é capaz de direcionar positivamente os atos dos governantes e influenciar para uma melhor vida em sociedade. Deste modo podemos concluir que, o Estado de Direito é uma criação do homem moderno, instituído e organizado para oferecer à coletividade as condições necessárias à realização do bem comum, da paz e da ordem social. Sua função, portanto, é servir de instrumento para atender às necessidades individuais e coletivas, que se identificam e se definem através dos contornos políticos, jurídicos, sociais e constitucionais de cada nação. Para tanto, o Estado depende de recursos financeiros, que advêm do seu próprio patrimônio e do patrimônio dos cidadãos que o integram. Arrecadá-los, geri-los e aplicá-los é função da atividade financeira, que se beneficia dos estudos feitos pela Ciência das Finanças, tendo no Direito Financeiro o ramo do Direito Público destinado a disciplinar essa atividade, como iremos explicar posteriormente. Esse instituto é uma das diversas funções exercidas pelo Estado, destina-se a prover o Estado com recursos financeiros suficientes para atender as necessidades públicas. Assim, a atividade financeira envolve a arrecadação, a gestão e a aplicação desses recursos. De acordo com o autor Rubens Gomes de Sousa[2], ao tipificar a atividade financeira dentro das funções do Estado, elucida que o Estado exerce também uma atividade financeira, visando à obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem à realização dos seus fins. Logo se desenvolve fundamentalmente em três campos: a receita, isto é, a obtenção de recursos patrimoniais; a gestão, que é a administração e conservação do patrimônio público; e finalmente a despesa, ou seja, o emprego de recursos patrimoniais para a realização dos fins visados pelo Estado. Se seguirmos a ideia do autor Alberto Deodato[3], podemos conceituar atividade financeira como sendo a procura de meios para satisfazer às necessidades públicas, justificando essas necessidades como infinitas. Por extremo, segundo José Casalta Nabais[4], o direito financeiro é segmentado por três setores bem diversos, a saber: o direito das receitas, o direito das despesas e o direito da administração e gestão financeira. Neste momento, três conceitos que se influenciam mutuamente merecem distinção e destaque. A atividade financeira envolve a função de arrecadação, de gesta e de aplicação dos recursos estatais. Por sua vez, a ciência das finanças é o ramo do conhecimento que estuda os princípios e as leis reguladoras do exercício da atividade estatal, sistematizando os fatos financeiros. E o Direito Financeiro é o ordenamento jurídico que disciplina a atividade financeira do Estado[5] (grifo nosso). Levando em consideração que para o Estado atender as necessidades que demanda à sociedade, seja para prestar serviços e realizar obras, é necessário recursos. Em nossa história já houve uma época em que se usava a força para obter os meios necessários de se satisfazer à demanda estatal de dinheiro e bens. Vitórias, confiscos, cobranças extorsivas e até mesmo escravidão eram impostas por Estados autoritários aos seus súditos e aos povos que a eles eram subjugados pelo poder da força e do domínio[6] . Atualmente, essa descrição não se enquadra mais, hoje, ou o Estado obtém os meios necessários para cumprir suas funções através da exploração dos seus bens e rendas, ou faz através de arrecadação de recursos financeiros derivados do patrimônio da população, seja pela tributação, pela aplicação de multas e pela obtenção de empréstimos. Logo, destacamos a frase do autor João Ricardo Catarino[7], do qual diz que “sem receitas, não há Estado”, expõem o autor que a receita pública consente ao Estado agir, ou melhor dizendo, fornecer ou estipular a produção de bens públicos que auxiliam os interesses das populações visando ao bem estar coletivo. Diante o exposto podemos entender que sem “dinheiro” o estado não consegue atender suas finalidades, deste modo descreve o Professor Aliomar Baleeiro[8], que diz: “para auferir o dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: (a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; (b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; (c) exigem coativamente tributos ou penalidades; (d) tomam ou forçam empréstimos; (e) fabricam dinheiro metálico ou de papel”. Para o autor Alberto Deodato é o capital arrecadado, coercitivamente, do povo, tomado por empréstimo ou produzido pela renda dos bens ou pela sua atividade, de que o Estado dispõe para fazer face às despesas públicas.[9] Em conformidade com o autor Kiyoshi Harada[10], relata que é importante deixar claro que o conceito de receita pública não se confunde com o de entrada. Todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública. Realmente, existem ingressos que representam meras “entradas de caixa”, como cauções em dinheiro, fianças, depósitos para garantia de instância etc., que são representativos de entradas provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.   1.1.2 Despesa Pública Seria irrisória a preocupação com os instrumentos de obtenção de receitas públicas se não existisse, conjuntamente, normas regulando a aplicação desses recursos pelo Estado. Pois receitas e despesas integram o mesmo processo da atividade financeira estatal. Destacamos as palavras do autor Marcos Abraham[11] que diz: Apesar de a natureza da decisão sobre a aplicação dos gastos públicos ter, em regra, conteúdo político, existem limites, parâmetros e prioridades constitucionais e infraconstitucionais para a realização de todas as despesas públicas. Assim, encontraremos, tanto na Constituição Federal de 1988 como nas leis específicas do Direito Financeiro, critérios para a eleição da despesa pública, como também as regras que conduzem o procedimento para sua realização. É indiscutível que os recursos financeiros arrecadados devem seguir sempre o interesse coletivo, levando as necessidades mais urgentes da sociedade e serem conduzidas a partir dos valores constitucionais voltados para a consecução e o atendimento dos direitos fundamentais e dos direitos sociais. Deste modo podemos compreender nas palavras de Dejalma de Campos[12] a aplicação de certa importância em dinheiro, por autoridade pública, de acordo com autorização do Poder Legislativo, para a execução de serviços a cargo do Governo. Vale lembrar que o Autor Marcus Abraham[13], descreve despesa como sendo: “O conjunto de gastos realizados pelo Estado no seu funcionamento. Noutras palavras, é a aplicação de recursos financeiros em bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades coletivas. A origem etimológica da palavra despesa vem do latim dispendere, que significa empregar e, portanto, nos indica sua função: utilizar os recursos estatais na execução da sua finalidade. Apesar de utilizarmos a palavra “gasto” como sinônimo de despesa, no direito financeiro não há uma conotação negativa como usualmente é empregada no dia a dia, no sentido de desperdício ou de esbanjamento. Muito pelo contrário, o gasto do dinheiro público deve ser sempre feito e considerado como um emprego da verba pública de maneira positiva, ou seja, um investimento na sociedade ou no patrimônio estatal, agregando-se valor através da despesa pública, em bens ou serviços de interesse da coletividade”. E por fim, ao tratar de despesas publicas , estaremos concernindo a todas as espécies de gastos que o Estado realiza em bens e serviços. As funções da atividade financeira se limitam a um papel meramente instrumental, logo não podemos embaralhar as funções de Estado com as funções da atividade financeira, enquanto aquele realiza uma atividade a um fim próprio, razão da sua existência, qual seja, atender à coletividade, que esta realiza uma atividade meramente instrumental, de fornecer os meios para tanto. Deste modo o italiano Mario Pugliese[14] explica que a natureza política e o conteúdo econômico da atividade financeira, alega que a natureza política dos fins estatais confere necessariamente natureza política aos procedimentos adotados para atingi-los, fazendo com que o fenômeno financeiro seja o resultado da aplicação de critérios políticos a uma determinada realidade econômica. Por fim, entende-se atividade financeira como um conjunto de atos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que necessita para atingir seus fins[15], dotada de sua função fiscal, propensa para a arrecadação, a gestão e a sua aplicação de recursos, além disso, dotada de uma função regulatória, que traça obter resultados econômicos, sociais e políticos, como controlar a inflação, fomentar a economia e a indústria nacional, redistribuir riquezas e reduzir a marginalidade e os desequilíbrios regionais. Para atingir seus objetivos sejam fiscais ou reguladores, a atividade financeira dependerá da identificação, análise de inúmeras variáveis, causas e efeitos. O estudo dessa atividade investigativa e de analise é o objeto da Ciência das finanças, que examina e relata os fatos relevantes e inerentes à sociedade, à economia e à política, vendo as causas e as consequências, para após indicar os meios ideais para atingir seus desígnios. O escritor Marcus Abraham[16], diz que: “A Ciência das Finanças, portanto, estuda os elementos que influenciam a obtenção de recursos financeiros, sua gestão e o emprego dos meios materiais (bens, serviços e dinheiro) na realização de uma das atividades do Estado: a atividade financeira”. Há três disciplinas que orientam a Ciência das Finanças, nas palavras do Autor Dejalma[17], que orienta, como sendo: “a)Economia Financeira, que estuda os fatores da riqueza à disposição do Estado e indica os recursos financeiros que este pode obter, retirando-os do próprio patrimônio ou do patrimônio do particular; b) Política Financeira, que estabelece as finalidades do Estado e indica o que constitui interesse público, escolhendo, para realizar aquelas finalidades, os meios financeiros mais adequados; c) Técnica Financeira, que estuda a atividade do Estado sob o ponto de vista da atuação prática das conclusões fornecidas pela economia financeira e pela política financeira, oferecendo métodos e processos para sua utilização sistemática”. O autor Marcus Abraham[18] destaca que: “O Direito Financeiro como ordenamento é um sistema normativo objetivo (pautado em regras positivadas), deôntico (indicando como devem ser as atividades financeiras) e axiológico (pautado nos valores do Estado Democrático de Direito). É no seu conjunto de normas que encontramos as regras e os princípios para a realização da receita pública, sua gestão e a despesa pública. Mas como ciência é o ramo do Direito que vai buscar na justiça, na ética e na moral o fundamento valorativo para a criação e interpretação de suas normas. Assim, é no atendimento das necessidades públicas que encontramos a origem das normas financeiras”. E ainda salientando, devemos destacar a ideia do autor Marcus Abraham[19] que trata as ciência das finanças como sendo: “A Ciência das Finanças é essencialmente informativa. A atividade financeira é dotada de diversos aspectos, como o psicológico, o econômico e o contábil, que influenciam a criação da norma financeira. Busca identificar no seio da sociedade os fenômenos econômicos ideais para servir de incidência de alguma norma tributária. Estuda as efetivas necessidades da sociedade, de acordo com o interesse público, para serem atendidas dentro das funções do Estado. Depois de identificadas as necessidades, redigem-se as normas financeiras, ganhando, a partir daí, sua codificação como Direito Financeiro”. Logo o autor Ataliba Nogueira tem a idéia de que, a partir desses ensinamentos fornecidos pela ciência das finanças, decide a política como deve elaborar a disciplina da obtenção de meios para o Estado, o que fará por meios para o Estado, o que fará por meio de instrumento adequado: o direito.[20] Destacamos os dizeres de Ruy Barbosa Nogueira[21], entendendo-se que as ciências não são isoladas, mas compõem um conjunto de formas ou métodos para abranger todos os aspectos do conhecimento e alcançar a verdade. Por fim, a partir das conclusões tidas pelos estudos da ciência das finanças é que o legislador irá criar as normas do Direito Financeiro, compreende-se, pois, que aquela é uma ciência eminentemente teórica, enquanto está é uma ciência essencialmente aplicada. O Direito Financeiro é ramo do Direito Público que se destina a disciplinar a atividade financeira do Estado, logo é o conjunto de normas que disciplinam o relacionamento do Estado com o cidadão para arrecadar, gerir e aplicar os recursos financeiros, de acordo com o interesse público. Segundo o autor João Ricardo Catarino[22], o Direito Financeiro é a área do conhecimento que trata da definição jurídica dos poderes do Estado em sentindo amplo, na obtenção e emprego dos meios patrimoniais destinados à realização dos seus fins próprios. Certamente, podemos considerar o pensamento do autor Kiyoshi Harada, que entende o Direito Financeiro como um ramo do Direito Público que estuda a atividade financeira do Estado sob ponto de vista jurídico[23].  Salientamos ainda, a ideia de objeto material do Direito Financeiro do autor Kiyoshi Harada[24]: “Seu objeto material é o mesmo da Ciência das Finanças, ou seja, a atividade financeira do Estado que se desdobra em receita, despesa, orçamento e crédito público. Enquanto esta estuda esses desdobramentos sob o ponto de vista especulativo, o Direito Financeiro disciplina normativamente toda a atividade financeira do Estado, compreendendo todos os aspectos em que se desdobra. Ambas as ciências têm o mesmo objeto, diferenciando-se uma da outra apenas pela forma pela qual cada uma delas estuda o mesmo fenômeno. Por isso, são ciências afins, que se distinguem pelo método de investigação científica peculiar a cada uma delas. Uma é ciência teórica; outra, ciência prática ou aplicada”. É por isso, que a Ciência das Finanças é ministrada nas Faculdades de Economia e Administração, enquanto o Direito Financeiro integra o currículo das Faculdades de Direito. Tanto o Direito Financeiro e Direito Tributário se relacionam, mas não se confundem. Na realidade, o Direito Financeiro, disciplina que tem por objeto a atividade financeira do Estado. Já o Direito Tributário tem por objeto a relação entre contribuinte e Estado. Apesar disso, a relação entre ambas nunca deixou de existir, afinal, o Direito Financeiro e o Direito Tributário são especialidades jurídicas interdependentes e que se comunicam contínua e simbioticamente. Esse último, por sua vez, cuida de apenas uma dentre as várias espécies de receitas estatais sobre as quais versam as finanças públicas: a receita tributária[25]. Não somente o autor Fernando Facury Scaff [26], diz que: “No imaginário dos juristas o Direito Tributário limita a arrecadação; o Direito Financeiro busca a melhor utilização dos recursos arrecadados em prol do bem comum. Um é vinculado a uma ideia individual, de retirada de dinheiro do bolso privado; o outro é vinculado a uma ideia de bem público, de satisfação de necessidades públicas[27]”. Noutro ora, o autor Marcus Abraham[28], destaca que, enquanto o Direito Financeiro tem em suas normas um destinatário próprio, isto é, o administrador público – no exercício do seu munus[29] na atividade financeira –, o Direito Tributário disciplina a relação jurídica entre o cidadão e o Estado (Fazenda Pública), limitando o seu poder de tributar, para garantir o respeito aos direitos fundamentais do contribuinte. Em outras palavras, o Direito Financeiro irá normatizar todos os atos e procedimentos para a realização da arrecadação pública em sentido amplo, a gestão desses recursos, o respectivo gasto público, e a elaboração e execução do orçamento público, constituição e gestão da dívida pública, tudo isso parametrizado por princípios específicos e por normas como a Lei Geral dos Orçamentos (Lei nº 4.320/1964), a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), dentre outras, direcionando a conduta daqueles servidores públicos que agem em nome do Estado durante a realização da atividade financeira. Por sua vez, o Direito Tributário estabelecerá as normas de uma relação jurídica específica – a relação tributária – entre o cidadão e o Estado, pautada por princípios jurídicos específicos da tributação, como a legalidade tributária, a capacidade contributiva, a anterioridade, a progressividade, o não confisco etc. Deste modo destacamos o pensamento do autor Sacha Calmon[30] a ênfase do Direito Tributário centra-se na ‘relação jurídica’ e não na ‘atividade estatal’ de obtenção de receitas. Não é Direito do Estado, é relação jurídica entre sujeitos de direito sob os auspícios da legalidade e da igualdade. Hoje, o Direito Tributário assume a sua fundamental função no ordenamento jurídico brasileiro, atuando autonomamente, porém ao lado do Direito Financeiro na realização do que podemos denominar de justiça fiscal em sentido amplo, oferecendo ao cidadão e aos governos os mecanismos necessários para a criação de uma sociedade mais digna e justa.   O Estado, é uma entidade imprescindível para se ter uma sociedade organizada, pende de recursos para manutenção e a realização dos seus objetivos, mesmo sendo, a tributação inerente ao Estado, seja totalitário ou democrático. Ainda que o Estado sirva de instrumento da sociedade ou servir-se dela, a procura por recursos privados para a manutenção do Estado é uma constante na história. Nas palavras do autor Leandro Paulsen[31] a submissão do Estado ao direito admitiu que se colocasse a tributação no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, reunindo como partes o Estado credor e o contribuinte devedor, cada qual com suas prerrogativas. E isso não apenas sob uma perspectiva estática, mas também dinâmica, abrangendo tanto as questões materiais como garantias formais, procedimentais e processuais. Logo o Autor Marco Aurélio Greco[32] destaca que: “O direito tributário é, talvez, o único ramo do direito com data de nascimento definida. Embora, antes disso, existam estudos sobre tributação, especialmente no âmbito da ciência das finanças, pode-se dizer que foi com a edição da Lei Tributária Alemã de 1919 que o direito tributário começou a ganhar uma conformação jurídica mais sistematizada. Embora o tributo, em si, seja figura conhecida pela experiência ocidental há muitos séculos, só no século XX seu estudo ganhou uma disciplina abrangente, coordenada e com a formulação de princípios e conceitos básicos que o separam da ciência das finanças, do direito financeiro e do Administrativo”. Em sequência devemos salientar, que no Brasil o sistema tributário surgiu com a Emenda Constitucional 18/65, logo em seguida surgindo o Código Tributário, de 1966, cujo projeto foi apresentado ainda no exercício da competência atribuída à União pela Constituição de 1946 para legislar sobre direito financeiro[33]. Diante disso, para reabrir o entendimento do tema a ser discutido, devemos ter em mente certos conceitos fundamentais, dentre eles, que o Direito Tributário tem como base o Código Tributário Nacional (CTN) e que, é o ramo do direito público que estuda as relações jurídicas entre a Fazenda Pública e o contribuinte, que estão vinculados os interesses essenciais do Estado e dos cidadãos[34]. Com esse pensamento, podemos destacar o autor Hugo de Brito Machado[35], que preceitua em sua obra, sendo o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas à imposição tributária de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder. Logo, podemos destacar ainda, as palavras da autora Regina Helena Costa[36], que diz: “O direito tributário situa-se no âmbito do direito público, vale dizer, insere-se no conjunto normativo que disciplina as relações jurídicas em que o Estado é parte. Em outras palavras, a presença do Estado numa relação jurídica impõe a incidência de regramento composto por normas de direito público, restando afastada a aplicação de normas de direito privado, senão em caráter meramente subsidiário”. Diante do exposto, vale ressaltar que a Constituição Federal é o coração do sistema tributário brasileiro, onde encontra-se no seu capítulo VI – Da Tributação Nacional e do Orçamento, nos artigos 145 a 169, fazendo a regulamentação do poder de tributar e as competências da União, Municípios, os Estados e o Distrito Federal. Além disso, no artigo 2º do Código Tributário Nacional destaca o conceito, sendo: “O sistema regido pelo disposto na constituição, em leis complementares, em resoluções do Senado Federal e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, nas Constituições e leis estaduais, e em leis municipais”. Além disso, na obra do autor Leandro Paulsen[37], ele destaca as palavras do autor Aliomar Baleeiro, ao destaca a relação do Direito Constitucional com o Direito Tributário, como sendo: “Um domínio fundamental para a compreensão do direito tributário, absolutamente condicionado constitucionalmente no que diz respeito às possibilidades de tributação e ao modo de tributar, bem como aos princípios que regem a tributação. Temas como o sigilo bancário, o direito de petição, o direito a certidões e as cláusulas pétreas repercutem frequentemente na esfera tributária. A própria consideração da obrigação de pagar tributo como dever fundamental e a projeção do Estado social e da solidariedade para o campo tributário evidenciam as relações entre o direito constitucional e o direito tributário. A legislação tributária tem de ser reconduzida ao texto constitucional para a análise da sua constitucionalidade, para a construção das interpretações e de aplicações válidas. São, pois, de elevada importância os textos de direito constitucional tributário”. Logo devemos destacar que é de vital importância a arrecadação estatal, pois seja qual for a atividade humana, a atividade estatal não viabiliza sem dinheiro, sendo que o Estado só justifica sua existência se cumprir os princípios fundamentais elencados no artigo 3º da Constituição Federal[38]. Por fim, significativas são as palavras do autor Luciano Amaro[39] ao transcrever que o direito tributário é a disciplina jurídica dos tributos. Com isso, se abrange todo o conteúdo de princípios e normas regulamentadoras da criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária.   2.1  Conceito de Tributo Inicialmente, salientamos acerca da falta de um conceito explicito na Constituição sobre “tributo”. Averiguando o capitulo que dispõe a Carta Magna sobre o “Sistema Tributário Nacional”, detectamos que a mesma, incumbe a Lei Complementar à competência para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos e suas espécies[40], conforme dispõe o artigo 146, inciso III, alínea “a” do Código Tributário Nacional, cujo o assunto é: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: Percebe-se que a competência para definição de tributo é infraconstitucional, ou seja, da Lei Complementar. Como arguimos anteriormente, é fato notório e de relevante importância, e que já citado anterior, a lei 5.127 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional) foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com o status de Lei Complementar, de acordo com o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[42], que diz: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. § 5º – Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º”. Deste modo, percebe-se que o conceito explicito de tributo é delimitado na legislação infraconstitucional, neste caso, falamos do Código Tributário Nacional,  que dispõe de acordo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional, que o  tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.[43] Logo podemos destacar as palavras ensinadas pelo autor Ruy Barbosa Nogueira, os tributos (…) são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direto público que constituem o Direito Tributário.[44]   2.2 Espécies de Tributo Segundo o entendimento doutrinário uníssono[45], existe 5 (cinco) tributos no atual sistema tributário brasileiro, sendo intitulada como teoria pentapartida[46]. Não obstante, devemos considerar o contexto do Autor Eduardo Sabbag[47], que diz: “À época da elaboração do CTN, em 1966, prevalecia a teoria tripartite (tripartida ou tricotômica), com fundamento em seu art. 5º, segundo a qual os tributos, independentemente da denominação adotada ou da destinação da receita, deveriam ser divididos em 3 (três) espécies: (I) impostos, (II) taxas e (III) contribuições de melhoria”. Salientamos que é relevante o pensamento do eminente tributarista Ricardo Lobo Torres[48] do qual relata que a Constituição Federal teria adotado a divisão quadripartida, de modo que, o tributo compreende o imposto, a taxa, a contribuição e o empréstimo compulsório, como espécies. Neste mesmo raciocínio o autor Ricardo Alexandre[49], diz que: “A controvérsia sobre a classificação dos tributos em espécies fez com que surgissem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e as taxas; a segunda,- a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, a pentapartida ou quinquipartida, que a estes acrescenta os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149-A da Constituição Federal e a última, a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que simplesmente junta todas as contribuições num só grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. (grifo nosso)”. Deste modo, a classificação das espécies tributárias é determinada por dois ramos distintos do direito, Direito Tributário e Direito Constitucional. Logo o Código Tributário Nacional classifica três espécies pertencentes a classe tributo: impostos, taxas e contribuições de melhoria, conforme dispõe o artigo 5º do mesmo. Já a Constituição Federal pondera outras espécies não codificadas: empréstimos compulsórios, contribuições sociais interventivas econômicas e contribuições profissionais (artigos 147 e 148 da Constituição Federal)[50]. Ante exposto, de forma resumida, vamos arguir sobre cada uma delas.   De acordo com o autor Ricardo Alexandre[51], os impostos são: “por definição, tributos não vinculados que incidem sobre manifestações de riqueza do sujeito passivo (devedor). Justamente por isso, o imposto se sustenta sobre a ideia da solidariedade social. As pessoas que manifestam riqueza ficam obrigadas a contribuir com o Estado, fornecendo-lhe os recursos de que este precisa para buscar a consecução do bem comum. Assim, aqueles que obtêm rendimentos, vendem mercadorias, são proprietários de imóveis em área urbana, devem contribuir respectivamente com a União (IR), com os Estados (ICMS) e com os Municípios (IPTU). Estes entes devem usar tais recursos em benefício de toda a coletividade, de forma que os manifestantes de riqueza compulsoriamente se solidarizem com a sociedade. Em resumo, as taxas e contribuições de melhoria têm caráter retributivo (contraprestacional) e os impostos, caráter contributivo”. (grifo nosso). Além disso, elenca o artigo 16 do Código Tributário Nacional[52], que o imposto é um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica relativa ao contribuinte. A obrigação de pagar imposto não se origina de nenhuma atividade especifica do poder publico relativa ao contribuinte. O fato gerador do dever jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte relacionada a seu patrimônio, independentemente do agir do Estado[53]. A taxa é uma espécie de tributo que envolve uma atividade estatal especifica em relação ao contribuinte, em razão da prestação de serviço público, específico e divisível, ou do poder de polícia (estatal)[54]. Destacamos as palavras do autor Eduardo de Moraes Sabbag, que trata a taxa como um tributo vinculado à ação estatal, sujeitando-se à atividade pública, e não à atividade do particular. Deverá ser exigida pelas entidades impositoras (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), não se admitindo a exigência em face de atuação de empresa privada. De modo diverso do imposto, é exação bilateral, contraprestacional e sinalagmática. Seu disciplinamento vem do art. 145, II, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, c/c os arts. 77 a 79 do CTN)[55]. Nos dizeres de Frederico Batista dos Santos Medeiros[56], é a construção, edificação, reparação, ampliação ou manutenção de um bem imóvel, pertencente ou incorporado a um patrimônio público. Seguindo as palavras de Hugo de Brito Machado[57]  é um tributo vinculado, cujo fato gerador é a valorização de imóveis do contribuinte decorrente de obra público, podendo ser cobrado pela União, pelo Estado, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Nas palavras do ilustre autor Roque Carrazza[58], empréstimo compulsório é tributo vinculado a despesa que o fundamentou e deve obedecer ao regime jurídico tributário, um tributo restituível, mas sempre um tributo, como tal devendo ser tratado. O autor Sergio Pinto Martins[59] conceitua contribuições especiais, como sendo um tributo destinado a custear atividades especificas que não são inerentes à função do estado. Referidas contribuições sociais podem ser de intervenção e contribuição para o custeio da seguridade social.   Como tudo na vida tem limites, no Direito Tributário não seria diferente, isto porque existe limitações para os entes federativos impor tributos, ou seja, de acordo com o artigo 150, da Constituição Federal, são elencados uma serie de proibições direcionadas aos entes federativos, sendo elas: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III – cobrar tributos: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI – instituir impostos sobre: No caput do artigo diz que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”, ou seja, as limitações constitucionais significam regras que disciplinam o exercício de tributar por parte do Estado, ou seja, os entes federativos, pois são os únicos detentores de competência tributária, sendo apenas as pessoas políticas autorizadas a instituir tributos, isto é, a exercer o “poder de tributar”. Destacamos as palavras do autor Leandro Paulsen[61] que diz: “As limitações ao poder de tributar visam preservar valores fundamentais para o cidadão contribuinte. O papel das garantias outorgadas ao contribuinte e das imunidades tributárias normalmente diz respeito à preservação da segurança, da justiça, da liberdade e da forma federativa de Estado”. Mas não é só a Constituição Federal que estabelece limites, o Código Tributário Nacional nos artigos 9º ao 14º[62], também determina os limites sob o “poder de tributar”, sendo uma confirmação ao que texto da Constituição diz em seu artigo citado acima (artigo 150).   3.1 Princípios Constitucionais Tributários           Os princípios são os suportes, os elementos de estruturação e coesão das normas. A constituição é rica em princípios na esfera tributária, e esses princípios, chamados de princípios constitucionais tributários, alem de nortear a atividade do Estado na sua função de tributar, também agem como sua trava, impondo-lhe limites em face aos contribuintes, a fim outorgar à vida social o necessário equilíbrio[63]. Os princípios constitucionais, no âmbito tributário, têm como um de seus efeitos, a efetiva limitação à atuação estatal e ao seu poder arrecadador. E, dessa forma, é que se dá a harmonia do sistema tributário, existindo “2 lados”, sendo, de um lado, as leis que exigem os tributos e autorizam o Poder Público a cobrá-las, estabelecendo formar, tempo e espaço, para essa tarefa; e, de outro lado, o respeito aos direitos e garantias dos cidadãos e o limites ao poder de arrecadação, evitando arbitrariedades, abusos e desrespeito[64]. Deste modo, os princípios servem, para limitar o poder do Estado frente as fiscalizações e arrecadações em relação ao poder de tributar do contribuinte. Logo para o autor Hugo de Brito Machado, tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o interprete que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte[65] Diante disso, o autor Alexandre de Moraes[66] traz em sua obra uma classificação, bem interessante, destacando 10 (dez) princípios constitucionais tributários, da qual a Constituição Federal consagrou, como sendo:   3.1.1 Princípio da legalidade O aprendizado do princípio da legalidade tributária pode ser realizado pelo art. 150, inciso I da Constituição Federal[67] c/c art. 97 do Código Tributário Nacional[68]. A alegação deste princípio decorre que os entes tributantes (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) somente poderão criar ou aumenta tributo por meio de lei. O princípio da legalidade tributária pode ser entendido como uma repetição do principio já estabelecido no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal onde descrito que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, o legislador quis deixar bem especifico a total submissão dos entes tributantes ao referido princípio, para que não restasse dúvida de natureza alguma. Por fim, existe 4 (quatro) impostos que podem ter suas alíquotas majoradas e reduzidas por decreto Executivo, desde que observados os limites e as condições estabelecidos em lei, conforme dispõe artigo 177, § 4º, inciso I, alínea B, da Constituição Federal.[69] Sendo eles:   3.1.2  Princípio da Igualdade Tributária Também chamado de Isonomia Tributária, esse princípio, elencado no art. 150, inciso II da Constituição Federal[70], traz a idéia que a União, Estados, Municípios e Distrito Federal estão proibidos de instituir tratamentos desiguais entre contribuintes que se encontrem em situações semelhantes. Logo o autor Hugo de Brito Machado[71] ensina que o principio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza.   3.1.3 Princípio da irretroatividade da lei tributária Neste princípio[72] é vedado que os entes tributantes cobrem tributos que aconteceram antes da entrada em vigor da lei que o instituiu.  Alguns doutrinadores defende a ideia que tal princípio decorre da ideia de irretroatividade das normas, segundo a Constituição Federal, art 5º, Inciso XXXVI, segundo diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada[73]. Alega o autor Hugo de Brito Machado que: “Como expressão do princípio da segurança jurídica a irretroatividade é preceito universal. Faz parte da própria ideia do Direito. Ocorre que o legislador poderia, por razões políticas, elaborar leis com cláusulas expressas determinando sua aplicação retroativa. Então, para tornar induvidosa a desvalia de tais retroativas e para dar segurança jurídica, erigiu-se este princípio em norma da Lei Maior, segundo a qual é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos gerador ocorrido antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado”[74]. Como toda boa regra, tem sua exceção, logo o código tributário nacional permite a retroatividade em seu artigo 106, quando a lei: Em síntese, é vedado a incidência de tributos sobre atos geradores acontecidos antes da vigência da lei.   3.1.4 Princípio da anterioridade tributária e anterioridade mitigada ou nonagesimal Dispõe esta premissa[75] que, em regra, nenhum tributo, seja da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, será capaz de cobrar no mesmo exercício financeiro em tenha sido publicada a lei que o determinou. O princípio da anterioridade detém algumas exceções, os impostos sobre importação, exportação, produtos industrializados, operações financeiras, extraordinários de guerra e o empréstimo compulsório decorrente de calamidade pública ou guerra externa, podem ser cobrados no mesmo exercício financeiro em que foram instituídos ou aumentados, (anexo A) dispõe o Professor Ramiru Louzada[76]. Salientamos ainda, que a emenda constitucional nº 42/2003, introduziu ao artigo 150, inciso III, da Constituição Federal a alínea C, que exige que se respeite um período de 90 dias entre a data que criou ou aumentou o tributo e sua efetiva cobrança. Exceções a essa regra, são os empréstimos compulsórios para casos de calamidade pública ou guerra externa, imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre operações financeiras, imposto sobre a renda, imposto extraordinário de guerra e fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU. Trata-se de norma geral que ampliou a aplicação do princípio, já existente na Constituição Federal, para fins de cobrança de contribuições sociais, no qual se encontra no artigo 195, §6º)[77], o autor Alexandre de Mores[78] destaca que o Supremo Tribunal Federal salienta que o principio da anterioridade nonagesimal destina-se a assegurar o transcurso de lapso temporal razoável afim de que o contribuinte pudesse elaborar novo planejamento e adequar-se à realidade tributária mais gravosa, tendo, ainda sido salientado pelos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso, que esse princípio constitui direito fundamental deslocado do artigo 5º da Constituição Federal, destinado a salvaguardar o contribuinte do arbítrio destrutivo ou dos excesso gravosos do Estado, Dessa forma, nem mesmo o Poder Constituinte derivado poderia mutilá-lo e, muito menos, extingui-lo.   3.1.5 Princípio da vedação ao confisco A nossa Carta Magna[79], dispõe que a cobrança deve ser pautada em um critério de razoabilidade, não podendo ser oneroso, de modo que pode ser um confisco. Este tipo de vedação evita que o Estado utiliza a tributação como mecanismo para se apropriar dos meios de produção. Nas palavras do autor Ricardo Alexandre, que relata: “Em termos menos congestionados, tributo confiscatório seria um tributo que servisse como punição; já tributo com efeito confiscatório seria o tributo com incidência exagerada de forma que, absorvendo parcela considerável do patrimônio ou da renda produzida pelo particular, gerasse neste e na sociedade em geral uma sensação de verdadeira punição. As duas situações estão proibidas, a primeira (confisco) pela definição de tributo (CTN, art.3.”); a segunda (efeito de confisco) pelo art. 150, IV, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988”[80].   3.1. 6 Princípio da Ilimitabilidade do Tráfego de pessoas ou de bens O referido princípio[81] veda as entidades tributantes o estabelecimento de limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais. Logo este princípio é decorrente do artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, que trata da livre locomoção no território nacional. Quanto a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, conceitua a doutrina como sendo exceção ao princípio[82].   3.1.7 Princípio da capacidade contributiva Reza o texto constitucional[83] que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.  Autor Ricardo Lobo Torres conceitua a capacidade contributiva como: “A capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distributiva. Manda que cada um pague o imposto de acordo com a sua riqueza, atribuindo conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu e que se tornou uma das regras de ouro para se obter a verdadeira justiça distributiva. Existe igualdade no tributar cada qual de acordo com a sua capacidade contributiva, mas essa tributação produz resultados desiguais por se desigualarem as capacidades contributivas individuais.”[84]   3.1.8 Princípio da Uniformidade Geográfica Este princípio[85] veda a União de instituir tributo que não seja uniforme em todo o país, ou Estados, Município ou ao Distrito Federal em detrimento de outro ente federativo. Concede, entretanto, a distinção, se favorecer regiões menos desenvolvidas. Visando promover o equilíbrio sócio-economico entre as regiões brasileiras. Exemplo muito tradicionalmente citado é a Zona França de Manaus[86].   3.1.9 Princípio da imunidade De forma sintetizada, pois iremos posteriormente destrinchar sobre esse tópico do qual é o foco deste trabalho, logo imunidade tributária[87] é o impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, ou seja, são casos específicos que tem a proteção constitucional e não pagam tributos, em regra, estamos falando os impostos.   As imunidades tributárias, no Direito Brasileiro, são importantes normas constitucionais. Mais do que simplesmente um valor de organização do sistema tributário brasileiro, elas são diretrizes de proteção. Certas pessoas e peripécias da vida em sociedade foram aprazadas pelo legislador constitucional como beneméritas de preservações mais pragmáticas por parte do Ente Estatal. Diante disso, as imunidades tributárias foram transcritas na Carta Maior, para preservar certos valores, desde políticos, sociais ou éticos, resguardando certas situações e pessoas do poder de tributar do Estado[88]. Além disso, não podemos confundir imunidade com isenção, logo no plano conceitual, sendo possível apontar as seguintes diferenças, nas palavras do autor Eduardo Sabbag[89]: Ainda seguindo, no sentido de distinguir imunidade e isenção, o autor Paulo de Barros Carvalho adota um discurso bem forte, ao dizer que apenas tem de semelhante o fato de serem normas jurídicas validas, tratarem do ramo tributário e serem regras de estrutura[90], trata sendo: “Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas. O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela regra de isenção, opera como expediente redutor de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra matriz do tributo”. A ideia de imunidade tributária é de ficarmos livres de pagar um determinado tributo, ou seja, ficar protegido de contribuir. Nas palavras do Alexandre de Moraes, é o impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, pois restringe as dimensões do campo tributário da União, dos Estados, dos Distrito Federal e dos Municípios[91]. A autora Regina Helena Costa, atribui um importante paralelismo entre os princípios tributários e as imunidades, enquanto normas constitucionais referentes as limitações ao poder de tributar, afirmando que os princípios são diretrizes positivas, norteadoras do adequado exercício da competência tributária, as imunidades encerram preceitos negativos, demarcando a própria competência tributária, impedindo seu exercício em relação a dterminadas pessoas, bens e situações[92]. Deste modo, o artigo 150, inciso VI, alínea A ao E da Constituição Federal, em matéria de imunidade tributária, traz as principais espécies do mesmo, é evidente que outras existem dentro do texto constitucional (Podemos apontar rol das imunidades tributárias na Constituição de 1988: 51 2, XXXIV, aeb; 5a, LXXIII; 5a, LXXIV; 5a LXXVI, aeb; 5a, LXXVII; 150, VI, a; 150, VI; 150, § 22; 153, § 3a,III; 153, § 4a; 153, § 5a; 155,X, a; 155,X,b; 155,X,c; 155,XI; 155, §32; 156, II; 156, § 2a, I; 156, § 3a; 184, § 5a; 195, § 7a; 226, § Ia; 230, § 2ª), mas esse artigo nos traz aquelas normas que dispõe uma maior atenção  do estudo doutrinário. Sendo elas: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre:   4.1 Imunidade recíproca A imunidade recíproca tem como objetivo garantir o equilíbrio no Pacto Federativo, impedindo que os entes políticos cobrassem impostos uns dos outros, visando garantir e confirmar princípio da isonomia e o equilíbrio federativo, o autor Alexandre de Moraes[94], diz que: “O texto constitucional impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, incluindo suas autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, instituam impostos sobre patrimônio, renda, serviço ou ganhos resultantes de operações financeiras, uns dos outros, pois, como destacado pelo Supremo Tribunal Federal, a garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tributos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação é imune de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios”. Incisiva são as palavras do autor Aliomar Baleeiro ao dizer que a imunidade recíproca é um instituto jurídico político expressamente consagrado na Constituição e não pode ser anulado pelas sutilezas e jogos de palavras do legislador ordinário. Na verdade, mais do que isso, a imunidade recíproca, por ser uma característica fundamental à forma federativa do Estado, possui, em nosso sentir, caráter de clausula pétrea, por força do artigo 60, §4º, inciso I, da Constituição Federal, e por tal motivo, não pode ser anulada nem mesmo através de Emenda Constitucional[95]. Vale dizer, que em meados do dia 6, de Abril de 2.017 o Ministro Marco Aurélio, julgou a tese da RE 594.015, que tratava da Petrobras pedindo imunidade para não ter que pagar IPTU, logo o Ministro entendeu do seguinte modo: “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município. [Tese definida no RE 594.015, rel. min. Marco Aurélio, P, j. 6-4-2017, DJE 188 de 25-8-2017 – Tema 385.]”. Por fim, o Supremo Tribunal Federal destaca que os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação é imune de impostos. A unidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios[96]   De acordo com as escritas do Ilustre Aliomar Baleeiro, a história do Brasil faz referência a uma ligação estreita entre o Estado e a Igreja, especialmente a Igreja Católica, devido à influência portuguesa em nosso território. Foi assim durante todo o período do Brasil colonial, passando também pelo Brasil independente sob o regime do império. Com a proclamação da República, em 1891, veio nossa primeira Constituição Republicana, do mesmo ano, e também o advento da cisão entre Estado e Igreja. O Brasil passava, portanto, a ser considerado laico. É interessante notar que, já na Carta Magna de 1981, havia norma que proibia embaraços a quaisquer cultos através de tributação, buscando preservar a liberdade de celebrações religiosas e afirmar a nova faceta laica do país.[97] Norma de tendência equivalente veio aos tempos através do artigo 150, inciso VI, alínea B da Constituição Federal de 1988, alusão ao beneficio a que fazem jus os templos de qualquer culto. O pertinente é que o legislador não estava falando apenas aos locais em que há celebrações propriamente, mas sim as instituições religiosas, ou seja, às igrejas. A autora Regina Helena Costa, diz: “Templo de qualquer culto é, o edifício e suas instalações ou pertenças adequadas àquele fim; templo, assim, “compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função, ensina que o patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que afetados a essas finalidades – vale dizer, o prédio onde se realiza o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis”. Em recursos já debatidos no Supremo Tribunal Federal, os Ministros Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, destacaram as seguintes prerrogativas: “O fato de os imóveis estarem sendo utilizados como escritório e residência de membros da entidade não afasta a imunidade prevista no art. 150, VI, c, § 4º, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988. [ARE 895.972 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 2-2-2016, DJE 34 de 24-2-2016.]Conforme destaquei na decisão agravada, a jurisprudência desta Corte fixou orientação no sentido de que a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b, da Constituição abrange não apenas os locais destinados à celebração de cultos, mas se estende, também, a todos os imóveis pertencentes à entidade religiosa e destinados ao atendimento de suas finalidades essenciais, ainda que alugados a terceiros. Nesse sentido, transcrevo a Súmula 724 do STF (…). Dessa forma, o argumento sustentado pelo recorrente, no sentido de que seria possível a incidência de IPTU sobre o imóvel destinado à residência de pastores, dado que a imunidade discutida abarcaria apenas os locais destinados à realização de atos religiosos, não encontra amparo no entendimento firmado por este Tribunal a respeito do tema. Com efeito, se a circunstância de a recorrida alugar o imóvel de sua propriedade a terceiro, sem qualquer vínculo com ela, não afasta a imunidade sob exame, não há qualquer razão que justifique o óbice ao gozo do benefício na hipótese de o bem em questão ser destinado à residência dos seus ministros religiosos. [ARE 694.453 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 25-6-2013, DJE 156 de 12-8-2013.]” Logo, encontram-se imunes os templos de qualquer culto, concerne com o princípio da liberdade de crença e prática religiosa, que a Constituição Federal, elenca no artigo 5º, nos Incisos VI a VIII. Nenhum obstáculo poderá ser criado para proibir ou impedir esse direito de todo cidadão. Por fim, ao estar conduzida para a proteção da liberdade religiosa, a imunidade tributária alcança os mais diversos credos, até mesmo as igrejas e os movimentos religiosos em geral que não são predominantes na sociedade brasileira. Mas devemos ter em mente que alguns temas importantes que já foram encarados pelo STF conforme as palavras do autor Rafael Novais[98], a saber: Maçonaria: segundo entendimento esposado pelo Supremo, a maçonaria não se enquadra no conceito de religião, mas sim uma “filosofia de vida” e, portanto, não se beneficiará com essa imunidade religiosa (RE 562.351/RS); “Ementa: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida. (STF – RE 562351, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 04/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-245 DIVULG 13-12-2012 PUBLIC 14-12-2012)”[99]. Extensões do imóvel: as edificações construídas em conjunto com o tempo e utilizadas na estrutura religiosa também passam a gozar da imunidade tributária, desde que comprovada a vinculação. Assim, os conventos de freiras, casas paroquiais e salões da igreja alcançam a imunidade (RE 325.822/SP); “EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido. (STF- RE 325.822, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 14-05-2004 PP-00033 EMENT VOL-02151-02 PP-00246).”[100] Cemitérios: utilizando-se do mesmo raciocínio acima explanado, o STF entendeu que se o cemitério estiver exercendo atividade vinculada à instituição religiosa também se beneficiará da imunidade, por ser considerada extensão da própria religião (RE 578.562/BA). Atente-se para outros dois pontos: 1º) cemitérios públicos gozam de imunidade recíproca (estudada no ponto passado) e 2º) cemitérios particulares não se beneficiam pela desoneração, pois objetivam atividade lucrativa; “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido. (STF – RE 578562, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 21/05/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-05 PP-01070 RTJ VOL-00206-02 PP-00906 LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 334-340)”[101]. Imóvel alugado: seguindo entendimento já estampado na imunidade recíproca, imóveis pertencentes às instituições religiosas e que estejam alugados para particulares só preservam a imunidade se os valores obtidos com esses aluguéis forem empregados na atividade religiosa (RE 325.822/SP). Assim, mesmo que o particular (inquilino/locatário) exerça atividade econômica em imóvel da igreja (proprietária/locadora), se os alugueis contratuais forem aplicados em fins religiosos, o imóvel permanece imune. Atente-se quanto a tramitação de projetos de emendas constitucionais (PEC 133/15 do Senado Federal e PEC 200/16 da Câmara dos Deputados) que objetivam conceder a imunidade para imóveis que tenham a igreja apenas como mera inquilina e não proprietária do bem; Serviços de estacionamento da igreja: a exploração de atividade de estacionamento executada pelas instituições religiosas tornar-se-ão imunes, se os valores obtidos com essa atividade forem empregados em fins religiosos (RE 144.900/SP).   Essa imunidade se enquadra como gênero que se refere-se na prática a quatro pessoas especificas sendo, os partidos políticos, fundações dos partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, entidades de educação e assistência sociais sem fins lucrativos, conforme o artigo 150, inciso VI, alínea C, da Constituição Federal[102]. O autor Hugo de Brito Machado[103], enaltece a finalidade é proteger a liberdade política, a liberdade sindical e estimular aqueles que desejam colaborar com o Estado na prestações de serviços de assistência social, desde que sem a finalidade lucrativa. Ressaltando que a possibilidade de a lei fazer exigências, como condição para gozo da imunidade, diz respeito apenas às entidades sem fins lucrativos, e não aos partidos políticos nem as entidades sindicais. E, mesmo em relação a elas, as exigências legais hão de dizer respeito apenas à aferição da ausência de finalidade lucrativa. As expressões atendidos os requisitos de lei e sem fins lucrativos, precisam ser cuidadosamente interpretadas, conforme o autor Eduardo Sabbag[104], que explica: “A expressão “(…) atendidos os requisitos da lei”: a alínea c é preceito não autoaplicável, não automático, necessitando de acréscimo normativo. A lei a respeito é a lei complementar, posto que a imunidade, assumindo a feição de limitação constitucional ao poder de tributar, arroga, ipso facto, no bojo do art. 146, II, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, a indigitada lei complementar, que, no caso, é o próprio Código Tributário nacional. A alínea c tem operatividade conferida pelo art. 14, I, II e III,do CTN”. Em síntese, alguns doutrinadores[105], que a entidade da alínea C, cumprindo os requisitos que constam no art. 14 do Código Tributário Nacional, terá direito à fruição da imunidade. Destaca-se que as normas transcritas no artigo 14 são explicativas, tendo apenas o objetivo de conferir operatividade à alínea C do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, ou seja, comandos explicitativos, não auxiliando para complementar ou incrementar a norma imunizante modificando-lhe a essência. Seguindo nesse raciocínio, o autor Eduardo de Moraes Sabbag[106], diz: “A expressão “(…) sem fins lucrativos”: essa estranha e presumível “impossibilidade de se obter lucro” deve ser entendida em consonância com o art. 14, I, do CTN. Não há, de fato, vedação ao lucro, mas, sim, proibição à apropriação particular do lucro. Essa apropriação se mostra no animus distribuendi, que não pode ser confundido com uma normal remuneração dos diretores de uma entidade imune, pela execução dos seus trabalhos. Nesse sentido, entendemos que carece de legitimidade o art. 12, § 2.º, da Lei n.º 9.532/1997, que, de modo acintoso, vedou tal remuneração”. Finalmente, o que se quer é na verdade, é favorecer financeiramente os partidos políticos, as entidades sindicais dos trabalhadores e as instituições de educação e assistência social para que possam cumprir suas atividades da melhor maneira possível. De modo que não pode haver favorecimento financeiro imotivado a terceiros que integram e viabilizam as atividades dessas pessoas, pois isso foge completamente ao espírito da norma imunizante. O fundamento é a manutenção de boa fé financeira das citadas instituições a fim de que cumpram o importante papel que possuem junto à população[107]. Logo destacamos a súmula 724 do STF, por exemplo, o qual diz que: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art.150, VI, c da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.   4.4 Imunidade dos livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão Podemos dizer que é chamada também da “imunidade de imprensa”, elencado no artigo 150, inciso VI, alínea D, da Constituição Federal de 1988[108], tem como regra retirar a incidência de impostos, visando proteger os direitos sociais constitucionais de acesso à divulgação da cultura, facilitando o acesso para a aquisição dos mesmos. Logo destacamos as palavras da autora Regina Helena Costa[109], que trata essa imunidade como sendo: “Prestigia esta imunidade diversos valores: a liberdade de comunicação, a liberdade de manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística, científica, visando ao acesso à informação e à difusão da cultura e da educação, bem como o direito exclusivo dos autores de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar (arts. 5º, IV, IX, XIV e XXVII, 205, 215 e 220 da CONSTITUIÇÃO FEDERAL)”. Além disso, entende que o autor Kiyoshi Harada[110], que: “A imunidade estabelecida é objetiva. Não interessa o conteúdo do livro ou periódico. Já se acha superada a jurisprudência que exigia que o conteúdo dessas publicações se revestissem de caráter jornalístico, literário, artístico, cultural ou científico. Livro, no dizer dos dicionaristas, significa “porção de cadernos manuscritos ou impressos e cosidos ordenadamente”. E periódico significa publicação que aparece em tempos determinados ou em intervalos iguais, contendo informações de caráter geral. Por isso, os catálogos telefônicos encontram-se sob a proteção da imunidade conforme inúmeros pronunciamentos da Corte Suprema”. Grandes debates peodicamente ocorrem quanto ao alcance dessa imunidade, seja nos insumos ou no conceito de elemento cultural protegido. Alguns entendem que os insumos protegidos seriam somente os decorrentes de papel, já outros divergem dos materias que poderiam se encaixar nessa imunidade. Mas, ao que tudo indica o Supremo Tribunal Federal, parece ainda ser restritivo, pois já afastou a imunidade de tintas para impressão de acordo com a RE 216.857/RS, tiras de plásticos para amarrar jornais (RE AgR 208.638/RS), entre outros. Já nos casos de derivados de papéis, já não há mais debates, pois sumulou o Supremo Tribunal Federal, que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea D, da Constituição Federal abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos. Diante disso, alguns pontos merecem destaques, de acordo com o Autor Rafael Novais[111], sendo:   Publicidade e propaganda: o entendimento consagrado no STF separa a existência de duas modalidades de publicidade: Exclusivamente propaganda: não teria intenção de propagação da cultura ou informações úteis, apenas se prestando para fins comerciais. Desse modo, não gozará de imunidade tributária (RE 213.094/ES); Propaganda conjunta com informações e cultura: a propaganda que se insere juntamente com alguma informação ou cultura (ainda que mínima) alcançará o benefício da imunidade tributária. Para o Supremo, essa propaganda estaria servindo como forma de financiar a estrutura jornalística e colaborar para a divulgação de dados importantes (RE 87.049/SP); Apostila: considerada como um “veículo de transmissão de cultura simplificado” nas palavras do Supremo, também será beneficiada pela imunidade (RE 183.403/SP); Lista telefônica: apesar de não conter elemento cultural, o STF compreendeu nas listas telefônicas importante elemento informativo, ainda que contenham também propagandas em seu texto. Ademais, sua aquisição pela população é gratuita. Portanto, merecedoras da imunidade (RE 794.285/RJ, ARE 778.643/ES, RE 134.071/SP); Álbuns de figurinha: em importante julgado de relatoria da Ministra Ellen Gracie, o Supremo passou a conceder imunidade tributária para os álbuns de figurinha, baseando-se em sua importância ao desenvolvimento intelectual e pedagógico das crianças e jovens (RE 221.239/SP, RE 179.893/SP).   Além disso, uma das grandes inovações dessa imunidade foi a o julgado RE 330.817/RJ, que tratou dos e-books: “Em relação ao tema nº 593 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet, proponho a seguinte tese: A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”[112]. Com os adventos da tecnologia, o conceito de livro passou a compreendida pelo seu objetivo de transmitir e conservar as informações, o autor Kiyoshi Harada[113], traz em sua obras as palavras do ilustre Aliomar Baleeiro, do qual relata que os livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações, reais ou fictícias, sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos de Braille destinados a cegos. Por esta razão, não podemos desconsiderar está interpretação do texto constitucional à luz da nossa realidade, pois deixou de somente considerar o livro como físico, expandido seu horizonte.   4.5 Imunidade das produções, fonogramas e videofonogramas musicais A novidade dentre as imunidades já descriminadas acima, veio da Emenda Constitucional 75/2013- originária da intitulada “PEC da Música” e publicada em 15 de Outubro de 2.013, que incluiu a alínea e ao inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, prevendo, assim a imunidade musical, observe: “Art. 150, VI, e, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL: (…)fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”. O objetivo é excluir os impostos pagos para produções realizadas no Brasil, além disso, os motivos que levaram à edição dessa emenda estariam relacionados à necessidade de baratear a aquisição das obras originais, sendo uma forma de combater a pirataria/falsificações, conforme leciona o autor Ricardo Alexandre[114]: “Na própria Exposição de Motivos da Proposta de Emenda à Constituição que resultou na EC 75 afirmou-se que a novidade atenuará sensivelmente a barreira econômica que pesa sobre o produto original, tornando-o mais acessível ao consumo, popularizando ainda mais seu acesso às classes menos privilegiadas do Pais. Assim, o objetivo expressamente declarado foi o combate à pirataria, o que torna bastante estranha a não extensão do benefício à.música de autoria estrangeira interpretada por artista estrangeiro. Se a pirataria é algo indiscutivelmente nocivo – e não há dúv:idas de que o é -, ela deveria ser combatida no Brasil igualmente, tanto nos casos em que atinge artistas e autores brasileiros, quanto naqueles em que atinge apenas os estrangeiros”. Mas para a utilização desta imunidade existe uma regra, como diz o autor Rafael Novais[115], sendo: “O autor dessas obras deverá ser brasileiro ou, ao menos, interpretada por artistas brasileiros. Apesar da ausência de interpretação jurisprudencial, o dispositivo acaba por proteger a obra inteira quando for de autoria ou interpretação de brasileiros. Assim, para o benefício até poderíamos encontrar estrangeiros na relação musical ou literomusical, desde que acompanhados pelo nacional”. O autor Ricardo Alexandre[116] traz um detalhamento, desmembrando desta nova alínea em tópicos: Fonogramas e videofonogramas musicais: o art. 5º, IX, da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998) conceitua fonograma como “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação. de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Assim, de maneira simplificada, pode-se considerar como “fonograma musical” o arquivo contendo música. Apesar da inexistência de definição legal, podemos considerar como “videofonograrna musical o arquivo contendo música e vídeo”. Em ambos os casos, para a caracterização do arquivo como fonograma ou videofonograma musical, não se tem como relevante a sua apresentação em suporte material (CD, DVD, Blu-ray, cassete, vinil) ou sua disponibilidade e circulação mediante transferência eletrônica de dados, como os comercializados pela App Store, Google Play e assemelhados). Produzidos no Brasil: A exigência de produção no Brasil é de caráter absoluto, não comportando, nos termos constitucionais, qualquer flexibilização ou alternativa, diferentemente do que ocorre quanto à composição ou interpretação, conforme· será visto a seguir. Em termos menos congestionados, para gozar da imunidade, o fonograma ou videofonograma deve $er necessariamente produzido no Brasil, sem qualquer exceção. Contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros: Esta exigência descaracteriza o caráter puramente objetivo que a imunidade poderia ter. É que, para imunizar determinadas coisas (fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil), exigiram-se certas características das pessoas a elas vinculadas (“nacionalidade brasileira” para o intérprete ou para o autor). Assim, por possuir requisitos objetivos e subjetivos, a imunidade pode ser classificada como mista. Bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham: Essa importante regra destina-se a evitar que se instaure, a respeito da imunidade da música nacional, discussão semelhante àquela existente quanto à imunidade dos livros, jornais e periódicos (cultural). Lá o insumo “papel destinado à impressão” é imunizado em virtude de disposição expressa, mas as mídias em que são gravados em meio magnético ou óptico os livros eletrônicos têm sido indevidamente tratadas como insumos não imunizados, sendo grande a discussão sobre a imunidade do próprio livro gravado na mídia. No que concerne à imunidade da música nacional, a discussão não encontra eco, de forma que todos os suportes materiais (vinil, cassete, CD, DVD, Blu-ray) e arquivos digitais (vendidos por App Store, Google Play e similares) contendo fonogramas e videofonogramas imunes são também protegidos pela benesse constitucional. Salvo na replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser: A ressalva final do dispositivo foi inserida na tentativa de arrefecer a insatisfação do Estado do Amazonas com o fato de que a imunidade aplicada nacionalmente retiraria a exclusividade do benefício existente na Zona Franca de Manaus. Realmente, as indústrias responsáveis pela replicação das mídias digitais somente mantêm suas sede em Manaus, e não em locais mais próximos dos maiores centros consumidores, em virtude dos benefícios fiscais exclusivos da Zona Franca. A existência de beneficio de caráter nacional com extensão semelhante poderia, portanto, resultar em perda de postos de trabalho na Zona Franca. Por fim, reza essa emenda uma defesa ao principio fundamental de defender o incentivo a cultural nacional, como prevê nossa Carta Magna, pois é de competência dos entes propiciar os acessos para tal.   Considerar somente a imunidade tributária como limitação ao poder de tributar é um tanto vago, afinal a expressão abrange outros institutos como incidência, não incidência, isenção, anistia e alíquota zero, que se apresentam de modos bem diferentes, mesmo que esses institutos se confundem, o significado de cada um deles é divergente. Logo, vamos classificar cada um deles para uma melhor compreensão.   5.1. Incidência Ao tratarmos de incidência, devemos entender primeiramente, que é a situação em que o tributo é devido pelo fato de ter ocorrido o fato gerador. Nas palavras do autor Ruy Barbosa Nogueira, incidência é: “O fato de a situação previamente descrita na lei ser realizada e incidir no tributo, dar nascimento à obrigação tributaria. Neste caso a situação está incluída no campo da tributação. Tecnicamente se diz que é a ocorrência do fato gerador do tributo, ou que o tributo, como expressão da lei, incide na relação fática previamente tipificada e efetivamente realizada”.[117] Logo para o autor Vittorio Cassone[118], a incidência está relacionada com a competência que a constituição introduz para os entes tributantes para instituir determinado tributo, em que se verifica um campo material e um campo territorial de incidência, por exemplo, o imposto de renda é de competência da União que de tem o campo material próprio, sendo a renda e proventos de qualquer natureza, e um campo território próprio, que é o território nacional, ou seja fato gerador[119] pode ocorrer em qualquer ponto do território nacional. Além disso, podemos usar ainda como exemplo o IPTU, que é de competência do município, sendo o campo material a propriedade predial e territorial urbana, cujo fato gerador ocorre em qualquer ponto do território municíio. Em suma, a incidência é quando efetivado um fato, ato ou situação jurídica previamente descrita como gerador de obrigação de pagar tributo.   5.2 Não Incidência Já que explicamos a incidência tributária, o termo não incidência é antagônico, ou seja, os afastamentos do surgimento da relação jurídica tributária em face da não ocorrência do fato gerador, sendo mais explícito, são os fatos que não constam na lei para dar nascimento à obrigação tributária.  O autor Vittório Cassone[120] diferencia incidência e não incidência, como sendo: “Incidência é a situação em que um tributo é devido por ter ocorrido o respectivo fato gerador; exemplo: o fato gerador do imposto predial é a propriedade de imóvel construído na zona urbana: logo, sempre que exista um terreno com construção, situado na zona urbana, incide o imposto predial; Não incidência é o inverso da incidência: é a situação em que um tributo não é devido por não ter ocorrido o respectivo fato gerador; retomando o mesmo exemplo acima: se o terreno estiver situado na zona urbana, mas não construído, ou se, embora construído, estiver fora da zona urbana, não incide o imposto predial”.   5.3 Isenção A pessoa política da qual detém a competência tributária para constituir o tributo também é competente, por meio de lei, para conceder isenções, diante de observações aos limites constitucionais transcritas no artigo 155, §2º, inciso XII, Alínea g, da Constituição Federal[121]. Logo a isenção é a dispensa pela lei de tributo devido, ocorrendo o fato gerador da obrigação tributária, porém a lei dispensa seu pagamento conforme dispõe o artigo 175[122], inciso I, do Código Tributário Nacional. Para haver isenção, é necessário que exista lei dispensando o pagamento do tributo[123]. O autor Vittório Cassone, diz que: “Isenção é concedida por lei tendo em vista não o interesse individual, mas o interesse público. Assim, a isenção outorgada às pessoas como aos bens é concedida em função da situação em que essas pessoas ou esses bens se encontram em relação ao interesse público, exigindo ou justificando um tratamento isencional. Isto quer dizer que é a própria lei que descreve objetivamente essas situações e considera que essas pessoas enquadradas dentro delas estão numa situação diferente das demais e por isso devem ter também um tratamento diferente, em atenção ao mesmo princípio de isonomia ou igualdade”.[124]   5.4 Anistia Nas palavras do autor Kiyoshi Harada, anistia, era passado uma media de clemência que, por razões de Estado, isentavam de culpa ou do cumprimento da pena os agentes de crimes de natureza política. Atualmente, alcança a generalidade dos crimes, inclusive as infrações de natureza tributária[125]. No caso do Direito Tributário, a anistia é uma causa de exclusão do crédito tributário, descrita no inciso II do artigo 175 do Código Tributário Nacional, conceitua-se a anistia como o perdão das penalidades pecuniárias, concedido por lei, antes da constituição do lançamento. Podendo somente ser aplicada a infrações que foram cometidas antes da vigência da lei que a tiver concedido, operando efeito retrospectivo[126]. Perdoa-se apenas as penalidades não o Crédito Tributário. Por fim, o autor Eduardo de Moraes Sabbag[127], diz que: “A anistia poderá ser geral ou limitada. Quando assume a roupagem de “anistia limitada”, poderá ser concedida nas seguintes situações: (I) às infrações relativas a determinado tributo; (II) àquelas infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante, conjugadas ou não com penalidades de outra natureza; (III) à determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares;  (IV) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei concessiva do favor ou pela autoridade administrativa”. Além disso, anistia difere de remissão, que é o perdão da dívida, pelo fato de o crédito tributário já estar constituído, abrangendo tanto o tributo como a penalidade.   5.5 Alíquota zero No direito tributário, a alíquota zero vem geralmente descrita em porcentagem a ser aplicada sobre a base de cálculo para mensurar o valor do tributo, mediante isso, o autor Hugo Machado de Brito, entende que a alíquota é a relação existente entre a expressão quantativa ou dimensível, do fato gerador e o valor do tributo correspondente, entretanto, como na totalidade dos casos a expressão quantitativa do tributo é uma expressão monetária e a relação entre ela e o valor do tributo é indicada em porcentagem, costuma-se dizer que a alíquota é o percentual que, aplicado sobre a base cálculo, nos indica o valor do imposto devido[128]. De acordo com a ideia do Autor Leandro Paulsen[129], a alíquota zero corresponde ao estabelecimento de alíquota nula, que resulta em tributação sem nenhuma expressão econômica. Zero ponto percentual sobre qualquer base resultará sempre em zero, logo embora instituído o tributo e ocorrido o fato gerador,o valor apurado será zero, e nada será devido. A alíquota zero, por fim, não constitui caso de exclusão de credito tributário, mas todavia, determina seu aspecto quantitativo de modo que a expressão econômica da obrigação seja nula.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Contemplamos então que a imunidade tributária, elencada na Nossa Carta Magna, como direito subjetivo público concedido a algumas entidades em razão de sua ligação ao interesse social para a coletividade, logo merecem a proteção e o incentivo do legislador, com o afastamento do poder de tributar, nos termos da lei. A magnitude deste tema ultrapassa a esfera de Direito Tributário, percorrendo ainda pelo Direito Financeiro, que irá normatizar todos atos e procedimentos para a realização da arrecadação pública, distribuídos os gastos e controlando o dinheiro através de lei orçamentária. Já o Direito Constitucional, podemos considerar o “coração” do Direito Tributário, onde se encontra os princípios e imunidades. Com relação a limitação do poder de tributar, não podemos considerar como uma proibição, mas sim, uma forma de preservação dos princípios fundamentais para cidadão, pois devemos interpretar os dispositivos legais  juntamente acompanhada  do equilíbrio, pois antagônico seria se não tivéssemos limites para Poder Publico, pois sua obsessão para arrecadar, é certamente seu veneno. Logo a palavra equilíbrio é primordial para se ter uma imunidade, pois não causa  uma concorrência desleal para os outros setores,  uma vez que isso ocorre, certamente o judiciário não iria suportar a demanda. Por fim, ao falar de imunidade, vemos que o Supremo Tribunal Federal, vem editando súmulas e criando jurisprudências, defendendo os princípios fundamentais elencados na Carta Magna, sendo incentivo a cultura, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, liberdade musical, entre outros. Enfim, a imunidade tributária não é somente um tema discutível, mas sim, uma maneira de tentar defender a nossa liberdade, em certos institutos, mesmo que ela seja uma vedação para o pagamento de impostos, decorrente de forma que a não incidência possa ajudar no final, a ter o lucro de fazer o que desejas ou a ter recursos para outros fins.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Livros ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro. 5º Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2018. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11º Edição, Salvador: JusPodivim, 2017. AMARO, Luciano. Direito ributário Brasileiro. 20º Edição. São Paulo: Saraiva, 2014 ATALIBA, Geraldo. Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria. 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Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/VerProcesso-Anda mento.asp?incidente=1971437> Acessado em: 23 de Março de 2.019. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extraordinário n. 562351, Relator(a):  Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ 13/12/2012. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.sp?incidente=2555864>.Acessado em: 23 de Março de 2.019. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extrordinário n. 578562, Relator(a):  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ 11/09/2008. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2596133> Acessado em:  23 de Março de 2.019. ANEXO A- TABELA NOVENTENA     [1] ABRAHAM,Marcus. Curso de Direito Financeiro. 5º Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2018, pág 11. [2] SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. 2. ed, Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1954, p. 4-5. [3] DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. 10º edição, São Paulo: Saraiva, 1967, p. 3-7. [4] NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal. 7º Edição, Coimbra: Almedina, 2012, p. 32. [5] BORGES, José Souto Maior. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.28-29. [6] ABRAHAM, Marcus. Obra citada, pág. 123. [7] CATARINO, João Ricardo. Lições de Fiscalidade, vol I, 4º Edição, Coimbra: Almedina, 2015, pág. 16. [8] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1960, Pág. 09. [9] DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. São Paulo: Saraiva, 1969, Pág. 29. [10] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 26ºEdição, São Paulo:Atlas, 2017, pág 52. [11] ABRAHAM,Marcus.Obra Citada, pág. 234. [12] CAMPOS, Dejalma. Direito Financeiro e Orçamentário. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 49. [13] ABRAHAM, Marcus. Obra Citada, pág. 233. [14] Idem 1 [15] BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009, pág 10. [16] ABRAHAM, Marcus. Obra citada, pág 41. [17] CAMPOS, Dejalma de. Direito Financeiro e Orçamentário. 3ºEdição, São Paulo: Atlas, 2005, p. 35 [18] ABRAHAM,Marcus, obra citada, pág 45. [19]  ABRAHAM, Marcus. Obra citada, pág 46. [20] ATALIBA, Geraldo. Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria. São Paulo: Revista dos Tribunais,1964, pág.13. [21] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1989, pág 04. [22] CATARINO, João Ricardo. Finanças Públicas e Direito Financeiro. 2º Edição, Coimbra: Almedina, 2014, p.20. [23] HARADA, Kiyoshi. Curso de Direito Tributário e Financeiro, São Paulo: Atlas, 2017, pág 34. [24] Idem 15 [25] Na lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho, “o Direito Tributário cuida especificamente das receitas derivadas do patrimônio particular transferidas para o tesouro público mediante ‘obrigações tributárias’ previstas em lei.” (Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 34) [26] Scaff, Fernando Facury. Crônicas de Direito Financeiro. Tributação, Guerra Fiscal e Políticas Públicas. São Paulo: Conjur, 2016, p. 15-19. [27] Ainda segundo as lições de Fernando Scaff (Ibidem, p. 17.): “Na opinião comum dos juristas pátrios, o Direito Tributário representa o bolso do cidadão, possuidor de bens, valores, patrimônio, que o Estado arbitrário, a trabiliário e mau gestor do patrimônio público, quer lhe arrancar sob o peso de leis abusivas, que sempre violam a Constituição e, em ultima ratio, sua inviolável capacidade contributiva. (…) Por outro lado, o Direito Financeiro é aquela área do Direito onde se discutem aspectos públicos, de interesse da comunidade, tais como interesse público, necessidades públicas ou a teoria da escassez dos recursos. É onde se busca a aplicação dos recursos públicos em prol do bem comum, através do manejo dos princípios da Legitimidade e Economicidade, ou seja, de coisas intangíveis, dificilmente mensuráveis, com baixo nível de formalidade e alto grau de subjetividade” [28] ABRAHAM, Marcus. Obra citada, pág 51. [29] Significa dizer, função. [30] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 7º edição. Rio de Janeiro:Forense, 2004. [31] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo.  8ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2017, pág 27. [32] GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000, p. 147. [33] Idem 31 [34] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14º Edição, São Paulo:Saraiva, 1995,Pág.20. [35] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, pág.51. [36] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2018, pág. 32. [37] PAULSEN, Leandro, obra citada, pág. 28. [38] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [39] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20º Edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 23. [40]MEDEIROS, Frederico Batista dos Santos. Conceito de tributo e as espécies tributárias. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18293&revista_caderno=26>.Acessado em: 24 de Janeiro de 2.019. [41]BRASIL, República Federativa do. Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acessado em: 24 de Janeiro de 2.019. [42] BRASIL, Republica Federativa do. Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct>. Acessado em: 24 de Janeiro de 2.019. [43] Idem 41 [44] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. [45] Conjunto de sons cuja entonação é absolutamente a mesma. Disponível em:<https://dicionariodoaurelio.com/unissono>. Acessado: 19 de Out de 2.018. [46] É também chamada de quinquipartite, defendida por Ives Gandra Martins e por Hugo de Brito Machado, essa teoria entende que tributos são: impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribuições sociais e empréstimo compulsório. Classifica as espécies como autônomas dadas o seu regime jurídico específico, do qual não podem, pelas peculiaridades previstas na Constituição Federal, serem enquadradas como subespécies de tributo. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13897>. Acessado em: 19 de Out de 2.018. [47] SABBAG, Eduardo. Direito Tributário I, São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 209-210. [48] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12º Edição, Rio de Janeiro:Renovar, 2005, pág 371 -372. [49] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11º Edição,  Salvador: JusPodivim, 2017, pág 53. [50] SILVA, Bruno Florentino. Tributo e espécies tributarias previstas na constituição federal e no código tributário nacional. Disponível em:<http://bruno_orentinosilva.jusbrasil.com.br/artigos/182398483/tribu to-eespecies-tributarias-previstasna-constituicao-federal-e-no-codigo-tributario-nacional>.Acessado em: 25 de Janeiro de 2.019. [51] ALEXANDRE, Ricardo. Obra Citada, pág. 58. [52] Idem 41. [53] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, pág.303. [54] MARTINS, Sergio Pinto. Manual do direito tributário. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 110. [55] SABBAG,Eduardo de Moraes. Direito Tributário Essencial, 3º Edição, São Paulo:Método,2014, pág 67. [56] Idem 40 [57] MACHADO, Hugo de Brito. Obra Citada, 2016, pág.449. [58] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 497. [59] MARTINS, Sergio Pinto. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2015, pág.125 [60] BRASIL, Republica Federativa do. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct> . Acessado em: 25 de Janeiro 2.019. [61]PAULSEN, Leandro. Obra Citada. Pág. 129. [62]BRASIL, República Federativa do. Código Tributário Nacional. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acessado em: 24 de Janeiro de 2.019. [63] SILVA, Samira Fróes. Princípios Constitucionais Tributários. Disponível em: <http://samirafroes.jusbrasil.com.br/artigos/183065194/principiosconstitucionais-tributarios>. Acessado em: 26 de Janeiro de 2.019. [64] Idem 63 [65] MIRANDA, Maria Bernadete. Princípios Constitucionais do Direito Tributário. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/tri.pdf>. Acessado em: 28 de Janeiro de 2.019. [66] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª Edição, São Paulo: Atlas, 2013, pág 905-918. [67] Art. 150 da Constituição Federal – Sem prejuízo das outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. [68] Art. 97 do Código Nacional Tributário- Somente a lei pode estabelecer:I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. [69] Art. 177, §4º,inciso I, alínea B da Constituição Federal- Constituem monopólio da União: §4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativo às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I- a alíquota da contribuição poderá ser: alínea B- reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, B. [70] Art. 150, inciso II da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II-instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. [71] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário.São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 52 – 58. [72] Art. 150, inciso III, alínea A  da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III- Cobrar tributos; A- em relação a fatos gerados ocorridos antes  do inicio da vigência da lei que os houver instituido ou aumentado. [73] FROES, Samira. Principios constitucionais tributários. Disponível em: <http://samirafroes.jusbrasil.com.br/artigos/183065194/principiosconstitucionais-tributarios>.Acessado em: 01 de Fevereiro de 2.019. [74] Idem 73 [75] Art. 150, inciso III, alínea B e C  da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III- Cobrar tributos; Alínea B- no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; Alínea C- antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b. [76] LOUZADA, Ramiru. Apostila do Revisaço OAB –Direito Tributário. 2018, pág 39. [77] Art. 195 da Constituição Federal-. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. [78] MORAES, Alexandre, Obra Citada, 2014, pág. 909. [79] Art. 150 da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:inciso IV – utilizar tributo com efeito de confisco. [80] ALEXANDRE,Ricardo. Obra Citada, 2017, pág. 174. [81] Art. 150 da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: inciso V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; [82] MIRANDA, Maria Bernadete. Artigo Citado, pág. 07. [83] Art. 145 da Constituição Federal – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. [84] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, pág 93-94. [85] Art. 151 da Constituição Federal – É vedado à União: inciso I- instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desnvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. [86] CAROTA, José Carlos, FILHO, Roberto Domanico. Gestão Corporativa – teoria e prática. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, pág. 186. [87] Art. 150 da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre:  a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. [88] SABBAG,Eduardo. Manual de direito tributário. 7ª Edição, São Paulo: Saraiva,2015, pág. 287. [89] Op. Cit, pág. 44. [90] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 28ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 205. [91] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 30ª Edição, São Paulo:Atlas, 2014, pág. 943. [92] COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributarias. São Paulo: Malheiros, 2001, pág. 35 [93] BRASIL, Republica Federativa do. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct> . Acessado em: 25 de Janeiro 2.019. [94] MORAES,Alexandre.Obra citada, 2014, pág.945. [95] BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2006. [96] CORDONI, Daniel Sertaozinho. Imunidades Tributárias. Disponível em:<https://dscordoni.jusbrasil.com.br/artigos/349003386/imunidades-tributarias>. Acessado em: 16 de Março de 2.019. [97] BALEEIRO,Aliomar. Obra citada,1977, pág.435. [98] NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. 2018, pág. 174. [99] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extraordinário n. 562351, Relator(a):  Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ 13/12/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2555864>.Acessado em: 23 de Março de 2.019. [100] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extraordinário n. 325822, Relator(a):  Min. Ilmar Galvão, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 14/05/2004. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1971437> Acessado em: 23 de Março de 2.019. [101] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Recurso Extraordinário n. 578562, Relator(a):  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ 11/09/2008. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2596133> Acessado em:  23 de Março de 2.019. [102] Artigo 150 da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias aseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: Inciso VI- instituir impostos sobre: Alínea C: patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. [103] MACHADO, Hugo de Brito. Obra citada, 2018, pág.91. [104] SABBAG,Eduardo de Moraes, Obra citada, 2014, pág. 48 [105] MERLO, Ariela Cunha. Principais diferenças entre as categoria e técnicas de desoneração do direito tributário: não incidência, isenção, imunidade e alíquota zero. Disponível em: <http://www.oab-sc.org.br/artigos/principais-diferencas-entre-as-categorias-e-tecnicas-desoneracao-do-direitotributario-nao- incidenci/362> . Acessado em: 08 de Fevereiro de 2.019. [106] Idem 102 [107] FERREIRA, Vitor Mendes. Imunidades tributárias: um estudo sobre sua aplicação ao caso dos livros eletrônicos e dos aparelhos de leitura digital. Disponível em: <https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/24123>. Acessado em: 08 de Fevereiro de 2.019. [108] Artigo 150 da Constituição Federal- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: inciso VI – instituir impostos sobre: Alínea D-  livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. [109] COSTA, Regina Helena. Obra Citada, pág.95-96 [110] HARADA, Kiyoshi. Obra Citada, pág.277. [111] NOVAIS, Rafael, Obra Citada, pág. 178-179. [112]ACÓRDÃO(e-books). Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ RE330817.pdf>. Acessado em: 23 de Março de 2.019. [113] HARADA,Kiyoshi. Obra Citada, pág. 278. [114] ALEXANDRE, Ricardo, Obra Citada,pág.235. [115] NOVAIS, Rafael, Obra Citada, pág 181. [116] Idem 114 [117] BANDEIRA, Maria da Conceição. Diferenças entre imunidade, isenção e não incidência tributária. Disponível em:<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,diferencas-entre-imunidade-isencao-e-nao-incidencia- tributaria ,56460.html>. Acessado em: 05 de Fevereiro de 2.019. [118] CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 11º Edição , São Paulo: Atlas, 1999, pág.116. [119] Significa dizer, que é a ocorrência, em si, que traz a tona a exigência do respectivo ônus para o contribuinte. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/tributario/fato_gerador.htm>.Acessado em: 05 de Fevereiro de 2.019. [120]  CASSONE, Vittório. Direito tributário. 28ª Edição, São Paulo: Atlas, 2018, pág. 168. [121] Art. 155 da Constituição Federal- Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII – cabe à lei complementar: Alínea G- regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. [122]Artigo 175 do Código Tributário Nacional- Excluem o crédito tributário: inciso I- a isenção. [123] MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 211. [124] CASSONE, Vitório. Obra Citada. 2018,pág 169. [125] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 26ª Edição, São Paulo: Atlas, 2017, pág.412 [126] Artigo 180 do Código Tributário Nacional- A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando: I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele; II – salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas. [127] SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário Essencial. 14º Edição, São Paulo:Método, 2014, pág. 184. [128] MERLO, Ariela Cunha. Principais diferenças entre as categoria e técnicas de desoneração do direito tributário: não incidência, isenção, imunidade e alíquota zero. Disponível em: <http://www.oab-sc.org.br/artigos/principais-diferencas-entre-as-categorias-e-tecnicas-desoneracao-do-direitotributario-nao- incidenci/362> . Acessado em: 08 de Fevereiro de 2.019. [129] PAULSEN,Leandro. Obra Citada, 2017, pág. 270.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/das-limitacoes-do-poder-de-tributar-do-estado-imunidade/
ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e os Serviços Médicos
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo tecer breve discussão acerca do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, mormente a sua incidência sobre serviços médicos. Mostraremos por que a forma de incidência deste imposto sobre os serviços médicos configura-se como um equívoco jurídico. Abordaremos aspectos da nossa Constituição Federal de 1988, do nosso Código Tributário e da legislação pertinente. O trabalho também apresentará o caso em que se reconheceu a incidência do ISSQN em momento diverso do que atualmente ocorre. Tentaremos esclarecer por que o ISSQN deve obedecer às chamadas situações jurídicas condicionadas, qual a relação do referido imposto com o fato gerador perfeito consolidado através da Súmula 584 do STF e por que o Estado, enquanto ente fiscal, deve considerar tais institutos, sob pena de cair em contradição.
Direito Tributário
ABSTRACT: This paper aims to briefly discuss the Tax on Services of Any Nature – ISSQN, especially its impact on medical services. We will show why the form of levying this tax on medical services is a legal misconception. We will address aspects of our Federal Constitution of 1988, our Tax Code and relevant legislation. The paper will also present the case in which the incidence of ISSQN was recognized at a different time from what currently occurs. We will try to clarify why the ISSQN should obey the so-called conditional legal situations, what is the relationship of the tax with the perfect chargeable event consolidated by the Supreme Court Precedent 584 and why the State, as a tax entity, should consider such institutes, under penalty of fall into contradiction. Keywords: ISSQN, Medical Services, Special Appeal nº 887.385 – RJ (2006 / 0214178-0), Conditioned.   SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE DIREITO TRIBUTÁRIO, 1.1.     Conceito e natureza. 12, 1.2.     Princípios e/ou limites ao poder de tributar, 1.2.1.     Princípio da legalidade tributária., 1.3.     Interpretação e Integração da Legislação Tributária, 1.4.     Obrigação Tributária, 1.4.1.     Obrigação tributária principal, 1.4.2.     Obrigação acessória, 1.5.     Teoria do fato gerador, 1.5.1.     Fato gerador da obrigação principal, 1.5.2.     Fato gerador da obrigação acessória, 1.5.3.     Fato gerador e princípio da legalidade, 1.5.4.     O momento da ocorrência do fato gerador, 1.5.4.1.     Fato gerador definido com base em situação de fato, 1.5.4.2.     Fato gerador definido com base em situação jurídica, 1.5.4.3.     As situações jurídicas condicionadas; CAPÍTULO 2. ISSQN – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA, 2.1.     Regra Matriz de Incidência Tributária, 2.1.1.     Antecedente, 1) a) Critério Material, 2) b) Critério Espacial, 3) c) Critério Temporal, 2.1.2.     Consequente, 1) a) Critério Pessoal 2) a) Critério Quantitativo; CAPÍTULO III – Noções básicas sobre Direito da Saúde, 3.1. A Lei nº 9.656 de 3 de junho de 1998, 3.1.1. Operadora de planos de saúde e planos privados de saúde (art. 1º da Lei nº 9.656/1998), 3.2. A Resolução Normativa nº 363 de 11 de dezembro de 2014: processo de faturamento médico e glosas médicas. 36; CAPÍTULO IV – ISS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS, 4.1. Sujeito ativo e passivo da relação jurídico-tributária na prestação de serviços médicos, 4.2. No caso de ISSQN, o fato gerador se opera com a simples prestação dos serviços médicos?, 4.3. A aprovação da operadora como situação jurídica condicionada; CAPÍTULO V, 5.1. A impossibilidade de exclusão das glosas médicas da base de cálculo do ISSQN, 5.2. O Recurso Especial nº 887.385 – RJ (2006/0214178-0), 5.3. Considerar a ocorrência do fato gerador após aprovação da operadora de plano de saúde em face do faturamento que lhe foi entregue não importa em eternização do crédito tributário ou transferência do risco do negócio ao fisco, 5.4. Requerimentos administrativos diversos ferem o princípio da pacificação social e da solução definitiva do litigio; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.     INTRODUÇÃO Diante da instabilidade econômica que o país vive, cada vez mais os contribuintes têm buscado orientação jurídica para se resguardar da exorbitação dos poderes de tributar do Estado. Por esse motivo que as diversas instituições vêm tentando arranjar saídas para redução da elevada carga tributária nacional. Desta forma, não poderia ser diferente na classe médica. Entre as profusas dissonâncias, a discussão do ISS sobre a prestação de serviços de atenção à saúde suplementar é uma das questões que mais tomado a atenção e ocasionado certa apreensão nos profissionais desta área. O presente projeto tem o escopo de estudar, assim, a incidência do ISSQN sobre serviços médicos, mais especificamente, na relação jurídica prestadores de serviços de atenção à saúde suplementar versus operadoras de planos de saúde e fisco. Num primeiro momento, para melhor compreensão do tema, estudaremos conceitos básicos do Direito Tributário, abordando o conceito desta tão importante ciência e sua natureza; os limites e/ou princípios inerentes à temática envolvida; a interpretação e integração da Legislação Tributária; a obrigação tributária e suas espécies; a Teoria do Fato Gerador e o que seriam as situações jurídicas condicionadas. No segundo capítulo será estudado o ISSQN objetivamente, isto é, a sua regra matriz de incidência tributária no ordenamento jurídico com amparo na Lei Complementar nº 116/06 que regula o aludido imposto. Já no terceiro capítulo trataremos de uma ciência um tanto quanto nova: o Direito da Saúde. Frisa-se que, em razão da sua amplitude e de sua tenra idade, abordaremos tão somente o ramo da referida ciência voltado à regulação da relação entre as operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços de atenção à saúde suplementar, delimitando os conceitos de prestador de serviços médicos e operadora de planos de saúde e o processo de faturamento médico, conforme a Lei nº 9.656 de 3 de junho de 1998 e a Resolução Normativa nº 363 de 11 de dezembro de 2014. Em seguida, já com todo o arcabouço necessário para compreensão da problemática instalada, descobriremos quem realmente são os sujeitos ativo e passivo da relação jurídico-tributária no caso de prestação de serviços médicos; se o fato gerador se opera com a simples prestação dos serviços médicos e qual a relevância da aprovação, pela operadora de planos de saúde, do preço cobrado pelos serviços prestados por seus credenciados. Por fim, mas não tão menos importante, analisaremos os últimos julgados sobre o tema, mormente, o Recurso Especial nº 887.385 – RJ (2006/0214178-0); a impossibilidade de exclusão das glosas médicas da base de cálculo do ISS e qual medida judicial e fundamento jurídico corretos para pleitear a restituição dos valores pagos a maior indevidamente a título de ISSQN.   CAPÍTULO 1. NOÇÕES DE DIREITO TRIBUTÁRIO Esclarecer conceitos básicos, ao contrário do que muitos podem pensar, não significa desperdício de palavras ou conglomerado de assuntos irrelevantes, e é assim que muitas vezes as ciências jurídicas são vistas pela sociedade. No entanto, a necessidade de esclarecer conceitos básicos é característica derivada de toda e qualquer outra ciência, ademais, não se poderia exigir, por exemplo, conhecimentos da grade regular de nível médio de um aluno de ensino fundamental. Outrossim, não se poderia restringir a humanidade do conhecimento, de modo que o presente trabalho não se dirige apenas aos operadores de direito, mas, também, àqueles que, no âmbito dos corredores da Administração Pública, foi surpreendido com a extrapolação dos poderes de tributar do Estado, assim como ocorre com o ISS sobre os serviços médicos, fazendo-se necessários, destarte, entendimentos basilares da ciência Tributária.   1.1.       Conceito e natureza O Estado, enquanto garantidor do bem comum, necessita de recursos financeiros, e para tanto obtém receitas de duas formas: originária e derivada. A receita originária advém da exploração do patrimônio do próprio Estado, sob regime de direito privado, como, v. g., através de aluguéis e receitas de empresas públicas e sociedades de economia mista. Por outro lado, enquanto a receita originária resulta da exploração do patrimônio do próprio Estado, as receitas derivadas provêm do exercício do Poder de Império do Estado sobre o patrimônio do particular, obrigando-o a contribuir através de tributos, multas e reparações de guerra, por exemplo. O Direito Tributário, dedica-se, assim, ao estudo das receitas derivadas, mormente a modalidade de tributos. O Direito Tributário está intimamente relacionado ao conceito de Direito Público e caracteriza-se pela verticalidade da relação jurídica, isto é, o Estado ocupa posicionamento superior em relação ao particular, mas sem violação dos direitos e garantias individuais. Exatamente por isso que o Direito Tributário é cogente, ou seja, possui normas que obrigam o cidadão, tudo em vista da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Da mesma forma, o Direito Tributário deve obedecer também ao princípio da indisponibilidade do interesse público, pois o crédito tributário é parte do patrimônio público, e justamente por isso, indisponível, de modo que qualquer regalia concedida será de interesse do próprio Estado em vista do interesse público do povo, o verdadeiro destinatário das ações estatais.   1.2.       Princípios e/ou limites ao poder de tributar O poder de tributar do Estado não é absoluto, por este motivo é limitado por princípios que impedem o exercício arbitrário da tributação. Nessa esteira, com a argúcia que lhe é peculiar, segue Eduardo Sabbag para quem “as relações de tributação entre governante e governado deverão transitar dentro do espaço modulador do texto constitucional”[1]. Segundo o nobre autor, tal modulação se exterioriza nas (I) normas jurídicas de competência tributária e (II) nos princípios constitucionais tributários: (I) Normas jurídicas de competência tributária: destinam-se à delimitação do poder de tributar, uma vez que a própria Constituição Federal (arts. 153, 155 e 156) faz a repartição da força tributante estatal entre as esferas políticas (União, Estados-Membros, Municípios e o Distrito Federal), de forma privativa e cerrada. (II) Princípios constitucionais tributários: os arts. 150, 151 e 152 da Carta Magna hospedam variados comandos principiológicos, insculpidos à luz de pautas de valores pontualmente prestigiados pelo legislador constituinte, servindo inclusive como garantias constitucionais do contribuinte contra a força tributária do Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao poder de tributar. Nessa toada, “consoante a jurisprudência firmada pelo STF, o poder que tem o Estado de tributar sofre limitações que são tratadas como cláusulas pétreas”. No presente trabalho será abordado apenas o princípio da legalidade, tendo em vista que guarda intima relação com a temática em comento, de modo que um estudo mais aprofundado sobre o referido tema é sugerido ao querido leitor.   1.2.1.   Princípio da legalidade tributária Segundo o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ainda, referindo-se especificamente à matéria tributária, o art. 150, I, da Carta Magna proíbe os entes federados de “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Numa primeira leitura, o comando constitucional nos levaria a crer que apenas o processo de criação e majoração deveriam ser tratados por lei. No entanto, o §6º do art. 150, da CF assegura que o comando previsto no inciso I do indigitado dispositivo atrela-se, também, à extinção e redução. Como regra, a criação, extinção, aumento ou redução são definidos por meio de lei ordinária. No entanto, há hipóteses de tributos federais que exigem maior atenção do Poder Legislativo, sendo necessária a edição de lei complementar. Com efeito, no Brasil, é juridicamente possível a instituição de determinados tributos por meio de leis complementares. São eles: Imposto sobre Grandes Fortunas (art.s 153, VII, CF), Empréstimos Compulsórios (art. 148, I e II, CF), Impostos Residuais (art. 154, I, CF) e as Contribuições Social-previdenciárias Residuais (art. 195, §4º, CF c/c art. 154, I, CF). Nesse contexto, evidencia-se que a lei complementar se apresenta como instrumento excepcional, necessitando que o poder constituinte originário estabeleça expressamente no texto constitucional as suas hipóteses de edição. Não é demasiado anotar também que as matérias sujeitas à lei complementar não podem ser objeto de medida provisória (art. 62, §1º, III, CF). Da mesma forma, vale salientar que vige no ordenamento pátrio, o princípio do paralelismo das formas, segundo o qual, se um instituto jurídico foi criado por meio de uma regra jurídica de determinada hierarquia, para promover sua alteração ou extinção, é necessária a edição de um ato de hierarquia igual ou superior. Por sua vez, o princípio da legalidade estrita pode ser encontrado no art. 97 do CTN, segundo o qual somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do §3º do art. 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; e VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. Alguns teóricos denominam a composição do transcrito artigo de Tipicidade Fechada (Regrada ou Cerrada) ou Reserva Legal. A respeito disso, a renomada lição do venerado Sabbag: Impende mencionar que o intitulado princípio da tipicidade não é autônomo perante o princípio da legalidade tributária, mas “um corolário do princípio da legalidade”, segundo Ricardo Lobo Torres. Na trilha de Alberto Xavier, “antes é a expressão mesma desse princípio, quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei”, nos contornos da segurança jurídica. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, o princípio da tipicidade, dizendo respeito ao conteúdo da lei, é uma extensão lógica do princípio da legalidade material.[2] Assim, a lei tributária deverá fixar claramente a alíquota, a base de cálculo, o sujeito passivo do tributo, a multa e o fato gerador, sendo-lhe vedadas as indicações genéricas no texto legal. Saliente-se que o STF já consolidou entendimento no sentido de que o Poder Executivo detém competência para expedir Decreto fixando o prazo de pagamento do tributo, uma vez que a fixação de prazo para recolhimento do tributo não está reservada à lei (Súmula Vinculante nº 50). Cabe ressaltar que o princípio da legalidade não se finda em si mesmo, isto é, não reserva-se apenas à proteção do sistema legislativo tributário, mas, também, consubstancia-se como instrumento delimitador da ocorrência do fato gerador. O que significa dizer que não se pode considerar ocorrido o fato gerador se a situação não preencher todos os requisitos descritos na hipótese de incidência. Vale lembrar ainda que existem outros casos que passam ao largo da estrita legalidade como a estipulação de obrigações acessórias (art. 113, §2º, CTN), de modo que o somente foi abordado aqui é apenas o que nos interessa e influencia diretamente sobre o objeto do presente trabalho.   1.3.       Interpretação e Integração da Legislação Tributária Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica, o que é calcado no art. 5º da LINDB que dispõe: “Na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum“. A interpretação de uma norma pode se dar das seguintes maneiras: Por mais clara que a norma seja, sempre haverá a necessidade de interpretação. Assim, não se pode imaginar que uma norma seja clara apenas em seu sentido literal, sem analisar o contexto em que se encontra, suas conexões históricas, suas finalidades, etc. Nas palavras pontuais do Professor Luís Roberto Barroso, citado por Sabbag, exemplifica: Assim, usando um exemplo citado pelo Professor Luís Roberto, uma placa em que esteja escrito “Proibida a entrada usando sungas, maiôs, biquínis e similares”, parece conter uma regra clara, cuja interpretação é óbvia. Todavia, o sentido da norma varia de acordo com o contexto. Se a placa for afixada na porta de um restaurante próximo ao mar, a regra extraída do texto é: “Para entrar aqui, vista-se”. Já se a mesma placa for afixada numa árvore na entrada de uma praia de nudismo, a norma extraída do texto é: “Para entrar aqui, dispa-se”.[3] Importante esclarecer que não existe qualquer concepção interpretativa para se resolverem as dúvidas em direito tributário como há no direito penal em que se favorece o réu (in dubio pro reu) no caso de dúvida da interpretação da lei penal, ressalvada matéria de infrações (Art. 112 do CTN).   1.4.       Obrigação Tributária A obrigação tributária é o vínculo jurídico resultante da consumação de um fato gerador previsto na legislação tributária. A obrigação jurídico-tributária é composta no polo ativo de um ente político (União, Estado, Distrito Federal ou Município), ou outra pessoa jurídica de direito público munido de capacidade ativa (arrecadar e fiscalizar), e de um particular obrigado ao cumprimento do pagamento do tributo, no polo passivo. Estes são os elementos subjetivos da obrigação. Ricardo Alexandre, citando Washington de Barros, explicita que o objeto da obrigação é uma prestação econômica positiva ou negativa. A prestação econômica positiva abrange um dever de agir, pois exige do indivíduo que dê ou faça algo. De outro importe, a prestação econômica negativa importa um dever de se omitir. Segundo ainda o mesmo autor, a obrigação tributária pode assumir as três formas de obrigação (dar, fazer ou deixar de fazer): A obrigação de pagar tributo ou multa caracteriza-se como uma obrigação de dar (dinheiro); as obrigações de escriturar livros fiscais e de entregar declarações tributárias são obrigações de zer; as obrigações de não rasurar a escrituração fiscal e de não receber mercadorias sem os documentos fiscais previstos na legislação são obrigação de deixar de fazer.[4] Assim, a obrigação de dar (pagar tributo) se caracteriza como uma obrigação principal e as demais como acessórias. Cumpre salientar que a classificação dada pelo direito tributário para a obrigação não é a mesma do direito civil. No campo cível, a obrigação principal segue a acessória, de modo que está nunca irá existir sem aquela. Exemplificando, o aparelho de som automotivo instalado num veículo é uma coisa acessória (do veículo). Se o automóvel é vendido sem ressalva, o aparelho de som faz parte do contrato. Assim, se determinada obrigação é nula, nula também será a respectiva cláusula penal (multa), pois o acessório segue o destino do principal, e se não há o débito, não há a multa. Diferentemente do que ocorre no campo civil, a obrigação principal, no direito tributário abarca o crédito tributário, os juros e eventual multa, devido ao seu exclusivo conteúdo pecuniário, mas a nulidade da obrigação principal não afasta o cumprimento da obrigação acessória.   1.4.1.   Obrigação tributária principal A obrigação tributária principal constitui-se como um dever que o contribuinte detém de recolher o tributo, a qual surge com a ocorrência do fato gerador (art. 113, §1º, do CTN). Diferentemente do que ocorre com a obrigação acessória, a obrigação principal deve estar prevista em lei, sob pena de violação do princípio da legalidade.   1.4.2.   Obrigação acessória A obrigação acessória é a prestação positiva ou negativa, que denota atos “de fazer” ou “não fazer”, sem cunho patrimonial. São representadas por deveres instrumentais do contribuinte como emitir notas fiscais, escriturar livros fiscais, entregar declarações, não trafegar com mercadoria desacompanhada de nota fiscal, entre outras. Urge enfatizar que, mesmo nos casos em que o contribuinte ou o responsável não estejam obrigados em relação à obrigação principal, a acessória subsiste. Ricardo Alexandre ensina que “a acessoriedade, em direito tributário, consiste no fato de que as obrigações acessórias existem no interesse da fiscalização ou arrecadação de tributos, ou seja, são criadas com o objetivo de facilitar o cumprimento da obrigação tributária principal, bem como de possibilitar a comprovação deste cumprimento (fiscalização) ”[5] Ainda segundo o mesmo eminente autor “é preciso afirmar que uma obrigação converte-se noutra, uma vez que, a título de exemplo, a obrigação de escriturar livros fiscais não se ‘converte em multa quando descumprida. Se isso ocorresse, o contribuinte poderia optar por pagar a multa e não escriturar os livros, uma vez que a obrigação acessória, convertida em principal, e cumprida a tal título, deixaria de existir”.[6]   1.5.       Teoria do fato gerador O estudo da teoria do fato gerador se caracteriza como um dos temas principais do direito tributário, ademais, as controvérsias judiciais, em sua maioria, são levadas ao Poder Judiciário sob a premissa de ocorrência ou inocorrência do fato gerador. Num primeiro momento importante anotar que fato gerador e hipótese de incidência são institutos jurídicos totalmente distintos. Embora o CTN tenha adotado a expressão “fato gerador” como realidades semelhantes, as expressões não podem ser confundidas e serem tratadas como sinônimos. O termo fato empenha aquilo que aconteceu efetivamente no mundo concreto. Daí porque o jargão “é fato” e não “o fato é verdadeiro”, pois se é fato, aconteceu. Fazendo uma comparação com o direito penal, o ilustre autor Ricardo Alexandre (2016, p. 261) esclarece que tanto é assim que quando algum penalista analisa o art. 121 do Código Penal, por exemplo, não o designa como sendo fato típico, mas sim como “tipo penal”, e acrescenta que “quando uma pessoa mata alguém no mundo concreto, aí sim tem-se por ocorrido o fato típico. É simples assim: fato é o que ocorre no mundo, tipo é a previsão abstrata, na letra da lei”.[7] Por este motivo a melhor doutrina prefere denominar a previsão abstrata como hipótese de incidência e não também como fato gerador. Verifica-se que o art. 113, §1º, do CTN trata exatamente disso: distinguindo o fato gerador de hipótese de incidência, ao dispor que “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador”, se referiu especificamente aos fatos que ocorrem no mundo. Assim, sabidos do que é realmente fato gerador, já conseguimos concluir que a hipótese de incidência é a previsão abstrata descrita na lei que pode vir a ocorrer no mundo ou não. Nós podemos classificar o fato gerador conforme as obrigações que são impostas ao contribuinte, o que será objeto de estudo dos próximos itens.   1.5.1.   Fato gerador da obrigação principal O conceito de fato gerador da obrigação principal pode ser extraído do art. 114 do CTN, que dispõe que fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. A melhor doutrina indica que uma situação necessária é a presença de todas aquelas características sem as quais o fato imponível não ocorreria. Exemplificando, Ricardo Alexandre traça o exemplo do Imposto sobre Importação, para quem a entrada da mercadoria em território nacional não é suficiente para a ocorrência do fato gerador do imposto de importação, todavia, também é necessário que a mercadoria seja estrangeira. Decorre daí o conceito de situação suficiente, exigido pelo indigitado artigo, pelo que a entrada da mercadoria não seria suficiente, impondo-se a estrangeirice da mercadoria.   1.5.2.   Fato gerador da obrigação acessória O CTN define, em seu art. 115, o fato gerador da obrigação acessória como qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. O exemplo clássico de obrigação acessória é o caso da obrigatoriedade do contribuinte de entregar declaração de rendimento no ano subsequente (ano-exercício) caso tenha a posse ou a propriedade, de bens ou direitos, até o dia 31 de dezembro de qualquer ano, inclusive terra nua, de valor total superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Neste caso, não há o pagamento de qualquer tributo, que seria uma obrigação principal, caracterizando, portanto, como fato gerador de obrigação acessória.   1.5.3.   Fato gerador e princípio da legalidade Conforme foi pontuado, o Código Tributário consagrou a ideia de que toda obrigação principal deve estar definida em lei. Todavia, ao tratar da obrigação acessória, o referido diploma se referiu, de maneira mais ampla – “à legislação” e não apenas à lei. Por este motivo que é admitida a criação de obrigações acessórias através dos mais diversos atos normativos. A despeito da inconstitucionalidade adotada por alguns acerca deste entendimento, o art. 84, IV, da CF atribui ao Presidente da República a competência de expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Entrementes, não é viável crer apenas que, com base no art. 5º, II, da CF, é possível a regulação de obrigações acessórias somente através de lei. Oportuna a lição de Ricardo Alexandre: Nessa linha, se a lei instituidora do imposto de renda cria a obrigação de que os beneficiários de rendimentos anuais acima de determinado montante paguem certo valor a título de imposto de renda, seria lícito ao regulamento estipular a obrigatoriedade de que o cálculo do tributo fosse feito numa declaração a ser entregue ao Fisco. Nesta situação efetivamente se cria obrigação acessória por meio de ato infralegal, mas a obrigação criada está dentro do que é possível ao regulamento em sua função constitucional de disciplinar o fiel cumprimento da lei.[8] Assim, é constitucional a criação de obrigações acessórias por meio da legislação tributária, podendo serem instituídas por atos infralegais.   1.5.4.   O momento da ocorrência do fato gerador Saber quando ocorreu o fato gerador é ponto crucial para toda e qualquer controvérsia levada ao Poder Judiciário, para partes envolvidas e, principalmente, para o Fisco. Estudar o momento da ocorrência do fato gerador não é uma aventura filosófica ou essencialmente doutrinária, pois, a depender do enquadramento do fato gerador numa dessas classificações, as regras relativas ao momento em que o mesmo se tem por completo e acabado variará, exigindo-se do operador de direito a máxima compreensão desta classificação. Como se sabe, a incidência tributária tem sob relevo uma determinada situação econômica, recaindo sobre uma das tradicionais bases econômicas de tributação (renda, patrimônio e consumo). Em regra, as situações econômicas definidas como fatos geradores são muito claras e muitas vezes já se encontram previstas em lei como geradora de consequências jurídicas, são as denominadas situações jurídicas. De outro vértice, existem também aquelas situações escolhidas pelo legislador que não possuem definição em qualquer outro ramo do direito como produtora de efeitos jurídicos, eis as chamadas situações de fato. Para aclarar nosso entendimento vale a doutrina do insigne autor Alexandre[9]: É óbvio que, após a lei tributária definir certa situação como fato gerador do tributo, tal situação passa a ser uma situação jurídica, uma vez que, verificada no mundo concreto, produz como efeito o surgimento do vínculo jurídico-tributário. Entretanto, para classificar a situação como “de fato” ou “jurídica”, o CTN se preocupou em identificar se, independentemente da tipificação como fato gerador de tributo, a situação já configurava um instituto jurídico disciplinado em outro ramo de direito (normalmente civil ou comercial). Assim, ao instituir impostos sobre a propriedade, o legislador tomou por base, para a definição do fato gerador, situações que, independentemente da lei tributária, já possuíam seus contornos e efeitos definidos pela lei civil. Dessa forma, os impostos sobre a propriedade (IPTU, ITR e IPVA) têm por fatos geradores situações jurídicas. Ao contrário, ao definir como fato gerador do imposto de importação a entrada da mercadoria estrangeira em território nacional, o legislador tributário conferiu efeitos jurídicos a uma mera situação de fato, não definida como produtora de efeitos jurídicos em qualquer outro ramo da ciência jurídica. Perceba-se que a hipótese de incidência do imposto de importação não é a compra de mercadoria estrangeira. Se assim fosse, o fato gerador seria uma situação jurídica, pois o contrato de compra e venda é disciplinado pelo direito civil, que lhe estabelece os efeitos. Assim, é imperioso que tenhamos em mente quando restará configurado uma situação de direito (jurídica) ou de fato, pois daí poderá se extrair as regras relativas ao momento da incidência do tributo.   1.5.4.1.  Fato gerador definido com base em situação de fato Seguindo a classificação do Código Tributário, os fatos geradores podem ser divididos da seguinte maneira: os definidos como situações de fato e outros como situações jurídicas. Nos termos do art. 116, I, do CTN, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios. Na hipótese do IE, a circunstância material a ser analisada é a efetiva entrada da mercadoria em território nacional, cruzando a fronteira, adentrando as águas territoriais ou ingressando no espaço aéreo. Em razão da difícil fiscalização, o legislador optou por fixar a cláusula que lhe possibilita excetuar a regra (salvo disposição em contrário) e estatuir, na legislação aduaneira, que, para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo (regulamento aduaneiro, art. 73 e Decreto-Lei 37/1966, art. 23). 1.5.4.2.  Fato gerador definido com base em situação jurídica Segundo o art. 116, II, do CTN, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esta esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Nesta linha, se a situação jurídica já está regulada em lei, para verificar se já definitivamente ocorreu, o intérprete deverá buscar, no direito aplicável, a estipulação do momento em que a situação está definitivamente configurada. Assim, se quisermos saber quando a propriedade imóvel está definitivamente transferida, para efeito de configuração do fato gerador dos impostos sobre a transmissão (ITBI e ITCMD) ou para o efeito de modificar o sujeito passivo dos impostos sobre a propriedade imóvel (IPTU e ITR), a resposta estará na lei civil.   1.5.4.3. As situações jurídicas condicionadas A relevância do presente estudo decorre da existência dos fatos geradores definidos com base em negócios jurídicos que necessitam do implemento de determinado evento futuro e incerto para produzir efeitos. Quando estes são condicionados, pode surgir a dúvida sobre o momento da ocorrência do fato gerador e, por conseguinte, do nascimento da obrigação tributária. Como se verá adiante, esta data será um divisor de águas. Para se definir o momento em que o fato gerador se reputa perfeito e acabado, o CTN toma por base uma importante classificação que os civilistas dão às condições, dividindo-as em suspensivas e resolutórias (ou resolutivas). O conceito de condição pode ser extraído do art. 121 do Código Civil, segundo o qual “considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. Assim, fica a critério das partes a possibilidade de subordinar o efeito de um negócio, entre elas celebrado, a um evento futuro e incerto. Exemplificando, Ricardo Alexandre esclarece que se “o evento tem que ser incerto, como, por exemplo, “se chover em 31 de dezembro, fulano se compromete a….” não pode ser certo, como, por exemplo, “fulano se compromete a, no dia 31 de dezembro…”. No primeiro caso, tem-se condição (se chover – algo incerto). No segundo, tem-se termo (“no dia 31 de dezembro – algo certo). Nas condições suspensivas, enquanto não se realizar a condição, não haverá a aquisição do direito, e o negócio jurídico (ou parte dele) não surtirá efeitos (eficácia). Um bom exemplo é a situação do empregado que terá direito de ser promovido como assessor jurídico da empresa, caso seja aprovado no exame da OAB. Da mesma forma, é o caso, por exemplo, também da promessa de compra e venda de imóvel caso seja aprovado o financiamento na Caixa Econômica Federal. Levando o instituto para o ramo do direito tributário podemos pensar nos casos de doação que somente ocorrerá caso o casamento perfaça celebrado, situação necessária para a configuração do fato gerador do imposto sobre a transmissão causa mortis e doação – ITCMD (que estará completo com o registro do título no cartório de registro de imóveis). É por isso que o CTN afirma, no art. 117, I, que, salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, sendo suspensiva a condição desde o momento de seu implemento. Por sua vez, a condição resolutória é aquela que termina (põe fim) à eficácia do negócio jurídico. Na condição resolutiva, enquanto não se realizar a condição, o negócio jurídico (ou parte dele) produzirá efeitos, podendo-se exercer os direitos provenientes do negócio. Assim, implementada a condição o negócio jurídico (ou parte dele), deixará de surtir efeitos e cessarão os direitos provenientes do negócio. A título de exemplo, podemos citar o caso do aluno que perderá a bolsa de estudos caso tire nota abaixo de 7 no bimestre, ou o contrato de honorários advocatícios mediante o qual o advogado receberá R$ 200,00 (duzentos reais) até o término do processo. Nesta linha, o art. 117, II, do CTN afirma que, salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.   CAPÍTULO 2. ISSQN – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS) surgiu em substituição ao velho Imposto sobre Indústrias e Profissões (IIP), um tributo estadual que, com a Constituição Federal de 1946, se tornou municipal, o que se estabeleceu até a atual Constituição Federal de 1988. Nos termos do art. 156, III, da CF/1988 compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Desta forma, qualquer serviço que não seja objeto de incidência de outro imposto – como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – será tributado com o ISS. Segundo o mencionado dispositivo, a instituição do ISS é, portanto, de competência municipal, por meio de uma lei ordinária, já que a Carta Magna não exigiu expressamente a necessidade da elaboração de uma Lei Complementar para sua instituição. É forçoso salientar ainda que, tratando-se de imposto municipal, o ISS poderá ser instituído também pelo Distrito Federal, no exercício da competência tributária cumulativa ou múltipla (art. 147, parte final, CF). No entanto, é imperioso observar que as leis ordinárias municipais, deverão observar uma lei complementar, que disciplinará as normas gerais definidoras dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III, “a”, CF). Nesse contexto, vale a lição do ilustre Prof Eduardo Sabbag[10]: Em tempo, frise-se que podem ocorrer situações, no plano de criação do imposto, em que exista competência tributária sem, contudo, haver a capacidade tributária ativa. Não raro encontramos municípios brasileiros de pequena extensão que, por receberem valores razoáveis a título de repartição das receitas tributárias (art. 158 da CF), não têm necessidade – quiçá, condições apropriadas – de cobrar o ISS de sua competência. Sabe-se que os municípios apropriam-se de algumas fatias do “bolo” da União (50% do ITR, podendo chegar a 100%, se optarem pela arrecadação e fiscalização; e 100% do IRRF) e dos Estados-membros (50% de IPVA e 25% do ICMS). Tal contexto pode desestimular o processo de instituição do imposto pelo Município, mas isso não significa que tenha havido renúncia da competência tributária. Atualmente, o ISS é regulado pela Lei Complementar nº 116/2003, porém, recebe influência do Decreto-Lei nº 406/168, o qual teve revogação apenas parcial, tendo sido recepcionado pela Carta Magna com força de lei complementar, conforme se nota na ementa abaixo: EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – ISS. EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. DEDUÇÃO DO VALOR DE SUBEMPREITADAS TRIBUTADAS. ART. 9º, §2º, “B”, DO DECRETO-LEI N. 406/68. 1. O Decreto-Lei nº 406/68 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição da República. Precedentes: Recursos Extraordinários ns. 236.604 e 220.323. 2. O disposto no art. 9º, §2º, alínea b, do Decreto-Lei nº 406/68 não contraria a Constituição da República. 3. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 262.598, rel. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ Acórdão: Min. Cármen Lúcia, 1ª T. j., em 14-08-2007). Assim, é imperioso que o operador de direito atente-se às duas normas, pois é através delas que se poderá solucionar diversos conflitos, especialmente, de competência, por exemplo.   2.1.       Regra Matriz de Incidência Tributária Com o objetivo de facilitar o estudo dos impostos, a doutrina criou uma regra tendo como escopo a análise do tributo de acordo com suas características básicas: é a chamada Regra Matriz de Incidência Tributária. Para a doutrina, a Regra Matriz do imposto é uma ferramenta para o operador de direito para delimitar: como o imposto incidirá; em qual espaço territorial; quando de fato ele irá ocorrer; quem será responsável pelo pagamento e quanto será pago, além é claro de determinar a legalidade ou não do tributo. Neste contexto, essas cinco questões (Como? Onde? Quando? Quem? Quanto?) formariam então a regra matriz. As três primeiras questões (Como? Onde? Quando?) compõem o que a doutrina denominada de elemento antecedente ou hipótese. Nas lições do Professor Carvalho (2002, p.248), a hipótese ou antecedente, possui linguagem descritiva, coletando os elementos de fato da realidade social que almeja disciplinar e os qualificando normativamente como fatos jurídicos, condicionando-os ao espaço e ao tempo. Assim, estariam abraçados os critérios material, espacial e temporal, respondendo às questões, respectivamente, de como, onde e quando pode ser considerar ocorrido o fato imponível. Confirmada a existência dos três critérios de hipótese, a obrigação tributária surge, faltando definir quem são os sujeitos envolvidos e qual será o valor do tributo devido. As questões “Quem?” e “Quanto?” são, portanto, uma consequência do surgimento da obrigação, remontando o que a doutrina denomina de elemento consequente da regra matriz. Neste ínterim, deve-se ter em mente que o consequente da regra-matriz possui linguagem prescritiva, comandando os direitos e obrigações advindas com a subsunção do fato à norma. No tópico seguinte, analisaremos a regra-matriz do ISSQN, fazendo ressalva da atenção do querido leitor ao critério temporal, objeto de extrema relevância para o presente estudo.   2.1.1.   Antecedente a)           Critério Material O critério material é a própria essencialidade do fato descrito na hipótese de incidência. É caracterizado pelo verbo e seu complemento que delimita qual ação (vender mercadoria, auferir renda etc.) ou estado (ser proprietário etc.) necessários à incidência tributária. No caso de ISS, o critério material se concretiza quando o contribuinte presta serviços da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.   b)           Critério Espacial O critério espacial, como a própria expressão já indica, determina o espaço físico em que a relação jurídica pode existir. Este tema, já foi de grande relutância no mundo jurídico, isto porque a LC n. 116/2003 não definiu de forma clara onde seria de fato o local da prestação dos serviços. Oportuna a valiosa lição do insigne Eduardo Sabbag:[11] Trata-se de clássica celeuma, que não foi resolvida pelo legislador constituinte. Este, aliás, deixou o deslinde da questão para a própria lei complementar, em virtude do fato de que “cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária (…)”, consoante o inciso I do art. 146 da CF. Todavia, diferentemente do que se esperava, a LC n. 116/2003 não apresentou soluções claras ao intrincado problema do “local da prestação dos serviços”, recrudescendo o clima de dúvidas. Antes, porém, de detalharmos o teor da LC n. 116/2003, quanto à sujeição ativa, convém analisarmos a legislação pretérita sobre o tema. Em 1968, o Decreto-lei n. 406, em seu art. 12, alíneas, “a”, “b” e “c”, previu o detalhamento daqueles municípios para quem se devia recolher o ISS. A regra geral, constante da alínea “a”, indicava que o sujeito ativo do Iss era o município do estabelecimento do prestador. Portanto, segundo tal regramento, o “local da prestação do serviço” era o estabelecimento prestador, não importando onde viesse a ser prestado ou consumido o serviço. Da mesma forma, o DL n. 406/68 trouxe exceções expressas nas alíneas “b” e “c”, admitindo o município da prestação, nos casos de construção civil e exploração de rodovia com cobrança de preço, respectivamente, como o “local da prestação do serviço”. É importante destacar que a jurisprudência do STJ, à época, mostrava-se oscilante e, em diversas decisões, contrariava o parâmetro acima demonstrado. Vale dizer que o STJ, conquanto não afastasse a validade do art. 12 do DL n. 406/68, legitimava solução diversa, entendendo que o “local da prestação do serviço” era aquele no qual se prestava e consumia o serviço. Frise-se que tal entendimento buscava certa coerência jurídica, lastreando-se na defesa do princípio da territorialidade. Sabe-se que tal postulado constitucionalmente implícito, além de coibidor da extraterritorialidade, estatui que a lei complementar não poderá se imiscuir no exercício do poder de tributar de cada Município da Federação. Observe o entendimento do STJ, em uma esclarecedora ementa: EMENTA: TRIBUTÁRIO. ISS. EXIGÊNCIA PELO MUNICÍPIO EM CUJO TERRITÓRIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68. Embora a lei considere local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto Lei n. 406/68), ela pretende que o ISS pretença ao município em cujo território se realizou o fato gerador. E o local da prestação do serviço que indica o município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se vulnere o princípio constitucional implícito que atribui aquele (município) o poder de tributar as prestações em seu território. A Lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não se pode ter voga. Recurso a que se nega provimento, indiscrepantemente. (REsp 54.002/PE, rel. Min. Demócrito Reinaldo, 1ª T. j. em 05-04-1995). E segue outra ementa, relativa a julgamento ocorrido em 2000: EMENDA: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. I. Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea “a” do Decreto-Lei n. 406/68. II. Embargos rejeitados. (EREsp 130.792/CE, rel. Min. Ari Pargendler, rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 1ª T., j. em 07-04-2000) Segue o ilustre autor explicando ainda que: Não se faz necessário grande esforço para percebr que tal dicotomia interpretativa – entre o que o legislador pretendeu normatizar e o que o STJ “concebeu como normatizado” – ampliou a seara de conflitos entre os municípios, recrudescendo a insegurança jurídica e a guerra fiscal. Foram incontáveis as arguições em juízo de bitributação e de lesão ao princípio da legalidade tributária. Curiosamente, a LC n. 116/2003, que poderia ter amenizado o cenário de insegurança, seguiu na direção oposta à do STJ, deixando de prestigiar, por exemplo, o princípio da territorialidade. Desse modo, acabou por adotar um sistema misto para a identificação do “local da prestação do serviço”, muito semelhante àquele adotado no DL n. 406/68. O art. 3º, caput, da LC n. 116/2003 trouxe, assim, uma regra geral segundo a qual o sujeito ativo do ISS é o município do estabelecimento do prestador (ou, na falta deste, o do domicílio do prestador). Portanto, o “local da prestação do serviço” é o estabelecimento prestador, não importando onde viesse a ser prestado o serviço. Todavia, no próprio art. 3º, foram destacados 22 incisos (ou seja, 20 hipóteses, em face de dois vetos), admitindo, como exceção, o “local da prestação do serviço” como o município da prestação. Outra controvérsia enfrentada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça foi, também sobre a sujeição ativa no ISS, afeta aos laboratórios de análises clínicas e a coleta e análise de material biológico. O STJ consolidou entendimento no sentido de que, na hipótese de haver uma unidade de coleta em um município e uma outra de análise em município diverso, o ISS deve ser pago ao município no qual foi celebrada a contratação do serviço, a coleta do material biológico e a entrega do respectivo laudo, prescindindo-se a análise do material em outro município. Com efeito, “a definição do critério espacial é, portanto, matéria que ultrapassa os limites de competência municipal, visto que está relacionado, diretamente, ao sistema de repartição de competência constitucional e, consequentemente, no caso do ISS, ao seu próprio fundamento de validade”.[12] c)           Critério Temporal O critério temporal indica em que momento o fato imponível ocorreu. Ou seja, delimita, num aspecto temporal, o momento preciso da ocorrência do fato jurídico e, consequentemente, o surgimento da obrigação. Conforme estudamos, as situações definidas como fatos geradores são muito claras e muitas vezes já se encontram previstas em lei como geradora de consequências jurídicas, porém, existem situações em que se faz necessário buscarmos nas demais normas do direito aplicável à situação, quando determinado fato considera-se ocorrido. Segundo o art. 116, II, do CTN, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esta esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Assim, tomando o exemplo já citado, se quisermos saber quando a propriedade imóvel está definitivamente transferida, para efeito de configuração do fato gerador dos impostos sobre a transmissão (ITBI e ITCMD) ou para o efeito de modificar o sujeito passivo dos impostos sobre a propriedade imóvel (IPTU e ITR), a resposta estará na lei civil. Como o ISS é imposto incidente sobre prestação de serviços, muitas vezes, para não dizer que sempre, iremos buscar se determinado serviço foi prestado ou não no ramo do direito civil. Por outro lado, há os fatos geradores definidos como situações de fato, estes definidos no art. 116, I, do CTN, segundo o qual, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios. Na hipótese do IE, a circunstância material a ser analisada é a efetiva entrada da mercadoria em território nacional, cruzando a fronteira, adentrando as águas territoriais ou ingressando no espaço aéreo. Em razão da difícil fiscalização, o legislador optou por fixar a cláusula que lhe possibilita excetuar a regra (salvo disposição em contrário) e estatuir, na legislação aduaneira, que, para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo (regulamento aduaneiro, art. 73 e Decreto-Lei 37/1966, art. 23).   2.1.2.   Consequente Concretizada a situação de fato ou jurídica, resta auferirmos os responsáveis pelo pagamento do tributo e quanto deverá ser recolhido a este título. O elemento consequente da regra-matriz é, portanto, um efeito depois de buscarmos a resposta para como? onde? e quando?. a) Critério Pessoal O critério pessoal define quem é o contribuinte e a quem deve ser dirigido determinado imposto. No caso de ISS o contribuinte é o prestador de serviço (art. 5º da Lei nº 116/2003) e o sujeito ativo é o Fisco Municipal/ Município. a) Critério Quantitativo Por fim, mas não menos importante, a última pergunta a ser respondida pela regra matriz de incidência tributária é “Quanto?”. Este critério é dividido em dois aspectos: a base de cálculo e a alíquota. A base de cálculo é o valor econômico sobre o qual incidirá a alíquota para calcular a quantia a ser paga a título de imposto. Já a alíquota é o percentual ou valor fixo que será aplicado para o cálculo do valor de um tributo. Em relação ao ISS, a Constituição Federal estipulou, a partir da EC 37/2002, regras que permitem ao Congresso Nacional restringir a autonomia municipal no exercício da competência relativa ao tributo, dificultando a deflagração de guerra fiscal. Essa guerra fiscal acontecia porque os Municípios estipulavam alíquotas irrisórias para o tributo, atraindo empresas para os respectivos territórios, uma vez que a competência para a cobrança era, em regra, do Município em que estava domiciliado o prestador de serviço. Toma-se como exemplo os Municípios da região metropolitana de São Paulo, que reduziram a alíquota do ISS para 0,5% (meio ponto percentual), o que equivalia a um décimo do que era cobrado na Capital. Dessa forma, as empresas que mudassem formalmente suas sedes para tais Municípios gozariam de uma redução de 90% (noventa por cento) na carga relativa ao tributo. Com o advento da Lei Complementar 157 de 2016 isto mudou. Respaldada no comando constitucional previsto no art. 156, §3º, I e III, da CF/1988, a Lei Complementar estipulou, em seu art. 8º, II, a alíquota máxima de 5% (cinco pontos percentuais) e mínima de 2% (dois pontos percentuais), dando fim ou, ao menos, reduzindo as problemáticas das guerras fiscais entre os municípios. Por sua vez, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, conforme definido pelo art. 7º da LC 116/2003.   CAPÍTULO III – Noções básicas sobre Direito da Saúde 3.1. A Lei nº 9.656 de 3 de junho de 1998 O que não se poderia imaginar é que, na verdade, os planos de saúde não surgiram apenas com a publicação da lei 9.656 de 3 junho de 1998. Em razão da ineficiência estatal na gestão da saúde pública, o surgimento das primeiras operadoras de planos de saúde no Brasil se deu por volta do ano de 1960. Com o aumento considerável da oferta de planos de saúde, iniciaram-se conflitos entre consumidores e empresas os administravam, exigindo uma intervenção estatal (regulação), já que diversos direitos e garantias fundamentais eram violadas. Foi publicada então a Lei 9.656, trazendo determinadas restrições da liberdade das operadoras e ampliação da cobertura mínima a ser oferecida por empresas que tivessem por objeto social tal atividade. Neste contexto, para compreender o objeto de estudo do presente trabalho é necessário a compreensão de determinados conceitos que são traçados pela referida lei, como o que é um plano privado de assistência em saúde e uma operadora de plano de assistência à saúde, assuntos que serão abordados nos tópicos seguintes.   3.1.1. Operadora de planos de saúde e planos privados de saúde (art. 1º da Lei nº 9.656/1998) Nos termos do art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.656/1998, considera-se operadora de plano de assistência à saúde a pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de planos privados de assistência à saúde. Por sua vez, o art. 1º, inciso I, da mesma lei, define que plano de privado de assistência à saúde é “a prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrante ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor”. Pois bem. A primeira lição que podemos extrair é que operadora de planos de saúde é gênero de pessoa jurídica (sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de autogestão) que opera produto, serviço ou contrato de planos privados de assistência à saúde. Outra observação importante, é que a entidade de autogestão e as cooperativas não são reguladas pela Lei 9.656. Isto é, os princípios nela previstos são aplicáveis, porém, sem prejuízo das normas específicas que as regulam. Ao contrário do inciso II, o inciso I não atua apenas no campo dos conceitos, pois nos revela princípios que regem as relações entre consumidor, prestador e operadora de planos de saúde, dentre eles o princípio da não discriminação financeira do beneficiário e da liberdade de escolha. O primeiro, é o princípio da não discriminação financeira, derivado do princípio da igualdade, segundo o qual nenhum beneficiário pode ser distinguido em razão da sua capacidade financeira. Outro princípio que podemos extrair é da liberdade de escolha, supedâneo do princípio da não exclusividade, que sugere que os serviços de saúde devem ser livremente escolhidos pelos beneficiários, não podendo haver exclusividade entre os credenciados da operadora de saúde. Tal princípio gera o que chamamos de duplo efeito: para o consumidor, a liberdade de escolher com quem quer ser atendido; e para os credenciados das operadoras de planos de saúde, a proteção contra a concorrência desleal. Outrossim, apenas para fins didáticos, vale salientar a diferença entre operadora e convênio de saúde. Muitas vezes, no nosso dia a dia, as pessoas são questionadas pelas outras sobre qual seu “convênio”, referindo-se à qual seria sua operadora de planos de saúde, mas, tecnicamente, dizer que a saúde de um cidadão é administrada por um convênio é um equívoco técnico. Convênio é o contrato celebrado entre o beneficiário do plano fornecido e a operadora de saúde que administra os diversos tipos de planos. Inclusive, há quem diga ainda que convênio é o próprio plano de saúde ofertado pela operadora, porém, a primeira definição é a mais aceita. Por fim, uma última observação importante que, aliás, tem muito ocorrido, é o acesso à saúde privada por intermédio de entidades de autogestão através de contraprestações pré-estabelecidas. Muitas sociedades já estão atuando neste ramo dando acesso aos cidadãos à saúde privada por meio de preços mais acessíveis. De porte destes conceitos, passaremos agora a analisar o processo de faturamento médico entre a operadora de saúde e o prestador de serviços médicos.   3.2. A Resolução Normativa nº 363 de 11 de dezembro de 2014: processo de faturamento médico e glosas médicas A relação entre o prestador de serviços de atenção à saúde suplementar e a operadora de planos de saúde – estas definidas como aquelas constantes do art. 1º, inc. II, da Lei nº 9.656/98 – no que concerne ao faturamento médico, é regulada pela Resolução Normativa 363 de 11 de dezembro de 2014, que entrou em vigor desde 22 de dezembro daquele mesmo ano. Analisando a referida norma, podemos concluir que o processo de faturamento médico compreende as seguintes etapas: I – Atendimento do beneficiário; II – Faturamento do exame; III – Auditoria administrativa e técnica sobre faturamento cobrado; IV – Pagamento e/ou emissão de demonstrativo de pagamento; V – Recurso de Glosas; VI – Decisão de recurso e/ou pagamento das glosas recorridas. Segundo o art. 14, incisos I e II, da referida resolução, a rotina de auditoria administrativa e técnica deve ser expressa, inclusive quanto a, dentre outras, hipóteses em que o Prestador poderá incorrer em glosa sobre o faturamento apresentado e prazos para contestação da glosa. A grosso modo, glosa é toda divergência, apontada pela operadora de planos de saúde, constante de demonstrativo de pagamento, em razão de uma discordância entre o que foi cobrado pelo prestador de serviços e o que foi acordado em contrato com a operadora de planos de saúde. Ou seja, a operadora pode ou não aprovar os valores que foram cobrados pelos serviços que lhes foram prestados por seus credenciados, e, caso não concorde, apontará, em demonstrativo de pagamento, o que não será pago, gerando a chamada glosa. Como aprendemos, a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço (art. 7º da Lei 116/2003). Neste contexto, podemos dizer em tese que, enquanto não aprovado o preço do serviço pela operadora, não há como se auferir a base de cálculo do ISSQN, já que necessária a aprovação dos valores cobrados pela operadora de saúde em razão dos serviços que lhes foram prestados por seus credenciados. Assim, importante salientar que o presente trabalho volta-se aos casos em que há a incidência de glosas médicas, vale dizer, em que foi estabelecido em contrato a possibilidade de a operadora de planos de saúde deixar de pagar algum valor para seu credenciado, em razão de haver uma divergência em relação ao que foi acordado em contrato e o que foi cobrado. Tal observação é importante porque há casos em que, embora haja configurado uma relação de prestação de serviços nos termos da Lei 9.656 de 3 de junho de 1998 e da Resolução Normativa 363 de 11 de dezembro de 2014, as partes estabelecem que não haverá incidência de glosas. Há quem vá dizer que a distinção das demais relações poderia ser definida a partir da conceituação do que seria operadora de planos de saúde. Todavia, uma operadora de plano de assistência à saúde nada mais é, como estudamos, do que gênero de toda e qualquer espécie de pessoa jurídica que opere planos privados de assistência à saúde. Neste sentido, segundo o art. 1º, inciso II, da Lei 9.656/98, operadora de plano de assistência à saúde é toda “pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo”. Assim, não importa se se trata de uma cooperativa, entidade de autogestão ou uma sociedade civil ou comercial, mas sim, se no contrato de prestação de serviços médicos, celebrado entre a operadora de planos de saúde e seus credenciados, existe a previsão ou não de incidência de glosas. Ademais, o art. 1º da RN 363/2014, ao estabelecer as regras que a referida norma abordará, impõe que as determinações nela contidas abordam os contratos celebrados entre operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços médicos, ou seja, o gênero previsto no art. 1º, II, da Lei 9.656/98. Pois bem. De posse destes conceitos, conseguimos enfrentar diretamente o ponto central do presente trabalho: o ISS nos serviços médicos.   CAPÍTULO IV – ISS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS Como já estudamos, os contratos escritos firmados entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os prestadores de serviços de atenção à saúde suplementar é regulado pela Resolução Normativa nº 363 de 11 de dezembro de 2014. Verificamos também que o processo de faturamento médico abrange seis etapas: I – Atendimento do beneficiário; II – Faturamento do exame; III – Auditoria administrativa e técnica sobre o faturamento cobrado; IV – Pagamento e/ou emissão de demonstrativo de pagamento; V – Recurso de Glosas; VI – Decisão de recurso e/ou pagamento das glosas recorridas. Aprendemos ainda que, segundo a mesma norma, no processo de faturamento de serviços médicos, cabe à operadora de planos de saúde aprovar o valor que foi cobrado pelos serviços realizados por seus credenciados. Ocorre que, tais operadoras, nem sempre repassam aos seus credenciados o valor total das contas hospitalares por ela apresentadas, em razão de entenderem que o valor não foi suficientemente esclarecido nos gastos, efetuando o desconto do mesmo no pagamento das cobranças, são as chamadas glosas médicas ou hospitalares. Ao não pagar o valor total cobrado, tal evento acaba que por influenciar no recolhimento de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Isto porque, de acordo a Lei Complementar nº 116 de 2003, o ISS deve incidir na prestação dos serviços e a base de cálculo do aludido imposto é o preço do serviço. Nesta senda, no caso de prestação de serviços médicos, se considerarmos que o contribuinte deve recolher ISS quando do momento da prestação dos serviços, há o risco de ele recolher ISS mais do que deveria, uma vez que o preço do serviço (base de cálculo) está fadado a aceitação ou não aceitação por parte da operadora, por ter sido cobrado eventualmente a maior, v.g. De outro importe, se considerarmos que o valor cobrado em seu faturamento estava abaixo do acordado e o valor do serviço era maior, consequentemente, a quantia a ser recolhida a título de ISS também será maior. Entrementes, a observância da legislação municipal será determinante, pois dela poderá se extrair como o Fisco atuará diante de tais situações. No caso deste trabalho, abordaremos a temática partindo do pressuposto de que a legislação municipal considera prestado o serviço a partir do atendimento ao paciente, consolidando entendimento contrário a esta previsão com base na legislação que regula o referido imposto e demais legislação esparsa, somadas à doutrina e jurisprudência contemporânea. A discussão se instala, então, quando se abre oportunidade para se definir quando o contribuinte (prestador de serviços médicos) deve recolher o referido imposto: se no momento da prestação dos serviços médicos ou no momento do pagamento do serviço. Para tanto, é necessário estudarmos quem são os sujeitos que envolvem a relação jurídico-tributário na prestação de serviços médicos, haja vista que muitas vezes estas relações são confundidas e acabam sendo utilizadas como fundamento pelo Fisco Municipal para cobrar o ISS logo quando prestado o serviço para o beneficiário do plano de saúde.   4.1. Sujeito ativo e passivo da relação jurídico-tributária na prestação de serviços médicos Em regra, para o Fisco Municipal o ISS deve ser recolhido quando realizado o atendimento ao usuário, posto que seria aquela a data definidora do mês de competência para o recolhimento do imposto. Para a Fazenda Pública a prestação do serviço ao usuário do plano de saúde é suficiente para a exigência do tributo, o que, conforme será demonstrado, não condiz com o ordenamento que regula o mencionado imposto nestes casos. Na operação envolvendo usuário/prestador/operadora de planos de saúde é importante distinguir quem é o destinatário do serviço prestado, isto é: se o usuário ou a operadora. Tal estudo justifica-se na medida em que, muitas vezes, o Fisco Municipal cobra o ISS alegando como suficiente a prestação do serviço ao usuário, o que, conforme veremos, não é verdade. Não se desconhece que há evidente prestação entre a operadora do plano e o usuário, bem como, quando do atendimento aos usuários dos planos. No entanto, a distinção nesta última hipótese reside no fato de que a prestação será dirigida a dois tomadores: à operadora (como credenciante) e ao usuário (como beneficiário do plano), porquanto, do ponto de vista do serviço da operadora, a prestação se dá ao usuário (como contratante e beneficiário do plano) e aos credenciados (como cooperados). A diferença, no primeiro caso, paira, portanto, no fato de que a prestação é dirigida a dois tomadores: à operadora (como credenciante) e ao usuário (como beneficiário do plano). Enquanto que, do ponto de vista do serviço da operadora, a prestação se dá ao usuário (como contratante e beneficiário do plano). Assim é importante lembrarmos que a relação entre o usuário e o prestador de serviços, contratado pela operadora de saúde, para realizar os serviços garantidos no plano de saúde oferecido, não se confunde com a relação que o prestador de serviço mantém com a própria operadora de saúde. Ademais, quando se discute a inexigibilidade do ISS quando da prestação do serviço, o Fisco se utiliza da relação prestador de serviços versus usuário, exigindo o referido imposto incidente na relação prestador de serviços versus operadora de saúde. Outrossim, o recolhimento do ISS é realizado em fatura entregue pelo prestador para a operadora e não para o usuário, conforme explanado alhures. Da mesma forma, a partir de uma interpretação sistemática, entender o contrário demandaria violação do princípio da legalidade, pois, como estudamos, não há tributo sem lei anterior que o defina. Nesta linha, segundo Geraldo Ataliba “não há fato imponível se e enquanto não se realizem completamente os quatro aspectos da hipótese de incidência (pessoal, material, espacial e temporal”.[13] Embora o mesmo autor não cite, há também, como já analisamos, o aspecto quantitativo, caracterizado pela base de cálculo e pela alíquota. Ora, se o ordenamento jurídico (art. 7º da Lei nº 116/2003), dispõe que a base de cálculo é o preço do serviço, não há como considerar ocorrido o fato gerador com a simples prestação do serviço para o usuário do plano, pois faltaria o aspecto temporal, consistente na aprovação da operadora, sem a qual, consequentemente, o aspecto quantitativo, mais especificamente, a base de cálculo (preço do serviço), não se estabeleceria. Tais divergências não param por aqui. Se continuarmos a análise, nos debruçaremos numa contradição no campo da natureza do lançamento deste imposto. Caso o preço não fosse disponibilizado pela operadora e prestador, competiria ao Fisco promover o arbitramento da base de cálculo, o que seria um escândalo jurídico. Ora se a base de cálculo é o preço do serviço, não pode o Estado intervir nas relações dos particulares estabelecendo preços de serviços médicos. Diante disso, verificamos que de fato o destinatário dos serviços é a operadora de saúde e não o usuário, sendo necessário analisar agora a natureza da aprovação da operadora de saúde, sob o ponto de vista jurídico, diante do faturamento que lhe foi entregue. Antes, iremos analisar quando o fato gerador ocorre, em se tratando de prestação de serviços médicos.   4.2. No caso de ISSQN, o fato gerador se opera com a simples prestação dos serviços médicos? O art. 1º da lei nº 116/03 estabelece que o ISSQN tem como fato gerador a prestação dos serviços. Todavia, a mesma lei não estabeleceu quando se considera prestado todos os serviços, o que era já de se esperar, pois há uma gama, para não dizer infinitas possibilidades, de modalidades de prestação de serviços. Assim, é necessário relembrarmos os ensinamentos dos artigos 114 e 116 do Código Tributário Nacional. Segundo o art. 114 do CTN, o fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Conforme foi abordado, a situação necessária decorre da presença de todas aquelas características sem as quais o fato imponível não ocorreria. Oportuno ressaltar a lição de Geraldo Ataliba para o qual “não há fato imponível se e enquanto não se realizem completamente os quatro aspectos da hipótese de incidência (pessoal, material, espacial e temporal”[14], incluindo aí o aspecto quantitativo. Não é demasiado ainda relembrar o exemplo do insigne jurista Ricardo Alexandre, para quem a entrada da mercadoria em território nacional não é suficiente para a ocorrência do fato gerador do imposto de importação, todavia, também é necessário que a mercadoria seja estrangeira. Decorre daí o conceito de situação suficiente, pelo que a entrada da mercadoria não seria suficiente, impondo-se a estrangeirice da mercadoria. As situações bem definidas como fatos geradores, ou seja, que já se encontram previstas em lei como geradora de consequências jurídicas, são chamadas de situações jurídicas. De outro vértice, existem também aquelas situações escolhidas pelo legislador que não possuem definição em qualquer outro ramo do direito como produtora de efeitos jurídicos, estas denominadas de situações de fato. Nos termos do art. 116, II, do CTN, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esta esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Assim, se a situação jurídica já está regulada em lei, para verificar se já definitivamente ocorreu, o intérprete deverá buscar, no direito aplicável, a estipulação do momento em que a situação está definitivamente configurada. Nesta linha, o art. 14, inciso I, da RN 363/2014, esclarece que o contrato de prestação de serviços médicos deve prever as possibilidades de glosas. Como vimos, a glosa decorre da não aprovação da operadora ao não considerar efetivamente prestado o serviço em razão de uma divergência entre o cobrado e o acordado. Assim, o serviço somente será considerado prestado com a aprovação da operadora e não com o simples atendimento para o usuário do plano, caindo por terra qualquer argumento em contrário.   4.3. A aprovação da operadora como situação jurídica condicionada Para se definir o momento em que o fato gerador se reputa perfeito e acabado, o CTN herdou do direito civil as chamadas condições suspensivas e resolutórias. As condições resolutórias são aquelas que, enquanto não implementadas, o negócio jurídico (ou parte dele) não surtirá efeitos (eficácia). É por isso que o CTN afirma, no art. 117, inciso I, que os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento. Por sua vez, a condição resolutória é aquela que termina (põe fim) a eficácia do negócio jurídico. Na condição resolutiva, enquanto não se realizar a condição, o negócio jurídico (ou parte dele), deixará de surtir efeitos e cessarão os direitos provenientes do negócio. Neste sentido, o art. 117, II, do CTN afirma que os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio. A Resolução Normativa nº 363 de 2014, ao estabelecer que a operadora deve aprovar ou não o serviço que lhe foi cobrado, na medida em que exige a previsão de glosas médicas nos contratos de prestação de serviços médicos, conferiu natureza de condição suspensiva para o ato de aprovação da operadora, haja vista que somente poderá ser considerado prestado o serviço se esta efetivamente concordar com o que foi cobrado. A despeito da redundância, revela-se, assim, como situação jurídica condicionada (art. 116, inciso II, do CTN) ao implemento de uma condição suspensiva (art. 117, inciso I, do CTN). Ora, se o próprio artigo 116, inciso II, estabelece que, em se tratando de situação jurídica, considera-se ocorrido o fato gerador desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável, logo, o serviço médico, objeto do contrato, somente será considerado prestado, vale dizer, definitivamente constituído, quando aprovado pela operadora os valores que lhes foram cobrados, que se caracteriza como uma condição suspensiva. Importante salientar que considerar prestado o serviço apenas com a aprovação da operadora não implica a exclusão das glosas da base de cálculo do ISS. No entanto, muitos cidadãos já defenderam essa tese com o escopo de não pagar indevidamente ISS. A seguir analisaremos, então, exemplos de ações judiciais que restaram infrutíferas, procurando esclarecer quais foram os erros que as partes cometeram para terem seus pedidos julgados improcedentes.   CAPÍTULO V 5.1. A impossibilidade de exclusão das glosas médicas da base de cálculo do ISSQN Conforme analisamos, o serviço médico de atenção à saúde suplementar só deve ser considerado prestado, para fins de incidência de ISS, após a aprovação da operadora de saúde. A par disto, muitos prestadores de serviços médicos ingressaram com ações abordando a temática deste trabalho, porém, utilizando argumentos equivocados, que os levaram, inclusive, a terem seus pedidos julgados improcedentes. Neste sentido, o julgado seguinte: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE GLOSAS NO CÁLCULO DO ISSQN. Cuida a espécie de Ação Declaratória, julgada improcedente pela r. sentença de fls. 365/367, proferida pelo MM. Juiz de Direito Carlos Aleksander Romano Batistic Goldman, cujo relatório se adota, sob o argumento de que a apuração do ISSQN se dá pela receita bruta da autora, conforme enquadramento de suas atividades na lei. Apela a vencida, alegando que o art. 19 da Lei 7.614/97 prevê que devem ser excluídas da base de cálculo do ISS as deduções incondicionadas, tais como as glosas, que representam um serviço não prestado, e portanto, não remunerado, motivo pelo qual não pode integrar a base de cálculo do imposto. Sustenta que os valores correspondentes às glosas serão tributados pelos planos de saúde, não podendo ser exigido novamente da apelante, sob pena de bitributação. Requer a reforma da r. sentença. Recurso Tempestivo e contrarrazoado. É o relatório. A irresignação apresentada pela apelante não merece prosperar. Depreende-se dos autos que a autora, Uclin de Clínicas do ABC S/S LTDA., tem por objetivo social a prestação de serviços de assistência ambulatorial e serviços médicos em geral, aos associados de operadoras de planos de saúde a ela credenciados. Ocorre que, tais planos de saúde, nem sempre repassam à Uclin, prestadora dos serviços médicos, o valor total das contas hospitalares por ela apresentadas. Isso ocorre quando os planos credenciados entendem que certo valor não foi suficientemente esclarecido nos gastos, efetuando o desconto do mesmo no pagamento das cobranças, desconto este que é chamado de “glosa médica”, ou ainda, “glosa hospitalar”, a qual a apelante pretende ver excluída da base de cálculo do ISSQN por ela devido. Pois bem. O art. 7º da Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003, que disciplina o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, define a base de cálculo do imposto como o preço do serviço, correspondente à receita bruta auferida pelo prestador, que é aquela discriminada na Nota Fiscal emitida pelo contribuinte. Com efeito, “para fins de tributação pelo imposto municipal, preço do serviço é a contraprestação que o tomador ou usuário do serviço deve pagar diretamente ao prestador, vale dizer, o valor a que o prestador faz jus, pelos serviços que presta” (…) “os gastos com a própria atividade são objeto de tributação pelo ISS, não podendo ser deduzidos para a apuração do resultado, sob pena de o preço do serviço deixar de ser a receita bruta a ele correspondente”. (Reps nº 788.594/MG, Rel. Ministro Luiz Fux). Argumentar, como faz a apelante, que há bitributação, uma vez eu ela paga o imposto mesmo que o valor do serviço seja recebido pelos planos de saúde, que também recolhem o imposto devido, não pode ter o condão por ela pretendido. Com efeito, trata-se de proclamar a incidência do imposto sobre serviços que esta presta onerosamente. Ademais, a questão referente às glosas deve ser solucionada entre as partes contratantes, não podendo o fisco ser prejudicado por uma problemática contratual. Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto, mantendo-se a r. sentença tal como lançada.[15] A primeira observação que podemos extrair do caso é que a empresa parte não deveria ter se debruçado no campo da inexigibilidade das glosas médicas, já que não recebia o preço declarado (base de cálculo do ISS) na nota fiscal em razão das glosas. Por este motivo tem razão o r. acórdão proferido pela Colenda Corte, que a inexigibilidade das glosas da base de cálculo do ISS importaria na exclusão do preço do serviço da receita bruta a ele correspondente. Por outro lado, a r. decisão deixou a desejar. Segundo o venerando acórdão “para fins de tributação pelo imposto municipal, preço do serviço é a contraprestação que o tomador ou usuário do serviço deve pagar diretamente ao prestador, vale dizer, o valor a que o prestador faz jus”. Ora, se base de cálculo é apenas o valor que o prestador tem direito de receber, e quem julgará se o prestador possui ou não esse direito é a própria operadora de plano de saúde – aprovação que se opera logo após a entrega do faturamento do prestador àquela – não se poderia entender ao final que o serviço já seria considerado prestado quando o usuário foi atendido. Outrossim, não se trata de uma questão contratual como citado pelo acórdão. Salutar, inclusive, o art. 50, § 10, inciso II, do Código Tributário de Santos, que parece transparecer o mesmo sentido, in verbis:   (…) II – do cumprimento de qualquer exigência legal, regulamentar ou administrativa, relativa à atividade, sem prejuízo das cominações cabíveis; A aprovação da operadora vigora como ato administrativo para considerar prestado o serviço. Assim, não se pode acreditar que o fato gerador – incidência do imposto, como o artigo menciona – se operará independentemente de qualquer ato administrativo. Ao que se percebe, o próprio artigo viola frontalmente o princípio da legalidade, pois não haveria fato gerador oponível ao contribuinte, uma vez que, quando prestado o serviço, não se operariam todos os elementos da regra matriz para a ocorrência do fato gerador do ISS. Nesse sentido, analisaremos, em tópico seguinte, o recente julgado, de relatoria o então falecido Ministro Teori Zavascki, que negou provimento ao recurso especial interposto pelo Município do Rio de Janeiro, favorecendo a clínica contribuinte e considerando ocorrido o fato gerador do ISS somente após o implemento da condição suspensiva – a aprovação da operadora de saúde.   5.2. O Recurso Especial nº 887.385 – RJ (2006/0214178-0) Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a favor de determinada clínica médica, no Recurso Especial 887.385, interposto pelo Município do Rio de Janeiro, que recorreu da decisão do Tribunal de origem que deu provimento ao Recurso de Apelação interposto pela clínica contribuinte, para julgar improcedente o lançamento efetuado pelo Fisco Municipal de diferença relativa à atualização monetária e acréscimos moratórios não recolhidos. Para o Fisco Municipal a diferença seria devida a partir do atendimento do usuário, uma vez que seria o momento de recolhimento do imposto. Além disso, apurou ainda que, tratando-se de prestador sujeito ao recolhimento mensal do ISS, não houve o recolhimento da atualização monetária e acréscimos moratórios na data oportuna, uma vez que o contribuinte efetuou os pagamentos somente a partir da data em que os atendimentos aos usuários foram confirmados pela operadora do plano, sendo a prestação dos serviços ao usuário do plano como suficiente para a exigência do tributo. Contudo, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça reformulou o acórdão em outras teses, conforme segue ementa: TRIBUTÁRIO. ISS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS MEDIANTE CONVÊNIOS. FATO GERADOR. MOMENTO DA OCORRÊNCIA. PECULIARIDADES. APRESENTAÇÃO E APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO PRESTADOR À EMPRESA ADMINISTRADORA DO PLANO DE SAÚDE. RECURSO IMPROVIDO. Insurge-se a Municipalidade contra sentença anulatória de crédito tributário, acolhendo in totum a pretensão inicial. Esta se estampa no sentido de que, tratando-se de uma clínica médica comportando inúmeros convênios privados, o fato gerador do ISS, como entende o recorrente, não pode ser o momento da emissão da conta, enquanto prestado o serviço ao convênio, e não ao particular, posto que na hipótese em questão, a remessa da mesma, se opera sob condição suspensiva, dependente de uma subsequente aprovação de parte do convênio qualquer que seja ele, a fim de que o pagamento seja ou não realizado. Como bem assinalou o ato a quo, o serviço, para efeito de tributação, na situação vertente, não pode ser considerado o atendimento ao beneficiário do plano ou seguro saúde, mas aquele prestado pela empresa credenciada ou contratada a quem lhe contratou ou credenciou para atender os segurados. (…) Em seguida, o Douto Ministro esclarece o caráter suspensivo da aprovação da operadora como condição para considerar prestado o serviço, vejamos: O parágrafo primeiro do art. 113 do CTN dispõe que “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador”, assim considerado, nos termos do art. 114, como “a situação definida em lei como necessária e suficiente para a sua ocorrência”. (…) Não há dúvida, e sobre o ponto inexiste controvérsia, que o fato gerador do ISS, seu pressuposto de fato, dá-se no momento da prestação do serviço, e não quando do pagamento do serviço realizado. Esta conclusão é insofismável, e ao que consta, não é este o motivo da insurgência da autora. O que a autora aduz, é que não pode ser considerado prestado o serviço, antes da seguradora ou administradora de planos de saúde aprovar os relatórios dos serviços destinados aos seus segurados e/ou contratantes. Eis o ponto nodal. Veja-se o entendimento da decisão administrativa impugnada: Em princípio, é de se presumir que, se o relatório apresentado pela empresa à instituição seguradora relaciona um serviço, é porque ele foi efetivamente prestado, não sendo de se presumir que a empresa tente cobrar pelo serviço que não prestou. A aprovação do relatório deve ser a regra; sua rejeição, a exceção. Também acredito que seja exceção, mas regra ou exceção, nada estabelece, juridicamente, para a definição do fato gerador da obrigação tributária, quanto à situação vertente. O que se há de investigar, interpretar, é quando se apresenta possível dar-se pela ocorrência do fato imponível. Na verdade, o serviço, na hipótese, para efeito de tributação, não pode ser considerado o atendimento ao beneficiário do plano ou do seguro de saúde, mas àquele prestado pela empresa credenciada ou contratada a quem lhe contratou ou credenciou para atender aos referidos beneficiários. E aí entra o aspecto da aprovação do relatório dos serviços como condição de fato para o aperfeiçoamento da obrigação tributária. Só há como se considerar realizado o serviço, e ocorrente o fato gerador, quando aprovado o rol dos atendimentos prestados pela autora aos segurados e beneficiários de planos de saúde, atendimento que configura objeto dos contratos firmados entre ela e as seguradoras e administradoras, conforme consta dos exemplares que os autos revelam. Antes disso, falta elemento indispensável e integrante do fato gerador, na espécie. Enquanto não implementada a condição, não há como se quantificar a base de cálculo do ISS, que é uma noção de imperiosa determinação para que se tenha por nascida a obrigação tributária. (Grifo nosso). Conforme se pode notar, irretocável concluir de modo outro senão que o serviço somente pode ser considerado prestado quando a operadora de planos de saúde aprovar o faturamento que lhe foi entregue e, consequentemente, estabelecida a base de cálculo para recolher o ISS em favor do Fisco Municipal. Assim, a decisão nos ensina três lições: Em primeiro lugar a relação de serviços médicos prestados com a intermediação da operadora de saúde não é a mesma quando o usuário é atendido diretamente pelo prestador. A segunda lição, seria que a relação usuário/prestador é insuficiente para o nascimento da obrigação tributária, que é consolidada somente com o desfecho da relação operadora/prestador com a aprovação da primeira. Por último, no instante em que atende ao usuário, o prestador não está apto a oferecer valores à tributação, pois este aspecto quantitativo somente estará disponível com o aval e/ou ajuste da operadora de planos de saúde.   5.3. Considerar a ocorrência do fato gerador após aprovação da operadora de plano de saúde em face do faturamento que lhe foi entregue não importa em eternização do crédito tributário ou transferência do risco do negócio ao fisco Como nós estudamos, obrigação tributária surge após a ocorrência do fato gerador que se enquadra na hipótese de incidência prevista na lei gerando o crédito tributário. Oportuna a lição do renomado jurista Eduardo Sabbag: O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário (art. 142 do CTN), o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária ‘lançada”, ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo. Ou seja, não havendo fato gerador que se encaixe na hipótese de incidência que gere obrigação tributária, não há que se falar em crédito tributário, vez que se trata de uma consequência. Por este motivo que o mesmo autor nos lembra que, com a formalização do lançamento, não há que se falar em “obrigação tributária”, mas em crédito tributário. Note que há uma sequência de eventos até se chegar à concretização do crédito tributário, de modo que não havendo fato gerador não haverá futuramente crédito tributário. Apesar de simples, a importância de lembrar como o crédito tributário ocorre emerge diante da chamada eternização do crédito tributário. Alguns juristas afirmam que considerar como ocorrida a prestação do serviço após somente o aceite da operadora de saúde implicaria a eternização do crédito tributário, mas isto não é verdade. Como vimos, a prestação de serviços médicos regulada pela RN 363/2014, impõe que os contratos estabeleçam as glosas e estas ocorrem quando a operadora de saúde concorda ou não com o valor que lhe foi prestado. Veja, não se discute aqui, nesta instancia de negócio jurídico, se ocorreu ou não o crédito tributário, nem há que se falar neste, mas, sim, se o negócio jurídico que, na espécie, se opera sob condição suspensiva (aprovação da operadora de planos de saúde) ocorreu ou não. Vale dizer, em primeiro momento se deve analisar se o negócio jurídico encontra-se perfeitamente acabado (Art. 117, I, do CTN), que na hipótese estudada, revela-se com a aprovação da operadora. Implementada a condição suspensiva (aprovação da operadora) temos que ocorrido o fato gerador (prestação de serviço) que gera uma obrigação tributária e logo após constitui o crédito tributário. Por este motivo, não há que se falar em eternização do crédito tributário, pois este somente se constitui após a ocorrência da obrigação tributária que decorre do fato gerador originado da prestação de serviços que se considera perfeita e acabada somente após a implementação da condição suspensiva. Da mesma forma, importante lembrar ainda que ao se considerar ocorrido o fato gerador somente após a aprovação da operadora não se têm como transferido o risco do negócio para o fisco ou como algo imponível. É certo que a tratativa do preço deve ser estabelecida entre as partes, mas isto não significa que o Fisco municipal pode arbitrariamente cobrar imposto sem que tenha ocorrido ao menos o fato gerador que, nos moldes acima esclarecidos pela própria lei que não deixa dúvida, bastando simples interpretação sistemática-lógica. Vale dizer, não se pode considerar como ocorrido o fato gerador sem mesmo antes de ter-se a base de cálculo que é o preço do serviço. Aliás, entender desta forma não implicaria dizer que se trataria de preço líquido ferindo a LC 116/03, pelo contrário, quando a operadora de serviço recebe o faturamento ela irá aprovar se pagará o preço bruto que foi cobrado ou o preço bruto que achar adequado após sua análise. Além do que, as glosas não são deduções fixas que deturpariam o preço bruto. Ao contrário, trata-se na verdade de se considerar se aquele preço bruto cobrado é realmente certo ou não, simplesmente. Assim, não se trata de algo imponível.   5.4. Requerimentos administrativos diversos ferem o princípio da pacificação social e da solução definitiva do litigio Embora fosse algo que já estivesse sendo praticado, com o advento do Novo Código do Processo Civil, a preferência pelas decisões que abordam o mérito tornou-se alvo de maior atenção. Isto porque uma decisão que não abordasse o mérito abriria mais oportunidades para a parte ingressar com nova ação, desprivilegiando o princípio da pacificação social e da solução definitiva dos conflitos. Estes princípios não são de observância apenas de processos judiciais, mas, também, devem ser aplicados em processos administrativos, ademais, isto implica um respeito direto aos mesmo princípios, já que a solução de questões fora do judiciário viabiliza a pacificação de casos antes mesmo de ingressarem em juízo. Nesse contexto, embora haja atualmente nos ordenamentos tributários municipais a possibilidade de se requerer a compensação de tributos pagos a maior, não se pode estabelecer entendimento de que a parte, por deter este mecanismo, deve continuar considerando prestado o serviço antes mesmo da aprovação da operadora. Já que isto não viabilizaria uma solução definitiva para casos assemelhados e demandaria contingente absurdo de pedidos não só na esfera judicial, mas, também, administrativamente, sendo possível concluir, assim, que a melhor solução adequada, até porque o próprio ordenamento, como dito, é claro, é considerar prestado o serviço somente após a aprovação da operadora.   CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou num primeiro momento a compreensão de noções básicas do Direito Tributário, como seu conceito, princípios inerentes ao objeto de estudo, o modelo de interpretação da legislação brasileira. Além disso, também permitiu um estudo da obrigação tributária, a teoria do fato gerador, o momento da sua ocorrência a luz dos artigos 114 a 117 do CTN e as chamadas situações jurídicas condicionadas. Num segundo momento, dada à importância do assunto, abordamos a chamada regra de incidência tributária, ferramenta abstrata jurídica que oferece subsídios para verificarmos os cinco aspectos do tributo (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo), respondendo às cinco perguntas que são normalmente levantadas pelos contribuintes para se aferir a exigibilidade do imposto, tais sejam: Como? Onde? Quando? Quem? E quanto? Neste ponto, os aspectos material, pessoal e temporal tomaram maior relevância, isto porque, tendo o ISS, como fato gerador, a prestação de serviços, demanda uma averiguação mais criteriosa de quando definitivamente considera-se constituído essa espécie de negócio jurídico, para se determinar como o fato gerador é reconhecido como ocorrido (aspecto material), quem são as pessoas que constituem a relação jurídica-tributária (aspecto pessoal) e quando (aspecto temporal) Entrementes, ficou a cargo do Código Tributário estabelecer quando se considera configurado o fato gerador, estabelecendo uma divisão entre situação de fato e jurídica. Face a isso, verificamos que o negócio jurídico que tem por objeto serviços médicos no âmbito da saúde suplementar somente é considerado ocorrido após a aprovação da operadora de planos de saúde, cujo ato figura-se como condição suspensiva. Inobstante, a maioria das legislações municipais partem do pressuposto de que o fato gerador ocorre apenas com o atendimento do usuário perante o prestador. Neste ínterim, verificamos, num primeiro momento, exemplos de ações julgadas improcedentes que possuíam o escopo de excluir as glosas médicas da base de cálculo do ISS. Entretanto, a despeito dos argumentos utilizados pelos patronos das partes, a tese da inexigibilidade das glosas médicas não pareceu a mais convincente perante os tribunais, pois o preço do serviço deixaria de ser a receita bruta a ele correspondente. Apesar disso, em caso semelhante, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento diverso, decidindo a favor de clínica médica que havia ingressado com ação visando anulação de lançamento de ISS, sob o argumento de que não havia ocorrido o fato gerador quando do atendimento ao usuário, mas sim quando aprovado os serviços pela operadora. Em razão de todo o exposto, é correto se afirmar, portanto, que, a despeito das legislações municipais versarem o contrário, enquanto não aprovado o preço do serviço, não há como se auferir a base de cálculo do ISSQN, já que necessária a aprovação pela operadora de saúde dos valores cobrados por seus credenciados em razão dos serviços que foram prestados, a qual se opera como condição suspensiva, entendimento, este sim, que se coaduna com toda a legislação que regula o ISSQN, o Código Tributário Nacional, a Resolução Normativa nº 363/2014 e até mesmo com a própria Constituição, garantindo uma defesa justa e integral dos interesses do contribuinte.
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Requisitos Para Aplicação da Imunidade Específica Prevista Para o ITBI
A Constituição Federal de 1988 outorga competência tributária aos entes federados, mas ao mesmo tempo que confere poder para a instituição de exações tributárias, limita o exercício por meio de inúmeras garantias conferidas ao contribuinte, dentre elas a imunidade. A imunidade é regra expressa no texto constitucional delimitadora da competência tributária, posto que sobre a situação imunizada nunca existiu poder de tributar. A específica aplicável ao imposto sobre transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis e direitos a eles relacionados, vulgo ITBI, não é objetiva, dada a necessidade de verificar o cumprimento de alguns requisitos. Nesse sentido, é necessário constatar a atividade preponderante, por meio da análise da receita operacional, para, então, legitimar o gozo da imunidade. Foi realizado revisão bibliográfica para perquirir o objeto deste artigo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O objetivo do presente artigo é verificar a maneira pela qual se afere a atividade preponderante para fins de aplicação da imunidade específica aplicável ao ITBI. Partiu-se, inicialmente, da análise de decisão administrativa oriunda do conselho administrativo de recursos tributários (CART) do Município de Belo Horizonte. O caso analisado por esse órgão foi a incorporação de uma subsidiária integral por sua controladora, travando-se discussão se a incorporação verificada se tratava de operação onerosa, posto que já estava comprovado que a atividade preponderante da controladora (fusionante) a impedia de fruir do citado benefício fiscal. Assim sendo, fez-se necessário a análise da importância conferida à Constituição Federal no ordenamento jurídico atual, posto que é a principal norma existente. Desse modo, por ser a “norma das normas”, faz-se necessário a observação de suas disposições sobre o sistema tributário nacional. Destarte, será constatado que o texto constitucional não cria nenhum tributo, mas somente outorga competência tributária aos entes federados para que o façam. Assim, constata-se a importância de se seguir a normatização constitucional em matéria tributária, uma vez que sua legitimidade é verificada diretamente de seu texto. Por fim será analisado a importância das normas definidoras de imunidade, posto que delimitadoras da competência tributária outorgada, pois sobre as situações objetos da imunidade não será possível exercer o poder de tributar.   1 IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO ONEROSA DE BENS IMÓVEIS INTER VIVOS A correta compreensão das normas aplicáveis à tributação no estado brasileiro parte, inicialmente, das disposições previstas no texto constitucional para, posteriormente, verificar a normatização infraconstitucional sobre o assunto. Na análise do objeto do presente artigo não pode ser diferente, dada a necessidade de averiguação dos requisitos necessários para a aplicação da imunidade objeto do presente artigo.   1.1 A Constituição e a competência tributária O Estado Democrático de Direito Brasileiro é regido por uma norma dotada de superioridade absoluta sobre as demais, chamada: Constituição Federal. Essa superioridade se justifica por estar a magna carta no topo da pirâmide de hierarquia das normas, ou seja, ela não possui nenhuma disposição a ser observada no momento da sua elaboração, tendo em vista a sua natureza inovadora da ordem jurídica, sendo a “norma das normas”. Nesse sentido, a Constituição Federal é a base de todo o ordenamento jurídico. De um lado irá validar (recepcionar) a legislação infraconstitucional já existente no momento de sua promulgação e, de outro lado, será o parâmetro das normas que porventura serão elaboradas pelo legislador infraconstitucional. Por ser a base de todo o ordenamento jurídico, a Constituição da República Federativa do Brasil (Constituição Federal de 1988 – CF/1988), estabelece incontáveis princípios, regras, direitos, garantais, programas a serem observados pelo legislador ordinário. Dentre a infinidade de temas tratados pela legislação constitucional, verifica-se as normas definidoras do sistema tributário nacional[2]. Nesse sentido, encontra-se positivado, na magna carta, as diretrizes básicas a serem observadas pelos entes federados no momento da instituição das exações tributárias. Vê-se, assim, que todas as premissas necessárias à tributação são extraídas do texto constitucional e, por obvio, são de observância obrigatória. Além da obrigatoriedade de se seguir as disposições constitucionais sobre o sistema tributário nacional, o próprio texto constitucional apresenta a necessidade de regulamentação da matéria por meio de legislação infraconstitucional, de modo a proporcionar a perfeita aplicabilidade e, uniformização da interpretação. É o que determina o artigo 146, in verbis: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: Isso posto, afere-se que a Constituição Federal não cria nenhum dos tributos nela previstos, mas apenas atribui competência tributária aos entes federados para que o façam. A norma superior elenca os tipos tributários que poderão existir no ordenamento jurídico, a lei complementar de normas gerais estabelece o “padrão” (fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo, dentre outros) a ser observado na criação do tributo, o entre tributante cria o tributo por meio de legislação própria nos limites da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional (lei complementar de normas gerais em matéria tributária). Nessa lógica, é o que ensina Luciano Amaro (2015): “A constituição não cria tributos; ela outorga competência tributária, ou seja, atribui aptidão para criar tributos. Obviamente, ainda que referidas na Constituição as notas que permitem identificar o perfil genérico do tributo (por exemplo, “renda”, “prestação de serviços” etc.), a efetivação da criação de tributo sobre tais situações depende de a competência atribuída a este ou àquele ente político ser exercitada, fazendo atuar o mecanismo formal (também previsto da Constituição) hábil à instituição do tributo: a lei.” (AMARO, 2015, p. 85). Constata-se que dentre as competências tributárias previstas na norma constitucional, os impostos são os únicos que estão taxativamente elencados, de modo que cada ente tributante possui os impostos que lhe são próprios. Assim, no exercício da competência conferida, os estes federados devem observar os dizeres constitucionais, já que ao mesmo tempo que atribui competência tributária, limita seu exercício por meio das imunidades. As imunidades são normas limitadoras do exercício da competência tributária, dado que sobre essas situações excepcionas não será possível instituir o tributo, retirando-as do campo de competência. Na hipótese de não existência da norma imunizante, as situações excluídas estariam dentro do campo de incidência. (ALEXANDRE, 2016)   1.2 Análise do campo de incidência imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis inter vivos A definição da hipótese de incidência tributária (fato gerador), quando se fala em imposto, é extraída diretamente do texto constitucional. Desse modo, a competência tributária para a instituição de determinado imposto é dada nos limites estabelecidos na magna carta. Depreende-se do texto constitucional que o imposto objeto do presente artigo está na competência tributária municipal, assim previsto: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.” (BRASIL, 2015, p.52) Atente-se, pois para restar caracterizado a ocorrência do fato gerador do imposto em análise é necessário perquirir todas as condicionantes estatuídas no citado dispositivo. Desse modo, é necessário constatar a ocorrência de uma transmissão onerosa por ato inter vivos de bens imóveis ou direitos reais (exceto de garantia) a eles inerentes. Carneiro (2013) explica muito bem em sua obra sobre quais transações onerosas inter vivos irá caracterizar a ocorrência do fato gerador do desse imposto. Segundo o autor, as situações a serem observadas são: No mesmo sentido do que acima está exposto, tem-se as lições de Sabbag (2015). O estudioso dessa área do direito afirma que é necessário compreender a onerosidade, o bem imóvel por natureza e por acessão física, quais são os direitos reais sobre imóveis e a cessão de direitos. Veja-se que a constituição não apresenta as definições utilizadas para caracterizar a ocorrência do fato gerador, estabelecendo apenas os conceitos a serem obrigatoriamente observados pelas pessoas políticas no momento do exercício da competência tributária. A carta magna é propositalmente silente nesse ponto, pois essa pormenorização não é sua finalidade. A normatização infraconstitucional que é adequada para realizar os detalhamentos necessários à perfeita compreensão dos dizeres constitucionais. No presente caso coube à legislação civil a apresentação de quais são os bens imóveis, quais são os direitos reais inerentes aos bens imóveis e quais são os direitos reais de garantia relativos aos bens imóveis. Kiyoshi (2013) destaca os direitos reais de garantia (penhor, hipoteca e anticrese)., apresentando em sua obra o conceito de cada um desses direitos reais de garantia, apesar de ser irrelevante para o estudo do imposto em questão, destaca a importância em conhecer os citados conceitos, já que são hipóteses de não incidência. Logo, perceba que a Constituição Federal determina a obrigatoriedade de observação dos conceitos definidos na normatização infraconstitucional para a delimitação da competência tributária. A título de exemplo é possível constatar que a aquisição da propriedade móvel a título oneroso não pode sofrer a incidência do ITBI, porque está hipótese não está prevista na definição do campo de incidência do citado imposto e, dessa forma, não há possibilidade de “alargamento” no momento da instituição do imposto, estando, o sujeito ativo do tributo, “amarrado” aos conceitos definidos no ordenamento jurídico.   1.3 Imunidade A competência tributária outorgada pela Constituição Federal não é plena e absoluta, dada a necessidade de se observar as hipóteses delimitadoras do seu exercício. Esse “limite” estabelecido, nada mais é do que o “desenho” constitucional do campo de abrangência da tributação. Nesse diapasão, essa delimitação é realizada pela imunidade. Dessa forma, a imunidade é a não incidência constitucionalmente qualificada, de modo que a sua positivação no texto constitucional retira parcela da competência tributária do sujeito ativo, sobre a qual incidiria normalmente o tributo na hipótese de sua inexistência. Para Amaro (2014) a imunidade pode ser entendida como uma técnica legislativa que irá excluir situações sobre as quais normalmente o tributo incidiria, que por inúmeras opções (pacto federativo, liberdade religiosa, liberdade política, dentre outros) deixa de incidir, retirando essa parcela imune do campo de incidência. Não permite chamar essa situação de “amputação ou supressão do poder de tributar”, pois não existe (nunca existiu) poder de tributar nessas hipóteses, sendo, a imunidade, norma delimitadora da competência tributária. Os ensinamentos de Ávila (2012) são no mesmo sentido do acima exposto, dado que para este autor a norma imunizante é utilizada para limitar a repartição da competência tributária, “desenhando”, assim, os limites para seu exercício. Ademais, Mendes e Branco (2012) corroboram com tudo o que acima já foi exposto, nos seguintes termos: “As imunidades estabelecem verdadeiros limites ou proibições ao exercício do poder de tributar. Em certo sentido, é possível reconhecer nelas meios de demarcar a competência tributária, isto é, diretrizes que compõem o próprio limite daquilo que é demarcado. A competência já nasce delimitada.” (MENDES e BRANCO, 2012, p.1.454) Dessa forma, constata-se que a imunidade é o instrumento utilizado pelo legislador constituinte originário para “retirar” determinadas situações que normalmente haveria incidência tributária. Destaca-se que sobre a situação imunizada nunca existiu poder de tributar, vez que a competência tributária nasce do texto constitucional e, dessa forma, desde o nascimento do poder de tributar a hipótese objeto da imunidade está fora do seu campo.   1.3.1 Imunidade específica prevista para o ITBI Constata-se do texto constitucional a existência de imunidade específica a ser observada pelos entes municipais no momento da exigência do citada imposto, que assim está prevista: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. (…) I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.” (BRASIL, 2015, p.52) Constata-se que a finalidade maior do legislador constitucional foi permitir o crescimento e desenvolvimento das empresas, de modo a evitar que a incidência do ITBI seja óbice à sua constituição ou extinção. Desse modo, conforme se depreende dos ensinamentos de Rodrigues citada por Barreto (2012) o legislador constituinte originário “visou a livre iniciativa”. A imunidade específica do ITBI tem por finalidade a realização de capital, ou seja, quando da realização da integralização do capital social ou subscrição de novas cotas do capital social das pessoas jurídicas “adquirentes” dos imóveis. Tem-se caracterizado transferência a título oneroso do imóvel, tendo em vista a forma na qual está sendo realizado, uma vez que se não fosse realizada por meio da transferência do imóvel seria realizada por outro bem suscetível de avaliação econômica. Constata-se, ainda, a existência de uma condicionante para a fruição da imunidade. A condição para fazer jus à imunidade, ou seja, não ser impedido a ser beneficiado pela norma é não ter como atividade preponderante de compra e venda de bens imóveis, locação de bens imóveis, arrendamento mercantil de bens imóveis. Nesse sentido, faz-se necessário verificar os requisitos para gozar da imunidade específica aplicável ao ITBI.   1.3.2 Requisitos para gozar da imunidade específica ao ITBI Verificou-se anteriormente que na definição do campo de incidência do ITBI a Constituição Federal retirou determinada parcela por meio da imunidade. A imunidade específica aplicável imposto objeto do presente artigo é apurada no momento de subscrição de novas cotas do capital social. Alterações societárias realizadas por meio da fusão, incorporação e cisão são tipicamente operações onerosas, dado que, na prática, ocorre a “aquisição” da empresa fusionada, incorporada, (de parte da empresa) cindida pela fusionante, incorporadora, cindenda. Desse modo, é necessário estar as empresas situadas em patrimônios diferentes. Logo, em regra, na transferência da propriedade imobiliária destinada à subscrição de novas cotas, seja pela criação da pessoa jurídica, seja pelo aumento do capital social pelos sócios ou pela realização de alguma das operações societárias citada anteriormente, haverá a incidência da regra imunizante. Diz-se em regra, pois, além da subscrição de novas cotas do capital social com bem imóvel é necessário que a empresa subscrita (aquela que recebe o imóvel) não possua como atividade preponderante a compra e venda, locação ou arrendamento desses bens e direitos. Veja que nos casos de fusão, incorporação ou cisão é necessário verificar a atividade preponderante apenas da pessoa jurídica que está recebendo o imóvel, pouco importando a atividade prestada pela pessoa jurídica fusionada, incorporada ou cindida. O critério adotado pela constituição para impedir a utilização da regra imunizante é a verificação da atividade preponderante, porém o texto constitucional não estabelece a forma de verificação da atividade preponderante da pessoa jurídica. Como dito alhures, deve-se buscas as definições na legislação infraconstitucional.   1.3.2.1 Verificação da atividade preponderante para o ITBI Conforme explicado anteriormente, a Constituição Federal é a lei maior do Estado Brasileiro e, desse modo, sua finalidade não é a definição dos conceitos utilizados na outorga de competências, mas atribuir a competência tributária aos entes federados. Nesse diapasão, sempre que for necessário verificar a definição de determinado conceito para a correta aplicação da norma constitucional é fundamental perquirir a normatização infraconstitucional. Destaca-se que em matéria tributária a busca pela correta compreensão deve partir do Código Tributário Nacional, lei complementar de normas gerais em matéria tributária[3]. Necessário se faz entender o conceito de atividade preponderante para fins tributários, pois, para fazer jus à imunidade específica do ITBI a pessoa jurídica “adquirente” do imóvel não pode possuir como “atividade preponderante a compra, venda, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil desses bens e direitos”. Constata-se que é necessário verificar a atividade preponderante da pessoa jurídica “adquirente” do bem imóvel, pouco importando a finalidade para qual o imóvel é utilizado e a atividade preponderante da empresa “vendedora” do bem imóvel nas hipóteses de fusão, incorporação ou cisão. Machado (2015) ensina que o próprio texto constitucional apresenta a exclusão da regra imunizante (“salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens e direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”), destacando, assim, que coube ao Código Tributário Nacional detalhar a exceção prevista. Assim, necessário se faz a análise do que se encontra previsto no Código Tributário Nacional: “Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. Extrai-se da citada norma que a imunidade tributária é conferida sob condição de ulterior “homologação” da autoridade fazendária municipal, já que só o tempo será capaz de a perfectibilizar. Veja que o contribuinte para poder se beneficiar da norma imunizante deverá submeter sua contabilidade à apreciação do fisco municipal, posto que a autoridade fazendária municipal irá verificar, da análise das demonstrações contábeis, qual a atividade preponderante. Como se vê, a legislação citada é clara ao estabelecer que atividade preponderante é a aquela que realizada pela empresa for responsável por mais de 50% (cinquenta por cento) da sua receita operacional. Macedo (2009) assim apresenta em seu trabalho: “À luz da norma jurídica regulamentadora, podemos deduzir que a pessoa jurídica que pretenda se valer da norma jurídica de imunidade condicionada do ITBI deverá submeter a sua contabilidade ao Fisco para que este verifique, em procedimento previsto, numa análise que levará em conta, precipuamente, a conta receita operacional, se ocorrerá o fato da não preponderância da atividade imobiliária ou o fato da preponderância de atividade imobiliária no período a ser analisado.” Contudo, a fiscalização tributária municipal não irá verificar a contabilidade da pessoa jurídica que pretende se beneficiar da imunidade de imediato (no momento da transferência imobiliária), mas em três ou quatro anos. Explica-se. Sendo o(s) imóvel(is) integralizado(s) no momento da criação da pessoa jurídica ou quando não possuir mais de dois anos de constituição no momento da transação imobiliária, a verificação da atividade preponderante pelo fisco municipal ocorrerá pelos três anos subsequentes à transferência do imóvel. Possuindo a pessoa jurídica mais de dois anos de existência no momento da integralização do imóvel, a atividade preponderante será verificada pela análise das demonstrações contábeis ao longo de quatro anos, será apurado os dois anos anteriores à ocorrência do fato gerador e os dois anos seguintes. Após o decurso do prazo estabelecido, dois ou três anos posteriores à ocorrência do fato gerador, a concessão da imunidade se torna perfeita, não podendo mais se revista ou reclamada pela municipalidade. Dessa feita, sendo constatado que no ano seguinte ao da perfectibilização da imunidade a pessoa jurídica “adquirente” do imóvel comece a ter a atividade preponderante dentre as vedadas para a fruição da regra imunizante, nada poderá ser feito pelo fisco municipal, dado que a sua “homologação” com o decurso do prazo perfectibilizou sua fruição. Os ensinamentos de Aires Barreto (2012) são nesse sentido: “A restrição, todavia, não é ilimitada. Os parágrafos acima transcritos condicionam a uma limitação temporal definida pelo lapso compreendido entre os 2 anos anteriores e os 2 anos subsequentes à data da transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio das pessoas jurídicas em realização de capital. E, caso tais empresas tenham iniciado suas atividades após a data da transmissão de bens ou direitos, ou menos de 2 anos antes desta, o lapso temporal anteriormente referido transmuta-se para os 3 primeiros anos seguintes à data da aquisição. Sendo assim, é evidente e incontestável que, após transcorrido um desses lapsos temporais, as pessoas jurídicas adquirentes, mesmo que passem a ter como atividade preponderante a compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, terão gozado da imunidade do ITBI na transmissão de bens ou direitos incorporados aos seus patrimônios em realização de capital, nos termos dos §§ 1o e 2o do artigo em comento, antes transcritos. (BARRETO, 2012, p.328)” Destaca-se, que a verificação da receita operacional não é ligada apenas ao objeto social da empresa. Apensar de o objeto social ter grande importância para a constatação da atividade desenvolvida pela empresa, o fisco deverá buscar a realidade fática, ou seja, deverá verificar se não há dissociação entre a verdade real e a verdade material. Portando, a verificação dos requisitos necessários à fruição da imunidade será verificado pelo fisco municipal durante o lapso temporal estabelecido (dois ou três anos). Constatando-se que a pessoa jurídica não teve como atividade preponderante situações excludentes da fruição da imunidade durante o prazo previsto, sua “homologação” se faz necessária.   2 CONCLUSÃO O presente trabalho teve como objetivo verificar a condição de preponderância para a aplicação da imunidade tributária específica aplicável ao ITBI. Constatou-se que a Constituição Federal é a principal norma em matéria tributária, já que coube a ela outorgar competência tributária aos entes federados e regular a forma pela qual será exercido o poder de tributar. Entretanto, conforme verificado, a competência tributária outorgada deve obedecer aos limites estabelecidos em seu texto, ou seja, não é plena e absoluta. Nesse sentido, o legislador constituinte originário retirou determinadas hipóteses do poder de tributar, apesar de ser possível verificar a ocorrência do fato gerador nessas situações, não será possível exercer o poder de tributar sobre essas situações. Essas situações excluídas do poder de tributar se chama: imunidade. A imunidade é a não incidência tributária constitucionalmente qualificada, ou seja, está prevista diretamente no texto constitucional. Dessa forma, a imunidade é utilizada para “desenhar” o campo de incidência tributária. Nesse diapasão, o poder constituinte originário estabeleceu imunidade específica aplicável ao ITBI quando seu fato gerador (transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis ou direitos reais a eles inerentes – exceto os de garantia) ocorrer na realização de capital social no momento da constituição da pessoa jurídica ou em operação societária (fusão, incorporação, cisão), desde que a pessoa jurídica “adquirente” dos bens não tenha como atividade preponderante a compra, venda, aluguel, arrendamento mercantil desses bens e direitos. Logo, para que seja possível se beneficiar da norma imunizante no texto constitucional é necessário verificar a atividade preponderante da pessoa jurídica que irá receber o(s) imóvel(eis). O Código Tributário Nacional estabeleceu que se considera atividade preponderante aquela que ultrapassar 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica, ou seja, não será observado apenas o objeto social da empresa. Assim, faz necessário a perfeita verificação da contabilidade da pessoa jurídica “adquirente” do imóvel durante o prazo estabelecido na legislação para constatar se poderá usufruir do benefício estabelecido pela imunidade.
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Da alíquota de ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica, no estado da Bahia, em face dos princípios da capacidade contributiva e da seletividade
O presente artigo tem por objeto a análise jurídica acerca das alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, em sede de exação incidente sobre operação de fornecimento de energia elétrica, praticadas no estado da Bahia, sob o prisma dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia, da progressividade e da seletividade em razão da essencialidade. Visando ao exame quanto à congruência entre a legislação tributária estadual e os referidos limitadores ao poder de tributar, fixados pelo legislador originário, parte-se do estudo dos princípios constitucionais concernentes ao tema para análise jurídica da espécie tributária específica, de suas implicações na tessitura social local, bem como para o cotejo, no que pertine a instituição da dita alíquota, entre a política fiscal baiana e aquela proposta doutrinária e jurisprudencialmente.
Direito Tributário
Introdução O legislador constitucional de 1988, quando da instituição do Sistema Tributário Nacional, além de firmar o regramento disciplinador do poder tributante, alçou à classe de normas constitucionais determinadas garantias e princípios, limitadores desse poder, dentre os quais os princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e seus consectários: os princípios da seletividade em razão da essencialidade e da progressividade. Investiga-se, no presente estudo — tendo-se como ponto de partida a tensão entre o direito fundamental ao mínimo existencial e o exercício do poder de tributar — acerca da efetiva ingerência dos referidos princípios constitucionais sobre a atividade legislativa tributária baiana. Nesse sentido, são examinados os aspectos jurídicos concernentes à dita atividade, mais precisamente quanto à (in)aplicação dos referidos princípios, tendo-se por objeto específico as alíquotas de ICMS incidentes sobre operações de fornecimento de energia elétrica, instituídas na Lei estadual n. 7.014/96, do estado da Bahia. Acresce frisar, esclarecendo-se o vetor axiológico orientador desta pesquisa, que a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais constituem objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro, conforme inserto no artigo 3º, inciso III, da Carta Magna. O legislador originário, quando da estruturação do sistema legal tributário, a fim de promover o equacionamento da carga tributária, escudar direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, visando à concretização de um Estado de Bem-Estar Social, impôs aos entes tributantes, de modo não taxativo, a observância a limites normativos expressos, insculpidos nos artigos 150 a 152 do Texto Constitucional. A atividade tributária e financeira de um Estado reflete, em última análise, as reais escolhas políticas, econômicas e sociais de seus gestores. Apresenta-se, portanto, como condição imprescindível à realização dos objetivos fundamentais, o sopesamento não apenas entre o direito fundamental à propriedade e o poder tributante — amplamente debatido pela doutrina — mas, sobretudo, entre este e o direito ao mínimo existencial. A desoneração fiscal de mercadorias e serviços essenciais é princípio constitucionalmente previsto, inscrito nos arts. 153, §3º, I, e 155, §2º, III, da CF/88. Considerando a natureza dos dados analisados e os objetivos da presente pesquisa, optou-se pelo método de abordagem hipotético-dedutivo, proposto por Karl Popper, tendo-se como hipótese central a desconformidade entre a legislação tributária do estado da Bahia — especificamente aquela pertinente ao ICMS incidente sobre energia elétrica — e os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia, da progressividade e da seletividade em razão da essencialidade. O procedimento técnico adotado para coleta das informações pertinentes ao tema foi o da pesquisa bibliográfica, em cotejo com o direito posto concernente ao presente tema. Dessarte, constitui parte dos objetivos deste estudo perquirir quais os mecanismos interpretativos mais adequados à solução do seguinte impasse jurisprudencial e doutrinário: considerando a opção do legislador originário pelo emprego vocábulo poderá para o inciso III, § 2º, do referido art. 155, poder-se-ia inferir a obrigatoriedade da aplicação do princípio da seletividade em razão da essencialidade quando da instituição das alíquotas de ICMS? Caso não, consistiria essa aparente discricionariedade conferida ao legislador ordinário uma autorização para instituição de alíquotas mais gravosas mesmo diante de bens tidos como essenciais ou esta deve estar adstrita aos limites deduzidos do princípio da capacidade contributiva? Os convênios celebrados e ratificados pelo estado da Bahia junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária contemplam tais princípios?   1 Dos princípios constitucionais orientadores do Sistema Tributário Embora o signo verbal “princípio” comporte diferentes acepções jurídicas — verbi gratia, a de “[…] norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo […]”; a de “[…] valor inserto nessas normas, mas considerado independentemente das estruturas normativas […]”; ou a de “[…] limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia […]”, como propõe Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 151) — é assente a compreensão de “princípio” como elemento jurídico de elevada carga axiológica e importância normogenética, orientador tanto da interpretação e aplicação da norma quanto de sua criação. Princípio, consoante preleção do insigne Celso Antônio Bandeira de Melo (2004, p. 451), “[…] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas […]”, integrando, portanto, o centro semântico destas, ao passo em que serve, segundo o autor (Ibid., loc. cit.) “[…] de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. Quanto à função desempenhada pelos princípios no ordenamento jurídico, Humberto Ávila (2011, p. 603) entende que “[…] funcionam como instrumentos de segurança jurídica, visto que eliminam sentidos incompatíveis com as finalidades cuja realização determinam, diminuindo, portanto, o leque de sentidos semânticos válidos […]”, concorrendo, desta forma, para a cognoscibilidade das normas e para previsibilidade das decisões judiciais. Como dito, o legislador constituinte, ao instituir as diretrizes normativas para consecução dos objetivos fundamentais e estruturação de um autêntico Estado Democrático de Direito, ciente da ingerência da atividade tributante sobre o tecido socioeconômico, estabeleceu um rol, não exaustivo, de limitações ao poder de tributar. Interessa à presente pesquisa, precipuamente, perscrutar os princípios da capacidade contributiva, da seletividade em razão da essencialidade, da isonomia e da progressividade para, em seguida, investigar acerca de sua (in)aplicação pelo poder legislativo baiano quando da instituição da alíquota de ICMS incidente sobre operações de fornecimento de energia elétrica.   1.1  Do princípio da capacidade contributiva Insculpido no §1º do artigo 145[1], da Constituição de 1988 (BRASIL), o princípio da capacidade contributiva tem como nítido escopo a promoção da justiça fiscal, propondo o equacionamento da carga tributária em razão da aptidão econômica dos contribuintes. Nesse desiderato, incumbe ao legislador, consoante preleção de Paulo de Barros (2012, p. 174), identificar os “ […] fatos que demonstrem signos de riqueza, pois somente assim poderá distribuir a carga tributária de modo uniforme e com satisfatória atinência ao princípio da igualdade […]”. Segundo o autor, a viabilidade desse equacionamento decorre, a priori, da adequada identificação das hipóteses que revelem a potencial existência de aptidão econômica do contribuinte, sendo necessário, concomitantemente — quando da fixação do critério quantitativo do tributo —, que o grau de contribuição exigida conserve relação proporcional com as dimensões econômico-sociais do fato tributável. Segundo a lição de Ruy Barbosa Nogueira (1995, p. 12), “[…] o princípio da capacidade contributiva é um conceito econômico e de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tributária […]”. Tendo-se em vista que a exação visa à arrecadação de riqueza e deve adentrar, ipso facto, a esfera patrimonial dos direitos dos contribuintes, faz-se mister, conforme o dito autor (ibid, loc. cit.), que esta ocorra “[…] dentro de limites técnico-jurídico-econômicos […]. Se esse levantamento tem de ser feito dentro do conceito de justiça social, deve ser medido pelo critério da capacidade contributiva”. Trata-se de princípio constitucional expresso, e, conforme se denota de seu vetor socioeconômico, deve permear a toda atividade tributante. Para Leandro Paulsen (2017, passim, grifo nosso): […] a capacidade contributiva não constitui apenas um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias. Percebe-se, neste ponto do estudo, que o equacionamento da carga fiscal em razão da capacidade contributiva deve compor a espinha dorsal do Sistema Tributário. A equalização das alíquotas em observância ao poder econômico do contribuinte é medida inafastável ao atingimento dos objetivos fundamentais e à redução das desigualdades. Não se pode, sob o subterfúgio de supostamente se preservar o orçamento público, tolerar o eventual desrespeito aos princípios nucleares da Ordem Tributária, sobretudo, quando em detrimento daqueles economicamente desfavorecidos. Cumpre ressaltar que o adequado manejo da carga tributária não resulta em menor arrecadação, mas sim em uma tributação justa, voltada ao atingimento dos objetivos sociais e econômicos almejados pelo legislador constituinte. Segundo o ensinamento de Regina Helena Costa (2003, p.27), haveria duas espécies distintas de capacidade contributiva: a Capacidade Contributiva Absoluta (ou Objetiva) e a Capacidade Contributiva Relativa (ou Subjetiva). A primeira consistiria na capacidade identificada pelo legislador ao eleger “[…] o evento ou fato-manifestação de riqueza, vocacionados a concorrer com as despesas públicas”, delineando sujeitos passivos potenciais. A segunda equivaleria àquela eleita pelo legislador ao estabelecer “[…] o sujeito individualmente considerado, apto a contribuir na medida de suas possibilidades econômicas, suportando o impacto tributário”. Ademais, extrai-se do conjunto dos fundamentos supra expostos que a gravosidade tributária, nas hipóteses elencadas pelo legislador constituinte, não deve ser instituída ao alvedrio do legislador ordinário, mas sim cingir-se ao normativamente outorgado, sob o risco de incorrer-se em exação indevida, inconstitucional, e, portanto, passível de sofrer a interferência jurisdicional. Considerada sob o prisma da capacidade contributiva, a referida inobservância pode ensejar graves repercussões na esfera fático-social, lesionar direitos fundamentais e, assim, desvirtuar o fim precípuo do Sistema Tributário, qual seja: o de reduzir a pobreza, promover a equanimidade da renda e propiciar a composição de um Estado social. No que pertine ao princípio da seletividade — consistente na instituição de alíquotas mais ou menos gravosas em razão da essencialidade do bem ou serviço sobre o qual incida o dito imposto indireto —, este tem origem axiológica comum a do princípio capacidade contributiva. Há, como dito, quem considere este último como meta-princípio tributário, aplicável às demais espécies tributárias — além dos impostos — constituindo necessário limitador ao poder tributante. Segundo Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 42), o princípio da capacidade contributiva é “[…] substância semântica sobre que se funda a implantação do primado da igualdade, no campo das relações tributárias”. Dispõe Luciano Amaro (2006, p. 142), “[…] embora a Constituição (art. 145, § 1º) só se refira a impostos, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva […]”. O autor considera o referido princípio como elemento estruturante do próprio Sistema Tributário, sendo pertinente sua aplicação até mesmo às taxas, “[…] cabendo lembrar que, em diversas situações, o próprio texto constitucional veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econômica […]” (Ibid., loc. cit.). Amaro defende que a aplicação deste princípio decorre de um dos pilares do Estado Democrático de Direito, consubstanciado no princípio da igualdade, porquanto, ao se aplicar o princípio da capacidade contributiva, faz-se necessária a busca por uma forma de incidência que sopese as “[…] diferenças (de riqueza) evidenciadas nas diversas situações eleitas como suporte de imposição. E isso corresponde a um dos aspectos da igualdade, que é o tratamento desigual para os desiguais”. Portanto, o legislador constitucional, ciente da repercussão direta provocada pelo ICMS sobre o consumo de produtos e serviços, estabeleceu limites mais estreitos à atuação do legislador ordinário estadual. Avançou no vetor axiológico traçado pelo princípio sub oculis ao propor como limitador o critério da seletividade — consistente, como dito, na observância à essencialidade do bem ou serviço para fins de ajuste de alíquota de impostos indiretos. Tendo em consideração tais características, o ICMS incidente sobre operações de fornecimento de energia elétrica — imposto indireto cujo ônus da obrigação principal recai sobre o contribuinte de fato e atinge, diga-se, mais pesadamente as classes menos abastadas da população — conserva, conforme §2º, inciso III do artigo 155, da CF/88, a possibilidade expressa de aplicação da seletividade. Considerando tal marco principiológico, delineado pelo legislador constituinte, é incogitável que bens essenciais possam ser objeto de altas alíquotas – como ocorre no estado da Bahia, em que operações de fornecimento de energia são tributadas, via de regra, em excessivos 27%. Ocorre que a práxis tributária relativa ao ICMS não decorre apenas da Lei estadual que a regulamente, mas é diretamente afetada pela Lei Complementar 87/96 (BRASIL, 1996, passim), denominada Lei Kandir, bem como pelos convênios celebrados entre os Estados-membros e o Distrito Federal — por força do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, e Lei Complementar 24/75 — através do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), como será examinado nos tópicos seguintes. Para perquirir acerca da (in)aplicação dos princípios orientadores e limitadores do poder de tributar, insta adentrar o estudo acerca dessa legislação tributária.   1.2  Do princípio da seletividade em razão da essencialidade O princípio da seletividade consiste, nas palavras de Hugo de Brito Machado (2003, p. 262), na “[…] atribuição de alíquota diferente para cada tipo de objeto de incidência de dado imposto […]”. Segundo o autor (ibid. loc. cit.), através desta dinâmica “[…] busca-se, além da arrecadação, uma alteração na atividade econômica, estimulando, ou desestimulando, seja a atividade produtiva, seja o consumo”. Quanto ao critério para determinação dos bens tidos como essenciais, defende Fábio Canazaro (2015, p. 154): […] o legislador não é livre para identificar ou conceituar o que é e o que não é essencial como fator indicativo, visando à promoção da igualdade […] Mercadorias e serviços essenciais, sob o ponto de vista jurídico, são aquelas cujos valores constitucionais denotam ser indispensáveis à promoção da liberdade, da segurança do bem-estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça – ou seja, das finalidades constitucionalmente prescritas. Neste ponto, considerado o objeto do constante artigo, impende indicar a existência de expressa determinação legal acerca da essencialidade da energia elétrica, na Lei federal n. 7.883 (BRASIL, 1989) — que versa acerca do direito de greve, define as atividades essenciais e dá outras providências — em seu artigo 10: “São considerados serviços ou atividades essenciais: […] tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica […]”. Além do dito dispositivo há sólido lastro doutrinário que corrobora tal entendimento. Hugo Machado (2008, p. 51-52) esclarece que a essencialidade da mercadoria é observável quando esta se mostra imprescindível à subsistência das pessoas, tendo-se em vista as características socioeconômicas contemporâneas da comunidade, e arremata (ibid. loc. cit.): “[…] não nos parece razoável colocar-se em dúvida a essencialidade da energia elétrica. A alíquota do ICMS incidente sobre seu consumo não deve ser maior do que aquela geralmente aplicável para as demais mercadorias”. Considerado sob a perspectiva da essencialidade do bem ou serviço sobre o qual incida, o princípio da seletividade representa um dos alicerces fundantes de uma atividade tributária voltada ao atingimento de fato dos objetivos fundamentais, previstos na Carta Política. Como se depreende da análise do texto constitucional e da doutrina, tal princípio impõe ao legislador ordinário que atribua, aos bens essenciais – sob o ponto de vista das necessidades fundamentais do homem –, alíquotas menos gravosas, aplicadas na razão inversa de sua essencialidade. É dizer: quanto maior a importância de dado bem ou serviço à manutenção do mínimo existencial, menor deverá ser a alíquota aplicada à base de cálculo correspondente. Para Aliomar Baleeiro (2007, p. 348), o vocábulo essencialidade, empregado pelo legislador constituinte nos arts. 153, § 3º, inciso I, e 155, § 2º, inciso III, da CF/88, refere-se à premência de dado produto ou serviço “[…] à vida do maior número dos habitantes do País.” Propõe o autor que tais mercadorias, “[…] essenciais à existência civilizada […]”, devem ser desoneradas do ponto de vista fiscal, “[…] ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros” (ibid. loc. cit.). Nessa senda, observe-se que o legislador originário foi bastante claro ao designar o marco principiológico condutor da instituição do ICMS. Ao estabelecer a possibilidade de aplicação do critério da seletividade como técnica para ajuste de alíquota, o constituinte fixou o parâmetro mínimo a ser observado pelo legislador ordinário. O legislador estadual baiano, ao instituir o imposto em lume, atribuiu ao fornecimento de energia elétrica – consoante arts. 16, II, 16-A, caput, da Lei 7.014/96 – alíquota de 27%, idêntica àquela aplicada para bens de consumo como charutos, bebidas alcoólicas, esquis aquáticos e águas-de-colônia. Ocorre que, como visto, a energia elétrica é bem de consumo de essencialidade inquestionável, havendo, inclusive, essa caracterização inscrita, como visto, em Lei, e, considerando o marco principiológico proposto pelo legislador originário no art. 155, §2º, III, da CF/88, tal alíquota malferiria, quando menos, o princípio da capacidade contributiva. Ocorre que, como supra aventado – por força do art. 155, §2º, inciso  XII, alínea “g” c/c LC n. 24/75, bem como do art. 100, do Código Tributário Nacional – a prática fiscal relativa ao ICMS é afetada pela concessão de benefícios e isenções, estabelecidas em Convênios celebrados entre os estados e o Distrito Federal, no âmbito do CONFAZ. No estado da Bahia, embora a Lei estadual não reflita o vetor principiológico proposto pelo constituinte, o Decreto regulamentador do ICMS, n. 13.780/12, exerce importante função no equacionamento da carga tributária pertinente a este imposto, como será examinado a seguir.   1.3  Dos princípios da isonomia e da progressividade Como visto, o princípio da capacidade contributiva impõe àqueles contribuintes dotados de maior poder econômico (dos quais o fato-manifestação de riqueza se projeta na aquisição de bens e serviços de maior valor financeiro) que suportem uma maior carga de exações, com alíquotas mais gravosas, a fim de que se torne — do ponto de vista fiscal — minimamente equivalente o sacrifício despendido por esse em relação àquele contribuinte economicamente vulnerável. O princípio da capacidade contributiva possui estreita relação com o princípio da isonomia — outro princípio orientador e limitador da atividade tributária. O princípio da isonomia está inscrito no art. 150, inciso II, da CF/88, proibindo o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de equivalência. O referido dispositivo corresponde, como observa parte da doutrina, ao vetor horizontal da isonomia, mas deixou ínsita a “[…] necessidade de tratamento desigual aos que se encontram em situações relevantemente distintas […]” (ALEXANDRE, 2017, p. 141), correspondente ao vetor vertical do dito princípio. Acerca disso, pontua Paul Hugon (1951, p.74) “[…] a progressividade tem por fundamento o desejo de tornar o sacrifício fiscal igual para todos os contribuintes […]”. Trata-se de um dos desdobramentos do princípio da capacidade contributiva, sendo, segundo Amaro (Ibid., p. 142), seria “[…] um refinamento desse postulado[…]”, tal como o princípio da proporcionalidade. Para o autor, a “[…] proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do aumento de riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas de riqueza seja maior” (AMARO, loc. cit.). Segundo Roque Carrazza (2008, p.88), “[…] em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva”. A característica específica da progressividade reside em sua técnica de implementação, que consiste na elevação da alíquota aplicável na razão direta do aumento do valor da base de cálculo. Note-se que a previsão constitucional abarca expressamente apenas a progressividade: do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IR (art. 153, § 2º, inciso I, da CF/88); do Imposto Territorial Rural – ITR (art. 153, § 4º, inciso I, incluído pela EC n. 42/2003); e do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU (estabelecida pela Emenda Constitucional n. 29/2000). É, também, jurisprudencialmente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da aplicação de alíquotas progressivas ao Imposto sobre Transmissões Causa Mortis ou Doações – ITCMD (STF, 2013). Nada obstante, considerando-se constituir, além de princípio, uma técnica de tributação, inerente à politica fiscal praticada pelo legislador ordinário, é perfeitamente aplicável às demais espécies tributárias, em preito aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia. No que pertine ao objeto deste artigo, o estado da Bahia, por meio do Decreto n. 13.780, de março de 2012, regulamentou tanto a aplicação de alíquotas progressivas para o ICMS incidente sobre energia elétrica, em atenção ao princípio da capacidade contributiva e da isonomia, quanto a isenção para contribuintes que preencham os requisitos estabelecidos. Analisando-se a referida legislação, constata-se que tal política fiscal encontra fundamento: (i) na destinação econômica do uso de energia; (ii) na zona de ocorrência do fato gerador correspondente – rural ou urbana; (iii) na relevância da atividade, a que se destina o uso, para o interesse público; (iv) na faixa de consumo e, portanto, obliquamente, na capacidade contributiva do sujeito passivo. Tal política tributária torna-se possível em razão dos Convênios celebrados através da CONFAZ (ex.: ICMS 20/1989, ICMS 76/91, ICMS 107/95, ICMS 29/01 e ICMS 58/2006)[2]. Observa-se neste Decreto o atendimento ao princípio da capacidade contributiva quanto ao ICMS incidente sobre operação de fornecimento de energia a consumidores enquadrados na “subclasse Residencial Baixa Renda”. Conforme o art. 265, inciso XLIX, do Decreto 13.780/12, há isenção de ICMS para aqueles contribuintes que consumam até 50kWh mensais, enquadrados na dita subclasse, aplicando-se a alíquota de 27% para aqueles que não preencham tais requisitos. Importante exemplo da aplicação da extrafiscalidade para estabelecimento da alíquota de ICMS sobre fornecimento de energia encontra-se no art. 268, inciso XVII, do Decreto sub oculis, que determina a redução da base de cálculo das operações com energia elétrica em 52% quando destinada à atividade de atendimento hospitalar, em razão da importância dessa atividade para o interesse público. Lado outro, constata-se a redução da base de cálculo em 52% para as operações com energia elétrica destinadas às classes de consumo industrial e à atividade hoteleira. É certo que tal redução contempla o caráter extrafiscal do ICMS, mas não em razão da seletividade ou da capacidade contributiva. In casu, visa-se estimular o desenvolvimento econômico proporcionado por essas atividades, incentivando-se, indiretamente, a produtividade dos setores beneficiados e a consequente ampliação da oferta de empregos.   2 Do ICMS: previsão legal O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) tem previsão legal no art. 155, II, da CF/88 e LC n. 87/96. Sucessor do Imposto de Vendas e Consignações (IVC), é tributo de caráter eminentemente arrecadatório. Representou, no estado da Bahia, no exercício de 2017, conforme dados da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (2017, p.91), 83,1% (oitenta e três vírgula um por cento) do total da receita tributária arrecadada. Tem como hipótese de incidência a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação, ainda que iniciados no exterior (art. 155, II, CF/88). Cabe observar, neste ponto, que é assente a compreensão de energia elétrica como “mercadoria”, para efeito de exação do ICMS. Na Lei estadual baiana n. 7.014/96, em seu art. 2º, § 2º, consta expressamente a designação de energia elétrica como mercadoria, para fins de cobrança do ICMS. Embora seja o ICMS um tributo estadual, a competência para edição de normas gerais cabe à União (art. 24, §1º, CF/88), sendo atribuição do Senado Federal o estabelecimento de alíquotas máximas e mínimas para determinadas situações, nos termos do art. 155, § 2º, IV, da Carta Magna. De acordo com a resolução n. 22/89, do Senado Federal, existem alíquotas internas, estipuladas de modo autônomo pelos Estados-membros – geralmente entre 17% e 18% – e as alíquotas interestaduais, sobremaneira afetadas pelo teor dos convênios retrocitados. Conclui-se, desta forma, que a política tributária relativa ao ICMS não caberá exclusivamente ao poder legislativo estadual, mas deverá observar o quanto pactuado em sede dos convênios, promovidos através do CONFAZ – como será analisado adiante – por meio dos quais se busca a atenuação dos efeitos deletérios da guerra fiscal.   2.1  Da função extrafiscal do ICMS A receita tributária do Estado brasileiro configura sua principal fonte de obtenção de recursos financeiros. Classifica-se como receita derivada e compulsória – obtida em razão do poder estatal de império, sendo arrecadada coercitivamente dos particulares, sob observância da legalidade. A incidência de tributos sobre bens e serviços eleitos pelo legislador tem como consectário lógico a interferência sobre os respectivos valores de custo suportado e lucro auferido pelo contribuinte em razão das operações financeiras correspondentes a tais bens ou serviços. Nesse sentido, é indiscutível que a exação, ainda que de natureza predominantemente arrecadatória – gera, em maior ou menor grau, efeitos socioeconômicos secundários, estimulando ou desestimulando a atuação econômica dos sujeitos passivos em relação àqueles eventos tributáveis. Preleciona Geraldo Ataliba (1990, p. 93), que a extrafiscalidade consiste na aplicação de práticas tributárias orientadas à “[…] obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados”. A extrafiscalidade, portanto, consubstancia-se em um instrumento de interferência sobre situações sociais e/ou econômicas anômalas, que, de qualquer modo, afetem o interesse público. Como retro exposto, o ICMS desempenha função notadamente arrecadatória, representando, em média, 80% (oitenta por cento) da arrecadação tributária dos estados. Nesse panorama fiscal, a posição ocupada pelo estado da Bahia no ranking nacional de receitas tributárias é a 6ª em arrecadação de tributos, consoante dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, on-line), tendo recolhido no ano de 2017 o valor de R$ 25.124.079.527,00 (vinte e cinco bilhões, cento e vinte e quatro milhões, setenta e nove mil quinhentos e vinte e sete reais) (BAHIA, 2018, p. 91). No ano de 2017, o ICMS compôs, como visto, 83,1% (oitenta e três vírgula um por cento) da receita tributária arrecadada no dito estado, totalizando, apenas esse imposto, R$ 20.888.492.825,00 (vinte bilhões, oitocentos e oitenta e oito milhões quatrocentos e noventa e dois mil oitocentos e vinte e cinco reais), segundo dados da Secretaria de Fazenda do Estado da Bahia – SEFAZ/BA (ibid., p. 95). Nada obstante, estabeleceu o legislador constituinte a possibilidade de aplicação da função extrafiscal ao ICMS, como se depreende do art. 155, §2º, III, da CF/88, consistente na adoção da técnica da seletividade para instituição de suas alíquotas. Sua observância privilegia a função social do Sistema Tributário, reduzindo a regressividade dos impostos indiretos, garantindo a proteção ao mínimo existencial, bem como preservando a natureza instrumental da atividade tributária, projetada pelo constituinte como meio de concretização de um Estado social.   2.2  Do critério adotado pelo legislador constituinte para fixação das alíquotas Há dois princípios específicos concernentes ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) que interessam à presente pesquisa: o princípio da não cumulatividade e o princípio da seletividade. O princípio da não cumulatividade, inscrito no art. 155, §2º, I, da CF/88 e art. 19 da Lei Complementar n. 87/96, determina, em razão do caráter plurifásico[3] do imposto em tela, que este deverá ser compensado a cada etapa transacional em que ocorra a exação do tributo — seja operação relativa à circulação de mercadoria, prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação — abatendo-se o montante cobrado nas operações anteriores e evitando-se, dessarte, o chamado “efeito cascata”. Explica Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, passim) que a inclusão da não cumulatividade decorreu das inúmeras críticas dirigidas ao Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) pelos juristas, à época do regime militar. Dizia-se que se tratava de um imposto “[…] avelhantado, ‘em cascata’, propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da Federação e tecnicamente incorreto”. Em razão disso, criou-se o ICM, Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias, não cumulativo. Pretendia-se, dessa forma, minorar a carga tributária incidente sobre as mercadorias e, por conseguinte, o valor final dos produtos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, foram acrescidos ao espectro de incidência do antigo ICM dois serviços — de transporte intermunicipal e interestadual e o de comunicação — passando então a denominar-se Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS. Acerca do tributo e do princípio sub examine, expõe Edvaldo Brito (2016, passim): “[…] o princípio da não cumulatividade e o sistema de abatimento, que é o seu consectário e o viabiliza, são veiculados, na Constituição, por normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata […]”. Como retro exposto, a não cumulatividade pressupõe o direito de abatimento, a cada aquisição tributada de mercadoria ou prestação de serviço, do valor pago a título de ICMS nas etapas anteriores. Consiste, percebe-se, em mecanismo similar ao adotado para aplicação da não cumulatividade ao Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). No que concerne ao princípio da seletividade, já abordado em tópico anterior, este reside na outorga do legislador constituinte ao legislador estadual para aplicação de alíquotas de ICMS de acordo com a essencialidade do produto – sendo esta mais gravosa para Gêneros considerados supérfluos e mais branda para aqueles considerados essenciais. Inobstante persista a celeuma doutrinária acerca da cogência ou facultatividade quanto à aplicação da seletividade quando da instituição ou reajuste do ICMS, o texto constitucional constante no art. 155, §2º, III, da CF/88, é claro: “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Para Ruy Barbosa Nogueira (1995, p. 133), “[…] a consideração e decisão de essencialidade no caso é matéria de política fiscal do legislador. […] a essencialidade de mercadorias e serviços deve estar a serviço do bem comum […]”. Embora o emprego do vocábulo poderá no referido dispositivo indique que o emprego do critério da seletividade para o ICMS seria facultativo, exsurge de tal dispositivo, nítido, o marco principiológico orientador da atividade legislativa estadual: pode-se aplicar ou não a seletividade, sem, contudo, desconsiderar-se o vetor axiológico fixado pelo legislador originário, bem como os demais princípios disciplinadores da atividade legislativa tributária. Preleciona Hugo de Brito Machado Segundo (2017, passim): “[…] Não é lícito invocar-se a facultatividade na ação da seletividade para tributar mais pesadamente produtos essenciais, e de modo mais brando os supérfluos”. A instituição de alíquotas mais gravosas, tendo-se por objeto bem ou serviço essencial, mais do que mero exercício da facultatividade outorgada pelo constituinte, consubstancia afronta aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, e malfere o direito ao mínimo existencial.   2.3  Da celebração de convênios entre os Estados-membros e Distrito Federal no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ No que pertine aos convênios, faz-se necessária a análise quanto ao embasamento legal, bem como acerca dos limites impostos pela norma aos efeitos desses instrumentos de política fiscal. Encontra-se no art. 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) a previsão normativa quanto à possibilidade de acordos mediante deliberação entre os Estados-membros e Distrito Federal, em conformidade com o previsto na Lei Complementar n. 24 (BRASIL, 1975). Em seu artigo 4º, a referida Lei Complementar prescreve que, “dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios […] o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados”. Consoante o §2º deste mesmo artigo, observa-se que a rejeição deverá ser expressamente manifestada pelo ente político, eis que a ratificação poderá ser tanto expressa quanto tácita – a falta de manifestação no dito prazo de 15 (quinze) dias fará presumir a ratificação. Sendo ratificado, o convênio entrará em vigor após 30 (trinta) dias, contados da data de publicação em Diário Oficial da respectiva ratificação. O CONFAZ, órgão ao qual cabe a promoção dos convênios em exame, é composto por representantes de cada estado, do Distrito Federal, indicados pelos respectivos chefes do executivo da esfera estadual, bem como por um representante do Governo Federal. Ressalte-se que, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 4.276/MT, de relatoria do Ministro Luiz Fux), é imprescindível a prévia deliberação dos Estados-membros e do Distrito Federal para concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, em atenção ao disposto no art. 155, §2º, XII, “g”, da CF/88, e LC 24/75, não sendo possível realizá-la por meio de mera Lei Ordinária. Ademais – como se depreende do mandamento constitucional inserto no art. 150, § 6º, cumulado com o disposto na LC 24/75, em seu artigo 1º, parágrafo único, incisos I a V – não será possível a concessão de isenção, remissão, subsídio, redução de base de cálculo, ou quaisquer outros benefícios fiscais concernentes ao ICMS sem convênio que o autorize. Acresce frisar que alguns autores sustentam — dentre os quais, Paulo de Barros Carvalho — que os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ deveriam passar pelo crivo do Legislativo estadual, sendo por este ratificados antes de produzirem seus efeitos (ALEXANDRE, 2017, p.282) a despeito do que prescreve o art. 4º da LC 24/75[4]. Defende Roque Antonio Carrazza (2008, p. 221): “[…] os convênios são uma fase peculiar do processo legislativo, em matéria de isenções de ICMS. Fase que limita a competência das Assembleias Legislativas, mas que não pode eliminá-la”. Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, passim) afirma que “[…] sem a aprovação das Assembleias Legislativas, os convênios de estados não têm legitimidade para operar quaisquer elementos estruturais do ICMS”. Com efeito, apesar do dissenso doutrinário, em razão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.857/SC (STF, 2003, p. 33), o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a subordinação dos convênios celebrados pelo Poder Executivo do Estado-membro à apreciação e aprovação da respectiva Assembléia Legislativa estadual, de modo que os decretos vêm sendo baixados pelos chefes do executivo, como previsto na dita Lei Complementar, independentemente da aquiescência do legislativo. Ressalte-se que os convênios autorizadores de concessões ou revogações de isenções e demais benefícios fiscais atinentes ao ICMS, por força do multicitado art. 155, § 2º, XII, alínea “g” da CF/88, constituem “[…] normas primárias, de hierarquia legal, não podendo ser classificados como atos meramente ‘complementares’[…]” (ALEXANDRE, 2017, loc. cit.). No presente estudo, interessa analisar o ato normativo que regulamenta o ICMS no estado da Bahia – e que ratifica o quanto pactuado no âmbito do CONFAZ – consistente no Decreto n. 13.780 (BAHIA, 2012).   3 Do ICMS sobre energia elétrica instituído no estado da Bahia O estudo sobre o ICMS, seja qual for o ente político adotado como referência, como visto no tópico sobrejacente, deve abarcar o exame não apenas da Lei ordinária estadual que discipline a matéria, mas também do teor específico dos convênios firmados entre os Estados-membros e o Distrito Federal através do Conselho Nacional de Política Fazendária. A seguir, far-se-á uma breve exposição acerca da Lei estadual baiana pertinente ao ICMS, do Decreto n. 13.780/12, bem como da jurisprudência correlata ao objeto da presente pesquisa.   3.1 Da Lei 7.014/96 A Lei estadual n. 7.014 de dezembro de 1996, estabelece o regramento jurídico concernente à cobrança do ICMS no estado da Bahia. A hipótese de incidência sobre energia elétrica encontra-se disposta em seu art. 2º, inciso III e § 2º. Observa-se, em seu art. 16, inciso II, alínea “i”, a previsão de incidência de alíquota de 25% sobre operações de fornecimento de energia elétrica. Soma-se a esta alíquota, por força do disposto no caput do art. 16-A, dois pontos percentuais, a serem destinados ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da pobreza — perfazendo-se a alíquota de 27% incidente sobre energia elétrica. Este mesmo percentual se aplica a bens de consumo como cigarros, bebidas alcoólicas, jet-esquis, joias, perfumes e fogos de artifício. Notadamente, a dita alíquota destoa dos princípios da seletividade e da capacidade contributiva, afetando, sobretudo, o direito ao mínimo existencial e prejudicando as camadas economicamente vulneráveis da população. Ocorre que, como supradito, as diretrizes tributárias relativas ao ICMS — em razão do art. 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, cumulada com a Lei Complementar n. 24 — não cabem unicamente à Lei estadual. Há, portanto, a possibilidade de concessões de isenções e benefícios fiscais por meio da celebração de convênios, firmados entre os Estados-membros e Distrito Federal, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, através dos quais se pode dar concretude aos princípios constitucionais sub examine. Diante disso, convêm examinar o Decreto n. 13.780 de março de 2012, através do qual o chefe do executivo regulamentou benefícios e isenções fiscais autorizados por meio dos convênios.   3.2 Do Decreto n. 13.780/12 Como dito, conforme imposição do art. 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, cumulada com a Lei Complementar n. 24, as matérias concernentes à concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS deverão ser previamente acordadas entre os Estados-membros e Distrito Federal em convênios no âmbito do CONFAZ. É prevista, no art. 4º da referida Lei Complementar, a possibilidade de ratificação expressa pelo chefe do executivo da esfera estadual. O Decreto 13.780, publicado em 18 de março de 2012, traz em seu bojo uma série de benefícios fiscais anteriormente avençados em sede dos mencionados convênios, regulamentando sua aplicação. No que tange a tributação de operações de fornecimento de energia elétrica, o citado decreto traz importantes benefícios que, embora não solucionem a questão da gravosidade da alíquota instituída no estado da Bahia, reduz ou resolve — em relação a certas áreas do setor produtivo e camadas socioeconômicas da sociedade — os efeitos regressivos do ICMS sobre energia elétrica. Objetivando a promoção da economia rural, por exemplo, há no art. 264, inciso IV, alíneas “a” e “b”, do Decreto em estudo, a previsão de isenção de ICMS para operações de fornecimento de energia elétrica para consumo em estabelecimento de produtor rural sobre o consumo total da energia destinada à irrigação, preenchidos os requisitos, bem como para aqueles que consumam até 100 kWh, quando destinada a outros fins. Conteúdo objeto do convênio ICMS 76/91, celebrado através do CONFAZ. Observa-se a aplicação do princípio da isonomia e da progressividade no inciso XVI, do art. 265, a concessão de isenção do ICMS sobre fornecimento de energia elétrica para o consumo residencial, até a faixa de consumo que não ultrapasse a 200 kWh mensais, quando gerada por fonte termoelétrica em sistema isolado. Tal dispositivo regulamenta o convênio ICMS 20/89. Outro benefício que explora a natureza extrafiscal do ICMS, atendendo ao interesse público, é aquele inserto no inciso LXXIV, do art. 265, do decreto em exame, que propõe a isenção do ICMS para o fornecimento de energia elétrica, pela Companhia de Eletricidade da Bahia (COELBA), para unidades consumidoras onde existam pessoas usuárias de equipamento de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia elétrica — v.g. para tratamento de pacientes que necessitem de hemodiálise, para unidades de tratamento intensivo (UTI’s), etc. Tal isenção foi estabelecida em sede do convênio ICMS 58/06. Constata-se, portanto, a relevância dos acordos firmados entre os estados e Distrito Federal através do CONFAZ, como recurso para implementação de políticas fiscais voltadas ao atendimento dos objetivos fundamentais, constitucionalmente estabelecidos, e equacionamento da pesada carga de exações que recaem, muitas vezes, sobre bens e serviços imprescindíveis à consecução do interesse público.   3.3 Do posicionamento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e da Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário n. 714.139/SC O posicionamento jurisprudencial predominante do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia quanto à discutida inconstitucionalidade da Lei estadual instituidora do ICMS, n. 7.014/96, afina-se — quando não indeferido o pleito recursal em razão de inadequações estritamente processuais — ao posicionamento amplamente sustentado pela doutrina, no sentido de ser a alíquota de 27% ofensiva aos princípios da capacidade contributiva e da seletividade[5]. Constata-se, da análise jurisprudencial, que a intenção prevalecente do judiciário baiano é a de afastar a incidência da alíquota abusiva aplicando a alíquota padrão do ICMS no estado (de 17% até o dia 9 de março de 2016, passando a vigorar a de 18% a partir do dia subsequente). Lado outro, afigura como estrutura basilar do Estado Democrático de Direito, inscrita no art. 2º da Constituição Federal, a divisão dos poderes. A esse respeito, dispõe José Afonso da Silva (2013, p.111): […] a divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Inobstante haja a previsão constitucional de especialização funcional e de independência orgânica, o próprio José Afonso Silva esclarece (2013, loc. cit.), “[…] nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas”. Segundo o autor (ibi. loc. cit), “[…] há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos […] indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”. Assim, é inadmissível que a pretexto da pura e simples divisão dos poderes deixe o judiciário de intervir, seja na atividade desempenhada pelo Executivo ou Legislativo, quando do cometimento de excessos e inobservância aos preceitos constitucionais. Nesse sentido, arremata o eminente autor (SILVA, ibid., p. 113, grifo nosso): […] os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. No que concerne a Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário 714.139/SC, de Tema 745,  — de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se discute o alcance do art. 155, § 2º, III, da Constituição Federal, que prescreve a possibilidade de aplicação, pelo legislador ordinário, do princípio da seletividade ao ICMS — este se encontra ainda pendente de julgamento. O referido recurso tem por objeto original o mandado de segurança, em que contendem as Lojas Americanas S/A e o estado de Santa Catarina, e tem por objeto a suposta inconstitucionalidade do artigo 19, inciso II, alíneas “a” e “c”, da Lei estadual 10.297/1996 de Santa Catarina, que institui a alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica no patamar de 25%. (vinte e cinco por cento). Observe-se que apesar de o aludido recurso extraordinário encontrar-se pendente de julgamento e ter sido admitida a repercussão geral, o sobrestamento previsto no art. 1.035, §5º, do CPC[6] não opera efeitos ope legis, dependendo, portanto de expressa determinação do Ministro Relator do respectivo recurso para que se concretize. In casu, o pedido de sobrestamento encetado pelo estado do Rio de Janeiro foi indeferido pelo Ministro Marco Aurélio — consoante decisão interlocutória publicada no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) n. 180, no dia 24 de agosto de 2016 — com fulcro na cláusula pétrea inserta no inciso XXXV, art. 5º, da Carta Política (BRASIL, 1988), segundo a qual “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (STF, 2016, RE 714.139, on-line). Acrescenta o douto Ministro que há elevado número de recursos extraordinários com repercussão geral admitida pendentes de julgamento, e que o prognóstico é de que será necessária “[…] uma dezena de anos para julgar-se os casos […]”, do que se extrai não ser razoável o sobrestamento de dezenas de milhares de processos pendentes, que tramitam em todo o território nacional, que versam sobre este mesmo tema, e esclarece que, em razão disso, a referida suspensão “[…] há de merecer alcance estrito” (ibid). Acresce examinar a manifestação exarada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, nos autos do Recurso Extraordinário em comento, em que este opina pelo provimento parcial do recurso supra exposto, com modulação dos efeitos pro futuro, como autorizado pelo art. 27 da Lei 9.868/99[7]. Em sua fundamentação, o eminente procurador esclarece (STF, 2016, RE 714.139, on-line): ainda que, diferentemente do IPI, o imperativo da seletividade do ICMS não se mostre de modo evidente, “[…] não faria sentido tributar bens essenciais sem qualquer critério, quando se tem à disposição o marco principiológico apresentado pelo próprio constituinte […]”. Acrescenta que caso não fosse necessário dispensar tratamento diferenciado ao ICMS no que pertine a fixação de sua alíquota, igualmente despicienda seria a inserção pelo legislador originário, no inciso III do § 2º, do art. 155, da CF/88, de tal comando — haja vista o tratamento dispensado ao ICM na Constituição anterior, de 1967, que previa alíquota idêntica para todas as mercadorias. Adiante, à décima página do referido parecer, o aludido Procurador-Geral da República pontua que, na atual conjuntura constitucional, tem-se que o ICMS não deve estar adstrito ao seu caráter arrecadatório, mas sim orientado para a facilitação do fluxo das mercadorias e prestação de serviços essenciais de um lado e, de outro, para o desestímulo da circulação de produtos prejudiciais à saúde da população ou supérfluos. Quanto à atenção à separação dos poderes, à autonomia funcional e independência orgânica do Poder Legislativo, assinala o procurador que o Poder Judiciário tem o dever de investigar a questão, de modo a “[…] afastar do cenário jurídico a lei inconciliável com a proteção constitucional ao contribuinte […]” (STF, 2016, RE 714.139, on-line). Neste ponto, importante ressaltar, como sustentado pelo Procurador-Geral Rodrigo Janot, que o afastamento da inconstitucionalidade presente na regra não implica em suposta invasão à reserva legal para instituição das alíquotas, ou, ainda, que esteja o Judiciário a legislar positivamente, mas sim na restauração da regra legislada, preservando-se a supremacia da norma constitucional ofendida em detrimento daquela parcela materialmente viciada. Diante dos fundamentos jurídicos acima aventados, conclui o douto procurador, em face das severas repercussões que decorreriam da alteração imediata da alíquota sub oculis, pela modulação dos efeitos temporais, pro futuro, com base no retrocitado art. 27 da Lei federal n. 9.868 (BRASIL, 1999), caso acolhido a Recurso Extraordinário em lume. Constata-se, portanto, apreciadas as asserções do Procurador-Geral da República, à luz das bases normativas firmadas pelo constituinte, que o estabelecimento de alíquotas desarrazoadas para bens e serviços essenciais — como se denota da atividade legislativa tributária no estado da Bahia — para além de sua reprovabilidade ético-social, configura desrespeito ao constitucionalmente estabelecido e impende que seja, dessarte, remediado, seja pela via legislativa, seja pela via jurisdicional.   Conclusão Diante do exposto, sob o esteio das normas constitucionais estudadas, considerando a política fiscal aplicada pelo legislador ordinário do estado da Bahia, constata-se a necessidade de equacionamento da carga tributária pertinente ao ICMS, mais especificamente, aquele incidente sobre operações de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a promoção da adequada justiça distributiva, a minoração dos efeitos regressivos do ICMS e respeito ao mínimo existencial. A desconsideração do marco principiológico proposto pelo legislador constituinte e instituição de alíquotas excessivamente onerosas para bens essenciais — como a energia elétrica — comparáveis àquelas aplicadas a bens e serviços supérfluos, não reflete a prática tributária mais adequada à consecução do interesse público, eis que feridora, como visto, de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente tutelados. Lado outro, constatou-se o importante papel desempenhado pelos convênios, firmados no âmbito do CONFAZ e dos quais o estado da Bahia é signatário, que promovem, dentro dos limites legais, o atendimento aos preceitos normativos preteridos pelo legislador ordinário estadual, aplicando os princípios da capacidade contributiva, da isonomia e da progressividade. De maneira geral, exsurge do presente estudo a percepção de que a carga tributária atribuída ao ICMS, notadamente àquele incidente sobre energia elétrica, mostra-se desarrazoável e sobremodo prejudicial à parcela mais economicamente vulnerável da população — considerando-se o contribuinte de fato como aquele a quem a gravosidade do tributo atinge mais contundentemente o direito de propriedade. Nesse sentido, apresenta-se premente a necessidade de sopesamento e recomposição dessa carga, a fim de reduzir-se o caráter regressivo que este gravame vem assumindo no ordenamento jurídico-tributário do estado Baiano, cabendo, portanto, aos gestores e legisladores promoverem as condições fiscais constitucionalmente determinadas para atingimento do melhor interesse público.
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A tributação como mecanismo de tutela ambiental
A atual degradação ambiental do Brasil não permite que o homem, continue a utilizar dos seus direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal como escudo para negligenciar o conteúdo da norma prevista no artigo 225 da Carta da República, especialmente o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida. Para que possamos implementar a sustentabilidade, conciliando o os ditames constitucionais do desenvolvimento econômico e da preservação dos recursos naturais, criou-se academicamente a figura da do direito tributário ambiental, qual consiste na utilização dos mecanismos do Direito Tributário como forma de tutela ambiental. A tributação ambiental objetiva incentivar posicionamentos protetores ao meio ambiente mediante concessão de incentivos fiscais e combater condutas degradantes ao meio ambiente mediante a majorazação de tributos. Desta feita, este artigo possui o escopo em analisar os principais mecanismos do direito tributário em prol da tutela ambiental.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Atualmente a população vem-se intensificando os efeitos da degradação ambiental gerada pelo uso inadequado dos recursos naturais advindos do desenfreado capitalismo. A visão antropocêntrica[1], tem acarretado prejuízos imensuráveis ao meio ambiente e à sociedade mundial. O Brasil, no cenário mundial, não está imune aos efeitos maléficos da degradação ambiental, que se estendem a todo o planeta. A dimensão continental territorial dificulta a fiscalização, e, a falta de recursos financeiros para investir em programas de desenvolvimento sustentável, prevenção e recuperação de áreas degradadas, aliadas às parcas políticas públicas efetivas e à falta de consciência ecológica por parte da população e seus representantes, são agravantes que tornam nosso país ainda mais suscetível aos problemas ambientais. Em busca de soluções para o problema da degradação e a atenuação de suas consequências no país, a administração pública lança constantemente vários projetos, objetivando a conscientização da sociedade e dos setores de produção, para a preservação do meio ambiente como forma de melhoria da qualidade de vida. Não obstante, apenas a educação ambiental não é suficiente para alertar sobre o grave risco trazido pela degradação ambiental, de modo a ocasionar e incentivar a adoção de posturas ambientais, Uma outra alternativa para tentar controlar a degradação ambiental depende do Poder Legislativo, por meio da criação de leis que venham a proteger efetivamente o meio ambiente e estabelecer sanções concretas para aqueles que as descumprirem. Tais atos normativos elaborados pelo poder legislativo tem extrema importância para a melhoria das condições ambientais, contudo, apenas a mudança e avanço legislativo na proteção, embora colabore, não é o suficiente para equilibrar o desenvolvimento econômico com preservação dos recursos naturais. Infere-se que o poder público não consegue estancar os efeitos da degradação e implementar políticas públicas de prevenção e recuperação ambiental, de modo que se mostra necessário que toda a sociedade esteja envolvida nas ações em prol do meio ambiente, possibilitando uma vida saudável. Neste contexto, enxerga-se um forte aliado para a administração pública em busca da proteção ambiental, que é o setor empresarial, setor este taxado como um dos maiores poluidores em virtude da sua alta produtividade e dos processos de industrialização que demandam a atual prática comercial. Contudo, para aliciar tal parceiro poluidor, faltam incentivos e benefícios para que os empresários deixem de usar os recursos naturais de forma predatória, optando pela sustentabilidade. Afinal, somente há conscientização no momento em que se fala sobre dinheiro, É neste momento que surge o Direito Tributário como forma de orientação da conduta da sociedade em geral, por meio da criação de incentivos fiscais como ponte para a política de uso sustentável dos recursos naturais pelos empresários, a fim de que, aqueles a adotarem uma postura de proteção ambiental serão beneficiados na carga tributária. O objetivo desta pesquisa é demonstrar a utilização do Sistema Tributário Nacional como forma de efetivar os valores constitucionais ambientais.   Com escopo de tutela ambiental, surge ao Estado a possibilidade de utilizar do direito tributário na proteção ao meio ambiente, concedendo incentivos aos agentes econômicos que adotam a política de uso sustentável dos recursos naturais. Desta feita, surge utilização de tributos com fito ambientalista, no sentido de onerar atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente e beneficiar aquelas prezam pela utilização ecologicamente protetora dos bens ambientais. Sobre proteção ambiental por meio do direito tributário, José Marcos Domingues de Oliveira[2]: “Depois de um longo período no qual os controles diretos foram, quase exclusivamente, os únicos instrumentos empregados na política ambiental, parece que o fracasso destes tem levado a que se comece a considerar o papel que os impostos verdes (as figuras tributárias com fins ambientais) podem ter no campo da proteção do meio ambiente. A utilização das espécies tributárias, quer para suprir à prestação de serviços públicos ambientais, quer fundamentalmente para orientar a atuação dos contribuintes em face do meio ambiente é imprescindível para a superação da crise ambiental”. Ainda, pode-se tutelar o meio ambiente através do direito tributário por meio da concessão de estímulos a atividades que não são poluentes, preterindo-as às atividades empresariais poluidoras. Deste modo, a haveria, efetivamente, a concretização dos princípios ambientais do poluidor-pagador, desenvolvimento sustentável, prevenção e precaução. Esta concretização da tutela ambiental não se dá apenas pela utilização de normas abstratas (princípios), podendo ocorrer também pela instituição de um tributo sobre atividades poluidoras, colocando seu ônus pelo agente degradante. Tal possibilidade advém da autorização constitucional atribuída à União no artigo 154[3], conhecido como imposto residual. O professor Pedro de Barros Carvalho[4] conceitual tal dispositivo constitucional: “(…) impostos previamente indeterminados, que a União fica autorizada a criar, na porção conhecida por residual de sua competência, desde que o faça por lei complementar, fixando-se como parâmetros que não sejam cumulativos, nem venham a ter a mesma hipótese de incidência e a mesma base de cálculo dos impostos adjudicados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Regressando ao tema da tutela ambiental através das atividades tributárias, se mostra pertinente premiar atividades que estejam adotando cuidados necessários para preservação dos recursos ambientais, e que, por tal atitude, sejam recompensadas por uma política tributária estatal, e, que o agente causador de prejuízos ambientais, seja obrigado a contribuir de forma efetiva na recuperação dos danos que tenha causado. Sobre o tema, ensina Fernando Magalhães Modé[5]: “A aplicação da tributação na defesa do meio ambiente se dá, no mais das vezes, mediante a internalização compulsória dos custos ambientais não diretamente ligados a determinada atividade produtiva ou produto (princípio do poluidor pagador). Assim, se, por exemplo, uma determinada empresa teve seus custos de produção incrementados por conta de investimento para a alteração de seu processo de produção, levando-a a reutilização de rejeitos antes despejados no meio ambiente, a imposição de um tributo à concorrente que não adotou tal medida, e que portanto, tem condições de colocar no mercado um produto concorrente a preço menor, é não somente uma medida de cunho econômico, mas, de distribuição de justiça”. Assim, uma política tributária ambiental é capaz de incentivar atividades empresariais não poluidoras e desestimular aquelas que agridem o meio ambiente. Tal política estatal pode comportar a utilização de incentivos fiscais, com finalidade de facilitar a produção empresarial que utilize mecanismos não-poluidores, bem como, utilize dos tributos sobre atividades potencialmente e efetivamente danosas ao meio ambiente. Não bastasse, infere-se que todos os envolvidos nesta relação são beneficiados, pois a empresa, em razão dos incentivos concedidos, agraga imagem positiva perante os consumidores, aumentando sua renda, já o poder público, aufere subsídios para a prevenção e recuperação dos recursos naturais afetados, e, a sociedade, pois o meio ambiente ecologicamente equilibrado gera a melhoria da qualidade de vida da população. Portanto, a utilização dos tributos na tutela ambiental representa uma da forma eficaz de garantir a preservação do meio ambiente, contribuindo para o direito fundamental da vida. No ponto, convém relembrar que a Constituição Federal, embora que timidamente, já se preocupa com a utilização do Direito Tributário em prol do Direito Ambiental, ao prescrever que as verbas arrecadadas pela Contribuição de Intervenção no Domínio Público serão destinadas ao financiamento de projetos ambientais relacionados com petróleo e seus derivados[6]. Desta feita, averiguado que o Direito Tributário pode ser utilizado como uma fonte de políticas públicas ambientais, convém analisar os meios da sua efetivação.   No ponto, necessário o estudo das diferentes funções do tributo (fiscal e extrafiscalidade). A denominada tributação fiscal tem como escopo à arrecadação de verbas custeio dos serviços públicos, a chamada função primária do tributo. Sobre o tema, cita-se o Professor Fábio Canazaro[7]: “Tributo é um meio para atingir-se um fim. É dever fundamental materializado por meio de uma prestação pecuniária de caráter compulsório, instituído por lei, devido à entidade de direito público e cobrado mediante atividade plenamente vinculada, com vistas à promoção dos direitos fundamentais, seja mediante a geração de receita pública, seja mediante a orientação socioeconômica dos cidadãos. O presente conceito justifica a classificação dos tributos em dois grupos. O grupo dos tributos de natureza fiscal, em que o fim — a promoção dos direitos fundamentais — dá-se a partir da atividade de geração de receita, isso para e momento posterior fazer frente às despesas do Estado (…)” Sob o prisma da fiscalidade, todos valores levantados pela administração pública servem para encher os cofres públicos, não havendo qualquer vínculo com tais valores. Já a chamada tributação extrafiscal é orientada para fins diversos que tão somente a captação de dinheiro. O fim perseguido pela extrafiscalidade ocorrerá quando o ente tributante utiliza das espécies tributárias como forma de regularização, orientação ou educação. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho[8]: “vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de ‘extrafiscalidade’”. Portanto, a extrafiscalidade caracteriza-se pelo exercício da cobrança tributária para atender a outros interesses, que não meramente arrecadatórios. Tal medida é adotada pelo Estado como forma de sanar as externalidades negativas geradas pelas atividades, sempre com o objetivo de corrigir distorções sociais e econômicas, ou ainda fomentar certos comportamentos que prestigiem os valores constitucionais. Considerando que a função extrafiscal corresponde à interferência estatal para estimular ou desestimular condutas da sociedade, pode-se afirmar que ela pode ser utilizada com vistas à defesa ambiental. É nesta seara que se percebe que o caráter extrafiscal prevalece na utilização dos tributos voltados à questão ambiental, pois seu escopo é orientar condutas não poluidoras e coibir as agressoras ao meio ambiente, ficando a natureza arrecadatória em um segundo plano. A prevalência do caráter extrafiscal não significa que a função fiscal está superada ou que é menos importante no contexto da utilização dos tributos com conotação ambientalista. Ela existe (função fiscal) e é evidenciada quando as espécies tributárias são manejadas no sentido de captar e disponibilizar recursos destinados a financiar programas de proteção ambiental. No entanto, não se pode negar que a intenção primária é o estímulo a comportamentos ambientalmente corretos e desestímulo àqueles que não o são. Dessa forma, percebe-se que ao Estado compete adotar posturas que promovam a tutela do meio ambiente e coibindo aquelas que são fontes de degradação.   2.1 EXTRAFISCALIDADE: A UTILIZAÇÃO DE BENESSES FISCAIS EM PROL DO DIREITO AMBIENTAL Necessário observar, neste momento, algumas outras benesses fiscais decorrentes do Poder de Tributar, tais como as isenções, a progressividade e a seletividade dos tributos como meio tutelar o meio ambiente. Estes instrumentos tributários configuram importantes instrumentos à disposição da administração pública na busca da proteção ambiental Os chamados de estímulos fiscais ou benefícios fiscais (isenções tributárias) estimulam os contribuintes a fazerem algo que a ordem jurídica considera conveniente, interessante ou oportuno. Esse objetivo é alcançado pela concessão de benesses ou por intermédio da diminuição ou até da supressão da carga tributária para aqueles que adotam determinado comportamento delimitado pelo ente tributante. Desta feita, abre-se a oportunidade ao Estado conceder benesses fiscais às empresas reconhecidas como poluidoras, desde que assumam determinada postura pró-meio ambiente. Ao mesmo tempo, estar-se-ia desestimulando atos de agressão ao meio ambiente. A concessão de benefícios fiscais como instrumento de política ambiental não pode se dar de forma abusiva e servir ao favorecimento de interesses econômicos ou ideológicos de determinados grupos, sob pena de comprometer a justiça fiscal. Sua utilização há de se dar de forma prudente e criteriosa, em respeito aos princípios tributários e ao Sistema Tributário Nacional. A utilização destes benefícios fiscais como forma de promoção da preservação ambiental se revela algo de grande relevância, já que a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de ser garantia fundamental do indivíduo, reflete diretamente na qualidade de vida da sociedade, melhorando outros setores que também são de responsabilidade estatal, como a saúde pública. Paulo Henrique do Amaral[9] leciona sobre a utilização dos incentivos fiscais na defesa ambiental: “Adota-se a expressão ‘incentivos fiscais’ para designar o estímulo dado aos contribuintes por realizarem condutas voltadas à proteção ambiental ou por induzir os contribuintes a não praticarem condutas poluidoras; para tanto, a pessoa política competente poderá diminuir, retirar ou aumentar a carga tributária do sujeito passivo como forma de atender ao seu escopo”. Conclui-se, portanto, que a concessão desses incentivos pode servir como meio de reestruturação das atividades econômicas e encaminhamento à defesa da causa ambiental, na medida em que as empresas poderão reduzir seus custos, principalmente no que se refere à carga tributária, se adotarem, tecnologias limpas, as quais permitam o desenvolvimento sem que este ocorra à custa da escassez dos recursos naturais. As isenções tributárias apresentam-se como uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica que impede que o tributo nasça ou que faz com que surja mitigado. A lei que fixa as isenções, no momento em que é elaborada e passa a ter efetividade, retira do campo de incidência das normas tributárias determinadas situações fáticas. A obrigação de pagamento dos tributos não chega a nascer, pois a lei protege tais fatos em relação a qualquer cobrança. De fato, as aptidões para impor a cobrança de tributos, respeitadas as regras de competência prevista na Lei Maior, alberga também a faculdade do ente tributante conceder isenções. Assim, as isenções, quando ligadas à ideia de incentivos fiscais e de extrafiscalidade, podem assumir inegável conotação ambiental, sendo utilizadas como forma de contemplar as posturas que contribuam para a concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A progressividade dos tributos também pode ser aplicada com caráter extrafiscal, desestimulando os contribuintes a adotarem comportamentos considerados inadequados frente às disposições legais constitucionais e infraconstitucionais. O sentido extrafiscal torna-se claro quando esta progressividade não tem como objetivo primordial a captação de recursos, mas sim a contemplação de direitos e valores que são tidos como essenciais para o desenvolvimento socioeconômico. A espécie tributária é progressiva quando as alíquotas são fixadas em porcentagens variáveis e crescentes, conforme a elevação do valor da matéria tributável. O professor de desembargador federal, Leandro Paulsen[10] conceitua progressividade como: “A progressividade é uma técnica de tributação através da qual se dimensiona o montante devido de um tributo mediante a aplicação de uma escala de alíquotas a outra escala correlata, fundada normalmente na maior ou menor revelação de capacidade contributiva. O parâmetro de referência para a variação de alíquota geralmente é a própria base de cálculo do tributo. Assim, faz-se com que bases menores suportem alíquota menor e bases maiores suportem alíquota maior (…). Através das alíquotas progressivas é possível fazer com que aqueles que revelam melhor situação econômica e, portanto, maior capacidade para contribuir para as despesas públicas, o façam em grau mais elevado que os demais, não apenas proporcionalmente a sua maior riqueza, mas suportando maior carga em termos percentuais. É, portanto, um instrumento para a efetivação do princípio da capacidade contributiva, mas deve ser utilizado com moderação para não desestimular a geração de riqueza, tampouco desbordar para o efeito confiscatório, vedado pelo art. 150, inciso IV, da Constituição.” A Constituição Federal prevê a progressividade extrafiscal quando institui, no inciso II do parágrafo primeiro do artigo 156, e no parágrafo quarto do artigo 182, efeito progressivo para o imposto predial territorial urbano quando a propriedade não atender a sua função social. Sabe-se que um dos requisitos indispensáveis para o cumprimento dessa função social é o respeito às normas ambientais. Sendo assim, o proprietário que desrespeitar o meio ambiente está sujeito ao critério progressivo do imposto predial territorial urbano, o qual aumentará suas alíquotas no tempo com o objetivo de desestimular tal conduta. Não se tem com esta progressividade a finalidade arrecadatória, mas sim a de coibir posturas que não atendam a um dos pressupostos básicos do respeito à função social da propriedade. Outro instrumento extrafiscal que pode ser manejado para induzir a sociedade a agir deforma a respeitar as disposições ambientais é a seletividade. Tributo seletivo é aquele que onera diferentemente os bens sobre os quais incide em razão de certos critérios. Prevista nos artigos 153, parágrafo terceiro, inciso I e artigo 155, parágrafo segundo, inciso II da Constituição Federal, a seletividade é principalmente aplicada levando-se em consideração a essencialidade dos produtos, mercadorias e serviços. Neste contexto, permite-se que existam aumentos de alíquotas e de bases de cálculo a produtos e serviços que não se apresentem como essenciais à sociedade, como por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas, desestimulando-se a sua aquisição; e diminuição nestas alíquotas e bases de cálculo em relação àquilo que é necessário às condições mínimas de existência, como os industrializados de primeira necessidade, possibilitando seu acesso à todos os níveis sociais. Nos dias atuais, os produtos, mercadorias e serviços essenciais não são mais apenas os necessários para a existência humana, mas sim aqueles considerados imprescindíveis para que a pessoa possa viver com dignidade. Nesses termos, tem-se que o conceito de essencialidade não está restrito apenas à satisfação das necessidades primárias, aquelas que garantem ao indivíduo apenas sua subsistência. O conceito abrange também aquilo que se apresenta como indispensável à manutenção de um padrão mínimo de vida, condizente com o lugar, o tempo e a sociedade em que se vive. Logo, conclui-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto condição indissociável da qualidade de vida da população, configura-se como um bem essencial e necessário para a garantia do bem estar individual e coletivo. Não há como estabelecer condições mínimas de existência, com um padrão aceitável, em um ambiente totalmente degradado. Utilizando a seletividade como forma de efetivar o valor constitucional da defesa ambiental, pode-se coibir o manejo e consumo de produtos e mercadorias perigosas e nocivas ao meio ambiente, além de serviços que sejam prejudiciais e que representam potenciais ofensas aos recursos naturais. De outra banda, a seletividade também está apta a incentivar o consumidor a prestigiar os produtos e mercadorias que sejam produzidos mediante a adoção de tecnologias que minimizem ou anulem os danos ambientais.   CONCLUSÃO O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental e essencial ao indivíduo, conforme exegese do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, e, diante da sua importância, pois é direito transindividual, merece uma maior tutela por parte da administração pública e da sociedade como um todo. Não obstante eventuais ações protetivas por parte da sociedade, incumbe ao Poder Público um papel de suma importância na tutela ambiental, através das atividades que desempenha, dentre elas, em especial, a tributária. Dentre os mecanismos de proteção ambiental que dispõe o Estado, sobressaem-se dois mecanismos decorrentes do poder tributário, a função fiscal e a extrafiscal.  A primeira destina-se a captação de recursos, quais podem ser destinados a projetos ambientais; já a segunda função, poderá ser utilizada como meio de coerção ou educação para aqueles agentes poluidores, ou, ainda, poderá ser utilizada como forma de beneficiar aqueles agentes que praticam suas condutas com pensamentos pró-meio ambiente. Desta feita, realizado estudo à luz da Constituição Federal da República Federativa, bem com do Código Tributário Nacional, encontraram-se mecanismos próprios do Direito Tributário aplicados à tutela transindividual do meio ambiente. Portanto, diante do exposto no bojo deste trabalho, podemos concluir que a tributação ambiental se monstra uma eficaz ferramenta na preservação do meio ambiente, vez que o tributo não corresponde a uma sanção, e, não há óbice para que possa ser utilizado na arrecadação para o bem estar comum, tutelando e preservando o meio ambiente.
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Imposto de Importação: A Não Concessão da Isenção Pela Alfandega Aos Produtos de Baixo Valor
RESUMO
Direito Tributário
Conforme o entendimento do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, 5026178-05.2017.4.04.7000, SEGUNDA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 18/04/2018: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. DECRETO-LEI N.º 1.804/1980. PORTARIA MF N.º 156/99 E IN SRF N.º 96/99. ILEGALIDADE. 1.Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2.A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3.Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade”. A Receita, corriqueiramente se defende apontando principalmente para o texto do Decreto-Lei nº 1.804/80, que não é no todo errado, porém como já dito, portaria não é instrumento apropriado para modificar comando legal. Vale frisar que, para nós, a aplicação da isenção nos termos da portaria nº 156/99 só se torna impraticável pelo motivo de que ela modifica o preceito legal, de modo que qualquer ato reflexo dessa ilegalidade não deverá prosperar. Apesar de reconhecermos como válido, porém, não correto, o argumento apresentado no sentido de que: o Decreto-Lei nº 1.804/80 possibilitou ao fisco a liberdade de flutuar o valor da isenção (pois fazendo uma analogia à teoria da árvore envenenada, se um ato não deveria existir, todos aqueles que se subseguem também não poderão existir). A consequência deste tipo de ilegalidade é a inconstitucionalidade da portaria. Isto porque há expressa previsão constitucional no sentido de que para a criação de tributo deverá haver, necessariamente, uma Lei.[6] Como se pode notar, o comando legal não se tornou cristalino o suficiente para afastar qualquer margem de dúvidas para os limites da discricionariedade do fisco na elaboração de portarias, o que nos leva aos entendimentos de nossos magistrados. De modo que hoje toda a cobrança de impostos, baseado na referida portaria, se torna impraticável, pois o ato já nascera ilegal, o que acarretara na obrigatoriedade de ressarcimento ao contribuinte do valor pago. Trata-se de alíquotas ad valorem, ou seja, valor em percentagem que incide sobre o valor que o produto alcançaria em situação de livre concorrência, conforme estabelece o art. VII, alínea “b” do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que visa regulamentar a relação de importação e exportação entre países, cuja a data é de 30 de Outubro de 1947, ao qual o Estado Brasileiro é signatário). Apesar de no campo teórico ser um comando perfeito, na vida prática não é tão efetivo quanto poderia ser, isso porque  não tem como o fiscal saber, ao certo, qual o valor do produto em situação de livre concorrência, vez que o mercado de consumo é flutuante, com um produto valendo pouco hoje, mas amanhã poderá valer muito, ou mesmo a decisão do vendedor em vender o produto por um valor alto, mesmo que não o fosse o valor praticado com frequência no mercado, ou baixo (se valendo do renome da marca de sua empresa no mercado de consumo), de forma que sem critérios objetivos, previstos em Lei, cria-se margem para abusos. Sabbag (2012, p. 1116) nos ensina que, o Poder Executivo poderá variar o valor da alíquota de acordo com seus interesses, porém, tais mudanças estão limitadas à Lei, ou seja, está presa à Legalidade em sentido lato. Mesmo que não necessite de norma anterior para que seus valores sejam alterados, em razão da não obediência a anterioridade e nonagesimal. Isso quer dizer que uma vez dentro do limite legal previsto, os valores poderão variar sem o respeito à Legalidade, no entanto, não se pode extrapolar o quantitativo. Ocorre que por força do princípio da Legalidade, nenhuma portaria poderia vir a modificar o comando expresso de uma Lei e estabelecer novos referenciais não autorizados. A consequência é que, todo ato derivado da ilegalidade tributária deverá ser ou ressarcido ou não cobrado, pois é o princípio da Legalidade reinante em nosso ordenamento. Nesse sentido, nos parece que há a existência de certo protecionismo indireto, já que a cobrança está sendo feita de forma não prevista em Lei, tão pouco favorece a importação de bens de consumo por pessoas físicas, o que denota uma certa violão ao GATT, pois como estabelece o citado acordo, não é permitido a cobrança de taxas a fim de proteger o mercado nacional, sendo lícito apenas ao valor aproximado do custo[7]. Com proteção, significa, dificultar a entrada de produtos estrangeiros deixando-os em relação de desigualdade com os nacionais. Apesar que, é sabido que uma das funções de impostos de importações é evitar o Dumping, que é a entrada em excesso de produtos alienígenas no território com preços muito baixos. De acordo com Thorstensen[8], aqueles que defendem a proteção às leis trabalhistas alegam que a sua violação geraria uma competição desleal; apesar de ser reconhecido que, para alguns países, a mão de obra é fator importante para o seu destaque comercial (de forma que mesmo que não seja algo pacífico no cenário mundial, aqueles que praticam a produção respeitando leis trabalhistas primordiais são vistos com bons olhos), e desta forma, retirando a possibilidade de concorrência dos produtos nacionais. Mas não é o que ocorre no Brasil acerca da aplicação da portaria nº 156/99. Corolário, o GATT foi amplamente discutido acerca da proteção que os países poderiam se valer. Velloso[9] nos ensina que eram, em sua maioria, países em desenvolvimento que desejavam se proteger do comércio de países desenvolvidos, e apesar do protecionismo ter sido amplamente combatido pelo Estados Unidos, ele acabara sendo vencido[10], porém, o acordo firmou a possibilidade de proteção apenas quando a economia nacional estiver envolvida. Vale apontar que, a pratica aduaneira não encontra respaldo no GATT, vez que ela viola seu ordenamento, isto é, não se fundamenta na defesa da economia nacional, mas tão somente em uma interpretação do Decreto-Lei nº1.804/80 de forma que inúmeras decisões apontam à não possibilidade da aplicação da portaria nº 156/99. Nesse sentido, o Tribunal Federal da 4ª Região, Processo: APELREEX 6870 RS 2005.71.00.006870-8, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: D.E. 04/05/2010 Julgamento: 14 de abril de 2010, Relator: Álvaro Eduardo Junqueira: “Ementa. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTACAO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. PORTARIA MF Nº 156/99 e IN SRF 96/99. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade”. Novamente apontamos para a questão da cobrança da remessa postal, que, de acordo com o fisco, deve ser cobrado como se fosse tributo, fato esse já bordado, vide nota de roda pé nº 9, e que é amplamente combatido, pois trata-se de matéria consumerista e não tributária.   Conclusão Com o advento de novas tecnologias, tal qual a internet, as pessoas começam a adquirir produtos dos mais variados países. Trata-se de um fenômeno mundial, que induz os países com grande fluxo de mercadorias, assim como o Brasil, a celebrarem acordos internacionais, tal qual o correu com o GATT (cujo assinantes em sua maioria são países em desenvolvimento) que estabelece aos países membros que não poderão dificultar a entra de produtos em seus territórios, salvo para garantir a segurança econômica nacional. Esse entendimento não foi pactuado pelo Estados Unidos, vez que para ele, quanto menos entraves ao seu comércio, melhor. Em nosso ordenamento, esse tratado gerou o atual entendimento para cobrança de imposto de importação, no entanto, uma prática diária aduaneira é motivo de insatisfação do contribuinte, quer seja, o não respeito ao comando expresso em Lei. Sob o fundamento que o Decreto-Lei nº 1.804/80, em seu art. 2º possibilitara a flutuação da base de cálculo, a Receita Federal edita a portaria nº 156/99, e estabelece um novo critério, quer seja, a necessidade do remetente ser pessoa física, para seja possível a aplicação da isenção do produto importado. É certo que a Administração poderá flutuar a alíquota sem a necessidade de lei, no entanto, ela deverá se limitar aos valores legais, isso porque é a lei que cria ou modifica tributos em nosso país e não portarias.  Em outras palavras, a Lei cria limites abstratos que permitiram à Administração flutuar para mais ou para menos, dentro desses limites. Desta forma, a prática da Receita de cobrar o imposto (mesmo após sentenças apontando para a ilegalidade), aponta que para o nosso fisco, a legalidade, os valores constitucionais e a confiança do contribuinte no sistema tributário, são todos menos importantes que a necessidade de arrecadar e proteger o mercado interno dos produtos estrangeiros, que costumam ser mais baratos que os nacionais, devido as baixas tributações a que são expostos na fabricação e comercialização dos produtos em seus países de origem. Assim, após visualizarmos o GATT onde o Estado brasileiro é signatário, bem como o princípio da legalidade e reserva legal, concluímos que o melhor entendimento é aquele que estabelece a portaria 156/99 como sendo ilegal, vez que ela não é competente para modificar Lei, e por consequência, majorar o tributo; atingido diretamente a concessão da isenção aos produtos importados por pessoas físicas.
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O Fim da Segunda Instância no Processo Administrativo Tributário
O autor analisa o tempo gasto nos julgamentos dos processos tributários, no período de 2007 a 2011, com valor superior a R$ 400.000,00, na primeira e segunda instância administrativa do Distrito Federal (134 processos e montante de R$ 0,97 bilhão), tendo observado que os tempos médios são de 1,16 e 2,63 anos, respectivamente. A situação é tão crítica que há processo que demorou quase onze anos (10,99 anos) só para concluir as fases de julgamento. Na amostra tem processos não julgados (11), que representam 15,36% do montante, com prazos médios de 1,35 e 6,65 anos na primeira e segunda instância, respectivamente, sendo que no pior caso o processo foi iniciado há aproximadamente 15 anos. Como a inscrição em divida ativa só ocorre após a decisão final do julgamento administrativo, este prazo é mais que suficiente para a empresa desaparecer sem ser enquadrada como alienação fraudulenta. Analisa ainda tempos gastos com outros fatores que influenciam no caminhar do processo administrativo. Com base na doutrina e jurisprudência, sugere o fim da segunda instância administrativa ou sua substituição por uma estrutura mais eficiente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Trata-se de resumo de estudo de caso encaminhado ao Secretário de Fazenda do Distrito Federal em 14/07/2017, com planilhas que demonstram as situações envolvendo uma amostra de 134 processos, de 2007 a 2011, com valores superiores a R$ 400.000,00, que seguiram para a segunda instância administrativa. O presente trabalho teve como objetivo verificar os tempos médios gastos nos julgamentos de primeira e segunda instância e demais problemas referentes ao andamento dos processos administrativos tributários no Distrito Federal e suas respectivas implicações legais. Para embasar as sugestões no final do estudo, realizou-se a pesquisa da Legislação Tributária, Legislação Processual Administrativa Tributaria do DF, Lei dos Juizados Especiais, Constituição Federal, bem como pesquisa bibliográfica, abordando as opiniões de renomados doutrinadores e decisões jurisprudenciais, que trouxe clareza sobre o tema em estudo. Após a introdução, é apresentado um retrato da situação dos processos objetos da amostra, em seguida faz-se uma análise de demais fatores que retardam o andamento do processo. Depois de analisar a posição dos doutrinadores e dos tribunais sobre o julgamento administrativo tributário, tem-se o respaldo para apresentar sugestões para melhorar a eficiência do julgamento administrativo tributário. Ao final, conclui-se pela desnecessidade da segunda instância na forma hoje existente.   I – O RETRATO DA SITUAÇÃO Analisando tempos gastos nos julgamentos dos processos que passaram pela primeira instância administrativa (GEJUC) de 2007 a 2011 e seguiram para o Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF), via Recurso Voluntário, cujo valor supera R$ 400.000,00, (134 processos que totalizam aproximadamente o montante de R$ 0,97 bilhão), podemos observar que o tempo médio de julgamento no TARF é 2,63 anos, contra 1,16 da GEJUC, e esta relação poderia piorar caso não tivesse havido desistência de contribuintes de recursos interpostos (8 processos) e os processos ainda não julgados (11 processos) demorem a ser concluídos. Se olharmos somente os processos não julgados (11), podemos observar que eles representam 15,36% do montante e tem um prazo médio de TARF, até a presente data, de 6,65 anos, e prazo médio GEJUC de 1,35. Dentre estes tem processo que foi autuado há aproximadamente 15 anos. Se verificarmos os processos que estão no TARF há mais de 3 anos (32,09% dos processos e 57,72% do montante), onde temos todos os onze pendentes de julgamento e cinco dos oito em que houve desistência do recurso, perfazendo um tempo médio de 5,10 anos no TARF e 1,25 na GEJUC. Pode se obsevar que quanto maior o valor do processo, maior a demora no julgamento do TARF. Isto não se justifica, visto que a quantidade de processos na primeira instância é bem superior, pois muitos não chegam ao TARF, quer seja por ter decisão favorável ao contribuinte e o valor reduzido ser menor que o exigido para o reexame necessário, quer seja porque o contribuinte não interpôs recurso voluntário. Para se ter uma ideia desta proporção, no período em análise, o percentual médio de processos que passaram pela GEJUC e chegaram ao TARF foi de 26,52%, no entanto, se desconsiderarmos os processos repetitivos o percentual médio cai para 15,56%. Reitere-se que os números obtidos pela GEJUC foram com efetivo inferior (em média, nove julgadores) ao do TARF, dez conselheiros (art. 53[1] da Lei 657 de 25/01/94), até junho/2011 e quatorze após tal período (art. 86[2] da Lei 4.567 de 09/05/2011), o que torna os tempos médios do TARF ainda piores, sem contar que em muitas decisões, só confirmam a da primeira instância. Outro ponto a se considerar é que, com a Lei 4.567/2011, passou-se a julgar a impugnação e não mais o auto de infração, e aumentou-se o número de membros do TARF, dentre outras alterações, que deveriam trazer mais celeridade no julgamento, no entanto, se observarmos o tempo médio do TARF nos processos após maio de 2011 (2,36 anos), vemos que este não mudou muito em relação à média geral (2,63), e, nesta situação, não dá para comparar os prazos da GEJUC com o TARF, por estarem em situação jurídicas diferentes, visto que a amostra só vai até 2011 e a quantidade de processo julgados pela GEJUC após a referida Lei é insignificante. A situação é tão crítica que se observarmos o prazo total de julgamento administrativo, vemos que teve processo que demorou quase onze anos (10,99 anos) para ser concluído, sem contar a fase de preparo processual. Como a inscrição em divida ativa só ocorre após o julgamento administrativo, este prazo é mais que suficiente para a empresa desaparecer sem ser enquadrada como alienação fraudulenta (art. 201 c/c art. 185 do CTN[3]). Se levarmos em consideração que após o trânsito em julgado administrativo o contribuinte ainda pode recorrer ao Judiciário, vemos o imenso prejuízo para arrecadação que esta demora traz.   II – OUTROS FATORES QUE AFETAM O ANDAMENTO DO PROCESSO Pesam ainda em desfavor do processo administrativo o fato de todos os prazos da administração serem impróprios, por exemplo: Já no Judiciário os únicos prazos impróprios são os do juiz. Os demais prazos, uma vez não obedecidos pelas partes, leva ao encerramento do processo. Obviamente que existem diversos outros fatores que afetam o julgamento administrativo, no entanto, entendo que para a situação em análise estes são os principais.   III – POSIÇÃO DOS DOUTRINADORES E DOS TRIBUNAIS Veja que diversos doutrinadores já apontam para o problema dos julgamentos administrativos, como ineficientes e que só procrastinam a demanda em prejuízo do estado. A este respeito, RAMÓN VALDÉS COSTA (1984)[8] propõe que toda lide tributária deveria ser apreciada somente pelo Poder Judiciário. Proposição esta que tem por princípio fundamental de que ninguém pode ser juiz em causa própria. Porém, por ser a obra anterior a nossa Constituição, esta poderia estar em desacordo com os incisos XXIV, alínea “a” e LV, do artigo 5º[9], os quais segundo vários doutrinadores garante a litigância administrativa, visto que quem peticiona tem direito a uma resposta e para tanto o processo deve ser analisado obedecidos a ampla defesa e o contraditório. Já MARIA DO SOCORRO CARVALHO BRITO (2003)[10] conclui em seu artigo que o processo administrativo tributário brasileiro, apesar de condignamente concebido pela Carta Magna, ainda se apresenta tímido, sem alcançar, vastamente, o seu fim maior, que é realizar a justiça administrativa, afastando a discricionariedade do órgão tributante e a arbitrariedade. No entendimento da autora, a justiça administrativa não vem sendo alcançada, dentre outros problemas, quer seja pela morosidade no julgamento… quer seja, ainda, porque, considerando que o nosso sistema adota a teoria dualista, que implica em processos autônomos nas esferas administrativa e judicial, ao cabo do processo administrativo… o contribuinte se utilizará das vias judiciais, repetindo todo o processo. Entende que se faz necessário repensar o contencioso administrativo em vigor em nosso país, pois, da forma como posto nas mais variadas leis existentes, a justiça administrativa, para o qual se propõe, constitui mais um entrave à célere solução da controvérsia tributária. Veja que enquanto Valdés Costa propõe uma alternativa de solução, Carvalho Brito se limita a apontar os problemas, mas em uma coisa pode se observar a concordância de ambos, que é: O processo Administrativo Tributário precisa ser repensado. Outro ponto a ser considerado é a não obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição na esfera administrativa. É grande a confusão feita entre o “princípio da ampla defesa”, com a instância única, devendo se esclarecer que uma coisa não exclui a outra, veja que o princípio da ampla defesa, como bem expõe a Professora Renata Malta Vilas-Bôas[11]: “Princípio da Ampla Defesa tem como fundamento o direito de alegar fatos relevantes juridicamente e a possibilidade de comprová-los por quaisquer meios de prova em direito permitido. Podemos assim concluir que, para que a parte possa usufruir desses dois princípios em tela é preciso que se tenha ciência dos atos praticados pela outra parte…” Portanto, uma vez dada ciência ao contribuinte e aberto o prazo legal para que este, observando o princípio da eventualidade, apresente todas as alegações de defesa que julgue relevante, não há que se falar em desrespeito ao princípio da ampla defesa. No mesmo sentido nos ensina o Professor Jorge de Miranda Magalhães[12] “…entende não se poder admitir a relação processual sem a presença do réu, que a ela deve ser chamado, seria absolutamente inócuo o regramento se, comparecendo a juízo para se defender, e opor-se à pretensão do autor, o réu não pudesse, em juízo deduzir toda a prova de seu interesse. Daí ser chamada de pleonástica a expressão ‘ampla defesa’, já que toda defesa, como garantia constitucional, deve ser a mais ampla possível, inadmitindo-se a sua prévia limitação.” Por conseguinte, se o contribuinte tem oportunidade de opor a pretensão do autor sem que lhe seja imposta nenhuma limitação, a não ser a temporal, sendo lhe disponibilizado todas as provas em que se baseia a pretensão do estado, não há, também, que se falar em violação ao princípio da ampla defesa. Vale lembrar que o princípio do duplo grau de jurisdição não é princípio constitucional como quer fazer crer alguns doutrinadores, como bem coloca João Batista do Rêgo Júnior, em artigo publicado no site: http://ambitojuridico.com.br,[13] onde afirma que o que houve, na realidade, foi uma “desconstitucionalização” do referido princípio, visto que estava previsto na constituição imperial de 1824 (art. 158) e não foi replicado nas demais constituições. Ressalte-se que já existe inclusive posicionamento judicial sobre o assunto admitindo instância única no processo administrativo: “STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1279053 AM 2011/0220846-2 (STJ) Data de publicação: 16/03/2012 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PENA DEPERDIMENTO DE BENS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECRETO-LEI Nº 1.455 /76. DECISÃO IRRECORRÍVEL DO MINISTRO DA FAZENDA. AUSÊNCIA DEOBRIGATORIEDADE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento segundo o qual “não há, na Constituição de 1988, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa” (RMS 22064/MS, Rel. Ministro VASCO DELLAGIUSTINA, DJe 05/10/2011). II – Não se incompatibiliza com o ordenamento jurídico pátrio, que não prevê o duplo grau obrigatório na instância administrativa, a previsão contida no § 4º do art. 57 do Decreto-Lei nº 1.455/76 de decretação de pena de perdimento de bens em processo administrativo, por decisão irrecorrível do Ministro da Fazenda. III – A Lei nº 9.784 /99, que dispõe que das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito, porque de caráter geral, não teve o condão de derrogar o Decreto-Lei nº 1.455/76, que regula procedimento administrativo específico relacionado à pena de perdimento de bens.IV – Prevendo o artigo 69 da Lei nº 9.784 /99 que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei, não há, pois, falar em derrogação dos preceitos do Decreto-Lei nº 1.455 /76.V – Agravo regimental a que se nega provimento.” (grifo nosso) Este assunto chegou ao STJ que negou seguimento ao STF com base na sumula 279 do STF “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”, por se tratar de ofensa indireta a constituição. Como se vê, já houve pronunciamento do STJ, sobre a legalidade da instância única nos processos administrativos. De forma idêntica, em processos judiciais, pronunciou-se o STF a respeito do duplo grau de jurisdição, como bem ensina o Professor Sérgio Massaru Takoi[14], citando acórdãos dos ministros: Moreira Alves, Sepulveda Pertence e Joaquim Barbosa. Portanto, se o duplo grau de jurisdição não é obrigatório nem nos processos judiciais, muito menos nos administrativos. Mas não bastasse isto, o STF também já se pronunciou a respeito, dizendo inexistir assento constitucional o duplo grau de jurisdição no processo administrativo tributário. “09/12/2016                                                  SEGUNDA TURMA AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 976.178 PARANÁ RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI AGTE.(S): SANDOZ DO BRASIL INDUSTRIA FARMACEUTICA LTDA ADV.(A/S): SILVIA MARIA COSTA BREGA AGDO.(A/S): UNIÃO PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL EMENTA Agravo regimental. Tributário. Pena de perdimento. Duplo grau de jurisdição. Inexistência de assento constitucional. Inafastabilidade da jurisdição. Devido processo legal. Ofensa reflexa. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual de 2 a 8/12/2016, na conformidade da ata do julgamento, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.” Brasília, 9 de dezembro de 2016. MINISTRO DIAS TOFFOLI – Relator Conforme se observa, com base nos doutrinadores e na jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, a manutenção do duplo grau de jurisdição administrativa é uma prerrogativa da administração.   IV – REPENSANDO O PAF No sentido de afastar a discricionariedade e a arbitrariedade do órgão tributante citado por Carvalho Brito, criou-se a estrutura do Tribunal administrativo Fiscal, com representantes da Fazenda e dos Contribuintes. No entanto, não necessariamente, a união de forças opostas produz o equilíbrio e, conforme demonstrado, este “cabo de guerra” está trazendo prejuízo para a administração, protelando em muito a entrada de recursos. Deve-se ressaltar ainda que tal estrutura: O que a administração almeja, que é um julgamento imparcial e célere, não está sendo alcançado e penso que isto só ocorrerá com um juiz verdadeiramente imparcial. Isto posto, tendo por base os doutrinadores e as jurisprudências acima relacionadas, bem como, uma análise dos tempos gastos nas instâncias administrativas de julgamento do DF, Tem-se o respaldo para as sugestões estruturais a seguir expostas: Claro que estas são apenas algumas situações que poderiam ser implementadas, obviamente, fazendo, periodicamente uma reavaliação dos resultados conseguidos, para verificar a efetividade das medidas.   CONCLUSÃO Por todo o exposto, pode se concluir que o processo administrativo tributário é bastante ineficiente em especial em sua segunda instância, a qual deveria ser suprimida ou, na pior das hipóteses, adotada a forma utilizada pelos juizados especiais, de modo a dar celeridade e permitir que as demandas sigam logo para o Judiciário que é quem detém a competência para realmente decidir. Ainda que os fatos aqui narrados se refiram ao Distrito Federal, é bem provável que, nas demais unidades da federação, a situação não seja tão diferente.
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Benefícios Tributários à Luz do Princípio da Igualdade
As leis obrigam a todos os indivíduos. Com base nessa ideia o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 previu que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, obrigando tanto os legisladores quanto os jurisdicionados a se posicionarem de forma igualitária diante do ordenamento jurídico. Entretanto, muitas vezes o tratamento legal cria distinções entre os indivíduos, favorecendo especialmente alguns em detrimento de outros, como é o caso dos benefícios tributários. Atravessando a construção de um conceito de “igualdade tributária” e do que se entende por “benefícios fiscais”, chega-se a uma possível resposta à indagação se “há conflito entre a concessão de benefícios e o princípio da igualdade”, concluindo que para analisar a adequação de uma norma tributária de benefício fiscal ao princípio da igualdade é necessário analisar o fator de discriminação, a conexão lógica entre esse fator e o tratamento diferenciado, o atendimento desse tratamento aos preceitos constitucionais e, quando isso resultar em colisão de princípios igualmente importantes e protegidos pela Constituição, deve-se operar uma análise econômica dos benefícios e malefícios trazidos pelo benefício fiscal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 insere como primeiras palavras de seu artigo 5º, que cuida dos direitos e deveres individuais e coletivos, a célebre frase “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Tal norma de guia vincula tanto os jurisdicionados e aplicadores da lei como a sua própria confecção, orientando o exercício legislativo para que não fuja ao tratamento igualitário. Todavia, em muitos momentos a legislação dá tratamentos diferentes para pessoas naturais ou jurídicas que se encontram na mesma situação, favorecendo uma em detrimento de outra, com ou sem justificativa razoável. Exemplo disso no campo tributário que nos chama especial atenção é o caso dos “benefícios tributários”, os quais podem ser definidos como dispensa legal de parte do valor que seria arrecadado por um tributo devido; ou seja: ocorre o fato gerador e a incidência da norma tributante, o que dá origem à consequente obrigação tributária e pagamento, porém, com alíquota reduzida em relação aos demais contribuintes do mesmo tributo. A partir desse raciocínio é razoável perguntarmos quais são os limites para a lei estabelecer discriminações, até que ponto é possível criarmos diferenciações entre indivíduos em situações semelhantes, e é essa investigação que buscamos fazer neste artigo. Passaremos pela construção do conceito de “igualdade tributária”, em seguida pela definição dos traços gerais do “benefício fiscal”, de modo a chegarmos, por fim, em uma possível (e não exaustiva) resposta para a nossa questão basilar: “há conflito entre a concessão de benefícios tributários e o princípio da igualdade?”.   1 O CONTEÚDO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE A ideia de igualdade aparece desde as primeiras concepções e teorizações políticas como um norte a ser seguido na criação ou consolidação de um Estado. Acreditamos que é perfeitamente comum o pensamento de que, havendo um ser externo que exerce controle sobre o povo, aqueles que são controlados tendem a criar regras para restringir algumas das áreas de domínio daquele ente. Em outras palavras, é possível e esperável que cidadãos criem espaços de liberdade em relação ao domínio estatal. A igualdade ampla aplicada às teorias de Estado gerou diversas concepções clássicas. Thomas Hobbes (2012, p. 212-215), ao discorrer sobre as leis civis, entende que todos os homens membros de um Estado estão igualmente subordinados à lei, de modo que o Estado impõe a todos os súditos as suas regras, fora das quais não há que se falar em justiça. Tais leis são criadas para limitar as liberdades individuais, sem as quais não seria possível haver paz. Jean-Jacques Rousseau (2012, p. 43) vislumbra dois tipos de desigualdade entre os homens: a natural ou física, estabelecida pela natureza, e a moral ou política, que depende de uma autorização e consentimento dos homens. Investigando o nascimento da desigualdade no âmbito da comunidade estatal, o filósofo escreve que as desigualdades naturais praticamente possuem influência quase nula, de forma que são as desigualdades criadas politicamente que de fato resultam em significativa interferência, por exemplo, a ideia de propriedade (p. 78). Logo, observamos de forma geral (sem nos prendermos às peculiaridades das concepções clássicas de Direito Natural e Positivo) que a igualdade prática depende do tratamento dado pelo Estado para os seus súditos, existindo de forma mais ou menos concreta a depender das escolhas políticas. Contemporaneamente, Celso Antônio Bandeira de Mello (1993, p. 11) investiga quais critérios são legítimos para autorizar um tratamento jurídico diverso para pessoas e situações em grupos apartados. O autor constrói a ideia de que somente são permitidas distinções naqueles casos em que haja uma conexão lógica entre a peculiaridade do objeto e a desigualdade do tratamento, sem colidir com os interesses das Constituição (MELLO, 1993, p. 17). Por essa razão concordamos com o pensamento de que “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania” (BUENO apud MELLO, 1993, p. 18). Sugere, por fim, três critérios para identificar desrespeitos à isonomia, devendo-se observar: 1) o elemento tomado como fator de desigualação; 2) a correlação lógica abstrata entre o critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diferenciado; 3) e a consonância desta correlação lógica com os interesses constitucionais e juridicizados. Acreditamos que esses critérios são bons pontos de partida para estudarmos um instituto jurídico sob a perspectiva do princípio da igualdade. Exemplos como os citados por Mello (1993), como a isonomia de uma norma que reserva vagas femininas em um contingente militar, são passíveis de aprovação pelos três critérios citados: o elemento de desigualação é o sexo biológico daqueles indivíduos; com base nesse critério foram criadas vagas especiais como um tratamento jurídico diferenciado; tratamento esse que pode-se dizer que está em consonância com interesses constitucionais como a busca pela inserção da mulher em locais ocupados tradicionalmente por homens e a inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho. Entretanto, apesar de útil a uma primeira vista, a adoção do método de Mello (1993) abre um grande espaço para a discricionariedade do intérprete, especialmente na sua terceira etapa. Aproveitando o exemplo já dado, duas opiniões são possíveis: podemos aprovar a discriminação da norma com base nos artigos 3º, inciso IV, e 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988[1], que promovem o bem e a igualdade de todos sem preconceitos de sexo; todavia, da mesma forma é perfeitamente aceitável a opinião de que a regra cria um desequilíbrio exacerbado no acesso ao trabalho e um desrespeito à impessoalidade no acesso aos cargos públicos, protegido pelos artigos 5º, inciso XIII, e 37, caput, da Constituição Federal de 1988[2]. A mesma dualidade pode acontecer quando nos dirigimos ao campo tributário, também inteiramente sujeito ao princípio da isonomia. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988[3] impede o tratamento tributário diferenciado para aqueles contribuintes que estejam em situação equivalente, de modo que fecha quaisquer espaços porventura existentes para criação de privilégios em favor de determinadas pessoas naturais ou jurídicas. Portanto, pode-se dizer que qualquer critério de discriminação estabelecido em lei cairia por terra na terceira etapa do teste de Mello (1993), pois iria de encontro ao interesse constitucional de tratar igualitariamente os contribuintes de tributo. Apoiando uma visão contrária, muitos veem exatamente na tributação um mecanismo de promoção de justiça social e distribuição de recursos e qualidade de vida, sugerindo uma atuação pró-ativa nesse campo para, a partir das desigualdades do seu tratamento, originar uma sociedade mais igualitária e justa (SILVEIRA; PASSOS; GUEDES, 2018). Respeitadas as distintas opiniões, cremos que a análise efetiva da adequação de um instituto jurídico à isonomia depende de uma busca pelas tendências constitucionais, tentando vislumbrar quais medidas teriam um impacto mais benéfico tomando a sociedade como um todo, ou seja, quais normas gerariam a maior quantidade de bem comum e a menor quantidade de malefícios através de uma análise quase econômica da realidade. O princípio da igualdade aplicado ao campo tributário é usualmente observado doutrinariamente através das ideias de igualdade formal e material: enquanto a igualdade formal no tratamento legal deve ser atendida — exigindo a igualdade de todos perante a lei (submissão de todos à lei) e na lei (tratamento legal igualitário) —, também a igualdade material é um fim das normas tributárias, visando promover a igualdade material através de tratamentos distintos para os contribuintes, na medida de sua desigualdade e capacidade contributiva (PAULSEN, 2018, p. 83), o que corrobora uma busca pelos maiores benefícios sociais possíveis. Assim, ultrapassada uma primeira tentativa de investigar os contornos do princípio da igualdade aplicado ao campo do Direito Tributário, passaremos a uma apresentação dos benefícios fiscais concedidos pelas autoridades tributantes para, em seguida, apurarmos a adequação ou não de tais medidas às regras de isonomia que regem nosso ordenamento jurídico.   2 BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS E A IGUALDADE NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Benefícios tributários podem ser compreendidos como favorecimentos a determinadas categorias de contribuintes reduzindo ou eliminando, direta ou indiretamente, seu ônus tributário, através de lei ou norma específica. Esses benefícios usualmente tomam corpo quando a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios decidem incentivar certas condutas ou investimentos, beneficiando contribuintes específicos que realizem alguma medida que favoreça o bem comum. Enquanto fonte de receita derivada para o Estado, os tributos devem ser distribuídos isonomicamente entre os contribuintes, observando tanto no processo legislativo quanto na aplicação e interpretação das leis, sempre que possível, a isonomia na forma da universalidade, da vedação ao arbítrio e da capacidade contributiva. Portanto, o legislador não pode igualar pessoas com capacidades econômicas distintas ou desigualar aqueles que possuem capacidades iguais (WEICHERT, 2000, p. 250), e é exatamente nesse contexto que os benefícios tributários entram em cena enquanto dispensa de recursos por parte do Estado. Constitucionalmente encontramos diversos preceitos que exalam o princípio da igualdade no campo tributário. Podemos citar a parte final do inciso I do artigo 151, que após proibir a tributação desuniforme pela União no território nacional admite “a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”. Há também o artigo 152, responsável por proibir que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam diferenças tributárias entre bens e serviços em razão de sua origem. Ainda, o artigo 153, § 2º, inciso I, segundo o qual o Imposto de Renda deve ser geral, universal e progressivo, bem como os artigos 153, § 3º, e 155, § 2º, inciso III, que autorizam para o IPI e ICMS a observância da seletividade como critério de desigualação do encargo tributário (WEICHERT, 2000, p. 247). Segundo a percepção de Weichert (2000, p. 248), dois são os preceitos constitucionais que regram a isonomia em matéria tributária: “a norma da isonomia em matéria tributária, destarte, é composta de dois preceitos: o do artigo 150, inciso II, de conteúdo negativo, fixando a isonomia-vedação do arbítrio; e o do artigo 145, § 2º, de conteúdo positivo, exigindo a isonomia- -capacidade contributiva. A Constituição, portanto, fixou como elemento principal de discrímen para a isonomia tributária a capacidade econômica dos cidadãos. Assim, a sociedade deve repartir os encargos do Estado proporcionalmente às possibilidades econômicas de cada um”. Conforme o  artigo 165, § 6º, da Constituição Federal, as dispensas de receita devem ser previstas nos projetos de leis orçamentárias, os quais virão acompanhados de demonstrativos de seus efeitos, bem como de receitas e despesas decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e outros benefícios. Dessa forma, por se tratar de uma renúncia de um direito público a um crédito e por essa renúncia resultar indiretamente em um aumento do ônus para os demais contribuintes, a regra é que benefícios fiscais atentam contra o princípio da igualdade, afrontando a Constituição. Somente é admitida a criação de quaisquer benefícios tributários como exceção, desde que atendidos aos já expostos critérios de desigualação de Mello (1993) e que sirvam como ferramenta para promoção e/ou proteção de valores constitucionais. O caso do Parque Tecnológico de Natal é um interessante exemplo prático de benefício fiscal. Criado pela Lei Complementar Municipal nº 167/2017 e regulamentado pelo Decreto Municipal nº 11.378/2017, o Parque Tecnológico de Natal concede aos empresários do setor de tecnologia da informação sediada dentro do perímetro urbano definido na legislação os seguintes benefícios: “Art. 12 A concessão dos benefícios fiscais se dará após a análise e deferimento pela Comissão da SEMUT, mediante requerimento expresso do Parque Tecnológico, específico para cada empresa ou ICT interessado, em relação a cada tributo e terá os seguintes efeitos: I – Redução, a partir do mês subsequente ao da concessão, da alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) para 2% (dois por cento), incidente sobre os serviços constantes do art. 2º. II – Redução, a partir do exercício seguinte ao da concessão, do valor relativo ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre o imóvel de propriedade da empresa, desde que nele exerça, de forma exclusiva, suas atividades, em: a) 75% (setenta e cinco por cento), nos primeiros 3 (três) anos de funcionamento; b) 50% (cinquenta por cento), no período compreendido entre 3 (três) e 5 (cinco) anos de funcionamento; c) 25% (vinte e cinco por cento), no período compreendido entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos de funcionamento. III – Redução de 30% (trinta por cento) sobre a alíquota para a cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITIV), quando for o caso de aquisição de imóvel destinado, exclusivamente, à instalação e ao funcionamento de empresa de Tecnologia da Informação ou de Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs). IV – Isenção da Taxa de Licença e Localização. […]”. Analisando o caso sob a perspectiva de Mello (1993), inicialmente vislumbramos que o elemento tomado como fator de desigualação é a condição de empresa do setor de tecnologia da informação e a localização da sede dentro do perímetro estipulado em lei. A partir desse fator é criada uma diferenciação artificial por meio da lei que assume a figura de benefícios fiscais, reduzindo alíquotas de ISS, IPTU, ITIV e isentando a taxa de licença e localização. Por fim, resta-nos analisar se essa decorrência atende aos preceitos constitucionais, os quais identificamos como sendo a livre iniciativa e o desenvolvimento tecnológico e humano, expressos através da promoção da cultura de inovação, da competitividade industrial, da capacitação empresarial e da promoção de sinergias em atividades de pesquisa científica, de desenvolvimento tecnológico e de inovação. Entretanto, por outro lado as citadas normas criam uma segregação no setor empresarial do município de Natal, favorecendo especialmente determinados empresários em detrimento de seus concorrentes diretos e indiretos. A diferença entre um empresário do setor de tecnologia de informação que receba e um que não receba os benefícios da lei pode estar apenas na rua onde se localiza ou na data de início das atividades. Por essa perspectiva há um desequilíbrio concorrencial gerado por uma norma tributária, o que prejudica especialmente a proteção constitucional à livre concorrência (artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal), o que pressupõe que não serão dadas vantagens e favorecimentos exacerbados para determinados agentes econômicos em detrimento dos demais (FORGIONI, 2012, p. 83). Na mesma toada encontramos um dos principais parques tecnológicos do país: o Parque Tecnológico de Recife, denominado Porto Digital. Abrigando mais de 300 empresas e 9.000 trabalhadores, o Porto Digital oferece benefícios tributários municipais e estaduais[4]: “Redução do ISS. As empresas instaladas no Porto Digital e que atendam os requisitos previstos na lei de incentivo e redução de ISS, usufruem o beneficio concedido pela Prefeitura do Recife, que consiste na redução de 60% do tributo. Com esse desconto, o ISS passa de 5% para 2%. Lei de Incentivo à Ocupação do Solo. Consiste em condições especiais de uso e ocupação de solo, que, de acordo com a Lei Municipal Nº 16.290/97, concede isenção no IPTU de acordo com o tipo de reforma realizada no imóvel ocupado. Redução do Imposto de Renda. O decreto nº 4.213 definiu os empreendimentos prioritários para o desenvolvimento regional, nas áreas de atuação da extinta Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, para fins dos benefícios de redução do imposto de renda, inclusive de reinvestimento, em diversos setores, incluindo as áreas de eletroeletrônica, mecatrônica, informática, biotecnologia, veículos, componentes e autopeças da indústria de componentes (microeletrônica)”. Assim, aos empresários instalados dentro das regras do Porto Digital é concedida redução de ISS e IRPJ, além de isenção de IPTU, na forma das respectivas legislações. Diversos outros exemplos podem ser encontrados, mas nos restringiremos a esses dois pois acreditamos que são de fácil percepção. O que ocorre ao analisarmos se há um respeito ao princípio da igualdade com a edição das referidas normas é que diversos princípios constitucionais opostos se chocam: enquanto por um lado o favorecimento desses empresários favorece o desenvolvimento tecnológico, o emprego e a livre iniciativa, por outro lado a livre concorrência recebe um grande golpe ao criar condições discrepantes para indivíduos nas mesmas posições de sujeitos de direito e contribuintes com condições econômicas semelhantes. Para solucionar esse impasse nós acreditamos que é necessário operar uma análise econômica apta a sopesar os benefícios e os malefícios trazidos pelas normas tributárias. Nessa análise devemos ter sempre em mãos dados que embasem uma opinião sobre o quanto aquela região ou o Brasil como um todo se favorece com o estímulo dado por meio dos benefícios fiscais; a quantidade de renda, empregos, desenvolvimento econômico, dentre outros fatores; bem como a melhoria da condição da população como um todo, uma vez que o ônus da renúncia fiscal recai na forma de distribuição de ônus para os demais cidadãos. Caso essa análise tenda para a aprovação da medida tributária, é imperioso que se reconheça o caráter igualitário de tal artifício, sempre mantendo em mente o interesse público e o bem comum, já que o Estado brasileiro optou politicamente por abraçar esses interesses e prezar pelo seu respeito.   CONCLUSÃO Por todo o exposto, restou justificado que o princípio da igualdade aparece como um norte da atividade interpretativa e legislativa na Constituição Federal de 1988, servindo igualmente para guiar as relações que se enquadram no campo do Direito Tributário. Dentro dessa área de estudo compreendemos benefícios tributários como todas aquelas abstenções de receita tributária operadas pelo Estado (seja União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) que resultem em uma diminuição dos valores recolhidos por determinadas pessoas, naturais ou jurídicas. Através dos elementos trazidos por Celso Antônio Bandeira de Mello (1993) pudemos identificar as três primeiras etapas para estudar a consonância de uma norma com o princípio da igualdade: fator de discriminação, consonância lógica desse fator com o tratamento jurídico diferenciado e relação desse tratamento com os princípios protegidos pela Constituição. Todavia, identificamos que esses fatores sozinhos não são suficientes para dar uma resposta a todos os casos, de modo que sugerimos um quarto passo, qual seja, uma análise econômica dos benefícios e malefícios trazidos pela norma que institui um benefício tributário de modo a concluirmos se há mais bem comum gerado com a sua aplicação do que sem ela. Conclui-se, portanto, que para que possamos analisar a adequação de uma norma tributária de benefício fiscal ao princípio da igualdade precisamos estudar o fator de discriminação, a conexão lógica entre esse fator e o tratamento diferenciado, o atendimento desse tratamento aos preceitos constitucionais e, quando isso resultar em colisão de princípios igualmente importantes e protegidos pela Constituição, deve-se operar uma análise econômica dos benefícios e malefícios trazidos pelo benefício fiscal.
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A Motivação e a Busca da Verdade Real no Âmbito do Procedimento Fiscal Como Meio de Controle da Legalidade do Lançamento Tributário e Prevenção de Conflitos
RESUMO: O artigo volta-se para o procedimento administrativo fiscal, que precede o processo administrativo, como o conjunto de atos promovidos pela Administração Pública, de forma unilateral e inquisitória, com o fito de fiscalizar os contribuintes e  apurar a eventual ocorrência da hipótese de incidência tributária e/ou de ilícito a ser punido com a cominação de penalidade. Constituindo o lançamento um ato administrativo, goza esse de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, razão pela qual, diante o risco de malferimento de garantias, como o direito à propriedade, analisa-se como a motivação e a busca de verdade real, especialmente esse último, assumem relevante importância no bojo do procedimento fiscal. Sem a devida prova da realidade dos fatos que o ensejou, o lançamento torna-se nulo por vício de motivação. Verifica-se, ainda, que a observância do princípio da busca da verdade real consiste em mecanismo de controle de legalidade do lançamento e, nesse passo, reduz eventuais conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte. Quanto mais próximo da verdade dos fatos, mais certeza se tem quanto à validade do lançamento e, por conseguinte, menores são as chances de conflitos entre a Administração Pública e o contribuinte.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 – Ato administrativo 1.1.  Conceito 1.2. Elementos/requisitos do ato administrativo 1.3. Atributos do ato administrativo 1.4. Presunção de legitimidade, validade e legalidade do ato administrativo 1.5. Relevância da motivação dos atos administrativos para se coibir o desvio de poder. CAPÍTLO 2. Processo e Procedimento administrativo fiscal. Controle da legalidade dos atos. Função e relevância. 2.1 Processo e procedimento administrativo fiscal. Conceitos e diferenças. 2.2 Os princípios informadores do procedimento administrativo fiscal Princípio da legalidade Princípio da impessoalidade Princípio da moralidade Princípio da publicidade Princípio da eficiência Princípio da oficialidade Princípio da gratuidade Princípio Princípio da verdade real CAPÍTULO 3 CONCLUSÃO
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Análise Acerca da Possibilidade de Extinção de Crédito Tributário Mediante Dação em Pagamento de Bens Móveis
Pretende-se, por meio do presente artigo, promover um estudo acurado sobre que se entende por dação em pagamento, trazendo seu conceito, características, modalidades, a sua aplicação no Direito Tributário, bem como se é possível a extinção de crédito tributário mediante a dação em pagamento de bens móveis. Tem o intuito de debater a possibilidade de aplicação do instituto da dação em pagamento em relação aos bens móveis como forma de extinção de crédito tributário à luz da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sendo um tema muito importante, vez que a cada dia este assunto se torna mais comum no seio da sociedade hodierna. A metodologia utilizada no trabalho foi a pesquisa bibliográfica e documental, a partir da qual verificou-se que o é possível a aplicação do instituto no que diz respeito aos bens móveis quando lei estadual específica existir e não ferir princípios constitucional da licitação.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo visa explorar acerca da possibilidade da aplicação do instituto da dação em pagamento de bem móvel com o intuito de extinguir crédito tributário. A possibilidade ou não da aplicação do instituto da dação em pagamento como modalidade de extinção da crédito tributário sempre foi um tema que levantou diversos debates na doutrina e na jurisprudência, sendo que esta possibilidade se tornou clara com a alteração do artigo 156 do Código Tributário Nacional trazida pela Lei Complementar 104/2001, oportunidade que incluiu a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção de dívida tributária. Todavia, ainda persistem divergências de posicionamento entre instâncias judiciais brasileiras no que diz respeito a entrega de bens móveis. Assim, diante da ausência de uma lei ou mandamento claro no sentido de permitir, também, a dação em pagamento de bens móveis para a quitação de débito tributário, o presente trabalho se destina a analisar e demonstrar ao final, através de avaliações da jurisprudência, que é possível a instituição de dação em pagamento de bens móveis por lei específica em âmbito estadual, desde que não ofenda princípio da licitação. A abordagem do tema proposto teve como base metodológica uma pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais, buscando-se materiais ligados ao objeto de estudo, com a finalidade de conhecer mais a temática abordada no tema em comento.   1 CRÉDITO TRIBUTÁRIO Crédito Tributário é a prestação em moeda ou outro valor nela se possa exprimir, que o sujeito ativo da obrigação tributária (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tem o direito de exigir do sujeito passivo direto ou indireto (contribuinte, responsável ou terceiro). Com efeito, de acordo com o artigo 142 do Código Tributário Nacional, em sua parte inicial, o crédito tributário nasce com o lançamento tributário. Transcrevo o referido artigo[1]: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (sem grifo no original) Segundo ensinamentos de Sabbag (2011, p. 757), “o lançamento é o instrumento que confere exigibilidade à obrigação tributária, quantificando-a (aferição do quantum debeatur) e qualificando-a (identificação do na debeatur). Em outras palavras, esta, sendo ilíquida e inexigível, carece dos atributos de certeza e liquidez, que se dão pela autuação do Fisco, por meio do lançamento. Com a formalização deste, não há que se falar em ‘obrigação tributária’, mas em crédito tributário.” (grifo no original) Desta forma, verifica-se que apenas quando formalizada a existência e liquidez, quando criado o crédito tributário, o que se dá pelo lançamento, é que pode a Fazenda Pública exigir do contribuinte o pagamento do mesmo. Ainda, cabe ressaltar que o crédito tributário não surge com o fato gerador, mas sim com o lançamento, ou seja, somente com o lançamento que se constitui o crédito tributário. Cabe ressaltar que lançamento é um procedimento administrativo vinculado que declara a obrigação tributária e constitui o crédito tributário, sendo dividida em três espécies, quais sejam: a) direito, de ofício ou ex officio (artigo 149, I, do CTN); b) misto ou por declaração (artigo 147 do CTN); e, c) por homologação ou autolançamento (artigo 150 do CTN) (SABBAG, 2011). Por fim, conforme artigo 142 do CTN, através do lançamento é possível verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, ou seja, o débito a pagar, identificar o sujeito passivo e propor a aplicação da penalidade cabível, quando for o caso.   2 DAÇÃO EM PAGAMENTO A dação em pagamento trata-se de um instituto jurídico disciplinado nos artigos 356 a 359 do Código Civil em que o credor e o devedor fazem um acordo, pactuando-se a substituição do objeto obrigacional anteriormente estipulado por outro. Cabe ressaltar que, para que ocorra a dação em pagamento, é necessária a manifestação de consentimento expressa do credor, o que faz de tal instituto um negócio jurídico bilateral (TARTUCE, 2012). Nesse sentido é a jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região[2]: “CONTRATO BANCÁRIO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA DO CREDOR. IMPOSSIBILIDADE. A dação em pagamento trata-se de acordo entre credor e devedor com intuito de por fim ao liame obrigacional, e não forma alternativa de pagamento à disposição deste. Não podem pretender os devedores que o agente financeiro receba em pagamento bem diverso do que foi pactuado (dinheiro), pois a dação em pagamento exige acordo específico.” (TRF4 – AC: 89 SC 2008.72.07.000089-4, Relator: Sérgio Renato Tejada Garcia, Data de Julgamento: 12/01/2011, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 21/01/2011) Existem várias modalidades de substituição, não necessariamente dinheiro, ou seja, pode haver substituição de dinheiro por bem móvel ou imóvel, de uma coisa por outra coisa, de dinheiro por título de crédito, de uma coisa por prestação de um fato, entre outras, desde que seu conteúdo seja lícito, possível, determinado ou determinável. Ainda, pode ter como conteúdo fatos e abstenções (GONÇALVES, 2011; TARTUCE, 2012). Segundo ensinamentos de Tartuce (2012, p. 366), “No caso de haver a entrega de uma coisa por outra coisa (datio rem pro re), haverá similaridade entre a dação e a troca ou permuta (art. 533 do CPC). Mas como o contrato em questão é regulamentado apenas por um dispositivo do Código Civil, na maioria das vezes serão aplicadas as próprias regras da datio in solutum previstas na codificação e que estão sendo no momento estudadas.” Desta forma, verifica-se que, apesar de haver semelhança de dação e a troca ou permuta no caso de entrega de uma coisa por outra, em regra, são aplicadas as normas disposta no Código Civil no que diz respeito a dação em pagamento. De acordo com artigo 357 do Código Civil, observa-se que quando entregue dinheiro, ou seja, as partes estabelecem preço ao bem dado em pagamento, aplicar-se-ão os dispositivos legais relativos ao contrato de compra e venda, oportunidade que as partes assumirão a posição de vendedor (devedor) e comprador (credor). Ainda, de acordo com o artigo 358 do Código Civil, caso a coisa dada em pagamento seja um título de crédito, a transferência deste importa cessão. Todavia, o instituto de dação em pagamento e cessão de crédito não se confundem, sendo que nesta há a transmissão da obrigação e, naquela, há o pagamento indireto pela substituição da prestação (TARTUCE, 2012). Da mesma forma, cabe ressaltar que a dação não se confunde com a novação, sendo que nesta última há apenas a substituição da obrigação por uma nova, e naquela há o adimplemento da prestação. Por fim, nos termos do artigo 359 do Código Civil, caso o credor seja evicto da coisa recebida, será restabelecida a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé. Assim, a título de exemplo, as partes acordam em substituir um imóvel por um veículo e caso o devedor entregue ao credor um veículo que não seja de sua propriedade, a obrigação volta a ser a entrega do imóvel. Todavia, se o devedor alienar o imóvel objeto da obrigação a um terceiro de boa-fé, não haverá o retorno à obrigação primitiva, sendo que o credor terá que ingressar com eventual ação regressiva contra o devedor.   3 DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO O instituto da dação em pagamento foi incluído no Código Tributário Nacional como modalidade extintiva de crédito tributário através da Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, sendo exclusivamente para bem imóveis. Nesse sentido, passou a redação do artigo 156 do CTN a vigorar na seguinte forma[3]: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; III – a transação; IV – remissão; V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão de depósito em renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X – a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.              (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.” (sem grifo no original) A dação em pagamento representa modalidade indireta de extinção de crédito tributário, vez que é necessária, para a sua aplicação, edição de lei específica que estabeleçam forma e condições exigidas para que créditos tributários sejam extintos pela dação em pagamento de bens imóveis (SABBAG, 2011). Por fim, cabe ressaltar que o instituto da dação em pagamento encontra-se respaldo no Direito Tributário como modalidade de extintiva de crédito tributário no artigo 3º do Código Tributário Nacional, quando conceitua o tributo como sendo prestação pecuniária ou em cujo valor nela se possa exprimir.   4 A POSSIBILIDADE DE DAÇÃO EM PAGAMENTO DE BENS MÓVEIS COM O FIM DE EXTINGUIR CRÉDITO TRIBUTÁRIO Como visto, a dação em pagamento como modalidade extintiva de crédito tributário prevista em codificação tributária, especificamente no artigo 156, inciso XI, do CTN, diz respeito apenas a entrega de bens imóveis, não se falando em bens moveis. Assim, diante da ausência de uma lei ou mandamento claro no sentido de permitir, também, a dação em pagamento de bens móveis para a quitação de débito tributário, começaram a surgir entendimentos jurisprudenciais diversos quanto à permissão ou não da aplicação de tal instituto. Uma primeira corrente alega que, logo após a alteração introduzida pela Lei Complementar n.º 104/2001, o Código Tributário passou a prever a modalidade extintiva de dação em pagamento em seu artigo 156, inciso XI, mas apenas quanto a bem imóveis, sendo que não pode a Administração ser obrigada pelo contribuinte em aceitar bens móveis com o fim de quitar débitos tributários, por ausência de previsão legal. Nesse sentido transcrevo em parte julgado do E. Tribunal Regional da 2ª Região[4]: “[…] O art. 156 do Código Tributário Nacional não contempla, em seus incisos, a dação em pagamento em bens móveis como modalidade extintiva de crédito tributário. Logo, a falta de expressa previsão legal, é vedado ao sujeito passivo de obrigação tributária quitar débitos fiscais com pedras preciosas. […]” (TRF – 2 – AC 243853 / 2000.02.01.049770-1, Relator: Desembargador Federal Sergio Schwaitzer, Data de Julgamento: 08/05/2002, Sexta Turma, Data de Publicação: 23/05/2002) Por outro lado, através de jurisprudência firme e coesa, afastando a acima citada, adota-se o posicionamento que é plenamente possível a utilização do instituto da dação em pagamento de bens móveis como forma de extinção de crédito tributário em âmbito estadual. Cabe ressaltar que a decisão tida como paradigma para a solução do tema ora debatido é a proferida no julgamento do mérito, confirmando julgamento de medida cautelar, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1917/DF, que teve como relator o Ministro Ricardo Lewandowski, ementada na seguinte forma[5]: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). I – Lei ordinária distrital – pagamento de débitos tributários por meio de dação em pagamento. II – Hipótese de criação de nova causa de extinção do crédito tributário. III – Ofensa ao princípio da licitação na aquisição de materiais pela administração pública. IV – Confirmação do julgamento cautelar em que se declarou a inconstitucionalidade da lei ordinária distrital 1.624/1997.” (STF – ADI 1917 DF, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, Julgado em 26/04/2007) De acordo com o Min. Relator no julgado supratranscrito, ao analisar Lei Distrital que dispunha acerca de pagamento de débitos das microempresas, das empresas de pequeno porte e das médias empresas, mediante dação em pagamento de materiais destinados a atender a programas de Governo do Distrito Federal, entendeu que referida lei trata-se de efetiva criação de nova modalidade de extinção de crédito tributário, sendo que a mesma viola fatalmente o princípio da licitação, vez que afasta a incidência do processo licitatório, exigido pelo artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, para a aquisição de materiais pela administração pública. Ainda, no mesmo julgamento, os Ministros, além do relator, quais sejam, Eros Grau, Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Celso de Mello, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia, enfatizaram que as causas de extinção do crédito tributário não estariam sujeitas à reserva de lei complementar, prevalecendo a liberdade dos entes federados para o estabelecimento de regras específicas de quitação de seus tributos. Cabe ressaltar que, referido entendimento, corroborou entendimento esposado no julgamento na Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2405/RS, do qual transcrevo em parte a ementa[6]: “EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: medida cautelar: L. estadual (RS) 11.475, de 28 de abril de 2000, que introduz alterações em leis estaduais (6.537/73 e 9.298/91) que regulam o procedimento fiscal administrativo do Estado e a cobrança judicial de créditos inscritos em dívida ativa da fazenda pública estadual, bem como prevê a dação em pagamento como modalidade de extinção de crédito tributário. I – Extinção de crédito tributário criação de nova modalidade (dação em pagamento) por lei estadual: possibilidade do Estado-membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários. Alteração do entendimento firmado na ADInMC 1917-DF, 18.12.98, Marco Aurélio, DJ 19.09.2003: conseqüente ausência de plausibilidade da alegação de ofensa ao art. 146, III, b, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar o estabelecimento de normas gerais reguladoras dos modos de extinção e suspensão da exigibilidade de crédito tributário. […]” (STF – Medida Cautelar da ADI 2405 DF, Relator: Ministro Carlos Britto, Julgado em 06/11/2002) De acordo com o Min. Relator no julgado supratranscrito, o rol de institutos causadores da extinção do crédito tributário não é taxativo, sendo que os Entes Federativos possuem total autonomia para estabelecer novas modalidades de extinção de dívida ativa, através de suas leis. Logo, verifica-se que a inconstitucionalidade de lei estadual que criou a dação em pagamento de bens móveis se deu especificamente em razão da ofensa do princípio da licitação, vez que o objeto da dação seriam licitáveis frente a Lei n.º 8.666/1993. Assim, extrai-se que é possível a dação em pagamento de bens móveis instituída por lei específica criada por Ente Federado no que diz respeito às hipóteses de bens que são acobertados pela dispensa ou inexigibilidade de licitação previstas na Lei n.º 8.666/93. Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios[7]: “DIREITO TRIBUTÁRIO E CIVIL – AÇÃO DE DAÇÃO EM PAGAMENTO – APELAÇÃO – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – EXTINÇÃO – DAÇÃO EM  PAGAMENTO – BENS MÓVEIS – DEBÊNTURES DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE – INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA – RECUSA DA FAZENDA – LEGITIMIDADE –  RECURSO DESPROVIDO. 1. A dação em pagamento de bens imóveis constitui modalidade de extinção dos créditos tributários (CTN, 156, XI). 2. A possibilidade de extinção da dívida fiscal mediante dação em pagamento de bens móveis pressupõe a existência de lei específica que a autorize. 3. Inexistente lei específica que autorize a extinção do crédito tributário mediante dação bens móveis, como o são as debêntures da Companhia Vale do Rio Doce, a Fazenda Pública não pode ser compelida a aceitá-las. 4. Em se tratando de execução fiscal, a indicação de bens penhoráveis obedece à ordem legal estatuída na Lei 6.830/80, legislação especial que prevalece sobre a disciplina do artigo 655 do CPC. 5. A recusa da Fazenda Pública em receber debêntures quando existentes outros bens penhoráveis mostra-se legítima mesmo quando se considera a norma inscrita no artigo 655 do Código de Processo Civil, segundo a qual os títulos e valores mobiliários ocupam o décimo lugar na ordem de preferência. 6. Recurso desprovido.” (APC 20130111653285 DF. Relatora: Leila Arlanch. Data de Julgamento: 21/01/2015. 2ª Turma Cível. Data de Publicação: 29/01/2015, sem grifo no original) Diante do acima exposto, verifica-se que jurisprudência, tomando por parâmetro julgado da Corte Suprema, vem entendendo que é plenamente possível a dação em pagamento de bens móveis com o fim de extinguir créditos tributários, sendo que cada estado-membro tem autonomia para legislar no sentido de admitir tal instituto como forma de extinção do crédito tributário, desde que seja para proteger o erário público e não ofenda aos princípios da licitação.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Verifica-se que, analisando detidamente a evolução jurisprudencial da Suprema Corte no que diz respeito à aplicação do instituto de dação em pagamento de bens móveis, tal instituto, apesar de não previsto expressamente no artigo 156 do Código Tributário Nacional, pode ser disciplinado e aplicado em âmbito estadual como modalidade de extinção de crédito tributário. Com efeito, a posição da jurisprudência, a partir do julgamento da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2405/RS, vem se tornando frequente no sentido de admitir o instituto de dação em pagamento de bens móveis como causa de extinção do crédito tributário disciplinadas por leis estaduais, vez que as causas de extinção do crédito tributário não estariam sujeitas à reserva de lei complementar, prevalecendo a liberdade dos entes federados para o estabelecimento de regras específicas de quitação de seus tributos. Ainda, conforme se infere do julgamento definitivo de mérito da ADI 1.917-DF, admite-se o instituto estudado, vez que o rol de modalidades causadoras da extinção do crédito tributário não é taxativo, sendo que os Entes Federativos possuem total autonomia para estabelecer novas modalidades de extinção de dívida ativa, através de suas leis, desde que não ocorra ofensa aos princípios aplicáveis às licitações. Logo, diante de todo o exposto, conjugando-se o entendimento exarado pelo E. Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar ADI 2.405 com o proferido no julgamento definitivo da ADI 1.917-DF, merece prosperar a tese de que é plenamente possível lei estadual específica disciplinar dação em pagamento de bens móveis como forma de extinção de crédito tributário.
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Da Inconstitucionalidade do CEBAS e Suas Consequências Econômicas ao Financiamento da Previdência Social
RESUMO
Direito Tributário
Introdução Capítulo 1 – Da Inconstitucionalidade da Lei nº 12.101/2009 I – Panorama da Lei nº 12.101/2009 II – ADIs nº 2028, 2036, 2228 e 2621 III – ADI nº 4891 Capitulo 2 – Do Impacto no Financiamento da Previdência Social I – Dados do Instituto Nacional do Seguro Social II – Ministério da Fazenda e Receita Federal III – Dados do FONIF e do Fórum Sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e Previdência Capítulo 3 – Dos Argumentos para a Manutenção do CEBAS como Requisito para Concessão de Imunidades Tributárias I – Da Desnecessidade de Lei Complementar II – Da Modulação de Efeitos da Decisão do Supremo Tribunal Federal III – Da reedição do artigo 14, do Código Tributário Nacional Capítulo 4 – Conclusões
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Cidadania fiscal e o papel da transparência como ferramenta de controle social no Estado Democrático de Direito
A redemocratização brasileira veio pautada por uma ordem constitucional que promoveu o Estado Democrático de Direito comprometido com a dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento socioeconômico. Pautando-se no espírito democrático, a ideia de transparência na Administração Pública ganhou força através da revolução da Era da Informação, que facilita o acesso do cidadão a dados antes considerados inexplorados e inquestionados pela sociedade civil. Nesse sentido, o presente artigo visa construir e analisar o papel da transparência tributária na construção da justiça social em contexto nacional. Através da construção sócio jurídica da transparência como pilar democrático e sua incorporação na legislação brasileira, o artigo apresenta a perspectiva da cidadania fiscal e medidas já adotadas para garantir a transparência tributária e posterior controle social sobre tal. Utilizando-se de fontes primárias e da doutrina jurídica, mediante análise de documentos, o artigo defende a adoção da transparência tributária não só mediante publicização de dados, mas acompanhada por medidas de educação tributária à sociedade civil, visto que somente mediante uma nova abordagem sobre tal questão que o princípio será garantido.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Desenhadas e inspiradas em instituições de séculos anteriores, as vigentes instituições públicas encontram obstáculos em canalizar a complexidade das sociedades para tomada de decisões eficientes. No desafio de lidar com as mudanças e a inserção de novas redes e necessidades, a reinvenção de instituições, sem perder o caráter dos valores públicos, medidas de democracia participativa serão pilares para o exercício da cidadania como forma de soberania popular. A ascensão de medidas de transparência pública, mediante a disponibilização de gastos governamentais acessíveis, questionáveis e analisáveis, traz ao cidadão o poder de diagnóstico sobre o serviço trago pelo Poder Público e sua qualidade, possibilitando que não somente questione ao poder central, mas proponha soluções[1]. O presente artigo busca elucidar a necessidade do empoderamento do cidadão como agente ativo da democracia, evidenciando a cidadania fiscal por meio da transparência fiscal. O binômio Estado enquanto ferramenta, e o Direito Tributário Constitucional enquanto veículo, necessitam, a todo momento, serem fiscalizados pelo contribuinte conforme sua condição de credor da obrigação social estatal. A cidadania fiscal é o direito pelo qual necessita da transparência fiscal para ser efetivado, e desta forma, o contribuinte está apto a apontar desvios, déficits, sugestões, no intuito do interesse coletivo e bem estar social. A Lei de Acesso a Informação é um marco histórico no Brasil e um avanço no Direito Tributário Constitucional, entretanto, é o passo inicial na transformação de uma sociedade mais justa e igualitária. A educação fiscal se revela um plano de educação que deve ser posto em prática por meio de política pública. Ter noção básica do Direito Tributário e a destinação dos recursos públicos é fundamental para tornar o cidadão mais crítico e reivindicador de seus direitos. Num Brasil de interesses individuais, o otimismo não basta para realizar transformações, é necessária a transformação da sociedade alienada. “Nada é tão perigoso para aprisionar a inteligência do que aceitar passivamente as informações” (CURY, 2004, p.81) [2].   1.1 A falência do atual modelo de Estado e o papel do acesso à informação na democratização do Estado Uma vez que a adoção do modelo representativo da democracia caracteriza-se pela restrição da Administração Pública aos três poderes, tal modelo apresenta uma fragilidade da soberania popular, visto que a coisa pública é gerida por representantes eleitos usualmente sem o devido controle social, prejudicando a concretização da cidadania ativa em tal contexto. Popularmente considerada como uma crise de representatividade, a situação do atual modelo de Estado atinge todo mundo ocidental, caracterizando-se pela gradual e crescente perda da confiança do cidadão no governo e à incapacidade do mesmo de atender às inúmeras demandas socioeconômicas da complexa e plural sociedade moderna. Caracterizado pelo abarrotamento de instrumentos burocráticos e leis ineficazes, o Estado ocidental encontra-se diante do impasse da ineficiência, marcado pelo déficit democrático que atinge a gestão pública desde a maior das nações ocidentais até a menor delas. Ao encontrar-se em tal situação, a sociedade civil moderna carece de meios de exercício da cidadania plena. No contexto tributário, o modelo regressivo brasileiro, cujos impostos baseiam-se sobre o consumo e não a renda e propriedade impede a distribuição de renda pelo imposto e perpetua a desigualdade social. A necessidade de reforma esbarra não somente no contexto tributário, mas no contexto público como um todo, estando diretamente relacionada com que serviços quer o Estado prestar à sociedade, e à qualidade de tais. Busca-se eficiência, ou seja, um serviço melhor por valores menores, garantindo a plena contrapartida dos impostos, contradição esta que atinge os princípios de um Estado Democrático de Direito. Conforme destaca Paulo Bonavides (2008, p. 283) [3], a estrutura de uma democracia é pautada com destaque ao princípio da dignidade da pessoa humana; na soberania popular, sobre a qual emanam os poderes outorgados aos representantes, porém com destinatário principal no cidadão. Em tal contexto, a participação do cidadão acaba ficando restrita. Apesar de pouco explorada pela Constituição Federal, a democracia participativa visa o acompanhamento do indivíduo perante o ente público, atuando para cidadania ativa. Nesse sentido, ao utilizar-se de canais de colaboração e discussão para engajar-se no cenário político e exercer a cidadania, a tecnologia de informação e de comunicação traz duas contribuições para a noção de democracia: o acesso à informação, essencial para o exercício do controle social e da participação popular, e, a transparência governamental, em face de sua capacidade interativa, que abrange o armazenamento e a difusão de conteúdos, de forma ilimitada e com amplo alcance. 1.2 O Direito ao acesso à informação como fundamental e universal e a Lei de Acesso à Informação A consolidação do direito ao acesso à informação, após uma gradual evolução posterior à terceira geração de direitos humanos, consolidou-se como fundamental e universal no que concerne à participação do cidadão como indivíduo e coletivo no controle social acerca das atividades desempenhadas pelo Estado. Na obrigação de cumprir com o dever de transparência, quebra-se a antiga noção do monopólio estatal da informação, passando a ser direito do indivíduo receber e solicitar informações do ente público. Diante de um processo de informatização da Administração Pública, o ente público passa a voltar-se ao cidadão, que, após a constitucionalização do Estado Democrático de Direito trata de democratizar os atos legais e administrativos, no sentido de garantir maior acesso do cidadão às atividades. A formação da cultura de publicização da gestão pública enfrenta ainda uma série de desafios, com destaque à transparência tributária[4]. O dever de transparência governamental, que visa universalizar a mesma, passou por uma construção normativa que data desde a primeira metade do século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) [5], cujo artigo XIX garante ao ser humano o direito da liberdade de expressão, podendo buscar a informação de forma irrestrita. Ainda no âmbito do direito internacional, Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969) [6] trouxe previsão similar, ao destacar o direito à informação em nível mundial. Nesse sentido, primeiramente associada ao milenar direito à liberdade de expressão, o direito ao acesso à informação veio se consolidando no contexto internacional no decorrer das décadas, sendo finalmente reconhecido como direito fundamental do indivíduo pela Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Corrupção (2003) [7], tornando obrigação do Estado à garantia de tal direito. Tal direito consiste no dever de adoção de medidas transparentes pelos entes públicos no que concerne à organização, funcionamento e atividades, facilitando e publicizando as informações. Dentre o entendimento dado pelas convenções e normativas em âmbito internacional sobre a temática destaca-se o princípio de que o sigilo das informações passa a ser exceção, em casos de ordem pública, conforme destacado pela própria legislação brasileira, por exemplo. Passa-se assim à noção de que o direito à informação é meio de democratização do Estado, permitindo melhorias ao desempenho governamental ao permitir o empoderamento do cidadão com informação e consequente participação social. Nesse sentido, a Lei n. 12.5271, Lei de Acesso à Informação, estabeleceu os procedimentos para o acesso às informações públicas, considerando-se uma conquista essencial à cidadania ativa, rompendo com a tradição de sigilo do Estado, que “torna o conhecimento privilégio de poucos, pautado em uma suposta imaturidade ou despreparo do cidadão para o exercício de seus direitos” (ROCHA, 2012, p. 85)[8]·. Visando uma nova relação entre cidadão e Estado que a própria Carta Constitucional busca trazer pelo princípio da transparência e publicidade da Administração Pública, a Lei visa concretizar uma atuação estatal legítima. Destaca ainda Rocha (2012, p. 89): “A Lei n. 12.527, nesse contexto, representa um avanço por se tratar de um ponto de partida para respostas, sempre provisórias, a essas questões. Mais do que parâmetros substantivos, a lei estabelece procedimentos para o diálogo, e enriquece o processo de interpretação acerca da aplicação do princípio da transparência do qual o acesso a informação é um dos pilares, ao ampliar os canais e procedimentos, institucionalizados e legítimos, para atuação dos diversos atores envolvidos.”” [9] Visando a efetividade do direito fundamental de acesso à informação, cabe que a aplicação desta legislação paute-se no princípio de publicidade que norteia a Administração Pública, tendo o sigilo da informação como medida de exceção, visando a transparente divulgação à sociedade civil, além do uso de meio de comunicação para trazer a sociedade mais próxima ao Estado, mediante uma cultura de transparência e participação social no andamento das atividades. Portanto, ao aproximar a sociedade civil dos entes públicos, garante-se uma modernização de toda máquina pública, utilizando de novas tecnologias difundidas no âmbito social para efetivar o potencial democrático do pluralismo informativo. A gestão transparente implica não somente o pronto atendimento às demandas dos cidadãos. O que se busca é uma Administração Pública que fomente a participação da sociedade, associada à obrigação dos governantes de prestar contas de suas ações e de por elas se responsabilizarem, perante a sociedade.   Em um estudo realizado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), a pedido do Ministério da Fazenda acerca da transparência fiscal, constatou-se que o Brasil já adotou uma série de medidas na área. Tal pedido, que é comumente requerido pelos países, visa averiguar as práticas de transparência fiscal em comparação com o Código de Boas Práticas de Transparência Fiscal (FT-Code) daquele organismo[10]. O Brasil ganhou destaque no documento para as estatísticas fiscais, as quais reconhecem a maioria dos seus ativos e passivos; relatórios fiscais, publicados periodicamente e revisados pelo TCU; documentos do orçamento, pela tempestividade, transparência e publicidade na Internet; e a Lei de Responsabilidade Fiscal que divulga a gestão dos riscos fiscais. Em contraponto, ficou indicado que poderia ser melhorada a produção de estatísticas fiscais do setor público, incorporando empresas públicas financeiras e não financeiras de acordo com o FT-Code, o fortalecimento da divulgação da gestão de riscos, e o melhor relacionamento entre o Tesouro Nacional e o Banco Central a fim de delimitar os principais desafios fiscais de médio e longo prazo. Ainda, o próprio Tesouro Nacional vem publicando acerca do interesse do Governo Federal em atender os pontos indicados pelo FMI, entretanto, a quase dois anos do relatório, não se constatou tais mudanças[11]. A relação entre Tesouro Nacional e Banco Central continua voltada para os fluxos de equalização de moeda estrangeira. Nesse procedimento, o Banco Central realiza a conversão das transferências monetárias das reservas internacionais para a moeda do Real. Conforme a valorização das moedas, a taxa de cambio flutua gerando “sobras” ou “perdas” nas conversões, que são repassadas ao Tesouro Nacional. O objetivo é racionalizar os fluxos financeiros, diminuindo a volatilidade dos recursos transferidos, assegurando um equilíbrio entre perdas e ganhos. Quanto à divulgação de riscos fiscais a médio e longo prazo, o governo defende que tem sido feito com sucesso, reflexo disto seria a aprovação da “PEC do Teto dos Gastos” e a Reforma da Previdência. Entretanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018 não preconizou o fortalecimento da divulgação da gestão de riscos fiscais, como outrora havia afirmado que a faria. Nesse contexto, a entidade International Budget Partnership (IBP) criou o Índice de Transparência de Orçamento Aberto[12], onde analisou 102 países. O Brasil obteve a sexta posição no ranking, ficando na frente de países como Alemanha, Reino Unido e França. A entidade analisou os seguintes quesitos: estágio atual de transparência orçamentária, evolução ao longo do tempo, cidadania fiscal e o papel das instituições fiscalizadoras. Somente Brasil, Estados Unidos, Noruega e África do Sul obtiveram pontuações relevantes em todos os quesitos. Há de se destacar que em comparação com outros países, o Brasil é pioneiro na publicidade online das informações públicas, que é garantida pela Lei de Acesso as Informações Públicas, sendo um marco histórico para a transparência no Brasil, conforme ressaltado anteriormente. Com os documentos e informações produzidos pela Administração Pública disponíveis na Internet, qualquer brasileiro pode consultá-los. Ademais, é necessária a publicação das informações de maneira mais detalhada, principalmente das ações do Fisco, a fim de permitir a efetivação da cidadania fiscal.   A educação fiscal é uma necessidade iminente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A partir desta conscientização, o cidadão buscará a efetivação dos seus direitos, por meio de toda legitimidade a qual a Constituição lhe garante em viver dignamente e usufruir do bem-estar. Nesse contexto, a educação fiscal é um plano de educação que deve ser posto em prática, fundada no pressuposto de conscientização da função socioeconômica dos tributos, de modo a proporcionar uma gestão democrática dos recursos públicos. A educação de qualidade e para todos é o bem mais valioso que pode ser garantido numa sociedade. Sem instrução e conhecimento não há coletividade que sobreviva, ou que viva com dignidade. É através do estudo que se estimula o senso crítico, o poder de julgamento, de análise. Nas palavras do educador Paulo Freire: “(…) Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. […] se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda” (FREIRE apud CITAÇÕES…, 2011, não paginado)[13]. O Estado, por sua vez, não gera riqueza por si só, e necessita que o contribuinte preste o dever de pagar os impostos. Em contraponto, o cidadão adimple a obrigação tributária esperando a gestão adequada dos recursos públicos, investidos em saúde, educação, segurança. Nesse sentido, afirma Nabais (2005, p. 115): “O Estado na sua configuração de Estado Social não pode deixar de garantir a cada um dos membros da sua comunidade um adequado nível de realização dos direitos à saúde, à educação, à habitação, à segurança social, etc”.[14] Nesse diapasão, a obrigação tributária tem de ser entendida como a tradução do Estado Social, pelo qual a máquina pública e o cidadão – contribuinte, mutuamente obrigados, firmam o pacto social constitucional. Para tanto, a solidariedade é pressuposto substancial para resolução das mazelas sociais. A pobreza, enquanto problema social, e não individual, está intimamente ligada a cidadania ativa, quando os cidadãos se envolvem politicamente com intuito de melhorar as condições de seu país, e com a boa gestão do dinheiro público, quando o Estado governa para o povo. Essa compreensão de solidariedade recíproca entre o ente público e o cidadão é a noção que embasa o Direito Tributário Constitucional. O Estado que autua o contribuinte que age ilicitamente, cumpre sua função Constitucional. O cidadão que não usufrui de condições adequadas para o bem estar social, ou as usufrui na condição de excepcionalidade na sua comunidade, e se envolve ativamente fiscalizando, reivindicando, exercendo sua cidadania, cumpre com sua função Constitucional. A transparência fiscal efetiva da gestão do erário reveste o cidadão da capacidade de fiscalizar e apontar déficits, constituindo-o como verdadeiro credor da obrigação social da qual o tributo é destinado. Há que se ter em mente que o exercício da cidadania está a quem do votar e ser votado, pois, conforme pondera Silveira (2002, pág. 39) “ser cidadão é ser capaz de cumprir obrigações perante a sociedade da qual se faz parte, bem como exigir seus direitos” [15]. E para este empoderamento, a transparência fiscal é ferramenta imprescindível.   Contemplado pela Constituição Federal em seu artigo 150, § 5º[16], o a transparência tributária é constitucionalizada como determinação para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos tributos que incidam sobre mercadorias e serviços. Entretanto, tal dispositivo carece de aplicabilidade cotidiana, uma vez que não há normativa regulamentadora do mesmo no sentido de trazer maior transparência tributária ao cidadão, que segue excluído do acesso à informação essencial para cidadania ativa. O talvez desinteresse em esclarecer os aspectos fiscais e tributários à sociedade civil, como acontece no artigo supramencionado, acaba por prejudicar a construção do Estado Democrático de Direito, que tem como pilar básico a transparência das atividades, em destaque à arrecadação e distribuição de tributos, matéria de ordem pública e inerente aos entes públicos. Tal descaso das autoridades, não só contribui para falência do atual modelo de Estado, conforme apresentado anteriormente, mas também atua como obstáculo à cidadania fiscal, que tem como característica a participação do cidadão em tal matéria uma vez ciente da informação. Além disso, a construção de uma cidadania fiscal está estritamente ligada à construção da justiça social. Esta se relaciona à garantia de satisfação das necessidades básicas da população, atribuindo a todos o necessário para o pleno desenvolvimento do indivíduo e do coletivo. Surgida em um contexto de recuperação europeia pós duas guerras mundiais, a justiça social encontra no Estado um mecanismo de melhor distribuição de riqueza em prol do desenvolvimento social. Uma das principais ferramentas que dispõe o Estado para realizar a justiça social está no sistema tributário. Por meio da construção de tais normativas que está o poder de combate à fragilidade social, como a pobreza, a concentração de renda, a exclusão social, e etc. Indo em consonância com o objetivo da Carta Constitucional de criar uma sociedade livre, justa e solidária, a busca por uma tributação mais justa vai de encontro com a transparência tributária, pois somente assim pode-se ter clareza social acerca das medidas e impactos que geram as políticas fiscais dos entes públicos. A necessidade de interferência da sociedade civil em tal temática, de forma direta ou não, somente será atendida mediante pleno e claro acesso à informação, razão pela qual somente a transparência formal é insuficiente, conforme ressaltado anteriormente. Tal objetivo de transparência defendido no presente trabalho vem de forma a combater com as injustiças sociais causadas por distorções na aplicação dos recursos públicos e na formulação de políticas públicas mal sucedidas, conforme explica Sousa (2012, não paginado): A política tributária vem a ser o processo pelo qual o Estado, analisando suas funções gerais, decide a forma pela qual será realizada ou não a imposição tributária, e ocorrendo essa imposição como ela se dará. O Estado ao constatar que sem a cobrança ou redução de tributos alcançará as finalidades a ele conferidas no ordenamento jurídico, deverá adotar políticas tributárias que beneficiem ao cidadão, especialmente porque o desenvolvimento social e individual efetivam a dignidade da pessoa humana.[17] Como observado, o princípio da transparência garante ao cidadão o acesso aos atos praticados pela Administração Pública, por vias de divulgação e publicitação de tais atos, garantindo à sociedade civil o poder de fiscalizar, avaliar e cobrar da Administração Pública que seus direitos e anseios sejam respeitados e efetivados. Tal controle social só acontece quando aquela tem meios amplos para tal participação e consequente cidadania ativa, estando capaz e capacitado para participação democrática, ciente dos deveres e funcionamento dos entes públicos. É nesse sentido que se mostra imperiosa a capacitação do cidadão em conjunto ao acesso à informação. Assim, o princípio da transparência possui gigantesca importância no Estado Democrático de Direito em seu objetivo de promover a Justiça Social, pois o exercício do poder cabido ao povo depende do acesso à informação clara e verdadeira dos atos dos Administradores Públicos, de modo que serve ainda, como meio de controle da gerência estatal.   CONCLUSÃO Na premissa de que pagar tributos é um dever de cidadania, visto que provém ao Estado os meios financeiros de promoção do bem-estar através de políticas públicas, o controle social do mesmo passa a ser o complemento necessário ao exercício da cidadania fiscal, um poder-dever do cidadão. Nesse panorama, a transparências das informações deve vir não somente por medidas de mera disponibilização (transparência formal), mas de instrumentos que propiciem ao cidadão a análise e questionamento de tais informações, ou seja, meios de empoderamento. O aumento das possibilidades de questionamento social acerca do uso do poder fiscal do Estado deve ser acompanhado por um processo de educação fiscal, meio de transparência material, que alcance desde as primeiras gerações, ainda no âmbito escolar. Voltando-se a conceitos básicos e cotidianos da tributação e sua função social, ou seja, da necessidade dos tributos para manutenção do Estado e garantia do bem-estar social, tais medidas, uma vez tragas para grade curricular de estudantes, poderão originar em uma mudança cultural da sociedade. Em uma sociedade com bases de corrupção que se carregam desde o período de colonização, pequenas ações ilegais visando garantir sonegação fiscal passam despercebidas no cotidiano nacional. Nesse sentido, um processo de educação voltado à educação financeira teria capacidade não somente de alterar o comportamento do indivíduo no sentido do sujeito passivo das obrigações tributárias, mas também de prática da cidadania ativa perante um Estado Democrático de Direito. Uma reforma está diretamente relacionada com que serviços quer o Estado prestar à sociedade, à qualidade de tais. Busca-se eficiência, ou seja, a prestação por serviços melhores por valores menores. A ineficiência transmite-se hoje no fato de que o contribuinte pago não é o que ele recebe, consolidando a inexistência de contrapartida dos impostos, contradição esta que atinge os princípios de um Estado Democrático de Direito de promotor da Justiça Social.
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Desconsideração da Personalidade Jurídica em Direito Tributário
Resumo:Tratar da matéria através de uma visão panorâmica e multidiscipinar, dando enfoque principal á possibilidade da Desconsideração da personalidade jurídica na ação de Execução Fiscal como instituto capaz de dirimir os prejuízos do Estado, decorrentes do encerramento irregular das empresas, bem como seus efeitos no mundo prático e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro vigente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho trata da questão do cabimento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica na ação de Execução Fiscal, no período entre 2008 a 2015, dentro dos limites das decisões proferidas pelo juízo federal da 4ª Vara de Fazenda Pública de Presidente Prudente (SP). A pesquisa é analisada sob o prisma do Direito Constitucional, especificamente dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa;Direito Tributário e os princípios da legalidade e isonomia empresarial; Direito Empresarial com os princípios da autonomia patrimonial, função social da empresa e boa fé objetiva, bem como das inovações do Código de Processo Civil de 2015. O que se propõe aqui é desvelar o problema da insegurança jurídica nas relações entre órgãos fazendários e contribuintes, tentando coibir a utilização da pessoa jurídica como escudo para viabilizar o descumprimento das obrigações tributárias, que por sua vez acarretam prejuízos imensuráveis ao Estado; bem como elucidar sub-questões, como a ausência de regulamentação nos casos envolvendo a desconsideração da pessoa jurídica em Execução Fiscal e apresentar alternativa legal para a casuística. O estudo pretende ainda sanar algumas duvidas, trazendo os seguintes questionamentos: O instituto da desconsideração da personalidade jurídica é cabível no curso da ação de Execução Fiscal? Quais são seus efeitos no mundo prático- jurídico? Qual o posicionamento atual da doutrina e jurisprudência brasileira? Nesse sentido partimos da hipótese de que é possível o cabimento da desconsideração da pessoa jurídica na ação de Execução Fiscal como forma de dirimirmos prejuízos do estado gerados pelo encerramento irregular das empresas, por exemplo, demonstrando que há viabilidade legal na aplicação do instituto e que, para obter maior eficácia, é necessário uniformizar o entendimento jurisprudencial. Por sua vez, para validar a presente pesquisa foram elaborados os seguintes objetivos: reavaliar os objetivos que levaram a criação do instrumento da pessoa jurídica e uma releitura dos preceitos que regem este instituto, bem como a análise dos limites constitucionais ao poder de tributar e dos princípios que regem a ordem econômica e financeira que levarão a caminhos diversos daqueles que vêm sendo trilhados pela doutrina e jurisprudência nacional majoritária. A justificativa pessoal para a escolha do tema decorreu da constatação de diversas lacunas, omissões e até contradições legislativas no cenário jurídico brasileiro. O tema é original em razão da inovação do Novo Código de Processo Civil que prevê o incidente de forma expressa, alem de ser inédito em face das recorrentes divergências jurisprudenciais que envolvem a matéria, deixando assim uma enorme brecha para insegurança jurídica além dos prejuízos à maquina estatal. Quanto ao método de abordagem foi utilizado o hipotético-dedutivo, como modalidade de raciocínio lógico que faz uso da dedução para obter uma conclusão a respeito de determinadas premissas. Ao passo em que nos valemos do método do procedimento dialético, objetivando investigar a realidade através do estudo de mudanças e contradições que ocorrem a todo tempo em sociedade. Para o desenvolvimento de nossa pesquisa adotamos como marco filosófico o livro “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, e em processo civil estudamos a obra clássica de Francisco Ferrara em “Teorías de las Personas Jurídicas”, que são defensores da teoria da realidade técnica, para qual a pessoa jurídica é um centro autônomo de imputação de direitos e deveres, onde se deve verificar se aquela está no rol de sujeitos de direito como o legislador assim determinou. As pesquisas realizadas foram as teóricas e empíricas,onde elaboramos  diversos fichamentos dos livros “Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro” de Marçal Justen Filho,  alem  da obra “ A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas” da renomada Suzy Elizabeth Koury, além dos resumos e leituras dos artigos “A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais” do autor Alvacir de Sá Barcellose de Gabriel Teixeira Ludvigem “Desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução na pessoa dos sócios”.Assim foi possível buscar de forma minuciosa a melhor interpretação legal para uniformizar a jurisprudência brasileira e dirimir os prejuízos estatais a respeito da presente contenda. Com o propósito de facilitar o entendimento de nossa monografia estabelecemos os seguintes tópicos: Introdução, 1.Comentários iniciais sobre a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine) – Lato Sensu; 1.1 Análise histórica e axiológica; 2. Responsabilidade Tributária em sentido amplo; 2.1 Obrigação Tributária; 2.2 Crise da Limitação da Responsabilidade dos Sócios; 2.3 Responsabilidade Tributária Conforme Previsão Legal; 3. Instituto da Desconsideração da personalidade jurídica; 3.1 Conceito da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica; 3.2 Desconsideração da Pessoa Jurídica em Execução Fiscal; 3.3 Estudo Casuístico; 4. Orientação jurisprudencial; 4.1 Posicionamento dos Tribunais brasileiros; Conclusão; Referências.   Na definição do ilustre Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o vocábulo “desconsideração” traduz o sentido da ausência de consideração, desrespeito, ou ainda, ofensa, agravo e ultraje.[1] No âmbito jurídico nacional são utilizadas expressões equivalentes como “superação” ou “levantamento do véu societário”, contudo, revela o significado de ignorância para um caso concreto da personificação societária.[2] Sendo assim, aprecia-se a situação jurídica tal como se a pessoa jurídica não existisse, o que significa que se trata a sociedade e o sócio como se fossem uma mesma e única pessoa.[3] Em posterior análise [4] ao contexto histórico e axiológico deste estudo, foi possível constatar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica societária não foi produzida pela ciência do direito, mas a partir da atuação judiciária com aplicação ao caso concreto. A idéia de que a pessoa jurídica é um sujeito dotado de direitos e deveres próprios, acolhida por filósofos como Hans Kelsen[5] e Francisco Ferrara[6], consagrou a teoria da realidade técnica, impulsionando a fundamentação teórica para o surgimento posterior da disregard. Assim, através da construção jurisprudencial do direito anglo-saxão, com o objetivo de buscar maior proteção para o instituto da pessoa jurídica coibindo seu desvirtuamento, nasceu a disregard doctrine ou teoria da desconsideração da personalidade jurídica, liderada pelo alemão Rolf Serick.[7] Não é difícil notar que a disregard é um procedimento costumeiro na common law[8], na qual a análise do problema concreto conduz a um principio especifico, sendo, ao contrário, de difícil aplicação em sistemas jurídicos fechados como o brasileiro, em que se procura fixar um principio de alcance geral que seja aplicável ao caso em exame. Por essa razão, sobretudo pelo contexto da common law e o Direito norte-americano, que Verrucoli[9]definiu como o “substrato da pessoa jurídica social – com imediata imputação aos sócios de determinadas relações sociais ou a todas elas”. A doutrina brasileira só acolheu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no fim da década de 60, ao ser apresentada em uma conferência pelo professor Rubens Requião[10]que já alertava sobre o abuso de direito, fraude e a utilização distorcida da pessoa jurídica pelo empresariado brasileiro. Ocorre que, ao longo da evolução histórica da teoria[11]houve uma deturpação quanto á utilização da pessoa jurídica, que havia sido criada para limitar a responsabilidade patrimonial, e não deveria confundir os bens dos sócios com o da empresa, possibilitando assim, uma maior segurança jurídica ao empresário-investidor, e autonomia a pessoa jurídica. Infelizmente essa autonomia tornou-se um instrumento utilizado para fins abusivos e fraudulentos, diferente da idealizada pelo legislador no momento da criação de instrumentos regulatórios, como ocorreu no caso da empresa JANE TRANSPORTES(processo nº 2002.61.12.005713-8) que tramitou na 4ª vara de Fazenda Pública no interior de São Paulo, sendo objeto concreto do nosso estudo.[12] O fato se deu pelo uso desenfreado dessa autonomia pelos sócios administradores, que passaram a ocultar pessoas e patrimônios por detrás do instituto da personalidade jurídica para poder prejudicar credores, exatamente como no caso do processo em epigrafe, em que houve clara constatação de violação à legislação tributária (art. 135 do CTN)[13], tendo em vista que a empresa não possuía patrimônio para assegurar o juízo da execução, justificou-se a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar pessoalmente o sócio gerente. Em apartada síntese, a desconsideração da pessoa jurídica é resultado da má utilização das normas de proteção e fomento da pessoa jurídica, trata-se de um instrumento de combate aos abusos e fraudes cometidos pelos sócios. Como o enfoque do presente estudo perpassa especialmente pelo Direito Tributário, destacam-se as obrigações tributárias cujo descumprimento ou manobra fiscal acarreta um litígio envolvendo ente público, a exemplo da Receita Federal ou Procuradoria da Fazenda Nacional. Portanto, não é difícil perceber que nessas situações o ônus da inadimplência acaba sendo suportado não só pelo Erário Público, mas por toda a sociedade, e a teoria da desconsideração desponta como forma de diluição dos prejuízos causados pelo empresário que age com má-fé.[14] Outro grande fator de estímulo à pratica de manobras fiscais é o critico cenário de abusivas cobranças tributárias, como o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) por exemplo. A elevada carga tributária conferida ao setor privado desestimula o empresário a agir em conformidade com a lei, levando-o a buscar saídas ilícitas como a prática de evasão fiscal (sonegação fiscal) e elusão fiscal, que se tornaram expressões comuns ao cotidiano dos profissionais que atuam no ramo comercial. Todavia, o estado não pode ser o maior prejudicado nessa relação jurídica obrigacional, razão pela qual se criou alguns mecanismos para impedir a impunidade em relação às dividas fiscais deixadas pela pessoa jurídica. Em meio a um contexto de grande insegurança política e instabilidade financeira, tornou-se freqüente a pratica de crimes de corrupção como o de lavagem de dinheiro, a título de exemplo,a recente prisão preventiva do ex-ministro Antonio Palocci acusado de receber propina do grupo Odebrecht[15]; ou a sonegação fiscal, como sucedido com a jornalista Cláudia Cruz[16], mulher do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que é acusada de utilizar dinheiro de propina para pagar despesas de cartão de crédito no exterior; do mesmo modo, a ocultação de patrimônio por parte dos nossos representantes políticos, como o caso do triplex do Guarujá envolvendo o ex-presidente Lula[17], entre tantos outros casos.Por isso, este assunto não poderia ser mais atual, vide 36ª fase da operação lava-jato. E, para melhor entendermos esse instituto complexo, cuja fonte é proveniente da jurisprudência e do common law, é imprescindível analisarmos sua origem histórica e axiológica para ter um olhar mais preciso e embasado sobre o tema. 1.1 ANÁLISE HISTÓRICA E AXIOLÓGICA O direito é um fenômeno vinculado a evolução histórica e cultural de uma determinada sociedade, e se materializa através da produção de normas jurídicas que acompanham as constantes mudanças socais.[18] A origem da desconsideração da pessoa jurídica (disregard doctrine) têm marco temporal no século XIX, quando as diversas finalidades da pessoa jurídica passaram a ser uma relevante preocupação para a comunidade do Direito,a exemplo da divergência entre as teorias da realidade técnica defendida por Ferrara[19] e a ficcionista adotada porSavigny[20], Todo esse contexto de insegurança provocou uma inquietude social, levando a comunidade jurídica a tentar encontrar soluções para entender esse fenômeno ainda pouco conhecido.[21] Mas foi só no common law, especificamente no Direito norte-americano, que a jurisprudência da desconsideração da personalidade jurídica foi citada pela primeira vez, no emblemático caso do Bank of United States v. Deveaux, no ano de 1809, quando o Juiz Marshall, no intuito de proteger as cortes federais e o Estado, utilizou a teoria e “retirou o véu” da pessoa jurídica para responsabilizar individualmente os sócios.[22] Posteriormente, surge em 1897, o leading case no âmbito do direito inglês no insigne caso envolvendo a empresa Salomon v. Salomon &Co. em que o juiz de 1º grau e o da Corte de Apelação, decidiram desconsiderar a personalidade jurídica da companhia, imputando a responsabilidade pessoal aos sócios.[23] No Brasil, a Teoria da disregardof legal entity só chegou no fim da década de 60, na ocasião, em uma conferência ministrada pelo professor Rubens Requião, que passou a defender a sua aplicação pelos juízes independentemente de previsão legal: “Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.[24]” Ao relativizar o conceito de pessoa jurídica e de separação patrimonial, antes absoluto, dando permissão ao magistrado para penetrar o manto da personalidade (lifting thecorporateveil) no intuito de combater abusos e fraudes, a teoria da desconsideração mostra-se como um importante remédio para rechaçar o descrédito causado pelo desvio do instituto da personalização.[25] No âmbito civilista, a teoria ficcionista que buscava a unidade e intervenção do Estado, abraçada por Verrucoli, contrariava a teoria realista de Gierke, cuja proteção era contra intervenção estatal, preconizando o reconhecimento das sociedades como distintas das pessoas dos sócios. [26] Os teóricos adeptos à teoria realista se inspiraram também na idéia de equidade e justiça de Aristóteles : “é a justiça do caso dado, pela qual se aplica o direito de forma a satisfazer às necessidades sociais[27], para que seja alcançado este ideal a desconsideração deve ser analisada apenas no caso concreto. As normas de textura aberta também têm papel fundamental no processo de consolidação da teoria da disregard, com destaque para os princípios constitucionais, tributários e societários. O primeiro princípio confere proteção à pessoa jurídica através da separação entre o seu patrimônio e o patrimônio particular dos sócios, com previsão expressa no Código Civil de 2002 do art.1.024[28], também conhecido como principio da autonomia patrimonial: “Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade.[29]” Coaduna com o principio da autonomia patrimonial o principio da função social da empresa, para qual a pessoa jurídica de direito privado não deve almejar somente olucro, mas também deve se preocupar com os reflexos de suas decisões perante a sociedade.[30] Igualmente relevante, é o principio da boa fé objetiva, o qual revela um padrão ideal de conduta, de acordo com os ditames legais do ordenamento jurídico brasileiro e a razoabilidade. Por sua vez, o principio da legalidade destaca a idéia: “Nullumcrimen, nullapoenasine lege”, traduzida pelo legislador no art.5º, II, da Constituição Federal: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.[31] Já numa interpretação pro-fisco, observa-se que todos os atos da administração pública devem estar de acordo com a legislação, obedecendo aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, pilares do Direito Administrativo.[32] No âmbito do Direito Tributário não é diferente, nenhum tributo será instituído nem aumentado senão em virtude da lei, conforme dispõe o art.150, I da Constituição Federal.[33] Simbolizando a democracia de forma genuína, o principio da isonomia carrega a premissa de que todos são iguais perante a lei.[34]Já sob a ótica do Direito Tributário, visa garantir tratamento uniforme pela entidade tributante, a exemplo da regra da uniformidade dos tributos federais em todo território nacional. [35] Quanto a organização do Estado, o principio da competência estabelece que a entidade tributante há de restringir sua atividade tributacional àquela matéria que lhe foi constitucionalmente destinada.[36] Imprescindível ao funcionamento harmônico do sistema jurisdicional, o principio do devido processo legal representa um direito fundamental conferido a todo sujeito de direito.[37] Nas lições de Humberto Ávila[38]ainda sobre o devido processo legal, a função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade dos direitos, integra o sistema jurídico eventualmente lacunoso. Complementares ao principio do due processo of Law, são os princípios do contraditório e ampla defesa, dotados de conteúdo imutável, também conhecidos como clausulas pétreas, situados no artigo 5º da Constituição Federal[39], traz a idéia de bilateralidade processual quanto à oportunidade de resposta e defesa.[40] Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes[41]esses princípios não constituem mera manifestação das partes em processos judiciais e administrativos, mas, e principalmente uma pretensão à tutela jurídica. Não há duvidas quanto a relevância da incorporação dessas normas axiológicas no ordenamento jurídico atual, tanto é que o legislador consagrou essa concepção hermenêutica-juridica na estrutura lógica do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015): “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.[42]” Com efeito, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica vem se desenvolvendo desde o século XIX, garantindo uma proteção cada vez maior a pessoa jurídica como forma de estimular a economia do país. No entanto, em dado momento, essa autonomia tornou-se um mecanismo utilizado para fins abusivos e fraudulentos, ocultando pessoas e patrimônio por detrás do instituto da personalidade jurídica com o objetivo de esconder a inadimplência.[43] Nessas situações o ônus da inadimplência acaba sendo suportado não só pelo governo, mas por toda a sociedade, como forma de diluir os prejuízos causados pelo empresário mal intencionado. Embora no Brasil o empresário tenha que suportar elevada carga tributária para manter um negócio, não torna lícito nem tampouco impune o cometimento reiterado de manobras fiscais como evasão fiscal (sonegação fiscal) e elusão fiscal. Mister, o Estado não pode ser o maior prejudicado nessa relação jurídica obrigacional, razão pela qual o instituto da disregard doctrine foi criado, afim de impedir que o empresário não saia ileso às dividas fiscais adquiridas por ele através da pessoa jurídica.[44] Trata-se da transferência de responsabilidade da pessoa jurídica para os sócios administradores da empresa, o que significa que mesmo na condição de insolvente o estado não sairia prejudicado, pois poderia buscar no patrimônio pessoal dos sócios o ressarcimento devido, como ocorre no estudo de caso envolvendo a empresa JANE TRANSPORTES. Na concepção comercialista de Fabio Ulhoa Coelho, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre pela impossibilidade de responsabilizar a sociedade empresária sobre os débitos gerados, quando encerrada irregularmente, caso em que é possível recorrer ao patrimônio dos sócios.[45] Em síntese, o Direito enquanto produto da evolução histórico-cultural de uma sociedade, associado aos seus valores e costumes dão origem às novas normas jurídicas, apoiadas pela lógica da hermenêutica jurídica como fonte garantidora da devida aplicação da lei.   Toda ação implica em uma reação. Essa é a premissa básica da responsabilidade civil, que nada mais é do que um conceito ligado à idéia de personalidade, pois quando se busca responsabilidade, busca-se responsabilizar alguém se ficar comprovado o nexo causal. Data vênia, para o Direito Tributário, esta definição está associada à noção de infração a uma norma jurídica, daí a razão pela qual se entende que culpa é a infração a um dever objetivo.[46] Nesta esteira, enquanto violação a um dever de conduta, a responsabilidade acaba intrinsecamente relacionada ao direito e a moral, tendo em vista que a moral prescinde do elemento prejuízo, ao passo que a jurídica não, o que nos leva a seguinte conclusão: não há responsabilidade sem prejuízo. Sob a égide do Direito Civil, o dano é o elemento cerne da responsabilidade, e tem como fundamento a sua reparação.[47]Quem sofre injúria, por exemplo, deve ser reparado, é a clausula geral prevista no artigo 186 do Código Civil[48], inspirada no principio do neminemleandere (não lesar a outrem). A base de todo sistema moderno da responsabilidade civil está concentrado na tríplice: conduta, nexo de causalidade e dano.[49] A análise destes elementos é imperiosa, pois define se a responsabilidade será subjetiva (com a demonstração da culpa) ou objetiva (sem culpa). Destaca-se a conduta como um ato de vontade direcionado a um resultado, seja este querido ou não, que se resume em uma ação (fazer) ou uma omissão (deixar de fazer).[50] Já o nexo causal, refere-se ao liame fático entre a conduta e o dano. É necessário que haja um vinculo entre a conduta e o dano, sendo certo que sem o fato, o dano não teria ocorrido.[51] Por fim, fixamos o dano como elemento essencial para a discussão da responsabilidade civil; deste modo,sem prejuízo, seja moral ou material, não há discussão acerca da responsabilidade.[52] Chegamos à definição de dano, como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.[53] Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.[54] Distintivamente da concepção civilista, no âmbito do Direito Tributário a palavra responsabilidade não deve ser confundida com dever jurídico, pois está sempre associada ao descumprimento do dever, ou seja, da não-prestação.[55] Nos termos do artigo 121 do Código Tributário Nacional[56]o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser contribuinte ou responsável. É contribuinte quando houver relação pessoal e direita com a situação que constitua o fato gerador. E será responsável quando o sujeito passivo da obrigação tributária que tem relação indireta com o fato gerador do tributo, mas, por força de lei assume a obrigação de recolher o tributo.[57] Apesar da confusa redação do artigo 121, II do CTN[58]dispor que o responsável será aquele que a lei determinar, é importante esclarecer que nem toda e qualquer pessoa pode ser considerada responsável. Consigna o art.128 do CTN[59], “a lei pode atribuir responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Com efeito, o responsável será vinculado ao fato gerador, mas não de forma pessoal e direta. O responsável tributário possui um vinculo de menor intensidade com o fato gerador que o contribuinte.[60] Nota-se que não há vinculação pessoal e direta, mas é imprescindível o vinculo com o fato gerador para que alguém seja considerado responsável, vale dizer, sujeito passivo indireto, senão vejamos: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.(grifo nosso)[61]” Em síntese, será responsável quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Mas afinal, em que consiste essa obrigação tributária? É o que abordaremos no tópico seguinte. 2.1 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA A estrutura basilar do Direito Tributário reside essencialmente na análise dos elementos: hipótese de incidência, fato gerador, obrigação tributária, lançamento, constituição do crédito tributário, inscrição em divida ativa, certidão de dívida ativa – CDA, que por fim dará origem à execução fiscal.[62] Não obstante, a obrigação tributária decorre do incidente de um fato previsto em uma norma, e capaz de produzir efeitos, a exemplo da descrição do art. 19 do CTN: “O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional”.[63] A partir daí nasce uma relação jurídica tributária, que compreende o dever de alguém e o direito do Estado. Ocupando o pólo passivo da obrigação tributária tem-se a figura do contribuinte, enquanto no pólo ativo temos o Estado. A obrigação tributária pode ser principal ou acessória: a primeira é a prestação à qual se obriga o sujeito passivo da relação, é, portanto, sempre uma quantia em dinheiro, ou sob a ótica do Direito Civil, seria uma obrigação de dar dinheiro. A segunda obrigação tributária por sua vez, caracteriza-se pela não patrimonialidade, ou uma obrigação de fazer.[64] Nas palavras do professor Hugo de Brito: “obrigação tributária corresponde a uma obrigação ilíquida do Direito Civil, enquanto o crédito tributário corresponde a essa mesma obrigação depois de liquidada”.[65] Sintetizando, na obrigação tributária há o dever do sujeito passivo de pagar o tributo, ou a penalidade pecuniária, ou ainda, de fazer, não fazer ou tolerar, vide artigo 121 do CTN: “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:  I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.[66]” Contudo, essas prestações não são rapidamente exigíveis pelo sujeito ativo. Mas, apenas tem o direito de efetuar um lançamento contra o sujeito passivo, criando um crédito tributário, este sim, plenamente exigível.[67] A definição de obrigação tributária à luz dos ensinamentos de Hugo de Brito, decorre da relação jurídica da qual o particular tem o dever de prestar dinheiro ao Estado, ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, e o Estado, o direito de constituir contra o particular um crédito.[68] Conforme mencionado anteriormente, a obrigação tributária consiste em duas espécies: principal e acessória. A primeira tem previsão legal no artigo 113,§ 1º do CTN[69]e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, tendo sempre conteúdo patrimonial. A obrigação acessória por sua vez, conforme dispõe o CTN[70], emana da legislação tributária, e tem por objeto as prestações positivas ou negativas com fins de arrecadação fiscal dos tributos.[71] Dentre as obrigações acessórias estão: a) emitir uma nota fiscal, escriturar um livro, inscrever-se no cadastro de contribuintes; b) não receber mercadorias desacompanhadas da documentação legal exigida; c) admitir o exame de livros e documentos pelo fisco.[72] Reza o art. 113,§3º do Código Tributário Nacional: “A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.[73] Ou seja, a obrigação secundária (ou acessória) faz nascer para o fisco o direito de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é exatamente a penalidade pecuniária, também chamada de multa. Ao contrário do que dispõe a doutrina civilista[74]para os tributaristas a obrigação acessória não está necessariamente vinculada à existência de uma obrigação principal, tendo em vista que a existência de uma independe da outra.[75] Na verdade, o conjunto de obrigações acessórias tem a finalidade de viabilizar o cumprimento das obrigações principais, mas não é conditio sinequa non para existir no mundo fático. Por fim, a obrigação acessória tem o objetivo de realizar o controle dos fatos relevantes para o surgimento de obrigações principais. O legislador ainda estabeleceu que a obrigação do contribuinte também impõe  responsabilidade tributaria, por essa razão não se presume, pois necessariamente deriva de dispositivo legal, vejamos o Código Tributário Nacional:[76] “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” A norma esclarece que a responsabilidade tributária de terceiro deve estar vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, já que o responsável tributário não integra a relação jurídico-tributária.[77]Mas, na hipótese de inadimplemento da obrigação assume a posição de responsável, para então satisfazer o credito tributário. Para efeito da responsabilização de terceiros, no caso da ocorrência de descumprimento de obrigação tributária de pessoa jurídica, aplica-se os termos do art. 135, III do CTN.[78] Conclui-se, a responsabilidade tributária tem origem no inadimplemento da obrigação tributária pelo sujeito passivo, o que confere à Fazenda Pública o direito de executar a prestação devida de terceira pessoa, que nada mais é do que o responsável tributário, a exemplo da casuísta trazida na presente pesquisa, em que o sócio gerente torna-se pessoalmente responsável pela divida gerada através da pessoa jurídica. Nestes termos, passaremos a analisar nos tópicos seguintes a crise da limitação da responsabilidade dos sócios como causa originária da teoria da disregard, bem como a incidência da responsabilidade tributária e a respectiva fundamentação legal. 2.3 CRISE DA LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS No período da Baixa Idade Média, o alto risco conhecido pelos comerciantes e a urgência de captar investimentos associado à sua mitigação, determinaram o exercício da expandida autonomia privada para criar um novo tipo societário (as sociedades em comandita).[79] Nesse tipo societário, um ou alguns dos sócios (comanditários) eram titulares de direito de crédito sobre os resultados da empresa, enquanto outros permaneciam como proprietários dos resultados e do patrimônio dedicado à atividade. [80] A despeito de serem sócios, a redução dos interesses patrimoniais dos comanditários à natureza de crédito foi capaz de equipará-los aos demais credores da sociedade para fins de responsabilidade.[81] E enquanto credores, não seria razoável que respondessem, para além da não satisfação dos seus direitos de crédito e do perdimento das entradas fundantes de tais direitos, também com seu patrimônio pessoal.[82] Diante do contexto histórico, as causas medievais da responsabilidade limitada dos sócios são, indiretamente, o interesse de dirimir os riscos empresariais e, diretamente, a natureza creditória do direito do sócio fornecedor de capitais sobre os resultados da empresa. Desde as societás romanas na Idade Média, a presença dos princípios pré-jurídico e equitativo norteiam a disciplina da responsabilidade dos sócios.[83] Com o surgimento do novo tipo societário, a natureza creditória dos direitos de todos os acionistas sobre os resultados da empresa, além de subsistir como fundamento da limitação de responsabilidade, também determinou o advento dos primeiros conceitos de pessoa jurídica. As inúmeras teorias da pessoa jurídica acabaram consolidando sua natureza institucional e a relevância da função social dentro do contexto do direito societário. Essa limitação da responsabilidade entrou, no século XX, em choque com as novas tendências do pensamento econômico e com os resultados da analise econômica do direito. Esses acontecimentos deram origem à crise da limitação da responsabilidade.[84] Foi uma crise funcional e disciplinar. Não apenas porque foram relativizadas as funções da limitação da responsabilidade, mas principalmente pela sua ineficácia em externar custos sociais não compensatórios. Destarte, a crise da limitação da responsabilidade foi causa do aparecimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como técnica de imputação de responsabilidade aos sócios.[85] A moderna disciplina da responsabilidade elucida com precisão as causas de responsabilidade ou irresponsabilidade dos sócios e, por isso, para fins de sua imputação, tornou-se uma alternativa adequada à teoria da desconsideração. Através da aplicação do referido instituto, é possível imputar a responsabilidade patrimonial aos sócios das sociedades limitadas e por ações nas seguintes hipóteses: i) o legislador ou magistrado entenderem que a limitação de sua responsabilidade é economicamente ineficiente; ii) os sócios, agindo como empresários, apropriarem-se dos meios de produção, especialmente das entradas de capital.[86] Diante do exposto, é possível concluir que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é outra coisa senão uma resposta à crise da limitação da responsabilidade.[87] 2.4 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA CONFORME PREVISÃO LEGAL Já se sabe que a responsabilidade da obrigação tributária da pessoa jurídica é descrita pelo art. 135 do CTN [88]ao relacionar as causas de responsabilidade de terceiros pelo inadimplemento da obrigação tributaria: “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.(Grifo nosso)” Para efeito da aplicação do art. 135, III, o ato praticado com excesso de poderes é aquele realizado pelo administrador, em nome da sociedade, que ultrapasse os limites dos poderes a ele instituídos para o exercício de suas funções. De modo que qualquer ato que extrapole os poderes concedidos pela sociedade por meio do ato constitutivo a seu representante, configura contrariedade do estatuto ou contrato social. Quanto à infração da lei, consiste apenas no ato praticado pelo administrador com a intenção de lesar o fisco, seja ou não em benefício da pessoa jurídica, de modo que o mero inadimplemento, embora caracterize violação de dever jurídico, não se enquadra nesta definição, o mesmo ocorrendo com a má administração que cause a insolvência.[89] Assim, nos casos da impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, elencando um rol taxativo de possíveis responsáveis tributários.[90] Apesar de serem institutos completamente diferentes, a jurisprudência brasileira têm confirmado em suas decisões a tese sobre a responsabilidade tributária de terceiros como hipótese da doutrina da disregard of legal entity: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DEVIDA PELO TOMADOR DO SERVIÇO. ART. 22, IV, DA LEI 8.212/91. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. 1. “O legislador, ao exigir do tomador do serviço contribuição previdenciária de 15% (quinze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativa de trabalho, nos termos do art. 22, IV da Lei 8.212/91 (com a redação dada pela Lei 9.876/99), em nenhum momento valeu-se da regra contida no art. 135 do CTN, que diz respeito à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para que seus representantes respondam pessoalmente pelo crédito tributário nas hipóteses que menciona” (REsp 787.454/PR, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 23.08.2007). 2. Recurso Especial a que se nega provimento.[91]” Vale dizer, a responsabilidade de terceiros prevista no art. 135 do CTN[92], não fala em desconsideração da personalidade jurídica devedora, mas em imputar a responsabilidade aos terceiros elencados pelo legislador[93], que por sua vez estão vinculados à pessoa jurídica, a obrigação pelo pagamento dos débitos decorrentes de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Trata-se de imputação legal de responsabilidade solidária de terceiros, em substituição ao devedor principal, de aplicação taxativa, pois não deixa margem ao julgador para escolher se impõe ou não a responsabilização desses terceiros. Em exame às decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça[94] acerca do redirecionamento das execuções fiscais para os sócios-gerentes ou administradores das pessoas jurídicas empresárias, foi possível encontrar os seguintes posicionamentos já sedimentados:[95] Nota-se, em sede de execução fiscal promovida contra pessoa jurídica, que o STJ tem adotado o entendimento sobre a possibilidade do redirecionamento da ação contra os administradores desta, não apontados na Certidão de Dívida Ativa, desde que a Fazenda comprove a presença de uma das condições para a responsabilidade de terceiros fixada no art. 135 do CTN.[96] De outro lado, haverá a inversão no ônus da prova, cabendo assim ao administrador chamado à lide demonstrar a inocorrência dessas condições previstas na lei, quando a CDA fizer constar o nome dos sócios como co-responsáveis pelo pagamento do débito. [97] Tal entendimento se apresenta sob o fundamento de que a CDA é documento que goza da presunção de certeza e liquidez de todos os seus elementos (sujeitos, objeto devido e valor do débito), não podendo o Judiciário limitar o alcance desta presunção.[98] Observa-se no trecho abaixo o voto vencedor do AgRg no AI nº 1.058.751/RS[99]lavrado pelo Ministro Castro Meira qual foram retiradas as orientações jurisprudenciais mencionadas anteriormente: “A jurisprudência desta Corte é tranqüila em admitir o redirecionamento da execução, independentemente de qualquer prova, sempre que o nome do sócio constar como co-responsável na CDA, em face da presunção de legitimidade, certeza e liquidez que milita em favor desse título executivo, nos termos do art. 3º da Lei 6.830/80. […] Assim, iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, requerido o redirecionamento contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava nenhum fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, depois, volta-se contra o seu patrimônio, deve demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade. Ao revés, se a CDA já indica o sócio-gerente como co-responsável, há inversão do ônus da prova, cabendo a ele demonstrar, por meio dos embargos do devedor, que não agiu com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.” Com se vê, a doutrina majoritária entende que a responsabilidade de terceiros não se confunde com a desconsideração, pois a primeira se restringe a responsabilidade por obrigações tributária que resultem de ato realizado com excesso de poderes. Já a desconsideração decorre das relações de abuso, regulamentado pelo artigo 50 do Código Civil[100], e diferentemente do caráter taxativo da responsabilidade de terceiros, aqui é facultado ao juiz decidir sobre a aplicabilidade da disregard ou não.[101] Outra decisão da Egrégia corte do Superior Tribunal de Justiça:[102] “A mera inadimplência da obrigação tributária não é suficiente para viabilizar o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios-gerentes da pessoa jurídica. (v.g., REsp 1183292, AgRg no REsp 1159170, AgRg no REsp 1128989, REsp 1159170, REsp 1128989, Ag 1142756).” Não obstante, o entendimento jurisprudencial acima destacado é absolutamente equivocado ao afirmar que o não pagamento de tributos não gera ilicitude. Ocorre que, de acordo com o art. 3º do CTN[103], o tributo é uma prestação compulsória, e, portanto, sua inadimplência não é autorizada pelo ordenamento jurídico vigente, salvo em casos excepcionais. Assim, o empresário que descumpre suas obrigações tributárias comete ato ilícito por ofensa direta a lei de ordem pública, cuja responsabilidade pelo inadimplemento é de natureza objetiva, sendo, portanto, desnecessária a comprovação de culpa ou dolo. Via de regra, o administrador privilegia as obrigações de natureza privada para poder levar adiante o empreendimento, mas assim o faz em ofensa à lei, por sua conta e risco de gerar um dano maior para o fisco. Depois de analisadas as decisões em destaque, não restam duvidas que o julgador encontra-se, nestes casos, legalmente encurralado pela disposição do art. 135 do Código Tributário Nacional[104], sem saída para responsabilizardevidamente os sócios de uma empresa, caso não consiga enquadrar perfeitamente ao mencionado artigo. Ademais, a alta sofisticação e complexidade dos sistemas e manobras criados para burlar o Fisco, dificultam o trabalho dos órgãos fazendários e do poder judiciário para encontrar provas materiais, patrimônio dos sócios, ou até mesmo a identidade do verdadeiro responsável tributário, como ocorreu na casuística do processo envolvendo a empresa JANE TRANSPORTES que tramitou na 4ª VFP do interior de São Paulo.[105] Portanto, aquilo que o Estado não conseguir provar que decorreu do excesso de poder ou infração a lei, contrato social ou estatutos, não será passível de responsabilização de terceiros, dando azo à impunidade. A verdade é que o Estado não pode continuar arcando com os custos desenfreados deixados pelo uso irregular das sociedades empresárias, em que sócios e administradores atuam em beneficio próprio e com intuito de lesar o Fisco, agindo em total desconformidade a lei. Em síntese: o operador do direito não pode ficar “preso” à restrição do texto do art. 135, III, CTN[106] para responsabilizar o sócio da empresa, mas deve ter como alternativa legal a aplicação ampliada da teoria da desconsideração da pessoa jurídica.É o que se passa a demonstrar no tópico seguinte.   3.INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Passamos a investigar o conceito legal e doutrinário do instituto da desconsideração da pessoa jurídica (disregard doctrine).   3.1 CONCEITO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem grande relevância para o mundo do direito.Originário do Direito Empresarial e com previsão legal no Código Civil[107], é um instrumento criado para satisfazer as necessidades da realidade social, na medida em que estimula e impulsiona a atividade econômica. Considerando que a disregarddoctrine é um instrumento regulador da personalidade jurídica, mostra-se imprescindível a breve análise desta, a fim de tornar possível o seu estudo mais aprofundado. A começar pelo principio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, consagrado no artigo 1.024 do Código Civil[108], constitui importante ferramenta de incentivo do empreendedorismo, ao convalidar a limitação da responsabilidade que, conseqüentemente, atua como elemento mitigador dos riscos empresariais.[109] O reconhecimento da personalidade jurídica descrito pelo art.45 do Código Civil,[110] corresponde a uma sanção positiva, pela qual o ordenamento jurídico estimula os particulares a desempenharem atividades econômicas.[111] No caso das sociedades empresárias, o que o Estado quer ao permitir sua criação e consagrar regras de limitação da responsabilidade dos seus membros, é impulsionar o exercício da atividade econômica, sobretudo em função do regime capitalista de mercado adotado pela Constituição Federal.[112] Não se pode esquecer que mesmo as pessoas jurídicas devem ser criadas para alcançar fins amparados pelo direito, devendo manter sua atuação em conformidade com os ditames legais estabelecidos pelo ordenamento jurídico vigente. Entretanto, a história demonstra que o mau uso das pessoas jurídicas e a distorção do principio da autonomia patrimonial podem dar ensejo a abusos e excessos.[113] Não raro, empresários maliciosos utilizam as mais variadas manobras para fraudar seus credores, usando a personalidade jurídica e beneficiando-se da separação patrimonial como um escudo protetor contra os ataques ao seu patrimônio pessoal.[114] A fim de preservar o principio da autonomia patrimonial, em meio à crise da limitação da responsabilidade no século XX, associada à pretensão de coibir o uso abusivo da pessoa jurídica, formulou-se a doutrina da desconsideração. [115] Essa teoria foi criada com intuito principal de evitar o uso abusivo da pessoa jurídica em detrimento de seus credores, e por conseguinte, limitar a sua utilização. O sentido dessa teoria é compreendido por Marçal Justen Filho como: “Produto de uma construção jurisprudencial, indica a ignorância, para um caso concreto, da personificação societária. De modo que a situação jurídica apreciada tal como se a pessoa jurídica não existisse, o que significa que se trata a sociedade e o sócio como se fossem uma mesma e única pessoa. Atribuindo-se ao sócio ou à sociedade condutas que, não fosse a desconsideração, seriam atribuídos à sociedade ou ao sócio.[116]” Outrossim, acentua Alexandre Ferreira de Assumpção Alves: “A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento de correção dos desvios de finalidade da pessoa jurídica. Através dela o juiz pode reparar os atos emulativos causados por aqueles que se serviram da autonomia e capacidade próprias do ente moral para auferir vantagens injustas ou ilícitas.[117]” Contudo, há uma confusão terminológica doutrinária, vez que alguns autores utilizam inadequadamente a expressão “despersonalização”, ao invés de desconsideração. Porém, esta ultima não extingue a pessoa jurídica, apenas estende os efeitos de determinadas obrigações sociais aos sócios e administradores, havendo uma suspensão momentânea da autonomia da pessoa jurídica.[118] Nessa conjuntura, esclarece Márcia Frigeri: “[…] a disregard doctrine não possui o fulcro de anular a personalidade jurídica, mas desconsiderar a pessoa jurídica em face das pessoas ou bens que por trás dela se escondem. Trata-se da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para certos efeitos, permanecendo, pois, incólume a personalidade da empresa para quaisquer outras questões legítimas.[119]” Através da desconsideração, o afastamento da personalidade deve ser temporário e restrito aos atos fraudulentos ou praticados com abuso. Ressarcidos os prejuízos, a empresa deve continuar em atividade.[120] A doutrina da desconsideração não pretende anular a existência da pessoa jurídica, mas apenas considerar a sua personalização não eficaz em relação a determinado ato, concluindo que ele foi realizado por determinados membros da organização e não por esta. Superada a compreensão do conceito deste instituto no plano genérico, é hora de passar a examinar a matéria cerne sob a ótica da aplicabilidade da desconsideração em execução fiscal.   Restou demonstrado nos tópicos anteriores a necessidade do Estado de se proteger contra os sofisticados sistemas e manobras fiscais praticados pelos sócios e administradores das empresas como meio de lesar o Fisco. O maior exemplo é a utilização do “laranja”[121] para cometer crimes fiscais, que nada mais é do que um sujeito que empresta seu nome ou documentos para realizar transações financeiras e comerciais ilícitas, como forma de ocultar a identidade do verdadeiro responsável pelo crime. O “laranja” nem sempre age com dolo[122], mas, quando tem ciência de que está prestando serviço para viabilizar pratica criminosa, recebe remuneração, que  normalmente está associada a crimes de evasão fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção e ocultação de patrimônio, trata-se, portanto, de um sistema aperfeiçoado. Umas das soluções almejadas pelo legislador para conter esse tipo de abuso, foi editar a regra do art. 135, III do CTN[123], para responsabilizar os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. No entanto, o que se vê nas decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros, é uma limitação do poder de responsabilizar, haja vista que o rol do art. 135 do CTN[124] é taxativo e, portanto, reduz as possibilidades do poder do juiz de punir e amplia as chances dos empresários violarem a lei. Nos termos da atual jurisprudência brasileira[125], para que os sócios saiam ilesos em uma hipotética ação de execução fiscal em razão do encerramento irregular da empresa, basta que: Não há duvidas de que, tanto o julgador como os órgãos fazendários ficam nesses casos de mãos atadas, pois com os aprimorados sistemas criados para se livrar da responsabilidade é difícil encontrar provas materiais que comprovem a ilicitude dos atos conforme art. 135 CTN.[126] Por isso, a proposta é criar alternativas legais que de forma complementar ao art. 135 do CTN[127] possam cercar os verdadeiros responsáveis pelo cometimento dos crimes fiscais, mitigando de uma vez por todas os prejuízos do Estado. Neste cenário, surge o art. 50 do Código Civil de 2002 [128]como regra geral, que trata sobre as causas autorizativas para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” O artigo em epigrafe prevê o abuso de personalidade jurídica, decorrente de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, em que os efeitos devem ser estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Sob o enfoque doutrinário de Maria Helena Diniz[129]: “Desconsideração da pessoa jurídica: A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independentemente de seus membros, pois efetua negócios sem qualquer ligação com a vontade deles; além disso, se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a compõem, se o patrimônio da sociedade não se identifica com o dos sócios, fácil será lesar credores, mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade, tendo-se em vista que os bens particulares dos sócios não podem ser executados antes dos bens sociais, havendo dívida da sociedade. Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso da personalidade jurídica, o orgão judicante, a requerimento da parte ou do Ministério Publico, quando lhe couber intervir no processo, esteja autorizado a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios; tal distinção, no entanto, é afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto, estendendo a responsabilidade negocial aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” Depois de analisar a regra geral do art.50 do CC[130], é necessário demonstrar como o instituto da desconsideração pode ser aplicado à ação de execução fiscal, e, para isso, é imprescindível analisar minuciosamente o texto da Lei nº 6.830/80.[131] Preliminarmente, a Execução Fiscal é o termo utilizado para se referir ao procedimento especial no qual a Fazenda Pública requer de contribuintes inadimplentes o crédito que lhe é devido, e para isso, provoca o Poder Judiciário que fará essa cobrança judicialmente. [132] O Poder Judiciário viabiliza, através da Execução Fiscal, a cobrança do crédito devido à Fazenda Pública, através da busca de patrimônio e bens do executado, com intuito de satisfazer a divida. Ressalte-se, o processo de execução é pautado na existência de um título executivo extrajudicial, conhecido como CDA – Certidão de Dívida Ativa, que fundamentará a cobrança da dívida que nela está representada, tendo em vista que o título goza de presunção de certeza e liquidez. [133] Decorrido o prazo de 90 (noventa) dias para cobrança, caso o débito ultrapasse o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a Procuradoria da Fazenda Nacional elabora uma petição inicial e encaminha para o judiciário. Após a citação do devedor, ele terá um prazo de 05 (cinco) dias para pagar a dívida ou nomear bens em garantia, sob pena de ter seus bens penhorados. Posteriormente, os bens são avaliados pelo Oficial de Justiça, e confiados a um depositário, que por sua vez terá a incumbência de guardar os bens. Na hipótese de discussão sobre o valor do débito, é facultado ao executado ajuizar outra ação denominada de embargos do devedor, desde que tenha ocorrido a penhora anteriormente para garantir o crédito em debate. Neste momento, sendo infrutíferas as tentativas de cobrança junto à sociedade executada,como ocorreu no caso concreto da sociedade JANE TRANSPORTES[134], justifica-se a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, conseqüentemente redirecionando-se a ação executiva contra o sócio-gerente. Diante dos argumentos expostos até aqui, é possível afirmar que para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica à execução fiscal é suficiente a regra geral do art. 50 do CC[135], sendo prescindível a criação de norma especial tributária. Mas, em complementaridade às razões do art.50 do Código Civil[136], corrobora com a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica em execução fiscal a própria Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal)[137], os arts. 133 e 134 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)[138] além do art.135 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66)[139]. A Lei de Execução Fiscal regulamenta: “ Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil (Grifo nosso).[140]” O texto da LEF [141]direciona o presente estudo para buscar, subsidiariamente, amparo jurídico no recente Código de Processo Civil[142], que por sua vez, cuida expressamente do instituto da desconsideração da pessoa jurídica em seus arts. 133 e seguintes: “Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Esclarece Ruy Zoch Rodrigues sobre o dispositivo em comento: “A desconsideração da personalidade jurídica é instituto previsto no Código de Defesa do Consumidor (art. 28) e no Código Civil (art. 50), que autoriza imputar ao patrimônio particular dos sócios, obrigações assumidas pela sociedade, quando – e se – a pessoa jurídica houver sido utilizada abusivamente (desvio de finalidade, confusão patrimonial, liquidação irregular etc). O CPC/2015 regula a matéria em nível processual (art. 133, § 1º) como tema incidente, no capítulo destinado à intervenção de terceiros. Não se trata de incidente processado em autos próprios (apartados), pois o NCPC abdicou da técnica, comum no CPC/1973, suprimindo-a em hipóteses clássicas como a do incidente de falsidade documental (art. 430), por exemplo. Entretanto, a desconsideração não se limita àquelas hipóteses. Por isso, e porque a lógica do NCPC prestigia a celeridade com menos destaque à formalidade, parece que a melhor exegese do § 3º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento. Fora disso, não. E tudo remete à possibilidade de autuação apartada, a fim de se garantir celeridade e melhor organização procedimental.[143]” Com isso, pretende-se comprovar que para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica às execuções fiscais é suficiente a regra genérica do art. 50 do CC[144] cumulado aos arts.133 e 134 do CPC[145] e do já exaustivamente debatido art.135 do CTN[146], visto que prescindem de norma especial tributária para tratar sobre garantia patrimonial em fase de execução aos bens dos sócios. Arremate-se, a opção legal apresentada traz inúmeros benefícios para a ordem pública e efetividade da justiça, e dentre as vantagens provocadas pela adoção do instituto da desconsideração em execução fiscal estão: Evidente que a aplicação do art. 50 do CC[147] juntamente com os arts.133 e 134, do CPC[148] e o 135 do CTN[149], em execuções fiscais é medida cabível que pode e deve ser uniformemente adotada pelos tribunais, como forma de concretude da função social da pessoa jurídica e dos valores sociais da livre iniciativa, bem como de adequação da atividade empresarial aos princípios gerais da atividade econômica. Este tópico é dedicado a descrever e sistematizar caso concreto envolvendo a empresa JANE TRANSPORTES (processo nº 2002.61.12.005713-8) que se adéqua à discussão em contenda, consubstanciado em precedentes jurisprudenciais. “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DE SÓCIO-GERENTE NO POLO PASSIVO DA AÇÃO – POSSIBILIDADE NA HIPÓTESE.   VOTO A r. sentença deve ser mantida. O embargante, na condição de ex-sócio-gerente da empresa executada, é responsável pelo pagamento da dívida fiscal cujos fatos geradores ocorreram durante o período em que exerceu a gerência da sociedade. Com efeito, ajuizada execução fiscal contra sociedade e não localizada esta ou inexistentes bens de sua propriedade passíveis de constrição judicial, os sócios-gerentes devem responder pela dívida relativamente ao período em que estiveram à frente da mesma, ainda que já tenham dela se retirado (como no caso dos autos), consectário das disposições do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.” Nesse sentido, destaco: “TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. QUESTÕES QUE DEMANDAM DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. “TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO POR DÍVIDA DA SOCIEDADE. REQUISITOS NECESSÁRIOS. PRECEDENTES. I – O sócio-gerente de uma sociedade limitada é responsável, por substituição, pelas obrigações fiscais da empresa a que pertencera, desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador contemporâneo ao seu gerenciamento, pois que age com violação à lei o sócio-gerente que não recolhe tributos devidos. II – Precedentes da Corte. III – Recurso improvido.” (STJ, 1ª Turma, RESP n. 34429-93/SP, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 06.03.93, p. 18.019) Portanto, infrutíferas as tentativas de cobrança junto à sociedade executada, justifica-se a desconsideração da personalidade jurídica, redirecionando-se a ação executiva contra o sócio-gerente. Ante o exposto, dou provimento à apelação.É como voto. (STJ, 1ª Turma, RESP n. 34429-93/SP, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 06.03.93, p. 18.019).[151]” Conforme demonstrado em tela, o ex-sócio gerente da empresa que está no pólo passivo da ação de execução fiscal, foi responsabilizado pelo pagamento da divida fiscal, tendo em vista que foi constatado que os fatos geradores ocorrem no período em que este ocupava o cargo de gerência da sociedade. Ou seja, para efeitos fiscais, a responsabilidade deve ser auferida no período exato em que o fato gerador que deu ensejo à infração ocorreu. Por essa razão, não há que se falar em responsabilidade do atual sócio da empresa. Neste cenário, depois do ajuizamento da execução fiscal contra a sociedade, foram feitas diversas tentativas de localizar bens e patrimônio da empresa passíveis de constrição judicial. Sem sucesso, o julgador decidiu aplicar o art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional[152] com o intuito de responsabilizar terceiro, neste caso, o ex-sócio da empresa. Todavia, frustradas todas as tentativas realizadas para efeito de cobrança junto à sociedade executada, foi aplicada a desconsideração da personalidade jurídica, com o objetivo de redirecionar a ação de execução fiscal, retirando assim o véu da pessoa jurídica e responsabilizando pessoalmente o ex-sócio. Atesta a decisão acima[153], que é possível adotar a desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução fiscal, quando não for possível aplicar o art. 135 do CTN[154] de forma exitosa. Por se tratar de uma tese original e inovadora que se fundamenta no Código Civil e no recente CPC de 2015[155],ainda não houve adesão da jurisprudência brasileira, é preciso destacar que os pressupostos da desconsideração da pessoa jurídica são elencados também pelo Direito Tributário, aplicando-se subsidiariamente ao art. 50 do Código Civil.[156] Não obstante, os Tribunais têm considerado como fundamento legal para a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária somente o art. 135 do CTN[157], em uma interpretação equivocada. Dessa forma, é constatada a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário, devendo incidir sempre que observadas as práticas do sócios-gerentes e administradores descritas no art. 50 do Código Civil.[158] Quanto ao Novo Código de Processo Civil, tem a função de prever o instituto formalmente e regular o seu procedimento. Como pondera Alexandre Câmara: “Ao Código de Processo Civil incumbe, tão somente, regular o procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (o qual será sempre o mesmo, qualquer que seja a natureza da relação jurídica de direito substancial deduzida no processo). [159]” Destarte, pode-se dizer que em matéria tributária, a maior evolução trazida pelo instituto da desconsideração da pessoa jurídica foi a opção de realização do direito ao contraditório, possibilitando ao responsável que demonstre a sua ausência de responsabilidade, ou, em caso de comprovação de dolo, substitua de imediato aquele que integra o pólo passivo da relação processual, assumindo a condição de executado.[160]   Este tópico é destinado a tratar das orientações jurisprudenciais, na medida em que refletem o posicionamento sobre determinadas matérias predominantes nos Tribunais superiores, e tem como finalidade precípua a uniformização da jurisprudência brasileira. Sendo assim, passamos a demonstrar o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça[161] a respeito do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em execução fiscal. Jurisprudências examinadas: “I –Responsabilidade acerca do artigo 135, III do Código Tributário Nacional; 1ª Turma: AgRg no REsp 957265 / ES, Ministro JOSÉ DELGADO (1105), T1 – PRIMEIRA TURMA, 18/12/2007, DJ 25/02/2008 p. 1, TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE. SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. ÔNUS DA PROVA. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. É entendimento deste Tribunal que o mero inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. 2. Apesar de aceitável a nova tese trazida pelo agravante no sentido de se inverter o ônus da prova em relação ao sócio-gerente inscrito em CDA, não tem o presente recurso o condão de modificar o conteúdo do recurso negado, porquanto não ventilado no âmbito do apelo nobre, que se restringiu a discutir a aplicação do art. 135 do CTN. 3. Agravo regimental não-provido. REsp 1060850 / RS, Ministra DENISE ARRUDA (1126), T1 – PRIMEIRA TURMA, 18/09/2008, DJe 29/09/2008 RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O SÓCIO-GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. VIABILIDADE.[162] II-EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA. ART. 135, III, DO CTN. POSSIBILIDADE. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. PATRIMÔNIO DO SÓCIO AFETADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. III-TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – PROVA SUFICIENTE PARA AUTORIZAR O REDIRECIONAMENTO – DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES. 1. O Tribunal a quo, quando da apreciação da apelação cível, entendeu pela impossibilidade de redirecionamento da execução fiscal, por não ter havido violação do artigo 135 do CTN, bem como não ter ocorrido a dissolução irregular da sociedade. 2. Em recurso especial interposto pela União, reconheceu-se a dissolução irregular da sociedade, com fundamento na certidão do oficial de justiça de fl. 17, e determinou-se o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios. 3. Necessário retorno dos autos para apreciação da responsabilidade individual, sob pena de supressão de instância. Agravo regimental improvido.[164] IV-PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL.(…) Conforme demonstrado, o Superior Tribunal de Justiça têm posicionamento divergente quanto à aplicabilidade do redirecionamento da execução fiscal e desconsideração da pessoa jurídica. Sendo certo o entendimento de que em caso de violação expressa ao art. 135 do CTN[166], aplica-se o redirecionamento da execução fiscal, imputando responsabilidade pessoal aos sócios. Esse entendimento é favorável ao Fisco, contudo, o mesmo não se observa quanto a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica em casos envolvendo matéria tributária e ação de execução fiscal utilizando o art. 135, III do CTN [167], ou quando não é possível provar a violação do dispositivo em epigrafe. Observamos que não há adesão ao art. 50 do CC[168] para casos que envolvem matéria tributária em execução fiscal, na qual é cabível se constatada a dissolução irregular da sociedade, confusão patrimonial na pessoa dos sócios para com a pessoa jurídica, e desvio de finalidade quando há época do débito o sócio fazia parte da administração. A doutrina e a jurisprudência ainda se mostram muito confusas e divergentes quanto a resolução de casos envolvendo execução fiscal, responsabilidade de terceiros e desconsideração da pessoa jurídica. O que se espera através dessa pesquisa, é a aquiescência da comunidade jurídica, tanto da doutrina como dos Tribunais, com o fito de adotar o art. 50 do CC[169] cumulado ao art.133 do CPC[170], como regra geral para litígios envolvendo a matéria. Mas principalmente, que haja uniformização jurisprudencial a fim de mitigar os prejuízos do Estado e os dispêndios processuais.   A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é produto de uma construção jurisprudencial, cujo objetivo é garantir maior proteção ao instituto da pessoa jurídica. Influenciada pela teoria da realidade técnica, a disregard doctrine, surgiu no século XIX, e foi se aperfeiçoando através do contexto histórico-cultural, com ênfase no direito norte americano, bem como sofreu interferência axiológica, com destaque para os princípios da autonomia patrimonial, função social, boa fé objetiva, legalidade, contraditório, ampla defesa, devido processo legal, isonomia, etc. Ocorre que, o excesso da autonomia patrimonial e proteção conferida à pessoa jurídica provocaram impacto econômico negativo no mercado, ocasionando a limitaçãoda responsabilidade, que posteriormente deu origem à crise da limitação da responsabilidade. Com o escopo de preservar o principio da autonomia patrimonial, em meio à crise da limitação da responsabilidade no século XX, e diante da má utilização das normas de proteção e estímulo da pessoa jurídica, aliado ao propósito de controlar o seu uso abusivo, formulou-se a doutrina da desconsideração. Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou para o direito americano disregarddoctrine, define-se pela transferência da responsabilidade da pessoa jurídica para a pessoa física dos sócios. Sob a ótica do Direito Tributário, a responsabilização pessoal ocorre através da responsabilidade de terceiros (art.135, CTN), quando o responsável tributário descumpre uma obrigação, ensejando a cobrança da divida e sua execução. Contudo, não raro, a empresa se apresenta como insolvente, deixando a dívida para o estado. Em situações análogas o ônus da inadimplência acaba sendo suportado não só pelo estado, mas por toda a sociedade, portanto, a teoria da desconsideração aparece como mecanismo de diluir os prejuízos causados pelo empresário mal intencionado que utiliza a pessoa jurídica como escudo para o cometimento de ilícitos. De modo que o estado e a sociedade não podem mais suportar os custos gerados de forma irresponsável pelo empresário que, mesmo diante da certeza de insuficiência financeira da pessoa jurídica que administra, prefere agir em desconformidade à lei e continuar com a empresa ativa sem qualquer tipo de estrutura patrimonial. Atualmente, o único instrumento legal utilizado para imputar responsabilidade aos sócios-gerentes e representantes da pessoa jurídica de direito privado é o art. 135, III, do CTN que tem rol restritivo, e responsabiliza terceiros apenas pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ademais, em razão da interpretação taxativa e ausência de regulamentação ampliada, toda situação que não estiver enquadrada no dispositivo em epigrafe, não é passível de responsabilização de terceiros, dando causa á impunidade. A necessidade de ampliar a interpretação jurídica e legal em casos envolvendo responsabilidade de terceiros e execução fiscal deu origem à tese aqui apresentada, acerca da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica através do art.50, do Código Civil, bem como o art.133 do recente Código de Processo Civil. Com isso, se pretende comprovar que para empregar a desconsideração da pessoa jurídica em execução fiscal é suficiente a regra genérica do art. 50 do CC cumulado aos arts.133 CPC, visto que prescindem de norma especial tributária, pois não se trata de definição de tributos ou de obrigação tributária, mas apenas da expansão da garantia patrimonial executiva aos bens dos sócios. Destarte, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em execução fiscal é providência cabível que deve ser adotada tanto pela doutrina como pela jurisprudência brasileira, de forma a prestigiar os princípios da boa fé objetiva, função social da empresa, autonomia patrimonial, economia e celeridade processual, etc. Situação semelhante ocorreu na casuística estudada envolvendo a empresa JANE TRANSPORTES no processo nº 2002.61.12.005713-8 que tramitou na 4ª vara de Fazenda Pública em Presidente Prudente (SP), tendo em vista que em virtude do descumprimento da obrigação tributária o julgador decidiu aplicar o art. 135, inciso III, do CTN, mas sem sucesso aplicou a desconsideração da personalidade jurídica, com o objetivo de redirecionar a ação de execução fiscal, retirando assim o véu da pessoa jurídica e responsabilizando pessoalmente o ex-sócio. Ressalte-se, que o êxito desta tese está condicionado à adesão uniforme da jurisprudência brasileira, que ainda tem posicionamento divergente e confuso sobre o tema. Enfim, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, um avanço que pretende garantir maior segurança jurídica às relações entre os órgãos fazendários e o sujeito passivo da relação tributária, de maneira que comprovado o abuso do direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial em execução fiscal, cabe a incidência do art. 50 do Código Civil cumulado ao art.133 do Código de Processo Civil. Diante do exposto, a aplicação do dispositivo em epigrafe às execuções fiscais é medida que pode e deve ser adotada pelos tribunais, como forma de concretude da função social da pessoa jurídica e dos valores sociais da livre iniciativa, bem como de adequação da atividade empresarial aos princípios gerais da atividade econômica.   JUSTEN FILHO, Marçal apud KELSEN, Hans. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987. KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante, A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2002. BARCELLOS, Alvacir de Sá. A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Revista Jus Navegandi. Teresina, publicado em 28 de setembro de 2010. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/17466>. Acesso em: 16 nov. 2016. LUDVIG, Gabriel Teixeira. Desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução na pessoa dos sócios. Artigo acadêmico do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, publicado em 11 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_/gabriel_ludvig.pdf.> Acesso em: 07/08/2016 HOLANDA FERREIRA. Aurélio Buarque. 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Eliana Calmon, DJ 23.08.2007 STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010. http://www.stj.jus.br/sites/STJ. Acesso em : 20/11/2016 STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010. STJ. (v.g., REsp 1183292, AgRg no REsp 1159170, AgRg no REsp 1128989, REsp 1159170, REsp 1128989, Ag 1142756). Acesso em : 20/11/2016 http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual. Acesso em: 10/08/2016 RAMOS. André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6ª ed. 2016 . ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: um estudo de direito civil constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2001. FRIGERI, Márcia Regina. A responsabilidade dos sócios e administradores, e a desconsideração da pessoa jurídica.Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 739, p. 53-69, maio 1997. SALOMÃO, Lucas. Uso do termo “laranja” para designar ocultação de bens tem origem incerta.G1.Brasília, 31 de janeiro de 2016. 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REsp 1272827/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques – PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013.   [1]  HOLANDA FERREIRA. Aurélio Buarque. Significado do vernáculo “desconsideração”, obra Dicionário Aurélio(1986), p.553. [2] JUSTEN FILHO, Marçal apudKELSEN, Hans. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987.p.53 [3] Idem. [4] Ibidem, p. 54. [5] JUSTEN FILHO, Marçal apudKELSEN, Hans.Op.cit, p.54 [6] JUSTEN FILHO, Marçal apud FERRARA, Francisco. Op.cit,p.56 [7]KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante, A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2002. [8] JUSTEN FILHO. Marçal. Op. Cit., p. 53 [9] KOURY. Suzy Elizabeth Cavalcante. Op. Cit., p. 63 [10] REQUIÃO. Rubens. Abuso de Direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine) Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: 1977, p 61. [11] KOURY. Suzy Elizabeth Cavalcante. Op. Cit., p. 67 [12]http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual. Acesso em: 10/08/2016 [13]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [14]BARCELLOS, Alvacir de Sá. A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15,n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17466>. Acesso em: 16 nov. 2016. [15] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1829105-moro-aceita-denuncia-e-palocci-vira-reu-na-operacao-lava-jato.shtml [16] http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/11/re-na-lava-jato-claudia-cruz-e-interrogada-pelo-juiz-sergio-moro.html [17] http://cbn.globoradio.globo.com/grandescoberturas/operacao-lava-jato/2016/09/14/LULA-DIZ-QUE-SEQUER-DORMIU-EM-TRIPLEX-DO-GUARUJA.htm [18] FREIRE, Ricardo Maurício. Curso de Introdução ao estudo do Direito. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p 21-27. [19]Para qual a pessoa jurídica é produto da criação legislativa, mas a sua existência é real.             (JUSTEN FILHO, Marçal apud FERRARA, Francisco. Op.cit,p.56). [20]Em oposição a teoria da realidade técnica surgiu a teoria da ficcção, para qual a pessoa jurídica não existia pois era uma criação abstrata.( GLAGLIANO, Pablo Stolze apud SAVIGNY. Novo Curso de Direito Civil. Vol.1. 11ª ed.- São Paulo, Saraiva, 2009). [21] JUSTEN FILHO. Marçal. Op. Cit., p. 47 [22] KOURY. Suzy Elizabeth Cavalcante. Op. Cit., p. 64 [23] Idem, p 64. [24]REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregarddoctrine). In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 61. [25] WARDE JR, Walfrido Jorge.Responsabilidade dos sócios. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.242. [26] JUSTEN FILHO. Marçal. Op. Cit., p. 27 [27] Apud SICHES, Luiz Racaséns, Nueva Filososfia de laInterpretacion Del Derecho, 2ª ed, México, Porruá, 1973, p.261. [28] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 03/08/2016 [29]COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2.ª  ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p.15. [30]ALMEIDA, Maria Christina de. A Função Social da Empresa na Sociedade Contemporânea: Perspectivas e Prospectivas. Unimar, Marília, v. 3, p. 141 – 151, 2003. [31] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.28ª ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2007, p. 63. [32] Idem, 63. [33]CONSITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.> Acesso em: 05/07/2016 [34] Idem. [35] MACHADO, Hugo de Brito.Op. cit 64 [36] Ibidem, p. 69. [37] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Ed. 2015, vol.1, Editora Juspodivm.p.22. [38] ÁVILA, Humberto: Sistema Constitucional Tributário, Saraiva, São Paulo, 2004. p.54. [39]CONSITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.1988. Op.cit. [40]DIDIER JR., Fredie.Op. cit. p.24 [41]MENDES, Gilmar Ferreira ,Curso de direito constitucional,4ª ed.,São Paulo,Saraiva, 2009, p.592 [42] LEI Nº 13.102, DE 16 DE MARÇO DE 2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm [43]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. Cit, p. 2 [44] Idem. [45] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, p. 46. [46] BRITO. Hugo Machado, Op. cit. p 155. [47] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.13. [48] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [49] Idem. [50]CAVALIERI FILHO, Sergio.Op. cit. p.38 [51]Idem. p. 66 [52]Ibidem.p.16. [53]Ibidem. p. 93. [54] CAVALIERI FILHO. Sérgio. Programa de Responsabilidade Cvil. 2005, p. 95 e 96. [55] MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª ed. 2007. P 150 a 153. [56]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [57] MACHADO. Hugo de Brito. Op cit. 177. [58]Idem. [59] Idem. [60] Ibidem. Op cit. 178. [61]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [62] MACHADO. Hugo de Brito. Op. cit.p. 178. [63]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [64] MACHADO. Hugo de Brito.Op. cit. 155. [65] Ibidem. p.150. [66]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [67] MACHADO. Hugo de Brito. Op.cit. p.155 [68] Idem. [69] Ibidem, p.180. [70]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [71] Idem. [72]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [73]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [74] CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p 17 [75]MACHADO. Hugo de Brito. Op.cit. p.152 [76]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [77] MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit.p 178. [78]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [79] WARDE JR. Walfrido Jorge. Responsabilidade dos sócios – A crise da limitação e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 1ª ed. 2007. Del Rey, p. 79-80. [80] Idem. [81]Ibidem.p. 80- 81. [82] Idem. [83] Idem. [84] WARDE JR. Walfrigo Jorge Warde. Op. cit, p. 84. [85]Ibidem.p.86 [86]Ibidem.87 [87] Idem. [88]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [89]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [90] Idem. [91] STJ, REsp 787.454/PR, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 23.08.2007 [92]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [93]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [94]STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010. [95]http://www.stj.jus.br/sites/STJ. Acesso em : 20/11/2016 [96]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [97]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [98]MACHADO.Hugo de Brito. Op. cit.p.279 [99]STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010. [100] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [101] BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [102] STJ. (v.g., REsp 1183292, AgRg no REsp 1159170, AgRg no REsp 1128989, REsp 1159170, REsp 1128989, Ag 1142756). Acesso em : 20/11/2016 [103]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [104]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [105]http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual. Acesso em: 10/08/2016 [106]Idem. [107]LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [108] Dispõe o art. 45: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.(Idem) [109]RAMOS. André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6ª ed. 2016 – p.472 [110] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [111] Idem. [112]CONSITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.1988. Op.cit. [113]LUDVIG, Gabriel Teixeira. Desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução na pessoa dos sócios. Artigo acadêmico do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, publicado em 11 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_/gabriel_ludvig.pdf.> Acesso em: 07/08/2016 [114]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [115]FILHO JUSTEN.Marçal.Op.cit.p.55 [116]Idem. [117]ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: um estudo de Direito Civilconstitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-278. [118]BARCELLOS, Alvacir de Sá. Op. cit. [119]FRIGERI, Márcia Regina. A responsabilidade dos sócios e administradores, e a desconsideração da pessoa jurídica.Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 739, p. 53-69, maio 1997. [120] Idem. [121]SALOMÃO, Lucas. Uso do termo “laranja” para designar ocultação de bens tem origem incerta.G1.Brasília, 31 de janeiro de 2016. Disponível em:<http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/01/uso-do-termo-laranja-para-designar-ocultacao-de-bens-tem-origem-incerta.html. Acesso em: 01/11/2016. [122] Idem. [123]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [124] Idem. [125]STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010. [126]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [127] Idem. [128]LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Op. cit [129] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. P.46 [130]LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Op. cit. [131]LEI Nº 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980. Op. cit. [132] Idem. [133] MACHADO. Hugo de Brito. Op. cit. p. 279 [134]http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual. Acesso em: 10/08/2016 [135] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [136] Idem. [137] LEI Nº 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980. Op. cit. [138]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit. [139]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [140]LEI Nº 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980. Op. cit. [141] Idem. [142]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit. [143] RODRIGUES. Ruy Zoch. Novo Código de Processo Civil Anotado. Rio Grande do Sul.p.52 [144] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [145]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit. [146]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [147] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [148]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit. [149]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [150]STJ – 2ª Turma : RESP n. 200602567401/RS, Rel. Min. Castro Meira, v.u., DJ 15/03/2007, pág.305 [151]STJ, 1ª Turma, RESP n. 34429-93/SP, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 06.03.93, p. 18.019 [152]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [153]STJ, 1ª Turma, RESP n. 34429-93/SP, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 06.03.93, p. 18.019 [154] Idem. [155]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit. [156] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [157]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [158] Idem. [159] CÂMARA, A. F. In: WAMBIER, T. A. A. et al. Breves Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 427. [160] CÂMARA, Alexandre. Op.cit.428 [161]http://www.stj.jus.br/sites/STJ. Acesso em : 09/10/2016 [162]STJ.REsp 1060850 / RS, Ministra Denise Arruda (1126), 1ª Turma – PRIMEIRA TURMA, 18/09/2008, DJe 29/09/2008 [163]STJ.AgRg no AgRg no REsp 1043617 / RS, Ministro Humberto Martins. (1130), 2ª Turma – SEGUNDA TURMA, 26/08/2008, DJe 18/09/2008. [164] STJ. AgRg no REsp 957265 / ES, Ministro José Delgado. (1105), 1ª Turma – PRIMEIRA TURMA, 18/12/2007, DJ 25/02/2008. [165]STJ. REsp 1272827/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques – PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013. [166]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [167]LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966.Op. cit. [168] LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.Op. cit [169] Idem. [170]LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.Op. cit.
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A Relação Jurídica Tributária e o Desequilíbrio Entre o Fisco e o Contribuinte/Responsável
O Estado angaria valores para manter a máquina pública, na sua maioria, por meio de arrecadação de tributos. Tais tributos são pagos pelos contribuintes ou responsáveis, criando assim, uma relação jurídica tributária entre estes e aquele. Dentre as consequências dessa relação, a Carta Magna e o CTN previram limitações ao poder de tributar, ao mesmo tempo em que estipularam privilégios e garantias ao Fisco. Desta forma, o presente artigo visa instigar o quanto os benefícios dados ao Estado podem prejudicar aqueles que arcam com o pagamento dos tributos, apesar das limitações.
Direito Tributário
Introdução: Para que o Estado possa cumprir suas funções sociais, elencadas como direitos fundamentais na Carta Magna, o mesmo precisa captar recursos. Dentre as formas de arrecadação, a maior delas é por meio da cobrança de tributos, cujo ordenamento é disposto principalmente no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal. Por conta dessa forma de arrecadação, podemos afirmar que existe uma relação jurídica tributária entre o Estado e o contribuinte ou responsáveis. Por via de regra, o contribuinte entrega parte de seu patrimônio ao Estado para que este promova o bem estar coletivo, cumprindo com sua função social. Os tributos para serem criados e cobrados precisam estar submetidos a uma série de princípios norteadores do direito tributário, a fim de garantir uma segurança jurídica tanto ao contribuinte quanto aos responsáveis, por meio não apenas dos princípios tributários fortemente conhecidos como a limitação do Poder de Tributar, mas sim, de forma direta e indireta ao longo das diretrizes impostas na Constituição Federal. No entanto, essa relação jurídica não é baseada apenas em proteções ao contribuinte, uma vez que ao Fisco foram garantidos determinados privilégios e garantias. Tais benefícios, por vezes, podem ir de encontro com uma relação jurídica tributária baseada no princípio da equidade e, ainda, do ideal de justiça. Por conta disso, o presente artigo trará não apenas os conceitos da Limitação do Poder de Tributar, dos Privilégios e Garantias do Crédito Tributário e do significado da Relação Jurídica Tributária, mas também tentará relacionar tais benefícios estatais frente à relação com aqueles que mantêm o funcionamento da máquina pública.   Para compreender a relação Jurídica Tributária é necessário perceber que essa relação não é estática, mas que possui uma série de etapas. É comum que essa relação seja transformada em uma “linha do tempo”, apresentando a Hipótese de Incidência, seguida do Fato Gerador, da Obrigação Tributária e do Crédito Tributário. Essa linha imaginária aclara que não existirá Obrigação Tributária, sem o preenchimento dos itens que lhe antecedem, motivo pelo qual se analisará cada fase. 1.1. Hipótese de Incidência: A primeira fase, conforme já elencada, é a hipótese de incidência, ela é a definição das situações criadas pelo legislador cabíveis de tributação, ou seja, o motivo pelo qual nascerá uma relação jurídica tributária do contribuinte/responsável para com o Estado. 1.2. Fato Gerador: No segundo momento da linha do tempo, encontra-se o fato gerador, sendo conhecido como a concretização da hipótese de incidência. Neste caso, pode-se afirmar que a situação deixou de ser uma probabilidade de acontecimento e transformou-se em uma realidade. É por meio do fato gerador que se consegue definir a natureza jurídica do tributo, seja ele imposto, taxa ou contribuição de melhoria. Nesse sentido, consagra o artigo 4º do CTN, in verbis: Art. 4º. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá​-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto da sua arrecadação. O fato gerador só não terá tamanha importância para a definição da natureza jurídica nos casos dos empréstimos compulsórios, uma vez que sua definição é alicerçada na finalidade para qual foi criado. Sem relação com a natureza jurídica do tributo, o fato gerador poderá, ainda, ser considerado vinculado ou não vinculado. A primeira hipótese ocorre quando determinado tributo é cobrado para um fim específico, por exemplo, os valores arrecadados com a taxa de lixo deverão ser utilizados para o recolhimento dos resíduos. O fato gerador não será vinculado quando o mesmo tiver relação com o Contribuinte e não com a Administração, por exemplo, os valores arrecadados no Imposto de Renda que, só foram arrecadados porque o contribuinte foi enquadrado na hipótese que lhe torna sujeito de deveres para com o Fisco, adquirindo, portanto capacidade tributária. A vinculação aclarada neste momento condiz com a função da Administração. Outra função do fato gerador é determinar qual lei será aplicada ao cobrar o tributo, uma vez que é o marco temporal da materialização da hipótese de incidência. O fato gerador pode ser classificado de três formas, considerando seu lapso temporal: instantâneos (a prática de determinado ato já concretiza a hipótese de incidência); periódicos (quando a junção de certos atos implicam na constituição do fato gerador, não sendo um único ato capaz de colocar o cidadão no polo passivo da relação jurídica tributária) ou, ainda, continuados (ocorre durante um determinado período de tempo, mas costuma ter uma data de corte, que separa um exercício de outro). Destaca-se que a cobrança de tributos independe da natureza do objeto dos atos praticados e das suas consequências, a fim de não prejudicar aqueles cujas hipóteses de incidência de tributação estão baseadas na honestidade e na licitude, com a intenção de evitar que as atividades criminosas se tornem ainda mais vantajosas, conforme se verifica pelo teor do artigo 118, do CTN, in verbis: Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo​-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. De forma resumida, pode-se afirmar que aqueles que realizarem o fato gerador, ou os seus responsáveis, tornar-se-ão parte na relação jurídica tributária de cobrança do tributo, devendo arcar com o pagamento da pecúnia previamente estabelecida em face da concretização da hipótese de incidência, ou seja, ocuparão o polo passivo dessa relação jurídica. 1.3. Obrigação Tributária: A obrigação tributária implicará na existência do sujeito ativo, do sujeito passivo e do objeto. Sendo, o sujeito ativo o detentor dos direitos de arrecadar determinados créditos tributários, de forma direta ou indireta, consoante os artigos 119 e 120, do CTN, observando-se os critérios de competência. Quanto ao sujeito passivo, será aquele responsável pelo pagamento do débito oriundo dos tributos. Sua regulamentação está disposta nos artigos 121,122 e 123 do CTN. Genericamente, é possível dividir o sujeito passivo em duas categorias: contribuinte e responsável. Contudo a ocupação no polo passivo não pode ser transferida a terceiros, por convenções particulares, em face da expressa previsão legal de impedimento (artigo 123, do CTN), ou seja, o Sujeito Ativo cobrará do Sujeito Passivo mesmo que outra pessoa tenha assumido que arcaria com o pagamento daqueles valores. Por fim, o último elemento que caracteriza a obrigação tributária é o objeto e, consequentemente, sua causa, vide artigos 113 a 115 do CTN. Pode-se conceituar o objeto como a prestação a qual o sujeito passivo está submetido, seja ela acessória ou principal. Quando principal está vinculada a pecúnia e, quando acessória a prestação é vinculada à obrigação de fazer ou de não fazer. Destaca-se, outrossim, que inexiste uma relação imperiosa entre a obrigação principal e a acessória, podendo a acessória existir sem a principal, inclusive pelo motivo de que a obrigação de natureza acessória pode dar origem a de natureza principal, nos termos do § 3º, do artigo 113, do CTN, in verbis: Art. 113. (…) § 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte​-se​ em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.​ No que diz respeito à causa, a mesma pode ser descrita como a conexão entre os sujeitos da lide e a obrigação tributária, consagrando o significado da relação jurídica tributária.   A Limitação do Poder de Tributar é uma garantia de extrema importância para os contribuintes no que diz respeito ao Direito Tributário. A Constituição Federal arrolou uma série de limitações ao longo de seus artigos. Algumas delas são gerais, abrangendo a todos sujeitos ativos da relação tributária (artigo 150), outras especificas para a União (artigo 151) e, ainda, as específicas para os Estados e Municípios (artigo 152). É possível compreender que cada inciso dos artigos apontados carregam o significado de um princípio tributário, da forma que, ao ler a vedação dos Estados, Municípios e da União de exigir ou aumentar tributos sem base legal, deparar-se-á com o princípio da Legalidade Tributária; na leitura da vedação dos Entes em instituir tratamento desigual àqueles que estão em igual condição, verificar-se-á o Princípio da Isonomia Tributária; ao observar a vedação da cobrança de tributos em determinados períodos, percebe-se o Princípio da Anterioridade Tributária e, ainda da Irretroatividade Tributária, e assim por diante. A necessidade do Estado em arrecadar tributos está diretamente ligada às obrigações que o mesmo tem perante a coletividade. Ou seja, para que o Estado possa cumprir com seus deveres mínimos, ele precisa ter recursos suficientes. Esses recursos são retirados dos contribuintes e responsáveis, que têm o seu patrimônio atingido pela obrigação de dar, nos termos da relação jurídica tributária entre os sujeitos, não existindo a menor hipótese de ver a arrecadação de tributos zerada enquanto se exigir do Estado uma contraprestação direta ou indireta. No entanto o Estado, apesar de sua soberania, não pode exigir valores de acordo com a sua vontade, uma vez que a Constituição Federal limitou o poder de tributar, com a intenção de evitar que ocorra a criação e a cobrança de tributos de forma desequilibrada, prejudicando os contribuintes, financeiramente. Dito isso, é possível afirmar que limitar os poderes de tributar é garantir justiça futura, colocando os sujeitos da relação tributária em patamares equivalentes, quanto à criação e a majoração dos tributos. Considerando o que a Carta Magna determina sobre a competência de tributar, entende-se que esta também é uma consequência da limitação do poder de tributar, uma vez que o Município, por exemplo, não poderá instituir tributos, cuja competência seja exclusiva da União e vice-versa. É possível notar que, apesar de existir título específico na Constituição Federal “Das Limitações do Poder de Tributar”, os limites estão previstos não só ali, como se verifica também ao ler as regras da imunidade tributária e da proibição de privilégios e discriminações fiscais.   Enquanto que os contribuintes são protegidos no aspecto da criação de novos tributos e da majoração dos já existentes, o Estado é beneficiado ao efetuar a cobrança daqueles já constituídos, por meio da previsão junto ao Código Tributário Nacional (artigos 183-193) de garantias e privilégios do crédito tributário. Tais garantias e privilégios permitem que o Poder Público impeça, ou ao menos, dificulte o inadimplemento ou a ausência de cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer por parte do contribuinte e, ou, responsável. Dispõe o artigo 183, do CTN, in verbis: Art. 183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram. Parágrafo único. A natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera a natureza deste nem a da obrigação tributária a que corresponda. Esse benefício dado aos créditos tributários garante aos mesmos uma espécie de superioridade frente aos demais créditos de origem civil e, como se pode verificar pela leitura do artigo alhures disposto, o rol de benefícios não é taxativo, ou seja, conforme novas previsões legais forem aparecendo, acrescentar-se-á as já previstas no Código Tributário Nacional. Para que se entenda o tamanho da importância desse benefício fornecido ao Estado, é necessário discorrer sobre algumas das formas destas garantias e privilégios: – Sujeição do patrimônio do devedor à satisfação do crédito: é por meio desta garantia que todos os bens e todas as rendas do devedor estão postos a satisfazer a obrigação assumida referente ao crédito tributário, excetuando-se apenas os bens declarados absolutamente impenhoráveis. Destaca-se, nesse momento, que os bens declarados pela parte como impenhoráveis não têm proteção frente às execuções fiscais; – Arrolamento administrativo de bens: Quando os créditos tributários constituídos forem superiores a 30% do patrimônio do responsável pelo seu pagamento ou superiores a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) cabe a autoridade fiscal arrolar os bens e direitos do contribuinte/responsável. Tal procedimento apesar de não deixar o bem indisponível obsta a aquisição por eventuais interessados e, caso o proprietário do bem resolva aliená-los, deverá comunicar ao fisco; – Ineficácia das alienações em fraude à dívida ativa: Existe previsão legal (artigo 185, CTN) de que havendo alienação ou ainda, oneração de bens/rendas do contribuinte/responsável que já se encontra inscrito em dívida ativa, a mesma é presumida como fraudulenta e, portanto, sem validade para o Fisco; – Indisponibilidade dos bens do sujeito do polo passivo: No momento da citação do devedor, na ação de execução fiscal, deverá o mesmo indicar quais são os seus bens e onde eles se encontram, sob pena de seu ato, incorrer em multa. De toda sorte, se o executado não indicar os bens, haverá decisão judicial ao Registro Público de Imóveis informando a indisponibilidade dos bens, bem assim será realizada consulta da existência de ativos financeiros e de veículos por meio dos Sistemas Bacen-Jud e Rena-Jud. Em caso positivo, será realizado o respectivo bloqueio; – Preferência do Crédito Tributário na Recuperação Judicial e na Falência: Com exceção dos créditos trabalhistas e dos créditos oriundos de acidente de trabalho, o crédito tributário sempre terá preferência, nos termos do artigo 186, do CTN. Porém o STJ determinou, através da Súmula 219 que, na falência, “os créditos decorrentes de serviços prestados à massa falida, inclusive a remuneração do síndico, gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas” e os créditos com garantia real até o limite do bem gravado, consoante o parágrafo único do artigo 186, do CTN; – Autonomia da Execução apesar do Juízo Universal: O crédito tributário não estará vinculado ao concurso de credores, devendo, a execução continuar tramitando na Vara em que o processo foi distribuído. Gotejando os benefícios elencados e o conceito da relação jurídica tributaria entre o fisco e o contribuinte/responsável, passa-se a analisar o peso dos mesmos nesta relação. 3.1. Do Impacto de tais Benefícios na Relação Jurídica Tributária Considerando o teor do que já foi descrito até o presente momento, é possível verificar que há um agudo desequilíbrio entre o Fisco e o contribuinte/responsável, isso porque as limitações ao poder de tributar impostas pela Constituição Federal ao Fisco só possuem validade em caso de majoração ou de criação de tributo, de tal forma que a segurança jurídica diz respeito ao amanhã. Em contrapartida, o Fisco possui benefícios e privilégios instantâneos à constituição do crédito tributário, ou seja, além de possuir garantias que ampliam o êxito na cobrança dos créditos tributários, o Fisco é privilegiado no recebimento do mesmo com relação aos demais credores. Na balança imaginária é possível verificar que o contribuinte tem uma vantagem enquanto que o Fisco, duas. Agora, ao acrescentar a temporalidade na mesma balança, nota-se que apenas o Fisco possui vantagens imediatas, de modo que a balança final tornará o Estado extremamente superior. Desta forma é possível verificar que, na relação jurídica tributária não há uma relação de igualdade, o que é perceptível pelo teor do artigo 184, do CTN, que afirma que o contribuinte arcará com o pagamento dos créditos tributários, não apenas com a sua renda, mas também com o seu patrimônio, ressalvados apenas os bens e as rendas que a lei declarar absolutamente impenhoráveis, alcançando, assim, aqueles bens cuja impenhorabilidade decorra de disposição de vontade, como aquelas advindas de contratos, de doações ou, ainda de testamentos. Insta destacar que, por não haver previsão legal sobre o momento da declaração de vontade e da constituição do crédito para que se possa cobrar sem ser considerado fraudulento, não existe proteção alguma ao contribuinte/responsável que possuía o ideal de proteger seu patrimônio por meio de uma declaração de vontade. A situação, no momento da cobrança do crédito tributário é totalmente tendenciosa ao Fisco, uma vez que o Estado possui diversas formas de receber o crédito tributário, inclusive aquelas que seriam quase impossíveis em uma execução comum, enquanto que o contribuinte/responsável possui limitações de defesa patrimonial às situações determinadas em lei.   Considerações Finais O presente artigo teve por escopo analisar o que é apontado como “proteção” para o contribuinte e comparar com os benefícios e privilégios dados ao Fisco para a cobrança dos créditos tributários. Possível a percepção de que apesar da limitação do poder de tributar, o Estado com toda a sua soberania, esmaga o contribuinte enquanto tenta satisfazer o seu crédito. E tal atitude é garantida por lei. Contemporaneamente, os estrondos da má administração política ensurdecem a população, que se revolta ao saber que os valores que lhe são extraídos de suas rendas e patrimônios são usados para fins diversos daqueles estipulados em lei, ou seja, que o Estado não está cumprindo sua função social, apesar dos valores altíssimos arrecadados nos tributos. Igualmente cabe a revolta de que o contribuinte pouco pode fazer para manter seu patrimônio protegido ao adquirir capacidade tributária e fazer parte do polo passivo da relação jurídica tributária.
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Fatca: A Nova Era da Transparência Tributária Internacional e do Intercâmbio de Informações Fiscais
RESUMO: O presente trabalho discute o princípio da transparência tributária no âmbito internacional e tem como principal objetivo verificar sua concretização através do Foreign Account Tax Compliance Act – FATCA. Além disso, busca analisar a correlação existente entre o fenômeno da globalização e a primordialidade da transparência fiscal, bem como a implementação da legislação norte-americana no ordenamento jurídico brasileiro. Para a elaboração deste artigo, foi utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica e documental. Como resultado, é avaliada a eficácia do FATCA no sentido de efetivar o intercâmbio de informações tributárias e, assim, combater práticas de elisão e evasão fiscal, bem como garantir a harmonia e a eticidade do sistema tributário nacional.
Direito Tributário
Introdução A crise econômica de 2008, que assolou diversas potências mundiais, teve como catalisadora a existência de grandes esquemas de elisão e evasão fiscal[1], em que pessoas físicas e jurídicas faziam uso de meios para evitar o pagamento de tributos que eram devidos. Em razão disso e do crescente processo de globalização, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE deu início à criação de fóruns internacionais, que tinham como objetivo estimular o combate à evasão de divisas através de um sistema global de transparência, em que a troca de informações entre jurisdições pudesse ser automática e facilitada. Dessa forma, o princípio da transparência tributária sob o viés internacional surge como uma importante ferramenta para a diminuição da perda de arrecadação sofrida, até então, por diversos Estados. Nesse sentido, um dos instrumentos criados para a efetivação de tal princípio consiste no Foreign Account Tax Compliance Act – FATCA[2], lei federal dos Estados Unidos da América que visa coibir o planejamento tributário agressivo e a evasão fiscal de contribuintes norte-americanos através de aplicações financeiras em instituições localizadas fora do país. Com isso, o presente trabalho pretende investigar se o FATCA é capaz de concretizar o princípio da transparência tributária e se, de fato, facilita o intercâmbio de informações fiscais relativas aos contribuintes. Para tanto, faz-se necessária uma breve análise acerca da imprescindibilidade da transparência em tempos de globalização, bem como do processo de internacionalização do referido princípio e da aplicação do FATCA no ordenamento jurídico brasileiro. Outrossim, para a sua elaboração, fez-se uso das pesquisas bibliográfica e documental. A primeira consistiu no levantamento de artigos científicos e legislação brasileira e internacional que tratam do assunto aqui abordado. A pesquisa documental, por sua vez, ocorreu através da utilização de fontes diversificadas, tais como revistas, notícias e artigos publicados em portais jurídicos. Por se tratar de um tema pouco conhecido e explorado, é de extrema importância que se passe a discuti-lo e estudá-lo, tendo em vista que a transparência tributária internacional e o FATCA são grandes ferramentas de cooperação internacional para a descoberta de práticas realizadas com o objetivo de boicotar o sistema tributário. Através delas, portanto, pode-se evitar o desvio da arrecadação tributária e, assim, garantir a integridade e o desenvolvimento dos recursos públicos de um país.   1 O princípio da transparência e o fenômeno da globalização O princípio da transparência tributária pressupõe a existência de clareza e colaboração entre as partes de uma relação fiscal. Assim sendo, as informações relativas à destinação dos recursos obtidos através dos tributos pagos e demais decisões tomadas pelo Fisco devem ser claras e compreensíveis, ao passo em que os fatos referentes aos contribuintes, tais como suas operações financeiras, têm de ser acessíveis ao ente tributante, a fim de que exista a cooperação entre o sujeito e a fiscalização fazendária. Tal princípio encontra-se positivado na Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 145, § 1º, que faculta à administração tributária, a fim de efetivar os objetivos da pessoalidade e graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (BRASIL, 1988). A transparência tributária, portanto, é considerada um dos principais mecanismos para que a ética e a harmonia do sistema tributário sejam alcançadas. Dessa forma, Torres afirma que o princípio em comento “sinaliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim ao Estado como à sociedade, tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto às entidades não governamentais. Baliza e modula a problemática da elaboração do orçamento e da sua gestão responsável, da criação de normas antielisivas, da abertura do sigilo bancário e do combate à corrupção” (2012, p. 16). Atualmente, as operações tributárias são realizadas em cenários onde cada vez menos as fronteiras são vistas como empecilhos. Nesse sentido, com o fenômeno da globalização, a comunicação entre nações se torna corriqueira, especialmente através de relações financeiras e comerciais. A intensificação das relações comerciais, em virtude da atual interligação do capital, acaba por afetar diretamente a tributação, uma vez que, com o intuito de atrair investimentos, diversos países acabam por conceder incentivos fiscais, o que estabelece, por conseguinte, uma concorrência tributária internacional. Com isso, a globalização, nas palavras de Ferreira, “levou diversas pessoas, tanto físicas como jurídicas, a buscar maneiras de planejar seus gastos com encargos tributários, incentivando dessa forma, a busca por jurisdições que oferecessem tratamentos mais brandos referentes a impostos” (2014, p. 20). Importante mencionar, nesse sentido, a existência dos paraísos fiscais, que consistem em países que oferecem tributação privilegiada como, por exemplo, alíquotas e bases de cálculo reduzidas, ou até mesmo desoneração de operações que normalmente seriam tributadas em outros Estados. Caracterizam-se, geralmente, pela presença de forte sigilo bancário e profissional, bem como liberdade cambial e um sistema financeiro consolidado. Outrossim, com o surgimento das práticas competitivas em escala internacional, cabe mencionar que as leis internas se tornam ineficazes diante da dimensão global de determinadas questões tributárias, o que torna indispensável a realização de novas formas de regulamentação como tratados, convenções, acordos e organizações globais. Dessa forma, a transparência fiscal internacional surge como um importante instrumento de superação dos riscos fiscais trazidos pela globalização, uma vez que a troca de informações entre autoridades fazendárias de diferentes países pode evitar a perpetuação de práticas que visam à evasão e a elisão fiscal – a exemplo da lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e aplicação de fundos em paraísos fiscais – e, assim, proceder à tributação de renda que antes era oculta. Nesse diapasão, a legislação brasileira, por meio do Código Tributário Nacional, evidencia a necessidade do intercâmbio de informações fiscais para que se preserve a receita tributária do país. É o que preceitua o parágrafo único do artigo 199, segundo o qual “a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos” (BRASIL, 1966). Sendo assim, é de suma importância o estudo da transparência fiscal no âmbito internacional, tendo em vista que a cooperação entre jurisdições evita o descumprimento das normas tributárias e garante a segurança e integridade do sistema fiscal para além dos limites territoriais de um país.   2 Transparência tributária: uma tendência internacional Com a crescente interligação global das mais diversas relações culturais, econômicas e comerciais, a transparência tributária muitas vezes sofre prejuízos em razão do fácil acesso ao estrangeiro e da extensa possibilidade de ocorrerem práticas que objetivam a elisão e evasão fiscal, motivo pelo qual medidas e acordos internacionais precisam ser firmados. A esse respeito, Xavier define que “o instituto da troca internacional de informações insere-se no quadro das medidas de assistência administrativa prestadas pelos Estados de modo a satisfazer pedidos formulados por outros Estados no sentido de obtenção de informações que, localizando-se no exterior do seu território, não podem ser por eles diretamente obtidas pela prática de atos de autoridade, em razão da força imperativa deles se circunscrever ao âmbito desse território, já que uma extraterritorialidade em sentido formal constitui violação de soberania” (2010, p. 661). Nessa conformidade, a OCDE alavancou a criação do Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias, que possui como intuito solucionar os problemas gerados pelos paraísos fiscais e implementar padrões de transparência e estratégias de troca de informações. Além disso, tem como finalidade evitar o descumprimento de obrigações tributárias – como o pagamento de impostos, contribuições, taxas, entre outros –, bem como impedir que existam brechas das quais pessoas físicas e jurídicas possam utilizar para cometer ilicitudes. No ano de 2009, o Brasil aderiu ao Fórum Global, cuja composição consiste nos países do G20 – as vinte maiores economias avançadas e emergentes do mundo. Com isso, seu núcleo de atuação é fundamentado na troca de informações entre os entes fazendários em conjunto com uma legislação que permita o acesso à verificação das atividades realizadas pelos contribuintes. Nesse diapasão, o Fórum Global tem como principais objetivos “monitorar o novo padrão para a troca automática de informações, trabalhar com outras organizações internacionais e auxiliar os países em desenvolvimento a alcançar esse padrão, por meio da assistência técnica e da construção de capacidade” (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2015). Diante desse contexto, o atual parâmetro de troca de informações entre jurisdições consiste em atos internacionais estabelecidos nos moldes da OCDE, a exemplo dos Double Taxation Agreements – DTAs[3] e dos Tax Information Exchange Agreements – TIEAs[4]. Conforme expõe Valadão, “para se ter uma idéia de como o número de tratados de troca de informações fiscais tem aumentado, o que demonstra a crescente importância do tema, especialmente o combate aos chamados paraísos fiscais, basta mencionar que somente em 2009 foram assinados 196 tratados de troca de informações em matéria tributária (TIEA), entre as mais diversas jurisdições e países do mundo, muitos deles considerados paraísos fiscais, sendo que todos prevêem o acesso a informações bancárias de interesse das administrações tributárias” (2009, p. 5). De outra banda, em virtude da insuficiência da legislação interna brasileira perante questões globais, além da participação no Fórum Global houve a realização de um acordo intergovernamental entre o Brasil e os Estados Unidos para a melhor adequação e eficiência da observância tributária internacional. Por esta razão, faz-se necessária a melhor análise de um dos principais instrumentos criados com vistas a concretizar a transparência fiscal, bem como de seus efeitos na legislação tributária brasileira: o FATCA.   3 A implementação do FATCA no ordenamento jurídico brasileiro Promulgado em 24 de agosto de 2015, o Decreto nº 8.506 consagrou o Acordo de Cooperação Intergovernamental (Intergovernmental Agreement – IGA) firmado entre o Brasil e os Estados Unidos com vistas a melhorar a observância tributária internacional e a implementação do FATCA em nosso país. Com isso, teve como objetivo principal a expansão da abrangência da legislação norte-americana e a intensificação do repasse de informações entre jurisdições para se alcançar o combate às práticas de evasão e elisão fiscal. Dessa forma, o acordo elaborado entre os países prevê a reciprocidade na troca automática de informações sobre contas de contribuintes fora do estado de origem, o que só foi possível graças à prévia assinatura de um acordo para troca de informações fiscais, promulgado por meio do Decreto nº 8.003, de 15 de maio de 2013, que prevê, em seu artigo 1º, que “as Partes assistir-se-ão mediante o intercâmbio de informações que possam ser pertinentes para a administração e o cumprimento de suas leis internas concernentes aos tributos visados por este Acordo, inclusive informações que possam ser pertinentes para a determinação, lançamento, execução ou cobrança de tributos em relação a pessoas sujeitas a tais tributos, ou para a investigação ou instauração de processo relativo a questões tributárias de natureza criminal” (BRASIL, 2013). Quanto ao FATCA, importante ressaltar que prevê, como forma de garantir a sua efetividade, sanções aos contribuintes e às instituições financeiras que não sigam ao disposto ou não forneçam informações corretas acerca dos rendimentos. Como exemplo, tem-se a retenção de 30% sobre qualquer pagamento a ser feito para contribuintes americanos nessas instituições, e a retenção do mesmo percentual sobre quaisquer pagamentos feitos aos próprios estabelecimentos financeiros quando a fonte pagadora for norte-americana (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2010)[5]. Assim, pode-se concluir que a adesão por parte do Brasil ao FATCA, bem como a celeridade de sua internalização na lei brasileira, se deu não só em virtude da eventual sanção a que estava sujeito, mas também ao interesse do Estado em acessar contas até então desconhecidas, o que ocasionaria o aumento da receita tributária nacional (ALMEIDA e CHARELLI, 2017, p. 269 – 270). Cabe salientar, ainda, que a entrada em vigor do Decreto nº 8.506/15 facilitou a efetivação do disposto no artigo 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, o qual estabelece que “os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano” (BRASIL, 1995). Dessa forma, verifica-se que a integração do FATCA à legislação brasileira teve como um de seus resultados a contribuição para a maior transparência acerca dos dados necessários ao cálculo do Imposto de Renda das pessoas jurídicas e à contribuição social sobre o lucro líquido, o que reitera a importância dos instrumentos de concretização da transparência tributária internacional para o conhecimento das atividades realizadas pelos contribuintes. Nesses termos, para a concretização do acordo firmado entre o Brasil e os Estados Unidos, a Receita Federal Brasileira publicou a Instrução Normativa nº 1.571/2015 com vistas a instituir a obrigação acessória e-Financeira, a qual, segundo o artigo 2º, é “constituída por um conjunto de arquivos digitais referentes a cadastro, abertura, fechamento e auxiliares, e pelo módulo de operações financeiras” (RECEITA FEDERAL, 2015). Tal instrumento proporciona às instituições financeiras maior aderência ao padrão internacional de captação de dados pelo Fisco, conforme se verifica na notícia veiculada no site da Receita Federal do Brasil (2015), e tem suas informações prestadas por bancos, seguradoras, corretoras de valores, entre outros estabelecimentos. Assim, o layout da e-Financeira, assim que criado, já permitia a obtenção de dados de cidadãos norte-americanos, razão pela qual se percebe sua clara intenção de facilitar a troca de informações preconizada pela FATCA e dificultar o descumprimento, pelos contribuintes, de suas obrigações tributárias. Nas palavras de Minto, “a e-Financeira veio permitir a aplicação das regras do FATCA por parte das entidades brasileiras obrigadas a reportar informações financeiras de contribuintes norte-americanos correntistas de bancos brasileiros. O FATCA está estimulando a adoção de práticas de maior transparência não só nos Estados Unidos, mas no Brasil e em outros países” (DE LUCA, 2016). Dessa forma, a criação de ferramentas como a e-Financeira é de vital importância para a facilitação da fiscalização internacional e para o combate de atos ilícitos e criminosos como sonegações fiscais, fraudes, corrupção e lavagem de dinheiro. A título de exemplo, tem-se a recuperação, por meio dos acordos internacionais em matéria de transparência tributária, de aproximadamente R$10 bilhões em impostos, juros e multas – provenientes de recursos não declarados – descobertos pela Operação Lava Jato, iniciada em 2009 e em andamento até os dias atuais, consoante reportagem de Máximo (2016). Nesse contexto, tem-se na transparência fiscal e nos instrumentos criados para a sua concretização um meio de coibição da prática de atos que atentem ao recolhimento tributário realizado pelo Estado. Assim, a aplicação do FATCA no Brasil surge como uma forma de alcançar a justiça, bem como de efetivar a ética e a credibilidade do sistema tributário nacional.   Conclusão O processo de globalização estreitou as relações financeiras e comerciais existentes entre Estados em virtude da facilidade de comunicação internacional decorrente da quebra de barreiras que, anteriormente, impossibilitavam a interligação entre países. Assim, as relações exteriores refletem diretamente no sistema tributário das jurisdições envolvidas, uma vez que a intensificação da comunicação entre nações pode ocasionar o exercício de práticas que visam burlar a incidência tributária, a exemplo da sonegação fiscal, da lavagem de dinheiro e da aplicação de recursos em paraísos fiscais. Por esta razão, o princípio da transparência tributária se torna imprescindível a fim de que a permuta de informações fiscais sobre contribuintes que realizam aplicações financeiras em instituições localizadas fora do país seja viável. Dessa forma, tal princípio surge como um instrumento indispensável para o conhecimento de informações até então ocultas e para o combate ao planejamento tributário agressivo e à evasão fiscal, uma vez que o cumprimento das obrigações tributárias é aprimorado quando o Estado compreende os fatos ocorridos e, assim, aplica a legislação pertinente ao caso concreto. Nesse sentido, para que a transparência fiscal seja concretizada, é indispensável que existam inovações no âmbito do Direito Tributário a fim de que a sua área de alcance seja ampliada e se adeque perfeitamente ao cenário mundial atual. Com isso, a criação de acordos e tratados internacionais se mostra extremamente relevante para que os meios de usurpação ao sistema tributário sejam minimizadas, tendo em vista que a formalização desses atos fortalece a cooperação entre jurisdições e protege as fronteiras fiscais de cada país. Portanto, a aplicação do FATCA no ordenamento jurídico brasileiro é um dos exemplos de que os esforços globais e internos no sentido de concretizar a transparência em matéria fiscal se mostram eficientes. Como consequência de sua implementação, obteve-se a facilitação da troca de informações tributárias através de sistemas como a e-Financeira, instituída pela Receita Federal do Brasil e composta por dados relativos à situação financeira e patrimonial de contribuintes, que podem ser facilmente remetidos a países que deles necessitarem. Dessa forma, conclui-se que a troca de informações fiscais entre países e os instrumentos para sua concretização são mecanismos importantes para que a cooperação internacional seja intensificada. Isso porque perpetuam o princípio da transparência e estimulam, cada vez mais, o compartilhamento de informações entre os Estados, o cumprimento das obrigações tributárias e o combate a práticas de evasão e elisão fiscal. Assim, o Brasil deve continuar a se inserir no cenário da transparência tributária internacional, uma vez que a implementação do FATCA em sua legislação demonstra que o intercâmbio de informações fiscais e a concretização do princípio da transparência são possíveis. Através da cooperação entre jurisdições, garante-se o desenvolvimento da receita tributária nacional e, por fim, a efetivação da justiça e da integridade do sistema fiscal.
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A Atividade de Fornecimento de Mão de Obra por Parte das Empresas de Trabalho Temporário e a Sua Inviabilidade Frente à Tributação do ISS
O STJ no julgamento do REsp n° 1.138.205/PR, em Recurso Repetitivo, fixou a adoção da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços composta pela taxa de administração, remuneração dos trabalhadores temporários e encargos sociais, refletindo em um aumento expressivo da tributação dessas empresas, sendo necessário analisar se a atividade ainda é viável no cenário nacional. Abordando o conceito e regramento legal das empresas de trabalho temporário, além de sua diferenciação com as agências de recrutamento, seleção e colocação de mão de obra, pode-se compreender os regimes para tributação do ISS em cada uma delas, implicando diretamente na definição correta de sua base de cálculo. Importante ponderar as possíveis soluções para manter as empresas de trabalho temporário em atividade.
Direito Tributário
Introdução Uma legislação complexa refletida pela Lei n° 6.019 de 1974 e pelo Decreto n° 73.841 de 1974, causou e ainda causa grande confusão quanto a atividade exercida pelas empresas de trabalho temporário. Atividade essa pouco compreendida pelos cidadãos e até mesmo pelos membros do Poder Judiciário, tudo isso devido às inúmeras exigências que compõem os requisitos de funcionamento dessas empresas de acordo com as diretrizes do Ministério do Trabalho. Por muito tempo reinou a insegurança jurídica quanto ao que seria considerado como base de cálculo para fins de tributação dos impostos retidos na fonte, como Imposto Sobre Serviços, Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, entre outros. Nessa baila, a questão chegou ao Judiciário a fim de dirimir definitivamente toda e qualquer controvérsia sobre o tema. Ocorre que, em sede de julgamento do Recurso Especial n° 1.138.205/PR, por meio de Recurso Repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça acabou por fixar a base de cálculo com base no valor da comissão recebida pelas empresas de trabalho temporário, na remuneração devida ao trabalhador temporário e nas contribuições sociais. Tal entendimento reflete o total despreparo quanto ao cerne da questão visto que, apesar da obrigação acessória dessas empresas, devendo emitir a nota fiscal de serviço com a discriminação de todos esses itens supra citados, não compõem eles o preço do serviço prestado. O Imposto Sobre Serviço, tema central deste estudo, tem como base de cálculo o valor do serviço prestado. Assim, o entendimento do E. STJ restou totalmente equivocado, não podendo ser levado adiante sob pena de tornar inviável a atividade de fornecimento de mão de obra temporária face à excessiva carga tributária.   1 EMPRESAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO: DEFINIÇÃO E REGULAMENTAÇÃO LEGAL A empresa de trabalho temporário é aquela que fornece mão de obra temporária a outras empresas, sendo estas últimas as responsáveis pela remuneração e supervisão, tendo a Lei nº 6.019 de 1974, definido a empresa de trabalho temporário em seu artigo 4º, como aquela que coloca “à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos”. O trabalho temporário vem definido no artigo 2º da Lei nº 6.019 de 1974 como “aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços”. Assim, o contrato de trabalho temporário tem prazo determinado de 90 dias e é celebrado com o intuito de suprir uma necessidade transitória da empresa tomadora do serviço. Tal modalidade de contrato deve ser celebrada por meio de uma empresa intermediária, que é a chamada empresa de trabalho temporário, não se confundido com o contrato de trabalho por tempo determinado, modalidade outra de contrato de trabalho realizada diretamente entre o empregado e o empregador, sendo regida pela CLT. A remuneração dos empregados contratados fica a cargo da empresa tomadora do serviço, bem como os encargos sociais que devem devidamente recolhidos. Todavia, fica a cargo da empresa de trabalho temporário repassar esses valores aos empregados, ou seja, a atividade de intermediação ocorre inclusive nesse sentido, no que tange à remuneração e recolhimento dos encargos sociais. Importante frisar que os empregados não são contratados da empresa de trabalho temporário, eles apenas firmam com a referida empresa um contrato que lhe assegura os direitos trabalhistas em caso de serem contratados por uma empresa tomadora de serviço, que será a responsável pela remuneração desses empregados que lhe prestarem serviço. O preço pago pelo serviço prestado pelo empregado sai diretamente dos cofres da empresa tomadora. Já a empresa de trabalho temporário presta um serviço de intermediação entre o empregado e a empresa tomadora, recebendo por isso uma remuneração denominada Taxa de Administração. A mencionada taxa é o preço do serviço prestado pela empresa de trabalho temporário. Nessa baila, é indispensável delimitar as diferenças entre o fornecimento de mão de obra realizado pela empresa de trabalho temporário e a atividade de recrutamento, agenciamento, seleção e colocação de mão de obra, sendo esta última atua como um “caça talentos”, buscando por pessoas que tenham o perfil desejado para o preenchimento de vagas das empresas que a contrata para tanto. Nesse sentido, a empresa responsável pelo recrutamento e seleção não estabelece qualquer vínculo com o empregado, apenas atua como um agente que presta o serviço de recrutar e selecionar candidatos às vagas de emprego disponibilizadas pela empresa interessada em contratar mão de obra. O contrato de trabalho, neste caso, será celebrado diretamente entre o empregado e a empresa que contratou o serviço de recrutamento e seleção, sendo, inclusive, um contrato de trabalho por prazo determinado ou indeterminado nos moldes da CLT, não se confundindo com o contrato de trabalho temporário que tem características próprias (LONGEN, 2016).   2 O REGIME TRIBUTÁRIO APLICÁVEL ÀS EMPRESAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO NO QUE TANGE AO ISS O regime tributário aplicável às empresas de trabalho temporário é diverso daquele que é aplicado às agências de recrutamento, seleção e colocação de mão de obra no que se refere ao ISSQN. As notas fiscais emitidas pelas empresas de trabalho temporário apresentam como itens de serviço, além da taxa de administração, que é o valor da efetiva prestação de serviço, os salários dos empregados e os encargos sociais. Já as notas ficais emitidas pelas empresas que realizam o recrutamento, agenciamento, seleção e colocação de mão de obra, apresentam um único item de serviço na descriminação dos serviços prestados, que é a taxa de agenciamento. Importante enfatizar que, apesar de o serviço prestado pela empresa de trabalho temporário ser o de intermediar a relação de trabalho temporário, recebendo por isto uma remuneração a cargo da Taxa de Administração, deve ela cumprir com as obrigações acessórias de emitir nota fiscal de serviços fazendo constar os valores das receitas de salários a serem pagos aos empregados e os encargos sociais. Isto ocorre porque a empresa tem o dever de informar as referidas receitas que, na realidade, não são receitas tributáveis porque são o faturamento receita bruta já que entram no caixa da empresa, ainda que temporariamente, devendo ser discriminadas. É notório que, o que recebe a empresa por colocar os empregados à disposição da empresas tomadoras corresponde à sua receita tributável, ou seja, só pode ser levada em conta, para fins tributários, a Taxa de Administração. Isso se dá, até mesmo em razão de ser a empresa de trabalho temporário uma depositária dos valores relativos à remuneração dos empregados, que sai diretamente dos cofres da empresa tomadora para serem repassados aos empregados por intermédio da empresa de fornecimento de mão de obra temporária. A obrigação da empresa de trabalho temporário de emitir as notas fiscais segundo esses critérios decorre da lei, já que os direitos trabalhistas assegurados aos empregados ficam a cargo da empresa que fornece a mão de obra temporária, entretanto, os valores a eles relativos são pagos pela empresa tomadora do serviço. Nesse sentido deixa clara a Lei nº 6.019 de 1974 em seus artigos 11 e 12. Os trabalhadores temporários não são empregados da empresa de fornecimento de mão de obra temporária, o que deixa claro, mais uma vez, a natureza do serviço prestado pela mesma, que é o de intermediação da contratação temporária entre tomadora de serviço e trabalhador temporário. Corrobora esse entendimento, Modesto (2013) afirma que: “Ao fim do contrato temporário os trabalhadores perdem seu vínculo com a empresa de trabalho temporário. Por derradeiro, a empresa de trabalho temporário é proibida de ter trabalhadores temporários em seu quadro de empregados”. (MODESTO, 2013). Assevera-se que, tanto na empresa de trabalho temporário quanto nas agências de recrutamento, seleção e colocação de mão de obra, o valor pago pela prestação do serviço é o relativo à Taxa de Administração e Taxa de Agenciamento, respectivamente. Sendo, a única diferença aquela relativa à discriminação dos itens de serviço quando da obrigação acessória de emissão da nota fiscal. Para fins de tributação do ISS e dos demais tributos retidos na fonte (IRPF, CSLL, PIS, COFINS e INSS), há grande controvérsia acerca do preço do serviço prestado pela empresa que fornece a mão de obra temporária, pois, a taxa de administração é, efetivamente, o preço do serviço, que corresponde à sua respectiva remuneração. Assim, a base de cálculo só pode ser composta pelo valor da Taxa visto que o restante dos itens de serviço que compõem a receita bruta da empresa nada mais representam do que valores que serão repassados aos trabalhadores e aquelas relativos aos encargos sociais que devem ser recolhidos. Por receita bruta entende-se tudo aquilo que constitui receita da empresa, mas, imperioso ressaltar que, a receita bruta não é tributável por completo, pois, com relação aos salários e às contribuições sociais, atua a empresa como mera depositária até realizar o repasse e recolhimento respectivos. Portanto, só pode ser tributado o preço do serviço efetivamente prestado, que é a remuneração por meio da comissão recebida pela empresa de trabalho temporário. De forma inteligível fica evidente que a base de cálculo do ISS é composta somente pela Taxa de Administração, sendo correto o entendimento posto que baseado no artigo 7° da Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: “A base de cálculo do imposto é o preço do serviço”. De forma inovadora, proferiu o Superior Tribunal de Justiça, por meio de Recurso Repetitivo, decisão no RESP n° 1.138.205/PR, julgado em dezembro de 2009 e transitado em julgado em março de 2013, a saber, firmando entendimento acerca do qual a base de cálculo do ISS para a atividade de fornecimento de mão de obra temporária deve ser composta por três itens: valor da remuneração do trabalhador temporário, encargos sociais e trabalhistas a eles inerentes e o valor da comissão devida pela intermediação da contratação. Tal entendimento, todavia, não merece prosperar. O acórdão do referido Recurso Especial cometeu alguns equívocos que acabam por imprimir interpretação errônea da atividade de fornecimento de mão de obra temporária, acarretando-lhe tributação excessiva e abusiva. Na primeira parte do acórdão o julgamento se manteve correto quanto à base de cálculo do ISS das empresas de trabalho temporário com base apenas na taxa de agenciamento que o valor verdadeiro do serviço. Todavia, em segundo momento, de forma incorreta entendeu que a empresa fornecedora de mão de obra temporária pode ser considerada como prestadora do próprio serviço, utilizando-se de empregados a ela vinculados por contrato de trabalho, devendo, a partir disto, compor a base e cálculo do ISS tanto a taxa de agenciamento, como a remuneração dos empregados e encargos sociais. Tal hipótese levantada pelo E. STJ é inconcebível frente à ausência de previsão legal desta última modalidade de prestação de serviço temporário, não podendo a fornecedora de mão de obra temporária, nos termos do artigo 12, inciso II, do Decreto nº 73.841/74, regulamentador da Lei nº 6.019/74, ter ou utilizar em seus serviços trabalhador temporário. Nesse norte, discorda do posicionamento adotado o Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado (2014): “O acórdão em referência reafirmou, primeiramente, de forma correta, o entendimento já pacificado pelo STJ no sentido de que as empresas de trabalho temporário, segundo o regime da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, devem pagar o ISS aos Municípios competentes para a sua exigência, tendo como base de cálculo o valor recebido como taxa de agenciamento que é o verdadeiro preço do serviço. Em segundo plano, de forma incorreta, entendeu que a empresa de agenciamento de mão de obra temporária pode ser considerada como prestadora do próprio serviço, utilizando-se de empregados a ela vinculados por contrato de trabalho, hipótese em que a base de cálculo do ISS deve ser a soma do valor cobrado pela mediação, dos valores pagos aos empregados pela remuneração ajustada e dos encargos sociais. A segunda situação construída pelo acórdão não contém previsão legal. O equivocado entendimento do STJ desrespeitou a proibição legal prevista no artigo 12, inciso II, do Decreto n. 73.841/74 (“ter ou utilizar em seus serviços trabalhador temporário […]”). O que tornou ilegal a segunda parte do recurso repetitivo”. (DELGADO, 2014). Para melhor explanação, cumpre ressaltar que só existe uma modalidade de empresa de trabalho temporário, que é regulamentada pela Lei nº 6.019/74, como visto anteriormente. Essa empresa atua como intermediadora entre o trabalhador temporário e a empresa tomadora do serviço, mediante uma taxa de remuneração. Esse tipo de empresa não pode ter ou utilizar em seus serviços, trabalhador temporário, ou seja, não pode contratar diretamente, razão pela qual os trabalhadores temporários que a ela se vinculam, o fazem por meio de contrato que prevê que sejam assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários do trabalhador quando contratado por uma tomadora de serviços por intermédio da empresa de trabalho temporário. Assim, a determinação da base de cálculo do ISS com inclusão da remuneração do trabalhador temporário e as contribuições sociais em razão de ter a empresa de trabalho temporário um contrato firmado com o trabalhador temporário, conforme os citados artigos 4º, 11, 15, 16,19, é consequência de uma interpretação totalmente incorreta da Lei nº 6.019/74. Esse contrato firmado entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário é apenas para assegurar os direitos trabalhistas do trabalhador, mas, não se trata de um contrato de trabalho firmado entre as partes. Até mesmo porque, tal atividade é vedada pelo Decreto nº 73.841/74, que regulamenta a Lei nº 6.019/74. Esse contrato é requisito essencial para a atividade de fornecimento de mão de obra temporária ser exercida conforme os padrões exigidos pelo Ministério do Trabalho, todavia, isso não desqualifica a natureza da empresa de trabalho temporário que continua sendo aquela responsável por colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos. Assim, a decisão proferida no REsp, citou como primeira hipótese de empresa de fornecimento de mão de obra temporária aquela que exerce atividade de recrutamento, agenciamento, seleção e colocação de mão de obra, o que nada tem a ver com empresa de trabalho temporário. Essa atividade está descrita no item 17.04 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que determina as atividades sobre as quais incide o ISS. Mas, a atividade descrita no item 17.05 é a que verdadeiramente representa a atividade exercida pelas empresas de trabalho temporário. Veja-se: “Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 17.04 – Recrutamento, agenciamento, seleção e colocação de mão-de-obra. 17.05 – Fornecimento de mão-de-obra, mesmo em caráter temporário, inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço”.   É com acerto que o E. STJ reconhece a incidência do ISS sobre a base de cálculo composta apenas pela Taxa de Agenciamento no que tange às empresas de recrutamento, pois, esse é o preço do serviço prestado, além de ser o único item descrito na nota fiscal emitida por essa modalidade de empresas.  Mas, essas empresas são, verdadeiramente, agências, em nada se confundindo com as empresas de trabalho temporário, assim, a referência a essas empresas no r. acórdão resultou totalmente inadequada. Já a atividade do item 17.05 da Lista de Serviços trata da empresa de trabalho temporário, que fornece mão de obra para a contratação temporária, sendo, portanto, o objeto do presente estudo. Essas empresas recebem sua comissão pela intermediação da contratação do trabalhador temporário, mas, para tanto deve seguir os padrões exigidos pela Lei 6.019 e seu Decreto regulamentar. Dentre esses padrões está a exigência da celebração de um contrato entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, contrato este que é celebrado quando o trabalhador é contratado pela tomadora de serviços e que tem vigência até o fim do período máximo de trabalho temporário, mas que nada tem a ver com um contrato de trabalho o que é proibido a essas empresas. Ainda, a missão de notas fiscais de serviço por essas empresas deve ter como itens de serviço além da taxa de administração, a remuneração do trabalhador e os encargos sociais, entretanto, essa é apenas uma obrigação acessória exigida dessas empresas, pois, tanto os salários quanto as contribuições sociais correm a cargo da empresa tomadora do serviço que faz da fornecedora de mão de obra sua depositária, a qual, por sua vez, realiza o repasse e recolhimento desses valores. Nesse norte, o valor do serviço prestado pelas empresas fornecedoras de mão de obra temporária, que é a intermediação entre tomadora e trabalhador temporário, é o relativo à taxa de administração. Essa comissão é o que corresponde à receita tributável das empresas de trabalho temporário, e, por ser o preço do serviço, deve ser a base de cálculo do ISS sobre a referida prestação de serviço. Diante do exposto, fica clara a base de cálculo a ser levada em conta para fins de tributação de ISS das empresas fornecedoras de mão de obra temporária, resultando em estapafúrdio equívoco a tributação do valor total da nota fiscal de serviço emitido por essas empresas.   3  A INVIABILIDADE DA ATIVIDADE EXERCIDA PELAS EMPRESAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO FRENTE À TRIBUTAÇÃO DO ISS As empresas de trabalho temporário têm grande importância no cenário nacional para a redução da taxa de desemprego, atuando no crescimento e desenvolvimento do País. Essa importante atividade é uma forma de flexibilização do direito do trabalho, não podendo ser jogada a escanteio sob a alegação de ser uma ameaça aos diretos dos trabalhadores, o que sequer é verdade, pois, por meio dessa facilidade de contratação muitas pessoas desempregadas conseguem se manter financeiramente, ainda que por curto prazo, em épocas de crises quando a dificuldade de as empresas manterem um quadro fixo de funcionários é grande. A doutrinadora Alice Monteiro de Barros cita ainda outras vantagens do trabalho temporário, o qual só pode ser exercido por meio das empresas de fornecimento de mão de obra temporária: “O trabalho temporário poderá constituir uma forma de trabalho flexível para as pessoas que, com responsabilidades familiares ou escolares, não querem ou não podem se dedicar a um trabalho permanente. Faculta-se a elas trabalharem nos períodos que mais lhes convier. O sistema difundiu-se pelos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Sua regulamentação traduz uma exigência para evitar abusos e assegurar aos trabalhadores temporários as garantias sociais mínimas conferidas aos trabalhadores permanentes. (BARROS, 2016)”. As empresas de fornecimento de mão de obra temporária encontram na atualidade grandes dificuldades para se manterem ativas no Brasil, isso porque a falta de segurança jurídica e as interpretações descabidas da legislação trabalhista e tributária acabam atravancando a atividade. Resta solarmente aclarada a dificuldade enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça em interpretar de forma correta a legislação pertinente às empresas de trabalho temporário, refletindo, consequentemente, na errônea aplicação da legislação tributária aplicável, o que não pode ser tolerado. O contribuinte sofre duras penas em razão de situações como essas evidenciadas pelo julgamento do Recurso Especial n° 1.138.205/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux. A confusão entre o que comporia o preço do serviço prestado pelas empresas de trabalho temporário acaba por tornar a atividade inviável, pois, o recolhimento do ISS sobre o valor total da nota fiscal resulta em um valor consideralmente maior do que se o tributo fosse calculado somente sobre o valor da taxa de administração. Esse aumento considerável da base de cálculo da tributação faz com que o lucro auferido pelas empresas de fornecimento de mão de obra caia expressivamente, desestimulando o setor da atividade. Isso sem contar com a avassaladora tributação de Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS e COFINS, todos com inclusão na base de cálculo do valor total da nota fiscal de prestação de serviço. Os reflexos da tributação do ISS sobre uma base de cálculo incorreta, provocando um recolhimento de imposto que impede o próprio desenvolvimento da atividade acarretará o fim do referido setor de empresas de trabalho temporário, ferindo diretamente milhares de brasileiros que se valem dessa atividade para conseguir trabalho. A proposta é de que seja feita uma reformulação na legislação que rege as empresas de trabalho temporário a fim de deixar claro o exercício da atividade, bem como todos os requisitos necessários para o cumprimento de seus fins, dirimindo as inúmeras controvérsias que daí surgem, deixando claro que a comissão recebida pela intermediação entre trabalhador temporário e tomadora de serviço é o valor do serviço prestado. Paliativamente, vislumbra-se necessária uma iniciativa do Estado criando incentivos tributários para tais empresas, como, por exemplo, a redução da alíquota do ISS para a referida atividade.   Conclusão Ante uma profunda análise da legislação que rege a atividade das empresas de trabalho temporário no Brasil, pode-se concluir que o serviço prestado por essas empresas, adstritas a específicas exigências para seu funcionamento, é de intermediação, colocando à disposição das empresas tomadoras de serviços, trabalhadores temporários. A Lei n° 6.019/74 e o Decreto n° 73.841/74 deixam claro que não há qualquer possibilidade de a empresa de fornecimento de Mao de obra temporária ter ou utilizar em seus serviços trabalhador temporário, evidenciando a ausência de vínculo trabalhistas com o trabalhador temporário, confirmando o efetivo serviço prestado por elas, que, nada mais é do que o de intermediar a contratação do trabalhador temporário pela tomadora de serviços. Dito isto, parte-se para a análise da decisão do RESP n° 1.138.205/PR, o qual, erroneamente, firma entendimento sobre o qual estariam inclusos na base de cálculo do ISS os valores referentes à remuneração dos empregados e os encargos sociais. Tal entendimento é totalmente descabido, pois, a remuneração e os encargos sociais não compõem o preço do serviço prestado pela empresa de trabalho temporário, são eles apenas itens constantes da nota fiscal de serviço por força de determinação legal que regulamenta a atividade já que a empresa de trabalho temporário atua como depositária desses valores pagos pela tomadora de serviço a serem repassados aos trabalhadores e recolhidos para fins de contribuição, respectivamente. O valor total da nota fiscal de serviço não pode ser utilizado como base de cálculo do ISS, mas somente o valor da taxa de administração. Esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça ocasiona o aumento substancial da tributação suportada pelas empresas de fornecimento de mão de obra temporária, o que refletirá diretamente em um colapso da atividade posto que esta se torna inviável face à excessiva tributação. É indubitável que um colapso nesse setor de empresas acabará por retirar os benefícios que milhares de brasileiros recebem em virtude da contratação temporária, elevando-se, assim, o número de brasileiros desempregados e sem meios de prover suas necessidades financeiras. Tal composição da base de cálculo do ISS sobre a atividade das empresas de trabalho temporário não pode prosperar, devendo a legislação regente da mesma ser alterada, facilitando o entendimento acerca do funcionamento dessas empresas e de suas atividades, fixando como serviço prestado a simples intermediação por colocar à disposição das empresas tomadoras de serviços, os trabalhadores temporários. Visando imediatamente a manutenção dessas empresas em atividade, seria extremamente eficaz a concessão de incentivos fiscais a elas, como a redução da alíquota do ISS para o setor.
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Critério objetivo de aferição quanto a hipossuficiência econômica por norma infralegal: Uma aplicação da lógica do razoável, ou a existência do sistema de prova tarifada?
RESUMO
Direito Tributário
Introdução Numa ação de arrolamento com pedido de adjudicação que versava sobre dois bens imóveis de titularidade do espólio, sendo outros dois de titularidade questionada por meio do ajuizamento de ação de usucapião ordinária, pela própria herdeira representando os interesses do espólio, é que se desenvolvera a celeuma ora sob estudo. Há de se verificar, de antemão, que uma sucessão hereditária até então composta por dois imóveis, um situado num município do interior do estado de São Paulo, e, outro, no litoral do mesmo Estado, poderia implicar na compreensão de que se teria uma sub-rogação causa mortis de importe, de certa forma, significativo. Quanto mais se diria, então, se se relevasse dois outros imóveis, também, sub judice, encontradiços, outrossim, no município de Santos, fossem, com advento de decisão judicial transitada em julgado originária do ajuizamento de uma ação de usucapião ordinária, assim, considerados de titularidade de tal espólio? Consideração prévia, no entanto, há de ser feita. O patrimônio da inventariante e do espólio em nada se confundem, ainda mais no que concerne à verificação da hipossuficiência daquela, para, desta forma, fazer jus ao benefício previsto nos arts. 98 e 99, ambos, do Código de Processo Civil (CPC). É ao menos isso que consta  no acórdão obtido naquele processo de arrolamento  em que o Tribunal bandeirante aludia, suscintamente, que nas disputas judiciais que tratam de interesses do inventariante, deve o patrimônio deste ser verificado para fins de custeio das despesas judiciais, ocorrendo, todavia, o reverso, no tocante aos litígios em que figuraria como parte o espólio, quando os ativos de tal ente jurídico é que responderiam pela eventual imposição de taxas judiciais[1]. Em conformidade com tal perspectiva, é de tal maneira lógica a consideração segundo a qual nas ações de arrolamento, assim como na ação de inventário e partilha – já que as disposições desta, segundo enuncia o art. 667, do CPC, são aplicadas subsidiariamente àquele – é o montante titularizado pelo inventariante o relevante para a aferição da possibilidade do mesmo de obter, ab initio, ou, no curso de tais ações, o beneficio da assistência judiciária gratuita. Assim, tanto numa, como noutra hipótese, ter-se-ia respeitada a autonomia patrimonial. Compondo, agora, um esclarecimento interlocutório. Constata-se que nestas ações sucessórias, não se é aplicado, tão somente, conhecimentos advenientes da legislação civil material e formal, mas, também, de conceitos oriundos de outras searas, como a tributária. Por lógico, antes de se saber se se deve, ou não, arcar com determinado débito, mister se faz, antes, o conhecimento do que se estará a pagar. Assim, as despesas judiciais, nada mais são do que taxas, sendo, assim, conceituadas, pelo inciso II, do art. 145, da atual Constituição Federal, e, desta forma, compreendidas, porquanto o jurisdicionado deve pagar pela utilização – neste caso –  efetiva da prestação de um serviço estatal divisível e específico, como, também é desta maneira, tida, em virtude do que enuncia a súmula de nº: 667, do STF. A encerrar, efetivamente, a compreensão acerca da natureza jurídica de tais desembolsos processuais, basta se atentar ao que está descrito no próprio art. 1º, da lei estadual bandeirante 11.608/2003, que, assim, as define como a “taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos (…)”. Pode-se notar, então, que o operador do direito ao se deparar com o custeio, ou não, de alguma despesa judicial, e ao elaborar uma estratégia eficiente em termos de custo benefício para o seu outorgante estará efetuando, ao fim, o que se conhece como planejamento tributário, ou, por outra nomenclatura, elisão fiscal. Tal planejamento, desta maneira, também pode ser feito no curso de uma ação de inventário, ou de arrolamento, não se adstringindo, pois, a avaliação dos débitos tributários, e a maneira menos onerosa, e lícita, de se fazer frente a estes, a negócios jurídicos demasiadamente complexos, que envolvam uma miríade de ativos e passivos, como nos casos de fusões ou incorporações de empresas, tal previsão de possibilidades viáveis também se faz presente, em casos simples, como  é verificação dos gastos tributários a serem adimplidos no curso de determinado processo judicial. Superados, entrementes, tais esclarecimentos. Ainda em tempo, reitera-se: autonomia daquilo que se ostenta como patrimônio do inventariante, não se confunde com o montante representativo do espólio, é ao menos isso que nos sinaliza o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Contudo, ressalvas hão de ser feitas, não quanto à autonomia já aludida, mas quanto à verificação da miserabilidade do jurisdicionado, pressuposto autorizador para a concessão do benefício constante dos arts. 98 e 99 da legislação adjetiva civil. Na interpretação daquele mesmo tribunal é feita, comumente – assim como o fora no caso concreto ora sob estudo, ainda que de maneira implícita – em conformidade com o que enuncia Deliberação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, CSDP nº 89, de 08 de agosto de 2008 (Consolidada), precisamente no inciso I, do art. 2º. Desta maneira, em virtude desta regra, o sujeito processual que recebe mais de três salários mínimos é tido como presumivelmente suficiente em termos econômicos, isto é, este poderá seguramente, salvo prova idônea e relevante em contrário, adimplir as exações judiciais porventura incidentes. Nesta toada, ainda que venha aquele a herdar uma quantia exacerbadamente elevada, ou, mesmo se não herdar patrimônio de expressivo vulto, e perceber como renda quantum equivalente a três salários mínimos e meio, já pode ser, desta forma, considerado suscetível de arcar com o ônus econômico advindo da imposição daquelas despesas. E, em decorrência disto, alguns juízes de primeira instância, por vezes, equivocadamente, sequer pedem o aditamento da inicial para com que a parte demonstre se há, ou não, a possibilidade daquela arcar com tais taxas, havendo, simplesmente, a determinação judicial do recolhimento da importância correspondente, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito, entendendo-se, ter concluída a adequada forma contida na redação do §7º, do art.4º,  da lei estadual paulista de nº 11.608/03. Caso haja tal comportamento pelo juízo a quo, o mesmo deverá ser tido como nulo, por força da legislação processual civil, como também de julgados que em relação a esta convergem, exarados pelo Tribunal de Justiça paulista, devendo, ainda, a colheita de provas referentes à hipossuficiência, antes ignorada pelo juízo a quo, ser realizada, compulsoriamente, em primeiro grau de jurisdição, por força de acórdão emanado daquele Egrégio Tribunal. Neste diapasão: AI nº: 2035426-15.2018.8.26.0000; AI nº: 2001675-37.2018.8.26.0000; AI nº: 2021767-36.2018.8.26.0000; AI nº: 2223045-25.2017.8.26.0000, AI nº: 2049947-62.2018.8.26.0000. Doutro vértice. Se o herdeiro perceber renda inferior à três salários mínimos, ainda que herde um só determinado bem, ou, até mesmo, numa hipótese diametralmente oposta, um patrimônio de expressiva monta, fará, mesmo assim, este jurisdicionado, jus ao benefício da assistência judiciária gratuita. De tal arte, e ultimando, de antemão, é de se ter como sedimentado e elementar, portanto, a concepção de que o valor do patrimônio a ser herdado, bem da vida que é da ação de inventário, ou de arrolamento, não pode ser invocado na motivação de uma decisão interlocutória que venha a indeferir a benesse mencionada, não pelo simples fato de ser objeto de tais ações, mas, sobretudo, porquanto, se tal ocorrer, a autonomia patrimonial, já tantas vezes aludida, restará desrespeitada. No entanto, a despeito disso, há juízes – como no caso em voga – que, ainda sem suporte jurídico-normativo, a denegam sob tal pretexto, trazendo, com tal prática, efeito negativo, mais especificamente, pela deflagração de instabilidade das normas jurídicas existentes sobre o tema da gratuidade dos serviços forenses e cartoriais, acarretando em prejuízo, ainda que remoto, ao sobreprincípio da segurança jurídica, haja visa a lesão infligida ao aspecto da previsibilidade dos efeitos das regras jurídicas até então existentes. Apesar de haver tais decisões dissonantes em matéria de gratuidade processual, gerando dinâmicas de atos processuais, por vezes, desarmônicas, observadas quando comparado um processo judicial com o outro, maculando-se a razão de ser do princípio assim insculpido no inciso XXXVI, do art. 5º, da CF. Este, ao menos é respeitado no segundo grau de jurisdição daquela unidade federativa, a qual, ao menos, de forma uníssona, apresenta a noção de independência de patrimônios. Esta perspectiva coletiva emanada do Tribunal de Justiça bandeirante, representa, desta maneira, dois aspectos: um positivo, pois auxilia, quanto ao  tema – problematizado nos juízos estaduais – no recrudescimento de um entendimento determinado, no robustecimento, num último plano, da segurança jurídica, ainda que, tal estabilidade, somente seria encontradiço no juízo ad quem; outro negativo, precisamente, quando se passa a contemplar como consequência de tais decisões divergentes entre as primeiras instâncias, e dentre estas e o segundo grau de jurisdição, o enfraquecimento de normas que visam a razoável duração do processo, a economia processual. Mas é assim que caminha a persuasão racional nalguns juízos ad quo… Fenômeno diverso, todavia, ocorre com a obediência da regra prevista para a constatação de imediato, de forma, especificadamente, quantitativa, ainda que por via de presunção, da hipossuficiência econômica da parte. Tanto na primeira instância, quanto na segunda instância, há uma convergência a tal respeito, expressa, ou não, ao que naquela deliberação resta consignado. Uniformidade, esta, incoerente para a realidade atual em que se busca, cada vez mais, a constitucionalização do direito processual civil, pela aplicação das diretrizes encartadas na Lei das leis por meio da jurisdição (BUENO, 2015), bem como em todos os demais ramos do conhecimento jurídico, ultimando-se, desta maneira, a primazia de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, cumprindo-se, ao fim, com o princípio do diálogo das fontes. Há, assim, demasiada disparidade, dos juízos em relação ao Tribunal bandeirante, que circunscreve-se à obediência, ou não, da regra que busca conceder prelazia a autonomia patrimonial, e, por outro vértice, posicionamento uníssono, expresso, ou não, quanto à vinculação das decisões tanto por aqueles, quanto por este, dos critérios objetivos previstos em ato infralegal para a constatação de hipossuficiência econômica do jurisdicionado. Contudo, ainda, quanto a esta mesma semelhança de posicionamentos judiciais indigitada, o método hermenêutico utilizado para a aplicação daqueles limites desponta como elemento diferenciador duma e doutra instância. No juízo ad quem se verifica o desenvolvimento de uma hermenêutica de fundo constitucional, como resultado de uma compreensão sistêmica da ordem jurídica norteada pelo lógica do razoável – método adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – já, na primeira instância se privilegia um enfrentamento dos fatos sub judice segundo um tudo ou nada normativo, em que se despontaria o critério  literal de interpretação, traduzida na clássica subsunção munida de certo teor racionalista dogmático, do fato à norma positivada – caminho optado por alguns juízes (as) de primeira instância. Verificar-se-á, ao fim deste trabalho, que mesmo o método constitucional de interpretação e de aplicação do direito frisado, utilizado pelo segundo grau de jurisdição paulista, quando exercido em desacordo com a compreensão precisa dos elementos presentes na hipótese sub judice, redundará em fonte de validade de normas que não deveriam ser aplicadas no caso concreto, ao invés de legítimo instrumento de ponderação e de atribuição de normatividade do texto constitucional.     1 Do direito à gratuidade judicial no ordenamento pátrio. É a lei 1060/50 a que de maneira primeva regulara os institutos da assistência judiciária gratuita, ou justiça gratuita. Posteriormente, com o advento do novel Código de Processo Civil, passando a este diploma legal o trato do benefício da justiça gratuita, ao passo que aqueloutra lei, em seus remanescentes artigos não revogados, passaria a tratar, de alguns poucos aspectos da assistência judiciária gratuita. De assinalar, outrossim, que a coexistência normativa de tais diplomas legais é inclusive afirmada pela Corte paulista, em acórdão emanado de agravo de instrumento interposto nos autos do processo que ensejara a elaboração deste trabalho.[2] A gratuidade da justiça, ou justiça gratuita, diz da isenção adstrita ao recolhimento de despesas processuais. Consistem estas, em consonância, com o que a própria legislação civil adjetiva, em seu art. 84, nos haveres correspondentes às custas dos atos processuais, da indenização de viagem, da remuneração do assistente técnico, assim como da diária da testemunha. No entanto, deve-se esclarecer que tais dispêndios processuais, delimitados pelo CPC, teria sua abrangência restringida em virtude do que fora enunciado no parágrafo único, do art. 2º, da lei estadual nº 11.608/2003, não se incluindo, pois, dentre as referidas despesas: a indenização de viagem, a remuneração de assistente técnico, de perito, as diárias de testemunhas[3]. Já a assistência jurídica gratuita refere-se à não arrecadação dos dispêndios concernentes à postulação em juízo, ou extrajudicialmente (LOPES; SILVA, 2011). Tanto no que toca a um ou a outro instituto, a finalidade de ambos seria a mesma, ou seja: concretizar, numa simbiose útil, o princípio do acesso à jurisdição, previsto no inciso XXXV, do art. 5º, assim como o da gratuidade insculpido no inciso LXXIV (FERNANDEZ, 2013). Observar-se, então, a título de esclarecimento, que nenhum daqueles meios de isenção do custeio dos serviços que permitiriam a obtenção de determinado bem da vida, por intermédio de um provimento jurisdicional, adstritos, pois, ao âmbito processual judicial, se confundiria com o conceito de assistência jurídica gratuita que  além desta seara, também, compreenderia a esfera extrajudicial (BARBOSA, 1998 apud LOPES; SILVA, 2011). A assistência jurídica gratuita é, desta forma, gênero daqueloutros meios de isenções mais restritos (LOPES; SILVA, 2011). Neste ínterim textual, e, ainda, no que atine à comparação entre justiça gratuita, e assistência judiciária gratuita, ganha relevo o embate entre os princípios do acesso à jurisdição e efetividade da prestação jurisdicional, mormente quando se atenta ao que na redação do art. 5º, da lei 1060 está consignado. Em tal dispositivo legal há a descrição quanto a possibilidade de o juiz, ao entender se tratar de hipótese de indeferimento da assistência judiciária gratuita, o fazê-lo de maneira motivada, e, em se tratando de situação diversa, poderá concedê-la, de forma justificada ou não. Tal regra é nos pretórios de segunda instância, também, aplicada quanto à concessão, ou não, do benefício da justiça gratuita, por intermédio, da utilização do princípio da lógica do razoável, em que, por meio de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico como um todo, numa perspectiva global do texto constitucional, bem como deste em relação às regras infraconstitucionais, e do cotejo destes valores jurídico-constitucionais, com a conjuntura política, econômica, social atual (ALBERNAZ JUNIOR, 2007 apud SILVA; ZENNI, 2008) se buscaria a máxima otimização dos princípios a serem ponderados em função de uma dada hipótese sub judice (Hesse, 1998 apud RABELLO, 2002), sem com que ocorra, no entanto, o esvaziamento de um destes, em favor da vigência assimétrica de uma só, ou de outras, normas principiológicas que protagonizaram tal embate axiológico-normativo (CAMPOS, 2004). Posicionamento acertado, aliás, que se coaduna, outrossim, com os anseios de constitucionalização do direito, realidade observada nos mais diversos ramos do direito. De assinalar, também, que tal complexa ponderação deverá ser juridicamente motivada, não só a bem do cumprimento da teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003), mas, precipuamente, como forma de consolidar o princípio da publicidade, tão relevante nos regimes que se prezem democráticos, e tão carecedor de atenção por parte de alguns aplicadores do direito. No entanto, há de se atentar quanto ao conteúdo das proposições normativas emanadas da redação demasiadamente objetiva encontradiça em atos infralegais que, por vezes, e dada a sua hierarquia, poderá, ilogicamente, compor vetor resultante nas decisões judiciais que versem sobre o benefício referido, possibilitando com que a literalidade de tais atos normativos sejam apenas guarnecidos de fundamentos principiológicos, permanecendo os mesmos, entretanto, irredutíveis em seu alcance e conteúdo. Há de se perceber, portanto, que, caso os atos normativos mantenham-se intocáveis, contando com o fundamento axiológico dos princípios apenas como elemento legitimador de seu alcance e sentido. A própria atualização do sistema jurídico, nesta esteira, restaria, inevitavelmente, prejudicada, vez que o próprio ordenamento jurídico careceria de elasticidade hermenêutica, característica, esta, aliás, derivada das normas principiológicas, como mandamentos de otimização que são (ALEXY, 1997 apud RABELLO, 2002); e, estando ausente, tal flexibilização aventada, remanesceriam os comandos das regras jurídicas – meras prescritoras de comportamentos e sanções – repercutindo-se, ao fim, lamentavelmente, numa prática defasada, contemporânea mesmo ao racionalismo dogmático kelseniano. Ainda no que respeita à lei 1060/50, esta fora, em consonância com a posição majoritária da doutrina hodierna, recepcionada pela Constituição Cidadã, havendo, no entanto, revogação parcial de seu texto com o advento do novel Código de Processo Civil.[4]     2 Restrições à benesse da justiça gratuita. A nível constitucional poder-se-ia considerar como normas que integrariam a resistência à ampla e indiscriminada concessão da gratuidade da justiça gratuita, o princípio da reserva do possível, da efetividade da prestação jurisdicional (FERNANDEZ, 2013) já a nível legal, o teor do §2º, do artigo 99, do CPC, e, no plano infralegal, mais nitidamente no que concerne à realidade dos foros paulistas, a norma consignada no inciso I, do art. 2º, da Deliberação nº 89 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. No processo inspirador do presente estudo, apenas houve a alusão à norma elaborada pela defensoria pública, não havendo, desta maneira, divagações densas a respeito da não concessão daquela isenção. Insistamos, pois, no enfrentamento de cada um destes pretensos óbices, entendendo-os, de maneira não exauriente, a fim de se ultimar, se há, ou não, a predominância exacerbada dos mesmos, ainda que contemplados sob o prisma concedido pelo princípio da lógica do razoável. O princípio da reserva do possível como cediço, remonta a um julgado de origem alemã em que um cidadão pretendia, neste país, ingressar numa instituição de ensino superior, sem que, para tanto, participasse do certame destinado a tal finalidade. Entendendo ser titular do direito social à educação, o invocou perante o Estado alemão, o qual como resposta indeferiu o pleito com base na inexequibilidade e na irrazoabilidade de prestar de maneira irrestrita a todos os alemães o referido direito social, dada limitações de caráter orgânico, orçamentário, e econômico (ARAKAKI, 2013). Este julgado, por delimitar a participação do individuo na esfera pública quanto ao exercício de direitos sociais, não só constituiu um importante precedente para os países que foram influenciados pelo direito daquele país, mas também, pelo debate que levantara acerca do retorno da Teoria da Irresponsabilidade Absoluta Estatal (ARAKAKI, 2013). Antes de tudo, há de se advertir, que esta teoria em nada se confunde com o princípio da reserva do possível, na medida que esta não exime o Estado de toda e qualquer responsabilidade deste para com o adimplemento dos direitos sociais pelo mesmo enunciados, mas, diferentemente, apenas impõe critérios plausíveis acerca da aplicabilidade dos direitos sociais em face de determinadas causas de pedir (ARAKAKI, 2013). Os limites trazidos pela reserva do possível traduzem-se na razoabilidade das exigências, e na exequibilidade das mesmas, relevando-se as condições materiais Estatais, e o momento social, político e econômico vivenciado. De notar, ademais, que a adoção do referido princípio não leva à desconsideração total de outro que encontre guarida constitucional, ou mesmo legal, até porque, o seu método é a razoabilidade (ARAKAKI, 2013). Destarte, tem-se como corolário, do que até então fora arguido, que não haveria de se conceber a possibilidade de supressão do mínimo existencial, pela aplicação de tal mandamento nuclear limitativo das ações estatais. O mínimo existencial que nada mais é, em sucintos termos, do que o conjunto mínimo de direitos sociais necessários a uma vida digna. Compreende, logo, o patrimônio mínimo, cuja acepção, mais restrita que aqueloutra, traduz-se no conjunto diminuto de bens que devem ser titularizados pelo o indivíduo para com que o mesmo seja considerado como detentor de uma vida digna (ARAKAKI, 2013). Sem mais delongas conceituais. O princípio da reserva do possível, no que concerne ao tema objeto de estudo, pode ser utilizado, como meio de resistência e de afastamento da pretensão que, destituída de razão de ser, porquanto, precisamente, diante do momento atual, demonstra-se ser uma exigência irrazoável e inexequível, visa à obtenção de gratuidade na prestação jurisdicional – destoando-se da regra que é a onerosidade de tal serviço. Contudo, ainda assim, a resistência estatal para se fazer adequada ao afastamento do referido pleito deveria, antes, mostrar-se relevante, isto é corroborada por um quadro probatório robusto que ratifique a indisponibilidade dos recursos estatais que motivasse a não concretização de determinado direito fundamental (ARAKAKI, 2013). Desta feita, e em convergência não só com a lógica do razoável, mas, também, com o princípio do diálogo das fontes, é possível encontrar uma regra processual que demande daquele que pretenda o afastamento de tal benesse a ser concedida a determinado jurisdicionado, a apresentação de provas que permita constatar sua oposição, que é a redação prevista no art. 100, caput, e, em seu parágrafo único, do CPC, concernente à impugnação da gratuidade concedida a determinado sujeito processual. Doutro vértice, merece, outrossim, destaque o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, norma esta que possibilita, aliás, uma ampla gama de argumentos contrários à concessão desarrazoada do benefício da justiça gratuita. A efetividade da prestação jurisdicional permite a verificação do processo como instrumento hábil à consecução dos fins a que se propôs, o que permite, a revisão, constante da eficácia das regras que o compõem, com ênfase no devido processo legal, e na jurisdição (FILIAR, 2010). Somada à tal concepção do processo, a lógica subjacente ao princípio da reserva do possível, a qual é consistente na consciência da limitação dos recursos estatais e que os seus serviços devem ser concedidos desde que obedecidos certos critérios, haver-se-ia de concluir que a gratuidade não deve ser ilimitada, concedida de maneira universal, posto que, se assim o fosse, os verdadeiros necessitados não poderiam de maneira satisfatória usufruir com qualidade dos serviços forense disponibilizados, pelo que se colocaria em xeque as garantias íncitas à tutela jurisdicional efetiva (FERNANDEZ, 2013). A tanger a realidade. Os defensores da mitigação da gratuidade da justiça em razão da reserva do possível e da efetividade da prestação jurisdicional, preconizam que a ampliação demasiada do referido benefício processual reverteria em encarecimento dos serviços forenses, na morosidade quanto a solução de litígios, no decréscimo na qualidade destes serviços, na exclusão daqueles que efetivamente são hipossuficientes, e na formulação de uma cultura do litigio, e da consciência coletiva de que o Judiciário, dada a precarização de seus serviços, poderia constituir em verdadeira fonte de injustiças (FERNANDEZ, 2013). Esta pesquisa científica alinha-se, em termos, com o mencionado posicionamento. E, assim, o faz, devido a entender que sua premissa consistente na crítica à universalização do acesso ao judiciário pelo simples fato de ser o jurisdicionado hipossuficiente, com a máxima vênia, poderá originar argumentos falaciosos, como ora se constata. Pois bem. Se, assim, se apresenta, o jurisdicionado, de um modo geral, por triste decorrência da realidade nacional, por lógico que, em havendo lei e estando convergentes os princípios integrantes do ordenamento jurídico vigente, com a concessão de tal isenção a uma dada situação concreta que aquele se encontra, reunindo as condições necessárias para a obtenção de tal benefício; este deverá ser concedido, ainda que em larga escala. O argumento pelo qual se divulga que com a ampla concessão do referido benefício haveria o encarecimento dos serviços judiciários, também não merece prosperar. As taxas não seguem – ao menos estritamente – a lei da oferta e da procura, porquanto o custeio das mesmas não permitiria àqueles que as cobram a percepção de lucro, mas, tão apenas, na remuneração dos serviços prestados, ou do poder de polícia exercido. A majoração, desta forma, do quantum atinente à tais serviços não se confundiriam, e nem acompanhariam, os preços daqueles praticados pelo setor terciário na iniciativa privada. O encarecimento desmedido dos serviços judiciários causados pela concessão da gratuidade inexistiria, podendo, no entanto, apresentar outros motivos, que não o deferimento da isenção indigitada. Conceber a universalização do acesso ao Judiciário de maneira absoluta, a tomando como ponto de partida de uma contraposição à concessão da gratuidade da justiça, parece método um tanto ingênuo, já que as eras em que se acreditavam em utopias já se passaram há muito tempo, e a sua concessão total nunca ocorreria. O desenvolvimento de tal raciocínio seria o mesmo do que partir de uma abstração para constatar uma realidade inexistente. Tal miopia metodológica, deste modo, há de ser absolutamente esmerada. A oposição ao que é ideal e, deste modo, irrealizável, circunscreve o óbvio, sendo assim, criticar o inexistente é o mesmo que não contestar, já que deste embate nenhum avanço se extrairia, a não ser a desnecessária divagação acerca das coisas inexistentes, malabarismo extravagante dos intelectos rebuscados dos quais originam frutos impraticáveis, ou, quando menos, imprecisos. A realidade, para ser entendida e, de alguma forma, aprimorada, deve ser questionada enquanto situação concreta, e não a partir de uma quimera conceitual que a ela faz menção. Propõe-se, destarte, a sub-rogação de premissas, devendo, a universalização, como elemento eminentemente teórico, ceder espaço ao questionamento acerca dos critérios até existentes para aferição da gratuidade processual, regras integrantes que são do direito positivo, e se estes promovem, ou não, o acesso à Justiça. Prosseguem, ainda, alguns autores, adotando o método – refutado neste trabalho – no argumento de que a miséria é problema atinente à implementação adequada de políticas sociais que deveriam ter sido levadas a efeito pelo executivo, legislativo, não podendo ser a desigualdade social resolvida somente com a concessão da supracitada isenção (FERNANDEZ, 2013). Por lógico que, desta forma deveria ser conduzida a mitigação das desigualdades sociais, mas, também, seria um tanto desacreditada a crença absoluta de que o desnível social estaria findo, tão somente, em virtude da concessão desmedida da isenção mencionada. Aliás, não se é possível observar qualquer conclusão, ao menos de pronto, de que deferimento de tal benesse implicaria num milagre da minimização da desigualdade social. A prestação jurisdicional imparcial e adstrita aos termos da lei e aos ditames constitucionais os quais versem em alguma medida sobre os critérios para aferição da insuficiência econômica deverá ser cumprida, independentemente se a clientela do Judiciário se estender a ponto de trazer alguma precariedade para o mesmo, posto que daí o que se teria não seria um problema do jurisdicionado, mas de política administrativa deste Poder. Há de se compreender, então, que a provável solução, deveras, não estaria no aniquilamento de algumas normas principiológicas em detrimento doutras, mas da conciliação de todas para com que se prestigie a unidade do ordenamento jurídico, consagrando a lógica do razoável, diante da qual se preferirá, ante um caso concreto, pela reserva do possível, ou doutra circunstância, pela concessão da gratuidade ao jurisdicionado. O ponto de convergência, deste modo, com tais autores seria a de que tal isenção não poderia ser contemplada sob uma perspectiva insular, como que se revestisse de um caráter dogmático absoluto. Isto não quer significar, por lógico, que as normas que ousem a limitar a concessão da gratuidade sejam tidas, também, como insuscetíveis de mitigação, ante uma determinada hipótese sob apreciação jurisdicional. As normas de hierarquia constitucional não poderiam oferecer respaldo inquestionável às normas que chancelam, ou denegam a gratuidade, limitando-se, apenas, em apresentar-se como trono legitimador destas regras – refletindo a antiquada concepção racionalista dogmática kelseniana –, mas, ao reverso, haverão de mitigá-la, se assim for necessário, caso a hipótese submetida à apreciação jurisdicional, deste modo, aconselhar. Esta opinião, no entanto, não se encontra acolhida de maneira categórica no Egrégio Tribunal Paulista, o qual parece aplicar o princípio da lógica do razoável apenas para conferir guarida à norma editada pela Defensoria Pública em sua Deliberação de nº 89. É o que se observou do acórdão proferido em sede de agravo interposto perante aquele tribunal.[5] Diante do que até então tem-se arguido, se é permitido avançar para o estudo do que consta dos diplomas legais, e infralegais como normas impeditivas à obtenção da gratuidade. O §2º, do art. 99, do CPC enuncia a forma como ocorrerá, a nível nacional, o indeferimento do beneficio da justiça gratuita. Há de se compreender que tal regra não incidirá de maneira isolada, até porque é anseio da própria legislação adjetiva civil, consignado em seu art. 1º, a constitucionalização da aplicação de tal diploma legal. Ora, tanto é assim, que em inúmeros julgados entende-se a gratuidade como sendo questão de ordem pública, isto é, que pode ser arguida em sede de pedido de reconsideração, ou mesmo em qualquer outra situação processual, a qualquer tempo, fortalecendo-se, ademais, o que se encontra redigido no art. 99 daquele mesmo códex processual. Em não consistindo numa norma de inquestionável incidência, estará suscetível, portanto, à ponderação em relação aos valores ou sobrevalores encontradiços em nosso ordenamento jurídico como um todo e que estão projetados na Constituição Cidadã. Nesta legislação processual verifica-se que o juiz ao constatar a ausência dos pressupostos que autorizam a concessão da gratuidade, prevista em seu art. 98, poderá indeferir o pedido de tal isenção, desde que, para tanto, conceda à parte prazo de 72 (setenta e duas) horas para demonstrar um conjunto probatório relevante que ateste as razões pelas quais entende ser necessária a concessão da referida benesse. Verifica-se, destarte, que há, ainda que de maneira incita, a inversão do ônus da prova, ainda mais quando se trata do impedimento do Estado de arcar com a referida gratuidade, não obedecendo-se, o que de resto deriva do princípio da reserva do possível, precisamente, do fato deste ter de comprovar a impossibilidade de arcar com tal isenção em favor do jurisdicionado (ARAKAKI, 2013). Isto talvez se dê, sendo autorizada tal permuta do onus probandi, porquanto o pedido de gratuidade não circunscreve-se como bem da vida perseguido na ação judicial aventada. De se notar, também, que a revogação da gratuidade – e não só o indeferimento do pedido – poderá ocorrer em qualquer momento processual, desde que verificável no processo a ausência dos requisitos que possibilitem a manutenção da aludida isenção, ao menos seria esta conclusão que se poderia extrair da exegese dos comandos insertos no caput do art. 99, e em seus parágrafos 1º e 2º, bem como, de acordo com o que dispõe o art.101, caput, todos, da legislação adjetiva civil. No que toca à redação de tal norma processual, não parece por demais dificultosa a conclusão de que a denegação da referida benesse deverá ser sempre motivada em consonância com o que dos autos constam, além de ser mister do magistrado proceder com a intimação da parte que pretendeu a concessão de tal isenção, a fim de demonstrar que, de fato, era hipossuficiente economicamente. Tal dinâmica processual, contudo, não ocorre na prática forense – conforme já demonstrado nesta pesquisa, por intermédio de uma alusão prévia a alguns julgados que revelam a referida inobservância pelos juízes paulistas de primeira instância da regra contida no §2º, do art.99 do CPC. Alguns pretores, além de não obedecerem à risca tal regra processual, ainda utilizam, de forma implícita, para fins de concessão do benefício da justiça gratuita, o disposto no I, do art. 2º, da Deliberação de nº 89, da Defensoria Pública bandeirante. De asseverar, ainda, que estes magistrados sequer expõem tal artigo em seus despachos lacônicos, os quais trajados de decisão interlocutória, podem terminar ou não com determinado processo sem com que seja dado ao mesmo uma solução definitiva. Restringem, assim, estes atos judiciais a, tão apenas, indeferir a gratuidade respaldados no fato – objetivamente considerado – de a parte não receber quantia inferior a três salários mínimos. Há de se convir que tal ato consubstanciaria numa afronta ao princípio da publicidade, à teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003), ao devido processo legal, e o próprio regime democrático de direito, porquanto desamarraria sob a forma de um enigma jurídico-linguístico os atos judiciais dos controles legais, constitucionais. Doutro ângulo, observando a questão do ponto de vista eminentemente normativo, especificamente no que concerne ao teor de uma norma que impõe limites objetivos para com que haja, ou não, a chancela de determinada benesse. Esta regra, enfim, não há de escapar a questionamentos, sobretudo, aquele correspondente à sua incidência absoluta frente a toda e qualquer hipótese que se encontra submetida à apreciação jurisdicional. Daí, novamente, a ditar a solução, o princípio, tantas vezes mencionado por este trabalho, da lógica do razoável. Assim, ainda que o inciso I, do art. 2º, da Deliberação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo de nº 89 entenda serem hipossuficientes aqueles que percebam quantia inferior a três salários mínimos, tal patamar, bem como o que ocorrera com a LOAS, que previa limite à concessão do benefício assistencial às pessoas portadoras de necessidades especiais, deverá ser mitigado frente ao fato sub judice que apresenta singulares contornos (AgRg no AResp 319889/PR). A miserabilidade, ainda que não seja presumida, em virtude da inobservância dos limites objetivos impostos pelas regras citadas, há de ser constatada casuisticamente, permitindo, ao menos, com que ao jurisdicionado lhe seja assegurado o mínimo existencial, consagrando, na prática o ideal aristotélico de justiça distributiva.     3 A deliberação nº: 89, da defensoria pública paulista como impositora de norma que estabelece sistema de prova tarifada. Via de regra, as decisões judiciais consistentes no indeferimento do pleito de gratuidade da justiça, emanados do Poder Judiciário bandeirante, quer da primeira instância, quer do segundo grau de jurisdição, se fundamentam em limites objetivos para a constatação de que há, ou não, a hipossuficiência alegada nos autos, prosseguindo, no entanto, ao largo do posicionamento encontradiço no Superior Tribunal de Justiça, o qual, no Agravo Regimental em sede de Agravo em Recurso Especial de nº: 257.029/RS, enuncia ser a miserabilidade fruto de uma verificação que observe não só a renda do jurisdicionado, mas, também, os débitos que este, em função de si, e de sua família, deverá arcar. Por outro lado, conforme um dos precedentes citados, “Para o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida,no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente (gratuidade de justiça difere de assistência judiciária), ou seja, apenas nas suas receitas. Imprescindível fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família. (AgRg no AREsp 257.029/RS).” A norma adotada pelo Judiciário paulista, em suas diferentes instâncias, provém daquela deliberação da Defensoria Pública bandeirante já citada em que se é enunciado o limite pecuniário que uma pessoa pode perceber para, assim, ser presumidamente reconhecido como materialmente hipossuficiente. Já é constante de alguma data da literatura processual civil brasileira que existem três tipos de norma que permitem a influência do sistema de prova tarifada, ou legal, em nosso direito, sendo uma destas aquela que traz consigo presunção relativa acerca do que se almeja demonstrar (DINAMARCO, 2001, apud VIEIRA, 2010). É o caso vertente da análise ora desenvolvida. Ainda sob aquele enfoque, tal regra, um ato infralegal, apresenta-se como uma chancela absoluta que seleciona quem pode, ou não, acessar o Judiciário gratuitamente. Por vezes ocorre que, mesmo no juízo a quo, são exarados despachos munidos de teor interlocutório que sequer trazem consigo fundamentação jurídica – cingindo, de resto, manifestação da íntima convicção do magistrado – não sendo consubstanciada precisamente na menção a algum artigo da lei, ou de atos infralegais. Quanto à referida matéria, tal realidade não se demonstraria de maneira diversa. Assim, ainda que denegue, o juiz de primeiro grau, a gratuidade. Tal decisão, mesmo que detentora de importantes efeitos práticos para os sujeitos processuais, não apresenta, em contraposição à teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003) e aos princípios da publicidade e do devido processo legal, qualquer elemento jurídico apto a afastar o pedido do mencionado benefício. Pende, deste modo, as decisões judiciais sobre o tema, duma vez ou outra, quer para o sistema de íntima convicção, quer para o de prova legal. Noutros termos, ou se verifica a demasiada relevância conferida a apenas uma norma em específico, ou, ao reverso disso, a menção, por meio de argumentos gerais – destituídos de identificação jurídica imediata – as razões que deneguem o pleito deduzido. No entanto, mesmo nestes atos judiciais, caracterizados pela ausência de alusão jurídica direta, se encontra a inteligência, também constante do inciso I, do art.2º, da Deliberação nº 89 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o que acaba configurando, de certo modo consciente, ou não, exercício categórico de uma prática empirista exegeta. Por óbvio que a lei, em nossa realidade hodierna, não traz consigo diferenciações incontestes entre um ou outro meio de provas, de maneira a se privilegiar absolutamente – numa perspectiva sistemática – este, ou aquele, em detrimento das demais que compõem o quadro probatório acostado aos autos (VIEIRA, 2010) Entretanto, o Judiciário, em face de tal matéria, neste sentido decide, conferindo um valor absoluto ao quantum recebido e apresentado nos autos pelo jurisdicionado, omitindo-se quanto aos dispêndios que este já suportava antes mesmo de acessar a jurisdição. Tal prática, com as devidas vênias, há de ser rechaçada do cotidiano forense, posto que afronta os anseios presentes no momento hodierno consistentes na construção duma constitucionalização do direito como um todo, conferindo à Lei Maior efetiva força normativa. A interpretação sistemática, por meio da aplicação da lógica do razoável, deverá prevalecer ante a aplicação insular e literal de uma regra jurídica. O presente debate nos remete, então, à ponderação do conteúdo do inciso, LXXIV, do art. 5º, da CF, e da legalidade – inciso II, daquele mesmo artigo constitucional – esta que relevaria a reserva do possível. A considerar, neste ínterim textual, então, a lição de Hesse em que os princípios hão de ser sempre concebidos em função de pontos de vistas que acompanhados por certos aspectos fáticos, possibilitem a otimização da força das normas constitucionais como um todo (1998 apud RABELLO, 2002). A configurar, de maneira mais nítida, as características da conjuntura atual vivenciada em função de tal matéria jurídica. Deve-se relevar o critério eleito pelo STJ para aferição da miserabilidade calcado no cotejo entre as despesas que o jurisdicionado terá de fazer frente e as suas possibilidades financeiras no momento, e não apenas baseada apenas no quantum percebido pelo contribuinte, ou no seu patrimônio (AgRg no AREsp 257.029/RS)[6]. Novamente, não se deve compreender como de demasiada heterodoxia a consideração pela qual se permita ratificar, dentro de um espectro de ponderações a serem realizadas casuisticamente, que o primeiro valor constitucional já ressaltado deva se sobressair aos que lhe foram subsequentemente mencionados. Primeiramente, porque alguns juízes não concedem ao pleiteante da referida isenção, a demonstração, por meio de um suporte probatório suficiente, de que a utilização, por aquele, da justiça gratuita, poderia, inevitavelmente, acarretar num colapso de tal serviço público. Assim, a reserva do possível, desta maneira, não poderia ser invocada como argumento a salvaguardar o Judiciário. Segundo. Não releva, a aplicação de tal norma, a conjuntura política, social e econômica atual vivenciada pelos sujeitos processuais, como tampouco de maneira precisa a situação econômica da parte que demanda a prestação da jurisdição, e nem a fundamentação jurídica que possibilitaria a não concessão de tal benesse. O ato judicial não esteado em argumentos jurídicos, consiste num absolutismo judiciário que não merece qualquer proteção de um Estado que se preze como de direito. Aquele ato munido de teor decisório há de ser fundamentado em lei, ou em atos normativos, posto que do contrário não se estaria obedecendo ao princípio da legalidade, até porque o magistrado ao fazê-lo produz lei entre os sujeitos processuais, como bem explanaria o princípio da relatividade das decisões judiciais. O comando adveniente da deliberação da Defensoria Pública, por si só, não autoriza a recusa da justiça gratuita, estando consignado, naquele ínterim textual normativo já frisado e verificável no Código Processual Civil, que o limite quantitativo apenas expressa uma presunção, permitindo-se, ademais, a colheita de outras provas hábeis ao fortalecimento de uma convicção precisa acerca da situação econômica alegada pelo litigante. A pesquisa a tais fontes probatórias complementares, não ocorre como esperado, tanto é que há jurisprudência demonstrando que a isenção não obtida, não apresentou precedente busca de outros meios de prova para com que assim a fosse enjeitada. Assim sendo, atualmente, o conteúdo de tal norma seria utilizada como um meio lacônico de seleção daqueles que seriam agraciados, ou não, pela benesse citada, que, quando aludido conformaria uma decisão representativa do sistema de prova tarifada, e, quando omitido quanto a quaisquer referências legais ou jurídicas, da íntima convicção. Fenômenos jurídicos estranhos, portanto, ao sistema atual que é o da persuasão racional do magistrado.     4 O princípio da razoabilidade como meio de efetivação do direito ao acesso à jurisdição. O princípio da razoabilidade, ou da proporcionalidade – tratado por muitos autores como sinônimos, e por outros como distintos em razão de diminutas peculiaridades concernentes à origem dos mesmos, sendo, aliás, tal diferença bem ressaltada por Campos (2004) – diz não somente da harmonização de direitos, mas, também, da atribuição adequada de poderes, privilégios ou benefícios (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008). Em termos práticos, tal princípio considerará equilíbrios, porventura existentes, entre prós e contras, fins e meios, das regras a serem aplicadas ao caso concreto (PISKE,2011), sem com que, para tanto, haja prejuízo da unidade da constituição, obedecendo-se, de forma remanescente, os limites impostos ao poder constituinte derivado. Resulta, além do mais, de “uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição do excesso, direito justo e valores afins”, (MENDES; COELHO; BRANCO, p.120-121 ,2008). É a razoabilidade, ou proporcionalidade, também considerada como nota distintiva do segundo momento do Estado Democrático de Direito, caracterizado, em suma pela primazia concedida aos valores consagrados no texto constitucional, superando, pois, o modelo jurídico estatal que exsurgiu da promulgação da Constituição de Weimar, que se centrava na observação concedida às normas legais (PISKE, 2011). Consubstancia-se, pois, num objeto cuja abrangência e conteúdo é muito mais complexa, ampla e dinâmica do que simplesmente o mero exercício da interpretação e da aplicação equilibrada de direitos, que, encartados na Constituição, de alguma forma demonstram-se contrapostos, integrando, de início, um pseudo quadro de antinomia de mesmo nível hierárquico, mas que, ao fim, a bem da unidade constitucional, mereçam ser combinados. De observar, em tempo, nesta fresta textual, que há autores, a exemplo de Mendes, Branco, e Coelho, que entendem que os referidos princípios também deveriam ser utilizados pela atividade legiferante estatal, não servindo de instrumento exclusivo dos aplicadores do direito (2008). Ressalta-se, enfim, que é imprescindível, para com que tal mandamento nuclear, não consagrado expressamente no texto constitucional (PISKE, 2011), se realize, por meio da observação, pelo julgador, do momento político, social, econômico vivenciado pela sociedade (ALBERNAZ JUNIOR, 2007 apud SILVA; ZENNI, 2008) isto é, da própria fonte material que formará o enunciado, sentencial ou colegiado, assim como a verificação das singularidades que delineiam a hipótese sub judice, bem como das normas jurídicas vigentes em nosso ordenamento jurídico como um todo. Estes elementos todos, contemplados de maneira conjunta, e segundo critérios integrantes do próprio conceito da proporcionalidade como são os subprincípios: proporcionalidade em sentido estrito, da adequação, da necessidade; que possibilitarão ser, tal norma, encarada como um decantado hermenêutico, ou, da experiência jurídica em sentido amplo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008) Deveras, assim o seria, porquanto os referidos princípios num segundo momento de sua aplicação apresentar-se-ia como um meio de verificação acerca de restar concretizado o perfil constitucional do Estado Social e Democrático de Direito (PISKE, 2011) Por lógico, já que diante do fluxo incessante de casos que se apresenta sob o crivo da jurisdição, traduzindo o que de derradeiramente também é constante, como são as transformações na vida social, é que o princípio da razoabilidade, ou da proporcionalidade, ganha densidade, ou ampliação de sua abrangência, revelando seu conteúdo, conferindo, por fim, a consolidação harmoniosa das normas que compõem o ordenamento jurídico como um todo. De assinalar, em tempo, que há autores que entendem a razoabilidade como fruto de uma intepretação evolutiva do due process of law, encontrando, diferentemente da proporcionalidade de origem tedesca, nascedouro na atividade jurisdicional norte americana. (CAMPOS, 2004). Não seria de todo equivocado, portanto, afirmar ser a lógica do razoável, instrumento interpretativo e de resolução de embates de valores, explicita ou implicitamente, consagrados constitucionalmente. Em suma um aperfeiçoamento hermenêutico da proporcionalidade. A provar o arguido. Ao invés da lógica do razoável se circunscrever simplesmente na elaboração de silogismos, na subsunção pura e simples, a mesma abarcará raciocínios mais abstratos, e, desta forma, mais complexos (SILVA; ZENNI, 2008), que relevará não só as especificidades do caso concreto trazido à apreciação jurisdicional, a realidade social em contínua transmudação, mas, também, os seus próprios critérios de aplicabilidade para resolver aquela hipótese sub judice (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008),e, ainda, as experiências humanas do próprio julgador, norteando-se pelo anseio de aplicação da equidade, otimizando-se, por fim, o direito positivo (COELHO, 1979 apud  SILVA; ZENNI, 2008). Há de ter a lógica do razoável sempre respaldo na lei, e na constituição, no direito, enfim, tendo a função criadora do juiz os limites normativos que coincidiriam com os fundamentos axiológicos que o legislador teria quando da edição de determinado comando legal. Sendo um tanto exagerado entender que o magistrado poderia se omitir, não aplicando a justiça ao caso concreto apenas porque os motivos da gênese de alguma regra não mais ali se encontre, a não ser que não a aplique, mas, para tanto, se utilize de outras normas, também, presentes no ordenamento jurídico vigente, ou, então, lance mão da equidade judicial. (SILVA; ZENNI, 2008) Verifica-se que o raciocínio, por demais abstrato, por parte dos aplicadores e operadores do direito, não conferem carta branca aos mesmos para alegações absurdas, ou arbitrariedades. A lógica do razoável possibilita ao julgador a antevisão dos efeitos práticos da aplicação da norma jurídica (SILVA; ZENNI, 2008), o sopesamento – peculiar ao princípio da proporcionalidade – das soluções a serem adotadas à hipótese sub judice, sem que, para tanto, haja exacerbada restrição de direitos fundamentais envolvidos na celeuma sob apreciação jurisdicional, tecendo-se, assim, situação equilibrada, harmoniosa e a efetivação dos interesses e direitos frente a um caso concreto (CAMPOS, 2004). Muito pelo contrário, mesmo a lógica do razoável será limitada pela teoria da argumentação, a qual por meio do princípio da publicidade, deverá ser demonstrada num raciocínio suscetível de controle pelo Judiciário em suas diversas instâncias, e pela sociedade os quais serão legítimos fiscais da compatibilidade de determinado ato com o ideal de justiça vigente (BARROSO; BARCELLOS, 2003). De consignar, ainda, que a equidade, por meio da lógica do razoável, possibilita a otimização do direito. Por óbvio, assim, o seria, já que a equidade desde Aristóteles já era concebida como instrumento adequado para mitigar os rigores da justiça legal, retificando-se, as imprecisões legislativas, permitindo-se, ao fim, a obtenção da justiça distributiva (SILVA; ZENNI, 2008). A lógica do razoável destoa em muito da interpretação meramente literal, em que se verifica a simples operação de conformação dos fatos à regra jurídica positiva, emergindo, tal método hermenêutico, daquela ampla gama de situações excepcionais que não são previstas de maneira cristalina pelo legislador; é, portanto, intelecção formulada a partir daquilo que a inspiração normativa sequer tenha consagrado, mas que por necessidade pontual necessite ser abarcada, de alguma forma, pelo direito; é, talvez, a última instância interpretativa, com seus critérios e anseios, que se preze jurídica – e não arbitrária – de uma regra, ou princípio jurídico, em função de uma controvérsia peculiar.     5 Conclusão O processo que inspirou a feitura do presente artigo conferiu derrota ao pleito de gratuidade apresentado pela autora do processo de arrolamento. Esta ainda que relutasse desde a primeira instância em aceitar o indeferimento da benesse prevista no Código de Processo Civil, ainda teve de arcar com a recusa quanto a concessão de tal objeto, mesmo no segundo grau de jurisdição, em sede de agravo de instrumento, como também, de embargos de declaração com efeitos infringentes. Em todas as decisões foram aludidas, de forma direta ou não, os limites previstos na deliberação nº 89 da Defensoria Pública paulista. Em primeira instância, além de não se mencionar este ato normativo, sequer houve o sopesamento dos valores constitucionais trazidos à baila pelo pedido de reconsideração ajuizado, já que, caso não fosse exercido tal pedido, o processo. fatalmente, seria extinto sem resolução do mérito, posto que a juíza não havia oportunizado, como aconselha uma série de julgados presentes no Tribunal de Justiça de São Paulo, a demonstração pela parte de hipossuficiência econômica alegada. No juízo ad quem houve, inicialmente, por intermédio da interposição de agravo de instrumento, a concessão de efeito suspensivo quanto a exigibilidade das exações judiciais. Em julgamento eletrônico, houve por unanimidade, o indeferimento do pedido veiculado pelo agravo. Confundira-se os rendimentos pessoais da inventariante com aqueles oriundos do espólio. Por mais paradoxo que possa parecer, ainda que mencionada a autonomia patrimonial em tal acordão, a mesma não fora observada, entendendo-se como rendimento da agravante não só os seus vencimentos como funcionária pública municipal como também aqueles advenientes do imóvel em que era explorada atividade hoteleira. Opostos embargos de declaração, com efeitos infringentes. O Tribunal paulista, firme no entendimento do STJ consignado no julgamento do REsp 437.380, emitira decisão lacônica, os rejeitando, mantendo, ademais, por simples cópias textuais, o que já fora enunciado no último acórdão obtido. São lamentáveis tempos, de lamentáveis práticas jurisprudenciais. A constitucionalização do direito em todos os seus ramos seguirá ameaçada se acaso optarmos pelo tudo ou nada da subsunção de um ato normativo ao invés do atual instrumental hermenêutico posto à disposição dos aplicadores e dos operadores do direito como a é a lógica do razoável. Longe de ser uma ferramenta demagógica de mera ratificação de disposições infralegais, arrimando alicerces oriundos de aspirações antiquadas, como as são as advenientes da escola do racionalismo kelseniano. Tal princípio, deve ser encarado com a seriedade que lhe é merecida, ou seja, como última instância interpretativa de hard cases, em que se não se deva relevar a conformação a qualquer preço de regras à fatos de peculiares configurações, mas a harmonização simétrica, equilibrada e ponderada das normas jurídicas e constitucionais, relevando o substrato norteador do sistema jurídico como um todo, e o ideal de equidade, com o efetivo diálogo das fontes, obediência à teoria da argumentação e da proporcionalidade. A interpretação implementada pelo Tribunal da unidade federativa mais rica do país é um exemplo de apego a tradições desnecessárias, quinquilharias simplistas e inadequadas, impróprias aos tempos em que a realidade é mutável constantemente, e que demandaria, por parte do ordenamento jurídico, uma evolução – e não revolução – constante das regras jurídicas em consonância com os parâmetros hodiernamente disponíveis, em nítido acordo com os ideais de justiça distributiva. A interpretação literal, fundamentada, na lógica do razoável consubstancia-se numa retórica de fundo precário. Não poderia tal meio de interpretação permitir a observação de todo os valores e sobrevalores do ordenamento jurídico, para com que, posteriormente, se preferisse a aplicação restrita de uma regra jurídica, ultimando um tudo ou nada normativo, solapando, totalmente, qualquer equilíbrio normativo. É aplicação incoerente, ilógica, inexistente do ponto de vista da técnica, já que a consequência do meio interpretativo nega a própria razão de ser do método. Disto surge – por mais irônico que possa parecer – inclusive a questão de se aplicar a lógica do razoável em função da lógica do razoável, em que se decidiria se seria adequado ou não a utilização de tal método frente a determinados casos concretos – arbitrariedade pura. A função otimizadora dos princípios jurídicos há de ser considerada, ainda mais quando a mesma converge com os fundamentos da Constituição Federal, com os direitos individuais, obtendo, ademais, respaldo na conjuntura posta sob apreciação judicial para a sua aplicação, haja vista que, do contrário, o que se terá será apenas um engessamento rebuscado das regras legais, permitindo-se, o absurdo de uma norma infra-legal, ser mais eficaz do que um valor constitucional. ________________________________________________________________
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A dispensa da pessoalidade da citação na execução fiscal
A Lei nº 6.830/80 disciplina acerca da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. De acordo com o seu art. 2º, o Código de Processo Civil será aplicado subsidiariamente. Na referida norma, são previstas diversas modalidades de citação. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é conhecer com detalhes cada uma delas, em especial a citação por carta.
Direito Tributário
Introdução – Breve exposição acerca da execução fiscal. A Lei de Execução Fiscal (LEF) traça importantes balizas a serem seguidas na cobrança judicial dos créditos públicos inscritos em Dívida Ativa. De acordo o art. 2º, a Dívida Ativa compreende a tributária, bem como a não tributária. Além disso, a Dívida Ativa abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato (art. 2º, § 2ª, da Lei nº 6.830/80) O art. 39 da Lei nº 4.320/1964 define cada uma delas da seguinte forma: “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.  (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) § 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) § 3º – O valor do crédito da Fazenda Nacional em moeda estrangeira será convertido ao correspondente valor na moeda nacional à taxa cambial oficial, para compra, na data da notificação ou intimação do devedor, pela autoridade administrativa, ou, à sua falta, na data da inscrição da Dívida Ativa, incidindo, a partir da conversão, a atualização monetária e os juros de mora, de acordo com preceitos legais pertinentes aos débitos tributários. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) § 4º – A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) § 5º – A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979) Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), são espécies tributárias: impostos (art. 146,I,), taxas (146,II), contribuição de melhoria (146,III), empréstimos compulsórios (art. 148) e contribuições (art. 149). Assim, a dívida tributária decorre da cobrança das diversas espécies tributárias citadas acima e dos seus acréscimos. Lado outro, a não tributária, de forma residual, é aquela proveniente dos demais créditos públicos, como exemplo, as multas decorrentes do exercício do poder de polícia, os contratos não cumpridos, multa penal, dentre outros. Da análise dos dispositivos supracitados, verifica-se que o art. 39 da Lei nº 4320/64 não pode ser interpretado isoladamente. Deve ser realizada uma interpretação sistemática com a Constituição de 1988. Isso porque atualmente os empréstimos compulsórios, bem como diversas contribuições estabelecidas constitucionalmente são considerados espécies tributárias. Ressalte-se que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, bem como tem efeito de prova pré-constituída. Entretanto, tão presunção não é absoluta, podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveita (art. 3º da LEF e art. 204 do CTN). Diante disso, verifica-se que, em virtude da supremacia e indisponibilidade do interesse público, o legislador optou por inverter o ônus da prova. Assim, cabe ao devedor/executado fazer prova robusta de fato modificativo ou extintivo contra o crédito público. Não é demais lembrar que os créditos públicos são fundamentais para a concretização das políticas públicas. Diante dessa relevância, a Certidão de Dívida Ativa representa título executivo extrajudicial apto a instruir o processo de execução fiscal (art. 784, IX, do CPC). Diferentemente da petição inicial prevista no CPC (arts. 319 e 320), a peça inicial da execução fiscal é composta dos requisitos previstos no art. 6º da Lei nº 6.830/80 de maneira bem mais sucinta. Além disso, conforme Súmula 559 do STJ, em ações de execução fiscal é desnecessária a instrução da petição inicial com a demonstrativo de cálculo do débito, visto que trata-se de requisito não previsto no art. 6º da LEF. Também, de acordo com o referido Tribunal Superior, a petição inicial não pode ser indeferida sob o argumento de falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada (Súmula 558). Proposta a execução, a parte executada será citada pelas sucessivas modalidades previstas no art. 8º da LEF. Mais a diante, em tópico próprio, cada uma delas será melhor explicitada. Citado o(a) devedor(a), como garantia da execução, o executado poderá efetuar depósito em dinheiro; oferecer fiança bancária ou seguro garantia; nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública (art. 9º). Na hipótese de não ocorrer o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis (art. 10). Garantida a execução, no prazo de 30 (trinta) dias, a parte poderá apresentar os embargos à execução, no qual poderá alegar qualquer matéria útil a sua defesa, bem como requerer a produção de provas. Destaca-se que a garantia é condição de procedibilidade dos embargos, sem ela eles são inadmitidos. Pelo princípio da especialidade, não se aplica o art. 914 do CPC no qual dispensa a garantia do juízo. Por oportuno, destaca-se que a Súmula vinculante nº 21 do STF, no qual prevê a inconstitucionalidade da exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo, não infirmou a exigência de garantia do Juízo exigida na LEF (Rcl 11.750, rel. min. Ricardo Lewandowski, dec. monocrática, j. 11-4-2012, DJE 72 de 13-4-2012) Importante destacar que, embora a Lei de Execução fiscal estabeleça os embargos como meio de defesa, os Juízes e Tribunais vêm admitindo a interposição de exceção de pré-executividade para discussão de matérias conhecíveis de ofício e que não demandem dilação probatória. Inclusive tal posicionamento está previsto na Súmula 393 do STJ. Diferente dos embargos, ela se dá no bojo da própria execução. Por oportuno, registre-se, ainda, que há situações em que a execução não obtém êxito, seja pela impossibilidade de localização do réu, seja pela ausência de bens penhoráveis. Em tais casos, ocorrerá a suspensão da execução pelo prazo máximo de 01 (um) ano, não correndo prescrição, em consonância com o art. 40 da LEF. Após isso, permanecendo o estado anterior, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos, caso que terá início o prazo da prescrição quinquenal intercorrente, em conformidade com a Súmula 314 do STJ. 1. Modalidades de citação Inicialmente, antes de adentrar nas modalidades de citação previstas na LEF, é importante definir o ato de citação. De acordo com o art. 238 do CPC/15, “citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. Desse modo, citação é meio pelo qual a parte ré toma conhecimento da ação. Trata-se de ato obrigatório, sob pena de nulidade, todavia, o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação. Destaca-se, ainda, que, de acordo com a redação atual do art. 8º, § 2, da LEF, e art. 174, I, do CTN, redação dada pela Lei Complementar 118/2005, o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição. Anteriormente, a interrupção da prescrição ocorria pela citação pessoal feita ao devedor. Logo, verifica-se que a Lei Complementar trouxe um grande avanço ao antecipar o marco interruptivo da prescrição. Isso ocorreu devido às dificuldades para operacionalização da citação do devedor que, na prática, são muitas. Com o intuito de minimizar os prejuízos aos credores, o STJ também editou a Súmula 106 nos seguintes termos: “Súmula 106 – Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.” (Súmula 106, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/05/1994, DJ 03/06/1994 p. 13885) Assim, quando a distribuição da execução ocorre dentro do prazo legal, a demora na citação por motivos não imputáveis a parte exequente, afasta a configuração da prescrição. Acerca das modalidades de citação previstas na LEF, preceitua o art. 8º: “Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas: I – a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma; II – a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal; III – se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze) dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por Oficial de Justiça ou por edital; IV – o edital de citação será afixado na sede do Juízo, publicado uma só vez no órgão oficial, gratuitamente, como expediente judiciário, com o prazo de 30 (trinta) dias, e conterá, apenas, a indicação da exeqüente, o nome do devedor e dos co-responsáveis, a quantia devida, a natureza da dívida, a data e o número da inscrição no Registro da Dívida Ativa, o prazo e o endereço da sede do Juízo. § 1º – O executado ausente do País será citado por edital, com prazo de 60 (sessenta) dias. § 2º – O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.” Assim, conforme o comando legal, a citação da parte executada poderá ocorrer pelo correio por carta, com aviso de recepção; por Oficial de Justiça, por meio de mandado; e por edital. Em regra, a citação é efetuada pela via postal, com aviso de recepção. Este é importante para identificar o recebedor da correspondência, bem como para certificar a data da ciência da parte. A exigência do aviso de recepção inclusive consta da Súmula 429 do STJ. Como nem todos os endereços são atingidos pela entrega domiciliar de correspondência pelos correios, como, por exemplo, nas zonas rurais, nem sempre a citação por carta é possível. Em tais casos, a citação deverá ser feita por mandado. Quanto à citação por oficial de Justiça, segundo a Súmula 190 do STJ, na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre a Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça. Por outro lado, na Justiça Federal tal exigência não se faz presente. No cumprimento do seu mister, o oficial de justiça, por ser um auxiliar do Juízo (art. 149 do CPC), possui fé pública, capaz de atestar a validade e veracidade do ato cumprido. Com base na sua certidão, inclusive legitima-se o redirecionamento da execução fiscal nas hipóteses de dissolução irregular, com base na Súmula 435 do STJ. Embora “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente” (Súmula 430 do STJ), entende-se que presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Na sequência, sobre a citação por edital, a Súmula 414 do STJ preceitua que “a citação por edital é cabível quando frustradas as demais modalidades. Além disso, o artigo 8º, § 2º, da LEF, estabelece que o executado que não estiver presente no país será citado por edital, com prazo de 60 (sessenta) dias. Nesse passo, no caso de ausência do devedor do território brasileiro, quando comprovado o domicílio fora do país, a citação será efetuada diretamente por edital, sendo dispensada a expedição de carta rogatória. Tudo isso com o objetivo de garantir maior celeridade ao desenrolar do processo de execução fiscal, visto que uma carta rogatória, pelos trâmites burocráticos, pode demorar anos para ser cumprida. Por oportuno, destaca-se que, apesar da LEF estabelecer uma ordem sucessiva das modalidades de citação, ela outorga faculdade à Fazenda Pública de requerer, expressamente na petição inicial, a citação de outro modo a depender da análise das circunstancias do caso concreto. Portanto, a citação é ato imprescindível para validade do processo. Todas as modalidades possuem a mesma finalidade, qual seja: assegurar o conhecimento do devedor da execução contra ele proposta com o fito de pagar a dívida ou garantir a execução. 2. Da Dispensa da pessoalidade na citação da execução fiscal: citação por carta Conforme exposto acima no art. 8º, incisos I e II, da LEF, a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, e considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado. Assim, pela exegese da norma, dispensa-se a entrega pessoalmente ao citando. Considera-se, portanto, válida a citação entregue no domicilio fiscal do devedor, mesmo que a assinatura aposta no aviso de recepção não seja sua. Verifica-se que a LEF, ao dispor deste modo, seguiu a mesma linha do Decreto nº 70.235/1972, que ao tratar do processo administrativo fiscal, também prevê a intimação por via postal com prova do simples recebimento no domicilio eleito pelo sujeito passivo. Por outro lado, os Códigos de Processo Civil, seja de 1973, seja de 2015, trouxeram regras diferentes, pois ambos os diplomas exigiram que a citação fosse recebida em mãos próprias pelo próprio citando (art. 248, § 1º, do CPC/15).Como a LEF possui regra própria quanto ao ponto, não é aplicável as disposições relativas ao CPC quanto à questão, por ser incompatível. O STJ corrobora do entendimento exarado na LEF, in verbis: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POSTAL. ENTREGA NO ENDEREÇO DO EXECUTADO. VALIDADE. CITAÇÃO POR EDITAL. DESCABIMENTO. FGTS. REDIRECIONAMENTO. DÍVIDA NÃO-TRIBUTÁRIA.INAPLICABILIDADE DO ART. 135, III, DO CTN. 1. Nos termos do art. 8º, inciso I, da Lei de Execuções Fiscais, para o aperfeiçoamento da citação, basta que seja entregue a carta citatória no endereço do executado, colhendo o carteiro o ciente de quem a recebeu, ainda que seja outra pessoa, que não o próprio citando. 2. Somente quando não lograr êxito na via postal e for frustrada a localização do executado por oficial de justiça, fica o credor autorizado a utilizar-se da citação por edital, conforme disposto no art. 8º, inciso III, da citada Lei de Execuções Fiscais. […]” (REsp 702392 / RS. Primeira Turma. Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. Data de Julgamento: 09/08/2005) Ressalte-se que a própria LEF, com o intuito de evitar qualquer prejuízo a defesa do executado, estabelece no seu art. 12, § 3º, que a intimação da penhora será feita pessoalmente ao executado se, na citação feita pelo correio, o aviso de recepção não contiver a assinatura do próprio executado, ou de seu representante legal. Nesse diapasão, não há qualquer prejuízo à defesa do executado, visto que seja no momento da citação ou da intimação da penhora, uma delas a lei exige que seja pessoal. Portanto, para o aperfeiçoamento da citação postal, basta que a carta citatória seja entregue no endereço do executado, colhendo o carteiro o ciente de quem a recebeu, ainda que seja outra pessoa, que não o próprio citando. 3. Considerações Finais Verifica-se que o processo de execução tem por objetivo a satisfação do direito do credor. Como a execução fiscal busca a satisfação de créditos públicos necessários à concretização de políticas públicas, ele é dotado de maiores garantias com o intuito de tornar mais efetiva a sua cobrança. Apesar de a LEF prever três modalidades de citação (postal, mandado e edital), o seu objetivo é o mesmo: dar conhecimento ao executado da demanda contra ele proposta para que pague o débito ou garanta a execução. Dentre as modalidades de citação, pelo princípio da economicidade, em regra, adota-se a citação postal, para evitar o dispêndio com o pagamento de despesas com oficial de justiça. Outra regra importante que facilita o seu uso é a dispensa da pessoalidade no recebimento da correspondência, visto que a LEF prevê que a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado. Além disso, o STJ tem entendimento pacífico de que, para a validade da citação postal na execução fiscal, basta a entrega da carta no domicílio fiscal do executado, visto que cabe a este manter os seus dados cadastrais atualizados perante os órgãos competentes. Portanto, tais garantias asseguradas à execução fiscal não são privilégios, mais meios necessários de garantir maior efetividade na prestação judicial e recuperação dos créditos tributários e não tributários aos cofres públicos, tudo isso para garantir a efetivação das políticas públicas de interesse coletivo.
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Protesto de certidão de dívida ativa: uma importante prerrogativa na recuperação de créditos da fazenda pública
O artigo analisa o protesto da certidão de dívida ativa enquanto ferramenta para a recuperação de créditos da Fazenda Pública. No decorrer do trabalho são estudados, a Certidão de dívida ativa, o instituto do protesto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5135, e ponderados alguns dos pontos que favorecem a Fazenda Pública a ter o protesto da Certidão de dívida Ativa como instrumento em seu benefício. O trabalho foi baseado em pesquisa doutrinária, jurisprudencial e a legislação vigente, bem como, consulta de artigos que tratam do tema. Com o estudo, foi possível perceber que o protesto da Certidão de dívida Ativa é um importante mecanismo que além de acelerar a recuperação de créditos da Fazenda Pública, auxilia o judiciário a prestar um melhor serviço para aqueles que o buscam.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O processo de execução fiscal tem se mostrado uma ferramenta que dificilmente alcança seu objetivo, qual seja, a cobrança dos créditos públicos da Fazenda, isso porque as dificuldades relacionadas com o tempo gasto na ação e os altos custos do processo acabam por torna-lo inviável em muitos dos casos. Além disso, o processo de execução fiscal mostra-se como um dos principais fatores que contribuem para a morosidade do poder judiciário em sua prestação jurisdicional, tendo em vista a quantidade de processos dessa natureza que estão em tramitação. Uma maneira encontrada pelo legislador para auxiliar na recuperação de créditos, e ainda, desafogar o judiciário, foi a inclusão do parágrafo único no artigo 1º da Lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, por meio da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, o qual coloca, no rol de títulos sujeitos a protesto, a Certidão de Dívida Ativa. Ocorre que esta inclusão gerou divergência de entendimentos quanto a sua aplicabilidade, do interesse da Fazenda no protesto de títulos, bem como, da sua constitucionalidade. Diante disso, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a sua validade, arguindo vícios na sua edição, violação a princípios como o devido processo legal, a livre iniciativa e à liberdade profissional e o da proporcionalidade, além de constituir sanção política, dentre outros. No decorrer deste trabalho, serão abordados pontos importantes para considerar o cabimento do protesto da Certidão de Dívida Ativa e quais os benefícios de sua utilização. 1 A CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA Para o início do estudo, é imperioso conceituar o que vem a ser a Certidão de Dívida Ativa, trata-se de um título de crédito executivo extrajudicial que goza da presunção de certeza, liquidez e exigibilidade com efeito de prova pré-constituída desde o seu lançamento. Entretanto, essa presunção admite prova em contrário, sendo, dessa forma, relativa (Artigo 204, parágrafo único do Código Tributário Nacional). A Certidão de dívida ativa é extraída quando o devedor está inscrito em dívida ativa, em consonância com o que prevê o Art. 201 do Código Tributário Nacional (CTN): “Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular” (BRASIL, 1966). Em suma, a inscrição em dívida ativa é a inclusão do contribuinte/devedor em um cadastro em que estão todos os que não adimpliram suas obrigações com o Estado, visando extrair o título executivo que serve de base para a ação de execução fiscal a ser proposta pelo Estado para satisfazer o seu crédito (ALEXANDRE, 2013). Os requisitos do termo de inscrição estão previstos no Código Tributário Nacional e na Lei Nº 6.830/80 (lei de execução fiscal), que deverá ser autenticado pela autoridade competente e indicará obrigatoriamente: “Art. 202. CTN […] I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV – a data em que foi inscrita; V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição” (BRASIL, 1966) É certo que a administração pública deve atender aos princípios inscritos no Artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, dentre eles ao princípio da legalidade, por este motivo faz-se mister que todos os requisitos citados estejam no termo de inscrição, possibilitando ao devedor a identificação exata do objeto da execução em todos os seus pontos, impossibilitando assim, o cerceamento de defesa. Faltando ao menos um dos requisitos ou incorrendo em erro, tem-se a nulidade da inscrição e do processo de execução fiscal dela decorrente, entretanto, a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância se houver a substituição da certidão nula, neste caso, devolve-se o prazo para defesa ao devedor ou interessado que poderá contestar a parte modificada, como especifica o CTN no seu artigo 203 (BRASIL, 1966). Deste modo, ainda que seja nula a inscrição, e consequentemente, o processo de cobrança da dívida ativa, se houver a substituição do título executivo nulo até a decisão de primeira instância, a nulidade estará sanada. (COSTA, 2014). Para ser esclarecido em qual momento se dá a decisão de primeira instância, temos a descrição do trâmite do processo de execução fiscal nas palavras de Ricardo Alexandre (2013, p. 523): “Ajuizada a ação de execução, estando presentes os requisitos legais, o juiz defere a inicial, o que importa ordem de citação do executado para que, no prazo de cinco dias, pague ou garanta o juízo, mediante depósito em dinheiro, fiança bancária ou indicação de bens à penhora. Garantida a execução, o executado pode, ainda, se defender mediante a interposição de embargos à execução. É precisamente até o julgamento em primeira instância dos embargos interpostos que a Fazenda Pública pode substituir a certidão nula”. (grifo do autor) Entendimento este, que está pacificado na jurisprudência e expresso na Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (2009): “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. Tal privilégio possui limitações, pois o ato de substituir a Certidão de Dívida Ativa somente poderá ocorrer até a decisão de primeira instância e, ainda, nas hipóteses de mera correção de erro formal ou material, diretamente relacionado com as dívidas constantes no título executivo. Erros que se restringem à certidão, restando vedada, portanto, qualquer alteração que modifique o próprio lançamento dos tributos, o que, por sua vez, demanda a realização de um novo lançamento. Feitos tais apontamentos sobre o que seja a Certidão de Dívida Ativa e tendo em vista a sua inclusão no rol de títulos sujeitos a protesto, faz-se mister conceituar o que vem a ser o protesto de títulos, instituto surgido no direito cambiário e hoje amplamente utilizado como uma ferramenta de recuperação de dívidas. 2 O INSTITUTO DO PROTESTO O protesto de títulos surgiu no direito cambiário como forma de se comprovar a inadimplência ou a falta de aceite de títulos de crédito constituindo em mora o devedor, importante ressaltar que não se trata da criação de um direito, sendo simplesmente a confirmação desse. Segundo preceitua o professor Fábio Ulhoa Coelho (2012, p.547), ”o protesto deve-se definir como ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais". A definição legal do protesto está expressamente prevista na Lei 9492/97, em seu artigo 1º: "Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida" (BRASIL, 1997). Com o advento da Lei 12.767/12, foi incluído o parágrafo único no referido artigo que assim dispõe, “Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” (BRASIL, 2012). Esse parágrafo gerou grande controvérsia diante da jurisprudência e doutrina culminando na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5135 que será tratada adiante. É competência privativa do Tabelião de Protesto de Títulos a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados, atendendo aos interesses públicos e privados, conforme previsto no Artigo 3º da Lei de protestos (BRASIL, 1997).  No artigo 9º da mesma lei, em resumo, tem-se que, não cabe ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade nos títulos e documentos de dívida protocolizados, entretanto, se houver qualquer irregularidade formal, o registro do protesto não poderá ser realizado (BRASIL, 1997). Os requisitos exigidos para o registro do protesto e seu instrumento estão previstos no artigo 22 da Lei de Protestos e deverão conter: “Art. 22 […] I – data e número de protocolização; II – nome do apresentante e endereço; III – reprodução ou transcrição do documento ou das indicações feitas pelo apresentante e declarações nele inseridas; IV – certidão das intimações feitas e das respostas eventualmente oferecidas; V – indicação dos intervenientes voluntários e das firmas por eles honradas; VI – a aquiescência do portador ao aceite por honra; VII – nome, número do documento de identificação do devedor e endereço; VIII – data e assinatura do Tabelião de Protesto, de seus substitutos ou de Escrevente autorizado” (BRASIL, 1997). Os cartórios fornecerão as informações sobre os protestos às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, entretanto, tais informações não poderão ser publicadas pela imprensa, nem mesmo parcialmente conforme Artigo 29 da Lei de Protestos (BRASIL, 1997). Daí infere-se que o protesto é uma maneira de demonstrar a inadimplência aos comerciantes e demais interessados, protegendo o crédito que por ventura o devedor requeira junto a estes, ao tempo que força o devedor ao adimplemento da obrigação, para assim, poder ter direito ao crédito. O protesto assim, passou a conferir índice de pontualidade relacionado a pessoa no cumprimento de suas obrigações. O protestado tem dificuldades de acesso a crédito no meio bancário e empresarial, pois a certidão positiva de títulos é prova de inidoneidade relacionada ao crédito que comprova o inadimplemento do sujeito. Assim, o protesto faz mais do que conservar os direitos creditícios, serve como instrumento extrajudicial de cobrança (COELHO, 2012). O objetivo do credor ao protestar um título de crédito não é somente a comprovação da mora por parte do devedor, mas também uma forma de coação ao adimplemento do débito. Em relação aos fins almejados pelo legislador, de maneira intencional e corretamente, quis expandir a utilização do protesto para caracterizar a prova do inadimplemento e do descumprimento incluindo qualquer título ou documento de dívida (MORAES 2014). Conforme mencionado anteriormente, a inclusão da Certidão de Dívida Ativa no rol de títulos sujeitos a protesto causou grandes controvérsias frente a jurisprudência e a doutrina, culminando na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5135, que passa a ser apresentada agora e que decidiu pela constitucionalidade do protesto de Certidão de Dívida Ativa. 3 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5135 A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5135, proposta pela Confederação Nacional da Indústria, questionou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.492/1997, acrescentado pelo artigo 25 da Lei 12.767/2012, já mencionado anteriormente. O referido parágrafo, incluiu no rol dos títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa (CDA) da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Os pontos de inconstitucionalidade apontados pela Confederação Nacional da Indústria foram: “i. A inconstitucionalidade formal, por ofensa ao devido processo legislativo (CF, arts. 59 e 62) e à separação de poderes (CF, art. 2º), uma vez que o dispositivo impugnado foi inserido, por emenda, em medida provisória que versava sobre o serviço público de energia elétrica (a MP nº 577/2012, convertida na Lei nº 12.767/2012) e, logo, sem guardar pertinência temática; e ii. A inconstitucionalidade material, por entender que o protesto de CDA’s constitui uma “sanção política” que implica uma restrição ilegítima a direitos fundamentais do contribuinte para coagir o devedor ao pagamento da dívida tributária, em contrariedade às Súmulas nº 70, 323 e 547, e em violação aos seguintes princípios: (a) devido processo legal (CF, art. 5º, XXXV), porque não haveria justificativa jurídica para o manejo do protesto pelo Fisco, que já dispõe de sistema de proteção e privilégio na cobrança de seu crédito; (b) livre iniciativa e à liberdade profissional (CF, arts. 5º, XIII, 170, III e parágrafo único, e 174), porque o protesto provocaria restrições ao crédito comercial do devedor e, no limite, poderia inviabilizar o desempenho de sua atividade econômica e levá-lo à falência; e (c) proporcionalidade, porque o protesto de CDA’s constituiria meio inadequado para alcançar as finalidades do instituto, e desnecessário, uma vez que a execução fiscal seria meio de cobrança menos gravoso para o contribuinte” (BRASIL, 2016). Contudo, foi declarada a compatibilidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.492/97 com a Constituição Federal tanto do ponto de vista formal quanto material. A inconstitucionalidade formal foi afastada pois, apesar de ter sido introduzida em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, e o Supremo Tribunal Federal ter decidido que viola a Constituição a inclusão de emendas nas medidas provisórias de matérias que não se relacionam com o objeto das mesmas (contrabando legislativo), foi atribuída eficácia ex nunc à decisão, ou seja, as leis que já haviam sido aprovadas ou que estavam em tramitação no Congresso Nacional, que é o caso do parágrafo questionado, não foram afetadas pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.127 (Relatora Ministra Rosa Weber, Relator para acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento 15.10.2015). Já em relação à inconstitucionalidade material, o entendimento é de que não há sanção política. O protesto como medida coercitiva de recolhimento de crédito tributário não restringe os direitos fundamentais dos contribuintes devedores de maneira desproporcional e irrazoável. A alegada afronta ao devido processo legal não se sustentou pois, o fato de a execução fiscal ser o instrumento para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui outros mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, além disso, o devedor é livre para acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. Quanto ao embaraço da livre iniciativa e a liberdade profissional relacionado a publicidade do protesto, não existe relação direta (como exemplo, a interdição de estabelecimento ou apreensão de mercadorias), a restrição ao crédito é um efeito indireto do protesto relacionado ao mercado creditício e que não pode ser imputado ao Fisco. Em relação ao princípio da proporcionalidade, diferente do que alega a Confederação Nacional da Indústria, o protesto de CDA é meio menos gravoso ao contribuinte, por não envolver penhora, custas, honorários, etc. Além de ser mais vantajoso ao credor, conferir maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e servir como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. Sendo até mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). Em sentido estrito é proporcional, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: “(i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo” (BRASIL, 2016). A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI em comento foi: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.” (BRASIL, 2016). Feitas essas considerações, analisar-se-á as vantagens para a Fazenda Pública em realizar o protesto das CDA’s. 4 VANTAGENS DO PROTESTO DE CDA O processo de Execução Fiscal da dívida Ativa causa muito ônus ao poder público Segundo o procurador-geral da prefeitura de Uberlândia Luís Antônio Lira Pontes (2016) apud Fariello e Montenegro (2016): “(Antes do decreto) a prefeitura entrava com uma ação cobrando uma dívida de R$ 200 e acabava gastando R$ 3,5 mil até o fim do processo, com pagamento de intimação, papel, servidores, a dedicação de examinar cada caso, acompanhando os processos. Considerando o tempo que se leva até receber o montante devido, os valores são totalmente incoerentes com o valor a ser recebido.” Em contrapartida, o protesto transfere para o contribuinte as despesas decorrentes de sua realização, desincubindo o Estado de ter que arcar com despesas na recuperação de seus créditos e que muitas vezes acabam frustrados. Além de que, nos casos em que os valores são até menores do que os custos do processo, o protesto se mostra uma alternativa que traz viabilidade à recuperação do crédito. Com relação ao custo e tempo de tramitação, o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e divulgado no Comunicado 127 (BRASIL, 2012), chegou às seguintes conclusões: “Pode-se afirmar que o custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal promovida pela PGFN junto à Justiça Federal é de R$ 5.606,67. O tempo médio total de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias, e a probabilidade de obter-se a recuperação integral do crédito é de 25,8%.” A conclusão do referido estudo afirma que o ponto economicamente sustentável para se mover uma execução fiscal seriam somente dos créditos de valor superior a R$ 21.731,45, diante do tempo, custos e probabilidade de êxito da ação. É evidente que uma alternativa para os valores abaixo desse patamar é o protesto das certidões de dívida ativa. No artigo publicado em 26/09/2016 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as informações obtidas junto a procuradoria municipal de Belo Horizonte demonstram que em um período de quase 3 anos, 325,7 mil certidões foram enviadas a protesto, e destas 31,5 mil foram quitadas ou parceladas pelos contribuintes. Dessa forma, de um total de R$ 528 milhões, o município recuperou, o montante de R$ 52 milhões (BRASIL, 2016). Ou seja, em um curto espaço de tempo foi possível uma recuperação bastante expressiva, alimentando os cofres públicos e podendo ser revertido para a sociedade. Segundo dados do Justiça em Números 2017, realizado pelo CNJ, do total de casos pendentes, os processos de execução fiscal representam aproximadamente 38%, ou seja, quase 40% do judiciário em função das execuções fiscais, se for para considerar a fase de execução, estas representam 75% das execuções pendentes no Poder Judiciário (BRASIL, 2017). Em relação aos processos que tramitam durante o ano, o congestionamento é de 91%, ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2016, apenas 9 foram baixados. Esses dados demonstram como a execução fiscal é o principal fator que contribui para que o judiciário brasileiro seja tão moroso, esse acúmulo demanda tempo para que se analise cada um dos processos, fazendo com que a qualidade do serviço seja baixa e resultando na baixa efetividade para a resolução de suas demandas. A busca por soluções para desafogar o judiciário é uma tendência nos dias atuais, e o protesto, por ser medida extrajudicial, e portanto, independente do judiciário, mostra-se como uma ferramenta eficaz para a diminuição do volume de processos que o lotam. No artigo publicado no site da Procuradoria Geral da Fazenda a Procuradora da Fazenda Nacional, responsável pelo protesto, Renata Gontijo D’Ambrosio (2016), afirma que: “Desde março de 2013, quando o protesto entrou em produção até a data de outubro de 2015, foram enviados a protesto 839.954 inscrições, com valor consolidado de R$ 3.797.035.841,99 reais. Desse total, foram recuperados, em virtude do protesto, 167.219 inscrições com valor consolidado de R$ 728.260.828,54 reais, alcançando um percentual de recuperação de 19%.” Segundo a Procuradora o índice é alto se comparado a outras formas de cobrança tributária. Ressalta ainda, que o protesto é um meio mais célere de recuperação dos créditos tributários, isso por que, entre o envio da CDA para protesto e o recebimento/parcelamento, estima-se um período de 3 meses. CONCLUSÃO A inclusão da Certidão de Dívida Ativa no rol dos títulos sujeitos a protesto foi uma importante alteração legislativa, sendo confirmada pelo poder judiciário ao declarar sua constitucionalidade e mostra-se como uma poderosa e eficaz ferramenta para auxiliar o Estado na recuperação de seus créditos, além de não ter custos, pois estes são repassados ao devedor/contribuinte ao pagar os emolumentos cartorários. Contribui ainda, para uma melhor efetividade do judiciário brasileiro, pois com a quantidade de ações que deixam de ser ajuizadas em razão do sucesso na recuperação dos créditos via protesto, tem-se a redução do número de processos em tramitação e uma consequente melhora na prestação jurisdicional. Ademais, o protesto é meio legítimo de que a Fazenda Pública dispõe para a recuperação de créditos, se mostra menos gravoso para o contribuinte do que a ação de execução fiscal, tendo em vista os altos custos do processo, não restringe os direitos do contribuinte de maneira desproporcional, dessa forma, não constituindo sanção política e garantindo a livre concorrência, pois evita que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas pela sonegação de tributos.
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A garantia do juízo como requisito necessário para oposição dos embargos à execução fiscal
A Lei nº 6.830/80 disciplina acerca da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. De acordo com o seu art. 2º, o Código de Processo Civil-CPC será aplicado subsidiariamente. Na referida norma, como meio de defesa para o executado, o art. 16 estabelece a possibilidade de oposição de embargos à execução, no qual ele poderá alegar toda matéria útil à sua defesa, todavia, como requisito, a lei exige a garantia do juízo. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar a necessidade da referida garantia à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Direito Tributário
Introdução A Lei de Execução Fiscal (LEF) traça importantes balizas a serem seguidas na cobrança judicial dos créditos públicos inscritos em Dívida Ativa. De acordo o art. 2º, a Dívida Ativa compreende a tributária, bem como a não tributária. Além disso, a Dívida Ativa abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato (art. 2º, § 2ª, da Lei nº 6.830/80) Ressalte-se que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, bem como tem efeito de prova pré-constituída. Entretanto, tão presunção não é absoluta, podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveita (art. 3º da LEF e art. 204 do Código Tributário Nacional – CTN). Diante disso, verifica-se que, em virtude da supremacia e indisponibilidade do interesse público, o legislador optou por inverter o ônus da prova. Assim, cabe ao devedor/executado fazer prova robusta de fato modificativo ou extintivo contra o crédito público. Não é demais lembrar que os créditos públicos são fundamentais para a concretização das políticas públicas. Diante dessa relevância, a Certidão de Dívida Ativa representa título executivo extrajudicial apto a instruir o processo de execução fiscal (art. 784, IX, do CPC), bem como exige-se para discussão do débito a garantia do juízo. Feitas essas considerações, passa-se à análise dos embargos à execução, bem como dos meios de garantia do juízo. 1. Embargos à execução e a necessidade de garantia do juízo No processo de execução fiscal, a Lei nº 6.830/80, no seu art. 16, prevê a figura dos embargos como meio de defesa do executado. De acordo com o § 2º do referido dispositivo, no prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite. O prazo para sua oposição é de 30 (trinta) dias (art. 16, caput, da LEF). O prazo para resposta pela Fazenda Pública também é de 30 (trinta) dias (art. 17 da LEF). Conforme o novo CPC, esse prazo passou a ser contado em dias úteis, conforme art. 219. Dessa forma, por meio desse instrumento, o executado deverá concentrar todas as suas alegações. Esse é o momento adequado para apresentação de fatos modificativos, suspensivos ou extintivos do crédito cobrado. Como requisito para sua oposição, a LEF estabeleceu a necessidade de garantia do juízo, visto que preceitua expressamente que “não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução” (art. 16, § 1º, da LEF). Como garantia da execução, o executado poderá efetuar depósito em dinheiro; oferecer fiança bancária ou seguro garantia; nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública (art. 9º da LEF). Na hipótese de não ocorrer o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º da LEF, a penhora poderá recair sobre qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis (art. 10 da LEF). O intuito da norma foi proteger o mínimo existencial, assegurar a dignidade da pessoa humana, pilares do Estado Democrático de Direito. Destaca-se que a garantia é condição de procedibilidade dos embargos, sem ela eles são inadmitidos. Assim, por lhe faltar pressuposto processual válido, os embargos, na ausência de garantia do juízo, deverão ser julgados sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV, do CPC. De mais a mais, a existência de garantia do Juízo, através da penhora, deve ser atendida no momento do ajuizamento dos embargos, como também há de se fazer presente no decorrer do trâmite de toda a ação. Pelo princípio da especialidade, não se aplica o art. 914 do CPC/15, no qual dispensa a garantia do juízo. Como é cediço, pela disposição do art. 1º da LEF, o CPC é aplicado apenas subsidiariamente. No caso, não há omissão, pelo contrário, há disposição em sentido oposto. Assim, torna-se inaplicável a disposição do CPC, por absoluta incompatibilidade com a LEF. Por oportuno, destaca-se que a Súmula vinculante nº 21 do Supremo Tribunal Federal, no qual prevê a inconstitucionalidade da exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo, também não infirmou a exigência de garantia do Juízo exigida na LEF. Analisando a questão, o STF firmou o entendimento de que a súmula não se aplica no âmbito judicial, mantendo incólumes as regras judiciais existentes para garantia do juízo (Rcl 11.750, rel. min. Ricardo Lewandowski, dec. monocrática, j. 11-4-2012, DJE 72 de 13-4-2012). Importante ressaltar, ainda, que o fato do devedor estar sob o pálio da justiça gratuita, não o isenta de garantir o juízo da execução. Nessa linha, é a jurisprudência pacifica do STJ: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DAS LEIS. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. Discute-se nos autos a possibilidade de oposição de embargos à execução fiscal sem garantia do juízo pelo beneficiário da justiça gratuita. 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, a garantia do pleito executivo fiscal é condição de procedibilidade dos embargos de devedor nos exatos termos do art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80. 4. O 3º, inciso VII, da Lei n. 1.060/50 não afasta a aplicação do art. 16, § 1º, da LEF, pois o referido dispositivo é cláusula genérica, abstrata e visa à isenção de despesas de natureza processual, não havendo previsão legal de isenção de garantia do juízo para embargar. Ademais, em conformidade com o princípio da especialidade das leis, a Lei de Execuções Fiscais deve prevalecer sobre a Lei n. 1.060/50. Recurso especial improvido”. (REsp 1437078 / RS, Ministro HUMBERTO MARTINS. Segunda Turma. Data do Julgamento: 25/03/2014) Outro aspecto relevante a ser tratado, é sobre a possibilidade de oferecimento ou não dos embargos em caso de garantia insuficiente para pagamento do valor integral do débito. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1127815/SP sob o rito do art. 543-C do CPC, reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que não se deve obstar a admissibilidade ou apreciação dos embargos à execução pelo simples fato de que o valor do bem constrito ser inferior ao valor exequendo, devendo o juiz proceder à intimação do devedor para reforçar a penhora. Nesse sentido, a parte executada deverá ser intimada para complementar a penhora. Cumprindo, os embargos terão seguimento. Por outro lado, caso a parte executada tenha condições financeiras e não realize o reforço da penhora, os embargos deverão ser inadmitidos. Portanto, é perfeitamente válida e eficaz a exigência de garantia do juízo previsto na LEF, como requisito necessário para oposição dos embargos. 2.  Considerações Finais O processo de execução tem por objetivo a satisfação do direito do credor. Como a execução fiscal busca a satisfação de créditos públicos necessários à concretização de políticas públicas, ele é dotado de maiores garantias com o intuito de tornar mais efetiva a sua cobrança. Tais garantias são meios necessários para assegurar maior efetividade na prestação judicial e recuperação dos créditos públicos. Tudo isso, para garantir a efetivação das políticas públicas de interesse coletivo. A LEF prevê a necessidade da garantia do juízo como condição necessária para oposição dos embargos do devedor e tal requisito é válido pelo princípio da especialidade das normas e confirmado pela jurisprudência. Ademais, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade da exigência de depósito recursal para admissibilidade do recurso administrativo, o STF firmou entendimento de que a Súmula Vinculante nº 21 não é extensível à esfera judicial. Portanto, como exposto acima, não restam dúvidas da necessidade de garantir à execução para discussão judicial do débito. Além disso, a LEF possibilita essa garantia das mais diversas formas, conforme previsto no art. 9º da LEF.
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Incidência monofásica e não cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
Este artigo tem por objetivo a análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade dos regimes de incidência monofásica e não cumulatividade nas contribuições para o PIS e a COFINS. A investigação parte do estudo isolado das normas que tentaram implementar a incidência monofásica nas contribuições sobre a receita e daquelas que criaram o método não cumulativo de apuração das bases de cálculo desses tributos. Por fim, confronta os dois subsistemas à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é divergente quanto à compatibilidade dos mesmos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Desde sua criação nas décadas de 1970 e 1990, respectivamente, as contribuições para o PIS e a COFINS estão entre os tributos que mais sofreram alterações ao longo do tempo. Mesmo tendo preservada a finalidade de sua instituição, esses tributos foram deixando o papel marginal de outrora para assumir um protagonismo impensável à época da edição das Leis Complementares n.º 7/70 e 70/91. Dentre as muitas alterações ocorridas, duas merecem destaque: a possibilidade de adoção das técnicas de incidência monofásica e não cumulatividade. A primeira veio com a Emenda Constitucional 33/2001[1]; a segunda, pela Emenda Constitucional n.º 42/2003[2]. Ambas as medidas nasceram como faculdades a serem implementadas pelo legislador infraconstitucional, em sobreposição aos modelos até então existentes. Com isso, a partir desses dois marcos, a tributação através das contribuições para o PIS e a COFINS foi transformada num complexo quadro de possibilidades, tendo como variáveis a quantidade de incidências – representadas pelos regimes monofásico ou plurifásico – e o modo de apuração da base de cálculo – cumulativo ou não cumulativo. Assim, a depender do setor econômico em que se encontre o contribuinte, bem como do maior ou menor emprego de mão-de-obra no desempenho de sua atividade, existem hoje i) PIS/COFINS cumulativos e não monofásicos, ii) PIS/COFINS cumulativos e monofásicos, iii) PIS/COFINS não cumulativos e não monofásicos e iv) PIS/COFINS não cumulativos e monofásicos[3]. Neste artigo, analisaremos alguns aspectos do cenário em que incidência monofásica e não cumulatividade se encontram. Apontaremos que esses dois subsistemas (cumulatividade x não-cumulatividade; incidência monofásica x incidência plurifásica) nem sempre se relacionam harmonicamente e que, dentre choques e lacunas, classes inteiras de contribuintes são forçadas a suportar prejuízos avassaladores em razão de “desarranjos” nesse desenho institucional da tributação das receitas. 1. A incidência monofásica das contribuições para o PIS/COFINS. 1.1. Mecanismo e finalidades. Embora a terminologia possa conduzir a equívocos, a tributação monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS não se confunde com a incidência desses tributos sobre contribuintes que desempenham atividades econômicas realizadas em uma só etapa (atividades monofásicas), ou seja, que não pressuponham circulação sequencial de bens ou serviços. Ironicamente, a incidência monofásica desses tributos dirige-se às atividades econômicas plurifásicas: as que integram uma cadeia de circulação de bens ou serviços dividida em várias etapas, como a de um produto farmacêutico – sujeito, de regra, a essa sistemática – fabricado por uma determinada indústria e que, até chegar ao consumidor final, é revendido por comerciantes atacadistas (os distribuidores) e varejistas (as farmácias), implicando na ocorrência de sucessivos fatos imponíveis das referidas contribuições sociais e caracterizando, ordinariamente, múltiplas incidências tributárias. A técnica de incidência monofásica, de previsão constitucional[4], permite que a lei preveja, em cadeias plurifásicas como a acima citada, a possibilidade de que as contribuições para o PIS e a COFINS incidam uma única vez. Da forma como posta pelo Constituinte reformador, isso significaria, no exemplo acima citado, que apenas a indústria seria tributada pelas referidas contribuições, estando desoneradas[5] as distribuidoras e as farmácias. Sob este prisma específico – o constitucional -, o mecanismo serve a louváveis finalidades. A principal delas é a otimização dos recursos da Fazenda Pública nas atividades de arrecadação e fiscalização tributárias[6], já que, quanto menos vezes um tributo incidir, menor o espectro de atuação do Poder Público nessas searas. É por isso que, neste particular, a incidência monofásica vem de encontro ao princípio da praticabilidade, norma que enuncia que as leis tributárias sejam cumpridas da forma mais simples e eficiente possível[7]. Em última análise, o aperfeiçoamento da fiscalização tributária, na medida em que minimiza os casos de evasão fiscal, também contribui ativamente para a realização de princípios ainda mais caros ao sistema constitucional tributário, como os da isonomia e livre concorrência. 1.2. A técnica implementada pelas Leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 como espécie de substituição tributária progressiva. Ao tentar implementar a incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS através das leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, o legislador infraconstitucional acabou criando uma figura anômala, mais próxima da substituição tributária progressiva (embora não equivalente a ela) do que da incidência monofásica propriamente dita. Em ambos os diplomas, foi adotada a técnica de majorar drasticamente a alíquota das contribuições devidas pelo primeiro elo da cadeia de circulação – o que por si só já explicita a intenção de fazê-lo pagar a parcela devida pelos demais – e reduzir a zero as alíquotas dos demais integrantes dessa mesma cadeia. É sabido, porém, que reduzir a alíquota a zero não equivale a impedir a incidência da norma que determina o pagamento do tributo. Na verdade, nesses casos a norma segue incidindo, mas como um dos multiplicadores do aspecto quantitativo da hipótese de incidência – a alíquota – é igual a zero, a soma a ser recolhida aos cofres públicos também equivale a zero. Havendo, portanto, incidência sobre todos os entes da cadeia, ela não pode ser considerada monofásica, mas plurifásica. Essa circunstância aproxima bastante a sistemática das leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 daquela prevista pelo dispositivo do § 7º do art. 150 da Constituição Federal de 1988, que institui a substituição tributária progressiva. Os regimes, contudo, não são idênticos. Há pelo menos duas diferenças substanciais entre esses dois mecanismos[8]. A primeira é que, na substituição tributária, o substituído mantém inconteste sua condição de contribuinte, bem como os direitos que lhe correspondem (inclusive o de questionar a tributação que lhe é imposta), enquanto que no sistema criado pelas leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, a Jurisprudência vem chancelando o entendimento de que há um contribuinte único. A segunda diferença tem a ver com a identificação da parcela do tributo devido pelos entes que não efetuaram o recolhimento. Na substituição, esse montante é devidamente identificado e destacado; na (suposta) incidência monofásica, não. Percebe-se, assim, que as leis n.º 10.147/00 e n.º 10.485/02 criaram uma sistemática de tributação bem mais perversa que a própria substituição tributária para frente – o que não se esperava ser possível. Além de repetir a condenável técnica de tributação por fato imponível futuro – marca registrada desta última -, instituiu um mecanismo autoritário que suprime dos atacadistas e varejistas de medicamentos (caso da lei n.º 10.147/00) e das concessionárias de automóveis (regidas pela n.º 10.485/02) as prerrogativas de saber o quanto de tributo estão pagando e, consequentemente, de questionar essa tributação. Nem mesmo o princípio da praticabilidade consegue dar sustentação constitucional a essa sistemática, já que, como adverte REGINA HELENA COSTA[9], norma alguma pode ser aplicada fora dos parâmetros estabelecidos pelo postulado da razoabilidade. Por essas – e muitas outras – razões é que, como brilhantemente vaticina HUMBERTO ÁVILA o regime de tributação das receitas imposto pelas leis n.os 10.147/00 e n.º 10.485/02 deve ser considerado absolutamente inconstitucional. Como, todavia, o objeto deste estudo é confrontar as normas desse regime – da forma como postas – com as da não cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS, superaremos por ora essa questão para seguir adiante. 2. Os regimes de apuração da base de cálculo das contribuições sociais para o PIS e a COFINS. Se, por um lado, o legislador infraconstitucional não logrou êxito ao criar um sistema efetivo – e constitucional – de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS, melhor sorte não teve com a implementação da não cumulatividade. Em sua redação original, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que dois dos tributos por ela criados teriam suas bases de cálculo apuradas pela técnica da não cumulatividade: o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI[10]. Mais adiante, com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 42/2003, estendeu-se a possibilidade[11] de adoção desse mecanismo às contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento e sobre as importações. Pleito antigo de representantes de diversos setores econômicos, a não cumulatividade nas contribuições sociais para o PIS e a COFINS, implementada pela Lei n.º 10.845/2004, veio tardia e, infelizmente, desvirtuada de seus propósitos iniciais. PAULO AYRES BARRETO[12] narra que a medida, longe de vir ao encontro dos clamores de equilíbrio fiscal – em resposta à tributação em cascata dessas contribuições – nasceu como um “afago” à Fazenda Nacional, que havia sofrido um importante revés legislativo ao não conseguir emplacar uma alteração substancial no regramento do Imposto sobre a Renda[13]. O propósito de aumentar a arrecadação foi transferido então para outros tributos: a não cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS veio acompanhada de um aumento expressivo em suas alíquotas: a do PIS passou de 0,65% (zero vírgula sessenta e cinco por cento) para 1,65% (um vírgula sessenta e cinco por cento) e a da COFINS saltou de 3% (três por cento) para 7,6% (sete vírgula seis por cento). Além disso, a medida veio acompanhada de um sistema claramente deficitário de deduções, restringindo ao máximo o aproveitamento de créditos pelos contribuintes. O resultado foi um aumento substancial na arrecadação e uma enxurrada de questionamentos judiciais. Grande parte dessas demandas referiam-se a dois pontos: o enquadramento dos setores econômicos nos regimes cumulativo ou não cumulativo e os itens passíveis de apropriação de créditos. Esse último, inclusive, foi objeto de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida sob o rito dos recursos repetitivos. Invalidando a regulamentação infralegal que restringia ao máximo o conceito de insumo – para fins de tomada de créditos das contribuições para o PIS e a COFINS, a Corte assentou a tese de que insumo é tudo aquilo considerado relevante e necessário para cada setor produtivo[14]. O precedente é relevante, mas não se pode ignorar, porém, que a construção casuística dos conceitos de relevância e essencialidade – a ser realizada pelos demais órgãos do Poder Judiciário – é tarefa árdua e dada a subjetividades, podendo gerar distorções violadoras do princípio constitucional da isonomia. 3. A interseção entre a incidência monofásica e a não cumulatividade Os contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo de apuração da base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS podem se apropriar, nos termos das leis n.os 10.627/02 e 10.833/03, de créditos relativos a aquisições e insumos diretamente ligados à geração da receita tributada. Esses mesmos diplomas, porém, proibiam a apropriação de créditos correspondentes à aquisição de produtos cuja revenda fosse sujeita à alíquota zero[15]. Essa vedação, porém, foi logo revertida pela regra do art. 17 da Lei n.º 11.033/04[16], mas não sem polêmicas. Primeiramente, houve quem entendesse que essa norma se destinava apenas aos contribuintes sujeitos ao Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO. Só após longos embates judiciais o Superior Tribunal de Justiça assentou sua jurisprudência reconhecendo que a localização do dispositivo em questão dentre outros que versam sobre o REPORTO não restringe a aplicação daquele aos destinatários deste último. Mas há uma outra discussão sobre a aplicação do art. 17 da Lei n.º 11.033/04 que divide os membros daquele Tribunal até hoje: a compatibilização dessa regra com o regime implementado pelas leis 10.147/00 e n.º 10.485/02 (dito de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS). A questão posta é: os contribuintes que integram cadeias sujeitas à incidência monofásica podem se valer da apropriação de créditos referida no art. 17 da Lei n.º 11.033/04? A Receita Federal do Brasil e uma parcela significativa dos Tribunais têm respondido essa pretensão negativamente, por entenderem incompatíveis os regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade nas contribuições para o PIS e a COFINS. Esse é, atualmente, o entendimento encampado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Em um dos últimos acórdãos editados por aquele órgão sobre a matéria ora analisada (AgInt no AResp 1.221.673/BA)[17], identificam-se claramente as duas principais razões de fundamentação da decisão: i) haveria norma expressa nas leis n.os 10.637/02 e 10.833/03 excluindo as receitas sujeitas à incidência monofásica das contribuições do PIS e da COFINS do regime não cumulativo e, a despeito da referida exclusão ii) os regimes de incidência monofásica e não cumulatividade são incompatíveis. Analisemos cada um deles. O primeiro desses argumentos já vem estampado na própria ementa do acórdão: “as receitas provenientes das atividades de venda e revenda sujeitas ao pagamento das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS em Regime Especial de Tributação Monofásica não permitem o creditamento pelo revendedor das referidas contribuições incidentes sobre as receitas do vendedor por estarem fora do Regime de Incidência Não Cumulativo, a teor dos artigos 2º, § 1º e incisos; e 3º, I, b da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003.” Uma breve leitura dos dispositivos citados, todavia, já é suficiente para vencer esse argumento. Com efeito, o art. 2º, § 1º da Lei n.º 10.637/2002[18] e o art. 2º, § 1º da Lei n.º 10.833/2003[19] tratam tão somente de alíquotas: excluem determinados produtos das alíquotas gerais ali previstas para submetê-los a outras alíquotas previstas em normas especiais. Já os dispositivos dos arts. 3º, I, b dos mesmos diplomas[20][21] excluem determinados itens – dentre os quais os produtos a serem revendidos com alíquota zero – daqueles aptos a gerar apropriação de créditos. Ora, não se pode extrair de qualquer dessas regras a conclusão de que os contribuintes a elas sujeitos não estão sujeitos ao regime não cumulativo das contribuições para o PIS e a COFINS. Na verdade, há normas específicas nas próprias leis n.os 10.637/02 (art. 8º) e 10.833/03 (art. 10º) que apontam os contribuintes não submetidos ao regime não cumulativo das contribuições ali reguladas. Nelas, porém, não há qualquer referência à incidência monofásica. Assim, ao contrário do que consta no acórdão analisado, não existe norma alguma que expressamente segregue esses dois subsistemas. O outro ponto levantado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça é o de que os regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade são incompatíveis. No voto que proferiu no julgamento originário do Recurso Especial (antes, portanto, dos Agravos interpostos), a Min. Assusete Magalhães consignou que “inexiste direito a creditamento, por aplicação do princípio da não-cumulatividade, na hipótese de incidência monofásica do PIS e da COFINS, porquanto inocorrente, nesse caso, o pressuposto lógico da cumulação.” Mais adiante, já no julgamento do Agravo, a Ilustre Magistrada conclui que “não há como pretender aplicar o raciocínio, previsto para os tributos sujeitos à cadeia plurifásica, aos que estão sob o regime de incidência monofásica, por incompatibilidade lógica entre os sistemas.”[22] Aqui nos remetemos ao que já foi exposto acima em relação à alíquota zero: a técnica não impede a incidência do tributo, apenas anula, por mera operação aritmética, o saldo a ser recolhido. É por isso que a disciplina criada pelas leis 10.147/00 e n.º 10.485/02 não é de incidência monofásica, mas plurifásica. Mas essa constatação, embora relevante e suficiente para infirmar o fundamento utilizado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ainda não responde definitivamente à questão sobre a compatibilidade dos regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade das contribuições para o PIS/COFINS. A formulação dessa resposta passa pela adequada compreensão da não cumulatividade no âmbito das contribuições para o PIS e a COFINS, que não segue o mesmo modelo daquela prevista para o IPI e o ICMS[23]. A não-cumulatividade relativa a esses impostos tem por finalidade a neutralidade da tributação, evitando a cobrança dos mesmos “em cascata” (o que beneficia, em última análise, o consumidor final). A apuração do montante devido é feita pelo método “imposto sobre imposto” e a sistemática de apuração de créditos toma por base o montante já pago a título dos mesmos tributos nas operações anteriores. Já a não-cumulatividade das contribuições sobre a receita segue um regime jurídico próprio. A técnica utilizada para apurar o tributo devido é a de “base sobre base” e a finalidade da não cumulatividade está mais ligada à capacidade contributiva dos próprios contribuintes, já que, como bem adverte ANDRÉ MENDES MOREIRA, “a receita é uma realidade incompatível com a repercussão jurídica do tributo, inviabilizando o repasse jurídico dos custos fiscais para o contribuinte de facto (consumidor final).”[24] Além disso, o sistema de apuração de créditos das contribuições para o PIS e a COFINS não é vinculado aos montantes já pagos a título desses tributos em operações anteriores dentro da mesma cadeia produtiva. Os créditos, aqui, como já expusemos, derivam das despesas consideradas relevantes ou essenciais para a geração da receita a ser tributada. Mas nem mesmo esses conceitos – relevância e essencialidade –, por mais amplos que sejam, limitam o sistema de creditamento das contribuições em análise. Com efeito, se a Constituição Federal traçou com profundidade as arestas da não-cumulatividade do IPI e do ICMS, ela foi lacônica em relação aos contornos da não-cumulatividade das contribuições sobre a receita, deixando grande margem para o legislador infraconstitucional. Essa liberdade permite, inclusive, que o legislador utilize a ferramenta por excelência da não-cumulatividade – a técnica de creditamento – para atingir fins diversos, como a concessão de benefícios fiscais (a exemplo daquele previsto na regra do art. 17 da Lei n.º 11.033/04)[25]. A compreensão dessa realidade foi o ponto de inflexão para que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça revisse sua Jurisprudência sobre o tema – até então idêntica à da Segunda Turma –, passando a reconhecer que contribuintes que integram cadeias sujeitas à incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS também têm direito à manutenção dos créditos decorrentes de aquisição de mercadorias que serão revendidas sob alíquota zero[26]. A decisão é acertada pois, enxergando a não-cumulatividade do PIS/COFINS sob ótica própria (distinta, portanto, daquela do IPI e do ICMS), constata que o sistema de creditamento dessas contribuições não é uma técnica que visa exclusivamente a cumulação de incidências tributárias. Calcados nessa premissa, foi intuitiva a conclusão de que não há qualquer incompatibilidade entre esse regime e o que institui (ou tenta instituir) a incidência monofásica dos mesmos tributos. CONCLUSÃO A mudança recente de posicionamento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça em matéria que pareceria pacificada é apenas mais uma evidência de que a análise entre os sistemas de não cumulatividade e de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS não é um tema de fácil trato. Essa dificuldade, porém, é em grande parte justificável: a tributação por essas contribuições está envolta em um arcabouço normativo tão vasto e complexo que exige esforço redobrado do aplicador para identificar o regime jurídico aplicável a cada caso concreto. O novo posicionamento adotado pela Primeira Turma do STJ é alvissareiro quanto à temática do benefício fiscal veiculado pelo art. 17 da Lei n.º 11.033/04, mas não esgota as controvérsias sobre a matéria. Primeiramente porque ainda não se sabe qual será o entendimento que prevalecerá quando o Tribunal, confrontando as orientações das duas turmas, uniformizar sua jurisprudência sobre o tema. Além disso, há pontos importantíssimos sobre o tema ainda não enfrentados, como a averiguação de que as leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, ao recorrer à técnica de alíquota zero, não criaram um sistema de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS. Essa questão tem imenso relevo prático, pois pode descaracterizar todo esse regime. Por fim, não é demais lembrar que há fortes indícios – alguns dos quais expostos acima – de que o regime por implementado pelas leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 não resiste a uma acurada aferição de constitucionalidade.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/incidencia-monofasica-e-nao-cumulatividade-das-contribuicoes-para-o-pis-e-a-cofins-na-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica/
Os perigos do fenômeno da deslegalização, degradação hierárquica ou delegação normativa no direito tributário
Analisa-se a aplicação da técnica legislativa da deslegalização oriunda do Direito Administrativo, fazendo um paralelo de sua aplicação pelas Agências Reguladoras no tocante a compatibilidade e adequabilidade do instituto ao Direito Tributário.
Direito Tributário
Sumário: I – conceitos e definições; II – limites e ponderações; III – consequências lógicas e seus impactos no âmbito do Direito Tributário; IV – Conclusão; I – CONCEITOS E DEFINIÇÕES Leonardo Vizeu Figueiredo[1] fazendo um paralelo histórico do termo, menciona que a deslegalização é um vocábulo utilizado pela doutrina alemã que remonta a ultrapassagem de certas entidades (Agências Reguladoras) da fase de mero executor da lei, para o status de regulador. A doutrina francesa faz uso da expressão delegação normativa, tendo em vista as peculiaridades constitucionais de competências legislativas que são partilhadas entre Executivo e Legislativo. Já em Portugal, tal fenômeno é descrito como degradação do grau hierárquico. Elucidando melhor a questão, José dos Santos Carvalho Filho[2] leciona: “Modernamente, contudo, em virtude da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos, originariamente na França, o fenômeno da deslegalização, pelo qual a competência para regulamentar certas matérias se transfere da lei (ou ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador: a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio do ato regulamentar (domaine del´ordonannce). O fundamento não é difícil de conceber: incapaz de criar regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de instituí-la, valendo-se dos especialistas e técnicos que melhor podem dispor sobre tais assuntos Não obstante, é importante ressaltar que referida delegação não é completa e integral. Ao contrário, se sujeita a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regulamento básico, calcado nos critérios políticos e administrativos, transferindo tão somente a competência para regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei. É o que no direito americano se denomima delegação com parâmetros (idelegation with standards) Daí poder afirmar-se que a delegação só pode conter discricionariedade técnica..” Como se vê, tais termos podem ser classificados como sinônimos, resumindo-se na ideia de transferência (delegação) normativa, previstas até mesmo na própria lei, para outras entidades que não o Poder Legislativo, com a finalidade de complementação/regulação da lei. Resta saber, quais seriam os limites de tal margem discricionária? II – LIMITES E PONDERAÇÕES O poder normativo tem profunda importância no Direito, tendo em vista sua função primordial de complementar a lei, porém a margem discricionária para tal permissão não é infinita, possuindo contornos bem definidos para se evitar justamente abusos e excessos, não abrangidos pela intenção do legislador nem contemplados pela lei que delegou. Analisando detalhadamente o fenomenologia da deslegalização, em todos os planos (existência, validade e eficácia) o único instrumento adequado e competente para inovar o ordenamento jurídico sempre será a lei. A deslegalização atua no plano da efetividade/aplicabilidade, permitindo, unicamente, a complementação de lacunas da própria lei, sendo-lhe defeso modificar, suspender, suprimir, revogar, nem tampouco estipular novas disposições. Nesse sentido se posiciona Robertônio Santos Pessoa[3], defendendo que o Poder Regulamentar da Administração Pública deve se ater a operacionalizar a lei, sem exercer maiores funções normativas de matérias técnicas. Sobre o tema Leonardo Vizeu Figueiredo destaca: “Perfazendo-se um estudo da deslegalização por meio da teoria da norma, fácil perceber que o mesmo opera efeitos, tão somente, no campo de aplicabilidade, que se trata da delimitação do campo de efeitos da norma jurídica. Isto é, o veículo de existência, validade, eficácia e efetividade continua sendo a lei stricto sensu, ato exclusivo do Poder Constitutivo Legislativo. Todavia, no que se refere à aplicabilidade da norma, está será delimitada, no que se refere a seus aspectos técnicos e não políticos, por meio da edição de um ato normativo derivado do Poder Constituído Executivo, nos termos e limites previstos na delegação que a lei traz.” O limite da deslegalização encontra-se na própria Constituição Federal em seu art. 5º, dispondo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei, dessa forma, a complementação da lei não pode ser livre ao ponto de inovar no próprio ordenamento jurídico, trazendo disposições que ultrapassam os próprios contornos legais. J.J Canotilho[4] ressalta os principais limites que o tema deve enfrentar: “Quando uma matéria tiver sido regulada por acto legislativo, o grau hierárquico desta regulamentação fica congelado e só um outro acto legislativo poderá incidir sobre a mesma matéria, interpretando, alterando, revogando ou integrando a lei anterior. Os princípios da tipicidade e da preeminência da lei justificam logicamente o princípio do congelamento do grau hierárquico: uma norma legislativa nova, substitutiva, modificativa ou revogatória de outra, deve ter uma hierarquia normativa pelo menos igual à da norma que se pretende alterar, revogar, modificar ou substituir. Este princípio não impede, rigorosamente, a possibilidade de deslegalização ou de degradação do grau hierárquico. Neste caso, uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por regulamentos. A deslegalização encontra limites constitucionais nas matérias constitucionalmente reservadas à lei. Sempre que exista uma reserva material-constitucional de lei, a lei ou decreto-lei (e eventualmente, também, decreto legislativo) não poderão limitar-se a entregar aos regulamentos a disciplina jurídica da matéria constitucionalmente reservada à lei.” Nesse sentido, importante são as lições de José Afonso da Silva[5] sobre a distinção conceitual dos princípios da legalidade e da reserva legal. Segundo seu entender, legalidade seria a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador, enquanto que o princípio da reserva legal consistiria na regulação exclusiva de certas matérias necessariamente por lei formal. A delegação normativa faz com que se transfira a competência normativa técnica para seara administrativa infralegal, sob a escusa principal de ausência de expertise técnica de certos assuntos por parte do Legislativo para tanto. Nessa ótica, o conhecimento técnico para regulação de certas matérias necessita de profissionais especializados, não havendo como se exigir do legislador infraconstitucional tamanha gama de saber, tendo em vista que a setorização normativa do ordenamento jurídico torna-se cada vez mais tendente a ser especialista, a fim de melhor atender as exigências da sociedade. No âmbito tributário, o Supremo Tribunal Federal já vem se filiando a corrente da deslegalização: “Tributário. IPI. Artigo 66 da Lei n. 7.450/1985, que autorizou o Ministro da Fazenda a fixar prazo de recolhimento do IPI, e Portaria n. 266/1988/MF, pela qual dito prazo foi fixado pela mencionada autoridade. Acórdão que teve os referidos atos inconstitucionais. Elemento do tributo em apreço que, conquanto não submetido pela constituição ao princípio da reserva legal, fora legalizado pela Lei n. 4.502/1964 e assim permaneceu até a edição da Lei n. 7.450/1985, que, no artigo 66, o deslegalizou, permitindo que sua fixação ou alteração se processasse por meio da legislação tributária (CTN, art. 160), expressão que compreende não apenas as leis, mas também os decretos e as normas complementares. (CTN, art. 96). Orientação contrariada pelo acórdão recorrido. Recurso conhecido e provido (STF. RE n. 140669/PE. Rel. Min. Ilmar Galvão, Tirbunal Pleno, 02/12/98.” Resta saber que consequências práticas essa corrente que vem se filiando o STF pode ocasionar no âmbito do Direito Tributário? Assim como as Agências Reguladoras, dotadas da função de regular determinadas disposições, seria compatível e adequado que as Secretarias e Procuradorias da Fazenda pudessem, inclusive, ultrapassar a margem de discricionariedade para além dos limites autorizados como defendem alguns doutrinadores? III – CONSEQUÊNCIAS LÓGICAS E SEUS IMPACTOS NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO O fenômeno da deslegalização vem se tornando uma prática rotineira pelas entidades da Administração Pública, como por exemplo, as Agências Reguladoras, principalmente pelas próprias Secretarias e Procuradorias por parte da Fazenda. Como se viu, a deslegalização pode ser definida como a transferência do conteúdo normativo técnico da norma, para ato infralegal. A norma terá eficácia limitada, só ganhando aplicabilidade com a edição do ato normativo técnico. É salutar ter em mente que a técnica legislativa da deslegalização só poderá ser usada para as matérias que não se encontram, constitucionalmente, sob a incidência do princípio da estrita reserva legal, como é o caso do Direito Tributário. Tendo em vista que o “poder de tributar, envolver o poder de destruir”, no âmbito tributário o legislador teve o cuidado de tentar por “arestas” contra a sede arrecadatória do Estado, disciplinando um rol taxativo de hipóteses normativas e regras legais onde o contribuinte poderá ter seu patrimônio constrangido ao ônus da imposição e majoração da carga tributária. A delegação normativa no viés do Direito Administrativo é algo não apenas plenamente permitido às Agências Reguladoras pela jurisprudência, como também incentivado pela doutrina majoritária, tendo em vista a ausência de capacidade técnica do Legislativo para tanto. Em que pese, corrente considerável vir a defender que o exercício do poder regulamentar por parte das Agências Reguladoras não deve se abster ao mero complemento da lei, mas sim na efetiva criação de normas técnicas não contidas na lei, proporcionando, em consequência, inovação no ordenamento jurídico, tal situação encontra-se em disparidade quando realizada pela Administração Tributária. O abismo se mostra ainda mais evidente quando se conhece o conceito das Agências Reguladoras, que são autarquias sob o regime especial integrantes da Administração Pública indireta, vinculadas ao Ministério competente para o trato da respectiva atividade, tão somente para fins organizacionais, sendo caracterizada pela sua independência política, autonomia administrativa e financeira, onde devem permanecer impermeáveis às pressões políticas que possam vir a ser exercidas pelo governo. Tal autonomia é condição ímpar para o correto funcionamento das mesmas e consecução de seus objetivos institucionais, ou seja, não há, portanto, relação de subordinação entra a Agência Reguladora e o Governo Central. Dessa forma, são definidas como entidades politicamente neutras e imparciais, de setores de mercados específicos, estabilizando o convício de interesses políticos, coletivos e privados. Seu diferencial se deve aos seguintes fatos: i) conhecimento técnico especializado sobre o setor regulado para fins de excelência das políticas estatais concebidas; ii) independência, garantido que não sofram influências externas e estranhas de suas funções, dando base a imparcialidade e neutralidade no exercício dos poderes regulatórios. No tocante a independência, divide-se em independência orgânica (autonomia política em relação à estrutura do Governo Central, fato que se configura na impossibilidade de revisão de seus atos reguladores por qualquer outro órgão ou entidade da Administração Pública, salvo Judiciário) e administrativa (instrumentos econômicos e financeiros que permitem o devido exercício de suas atividades, sem precisar socorrer-se ao Governo Central, tendo liberdade de gestão, no sentido de arrecadar receitas próprias e organizar suas despesas, sem ingerência do Executivo, ficando tão somente sujeitas ao controle do Legislativo, via Tribunal de Contas). Após esse breve aprofundamento no Direito Administrativo, percebe-se que tais definições estão ausentes em se tratando das Secretarias e Procuradorias da Fazenda, órgãos totalmente parciais, que ao se debruçarem no poder regulamentar, não raro das vezes, exorbitam seus limites, pugnando pelo benefício do Ente político em detrimento do mero poder complementar, pautado na imparcialidade e neutralidade. Para fins de melhor elucidação dos perigos do fenômeno da deslegalização no âmbito tributário, destaca-se a Portaria nº 33/2018 da PGFN, portaria essa que “regulamenta” o bloqueio de bens sem autorização judicial. A lei que embasa a portaria permite que a Administração Pública realize a restrição de bens administrativos, sem a interposição de um processo judicial, recebendo diversas críticas por ofensas ao devido processo legal, ausência de contraditório e ampla-defesa, tendo já sido ajuizada 3 ações no STF. Focando na aludida portaria, a PGFN estipula que após inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor deverá ser notificado para pagar o débito, à vista ou parcelado, em até 5 dias. Além disso, o devedor tem 10 dias para ofertas uma garantia em execução fiscal ou apresentar pedido de revisão. Caso o contribuinte não adote nenhuma dessas alternativas no devido prazo, a portaria estipula uma série de sanções políticas, como envio da CDA para protesto, representação nos bancos, cadastros de proteção ao crédito, averbar por meio eletrônico a indisponibilidade de bens do particular, suprimir benefícios fiscais e impedir de receber financiamento público. A lei já era alvo de severas críticas, agora, a portaria 33/2018 da PGFN também entrou na mira, tendo em vista que extrapola o poder regulamentar e cria ônus e sanções políticas aos contribuintes Como se pôde perceber, tais instituições tendem a adotar posturas parciais, o que macula e torna eivada de vícios a delegação normativa, tendo em vista a ausência de imparcialidade e neutralidade nas suas disposições. No âmbito tributário, diferente dos outros ramos do Direito, existe uma severa preocupação no tocante ao princípio da reserva legal, consubstanciada no princípio da estrita legalidade formal. Não é por outra razão que o legislador constituinte quis separar um título especificamente para tratar do sistema tributário nacional, dispondo uma seção unicamente para dispor sobre a limitação do poder de tributar, elencando no art. 150, I,  que é vedado aumentar ou exigir tributo sem lei que o estabeleça, repetido no art. 5º da CF, art. 3º do CTN e art. 97 do CTN. Percebe-se dessa forma, a cautela que teve no trabalho de criação da Constituição quanto do CTN, no árduo intuito de impor limites, arestas, obstáculos a insaciável atividade arrecadatória por parte do Estado. O fenômeno da deslegalização, portanto, não só é incompatível com a seara tributária tendo em vista sua obediência ao princípio da legalidade formal restrita como estrita reserva legal, como também mostra-se inadequado a utilização do instituto pela ausência de neutralidade e imparcialidade por parte dos órgãos da Administração Tributária no intuito de regular as disposições conforme a real interpretação teleológica do legislador, no intuito de meramente suprir as lacunas de sua incapacidade técnica é incapaz de regular, sem contudo modificar, suprimir, revogar nem inovar no ordenamento jurídico. IV – CONCLUSÃO Esse artigo procurou discorrer, sem, contudo pretender esgotar o tema, dos perigos da fenomenologia da deslegalização, também chamada de degradação hierárquica ou delegação normativa e seus efeitos no Direito Tributário. Definiu-se que deslegalização é uma técnica por meio qual a própria lei transfere a capacidade de regulação normativa para outras entidades que não o Poder Legislativo, tendo em vista sua incapacidade de discorrer sobre determinadas matérias de alta complexidade técnica, delegando assim a função específica de instituí-la para regulamentação, notadamente tendo como principal exemplo as Agências Reguladoras. Tal delegação normativa não pode ser geral e irrestrita, encontrando-se óbice nos próprios limites formais do processo legislativo e materiais, a depender do ramo do Direito. A atividade de regulamentação infralegal encontra limites no poder regulamentar, devendo se limitar meramente a complementar as lacunas da lei, sendo vedado, portanto, modificar, suspender, suprimir, revogar ou inovar no ordenamento jurídico. Mostrou-se que o STF vem se filiando a corrente da deslegalização no âmbito tributário, porém, tal técnica seria incompatível de se conciliar com a obediência do princípio da restrita Legalidade cumulada com o princípio da Reserva Legal, necessitando de lei em sentido formal para tanto, funcionando como uma garantia expressamente prevista pelo legislador constitucional como mecanismos de defesa contra as arbitrariedades do Estado Fiscal. Ademais, se mostraria inadequada tendo em vista a ausência de imparcialidade e neutralidade por parte da Administração Tributária na atividade regulamentária, indo não raro das vezes para além da mera complementação das lacunas, agindo verdadeiramente no intuito de inovar o ordenamento no jurídico em prol de seus próprios interesses, extrapolando assim seu poder regulamentar de forma rotineira, citando-se como exemplo a recente Portaria nº 33/2018 da PGFN.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/os-perigos-do-fenomeno-da-deslegalizacao-degradacao-hierarquica-ou-delegacao-normativa-no-direito-tributario/
A relevância da adoção do compliance tributário pelas empresas
O presente artigo pretende apresentar o compliance e como este se comporta em relação ao direito tributário. Assim, o compliance que deriva do ato de seguir as regras, aplicada em direito tributário, visa à adoção de medidas preventivas para diminuir o risco de que uma empresa venha a sofrer penalidades tributárias. Isto porque, o direito tributário nacional é complexo, sendo que os tributos nacionais e suas normas regulamentares variam a nível federal, estadual e municipal, o que dificulta com que a empresa se mantenha regular em relação aos tributos. Portanto, se abordará justamente a importância da adoção do compliance tributário para as empresas e quais as soluções práticas que podem ocorrer com a adoção dessa metodologia pelas empresas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O assunto tratado no presente trabalho é sobre a relevância da adoção do compliance tributário pelas empresas, essencialmente nos dias atuais. Nesse contexto, o objetivo do trabalho é contextualizar os conceitos de compliance, compliance tributário, para depois assimilá-lo há determinadas regulamentações e assim, desse conjunto, demonstrar a problemática central do estudo. Pretende se demonstrar que o compliance tributário é a adoção de uma metodologia com o intuito de cumprimento de normas e regulamentações tributárias impostas pelo Governo Federal, Estados e Municípios. Dessa forma, se discorrerá sobre algumas das normas regulamentares instituídas essencialmente pelo governo federal para que a escrituração fiscal seja feita através de meios eletrônicos. Ao final, diante desse meio eletrônico de escrituração fiscal, se determinará como pode ser aplicado o compliance tributário, sendo demonstrados alguns passos básicos para que uma empresa comece a sistemática de gestão de compliance tributário, além de salientar quais os principais benefícios dessa gestão para a empresa. Finalmente, após a conceituação e delimitação dos temas principais nos tópicos do trabalho, se defrontarão os mesmos, para desse modo demonstrar as razões essenciais da aplicação do compliance tributário. 1. COMPLIANCE O compliance vem sendo aplicado cada vez mais em empresas, sejam públicas ou privadas, para adequar seu funcionamento as normas regulamentares, com a finalidade de prevenir problemas. Assim, antes de iniciar a pesquisa central do artigo proposto, é essencial delimitar a noção do sentido da palavra compliance, conforme se demonstrará. Segundo o Oxford Advance Learner’s Dictionary (2016), compliance pode ser estabelecido como “the practice of obeying rules or requests made by people in authority”. A palavra, assim, derivativa do inglês, basicamente, pode ser entendida como ato de obediência a uma determinação, estar de acordo com as regras. Cruz (2015, p. 9-10), ao definir o conceito atual de compliance, assim descreve “Todavia, transportando o conceito etimológico acima ao uso “popular” a que se deu ao termo – especialmente no mundo corporativo, estar compliant é definido hoje como “estar de acordo com regras, legislações, especificações, enfim, normas, de toda e qualquer natureza, estabelecidas para determinada ação”. Portanto, compliance seria estar de acordo com as regras, que no sentido deste trabalho, pode-se entender como as legislações e normas instituídas por autoridades, ou seja, é quando uma empresa segue as normas que lhe são aplicáveis. O Conselho Administrativo de Defesa de Concorrência (2016, p. 9) emitiu um guia de compliance para as empresas, onde bem delimita o conceito de compliance. Sua menção definiu que “compliance é um conjunto de medidas internas que permite prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores”. Diante da definição expressa, a aplicação correta e coerente de regulamentações pode e deve auxiliar na vida útil da empresa. Assim, delimitado o conceito primordial de compliance, resta inserir sua aplicação ao direito tributário. 2. COMPLIANCE NO DIREITO TRIBUTÁRIO O compliance pode ser aplicado à empresa através da adoção de metodologia de regulamentação e controle interno, com a finalidade de instituir um modelo para que a empresa siga normas. Como um todo, o compliance, em si, pode ser aplicado em vários segmentos de uma empresa, dentre as quais se podem mencionar as seguintes esferas: “trabalhista, fiscal, contábil, financeira, ambiental, jurídica, previdenciária, ética, etc” (ENDEAVOR, 2015, p. 1-2). Logo, diante das várias possibilidades de utilização do compliance, como acima exposto, cabe delimitar seu emprego ao direito tributário, foco central do presente estudo. Por sua definição, é natural que haja associação do compliance com o direito, essencialmente ao direito tributário, posto que são inúmeras normas criadas com a finalidade de cobrar a tributação da empresa, assim a gestão de legislação tributária acaba sendo complexa. Primeiramente, destaca-se que, de uma forma geral, as pessoas estão predispostas a arcar com os tributos impostos a elas. Sendo assim, as empresas, representada por seus sócios, também, em premissa, estariam dispostas a arcar com o custo tributário. Isto se deve ao fator moral inerente que o tributo engloba em si. Martinez (2014, p. 330) ao citar Togler bem explica a razão da moral fiscal. Sua explanação foi a seguinte “quanto mais o individuo tivesse dentro de si um senso moral (ou ético, em última análise), maior seria o seu senso de compliance fiscal. A chamada moral fiscal é a motivação intrínseca do ato de pagar tributos”. Analisar essa questão é relevante para entender que, de uma forma geral, as empresas estão suscetíveis a cumprir as determinações tributárias impostas pelas normas. Então, a questão que se apresenta no presente estudo seria o por que da aplicação do compliance tributário, quando, a priori, as empresas cumprem as determinações legais à elas impostas. 2.1. RAZÃO PARA ADOÇÃO DO COMPLIANCE TRIBUTÁRIO As normas legais são instituídas para que seja possível um convívio social, assim, por exemplo, quando se fala em direito tributário, a sociedade arca com valores para que o governo, na teoria, ofereça segurança, saúde, educação, dentre outros direitos fundamentais expostos na Magna Carta. “Isto porque, a tributação seria a forma pelas qual as receitas do setor privado vão para o governo, tendo como objetivo financiar gastos públicos em benefício da sociedade” (CHRISTOPOULOS e BASTOS, 2012, p. 12). Logo, quando há efetiva contraprestação da tributação paga em benefício da sociedade, aqueles que fazem parte desta, tendem a arcar com os custos devidos pelos benefícios produzidos através da liquidação dos tributos. Porém, no Brasil, além do contribuinte – fundamentalmente a empresa – ter que arcar com umas das maiores cargas tributárias mundiais, ainda há surgimento ou modificação de diversas normas tributárias a cada ano, o que dificulta muito com que a empresa se mantenha regular com sua tributação. Nesse sentido, sobre o avanço, alterações e a exacerbação de normas tributárias nacionais, Takla e Delgado (2016, p. 1) denotam que “apenas na esfera tributária, há 320.343 normas editadas, sendo em média 46 criadas a cada dia útil, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)”. Lidar não somente com as normas existentes, mas também com tantas alterações e criações de legislações sobre tributos prejudica as empresas que devem a todo momento estarem atualizadas, posto que, podem arcar com penalidades por ausência de seguir uma das novas diretrizes impostas. Como Takla e Delgado (2016, p. 1) explicam, “já não bastasse à quantidade enorme de normas, a complexidade dos textos legislativos ser exacerbada, por vezes, cabe ao contribuinte, no tributo por homologação, identificar o fato gerador, declarar a base de cálculo e pagar o tributo, não somente aplicando, mas interpretando a norma tributária”. Com a dificuldade de interpretação das normas e de prazo irrisória para dirimir as possíveis inconsistências existentes no texto, não é incomum que a empresa venha a arcar com penalidade pelo fisco entender que houve aplicação equivocada da norma na apuração dos tributos. E é diante desse cenário que se alcança o princípio das razões para aplicação do compliance tributário, visto que este não visa somente o cumprimento das normas, mas também a aplicação de forma correta destes, com a finalidade de evitar sanções fiscais à empresa. Logo, restam às empresas se modernizarem ao novo mundo organizacional, em que se preza a prevenção de risco, sendo que o compliance tributário adota com perfeição a atuação necessária à prevenção de riscos tributários, isto porque, as normas sempre estão se atualizando, e a única forma da empresa acompanhar as mudanças seria através da adoção do compliance tributário. Diante de tantas mudanças, faz necessário o destaque de como funciona os regulamentos e norma tributárias no país, que será especificado no tópico a seguir. 3. OS DESTAQUES DOS REGULAMENTOS E NORMAS TRIBUTÁRIAS BRASILEIRAS Conforme anteriormente mencionado, no Brasil há uma gama diária de normas tributárias sendo criadas, ou seja, não é uma tarefa fácil para a empresa se ater a todas as normas e essencialmente a segui-las da forma como foi pensada pelos legisladores brasileiros ou pelo governo. Dentre as tantas criações e modificações das normas tributárias, o que se pode perceber atentamente é que o governo, em todas as suas instâncias – federal, estadual e municipal – vem implementando cada vez mais a sistemática digital para controle de tributos. Nesse sentido, Duarte (2011, p. 45) bem descreve as modificações implementadas pelo governo brasileiro em anos anteriores para obtenção e cruzamento de informações fiscais. Suas palavras são as seguintes: “O segundo fator acelerador de mudanças na realidade brasileira, que nos impulsiona rumo à Era do Conhecimento, é o Big Brother Fiscal, termo que utilizo para denominar o conjunto de ações das autoridades fiscais brasileiras para obter informações sobre todas as operações empresariais e formato eletrônico. Ou seja, a vigilância em tempo real por parte do fisco. […] Os fiscos, de uma maneira geral, têm aperfeiçoado os seus sistemas de fiscalização. A partir dos seus próprios bancos de dados e também pelo cruzamento de informações permutadas com outras esferas do poder, há um aumento substancial dos resultados no combate à evasão fiscal. […] Com a fusão da Receita Federal e da Receita Previdenciária, originando a Receita Federal do Brasil, aluada à permuta de informações entre os fiscos federal, estaduais e municipais, o acesso aos dados de cada pessoa jurídica ficou mais ágil e eficiente”. Bem pertinente à exposição feita pelo doutrinador, visto que a era digital de informações fiscais vem sendo ampliada a cada ano, assim, a vigilância por parte do fisco está ocorrendo em tempo real, sendo que qualquer equívoco fiscal cometido pela empresa pode e será punido de forma muito mais ágil, aumentando, dessa maneira, a responsabilidade das empresas em seguirem as normas e regulamentações fiscais de forma correta, para não arcarem com futuras multas fiscais em relação a recolhimento de tributo incorreto. Esse aprimoramento de fiscalização tributária pelo fisco não é novidade. Em 1995 foi criado o Convênio ICMS nº 57 e a Instrução Normativa nº 68, com o objetivo de aprimoramento e otimização da fiscalização tributária. A Instrução Normativa nº 86, de 2001 e a Instrução Normativa nº 100, de 2003, visaram alterações nas rotinas operacionais das empresas, e, se não cumpridas, gerariam penalidades significativas às empresas. O próximo avanço do governo foi instituir o Sistema Público de Escrituração Digital, conhecido como SPED. Nesse sistema, as informações fiscais são repassadas de forma eletrônica, o que facilita o controle do governo sobre os dados repassados pelo contribuinte. “O SPED foi instituído pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007, sendo que já houve transferência de sua metodologia para outros projetos, tais como: EFD, ECD, NFS-e, CT-e, E-LALUR, CIAP, etc. A intenção desse sistema é que se unifiquem as informações por meio de compartilhamento de dados gerados” (TALKA e DELGADO, 2016, p. 1-2). O Decreto assim menciona em seu art. 2° e 3°, aos quais se destaca: “Art. 2° O Sped é instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração contábil e fiscal dos empresários e das pessoas jurídicas, inclusive imunes ou isentas, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.[…] Art. 3° São usuários do Sped: I – a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda; II – as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênio celebrado com a Secretaria da Receita Federal; e III – os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta que tenham atribuição legal de regulação, normatização, controle e fiscalização dos empresários e das pessoas jurídicas, inclusive imunes ou isentas”.     O resultado dessa eficiência de informações fiscais, através principalmente do Decreto n° 6.022/2007, impôs ao contribuinte a obrigação e o dever de estar cada vez mais atento às informações fiscais lançadas e repassadas ao ente tributante. E neste ponto, ainda, resta a ele interpretar de forma correta a norma tributária, inclusive nos tributos lançados por homologação, já que a ausência de recolhimento ou recolhimento menor de tributo resultará em multa fiscal, conforme artigos 142 e 161, caput, do CTN. A empresa, inclusive, em casos mais graves, pode perder bens, subsídios, benefícios inerentes ao fato da empresa possuir Certidão de Dívida Ativa em seu nome, essencialmente quando a cobrança tributária já se encontra em via judicial.   Para as empresas que ainda não adotam o compliance tributário por questões de investimento, observar a fiscalização eletrônica e o cruzamento de dados entre entes públicos, pode ser o ponto que faça pender para a necessidade de mudança deste pensamento. A prevenção é o melhor caminho para a empresa através da adoção de um modelo de compliance tributário, visto que em caso de ausência da implantação do compliance pode resultar em necessidade de pagamento de valores de punições por não seguir as normas tributárias. Além disso, o compliance tributário, quando aplicado em uma empresa, ultrapassa a barreira de cumprimento de regulamentações, considerando que há efetiva defesa do direito da empresa. Isto porque, quando uma norma regulamentar tributária contraria a norma constituinte, cabe ao contribuinte, neste caso a companhia, ingressar com uma demanda judicial, requerendo a devolução dos valores cobrados embasados em normas inconstitucionais ou ilegais, em nítida atividade de compliance tributário. Dessa forma, a empresa pode reaver valores tributados por legislações inconstitucionais ou ilegais, através do compliance tributário, pela verificação das normas tributárias impostas. Portanto, o compliance tributário vem a ser uma forma essencial de prevenção de custos desnecessários pela empresa, onde há projeção de tributo, observando a interpretação das normas aplicáveis, preparando o caixa da empresa para os custos em caso de punições fiscais, e, ainda, forma da empresa buscar o retorno dos valores indevidamente pagos embasados em normas inconstitucionais ou ilegais. O compliance também pode ser utilizado para pesquisa de normas regulamentares de parcelamentos e outros benefícios fiscais que podem auxiliar a empresa, em caso de já ter incidido a inscrição do crédito tributário. É nítida, por conseguinte, que há necessidade para as empresas em geral estarem mais atentas a implementação de modelo de compliance voltado a parte tributária destas. 4. APLICAÇÃO PRÁTICA DO COMPLIANCE TRIBUTÁRIO Observado a notória necessidade de aplicação do compliance tributário pelo cenário atual de regulamentação fiscal, cabe entender de que forma ocorre sua aplicação prática e quais são seus principais objetivos. Neste ponto, é imprescindível lembrar que o compliance tributário vai além de apenas cumprir a regulamentação, mas que deve ser um projeto da empresa, com a finalidade de modificar sua visão, para adequar-se a uma metodologia de controle de normas tanto internas quanto externas. Talka e Delgado (2016, p. 2) expõem que para implementação de um programa de compliance em uma empresa, é necessário à efetivação de alguns aspectos como "adoção de procedimentos bem definidos (códigos de ética e de conduta, com políticas de anticorrupção), instalação de canais de denúncia para possibilitar a investigação interna; nomear um Compliance Officer eficaz; manter o monitoramento do programa; instituir enforcement; incentivar a transparência; investimento em treinamentos de prevenção de funcionários e terceiros á corrupção”. Isto porque o compliance está diretamente ligado à questão de adoção de postura anticorrupção, posto que atitudes que venham a ser contrárias com os princípios da empresa e com as regras regulamentares, não condizem com uma atitude pró compliance, pois tendem a prejudicar a empresa. Até por esta razão, para adoção do compliance tributário, a empresa deve ter “pleno conhecimento dos processos internos, metodológicos de trabalho utilizadas, políticas de estoques, estratégias de gestão de pessoas, técnicas de melhoria contínua, harmonização contábil, e etc.” (ENDEAVOR, 2015, p. 2). Entende-se que é necessário que a empresa possua tais conhecimentos, pois, exemplificando, acaso haja ausência de contabilização correta de suas despesas, obviamente que isso influirá na escrituração contábil, o que gerará, provavelmente punição fiscal. Inclusive Lunardini (2016, p. 3) expressa o mesmo entendimento quando explica que o conhecimento profundo dos negócios da empresa (incluso todos os aspectos, desde os produtos comercializados, a relação com cliente e fornecedores, etc) se faz necessário “constitui pressuposto básico para a obtenção, organização e envio dos dados exigidos pelas autoridades fiscais, bem como para a correta apuração dos tributos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas”. Logo, sendo uma questão organizacional, de trabalho, é evidentemente que na Era Digital em que se vivencia nos dias atuais a aplicação de compliance é uma questão organizacional importante, pois a empresa deve adotar uma política institucional voltada a atitudes moralmente e legalmente adequadas. Para aplicação de compliance tributário na empresa, esta pode adotar o seguinte parâmetro: “1 – Elaborar, com auxílio de especialista contratados, um código de conduta, de fácil entendimento para todos; 2 – Após, esse código de conduta deve ser disseminado por toda a empresa, com devido destaque a importância de seguir regras e procedimentos. É necessário criar canais de comunicação permanentes com a equipe, permitindo que eles denunciem condutas inadequadas; 3 – Mostrar que exemplo vem de cima. O Núcleo Gerencial da empresa deve agir com justiça internamente e prezando por ações éticas na competição externas, mesmo porque ganhar espaço no mercado não deve ser razão para a empresa abrir mão de seus valores; 4 – Não basta agir conforme a legalidade, é necessário que a empresa não se envolva em atos imorais”. (ENDEAVOR, 2015, p. 2-3). Percebe-se que adotar o modelo de compliance tributário não é simples, pois o mesmo deve ser disseminado na empresa como um todo, visto que somente com o devido conhecimento profundo do negócio pela empresa é que esta fornecerá os dados corretos para que o compliance tributário seja aplicado com sucesso. Na área tributária, podem-se delimitar alguns procedimentos de compliance com a finalidade de diminuir os riscos de multas fiscais, dentre os quais “(re) análise do enquadramento tributário da sociedade e das bases fiscais apuradas, contabilização de eventos que possam causar reflexos de natureza penal e administrativa fiscal, estabelecer reserva para processos administrativos e judiciais, etc” (CARNEIRO, 2016, p. 2). Com a aplicação do compliance tributário nos termos acima descritos, por si só percebe-se que a adoção desse sistema será benéfica à empresa, pois é embasado, em princípio, na moralidade e legalidade das atitudes, tanto da empresa, quanto de seus funcionários. Porém, para adoção do sistema de compliance tributário é interessante notar que a empresa deve atingir certa maturidade, até mesmo para que a metodologia de compliance seja aplicada de forma efetiva pela empresa e por todos os seus funcionários. No dizeres de Duarte (2011, p.74) em relação à maturidade da empresa, esta somente atinge o nível “quando seus profissionais assumem riscos com base no conhecimento, ética profissional, informações do ecossistema e criação de cenários. Mas a principal prova de maturidade é o autoconhecimento”. Portanto, o compliance tributário deve ser utilizado, mas para isso a empresa precisa estar em um nível de maturidade, de autoconhecimento, para que o planejamento fiscal seja correto, mediante o repasse de informações coerentes pelos setores da empresa, para que o sistema financeiro da empresa esteja harmonizado. Com autoconhecimento do negócio, pode-se implementar um modelo de gestão de compliance tributário, com a finalidade de reduzir custos tributários a longo prazo, mediante a correta interpretação de normas tributárias, com o acompanhamento de normas de benefício fiscal para a empresa, além de possíveis demanda judiciais com a finalidade de restituir valores cobrados do contribuinte embasado em normas inconstitucionais e ilegais. Esses são os fatores principais que podem ser adotados com o compliance tributário, porém, os seus benefícios vão além de redução de custos. Como Talka e Delgado (2016, p. 2) mencionam, o emprego de gestão do compliance tributário irá gerar “a legitimidade no mercado e aumentar a transparência, o que favorece a vantagem competitiva e proporciona a sustentabilidade da organização”. A visão corporativa de uma empresa que adota o compliance, ainda mais no que tange a questão tributária, tão complexa como é, em termos de punição até o nível penal tributário, é de que a empresa está comprometida a seguir as regulamentações, elevando o nível da empresa. Nesse sentido, “a empresa que segue as normas, ditames de regulamentação e controles internos eficientes, ocasiona maior qualidade na atividade empresarial, economia de recursos (evitando gastos com multas, punições e cobranças judiciais) e fortalecimento da marca da empresa” (ENDEAVOR, 2015, p. 2). Obviamente, que a empresa que segue as regulamentações e normas tributárias e se prepara economicamente para as questões que podem ocasionar problemas, tem mais chances de não gastar com valores de penalidades fiscais, ou até mesmo, em demandas judiciais proveniente de cobranças fiscais, ainda se aproveitando de regulamentações para parcelamentos e pagamentos mais benéficos em caso de a dívida ter sido constituída. E como a empresa visa o lucro, observar a questão tributária com atenção, inclusive observando demandas que possam ser utilizadas em favor da empresa, pode ser o que a empresa necessite para continuar atuante no mercado. O maior exemplo disso é que, perante várias normas instituindo tributos, ou modificando sua forma de cobrança, há também normas que auxiliam no parcelamento de tributos, e a observação destas geram deveras vantagens à empresa. Assim, nos dias atuais, com cargas tributárias altas e com escassos benefícios fiscais, estar atento a eles, assim como a ilegalidade de normas que instituem ou aumentam tributos pode ser decisivo para manutenção das atividades empresarias, posto que possam gerar uma redução de custos em longo prazo. Logo, o compliance tributário deve ser instituído na empresa, não somente como forma de prevenção de custos, referente a pagamento de multas fiscais, mas também como forma da empresa adotar um sistema interno de conduta de ética, o que dará mais credibilidade a marca empresarial no mercado. CONCLUSÃO O compliance tem como definição seguir a normas e regulamentações impostas, neste caso, por um ente. Já no que diz respeito ao compliance tributário, é uma forma de não somente seguir normas e regulamentos impostos, mas também de seguir uma metodologia de conduta e ética, mesmo porque, somente diante de uma empresa devidamente organizada com dados corretamente expressos que se pode providenciar uma efetiva gestão de redução de custos, através do compliance tributário. Essa redução de custos é no sentido de que, quanto mais se seguir as normas fiscais, como prevenção, menos serão os custos futuros com multas fiscais provenientes de interpretação errônea da norma. Ainda, visando à interpretação correta da norma ou regulamentação, é necessário que a empresa obtenha um efetivo Compliance Officer, para interpretar as normas, acompanhar normas de benefícios fiscais, além de buscar sempre estar atenta a inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas. Finalmente, as normas e regulamentos dos tributos nacionais são muitos, assim, acompanhar sua evolução não é tarefa fácil, por isso mesmo, adotar um sistema de gestão de compliance tributário é tão importante, mesmo porque, há longo prazo, a empresa perceberá os pontos positivos de sua adoção. Necessário expor que não é somente através da gestão de compliance tributário, por meio de um Compliance Officer que uma empresa conseguirá adotar uma postura de seguir as normas e regulamentos. Antes disso, a própria empresa deve modificar seu pensamento interno, para seguir um código de conduta e ética, evitando e punindo condutas antiéticas, posto que, se houver desvio na empresa, os dados repassados serão incorretos, o que poderá gerar ausência de tributo pago, tributo pago incorretamente, ou à menor, ocasionando as penalidades fiscais. Assim, o compliance tributário é um modelo para a empresa aderir como um todo, com a finalidade de maior organização empresarial e com intuito de diminuição de custos. Visivelmente, o compliance tributário tem como sistemática de gestão um modelo preventivo, que tem como objetivo diminuir os custos fiscais, fazendo com que a empresa esteja de acordo com as regras a ela aplicáveis, com interpretação correta de normas tributárias. Os benefícios inerentes em sua aplicação são diversos, mas de forma sucinta, o compliance tributário auxilia, primordialmente, na qualidade da atividade empresarial, na economia de recursos e no fortalecimento da empresa, pois a adoção dessa metodologia é associada à empresa com ética e conduta ilibada.
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A inconstitucionalidade do art. 49, I, do novo Código Tributário do Município de Teresina
O presente artigo tem como objeto a norma esculpida no novo Código Tributário do Município de Teresina que concede isenção, no pagamento do IPTU, ao servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara municipal de Teresina. O objetivo é analisar se esse dispositivo assegura a isonomia tributária no pagamento do referido imposto por parte dos contribuintes sem criar tratamento diferenciado não permitido pela Constituição Federal. Para este fim foram analisadas as regras referentes à isenção, à isonomia tributária e ao Imposto Predial Territorial Urbano de competência dos municípios, bem como o conteúdo do referido dispositivo legal. Diante dos dados obtidos, verificou-se que a norma municipal fere o princípio da Isonomia ao eleger que apenas os imóveis de determinado valor e pertencentes a servidores públicos municipais ficariam isentos do pagamento de IPTU, não havendo razão justificável compatível com a ordem constitucional para beneficiar tais servidores em detrimento dos demais munícipes. Essa constatação é preocupante, pois ao conceder um privilégio em razão unicamente da ocupação profissional ou função, cria-se uma norma claramente inconstitucional, que quebra a coesão do ordenamento jurídico vigente e promove desigualdades ilegítimas dentro da sociedade. [1]
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Não se imiscuindo na celeuma doutrinária sobre a natureza jurídica da isenção, tem-se que esta versa sobre dispensa legal de pagamento, consoante orientação do Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, neste trabalho busca-se confrontar a isenção instituída no art. 49, I, da Lei Complementar nº. 4.974/2016 (novo Código Tributário do Município de Teresina – CTMT) com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em especial o art. 150, II. Segundo a aludida norma constitucional é vedado aos entes tributantes impor tratamento díspar aos contribuintes que se encontrem em situação equivalente, bem como não serão admitidas distinções em razão da ocupação profissional ou função exercida. Essa norma vai ao encontro do princípio da Isonomia que informa que todos devem ser tratados igualmente na medida de suas igualdades e desigualmente na medida de suas diferenças. É relevante ressaltar que o princípio da isonomia não impede que se possa adotar discriminação, desde que a norma traga um critério de diferenciação razoável, como o que beneficia contribuintes em situações menos favorecidas. Além disso, a lei deve tratar igualmente os fatos econômicos que manifestam a mesma capacidade contributiva e, ao contrário, de modo diferente os que exprimem capacidade contributiva diversa. A Constituição atribui aos municípios a competência para instituir e arrecadar o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), sendo o fato gerador deste imposto a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, localizado na zona urbana do Município, com a base de cálculo estimada conforme o valor venal do imóvel. O que gera uma controvérsia é o tratamento diferenciado concedido pelo Novo Código Tributário do Município de Teresina, através do art. 49, I, da Lc. 4.974/2016 aos servidores municipais. Este dispositivo celebra que fica isento do pagamento de IPTU o imóvel residencial cadastrado com valor venal inferior ou igual a R$ 93.355,50 de propriedade de servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara Municipal de Teresina, quando nele residir, e desde que não possua outro imóvel no Município. Pretende-se com esse artigo levantar uma discussão acerca da seguinte questão: sendo a igualdade a base fundamental do princípio republicano e da democracia, como justificar uma isenção que não está em consonância com a Constituição Federal e promove desigualdades ilegítimas dentro da sociedade? Tem esse tema em discussão relevância pelo fato de que essa norma, além de inconstitucional, abre mão de receitas, em detrimento da coletividade. 2. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA A isenção possui natureza jurídica controvertida na doutrina pátria. De um lado há os clássicos que sustentam que a isenção consubstancia-se em dispensa legal de pagamento de tributo, pressupondo a efetiva ocorrência do fato gerador e o surgimento da obrigação tributária. Em contraposição, há os mais modernos que entendem que a isenção retira parcela da hipótese de incidência da tributação. Para o Supremo Tribunal Federal (STF) a isenção é dispensa legal de pagamento de tributo, conforme definido na ADI nº 286, relatoria Min. Maurício Correia. Conforme o art. 150, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), a concessão de isenção será feita por lei especifica. Nesse sentido é também o art. 176 do Código Tributário Nacional (CTN). De acordo com parágrafo único do art. 176, a isenção pode limitar-se a determinada região do território do ente tributante, em função das peculiaridades do local. Emana do art. 177 do CTN que as isenções não são extensíveis às taxas e contribuições de melhoria, tampouco aos tributos constituídos após a sua concessão.  As isenções podem ser onerosas, caso em que se não forem concedidas por prazo certo e sob determinadas condições podem ser modificadas ou revogadas a qualquer momento – art. 178 do CTN. Nesse toar o STF editou a sumula nº 544: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”. As isenções ainda podem ser concedidas em caráter geral e individual. No esteio de Ricardo Alexandre (2016, pag. 450): “Haverá isenção concedida em caráter geral quando o benefício atingir a generalidade dos sujeitos passivos, sem necessidade da comprovação por parte destes de alguma característica pessoal especial. Como exemplo, tem-se a isenção do imposto de renda incidente sobre os rendimentos da caderneta de poupança. Haverá isenção em caráter individual quando a lei restringir a abrangência do benefício às pessoas que preencham determinados requisitos, de forma que o gozo dependerá de requerimento formulado à Administração Tributária no qual se comprove o cumprimento dos pressupostos legais” (STJ – REsp196.473).  3. ISONOMIA TRIBUTÁRIA O principio da igualdade é genericamente previsto na CRFB/88 no art. 5º caput: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Segundo tal mandamento, todos devem ser tratados igualmente na medida de suas igualdades e desigualmente na medida de suas diferenças. A igualdade pode ser formal, quando o tratamento díspar acima referir-se à ordem jurídica, e material, quando dizer respeito à oportunidade de acesso aos bens da vida. Segundo Dirley da Cunha Júnior (2012, pág. 698), igualdade formal abrange: “Igualdade na lei – que significa que nas normas jurídicas não pode haver distinções que não sejam autorizadas pela Constituição. (…) Igualdade perante a lei – segundo a qual se deve aplicar igualmente a lei, mesmo que crie desigualdade.” Pelo exposto é inegável que a igualdade é uma base fundamental do principio republicano e da democracia, dela decorrendo vários outros princípios, inclusive da isonomia tributária. Na seara tributária a CF prevê que aos contribuintes em situação equivalente não poderá ser dado tratamento diferenciado, nem serão admitidas distinções em razão da ocupação profissional ou função exercida. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;” Neste artigo da magna carta se vislumbra a isonomia tributária, vendando aos entes tributantes tratamento díspar na ordem jurídica tributaria. Nesse diapasão preceitua Ricardo Alexandre com exemplo (2016, pag. 112): “Assim, a pessoa física que possui salário de quinhentos reais mensais está isenta do imposto sobre a renda; enquanto aquela cujos rendimentos são de cinco mil reais mensais se sujeita a uma alíquota de 27,5% do mesmo imposto. Mesmo que os rendimentos sejam idênticos, o tratamento deve ser diferenciado se, por exemplo, há uma diferença relevante quanto a número de filhos, despesas com saúde, educação, previdência, entre outras. (…) Tratou da isonomia no seu sentido horizontal, pois exigiu que se dispensasse tratamento igual aos que estão em situação equivalente, mas deixou implícita a necessidade de tratamento desigual aos que se encontram em situações relevantemente distintas (sentido vertical).” Outro aspecto que é imperioso relacionar é a íntima relação do princípio da Isonomia com a capacidade contributiva. Na verdade, o que se tem é que a capacidade contributiva é subprincípio de algo mais genérico e aplicado a todo direito – o princípio da isonomia ou igualdade. A lei ao ser editada e aplicada tem que levar em conta as igualdades e diferenças das situações fáticas individuais. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançados por intermédio da capacidade contributiva das pessoas. A lei deve tratar igualmente os fatos econômicos que manifestam a mesma capacidade contributiva e, ao contrário, de modo diferente os que exprimem capacidade contributiva diversa. Um exemplo de norma que viola a isonomia tributária, que foi reconhecida inconstitucional pelo STF (ADI nº 1.655), tratava de isenção de IPVA concedida por lei estadual a proprietários de veículos automotores destinados à exploração de serviço de transporte escolar, desde que vinculados à determinada cooperativa. A corte entendeu que não é possível admitir que dentro do universo de proprietários apenas os filiados à determinada cooperativa pudessem ser agraciados com a isenção. Em outro caso, a emenda constitucional nº 41/2003 trouxe a possibilidade de cobrança de contribuição previdenciária para servidores inativos e pensionistas, considerada constitucional pelo STF. Ocorre que iria incidir contribuição, para servidores da União, apenas sobre o que excedesse a sessenta por cento do limite máximo de benefícios do regime geral de previdência; no caso dos servidores dos Estados e Município, a regra previa que a incidência iria ocorrer sobre o que ultrapassasse cinquenta por cento do mesmo limite. Patente a violação do princípio da isonomia, o STF pôs fim ao tratamento discriminatório no julgamento da ADI 3.105: “Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.105/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.08.2004, DJ 18.02.2005) Como registro histórico, carece de trazer à baila que antigamente havia isenção de imposto de renda para determinadas categorias profissionais, como os magistrados. Felizmente essa benesse foi explicitamente repudiada pela CRFB/88, parte final do art. 150, II. No entanto é necessário ressalvar que o princípio da isonomia não impede que se possa adotar discriminação. É que se a norma trouxer um critério de diferenciação razoável, como a que beneficia contribuintes em situações menos favorecidas, haverá constitucionalidade. Atenta à situação a CF fez a ressalva: “Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;” 4. SÍNTESE DO IPTU SEGUNDO O CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE TERESINA A regra matriz de incidência do Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU foi estabelecida no art. 156, I da CRFB/88: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana;” Seguindo a previsão constitucional, o CTN estabeleceu o aspecto material do IPTU: “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.” Ainda tratando do aspecto material é a estipulação do CTMT: “Art. 9º Constitui fato gerador do IPTU, a propriedade, o domínio útil ou a posse de todo e qualquer imóvel, por natureza, acessão física, tal como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município de Teresina, na forma e condições estabelecidas nesta lei complementar.”  Assim sendo, restou assentado na legislação que o fato gerador é o exercício da propriedade, domínio útil ou posse sobre bem imóvel localizado na zona urbana do município. Buscando o conceito de propriedade no direito civil, tem-se que proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar, dispor e reaver a coisa. Dessa forma o exercício desses direitos caracteriza a propriedade. Mas não apenas a propriedade, tal como mencionado na literalidade da CF, gera obrigação tributaria relativa ao IPTU, o STF entende que a interpretação deve englobar o domínio útil e a posse com animus definitivo. Destarte, a hipótese de incidência do IPTU é a disponibilidade econômica do domínio útil, posse ou propriedade, o que afasta da incidência a situação do locatário, mero detentor, de todos aqueles que exercem precariamente a posse. Segundo o CTMT, o aspecto temporal do IPTU é o dia 1º de janeiro do ano a que corresponda o lançamento (art. 10).  Ou seja, momento em que se considera ocorrido o fato imponível, eleito pela municipalidade, é o primeiro dia do ano.  O critério espacial do IPTU é o município de Teresina. Este município, em especial sua zona urbana, é a circunscrição territorial onde deve estar localizada a propriedade imobiliária. Visando esclarecer o que se entende por zuna urbana, o legislador municipal estipulou que seria aquela definida em lei, observando a presença de pelo menos dois melhoramentos indicados nos incisos I a V do art. 11 do CTMT. Seguindo o mandamento do art. 32 do CTN a lei complementar municipal 4.974/2016 fixou que são também áreas urbanas: as urbanizáveis e as de expansão urbana constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, inclusive à residencial de recreio, à indústria, ao comércio ou à prestação de serviços, mesmo que localizados fora da zona definidas no caput do art. 11. O sujeito ativo do IPTU é o Município de Teresina, por sua vez a lei complementar erigiu como contribuinte o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer titulo. A lei também não olvidou de tecer o responsável; segundo a norma do parágrafo único do art. 14 do CTMT, respondem solidariamente pelo pagamento do imposto o titular do domínio pleno, o titular de direito de usufruto, uso ou habitação, o possuidor titular de direito real sobre bem imóvel alheio, ainda que pertencente a qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, isenta do imposto ou a ele imune.  A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, obtido através da planta de valores genéricos, utilizando-se a metodologia de calculo definida no CTMT (art. 15).  5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 49, I, DA LC 4.974/2016 Chama atenção regra constante no art. 49 da LC municipal nº 4.974/2016. Segundo o dispositivo, fica isento do pagamento de IPTU o imóvel residencial cadastrado com valor venal inferior ou igual a R$ 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos), de propriedade de servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara municipal de Teresina, quando nele residir, e desde que não possua outro imóvel no Município. Pela norma aludida, todos os servidores efetivos do ente municipal e de sua Administração indireta estarão dispensados do pagamento de IPTU, caso seja proprietário de um único imóvel com valor venal igual ou inferior à quantia de R$ 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos). Aqui se tem uma isenção individual que deve obedecer às regras do art. 50, 51 e 52 do Código tributário de Teresina. Ou seja, deverá ser requerida a cada três anos, o benefício será concedido mediante despacho da autoridade competente e o sujeito passivo tem o dever de informar o fisco municipal que o benefício tornou-se indevido. Vale destacar que o valor de limite de isenção será atualizado anualmente pelo índice de preço ao consumidor amplo especial (IPCA-E). Diante de tal norma uma indagação surge: a isenção aludida está em consonância com Constituição Federal? A resposta somente pode ser negativa, pelas razões que se passa a expor. Conforme sustentado no início, o principio da isonomia também permite que na lei sejam feitas discriminações, entretanto o fator descriminante deve ser razoável e estritamente necessário para atingir a finalidade almejada. Consoante ensinamentos fundamentais sobre princípio da Isonomia, Celso Antônio Bandeira de Melo (pag. 47-48, 2008) aduz que haverá ofensa ao preceito constitucional quando: “I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elementos não residentes nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quanto pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial. III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção em fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência logica com a disparidade de regime outorgados. IV – A norma supõe relação de pertinência logica existente em abstrato, mas o dicrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos que de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita.” Fazendo o cotejo com a norma isentiva do I, art. 49, do CTMT, é perceptível que esta se enquadra nos preceitos III e IV acima transcrito.  A razão da primeira ofensa ao Princípio da Isonomia está em determinar que apenas os imóveis, em determinado valor, pertencentes a servidores públicos municipais estarão isentos do pagamento de IPTU, ou seja, deixarão de contribuir, em detrimentos dos demais munícipes, para os dispêndios que o Município tem a seu cargo. Nota-se que, no caso, não há pertinência logica em eleger os imóveis do servidores públicos como isentos, visto que não há justificativa racional para afastar do pagamento ou excluir de parte da incidência os servidores públicos. Verifica-se que o fator de discrímen (imóvel pertencente a servidor público) não guarda correlação com efeitos jurídicos atribuídos pela norma (deixar de pagar IPTU). O fato é que não há nada de especial em exercer as funções de um cargo público (diga-se: qualquer cargo, já que a norma não faz diferença) e, ao mesmo tempo, ser proprietário de um imóvel, que suscite o afastamento da obrigação de contribuir para as despesas públicas. A incidência de impostos deve levar em consideração a capacidade contributiva, determinada pela manifestação de riquezas. Se logo após isentar os imóveis, pertencentes a servidores do município de Teresina, com valor ate 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos), o legislador isentou os imóveis residenciais, de qualquer cidadão (art. 49, IV, do CTMT), com valor venal de até R$ 40.009,50 (quarenta mil, nove reais, cinquenta centavos), não há razoabilidade nem capacidade contributiva que justifique que os imóveis de maior valor, pertencentes aos servidores, serão isentos, enquanto que apenas os de valor bem menor, pertencentes a qualquer cidadão, estarão dispensados do pagamento. O artigo 49, I, do CTMT em análise, permanece desprestigiando a Isonomia, no esteio do que aduz Celso Antônio Bandeira de Melo (hipótese IV), ainda que se faça a suposição de pertinência logica em abstrato, tendo em mente que o descrímen elegido conduz a efeitos contrapostos que de qualquer modo são dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. Primeiro, pois há dever genérico de contribuir com os custos que o Estado incorre em busca do bem-estar coletivo, sendo as imunidades e isenções exceções no arcabouço normativo, segundo, porque não há razão valiosa, compatível com os interesses acolhidos no sistema constitucional, para beneficiar os servidores do município de Teresina, abrindo mão de receitas, em detrimento da coletividade. Em outras palavras, pode-se afirmar que não bastam pressupostos fáticos diversos para que a lei mitigue a Isonomia, tampouco são suficientes as arguições de fundamento racional; é imperioso que o fundamento lógico autorizante da desequiparação prestigie a ordem jurídica máxima. Neste aspecto, a isenção municipal fulmina a Constituição da República uma vez que, no art. 150, II, foi erigido o Princípio da Proibição da Desigualdade – na visão de Ricardo Lobo Torres (pag. 78, 2010) um corolário da isonomia, e que se expressa sob dois aspectos: proibição de privilégios odiosos e proibição de discriminação fiscal. O Estado tem o encargo de satisfação de diversos interesses dos administrados, como prestação de serviços públicos, obras públicas, solução de conflito de interesses etc. Entretanto, para alcançar sua finalidade o Estado precisa de recursos financeiros. Dessa forma, a tributação é o instrumento que se vale o ente para auferir recursos e custear suas atividades de interesse coletivo. Nessa ordem de ideias, é indubitável que o Estado pode convocar todos integrantes da coletividade (pessoas, físicas, jurídicas, entes despersonalizados) para contribuírem com os dispêndios públicos, de modo que apenas em casos específicos, amparados na ordem constitucional vigente e para a esta atender, poder-se-á excluir uma classe ou setor especifico da obrigação de pagar tributos. Voltando aos aspectos da Proibição da Desigualdade acima ventilados, tem-se que com chegada do Estado Fiscal, os privilégios odiosos passaram a ser conceituados como o pagamento de tributo menor que o previsto para os demais contribuintes ou o não pagamento em razão de características pessoais. Já a proibição de discriminação fiscal é qualquer discrimine desarrazoado, que implique na exclusão de alguém da regra de tributação geral ou de um privilégio não odioso. A Constituição brasileira de 1824 extinguiu os privilégios odiosos, estampando que ficariam abolidos todos os privilégios que não fossem essenciais e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública. Com advento da CRFB/88, a proibição de privilégios odiosos continua vigente, entretanto, hodiernamente, com a total vedação de tratamento diferenciado em razão de “ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.  Nas lições de Ricardo Lobo Torres, a vedação de privilégios odiosos é uma garantia de liberdade: “Embora atue contra as desigualdades na consideração da capacidade contributiva, do custo/benefício ou do desenvolvimento econômico, isto é, na defesa dos princípios vinculados às ideias de justiça e utilidade, a proibição constitucional visa proteger sobretudo os iguais direitos da liberdade (art. 5º, caput), que seriam afinal atingidos pelo privilegium odiosum e pela desigual repartição tributária.” Ou seja, o mandamento constitucional repudia qualquer tratamento diferenciado, seja para magistrados, jornalistas, militares, e, com maior razão, aos servidores públicos de qualquer ente politico, salvo, claro, se houver correlação lógica entre o discrímen e objetivo a ser atingido pela norma desigualadora. Nesse toar a norma municipal é inconstitucional por violar materialmente o disposto no art. 150, II, do texto maior, haja vista que corporifica um privilegio odioso, alijando a liberdade e isonômica divisão do ônus tributário. Isto pois o tributo é o “preço da liberdade”, afinal, para que o cidadão possa exercer suas liberdades, vindicar direitos, é necessário que o Estado assegure um ambiente propício ao livre desenvolvimento. Cabe a este prover as condições para que o cidadão possa exercer livremente sua profissão e atividade econômica. É do Estado a incumbência de permitir que o indivíduo, por seu trabalho, gere lucro e crie empregos. E, em razão do desempenho dessas tarefas, o Poder público deve buscar recursos financeiros por meio dos tributos. Nesse toar é inadmissível, perante a ordem constitucional, que uns, apesar de manifestarem mais riquezas, não sejam alcançados pelo Poder de Império do Estado, em virtude de uma relação jurídica funcional preexistente. No caso da lei teresinense, não existe cerne constitucional para o discrimine, muito menos o objetivo alcançado encontra guarida neste seio. Diferentemente das situações, por exemplo, de imunidade tributária e a previsão de tratamento tributário diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte. Com base na vedação de privilégios odiosos o STF já decidiu na ADI nº 3.260/RN: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 271 DA LEI ORGÂNICA E ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE — LEI COMPLEMENTAR N. 141/96. ISENÇÃO CONCEDIDA AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, INCLUSIVE OS INATIVOS, DO PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS, NOTARIAIS, CARTORÁRIAS E QUAISQUER TAXAS OU EMOLUMENTOS. QUEBRA DA IGUALDADE DE TRATAMENTO AOS CONTRIBUINTES. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1.A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no artigo 150, inciso II, da Constituição do Brasil. 2.O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes. 3.Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte — Lei Complementar n. 141/96.'” Neste julgado, a coima da inconstitucionalidade apresentou-se para a norma que criava tratamento privilegiado para os membros do Ministério Público, os quais ficariam dispensados do pagamento de quaisquer taxas. O Supremo ratificou que a Carta magna não permite esse tipo de violação ao Principio da Igualdade. Em outra oportunidade também se manifestou o egrégio tribunal: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 240 DA LEI COMPLEMENTAR 165/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS AOS MEMBROS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I – A Constituição consagra o tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem na mesma situação, vedando qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida (art. 150, II, CF). II – Assim, afigura-se inconstitucional dispositivo de lei que concede aos membros e servidores do Poder Judiciário isenção no pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais. III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar 165/199 do Estado do Rio Grande do Norte. (STF – ADI: 3334 RN, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-064 DIVULG 04-04-2011 PUBLIC 05-04-2011 EMENT VOL-02496-01 PP-00035) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMUNERAÇÃO DE MAGISTRADOS. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO. ISENÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO. 1. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, consagrou o princípio da isonomia tributária, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão do trabalho, cargo ou função exercidos. 2. Remuneração de magistrados. Isenção do imposto de renda incidente sobre a verba de representação, autorizada pelo Decreto-lei 2.019/83. Superveniência da Carta Federal de 1988 e aplicação incontinenti dos seus artigos 95, III, 150, II, em face do que dispõe o § 1º do artigo 34 do ADCTCF/88. Consequência: Revogação tácita, com efeitos imediatos, da benesse tributária. Recurso extraordinário não conhecido”. (RE 236881, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 26-04-2002 PP-00090 EMENT VOL-02066-02 PP-00432) Não reconhecendo o alegado merecido tratamento privilegiado aos oficias de justiça estaduais em aquisição de automóveis, decidiu a Suprema corte: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN . INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988 3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (STF – ADI: 4276 MT, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014) Em caso que o agravante queria ver reconhecido seu direito à isenção de IPTU em razão da qualidade de servidor estadual também decidiu o STF: Isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor estadual do agravante, postulada em desrespeito da proibição contida no art. 150, II, da CF de 1988. [AI 157.871 AgR, rel. min. Octavio Gallotti, j. 15-9-1995, 1ª T, DJ de 9-2-1996.] Em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu não pode prosperar norma que concede isenção de IPTU a determinada classe, pois fere princípio da Isonomia: “IPTU. ISENCAO AOS SERVIDORES MUNICIPAIS. A TODA EVIDENCIA, A LEI MUNICIPAL AO ESTABELECER ISENCAO DE IMPOSTO A UMA DETERMINADA CLASSE DE PESSOAS, FERIU O PRINCIPIO DA ISONOMIA, ESTATUIDO NA CONSTITUIÇÃO. (RESUMO) (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 591088935, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 07/12/1992)” (TJ-RS – ADI: 591088935 RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Data de Julgamento: 07/12/1992, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia) A toda evidencia, tem-se que a norma do art. 49, I, do CTMT viola o Princípio da Isonomia tributária, em especial a proibição da desigualdade, prevista na CRFB/88. 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente artigo, com a análise feita às regras referentes à isenção, à isonomia tributária juntamente com a norma esculpida no texto constitucional chegou-se ao objetivo principal, que foi o de confirmar a tese de que a lei municipal é uma norma inconstitucional por conduzir a efeitos contrapostos que de qualquer modo são dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. Fazendo uso da doutrina e da jurisprudência conclui-se que a norma municipal corporifica um privilégio odioso, alijando a liberdade e isonômica divisão do ônus tributário. A isonomia tributária deve reger todo o ordenamento jurídico, bem como servir de orientação também na elaboração de novas normas, sendo que qualquer fator discriminante deve ser razoável e estritamente necessário para atingir a finalidade almejada. Além disso, ao beneficiar os servidores municipais apenas por estes exercerem um cargo público, a norma municipal transferiu a carga tributária decorrente da isenção de impostos para toda a coletividade não atingida por esse benefício, abrindo mão de receitas importantes para a manutenção do Município. O TJRS em importante decisão reconheceu não poder prosperar norma que concede isenção de IPTU a determinada classe, pois fere o princípio da isonomia, espera-se que o mesmo ocorra com a norma municipal do art. 49, I do CTMT, uma vez que esta norma que fulmina com a Constituição Federal e fere o princípio da Isonomia, gerando discriminações inaceitáveis, não pode continuar existindo no Ordenamento Jurídico.
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Incidência do ITBI sobre os contratos de promessa de compra e venda. Uma análise crítica da jurisprudência
Este trabalho apresenta o resultado de amplo estudo acerca das hipóteses de incidência do ITBI (Imposto Transmissão Inter Vivos), em especial sobre os contratos de promessa de compra e venda, registrados ou não, analisando a forma como a jurisprudência nacional tem se posicionado sobre o tema. Foram analisados os diplomas normativos que regem as hipóteses de incidência do ITBI, bem como sua evolução histórica, com o objetivo de facilitar a correta aplicação da lei. O presente trabalho apresenta, destarte, uma análise crítica de como o tema têm sido abordado pelos Tribunais, pontuando a grande celeuma que tem ocorrido nas relações jurídico-tributárias entre os diversos Municípios espalhados pelo País e os respectivos contribuintes.
Direito Tributário
Introdução O presente estudo tem como objeto analisar a legalidade da incidência do ITBI (Imposto sobre Transmissão Inter vivos), sobre os contratos de promessa de compra e venda, registrados ou não. Os Tribunais pátrios vêm enfrentando de forma superficial o tema ora abordado, limitando-se a repetir precedentes anteriores, sem, contudo, fazer uma análise aprofundada sobre o tema, multiplicando-se, assim, as celeumas jurídico-tributárias entre contribuintes e Municípios. Tem sido reiteradamente afirmado, pelos Tribunais Superiores, que apenas a transferência da propriedade imóvel poderia ser considerada fato gerador do ITBI. Em contrapartida, os Municípios sustentam que outras transferências de direitos reais imobiliários também se inserem no campo de incidência do Imposto em comento, prevendo-a em suas legislações locais. Ante o desencontro de entendimentos, multiplicam-se os processos administrativos e judiciais que tratam sobre o tema, sendo necessário, portanto, uma abordagem profunda e escorreita acerca da instituição e limites do campo de incidência do ITBI. O deslinde da celeuma que a autora se propõe a analisar perpassa, necessariamente, pela análise das hipóteses de incidências eleitas pelo legislador constitucional como autorizadoras da cobrança do ITBI, bem como sua evolução ao longo dos anos. Necessário analisar detalhadamente os dispositivos legais e constitucionais que autorizam a cobrança do ITBI, e a mens legis para a sua instituição. Antes de ingressarmos no tema, mister discorrer brevemente sobre a previsão legal e constitucional para a instituição do ITBI. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 156, II[1], afirma ser competência municipal instituir impostos sobre transmissão “inter vivos” a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Da análise do artigo supracitado, observa-se que o legislador constituinte elegeu 3 (três) situações como hipóteses para a incidência do ITBI, conforme o disposto no art. 156, II, da CF: 1) Transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis; 2) Transmissão inter vivos de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia; 3) Cessão de direitos à aquisição de direitos reais sobre imóveis.   Em consonância com o disposto na Constituição Federal, o art. 35, do CTN, assim dispôs, ao estabelecer o fato gerador do ITBI: "Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II." Vê-se, destarte, que a intenção do legislador foi eleger outras hipóteses de incidência, para além da transmissão da propriedade, contemplando, assim, as transmissões de direitos reais sobre imóveis, bem como as cessões de direitos que se refiram à transmissão de propriedade ou domínio útil de bens imóveis e outros direitos reais. Para fins de elucidar as hipóteses eleitas pelo legislador constituinte, pondo uma pá de cal na celeuma interpretatória em torno desse tema, cabe, aqui, fazer uma breve digressão, através de uma análise histórica sobre as hipóteses de incidência do ITBI. 1. Breve análise histórica das hipóteses de incidência do ITBI Com o fito de se ter uma compreensão ampla acerca das atuais hipóteses de incidência do ITBI, é preciso fazer, destarte, uma análise histórica, do surgimento do referido tributo e as diversas modificações legislativas pela qual passaram ao longo dos anos. Até a constituição de 1946, a previsão legislativa para a incidência do ITBI ocorria apenas sobre a transmissão de bens imóveis. Ou seja, o ITBI, àquela época de competência dos estados, possuía como fato gerador apenas a transferência do direito real de propriedade, que ocorria com o registro do título no cartório de imóveis. A redação original do art. 19, da Constituição de 1946, assim previa[2]: "Art 19 – Compete aos Estados decretar impostos sobre: (…) III – transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedades;" Posteriormente, o legislador percebeu que eleger unicamente a transmissão de propriedade imobiliária como fato gerador do ITBI fazia com que um conjunto de operações não fossem levadas a registro no cartório de imóveis, permanecendo ocultas, como forma de “fugir” à incidência do imposto devido. Dessa forma, foi editada, em 01/12/1965, a Emenda Constitucional nº 18, dando nova redação ao sistema tributário nacional da época. Nessa emenda, o imposto sobre transmissão de propriedades passou a incidir também sobre as cessões de direitos relativos à aquisição dos bens imóveis, ou seja, sobre as operações que não são levadas a cartório e que dão origem a direitos pessoais. Eis o teor da redação da emenda, à época: "Art. 9º Compete aos Estados o impôsto sôbre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sôbre imóveis, exceto os direitos reais de garantia. § 1º O impôsto incide sôbre a cessão de direitos relativos à aquisição dos bens referidos neste artigo." Na sequência, com o intuito de regulamentar a EC n.º 18/65, é editado o Código Tributário Nacional, em 25/10/1966. Ao tratar do tema, o CTN deixa evidente que o imposto passa a incidir sobre direitos reais – o que já ocorria – e, ainda, sobre as cessões de direitos, ou seja, sobre os direitos pessoais, que assim o são uma vez que o negócio jurídico que lhes deu origem não foi levado a registro no cartório de imóveis. Esse é o teor da norma prevista no art. 35, do CTN. "Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II." A constituição de 1967 continuou com a mesma intenção de referendar a incidência do imposto sobre transmissões de direitos reais e cessões de direitos pessoais. Veja: "Art 24 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre: I – transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis;" O mesmo ocorre na redação atual do art. 156, da Constituição de 1988: "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;" Ante a análise histórica precedente, resta evidente que a intenção do legislador, desde a Emenda Constitucional 18, de 1965, foi determinar que a incidência do ITBI ocorra não apenas sobre a transmissão do direito real de propriedade, com o registro do título no cartório de imóveis, mas também eleger como hipóteses de incidência a transmissão de direitos reais sobre imóveis (para além da transmissão de propriedade), bem como as cessões de direitos pessoais que são pactuadas pelas partes, sem que se leve o título para registro no cartório de imóveis e sem que se configure juridicamente a transmissão da propriedade. Nesse diapasão, seguindo as determinações impostas pelas normas constitucionais e nacionais sobre o tema, o Código Tributário do Município de João Pessoa, assim dispôs em seu art. 199: "Art. 199. O ITBI e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre bens imóveis por natureza ou acessão física, exceto os de garantia, como definidos na Lei Civil; II – a cessão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos relativos às transmissões descritas no inciso anterior". Ou seja, aprouve ao legislador constitucional e infraconstitucional instituir outras hipóteses de incidência de ITBI, para além da transmissão de propriedade, contemplando, outrossim, aqueles negócios jurídicos realizados com o objetivo de transmitir outros direitos reais sobre imóveis, bem como aqueles que tem como objeto ceder os direitos relativos à transmissão dos direitos reais. Importante observar que essa é uma previsão constitucional, constante no texto original da Constituição de 1988, de tal forma que é preciso que o Judiciário reconheça a efetividade e eficácia dessa norma, sob pena de esvaziamento de um direito constitucional, previsto aos municípios. O que se observa atualmente é, em verdade, remansosa jurisprudência pátria considerando unicamente a transmissão da propriedade, com o registro do título no cartório de imóveis, como fato gerador de ITBI. Entretanto, verifica-se que, até o momento atual, não se fez uma análise profunda e escorreita do art. 156, III, da CF, limitando-se os julgadores a repetirem precedentes antigos e desconformes à Constituição. Não se analisa, destarte, o texto constitucional, e as inovações trazidas com o Código Civil, desconsiderando-se, na verdade a mens legis do constituinte, que expressamente previu outras hipóteses de incidência para além da transmissão da propriedade. É necessário que os julgadores e operadores do direito debrucem-se de forma corajosa e profunda sobre o tema, de forma que não se decida apenas em precedentes que determinam a não incidência do ITBI sobre as promessas de compra e venda e outras cessões de direitos reais sobre imóveis, precedentes esses muitas vezes vazios de fundamentação, que se resumem a expressar uma jurisprudência consolidada, antiga, sem qualquer análise sobre as diversas hipóteses de incidência trazidas pela Constituição Federal para a incidência do ITBI. Observa-se, com efeito, diversas decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal que reconhece, ao arrepio da Constituição, como único fato gerador do ITBI a transmissão da propriedade. Numa mera leitura do dispositivo constitucional acima mencionado, vê-se que o legislador constituinte originário estabeleceu outras hipóteses de incidência do ITBI, que não se resumem apenas à transferência da propriedade através do registro do título imobiliário. É cediço que não cabe aos julgadores restringir o alcance da lei, quando a vontade do legislador está expressa em sua literalidade, a menos que esteja fundamentado em norma constitucional que esvazie a validade da norma impugnada. No caso do ITBI, a norma que está sendo esvaziada trata-se de norma constitucional, válida, originária, incapaz, sequer, de ser submetida a controle de constitucionalidade, bem como não se encontra em dissonância com as demais normais normas constitucionais para que tenha sua eficácia limitada pelo Judiciário. Reiteramos, destarte, o acima exposto de que, pela análise histórica e pelas alterações legislativas ao longo das décadas, resta clara a intenção do legislador em considerar como fato gerador outras situações de transmissão de direitos reais, além da transmissão do direito real de propriedade. 2. Da constitucionalidade da incidência do ITBI sobre a promessa de compra e venda e outras cessões de direitos reais. Necessidade de superação de precedentes Numa leitura simples e direta, ao destrinchar o texto constitucional do art. 156, III, da CF, para se extrair a norma ali constante, outra não pode ser a conclusão senão a de que existe a previsão de três hipóteses de incidência do ITBI, literalmente expressas no texto (art. 156, III, da CF): 1) Transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis; 2) Transmissão inter vivos, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia; 3) Cessão de direitos a sua aquisição.  Com efeito, não é necessária uma leitura aprofundada para verificar que foram eleitas outras hipóteses de incidência de ITBI que desbordam meramente a transmissão da propriedade, contrariando, assim, de plano, a jurisprudência que defende de forma veemente que apenas com o registro da propriedade haveria autorização para a incidência do ITBI. Ademais, é importante trazer à baila o conteúdo do art. 110, do CTN, que impõe balizas para a interpretação das normas tributárias. Conforme esse artigo, a lei tributária deve seguir a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas do direito privado, utilizados pela Constituição. Eis o teor do referido artigo: "Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias." Nessa direitura, o artigo 156, da Constituição Federal, que autoriza a incidência de ITBI sobre a transmissão de direitos reais sobre imóveis, deve ser interpretado em consonância com o disposto no Código Civil, pois é este que lista quais os direitos reais existentes no nosso ordenamento jurídico. Eis o teor, do art. 1.225, do Código Civil. "Art. 1.225. São direitos reais: I – a propriedade; II – a superfície; III – as servidões; IV – o usufruto; V – o uso; VI – a habitação; VII – o direito do promitente comprador do imóvel;"(grifos nossos) Observa-se, portanto, que, numa simples subsunção dos fatos à norma, e, na comparação entre as normas constitucionais e normas da lei civil, impossível chegar à outra conclusão senão a de que o direito do promitente comprador do imóvel é um direito real, e que a transmissão do referido direito está expressamente prevista no art. 156, III, da CF, como hipótese de incidência do ITBI. A reforçar o entendimento, observe-se o teor do art. 1.417, do Código Civil: "Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel." Não há dúvidas, destarte, de que o direito do promitente comprador foi erigido ao status de direito real com a vigência do novo Código Civil, inserindo-se, destarte, dentre o rol de direitos cuja transmissão autoriza a incidência de ITBI. Vale, ainda, fazer uma observação de grande importância, concluindo o presente raciocínio. Nos casos em que a promessa de compra e venda é registrada em cartório, conforme prevê o art. 1.417, do Código Civil, não há dúvidas de que há um direito real e que sua transmissão submete-se à incidência do ITBI, nos termos do art. 156, III, da CF, e art. 35, inciso II, do CTN. Entretanto, poderiam pairar dúvidas sobre os casos em que a promessa de compra e venda, a despeito de ser irrevogável, não tenha sido levada a registro no cartório imobiliário (promessas de compra e venda não registradas). Nesses casos, conforme a determinação da lei civil, não houve a constituição do direito real, permanecendo a promessa de compra e venda no âmbito das obrigações pessoais.  Porém, mesmo nos casos de promessas de compra e venda que configuram direitos pessoais, por não estarem registradas, ainda assim deverá haver a incidência do ITBI. Isso porque tais situações encontram-se contempladas pela terceira hipótese de incidência, qual seja a "cessão de direitos a sua aquisição", prevista no art. 156, III, da CF, in fine, e art. 35, III, do CTN. "Art. 156, CF: Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;" "Art. 35, CTN. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II." (grifos nossos) Com efeito, a promessa de compra e venda, ainda que não registrada, configura verdadeira cessão de direitos à aquisição do direito real de propriedade, fazendo incidir o art. 156, III, da CF e o art. 35, III, do CTN. Vale trazer à baila os apontamentos doutrinários acerca do teor do contrato firmado na promessa de compra e venda: "A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma pessoa, física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedora, se obriga a vender a outra, denominada promissária ou compromissária (ou promitente) compradora, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados."[3] Da análise do teor do negócio jurídico que se perfaz na promessa de compra e venda, ainda que não registrada em cartório, outra não pode ser a conclusão senão a de que se configura em verdadeira cessão de direitos relativos à transmissão de propriedade, fato que autoriza a incidência do ITBI nesses casos. Mister se faz, destarte, que os Tribunais pátrios debrucem-se sobre tais questões trazidas à baila nesta dissertação, antes de julgar o mérito, não se limitando a repetir precedentes, parcos em fundamentação. Afastar normas contidas em lei complementar federal e, especialmente, na Constituição da República, pilar de nosso ordenamento jurídico, exige do julgador uma fundamentação adequada do motivo pelo qual está deixando de aplicar a norma estabelecida pelo constituinte originário. Não é, entretanto, o que se tem visto em decisões que se limitam a repetir precedentes que cuidam unicamente em afirmar que o fato gerador do ITBI é apenas a transmissão da propriedade com o registro do título no cartório de imóveis, esvaziando por completo a norma contida no art. 156, III, da CF. Essa prática deve ser repensada, havendo, inclusive, a previsão no novo diploma processual civil que impõe a necessidade de fundamentação adequada. É o que dispõe o art. 489, §1º, IV e V, do CPC, segundo o qual não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão do julgador, bem como se limitam a invocar precedentes ou enunciados de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes. "§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:(…) IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;" Os precedentes muitas vezes suscitados com o fim de elidir a cobrança de ITBI sobre as promessas de compra e venda, registradas ou não, não analisam de forma acurada os artigos ora suscitados, e omitem-se em dar eficácia plena à norma constitucional prevista no art. 156, III, da CF. A repetição desses precedentes malfere a literalidade da norma constitucional, amputando-lhe duas hipóteses eleitas pelo constituinte para a incidência do ITBI, quais sejam, a transmissão de outros direitos reais, além da propriedade, e a cessão de direitos a sua aquisição, configurada nos negócios jurídicos, no âmbito das obrigações pessoais, em que se pactuam a cessão de direitos reais, sem a sua efetiva transferência por ora do registro no cartório. As decisões judiciais, atualmente, se limitam a repetir outros precedentes, olvidando que existiram mudanças no ordenamento jurídico e que essas alterações não podem ser desconsideradas. Resumem-se a afirmar, sem fundamento legal, de que o fato gerador de ITBI seria apenas a transferência efetiva da propriedade no cartório de registro de imóveis, contrariando frontalmente o teor da norma expressa na CF, art. 156, II.  Para se entender o tamanho do equívoco, tem sido suscitado o caso julgado pelo Pleno do STF na representação de inconstitucionalidade nº 1.121-6, que considerou a inconstitucionalidade da cobrança de ITBI sobre a promessa de compra e venda. Entretanto, inadmissível não se ater ao fato de que essa representação foi julgada em 1984, anterior até mesmo à Constituição Federal de 1988, não mais se sustentando ante às alterações incorporadas no ordenamento, como por exemplo, a vigência do novo Código Civil, que alçou a direito real o direito do promitente comprador registrado em cartório. O referido precedente acima mencionado deve ser considerado totalmente superado, ante a novel Constituição e o disposto no Código Civil. Na esteira desse entendimento, é imperioso observar que vem se multiplicando as decisões de magistrados e desembargadores que analisam de forma mais profunda e escorreita o tema sub examine, tomando em consideração o teor da norma constitucional prevista no art. 156, III, da CF. A título de exemplo, colaciono ementa de caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "AÇÃO DECLARATÓRIA. ITBI. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. TERRENO. CONSTRUÇÃO E BENFEITORIAS. 1. Constitui fato gerador do ITBI a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis ou de direitos reais sobre eles, ou, ainda, a cessão de direitos relativos a tais transmissões. 2. A base do cálculo do ITBI é o valor venal do imóvel objeto de transmissão. A construção superveniente ao contrato de promessa de compra e venda pelo adquirente não integra a base de cálculo. Súmulas 110 e 470 do STF. 3. Em se tratando de causa em que restou vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios são fixados de acordo com a apreciação equitativa do juiz. Hipótese em que a verba honorária fixada deve ser reduzida. Recurso provido em parte. Sentença confirmada, no mais, em reexame necessário. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70055680631, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 14/09/2013)." (Grifo nosso). A jurisprudência pátria tem avançado na análise do tema em comento. Em importante julgado sobre o tema, a Corte Especial do Tribunal De Justiça de Pernambuco, em recente decisão sobre o tema, instada a se manifestar sobre a constitucionalidade da incidência de ITBI sobre as promessas de compra e venda, estabeleceu, numa clara mudança de paradigma, e, em profunda análise sobre o tema, a constitucionalidade da cobrança de ITBI sobre as promessas de compra e venda, não se resumindo a repetir precedentes anteriores. Importante ressalvar que o referido entendimento foi firmado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em que se impugnava a validade da norma do Município de Olinda que previa a incidência de ITBI sobre a promessa de compra e venda. Os ilustres desembargadores que compõem a Corte Especial do Tribunal de Pernambuco debruçaram-se sobre o tema, em sede de controle concentrado, e firmaram o entendimento de incidência de ITBI também para os casos de promessa de compra e venda. Eis o teor da ementa do caso julgado, por ser assaz elucidativo: "PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E INCOMPETÊNCIA DA CORTE ESPECIAL DO TJPE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA MUNICIPAL ATACADA. REJEIÇÃO Á UNANIMIDADE. DISPOSITIVO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE OLINDA. INCIDÊNCIA DE ITBI SOBRE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL SEM CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO E DEVIDAMENTE REGISTRADA NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. DECISÃO POR MAIORIA. 1. As preliminares de ilegitimidade ativa, de impossibilidade jurídica do pedido e de incompetência desta Corte Especial para declarar a eventual inconstitucionalidade da norma municipal questionada foram rejeitadas ante a ausência de amparo legal. 2. O Código Civil de 2002, adotando nova sistemática, estabelece em seus artigos 1.225 e 1.417 que a promessa de compra e venda de bem imóvel se caracteriza como direito real, de forma que incidirá o tributo correspondente (ITBI) quando da constituição desse direito. Para além disso, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 35, II, é claro ao reconhecer que a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis também é fato gerador do ITBI. 3. Considerando que o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles relativos (ITBI) tem como fato gerador a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis e, sendo a promessa de compra e venda irretratável e irrevogável devidamente registrada no Cartório imobiliário um direito real – segundo a nova sistemática da Lei Adjetiva Civil Pátria – resta incontroversa ser devida/exigível a exação fiscal (cobrança do ITBI) a partir do momento em que se registra o aludido contrato (promessa de compra e venda) perante o Cartório de Imóveis, ficando o promissário comprador, consequentemente, desincumbido do ônus de pagar o imposto quando do registro da escritura definitiva. 4. Verifica-se, assim, que tanto a transmissão definitiva da propriedade imóvel, quanto a promessa de compra e venda com cláusula de irretratabilidade, são fatos geradores da exação fiscal (ITBI), posto se tratarem de cessões irretratáveis de direitos reais sobre a propriedade imobiliária, sendo exatamente esta a hipótese fático-jurídica descrita na norma impugnada. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente para, em consequência, reconhecer a constitucionalidade do artigo 100, inciso V, da Lei Complementar nº 003/1997 do Município de Olinda (Código Tributário Municipal) – com a redação que lhe deu o artigo 3º da Lei Complementar nº 016/2003 do mesmo Município. Decisão por maioria de votos. (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 241892-8, Relator Desembargador Fausto de Castro Campos, Corte Especial, Data do julgamento 01/02/2016)". (Grifo nosso). É importante que se avance na análise do tema, considerando, ainda, a questão das cessões de direito à aquisição dos bens imóveis, porém não se pode olvidar que o referido precedente já aponta para uma modificação da jurisprudência pátria, desbordando do simplismo em que vem sendo tratado o tema em questão.  Com efeito, não há como repetir, nos dias atuais, a tese de que o ITBI possui unicamente como fato gerador a transferência da propriedade, uma vez que tal tese não se sustenta diante do nosso arcabouço constitucional. 3. Razão da previsão da incidência do ITBI sobre as promessas de compra e venda: princípio da isonomia. Conforme amplamente explanado alhures, depreende-se, da leitura dos textos legais, que a realização da promessa de compra e venda, registrada ou não em cartório, configura cessão de direitos à aquisição de bens imóveis, atraindo a incidência do ITBI sobre tais contratos. Essa situação foi pensada exatamente tendo por escopo a realização do princípio da igualdade entre os contribuintes. Com efeito, muitos contribuintes com o objetivo de furtarem-se à incidência do tributo, optam por realizar outras formas de negócio jurídico, diversas da compra e venda tradicional, com o registro do título e a transferência da propriedade. Esse fato representa um verdadeiro injusto tributário uma vez que tais contribuintes jamais realizam a escritura definitiva, não podendo ser considerados proprietários do imóvel, porém detendo todos os amplos e irrestritos direitos que advém do exercício do direito de propriedade, atuando como verdadeiros proprietários, sem, entretanto, nunca levarem a registro o seu título aquisitivo. Ademais, ao realizarem a transferência do bem imóvel, o que equivaleria à outra compra e venda propriamente dita, esses contribuintes apenas procedem a uma cessão de promessa de compra e venda, por escritura pública ou particular, correspondendo, assim, a uma nova transmissão do bem, porém novamente sem levar a efeito o registro no cartório de imóveis, numa verdadeira tentativa de furtar-se à incidência de ITBI. Foi exatamente para esses casos que foi pensado o teor da norma sobre cessão de direitos à aquisição dos bens imóveis. Para que tais situações restassem contempladas e não permanecessem como uma brecha nefasta, ferindo a isonomia entre os contribuintes, princípio tão caro à democracia. O que o legislador constituinte pretende é tributar a manifestação de riqueza configurada na aquisição de uma propriedade ou mesmo nos direitos relativos a tais bens imóveis. Observe que um particular que realiza uma promessa de compra e venda irretratável sobre um bem imóvel, em nada difere da situação fática de um particular que realiza a compra e venda propriamente dita e registrada. Ambos exercem os amplos e irrestritos direitos advindos da propriedade de usar, gozar, dispor do bem e reavê-lo de quem o detenha ilegitimamente. Ora, os particulares que manifestam a expressão de riqueza, decorrente de aumento patrimonial, seja por intermédio da escritura de compra e venda devidamente registrada, seja por intermédio de uma promessa de compra e venda, ou de qualquer outra cessão de direitos que lhes confiram os mesmos amplos poderes do direito real de propriedade e de outros correlatos, tais particulares devem ser tratados de forma igualitária. É preciso, na aplicação do direito, observar dois princípios pilares do Sistema Tributário Nacional, quais sejam, o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva, segundo os quais as manifestações de riquezas devem ser igualmente tributadas, a evitar um injusto tributário. "A isonomia possui, portanto, uma acepção horizontal e uma vertical. A acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas (daí a nomenclatura), na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma[4]". (Grifo do autor) Foi exatamente com o objetivo de sanar essa celeuma e atribuir isonomia que o legislador constituinte elegeu outras hipóteses de incidência para além da transmissão de propriedade. Deve-se convir que situações tão intimamente análogas sejam tratadas de forma isonômica pelo legislador e pelo aplicador do direito. Isso para evitar a clássica situação daqueles que, com o objetivo de furtarem-se à incidência de ITBI, não consolidam o direito real de propriedade em seu nome (não levando a registro o título de propriedade, ou, ainda, permanecendo com promessa de compra e venda), e o transferem a um terceiro, numa verdadeira cessão de direitos à aquisição do imóvel. É verdade que não pesa sobre o contribuinte a obrigação de consolidar a propriedade em seu nome, com a emissão da escritura definitiva. Essa, de fato, é uma situação que se encontra no bojo da liberdade dos negócios jurídicos privados. Entretanto, o direito não pode ignorar os fatos e a manifestação de riqueza que é, em tudo, análoga àquele que realiza uma escritura definitiva de compra e venda consolidando a propriedade em seu nome. E foi, precisamente, para esses casos em que se previu a incidência de ITBI sobre a transferência de outros direitos reais sobre imóveis, bem como sobre as cessões a sua aquisição. Vale ressaltar, para que não pairem dúvidas sobre a razoabilidade e justiça dessa tributação, que, nos casos em que o particular realiza uma promessa de compra e venda e, posteriormente, consolida a propriedade em seu nome com o registro da escritura definitiva, em tese, NÃO estaria obrigado a realizar dois pagamentos de ITBI sobre o mesmo fato, pois do contrário haveria um patente caso de bitributação. Nos casos em que ocorre a consolidação da propriedade com a outorga da escritura definitiva de compra e venda após a quitação da promessa, percebe-se que ocorreu apenas uma única manifestação de riqueza, uma verdadeira conclusão do negocio jurídico de promessa de compra e venda anterior já tributada pelo ITBI. Com efeito, havendo o pagamento de ITBI na promessa de compra e venda, não seria necessária, assim, a realização de uma nova cobrança de ITBI nos casos de outorga de escritura definitiva de compra e venda entre as mesmas partes e com o mesmo objeto da promessa, uma vez que, nesse caso, trata-se apenas de desfecho do negocio jurídico anterior, não havendo uma nova manifestação de riqueza a ser tributada. Reforço o acima exposto. É necessário que a consolidação da propriedade se dê entre as partes originárias do contrato de promessa de compra e venda. Havendo um terceiro, estranho à relação originária de promessa de compra e venda, não se trata mais de consolidação do negócio jurídico anterior, mas sim de verdadeira cessão de direitos à aquisição, nesse caso devendo incidir ITBI não apenas na promessa de compra e venda como também no registro da escritura definitiva. Podemos observar que, em qualquer caso de transferência de domínio ou de cessão de direitos sobre transmissão de bens imóveis, deve haver a incidência do ITBI, evitando assim que haja uma tributação injusta e não isonômica, deixando de alcançar situações semelhantes, quais sejam, aquelas em que o contribuinte apresenta um acréscimo patrimonial, porém elege outros meios, para além da escritura pública e seu registro no cartório, revestindo o negócio jurídico de outras roupagens, porém que não nega a essência do negócio, qual seja, a transmissão de direitos reais sobre o imóvel, a expressão de riqueza, autorizando o ente a tributar também nesses casos. Essa autorização decorre de expressa previsão legal, desde a Constituição de 1947, com a emenda 18, na qual o legislador constituinte verificou a necessidade de abarcar outras situações, para além da transmissão da propriedade por meio do registro do título no cartório, e segue até os nossos dias com a previsão do art. 156, III, da CF. Conclusão Após acurada análise sobre o tema posto a exame, outra não pode ser a conclusão, senão a da legalidade e constitucionalidade da incidência do ITBI nas promessas de compra e venda, sendo, destarte, legítimo o ato da autoridade em lançar e cobrar o imposto devido. Com efeito, a norma constitucional originária erigiu como fato gerador do ITBI outras hipóteses de incidência, para além da transmissão da propriedade com o registro no Cartório Imobiliário. A própria evolução histórica das modificações legislativas aponta para esse entendimento. A simples leitura da norma constitucional conduz à conclusão aqui defendida. Não pode, destarte, a jurisprudência pátria permanecer decidindo apenas com fundamento em precedentes que repetem outros precedentes, sem se debruçar coerentemente sobre a questão. É preciso analisar o tema à luz dos dispositivos legais que o regem, bem como do princípio da isonomia, que impõe o tratamento igualitário para o tratamento jurídico-tributário em manifestações de riquezas. Enquanto não se pacifica o tema, processos e mais processos abarrotam, tanto o âmbito administrativo, quando o âmbito judicial, causando insegurança jurídica, algo totalmente nefasto às relações jurídico-tributárias.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/incidencia-do-itbi-sobre-os-contratos-de-promessa-de-compra-e-venda-uma-analise-critica-da-jurisprudencia/
ITBI – momento da ocorrência do fato gerador
No Sistema Tributário Nacional o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis “inter vivos” – ITBI, que era de competência dos Estados, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou a ser instituído pelos Municípios. No direito brasileiro, a transmissão da propriedade imobiliária ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de forma que, antes do registro, o alienante continua na condição de dono do imóvel. O momento da incidência do fato gerador do ITBI, só poderá ser o momento da transmissão do bem imóvel a título oneroso ou o da cessão de direitos, de forma que a cobrança do tributo sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor. Mesmo com a determinação prevista na legislação, alguns Municípios efetuam a cobrança do ITBI na lavratura da escritura pública no Cartório de Notas, ou seja, antes de ocorrido o fato gerador do tributo, contrariando o ordenamento jurídico brasileiro. Assim sendo, o tema ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis continua merecer maior atenção dos estudiosos do Direito, para que seja feita uma análise mais profunda dos artigos que tratam do tema, afim de resolver as controvérsias sobre o aspecto temporal ou momento da incidência do respectivo tributo. [1]
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo estudar o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, abordando o seu aspecto temporal ou o momento de incidência do fato gerador do tributo. O momento da incidência do fato gerador do ITBI é assunto que merece atenção especial dos estudiosos do Direito, pois apesar dos entendimentos doutrinários e das decisões proferidas pelos tribunais brasileiros, alguns Municípios continuam exigindo o pagamento do imposto na lavratura da escritura pública no Cartório de Notas. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência, em sua maioria, defendem que o fato gerador do ITBI ocorre com o registro do título no cartório imobiliário, de forma que a cobrança do tributo sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico. Para o estudo do tema, realizou-se a pesquisa da Legislação Tributária, Civil, Constituição Federal, bem como pesquisa bibliográfica, abordando as opiniões de renomados doutrinadores e decisões jurisprudenciais, que, com o amplo conhecimento jurídico trouxe clareza sobre o tema em estudo. Após a introdução, o capítulo dois apresenta o conceito e contexto histórico do ITBI, bem como a previsão legal e os elementos constitutivos do respectivo tributo. O capítulo três, trata-se do aspecto temporal ou momento da incidência do fato gerador, abordando a posição doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Conclui-se o trabalho com a afirmativa, que o fato gerador do ITBI ocorre com a transferência da propriedade junto ao Cartório de Registro de imóveis, antes deste não há que se falar em fato gerador. Portanto, o tributo somente pode ser exigido após o tal registro. 2 IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI Neste capítulo discorre-se sobre o conceito, origem histórica, previsão legal e os elementos constitutivos do respectivo tributo. Este tributo, exclusivo das negociações imobiliárias, incide sobre transmissão de bens imóveis “inter vivos”, seja a qualquer título – por ato oneroso, por natureza ou cessão física – na instituição de direitos reais sobre imóveis, excluindo os de garantia, bem como a cessão de direitos de sua aquisição No que se refere à sua origem histórica, leciona Rodriguez Júnior (2008, p.121) que os tributos sobre transmissão imobiliária, nesta modalidade, teriam-se originado ao tempo de Ptolomeu no Egito, tendo sido posteriormente reestruturada em Roma, com os nomes de “Vicesima Manunissiorum ou Inter Vivos”. Com a Revolução Francesa de 1789, a cobrança desse tributo ganhou consistência, sob o nome de “Droit de Quint”, estendendo-se posteriormente para os demais países do mundo. No Brasil, o tributo ora estudado foi instituído primeiramente no ano de 1809, sob a denominação de “Sisa dos Bens de Raiz”, nome que deriva da expressão latina “excisio”, e que significa cortar uma parcela de alguma coisa, no caso, a passagem de bens ou direitos imobiliários por ato em vida das pessoas intervenientes na transmissão. Essa determinação decorreu do Alvará 3, de junho daquele mesmo ano, tendo sido posteriormente previsto na Constituição Federal de 1891, art. 9º,III, como tributo da competência dos Estados, e que incidia sobre transmissões imobiliárias de qualquer natureza. (RODRIGUEZ JR, 2008, p. 122) Importante registro deve ser feito à Lei nº 1.507 de 23 de setembro de 1867, pois esta passou a denominá-lo como Imposto Sobre Transmissão da Propriedade “Inter Vivos” e “Causa Mortis”. Perduraria com essa formatação até a Constituição de 1934, quando o legislador brasileiro cindiu as duas hipóteses possíveis de transmissão em duas modalidades diversas, daí surgindo o imposto de transmissão de propriedade “causa mortis” (art.8º, I, b) e o imposto sobre a transmissão de propriedade imobiliária “inter vivos” (art.8º, I, c), ambos topograficamente localizados sob a competência dos Estados, mantendo-se inalterado na Constituição Federal de 1937 (art. 23, I, b e c) e na Carta de 1946 (art. 19, II e III). (RODRIGUEZ JR, 2008, p. 123) Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, os arts. 1º e 18, integraram o Município como ente federado, possibilitando a ampliação da autonomia municipal, outorgando-lhe o poder de elaborar sua Lei Orgânica, uma espécie de constituição municipal. (RORIGUEZ JR, 2008) Carraza (1997), leciona que os arts. 29 e 30 da CRFB/1988 atribuíram autonomia ao Município, com capacidade de organização, governo, administração e independência financeira. “A descentralização tributária, dentre outros objetivos, visou a dotar de mais recursos os Municípios. Por essa razão, foram introduzidas profundas alterações na distribuição da competência tributária. Entre elas, destaca-se a divisão do imposto sobre transmissão de bens imóveis em dois novos, formalmente distintos, cabendo um para os Estados e Distrito Federal, “transmissão, causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos”- ITCD (art. 155, I, da Constituição Federal – CF/1988), e outro para os municípios, o imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI” (art. 156, II, da CF/1988) (CARRAZA, 1997, p. 119). 2.2 PREVISÃO LEGAL No Brasil, a legislação tributária está sujeita à Constituição Federal, que define as normas sobre tributação. A Constituição Federal, em matéria tributária, delega à lei complementar estabelecer as normas gerais sobre a respectiva legislação. (SABBAG, 2009). 2.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL A Constituição Federal é quem estabelece os princípios da competência tributária, as limitações ao poder de tributar e orienta o exercício das competências desenvolvidas pelos entes federados. A Constituição Federal não institui os tributos, mas fixa a sua previsão e outorga às pessoas jurídicas de direito público interno, exercer a competência tributária sobre eles, observando as normas constitucionais. A Constituição dispõe, no seu art. 146, que cabe à lei complementar federal estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, principalmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos e aos respectivos fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência. É o CTN a referida lei complementar. (SABBAG,2009) 2.4 O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL A Lei nº 5.172/1966, inicialmente de natureza ordinária, ganhou “status” de lei complementar, por recepção da Carta de 1967, sendo-lhe atribuída, em seguida, a denominação de “Código Tributário Nacional”(CTN), por força do ato Complementar nº36/67. (CASSONE, 2006, p.14) A lei complementar foi criada na Constituição de 1967, com a competência para estabelecer normas gerais de Direito Tributário. O Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar pela Carta Constitucional de 1967, mantém-se assim também nas Constituições de 1969 e 1988. (SABBAG, 2009) 2.5 LEI MUNICIPAL Os Municípios têm a competência tributária determinada pela Constituição Federal, para instituir o ITBI, observando os preceitos legais presentes em lei complementar. Assim sendo, cabe a cada município editar lei específica. Em Governador Valadares, o tributo foi criado por intermédio da LC nº 034/2001, com alterações da LC nº 044/2002. 2.6 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS Segundo Sabbag (2009) e Ichihara (2006), os elementos constitutivos dos tributos/impostos definem com clareza os caminhos a serem traçados pelos entes federados, respeitando o exposto na lei, para a cobrança devida do respectivo imposto. Esses autores ensinam que os elementos constitutivos são: aspecto pessoal, dividido em sujeito ativo, no caso o Município (art.156,II da CF) e o sujeito passivo qualquer uma das partes (art. 42 do CTN); aspecto material, sendo a materialidade a transmissão inter vivos, de bens e imóveis; aspecto espacial, leva-se em consideração o local da situação do imóvel, observando qual Município é competente. O aspecto temporal merecerá maior ênfase, pois o artigo escrito trata justamente do momento da ocorrência do fato gerador. 3 ASPECTO TEMPORAL (MOMENTO DA INCIDÊNCIA DO FATO GERADOR) Ichihara (2006), leciona que, o aspecto temporal, ou o momento da incidência do fato gerador, só poderá ser o momento da transmissão do bem imóvel a título oneroso ou o da cessão de direitos. “O bem imóvel, a propriedade, é transmitido pelo registro do título no Cartório de Registro de Imóveis. O aspecto temporal da norma tributária diz respeito ao momento em que se deve considerar ocorrido a situação geradora da obrigação tributária, sendo o momento no qual se considera o fato gerador realizado”. (ICHIHARA, 2006, p. 284). O art. 35 do CTN c/c o art. 156, II, da atual CF, estabelece que o fato gerador do ITBI é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. 3.1 A DOUTRINA E O MOMENTO DA INCIDÊNCIA DO FATO GERADOR DO ITBI No direito brasileiro, a transmissão da propriedade imobiliária ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de forma que, antes do registro, o alienante continua na condição de dono do imóvel (CC, art. 1.245 e seu parágrafo único). Apesar de a legislação da maioria dos municípios brasileiros exigir o pagamento do tributo no momento do registro da escritura no Cartório de Notas, antes, portanto, do registro no Cartório de Imóveis, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido da impossibilidade da cobrança do tributo antes do respectivo registro. (ALEXANDRE, 2009). Machado (2009, p.135), menciona entendimento do STJ, segundo o qual: “O fato gerador do ITBI, ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor.” Com efeito, a lei instituidora do ITBI estabelece como aspecto material de sua hipótese de incidência a transmissão imobiliária, nos moldes do Código Civil, isto é, a que implica o registro imobiliário da escritura pública. Então, não poderá fixar como aspecto temporal da referida hipótese de incidência momento anterior ao registro público. Nem condicionar a lavratura da escritura pública ou sua transcrição no registro público o pagamento antecipado do imposto, pois, não há tributo sem que se realize plenamente o respectivo fato gerador. (FURLAN, 2003). Hadara (2006), lecionando sobre o ITBI, expõe que: “Não há dúvida, pois que os municípios, no exercício de sua competência impositiva, devem respeitar, não só o conceito de bem imóvel que resulta do exame dos arts. 79 a 81 do Código Civil, como também, o conteúdo da “transmissão de bens imóveis” que, ao teor do art. 1.245 do estatuto substantivo, somente se opera com o registro do título de transferência no Registro de Imóveis competente.” A maioria da doutrina não admite a exigência do tributo antes do registro do título, observando o princípio da legalidade. Os artigos 109 e 110 do CTN remetem aos conceitos do Código Civil para definição do respectivo imposto, confirmando que o fato gerador do ITBI somente ocorre com o registro imobiliário. A cobrança antecipada ao registro ofende o ordenamento jurídico em vigor. Mezzomo (2008), em seu artigo sobre a incidência do fato gerador do ITBI, expõe que se a norma tributária não determinou o termo transmissão, então o intérprete só pode socorrer-se dos conceitos do Direito Civil. “Se o Direito Civil determina que é o registro que formaliza a transferência do bem imóvel, não existe fato gerador anterior a esse momento. Ora, é claro que o registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis tem um antecedente que é a celebração do contrato. Mas o que nos interessa não são os antecedentes causais naturais, pois nesse momento ainda não ocorreu o seu fato gerador. Se a legislação tributária não definiu o que seja a transmissão e quando ela se opera, o intérprete e aplicador do direito há que se valer dos conceitos de Direito Civil e nestes está expresso que só há transmissão quando houver o registro. Somente quando efetuado é que se pode falar em evento econômico translativo de propriedade”. (MEZZOMO, 2008) Pinto JR (2009), em seu artigo também apresenta sua opinião sobre o fato gerador do ITBI: “Tendo em vista a matriz constitucional do ITBI, pode-se afirmar que o seu fato gerador é a transmissão onerosa de bens imóveis, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, e de cessão de direitos à sua aquisição, efetuada entre pessoas vivas. Nem promessa ou contrato de compra e venda, nem cessão de direito nem mesmo escritura de compra e venda, ainda que quitados, irretratáveis e irrevogáveis, constituem, per se, fato gerador do ITBI. Apenas o registro no Cartório Imobiliário de instrumento hábil à transmissão da propriedade de bem imóvel, de direitos reais sobre imóveis ou de cessão à sua aquisição constitui fatos geradores do ITBI”. Maria Helena Diniz, (2007), ensina que: “Os negócios jurídicos, em nosso sistema jurídico, não são hábeis para transferir o domínio de bem imóvel. Para que se possa adquiri-lo, além do acordo de vontades entre adquirente e transmitente é imprescindível o registro do título translativo na circunscrição imobiliária competente, sendo necessária, como se vê, a participação do Estado por intermédio do serventuário que faz esse registro público sem o qual não há transferência de propriedade. Deveras, preceitua o art. 1245,§ 1º, do código Civil que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Antes do registro só há mero direito pessoal (RT, 184:73).” Carlos Roberto Gonçalves, (2009), também lecionando sobre o mesmo assunto: “Para a aquisição da propriedade imóvel, no direito brasileiro, não basta o contrato, ainda que perfeito e acabado. Por ele, criam-se apenas obrigações e direitos. A transferência do domínio, porém, só se opera pela tradição solene, pelo registro do título translativo (art.1245, CC), que gera direito real para o adquirente, transferindo-lhe o domínio.”  Nossos Tribunais adotam o entendimento majoritário, segundo qual o fato gerador do ITBI incide na transmissão imobiliária efetuada em conformidade com a legislação civil, reprovando qualquer cobrança praticada anteriormente ao registro público do título, em estudo. No entanto, são poucos Municípios que exercem sua competência tributária para instituir o ITBI nos termos acima expostos, isto é, em conformidade com a doutrina e jurisprudência, sobre o entendimento de que ficarão prejudicados na sua arrecadação, devido o tradicional hábito dos contribuintes de protelar, por prazo indeterminado, a realização do registro imobiliário. Sem o registro, não se transfere a titularidade do imóvel nos termos da lei civil, ficando o Município impossibilitado de exigir o ITBI antes do respectivo registro no cartório competente. Nesses termos, provavelmente motivados pela oportunidade de melhorar sua arrecadação, muitos municípios exigem o ITBI antes de ocorrido o fato gerador do imposto. Exigindo para lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel o comprovante de pagamento do ITBI, sob pena de responsabilidade tributária do Oficial do Cartório de Notas, (art.134, IV, do CTN). Tal exigência é completamente ilegal e inconstitucional, uma vez, que o tributo está sendo exigido sem que o respectivo fato gerador tenha ocorrido. Como exemplo, o Município de Governador Valadares, exige o ITBI antes do Registro do respectivo título no cartório competente, ou seja, na lavratura da escritura pública no Cartório de Notas, conforme CTM, Art.74, Caput e Art. 77, Caput, LC nº 034/2001, 044/2002. A respectiva lei municipal no art. 28, VI, do CTM, (art. 134, VI do CTN) responsabiliza os oficiais dos cartórios, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles ou perante eles em razão do seu ofício. Caso os notários não exijam o comprovante do pagamento do tributo na lavratura da escritura, poderão ser penalizados, fazendo com que eles cumpram tal exigência, que de acordo com a lei é ilegal e inconstitucional. 3.2 A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO OFICIAL DO CARTÓRIO Mesmo não sendo tema do trabalho, em breve palavras, expõe-se sobre responsabilidade tributária do oficial do cartório. O art. 134 do CTN dispõe: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: “VI – as tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre atos praticados por eles, ou perante eles, em razão de seu ofício”. Sabbag (2009), leciona que: “A responsabilidade “Solidária”, prevista no artigo mencionado, não é solidária plena, mas sim, subsidiária, uma vez que não se pode cobrar tanto de um como do outro devedor, havendo uma ordem de preferência a ser seguida. Em primeiro lugar cobra-se do contribuinte; depois exige-se do terceiro responsável. Afasta-se, assim, o contexto da “solidariedade” com o contribuinte.” Nesses termos, é necessário analisar a situação de fato, pois analisando o caso de forma subjetiva, observamos que não se aplica ao caso em estudo, pois o mesmo, baseado nos preceitos da lei, não deve ser exigido antes do respectivo registro, que transfere o bem de forma definitiva. Nesse caso, não há responsabilidade tributária para o serventuário do Cartório de Notas, na lavratura da escritura sem o recolhimento do ITBI, pois ainda não ocorreu o fato gerador do título. 3.3 OS TRIBUNAIS E O MOMENTO DE INCIDÊNCIA DO FATO GERADOR DO ITBI A jurisprudência nos tribunais brasileiros, em sua maioria, entende que o fato gerador do ITBI ocorre com o registro do título no cartório imobiliário. No STF e STJ, não existe divergência. Nos tribunais de justiça dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal, observamos o mesmo entendimento. No STF, o entendimento no sentido de que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade de bens imóveis não apresenta divergência. Em sua decisão mais recente o STF afirmou o seu entendimento ao negar o agravo regimental no agravo de instrumento, em Minas Gerais: “AGRAVO REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 764432 – STF. PUBLICAÇÃO: 22/11/2013 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTERVIVOS DE BENS IMÓVEIS. ITBI. MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. REGISTRO DO IMÓVEL. ESTÁ ASSENTE NA CORTE O ENTENDIMENTO DE QUE O FATO GERADOR DO ITBI SOMENTE OCORRE COM A TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA, OU SEJA, MEDIANTE O REGISTRO NO CARTÓRIO COMPETENTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.” No STJ a jurisprudência sobre fato gerador do ITBI está pacificada há anos. É firme, naquele tribunal, o entendimento de que o fato gerador do imposto, somente ocorre quando o título é registrado no Cartório de Registro imobiliário. Vejamos decisões: “TRIBUTÁRIO – RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – FATO GERADOR – CTN, ART. 35 E CÓDIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860, PARÁGRAFO ÚNICO – REGISTRO IMOBILIÁRIO. 1. O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS OCORRE COM A TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE OU DO DOMÍNIO ÚTIL, NA CONFORMIDADE DA LEI CIVIL, COM O REGISTRO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. 2. A COBRANÇA DO ITBI SEM OBEDIÊNCIA DESSA FORMALIDADE OFENDE O ORDENAMENTO JURÍDICO EM VIGOR. 3. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO”.(STJ – 2ª T.; ROMS Nº 10.650-DF; REL. MIN. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS; J.16/6/2000; V.U.). Foi igual o entendimento manifestado pelo STJ no julgamento do Agravo Reg. No Agravo de Instrumento. “AGRAVO REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 448245/DF 2002/0050066-8 – RELATOR(A) MINISTRO LUIZ FUX (1122) JULGAMENTO:21/11/2002 AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI.FATO GERADOR. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ ASSENTOU O ENTENDIMENTO DE QUE O FATO GERADOR DO ITBI É O REGISTRO IMOBILIÁRIO DA TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE DO BEM IMÓVEL. SOMENTE APÓS O REGISTRO, INCIDE A EXAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. “ Não existe nenhuma divergência na jurisprudência do STJ. O tribunal entende que só é fato gerador do ITBI o registro do instrumento de transferência da propriedade imobiliária no cartório do registro. Isto é, antes do registro ainda não existe o fato gerador do tributo.  Os Tribunais de Justiça dos Estados têm mantido o mesmo entendimento, dos tribunais superiores, como abordaremos agora: No TJSP a jurisprudência é pacífica no sentido de que o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com registro da transmissão do bem imóvel no respectivo no CRI, Exegese dos arts. 156, II, da CF, 35 e 110 do CTN e 1245 do CC. “TJ-SP.APELAÇÃO:APL00050256220128260587/SP-RELATOR: FORTES  MUNIZ. JULGAMENTO: 25/07/2013. ITBI. IMÓVEIS ADQUIRIDOS MEDIANTE CONTRATO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – FATO GERADOR DO IMPOSTO SÓ SE APERFEIÇOA COM REGISTRO DA TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL NO RESPECTIVO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. EXEGESE DOS ARTS. 156, INC. II, DA CF, 35 E 110 DO CTN E 1245 DO CC. AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA, ANULADOS. SENTENÇA MANTIDA, RECURSO DE OFÍCIO E APELO DA MUNICIPALIDADE DESPROVIDOS. TJ-SP:110264320108260099/SP. RELATOR: CARLOS G. SANTOS JULGAMENTO: 13/01/2011 MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – FATO GERADOR – DATA DO REGISTRO – IMPOSIÇÃO DA MULTA MORATÓRIA ANTES DA SUA OCORRÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE. UMA VEZ QUE O CONTEÚDO DOS INSTITUTOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO É DETERMINADO PELAS NORMAS DE DIREITO PRIVADO (ARTS. 109 E 110 DO CTN), TEM-SE QUE O FATO GERADOR DO ITBI (ART. 114 DO CTN) É A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ART. 156, 11, DA CF), QUE APENAS SE DÁ COM O REGISTRO DO TITULO TRANSLATIVO (ART. 1.245 DO CC), SENDO INCABIVEL A IMPOSIÇÃO DA MULTA MORATÓRIA ANTES DA SUA OCORRÊNCIA. RECURSO E REEXAME NECESSÁRIO IMPROV1DOS.” No TJRJ o entendimento é de que fato gerador do ITBI acontece com o registro do título no Cartório competente, como foi julgado no Recurso de Apelação APL 00680875920078190001 RJ 0068087-59.2007.8.19.0001. Relator(a): Desemb. Letícia de Faria Sardas. Julgamento: 17/07/2013. “APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. FATO GERADOR. EFETIVA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA 1. O ITBI É TRIBUTO DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL E TEM COMO FATO GERADOR A TRANSMISSÃO ONEROSA, ENTRE VIVOS, DE BENS IMÓVEIS E DIREITOS REAIS, EXCETO OS DE GARANTIA, CONSOANTE ART. 156 , II , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . 2. EM QUE PESE A ALEGAÇÃO DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO DO LANÇAMENTO FEITO PELA FAZENDA MUNICIPAL, NÃO FOI OBSERVADA A CORRETA LEGISLAÇÃO APLICADA À ESPÉCIE, UMA VEZ QUE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, A TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL SOMENTE OCORRE COM O REGISTRO NO RGI, CONFORME O QUE DISPÕE O ART. 1.245 DO CÓDIGO CIVIL . NA HIPÓTESE SOB EXAME, O MUNICÍPIO PRETENDE CONSIDERAR COMO FATO GERADOR DO ITBI, MOMENTO MUITO ANTERIOR À TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DO BEM IMÓVEL, TESE QUE NÃO PODE SER ACOLHIDA, POSTO QUE ESTARIA MODIFICANDO UM CONCEITO QUE É PRÓPRIO DO DIREITO CIVIL, DESDE O CÓDIGO DE 1916. 5. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO TJRJ E DO STJ. 6. DESPROVIMENTO DO RECURSO." No TJMG o entendimento é no sentido de que o fato gerador do ITBI corresponde à transmissão de bem imóvel, a qual ocorre no momento da transcrição do imóvel no CRI. “PROCESSO: MG AC 10707110274370001 MG RELATOR(A): EDGARD PENNA AMORIM JULGAMENTO: 25/04/2013 TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – MUNICÍPIO DE VARGINHA – ITBI – FATO GERADOR – TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL – ASPECTO TEMPORAL – MOMENTO DA TRANSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO – ART. 109 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL O FATO GERADOR DO ITBI CORRESPONDE À TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL, A QUAL OCORRE NO MOMENTO DA TRANSCRIÇÃO DO IMÓVEL NO CARTÓRIO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO”. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o entendimento sobre o fato gerador do ITBI é também no sentido de que somente ocorre com efetivo registro no cartório competente. “TJ-DF – APELAÇÃO CÍ­VEL : APL 823361420088070001 DF 0082336-14.2008.807.0001 APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. O FATO GERADOR DO TRIBUTO SE OPERA COM O EFETIVO REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE IMÓVEL NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL CONHECIDAS E DESPROVIDAS”. Como se pode comprovar com as decisões acima comentadas, a jurisprudência nos tribunais brasileiros sobre o fato gerador do ITBI é praticamente unânime no sentido de que ele ocorre quando a propriedade imobiliária é transferida, isto é, quando o instrumento é registrado no Cartório de Registro de Imóvel. Entendemos a necessidade e a importância da arrecadação do Imposto (ITBI) para o Município, pois bem sabemos a realidade dos Municípios no sistema brasileiro, e a responsabilidade do contribuinte referente às suas obrigações tributárias. Portanto, é fundamental descobrir novos caminhos jurídicos que proporcione aos Municípios exercer sua competência tributária, tendo uma arrecadação justa, em conformidade com a legislação brasileira, sem violar os direitos constitucionais dos contribuintes e os mesmos cumpram o seu dever em relação a suas obrigações tributárias, visto que, no momento atual a própria Legislação o deixa livre em registrar ou não o bem imóvel adquirido, correndo o risco de prejuízos futuros, uma vez que, enquanto não efetua o registro no cartório competente, ainda não é o dono do respectivo bem, conforme diz a Lei Civil. Nesse sentido, é importante a tutela do Estado, para que haja segurança jurídica. 4 CONCLUSÃO Observando toda a matéria estudada referente ao ITBI, pode-se afirmar que o fato gerador ou momento da incidência, ocorre com a transferência da propriedade junto ao Cartório de Registro de imóveis, antes deste não há que se falar em fato gerador. Portanto, o tributo somente pode ser exigido após o tal registro. Mesmo com as opiniões doutrinárias e as decisões do STJ, STF e dos Tribunais de Justiça expostos nesse trabalho, ao pronunciar que o registro imobiliário no cartório competente é que determina o momento em que deve ser pago o imposto, os Municípios continuam cobrando o mesmo na lavratura da escritura pública no Cartório de Notas, contrariando o ordenamento jurídico brasileiro. Baseado na CF, no CTN no CC, bem como nas opiniões doutrinarias e jurisprudenciais, concluímos que a ação desenvolvida pela maioria dos Municípios é inconstitucional e fere os princípios constitucionais, causando insegurança jurídica. Assim sendo, o tema ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis continua merecer maior atenção dos estudiosos do direito, para que seja feita uma análise mais profunda dos artigos que tratam do tema, afim de, resolver as controvérsias sobre o aspecto temporal ou momento da incidência do respectivo tributo.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/itbi-momento-da-ocorrencia-do-fato-gerador/
A importância dos princípios e limitações ao poder de tributar nas relações entre contribuintes e estado
O presente trabalho tem por objetivo tratar da importância dos Princípios e Limitações ao poder de tributar nas relações entre contribuintes e Estado. Para tanto, se utilizará o método dedutivo. Inicialmente se abordará de forma sintética os elementos nucleares do sistema tributário nacional e a problemática da ineficácia fiscal verificada atualmente no Brasil. Após, se fará a conceituação de Princípios e Regras. Ao longo do desenvolvimento, serão explorados os Princípios do direito tributário de forma individualizada, sob o ponto de vista legal, doutrinário e jurisprudencial, de forma a contribuir para com a análise do ineficaz quadro tributário noticiado. Ao final, será concluído o tema, analisando-se a pertinência dos Princípios para a construção de relações claras e justas entre os sujeitos passivos e ativos na seara tributária, de forma a suavizar o número de litígios existentes em tal área e tornar mais significativa a arrecadação fiscal.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como tema a defesa do contribuinte frente aos Princípios tributários e as limitações ao poder de tributar, que são observados ao longo de toda a legislação, doutrina e precedentes jurisdicionais. O tema se justifica na medida em que o Direito Tributário é um ramo do Direito Público que se ocupa do modo pelo qual o Estado é financiado para a consecução de seus serviços e atividades e, para tanto, disciplina a forma pela qual as pessoas, físicas e jurídicas, devem ser constrangidas em seus patrimônios. Tal invasão, por si só, justifica a existência de Princípios que não só explicam o Direito, como o limitam, resguardando uma relação segura e justa entre sujeitos ativos e passivos. Verifica-se, entretanto, um alto grau de ineficiência no sistema tributário nacional: uma constante e volumosa litigiosidade, administrativa e judicial, associada a uma dívida ativa significante, com baixos índices de recuperação de créditos, demonstram que o modelo adotado está a mercê de insuficiente adequação por parte de ambos os polos da relação jurídico-tributária travada diariamente. É comum nos depararmos com contribuintes insatisfeitos com o modelo tributário vigente no Brasil, seja pela alta carga tributária, seja pelos mecanismos adotados em tal sistema, ao passo que se verifica um grande número de litígios impulsionados pela não observância dos primados fundamentais em tal área pelo Estado. Isso ressalta a importância do estudo dos Princípios e das Limitações ao poder de tributar, na medida em que tais institutos salvaguardam o patrimônio dos agentes passivos, legitimando a atuação estatal tributária. Se por um lado existe uma insatisfação popular, por outro há uma série de delimitadores à tributação, muitos desconhecidos pela população, eis que atinentes a cursos de Direito e a seus operadores no mais das vezes. A proposta, nesse sentido, tem como objetivo elencar o maior número de Princípios, dos mais conhecidos aos menos usuais, e aperfeiçoar o entendimento a ser sedimentado com as limitações ao poder de tributar, que com os princípios guardam forte correlação, de forma a ponderar a visão distorcida por parte de muitos contribuintes relativamente ao Direito Tributário, ao mesmo tempo ressaltando a importância de o Estado seguir prudentemente tais primados, alcançando um quadro de simbiose de ambas as partes de tal relação como condição sine qua non à majoração da eficiência tributária no país. 2 PANORAMA TRIBUTÁRIO NACIONAL O sistema tributário nacional é composto por cinco espécies de tributos, quais sejam: – Impostos – Taxas – Contribuição de Melhoria – Contribuições Especiais – Empréstimos Compulsórios A maior parte dos Princípios que serão analisados no presente trabalho é dedicada aos tributos como um todo. Ocorre que alguns primados se destinam a certas espécies de tributos, especialmente aos impostos, isoladamente. Dessa forma, é importante verificar tal distinção quando de sua ocorrência. Os tributos acima elencados se caracterizam, segundo o próprio CTN, em seu artigo 3º, da seguinte forma: “CTN, Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Assim, temos que um tributo: – É prestação pecuniária, ou seja, não se presta in natura ou in labore; – É prestação compulsória, não se permitindo a faculdade do adimplemento das obrigações delas resultantes; – É prestação em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, ou seja, não se admite o adimplemento com serviços ou mercadorias (admite-se, excepcionalmente, a Dação em Pagamento – CTN 156, XI). Aqui verificamos, salvo melhor juízo, que o legislador infraconstitucional cometeu uma atecnia, eis que repetiu, via pleonasmo vicioso, a qualificação do tributo como espécie pecuniária. Ora, se primeiramente o fez assim, obviamente que o mesmo resta adimplido em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir; – Não constitui sanção de ato ilícito, ou seja, não é punição estatal, e sim obrigação individual resultante de manifestação de riqueza ou retribuição a serviço público prestado; – É prestação instituída em Lei, não se originando no eventual acordo entre partes; – É, por final, prestação cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, o que nos remete ao Rule of Law, característica clássica dos governos democráticos, nos quais o agente competente age por intermédio de atribuições previamente estabelecidas (em Lei), com pouca ou nenhuma margem de discricionariedade. Registra-se, ainda, que possuem competência tributária os Entes públicos, pessoas jurídicas aptas a implementar tais exações. É comum a todos os Entes a instituição de Taxas e Contribuições de Melhoria. Com relação às Contribuições Especiais, a maior parte é de competência da União, sendo as contribuições para a iluminação pública de competência dos municípios e as previdenciárias dos Estados e da União (as dos Estados associadas a seus regimes próprios e de seus servidores). Empréstimos Compulsórios são de competência exclusiva da União. Por fim, os impostos são instituídos por todos os Entes, sendo da União o imposto de renda, o imposto sobre a propriedade territorial rural, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras, os impostos de importação e exportação, os impostos extraordinários de guerra, os impostos sobre grandes fortunas e os residuais. Com relação aos Estados, os mesmos são competentes para instituir o imposto sobre circulação de mercadorias, o imposto sobre propriedade de veículos automotores e o imposto sobre transmissão causa mortis e doação. Compete aos municípios o imposto sobre a propriedade territorial urbana, o imposto sobre serviços de qualquer natureza e o imposto sobre a transmissão de bens imóveis. Após as considerações gerais de nosso sistema tributário, passa-se à problemática do presente trabalho. Dados obtidos no site do CARF informam que, de 2011 a 2016, foram interpostos mais de 90.000 recursos administrativos contra autuações fiscais, que somam em torno de 704 bilhões de reais em discussão, o que representa alto percentual do PIB nacional (http://idg.carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/processos-julgados-com-valor-ano-v2.pdf). Ora, esses são dados preocupantes, ainda mais se somados aos litígios nos 27 estados da federação e aos incontáveis litígios dos milhares de municípios existentes em nossa Federação, bem como embargos e repetições de indébito na esfera judicial. As execuções fiscais representam 32% das ações em trâmite no país, congestionando o já assoberbado Poder Judiciário (http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/2d53f36cdc1e27513af9868de9d072dd.pdf). É, sem sombra de dúvida, um quadro a ser analisado com prudência, razão pela qual se propõe um diagnóstico pelos fundamentos do sistema tributário nacional, quais sejam, os Princípios tributários, limitações ao poder de tributar e a observância dos mesmos pela máquina estatal. O pressuposto é o de que não se observa da forma adequada tais primados, o que se corrobora pela acentuada discussão jurisprudencial existente, seja pela própria evolução do direito tributário, seja pela inobservância de seus preceitos, tanto pelos contribuintes como pelos Estados. 3 PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO Princípios são os fundamentos das normas jurídicas, implícitos ou explícitos em diplomas legais, inspirando a criação das normas e instruindo o legislador a tal desiderato, razão pela qual devem ser observados quando da criação normativa, bem como na subseqüente interpretação das regras e sua aplicação. Nas palavras do doutrinador Miguel Reale, “Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p 37.) Importante ressaltar que os princípios não se confundem com preceitos de ordem moral, tampouco econômica. Já com relação à eclosão no sistema jurídico, temos que os princípios se originam a partir do processo legislativo, da atividade jurisdicional, dos usos e costumes e da prática de atos negociais. Ademais, frise-se que não há hierarquia entre os mesmos, de forma que a análise casuística se faz necessária para a aplicação de um ou de outro Princípio, modulando os mesmos conforme o caso concreto, conforme anota Alexy: “(…) o que sucede é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede o outro. Sob outras circunstâncias, a questão da precedência pode ser solucionada de maneira inversa. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que nos casos concretos os princípios têm diferentes pesos e que prevalece o princípio com maior peso.” (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madri: Cetro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 89) É necessário, igualmente, diferenciar Princípios de Regras. Princípios são mandados de otimização, ou seja, aonde se deseja chegar, enquanto as Regras definem de que forma se chegará. As regras são normas dotadas de maior concretude, razão pela qual ocorre a subsunção, ou seja, há o enquadramento do fato perfeitamente à norma: é um sistema de tudo ou nada, ou seja, ou a aplicação da regra A, ou a aplicação da regra B. Princípios são dotados de maior abstração, onde se aplica, a seu turno, a ponderação, com o auxílio da Proporcionalidade (Escola Alemã de Exegese), eis que nem sempre as regras (leis) são justas. Adequação (quais são os meios utilizados para o atingimento dos fins almejados), Necessidade e Proporcionalidade em sentido estrito (juízo de peso) são os elementos da Proporcionalidade nesse ínterim. Há, a seu turno, a incidência múltipla de Princípios, ao contrário das regras. Mas, sobretudo, é necessária a análise casuística. Por fim, resta assinalar que tal qual os demais ramos, o Direito tributário não é autônomo de forma absoluta, e sim relativa. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a autonomia do Direito tributário seria “didática”, enquanto que para Alberto Xavier, a mesma seria “científica”. Entrementes há, sem sombra de dúvidas, comunicação entre os institutos tributários e demais institutos jurídicos encontrados nos diversos ramos do Direito. Essa comunicação é especialmente verificada com o Direito Constitucional e Administrativo. Não são raras às vezes em que um Princípio tributário decorre diretamente de outro, administrativo. E tal conexão com o Direito constitucional é fruto da própria mecânica hierárquica do sistema legal adotado pelo Brasil (Civil Law). Há, por todo o exposto, inter-relações necessárias e decorrentes. O estudo dos primados e limitações tributários é tecnicamente mais apropriado mediante o confronto dos mesmos com os demais princípios encontrados nas demais áreas do Direito. Assim, tais primados se cristalizam como o norte ao operador do direito, como bem demonstra Hugo de Brito Machado: “O princípio jurídico tem grande importância como diretriz para o hermeneuta. Na avaliação e na aplicação dos princípios jurídicos é que o jurista se distingue do leigo, que tenta interpretar a norma jurídica com conhecimento simplesmente empírico”. (Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, página 157) 3.1 Princípio da capacidade contributiva O objetivo da Administração é o de dar caráter pessoal aos impostos, de forma a conferir efetividade em graduar os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte. Assim previu o legislador constituinte: “CF, Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…) § 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Importante verificar que o §1º estipulou tal regra aos impostos, e não aos tributos em geral. Entrementes, sobreveio entendimento jurisprudencial no sentido de que se aplica tal primado a todos os tributos, conforme segue: “IPVA. Progressividade. Todos os tributos submetem-se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos.” (RE 406.955 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 4-10-2011, 2ª T, DJE de 21-10-2011.) “[…] todos os impostos podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e não ser impossível aferir-se a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD. Ao contrário, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderá expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Todos os impostos, repito, estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, especialmente os diretos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal; isso é completamente irrelevante. Daí por que dou provimento ao recurso, para declarar constitucional o disposto no art. 18 da Lei 8.821/1989 do Estado do Rio Grande do Sul.” (RE 562.045, rel. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, voto do min. Eros Grau, j. 6-2-2013, P, DJE de 27-11-2013, com repercussão geral.) Assim, temos que tal primado em comento se estende inclusive à COSIP, tributo sui generis que não se confunde com imposto, previsto ma Constituição Federal em seu artigo 149-A, conforme segue decisão do STF: “Lei que restringe os contribuintes da Cosip aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. (RE 573.675, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 25-3-2009, P, DJE de 22-5-2009, com repercussão geral.) (grifei) Como decorrência de tal postulado, temos que os impostos terão, sempre que possível, caráter pessoal. Dessa forma, almeja-se a construção de uma linha progressiva de tributação, face às características pessoais dos contribuintes. Esse objetivo almejado pelo legislador constitucional encontra amparo na solidariedade social, na justiça e igualdade entre contribuintes que se encontrem em igual situação. Já dizia Aliomar Baleeiro, nesse sentido, que “na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva.” (Uma introdução à Ciência das Finanças, página 383). A regra da capacidade contributiva se aplica, em princípio, ao impostos pessoais. Impostos Pessoais são aqueles em que a hipótese de incidência leva em consideração as características subjetivas do contribuinte, exemplificados pela lista que segue: – IR (CF 153, III) – IGF (CF 153, VII) Impostos Reais são decorrentes de Fatos Geradores relacionados a um fato, ou estado de um fato, independente do aspecto pessoal do contribuinte. Segue lista exemplificativa: – II (CF 153, I); – IE (CF 153, II); – IPI (CF 153, IV); – IOF (CF 153, V); – ITR (CF 153, VI); – IEG (CF 154, II); – ITCMD (CF 155, I); – ICMS (CF 155, II); – IPVA (CF 155, III); – IPTU (CF 156, I); – ITBI (CF 156, II); – ISS (CF 156, III). Apesar de serem Reais, os tributos que assim se caracterizam podem, sempre que possível, ser modulados de acordo com elementos subjetivos, relativos ao contribuinte do tributo em pauta. Assim ocorre com o IPTU, e.g. que apesar de Real, pode ser mitigado em razão de características individuais do proprietário do imóvel, a exemplo do que é estipulado pela maioria das leis municipais que instituem este imposto, nas quais há previsão de isenções ou menores alíquotas para contribuintes que apresentem certas características pessoais elencadas pelos Edis como satisfatórias à concessão dos benefícios referidos. Assim, o IPTU, apesar de ser imposto Real, também terá caráter progressivo (característica típica dos impostos Pessoais). Para tanto, a CF estabeleceu a política de Desenvolvimento Urbano (art. 156, §1º), objetivando o desestímulo à subutilização de terrenos urbanos, via progressividade de tal imposto. Configura-se, dessa forma, exceção à Progressividade vinculada aos impostos Pessoais. Vejamos o dispositivo suprarreferido: “CF, art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: § 1º – Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”.  Da inteligência do artigo supracitado, concluímos pela existência de Progressividade Fiscal facultativa, e de Progressividade Punitiva, igualmente facultativa, a serem previstas nas leis municipais que instituam o IPTU. Não obstante a previsão de progressividade do IPTU, cabe alertar para jurisprudência do STF no sentido de que tal primado se aplica apenas à cobrança posterior à Emenda Constitucional 29/2000 (que acrescentou o §1º ao artigo 156, conforme segue: “IPTU. Incidência de alíquotas progressivas até a EC 29/2000. Relevância econômica, social e jurídica da controvérsia. Reconhecimento da existência de repercussão geral da questão deduzida no apelo extremo interposto. Precedentes desta Corte a respeito da inconstitucionalidade da cobrança progressiva do IPTU antes da citada emenda. Súmula 668 deste Tribunal. Ratificação do entendimento”. (AI 712.743 QO-RG, rel. min. Ellen Gracie, j. 12-3-2009, P, DJE de 8-5-2009, com repercussão geral.) Assim, concluímos pela possibilidade de aplicação do primado da capacidade contributiva também em relação aos impostos reais. Em consonância a este entendimento, temos a possibilidade de progressividade relativamente ao ITCMD (RE 562.045 – STF), ao IPVA (RE 406.955 – STF) e ao IPTU (RE 586.693 – STF), conforme segue: “RECURSO   EXTRAORDINÁRIO.   CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.   LEI   ESTADUAL:   PROGRESSIVIDADE   DE  ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS   E   DIREITOS.   CONSTITUCIONALIDADE.  ART.   145,   §   1º,   DA CONSTITUIÇÃO   DA   REPÚBLICA.   PRINCÍPIO   DA   IGUALDADE MATERIAL   TRIBUTÁRIA.   OBSERVÂNCIA   DA   CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação — ITCD (RE 562045/RS, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento em 06/02/2013) AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. IPVA. PROGRESSIVIDADE. 1. Todos os tributos submetem-0se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos. 2. Porém, as razões não deixam entrever a má utilização de critérios como essencialidade, frivolidade, utilidade, adequação ambiental etc. Considerado este processo, de alcance subjetivo, a alegação de incompatibilidade constitucional não pode ser genérica. 3. Em relação à fixação da base de cálculo, aplicam-se os mesmos fundamentos, dado que o agravante não demonstrou a tempo e modo próprio a inadequação dos critérios legais adotados. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 406.955/MG, Relator Min. Joaquim Barbosa, Julgamento em 04/10/2011) IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL N] 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000.” (RE 586.693/SP, Relator Min. Marco Aurélio, Julgamento em 25/05/2011) Já com relação ao ITBI, restou sumulado pelo STF que não se aplica a progressividade de alíquotas pela capacidade contributiva do contribuinte, tendo por base o valor venal do imóvel (Súmula 656). Por último, cabe frisar a necessidade da observância, pela Administração Pública, dos direitos e garantias individuais dos contribuintes quando da aplicação do princípio da capacidade contributiva, como bem assevera o §1º do artigo 145, o que foi inclusive matéria julgada nesse sentido pelo STF, conforme segue: “Fiscalização tributária. Apreensão de livros contábeis e documentos fiscais realizada, em escritório de contabilidade, por agentes fazendários e policiais federais, sem mandado judicial. Inadmissibilidade. Espaço privado, Não aberto ao público, Sujeito à proteção constitucional da Inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI). Subsunção ao conceito normativo de "casa". Necessidade de ordem judicial. Administração pública e fiscalização tributária. Dever de observância, por parte de seus órgãos e agentes, dos limites jurídicos impostos pela constituição e pelas leis da República. Impossibilidade de utilização, pelo Ministério Público, de prova obtida com transgressão à garantia de inviolabilidade domiciliar. Prova ilícita. Inidoneidade jurídica (…). Administração tributária. Fiscalização. Poderes. Necessário respeito aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e terceiros. Aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e de terceiros. Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. A garantia da inviolabilidade domiciliar como limitação constitucional ao poder do Estado em tema de fiscalização tributária. Conceito de "casa" para efeito de proteção constitucional. Amplitude dessa noção conceitual, que também compreendem os espaços privados não abertos ao público, onde alguém exerce atividade profissional: necessidade, em tal hipótese, de mandado judicial (CF, art. 5º, XI).” (HC 93.050, rel. min. Celso de Mello, j. 10-6-2008, 2ª T, DJE de 1º-8-2008.) (grifei) 3.2 Princípio da legalidade tributária Corolário do Princípio Constitucional da Legalidade, a Legalidade Tributária diz respeito à limitação relativa à instituição e à majoração de tributos. É a materialização da máxima “no taxation without representation”, que remonta ao século XVII, preconizado como uma das maiores causas à revolução americana, um sentimento central articulado por John Hampden em seu célebre enunciado “What an English King has no right to demand, na English subject has a right to refuse”, ou seja, não pode o Poder Executivo demandar algo desprovido de autorização, esta concedida pelo Poder Legislativo. A previsão constitucional se encontra no artigo 150, como segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;” O Princípio da Legalidade Tributária é decorrente da Legalidade Negativa, prevista na Constituição Federal, art. 5º, II, no qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e da Legalidade Positiva, insculpida no art. 37, caput, onde se prevê que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”, resultando na Tipicidade Tributária,  que demanda lei para exigir ou aumentar tributos. Aqui se torna oportuna a diferenciação entre normas primárias e normas secundárias. O CTN em seu artigo 96 dispõe que a legislação tributária compreende as normas ordinárias e as normas complementares, de forma que qualquer norma tributária, seja qual for sua hierarquia, integrará a legislação tributária. Assim, temos as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares integrando a legislação tributária. Segundo Alexandre de Moraes, “A enumeração do art. 59 da Constituição Federal, traz as espécies normativas primárias, ou seja, aquelas que retiram seu fundamento e validade diretamente da Carta Magna” (Direito Constitucional, 24ª Ed., página 660). São elas as leis ordinárias, as leis complementares, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções, observando-se que todos possuem a mesma hierarquia. As fontes formais primárias (CTN 97 e 98) (leis, tratados e convenções internacionais) têm o poder de inovar no mundo jurídico, criando direitos e obrigações, o que não ocorre com as fontes formais secundárias (CTN 100) (atos normativos, decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e convênios que entre si celebram a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios), estas últimas qualificadas como normas complementares, que não introduzem normas inéditas no sistema jurídico, não inovando a ordem jurídica, apenas acrescentando normas ao esquema jurídico já organizado. Normas complementares em desacordo com a lei são nulas: se as mesmas contrariarem a lei, os contribuintes que porventura observarem tais normas ficam protegidos de quaisquer encargos decorrentes de tributos não recolhidos, por exemplo. Importante observar que os decretos, qualificados como atos administrativos, tem o seu conteúdo e alcance restritos aos das leis (CTN 99), e deverão ser observados pelas normas complementares (CTN 100). Exceção que se faz aos famigerados decretos autônomos (CF 84, VI). O decreto autônomo (antigo decreto-lei, este último substituído pelas medidas provisórias) é uma espécie normativa que vem perdendo força, e segundo a Constituição Federal é veículo da competência do Presidente da República para dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e para dispor sobre a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Segundo Bandeira de Mello, “[…] é claro que a disciplina resultante do exercício desta competência não poderá implicar imposição a terceiros de obrigações de fazer ou deixar de fazer, pois a tanto de oporia ao art. 5º, II, já mencionado. Logo, o que o art. 84 VI faculta é que o Executivo proceda no interior dos esquemas já legalmente traçados de maneira genérica, quer no que atina a competências, quer no que atina à organização básica na lei formulada, a ulteriores subdivisões.” (Curso de Direito Administrativo, página 103-104) Importante destacar que, a despeito de operarem na ausência de lei, os decretos autônomos não são diplomas aptos a versar sobre relações tributárias, dado o campo material previsto para os mesmos como acima mencionado. Percebe-se que, apesar de a estrutura legal ser piramidal, com a Constituição Federal no topo irradiando os mandamentos para o restante do sistema normativo, é praxe na administração pública, especialmente nos Fiscos e administrações tributárias, a observância de Instruções Normativas, atos administrativos circunscritos à Lei. Tais veículos normativos tratam de forma mais imediata as situações fáticas corriqueiras perante as quais a Administração pública se depara: ocorre que, invertendo-se a pirâmide normativa, e com isso se observando primeiramente tais atos administrativos para depois se observar os veículos hierarquicamente superiores, abre-se temerária margem de irregularidades, situação na qual o controle jurisdicional é fundamental à apreciação de eventuais transgressões ao Princípio da Legalidade. Pelo Princípio do Paralelismo das Formas, a exigência de Lei para a majoração de tributos traz ínsito o mesmo requisito para a respectiva redução. É que a Separação dos Poderes (CF 2º) é um postulado consagrado na Carta Magna e, sendo assim, se cabe ao Poder Legislativo a função de instituir o tributo, o mesmo Poder deverá ser o titular de tal competência, no caso de alterações ulteriores. Importante destacar que a instituição e extinção de tributos não possuem exceções quanto à forma: Lei é necessária para ambos os casos. Já no que diz respeito às modificações na alíquota do tributo, a sua perfectibilização pode ou não se dar via Lei. As exceções são as seguintes: – II (Imposto sobre Importação) (CF 153 I); – IE (Imposto sobre Exportação) (CF 153, II); – IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) (CF 153, IV); – IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) (CF 153, V); – CPMF (CF ADCT 74); – CIDE-Combustíveis (CF 177, §4, I, b); – ICMS-Monofásico-Combustíveis (CF 155, §4º, IV). O motivo para que o rol de impostos acima descrito seja manipulável via mecanismos infralegais (alterações como majoração ou diminuição via atos administrativos) reside no fato de que os mesmos são considerados Extrafiscais. Os tributos podem ser classificados quanto à sua finalidade, sendo Fiscais ou Extrafiscais. Tributos Fiscais são aqueles de cunho arrecadatório, que são instituídos com a intenção de carrear recursos aos cofres públicos, tão somente. Já tributos Extrafiscais são aqueles que possuem finalidade regulatória, principalmente, no sentido de que o Estado possa interferir no mercado e na Economia por intermédio da tributação. Os tributos Extrafiscais, apesar de possuírem finalidade que não a arrecadatória, podem eventualmente se revelarem de grande importância/significância no campo da arrecadação, tal qual ocorre com o IPI, que originalmente fora previsto como um tributo a ser instituído para regulação do mercado e da inflação: com o tempo, porém, passou a ser um dos tributos de maior arrecadação no País (o que ocasionou a inserção de algumas regras limitadoras no seu trato, por conta de tal fenômeno observado). Pois bem, dado o exposto, temos então que os tributos Extrafiscais mereceram trato diferenciado pelo Legislador Constitucional, no sentido de que os mesmos são exceções ao uso estrito de Lei para alterações no quantum debeatur dos impostos. O motivo é claro: se tais tributos acima relacionados (II, IE, IPI, IOF, CIDE-Combustíveis e ICMS-Monofásico-Combustíveis) se prestam à regulação do mercado, e tais intervenções no mais das vezes requerem rapidez (como no caso de controle a surtos inflacionários), a utilização do processo legislativo (CF 64 ao 67) tornaria inócuo o caráter Extrafiscal suprarreferido, pois a edição de Lei, pelo Poder Legislativo, é um processo desprovido da necessária agilidade no trato de questões emergenciais. Em sendo assim, faculta-se a utilização, pelo Poder Executivo, de atos administrativos (como Decretos e Portarias) para as requeridas alterações nas alíquotas de tais impostos. Com relação à extinta CPMF, que era tributo Fiscal (de finalidade arrecadatória), sua presença entre as exceções ao Princípio da Legalidade Tributária se deu pelo fato de a mesma ser cumulativa, o que ocasionava, em potencial, efeitos inflacionários indesejados na Economia. O Poder Executivo, dessa forma, e similarmente aos demais tributos alteráveis via atos administrativos, podia intervir na CMPF, alterando-a por atos infralegais, regulando os efeitos da mesma no mercado. Cabe, ainda, a visualização de tal Princípio no CTN. “CTN, art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º – Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º – Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” A ressalva do inciso II do artigo suprarreferido é relativa às alterações do Imposto sobre a Importação (II) (art. 19 c/c art. 21), do Imposto sobre a Exportação (IE) (art. 23 c/c art. 26), do Imposto sobre a transmissão de bens Imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI) (art. 39) (neste último caso, tal regra não foi recepcionada, pois as alterações das alíquotas do ITBI não são exceção ao Princípio da Legalidade), do Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) (art. 57 – revogado) e do Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários (IOF) (art. 63 c/c art. 65). A ressalva do inciso III foi revogada em 1968, pois para os impostos exige-se lei complementar (CF 146, III, a). A revogação foi feita pela edição do Decreto-Lei 406. Com relação ao inciso IV, somente por Lei poderá ser fixada alíquota de tributo, bem como sua base de cálculo. São ressalvas a tal regra o imposto de Importação (II) (art. 19 c/c art. 21), o imposto de Exportação (IE) (art. 23 c/c art. 26), o Imposto sobre a transmissão de bens Imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI) (art. 39) (neste último caso, novamente, tal regra não foi recepcionada, pois as alterações das alíquotas do ITBI não são exceção ao Princípio da Legalidade), o Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) (art. 57 – revogado) e o Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários (IOF) (art. 63 c/c art. 65). A regra disposta no inciso V diz respeito às penalidades, ou seja, parcelas devidas em decorrência do dever de recolher tributos, e não o tributo em si, uma vez que o próprio art. 3º do CTN diferencia tributos de penalidades. A exigência de lei para o estabelecimento de penalidades é mera decorrência do Princípio da Legalidade Negativa, Positiva e da Tipicidade Tributária, como visto anteriormente. Já a regra explicitada no inciso VI versa sobre as hipóteses de Exclusão, Suspensão e Extinção de créditos tributários ou dispensa ou redução de penalidades. Ou seja, somente por Lei é possível determinar as hipóteses para tas eventos. Suspensão do crédito tributário é evento previsto no CTN 151, no qual se impede a propositura de Execução Fiscal de tal crédito (lembrando que o crédito constituído se reveste de exigibilidade, restando a exeqüibilidade apenas quando do ajuizamento de Execução Fiscal). Na Suspensão, desta forma, é possível o lançamento para a constituição do crédito, tornado exigível a obrigação tributária, mas não exequível. Este evento está adstrito ao Princípio da Legalidade (CTN 97, VI), se interpreta literalmente (CTN 11, I) e possui rol exaustivo (CTN 141), operado pela moratória, pelo depósito do montante integral, pelas reclamações e pelos recursos, pela concessão de medida liminar em mandado de segurança, pela concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial e pelo parcelamento. Já a Extinção é evento que, pelo próprio nome se conclui, extingue o crédito tributário (CTN 156). Possui rol taxativo, está adstrita ao Princípio da Legalidade (CTN 97, VI) e possui rol exaustivo (CTN 141), operada pelo o pagamento, compensação, transação,  remissão, prescrição e a decadência, conversão de depósito em renda, pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º, consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164,  decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória, decisão judicial passada em julgado e pela a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Por último a exclusão (CTN 175), evento impeditivo do lançamento, caracterizada popularmente como uma dispensa do pagamento. É balizada pelo Princípio da Legalidade (CTN 97, VI c/c CF 150, §6º), pela interpretação literal (CTN 11, I), tendo rol exaustivo (CTN 141) e determinada por lei específica (CF 150, §6º). Como formas de exclusão temos a isenção e a anistia. Pela inteligência do artigo 97 do CTN, adicionamos mais uma exceção à Legalidade Tributária: a Atualização Monetária (CTN 97, §2º). Tal atualização tem como limite o índice oficial. Os estados-membros dispõem de competência para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais, desde que o fator de correção utilizado seja igual ou inferior ao utilizado pela União. Assim decidiu o STF: “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 113 DA LEI N. 6.374, DE 1º DE MARÇO DE 1.989, DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIAÇÃO DA UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – UFESP. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PELO ÍNDICE DE PREÇO AO CONSUMIDOR – IPC. UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. ARTIGO 24, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.  1. Esta Corte, em oportunidades anteriores, firmou o entendimento de que, embora os Estados-membros sejam incompetentes para fixar índices de correção monetária superiores aos fixados pela União para o mesmo fim, podem defini-los em patamares inferiores — incentivo fiscal. Precedentes.  2. A competência dos Estados-membros para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais é tema que também foi examinado por este Tribunal. A União e Estados-membros detêm competência legislativa concorrente para dispor sobre matéria financeira, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I, da CB/88.  3. A legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União.  4. Pedido julgado parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao artigo 113 da Lei n. 6.374/89 do Estado de São Paulo, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais”. (ADI 442, Min. Rel. Eros Grau. Tribunal Pleno, julgamento em 14/04/2010, DJE 27/05/2010) O STF entende também que as alterações no prazo para pagamento do tributo também são exceções ao Princípio em comento. Ou seja, caso o Poder Executivo deseje antecipar a data de adimplemento de um crédito tributário, dentro de um mesmo mês ou competência, poderá fazê-lo por portaria, decreto, resolução, etc. É que o crédito, constituído por lei, permanece o mesmo: a relação jurídico-tributária travada não foi modificada, apenas o momento do desembolso. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PIS. FINSOCIAL. PRAZO DE RECOLHIMENTO. ALTERAÇÃO PELA LEI Nº 8.218, DE 29.08.91. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Examinando questão idêntica, decidiu a 1ª Turma: "Improcedência da alegação de que, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição, a lei em referência só teria aplicação sobre fatos geradores ocorridos após o término do prazo estabelecido pela norma. A regra legislativa que se limita simplesmente a mudar o prazo de recolhimento da obrigação tributária, sem qualquer repercussão, não se submete ao princípio da anterioridade. Recurso extraordinário conhecido e provido". 2. Precedentes de ambas as Turmas, nos quais têm sido rejeitados os argumentos em contrário, ora renovados pela agravante. 3. Agravo improvido”. (RE 274.949-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 13-11-2001, Primeira Turma, DJ de 1º-2-2002.) No mesmo sentido, sumulado o entendimento de que o prazo de recolhimento de tributos pode ser estipulado por ato infralegal e dentro do mesmo exercício financeiro: “SÚMULA STF 669 – Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.” Ou seja, para a Suprema Corte, as matérias não constantes no artigo 97 do CTN não estão abrangidas pelo Princípio da Legalidade (interpretação a contrario senso), o que ocorre com o prazo para pagamento. Também como exceção ao Primado da Legalidade, temos o CTN 113, in verbis: “CTN, art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º – A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º – A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.” (grifei) A Obrigação tributária principal (pagamento de tributos) (obrigação patrimonial) decorre de Lei, exclusivamente, eis que surge com a ocorrência do fato gerador, e este último é circunscrito àquele veículo legal. Já a Obrigação acessória (obrigação não patrimonial) é relativizada, pois admite previsão hipotética na “Legislação tributária”, que comporta não só a Lei, mas outros veículos infralegais, como atos administrativos. É que tal acessoriedade (prestações positivas ou negativas) não se configura como elemento nuclear da relação tributária, papel este reservado ao Fato Gerador, Base de Cálculo e Contribuinte. Assim, a Obrigação acessória cumpre um papel complementar, na medida em que assegura o cumprimento regular da Obrigação principal. Logo, admite-se sua veiculação via atos infralegais. Outro ponto pertinente é a veiculação das medidas legais pela via ordinária ou complementar. Em regra, a utilização de Lei é pela via Ordinária (Lei Ordinária), quando o assunto é Direito Tributário. Ocorre que, em alguns casos, Lei Complementar é requerida. Apesar de não haver hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar, há duas diferenças básicas entre ambas: a primeira diz respeito à reserva temática, ou seja, certos assuntos só poderão ser tratados via Lei complementar, de acordo com a previsão constitucional, para que o Princípio da pertinência temática seja aguçado; a segunda é relativa ao quórum de aprovação de ambas, sendo de maioria simples o da Lei Ordinária (CF 47) e de maioria absoluta o da Lei Complementar (CF 69). Lei complementar é necessária nos seguintes casos: – Regulação dos conflitos de competência (CF 146, I) (mesmo que tais conflitos de Competência logicamente não devam existir, eis que as competências são delineadas pela CF); – Limitações ao poder de tributar (CF 146, II) (A Lei Complementar irá apenas regular as Limitações, constitucionalmente previstas, jamais inovando nessa área, uma vez que atos infraconstitucionais não podem invadir áreas restritas à CF) (exceções admitidas pelo STF: Leis Ordinárias 9532/97 e 8212/91); – Estabelecimento de normas gerais (CF 146, III) (disposições que complementam o texto constitucional, dando significado objetivo a expressões empregadas pela constituição federal), especialmente sobre: – definição dos Fatos Geradores, Bases de Cálculo e Contribuintes para impostos; – obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; – adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; – definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239, tudo da Constituição Federal. – Estabelecimento de critérios especiais de tributação (CF 146-A), com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. É exigida Lei complementar, igualmente, para a instituição dos seguintes tributos: – ECG (Empréstimo Compulsório) (CF 148); – IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) (CF 153, VII); – IRES (Impostos Residuais) (CF 154, I); – CRES (Contribuições Residuais) (CF 195, §4º). Importante observar que alguns autores, como Amaro, definem como instrumento normativo a lei ordinária, e não complementar, para fins da CF 195, §4º, como segue: “A lei a que se refere o § 4º do art. 195 é a lei ordinária e não a lei complementar. A lei (ordinária), ali prevista, precisa respeitar as mesmas condicionantes a que a lei complementar, exigida pelo art. 154, I, deve obediência (a primeira, na criação de contribuições com base em "outras fontes"; e a segunda, na instituição de impostos residuais). O veículo normativo (lei) já está referido no art. 195, §4º, valendo a remissão ao art. 154, I, para o efeito de vedar a cumulatividade e a usurpação de fato gerador ou base de cálculo de impostos discriminados na Constituição”. (AMARO, Luciano. Direito Tributário, pg. 77) (grifei) Nesse ínterim, observa-se que o CTN, de acordo com a Constituição Federal (CF 146, III), tem força de lei complementar: ocorre que o mesmo foi promulgado como lei ordinária em 1966, sob a égide da Constituição de 1946, que demandava tal espécie de lei para tanto, até porque a lei complementar é diploma que começou a existir a partir da Constituição de 1967, um ano após a promulgação do CTN. Assim, para que haja harmonia entre as normas anteriores às Constituições elaboradas, dá-se o fenômeno da recepção, a partir do qual o CTN, apesar de formalmente ser uma lei ordinária, é tratado materialmente como lei complementar, desde 1967, podendo ser alterado somente por idêntico diploma legal. Outro veículo normativo existente e pertinente à área tributária é a Medida Provisória. Prevista no art. 62 da Constituição Federal, a mesma é cabível em caso de relevância e urgência, possuindo força de lei (mas não o sendo, importante frisar-se), submetida à aprovação do Congresso, perdendo seus efeitos, ex tunc, se não for convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período (CF 62, §3º). No que se refere à sua adoção no campo tributário, a discussão é grande. Primeiramente cabe frisar que quanto à adoção das mesmas para alteração de tributos não há o que se discutir, eis que o artigo 62, §2º da Constituição Federal prevê tal possibilidade. A regra do §2º tem ênfase no Princípio da Não-surpresa (anterioridade ordinária tributária), ditando que as alterações promovidas em tributos via Medida Provisória só produzirão efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada, exceção feita ao II (CF 153, I), ao IE (CF 153, II), ao IPI (CF 153, IV), ao IOF (CF 153, V) e ao IEG (CF 154, II), pois se tratam de tributos Extrafiscais (que atuam em situações sociais ou econômicas) e possuem maior flexibilidade com relação aos critérios para suas modificações. No que tange à instituição de impostos, em tese é possível a utilização de Medida Provisória para tanto, exceto aqueles que requeiram a edição de lei complementar (CF 62, §1º, III). Ainda sobre o Princípio da Legalidade, cabe a menção aos Tratados e as Convenções internacionais (CTN 98). Pelo princípio da especialidade, tais diplomas revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha, não criando tributos, apenas os autorizando, dentro dos limites que estabelecem. A discussão sempre girou em torno da possibilidade ou não de uma lei posterior ao Tratado alterar o mesmo. Para Amaro, não há revogação de lei por Tratado, e sim a prevalência do Princípio da Especialidade, como afirma o tributarista: “(…) em vez de revogar a lei interna, o tratado cria (nas situações por ele previstas e em relação aos países com os quais foi firmado) exceções à aplicação da lei interna, cuja revogação (das exceções) restabelece a lei interna (…) Mesmo quando o art. 98 menciona a "modificação" da lei interna pelo tratado, não se deve entender a hipótese como de revogação parcial. Trata-se, como dissemos, de norma especial (que convive com a geral), tanto que, nesse sentido, ela tem a virtude de afetar também a norma de lei interna posteriormente editada, o que, evidentemente, não poderia ser chamado de revogação. O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da norma especial (do tratado), que excepciona a norma geral (da lei interna), tornando-se indiferente que a norma interna seja anterior ou posterior ao tratado”. (Direito Tributário, página 204) Aliás, para Amaro, nem caberia a discussão, via lei (CTN) se um Tratado se incorpora automaticamente ao ordenamento jurídico interno (visão monista) ou se é necessária a conversão do mesmo em norma interna (visão dualista), pois “A eficácia dos tratados e sua inserção no ordenamento jurídico nacional é questão de natureza constitucional” (Direito Tributário, página 206). O tema, entrementes, não é pacífico, nem mesmo no STF. De acordo com a Suprema Corte, o Tratado Internacional pode adquirir posição hierárquica idêntica à de uma lei ordinária, podendo ser disciplinado por outra lei ordinária, ou mesmo revogado por ela, ou seja, há a possibilidade de a lei interna superveniente poder dispor em sentido contrário ao de norma de tratado, eis que o tratado ocuparia o mesmo nível hierárquico da lei ordinária da União. Desta forma, a ulterior edição de lei federal inconciliável com o tratado implicaria revogação deste: no plano interno ter-se-ia uma denúncia do diploma internacional, e no plano externo a sujeição a sanções previstas no Tratado. Esse entendimento foi esposado na forma que segue: “PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” (ADI 1480/DF, Relator Min. CELSO DE MELLO, Julgamento 26 de Junho de 2001) O entendimento acima segue a linha da primazia da ordem cronológica, abordada pelo STF no extrato da RTJ que segue: “PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E TRATADOS INTERNACIONAIS – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. Tendo-se presente o sistema jurídico no Brasil (RTJ 83/809), guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerá, presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” (STF RTJ 064/420-421) A despeito dos julgados suprarreferidos, a própria Suprema Corte, em 2011, se manifestou de forma diversa, qual seja, a de que os tratados internacionais possuem preponderância frente à legislação infraconstitucional. Em voto do ministro Gilmar Mendes, assim ficou assentado que: “Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por esta Corte. Como enfatizei no voto do RE 466.343/SP, o texto constitucional admite a preponderância das normas   internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público.” (RE 460.320/PR, Relator: ministro Gilmar Mendes,  Plenário, julgamento em 31/08/2011) Dado o exposto, temos que não resta pacificado o tema, qual seja, o da existência ou não de hierarquia de tratados internacionais perante as leis de âmbito interno, restando observar o último entendimento conforme exposto acima. Ainda sobre tal norma ordinária, cabe menção à possibilidade de por ela se operar isenções, conforme o STF no julgado que segue: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. NÃO INCIDÊNCIA. IMPORTAÇÃO DE BACALHAU. ISENÇÃO DE TRIBUTO ESTADUAL PREVISTA EM TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA UNIÃO. INCISO III DO ART. 151 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃO HETERÔNOMA. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 229.096, firmou entendimento de ser legítimo à União, no campo internacional, dispor sobre a isenção de impostos da competência estadual. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 234662/BA, Primeira Turma, Relator Min. CARLOS BRITTO, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009) 3.3 Princípio da isonomia tributária O Princípio da Isonomia Tributária é previsto na Constituição Federal em seu artigo 150, inciso II, conforme segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;” Aqui temos uma particularização do Princípio da Igualdade insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, abaixo transcrito; “CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: Cabe pontuarmos que a isonomia no Brasil é tema relativizado. A Doutrina entende que "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam" seria a síntese do primado da igualdade, sendo o mesmo ecoado em nosso país pela famosa “Oração ao Moços” de Rui Barbosa. A origem de tal primado nos remete a Aristóteles. Esse é o fundamento que orienta o Estado a agir de forma ativa, e não passiva, na busca pelo trato isonômico de todos. Como decorrência de tal Princípio, eclode a Proibição da Concessão de Privilégios Odiosos. É bom lembrar que, ainda há pouco tempo, tínhamos em sede de legislação infraconstitucional, previsão de tratamento diferenciado a certas categorias de profissionais, face a determinados tributos. Tais classes profissionais, devido ao prestígio de seus serviços ou a importância dos mesmos, foram agraciadas com privilégios fiscais, outrora. Ocorre que a CF 88 vedou, expressamente, tais concessões. Ora, essa é uma clara intervenção do legislador constitucional em busca da clarificação das relações jurídicas, na medida em que não se deve subverter um primado (tributário, in casu) na busca de reparações ou compensações a certos indivíduos. Busquem-se tais incentivos com mecanismos mais precisos, sem a utilização de meios transversos. 3.4 Princípio da irretroatividade Ainda no artigo 150 da Constituição Federal temos a previsão da Irretroatividade como Princípio, na forma que segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;” Temos, com tal Princípio, a cristalização de um primado geral do Direito, qual seja, o respeito à Segurança Jurídica, como dispõe a própria Constituição: “CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” Este Princípio nada mais é do que um caso específico da Irretroatividade genérica prevista na CF 5, XXXVI (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada). O que o legislador constituinte buscou é a observância das situações jurídicas consolidadas. Lei futura não pode regular os fatos presentes. Isso é ratificado inclusive pelo próprio CTN, conforme segue: “CTN, art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.” Essa regra geral encontra apenas as seguintes exceções, dispostas no próprio CTN: “CTN, art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.” Trata-se da retroatividade excepcional, não sendo casos de exceção à irretroatividade prevista na CF, é bom que se diga. Em tese, o Princípio da Irretroatividade não possui exceções (mesmo que o CTN preveja algumas hipóteses de retroatividade); não há, contudo, afastamento absoluto da aplicabilidade de tal Princípio. As “exceções” previstas no CTN decorrem de tal Princípio ser mais amplo no Código do que na CF, pois trata de toda a legislação tributária, e não apenas da instituição/majoração de tributos. Assim, temos 2 casos de retroatividade, a saber, as Leis expressamente interpretativas (CTN 106, I) e o Retroatio in Melius (CTN 106, II). As leis interpretativas que geram gravames são aplicáveis a fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor, mas não a situações sujeitas ao domínio temporal exclusivo das normas interpretadas, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito. São leis que visam ao esclarecimento de normas obscuras que demandam outra norma para as explicar. Interpretam institutos previstos na mesma lei ou em outras leis. É importante ressaltar que as leis expressamente interpretativas não podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos se contrariarem orientação favorável aos contribuintes já firmada pelos Tribunais Superiores, tampouco infringir penalidades, como previsto na própria literalidade do dispositivo legal. Já com relação ao inciso II do citado artigo, temos que o Retroatio in Melius se refere apenas à redução de multas e infrações, nunca de alíquotas e/ou de base de cálculo, e apenas em relação a atos não definitivamente julgados, ou seja, eventual litígio administrativo travado entre sujeitos ativos e passivos não pode estar concluído, mas sim pendente de decisão definitiva. Se estiver concluído, não haverá retroação da lei para mitigar penalidade eventualmente determinada. Logo, podemos concluir que a irretroatividade é não só a regra mas, se analisada pela óptica constitucional, não deve aceitar exceções, tendo em vista que a letra da Lei Maior não admite situação em contrário (CF 150, III, a). As circunstâncias que a excepcionam se encontram no CTN, e nas restritivas hipóteses em que se admite retroatividade. Após a análise de tais hipóteses, vislumbramos não um retorno da Lei a fatos pretéritos, mas sim uma releitura de ocorrências na área tributária, como a interpretação de Leis anteriores por uma Lei nova (o que em nossa opinião não seria propriamente uma retroatividade, eis que não se cria Direito algum nesse caso, apenas o explica), e a mitigação de infrações sob litígio pendente de resolução, o que também não nos parece um retorno legal a fatos passados, pois infração não é o núcleo de uma relação tributária, ainda mais se levarmos em consideração que a mesma se origina do descumprimento de Obrigações não Principais, mas Acessórias. 3.5 Princípio da não surpresa Seguindo no inciso III do artigo 150 da CF, temos o então consagrado e muito popular Princípio da Não surpresa, transcrito abaixo: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.” Trata-se, neste momento, e sem sombra de dúvida, do Princípio mais identificado com o Direito Tributário: o da Não surpresa, subdividido em Anterioridade e Noventena. Tal identificação se dá, em muito, pela ausência de vetores teleológicos entre tal primado e outro dispositivo constitucional, o que o torna figura notável na seara tributária. Em ambos os casos, o que tal primado visa a garantir é a adaptação dos contribuintes aos novos patamares de tributação eventualmente alterados pela legislação. As alterações objeto de tal resguardo principiológico dizem respeito à instituição e majoração de tributos. Como assevera Rocha, “A lei que estabelece uma maior carga tributária aos cidadãos deve ser de conhecimento da sociedade desde o ano anterior ao do início da cobrança”. Não se trata de Vacatio Legis, pois nesse caso o deslocamento ocorre entre a vigência e a eficácia (e não entre a publicação e a vigência). O subprincípio da Anterioridade (CF 150, III, b) diz respeito ao lapso temporal do exercício financeiro para a cobrança de tributos. Assim, o tributo só pode ser exigido no exercício financeiro subsequente ao da sua instituição ou majoração. Cabe aqui abordarmos a questão da Anualidade. Antigamente, na Constituição de 1946, havia a regra da prévia autorização orçamentária para a instituição de tributos. Era o chamado Princípio da Anualidade (ou Periodicidade). Assim, o Orçamento Púbico, lei formal anual, deveria fixar as despesas e prever as receitas, inclusive no que tange a instituição/majoração de tributos. Ocorre que tal regra não mais existe no ordenamento constitucional (a atual Constituição Federal não estipula que os tributos sejam previstos na Lei Orçamentária anual para cobrança no exercício subseqüente). Assim, teríamos na regra da Anterioridade atual (CF 150, III, b) um resquício da sistemática adotada pela Anualidade, pois em ambos os casos há o transcurso de tempo para a adaptação dos contribuintes às alterações na matriz tributária vigente. Tendo em vista a possibilidade de instituição de tributos ao final do exercício, e a subseqüente cobrança dos mesmos já no início do exercício financeiro posterior, tornando inócuo o primado da Não surpresa, o legislador incluiu via emenda constitucional a alínea c no artigo 150, III da CF. É o subprincípio da Noventena. Além de observar o transcurso do exercício financeiro atual, deve o Estado aguardar noventa  dias para a cobrança de tributos instituídos ou majorados. Assim, mesmo que tais alterações ocorram ao final do mês de dezembro de determinado exercício, e.g., o simples início do exercício subsequente não é suficiente para a cobrança dos tributos envolvidos: há de se observar o interregno de noventa dias para a exigência dos mesmos. Passemos as exceções aos Princípios acima elencados. O §1º do artigo 150, III da CF elenca um rol de tributos que se caracterizam como exceções à aplicação do Princípio da Não-surpresa. Ocorre que há dois grupos de exceções, cada qual voltado a um dos subprincípios já apontados (Anterioridade e Noventena). Para efeitos mais didáticos, identificaremos a relação de tributos que excepcionam ambos os subprincípios. Primeiramente, temos os impostos Extrafiscais: – II (Imposto sobre Importação) (CF 153 I); – IE (Imposto sobre Exportação) (CF 153, II); – IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) (CF 153, V). Tais impostos, dada a natureza de suas finalidades (Extrafiscal) não se submetem ao primado da Não surpresa. Logicamente, pois as alterações nos mesmos se justificam pela necessidade de intervenção estatal no mercado, a fim de regular o mesmo por intermédio de políticas econômicas. O cunho não é o arrecadatório. Dada a agilidade necessária para o implemento de tais ações (políticas econômicas), a submissão à Não surpresa tornaria tais intervenções inócuas. Assim, os impostos sobre importação, exportação e operações financeiras não se sujeitam nem à anterioridade, nem à noventena. O segundo grupo que não se sujeita ao Princípio da Não surpresa é o dos tributos extraordinários, como segue: – ECG (Empréstimo Compulsório de Guerra) (CF 148, I); – ECCP (Empréstimo Compulsório de Calamidade Pública) (CF 148, I); – IEG (Imposto Extraordinário de Guerra) (CF 154, II). Aqui, novamente, prevalece a lógica: se os eventos que autorizam a instituição ou majoração dos tributos extraordinários são, igualmente, extraordinários e, acima de tudo, circunstâncias urgentes e graves como as citadas, então restam excepcionadas tais exações com relação ao primado da Não surpresa. Atentemos ao fato de que tais eventos (guerra e calamidade pública) não são fatos geradores, e sim circunstâncias autorizadoras à instituição do tributo. É importante tal diferenciação, eis que circunstância é uma fato da vida, enquanto que fato gerador (sic) é a conjunção de hipótese de incidência (previsão hipotética na lei) com a concomitante ocorrência de um fato imponível (fato concretâneo ocorrido no mundo fenomênico). Tal hipótese de incidência, para fins tributários, deverá estar ligada a uma manifestação de duas possíveis: ou é um fato do contribuinte, ou um fato do Estado. Expliquemos melhor: os impostos, e.g., são decorrentes de fatos dos contribuintes (manifestações de riqueza dos sujeitos passivos), enquanto que as taxas, v.g., são decorrentes de manifestações do Estado (serviços públicos prestados ou colocados à disposição dos contribuintes). Assim, a eclosão de uma guerra não pode ser “fato gerador” de tributo algum, pois guerra não é fato do contribuinte nem do Estado. Guerra não é manifestação de riqueza (que ensejaria imposto), tampouco serviço público ou Poder de Polícia (que ensejariam taxas), nem obra pública da qual decorra valorização imobiliária (que ensejaria Contribuição de Melhoria). Esse é o entendimento Doutrinário ao qual nos filiamos. Outra importante exceção diz respeito ao prazo para recolhimento dos tributos. A alteração na data para o pagamento e adimplemento das obrigações principais dos tributos é um evento que, pela ótica do STF, não se sujeita ao Primado da Não surpresa, conforme segue entendimento sumulado: “Súmula 669 STF: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.” Aqui nos posicionaremos de forma contrária ao Pretório Excelso. Suponhamos que determinada exação tenha como data para o respectivo recolhimento o dia 20 do mês subseqüente ao do Fato Gerador (sic) da Obrigação Principal. Assim, os contribuintes, cientes de tal obrigação, se planejam para o desembolso em tal data. Logo, temos que até o início da 3ª semana do mês subsequente ao da ocorrência do Fato Gerador, os contribuintes possuirão recursos financeiros para outros adimplementos. Agora suponhamos que o Poder Executivo, titular da exação proposta como exemplo, venha a alterar a data para recolhimento, do dia 20 para o dia 1º do respectivo mês. Segundo o STF, tal alteração é exigível já no momento de sua ocorrência, sem a necessidade do transcurso de qualquer prazo. Ora, isso significa que os contribuintes não terão prazo para se adequarem a tal modificação: não haverá tempo de ajuste para reorganização das finanças individuais de tais agentes passivos, o que sem sombra de dúvida significará surpresa negativa. Entendemos que isso causa sacrifício aos contribuintes, indubitavelmente, na medida em que os mesmos terão que rescalonar suas cadeias de desembolso, de forma a adimplir corretamente (no prazo) a exação aludida, objeto de alteração no prazo de recolhimento. Em nossa opinião, a aplicação do instituto da Não surpresa seria interessante em tal evento. Na mesma esteira, temos a questão da atualização monetária. O CTN 97 estabelece hipóteses restritas ao primado da Legalidade, e em seu inciso II condiciona à Lei a majoração de tributos, como segue: “CTN, art. 97. Somente a lei pode estabelecer: II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; § 2º – Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” Pois bem, o §2º se incumbi de diferenciar majoração de atualização monetária. Ora, se uma coisa não significa a outra, então não podemos atribuir à atualização monetária as regras da CF 150, III, b e c, uma vez que tais dispositivos tratam da instituição e da majoração de tributos. Assim, a atualização monetária seria uma majoração aparente, meramente nominal, sendo aplicável sem a submissão aos Princípios da Anterioridade e da Noventena. Resumindo, temos como exceções ao Princípio da Não-surpresa como um todo, os seguintes tributos e elementos: – Impostos Extrafiscais (II, IE, IOF); – Tributos Extraordinários (ECG, ECCP, IEG); – Prazo para recolhimento; – Atualização Monetária. Agora passemos aos tributos isolados, cada qual excepcionando a Anterioridade ou a Noventena. Primeiramente, temos o Imposto de Renda (CF 153, III). Tal tributo tem finalidade Fiscal, logo não se presta a políticas econômicas. Assim, não requereria o status de exceção a primado algum da Não-surpresa. Ocorre que há, em sua operacionalização, elementos que o diferenciam dos demais tributos, que autorizam a excepcionalização ao Primado da Noventena. Expliquemos: o Imposto de Renda é tributo que se manifesta de forma complexiva (seu fato gerador é continuado). Segundo o CTN: “CTN, art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:” A aquisição de renda é adstrita anualmente, dentro do período estabelecido pelo ano-calendário (ano-base = ano-calendário). Assim, o fato gerador (sic) vai se aperfeiçoando ao longo do exercício financeiro, de forma que a base de cálculo esteja completa pelo somatório dos ganhos nos 12 meses anteriores ao da declaração. Ao término de dezembro, o Imposto de Renda está apto a incidir perante a base de cálculo então composta. O período para os contribuintes realizarem os levantamentos de seus ganhos, para fins de declaração (Obrigação Acessória) se dá de 1º de janeiro até 30 de abril. Assim, quaisquer alterações (leia-se majorações) do mesmo, caso ocorridas ao final do ano em que o Fato Gerador (sic) está se aperfeiçoando, poderão ser implementadas já para a declaração do ano subsequente. Dessa forma, temos que o Imposto de Renda respeita o Princípio da Anterioridade (alterações a serem cobradas somente no exercício seguinte), porém é exceção ao Princípio da Noventena (alterações no IR em dezembro o ano t podem ser implementadas no ano t+1 anteriormente a noventa dias, de forma a serem declaradas já no mês de março, quando tradicionalmente ocorre a entrega por parte dos contribuintes do Imposto devido). Outro tributo que é exceção parcial ao Princípio da Não-surpresa é o IPI (CF 153, IV). De origem Extrafiscal (era utilizado para regular o mercado, em especial a produção interna face à inflação), o Imposto sobre Produtos Industrializados ganhou proporções arrecadatórias que, desvirtuando sua natureza, passou a ser encarada como Fiscal por boa parte da Doutrina. Deixando de lado os aspectos teóricos, o fato é que o IPI é, hoje, um dos tributos de maior arrecadação no Brasil, o que despertou a atenção do legislador. Este último, no intuito de preservar a segurança jurídica dos contribuintes decidiu, via Emenda Constitucional, submetê-lo à regra da Noventena. Ou seja, se por um lado o IPI pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro ao qual se registrou majorações em suas alíquotas (exceção ao Princípio da Anterioridade), o mesmo não se pode dizer com relação ao Princípio da Noventena: a cobrança de qualquer majoração só pode se dar após o interregno de noventa dias. É que, ao passo que é Extrafiscal, o IPI pelo seu grande vulto arrecadatório precisa ser controlado por pelo menos um dos aspectos da Não-surpresa. As Contribuições para a Seguridade Social, tributos previstos pela CF 149, e pormenorizadas pela CF 195, se sujeitam ao Princípio da Anterioridade, mas não à Noventena. Aqui iremos nos posicionar conforme Doutrina minoritária. É que, segundo a CF, temos a seguinte regra: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 6º – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". Pois bem, o que o §6º estipula é que as Contribuições Sociais se submetam ao transcurso de noventa dias para sua exigência após a respectiva instituição ou majoração. Trata-se, na prática, de replicação da regra disposta na CF 150, III, c (Princípio da Noventena). Ocorre que, segundo a boa técnica legislativa, os dispositivos elencados em uma norma não devem ser desprovidos de elementos imprecisos ou de significância própria. A lei não deve ser elaborada com cópias de dispositivos ou réplicas textuais já utilizadas. Se há, na lei, dispositivo novo, há regra nova, não prevista anteriormente. Esse é o espírito norteador a quem legisla. E partindo dessa premissa, não podemos concluir que a regra da CF 195 é a mesma da CF 150. Assim, o que temos são duas limitações: a do artigo 150 chamaremos de Noventena, e a do artigo 195 chamaremos de Anterioridade Nonagesimal. A despeito de ambas disporem de igual prazo e de igual teleologia, não as confundiremos, dado o exposto. E em sendo regra nova (Princípio da Anterioridade Nonagesimal – aplicável às Contribuições Sociais), com ela travaremos a discussão. Em resumo, as Contribuições Sociais se submetem ao Princípio da Anterioridade (CF 150, III, b) e ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal (CF 195, §6º), excepcionando o Princípio da Noventena (CF 150, III, c). Seguindo com as exceções parciais à Não-surpresa, temos o ICMS-Monofásico-Combustíveis (CF 155, XII, h c/c §4º, IV, c), conforme segue: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: XII – cabe à lei complementar: h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; § 4º – Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.” Aqui, temos a possibilidade de restabelecimento de alíquotas (e não majoração das mesmas) sem a necessidade de se observar a Anterioridade de exercício (CF 150, III, b), restando a necessidade de obediência à Noventena (CF 150, III, c). Ainda com relação aos tributos sobre combustíveis, temos mais uma exceção parcial ao Princípio da Não-surpresa, qual seja, a CIDE-Combustíveis (CF 177, §4º), cujo dispositivo reproduzimos abaixo: “Art. 177. Constituem monopólio da União: § 4º – A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b;” Também nesse caso, temos que, diferentemente de majoração, o que a CF facultou ao Poder Executivo é o restabelecimento de alíquotas de tal tributo sem a observância do Princípio da Anterioridade (CF 150, III, b), porém respeitando a Noventena (CF 150, III, c). Há, ainda, duas últimas exceções ao Primado da Noventena: a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU. Tal ressalva se respalda no fato de que os Fiscos Estaduais e Municipais geralmente revisam os valores dos veículos e dos imóveis ao final dos exercícios financeiros. Como fenômeno econômico, os valores de tais propriedades aumentam ao longo do tempo (fato corriqueiramente observado com relação a imóveis), de forma que, via de regra, as aludidas revisões trazem um aumento no quantum debeatur dos impostos respectivos, pela via transversa, eis que não se alteraram as alíquotas envolvidas. O fato é que haverá majoração dos tributos em pauta sempre que ocorrerem as revisões e ulteriores fixações das bases de cálculo do IPVA e do IPTU. O Fato Gerador e as alíquotas, entretanto, permanecem inalterados e, sendo assim, optou o legislador constitucional pela excepcionalização de tais eventos ao Primado da Noventena, uma vez que a cobrança aos contribuintes de tais impostos ocorre já no início do exercício subsequente. É uma forma de manter o respeito à Não-surpresa (pela observância da Anterioridade, uma vez que houve majoração dos tributos envolvidos), porém com a possibilidade de o Executivo proceder à cobrança de tais impostos, com o fato gerador (sic) ocorrido e a Obrigação Tributária perfectibilizada, já no início da competência anual ulterior. Outro detalhe a ser ressaltado é que o Princípio da Não surpresa é direcionado às surpresas negativas, somente. Se por um lado as majorações devem se balizar pelas limitações descritas exaustivamente acima, as diminuições dos tributos não requerem observância de tais dispositivos. Por óbvio, diminuições são surpresas positivas, que ao contrário de imporem gravames aos contribuintes, os favorecem. Desnecessário seria o transcurso de qualquer prazo para a efetiva mitigação tributária, uma vez que bem vinda por todos os que dela se beneficiam. Importante traçarmos um paralelo entre a Constituição Federal e o CTN, no que tange à anterioridade. Reza o código que: “CTN, art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: I – que instituem ou majoram tais impostos; II – que definem novas hipóteses de incidência; III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178”. Aqui cabe uma observação: a Carta magna tratou de tal princípio no que tange à cobrança de tributos. O Código, por sua vez, tratou do mesmo primado no que tange à vigência de impostos. Ou seja, há duas diferenças significantes entre os dispositivos supramencionados. Ora, é claro que uma Lei pode aumentar, não só um imposto, como qualquer tributo sujeito à Anterioridade, e estar vigendo, porém sem o condão de permitir a cobrança da exação. É que o efeito a ser dilatado é este último, o da cobrança, e não o da vigência (o que se tem, in casu, como o fenômeno da vacatio legis). Assim, consideram-se não recepcionados os incisos I e II, tendo em vista tratarem de instituto jurídico diverso, qual seja, da dilação da vigência da Lei, e não da cobrança da exação em pauta, o que se alinharia à carta Magna. E mais: tais dispositivos tratam de tributos e hipóteses de incidência, e não de impostos, como versa a CF. Ainda sobre a anterioridade prevista no CTN, o art., III já foi objeto de debates na Suprema Corte. Inicialmente, o entendimento era de que não seria necessário o transcurso de um exercício para que se operasse a revogação de isenções, conforme segue: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO: REVOGAÇÃO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. I. – Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal.” (RE 204.062-2-ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 27/09/1996, Segunda turma) Esse entendimento restou superado em recente julgado sobre o tema, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, abaixo transcrito: “IMPOSTO     SOBRE     CIRCULAÇÃO     DE     MERCADORIAS     E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO   DA   ANTERIORIDADE   –   DEVER   DE   OBSERVÂNCIA   – PRECEDENTES.   Promovido   aumento   indireto   do   Imposto   Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício   fiscal,   surge   o   dever   de   observância   ao   princípio   da anterioridade,   geral   e   nonagesimal,   constante   das   alíneas   “b”   e   “c”   do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004” (RE 564225 AgR, Relator Marco Aurélio, Primeira Turma, julgamento em 2.9.2014, DJe de 18.11.2014) Assim transcorreu a evolução da interpretação aplicada ao CTN no que tange à anterioridade, demonstrando-se no caso que a tal exegese não é alcançada simplesmente de forma literal, com o juiz “boca da lei” então abordada em capítulo anterior. 3.6 Princípio da vedação ao confisco Importante Princípio previsto na Constituição federal é o do Confisco, na forma que segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco;” Primeiramente, devemos nos ater ao termo “confisco”. A Doutrina encontra dificuldades em definir tal conceito, restando o mesmo indeterminado, sujeito a alto grau de subjetividade, variando muito de acordo com as concepções político-filosóficas do exegeta. Frente ao efeito então “confiscatório”, até mesmo o Poder Judiciário se depara com uma verdadeira “zona cinzenta”. Famosa é a passagem do saudoso Jurista Aliomar Baleeiro, conduzindo um Acórdão do STF, quando ressaltou que não saberia dizer ao certo o que era efeito confiscatório; mas certamente sabia o que não era: “batom de mulher”. Segundo De Plácido e Silva: “Em regra, pois, o confisco indica uma punição. Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação, decorre da evidência de crimes ou contravenções praticadas por uma pessoa, em virtude do que, além de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu poder, em proveito do erário público”. (Vocabulário Jurídico, página 505) Decorrendo diretamente da garantia à propriedade privada (CF 5º, XXII e XXIII), como vetor teleológico da mesma, a Vedação ao Confisco é mais uma das limitações ao poder de tributar. Vale destacar que tal limitação é relativa a tributos, e não apenas impostos. Trata-se de um postulado normativo da Proibição do Excesso. Poderíamos inclusive aludir contornos administrativistas de tal conceito, ao vislumbrarmos o Princípio da Razoabilidade aplicável aos atos administrativos. Ou seja, não pode o Poder Executivo impor de forma desarrazoada a incidência tributária a um mesmo contribuinte. Tampouco a Lei. Tal limitação quantitativa busca impedir que a exigência tributária exceda a capacidade contributiva do indivíduo. Interessante posicionamento adotou o STF na ADIn MC 1.075-DF, oportunidade na qual entendeu que a aplicação de multa de 300% do valor da operação para hipótese de venda de mercadoria sem a emissão de nota fiscal se configuraria confisco. Segue o acórdão: “A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela carta política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, ao campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária o exercício do direito a uma existência digna, ou à prática de atividade profissional lícita ou, ainda, á regular satisfação de suas necessiadades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se de definição do “quantum” pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais” (ADI 1.075-MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 17/06/1998) Filiamo-nos, nesse caso, ao entendimento de Hugo de Brito Machado, segundo o qual o Princípio do Não Confisco é inaplicável às multas: “A vedação do confisco é atinente ao tributo. Não à penalidade pecuniária, vale dizer, à multa. O regime jurídico do tributo não se aplica à multa, porque tributo e multa são essencialmente distintos. O ilícito é pressuposto essencial desta, e não daquele”. (Curso de Direito Tributário, página 42) Expliquemos: multa e tributo não se confundem. Segundo o CTN 3º: “CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” A multa não tem por finalidade a produção de receita pública, mas sim desestimular o comportamento que configura a sua hipótese de incidência, e por isso mesmo constitui receita extraordinária ou eventual, e não tributo. Multa tributária não é tributo, mas a obrigação de pagá-la tem natureza tributária (CTN 113, §1º). A própria dicção da CF 150, IV deixa claro que o Princípio em comento é relativo a tributos, e não a multas. Em segundo lugar, a aplicação de multa se dá no interesse de desestimular o não atendimento de obrigações existentes. A aplicação de multa em patamares próximos ao do julgado no STF (300%) significa que quis o legislador definitivamente evitar a circulação de mercadorias sem nota fiscal, e o patamar da multa correspondente é um reflexo da preocupação do legislador relativamente ao tema. Ora, limitar a multa pelo Primado do Não Confisco é desvirtuar o sentido da penalidade, qual seja, mitigar comportamentos tipificados em lei como contrários aos interesses sociais. Outros institutos, especialmente penais, como o da Proporcionalidade e o a Razoabilidade, se prestam mais adequadamente para a modulação de penas eventualmente desarrazoadas. Entendemos ser de melhor técnica a separação principiológica dos institutos, para fins de entendimento da lide. Nesse sentido, inaplicável, novamente, o primado do Não Confisco às multas. Por final, cabe destacar que a Identificação do efeito confiscatório se dá em função da totalidade da carga tributária (efeito cumulativo), em confronto com a capacidade contributiva do contribuinte. Significa dizer que a análise do efeito confiscatório não se presta perante tributos individualizados, somente. Ou seja, um único tributo, analisado individualmente, pode não ter caráter confiscatório: se analisado, porém, em conjunto com demais tributos, tal efeito pode vir a eclodir, e mesmo que individualmente não se verifique, o confisco alcançará a relação travada entre o Estado e o contribuinte de tais tributos em conjunto. E mais: o tributos porventura confiscatórios devem ser analisados perante um único Ente Político, titular da competência para instituir e cobrar tais exações. Ou seja, a análise deve ser focada no conjunto de tributos incidentes contra um mesmo contribuinte, oriundos de um mesmo Ente tributante, para daí se verificar eventual efeito confiscatório. 3.7 Princípio da não limitação de tráfego O direito de locomoção constitucionalmente previsto no artigo 5º da Carta Magna foi aguçado pelo Princípio da Não limitação de tráfego, abaixo transcrito: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;” Anteriormente à análise do Princípio em questão, faz-se necessária a transcrição do Direito de Locomoção (CF 5º, XV): “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;” Partindo-se de tal pressuposto, veio o Princípio da Não Limitação de Tráfego aguçar o sentido da liberdade de locomoção. O que tal primado proíbe é a instituição de tributo com hipótese de incidência definida pela transposição de fronteiras entre Estados ou Municípios. É ressalvada, entretanto, a existência de pedágios. E dessa forma, legítima é a cobrança para a utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Tais serviços, de competência dos Estados e da União, podem ser realizados tanto por ele mesmo, como por particulares delegados. Observa-se que a previsão da cobrança de pedágios se encontra numa seção constitucional que trata de tributos, o que inicialmente remete ao entendimento de que tal cobrança teria a natureza tributária, como segue: “Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à idéia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos”. (AMARO, Luciano. Direito Tributário, página 71) (grifei) Ocorre que, a despeito do entendimento acima exposto, resta um problema incontornável. A cobrança de taxa se origina ou do poder de polícia, ou da prestação de serviços públicos. A cobrança de pedágio, entretanto, se dá pela “utilização” de vias conservadas pelo Poder Público. Ou seja, não há serviço envolvido, tão somente a utilização, o que remeteria a uma taxa com fato gerador não elencado na Constituição. Em recente julgado, o STF sedimentou o entendimento outrora controverso acerca da natureza da cobrança dos pedágios, que é de preço público, conforme segue: “EMENTA: TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA DE PREÇO PÚBLICO. DECRETO 34.417/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço público, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita. 2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”. (ADI 800, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 11-6-2014, Plenário, DJE de 1º-7-2014) (grifei) Cristaliza-se como mais razoável a qualificação como preço público, na medida em que se taxa fosse, possível seria a cobrança potencial pelo serviço colocado à disposição, o que entraria em conflito com a atual forma de cobrança nas chancelas pedagiadas do sistema viário nacional. 3.8 Princípio da uniformidade geográfica A Constituição Federal, em seu artigo 151, inciso I, previu tratamento tributário uniforme ao longo de todas as regiões contempladas pela atuação estatal. Segue abaixo a transcrição de tal Princípio: “CF, Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;” Como decorrência lógica do Princípio da Isonomia, não pode a União conceder privilégios odiosos a determinados Entes federativos. Isso significa dizer que a República Federativa do Brasil prima pela igualdade entre seus Entes, sem distinção no trato tributário. Logicamente, há exceções a tal primado. A primeira diz respeito à redução das desigualdades sociais e regionais prevista no art. 3º, III, como segue: “CF, Art. 3º     Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” (grifei) A segunda exceção é relativa à instituição, pela União, de isenções, reduções e diferimentos temporários, conforme segue: “CF, Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. § 2º – Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: III – isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;” (grifei) O CTN, por sua vez, também mitigou tal primado em alguns artigos. O primeiro diz respeito à moratória restrita (modalidade de suspensão do crédito tributário), tida como a única restrição territorial extensiva a aspectos subjetivos de seus beneficiários, conforme segue: “CTN, Art. 152. A moratória somente pode ser concedida: Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.” (grifei) Já em seu artigo 172, V, o Código tributário previu outra restrição territorial que excepciona o Princípio da Uniformidade Geográfica, qual seja, a remissão restrita (modalidade de extinção do crédito tributário), abaixo colacionado: “CTN, art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.” (grifei) Ao tratar da exclusão do crédito tributário, previu igualmente exceções ao Princípio da Uniformidade Geográfica, conforme segue: “CTN, Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. CTN, art. 181. A anistia pode ser concedida: II – limitadamente: c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares;” (grifei) Tanto a isenção (dispensa legal do pagamento do crédito tributário relativa a fatos geradores futuros) quanto a anistia (perdão do delito relativo a fatos geradores passados) possuem comandos que possibilitam suas concessões a determinadas regiões do território da entidade tributante, levando-se em conta condições peculiares de tais locais. Em todos os casos suprarreferidos, andou bem o legislador infraconstitucional, pois não se trata de privilégios ou discriminações imotivadas, mas sim tratamento diferenciado para regiões diferentes, ou seja, novamente temos a cristalização do primado da igualdade já debatido neste trabalho. Sobre isso, importante retomar o conceito de igualdade. Primeiramente, não se pode cogitar de ofensa ao princípio da igualdade quando as discriminações são previstas no próprio texto constitucional. Em segundo lugar, a Isonomia no Brasil é relativizada, pois se devem tratar desigualmente os desiguais. No constitucionalismo, a existência de discriminações positivas iguala materialmente os desiguais. O tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, estando consagrado no texto da Constituição Federal de 1988. A igualdade formal nem sempre deságua numa igualdade material, restando ao poder público a implementação de políticas afirmativas (que prevejam tratamentos diferenciados) em prol da igualdade material, fim último sob o âmbito da justiça social, razão pela qual são não somente constitucionais como legítimas as diferenciações territoriais em matéria tributária, quando o quadro fático aponta para desigualdades efetivas. 3.9 Princípio da não-discriminação pela procedência ou destino Este primado, a seu turno, tem por finalidade o resguardo do Pacto Federativo, qual seja, a coexistência parificada e pacífica entre os Entes Políticos, estando previsto “CF, art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.” É importante ressaltar que tal Princípio se aplica exclusivamente aos Estados, Distrito Federal e Municípios. A União, por sua vez, está autorizada a promover tratamento diferenciado entre os Entes suprarreferidos, tendo em vista a teleologia das exceções ao Princípio da Uniformidade Geográfica já tratada (CF 3º, III e CF 43, §2º, III). A Não-discriminação pela Procedência encontra eco no Princípio do tratamento nacional, previsto em acordo GATT e na Lei 313/1948, conforme segue: “PARTE II, ARTIGO III, TRATAMENTO NACIONAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS E DE REGULAMENTAÇÃO INTERNOS – 2. Os produtos originários de qualquer Parte Contratante importados no território de qualquer outra Parte Contratante gozarão de tratamento não menos favorável que a concedido a produtos similares de origem nacional no que concerne a todas as leis, regulamentos e exigências que afetem a sua venda, colocação no mercado, compra, transporte, distribuição ou uso no mercado interno. As disposições dêste parágrafo não impedirão a aplicação das taxas diferenciais de transportes, baseadas exclusivamente na utilização econômica dos meios de transporte e não na origem de produtos.” Assim, prevê o ordenamento jurídico a equivalência no tratamento tributário dos produtos tanto com relação à procedência interna quanto externa. No que tange ao trato externo, quis o legislador impedir que o país se utilize de barreiras protecionistas como mecânica de implemento de sua balança comercial. As ciências econômicas já demonstraram, exaustivamente, os malefícios advindos de tal política. 3.10 Princípio da não-cumulatividade A não-cumulatividade tem origem na França, em torno de 1936, oportunidade na qual se verificou os malefícios que se originam no sistema econômico oriundos da utilização de tributos cumulativos, sendo introduzido tal primado no Brasil em 1946, pela EC 18/65. Atualmente, é previsto na Constituição Federal conforme abaixo: “CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;” Desta forma, previne-se o efeito cascata na cadeia de produção, na qual o ICMS incidiria em cada etapa fabril, o que ocasionaria um tributo total somado maior do que o próprio valor da mercadoria. Ao se eliminar a múltipla incidência, surge a necessidade de um sistema de débitos e créditos, para cada agente na cadeia produtiva, conforme ilustra Cardoso: “A não cumulatividade do ICMS, na forma prevista na Constituição Federal de 1988, é concretizado por meio de um mecanismo fundado em “compensações”, que permite que se compense o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante do imposto cobrado nas anteriores, criando, assim, direitos públicos subjetivos para o contribuinte”. (Não-cumulatividade do ICMS, página 114) Assim, resta o caráter de imposto sobre o valor agregado (acrescido) do ICMS. Quanto a este tema, importante ressaltar que os créditos a serem apropriados em cada etapa, deduzindo-se dos débitos oriundos da operação com mercadorias, não são possíveis de serem corrigidos monetariamente, conforme decisão do STF: “EMBARGOS   DE   DECLARAÇÃO NO   RECURSO EXTRAORDINÁRIO.   CONVERSÃO   EM   AGRAVO   REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. IMPOSSIBILIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS     CRÉDITOS     ESCRITURAIS.     PRECEDENTES.     AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo   Tribunal   Federal,  em   Primeira   Turma,   sob   a   Presidência   do Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas,   por   maioria   de   votos,  em converter os embargos de declaração em agravo regimental e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Vencido o Ministro Marco Aurélio”. (ED RE 634.468/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/02/2012) Essa é uma decisão controvertida, uma vez que os créditos nem sempre são apropriados instantaneamente pela empresa detentora dos mesmos, desta forma sendo qualificados como direitos, sujeitos dessa forma à ação do tempo, o que realça a possibilidade de correção dos mesmos frente ao decurso temporal. Há, sem sombra de dúvida, possibilidade de revisão de tal entendimento no futuro, de forma a prestigiar o contribuinte regular que contribui com o primado da não cumulatividade dentro da cadeia produtiva. 3.11 Princípio do non olet A cláusula do pecunia non olet é de suma importância ao Direito Tributário. Segundo ela, mesmo que os rendimentos sejam ilícitos, os mesmos serão regularmente tributados. Este princípio foi previsto no Código Tributário conforme segue: “CTN, Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: § 1º – A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. CTN, Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”. A origem de tal Princípio remonta à Roma antiga. À época do imperador Nero, foi criado um tributo para a utilização das cloacas públicas (atualmente, o tributo mais próximo disso seria uma taxa, dada a prestação de um serviço público individualizado ao contribuinte). Vespasiano restabeleceu tal taxa, após a mesma ter sido extinta. Tito, seu filho, o questionou acerca da eventual imoralidade de tal tributo, dada a hipótese de incidência (uso de banheiros públicos). Seu pai então estendeu uma moeda e, aproximando-a de si, exclamou: non olet (não cheira). A questão reside basicamente na finalidade da tributação. Não se pode confundir tributo com multa (CTN 3º). O objetivo da tributação não é punir. A manifestação de riqueza, sendo fruto de uma atividade ilícita, não descaracteriza os efeitos econômicos de si mesma. A hipótese de incidência, ao prever a tributação de manifestações de riqueza, continua alcançando tal fato imponível, a despeito do mesmo ter origem em atividades eventualmente ilegais. Logo, a atividade ilícita enseja persecução criminal, de um lado, e tributação regular, de outro. Uma instância não se comunica com a outra, nesse aspecto. Pensar diferente significa desonerar, quiçá incentivar a prática de atividades ilícitas, caso as mesmas não sejam alcançadas por hipóteses de incidência tributárias. O STF já se deparou com tal Princípio, segundo o Informativo nº 637, in verbis: “É possível a incidência de tributação sobre valores arrecadados em virtude de atividade ilícita, consoante o art. 118 do CTN […] seria contraditório o não-pagamento do imposto proveniente de ato ilegal, pois haveria locupletamento da própria torpeza em detrimento do interesse público da satisfação das necessidades coletivas, a qual se daria por meio da exação tributária”. O informativo em pauta se originou em habeas corpus impetrado no STF, segundo a decisão que segue: “Jogo do Bicho. Possibilidade jurídica de tributação sobre valores oriundos de prática ou atividade ilícita. Princípio do Direito Tributário do non olet. Precedente. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. A pretendida desclassificação do tipo previsto no art. 1º, inciso I, para art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito sua análise neste ensejo configuraria, na linha de precedentes, verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 2. A jurisprudência da Corte, à luz do art. 118 do Código Tributário Nacional, assentou entendimento de ser possível a tributação de renda obtida em razão de atividade ilícita, visto que a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica do ato efetivamente praticado, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Princípio do non olet. Vide o HC nº 77.530/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 18/9/98. 3. Ordem parcialmente conhecida e denegada”. (HC 94240/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/08/2011, Primeira Turma) Assim, a relação jurídico-tributária é travada quando ocorridos os fatos previstos hipoteticamente na lei, abstraindo-se os elementos de validade no negócio jurídico, tais como agente capaz, objeto lícito possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. 3.12 Princípio da indisponibilidade do interesse público O artigo 3º do CTN inaugura uma série de conceitos relativos ao tributo; a indisponibilidade do interesse público, em especial, é destacada, como se observa: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” (grifei) Por se tratar a cobrança uma atividade administrativa plenamente vinculada, a mesma não disporá de margem discricionária, ou seja, a autoridade administrativa está obrigada ao estrito cumprimento da lei. O lançamento está vinculado a lei, idem. Aqui cabe uma observação: nem sempre a atividade será estritamente vinculada. Basta analisarmos o lançamento por homologação previsto no CTN, in verbis: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”.  (grifei) Ora, da inteligência do artigo 150, resta ao sujeito passivo a perfectibilização do lançamento, apurar a base de cálculo e a competência temporal, e aplicar a alíquota, obtendo o quantum debeatur, tudo isso sem o prévio exame da autoridade administrativa. Assim, é possível que a cobrança se efetue sem a participação de tal autoridade, pois no Autolançamento, que abrange a maioria esmagadora dos tributos, o lançamento é posterior ao pagamento, ou seja, a homologação é o próprio lançamento. A homologação, nesse caso, é extintiva, ou seja, trata-se de lançamento sui generis, pois constitui e extingue o crédito, simultaneamente. Ainda sobre o princípio em comento, a Constituição Federal exige a edição de Lei específica para concessão de benefícios fiscais, a seguir elencados: – Isenção (CTN, 175, I); – Anistia (CTN, 175, II); – Remissão (CTN, 172); – Subsídio; – Redução de Base de Cálculo; – Concessão de Crédito Presumido. Não pode o Poder Executivo conceder os benefícios fiscais acima indicados sem a correspondente autorização dada pelo Poder Legislativo, por intermédio de Lei. É que o titular do interesse público é o povo, que se faz representado pelo Legislativo. E tal interesse não está à disposição da máquina pública. Assim está disposto na Carta Magna: “CF, Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: § 6º – Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.” (grifei) Fez mais o legislador constituinte: tais benefícios, quando concedidos, devem vir veiculados por Lei Específica. Ou seja, resguarda-se a pertinência temática dos projetos de Lei; evita-se o artifício da inclusão de benefícios fiscais em Leis totalmente alheias ao tema tributário. Como decorrência de tal Princípio, temos que o Poder Judiciário não pode estender a outras categorias de contribuintes, sob o pretexto de observar o Princípio da Isonomia, benefícios fiscais concedidos a determinados grupos de sujeitos passivos. Pensar o contrário seria admitir competência estranha a tal Poder, conforme julgado que segue; “Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado”. (AI 142.348-AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgamento em 02/08/94, DJ de 24/03/1995) Excepcionam tal dispositivo as isenções de ICMS aprovadas por Convênios, conforme segue: “CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: XII – cabe à lei complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” Os Estados deliberarão tais concessões via convênio, de forma a controlar possíveis guerras fiscais. A deliberação se dá pelo CONFAZ, sede na qual os interesses de todos os Estados membros se cristaliza, e pela maioria dos votos eventuais isenções são outorgadas. 3.13 Princípio da indelegabilidade Aqui, temos a diferenciação entre competência e capacidade tributárias, temas a serem discutidos perante tal Princípio, conforme segue: “CTN, art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.” Em primeiro lugar, Competência para legislar sobre direito tributário diz respeito a versar sobre tributos, enquanto que Competência tributária diz respeito à instituição propriamente dita de tributos. Ambas são indelegáveis, sendo o núcleo do primado em comento. A Competência na área tributária é tratada na Constituição Federal, conforme segue: “CF, art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” Pois bem, a Competência para legislar sobre Direito Tributário é concorrente entre os Entes federativos. E não poderia ser diferente, na medida em que o próprio desenho constitucional dos mesmos, e suas existências fáticas, são resguardados pelo direito de tributar, ou seja, pelo direito de se financiarem frente aos contribuintes. O estabelecimento de normas gerais no âmbito tributário é, naturalmente, da União. Isso decorre da necessidade de uniformização nacional das leis concorrentes. Exemplo disso é a Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Apesar de ser imposto de competência dos Municípios, o ISS não poderia ter elementos seus como a lista de serviços perante os quais ocorre o fato gerador à disposição de tais entes. Atualmente, há 5.570 municípios no Brasil. Imaginemos o caos jurídico que se estabeleceria caso cada um desses municípios pudesse alterar o rol de serviços que originam a Obrigação Tributária relativa ao ISS. É devido a isso que a União exerce papel fundamental no estabelecimento de normas gerais. Na ausência de tais normas gerais, os Estados exercem a Competência Legislativa plena. Como exemplo, temos as Leis estaduais que instituem o IPVA. A União, a despeito da previsão constitucional de tal tributo desde 1988 (CF 155, III) até hoje não editou uma Lei de uniformização a respeito do assunto. A inércia legislativa apontada propicia, atualmente, o surgimento de hipóteses de incidência anômalas para o IPVA, a depender do Estado que se esteja analisando. O Poder Judiciário é chamado nesses casos a se pronunciar, conforme segue: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IPVA – Embargos improcedentes – Incidência do IPVA sobre aeronaves – Impossibilidade – O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser declarado inconstitucional o inciso III do artigo 6o da Lei 6.606 /89, do Estado de São Paulo, que previa a incidência do IPVA sobre aeronaves. – Precedentes – Sentença reformada – Recurso provido”. (TJ-SP, Apelação Sem Revisão SR 4635645900, Relator Samuel Júnior, julgamento em 16/09/2008, 2ª Câmara de Direito Público) Um último detalhe diz respeito ao §4º do artigo 24 da CF, segundo o qual a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende (sic) a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Aqui temos, salvo melhor juízo, uma impropriedade técnica: a lei é nacional, e não federal. Seria um absurdo falar em revogação de uma lei estadual ou distrital por uma lei federal, pois não existe hierarquia entre tais leis. Adiante no assunto, cabe frisar que a Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam, mediante leis próprias. Ou seja, a Competência tributária de instituir tributos é outorgada pela Carta Magna aos diversos Entes, que então possibilitam o surgimento dos tributos previstos no texto constitucional. Trata-se de uma faculdade, e não uma imposição, apesar de a Lei Complementar 101/1999, artigo 11, dispor o seguinte: “LRF, art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.” Seria o exercício pleno da Capacidade tributária. A própria LRF tratou de estabelecer uma forma de sanção aos Entes que não instituam todos os impostos de sua Competência. De certa forma faz sentido tal dispositivo, pois se não há a plena instituição de tais exações, não faria sentido o financiamento de tal Ente via transferências voluntárias. Assim, a Competência tributária é política, e indelegável, como primado. Já a Capacidade ativa, esta sim, delegável. No caso, temos uma atribuição administrativa, e não política, de cobrança dos tributos. 3.14 Princípio da não-vinculação Tal Princípio informa a característica básica dos impostos, que os distinguem das demais modalidades tributárias, qual seja, a não vinculação de sua cobrança a nenhuma atividade estatal específica. Ou seja, os impostos, diferentemente das taxas, não se originam em um fato do Estado (prestação estatal aos contribuintes), mas sim a uma manifestação de riqueza por parte dos sujeitos passivos (fato do contribuinte). Dessa forma, afirma-se que os impostos não gozam do atributo da referibilidade. É o que prevê o CTN em seu artigo 16, in verbis: “CTN, art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.” Os recursos obtidos com a tributação via impostos remuneram os serviços estatais uti Universe, ou seja, de forma geral, universal, ao contrário da remuneração uti Singuli, própria das taxas (tributos sinalagmáticos). Pensemos no serviço estatal de segurança pública. Ora, essa prestação estatal não pode ser individualizada, pois todos os que estiverem em território nacional estarão cobertos pelos serviços de segurança pública. Até mesmo aqueles que estiverem de passagem pelo território brasileiro gozarão de tais serviços. Assim, impossível a mensuração dos custos individuais de tal prestação. E dada tal impossibilidade, inviável seria a instituição de taxas, que requerem o dimensionamento dos custos individuais (como no caso do serviço de coleta de lixo, onde é perfeitamente possível o levantamento dos custos unitários, ao dividirmos o custo total fixado no orçamento pela quantidade de residências atendidas por tal serviço público). Se o serviço público de segurança não é passível de mensuração individualizada, é necessária outra fonte de custeio que não a das taxas para o financiamento deste. Assim, impõe-se a necessidade de carrear recursos via impostos, tendo como parâmetro a manifestação de riqueza dos contribuintes, e não o dispêndio governamental no caso. Essa é a origem da não vinculação dos impostos. O correto entendimento de tal primado é fundamental para a concepção do sistema tributário como um todo. Não são raras as vezes em que nos deparamos com contribuintes alegando que o IPVA pago não é justo, na medida em que as estradas se encontram eventualmente mal conservadas. Nada mais falacioso. O IPVA é devido em função da propriedade veicular, e não pela conservação de estrada alguma. Se um indivíduo possui automóvel, configura-se a manifestação de riqueza. Nem todos os indivíduos possuem automóveis, logo, necessária se faz a justiça social da capacidade contributiva (já analisada no presente trabalho). Quem pode mais, paga mais. E sendo assim, surge a Obrigação Tributária do IPVA, sem qualquer vinculação a serviços de conservação de estradas por parte do Estado. 3.15 Princípio da territorialidade O Primado em pauta é de fácil percepção e entendimento: a legislação tributária (atos legais e infralegais) se circunscreve ao território no qual foi exarada. Por óbvio, pois a Competência para legislar outorgada aos Entes Políticos o foi justamente para que os mesmos a exercesse. Não faria sentido um Ente abrir mão de tal competência e aplicar analogamente os dispositivos legais de outro. Estamos, assim, tratando do alcance geográfico da legislação tributária sobre suas respectivas relações. “CTN, art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União”. Importante ressaltar que, no caso de divisão territorial, como no caso de desmembramento de um Ente em dois, nos primeiros momentos de “vida” do Ente novo seria inconcebível o estabelecimento imediato de legislação geral, o que dizer da tributária, alvo de inúmeros detalhamentos. Mas tal Ente requer, desde já, recursos financeiros obtidos por tributação, até para que a máquina pública já existente em tal território funcione. Neste caso, é possível a subrogação das leis existentes no território anterior ao desmembramento, nos termos do CTN 120. Dentro do Princípio da Territorialidade, temos a mesma segundo os seguintes sentidos: “- Positivo e Negativo: no sentido positivo, temos a aplicação da legislação tributária a todos os indivíduos localizados no território em pauta, incluindo-se os estrangeiros. Já no sentido negativo, temos que a territorialidade estrangeira não afeta a legislação territorial existente, não se admitindo conexão entre ambas. – Pessoal e Real: inicialmente, a territorialidade era considerada considerando-se os elementos objetivos dos fatos geradores (sic), como o local onde o qual ocorria (fato imponível), eclodindo uma relação Real. Com o advento da personalização dos tributos (Princípio da Capacidade Contributiva), o Primado em comento passou a ter traços subjetivos, caracterizando-se então o sentido Pessoal de tal relação jurídica. – Material e Formal: mais tênue é alinha que distingue tais sentidos. Pelo lado Material, temos que a legislação tributária se aproveita de concepções externas ligadas ao Direito Tributário, adaptando-se a elas. A concepção pelo sentido Formal é dada pela coerção da legislação tributária dentro do território ao qual se aplica.” 3.16 Princípio da seletividade O IPI e o ICMS, apesar de serem classificados como impostos Reais, contam em certo grau com a possibilidade de serem graduados indiretamente por fatores subjetivos, relativos aos contribuintes. Tais impostos possuem previsão de seletividade na Constituição Federal, como segue: “CF, art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: IV – produtos industrializados; § 3º – O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; CF, art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;” A seletividade, ao lado da proporcionalidade, é uma técnica utilizada pelo legislador para condicionar a instituição de tributos em atendimento ao Princípio da Capacidade Contributiva. Por meio da Seletividade, os bens de maior utilidade social, ou seja, aqueles que possuem, no jargão econômico, menor elasticidade na demanda (como alimentos e medicamentos), devem ter menor incidência tributária do que os bens de menor utilidade social, quais sejam, os itens de luxo ou supérfluos. Caminhou bem o legislador ao prever a Seletividade na Carta Magna. Assim, é possível aguçar a justiça social por intermédio dos impostos, ao impor maior gravame fiscal aos bens menos úteis (cigarro, bebidas alcoólicas, carros de luxo, etc.) do que com relação a itens básicos, como alimentação. E a aplicação da Seletividade nada mais é do que vincular a incidência do IPI e do ICMS de forma parametrizada com as peculiaridades da demanda dos produtos objeto de tais tributações, o que nada mais é do que acoplar tais tributos a aspectos pessoais dos produtos. É verdade que, a despeito da teleologia legal, ainda é possível verificar altas alíquotas de IPI e principalmente de ICMS incidindo em bens e mercadorias de primeira necessidade, como no caso de medicamentos (que giram em torno de 18%) (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-09/alta-de-icms-encarece-medicamentos-em-12-estados) e combustíveis (que giram em torno de 30%) (http://sindifisco-rs.tempsite.ws/interna.php?secao_id=12&campo=15008). É que, justamente pelo fato de a demanda perante tais itens ser inelástica (não se alterar frente ao incremento de custos, como o que os impostos geram), o consumo de tais bens persiste, mesmo quando há incidência de tributos com altas alíquotas, pois dada a necessidade de primeira ordem dos mesmos, o contribuinte acaba não tendo alternativa se não a de arcar com a tributação, por vezes não seletiva. Ora, medicamentos e combustíveis são bens de primeira necessidade: seria de esperar, dessa forma, uma menor incidência de ICMS sobre os mesmos, eis que tal incidência onera e desregula o sistema econômico e promove injustiça social, pois pessoas de maior e menor poder aquisitivo demandarão os bens em comento, o que gera uma regressão tributária (o consumo é relativamente igual entre tais contribuintes, porém o tributo devido é proporcionalmente mais significativo para os consumidores de menor capacidade contributiva). A regressividade talvez seja o maior problema do sistema tributário no Brasil. O Estado, então representante da classe dominante, recolhe tributos de forma não eficiente, ao operar com impostos indiretos, enfraquecendo a economia, e concentra renda através de tal modelo tributário, uma vez que a tributação indireta causa maior impacto nos consumidores de menor renda. A tributação clássica se dá perante a renda, de forma progressiva (como bem determina a Constituição Federal em seu art. 153, §2º, I), dispensando outras modalidades de impostos que venham a interferir na produção. Ocorre que, por motivos não bem esclarecidos, o imposto de maior envergadura em nosso país é o ICMS (CF, art. 155, II). Segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o ICMS corresponde a 19,96% dos recolhimentos realizados em território nacional em 2015 (http://www.acsp.com.br/acontece-na-acsp/pela-primeira-vez-impostometro-da-associacao-comercial-de-sp-chega-a-r-2-trilhoes). Tal imposto é responsável por desequilibrar o ponto de eficiência alocativa dos mercados, como verificaremos adiante, e se apresenta com uma característica indesejável metafisicamente falando, qual seja, a da regressividade. Quanto à regressividade, a demonstração é mais sucinta. Pensemos em 2 contribuintes, A e B. O contribuinte A tem renda mensal de $1.000, enquanto que o contribuinte B tem renda mensal de $20.000. Ambos adquirem mensalmente uma cesta básica de alimentos ao preço de $500, com incidência de ICMS médio de 20% ($100) (incidência meramente exemplificativa para fins didáticos). Não há razão para estipularmos variações na aquisição de alimentos, pressupondo-se que ambos os contribuintes se alimentarão de cestas básicas aproximadamente iguais. Ora, o contribuinte A comprometerá 50% de sua renda na aquisição de tal cesta básica, recolhendo $100 em ICMS, o que representa 10% de sua renda em tributos. Já o contribuinte B comprometerá 2,5% de sua renda na aquisição de tal cesta básica, e 0,5% em tributação. Não são necessárias maiores considerações para se vislumbrar a gritante diferença de tributação relativa entre ambos os contribuintes (10% da renda de A e 0,5% da renda de B). Ou seja, quanto maior a renda, menor a contribuição relativa de tributos indiretos, como o ICMS. A despeito dos resultados evidenciados acima, obtidos mediante aplicação de um instrumental microeconômico (Teoria da Firma), ainda assim, entendemos ser a Seletividade uma previsão louvável e, quiçá, a mais importante no ordenamento jurídico-tributário. A Seletividade, segundo o texto constitucional, é obrigatória para o IPI e facultativa para o ICMS. O Poder Judiciário, entrementes, considera a mesma obrigatória para ambos os tributos, conforme se extrai do acórdão que segue: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. PRINCÍPIO DE SELETIVIDADE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Não obstante a possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas, tem-se que a capacidade tributária do contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade como medida obrigatória, evitando-se, mediante a aferição feita pelo método da comparação, a incidência de alíquotas exorbitantes em serviços essenciais. II – No caso em exame, o órgão especial do Tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da legislação estadual que fixou em 25% a alíquota sobre os serviços de energia elétrica e de telecomunicações – serviços essenciais – porque o legislador ordinário não teria observado os princípios da essencialidade e da seletividade, haja vista que estipulou alíquotas menores para produtos supérfluos. III – Estabelecida essa premissa, somente a partir do reexame do método comparativo adotado e da interpretação da legislação ordinária, poder-se-ia chegar à conclusão em sentido contrário àquela adotada pelo Tribunal a quo. IV – Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 634.457-AgR/RJ, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, Dje 15.8.2014) (grifei) Como observação final, a sujeição passiva, seja ela direta ou indireta, não pode dispensar o Princípio da Capacidade Contributiva, sob pena de incidir em Tributação Confiscatória (vedada pelo art. 150, IV). 3.17 Princípio da neutralidade O Estado liberal clássico trouxe consigo uma série de aprimoramentos industriais, mercadológicos e sociais, em uma verdadeira revolução econômica que sedimentou a forma de viver até os dias de hoje. Em tal modelo, prima-se pela livre concorrência e pela baixa intervenção estatal na economia. A CF/88 não tratou o assunto de forma diferente, prevendo em seus próprios fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Esse fundamento foi perfectibilizado pela própria constituição em seu artigo 146-A, na forma que segue: “CF, art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.” Esse é um dos princípios mais relevantes dos já mencionados, eis que intrinsecamente associado à ineficiência tributária objeto do presente estudo. O sistema é altamente ineficiente, pois opera via tributos indiretos, atingindo a produção e o comércio, justamente o que o Estado liberal clássico propunha impedir, e na contramão dos modelos internacionais de tributação existentes. No que tange ao desequilíbrio alocativo, estipulemos um exemplo didático. Observando uma firma qualquer, temos que da sua receita total (Rt) surgem a receita marginal (Rmg) e a receita média ou demanda (Rme). A receita marginal é obtida pela derivação da receita total em função da quantidade. A receita média é a divisão da receita total pela quantidade. Já com relação aos custos, temos o custo total (Ct) e o custo marginal (Cmg), obtido pela derivação do custo total em razão da quantidade. O ponto ótimo de Pareto se dá na interseção das curvas de receita marginal e custo marginal (Rmg = Cmg), donde se extrai a quantidade ótima (q*) e o preço ótimo (q*). Assim, temos, por exemplo, uma RT = -5q2 + 100q e um Ct = 0,5q3 + 6q2 + 20q + 10, com Q* = 3 e P* = $85. Ao estipularmos a incidência de $30 por unidade comercializada (tal qual se opera a incidência do ICMS e do IPI – custo por quantidade produzida), nossa curva de custos terá a adição de 10q, ocasionando o deslocamento da curva de custo marginal exatamente em 30 unidade no eixo das ordenadas. Tal deslocamento mudará o ponto de interseção do Cmg com a Rmg, resultando na quantidade Q* = 2,70 e o preço P* = $86,25. Ora, basta comparar os dois pontos de maximização de lucros (ótimo de Pareto) para evidenciarmos uma redução na quantidade e um aumento nos preços, ocasionados pela incidência do ICMS. Esse desvio de eficiência ocorre na incidência de tributos indiretos e reduz o excedente do consumidor e do produtor. Tal fenômeno não ocorre quando da incidência do IR, verbi gratia. É, sem sombra de dúvida, o ponto nevrálgico do atual sistema. 4 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR O poder de tributar é uma prerrogativa grande e ao mesmo tempo sensível. A Constituição prevê uma série de prerrogativas ao Ente estatal no que tange à cobrança de seus tributos, eis que prevalece a supremacia do interesse público nas relações com os contribuintes, tudo isso desaguando no fomento e na continuidade dos serviços públicos, razão pela qual é conferida ao Estado uma série de vantagens para o cumprimento de suas atribuições. Nosso sistema jurídico contempla, entrementes, direitos e garantias individuais, ao lado das prerrogativas públicas norteadas pela supremacia do interesse público: a CF 88 destinou vários dispositivos ao resguardo de tais interesses individuais, projetando o indivíduo a uma dimensão mais elevada do que nas cartas anteriores. Desta forma, o direito tributário deve se limitar, se circunscrever às garantias e direitos direcionados a tais indivíduos. É desta forma que nascem as limitações ao poder de tributar, regras constitucionais fundamentais na relação entre contribuintes e Estado, conforme será analisado neste capítulo. 4.1 Imunidade e Isenção Em primeiro lugar, cabe definirmos a imunidade como um instituto que delimita de forma negativa a competência tributária. Competência tributária é o poder que a Constituição Federal atribui a determinado Ente Político para que este institua um tributo, descrevendo-lhe sua hipótese de incidência, o Sujeito Ativo, Sujeito Passivo, Base de Cálculo e Alíquota. A disposição legal da Competência Tributária é a do CTN: “CTN, art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.” Há, nesse momento, a necessidade de diferenciarmos imunidade de isenção. A imunidade está prevista na Constituição Federal (CF 150, VI), enquanto que a segunda é própria da Lei (CTN 175, I). Na imunidade, a hipótese de incidência não ocorre, eis que há uma limitação negativa (ou incompetência no caso); na isenção, a seu tempo, ocorre a hipótese de incidência, dispensando-se, entretanto, o adimplemento da obrigação tributária principal, qual seja, o pagamento. Uma forma de tornar clara tal distinção, entre imunidade e isenção, é quanto ao aspecto temporal dentro do circuito da constituição do crédito tributário. Segundo o CTN, o processo seria da seguinte forma: “CTN, art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” A materialização do Crédito tributário segue as seguintes etapas: a hipótese de incidência (previsão abstrata na Lei do tipo) mais o próprio fato imponível (fato concretâneo no plano fenomênico) dão origem, quando somados, à Obrigação Principal (CTN 113, §1º). Esta, acrescida do Lançamento tributário (CTN 142) que declara a Obrigação e constitui o Crédito (natureza mista) dá origem ao Crédito tributário. Dado o processo acima, resta localizar o momento onde ocorrem a imunidade e a isenção: a imunidade ocorre antes do processo como um todo, ou seja, ela desautoriza a Hipótese de Incidência, e sendo assim, não há que se falar em Obrigação Principal, eis que impossível localizar o tipo para ulterior associação ao Fato Imponível. Já a Isenção permite a ocorrência da Obrigação Principal, tendo em vista a existência da Hipótese de Incidência e sua associação a um Fato Imponível. No caso da Isenção, o que se evita é o Lançamento, ou seja, não ocorre a constituição do Crédito Tributário. Para efeitos práticos, tanto a Imunidade quanto a Isenção impedem a existência do Crédito Tributário, e por conseguinte do pagamento. A imunidade, por todo o exposto, cria um duplo efeito em sua previsão, qual seja, delimita a ação do Ente tributante e confere um direito público subjetivo ao beneficiário de tal regramento. Tamanha é a importância das imunidades tributárias que as mesmas foram consagradas como cláusulas pétreas na Carta Magna, conforme segue: “CF, art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”  Os direitos e garantias individuais, protegidos contra deliberações que venham a suprimi-los, encontram-se dispersos ao longo do texto constitucional. As regras de imunidade do artigo 150 são exemplos de tais direitos, como bem pontuamos anteriormente. Assim, não poderão ser sequer deliberadas as propostas de emenda constitucional que tendam a abolir as imunidades previstas na CF 150, inciso IV. Ampliar o rol de proteção em tal dispositivo é possível, como o que ocorreu em 2013, com a inclusão de mais uma alínea ao inciso IV suprarreferido, qual seja, a “imunidade musical”. Suprimir regras de tal dispositivo é que se proíbe. Outro importante aspecto a ser considerado, relativamente às imunidades, é a subsistência das obrigações tributárias acessórias. Primeiramente, cabe definirmos o conceito de Obrigação Tributária. O CTN prevê que: “CTN, art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º – A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º – A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.” Assim, temos que a Obrigação tributária principal decorre de Lei e diz respeito a pagamentos/adimplementos. Já a Obrigação tributária acessória decorre da Legislação tributária (CTN 96) e diz respeito a prestações positivas ou negativas por parte do sujeito passivo. O CTN já previa, anteriormente à CF, as imunidades tributárias ora comentadas, conforme segue: “CTN, art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – cobrar imposto sobre: a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.” Somando tal disposição, com o regramento abaixo transcrito, temos a perfectibilização da subsistência da acessoriedade da Obrigação tributária: “CTN, art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º – Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.” Ou seja, mesmo que imune, o beneficiário de tal imunidade deverá cumprir as Obrigações acessórias previstas em Lei ou Legislação tributária, como bem assevera o CTN 14. Outro ponto digno de referência é quanto às atecnias existentes no corpo constitucional, relativamente aos termos em comento. Há duas passagens na Constituição Federal onde os termos “isentas” na verdade expressam caso de imunidade, e não de isenção. São eles; “CF, art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 5º – São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. CF, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (grifei) Ora, se a regra se encontra na Carta Magna, isenção não o é. Em ambos os casos, o que se está a discutir é regra de Imunidade, verdadeiro caso de incompetência tributária. 4.2 Espécies Tributárias Imunes As imunidades são, via de regra, destinadas ao impostos; há, no entanto, outras espécies tributárias alcançadas por tal instituto. Exemplo de imunidade relativa a Contribuições: “CF, art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;         CF, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” Exemplo de imunidade relativa a Taxas: “CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito;  LXXVII – são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. (Regulamento)” (grifei) Não há previsão de imunidades para Contribuições de Melhoria (CF 145, III) tampouco para empréstimos Compulsórios (CF 148). 4.3 Imunidade Recíproca Tal imunidade remonta ao final do século XIX, sendo desde então reproduzida nas constituições subseqüentes, in verbis: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; § 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” O presente dispositivo se refere à imunidade recíproca, ou mútua, qual seja, a que diz respeito à instituição de impostos por um Ente contra outro. Trata-se da mais antiga exoneração tributária, tendo surgido com a 1ª Constituição Republicana de 1891. Em primeiro lugar, há de se destacar que, teleologicamente, o Legislador Constituinte buscou reforçar o Pacto Federativo como cláusula pétrea (CF 60, §4º, I). Em segundo lugar, temos que os Entes Políticos não possuem capacidade contributiva, logo não podem ser tributados por impostos. Expliquemos melhor. Os Impostos não gozam do atributo da Referibilidade, ou seja, não estão ligados a um serviço ou fato estatal, e sim a um fato do sujeito passivo, uma manifestação de riqueza do mesmo. Assim, a imunidade recíproca veda que as manifestações de propriedade, de serviços e de renda (manifestações de riqueza) próprias dos Entes federativos, sejam tipificadas como hipóteses de incidência de impostos. É que prima-se, dessa forma, pela coexistência parificada dos Entes Políticos, sem hierarquia ou precedência entre os mesmos. A Federação na qual vivemos há de ser preservada, pois essa era a intenção do Poder Constituinte. E uma medida necessária para tanto é a imunidade a impostos dos Entes entre si. Dessa forma, proíbe-se a tipificação da hipótese de incidência relativa ao IPTU de prédios e demais propriedades da União e Estados. Da mesma forma, veda-se a existência de tipo para a exação do IR contra disponibilidades dos Municípios, Estados e DF. Ainda que o dispositivo em debate tenha explicitado os termos “patrimônio, renda ou serviços”, o que gerou eventuais discussões em sede doutrinária quanto à possibilidade de exação relativa a impostos sobre o comércio exterior e circulação de mercadorias, o entendimento mainstream, inclusive do STF, se funda pela interpretação ampliativa da regra, abarcando todas as subespécies de impostos. Seguem alguns entendimentos jurisprudenciais: “EMENTA: A proibição constante do art. 150, VI, “a”, da CF/88 (“(…) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir imposto sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”) impede a cobrança do IOF nas operações financeiras realizadas pelos Municípios. Precedente: AgRg n° 172.890 (RE 196.415/PR, 2ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 21-05-96). CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. CF, art. 150, VI, alínea c. I. Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. Precedentes do STF. III. Agravo não provido” (RE 225.778-AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 10.10.2003). O parágrafo 2º versa sobre a imunidade recíproca extensiva, abrangendo as autarquias e fundações públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público. Como condição, há de se observar a vinculação do objeto imune às finalidades essenciais decorrentes (das finalidades essenciais). Assim, se o patrimônio de uma Autarquia for um terreno baldio (não ligado às finalidades decorrentes), este bem será tributado. Tal restrição condicionante (finalidades decorrentes) não se aplica aos órgãos da Administração Direta, pois os mesmos gozam de Imunidade Incondicional. Para o STF, tal Imunidade se aplica também às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. A EBCT e a INFRAERO são Empresas Públicas Exóticas (Sui Generis), pois possuem Status Constitucional diferenciado das demais Empresas Públicas, vez que desempenham Atividades exclusivas de Estado, razão pela qual são alcançadas por tal Imunidade. A título exemplificativo, temos o seguinte julgado: “Recurso   extraordinário   com   repercussão   geral.   2.   Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço   público   e   empresas   públicas   exploradoras   de   atividade. Precedentes.   4.   Exercício   simultâneo   de   atividades   em   regime   de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal.  Incidência da imunidade prevista   no   art.   150,   VI,   “a”,   da   Constituição   Federal.   5.   Recurso extraordinário conhecido e provido”. (RE 601.392, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 28/02/2013, Plenário) O parágrafo 3º, por sua vez, diz respeito à limitação à intervenção estatal no mercado, outro valor insculpido na CF, como segue: “CF, art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 2º – As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”. Fácil é a compreensão dos valores expostos no dispositivo transcrito. Prepondera a economia de mercado, tendo o Estado papel balizador e orientador, no mais das vezes (CF 174). Daí decorre que, caso um ente político comercialize produtos (atividade econômica), haverá a incidência de ICMS e IPI, assim como quando prestar serviços não exclusivos, incidindo ISS, ainda que tais hipóteses sejam um tanto quanto abstratas e de difícil verificação no plano fático. Enfim, a imunidade recíproca é subjetiva (outorgada em função da condição de certas pessoas) e ontológica (implícita). 4.4 Imunidade Religiosa Primeiramente cabe pontuar a laicidade do Estado brasileiro, postura adotada desde a República. As presenças do termo “Deus” no preâmbulo da atual constituição e de crucifixos em tribunais, verbi gratia, são nada mais do que a manifestação da influência da religião cristã em nossa sociedade, não sendo posturas estatais de fato. Em que pese tais referências, os templos de qualquer culto são protegidos da ação tributária atinente aos impostos, conforme segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto; § 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Tal imunidade consagra a neutralidade do Estado e o prestígio ao pluralismo religioso, na medida em que ao desonerar os templos da incidência de impostos promove-se a existência dos mesmos. Assim, manifestações de riqueza dos mesmos não serão fatos geradores (sic) dos diversos impostos de competência dos Entes federativos. Aqui cabe lembrar que, mais um vez, que tal imunidade não se estende aos demais tributos: a coleta de lixo domiciliar ocasionará a cobrança de taxa ao templo, pois há contraprestação de um serviço. Assim, não há que se falar em manifestação de riqueza. Ainda sobre o tema, tem se que não só o templo é imunizado, e sim todo o patrimônio, renda e serviços associados ao mesmo, desde que correlacionados à função primordial daqueles. Assim sedimentou o STF: “Súmula STF 724 –  Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.” Assim, temos que não somente os prédios, mas toda atividade exercida pelos templos de qualquer culto será imunizada, tais como as receitas oriundas de estacionamento conjugado ao templo, de vendas realizadas em bazares paroquiais, etc. Este é o posicionamento do STF, in verbis: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e §4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, da CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O §4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. .6 Recurso extraordinário provido”. (RE 325.822/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18/12/2002, Tribunal Pleno) Esse entendimento se aplica às áreas conjugadas dos templos, tais como os cemitérios. Repise-se: quando conjugadas aos templos. Cemitérios nessa situação também serão imunizados da cobrança de IPTU, conforme julgado que segue: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade de incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I  e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido”. (RE 578.562/BA, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21/05/2008, Tribunal Pleno) Quanto à extensão do termo “templos de qualquer culto”, tem-se que inaplicável às entidades maçônicas, conforme julgado que segue; “CONSTITUCIONAL.   RECURSO   EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI,  C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE   DE   REEXAME   DO   CONJUNTO   FÁTICO-PROBATÓRIO.   SÚMULA   279   DO   STF.   ART.   150,   VI,  B,   DA CONSTITUIÇÃO   DA   REPÚBLICA.   ABRANGÊNCIA   DO   TERMO “TEMPLOS   DE   QUALQUER   CULTO”.   MAÇONARIA.   NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI,  c,   da   Constituição   Federal   exige   o   cumprimento   dos   requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.” (RE 562.351/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 04/09/2012, Primeira Turma) Tal posicionamento da Suprema Corte veio de encontro a parte da doutrina, que manifestava-se pela aplicabilidade do instituto da imunidade aos templos maçônicos. O STF deu a tal dispositivo, desta forma, interpretação restritiva. In casu, colheu-se dos próprios sítios eletrônicos da Maçonaria a informação que tal ordem se trata de instituição voltada a ideologia, e não à religião, de forma que restou afastada a regra imunizante. 4.5 Imunidade Assistencial Há, também, imunidade que desonera os partidos políticos, as entidades sindicais dos trabalhadores (e não dos empregadores, convém frisar), as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, na forma que segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; § 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Diferentemente da imunidade Recíproca, a Assistencial é condicionada, no sentido de que devem ser preenchidos certos requisitos, a saber os elencados no CTN 4º, I e II. Tal condicionante já foi explicitada em julgados, como o seguinte: “APELAÇÃO CIVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ENTIDADE BENEFICENTE SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. IPTU. ISS. TAXAS MUNICIPAIS. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. A imunidade vem amparada pela alínea ‘c’, inciso VI do art. 150 da Constituição da República, onde é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Comprovado os requisitos exigidos pelo art. 14 do CTN. A cobrança do IPTU e do ISSQN só onera o objetivo pelo qual a entidade beneficente se presta a servir para a comunidade. Portanto diante de estarem comprovados os requisitos exigidos pelo art. 14 do CTN tem o direito do benefício da imunidade, estando desonerada do pagamento de tais impostos. Por conseqüência, também está desonerada ao pagamento das taxas municipais, pois prevista a isenção legalmente, nos termos do art. 123, §3º da lei Municipal nº 3.731/93, alterado pela Lei Municipal nº 4.635/02, que confirma a isenção dos impostos e taxas municipais para entidades de utilidade pública, clubes, sociedades recreativas e entidades de assistência social e dá outras providências. APELAÇÃO PROVIDA (AC nº 70028112274, Rel. Des. Jorge Maraschin dos Santos, julgamento em 27/05/2009) O vetor teleológico de tal imunidade reside no pluralismo político, no prestígio ao polo hipossuficiente nas relações trabalhistas e no desenvolvimento educacional, cada qual associado ao beneficiário da regra imunizante do artigo 150, VI, c da Constituição Federal. Por fim, relativamente às Entidades de Assistência Social, cabe a seguinte observação: se tais Entidades forem de atendimento restrito (Entidades de Assistência Social), a imunidade assistencial será a do art. 150, VI, c (relativa a Impostos); se forem de atendimento geral (Entidades Beneficentes de Assistência Social), a imunidade assistencial será também a do art. 195, §7º (relativa a Contribuições). 4.6 Imunidade Cultural Garantindo-se a liberdade de expressão, bem como a propagação do conhecimento, determinou o legislador constituinte a imunidade cultural (de imprensa), de caráter objetivo, ou seja, incidente sobre os bens que veiculam informação, in verbis; “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” Destaca-se que os objetos imunes a impostos se circunscrevem aos periódicos, jornais e livros e ao papel destinado a sua impressão, de forma que os demais insumos não são desonerados da tributação via impostos. Assim decidiu o STF: “Súmula STF 657 – A imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.” Tal imunidade foi interpretada, ainda pela suprema corte, de forma ampliativa, ou seja, abrange de forma ampla os veículos de informação, seja qual for o mérito de seu conteúdo informativo, como álbuns de figurinhas e listas telefônicas, por exemplo, conforme julgados que seguem: “O fato de as edições das listas telefônicas veicularem anúncios e publicidade não afasta o benefício constitucional da imunidade. A inserção visa a permitir a divulgação das informações necessárias ao serviço público a custo zero para os assinantes, consubstanciando acessório que segue a sorte do principal. (RE 199.183, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em  17/04/1998, 2ª Turma) "Álbum de figurinhas". Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil”. (RE 221.239, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 25/05/2004) Acompanhando tal entendimento sobreveio decisão importante neste corrente ano, acerca dos e-books. Conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, o objeto da norma imunizante deve ser amplo, asseverando a suprema corte no julgado que segue: “O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 593 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo". Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 08.03.2017. “ Desta forma, temos que a imunidade cultural deve abranger um amplo espectro de veículos, acompanhando a evolução da própria difusão de conhecimentos, atualizando o próprio direito frente ao plano fático em constante mutação. 4.7 Imunidade Musical Em recente alteração da Constituição Federal, emergiu mais uma imunidade objetiva, qual seja, a que desonera de impostos as obras artísticas musicais ou literomusicais, desde que produzidas por autores brasileiros, conforme segue: “CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.” (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013) O vetor teleológico confude-se, nesse ínterim, com o vetor da imunidade cultural, de certa forma e mutatis mutandis. A partir de tal constatação, resta concluir que há outro valor jurídico a ser preservado, qual seja, o da formalidade, combatendo o mercado informal de pirataria enraizado em nossa sociedade. Ao imunizar a produção musical brasileira, barateia-se o produto final, tornando-o competitivo com o disponibilizado em marcados informais. 5 CONCLUSÃO O estudo dos princípios tributários, associado ao das limitações ao poder de tributar, é de suma importância para o operador do direito, no sentido de compreender como se dá a relação jurídica entre o Estado e os contribuintes, a eficácia na tributação e as vicissitudes de tal sistema. Os contribuintes em grande parte questionam a existência de uma máquina pública tão volumosa como a brasileira, especialmente quanto à carga tributária, carga essa necessária ao fomento de uma máquina com grande rol de serviços estabelecidos a partir de uma óptica de bem estar social como o nosso; ocorre que, não raras as vezes, assim a questionam por conta da falta de um maior esclarecimento quanto aos mecanismos que, orientados pelos princípios aqui estudados, buscam maior justiça no trato tributário. Os números da litigiosidade tributária no Brasil são reflexo de tal quadro, seja pela falta de informação por parte dos contribuintes acerca de suas obrigações, seja pelo atendimento não adequado dos Princípios tributários pelo Estado. E é justamente esse o papel reservado ao operador do direito: informar os agentes quanto à importância de contribuir para tal sistema e esclarecer os primados existentes em torno da tributação, que buscam, como visto, proteger os contribuintes da discricionariedade estatal e garantir não só a efetividade da tributação, como a equidade e a isonomia, segundo a capacidade contributiva e dentro de um esquema limitador do poder de tributar. Assim pensou o legislador constituinte, e assim evolui o nosso sistema tributário, seja pela ação do legislador ordinário, seja pela contribuição da doutrina e, como visto, pelos vastos precedentes jurisprudenciais atinentes às relações tributárias. Os primados são da maior importância, desta forma, ao agentes passivos e ao Estado, de forma que a vida em sociedade possa ser estabelecida com o devido e justo financiamento do Estado, respeitadas a liberdades e garantias individuais e o pacto social necessário à existência da comunidade assim estabelecida.
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-171/a-importancia-dos-principios-e-limitacoes-ao-poder-de-tributar-nas-relacoes-entre-contribuintes-e-estado/
Limites à tributação interestadual: uma breve análise comparativa entre a experiência constitucional brasileira e a jurisprudência estadunidense
O presente artigo é produzido com o escopo de analisar casos da jurisprudência constitucional tributária norte-americana, trazidos por William B.Lockhart, Yale Kamisar, Jesse H. Choper, Steven H. Shiffring, Richard H. Fallon Jr, em Law. Cases. Comments. Questions, e através de estudo comparado confrontar os elementos de Direito levados à Corte dos Estados Unidos da América com os institutos jurídicos típicos de Direito Tributário Brasileiro: princípios, regras e orientações judiciais traçadas no mesmo sentido. Utilizou-se para tanto a metodologia analítica para os estudos dos casos, da legislação e da doutrina vigorante nos dois países, para que, através do raciocínio indutivo se chegasse a conclusões básicas quanto à evolução do pensamento jurídico tributário nos dois países. Chegou-se à conclusão de que o principal vetor de aproximação e também de distanciamento entre o Direito Tributário Brasileiro e o Direito Tributário Norte-Americano é o pacto federativo, com a consequente distribuição de competências aos diversos entes federados e as problemáticas que envolvem por um lado interesses divergentes dos entes federativos e legislações adequadas a estes interesses, e do outro a proteção à garantia da estabilidade harmônica destes mesmos entes federados políticos.
Direito Tributário
Introdução Não é mera coincidência pragmática a história ser permeada por  revoltas, revoluções e conflitos vinculados ao debate tributário, afinal, na medida em que os Estados surgem para atender a necessidades coletivas, surge também a controversa necessidade de limitar o exercício desse poder ao redor do indivíduo. Mas não só a relação entre os indivíduos e o Estado é controversa, na medida em que o poder se organiza em diversas esferas funcionais, seja pela separação entre poderes executivo, judiciário e legislativo, ou ainda através da divisão de competências arquitetadas pelo federalismo, o debate de a quem compete tratar, limitar, fechar, de cada aspecto da incidência tributária também o é. O Brasil tentou evitar tais problemas com uma Constituição Federal marcada pela presença massiva de princípios constitucionais tributários no geral derivados da proteção à separação de poderes (princípio da legalidade), à segurança jurídica (irretroatividade e anterioridades),  aos direitos individuais (princípios da isonomia, capacidade contributiva, do não confisco, da liberdade de tráfego, da transparência) e ao pacto federativo (princípio da  uniformidade geográfica, princípio da vedação de tratamento diferenciado em razão da origem e do destino, princípio da vedação de isenções heterônomas). Outros países, como os Estados Unidos e Portugal, adotam Constituições (mais sucintas) na matéria tributária (quando do tratamento do Direito Tributário a seu nível), donde é possível extrair as vedações implícitas ao poder de tributar de uma análise estrutural da constituição. O objetivo desse artigo é fazer uma comparação entre a jurisdição constitucional americana, especialmente a tributária, objeto de debate no livro “Law. Cases. Comments. Questions.” organizado por William B.Lockhart, Yale Kamisar, Jesse H. Choper, Steven H. Shiffring, Richard H. Fallon Jr, com institutos jurídicos típicos do Direito Brasileiro. Para isso, iniciar-se-á o trabalho com um breve comparativo entre o texto constitucional americano e o brasileiro, já que sobre esses se inclinarão os respectivos Supremos Tribunais. Posteriormente, levantar-se-á cases americanos quanto ao respectivo debate, comparando-se com casos brasileiros em que os mesmos temas estiveram em debates, analisando-se as soluções naquele país apresentadas, e os principais princípios extraídos da Constituição Americana para solucioná-los. 1 Breve comparativo entre a Constituição Americana e a Brasileira nos aspectos tributários: uma busca de fundamentos comuns Não há um destoante meramente formal quanto aos aspectos de natureza escrita, ou explícita, entre as Constituições brasileira e norte americana. Há também um distanciamento teórico que separa os constitucionalismos norte-americano e latino-americano, essencialmente. Se por um lado é possível depurar da experiência dos Estados Unidos um modelo paradigmático de Constituição liberal, solidificado, que referencia competências mínimas ao Estado no quesito de intervenção sócio-econômica; paralelamente invertido é o olhar que recai sobre o que se passou nos últimos duzentos anos nos países latinos, que em algum momento já haviam recebido a denominação de colônias de exploração: de muita intervenção do Estado e de periódicas rupturas institucionais. A ética protestante, presente no espírito do povo da américa do norte desde os primeiros processos de ocupação, proporcionou que ao Estado fosse concebida a caracterização minimalista, e que se desse ao mercado o poder de erigir suas regras fundamentais de exercício e concorrência, não cabendo àquele o papel de ser algo além de regulador. Por outro lado, partindo-se do pressuposto de que, via de regra, o constitucionalismo latino americano se baseou exclusivamente na experiência norte-americana de 1787, em um modelo “copia e cola” de positivação da ordem jurídica, não se encontra divergência contra a afirmação categórica de que a superfluidade das normas constitucionais (mutação, revogação e rompimentos) são a marca de que tal modelo por cá restou falido de aplicabilidade. A América do Sul precisou reinventar o liberalismo e seu constitucionalismo respectivo. Teve que adaptar as normas de livre mercado à rigidez de uma legislação que comportava uma proteção primordial do trabalhador, reconhecer o pluralismo nacional e atribuir mais competências ao Estado para lidar com as mazelas estruturais resultantes de seus processos históricos de desigualdade. Todos estes, fatores contribuintes para os cíclicos rompimentos com constituições, promulgações e outorgas das mais diversas e criativas. O próprio princípio separação dos poderes encontrou um re-equilíbrio na América Latina com a ascensão das teorias das funções atípicas e dos poderes implícitos, que resultaram em Poderes Judiciários mais atuantes, ativistas, que romperam com a civil law pelo caminho mais sutil, atuando na promoção de políticas públicas (inclusive tributárias) e colocando-nos na argúcia doutrinária dos juristas que se debruçam sobre o estudo das competências institucionais. Não obstante a toda essa possibilidade de paralelismo invertido das evoluções dos constitucionalismos da América Latina e da América Anglo-saxônica, pontos comuns podem ser visualizados nos aspectos formais das constituições Brasileira e Norte-americana. E esse deverá ser nosso núcleo de análise inicial. As semelhanças se devem, em regra, pela forma de Estado adotada por Brasil e Estados Unidos: A Federação. E embora há quem se levantará para dizer que os modelos caminham em lógicas equacionais opostas, o federalismo centrípeto e o federalismo centrífugo (MAGALHÃES, 2002), é possível compreender que há um meio termo comum e homogêneo entre a Confederação e o Estado Unitário, encontrados especialmente quando os caminhos são opostos. 1.1 Da Divisão Federada das Competências Tributárias É o caso por exemplo da descentralização da Estrutura Fiscal dos dois países. Nos Estados Unidos, pela força da teoria das fontes múltiplas de receitas, vários entes estão capacitados do Poder de instituir e ou cobrar tributos – federal, estaduais, cidades (cities), condados (counties) e distritos escolares (school districts). “Na divisão de competências tributárias, o governo federal deve estar investido dos poderes básicos de tributação. Os poderes tributários dos Estados são inerentes aos seus direitos de autonomia federativa e se baseiam na doutrina do poder residual. Há, contudo, certos limites jurídicos, como a imunidade recíproca entre os entes tributantes (comum a todos); a não tributação das exportações e importações (regulação tributária do comércio exterior fica com o governo federal); o estado somente pode tributar em sua jurisdição etc. Os entes locais, como não são da estrutura da federação (“criaturas do Estado”, apelidam alguns), recebem o seu poder tributário dos estados. Nada obstante, na prática, esse poder constitucional derivado assume relevância fiscal”. (PAES E OLIVEIRA, 2015, p. 62) No Brasil, a divisão de competências tributárias institutivas se dá como forma exclusiva de competência para três níveis de esferas federativas: União, Estados e Municípios tem competências próprias e indelegáveis para a instituição de tributos. A semelhança entre os dois sistemas reina na concepção da divisão da competência entre diversos entes ou entidades, e a divergência fica a critério das formas de exercício institutivo ou de capacidade ativa para a cobrança, visto que no Brasil o primeiro tem ganhado da doutrina majoritária a caracterização de indelegabilidade. 1.2 Da Competência Geral para a Tributação Interestadual Com múltiplas fontes de custeio da atividade do estado e múltiplos entes tributantes, é razoável, em razão do pacto federativo, que se tenha cuidado nessa distribuição de competências, por que do contrário uma série de distorções podem comprometer a harmonia entre os participantes dessa cadeia de fracionamento do Poder (funções). A preocupação com a circulação de mercadorias e serviços privados é a principal delas. E, como se verá adiante, tanto Brasil quanto nos EUA, conserva-se a prevalência da liberdade de mercado sobre o exercício arbitrário da pretensa independência dos Estados, que conservam uma autonomia limitada. A cláusula de comércio, da qual se tratará mais adiante, da secção 8 do primeiro artigo, é o dispositivo constitucional norte americano que concedeu ao congresso o Poder regular o comércio interestadual, em especial em questões relativas à tributação. “SECTION 8. 1 The Congress shall have Power To lay and collect Taxes, Duties, Imposts and Excises, to pay the Debts and provide for the common Defence and general Welfare of the United States; but all Duties, Imposts and Excises shall be uniform throughout the United States; (…) 3 To regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes; (…)” (Constituição Americana; art. I, secção 8)[1] Não se escusou a legislação constitucional brasileira de estabelecer à União as competências privativa para dispor sobre o Direito Comercial (art. 22, I, CRFB) e de, por meio de lei complementar, que exige maior quórum para aprovação na Câmara e no Senado (art. 69, CRFB), dada sensibilidade da matéria, dispor sobre normas gerais de Direito Tributário (art. 146, III, CRFB). 1.3 Da proteção contra a Guerra Fiscal É neste ponto que se deve guarnecer reflexão sobre algo que parece ser intrínseco à ideia de federação: as diferenças culturais e econômicas entre os Estados ou Províncias, especialmente em países de grande porte territorial como EUA e Brasil, podem consubstanciar verdadeiros álibis para o nascimento de guerra econômica. No Brasil, proeminente guerra fiscal. “O fenômeno da “Guerra Fiscal” trata-se, em termos econômicos, da disputa fiscal no contexto federativo, ou seja, refere-se à intensificação de práticas concorrenciais extremas e não-cooperativas entre os entes da Federação, no que diz respeito à gestão de suas políticas industriais. Assim, manipular as alíquotas de determinados tributos torna-se o elemento fundamental das políticas relacionadas à atração de empresas”. (FERNANDES E WANDERLEY, 2000, pg. 6) Mais adiante, ver-se-á que nos EUA a jurisprudência, com amparo na cláusula do comércio interestadual, foi a principal fonte normativa que se irradiou contra essa prática anti-meritória dos Estados. No Brasil, a transformação legislativa foi a principal forma de colmatar o ordenamento jurídico sobre o mesmo pretexto. Firmou-se a nível constitucional as já citadas competência da União para legislar sobre Direito Comercial (art. 22, inc. I ,CRFB), para legislar sobre normas gerais de Direito Tributário (art. 24, inc. I, CRFB), os princípios da Uniformidade Geográfica (art. 151, inc. I, CRFB) e da vedação à discriminação da circulação de pessoas, serviços e mercadorias (arts. 152 , CRFB). Ainda a  nível infra constitucional, estabelece-se uma série de exigências de regulações pelo Senado ou por meio de Lei Complementar quando se considera o risco de guerra fiscal (ex.  artigos. 155, § 2º, inc. IV, V, § 6º, inc. I, 156, § 3º, CRFB). 1.4 Do Custeamento da atividade estatal por múltiplas fontes de receita tributária: panorama Por fim, e não menos importante, pode-se citar a presença nos dois países de uma multiplicidade de fontes de receitas públicas e de uma complexidade sistêmica, onde em ambos a renda, os serviço, o consumo e o patrimônio, como demonstrativos de riqueza, concorrem na base dos aspectos mais essenciais das espécies tributárias vigentes. Sob a designação genérica de “Renda”, o décimo sexto artigo da Constituição dos Estados Unidos estabelece que nos rols de competência do congresso se encontra a de tributar quaisquer tipos de renda, derivadas de quaisquer fontes, sem que seja necessário discernir de qual Estado são provenientes, até mesmo sem considerar a população atingida ou ser necessária uma disposição enumerativa (numerus clausus) das que sofrem tal incidência. Assim, ipsis literis: “ARTICLE XVI. The Congress shall have power to lay and collect taxes on incomes, from whatever source derived, without apportionment among the several States, and without regard to any census or enumeration”[2]. Ganham destaque no modelo norte-americano: Imposto de Renda  (individual e corporate income tax); Imposto federal sobre a folha de pagamentos (payroll tax) – destinasse à seguridade social; Impostos sobre doações (gift taxes) e transferências (estate taxes) de bens; Imposto sobre consumo (salles tax); Imposto sobre a venda de propriedade (transfer tax on the sale of property) e imposto sobre a titularidade de propriedade (property tax on ownership of real property); e os Impostos de franquia (franchise taxes). (PAES E OLIVEIRA, p. 63-64) Conhecidos, os tributos no Brasil, nas 5 modalidades específicas, diferenciam-se em seus elementos constitutivos no que diz respeito à incidência sobre os signos representativos de riqueza e a não afetação de sua arrecadação (Impostos); à concessão de privilégios individuais e mais específicos regulados ou feitos diretamente pelo Estado (Taxas e Contribuições de Melhoria); e as demais contribuições, de fins múltiplos, espalhadas pelo corpo constitucional com o fito de custear atividades do Estado, permitir a intervenção na economia ou até mesmo servir de estímulo ou desestímulo a determinadas condutas subjetivas. 2. Análise dos Casos Posto estes elementos estruturais que comparam, ainda que brevemente, a constituição do sistema tributário de Brasil e Estados Unidos da América, passa-se adiante à análise de alguns casos apontados na obra “Law. Cases. Comments. Questions”, que marcam-se por apresentar importantes compreensões do Direito Tributário à luz da forma federativa de Estado. 2.1 West Lynn Creamery Inc v. Healy, ____U.S., 114 S.Ct, 2205, 129, L.Ed.2d 157 O case West Lynn Creamery Inc v. Healy (1994) traz uma interessante perspectiva de interpretação do Direito Tributário a partir da ótica federalista e do princípio da igualdade, não muito destoante da lógica a que se costuma atribuir a esses dois princípios no Direito brasileiro. Nesse julgado, ocorreu a invalidação de um conjunto de tributos e subsídios instituídos com o escopo de usar a tributação como instrumento de política pública, estimulando a indústria local de laticínios no Estado de Massachusetts. O sistema operava da seguinte maneira: os distribuidores de leite eram tributados, a despeito de o leite ser produzido ou não no Estado de Massachusetts; o recurso arrecadado era vinculado se direcionando a um fundo cujos recursos eram usados para a concessão de subsídios aos produtores de leite daquele Estado. (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 241) Em razão de não haver propriamente uma desoneração tributária direta aos produtores dos outros Estados, ao passo que produtores não beneficiados contribuíam na mesma proporção tributária que os produtores beneficiados pelos subsídios, os julgadores compreenderam que a tributação terminava por prejudicar o princípio da unidade do mercado nacional ( principle of the unitaty national market). Afinal,  indiretamente havia um maior ônus dos competidores de outros Estados.  O resultado prático da interação da tributação genérica com os subsídios específicos é que “O tributo é logo efetivamente imposto apenas aos produtos de outros estados.”(LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 242) A perspectiva em questão obviamente está vinculada ao pacto federativo, no Brasil correlacionado ao princípio da vedação diferenciada em virtude da origem e do destino, mas é interessante notar que existiram também questões ligadas ao livre comércio, considerando-se que há um estímulo artificial a produção estadual interna na medida em que “os mesmos bens poderiam ser produzidos a custos menores em outros estados”. (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 242) É ainda levado em consideração que a combinação do tributo com o subsídio produz o efeito de estimular o lobby de produtores de leite contra o tributo, levando inclusive que esses apoiem a relacionada tributação.  Trata-se de uma interessante perspectiva, na medida em que expressa a raiz democrática de uma tributação que envolve um sistema tributário, onde aqueles atingidos por uma determinada incidência tem interesse precípuo em debater a sua legitimidade, efeito ainda parcialmente comprometido pelo sistema dos subsídios. Em síntese, prevaleceu no julgado a ideia de que o esquema proposto seria inconstitucional por ferir a ideia de principle of the unitaty national market, a liberdade de comércio, assim como uma ideia de transparência. Uma concepção que não revela uma análise estanque dos dispositivos constitucionais. O sistema não é inconstitucional por ferir a regra x, na concepção Kelseniana, prevista dentro de um capítulo que se pudesse intitular como Constituição Tributária. Pelo contrário, as balizas à análise são extraídas de uma análise sistemática, estrutural, dos limites do poder do estado, mais principiológica, dentre os quais se encontram o poder de tributar e seus limites explícitos e implícitos. A tributação e o subsídio – integrados – ferem a liberdade, o pacto federativo, a igualdade e a democracia, três ideias que se manifestam nas Constituição Tributária e Econômica brasileiras através do princípio da livre iniciativa e da liberdade de concorrência a vedação do tratamento diferenciado em virtude da origem e do destino e de transparência tributária. Em linhas mais gerais, poderia-se dizer que na medida em que “corta-se” e “especifica-se” princípios mais genéricos, como na CF,  se termina por limitar a própria carga axiológica vinculada presente nos mesmos? 2.2 Complete Auto Transit, Inc. v. Brasy. O afastamento da imunidade dos negócios interestaduais.  430 U.S. 274, 97 S. CT, 1076, 51 L. ED. 2D 326 (1977) Outra jurisprudência intrinsecamente ligada a questões de natureza federalista é a produzida no caso Complete Auto Transit, Inc. v. Brasy, no ano de 1977. Antes de se adentrar, contudo, nos pormenores desse precedente que se configura como verdadeira virada jurisprudencial na Corte Constitucional, é necessário que se esclareça os aspectos conceituais de dois elementos jurídicos constitucionais presentes no ordenamento jurídico dos Estados Unidos. O primeiro é o que vem sendo entendido como “privilege taxes”. Sabe-se que as ações do Estado de Direitos, por mais que isentas de impessoalidade e dotadas de generalidade, podem configurar-se como verdadeiros benefícios pragmaticamente direcionados a sujeitos determinados, uma vez que não é a todos administrados dada a possibilidade de fazer determinados negócios. Assim, todas as vezes que o Estado concede a alguém alguma autorização administrativa para realizar determinado negócio comercial (autorização, licença, etc), também é necessário reconhecer que, como efeito indireto em um Estado Democrático, surge a necessidade de os órgãos públicos regularem a atividade e consequentemente fiscalizá-la. Isso é indubitavelmente um ônus que o Estado assume quando garante liberdades individuais, e a doutrina jurídica norte americana não exitou ao conceituar essa ordem de coisas constitucionais programáticas (ônus do Estado e liberdade do administrado) denominando-a como “privilégio”. Obviamente, sobre cada privilégio que o Estado concede e cada custo gerado a este Leviatã haverá uma correspondente previsão de arrecadação tributária, e nada mais justo que essa arrecadação incida prioritariamente sobre os próprios sujeitos beneficiados. Assim, um “imposto de privilégio”, ou em termos linguísticos mais fiéis: uma “privilege taxes”, é um imposto cobrado em troca de um privilégio ou licença concedida ao contribuinte. É senso comum jurídico denominar a federação norte americana como uma federação centrípeta, e na lógica de que Estados com verdadeiro status de soberania cedem Poder em troca de competências. Logo, inicialmente concebeu-se que comercializar “extra-muros” (comércio interestadual) era nada mais do que também um privilégio concedido a um Estado a uma pessoa (cidadão) de outro Estado. Assim, quando um Estado da Federação tributa pessoas de outros Estados que comercializa em seu território, essa tributação é também entendida como contrapartida por privilégio concedido. Qualquer tributarista brasileiro está neste momento pensando em Guerra Fiscal. Claro, esta previsão foi também compartilhada pelos constituintes dos Estados Unidos que previram na Constituição a famigerada “Cláusula de Comércio”. Para que se evitasse “Guerra Comercial”, em sentido amplo (que também inclui guerra fiscal, mas não só), somente à União foi dada a competência de regular o comércio entre Estados. Este é o segundo elemento que devia-se explicação antes da análise jurisprudencial a que se propõe neste tópico: A cláusula de comércio é um dispositivo distribuidor de competências previsto na Constituição dos EUA, que com o fim de evitar conflitos comerciais interestaduais e abuso de Poder, limitou esta matéria legislativa ao âmbito federal, limitando o espectro federado. Derivada da interpretação da secção 8 do art. I, entendeu-se que: “The Commerce Clause serves a two-fold purpose: it is the direct source of the most important powers that the Federal Government exercises in peacetime, and, except for the due process and equal protection clauses of the Fourteenth Amendment, it is the most important limitation imposed by the Constitution on the exercise of state power”. (UNITED STATES CONGRESS, 2018)[3] Feitas essas digressões preliminares, o contexto fático do julgado Complete Auto Transit, Inc. v. Brasy envolve a imposição pelo Estado de Mississippi dos chamados "tributos de privilégio" (privilege taxes), que deveriam ser calculado através de um percentual sobre a renda bruta da empresa que se dispusesse a fazer comércio em território Mississippiano. Complete Auto Transit, Inc uma sociedade sediada  na cidade de Jackson, capital daquele estado, é uma corporação transportadora que transportava os veículos da General Motors, localizada em outro estado, para comerciantes, tendo questionado a cobrança do referido tributo. Alegava a recorrente que o transporte era parte de um negócio interestadual e, portanto, inconstitucional a tributação, a partir da consideração de que essas operações deveriam gozar de imunidade de tributação estadual conforme a devida interpretação da cláusula de comércio (commerce clause) e a existência de jurisprudência consolidada proibindo tal espécie de tributação por privilégios no negócio interestadual. A posição do Juiz Blackmun, seguida pela Corte, envolveu uma análise da Spector Rule, segundo a qual a tributação sobre o privilégio de fazer comércio sobre o comércio interestadual seria, per se, inconstitucional (BRANDON, 1978) Segundo o Juiz, demonstrando a aplicação do sistema de precedentes, a história dessa regra começa no caso Freeman, em que se reconheceu como inválido um tributo imposto sobre o rendimento bruto sobre um vendedor de seguros de Indiana a um adquirente de Nova York. O fundamento reconhecido então pelo Juiz Frankfurter, seguido então por cinco membros da corte, anunciou a inconstitucionalidade per se de qualquer tributação estadual imposta diretamente sobre transações interestaduais. Nesse sentido, foi expressamente especificado para a decisão do caso a irrelevância de qualquer demonstração de discriminação entre o comércio interestadual ou erro na repartição do tributo. Posteriormente, em 1951, no caso Spector Motor Services, inc v. O' Connor, a proibição de tributação estadual sobre o privilégio de fazer comércio entre estados foi reafirmada, dando origem à chamada Spector Rule. Essa regra trabalharia com uma inconstitucionalidade sem a necessidade de se verificar os efeitos concretos da tributação.  Ou seja, levaria a uma imunidade absoluta do comércio interestadual, como requisito ao próprio federalismo, sendo possível apenas à União regular o comércio entre os Estados, sendo que essa regulação abordaria, também, a tributação entre os Estados. Em seguida, por outro lado, Blackmun indica que em diversas situações foi também considerado que o "comércio interestadual deve ser levado a pagar por seu caminho[4]" partindo para uma compreensão do cabimento da tributação estadual, a partir de considerações sobre seus efeitos concretos. O simples nome de tributação sobre o privilégio de fazer comércio não deveria ser o único critério para avaliação da constitucionalidade do tributo[5]. De acordo com considerações de diversos outros julgados, a Corte considera que a Spector Rule apenas serviu para distrair as cortes e as partes quanto a verificações se o tributo seria proibido pela Cláusula Comercial (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 289) A partir de tais considerações e lidando com o caso concreto, a Corte entende estar lidando com um caso similar ao debatido no precedente de Spector e que as mesmas ressalvas posteriormente colocadas à regra em questão devem ser aplicadas, especialmente a necessidade de se atentar mais às consequências econômicas do que ao nome do tributo, inclusive quando se indica que estabelecida sobre o "privilégio de fazer negócios".  De modo pragmático, aponta-se que o formalismo apenas afasta o debate quanto à produção, pelo tributo, de algum efeito proibido.  De outra perspectiva, é também necessário repartir o custo do comércio interestadual Assim, consideram que a "Spector Rule não se direciona aos problemas pertinentes à Cláusula Comercial. Logo, nós agora rejeitamos a Spector Rule."(LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 289), considerando que a mera tributação do privilégio de fazer comércio entre Estados, não deve ser legislada exclusivamente pela União (não ferindo, portanto, a cláusula comercial). Para compreender a solução tributária para o conflito acima especificado é preciso entender que a Spector Rule estabeleceria uma espécie de immunity[6] sobre o comércio interestadual, uma proibição absoluta de estabelecimento de incidência pelos Estados sobre o comércio interestadual. No entanto, a corte compreendeu que tal não estaria em desacordo com o commerce clause, "cláusula da Constituição dos EUA (Art. I, Sec. 8, Cl. 3) que estabelece o poder de a União regular o comércio internacional e o comércio entre os diversos Estados da federação" (CASTRO, 2013) De acordo com Avi-Yonah, a posição consolidada na Corte (e demonstrada no julgado acima) é no sentido de reconhecer certa liberdade na adoção pelos Estados de qualquer sistema tributário, apenas vetando casos mais drásticos de discriminação em relação a não residentes.  Seria um reflexo da história desse país formado, inicialmente, através de uma frágil confederação de Estados soberanos. (YONAH, 2007, pg. 1 e 5). Tal não significa que a Corte deixou plena liberdade aos Estados para a tributação do Comércio Interestadual. Pelo contrário, a Corte indicou que "de acordo com a Cláusula Comercial, os Estados não podem onerar excessivamente o comércio interestadual com tributos que se cumulem ou estabelecer tratamento discriminatório entre o comércio interestadual em favor do comércio local." (WHITE, 1978) Em amálgama de diversos outros julgados, foi criado pela Corte uma espécie de "teste de constitucionalidade em quatro partes", segundo a qual o tributo incidente sobre o comércio interestadual deve (1) ser aplicado em uma atividade com nexo substancial com o Estado tributante; (2) não deve estabelecer discriminação contra o comércio interestadual; (3) deve ser repartida de modo justo, (4) e deve ser justamente relacionada com os serviços prestados pelo Estado. (WHITE, 1978, pg. 319) 2.3 Department of. Rev. ASS’n of Washington Steveroding. Relativização da regra da imunidades dos negócios interestaduais Correlacionado com o caso anterior, a Corte no caso Department of. Rev. ASS’n of Washington Steveroding, 1978, manteve um tributo de Washington sobre as atividades de negócio, medido através da receita bruta, aplicado sobre a carga e descarga de navios vinculados a negócios interestaduais e estrangeiros. Foi considerado pelo Juiz da Suprema Corte Harry Blackmun, desta vez, que o tributo observava os requisitos para a constitucionalidade estabelecidos no caso Complete Auto, quais sejam: distribuição justa, não discriminatória contra o comércio interestadual, relacionada devidamente aos serviços fornecidos pelo Estado. No julgado, foi considerado que o tributo em questão preenchia todos os requisitos formais, mas cabe também ressaltar que foi estabelecido ainda que a constitucionalidade do tributo se dava além disso, porque finalmente, nada nos registros sugeria que o tributo não era justamente relacionado com serviços e proteções garantidas pelo Estado (pg. 290),  justificativa que se fixa na ideia de que garantias de liberdade protegidas pelo Estado (Direitos de primeira dimensão) também geram custos, e implicam no aumento tributos, ao contrário da clássica concepção de que apenas Direitos de segunda dimensão geram dispêndio econômico. Essa exigência, de forma mais específica, individualizada e qualificada pela afetação da receita do referido tributo, geralmente seria feita no Brasil apenas no caso de tributos vinculados (como a taxa; os impostos, incidentes sobre fatos geradores não vinculados (como o descrito acima), poderiam ser destinados a qualquer finalidade, não sendo necessário ao ente federado demonstrar sua destinação como mecanismo de legitimação, ainda que esse incida sobre fatos geradores interestaduais. Deveras, enquanto no Brasil adota-se a técnica da indelegabilidade, privatividade da competência tributária, nos EUA é adotada a teoria das fontes mútuas de receita, de modo que os diversos entes federados tem certa liberdade para tributar as mesmas fontes  (EDUARDO; PAES, 2015), cabendo, portanto, à Jurisprudência otimizar a aplicação dos princípios gerais do Direito às questões tributárias, como forma, inclusive, de limitação – e definição – da competência tributária. 2.4 Boston Stock Exchange v. State Tax Com’n. A Cláusula Comercial. 429 U.S. 318, 97 S. CT. 599, 50 L.Ed.2d 514 (1977) Em Boston Stock Exchange v. State Tax Com’n., Nova York impôs um tributo de transferência quando uma venda, transferência ou a entrega de ações societárias ou certificados de ações originados naquele Estado, cuja incidência seria distinta quando realizada para não residentes e para os demais contribuintes. A corte estadual entendeu que não havia discriminação contra o comércio interestadual, entretanto, a Suprema Corte, por unanimidade, reformou a decisão. ( LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 292). A decisão partiu do pressuposto que a previsão desrespeita a neutralidade tributária ao criar "tanto uma vantagem para as transações em Nova York quanto um ônus discriminatório aos Estados irmãos" (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 292). Assim, foi considerado que a lei, ao estabelecer tratamento diferenciado quanto às vendas fora do Estado e dentro desse, estaria em desacordo com a Cláusula Comercial.  Essa conclusão partiu de diversas considerações inclusive de cunho prático e econômico, como o aumento da diferença de tratamento com o crescimento do número de ações vendidas. Considerou-se também que o Estado não pode usar tributos discriminatórios para garantir que os não residentes prefiram realizar o comércio dentro do Estado – ou seja, para usar uma expressão muito reconhecida no Brasil, não é cabível usar a exação como mecanismo de guerra fiscal. Afinal, a exigência de que a operação se realize em dado Estado, desconsidera que a operação poderia se realizar de maneira mais eficiente em outro lugar, prejudicando a livre concorrência.  (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996, pg. 293). 3 Reflexões Comparadas Há algumas comparações possíveis a se extrair desses julgados e da legislação / jurisprudência brasileira. A primeira e mais simplista é a adoção pela Suprema Corte americana de uma ideia que está explícita no Código Tributário Nacional brasileiro de que um tributo não pode ser classificado com base em sua denominação conforme definido pela lei instituídora (art. 4, II CTN). Ou seja, mais importante do que verificar o nome dado pela lei ao tributo, seria verificar sobre o que ele incide e se há alguma espécie de prestação pelo Estado que justifique a cobrança. (LOCKHART, KAMISAR, CHOPER, SHIFFRING, FALLON, 1996) Essa perspectiva se repete no caso West Lynn, Inc.v. Healy e Complete Auto Transit, Inc. v. Brasy.  No primeiro, ao se estabelecer que um tributo seguido de um subsídio na verdade se equipara a uma desoneração tributária. No segundo, ao se estabelecer que a denominação como tributo sobre o privilégio de fazer negócios interestaduais não significa em si conduta ilícita e discriminatória ao transporte interestadual. No Brasil, a prática de adotar tributos com um nome, mas que não se encaixam como aquela espécie tributária ou cujo fato gerador efetivo é distinto da "denominação" dada na lei também costuma ser usada como mecanismo de burla das limitações constitucionais ao poder de tributar, notadamente, a repartição das competências tributárias. É o que foi analisado, por exemplo, já em 1963, em caso no qual na operação de mercadoria fabricada ou produzida em dado Estado incidia o então chamado imposto e vendas consignações (precedente do ICMS), mas nas operações interestaduais, o tributo se sujeitava a alteração de nome, passando a ser nomeado como "taxa de recuperação econômica", em óbvia e artificial tentativa de burlar a partilha constitucional tributária por meio da qual, no Brasil, viabilizou-se o federalismo fiscal. (STJ, 1963, online). Claro que as controvérsias sobre os limites da competência tributária não se findaram nesse caso, e talvez jamais se finde, sendo parte inevitável do conflito social quanto ao financiamento das necessidades coletivas. Recentemente, uma série de tributos legalmente denominados taxas esteve/está sobre a discussão do Supremo Tribunal para verificação da sua efetiva natureza jurídica: taxa ou imposto. São exemplos: a taxa de segurança pública (ADIs 4785, 4786 e 4787) (STF, 2012) e a taxa de mineração (STF, 2016, online) . Sem esquecer da histórica declaração de inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública, cuja solução possível foi a previsão no texto constitucional de uma nova espécie tributária (art. 149-A, CRFB) (BRASIL, 1988, online)  Outro ponto relevante a se notar é que o cerne da Guerra Fiscal do Brasil atual se dá no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, por meio da qual os Estados, ignorando as regras e princípios constitucionais que regem o referido tributo, utilizam de diversos mecanismos de desoneração tributária como mecanismo de atrair a competição dos investidores (arts. 152, 155, § 2º, inc. II, alínea "g", CRFB). De modo similar a todos os cases supra analisados, que também estão ligados a conflitos sobre a incidência interestadual. A questão é constantemente abordada no Brasil, da perspectiva do ente federado, considerando-se a ofensa ao federalismo, ao princípio da unidade político-econômico nacional ou o desequilíbrio concorrencial entre os Estados federados (STF, 2012, 2014, 2017). Mas há outra lógica possível a subsidiar a impossibilidade de tratamento diferenciado entre o Estado de origem e de destino:  a tributação interestadual pode impedir a operação da livre concorrência dos agentes de mercado, conforme afirmado em West Lynn Creamery, Inc v. Healy. Tal talvez decorra do aspecto mais liberal na formação desse país. Nos dois países não há uma proibição de tributação interestadual. No Brasil, reconhece-se a sua possibilidade não só porque não há qualquer imunidade tributária a vedando, mas, também, porque ao determinar que o tratamento diferenciado é proibido e que a tributação não pode ferir a liberdade de tráfego, indiretamente, reconhece-se a sua possibilidade. De fato, a Constituição Brasileira possui dois dispositivos específicos (além, claro, do panorama geral da liberdade e do federalismo) que regulam as relações tributárias entre Estados: o princípio da liberdade de tráfego e o princípio da vedação do tratamento diferenciado em virtude da origem e do destino (arts. 150, inc. IV, 152, CRFB) O primeiro princípio estabelece que é vedado aos entes federados "estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público (art. 150, inc. V, CF)" enquanto o segundo estabelece que "É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino."(art. 152, CRFB) (BRASIL, 1988) Já a Commerce Clause do sistema americano, estabelece que é de competência do congresso regular o comércio com as nações estrangeiras, entre os diversos estados. A discussão se dá, justamente, quanto em que medida a competência do Congresso para regular o comércio interestadual limita e condiciona a competência dos Estados para regular a incidência de tributos interestaduais. Na medida em que a Spector Rule foi afastada e substituída pelo teste dos 4 critérios no caso Complete Auto, há similaridade nos dois países, já que não há uma imunidade do negócio interestadual, mas uma preocupação em se evitar os efeitos colaterais da tributação, especialmente, o tratamento diferenciado entre o Estado que estabelece a legislação e os demais e a ausência de ônus excessivo (uma exigência que remete ao princípio do não confisco). A solução estabelece critérios de uma perspectiva bem prática: o comércio interestadual pode ser tributado pelo Estado porque gera custos ao Estado. Trata-se de uma solução menos engessada do que a nossa em que um sistemático arcabouço constitucional aponta em que situações as tributações interestaduais podem ser tributadas, quem pode tributar (Estado de destino ou estado de origem), as hipóteses de incidência de competência de cada ente federado e as espécies tributárias que podem trabalhar com vinculação do fato gerador ou da arrecadação. Mas, um mesmo pano de fundo se desenha, se apenas alguns tributos no sistema brasileiro podem ser vinculados (as taxas) e outros não ( os impostos), se alguns tributos tem por origem uma atividade estatal ( taxas) e outro a incidência sobre a riqueza ( impostos), nada disso leva a se descartar o complexidade da questão filosófica-política de que os tributos só podem ser cobrados na medida em que haja dada dose de retorno social que é uma decorrência  da própria ideia de República (princípio republicano).[7] O mecanismo usado apenas é diferente. No Brasil, a contraprestação específica só pode ser exigida em tributos de fato gerador vinculado (taxas e contribuições de melhoria). Nos EUA, a contraprestação específica inclusive foi estabelecida como critério de legitimidade da incidência interestadual mesmo em termos de tributos que incidem sobre demonstração de riqueza. Outro aspecto interessante que deve ser levado em consideração para fins de verificação da possibilidade da tributação interestadual é o ônus total incidente sobre essa operação, inclusive considerados outros tributos, como visto acima. Essa perspectiva guarda similaridade com o princípio do não confisco previsto na Constituição Brasileira. Não surpreende na medida em que este é uma decorrência da proteção da propriedade, igualmente protegida pela Constituição norte-americana (art. 4, Seção 3, Cl. 2) A história dos dois países demonstra, ainda que de maneiras diferentes, o velho impasse de encontrar os limites ao poder de tributar, seja na medida em que atinge o contribuinte, seja em virtude da partição de poderes decorrentes da adoção do federalismo, pode mudar de geografia e peculiaridade. Aparentemente, nem engessar a Constituição, como no Brasil, como manter cláusulas abertas, como nos EUA, é suficiente para conter esse conflito. 4 Conclusão Embora haja o inquestionável reconhecimento de que os Constitucionalismos dos Estados Unidos da América e do Brasil possuem traços distintos em razão da evolução histórica, das necessidades ambientais (e culturais) e em especial, da economia, é certo que uma aproximação válida entre os dois sistemas constitucionais é concebível, especialmente em razão dos federalismos sui generis empregados nas duas estruturas republicanas. Em razão disso, necessidades comuns chegam até as cortes constitucionais dos dois Estados e, mormente, carecem de soluções que podem se dar de forma similar. Como ficou evidenciado ao longo da construção deste artigo, algumas considerações categóricas podem ser firmadas diante das disposições jurisprudenciais e legais dos dois países. Senão vejamos: 1. O Federalismo Norte Americano, por ser centrípeto, propiciou a compreensão de que a concessão comercial a companhias provenientes de outros Estados (federados) para realizar comércio em território estadual diverso afigura-se como um privilégio do Estado à Companhia. A Consequência é a de que, enquanto no Brasil as restrições de passagem de pessoas e mercadorias pelo território é vista como uma tentativa de o Estado “ganhar uma autonomia indevida”, nos Estados Unidos da América a prática representa uma tentativa do Estado de ir na contramão da relativização da soberania que em outros tempos o mesmo fora portador. Os tributos que coíbem a circulação de mercadorias e serviços no território nacional brasileiro são coibidos na medida em que preza o regime constitucional pela liberdade de circulação, em detrimento de qualquer necessidade de tributação, enquanto nos EUA a concepção é de que afigura-se como lícita a tributação em razão do privilégio concedido pelo Estado à empresa, contudo cabe à União a guarda legiferante contra um exercício de tributação arbitrário que vise desestimular grosseiramente o comércio interestadual ou impedi-lo. 2. A existência de uma compreensão do Direito Tributário que busque cobrar do cidadão mais beneficiado uma tributação condizente com o seu privilégio recebido (prestação direta ou indireta do Estado) é presente nos dois países. No Brasil, a existência das taxas (que envolvem contraprestação do Estado) e das Contribuições de Melhoria (que implica na tributação devida a valorização proporcionada pelo Estado, devido à sua atividade infra-estrutural, a imóveis) são os exemplos típicos dessa ideia. Enquanto nos EUA, a designação doutrinária de “Tributos de Privilégio”, ou “privilege taxe”, logrou compreender que o Estado pode cobrar de alguém pelo privilégio que o concede, especialmente em razão do custeio indireto que promove sobre a atividade exercida pelo privilegiado. 3. A despeito das constituições de Brasil e EUA serem opostas na extensibilidade, respectivamente prolixa e sucinta, a compreensão jurídico-tributária encontra os mesmos problemas interpretativos nos dois âmagos, tanto principiológico, quando aduz ao juiz uma atuação mais criativa na resolução dos conflitos, tanto a arquitetada por regras, que refere ao legislador a tarefa constante de rever a legislação e colmatar os problemas de ordem pragmática surgidas nos regimes. 4. Vigora nos dois países uma concepção de custeamento do Estado por fontes múltiplas de receitas, e no microssistema do Direito Tributário a ideia de pluralidade de formas e especificidades de tributos. Aliada à divisão de competências territoriais para legislar este é um fator que induz a classificações de diversos tipos de intervenção do Estado, das quais se destacam: a) a tributação direcionada a sujeitos específicos – Taxas, no Brasil, ou Tributos de Privilégio, nos Estados Unidos; b) a tributação sobre a circulação de mercadoria do intra e interestadual, que recorda preocupações distintas no tratamento normativo; e c) a proteção da liberdade de circulação entre as diversas províncias/Estados Federados como preceito fundamental da ordem republicana federativa, sobre o qual deve o Estado limitar o Poder do Estado, uma vez que a tributação pode ser usada como desestímulo de conduta.
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A prescrição intercorrente em matéria tributária
O presente artigo tem por objetivo discutir a prescrição intercorrente em matéria tributária. A prescrição intercorrente está inserida no lapso temporal que toma o processo executivo, em razão da inércia do exequente, tendo como consequência a extinção do feito. Paralisado o processo por mais de 5 (cinco) anos impõe-se o reconhecimento da prescrição, uma vez que a prescrição pode ser reconhecida de ofício em todos os tipos de execução, tanto as federais, estaduais ou municipais, inclusive as de autarquias. O prazo prescricional, geralmente, será de 5 (cinco) anos, em decorrência de expressa disposição por parte do Código Tributário Nacional: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos”. É preciso que os operadores do direito fiquem atentos aos processos com prescrição intercorrente para requerem seus arquivamentos, utilizando-se da previsão legal constante do Inciso V do art. 924 do NPC, colaborando assim para com a celeridade do Judiciário.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Podemos conceituar a prescrição intercorrente como a estagnação do exequente, o qual não buscou, por meio de atos concretos, a satisfação do seu direito na execução já instaurada. De início, importante conceituar que a prescrição é a extinção da possibilidade de pretensão de determinado direito em juízo pela perda do prazo determinado em lei, em razão da inércia do seu titular, sendo que os prazos de prescrição variam conforme a natureza da obrigação. A prescrição tem como objetivo manter o equilíbrio da ordem jurídica, e, assim, evitar a possibilidade de perpetuação de lides. Com relação à prescrição intercorrente, trata-se da perda do direito de ação no curso do processo, em razão da inércia do autor, que não praticou os atos necessários para seu prosseguimento e deixou a ação paralisada por tempo superior ao máximo previsto em lei para a prescrição do direito discutido. A prescrição intercorrente está inserida no lapso temporal que toma o processo executivo, em razão da inércia do exequente, tendo como consequência a extinção do feito. Cássio Scarpinella (2014, p.86) define prescrição intercorrente como “[…] a falta de impulso processual pelo exequente que pode acarretar a perda da ‘pretensão’ à tutela jurisdicional executiva”. Toda a discussão acerca da aplicação da prescrição intercorrente acabou com a chegada do Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. A prescrição intercorrente pode ser aplicada para que as pretensões executórias não subsistam indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada, de modo a garantir a segurança jurídica, bem como a aplicação do princípio da duração razoável do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. 2 DESENVOLVIMENTO A prescrição intercorrente tem como o objetivo principal assegurar a harmonia social, trazendo a pacificação social e a segurança jurídica, e tem fundamento em diversos princípios, tais como o da liberdade de ação, da lealdade, boa-fé, da celeridade do processo, da racionalidade, da economia processual e, ainda, como bem demonstrado, no princípio da duração razoável do processo. Em observância ao princípio constitucional da duração razoável do processo, cumpre estabelecer que o objetivo da prescrição intercorrente também visa a não sujeitar o executado a uma execução “ad eternum”, ou seja, com uma litispendência sem fim. Dessa forma, a Jurisprudência e a Doutrina vêm se consolidando na perspectiva de que a suspensão da execução por prazo superior ao da exigibilidade do direito importa prescrição intercorrente. Para que se consume a prescrição intercorrente, deverá haver a paralisação injustificada da execução por determinado tempo. Esse tempo equivale ao prazo prescricional da pretensão embasada no título executivo. Nesse sentido, enunciado nº 150 da súmula da jurisprudência do STF: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação". Urge destacar que a expressão intercorrente foi inaugurada com a introdução do § 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/90). Dessa feita, a prescrição intercorrente objetiva manter preservada a finalidade do instituto em questão, qual seja, coibir a perpetuação dos litígios, garantindo, consequentemente, estabilidade às relações jurídicas. A execução fiscal, compreendida dentro das execuções em geral, além de garantir o interesse do credor, deve também levar em consideração defesas dos direitos do devedor. Nesse sentido, Marins conclui que, juntamente com a necessidade de satisfação do crédito fazendário, “surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídico tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse público da satisfação do crédito fazendário, não pode passar a execução fiscal”. Conforme explanado, um desses limites é temporal, sendo inviável a cobrança estatal de dívidas por tempo indeterminado. Trata-se a prescrição intercorrente na execução fiscal, portanto, de instituto que impede negligência por parte da Fazenda Pública, a qual fica obrigada, sob pena de perda do manejo do processo executivo e, consequentemente, extinção do feito, a ser sempre diligente e cuidadosa na localização do executado e de seus bens. A execução fiscal é o procedimento para cobrança de créditos já constituídos pelos órgãos lançadores, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional (Exemplo: Secretaria da Receita Federal do Brasil, INCRA, Fundo Gestor do FGTS, entre outros.) e rege-se pela Lei 6830/1980 (Lei de Execuções Fiscais — LEF) que trata especificamente da cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.  “Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) do devedor.” (CARVALHO, Paulo de Barros, página 470). Diz-se que ocorre hipótese de prescrição intercorrente, se é que efetivamente existente, em situações nas quais há comprovada e inconteste inércia do Credor em promover diligências no sentido de obter a satisfação do crédito exequendo. O Ministro Teori Albino Zavascki em Recurso Especial, descreve bem a mudança de jurisprudência do STJ: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004”. 1. A jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que "o reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil" (RESP 655.174/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 09.05.2005). 2. Ocorre que o atual parágrafo 4º do artigo 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (artigo 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência à hipótese dos autos. 3. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 873.271/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 22.03.2007 página 309)” O prazo prescricional, geralmente, será de 5 (cinco) anos, em decorrência de expressa disposição por parte do Código Tributário Nacional: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos”. Assim, do instituto da prescrição intercorrente se resulta, conforme dispõe o artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário e por sua vez o fim da demanda fiscal, juntamente à extinção do processo executivo com resolução do mérito, tal qual o artigo 269, inciso IV do Código de Processo Civil. A importância atrelada à esta modalidade de prescrição em parte se deve à impossibilidade de permitir que a Fazenda cobre tributos ad infinito. Em menção a este instituto, o Ministro Luis Fux em Recurso Especial de número 543.913 (REsp 543.913-RO), da Primeira Turma do STJ, disserta: “Após o decurso de determinado tempo, sem a promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes, uma vez que afronta os princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida”. Ainda neste mesmo instrumento, o Ministro trata do fundamento para existência da prescrição intercorrente, a seguir disposto: “Essa exegese impede que seja eternizada no Judiciário uma demanda que não consegue concluir-se por ausência dos devedores ou de bens capazes de garantir a execução”. APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – PROCESSO PARALISADO POR MAIS DE CINCO ANOS – RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO POR DESPACHO DO JUIZ QUE ORDENA A CITAÇÃO (LC 118 /2005) – REINÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL EM FACE DA INÉRCIA DO EXEQUENTE EM DAR REGULAR ANDAMENTO AO FEITO – INTIMAÇÃO DA SUSPENSÃO DO FEITO E REMESSA AO ARQUIVO PROVISÓRIO – DESNECESSIDADE. 1. A prescrição é instituto criado com o objetivo de estabilizar relações jurídicas perpetradas no tempo, penalizando o credor que deixa de exercer seu direito em face do devedor, extinguindo, por conseguinte, a possibilidade do primeiro de exercer sua pretensão em juízo. 2. O art. 174, parágrafo único, inciso I, do CTN, com a redação dada pela Lei Complementar n. 118 /2005, prevê que a prescrição se interrompe pelo despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal. 3. Não obstante, consoante interpretação autorizada do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, aplicável aos créditos tributários por força do art. 109 do CTN, a prescrição recomeça a correr, após a sua interrupção, quando restar caracterizada a inércia do Fisco em dar regular andamento ao feito. 4. Verificado que a paralisação do feito por mais de 06 (seis) anos se deu em virtude da ausência de diligência cabível ao exequente (indicação de endereço hábil para a citação da executada), não há como imputar o transcurso do prazo prescricional à máquina judiciária. Inaplicabilidade, ao caso, da Súmula n. 106 do Superior Tribunal de Justiça. 5. Desnecessidade de intimação da Fazenda para dar regular andamento à execução. Prescrição configurada. 6. Recurso não provido.” A prescrição intercorrente consegue evitar o acúmulo de processos e atravancamento dos serviços do Judiciário e dos órgãos de defesa da Fazenda Pública, em face ao não andamento dos autos. Desta maneira, é poupada a via administrativa que interage no processo de execução fiscal, em casos em que este seja infrutífero e não satisfativo. Diante da impossibilidade de ingressar no patrimônio do devedor pela sua não localização, parece lógico que não devam ser mobilizados os órgãos mencionados, deixando a eles a função de agir em autos que possa de fato verificar-se arrecadação. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Paralisado o processo por mais de 5 (cinco) anos impõe-se o reconhecimento da prescrição, uma vez que a prescrição pode ser reconhecida de ofício em todos os tipos de execução, tanto as federais, estaduais ou municipais, inclusive as de autarquias. É preciso que os operadores do direito fiquem atentos aos processos com prescrição intercorrente para requerem seus arquivamentos, utilizando-se da previsão legal constante do Inciso V do art. 924 do NPC, colaborando assim para com a celeridade do Judiciário. Decorridos mais de cinco anos após a citação da empresa, dá-se a prescrição intercorrente, inclusive para os sócios. A observação foi feita pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao negar pedido de reconsideração da Fazenda do Estado de São Paulo em processo de execução fiscal contra uma empresa de escapamentos. Segundo lembrou a ministra, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interromper a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Mantém-se, portanto, as conclusões da decisão agravada, no sentido de que, decorridos mais de cinco anos após a citação da empresa, dá-se a prescrição intercorrente, inclusive para sócios, reiterou Eliana Calmon.
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Multa nas obrigações tributárias acessórias: princípios constitucionais da capacidade contributiva e não confisco
O presente artigo buscou investigar se a aplicação dos princípios tributários da capacidade contributiva, vedação ao confisco, razoabilidade e proporcionalidade, típicos de tributos devem ser ou se são na prática também aplicáveis extensivamente às penalidades por descumprimento de obrigações acessórias relativas aos tributos. A partir da análise de uma parte da doutrina especializada, da legislação que rege o assunto e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, concluiu-se que não obstante haver entendimentos contrários, referidos princípios são aplicáveis, efetivamente, às penalidades concernentes às obrigações meramente acessórias, aguardando atualmente nova análise do Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral, que deverá uniformizar o entendimento em nível nacional no Judiciário pátrio.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Neste texto, analisa-se o descumprimento ou o cumprimento não conforme das obrigações tributárias acessórias, as respectivas penalidades aplicadas ao sujeito passivo da obrigação tributária, a existência ou não de um critério de capacidade contributiva nas multas, a partir da análise das previsões legais e constitucionais, do ensinamento de alguns doutrinadores e de decisões relativamente recentes do Supremo Tribunal Federal. 2 TIPOS DE MULTAS TRIBUTÁRIAS E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Segundo o Código Tributário Nacional[1], a obrigação tributária é principal ou acessória. A primeira nasce com o fato gerador e tem por finalidade o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária; a segunda, são prestações positivas ou negativas a serem prestadas pelo contribuinte no interesse da arrecadação ou da fiscalização tributária, não tem cunho patrimonial. As obrigações acessórias, segundo o Código Tributário Nacional, decorrem da legislação tributária. Nos termos do artigo 96 do mesmo diploma, compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Contudo, a recepção deste artigo pela Constituição da República de 1988 há que ser interpretada de forma sistêmica, para se concluir – especialmente à luz do artigo 5º, I da Carta Magna – que da Lei formal e materialmente considerada é que deverão decorrer as obrigações acessórias, cabendo as normas complementares apenas a explicitação do que fora disposto em lei. São exemplos de obrigação acessória a emissão de notas fiscais, o preenchimento de declarações contábeis e fiscais, feitura e conservação de livros de escrituração comercial e fiscal, dentre outras diversas. Sempre com o objetivo de auxiliar o fisco na fiscalização e eficaz controle do cumprimento das obrigações tributárias pelo sujeito passivo. Havendo descumprimento da obrigação acessória, ela se converte em principal relativamente à pena pecuniária, o que significa dizer que a sanção imposta ao inadimplente é uma multa punitiva, que como tal constitui uma obrigação principal, sendo exigida e cobrada pelos mesmos meios da obrigação principal. No direito tributário sancionador há os seguintes tipos de multas: moratória, que são indenizatórias ou reparadoras e têm caráter de sanção civil, apenas aplicada à obrigação principal. Multa de ofício, aplicada quando a autoridade fiscal lança de ofício o crédito tributário não declarado e recolhido pelo sujeito passivo, podendo ser agravada (caso de reincidência e não atendimento da intimação da autoridade fiscal) e/ou qualificada (caso de fraude, simulação ou dolo). Há ainda a multa isolada, aplicada sobre o descumprimento de obrigações acessórias ou no caso de declarações inexatas ou incorretas. As principais multas isoladas pelo descumprimento de obrigações acessórias estão fixadas em Instruções normativas da Receita Federal e em Medidas Provisórias de iniciativa do Poder Executivo. Algumas vezes guardam relação com o valor do próprio tributo, outras vezes são determinadas em valores fixos, outras vezes guardam relação com o faturamento e com o lucro líquido do sujeito passivo. Algumas vezes são limitadas, outras não são. Como exemplo, a ausência de entrega mensal da DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais cujo descumprimento atrai multa de 2 a 20% (dois a vinte por cento) sobre o valor do tributo, sendo o mínimo de R$500,00 (quinhentos reais), previstos na Instrução Normativa da Receita Federal n. 1599/2015 ou podem ter valores fixos como a apresentação extemporânea da EFD Contribuições – Escrituração Fiscal Digital mensal, que tem multa de R$1.500,00 (quinhentos reais) por mês, para as pessoas jurídicas tributadas na modalidade lucro real e a multa de 0,2% (dois décimos por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), sobre o faturamento do mês anterior ao da entrega da declaração, por apresentar declaração, demonstrativo ou escrituração digital com informações inexatas, incompletas ou omitidas, ambos previstos no artigo 57 da Medida Provisória 2158/2001. Por fim, cite-se o não envio ou envio em atraso da ECF (escrituração contábil fiscal, que substituiu a antiga DIPJ – declaração de informações econômico-fiscais da pessoa jurídica), no ambiente SPED (sistema público de escrituração digital), prevista no artigo 8º-A, inciso I do Decreto-Lei nº 1.598/77, que tem multa 0,25% por mês, do lucro líquido antes do Imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, no período a que se refere a apuração, limitada a 10% (dez por cento). Por vezes, o valor da multa fixada com relação ao faturamento ou lucro líquido do sujeito passivo é limitado, como no exemplo acima. Outras vezes, não, como no envio inconsistente da ECF supra citada, prevista no artigo 8º-A, inciso II do Decreto-Lei nº 1.598/77. A multa aplicável é de 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto, não havendo qualquer previsão de limitação dos valores. Assim, na legislação vigente no direito tributário sancionador pátrio, a multa isolada pelo descumprimento ou cumprimento não conforme de obrigações acessórias tributárias são expressamente balizadas pelo valor do tributo, valor do faturamento, valor do lucro líquido ou ser exprimida em valor fixo. Há ainda a previsão de multas mínimas aplicáveis quando mesmo quando não haja tributo a recolher. Na falta de entrega ou entrega extemporânea da já mencionada DCTF – Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais a multa mínima será de R$500,00 (quinhentos reais), frise-se, ainda que não haja qualquer tributo a recolher ou qualquer lesão efetiva ao fisco, em termos de arrecadação. Como maior exemplo de multa mínima do ordenamento pátrio pode-se mencionar aquela fixada em razão da não entrega ou entrega com inexatidão da declaração e-financeira, obrigação acessória imputada às instituições financeiras e equiparadas, nos termos da Lei Complementar 105/2001 (bancos, bolsas de valores, cooperativas de crédito, administradoras de cartão de crédito, corretoras de câmbio, entre outras). A e-financeira é uma declaração digital transmitida no ambiente SPED – Sistema público de escrituração digital, relativa ao cadastro, abertura, fechamento e auxiliares, concernentes às operações financeiras, de envio semestral. A falta de apresentação ou sua apresentação de forma inexata ou incompleta sujeita a pessoa jurídica à multa de 2% (dois por cento) do valor das operações objeto da requisição, apurado por meio de procedimento fiscal junto à própria pessoa jurídica ou ao titular da conta de depósito ou da aplicação financeira, bem como a terceiros, por mês-calendário ou fração de atraso, limitada a 10% (dez por cento), observado o valor mínimo de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), conforme previsão do artigo 31 da Lei 10.637/2002. Neste contexto, é quase automático se questionar a relação destas multas com o Princípio da Capacidade Contributiva encartado no artigo 145, parágrafo 1º da Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988), dentro da lógica do sistema tributário, assim disposto: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. § 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.” Leandro Paulsen (PAULSEN, 2013) cita que o princípio da capacidade contributiva, para a maioria da doutrina, trata-se de um princípio de sobredireito ou metajurídico, que deve orientar o exercício da tributação independentemente de isso constar expressamente da Constituição. Basicamente, decorre deste princípio que o Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, de maneira que nada deve ser exigido de quem só tem para sua própria subsistência, a carga tributária deve ariar segundo as demonstrações de riqueza, e a tributação não pode implicar em confisco para ninguém. Assim, os extremos desta formulação seria a preservação do mínimo vital e vedação de confisco e aplicam-se a todas as espécies tributárias. Para Schoueri (SCHOUERI, 2012), o mínimo existencial e o confisco oferecem as balizas da capacidade contributiva, no sentido subjetivo, que começa além do mínimo necessário à existência humana digna e termina aquém do limite destruidor da propriedade.  O autor Heleno Torres (TORRES, 2013) ensina que a capacidade contributiva, por si só, não é um motivo para instituição de tributos, pois a constituição qualificou as espécies e discriminou as competências materiais em seus limites. No plano legislativo, o princípio da capacidade contributiva tem a função de servir como limite à escolha da matéria factual para compor a hipótese de incidência das normas tributárias, porquanto o fato escolhido deverá ser revelador, com certa precisão, da capacidade econômica do sujeito passivo para suportar o encargo fiscal. O autor divide capacidade contributiva em subjetiva e objetiva. Escolhido o fato oponível (revelador de capacidade contributiva), e definida a base de cálculo e alíquota aplicáveis (graduação da carga tributária individual), exaure-se, assim, o papel do princípio de capacidade contributiva em sua feição objetiva. Lado outro, o aspecto subjetivo do princípio estaria no plano de aplicação, para servir como critério de atendimento à tipicidade da quantificação legalmente prevista, nos atos de apuração do tributo devido. Nessa função, o princípio não é mais do que um critério de graduação individual do quanto pode o contribuinte suportar, em termos de carga fiscal, sem qualquer eficácia para alargamentos dos tipos administrativos, na apuração dos fatos tributários. Para o autor, é um princípio que visa a proteção da propriedade privada, não mais que isso. Nesta linha, conclui que o processo administrativo e o princípio da verdade material, que informe que essa há de prevalecer sobre a verdade formal (simples aparência), está exatamente na necessidade de orientar a atividade administrativa concernente à fiscalização e controle do cumprimento das obrigações tributárias para que se possa aferir com precisão a capacidade contributiva real dos contribuintes, sem sequer se sujeitar à interpretação extensiva. Para Sacha Calmon Navarro Coêlho (COÊLHO, 1991), capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos. É subjetiva, quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real) e objetiva, quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada, etc.). são estes os signos presuntivos de capacidade contributiva. Assim, é pacífico o entendimento segundo o qual a capacidade contributiva é aplicável às outras espécies tributárias: impostos e contribuições. Com relação a sua aplicação às taxas, há discussão na doutrina e jurisprudência, na maioria pelo entendimento pela aplicabilidade[2]. Nesta ordem de ideias, ao se analisar as multas isoladas, especialmente quando consideram valor do tributo, valor do faturamento e valor do lucro líquido guardariam relação direta com a capacidade contributiva do sujeito passivo, porque diretamente vinculado ao símbolo de riqueza. Lado outro, quando determinada em valor fixo e quando não houver tributo a pagar não guardaria essa relação, pois penalizaria todos os ditos infratores exatamente na mesma proporção. Ocorre que antes disso de fazer esta análise, uma questão preliminar deve ser enfrentada: há discussão na doutrina e na jurisprudência quanto à aplicação ou não do princípio da capacidade contributiva às multas. Para a autora Florence Haret (HARET, 2014), na aplicação de multas deve ser observada a proporcionalidade, a isonomia e a capacidade contributiva, na medida em que a multa passa a ser um percentual sobre o que já se definiu na obrigação principal como signo de riqueza, a exemplo do que teria sido consagrado pelo STF quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 551[3]. Também para o autor Guilherme Cezaroti (CEZAROTI, 2008), para todas as multas sancionatórias são aplicáveis o Princípio do não-confisco, Razoabilidade, Proporcionalidade e Capacidade contributiva. Entende que as multas aplicadas aos casos em que não houve tributo pago ou a pagar, são desproporcionais sempre, porque não guardam a devida relação de proporcionalidade entre o ilícito e a vantagem percebida pelo infrator.  Nesta mesma linha, para Sampaio Dória (DÓRIA, 1986), legisladores e aplicadores das normas tributárias, ao cominarem e aplicarem penalidades de caráter fiscal, estariam obrigados a observar a capacidade econômica dos contribuintes/infratores, de modo a legitimarem a sua atuação. O autor Zelmo Denari (DENARI, 2006) também sustenta a incidência do princípio da capacidade contributiva e não confisco sobre as sanções fixadas pela legislação tributária. De outro lado, há estudiosos que defendem a não aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva às penalidades tributárias, como Carlos Cezar Souza Cintra (CINTRA, 2004). Para este autor: “a própria natureza do fato jurídico necessário e suficiente à imposição de penalidade pecuniária, que nem sempre guarda qualquer relação com o denominado ‘fato gerador’ do tributo, é dado bastante em si mesmo para amparar a nossa conclusão.” (2004, p. 77). Na mesma linha, HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO (SEGUNDO, 2004), que se prende a diferenciação entre tributo e sanção para justificar as suas conclusões: “Existem limites e critérios para a quantificação das sanções, inclusive das de conteúdo pecuniário, mas o princípio da capacidade contributiva e a proibição do tributo confiscatório têm pouco ou nenhuma pertinência com a questão, por dizerem respeito aos tributos, e não às penalidades”. Não obstante as louváveis justificativas e fundamentos dos representantes da doutrina que afastam a aplicação da capacidade contributiva às multas, referido princípio é condição sine qua non se busca a justiça fiscal, servindo como limite de atuação da exigência do Estado, que por vezes pode revelar-se violadora dos primados da igualdade tributária e da justiça fiscal. 3 A POSIÇÃO ATUAL DA JURISPRUDÊNCIA Por sua vez, a jurisprudência tem se manifestado a favor da aplicação dos princípios da capacidade contributiva e vedação ao não confisco às penalidades tributárias. O Supremo Tribunal Federal tem aplicado os princípios da proporcionalidade e do não confisco para afastar multas superiores ao valor da obrigação principal. Até o presente momento, resta assentado como confiscatórias multas acima de 100% (cem por cento) do valor do tributo e não confiscatórias multas de até 20% (vinte por cento) do valor do tributo. Na Ação Direta de inconstitucionalidade, ADI 551[4] foi considerada confiscatória multa moratória de mínimo 2 (duas) vezes o valor do tributo não recolhido e multa isolada no valor mínimo de 5 (cinco) vezes o valor do tributo sonegado (tributos estaduais do Rio de Janeiro). Considerado não confiscatório o patamar de 20% (vinte por cento) sobre o tributo. No Recurso Extraordinário RE 582.461[5], foi confirmado o entendimento de não ser confiscatório o patamar de 20% (vinte por cento) sobre o valor do tributo. No julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade ADI n. 1075[6], de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, foi considerada confiscatória multa aplicada em decorrência de não emissão de notas fiscais, calculada no importe de 300% (trezentos por cento) do valor do tributo, com base nos princípios do não confisco, razoabilidade e proporcionalidade. Destarte, é cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ou penalidade ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Pelo exposto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o poder de tributar – também em relação às multas punitivas – deve ser exercido dentro de limites “razoáveis”, que o tornem compatível com o direito de propriedade e livre iniciativa privada. Nestes casos, o ônus da prova da situação fática que conduza a aplicação destes princípios para reduzir ou afastar a aplicação da multa abusiva é do contribuinte. Recentemente, em fevereiro/2016, o Supremo Tribunal Federal afetou a matéria em sede de repercussão geral (julgamento conforme a sistemática do artigo do novo código de processo civil), o recurso representativo da controvérsia é o RE 606010/RG. Na demanda será julgada a aplicação de multa pela não entrega de uma obrigação acessória com base no valor do tributo pago ou a pagar, assim ementado: “DECLARAÇÃO DE DÉBITOS E CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS FEDERAIS – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA – MORA – MULTA – BASE: VALOR DOS TRIBUTOS – ARTIGOS 145, § 1º, (capacidade contributiva) E 150, INCISO IV (confisco), DA CARTA DA REPÚBLICA – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da constitucionalidade de dispositivo legal a autorizar a exigência de multa por ausência ou atraso na entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, apurada mediante percentual a incidir, mês a mês, sobre os valores dos tributos a serem informados.” RE 606010 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 10/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04-02-2016 PUBLIC 05-02-2016. Não obstante não haver previsão para julgamento da demanda supra mencionada, sua composição será um novo norte para a aplicação das multas por descumprimento de obrigações acessórias, já que atualmente são previstas em normas infra legais, ao sabor – tão somente – das exigências do Fisco, leia-se Receita Federal do Brasil, que no mais das vezes produz normas que não condizem sistematicamente com o ordenamento jurídico vigente, levando em consideração apenas o maior conforto da fiscalização, sem considerar que o contribuinte pode cometer um simples e mero erro formal, pelo qual pode vir a pagar no mínimo R$50.000,00 (cinquenta mil reais), como no caso mencionado da declaração e-financeira, o que é absolutamente desproporcional e dezarrazoado. CONCLUSÃO A sanção tributária deve ter como requisitos a Necessidade: a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não puder substituí-la por outra menos gravosa; Adequação: o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido e a Proporcionalidade em sentido estrito: em sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados, máxima efetividade e mínima restrição. A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias acessórias traduz a intenção do legislador constituinte de afastar a eventual injusta apropriação estatal da propriedade privada do cidadão, devendo, por conseguinte, o Judiciário afastar as multas absurdas, declarando sua inconstitucionalidade ante o princípio do não confisco e os princípios da proporcionalidade, moralidade e razoabilidade.
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IPTU e a decisão pela pessoalidade prolatada pelo STF
O presente trabalho científico pretende analisar e demonstrar a decisão instada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por seus ministros, nos RE 601.720 e RE 434.251 quando um imóvel público é cedido à particular com fins econômicos. Tal decisão joga por terra todo o princípio fundamental do IPTU que é a sua impessoalidade, ou seja, para o STF, o IPTU é um tributo pessoal e não real o que demonstra grande afastamento dos ensinamentos tributários em nosso país e a falta de especificidade para julgar questões tributárias. Para a Corte Suprema, o IPTU acompanha o locatário e não mais o proprietário, o titular do domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título, passou a ter de competência de um terceiro usuário que não configura no rol de sujeitos passivos deste imposto. É de fato uma decisão anômala da Corte Suprema sobre o tema. Assim sendo, este trabalho visa elucidar a essência do IPTU e sua aplicabilidade assim como, sua finalidade e os seus sujeitos passivos. A corte Suprema, que em these deveria ser a guardiã da Constituição, age mais uma vez, de forma a contrapô-la agora criando insegurança jurídica na seara tributária face a decisão conflitante prolatada nos RE acima descritos e com repercussão geral, com a constituição e demais normas subsidiárias, criando uma confusão jurídica e abrindo precedentes para diversas outras ações com este fito inconstitucional.
Direito Tributário
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO IPTU Este imposto, tão importante para o fôlego financeiro dos municípios, nasceu com competência tributária exclusiva aos Estados, isto ocorreu em nossa primeira constituição republicana de 1981 aonde em seu artigo 9º, instituía que: “Art. 9º é da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 1º) […] 2º) sobre imóveis rurais e urbanos;” Ainda transcorrendo o veio do IPTU no Brasil, este imposto, foi criado inicialmente pelo “Alvará” de 28 de junho de 1808 sob a denominação de “décima urbana”. Recaia sua cobrança sobre os prédios localizados na corte, nas cidades, nas vilas e povoações nas orlas marinhas. Através da lei imperial nº 58 de outubro de 1833, este imposto passou a ser de competência provincial, ou seja, das províncias que hoje denominamos municípios[1] Evoluindo no tempo, a constituição de 1934, o legislador mantém a competência dos municípios e cria duas denominações novas: 1) o imposto predial e; 2) o imposto territorial urbanos, passando estes, ai sim, a serem de competência do Município.  Com efeito, o fato gerador passa a ser específico para cada nova espécie de imposto. Para sua incidência levar-se-ia em consideração a localização do imóvel e a situação deste, sendo portanto distintos, pois um incidia no imóvel edificado – o predial e ou outro sobre o não edificado – o territorial .  A constituição de 1937 traz em seus artigos 23, inc. I, "a" e 28, inc. II, a manutenção dos ditames dispostos na constituição de 1934.  A Constituição de 1946, institui-se a competência e finalidade unificada como na constituição de 1891 tornando-o um único tributo com o nome de Imposto Predial e Territorial urbano – IPTU, previsão que o legislador constituinte de 1988 manteve.  Chegamos a Constituição Federal de 1988, aonde o IPTU se solidifica como imposto municipal ou distrital e corroborado pelo Código Tributário Nacional, mormente, no Art. 32 o qual fomentou subsídios para o normativo instado na Constituição de 1988 nos artigos 156, I e §1º; 182, §1º, II o qual passaremos a desenvolver neste trabalho científico. 2. SUJEITOS PASSIVOS DO IPTU São sujeitos passivos do IPTU conforme Art. 34 do Código Tributário Nacional, são: a) o proprietário; b) aquele que possui o domínio útil (enfiteuta ou usufrutuário ou foreiro); c) o possuidor a qualquer título (posseu ad usucapionem). Segundo o doutrinador e professor de direito Tributário Eduardo Sabbag a propriedade: “de início, insta assegurar que a propriedade não se confunde com a locação.”[2] “O locatário, embora possuidor, não se enquadra nem como contribuinte, nem como responsável tributário do IPTU”[3]. Não possui, o locatário o amimus domini[4] , o locatário é um mero detentor de coisa alheia[5]. Posto isto, a definição do Art 34 do CTN não deixa restar qualquer dúvida quem são os sujeitos passivos do IPTU. No mesmo esteio, o STF, que hoje deixou de ser um órgão jurídico, instituiu a Sumula 724, determinado o seguinte: “no âmbito das imunidades tributárias previstas para as entidades que constam na alínea “c” do inciso VI do Art. 150 da CF: “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo Art 150, VI, “c” da constituição, desde que o valor dos alugueis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”  No mesmo esteio o STJ[6] "A matéria foi definida em julgamento de recurso especial e seguiu o rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008). O projeto da súmula foi relatado pela ministra Eliana Calmon e tem como referência o artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN). O artigo estabelece que o contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título É remansosamente majoritário o entendimento em conformidade com a clareza e limpidez da lei, pois a lei é clara e não resta espaço para interpretação a qualidade do sujeito passivo do IPTU. O Art. 34 do CTN (Código tributário Nacional) define claramente quem são os sujeitos passivos. Ademais cabe a lei complementar definir s tributos e suas espécies, os fatos geradores, a base de calculo e os contribuintes é o que dispõe o Art. 146, III, “a” da CF (constituição Federal). Entrementes não pode o município instituir novo sujeito passivo para o IPTU a não ser o instado em lei. Assim sendo, os contribuintes são: a) o proprietário: este é o titular do domínio, com título registrado em cartório pertinente, no caso, CRI (Cartório de Registro de Imóveis); b) titular do seu domínio útil: este sujeito passivo é aquele que adquire esta função por meio de transferência do proprietário a outrem (Ex: enfiteuta, usufrutuário) e o proprietário conserva apenas o domínio direito; c) possuidor a qualquer título: não é qualquer espécie de posse, é a posse com animus definitivo, ou seja, aquele possuidor que poderá se tornar proprietário. Com efeito, o locatário jamais poderá ser contribuinte do imposto porque não possui o animus domini. São meros detentores de coisa alheia. Posto isto, o imóvel em nome de entidade que detém a imunidade, continua imune enquanto não houver a transmissão do imóvel a terceiro assim preceitua a Sumula 74 do STF “O imóvel transcrito em nome da autarquia, embora objeto de promessa de venda a particulares, Continua imune de impostos locais”. Estendendo e aprofundando no tema, os sujeitos passivos ou podem ser diretos, contribuintes ou indiretos responsáveis e a norma tributária, abarcadora de sujeitos passivos poderá colocar no pólo passivo tanto o sujeito direito quanto o indireto na falta daquele. É a famosa responsabilidade tributária mas até essa responsabilidade tributária tem limite e é a lei que assim o faz limite, pois vejamos: os sujeitos passivos direitos do IPTU são os descriminados no Art. 34 do CTN, entretanto pode haver o responsável tributário que terá que estar ligado ao Fato gerador da obrigação tributária que poderá ser antes da transmissão, substituição tributária ou após a transmissão ocorrendo a transferência tributária, mas todas essas sujeições estão ancoradas na lei. Corroborando tal assertiva o STJ vem se manifestando acerca do tema em diversos acórdãos e jurisprudências sobre a sujeição passiva do IPTU conforme abaixo demonstrada: “O STJ pacificou o entendimento de que o locatário, embora possuidor, não se enquadra no art. 34 do CTN, pois é pessoa estranha à relação jurídico-tributária, devendo ser decretada sua ilegitimidade para propor ação que envolva o pagamento de IPTU e outras taxas”.(RESP 705097/SP, de 2005)”. “O IPTU é imposto que tem como contribuinte o proprietário ou o possuidor por direito real, que exerce a posse com animus domini” e“ O cessionário do direito de uso é possuidor por relação de direito pessoal e, como tal, não é contribuinte do IPTU do imóvel que ocupa”. (RESP 685316/RJ, de 2005). Súmula. nº 53-STF – Imunidade de IPTU de bem imóvel alugado "Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas." Posto isto resta claro que o sujeito passivo do IPTU é aquele que detém os requisitos dispostos no Art. 32 do CTN que são: a) a propriedade; b) o domínio útil; ou c) aquele de detém a posse do bem. Portanto o locatário, que loca bem imune de IPTU não pode se ver como sujeito passivo do IPTU nem tampouco como responsável tributário desta por não caracterizar as qualidades jurídicas para tal papel. “REsp 325489 / SP – STJ; TRIBUTÁRIO – IPTU – CONTRIBUINTE – POSSUIDOR – ART. 34 DO CTN. 1. O IPTU é imposto que tem como contribuinte o proprietário ou o possuidor por direito real que exerce a posse com ANIMUS DEFINITIVO – art. 34 do CTN. 2. O COMODATÁRIO é possuidor por RELAÇÃO DE DIREITO PESSOAL e, como tal, não é contribuinte do IPTU do imóvel que ocupa. 3. Não sendo contribuinte o possuidor e confundindo-se, no Município, as posições de proprietário do imóvel e de sujeito ativo para a cobrança do IPTU, resulta indevido o tributo. 4. Recurso especial improvido.” 3. IMPOSTO REAL OU PESSOAL  No sistema tributário nacional é o IPTU é classificado como um imposto real. Assim os doutrinadores entendem como, por exemplo, Irapuã Beltrão[7]: “ […]. Igualmente, trata-se de tributo real, […]”. Pois bem, levando-se em conta o aspecto material, o fato gerador deste imposto ocorre quando o sujeito passivo cumpre as prerrogativas do Art 32 do CTN acima descrito. Outrossim, a obrigação tributária acessória esta descrita no Art. 32 do CTN e não cabe lacuna além dos três sujeitos definidos no artigo regente. Ademais, não há espaço para incluir no pólo passivo o locatário mesmo se este locar bem público com imunidade tributária pois o imposto incide sobre o bem, é real, e não sobre a pessoa como se fosse um imposto pessoal. “REsp 325489 / SP – STJ. TRIBUTÁRIO – IPTU – CONTRIBUINTE – POSSUIDOR – ART. 34 DO CTN. 1. O IPTU é imposto que tem como contribuinte o proprietário ou o possuidor por direito real que exerce a posse com ANIMUS DEFINITIVO – art. 34 do CTN. 2. O COMODATÁRIO é possuidor por RELAÇÃO DE DIREITO PESSOAL e, como tal, não é contribuinte do IPTU do imóvel que ocupa. 3. Não sendo contribuinte o possuidor e confundindo-se, no Município, as posições de proprietário do imóvel e de sujeito ativo para a cobrança do IPTU, resulta indevido o tributo. 4. Recurso especial improvido.” Posto isto, não resta quaisquer dúvidas sobre a classificação do IPTU como um imposto real e com este fito, a incidência se dá, por obrigação acessória, aos sujeitos elencados no Art. 32 do CTN, não sendo facultado a responsabilidade tributária ao locatário mesmo se o bem for imune de incidência do referido imposto, face sua classificação como imposto real e não pessoal. 4. FATO GERADOR DO IPTU O que vem a ser o fato gerador de um tributo é o ato que, praticado pelo sujeito passivo direito ou indireto, quando assim couber, através da ação ou da omissão, enquadrando-se na forma da lei, ou seja, em nossa obra, quando o sujeito passivo adquire a propriedade, ou passa a ter o domínio útil, ou a posse do bem. É o momento da ocorrência do fato gerador do IPTU. 4.1. Fato gerador espacial O fato gerador espacial configura-se quando o sujeito passivo pratica o ato descrito em lei, em um determinado local. Pois bem, podemos afirmar então que o fato gerador espacial é aquele que ocorre em um determinado local físico e locupleta-se por força da obrigação acessória. Outrossim, não há fato gerador para o sujeito passivo do IPTU quando o bem quando por exemplo, esta situado em perímetro rural. Em curta analogia, esta é a genealogia do fato gerador espacial. 4.2. Fato gerador temporal O fato gerador, por ser vinculado em lei, também esta regulado pelo tempo. Assim sendo, em these e na maioria das vezes, a lei é criada para que sua vigência seja por prazo indeterminado. Portanto, o fato gerador temporal é aquele em que a ação praticada pelo sujeito passivo em uma determinada data. Esta data é que vai, de certa forma, qualificar, quantificar e sujeitar o agente as regras vigentes. Portanto, o tempo da prática do ato sujeitivo e, em conformidade com a obrigação acessória, é que irá determinar se é ou não sujeito passivo, o quantum deve pagar, a data de pagamento, os juros e demais liames adstritos a sujeição tributária passiva. Outrossim, a lei só pode ser aplicada ao fato gerador após a sua criação, por regra geral, não pode ser aplicada preteritamente, por força do princípio da irretroatividade da lei tributária, instada no Art. 150,III, “a” a CF c/c Art. 114 do CTN. Porém, na seara tributária r também há exceções. Por exemplo, o Art. 144 do CTN permite aplicar a lei no momento da ocorrência do fato gerador se esta, beneficiar o contribuinte. Portanto, o fato gerador temporal se aplica ao momento da ocorrência do fato gerador em consonância com a obrigação tributária acessória vigente à época do fato. 5. DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL DO IPTU No direito tributário, obrigação principal tem aplicabilidade acessória se levarmos em conta o direito civil e até o direito Criminal e a obrigação acessória tem o condão de principal nesta seara. É para confundir? Não é só para que fique bem claro que na seara tributária a obrigação principal só irá existir se antes existir a obrigação acessória, é isso ai! Vamos elucidar essa premissa maior. A obrigação tributária principal na seara tributária está afeta ao pagamento, a arrecadação, porque é a função primordial de um imposto, arrecadar, conforme dispõe o Art. 113 §1º do CTN. Claro, existe imposto social, com finalidade extrafiscal mas, a priori é esta a função principal do imposto, a de arrecadar, visando, captar recursos para que o Estado possa agir em seu mister, qual seja, de propiciar ao povo, de modo geral, as condições de humanidade instadas na Constituição federal de 1988.  Portanto, pode, em certos casos, não ocorrer a materialidade da obrigação tributária principal, qual seja, o pagamento, mas em momento algum poderá deixar de existir a obrigação tributária acessória pois esta, legitima aquela e aquela pode estar sob a égide da imunidade, ou da isenção ou de qualquer outro impedimento para sua completude material e assim pode não ser exigível. Conquanto, sem a incidência da obrigação acessória o imposto não existe no mundo jurídico tributário. Cabe destacar que a imunidade só alcança a obrigação tributária principal e jamais alcançará a obrigação tributária acessória, como descreve Irapuã Beltrão[8]: “Pode não existir obrigação principal e ter obrigação acessória, uma pode estar extinta e a outra prosseguir. Na verdade o próprio código induz a tal conclusão na medida em que, mesmo havendo exclusão ou a suspensão do dever de pagar o crédito tributário, permanece o dever do sujeito passivo de cumprir as obrigações acessórias. Vale a atenção ao parágrafo único dos Arts. 151 e 175 do CTN” A obrigação tributaria principal para Eduardo Marcial Ferreira Jardim[9]: “ é aquela que compreende um comportamento de entregar dinheiro a Fazenda Publica (obrigação de dar)”. Desta forma, fica límpido que a obrigação principal do tributo é pagá-lo. Pois bem, no caso em proposta, sendo o IPTU um tributo real, ou seja, incidente sobre o bem e não sobre a pessoa, o sujeito passivo não resta dúvidas ser o proprietário, o que detém o domínio útil ou o possuidor pois a lei assim determina é uma obrigação acessória legal os sujeitos passivos do IPTU, por isso, nunca o locatário, mesmo sendo o bem beneficiário de imunidade constitucional, não poderá perder sua condição de imune quando este bem é cedido a terceiros mesmo que não possuam essa finalidade excepcional instada na Constituição federal de 1988. 6. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Este tópico é fundamental, pois parte de um regramento constitucional do qual só poderá ser atacada por uma nova constituição. Pois vejamos, para Hugo de Brito Machado[10] a imunidade significa: “A expressão “imunidade tributária” designa a proibição, estabelecida pela constituição ao legislador, de instituir tributo sobre os fatos ou contra as pessoas que indica. Os fatos e as pessoas ficam, assim, excluídos do alcance do legislador infraconstitucional. Ficam imunes ao tributo”  Para Eduardo Marcial Ferreira Jardim[11], a imunidade é: “a não incidência tributaria constitucionalizada”. O que deixa bem claro que a imunidade é intangível e inatingível[12], ou seja, não pode ser retirado senão por uma nova constituição o que se configura que ninguém, nem o STF – Supremo Tribunal Federal poderá modificar ou subtrair tal prerrogativa, as imunidades gozam de sustentáculos constitucionais, não sendo possível uma norma que não seja uma nova constituição retirá-la de quem quer que seja. Cabe salientar que imunidade esta no capítulo das limitações ao poder de tributar, portanto o direito de qualquer ente tributante vislumbrar a possibilidade de tributar, tanto o bem ou pessoa que insta abarcado pela imunidade tributária se coloca em uma posição de inatacabilidade o que se vier ocorrer, deve ser considerado um ato inconstitucional, por força do Art. 150 caput da CF. 7. DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL DO IPTU No direito tributário, obrigação principal tem aplicabilidade acessória se levarmos em conta o direito civil e até o direito Criminal e a obrigação acessória tem o condão de principal nesta seara. É para confundir? Não é só para que fique bem claro que na seara tributária a obrigação principal só irá existir se antes existir a obrigação acessória, é isso ai! Vamos elucidar essa premissa maior. A obrigação tributária principal na seara tributária está afeta ao pagamento, a arrecadação, porque é a função primordial de um imposto, arrecadar, conforme dispõe o Art. 113 §1º do CTN. Claro, existe imposto social, com finalidade extrafiscal mas, a priori é esta a função principal do imposto, visando, captar recursos para que o Estado possa agir em seu mister, qual seja, de propiciar ao povo, de modo geral, as condições de humanidade instadas na Constituição federal de 1988.  Portanto, pode, em certos casos, não ocorrer a materialidade da obrigação tributária principal, qual seja, o pagamento, mas em momento algum poderá deixar de existir a obrigação tributária acessória pois esta, legitima aquela e aquela pode estar sob a égide da imunidade, da isenção ou qualquer outro impedimento para sua completude material e assim pode não ser exigível. Conquanto, sem a incidência da obrigação acessória o imposto não existe no mundo jurídico tributário. Cabe destacar que a imunidade só alcança a obrigação tributária principal e jamais alcança a obrigação tributária acessória, como descreve Irapuã Beltrão[13]: “Pode não existir obrigação principal e ter obrigação acessória, uma pode estar extinta e a outra prosseguir. Na verdade o próprio código induz a tal conclusão na medida em que, mesmo havendo exclusão ou a suspensão do dever de pagar o crédito tributário, permanece o dever do sujeito passivo de cumprir as obrigações acessórias. Vale a atenção ao parágrafo único dos Arts. 151 e 175 do CTN” A obrigação tributaria principal para Eduardo Marcial Ferreira Jardim[14], a obrigação principal é aquela que compreende um comportamento de entregar dinheiro a Fazenda Publica (obrigação de dar). Assim sendo, fica límpido que a obrigação principal do tributo é pagá-lo. Pois bem, no caso em proposta, sendo o IPTU um tributo real, ou seja, incide sobre o bem e não sobre a pessoa, o sujeito passivo não resta dúvidas ser o proprietário, o que detém o domínio útil ou o possuidor e nunca o locatário, mormente quando esse bem possui imunidade constitucional que, no caso, por força da classificação do IPTU como tributo real, não pode perder sua condição de imunidade quando é cedido a terceiros mesmo que não possuam essa finalidade excepcional instada na Constituição federal de 1988. 8. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Este tópico é fundamental, pois parte de um regramento constitucional do qual só poderá ser atacada por uma nova constituição. Pois vejamos, para Hugo de Brito Machado[15] a imunidade significa: “A expressão “imunidade tributária” designa a proibição, estabelecida pela constituição ao legislador, de instituir tributo sobre os fatos ou contra as pessoas que indica. Os fatos e as pessoas ficam, assim, excluídos do alcance do legislador infraconstitucional. Ficam imunes ao tributo”  Para Eduardo Marcial Ferreira Jardim[16], a imunidade é: “a não incidência tributaria constitucionalizada”. O que deixa bem claro que a imunidade é intangível e inatingível[17], ou seja, não pode ser retirado senão por uma nova constituição o que se configura que ninguém, nem o STF – Supremo Tribunal Federal poderá modificar ou subtrair tal prerrogativa, as imunidades gozam de sustentáculos constitucionais, não sendo possível uma norma que não seja uma nova constituição retirá-la de quem quer que seja. Cabe salientar que imunidade esta no capítulo das limitações ao poder de tributar, portanto o direito de qualquer ente tributante vislumbrar a possibilidade de tributar, tanto o bem ou pessoa que insta abarcado pela imunidade tributária se coloca em uma posição de inatacabilidade o que se vier ocorrer, deve ser considerado um ato inconstitucional, por força do Art. 150 caput da CF. 9. A ANOMALIA E TREDESTINAÇÃO TRIBUTÁRIA INSTADA PELO STF. Os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram como repercussão geral, o recurso, decidindo pelo afastamento da imunidade tributária para cobrança de imposto municipal, de terreno público, cedido para empresa privada ou de economia mista. Esta tese, que ensejou a decisão do STF foi sugerida pelo ministro Marco Aurélio, que afigura-se como: “Incide o IPTU considerado o imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado devedora do tributo”. No recurso extraordinário, promovido pelo município do Rio de Janeiro, a sustentação fundou-se no fato que não se aplica a imunidade quando o imóvel cedido não tem destinação pública, entendimento este que foi acolhido pela maioria dos ministros, seguindo o voto do ministro Marco Aurélio. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, que era relator do recurso, e Dias Toffoli[18]. Mas uma vez o STF – supremo tribunal Federal, ao invés de se portar como guardião da constituição, que é o seu papel fundamental, cria regras anômalas de confronto com a regra constitucional. Entendendo o STF que a imunidade irá incidir sobre a pessoa que usa o imóvel e não sobre o bem em si. Com esta decisão de repercussão geral o STF muda todo entendimento doutrinário acerca da característica do IPTU como um tributo real e passa a caracterizá-lo como um tributo pessoal. Pois bem, mais uma vez a segurança jurídica foi abalada pelo STF com este julgamento anômalo. Todo entendimento de que o IPTU era um imposto real cai por terra com esse julgamento. Tal julgamento nos leva a entender de que a imunidade é subjetiva e não objetiva inclusive para impostos reais. Outrossim, se uma entidade que possui imunidade locar um imóvel para um particular, este, deverá quebrar a imunidade e passar a pagar IPTU.  Muito bem, e se esse locatário não pagar o IPTU, porque ele não é o contribuinte deste tributo porque não se enquadra nos requisitos instados no Art. 31 do CTN – Código Tributário Nacional, quem figurará no pólo passivo da ação? O ente beneficiário da imunidade Tributária? Isso será uma aberração jurídica e porque não dizer, uma inconstitucionalidade. É sabido de que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é das pessoas que figuram no Art. 31 do CTN, o locatário passa a ter responsabilidade civil, e apenas civil, em relação ao contrato firmado entre as parte, mas nunca face a Fazenda Municipal é o que rege o Art. 123 do CTN. “Art. 123. Salvo disposição de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento do tributo, não podem ser opostas à Fazenda pública, […]”g.n.  Com efeito, em face de quem o fisco iria litigar? Com o sujeito passivo inexistente para seara tributária ou em face do ente imune? É uma verdadeira anomalia jurídica porque ambos não podem figurar no pólo passivo da ação, ambos não são sujeitos passivos, a um porque não possui os requisitos instados no Art. 31 do CTN, a outro porque possui imunidade Tributária constitucional que é intocável e soberana a luz do Art. 150 da CF. Ante o exposto, o STF criou uma anomalia jurídica constitucional pois, com o acórdão, de repercussão geral, o fisco não terá sujeito passivo para executar quando, ocorrer a mora ou inadimplência, do referido imposto pelo locatário, agora entendido como sujeito passivo tributário pelo STF, o que não é, nunca será, por força do Art. 31 do CTN. O STF é entidade julgadora e não legiferante assim reza a função típica desta instituição. É bem por isso que o STF não tem o condão de criar regras, quanto mais regras inconstitucionais e que irão causar uma insegurança jurídica robusta aos entes tributantes, mormente ao fisco municipal, quando decide que, mesmo em imóvel imune, caberá a cobrança de IPTU quando locado a terceiro privado com atividade econômica.  Por derradeiro, a decisão instada pelo STF nos RE 601.720 RE 434.251 traz confusão jurídica e instabilidade para os entes municipais tributantes podendo ocasionar um inadimplemento por omissão de capacidade sujeitiva ativa do fisco em lançar e executar o sujeito passivo incapaz tanto constitucional como tributariamente, para figurar no pólo passivo.
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Da inobservância pelo Tribunal de origem a oportunizar defesa às empresas indicadas da suposta formação de grupo econômico. Decisão contrária aos artigos 5º, XXXIV, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal
O presente artigo visa esclarecer e a enumerar os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que defendem e autoriza no âmbito judicial oportunizar a defesa para as empresas indicadas em suposta formação de grupo econômico, respeitando assim, o contraditório e a ampla defesa.
Direito Tributário
Introdução O estudo esclarece que sob a alegação pela Fazenda Pública dos pressupostos para o reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica executada, bem como, o reconhecimento da formação do alegado grupo econômico, é necessário que todas as empresas sejam citadas, oportunizado o direito da ampla defesa e do contraditório, para que tragam as razões de fato e de direito pela responsabilidade ou não do débito tributário. 1. Da violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, devido processo legal, apreciação da lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário. 1.2 Da inobservância pelo Tribunal de origem a oportunizar defesa às empresas indicadas da suposta formação de grupo econômico. Decisão contrária aos artigos 5º, XXXIV, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal Importante trazer à baila a previsão da Constituição Federal sobre os princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, em que garante a todos cidadãos um devido processo antes da perda dos bens da vida, bem como o acesso ao Judiciário a apreciar lesão ou ameaça a direito, in verbis: “TÍTULO II – DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Art.5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;(…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” Os princípios em voga, não se encontram elucidado somente a partir do texto constitucional, mas também consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 8º, e na Convenção de São José da Costa Rica, promulgada pelo Decreto n° 678/92, artigo 8º, I, conforme segue: “Artigo VIII Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo 8º – Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (…). Artigo 10º Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Partindo da análise de que o princípio do devido processo legal destina-se a reafirmar todas as garantias processuais constitucionalmente previstas, o doutrinador Luiz Fux estabelece as seguintes orientações, a saber: “(…) É imagem estabelecida a de que o processo que não segue o procedimento traçado padece do vício do descompasso com o dogma constitucional do devido processo legal. O princípio do devido processo legal tem como um de seus fundamentos o processo “justo”, que é aquele adequado às necessidades de definição e realização dos direitos lesados. O senso de justiça informa, inclusive o due processo of law na sua dupla conotação, a saber: lei justa e processo judicial justo – substantive due processo of law e judicial process. O devido processo legal está encartado no direito ao processo como direito ao meio de prestação da jurisdição, que varia conforme a natureza da tutela de que se necessita. O direito a jurisdição não é senão o de obter uma justiça efetiva e adequada. Isso basta para que o juiz possa prover diante dessa regra in procedendo maior, ínsita na própria Constituição Federal, a despeito de sua irrepetição na legislação infraconstitucional. Previsão na Carta Maior revela a eminencia desse poder-dever de judicar nos limites do imperioso (…). Complementa dito raciocínio Cassio Scarpinella Bueno[1], in verbis:  (…) o princípio do “devido processo legal” volta-se, basicamente, a indicar as condições mínimas em que o desenvolvimento do processo, isto é, o método de atuação do Estado-juiz para lhe dar com a afirmação de uma situação de ameaça ou lesão a direito deve se dar. (…) trata-se, pois, de conformar o método de manifestação de atuação do Estado-juiz a um padrão de adequação aos valores que a própria Constituição Federal impõe à atuação do Estado e em conformidade com aquilo que, dadas as características do Estado brasileiro, esperam aqueles que se dirigem ao Poder Judiciário obter dele como resposta. É um princípio, destarte, de conformação da atuação do Estado a um especial modelo de agir. O processo deve ser devido porque, em um Estado Democrático de Direito não basta que o Estado atue de qualquer forma, mas deve atuar de uma específica forma, de acordo com as regras preestabelecidas e que assegurem, amplamente, que os interessados na solução da questão levada ao Judiciário exerçam todas as possibilidades de ataque e de defesa que lhe pareça necessárias, isto é, de participação”. De outra banda, o princípio do acesso ao Poder Judiciário, significa que todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativa a um direito. Denota-se que o princípio contempla não só direitos individuais como também os difusos e coletivos e que a Constituição achou por bem tutelar não só a lesão a direito como também a ameaça de lesão, englobando aí a tutela preventiva. Desta feita, nas lições de Cândido Rangel Dinamarco (1998): “A tutela jurisdicional é exercida através da garantia de acesso à justiça e se constitui um dos maiores, senão o maior instrumento para garantir uma ordem jurídica justa e então efetivar o exercício da cidadania plena. O acesso à justiça está intimamente ligado à justiça social. Pode-se até afirmar que é a ponte entre o processo e a justiça social. Ao final e também importante princípio, destacamos as lições de Humberto Theodoro Júnior[2], quanto ao princípio do contraditório e ampla defesa:  (…) embora os princípios processuais possam admitir exceções, o do contraditório é absoluto, e deve sempre ser observado, sob pena de nulidade do processo. A ele se submetem tanto as partes como o próprio juiz, que haverá de respeitá-lo mesmo naquelas hipóteses em que procede a exame e deliberações de ofício acerca de certas questões que envolvem matéria de ordem pública. Entende-se, na moderna concepção do processo assegurado pelo Estado Democrático de Direito, que o contraditório é mais do que a audiência bilateral das partes, é a garantia da participação e influência efetiva das partes sobre a formação do provimento jurisdicional (…)” Ainda sobre o tema, o i. Min. Gilmar Ferreira Mendes[3] assim orienta, in verbis: “(…) A Constituição de 1988 (art. 5º, LV) ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. As dúvidas porventura existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afastadas de plano, sendo inequívoco que essa garantia comtempla, no seu âmbito de proteção, os processos judiciais ou administrativos. Há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica.” Ainda sobre referido princípio convém ressaltar as liçõeos do Ilustre Professor MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES, em Direito Processual Civil Esquematizado, 2ª Edição, Editora Saraiva, página 62: “Do contraditório resultam duas exigências: a de se dar ciência aos réus da existência do processo, e aos litigantes de tudo o que nele se passa; e a de permitir-lhes que se manifestem, que apresentem suas razões, que se oponham à pretensão do adversário. O juiz tem que ouvir aquilo que os participantes do processo têm a dizer, e, para tanto, é preciso dar-lhes oportunidade de se manifestar, e ciência do que se passa, pois que sem tal conhecimento, não terão condições adequadas para se manifestar”. Em consonância aos regramentos e as lições doutrinárias, tem-se que evidente a violação dos dispositivos constitucionais, quando se nega as empresas indicadas pelos suposta formação de grupo econômico para o chamamento da responsabilidade solidária em matéria tributária, a se manifestarem, assim, claramente se verifica a negativa de acesso ao poder judiciário, impedindo as empresas em exercer seu direito constitucional da ampla defesa e contraditório, conforme a seguir delineado: Trazemos á baila entendimento do Ilustríssimo Desembargador Joaquim Barbosa em análise a caso semelhante, quanto a responsabilidade em matéria tributária e o respeito ao contraditório: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE CORRETA CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA POR ERRO DA AUTORIDADE FISCAL. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INEXISTÊNCIA NO CASO CONCRETO. Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc). (…) STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 608426. DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 24/10/2011 – ATA Nº 161/2011. DJE nº 204, divulgado em 21/10/2011.” Importante destacar julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que bem pontuou: “AGRAVO DE IINSTRUMENTO. REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO E DE TERCEIRAS EMPRESAS. INVIABILIDADE. 1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada e de terceiro ente compreende ato que exige ampla e profunda cognição, em procedimento específico a este fim, no qual resguardadas as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, não se revelando razoável em cognição sumária. 2. Estando pendente a tentativa de localização de demais bens da executada aptos à penhora e não concretamente configurados os requisitos necessários ao redirecionamento, descabe o deferimento de tal medida. Nº 2009.04.00.011244-9/SC. Agravante União Federal Fazenda Nacional. Agravado Plasvale Ind. De Plásticos do Vale. Des. Federal Marcelo de Nardi. Decisão disponibilizada em 29/05/2009.” Diante do entendimento jurisprudencial, tratando-se de procedimento judicial objetivando o redirecionamento do feito para sociedade diversa da executada, ao argumento da existência de grupo econômico, e como em qualquer outro da mesma natureza, inclui-se a sua realização na previsão contida no inciso LV do art. 5º da Carta Magna. E isso significa, obviamente, que não pode ser constituído e desenvolvido sem conhecimento e participação da pessoa jurídica que deva, eventual e oportunamente, sofrer os efeitos patrimoniais do redirecionamento da execução fiscal para responder com patrimônio próprio por dívida alheia: inibe-o, por certo, não só o enfático enunciado do colacionado preceito constitucional, como do antecedente inc. LIV, que, regrando a inafastabilidade, em situações que tais, do devido processo legal, exige a paridade de armas entre os litigantes e, por via de consequência, o contraditório ínsito à ampla defesa do agente ao qual imputados o fato ou os fatos objeto da investigação prévia. Desta maneira, quando se verifica que a desconsideração da personalidade jurídica, sob o argumento da existência de formação de grupo econômico fora realizada de forma sumária, não oportunizando a defesa das empresas indicadas pela Fazenda Nacional. Bem como, não evidencia perigo de dano, na asseguração da execução, quando a execução já estava suficientemente garantida, antes mesmo da alegação de formação de grupo econômico e pedido de desconsideração da personalidade jurídica, viola os preceitos constitucionais, disposto no artigo 5º, XXXIV, XXXV, LV e LIV da Constituição Federal. Conclusão Diante do entendimento jurisprudencial, tratando-se de procedimento judicial objetivando o redirecionamento do feito para sociedade diversa da executada, como no caso presente, ao argumento da existência de grupo econômico, e como em qualquer outro da mesma natureza, inclui-se a sua realização na previsão contida no inciso LV do art. 5º da Carta Magna.
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O IPVA e a sua não incidência sobre veículos automotores aquáticos e aéreos
O IPVA foi criado pela EC nº27/1985, que acrescentou o inciso III no art.23 da Constituição de 1967. Desde então, a competência para instituir o imposto sobre propriedade de veículos automotores pertence aos Estados e ao Distrito Federal. Hoje, a competência para sua instituição está asseverada no art. 155, III, da CF/88, com redação dada pela EC nº3/1993. Diante da ausência de norma geral regulamentadora (lei complementar) do IPVA, os estados e o DF legislam de maneira suplementar, nos termos do art. 24, §3º, da CF/88. O legislador à época não delimitou o alcance da expressão “veículo automotor” contida no inciso III do art. 155 da CF/88, o que ensejou discussões acerca da possibilidade, ou não, de incidência do IPVA sobre veículos automotores aquáticos e aéreos. Pretende-se demonstrar na pesquisa que a incidência do IPVA sobre veículos automotores aquáticos e aéreos fere norma constitucional de competência legislativa, bem como as definições trazidas pelas leis 7565/86 e 9537/97.
Direito Tributário
1. introdução A presente pesquisa trabalha com a análise da impossibilidade de incidência do IPVA sobre veículos automotores aquáticos e aéreos, ao considerar, em primeiro lugar, que não se deve enquadra-los no conceito de “veículo automotor” trazido pelo Código de Trânsito Brasileiro, bem como considerar que a União é a única legitimada, pela Constituição Federal de 1988, a exercer competência sobre o direito marítimo e aeronáutico, e por fim, que a União é a única legitimada a criar norma geral regulamentadora (lei complementar) acerca de matéria tributária, conforme preceitua o art.146, III, alínea a. O IPVA é previsto no art. 155, III, da CF/88, o qual outorga competência ao Estados e Distrito Federal para instituir o imposto sobre a propriedade de veículos automotores. O CTN não tratou do IPVA, posto que na época de sua criação inexistia o direito de tributar a propriedade de veículos automotores. Destaca-se que essa situação não impede que o Estados e o DF exerçam sua competência de instituição e cobrança do referido tributo, tendo em vista que o art. 24, §3º, da CF/88 estabelece que na ausência de lei complementar que estabeleça normas gerais, os Estados poderão exercer a competência legislativa plena. Os estados e o DF assim o fizeram, instituindo suas legislações acerca do IPVA.    A redação do inciso III, do art.155 da CF/88 ensejou muitas discussões acerca do conceito de veículos automotores, de um lado aqueles que defendem que tal conceito teria abrangência a todo e qualquer veículo movido a motor de propulsão, incluindo-se, portanto, as embarcações e aeronaves, por outro lado aqueles que defendem que o conceito de veículos automotores é algo restrito a veículos automotores terrestres e que tem influência histórica da TRU (Taxa Rodoviária Única). Ocorre que ao afirmar pela incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves, estaria o legislador rejeitando toda a legislação marítima e aeronáutica, que trazem consigo a definição desses tipos de veículo, bem como a própria CF, que regula a competência exclusiva da União para legislar sobre direito marítimo e aeronáutico. O STF já se manifestou sobre o assunto em três recursos extraordinários (Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro), os quais julgou, de forma acertada, pela não incidência do IPVA sobre veículos automotores aquáticos e aéreos. A presente pesquisa se faz relevante a partir do momento em que, busca-se meio alternativo para dirimir os problemas enfrentados pelos Estados e seus contribuintes, sem que haja enfrentamento das normas Constitucionais, infraconstitucionais, preservando os princípios capacidade contributiva e o da justiça fiscal. 2 ASPECTOS GERAIS DO IPVA Antes de debatermos sobre a não incidência do IPVA (Imposto sobre propriedade de veículos automotores) sobre veículos automotores aquáticos e aéreos, é mister analisarmos os aspectos básicos do imposto em comento. Então, vejamos. Os impostos são classificados em nosso sistema tributário como "impostos reais" e "impostos pessoais", sendo aqueles impostos que consideram de forma isolada a riqueza correspondente ao patrimônio do contribuinte, denominados também como impostos sobre o patrimônio, e estes últimos são os impostos que consideram características e condições inerentes ao contribuinte, fazendo com que essas considerações estabeleçam diferenças tributárias. Nesse sentido, Martins (2015, p. 89-90) exemplifica desta maneira: “[…] a) reais, quando recaem sobre a coisa, como imposto sobre a propriedade, independentemente de quem é o dono da coisa. O IPTU recai sobre a propriedade urbana. O IPVA incide sobre a propriedade de veículos automotores. Não são levadas em consideração condições pessoais ou a totalidade da renda da pessoa; b) pessoais, quando incidem sobre as pessoas, como o imposto de renda, que incide sobre a renda da pessoa.” Desta forma, o IPVA é classificado como um imposto real, recaindo, portanto, sobre a propriedade de veículos automotores, independente de quem os possua. O IPVA fora criado pela EC nº27/1985, que acrescentou o inciso III no art.23 da Constituição de 1967. Desde então a competência para instituir o imposto sobre propriedade de veículos automotores pertence aos Estados e ao Distrito Federal. Hoje, a competência para sua instituição está asseverada no art. 155, III, da CF/88, com redação dada pela EC nº3/1993. Assim como os outros tributos, o IPVA submete-se também as limitações ao poder de tributar estabelecidas no art. 150 da Constituição Federal de 1988, quais sejam a legalidade (inciso I), isonomia (inciso II), a anterioridade (inciso III, alíneas b e c), a irretroatividade (inciso III, alínea a), a vedação ao confisco (inciso IV) e as imunidades (inciso VI). 2.1 FATO GERADOR E CONTRIBUINTE O contribuinte do IPVA é o proprietário do veículo automotor, e define-se o fato gerador do IPVA como sendo a propriedade de veículo automotor. Considerar-se-á ocorrido o fato gerador do IPVA no 1º dia de janeiro de cada ano para os veículos usados, e para os veículos novos na data de sua aquisição. 2.2 BASE DE CÁLCULO E ALÍQUOTA A base de cálculo do imposto em estudo é o valor venal do veículo automotor. Esse valor venal é divulgado pelo Poder Executivo de cada Estado e do Distrito Federal, anualmente, e leva-se em consideração vários aspectos como o ano de fabricação do veículo, marca, modelo e etc. . As legislações estaduais e do DF que tratam do IPVA estabelecerão quais os aspectos deverão ser considerados. As alíquotas do IPVA variam em todos os estados. Infelizmente, a falta de norma geral regulamentadora enseja a variação de alíquotas em todo país, gerando a tão combatida "guerra fiscal", assunto que será tratado oportunamente. Sendo assim, não existe no Brasil a uniformização da alíquota do IPVA. Os estados estabelecem alíquotas diferenciadas de acordo com o tipo de veículo, de acordo com a utilização do veículo, de acordo com o tipo de combustível utilizado entre outros diversos aspectos. As legislações estatuais que regulam o IPVA também trataram das isenções quanto a esse imposto da maneira que as convêm.  A Lei nº 14.937/03 regula o IPVA no estado de Minas Gerais, estabelecendo 8 tipos de alíquotas, que variam de acordo com o tipo de veículo e sua utilização. Vejamos quais são as alíquotas estabelecidas pela referida lei estadual: “Art. 10. As alíquotas do IPVA são de: I – 4% (quatro por cento) para automóvel, veículo de uso misto, veículo utilitário e outros não especificados neste artigo; II – 3% (três por cento) para caminhonete de carga picape e furgão; III – 1% (um por cento) para veículos destinados a locação, de propriedade de pessoa jurídica que preencha pelo menos um dos seguintes requisitos: a) exerça atividade exclusiva de locação devidamente comprovada nos termos da legislação tributária; b) aufira receita bruta com a atividade de locação de veículos que represente, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de sua receita bruta total, mediante regime especial de tributação concedido pela Secretaria de Estado de Fazenda, na forma, nos prazos e nas demais condições estabelecidas em regulamento; c) utilize no mínimo 2.000 (dois mil) veículos registrados no Estado destinados exclusivamente a locação, mediante regime especial de tributação concedido pela Secretaria de Estado de Fazenda, na forma, nos prazos e nas demais condições estabelecidas em regulamento; IV – 1% (um por cento) para ônibus, micro-ônibus, caminhão, caminhão-trator e aeronave; V – 2% (dois por cento) para motocicleta, motoneta, triciclo, quadriciclo e ciclomotor; VI – 3% (três por cento) para embarcação; VII – 2% (dois por cento) para automóvel, veículo de uso misto e veículo utilitário que possuam autorização para transporte público rodoviário de passageiros comprovada mediante registro no órgão de trânsito na categoria "aluguel"; VIII – (vetado). IX – 0,5% (zero vírgula cinco por cento) para caminhões destinados a locação, de propriedade de pessoa jurídica que utilize no mínimo quinhentos veículos registrados no Estado destinados exclusivamente a locação, mediante regime especial de tributação concedido pela Secretaria de Estado de Fazenda, na forma, nos prazos e nas demais condições estabelecidas em regulamento”. (MINAS GERAIS, 2003, p. 7-8, grifo nosso) Para comparação entre as legislações estatuais que regulam o IPVA, tem-se a Lei nº 6.999/01 que regula o IPVA no estado do Espirito Santo, estabelecendo, por sua vez, apenas 2 tipos de alíquotas, que variam, assim como a legislação de Minas Gerais, de acordo com o tipo e utilização do veículo. Senão, vejamos: “Art. 12. As alíquotas do Imposto são: I – 2% (dois por cento), para carros de passeio, de esporte e de corrida, camioneta de uso misto ou utilitário, aeronaves e embarcações; II – 01% (um por cento) para: a) veículos de carga, ônibus, caminhões, motocicletas, ciclomotores e outros veículos; e b) veículos utilizados com a finalidade específica de locação, de propriedade de empresas prestadoras de serviços, cujo objetivo social seja a locação de veículos automotores. § 1.º Para os efeitos do inciso II, a, entende-se por caminhão o veículo rodoviário com capacidade de carga igual ou superior a 3.500 kg (três mil e quinhentos quilogramas). § 2.ºO disposto no inciso II, b, fica limitada ao período em que o veículo for efetivamente utilizado com a finalidade específica de locação, devendo o seu proprietário efetuar o recolhimento, proporcional, do imposto regularmente incidente sobre o mesmo, caso seja cessada a sua utilização com a finalidade que deu ensejo à redução da alíquota”. (ESPIRITO SANTO, 2001, p. 4, grifo nosso) Como pode-se notar, a diferenciação das alíquotas entre os estados é exorbitante e principal aspecto para perpetuar a guerra fiscal entre eles. 2.3 LANÇAMENTO Existem 3 modalidades de lançamentos estabelecidos pelo CTN em seus artigos 147 a 150, sendo eles o lançamento por homologação, por declaração ou de oficio. Existe também o autolançamento pevisto no art.148 do CTN , porém este ocorrerá de forma excepcional e subsidiária. Portanto, tal lançamento será utilizado somente quando dá impossibilidade de apuração da base de cálculo real do montante devido. Nesse sentido, PAULSEN (2015, p. 224-225) frisa “que o lançamento por arbitramento não constitui sanção, mas método substitutivo para a apuração do montante devido, não podendo basear-se em elementos destoantes da realidade, ficando, sempre, sujeito à impugnação por parte do contribuinte”. Em se tratando de IPVA a modalidade de lançamento utilizada é a de oficio, sendo assim a autoridade fiscal quando verificar a ocorrência do fato gerador, o objeto a ser tributado e identificar o contribuinte, calculará o valor a ser pago de tributo e, logo em seguida, emitirá a guia de pagamento ao contribuinte. 2.4 A INEXISTÊNCIA DE NORMA GERAL REGULAMENTADORA. Muito já se debateu sobre a criação de norma geral regulamentadora do IPVA no Brasil, e o fato é que a sua inexistência é ponto chave para a insatisfação do contribuinte desse imposto, bem como para a perpetuação da guerra fiscal entre os estados. Embora a Constituição Federal estabeleça em seu artigo 146, III, alínea a, que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na CF/88, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, o legislador ainda não se preocupou em criar a respectiva norma para o IPVA restando, assim, aos Estados e ao DF exercerem a competência suplementar prevista no art.24, §2º da CF/88, vejamos: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I– direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico […} § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”. (BRASIL, 2016, p. 60-70) De fato, os estados e o DF exercem tal competência, mas de modo que o seu exercício tem trazido diversas controvérsias aos tribunais, que por sinal já duram alguns anos, entre elas, se não as mais relevantes, estão o debate acerca da definição e conceituação do que é veículo automotor, sendo este o aspecto que compõe o fato gerador do IPVA, bem como a diversidade de leis estaduais e suas respectivas alíquotas como ensejadoras da chamada guerra fiscal entre os estados e o DF. Além disso, a falta da dita norma gera dúvidas, também, quanto a definição exata do que são “veículos automotores”, ou seja, quando o legislador utilizou a referida expressão ele estaria restringindo o genêro apenas à espécie de veículos terrestres, ou estaria ele abrangendo toda e qualquer especie de veículo automotor. Questões como estas há anos vem sendo debatidas nos tribunais. Veremos no subitem abaixo. 2.4.1 A definição de veículo automotor Como fora explicado anteriormente, a falta de norma geral regulamentadora levou aos tribunais, chegando ao STF pela primeira vez em 2002, discussões acerca do conceito de veículo automotor e quais os veículos automotores se encaixariam no fato gerador do IPVA. As demandas sobre esse assunto, propostas pelos estados do Amazonas, São Paulo e Rio de Janeiro, pleiteavam junto aos STF à época a incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos, porém não lograram êxito em seus recursos extraordinários. A indefinição do que vem a ser veículo automotor, legitima a arbitrariedade dos Estados, que nada mais querem do que arrecadar, vem gerando insegurança jurídica entre os contribuintes. Aos que comungam da ideia de que o IPVA deve incidir sobre as embarcações e as aeronaves, Harada (2010) afirma que “o fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor de qualquer espécie. Veículo automotor significa veículo autopropulsionado, ou seja, aquele que se locomove com seus próprios meios, o que envolve as aeronaves e as embarcações marítimas, além dos veículos terrestres”. Nesse mesmo sentido o anexo I do Código de Trânsito Brasileiro define veículo automotor da seguinte forma: “Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas". Ocorre que considerar tais definições, abrangendo os veículos automotores aquáticos e aéreos seria, de forma inegável, rejeitar toda a legislação aeronáutica e marítima (Lei 7565/86 e Lei 9537/97, respectivamente), as quais trazem a definição do que são aeronaves e embarcações. Vejamos a definição trazida pelo legislador no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7565/86): “Art. 106. Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.” (BRASIL, 2016) Da mesma forma, se preocupou o legislador em trazer a definição de embarcações, para que não ocorresse nenhuma controvérsia no que diz respeito a essa conceituação. Vejamos, portanto, a Lei 9537/97 que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional: “Art. 2° Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições: […] V – Embarcação – qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas”. (BRASIL, 2016) Sendo assim, podemos notar que os veículos automotores aquáticos e aéreos não podem se enquadrar no critério material estabelecido pela Constituição Federal, pois esta não foi abrangente o suficiente para inclui-los. Assim como o conceito de veículo automotor trazido pelo CTB, também não abrange, em hipote aguma, as embarcações e aeronaves, não havendo que se falar em incidência do IPVA. Uma vez que o Código de Trânsito Brasileiro em seu art.1º diz claramente que sua função é reger o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, assim como o anexo I do CTB, onde consta o conceito de “veículo automotor”, trata apenas de conceitos e definições que terão efeitos para este código. Além disso, sobre o aspecto conceitual, pode-se compreender que os três conceitos trazidos acima sobre “veículo automotor”, “embarcações” e “aeronaves”, não são passiveis de comunicação uns com os outros. São conceitos essencialmente distintos, portanto não aceitam analogias. Nesse sentido Mazzoni (2005) conclui que “devido à sofisticação e peculiaridades das aeronaves e das embarcações, não permitem que estas sejam enquadradas no conceito de veículo automotor, tanto é que na linguagem popular, quando na técnica (onde se incluem os textos normativos), a expressão veículo automotor jamais é utilizada para designar as aeronaves e as embarcações. Portanto, aeronave, embarcação e veículo automotor são gêneros diferentes de meios de locomoção, sendo que o legislador constitucional ao prever o IPVA, restringiu apenas aos veículos automotores terrestres. ”  Mas, ainda que superados os argumentos supra, e num esforço conceitual se aceite a inclusão, o problema maior recairá, sem dúvida, na impossibilidade absoluta de o legislador estadual se inserir na competência privativa da União, conforme o art. 22, I, CF/88, o que restara melhor explicado adiante. 2.4.2 A guerra fiscal  A autonomia que os estados e o DF obtiveram diante da ausência de norma geral regulamentadora do IPVA desencadeou uma interminável guerra fiscal entre estados, tendo como aspecto a disputa pela arrecadação do referido imposto. Mesmo a Constituição Federal tendo previsto que a competência para instituir o IPVA é dos estados e do DF, permaneceu-se na dúvida quanto a qual estado deveria ser competente para a arrecadação do imposto, se era o estado de domicilio e residência do proprietário de veículo ou se no estado que o veículo foi licenciado e registrado. Tal dúvida só poderá ser sanada quando o legislador regulamentar a situação mediante lei complementar, o que ainda não o fez. Diante da falta de norma regulamentadora e da autonomia que o próprio texto constitucional auferiu aos Estados e ao DF, estes travaram entre si uma batalha de alíquotas. A diferença exorbitante de alíquotas faz com que os contribuintes do IPVA optem por registrar seus veículos nos estados cuja alíquota esteja menor, afim de pagar menos imposto, gerando assim uma defasagem na arrecadação do estado e por consequência no município que o contribuinte verdadeiramente reside, tendo em vista que, como determina a CF/88 em seu art. 158, III, os municípios recebem 50% do valor arrecadado de IPVA pelo seu respectivo estado. O Código de Trânsito Brasileiro estabelece que o registro do veículo, a fim de que seja cobrado e arrecadado o IPVA, deve acontecer no município de domicílio ou residência do proprietário do veículo. Vejamos: “Art. 120. Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”. (BRASIL, 2016, grifo nosso) O que ocorre é que o CTB é norma criada por meio de lei ordinária, não podendo, portanto, dispor sobre matéria que venha a ter efeitos na esfera tributária, sendo assim tal controvérsia só poderá ser sanada por meio de lei complementar, como determina a Constituição Federal em seu artigo 146, III, alínea a, portanto, enquanto a norma geral não for criada, a guerra fiscal entre os entes federativos permanecerá. 3 PRECEDENTES DO STF SOBRE A NÃO INCIDÊNCIA DO IPVA SOBRE VEÍCULOS AUTOMOTORES AQUÁTICOS E AÉREOS. Pela primeira vez, em 1986, o STF teve que se posicionar acerca da incidência do IPVA sobre veículos automotores aéreos e aquáticos. Tratava-se da RP (Representação) nº 1.344-8, a qual tinha sido feita perante o STF pelo então Procurador-Geral da República Sepúlveda Pertence, que alguns anos depois assumiria cargo de Ministro do STF, tendo como representados os estados do Rio de Janeiro e Espirito Santo. A representação tinha como finalidade declarar a inconstitucionalidade do decreto promulgado pelo Rio de Janeiro, bem como de ato normativo do Espirito Santo, que previam a cobrança de IPVA sobre veículos automotores aéreos e aquático. Ocorre que tal representação restou prejudicada, tendo em vista que esta fora oferecida com base na CF de 1967 e o julgamento da mesma deu-se em 20 de outubro de 1988, quando já estava em vigor a Constituição Federal de 1988. Entretanto, na vigência da CF de 1988 , foram interpostos três recursos extraordinários perante o STF, os quais veremos a seguir. 3.1 JULGAMENTO DO RE 379.572/RJ. Em síntese, o recurso extraordinário interposto contra o estado do Rio de Janeiro, tinha como objetivo declarar a inconstitucionalidade do art.5º, II, da lei estadual 948/85, bem como o art.1º, parágrafo único, do decreto nº 9146/86, os quais determinavam a incidência do IPVA sobre veículos automotores aquático e aéreos. O julgamento do respectivo RE deu-se em 11 de abril de 2007, o qual foi reconhecido por unanimidade e provido por maioria dos votos pelo STF, tendo naquela sessão o Ministro Gilmar Mendes como relator. Como fora dito na pesquisa, o conceito de veículo automotor não poderá ser definido pelo Código de Trânsito Brasileiro, bem como caso o legislador tivesse verdadeira intenção de tributar por meio do IPVA os veículos automotores aquático e aéreos assim teria feito de forma expressa no inciso III do art.155, CF/88. Asseverando tal afirmação, o Ministro Cezar Peluso abordou esse aspecto em seu voto da seguinte maneira: “A definição do alcance da expressão "veículos automotores", que deve ser tomada em sua acepção técnica, abrange exclusivamente os veículos de transporte viário ou terrestre; escapam de seu alcance, pois, as aeronaves ("aparelho manobrável de voo, apto a sustentar e circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas e capaz de transportar pessoas e coisas", de acordo com a legislação aeronáutica) e embarcações. Se houvesse pretendido abranger constituinte teria sido específica”. (RE 379.572/RJ, 2007, p.11) Muito bem destacado pelo Ministro Cezar Peluso, bem como por todos aqueles que acompanharam o voto do Ministro relator Gilmar Mendes, foi o aspecto histórico da criação do IPVA, o qual corrobora a não incidência do respectivo imposto sobre embarcações e aeronaves, bem como quanto ao tipo e as divergências entre os registros de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos. “O IPVA foi criado em substituição à Taxa (T.R.U.), como demonstram os trabalhos preparatórios e justificações do Congresso Nacional. Sua instituição oi motivada por razões de "distribuição mais equitativa do produto da arrecadação do novo imposto, em benefício dos Estados e Municípios", e não visou elastecer o âmbito material de incidência pertinente ao tributo substituido, para alancaçar novas áreas reveladoras de capacidade contributiva. […] outras normas constitucionais corroboram o entendimento segundo o qual veículos automotores são apenas os terrestres, como é oo caso do artigo 23, § 13, da Constituição Federal, acrescentado pela EC nº 27/85, que destina cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto para o Município onde estiver licenciado o veículo. Só faz sentido falar-seem “Município onde estiver licenciado o veículo” se estiver em jogo a propriedade de veículos terrestres, únicos que, “em face da legislação e pela ondem natural das coisas, estão sujeitos a licenciamento nos municípios de domicílio ou residência dos respectivos proproetários”, nos termos do Código Nacional de Trânsito. […] em contraste, as embarcações estão sujeitas a registro no Tributal Marítimo (ou nas Capitanias dos Portos, para embarcações com menos de vinte toneladas), cujo efeito é o de conferir validade, segurança e publicidade de sua propriedade. As aeronaves, por sua vez, sujeitam-se ao Registro Aeronautico Brasileiro, do Ministério da Aeronáutica. Como observou o Ministro Francisco Rezek, em voto-vista proferido na ocasião, “navios e aeronaves não se vinculam, por nenhum ato registral, à célula que é o município. Sequer aos Estados, visto que existem capitanias de portos que abrangem mais de uma unidade federada. E o registro aeronáutico é único – aí não se trata apenas de escapar às municipalidades, mas também a qualquer vínculo estadual”. Segue-se, daí, a impossibilidade de licenciamento de aeronaves e embarcações em cada um dos milhares de municípios brasileiros.” (RE 379.572/RJ, 2007, p.11-12) 3.2 JULGAMENTO DO RE 134.509/AM. De todos os recursos extraordinários propostos no STF com essa matéria, o RE do Estado do Amazonas talvez tenha sido o que obteve as mais acaloradas discussões, tendo em vista a argumentação brilhante trazida pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, que defendia de forma veemente a não incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves. Frisa-se de plano, que o RE/AM reconheceu a inconstitucionalidade do Decreto Estadual nº 10.816/87, que cobrava IPVA de embarcações e aeronaves.  Neste julgamento destacou-se a origem do IPVA e a influência total da TRU (Taxa Rodoviária Única) sobre a sua criação, bem como a conceituação da expressão “veículo automotor”. Utilizando a argumentação trazida pelo Procurador da República Moacir Antônio Machado da Silva em seu parecer sobre a incostitucionalidade da cobrança de IPVA sobre embarcações e aeronaves, o então Ministro Sepúlveda Pertence ressaltou: “[…] é certo que os preceitos em causa da Emenda Constitucional nº27, de 1985, tiveram a finalidade de alterar a sistemática de distribuição dos recursos entre as entidades políticas, através da criação de um novo imposto estadual, em substituição à Taxa Rodoviária Única, para permitir a sua divisão, meio a meio, entre os Estados e Municípios (cf. Justificação ao Substitutivo às Propostas de Emenda à Constituição nºs 57, 58, 59, 60 e 61, de 1985, Diário do Congresso Nacional nº 140, de 24/10/85, p.2088). Ao instituir a nova especie tributária, não pretendeu o legislador constituinte elastecer o âmbito material de incidência pertinente ao tributo substituído, para alcançar novas áreas reveladora de capacidade contributiva, mas sim o de propiciar distribuição mais equitativa do produto da arrecadação do novo imposto, em benefício dos Estados e Municípios.” (RE 134509-8/AM, 2002, p. 32) De fato, os trabalhos preparatórios para a criação do IPVA, revelam de forma clara e concisa que o legislador pretendeu transformar a TRU no referido imposto, tendo assim o IPVA a mesma área de incidência da taxa rodoviária única. Nota-se isso, de forma inequívoca, na justificativa da PEC 27/85, vejamos: “[…] com relação ao art.2º, o que se pretende é a criação de um imposto para substituir a Taxa Rodoviária única. […] sem dúvida alguma, esse é um acréscimo fundamental e de grande significação nas receitas dos grandes e médios Municípios brasileiros, já que a Taxa Rodoviária Única tem os seus fatos geradores, na sua imensa maioria, ocorrendo nos grandes e médios Municípios”. (DCN nº 140, 1985, p. 2088)  O voto-vista do Min. Sepúlveda concluiu que as divergências no âmbito registral dos veículos automotores aéreos, aquáticos e terrestres são inuméras, levando a total impossibilidade de qualquer tipo de licenciamento das aeronaves e embarcações nos municípios brasileiro. Esse campo material da incidência do imposto sobre propriedade de veículos automotores resulta ainda de outras normas constitucionais, a começar pela contida no § 13 do mesmo art.23 da Constituição Federal, também acrescentada pela Emenda nº 27, de 1985, que, tratando da destinação do produto da arrecadação do imposto, dispõe que cinquenta por cento constituirá receita do Município onde estiver licenciado o veículo. Essa locução adverbial de lugar somente pode ser referida aos veículos automotores em circulação nas vias terrestres, porque estes, em face da legislação e pela ordem natural das coisas, estão sujeitos a licenciamento nos municípios de domicílio ou residência dos respectivos proprietários. […] Já as aeronaves e embarcações devem ser registradas no Registro Aeronáutico Brasileiro e no Tribunal Marítimo, respectivamente, nos termos da legislação relativa. (RE 134509-8/AM, 2002, p. 35-36) 3.3 JULGAMENTO DO RE 255.111/SP O julgamento do recurso extraordinário do Estado de São Paulo ocorreu no mesmo dia e ano,29/05/2002, do RE do Estado do Amazonas. O RE 255.111/SP, foi interposto com o propósito de declarar a inconstitucionalidade do art. 34, § 3º, da Lei Estadual 6.606/89, que assim como os estados do Amazonas e do Rio de Janeiro, reconhecia e autorizava a cobrança do IPVA sobre embarcações e aeronaves. O Ministro Marco Aurélio, então relator neste julgamento, foi voto vencido, tendo sido declarada a inconstitucionalidade do referido artigo da Lei Estadual de São Paulo que regulava o IPVA. O Min. Sepúlveda Pertence, na ocasião, reportou-se ao voto que já havia instantes antes proferido no recurso extraordinário do Estado do Amazonas. 4 AS PEC's 140/12 E 283/13.  Buscando solucionar tal embate entre os tribunais e os estados, dois deputados federais apresentaram proposta de emenda à constituição, as quais veremos a seguir. A PEC 140/12, foi apresentada em 06/03/2012 pelo Dep.Federal Assis Carvalho, tendo como proposta alterar o inciso III do art. 155 da Constituição Federal para determinar que seja o imposto incidente sobre veículos automotores terrestres, aéreos e aquáticos. A justificativa apresentada para embasar a proposta de emenda à constituição nº 140, foi de que os Estados necessitam de uma capitação maior de recursos para que possam atingir os objetivos fundamentais descritos na CF/88, bem como para realizar as atividades delegadas em normas infraconstitucionais. A PEC 283/13 encontra-se apensada a PEC acima mencionada, porém esta vai além da alteração da redação do inciso III do art. 155 da CF/88, ela também propõe a inclusão do inciso III ao §6º do art.155 da carta magna. A inclusão deste inciso no § 6º do referido artigo, traria imunidade (não incidência constitucionalmente qualificada) de IPVA aos veículos aquáticos e aéreos de uso comercial, destinados à pesca e ao transporte de passageiros e de cargas. A justificativa apresentada pelo Deputado Federal Vicente Candido, autor da PEC em comento, é de que o conceito de veículo automotor deve ser aquele inserido no Código de Trânsito Brasileiro, questão já debatida nos capítulos anteriores, bem como o grande contingente de aeronaves que sobrevoam nosso país. 4.1 O CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE UNIÃO E ESTADOS E A NÃO INFRINGÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA JUSTIÇA FISCAL Reafirmando o já mencionado, não pode o legislador descumprir normas constitucionais de competência legislativa para preservar princípios básicos do direito tributário, não que estes sejam menos importantes que aqueles.  Àqueles que defendem que a não incidência do IPVA sobre veículos automotores aquático e aéreos fere o princípio constitucional da capacidade contributiva, previsto no art.145, §1º, CF/88, e da justiça fiscal, aqui teremos novamente que discordar. Não há o que se falar em infringência dos princípios supra, tendo em vista que a propriedade desses veículos é tributada pelo Tribunal Marítimo, pela ANAC e pela Capitania dos Portos. Diante das peculiaridades legislativas aprensentadas pelas embarcações e aeronaves, estas necessitam de tributação diversa ao IPVA cobrado pelos estados sobre os veículos automotores terrestres. É normal que as embarcações e aenoraves sofram tributação diversa a dos demais veículos.  Vejamos que a competência para legislar sobre matéria de direito aeronáutico e marítimo, pertence de forma privativa a União, como prevê o art.22, I, da CF/88. Desta forma a União criou (Lei nº 11.182/2005) e delegou as funções de normatizar e fiscalizar a aviação civil brasileira à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que é uma agência reguladora. Entre as suas atribuições, compete a ANAC o RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro), assim as aeronaves são registradas pela agência reguladora, fiscalizadas e pagam seguro obrigatório a ela. Em caso de compra e venda de aeronaves, toda a tramitação da alienação ocorre perante a ANAC também. Já para as embarcações, foi criado pelo Decreto nº 20.829/1931 o Tribunal Marítimo, tendo esta atuação em todo o território nacional. Entre suas diversas atribuições está a do RPM (Registro da Propriedade Marítima) e de todos os demais ônus que incidem sobre as embarcações nacionais. Ainda para o proprietário de uma embarcação, deverá ser registrada na Capitania dos Portos em cuja jurisdição for domiciliado o proprietário ou onde for operar a embarcação, é o que prevê o art. 3º, da Lei 7652/88. A referida lei tem como finalidade regular o registro da propriedade marítima, dos direitos reais e demais ônus sobre embarcações e o registro de armador. Regula ainda em seu art.4º que “a aquisição da propriedade de uma embarcação pode ser feita por qualquer meio permitido pelo direito, porém ela só irá ser consolidada após registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos”. Tecido breves comentários acerca do registro e fiscalização das embarcações e aeronaves, nota-se total impossibilidade de qualquer registro desses veículos perante os Estados, quisá pelos Municípios. O desejo incansável dos Estados pela incidência do IPVA sobre os veículos automotores aquáticos e aéreos é no mínimo inviável, uma vez que estes veículos possuem legislação própria e os órgãos que os regulam foram criados pela União, único ente federativo competente para legislar sobre o assunto (art. 22, I, CF/88), a qual delegou aos repectivos órgãos as funções de fiscalizar e regular o funcionamento maritimo e aeronáutico. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se demonstrou no decorrer da exposição, o maior problema enfrentado por esta pesquisa, reside na omissão legislativa quanto a criação de normas gerais para regular o IPVA, o que por si só já traz inúmeras consequências negativas, como foram estudadas ao longo da pesquisa. O legislador constituinte foi pouco esclarecedor ao criar o fato gerador do IPVA e acabou abrindo ampla possibilidade de interpretação, o que, especificamente em relação a aeronaves e embarcações, deu margem à cobrança do tributo em vários Estados. Tendo em vista esse aspecto, uma das consequências ensejadoras de tamanha discussão, reside na conceituação de “veículo automotor”, que durante o estudo de toda legislação infraconstitucional pertinente e os julgados do STF, nos resta esclarecido que tal conceito é trazido de forma diversa para embarcações, aeronaves e veículos terrestres, permitindo assim que não seja aceito, de forma única, o conceito trazido pelo CTB. Derivado do problema da conceituação, surge o desejo desenfreado dos Estados-Membros em tributar veículos automotores aquáticos e aéreos, sob a argumentação de que a não incidência do IPVA sobre esses veículos fere o princípio da capacidade contributiva e da justiça fiscal. Tal desejo não prospera, em primeiro lugar a Constituição Federal, em seu art.22, I, de forma clara, atribui privativamente à União a criação de normas aeronáuticas e marítimas, o que, já é devidamente regulamentado. Além disso, o arcabouço jurídico infraconstitucional inviabiliza a logística de tal tributação por parte dos Estados, e para isso, basta a constatação do terrível défict humano fiscal, para perceber que a fiscalização pelos Estados e os mais de 500 municípios Brasil seria impossível. Quanto a ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da justiça fiscal, o que restou demonstrado é que ambos permanecem íntegros, na medida em que, por serem embarcações e aeronaves bens de alto valor, e que dependem de outra infraestrutura e logística, é natural que ambos sofram outras formas de tributação, o que tende a trazer equilíbrio, além de uma distribuição de receita mais simples.  Por fim, o mais conveniente depois de enfrentados todos os questionamentos, seria a criação da norma geral regulamentadora, onde seriam estabelecidos todos os critérios de cobrança do IPVA, bem como suas alíquotas e definindo, por fim, que “veículo automotor” são apenas os veículos automotores terrestes. Porém, sabemos da morosidade legislativa para criar a referida lei, portanto, seria viável, no presente momento, a apresentação de uma proposta de emenda à constituição, com o objetivo pontual de alterar o inciso III do art. 155, da CF/88, para que nele conste que o fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor terrestre.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-ipva-e-a-sua-nao-incidencia-sobre-veiculos-automotores-aquaticos-e-aereos/
Federalismo municipal e o desafio da gestão tributária eficiente
O presente estudo se propôs a analisar alternativas para que se alcance a eficiência na gestão tributária municipal. Isso porque, o federalismo brasileiro foi um dos pioneiros ao elevar o Município à condição de ente federal autônomo, dotado de capacidade de auto-organização, autoadministração e autogoverno. Para tanto, a própria Constituição Federal de 1988 atribui aos Municípios a competência tributária para instituir e arrecadar determinados tributos, de forma a possibilitar que estes entes exerçam tal atribuição constitucional. Todavia, mesmo contando com fontes de receitas diversas, nem sempre os gestores municipais conseguem alcançar a eficiência na gestão dos seus recursos tributários.
Direito Tributário
1. Introdução A organização político-administrativa brasileira possui na Forma de Estado Federal a sua referência, tendo como uma de suas características a descentralização do poder, o qual se encontra distribuído entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de forma a não haver hierarquia ou subordinação entre estes, mas sim autodeterminação de cada um. No intuito de assegurar essa autonomia, a CF88 reparte competências e atribuições a cada um dos entes federativos, tanto de forma vertical, ou seja, quando há uma relação de hierarquia entre essas competências, quanto de forma horizontal, ou seja, no mesmo plano hierárquico, destinadas a manter o equilíbrio da federação. Na lição do Ministro Gilmar Mendes: “Na repartição horizontal não se admite concorrência de competências entre os entes federados. Esse modelo apresenta três soluções possíveis para o desafio da distribuição de poderes entre as órbitas do Estado Federal. Uma delas efetua a enumeração exaustiva da competência de cada esfera da Federação; outra, discrimina a competência da União deixando aos Estados-membros os poderes reservados (ou não enumerados); a última, discrimina os poderes dos Estados-membros, deixando o que restar para a União. Na repartição vertical, realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a União e os Estados-membros. Essa técnica, no que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades locais. A técnica da legislação concorrente estabelece um verdadeiro condomínio legislativo entre União e Estados- Membros”. (MENDES, Gilmar Ferreira, 2015, pg.816) Esse modelo federalista centrífugo brasileiro[1] destaca-se por conceder ao Município o título de ente federativo, igualando-o aos demais e garantindo-lhe autonomia financeira, administrativa e política para sua própria gestão interna, inclusive elencando no próprio texto constitucional as competências e atribuições municipais. Não obstante esse status ao qual o Município foi elevado, as suas receitas próprias e derivadas não foram suficientes para garantir uma gestão pública eficiente, tampouco seus recursos tributários, que muitas das vezes sequer são regulamentados em âmbito municipal e, quando o são, padecem de uma Assim, o presente tem por escopo analisar o modelo federalista brasileiro e a autonomia dada aos Municípios (capítulo 2) e, consequentemente, as competências constitucionais atribuídas ao ente municipal para concretizar essa autonomia (capítulo 3), inclusive na instituição dos seus tributos, e de que forma essa autonomia influencia na gestão pública municipal (capítulo 4), tudo para alcançar a eficiência na gestão tributária municipal (capítulo 5). 2. O modelo brasileiro de federalismo e a autonomia dos Municípios A Constituição da República de 1988 inicia sua exposição logo em seu artigo 1º, caput, intitulando a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, formado pela união indissolúvel dos Estados, Município e Distrito Federal. Coligado a estas características está o art. 18 do mesmo Diploma, o qual estabelece que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos entre si, nos termos desta Constituição”. Uma federação se caracteriza principalmente pela aliança entre os seus entes integrantes e pela descentralização de poder entre os mesmos, visto que a soberania será cedida por eles, mas preservada estará a autonomia de cada um. Não menos importante é a Constituição Federal, documento que unifica e norteia todo o ordenamento jurídico do Estado Federal, o qual determina a repartição de competência entre os entes federados e a inexistência do direito de secessão entre eles. Neste diapasão, nos dizeres do doutrinador Paulo Gustavo Gonet: “É correto afirmar que o Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado), em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, sem dispor do direito de secessão”.(BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2015, pg. 819) Desta feita, imprescindível se faz uma análise mais detida do federalismo brasileiro e da sua influência na formação da autonomia municipal. 2.1. O federalismo brasileiro O federalismo brasileiro teve sua primeira menção no Decreto nº. 1/1889, vindo a consolidar-se com a Constituição de 1891, forma esta mantida em todas as Constituições subsequentes. O Estado federal brasileiro possui como princípios basilares a autonomia, a participação política e a indissolubilidade do pacto federativo entre seus entes. Isso porque, conforme exposto por Geraldo Ataliba, “exsurge a Federação como a associação de Estados (foedus, foederis) para a formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida de atributos da soberania entre eles”. Assim, a CF88 foi promulgada criando o Estado Federal e suas partes integrantes indissociáveis: a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, os quais possuem autonomia constitucional, com previsão excepcional de intervenção federal entre os mesmos para a garantia do equilíbrio federativa e dessa indivisibilidade.  Ademais, a Carta Magna prevê competências e atribuições devidamente distribuídas entre os federados, sendo necessário, inclusive, que cada um deles possua sua esfera de competência tributária, a fim de garantir-lhes receita própria para sua autoadministração. Ainda, há que se destacar a possibilidade de criação de novo Estado-membro ou de modificação territorial daquele já existente, a depender da aquiescência da população do Estado federado, além da existência do órgão de cúpula do Poder Judiciário para proteger a Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988 ainda eleva o Federalismo à cláusula pétrea expressa, devidamente exposta no seu art. 60, §4º, I da CF88, a qual impossibilita qualquer proposta de emenda tendente a aboli-la. No mesmo sentido, mister apontar o poder de ingerência dos Estados-membros na formação da vontade legislativa federal. Dentre as várias características da Federação brasileira, as quais poderiam ser enumeradas exaustivamente neste trabalho, estranhamente, nem todas são aplicáveis aos Municípios, o que torna o modelo brasileiro peculiar e único frente a todas as outras federações conhecidas, o que será melhor exposto no item subsequente. 2.2. Autonomia dos Municípios O advento da CF88 elevou o Município à condição de membro da Federação, posto que passou a gozar de autonomia, Poder Legislativo e Executivo próprios, além de auto-organização por meio de lei orgânica, nos termos do art. 29 da CF88, fato este que o difere de todas as Federações existentes. Nas palavras de Paulo Bonavides: “(…) não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo modelo implantado no País com a Carta de 1988”.(BONAVIDES, Paulo, 2000, pg. 314) Ocorre que parte da doutrina contesta esse patamar ao qual o Município foi elevado, visto que algumas das características essenciais a um membro Federativo não são vislumbradas na experiência municipal. Isso porque, é típico do Estado Federal que os seus entes participem da formação da vontade geral, sendo tal atribuição exercida pelo Senado Federal, no caso brasileiro. Todavia, este órgão de cúpula possui membros que representam apenas os Estados-membros, fato este que exclui o Município de tal atribuição. No mesmo sentido, o ente municipal não possui Poder Judiciário próprio, diferentemente dos Estados e da União, e tampouco é capaz de realizar intervenção em qualquer destes entes, sendo que a União é capaz de intervir nos Estados, e os Estados nos Municípios, em casos excepcionais e constitucionalmente dispostos. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, designado à guarda da Constituição Federal, não possui competência para as demandas às quais os Municípios integram o pólo passivo, não obstante o façam naquelas em que envolvem a União e os Estados. Contrariando todos os discursos opostos, o mesmo diploma constitucional inclui o Município na união indissolúvel da República Federativa do Brasil, bem como confere a sua auto-organização através de Lei Orgânica própria e por edição de leis municipais. Além disso, atesta a sua capacidade de autogoverno pela previsão de eleição direta de seu Prefeito, Vice-prefeito e Vereadores, sem nenhuma ingerência dos Governos Federal ou Estadual; ainda, destaca a autonomia municipal como princípio sensível e ratifica a sua autoadministração, ao repartir as competências administrativas, legislativas e tributárias entre os entes federativos, reservando parcela destes ao Município, de forma expressa. Assim, a afirmação de que o Município é um ente federativo e autônomo restou inconteste. 3. A repartição de competências na CF88 A repartição de competências constitucionais é uma conseqüência direta da autonomia das entidades federativas, de forma a manter o equilíbrio do pacto federativo. Isso porque, ao estabelecer as matérias próprias de cada uma delas, a CF88 poderá distribuir as matérias legislativas, administrativas e tributárias, de forma a centralizá-las ora na própria Federação, ora em algum(ns) de seu(s) ente(s). Essa distribuição de competências é realizada pelo princípio da preponderância do interesse: à União cabem aquelas matérias nas quais predominam o interesse geral; aos Estados, as matérias nas quais predominam o interesse regional; e aos Municípios, as de interesse local, sendo que o Distrito Federal, por possuir natureza híbrida, acumula as competências estaduais e municipais, por expressa disposição legal. Desta feita, o legislador constitucional decidiu por enumerar as competências administrativas e legislativas da seguinte forma: “- Competências administrativas e legislativas da União: arts. 21 e 22; – Competências administrativas e legislativas dos Estados: art. 25, § 1º; – Competências administrativas e legislativas dos Municípios: art. 30; – Competências administrativas e legislativas do Distrito Federal: art. 32, §1º; – Competências administrativas comuns a todos os entes: art. 23; – Competências legislativas concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal: art. 24;” Com o único propósito de primar pela objetividade do presente trabalho, a exposição será voltada à competência tributária dos Municípios. 3.1. A competência municipal na instituição dos tributos A competência tributária consiste no poder constitucionalmente atribuído ao Município, no caso, de editar leis para instituir tributos, sendo o exercício desse poder uma faculdade conferida ao ente municipal, baseado nas disposições de oportunidade e conveniência política e tributária. No mesmo sentido, a competência tributária é dotada de indelegabilidade, ou seja, os tributos conferidos ao Município não podem ser atribuídos a outros entes federativos, salvo as funções de fiscalizar, arrecadar e executar leis ou atos normativos referentes a estes tributos, nos termos do art. 7º do CTN. Ao repartir essas competências, a CF88 optou por fazê-la conforme o tributo seja ou não vinculado a uma atividade estatal, de forma que o IPTU, o ISSQN e o ITBI, que são tributos não vinculados, são atribuídos privativamente aos Municípios, de forma exaustiva. No mesmo sentido, a Contribuição de Iluminação Pública, tributo vinculado e privativo dos Municípios e a contribuição previdenciária dos seus servidores, que seriam não vinculados, mas ambos de natureza privativa do Município. Insta esclarecer que os fatos geradores dos tributos vinculados, quais sejam, as taxas e contribuições de melhoria, as quais possuem competência tributária comum de todos os entes federativos, não foram determinadas expressamente pela CF88. Isso porque, o ente que prestar o serviço público específico e divisível, exercer o poder polícia, ou realizar a obra pública da qual decorra valorização imobiliária, será o responsável por instituir e cobrar a taxa ou a contribuição de melhoria, respectivamente, inclusive os Municípios. Assim, forçoso concluir que a competência na instituição de tributos no Brasil foi distribuída de forma descentralizada, fato este que enseja uma participação maior dos entes federados, o que poderia viabilizar uma maior arrecadação e melhor fiscalização dos seus recursos. Todavia, esse mesmo processo de arrecadação descentralizado incorre, muitas vezes, na ineficiência da gestão tributária, mormente dos Municípios, que dispõe de uma receita menos significativa, ou que quase sempre depende dos repasses federais e estaduais para se manter. 4. Gestão pública municipal A gestão pública orçamentária nada mais é que um instrumento de controle das receitas e despesas municipais, englobando o planejamento das suas finanças, com o escopo de desenvolver políticas públicas que concretizem as atribuições designadas constitucionalmente aos Municípios. Neste sentido, o orçamento público, o qual prevê essas receitas e fixa as despesas municipais, constitui-se no meio de gestão tributária de maior eficiência dentro da Administração Pública, principalmente por refletir as decisões políticas e ações prioritárias de seu governo. Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe das Leis 4.320/1964, da Lei Complementar 101/2000, além da própria previsão constitucional disposta no art. 165, as quais instituem os mecanismos de elaborar leis e executar orçamentos: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O PPA consiste em um plano traçado pelo gestor municipal para metas e objetivos a serem atingidos pela Administração Pública Municipal em um período de 04 anos, abrangendo os três últimos anos do mandato vigente e o primeiro do posterior, a fim de propiciar a continuidade das políticas públicas dos governos. Trata-se de instrumento de suma importância para a gestão pública, mormente por prever e legitimar as despesas públicas que serão efetuadas, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal. A LDO é a lei elaborada pela gestão vigente, de forma a estabelecer metas e prioridades para o exercício financeiro seguinte, as quais se encontram previstas no plano plurianual, orientando a elaboração do orçamento público municipal e regulamentando a legislação tributária municipal. Por fim, a LOA é a lei orçamentária propriamente dita, por meio da qual o governo estima as receitas e autoriza as despesas, sendo elaborada ano a ano pelo Chefe do Executivo Municipal, tudo de acordo com as metas e objetivos estabelecidos no Plano Plurianual e o programa de ações dispostos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. 4.1. Receitas e despesas públicas municipais A receita pública municipal consiste no montante total de verbas auferidas pelo Poder Público e incorporadas ao patrimônio público, sendo os tributos de competência municipal e as transferências intergovernamentais umas das suas principais fontes de receita. Conforme já explanado, os tributos de competência municipal consistem no IPTU, ITBI, ISSQN, taxas, COSIP, contribuições previdenciárias de servidores públicos municipais e contribuições de melhoria. No tocante às transferências intergovernamentais, há as obrigatórias, referentes ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), compensação financeira dos royalties de petróleo, minério e afins, participação no produto de arrecadação federal do ITR e da arrecadação estadual do ICMS e do IPVA; e as voluntárias, referentes às transferências voluntárias da União e do Estado por meio de convênios, contratos de repasse e transferências de fundos nas áreas de saúde e assistência social. Já as despesas públicas consistem no conjunto de gastos do ente público municipal para custear os serviços públicos, bem como para a realização dos investimentos em infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, sendo classificadas como despesas orçamentárias aquelas que necessitam de autorização legislativa, e extraorçamentárias aquelas que prescindem de tal ordem. 4.2. A fiscalização na administração tributária A administração tributária é atividade estatal essencial, a qual consiste na arrecadação de tributos e na fiscalizaçãodo cumprimento das obrigações tributárias, sendo estas as principais fontes de recursos para o desenvolvimento da gestão pública municipal. Nas palavras de Ricardo Alexandre: A fiscalização é um poder-dever orientado pela isonomia, que, em matéria tributária, se prende à ideia de tributar cada pessoa na medida de sua capacidade contributiva. Nessa linha, a própria Constituição.Federal faculta à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e, nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (CF, art. 145, § 1º). (ALEXANDRE, Ricardo, 2017, pg. 607) O Código Tributário Nacional, em seu art. 194, determina que a legislação tributária regule a competência das autoridades administrativas em matéria de fiscalização, de acordo com a natureza do tributo a ser fiscalizado. No mesmo sentido, essa legislação tributária fiscalizatória é de caráter geral, aplicando-se às pessoas naturais e jurídicas, aos contribuintes e até mesmo àqueles que não o são, como os que gozam de imunidade e isenção. Inclusive, o Fisco está autorizado a entrar na intimidade econômica dos particulares, não sendo oponíveis quaisquer excludentes dos direitos de examinar bens e documento, conforme disposto no art. 145, §1º da CF88 e o art. 195 do CTN. Ademais, a autoridades fiscais ainda possuem o poder de requisitar informações de autoridades e empresas, relativamente aos bens, negócios ou atividades de terceiros, de forma que a própria sociedade contribua com a fiscalização tributária. Assim, toda a legislação tributária é voltada no sentido de se obter uma maior arrecadação e, supostamente, uma melhor gestão desses recursos tributários. Ocorre que, nem sempre essa premissa é verdadeira, inclusive na gestão tributária municipal. Isso porque, ainda que os Municípios disponham de bases de receitas diversificadas, suas atribuições enquanto ente autônomo são significativas, inclusive na seara social, sendo que suas receitas tributárias ou repasses financeiros quase nunca são suficientes para chegar a um equilíbrio no orçamento. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso explana que:  “a carência financeira dos Municípios não se deve apenas à repartição de rendas, mas também, à repartição de encargos, pois no caso dos entes locais os impostos próprios lhes conferidos têm representatividade econômica apenas em municipalidades de indústria desenvolvida em localidades urbanas”. (BARROSO, Luís Roberto, 2006, pg. 145) Esse desequilíbrio entre receita e despesa faz com que os Municípios sejam cada vez mais dependentes dos repasses da União e dos Estados para concretizar suas políticas públicas e atribuições constitucionais. Fato que corrobora com a ineficiência dessa gestão tributária é também a ausência de cadastros informáticos do ISSQN e do IPTU, o que muitas vezes dificulta o processamento de informações referentes aos contribuintes, responsáveis tributários, fatos geradores e até mesmo ao lançamento destes tributos, isso quando o próprio Chefe do Executivo Municipal opta por simplesmente não lançá-los, por questões políticas. Ainda, há que se considerar que nem sempre a administração tributária municipal dispõe de contingente humano devidamente capacitado para captar esses recursos, fiscalizá-los e geri-los, conforme a necessidade do ente, inclusive para evitar a evasão fiscal dos contribuintes. Assim, esses são alguns dos fatores que dificultam a devida gestão pública de recursos na esfera municipal, pelo que serão analisados alguns aspectos que podem contribuir para uma gestão tributária mais eficiente. 5. A eficiência na gestão tributária municipal A busca da eficiência na gestão dos recursos tributários é um dos grandes desafios enfrentados pela Administração Pública Municipal. Uma análise mais detida da situação atual de cada Município, acompanhada de um estudo aprofundado da sua legislação tributária e o conhecimento de outras experiências que aprimoraram a gestão tributária de outros entes municipais podem contribuir de maneira significativa para o alcance dessa eficácia. Primeiramente, os gestores municipais precisam dar efetividade à competência constitucional delegada aos Municípios, instituindo por lei todos os tributos os quais possuem atribuição, de forma que a legislação tributária seja mais simplificada e de acordo com os ditames constitucionais. Ademais, aprimorar os meios de administração, arrecadação e fiscalização desses recursos tributários torna-se imprescindível, inclusive com o apoio da população. Assim, investimentos em softwares de gestão de tributos para organizar, lançar e fiscalizar a arrecadação desses tributos pode contribuir para o incremento das receitas e melhor administração destas. No mesmo sentido, a capacitação dos profissionais alocados nos órgãos relacionados ao setor de tributação municipal, os quais devem ser compostos apenas por servidores efetivos, por se tratar de setor estratégico e dotado de responsabilidade, além da freqüência em cursos sobre a administração tributária e gestão de recursos públicos. Neste diapasão, a eficiência na cobrança administrativa e judicial dos tributos também seria de grande valia para o incremento do orçamento público. Ainda, a adoção de políticas públicas que favoreçam a transparência das informações na Administração Pública Municipal, de forma que a população disponha de meios para conhecer, investigar e denunciar supostas irregularidades fiscais também poderia contribuir para que se alcance essa eficiência. 6. Conclusão Os Municípios brasileiros ostentem uma condição diferenciada perante as demais federações existentes, isso é inegável. Todavia, a sua autonomia enquanto ente federado não foi capaz de conferir-lhe uma independência financeira, principalmente em razão da ineficiência na gestão dos seus recursos próprios. Essa dependência financeira acarreta no desequilíbrio do Federalismo brasileiro, visto que, ainda que as competências e atribuições de cada ente federado estejam devidamente distribuídas na Constituição Federal, isso não é capaz de conferir aos Municípios uma condição isonômica perante a União, os Estados e o Distrito Federal. Para a mudança deste cenário, medidas importantes se impõem, inclusive as que incrementem a administração tributária municipal, mormente quanto à arrecadação de impostos, a gestão dessas receitas derivadas e a sua fiscalização. No mesmo sentido, melhoras na gestão pública como um todo se fazem imprescindíveis, como a modernização de seus sistemas de tributação, capacitação de seus recursos humanos, estudo da sua legislação tributária, transparência nas informações e aumento da participação da sociedade na fiscalização. Esses são apenas um primeiro passo rumo ao alcance da eficiência da gestão tributária municipal. Mas, já é um grande começo.
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As normas gerais em matéria tributária e as divergências doutrinárias
Resumo: O presente artigo traz uma breve análise histórica da introdução das leis complementares e do Código Tributário Nacional no ordenamento jurídico brasileiro. Com enfoque no artigo 146, da Constituição Federal de 1988, e as suas polemicas e divergências doutrinárias que envolvem do assunto, sem deixar de destacar seus devidos desdobramentos no sistema jurídico brasileiro.
Direito Tributário
Introdução O presente artigo busca apontar a norma introduzida pelo art. 18, § 1º Constituição Federal de 1967 e repetida pelo Legislador Constituinte de 1988 em seu artigo 146. Regra esta, que ainda na atualidade separa a doutrina tributária. Assim, trataremos da introdução da figura de Lei Complementar em nosso ordenamento jurídico e sua extrema importância ao direito tributário, cujas normas fundamentais se encontram expressas no texto constitucional. Tendo em vista que o Brasil é uma República Federativa e, como tal, seus entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) desfrutam de autonomia político- administrativa e legislam sobre matéria tributária, pode-se dizer que a Lei Complementar possui sua importância, justamente por estabelecer sólidos critérios a serem observados, indiscriminadamente, por todas as unidades federadas, oferecendo uma maior segurança ao administrado que, via de regra, estará submetido a um sistema tributário harmonioso e coerente em todo o território nacional. Discutiremos ainda a natureza complementar do Código Tributário Nacional, além de esclarecer os pontos de vista das correntes tricotômica e dicotômica. O presente artigo se baseou em estudos bibliográficos, através de livros, dissertações e sites da internet. . Ressalte-se, no entanto, que o presente estudo, não tem condão de solucionar todos os pontos, esgotando o tema. Mas sim, visando esclarecer e abranger de forma clara e sucinta as questões levantadas. 1  Breve histórico das Leis Complementares Antes de adentrarmos as principais divergências doutrinarias e a natureza de legislação complementar do Código Tributário Nacional, será feita uma consideração geral e introdutória sobre lei complementar. Através da emenda Constitucional nº 4 (09/1961), a figura da lei complementar aparece no nosso ordenamento pátrio, mas muito diferente da forma como conhecemos hoje. O artigo 22 da Emenda nº 4, estabelecia: “Art. 22 – Poder-se-á complementar a organização do sistema parlamentar de governo ora instituído, mediante leis votadas, nas duas Casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros.” Porém, esta Emenda só servia para a organização do sistema parlamentar de governo, que existia no país naquele período. Sendo assim, não houve qualquer lei complementar editada. Todavia o artigo 53 da constituição de 1967 trouxe a figura da lei Complementar da forma como conhecemos na atualidade[1], “Art. 53 – As leis complementares à Constituição serão votadas por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional, observados os demais termos da votação das leis ordinárias.” Por este motivo o Código Tributário Nacional, foi editado e votado como lei ordinária em 1966 (Lei n. 5.172/66), já que, nesta data ainda não existia lei complementar em nosso ordenamento.   1.1 Natureza da Lei complementar As leis complementares são veículos introdutores de normas jurídicas que devem atuar em todo o território brasileiro, fazendo com que: a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios atuem de maneira harmônica e padronizada de acordo com os desígnios das leis nacionais. Disposta no artigo 59, II da Magna Carta, na seção que trata do “Processo Legislativo”, esta é usada pela União para manifesta- se no Congresso Nacional. Tida como instrumento, que visa introduzir normas, mas com características diferentes das demais que estão previstas. Sendo que, estas dizem respeito a forma (quorum especial / art. 69 da Constituição Federal de 1988 [2]) e conteúdo (trata de matérias expressa ou implicitamente exigidas pela Constituição Federal.). Ensina José Afonso da Silva que: “leis integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada” [3] e, assim como, “de sua observância e aplicação resulta a eficácia da própria Constituição”. [4] Um Estado federativo como o brasileiro pressupõe que se utilize de tal expediente legislativo, a fim de que haja certeza do direito, através da globalização das matérias naturalmente destinadas à regulação via lei complementar. Portanto, se a lei complementar padroniza e ordena o sistema, também serve de implemento ao valor da segurança jurídica, uma vez que faz com que o trato da matéria tributária se desenvolva de maneira a evitar surpresas para os contribuintes e a multiplicidade de condutas fiscais. Isto significa que, em linha com a pirâmide normativa de Kelsen, a mencionada Lei Complementar somente será válida se prestar fiel observância aos princípios e normas existentes em nossa Constituição, não lhe sendo legítimo restringi-los, negar-lhes vigência, ou mesmo inovar, criando novas limitações ao poder de tributar. 2 Código Tributário Nacional e a sua natureza de legislação complementar Em nosso ordenamento jurídico, o Código Tributário Nacional, foi recepcionado com o status de lei complementar, por expressa determinação do artigo 34, parágrafo 5º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. E esse diploma legal é veiculador de grande parte das normas gerais de direito tributário em vigor atualmente. Sendo um dos objetivos principais, o de trazer normas gerais em matéria tributária, e diante das considerações a cerca das funções da codificação, resta concluir a total procedência do que se está sustentando até agora: as normas gerais têm como seu papel fundamental, o de emitir enunciados que vinculem a atuação dos entes políticos a certo “padrão”, fazendo com que a aplicação do direito tributário seja feita de forma isonômica em todas as esferas, sendo, inclusive, uma garantia “do pagador de tributos, que na Federação pode livremente viajar ou alterar seu domicílio, à luz dos mesmos princípios gerais que regem o sistema”. O código tributário nacional reveste natureza de legislação complementar, entretanto, de outro lado a CF/88 deu uma ênfase especial a este, por meio de seu art.146, investiu de poderes a lei complementar para dispor amplamente sobre tributação. Dispunha o art. 18 da CF/67 que: “§ 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.” A discordância doutrinaria que se surge com o artigo 18 § 1º da Constituição de 1967, se enveredou aos dias atuais, em que houve uma divisão, por advento do legislador da Constituição atual, ter praticamente repetido o artigo acima citado, ao elaborar o artigo 146. Tão somente a atual Magna Carta estabelece: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I – será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)[5]” Vê- se claramente que a constituição de 1988, foi mais detalhista ao tratar do assunto, mas a essência abordada continua basicamente a mesma, desta forma as disputas que dividiram a doutrina em duas correntes, quais sejam: os tricotômicos e os dicotômicos, surgidas em 1967, ainda perduram aos dias atuais, pois o assunto ainda não foi pacificado pelos pensadores do Direito brasileiro. 3 Discussão doutrinária Passaremos agora ao estudo das duas correntes doutrinárias, que ainda nos dias atuais, não chegaram a um ponto de equilíbrio. Importante questão a ser abordada repousa na hierarquia da lei complementar, uma vez que as duas correntes doutrinarias são divergentes; enquanto a primeira lhe confere um espaço intercalar entre a Constituição e a lei ordinária, a segunda comunica-lhe igual estrutura em relação à lei ordinária.[6] Falaremos agora a cerca de cada corrente doutrinária. Os tricotômicos seguem a interpretação literal da lei constitucional, entendendo haver três funções da lei complementar no direito tributário. Segundo os tricotômicos uma leitura simples do texto constitucional independente do contexto que o rodeia em nada pode alterar a conclusão alcançada. O artigo 146 da Constituição Federal precisaria ser entendido exatamente da forma como positivado, pois eis que, a lei complementar, no direito tributário, teria tríplice função, quais sejam: dispor sobre conflitos de competência entre os entes, regular as limitações ao poder de tributar e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Portanto, estabelecer as funções da lei complementar foi o limite a que chegou a chamada corrente tricotômica, usando a análise textual da Constituição. Vejamos o que diz um dos pioneiros desta corrente: “É nossa opinião que as normas gerais têm campo próprio de atuação que não se confunde com a regulação de conflitos e limitações ao poder de tributar, o que significa ser tríplice a função da lei complementar prevista no artigo 18, § 1°, da Emenda Constitucional n. 1 de 1969.”[7] Mais recentemente, doutrinadores como Eurico Marcos Diniz de Santi [8],Paulo Ayres Barreto[9], Tácio Lacerda Gama[10] e , Robson Maia Lins[11] aderiram a corrente tricotômica. Frente a esta proposta de interpretação parte da doutrina reagiu, pois entendeu que sua interpretação vai contra o pacto federativo e a autonomia dos entes. Essa é uma das críticas que os “dicotômicos” costumam fazer à teoria tricotômica. Entres outras criticas podemos destacas a observação feita por Clarice Araújo: “A concepção da corrente tricotômica traz consigo implicações embaraçosas, como, ao arrepio da rigidez que caracteriza a Constituição Federal, admitir-se que o sistema foi minuciosamente traçado em seus dispositivos, possa ser alterado mediante outro processo legislativo que não as Emendas Constitucionais. Ou seja, dizendo de outro modo, implica não só no desrespeito ao regime federativo que rege o Estado brasileiro, como confere flexibilidade à Constituição.”[12] Outra critica feita foi a de que a falta de um melhor desenvolvimento da questão, de não ter sido limitada a semântica da expressão “normas gerais”. Dentre outras, essa é uma das críticas mencionadas por Paulo de Barros Carvalho: “E qual era o conteúdo das normas gerais de direito tributário para interpretação singularmente literal? Ninguém chegou a anunciá-lo! Estudássemos os autores que adotaram essa posição simplista, e debalde encontraríamos qualquer esforço voltado a demarcar o significado dessa espécie jurídica. Uma verificação objetiva e imparcial teria a virtude de comprovar, imediatamente, que nenhum simpatizante dessa corrente de pensamento logrou declarar os lindes da matéria, fixando-lhe a geografia normativa. Tal doutrina, até hoje, não foi elaborada.”[13] Em contrapartida os dicotômicos, propõem que o conteúdo semântico da norma seja colhido em consonância com o restante do ordenamento, através de uma interpretação sistemática: asseveram que a lei complementar em matéria tributária tem apenas e tão somente uma função, motivo pelo qual é mais preciso lhe denominar de teoria “monotômica”.[14] De acordo com os seguidores desta corrente o texto constitucional deve ser analisado não de forma literal, mas sim em conjunto com o ordenamento jurídico para que não haja afronta a diversos princípios, como os da federação e da autonomia dos estados e municípios.[15] Para os dicotômicos a lei complementar teria uma função: editar normas gerais de direito tributário. Dizem que essa lei complementar de normas gerais teria dois objetivos, são eles: dispor sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. É perceptível que a teoria dicotômica encara o dispositivo (art. 146 da CF de 1988) de forma totalmente diversa, dizendo que cabe à lei complementar (caput ) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (inc. III) para dispor sobre conflitos de competência entre a União,os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (inc. I) e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (inc. II). Acreditam ser esta a única forma interpretativa que não afrontaria os princípios constitucionais e nem a autonomia dos Estados e Municípios. Assim dizem que a interpretação literal trazida pelos tricotômicos não deve ser utilizada justamente por ferir os mencionados princípios. A já dita falta precisão do conteúdo da expressão “normas gerais” faria com que – segundo eles – a legislação complementar pudesse produzir toda sorte de normas jurídicas que dizem respeito à tributação, o que permitiria que cuidasse de assuntos de competência única e exclusiva das entidades tributantes. Partindo dessa ideia, diz Paulo de Barros Carvalho: “Nenhum detrimento adviria ao sistema, porquanto tais pessoas poderiam exercer, naturalmente, as competências que a Constituição lhes dera e, nas áreas duvidosas, onde houvesse perigo de irromper conflitos, o mecanismo da lei complementar seria acionado, mantendo-se, assim, a rigidez da discriminação que o constituinte planejou. Paralelamente, a mesma espécie normativa continuaria regulando as limitações constitucionais ao poder de tributar.” [16]  Conclusão O instrumento legislativo denominado lei complementar e divergente dos demais estabelecidos pela Constituição Federal, tanto em razão do Quorum qualificado (“maioria absoluta”), quanto a poder ser usado de forma extraordinária, já que visa tratar matérias especificadas no texto Magno. Sendo que ainda, em tese, não conta com superioridade hierárquica em relação a outros instrumentos, no entanto, se uma lei ordinária tratar de matéria referente à lei complementar é assim considerado inconstitucional. Assim, fica evidente o relevante papel que a lei complementar desempenha no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, é o instrumento por excelência para veiculação de normas gerais em matéria tributária. A competência conferida pelo inciso III, do artigo 146 é a que gera as maiores discussões. Isto porque, ao conferir ao legislador complementar a competência para dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, quedou-se o contribuinte omisso em estabelecer os limites do termo “normas gerais”, o que deu ensejo a toneladas de trabalho doutrinário sobre o assunto. Dado ao exposto, o artigo cumpriu com seu propósito de explicar a origem das leis complementares, além de esclarecer o motivo pelo qual o Código Tributário Nacional ter sido editado como lei ordinária em 1966, sendo posteriormente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, passando a ter status de lei complementar nos reiterados julgamentos do STF. Por isso tudo que a doutrina ainda se divide em duas correntes bem coesas, bem estruturadas que visam dirimir a omissão do legislador originário, quando tratou o que seriam “normas gerais”. Sem deixar de destacar que estas têm clara conexão com preceitos de segurança jurídica e direito e igualdade.
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A importância do due diligence nos negócios empresariais
O presente trabalho consiste em um breve estudo acerca do conceito e da importância do procedimento de “due diligence” nos negócios empresariais, visando antever os riscos inerentes aos negócios jurídicos, sejam eles de caráter tributário, trabalhista, ético, dentre outros, a fim de reduzir as possibilidades de problemas futuros que maculem a imagem e a saúde financeira da empresa. Os mecanismos de due diligence têm sido cada vez mais adotados pelas grandes organizações, tendo em vista sua importância para evitar falências e/ou grandes perdas patrimoniais futuras em virtude de passivos trabalhistas, tributários ou atos de corrupção que degrinam a imagem e a subsistência econômica das organizações. Veremos, portanto, as formas de due diligence, os momentos em que mais é utilizado e a sua importância para a segurança nas transações empresariais.
Direito Tributário
Introdução Com a evolução das tecnologias da comunicação e de transporte, foram intensificadas as transações empresariais, mudando a concepção tradicional de empresa, de modo que as organizações passaram a formalizar negócios jurídicos cotidianamente com outras organizações e parceiros, o que gerou o aumento dos riscos dos empreendimentos. Deste modo, reveste-se de especial importância a adoção de mecanismos e métodos de detecção prévia de tais riscos, através de estudos técnicos e minuciosos por equipes especializadas, a fim de reduzi-los ao máximo, evitando graves problemas futuros que possam comprometer a subsistência das organizações. Nesse contexto, surgiu e ganhou destaque o denominado “due diligence”, que compreende esses mecanismos de prevenção de riscos empresariais no âmbito dos negócios empresariais, tendo em vista os vultosos aportes de recursos envolvidos nas operações das empresas na atualidade. Portanto, o presente estudo, sem qualquer pretensão de esgotar o tema ou de trazer uma verdade absoluta sobre o assunto, visa analisar o conceito e a origem do “due diligence”, bem como as suas formas mais utilizadas pelas organizações na atualidade, além de identificar alguns aspectos que demonstrem sua importância na garantia de maior segurança às empresas no âmbito dos negócios jurídicos que formaliza. Contudo, frise-se que se trata tão somente de um debate inicial sobre o tema, com vistas a fomentar a discussão sobre este fenômeno em verdadeira crescente no mundo jurídico. 1. CONCEITO E TRATAMENTO JURÍDICO DO “DUE DILIGENCE” O fenômeno da globalização, intensificado pela intensa difusão das tecnologias de comunicação e transporte, gerou o aquecimento das transações empresariais, tais como fusões, cisões, parcerias, incorporações, aquisições, dentre outras, aumentando a fluidez e, consequentemente, os riscos dos empreendimentos. Antigamente, as empresas eram normalmente constituídas por uma família, passando de geração a geração, com sede fixa e com a manutenção de suas tradições durante longos anos, evitando transações de risco, com o simples intuito de se manter no mercado, por sua qualidade e tradição. Mas, atualmente, em virtude das facilidades apresentadas pelas tecnologias da comunicação e do transporte, as empresas passaram a intentar novos horizontes, com o anseio de expansão transnacional, passando a instituir filiais em diversos países de diferentes continentes, adquirir empresas de outros ramos, fundir-se com outras organizações em busca de ampliar seu mercado consumidor, sendo constantes as mutações empresariais noticiadas na mídia. Este cenário de fluidez e mutações frenéticas, em que ao adquirirmos um produto é comum que não saibamos que ele advém de uma mesma indústria do produto concorrente que deixamos de comprar após comparação do custo-benefício, trouxe consigo, também, vultosos riscos às organizações empresariais, vez que, a partir do momento em que formalizam um negócio empresarial com determinada empresa, passam a se responsabilizar pelos atos desta, podendo, inclusive, ter seu patrimônio jurídico, econômico e moral atingidos por passivos já existentes. Nesse contexto, as empresas passaram a sentir a necessidade de mecanismos que busquem identificar tais riscos, estudando a vida pregressa da organização com a qual vão se relacionar, como a eventual existência de passivos trabalhistas, tributários, ambientais, bem como outros fatores relacionados, por exemplo, à propriedade intelectual e/ou industrial, que possam lhes trazer prejuízos futuros. Conforme salientado por Gustavo Escobar (2008), “em razão disso, temos a disseminação de uma expressão de origem inglesa que, muitas vezes, não é compreendida corretamente, merecendo, mais do que traduzida, ser exemplificada para que se contextualize sua aplicabilidade”. Convém destacar que o due diligence não é previsto na legislação pátria nem mesmo na estrangeira, consistindo em uma construção advinda da prática empresarial e dos estudiosos e atuantes do Direito Empresarial. Trata-se de uma expressão inglesa que, pela tradução literal para o português, significaria “diligência devida” ou “diligência prévia”. Em vista da ausência de doutrina sedimentada sobre o tema, podemos trazer à baila o conceito apresentado pelo sítio eletrônico “wikipédia”, segundo o qual due diligence significa diligência prévia e “refere-se ao processo de investigação de uma oportunidade de negócio que o investidor deverá aceitar para poder avaliar os riscos da transação. Embora tal investigação possa ser feita por obrigação legal, o termo refere-se normalmente a investigações voluntárias”. Em síntese, podemos concluir que due diligence constitui um conjunto e mecanismos, métodos, diligências de investigação que a organização empresarial executa com vistas a identificar, avaliar, mensurar e, com isso, evitar ou minimizar os riscos inerentes às transações e negócios empresariais que realiza. Aliás, conforme bem disse Galileu Galilei certa vez: “Todas as verdades são fáceis de perceber depois de terem sido descobertas; o problema é descobri-las”. 2. FORMAS MAIS COMUNS DE “DUE DILIGENCE” Os atos de due diligence permeiam diversas áreas do Direito, envolvendo diferentes setores da organização empresarial e suas numerosas áreas de atuação. As diligências realizadas pela equipe especializada nessas atividades exigem expertise técnica em diferentes áreas do conhecimento, envolvendo direito do trabalho, direito empresarial, direito tributário, contabilidade, legislação de propriedade intelectual e industrial, direito ambiental, dentre outros. Deste modo, a equipe a ser formada para a realização do due diligence deve ser multidisciplinar, reunindo diferentes saberes, e deve focar os seus esforços nas áreas que apontem maiores riscos para aquele determinado empreendimento, otimizando a sua atuação a garantindo maior eficiência no seu trabalho. Como exemplo, podemos mencionar uma empresa que atua com elementos de alto grau tóxico, a qual apresenta elevados riscos de poluição e degradação ambiental, os quais devem receber maior atenção e relevância pela equipe que realiza o due diligence. Por outro lado, uma empresa que atua apenas na atividade inventiva, sem relevantes repercussões no meio ambiente, deve ter seu foco em questões de propriedade industrial e intelectual, dispensando menor esforço nas questões ambientais. Isso demonstra que o due diligence não possui uma receita fechada de aspectos a serem analisados e diligências a serem colocadas em prática, vez que depende da área de atuação da organização sob exame, da quantidade de empregados, da modalidade de empresa em que foi constituída, dos impostos incidentes sobre suas atividades e, ainda, do grau de impacto ambiental decorrente de suas operações. 2.1. Due diligence trabalhista As diligências investigativas no âmbito trabalhista têm por objetivo identificar e mensurar as contingências trabalhistas do parceiro em potencial ou da empresa que se pretende adquirir ou incorporar, analisando se possui grande passivo trabalhista, se deixa(va) de cumprir obrigações previstas na legislação trabalhista, se há ou havia naquela organização práticas que podem ensejar reclamações de assédio moral, jornada extraordinária não paga na forma devida, contratação irregular e/ou fraudulenta de colaboradores e etc., que demonstrem risco de futura responsabilização. Sabe-se que, diante do fenômeno da sucessão de empregadores, prevista nos arts. 10, 448 e 448-A da CLT, a empresa que adquire, incorpora ou resulta de fusão de outra empresa é considerada, para fins trabalhistas, como sucessora e responde por todas as obrigações trabalhistas da empresa sucedida, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida. Desta forma, é de especial importância que, antes de concluir uma transação empresarial como as mencionadas acima, a organização realize diligências que visem identificar a existência dessas obrigações trabalhistas, ainda que em potencial, analisá-las e quantificá-las economicamente, a fim de se precaver e avaliar se poderão comprometer a saúde econômica, jurídica e moral da empresa sucessora. Inclusive, os resultados das diligências investigativas poderão servir de parâmetros para a negociação dos valores pagos no negócio jurídico, de acordo com os riscos envolvidos. Cumpre destacar que, conforme mencionado acima, os riscos avaliados devem ser analisados não apenas no tocante às questões financeiras e econômicas da empresa, mas também em relação à sua imagem perante a sociedade, vez que, na atualidade, o nome e a imagem das organizações ganham cada vez mais importância no mercado consumidor e no cenário internacional, de modo que o descrédito perante a sociedade pode levar a quedas bruscas no mercado internacional de ações e de consumo, resultando muitas vezes na própria falência da empresa. 2.2. Due diligence tributário Outra importante forma de due diligence consiste em medidas investigativas no âmbito tributário e fiscal da empresa com a qual se pretende negociar. Com efeito, as tecnologias empregadas pelos Estados na investigação de operações com repercussão tributária, cruzando dados de diversas origens, estão cada vez mais evoluídas e precisas, tornando-se cada dia mais arriscada a sonegação fiscal. A fiscalização tributária e fiscal mostra-se cada vez mais severa, com a imposição de vultosas multas contra os sonegadores, de modo que, na formalização de um negócio empresarial, é de estrema necessidade que a empresa adote medidas acautelatórias que visem identificar possíveis débitos tributários, ainda que em potencial, a fim de avaliar as possíveis repercussões financeiras, jurídicas e morais à empresa. Devem ser analisados, portanto, o cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, as práticas organizacionais no tocante à correta emissão de notas fiscais, os tributos normalmente incidentes sobre a atividade desempenhada pela empresa, dentre outros aspectos, que visem minimizar problemas futuros, e evitar surpresas desagradáveis. 2.3. Due diligence ambiental Atualmente, a preservação do meio ambiente tem ocupado posição de destaque na quase totalidade dos debates e estudos nacionais e internacionais. A preocupação com a perpetuação dos recursos ambientais tem exigido dos Estados uma atuação severa na fiscalização de atividades lesivas ao meio ambiente, ainda que potencialmente, com vistas a evitar danos ambientais e/ou exigir a sua indenização ou reparação, se possível. As atividades potencialmente poluidoras do meio ambiente recebem cada dia mais a atuação dos fiscais, exigindo procedimentos e análises técnicas de diversas modalidades, a fim de evitar ao máximo a ocorrência de danos ao meio ambiente, os quais geram repercussão a toda a sociedade presente e futura. Deste modo, a legislação ambiental pátria qualifica as obrigações ambientais como “propter rem” (art. 2º, §2º, Lei 12.651/2012), isto é, obrigações que acompanham o bem para quem quer que seja transferido, de modo que, ao adquirir um bem ou um empreendimento, o adquirente deve efetuar diligências minuciosas a fim de analisar possível existência de obrigações ambientais, vez que será totalmente responsável por elas. Assim, previamente à formalização dos negócios empresariais, devem as organizações realizar o due diligence ambiental, a fim de identificar possíveis obrigações decorrentes da legislação ambiental, ou ainda danos já praticados ao meio ambiente, que poderão lhes gerar graves prejuízos futuros, colocando em risco a subsistência da empresa. CONCLUSÃO O tema que envolve o due diligence, embora relativamente novo nos debates jurídicos, vem recebendo cada dia mais destaque no mundo empresarial, nacional e internacional, vez que, com o cenário da globalização que encurtou as distâncias e permitiu a expansão transnacional das organizações empresariais, foram intensificadas as transações entre as empresas, sendo corriqueiras as notícias de fusões, incorporações, parcerias e aquisições entre as empresas. Com isso, também houve o incremento dos riscos inerentes aos empreendimentos, vez que toda forma de ampliação, alteração, diversificação empresarial envolve inúmeros riscos trabalhistas, tributários, ambientais, dentre outros, que podem resultar em responsabilização da empresa. Assim, tais riscos devem ser necessariamente estudados previamente, buscando a sua prévia identificação, quantificação, avaliação e análise, a fim de minorar os prejuízos futuros e evitar surpresas desagradáveis que possam comprometer a saúde econômico-financeira, jurídica e moral das empresas envolvidas nas operações.
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Aplicação e quantificação da vedação ao confisco em relação ás multas tributárias pela jurisprudência
Este artigo, através de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial, fará a análise das características jurídicas que permeiam as multas tributárias, bem como sua quantificação em casos práticos e, nesse ponto, abordará a questão relativa ao possível caráter confiscatório que tais multas podem ganhar dependendo de sua quantificação, trabalhando o princípio constitucional do não confisco, arrematando com o posicionamento do Supremo Tribunal acerca do que seria uma multa confiscatória.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Há muito tempo tem se discutido nos tribunais a questão referente à aplicabilidade da vedação ao confisco em relação às multas fiscais, bem como tem se tentado quantificar o que seria uma multa confiscatória, sendo que tais discussões despertaram o interesse e tornaram oportuno o presente estudo. O trabalho a seguir desenvolvido, valendo-se de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, terá por escopo a análise das multas fiscais sob a égide do princípio da vedação ao confisco, sendo que, para tanto, será verificada inicialmente a disciplina de tais multas pela legislação e doutrina. Num segundo momento, se passará à análise da limitação às multas fiscais decorrente da vedação ao confisco, sendo feito um breve estudo sobre os principais posicionamentos doutrinários acerca da mencionada vedação, de modo a deixar claro o desiderato de tal norma. Posteriormente, será feita uma incursão em alguns julgados proferidos pelos Tribunais Pátrios que objetivaram, de certa forma, quantificar o limite entre multa legítima e confiscatória para, ao final, arrematar com julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, onde tal limite restou fixado de forma muito clara e objetiva. Dessa feita, o presente estudo possui nítido caráter descritivo e não tendo, de forma alguma, a pretensão de esgotar a matéria, mas sim de avivar o debate, principalmente após a referida decisão proferida pela Suprema Corte. 1. DISCIPLINA DAS MULTAS FISCAIS PELA LEI E PELA DOUTRINA Inicialmente convém salientar que o âmbito de aplicabilidade das sanções, em nosso ordenamento jurídico, não se restringe ao direito penal, embora aí seja seu habitat natural. As sanções se fazem presentes nas mais diversas esferas do direito, sendo que no direito tributário não é diferente. As sanções, que, na área tributária, se materializam na forma de multas pecuniárias, possuem a função precípua de punição a um ato contrário ao direito que, no âmbito tributário, pode se verificar através do não pagamento do tributo (obrigação principal) ou do seu pagamento em atraso (obrigação acessória); ainda, pela prática de algum ato proibido pela lei tributária ou pela omissão quanto à prática de algum ato obrigatório.[1] A par disso, para tratar das multas tributárias é imperiosa a análise prévia do disposto no artigo 113, §§ 1º a 3º do Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.” O que se infere da redação do dispositivo legal acima é que a obrigação tributária divide-se em principal e acessória. A principal consiste no pagamento do tributo, caracterizando-se em verdadeira obrigação de dar, ao passo que a acessória consiste na prática de atos determinados pelo fisco ou na sua abstenção, caracterizando-se como uma obrigação de fazer ou não fazer.[2] Pode-se dizer, portanto, que a obrigação tributária principal é heterônoma, isto é, nasce a partir da ocorrência de um fato descrito na lei e independentemente da vontade do contribuinte. A obrigação acessória, por seu turno, trata-se de mera imposição de condutas positivas ou negativas previstas expressamente em lei.[3] O estudo da obrigação tributária, seja principal ou acessória, possui alta relevância para o tema ora abordado, posto que é por conta do descumprimento de tais obrigações que são aplicadas multas fiscais. A esse respeito, importante é a separação dos ilícitos tributários de natureza patrimonial e não patrimonial, onde sendo o ilícito decorrente do descumprimento de obrigação principal, ou seja, o não pagamento do tributo, aí temos um ilícito de natureza patrimonial. De outro lado, quando o ilícito é oriundo do descumprimento de obrigação acessória, não possui caráter patrimonial, mas sim meramente formal.[4] Sendo mais específico e, até mesmo, nomeando as multas Coêlho refere: “As sanções tributárias mais difundidas são as multas (sanções pecuniárias). Sancionam tanto a infração tributária substancial quanto a formal. As multas que punem a quem descumpriu obrigação principal são chamadas de “moratórias” ou “de revalidação”; e as que sancionam aos que desobedecem obrigação acessória respondem pelo apelido de “formais” ou “isoladas””.[5] (Grifo do autor) Portanto, quando há um ilícito formal à legislação tributária, as multas ou sanções não deveriam ser atreladas ao valor do tributo envolvido, mas sim possuir um valor fixo. Somente quando o ilícito envolver o descumprimento de obrigação principal é que a respectiva multa poderia ter como parâmetro ou base de cálculo o valor do tributo não recolhido.[6] Em suma, o descumprimento de quaisquer das obrigações, seja principal ou acessória, implica no cometimento de um ato ilícito, sendo que aí reside a origem das sanções tributárias. Aliás, existem certos ilícitos tributários que violam bens jurídicos tão importantes que merecem a guarida do direito penal propriamente dito e a ele se submetem. Por outro lado, infrações menores que não merecem ser disciplinadas pelo direito penal recaem na esfera do direito administrativo e tributário, sendo que, no mais das vezes, a sanção corresponde à aplicação de multa pecuniária.[7] Além do caráter punitivo ao cometimento de ato ilícito, as multas tributárias também possuem a função educativa/pedagógica, buscando incentivar os contribuintes a conhecer a legislação e os deveres que ela impõe para evitar a aplicação de multas.[8] Em outras palavras, a sanção serve para desencorajar um comportamento ilícito, podendo buscar obrigar o destinatário da norma ao seu cumprimento ou puni-lo em caso de seu descumprimento.[9] São os efeitos repressivo, intimidativo e preventivo da sanção, a partir dos quais aplica-se a sanção porque a ordem jurídica foi violada e com o intuito de que tal violação não mais ocorra.[10] Interessante, nesse contexto, exemplificar algumas das multas previstas na legislação tributária pelo descumprimento de obrigações principal e/ou acessória, sendo que Lei n.º 9.430 de 27 de dezembro de 1996, em seu artigo 44 traz previsão para ambos os casos: “Art. 44.  Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; II – de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal: a) na forma do art. 8o da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de pessoa física; b) na forma do art. 2o desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica. § 1o O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. § 2o Os percentuais de multa a que se referem o inciso I do caput e o § 1o deste artigo serão aumentados de metade, nos casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para: I – prestar esclarecimentos; II – apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11 a 13 da Lei no 8.218, de 29 de agosto de 1991; III – apresentar a documentação técnica de que trata o art. 38 desta Lei. § 3º Aplicam-se às multas de que trata este artigo as reduções previstas no art. 6º da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991, e no art. 60 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991. § 4º As disposições deste artigo aplicam-se, inclusive, aos contribuintes que derem causa a ressarcimento indevido de tributo ou contribuição decorrente de qualquer incentivo ou benefício fiscal. § 5o Aplica-se também, no caso de que seja comprovadamente constatado dolo ou má-fé do contribuinte, a multa de que trata o inciso I do caput sobre: I – a parcela do imposto a restituir informado pelo contribuinte pessoa física, na Declaração de Ajuste Anual, que deixar de ser restituída por infração à legislação tributária; […]” De outro lado, a Lei do Estado do Rio Grande do Sul n.º 6.537 de 27 de fevereiro de 1973 traz o regramento das multas tributárias por infrações à legislação estadual, sendo que tais multas, quando importem em lesão ao erário (infrações materiais), são classificadas em qualificadas, privilegiadas e básicas[11], tudo de acordo com as características da infração cometida. Os percentuais das multas podem variar entre 40% e 120%.[12] O Tribunal de Justiça Estadual já proferiu decisão entendendo que o patamar da multa de 120% não se apresenta confiscatório, tendo em vista que as multas necessitam de certa severidade para atingir sua função de reprimir e desencorajar o comportamento contrário ao que determina a legislação estadual. Nesse sentido foi o voto proferido pelo Desembargador Irineu Mariani no julgamento da apelação cível n.º 70061311593, conforme trecho fundamental ora transcrito: “Enfim, para a multa não ser confiscatória, tem que se manter dentro daquilo que é razoável. Essa razoabilidade se opera dentro de um ambiente específico, ou seja, o tributário. Por isso, a multa não pode perder a força intimidativa, no sentido de compelir ou afastar o indivíduo de certos atos ou atitudes. Nesses casos, o caráter agressivo lhe é inerente. Significa isso dizer: é tolerável o próprio caráter destrutivo e agressivo quando por meio dele se objetiva coibir certos atos. Exemplo: por meio de uma taxação severa aos importados, busca-se inibir o ato de importação, a fim de proteger a indústria nacional, que no contexto é um fator extrafiscal.”[13] (Grifou nosso) Os exemplos acima são apenas alguns dentre várias outras situações nas quais a legislação, seja federal, estadual ou municipal prevê hipóteses de aplicação de multas pecuniárias pelo descumprimento de obrigação principal ou acessória. Nada obstante o entendimento do Tribunal de Justiça Gaúcho, nunca é demais salientar que as multas não devem objetivar restrição de direitos, como por exemplo, impedir o exercício regular de profissões, interditar estabelecimentos e ferir o direito de propriedade.[14] Em outras palavras, essas multas, embora possuam caráter punitivo e pedagógico, conforme fixado pela Corte Estadual, não podem ser aplicadas em patamar que represente usurpação do patrimônio do contribuinte, ou seja, possuam efeito de confisco sobre esse patrimônio, sendo que tal temática é o objeto central do presente trabalho e será estudada nos tópicos seguintes. 2. LIMITES A SEREM OBSERVADOS NA APLICAÇÃO DE MULTAS FISCAIS 2.1 Princípio do não confisco A vedação ao confisco está positivada na Constituição Federal, mais precisamente no artigo 150, IV que possui a seguinte redação: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [..] IV – utilizar tributo com efeito de confisco; […]” Conforme introduzido no tópico anterior, embora o dispositivo constitucional faça menção a tributo, o princípio da vedação ao confisco também se aplica às multas, impostas ao contribuinte pelo descumprimento da legislação tributária, que extrapolem suas funções punitiva e intimidadora, ingressando na seara do confisco, conforme já fixado, inclusive, pela jurisprudência da Suprema Corte.[15] Nessa toada foi o julgamento proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região na Arguição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível n.º 2000.04.01.063415-0, onde restou fixado que a palavra tributo utilizada no texto constitucional deve ser tomada por obrigação tributária, sendo que a obrigação acessória converte-se em principal, quando do seu descumprimento e em relação à correspondente penalidade pecuniária.[16] Evidenciado que as multas tributárias encontram limites na vedação ao confisco, necessário se faz debruçar-se, mais detidamente, sobre tão importante limitação constitucional ao poder de tributar. Com efeito, quando o citado artigo fala em “utilizar tributo com efeito de confisco” está se referindo, em verdade, a qualquer forma de tributação que importe em restrição excessiva aos direitos fundamentais a ponto de anulá-los.[17] No que se refere às multas, a natureza confiscatória estará presente quando inexista relação entre a penalidade e a infração correspondente ou, então, quando se fizer presente flagrante desproporcionalidade entre a gravidade da infração e a graduação da multa.[18] Nesse sentido, visualizando a vedação ao confisco à luz da proporcionalidade, que nada mais é do que a adoção de meios suficientes e adequados para consecução de um fim, quando se institui uma multa, cujo peso supera o necessário para o atingimento de seu fim (punição e incentivo ao cumprimento da lei), então haverá flagrante violação ao princípio do não confisco.[19] O conteúdo do princípio da vedação ao confisco, portanto, diz respeito à proibição de usurpação, travestida de tributação, do patrimônio do contribuinte, de tal modo que é vedado à legislação tributária obrigar a contribuir com o gasto público além do necessário. Tal princípio possui relação estreita com o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, caracterizando-se como garantia fundamental e cláusula pétrea da Constituição Federal.[20] Trata-se de tributação que invade, de forma excessiva, a propriedade privada ou que impede o exercício de atividade empresarial, ou seja, prejudica a própria fonte de custeio do Estado. A vedação ao confisco serve de proteção ao contribuinte contra abusos do Estado tendentes a violar direitos fundamentais consagrados nas grandes Cartas Políticas.[21] Nessa linha, Menke trabalha a vedação ao não confisco tendo em vista os direitos fundamentais, referindo que o poder de tributar, necessário para mantença dos gastos públicos, não pode ser tão pesado a ponto de anular direitos fundamentais, devendo, isso sim, haver harmonia entre o dever do Estado de tributar e a promoção dos direitos fundamentais.[22] Embora se admita que, em certa medida, direitos fundamentais cedem espaços para realização de outros fins, certo é que existe um núcleo essencial de tais direitos que não pode, em hipótese alguma, ser violado, sendo que tal núcleo diz respeito àquela parte do direito sem a qual ele deixa de existir.[23] Por outro lado, o princípio da vedação ao confisco nos conduz a algumas indagações: o que é confisco? A partir de quando um tributo se torna confiscatório? Carraza responde esses questionamentos sustentando que confiscatório é o tributo que aniquila a riqueza tributável da pessoa, ou seja, extrapola sua capacidade contributiva. No momento em que a tributação ferir a propriedade privada, então o respectivo tributo será confiscatório.[24] Apesar da dificuldade de delimitação do efeito confiscatório de um tributo, tendo em vista a vagueza de tal conceito, o que se depreende é que a vedação ao confisco trata-se de um norte a ser seguido pelo legislador quando da instituição ou majoração de tributos, bem como pelo operador do direito no caso concreto.[25] O tributo, à luz da vedação à confiscatoriedade, não pode atingir as fontes geradoras de riqueza do contribuinte. A tributação, deve, isso sim, guardar equilíbrio, moderação, buscando a maior medida possível de justiça fiscal.[26] É necessário sempre ter em mente que o tributo, por não caracterizar-se em sanção a ato ilícito, não pode ter efeito tão grave quanto aquele decorrente de uma sanção.[27] A materialização do confisco é fácil de ser percebida quando se está a tratar de pessoa física que se vê impedida de prover o seu sustento e de sua família e, ao mesmo tempo, arcar com a tributação que lhe é exigida. Para pessoas jurídicas, o confisco também pode se fazer presente a partir do momento em que a tributação passa a ser tão pesada que dificulta a própria exploração da atividade empresarial.[28] Diante disso, a tributação deve se pautar pela razoabilidade, de maneira que não inviabilize a liberdade de exercício de atividades produtivas, sob pena de ingressar no campo da confiscatoriedade.[29] Outra medida necessária para efetivar a vedação ao confisco é aquela que impede a tributação do mínimo vital, ou seja, os valores necessários para fazer frente às necessidades mais básicas e fundamentais como alimentação, educação, vestuário, etc. Isso se dá através de não incidências ou outros mecanismos aptos a aliviar a carga tributária.[30] A esse respeito, fazendo uma análise da jurisprudência clássica do STF, Ávila sustenta que: “O essencial é verificar que, em todos esses casos, o Supremo Tribunal Federal constatou que nenhuma medida estatal pode: (a) proibir o exercício de um direito fundamental, inviabilizando-o substancialmente, independentemente do seu motivo; (b) restringir em excesso o livre exercício da atividade econômica, ainda que a medida não inviabilize por completo a atividade empresarial.”[31] Veja-se que a tributação não pode atingir os dispêndios necessários à aquisição de renda ou de patrimônio, justamente por que tais valores representam o mínimo indispensável à manutenção da dignidade da pessoa humana e sua tributação aniquila qualquer capacidade contributiva.[32] Isso vai ao encontro do entendimento no sentido de que a tributação deve guardar relação com o poder de conservar e não de destruir, de modo que a participação dos cidadãos com o subsídio dos gastos públicos não pode significar a impossibilidade de mantença de seus gastos particulares.[33] Na contramão disso, por exemplo, vão os chamados tributos indiretos, onde a carga tributária é suportada, ao fim e ao cabo, pelo consumidor final e que incidem sobre os produtos que compõem a cesta básica de alimentos. Portanto, quem paga o tributo é justamente aquele que menos capacidade contributiva tem para fazê-lo.[34] É necessário, outrossim, fazer o contraponto referente aos tributos que possuem alguma função extrafiscal, isto é, buscam o atingimento de outros objetivos que não a arrecadação. Quando isso ocorre, é possível que se admita um tributo com uma carga aparentemente abusiva, ou até mesmo confiscatória, para criar ou evitar determinada situação, tudo em prol de um bem maior da coletividade, como preservação do meio ambiente.[35] Nesse sentido e destoando da doutrina e jurisprudência majoritárias, Machado, embora refira que as multas devam guardar correspondência com a gravidade da infração praticada, entende que a vedação ao confisco não deve ser aplicada às multas fiscais, posto que tributo e multa são figuras completamente distintas, sendo que esta busca desencorajar a prática de comportamentos contrário ao direito e, por essa razão, deve ser pesada e representar verdadeiro sacrifício ao infrator, sob pena de perder todo o sentido.[36] É importante sublinhar, também, que o sistema tributário objetiva um equilíbrio entre arrecadação e preservação de direitos fundamentais, ou seja, nem a propriedade é tão protegida a ponto de impedir qualquer tipo de tributação, nem a tributação é autorizada a ponto de aniquilar a propriedade privada.[37] Esse equilíbrio também se refere ao valor pago a título de tributo e o retorno em serviços sociais ao cidadão, sendo que quando a tributação atinge de forma abusiva o direito de propriedade, tal equilíbrio já tão precário torna-se inexistente.[38] De fato, a exata medida da presença ou não de efeito confiscatório será verificada a partir da análise de cada caso concreto, sempre tendo em mente os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e dignidade da pessoa humana, sendo que, verificada a presença do referido efeito, o poder judiciário poderá ser chamado para afastar do mundo jurídico a lei que permitiu a existência de confisco.[39] 2.2 Quantificação do confisco em relação às multas tributárias feita pela jurisprudência Para alcance do desiderato explicitado no título do presente tópico, oportuna e necessária será a incursão em julgados emblemáticos que tentaram mensurar quantitativamente o limite entre multas legítimas e multas com natureza confiscatória, o que se passa a fazer nas linhas a seguir. Na tentativa de encontrar um parâmetro concreto para a caracterização de confisco, o Supremo Tribunal Federal já buscou aspectos históricos como, por exemplo, o texto da Constituição Federal de 1934 que possuía previsão expressa limitando o percentual aplicável a título de multa fiscal fixando em seu artigo 184, parágrafo único: “As multas de mora, por falta de pagamento de impostos ou taxas lançadas, não poderão exceder de dez por cento sobre a importância do débito”.[40] No entanto, no mesmo julgado acima referido, a Corte Suprema salienta que a Constituição atual não possui cláusula com tal especificidade, cabendo, portanto, ao prudente arbítrio do juiz a definição do que seja ou não confiscatório. E tal juízo deve ser feito nas instâncias ordinárias, posto que envolve o conjunto fático probatório, cuja análise não cabe ao Supremo Tribunal Federal. Na mesma linha, em outra oportunidade, o Pretório Excelso fixou que não seria possível afirmar que uma multa, fixada no patamar equivalente a 77% do montante do tributo cobrado, seria confiscatória, sendo necessário, para se chegar a tal conclusão, a análise do caso concreto, posto que do referido percentual não se sobressai clara natureza confiscatória.[41] Valendo-se dessa prerrogativa de julgamento das questões fáticas o Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, em judicioso voto vencido proferido em arguição de inconstitucionalidade no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reputou inconstitucional multa moratória fixada no patamar de 60% do valor do tributo, tendo em vista que tal patamar elevado já não possuía a justificativa de outrora, quando as multas não sofriam correção monetária, nem tampouco a incidência de juros. Diante disso, a multa moratória de 60% se apresentava confiscatória, posto que afetava até mesmo a livre concorrência, tornando inviável que empresas brasileiras disputem em pé de igualdade com empresas estrangeiras que não precisam lidar com multas tão onerosas.[42] Inobstante o brilhante voto acima referido, prevaleceu na citada arguição de inconstitucionalidade o voto proferido pelo Desembargador Federal Néfi Cordeiro para quem a multa moratória de 60% não era confiscatória, posto que as multas precisam ser maiores que os gastos corriqueiros da atividade empresarial, tendo em vista o necessário caráter pedagógico que possuem no sentido de inibir o cometimento de infrações à legislação tributária.[43] O que se verifica, portanto, é que não existe um consenso acerca do que seja uma multa confiscatória, existindo, isso sim, interpretações que, caso a caso, consideram ou não determinando patamar como confiscatório. Entretanto, a Suprema Corte proferiu julgamento esclarecedor sobre o tema e que talvez servirá de parâmetro para as decisões a serem proferidas a partir de então. Passemos à sua análise. 2.3 Quantificação clara e criteriosa do que venha a ser uma multa confiscatória feita pelo Supremo Tribunal Federal O mencionado julgamento foi proferido nos autos do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 727.872/RS, que contou com a relatoria do Ministro Roberto Barroso, sendo que o contribuinte buscava o reconhecimento do caráter confiscatório de multa moratória fixada no patamar de 30% sobre o valor do tributo. Eis a ementa do julgado:[44] “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA DE 30%. CARÁTER CONFISCATÓRIO RECONHECIDO. INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO À LUZ DA ESPÉCIE DE MULTA. REDUÇÃO PARA 20% NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto. 2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação do patamar de 20% do valor da obrigação principal. 3. Agravo regimental parcialmente provido para reduzir a multa ao patamar de 20%.” Sublinhando que o princípio do não confisco trata-se de uma cláusula aberta que necessita ser concretizada em cada caso, o Ministro Barroso refere que esse entendimento é que fez surgirem precedentes deixando de apreciar recursos extraordinários com tal temática, por conta do necessário ingresso no conteúdo fático de cada caso.[45] Contudo, a prevalecer tal entendimento, o Supremo Tribunal Federal criaria um óbice intransponível à aplicação do princípio constitucional da vedação ao confisco justamente pela Corte responsável pela defesa da Carta Maior, o que não parece razoável, diante do que passou-se à análise do apelo extremo. Para se dosar a aplicabilidade da vedação ao confisco, o julgador atentou para o caráter subjetivo da conduta do contribuinte, sendo que aqui vale a transcrição do trecho pertinente da decisão: “9. Obviamente, não se está aqui a tratar de direito penal, mas de todo modo estamos no âmbito do direito sancionador. Genericamente, sempre que o antecedente de uma norma for um comportamento reprovável e o consequente uma punição, é absolutamente indispensável fazer uma análise do elemento subjetivo da conduta. Isso se torna evidente quando se verifica ser unânime o sentimento de que uma multa decorrente de um equívoco em uma declaração não pode ser quantitativamente equivalente àquela que deverá ser aplicada em desfavor de um contribuinte que emite notas fiscais falsas para locupletar-se de operações que não ocorreram.”[46] (Grifo nosso) A partir daí foi feita uma diferenciação entre as multas punitivas e moratórias, sendo que as primeiras mereceriam reprimenda maior do que as segundas. Assim, fazendo uma incursão nas decisões proferidas pelo Pretório Excelso acerca do percentual aplicável a título de multas tributárias, sem que exista caráter confiscatório, O Ministro Barroso chegou à conclusão de que a multa de 20%, com o intuito de desencorajar a mora, estaria de bom tamanho, sobretudo pelo caráter menos gravoso da impontualidade no pagamento.[47] Por outro lado, em relação às multas punitivas, o Ministro entendeu que a natureza pedagógica da multa deve prevalecer, tendo em vista a maior gravidade das infrações e necessidade de desestímulo de tais condutas. Dessa feita, entendeu que o percentual de 100% seria suficiente para tal desiderato, sendo que multas punitivas acima desse patamar podem ser consideradas confiscatórias.[48] Em suma, valendo-se de critérios claros e objetivos o julgamento em questão fixou como limite, a partir do qual a penalidade se torna confiscatória, o percentual de 20% para as multas moratórias e, para multas punitivas, 100%, de tal modo que sintetizou as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal até então e, muito provavelmente, será utilizada como precedente para futuras decisões trazendo um pouco mais de segurança jurídica ao sistema tributário vigente. Assim, através desse pequeno estudo buscou-se demonstrar a aplicabilidade da vedação ao confisco também em relação às multas fiscais, bem como o posicionamento jurisprudencial quanto à matéria, em especial, a quantificação do que venha a ser uma multa confiscatória. CONCLUSÃO Com o presente trabalho, através de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial, buscou-se evidenciar, num primeiro momento, que as multas decorrem basicamente do descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias e buscam punir a transgressão, mas também estimular o contribuinte ao cumprimento da legislação tributária. Bem assim, salientou-se que tais multas, embora possuam o caráter pedagógico e punitivo, devem ser dosadas de acordo com a razoabilidade, sendo-lhes plenamente aplicável a vedação ao confisco tributário em caso de abusos. Salientou-se que o princípio do não confisco consagra a ideia de que o tributo e, conforme salientado no estudo em questão, também a multa fiscal, não podem atingir parcela do patrimônio do contribuinte que diga respeito ao mínimo vital para a mantença da pessoa física, sendo que, quando se tratar de pessoa jurídica, o mínimo vital equivaleria à manutenção da atividade empresarial. Ainda, tendo em vista a vagueza que se sobressai do aludido princípio, realizou-se uma pesquisa jurisprudencial com enfoque nos julgados que buscaram quantificar o que seria uma multa confiscatória, sendo que restou verificado que os tribunais pátrios ainda não possuem um consenso quanto a isso. Por fim, fora estudado julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, que aparentemente é o mais claro acerca da matéria existente até então, onde restou fixada a necessidade de análise da gravidade da conduta do agente para a quantificação da multa aplicável. Nessa linha, quando se tratar de infração meramente formal, como, por exemplo, o atraso na entrega de determinada declaração, a multa aplicável não poderá ultrapassar o patamar de 20% sobre o crédito tributário; ao passo que, quando a infração tiver nítido caráter evasivo, como o não recolhimento do tributo, aí então o teto para a multa será de 100% sobre o valor do crédito tributário. Com isso, restou demonstrada a evolução doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicabilidade da vedação ao confisco em relação às multas tributárias, bem como sua quantificação dentro de tal limite, culminando com a decisão da Suprema Corte acima referida que, muito provavelmente, servirá de parâmetro para os próximos julgados que tratarem da matéria.
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Da imunidade tributária das entidades beneficentes da assistência social segundo a Constituição Federal de 1988. Requisitos e benefícios
O presente artigo tem como finalidade discorrer, especificamente, sobre as peculiaridades das imunidades tributárias concebidas pela Constituição Federal de 1988 em face das entidades beneficentes da assistência social, analisando quais são os requisitos para sua obtenção de acordo com a legislação tributária infraconstitucional, e, por fim, quando obtida, quais são os benefícios da sua obtenção.
Direito Tributário
1. Imunidade Tributária – Conceito. As imunidades tributárias consistem em limitações das competências tributárias dos entes federativos, previstas no texto constitucional, as quais obstam a própria incidência legislativa em relação ao nascituro da obrigação tributária em relação a bens, pessoas, operações e serviços. Nestes termos, pode-se afirmar, em suma, que a característica peculiar da imunidade tributária consiste em sua previsão expressa no texto constitucional, afim de excluir a competência tributária dos entes federativos em relação ao seu poder de tributar sobre determinados fatos ou atos.  Neste sentido, são as palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho: “O preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a Isenção se dá no plano da legislação ordinária[1]”. Imperioso aqui destacar que a imunidade se difere da isenção em razão da primeira atuar no plano da definição de competência, e a segunda no plano do exercício da competência, conforme preconiza o ilustre doutrinador. Todavia, existem dispositivos constitucionais que veiculam a “falsa” ideia de haver previsão expressa no texto constitucional de hipóteses de isenção, conforme redação dos artigos 184, §5º e 195, §7º, in verbis: “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.  Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:  § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Fato notório é, de acordo com a premissa ventilada no presente tópico, que tais dispositivos elencados no bojo do texto constitucional são regras de imunidade e não comandos isencionais, uma vez que estes configuram-se quando sua previsão estiver no âmbito da legislação infraconstitucional. Em consonância com esta afirmação, citemos a título de exemplo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMUNIDADE. CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CEBAS. DIREITO ADQUIRIDO. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte é no sentido de que não existe direito adquirido à manutenção de regime jurídico de imunidade tributária. Precedentes. II – A Constituição Federal de 1988, no seu art. 195, § 7º, conferiu imunidade às entidades beneficentes de assistência social em relação às contribuições para a Seguridade Social, desde que atendidos os requisitos definidos por lei. III – A decisão judicial invocada pela agravante somente garantiu que a renovação do CEBAS fosse apreciada à luz da legislação então vigente e o Ministro de Estado da Previdência Social, ao efetuar essa análise, entendeu que os requisitos não foram preenchidos. Afastar essa conclusão demandaria o reexame do conjunto probatório, que se mostra inviável nesta via. IV – Agravo regimental desprovido”[2]. Portanto, de acordo com as considerações acima esposadas, percebe-se que os institutos da imunidade e das isenções não se confundem uma vez que, enquanto uma encontra fundamento nas normas constitucionais, a outra encontra fundamento nas normas infraconstitucionais. 2. Imunidades Gerais do Art. 150, VI, da CF/88. As denominadas “imunidades gerais” são aquelas delineadas nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988, in verbis: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre:   a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser” O dispositivo trazido à baila, conforme se observa claramente na redação de seu inciso VI, faz menção expressa ao “imposto”, para fins de delimitar a não incidência deste tributo sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos sujeitos delimitados nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”. A alínea “a” do dispositivo doravante analisado preleciona acerca da denominada “imunidade recíproca”, classificada como objetiva, a qual impede que os impostos incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dos entes políticos, desde a receita auferida seja voltada para as suas finalidades essenciais. A imunidade objetiva prevista na alínea “b”, é aquela conhecida como “imunidade religiosa” pelo fato de afastar a incidência dos impostos sobre os “templos de qualquer culto”, o que nos leva a conclusão de que tal benesse contempla os prédios aonde ocorrem os cultos religiosos. A imunidade prevista na alínea “c” refere-se as imunidades subjetivas dos partidos políticos, dos sindicatos de empregados, das instituições de educação e, por fim, das entidades de assistência social, estas últimas as quais serão minuciosamente estudadas no presente artigo. A imunidade objetiva delineada na alínea “d”, é aquela inerente a não incidência dos impostos sobre operações com livros, jornais, periódicos e os papeis destinados a sua impressão. De acordo com a doutrina, tal imunidade “tem por objetivo estimular a disseminação de cultura e de ideias em geral[3]”. A alínea “e”, incluída pela Emenda Constitucional nº 75/2013, estabelece a imunidade tributária objetiva para os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, os quais neles estão contidos obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como suportes materiais ou arquivos digitais que os contenha. A título de esclarecimentos, imperioso se faz salientar que fonogramas e videofonogramas consistem em gravações ou registros de som (fonogramas) ou de som e imagem ( videofonogramas”; são o conteúdo considerados em si mesmo, independentemente do suporte, que pode ser material ou imaterial; é a gravação da execução de determinada música, ou videoclipe produzido e gravado não importa aonde. Assim, a alínea ‘e”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88, preleciona que são imunes os “fonogramas e videofonogramas musicais”, que contenham “obras musicais ou litero musicais de autores brasileiros”. Pois bem, delineadas as considerações no presente tópico, inerentes as imunidades tributárias de uma forma geral, cumpre adentrarmos a imunidade delineada na aliena “c”, o inciso VI, do artigo 150, da CF/88, a qual da ensejo a titulação do presente artigo. 3. Definição de “instituição da Assistência Social”. O primeiro requisito básico exigido para usufruto da benesse inerente a imunidade tributária delineada na parte final da alíena “c”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88, é determinada instituição ser classificada como “entidade beneficente da assistência social”. O ilustre professor Sabo[4], citando Ives Gandra, preleciona que “as instituições de assistência social são aquelas pessoas jurídicas de direito privado, associações civis, fundações e serviços sociais dedicados à previdência, saúde e assistência social” Neste sentido, é o que dispõe o artigo 3º, da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei nº 8.742/93), in verbis: Art. 3o Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. Conforme depreende-se na redação do artigo trazido à baila, é considerada então instituição de assistência social aquela que cumpra os requisitos básicos instituídos em Lei, para fins de usufruto da benesse da imunidade tributária capitaneada na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da CF/88. Pois bem, além dos requisitos previstos em lei, para usufruir da imunidade tributária é necessário que a instituição de assistência social cumpra outros requisitos básicos para tal enquadramento, qual seja a “ausência de fins lucrativos”. Para o ilustre doutrinador Paulo Ayres Barreto, consideram-se entidades sem fins lucrativos: “É instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o fazer retornar seu patrimônio à pessoas que a instituíram. Pata que sejam classificados como “sem fins lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não distribuam lucros (mais correto seria dizer seus superávits); e b) não revertam seu patrimônio às pessoas que as criaram. Preenchidos esses pressupostos, tem-se instituição sem fins lucrativos[5]. Imperioso se faz salientar que é admitido, segundo a análise da legislação que rege matéria (CTN e Lei 12.101/09), que a entidades beneficentes da assistência social obtenham lucro no exercício de suas atividades, pois a ausência de fins lucrativos não implica, necessariamente, na prestação gratuita de serviços. O que não é permitido, de acordo com a legislação (Arts. 14 do CTN c/c 29, V, da Lei 12.101/09), é a distribuição ou apropriação dos resultados financeiros pelos seus sócios, dirigentes ou empregados, uma vez que todo e qualquer rendimento da entidade deve ser, obrigatoriamente revertidos em suas finalidades essenciais. Além de sua renda, também devem ser direcionados as suas finalidades essenciais todo o seu patrimônio e serviços, conforme preceitua o §4º, do artigo 150, da CF/88, in verbis: “Art. 150. (….)  § 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Assim, de acordo com o dispositivo constitucional supramencionado, observa-se que a imunidade tributária terá seu alcance ampliado ou diminuído dependendo da destinação de seu patrimônio, renda e serviços, os quais devem, obrigatoriamente, conforme suscitado, estarem direcionados as suas finalidades essenciais para fins de usufruto do benefício constitucional doravante analisado. 4. Imunidade Tributária das Entidades beneficentes da Assistência Social. Conforme mencionado nos tópicos anteriores, percebe-se que as entidades beneficentes da assistência social usufruem da imunidade em relação ao dever de pagar impostos, conforme previsão expressa do artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal. Destaque-se, conforme já mencionado no típico anterior, que o usufruto da imunidade em relação aos impostos pelas entidades beneficentes da assistência social, diz respeito, tão somente, em relação ao seu patrimônio (IPTU, IPVA, ITR), renda (IRPJ) ou serviços (ISS, ICMS), relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas, conforme prevê o §4º, do artigo 150, da CF/88. Ademais, imperioso se faz registrar que além da imunidade em relação a incidência de impostos em relação ao seu patrimônio, renda e serviços, conforme suscitado, as entidades beneficentes usufruem da benesse da imunidade tributária em relação, também, as contribuições para a seguridade social, conforme preleciona o §7º, do artigo 195, da Constituição Federal in verbis:  “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:  §7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Portanto, em um primeiro momento, percebe-se que o texto constitucional atribui as denominadas entidades beneficentes da assistência social o direito ao usufruto da imunidade tributária em relação a impostos e as contribuições para seguridade social, conforme preceituam os artigos 150, VI, “c” c/c 195, §7º. Quanto as demais modalidades de tributos, tais como as taxas e demais contribuições, tais entidades são normalmente passíveis de tributação em razão da ausência de norma constitucional que as exonere de tal obrigação. Assim, de acordo com as considerações esposadas no presente tópico, passemos a adentrar, de forma mais profunda, a análise individual das imunidades das entidades beneficentes a assistência social em relação aos tributos mencionados ao longo do presente tópico, à luz de seus respectivos comandos normativos constitucionais e infraconstitucionais. 5. Do reconhecimento da Imunidade Tributária A Imunidade Tributária, como fenômeno de natureza constitucional, tem todos os seus casos expressos na Constituição Federal e, por via de regra, é uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Contudo, no que diz respeito as entidades beneficentes da assistência social, “a regra constitucional da imunidade tributária é uma norma de eficácia contida e de aplicabilidade condicionada, porquanto se exige uma efetiva comprovação de atendimento a exigências infraconstitucionais[6]”. Neste sentido, o direito a usufruto da imunidade tributária pelas entidades beneficentes da assistência social não é reconhecida automaticamente, uma vez que é necessário que estas efetuem o requerimento perante a autoridade administrativa competente, para que esta reconheça o direito ao benefício imunizante através de ato declaratório (CEBAS) ou despacho devidamente fundamentado, desde que seja demonstrado pela instituição do atendimento dos quesitos/exigências previstos(as) em lei, conforme expressamente previsto na parte final da alínea “c[7]”, do inciso VI, do artigo 150, bem como do §7º[8], do artigo 195, da Constituição Federal. Assim, nos tópicos a seguir analisaremos os quesitos previstos na legislação infraconstitucional os quais dão ensejo a obtenção das imunidades tributárias em apreço, pelas entidades beneficentes da assistência social. 5.1. Do reconhecimento da Imunidade tributária em relação a Impostos – Arts. 150, VI, “c” da CF/88 c/c 9º, IV, “c”, do CTN. A vedação constitucional de instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços das instituições de assistência social sem fins lucrativos, disposta no art. 150, VI, “c”, está condicionada ao atendimento dos requisitos previstos em lei, conforme suscitado nos tópicos anteriores. Importante salientar que a imunidade constitucional em apreço, insculpida no texto constitucional, possui reflexo infraconstitucional de acordo com a norma prevista no artigo 9º, IV, do Código Tributário Nacional, abaixo transcrito: “Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – cobrar imposto sobre: a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; b) templos de qualquer culto;  c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros”. Pois bem, nos termos do artigo 146, II, da CF/88, a imunidade tributária trata-se de uma limitação constitucional do poder de tributar, assim sendo, há se ser exigida a edição de uma lei complementar para tratar da matéria pertinente a imunidade tributária das instituições sem fins lucrativos. O Código Tributário Nacional tendo sido recepcionado pela CF/88 no patamar de “Lei Complementar”, por intermédio do artigo 34[9], §5[10]º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, ao regular as limitações constitucionais ao poder de tributar por intermédio do dispositivo supramencionado (Art. 9º), enumera em seu artigo 14 os requisitos necessários para usufruto da imunidade tributária em relação a impostos, pelas instituições beneficentes da assistência social sem fins lucrativos (Art. 150, VI, “c”), senão veja-se: “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos”. Nestes termos, percebe-se que é competência do Código Tributário Nacional, na qualidade de Lei Complementar, a competência de estabelecer os quesitos que dão ensejo a usufruto da imunidade tributária em relação aos impostos pelas entidades beneficentes da assistência social, devendo estas obrigatoriamente cumpri-los na integra. Neste sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 150, VI, “C”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA REFERIDA IMUNIDADE ÀS APLICAÇÕES FINANCEIRAS. POSSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional, além de suas aplicações financeiras. Precedentes: RE 183.216-AgR-ED, rel. min. Marco Aurélio, DJ de 02.06.2000; RE 232.080-AgR, rel. min. Nelson Jobim, DJ de 31.10.2001; RE 230.281-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 01.08.2003; RE 424.507-AgR, rel. min. Carlos Velloso, DJ de 22.10.2004. 2. Este Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 1.802-MC, da Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13.02.2004, suspendeu, até a decisão final da ação direta, a eficácia do § 1º do artigo 12 da Lei 9.532/97. 3. O presente tema não guarda identidade com o RE 611.510-RG, atualmente sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, cuja repercussão geral foi reconhecida por esta Corte, restando evidenciado o divórcio ideológico entre as razões do regimental e o que foi decidido no Tribunal a quo. Incidência da Súmula 284 do STF verbis: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – INSTITUIÇÃO DEDICADA À ASSISTÊNCIA SOCIAL – ARTIGO 150, VI, “C” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 14 DO CTN – LEI Nº 9532/1997 – EXCLUSÃO DA IMUNIDADE DOS RENDIMENTOS E GANHOS DE CAPITAL AUFERIDOS EM APLICAÇÕES FINANCEIRAS – VIGÊNCIA SUSPENSA. 1. A Constituição Federal assegura imunidade tributária às instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, no que se refere à instituição de impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou serviços relacionados às suas finalidades essenciais, desde que sejam cumpridos os requisitos contidos no art. 14 do CTN. 2. O parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição, ao determinar que a imunidade concerne apenas ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com suas finalidades essenciais, não exclui os rendimentos decorrentes das aplicações financeiras que são vertidos aos objetivos da própria entidade, como ocorre com a renda auferida a partir das suas atividades assistenciais, ou mesmo da comercialização de seus bens. 3. A imunidade não é restrita apenas à renda decorrente do objeto social da entidade, mas sim toda aquela auferida de forma regular visando resguardar o seu patrimônio dos efeitos corrosivos da inflação, como ocorre com as aplicações financeiras. 4. O art. 12, § 1º da Lei nº L. 9.532/97, lei ordinária, excluiu da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. 5. Ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal, que determina competir à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. 6. A imposição tributária também estaria tributando o patrimônio da entidade, o que é vedado pela Constituição Federal, porquanto as aplicações financeiras não têm a finalidade de auferir lucros, mas sim de resguardar o patrimônio dos efeitos corrosivos da inflação. 7. O dispositivo teve sua vigência suspensa por força de decisão proferida em Medida Cautelar na ADIN nº 1802.” 5. NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental”[11].(grifamos) Por fim, importante salientar que qualquer outra lei que não seja complementar, que amplie ou estabeleça quesitos a serem cumpridos pelas entidades beneficentes da assistência social para fins de usufruto da imunidade tributária em relação a impostos constantes na alínea “c”, do inciso VI, do art. 150, da CF/88, tal como a Lei Federal nº 9.532/93, a qual possui patamar de “Lei Ordinária”, é passível de ser declarada inconstitucional, conforme exemplo prático pertinente ao objeto da ADIN nº 1.802-3/DF. 5.2. Do reconhecimento da Imunidade Tributária em relação as Contribuições para a Seguridade Social – Art. 195, §7º, da CF/88. Como dito em alhures, a vedação constitucional em relação ao dever de recolhimento das contribuições para a seguridade social pelas instituições beneficentes da assistência social, prevista no artigo 195, §7º, da Carta Magna, está condicionada ao atendimento de exigências e requisitos previstos na lei infraconstitucional. Pois bem, a princípio é importante destacar que “as exigências estabelecidas em lei” previstas no final da redação do §7º, do artigo 195, não podem ser remetidas aos requisitos dispostos no artigo 14, do Código Tributário Nacional, o qual se refere expressamente apenas a não incidência de impostos, conforme amplamente discorrido no tópico anterior. A expressão “exigências estabelecidas em lei” prevista na parte final do dispositivo em referência, faz alusão aos requisitos delimitados na lei 12.101/09, a qual dispõe sobre “a certificação das entidades beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção para a seguridade social”. Assim, a Lei 12.101/09 estabelece os requisitos a serem cumpridos pelas entidades beneficentes da assistência social afim de usufruírem da imunidade tributária em relação as contribuições para a seguridade social delimitadas nos incisos do artigo 195 do texto constitucional, bem como dos artigos 22 e 23 da Lei 8.212/91, através de seu artigo 29, incisos de I a VIII, in verbis: “Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos”: I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos, exceto no caso de associações assistenciais ou fundações, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações; II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto; VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial; VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária; VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.” Atualmente a lei em análise (12.101/09), a qual revogou diversos dispositivos da lei 8.212/91, é a legislação vigente que dispõe sobre os procedimentos de certificação das entidades beneficentes da assistência social para fins de usufruto da “isenção”, leia-se imunidade, insculpida no §7º, do artigo 195, da CF/88, em relação as contribuições para a seguridade social. Portanto, a entidade beneficente da assistência social que almeje o reconhecimento do direito ao usufruto da imunidade tributária em relação as contribuições para a seguridade social, deverá obrigatoriamente atender os requisitos cumulativos insculpidos nos incisos I a VIII, do artigo 29, da Lei 12.101/09 (que alterou o artigo 55, da Lei 8.212/91), já que é esta a legislação competente para regular a matéria, nos contornos delimitados na parte final da redação do §7º, do artigo 195, da CF/88. Neste sentido, são as palavras de José Eduardo Sabo: “Registre-se, também, que a Lei 8.212, de 24.07.1991, que dispôs sobre a organização da Seguridade Social e instituiu o Plano de Custeio, trata, no seu art. 55, II (artigo revogado pela novel lei nº 12.101/09 a seguir comentada), dos requisitos que devem ser atendidos pelas entidades beneficentes de assistência social para ficarem isentas da contribuição a carga da empresa, destinadas à Seguridade Social[12]”. Em consonância com a afirmação acima dardejada, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REPERCUSSÃO GERAL CONEXA. RE 566.622. IMUNIDADE AOS IMPOSTOS. ART. 150, VI, C, CF/88. IMUNIDADE ÀS CONTRIBUIÇÕES. ART. 195, § 7º, CF/88. O PIS É CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL (ART. 239 C/C ART. 195, I, CF/88). A CONCEITUAÇÃO E O REGIME JURÍDICO DA EXPRESSÃO “INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCAÇÃO” (ART. 150, VI, C, CF/88) APLICA-SE POR ANALOGIA À EXPRESSÃO “ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSITÊNCIA SOCIAL” (ART. 195, § 7º, CF/88). AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR SÃO O CONJUNTO DE PRINCÍPIOS E IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS (ART. 146, II, CF/88). A EXPRESSÃO “ISENÇÃO” UTILIZADA NO ART. 195, § 7º, CF/88, TEM O CONTEÚDO DE VERDADEIRA IMUNIDADE. O ART. 195, § 7º, CF/88, REPORTA-SE À LEI Nº 8.212/91, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL (MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Pleno, DJ 25/10/2002). O ART. 1º, DA LEI Nº 9.738/98, FOI SUSPENSO PELA CORTE SUPREMA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). A SUPREMA CORTE INDICIA QUE SOMENTE SE EXIGE LEI COMPLEMENTAR PARA A DEFINIÇÃO DOS SEUS LIMITES OBJETIVOS (MATERIAIS), E NÃO PARA A FIXAÇÃO DAS NORMAS DE CONSTITUIÇÃO E DE FUNCIONAMENTO DAS ENTIDADES IMUNES (ASPECTOS FORMAIS OU SUBJETIVOS), OS QUAIS PODEM SER VEICULADOS POR LEI ORDINÁRIA (ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91). AS ENTIDADES QUE PROMOVEM A ASSISTÊNCIA SOCIAL BENEFICENTE (ART. 195, § 7º, CF/88) SOMENTE FAZEM JUS À IMUNIDADE SE PREENCHEREM CUMULATIVAMENTE OS REQUISITOS DE QUE TRATA O ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91, NA SUA REDAÇÃO ORIGINAL, E AQUELES PREVISTOS NOS ARTIGOS 9º E 14, DO CTN. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OU APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL DE FORMA INVERSA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). INAPLICABILIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI Nº 9.715/98, E DO ART. 13, IV, DA MP Nº 2.158-35/2001, ÀS ENTIDADES QUE PREENCHEM OS REQUISITOS DO ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91, E LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE, A QUAL NÃO DECORRE DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESTES DISPOSITIVOS LEGAIS, MAS DA IMUNIDADE EM RELAÇÃO À CONTRIBUIÇÃO AO PIS COMO TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EX POSITIS, CONHEÇO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, MAS NEGO-LHE PROVIMENTO CONFERINDO EFICÁCIA ERGA OMNES E EX TUNC. (….) 10. A expressão “isenção” equivocadamente utilizada pelo legislador constituinte decorre de circunstância histórica. O primeiro diploma legislativo a tratar da matéria foi a Lei nº 3.577/59, que isentou a taxa de contribuição de previdência dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões às entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos membros de sua diretoria não percebessem remuneração. Destarte, como a imunidade às contribuições sociais somente foi inserida pelo § 7º, do art. 195, CF/88, a transposição acrítica do seu conteúdo, com o viés do legislador ordinário de isenção, gerou a controvérsia, hodiernamente superada pela jurisprudência da Suprema Corte no sentido de se tratar de imunidade. 11. A imunidade, sob a égide da CF/88, recebeu regulamentação específica em diversas leis ordinárias, a saber: Lei nº 9.532/97 (regulamentando a imunidade do art. 150, VI, “c”, referente aos impostos); Leis nº 8.212/91, nº 9.732/98 e nº 12.101/09 (regulamentando a imunidade do art. 195, § 7º, referente às contribuições), cujo exato sentido vem sendo delineado pelo Supremo Tribunal Federal. 12. A lei a que se reporta o dispositivo constitucional contido no § 7º, do art. 195, CF/88, segundo o Supremo Tribunal Federal, é a Lei nº 8.212/91 (MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Pleno, DJ 25/10/2002). 13. A imunidade frente às contribuições para a seguridade social, prevista no § 7º, do art. 195, CF/88, está regulamentada pelo art. 55, da Lei nº 8.212/91, em sua redação original, uma vez que as mudanças pretendidas pelo art. 1º, da Lei nº 9.738/98, a este artigo foram suspensas (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). 14. A imunidade tributária e seus requisitos de legitimação, os quais poderiam restringir o seu alcance, estavam estabelecidos no art. 14, do CTN, e foram recepcionados pelo novo texto constitucional de 1988. Por isso que razoável se permitisse que outras declarações relacionadas com os aspectos intrínsecos das instituições imunes viessem regulados por lei ordinária, tanto mais que o direito tributário utiliza-se dos conceitos e categorias elaborados pelo ordenamento jurídico privado, expresso pela legislação infraconstitucional. 15. A Suprema Corte, guardiã da Constituição Federal, indicia que somente se exige lei complementar para a definição dos seus limites objetivos (materiais), e não para a fixação das normas de constituição e de funcionamento das entidades imunes (aspectos formais ou subjetivos), os quais podem ser veiculados por lei ordinária, como sois ocorrer com o art. 55, da Lei nº 8.212/91, que pode estabelecer requisitos formais para o gozo da imunidade sem caracterizar ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal, ex vi dos incisos I e II, verbis: Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009) I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009); II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996)….(….) 17. As entidades que promovem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, somente fazem jus à concessão do benefício imunizante se preencherem cumulativamente os requisitos de que trata o art. 55, da Lei nº 8.212/91, na sua redação original, e aqueles prescritos nos artigos 9º e 14, do CTN. (….) 20. A Suprema Corte já decidiu que o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, com relação às exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade aí prevista, determina apenas a existência de lei que as regule; o que implica dizer que a Carta Magna alude genericamente à “lei” para estabelecer princípio de reserva legal, expressão que compreende tanto a legislação ordinária, quanto a legislação complementar (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). (…) 22. In casu, descabe negar esse direito a pretexto de ausência de regulamentação legal, mormente em face do acórdão recorrido que concluiu pelo cumprimento dos requisitos por parte da recorrida à luz do art. 55, da Lei nº 8.212/91, condicionado ao seu enquadramento no conceito de assistência social delimitado pelo STF, mercê de suposta alegação de que as prescrições dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional não regulamentam o § 7º, do art. 195, CF/88. 23. É insindicável na Suprema Corte o atendimento dos requisitos estabelecidos em lei (art. 55, da Lei nº 8.212/91), uma vez que, para tanto, seria necessária a análise de legislação infraconstitucional, situação em que a afronta à Constituição seria apenas indireta, ou, ainda, o revolvimento de provas, atraindo a aplicação do verbete da Súmula nº 279. Precedente. AI 409.981-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 13/08/2004. 24. A pessoa jurídica para fazer jus à imunidade do § 7º, do art. 195, CF/88, com relação às contribuições sociais, deve atender aos requisitos previstos nos artigos 9º e 14, do CTN, bem como no art. 55, da Lei nº 8.212/91, alterada pelas Lei nº 9.732/98 e Lei nº 12.101/2009, nos pontos onde não tiveram sua vigência suspensa liminarmente pelo STF nos autos da ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000. 25. As entidades beneficentes de assistência social, como consequência, não se submetem ao regime tributário disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e no art. 13, IV, da MP nº 2.158-35/2001, aplicáveis somente àquelas outras entidades (instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos) que não preenchem os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, ou da legislação superveniente sobre a matéria, posto não abarcadas pela imunidade constitucional. 26. A inaplicabilidade do art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e do art. 13, IV, da MP nº 2.158-35/2001, às entidades que preenchem os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, e legislação superveniente, não decorre do vício da inconstitucionalidade desses dispositivos legais, mas da imunidade em relação à contribuição ao PIS como técnica de interpretação conforme à Constituição. 27. Ex positis, conheço do recurso extraordinário, mas nego-lhe provimento conferindo à tese assentada repercussão geral e eficácia erga omnes e ex tunc. Precedentes. RE 93.770/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, 1ª Turma, DJ 03/04/1981. RE 428.815-AgR/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 24/06/2005. ADI 1.802-MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 13-02-2004. ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000”[13]”. Portanto, de acordo com as considerações esposadas ao longo do presente tópico, no que diz respeito ao usufruto da imunidade em relação as contribuições para a seguridade social, prevista no §7º, do artigo 195, da CF/88, as exigências legais a serem atendidas não são aquelas insculpidas no artigo 14, do CTN, mas sim dispostas no art. 29, da Lei Ordinária de nº12.101/09, a qual alterou diversos dispositivos da Lei 8.212/91, conforme outrora salientado. 6. Da necessidade de lei complementar ou ordinária para fins de regulamentação das imunidades tributárias existentes nos artigos 150, VI, “c” e 195, §7º, da CF/88. Muito é discutido pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores acerca de qual espécie de “lei” seria legitimamente editada para fins de regulamentar, no âmbito infraconstitucional, as imunidades tributárias previstas nos artigos 150, VI, “c”, e 195, §7º, da Constituição Federal. Pois bem, antes de tecermos comentários sobre a controvérsia em análise, insta trazer à baila o que preleciona o artigo 146, II, da Carta Magna: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:” (grifamos) O dispositivo em referência atribui expressamente a lei complementar a competência para “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”, ou seja, no âmbito infraconstitucional, toda e qualquer norma inerentes aos procedimentos e requisitos a serem preenchidos pelos sujeitos contemplados pelo texto constitucional para usufruto da benesse da imunidade tributária, deverá ser editada em status de “Lei Complementar”. Conforme já ventilado por diversas ocasiões nos tópicos anteriores do presente trabalho, no que diz respeito a imunidade tributária das entidades beneficentes da assistência social em relação a impostos, os requisitos para usufruto de tal benefício estão devidamente enumerados no artigo 14, do Código Tributário Nacional, o qual por intermédio do art. 34, §5º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, possui patamar de “Lei Complementar”, estando em plena sintonia com a norma estampada no artigo 146, II, do texto constitucional. O problema diz respeito à norma infraconstitucional regulamentadora dos procedimentos e requisitos para usufruto da imunidade tributária em relação as contribuições para a seguridade social, senão veja-se. A presente controvérsia diz respeito ao fato de que a Constituição Federal teria indicado, quando determinou que a imunidades tributária das entidades beneficentes da assistência social, seria mediante o “atendimento das exigências estabelecidas em lei” (arts. 150, VI, 195, §7º), em observância ao que dispõe o artigo 146, II, ou seja, uma “lei complementar”, ou se de fato seria possível tal regulamentação por intermédio de “lei ordinária”, uma vez que a parte final dos dispositivos que regem a matéria não atribuíram expressamente tal competência a lei complementar, mas tão somente a “lei” em sí, podendo ser uma ou outra. Há muito foi suscitada a inconstitucionalidade do artigo 55, da Lei 8.212/91, bem como da atual Lei nº 12.101/09, por se tratar de lei ordinária, no exercício da regulamentação dos requisitos para reconhecimento da imunidade tributária pelas entidades de acordo com o §7º, do art. 195, quando na verdade, em observância aos ditames do art. 146, II, deveria tal competência ser atribuída a lei complementar. Uma primeira premissa defende a inconstitucionalidade da referida lei (12.101/09) uma ver que na qualidade de regulamentadora dos procedimentos de certificação e gozo da imunidade por instituições beneficentes da assistência social, existiria nítida limitação ao poder de tributar, o que demanda, então, a necessidade da edição de uma lei complementar e não ordinária. Ainda, de acordo com esta premissa, aplicar-se-iam, tão somente, as sistemáticas existentes no Código Tributário Nacional – CTN (lei 5.172/96), recepcionado pela Constituição Federal com status de Lei Complementar (ADCT, art. 34, §5º), para fins de delimitar quais os requisitos para usufruto da imunidade tributária pelas entidades beneficentes da assistência social em relação a impostos e contribuições para a seguridade social, e não as regulamentações da Lei 12.101/09. Corrobora com esta premissa Ives Gandra da Silva Martins, ao lecionar que: “O Código Tributário Nacional já é a lei complementar que regula o sistema tributário nacional e dispõe sobre as normas gerais de direito tributário aplicáveis aos três níveis de governo[14].” Ademais, corrobora esta premissa sustentada pelo professor Ives Gandra, os seguintes julgados oriundos dos Tribunais Regionais Federais das 2ª e 3ª Regiões: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. ENTIDADE BENEFICENTE. CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL. IMUNIDADE. ALTERAÇÃO DO ART. 55 DA LEI 8.212/91 PELA LEI 9.732/98 INDEVIDA. LIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 195, §7º, DA CF. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. A previsão contida no art. 195, §7º, da Constituição Federal é norma de eficácia contida, que tem a normatividade necessária à sua imediata aplicação, podendo, contudo, ser restringida ou condicionada por lei. As limitações constitucionais ao poder de tributar, por força do art. 146, II, da Constituição Federal, devem ser regulamentadas por lei complementar, e não por lei ordinária. Embora a qualidade subjetiva das entidades assistenciais e beneficentes, isto é, os requisitos que deverão preencher para serem consideradas filantrópicas devam ser disciplinados por lei ordinária, os contornos objetivos da imunidade devem ser claramente delineados por lei complementar. Ao disciplinar os caracteres específicos das entidades beneficentes de assistência social, a Lei 9.732/98, alterando o art. 55 da Lei 8.212/91, cuidou de matéria inerente aos aspectos objetivos da imunidade, o que é reservado à lei complementar. Os dispositivos impugnados não se limitaram a estabelecer os requisitos a serem observados pelas entidades, mas sim, promoveram uma distorção no conceito constitucional de "entidade beneficente de assistência social", limitando a própria extensão da imunidade prevista no art. 195, §7º, da CF. O Egrégio Supremo Tribunal Federal, na ADIn 2028-5, suspendeu até a decisão final da ação direta, a eficácia do art. 1o, na parte em que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei 8212/91, e acrescentou-lhe os §§ 3o, 4o e 5o, bem como dos artigos 4o, 5o e 7o, da Lei 9.732/98. De acordo com o entendimento do excelso Supremo Tribunal Federal, para fins da imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, as entidades beneficentes de assistência social deverão atender aos requisitos do art. 55 da Lei nº 8. 212/91, em sua redação original[15]”. “EMENTA: COFINS. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ISENÇÃO. REVOGAÇÃO DO INCISO III DO ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 70/91. IMUNIDADE PREVISTA NO § 7º DO ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS PARA A FRUIÇÃO DA IMUNIDADE. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. JULGMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADIN 2028. Não conhecida a apelação da União, visto que manifesta insurgência contra pontos que não constituem o cerne da petição inicial e da própria sentença, mostrando-se, portanto, divorciada do objeto da ação. A autora pretende o reconhecimento judicial de que ainda perdura a sua isenção ao recolhimento da COFINS, tal como prevista no inciso III do art. 6º da Lei Complementar 70/91, antes da sua revogação pela Medida Provisória n. 1.858-6, de 29 de junho de 1999 (com última reedição pela Medida Provisória n. 2.158-35/2001). A revogação da isenção não se deu por força da Lei 9.718/98, mas pelas citadas medidas provisórias, daí porque o centro da discussão deve ser canalizado na possibilidade ou não da revogação, em face da imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal. Na decisão em Medida Cautelar da ADIN 2028, o Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento provisório de que as condições para a fruição da imunidade constitucional (§ 7º do art. 195) devem estar previstas em lei complementar, não podendo ser disciplinadas por simples lei ordinária. A princípio, a fruição da imunidade prevista no citado dispositivo constitucional deve estar condicionada pelos requisitos do art. 14 do Código Tributário Nacional, que desfruta da condição de lei complementar, como é cediço. Não conhecida a apelação da União. Negado provimento à remessa oficial”[16]. Portanto, conforme se observa, a premissa em pauta, amparada por diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, defende que cabe apenas a Lei Complementar a competência para regulamentar as normas gerais inerentes aos requisitos para a obtenção da imunidade tributária pelas entidades beneficentes da assistência social, sendo aplicado, portanto, a norma existente no artigo 14, do Código Tributário Nacional. Em contrapartida a tal posicionamento, existe outra premissa a qual defende a possibilidade de regulamentação dos requisitos para a obtenção da imunidade tributária, em âmbito infraconstitucional, por lei ordinária, uma vez que a Constituição Federal determina que a imunidade será concedida as entidades que “atendam as exigências estabelecidas em lei”, portanto, não necessariamente uma lei complementar, como também por uma lei ordinária. Assim, para os fiéis defensores deste posicionamento, a Constituição Federal delimita expressamente o campo de atuação da Lei Complementar e quando não o faz, é facultado ao legislador editar uma lei ordinária visando a regulamentação de determinado assunto. Como fiel defensor desta premissa, temos o posicionamento do Ilustre Doutrinador Leandro Paulsen, ao afirmar que: “[…] penso que os preceptivos do art. 150, VI, c, do art. 153, §2º, e do art. 195, §7º, todos da mesma Carta, condicionam ao gozo das imunidades tributárias ao atendimento dos requisitos fixados em lei, justamente para excepcionar a previsão de lei de natureza complementar para a espécie, pois, se isto não fosse verdade, esta exigência das supracitadas normas constitucionais teria sido perfunctória, tendo em vista o mandamento constitucional genérico do art. 146, II. […] a lei ordinária nacional pode dispor sobre normas configuradoras das condições para o gozo da imunidade, podendo, em tese, inclusive extrapolar os requisitos já estipulados pelo §1º, do art. 9º, e pelo art. 14, ambos do Código Tributário Nacional, desde que não restrinja o alcance da imunidade estabelecido pela Constituição. Imperioso se faz registrar que existem diversos julgados de tribunais superiores que corroboram a premissa ventilada pelo Prof. Leandro Paulsen, senão veja-se: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. ART. 195, § 7º, DA CARTA POLÍTICA. IMUNIDADE. CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL. ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91. REQUISITOS. CERTIFICADO DE ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS. EFICÁCIA EX TUNC. LEI 12.101/2009. […]  2. O art. 195, § 7º, da CF, cuida de hipótese de imunidade, passível de esmiuçamento por lei ordinária, desnecessária a via complementar para tal desiderato. 3. A Lei nº 9.732/1998, que deu nova feição aos requisitos insculpidos no art. 55 da Lei nº 8.212/1991, foi objeto de ADIn, acolhida pelo Plenário do STF para suspender a eficácia do artigo 1º, na parte que alterou a redação do artigo 55, inciso III, da Lei nº 8.212/91, e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como dos artigos 4º, 5º e 7º do citado diploma legal (ADIn – Medida Liminar – 2.028-5, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 16/06/2000). 4. A Corte Especial deste Tribunal, em julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 2002.71.00.005645-6, entendeu pela constitucionalidade da exigência dos requisitos específicos quanto à constituição e ao funcionamento das entidades beneficentes de assistência social previstos no art. 55 da Lei nº 8.212/1991 e alterações dadas pelos arts. 5º da Lei nº 9.429/1996, 1º da Lei nº 9.528/1997 e 3º da MP nº 2.187/201, para que a entidade assistencial faça jus à imunidade conferida pelo art. 195, § 7º, da CF/88. 5. A autora faz jus a autora à imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988. Em face da natureza declaratória do certificado de entidade de fins filantrópicos, os efeitos do reconhecimento da imunidade retroagem à data em que a entidade comprovou as exigências legais que originaram o referido documento, ou seja, três anos antes da solicitação do documento. 6. A tutela judicial obtida limita-se ao período anterior à Lei nº 12.101/09, pois, ajuizada a demanda antes da edição da Lei, o atendimento aos novos requisitos estabelecidos pela legislação sequer integrou a causa de pedir, não fazendo parte do objeto da lide”[17]. Como é possível verificar, tanto a doutrina como a jurisprudência podem, também, aceitar a premissa ora suscitada, a qual defende a aceitação e regulamentação pela lei ordinária (Lei 12.101/09) dos requisitos para gozo da imunidade prevista no §7º, do artigo 195, da CF/88. Registre-se que versando sobre a controvérsia em apreço, existe em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil na qual sustenta a inconstitucionalidade da Lei 12.101/09, com supedâneo na primeira premissa ventilada no presente tópico, ou seja, a inconstitucionalidade de tal lei se daria em razão de invadir competência exclusiva atribuída exclusivamente a Lei Complementar “em regular limitações ao poder de tributar”, caracterizando expressa ofensa ao artigo 146, II, da CF/88. Pois bem, registro no presente trabalho, no que pertine a problemática posta em pauta no presente tópico, que coaduno com a premissa defendida com o professor Ives Gandra, corroborada por diversos entendimentos jurisprudenciais, a qual entende pela inconstitucionalidade da Lei 12.101/09, no sentido de que não cabe a uma lei ordinária regulamentar procedimentos para usufruto da imunidade tributária por uma entidade beneficente da assistência social uma vez que o texto constitucional atribui expressamente a Lei Complementar tal competência, portanto, a esta caberia a regulamentação da imunidade insculpida no §7º, do Art. 195, em relação as contribuições para a seguridade social, assim como o faz o Código Tributário Nacional em relação a imunidade prevista no artigo 150, VI, “c”, da CF/88, em relação a impostos. 7. Do Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS. O Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS é o documento previsto em lei o qual certifica a entidade beneficente da assistência social de sua condição filantrópica, afim de usufruir legalmente de diversos benefícios, in casu, de imunidade tributária em relação a impostos (Art. 150, VI, “c”) e contribuições para a seguridade social (Art. 195, §7º), conforme expressamente consta na Constituição Federal. Pois bem, a princípio, a lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (8.742/93), delimitou quais eram os requisitos para obtenção e quem detinha competência para conceder o Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS em prol de uma determinada entidade beneficente da Assistência Social, conforme elencado em seus artigos 9º e 18, in verbis: “Art. 9º O funcionamento das entidades e organizações de assistência social depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, conforme o caso. Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social: IV – conceder registro e certificado de entidade beneficente de assistência social”; Conforme se observa, originariamente, era de competência do Conselho Nacional da Assistência Social conceber as entidades beneficentes da assistência social, independentemente de qual fosse sua área de atuação, o Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social. Todavia, a competência originária do Conselho Nacional da Assistência Social -CNAS para emissão do Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS foi revogada pela Lei 12.101/09, a qual estabeleceu que as atividades das entidades beneficentes da assistência social seriam voltadas para 3 (três) áreas, qual seja a Saúde, Educação e Assistência Social Assim, com advento da referida lei, a competência para concessão do Certificado de Entidade Beneficente da Assistência social passou a ser dos Ministérios da Saúde, Educação e Assistência Social, dependendo da área de atuação da entidade interessada. Nestes termos, é a previsão do artigo 21, incisos I a III, da Lei 12.101/09, abaixo transcritos: “Art. 21. A análise e decisão dos requerimentos de concessão ou de renovação dos certificados das entidades beneficentes de assistência social serão apreciadas no âmbito dos seguintes Ministérios: I – da Saúde, quanto às entidades da área de saúde; II – da Educação, quanto às entidades educacionais; e III – do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, quanto às entidades de assistência social”. Ademais, os requisitos para que a entidade beneficente da assistência social obtenha a sua certificação estão devidamente delimitados no artigo 3º, da Lei 12.101/09, senão veja: “Art. 3o A certificação ou sua renovação será concedida à entidade beneficente que demonstre, no exercício fiscal anterior ao do requerimento, observado o período mínimo de 12 (doze) meses de constituição da entidade, o cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV deste Capítulo, de acordo com as respectivas áreas de atuação, e cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1o; e II – preveja, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas.” Portanto, conforme se observa, é constatado que a entidade beneficente da assistência social, objetivando ser reconhecida como tal, deverá ingressar com requerimento perante o Ministério correspondente a sua área da atuação, cumprindo devidamente os procedimento e requisitos delimitados, atualmente, na Lei nº 12.101/09, afim de obter seu Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS, para, então, usufruir dos benefícios imunizantes que lhe são atribuídos pela Carta Magna. 7.1. Benefícios de obtenção do “CEBAS”. A Entidade devidamente “certificada”, mediante a aquisição do Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS, fará jus ao usufruto da imunidade tributária de que trata o §7º, do artigo 195, da CF/88, para fins de não pagamento das contribuições para a ser delineadas nos artigos 22 e 23 da Lei 8.212/91, conforme previsão do artigo 31, da lei 12.101/09: “Art. 31. O direito à isenção das contribuições sociais poderá ser exercido pela entidade a contar da data da publicação da concessão de sua certificação, desde que atendido o disposto na Seção I deste Capítulo”. Imperioso registrar que a obtenção do “CEBAS” é quesito indispensável para que a entidade beneficente da assistência social usufrua do benefício imunizante estampado no §7º, do art. 195, da CF/88, uma vez que o preenchimento de tal quesito, é expressamente delimitado pela Lei 12.101/09, através do artigo trazido à baila. Tal dever consiste em uma norma de dever instrumental a ser cumprida pela entidade afim de que esta comprove perante as autoridades administrativas do fisco federal de que faz jus ao não recolhimento das contribuições para a seguridade social previstas na Lei 8.212/91. Ademais, importante se faz registrar que no tocante a imunidade tributária em relação aos impostos, prevista no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, diferentemente do que ocorre na sistemática infraconstitucional para reconhecimento da imunidade em face as contribuições para a seguridade social (Art. 195, §7º) por intermédio da lei 12.101/09, não se faz necessária a obtenção do CEBAS, mas tão somente o preenchimento dos quesitos delimitados no artigo 14, do Código Tributário Nacional, conforme amplamente discorrido no tópico 5.1. 7.2 – Consequências da perda do “CEBAS”. Delineadas todas considerações pertinentes aos procedimentos e benefícios de obtenção do Certificado de Entidade Beneficentes da Assistência Social – CEBAS, imperioso se faz registrar que o período de vigência da certificação de uma determinada entidade será de 1 (um) a 5 (cinco) anos, conforme preceitua o artigo 21[18], §4º[19], da Lei 12.101/09. As consequências decorrentes da não renovação de sua certificação (CEBAS) pela entidade beneficente da assistência social perante o respectivo ministério condizentes a sua área de atuação preponderante, será a lavratura, pela Receita Federal, de Auto de Infração solicitando o reembolso aos cofres da União dos valores das contribuições para seguridade social (Arts. 22 e 23, Lei 8.212/91) não recolhidas últimos 5 (cinco) anos, conforme redação do artigo 32, da Lei 12.101/09, abaixo transcrita: “Art. 32. Constatado o descumprimento pela entidade dos requisitos indicados na Seção I deste Capítulo, a fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil lavrará o auto de infração relativo ao período correspondente e relatará os fatos que demonstram o não atendimento de tais requisitos para o gozo da isenção”. Portanto, de acordo com as considerações acima expostas, se faz imprescindível que as entidades beneficentes da assistência social mantenham-se em dia em relação a validade de seu Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS, afim de usufruir da imunidade tributária em relação as contribuições destinadas a seguridade social (Lei 8.212/91), bem como evitar de sofrer as penalidades legais decorrentes da perda de tal certificação. 8. Conclusões. Ao longo do presente trabalho, concluímos que a imunidade tributária consiste em uma benesse prevista no bojo do texto constitucional, a qual desonera determinados grupos de contribuintes em relação ao dever de pagar determinadas espécies específicas de tributos. Neste artigo, adentramos a seara das imunidades tributárias das denominadas “entidades beneficentes da assistência social”, assim entendidas como aquelas “entidades sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos pela lei 8.742/93”, popularmente conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, conforme previsão expressa de seu artigo 3º (terceiro). De acordo com o artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal, as entidades beneficentes da assistência social gozam do direito de usufruir da imunidade tributária em relação a impostos sobre o seu patrimônio, sua renda e serviços, desde que sejam atendidos os requisitos da lei. Tais requisitos previstos na lei, são aqueles delimitados no artigo 14, do Código Tributário Nacional, os quais as entidades beneficentes da assistência social devem atende-lo afim de usufruir da imunidade em relação a impostos. Ademais, o texto constitucional também permite as entidades beneficentes da assistência social que usufruam da imunidade em relação as contribuições para a seguridade social, desde que, também, “sejam atendidas as exigências previstas em lei”, conforme preceitua a parte final do artigo 195, §7º. No caso, a lei que possui a competência para regular os procedimentos e requisitos para usufruto pelas entidades beneficentes da assistência social da imunidade tributária capitaneada neste dispositivo constitucional, em relação as contribuições sociais delimitadas nos artigos 22 e 23 da Lei 8.212/91, é a Lei 12.101/09, que “dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes da assistência social”. Ademais, muito se discute se a “lei” na qual as partes finais das redações delineadas nos artigos 150, VI, “c” e 195, §7º, da Constituição Federal, fazem menção, para fins de regular os procedimentos e requisitos infraconstitucionais afim das entidades beneficentes da assistência social de usufruírem da imunidade tributária, seria mediante a edição de lei complementar ou lei ordinária. Para uma parte da doutrina, tal atribuição infraconstitucional seria imputada a lei complementar, em estrita observância a reserva de competência que lhe é atribuída pelo artigo 146, II, da CF/88, em relação a regulamentação dos “limites ao poder de tributar”. Com base nesta premissa, a lei ordinária nº 12.101/09, a qual regula os procedimentos e requisitos para usufruto da imunidade em relação as contribuições para a seguridade social, seria inconstitucional por ofensa a reserva de competência atribuída pela Constituição Federal (art. 146, II), em relação a regulamentação dos procedimentos e requisitos para usufruto da imunidade tributária. Por outro lado, conforme foi amplamente abordado, existe uma premissa divergente quanto a posição acima destacada a qual defende a possibilidade de regulamentação da imunidade tributária, em âmbito infraconstitucional, por lei ordinária, uma vez que a Constituição Federal determina que a imunidade será concedida as entidades que “atendam as exigências estabelecidas em lei”, portanto, não necessariamente uma lei complementar. Assim, para os fiéis defensores deste posicionamento, a Constituição Federal delimita expressamente o campo de atuação da Lei Complementar e quando não o faz, é facultado ao legislador editar uma lei ordinária visando a regulamentação de determinado assunto. Em suma, a controvérsia em apreço é uma questão amplamente divergente nos tribunais superiores, havendo tanto posicionamentos entendendo pela inconstitucionalidade como também pela constitucionalidade, da Lei ordinária nº 12.101/09, a qual regulamenta o procedimentos e requisitos para certificação das entidades beneficentes da assistência social para fins de fazerem jus a imunidade do artigo 195, §7º, da CF/88. Portanto, ao longo do presente trabalho foi demonstrado que para que as entidades beneficentes da assistência social sejam contempladas com a benesse da imunidade tributária genérica em relação aos impostos, prevista no artigo 150, VI, “c”, da CF/88, necessário se faz o preenchimento das condições delineadas no artigo 14, do Código Tributário Nacional. Ademais, para usufruto da imunidade específica capitaneada no artigo 195, §7º, da CF/88, em relação às contribuições para a seguridade social mencionadas nos artigos 22 e 23 da Lei 8.212/91, necessário se faz o preenchimento dos requisitos delineados no artigo 3º, da Lei 12.101/09, os quais consequentemente ocasionarão na expedição do Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – CEBAS em prol da entidade interessada, sendo tal quesito imprescindível para comprovar, conforme outrora mencionado, que esta faz jus a imunidade em relação a este tributo. Por todo exposto, constatamos ao longo do presente trabalho que especificamente em relação a sistemática da obtenção da imunidade tributária pelas entidades beneficentes da assistência social previstas no bojo do texto constitucional, em relação a impostos (Art. 150, VI, “c”) e as contribuições para a seguridade social (art. 195, §7º), a Carta Magna remete a sistemáticas de procedimentos e requisitos de tais benefícios a legislação complementar (Código Tributário Nacional) e a legislação ordinária (Lei 12.101/09), cuja observância se torna imprescindível para obtenção de tais benefícios.
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Contribuição de intervenção no domínio econômico. Um panorama tributário na atividade econômica do Brasil
O presente artigo tem o intuito de estabelecer o devido conhecimento sobre a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), apresentando seus atributos no campo tributário e também, sobre o formato de interferência na esfera econômica do Brasil. Destarte, trazendo a aplicabilidade da norma constitucional e, como alvo a sua designação ao qual é sugerida, incluindo a visão doutrinária, considerando ser um mecanismo de política econômica para que assim, possa confrontar acontecimentos econômicos que por ventura necessitem da mão do Estado, de forma intervencionista. Desta maneira, procurando esboçar a essência regular ao qual determina a CIDE, dada pelos acontecimentos hodiernos que envolvem a sua função, junto com a CIDE-Combustível que se caracterizam como uma ferramenta constitucional de intervenção econômica.
Direito Tributário
Introdução Quando se trata de atuação do Estado de forma intervencionista na economia, logo, percebe-se que o Estado está desempenhando uma função particular ao qual se tem gerência sobre tal ação, aliás, essa atuação é característica pertencente aos países que adotaram o capitalismo. Já em relação as atuações recentes do governo brasileiro, nota-se hodiernamente um plano para estabelecer medidas que visam controlar a economia do país, mediante atuação estatal. Destarte, são ações que irão influenciar o mercado, regulando suas ações para que haja uma sintonia, tanto no plano inflacionário, na oferta e na procura de bens e serviços, bem como nas taxas bancárias. Com isso, para que não ocorra um desequilíbrio econômico, capacitando prestabilidade por igual dos serviços, e quando admissível, deverá intervir economicamente, se tratando de uma atuação indireta e de caráter fiscalizatório. Diante disso, esbarramos em um ponto principal que é sobre o destino da arrecadação dos fundos obtidos com a CIDE, que por ventura, encontram-se esculpidos no art. 177, §4º, II, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição Federal de 1988. Sendo que uma delas, ao qual é destinada a CIDE, talvez seja o grande martírio do povo brasileiro, que está relacionada a infraestrutura dos transportes no Brasil, se mostrando bastante precário, pois se aplicada de forma correta, amenizaria seus males. As CIDE’s, por serem tributos de caráter extrafiscal, podem ter suas alíquotas alteradas por ato do poder executivo federal, sempre que se fizer necessária a intervenção estatal no mercado de consumo. A finalidade das receitas provenientes das CIDE’s é descrita no art. 1º, §1º da Lei nº 10.336/2001. Com tudo, o estudo da CIDE se mostra bastante pertinente, ao modo que passaríamos a compreender seu destino e sua real importância no campo tributário, e trazendo no corpo desta pesquisa, uma das principais contribuições intervencionistas, sendo no caso da CIDE-Combustíveis, procurando apresentar os valores em que a União dirige aos estados, e também, os valores que o Estado do Amapá repassa aos seus municípios. 1 Intervenção estatal O Brasil perante a Constituição Federal de 1988, tem por estabelecido a sua disciplina perante os assuntos econômicos no país, desta maneira, compreende-se nos termos do art. 170, II, que somos um país capitalista, destinado a elevação da propriedade privada. Com isso, segundo Harada (2016, p. 49): “De fato, o Estado intervém na atividade econômica por meio de seu poder normativo, elaborando leis de combate ao abuso do poder econômico, de proteção ao consumidor, leis tributárias de natureza extrafiscal conferindo-lhes caráter ordinatório etc.” Destarte, a intervenção estatal se estabelece por intermédio de dois sistemas, uma atrelada a tarefa econômica e a outra por meio da contribuição social. Diante da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que caminha pela via de contribuição especial ou parafiscal, nisso, ela apresenta uma peculiaridade essencial, estando definida como uma imposição constitucional para que assim, venha oportunizar a intervenção estatal no plano econômico. 2 A essência da CIDE A modalidade de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, encontra-se prevista no art. 149, §2º, I, II e III da CRFB/88, sendo de caráter exclusiva da União, sendo manuseada como ferramenta de gerência na via econômica e comunitária, animando ou contendo certas zonas relevantes para o cenário político brasileiro, totalizando uma inspeção tributária. Isto posto, seu propósito dominante seria extrafiscal, além disso, passa a obedecer às concepções esculpidas na ordem econômica e financeira do Estado, conforme o art. 170 da CRFB/88. Contudo, prevalece que a CIDE tem o compromisso de se atentar as concepções constitucionais que envolvam o Direito Tributário, exceto em respeito a CIDE-Combustível, que não está sujeita ao princípio da anterioridade tributária, podendo ser cobrada no mesmo exercício financeiro (mesmo ano no Brasil) em que a respectiva lei for publicada, conforme estabelecido no art. 177, §4º, I, “b”, da CRFB/88. 3 CIDE-Combustível A CIDE-Combustível, se deu pela entrada da Emenda Constitucional nº 33, de 2001, fazendo com que fosse introduzido o §4º no art. 177 da CRFB/88, regida através da Lei nº 10.336/2001, destinando-se na entrada e a venda de petróleo e gás natural, envolvendo também, os seus provenientes. Com tudo, foi instituído que o recolhimento de seu produto seria destinado: a) pagamento de subsídios a preços ou transportes de álcool combustível, gás natural e seus derivados; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e; c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Vistas em que, como foi relatado no início desse estudo, o povo brasileiro vive o seu grande martírio, que está relacionada a infraestrutura dos transportes no Brasil, pois vimos que parte dos recursos arrecadados com a CIDE-Combustível, seria voltado para o transporte público, favorecendo assim uma melhor infraestrutura, e apesar do percentual que é tratado pelo art. 159, III, 29% é repassado aos Estados, aos quais, do percentual recebido, transferem-se 25% aos Municípios, um descaso total em relação ao caso em tela. Tendo conhecimento de todo esse sofrimento, devida a deficiência do transporte público, requer que seja reexaminado de forma congênere os valores obtidos com a CIDE-Combustível, e só assim, diminuiria a insuficiência existente, carecendo um repasse mais considerável aos Estados e Municípios em relação a CIDE. Os valores destinados pelo Governo Federal aos Estados e Distrito Federal, vem por intermédio da Receita Federal, por meio de uma conta destinada para esse objetivo no Banco do Brasil, e ainda podendo ser imputada outra instituição para atender a sua utilidade prescrita, sendo que esses recursos, são destinados exclusivamente ao financiamento de programas de infraestrutura de transporte. Levando em consideração que, recai ao TCU – Tribunal de Contas da União, em especificar o percentual que cada Estado e Município deve ser recompensado através dos valores obtidos com a CIDE-Combustível, estabelecendo diante de critérios indicadores que determinam o volume de suas estradas, despesa de combustível e agrupamento habitacional, sendo que esses indicadores é que irão designar o percentual do ano seguinte, com base no ano anterior, com isso, segue o quadro dos respectivos valores recebidos pelos estados no ano de 2017: Tendo agora como ênfase somente o estado do Amapá, fazendo com que esta parte da pesquisa seja conduzida de forma regionalizada, iremos nos atentar aos valores em que estado do Amapá repassou aos seus municípios, conforme o quadro a seguir: Diante dessa informação, vimos que a nossa malha viária é mínima em comparação aos repasses que os outros estados recebem, ao ponto que, o Governo Federal passe a se preocupar aonde se encontram as mais extensas em termos de rodovias. Com isso, merece atentamente um reexame para que os novos repasses possam atender as necessidades de todos os estados, tornando-se assim de forma igualitária os respectivos valores obtidos pela CIDE-Combustível. Sendo assim, merecendo uma nova proposta de política pública, agindo de forma explícita no setor de transporte público e infraestrutura, para que aos poucos, possa ser erradicado os problemas existentes que acompanhamos hodiernamente na mídia brasileira. Conclusão O presente artigo se mostrou eficaz em estabelecer as formas em que o Estado poderá intervir economicamente, acompanhada do manuseio da ferramenta que se encontra em seu poder, tida como exclusiva da União, que é as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE. Com isso, no decorrer da pesquisa, mostrou-se de forma cabal as essências que envolvem a CIDE, e como os valores obtidos são empregados, tudo regido pela Constituição Federal de 1988, ao ponto que foram trazidos dados do Tesouro Nacional, sobre os repasses a cada estado da federação, assim como também, em destaque os valores repassados aos municípios do estado do Amapá. Sendo assim, chegamos ao ponto de que a União deve ter consciência em relação a deficiência na infraestrutura no transporte público, procurando ajustar as necessidades que mereçam mais atitude, para que assim, não fique a CIDE apenas focada no manejo da inflação. Pois quando usado dinheiro público, ele deve ter um retorno apropriado atendendo as expectativas do povo, assim também, como as expectativas dos empresários, evitando descontentamento da má gestão do dinheiro público. Destarte, verifica-se que a CIDE se atenta de forma regulatória com caráter de equilibrar o mercado nacional e procurando um crescimento em diversas áreas na política brasileira.
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Substituição tributária progressiva no ICMS: inadmissibilidade da complementação
Resumo:A recente decisão proferida pelo STF em sede de repercussão geral no RE 593.849-MG marcou uma mudança na interpretação jurisprudencial até então prevalecente a respeito da irrealização do fato gerador na substituição tributária progressiva do ICMS: agora, quando a base de cálculo efetiva resultar em montante inferior à base de cálculo presumida, terá o contribuinte direito à restituição da diferença. O presente estudo visa oferecer um contraponto no tocante à hipótese inversa, ou seja, quando se verifica que a base estimada ficou aquém da realizada, descabendo, desta vez, a exigência da complementação do tributo. Com base na doutrina especializada no assunto, ficou consubstanciado que, nesta última situação, não podem coexistir dois regimes jurídicos aplicáveis a um único fato gerador, inexiste enriquecimento sem causa, haverá conflito de normas caso lei infraconstitucional preveja o recolhimento complementar e, mesmo que isto fosse possível, a sua operacionalização resultará impossível, ao arrepio do princípio da praticidade.
Direito Tributário
Introdução. Numa reviravolta jurisprudencial que marcou recentemente o cotidiano tributário, a composição atual do E. STF, em sede de repercussão geral reconhecida no RE 593.849-MG, modificou o entendimento até então sedimentado no sentido de, em se tratando de operações mercantis sujeitas ao regime da substituição tributária progressiva, caso a base de cálculo presumida do ICMS resultar maior do que aquela efetivamente praticada, passa a ser cabível a devolução do imposto, na melhor exegese do §7º do art. 150 da CF/88. Tal posicionamento, entretanto, suscitou algumas considerações laterais, como a que enseja o direito da unidade federativa exigir a complementação do tributo se ocorrer o inverso, vale dizer, constatar-se que a base efetiva foi superior à estimada. Importante frisar que não estava ali em jogo examinar se cabível ou incabível o pagamento suplementar. O foco era outro, vale dizer, o de mensurar a dimensão do fato gerador presumido, se apenas material ou quantitativo também para efeito de devolução. Não obstante ser este tema secundário ao exame da constitucionalidade, a ideia ganhou repercussão, a ponto de vários Estados já estarem ultimando providências no sentido de inserirem em suas respectivas leis a possibilidade de cobrar o recolhimento suplementar. Isto porque, à guisa de reforço para a tese acolhedora do indébito, muitos dos eminentes Ministros afirmaram beneficiar-se indevidamente o contribuinte quando o preço vai além da estimação da base imponível. Transcrevam-se os posicionamentos, a começar pela provocação do Ministro Teori Zavaschi: “Se nós dissermos que o valor fixado na substituição tributária progressiva é provisório, ele iria permitir qualquer dessas duas alternativas: seja o contribuinte pedir a restituição, seja o fisco cobrar a diferença – é o que está na lei. (…) De modo que, até pela posição dos votos antecedentes, seria importante que se esclarecesse como ficaria a posição do Fisco nessa história: se o Fisco também poderia, eventualmente, cobrar a diferença” (aspas originais, destaques da reprodução). Ministro Luis Roberto Barroso: “Portanto, a lógica do meu voto é: se é possível apurar – e tanto é possível que os estados instituíram leis permitindo a restituição da diferença -, então, se é possível apurar o que é real, eu acho que não se deve trabalhar com uma presunção definitiva. (…) Portanto, se é operação real, se a operação subsequente for em dimensão econômica superior à da presunção, o fisco pode cobrar a diferença também” (destaques da reprodução). Ministro Edson Fachin: “Aqui há uma razão simétrica, não há enriquecimento ilícito a ser preservado nem aqui, nem acolá; nem da parte do fisco, nem da parte do contribuinte” (destacamos). Ministra Rosa Weber: “… se a base de cálculo presumida não se concretizar, só nessa hipótese é que haveria sim a restituição ou, no caso, a cobrança pela Fazenda do valor recolhido a menor”(destacamos). Ministro Luis Fux: “Eu também concordo que o vento que venta lá venta cá, se tiver o Estado de receber aquilo que lhe é devido, porque o fato presumido foi prejudicial à realidade imaginada pelo estado, o estado também pode cobrar” (destaques da reprodução). Ministro Marco Aurélio Mello: “Mas há, para mim, outra premissa, princípio, inafastável: a Carta da República não encerra o enriquecimento ilícito, quer por parte do contribuinte, quer, muito menos, por parte do Estado. […] O que sustento a respeito do § 7º em comento revela uma estrada de mão dupla. Tanto admito que o contribuinte, verificado o negócio, possa reclamar diferença – valor recolhido a maior – como também o fato de o estado vir a pretender a satisfação do tributo, considerado o valor real do negócio jurídico, no que haja se mostrado superior àquele por ele próprio estimado” (destaques da reprodução). Pois bem. É de se elevar os pronunciamentos incidentais proferidos pelos eminentes Ministros do STF, convergindo indutivamente para a possibilidade de complementação do ICMS caso a base efetiva supere a estimada. Entretanto, à luz destas respeitáveis declarações reverberadas anteriormente, tem o presente trabalho o objetivo de oferecer um singelo contraponto a tais impressões – com as humildes venias que se fazem pertinentes -, no intuito de demonstrar que, apesar da definição de caber o indébito na irrealização do fato gerador na sua dimensão quantitativa, permanece inexigível a complementação de tributo. Tem-se a consciência de que este questionamento ainda pode encontrar uma resposta imediata e objetiva da Corte Suprema, na medida em que o Estado de Minas Gerais embargou de declaração exatamente buscando uma declaração positiva do C. Tribunal de ser possível a suplementação, apesar da parte contrária ter rebatido que tal provocação traduz inovação argumentativa, óbice processual insuperável. E, acrescente-se, este assunto assume apenas índole infraconstitucional, por se situar fora do conteúdo do §7º do art. 150, da CF/88, embora resvale em princípios consagrados na Lei Maior. Como se esperava, a Corte Maior manifestou-se nesse sentido, entendendo fora de propósito discutr-se complementação nesta altura processual, muito embora tenha acenado para esta possibilidade, caso o ente tributante resolva contemplá-la em lei infraconstitucional. Tal posicionamento, ainda perfunctório, não compromete o ponto de vista abraçado no presente trabalho, até porque em momento adequado terá o Judiciário a oportunidade de aprofundar o estudo de ser cabível ou não a suplementação, do qual se pretende dar esta pequena contribuição. 1. Contextualização do tema – Incompatibilidade de coexistência de dois regimes jurídicos de tributação para o mesmo fato gerador. Entende-se por regime jurídico um sistema de preceitos legais diferenciados que regulam o funcionamento de determinado aspecto da vida, debaixo dos quais o beneficiário dele poderá usufrui-lo ou a pessoa obrigada deverá atende-lo, sem possibilidade de interconexão com outros regimes autônomos e mutuamente excludentes. Cite-se um exemplo do campo dos direitos sociais: o regime jurídico aplicável a quem presta serviços sob os auspícios da CLT não se confunde nem se comunica com o regime jurídico dedicado ao servidor público regido por normas figuradas num determinado Estatuto. Nesta esteira, regime jurídico de tributação pode ser definido como aquele conjunto sistematizado de regras que fazem funcionar o adimplemento do tributo em face de uma relação jurídica determinada e vinculada à realização de um fato gerador individualmente considerado. No campo do ICMS, pode-se exigir a tributação se valendo de vários regimes jurídicos, a serem adotados de acordo com as características do sujeito passivo, da mercadoria envolvida ou da própria natureza da operação mercantil. O mais comum é o que prestigia a não cumulatividade, também com previsão constitucional (art. 155, §2º, I), valendo-se da técnica de debitamentos e creditamentos apropriados em cada etapa da cadeia produtiva, com vistas à exigência do imposto sobre o valor agregado. Há ainda o regime aplicável para os contribuintes de reduzida capacidade contributiva – microempresas e pessoas jurídicas de pequeno porte, de forma a incidência recair sobre o valor de faturamento. Outros regimes jurídicos são identificados para a cobrança do ICMS, a exemplo da tributação com base no princípio do destino (conf. art. 155, §4º, I, da CF/88) e da tributação monofásica para combustíveis e lubrificantes (conf. art. 155, §2º, XII, “h”, da CF/88). Em qualquer um deles, causará insegurança jurídica se a lei, ao estipular um regime jurídico a ser adotado para determinado fato gerador, resolver mudá-lo ao sabor de circunstâncias ulteriores que não tenham tratamento constitucional. Ilustrativamente, se um varejista compra um produto já taxado em etapa anterior com base na Substituição Tributária progressiva, o fato dele praticar um preço superior à base de cálculo estimada tem apenas relevância econômica[1] e não jurídica. O fato gerador presumido, quantificado com base em induvidosos critérios estabelecidos na lei, já põe fim à relação jurídico-tributária quando do seu pagamento antecipado pelo substituto, na hipótese do valor da operação superar a base calculada estimada. A parte excedente é circunstância puramente econômica[2]. Tal pensamento adere à lição doutrinária (CARVALHO, 2009, pp. 144/145): “Cabe impugnar, também, aqueloutra expressão muito difundida, segundo a qual o fato jurídico tributário viria a ser um fato econômico de relevância jurídica. O Direito não toma por empréstimo entidades de outro campo, para os fins que necessita. Sua grande virtude é construir as próprias realidades. Por isso mesmo, as construções jurídicas não deformam as leis econômicas ou politicas, como amiúde se afirma. (…) O que acontece é que o Direito não está condicionado senão às suas finalidades, sendo-lhe facultado escolher os caminhos que lhe aprouverem” (destaques da transcrição). Em complemento (CARVALHO, 2009, p. 195): “… O Direito não toma emprestado eventos de planos outros, que não o jurídico, para fazer desencadear seus efeitos específicos” (destaques da transcrição). O conteúdo econômico coincide com o jurídico quando a base efetiva é inferior porque o E. STF, nunca é demais repetir, ao adotar a técnica da interpretação conforme, entendeu que a extraordinariedade constitucional do indébito também alcança estas situações, além daquela em que o fato gerador materialmente inocorre. Idênticas situações ocorrem com outros impostos, a exemplo da tributação do imposto sobre a renda com base no lucro presumido. Não obstante configurar uma escolha do contribuinte, salvo as proibições legais, a exigência desse tributo federal poderia ensejar pagamento suplementar caso o fisco verificasse, ao conseguir acesso à sua contabilidade informal (muito comum na prática), ter havido lucro maior do que o estimado. Neste diapasão, apesar de economicamente ter ocorrido base imponível maior, a suplementação seria indevida, pois o regime jurídico a que estava jungido a empresa era do lucro presumido. No sistema da substituição progressiva para taxação do ICMS, ganha o sujeito ativo alguns bônus, quais sejam, arrecada antecipadamente a agregação presumida para toda a cadeia produtiva, realizando uma receita que só se materializaria posteriormente, além de focar a responsabilização em poucos agentes econômicos dotados de maior lastro patrimonial para responder pela dívida. Mas ao optar por este regime jurídico, deverá também suportar os seus ônus, como não intentar recolhimentos complementares caso a base de cálculo constatada supere a base de cálculo estimada. Não se pode olvidar que, em regra, dentro da antecipação com substituição, a LC 87/96 prevê que o cômputo da agregação será calcado na média ponderada de preços (MVA) verificada em cada subsegmento econômico, através do qual certa mercadoria seja comercializada. E como se trata de média ponderada, forçosamente alguns subsegmentos acusarão preços superiores àqueles sopesados. Se é média, ainda mais ponderada, dificilmente o preço praticado irá coincidir na cifra exata com o valor projetado, de modo que frequentemente ou poder-se-á cogitar em restituir os excessos (com o aval do STF) ou poder-se-á cogitar na complementação (sem previsão constitucional). Repise-se que, dada a interpretação assumida pelo STF, considerando que o modo de restituir (estendido na dimensão quantitativa do fato gerador) foi alçado ao status constitucional, o operador do direito depara-se com uma extraordinariedade máxima do ordenamento jurídico, e deve se portar como tal, vale dizer, admitir a devolução do tributo. Entretanto, isto não sucede com a suplementação. Toa irrazoável escolher uma forma de tributação, até para desfrutar das suas benesses, e, abandoná-la em seguida acaso constatada uma situação desfavorável, para seguir um outro sistema de tributação. Apesar de vencedor no que respeita ao ponto central da discussão, o eminente Relator Edson Fachin (pp. 20/21) traz à baila a posição contrária esposada pelo ex-Ministro Moreira Alves, a saber: “De plano, convém analisar com o devido vagar a afirmação de que garantir o direito à restituição ao contribuinte nas hipóteses em a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto se realiza em valor inferior ou superior àquele presumido seria o mesmo que inviabilizar o próprio instituto da substituição tributária ‘para frente’, dado que, em última medida, representaria o retorno ao regime da apuração mensal do tributo”.(…) “Por que o Poder Constituinte Derivado, que estabeleceu que o fato gerador, seria presumido mas admitiu que a presunção cederia diante da realidade, na hipótese de o fato presumido não se realizar, e, nesse caso, determinou que houvesse a restituição da quantia paga, não foi além e não declarou também, se o valor recolhido com base na presunção, fosse, na realidade, maior ou menor, que deveria haver ou a complementação dele ou a restituição do pago a maior? Essa distinção se explica, a meu ver, porque, ou o sistema é assim, ou, se ele deixar de ser dessa maneira, o texto constitucional será inócuo, e isso em razão de que se essa questão fica a depender da fiscalização, não haveria explicação para fazer-se, a respeito, uma Emenda Constitucional, pela falta de finalidade de um instituto dessa natureza” (aspas originais; destaques da transcrição). Segue mesma trilha o ex-Ministro Ilmar Galvão, também citado no acórdão (pp. 28 e 49): “O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo à restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação” (…) “Não seria, realmente, de admitir que, diante desses efeitos práticos, decisivos para a adoção da substituição tributária, viesse o legislador a criar mecanismo capaz de inviabilizar a utilização do valioso instituto, como a compensação de eventuais excessos ou faltas, em face do valor real da última operação, determinando o retorno da apuração mensal do tributo, prática que justamente teve por escopo obviar”  (destaques nossos). Também o Ministro Teori Zavaschi (pp. 47/48 e 50): “A base de cálculo, nessa forma de substituição tributária, já não será ‘o valor da operação ou prestação’ (art. 8º, I, da LC 87/1996), como ocorre em operações ou prestações concomitantes ou antecedentes. Será, sim, o valor a ser fixado segundo os critérios estabelecidos no inciso II do art. 8º da LC 87/1996. E o será, portanto, definitivamente, como decidiu o STF na ADI 1851. Se provisório fosse, ele exigiria a indispensabilidade da verificação de todas as operações individualmente, seja para retribuir o que fosse pago a mais, seja para permitir ao fisco exigir diferenças por recolhimento a menor. Em outras palavras: seria voltar ao sistema tradicional, negando qualquer consequência prática ao instituto da substituição tributária progressiva, que tem assento constitucional” (…) “É claro que nem sempre haverá perfeita coincidência entre o valor presumido e o valor efetivamente realizado. Mas – ressalvadas as obvias situações de excessos injustificáveis e desarrazoados  – é condição inerente ao sistema da substituição tributária progressiva (art. 150, §7º, da CF)” (aspas, parêntesis e itálicos originais; destaques da transcrição). E o Ministro Sydney Sanches: “Se se entender que, tanto a complementação quanto a restituição, decorrente do valor da operação subsequente, devem ser contempladas, então estará esvaziado o próprio instituto da substituição, em seus razoáveis objetivos” (destacamos) Apesar do STF ter entendido agora que a irrealização do fato presumido se exprime também no tocante à base efetiva menor do que a estimada, em face da técnica da interpretação conforme, conferida ao §7º do art. 150 da CF/88, in fine, as declarações dos quatro Ministros atrás mencionados continuam prevalecendo em face da complementação, até porque esta não teve qualquer referência constitucional, ao contrário do que ocorre com o indébito. Não seria exagero afirmar que, quando o ente tributante opta pelo regime jurídico da substituição para frente e o implanta no seu ordenamento legal, quis ele declarar que seu objetivo era tributar antecipadamente fatos jurídicos e de quem tenha estrutura econômico-patrimonial para arcar com a obrigação tributária. E, ao mesmo tempo, não tributar eventuais excessos verificados posteriormente contra quem tenha reduzida capacidade contributiva. Na suposição do sujeito ativo implantar em lei a substituição tributária para determinado fato gerador e, simultaneamente, para regrá-lo, implantar a complementação caso a base presumida fique aquém da realizada, o legislador desafiará um evidente conflito de normas, a ser explorado linhas a seguir. Destarte, considerando a segurança jurídica, a razoabilidade e a coerência dos sistemas jurídicos, o dispositivo que prevê a suplementação não resistirá a uma confrontação mais acurada com a Carta Constitucional e certos princípios jurídicos ali estatuídos. Aliás, sob este ângulo, apesar da matéria em si ser infraconstitucional, a discussão pode chegar a ser apreciada pelo STF. De outra banda, ao proferirem seus votos, alguns Ministros enunciaram que não poderia haver enriquecimento sem causa quando a base imponível presumida fosse diferente da verificada, tanto da parte do Estado como da parte do contribuinte. Daí comportar-se o indébito e a complementação, respectivamente. Reitere-se que tais declarações, na parte alusiva ao direito de se exigir a complementação, emergiram secundariamente, apenas como um argumento coadjuvante ao que se discutia naquele processo, até porque o ponto fulcral era saber de que forma a devolução se concretizaria quando o fato gerador futuro não se realizasse, se na sua dimensão material ou se também na sua dimensão econômico-quantitativa. Por fim, ficará sobejamente demonstrado que, ao contrário do imaginado pelos eminentes julgadores, a admissibilidade da complementação suscitará entraves operacionais intransponíveis, a deixarem os gestores fazendários vulneráveis diante de eventuais condutas omissivas, a se ocuparem largamente de situações já encerradas com a tributação antecipada. 2. Enriquecimento sem causa. Quando o STF firmou o exato alcance a ser dado à parte final do §7º do art. 150, in fine, vale dizer, de caber também a restituição quando a base presumida for maior do que a real, um dos principais fundamentos foi repelir-se o enriquecimento sem causa. Sem embargo de opinarem incidentalmente a favor da complementação quando a situação se invertesse, tal debate naquela oportunidade não encontrou o aprofundamento necessário, notadamente sob o prisma deste fenômeno jurídico. Num primeiro momento a lógica é sedutora: se, de um lado, quando a base efetiva é menor do que a estimada, deve o sujeito ativo devolver o excesso para não enriquecer-se ilicitamente, do lado oposto, o sujeito passivo, sob o mesmo fundamento, deverá recolher a diferença. Entretanto, não há como se comparar as duas situações. Por força de lei, como obrigado tributário, o sujeito passivo foi compelido a integrar-se a um regime jurídico dentro do qual a tributação se dava adiantadamente, antes da materialização do fato gerador. Não houve, para ele, a alternativa de recolher o imposto de modo diferente. Sem ter escolhas, pagou o contribuinte um tributo consoante critérios econômicos prospectivos, ou seja, numa projeção quantitativa de que a base imponível iria se realizar num determinado montante. Se, todavia, esta se realiza aquém daquela estimada, injusta e antecipadamente apropriou-se o sujeito ativo de parcela a qual não lhe pertence. Cenário completamente diferente se vivencia quando, submetida determinada operação mercantil ao regime jurídico da substituição progressiva, verifica-se depois que a base efetiva superou a esperada. Neste caso, a adoção pelo sistema da substituição tributária foi uma decisão do Estado, na qualidade de ente federativo detentor da competência constitucional de instituir e cobrar o imposto. E ao tomar a decisão, implementou-a através de lei. Poderia o ente tributante implantar o regime da apuração normal do ICMS, regido pelo mecanismo da não cumulatividade, mas não foi assim que ele deliberou. Ainda que houvesse a alternativa do contribuinte ingressar neste ou naquele regime jurídico, tal qual se identifica em algumas leis estaduais, quanto ao ICMS, ou no lucro presumido, quanto ao IR, tal faculdade estaria na lei, de sorte que, ao aderir a um deles, não poderia o contribuinte ser forçado a efetuar recolhimentos com base em outro regime jurídico, pois isso ameaçaria a estabilidade dos vínculos obrigacionais. Assim, incabível falar-se em enriquecimento sem causa por parte do contribuinte. Tal instituto (ou princípio) jurídico se caracteriza pelo fato de alguém afortunar-se à custa de outrem ou de fato da natureza sem base jurídica ou fundamento legal, desprovido de justo motivo. Veja-se como a disciplina se encerra no Código Civil em vigor: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido” (destaques da transcrição). É sabido que os institutos do direito privado não podem ser desvirtuados para a obtenção de determinados efeitos tributários, consoante inteligência do art. 110 do CTN. Assim, à luz do julgamento do STF, está correto afirmar que, do lado do contribuinte, prostrado na condição passiva de uma relação jurídica regida por um regime contra o qual não pode resistir, ficaria este prejudicado se não recebesse de volta o tributo pago em excesso. Na ótica daquela casa, fica claro o enriquecimento sem justo motivo, pois se não houvesse a devolução o ente tributante se apropriaria de recursos sem fundamento legal, posto irrealizado o fato gerador presumido na sua dimensão quantitativa. O valor pago a maior correspondeu a um fato que transbordou a relação obrigacional estabelecida entre o sujeito ativo e o passivo, visto que o excedente jamais significou tributo. Algo distinto ocorre quando a base presumida resulta menor da verificada. Em troca do recebimento antecipado da receita e da prerrogativa de responsabilizar um agente econômico detentor de grande envergadura patrimonial – o substituto, o ente federativo competente subordinou certos fatos tributáveis a este regime jurídico e assumiu o risco de ver efetivamente uma base imponível de maior expressão econômica. Mas aí o recurso público já ingressou no erário e, se ainda não entrou, terá o sujeito ativo grande probabilidade de realizá-lo pela coerção judicial do responsável tributário. Não quisesse o ente federativo incorrer em dessintonias na base imponível, escolhesse um outro regime de tributação, o de apuração regular do ICMS com uso de débitos e créditos fiscais, por exemplo. Neste caminho, deveria ele aguardar a realização de cada operação mercantil, absorver o imposto em cada etapa da cadeia produção/consumo, até se chegar ao último estágio, o da venda ao consumidor final, onde estão situados inúmeros varejistas dotados de inexpressiva capacidade contributiva. Não pode é o sujeito ativo aproveitar-se simultaneamente dos bônus de dois sistemas jurídicos – Substituição Tributária e não cumulatividade – e ignorar os seus ônus, a pretexto de maximizar despropositadamente a arrecadação. Nestas circunstâncias, não há que se cogitar de enriquecimento sem causa do lado do contribuinte, pois o sujeito ativo, ao instaurar na lei a tributação antecipada, aquiesceu em ver satisfeita a obrigação tributária naquele volume estimado, até porque o seu cômputo foi pautado numa metodologia confiável prevista em lei. Imagine-se o seguinte cenário: uma pessoa, credora de outra em virtude de um contrato de compra e venda, para ver a obrigação solvida, concorda em celebrar uma dação em pagamento recebendo bens em montante inferior à dívida originária. Não seria permitido ao credor, após a quitação, invocar o enriquecimento sem causa para cobrar do devedor a suposta parte remanescente, isto é, a diferença entre a dívida original e a adimplida. Com as devidas adaptações, algo semelhante acontece no caso em tela, porquanto o credor tributário, valendo-se do regime jurídico da tributação antecipada, garantiu logo o tributo de quem tem lastro para assumi-lo, não importa se posteriormente se constate base imponível superior à projetada. Em reforço, admita-se que por lei o ente tributante instituísse uma redução parcial de base de cálculo, até para amenizar a carga tributária de certo segmento econômico estratégico para a economia estadual. Obviamente, a expressão econômica constatada na operação irá superar o resultante da exigência tributária, mas nem por isso pode se falar em enriquecimento sem causa por parte do devedor tributário. Através de lei o ente tributante autorizou que a arrecadação se efetivasse à luz de uma base imponível reduzida. Através de lei o ente tributante autorizou que a tributação antecipada recaísse sobre bases econômicas estimadas para desfrutar da arrecadação antecipada e da segurança de vê-la realizada por uma pessoa jurídica com arcabouço patrimonial para suportar a cobrança, abrindo mão de eventuais resíduos quando o fato gerador futuro se concretizasse. Oportuno o pensamento do Ministro Teori Zavaschi, dentro do RE em comento (p. 60): “…Isso, o Supremo decidiu, no Recurso Extraordinário 213.396, afirmando que é constitucional essa forma de calcular o fato gerador, por um valor presumido, que não significa – isso é importante – um valor arbitrário. Isso não é novidade no nosso sistema. Há muitas hipóteses em que o valor, a base de cálculo do tributo não corresponde ao valor da operação efetivamente realizada…” (destaques da reprodução). Nas três figurações – benefício redutor de base, celebração de dação em pagamento e imposição legal da Substituição Tributária – inexistiu enriquecimento sem justa razão porque todos os signos econômicos nelas verificados, ainda que tivessem trazido um benefício para o devedor, tiveram fundamento legal, pois reciprocamente o credor auferiu vantagens como contrapartida, seja para si, seja para a sociedade. Inquestionavelmente, pagar o tributo decorre de uma relação jurídica de índole obrigacional, de sorte que as partes envolvidas neste vínculo, credor e devedor tributários, enriquecem ou empobrecem seu patrimônio quando há o adimplemento. Voltemos os olhos outra vez para o direito privado. Se na execução da obrigação de dar, percebe-se ter havido um enriquecimento injustificado por parte do credor (cabendo a restituição), ou um enriquecimento injustificado por parte do devedor (cabendo a complementação), dá-se o enriquecimento sem causa. Antes, porém, relembre-se que, de acordo com o art. 110 do CTN, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, usados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir ou limitar competências tributárias. Nesta linha de raciocínio, caber ou não a complementação tendo em mira o enriquecimento sem causa implica em definir ou limitar competências atribuídas ao ente tributante que cria a substituição progressiva. Logo, a matéria encontra regência nos estritos termos do art. 110 do CTN. De outra sorte, há consenso na doutrina de que, seja como princípio, seja como instituto jurídico, está o enriquecimento sem causa prestigiado na Lei Maior, ainda que implicitamente, na medida em que dá suporte ao valor propriedade, pois é com base na teoria do enriquecimento que se recobra o patrimônio afetado negativamente por um motivo injusto. Fazer a transposição do enriquecimento sem causa para o direito tributário implica em incursionar sobre as teorias explicativas deste fenômeno jurídico e subsumi-las à presente temática. Dentre elas, três correntes hoje se destacam como vetores científicos aceitos. A primeira delas, chamada de teoria unitária da deslocação patrimonial, objetivada no Código Civil alemão e inspirada no pensamento de Savigny, expressa a ideia de ser o enriquecimento imotivado uma cláusula geral de aplicação direta na qual se verifica ter havido a detenção injustificada de um enriquecimento à custa de outrem, diretamente entre o empobrecido e o enriquecido, independente da forma que se sucedeu. Apregoa que o enriquecimento é gestado a partir de algo que anteriormente pertencia a outra pessoa, de sorte a proporcionar a restituição de tudo que saiu indevidamente do seu patrimônio. Dado este caráter geral, não necessita de definição de tipos legais, tendo apenas como fundamento comum a coexistência da aquisição de uma vantagem e a ilegitimidade de sua manutenção. Ainda que necessariamente não se possa falar em restituição de algo que anteriormente pertencia a outra pessoa, inexiste, no caso em foco, sob o ponto de vista desta teoria, enriquecimento sem causa aproveitado pelo contribuinte ao não fazer a complementação. Note-se que a teoria pressupõe, para a parcela patrimonial apropriada (a diferença de tributo quando da efetiva ocorrência do fato gerador), ter havido detenção injustificada à custa do ente tributante. Apesar do valor maior verificado, isto não decorreu em detrimento do credor tributário. Ao contrário, este se beneficiou do regime jurídico por ele próprio adotado (ou disponibilizado para o devedor), ao receber uma contrapartida financeira e garantística, pois experimentou a realização de uma receita que só iria ingressar no erário ulteriormente; e se não ingressasse, a ser buscada com grande probabilidade de êxito. A segunda corrente de pensamento, denominada de teoria da ilicitude, concebida por Fritz Schulz, funda-se em considerar o enriquecimento na violação de um direito alheio, portanto num cometimento de ilicitude, cabendo ao seu autor, como sanção a ele imposta, providenciar a restituição. Destarte, dá ao enriquecimento o traçado de responsabilidade civil. Tais ilicitudes estariam no enriquecimento por prestação, traduzida na ilegítima aceitação ou detenção da coisa por parte de quem a aproveitasse, ou no enriquecimento derivado de fato da natureza, traduzido numa intromissão equiparada a comportamento ilegítimo. Também nesta seara improcede o enriquecimento sem causa se o contribuinte não complementar o imposto. Isto porque não há o cometimento de qualquer ilícito. A sua relação obrigacional tributária, ainda que inicialmente esteja a cargo de outrem – o substituto, exauriu-se quando do recolhimento antecipado, posto fundar-se em regime previsto em lei. Logo, inexiste a ilicitude se o recolhimento se deu de acordo com os ditames da lei, criada pelo próprio titular do direito ao recebimento do tributo. A terceira linha de pensamento, criada por Walter Wilburg e Ernst Von Caemmerer, tem o nome de doutrina da divisão do instituto e parte da ideia de que a dogmática unitarista é por demais abstrata para abrigar as hipóteses de enriquecimento imotivado, de modo que se faz necessário criar tipos legais. Entretanto, cria duas grandes categorias de enriquecimento autônomas e distintas entre si, isto é, o decorrente de uma prestação do empobrecido, previsto numa espécie de anexo ao direito dos contratos, particularmente à transmissão de bens, e o proveniente de uma não prestação, previsto como anexo a um prolongamento da eficácia do direito de propriedade, como corolário da proteção jurídica dos bens. Como subdivisão tipológica preconizada pelos mentores da teoria, o enriquecimento estaria desdobrado em por prestação, por intervenção, por liberação de uma dívida paga por terceiro e por despesas efetuadas em coisa alheia. Esta teoria, a rigor, não teria cabimento para o deslinde da questão, pois reclamaria uma hipótese específica na lei tributária, preferencialmente na lei de normas gerais do tributo. Sem embargo, ainda que viesse uma lei geral ou específica prevendo como enriquecimento imotivado o fato do contribuinte deixar de complementar o imposto se a base efetiva ultrapassar a presumida, haveria descompasso entre a natureza jurídica do instituto e a disposição legal criada, em clara violação ao art. 110 do CTN. Isto porque não se pode falar em enriquecimento imotivado se o credor tributário, ele mesmo responsável pela criação da Substituição Tributária progressiva, desfruta das vantagens deste regime – antecipação de receita e garantia de recebimento – compensando-se desde já de eventuais perdas quando da realização do fato gerador. Em síntese, esta terceira teoria, como sói acontecer, pressupõe a existência de uma causa injusta, que não se coaduna com o caso sob discussão, pois o fato da obrigação tributária ter sido satisfeita dentro dos moldes da Substituição Tributária para frente já justifica a apropriação patrimonial. Importante registrar que Agostinho Alvim, jurista brasileiro autor do Anteprojeto do Código das Obrigações, predecessor nesta parte do CC de 2002, afiançara que a causa justificadora do enriquecimento pressupunha uma contrapartida para o empobrecido. Por conseguinte, inexistindo uma contrapartida, o enriquecimento será sem causa. Nesta toada, com a implantação em lei da Substituição Tributária progressiva pelo próprio ente federativo, regime jurídico que lhe proporcionou vantagens e desvantagens, e verificada base superior à estimada, teve ele, com o ingresso de receita em montante menor, muitas contrapartidas e compensações, quais sejam, o adiantamento de receita (e respectivos ganhos financeiros) que só se realizaria tempos depois e, mesmo se num primeiro momento fosse insatisfeita, a forte garantia de sucesso na sua recuperação, nunca é demasia repetir, dada a responsabilidade atribuída a pessoa dotada de posses patrimoniais. Enfim, de forma alguma será crível alegar-se para tais hipóteses enriquecimento sem causa. 3. Conflito de normas. Demonstrado não haver enriquecimento sem causa na hipótese da base efetiva ser superior à presumida, seja qual for a teoria explicativa da natureza jurídica do instituto, resta saber se pode o legislador de normas gerais ou o sujeito competente para instituir o tributo criar um comando legal prevendo a complementação. Inicie-se a análise pela primeira alternativa. Com apoio no art. 146 da CF/88, o legislador complementar do ICMS abriu a possibilidade de adoção do regime jurídico da substituição progressiva (art. 6º a 10º da LC 87/96). Imagine-se, agora, surgir paralelamente uma norma de complementação caso a base realizada seja superior à estimada, reforçando, inclusive, que a sua falta acarretará enriquecimento sem causa por parte do sujeito passivo. Quanto ao trecho da norma que pretende qualificar tal situação como enriquecimento imotivado, há claro erro legislativo, pois, não obstante ter havido apropriação por parte do contribuinte, inexiste, conforme explicado no item anterior, uma causa injustificada que a caracterizasse. O instituto, portanto, estaria deturpado, ao arrepio do art. 110 do CTN. Sem embargo desta distorção, ainda assim pode-se alegar que há dispositivo expresso estatuindo a suplementação, de sorte que, com base na legalidade tributária, esta passaria a ser exigida. Aparentemente, conquanto exista o comando do art. 110 do CTN, o argumento induz à admissibilidade da cobrança. Todavia, percebe-se claramente na suposição uma antinomia normativa, além de violência a princípios jurídicos de relevo. Ensina a doutrina (BOBBIO, 2014, p.93): “Como ‘antinomia’ significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema normativo, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma das duas normas” (aspas originais; destaques da transcrição). Em primeiro lugar, é de se referir que a norma da complementação só seria criada porque se instaurou na Constituição em vigor um regime jurídico específico, o da Substituição Tributária para frente, e o legislador complementar vislumbrou compatibilidade entre os dois arquétipos. Não haveria o recolhimento complementar se outro regime jurídico fosse adotado. Portanto, a norma da suplementação é dependente da norma da antecipação com substituição. Para investigar se existe antinomia cronológica, esclareça-se que, em se tratando de ICMS, a norma de complementação seria uma novidade na LC 87/96[3], porquanto o novel dispositivo não poderia retroceder os seus efeitos para atingir fatos geradores pretéritos, sob o argumento de ser uma disposição acessória do sistema da Substituição Tributária, evidente o lanho à irretroatividade tributária[4]. Com efeito, inexiste antinomia cronológica entre a norma de complementação e a norma que prevê a Substituição Tributária, pois a primeira é corolário desta última. Não se trata de usar lei posterior que revogou a lei anterior. Ao contrário, a lei ulterior avivou a lei antecedente, ainda que tal reiteração faleça de eficácia jurídica, conforme será adiante explanado. De igual, não se detecta antinomia pela especialidade, pelo fato da lei especial revogar a lei geral, pois a hipótese de complementação veio apenas admitir uma possibilidade dentro de um regime jurídico geral preexistente. Em outras palavras, não se aplica aqui a ideia de surgir norma especial acrescendo elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, segundo ensinamento da doutrina (DINIZ, 2009, p.40): “Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetivaou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também seja previsto na geral”. O certo mesmo é ter sucedido uma antinomia hierárquica, a despeito das duas disposições se hospedarem numa lei complementar. Isto porque a norma de complementação, ao surgir, violou a Substituição Tributária para frente com raízes na própria CF/88, nomeadamente no art. 150, §7º, tantas vezes aqui lembrado. Ao implantar o regime jurídico da Substituição Tributária progressiva, o constituinte derivado previu a possibilidade de devolução do tributo, acaso o fato gerador presumido não se concretize, tanto na dimensão material como na quantitativa, esta última certificada agora pelo STF. Mas não previu a possibilidade de suplementação se a presunção ficasse aquém da realidade. Portanto, os contornos da Substituição Tributária progressiva já foram bem delineados na Constituição, fora das quais está a possibilidade de complementação. Assim, a lei infraconstitucional só poderá instituir o regime dentro daquele espeque. Atribuir ao ente tributante direito à complementação significaria migrar para além das bordas do citado regime jurídico constitucional, aproveitando-se de outras cidadelas jurídicas aqui inaplicáveis. Não fará sentido subordinar determinada operação ao regime da Substituição Tributária, cujo delineamento ganhou status constitucional, e depois fazer uso de um outro sistema jurídico, montado no encontro de débitos e créditos fiscais, mesmo que este segundo sistema também tenha previsão na Lei Maior. Em resumo, soará incongruente o legislador infraconstitucional optar pela tributação antecipada para certos fatos jurídicos e, simultaneamente, empregar para eles procedimentos típicos de um outro regime tributário, qual seja, o da não cumulatividade. Note-se que a restituição no caso do fato imponível exprimir base econômica menor do que a estimada, calcada na lógica do sistema de débitos e créditos apurados operação a operação, constitui uma excepcionalidade imposta pelo próprio legislador constitucional, segundo a dimensão sufragada no STF. Sendo assim, vindo a lei de normas gerais do ICMS inserir dispositivo prevendo a exigência de recolhimento suplementar, haverá claramente uma antinomia hierárquica, por violência ao §7º do art. 150 da CF/88, estando, destarte, fadado à inconstitucionalidade. Válido o ensinamento doutrinário (BOBBIO, 2014, p. 95): “Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo ; essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior” (destaques da transcrição). Evidentemente, o comando constitucional que instituiu o regime jurídico da Substituição Tributária progressiva surgiu com o fito de fazer exaurir a obrigação tributária com o pagamento antecipado. E estabeleceu uma extraordinariedade apenas com relação a satisfazer o indébito porventura a base estimada fique além da realizada. Esta é a disciplina da norma superior, jamais podendo ser contrariada por norma inferior. Quisesse o constituinte derivado – e, portanto, já com a ordem constitucional produzindo efeitos – incluir também a hipótese de complementação, tê-lo-ia feito na EC 03/93, tal qual o fez com relação à restituição. Somente uma outra emenda teria a força jurídica suficiente de alterar as quadraturas constitucionais forjadas para a Substituição Tributária progressiva. É neste patamar normativo – Constituição Federal – que o legislador terá permissão para agir, sob pena de vilipendiar o postulado da hierarquia das leis. Não bastasse isso, a inserção da norma de complementação na lei complementar desrespeitaria princípios jurídicos de estatura constitucional e infraconstitucional. A começar pela segurança jurídica, tendo em mira os contribuintes. A fixação da base presumida é de iniciativa do ente tributante. Com o pagamento antecipado do tributo, dar-se-ia aí a pacificação da relação jurídico-tributária a cargo do substituto, com a consecução da desejada estabilidade social. Exigir tempos depois de outro contribuinte o pagamento complementar abalaria uma relação jurídica harmonizada anteriormente. Equivaleria a alguém pagar o crédito tributário lastreado numa alíquota e em seguida reclamar-se dele a suplementação só porque adveio uma lei fixando uma alíquota maior. E não se diga que o exemplo anterior se hospeda num ambiente diferente. Ao fixar a base presumida dentro dos critérios legais e receber o tributo do substituto, o ente tributante viu atendido o seu desígnio, cumpriu sua função político-social e colaborou para a harmonia das relações jurídicas. A supremacia dos princípios jurídicos – constitucionais e infraconstitucionais – continua prevalecendo na interpretação do direito objetivo brasileiro, conforme melhor doutrina (NUNES, 2002, p. 171): “… o princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam” E tem na segurança jurídica a ideia de que a tipificação do tributo, longe de corresponder cartesianamente à porção de riqueza afetada, deve, antes de tudo, proporcionar lindes confiáveis para que a sociedade a aprove, chancele as suas bases quantitativo-jurídicas e a acolha como elemento de equilíbrio na convivência entre o Estado e o cidadão. Assim expressa a doutrina (CAYMMI, 2007, p. 189): “Pode-se ainda perceber que a variação da concepção de segurança jurídica implica, do mesmo modo, na variação dos requisitos necessários para o atendimento do princípio da tipicidade tributária, ou seja, dos mecanismos necessários à delimitação ‘segura’ dos fatos geradores dos tributos e das obrigações tributárias impostas em função da verificação da ocorrência destes” (aspas originais; destaques da reprodução). Raciocínio semelhante poderia ser empregado para impedir a restituição quando a base presumida fosse maior do que a presenciada. Mas aí não se pode falar em abalo à segurança jurídica porque é a própria Constituição que estabelece esta excepcionalidade, conforme novo entendimento abraçado pela Suprema Corte, e como tal deve ser assimilada pela sociedade[5]. O mesmo não se pode dizer da complementação, porquanto desprovida de respaldo constitucional, de modo que admiti-la tornará volúveis as relações jurídicas pacificadas com o pagamento antecipado. Daí continuar atual a mensagem do Ministro José Antonio Dias Toffoli, proferida no RE em evidência, ao detectar desmesura ao princípio da segurança jurídica no recolhimento suplementar: (p. 67): “O que eu fico a pensar e a imaginar? Qual é a solução que nós daríamos para o caso que traria maior segurança jurídica do ponto de vista de menos litigiosidade, de diminuir o grau de litigiosidade? Eu penso que trouxe essa solução o Ministro Teori, no momento em que disse: ‘Vamos manter a jurisprudência e vamos pacificar essa situação, de acordo com a jurisprudência já consolidada pela Corte’, de tal sorte que isso evitará inúmeros conflitos, embates e debates judiciais, seja em relação ao passado, seja em relação ao futuro, porque continuarão a existir operações presumidas cujos valores finais depois serão ou a maior ou a menor” (aspas originais, destaque da reprodução). Conforme será explicado em item a seguir, graves perplexidades aparecerão para saber qual o montante do imposto a cobrar caso a base realizada seja superior à presumida. E, efeito colateral indesejado, ações judiciais povoarão os Tribunais superiores, derredor da quantificação do valor a complementar, revolvendo questionamentos já obstados pela definitividade da base presumida. Neste compasso, a advertência do Ministro Gilmar Mendes: “Eu temo – e aí voltando ao argumento da praticidade – que, ao abrirmos para essa verificação, estejamos perdendo de vista que estamos falando, não de milhares, mas de milhões de relações que se realizam diuturnamente e que cumprem esse determinado modelo, claro, dentro de uma dada racionalidade. Se voltarmos a espiolhar isso um a um, vamos, de fato, abrir a caixa de Pandora desse sistema, e, talvez, torna-lo inútil. Na questão da interpretação desse dispositivo, a mim, me parece que o elemento-chave é este: será que, depois de ter de fazer a avaliação de cada operação, vai fazer sentido aí a substituição tributária?” (destaques da reprodução). Conformada a possibilidade de restituição pelo viés quantitativo do fato presumido, na exegese adotada pelo STF, tolerando-se, concomitantemente, a complementação no sentido inverso, o resultado extraído daí será a inocuidade do comando constitucional que aprovou a Substituição Tributária progressiva. Seria mitigar de tal forma o funcionamento deste regime jurídico que praticamente perderia aplicabilidade. E, voz uníssona, a Constituição e seus prescritivos foram concebidos para frutificarem na plenitude, não se submeter a refreios criados por lei de hierarquia menor. Relembre-se o ensinamento da doutrina (SILVA, 1998, p. 225): “Toda constituição (e emendas supervenientes) é feita para ser aplicada. Nasce com o destino de reger a vida de uma nação, construir uma nova ordem jurídica, informar e inspirar um determinado regime político-social” (destaques e parêntesis da transcrição) Outro princípio de relevo mitigado por um provável comando infraconstitucional de suplementação é o da praticidade. A despeito desta ter sido atenuada na hipótese de restituição, a partir da técnica da interpretação conforme conferida pelo STF ao §7º do art. 150 da CF/88, deve prevalecer diante da exigência de complementação. A praticidade tributária necessitou ser adequada à possibilidade de restituição, face o regramento constitucional e a sobreposição de princípios de magnitude superior. Nestas circunstâncias, deve o aparelho fiscal municiar-se de meios para examinar a legitimidade do indébito, ante o cabedal de provas a ser apresentado pelo sujeito passivo quando formular seu pleito. No âmbito do ICMS, dar azo à restituição (que tem licença constitucional) e à suplementação (sem licença constitucional) atingirá em tal intensidade a praticidade que será melhor – sob esse ponto de vista – abandonar o regime da Substituição Tributária para frente e deixar que todas as operações sejam regidas vez por todas pela não cumulatividade. Todavia, é objetivo a ser perseguido pelo ente tributante a simplificação das obrigações tributárias tanto para o contribuinte como para o aparelho fiscalizador. Relegar a Substituição Tributária progressiva ensejaria um retrocesso prejudicial para todos, sobretudo nos segmentos de mercado cujo varejo seja fragmentado, obrigando o exame individual de milhares de contribuintes de ínfima capacidade econômica. Por conseguinte, respeitante à complementação, deve ainda sobrepujar a praticabilidade, dada a relevância do princípio, na voz abalizada da doutrina (COSTA, 2007, p. 93): “… as leis tributárias devem ser exequíveis, propiciando o atingimento dos fins de interesse público por elas objetivado, quais sejam, o adequado cumprimento de seus comandos pelos administrados, de maneira simples e eficiente, bem como a devida arrecadação dos tributos” (destaques da transcrição). Cuja conclusão é a seguinte (COSTA, 2007, p. 389): “A noção de praticabilidade é relevante para a viabilização da vontade estatal, manifestando-se, precipuamente, por meio da lei, na medida em que seus comandos devem ser executados em massa. No campo tributário tal circunstância é sentida em grande dimensão, haja vista a rápida e automática multiplicação das relações jurídico-tributárias, que, por sua natureza ex lege, constituem campo fértil para a praticabilidade disseminar amplamente seus efeitos” (itálicos originais; destaques da transcrição). Não em menor escala a norma de suplementação afetaria o princípio da razoabilidade. Isto porque a tributação deve exprimir um exercício de poder equilibrado, coerente e justo. A parcela a ser retirada da esfera privada deve corresponder a níveis aceitáveis de exigibilidade, sem sobressaltos, sem exageros focados simplesmente na arrecadação. Ainda que remanesçam resíduos entre a base efetiva e a estimada, soa plausível não investir na sua cobrança, máxime quando o recurso já ingressou no erário com antecedência. Bem verdade que não se descarta a hipótese de eventualmente surgirem vultosas diferenças entre o projetado e o realizado. Nestes casos, haverá dois diagnósticos a identificar: ou o perfil do mercado sujeito a Substituição Tributária progressiva não comporta a utilização deste regime jurídico ou há necessidade de revisar o cálculo dos critérios de estimação e recalibrar a base imponível presumida. Enfim, constatada a antinomia hierárquica, seja por violação a preceito constitucional, seja por desatenção a princípios jurídicos, pelos mesmos motivos a anormalidade aconteceria se a norma de complementação estivesse na lei estadual institutiva do tributo. De modo que, quer seja na lei complementar de normas gerais, quer seja na lei institutiva do tributo, a norma de complementação, face a antinomia hierárquica com o §7º do art. 150 da CF/88, deverá ser considerada inconstitucional e, portanto, afastada liminarmente  da ordem jurídica vigente. 4. Operacionalização da cobrança do pagamento suplementar. Dúvidas não há de que a tecnologia da informação ajudou muito na auditoria das operações mercantis para efeito de apuração do ICMS, algo que ainda era embrionário à época em que a Suprema Corte fixou o entendimento de descaber a devolução do imposto quando a base imponível concretizada era menor do que a presumida. De lá para cá as estruturas fiscalizadoras criaram o Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (SINTEGRA), plataforma a partir da qual os contribuintes digitavam os dados das operações comerciais que realizavam e os transmitiam para os bancos de dados dos fiscos estaduais. Era um expediente que ainda exigia uma ação humana de boa-fé por parte do sujeito passivo, pois se o sujeito passivo não alimentasse corretamente o sistema informatizado, ficava o ente tributante “às cegas”, sem acesso às informações da movimentação econômica[6]. O procedimento evoluiu para a nota fiscal eletrônica (NFe), de performance automática, de modo a disponibilizar as informações instantaneamente para os fiscos interessados, a partir da sua própria expedição. Ao vender o produto, por exemplo, a empresa emite a nota fiscal eletrônica e os Estados envolvidos tomam conhecimento disto, intervindo, quando necessário, até mesmo antes dele chegar ao seu destino, através de suas equipes de fiscalização de trânsito das mercadorias. Além disso, criou-se o sistema de escrituração fiscal digital (EFD), a partir do qual a movimentação comercial de uma empresa (entradas, saídas, apuração do imposto, estoques etc.) encontra-se informatizada, em linguagem adequada para que os dados sejam devidamente tratados e analisados pelos sistemas de auditoria existentes. Por conseguinte, numa primeira impressão, não haveria dificuldades para que os entes tributantes cobrassem as diferenças de tributos nos descompassos quantitativos verificados nas duas bases de cálculo, tal qual alguns eminentes Ministros afiançaram no julgamento do RE 593.849 – MG. Entretanto, no tocante à pragmatização dos procedimentos, surgem percalços operacionais importantes, alguns deles chegando a ser insuperáveis. A começar por descobrir o universo de sujeitos passivos alvejado pela Substituição Tributária para frente. Em regra, tal regime jurídico tem como um dos seus objetivos englobar nichos de mercado cuja venda a varejo esteja altamente pulverizada, repleta de pequenos agentes econômicos. Com a instauração do poder-dever de cobrar a complementação, prepostos fiscais seriam mobilizados para atuarem nestes fatos tributários. Vislumbre-se o mercado de cervejas e refrigerantes de um Estado inteiro: participam dele contingente expressivo de bares, restaurantes, depósito de bebidas e estabelecimentos similares. Até mesmo ambulantes seriam potencialmente obrigados a efetuarem a suplementação. Bem verdade que há setores onde a Substituição Tributária progressiva é utilizada distorcida e desnecessariamente (sendo a melhor solução retirá-los do regime), como no caso da produção e comercialização de veículos automotores, sem tantas concessionárias de automóveis, onde seria factível investigar-se a complementação[7]. Ou implantar isenção para o suplemento em se tratando de micro e pequenas empresas. Mesmo assim, restariam ainda milhares de agentes econômicos a terem sua escrita pendente de verificação. Nesta toada, o Ministro Edson Fachin, relator do RE sob discussão, lembrou o voto do então Ministro Nelson Jobim, prolatado na ADI 2777, cujo trecho bem resume os objetivos traçados pela ST progressiva: “Convergem-se, ainda, acerca das vantagens pragmáticas hauridas da sistemática da substituição tributaria progressiva, as quais foram precisamente sumarizadas pelo eminente Ministro Nelson Jobim, em seu arguto voto proferido na ADI 2777: (i) a maior segurança na arrecadação; (ii) o melhor desempenho da Administração Tributária; (iii) e eficiência da máquina estatal, evitando respectiva expansão; e (iv) a promoção da justiça fiscal na medida em que se combate efetivamente a sonegação” (destacamos). Diante de tais complicadores, por si só insuperáveis, mas que apenas ilustram um quadro muito mais vasto, parece não ter sido bem avaliada a repercussão prática da admissibilidade incidental da complementação, maxima permissa venia, por parte de alguns membros da Corte Máxima, a exemplo das declarações do eminente Ministro Luis Roberto Barroso no RE sob foco, ao se referir ao posicionamento anteriormente firmado naquele Tribunal (p. 40): “… a lógica subjacente àquela decisão é de que o estágio em que a fiscalização se encontrava dificultava, sobremaneira, a fiscalização do valor da dimensão econômica da efetiva operação. Portanto, foi uma medida pragmática para se evitar tanto a sonegação quanto um ônus excessivo nessa fiscalização. Agora, os recursos de fiscalização, técnica de fiscalização evolui muito nos últimos doze, quinze anos, de lá para cá. Portanto, já não é mais tão árduo assim verificar a operação real” (destaques da transcrição). E da Presidente Carmen Lúcia Rocha: “… levei em consideração, para acompanhar o Ministro-Relator, a circunstância de que, 14 anos após aquele voto, a Receita Federal e as Receitas estaduais, de uma forma geral, já têm estrutura e possibilidade de verificação efetiva do que se dá, até mesmo de uma maneira bem objetiva e bem facilitada pelos mecanismos que hoje nós temos, para que então se possa assegurar que aquilo que foi pago foi, inicialmente, presumido, mas depois demonstrado que não se tinha realizado em detrimento de alguém” (destaques da reprodução). Por conseguinte, voltariam tais contribuintes a serem fonte de preocupação por parte da máquina fiscal. Melhor seria, portanto, que atento a esta anomalia tributária, o ente tributante calibrasse bem a base de cálculo presumida e se contentasse com o recolhimento feito pelo substituto. O panorama se agrava consideravelmente quando a análise desce a outros detalhes. Suponha-se uma indústria A, substituta tributária, efetuando para o mesmo cliente atacadista quatro vendas do produto x submetidas à MVA de 30%, praticando dentro do mês preços unitários diferentes, de acordo com a quantidade negociada, a saber, R$10, R$15, R$16 e R$20, redundando em preços projetados na ponta de R$13, R$19,50, R$20,80 e R$26, respectivamente. Imagine-se, agora, que o fisco detecte ter o varejista vendido o citado produto por R$12, R$14, R$17 e R$19. Algumas indagações se revelam impactantes, quais sejam: – Como sustentar o direito à complementação? A mercadoria vendida ao consumidor final por um preço foi qual mercadoria tributada antecipadamente pela fábrica? E por qual base presumida? – Mesmo se a mercadoria fosse comprada para consumo ao preço superior a todas as bases estimadas, quanto montaria a diferença? – E se o varejista comprasse de fornecedores diferentes, a preços diferentes, que por sua vez adquiriram os produtos de indústrias diferentes, qual base estimada seria adotada para comparação e cobrança da diferença? – E se tais industriais estivessem situados em Estados diversos, como operacionalizar a verificação da base estimada? – E se tais eventos se repetissem indefinidamente por meses e meses, como viabilizar a checagem das informações? Reconheça-se que este esforço seria deveras complicado e não encontraria uma resolução. Mesmo se fosse possível para certas situações encontrar a diferença com o estabelecimento de novas médias ou de técnicas de aproximação, a alternativa cometeria o mesmo “pecado” de fixar uma nova base presumida, frágil o suficiente para ensejar questionamentos judiciais antes inexistentes. Se a grande crítica que se faz à Substituição Tributária para frente recai no fato dela partir de bases presumidas, a base para a complementação continuaria no máximo – quando quantificável – sendo também presumida. Haveria, no pagamento antecipado, um montante presumido, e na complementação, um segundo montante presumido. Multipliquem-se tais situações produto a produto, preço a preço, mês a mês, fornecedor a fornecedor, varejista a varejista, e ter-se-á uma infindável rede de eventos posteriores pendentes, numa desgastante tarefa a ser empreendida pelos agentes de fiscalização. A relação custo/benefício, tão prestigiada pela praticidade, ficaria irremediavelmente comprometida[8]. Evidentemente, tais situações colidiriam com o princípio da praticidade tributária, inoponível quando se constata necessidade de restituição, por violentar prerrogativas fundamentais do contribuinte, mas perfeitamente invocável e digno de prestígio quando se perceba valor a cobrar suplementarmente. Neste sentido, o opinativo do Ministério Público, exarado no RE em comento e citado no julgamento (p. 22): “A praticidade constitui a ratio essendi da norma inscrita no §7º do art. 150 da CF. Não se pode por mecanismo de simplificação de arrecadação tributária deixar em segundo plano os direitos e garantias dos contribuintes. A ordem é diametralmente oposta: a praticidade somente se sustenta quando não viola os direitos e garantias dos contribuintes” (grifos originais; negritos da reprodução). Um outro agravante surgiria se o fisco fosse examinar a escrita de varejistas para saber se cabem eventuais complementações. Não raro, as dificuldades seriam grandes porque alguns agentes econômicos, sobretudo aqueles pertencentes a segmentos com vocação sonegadora,  poderiam subfaturar as transações e dissimular as bases efetivamente praticadas. Ou até mesmo esconder a própria operação mercantil. Verdade que algo semelhante aconteceria no sentido inverso, vale dizer, quando a base efetiva fosse menor do que a presumida. Mas neste caso já há a chancela do E.STF, incontornável, por enquanto, além do fato do contribuinte ser compelido a demonstrar prova cabal de que efetivamente é cabível a restituição, ainda que a favor dele corra o prazo de aproveitar o crédito fiscal correspondente se decisão não advier em noventa dias, ex vi do § 1º do art. 10 da LC 87/96. Porém, não se descarta a hipótese de milhares de pedidos de indébito aparecerem no país, a consumirem tempo e pessoal especializado em apreciá-los. No tocante à produção de prova robusta, mister reproduzir o pensamento da doutrina (GRECO, 2016, p. 441): “Assim, ao legitimado cabe, além da prova mencionada, também a demonstração de ter havido uma cobrança maior de imposto em relação àquela mercadoria cuja operação dá ensejo ao pleito de restituição. (…) De fato, será preciso comprovar a evolução do estoque atrelada às datas e aos valores de cada operação sujeita à antecipação e de cada última que ensejou o pleito de restituição. Prova inegavelmente complexa a ser realizada” (destaques originais; itálicos da transcrição). Aliás, sem embargo do Ministro Luiz Fux pender para a possibilidade de complementação, ainda que somente como reforço à argumentação pelo indébito, não deixou o eminente julgador de reconhecer a praticidade para o fisco, plasmada na substituição tributária progressiva (p. 64): “O primeiro destaque que eu faria é que, efetivamente – e isso é inegável, todos abordaram o mesmo aspecto -, a Substituição Tributária é uma medida de caráter prático sob o ângulo tributário; ela visa a praticidade da cobrança antecipada para otimizar a fiscalização” (destaques da reprodução). Portanto, apesar de alguns membros do E. STF terem visualizado possibilidade de averiguação da base efetiva, o modus operandi não se mostra tão fluido assim, em vista das complicações práticas atrás delatadas, de sorte que o expediente acaba trazendo um retrocesso para a praticidade tributária, sendo obrigado o sujeito ativo a se debruçar sobre situações que já estavam resolvidas com a tributação antecipada, e das quais gestores e operadores voltarão desnecessariamente a enfrentar, demandando mais custos para a máquina pública. Por outro lado, usar de atecnias para se fazer recolhimentos aproximativos da complementação seria não alcançar a base efetiva e estabelecer bases de cálculo presumidas para a suplementação, numa espécie de subproduto jurídico indesejado que só teria o objetivo de satisfazer propósitos arrecadacionais. É como se a ciência do direito ficasse, por assim dizer, no meio do caminho para a solução, onde, fatalmente, terá espaço aberto para condutas arbitrárias e procedimentos meramente especulativos. E aí o operador se depararia com o sistema de Substituição Tributária progressiva em que se trabalha com fatos geradores presumidos, no viés quantitativo, e caso a base efetive supere a estimada – vale repetir -, ser forçado a adotar, para encontrar a complementação, nova base presumida. Não bastassem todos estes empecilhos, remanesce ainda uma última discussão a respeito de quem deve responder pelo tributo a ser complementado, se o substituto ou o substituído, tema aparentemente resolvido na área do ICMS, por força do caput do art. 10 da LC 87/96, mas que perdura em relação aos demais tributos. Isto porque uma parcela da doutrina questiona se o contribuinte de fato estaria no polo passivo da relação jurídico-tributária e, portanto, alcançável pela cobrança suplementar. Neste sentido, a melhor doutrina (FERRAGUT/NEDER, 2007, pp. 10 e 11): “Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário e que, cumulativamente, se encontra no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver ausente, ou o sujeito será o responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas insuficiente. (…) A responsabilidade é proposição que tem o condão de alterar a norma individual e concreta que constituiu o crédito tributário, sempre que esta norma (a de constituição) tiver inicialmente previsto um outro sujeito passivo da relação (responsabilidade por sucessão). Por outo lado, é proposição que não altera a norma individual e concreta de constituição do crédito, se, desde o início, o responsável tributário for o sujeito passivo da relação (responsabilidade por substituição, por solidariedade, de terceiros e por infrações)” (parêntesis originais; destaques da reprodução). Portanto, também poderá por esta senda haver intenso tensionamento judicial. Enfim, tanto para o contribuinte como para o fisco, a hipótese de complementação não traduzirá uma boa alternativa para por fim à discussão do quantum tributário. 6. Conclusões. Assim, do estudo ora empreendido, pode-se chegar às seguintes conclusões: Na esteira do julgamento proferido no RE 593.849-MG, no qual se admitiu a restituição de tributo quando a base presumida supere a praticada, muitos Estados tenderão a incluir nas suas legislações a possibilidade de se fazer a cobrança complementar caso se dê o inverso, isto é, a base presumida fique aquém da praticada. Dentro da nova visão do STF, a restituição face o excedente antecipado no cálculo da base presumida constitui uma extraordinariedade constitucional, a ser respeitada pelos entes tributantes, não obstante ser este evento assimilado da lógica de outro regime jurídico, qual seja, o da não cumulatividade. Não percorre o mesmo caminho a exigência de complementação, posto inexistir previsão constitucional para tanto, e, por conseguinte, ser incompatível com a Substituição Tributária Progressiva, de sorte que não pode o mesmo fato gerador – seja na sua forma estimada, seja na sua forma efetiva, – submeter-se concomitantemente a dois regimes jurídicos. Depõe contra o postulado da justiça fiscal o ente tributante aproveitar-se ao mesmo tempo das vantagens de dois regimes jurídicos em relação à dimensão quantitativa de um único fato gerador, ignorando as suas desvantagens tão-somente a pretexto de incrementar a sua arrecadação. A circunstância da base imponível verificada superar a projetada revela um evento meramente econômico, irrelevante, no caso,  para dele se extrair efeitos tributários. Inexiste enriquecimento sem causa do lado do contribuinte se o preço praticado ultrapassa o preço estimado porque não houve prejuízos suportados pelo ente tributante, na medida em que este experimentou contrapartidas suficientes – ingresso antecipado de receita com garantia de recebimento – que desautorizam a suplementação do imposto. Caracteriza antinomia normativa hierárquica se o legislador complementar ou o sujeito ativo competente resolver inserir no direito objetivo disposição estatuindo a cobrança complementar, seja porque a iniciativa agride o art. 150, §7º, da CF/88, seja porque se choca com princípios jurídicos de relevo, a exemplo da praticidade, razoabilidade e segurança jurídica, salvo se o comando vier através de emenda constitucional. Ainda que a norma de complementação conseguisse ter sobrevida no ordenamento jurídico, os entraves operacionais dela decorrentes causariam perplexidades jurídicas intransponíveis, além de atulhar o Judiciário de contendas desnecessárias, a ponto de inviabilizar a adoção da Substituição Tributária para frente e tornar inaplicável um dispositivo constitucional que hoje se manifesta com todo o seu vigor. Tanto na restituição como na eventualidade de se admitir o recolhimento complementar, haverá da parte do seu titular necessidade de se produzir prova contundente para demonstrar a existência e a dimensão quantitativa deste direito. À luz da recente decisão do STF, a admissibilidade do indébito, de um lado, e os impasses sentidos nos procedimentos para exigir a suplementação, do outro, farão com que as entidades federativas competentes passem a utilizar racionalmente o regime da Substituição Progressiva, vocacionado apenas naqueles setores com varejo pulverizado, e passem a se preocupar mais com a calibração da base imponível presumida.
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A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional
Conjugou-se, nesta pesquisa, o critério da preponderância imobiliária com o critério da finalidade constitucional, para se aferir a incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI, no tocante a pessoas jurídicas inativas, haja vista as duas regras de imunidade positivadas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88. Questionou-se se as pessoas jurídicas (sociedades simples e empresárias com vínculo preponderante ou não, de natureza formal ou fática, com o ramo imobiliário) destinatárias da transmissão de bens e/ou direitos em matéria imobiliária, por meio quer da realização de capital, quer da fusão, incorporação, cisão ou extinção, são ou não imunes ao ITBI, em caso de inatividade. Examinaram-se as quatro hipóteses de imunidade do ITBI. Aprofundou-se a análise das duas regras imunizantes do art. 156, inciso II, da CF/88, esclarecendo-se (a) por que ambas constituem imunidades objetivas e políticas, (b) quais são os conceitos de realização de capital, fusão, incorporação, cisão e extinção de pessoa jurídica, (c) qual a amplitude do termo pessoa jurídica e (d) por que a transformação de pessoa jurídica configura hipótese de não incidência do ITBI, e não de imunidade tributária. Estudaram-se as exceções a ambas as regras de imunidade, enumeradas na parte final no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88. Ponderou-se que ambas as imunidades de tal dispositivo constitucional se condicionam ao critério da preponderância. Delinearam-se as balizas infraconstitucionais do critério da preponderância. Apreciou-se a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul relativa à incidência ou não do ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, em contraste seja com recentes temperamentos da própria Corte de Justiça gaúcha a essa orientação jurisprudencial, seja com acórdãos dos Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro. Estabeleceu-se o cotejo entre essa jurisprudência dominante do TJ/RS e as considerações doutrinárias sobre a finalidade constitucional de ambas as regras imunizantes. Defendeu-se a conjugação dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional, ao se constatar que, sem o exercício de atividade econômica, de caráter preponderante imobiliário ou não, deixa-se de atender ao fim constitucional, consubstanciado na desoneração fiscal, como meio de estímulo às sociedades simples e empresárias que, de modo efetivo, atuam em território brasileiro, no mercado local, regional ou nacional, na produção, circulação, distribuição e/ou consumo de bens e serviços. Depreendeu-se que, caso as sociedades simples e empresárias inativas usufruam do mesmo tratamento tributário diferenciado dos entes societários ativos, haverá quebra de isonomia, concedendo-se àquelas o bônus da desoneração fiscal, sem que arquem com o ônus, desincumbido por estas, de contribuir, de maneira efetiva, para o desenvolvimento nacional, sob os ângulos social e econômico, premiando-se, de maneira reflexa, a inércia.
Direito Tributário
1 Introdução A presente pesquisa debruça-se sobre controvérsia ainda pendente de adensamento doutrinário e pacificação pela jurisprudência das Cortes Superiores, pertinente à incidência ou não do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI no tocante a pessoas jurídicas inativas, haja vista as duas regras de imunidade positivadas no inciso I do § 2.º do art. 156 da Constituição da República, assim como o critério da preponderância imobiliária, insculpido na parte final do referido dispositivo constitucional. Questiona-se: todas as pessoas jurídicas destinatárias da transmissão de bens e direitos em matéria imobiliária, por meio quer da realização de capital, quer da fusão, incorporação, cisão ou extinção, são ou não imunes ao ITBI, em caso de inatividade (entendida como a ausência de prática de atividade econômica)? Esse questionamento se bifurca em duas indagações: (a) A imunidade em tela estende-se à parcela das pessoas jurídicas inativas que, se estivesse em efetiva atuação no mercado, desempenharia, de modo predominante, atividade econômica de viés imobiliário? (b) A pessoa jurídica sem vínculo formal (previsto em estatuto ou contrato societário) e/ou efetivo (liame fático) prevalecente com o ramo imobiliário torna-se sujeito passivo do ITBI, caso seja inativa desde o seu princípio ou assim se torne em ocasião posterior ao início de suas atividades ou à sua existência jurídica? Em suma, cumpre perquirir se ambas as imunidades insertas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 abrangem as pessoas jurídicas que, destinadas ou não ao exercício precípuo de atividades imobiliárias, quedam-se inativas ao longo da sua existência jurídica ou se tornam inertes a partir de determinado momento. Para elucidar essa problematização, mostra-se, antes, indispensável (a) clarificar quais são as imunidades relativas ao ITBI previstas na Carta Magna vigente, (b) identificar como se classificam as duas normas de imunidade agasalhadas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, (c) verificar se estas possuem caráter incondicionado ou condicionado e (d) discriminar as eventuais hipóteses excepcionais em que o próprio inciso em referência exclui a aplicação das regras imunizantes nele albergadas. Portanto, na primeira metade do desenvolvimento do texto monográfico, serão, de pronto, tecidos lineamentos sobre as quatro hipóteses de imunidade do ITBI inscritas na Constituição Federal de 1988: (1) os direitos reais de garantia sobre bens imóveis (art. 156, inciso II, 2.ª parte, da CF/88), (2) “a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” (art. 156, § 2.º, inciso I, 1.ª parte, da CF/88), (3) “a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica” (art. 156, § 2.º, inciso I, 2.ª parte, da CF/88) e (4) “as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (art. 184, § 5.º, da CF/88). Após, serão expostas, com maior acuidade, ambas as regras imunizantes insertas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88. Aclarar-se-á o motivo por que ambas as normas constitucionais são expressões de imunidade objetiva e política. Elucidar-se-á, aos olhos da interpretação teleológica e contextual da Constituição da República, em que consiste, na tessitura desse dispositivo constitucional, a realização de capital, assim como a fusão, a incorporação, a cisão e a extinção de pessoa jurídica, bem como a amplitude, nesse panorama, do termo pessoa jurídica. Esclarecer-se-á se a transformação de pessoa jurídica é hipótese de imunidade ou de não incidência. Na segunda metade do desenvolvimento da monografia, será aprofundado o estudo das exceções enumeradas no art. 156, § 2.º, inciso I, in fine, da CF/88. Será enfrentada a polêmica exegética acerca de quais imunidades daquele inciso condicionam-se ao critério da preponderância imobiliária. Uma vez delineadas as balizas infraconstitucionais do critério da preponderância imobiliária, será apreciada a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul relativa à incidência ou não do ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, bem assim analisados julgados a respeito, defluentes dos Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro. Será estabelecido igualmente o cotejo entre essa jurisprudência dominante do TJ/RS e as considerações doutrinárias sobre a finalidade constitucional das regras imunizantes listadas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88. Ao fim, verificar-se-á se a conjugação dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional pode aquilatar se determinada pessoa jurídica, com presença preponderante ou não no ramo imobiliário, faz ou não jus à imunidade concernente ao ITBI, mormente em relação a pessoas jurídicas inativas desde os primórdios de sua existência jurídica ou que passam à inatividade em quadra subsequente. 2 As normas imunizantes do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 2.1 Noções fundamentais Entre os impostos ínsitos à competência tributária dos Municípios brasileiros e do Distrito Federal (BARRETO, 2013, p. 1.043; CARRAZZA, 1996, p. 96; JARDIM, 2016, p. 344, 354; ROSA JR., 2012, p. 774), o art. 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988, agasalha o imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, (1) de bens imóveis (seja por natureza, seja por acessão física), (2) de direitos reais sobre imóveis (exceto os de garantia) e (3) da cessão de direitos à sua aquisição (BRASIL, 2017). Trata-se do denominado Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI (JARDIM, 2016, p. 354), em relação ao qual a atual Constituição da República vislumbra quatro normas de imunidade (BRASIL, 2017; COSTA, 2015, p. 222-226): “1. Em caso de direitos reais de garantia sobre bens imóveis (art. 156, inciso II, 2.ª parte, da CF/88); 2. Nas situações em que há a “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” (art. 156, § 2.º, inciso I, 1.ª parte, da CF/88, grifo nosso); 3. Nas circunstâncias relativas à “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica” (art. 156, § 2.º, inciso I, 2.ª parte, da CF/88, grifo nosso); 4. Nas “operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (art. 184, § 5.º, da CF/88, grifo nosso). A imunidade abraçada pela CF/88, por meio do seu supracitado art. 156, na 2.ª parte do seu inciso II, é pertinente, recorde-se, aos direitos reais de garantia. Em verdade, como se cuida de imposto relativo à “transmissão de imóvel ou direitos relacionados com aquele bem” (JARDIM, 2016, p. 355), vê-se que, à luz da interpretação teleológica e contextual, o elenco de tal inciso diz respeito unicamente aos direitos reais de garantia atinentes a bens imóveis (CARRAZA, 2017, p. 1.013; COSTA, 2015, p. 223; HARADA, 2016, p. 82, 85), relativamente aos quais figuram no Código Civil de 2002 a hipoteca (art. 1.225, inciso IX, c/c arts. 1.473 a 1.505, todos do CC/2002) e a anticrese (art. 1.225, inciso X, c/c arts. 1.506 a 1.510, todos do CC/2002)[1], uma vez que o penhor (art. 1.225, inciso VIII, c/c arts. 1.431 a 1.472, do CC/2002) não é hipótese de imunidade do ITBI, mas de não incidência desse imposto municipal e distrital, porque o objeto da garantia pignoratícia restringe-se a bens móveis (MACEDO, 2010, p. 95)[2]. Apoiado na premissa de que o mencionado inciso II do art. 156 da CF/88 relaciona-se a todas as hipóteses legais de direitos reais de garantia sobre imóveis, positivadas quer no Código Civil de 2002 (hipoteca e anticrese), quer em diplomas legislativos específicos, José Alberto Oliveira Macedo inclui nesse rol o negócio jurídico fiduciário de garantia de bens imóveis, no qual se sobressai a alienação fiduciária imobiliária, sob o pálio da Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, a Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário[3] (MACEDO, 2010, p. 95-98). Há, ainda, reprisa-se, as duas hipóteses de imunidades pertinentes ao ITBI insculpidas também no indicado art. 156 da CF/88, no inciso I do seu § 2.º, isto é, (a) referentes aos casos de “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”, bem como (b) às situações relacionadas à “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”, à exceção das circunstâncias em que “a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (BRASIL, 2017d), é dizer, quando a atividade econômica preponderante se der no ramo imobiliário. A realização de capital societário concerne à entrada do imóvel ou de direitos reais a ele relacionados, ao passo que a fusão, a incorporação, a cisão e a extinção dizem respeito à saída daqueles[4]. Além disso, recapitula-se, existe a imunidade sediada no art. 184, § 5.º, da CF/88, atinente às “operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (BRASIL, 2017d, grifo nosso)[5]. Situada no plano constitucional, constitui norma imunizante, ainda que, por equívoco de redação técnico-legislativa, haja sido chamada de “isenção”[6] pelo poder constituinte originário (AMARO, 2006, p. 161; BARRETO, 2013, p. 1.043; CARRAZZA, 2017, p. 1.108; ROSA JR., 2012, p. 781). O art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, encerra duas regras imunizantes de feitio objetivo e político relativas ao ITBI, à semelhança do art. 24, § 3.º, da Constituição Federal de 1967, e do art. 23, § 3.º, da Constituição Federal de 1969 (COSTA, 2015, p. 223)[7], com a diferença precípua de que o imposto inter vivos, na ordem constitucional vigente, insere-se na competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal (art. 156, inciso II, c/c art. 32, § 1.º, ambos da CF/88) (JARDIM, 2016, p. 344, 354), ao passo que o seu antecessor, na CF/67 (art. 24, inciso I) e na CF/69 (art. 23, inciso I), filiava-se à competência tributária dos Estados e do DF (COSTA, 2015, p. 223)[8]. As imunidades objetivas, também denominadas de imunidades reais (COSTA, 2015, p. 140), enfocam “fatos, bens ou situações” (CARRAZZA, 2017, p. 852), é dizer, “para cuja identificação o relevo está no objeto ou situação objetiva que, em razão de alguma especificidade, escapa à regra da tributabilidade e se enquadra na exceção que é a imunidade” (AMARO, 2006, p. 152, grifo do autor). No contexto do ITBI, essas situações referem-se, lembre-se, à transmissão quer de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, quer de bens ou direitos provenientes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, excetuadas as indicadas hipóteses da parte final do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88. As imunidades políticas, em que pese não “constituírem consequência necessária de um princípio” constitucional, “são outorgadas para prestigiar outros princípios constitucionais” (COSTA, 2015, p. 143). Na tessitura do ITBI, prestigia-se um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3.º, inciso II, da CF/88), sob os aspectos, in casu, social e econômico, pela promoção da atividade econômica[9] levada a cabo pelas sociedades[10] (simples e empresárias), favorecendo-se, de maneira indireta, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dois dos fundamentos tanto da República (art. 1.º, inciso IV, da CF/88) quanto da ordem econômica (art. 170, caput, da CF/88) pátrias (GRAU, 2014, p. 191), na medida em que torna menos onerosa a transmissão de bens e direitos nas circunstâncias albergadas por ambas as normas constitucionais de imunidade encastoadas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88. 2.2 Realização de capital societário No panorama do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, Leandro Paulsen aplica (PAULSEN, 2015, p. 294) a definição de realização de capital cristalizada por De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, é dizer, “pagamento do capital, seja em dinheiro ou em outros bens, conforme se tenha estipulado em cláusula contratual, pelos sócios da sociedade” (SILVA, 2010, p. 1.149). Ao comentar a norma imunizante em liça, Herbert Morgenstern Kugler, com arrimo no Direito Empresarial (a maioria das sociedades beneficiárias dessa imunidade compõe-se de sociedades empresárias), divisa na realização de capital societário “o ato pelo qual o sócio integraliza as quotas ou ações regularmente subscritas por ele”, isto é, constitui “a transferência pelo sócio de recursos (dinheiro, bens ou créditos)”, ao adimplir “a promessa anteriormente feita” (KUGLER, 2011, p. 210, grifo nosso).  2.3 Fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica Tal abordagem de Paulsen e Kugler, ao se ampararem na acepção de realização de capital oriunda do Direito Privado, aproxima-se do magistério de Regina Helena Costa, que esposa o entendimento de que “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica possuem o significado que lhes empresta o Direito Privado, sob pena de alterar-se o teor da regra demarcatória no âmbito da competência tributária” (COSTA, 2015, p. 224). Em mesmo diapasão o ensino de Rodrigo Ricardo Fernandes, para quem, nessa conjuntura, “os conceitos de realização de capital, fusão, cisão, incorporação e extinção de pessoa jurídica são conceitos próprios do direito privado” (FERNANDES, 2014, p. 137). Dessarte, com esteio no art. 110 do Código Tributário Nacional[11], deve-se empregar, na contextura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, as definições de fusão, incorporação e cisão de sociedades hauridas do Direito Privado, positivadas, de início, no microssistema jurídico da vigente Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações, em seus arts. 227 a 229, estendidas às demais sociedades[12] pelos arts. 1.113 a 1.122 do Código Civil de 2002 (MANGIERI; MELO, 2015, p. 114). Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que a fusão direta ou propriamente dita (BOTREL, 2016, p. 117), esculpida no art. 228, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.119 do CC/2002, constitui “a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que sucederá em todos os direitos e obrigações” (BRASIL, 2017g), de sorte que, esclarece Sérgio Botrel, importa “verdadeira sucessão universal” (BOTREL, 2016, p. 117, grifo do autor), razão pela qual o mesmo jurista alerta a ausência, no ordenamento jurídico brasileiro, de fusão societária parcial (BOTREL, 2016, p. 117). Já a fusão indireta ou imprópria diz respeito à transferência para determinada holding de ações ou quotas das sociedades operacionais, para que aquela se torne controladora destas e, por consequência, passe a existir unidade econômica na exploração das atividades das sociedades operacionais, “antes desenvolvidas de maneira autônoma e independente” (BOTREL, 2016, p. 121). A incorporação, prescreve o art. 227, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.116 do CC/2002, “é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (BRASIL, 2017g, grifo nosso). Tal qual acontece nas circunstâncias relacionadas à fusão, a incorporação ocasiona sucessão universal, motivo por que, na ordem jurídica pátria, não há “incorporação parcial de sociedades” (BOTREL, 2016, grifo nosso, p. 125). A cisão, na dicção do art. 229, caput, da Lei n.º 6.404/1976, diz respeito à “operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes”, de que resulta a extinção da sociedade cindida, “se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão” (BRASIL, 2017, grifo nosso). Daí a inferência de que a cisão total concerne à “transferência da totalidade do patrimônio da cindida, a qual se extinguirá”, enquanto que, na cisão parcial, “apenas parte do patrimônio é vertido para outra (ou outras) sociedade(s), subsistindo a personalidade jurídica da cindida” (BOTREL, 2016, p. 155). A extinção da pessoa jurídica dependerá das hipóteses de encerramento do tipo societário correspondente, em que se incluem a fusão, a incorporação e a cisão total (GOMES, 2012, p. 173). O art. 1.119 do CC/2002, in exemplis, ao regular a fusão total, evidencia que a sua gênese implica “a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova” (BRASIL, 2017a). A extinção de pessoa jurídica repercute no campo de incidência do ITBI, porque, observa Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., redunda na “partilha entre os sócios, de bens imóveis, quando existentes” (ROSA JR., 2012, p. 780). Coerente com essa premissa de que a extinção de pessoa jurídica acarreta a partilha entre sócios ou congêneres dos bens imóveis porventura remanescentes, Roque Antonio Carrazza infere que a extinção, na seara do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, abarca, na qualidade de extinção parcial do ente societário, “a redução do capital (desincorporação) de uma empresa, isto é, a restituição aos sócios (pessoas físicas ou jurídicas) de parte do valor das suas ações” (CARRAZZA, 2017, p. 1.013, grifo do autor). Contudo, a fim de “evitar a evasão (fraudes) ou elusão fiscal”, Claudio Carneiro afasta a norma imunizante do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, nas situações em que, em vez da “simples extinção da pessoa jurídica”, houve, em realidade, “uma venda disfarçada”, ad exemplum, “se a realização de capital tiver sido promovida pelo sócio A e a desincorporação for para o sócio B” (CARNEIRO, 2016, p. 110). Além da fusão, incorporação, cisão e extinção (explicitamente elencadas no art. 229, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c arts. 1.113 a 1.122 do CC/2002), Sacha Calmon Navarro Coêlho e Regina Helena Costa acrescentam, a título de previsão implícita em tal dispositivo constitucional, a transformação (COÊLHO, 2015, p. 342-343; COSTA, 2015, p. 414), descrita, pelo art. 220, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.113 do CC/2002, como “operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro” (BRASIL, 2017g, grifo nosso), a exemplo da situação em que uma sociedade empresária “deixa de ser por ações para ser por cotas e vice-versa” (COÊLHO, 2015, p. 343). Entretanto, à vista da ponderação de Luiz Emygdio Franco da Rosa Jr.[13] de que a transformação acarreta somente a mudança do tipo societário e, em consequência, não se opera a transmissão imobiliária, conclui-se que ela configura espécie de não incidência do ITBI. Posto de outra forma: sendo o fato gerador do ITBI a “transmissão de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos” (PAULSEN, 2015, p. 293, grifo do autor em negrito substituído por grifo nosso em itálico), a mera alteração do tipo da sociedade refoge da hipótese de incidência desse tributo[14]. A fusão, a incorporação, a cisão e a extinção, na ambiência do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, reportam-se às pessoas jurídicas em geral, o que engloba todas as sociedades, não só as sociedades empresárias como também as sociedades simples, inclusive as sociedades cooperativas[15], passíveis, verbi gratia, de fusão e incorporação (MAMEDE, 2012, p. 219-220). Sacha Calmon Navarro Coêlho e Regina Helena Costa também acolhem, na tessitura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, a acepção lato sensu de sociedades, com a ressalva de que adotam a classificação de sociedades privadas anterior ao Código Civil de 2002, ao bifurcá-las em sociedades civis[16] e comerciais (COÊLHO, 2015, p. 343; COSTA, 2015, p. 414). 3 As exceções às regras de imunidade do art. 156, § 2.º, inciso I, in fine, da CF/88 3.1 Considerações iniciais Conforme aludido alhures, as normas de imunidade encaixilhadas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, possuem, de acordo com a parte final do apontado inciso, as suas exceções, a saber, quando a atividade preponderante do adquirente for (1) a compra e venda de tais bens ou direitos, (2) a locação de bens imóveis ou (3) o arrendamento mercantil (BRASIL, 2017a). Essas exceções, nas palavras de João Marcelo Rocha, relacionam-se às circunstâncias em que “a empresa adquirente tiver como atividade principal operações com imóveis”, ou seja, na aferição do critério da preponderância, perquire-se se, no tocante à pessoa jurídica considerada, predomina “a atividade imobiliária” (ROCHA, 2015, p. 384). Por conseguinte, alertam Francisco Ramos Mangieri e Omar Augusto Melo, “se a pessoa jurídica adquirente do imóvel, atuar no ramo imobiliário (compra, venda, aluguel e arrendamento de imóveis), mas não tiver esta atividade como preponderante, manter-se-á a imunidade” (MANGIERI; MELO, 2015, p. 103). Assim, interpretando-se de maneira contextual e finalística tal dispositivo constitucional, nota-se que o arrendamento mercantil[17] — também conhecido por leasing na doutrina de Direito Privado (GOMES, 2012, p. 293; COELHO, 2008, p. 145; RIZZARDO, 2017, p. 1.267) — a que diz respeito o inciso I do § 2.º do art. 156 não abrange todas as suas hipóteses, adscrevendo-se aos contratos de arrendamento mercantil a respeito de bens imóveis, isto é, limita-se ao leasing imobiliário[18] (CARRAZZA, 2017, p. 1.013; MANGIERI; MELO, 2015, p. 103), haja vista que o leasing de bens móveis nem sequer se filia, em caráter condicionado ou incondicionado, ao espectro da norma imunizante, pois configura, isto sim, hipótese de não incidência do ITBI[19]. 3.2 A interpretação gramatical do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 Na óptica de Kiyoshi Harada, a 1.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “refere-se à imunidade autoaplicável” ou incondicionada, enquanto que a 2.ª parte do mesmo inciso “corresponde à imunidade condicionada”, levando em conta que, nesta segunda hipótese, “para a sua fruição o adquirente não poderá ter como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (HARADA, 2011, p. 90). Similar conclusão elabora Guilherme Traple: “Após o fragmento de texto transcrito, temos uma vírgula e então o vocábulo “nem”. “Nem” é uma conjunção aditiva, a união da conjunção aditiva “e”, que exprime uma ideia de soma, com o advérbio de negação “não”. Portanto, gramaticalmente, não haverá alteração no sentido de substituirmos “nem” por “e não”. Ou seja, o vocábulo “nem” divide o dispositivo legal, criando situações distintas. Destacou-se também o termo “nesses casos”. “Nesses” é a contração da preposição “em”, sendo que as preposições exprimem a ideia de lugar, e do pronome demonstrativo “esse”, em sua forma plural, “esses”. O termo “esses” é utilizado, no português culto, para retomar uma ideia já mencionada – é uma anáfora – está, necessariamente, ligada aos termos que o antecedem. Então, o vocábulo “nesses casos”, contido no texto legal limita o alcance do que da exceção que o sucede aos casos que o antecedem. Retoma-se então o texto legal: e não incide “sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. Como se pode ver, os casos que estão depois da conjunção aditiva “nem”, que, conforme dito anteriormente, separa o texto em duas hipóteses, e antecedem o vocábulo “nesses casos” são os casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, desta forma, a exceção à imunidade somente é aplicável nesses casos. Assim, o ITBI não incide: (a) sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (b) sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Portanto, pela simples leitura do inciso I do parágrafo 2º do artigo 156 da CFRB/1988, pode-se concluir que a transmissão de bens ou direitos reais sobre bens imóveis à pessoa jurídica em realização de capital é absolutamente imune à cobrança [de] ITBI, não havendo qualquer exceção”. (TRAPLE, 2012, p. 88-89). Mencione-se, ainda, o posicionamento pessoal de Irineu Mariani (que, na atualidade, conforme anotado em nota de rodapé pretérita, curva-se, como Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à corrente doutrinário-jurisprudencial majoritária, pela sujeição da realização de capital societário ao critério da preponderância): “Quisesse o inciso I do § 2º do art 156 se referir a todas as hipóteses nele mencionadas, inclusive a realização de capital social, não teria usado a expressão nesses casos após mencionar as hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, explicitando que apenas nesses casos — entenda-se, casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção — é que se considera a atividade preponderante. […]” (RIO GRANDE DO SUL, 2017p, grifo do autor em negrito substituído por grifo em itálico) Em sentido diverso se manifesta Roque Antonio Carrazza, para o qual as imunidades tanto da 1.ª parte quanto da 2.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “caem por terra se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil (leasing imobiliário)” (CARRAZZA, 1996, p. 97-98, grifo do autor). Carlos Eduardo Makoul Gasperin também subordina a imunidade quanto à realização de capital ao critério da preponderância: “Na parte final do dispositivo percebe-se que o constituinte determinou uma exceção à regra da imunidade e, por consequência, uma autorização à tributação que pode assim ser traduzida: “poderá haver a tributação pelo ITBI se os bens transmitidos em razão de integralização[20], realização de capital, cisão, fusão, incorporação, extinção destinarem-se a pessoas jurídicas cujas atividades preponderantes estejam ligadas ao ramo imobiliário”. (GASPERIN, 2014, p. 745, grifo nosso) No campo da Gramática Normativa, Domingos Paschoal Cegalla esclarece que o pronome demonstrativo esse e essa “realçam o termo a que se referem, anteriormente expresso” (CEGALLA, 2008, p. 163). Nesse sentido, Miriam Margarida Grisolia e Renata Carone Sborgia explicam que os pronomes demonstrativos esse, essa, esses, essas e isso “indicam algo que já foi dito anteriormente” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123). Colaciona-se, nessa vereda, o magistério José Maria da Costa, ao aduzir que, “no interior da frase, isto, este e esta se referem ao que se vai dizer, enquanto isso, esse e essa se relacionam ao que já se disse” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor). Já os pronomes também demonstrativos aqueles e estes, ainda de acordo com Cegalla, servem para distinguir entre o que foi mencionado em primeiro lugar (aqueles) e o que foi citado por último (estes): “Quando estes pronomes ocorrem na mesma frase, este refere-se ao subst. mais próximo e aquele, ao mais afastado […]” (CEGALLA, 2008, p. 164, grifo do autor). Em outros termos, afirma José Maria da Costa que, “no interior da frase, este se refere ao elemento anterior mais próximo; aquele, ao mais distante.” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor) Idêntica ensinança se extrai da obra de Celso Cunha e Lindley Cintra: “Quando queremos aludir, discriminadamente, a termos já mencionados, servimo-nos do demonstrativo aquele para o referido em primeiro lugar, e do demonstrativo este para o que foi nomeado por último.” (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 334, grifo dos autores) Tal ensinamento igualmente abraçam Grisolia e Sborgia: “Para retomar dois elementos anteriormente citados no texto, usa-se este para o elemento citado por último e aquele para o elemento citado primeiro.” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123, grifo das autoras com sublinhado substituído por itálico). Sintetiza Jaci Santos de Souza, ao ensinar que este(a) e isto concernem “ao elemento mais próximo”, ao passo que aquele(a) e aquilo relacionam-se “ao elemento mais distante” (SOUZA, 2016, p. 47, grifo do autor). Portanto, a expressão “nesses casos”, entalhada no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, refere-se a todos os casos anteriormente explicitados naquele inciso, sem diferenciá-los entre estes e aqueles, isto é, sem distinguir entre os casos da sua 1.ª parte (“transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”) e da sua 2.ª parte (“transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”) (BRASIL, 2017d). Se houvesse o intento do legislador constitucional de firmar contraste entre a 1.ª e a 2.ª partes do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, a fim de excluir o critério da preponderância no tocante às hipóteses de realização de capital e restringi-lo às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, teria consignado “salvo se, nestes casos [e não nesses casos], a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda destes [e não desses] bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. Por tais motivos, assiste razão ao voto condutor pronunciado pelo Desembargador-Relator Almir Porto da Rocha Filho, em 12 de abril de 2017, nos autos da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70072970874, na 21.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao frisar que a “expressão ‘nesses casos’, entre vírgulas, contempla as duas situações previstas no inciso” em referência (RIO GRANDE DO SUL, 2017s, grifo do autor em negrito substituído por grifo nosso em itálico). Cuida-se, de toda sorte, de polêmica constitucional ainda não enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (MANGIERI; MELO, 2015, p. 114). 3.3 A ausência de razão idônea para tratamento diferenciado Demais disso, ausenta-se razão idônea para tratamento constitucional diferenciado entre as transmissões de bens e direitos imobiliários efetuadas por meio de realização de capital e aquelas concretizadas via fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, já que todas são espécies de transmissões onerosas de cariz imobiliário. 3.4 A tributabilidade do ITBI relativa a pessoas jurídicas inativas 3.4.1 A jurisprudência predominante do TJ/RS Ao regulamentar o art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, na condição de lei complementar relativa às “limitações constitucionais ao poder de tributar”, nos termos do art. 146, inciso II, da CF/88 (CARRAZZA, 1996, p. 97; MACEDO, 2010, p. 129; MACHADO SEGUNDO, 2017, p. 300), o Código Tributário Nacional, por meio dos §§ 1.º e 2.º do seu art. 37, proporciona as balizas legais para a aferição, pelo Fisco, do critério constitucional da preponderância (BRASIL, 2017d): 1. Cinquenta por cento da receita operacional[21] da pessoa jurídica adquirente deve se relacionar à atividade preponderante (art. 37, § 1.º, 1.ª parte, do CTN). 2. O intervalo de tempo para a Administração Tributária aferir a atividade preponderante abrange os dois anos anteriores e os anos dois anos subsequentes à aquisição (art. 37, § 1.º, 2.ª parte, do CTN). 3. Como exceção a essa janela temporal, existe a hipótese de que a pessoa jurídica adquirente inicie suas atividades somente após a aquisição ou há menos de dois anos antes dela, circunstância em que a aferição da preponderância ocorrerá nos três primeiros anos seguintes à data da aquisição (art. 37, § 2.º, do CTN). Controverte-se se remanescerá o direito público subjetivo a alguma das imunidades do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, caso a pessoa jurídica permaneça inativa nas janelas temporais delineadas pelo art. 37, §§ 1.º e 2.º, do CTN. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por meio, notadamente, das suas 2.ª e 22.ª Câmaras Cíveis, firmou jurisprudência majoritária segundo a qual a “pessoa jurídica não perde o benefício” agasalhado no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, “pelo fato de permanecer inativa após a transmissão do imóvel, pois a lei não condiciona a manutenção da imunidade” à “efetiva entrada em funcionamento da empresa”, conforme reafirmado em 4 de novembro de 2015, no julgamento, pela sua 2.ª Câmara Cível, da Apelação Cível n.º 70066275934, sob a relatoria do Desembargador Ricardo Torres Hermann (RIO GRANDE DO SUL, 2017b, grifo nosso). Esse entendimento também se faz presente no seio da 2.ª Câmara Cível do TJ/RS, em outros feitos também da relatoria do Desembargador Hermann, a exemplo dos acórdãos lavrados nos autos da Apelação Cível n.º 70066275934, julgada em 4 de novembro de 2015, e da Apelação Cível n.º 70064177439, julgada em 6 de maio de 2015, bem como da decisão monocrática lançada nos autos da Apelação e Reexame Necessário n.º 70063763726, em 11 de março de 2015 (RIO GRANDE DO SUL, 2017b; RIO GRANDE DO SUL, 2017k; RIO GRANDE DO SUL, 2017l). Já no âmbito da sua 22.ª Câmara Cível é recorrente tal posicionamento ser sufragado por meio do voto condutor da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, tal quais os arestos do Agravo Interno n.º 70065546319, julgado em 30 de julho de 2015, e do Agravo Interno n.º 70062882931, julgado em 18 de dezembro de 2014, a par das decisões monocráticas de 29 de junho de 2015, nos autos da Apelação Cível n.º 70065399123, e de 10 de novembro de 2014, nos autos da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70060907094, atos decisórios nos quais se assentou a linha de raciocínio de que a “pessoa jurídica não perde o direito à imunidade do ITBI pela transmissão de imóvel para integralização de capital social pelo fato de permanecer inativa no período do exame da sua atividade preponderante”, porquanto (1) “não condiciona a lei a manutenção da imunidade ao exercício das atividades após a aquisição dos bens” e (2) não cabe ao Fisco “presumir que a inatividade pela falta de exploração das suas atividades teve por escopo apenas propiciar o deslocamento de patrimônio — do sócio para a empresa — sem o pagamento do ITBI”, ou seja, aos olhos dessa corrente jurisprudencial, a inatividade da pessoa jurídica, per se, não autoriza a Administração Tributária a pressupor que houve “burla à finalidade da norma constitucional” (RIO GRANDE DO SUL, 2017c; RIO GRANDE DO SUL, 2017d; RIO GRANDE DO SUL, 2017e; RIO GRANDE DO SUL, 2017f, grifo nosso)[22]. Em igual sentido o decisum monocrático expendido pela sua 22.ª Câmara Cível, nos autos da Apelação e Reexame Necessário n.º 70050368133, em 26 de agosto de 2014, sob a relatoria da Desembargadora Adriana da Silva Ribeiro: “[…] O fato de a impetrante não ter contabilizado receitas no período de verificação da preponderância, tendo permanecido na condição de “inativa”, por si só, demonstra o atendimento dos requisitos autorizadores da concessão da imunidade, pois, além de não auferir receitas decorrentes de compra e venda de bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, tais atividades não integram o seu objeto social, situação que lhe confere o benefício da imunidade ora pretendido” (RIO GRANDE DO SUL, 2017o). 3.4.1.1 Os casos das holdings sem finalidade empresarial A despeito dessas reiteradas decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, mormente das suas 2.ª e 22.ª Câmaras Cíveis, em que se notabilizam a respeito do tema, lembre-se, os votos e decisões monocráticas, naquela Câmara Cível, do Desembargador Ricardo Torres Hermann e, neste órgão fracionário, da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, há acórdãos recentes do TJ/RS segundo os quais a inatividade, durante o período de avaliação, pelo Fisco, do critério da preponderância, afasta a imunidade do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, quando a pessoa jurídica, além de inativa no interregno considerado, denota natureza jurídica de holding desprovida de propósito empresarial. Essas achegas à jurisprudência predominante do TJ/RS foram inauguradas no Reexame Necessário n.º 70068906056, julgado pela 22.ª Câmara Cível em 28 de julho de 2016, sob a relatoria da Desembargadora Denise Oliveira Cezar, cujo voto condutor enfatizou, como cerne da sua fundamentação, a circunstância de que, embora a holding se caracterize, em geral, “pela participação societária como controladora de outras pessoas jurídicas, situação em que, compondo o quadro societário, participa a holding dos lucros das controladas”, no caso concreto daquele álbum processual “a pessoa jurídica cujo capital foi integralizado pelo imóvel em questão não participa do capital de outra sociedade, quanto menos na condição de controladora” e tem como único propósito “dar roupagem jurídica ao patrimônio familiar” (RIO GRANDE DO SUL, 2017t). Mais adiante, em tal caso concreto, ratificou-se esse entendimento nos autos dos Embargos de Declaração n.º 70070663802, em 25 de agosto de 2016 (RIO GRANDE DO SUL, 2017r). Em 26 de janeiro de 2017, a mesma 22.ª Câmara Cível do TJ/RS, no julgamento da Apelação Cível e do Reexame Necessário n.º 70070663059, capitaneada pelo voto-condutor do Desembargador-Relator Francisco José Moesch, valeu-se, como paradigma, do acórdão proferido por aquele órgão jurisdicional fracionário no supracitado Reexame Necessário n.º 70068906056, para assentar que “não seria razoável conceder imunidade à pessoa jurídica constituída sob a forma de holding patrimonial, cujo intuito é apenas facilitar a administração dos bens tributados que compõem o patrimônio familiar, sem propósito negocial” (RIO GRANDE DO SUL, 2017q, grifo do autor). Em suma, levou-se em conta, em tais arestos lavrados pelo TJ/RS no Reexame Necessário n.º 70068906056, nos Embargos de Declaração n.º 70070663802 e na Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70070663059, não só a inatividade do ente societário como também a ausência do fim de exercer atividade de empresa ou outro intento negocial. 3.4.2 Julgados do TJ/PR, TJ/SP e TJ/RJ Com posição similar, a 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em 20 de outubro de 2015, nos autos do Agravo de Instrumento n.º 1400408-5, sob a relatoria do Desembargador Salvatore Antonio Astuti, afastou a imunidade em apreço, ao notar que o imóvel residencial que fora transferido para a sociedade empresária, a título de integralização de capital, não agregou benefício econômico ao ente societário, porquanto gravado aquele imóvel com usufruto vitalício, em prol, não da entidade empresária, mas dos sócios desta (PARANÁ, 2017a). Impende mencionar também a 3.ª Câmara Cível do TJ/PR, a qual, nos autos do Agravo de Instrumento n.º 1460661-0, em 8 de março de 2016, sob a relatoria do Desembargador Cláudio de Andrade, detectou que a transferência de bens imóveis para o patrimônio de pessoa jurídica, mediante realização de capital, como “não ocorreu para sua utilização na empresa”, não fazia jus à referida imunidade, pois se voltou tão só “ao planejamento tributário familiar” (PARANÁ, 2017b, grifo do autor com sublinhado substituído por grifo nosso em itálico). Em ambos os julgados, o TJ/PR fincou a premissa de que as normas de imunidade em geral, sendo exceções constitucionais à capacidade tributária ativa, devem ser interpretadas de maneira restritiva e em consonância com a finalidade abraçada pela Constituição da República. Inspirou-se, a Corte Judiciária paranaense, no posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária, a exemplo do Recurso Extraordinário n.º 566.259/RS[23], sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, e do Recurso Extraordinário n.º 564.413/SC[24], sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, ambos julgados em 12 de agosto de 2010, orientação pretoriana a abalizar a exegese estrita da regra imunizante agasalhada no art. 149, § 2.º, inciso I, da CF/88[25]. Assim, houve uma indução[26]: com arrimo na leitura restritiva da Suprema Corte sobre a norma de imunidade do art. 149, § 2.º, inciso I, da CF/88, concluiu-se que as regras imunizantes em geral devem ser interpretadas de maneira estrita, e não ampliativa ou extensiva. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a 15.ª Câmara de Direito Público, nos autos da Apelação Cível n.º 1006801-90.2013.8.26.0152, em 19 de julho de 2016, resplandeceu, à luz do voto condutor do Desembargador-Relator Forte Muniz, que “cabe à Fazenda Pública o ônus de comprovar que o contribuinte não tem direito à imunidade”, seja “por força de sua atividade preponderante”, seja porque a integralização efetuada incorreu em “desvio ilícito da proteção constitucional” (SÃO PAULO, 2017f). Também na Corte de Justiça paulista, em sua 14.ª Câmara de Direito Público, nos autos da Apelação Cível e do Reexame Necessário n.º 0009602-11.2012.8.26.0223, em 31 de julho de 2014, consignou-se, de acordo com o voto condutor do Desembargador-Relator Cláudio Marques, que, se não comprovado “que a atividade preponderante da empresa é venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição”, porquanto “a empresa nunca exerceu atividade”, preserva-se a imunidade relativa ao ITBI, sem prejuízo de que a Fazenda Pública, “ao verificar eventual preponderância da atividade”, proceda “ao lançamento do tributo” (SÃO PAULO, 2017e). A 18.ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, nos autos dos Embargos de Declaração n.º 1000353-28.2015.8.26.0283/50000, julgados em 24 de novembro de 2016, sinalizou, a contrario sensu, a possibilidade de que, acaso fosse comprovada naquele caderno processual a inatividade da sociedade empresária, seria ela beneficiada pela imunidade em testilha, mesmo que houvesse exercido atividade preponderante de cariz predominante imobiliário, conforme se depreende do voto condutor alinhavado pelo Desembargador-Relator Wanderley José Federighi (SÃO PAULO, 2017b). Porém, igualmente no âmbito do TJ/SP, a Décima Quinta Câmara “A” de Direito Público, nos autos da Apelação Cível sem Revisão n.º 655.056-5/5-00, julgada em 6 de março de 2009, na esteira do voto condutor da Desembargadora-Relatora Daniella Lemos, destacou que, “se a empresa não existe de fato e não exerce qualquer atividade não pode fazer jus ao benefício da imunidade, notadamente por não atingir o objetivo constitucional” (SÃO PAULO, 2017g). Ainda no imo da Corte de Justiça bandeirante, é digna de nota a ponderação, contida no voto condutor do Desembargador-Relator Mourão Neto, proferido nos acórdãos da Apelação Cível n.º 0003637-14.2011.8.26.0053, julgada em 30 de janeiro de 2014, e da Apelação Cível n.º 0044015-14.2011.8.26.0602, julgada em 25 de abril de 2013, segundo a qual a pessoa jurídica, “quando menos, tem de dar início às suas atividades, pois do contrário o escopo econômico da imunidade não é atendido, dando-se azo, sim, ao não recolhimento de tributo lídimo” (SÃO PAULO, 2017a; SÃO PAULO; 2017c). Em ambos os julgados, o voto-condutor de Mourão Neto realçou que o “pressuposto da imunidade” não radica na inatividade, e sim na “efetiva atividade social”, porém ressalvou que, caso a inatividade advenha “depois de determinado tempo de atividade”, em virtude “das vicissitudes do mercado, aí sim se pode cogitar da higidez da imunidade” (SÃO PAULO, 2017a; SÃO PAULO, 2017c, grifo nosso). Nesse diapasão, o aresto proferido pela Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação Cível n.º 0044213-64.2015.8.19.0001, em 11 de abril de 2017, rutilou, por meio do voto condutor do Desembargador-Relator Ricardo Rodrigues Cardozo, que o benefício da imunidade em estudo, se concedida à pessoa jurídica inativa, “seria um incentivo à ociosidade, o que certamente não foi o objetivo do legislador”, uma vez que “a inatividade de uma empresa é totalmente incompatível com a sua responsabilidade econômica e social de contribuir para o pleno desenvolvimento da região em que atua”, à exceção das circunstâncias “em que a empresa viesse desenvolvendo normalmente as suas atividades durante um período razoável de tempo” e fosse compelida à suspensão das suas atividades, devido às “vicissitudes do mercado” (RIO DE JANEIRO, 2017, grifo do autor). Embora ausente cláusula constitucional expressa que determine, em caso de inatividade, a exclusão do benefício fiscal da imunidade esculpido no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, pondera-se que a pessoa jurídica, ao se tornar inativa, deixa de contemplar o desiderato de tais normas imunizantes de converter essa desoneração fiscal em meio de fomento à atividade econômica que deveria ser desempenhada por aquele ente societário. 3.4.3 Aportes teóricos sobre o propósito do dispositivo constitucional A dogmática do Direito Tributário enxerga, conforme já prenunciado em passagem anterior, o critério da atividade preponderante como norma constitucional destinada a dinamizar a atividade econômica, máxime das sociedades empresárias, levando-se em conta principalmente o propósito de otimizar a (des)mobilização do patrimônio imobiliário, as operações das sociedades (criação, fusão, cisão e extinção societárias) e o engajamento de investidores e empreendedores, em benefício da capitalização e do desenvolvimento dos entes societários. Para Regina Helena Costa, o art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, preenche o fim de “facilitar a formação, transformação, fusão, cisão e extinção de sociedades civis e comerciais” (COSTA, 2016, p. 414). Semelhante a óptica de Sacha Calmon Navarro Coêlho, para o qual o fito constitucional em apreço radica em “facilitar a mobilização dos bens de raiz e a sua posterior desmobilização” e, por conseguinte, como acima pontuado por Costa, “facilitar a formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e comerciais, não embaraçando com o ITBI a movimentação dos imóveis, quando comprometidos com tais situações” (COÊLHO, 2015, p. 342, grifo do autor). Ricardo Lobo Torres vislumbra nesse dispositivo constitucional o propósito correlato de “promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas” (TORRES, 2005, p. 399)[27]. Em mesma direção o magistério de Ricardo Alexandre, ao aduzir que tal disposição constitucional “visa a estimular a capitalização e o crescimento das empresas e a evitar que o ITBI se transforme num estímulo contrário à formalização dos respectivos negócios” (ALEXANDRE, 2017, p. 752), bem como o ensinamento de Andrei Pitten Velloso, quando ressalta o escopo do legislador constituinte de “promover a capitalização e o crescimento das empresas, através da desoneração dessas operações jurídicas” (VELLOSO, 2012, p. 557, grifo do autor em negrito substituído por grifo em itálico nosso). Idêntico o pensamento de Claudio Carneiro, quando glosa o art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, ao asserir que “visa a promover a capitalização e o desenvolvimento econômico das empresas, realizando o capital sem o recolhimento do imposto” (CARNEIRO, 2016, p. 107). Linha de raciocínio semelhante à articulada por Luiz Emygdio F. da Rosa. Jr., quando resplende que a indicada diretriz constitucional se volta a “promover a capitalização e o desenvolvimento econômico das empresas, realizando o capital sem o recolhimento do imposto” (ROSA JR., 2012, p. 780). A cartilha do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, para Ricardo Paz Gonçalves, reveste-se do “nítido viés de estimular a criação de pessoas jurídicas, fomentando a atividade econômica e o empreendedorismo” (GONÇALVES, 2013, p. 8). Ao assim proceder, a Constituição da República, acentua Guilherme Traple, “está encorajando e incentivando a atividade empresarial”, é dizer, “reconhecendo a importância e a necessidade de investimento do patrimônio pessoal na atividade empresarial”, de forma “que se alavanque o crescimento de empresas e, consequentemente, do País”, na medida em que afasta “o contribuinte do ônus de sofrer uma exação já no momento em que resolve investir seus bens pessoais na atividade empresarial” (TRAPLE, 2012, p. 90). Essas preleções doutrinárias são sumarizadas pelas palavras de Leonardo Freitas de Moraes e Castro, ao assinalar que, à luz do “argumento teleológico (ou finalístico)”, “tal imunidade seria verdadeiro fomento à atividade empresarial” (CASTRO, 2013, p. 256). 3.4.4 A conjugação entre os critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional De outra banda, conforme recordado por ambos os arestos do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos apontados autos do Agravo de Instrumento n.º 1400408-5, de 20 de outubro de 2015, e do Agravo de Instrumento n.º 1460661-0, a indispensável exegese restritiva da art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, resulta no afastamento de ambas as regras imunizantes, no tocante às pessoas jurídicas que, durante o período de verificação, pelo Fisco, da preponderância imobiliária, mantiveram-se inativas, máxime em relação (1) às sociedades que foram criadas e (2) aos bens e direitos que foram transferidos para alcançarem finalidades diversas do desempenho de atividade econômica, exempli gratia, situações referentes a planejamento ou holding de cunho familiar ou ao usufruto de bens ou direitos pelos sócios, e não pelo ente societário, excetuadas as circunstâncias em que a pessoa jurídica comprovou, perante a Administração Tributária e/ou o Poder Judiciário, que a superveniente suspensão das atividades de empresa ou de outras de índole econômica veio à baila por razões alheias à vontade daquela pessoa jurídica, em decorrência de supervenientes vicissitudes do mercado, conforme já acentuado pelos mencionados votos condutores dos Desembargadores Mourão Neto, no TJ/SP (SÃO PAULO, 2017a; SÃO PAULO, 2017c), e Ricardo Rodrigues Cardozo, no TJ/RJ (RIO DE JANEIRO, 2017). Dessarte, na conjuntura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, c/c art. 37, §§ 1.º e 2.º, do CTN, o critério explícito da preponderância imobiliária (critério negativo, a exigência de um não fazer, a abstinência de determinado agir) conjuga-se com o critério implícito da finalidade constitucional (critério positivo, a indispensabilidade de um fazer, de exercer determinada ação), para prevenir o desvio do fim socioeconômico a que se destinam essas normas imunizantes, evitando-se beneficiar (ou manter o benefício da desoneração fiscal de) pessoa jurídica cuja inatividade lhe impede de gerar qualquer efeito positivo na cadeia produtiva, no mercado de consumo e no mercado de trabalho[28], sem contribuir para o crescimento da atividade econômica (inclusive a produção e o fornecimento de bens e a prestação de serviços), a geração de postos de trabalho e o desenvolvimento nacional. As normas imunizantes encapsuladas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 divisam a desoneração fiscal, na condição de método indutor da atividade econômica, ou seja, de mecanismo promotor de atividades que, levadas a cabo por sociedades simples e empresárias, materializam-se, reprisa-se, na “produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços” (NEVES, 2013, p. 5). Por isso, os beneficiários de tais normas de imunidade devem ser, tão só, os entes societários que configuram, de modo efetivo, unidades produtivas, isto é, as sociedades simples e empresárias que, no plano fático, realmente são “produtoras de bens e serviços” (NEVES, 2013, p. 6) direcionados à “venda no mercado” (PINHO; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2011, p. 139-140), mediante a combinação e a transformação de fatores de produção adquiridos pelo respectivo ente societário, que podem ser o trabalho[29], o capital[30] e/ou os recursos naturais[31] (SILVA; LUIZ, 2013, p. 172). Sob o ângulo da materialidade, esse rol engloba as sociedades simples e empresárias que, de maneira efetiva, produzem, na classificação das Ciências Econômicas, (1) os “bens propriamente ditos”, os quais “possuem materialidade, como os alimentos, a máquinas, a terra e assim por diante”, e (2) os serviços, que são imateriais, porque “decorrem de uma pura prestação humana, ainda que ela se utilize de objetos físicos como, por exemplo, as ferramentas”, tais quais “o concerto de um artista, as consultas de um médico ou de um advogado, o conserto de um aparelho etc.” (NUSDEO, 2016, p. 36, grifo nosso), assim como “transportes, atividades financeiras, comércio” (PINHO; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2011, p. 140). Já sob a perspectiva da finalidade, abarca os entes societários que efetivamente são unidades de produção, ainda de acordo com a classificação das Ciências Econômicas, (1) de bens de consumo, que “atendem de forma direta e imediata a uma dada necessidade” (verbi gratia, “alimentos, vestuário, canetas, concertos musicais, serviços diretos”), e (2) de bens de produção, os quais atendem as necessidades humanas “de forma indireta ou mediata, pois são empregados, para em imensa cadeia técnica, gerarem os bens de consumo” (exempli gratia, “máquinas, matérias-primas, ferramentas, a terra, o tijolo, os serviços dos operários nas fábricas”) (NUSDEO, 2016, p. 36). Diante do exposto, nota-se que, na contextura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, o critério da preponderância imobiliária se aplica em um primeiro momento, ao excluir, de pronto, do campo de imunização tributária (a) as pessoas jurídicas ativas que possuem no mercado atuação predominante de cunho imobiliário e (b) as pessoas jurídicas inativas cujo objeto previsto no estatuto ou contrato societário seja, de modo precípuo, o exercício de operações imobiliárias. Percebe-se, ainda, que o critério da finalidade constitucional se emprega em um segundo momento, ao afastar do âmbito de ambas as regras imunizantes também as pessoas jurídicas que, não obstante tenham desempenhado principalmente atividades sem caráter imobiliário, tornaram-se inativas, deixando de efetivamente concorrer para o desenvolvimento nacional sob o prisma socioeconômico, além daquelas entidades que nunca exerceram atividade econômica, isto é, que jamais configuraram unidades produtivas. 4 Conclusão As duas imunidades do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos insculpidas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 são imunidades objetivas ou reais, porque dizem respeito a situações delineadas pelo Direito Positivo referentes à transmissão de bens (inclusive dinheiro) e direitos (incluindo-se o direito a crédito) em operações imobiliárias e, ao mesmo tempo, traduzem imunidades políticas, ao homenagearem um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3.º, inciso II, da CF/88), sob os aspectos, in casu, social e econômico, pela promoção da atividade econômica, favorecendo-se, de maneira indireta, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dois dos fundamentos tanto da República (art. 1.º, inciso IV, da CF/88) quanto da ordem econômica (art. 170, caput, da CF/88) pátrias, como fomento para se tornarem menos onerosos os negócios jurídicos albergados por ambas as normas de imunidade. Aos olhos da interpretação contextual e teleológica da parte final do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, as exceções a ambas as normas de imunidade do ITBI concernem a circunstâncias em que a atividade preponderante da pessoa jurídica adquirente (sociedade simples ou empresária) imbui-se de cariz imobiliário, referente (1) à compra e venda de bens ou direitos imobiliários, (2) à locação de bens imóveis ou (3) ao arrendamento mercantil (leasing) também de âmbito imobiliário (em suma, quando o aspecto fulcral da atividade econômica consistir em executar operações imobiliárias onerosas). A expressão “nesses casos”, entalhada na parte final do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, refere-se todos os casos anteriormente explicitados naquele inciso, sem diferenciá-los entre estes e aqueles, isto é, sem distinguir entre os casos da sua 1.ª parte (“transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”) e da sua 2.ª parte (“transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”). Se houvesse o intento do legislador constitucional de firmar contraste entre a 1.ª e a 2.ª partes do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, a fim de excluir o critério da preponderância imobiliária no tocante às hipóteses de realização de capital e restringi-lo às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, teria consignado “salvo se, nestes casos [e não nesses casos], a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda destes [e não desses] bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. Demais disso, ausenta-se razão idônea para tratamento constitucional diferenciado entre as transmissões de bens e direitos imobiliários efetuadas por meio de realização de capital e aquelas concretizadas via fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, já que todas são espécies de transmissões onerosas de cariz imobiliário. A exegese restritiva de ambas as normas de imunidade acolhidas pelo art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 afasta as duas regras imunizantes no tocante às pessoas jurídicas que, durante o período de verificação, pelo Fisco, da presença da preponderância imobiliária, mantiveram-se inativas, máxime em relação (1) às sociedades que foram criadas e (2) aos bens e direitos que foram transferidos para finalidades diversas do desempenho de atividade econômica, exempli gratia, situações referentes a planejamento ou holding de cunho familiar ou ao usufruto de bens ou direitos pelos sócios, e não pelo ente societário. Em outras palavras, na ambiência do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, as pessoas jurídicas destinatárias da transmissão de bens e/ou direitos imobiliários, por meio quer da realização (integralização) de capital, quer da fusão, incorporação, cisão e extinção de ente societário, não são imunes ao ITBI, em caso de inatividade, uma vez que, sem o exercício de atividade econômica, de jaez preponderante imobiliário ou não, deixa-se, de toda sorte, de atender ao fim dessas imunidades almejado pelo poder constituinte originário, consubstanciado na desoneração fiscal, como meio de estímulo às sociedades simples e empresárias que, de modo efetivo, atuam em território brasileiro, no mercado local, regional ou nacional, com vistas à produção, à circulação, à distribuição e/ou ao consumo de bens stricto sensu e serviços (ambos, rememore-se, aos olhos das Ciências Econômicas, integram o rol de bens lato sensu). Com efeito, para a doutrina tributária, o critério da atividade preponderante se destina a dinamizar a atividade econômica, o que implica (a) facilitar a mobilização e a desmobilização do patrimônio imobiliário, (b) facilitar as operações das sociedades (criação, fusão, cisão e extinção societárias) e (c) incentivar o engajamento de investidores e empreendedores, tendo como finalidade imediata a capitalização e o desenvolvimento dos entes societários e finalidade mediata, fomentar a ordem econômica e o desenvolvimento nacional. Por conseguinte, conforme se depreende da ratio do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, os beneficiários das normas de imunidade circunscrevem-se aos entes societários que configuram, efetivamente, unidades produtivas (inclusive aquelas que se devotam à seara dos bens materiais ou imateriais, seja bens de consumo, seja bens de capital ou produção), combinando e transformando os fatores de produção (trabalho, capital e/ou recursos naturais) adquiridos pelo respectivo ente societário. Dessarte, aos olhos da interpretação teleológica e contextual do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, matiza-se, para a aferição de imunidade ao ITBI, o critério da preponderância imobiliária (critério negativo) com o critério da finalidade constitucional (critério positivo), de molde que, para se caracterizar o direito público subjetivo à imunidade do ITBI, a pessoa jurídica (a) não deve possuir atividade predominante de âmbito imobiliário (portanto, são sujeitos passivos do ITBI as sociedades que efetuam, de forma prevalecente, operações imobiliárias) e, ao mesmo tempo, (b) necessita contemplar o desiderato ansiado pelo legislador constituinte, de que desempenhe, de forma efetiva, atuação econômica em território brasileiro (por conseguinte, também são sujeitos passivos do ITBI as pessoas jurídicas que, embora não tenham tido atuação precípua no ramo imobiliário, tornaram-se inativas ou assim se mantiveram ao longo de sua existência jurídica), salvo as circunstâncias em que a inatividade de uma sociedade, seja simples, seja empresária, após período de normal funcionamento, decorre de comprovadas razões alheias à vontade do ente societário, a exemplo de fatores externos, tais quais vicissitudes referentes à conjuntura da economia local, regional, nacional ou internacional, cujo ônus da prova, perante a Administração Tributária e o Poder Judiciário, compete ao ente societário, o qual deve se respaldar em fatos concretos, sem se ater a alegações genéricas. As pessoas jurídicas destinatárias da transmissão de bens e/ou direitos imobiliários, por meio quer da realização de capital, quer da fusão, incorporação, cisão ou extinção, são, em regra, sujeitos passivos do ITBI, em caso de inatividade, (a) inclusive os entes societários que, se estivessem em atuação efetiva no mercado, desempenhariam, de maneira predominante, de acordo com o objeto do seu estatuto ou contrato societário, atividade econômica de cunho não imobiliário e (b) mesmo aquelas sociedades que, sem atuação econômica prevalecente no ramo imobiliário ou vínculo primordial com este sob a óptica estatutária ou contratual, permaneceram inativas desde os seus primórdios ou assim se tornaram em quadra ulterior ao início da sua presença no mercado ou à sua criação jurídica. Assim, as janelas temporais estipuladas pelo art. 37, §§ 1.º e 2.º, do CTN servem de critério de aferição não apenas da eventual preponderância imobiliária como também da efetiva presença da pessoa jurídica no mercado. Caso as sociedades simples e empresárias inativas usufruam, em regra, do Estado-Administração e do Estado-Juiz o mesmo tratamento tributário diferenciado que é proporcionado a entes societários ativos, haverá quebra de isonomia, na medida em que será concedida àquelas o bônus da desoneração fiscal, sem que arquem com o ônus, desincumbido por estes, de contribuir, de maneira efetiva, para o desenvolvimento nacional, sob os ângulos social e econômico, premiando-se, de maneira reflexa, a inércia. Em suma, notou-se que o critério da preponderância imobiliária se aplica em um primeiro momento, ao excluir do campo de imunização tributária as pessoas jurídicas ativas que possuem no mercado atuação predominante de cunho imobiliário e as pessoas jurídicas inativas cujo objeto previsto no estatuto ou contrato societário seja, de modo precípuo, o exercício de operações imobiliárias. Percebe-se, ainda, que o critério da finalidade constitucional se emprega em uma segunda etapa, ao afastar do âmbito de ambas as regras imunizantes também as pessoas jurídicas que, não obstante tenham desempenhado principalmente atividades sem caráter imobiliário, tornaram-se inativas, deixando de efetivamente concorrer para o desenvolvimento nacional sob o prisma socioeconômico.
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A importância dos princípios constitucionais no direito tributário
O trabalho trata da análise da importância dos princípios constitucionais no direito tributário. Tendo como problematização as implicações dos princípios da anterioridade e irretroatividade em matéria tributária. O artigo visa desenvolver o direito tributário, as suas evoluções históricas, desde o seu descobrimento até o presente, além de apresentar e definir os princípios constitucionais que norteiam o direito tributário, que são regras basilares da presente matéria, fornecendo assim ao contribuinte uma segurança, liberdade jurídicas frente aos atos do Poder Estado. O trabalho também trata de analisar as limitações do poder de tributar que consistem até onde o Estado em sua forma imperativa de poder poderá efetuar a tributação frente ao cidadão – contribuinte.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O trabalho tem como proposta apresentar os princípios constitucionais e a sua importância em matéria tributária. Os princípios, em sua definição, consistem de um mandamento central de um sistema, ou seja, são normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, que estabelecem fundamentos para a interpretação e aplicação do direito. A problemática em questão é verificar se pode a lei impor obrigações tributárias a fatos ocorridos antes de sua vigência e/ou a fatos ocorridos no exercício em que é editada?  Visando assim a proteção do contribuinte mediante ao abuso do poder de tributar do Estado é que surgem os “Princípios Constitucionais Tributários”, previstos em nossa Constituição Federal, que funcionam como mecanismos de defesa ao contribuinte frente à veracidade do Estado em campo tributário. Vale ressaltar, que o respectivo estudo é de suma importância, pela necessidade de assegurar as pessoas a certeza e segurança jurídicas quanto aos seus atos pretéritos em face da lei. Todavia, o direito brasileiro positivado permitiu que algumas leis tributárias retroagissem desde que assim queira o legislador. O que fica adstrito à análise das leis aos Princípios da Anterioridade e da Irretroatividade. O direito tributário é o regulador das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e o contribuinte no que se refere à arrecadação dos tributos, e os princípios, existentes para proteger o cidadão contra os abusos do Poder nas respectivas relações. Todavia, o que está em questão é “como estabelecer este liame e dar consistência a duração, ou seja, se o sentido de um evento passado e futuro pudessem ser modificados ao arbítrio de um ato presente, como ficaria a validade dos atos humanos, estes estariam sujeitos à incerteza e insegurança?”. Dessa forma, nossa Constituição Federal estabelece em seu artigo 150 e incisos as respectivas limitações do poder de tributar, apresentando assim uma segurança aos cidadãos – contribuintes. A metodologia aplicada no presente trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica que permitiu a análise de diversas doutrinas que fundamentaram opiniões e conceitos em torno do tema. Além disso, foram utilizadas diversas publicações como livros, artigos examinados na internet, que corroboram com a tese das implicações dos princípios da anterioridade e da irretroatividade em matéria tributária. Verifica-se, portanto a relevância do presente artigo quanto aos Princípios constitucionais tributários, em suma os princípios da anterioridade e irretroatividade e as suas implicações em matéria tributária frente à Constituição Federal, doutrinas e jurisprudências. 2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO 2.1. Direito Tributário Conforme leciona Matos (2007) é de suma importância analisar a gênese e o desenvolvimento do direito tributário brasileiro para uma maior compreensão de suas origens e consequências, permitindo assim o respectivo entendimento contemporâneo da matéria. Como um dos principais ramos da ciência jurídica, estabeleceu suas bases de forma gradual, acompanhando a evolução da sociedade. Partindo desta premissa em que a sociedade humana necessitava de um fundo financeiro para sanar as necessidades coletivas foi que surgiram as primeiras contribuições compulsórias. No Brasil, o primeiro “tributo” da época foi o imposto sobre o quinto do pau-brasil. O mesmo era pago à coroa fazendo referência a tesouros ou descobertas. O “tributo” fazia menção a uma forma de alíquota fiscal, já que a moeda corrente em Portugal não havia sido adotada em nossas terras e os pagamentos eram feitos à coroa com madeira de pau-brasil. Todavia, com o advento do Governo-Geral foram criados tributos ordinários e extraordinários. Vale frisar, que a moeda ainda não era utilizada no pagamento dos tributos sendo assim efetuado em natura, portanto se verifica um sistema tributário ou uma organização fiscal inexistente, ou seja, um regime que permitia com a sua ineficiência evasões fiscais fraudes e contrabandos. Em 1762, ocorre a criação de novos tributos como: subsídio literário, o mestrado das ordens militares, direitos da pólvora estrangeira, subsídios do açúcar, do algodão e do tabaco em pó, além de impostos sobre ouro, botequins, tabernas e aguardente. Entre 1808 a 1815 foram implementadas medidas para a organização do Brasil como: a criação do Banco do Brasil, o Tesouro Nacional, e a instituição de uso de moedas de ouro, prata e cobre nas transações de negócio. Configura-se nesse período um ponto negativo que foi o uso irresponsável e usurpador dos tributos para cobrir a vinda da família real portuguesa ao Brasil por meio das arrecadações, gerando assim um aumento da receita pública. O respectivo problema era a falta de separação fiscal e as suas competências. Vale ressaltar, que nem com a Independência do Brasil e a sua Proclamação, ocorreram mudanças legislativas que trouxessem novos ares, mantendo-se assim em vigor as Leis Portuguesas, enquanto não se organizava um código brasileiro. Em março de 1824 é aclamada a primeira Constituição política no Império do Brasil, em caráter tributário. Destaca-se na Cátedra que ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado, definindo também que a iniciativa sobre os impostos era privativa da Câmara dos Deputados, que as contribuições diretas seriam estabelecidas anualmente pela Assembleia Geral, que o Tesouro Nacional administraria a área e arrecadação/ contabilidade, por fim, cada província teria a sua Assembleia Legislativa para legislar sobre a repartição da contribuição. Neste período continuava sem método, uniformidade e racionalidade a imposição e cobrança dos tributos. No Período Regencial, surgiram diversas leis que modificaram as formas administrativas. Destaca-se o Decreto de 18 de agosto de 1831, que regulou o processo das ações executivas da Fazenda contra devedores, a Lei de 04 de outubro de 1831, que organiza o tesouro nacional e cria a tesouraria das províncias. Em 15 de novembro de 1831 cria-se uma nova Lei que é precursora na reforma tributária, promovendo assim uma uniformização da arrecadação de impostos. Em 1832, nova lei contribui para alterações no regime tributário, que a busca pela descentralização fiscal e a discriminação de rendas entre Governo e províncias. Importante frisar, que o sistema tributário ainda apresentava muitas falhas e as províncias não tinham a suposta autonomia conforme a lei. No Segundo Império, no ano de 1842, foram expedidos novos regulamentos sobre os tributos como o atual IRPF (Imposto de Renda sobre Pessoa Física), a contribuição extraordinária, a reformulação das tarifas aduaneiras e a alteração do sistema de contabilização do Tesouro. O momento político consistia de diversas revoltas internas no país, trazendo assim a necessidade de novos tributos e o aumento da carga tributária que mal cobria as necessidades da organização estatal. Contudo, com o advento da Proclamação da República se organiza um governo provisório, porém não se deixou de lado o problema fiscal, firmando-se assim a competência da União e dos Estados, em contrapartida a partir deste momento e deixado de lado o modelo Imperial, persistindo o erro da superposição de tributos e a ausência dos municípios na distribuição da receita tributária. Todavia, o Decreto n° 24.036/31, prescreve uma reforma administrativa geral do Tesouro Nacional tendo assim reflexos no campo fiscal seguida de uma nova Constituição que tentava sanar as falhas de distribuição de competências, que ficam repartidas em: Tributos da União, Estados e Municípios. Com carta de 1937, diversas leis tributárias foram efetivadas como: o processo executivo fiscal e a outorga à União da competência privada para tributar certos impostos. O inovador da respectiva Carta Magna foram três premissas, entre elas: a coexistência de um sistema tributário autônomo para cada unidade da Federação, adoção de uma classificação jurídica de impostos e a autonomia para as entidades através de impostos privativos. Em 1965, fazendo referência a cerne fiscal, destacam-se mudanças significativas com a reforma e a reestruturação do sistema com duas características: estruturação sob um programa de ação econômica com planejamento global, e a obediência a três objetivos fundamentais (financeiro, social e econômico). Graças à respectiva reforma foram anexados princípios ao direito tributário como o estabelecimento do sistema tributário uno e nacional, a discriminação dos impostos com referência as suas bases econômicas. Contudo, a Constituição de 1988, vigente até os dias atuais, promoveu a reestruturação necessária do sistema tributário brasileiro destacando-se três bases fundamentais: a) princípios Gerais da tributação; b) as limitações ao poder de tributar que consagra o caráter pessoal dos impostos e o princípio da capacidade econômica do contribuinte; 3) a distribuição das competências tributárias onde encontramos as atribuições de lei complementar, definição de tributos e de suas espécies. Por fim, fala-se de uma reforma tributária que venha sanar as incongruências e males da atual lei visando assim, uma reformulação necessária ao acompanhamento das mudanças sociais. 3. PRINCÍPIOS Conforme, afirma Torres (2011, p.87): “Os princípios do direito tributário, são enunciados genéricos que informam a criação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas tributárias”. Reale (2003, p.37) ressalta que, “princípios gerais de direito são enunciados normativos de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico quer para a aplicação e interpretação, quer para a elaboração de novas normas”. Portanto, os princípios tributários aparecem no texto de 1988 de forma valorosa, rica em suas expressões principiólógicas como, por exemplo, nos princípios da anterioridade, irretroatividade, capacidade contributiva. Outras vezes surgem no Código Tributário Nacional e nas leis infraconstitucionais e às vezes aparecem no ordenamento jurídico sem dicção normativa. Os princípios gerais do direito tributário são valorados no âmbito tributário caracterizando ideias inteiramente abstratas que não possuem dicção normativa. A doutrina clássica costuma classificar em três valores os princípios tributários – justiça da tributação, liberdade e segurança jurídica. 3.1. Segurança Jurídica Torres (2011, p.88) leciona que a segurança jurídica assume a condição de sustentáculo para toda asserção relacionada à extinção ou a inibição do exercício de direito. O respectivo valor pode ser definido como um direito da pessoa a determinada estabilidade em suas relações, ou seja, consiste de um estado de tranquilidade jurídica conferida aos cidadãos contribuintes em suas relações, configurando que as relações não podem ser alteradas para se tornarem instáveis e inseguras. Princípios Gerais – Princípio da Legalidade Previsão Legal (Artigo 150, I, CRFB/88 C/C Artigo 97 do CTN) Este princípio revela que a criação, alteração e extinção de tributos dependem de Lei Ordinária em regra. Destaca-se que este princípio também pode ser encontrado nos artigos 3° e 9° do Código Tributário Nacional. Todavia, a distinção entre a Legalidade “Lato Sensu” e a “Legalidade Tributária”, é de suma importância para a compreensão do assunto. A Legalidade “Lato Sensu” faz referência à norma em sentido amplo, abrangente, encontrada em diversos ramos do direito, porém a “Legalidade Tributária” advém da norma, conforme preceitua o artigo 5°, II da CRFB/88, que ninguém será obrigado a fazer algo ou deixar de fazer senão em virtude de lei, porém podemos afirmar no direito tributário “que ninguém será obrigado a cumprir um dever instrumental tributário que não tenha sido criado por meio de lei, pela pessoa política competente”. – Princípio da Tipicidade Este princípio encontra-se implícito no direito tributário revelando que os elementos básicos da tributação devem estar tipificados na Lei fiscal. Segundo a doutrina tais elementos são: Sujeito Ativo (ISS e IRPF), Sujeito Passivo (Prestações de serviços e Contribuições), Fato Imponível (Serviços e aquisição de rendas ou proventos), Aspecto Temporal (Instantâneo e Anual) e Aspecto Quantitativo (Base de Cálculo/ Alíquota). – Princípio da Irretroatividade Previsão Legal: Artigo 150, III, alínea “a”, CRFB/88. O respectivo princípio estabelece que não haja cobrança de tributo sobre fatos que aconteceram antes da entrada em vigor da lei que o instituiu. A ideia principal do princípio da irretroatividade segundo o artigo 5 e 150, III, alínea “a”, ambos da CRFB/88, consiste que a lei não prejudicará o direito jurídico, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Porém, os artigos 106 e 144, parágrafo primeiro do Código Tributário Nacional aludem que existem situações pontuais que permitem a “RETROEFICÁCIA” da Lei Fiscal como a legislação que posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização ampliando assim os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgando ao crédito maiores garantias ou privilégios. – Princípio da Anterioridade/Princípio da Noventena Previsão Legal: Artigo 150, III, alínea “b”, CRFB/88. O princípio da Anterioridade Tributária revela que a lei que criar ou aumentar tributo em um exercício financeiro só terá eficácia no próximo ano fiscal. Registra-se que atualmente não está previsto o “Princípio da Anterioridade Tributária”. Tendo em vista os abusos cometidos pelo legislador que criava e aumentava os tributos no final do ano, a emenda constitucional n° 42/03 acrescentou: “o Princípio da Anterioridade (Especial ou Noventena)”, conforme o artigo 150, III, alínea “c”, CRFB/88. Vale frisar, que a Anterioridade Especial preceitua a criação ou o aumento de tributo, somente terá eficácia após 90 (noventa) dias de sua publicação da lei. Ressalva-se que a regra da noventena sempre existiu para as contribuições, conforme o artigo 195, parágrafo sexto da CRFB/88. Importante destacar que os princípios da anterioridade e noventena devem ser aplicados em conjunto, não sendo assim configurados como antiéticos. Todavia, os respectivos princípios não possuem caráter absoluto, uma vez que a Constituição excepciona prazos conforme aludem os artigos 150, parágrafo primeiro, artigo 155, parágrafo quarto e artigo 177, parágrafo quarto, ambos da CRFB/88. 3.2. Justiça Da Tributação Torres (2011, p.88) ressalta que a Justiça da Tributação é o limite ético entre o direito tributário e o excesso tributário consistindo na possibilidade processual do justo na área tributária principalmente a cobrança de impostos, contribuições, taxas e empréstimos compulsórios. Princípios Gerais – Princípio da Isonomia Previsão Legal: Artigo 150, II, CRFB/88. Este princípio revela que a tributação deve ser similar para os contribuintes que estão em situação jurídica semelhante. Desse modo, eventuais benefícios tributários só serão legítimos se possuírem algum fundamento social. Assim, o legislador não pode criar desequiparações sem fundamento. – Princípio da Generalidade e Universalidade Previsão Legal: Artigo 153, parágrafo segundo, I, CRFB/88. O respectivo princípio caracteriza tributos que sejam genéricos e universais uma vez que toda e qualquer aquisição da renda ou dos proventos será tributada, um exemplo disto é o Imposto de Renda (IRPF). Todavia, algumas leis tributárias concedem em caráter excepcional, isenção de IRPF. Conforme, prevê o artigo 6° da Lei n° 7713/80, a isenção de IRPF para algumas doenças graves que atinjam o contribuinte e o Enunciado n° 498 do STJ que diz que o IRPF não terá incisão sobre os danos morais. – Princípio da Uniformidade Geográfica Previsão Legal: Artigo 151, I, CRFB/88 e Artigo 11, CTN. Este princípio revela que não é possível que a tributação federal seja diferente entre estados e os municípios. O objetivo desta proibição aponta para a manutenção do equilíbrio federativo. Portanto, conforme é mencionado nos respectivos artigos de lei, em caráter excepcional, é possível a tributação federal distinta desde que esteja voltada para o equilíbrio das diferentes regiões do país, como exemplo disto a Zona Franca de Manaus. O respectivo princípio se aplica a União. – Princípio da Capacidade Contributiva Previsão Legal: Artigo 145, parágrafo primeiro, CRFB/88. A capacidade econômica do contribuinte indica que este deve pagar os impostos de acordo com a sua riqueza. Trata-se de um princípio bastante objetivo direcionando precipuamente ao legislador. Desse modo, os benefícios tributários devem estar relacionados com a capacidade de o contribuinte pagar os impostos. Existem debates doutrinários e jurisprudências quanto a este princípio mencionando se o mesmo alcançará taxas e contribuições. Não obstante o texto da Constituição a jurisprudência se inclinam pela aplicação deste princípio a todos os tributos. – Princípio do Mínimo Existencial Previsão Legal: Artigo 1°, III, CRFB/88. Este princípio é implícito no âmbito tributário, e a doutrina costuma mencionar que o mínimo existencial refere-se a um conjunto de situações que não podem ser tributadas, devido ao “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”. Exemplos: o atendimento médico hospitalar gratuito (artigo 196, CRFB/88), Imunidade de Imposto Rural para a pequena Gleba Rural (artigo 153, parágrafo quarto da CRFB/88), Gratuidade para impetração do Habeas Corpus, Isenção de Imposto de Renda até determinada faixa salarial e a Isenção de imposto de renda para doenças graves. – Princípio da Vedação do Confisco Previsão Legal: Artigo 150, IV, CRFB/88. A tributação brasileira não pode ser confiscatória segundo a vontade do poder constituinte originário. Desse modo a doutrina leciona que a propriedade privada não pode ser totalmente alcançada como pagamento de tributo. Não obstante, a proibição do confisco, não existe um parâmetro objetivo sobre o que configura confisco. Dessa maneira, cabe ao Poder Judiciário identificar, caso a caso o caráter confiscatório. Portanto, existem divergências se a aplicação do confisco também poderá ser aplicada nas penalidades tributárias. A doutrina sustenta que não, uma vez que o texto constitucional preceitua que o tributo não pode ser confiscatório. Por outro lado, o Superior Tribunal Federal (STF), vem aplicando este princípio também para as multas tributárias. – Princípio da Progressividade Previsão Legal: Artigo 153, parágrafos segundo e quarto e artigo 156, parágrafo primeiro ambos da CRFB/88. O princípio revela que as alíquotas serão aumentadas progressivamente, de acordo com o aumento da base de cálculo. Segundo a CRFB/88 três impostos podem ser progressivos: Imposto de renda, Imposto rural e IPTU. A doutrina sempre foi uníssona em afirmar que a progressividade “somente” será cabível quando expressamente for prevista na Constituição. Exemplo disto, o IPTU consiste de duas progressividades a do tempo como função social e a com base no valor do imóvel instaurada através da EC n° 29/009 (Súmula de Enunciado n° 668, STF). Todavia, a exceções quanto a progressiva sobre os impostos como ITBI que não permitem a respectiva progressividade conforme aludido na Súmula de Enunciado n° 656,STF que diz: ” É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis- ITBI com base no valor venal do imóvel”. – Princípio da Seletividade O respectivo princípio é aplicável no IPI e no ICMS, conforme os artigos 153, parágrafo terceiro e artigo, 155, parágrafo segundo, ambos da CRFB/88. A seletividade tributária significa que a tributação será mais elevada quando o produto não for essencial. Verifica-se então que este princípio é dirigido pelo legislador. – Princípio da Proporcionalidade Este princípio implícito revela que a tributação será mais elevada à medida que aumentar a base de cálculo. Verifica-se, portanto neste princípio apenas uma alíquota. A incidência do princípio da proporcionalidade encontra-se nos respectivos impostos: ITBI, IPVA, IOF, II, IP. 3.3. Liberdade Jurídica Torres (2011, p.88) ministra que a liberdade jurídica é configurada por três princípios inerentes no âmbito tributário que são os princípios da liberdade de locomoção, princípio da proibição de diferença tributária em razão de procedência ou destino de bens e serviços e princípio da transparência (clareza). Princípios Gerais – Principio da Liberdade de Locomoção Previsão Legal: Artigo 150, V, CRFB/88. Este princípio revela que não é possível a criação de tributos interestaduais e intermunicipais que onerem o trânsito de pessoas ou bens no território nacional. A única ressalva presente aponta para o pedágio previsto nos artigos em exame (Artigo 5°, XV, CRFB/88 e Artigo 9°, parágrafo primeiro, Lei n° 8987/95). – Princípio da proibição de diferença tributária em razão de procedência ou destino de bens e serviços. Previsão Legal: Artigo 152, CRFB/88. Os Estados, munícipios e Distrito Federal não podem realizar distinção tributária em virtude do destino ou procedência dos bens e serviços. – Princípio da Transparência (Clareza Tributária). Previsão Legal: Artigo 150, parágrafo segundo, CRFB/88. A Constituição determinou em regra originária, que os consumidores fossem esclarecidos acerca dos impostos que compõem bens e serviços. Esta regra constitucional foi cumprida com a edição da Lei Ordinária 1274/12. 4.0. PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E AS SUAS IMPLICAÇÕES A Constituição Federal de 1988, não se conformou apenas em configurar a irretroatividade das leis em matéria tributária como também consagrou o princípio da anterioridade da lei reforçando desta forma à segurança, a certeza, e a previsibilidade do contribuinte contra os abusos de poder do Estado. A respectiva distinção entre o “Princípio da Anterioridade” (Artigo 150, III, alínea “b”, CRFB/88) e o “Princípio da Irretroatividade” (Artigo 150, III, alínea “a”, CRFB/88) é de suma importância para o entendimento da matéria. Segundo VELLOSO (2011, p.86): “o princípio da irretroatividade estabelece que a lei deva anteceder ao fato por ela escolhido para dar nascimento ao tributo, enquanto o princípio da anterioridade consiste da lei em relação à data inicial do exercício para cobrança do tributo”. Portanto, conforme o mestre Amaro (2011, p. 151 e 152, RDT 25/6): “O princípio da anterioridade qualifica a irretroatividade da lei tributária, se a lei tributária cria ou majora tributo não sujeito aquele princípio, a irretroatividade é simples; se cria ou majora o tributo por ele acobertado, a irretroatividade é qualificada, pois não basta a antecedência da lei em relação ao fato jurídico, exigindo-se essa antecedência da lei em relação ao ano da realização do fato”. (AMARO, 2011. p151-152) 4.1. Princípio da Irretroatividade Tributária e as suas Implicações A Constituição objetivando a segurança jurídica inseriu limites quanto ao poder de tributar, submetendo assim o ordenamento infraconstitucional aos princípios balizadores. Entre eles se consagrou o “Princípio da Irretroatividade” conforme alude o artigo 150, III, alínea “a”, CRFB/88, segundo este afirma que ficam os Estados, o Distrito Federal e os municípios inicialmente vedados a cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Porém, a de se atentar com o termo “vigência” pelo fato que este é frequentemente, confundido com eficácia. A expressão “vigência” deve ser utilizada pela Constituição em seu artigo 150, III, alínea “a” e “b” sendo analisada de forma desvinculada à eficácia. Todavia, é de suma importância o entendimento do artigo 106, I do Código Tributário Nacional que diz: “A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer, caso quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”. O respectivo dispositivo citado tem gerado bastantes divergências jurídicas quanto ao sentido da relatividade da retroação da lei ou quanto à lei interpretativa. Para alguns doutrinadores se trata de uma aparente exceção ao caso. Aprofundando o respectivo tema, a de ser analisada a “Lei interpretativa” pelo fato de, às vezes, não ocorrer consenso entre se determinada lei é meramente interpretativa ou não. Conforme, Amaro (2005, p.119): “nem a pretexto de interpretar lei anterior pode uma lei tributária voltar-se para o passado, com o objetivo de explicitar a criação ou o aumento de tributo”. Portanto, a incidência já advém da lei velha, ou não. No primeiro caso a lei será “inócua”, porém no segundo caso a lei será “inconstitucional”. Tal previsão, da retroatividade da lei, vai de encontro aos grandes doutrinadores que afirmam ocorrer confusão ao papel dos poderes, uma vez que há concepção de que a função de interpretar leis é acometida a seus aplicadores, neste caso o Poder Judiciário. Vale ressaltar, nesta linha de pensamento a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Eminente Ministro João Otávio de Noronha, publicada em 11/05/2009 que versa sobre a respectiva situação jurídica: “(…) Lei Interpretativa. Irretroatividade. As situações jurídicas, os direitos subjetivos constituídos em função da interpretação dada à Lei, antes do dispositivo interpretativo, não podem mais ser alterados ou atingidos, ainda que a hermenêutica autêntica venha infirmar o entendimento dado à Lei interpretada. (…)”. (STJ; EREsp 327.043; Proc. 2001/0188612-4; DF; Primeira Seção; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Julg. 27/04/2005; DJE 11/05/2009) A irretroatividade relativa da lei, segundo o mestre Amaro (2005), faz crédito pelo fato de havendo obediência às restrições, a lei pode em princípio voltar-se para o passado: “Como princípio geral, a Constituição prevê a irretroatividade relativa da lei, ao determinar que esta não possa atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI); há, ainda, outras vedações à aplicação retroativa da lei (de que é exemplo a que decorre do item XXXIX do mesmo artigo: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). Obedecidas as restrições, a lei pode, em princípio, voltar-se para o passado, se o disser expressamente ou se isso decorrer da própria natureza da lei; se nada disso ocorrer, ela vigora para o futuro. A norma jurídica, em regra, projeta sua eficácia para o futuro. Diz a Lei de Introdução ao Código Civil que a lei em vigor terá efeito imediato e geral (art. 6º). Porém, em certas situações, e de modo expresso, pode a lei reportar-se a fatos pretéritos, dando-lhes efeitos jurídicos, ou modificando os efeitos jurídicos que decorreriam da aplicação, àqueles fatos, da lei vigente à época de sua ocorrência. Há leis que naturalmente, se vocacionam para atuar sobre fatos do passado, como se dá com as de anistia ou remissão.” (AMARO, 2005. p. 118). Portanto, o princípio da irretroatividade não é relativo, porém absoluto e insistentemente repetido na Carta Magna. 4.2. Princípio da Anterioridade Tributária e as suas Implicações O princípio da anterioridade está ligado ao “Princípio da não surpresa tributária”, evitando que os contribuintes sejam surpreendidos com as novas cobranças, sem terem tido tempo suficiente para melhor conhecer a nova legislação. O respectivo princípio consiste de uma íntima ligação ao “Princípio da Segurança Jurídica”, portanto evita o contribuinte com surpresas de contribuições ou majorações de tributos, no exercício do curso financeiro. Importante ressaltar a ADIN de n° 939, a qual frisa que o princípio da anterioridade tributária é cláusula pétrea, consistindo assim em garantias individuais ao contribuinte, confirmando a Corte, a existência de direitos e garantias de caráter individual dispersos na Constituição. 4.2.1. Princípio da Anterioridade “Comum” Usa-se o termo comum para diferenciar esta regra que foi para todos os tributos até a EC n°42/2003, da anterioridade nonagesimal que informa especificadamente a criação e alteração das contribuições sociais para o custeio da seguridade social. Portanto, o Princípio da Anterioridade já estava previsto no artigo 150, III, alínea “b”, disciplinado que a lei que cria ou majora tributo, ao entrar em vigor fica com a sua vigência postergada até o início do próximo exercício financeiro, quando produzirá os seus respectivos efeitos. Conforme, Carazza (2004, p.177): ”O princípio da anterioridade veda a aplicação da lei instituidora ou majorada do tributo sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que entrou em vigor”. Ou seja, o princípio da anterioridade determina um prazo impeditivo, o próximo exercício financeiro, garantindo ao contribuinte um tempo hábil a se preparar para o pagamento. Todavia, o princípio da anterioridade não se atém somente em disciplinar à majoração ou criação de um tributo, mas regular as formas e alterações dos prazos de pagamento em um mesmo exercício financeiro. Assim, a lei deve regular de forma precisa o tempo do pagamento do tributo, antes do início do exercício financeiro em que ocorrem os fatos geradores da obrigação tributária. Vale ressaltar, apenas o dia preciso em que ocorrer o fato gerador, ou seja, a alteração e a consequente antecipação da data de pagamento de um tributo, evitando dessa forma que os contribuintes sejam surpreendidos com essa inovação. Entretanto, se alguma lei beneficiar o contribuinte, o princípio da anterioridade não será aplicado, isso porque o respectivo princípio milita em favor do contribuinte. Seguindo este entendimento, citam-se os dizeres Machado (1989): “Os princípios constitucionais foram construídos para proteger o cidadão contra o Estado, e o princípio da anterioridade tributária tem por finalidade essencial evitar que o curso do ano seja o contribuinte surpreendido com um ônus tributário a mais, dificultando o desenvolvimento de suas atividades”. (MACHADO, 1989. p. 96). Por fim, modificar em meio o exercício financeiro a forma de pagamento do tributo é anular a natureza e a garantia do princípio da anterioridade. 4.2.2. Princípio da Anterioridade Nonagesimal Com o advento da Emenda Constitucional n°42, se inseriu a alínea “c” no artigo 150, inciso III, estabelecendo assim que os tributos não poderão ser cobrados antes de decorridos os 90 (noventa) dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. A Constituição Federal exige que seja observada a antecedência mínima de 90 (noventa) dias entre a data da publicação da lei que o instituiu ou aumentou e a data que passa a vigorar, garantindo assim, que a criação ou majoração de determinados tributos somente serão aplicados após 90 (noventa) dias da respectiva publicação da lei instituidora ou majoradora. Com a Emenda Constitucional 42/03, percebe-se um significado avanço nas defesas dos interesses dos contribuintes, em vista que a norma constitucional estampada na alínea “c”, do artigo 150, III, não se atingia em determinados casos o seu objetivo para garantir a não surpresa do cidadão contra uma inesperada exigência tributária para a qual não estava preparado. Carazza (2004) afirma que: “O princípio da anterioridade, exigindo que a lei tributária, para incidir, seja conhecida pelo menos noventa dias antes do término do exercício financeiro da ocorrência do fato imponível, permite que os contribuintes, saibam o que os aguarda, no campo da tributação, e, bom por isso, confiem no estado fiscal”. (CARAZZA, 2004. p. 185). Portanto, assim como ocorre no princípio da anterioridade comum, qualquer redução da carga tributante que favorecer o contribuinte incidirá de imediato, não necessitando aguardar o transcorrer de 90 (noventa) dias para irradiar os seus efeitos. A partir deste momento o princípio da anterioridade nonagesimal será aplicado em sobrevindo uma alteração e consequente antecipação do prazo do pagamento do tributo no mesmo exercício financeiro. Seguindo o mesmo entendimento, Rabelo (2002) afirma: “A antecipação surpresa da data do pagamento do tributo, enquanto subtração de uma parcela do patrimônio das pessoas, que, prevista para o futuro, é antecipada para agora, representa, inegavelmente, uma alteração gravosa do tributo, consolida surpreendente diminuição patrimonial, que repugna ao princípio da segurança jurídica por isso deve atender ao princípio da anterioridade”. (RABELO, 2002. p 133). Por fim, modificar em meio o exercício financeiro a forma de pagamento do tributo é anular a natureza e a garantia do princípio da anterioridade. 4.2.3. Exceções Quanto ao Princípio da Anterioridade Comum e Nonagesimal Quanto ao princípio da anterioridade comum a sua natureza não é absoluta, comportando tais exceções que estão previstas no parágrafo primeiro do artigo 150, no artigo 155, parágrafo quarto, inciso IV, alínea “c” e no artigo 177, parágrafo quarto, inciso I, alínea “b” da Lei maior: Empréstimos Compulsórios, Imposto de Exportação, Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, IOF, Imposto Extraordinário no caso de guerra externa ou sua iminência, ICMS sobre os combustíveis e lubrificantes e Contribuição de Intervenção do domínio econômico incidente sobre as atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível. Quanto ao princípio da anterioridade nonagesimal, com o advento da Emenda Constitucional 42/2003, que vedou a cobrança de tributos antes de transcorridos os 90 (noventa) dias, prescreve-se o rol de exceções no parágrafo primeiro do artigo 150 da Lei Maior, repetindo-se as exceções relativas à anterioridade comum, prevista no artigo 153, III, alínea “b”, ressalvado o IPI, e acrescenta as exceções referentes ao Imposto sobre Renda (IR), à fixação das bases de cálculo dos impostos sobre a propriedade dos veículos automotores (IPVA), e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), conforme aludem os artigos 153, inciso IV, artigo 155, inciso III e artigo 154, inciso IV. Diante do explanado nenhum tributo poderá ser cobrado no mesmo exercício financeiro sem que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou. Permitindo ao contribuinte a forma e o meio de contribuir para a coletividade das despesas da sociedade. Necessário se faz que o Estado planeje melhor a economia do país para que vivamos de uma segurança tributária eficiente. 5. DOS PRINCÍPIOS LIMITADORES AO PODER DE TRIBUTAR. As limitações ao poder de tributar são de sentido lato, estabelecendo assim limites pela própria Constituição Federal, para que o ente Tributante não exceda o exercício de suas atribuições, impondo desta forma, ao contribuinte, uma carga onerosa. Sabbag (2012) esclarece: “As limitações ao Poder de Tributar, em última análise, qualquer restrição imposta pela CRFB/88 às entidades dotadas de tal poder, no interesse da comunidade, do cidadão, ou até mesmo no interesse do relacionamento entre às próprias entidades impositoras. (SABBAG, 2012. p. 01)” É possível considerar a própria atribuição de competência como uma forma limitadora do Poder de Tributar. Todavia, se ocorre uma competência exclusiva a um Ente, para em determinado âmbito jurídico, implica em excluir os outros. Insta salientar, que desde a Constituição Federal elencar as espécies de tributo, elegendo a competência para cada ente, promoveu de fato um limite de grande precisão. Tendo assim as respectivas competências exclusivas, comum e concorrente. Portanto, uma vez entendido as normas e princípios basilares que norteiam o ordenamento jurídico tributário pode-se compreender a respectiva técnica usada pelo legislador: enunciar limites em forma de normas e princípios para que sejam respeitados e obedecidos. Mais do que isso, se espera que a segurança jurídica seja ampla em todas as situações estabelecendo assim a tributação eficiente para a consecução dos fins sociais não impondo o contribuinte a prestações insuportáveis. Importante ressaltar, que os princípios não são as únicas formas de limitação ao poder de tributar, o legislador confere outros meios para o efetivo controle quanto ao excesso do Estado como as imunidades, isenções e anistias que podem ser utilizadas para determinados motivos, situações e pessoas, portanto o ente político não pode tributar estabelecendo assim garantias ao cidadão contribuinte. CONCLUSÃO O presente trabalho teve como objetivo analisar os princípios constitucionais tributários, as implicações dos “Princípios da Anterioridade e Irretroatividade” no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a ideia central do artigo é inquirir as normas principiólógicas e as suas interferências no cotidiano do cidadão. Foi de grande valia o estudo do tema, pelo fato que o Estado brasileiro apresenta uma das maiores cargas tributárias do mundo, sendo o colaborador, nesta relação, um dos maiores afetados pelo poder exacerbador do Estado. Portanto, é essencial arraigar o tema, sobre a ótica de que os cidadãos – contribuintes não sejam surpreendidos com tributos inesperados ou tenham que contribuir sobre cargas demasiadas. Ao longo desse trabalho foi observada a importância de se discorrer sobre os “Princípios da Anterioridade e da Irretroatividade” e a sua valia para o estudo da matéria tributária, pelo fato de elucidarem a partir de que momento e quando o Estado pode exercer o seu poder de cobrança perante a sociedade. Ressaltam-se neste contexto, os institutos da Anterioridade Comum e da Anterioridade Nonagesimal, bem como, entender os limites impostos ao Estado na sua forma de cobrança tributária, por meio do estudo das normas principiólógicas, que garantem ao contribuinte segurança, justiça e liberdade tributária, perante os atos alucinógenos do Estado. Por fim, o trabalho tenta esclarecer os direitos e deveres tanto para o cidadão-contribuinte, como para o poder do Estado, permitindo assim, um entendimento consistente do tema abordado.
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