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Princípio constitucional da legalidade e a base de cálculo do IPTU
A estrita legalidade é o fundamento da atuação do administrador público, que faz sua gestão de acordo com a orientação da lei. No direito administrativo, os princípios basilares são a supremacia e indisponibilidade do interesse público. Em direito tributário, devido ao histórico de tributações confiscatórias, sem limitação de valores e com sanções diversas, além da seara patrimonial, pelo Poder Executivo, tradicional arrecadador de tributos, a lei foi utilizada como forma de limitar o poder instituir do soberano. Assim, o Legislativo torna-se importante fator no processo de instituição e arrecadação de tributos, através do princípio da estrita legalidade, consagrado no art. 150, inc. I da CR/88.
Direito Tributário
1. Introdução O princípio da legalidade estrita, detentor de status constitucional, é importante fundamento de defesa do contribuinte ante o poderio do Fisco. Daqui decorrem princípios como o da não surpresa, da anterioridade, da anterioridade nonagesimal ou noventena, entre outros. As bases de cálculo dos impostos obedecem ao princípio da legalidade, excetuando-se a correção monetária de seu valor, que pode ser feito por ato infralegal, como mera forma de atualização monetária, não significando aumento da base de cálculo da exação tributária. 2. Base de cálculo do IPTU fixada por lei. Princípio constitucional da legalidade estrita. De início, é de salutar importância conceituar o princípio da legalidade, norteador do nosso sistema jurídico, utilizado inicialmente como forma de limitar o poder do Estado frente os contribuintes, como sendo: “…o fundamento de toda a tributação, sem o qual não há como se falar em direito tributário.”[1].  Na mesma toada, esclarecedoras são as palavras do saudoso Hely Lopes Meirelles[2]: “A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.” Dessa forma, possibilitando-se a proteção do cidadão/contribuinte, a Constituição da República de 1988, no seu at. 150, inc. I, trouxe disposição protetiva, impossibilitando os entes tributantes – União, Estados, Municípios e o Distrito Federal – da cobrança ou majoração de tributos sem lei formal que os legitime. Bem sintetiza o Professor Sabbag[3]: “Nesse passo, não basta que se disponha na lei que um dado tributo fica assim instituído, deixando-se, por exemplo, para um ato infralegal a indicação da alíquota, da base de cálculo, do sujeito passivo ou do fato gerador. Ou, em outro giro, se houver omissão ou obscuridade quanto a esses elementos essenciais, descabe ao administrador e ao juiz integrarem a lei, colmatando a lacunaporanalogia.” No paradigma RECURSO EXTRAORDINÁRIO 648.245, que reafirmou a jurisprudência do STF, fundamentando que para a alteração da base de cálculo dos tributos é necessária lei formal, assim fundamentou o relator, Min. Gilmar Mendes, verbis: “O princípio constitucional da reserva legal, previsto no inciso I do art. 150 da Constituição Federal, é claro ao vedar a exigência e o aumento de tributo sem lei que o estabeleça. Trata-se de prescrição fundamental do sistema tributário, que se coliga à própria ideia de democracia, aplicada aos tributos” (“no taxationwithoutrepresentation”). Em que pesem as insistentes tentativas de alguns chefes dos Poderes Executivos Municipais, a tese de que a base de cálculo do IPTU poderia ser alterada por mero ato infralegal é rechaçada pelo STF, pela doutrina e pela legislação (art. 150, inc. I, CRFB/88 c/c art. 97, incs. I e II, do CTN). Nessa toada, também deve-se afastar o ato infralegal que, a pretexto de mera correção monetária, por ato administrativo, acaba incorrendo em verdadeiro aumento da base de cálculo, por meios ofensivos em direito pátrio, prática que vem sendo combatida nos Tribunais. Da jurisprudência do STF, cabe trazer a ementa do já citado e didático RE 648.245/ MG, reafirmando seu entendimento, afastando o ato administrativo que importou em majoração da base de cálculo por ofensa ao princípio da legalidade, in verbis: “Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Legalidade. 4. IPTU. Majoração da base de cálculo. Necessidade de lei em sentido formal. 5. Atualização monetária. Possibilidade. 6. É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais. 7. Recurso extraordinário não provido”.(STF – RE 648245, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2013 – grifos) Em arremate, a base de cálculo do IPTU somente poderá ser alterada por lei formal, aprovada, portanto, pelo Poder Legislativo, obedecendo seus trâmites procedimentais. Sabe-se, ainda, que poderá haver por ato infralegal, ato exclusivo do Poder Executivo municipal, a mera correção monetária do valor venal dos imóveis, sua base de cálculo, como forma de manutenção da exação tributária, não se configurando em aumento do tributo. 3. Conclusão Por conseguinte, o princípio da estrita legalidade, norteador do sistema jurídico pátrio, aplica-se também na fixação da base de cálculo e da alíquota do IPTU. Neste sentido, somente por lei formal se admitirá a modificação da base de cálculo do tributo predial municipal, cabendo a mera atualização monetária do valor já estabelecido em lei, por ato do Poder Executivo Municipal.
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IPTU: decadência e fato gerador contínuo
O lançamento tributário marca um ato administrativo característico, pois há constituição do crédito tributário e declaração da obrigação tributária. Atendendo ao princípio da segurança jurídica, o CTN, especialmente nos art. 150, § 4º e art. 173, marcam o prazo decadencial de que detém o fisco para lançar o tributo. De acordo com a modalidade de lançamento, bem como a depender do recolhimento antecipado pelo contribuinte de tributo sujeito a lançamento por homologação, percebe-se uma alteração do início da contagem do prazo decadencial de constituição do crédito. Geralmente nos tributos reais, como o IPTU e o ITR, o lançamento será de ofício, já que haverá o fato gerador continuado, qual seja, a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel em zona urbana, na data estabelecida por fixação jurídica como da ocorrência do fato gerador.
Direito Tributário
1. Introdução Sabe-se que o Imposto Territorial Urbano – IPTU, de competência municipal, tem como hipótese de incidência a propriedade, o domínio útil ou a posse com animus domini do bem imóvel em zona urbana, situação definida em Lei, como estabelece o art. 114, do CTN. Assim, o fato gerador deste imposto, de natureza real, é a propriedade de bem imóvel em perímetro urbano, sendo uma situação jurídica que se perpetua no tempo, cabendo ao legislador estabelecer uma data para se considerar ocorrido o Fato Gerador, daí se dizer que o fato gerador é contínuo ou continuado. Não obstante, o IPTU é constituído pelo lançamento de ofício, sujeitando-se a regra da decadência, prevista no art. 173, inc. I, CTN, com termo a quo no primeiro dia do exercício seguinte ao que deveria se realizar o lançamento, por vocação ao princípio da segurança jurídica.  2. IPTU e fato gerador continuado. 2.1. Caso Concreto. O Caso prático cinge-se a certo contribuinte que teve um crédito tributário, referente ao IPTU do ano de 2008, lançado em 31 de maio de 2014. Para tanto, houve questionamentos se o crédito estaria decadente ou se o Fisco Municipal poderia constituí-lo. Esta solução jurídica é demonstrada neste artigo. 2.1. Fundamentação Jurídica. De início, importante destacar a disposição do instituto da decadência em nosso ordenamento jurídico tributário. Apesar de não constar de texto literal expresso, é consenso jurisprudencial que o art. 173, CTN, trata da natureza decadencial da constituição do crédito tributário, fundamento que “Notificado o contribuinte do auto de infração no prazo de cinco anos a que alude o art. 173, I, do CTN, não há que se falar em decadência do direito à constituição do crédito tributário.”[1].Na doutrina o entendimento não é dissonante: "O art. 173, inc.I, CTN, é considerado a regra geral de decadência, embora dele não conste, textualmente, o vocábulo ‘decadência’. O preceptivo alcança os tributos, cujos lançamentos são: (a) direto ou de ofício; (b)por declaração ou misto; (c) por homologação (sem antecipação do pagamento).”[2] Atento a estabilidade das relações jurídicas, a decadência atinge a prerrogativa da Administração Tributária de constituir o crédito, pelo lançamento, quando transcorridos o prazo quinquenal. Via de regra, com exceção dos tributos sujeitos a lançamento por homologação com realização do pagamento antecipado, o termo a quo do lustro decadencial inicia-se no “primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”(art. 173, inc. I, CTN). Dessa forma, ocorrendo a hipótese de incidência em 2008, o termo a quo para realizar o lançamento seria 1º de janeiro de 2009, findando o lustro decadencial em 1º de janeiro de 2014. Notificado, leia-se, efetuado o lançamento do IPTU, relativo ao ano de 2008, em 31 de maio de 2014, demonstra que houve lançamento de crédito atingido pela decadência, tendo por termo ad quem 1º de janeiro de 2014. Por conseguinte, decaiu o direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento do crédito tributário. Sistematizando o caso concreto, tem-se: “Fato Gerador do IPTU ocorrido em 2008, assim, o termo a quo do prazo decadencial é 1º de janeiro de 2009. 1º/01/2010 – um ano; 1º/01/2011 – dois anos; 1º/01/2012 – três anos; 1º/01/2013 – quatro anos; 1º/01/2014 – cinco anos, termo ad quem.” Diz-se que o fato gerador do IPTU, incidente sobre a propriedade, é uma situação jurídica, sendo continuado porque se renova de tempos em tempos, em geral no período de um ano civil, sendo eles “constituídos por um único fato jurídico que é propriedade sobre o bem durante aquele ano, não importando quantos titulares desta propriedade existiram durante o período considerado.”[3]Com propriedade, o magistério de Luciano Amaro[4] discorrendo que o fato gerador continuado ocorre “num determinado dia, sem indagar se as características da situação alteram ao longo do tempo; importam as características presentes no dia em que o fato se considera ocorrido.” 3. Conclusão Por conseguinte, decaiu o direito de constituição do crédito tributário do IPTU do ano 2008, lançado contra o Contribuinte em 31 de maio de 2014, em 1º/01/2014. Trata-se imposto lançado de ofício, cujo fato gerador é contínuo ou continuado, pois se constitui no único fato jurídico da propriedade, o domínio útil ou a posse com animus domini do bem imóvel em zona urbana, abrangendo também um período determinado, geralmente coincidente com um ano civil.
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O princípio da não-cumulatividade no âmbito dos produtos industrializados
O presente trabalho apresenta um estudo sobre o princípio da não – cumulatividade no âmbito do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, descrevendo as características do imposto em epígrafe e as questões relacionadas sobre o efetivo direito ao crédito, quando em uma das etapas da industrialização do produto há algum tipo de exoneração tributária (isenção,alíquota zero ou não tributação).[1]
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho trata de um estudo sobre o princípio da não-cumulatividade no âmbito do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI em face do instituto das exonerações tributárias. Para tanto, em um primeiro momento, procura estabelecer uma definição de produto industrializado, visando uma melhor compreensão do imposto em epígrafe. Posteriormente, faz uma análise do princípio da não-cumulatividade, entendendo sua aplicação e eficácia, de como é feita à apuração de créditos e débitos, especialmente, em se tratando dos impostos sobre industrialização de produtos. Em seguida, adentra no tema das exonerações de tributos, trazendo um aparato geral do entendimento jurisprudencial sobre tema, onde será demonstrado com base nas premissas estabelecidas no presente trabalho, que a garantia ao creditamento do IPI incidente sobre operações anteriores, inclusive quando beneficiadas por algum tipo de exoneração tributária, é uma garantia constitucional e não deve ser vedada sob pena de violar o princípio constitucional da não-cumulatividade. 2 CONCEITO DE PRODUTO INDUSTRIALIZADO A Constituição não definiu produto industrializado, devendo a Lei Complementar estabelecer esse conceito. Assim, o Código Tributário Nacional, para evitar conflitos, conceituou produto industrializado: “Art 46. […] Parágrafo único: Para efeitos deste imposto, considera-se produto industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza, ou o aperfeiçoe para consumo.” A respeito do tema, destaque-se o valioso entendimento de Eduardo Domingos Bottallo (2002, p.4): “Assim estamos diante de um produto industrializado, na acepção do art. 153,IV, da Constituição Federal e do art.46, parágrafo único, do CTN, sempre que um bem in natura é submetido a um processo industrial do qual resulte alteração de sua natureza ou finalidade ou que possibilite sua melhor utilização, para satisfazer uma necessidade humana.” O Regulamento do IPI (Decreto n°. 7.212/2010) também conceituou produto industrializado, dispondo que produto industrializado é o resultante de qualquer operação que modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou aparência exterior do produto. Em suma, são considerados produtos industrializados aqueles obtidos pelo esforço humano aplicado sobre bens móveis quaisquer. Produto não se confunde com mercadoria, que consiste em bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, que tem por objeto a distribuição para consumo. A industrialização é o esforço humano sobre o bem móvel que modifica qualquer de suas características. (MELO, 2001, p.424-426). Nesse contexto, incidirá o Imposto sobre Produtos Industrializados quando existir um produto que tenha sua natureza alterada por meio de um processo industrial, conforme julgados abaixo transcritos: “Ementa: ,,, I. O IPI incide sobre produtos industrializados. Estes, pela lei, são os que sejam submetidos a qualquer tipo de operação que lhes modifique a natureza ou a finalidade, aperfeiçoando-os para o consumo… (STJ. REsp 273205/RS. Rel. Min. José Delgad. 1ª Turma. Decisão: 16/11/00. DJ de 05/03/01, p,129) Ementa: ,,, I. De acordo com o CTN-66 (art. 46 e art. 51), o IPI é um imposto de competência federal, que incide sobre produtos industrializados, assim considerados aqueles que hajam sido submetidos a qualquer operação que lhes modifique a natureza ou a finalidade, ou os aperfeiçoe o consumo…” (TRF-4ª Região. MAS 94.04.3257-9/RS. Rel.: Dês. Federal Tânia Terezinha Cardoso Escobar. 2ª Turma. Decisão: 11/02/99. DJ de 05/05/99.) (grifos nossos). Portanto, o conceito de produto industrializado não dá ensejos a discussões, nem na doutrina, nem na jurisprudência, uma vez que resta claro que, o produto é industrializado sempre que submetido a uma operação, adquire utilidade nova ou se mostre mais bem ajustado para consumo. 3 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO- CUMULATIVIDADE A Constituição Federal é a lei suprema do Estado, dando fundamento de validade a todos os atos emanados dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Encimando a “pirâmide jurídica”, consagra princípios que interferem no significado, conteúdo e alcance das normas tributárias. As normas tributárias devem estar em perfeita sintonia com as normas constitucionais, uma vez que, as regras constitucionais são dotadas de superioridade com relação às demais normas jurídicas. Desse modo, toda a estrutura jurídica tributária deve estar amparada em postulados da Constituição. Assim, encontra-se no texto constitucional, um conjunto significativo de preceitos que fundamentam e inspiram a edição das normas jurídicas constituindo o suporte do ordenamento, ilustrando a compreensão das regras de direito positivo. (MELO, 1989) Dentre os princípios tributários presentes na Constituição, situam-se os princípios da não-cumulatividade do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços e transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS. Uma das questões divergentes atinente a não cumulatividade é se essa consiste em um princípio ou uma regra. Com brilhantismo, Humberto Ávila (2001, p.129-130) diferencia princípios e regra: “As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. As regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamento a ela necessários. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que a característica das regras é a previsão do comportamento.” Nesta esteira, princípios definem o melhor caminho de interpretação das regras do sistema, contribuindo para a tomada de decisão, não podendo gerar solução específica. Já as regras aspiram gerar uma solução específica para o conflito. Em relação a não-cumulatividade, Hugo de Brito Machado (2007,p.524) explica: “A não-cumulatividade pode ser vista como princípio, e também como técnica. É um princípio, quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição, em dispositivo a dizer que o imposto “será não cumulativo, de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou no outro estado pelo Distrito Federal”. Em tal enunciado não se estabelece exaustivamente o modo pelo qual será simplesmente o princípio. A técnica da não cumulatividade, a seu turno, é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é “maneira ou habilidade especial de executar algo”. Assim, a técnica da não cumulatividade é o modo pelo qual se executa ou se efetiva o princípio.” Assim, a não-cumulatividade tributária, por ser elemento fundamental do sistema jurídico que constitui ao mesmo tempo objetivo e critério de interpretação (FERRAZ, 2006, P.398), consiste em um princípio constitucional. Os princípios constitucionais são balizas, vetores, regras de conduta. Sendo essenciais, a sua supressão do texto Constitucional inevitavelmente causaria um enorme e sério abalo em toda a estrutura do estado. A eliminação da não-cumulatividade abalaria de maneira profunda a estrutura econômica sobre a qual foi organizada o Estado. Constituindo-se num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre os preços dos bens e serviços de transportes e comunicações, a sua supressão torná-los-ia artificialmente mais oneroso, elevando sobremaneira o custo de vida da população, encareceria o processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos na produção e na comercialização de produtos e serviços. (MELO, LIPPO, 2004, P.100-101). Da junção desses argumentos, pode-se constatar que, de fato, a não-cumulatividade é um princípio constitucional, posto que a sua supressão causaria sensível abalo nas relações de consumo, na produção de bens e na prestação de serviços, com reflexos até mesmo nas relações de emprego, e função do aumento artificial de custos. Apesar da não-cumulatividade ser efetivada por meio do mecanismo da compensação, uma regra que permite a sua aplicação prática, a não-cumulatividade foi estabelecida a partir das necessidades de uma sociedade adequar a tributação das relações comerciais com a própria economia, uma vez que a não-cumulatividade toca de maneira direta os preços dos produtos colocados no mercado. 3.1 O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE NO ÂMBITO DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS Uma das características constitucionais do imposto sobre Produtos Industrializados é a que destaca sua sujeição ao princípio da não-cumulatividade, previsto no artigo. 153, §3º, inc. II da Constituição Federal. Diz o dispositivo constitucional, genericamente, que o IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Como se vê, a estrutura básica da não-cumulatividade do IPI está compreendida no texto da Constituição. Assim dispondo, a Constituição não só definiu a não-cumulatividade, como também disse como esse princípio deve, na prática, ser efetivada. (CASSONE, 2004, p.423). Completa a disposição, o artigo 49 do Código Tributário Nacional: “Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos entrados. Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou período seguintes.” Ainda sobre a não-cumulatividade do imposto, o artigo 225 do Regulamento do IPI reitera os seus fundamentos: “Art. 225.  A não cumulatividade é efetivada pelo sistema de crédito do imposto relativo a produtos entrados no estabelecimento do contribuinte, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo (Lei nº 5.172, de 1966, art. 49).” A expressão “não-cumulatividade do tributo” pode ter vários significados: o de que sobre o mesmo fato não poderiam incidir vários tributos, ou o de que um tributo sobre fato integrante de uma sucessão de fatos da mesma natureza não pode incidir sobre cada um desses fatos de forma autônoma, acumulando-se a cada incidência com as incidências anteriores. (MACHADO,2004,p.70).É com este segundo significado que a expressão é empregada no sistema tributário brasileiro, conforme doutrinadores abaixo: “Entende-se por não-cumulatividade a qualidade do imposto e o princípio segundo o qual em cada operação o contribuinte deduz o valor do imposto correspondente a saída dos produtos o valor que incidiu na operação anterior, de sorte que reste tributado somente o valor acrescido. Em outras palavras, do valor do imposto que incide na saída dos produtos, deduz-se o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. (machado, 2007, P.522). […] O princípio da não-cumulatividade opera-se mediante um sistema de créditos escriturais, que viabiliza a compensação do imposto incidente nas etapas anteriores, pelo critério “imposto sobre imposto”, em apurações periódicas. (SOUZA, 2004, p, 242).” Assim, em decorrência da previsão constitucional da não-cumulatividade, o imposto pago em operações anteriores representa um crédito ao contribuinte, que será utilizado para combater o montante correspondente do valor do IPI devido em operação posterior. Como, geralmente, a industrialização de produtos envolve diversas matérias-primas, além de produtos intermediários, a não-cumulatividade consiste na dedução do imposto devido, pelo produto acabado, do imposto incidente sobre as matérias-primas e produtos intermediários que foram utilizados na industrialização daquele produto final. O contribuinte deve escriturar em livros fiscais os valores concernentes às entradas (créditos) e saídas (débitos) de produtos. Abatendo-se dos débitos os créditos, ao fim do período de apuração, alcançam-se o imposto devido. Se o montante do crédito for maior que o do débito, o contribuinte não tem nada a recolher a título do IPI, devendo transferir para o período seguinte o saldo credor. Porém, se o débito for maior que o crédito, o contribuinte deve recolher o valor devido. O Imposto sobre Produtos Industrializados foi estruturado para a prática da não-cumulatividade por período, e não por produto conforme deixa entrever a interpretação literal do dispositivo constitucional. Prevalece a regra do CTN, que, para tornar viável o princípio constitucional, estabelece a não-cumulatividade por período. Isso significa dizer que uma empresa industrializadora de produtos, contabiliza como crédito, o valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, e outros insumos, que tenham sofrido incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de onde vieram; registra como débito, o valor do IPI calculado sobre os produtos que saíram. Ao final do período, é feita apuração. (MACHADO, 2007, p.525). A finalidade do princípio da não-cumulatividade é evitar a tributação em cascata, que consiste no aumento do ônus do imposto em razão do número de operações pelas quais o produto passa desde a produção até o consumo. A incidência em cascata do IPI torna o custo de produção e comercialização dos bens excessivamente onerosos, motivo que levou o legislador constituinte a adotar o princípio da não-cumulatividade para o imposto.(BORGES,REIS,1999,p.165) 3.2 O MECANISMO DE APURAÇÃO DE CRÉDITOS E DÉBITOS A não-cumulatividade traduz-se em direito de compensação (abatimento). O propósito fundamental para o qual se volta o princípio da não-cumulatividade tem na figura da compensação o seu mecanismo de maior eficácia. (BOTTALLO, 2002, p.44) A compensação é o meio cujo emprego afasta o efeito da cumulatividade do IPI, justamente o que a Constituição veda. Da leitura do dispositivo constitucional que trata da não-cumulatividade, nota-se que o princípio da não-cumulatividade impõe a adoção de um sistema de compensação. Dispõe a Carta Magna que deverá haver uma “compensação” entre o valor do imposto devido em cada operação, com o montante do mesmo imposto cobrado nas operações anteriores. (MELO,LIPPO,1998,p.116-117). O instituto da compensação está previsto na legislação brasileira no Código Civil (Lei 10.406 de 2002), em seu artigo 368, e no Código Tributário Nacional, conforme determina o artigo 156, inciso II desse diploma legal. No âmbito do Direito Civil, a compensação consiste em uma modalidade de extinção de obrigações, por meio da reciprocidade de créditos e débitos, líquidos, vencidos e fungíveis. Há a compensação entre pessoas que são, ao mesmo tempo, devedoras e credoras uma da outra. Além da compensação do Direito Civil, há a compensação do Direito Tributário. O CTN classifica a compensação como uma das causas extintivas do crédito tributário. Apesar da sua grande utilidade, a compensação vai sempre depender de previsão legal que a considere como uma das modalidades de extinção da obrigação e lei específica do ente competente para a instituição do tributo, que a autorize e fixe as condições sob as quais a compensação será efetivada. (BOTTALLO, 2002) A compensação, então, consiste em um meio alternativo de satisfação do crédito tributário. O sujeito passivo da obrigação tributária, nos termos do que for previsto em lei, tem o direito de compensar o seu débito. Portanto, a compensação, assim como o pagamento, é uma forma extintiva do crédito tributário quando o contribuinte e o Fisco forem, ao mesmo tempo, credor e devedor entre si. Para que se opere a compensação, é necessário que as partes envolvidas sejam as mesmas, ou seja, as dívidas devem ser recíprocas, que os créditos sejam líquidos e certos, sendo necessário, ainda, uma lei autorizando, genérica ou especificamente, a compensação. Em relação ao princípio da não-cumulatividade, a compensação é empregada como um instrumento para a sua realização, referindo-se ao processo de apuração do montante devido. A não-cumulatividade do IPI efetiva-se no momento da apuração do imposto a ser pago. Dessa forma, não se trata de compensação como forma de extinção de obrigações, porque antes da apuração periódica não se tem débito, nem existe um crédito relativo a entradas. O princípio da não-cumulatividade não se cria para o contribuinte um direito de crédito contra o Fisco. Só depois de apurado é que se pode falar em crédito tributário. Assim, a compensação, no princípio da não-cumulatividade, tem o sentido de dedução, apuração de créditos e débitos. Para atuação do princípio da não-cumulatividade, os estabelecimentos contribuintes devem efetuar, em sua escrita fiscal, o crédito do imposto relativo aos produtos neles entrados e o débito pertinente ao tributo pelos artigos dele saídos. Ao final de cada período de apuração, ambos os registros têm os seus valores totalizados. Do total do imposto oriundo das saídas realizadas pelo contribuinte no mês de apuração será deduzido o mesmo tributo, relativo às entradas anteriores, resultando daí um saldo credor oferecido à tributação. O confronto do imposto correspondente às entradas com os das saídas se faz aleatoriamente; basta que seja registrado dentro do mesmo período de apuração. (MELO, LIPPO, 1998, p.135-136) Assim, o sistema de contas-correntes gráficas que o contribuinte do IPI deve manter em sua escritura fiscal assegura o gozo do direito de deduzir, do valor a recolher pelas operações que promove, o montante cobrado nas anteriores. Registre-se o comentário de Eduardo Domingos Bottallo (2002, p.48-49), nos termos abaixo reproduzido: “O mecanismo de apuração do montante a recolher a título de IPI pressupõe a execução de operação onde este quantum se apresenta como resultado de uma subtração em que o minuendo é o montante do imposto devido e o subtraendo é o montante do imposto anteriormente cobrado.” Com efeito, efetivando-se a compensação em tela por meio de operações de encontro de contas de crédito/débito, o contribuinte tem o direito de lançar, em sua escrita, créditos financeiros para, no momento oportuno, utiliza-los como meio de compensar seus débitos: Sobre a apuração do imposto, o Regulamento do IPI dispõe: “Art.259.O período de apuração do imposto incidente nas saídas dos produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial é mensal (Lei no 8.850, de 28 de janeiro de 1994, art. 1º, Lei no 11.774, de 2008, art. 7o, e Lei no 11.933, de 2009, art. 12, inciso I). §1 O disposto no caput não se aplica ao IPI incidente no desembaraço aduaneiro dos produtos importados (Lei nº 8.850, de 1994, art. 1º, § 2º, e Lei no 11.774, de 2008, art. 7o). §2oO disposto neste artigo aplica-se às microempresas e às empresas de pequeno porte não optantes pelo Simples Nacional referido no art. 177.” Reza a Constituição Federa de 1988 que o IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. A expressão “montante cobrado” utilizada no texto constitucional não deve ser interpretada no sentido literal de que só pode compensar com o IPI devido importância igual a montantes de IPI efetivamente cobrados e pagos em operações, sobre o mesmo produto. A expressão “montante cobrado” deve ser entendida como o montante devido à operação anterior, abrangendo assim os casos em que não há cobrança nem pagamento (BOTTALLO, 2002). O vocábulo cobrado foi utilizado pelo legislador constituinte com o objetivo de referir ao que é devido. Onde tem cobrado, todos os doutrinadores e magistrados aprenderam a ler incidente. Isto porque a compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. (BARRETO, 2004) O direito ao crédito não está ligado ao efetivo pagamento do imposto nas operações anteriores. Se o sujeito passivo da obrigação tributária não recolhe o tributo, em nada lesa o direito à compensação. O abatimento é devido até mesmo nos casos em que as operações são desoneradas do tributo. Referido abatimento, como categoria jurídica de hierarquia constitucional, bem por isso, somente poderia encontrar restrições ao seu alcance no próprio texto da Lei Maior, o que, no caso do IPI, não ocorre, como explica Eduardo Domingos Bottallo (2002, P.47);]: “Assim, o já citado art.153,§ 3º,II, da Constituição, que confere aos contribuintes o direito (público e subjetivo) de realizarem a compensação, é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata (José Afonso da Silva), que, como tal, independente, para produzir efeitos, da edição de regras de hierarquia inferior. Estas divergem, quando muito, exteriorizar o que já está implícito no texto constitucional, sem a pretensão de modificá-lo.” Disto se depreende que o crédito não se constitui em uma faculdade outorgada ao contribuinte, como o débito, que deve ser exigido, lançado e satisfeito, caracteriza-se como uma determinação constitucional, sem a qual falharia a diretriz insculpida na Lei Maior. Assim, o direito ao crédito existe independente de haver ocorrido pagamento de IPI na operação anterior, quer seja pelo fato de o insumo ser imune, isento, sujeito à alíquota zero ou a não-incidência. 4 EXONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS Entre as várias questões decorrentes da não-cumulatividade que ensejam inúmeros atritos na relação Fisco-Contribuinte, existe a que se refere ao direito de crédito do IPI relativo à industrialização de produtos quando há a desoneração em uma das operações de industrialização, ou seja, questões relacionadas ao crédito de IPI quando à exoneração diz respeito à entrada de insumos e questões relativas à aquisição de insumos tributados empregados em produtos em cujas saídas ocorre a exoneração do imposto (MACHADO,2006,p.201) Existem quatro formas de desoneração tributária: imunidade, isenção, não-incidência e alíquota zero. Se considerar apenas o resultado prático, pode se afirmar que existe identidade entre essas principais formas de desoneração, porque de qualquer dessas figuras jurídicas decorre a exoneração do tributo, vale dizer, o não ser afinal devido o tributo. (MACHADO, 2006, p.206) As imunidades são matérias pertencentes à disciplina constitucional da competência e consiste em uma limitação constitucional ao poder de tributar. Somente a Constituição pode proibir que certos fatos possam ser acolhidos pela hipótese de incidência dos impostos e, consequentemente, por essa determinação, apesar de igual àqueles, fiquem dela excluídos, permanecendo, então, obrigatoriamente, dentro do campo de não-incidência. Ives Gandra da Silva Martins (2004,p.49), ao tratar sobre o tema escreveu: “A imunidade é o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcalce impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância é de tal ordem que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais sendo, obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla”. Já a isenção tributária consite na exclusão do crédito tributário correspondente à obrigação tributária. A obrigação tributária existe, mas o Poder Tributante concede favor ao contribuinte de não convertê-la em crédito tributário. (MARTINS, 2002, p.50) A isenção é o fenômeno tributário que impede, por expressa disposição normativa, o surgimento do crédito tributário decorrente de obrigação que tenha por objeto o pagamento do tributo (CORRÊA, 2004, p.456) Por ser uma exceção a regra de incidência do tributo, sua existência depende de previsão legal expressa. Roque Antonio Carraza (2005, p.819), ao tratar do tema sobre o instituto da isenção escreveu: “Portanto, isenção é uma limitação legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça ou faz com que surja de modo mitigado (isenção parcial). Ou, se preferimos, é a nova configuração que a lei dá norma jurídica tributária que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo,assim,que o tributo nasça in concreto (evidentemente, naquela hipótese descrita na lei isentiva).” Outra forma de exoneração tributária é a não-incidência, que consiste na operação não eleita pela lei como tributável, não havendo assim a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Assim, a não-incidência é a situação em que a regra jurídica da tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de incidência, já a imunidade é obstáculo criado por norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato. As hipóteses de não incidência prescindem de lei que as estabeleça, enquanto as hipóteses de isenção dependem de lei expressa que as defina. (MACHADO, 2007, p.531) A última forma desonerativa de expressão é à que diz respeito à alíquota zero. Os produtos com alíquotas reduzidos a zero são produtos tributados, isto é, incluídos no campo de incidência do imposto, porém pela aplicação da alíquota zero, não há incidência do imposto. Nessa forma, nascem obrigação tributária e crédito fiscal, mas tanto um quanto o outro estão reduzidos a sua nenhuma expressão. Nesta perspectiva, resumindo o que foi dito sobre as quatro formas de desoneração tributária, até o presente, tem-se que, na imunidade, não nasce nem obrigação tributária, nem o crédito correspondente, por força de vedação absoluta da Carta Magna ao poder de tributar. Na isenção, nasce a obrigação tributária, mas não nasce direito ao crédito tributário, em face da previsão legal expressa. Na não-incidência não nasce nem a obrigação tributária, nem o crédito correspondente, por força do não exercício da competência, a que tem direito o Poder Tributante.Na alíquota zero, nasce a a obrigação e o crédito tributário, que ficam, todavia, reduzidos à expressão nenuma. (MARTINS,2004,p.51-52). 4.1 DO CREDITAMENTO DO IPI NAS OPERAÇÕES DE ENTRADAS, ENVOLVENDO AQUISIÇÃO DE PRODUTOS ISENTOS, COM ALÍQUOTA ZERO OU NÃO TRIBUTADOS.HISTÓRICO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL A questão que trata sobre a possibilidade de creditamento do IPI, quando se adquire produtos (insumos, matérias-primas,etc) que serão utilizados na industrialização sob a forma isenta, com alíquota-zero ou não tributado, ainda é tema que cabe discussão, muito embora a adoção do novo posicionamento  do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do tema em debate. Conforme já mencionado neste artigo, a Constituição Federal, ao contrário do expressamente previsto para o ICMS, não impôs qualquer restrição à fruição do crédito do IPI, não sendo vedado, portanto, a utilização do crédito do referido imposto na aquisição e/ou saída de produtos que tenham sido beneficiados pelo instituto da exoneração tributária (não-tributado, isento ou com alíquota zero). Sobre o tema, importante ressaltar que, a maioria da doutrina e jurisprudência, até dezembro de 2007, reconhecia ser pleno o direito ao crédito do IPI, ainda quando se tratasse de aquisições isentas, imunes ou sujeitas à alíquota zero, conforme acórdãos proferidos pelos Tribunais Regionais Federais: “É perfeitamente cabível a compensação do IPI incidente na aquisição de matéria-prima e insumos tributados para aplicação na industrialização de produtos isentos,não tributados ou sujeitos à alíquota zero, sob pena de ofensa ao princípio da não-cumulatividade previsto no art. 153, II, parágrafo 3º,da Constituição Federal […] (AC 1998-38-00-008435-1/MG,TRF – 1ª Região, Oitava Turma, Des. Rel. Leomar Barros Amorim de Souza, in DJ 06/11/2007) A possibilidade de creditamento de valores referentes à aquisição de insumos tributados pelo IPI não deve ficar restrita aos casos de isenção e de alíquota zero, mas ser estendida aos casos de isenção e de imunidade, sob pena de lesão ao Princípio da Isonomia.Contudo, não deve ser deferida a faculdade de utilizar créditos escriturais do IPI para todo e qualquer contribuinte. Somente quem realiza industrialização, ou seja, quem produza mercadoria que tenha sido submetida a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo, nos termos do p. único do art.46 do CTN, tem legitimidade para pleitear o aproveitamente de créditos escriturais.” (AC 2005.71.00.002351-8, TRF – 4ª Região, Primeira Turma, Des. Federal Vilson Daróis, in DJ 26.06.2007) Expressivos também desse entendimento, são os seguintes acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e  Superior Tribunal de Justiça.: “Constitucional. Tributário. IPI. Isenção. Incide sobre insumos.Direito de Crédito. Princípio da não-cumulatividade. Ofensa não caracterizada. Não ocorre ofensa à CF (ART.153, §3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. (Supremo Tribunal Federal. RE 212.484-2/ RS.Relator Ministro Nelson Jobim, Pleno. DJU 27/11/98) A jurisprudência do STJ e do STF é no sentido de ser indevida a correção monetária dos créditos escriturais de IPI, relativos a operações de compra de matérias-primas e insumos empregados na fabricação de produto isento ou beneficiado com alíquota zero. […]” (Resp 415.796/RS, 1ª Turma, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, in DJ 10/05/2004). Da leitura das decisões em voga, não restam dúvidas de que, é garantido ao contribuinte o direito ao crédito de IPI incidente sobre operações anteriores, inclusive quando desoneradas, tendo em vista a não vedação constitucional nesse sentido, sendo esse exatamente esse, o posicionamento defendido no presente artigo. Assim, pelo o posicionamento dos referidos julgados, permaneceria intacto o direito ao creditamento do IPI em operações isentas, não-tributadas ou com aplicação de alíquota zero,especialmente, em atenção ao princípio da não-cumulatividade, que, conforme já explicitado, não possui qualquer restrição constitucional à respeito no âmbito dos produtos industrializados. No entanto, tal entendimento acima explano, foi ultrapassado no ano de 2007, quando do julgamento do RE 37O-682/RS, onde o Supremo Tribunal Federal decidiu que não implicava em violação do princípio da não-cumulatividade, a impossibilidade de creditamento do IPI para contribuinte adquirente de insumos desonerados, conforme julgado abaixo transcrito: “Recurso extraordinário. Tributário. 2. IPI. Crédito Presumido. Insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributados. Inexistência. 3. Os princípios da não-cumulatividade e da seletividade não ensejam direito ao crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero.4.Recurso extraordinário provido.” (Supremo Tribunal Federal. RE 370.682/SC.Relator Ilmar Galvão. Julgamento 25.06.2007.Órgão Julgador:Tribunal Pleno.DJU:19.12.2007) (grifos nossos) Nesse sentido,de acordo com esse novo entendimento fixado pelo STF, a interpretação da expressão “cobrado”, expressa no art.153 da CF, deve equivaler à expressão “pago” e não “incidido”, como se entendia antigamente, conforme julgado abaixo: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. INSUMOS ISENTOS, NÃO-TRIBUTADOS OU SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. CRÉDITO PRESUMIDO. INEXISTÊNCIA. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. INAPLICABILIDADE. 1. A expressão utilizada pelo constituinte originário – montante “cobrado” na operação anterior – afasta a possibilidade de admitir-se o crédito de IPI nas operações de que se trata, visto que nada teria sido “cobrado” na operação de entrada de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal entendeu não ser aplicável ao caso a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Precedentes.Agravo Regimental que se nega provimento” (Supremo Tribunal Federal.RE – AgR 372.005/PR. Relator Ministro Eros Grau. Julgamento:29.04.2008.ÓrgãoJulgador2ªTurma.DJU:16.05.2008.(grifos nossos) Seguindo o raciocínio, a Suprema Corte firmou posicionamento de que, apenas os valores efetivamente recolhidos na operação anterior, seriam capazes de gerar créditos do IPI, de modo que, só seria devido o creditamento de IPI quando houvesse a cobrança do tributo na aquisição de insumos ou matérias-primas. Isto porque, houve uma diferente interpretação do artigo 153 da CF, podendo ser observada, de forma clara, mediante o posicionamento do Ministro Marco Aurélio: “ não tendo sido cobrado nada, absolutamente nada, nada há de ser compensado, mesmo porque inexiste a alíquota que, incidindo, por exemplo, sobre o valor do insumo revelaria a quantia a ser considerada” (RE 353.657/PR). Em que pese o respeitável posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, especialmente, no que tange à impossibilidade de creditamento do IPI nas operações em que há aquisição de produtos com exoneração tributária, tal vedação viola o princípio não-cumulatividade, conforme foi defendido ao longo do presente artigo. 5 CONCLUSÃO Ao longo desse trabalho foi analisado o princípio da não-cumulatividade no âmbito do imposto sobre produtos industrializados, e com isso chegou-se a uma série de conclusões: I) O imposto sobre produtos industrializados tem a sua regra-matriz de incidência exteriorizada no artigo 153, IV, da CF. Conforme decorre da sua regra-matriz, o IPI incide sobre operações jurídicas praticadas. O CTN no artigo 46 prevê três hipóteses de incidência do referido imposto:o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrageira; a sua saída dos estabelecimentos industriais ou a este equiparados por lei; e a sua arrematação, quando apreendido e levado a leilão. II) Entende-se por produto industrializado aquele que foi submetido a qualquer tipo de operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, aperfeiçoando-o para o consumo. III) A não cumulatividade, um dos traços mais característicos do desenho constitucional do IPI, consiste em um direito subjetivo garantido ao contribuinte, que não pode ser restringido ou afastado. IV) Como, geralmente, a industrialização de produtos envolve diversas matérias-primas, além de produtos intermediários, a não-cumulatividade consiste na dedução do imposto devido, pelo o produto acabado, do imposto incidente sobre as matérias-primas e produtos intermediários que foram utilizados na industrialização daquele produto final. V) A não-cumulatividade tributária impõe a adoção de um sistema de compensação.Dispõe a Carta Magna que deverá haver “compensação” entre o valor do imposto devido em cada operação com o montante do mesmo imposto cobrado nas operações anteriores. VI) A CF estabelece que o IPI  será não-cumulativo compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.A expressão “montante cobrado” utilizada no texto constitucional não deve ser interpretada no sentido literal de que só se pode compensar com o IPI devido importância igual a montantes de IPI efetivamente cobrados e pagos em operações, sobre o mesmo produto.A expressão “montante cobrado” deve ser entendida como montante devido à operação anterior, abrangendo assim os casos em que não há cobrança nem pagamento. VII) As restrições constitucionais ao princípio da não-cumulatividade só alcançam o imposto estadual – ICMS – não acarretando prejuízo quanto aos créditos de IPI. Claro está que inexiste qualquer possibilidade de outras restrições ao exercício do direito ao crédito, pois se essa fosse a intenção do legislador constituinte, teria o feito, como assim fez em relação ao ICMS. VIII) Entre as várias questões decorrentes da não-cumulatividade que ensejam inúmeros atritos na relação Fisco-Contribuintde, existe a que se refere ao direito ao crédito de IPI relativo à industrialização de produtos quando se há a desoneração em uma das operações de industrialização, ou seja, questões relacionadas ao crédito do IPI quando a exoneração diz respeito à entrada de insumos e questões relativas à aquisição de insumos tributados empregados em produtos em cuja saídas ocorre exoneração do imposto. IX) Existem quatro formas de desoneração tributária: imunidade, isenção, não incidência e alíquota zero. Se considerar apenas o resultado prático, pode se afirmar que existe identidade entre essas principais formas de desoneração, porque de qualquer dessas figuras jurídicas decorre a exoneração do tributo, vale dizer, o não ser afinal devido o tributo. X) Em que pese o precedente judicial do Supremo Tribunal Federal ter fixado novo posicionamento quanto ao creditamento do IPI em operações cuja entrada de produtos tenha sido beneficiada pela isenção, alíquota zero, ou não tributação, o entendimento mais coerente, contraria tal posicionamento, tendo em vista a defesa do princípio da não-cumulatividade no âmbito dos produtos industrializados, conforme entendimento propugnado no RE 212-484-2/RS (antigo precedente que confirmou a necessidade do creditamento do IPI em casos de produtos intercorrentes sujeitos à exonerações tributárias).
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RICMS/CE e o novo regulamento da SEFAZ/CE. Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico no processo disciplinar: resolução da anti-nomia de segundo grau à luz da casuística da administração tributária
O presente artigo aborda o tema da antinomia de segundo grau entre o critério especial e o cronológico, em que uma norma especial anterior conflita com uma norma geral posterior. De um lado, como norma especial anterior, encontra-se o art. 871, § 3º, II, do Decreto Estadual nº 24.569/97 (RICMS/CE); do outro, temos o art. 11, VIII, 1ª parte, do Anexo I ao Decreto nº 31.603/14 (Regulamento da SEFAZ/CE), como norma geral posterior.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É conhecida a lição de Norberto Bobbio acerca dos três critérios para a resolução de antinomias normativas: o cronológico, o hierárquico e o de especialidade. Menos comentada é a sua reflexão sobre a insuficiência desses critérios na solução do problema relativo à antinomia de segundo grau. Segundo Maria Helena Diniz (2014, p. 63), ter-se-á antinomia de antinomias ou antinomia de segundo grau quando houver conflito entre os próprios critérios: hierárquico e cronológico; de especialidade e cronológico; e hierárquico e de especialidade. 1 CONFLITO ENTRE O CRITÉRIO HIERÁRQUICO E O DE ESPECIALIDADE Inicialmente, convém enfrentar a questão do conflito entre o art. 211 da Lei nº 9.826/741 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Ceará), como norma superior-geral, e o art. 871, § 2º, do RICMS/CE2, norma inferior especial. Aqui temos uma antinomia de segundo grau entre o critério hierárquico e o de especialidade. Problema prático reside em saber qual a solução para a antinomia aparente entre o art. 211 do Estatuto (dispondo que o procedimento disciplinar será realizado por Comissões Permanentes) e o art. 871, § 2º, do RICMS/CE (que cuida de procedimento disciplinar realizado por comissão formada após a ocorrência do fato, nas situações de desídia, abuso de autoridade ou manifesta inobservância às normas legais, quando da constituição de crédito tributário por meio de lançamento cujo auto de infração vem a ser julgado nulo). Na lição de Bobbio (apud DINIZ, 2014, p. 64 e 65), o critério hierárquico, teoricamente, tem supremacia sobre o de especialidade. Essa prevalência se justificaria para evitar o risco de esvaziamento dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, caso se admitisse, por exemplo, que uma lei ordinária especial pudesse derrogar uma norma constitucional. Em rigor, não se estabelece, a priori, um metacritério ou metarregra para solucionar essa antinomia aparente de segundo grau. Na prática, necessidades de se adaptar uma Constituição poderiam levar a que uma lei ordinária especial fosse aplicada sobre a norma constitucional, com o critério especial sobressaindo ao hierárquico. Como solução, deve-se optar, no caso, pelo critério hierárquico, aplicando-se a previsão do art. 211 do Estatuto preferencialmente ao art. 871, § 2º, do RICMS/CE, de modo que o regime de comissões permanentes seja estendido à casuística do Decreto nº 24.569/97. É que a eventual supremacia do critério de especialidade levaria ao esvaziamento do princípio fundamental da proibição de tribunal de exceção, de assento constitucional (art. 5º, XXXVII, CF/883). Conjugado com o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII, CF/88 – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”), o princípio da proibição da existência de tribunais de exceção afasta qualquer hipótese de decisão arbitrária, garantindo que ninguém possa ser processado ou julgado por órgão instituído após a ocorrência do fato. Nesse sentido, Romeu Felipe Bacellar Filho (2012, p. 394 e 395) aponta que “a anterioridade da previsão da competência tem por fim evitar a escolha de uma autoridade por motivos subjetivos ou relacionados ao fato em concreto”4. Aplicado no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar, o princípio da proibição de tribunal de exceção veda o direcionamento de autoridades disciplinares na condução dos trabalhos apuratórios (DEZAN, 2010, p. 126). Com efeito, pelo princípio da proibição de tribunal de exceção, o servidor público tem o direito de conhecer, previamente ao cometimento de eventual infração disciplinar, a autoridade que instruirá o processo administrativo em que acusado. Portanto, esse princípio fundamental estaria destinado a perder seu conteúdo se fosse admitido ao decreto especial (art. 871, § 2º, RICMS/CE) prevalecer sobre lei geral (art. 211 do Estatuto). Como o Estatuto elencou que os procedimentos apuratórios ficarão a cargo de comissão pré-constituída (permanente), a Administração fica impedida de formar colegiado ad hoc (pós-fato) para a sindicância prevista no art. 871, § 2º, RICMS/CE, sob pena de ofensa ao princípio da proibição de tribunal de exceção e nulidade dos trabalhos (DEZAN, 2010, p. 126). A ausência de especialização da comissão de sindicância indicada nos termos do art. 871, § 2º, RICMS/CE, traduz-se em insegurança jurídica nos procedimentos disciplinares, com risco de contaminação dos atos processuais. 2 CONFLITO ENTRE O CRITÉRIO DE ESPECIALIDADE E O CRONOLÓGICO Tema central do presente trabalho, cumpre discorrer acerca do conflito aparente entre a previsão do art. 871, § 3º, II, do RICMS/CE5, norma especial anterior, e, de outro lado, a disposição constante do art. 11, VIII, 1ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE6, norma geral posterior. Na doutrina, constata-se uma preponderância do critério de especialidade sobre o cronológico, mas sem caráter absoluto (DINIZ, 2014, p. 64). O Regulamento da SEFAZ/CE estabeleceu que compete à Corregedoria propor a realização de sindicância no âmbito do órgão, diferentemente da sistemática do RICMS/CE, da qual se extrai que a Coordenadoria de Administração Tributária (CATRI) proporá a realização de sindicância, nas situações de desídia, abuso de autoridade ou manifesta inobservância às normas legais, quando da constituição de crédito tributário por meio de lançamento cujo auto de infração vem a ser julgado nulo. Pelas circunstâncias presentes, o critério cronológico é dominante em relação ao de especialidade. Explico. O fato de a matéria prevista no art. 871, § 3º, II, ter sido incluída no RICMS/CE não significa necessariamente que essa matéria (compete à CATRI propor sindicância) seja substancialmente especial. Tem-se uma especialidade meramente formal, mas não uma especialidade substancial7. Em outras palavras, não há razões de especialidade substancial que justifiquem esse “regime disciplinar especial” estabelecido no RICMS/CE, de forma que a solução trazida pelo Regulamento da SEFAZ/CE, de concentrar na Corregedoria a atribuição de propor a realização de sindicância, afasta não só da CATRI, mas das demais unidades administrativas do órgão, a apreciação da necessidade ou não de sindicância. O que os titulares dessas repartições devem, sim, é encaminhar à Corregedoria as notícias de possíveis irregularidades funcionais que tenham ciência no exercício dos respectivos cargos públicos, por força do art. 12 do Anexo Único ao Decreto nº 24.544/97 (Regulamento da Corregedoria da SEFAZ/CE8). Esclareça-se, uma vez mais, que a SEFAZ/CE dispõe, por norma específica (Regulamento da Corregedoria), de unidade especializada na matéria disciplinar, dotada de competência exclusiva para o assunto correcional. Essa especificidade do papel da Corregedoria visa a uma maior qualificação, especialização, isenção, imparcialidade e eficiência no exercício da competência disciplinar9.  “[…] em tais órgãos, este dever de apurar as supostas irregularidades é deslocado exclusivamente para a unidade especializada, que não mantém qualquer vinculação com a unidade de lotação do representado ou de ocorrência do fato. Este regramento específico, quando existente nos órgãos dotados de maior especialização na matéria disciplinar, afasta a regra geral […] de o dever de apurar as supostas irregularidades  […] ser cumprido em relação de proximidade em referência tanto ao representado quanto ao local dos fatos. Os titulares das demais unidades do órgão não tem competência para apreciar representações ou denúncias de natureza disciplinar e muito menos para instaurar processo administrativo disciplinar, devendo encaminhar à unidade correcional as notícias de supostas irregularidades”. (grifo nosso) Ao dispor que compete à Corregedoria propor a realização de sindicância, o Regulamento da SEFAZ/CE nada mais fez do que deslocar exclusivamente para a unidade especializada a atribuição de apreciar as notícias de irregularidades e de instaurar a instância disciplinar, garantindo objetividade ao processamento pela autoridade competente. Com efeito, a SEFAZ/CE possui seu órgão oficial responsável pela persecução disciplinar pré-processual e processual. Sandro Lucio Dezan (2010, p. 157) comenta o princípio da autoritariedade: “O Direito Administrativo Disciplinar é permeado pelo princípio da autoritariedade, consubstanciado na necessidade de os atos disciplinares serem elaborados, editados, por autoridade administrativa, investida de parcela do poder disciplinar. Assim, têm-se autoridades (i) com atribuição de instauração do procedimento apuratório, ii) com atribuição de instrução desse procedimento, bem como autoridades (iii) com poder de decisão e (iv) revisão dessa decisão”. (grifo nosso)  Corolário dos princípios da oficialidade e da autoritariedade (DEZAN, 2010, p. 157 e 158), “[…] o princípio da autoridade natural prescreve que somente a autoridade competente, ou seja, com atribuição legal, pode dar início, desenvolvimento, conclusão e julgamento aos procedimentos disciplinares. […] Entendendo-se o processo como sendo também o desenvolvido em sede de Administração Pública, para a apuração disciplinar […], o princípio da autoridade natural tem plena aplicabilidade em sede de Direito Disciplinar”. (grifo nosso) A SEFAZ/CE, por meio do poder regulamentar (função administrativa normativa do Chefe do Poder Executivo), estipulou a figura do Corregedor como autoridade competente para a instauração de sindicância. Realmente, o Corregedor está previsto no art. 9º do Regulamento da Corregedoria10 como responsável pela emissão de juízo (de admissibilidade) crítico no processo, garantindo-se, assim, maior efetividade ao princípio do juiz natural. Carlos Augusto Silva (apud ROZA, 2012, p. 78), ensina que, no aspecto material do princípio do juiz natural, devem ser alcançados os objetivos da imparcialidade e da independência. Nesse sentido, o art. 3º do Regulamento da Corregedoria dispõe que o Corregedor, embora indicado pelo Secretário da Fazenda, deve ser nomeado pelo Chefe do Poder Executivo. Constata-se um maior grau de imparcialidade na disposição de que a Corregedoria não mantém qualquer vinculação com a unidade de ocorrência do fato. Afasta-se, com isso, a “aderência emocional, quase sempre verificada, no âmbito da unidade administrativa em que tem exercício o servidor acusado” (BACELLAR FILHO, 2012, p. 440). Esta é uma evidência inquestionável de vedação às autoridades da CATRI para assumirem atribuição de propor sindicância, estranha à sua competência normal delimitada no art. 13 do Regulamento da SEFAZ/CE11. Acrescente-se que, por força do Poder hierárquico, o Secretário da Fazenda, autoridade máxima do órgão, o Secretário Adjunto da Fazenda e o Secretário Executivo, aos quais se subordina o Corregedor, poderão exercer concorrentemente a competência para instauração de sindicância. Afinal, justifica-se racionalmente o tratamento diferenciado estabelecido pelo art. 871, § 3º, II, do RICMS/CE? Não é viável, no Processo Disciplinar, aplicar uma regra específica como a do RICMS/CE, quando se tem uma norma geral posterior (Regulamento da SEFAZ/CE) que alterou o procedimento, mais especificamente o exame de admissibilidade (justa causa) das denúncias ou representações, de forma a prestigiar o devido processo legal, concentrando a análise no órgão especializado na atividade disciplinar. Seria afrontoso à igualdade estabelecer que o exame de eventuais transgressões disciplinares no âmbito da SEFAZ/CE caberia à Corregedoria, como unidade especializada na matéria correcional, e, a um só tempo, subtrair desse mesmo órgão a competência de propor a realização de sindicância no contexto do art. 871, § 3º, II, RICMS. Tal não nos parece razoável. A fim de preservar a convivência entre o RICMS/CE e o Regulamento da SEFAZ/CE, propõe-se a teoria do Diálogo das Fontes, preconizada, no Brasil, por Cláudia Lima Marques, citada por Tiago Bitencourt De David12, para se chegar à finalidade pretendida por ambas as normas, que é a de prestigiar o devido processo legal. Promovendo o diálogo entre as normas, tem-se que o art. 11, VIII, 1ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE, como norma geral mais benéfica por amplificar as garantias processuais dos acusados em procedimento disciplinar, prefere à norma especial do art. 871, § 3º, II, RICMS/CE, a qual merece, portanto, releitura. Preserva-se, assim, a coerência do sistema normativo. A competência de propor a realização de sindicância, concentrada em unidade especializada na matéria disciplinar, valoriza, igualmente, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, na medida em que a especificidade do papel da Corregedoria visa à maior qualificação, especialização, isenção, imparcialidade e eficiência no exercício da competência disciplinar. Para Romeu Felipe Bacellar Filho (2012, p. 420), a “imparcialidade é condição de capacidade subjetiva da autoridade que emite juízo na relação processual.” Expressando essa preocupação, o Regulamento da Corregedoria13, nos arts. 3º, 5º e 15, trouxe garantias funcionais, se bem que tímidas, compatíveis com o princípio do juiz natural, exigindo nível superior para a função de Corregedor, preferencialmente bacharel em Direito, que os servidores componentes das Comissões de Sindicância também tenham nível superior e reputação ilibada, além de reconhecida idoneidade moral e capacidade para a função. A observância do requisito da estabilidade na formação dos colegiados consta dos arts. 209, § 3º, e 212 do Estatuto14. A lotação própria dos servidores em exercício na Corregedoria, precipuamente compondo as comissões designadas, como garantia ligada ao princípio do impulso oficial, objetiva a “melhor solução da pendência no menor tempo possível [eficiência], a fim de, decidindo a vida funcional do servidor, liberá-lo do desagradável estigma de acusado” (BACELLAR FILHO, 2012, p. 426). Romeu Felipe Bacellar Filho (2012, p. 223) assinala que o princípio constitucional da eficiência, no processo administrativo disciplinar, “é o fundamento de um sistema racional de distribuição de competência na administração pública”. A racionalização das competências administrativas representa “um comando imprescindível para o adequado cumprimento dos princípios constitucionais da administração pública e, sobretudo, da garantia constitucional do juiz natural”. Na fase pré-processual da persecução disciplinar, o juízo de admissibilidade deve ser realizado de igual modo, sem diversidade ritualística, reafirmando-se a força normativa da Constituição com a amplificação das garantias processuais dos acusados em procedimento disciplinar. Reputar legítimo que a CATRI possa, em procedimento isolado, propor sindicância configura medida que resulta no impedimento do exercício da competência disciplinar pela Corregedoria. Por outro lado, submeter o exame de eventuais transgressões disciplinares à unidade específica do sistema de correição é providência encontrada, inclusive, no art. 19, § 4º, II, do Decreto nº 29.887/0915, que instituiu o Sistema de Ética do Poder Executivo Estadual, a demonstrar, inequivocamente, a coerência do sistema normativo. Diante disso, forçoso admitir que a delegação à CATRI da competência de propor sindicância, disposta no art. 871, § 3º, II, RICMS/CE, resultou no amesquinhamento dos princípios da razoabilidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e eficiência, explícitos no art. 2º da Lei Federal nº 9.784/99, aplicada nesse ponto a todos os entes federados. Viável, portanto, a harmonização que reafirma o apreço ao devido processo legal, de forma a evitar falha lógica do sistema normativo, afastando-se, no presente caso, a preponderância do critério de especialidade, com a conclusão de que a Corregedoria detém competência exclusiva para propor sindicância. 3 CONFLITO ENTRE O CRITÉRIO HIERÁRQUICO E O CRONOLÓGICO Por fim, aproveitamos o ensejo para comentar a aparente contradição existente entre o art. 202, IV, do Estatuto16, norma anterior superior, frente ao art. 11, VIII, 2ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE17, norma posterior inferior. Para delimitar a discussão, tem-se que o art. 202, IV, do Estatuto, consagra que são competentes para aplicação das sanções disciplinares, de repreensão ou suspensão até trinta dias, os chefes de unidades administrativas em geral, enquanto que o art. 11, VIII, 2ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE, limitou à Corregedoria recomendar a aplicação das penalidades cabíveis, num grave recuo à sua autonomia técnica, necessária ao bom desempenho da competência disciplinar. Aqui o confronto verifica-se entre o critério hierárquico e o cronológico, impondo-se o prevalecimento do critério hierárquico por ser mais forte que o cronológico. Decerto, não se aplica o critério cronológico quando a norma posterior for inferior à norma anterior, do contrário o critério hierárquico seria totalmente inefetivo. Aliás, a hierarquia revela-se dominante nas antinomias de segundo grau18. Observa Maria Helena Diniz (2014, p. 64), “[…] Prevalecerá, portanto, o critério hierárquico, por ser mais forte que o cronológico, visto que a competência se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo, e, além disso, a aplicação do critério cronológico sofre uma limitação por não ser absoluta, já que esse critério só será válido para normas que se encontram no mesmo nível.” (grifo nosso) Ora, como defender que a Corregedoria, unidade especializada na matéria correcional, apenas sugere, em sede de sindicância acusatória (devido processo legal), a aplicação das sanções disciplinares de repreensão ou suspensão de até trinta dias, se o Estatuto encontra-se numa posição hierárquica superior ao Regulamento da SEFAZ/CE? Repita-se: as normas não estão no mesmo nível. A toda evidência, o art. 6º, IX, 2ª parte, do Regulamento da Corregedoria19, consagra ao Corregedor a competência de aplicar as penalidades cabíveis, em consonância com o aludido comando do art. 202, IV, do Estatuto (coerência do sistema normativo). Portanto, em relação à sindicância como procedimento disciplinar, quem decide ao final é o Corregedor, por ser a autoridade determinada na forma do respectivo regulamento, sem prejuízo da competência decisória do Secretário da Fazenda, agente político de maior hierarquia no órgão, do Secretário Adjunto da Fazenda e do Secretário Executivo. Reconhece-se alguma inconveniência no fato de o agente acusador encarregar-se da decisão final do processo. Entretanto, o art. 209, § 6º, do Estatuto20, deixa aberta a possibilidade de a autoridade instauradora da sindicância proferir julgamento. CONCLUSÃO Na solução do conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, aplica-se o art. 211 do Estatuto preferencialmente ao art. 871, § 2º, do RICMS/CE, para se evitar o esvaziamento do princípio da proibição de tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF/88). Com relação à delegação à CATRI da competência de propor sindicância, disposta no art. 871, § 3º, II, RICMS/CE, é viável a harmonização que reafirma o apreço ao devido processo legal, afastando-se, no presente caso, a preponderância do critério de especialidade, com a conclusão de que a Corregedoria detém competência exclusiva para propor sindicância, nos termos do art. 11, VIII, 1ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE, norma geral posterior. E no caso da antinomia entre o artigo 202, IV, do Estatuto, frente ao artigo 11, VIII, 2ª parte, do Regulamento da SEFAZ/CE, impõe-se o prevalecimento do critério hierárquico, consagrando-se ao Corregedor a competência de aplicar as penalidades cabíveis. Arrematamos com uma reflexão: o rebaixamento institucional dos órgãos de Corregedoria sinaliza para a sociedade que o enfrentamento à corrupção não é uma prioridade.
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A responsabilidade tributária dos sócios à luz do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional
O presente trabalho tem por objetivo discutir os parâmetros das normas de responsabilidade tributária, para que haja o desenvolvimento do aspecto do redirecionamento da execução fiscal, nos termos do Art. 135, III do Código Tributário Nacional, bem como para que se conclua sobre a responsabilização do sócio-gerente pelos débitos tributários da sociedade, quando não localizada esta ou inexistentes bens de sua propriedade e assim solucionar estruturar posicionamentos sobre o tema. Assim, será colocado em pauta o estudo sobre a espécie de responsabilidade dos diretores e gerentes das sociedades, se pessoalmente ou solidariamente, subsidiariamente ou exclusivamente, diante da análise de seus atos se praticados por meio de infração à lei, excesso de poderes, desobediência ao estatuto ou contrato social. Por derradeiro, haverá a verificação da posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, entre outros tribunais no sentido da possibilidade de viabilização da aplicação da responsabilização dos administradores de pessoas jurídicas de Direito Privado.
Direito Tributário
introdução Trata-se de tema de Responsabilidade Tributária dos sócios com poderes de gerência, que apresenta diversas interpretações, principalmente nos casos de dissolução irregular da sociedade, por conta da falta de previsão detalhada do termo “responsabilidade pessoal” adotado no Art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional, que dispõe que são pessoalmente responsáveis pelos valores que correspondem a obrigações tributárias que resultam de atos praticados com excesso de poderes ou infringência à lei, estatuto ou contrato social, especificamente em seu inciso III, os diretores, gerentes, e os representantes de Pessoa Jurídica de Direito Privado. Assim, a grande quantidade de julgados revela a relevância do assunto e seus reflexos nos casos de redirecionamento das execuções fiscais contra pessoas jurídicas que se enquadram na situação descrita, analisando-se assim, qual a natureza jurídica e a espécie de responsabilidade é adotada pelos respeitáveis tribunais brasileiros. 1. dos atos que geram a responsabilização dos gerentes, diretores ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado  Inicialmente, para que haja a análise sobre a responsabilização pessoal, devem ser estudados os atos praticados pelos gerentes, diretores ou dos representantes das pessoas jurídicas de Direito Privado, que são aquelas descritas no Art. 135, III, do Código Tributário Nacional, conforme segue: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” 1.1 da comprovação do excesso de poderes ou infração à lei Conforme posicionamento doutrinário e jurisprudencial, a exemplo do Recurso Especial 1.101.728/SP, cujo relator foi o Ministro Teori Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, “Somente a existência de dolo no inadimplemento da obrigação configura infração legal necessária à efetivação da responsabilidade do sócio.”  No entanto, em melhor análise, para haver caracterização de infração à lei, como no caso de dissolução irregular, deve haver a presunção do abandono, inoperância ou não localização do endereço indicado pela Pessoa Jurídica como sendo seu domicílio tributário ao poder público competente, ou na Junta comercial, tendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidado o entendimento de que considera-se indício de dissolução irregular a certidão que é emitida pelo Oficial de Justiça constando que a empresa não exerce mais no local suas atividades (Recurso Especial 1.217.705/AC, 2ª turma, Relator Ministro Herman Benjamin). Nesse diapasão, reza a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”  Porém, não é todo e qualquer ato contrário ao ordenamento jurídico que resta considerado como infração à lei, pois não seria justo responsabilizar diretamente os administradores sem critérios certos, sendo que algumas condutas não se enquadram como desrespeito ao exercício da gestão societária, existindo assim em consequência de seu exercício administrativo, portanto a caracterização do desrespeito à determinada lei de trânsito, por exemplo, em tese não se caracteriza como parte do Artigo 135 do Código Tributário Nacional.  Relevante ressaltar que a responsabilidade pessoal dos sócios realmente reside na série de infrações ou irregularidades praticadas durante o procedimento de dissolução irregular e em consequência somente serão responsabilizados os sócios que se envolveram em irregularidades. Isso se dá pelo fato de que não é por simplesmente ser sócio de Pessoa Jurídica será responsabilizado e sim por sua conduta irregular no procedimento utilizado para a dissolução da sociedade.  Outrossim, haverá injustiça se o indivíduo que não mais fazia parte dos quadros da sociedade à época da dissolução irregular for responsabilizado pessoalmente, ressalvando-se os casos de fraude ou tendo praticado o ato irregular. Ressalta-se que há jurisprudência dominante dos tribunais no sentido de que não se revela motivo para haver a responsabilidade pessoal apenas o simples inadimplemento, pois configuraria infração às normas de Direito.  Insta salientar que a atuação de maneira contrária ao previsto no texto contratual, nos casos de infração do contrato social ou do estatuto da empresa, concluem a caracterizar atos que causam a responsabilização, tendo em vista a realização dolosa dos mesmos em respectivos acontecimentos. Assim, havendo na hipótese uma situação de insolvência, os sócios devem dar início ao procedimento inicial adequado, de acordo com o previsto em seu estatuto social ou contrato, sob pena de serem responsabilizados por mencionados atos irregulares. Importante enfatizar o conteúdo da Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, que presume a dissolução irregular da empresa, quando esta deixa de funcionar no domicílio fiscal comunicado ao Poder Público, sendo seu conteúdo citado em diversos julgados, a exemplo da recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo na Agravo de Instrumento nº 2027690-48.2015.8.26.0000, que presume a sua dissolução irregular, permitindo assim o redirecionamento da Execução Fiscal: “AGRAVO EXECUÇÃO FISCAL de ISS de 2005 e 2006 Município de Mogi das Cruzes – Redirecionamento da execução contra sócios com poder de gerência – Cabimento, pois configurado o encerramento irregular da empresa, conforme súmula 435 do c. STJ – RECURSO IMPROVIDO”.  Entretanto, diferentemente do decidido, apenas a alteração da estrutura social, realizada nos trâmites legais, não infringe o previsto na lei ou cláusulas contratuais, não havendo fundamentação para haver a responsabilização pessoal do Art. 135, inciso III, do CTN, apenas sendo responsáveis os que detinham os poderes na época de dissolução irregular, sendo diretamente ligados a possíveis fraudes perpetradas, justificando assim o redirecionamento da Execução fiscal contra referidos sócios.  Importante registrar, por oportuno, conhecido debate doutrinário a respeito do pedido de falência dos sócios, mantendo-se o Superior Tribunal de Justiça dentro da acepção de que deverão ser apreciadas as provas dos atos mencionados no Artigo 135 do CTN, a exemplo do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 894.143-RS, cujo relator foi o ministro Humberto Martins, cuja ementa segue: “TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO-GERENTE – REDIRECIONAMENTO – ALEGAÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – TRIBUNAL DE ORIGEM DECIDIU PELA FALTA DE COMPROVAÇÃO DE IRREGULARIDADE – INCIDÊNCIA DO VERBETE 07 DA SÚMULA DO STJ. 1. A controvérsia essencial dos autos restringe-se à responsabilidade fiscal dos sócios, com fundamento no art. 135 do CTN; motivo pelo qual o ônus probatório, para demonstrar a ocorrência das hipóteses ensejadoras do redirecionamento, recai sobre a Fazenda Pública. 2. No mérito, é entendimento assente no STJ de que o redirecionamento da execução para o sócio-gerente só é possível quando houver comprovação do abuso do poder ou infringência à lei, ao contrato social ou ao estatuto, a teor do que dispõe a lei tributária. (art. 135 do Código Tributário Nacional) 3. No caso, o acórdão a quo entendeu inexistir comprovação do exercício de gerência pelo recorrido. Verificar se ocorreu ou não a hipótese é adentrar na matéria fática probante dos autos. Incide, na espécie, o enunciado 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental improvido.”  Reza no mesmo sentido a decisão no Acórdão11335 SP 2000.03.99.0113356, cujo julgamento ocorreu em 19 de agosto de 2011, e o Relator foi Nelson Porfírio, que decidiu no sentido de que os sócios-gerentes, representantes da pessoa jurídica e diretores tem responsabilidade pessoal pelos créditos tributários da empresa nos casos de atos praticados com infração de lei ou excesso de poderes, do contrato social ou estatuto, conforme o artigo 135, III do Código Tributário Nacional.  Portanto, deve-se enfatizar que a dissolução feita irregularmente pela Pessoa Jurídica não configura, somente por sua existência a hipótese de responsabilidade tributária inédita e sim uma infração à lei, conforme a previsão do Artigo 135, inciso III, do CTN e jurisprudência majoritária, e, além disso, o administrador será responsabilizado em decorrência desse ato ilícito, tendo em vista que causa prejuízo ao erário, pois deixa de adimplir os tributos devidamente inscritos em dívida ativa. 1.1.1 A EXECUÇÃO FISCAL E A RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DOS SÓCIOS  Em vista do disposto na Lei 6830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, e também no último caso, é possível a responsabilização do sócio por dívida tributária da sociedade com base na legislação civil, citando-se como referência o Enunciado 59, da primeira jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal, tendo como conclusão que os sócios-gestores e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má-gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os artigos 990, 1009, 1016, 1017 e 1091, todos do Código Civil. Além do mais, conforme já dito, a realização de conduta abusiva, ilegal ou fraudulenta por parte do sócio é o que define a responsabilidade pessoal nas execuções fiscais por dívidas não tributárias, sendo que a dissolução irregular por si já descumpre a legislação e, sendo assim haverá a presunção de fraude contra credores, e será satisfatório para que se responsabilize os sócios descritos. Assim, o elemento essencial para a caracterização da responsabilidade pessoal é a existência de dolo comprovado do administrador ou sócio-gerente, tendo praticado com a intenção de fraudar e prejudicar o fisco ou terceiros. 2. DA NATUREZA JURÍDICA E DA ESPÉCIE DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA CONFORME A PREVISÃO DO ARTIGO 135 DO CTN E AS TESES DOUTRINÁRIAS  A natureza jurídica da responsabilidade prevista no artigo 135 do CTN reside na caracterização do tipo de responsabilidade prevista pelo legislador. Assim, em seu sentido ampliativo vai ao encontro da esfera jurídica, referindo-se aos seus bens ou patrimônio por motivo do descumprimento de algum ato normativo, caracterizada como sujeição passiva indireta. O Código tributário Nacional brasileiro prevê em seus artigos dois tipos de responsabilidade, que significa a sujeição passiva indireta, a por substituição e por transferência, que é brilhantemente explicitada pelo ilustre doutrinador Eduardo Sabbag, referindo-se que na substituição tributária um terceiro ingressa no lugar do contribuinte antes sequer da ocorrência do fato gerador, não restando a este qualquer obrigação e na por transferência outra pessoa, indicado por lei, que não fazia parte da relação obrigacional tributária ingressa no lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador por motivo de algum acontecimento que transfere o dever tributário.  Assim, conforme entendimento doutrinário, a exemplo de Gomes de Souza, citada responsabilidade por transferência se subdivide em solidária, por sucessão e em sentido estrito, sendo até hoje aceita pela doutrina apenas acrescentando a responsabilidade subsidiária. Essa divisão revela-se de suma importância para a classificação da responsabilidade do sócio-gerente da sociedade.  Impende realçar que a natureza jurídica da responsabilidade tributária divide-se em dois entendimentos. Na primeira acepção afirma-se que tem natureza civil, descrevendo que a responsabilidade nasce apenas após o lançamento, ou seja, depois da constituição do crédito tributário, tendo natureza civil punitiva, defendendo que o responsável não manifesta sua capacidade contributiva, bem como atribui ao sujeito que cometeu o ato ilícito, a responsabilidade pelo seu cumprimento, caracterizando-se como consequência um dever obrigacional para as partes envolvidas. Paulo De Barros Carvalho entende que a natureza jurídica da responsabilidade é tributária, nos casos em que o responsável participa pelo menos de forma indireta no fato gerador, como exemplo a do artigo 134, II, do CTN, a dos tutores e curadores, pelos tributos devidos pelos seus curatelados e tutelados.  A responsabilidade tributária solidária caracteriza-se pela sujeição passiva do contribuinte originário e abrange as pessoas mencionadas no artigo 135 de referido diploma legal.  Maria Rita Ferragut defende que nessas hipóteses o terceiro é responsabilizado individualmente pelos atos ilícitos praticados com excesso de poderes e é retirada da pessoa jurídica a responsabilização sobre qualquer obrigação, defendendo a sua natureza pessoal, no sentido de exclusividade e não de subsidiariedade ou solidariedade.  Luciano Amaro, conhecido tributarista aduz que a responsabilidade do artigo 135 se dá por substituição, pois exclui do polo passivo o contribuinte, ressaltando que a responsabilidade pessoal nesses casos deve ter o mesmo sentido, não sendo ampliada ao devedor original, concluindo não tratar-se de responsabilidade subsidiária ou solidária, mas sim pessoal de terceiro.  No mesmo sentido, o autor Ives Gandra da Silva Martins afirma que a responsabilidade dos sócios-gerentes, quando agem em nome da pessoa jurídica, exclui a responsabilização das mesmas, entendendo que as pessoas físicas dos sócios excluem a das jurídicas.  Citado tributarista Paulo de Barros Carvalho defende sob a mesma óptica a responsabilização do artigo 135 no sentido de sanção administrativa, sendo distantes do fato tributado para este a sua finalidade, referindo-se nos seguintes termos pelo qual o entendimento é no sentido de que as relações jurídicas integradas por sujeitos passivos alheios ao fato tributado possuem a natureza de sanção administrativa.”  Na posição de Aliomar Baleeiro, há a transferência tributária do débito original existindo de início como sendo do contribuinte, mas sendo passado para o substituto, caracterizando-se como o responsável, agindo este contra os mandamentos societários previstos nas normas.  Por derradeiro, importante doutrinador, Hugo de Brito Machado defende a posição que diz que a responsabilidade do artigo 135 vai no sentido do posicionamento de que os sócios deixam de responder apenas quando impossível de se exigir o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, sendo responsáveis solidários.  Para melhor esclarecimento do tema, o exemplo utilizado por Maria Rita Ferragut é do que adquire um imóvel que possui débitos tributários de imposto predial e territorial urbano, restando que a responsabilidade neste caso provém simplesmente da realização do negócio jurídico (compra e venda de imóvel) com indivíduo que infringiu comando legal.  Em melhor entendimento, apesar de manifesta divergência doutrinária, a posição mais acertada revela-se a que afirma ter a responsabilidade natureza jurídica tributária, pois possibilita àquele que não realizou o fato gerador, mas precisa ser responsabilizado por sua conduta irregular praticada ou pela omissão diante de um fato, por sanção ou garantia do pagamento dos débitos como finalidade.  Assim, mencionado fato que gera a responsabilidade não pode ser considerado como o que não faz parte do direito tributário, tendo em vista que normalmente será de extrema relevância para esse ramo do direito. 2.1 A TEORIA OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA RESPONSABILIDADE DO ARTIGO 135 DO CTN  A teoria mais antiga defendia que a responsabilidade do artigo 135 do CTN era do tipo objetiva e solidária entre o sócio-gerente ou administrador e a pessoa jurídica contribuinte, devendo estes serem responsabilizados pela simples falta de pagamento do tributo devido da empresa em que atua. A conclusão decorria de que o interesse econômico de ambos seria o mesmo e que acarretaria o ilícito apenas o inadimplemento da obrigação tributária. 2.2 TEORIA DA RESPONSABILIDADE PESSOAL OU POR SUBSTITUIÇÃO  Referida teoria entende que a obrigação tributária surge de plano para a pessoa diferente da sociedade contribuinte, partindo do pressuposto de que o termo pessoal descrito no artigo 135 do CTN significa que essa responsabilidade refere-se ao terceiro, ou seja, ao sócio-gerente ou administrador da sociedade diretamente, sendo, na posição do professor Eduardo Sabbag o contribuinte a vítima dos atos abusivos realizados pelos que o representam.  Sendo assim, com base doutrinária, enquanto no Código tributário nacional a hipótese de incidência reside na falta de pagamento a obrigação principal, em consequência de atos praticados pelos sócios administradores por excesso de poderes ou infração da lei, no Direito privado, especialmente no artigo 50 do código civil, que prevê a desconsideração da personalidade jurídica, a diferença reside no fato de que esta é realizada para atingir os bens dos sócios e a primeira para substituir o contribuinte originário. Assim, Justen Filho confirma em sua doutrina que o artigo 135 do CTN aplica-se na responsabilidade por obrigações tributárias realizadas com infração normativa, equivalendo a uma flexibilização da autonomia da pessoa jurídica, enquanto o caso do artigo 50 do código civil abrange todas as situações de abuso e faculta a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. 2.3 TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E PRINCIPAL  Nesta teoria, a responsabilização do sócio ou administrador somente ocorre, se não existe patrimônio suficiente da pessoa Jurídica de saldar a dívida tributária, consoante tenha agido com excesso de poderes ou infração da lei, tornando possível o redirecionamento da execução fiscal quando da comprovação dos atos praticados previstos no artigo 135 do CTN. 2.4 POSICIONAMENTO PREVALENTE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES  Em análise da maioria das decisões jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal determina que a execução fiscal possa ser redirecionada também contra o responsável tributário, mesmo não fazendo parte do processo administrativo prévio, mas realizando algum dos atos ilícitos previstos no artigo 135 do CTN. Assim, o Recurso Extraordinário 107322 assim dispôs, conforme segue a ementa: “EXECUÇÃO FISCAL. BENS PARTICULARES DE SOCIO DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. NÃO SE EXIGE A INSCRIÇÃO DO NOME DO SOCIO-GERENTE, OU RESPONSÁVEL PARA QUE CONTRA ELE SE EXERCA A AÇÃO FISCAL. MAS SÓ SE ADMITE A RESPONSABILIDADE DO SOCIO-GERENTE OU RESPONSÁVEL; PRINCIPALMENTE SE AGIU COM EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO DE LEI, CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTOS (ARTIGO 135, III, DO CTN). ORIENTAÇÃO DA CORTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.”  O mesmo tribunal superior já teve o entendimento pela natureza por substituição, porém, pelo viés de responsabilidade subsidiária, restando possível a execução fiscal ser direcionada em face dos responsáveis tributários, desde que existentes os requisitos do artigo 135 do CTN.  O Superior Tribunal de Justiça vem defendendo o posicionamento de que apenas se admite a responsabilização de terceiro quando existe prova incontestável de que a dívida tributária advém de algum ato promovido por sócio, administrador ou gerente com excesso de poderes, infringência à lei ou estatuto social é que se admite a atribuição da responsabilidade subsidiária a terceiro. Desta forma, a jurisprudência de referido tribunal vai no sentido da viabilidade do redirecionamento da execução fiscal aos administradores, desde que haja comprovação, pela Fazenda Pública, da presença dos requisitos constantes no artigo 135 do CTN, conforme os respectivos julgamentos colacionados, no Recurso Especial 930.879/SC e no Recurso Especial 849.106/PR, cujas ementas relatam o que segue: “TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135 DO CTN – IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO – NOME QUE NÃO CONSTA DA CDA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IRREGULARIDADE – MATÉRIA QUE DEMANDA ANÁLISE PROBATÓRIA. 1. A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 702.232/RS, de relatoria do Min. Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN. 2. O Tribunal de origem, como soberano das circunstâncias fáticas da causa, confirmou a sentença e entendeu que não restou comprovada a prática de ato ou conduta dolosa ou irregular dos co-obrigados capaz de gerar responsabilidade pelo débito da empresa, afora a mera inadimplência, além de terem sido penhorados vários bens da pessoa jurídica suficientes para garantir a execução. 3. Aferir a comprovação de qualquer irregularidade na dissolução da empresa demandaria o reexame de todo o contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a esta Corte em vista do óbice da Súmula 7/STJ. Recurso especial improvido.” “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – SÚMULA 284/STF – REDIRECIONAMENTO – CITAÇÃO NA PESSOA DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135, III DO CTN – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. 1. Considera-se deficiente a fundamentação do recurso que, a par de indicar ofensa ao art. 535 do CPC, alega genericamente defeito na prestação jurisdicional, sem indicar com clareza e objetividade os fatos que amparam a suposta violação. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei, de modo a ensejar a redirecionamento da execução para a pessoa dos sócios. 3. Entretanto, em matéria de responsabilidade dos distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 4. Tratando-se de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade dos sócios, os quais devem provar que não agiram com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, para se eximirem da obrigação. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.”  Em outro viés, o Superior Tribunal de Justiça possui posicionamento consolidado de que a dissolução irregular da sociedade configura hipótese de redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Esse entendimento foi objeto da Súmula 435 do STJ, conforme já citada no presente trabalho.  No que se refere, mais uma vez, ao redirecionamento da execução por conta da dissolução irregular da sociedade, vale enfatizar que na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a premissa maior para o redirecionamento é a estabilidade do sócio na administração ou comando da empresa ao tempo concomitante ao da dissolução, sendo que não admite o redirecionamento ao sócio que não fazia parte da sociedade quando da ocorrência do ilícito.  Na visão de Paulo de Barros Carvalho, já deve estar decidida a responsabilidade do sócio administrador no processo administrativo tributário para que possa haver o redirecionamento da execução fiscal. E, por derradeiro, importa registrar que na situação do nome do sócio já constar na Certidão da Dívida ativa, o Superior Tribunal de Justiça defende que a responsabilidade já foi apurada em fase de procedimento administrativo, havendo assim hipótese de responsabilidade solidária. CONCLUSÃO  Diante da argumentação exposta, com base na importância prática do tema, bem como em amplo posicionamento doutrinário, além de jurisprudência colacionada, conclui-se que há ampla divergência, em especial no que se refere à responsabilidade do artigo 135 do Código Tributário Nacional, existindo posicionamentos que vão no sentido da responsabilidade objetiva, porém há os que defendem a responsabilização subjetiva, do tipo por substituição ou subsidiária. Assim, em melhor análise, a classificação correta sobre mencionada responsabilidade, de acordo com os artigos 134 e 135 de referido diploma legal é a que fornece elementos para que se defenda que se inclua o substituto tributário como sujeito passivo direto da obrigação, sendo classificada como subsidiária, pois só responderão pelos atos quando omissos no inadimplemento e pelos que atuarem. No entanto, em algumas situações, a melhor interpretação reside na responsabilidade solidária, para aqueles que realizam as condutas ilícitas previstas no artigo 135 do código tributário nacional, conforme já explicitado cada uma delas, sendo possível aplicar os efeitos da responsabilidade solidária previstos nos artigos 124 e 125 de mencionado código.  Sendo assim, torna-se possível o redirecionamento da execução fiscal, seguindo corretamente a determinação do Supremo Tribunal Federal, não incidindo somente em face o devedor descrito na Certidão de dívida ativa, mas também contra o responsável tributário, os sócios, gerentes e administradores.  Portanto, no que tange à responsabilidade de terceiro perante a pessoa jurídica, ainda existe grande polêmica, tendo em vista o entendimento jurisprudencial encontrar-se em pleno amadurecimento, não encerrando a discussão sobre o tema e abrindo-se espaços para inovações para a resolução das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais existentes.
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Fiscalização financeira e orçamentária: Do controle interno e externo, do Tribunal de Contas da União, sua composição e competência
Trabalho apresentado com o intuito de demonstrar de forma sistematizada a fiscalização financeira e orçamentária no Brasil, dentro do contexto do controle interno e externo, bem como demonstrar a composição, competência e atuação do Tribunal de Contas da União no cenário brasileiro.
Direito Tributário
Introdução A fiscalização financeira e orçamentária do Estado possui um importante caráter político, em especial impedindo que o Poder Executivo exceda os créditos que lhe foram concedidos ou não perceba verbas autorizadas, também evitando desperdícios e dilapidações do patrimônio público, mas de modo a não atrasar ou paralisar as operações da execução orçamentária para não prejudicar as finanças públicas e a vida do próprio Estado. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 103) Conforme KiyoshiHarada (2010, p. 86), a fiscalização e controle orçamentário serve justamente para coibir abusos do Poder Público no que se refere ao dinheiro público e sua destinação dentro da melhor destinação e com responsabilidade. Essa fiscalização das contas públicas é exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo controle interno de cada poder, encontrando-se sua fundamentação maior no artigo 70 da Constituição Federal,tendo por objeto três elementos distintos: legalidade, legitimidade e economicidade relativos à despesa pública. (PISCITELLI, 2015, p. 242) Abrange o âmbito contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial da Fazenda Pública como um todo no Estado nas esferas federal, estadual e municipal. (HARADA, 2010, p. 87) Em relação a fiscalização financeira, verifica-se a entrada e a saída de dinheiro; enquanto que a orçamentária fiscaliza a correta execução do orçamento. A fiscalização operacional é relacionada ao procedimento de arrecadação e liberação de verbas. Por fim, a fiscalização patrimonial está relacionada com a própria execução orçamentárias no sentido de mudanças patrimoniais, sendo que as alterações patrimoniais devem ser fiscalizadas permanentemente pelo Estado. (HARADA, 2010, p. 88) Em relação a fiscalização pelo prisma da legalidade, a despesa deve estar de acordocom as normas previstas na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, o agente público deverá ser fiel seguidor da lei, devendo verificar todos os requisitos legais para a realização da despesa, ou seja, ao gastar o dinheiro público o agente deverá observar limites e autorizações impostas pelo legislador na Lei Orçamentária em execução, sob pena, por exemplo, de incorrer em crime de responsabilidade. (HARADA, 2010, p. 87) A legitimidade, por sua vez, é medida pela eficiência do gasto em atender as necessidades publicas, verificando-se se a despesa atingiu o bem jurídico valorado pela norma ao autorizá-la. Já a economicidade se refere à verificação do objetivo da despesa com o menor custo possível, ou seja, saber se o ente ou órgão utilizou da melhor relação custo/benefício para alcançar a finalidade pretendida. (PISCITELLI, 2015, p. 242-243) Outrossim, o controle recairá, também, sobre a concessão de renúncia de receitas e aplicação de recursos em subvenções, que por sua vez, em ambos os casos, haverá redução das receitas públicas e, por conta disso, plena aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar 101 do ano 2000. Assim, no caso da renúncia, deve-se observar as normas e condições que estão previstas no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo o foco da fiscalização, que indica que “A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias” dentro de determinadas condições previstas em seus incisos. Na subvenção, há a transferência de recursos a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, visando auxiliar tais entidades a executar atividades que são de interesse público, ou seja, vale mais a pena para o Estado conceder o auxílio do que executar a tarefa, percebendo-se assim, a economicidade. (PISCITELLI, 2015, p. 243) A partir do artigo 70 da Constituição, estabeleceu-se que o controle externo seria realizado pelo Poder Legislativo/ Congresso Nacional com o auxílio do tribunal de contas na área contábil, financeira, orçamentária, operacional (verificação da eficiência na aplicação dos recursos) e patrimonial dos outros Poderes. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) Não obstante, a atual administração, baseada nas modernas táticas de gestão empresarial, também adotou o sistema de autocontrole, ou seja, o controle interno de que é titular cada um dos Poderes, legislativo, executivo e judiciário. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) Outra possibilidade ainda é o controle privado, através dos cidadãos a partir de denúncias enviadas ao Tribunal de Contas, previsto no artigo 74, § 2º da Constituição Federal de 1988. (PISCITELLI, 2015, p. 243; HARADA, 2010, p. 91) 1. Do controle interno O controle interno, previsto no artigo 74, § 1º da Carta Magna, consiste no sistema integrado de fiscalização dos três Poderes com o objetivo de apoiar o controle externo nas missões institucionais.Em detrimento disso, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidades na gestão orçamentárias, os responsáveis do controle interno deverão comunicar imediatamente o Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária do chefe do Poder que se omitiu a esse respeito. (PISCITELLI, 2015, p. 245) Desta forma de acordo com TathianePiscitelli (2015, p. 245), deverão ser verificados, em relação a suas missões institucionais: a) o cumprimento das metas previstas pelo Plano Plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; b) a legalidade e resultados, quanto à eficácia e á eficiência, relativos aos gastos públicos realizados por órgãos e entidades federais e também referentes à aplicação de recursos provenientes de subvenções; c) o cumprimento dos limites e condições de operações de crédito, avais e garantias, além de direitos e deveres da União. Esse controle é exercido pelos superiores em relação aos subordinados que sejam responsáveis pela execução dos programas orçamentários e pela aplicação do dinheiro público; trata-se, portanto, de um controle de natureza administrativa. Em nível infraconstitucional, esse controle da execução orçamentária é realizado pela lei 4320/64, que em seu artigo 70 estabelece três tipos de controle orçamentário: o de legalidade dos atos (prévio, concomitante ou subsequente – ou seja, contínuo), da fidelidade funcional dos agentes públicos e o cumprimento do programa orçamentário (incumbido ao órgão de elaboração da proposta orçamentária). Todos levando em conta o princípio da hierarquia, em que as autoridades deverão fiscalizar seus subalternos, motivo pelo qual, a não denúncia de irregularidades poderá acarretar em responsabilidade solidária dos agentes. (HARADA, 2010, p. 89-90) 2. Do controle externo O Poder Legislativo é o responsável pela realização do controle externo com o auxílio do Tribunal de Contas da União, cujas funções estão delineadas no artigo 71 e 49, X da Lei Maior (HARADA, 2010, p. 90). O Poder legislativo, independentemente do Tribunal de Contas, irá exercer, por si, a fiscalização das contas públicas. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Doutrinariamente, esse controle é colocado em três tipos: o prévio, o concomitante e o posterior, também dada a necessidade de permanente controle em prol do interesse público, levando-se em consideração a discricionariedade do agente público. (HARADA, 2010, p. 91) O controle prévio se dá pela prévio registro do contrato para a realização da despesa. O controle concomitante pode se dar com a sustação do ato de execução na descoberta de alguma irregularidade, bem como o controle posterior pode se verificar no julgamento das contas dos agentes, cabendo ao Tribunal de Contas aplicar as consequências e sanções previstas em lei. (HARADA, 2010, p. 91) A fiscalização externa se dará especialmente por uma comissão mista permanente de Senadores e Deputados, que nos termos do artigo 166 § 1º da Constituição Federal de 1988, é constituída para examinar e emitir pareceres sobre os projetos das leis orçamentárias e as contas apresentadas pelo Presidente da República e, também acerca dos planos e programas previstos na Magna Carta, com acompanhamento e fiscalização das gestões orçamentárias respectivas. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Essa Comissão, no exercício de suas atividades, poderá verificar indícios de despesas não autorizadas e, nessa situação, de acordo com o artigo 72, caput,da Constituição Federal, poderá solicitar esclarecimentos à autoridade responsável. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Se os esclarecimentos não forem prestados, ou forem considerados insuficientes, a comissão encaminhará o caso para o Tribunal de Contas, a quem será solicitado que, no prazo de 30 dias, se pronuncie conclusivamente sobre o assunto. Caso o Tribunal entenda que a despesa é irregular, a Comissão poderá propor ao Congresso Nacional sua sustação, desde que possa causar “dano irreparável ou grave lesão à economia pública”, como consta o artigo 72, § 1º, § 2 º. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Para esta forma de controle externo, verifica-se que há uma atuação subsidiária do Tribunal de Contas, cuja função, neste caso, seria de apresentar um parecer sobre uma dada despesa, mediante a provocação do Legislativo. Com isso, é equivocado dizer que o controle externo se dá apenas pelo auxílio do Tribunal de Contas, mas percebe-se a função do Poder Legislativo também. 3. Tribunal de contas da união: da composição e dacompetência O Tribunal de Contas teve origem em 1890, pelo Decreto Lei 966-A, com o objetivo de controlar a atividade estatal com o objetivo de se impedir o cometimento de irregularidades. (HARADA, 2010, p. 92) Como se pôde verificar, o Tribunal de Contas é um órgão técnico auxiliar do Poder Legislativo cuja competência é a de fiscalizar as despesas da administração pública, com o objetivo de eventualmente reconhecer e apurar irregularidades. Assim, o mesmo julga contas, produz pareceres e realiza inspeções. (PISCITELLI, 2015, p. 247) De acordo com o artigo 71 da Constituição Federal, o Tribunal de Contas possui basicamente duas funções, portanto: a de fiscalização e a de jurisdição, dado o poder de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluindo sociedades de economia mista e empresas públicas (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) De acordo com Harada (2010, p. 91), suas decisões são estritamente técnicas, não julgando pessoas mas apenas as contas dos agentes. Face à jurisdição una no Brasil, não opera coisa julgada, portanto, podendo as mesmas serem reapreciadas pelo Poder Judiciário face ao artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988. Sequer se pode falar na possibilidade controle de constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Contas, dado que o mesmo não possui tal competência constitucional. Assim vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não se podendo aplicar nesse sentido a súmula 347 do mesmo órgão. (PISCITELLI, 2015, p. 248) Destaca-se que as regras relativas à organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União aplicam-se paralelamente aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, conforme o artigo 75 da Constituição Federal de 1988, fundamentando-se pelo princípio federativo. (HARADA, 2010, p. 99; PISCITELLI, 2015, p. 249)[1] Em relação ao Tribunal de Contas da União, o mesmo tem sede no Distrito Federal, por força do artigo 73 da Constituição Federal, com jurisdição em todo o território nacional. Composto ainda por nove ministros, que devem preencher os requisitos constitucionais do § 1º do artigo 73 da Constituição – acima de 35 e abaixo de 65 anos de idade, idoneidade moral e boa reputação, notório saber específico relacionado ao tema, mais de dez anos de exercício de função ou atividade relacionada a tais conhecimentos. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 110) Tais ministros são indicados por indicação de um terço pela presidência da república dentre auditores e membros do Ministério Público, bem como por dois terços do Congresso Nacional. Todos os ministros possuem mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, sendo vitalícios e podendo se aposentar com mais de cinco anos de exercício do cargo. (HARADA, 2010, p 93; ROSA JUNIOR, 2002, p. 110) A Lei 8.443/92 trata sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. (ROSA JUNIOR, 2001, p. 110) Em relação as atribuições constitucionais do Tribunal de Contas da União, há a divisão em três blocos distintos a partir da leitura do artigo 71 da Carta Magna: a) Atividades de fiscalização em sentido estrito (Incisos I, II, IV, V, VI e VII, dividindo-se entre fiscalização de contas e a realização de inspeções e auditorias – elaboração de pareceres prévios), b) Controle da legalidade dos atos (sendo que em relação a empresas supranacionais deve-se atentar para acordos internacionais, bem como fiscalizar contas dos Estados-Membros e Municípios quando houver transferência da União), c) providencias práticas diante de ilegalidades ou irregularidades. (PISCITELLI, 2015, p. 249-252) No entanto, o artigo 71, III da Constituição Federal contempla duas exceções. De acordo com TathianePiscitelli (2015, p. 253), em relação à legalidade de admissão de pessoal, são ressalvados os cargos em comissões, como os de Direção e Assessoramento Superior – DAS´se as Funções Gratificadas (FG´s). Em relação à concessão de aposentadorias, reformas e pensões, não haverá análise pelo Tribunal de Contas, no que se trata de melhorias posteriores que não modifiquem o fundamento legal do ato concessório inicial (HARADA, 2010. p. 96; PISCITELLI, 2015, p. 253) Em relação ao ultimo bloco de atribuições do Tribunal de Contas, destaca-se a realização dos atos concretos em relação a verificação de irregularidades e ilegalidades, podendo requerer informações de autoridades, emitir pareceres conclusivos e adotar as providencias previstas nos incisos VIII a XI do artigo 71 do Diploma Maior, tais como multas e demais sanções. (HARADA, 2010, p. 97; PISCITELLI, 2015, p. 256) Existem leis como a 1.079/50, bem como Decreto Lei 201/67 que definem respectivamente crimes de responsabilidade de ato irregular do Presidente da República e do Prefeito de Município, mas que devem ser aplicadas pelo Congresso ou Tribunais Jurisdicionais. (HARADA, 2015, p. 97) Poderá o Tribunal notificar a atividade irregular para que possa sanar o vício, hipótese de controle concomitante, com posterior comunicação às autoridades competentes. Se no prazo de noventa dias nem o Congresso nem o Poder Executivo tomar as medidas cabíveis, o Tribunal de Contas deverá decidir a respeito, pela sua sustação, conforme o inciso X, comunicando a decisão à Camada dos Deputados e ao Senado Federal (HARADA, 2010, p. 98; PISCITELLI, 2015, p. 256). Poderá o Tribunal de Contas ainda, de acordo com o inciso XI, representar abusos ou irregularidades ao Poder Competente. (PISCITELLI, 2015, p. 256) Em relação ao Tribunal de Contas e sua relação com a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, pode-se afirmar que tal relação é de controle interno, sendo que a atuação dessa corte é extremamente importante, dado que averigua o cumprimento de todas as normas contidas nesse diploma legal. Nessas situações, o Tribunal de Contas atua como auxiliar do Legislativo, bem como órgão técnico a disposição de todos os demais poderes, buscando-se a maior eficiência e controle para a responsabilidade na gestão do dinheiro público. (PISCITELLI, 2015, p. 259)
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Restituição do ICMS pago a maior na substituição tributária progressiva no caso do Estado de São Paulo segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores
O presente trabalho visa analisar a restituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na substituição tributária progressiva, quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido. Para tanto, abordará algumas peculiaridades do ICMS, em especial a não-cumulatividade, sua natureza de tributo indireto e, especialmente, a previsão constitucional da substituição tributária progressiva. Posteriormente, será apresentada a problemática da ação de repetição de indébito na substituição tributária progressiva, será abordada a legitimidade ativa para a ação e a vedação existente quanto ao fato gerador que ocorreu por valor inferior ao presumido. E, finalmente, será objeto de aprofundamento a divergência jurisprudencial referente ao problema posto, com a conclusão pela possibilidade da repetição de indébito do ICMS quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido, de modo a garantir uma solução justa ao caso do Estado de São Paulo.
Direito Tributário
Introdução Como é cediço, o ICMS é um imposto indireto, pois entre a ocorrência do fato gerador e a obrigação de pagar o tributo, há a possibilidade de intercalação de sujeitos, ou seja, pode ocorrer a transferência da obrigação de pagar o tributo ao próximo da cadeia produtiva.  Ademais, o ICMS também um imposto não-cumulativo, característica que permite que o sujeito passivo realize a compensação do montante pago anteriormente com o que é devido na posição seguinte dentro de uma mesma cadeia de produção para o mesmo Estado ou a outro ou ao Distrito Federal, conforme prevê o artigo 155, §2º, Constituição Federal. Por outro lado, sabe-se que o ICMS pode se submeter ao regime de substituição tributária progressiva. Este regime implica em uma antecipação do pagamento do imposto. Primeiro, se dá o pagamento e posteriormente, ocorre o fato gerador. Representa um caso de fato gerador presumido ou também chamado de antecipação dos efeitos do fato gerador. Não tem previsão no Código Tributário Nacional, mas está autorizado pela Constituição Federal, in verbis: “Art. 150.(…) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)” No passado, muito se discutiu se seria possível a ideia de um fato gerador presumido, pelo fato de que poderia representar um possível vilipêndio ao princípio da tipicidade dos fatos geradores em Direito Tributário, e o Supremo Tribunal Federal já havia se posicionado no sentido de que esta modalidade de substituição tributária era admissível. Com a edição da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, que inseriu o §7º no artigo 150, o qual muitas vezes teve sua constitucionalidade confirmada por este Tribunal, a questão passou a ser pacífica e superada, como se percebe: “ICMS. Substituição tributária autorizada pelo § 7º acrescentado ao art. 150 da Constituição pela Emenda 3/1993, tendo como base de cálculo o valor do estoque de mercadorias, sem infração, ao primeiro exame, dos princípios da legalidade e da irretroatividade.” [1] “Tributário. ICMS. Estado de São Paulo. Comércio de veículos novos. Art. 155, § 2º, XII, b, da CF/1988. Convênios ICM 66/1988 (art. 25) e ICMS 107/1989. Art. 8º, XIII e § 4º, da Lei paulista 6.374/1989. O regime de substituição tributária, referente ao ICM, já se achava previsto no Decreto-Lei 406/1968 (art. 128 do CTN e art. 6º, § 3º e § 4º, do mencionado decreto-lei), normas recebidas pela Carta de 1988, não se podendo falar, nesse ponto, em omissão legislativa capaz de autorizar o exercício, pelos Estados, por meio do Convênio ICM 66/1988, da competência prevista no art. 34, § 8º, do ADCT/1988. Essa circunstância, entretanto, não inviabiliza o instituto que, relativamente a veículos novos, foi instituído pela Lei paulista 6.374/1989 (dispositivos indicados) e pelo Convênio ICMS 107/1989, destinado não a suprir omissão legislativa, mas a atender à exigência prevista no art. 6º, § 4º, do referido Decreto-Lei 406/1968, em face da diversidade de estados aos quais o referido regime foi estendido, no que concerne aos mencionados bens. A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador. Acórdão que se afastou desse entendimento.” [2] (grifo nosso) No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o pagamento antecipado não representa recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador, pois este Tribunal faz distinção entre o momento da incidência do tributo previsto na lei e a cobrança do tributo pelo sistema de substituição tributária[3]. Posteriormente, o Pretório Excelso sedimentou a tese de que a substituição para frente era constitucional, mesmo quando criada pela legislação estadual antes do advento da referida Emenda[4]. A única ressalva foi feita no sentido de que a substituição tributária progressiva exige lei em sentido formal, não basta decreto, sendo ponto comum tanto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5], como do Supremo Tribunal Federal [6]. O Superior Tribunal de Justiça também esclarece que não pode instrução normativa proclamar a substituição tributária para frente com respaldo em convênio, no lugar de lei [7]. Mas caso se refira a operações interestaduais, o artigo 9º da Lei Kandir exige que seja realizado acordo específico celebrado entre os Estados interessados, para que se adote o regime de substituição tributária. Com a ocorrência do primeiro fato gerador, o primeiro da cadeia produtiva deve recolher o ICMS de todo o restante da cadeia. Para o cálculo, será aplicado um total presumido, valendo-se de uma estimativa do valor da mercadoria no mercado, tomando-se por base o artigo 8º da Lei Complementar nº 87 de 1996, que estabelece o regime de valor agregado. Este cálculo é feito da seguinte forma: na substituição tributária, a base de cálculo, em relação às operações subsequentes, será o somatório do valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário, o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. O Superior Tribunal de Justiça considera esse cálculo, com base no regime de valor agregado, válido, e entende que não se confunde com o regime de “pauta fiscal”, que é considerado ilegal, conforme a Súmula 431 (“É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”).[8]. A substituição tributária progressiva é muito utilizada em operações envolvendo combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, cerveja, dentre outros. Este instituto busca evitar a necessidade de fiscalização de uma miríade de contribuintes, centralizando-se a cobrança e fiscalização em uma quantidade muito menor de sujeitos passivos, tornando menos provável a sonegação. No tocante ao ICMS, a própria Constituição Federal em seu artigo 155, §2º, XII, “h”, com as alterações produzidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, determina que a lei complementar poderá prever que determinados combustíveis e lubrificantes estarão sujeitos à incidência do ICMS uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará a imunidade tributária das operações que destinem a outros Estados o petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica (artigo 155, §2º, X, “b”). Portanto, quando não se tratar da conhecida imunidade sobre operações interestaduais que envolvam combustíveis e lubrificantes derivados de petróleo e energia elétrica, a Constituição Federal determina uma incidência monofásica do ICMS, desde que assim preveja a lei complementar. Como finalidade, se tem a obrigatoriedade de utilização da substituição tributária progressiva, nos casos previstos na lei complementar, de modo a antecipar a cobrança do imposto, com o objetivo final de se reduzir as chances de sonegação fiscal. No entanto, é importante consignar que a substituição progressiva deve ser utilizada com bastante cautela, para se evitar a tributação desmedida, já que não há certeza se de fato a operação irá se realizar: “Criticável a tributação fundada em fatos inexistentes, situações, estados ou circulações eventuais e imagináveis, uma vez que as relações jurídicas devem ficar adstritas às imposições tributárias quando ocorre a subsunção do fato imponível (situação concreta) à imagem normativa (substituição abstrata)”. (PAULSEN; MELO, 2012, p.257) Na substituição tributária progressiva do ICMS, como ocorre uma antecipação do pagamento, sem que se tenha certeza se, de fato, ocorrerá o fato gerador e por qual valor de base de cálculo se dará, é possível que mais à frente na cadeia de produção da mercadoria, o fato gerador não se verifique, por exemplo, no caso de desistência do negócio, ou que ocorra, mas por valor inferior ao que se presumiu inicialmente, por exemplo, quando há oscilações de mercado, oferecimento de descontos, dentre outros casos. Surge, então, a pretensão à repetição de indébito. Na substituição tributária, muito embora tanto o contribuinte substituto como o substituído participem do regime de substituição e tenham juridicamente algum interesse na demanda devolutiva, somente possui legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição aquele que arcou com o pagamento do tributo. Hugo de Brito Machado Segundo explica com clareza esta constatação: “Tanto o substituto como o substituído, portanto, possuem legitimidade ativa ad causam para a propositura de ações questionando a validade de aspectos do regime, ou mesmo a sua totalidade. Ambos integram a relação jurídica tributária. O substituto tem o direito subjetivo de não pagar tributo indevido e de não ter de reter ou descontar tributo indevido, e o substituído tem o direito de não ter retido ou descontado tributo indevido. A única restrição que se faz, insista-se, diz respeito à ação de restituição do indébito, para a qual terá legitimidade quem provar haver efetivamente arcado com o ônus do tributo. Note-se que nessa hipótese será viável a prova, e aquele que tiver arcado com o tributo terá todo o interesse (também de fato) em pleitear a sua restituição. Aplica-se, portanto, o artigo 166 do CTN, não para cercear o acesso ao judiciário, amesquinhando direitos fundamentais, mas para assegurar esse acesso a quem teve direito violado.” (MACHADO, 2012, p. 322) E por fim, este autor conclui: “ressalte-se ainda que, nos termos do art. 166 do CTN, assiste legitimidade para repetir o indébito a qualquer dos contribuintes, substituto ou substituído. Basta o contribuinte provar haver assumido o ônus, ou estar autorizado por quem o houver sofrido”. (MACHADO, 2012, p. 323) Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Segunda Turma já manifestou posicionamentos diferentes sobre esse tema. Há julgados que dizem que o contribuinte substituído não é detentor de legitimidade ativa ad causam[9], por outro lado, há julgados que entendem que o substituído possui legitimidade ativa[10]. Para solucionar a controvérsia, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que o contribuinte substituído é detentor de legitimidade ativa ad causam: “O STJ, por suas 1ª e 2ª turmas de Direito Público, admite a legitimidade do contribuinte substituído para discutir judicialmente a sistemática do recolhimento antecipado do ICMS, no regime de substituição tributária, já que, embora não figure na legislação como responsável pelo pagamento do tributo, é sobre ele que recai o ônus da imposição fiscal.” [11] Em verdade, não há razões para se limitar a legitimidade do contribuinte substituído na substituição para frente, pois é o substituído que antecipa o pagamento e arca com o tributo, enquanto o substituto é um mero repassador da quantia, que, dificilmente, irá se insurgir contra a Fazenda por meio de ação de repetição de indébito. Fosse assim, estaria afastada a chance se buscar em juízo a devolução do valor que, indevidamente, o Fisco arrecadou. A Constituição Federal, no artigo 150, §7º, não deixa dúvidas de que, caso o fato gerador não se realize, caberá a devolução do valor pago. Ocorre que, ao presumir a ocorrência do fato gerador, a autoridade administrativa também presume o valor da base de cálculo do tributo. A Constituição Federal nada diz, porém, em relação ao caso em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao presumido. A questão que se coloca, nesta toada, é se seria possível a restituição da quantia paga. No tocante ao ICMS, a Lei Complementar nº 87 de 1996, no artigo 10, também reforça que há direito de restituição de ICMS pago por força de substituição tributária no caso de o fato gerador presumido não se realizar. Caso, então, o tributo seja recolhido nos moldes do artigo 8º da lei de regência, e posteriormente, não se verifique o fato gerador, haverá direito inconteste de pedir repetição de indébito, mas não está garantido expressamente o direito de repetir quando o fato gerador se verifica por valor inferior ao presumido. 1. Vedação prevista no Convênio CONFAZ nº13 de 1997 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal No caso do ICMS, foi celebrado o Convênio nº 13 de 1997, no âmbito do CONFAZ, com a finalidade de harmonizar o procedimento referente à aplicação do § 7º do artigo 150, da Constituição Federal e do artigo 10 da Lei Complementar nº 87 de 1996, para disciplinar os procedimentos a serem adotados pelas unidades federadas com referência às normas relativas à substituição tributária do ICMS. Este Convênio proibiu, na sua cláusula segunda, a restituição do ICMS quando ocorrer o fato gerador, mas por um valor inferior ao presumido. Ocorre que nem todos os Estados da Federação foram signatários do acordo, a exemplo de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Há que se lembrar que os Convênios, segundo a Lei Complementar nº 24 de 1975, artigo 3º, podem dispor que a aplicação das cláusulas seja limitada a um ou alguns Estados da Federação, mas como se sabe, a aprovação de benefícios fiscais referentes ao ICMS depende de decisão unânime dos Estados, por isso, causa, em primeiro momento, certo estranhamento que este Convênio tenha sido celebrado somente por uma parte dos Estados. Dentre aqueles que assinaram e ratificaram o convênio, há que se observar as regras ali previstas, não há dúvidas. Mas quanto aos demais, coloca-se o questionamento, se caberia ou não a repetição de indébito, quando o fato gerador ocorrer. Suscitada a problemática a respeito da vedação prevista na cláusula segunda do Convênio nº 13 de 1997 do CONFAZ através da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1.851 ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade do Convênio, pois o único dispositivo da Constituição Federal que trata da substituição tributária progressiva é o artigo 150, §7º, que estabelece apenas que, não ocorrendo o fato gerador, cabe a restituição. Nada diz a respeito da hipótese em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao inicialmente presumido. A fim de que se dê maior clareza aos termos do julgado em comento, colaciona-se a sua ementa, in verbis: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente”. A mesma tese está presente e é reforçada em diversos julgados, a saber: “Substituição tributária. Restituição. O Plenário da Corte deu pela legitimidade do regime de substituição tributária. A restituição assegurada pelo § 7º do art. 150 da CF/1988 restringe-se apenas à hipótese de não ocorrer o fato gerador presumido, não havendo que se falar em tributo pago a maior ou a menor por parte do contribuinte substituído. Precedentes: ADI 1.851/AL, RE 309.405-ED/MT e AI 337.655-AgR/RS (DJ de 13-12-2002, 14-2-2003 e 27-9-2002, respectivamente”. [12] (grifo nosso) “A tese da agravante não foi acolhida pelo Plenário desta Corte que, ao julgar o mérito da ADI 1.851, entendeu que o § 7º do art. 150 da Constituição não garante ao contribuinte o direito de se creditar da diferença do ICMS, recolhido sob o regime de substituição tributária ‘para frente’, quando o valor estimado para a operação final for maior que o efetivamente praticado. No mesmo sentido: RE 567.216-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-2-2014, Segunda Turma, DJE de 7-3-2014; RE 453.125-AgR-segundo, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 4-10- 2011, Segunda Turma, DJE de 21-10-2011”.[13] (grifo nosso) Assim, o fato de o Convênio disciplinar essa hipótese, não viola a Constituição Federal, pois esta não determina nem que é cabível a restituição, nem que é vedada. Destarte, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio multicitado e assim, assentou que o contribuinte somente é detentor de direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, mas não tem direito quando o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo esperável.[14] Ademais, a Corte Suprema entendeu ser irrelevante o fato de o Convênio não ter sido subscrito por todos os Estados, já que não cuida de concessão de benefícios fiscais. Mutatis mutandis, é forçoso concluir que, guiando-se por esta lógica, quando ocorre o fato gerador por um valor superior ao presumido, também não cabe ao Fisco Estadual pleitear a diferença de ICMS a ser recolhido, porquanto, seguindo a orientação fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o que vale é sempre o valor presumido, e não o efetivamente praticado. Desta feita, o Supremo Tribunal Federal, tornou pacífica a questão de que quando ocorre o fato gerador por valor inferior à base de cálculo presumida, não há direito à restituição. No entanto, os Estados de São Paulo e Pernambuco possuem legislação estadual unilateral no sentido de que na substituição progressiva, ocorrendo o fato gerador por um valor inferior ao presumido, cabe restituição, por representar excesso de tributação e enriquecimento ilícito do Fisco. No caso do Estado de Pernambuco, trata-se da Lei nº11.408 de 1996, no artigo 19 especificamente, e no Estado de São Paulo, refere-se à Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II. Por via de consequência, os governadores dos Estados de São Paulo e Pernambuco levaram esta questão à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) nº 2.675/PE e nº 2.777/SP, que visam a declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos das leis estaduais paulista e pernambucana, ainda pendentes de julgamento, pois o Tribunal resolveu sobrestar o julgamento até a decisão final do recurso extraordinário nº 593.849/MG, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, ao qual já se reconheceu repercussão geral, mas ainda não teve julgamento do mérito.[15] 2. Solução apresentada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para o caso específico do Estado de São Paulo No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, em aplicação da orientação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº1.851/AL, entendeu que este julgado da Suprema Corte não teria aplicabilidade aos Estados não signatários do Convênio nº 13 de 1997, a exemplo do Estado de São Paulo. Com a finalidade de dirimir a problemática surgida com a ADI 1.851/AL, o Superior Tribunal de Justiça limitou a decisão do Supremo Tribunal Federal aos Estados signatários do Convênio, conforme se depreende da ementa desta decisão, in verbis: “TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FATO GERADOR OCORRIDO EM VALOR INFERIOR AO PRESUMIDO.   RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA ADI N. 1.851/AL DO STF. ESTADO DE SÃO PAULO. ANÁLISE DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. 1. O STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.851/AL, entendeu que o contribuinte somente tem direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, ainda que o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo presumida. Entretanto, a jurisprudência do STJ, na aplicação da orientação do STF na mencionada ADI, entendeu que o referido entendimento não se aplica aos Estados não signatários do Convênio 13/97, a exemplo: São Paulo. Precedentes. 2. No caso de São Paulo, a restituição do imposto pago a maior, na hipótese em que a base de cálculo real é inferior à presumida, é possível. Todavia, tal restituição não é imediata e automática, pois há no Estado legislação específica determinando a forma de restituição dos valores recolhidos a maior a título de ICMS. Assim, não compete ao STJ analisar a forma da restituição, a teor da aplicação analógica da Súmula 280 do STF. 3. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de suposta violação do artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido.”[16] Portanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, no caso do Estado de São Paulo, é possível a restituição do imposto pago a maior quando a base de cálculo real for inferior a presumida. Todavia, a restituição não se dará de forma imediata e automática, como determina o artigo 150, §7º da Constituição Federal para o caso em que não se verifica o fato gerador, pois há em São Paulo legislação disciplinando o assunto. Trata-se, como se disse, da Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II, que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2.777/SP, para ser declarada constitucional ou inconstitucional. O artigo 66-B assegura a repetição de indébito tanto quando não se verifica o fato gerador presumido (inciso I), como quando se verifica que a obrigação tributária teve valor inferior à presumida (inciso II). E determina que o pedido de restituição deve vir acompanhado de cópia da documentação fiscal da operação realizada que comprove o direito à restituição. Determina que os pedidos de restituição serão processados prioritariamente, tanto a sua instrução, quanto a apreciação, e que pode o Poder Executivo prever outras formas de devolução do valor, à escolha do contribuinte. Por isso, a devolução não é automática e imediata, pois requer uma instrução e comprovação do direito à restituição. Mas, como se frisou, este dispositivo legal do Estado de São Paulo é objeto de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, desse modo, por ora, vige o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça de que é possível a repetição de indébito na ocorrência do fato gerador do ICMS na substituição tributária por valor inferior ao presumido, no Estado de São Paulo. Espera-se que a Corte Suprema mantenha este entendimento, por ser o mais razoável e que afasta o enriquecimento ilícito da Fazenda Pública Estadual nestes casos, e especialmente, por garantir o princípio da capacidade contributiva, já que se adequa à riqueza que o contribuinte demonstrou possuir, efetivamente, e não apenas a que fora presumida pelo Fisco. Conclusão A repetição de indébito do ICMS no regime de substituição tributária, quando o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao que se presumiu, muito embora não garantida expressamente pela Constituição Federal, deve ser admitida no Estado de São Paulo, bem como nos demais Estados não signatários do Convênio do CONFAZ nº13 de 1997, como se demonstrou. A existência da vedação prevista em convênio não assinado pelo Estado de São Paulo e o entrave trazido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não devem ser utilizadas como escudo pela Fazenda Pública. A presença de legislação local trazendo esta garantia reforça ainda mais a tese. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se atentou para o caso específico dos Estados não signatários do convênio citado e foi absolutamente clara no sentido de que o entendimento consagrado pelo Pretório Excelso não deveria ser utilizado a estes Estados, por ser incompatível e não se referir a eles. Esta é a solução que mais se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, porquanto respeita a real manifestação do fato gerador e sua correspondência com a demonstração de riqueza do sujeito passivo.
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A importância da extrafiscalidade dos impostos e da redução do IPI na economia brasileira
Resumo:O WelfareState foi o precursor dos ideais de que o Estado é o agente responsável pela democracia social visto que é através do poder governamental que resultam todos os outros processos reguladores da sociedade.Os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público são norteadores do ordenamento jurídico brasileiro e objetivam respectivamente assegurar a obediência da sociedade aos dispositivos legais e permitir que o Estado priorize a coletividade podendo exigir para tal fim o sacrifício de recursos patrimoniais de particulares.A extrafiscalidade está presente há muito tempo no âmbito do direito tributário e a cada dia se torna mais presente no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se citar como exemplo da utilização das normas tributárias que almejam realizar fins que não se restringem apenas à captação de recursos financeiros para o Estado mas que também estão na esfera do poder de regulação da atividade econômica pelo Estado: o IPI as imunidades as isenções dentre outros.Diante do crescimento econômico mundial e da necessidade constante do equilíbrio da balança comercial tornou-se necessário que o Estado buscasse outras formas de concretizar os seus objetivos. Uma delas foi justamente a utilização dos tributos como fins extrafiscais.O presente artigo visa analisar com maior profundidade a extrafiscalidade dos tributos na economia brasileira com ênfase no IPI e na redução da alíquota deste para regular a economia brasileira..
Direito Tributário
1. Introdução O WelfareState foi o precursor dos ideais de que o Estado é o agente responsável pela democracia social, visto que é através do poder governamental que resultam todos os outros processos reguladores da sociedade. Os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público são norteadores do ordenamento jurídico brasileiro e objetivam, respectivamente, assegurar a obediência da sociedade aos dispositivos legais e permitir que o Estado priorize a coletividade, podendo exigir para tal fim o sacrifício de recursos patrimoniais de particulares. A extrafiscalidade está presente há muito tempo no âmbito do direito tributário e a cada dia se torna mais presente no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se citar como exemplo da utilização das normas tributárias que almejam realizar fins que não se restringem apenas à captação de recursos financeiros para o Estado, mas que também estão na esfera do poder de regulação da atividade econômica pelo Estado: o IPI, as imunidades, as isenções, dentre outros. Diante do crescimento econômico mundial e da necessidade constante do equilíbrio da balança comercial, tornou-se necessário que o Estado buscasse outras formas de concretizar os seus objetivos. Uma delas foi justamente a utilização dos tributos como fins extrafiscais. O presente artigo visa analisar com maior profundidade a extrafiscalidade dos tributos na economia brasileira, com ênfase no IPI e na redução da alíquota deste para regular a economia brasileira. 2. Breves considerações sobre o “welfare state” O WelfareState, também conhecido como Estado do bem-estar social, consiste numa visão clássica sobre o Estado. Consoante os ensinamentos de Hélio Jaguaribe[1]apud Alcindo Gonçalves[2], “O Welfare State, Estado Assistencialista, ou do bem-estar social, é uma construção europeia desenvolvida especialmente após a 2a Guerra Mundial, representando “uma tentativa explícita ou implícita de implantar as ideias de democracia social””. Fábio Guedes Gomes[3] menciona em seu artigo “Conflito social e Welfare State: Estado e desenvolvimento social no Brasil” que essa visão clássica do Estado pode ser compreendida como “Um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa “harmonia” entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente”. (grifo nosso) Esping Andersen[4]traz que a Welfare State “envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir o bem-estar dos cidadãos”. É esse o pensamento aplicado no estudo das políticas públicas, no qual o Estado é o responsável por reunir o aparato que dispõe para proporcionar a sociedade o bem-estar social e condições dignas e justas de sobrevivência. Ante o exposto, percebe-se que o WelfareState foi o precursor dos ideais de que o Estado é o agente responsável pela democracia social, visto que é através do poder governamental que resultam todos os outros processos reguladores da sociedade, que proporcionam a efetivação dos direitossociais conferidos na Constituição Federativa da República Brasileira de 1988. 3. Princípios da legalidade e da supremacia do interesse público 3.1. Princípio da legalidade O Estado de Direito, desde suas origens históricas, evolve associado ao princípiodalegalidade, ao primado da lei, idealmente concebida como expressão da vontade geral institucionalizada. (BARROSO, 2004) O princípio da legalidade, um preceito multifuncional, cujo núcleo essencial se espraia e se especifica no âmbito do ordenamento jurídico, está disposto no art. 5o, II, da CRFB/88 e reza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. (BRANCO, COELHO, MENDES, 2009) Trata-se do princípio maior do nosso sistema legal, que, como o sistema que é, tem vários princípios norteadores, os quais atingem tanto a aplicação do Direito como a sua elaboração. (SILVA, 2010) O princípio da legalidade implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas. (MELLO, 2004) Pontes de Miranda traz que o princípio da legalidade traduz a ideia de "o povo tributando a si mesmo". Para Roque Antonio Carraza, a lei, “expressão da vontade geral” (Carré de Malberg), é o ato normativo primário por excelência, uma vez que obedecidos apenas os ditames constitucionais, inova inauguralmente a ordem jurídica. O princípio da legalidade (Art. 150, I, da CF/88 c/c o art. 97 do CTN) traz que os entes tributantes (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) só poderão criar ou aumentar um tributo por meio de lei, conforme transcrição da CRFB que segue: “Art. 150 da CF/88: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao DF: I. Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça Art. 97 do CTN: Somente a lei pode estabelecer: I.  A instituição de tributos, ou a sua extinção.” Em regra, a lei apta a instituir tributos é a lei ordinária. Destarte, há casos de tributos federais que obedecem ao princípio da legalidade, mas devem ser criados por lei complementar. Exemplo disso é a possibilidade de majoração ou redução de alíquotas pelo poder executivo do IPI, dada a sua característica extrafiscal e função regulatória. Assim, conceitua-se o princípio constitucional da legalidade como sendo de fundamental importância para o direito tributário, posto que se trata de um dos norteadores do ordenamento jurídico brasileiro, que tem como escopo assegurar a obediência da sociedade aos dispositivos legais. 3.2. Princípio da supremacia do interesse público As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E, se, como visto, não estiver presente este objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade. (FILHO, 2006)[5] O princípio da supremacia do interesse público é característico do regime de direito público e é um dos pilares do regime jurídico-administrativo. Ao existir conflito entre o interesse público e o particular, deverá prevalecer o primeiro, desde que respeitadas às garantias individuais e os direitos assegurados na CRFB/88. O princípio aqui analisado permite a criação dos tributos com fins eminentemente fiscais. Ele enfatiza a superioridade do interesse público em detrimento do privado a fim de que se tenha uma ordem social. Celso Antônio Bandeira de Mello trouxe em sua obra que a supremacia do interesse público “Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobra a do particular, como condição, até mesmo, de sobrevivência e asseguramento deste último”. Nesse sentido, Marcus de Freitas Gouvêa (2006, p.43) menciona que a extrafiscalidade é característica “Decorrente da supremacia do interesse público, que fundamenta juridicamente, a tributação com fins diversos do puramente arrecadatório”. Por meio dos conceitos acima expostos, nota-se que não é o indivíduo em si o destinatário da atividade estatal, mas sim o grupo social como um todo. Dessa forma, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado permite que o Estado, na busca de realização de seus fins e autorizado pelo interesse da coletividade, exija o sacrifício de recursos patrimoniais do indivíduo. 4. A receita derivada A priori, é importante se falar um pouco da receita derivada, que é aquela proveniente da economia privada, composta de Tributos, Ingressos Parafiscais, Ingressos Extrafiscais e Multas. O tributo é o mais importante recurso da receita derivada do Estado e possui como espécies: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições especiais e o empréstimo compulsório. Consoante Hugo de Brito Machado “O objetivo do tributo sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo finalmente os efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina função extrafiscal.”      A parafiscalidade consiste na destinação dos recursos ao parafisco, isto é, aos órgãos que, não pertencendo ao núcleo da administração do Estado, são paraestatais, incumbidos de prestar serviços paralelos através de receitas paraorçamentárias. Podemos citar como exemplos de contribuições de categorias profissionais e econômicas que foram incorporadas ao Sistema Tributário o SESC, SENAI e o SENAC.      As receitas de multas e penalidades, fiscais ou não, também compõem a receita pública derivada. Por fim, temos os ingressos extrafiscais, que serão analisados de forma detalhada no presente artigo. 5. A extrafiscalidade Diferentemente da imposição tradicional (tributação fiscal), que visa exclusivamente à arrecadação de recursos financeiros (fiscais) para promover o custeio dos serviços públicos, a tributação extrafiscal é aquela que almeja fins diversos da captação de recursos para o erário, com nítido caráter de interferência no domínio econômico. Nesse diapasão, se inserem como objetivos da extrafiscalidade: a distribuição de renda e terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial e principalmente, a implementação de políticas públicas. Geraldo Ataliba[6] ensina que “Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados”.  Ricardo Lobo Torres[7] defende que “A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias.” A utilização do imposto com caráter de extrafiscalidade é amplamente aceita pela doutrina. Hely Lopes Meirelles[8] menciona em sua obra que “A extrafiscalidade é a utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atividades reputadas convenientes ou inconvenientes à comunidade. É o ato de polícia fiscal, isto é, de ação de governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menor imposição tributária. Modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta particular”. (grifo nosso) A extrafiscalidade pode se constituir na dimensão finalista do tributo, ou em categoria autônoma de ingressos públicos. No Brasil, as prestações extrafiscais, como categorias autônomas, desapareceram com a Emenda Constitucional n. 01/69.      Nesse diapasão, a extrafiscalidade, diluída na fiscalidade, é aplicada como forma de política econômica, destinando-se, por exemplo, ao desestivos a saúde (álcool e fumo) com a alta tributação de ICMS e IPI (seletividade em função da essencialidade do produto). A extrafiscalidade encontra-se adstrita ao interesse público. Conforme Hely Lopes Meirelles, “são as aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrativa, ou parte expressiva de seus membros”.      É importante atentar para o fato de que os efeitos extrafiscais da norma tributária utilizam-se do instrumento financeiro para a provocação de certos resultados econômico-sociais, como por exemplo, estimular a compra de determinado produto, como é o caso dos carros no Brasil, que tiveram recentemente a redução do IPI a fim de incrementar as vendas do setor automobilístico, protegendo, desta forma, a indústria nacional da crise econômica deflagrada em 2008 nos Estados Unidos com a quebra de vários bancos, ao mesmo tempo que promoveu o desenvolvimento econômico brasileiro.      A finalidade extrafiscal da norma tributária constitui-se na aplicação de um modelo jurídico-tributário para a consecução de objetivos que prevalecem sobre os fins meramente arrecadatórios de recursos financeiros para o Estado. Desta forma, o valor finalístico que o legislador coloca na lei tributária deve atender às necessidades na condução da economia ou correção de situações sociais indesejadas ou mesmo a possibilidade de fomento a certas atividades ou ramo de atividades. Conforme Bruno Cardoso Bandeira de Mello, através de alterações determinadas pela necessidade política, pode-se incentivar ou desestimular determinada conduta, ao mesmo passo que também se pode restringir ou induzir determinado comportamento dos consumidores ou combater a ingerência do capital estrangeiro, muitas vezes prejudicial aos interesses das empresas nacionais.      Percebe-se, portanto, que o legislador, ao prever determinados impostos, abandonou um pouco a questão arrecadatória, e preocupou-se em ter em mãos um instrumento útil, que fosse capaz de direcionar a economia nos rumos determinados pelos dirigentes estatais. 6. Breves considerações sobre o IPI O art. 153, IV da CRFB de 1988 estabelece ser de competência da União à instituição do IPI, observados os critérios da lei 4.502/64 e do decreto 4.542 de 2002, que aprovou a tabela de incidência do IPI, mais conhecida como TIPI, que estabelece as alíquotas aplicadas a cada produto. A União, na forma do art. 153, IV da CF, poderá instituir: “IV- Imposto sobre produtos industrializado.”  Eduardo Sabbag traz em sua obra que (pág. 1122, 2012) “O IPI é imposto real, recaindo sobre uma determinada categoria de bens, ou seja, produtos da indústria. É gravame federal de forte interesse fiscal, uma vez que representa importante incremento no orçamento do Fisco. Paralelamente a essa importante função arrecadatória, que lhe é ínsita, perfaz relevante função regulatória de mercado, uma vez que vem onerar mais gravosamente artigos supérfluos e nocivos à saúde, tal mecanismo de regulação se manifesta na busca da essencialidade do produto, variando a exação na razão inversa da necessidade do bem.” Kiyoshi Harada enfatiza que “A tendência do IPI é restringir-se à tributação de produtos considerados suntuários ou de luxo, como o que o imposto passará, efetivamente, a ter caráter seletivo, contribuindo para a consecução da justiça social, já que indiscutível sua natureza de imposto de consumo.”      Ao referido imposto real, conforme disposto no parágrafo terceiro do artigo 153 da CRFB, aplica-se o caráter da não cumulatividade e da seletividade, em razão da essencialidade do produto. 7. A redução da alíquota do ipi a fim de equilibrar a economia brasileira Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento da humanidade, a economia mundial está toda interligada e as crises podem ser rapidamente dissipadas e afetar a todos os países dela dependentes em tempo mínimo. A fim de amenizar as crises, os governos vêm adotando políticas intervencionistas em casos extremos ao longo da história. Exemplos desse tipo de intervenção foram os realizados pelos presidentes norte-americanos Franklin Delano Roosevelt e John Maynard Keynes, com o intuito de combater a famosa crise de 1929. Com a análise do contexto histórico mundial, percebe-se que a crise financeira de 2008 – que viera atingir o Brasil e deflagrar a redução da alíquota do IPI- começou nos Estados Unidos como uma crise no pagamento das hipotecas. Vários bancos tiveram perdas bilionárias e alguns vieram a quebrar. No Brasil, a crise não afetou diretamente os bancos, todavia, atingiu vários setores devido a forte contração de crédito. É imperiosa a observância à realidade nacional no tocante à adoção de políticas públicas que obtiveram sucesso no exterior. O fomento à aquisição de produtos industrializados- os da linha branca e os da indústria automobilística- por meio da política da redução de alíquotas de produtos industrializados, seria responsável por estimular o consumo, ocasionando, desta forma, no equilíbrio econômico e evitaria uma deflação- queda abrupta de preços. Com o intuito de amenizar os prejuízos causados pela crise mundial deflagrada em 2008, o governo brasileiro optou pela redução da alíquota do IPI. Tal incentivo, segundo dados, surtiu efeitos positivos. O maior crescimento ocorreu em dezembro de 2009, onde houve o aumento de 50% das vendas quando comparado ao mesmo período em 2008, segundo os dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Portanto, diante de todo o estudo neste artigo realizado, percebe-se a importância da extrafiscalidade dos tributos para a regulação da economia de um país, de forma que o Estado conseguiu reestruturar todo o setor automobilístico com a simples medida de reduzir a alíquota da base de cálculo do IPI a zero por cento, incrementando a economia automobilística e, consequentemente, reestruturando a economia brasileira afetada com a crise americana de 2008. 8. Conclusão OWelfareState foi o precursor dos ideais de que o Estado é o agente responsável pela democracia social, visto que é através do poder governamental que resultam todos os outros processos reguladores da sociedade, que proporcionam a efetivação dos direitos conferidos na Constituição Federativa da República Brasileira de 1988. Pode-se conceituar o princípio constitucional da legalidade como sendo de fundamental importância para o direito tributário, posto que se trata de um dos norteadores do ordenamento jurídico brasileiro, que tem como escopo assegurar a obediência da sociedade aos dispositivos legais. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado permite que o Estado, na busca de realização de seus fins e autorizado pelo interesse da coletividade, exija o sacrifício de recursos patrimoniais do indivíduo. A receita derivada, proveniente da economia privada, é composta por Tributos, Ingressos Parafiscais, Ingressos Extrafiscais e Multas. A finalidade extrafiscal da norma tributária constitui-se na aplicação de um modelo jurídico-tributário para a consecução de objetivos que prevalecem sobre os fins meramente arrecadatórios de recursos financeiros para o Estado. Assim, o valor finalístico que o legislador coloca na lei tributária deve atender às necessidades na condução da economia ou correção de situações sociais indesejadas ou mesmo a possibilidade de fomento a certas atividades ou ramo de atividades. O legislador, ao prever determinados impostos, deixou de lado a questão arrecadatória e preocupou-se em ter em mãos um instrumento útil, que fosse capaz de direcionar a economia nos rumos determinados pelos dirigentes estatais. O IPI é um imposto instituído pela União de caráter nãocumulativo e seletivo. Além de tudo, perfaz relevante função regulatória de mercado, uma vez que vem onerar mais gravosamente artigos supérfluos e nocivos à saúde, tal mecanismo de regulação se manifesta na busca da essencialidade do produto, variando a exação na razão inversa da necessidade do bem. Com a crise de 2008 que abalou a economia norte-americana, o sistema econômico de vários países do mundo foi afetado, e com o Brasil não foi diferente. O governo brasileiro resolveu intervir na economia baixando a alíquota do IPI, de forma a aumentar o consumo e reerguer a então abalada indústria automobilística. Tal incentivo do Poder Executivo logrou êxito, aumentando o poder aquisitivo dos brasileiros na compra de automóveis, ao mesmo tempo que equilibrou o sistema econômico brasileiro. Diante do exposto, vislumbra-se na prática a importância da extrafiscalidade dos tributos para o equilíbrio da economia brasileira, servindo como poder regulador executado pelo Executivo a fim de equilibrar a economia e proporcionar a implementação de medidas públicas viáveis que não visam somente a arrecadação, mas que tenham, sobretudo, fins sociais, que contribuam para o desenvolvimento e melhoria de vida dos cidadãos.
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O processo tributário no estado democrático de direito: limites e reflexões sobre as limitações ao poder de tributar
O presente estudo apresenta como fundamental objetivo a análise do sistema tributário no Estado Democrático de Direito, que descreve os tributos, competência tributária,limitações e reflexões aopoder de tributar. Através do estudo se buscará responder quais são as espécies tributárias previstas no ordenamento jurídico brasileiro, bem como debater questões inerentes à distribuição de competência para tributação, estabelecida pela Constituição Federal, bem como se abordam assuas limitações. Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem problemática qualitativa, em que se analisa a estrutura do sistema tributário nacional, assim como os tributos nele existentes, a competência para instituí-los e também as limitações inerentes a esse poder. Para isto foram levantadas questões relacionadas ao direito tributário, conceitos, definições e fundamentação legal. Os resultados mostram que o sistema tributário nacional é realmente muito complexo e demanda um estudo sistemático e lógico para sua compreensão. Embora o estudo não tenha esgotado o tema em análise, proporcionando leitor a compreensão mais detalhada acerca do direito tributário. Pode-se concluir que é necessário que todo cidadão brasileiro saiba como funciona o sistema tributário de seu país para que possa auxiliar no controle social. Dessa forma, considera-se que as discussões levantadas foram debatidas suficientemente a fim de proporcionar um mínimo – essencial de entendimento por parte dos leitores sobre o assunto ora debatido.
Direito Tributário
1. Introdução Diante da necessidade e relevância da participação popular na fiscalização das atividades estatais, surge a necessidade de conhecimento jurídico – tributário por parte do cidadão para que este esteja apto a fiscalizar as atividades do Estado e exercer seu papel no controle social. Nesse sentido, sabe-se que o direito tributário é um dos ramos mais importantesdo direito público, pois rege as relações jurídicas que se estabelecem entre cidadão e Estado, no que diz respeito à instituição, fiscalização e arrecadação de tributos. Diante disso, faz-se mister que todo cidadão compreenda a estrutura do sistema tributário na sociedade na qual está inserido, para que possa fiscalizar as atividades do Estado e exercer o controle social. No entanto, o sistema tributário nacional não é simples, pois envolve diversos conceitos, peculiaridades e exceções, o que acaba, por vezes, impedindo que a maior parte da sociedade compreenda como se estrutura o sistema e de que forma se estabelece a divisão de competências para tributar, bem como quais são os tributos nele previstos. É, portanto, perceptível que ele é bastante complexo e seu domínio é de suma importância, não somente para profissionais da área jurídica ou empresarial, como também para toda sociedade, tendo em vista que a compreensão do conjunto – sistema – auxilia na efetivação do controle social e na construção do conhecimento sobre cada um dos tributos existentes no país (os quais são pagos pelos cidadãos e empresas) e quais entes federados possuem competência tributária para exigi-los e as limitações inerentes. Desse modo, a pesquisa justifica-se pela necessidade iminente de debate e esclarecimento acerca da estrutura do sistema tributário no Estado Democrático de Direito, suas competências e limitações. Visando sanar eventuais dúvidas e confusões, bem como trazer conceitos e especificações, fator este que motivou a escolha do tema. Além de apontar, ao final do estudo, as conclusões relacionadas ao assunto que podem, futuramente, ser abordadas com mais afinco por outros pesquisadores, haja vista a já mencionada infinidade de detalhes, regras e exceções que permeiam o direito tributário. Dessa forma, ciente da relevância do sistema tributário nacional, o estudo visa realizar uma abordagem conjunta sobre o mesmo, bem como trazer a discussão os tributos constantes no ordenamento e suas competências, a fim de responder o seguinte questionamento: O conhecimento do sistema tributário pelo cidadão lhe confere o empoderamento necessário à fiscalização das atividades do Estado e ao controle social? Para tanto, buscar-se-á, no decorrer da pesquisa, analisar cada um dos tributos abarcados pelo ordenamento jurídico nacional, relacionando a competência ao poder de tributar, a fim de avaliar como se estrutura o sistema tributário nacional, distinguir cada um dos tributos existentes, bem como verificar a competência tributária destes e a existência de limitações ao poder de tributar. A fim de responder ao questionamento ora levantado, será feita uma pesquisa descritiva, pois irá apurar questões relevantes e pertinentes de como se estrutura o sistema tributário nacional, detalhando impostos e competências. Segundo Gil (1999), essa pesquisa descreve as características de determinada população ou fenômeno ou ainda, estabelece as relações entre as variáveis.  Além disso, será feita uma abordagem qualitativa do problema, que proporciona ao investigador maior liberdade teórico-metodológica para a pesquisa, onde os limites de iniciativa são fixados, mediantes condições mínimas de exigência, que estipulam que a pesquisa deve ser coerente, consistente e original (DIEHL, 2004). Nesses termos, é notável que a abordagem qualitativa representa maior grau de liberdade ao pesquisador, se comparada com a quantitativa, que tem seu foco principal na quantificação das informações coletadas e, por isso, será utilizada. Os procedimentos técnicos serão feitos mediante pesquisa documental. 2O sistema tributário no estado democrático de direito Antes de abordar definições essenciais à compreensão do direito tributário, julga-se importante fazer uma breve menção ao Direito como Ciência e seu papel dentro do Estado. As sociedades mais primitivas, independente de conhecimento jurídico formal, pautavam-se num conjunto de regras, princípios, costumes e tradições comumente aceitos, que regiam a conduta dos membros da comunidade. Assim, deviam ser seguidas por todos para que houvesse um mínimo de ordem social e para tornar possível a convivência harmônica.      Importante ressaltar, também, que o “ordenamento pré-histórico” existente nas comunidades antigas variava se comparado a outras comunidades, e é assim até hoje, pois cada país possui sua ordem jurídica, com características e disposições próprias e dotadas de peculiaridades. Haja vista que o Direito não é imutável, ele vai sendo aperfeiçoado e evoluindo com o passar do tempo, sempre buscando atender as demandas sociais, que se transformam de forma constante e ininterruptamente. Afirma Reale (2012, p.2) que: “o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. É a razão pela qual um grande jurista contemporâneo, Santi Romano, cansado de ver o Direito concebido apenas como regra ou comando, concebeu-o antes como realização de convivência ordenada.”      Desse modo, o Direito se faz necessário a toda sociedade, mais do que isso, ele é indispensável para que haja coexistência pacífica, ordenada, justa e igualitária. O renomado doutrinador Hely Lopes Meirelles (2002, p. 35) traz uma definição clássica sobre direito, para ele, o direito é “o conjunto de regras de conduta coativamente imposta pelo Estado. (…) é o complexo das condições existenciais da sociedade, asseguradas pelo Poder Público. Em última análise, o Direito se traduz em princípios de conduta social, tendentes a realizar Justiça”. Pode-se inferir, portanto, de modo simplório que o direito pode ser considerado um conjunto de regras e princípios de caráter coercitivo, imposto privativamente pelo Estado, que detém a soberania nacional, a todos seus habitantes. O direito, como se sabe, possui diversos ramos. O direito tributário pertence ao ramo de direito público, assim como o penal, administrativo, etc, pois é responsável por regulamentar as relações entre particulares e Estado, no tocante à instituição e cobrança de tributos. Para Balthazar (2005), a ideia de tributo e, sobretudo, de imposto se consolidou após a Revolução Francesa, tendo por consequência a distinção entre o patrimônio do governante e do erário público, que até então se confundiam, pois, os reis ou senhores feudais exigiam tributos de acordo com seus interesses particulares. Surge então, a partir daí a noção de direito tributário, que para melhor compreensão, julgo pertinente elencar definições que expressam a percepção dos mais renomados juristas da área. Casalino (2002, p. 26) define o direito tributário como “o conjunto de normas jurídicas que disciplina a relação entre Estado e particular, regulamentando a instituição, fiscalização e arrecadação de tributos”. Já Hugo Brito Machado (2011, p. 50) afirma que “é possível conceituar o direito tributário como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas às imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”. Sabbag (2012, p. 41) define direito tributário como: “Ramificação autônoma da Ciência Jurídica, atrelada ao direito público, concentrando o plexo de relações jurídicas que imanem o elo “Estado versus contribuinte”, na atividade financeira do Estado, quanto à instituição, fiscalização e arrecadação de tributos. ” Assim, o direito tributário apresenta-se como uma ramificação da ciência jurídica, que está vinculada ao direito público, que cuida das relações entre Estado e fisco. Ressalta-se, no entanto, que direito tributário e ciência do direito não se confundem. Tal como observa Machado (2001, p.42): “[…] Direito tributário é um conjunto de normas. Ciência do Direito Tributário é o conhecimento que se tem desse conjunto de normas. Da mesma forma acontece com qualquer outro ramo do Direito. O Direito é um conjunto de normas, enquanto a respectiva ciência é o conhecimento que se tem dele”.      Percebe-se, nesse contexto, que o direito tributário corresponde ao conjunto de normas, ao passo que a ciência do direito tributário corresponde ao conhecimento científico que se tem a respeito do tema, ou seja, desse conjunto de normas. O objeto da ciência do direito é, pois, o direito positivo. Para Miguel Reale (1990, p. 3), “a Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual”.  Assim, a ciência do direito objetiva o estudo do direito positivado. No que diz respeito ao direito tributário, esse objetivo (estudo) se dá através do conjunto de normas jurídicas tributárias. Importante frisar, ainda, que de acordo com a Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre direito tributário (art. 24, I, CF/88). Por fim, Casalino (2012, p. 33) diz que “o direito tributário disciplina a transferência obrigatória de parte da riqueza produzida pelos particulares aos cofres públicos”. Logo, todas as definições aqui expostas vão ao encontro da ideia de que o direito tributário torna legítima a capacidade do Estado para alcançar o patrimônio particular do cidadão, que ocorre através da tributação, além de proteger o cidadão dos abusos de poder por parte do Estado por meio das limitações à capacidade de tributar, que será abordada no último tópico do estudo. No tópico seguinte se levantará os conceitos de tributo, imposto e competência tributária, bem como uma abordagem esmiuçada sobre cada um dos tributos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, assim como suas peculiaridades. 3 Tributos e competência tributária      Sabe-se que são inúmeras as espécies de tributos previstas no ordenamento jurídico brasileiro, as quais são distribuídas aos os entes federados através da atribuição de competência para tributar,conferida pela Constituição Federal. Tributo e imposto, ao contrário do que muitos pensam, não são sinônimos. Imposto é apenas uma espécie dentro do gênero (tributo). O tributo, conforme já mencionado, é tão antigo quanto a sociedade. O seu conceito está implícito na Constituição Federal (CF), porém, encontra definição explícita no art. 3° do Código Tributário Nacional (CTN), que o define como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Ao passo que impostos, conforme art. 16 do CTN, são tributos “cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.  Portanto, tributo e imposto não se confundem, não sendo possível, desse modo, tratá-los como sinônimos. Segundo Ataliba (2002, p.34), tributo pode ser conceituado como “a obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos)”. Já Amaro (2006, p. 25), afirma, de forma sucinta, que “tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”. Diante das definições expostas, pode-se inferir que o conceito de tributo engloba vários elementos, nos termos do art. 3° do CTN, os quais: a) é obrigatório (compulsório), ou seja, independe da vontade das partes, não representando, portanto, uma obrigação contratual; b) a obrigação (de pagar) deve ser exercida através de dinheiro – moeda corrente nacional ou valor que nela se possa exprimir, salvo casos de admissão de extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento de bens imóveis, instituído pela LC n° 104/2001; c) não deve advir de ato ilícito, ou seja, sua obrigação não poderá decorrer de ato ilegal; d) deve ser instituído por lei, em conformidade com o Princípio da Legalidade; e e) deve ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, o que quer dizer, em outras palavras, que o órgão administrativo não pode utilizar-se da discricionariedade para definir quem deve e quem não deve pagar, haja vista que o tributo decorre da lei e aplica-se a todos. Compreendida a definição do conceito de tributo, analisemos o artigo 145 da Constituição Federal, o qual diz que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: impostos, taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; e contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Nessa linha de pensamento, os tributos previstos no ordenamento jurídico são: impostos, as taxas e contribuição de melhoria. No entanto, a carta magna prevê mais duas espécies de tributos, nos artigos 148 e 149, que são as contribuições sociais e o empréstimo compulsório. Diante disso, travou-se uma discussão doutrinária sobre a classificação dos tributos, pois parte da doutrina entende que a classificação de tributos compreende apenas os descritos no art. 145 da CF, ou seja, impostos taxas e contribuição de melhoria e outra parte considera também as contribuições e o empréstimo compulsório como espécies de tributo.      Sobre o assunto ora mencionado, se faz necessário um breve apontamento sobre quais são as correntes existentes, pois o tema já foi levado ao Superior Tribunal Federal, que firmou entendimento. A primeira corrente é denominada bipartida, a segunda tricotômica e a terceira quinquipartida (ou pentapartida). A primeira corrente (bipartida), defendida principalmente por Ataliba, diz que os tributos vinculados são aqueles em que a hipótese de incidência está relacionada, diretamente, a uma contraprestação estatal específica (taxas e contribuição de melhoria), enquanto os não vinculados têm sua hipótese de incidência em qualquer outro fato, que não gera uma prestação estatal específica (impostos). A segunda corrente, defendida por Carraza, Carvalho e outros,considera uma classificação com base no art. 145 da CF e no art. 5° do CTN ao afirmar que as espécies tributárias se restringem às previstas no art. 145 da CF. Ainda, segundo essa corrente, a destinação final do tributo não serve para classificar as espécies tributárias, portanto, desconsidera a forma de classificação adotada pela primeira (bipartida). A terceira corrente tem por base a segunda, (também parte dos incisos do art. 145 da CF), porém considera, ainda, as contribuições e empréstimos compulsórios. Essa corrente é defendida, principalmente por Amaro, e também adotada pelo Superior Tribunal Federal (STF), conforme demonstra o seguinte trecho, extraído do julgamento do RE n° 146.733/SP: “[…] a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais e econômicas.” Percebe-se, portanto, que predomina a corrente pentapartida, adotada pelo STF e, por isso, podemos concluir que os tributos existentes no ordenamento jurídico nacional são impostos, taxas, contribuição de melhora, contribuições e empréstimo compulsório. Antes de analisar cada uma das referidas espécies tributárias é necessário debater a noção de poder de tributar e o conceito de competência tributária para que então, se aborde os tributos. O poder de tributar advém da soberania e à ela está intimamente. Segundo Marcelo Caetano (1987, p. 169), a soberania “é o poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos”. Desse modo, sendo o Estado soberano, este detém o poder de tributar, tal como se observa no supracitado artigo 145 da CF, que dispõe sobre a instituição de tributos pelos entes federados. Segundo Machado (2007, p. 55), “a tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica (…)”. O Estado necessita, por óbvio, de recursos para se manter e atender as demandas sociais e, para isso, é necessário arrecadar, arrecadação esta que se dá, principalmente, através da instituição de tributos. Portanto, a soberania fundamenta o poder de tributar, ou seja, é necessário que o Estado seja soberano na sua ordem para que exerça efetivamente este poder, sempre observando as limitações estabelecidas pelo legislador, as quais devem ser fielmente observadas. Surge, então, o conceito de competência tributária, que se origina da noção de soberania do Estado. No Brasil, o poder de instituir tributos é repartido entre todos os entes federados, ou seja, cabe a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, concomitantemente. Amaro (2006, p. 93) afirma que “o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição”. Nas palavras de Amaro (2006, p. 94), “(…) temos assim a competência tributária — ou seja, a aptidão para criar tributos — da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos.” Portanto, a competência tributária nada mais é do que o poder (limitado) dos entes federativos para criar tributos, poder este conferido pela Constituição.  A instituição de tributos ocorre, então, sempre de acordo com a competência do ente e dentro dos limites legais. Ressalta-se ainda, que a competência tributária é um poder indelegável, tal vedação é expressa no art. 7°, §3° do CTN, que traz a seguinte redação, in verbis: “a competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.” Nesses termos, destaca-se que a competência tributária é indelegável, porém, atribuições inerentes à arrecadação e fiscalização de tributos, assim como as de executar leis, serviços ou atos administrativos em matéria tributária podem ser delegadas, as quais são denominadas capacidade tributária. A delegação da capacidade tributária, por sua vez, poderá ser feita pela própria Constituição Federal ou, ainda, por lei do ente tributante, após criado o tributo, observada a competência tributária do ente federativo. Sendo assim, é vedada a delegação de competência tributária e permitida a delegação da capacidade tributária a outro ente de direito público, nos termos da Constituição Federal e da legislação do ente tributante. Analisa-se, agora, a divisão de competências estabelecidas pela Constituição Federal, que dá forma à atual estrutura do sistema tributário nacional, mediante apontamento de cada um dos tributos existentes no ordenamento e seu fundamento legal. Os impostos são divididos por competência, ou seja, exclusivos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, ao passo que as taxas e contribuições de melhoria podem ser instituídas por qualquer um dos entes federados, desde que preenchidos os requisitos de exigibilidade. Já o empréstimo compulsório e as contribuições sociais competem privativamente à União. Quanto aos impostos, cabe aos Municípios instituir: imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), transmissão inter vivos (ITBI) e sobre serviços de qualquer natureza (com exceção dos compreendidos no art. 150, II da CF, que são de competência Estadual e do Distrito Federal) (art. 156 CF). Aos Estados e ao Distrito Federal, de acordo com art. 155 da CF, compete instituir: imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD), operações relativas à circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal de comunicação (ICMS), propriedade de veículos automotores (IPVA) e sobre os serviços constantes no art. 155, II da Constituição.  À União cabe instituir: imposto sobre importação (II), exportação (IE), produtos industrializados (IPI), renda (IR), operações financeiras (IOF), propriedade territorial rural (ITR), grandes fortunas (GF), conforme dispõe o art. 153 da Carta Magna. Ressalta-se, novamente, que os impostos não exigem contraprestação específica por parte do Estado, tal qual se observa na redação do art. 16 do CTN. As taxas, por sua vez, são tributos vinculados e, por isso, estão condicionadas a uma contraprestação específica estatal. Segundo art. 77 do CTN, as taxas “têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”. Hector Villegas (1980, p. 96) define taxa como “tributo cuja hipótese de incidência está vinculada a uma atividade do Estado, divisível e inerente à sua soberania, relacionada diretamente com o contribuinte”. Assim, entende-se que a taxa é um tributo vinculado, ao contrário dos impostos, pois é necessário que o valor arrecadado através dela seja utilizado para custear o serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p.91), “taxa é a espécie de tributo que compreende atividade estatal específica em relação ao contribuinte, em razão da prestação de serviço público específico e divisível ou do poder de polícia estatal.” Desse modo, compete a todos os entes federados a instituição de taxas, nos termos do art. 145, II da Constituição Federal, desde que ocorrido o fato que legitima sua instituição, oriundo de prestação de serviço público ou de regular exercício do poder de polícia. A contribuição de melhoria, assim como as taxas, é um tributo de competência comum dos entes federados, nos termos do art. 81 da Constituição, que traz a seguinte redação, in verbis “A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”. No entanto, a contribuição de melhoria é uma espécie de tributo exigível exclusivamente para fazer frente ao custo do poder público em decorrência de obras públicas que importem em valorização imobiliária de particulares, sempre limitada ao valor máximo da obra, haja vista que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento firmado no sentido de que é necessário que haja nexo de causalidade entre a obra e a valorização do imóvel. Hugo de Brito Machado (2011, p. 455) descreve a contribuição de melhoria como “a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis” Logo, pode-se afirmar que as taxas e as contribuições de melhoria são de competência de todos os entes federados, porém, tem características peculiares que necessitam ser cumpridas para que somente então possam ser exigidas. O empréstimo compulsório pode ser instituído por Lei Complementar apenas pela União, nos termos do art. 148 da CF, visando atender despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra, ou investimento público de caráter urgente e de interesse nacional. O art. 15 do CTN também trata do empréstimo compulsório, ao afirmar, em outras palavras, o que traz o art. 148 da Constituição, afirmando que “Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios: I – guerra externa, ou sua iminência; II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo”. Temos então, na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional a previsão legal que legitima a instituição da espécie tributária denominada empréstimo compulsório, porém, cumpre salientar que é algo extremamente excepcional. No entanto, é passível de cobrança e, portanto, demanda debate e certa atenção. Por fim, as contribuições, que são consideradas pela maior parte da doutrina como espécies autônomas e encontram previsão legal esculpida no art. 149 da Constituição, que estabelece, in verbis, que “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. As contribuições podem ser sociais, de intervenção no domínio econômico (CIDE) ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas, e possuem receita vinculada. Segundo Greco (2004, p. 144) “Contribuição é categoria distinta dos tributos cujas leis instituidoras estão validadas condicionalmente. Contribuição não é imposto nem taxa. É categoria à parte, sujeita a critério distinto de validação e à disciplina inconfundível. Pretender reduzir a contribuição a um imposto ou a uma taxa é negar a qualificação constitucionalmente adotada; é confundir o que a Constituição distingue”. Tendo claras as noções de poder de tributar, distribuição de competência, tributos, imposto, taxas, contribuição de melhoria e contribuições sociais, passa-se a debater, no tópico seguinte, as limitações a esse poder de tributar, que conforme já mencionado, não é ilimitado. 4 Limitações ao poder de tributar: limites e reflexões A fim de evitar abuso ou excesso de poder, a própria Constituição Federal estabelece limitações ao poder de tributar, por meio de princípios, os quais devem ser observados por todos os entes federados, sem distinção, ou seja, pelos Estados, Distrito Federal, Município e até mesmo pela própria União. Os princípios trazem fundamentos, que norteiam o sistema jurídico. De acordo com Carraza (1997, p. 31), “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.” Assim, percebe-se que os princípios carregam grande valor axiológico e são de fundamentais, pois são aplicados nas mais diversas áreas de estudo do direito. Bandeira de Mello (1996, p. 451) define princípio como “[…] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome Sistema Jurídico Positivo”. Desse modo, os princípios podem ser observados de forma explícita ou implícita na Constituição Federal ou legislação específica e podem sim interagir entre si, bem como se complementar. Não possuem, portanto, relação de superioridade uns com os outros, visto que servem para nortear, fundamentar, preencher vazios e dar coesão ao sistema normativo, tornando-lhe harmônico. Atentar-se-á, no estudo, apenas aos principais princípios que limitam o poder de tributar do estado, sendo importante destacar que existem inúmeros outros, também relevantes, porém em situações mais singulares e que por isso não serão abordados aqui. Por esta razão se reitera o entendimento de que a pesquisa não tem condão de esgotar o estudo sobre o tema, uma vez que ele é extremamente amplo e pode ser debatido com afinco sob inúmeros pontos de vista e questões peculiares ou controversas. Um importante princípio limitador do poder de tributar é o Princípio da Legalidade. O princípio da legalidade é amplamente utilizado em todo e qualquer ramo do direito, visto que tem sua previsão constitucional explícita no art. 5°, II, que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude da lei. No direito tributário não é diferente, depreende-se do princípio da legalidade a ideia expressa no art. 114 do CTN, que diz que “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, uma vez que sem previsão legal não há hipótese de incidência e, consequentemente, dever de pagar o tributo. Ainda, o art. 150 da Constituição Federal estabelece que “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. O princípio da Legalidade é uma garantia conferida ao contribuinte para protegê-lo dos abusos de poder por parte da administração pública, ou seja, o administrador público não pode valer-se de sua liberdade discricionária para instituir os impostos que bem entender ou julgar conveniente sem a devida previsão legal que o autorize a fazer. Luciano Amaro (2011, p. 134) afirma que “Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei.” No entanto, vale lembrar que existem quatro principais exceções ao princípio da Legalidade. São elas a expressa no art. 97, §2° do CTN, a do art. 153, § 1° da CF, art. 177 § 4°, I, b da CF e art. 155, § 4°, IV da CF. A primeira diz respeito à atualização de valor da base de cálculo de tributo, a qual não é considerada majoração, a segunda se refere à possibilidade do Executivo majorar ou reduzir alíquotas dos impostos de importação (II), exportação (IE) e sobre operações financeiras (IOF) como forma de regular-estimular a economia. A terceira se refere à possibilidade de redução de alíquota do CIDE por meio de decreto presidencial e a quarta diz respeito à possibilidade de definição de alíquotas para ICMS decorrente de operações sobre combustíveis. Outro princípio de fundamental relevância é o princípio da anterioridade, o qual desdobra-se em três: anterioridade (geral), nonagesimal e especial. Segundo Carraza (2003, p.172) o princípio da anterioridade “veicula a ideia de que deve ser suprimida a tributação de surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele não permite que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar sua vida econômica.” O princípio da anterioridade encontra-se previsto de forma explícita no art. 150, III, b, da Constituição Federal e dispõe que é vedado à União, Estados, ao Distrito Federal e Municípios a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro. Ou seja, um novo tributo instituído somente passa a ser exigível no exercício financeiro subsequente. Ressalta-se que o exercício financeiro coincide com o exercício civil, conforme dispõe o art. 34 Lei 4.320/64. Contudo, o princípio da anterioridade geral não se aplica às hipóteses de redução ou extinção de tributos, tendo em vista que não causa prejuízo ao contribuinte, conforme entendimento constante no RE 245.124-0/PR.      Já o princípio da anterioridade nonagesinal encontra-se previsto no art. 150, III, “c” da CF, o qual veda aos entes federados a instituição de tributos antes de transcorridos 90 dias da publicação da lei que majorou ou instituiu o tributo. Isto é, ainda que o tributo tenha sido instituído ou majorado no último mês do ano, ele não poderá vigorar a partir de janeiro do ano seguinte, pois deve aguardar o lapso temporal de 90 dias a contar da data da publicação da Lei que o instituiu ou majorou, como consequência direta do princípio da anterioridade nonagesimal.      O princípio da anterioridade especial, por sua vez, encontra-se previsto no art. 195, §6° da CF, que diz que “as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. Ou seja, este princípio diz respeito apenas às contribuições sociais para a seguridade social, que devem obedecer ao princípio nonagesimal e não se submetem ao princípio da anterioridade geral (anual).      Outro princípio de grande relevância é o princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, II da Constituição Federal, o princípio da isonomia tributária veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo, assim, qualquer distinção em razão de profissão ou função exercida.      Para Lacome (2000, p. 16) “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É o princípio básico do regime democrático, não se pode mesmo pretender ter uma compreensão precisa de Democracia se não tivermos um entendimento real do alcance do Princípio da Isonomia. Sem ele não há Republica, não há Federação, não há Democracia, não há Justiça. É a cláusula pétrea por excelência. Tudo o mais poderá ser alterado, mas a isonomia é intocável.” Portanto, há que se ter clara a ideia de que é absolutamente vedado o tratamento desigual entre contribuintes, sob pena de violação de um dos princípios básicos não somente do direito tributário, mas também do Estado Democrático de Direito. Quanto ao fato gerador, tem-se o princípio da interpretação objetiva do fato gerador, que tem como fundamento legal o art. 118 e 126 do Código Tributário Nacional. A partir da dos dispositivos, se extrai a ideia de que independe a validade jurídica dos atos, uma vez concretizado o fato gerador, é devido o tributo, não importando se o ato é lícito ou ilícito. Portanto, todo contribuinte que concretizar o fato gerador deverá pagar o tributo, independente da licitude do ato ou capacidade tributária.      Outro princípio de grande valia é o princípio da capacidade tributária, que defende um tratamento igualitário entre as partes com capacidade contributiva igual ou desigual. Esse princípio encontra-se expresso no art. 145, §1° da Constituição Federal. Vejamos: “§1° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Destarte, por esse princípio, devem ser tratados com igualdade aqueles que tiverem equivalente capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes capacidades de contribuir (AMARO, 2006, p. 136). Assim, os valores pagos pelos contribuintes serão graduados conforme sua capacidade contributiva, um bom exemplo de observância a esse princípio é a estrutura da tabela de IRPF, na qual constam faixas salariais onde o percentual do imposto devido aumenta de acordo com o vencimento que recebe o trabalhador, ou seja, quando maior o salário, maior a alíquota empregada e, consequentemente, maior o valor do imposto a ser pago. A necessidade de proteção ao patrimônio particular deu origem a outro princípio, o princípio da vedação ao confisco.      Esse princípio encontra-se expresso no art. 150, IV da CF e estabelece que é vedado à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios utilizar tributo com efeito de confisco. Sendo assim, é impossível que o contribuinte tenha seus bens confiscados em razão do exercício regular de tributação dos entes federados.      Luciano Amaro (2011, p. 134) afirma que “é obvio que os tributos (de modo mais ostensivo, os impostos) traduzem transferências compulsórias (não voluntárias) de recursos do indivíduo para o Estado. Desde que a tributação se faça nos limites autorizados pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação de confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada.”      Menciona-se, ainda, que apesar de ser vedado o confisco, o Estado tem procedimentos legais específicos para cobrança de contribuintes inadimplentes, tais como a inscrição em dívida ativa, precedida de notificação, ação de cobrança judicial, negativação do contribuinte inscrito em dívida ativa nos órgãos de proteção ao crédito.      Por fim, menciona-se a imunidade tributária, que embora não seja princípio, também tem condão de limitar o poder do Estado, uma vez que não permite a incidência de tributos sobre determinados órgãos ou entidades. Paulo de Barros Carvalho (1999, p. 178) conceitua imunidade como “a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.”      Nesse sentido, as entidades que gozam de imunidade tributária não estão suscetíveis ao poder de tributar dos entes federados, ou seja, sobre elas não recai a obrigação de pagar aquele(s) tributo(s).      As situações de imunidades estão dispostas na Constituição Federal, mais precisamente no seu art. 150, VI, o qual veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, templos de qualquer culto, patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, das entidades sindicais de trabalhadores, de instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos legais e também de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.      Logo, observa-se que a imunidade tributária também representa uma limitação ao poder de tributar e não deve ser confundida com isenção, pois se trata de outro instituto jurídico, que corresponde a “um favor legal consubstanciado na dispensa de pagamento de tributo devido, isto é, a autoridade legislativa evita que o sujeito passivo da obrigação tributária se submeta ao tributo. Portanto, evita-se o lançamento” (SABBAG, 2008, p. 50).      Por fim, percebe-se que todos os princípios elencados são de fundamental importância, pois agem como limitador do poder estatal, impedindo a ação indiscriminada ou discricionária do Estado, no que tange à cobrança e instituição de tributos. Portanto, são muito relevantes e, sobretudo, princípios que resguardam garantias constitucionais conferidas aos cidadãos, as quais devem continuar intactas, mesmo quanto estes cidadãos encontram-se na posição de contribuintes.  Conclusão O estudo objetivou proporcionar um debate sobre a estrutura do sistema tributário nacional, abrangendo a competência tributária dos entes federados e as limitações ao poder de tributar, a fim de responder se o conhecimento do sistema tributário pelo cidadão lhe confere ou não o empoderamento necessário à fiscalização das atividades do Estado e ao controle social. Inicialmente, foram abordadas definições de Direito como ciência e de Direito Tributário como ramo de direito público. Constatou-se que este corresponde a um conjunto de normas jurídicas tributárias voltadas à regulamentação da transmissão de recursos do cidadão (contribuinte) ao Estado, por meio do exercício da tributação. Portanto, o direito tributário regulamenta toda relação que diz respeito à instituição, fiscalização e cobrança de tributos. Tratou-se, num segundo momento, das definições de tributos, impostos e competência tributária. Além disso, foram analisadas com afinco cada uma das espécies tributárias existentes no ordenamento jurídico brasileiro (impostos: IPTU, ITBI, ITCMD, IPVA, ICMS, II, IE, IPI, IR, IOF, ITR e IGF, taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições sociais). Foram identificadas as características essenciais de cada uma dessas espécies, bem como a fundamentação legal que os embasam. Por fim, foi debatida a questão da limitação ao poder de tributar, a qual corresponde a uma limitação legal, trazida pela própria Constituição Federal e imposta ao Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ao realizar o exercício da tributação. Constatou-se que essa limitação é exposta, na maioria das vezes, através de princípios norteadores do direito e através da imunidade tributária. Foram levantados e debatidos os princípios basilares constitucionais que expressam limitações ao poder de tributar: legalidade, anterioridade, isonomia tributária, interpretação objetiva do fato gerador, capacidade contributiva, vedação ao confisco e a questão das imunidades tributárias. A partir das ideias levantadas no decorrer do estudo, pode-se concluir que o conhecimento do processo tributário no Estado Democrático de Direito, pelos cidadãos, é essencial para empoderá-los das ferramentas necessárias à fiscalização das atividades estatais e possibilitar o exercício do controle social. A abordagem realizada no decorrer do estudo leva a crer que os assuntos foram debatidos suficientemente a fim que os objetivos expostos na pesquisa fossem atingidos, a partir da análise do sistema tributário nacional, que é de conhecimento essencial a todos os cidadãos brasileiros. Portanto,o estudo além de concluir que é imprescindível o conhecimento sobre o tema ora debatido, também proporcionaao leitor (cidadão) a aquisição desse conhecimento jurídico e social, quando da sua ausência. Assim, o cidadão que se mantém bem informado estará, consequentemente, mais bem preparado para o exercício do controle social, tanto do poder Executivo quanto Legislativo, a partir da compreensão do processo tributário no Estado Democrático de Direito.
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Da admissibilidade da isenção de impostos em relação à compra de armas, munições e artefatos afins por militares da ativa, aposentados e da reserva – breves comentários acerca do Projeto de Lei 3600/2015
O presente trabalho tem por escopo discutir a PL-3600/2015 que dispõe sobre a isenção de tributos por parte de Policiais, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal, na aquisição de armas, munições e artefatos afins, de fabricação nacional e importados, e dá outras providências. O trabalho inicialmente aborda o conceito de isenção no âmbito do Direito Tributário constitucional e infraconstitucional e seu imbricamento com o Projeto de Lei 3600/2015, discriminando ainda, as competências tributárias dos entes federativos com intuito de averiguar se a união é competente para instituir isenções sobre todos os tributos constantes no projeto. Trata, também, pormenorizadamente dos tributos que serão isentos caso o projeto de Lei venha a ser confirmado, que ao nosso entender são: ICMS, II, IPI e as Taxas, e se há admissibilidade no ordenamento jurídico para aprovação (parcial ou total) do tal projeto de lei.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente estudo trata sobre o instituto da isenção, que se encontra previsto a nível constitucional no art. 150, §6°, e no plano infraconstitucional em demasiados artigos do Código Tributário Nacional.  A isenção pode ser conceituada como um benefício fiscal, sempre estabelecido em lei, consistente na escusa do pagamento da exação devida. Nesse instituto, diferentemente da imunidade tributária, há a ocorrência do fato gerador (previsto incidência tributária), e o consequente nascimento da obrigação, havendo também a dispensa legal do pagamento do tributo, porque a lei que estabelecer a isenção instituirá que o fato gerador seja isento de ônus tributário (isso não exime o contribuinte de observar as obrigações acessórias da lei tributária), quando preencher as formalidades legais dispostas na própria lei. O projeto de lei 3600 de 2015 (de autoria do Deputado Laerte Bessa) trata especificamente do instituto da isenção acerca dos tributos, que tenham como sujeitos passivos (da obrigação tributária) Policiais, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal, tendo por objeto (núcleo material da isenção), a aquisição de armas, munições e artefatos afins, que sejam de fabricação nacional ou importados. A obrigação acessória a ser perseguida pelos detentores da isenção prevista na PL-3600-2015 será unicamente a comprovação de que o adquirente (contribuinte) seja servidor elencado no caput do art. 1°, que se dará por meio da apresentação da carteira funcional, acompanhada de declaração da instituição a que está servindo, assinada pela respectiva autoridade máxima do órgão. Assevera ainda, que as armas, munições e artefatos afins, poderão ser contraídos diretamente dos fabricantes ou de revendedores, inutilizando em parte o trabalho realizado pelo SINARM.  Quanto aos Guardas Municipais deve-se observar o que determina o Art. 6º, inciso IV, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, verbis: “Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada pela Lei nº 10.867, de 2004) Tratar-se-á, ainda da identificação dos tributos que estão abrangidos pelo projeto, e quais são os entes competentes respectivos para institui-los de acordo com Sistema Tributário Constitucional Pátrio. I – DA ISENÇÃO PREVISTA NA PL 3600/2015 Isenção em termos leigos é a ação ou ato de isentar, ou seja, de livrar, escusar, abdicar ou eximir. É um privilégio (fiscal) que torna o sujeito (contribuinte) desobrigado de determinadas ações. A expressão “ter isenção” denota comportamento revestido de imparcialidade, é o agir com neutralidade, não sacrifício dos desejos ao convir de outrem. Em território nacional a isenção fiscal é a dispensa do pagamento de tributo por intermédio de lei especifica, concretizada pelo ente federativo competente para instituir a exação. No instituto da isenção não há execução do lançamento tributário, conquanto aconteça o fato gerador (previsto na hipótese de incidência) e, por conseguinte se origine a obrigação tributária. O Artigo 150 da Constituição Federal em seu caput, afirma que sem avaria as garantias afiançadas ao contribuinte, é vedado que os entes federativos pratiquem alguns comportamentos (ou que se abstenham de fazê-los), ex: não tributar sem lei, não exigir tributo desde que respeitado o princípio da anterioridade,  respeitar a capacidade econômica do contribuinte, especialmente o mínimo vital e etc. Em seu paragrafo 6° descreve o seguinte: “§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) A isenção tem de necessariamente respeitar dois pontos cruciais: a) sempre deverá ser instituída mediante lei; b) apenas o ente federativo competente para instituir o tributo poderá criar a lei imunizante (isentiva). Dito isso, após deliberar acerca da isenção no plano infraconstitucional, averiguaremos se os fatos geradores descritos na PL 3600/2015, pode serem isentados apenas por lei advinda do ente federativo denominado União, vez que o seu autor é o deputado federal Laerte Bessa (representante do legislativo federal). Em relação a legislação infra, o Art. 176 do Código Tributário Nacional assevera que a isenção é sempre decorrente de lei, e essa mesma lei tem que especificar as condições e requisitos exigidos para que haja a concessão desonerativa, ou seja, quais as circunstâncias que eximem o sujeito passivo do pagamento do tributo, e se for o caso, que trate, também, do prazo para sua duração. No caso do Projeto de Lei 3600/2015 (as circunstâncias desonerativas do pagamento dos tributos em relação à aquisição de armas, munições e artefatos afins) se resumem ao oficio exercido pelos futuros contribuintes (que devem ser necessariamente Policiais, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal). A isenção, salvo se conferida por tempo e em função de especificas condições, pode ser derrogada, ab-rogada ou transformada por outra lei (isentiva ou não), a qualquer tempo. O projeto ora estudado, não faz menção a nenhuma condição temporal para que a isenção suma do ordenamento jurídico. A única condição a ser observada na PL está presente no § 3º, do art. 1º que diz “quanto aos Guardas Municipais deve-se observar o que determina o Art. 6º, inciso IV, da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003”. A condição que o projeto alude encontra fundamento em outra lei (10.826/2003), que, a meu ver, pode ser conceituada, com a inédita nomenclatura de “Condição Desonerativa Heterônoma” vez que a fundamentação da condição está prevista em outra norma jurídica. Passemos a discutir sobre a competência tributária da União. II – A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A PL A Constituição Federal do Brasil de 1988 nos seus artigos 145, 148 e 149 trata das espécies tributárias existentes no Brasil, ou seja, delibera acerca da competência tributária dos entes federativos, verbis: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas..   Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo” (grifos nossos). Existem no Brasil, segundo a Carta Magna vigente, cinco tributos, quais sejam: Impostos, Taxas, Contribuição de Melhoria, Empréstimos Compulsórios e Contribuições especiais. Os três primeiros tributos a cima mencionados podem ser instituídos por todos os entes federativos, devendo apenas ser observado, no caso dos impostos, a lista taxativa presente na Constituição Federal. Sobre o tema com muita propriedade, Augusto Cesar Ramos afirma: “Não se pode olvidar que em razão do princípio Federativo adotado pelo Brasil, o que denota uma carga de autonomia aos entes políticos, exige uma distribuição, repartição ou mesmo discriminação de competências tributárias. Isso, a propósito, vem explícito no art. 145 da Constituição Federal, quando estatui que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir tributos. Por evidente, tal competência há de ser distribuída e delimitada, sob pena de instaurar-se o caos tributário, administrativo e jurídico no país. Nesse sentido, a Constituição Federal em seus arts. 153, 155 e 156, sob as epígrafes "Dos impostos da União", "Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal" e "Dos impostos dos Municípios", estabeleceu a competência desses entes políticos.” A união ficou com maior competência tributária dos entes federativos, vez que pode instituir todos os tributos (imposto, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais) e a maioria dos impostos (Imposto de Importação, Imposto de exportação, Imposto de Renda, Imposto Produto Industrializado, Imposto sobre Operações Financeiras, Imposto Territorial Rural, Imposto sobre Grandes Fortunas e o Imposto extraordinário em caso de guerra). Abaixo, podemos ver o quadro elucidativo presente na obra “Manual de Direito Tributário” do Professor Eduardo Sabbag sobre a competência de criar impostos, verbis: No entanto, a União não pode se imiscuir na competência tributária dos outros entes federativos, o que quer dizer, que mesmo que ela queira criar e cobrar o IPTU (por exemplo) ela não pode, pois não possui legitimidade constitucional para tanto, vez que a Carta Magna no seu art. 156, I, assevera que o ente competente para instituição do tributo é o município. Dito isso, vamos agora deliberar acerca dos tributos (que serão isentos) presentes no projeto de lei em estudo. O art. 1º é claro quando menciona o objeto da lei tributária (compra de armas, munições e artefatos afins) e os contribuintes (os Policiais da União e do Distrito Federal, dos Estados, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal) que serão isentos pelo o projeto de Lei, senão vejamos: “Art. 1º. Ficam isentos de tributos, na compra de armas, munições e artefatos afins, de fabricação nacional e estrangeira, os Policiais da União e do Distrito Federal, dos Estados, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal” (grifos nossos). O verbo constante na lei é de vital importância para entendermos de qual hipótese de incidência tributária estamos tratando, senão vejamos, o verbo “exportar”, liga-se a hipótese de incidência do tributo do Imposto de Exportação, de competência tributária da União (conforme vimos), já, o verbo “doar” vincula-se a ideia presente no tributo do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) de competência dos Estados e do Distrito Federal. Em relação á PL, em seu art. 1º, o verbo constante é o “comprar”, “adquirir”, que sem nenhuma dúvida, relaciona-se a uma mercadoria (as armas e afins), ou seja, objetos moveis. Em rápida análise, pode-se afirmar que a isenção decairá (pelo menos a princípio – caput do artigo) sobre o imposto de Importação (caso o contribuinte deseje importar diretamente armas e afins do exterior) e do Imposto de Produto Industrializados (ambos de competência da União). O art. 153, I, da CF, estabelece ser de competência da União a instituição do Imposto de Importação. Observe‐o: “Art. 153. Compete à União instituir imposto sobre: I – importação de produtos estrangeiros”. Eduardo Sabbag afirma que o Imposto de Importação, “também conhecido como Tarifa Aduaneira, grava a inserção, no território nacional, de bens procedentes de outros países (art. 19 do CTN)” in casu,  as armas e os artefatos afins. A competência tributária está adstrita à União, conforme mencionado, uma vez que somente esta, no exercício pleno de sua competência pode conferir um critério uniforme de tratamento em relação às importações perpetradas em todo o Território brasileiro. Em relação ao IPI, ele é classificado como um imposto real, que recai sobre uma determinada categoria de bens, ou seja, produtos da indústria. É gravame federal de forte interesse fiscal, uma vez que representa importante incremento no orçamento do Fisco brasileiro. Em relação aos tributos federais, o Projeto de Lei em estudo, atende todos os requisitos da isenção, e se caso vier a ser aprovado pelo Congresso Nacional incidirá de modo constitucional quando da importação e fabricação das armas e artefatos afins tiverem por contribuintes, aqueles elencados no art. 1° do projeto, a saber: Policiais, Bombeiros Militares, Guardas Municipais e Policiais Legislativos da Câmara dos Deputados e Senado Federal. O parágrafo 2º vem adicionar ao nosso entender, uma nova isenção tributária, pois alude que as “armas, munições e artefatos afins poderão ser adquiridos diretamente do fabricante ou de revendedores”. Quando afirma que essa compra pode se dar diretamente com os revendedores, faz brotar o fato gerador do ICMS, pois de acordo o Eduardo Sabbag: “O sujeito passivo do ICMS poderá́ ser, consoante a dicção do art. 4º da Lei Complementar n. 87/96: a) pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias; b) importadores de bens de qualquer natureza (…) Ainda, de acordo com o professor Sabbag: “O fato gerador do ICMS descrito na Constituição Federal é atinente a operações relativas à circulação de mercadorias. Portanto, o fato gerador indica quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam a circulação de mercadorias, assim entendida a circulação capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo.” Portanto, mais que nítido, que dentre os tributos (isentos) estipulados pelo o projeto de lei 3600/2015 consta o tributo estadual do ICMS, tributo que como visto, não pode ser instituído, majorado e nem isento pela União por clarividente determinação da Constituição Federal, restando o projeto de lei parcialmente desacertado com a Constituição Federal. III – DA ISENÇÃO DAS TAXAS DE POLICIA PRESENTES NA LEI 10.826 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003 Na definição de Aliomar Baleeiro, taxa é um tributo em que "a contraprestação de serviços públicos ou de benefícios feitos, postos à disposição ou custeados pelo Estado, em favor de quem paga ou por este provocado". Neste mesmo sentido, segundo o Prof. Hugo de Brito Machado em seu livro Curso de Direito Tributário: “O fato gerador da taxa é sempre uma atividade específica, relativa ao contribuinte. Resulta claro do texto constitucional que a atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, à qual se vincula a instituição da taxa, pode ser: (a) o exercício do poder de polícia, ou (b) a prestação de serviços ou colocação destes à disposição do contribuinte”. As taxas podem ser instituídas por todos os entes federativos. A união detendo esta competência convencionou no art. 11 da lei 10.826 de 2003, instituir as taxas abaixo, quando verificados os seguintes fatos geradores, verbis: “Art. 11. Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes do Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos: I – ao registro de arma de fogo; II – à renovação de registro de arma de fogo; III – à expedição de segunda via de registro de arma de fogo; IV – à expedição de porte federal de arma de fogo; V – à renovação de porte de arma de fogo; VI – à expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.” Logo, ficaram isentos das taxas acima referidas, os contribuintes mencionados no art. 1° do Projeto de Lei 3600/2015 em virtude da viabilidade do instituto da isenção acerca das taxas. O que não seria possível (conforme ocorre com ICMS já referido), seria utilizar a isenção para fugir do pagamento das taxas oriundas da competência de outros entes federativos (Estado, Municípios e DF). IV – DOS APENSAMENTOS O projeto de lei em estudo foi apensado ao Projeto de Lei 7425/2014 de autoria do deputado Major Fábio (Prós-PB), que também fora apensado ao Projeto de Lei 5144/2013 de autoria da parlamentar Aline Correa do Partido Progressista do Estado de São Paulo, que por sua vez encontra-se apensado ao Projeto de Lei do Senador Romero Jucá do PMDB-Roraima, que tem como origem a PLS 194/2004. Os objetivos de todas as PLs é facilitar/baratear a compra de armas pelos servidores que atuam na segurança do Estado Federativo Brasileiro, utilizando o instituto da isenção. Dentre os projetos mencionados, a PL 3600/2015 é aquele que trata do tema de modo mais amplo, pois utiliza, o termo tributos, não se resumindo ao Imposto de Importação, como por exemplo, faz a PL 7425/2014 de autoria do deputado Major Fábio (Prós-PB). O Congresso Nacional, mediante seus deputados e senadores, tem que se organizar acerca do objeto das PLs (isenção tributária) para que o seu fim seja alcançado, pois, o que parece hoje, é que cada parlamentar quer emplacar seu projeto de lei, em nítido interesse particular, visando ganhar popularidade junto a sociedade brasileira. CONCLUSÃO O projeto de Lei é deveras interessante e possui fundamento constitucional, ou seja, é plenamente possível o ingresso do mesmo no ordenamento jurídico brasileiro. Somente no que concerne em relação ao fato gerador do ICMS, que ao nosso ver, encontra-se presente na PL, quando da redação do parágrafo segundo do art. 1°, verbis “armas, munições e artefatos afins poderão ser adquiridos diretamente do fabricante ou de revendedores” é que o ato legislativo não obedece ao sistema da repartição das competências constitucionais tributárias, devendo o termo revendedores ser riscado do projeto, para que o mesmo conquiste status de lei quando aprovado pela maioria legislativa. Em relação aos apensamentos dos projetos de Lei, os parlamentares devem se preocupar, primeiro, em votar as PLs mais antigas, para depois criarem outras com objetos semelhantes para evitar o que aconteceu com os projetos de lei presentes neste estudo.
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Inclusão de novos setores no Regime do Simples Nacional
Resumo:O presente estudo destina-se a analisar as alterações introduzidas no regime do Simples Nacional com a inclusão de novos setores de serviços que passaram a ter a opção de tributação de forma simplificada e demonstrar a necessidade de uma análise prévia do impacto na carga tributária da pessoa jurídica que tenha a intenção de alterar o seu regime de tributação.
Direito Tributário
1. Introdução Em 07 de agosto de 2014 foi sancionada a Lei Complementar 147 que ampliou os benefícios do regime do Simples Nacional para diversas atividades compreendidas no setor de serviços. Alguns serviços como advocacia, por exemplo, foram incluídos em tabelas do Simples já existentes. Para outras atividades foi criada uma nova tabela (Anexo VI). Essa inclusão de novos setores tem a finalidade de atender ao princípio da isonomia tributária bem como o princípio do tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Tais princípios estão previstos na Constituição Federal respectivamente nos arts.150, II  e170, IX 2. Características Gerais do Regime O princípio da isonomia ou igualdade tributária, como assegura Roque Carrazza,  tem como premissa que as leis tributáriasprecisam dispensar o mesmo tratamento jurídico às( pessoas)  que se encontrem em situações idênticas[1]. Já o princípio do tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte traduz a necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade em realçao às grandes empresas e conglomerados para que dessa forma ocorra efetivamente a liberdade de concorrência ( e de iniciativa)[2] A Lei Complementar 123/06 que estabeleceu o novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,contém uma série de benefícios para as empresas cujos limites de receita não ultrapassem R$ 360.000,00 (Microempresas- MEs) e R$ 3.600.00,00 (Empresas de Pequeno Porte- EPPs e que não estejam nas condições previstas no § 4 º do art. 3º:[3] concessão de crédito bancário em condições mais vantajosas (microcrédito); simplificação de obrigações trabalhistas no que se refere as documentações a serem preenchidas pela empresa; incentivos na participação em processos licitatórios; simplificação do processo de abertura da empresa, entre outros. Além disso a citada lei autoriza as empresas que não estejam sujeitas as vedações estabelecidas no art. 17[4] a optarem pelo regime de tributação denominado Simples Nacional. O regime do Simples traz uma série de vantagens para as pessoas jurídicas que optarem por ele tais como: unificação do pagamento de vários tributos; guia única para arrecadação desses tributos que proporciona a facilidade do pagamento; data unificada de vencimento dos tributos, etc. Todavia, mesmo com todas essas vantagens, é necessário que, antes de optar pelo ingresso nesse tipo de regime de tributação, que é definitivo para o ano-calendário, o contribuinte efetue algumas projeções de cálculos para averiguar se o regime lhe traz efetivos benefícios econômicos no sentido de reduzir a sua carga tributária. Além disso, convém lembrar que as empresas optantes por esse regime, estão impedidas de usufruírem de benefícios fiscais decorrentes de investimentos em marketing cultural e esportivo por exemplo. Se optarem pelo lucro presumido poderão usufruir de benefícios municipais ligados ao incentivo as atividades culturais e que irão reduzir o ISS a pagar. Se optarem pelo regime do lucro real poderão utilizar benefícios da lei Rouanet e da Lei Pelé, por exemplo, para redução o Imposto de Renda a pagar. Porém,  o regime do cálculo pelo Lucro Real é mais complexo, trabalhoso e tem custos maiores. 3.Simulação de Cálculos-  Estudo Prévio. A título de reflexão, para cálculo de obtenção de economia de tributos, toma-se como exemplo uma agência de propaganda com uma receita anual na ordem de R$ 1.700.000,00 e com os seguintes dados: A).Receita Trimestral: A.1) Receita de serviços 420.000,00 • PIS/COFINS (3,65%) 14.965,00 • – OBS: projeção considerando-se vendas –cancelamentos. Esse valor pode ser ainda menor se forem considerados outros valores utilizados para apuração do cálculo de PIS e COFINS. – ISS (5% sobre a receita de serviços) 21.000,00 A.2) Receita não operacional – Juros de clientes 10.000,00 B) Folha de Salários 30.000,00 Tendo em vista estas características econômicas, é necessário comparar o regime do Lucro Presumido e o do Simples Nacional. 3.1Cálculo Pelo Lucro Presumido. Se a Pessoa Jurídica optar pelo regime do Lucro Presumido os cálculos são os seguintes: a) Cálculo do Imposto de Renda: Lucro Presumido no trimestre: 32 % da Receita de serviços considerados como lucro para efeitos de cálculo do Imposto de Renda R$ 420.000,00 x 32% = R$ 134.400,00 Receita não operacional considerada totalmente como lucro R$ 134.400,00 + R$ 10.000,00 Base do Imposto de Renda = R$ 144.400,00 Imposto de Renda 15% = 21.660,00 Adicional de 10% de Imposto de Renda sobre a parcela excedente a R$ 60.000,00 no trimestre R$ 144.400,00- R$ 60.000,00= R$ 84.400,00 sujeitos a adicional R$ 84.400,00 x10% = R$ 8.440,00 Total do IR a pagar no trimestre= R$ 30.100,00 B) Cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro: 32 % da Receita de serviços considerados como lucro para efeitos de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro R$ 420.000,00 x 32% = R$ 134.400,00 Receita não operacional considerada totalmente como lucro R$ 134.400,00 + R$ 10.000,00 Base da Contribuição Social sobre o Lucro = R$ 144.400,00 Contribuição Social sobre o Lucro = 9% R$ 144.400,00 x 9%= R$ 12.996,00 C) Cálculo dos Encargos sobre a Folha de Salários: INSS = 20% Seguro por Acidente de Trabalho (SAT)= 1% Contribuições de Terceiros devidas para o SESC, SENAI, SEBRAE, etc= 5,8% Folha de salários: R$ 30.000,00 INSS 20% = R$ 30.000,00 x 20%= R$ 6.000,00 SAT 1%= R$ 30.000,00 x 1%= R$ 300,00 Contribuições de Terceiros 5,8%= R$ 30.000,00 x 5,8%= R$ 1.740,00 Total dos encargos sobre a Folha de Salários = R$ 6.000,00+R$ 300,00+R$ 1.740,00= R$ 8.040,00 D) TOTAL DA TRIBUTAÇÃO NO TRIMESTRE PELO REGIME DO LUCRO PRESUMIDO: Imposto de Renda+ Contribuição Social sobre o Lucro+ ISS+ PIS/COFINS+ encargos sobre a folha de salários: R$ 30.100,00 + R$ 12.996,00+ R$ 21.000,00+ R$ 14.965,00+ R$ 8.040,00= R$ 87.101,00 3.2. Cálculo (projeção do trimestre) pelo regime do Simples Nacional. Receita Total no trimestre R$ 430.000,00 Receita dos últimos doze meses da Pessoa Jurídica R$ 1.700.000,00 De acordo com a tabela prevista em lei- Anexo VI- (3) o percentual a ser aplicado para essa faixa de receita obtida pela empresa é de 21,38%. Portanto: R$ 430.000,00 x 21,38%= R$ 91.934,00 4. Conclusão. Dessa forma, para a pessoa jurídica com as características acima, o regime do Simples Nacional não representa economia tributária considerando-se que a média de sua receita trimestral está na ordem de R$ 430.000,00, Em 12 meses essa pessoa jurídica pagará R$ 367.736,00 pelo regime do Simples Nacional contra R$ 348.404,00 pelo regime do Lucro Presumido. O regime do Lucro Presumido representa uma economia de tributos na ordem de R$ 19.332,00 durante o ano. Todavia, os cálculos aqui apresentados são projeções feitas com base em receitas trimestrais (o recolhimento do Simples é mensal) e podem variar em função da folha de salários, das receitas obtidas mensalmente pela pessoa jurídica, etc. Uma vez que o prazo para o ingresso no regime do Simples Nacional, em cada exercício, é até 31 de janeiro, aconselha-se a pessoa jurídica a elaborar projeções com base em informações, no mínimo, dos últimos 12 meses, a fim de verificar se obterá, realmente, economia de tributos se este é o seu principal objetivo, pois, uma vez que ingressar nesse regime no ano-calendário, somente poderá alterar a sua forma de tributação no ano seguinte.
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O Poder de tributar do Estado diante do princípio do não confisco
Resumo:Considera-se que O Poder de Tributar do Estado fica limitado a princípios constitucionais, imunidades, isenções, sendo obrigado a eximir-se de cobrar tributos. Portanto o objetivo geral é analisar como fica o Poder de Tributar do Estado diante do prinncípio do não confisco, e se existe situação em que apresenta exceção, garantindo ao Estado o dever de tributar o contribuinte. Sendo assim os objetivos específicos são:Identificar qual a garantia trazida ao contribuinte pelo princípio do não confisco; Averiguarse existe exceção a aplicação do princípio e Pesquisar a forma que o Estado deve agir diante da exceção.  Diante dos respectivos objetivos o estudo é significativo em razão de proporcionar um estudo profundo sobre as direitos e garantias fundamentais do contribuinte. Já a forma de abordagem é qualitativa  e os objetivos metodológicos são exploratório e descritivo. Vale ressaltar que estudo permitiu uma distinção entre os direitos e garantias do contribuinte, diante de um princípio constitucional que adverte a todo sujeito passivo em uma relação jurídico obrigacional o direito de não ser tributado de maneira confiscatória, porém uma garantia ao Estado de tributar com multa e até mesmo penalidade com aspecto confiscatória aquele que deixou de cumprir com suas obrigações.
Direito Tributário
Introdução Analisa-se que o contribuinte possui direitos e garantias fundamentais, que  o protegem sobre as arbitrariedades e imposições do Estado. No ramo do Direito Tributário, ele vale de princípios constitucionais tributários, que o protegem e asseguram que seus direitos sejam respeitados e inviolados. Dentre eles, está o princípio do não confisco, que assegura que nenhuma forma tributável possa ter efeito confiscatória sobre o patrimônio do contribuinte. Diante da contextualização acima se faz o seguinte questionamento tal como: Como fica o poder de tributar do Estado, diante do princípio do não confisco? A motivação do assunto proveio em razãoda observância de como se dá o estudo dos Direitos Humanos que protegem o contribuinte no âmbito do Direito Tributário. Se pode ou não, o Municipio encontrar exceção ao principio do não confisco, em caso de inadimplemento do IPTU, por parte do contribuinte, e assim de maneira confiscatória, tomar para si a propriedade do sujeito passivo da relação obrigacional tributária. Crê que esse estudo seja relevante em razão deestabelecer até que ponto o princípio do não confisco assegura o contribuinte, de não ter violado seu direito a propriedade e patrimônio. Para os profissionais da área é interessante debater esse assunto por permitir uma nova forma de visão tributária, em relação ao limite do poder de tributar do Estado, quando se trata do princípio do não confisco. No que tange a pesquisadora é satisfatório debater sobre esse estudo pelo fato de se tratar de interdiplinaridade nas disciplinas de direitos e humanos e direito tributário, que fortalece o aspecto de que o contribuinte detém direitos e garantis fundamentais, que fogem o rol apresentado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Destaca-se que objetivo geral é analisar como o princípio do não confisco pode ser um dos limites que o Estado tem para tributar o contribuinte.  Menciona-se que os objetivos específicos são: Averiguar qual a finalidade do principio do não confisco; Analisar os principais fatores que fazem do principio do não confisco uma garantia de que os direito fundamental de propriedade do contribuinte não seja violado; Compreender se existe ou não possibilidade do Estado através do ente Municipal visualizar exceção ao principio do não confisco. Considera a forma de abordagem qualitativa, pois se fez uma análise profunda do objeto investigado, o qual encontra-se ligado em analisar o principio do não confisco como um limite do poder de tributar do Estado. Michel (2009) Diz que os fenômenos da área de ciências sociais se manifestam de forma mais qualitativa do que quantitativa. Isto porque a realidade social se apreende de forma muito mais efetiva com a aproximação, a violência, do que com a teoria. Os objetivos metodológicos serão exploratórios e descritivos, pois considera-se exploratório em razão de conhecer o assunto de forma profunda. Entende-se como descritivo em razão de buscar explicar o porquê dos objetos relacionados em: Averiguar qual a finalidade do principio do não confisco; Analisar os principais fatores que fazem do principio do não confisco uma garantia de que os direito fundamental de propriedade do contribuinte não seja violado; Compreender se existe ou não possibilidade do Estado através do ente Municipal visualizar exceção ao principio do não confisco. Michel (2009) A pesquisa exploratória tem como propósito de identificar informações e subsídios para a definição dos objetivos, determinação do problema e definição dos tópicos do referencial teórico. Pois este tipo de pesquisa busca proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explicito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que esta pesquisa tem como ideal principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta da intuição. Nota-se então que a pesquisa exploratória proporciona assimilar o problema, agindo na construção de hipóteses que irão se tornar ponto central para o estudo dos limites do poder de tributar do Estado, diante do princípio do não confisco. Michel (2009) A pesquisa descritiva tem como função descrever as características da população ou fenômeno, explicando sempre o porquê das coisas. Entende-se como descritiva a pesquisa por explicar a razão e o porquê das coisas. Estão associadas com as formas de analisar como o principio do não confisco é uma garantia e limite pelo qual o Estado não pode ultrapassar para tributar o contribuinte. Amostra do estudo é não probalística intencional, pois o problema partiu do particular para o geral em debater sobre esse assunto em razão se um tema relevante, para debater, uma vez que no momento do inadimplemento do contribuinte em relação ao imposto predial territorial e urbano, o Municipio pode se valer de excepcionalidade e infringir o principio do não confisco e de forma caracterizada confiscatória, tomar para si o imóvel do sujeito passivo da relação obrigacional tribunal pela falta do pagamento.      Procedimentos técnicos procedeu por meio bibliográfico, documental e estudo de caso. Constata-se  o método de estudo indutivo, pois os objetivos específicos partiram do particular para o geral.O referido artigo encontra-se dividido em: Introdução; Desenvolvimento; Resultados e Conclusão. 1 Fundamentação teórica Dencker (1998) Ressalta que é na seção do referencial teórico do projeto que se analisa a situação atual do conhecimento mediante a revisão da literatura existente, buscando-se pesquisas similares sobre o tema, conceitos, explicações e modelos teóricos existentes com os objetivos de situar o estudo no contexto geral do conhecimento. Assim entende-se que a fundamentação teórica deve ser alicerce para que a pesquisa seja iniciada, sempre buscando embasamento teórico através de correntes doutrinárias que seguem o estudo proposto pela pesquisa sobre a importância da criminologia para a segurança pública. Desta forma, analisando-se o principio do não confisco, fica claro que este corresponde a um dos limites do poder de tributar do Estado, pois protege o contribuinte de arbitrariedades e até mesmo de carga tributária superior a sua capacidade financeira, atingindo muito mais seu patrimônio do que deveria. 1.1 Criação do Estado de Direito Democrático Para haver a criação de uma Estado Democrático de Direito se faz necessário que existem alguns requisitos, para seu reconhecimento perante os demais Estados já existentes, dentre eles estão o povo, território e soberania. Além dos requisitos ora mencionados, este deve garantir não somente proteção a propriedade de seus cidadãos, como também a garantia fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, enfatiza que todos devem ter assegurado o seu mínimo existencial para sobreviver, e isso é o alicerce que um Estado Democrático de Direito deve garantir ao seu povo, diante de sua soberania, que o individuo e sua coletividade tenham seus direitos e garantias assegurados. No Brasil a Constituição denominada cidadã, propõe uma verdadeira revolução que garante inúmeros direitos e garantias chamadas fundamentais, não apenas no seu extenso artigo 5º, como em todo seu texto, evidenciado nas palavras de Flávia Piovesan. “A Constituição de 1988 prevê, além dos direitos individuais, os direitos coletivos e difusos – aqueles pertinentes a determinada classe ou categoria social e estes pertinentes a todos e a cada um.”(PIOVESAN, página 101, Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, 15ª Edição. 2015). Demonstra-se assimque a Constituição Federal de 1988, estabelece um conjunto de normas protetivas tanto para todos, sendo indistinto seu tratamento, por respeitar o princípio basilar do ser humano que é o principio da dignidade da pessoa humana. 1.2 Direitos Humanos e suas Dimensões Direitos Humanos é o conjunto de normas, que buscam favorecer e beneficiar o ser humano, enquanto pessoa, proporcionando a sua dignidade e assegura seu mínimo existêncial.(BARRETTO, 2012, p.30) Na linguagem de Portela, os direitos humanos podem ser vistos como direitos essenciais para o ser humano. “Os Direitos Humanos como aqueles direitos essências para que o ser humano seja tratado com dignidade que lhe é inerente e aos quais fazem jus todos os membros da espécie humana, sem distinção de qualquer espécie”. (PIOVESAN, 2015, p.801.). Conquistados com o passar dos anos, os Direitos Humanos, detém toda uma historicidade, que os torna imutáveis no tempo, não se tornando apagados e esquecidos, talvez essa seja a maior tese para que o abandono da palavra geração, seja substituída pela nomenclatura geração. Significando que estão em constante vitaliciedade e permanentes no tempo. Desde modo, verifica-se que a primeira dimensão dos Direitos Humanos são dos direitos ligados a LIBERDADE(grifo nosso), surgiu quando povo se via tão oprimido pela figura do Estado, que clamava pelo afastamento do ente na sua intervenção de vida social pelo qual sofria, denominados Direitos de Liberdade. A Segunda Dimensão trazia a ideia de que o Estado precisava gerir os direitos econômicos, sociais e culturais, e não apenas deixar nas mãos dos que detinham poder e dinheiro, para isso o povo clamava por IGUALDADE, (grifo nosso) já que queriam ter acesso aos direitos a educação, saúde, seguridade social e ao trabalho digno, conhecidos como dos Direitos de Igualdade. Para a Terceira Dimensão, clamava-se por mais FRATERNIDADE,(grifo nosso) buscava-se por direitos que atendessem uma classe, grupo social, não apenas individual, como também toda a coletividade, para isso, almejavam encontrar com esses direitos ao meio ambiente saudável, comunicação, patrimônio comum de todos, a estes direitos denominados de Direitos de Solidariedade. Alguns doutrinadores mencionam já ocorrer a quarta e quinta dimensão, sendo que para a quarta dimensão nas palavras de Paulo Bonavides, está relacionada aos Direitos da Globalização, Informação, à Democracia e ao pluralismo. Para a quinta dimensão, teria um único direito à paz, na busca contra o terrorismo, sendo nesta, estarmos atualmente vivenciando tal dimensão 1.3 Direitos e Garantias Fundamentais do Contribuinte Verifica-se que na qualidade de contribuinte, este merece todos os direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os indíviduos. Assegurados na Constituição Federal de 1988, ao longo de todo seu texto, é seguro que todos os direitos trazem como alicerce o princípio da dignidade da pessoa humana, por este motivooci evidencia-se que o Estado não pode violar a dignidade do contribuinte, lhe ferindo com injustiça fiscal, e deixando de garantir que seu direito a sáude, educação, segurança, sejam-lhe impedidos por não adotar políticas públicas que assegurem tais direitos. Para isso analisa-se a finalidade das Contribuições Sociais, das Contribuições Sociais e de Seguridade Social e até mesmo as CIDE’S – Contribuições de Intervenção no Domínio Economico. Entre outros itens, o contribuinte ainda detém o que na Connstituição é denominada de imunidades tributárias, que tem um papel fundamental na preservação dos direitos fundamentais do contribuinte, que preserva com que a atividade exercida pelo sujeito passivo da relação jurídico obrigacional tributária, se atendida algumas situações, está imune a tributação. Outro intituto que muito assegura os direitos fundamentais do contribuinte são os princípios constitucionais, que segundo eles, garantem que o contribuinte seja respeitado quanto a sua capacidade contributiva passiva não ser auferida com tamanha intensidade pelo Fisco. Dentre eles está o Princípio do Não Confisco. 1.4 Capacidade Contributiva Passiva A capacidade contributiva passiva é aquela que o contrinbuinte, como sujeito passivo da relação jurídico obrigacional, se obriga a pagar os gastos públicos, para lhe proporcionar as políticas públicas que acobertam e asseguram seu direitos, como uma especie de contra prestação muitas vezes. 2 Resultados      Analisa-se sobre isto o que seria, e se existe uma exceção ao Princípio do Não Confisco. Através de uma visão critica, tentando demonstrar como ocorre na prática quando o contribuinte na situação de inadimplência do Imposto Predial Territorial Urbano, se este pode ter seu patrimônio confiscado pelo Munícipio. 2.1Princípio do Não Confisco      O princípio do não confisco é aquele que veda que o Estado de maneira confiscatória subtraia parcela exagerada do patrimônio, maior do que o esperado pelo contribuinte, o reduzindo a ponto de afetar o mínimo existencial que o sujeito passivo tem direito de usufruir. Desta forma verifica-se que este princípio é uma garantia que o contribuinte tem de ter seu direito fundamental ao mínimo existencial protegido. Sendo o Estado obrigado a resguardar o direito do sujeito passivo de ter sua capacidade contributiva preservada, não podendo adentrar de forma exagerada a ponto de confiscar o patrimônio total daquele que lhe promove o sustento. “O art. 150, IV, da Constituição Federal quer proibir é a utilização  do tributo com efeito de confisco e não que o tributo configure confisco.” (ALEXANDRE, 2014, p.121.). Sabbag (2014) O confisco agredirá a dignidade da pessoa, atingindo o valor que excedea a capacidade contributiva. Nas palavras de Sabbag, o que a Constituição Federal traz em seu texto é uma garantia de que o contribuinte poderá se valer para não ter seu direito fundamental a dignidade da pessoa humana violado. 2.2 Imposto Predial Territorial Urbano O imposto predial territorial urbano está delimitado pelo art. 156, I da Constituição Federal, em consonância com o art. 32 do Codigo Tributário Nacional, que estabelece o aspecto material do imposto, como o exercício da propriedade domínio útil ou posse com animus domini na zona urbana do Município. Verifica-se que o imposto do IPTU é de competência do Município, este como sujeito ativo e o proprietário do imóvel predial territorial urbano como sujeito passivo na relação obrigacional tributária. Tem como base de cálculo o valor venal do imóvel, ou seja, o valor que iria ser vendido no mercado atual. Sendo que neste inclui-se o valor de área construída e o valor da área nua, apenas do terreno. “O valor venal do IPTU é calculado pelo Município titular da competência tributária, ou seja, a do local, devendo ser editada uma Planta Generica de Valores.” (CARNEIRO, 2015, p. 94,). O IPTU possui alguns critérios quanto as suas alíquotas, que podem váriar de acordo com o tempo e o valor do imóvel sendo progressivo, e diferenciadas em razão da localização do imóvel e uso. 2.3 Situação do Município diante do inadimplemento do IPTU. O IPTU é um imposto de lançamento de ofício, ou seja, o próprio ente Municipal efetua o lançamento do crédito tributário contra o sujeito passivo, que é o proprietário ou possuidor com animus domini. Após o lançamento do crédito tributário, o sujeito passivo tem a obrigação principal de efetuar o pagamento do tributo, dentro de uma prazo estabelecido predeterminado pelo sujeito ativo, para que não ocorra o indadimplemento do imposto. Ocorre que quando o sujeito passivo não cumpre com a obrigação principal de pagar, o sujeito ativo, pode e deve efetuar cobrança extrajudicial, o que nesse caso, efetua a inscrição em dívida ativa, deste agora inadimplente contribuinte. A inscrição em dívida ativa, transforma o contribuinte em réu em processo de execução, uma vez que tal inscrição tem caráter de titulo executivo extrajudicial, desse modo, se tornando prova cabal de inadimplência em processo de execução. O imóvel objeto de inadimplência do imposto, ainda que considerado bem de família, quando se trata de dívida de execução fiscal de Imposto Predial Territorial Urbano, não versa na regra de impenhorabilidade, trazida na Lei 8009/90. Analisa-se o art. 3 da mesma lei que apresenta como exceção a situação de inadimplência do IPTU, taxas e outras contribuições relacionadas ao imóvel. Diante disso, o Municipio pelo insucesso da ação de execução, pode promover a penhora, e até mesmo leilão do imóvel por falta de adimplência do imposto. 2.4 Discussão: O Município pode de maneira confiscatória aplicar a penalidade confiscatória de promover leilão de imóvel, em decorrência de inadimplemento de IPTU? O princípio do não confisco garante ao contribuinte que seu patrimônio não venha sofrer de maneira exagerada a cobrança de tributos, porém existe uma exceção a este princípio que decorre do inadimplemento do IPTU, imposto que não tem como característica ter alíquotas confiscatórias. A forma confiscatória de leiloar, penhorar, um imóvel vem da premissa que o ente municipal deu oportunidade do contribuinte efetuar o pagamento do imposto, ofertando prazo log após o lançamento do crédito tributário, citando-o para o processo de execução, tendo este cinco dias a mais para prmover o pagamento, e de todas as formas, este contribuinte que não promove o pagamento, por meio de penalidade mais severa, pode sim chegar a perder seu imóvel, uma vez que dele provém a obrigação principal de pagar o imposto, e assim promover o sustento daquele ente municipal, nas suas politicaspúbslicas. Analisa-se que na lei 8009/90 em seu art. 3º o inadimplemento do imposto, taxas e até mesmo contribuições dá ensejo a penhorabilidade do imóvel, e por ventura leilão deste, para promover como isso o sustento do ente municipal, que por meio daquele recebimento poderá implantar melhorias em suas políticas públicas. Conclusão      Os Direitos e Garantias Fundamentais são assegurados para todos na Costituição Federal de 1988, conhecida por ter em seu texto diversos direitos, é denomidada cidadã. Porém vale ressaltar que direitos e garantias são institutos diferentes, que tem como alicerce o princpio da dignidade da pessoa humana. Direitos Fundamentais são normas que trazem a certeza que o ser humano como pessoa, tenha o seu mínimo existencial inviolável, que possa desfrutar de melhorias e uma vida digna, que não o torne meio de desfrutar a sobreposição de outros. Já as Garantias Fundamentais são instrumentos que fazem com que os direitos do cidadão sejam respeitados e possam ser lhe assegurados e defendidos quando violados. A Constituição Cidadã tem como seu principal fundamento o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, para embasar todas as suas normas, através deste se derivou outros princípios e até mesmo institutos que protegem todos aqueles que buscam proteção de seus direitos. O contribuinte que no Direito Tributário é o sujeito passivo da relação jurídico obrigacional, é aquele que detém todos esses direitos e garantias fundamentais, como todos os outros. Sendo detentor de direitos e garantias fundamentais, tem no princípio do não confisco a garantia de que não terá violado de forma excessiva a cobrança de tributos, para que seu minimo existencial seja resguardado.      Porém, este mesmo contribuinte que detém direitos e garantias, também é possuidor de deveres, sendo a principal fonte de sustento do Estado Democrático de Direito, através do pagamento de tributos, sejam eles impostos, taxas e contribuições. Deve este na qualidade de sujeito passivo na relação obrigacional tributária, promover o pagamento de tributos, quando ocorrer o lançamento do crédito tributário. Através do pagamento de tributos o ente público seja ele União, Estado, Município é que pode correr o passadiodas politicas públicas, que irão promover a todos que os direitos e fundamentais que sejam assegurados. Dentre eles estão, a saúde, educação, segurança pública, meio ambiente equilibrado, trabalho, moradia, infra estrutura, alimentação entre outros. Quando um contribuinte deixa de efetuar o pagamento de seus tributos, tudo que poderá ser investido em seu próprio proveito, sofrerá abalos, pois sem recursos, o ente não tem condições de se manter e garantir a todos que seus direitos sejam seguros. Analisa-se desse modo que com o inadimplemento do IPTU, o ente municipal pode promover a penhora e até mesmo o leilão do imóvel cujo proprietário, na qualidade de contribuinte deixou de pagar o imposto. Para assim, não sobrecarregar em outros contribuintes, a falta de politicas públicas que garantem a todos os seus direitos e garantia fundamentais.      Em virtude dos fatos mencionados, fica evidente que o princípio do não confisco é uma garantia fundamental que o contribuinte tem de não ter seu patrimônio exarado pelo ente público. Todavia este mesmo, que deixa de promover o pagamento do tributo que não tem caráter confiscatório, afeta todos os outros contribuintes, pois é através da adimplência que o ente promove que sejam assegurados as politicas públicas que irão proporcionar a todos os direitos egarantias fundamentais. Desta forma, evidencia-se que o princípio do não confisco detém uma exceção, pela qual o Ente Municipal com o inadimplemento do IPTU, pode de forma confiscatória, penalizar o contribuinte que deixou de pagar tributo lançado, com a penhora e até mesmo leilão do imóvel.
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A recuperação judicial e a questão tributária: análise do panorama jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça
este breve estudo aborda a questão da autonomia da cobrança do crédito tributário no procedimento falimentar da recuperação judicial e como o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado a respeito. Para esse fim, no referido trabalho, de caráter explicativo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Ao final, concluiu-se que o Superior Tribunal de Justiça, com forte atuação positiva, não possui entendimento consolidado quanto à autonomia dos executivos fiscais, havendo diversas teses jurídicas a se consolidar no âmbito da referida Corte, especialmente quanto à suspensão das execuções fiscais em face da concessão da recuperação judicial e quanto à atração ao juízo falimentar da discussão sobre os atos constritivos executivos.
Direito Tributário
Introdução A Lei 11.101/2005 passou a regulamentar, no país, os procedimentos de recuperação extrajudicial e judicial de sociedades empresárias e empresários, bem como a falência, substituindo-se ao antigo Decreto-lei 7661/45. Foram alterados inúmeros conceitos e institutos jurídicos, extinta a concordata e a continuação dos negócios pelo falido, bem como foram introduzidas a sistemática de recuperação judicial e extrajudicial de empresas. Conforme se verá a seguir, a conciliação do interesse público, representado pela arrecadação tributária, com a necessidade de desburocratização e de atribuição de celeridade ao procedimento de superação da situação de crise econômico-financeira nas empresas, ainda não encontrou um equilíbrio definitivo, estando em pleno debate na comunidade jurídica. 1. O instituto da recuperação judicial e seuaspectoprocedimental A recuperação judicial é um instituto de direito empresarial cujo objetivo é viabilizar a superação de situações de crises econômico-financeiras do empresário ou da sociedade empresária, de forma que seja possível a manutenção da fonte produtiva, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o fomento à atividade econômica, nos termos do art. 47 da Lei 11.101/2005. Para tanto, o devedor realiza o pedido de recuperação judicial ao juízo competente, apresentando sua situação patrimonial, as razões de sua crise econômico-financeira e outros documentos (art. 51, Lei 11.101/2005). Estando adequada a documentação, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial, nomeando um administrador judicial e suspendendo todas as ações ou execuções contra o devedor. Inicia-se ainda, neste momento, o prazo de sessenta dias para que o devedor apresente o plano de recuperação, no qual deverá ser apresentado o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, além de discriminados os meios para a recuperação da empresa, demonstrando a viabilidade econômica de sua recuperação (art. 53, Lei 11.101/2005). Ato contínuo, o juiz determinará a publicação de edital contendo aviso aos credores do devedor sobre o recebimento do plano de recuperação e abrirá prazo para eventuais manifestações e objeções (art. 53, parágrafo único, Lei 11.101/2005). Aprovado o plano pelos credores ou decorrido o prazo sem objeções, o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários (art. 57, Lei 11.101/2005) e, cumpridas as exigências da lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor, obrigando o devedor e todos os seus credores à observância do plano de recuperação.  O devedor, então, permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial (art. 61, Lei 11.101/2005). Uma vez cumpridas as obrigações, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará as providências cabíveis, entre elas a apresentação de relatório sobre a execução do plano e o pagamento do administrador judicial e das custas judiciais (art. 63, Lei 11.101/2005). 2. O créditotributário e aautonomia de suacobrança Em que pese o art. 49 da Lei 11.101/2005 determine que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos em face do devedor, existentes no momento do pedido de processamento da recuperação, ainda que não vencidos, a própria lei falimentar excepciona determinadas categorias de credores, como os credores fiduciários, por exemplo. Especialmente no que interessa a este trabalho, o art. 187 do Código Tributário Nacional – CTN dispõe que a cobrança judicial do crédito tributário não se sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Trata-se da denominada autonomia do executivo fiscal, verificada em procedimentos judiciais de cobrança coletiva de créditos nos quais os créditos têm seus vencimentos antecipados e são organizados em classes legais, de forma que somente haverá o pagamento da segunda classe após o pagamento integral da primeira.[1] Nesses casos, o juízo em que tramita o processo é caracterizado por sua universalidade, justamente porque os credores não podem mais ajuizar ações executórias individuais em face do devedor, tendo de se sujeitar ao concurso ou à habilitação de seus créditos no processo de cobrança coletivo.[2] Nesse sentido, a autonomia da cobrança fiscal consiste em um privilégio do crédito tributário, colocando-o em posição de vantagem em relação aos outros créditos,já que a Fazenda Pública pode ajuizar suas execuções fiscais no juízo competente, sem se submeter ao juízo universal falimentar. Não é por outro motivo que o art. 6º, § 7, da Lei 11.101/2005 prevê que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. Igual previsão encontra-se no art. 29 da Lei 6830/1980, também conhecida como Lei de Execuções Fiscais. Além de prever a autonomia do executivo fiscal em relação ao procedimento de recuperação judicial, o legislador, por meio do art. 57 da Lei 11.101/2005 e com a introdução do art. 191-A no CTN, feita pela Lei Complementar 118/2005, estabeleceu verdadeira garantia ao crédito tributário ao condicionar, conforme dito, a concessão da recuperação judicial à regularização dos débitos fiscais e apresentação de certidões negativas. Ao exigir a apresentação de prova do pagamento de tributos para a prática de determinados atos jurídicos e para a obtenção de certos benefícios legais, acaba-se por criar eficazes meios de cobrança indireta do crédito tributário.[3] Além disso, o legislador, embora tenha criado um meio depromover o soerguimento das empresas em dificuldade, mediante aprovação de um plano que envolva apenas os credores privados, não o fez em detrimento do pagamento dos créditos de natureza fiscal. Dito de outra forma, as sociedades empresárias e os empresários não podem transacionar e pagar seus credores privados em detrimento da Fazenda Pública, especialmente porque essa não participa da negociação e aprovação do plano de recuperação judicial. No entanto, reconhecendo que o cumprimento do plano por empresa que passa por dificuldades econômico-financeiras poderia ser substancialmente comprometido pela existência de execuções fiscais em curso e pelo pagamento total de seu passivo tributário, o art. 191-A do CTN determina também a observância do art. 151 – que trata da suspensão da exigibilidade do crédito tributário[4] – e dos arts. 205 e 206 – que tratam das certidões negativas e positivas com efeitos de negativa[5]. Logo, ao exigir a regularidade fiscal para o gozo legal da recuperação judicial, o CTN possibilita ao devedor obter as certidões negativas por meio da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.[6] Dessa forma, a mencionada Lei Complementar 118/2005, alterando o art. 155-A do CTN, trouxe a possibilidade deedição de lei específica relativa ao parcelamento de créditos tributários do devedor em recuperação judicial. Nesse mesmo sentido, o art. 68 da Lei 11.101/2005 prescreve que as Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos em recuperações judiciais, na forma dos parâmetrosestabelecidos pelo CTN. 3. A questão do parcelamento especial do devedor em recuperação judicial O parcelamento consiste em uma medida de política fiscal, por meio da qual a Fazenda Pública busca recuperar créditos tributários, criando “condições práticas para que os contribuintes que se colocaram numa situação de inadimplência tenham a possibilidade de voltar para a regularidade, usufruindo os benefícios daí decorrentes”.[7] É uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, na forma do art. 151 do CTN, obstando a administração tributária de promover ou prosseguir nos atos executivos tendentes à cobrança coercitiva do que lhe é devido.[8] Cumpre ressaltar que o crédito tributário regularmente constituído tem a sua exigibilidade suspensa, nos casos previstos no Código Tributário, fora dos quais não pode ser dispensada a sua efetivação ou as respectivas garantias, sob pena, inclusive de responsabilidade funcional, na forma da lei, conforme determina o art. 141 do CTN. Pois bem. Segundo o art. 155-A do CTN, o parcelamento será concedido na forma e nas condições estabelecidas em lei específica do ente federativo com competência para instituição do tributo.Exige-se ainda, quanto ao parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial, a edição de outra lei específica. Assim, deverá haver, em cada ente federado, a edição de uma lei específica sobre a possibilidade de parcelamento de créditos tributários[9], denominada de lei específica geral, além de uma lei que tratará especificamente do parcelamento dos débitos dos devedores em situação de recuperação judicial. Essa possibilidade de parcelamento tributário, no âmbito do procedimento de recuperação judicial, somente foi trazida pela Lei 13.043/2014, que ao inserir o art. 10-A na Lei 10.522/2002, regulamentou uma série de condições para que o empresário ou a sociedade empresária que tiverem pleiteado ou tiverem deferido o processamento de recuperação judicial possam parcelar seus débitos junto à Fazenda Nacional.[10] Não obstante, antes mesmo dessa previsão normativa, a Fazenda Nacional já entendia que, na ausência do parcelamento específico destinado ao devedor em recuperação judicial, dever-se-ia aplicar as regras previstas na lei geral de parcelamento do ente federativo, não podendo, tão somente, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica, conforme determina o § 4ºdo art. 155-A do CTN. 4. A jurisprudência do STJ nas questões fiscais e no procedimento de recuperação judicial Conforme foi dito, a cobrança de créditos tributários não se suspende pelo deferimento de processamento da recuperação judicial, exigindo-se prova da regularidade fiscal para concessão da recuperação judicial. A fim de viabilizar a superação da situação de crise do devedor, tanto a Lei 11.101/2005 quanto o CTN autorizam a Fazenda Pública a conceder parcelamento dos seus créditos, observados os parâmetros do CTN e de lei específica. No âmbito federal, essa possibilidade foi somente regulamentada pela 13.043/2014, entendendo a Fazenda Nacional que, por expressa previsão legal, já era possível a aplicação da legislação geral referente ao parcelamento de créditos tributários. Quando confrontado com a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.187.404/MT, julgado em 19 de julho de 2013, por meio desua Corte Especial[11], afastou, de forma unânime, a exigência de apresentação das certidões negativas, autorizando a concessão da recuperação judicial independentemente da apresentação da prova deregularidade fiscal. Tal posicionamento encontrou justificativa na demora do legislador em cumprir o disposto no art. 155-A, § 3º, do CTN, isto é, na inexistência de legislação específica acerca do parcelamento de créditos das Fazendas Públicas e do INSS em sede de recuperação judicial. Consignou-se que o descumprimento da exigência de regularidade fiscal somente poderia ser atribuído, ao menos naquele momento, à ausência de legislação específica que disciplinasse o parcelamento em sede de recuperação judicial, não podendo constituir ônus do contribuinte, enquanto omissa a legislação, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação. Afirmou-seque muito embora o art. 68 da Lei 11.101/2005 possa sugerir que é faculdade da Fazenda Pública e do INSS a concessão do parcelamento da dívida, especialmente diante do uso do verbo “poder”,a interpretação que melhor se compatibiliza com a operacionalidade da recuperação judicial é no sentido de que o parcelamento do crédito tributário constitui um direito do contribuinte em recuperação, na forma prevista nos §§ 3º e 4º do art. 155-A do CTN. Quanto à questão da autonomia da execução fiscal, em que pese a lei determine que não há a suspensão das execuções fiscais em face da recuperação judicial nem qualquer vedação legal ao seu prosseguimento com atos constritivos do patrimônio da empresa, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Segunda Seção, passou a entender queos atos que resultem em constrição do patrimônio da empresa recuperanda ficam sujeitos ao juízo da recuperação, sob pena de frustrar este procedimento que objetiva devolver à sociedade comercial as condições para voltar a desempenhar suas atividades.[12] Ressalta-se que não se trata de posicionamento unânime, havendo manifestações em sentido contrário. A Primeira Seção, por exemplo, entendeu,no AgRg em Conflito de Competência112.646/DF, expressamente pela inaplicabilidade dos precedentes da Segunda Seção, de forma que a menos que o crédito tributário seja extinto ou tenha a exigibilidade suspensa, a execução fiscal terá seu regular processamento, mantendo-se plenamente respeitadas as faculdades e liberdade de atuação do juízo por ela responsável.[13] Quanto à questão referente a necessidade de apresentação das certidões negativas, já após a vigência da Lei 13.043/2014 – que instituiu o regime de parcelamento especial do devedor em recuperação judicial -,o Superior Tribunal de Justiça, pela primeira vez, no Recurso Especial 1.480.599/RS[14], julgado pela 2ª Turma,em 03 de fevereiro de 2015, teve a oportunidade de se manifestar sobre a questão da continuidade da execução fiscal na pendência de recuperação judicial, concluindo que se for constatado que a concessão do plano de recuperação foi feita observando a regularidade fiscal da empresa, isto é, respeitando-se os 57 e 58 da Lei 11.101/2005, a execução fiscal ficará suspensa, em razão da presunção de que os créditos fiscais encontram-se suspensos nos termos do art. 151 do CTN. Já se o plano de recuperação for deferido sem a comprovação da regularidade fiscal, a execução fiscal terá regular prosseguimento, pela regra do art. 6º, § 7º, da Lei 11.101/05, uma vez que não é possível concluir que a regularização do estabelecimento empresarial possa ser feita exclusivamente em relação aos seus credores privados, em detrimento dos créditos de natureza fiscal. A questão também foi analisada pela Segunda Seção, que em 13 de maio de 2015,no julgamento do AgRg no CC n.º 136.130/SP, manifestou-se, após intensosdebates, no sentido de que edição da referida legislação nãorepercute na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito de ser competenteo juízo da recuperação para decidir sobre os atos de constrição feitos sobre o patrimônio da empresa, em que pese se trate de executivo fiscal, que não se suspende com o deferimento da recuperação. Argumenta-se que há o perigo de frustrar-se o próprio procedimento recuperacional, devendo os atos de alienação serem de competência do juízo universal, de forma a não prejudicar o cumprimento do plano de reorganização da empresa. O que se pode concluir é que não há, no Superior Tribunal de Justiça, uniformidade quanto à questão da autonomia do executivo fiscal. A Segunda Seção possui consolidado posicionamento pela competência do juízo universal falimentar para decidir sobre os atos de constrição sobre os bens da empresa em recuperação, apesar de entender que não há a suspensão das ações de execução fiscal pelo deferimento da recuperação judicial. Quanto à exigência de regularidade fiscal para a concessão da recuperação, essa foi relativizada pelo Tribunal, em face da ausência da legislação específica. Tendo a lacuna normativa sido preenchida, a partir da previsão do parcelamento especial no art. 10-A da Lei 10.522/2002, o Tribunal, na oportunidade em que manifestou, inaugurou nova posição, que entendeu pela suspensão da execução fiscal caso seja concedida a recuperação com prova da regularidade fiscal do devedor, já que assim o crédito tributário restaria protegido.Em não havendo prova do pagamento ou suspensão da exigibilidade do crédito, a Fazenda Pública não poderia ser obstada de perseguir a obtenção de suas receitas. Tais julgados, salvo melhor juízo, não podem prejudicar o raciocínio de que, pelo menos no âmbito federal, em razão da instituição do parcelamento especial para devedores em recuperação judicial, a lacuna legislativa sustentada pelo Superior Tribunal de Justiça para afastar a exigência da regularidade fiscal foi suprida, de modo que é possível sustentar que é necessária a apresentação das certidões negativas para a concessão da recuperação judicial, conforme determina o art. 57 da Lei 11.101/2005. Conclusão O Código Tributário Nacional, norma geral sobre matéria tributária, consagrou como privilégio do crédito tributário a sua autonomia em relação aos procedimentos de cobrança coletiva. Isto significa dizer que não há participação da Fazenda Pública na discussão e aprovação dos planos de recuperação judicial, nem submissão da cobrança do crédito tributário ao juízo universal falimentar, ou seja, o processamento de execuções fiscais não sofre interferências do procedimento falimentar de recuperação judicial. Além disso, o crédito tributário somente pode ser suspenso ou ter suas garantias dispensadas nas hipóteses taxativamente previstas no próprio Código, sendo inclusive vedada a interpretação, se não a literal, da legislação tributária que disponha sobre a suspensão do crédito tributário, na forma do art. 111, I, do CTN. Qualquer interpretação em outro sentido desprestigia a harmonia e a vigência da legislação federal. O legislador, porém, atento à necessidade de proteção do interesse público na obtenção de suas receitas tributárias determinou que a concessão da recuperação judicial somente é possível se pagos ou regularizados os créditos tributários. Por outro lado, haja vista a importância econômico-financeira da preservação das empresas e do mercado de trabalho, a legislação previu que as Fazendas Públicas poderiam conceder parcelamento dos créditos tributários aos devedores em recuperação, o que a União o fez com a edição na Lei 13.043/2014.Aderindo ao parcelamento, o contribuinte em recuperação judicial tem suas cobranças tributárias suspensas, podendo destinar seus recursos para aumentar seu fluxo de caixa e assim se recuperar financeiramente. Quando instado a se manifestar, o Superior Tribunal de Justiça ainda não formou uma unanimidade de entendimento quanto à questão da autonomia do executivo fiscal. Em que pese a Segunda Seção do Tribunal – especializada em matérias de Direito Público e formada pela Terceira e Quarta Turma – determine que a competência é do juízo falimentar para decidir sobre atos de constrição em execuções fiscais, posiciona-se pela não suspensão dos executivos fiscais. Já a Segunda Turma, que integra a Primeira Seção, inaugurou recentemente posição divergente, entendendo pela suspensão da cobrança dos créditos fiscais tão somente se concedida a recuperação judicial com prova da regularidade fiscal.
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A progressividade fiscal no iptu e a capacidade contributiva como instrumento de justiça tributária
O presente estudo propõe-se a analisar a relação da progressividadefiscal no imposto predial e territorial urbano (IPTU) com o princípio da constitucional da capacidade contributiva como instrumento de concretização de justiça tributária. Por se tratar de um imposto de natureza real, ao qual não se ajustaria o princípio da capacidade contributiva, não seria admissível a progressividade fiscal em função do valor venal do imóvel no IPTU. Excepcionalmente, seria possível a progressividade apenas com caráter extrafiscal, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Contudo, a progressividade fiscal no IPTU passou a ser expressamente prevista na CF/88 após a edição da Emenda Constitucional n. 29 de 2000 (EC n. 29/00), que atribuiu nova redaçãoao § 1º do art. 156 da CF/88 passou a ter nova redação, situação que ensejou intensos debates acerca da constitucionalidade da emenda.
Direito Tributário
Introdução O princípio da capacidade contributiva decorre da isonomia tributária, consagrados, respectivamente, pelos § 1º do art. 145 e inciso II do art. 150 da CF/88. A progressividade fiscal, por sua vez, é um dos seus principais instrumentos de materialização. Tradicionalmente, grande parte da doutrina conceitua o IPTU como um imposto de natureza real, já que a hipótese de incidência considera as características do bem sobre o qual recai o tributo, abstraindo-se condições particulares do sujeito passivo. Neste sentido, a capacidade contributivae a progressividade fiscal somente se aplicariam aos impostos pessoais. No caso específico do IPTU, a redação originária da CF/88 previa apenas a possibilidade de aplicação da progressividade extrafiscal. Com a redação dada pela EC n. 29/00 ao § 1º do art. 156 da CF/88, foi introduzida no ordenamento jurídico, expressamente, a progressividade fiscal do IPTU. O presente artigo pretende abordar a relação do fenômeno da progressividade fiscal no IPTU com o princípio da constitucional da capacidade contributiva, como instrumento de concretização de justiça tributária.  A pesquisa pertence à vertente dogmático-jurídica, por basear-se na interpretação e aplicação de normas de Direito Positivo. Segue o tipo metodológico jurídico-interpretativo, pois analisa o posicionamento jurisprudencial adotado pelo STF. O método utilizado é a análise do conteúdo do Direito Positivo, obras doutrinárias e decisões jurisprudenciais. OCapítulo 2 trata do tema da progressividade, apresentando uma contextualização com os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, conceitos importantes e a previsão constitucional. O Capítulo 3 traz um breve estudo sobre o IPTU e a classificação dada pelo STF ao referido tributo. O Capítulo 4, por sua vez, aborda a possibilidade de aplicação da capacidade contributiva ao IPTU por meio da progressividade fiscal. Ainda, menciona o entendimento atual do STF, por meio da Súmula n. 668 e do RE 423.768/ SP. O capítulo 5, por fim, traz as considerações finais do trabalho, apresentando as conclusões obtidas. 1Progressividade 1.1 Contextualização O princípio da igualdade (ou isonomia), em sentido amplo, consta do rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal (CF/88) e pode ser dividido em duas dimensões: a igualdade perante a lei, na qual “verificar-se-á tão somente se a lei está sendo cumprida, no plano formal, de maneira uniforme para todos os cidadãos a que se dirige” (SABBAG, 2013, p. 136); e a igualdade na lei, ou material, na qual se aplica a regra de tratamento igual aos iguais, enquanto aqueles que se encontram em posições desiguais devem ser tratados diferentemente, na medida de suas desigualdades. No âmbito do Direito Tributário, a isonomiaconsta do art. 150, II da CF/88:“Art. 150, II. É vedado […] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. (BRASIL, 2014)” O dispositivo veda o tratamento desigual a contribuintes que se encontrem na mesma situação e estabelece uma proteção, aos cidadãos, contra o arbítrio estatal. Para a realização do princípio da isonomia tributária, o legislador deve considerar situações concretas, de modo a “evitar que incida a mesma carga tributária sobre aqueles economicamente diferenciados” (SABBAG, 2013, p. 140). Caso contrário, como acrescenta Sabbag, haverá o sacrifício das camadas pobres e médias, “que passam a contribuir para além do que podem, enquanto os ocupantes das classes abastadas são chamados a suportar carga tributária aquém do que devem.” (SABBAG, 2013, p. 140).  Em síntese, a justiça tributária se concretiza com a realização da igualdade material. Como corolário da isonomia tributária, surge o princípio da capacidade contributiva, expresso no § 1º do art. 145 da CF/88, que estabelece a necessidade de graduação dos impostos com observância da capacidade econômica do sujeito passivo: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” (BRASIL, 2014) A capacidade contributiva aproxima-se da igualdade material, já que busca uma tributação justa. Nesta esteira de entendimento, o STF, no julgamento do RE 423.768, destacou o cunho social do § 1º do art. 145 da CF/88, “tendo como objetivo único, sem limitação do alcance do que nele está contido, o estabelecimento de uma gradação que promova justiça tributária, onerando os que têm maior capacidade para pagamento do imposto.” (BRASIL, 2014) Pelo viés horizontal, contribuintes com igual capacidade de pagar (abilitytopay) devem contribuir com a mesma quantidade pecuniária. Pelo vertical, aqueles que possuam capacidade de pagar desigual devem ser tributados em montantes distintos: “indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente, com mais recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos” (SABBAG, 2013, p. 155). Um dos principais instrumentos de materialização da capacidade contributiva é a progressividade. 1.2 Conceito A progressividade insere-se no contexto da justiça distributiva. É um meio de exteriorização da capacidade contributiva que permite que as alíquotas sejam graduadas segundo a capacidade econômica do contribuinte. Eduardo Sabbag conceitua a progressividade como “a técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame.” (SABBAG, 2013, p. 1011).  Para Hugo de Brito Machado, “é progressivo o imposto cuja alíquota é maior na medida em que aumenta a base tributável.” Prossegue afirmando: “Como a base imponível é sempre uma expressão da riqueza de cada um, a progressividade faz com que o imposto onere mais quem tem riqueza maior” (MACHADO, 1998, apud PAULSEN, 2005). 1.3Progressividade x seletividade Não é possível confundir a progressividade com a seletividade, outro instrumento de justiça tributária. A seletividade é técnica de incidência de alíquotas que variam de acordo com o grau de importância do bem. Para a aplicação desta, utiliza-se o critério da essencialidade: quanto mais essencial o bem, menor a alíquota a ser aplicada. Lado outro, bens supérfluos devem ser tributados de forma mais gravosa que os bens de maior importância, aplicando-se alíquotas mais elevadas aos primeiros.  Já na progressividade, como visto, há previsão de alíquotas variadas para fins de tributação, e é certo que há aplicação de alíquota maior à medida que se majora a base de cálculo. 1.4Progressividade fiscal e extrafiscal Pela modalidade de progressividade fiscal, destaca-se o objetivo estrito de arrecadação de recursos financeiros para o Estado por meio da cobrança dos tributos. Onera-se de maneira mais gravosa o contribuinte que possui maior riqueza. Portanto, na progressividade fiscal, a arrecadação é exigida com base na capacidade econômica do sujeito passivo. A segunda modalidade, progressividade extrafiscal, tem como fim a regulação de condutas do contribuinte, ora estimulando, ora desestimulando comportamentos que contrariem os valores constitucionais e políticas públicas adotadas pelo Estado. 1.5Previsão constitucional A CF/88 estabelece expressamente a progressividade para o Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) e o Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR). Para o IPTU, a progressividade foi prevista em dois dispositivos constitucionais distintos, revelando duas modalidades. A primeira consta do art. 182, § 4º, inciso II da CF/88, possui caráter excepcional com o fim de assegurar o princípio da função social da propriedade: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. […] § 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos ternos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: […] II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; […] (BRASIL, 2014)” (grifo nosso) Trata-se da progressividade extrafiscal do IPTU. Objetiva desestimular a manutenção de propriedades urbanas não aproveitadas adequadamente. O Estado intervém na esfera particular, sancionando com tributação mais gravosa aqueles que desrespeitam o princípio da função social da propriedade. O parâmetro para se aplicar o IPTU progressivo no tempo não é o valor do imóvel, e sim o passar do tempo sem o adequado aproveitamento do solo urbano. Quanto maior o tempo no qual é mantida a situação agressiva à finalidade social da propriedade, maior será a alíquota aplicável no lançamento do imposto (ALEXANDRE, 2011, p. 641). A segunda modalidade(objeto do artigo, a ser estudado com profundidade no capítulo 4),consta do art. 156, § 1º da CF/88: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – a propriedade predial e territorial urbana;[…] § 1º. Sem prejuízo da progressividade no tempo […] o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel […] (BRASIL, 2014)” O dispositivo consagra a progressividade com função fiscal, regra no IPTU. Esta possibilidade não estava prevista pela redação original da Constituição Federal, que albergava expressamente apenas o IPTU progressivo com viés extrafiscal. A modalidade de progressividade fiscal foi incluída pela EC n. 29/2000, que deu ao § 1º do art. 156 a redação transcrita na citação acima. 2Estudo do IPTU 2.1 Competência e previsão legal O IPTU inclui-se na competência tributária municipal (inciso I do art. 156 da CF/88) (BRASIL, 2014). A instituição dar-se-á mediante lei ordinária. Também é previsto no art. 32 do Código Tributário Nacional (CTN): “O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.” (BRASIL, 2014) 2.2 Sujeito passivo O contribuinte do IPTU, definido no art. 34 do CTN, é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. Segundo o Código Civil de 2002 (CC/02), proprietário é aquele que detém os atributos de usar, gozar, dispor e de reaver o bem. O titular do domínio útil recebe do proprietário os direitos de usar e gozar do bem. O possuidor, por sua vez, é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. No Recurso Especial (REsp) 325.489, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidouque somente é contribuinte do IPTU o possuidor por direito real que exerce a posse com ânimo definitivo, excluindo da sujeição passiva do locatário ou o comodatário (BRASIL, 2014). Lado outro, a Súmula 399 do STJ dispõe que “cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU” (BRASIL, 2014). Neste contexto, o art. 34 do CTN teria trazido alternativas ao Município, que pode eleger um ou outro dentre os sujeitos nele previstos como contribuintes do imposto. Além disso, o STJ entende constitucional a tributação do enfiteuta – REsp 267.099/BA (BRASIL, 2014). 2.3Fato gerador Ofato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, localizado na zona urbana do Município (art. 32, CTN) (BRASIL, 2014), cujo momento de apuração ocorre em1º de janeiro de cada ano, mediante ficção jurídica. O art. 43 do CC/02 dispõe que são imóveis por natureza “o solo, com sua superfície, os seus acessórios naturais e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo” e, por acessão física, “tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano”. (BRASIL, 2014) A zona urbana do Município é definida em lei municipal. O § 1º do art. 32 do CTN exige, como requisito mínimo, a existência de pelo menos dois dos seguintes melhoramentos, construídos ou mantidos pelo Poder Público: a) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; b) abastecimento de água; c) sistema de esgotos sanitários; d) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel considerado. O § 2º permite que incida o imposto em as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, exigindo-se previsão na lei municipal e que estas áreas constem de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, com destinação à habitação ou ao comércio. Há reiteradas decisões do STJ que aplicam o critério da destinação econômica do imóvel em substituição ao puramente topográfico, já que, especialmente nas áreas de expansão urbana, a determinação do fato gerador pela localização do imóvel pode trazer dúvidas se é o caso de incidência do IPTU ou do ITR. Neste sentido, confira-se o REsp 1.112.646/SP (BRASIL 2014). 2.4Base de cálculo Segundo o art. 33 do CTN e seu parágrafo único, a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, não se considerando o valor dos bens móveis nele mantidos, permanente ou temporariamente, com o fim de utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade. Sobre a base de cálculo e sua previsão legal, destaca Ricardo Alexandre:“Não poderia ser de outra forma, pois o IPTU incide apenas sobre os imóveis por natureza ou acessão física, e os bens relacionados no dispositivo se enquadravam, com absoluta previsão, na antiga definição constante do Código Civil de 1916, hoje revogado, de bens imóveis por acessão intelectual, estando, por isso, fora do campo de incidência do imposto.” (ALEXANDRE, 2011, p. 644) 2.5Imposto real x imposto pessoal O § 1º do art. 145 da CF/88 dispõe que, sempre que possível, os impostos devem ter caráter pessoal (BRASIL, 2014). Neste contexto, adoutrina e jurisprudência apontam uma distinção entre impostos pessoais e reais. Esclarece o Prof. Eduardo Sabbag que os impostos pessoais levam em conta qualidades pessoais e juridicamente qualificadas do contribuinte. Por tal razão, possuem um caráter eminentemente subjetivo (SABBAG, 2013, p. 417) e observam o princípio da capacidade contributiva, onerando de forma mais gravosa aqueles que têm maior abilitytopay. Cite-se, como exemplo, o imposto sobre a renda (IR), que possui como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos pelo contribuinte. Por sua vez, os impostos de natureza real levam em consideração o próprio bem ou coisa. Neste caso, o imposto incide sobre um objeto material. São abstraídascondições particulares do sujeito passivo e a hipótese de incidência considera as características do bem sobre o qual recai o tributo. Para Eduardo Sabbag, todos os impostos, à exceção do IR, possuem natureza real (SABBAG, 2013, p. 417). A divisão de classificação entre impostos pessoais e reais não é eminentemente jurídica e causa polêmica. Sobre o assunto, o tributarista Leandro Paulsen destaca: “Não nos parece que haja muita clareza na doutrina e na jurisprudência acerca dos critérios para a distinção entre impostos reais e pessoais. O art. 145, § 1º, da CF dá um indicativo ao facultar à administração a identificação do patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte como meio de dar caráter pessoal aos impostos e graduá-los segundo a capacidade econômica dos contribuintes. Assim, leva-nos ao entendimento de que pessoal é o imposto que considera as circunstâncias específicas relativas a cada contribuinte para o dimensionamento do montante a pagar.” (PAULSEN, 2009) 2.6Classificação do IPTU: STF O IPTU é classificado pelo STF como um imposto de natureza real, já que a hipótese de incidência não considera características relativas ao contribuinte, e sim à matéria tributada.  O mesmo ocorreria com a base de cálculo, que observa apenas o valor venal do imóvel.Ainda, o STF destaca a previsão do art. 130 do CTN, a qualestabelece que os créditos tributários decorrentes de impostos que tenham como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel se subrogam na pessoa dos adquirentes do imóvel, circunstância que demonstraria que o IPTU não considera a capacidade contributiva do sujeito passivo. Este entendimento se consolidou no julgamento do RE 153.771/MG. Confira-se trecho do voto do Ministro Moreira Alves: “Ora, no sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocadamente um imposto real, porquanto tem ele como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel gerador da propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado no zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo E mais: no art. 130 estabelece que os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis …. subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação[…]o devedor não é necessariamente o proprietário, titular do domínio útil ou possuidor ao tempo em que ocorreu o fato gerador e nasceu a obrigação tributária, mas pode ser o que estiver numa dessas posições quando da exigibilidade do crédito tributário, circunstância esta que mostra, claramente, que nestes impostos não se leva em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo, até porque, no momento da ocorrência do fato gerador anterior à transmissão, o futuro adquirente não era titular de direito real ou tinha a posse para daí se inferir, por presunção, que ele tivesse capacidade contributiva, que obviamente tem que ser aferida quando do fato gerador, e não posteriormente a ele.” (BRASIL, 2014) 3Progressividade fiscal no IPTU e justiça tributária 3.1Possibilidade de aplicação da capacidade contributiva no IPTU Segundo Eduardo Sabbag, a alíquota “é uma grandeza dimensional do fato gerador. Revela-se por meio do índice de percentagem, que permitirá a aferição do quantum tributário a pagar.” (SABBAG, 2013, p. 1009). A redação original da CF/88 previu apenas a progressividade das alíquotas de caráter extrafiscal no IPTU, com o objetivo de concretizar a função social da propriedade.  Sobre o tema, destaca Eduardo Sabbag que “sempre se admitiu a progressividade no tempo, para fins extrafiscais, como instrumento de pressão ao proprietário de bem imóvel que, devendo dar a ele o adequado aproveitamento, mantinha-se recalcitrante ao necessário cumprimento da função social da propriedade.”(SABBAG, 2013, p. 1011) Entretanto, não obstante houvesse a expressa autorização constitucional apenas para a aplicação da técnica da progressividade no tempo, com finalidade extrafiscal, vários Municípios adotavam também as alíquotas progressivas com função fiscal para cobrança do IPTU. Como salienta Ricardo Alexandre, utilizavam o argumento de que “seria presumível que os imóveis mais valiosos pertencessem a pessoas com maior capacidade contributiva, de forma que a progressividade da alíquota seria uma maneira de tornar a incidência tributária mais isonômica” (ALEXANDRE, 2011, p. 639).  Neste contexto, o STF firmou jurisprudência tendente a associar a capacidade contributiva e, por conseguinte, a progressividade fiscal, àqueles impostos classificados como pessoais, afastando a sua observância dos impostos ditos reais. Assim, tendo em vista a jurisprudência que consolidou a natureza real do IPTU, o Supremo entendia pela incompatibilidade da progressividade fiscal com base na capacidade contributiva do sujeito passivo. Ocorre que, por meio da EC n. 29/00 (subitem 2.5), foi inserida no ordenamento jurídico a possibilidade da cobrança do IPTU em alíquotas progressivas em virtude do valor venal do imóvel. Tal situação ensejou intensos debates sobre a constitucionalidade da emenda. A primeira corrente, atacando a inovação trazida ao texto constitucional, argumentava, em síntese: a) que a EC n. 29 teria extrapolado os limites materiais de reforma constitucional contidos no § 4º do art. 60 da CF/88, que trata das cláusulas pétreas, ferindo o princípio da capacidade contributiva; b) equívoco na emenda ao estabelecer grandezas de variação do IPTU atinentes às características pessoas do contribuinte;c) a natureza real do IPTU, que seria incompatível com a progressividade fiscal; d)a impossibilidade de se estender o princípio da capacidade contributiva a um imposto real;e)violação à igualdade tributária, já que o valor venal do imóvel seria insuficiente para presumir-se a capacidade contributiva do proprietário; f) a progressividade fiscal se revestia de caráter confiscatório, vedado pelo art. 150, IV, da CF/88. Já a segunda corrente, entendendo pela constitucionalidade da EC n. 29, defende, em resumo: a) que a redação dada pela EC n. 29 ao art. 156 da Constituição não ultrapassaria os limites materiais de reforma nem abolia direitos ou garantias individuais; b) que não se incluiria dentre as cláusulas pétreas a vedação à instituição de imposto progressivo de índole real; c) observância ao princípio da isonomia tributária com a instituição de alíquotas diferenciadas em razão do valor, da localização e do uso do imóvel, pois se tributava desigualmente quem se achava em situação de desigualdade, aplicando a capacidade contributiva; d) que a progressividade tributária seria instrumento de distribuição de rendas e justiça social; e) que a emenda apenas consolidaria regra que já estaria implícita no texto constitucional original, cumprindo os princípios de moralidade e justiça contributiva, segundo os quais os ônus sociais distribuem-se conforme o patrimônio e a capacidade econômica do contribuinte; f) que o art. 145 da CF/88, ao dispor que “os impostos, sempre que possível, terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, não teria estabelecido vedação à progressividade para impostos conceituados pela doutrina de natureza real, tampouco que o caráter pessoal seria sinônimo de tributo pessoal; g) que a progressividade seria meio para a concretização da função social da propriedade e da justiça social, inexistindo o alegado caráter confiscatório. O jurista Hugo de Brito Machado, defendendo a corrente que entende pela constitucionalidade da EC n. 29/00, sustenta a inexistência de vedação do emprego do principio da capacidade contributiva aos impostos reais na CF/88: “Primeiro, note-se que o § 1º do art. 145 não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza, tenham os impostos, sempre que possível, caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte. […] Isto, porém, não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade contributiva. Na verdade, porém, assim não é. No dilema entre a justiça e a produtividade, o legislador contemporâneo inclina-se para soluções transacionais, introduzindo certa dose de personalização em impostos outrora havidos de natureza real. […] Entendemos que não apenas a natureza de certos produtos, mercadorias e serviços presta-se para demonstrar capacidade contributiva, como também, muitas vezes, o local, o ambiente, as circunstâncias em que ocorre o consumo ou o uso do produto, mercadoria ou serviço. Quem se hospeda, ou almoça, ou simplesmente consome uma cerveja, ou mesmo um refrigerante, em um hotel cinco estrelas, seguramente está demonstrado que tem capacidade econômica bastante acima da capacidade econômica média dos brasileiros. É justo que as pessoas tenham a liberdade de desfrutar dos bens materiais de que podem dispor, porque são ricas. Essa liberdade o Estado deve assegurar. É justo, entretanto, que paguem por isso, contribuindo para a manutenção dos serviços públicos que o Estado deve prestar, especialmente em favor dos mais carentes.” […] (MACHADO, 2002) Nesta toada, o jurista argumenta que não se deve afastar dos impostos reais o princípio da capacidade contributiva, mas, pelo contrário, aplicá-lo intensamente em relação a eles. Prossegue afirmando o seguinte: “Por fim, é importante que se esclareça, porém, que o fato de ser utilizado um imposto, como o IPI, para a realização do princípio da capacidade contributiva, como se colocou acima, não confere a esse imposto um caráter pessoal. Por maior que seja o seu grau de seletividade em função da essencialidade do produto, segue ele sendo tipicamente um imposto real. Pela mesma razão, o fato de um imposto ter caráter pessoal não significa que esse imposto realiza o princípio da capacidade contributiva. Imposto de caráter pessoal, repita-se, é aquele cujo valor é determinado tendo-se em consideração as condições pessoais do contribuinte, não necessariamente para o fim de se verificar a sua capacidade contributiva.”(MACHADO, 2002) A lição do doutrinador leva à conclusão de que não é o fato de o IPTU ser classificado como um imposto real que estaria impedida a aplicação do princípio da capacidade contributiva pelos Municípios. Note-se que a progressividade fiscal ora estudada não se presta apenas à materialização da capacidade contributiva – razão pela qual não haveria qualquer violação às cláusulas pétreas, mas é também meio de exteriorização da isonomia tributária em seu sentido material e, em última instância, instrumento de realização de justiça fiscal, proporcionando a redistribuição de riqueza. Ademais, a fixação das alíquotas progressivas do IPTU em razão do valor venal do imóveldeve ser feita com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, obedecendo-se a vedação ao confisco, prevista no art. 150, IV, da CF/88. Lado outro, para que efetivamente se faça justiça tributária, observando-se a capacidade econômica do sujeito passivo, é essencial que esteja delimitada a base de cálculo do tributo. No caso do IPTU, é difícil definir com precisão o valor venal do imóvel (base de cálculo, que serve como parâmetro para a aplicação da proporcionalidade), já que sua fixação decorre das forças econômicas que determinam a lei da oferta e da procura. Neste contexto, ocorre uma presunção relativa dos valores que aquele imóvel alcançaria se colocado à disposição do mercado, que deve ser adstrita aos limites impostos pela Constituição e pela lei. Exige-se, ainda, que seja oportunizado ao contribuinte, diante de inconsistências na fixação da base de cálculo, comprovar o erro na avaliação e derrubar tal presunção.   Assim, em relação ao contribuinte que tem condições de adquirir e manter imóvel de elevado valor venal, haveria presunção de maior abilitytopaydo que a que possui o cidadão que tem em seu poder imóvel avaliado de modo inferior pelo mercado. 3.2 Posição atual do STF: Súmula n. 668 e RE 423.768 / SP Antes de analisar o mérito da (in)constitucionalidade da EC n. 29/00, o STF editou a Súmula n. 668, que reza: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade” (BRASIL, 2014). A Súmula representou importante marco temporal para aplicação da inovação constitucional, pois, anteriormente à autorização expressa trazida pela EC n. 29/00, muitos Municípios já aplicavam a progressividade fiscal segundo a capacidade econômica do contribuinte. Além disso, já sob a vigência da EC n. 29/00, aplicavam a técnica do IPTU progressivo para créditos tributários constituídos em momento anterior à redação do art. 156, § 1º, incisos I e II da CF/88 dada pela emenda. Contudo, no ano de 2010, o Supremo julgou o RE 423.768 / SP (BRASIL, 2014), e, por unanimidade, manifestou-se pela constitucionalidade da EC n.29/00 e da Lei n. 13.250/01 do Município de São Paulo, que previu a variação de alíquotas para o IPTU consoante a autorização trazida pela emenda: “IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000.” (BRASIL, 2014) Segundo os Ministros, realizando uma interpretação sistemática do § 1º do art. 145 com o § 1º do art. 156 da CF/88 após a EC n. 29/00, as premissas que levaram anteriormente o STF a entender pela impossibilidade da progressividade fiscal no IPTU restaram superadas.Em síntese, argumentou-se a necessidade de o IPTU ter um objetivo social, já que o § 1º do art. 145 da CF/88 teria como alvo único o estabelecimento de uma gradação que levasse à justiça tributária, onerando aqueles com maior capacidade para pagamento do imposto. Sustentou-seque não haveria fundamento para a alegação de violação a cláusulas pétreas, já que a EC n. 29/00 não teria suprimido direitos ou garantias individuais, mas teria dado o real significado do que já estava disposto na Constituição acerca da graduação dos tributos: na defesa da isonomia é que a EC n. 29/00 possibilitaria a cobrança de alíquotas progressivas. Assim, ao invés de violar as cláusulas a isonomia e da capacidade contributiva, a emenda teria as fortalecido. Por outro lado, os Ministros entenderam que não haveria proibição de implementação da progressividade fiscal a impostos reais. A CF/88 apenas teria proclamado uma preferência pela instituição de impostos pessoais, já que realizam a isonomia tributária com maior facilidade. Não obstante, destacaram que a progressividade, por garantir a observância da capacidade contributiva, sempre que possível, deve ser utilizada. Contra o argumento de que não seria possível se aferir com precisão a capacidade econômica do contribuinte, o STF destacou que, em se tratando de impostos reais, ocorreria uma presunção da qual se depreenderia quequem possui imóveis de maior valor poderia contribuir de maneira mais onerosa do que quem possui imóveis de menor valor. Sobre o assunto, o Ministro Ayres Britto, em seu voto, ressaltou que “com a relação jurídico-tributária entre sujeitos de direitos, assegura-se o princípio da igualdade pela consideração da capacidade contributiva e, pelo IPTU, pela progressividade da alíquota em face das circunstâncias que revelem, por presunção, maior riqueza urbano-imobiliária. Logo, capacidade contributiva que se desata, por presunção constitucional, da propriedade imobiliária urbana de maior valor. Assim é que se imbricam, em congruente unidade, a função social da propriedade, a justiça social e a isonomia.”(BRASIL, 2014) Nesta toada, a capacidade contributiva, para fins de aplicação por via de IPTU, seriaaveriguada em função do próprio imóvel, observando-se sua localização, luxo, dimensões, características etc., e não da fortuna em dinheiro do seu proprietário, sob pena de violação à isonomia. Por fim, asseverou-se que, caso a proporcionalidade instituída pelo Município fosse apta a instituir o confisco vedado pela CF/88, seria o caso de se aferir o caráter razoável e proporcional da lei, que seria passível de controle judicial. Neste contexto, restou consolidado no STF o posicionamento de que a ordem constitucional alberga uma dupla progressividade do IPTU. A primeira, de índole extrafiscal, busca o cumprimento da função social da propriedade urbana, conforme expressamente previsto pelo art. 182, § 4º da CF/88. A segunda, de viés fiscal, conforme autorizado pela EC n.29/00, que deu nova redação art. 156, § 1º, incisos I e II da CF/88, proporciona a observância do princípio da capacidade contributiva no IPTU, subprincípio da isonomia, e a materialização da justiça tributária.  Considerações finais A capacidade contributiva é meio para se alcançar a justiça tributária, concretizando o princípio constitucional da isonomia. Por meio da aplicação da progressividade fiscal, a capacidade contributiva se materializa. Com o advento da EC n. 29/00, introduziu-se na ordem constitucional, expressamente, a possibilidade cobrança do IPTU mediante alíquotas progressivas em razão da localização, do uso e do valor venal do imóvel.  A emenda ensejou intensos debates sobre sua inconstitucionalidade, pois havia entendimento doutrinário de que a observância da capacidade contributiva somente seria compatível com impostos pessoais e, sendo o IPTU um tributo real, tal princípio seria inaplicável, tampouco seria admissível a progressividade fiscal. No RE n. 423.768 / SP, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao se pronunciar sobre a Lei n.13.250/2001 do Município de São Paulo, que estabeleceu a variação de alíquotas do IPTU em consonância com a progressividade fiscal, afastou a inconstitucionalidade da EC n. 29/00. Em resumo, entendeu-se que a gradação de alíquotas levaria à justiça tributária, onerando aqueles com maior capacidade para o pagamento do imposto,concretizando corretamente o preceito do § 1º do art. 156 da CF/88. Lado outro, asseverou que a emenda, ao invés de violar as cláusulas pétreas da isonomia e da capacidade contributiva, fortaleceu-as. Outrossim, segundo o STF, não haveria proibição à implementação da progressividade fiscal aos impostos reais. Pelo contrário, sempre que possível, deveria ser utilizada para assegurar o respeito à capacidade contributiva. Os Ministros entenderam que haveria uma presunção de que quem possui imóveis de maior valor pudesse contribuir de maneira mais onerosa do que quem possui imóveis de valor menor, de forma que, para esta aferição, deveriam ser analisadas as características do imóvel (como localização, luxo), e não as do contribuinte. Por fim, caso o Município violasse a vedação constitucional ao confisco, destaca o STF que a lei seria passível de análise pelo Judiciário, sob o prisma da proporcionalidade e razoabilidade. Desta forma, concluiu o STF por uma dupla progressividade do IPTU: a primeira de índole extrafiscal, conforme expressamente previsto pelo art. 182, § 4º da CF/88, e a segunda de viés fiscal, conforme autorizado pela EC n.29/00, posição á qual nos filiamos.
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Importância da contribuição de melhoria para o desenvolvimento urbano e sua grande utilidade para a reforma agrária
O homem, ser dotado de consciência e altamente sociável, tende a viver em sociedade, em virtude dos conflitos de interesse se criou o Estado, ser abstrato que visa realizar tarefas cuja a qual não se poderiam realizar por particulares, sobretudo a administração e jurisdição, voltada esta para dizer o direito e pacificar as lides (conflitos de interesses). Mas para consecução de tais fins, o Estado precisa de recursos financeiros, podendo advir de duas fontes: Originária, onde o Estado não utiliza de suas prerrogativas públicas, atuando como se particular fosse; Derivada, atuando como ente público usando de suas prerrogativas excepcionais, pautado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, e indisponibilidade do interesse público. Desta forma se criou os tributos, forma de receita derivada onde o Estado coercitivamente exige recursos dos particulares para consecução do bem comum. Existem cinco modalidades, de acordo com o Supremo Tribunal Federal: (Impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimo compulsório). Os impostos são pagos por que demonstra capacidade contributiva, retirando de quem possui mais do que o suficiente para viver dignamente para que possa realizar obras sociais buscando atingir as normas programáticas e objetivas que a Constituição da República Federal Brasileira é pautada. As Taxas são cobradas para retribuição do que foi gasto com o poder de polícia (fiscalização do particular para bem comum) ou taxa de serviço (desde que seja específico e divisível). A contribuição de melhoria visa obstar o enriquecimento indevido dos particulares que tem seus imóveis valorizados pela obra pública, pagando assim o tributo com base na valorização imobiliária. As contribuições especiais são cobradas para determinados fins sociais, para intervir no domínio econômico, para custear a iluminação publica ou voltadas para categorias profissionais ou econômicas. Os empréstimos compulsórios, tributo que desde que pago, será devolvido parceladamente ao contribuinte, objetivas amenizar situação calamitosa ou de guerra externa, ou para investimento público, relevante e urgente. Tal trabalho pauta-se sobretudo para a historia sobre a criação do Estado, seus métodos de arrecadação e especialmente sobre o tributo contribuição de melhoria, com suas peculiaridades, conceito, características, elementos estruturantes, limites, importância para o desenvolvimento estrutural e social e para a reforma agrária, sempre pautado na Lei maior (Constituição da República Federativa do Brasil) em especial quanto à atual (1988) e suas regulamentação legislativa, tomando por base o Decreto-Lei 1951967 e o Código Tributário Nacional.
Direito Tributário
Introdução. Fazendo uma analise história sobre a origem do Estado, suas peculiaridades, o direito e as normas, sobretudo voltado ao direito financeiro e tributário, analisando as formas de arrecadação fiscal e não fiscal, introduzindo o estudo ao direito tributário com suas nuances, e para aprofundando uma analisa-se sobre a contribuição de melhoria, tributo cobrado decorrente de valorização imobiliária advinda de obra pública, buscando formar um conhecimento, sobretudo a prática, que na atualidade encontra-se esquecido. Tal tributo visa fomentar o desenvolvimento social e estrutural, urbana ou rural, sobretudo a sua continuidade desenvolvimentista eficaz e permanente, por meio da contribuição de melhoria, sem esquecer da sua importante relevância para a reforma agrária.Passemos à analisar tais conceitos e incentivar a sua concretização. Desenvolvimento 1. Conceito de estado. Os seres humanos são pessoas altamente sociáveis, tendem a viverem em conjunto com outros da sua espécie. Assim como acontece em todo conglomerado de seres, há conflitos de interesses, que se chocam em virtude de vontades contrapostas. No passado, quando não havia a figura do Estado, tais conflitos de interesses eram solucionados pelos seres que detinham mais força física. Em virtude desta injustiça, pois muitas vezes quem detinha o direito não era o mais forte, os seres de determinado grupo, resolveram criar o estado, que consubstancia em pessoa jurídica de direito público, dotada de total abstração, regida pelas normas e princípios de direito público. contudo o Estado não tem poderes ilimitados e absolutos, pois seus limites e origem de criação derivam da constituição, norma maior de um Estado, que, no Brasil, deriva da assembleia constituinte, compostos por um conjunto de pessoas eleitas para tal finalidade, artigo (art.) 1º, parágrafo único da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988): todo poder emana do podo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição. “A primeira norma jurídica, a Constituição, não é criada pelo Estado, mas simpelo Poder Constituinte. É o Poder Constituinte quem cria o Estado e lhe dá a incumbência de produzir normas jurídicas. Assim, o Estado não exerce um poder soberano, no sentido de "poder sem limites jurídicos". As competências do Estado são limitadas pelas normas constitucionais que as outorgaram. Poder soberano, quem exerce é, exclusivamente, o Constituinte.” (ARI SUNDFELD, CARLOS, MALHEIROS EDITORES, Fundamentos de direito público, 4ª ed., 10ª tiragem, pag. 67) São elementos do Estado: Povo (população que se regula e adequa as normas do seu Estado), território (espaço geográfico que delimita a área de abrangência das normas de determinado Estado), soberania ( capacidade de autodeterminação de suas normas, com capacidade de impedir a interferência de outros estados) – e no Brasil tal elemento está no art. 1, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988).’’A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I -A soberania;’’ O conjunto de normas e princípios que regem determinado povo, sobe determinado território e detentor de soberania, denomina-se ordenamento jurídico. Tal ordenamentojurídico,segundo a teoria da pirâmide das normas jurídicas, de onde se deriva a teoria da hierarquia das normas jurídicas, onde a Constituição, denominada carta magna ou lei maior, encontra-se no topo, sendo norma superior de forma que todas as normas inferiores devem estar de acordo com os preceitos daquela, sob pena de vício insanável que a nulifica, denominado inconstitucionalidade. “Sempre é bom reforçar que não existe norma superior à constituição, que está no último degrau de hierarquia normativa no país; assim, absolutamente todas as normas do ordenamento jurídico pátrio têm que ter seu fundamento de validade nesta indispensável norma”. (Padilha, Rodrigo Corrêa, 1976 – Direito constitucional sistematizado – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012, pag. 39) Constituição em sentido formal, substancial, refere-se que a carta magna constitui os poderes e atribui competências para estes, regendo a forma de relacionamento destes com os órgãos públicos e povo, estes detentores do poder seja diretamente ou indiretamente, por meio de representantes eleitos, este povo detém direito e garantias fundamentais, art. 5º CRFB 1988. “A Constituição será, assim, o conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de disciplinar as interações e controles recíprocos entre tais órgãos. Compõem a Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera de autodeterminação dos indivíduos e grupos, que se encontram sob a regência desse estatuto político. Essas normas garantem às pessoas uma posição fundamental ante o poder público (direitos fundamentais)”. (FERREIRA mendes, Gilmar; GONET branco, Paulo Gustavo, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 7ª edição, 2012, ed. Saraiva, pagina 81) Para manter as atividades e objetivos visadas pela constituinte, art.3º, CRFB 1988 ao criar o Estado, analisou-se que era necessário a criação de patrimônio próprio, de titularidade do Estado e administrado por seus representantes e administradores, no Brasil, representantes estes que são eleitos pelo voto direto, secreto, periódico e universal, definido pela constituição como cláusula pétrea, art. 60 §4, inciso II da CRFB 88. Cláusula pétrea significa que a constituição, que somente pode ser alterada por Emenda constitucional, art. 60 CRFB 1988, significando que a alteração da constituição do Brasil tem característica de rigidez, pois possui maiores dificuldades e requisitos de alteração, em contraponto às leis infraconstitucionais (abaixo da constituição), detém determinadas matérias que são inalteráveis, imutáveis, irredutíveis, por constituírem princípios basilares do Estado democrático de direito, contudo, conforme a doutrina em sua maioria, tal inalterabilidade se limita ao abrandamento, de forma que se permite a alteração para reforçar, melhorar, criar maiores mecanismos de defesa quanto as matérias escolhidas para serem cláusula pétrea no Estado democrático Brasileiro de direito.  A partir deste pensamento, resolveu-se instituir os tributos, forma de receita derivada a qual é atribuída ao Estado e pagas pelos contribuintes, sendo nacionais ou nacionalizados em transito pelo pais. 2. Tributos. No direito existem dois ramos de direito. O direito privado e o direito público. No direito privado, disciplinam relações entre particulares que estão no mesmo nível hierárquico. Nas normas de direito público, disciplina-se relações entre pessoas de níveis hierárquicos diferentes, no caso de Estado e particulares, regidos por princípios peculiares, sobretudo o da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Notadamente os tributos são regidos pelo direito público, já que o Estado para obter receita, com as quais se irá possibilitar a aplicação e conquista dos seus objetivos essenciais, art. 3º CRFB 1988, e para conseguir exercer funções que são de exclusividade do poder público, como a Jurisdição, atividade de competência típica do Poder Judiciário, no qual o juiz diz o direito no caso concreto, resolvendo conflito de interesses, denominado lide. O Estado dispõe de duas formas de obter receita. Originária e derivada. Na originária o Estado, apesar de ser pessoa jurídica de direito público interno, não utiliza das suas prerrogativas que o direito público atribui, sobretudo as exorbitantes, igualando com o particular com quem realiza negócios jurídicos, regido por normas de direito privado, sobretudo a vontade das partes. Ex. aluguel onde uma das partes é o Estado, seja através da sociedade de economia mista ou empresa pública e o outro o particular. Na receita derivada o Estado usa do seu poder de império,com os poderes exorbitantes decorrente das normas das normas de direito público, do qual desiguala com o particular, já que aquele possui poderes que vão além da vontade das partes, como o poder de coerção de que possui o Estado de obrigar o particular, mesmo contra a vontade deste, a entregar parte de sua receita para o erário (dinheiro público), visando realizar as atividades de bem comum, como forma de justiça fiscal, onde os mais abastados contribuem para que o Estado realize obras sociais, beneficiando os sujeitos desprovidos de situação financeira, impedidos de contribuir sem o prejuízo de seu sustento e de sua família. 2.1 Origem e características do tributo no direito brasileiro O Estado em sua primeira dimensão regia-se pelo liberalismo, onde este intervia minimamente nas relações entre particulares, contudo em face do poderio econômico ser detentor de uma minoria, acabaram-se por ocorrer injustiças com a opressão da classe nobre sobre os mais pobres. Assim, para resolver tal problema da distorção da economia e no social, o estado passou a utilizar de suas prerrogativas públicas, deixando de ser não intervencionista para ser atuante nas relações econômicas e sociais, buscando o bem estar social (welfarestate). Com este objetivo, passou o Estado a utilizar do tributo, baseando-se na capacidade contributiva, característica aplicada somente para os impostos, art. 145, §1 da CRFB 1988, passou a intervir nas relações econômicas e sociais, coagindo o particular que demonstra poder econômico, a entregar parte de sua receita ao Estado e este pudesse aplicar no social visando seus objetivos e atividades que lhe são inerentes. Conforme o mandamento do art. 146, III, CRFB 1988, criou-se o código tributário nacional (CTN), lei complementar de normas gerais sobre a legislação tributária, responsável por definir o tributo e suas espécies, entre outras. Assim o art. 3º do CTN conceitua tributo: ‘’tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. ‘’ Passemos a estudar tal conceito. Tributo é prestação compulsória, pois é exigido pelo estado de forma obrigatória o pagamento do tributo àquele a quem a lei determina como sendo o devedor, independente de sua vontade sob pena de ser coagido judicialmente a pagar. Cita-se (RICARDO ALEXANDRE, DIREITO TRIBUTÁRIO ESQUEMATIZADO, editora Método, São Paulo, 6ª ed.2012, pag. 11) ‘’ O tributo é receita derivada, cobrada pelo Estado, no uso de seu poder de império. O dever de pagá-lo é, portanto, imposto pela lei, sendo irrelevante a vontade das partes (credor ou devedor) ‘’ Subtrai que a atividade é obrigatória para o devedor (sujeito passivo) e credor (sujeito ativo), neste, sob pena de impossibilidade de repasse constitucional de verba e crime de responsabilidade ao administrador. “Ocorrido o fato imponível, nasce um vínculo de cunho patrimonial que onera o contribuinte. Por isso se torna sujeito passivo de uma relação jurídica obrigacional, da qual só se libera mediante a prestação de seu objeto (comportamento, gesto, ato de efetiva entrega da coisa). Este objeto se designa por tributo, vulgarmente.‘’(ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012 pag. 33) É sempre em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, assim impossibilita o pagamento de tributo por meio de prestação de serviço ou qualquer outro valor desprovido de pecúnia ou valor que nela se possa exprimir. Tributo não pode ser sanção por ato ilícito, diferindo, portanto, da multa. Mas sua exigência independe do motivo que gerou o fato gerador (situação ocorrida no mundo dos fatos, fato este que é previsto na lei como ocasionador do dever de tributar – tal previsão legal denomina-se hipótese de incidência – H.I.).Apesar do CTN aplicar o termo fato gerador, tanto para o fato descrito na lei quanto ao fato imponível, acontecido concretamente no mundo fenomênico, fazendo surgir a subsunção do fato a norma, ‘’art. 114, CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.’’ Salienta-se importante obra sobre o direito tributário que a seguir transcreve: “(…) distinguimos estas duas coisas, denominando ‘’Hipótese de incidência’’ ao conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) e ‘’fato imponível’’ ao fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de incidência.’’(ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, eitora Malheiros Editores, 2012. Pag. 54). Assim mesmo os traficantes ou criminosos ou prostitutas, ainda que sua atividade seja ilegal ou imoral, por realizar a conduta descrita em lei como obrigatória de pagar tributo, devem esta realizar tal pagamento, doutrinariamente conceituada como ilicitum pecúnia non olete (dinheiro não tem o cheiro do fato, ainda que ilícito que ocasionou a incidência da norma tributária), ‘‘Art. 118, I, CTN.A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I –da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.’’ Dentre os princípios basilares da administração pública, está a da legalidade.‘’Art. 37, CRFB 1988:A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…) ‘’.O principio dalegalidade difere quanto ao âmbito de aplicação. No direito público a legalidade é restritiva, de forma que o administrator só pode praticar aquilo que a lei o permite, seja escolhendo todas os elementos do ato administrativo (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) que deve ser praticado, denominado ato vinculado, ou seja possibilitando certa discricionariedade, na análise de conveniência e oportunidade, quanto ao elemento motivo e objeto, mas desde que respeite os limites legais, denominado ato discricionário. Na legalidade aplicada às situações regidas pelo direito privado, o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não o proíba, sendo desta forma, legalidade ampliativa. No direito tributário brasileiro, o tributo somente se cria por meio de lei ordinária (aprovada pela maioria relativa, ou seja, mais da metade dos presentes na votação) ou complementar (aprovada pela maioria absoluta, ou seja, mais de metade dos componentes da respectiva casa legislativa) ou medida provisória,(desde que não seja matéria de reservada à lei complementar, art.62, §1, III CRFB 1988 e art. 25 §2 CRFB 1988, só produzirá efeitos no exercício financeiro, ou seja, no ano seguinte ao que tiver sido transformada em lei desde que respeitado o prazo de 60 prorrogável uma única vez por igual prazo. Tal limitação objetiva e circunstancial não atingem os impostos extrafiscais, assim chamados por terem finalidade arrecadatória e regulatória da economia, são eles: imposto de importação de produtos estrangeiros (II), imposto de exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre produtos industrializados (IPI),imposto sobre operações de crédito, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). E em face da situação emergencial, o imposto extraordinário de guerra externa, compreendidos ou não em sua competência tributária, sendo caso autorizado de bis in idem ou bitributação, respectivamente, de forma que mesmo autorizado por meio de Medida Provisória, produzirá efeitos imediatos, art. 62 §2, CRFB 1988 ). O direito tributário por ser regido pelo direito público, sub-ramo do direito administrativo, somente pode-se cobrar o tributo quando a lei assim o determinar. E nestes casos, o administrator da maquina pública tem o poder-dever de usar dos meios cabíveis legais para assim exigir, sob pena de crime de responsabilidade e obstar o repasse legal de verbas dos entes maiores para os menores. Aspectos subjetivos. O sujeito ativo, credor na relação jurídica tributária em regra é pessoa pública. ‘’Art. 119,CTN :Sujeito ativo da obrigação é pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento’’. Mas pode ocorrer que a delegação da capacidade ativa para pessoa particulares, em regra as futuras detentoras do capital que se expropria do particular, são as denominadas parafiscalidade. “Art. 7º, CTN:A competência tributária é indelegável, salvo atribuições das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do §3 do art. 18 da Constituição.” A sujeição passiva, devedor na relação jurídica tributária, em regra são pessoasprivadas, sempre previstas em lei, conforme o art. 97,III, CTN. O conceito de sujeito passivo está no Art. 121, CTN e o de responsabilidade tributária no art. 128 CTN: “art. 121, CTN: Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável,quando,sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Aspectos quantitativo: O tributo é obrigação de pagar, mas para delimitar o quanto se deve pagar (quantum debeatur), usa-se dos aspectos objetivos, composto pela base de cálculo e alíquota. Base de cálculo é o objeto material escolhido pelo legislador, as vezes se confunde com o próprio elemento caracterizador da capacidade contributiva, no qual irá incidir a alíquota para se chegar ao valor devido à título de tributo. Alíquota é fator que incidindo sobre a base de cálculo, encontra-se a obrigação tributária principal (dever de pagar )art . 113, §1, CTN.Pode ser ela ad valorem ou específicas. Com muita propriedade cita-se ilustre tributarista e tratadista em direito tributário. “As alíquotas específicas expressam-se em dinheiro e incidem sobre base de cálculo técnica, referida a grandeza diferente de dinheiro ( peso, quantidade, extensão etc.) (…). As alíquotas ad valorem expressam-se em percentagens (1%, 5%, 20 %,etc.) e incidem sobre a base de cálculo medida em dinheiro. (…).‘’ (TORRES, Ricardo Lobo, CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO, 17ª EDIÇÃO, 2009, editora Renovar, pag 256) Ou tributo fixo, onde a própria lei diz o valor a ser pago, ex. o imposto sobre serviços, art. 9 §1 Decreto lei 406 de 1968. Aspectos objetivos. Dentre os aspectos objetivos, temos as obrigações principais e obrigações acessórias. As principais consubstanciam dever de pagar, seja tributo ou multa. Sempre decorrem de lei art. 97, CTN.Art. 113, CTN: ‘’A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.’’Cita-se o insigne jurista Pedro Barretto. “Continuando na qualificação da obrigação principal, além de registrar que sempre decorre de lei, vale lembrar que ela é sempre uma obrigação de caráter patrimonial, intuito pecúnia, que se classificaria civilmente como prestação positiva, sempre na modalidade obrigação de dar, nunca podendo ser entendida como prestação negativa, de não fazer ou de tolerar”. (Barretto, Pedro Menezes Trindade.Gabaritandotributário:superdicas para sua aprovação – 2ª ed. Impetus, 2012, pag. 290) As obrigações acessórias são deveres elementares à atuação do fisco, podem ser obrigações de fazer ou não fazer, e caso não cumprida esta, surgirá o fato gerador da obrigação principal de pagar multa. Art. 113 §§ 2, 3, CTN. ‘’A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.’’‘’ A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária’’.Salienta-se a brilhante dica do professor e amigo Pedro Barreto. “O CTN afirma que se for descumprida a obrigação acessória, ela se converte em principal, no que tange à penalidade pecuniária aplicada. (…) o que nos parece que se tentou afirmar foi que, ‘’caso a obrigação acessória não seja cumprida, aplicar-se-á uma multa, uma penalidade pecuniária, e em relação a essa, ela se qualifica como obrigação principal; Logo, inobservada a obrigação acessória, nasce uma nova (e autônoma!) obrigação principal, essa obrigação de pagar multa.”(Barretto, Pedro Menezes Trindade.Gabaritandotributário:superdicas para sua aprovação – 2ª ed. Impetus, 2012, pag. 292) Não com a intenção de esgotar a matéria referente as características dos tributos, elencamos as convenientes. Quanto ao objeto, podem ser importantes as características pessoais ou apenas as reais.Contudo o art. 145 §1 da CRFB 1988 “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. São tributos pessoais, quando se referir à aspectos subjetivos (em Imposto de renda), ou reais, quando se limita à aspectos objetos (IPTU); (ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012. Pag.141 )‘’São impostos reais aqueles cujo aspecto material da h.i limita-se a descrever um fato, ou estudo de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. ‘’ Uma classificação econômica, advinda do direito financeiro relevante para o direito tributário refere-se quanto ao real arcador dos ônus tributários, podem ser diretas ( aquele que é sujeito passivo é quem arca) ou indiretas ( apesar de não ser sujeito passivo da obrigação tributária, acaba arcando com os custos em face do fato de ser embutido no preço do produto os tributos pagos, denominada repercussão, ou translação tributária). Classificação quanto a obrigatoriedade ou não de contraprestação estatal relativamente ao contribuinte do tributo. São de duas espécies: vinculado ou não vinculado. São vinculados, quando há necessidade de contraprestação estatal específica ao contribuinte, é o caso das taxas e contribuições de melhorias. Cita-se a citação de ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012. Pag. 134, sobre o parecer, in RPD 17309 ‘’caderno de direito tributário’’. “O tributo é ‘’vinculado’’ quando o seu fato gerador seja uma atividade específica do governo tributante, a qual, por sua vez pode ser (1) diretamente relativa ao contribuinte, como exercício do poder de polícia ou a prestação ou disponibilidade de um serviço; é o caso das taxas (CTN, art, 77); ou pode ser (2) apenas indiretamente relativa ao contribuinte: é o caso das contribuições” (CTN, art. 81 e 217)  Ou não vinculados, quando independentemente de contraprestação estatal específica ao contribuinte, este, quando fizer recair a norma cogente tributária sobre si, em razão da pratica concreta e estritamente nos limites legais (fato gerador), desde que prevista em lei (hipótese de incidência), terá a obrigação de pagar tributo, e se sujeitar as suas implicações, aplica-se no caso de impostos. Aspectos temporais: O tributo tem seu fato gerador ocorrido de forma imediata ou continuada ou complexivo. Fato gerador imediato ou instantâneo no mesmo instante que se inicia ocorre sua consumação. Ex. venda de mercadoria,ICMS. No fato gerador continuado ou periódico, ocorre repetidamente durante certo período de tempo. Ex. Imposto predial territorial urbano –IPTU, que todo início de ano faz nascer o fato gerador. Já o fato gerador complexivo ocorre quando um concatenado de atos são relevantes para completude do quantum debeatu à titulo de tributo. Tal modalidade se adequa ao imposto sobre a renda, de forma que todo o ano letivo é relevante para a base de cálculo do tributo a ser devido no ano seguinte, quando se completa o fato gerador. 2.2 Tributos em espécies. No direito tributário há importante divisão sobre quantas espécies de tributo o direito brasileiro possui. Há cinco teorias. Existem os que consideram ser de duas espécies, levando em consideração a relevância da contraprestação estatal, denominada bipartida, dualista ou bipartite, que divide os tributos em impostos (tributos não vinculados à uma contraprestação estatal específica ao contribuinte) e as taxas (tributos vinculados à contraprestação relativa ao contribuinte. Tem-se a teoria tripartite, tripartida, que divide os tributos em 3 espécies, são eles: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Muitos adeptos desta teoria se baseiam no art. 5º do CTN: ‘’os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria’’. Contudo entendo tal rol não ser taxativo, exaustivo, mas sim enumerar a competência comum dos entes estatais. Existe a teoria quadripartida, tetrapartida, entendendo serem quatro as espécies tributárias, além dos impostos, taxas e contribuições (no seu sentido amplo), tem-se os empréstimos compulsórios, tal teoria é adotada pelos constitucionalistas. Para solucionar o impasse o Supremo Tribunal Federal (STF) adotou a teoria pentapartida, dizendo que são cinco as espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Cita-se (ALEXANDRE, Ricardo, DIREITO TRIBUTÁRIO ESQUEMATIZADO, editora Método, São Paulo,6ª ed.2012, pag. 16.) “A controvérsia sobre a classificação dos tributos em espécie fez com que surgissem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e as taxas; a segunda, a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, a pentapartida ou quinquipartida, que a estes acrescenta os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149-A da Constituição Federal e a última, a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que simplesmente junta todas as contribuições num só grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios.” 2.3 Contribuição de melhoria. O tributo denominado contribuição de melhoria existe em diversos países.Segundo Eduardo Sabbag(Sabbag, Eduardo Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag – 4. ed. –São Paulo: Saraiva, 2012, pag. 447) “Há outras denominações, colhidas do Direito Comparado: na Inglaterra, temos betermenttax; na França, contribuitionsurlesplusvalues; na Itália, contributidimiglioria; na Espanha, contribuición de mejoras; e, na Alemanha, erschliessungsbeitrag e a strassenanliegerebeitrag”. No Brasil iniciou-se com Constituição de 1934, ‘’No Brasil do século XX, a contribuição de melhoria surge, pela primeira vez, na Carta Magna de 1934 (art. 124). (Sabbag, Eduardo Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag – 4. ed. –São Paulo: Saraiva, 2012, pag. 448) a CRFB 1934 caracteriza-se pelos objetivos sociais e econômicos, sendo a 3ªconstituição do Brasil. Segundo (Padilha, Rodrigo Corrêa, 1976 – Direito constitucional sistematizado – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.pag 19) “(…) Assembleia Nacional Constituinte reunida em 15 de novembro de 1933, no palácio Tiradentes – Rio de Janeiro-, o que culminou, em 16 de julho de 1934, na promulgação da terceira constituição da história do Brasil e na segunda Constituiçãorepublicana, com forte inspiração na Constituição de Weimar, de 1919, inaugurando a segunda dimensão dos direitos fundamentais e marcando a transição das características individualistas para as sociais”.                                  Na 4ª. CF, a de 1937, não houve menção à contribuição de melhoria. Contudo com a CF de 1946 tal tributo voltou a ser elencada como tributo, delimitando com os contornos atualmente conhecidos. Importante inovação quanto ao instituto da contribuição de melhoria para o Brasil, foi a emenda constitucional (E.C) 1865, e Segundo Eduardo Sabbag preleciona: “A Emenda n. 18/65 manteve a menção aos limites total e individual, mas disciplinou que o tributo estaria destinado a ressarcir os cofres públicos dos custos da obra pública realizada. Nessa medida, a Emenda inaugurou um caráter híbrido à contribuição de melhoria, na medida em que esta passou a se lastrear, simultaneamente, no custo da obra e na mais-valia imobiliária” (Sabbag, Eduardo – Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag – 4. ed. –São Paulo: Saraiva, 2012, pag. 448) 2.3.1 – Previsão constitucional Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dentro do Sistema Tributário Nacional, no qual se insere as delimitações de competências tributárias e os princípios e imunidades tributárias, encontra-se a previsão dos tributos de competência comum (todos as entidades administrativas diretas, são elas as que possuem personalidade jurídica de direito público interno – União, Estados, Municípios, e Distrito Federal) podem e devem cobrar os tributos descritos no artigo 145, CRFB 1988: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I- Impostos; II – Taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – Contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”. Estudando o conceito descrito na CRFB 1988, percebe-se que falou-se menos do que deveria, pois, apesar de ser tarefa da doutrina conceituar os institutos jurídicos, tal inciso que atribui competência, apenas declara que a contribuição de melhoria, decorre de obras públicas, mas o delimita, tarefa esta realizada pela Lei complementar de normas gerais, conforme o art. 146, III, a, CRFB 1988 “Art. 146. Cabe à lei complementar: III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes”. Assim, no próximo tópico, elencaremos a Decreto-Lei 195, de 24 de fevereiro de 1967, sendo este a Lei complementar de normas gerais sobre a contribuição de melhoria, requisito indispensável e de cumprimento obrigatório pelas entidades administrativas diretas. 2.3.2 Regulação legislativa. O Código Tributário Nacional, lei formalmente ordinária, mas com o advindo da Constituição da República 1967, recepcionou o CTN como lei materialmente complementar. E teve tal status mantido pela atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. “(Padilha, Rodrigo Corrêa, 1976 – Direito constitucional sistematizado – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.pag. 52) O Código Tributário Nacional, outro exemplo muito utilizado pelos juristas, é uma lei ordinária que já havia sido recepcionada com status de lei complementar de 1967, através do artigo 18, §1, da CR196. A nova constituição manteve esse status.” O instituto da recepção, consubstancia através da analise de compatibilidade de uma lei infraconstitucional, abaixo da constituição, verificando sua compatibilidade com a nova constituição federal que entra em vigor. Caso esteja compatível materialmente, será recepcionada, caso contrário, será revogada (não recepcionada), seja tacitamente, ou expressamente por meio do ação do controle de constitucionalidade denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamentar, que tem característica de ser subsidiária (ultima rátio) e única competente para julgar leis ou constituições anteriores à atual CRFB 1988. “O instituto da recepção só se atém ao aspecto material; isto é, se o assunta disposto na norma infraconstitucional estiver de acordo com os preceitos constitucionais, será aceito para fazer parte do ordenamento jurídico vigente sob novo fundamento de validade (a nova constituição)”. (Padilha, Rodrigo Corrêa, 1976 – Direito constitucional sistematizado – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012. Pag. 51) Desta forma, o CTN, cumprindo o dever de estabelecer normas gerais em matéria de tributos, instituindo seu conceito e delimitando os fatos gerados, base de cálculos e contribuintes, conforme art. 146, III,a CRFB 1988, acima transcrito. Assim também o fez com relação ao tributo de segunda geração, abrangendo a contribuição de melhoria e taxas. Contudo cada entidade da administração direta que quiser instituir o tributo, já o pode visto autorizado pela CTN, salientando que poderá ser realizada por simples lei ordinária, dispensando a necessidade de ser por lei complementar, ressalvado as exceções previstas na Constituição da República Federativa do Brasil 1988 (ex. impostos residuais, contribuições sociais da seguridade social residuais, empréstimos compulsórios e o imposto sobre grande fortunas). Encontra-se no artigo 81 e 82 do CTN as disposições sobre a contribuição de melhoria. “art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo da obra pública de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.” Analisando o artigo acima transcrito, extrai ser a contribuição de melhoria tributo de competência comum, podendo e devendo ser cobrada por qualquer das pessoas jurídicas de direito público interno, componente da administração direta. Entende-se ser tributo vinculado a uma contraprestação referida ao contribuinte, no caso a obra pública e o fator indireto (liame do nexo causal, entre a obra pública e o contribuinte), valorização imobiliária decorrente da obra pública. E explicitando dois limites para a definição do quantum debeatur (valor devido à titulo de tributo). Limite total o valor da obra e o limite individual o montante e valorização adquirida pelo imóvel beneficiado pela obra pública, realizado através do calculo aritmético dovalor do imóvel antes com o valor do imóvel depois da obra pública. “Art. 82. A lei relativa À contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I – publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição; d) delimitação da zona beneficiada; e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas; II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para a impugnação, pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial. §1- a contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização. §2 – por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, de forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integraram o respectivo cálculo.” No que toca ao planejamento e cumprimento dos requisitos administrativos para a possível cobrança do tributo contribuição de melhoria, deverá o administrador cumprir o art. 82, e mais os quais a sua lei instituidora o requerer. E em face do contraditório e da ampla defesa, podem os possíveis futuros contribuintes da contribuição de melhoria, no prazo de 30 dias impugnar administrativamente o cumprimento dos requisitos autorizadores da cobrança do tributo, sem prejuízo de ingressar judicialmente para impugnar.características inerentes ao processo judicial e administrativo, art. 5º, inciso LV, da CRFB1988. “Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV- a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito;LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” Existe a lei instituidora do tributo contribuição de melhoria, encontrada no Decreto-Lei n. 195 de 24 de fevereiro de 1967. Possui 20 artigos, dos quais os mais importantes serão detalhados mais adiante. 2.3.3 Conceito e características     Anteriormente só existiam os impostos (tributos de primeira geração). Serviam este para custear as obrigações legais visando o bem comum. Contudo houveram casos de utilizar do dinheiro público para custear obras ou serviços que somente eram utilizados por parte da população de determinado território, ocorrendo distorção da utilização do erário. Para evitar tal injustiça e evitar o enriquecimento ilícito por parte deste beneficiados, surgiu as taxas e posteriormente a contribuição de melhoria, sendo caracterizados como (tributos de segunda geração.) cita-se (Barretto, Pedro Menezes Trindade.Gabaritando tributário:superdicas para sua aprovação – 2ª ed. Impetus, 2012. Pag. 115.)‘’Os tributos da chamada ‘’segunda geração das espécies tributárias’’ surgiram com uma finalidade parecida: corrigir uma imperfeição no uso pelo Estado do dinheiro arrecadado com os impostos’’. Salienta-se a similitude da contribuição de melhoria com as taxas. Ambas são tributos vinculados à uma contraprestação estatal, no caso das taxas contraprestação direta e imediata relativamente ao contribuinte, e no caso da contribuição de melhoria, a contraprestação é indireta e mediata. “Nas contribuições, pelo contrário, não basta a atuação estatal. Só há contribuição quando, entre a atuação estatal e o obrigado, a lei coloca um termo intermediário, que estabelece a referibilidade entre a própria atuação e o obrigado. Daí o distinguir-se a taxa da contribuição pelo caráter (direto ou indireto) da referibilidade entre a atuação e o obrigado”. (ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012, pag. 147.) Ambos são tributos contraprestacionais ou retributivos, visam repor ao erário o dinheiro que em tese pertence a toda a população, e que foi gasto com apenas parte dela. Assim, nas taxas, basta ser o serviço público específico e divisível. Específico porque o serviço pode ser individualizado, visto pelo contribuinte. E divisível, pois aquele que deve pagar a taxa pode ser visualizado com individualidade que a distingue dos demais contribuintes (CRFB art. 145, II e CTN art. 77).E no caso da contribuição de melhoria, o dinheiro publico que fora aplicado em obras públicas, pode ocasionar valorização imobiliária nos imóveis vizinhos à obra, de forma a gerar enriquecimento ilícito por partes destes proprietário, que não ocasionaram tal valorização, devendo retribuir, devolver o montante do acréscimo aos cofres públicos, desde que, o total em pecúnia dos imóveis beneficiadosnão ultrapasse o custo total da obra, sob pena de inverter o jogo, de forma que teria o Estado se enriquecido ilicitamente. Por isso são retributivos e contraprestacionais. Tais tributos de segunda geração são também sinalagmáticos e comutativos, pois tais obrigações tributárias são equivalentes às prestações estatais específicas. No entanto não devemos misturar estes institutos que são espécies autônoma, convivem independentemente umas das outras.Como diferenças, cita-se o art. 4º do CTN – ‘’A natureza jurídica específica dos tributos é o seu fato gerador.’’ Complementando, o fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária decorrente da obra pública. Enquanto o ‘’fato gerador’’ (leia-se hipótese de incidência) da taxa de polícia, refere-se ao exercício do poder de polícia,art.78, CTN. De forma que o ‘’fato gerador’’ (leia-se hipótese de incidência), da taxa de serviço, refere-se ao serviço específico e divisível relativamente ao contribuinte, art. 79, CTN, abaixo transcrito. “art.78, CTN: Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Art. 79, CTN: Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se: I- utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II- específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade pública; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.” ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012.pag. 175. “A taxa, por sua vez, é instrumento de compensação ao estado por despesas causadas por provocação ou conveniência de pessoas determinadas, em relação às quais ele (estado) desenvolveu certa atividade.” Outra diferença é que o objetivo de que na contribuição de melhoria veda-se o enriquecimento sem causa, enquanto nas taxas objetiva corrigir a distorção do uso dos recursos públicos para uma singularidade específica de contribuintes. Salienta-se que aplica-se irrestritamente os princípios da legalidade, tem que haver lei para a instituição da contribuição de melhoria e das taxas, e ambas respeitam o princípio da não surpresa, abrangendo tanto a anterioridade do exercício financeiro quanto à da noventenanonagesimal de forma que criado o tributo taxa ou contribuição de melhoria, somente se poderá cobrar em 1º de janeiro (anterioridade do exercício financeiro seguinte), e desde que já se tenha passado 90 dias da sua promulgação (anterioridade nonagesimalnoventena). Lembrando que o princípio da capacidade contributiva, é relativizado no tocante à tais tributos, já que legalmente, ordena aplicar somente para os impostos, data vênia o art. 145 §1 CRFB 1988.O princípio da isonomia tributária se aplica para ambos, de forma que onde haja o mesmo fato se aplica o mesmo direito. Falemos sobre o lançamento, sem a pretensão de esgotar o assunto neste tocante. O lançamento (art. 142 a 150, CTN) é ato administrativo que constitui o tributo e declara o montante a ser pago a título de tributo. Tanto na taxa quanto na contribuição de melhoria, são feitas por lançamento de ofício, de forma que a administração pública constitui o crédito e declara o montante a ser pago, devendo o contribuinte apenas realizar o pagamento. “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Art. 10 Dec-Lei 1951967. O órgão encarregado do lançamento deverá escriturar, em registro próprio, o débito da contribuição de melhoria correspondente a cada imóvel, notificando o proprietário diretamente ou por edital, do: I- valor da contribuição de melhoria lançada; II – prazo para o seu pagamento, suas prestações e vencimentos; III- prazo para a impugnação; IV- local do pagamento”. Pelo fato de o lançamento retroagir à data do fato gerador, aplicando-se a lei vigente nesta época, vige o princípio a irretroatividade da lei tributária, de modo a não alcançar fatos anteriores. Quanto à outra modalidade de limitação ao poder de tributar, onde se inserem os princípios (elemento positivo) e as imunidades (elemento negativo) que retira o poder de tributar em casos determinados. As imunidades genéricas, previsto no art. 150 da CRFB1988, pelo fato de somente se aplicarem aos impostos sobre renda, serviços e patrimônio, não veda que se cobre taxas e contribuições de melhoria dos entes ali descritos (art. 150, VI alínea a,b,c, CRFB 1988). Neste sentido conceitua-se a contribuição de melhoria. Conforme Eduardo Sabbag. “Assim sendo, toda vez que o poder público realizar uma obra públicaque trouxer benefícios, traduzíveis em “valorização”, para os proprietários de bens imóveis, poderá ser instituída a contribuição de melhoria, desde que vinculada à exigência por lei, “fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis” (Sabbag, Eduardo, Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag – 4. ed. –São Paulo: Saraiva, 2012. Pag 451) É possível que, decorrendo da obra pública, haja desvalorização do imóvel.Desta forma,há quem defenda a possibilidade de se cobrar do Estado o montante da desvalorização. Assim defende o professor de direito tributário Leandro Amaro. “A contribuição de melhoria liga-se a uma atuação estatal que por reflexo se relaciona com o indivíduo (valorização de sua propriedade). Esse reflexo é eventual, já que da obra nem sempre resulta aquela valorização; por vezes ocorre o contrário: a obra desvaloriza o imóvel, ensejando pedido de reparação do indivíduo contra o estado, com o mesmo fundamento lógico que embasa a contribuição de melhoria: se a coletividade não deve financiar a obra que enriquece um grupo de indivíduos, também não se pode empobrecer esse grupo, para financiar uma obra que interessa à coletividade.”(Amaro, Luciano. Direito tributário brasileiro/Luciano amaro – 18. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. Pag 81) Hugo de Brito Machado esclarece: (Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31ª ed. São Paulo. Malheiros editores, 2010,pag 459)‘’(…) conceito de contribuição de melhoria, levando em consideração a sua finalidade específica, como instrumento de realização do ideal de justiça. ‘’ ‘’ Podemos dizer que a contribuição de melhoria é o tributo destinado a evitar uma injusta repartição dos benefícios decorrentes de obra pública’’ “(…) contribuição de melhoria é a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na mediada em que destas decorra valorização de imóveis.” Para Ricardo Lobo Torres, o conceito de contribuição de melhoria se extrai cumulativamente do que traz a CRFB 1988 e as posteriores modificações legislativas: “(…) a nova redação constitucional modificado em sua essência o conceito de contribuição de melhoria. Se eliminou a referência à valorização do imóvel, deixou também de mencionar a despesa realizada. retirou a menção à base cálculo, que era tradição antes da EC 2383, isto é, ao limite individual do tributo e ao total da despesa realizada, mas manteve o duplo fundamento de cobrança: a valorização do imóvel e a despesa decorrentes ‘’ de obras públicas’’. (TORRES, Ricardo Lobo, CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO, 17ª EDIÇÃO, 2009, editora Renovar, pag. 412.) ‘’Cobrar deles a contribuição de melhoria, vedando a perpetuação do enriquecimento sem causa, seria uma forma justa de acalmar a angústia social, fazendo justiça com o resto da população.‘’ (Barretto, Pedro Menezes Trindade.Gabaritando tributário:superdicas para sua aprovação – 2ª ed. Impetus, 2012. Pag. 116.) Ressaltando que para evitar o bis in idem (mesmo ente cobrar duas vezes com base no mesmo fato gerador), ou bitributação (entes diferentes cobrando tributos decorrentes do mesmo fato gerador), o art. 17 do Dec-Lei 1951967, prevê a possibilidade de se abater a título de imposto de renda, o que foi pago a título de contribuição de melhoria. Apesar do tributo contribuição de melhoria ser um dever do administrador, existe situação em que este, para facilitar a arrecadação de recursos para financiamento da obra, o gestor público utiliza da modalidade supressiva da propriedade, dentro do tema de intervenção do Estado sobre a propriedade privada e no domínio econômico.Estou falando da desapropriação por zona. Desapropriação, forma originária de aquisição de propriedade, ocorre quando o Estado, visando interesse social, necessidade publica ou de utilidade pública (art. 5, XXIV CRFB 1988), expropria-se do bem particular, pagando-lhe indenização em dinheiro de forma prévia e justa. Contudo na desapropriação por zona, o Estado apropria-se mais do que o necessário para o fim público que se destina, visto visualizar valorização para os imóveis vizinhos, visando a venda futura para arrecadar recursos para financiamento da obra. Esclarece Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “É oportuno registrar que, na hipótese de desapropriação para realização de uma obra, a legislação prevê a possibilidade de ser desapropriada uma área maior do que aquela que será inicialmente ocupada pela obra, a fim de assegurar que, no futuro, haja o desenvolvimento dessa mesma obra, ou simplesmente para alienação futura de áreas próximas à obra que, por sua causa, sofrerão valorização extraordinária. Essa modalidade de desapropriação é denominada, pela doutrina, ‘’desapropriação por zona’’, e sua base legal é o art. 4º do decreto-lei 33651941, cuja redação transcrevemos: art. 4º. a desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.”(Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo – 20ª. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. Pag. 985) 2.3.4 – Elementos da hipótese de incidência. Com sapiência Ricardo Alexandre leciona e cita jurisprudência dos tribunais superiores. (ALEXANDRE, Ricardo, DIREITO TRIBUTÁRIO ESQUEMATIZADO, editora Metodo, São Paulo, 6ª ed.2012, pag 39) “Assim, para efeito de cobrança da exação, há de se considerar melhoria como sinônimo de valorização. (…) (STF, 2ª T., RE 114.069-1/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 30.09.1994, DJ 02.05.1994, p. 26.171): ‘’sem valorização imobiliária decorrente de obra pública não há contribuição de melhoria, porque a hipótese de incidência desta é a valorização e a sua base de cálculo é a diferença entre os dois momentos: o anterior e o posterior à obra pública, vale dizer o quantum da valorização imobiliária’’. Também no Superior tribunal de Justiça, o entendimento tem sido o mesmo, conforme demonstra a ementa do acórdão proferido no REsp 169.131SP: ‘’1 – a Entidade tributante ao exigir o pagamento de contribuição de melhoria tem de demonstrar o amparo das seguintes circunstâncias: a) exigência fiscal decorre de despesas decorrentes de obra pública realizada; b) a obra provocou a valorização do imóvel; c) a base de cálculo é a diferença entre os dois momentos: o primeiro, o valor do imóvel antes da obra ser iniciada; o segundo, o valor do imóvel após a conclusão da obra. 2. É da natureza da contribuição de melhoria a valorização imobiliária (Geraldo Ataliba). (…) 4. Adoção também da corrente doutrinária que, no trato da contribuição de melhoria, adota o critério da mais valia para definir o seu fato gerador ou hipótese de incidência (no ensinamento de Geraldo Ataliba, de saudosa memória)’’ (STJ, 1ª T., Resp 169.131SP, Rel. Min. José Delgado, J. 02.06.1998, DJ 03.08.1998, p. 143). O fato gerador no tocante ao aspecto material é a valorização imobiliária decorrente de obra pública em uma das modalidades do art. 2º do Dec-Lei 1951967. “Art. 2º. Será devida a contribuição de melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas: I – abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas: II – construção e ampliação de parques, campos de desporto, pontes, túneis e viadutos; III – construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido, inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema; IV – serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; V – proteção contra secas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento e drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação; VI – construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem; VII – construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos; VIII – aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de aspecto paisagístico”. Ressalta-se que pode-se cobrar contribuição de melhoria no primeira vez em que a estrada é asfaltada, Súmula 129 STF ‘’na conformidade da legislação local, é legítima a cobrança da taxa de calçamento’’ onde está escrito taxa, leia-se contribuição de melhoria. Enfatizando que não cabe contribuição de melhoria no recapeamento asfáltico, pois neste caso estará devolvendo o que se tinha perdido, jamais gerando valorização imobiliária. E art. 3º §2Dec-Lei 1951967 – ‘’ a determinação da contribuição de melhoria far-se-á rateando, proporcionalmente, o custo parcial ou total das obras, entre todos os imóveis incluídos nas respectivas zonas de influência’’ O aspecto subjetivo: Pode ser sujeito ativo da contribuição de melhoria, entidade administrativa da administração direita, conforme art. 3º Dec-Lei 1951967 “A contribuição de melhoria a ser exigida pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, para fazer face ao custo das obras públicas, será cobrada pela unidade administrativa que as realizar, adotando-se como critério o benefício resultante da obra, calculado através de índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação deste decreto-lei.§4 – reputam-se feitas pela União as obras executadas pelos territórios.” Sujeito passivo é o proprietário do imóvel beneficiado ao tempo do lançamento, tal obrigação é propter rem,ob rem (acompanham o imóvel), de forma que transferido este, o adquirente será responsável pelas dívidas inerentes ao imóvel, inclusive a contribuição de melhoria não paga pelo antigo proprietário. Aspectos quantitativos. A Base de calculo para definir o quantum debeatur da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária. Chega-se à ela com o cálculo de antes da valorização com o depois da valorização, tomando por base o valor imobiliário. 2.3.5 – Limites. Para se cobrar a contribuição de melhoria, deve-se o ente, realizador da obra, ater-se a dois limites estipulados em lei, que se complementam, são eles: o total e individual. Quanto ao limite total, não pode a soma dos valores cobrados à titulo de contribuição de melhoria ser superior ao custo total da obra, abrangendo as despesas de estudo, projetos, fiscalização, desapropriação, administração, execução e financiamento, sob pena do Estado se enriquecer sem causa, o que afrontaria a atual Constituição Federal. E como limite individual, cada contribuinte não deve pagar mais do que obteve como valorização imobiliária, calculando-se através do valor imobiliário antes com o valor imobiliário posteriormente à consecução da obra pública. Nota-se que tais requisitos são de dificuldade acentuada para que sejam respeitados, contudo não deve afastar o poder dever de investir em obras públicas visando o bem comum, e consequentemente a cobrança da contribuição de melhoria, visando afastar a distorção da aplicação do dinheiro público. Art. 4º Dec-Lei 1951967- “A cobrança da contribuição de melhoria terá como limite o custo das obras, computadas as despesas de estudo, projetos, fiscalização, desapropriação, administração, execução e financiamento, inclusive prêmios de reembolso e outras de praxe em financiamento ou empréstimos e terá a sua expressão monetária atualizada na época do lançamento mediante aplicação de coeficientes de correção monetária.§1. Serão incluídos, nos orçamentos de custo das obras, todos os investimentos necessários para que os benefícios delas decorrentes sejamintegralmente alcançados pelos imóveis situados nas respectivas zonas de influência. §2. A percentagem dos custo real a ser cobrado mediante contribuição de melhoria será fixada tendo em vista a natureza da obra, os benefícios para os usuários, as atividades econômicas predominantes e o nível de desenvolvimento da região.” art. 3º §2Dec-Lei 1951967 – ‘’ a determinação da contribuição de melhoria far-se-á rateando, proporcionalmente, o custo parcial ou total das obras, entre todos os imóveis incluídos nas respectivas zonas de influência’’ O art. 12 Dec-Lei 1951967prevê os limites e formas de pagamento 2.3.6 – Utilidade da contribuicao de melhoria para a reforma agrária Importantes motivos para o uso, poder-dever da contribuição de melhoria são elencados com maestria por Geraldo Ataliba, (ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012. Pag. 176.) “Razões financeiras o impõem: a necessidade de recurso com que enfrentar outras, ou a própria obra. Razões econômicas o recomendam: desestimular a especulação imobiliária que se alimenta da esperança de valorização, pela simples posse prolongada (os inconvenientes da especulação são notórios: não uso e retenção de terrenos nos arredores das cidades, aguardando valorização, com consequente desvio de capitais de empreendimentos produtivos, criação de favelas etc.) Razões políticas o exigem: devolver à coletividade os benefícios e frutos de sua ação e não premiar a inércia, a improdutividade dos que adquirem imóveis por preço baixo, para aguardar sua valorização por efeito de progresso comunitário, expansão urbana e realização de obras públicas.” Há quem entenda que a contribuição de melhoria é desmotivada em face da não possibilidade de não recebimento do tributo quando a obra pública da qual decorre a valorização imobiliária é realizada em áreas economicamente desfavoráveis. Com todo respeito em discordar, acreditar em tal situação seria desprestigiar a grandeza do instituto, que visa o desenvolvimento estrutural, e social que a contribuição de melhoria proporciona. E por acreditar que o nem todos convivem com a evasão fiscal (não pagamento dos tributos), principalmente em um dos tributos mais nobres que existe no direito brasileiro, já que o retorno é imediato e proporcionalmente muito maior do que o tributo a ser pago. Seria não acreditar nos métodos que o direito proporciona como forma de cobrar as dívidas, indiretamente (exemplo: certidões negativas que impedem participar de licitações, multas severas etc.) ou seja diretamente (exemplo. Dívida ativa, art. 201 a 204 CTN) – e salientando que as dívidas ativas de contribuição de melhoria terão preferência de pagamento sobre outras decorrentes do imóvel (art. 18 Dec-Lei 1951967 ‘’A dívida fiscal oriunda da contribuição de melhoria terá preferência sobre outras dividas fiscais quanto ao imóvel beneficiado’’). Outro meio motivador para promover as obras é que a contribuição de melhoria pode ser cobrar antes de terminada a obra, o que possibilitará que entes mais pobres possam viabilizar a consecução de tais fins desenvolvimentistas (vide art. 5º, parágrafo único. Dec-Lei 1951967‘’(…) cobrança da contribuição de melhoria por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos’’. “Art. 9º Dec-Lei 1951967:Executada a obra de melhoramento na sua totalidade ou em parte suficiente para beneficiar determinados imóveis, de modo a justificar o início da cobrança da contribuição de melhoria, proceder-se-á ao lançamento referente a esses imóveis depois de publicado o respectivo demonstrativo de custos. A capacidade contributiva influi negativamente, impedindo que a administração deixe de realizar obras públicas em favor da população carente em face da impossibilidade do ressarcimento do custo.”(TORRES, Ricardo Lobo, CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO, 17ª EDIÇÃO, 2009, editora Renovar, pag. 412) A grande motivação em pagar e querer pagar o tributo da contribuição de melhoria, não reside somente no fato de obter a valorização imobiliária diretamente ligada a obra pública, tal fato ocasionará melhores condições de vida, já que as obras possíveis para a instituição do tributo, são de notória melhoria na qualidade de vida, conforme se depreende do art. 2º, do Dec-Lei 1951967.Citando inclusive Geraldo Ataliba: ATALIBA, Geraldo, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, 6ª edição, 13ª tiragem, editora Malheiros Editores, 2012. Pag. 174. “Financeiramente, seu traço característico está na proporcionalidade estrita e direta que guarda com a valorização imobiliária causada por obra pública. É um modo de devolver à comunidade um benefício ‘’especial’’ recebido” (a valorização). O Art. 16. Dec-Lei 1951967, é altamente elogiável, visto que o Brasil possui muita área terrestre, contudo pouco explorada e desenvolvida. Tal artigo prevê que parte do que for arrecadado com a contribuição de melhoria em áreas prioritárias para a reforma agrária, deverá ser aplicado em novas obras e projetos de reforma agrária. “Art. 16. Do produto de arrecadação de contribuição de melhoria, nas áreas prioritárias para a reforma agrária, cobrada pela união e prevista como integrante do fundo nacional de reforma agrária (art. 28, I, da lei, nº 4504, de 30-11-1964), o instituto brasileiro de reforma agraria destinará importância idêntica a recolhida, para ser aplicado em novas obras e projetos de reforma agraria pelo mesmo órgão que realizou as obras públicas do que decorreu a contribuição.”
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/importancia-da-contribuicao-de-melhoria-para-o-desenvolvimento-urbano-e-sua-grande-utilidade-para-a-reforma-agraria/
ISSQN: Impossibilidade Jurídica e Operacional da Sujeição Ativa com Base em Projeções Territoriais Marítimas
A relevância acadêmica desse estudo evidencia-se pela discussão ainda não pacificada da matéria nos tribunais superiores, o controverso entendimento da doutrina,  a iminente apreciação da matéria pelo STJ, do expressivo valor em discussão judicial (superior a 2 bilhões de reais),  bem como uma nova abordagem com o uso de conceitos de engenharia cartográfica, ausência de legislação que regule as projeções territoriais marítimas e da impossibilidade operacional dos contribuintes ou responsáveis tributários cumprirem a tese encampada pelos municípios capixabas para cobrança do ISSQN sobre serviços executados em águas marítimas com base em projeções territoriais marítimas.
Direito Tributário
Introdução Atualmente o Estado do Espírito Santo figura como o segundo maior produtor de petróleo do Brasil, contando com uma produção diversificada, localizada em terra e em mar, em águas rasas, profundas e ultraprofundas, no pré-sal e no pós-sal, de óleos leves e pesados. Para atingir o patamar atual de produção, as empresas concessionárias fizeram vultuosos investimentos nas atividades de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, mediante a aquisição, afretamento e locação de bens e a contratação de diversos serviços, tais como, cimentação e perfuração de poços, sísmicas, dentre outros. Nesse contexto, o aumento da atividade de exploração de petróleo e gás natural no litoral  capixaba, ocorrido no fim década de 90 e início dos anos 2000, despertou o interesse dos municípios costeiros em ampliar a sua competência tributária até a plataforma continental, visando à cobrança do ISS sobre os serviços prestados em suas projeções marítimas. Com informações inicialmente obtidas de publicações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP os municípios de Vitória, Vila Velha, Aracruz, Linhares, Itapemirim, Anchieta, Guarapari, Marataízes e Piúma iniciaram procedimentos fiscalizatórios nas empresas concessionárias de blocos exploratórios, situados na Bacia de Campos e do Espírito Santo, que resultaram na lavratura de diversas autuações fiscais para cobrança  do ISS sobre serviços prestados fora do âmbito território continental, ou seja,  em águas marítimas. O valor atualizado dessas autuações ultrapassa R$ 2 bilhões[1], conforme dados obtidos em Notas Explicativas as Demonstrações Financeiras de apenas uma das empresas autuadas. 1. A Inexistência de Divisão Territorial da Plataforma Continental entre Estados e Municípios para Fins de Cobrança de Tributos Muito se discute acerca da competência de estados e municípios para atuação em águas marítimas, cabendo, primeiramente, uma análise quanto à abrangência da soberania nacional sobre o mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental. A Constituição Federal em seu art. 20, incisos V e VI, estabelece que: “Art. 20. São bens da União:(…) V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI – o mar territorial;” O dispositivo constitucional retrata a vontade do legislador em concentrar na União a responsabilidade e a competência pelo mar territorial, da plataforma continental e da zona econômica exclusiva. Na década de 50 o governo federal brasileiro entendeu por bem desenvolver uma base jurídica para exercer autoridade no mar, preservando assim os interesses nacionais, mediante a publicação do Decreto nº 28.840/50, que declarou integrada ao território nacional a plataforma submarina que borda os continentes e ilhas e se prolonga sob o alto mar. Posteriormente, mais precisamente na década de 70, o Decreto-lei nº 1.098/70 estabeleceu que o mar territorial se estendia até as 200 milhas marítimas. A partir da publicação da Lei nº 8.617/1993, que revogou o Decreto-lei nº 1.098/70, o Estado brasileiro ratificou os ditames da Convenção Coletiva das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), positivando o exercício do poder soberano territorial até o limite das 12 milhas marítimas, espaço denominado de mar territorial. Definiu-se também a zona contígua com uma faixa de 12 milhas a 24 milhas onde o Brasil adota as medidas necessárias à fiscalização para evitar infrações e transgressões as leis e regulamentos vigentes no seu território. Ademais, foi estabelecida a zona econômica exclusiva e a plataforma continental numa faixa que se estende das 12 às 200 milhas marítimas das linhas de base, na qual o país exerce o direito de soberania de exploração econômica, preservação e gestão dos recursos naturais, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e do seu subsolo (art. 7º da Lei nº 8.617/1993). O conceito de plataforma continental, contido na CDUDM, é jurídico, pois não guarda correlação com aspectos fisiográficos ou geomorfológicos (SOUZA). A figura 1 apresenta as linhas de base utilizadas pelo IBGE. Todavia, a Lei nº 8.617/1993 se restringe somente a definir os limites territoriais em que prevalece a competência nacional em relação aos outros países, o que se insere na lógica do direito internacional. Nada dispõe em relação a regulamentação dessa competência no âmbito do direito interno, cabendo essa definição à Constituição Federal e à legislação nacional. Sendo assim, o supracitado art. 20, V, da Constituição Federal, coloca o mar territorial como bem da União, o que parte da doutrina entende como submissão a um regime jurídico de exclusividade interna atribuído à União. Com efeito, a cobrança de impostos nessas áreas seria de competência exclusiva da União, conforme art. 147 da Constituição Federal, a seguir: “Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.” No que tange a perspectiva tributária, o revogado Convênio ICMS 66/1988 estabeleceu regra de que a plataforma continental, o mar territorial e a zona econômica exclusiva integram o território dos Estados e do Municípios confrontantes, a saber: “Convênio ICMS 66/88: Artigo 27 (…) § 8º Para os fins destas normas, a plataforma continental, o mar territorial e a zona econômica exclusiva integram o território do Estado e do Município que lhes é confrontante.” Convém mencionar que além de estar revogado, o dispositivo legal supracitado carece de conteúdo prático, ante ausência de critério positivado para projeção do território dos Estados e Municípios em águas marítimas. As únicas referências legais sobre o assunto constam na Lei n° 7.525/86 e no Decreto nº 93.189/86, criados para regular a partilha dos royalties e participações especiais provenientes da produção de petróleo e gás natural entre Estado e Municípios. 1.1 Inadequada Analogia à Regra de Projeção Territorial em Águas Marítimas para Partilha das Participações Governamentais A ausência de regra jurídica regulamentando a divisão territorial e de competências entre municípios sobre o mar territorial, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental não tem se apresentado como óbice à imposição de tributação por parte desses entes aos serviços prestados dentro de suas projeções marítimas. O argumento para exercer a competência tributária em águas marítimas se originou a partir da analogia dos critérios aplicados na divisão do território, dispostos na Lei n° 7.525/86 e no Decreto nº 93.189/86, criados para partilha dos royalties e participações especiais provenientes da produção de petróleo e gás natural entre estado e municípios. Entretanto, é inegável que o processo legislativo que levou à promulgação da Lei nº 7.525/86 não foi desenvolvido a fim de dirimir controvérsias de matéria tributária, de acordo com as informações extraídas da Câmara dos Deputados: “PL 7528/1986 Projeto de Lei Situação: Transformado na Lei Ordinária 7525/1986 (…) Ementa ESTABELECE NORMAS COMPLEMENTARES PARA EXECUÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 27 DA LEI 2004, DE 03 DE OUTUBRO DE 1953 COM A REDAÇÃO DA LEI 7453, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1985, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS. Explicação da Ementa DEFININDO ESTADOS, TERRITORIOS E MUNICIPIOS CONFRONTANTES E SUAS AREAS GEOECONOMICAS, PARA FINS DE PAGAMENTO DE ROYALTIES PELA PETROBRAS E SUBSIDIARIAS, PELA EXPLORAÇÃO DE POÇOS DE OLEO, XISTO E GAS NATURAL. ” (Grifos nossos). Fato é, para possibilitar o pagamento dos royalties a estados e municípios, seria necessário saber sobre quais poços tais entes receberiam a compensação. Dessa forma, o art. 9º da Lei nº 7.525/86 delegou ao IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – a competência para determinar a confrontação dos poços com os territórios terrestres: “Art. 9º – Caberá à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE: I – tratar as linhas de projeção dos limites territoriais dos Estados, Territórios e Municípios confrontantes, segundo a linha geodésica ortogonal à costa ou segundo o paralelo até o ponto de sua interseção com os limites da plataforma continental; II – definir a abrangência das áreas geoeconômicas, bem como os Municípios incluídos nas zonas de produção principal e secundária e os referidos no § 3º do art. 4º desta lei, e incluir o Município que concentra as instalações industriais para o processamento, tratamento, armazenamento e escoamento de petróleo e gás natural; III – publicar a relação dos Estados, Territórios e Municípios a serem indenizados, 30 (trinta) dias após a publicação desta lei; IV – promover, semestralmente, a revisão dos Municípios produtores de óleo, com base em informações fornecidas pela PETROBRÁS sobre a exploração de novos poços e instalações, bem como reativação ou desativação de áreas de produção. Parágrafo único. Serão os seguintes os critérios para a definição dos limites referidos neste artigo: I – linha geodésica ortogonal à costa para indicação dos Estados onde se localizam os Municípios confrontantes; II – sequência da projeção além da linha geodésica ortogonal à costa, segundo o paralelo para a definição dos Municípios confrontantes no território de cada Estado. (Grifos nossos).” Assim, ocorre que com a descoberta de um novo poço, a Agência Nacional do Petróleo – ANP – encaminha as coordenadas geográficas referentes a sua localização à Diretoria de Geociências do IBGE, que se utiliza dos critérios definidos nos incisos do parágrafo único do art. 9º da Lei nº 7.525/86, em destaque supra, para informar o município cujo território é confrontante ao poço recém descoberto. Verifica-se pela simples leitura do parágrafo único que são estabelecidos dois passos para que o IBGE realize a confrontação dos poços aos Municípios: (i) traçado pela linha geodésica ortogonal à costa, para indicação dos Estados, e (ii) projeção além da linha geodésica ortogonal à costa, tendo como base o paralelo, para que, enfim, sejam definidos os Municípios confrontantes no território de cada Estado. Ou seja, o IBGE, em seus ofícios de resposta à ANP, utilizando-se do critério das linhas ortogonais e das linhas paralelas não aponta um único município confrontante. Via de regra, conforme se pode depreender da leitura dos ofícios disponíveis no site da ANP, são informados dois municípios, um determinado pela linha ortogonal e outro determinado pela linha paralela, como se observa a seguir, em tabela retirada de ofício do IBGE, para ilustração: Verifica-se que a exceção de um dos poços, os municípios determinados pelo critério de linhas ortogonais não coincidem com aqueles determinados pelas linhas paralelas. Por vezes, como ocorreu na antepenúltima linha da tabela, um dos critérios leva a um Município, nesse caso, Maricá/RJ, e de acordo com o outro critério, não se configura o confronto entre o poço e qualquer município. Nada mais ambíguo e incerto! Tal indefinição pode ser melhor compreendida a partir do exemplo comparativo das figuras 3 e 4 a seguir. A figura 3 mostra a identificação do município alagoano Coruípe, confrontante com um poço, de acordo com o critério das linhas ortogonais. A figura 4 mostra a identificação do município alagoano Feliz Deserto, confrontante com um poço, de acordo com o critério dos paralelos. Portanto, considera-se o emprego de analogia dessa natureza para fins tributários inadequada pelas seguintes razões: i) os critérios fixados na Lei n° 7.525/86 e Decreto n° 93.189/86 servem-se apenas para distribuir a compensação financeira decorrente da produção de petróleo; ii) ainda que fosse utilizado o critério de divisão territorial aplicado na distribuição de royalties e participações especiais poderia haver o conflito entre dois municípios haja vista que o critério estabelecido utiliza as projeções ortogonais e paralelas; (iii) afronta ao art. 102 do Código Tributário Nacional, que trata do princípio da territorialidade das leis tributárias; e (iv) grave afronta ao art. 108, que veda a tributação por analogia, tendo em vista que há a utilização imprópria  da Lei nº 7.525/86. O emprego de analogia para o caso em estudo visa a criação de regra jurídica nova, mediante a extensão ou alargamento da hipótese de incidência de modo a abranger o fato focalizado. Nesse sentido, segue breve lição de Alfredo Augusto Becker acerca do emprego da analogia no Direito Tributário[2]: “É preciso distinguir entre analogia por compreensão e analogia por extensão; na primeira, a interpretação constata a incidência de regra jurídica que já existia; na segunda, não há interpretação, mas criação de regra jurídica nova que, uma vez criada, incide sobre sua hipótese de incidência (“fato gerador” ou suporte factício).” A tributação por analogia viola não só o artigo 108 do CTN, como também o próprio princípio da legalidade tributária, consagrado pelo artigo 150, I, da Constituição Federal, uma vez que a utilização da referida técnica de integração pressupõe a regulação do negócio jurídico que não se adequa a qualquer dos sentidos possíveis oferecidos pela literalidade da lei, o que é incompatível com o princípio da reserva legal. 1.2 Da Consequente Pluritributação Imposta pelos Municípios de Acordo com os Critério Distorcidos de Divisão da Plataforma Continental Devido à falta de previsão legal específica, os municípios se utilizam da lógica da Lei nº 7.525/86 e do Decreto nº 93.189/86 para determinar suas competências tributárias sobre os serviços prestados na plataforma continental, situados em blocos de exploração e campos de produção de petróleo e gás natural, em águas marítimas, o que se traduz em verdadeira analogia para imposição de obrigação tributária, forma de integração vedada pelo Código Tributário Nacional e pela Constituição Federal, que impõem o respeito à legalidade para instituição e majoração de tributos. Essa recorrente prática pode gerar situações de potencial pluritributação, com diversos lançamentos efetuados por diferentes municípios, com base no mesmo fato gerador e mesmo sujeito passivo. De outra forma, os municípios entendem que a área formada a partir da projeção do seu território em águas marítimas – em que as empresas exercem suas atividades exploratórias e de produção de petróleo e gás natural, em distâncias superiores a 250 Km da costa como é o caso do campo de Lula na Bacia de Santos – é uma extensão do seu município, portanto, baseado no conceito da territorialidade, exercem a competência tributária na plataforma continental, no mar territorial e na zona econômica exclusiva e cobram o ISS dos serviços prestados nos poços localizados em suas projeções. Todavia, a utilização de critérios de divisão distintos leva a diferentes determinações de competência sobre os mesmos poços, não sendo difícil verificar a incerteza fática e jurídica trazidas por essas divisões, aliada, ainda, a disposição específica da Lei complementar 116/2003 para onde é devido o ISS dos serviços executados em águas marítimas. 1.3 A Necessidade de Lei Complementar para Dirimir o Conflito de Competência entre os Municípios O art. 156, inciso III, do texto constitucional é claro ao delegar a competência aos municípios para cobrarem os impostos sobre serviços tributáveis[3] de qualquer natureza, exceto transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. No entanto, faltou a Constituição Federal determinar nos casos em que os serviços são prestados em diversos territórios ou em águas marítimas qual município será o sujeito ativo da obrigação tributária.[4] Face a ausência de critério normativo seguro e válido para a repartição territorial das águas marinhas entre estados e municípios, exsurge a incerteza sobre o exercício de competência tributária por eles nessas regiões. Para situações como essa, o inciso I do art. 146, da Constituição Federal determina ser função da lei complementar a regulamentação dos conflitos de competência, em matéria tributária, entre União, Estados e Municípios, não cabendo, pois, à lei ordinária resolver tais controvérsias. Vejamos: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (…).” Em situação em que os termos da Lei Complementar foram insuficientes para afastar conflitos de competência espacial, o STF, no julgamento da ADI 1600, se manifestou no sentido da impossibilidade de tributação, a qual questionava a constitucionalidade da incidência de ICMS sobre a navegação aérea. Por outro giro, há que considerar que a Lei Complementar nº 116/2003 balizou a cobrança do ISS sobre serviços prestados em águas marítimas em seu § 3º, do art. 3º. Apesar disso, não há dúvidas de que o texto legal utilizado revela a ausência de reflexão sobre a competência pela cobrança do ISS sobre os serviços prestados na plataforma continental. 2. Serviços Prestados em Águas Marítimas e a Subsunção à Hipótese de Incidência do ISSQN Do exame dos serviços prestados na plataforma continental, com especial atenção aos compaginados a indústria petrolífera, tais como, sísmicas, perfuração e cimentação de poços, abrangidos pelo conceito constitucional de serviços[5], enquadram-se ao pressuposto de hipótese de incidência[6] do ISSQN[7]. Sem maiores delongas, o intérprete pode enquadrar tais serviços supracitados no subitem 7.21 (Pesquisa, perfuração, cimentação, mergulho, perfilagem, concretação, testemunhagem, pescaria, estimulação e outros serviços relacionados com a exploração e explotação de petróleo, gás natural e de outros recursos minerais), da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Convém deixar claro que as empresas petrolíferas contratam no mercado tais serviços de empresas especializadas. Ao contrário do que expôs Aires F. Barreto[8], praticamente inexiste o autosserviço. 2.1 Condições de Validade de uma Norma para Definição do Sujeito Ativo do ISS sobre Serviços Executados em Águas Marítimas Partimos para o exame dos fundamentos e eficácia de eventual norma ou entendimento jurisprudencial que adote os critérios de projeção territorial em águas marítimas para estabelecer o sujeito ativo do ISS devido sobre os serviços prestados em águas marítimas de forma a verificar a sua aderência ao ordenamento jurídico pátrio e condições de aplicação. Miguel Reale (2004) afirma que a validade de uma norma de direito pode ser vista sob três aspectos, quais sejam, validade formal, validade social (eficácia) e o da validade ética (fundamento)[9]. O presente estudo se restringirá aos aspectos de validade ética e social, pois, no que tange a validade formal, o entendimento esposado no item 2.3 é que cabe a lei complementar pacificar a matéria. A eficácia refere-se à condição de exequibilidade da norma jurídica[10]. Caso os tribunais superiores firmem entendimento na linha da sujeição ativa do ISS sobre os serviços executados em águas marítimas, com base na projeção territorial dos municípios em alto mar, deverá, preliminarmente, estabelecer qual dos dois critérios existentes, linhas ortogonais ou paralelas, prevalecerá. Por outro lado, os contribuintes para cumprirem a referida norma, precisarão não mais de um avançado sistema para cálculo e apuração de tributos e sim de uma ferramenta poderosa de cartografia e a contratação de geógrafos e engenheiros cartográficos para definir o sujeito ativo do imposto. Os serviços offshore são prestados a distâncias que podem chegar até 300 Km da faixa terrestre[11], em profundidades que podem alcançar até 7000 metros nos casos de poços da camada do pré-sal[12]. Tais atividades são executadas a partir de bases de apoio marítimas das empresas, situadas principalmente nos municípios de Macaé e Rio de Janeiro. Comando jurídico que adote como ratio juris o critério da territorialidade, considerando a plataforma continental como projeção territorial dos municípios, tende a favorecer o ente que não sofre os impactos da prestação dos serviços, pois toda estrutura de apoio situa-se em outra municipalidade. Nessa toada, carece de finalidade e fundamento destinar o produto da arrecadação do ISS com base em projeções marítimas. Sendo assim, sob um prisma cético e razoável, a solução da problemática deve ser construída a partir de uma realidade jurídica pré-existente e verificável para atender aos requisitos de validade. 2.2 Considerações Principiológicas As regras, em casos normais, podem ser cumpridas ou não, de forma que, se forem válidas, devem ser cumpridas exatamente como exigido. Por outro lado, os princípios não expressam determinações definitivas, pois apenas ordenam que algo seja feito na maior medida possível, considerando determinadas ações. Assim, não representam direitos absolutos e sim somente prima facie.[13] Para Dworkin, é característico dos princípios que ordenem ou permitam que algo seja feito em determinado grau. Sendo assim, “característico dessas prescrições é portanto o fato de eles conterem comandos de otimização”.[14] 2.2.1 Princípio da Legalidade (Formal e  Material) A Constituição Federal dispõe no artigo 150, I, a vedação à União, aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios a exigência de tributo sem lei que o estabeleça. Ou seja, cabe a lei dispor sobre as hipóteses de incidência do ISS, caso contrário, nullum tributum sine lege[15]. Assim, em linha com o sistema constitucional de outorga e discriminação de competência, a Carta Magna delegou aos municípios a competência para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei complementar. Nesse caso, ao município compete tributar quaisquer serviços e ao Congresso Nacional, por meio de leis complementares, estabelecer quais serviços estão compreendidos no campo de incidência do imposto.[16]Nesse contexto, coube a lei complementar definir o fato imponível[17], localizado no tempo e no espaço, estabelecendo a sua consistência e materialidade, que dá ensejo a cobrança do ISS sobre serviços executados em águas marinhas. Em seu parágrafo 3º, do artigo 3º a Lei complementar nº 116/2003 dispõe: “§ 3o Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas, excetuados os serviços descritos no subitem 20.01.” No período anterior a vigência da Lei complementar nº 116/2003, o artigo 12, do Decreto – lei nº 406/1968 estabelecia que: “Art 12. Considera-se local da prestação do serviço: a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;” Em princípio não haveria que se falar em conflito de competência, uma vez que, os serviços estariam, tanto na vigência do artigo 12 do Decreto-lei nº 406/68, quanto pelo §3º do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003, submetidos à tributação no estabelecimento do prestador de serviços. Ocorre que, como já dito no item 1.1, alguns municípios costeiros, situados no Estado do Espírito Santo, defendem que o local do estabelecimento prestador está no seu território, a partir do critério de projeção territorial em alto mar, com base na analogia de normas utilizadas para distribuição de participações governamentais, impondo dessa forma afronta ao disposto no parágrafo 1º, do artigo 108 do CTN, que veda a tributação por analogia. Nessa esteira, Sacha Calmon traz importante ensinamento acerca do conteúdo do princípio da tipicidade, extensão lógica do princípio da legalidade material, a saber: “A lei fiscal deve conter todos os elementos estruturais do tributo: o fato jurígeno sob o ponto de vista material, espacial, temporal e pessoal (hipótese de incidência) e a consequência jurídica imputada à realização do fato jurígeno (dever jurídico). Equivale dizer que a norma jurídico-tributária não pode ser tirada do ordo juris nem sacada por analogia; deve estar pronta na lei, de forma inequívoca, obrigando o legislador a tipificar os fatos geradores e deveres fiscais.”[18] Apesar de terminantemente vedada, a partir da divisão constitucional de competências, diversos municípios do Estado do Espírito Santo, aparentemente, não julgam ser relevante o fato de não haver regulamentação quanto à tributação de serviços prestados em águas marinhas com base em projeções territoriais, o que acaba por gerar grandes conflitos de competência. Ademais, verifica-se grande equívoco ao se utilizar os critérios de projeção para a partilha de royalties e participações especiais, a fim de efetuar os lançamentos tributários sobre serviços relativos às atividades de exploração e produção de petróleo, localizadas em alto mar, o que levará à proliferação do fenômeno da bitributação. Quanto ao tema, esclarece Regina Helena Costa: “A bitributação significa a possibilidade de um mesmo fato jurídico ser tributado por mais de uma pessoa. Diante de nosso sistema tributário, tal prática é vedada, pois cada situação fática somente pode ser tributada por uma única pessoa política, aquela apontada constitucionalmente, pois, como visto, a competência tributária é exclusiva ou privativa. Inviável, portanto, que haja mais de uma pessoa política autorizada a exigir tributo sobre o mesmo fato jurídico.”[19] Na esteira do princípio da legalidade e da tipicidade somente seria cabível a tributação dos prestados em águas marítimas, com base nas projeções marítimas, mediante ato formal e material do legislativo nesse sentido. Por outro lado, caso o entendimento seja de que tanto a Lei complementar nº 116/2003 e o Decreto-lei nº 406 foram omissos e obscuros na tipificação do sujeito ativo ISS sobre os serviços prestados em águas marítimas, deve-se decretar a inaplicabilidade da lei.[20] 2.2.2 Princípio da Territorialidade Vs. Extraterritorialidade das Leis Tributárias Para que se evite a ocorrência da bitributação, fenômeno taxativamente vedado pela Constituição Federal, que determinou as materialidades econômicas utilizadas como hipóteses de incidência de impostos para cada ente federativo, torna-se necessário o respeito aos limites territoriais nos quais a legislação tributária de Estados e Municípios possuem eficácia. Nessa linha, encontram-se as lições de Paulo de Barros Carvalho citadas por Aires F. Barreto: “Tirante as situações excepcionais previstas expressamente no próprio texto constitucional, nossa Carta Magna não abriga, antes proíbe a extraterritorialidade das leis; vige entre nós o princípio da territorialidade: a jurisdição dos entes políticos circunscreve-se aos seus limites territoriais; fora deles suas leis não tem aptidão para produzir efeitos, não têm eficácia jurídica.    Veja-se, a propósito, a lição de Paulo de Barros Carvalho: ‘Recolhido o fato de ser o Brasil, juridicamente, uma Federação, e o de haver Municípios dotados de autonomia, a vigência das normas tributárias ganha especial e relevante importância. Vê-se, na disciplina do Texto Constitucional, a preocupação sempre presente de evitar que a atividade legislativa de cada uma das pessoas políticas interfira nas demais, realizando a harmonia que o constituinte concebeu. É a razão de ter-se firmado a diretriz segundo a qual a legislação produzida pelo ente político vigora no seu território e fora dele, tão-somente nos estritos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem. Nessa linha de raciocínio, as normas jurídicas editadas por um Estado são vigentes para colher os fatos que aconteçam dentro de seus limites geográficos, o mesmo ocorrendo com os Municípios e com a própria União.’[21] ”(Grifos nossos). Portanto, não há qualquer legislação que regulamente a repartição territorial e a competência dos estados e municípios sobre o mar territorial (que compreende as 12 milhas a contar da linha de base, em que existe a soberania irrestrita da União), assim como não há qualquer poder tributário desses entes federativos – municípios – em relação à zona econômica exclusiva ou à plataforma continental, permanecendo as águas marítimas como território indiviso da União Federal, dentro dos limites estabelecidos pela Convenção de Montego Bay e pela Lei nº 8.617/93. Por outro viés, Alfredo Augusto Becker defende que a lei tributária tem eficácia jurídica extraterritorial em decorrência da crescente multiplicidade de problemas tributários internacionais. Vejamos: “Na verdade, a lei tributária, como qualquer outra lei, tem sempre eficácia jurídica extraterritorial. A compreensão do que acaba de ser dito pressupõe o conhecimento científico dos seguintes fenômenos jurídicos: a) incidência da regra jurídica; b) infalibilidade (automatismo) da incidência e respeitabilidade dos efeitos jurídicos; c) juridicidade, coercibilidade, coação e sanção. Tendo-se bem presente a fenomenologia jurídica acima apontada, compreender-se-á, sem dificuldades, que a “territorialidade” da lei tributária não é um princípio metafísico, nem lógico, nem jurídico (salvo quando preestabelecido por lei), mas simplesmente um fato post-jurídico: a respeitabilidade a uma eficácia jurídica (ex.: relação jurídica tributária) existente.”[22] 2.2.3 Princípio da Razoabilidade O tema da razoabilidade ganha ressonância neste estudo, pois, aliado ao método de interpretação histórica[23], balizará a pertinência de incorporar ao ordenamento jurídico norma que considere as projeções territoriais em alto mar para definir o sujeito ativo do ISS sobre serviços em poços marítimos. O Princípio da Razoabilidade é muito bem definido por Celso Antônio Bandeira de Mello[24]: “Princípio da razoabilidade. Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – , as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada. Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa, muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito.” Com fulcro no princípio supra, surgem as seguintes indagações: (i) é razoável estabelecer critério de recolhimento de ISS com base em projeções das linhas ortogonais ou paralelas? A intenção do legislador na redação do §3º, do artigo 3º da Lei complementar nº 116/2003 foi atribuir a competência tributária com base nos critérios de partilha de royalties? É razoável necessitar de serviços de engenharia cartográfica para apurar o ISS? Por óbvio as respostas às perguntas são todas negativas. Nesse sentido, entendemos que a solução do conflito de competência gerado pela tese dos municípios capixabas passa pela priorização do princípio da razoabilidade. De outra forma, seria fantasiosa a ideia de que o congresso nacional ao aprovar o texto da Lei Complementar nº 116/2003 tivesse o propósito de que o ISS devido sobre os serviços executados em poços de prospecção de petróleo e gás natural devesse ser recolhido segundo a sequência da projeção além da linha geodésica ortogonal à costa, segundo o paralelo para a definição dos municípios credores do imposto. Regra jurídica dessa natureza seria inexequível para os contribuintes. 2.2.4 Princípio da Praticabilidade Tributária O princípio da praticabilidade visa garantir a exequibilidade da norma tributária de forma eficiente, mediante a aplicação dos meios mais simples e econômicos. Sobre o conceito de praticabilidade, Regina Helena Costa ensina que: “‘Praticabilidade’ é a qualidade ou característica do que é praticável, factível, exequível, realizável. Tal atributo está intimamente relacionado ao Direito, permeando-o em toda a sua extensão, pois este só atua no campo da possibilidade – vale dizer, somente pode operar efeitos num contexto de realidade.”[25] Sob a perspectiva do contribuinte, não existe nexo a imposição de exigência de obrigação tributária principal que para o seu atendimento implique, por exemplo, na contratação do IBGE ou de empresa especializada do ramo de cartografia para definição do município credor do ISS sobre os serviços prestados em águas marítimas. Ou seja, nesse cenário os custos de conformidade fiscal podem até superar o do próprio imposto. Nada mais ilógico e ineficiente! Alfredo Augusto Becker ensina que “o Direito Positivo não é uma realidade metafísica existente em si e por si; a regra jurídica não é um fim em si mesma, mas um instrumento de convivência social”.[26] 3.3 O Sujeito Ativo do ISS sobre os Serviços Prestados em Águas Marítimas O § 3º do art. 3º da Lei Complementar nº 116/03 assim dispõe: “O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: (…) § 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no local do estabelecimento prestador nos serviços executados em águas marítimas, excetuados os serviços descritos no subitem 20.01.” Ainda prescreve o artigo 4º do mesmo diploma legal: “Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que, configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas (…).” O revogado artigo 12, do Decreto-Lei nº 406/68, dispunha: “Considera-se local da prestação do serviço: a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação. c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. (Incluída pela Lei Complementar nº 100, de 1999).” Nesse contexto, apesar da caducidade precoce do Direito Tributário[27], em especial da jurisprudência do STJ acerca do ISS, o entendimento manifestado nos últimos julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem sendo balizado pela decisão proferida no Recurso Especial nº 1.060.210 – SC, que adotou a seguinte diretriz: “(…) (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento – núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo;(…).” Acrescente-se ainda a ratio decidendi do voto do ministro relator Herman Benjamin, no julgamento do AgRg no AREsp nº 299.489/MS, de que “o simples deslocamento de recursos humanos (mão de obra) e materiais (equipamentos) para a prestação de serviços não impõe sujeição ativa à municipalidade de destino para a cobrança do tributo. ” Desse modo, a luz do entendimento recente do STJ, não se cogita haver sujeição ativa em relação ao ISS sobre os serviços prestados em águas marinhas das municipalidades cujas projeções marítimas, sejam elas paralelas ou ortogonais, se localizem os poços exploratórios e produtores de petróleo. Para o período de vigência do Decreto-lei nº 406/68 o sujeito ativo será o município da sede do estabelecimento prestador. A partir da Lei Complementar nº 116/2003 o sujeito ativo do imposto será o município onde se localiza o núcleo de operação da empresa prestadora de serviço, o centro decisório, ou seja, o local onde se configura uma unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. Não sendo suficiente o mero deslocamento de recursos para configuração do estabelecimento prestador. Sob qualquer prisma que se pretenda dar à matéria, não merece prosperar a tese dos municípios costeiros de tributação dos serviços prestados em suas projeções marítimas. 3. Principais Processos Judiciais em Curso A tese da cobrança do ISS sobre serviços em águas marítimas está concentrada nos municípios costeiros capixabas. Tendo tais municípios lavrados diversos autos de infração contra as empresas que empreendem atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural na bacia de Campos e do Espírito Santo, com base no critério de projeção marítima das linhas ortogonais. A matéria ainda não foi analisada pelo STJ, porém o REsp nº 1405816/ES, que tem como recorrente a empresa Shell Brasil S.A e recorrido o município de Itapemirim, foi admitido pela corte superior. Ademais, a ação declaratória de existência de relação jurídica tributária nº 0001936-88.2011.8.19.0028, ajuizada pelo Município de Macaé, situado no Rio de Janeiro, em face de Aracruz, Anchieta, Guarapari, Itapemirim, Jaguaré, Marataízes, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória, todos municípios do Estado do Espírito Santo, além da empresa Petrobras como litisconsorte passivo, em curso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, obteve antecipação de tutela em favor do Município de Macaé. 4. Discussão Doutrinária O ilustre professor Aires F. Barreto encampa a tese de que Constituição Federal não outorgou aos municípios a competência de tributar os serviços prestados águas marítimas, dado que se situam em fora dos limites territoriais do município, ou seja, no exterior do País. Vejamos[28]: “2º) Não tem respaldo na Constituição a inclusão, entre os serviços tributáveis pelo ISS, pela LC nº 116/2003, das atividades, executadas em águas marítimas, de pesquisa, perfuração, cimentação, mergulho, perfilagem, concretação, aluguéis de sondas, afretamento e quaisquer outras objetivando possibilitar a extração e exploração de petróleo. Pelo contrário, essa inclusão a agride, porque essas atividades não estão compreendidas na faixa da competência tributária traçada pela CF, dado que as águas marítimas, situando-se fora dos limites dos territórios de quaisquer Municípios brasileiros, são áreas sobre as quais não têm eles jurisdição, ante o princípio da territorialidade.” Conclui fazendo a ressalva de que as atividades em águas marítimas, em maioria, são executadas pelas próprias empresas em seu favor e que, só eventualmente, a execução é realizada por terceiros contratados. Por esta razão, não caberia a cobrança do ISS sobre o autosserviço. Neste ponto, convém fazer uma ressalva, pois na indústria de exploração e produção de petróleo em águas marítimas ocorre exatamente o oposto. Ou seja, a contratação de terceiros é quase a totalidade dos serviços prestados. Misabel Derzi, Sacha Calmon e Thomas da Rosa de Bustamante, em síntese, defendem a vedação da existência de “território por ficção”, em decorrência de ausência de previsão constitucional. Sendo assim, entendem que os fatos ocorridos na plataforma continental não são jurígenos do ISS. Contudo, ressalvam que a jurisprudência do STJ, com base no critério de competência ativa do município o do local do estabelecimento prestador, possibilita a tributação dos serviços prestados em qualquer lugar do território nacional, inclusive na Plataforma Continental. A saber[29]: “A jurisprudência do STJ, diga-se por oportuno, depois de fixar- se na tese de que o fato gerador do ISS se daria sempre no local da prestação, voltou atrás e rendeu-se à técnica da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Tal lei enumera os casos em que a competência ativa se dá pelo critério da efetiva prestação do serviço, prevalecendo como critério principal o do local da situação do estabelecimento prestador, justamente o que permite a possibilidade de o Município tributar com esse imposto serviços prestados em qualquer lugar do território nacional, e serviços prestados na Plataforma Continental, no oceano e no subsolo marinho na zona de exploração econômica exclusiva da União Federal.” Oportunamente, informamos que apesar da vasta pesquisa, não foi localizado na doutrina entendimento que respaldasse a tese de tributação a partir dos critérios de projeções territoriais marítimas. 5. Conclusão Em face de todo o exposto, concluímos: I) Diante da inexistência de normatização, diversos municípios do Estado do Espírito Santo têm se utilizado das regras veiculadas pela Lei nº 7.525/86 e pelo Decreto nº 93.240/86, para projetar os seus territórios em águas marítimas, estabelecer a localização poços de petróleo, bem como das plataformas de exploração e explotação, efetuando sobre os serviços prestados nesses locais contínuos lançamentos de ISS. Entretanto, é inegável que o processo legislativo que levou à publicação da Lei nº 7.525/86 não foi desenvolvido a fim de dirimir controvérsias de matéria tributária; II) Não há que se falar atualmente em projeção do território de estados e municípios sobre mar territorial, zona econômica exclusiva ou plataforma continental e, por sua vez, das competências tributárias desses entes sobre tais áreas em face da ausência de lei federal, inclusive, pelo fato de que a Lei nº 8.617/93 estabelece que a União Federal possui soberania total sobre o seu mar territorial; III) Apesar de não haver Lei Complementar para dirimir os conflitos de competências tributárias, conforme disposto no art. 146, I, da Constituição Federal, os municípios do Espírito Santo vêm tributando o ISS supostamente devido pelos serviços prestados em águas marítimas a partir dos critérios estabelecidos pela Lei nº 7.525/86 – projeção, pelo IBGE, o que pode causar o fenômeno da pluritributação, tendo em vista a incerteza fática ocasionada pelos critérios mistos de projeções em linhas ortogonais ou e em linhas paralelas; IV) Afetação ao princípio da legalidade, tipicidade, razoabilidade, praticabilidade tributária, a possível norma ou entendimento que estabeleça a cobrança do ISS a partir de projeções territoriais  em águas marítimas; V) O recente posicionamento jurisprundencial firmou orientação no sentido de que o sujeito ativo do ISS na vigência do DL nº 406/68, é o município da sede do estabelecimento prestador e partir da Lei Complementar nº 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional, sem considerar o simples deslocamento de recursos humanos e materiais para a prestação de serviços como imposição de sujeição ativa à municipalidade de destino para a cobrança do tributo; VI. Por fim, a tese de tributação com base na ficção de projeção territorial na Plataforma Continental não encontra respaldo na doutrina.
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Responsabilidade da pessoa jurídica após o redirecionamento da execução fiscal
Resumo:Trata-se de breve estudo sobre as correntes doutrinárias sobre a responsabilidade da pessoa jurídica quando realizado o redirecionamento em sede de executivo fiscal.Em um primeiro momento são identificadas as correntes passando-se a uma análise mais detalhada da doutrina majoritária concluindo-se com algumas observações do autor que corrobora a já adotada há algum tempo.
Direito Tributário
A execução fiscal é o instrumento hábil para a cobrança de créditos tributários e não tributários, por parte das pessoas jurídicas de direito público, não pagos administrativamente. Sua criação foi idealizada para efetivar a arrecadação de valores não pagos pelos sujeitos passivos, a fim de recuperar valores devidos. O executivo fiscal visa não só os contribuintes inadimplentes, que por um motivo ou outro, não conseguiram ou se esqueceram de realizar os pagamentos, mas também aqueles que agiram em desconformidade com a lei, justamente com o intuito de deixar de pagar os valores. Dentro do mundo tributário, temos algumas figuras a serem pontuadas, sendo uma delas, o responsável tributário, que é aquela pessoa, não praticante do fato gerador, mas que tem uma vinculação mínima com o mesmo, possuindo responsabilidade pelo pagamento do crédito tributário, em decorrência de uma previsão expressa de lei. Segundo o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, o sócio com poder de gestão que pratica atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, possui responsabilidade pessoal pelos créditos tributários devidos pela pessoa jurídica. Nesta toada, o presente artigo foi confeccionado, com o objetivo de se estudar o que ocorre com a responsabilidade da pessoa jurídica diante o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Em que pese algumas correntes doutrinárias dissonantes, principalmente com o julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial nº 1.455.490-PR, com relatoria do Ministro Herman Benjamin, recentemente tratou do tema, conforme será analisado neste artigo. Correntes de entendimento acerca da responsabilidade Ao analisarmos o contido no artigo 135 do Código Tributário Nacional, poderá surgir uma dúvida no que tange o tipo de responsabilidade imposta pelo dispositivo. Caso se entenda que a responsabilidade tributária prevista no dispositivo citado é realmente pessoal, a obrigação de pagamento pelo contribuinte pessoa jurídica, estaria excluída, restando ao fisco, após o redirecionamento, a cobrança ao sócio-gerente responsável. Sobre esse tema, a doutrina diverge. A primeira posição doutrinária desse tema entende que o art. 135 do CTN seria exemplo de uma responsabilidade pessoal exclusiva, ocasionando a exclusão da pessoa jurídica da relação, restando apenas a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes que agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Um dos poucos estudiosos que seguem essa corrente é o professor Eduardo Sabbag, que fala: “Em geral, o contribuinte aqui é vítima de atos abusivos, ilegais ou não autorizados, cometidos por aqueles que o representam, razão pela qual se procura responsabilizar pessoalmente tais representantes, ficando o contribuinte, em princípio, afastado da relação obrigacional. De fato, no art. 135 do CTN, a responsabilidade se pessoaliza, ou seja, torna-se plena, rechaçando o benefício de ordem e fazendo com que o ônus não recaia sobre o contribuinte, mas, pessoalmente, sobre o responsável citado quando houver (I) excesso de poderes ou (II) infração da lei, contrato social ou estatutos.”[1] Uma segunda corrente entende que, o dispositivo analisado trata de uma responsabilidade exclusiva, quando preenchido determinado requisito. Cláudio Carneiro expõe que, um segundo entendimento surgiu com força especialmente na jurisprudência no sentido de que “só vai haver responsabilidade exclusiva se a sociedade não auferiu vantagem com a infração, caso contrário ela será solidária”.[2] De outro lado, seguindo uma terceira vertente dentro deste assunto, alguns estudiosos entendem que, na verdade, o dispositivo analisado trata de uma responsabilidade solidária entre a pessoa jurídica e o responsável. Doutrina majoritária – responsabilidade solidária No julgamento do REsp nº 1.455.490-PR, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin também seguiu o tal posição, consolidando ainda mais o entendimento de que, mesmo com o redirecionamento da execução fiscal, com base no artigo 135 do CTN, a fim de atingir o sócio-gerente, a pessoa jurídica, continua solidariamente responsável. O julgado esmiuçou a matéria, retratando também a postura que já vinha sendo adotada pela Primeira Seção do STJ, exposta claramente no debato acontecido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 174.532/PR, segundo os quais “Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei". Citado também, pelo ilustre relator, Ministro Herman Benjamin, a súmula 430, do STJ, que versa “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente." Continuando com o julgado didático, denunciando que são distintas as causas que deram ensejo à responsabilidade tributária, devendo ser colacionado o seguinte excerto: “a) no caso da pessoa jurídica, a responsabilidade decorre da concretização, no mundo material, dos elementos integralmente previstos em abstrato na norma que define a hipótese de incidência do tributo; b) em relação ao sócio-gerente, o "fato gerador" de sua responsabilidade, conforme acima demonstrado, não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas a dissolução irregular (ato ilícito).”[3] A pessoa jurídica responderá diante do nascimento no mundo fático do fato gerador, que deu origem a uma obrigação tributária, originando um crédito tributário não pago, tornando-se inadimplente. A adoção de qualquer posicionamento contrário, permitindo a exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica, ensejaria a sua exclusão por ilegitimidade, o que atingiria duas situações a de que haveria a substituição do polo passivo, vedado pela súmula 392 do STJ[4] e ainda, cessaria a causa da dissolução irregular, uma vez que a dívida não seria mais da pessoa jurídica, mas do sócio, possibilitando a emissão de certidão negativa de débitos, para uma futura baixa definitiva na Junta Comercial Competente. Claramente se teria uma situação na qual a pessoa jurídica, dissolvida irregularmente, estaria se beneficiando do ato ilícito praticado pelo sócio-gerente. Já o sócio-gerente responde pela prática de ato ilícito, na forma do art. 135, III, do CTN, que não se confunde com mero inadimplemento, na forma da Súmula 430[5] do STJ. Cabe apontar que a simples interpretação gramatical neste caso, com a visão dada pela hermenêutica jurídica, levaria diversos casos presentes no judiciário a resultados aberrantes. No caso específico da Súmula 435[6], quando da dissolução irregular da sociedade empresária, gerando o redirecionamento da execução fiscal, o julgado conclui também que, ainda que a responsabilidade pessoal ditada pelo dispositivo, não poderá ser realizada a exclusão da sociedade do polo passivo. Assim, não se verifica dentro do ordenamento brasileiro, alguma vertente que conduz ao pensamento de, com a prática de um ato ilícito pelo sócio-gerente, levaria ao afastamento da inadimplência ou ainda a anulação do crédito tributário devidamente constituído. Com este pensamento, no caso do redirecionamento do executivo fiscal, na forma do artigo 135, III do CTN, a pessoa jurídica contribuinte e o sócio-gerente responsável devem dividir o polo passivo da demanda em litisconsórcio. Precisamente por se tratar de tal modalidade de responsabilidade, mas sem deixar de lado o seu conteúdo pessoal, a pessoa jurídica possuiria direito à ação de regresso contra o responsável que agiu com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Sobre o referido assunto, o professor Cláudio Carneio, também se posiciona neste sentido: “Assim, podemos dizer que o art. 135 trata de uma responsabilidade subjetiva. Resta a análise da expressão “pessoal”, pois essa infração deve estar relacionada com o tributo devido. Dúvida surge se essa pessoalidade deva assumir um caráter de solidariedade com a sociedade ou de subsidiariedade. Posicionamo-nos no sentido de que o melhor entendimento seria no sentido da solidariedade.”[7] O redirecionamento da execução fiscal, para a responsabilização também do sócio-gerente, mantendo-se os dois no polo passivo é importante instrumento no combate à fraude tributária. Além de objetivar ressarcir os cofres públicos, o redirecionamento acaba tendo um viés coercitivo, desencorajando que os administradores da pessoa jurídica pratiquem atos com excesso de poderes ou ilegais, atingindo de maneira obliqua, o recolhimento das verbas aos cofres públicos, para a continuidade do serviço público, deixando de pesar sobre os contribuintes que realizam o pagamento de maneira correta. Assim, a melhor doutrina é quanto a impossibilidade da exclusão da pessoa jurídica na execução fiscal, ocorrendo, ao contrário, uma cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio passivo, respondendo tanto o sócio-gerente como a pessoa jurídica. Conclusão Em que pese as diferentes correntes doutrinárias que tratam desse tema, uma analise mais detalhada merece ser feita, intuito esse que motivou a elaboração deste trabalho. Mantendo-se a integridade e congruência do sistema tributário, não se pode permitir a interpretação literal do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Em que pese constar a responsabilidade pessoal, esta deverá ser considerada solidária entre o sujeito passivo e o responsável tributário. Com isso, a execução fiscal, quando redirecionada, deverá ter o polo passivo constituído tanto da pessoa jurídica, quanto do sócio-gerente. Tal imposição deverá ser mantida para manter-se a efetividade da ação, buscando-se a penhora de bens tanto em uma, quanto em outra pessoa, para a satisfação do crédito, bem como dificuldade de se perpetuar uma fraude, possibilitando o encerramento irregular da pessoa jurídica.
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Capacidade Tributária Passiva
O presente artigo tem por escopo retratar como o Direito Tributário concebe a capacidade passiva nas relações jurídico-tributárias travadas entre os entes políticos e os contribuintes ou responsáveis pelo pagamento do tributo decorrente da obrigação tributária, sendo este entendido como receita derivada cuja arrecadação mostra-se de suma importância para a promoção dos programas governamentais do Estado. Para tanto, demonstraremos a inviabilidade de aplicação do conceito civilista de capacidade, bem como a necessária consonância interpretativa que deve haver entre a capacidade tributária passiva e os princípios tributários da isonomia e do non olet consagrados no ordenamento.
Direito Tributário
Introdução: O tema capacidade tributária passiva é de suma importância na medida em que permitirá ao poder público estabelecer de forma clara como e quando se dará a sujeição do sujeito passivo à obrigação tributária deflagrada com a ocorrência do fato gerador, principalmente se levarmos em consideração a distinção havida entre o conceito civilista e tributário sobre o instituto da capacidade. Como se perceberá, o conceito tributário de capacidade passiva é notoriamente mais amplo que o conceito civilista, já que se respaldará, principalmente, na manifestação de riqueza apta a concretizar o fato gerador, que dará ensejo ao surgimento da obrigação tributária e, consequentemente, ao próprio crédito tributário a ser percebido pelo fisco. Com efeito, mostra-se necessário estabelecer de forma clara e prévia como se manifestará a relação jurídico-tributária que instituirá a obrigação compulsória, ex vi legis, de sujeição do contribuinte ou responsável ao pagamento do tributo. Vale ressaltar que o entendimento acerca da capacidade tributária passiva, entendida por muitos como um princípio e não apenas como uma regra, é de fundamental relevância, haja vista que permitirá à fazenda pública proceder à arrecadação da receita, sendo os recursos obtidos de vital importância para os cofres públicos e para o implemento das políticas públicas. 1 – Conceito: A capacidade tributária ativa consiste na aptidão para cobrar, arrecadar e fiscalizar o tributo, ou seja, trata-se da aptidão para ser credor na relação tributária, figurando, portanto, no polo ativo. Não se confunde, portanto, com o conceito de competência tributária, entendida como a aptidão conferida pela Constituição à pessoa jurídica de direito público para instituir, mediante lei, o tributo devido. Nesse sentido, conclui-se que a competência tributária será indelegável, ao passo que a capacidade tributária ativa poderá ser delegada, cabendo, inclusive, revogação da delegação por ato unilateral do delegante, consoante previsão expressa do próprio Código Tributário Nacional, senão vejamos: “Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.” Já a capacidade tributária passiva, por seu turno, consiste na aptidão atribuída ao sujeito para figurar no polo passivo da relação jurídico-tributário, por ter realizado o fato gerador previsto hipoteticamente na norma de incidência do tributo, independentemente de sua capacidade civil. Referido ensinamento, em sede doutrinária, é sustentado pelo ilustre professor Ricardo Alexandre, que assim se manifesta sobre o tema: “Capacidade tributária passiva é a aptidão para ser sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Com a verificação no mundo concreto da hipótese abstratamente descrita na lei como fato gerador do tributo, surge a obrigação tributária, independentemente da validade do negócio jurídico que resultou na ocorrência do fato gerador. Para que alguém venha a ser considerado sujeito passivo de obrigação tributária, basta que a lei tributária assim o defina e que ocorra o fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes as regras sobre capacidade segundo o direito civil”[1]. Com efeito, a capacidade tributária passiva pode ser concedida a qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize o fato gerador da obrigação tributária prevista na norma. Esse é o entendimento, inclusive, dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, que chegam a afirmar, causando até mesmo estupefação em alguns, embora não destituído de fundamento, que apenas as coisas, os animais e os mortos que não terão capacidade tributária passiva, senão vejamos: “Toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, em qualquer situação, inclusive as pessoas jurídicas não regularmente constituídas e as sociedades de fato, tem capacidade passiva, sem nenhuma exceção. Ter capacidade passiva significa apenas ter a possibilidade de realizar o fato gerador de obrigação tributária. Não importa se a cobrança poderá ser feita diretamente da pessoa que realizou o fato gerador ou terá que ser feita de um representante. A pessoa que tem relação direta com o fato gerador da obrigação principal é contribuinte, mesmo que a cobrança não seja feita diretamente contra ela. Assim, um recém nascido poder ser proprietário de um imóvel urbano; o contribuinte do IPTU é ele. Uma pessoa com doença mental grave, internada permanentemente em um manicômio, pode ser proprietária de imóveis e receber rendimentos de aluguéis desses imóveis; será contribuinte do IPTU e do IR relativo aos aluguéis, e assim por diante. Para finalizar: somente as coisas, os animais e os mortos não têm capacidade tributária passiva!”[2] . Por fim, arrematando o tema, no sentido de entender o sujeito passivo como integrante do polo passivo da ação, que sofrerá a constrição patrimonial, é o magistério do ilustre professor Eduardo de Moraes Sabbag, que de forma lapidar manifesta-se sobre o tema, senão vejamos: “A sujeição passiva é matéria adstrita ao polo passivo da relação jurídico-tributária. Refere-se, pois, ao lado devedor da relação intersubjetiva tributária, representado pelos entes destinatários da invasão patrimonial na retirada compulsória de valores, a título de tributos”[3]. Desta forma, portanto, é o magistério doutrinário sobre o instituto da capacidade tributária passiva. 2 – Sujeitos da relação tributária: Consoante previsão legal do próprio Código Tributário Nacional, o sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, ao passo que o sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade dele decorrente, podendo ser o contribuinte, hipótese em que terá relação direta e pessoal com a ocorrência do fato gerador, ou o responsável tributário, quando sua obrigação decorra de previsão expressa na lei. Esses são, portanto, os sujeitos que integrarão a relação jurídico-tributária para a cobrança do tributo a ser exercida pela fazenda pública. 3 – Previsão normativa: Ao discorrer sobre o instituto da capacidade tributária passiva, o legislador estabeleceu-a de forma ampla, sendo concebida pela doutrina como sendo hipótese de responsabilidade plena, nos seguintes termos: “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou       limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.” 4 – Requisitos: Primeiramente, como visto acima, a capacidade tributária, por decorrer de uma obrigação legal, compulsória, independerá da manifestação de vontade do sujeito passivo, motivo pelo qual será despicienda a análise de sua capacidade civil, visto que o conceito civilista é inaplicável na seara da responsabilidade tributária. Com efeito, a conclusão é a sacramentada pelo Artigo 126, inciso primeiro, do Código Tributário, no sentido de que a capacidade tributária independe da capacidade civil das pessoas naturais. Logo, a classificação civilista de relativa e absolutamente incapaz, bem como a imposição civilista de assistência e representação para a validade dos atos praticados pelos incapazes, não se aplica na seara tributária. No mesmo sentido é a doutrina do ilustre professor Ricardo Alexandre, que de forma lapidar estatui: “Em primeiro lugar, o CTN afirma que a capacidade tributária independe da capacidade civil das pessoas naturais. O Código Civil, em seu primeiro artigo, afirma que toda pessoa é capaz de direito e obrigações na ordem civil. Todavia, ao tratar do exercício pessoal de direito, o mesmo Código divide as pessoas em três grupos: os capazes, os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes. Para a validade dos atos praticados pelos absolutamente incapazes, é necessário que estes estejam devidamente representados; no que concerne aos relativamente incapazes, faz-se necessário que estejam assistidos. Para o direito tributário, a diferenciação é irrelevante. Se uma criança de dez anos de idade é proprietária de um imóvel na área urbana do Município, é contribuinte do IPTU. Se o imóvel está alugado a particulares, a criança é contribuinte do imposto do imposto de renda incidente sobre o valor dos aluguéis”[4]. Em segundo lugar, cumpre destacar que a capacidade passiva tributária também independe de “achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios”, consoante estabelece o artigo 126, inciso segundo, do Código Tributário Nacional. Sendo assim, mesmo havendo restrições, privações ou limitações ao exercício da atividade, se a mesma for desenvolvida haverá a responsabilização tributária. No mesmo sentido é a doutrina de Ricardo Alexandre, a saber: “Também não importa se uma pessoa está sujeita a alguma medida que limite ou prive o exercício de atividades. Se o fato gerador ocorrer, o tributo é devido. A título de exemplo, o Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) declara incmpatíveis com a advocacia várias pessoas, dentre elas as que ocupam cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais (art. 28, VII). Assim, um Auditor-Fiscal da Receita Federal pode ser bacharel em direito, mas não pode exercer a advocacia. Se, apesar da restrição, o AFRF advoga, exercendo ilicitamente a profissão, estará sujeito às punições específicas, mas não ficará livre do imposto de renda sobre os rendimentos porventura auferidos, nem do imposto sobre os serviços prestados”[5]. Por fim, cabe destacar que a capacidade tributária passiva também independe “de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”, conforme estabelece o Código Tributário em seu artigo 126, inciso terceiro. Confirmando esse entendimento, é o magistério da doutrina, conforme depreende-se da lição do ilustre Paulo de Barros Carvalho quando disserta sobre o tema, senão vejamos: “Campo batido de dissensões é o de saber se tão-somente as pessoas dotadas de personalidade jurídica, tal qual estipularam as regras de direito privado, reuniriam condições para figurar na posição de sujeito passivo, no contexto de relações jurídico-tributárias, ou em concepção mais lata, entidades outras, não referidas expressa ou implicitamente como centros de imputação de direitos e deveres em consonância com as diretrizes definidoras da capacidade jurídica, também estariam legitimadas para compor o nexo abstrato que se instala pelo acontecimento do fato tributário. Debruçados sobre o tema, autores da melhor nota já escreveram linhas que revelam a extrema importância desta noção introdutória. Quase que unanimemente, sufragam hoje a possibilidade de atribuir-se legitimação passiva a entes não previstos entre os portadores de personalidade jurídica, pelas regras genéricas e amplas do direito privado.”[6] No mesmo sentido é a doutrina do renomado jurista tributarista Luciano Amaro, quando afirma: “A sociedade de fato ou a sociedade irregular também não são circunstâncias impeditivas do nascimento de obrigações tributárias, surgidas pela ocorrência de fatos geradores identificáveis no exercício das atividades dessas sociedades (item III). Em simetria com essas disposições, que reconhecem capacidade tributária passiva às pessoas ou entidades aí referidas, é de reconhecer a elas, igualmente, capacidade tributária ativa quanto às pretensões que houverem de exercer contra ou perante o sujeito ativo”[7]. Percebe-se, portanto, que a capacidade tributária passiva decorre da lei, é plena, tratando-se de uma obrigação ex vi legis. Vale ressaltar, por fim, que a Jurisprudência dos tribunais brasileiros também admite, em tema de responsabiidade, a capacidade passiva tributária plena, tal como minuciosamente descrita pela doutrina acima citada, não havendo qualquer recalcitrância na aplicação dos dispositivos do Código Tribunal Nacional que regulam a matéria. Conclusão: O presente artigo procurou ressaltar em que consiste a capacidade tributária, mostrando suas espécies, dando destaque para a capacidade passiva, estabelecendo, por conseguinte, a distinção havida com relação à competência tributária e ao conceito civilista de capacidade, para concluir que se trata de um conceito amplo, que implica em responsabilidade passiva plena. Por ser uma responsabilidade decorrente da lei, faz-se desnecessário perquirir eventual capacidade civil do sujeito, ou até mesmo possível limitação de atividades ou irregularidade da pessoa jurídica. Bastará, tão-somente, que ocorra no mundo fático a concretização da hipótese de incidência abstratamente prevista na norma para que se deflagre o surgimento da obrigação tributária, a ser imputada ao sujeito passivo da relação jurídica que se travará. Nesse sentido, a capacidade civil tributária deverá ser interpretada em consonância com os princípios tributários da isonomia e do non olet, para se chegar à conclusão de que o que realmente importará, como critério de aferição da responsabilidade, será a materialização do critério demonstativo de riqueza previsto na norma, que sofrerá constrição material por parte do fisco. Constitui-se, portanto, num instrumento de grande valia, que propiciará à fazenda pública identificar o sujeito passivo e executar a cobrança da dívida tributária, de forma a promover a justiça fiscal.
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A multa de 10% sobre o FGTS nas demissões sem justa causa
O presente estudo vai apresentar aspectos importantes no que diz respeito incidência da multa de 10% sobre o FGTS nas demissões sem justa causa e analisar as questões relativas ao exaurimento de sua finalidade bem como a possibilidade de restituição de valores cobrados indevidamente nos últimos cinco anos. O primeiro a ser apresentado, versará sobre o aspecto histórico da criação da multa de 10% sobre o FGTS. O ponto seguinte abordara a questão do Projeto de Lei complementar n. 200/2012 e o Veto da Presidência da República n. 301/2013 que proporia uma termo final para cobrança da contribuição. Em seu último ponto, o estudo traz o posicionamento dos tribunais em relação a matéria, destacando o reconhecimento da repercussão geral reconhecida pelo STF no RE RE 878313/SC.
Direito Tributário
Introdução O tema a ser apresentado demonstrará um estudo acerca da criação, incidência e finalidade da criação da contribuição social instituída pela Lei 110/2001, bem como demonstrará o exaurimento de sua finalidade, comprovando que a cobrança de tais valores atualmente não se justifica, uma vez que o fim para o qual tal contribuição foi criado, já atingiu seu objetivo. O primeiro ponto versará sobre a criação da contribuição, explicitando os fundamentos para sua cobrança, qual seja, fazer frente à necessidade de recompor os expurgos inflacionários do saldo das contas vinculadas ao FGTS, referentes aos planos econômicos Verão e Color I. No segundo ponto, o trabalho analisa o veto da Presidente da República a Lei Complementar n. 200/2012, que criara um prazo final para cobrança, demonstrando que a contribuição social de 10% sobre o FGTS nas demissões sem justa causa além de já tar atingido sua finalidade, foi desvirtuado para cobrir planos sociais do governo, como o bolsa família, entre outros. O terceiro e último ponto traz o posicionamento jurisprudencial da matéria, trazendo interessante posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4º Região, destacando a arguição de inconstitucionalidade superveniente do art. 1º da Lei Complementar nº. 110/2001, bem como o reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF no Recurso Extraordinário nº. RE 878313/SC. 1. Aspecto Histórico – Criação da multa de 10% sobre o FGTS nas Demissões sem justa causa As empresas que necessitam utilizar-se de mão de obra admitindo trabalhadores a seu serviço, nos termos do art. 2º da CLT, ganham o status de empregadoras e, nessa condição, sujeitam-se ao cumprimento de determinadas obrigações tributárias que decorrem do vínculo de emprego, dentre as quais o depósito mensal do FGTS incidente sobre a sua folha de salários, no percentual de 8% (oito por cento) e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, às pessoas físicas que lhe prestam serviços, na forma que dispõe a legislação de regência da referida prestação mensal. Contudo, em 29/06/2001, foi aprovada a Lei Complementar n. 110, que ao mesmo tempo instituiu contribuições sociais e autorizou “créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS” e, assim sendo, deu origem a uma nova contribuição temporária, dita ‘social’, a cargo dos empregadores, para o custeio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ex vi do seu art. 1º. Assim, com o advento da Lei Complementar n. 110/2001, as empresas definidas como empregadoras pelo art. 2º da CLT, a partir do exercício fiscal de 2001, ficaram obrigadas ao recolhimento de uma nova contribuição social no percentual de 10% (dez por cento) sobre o montante depositado no FGTS, quando da despedida sem justa causa, de qualquer empregado (adicionalmente à multa de 40% até então exigida). De fato, a referida contribuição social foi instituída para fazer frente à necessidade de recompor os expurgos inflacionários do saldo das contas vinculadas ao FGTS, referentes aos planos econômicos Verão e Color I, conforme consta de forma expressa na exposição de motivos do projeto da Lei Complementar n. 110/2001. Entretanto, conforme dados veiculados pela Confederação Nacional da Indústria, obtidos junto ao site da Caixa Econômica Federal, no exercício de 2012 já havia um saldo excedente do FGTS (patrimônio líquido) de R$ 55,3 bilhões de reais e, ainda, segundo a Confederação Nacional da Indústria – CNI, foi emitido “ofício pela Caixa Econômica Federal (Ofício n. 0038/2012/SUFUG/GEPAS), informando que o adicional de 10% sobre a multa do FGTS, para o caso de demissão sem justa causa, poderia ser extinto em julho de 2012, uma vez que o déficit havia sido sanado”. Com base em tais argumentos a Confederação Nacional da Indústria – CNI, juntamente com outras Confederações, propuseram perante o Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2013, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 5053, 5051 e 5050, requerendo a declaração de “inconstitucionalidade do artigo 1º. da Lei Complementar 110, de 29 de junho de 2001, sem redução texto, de modo a reconhecer que a contribuição ali criada vigorou enquanto necessário o custeio da reposição dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do FGTS.” Ao analisar os requisitos para admissibilidade da ADI n. 5053, através de despacho proferido em 11/10/2013, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso asseverou que, mesmo “que a constitucionalidade do tributo tenha sido anteriormente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 2556, se mostra plausível um novo exame acerca da validade do art. 1º da LC 110/2001, em face da alegação de alterações no contexto fático da questão” (grifou-se), sendo que a referida demanda, juntamente com as demais, pendem de apreciação definitiva perante o STF. A legislação aplicável ao FGTS passou por notáveis momentos nesses derradeiros 49 anos, alcançando valores impressionantes de investimentos e de benefícios para os trabalhadores em geral. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS foi criado pela Lei n. 5.107, de 13/09/66. Contudo, passou a viger apenas em 01/01/67, em decorrência das disposições constantes da Lei n. 7.839/1966. Na Constituição Federal de 1988, garantiu-se que o FGTS é direito do trabalhador, expressamente indicado nos art. 7º, III[1], em consonância aos direitos trabalhistas. Dois anos após a promulgação da Carta Magna, fora publicada no Diário Oficial do dia 14/05/90 a Lei n. 8.036, que revogou as leis anteriores e determinou a vigência imediata. Esta nova legislação, ainda válida, determinou a centralização das contas vinculadas de trabalhadores e de empresas à Caixa Econômica Federal[2], que passou a gerir tais valores, in verbis: “O Fundo de Garantia, em virtude de sua natureza jurídica, constitui-se numa instituição única, com características distintas de órgãos ou entidades da Administração Direta ou Indireta do Poder Executivo, e não é dotado de estruturas administrativa e operacional próprias, ficando a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério das Cidades (MCidades),da Caixa Econômica Federal (CAIXA) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em consequência de previsão legal, as funções e atividades relativas à gestão dos seus recursos.[3]” A União Federal, buscando ver-se compensada do complemento de atualização monetária que deixou de ser creditado aos saldos constantes nas contas vinculadas ao FTGS, instituiu a contribuição social no percentual de 10% incidente sobre a despedida de empregado sem justa causa, a ser suportada pela empresa Empregadora, por intermédio do art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001, in verbis: “Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.” Cabe evocar que a referida contribuição foi instituída para fazer frente à necessidade dos depósitos do FGTS recomporem os expurgos inflacionários das contas vinculadas no período de 10 de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989, e no mês de abril de 1990, época da edição dos denominados Plano Verão e Plano Collor, decorrentes da decisão proferida em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários ns. 248.188/SC e 226.855/RS. À vista disso, com a edição da Lei Complementar n. 110/2001, criou-se um amparo provisório para equilibrar as contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, através do adicional de 10%, a título de receita para saldar o mencionado déficit do Fundo, nos casos de demissão sem justa causa. Tal adicional não é revertido para o trabalhador, que continua percebendo apenas os 40% de multa rescisória sobre o montante dos depósitos realizados durante seu contrato de trabalho. No teor da Lei Complementar n. 110/2001 não existe nenhuma disposição expressa indicando o termo ad quem para exação criada pelo seu art. 1º. E não há dúvida que a finalidade da referida contribuição, qual seja, financiar o pagamento do acordo relativo aos expurgos inflacionários do FGTS, já foi atingida. “Na medida em que a finalidade é elemento essencial para a aferição da constitucionalidade da lei instituidora da contribuição assume relevância a destinação do produto da respectiva arrecadação. […] A cobrança só se legitima na medida em que a destinação na persecução da finalidade constitucional se materialize.”[4] Importante ressaltar, entretanto, que ‘as finalidades’ se constituem em elementos essenciais para criação e manutenção das contribuições sociais gerais (definição aplicada pela ADI 2.556/MC), ou seja, sem finalidade a exação não pode ser qualificada como contribuição, mas sim como imposto ou taxa. Desta forma, forçoso é concluir que a contribuição social, instituída pelo art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001, já atendeu aos fins sociais a que ela se dirigiu, bem como às exigências do bem comum, prerrogativas essas que o Juiz também deve observar, de acordo com as disposições constantes no art. 5º do Decreto-Lei 4.707/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, in verbis: “Art. 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” É de ressaltar-se ainda, no mesmo sentido, que o art. 4º da Lei Complementar n. 110/2001 igualmente (à exposição de motivos) prescreve a finalidade das contribuições: “financiar o pagamento das devidas atualizações do FGTS”, e no art. 12 consta a previsão de que “se houvesse insuficiência de recolhimentos, haveria responsabilidade subsidiária do Tesouro Nacional”. Assim, exauridas as finalidades para as quais foi criada a contribuição social geral prevista no art. 1º, da Lei Complementar n. 110/2001, não persiste razão para a perpetuação da cobrança, já que as “desproporções episódicas podem acontecer, mas a desproporção institucionalizada não é compatível com a figura”.[5] Em ofício n. 38/2012/SUFUG/GEPAS emitido pela Gerência Nacional de Administração do Passivo do FGTS em 08/02/2012, endereçado ao Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS, a Caixa declarou que a exigibilidade da contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001 findara em julho de 2012, considerando-se a arrecadação suficiente de valores para cobrir os custos com o pagamento dos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I. Destaca-se: a finalidade da exação fora alcançada, porquanto a União Federal está ressarcida integralmente de todos os beneficiários do FGTS, cuja lesão fora reconhecida no julgamento do RE 226.855. Dessa forma, diga-se mais uma vez, ainda que no bojo da Lei Complementar n. 110/2001 não exista nenhuma disposição expressa indicando um termo ad quem para exação criada pelo seu art. 1º, não pode haver dúvida que a finalidade da referida contribuição, ou seja: financiar o pagamento do acordo relativo aos expurgos inflacionários do FGTS, foi atingida e, tanto o legislador quanto o intérprete da referida lei estão vinculados a sua exposição de motivos, sob pena de infringência ao princípio da tipicidade cerrada no âmbito tributário. Adscreve-se que ao final do ano de 2007, mesmo cessada a cobrança do adicional de 0,5% previsto no art. 2.º da Lei Complementar n. 110/2001, o Fundo de Garantia acumulou em patrimônio líquido R$ 22,912 bilhões, contra R$ 21,078 bilhões no ano anterior, aumento de 8,7%. Já a provisão de créditos complementares para assegurar o pagamento dos expurgos de quem ainda não recebeu os valores foi estimada em R$ 13,472 bilhões contra 14,637 bilhões no ano anterior, redução de 7,96%. Essa provisão foi registrada pela primeira vez no exercício de 2001, no valor de R$ 40,151 bilhões, estando inseridos nesse valor os créditos de que trata a Lei Complementar n.º 110/2001, bem como aqueles decorrentes de decisões judiciais, que hoje transitam no Judiciário Nacional.[6] A demonstração contábil do FGTS para o exercício de 2012 aponta o saldo excedente do FGTS (patrimônio líquido) de R$ 55,3 bilhões. Não havendo, portanto, razão para a contribuição, dita social, continuar sendo cobrada. Não obstante a isso, recentemente, em 2012, o Poder Público, por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional, determinou que os valores arrecadados pela Caixa, a título do art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001 fossem redirecionados, desrespeitando os limites da proporcionalidade. Ainda, não deve atentar contra outros princípios ou regras constitucionais e, principalmente, não ter efeito confiscatório. Assegurado no art. 170 Parágrafo Único da Constituição Federal[7] está a liberdade de livre exercício da atividade econômica. O poder de tributar não pode de forma alguma restringir tal liberdade a ponto de torná-la inviável através da cobrança de tributos que, como a multa de 10% sobre o FGTS, não possui mais finalidade para a sua incidência. Nas palavras do Professor Cassiano Menke, “o exercício do poder de tributação não pode aniquilar ou embaraçar, nem impedir ou desencorajar, a prática da atividade econômica”.[8] Não menos importante que as razões anteriores, cabe dar o devido destaque ao veto n. 301/2013 da Presidência da República ao Projeto de Lei Complementar n. 200/2012, que propunha acrescentar o 2º § ao art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001, que estabeleceria prazo para a extinção da contribuição criada pelo art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001, sob o fundamento de que a sua arrecadação é usada para investimentos e “ações estratégicas” do Governo, desvirtuando a finalidade da contribuição. In verbis, as conclusões do veto supramencionado, da Presidente da República: “A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS.”[9] Na mensagem de veto, a Presidência da República afirmou expressamente que a extinção da contribuição em análise geraria um impacto superior a três bilhões de reais por ano nas contas do FGTS. Afirmou, ainda, que a ausência de tais valores reduziria os investimentos em programas sociais, em particular o Programa Minha Casa, Minha Vida. Diante de tais declarações, não restam dúvidas de que o objetivo para o qual esta contribuição foi criada já foi há muito tempo atendido, e os valores hodiernamente arrecadados são redirecionados para investimentos em programas sociais diversos a sua finalidade. Com clareza, nota-se o desvio de finalidade, considerando que a União Federal apropriou-se de recursos do FGTS para seus interesses, em detrimento da finalidade almejada inicialmente ao instituir-se a contribuição de 10%. O esgotamento da finalidade que motivou a criação da contribuição de 10% do FGTS fica AINDA MAIS clarividente quando se observa a motivação do veto da Presidente da República ao Projeto de Lei Complementar n. 200/2012, que se destinava a extinguir a contribuição do art. 1º da Lei Complementar n. 110/2001. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Juiz Federal Leandro Paulsen proferiu interessante posicionamento a respeito do tema: “Ocorre que a finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e JÁ FOI ATENDIDA. Como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade constitucionalmente prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a cobrança dessas contribuições.” “Por isso, entendo que NÃO SE PODE CONTINUAR EXIGINDO DAS EMPRESAS, AD ETERNUM, AS CONTRIBUIÇÕES INSTITUÍDAS PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 110. Verifico, portanto, a relevância no fundamento do pedido. […]” “Em matéria tributária, contudo, o risco de dano é, via de regra, exatamente o mesmo para ambas as partes: não ter a disponibilidade imediata de recursos financeiros. O contribuinte vê-se na iminência de ter de efetuar pagamento indevido e o Fisco na de deixar de receber prestação devida, com prejuízo às atividades de cada qual. Em qualquer caso, porém, a compensação futura é absolutamente viável. […]” Desta forma, concedo efeito suspensivo, determinando à agravada que se abstenha de exigir as contribuições que ora se discute.”[10] Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 4º Região, ao analisar recurso ordinário interposto pela empresa FRS S/A AGRO AVICOLA INDUSTRIAL, decidiu acolher, por unanimidade a arguição de inconstitucionalidade superveniente do art. 1º da Lei Complementar nº. 110/2001, suscitada pela 2ª Turma do TRF4. O voto do Relator Rômulo Pizzolatti, que originou a arguição de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 110/2001, foi no sentido de que o contribuinte teria direito a restituição do indébito a partir de 05 de julho de 2012, com atualização pela taxa SELIC, veja-se: “Definição do termo final de vigência da contribuição Para se determinar o termo inicial do direito à restituição do indébito, deve-se, primeiramente, definir o momento em que cessou a vigência da contribuição do art. 1º da LC 110/2001, o que pode ser feito com base nas demonstrações contábeis do FGTS, disponíveis na rede mundial de computadores (http://www.fgts.gov.br/downloads.asp).” “No balanço patrimonial de 2011, constata-se um débito pendente de R$ 1.611.177,00, na rubrica 'ativo diferido', cuja descrição consta na seguinte nota explicativa:” “9 Ativo diferido Corresponde aos valores de despesa de atualização monetária de créditos complementares, conforme previsto pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, cuja amortização, com base em estudos sobre o prazo de recebimento das contribuições sociais e com base na faculdade prevista na Lei, vem sendo efetuada exponencialmente pelo prazo de 132 meses (Nota 12). No exercício de 2011, foi amortizado o montante de R$ 3.375.155 (2010 – R$ 3.592.063), ficando o saldo a diferir em R$ 1.611.177 (2010 – R$ 4.986.332).” “Conforme permitido pela Medida Provisória nº 449/08, o saldo remanescente do ativo diferido em 31 de dezembro de 2008, que não pôde ser alocado ao ativo imobilizado e intangível, permanecerá no ativo sob essa classificação até sua completa amortização, porém sujeita à análise periódica de sua recuperação.” “Analisando-se o balanço patrimonial do ano seguinte, constata-se que essa rubrica se encontra zerada. Por outro lado, a arrecadação da contribuição em apreço foi de R$ 3.155.625.000,00, evidenciando o total exaurimento da despesa que motivou a sua criação.” “Como não há dados mais detalhados, pode-se estabelecer o termo ad quem da vigência da contribuição por uma proporcionalidade matemática, nestes termos:” “R$ 3.155.625.000,00 – 365 dias; R$ 1.611.177.000,00 – x dias” “Chega-se, portanto, ao seguinte resultado: 186,36 dias de vigência, o que implica o esgotamento no dia 04 de julho de 2012.” “Consectariamente, a parte autora tem direito à restituição do indébito a partir de 05 de julho de 2012, devidamente atualizado pela SELIC.”[11] […] Esses precedentes servem para demonstrar que a irresignação dos contribuintes está batendo às portas do judiciário, que deverá tomar as devidas providências, pois os argumentos quanto ao atendimento da finalidade da contribuição de 10% do FGTS são suficientes para que seja definitivamente extinta a exação ora questionada. Conclusão O STF já reconheceu a repercussão geral do tema em recurso apresentado pela Indústria de Telecomunicação Eletrônica Brasileira (Intelbras), RE 878313/SC, onde o Ministro Marco Aurélio, Relator do RE, asseverou que “a controvérsia contemporânea envolve definir se a satisfação do motivo pelo qual foi criada implica a inconstitucionalidade superveniente da obrigação tributária.” Ou seja, o posicionamento do TRF4 no sentido da inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 110/2001, aliado ao posicionamento de outros tribunais do país, faz com que as empresas possam buscar na justiça o direito de reaver os valores cobrados na demissão sem justa causa referente a exação ora discutida. A última palavra quanto à questão será dada pelo STF, mas enquanto o RE 878313/SC está pendente de julgamento, cabe às empresas que tiveram demissão sem justa causa nos últimos 5 anos buscar seu direito na justiça, pois existe a possibilidade de modulação dos efeitos por parte do STF, haja vista o impacto financeiro que tal decisão pode causar nos cofres da União. Isso faria com que apenas os contribuintes que estiverem brigando na justiça pela restituição possam reaver os valores cobrados indevidamente. Questão semelhante ocorre na ação de restituição de PIS e COFINS sobre o ICMS, onde também provavelmente haverá a modulação dos efeitos da decisão, se esta for favorável ao contribuinte.
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O princípio da imunidade tributária como meio para se buscar o direito fundamental-social pela educação
O presente trabalho teve como objetivo a realização de um estudo histórico-jurídico, doutrinário, jurisprudencial e de levantamento de dados, na modalidade Survey, sobre a abordagem do dispositivo constitucional da imunidade tributária para com as entidades de educação sem fins lucrativos, como bem dispõe o artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Para tanto, com o intuito investigativo, buscou-se numa síntese análise da importância constitucional das entidades educacionais e o instituto da imunidade tributária e sua essência no correr das Constituições brasileiras até a norma constitucional vigente, demonstrando a importância do benefício regulador de tributação como requisito estimulador de se traçar o direito fundamental social da educação de qualidade e plural, através das entidades de educação em fins lucrativos em proveito de toda a sociedade brasileira, entidades estas que, pela maioria das gestões públicos deficientes no Brasil, são importantes para incrementar de maneira qualitativa o ensino devidamente humano.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO A educação de qualidade e pluralizada é um dos direitos fundamentais sociais que mais se busca no cotidianamente social e político internacional. Neste sentido, no Brasil, historicamente, as Constituições vêm instituindo dispositivos garantidores para uma educação de qualidade, atrelando pela possibilidade na criação de inúmeros programas de aprendizagem com objetivos de se alimentar aquele direito fundamental social em âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, contudo, ainda assim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prescreve, como algumas outras Cartas que assim fizeram, outra garantia benéfica de caráter imunizante e estimulador para certas instituições de educação que atendam requisitos determinados. Neste horizonte, o presente artigo estudará como as pretéritas Constituições brasileiras norteavam sobre a temática educacional no sistema interno brasileiro, evoluindo ainda, desde 1946, para o princípio da imunidade tributária em proveito de entidades de educação sem fins lucrativos, como é encontrado, hodiernamente, no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Carta Constitucional de 1988. Numa visão geral, será estudado e conceituado o princípio geral da imunidade tributária, sua essencialidade, importância e finalidade prática, tudo conforme o pensamento dominante da doutrina e da jurisprudência brasileira. Consequentemente, será explicada a educação como direito fundamental social de atenção obrigatória por parte do Estado, tendo em vista sua responsabilidade objetiva em aplicar o ensino público para todos os brasileiros, através de programas, projetos, entre outros (artigo 208 da Constituição da República Federativa do Brasil 1988) meios, respeitando sempre os princípios constitucionais expressos no artigo 206. Em finalização, serão abordados os requisitos subjetivos, materiais/finalísticos e formais para concessão da imunidade tributária aos entes educacionais sem fins lucrativos, bem como sua importância na sociedade brasileira, apresentando-se o “Sistema S” de educação e a relevância, demonstrada numa análise de dados na modalidade Survey, duma associação sem fins lucrativos atuante no interior do Estado de Minas Gerais (Brasil). 2 AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E AS PROTEÇÕES EM FACE DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO Perfunctoriamente, tamisando-se as pretéritas Constituições brasileiras, atina-se que desde a Constituição Politica do Imperio do Brazil – Constituição do Império de 1824 – as entidades educacionais são protegidas pelo Governo maior e guarnecem de direitos constitucionais, como bem elencava o artigo 179, inciso XXXIII: “Artigo 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. […] XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes.” Contudo, a imunidade tributária propriamente dita em face das instituições de educação sem fins lucrativos veio a tomar forma positivada a partir da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, que prescrevia, conforme o artigo 31, inciso V, alínea “b”, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios eram impedidos de lançar impostos sobre certas personalidades, isto é, “templos de qualquer culto, bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”. A posteriori, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, bem como com a vencedora Emenda Constitucional nº 1 de 1969, a imunidade tributária em estudo continuou a existir, tendo como dispositivos reguladores, respectivamente, os artigos 20, inciso III, alínea “c”, e 19, inciso III, alínea “c”: “Artigo 20. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – criar imposto sobre: […] c) o patrimônio, a, renda ou os serviços de Partidos Políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei; Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – instituir impôsto sôbre: […] c) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei;” Urge destacar que relativo às instituições de educação, a Carta Cidadão, através do artigo 150, inciso VI, alínea “c”, não apresentou novidades ao tema imunizante, apenas incluiu no rol as fundações dos partidos políticos e das entidades sindicais dos trabalhadores como beneficiários, bem como a limitação do tipo de fato gerador que será imunizado, isto é, patrimônio, renda e/ou serviço, conforme se anota: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” Retornando ao assunto, importante mencionar que a atual Constituição Brasileira apresenta uma série de normas axiológicas norteadoras do direito fundamental/social pela educação, impondo ao Estado o principal garantidor de tal direito. 3 A NORMA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Primeiramente, o princípio da imunidade tributária é uma restrição encontrada no mandamento nuclear principiológica da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, isto é, uma proibição em face da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, cujos entes ficam impedidos de instituírem certos tributos para algumas pessoas de direito. Neste prolegômeno, entende-se, pois, que a imunidade tributária, na mesma linha de Baleeiro (2007), é um princípio regulador e que torna qualquer lei ordinária inconstitucional caso nasça desarmonizada, haja vista que o instituto em comento é uma “forma qualificada de não incidência que decorre da supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos na Constituição” (SABBAG, 2014, p. 285 aput DERZI, 1988, p. 206). A ideologia da imunidade tributária gira em torno de estimular e proteger os valores sociais, religiosos, políticos e éticos em face de entidades cuja importância e essencialidade dentro da sociedade devem ser atendidas, pois são “estruturas fundamentais ao regime que não serão perturbadas pela tributação” (SABBAG 2014, p. 283), além de não tomarem partido, como fator benéfico, de atividades que gerem lucros, prevalecendo “a finalidade da pessoa beneficiária e das atividades que esta desempenha sobre a base material e objetiva da incidência dos impostos” (TORRES, 2013, p. 1654). O Supremo Tribunal Federal (STF), ressaltando os valores da imunidade tributária, entende que o princípio tem o valor de cláusula pétrea frente a sua carga de direito fundamental, conforme preceitua o artigo 60, § 4º da atual Constituição Federal, “tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder constituinte derivado e/ou ainda mais, pelo legislador ordinário[1]”, isto é, em síntese, a imunidade tributária não poderá ser modificada, excluída ou alterada pelo legislador derivado. Ademais, como frisado, o princípio da imunidade em face de instituições de educação sem fins lucrativos possui um ideal de caráter fundamentalista, haja vista que o legislador originário, acompanhando as Constituições pretéritas, teve o pensamento de resguardar a garantia da educação pluralizada. 4 EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL E DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO Sumariamente, é válido argumentar que mesmo que o direito pela educação esteja predisposto no capítulo II (Dos Direitos Sociais), não quer dizer que, hermeneuticamente, tal garantia não seja reconhecida como um direito fundamental do cidadão, pelo contrário: “[…] todos os direitos sediados no Título II da CF são direitos fundamentais, ainda que se possa discutir a respeito de quais as exatas consequências, em cada caso, de tal fundamentalidade, visto que se trata de questão relacionada com o regime jurídico-constitucional dos direitos sociais como direitos fundamentais. Neste sentido, à semelhança dos demais direitos fundamentais, os direitos sociais não se resumem ao elenco do artigo 6º da CF, abrangendo também, nos termos do artigo 5º, § 2º, da CF, direitos e garantias implícitos, direitos positivados em outras partes do texto constitucional (fora do Título II) e ainda direitos previstos em tratados internacionais “(SARLET 2013, p. 540). Pois bem. A educação, lato sensu, deve ser enxergada, além de um direito, como um projeto em constante modificação e aprimoramento, que atende as expectativas de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Tanto é verdade que o constituinte originário de 1988 arrolou a educação como um direito fundamental social e dever do Estado e da família como entidades promovedoras de tal garantia, como é lido nos artigos 6º e 205: “Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Neste sentido, “falar em direito à educação é, pois, reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na formação do indivíduo” (MALISKA 2013, p. 1964), porque o ser humano em sua complexidade carece de vários fatores morais, éticos e sociais importantes para construção de sua personalidade, como bem exclama Piaget (1973, p. 35): “[…] o desenvolvimento do ser humano está subordinado a fatores de transmissão ou de interação sociais que, desde o berço, desempenham um papel de progressiva importância, durante todo o crescimento, na constituição do comportamento e da vida mental.” Joeirando-se os artigos 6º e 205 da atual Constituição da República, observa-se que o legislador determinou ao Estado[2] e a família o dever de promover e incentivar a colaboração do direito fundamental social da educação em toda a sociedade, fomentando o desenvolvimento social num todo. No que tange a responsabilidade objetiva do Estado, este deve, respeitando a principiologia constitucional, guarnecer, pelo menos, sete disposições obrigatórias, quais sejam: “Artigo 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º – O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º – Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. Lado outro, a título de conhecimento, a Constituição Espanhola de 1978 (La Constitución Española de 1978) também garante ao cidadão o direito à educação promovida pelo Estado/Administrador, conforme consta no artigo 27, números 1 e 5: “Artículo 27. 1. Todos tienen el derecho a la educación. Se reconoce la libertad de enseñanza. 5. Los poderes públicos garantizan el derecho de todos a la educación, mediante una programación general de la enseñanza, con participación efectiva de todos los sectores afectados y la creación de centros docentes.” Retornando à temática, a responsabilidade objetiva do Estado para com o oferecimento da educação gratuita e pluralizada, como se vê, possui papel de tamanha importância, pois, não oferecendo, o administrador público em regência, nos termos do § 2º do artigo 208 da atual Constituição, responderá pelo ato deficiente. 5 A PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO A carga axiológica e principiológica da Carta Magna, referente à educação, caminha no sentido de que o Estado atue direta e indiretamente em prol do ensino gratuito e de qualidade para toda a sociedade. De acordo com o artigo 208 do Diploma em estudo, o Estado, de maneira direta, tem a incumbência de organizar e instituir estabelecimentos de ensino público de forma garantidora para todos os cidadãos. De forma indireta, a educação deve ser implantada através de projetos ou programas de aprendizagem, o que auxiliará na caminhada educacional, como são os casos de financiamento estudantil, bolsas de estudos, atividades de intercâmbio, entre outros, como já analisado anteriormente. Todo o oferecimento do direito fundamental social pelo Estado, direta ou indiretamente, deve, por consequência, respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana e os princípios impressos no artigo 206 da Constituição Federal de 1988: “Artigo 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.” Na prática, o Estado, e aqui se engloba a União, os Estados membros, o Distrito Federal e os Municípios, na maioria das vezes, não possuem competências, principalmente de gestão, para fazer valer toda principiologia existente no artigo 206 da Constituição Federal, deixando de introduzir atividades educacionais obrigatórias ou extensivas. Neste ponto surgem as instituições de educação sem fins lucrativos, entidades que buscam promover o aprendizado de maneira gratuita e fazendo valer de doações como meio de sobrevivência, contudo, tais entidades necessitam de certos requisitos para terem a proteção da imunização garantida. 6 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS 6.1 Os requisitos subjetivas para concessão da imunidade tributária A literatura jurídica nomeia a imunidade tributária para instituições de educação sem fins lucrativos como subjetiva, tendo em vista que se trata de uma modalidade de norma constitucional destinada para uma pessoa específica, cuja atividade fim deverá respeitar os ditames legais, pois, como explica Torres (2013), a Constituição Federal determina que o ente imunizado aplique suas finalidades de ensino, educação, aprimoramento profissional, indisposição de patrimônio e renda, entre outros requisitos, no âmbito Nacional, conforme prevê o artigo 14 do Código Tributário Nacional: “Artigo 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos” Abra-se um parêntese para deixar claro que o princípio da imunidade tributária para entidades de educação sem fins lucrativos gira em torno de uma ideologia que resguarda a educação e o ensino, como redigido nos artigos 206 e 208 da Constituição Federal, ou seja, como afirma Braga (1971), exigir de uma instituição educacional que não arrecada lucro as obrigações tributárias comuns de todos os demais contribuintes seria totalmente imoral e desproporcional, afinal, àquela estará executando paralelamente obrigações próprios do Estado. Dito isto, como será estudado mais à frente, um dos requisitos formais para cumprimento da imunidade pelas entidades de educação sem fins lucrativos é a não arrecadação monetária, contudo, urge lançar o conhecimento de um julgado do Superior Tribunal de Justiça que tratou do assunto da imunidade tributária sobre este prisma de amplo debate na doutrina: “Ementa: TRIBUTÁRIO – IMUNIDADE – IPTU – ENTIDADE EDUCACIONAL ESTRANGEIRA – MENSALIDADE. 1. O artigo 150, VI, “c”, da CF deve ser interpretado em combinação com o artigo 14 do CTN, expressamente recepcionado no ADCT (artigo 34, § 5º). 2. A imunidade, como espécie de não incidência, por supressão constitucional, segundo a doutrina, deve ser interpretada de forma ampla, diferentemente da isenção, cuja interpretação é restrita, por imposição do próprio CTN (artigo 111). 3. Ensino é forma de transmissão de conhecimentos, de informações e de esclarecimentos, entendendo-se educacional a entidade que desenvolve atividade para o preparo, desenvolvimento e qualificação para o trabalho (artigo 205 da CF). 4. A cobrança de mensalidades não descaracteriza a entidade imune se não há distribuição de rendas, lucro ou participação nos resultados empresariais. 5. Entidade que, gozando da imunidade há mais de quarenta anos, não está obrigada a recadastrar-se, ano a ano, para fazer jus ao benefício constitucional. 6. Recurso ordinário improvido.” (RO 31-BA. STJ, 2ª Turma, Ministra Eliana Calmon, DJ de 2-8-2004, p. 337, g.n). Como se denota, não basta argumentar que exista algum tipo de arrecadação mensal por parte da instituição de educação, ao contrário, a visão contemporânea e a leitura do tema possui uma amplitude maior, importando, de fato, que ocorra o respeito aos princípios arrolados no artigo 206 da CF/88 e as atividades expressas no artigo 208 do mesmo diploma legal, além de que “o que prevalece como fundamento é o cumprimento das finalidades essenciais e a reversão de todo o lucro em favor” (TORRES, 2013, p. 1655) da instituição de ensino. O mesmo autor ainda defende que: “Em muitos casos, teremos entidades expressivamente lucrativas, logo, dotadas de capacidade econômica para suportar os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, mas por estarem atendidos os requisitos de não distribuição dos lucros e do reinvestimento obrigatório, restam integralmente garantidas pela imunidade” (TORRES, 2013, p. 1655). Entende, pois, que havendo a essencialidade da disposição constitucional, a instituição de ensino sem fins lucrativos poderá muito bem fazer uso da garantia da imunidade tributária. 6.2 Os requisitos materiais e finalísticos para concessão da imunidade tributária Em respeito ao princípio da legalidade, a entidade de educação sem fins lucrativos, conforme regulamento do artigo 150, inciso VI, § 4º da Constituição Federal de 1988, terá o benefício da imunidade tributária de impostos sobre “patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”, ou seja, o legislador ordinário, além da determinação sobre a essencialidade da instituição de educação, restringiu o tipo de tributo e quais os fatos geradores acobertados. Não apenas o supramencionado § 4º da atual Constituição da República, mas o Código Tributário Nacional também manifesta no mesmo sentido sobre a incidência da imunidade tributária das entidades de educação sem fins lucrativos: “Artigo 9º É vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] IV – cobrar imposto sobre: […] c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;” Jurisprudencialmente, o Supremo Tribunal Federal proferiu seu manifesto sobre o tema, nos seguintes dizeres: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE ASSISTENCIAL. Não incide sobre os valores pertencentes à entidade assistencial e educacional, bem assim sobre a renda advinda de suas aplicações, porque destinada aos seus fins essenciais. Agravo regimental não provido”. (RE 206832 –AgRg/RS, STF, 2ª Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 29-10-2002) Neste horizonte, o que se observa sobre os requisitos materiais é que o princípio da imunidade tributária para entidades de educação sem fins lucrativos restringe aos impostos ligados ao patrimônio, a renda adquirida pela entidade e seus serviços prestados ou “dirigidos para as finalidades essenciais destas, e desde que se possam aperfeiçoar vínculo entre essas atividades desempenhadas, in casu, de educação de qualquer natureza” (TORRES, 2013, p. 1656). 6.3 Requisitos formais para concessão da imunidade tributária Como já lançado, o requisito subjetivo para se aplicar a imunidade tributária é a característica de entidade educacional sem fins lucrativos, cuja condição material atrela a não incidência de imposto relacionado ao patrimônio, a renda e os serviços prestados por aquele ente. Todas estas requisições, como também defende Mazza (2010), são partes integrantes do formalismo do princípio da limitação tributária (artigo 146, inciso II da Constituição Federal de 1988), haja vista que a norma Constitucional deixa expresso quem será o ente público, que no caso é a União, competente para legislar sobre a matéria. Torres destrincha sobre o assunto e contempla as exigências legais em face da entidade, dos sócios ou administradores: “a. A instituição: Deverá aplicar seus excedentes financeiros em educação – princípio do reinvestimento obrigatório em educação; e b. Os sócios ou administradores: A entidade deve comprovar finalidade não lucrativa, mediante demonstração de ausência de qualquer distribuição de lucros, direta ou indireta, efetiva ou disfarçada – princípio da vedação de distribuição de lucros” (TORRES, 2013, p. 1657). Importante entender que a exigência financeira, qual seja, finalizar a pecúnia diretamente aos fins educacionais da instituição, não quer distanciar a impossibilidade de remanejar o pagamento de funcionários e sócios que movimentam o motor das instituições. É neste caminho que a doutrina e a jurisprudência dominantes manifestam, pois, seria ilógico e desproporcional impedir que o princípio da imunidade tributária não surtisse efeito para entidades educacionais sem fins lucrativos que não pudessem remunerar seu quadro pessoal, ao passo que tal atitude não se caracteriza como justificativa de obtenção de lucro ou participação em resultados. A Suprema Corte Brasileira já teve a oportunidade de se manifestar favoravelmente sobre o tema no RE nº 93463/RJ: “Ementa: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS ESTABELECIMENTOS DE EDUCAÇÃO. NÃO A PERDEM AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PELA REMUNERAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS, DESDE QUE OBSERVEM OS PRESSUPOSTOS DOS INCISOS I, II E III DO ART-14 DO CTN. NA EXPRESSAO "INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO" SE INCLUEM OS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO, QUE NÃO PROPORCIONEM PERCENTAGENS, PARTICIPAÇÃO EM LUCROS OU COMISSÕES A DIRETORES E ADMINISTRADORES. RE NÃO CONHECIDO”. (Processo: RE 93463 RJ Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA Julgamento: 16/04/1982 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Publicação: DJ 14-05-1982 PP-04568 EMENT VOL-01254-02 PP-00380 RTJ VOL-00101-02 PP-00769). Lado outro, Carrazza argumenta que: “A remuneração dos funcionários e administradores não afasta a imunidade, desde que seja equivalente aos serviços por eles prestados. O que afasta a imunidade é a remuneração exorbitante, que mal consegue esconder a distribuição do patrimônio ou das rendas das entidades” (CARRAZZA, 2004, p. 44). Compreende-se, então, que havendo o cumprimento das essencialidades da atividade e os critérios de observação obrigatória arrolados nos incisos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, mesmo quando ocorrer a remuneração proporcional dos funcionários e/ou administradores, a instituição de educação ficará albergada pela imunidade tributária. 7. OS BENEFÍCIOS SOCIAIS DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS Conceitualmente, instituições de educação sem fins lucrativos podem ser entendidas como toda aquela que, formal ou informal, transmita conhecimento ou informação em prol do bem maior da educação, sem angariar lucros com tais atividades, isto é, uma educação puramente curricular, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996) ou somente aquelas ligadas ao ensino extracurricular, como explica Sabbag, refletindo o pensamento de Ricardo Lobo Torres, afirma: “O ensino é a transmissão de conhecimento ou de informações úteis à educação. Esta deve ser compreendida de modo lato, incluindo, de um lado, a proteção à educação formal ou curricular, por meio de entidades que têm um objetivo estritamente didático, com currículos aprovados pelo Governo (v.g., escolas, faculdades, universidades etc.) e, de outro, a guarida à educação informal ou extracurricular, abrangendo instituições culturais que não se propõem precipuamente a fornecer instrução (bibliotecas, associações culturais, centros de pesquisa, museus, teatros, centros de estudos etc.)” (SABBAG, 2014, p. 404). A título de exemplo, podemos lançar as populares entidades nomeadas “serviços sociais autônomos”, compostas pelo SENAC, SEBRAI, SESC, SENAI, IEL, SENAR, SEST, entre outros. Tais instituições, criadas e estimuladas pela iniciativa privada, proporcionam um grande papel democrático para toda sociedade brasileira, pois o “Sistema S” conta com um grande número de ambientes educacionais (escolas, laboratórios, centros de educação superior e tecnológicos) distribuídos em todo Território Nacional, ofertando uma carga de cursos profissionalizantes na sua maioria gratuitos e, quando pagos, o valor é irrisório em contrapartida a cursos disponibilizados em instituições privadas. Assim, o “Sistema S” de educação, que recebe benefícios e subsídios do Governo Federal e Estadual, auxilia no melhoramento de diversas necessidades humanas (serviços de saúde, lazer, entre outros), mas caracteriza de maneira forte na disponibilização de uma boa educação profissional. Especificamente o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), válido destacar alguns cursos oferecidos por esta instituição através do “Programa de Gratuidade SENAC”. O referido programa fornece, gratuitamente, cursos profissionalizantes e técnicos em diversas municipalidades do Estado de Minas Gerais, como, por exemplo, cursos técnicos em nutrição e dietética, informática, contabilidade, administração, cursos profissionalizantes em manicure, auxiliar financeiro, cuidador de idosos, modelista, vitrinista, agente de informações turísticas, entre tantos outros. Como forma de requisito, o SENAC exige do candidato uma renda familiar per capita de até dois salários mínimos federais; um Cadastro de Pessoa Física (CPF); documentos que comprovem o atendimento aos requisitos de acesso estabelecidos para os cursos e as informações prestadas no ato do cadastramento; e ser aluno cursante ou já tenha cursado a educação básica e/ou trabalhador (empregado ou desempregado), priorizando-se aqueles que satisfizerem as duas condições. Noutro giro, imperioso lançar alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça a respeito da garantia do princípio da imunidade tributária para com tais entidades educacionais do “Sistema S”, demonstrando, na prática, a proteção que o Estado fornece àquelas entidades promotoras de serviço público: “EMENTA: Recurso extraordinário. SENAC. Instituição de educação sem finalidade lucrativa. ITBI. (…) a mesma fundamentação em que se baseou esse precedente (RE 237.718) se aplica a instituições de educação, como a presente, sem fins lucrativos, para ver reconhecida, em seu favor, a imunidade relativamente ao ITBI referente à aquisição por ela de imóvel locado a terceiro, destinando-se os aluguéis a ser aplicados em suas finalidades institucionais. Recurso extraordinário não conhecido”. (RE 235.737/SP, 1ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 13-11-2001). “EMENTA: ISS. SESC. CINEMA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (ARTIGO 19, III, “C”, DA EC N. 1/69). CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (ARTIGO 14). Sendo o SESC instituição de assistência social, que atende aos requisitos do artigo 14 do CTN – o que não se pôs em dúvida nos autos –, goza da imunidade tributária prevista no artigo 19, III, “c”, da EC n. 1/69, mesmo na operação de prestação de serviços de diversão pública (cinema), mediante cobrança de ingressos aos comerciários (seus filiados) e ao público em geral.” (RE 116.188/SP, 1ª T., rel. Min. Octavio Gallotti, j. 20-02-1990) 7.1 Instituto Curupira: Ações artísticas e socioambientais Além das entidades do “Sistema S”, o Brasil possui diversas outras instituições de educação sem fins lucrativos que atuam em nível nacional, porém, existem, também, organizações educativas desvinculadas de lucro e que atuam, apenas, em localidades interioranas, atingindo uma pequena parcela do Brasil, mas que não deixam de ser acobertadas pelo princípio da imunidade constitucional e de respeitar todos os ditames da educação de qualidade e pluralizados. A título de exemplo, destaca-se o Instituto Curupira (localizado na municipalidade de Barbacena, Estado de Minas Gerais), por ser uma associação sem fins lucrativos que possui o objetivo fundamental pela educação cultural como mecanismo evolutivo socioambiental, sensibilizando e incentivando alunos (crianças, adolescentes e adultos) pela aprendizagem artística como condição para a potencialização da cidadania, da preservação e da sustentabilidade em seus mais diversos níveis. Em atividade há cerca de seis anos e com a passagem de mais de 200 alunos, o Instituto Curupira desenvolve inúmeras oficinas, que oferece cursos gratuitos de música (aulas de violão, percussão e teclado, por exemplo) teatro, desenhos, entre outros aperfeiçoamentos, tudo destinado à formação artística dos alunos que, posteriormente, podem frequentar os Núcleos de Estudos de Teatro, Música e/ou Artes Aplicadas. Ademais, com o fim investigativo, foi realizada uma pesquisa de campo, na modalidade Survey, com os vinte e dois alunos do Instituto Curupira, com o fito de se obter uma análise de dados que propusesse uma visão mais centralizada do real benefício que uma instituição de educação sem fins lucrativos proporciona à sociedade civil duma determinada localidade. A coleta de dados descritiva foi feita através da ferramenta Survey Monkey, uma plataforma online que fornece a possibilidade de se criar questionários de respostas fechadas e abertas, o que veio a auxiliar na produção de resultados que se encaixam perfeitamente com a ideologia constitucional da educação de qualidade e pluralizada. Conforme foi colhido na entrevista, em relação ao Instituto Curupira, os alunos, com idades variadas, atingidos pela promoção educacional, são na maioria originados de Instituições Públicas, totalizando 76,19% dos entrevistados: Outro dado de caráter importante é a respeito do questionamento subjetivo inerente ao benefício que o Instituto Curupira tem sobre a rotina escolar de seus alunos, girando em torno de 38,10% em resposta “é essencial na minha rotina escolar”: Além dos benefícios escolares, os entrevistados, num mundo de 63,64%, afirmam que o Instituto “é essencial na minha vida pessoal”: Por outro lado, também foi possível visualizar a deficiência de atividades educativas como as que são oferecidas pelo Instituto Curupira em Escolas, uma vez que 81,82% dos entrevistados afirmaram que em suas atuais ou anteriores escolas não foram disponibilizadas atividades educacionais semelhantes: Outros dados importantes obtidos nas entrevistas foram sobre o período de estudo dos alunos na entidade educativa, a diversificação de duas idades e suas atividades escolares atuais, pois, como se observará, a entidade educativa acolhe uma gama diversificada de alunos em áreas educacionais muita das vezes distantes entre eles: Tamisando-se a entrevista e os dados obtidos, é nítida a importância da entidade educativa sem fins lucrativos aos cidadãos da municipalidade de Barbacena, pois através do benefício constitucional da imunidade tributária, o Instituto Curupira possui um incentivo tributário para promover projetos e cursos voltados à educação de qualidade, plural e gratuita a uma parcela social que carece de amparo do ensino artístico e socioambiental. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nota-se no decorrer deste trabalho a importância histórico-jurídica das entidades educacionais em geral para com a sociedade brasileira, importância esta que desde a Constituição de 1824 vem estampado no texto positivado maior. Como a educação é, entre outros direitos fundamentais sociais, uma garantia que deve ser oferecida pelo Estado frente a sua responsabilidade constitucional e objetiva, muitas das vezes, por falta de gestão e capital, aquela garantia não é disposta para os membros da sociedade brasileira ou, se disposta, não é de qualidade e/ou pluralizada. Por outro lado, a sociedade também possui parcela de responsabilidade no oferecimento da educação para todos, alcançando um pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, nos termos do artigo 205 da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, desde a sua aparição na Constituição de 1946, o princípio da imunidade tributária para entidades educacionais sem fins lucrativos traz grande importância e estímulo para o oferecimento de uma educação humanitária e para todos, visão esta que respeita toda a principiologia constitucional pela educação e como combustível para que a sociedade chegue a todos os fitos da República Federativa do Brasil previstos no artigo 3º da Constituição Federal 1988. A colaboração das entidades que prestam o ensino sem angariar lucros torna a concessão da imunidade tributária um requisito de importância, pois um serviço público está sendo colocado em prática paralelamente por uma pessoa diversa do Estado. Se assim está, justifica-se a ausência de tributação. Assim sendo, nesta sociedade contemporânea com um grande número de pessoas espalhadas em todo território nacional, somando com a grande parcela de deficiência em gestão pública de ensino, o princípio da imunidade tributária para entidades educacionais sem fins lucrativos é, de fato, uma norma de grande importância principalmente para o mundo hodierno, por estimular o surgimento, frisa-se devidamente fiscalizado pelo Poder Público, nos termos do artigo 14 do Código Tributário Nacional, de instituições de ensino que buscam alimentar o aprendizado de qualidade e plural para todos os brasileiros.
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Algumas potenciais inconstitucionalidades das normas de implantação do Sistema Público de Escrituração Digital – SPED
O Sistema Público de Escritura Digital, instituído pelo Estado brasileiro, se converteu em uma revolução não apenas tecnológica no Sistema Tributário Nacional, como também revolucionou procedimentos de fiscalização e apuração de tributos, constituindo “obrigações acessórias correlatas” aos contribuintes, além daquelas classificadas pelo art. 113 do Código Tributário Nacional. Essas novas obrigações denotam-se um pouco exacerbadas em alguns aspectos, ocasionando aparente violação a princípios constitucionais como o da livre iniciativa, da livre circulação de pessoas e bens e do não confisco. Compete a Administração Tributária atenuar ou sistematizar de forma mais compassada a implantação do sistema, priorizando o direito à informação dos micro, pequenos e médios contribuintes. Compete, ainda, aos contribuintes aferir o limite de impacto financeiro direto e indireto das obrigações acessórias, sua co-relação com as obrigações principais e o grau de exposição a potenciais sanções comissivas ou omissivas.
Direito Tributário
Introdução O Sistema Público de Escrituração Digital, constituído pelo Decreto Federal n. 6.022, de 22 de Janeiro de 2007, (BRASIL, 2007), fora instituído no cenário normativo e administrativo brasileiro como um conjunto de mecanismos tecnológicos para alcançar uma melhor eficiência dos órgãos gestores de tributos, tanto para atacar a evasão fiscal, quanto para reduzir custos de arrecadação e fiscalização. A necessidade de ampliação de investimentos públicos que se contrapõe ao modelo tributário usual brasileiro que prioriza a sistemática de ampliação das alíquotas, se converteram em elementos catalizadores dos sistemas SPED Contábil, SPED Fiscal e Nota Fiscal eletrônica. De fato, não remanescem dúvidas de que o uso de ações manuscritas ou mecânicas na contabilidade acarretam dificuldades na atualização dos registros contábeis, não se admitindo a existência de demora no registro dos fatos contábeis a partir do surgimento de novas tecnologias. A partir daí que, no âmbito da Administração Pública, passou a se defender o conceito de e-Governo (FERREIRA E ARAÚJO, 2000), por meio do qual com o uso de práticas envolvendo tecnologias da informação e comunicação – TIC, seriam supridas necessidades vinculadas à necessidade de melhoria de serviços para a sociedade. Contudo, ao implementar um sistema quedemasiadamente amplia ou modifica obrigações acessórias concernentes à entrega de informações necessárias a apuração ou comprovação da quitação do tributo, a Autoridade Tributária Federal acaba por ocasionar uma revolução no Sistema Tributário Nacional em curto prazo, submetendo os atuais contribuintes a bruscas alterações em sua estrutura gerencial e ocasionando receio aos potenciais empresários de exercerem a livre iniciativa empresarial e às sociedades estrangeiras de virem a exercer alguma atividade econômica no Brasil. O exemplo recente identificado no âmbito da República Argentina, em que após o atual Presidente Maurício Macri empreender uma drástica redução de tributos ocorrera um crescimento na arrecadação de impostos, denota que a busca pela eficiência da Administração deve permear outros setores além da ampliação da sanha arrecadatória, tanto mais porque a pretensão de aumento exacerbado da quantidade ou complexidade de obrigações acessórias pode ser interpretado como vulneração ao texto constitucional brasileiro, especialmente no que se refere aos princípios da livre iniciativa, do não confisco e da livre circulação de pessoas e bens, hipótese aventada de forma modesta no âmbito do presente artigo. 1 O Sistema Público de Escrituração Digital e o e-Governo Como dito inicialmente, o Governo Brasileiro em 22 de Janeiro de 2007 implantou o projeto denominado SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), inicialmente voltado para integração de sistemas de arrecadação e fiscalização, mediante o racionamento de práticas e ações do Fisco, além do uso de políticas de Tecnologia da Informação e Comunicação, com o aparente intuito de racionalizar e uniformizar obrigações acessórias para os contribuintes. Com isto, foram implantados três iniciais e grandes programas a saber: – ECD – Escrituração Contábil Digital: Seria a escrituração digital dos Livros Diário e Razão, bem assim Livros auxiliares; do Livro Balancetes, do Balanço e eventuais fichas de lançamento. – EFD – Escrituração Fiscal Digital: Seria a junção em um arquivo digital dos documentos fiscais e dos registros e apurações dos impostos referentes às operações e prestações do contribuinte. – NF-e – Nota Fiscal Eletrônica: Seria um sistema para emissão e registro eletrônico das Notas Fiscais, com o objetivo de de documentar para fins fiscais a circulação de mercadorias e da prestação de serviços. Com o funcionamento do sistema SPED, os contribuintes deixariam em princípio de enviar aos diversos órgãos declarações em papel, bastando uma única remessa de informações digitais para uma base unificada de dados, compartilhada entre as diversas autoridades tributárias das três esferas de Governo, a municipal, a estadual e a federal. Já a partir da implantação do sistema SPED, se observaram as primeiras alterações no cotidiano gerencial das organizações, pois além da implantação da Nota Fiscal Eletrônica, em 19 de Novembro de 2007, foi veiculada a Instrução Normativa n. 787/2007 da Receita Federal do Brasil, que juntamente com a Resolução n. 1020 do Conselho Federal de Contabilidade, trouxeram ao arcabouço normativo a figura da Escritura Contábil Digital de responsabilidade dos profissionais da contabilidade, com Livros contábeis agora eletrônicos e que seriam subscritos digitalmente pelos profissionais competentes, com o uso de certificados digitais (assinatura eletrônica). O Certificado Digital é um arquivo eletrônico de identificação que se presta como verdadeira assinatura do seu titular, tendo validade jurídica no âmbito do território nacional quando emitido por autoridade certificada no âmbito do ICP Brasil[1], de forma a garantir a privacidade de transações, integridade de mensagens, autenticidade dos emissores e receptores, segurança e origem e integridade dos documentos. Como visto, a simples implantação do sistema SPED em sua versão embrionária, já impôs aos contribuintes modificarem suas estruturas de gestão internas, de modo a que os mesmos passassem a possuir um sistema informatizado qualificado, capaz de produzir em meio digital as demonstrações contábeis e as informações fiscais nos padrões solicitados pelo Fisco, todos contando com Certificados Digitais de identificação com possibilidade de aferição de autenticidade de origem e conteúdo dos dados. 2. As obrigações tributárias acessórias e o sistema SPED Noutra esfera de análise do arcabouço normativo tributário nacional, se constata a existência das obrigações denominadas acessórias. Como consabido, as obrigações tributárias, segundo o disposto no art. 113 do Código Tributário Nacional[2], (BRASIL, 1966), podem se dividir em principais e acessórias, segundo a primeira circunscrita ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, com impacto patrimonial sobre o contribuinte. De outra forma, as obrigações tributárias acessórias se convertem em prestações negativas ou positivas impostas aos contribuintes pela autoridade fiscal, visando atender os interesses de fiscalização e arrecadação e o seu simples descumprimento já podem caracterizar a constituição de uma obrigação principal, por exemplo, uma multa, contribuindo em algumas situações ainda para a apuração via arbitramento de tributos diversos. A instituição do Sistema Público de Escrituração Digital, de certo, reduziu ou extinguiu algumas obrigações acessórias, a exemplo da extinção da Declaração DIPJ para as pessoas jurídicas, da extinção de alguns Livros de Notas Fiscais substituídos pelo sistema NF-e e NFS-e, e da extinção da DACON – Demonstração de Apuração de Contribuições Sociais. Contudo, outras obrigações acessórias e obrigações correlatadas foram criadas, como a Escrituração Fiscal Digital – EFD das Contribuições, a Escrituração Fiscal Digital – EFD do IPI/ICMS e a obrigatoriedade de emissão e registro de Certificado Digital para acesso às bases fiscais e emissão de documentos como a Nota Fiscal Eletrônica. A título exemplificativo, o advogado tributarista militante poderá enumerar, sem prejuízos de outros, alguns equívocos formais na gestão das “obrigações acessórias correlatas” em uma nova era tecnológica do Sistema Tributário Nacional, a saber: – Não declarar corretamente os valores devidos e respectivas quotas de Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, no campos próprios dos sistemas SPED, gerando cobrança de valor integral como quota única; – Deixar de declarar informações que podem ser facilmente apuradas em simples cruzamento com outras declarações já transmitidas ao Fisco; – Erros de digitação indicando valores a maior ou a menor do quanto efetivamente obrigado o contribuinte; – Utilização de créditos em PER/DCOMP (processos fiscais eletrônicos) antes da validação apropriada pelo sistema SPED nas obrigações acessórias pertinentes; – Recolhimentos sem indicação correta de dados do contribuinte em sistema, impossibilitando a vinculação do crédito existente para respectivas compensações ou quitação de tributos. Sem maiores conhecimentos técnicos de sistemas de informação, ao homem de conhecimento médio já recai a conclusão de que “obrigações acessórias correlatas ou indiretas” foram instituídas pelo Fisco, uma vez que ao contribuinte foi imposta a obrigação de investimentos em informática e sistemas, especialmente para apuração eletrônica do fatos contábeis, para registro mediante certificado digital dos mesmos, para emissão de Notas Fiscais Eletrônicas de saída de produtos ou prestação de serviços, para registro de Notas Fiscais Eletrônicas recebidas, para registro e gerenciamento fidedigno do Inventário para os contribuintes obrigados ao seu controle, para conciliação bancária eficaz entre os sistemas das instituições financeiras e os sistemas de gestão dos contribuintes, entre outros. 3. Potenciais inconstitucionalidades nas normas implantadoras do sistema SPED Diante deste cenário de imposição de novas obrigações tributárias diretas e indiretas sobre os contribuintes, em curto ou médio prazo, não podem os operadores do direito deixar de avaliar este fenômeno social sob o prisma constitucional. Pois bem, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 170, prescreve o preceito segundo o qual “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme ditames da justiça social (…)”(BRASIL, 1966).Quanto a este preceitos, são observados os princípios da propriedade privada (inciso II) e redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII), sendo certo afirmar que, segundo o Parágrafo Único do mesmo art. 170, “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”(BRASIL, 1966). Ora, quanto a interpretação do noticiado dispositivo constitucional, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já assentara entendimento de que “(…) É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa.  (…)”[3], ressaltando que “A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo – não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública – que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) – não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade”[4]. A constituição de um Sistema Público de Escrituração por meio Digital que impõe aos contribuintes, para sua eficaz integração, a aquisição de Certificados Digitais, de sistemas de informática e informação com  certa complexidade e a contratação de serviços de terceiros para treinamento e operação de aspectos vinculados a operação dos sistemas contábeis, pode se convergir, em certa forma de interpretação, num óbice ao exercício da livre iniciativa, uma vez que os empreendedores visualizarão por certo estes elementos como entraves à implantação da atividade empresarial, por se tratarem de obrigações que não poderão ser facilmente adimplidas com o mero auxílio de profissionais contábeis, reivindicando uma equipe multidisciplinar. Em análise perfunctória, portanto, poderia se identificar um certo grau de inconstitucionalidade a partir de uma primeira análise da implantação do sistema denominado SPED. Mas a análise não para por aí, uma vez que o art. 150, V, também da Constituição Federal, afirma ser vedado aos entes públicos “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Pois bem, sem adentrar-se na polêmica atinente à circulação de bens e atentando-se ao fenômeno de circulação de pessoas, se infere que o texto constitucional não estabeleceu limitação no termo jurídico utilizado, havendo-se que interpretar a livre circulação garantida como sendo de pessoas físicas que exerçam a atividade econômica, seja na condição de empregados ou de empreendedores e gestores das pessoas jurídicas. Se assim o é, o princípio da livre circulação instituído pelo art. 150, V, da Carta Magna deve ser avaliado sob o prisma normativo nacional vigente e de acordo com a atual integração brasileira às normativas internacionais, em especial aquelas oriundas do Mercosul[5]. Neste sentido, é necessário relembrar que o Decreto n. 6.975, de 07 de outubro de 2009, (BRASIL, 2009), promulgou e ratificou o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile, assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em Brasília nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002, garantindo a igualdade em matéria de direitos civis individuais e o direito de transferência de capital. Neste contexto resta claro a possibilidade do exercício de trabalho ou do exercício do empreendedorismo pelos cidadãos “mercosulinos”, assim classificados como os nacionais dos países integrantes do Acordo retro indicado. Todavia, ao estabelecer uma efetiva revolução tecnológica no Sistema Tributário Nacional mediante a implantação do SPED, a autoridade fiscal como dito acima modificou o cumprimento de algumas obrigações acessórias, atraindo obrigações tecnológicas correlatadas cujo domínio vem gradualmente sendo recepcionado pelos contribuintes nacionais, mas que poderá se constituir, em tese, em óbice à deflagração do empreendedorismo por estrangeiros em geral, inclusive aqueles oriundos de países integrantes do bloco Mercosul. A título exemplificativo, não se afigura razoável a um cidadão argentino ou uruguaio, com direito a exercício de atividades empresariais no Brasil e que realiza uma compra ou venda singular, impor a aquisição de um Certificado Digital apenas válido no Brasil ou o registro nos sistemas de Nota Fiscal Eletrônica para emissão ou recepção de um único documento fiscal. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, pouco tem se observado recentemente em termos de discussões jurisdicionais no tocante à interpretação do art. 150, V, da CF quanto à circulação de pessoas frente às práticas impositivas ou restritivas do Fisco. É possível que com o avanço da implantação pragmática das normativas do Mercado Comum da América do Sul as dificuldades dos contribuintes se convertam em contendas a serem examinadas no âmbito da Corte Constitucional brasileira. Finalmente, ainda se observa uma outra potencial pecha de inconstitucionalidade derivada da edição das normas do Sistema Pública de Escrituração Digital, as quais redundem em excesso de constituição de obrigações principais punitivas, ou seja, multas derivadas do inadimplemento de algumas das obrigações acessórias por ocasião de sua complexidade tecnológica, o que poderia se caracterizar em indireto confisco. O excelso Supremo Tribunal Federal em tempos outros quanto a interpretação do art. 150, IV, da Constituição da República, afirmou que “(…) A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do quantum pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (…)”[6]. Ora, se a autoridade fiscal responsável pela operacionalização e fiscalização do SPED detém um sistema informatizado, dotado de capacidade de cruzamento de múltiplos dados em milissegundos, terá plenas condições de automaticamente apurar quase que simultaneamente a ocorrência de omissões de obrigações acessórias ou, quiçá, identificar a existência de obrigações tributárias principais que sequer houveram sido identificadas pelo contribuinte, por ocasião de controvertida ou divergente análise dos fatos contábeis. Neste cenário, as aplicações de sanções, com constituição de obrigações principais derivadas das obrigações acessórias, poderão se multiplicar de forma exponencial e eventualmente superar o próprio montante principal dos tributos originários, confiscando a propriedade privada. De outro lado, é necessário ter em nota que, frente às imposições de desafios tecnológicos pela implantação do SPED, os contribuintes já se encontram suportando razoáveis investimentos em equipamentos, sistemas e burocracia interna para gestão tributária e fiscal de suas organizações, um custo derivado diretamente da normatização estatal e que em nada se comunica muitas vezes com a atividade econômica final do contribuinte. Considerações finais A deflagração de uma revolução tecnológica pelo Fisco, sob a liderança das autoridades tributárias federais mas acompanhado pelas autoridades estaduais e municipais, reivindica cautela dos contribuintes para avaliar a extensão e natureza das obrigações acessórias impostas no âmbito do Sistema Público de Escrituração Digital, de forma a aferir o limite de impacto financeiro direto e indireto, sua co-relação com as obrigações principais e o grau de exposição a potenciais sanções comissivas ou omissivas. A partir destas análises será possível identificar a ocorrência ou não de potenciais inconstitucionalidades das normativas do sistema, muitas das quais de natureza essencialmente administrativa e consubstanciadas em Decretos, Regulamentos, Instruções Normativas e Ordens de Serviço. Em contraparte, à Administração Tributária é de bom alvitre atenuar ou sistematizar de forma mais compassada a implantação do sistema, priorizando o direito à informação dos micro, pequenos e médios contribuintes.
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Constituição do Crédito Tributário no Drawback
O presente trabalho objetiva demonstrar a constituição do crédito tributário nos regimes aduaneiros especiais, sobretudo sobre o regime Drawback, onde há incidência de causas isentivas e suspensivas da exigibilidade, a depender da sua modalidade. Para tanto, foi utilizado inúmeras teorias doutrinárias acerca do fenômeno da constituição do crédito, elucidando o procedimento desde a ocorrência do “fato gerador” até a extinção do crédito, para seja possível uma compreensão satisfatória acerca deste tema.Somado todos os assuntos tratados neste texto, objetiva como um fim maior, disseminar e demonstrar a importância do conhecimento sobre o regime aduaneiro especial Drawback e a sua constituição tributária.
Direito Tributário
1 Introdução O presente trabalho diz respeito a uma visão geral acerca dos regimes aduaneiros especiais, sobretudo sobre o regime de Drawback, mais concretamente quanto à constituição do crédito tributário neste regime.Tem por justificativa o conhecimento sobre este ramo do Direito, além da disseminação acerca dos regimes aduaneiros especiais, em especial o do Drawback. Estes assuntos não são encontrados facilmente em fóruns ou artigos científicos como aqueles relacionados ao Direito Penal, por exemplo. Por este fato, já se vê a importância do tema. É objetivo deste trabalho a identificação da constituição do crédito tributário no regime aduaneiro especial Drawback, diante da suspensão e isenção que o permeia, a depender da sua modalidade, além de conhecer a importância destes regimes especiais. Não há como, neste texto, um maior aprofundamento sobre o Direito Aduaneiro, sobre o procedimento de importação e exportação – são muito complexos, envolvendo inúmeros procedimentos administrativos, e sobre a constituição do crédito tributário – também se trata de um tema muito complexo, envolvendo teorias de diversos doutrinadores. Portanto, fez-se necessário realizar um resumo de tudo para que fosse possível o entendimento do fenômeno da constituição do crédito no regime Drawback. 2 Regime aduaneiro especial drawback Os regimes aduaneiros especiais se distinguem dos comuns de importação e exportação pelos incentivos fiscais concernentes aos impostos incidentes no comércio exterior, demandando um maior controle aduaneiro em relação aos procedimentos da operação. O regime comum possui rito normal, ou seja, o pagamento, imunidades e isenções não ficam sujeitos a condições e controles especiais da aduana. Segundo AndreFolloni (FOLLONI, 2005, p. 184) “São regimes tributários diferenciados que, na letra do direito posto, concedem suspensão, isenção ou restituição de tributos aos importadores e exportadores”. Complementando com estas afirmações,o mesmo doutrinador (FOLLONI, 2005, p. 184) aduz que tal modalidade especial “[…] trata-se de regimes tributários diferenciados, aplicados nas operações de comercio exterior. Logo, regimes nos quais a tributação na atividade de importação e de exportação se dá de modo diverso do que ocorre nos regimes comuns. Em segundo lugar, muitas vezes a concessão, pela autoridade administrativa aduaneira, desses regimes aduaneiros especiais, implica, além de tratamento tributário diferenciado, distinções também no que diz respeito à fiscalização aduaneira dos produtos que entram e saem do território nacional. Logo, além de interferir precisamente na hipótese de incidência tributária e na relação jurídica tributária, como veremos, esses regimes interferem, ainda, na operacionalização administrativa da importação e exportação.” Há diversos regimes com estas características. Podemos citar o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra de Jazidas de Petróleo e Gás Natural, conhecida como REPETRO, que nas palavras da doutrinadora Liziane Angelotti Meira (MEIRA, 2002, p. 342) “…consiste na combinação de alguns mecanismos para permitir que, sem o pagamento de imposto sobre a importação e IPI, bens estrangeiros admitidos temporariamente e bens nacionais sejam destinados a essas atividades. A finalidade é estimular as atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural e a condição da isenção é resolutiva (uso de bens importados segundo as finalidades previstas na legislação).” Há também o Regime Aduaneiro Especial para a Importação de Petróleo Bruto e seus derivados para fins de Exportação ou Reexportação, conhecida como REPEX, que nas palavras da mesma doutrinadora (MEIRA, 2002, p. 343) “…permite a importação desses produtos, sem o pagamento dos impostos sobre o comércio exterior, para formar estoque e surprir eventual demanda no abastecimento interno, desde que, dentro de certo lapso temporal, seja promovida a reexportação do bem importado ou a exportação de outro em substituição. Portanto, também é uma isenção subordinada à condição resolutiva.” Basicamente, estes regimes possuem o objetivo precípuo de desenvolver e auxiliar a política econômica do país, ressaltando a importância na temática da tributação no comércio exterior. Se se tratam de regimes que exorbitam o regime comum de tributação na fiscalização quanto a entrada e saída de bens do território nacional, a relevância de tais operações são indiscutíveis. O conhecimento dos regimes especiais pode se tornar um diferencial para as empresas pela decorrência da suspensão e até posteriormente a isenção de tributos desde que respeitadas as condições pré-estabelecidas. Em que pese o favorecimento das empresas, para a utilização destas vantagens com segurança, de modo a evitar contingentes judiciais futuros, faz-se necessário o domínio das condicionantes de cada regime devido aos diversos requisitos para a isenção ou suspensão tributária. Este domínio se torna uma tarefa árdua, tendo em vista o número elevado de regimes especiais. O regime especial intitulado de Drawback, objeto do presente estudo, fora instituído pelo Decreto-Lei nº 37 de 18 de novembro de 1966, o qual designa ao sistema tributário admissões para criação de suspensões ou eliminações dos impostos pagos pelos insumos importados aos produtores através da reversão ou restituição, desde que transformados em produtos ou mercadorias que se destinem à exportação, funcionando como uma ferramenta de incentivo às exportações pela redução do custo da produção do bem final. Desta maneira possibilita a suspensão do crédito tributário até a exportação dos produtos que utilizaram as matérias primas importadas. Esta modalidade nada mais é que um incentivo que propicia condições competitivas a nível internacional ao produtor exportador, sob condição de que os produtos importados sejam utilizados na industrialização dos produtos a serem exportados. Com base nisso, devemos encará-lo como incentivo à exportação e não como “ajuda” fiscal. Este incentivo reflete nas políticas sociais e econômicas do país aumentando a quantidade de empresas que se lançam ao mercado e exportam produtos por meio deste e outros incentivos fiscais, movimentando a economia do país. Devemos lembrar que são de suma importância as exportações para o andamento adequado da economia nacional, razões centrais do Drawback, conforme leciona LizianeMeira (MEIRA, 2002, p. 337) “em todas as modalidades do Drawback o interesse público visado é o desenvolvimento da indústria nacional e o equilíbrio das contas externas do Balanço de Pagamentos de nosso país”. Este entendimento é compartilhado tanto pela doutrina quanto para o próprio Estado, como o próprio órgão da Receita Federal afirma que “O drawback é um importante instrumento de política econômica para dar competitividade aos produtos brasileiros no mercado internacional, estimular as exportações, contribuir para o crescimento econômico e o cumprimento de compromissos relacionados à dívida externa do país. O drawback foi o regime aduaneiro especial mais utilizado em 2001, tendo sido responsável por 29% da renúncia fiscal vinculada à importação.”[1] Diante da importância incontestável de tal regime aduaneiro, sua abrangência deve ser ampla. Podemos elencar os produtos importados beneficiados as matérias primas, produtos semi-elaborados, aparelhos e máquinas, equipamentos, mercadorias destinadas à industrialização ou acondicionamento. Compete a Secretaria de Comercio Exterior – SECEX[2] a concessão de Drawbacks, como também a Secretaria da Receita Federal[3], mas este fica vinculado apenas na modalidade Drawback-restituição, pelo fato de ser necessário criar um crédito para o contribuinte usar para futuras importações, como será demonstrado em seguida. Com base no exposto, poder-se-ia afirmar que nesta modalidade não há problemas, se não fosse o caso do controle das condicionantes para a correta concessão do benefício em questão. Ratificando este entendimento acerca da dificuldade de controle, Liziane(MEIRA, 2002, p. 224) nos mostra que “Há grande dificuldade na fiscalização do cumprimento das condições do regime especial de drawback, especialmente porque, em razão do insumo importado ser submetido à industrialização, as mercadorias que entram no País não são idênticas às exportadas. Imaginemos uma hipótese: foram importados quinhentos mil litros de tinta metálica e exportadas duzentas mil motocicletas; confirmar se a tinta importada foi toda utilizada na fabricação das motocicletas não é uma tarefa das mais simples. A Secretaria da Receita Federal, órgão incumbido da fiscalização e verificação do cumprimento das condições do regime do drawback, tem envidado esforços no sentido de criar e aperfeiçoar sistemas que permitam esse controle aduaneiro”. Assim, verifica-se que a aduana depende do próprio sujeito importador e as informações que ele presta nos sistemas. Mesmo que haja estas dificuldades, este regime mostra-se muito favorável aos importadores e à política econômica, pois ambos obtêm vantagens. Os primeiros podem alcançar a isenção dos tributos incidentes na importação de seus produtos, já o Estado pode fazer o controle das importações por meio deste regime, fomentando ou restringindo sua concessão. Miguel Hilu (HILU NETO, 2003, p. 245) ratifica acerca da atividade do Estado afirmando que “A atividade impositiva do Estado é – e assim deve ser – utilizada para a realização das políticas a que se propõem os detentores do poder, desde que fundamentadas nas diretrizes previstas no próprio texto constitucional”. Há várias formas de concessão de Drawback, diferenciando as condicionantes para ser beneficiário, bem como a forma de pagamento (ou não pagamento) dos tributos incidentes. São eles o de isenção, suspensão e o restituição. Quanto as diferenças entre eles, Aquiles Vieira (VIEIRA, 2010, p. 73) afirma que “O drawback é normalmente utilizado nas seguintes modalidades: 1. Suspensão: considera-se que esta é a modalidade mais utilizada pelas empresas, por contemplar a suspensão dos tributos incidentes na importação de insumos a serem utilizados na fabricação do produto a ser exportado. […] 2. Isenção: esta modalidade ocorre quando a empresa já tiver exportado produtos nos quais a industrialização utilizou partes, peças, componentes ou matérias-primas importadas com pagamento de tributos. O exportador adquire o direito de novamente importar aqueles insumos utilizados; mas, com isenção dos tributos. Esta modalidade será concedida para reposição de estoque, com a mesma finalidade das originalmente importadas, desde que o valor total dos produtos a importar seja limitado à mercadoria a substituir. […] O prazo de vigência é estabelecido de acordo com a modalidade de utilização, a saber: 1. Suspensão: o prazo de validade do ato concessório é estabelecido pela data-limite para a efetivação da exportação a qual está vinculada. 2. Isenção: o prazo de validade do ato concessório é de um ano, contado da data da emissão, podendo ser prorrogado por mais um ano. 3. Restituição: a solicitação junto à Secretaria da Receita Federal deverá ocorrer no prazo de 90 dias da efetiva exportação da mercadoria”. Se expirado estes prazos e os bens ainda não estiverem sido empregados no sistema produtivo que o beneficiário se obrigou a executar, ficará obrigado a devolver os bens ao exterior (reexportar), destruí-los sob fiscalização da aduana ou destinar para o consumo interno, ficando obrigado a recolher os tributos ora suspensos. Demonstrado as diferenças entre as modalidades, há de ser mencionado que no momento do registro da importação no SISCOMEX, o importador fica vinculado às informações prestadas, sendo que se não cumprir as exigências para concessão de cada modalidade, ficará obrigado a recolher os tributos. Quanto ao regime tributário destas modalidades, pode-se afirmar que são diferentes. Para melhor elucidação, utilizar-se-á das palavras do doutrinador Aquiles Vieira (VIEIRA, 2010, p. 74) “As mercadorias importadas através desse regime obedecem ao regime tributário de acordo com a modalidade de utilização: 1. Drawback suspensão: suspensão do Imposto de Importação (I.I.), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e serviços (ICMS) e Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). 2. Drawback Isenção: isenção do Imposto de Importação (I.I.), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). 3. Drawback restituição: restituição total ou parcial do Imposto de Importação (I.I.) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).” Diante das diferenças entre as modalidades deste regime aduaneiro especial, é de suma importância o conhecimento de todas para a continuidade da pesquisa. 2.1 Drawback Suspensão Consiste na suspensão da exigibilidade dos impostos incidentes na importação dos produtos beneficiados por esse regime especial. Liziane (MEIRA, 2002, p. 215.) afirma, com propriedade, que “Na ‘suspensão’ dos tributos incidentes sobre a importação de mercadoria a ser reexportada após beneficiamento ou destinada à fabricação, complementação ou condicionamento de outra a ser reexportada”. O regime de Drawback nesta modalidade é concedido pela SECEX por meio de Ato Concessório de Drawback pelo SISCOMEX. Consta neste ato a data limite para a efetivação das exportações ora vinculadas. No caso de não cumprimento das condições pré-estabelecidas, torna-se exigível de plano os impostos incidentes na importação, independentemente de qualquer providência, iniciando-se o prazo legal de exigibilidade contido no artigo 174 do CTN.Portanto, os produtos entram no território nacional sem o pagamento dos impostos e estes não serão devidos caso seja cumprido as condições estabelecidas no regime do drawback. Caso descumpridas, os tributos deverão ser pagos. Desta forma, a exigibilidade fica suspensa até o cumprimento das condicionantes para concessão do benefício. Para a concessão desta modalidade, os importadores devem declarar a importação com os tributos suspensos. Os extratos das DIs submetidas ao Drawback suspensão, devem ter a declaração do importador elencando os tributos suspensos e os bens importados, como também o termo de responsabilidade referente ao cumprimento das obrigações contidas no ato concessório. Esta modalidade extingue-se quando o beneficiário comprovar a exportação perante o SISCOMEX, devolver a mercadoria importada, destruí-las ou despachar para consumo, neste caso, por óbvio, deve-se recolher os tributos devidos. Em suma, a exigibilidade dos impostos incidentes na importação ficam suspensos até a comprovação do importador quanto à adequação dos produtos, conforme requisito do Drawback. 2.2 Drawback Isenção Esta modalidade é a mais utilizada dentro do regime do Drawback, caracterizando-se pela isenção dos tributos incidentes sobre a importação de produtos desde que cumpridas as condicionantes estabelecidas. O contribuinte/importador traz os produtos para o território nacional e não efetua o recolhimento dos tributos, pela declaração prévia da sua importação se adequar a alguma das hipóteses de isenção, como o Drawback isenção. Este trâmite é realizado pelo SISCOMEX, sistema que faz toda a gestão de controle e fiscalização das importações, envolvendo situações análogas a esta. Liziane (MEIRA, 2002, p. 334) afirma que “As regras isentivas relativas aos regimes aduaneiros especiais atuam sobre o critério material, restringindo o campo de abrangência da norma de incidência tributária quanto a alguns produtos, desde que cumpridas as respectivas condições”. Estas condições são consideradas conditio sinequa non para a concessão do benefício da isenção, para tanto, a mesma doutrinadora afirma que “Cabe observar a respeito dos regimes aduaneiros que se caracterizam como isenções sob condição resolutiva e que, se for descumprida a condição, os impostos são devidos a partir da data do registro da declaração de importação em vista da qual foi concedido o regime e devem ser pagos acompanhados de multa de mora ou de oficio, juros e correção monetária. Todavia, se dentro do prazo do regime, o sujeito passivo, sem que tenha anteriormente descumprido as condições, solicitar mediante nova declaração de importação despacho para consumo, finaliza-se o regime e os tributos passam a ser devidos data de registro desta declaração. […] Na espécie designada “Drawback Isenção”, há realmente uma isenção sujeita à comprovação de importação precedente de insumo semelhante e do emprego desde em produto exportado, portanto se trata de uma isenção sujeita à condição anterior, suspensiva.” Pelo que fora exposto, fica evidente que nesta modalidade há uma isenção sob condição, conformeLiziane (MEIRA, 2002, p. 218) afirma que “Nesse sentido, consignamos que todas as modalidades de drawback são isenções condicionais, cujas mercadorias são submetidas a controle aduaneiro”. O controle é feito de forma prévia e também a posteriori, sendo concedido apenas se todas o importador/exportador cumprir com as condições. 2.3 Drawback Restituição Nesta modalidade, o importador dos produtos efetua o recolhimento dos tributos incidentes na sua importação, sendo possível a restituição caso cumpra com as condições. Após o pagamento dos tributos referentes a importação, deve ocorrer a restituição parcial ou total do valor recolhido, como disposto no artigo 78, inciso I do Decreto Lei nº 37/66. Esta modalidade se aproxima muito do de isenção, residindo a diferença apenas que neste o insumo é importado de modo a substituir ao já utilizado, devendo ser o produto de igual qualidade e quantidade (isenção) e no de restituição, o crédito pode ser utilizado para compensar impostos federais que possam incidir em futuras importações. Continuando em análise ao artigo 78, em seu §1º, o legislador admitiu a possibilidade de que o ressarcimento dos valores recolhidos anteriormente seja realizado por meio de crédito ao sujeito passivo, podendo ser compensado tributos devidos em importações futuras. Acerca desta afirmação, Liziane Meira (MEIRA, 2002, p. 219), com propriedade, discorre que “No drawback modalidade restituição, a lei autoriza a restituição e permite que ela seja realizada mediante compensação dos impostos pagos com outros incidentes sobre futuras importações, desde que sejam implementadas as condições (reexportação do produto no qual foi empregado o insumo estrangeiro). Assim, cumprida a condição suspensiva da isenção, o valor pago passa a ser um indébito fiscal e o sujeito passivo tem direito à restituição (diga-se compensação) deste valor com impostos federais incidentes sobre importações posteriores. Logo, é uma modalidade de isenção também sujeita à condição suspensiva.” Portanto, o importador recolhe os tributos incidentes na importação e o valor pago servirá como crédito para compensações futuras, desde que cumpridas todas as exigências para concessão deste benefício. 3 Constituição do crédito tributário A relação jurídico tributária nasce com a ocorrência do fato descrito na norma, em outras palavras, deve haver a subsunção do fato à norma, o qual ocorre quando o fato jurídico constituído pela linguagem prescrita em lei guardar absoluta identidade com a hipótese tributária descrita. Explica-se. A lei descreve hipoteticamente um fato que pode gerar uma obrigação tributária. Também nos impõe obrigações tributárias desde que o fato jurídico que ocorreu corresponda às disposições descritas em determinada lei. Ocorrendo o fato conforme descrito em lei, há a subsunção do fato a norma. O doutrinador Paulo de Barros (CARVALHO, 2012, p. 316), referência neste assunto, discorre que “[…] diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la. […] Mas esse enquadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção. […] Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ganhar concretude o fato, instalasse, automática e infalivelmente”. Com a ocorrência do fato gerador, nasce a relação tributária, que compreende o dever do sujeito passivo e o direito do sujeito ativo. Faz-se necessário explicar o termo “fato gerador” pelo fato de estar sendo utilizado, doutrinariamente, para descrever duas situações distintas. Sob o artigo 114 do CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Para tanto, utilizemos as palavras do Miguel Hilú Neto (HILU NETO, 2003, p. 312), discorrendo que “No direito positivo brasileiro, entre os doutrinadores, e na jurisprudência, vemos reiteradamente empregado fato gerador, quer para mencionar-se a previsão legal do fato, elaboração tipicamente abstrata, que se situa no âmbito das ideias, no antiplano das construções normativas gerais e abstratas; quer os fatos jurídicos, enquanto enunciados denotativos que ocupam a posição sintática de antecedente das normas individuais e concretas.” Assim, ocorrido o “fato gerador”, há apenas a ocorrência de um fato que não gera quaisquer efeitos no mundo jurídico. Neste momento nasce tão somente a relação jurídica tributária. Na maioria das vezes, ocorrido o “fato gerador”, o sujeito ativo não tem ciência da ocorrência de tal fato, desconhecendo seu direito. Os efeitos na seara jurídica só ocorrerão com o lançamento tributário efetuado pela autoridade administrativa competente. Neste momento é interessante a referência quanto a diferenciação que Paulo de Barros Carvalho faz entre evento e fato jurídico. Um fato no mundo, se não for relatado por autoridade competente, não surte efeito no mundo jurídico. Exemplificamos. Se um indivíduo bebe, dirige e chega em casa sem nenhum problema, ele incorreu em infração de transito, mas por não ter sido pego pela autoridade competente, este evento não surtiu efeitos no mundo jurídico, mas tão somente no dos fatos. Acontecimentos como estes, na seara Fiscal, só ganharia estatura de fato jurídico após sua enunciação por um sujeito legalmente competente. Este, por sua vez, efetuaria o lançamento tributário, desse modo, serviria para relatar o evento, constituindo o evento em fato jurídico tributário. Para Paulo de Barros (CAVALHO, 2012, p. 256) “Enquanto o vento jurídico tributário é o acontecimento jurídico que se esvai no espaço e no tempo, o fato jurídico tributário seria o relato desses eventos através da linguagem”. Passada as observações que entendemos pertinentes, resumidamente, a obrigação tributária existe de forma abstrata na lei consubstanciada na hipótese de incidência e a ocorrência do “fato gerador”, formalizada pelo lançamento, constituindo o crédito tributário. Desta forma, nasce o direito de perceber o valor da prestação tributária quando surge o vínculo jurídico obrigacional, em outras palavras, quando se realiza aquele fato hipoteticamente descrito no suposto da regra-matriz[4] de incidência tributária. Para melhor elucidação, faz-se necessário dividir o crédito tributário em fases desde a ocorrência do “fato gerador”, ou seja, da subsunção do fato a norma. 3.1 Obrigação tributária A obrigação tributária trata-se da vinculação entre os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária e está disposta no artigo 113 do CTN. Este artigo traz a ideia que a obrigação principal do tributo surge com a ocorrência do “fato gerador”, ou seja, a ocorrência do fato jurídico tributável disposto em lei. A obrigação tributária é o início da relação jurídico tributária, por isso ainda não é exigível. O crédito tributário decorre desta obrigação e possui natureza idêntica, surgindo com o lançamento, conferindo liquidez e certeza para a relação jurídico tributária, como será visto posteriormente. Assim, pode-se dizer que tal obrigação materializa-se pelo crédito tributário que o corresponde. A obrigação no âmbito fiscal possui a mesma conceituação do direito obrigacional, sendo diferente apenas o objeto, que será sempre de natureza tributária, obrigatória ou acessória. Tal obrigação será sempre principal ou acessória – art. 113 CTN. No §1º diz que a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador. O §2º diz que a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto prestações, previstas no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos. Estas obrigações acessórias devem ser entendidas como deveres instrumentais, pois são distintas daquela comum de recolher tributos quando da ocorrência do “fato gerador”, e possuem como objeto prestações, como, por exemplo, manter livros fiscais escriturados. Em sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária. Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2012, p. 323), sobre estas obrigações, discorre que “[…] dispõe a ordem jurídica sobre comportamentos outros, positivos ou negativos, consistentes num fazer ou não-fazer, que não se explicam em si mesmos, preordenados que estão a facilitar o conhecimento, o controle e arrecadação da importância devida como tributo. Tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de obrigações acessórias, nome impróprio, uma vez que não apresentam os elementos caracterizador dos laços obrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos pecuniários. São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao Poder Público, executando certos atos e tomando determinadas providencias de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas”. Faz-se necessário afirmar que embora instaurada a relação jurídica por meio deste ato, em que os sujeitos se vinculam, o sujeito ativo não tem como, nas palavras de Luis Eduardo Schoueri (SCHOUERI, 2014, p. 605), “conhecer as circunstâncias em que se deu aquele fato nem tampouco qual o montante que será recebido”. Pode-se identificar esta obrigação em qualquer relação jurídico tributária, pois aquela nasce juntamente com a realização do evento tributário. Complementando com a os dizeres do Schoueri, Luciano Amaro (AMARO, 2011, p. 272) discorre que “O nascimento da obrigação tributário independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se exlege.” Ocorrido o “fato gerador” e criado o vínculo jurídico tributário, pode-se gerar uma obrigação tributária que necessite iniciativa de uma autoridade administrativa sob o ato do lançamento tributário, e outros casos em que a lei estabelece que o próprio sujeito deve cumpri-la sem aguardar quaisquer iniciativas administrativas. Portanto, independente da vontade do sujeito, ocorrido o “fato gerador”, cria-se o vínculo jurídico obrigacional, ou seja, a obrigação tributária. 3.2 Lançamento tributário Conforme preconiza o artigo 142 do CTN, o crédito tributário é constituído por meio do lançamento tributário, utilizada para constituir ou declarar a relação jurídico tributária originária no momento da ocorrência do “fato gerador”, conferindo liquidez e certeza, tornando-o exigível. Sempre que o legislador menciona constituição do crédito reporta-se ao ato de lançamento tributário, utilizado para a autoridade administrativa formalizar a obrigação tributária. Pelas palavras do doutrinador Paulo de Barros (CARVALHO, 2012, p. 464), o “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termo espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.” Mesmo que após o surgimento da obrigação tributária, ou seja, instauração do vínculo jurídico entre o sujeito ativo e passivo, deve ser realizado o lançamento tributário pela autoridade competente. Liziane Meira (MEIRA, 2002, p. 49), complementando, aduz que “O lançamento é constitutivo da norma individual e concreta, do fato jurídico tributário, da obrigação tributária; portanto é constitutivo do crédito tributário. Mas é declaratório do fato social e do evento do mundo fenomênico”. Em outras palavras, o lançamento tributário constitui um fato social em um evento jurídico que gera uma relação subjetiva. Muito embora seja instaurada uma relação jurídica, o sujeito passivo não tem como conhecer as circunstancias em que se deu o fato e nem quanto deverá ser recolhido a título de tributo. Assim, fica evidente a importância do lançamento para que aquele fato jurídico seja formalmente apurado, condição necessária para que a autoridade administrativa exija o recolhimento do tributo. Na doutrina, percebe-se que há duas formas de lançamento, para alguns existem três, uma por homologação da autoridade administradora, outra por declaração e por fim, de ofício. Para a doutrinadora Liziane Meira (MEIRA, 2002, p. 151), “O lançamento por homologação ocorre quando o contribuinte, diante da situação fática, observa que esta se enquadra nas disposições da norma de incidência tributária, determina a base de cálculo e o imposto que julga devido, efetua voluntariamente o pagamento e fica aguardando até que a autoridade administrativa se manifeste homologando o adimplemento. Ressalte-se que, em razão das disposições do art. 142 do Código Tributário Nacional, o lançamento é ato privativo da autoridade fiscal. […] No lançamento à vista de declaração, o sujeito passivo apresenta ao Fisco declaração minuciosa acerca do evento, e a autoridade administrativa verificar se o fato se enquadra na norma e, sendo o caso, calcula, lança e cobra o tributo com base nas informações prestadas.” Assim, neste caso, o próprio contribuinte presta as informações à autoridade administrativa, dependendo de sua homologação para a constituição do crédito, tornando-o exigível ou a concessão de regime especial. Para os regimes aduaneiros especiais ora estudados, AndreFolloni (FOLLONI, 2005, p. 192) afirma que “Destarte, essa a descrição cientifica do fenômeno da tributação quando dos regimes aduaneiros especiais, segundo cremos: há lançamento por declaração. Firmado e entregue o termo (declaração), há suspensão da possibilidade de constituição do crédito tributário. É possível que ocorra, contudo, o descumprimento do regime, que é fato jurídico (também ele tributário) que tem como consequência, em regra, a aplicação de multa e a cobrança de juros, acrescendo o valor do tributo devido. O fato da entrega da declaração obsta a possibilidade de constituição do crédito tributário (suspensão). Mas o fato do descumprimento cessa tal suspensão, podendo ser o crédito, então, constituído. E há, aqui, aquilo que o Código Tributário Nacional denomina “conversão” da obrigação acessória em principal quanto à penalidade pecuniária, pelo simples fato de sua inobservância.” Utilizando-se das palavras da doutrinadora Liziane (MEIRA, 2002, p. 152), esta afirma que “Assim, é forçoso concluir que o lançamento do imposto sobre a importação, apesar de ser efetuado mediante documento denominado ‘declaração de importação’, é em regra da modalidade lançamento por homologação”. Portanto, com base nestes entendimentos, o lançamento nestes regimes especiais é realizado por homologação. O contribuinte efetua o recolhimento (Drawback restituição) ou o cadastro no SISCOMEX solicitando o enquadramento da importação no regime especial, devendo ficar na espera de uma manifestação da autoridade administrativa quanto sua atividade. 3.3 Crédito tributário Seguindo o artigo 113, §1º do CTN, ocrédito tributário é o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir o objeto prestacional. Em outras palavras, pode-se afirmar que o crédito corresponde a um título representativo que possibilita o Estado a cobrar o tributo devido pelo contribuinte.A obrigação tributária deve ser formalizada em um título hábil para ser cobrado, o título constituindo o crédito inerente à obrigação. Em outras palavras, trata-se da própria obrigação tributária já lançada.Nasce da obrigação e é consequência desta, dentro de uma única relação jurídica. Seguindo esta linha, o doutrinador Leandro Paulsen (PAULSEN, 2009, p. 996) discorre que “Definimos crédito tributário como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro. O crédito decorre da obrigação principal. A relação obrigacional tributária tem duas faces: obrigação e crédito. Mas desta correspondência não se pode tirar efeitos absolutos, pois o CTN, em seu art. 142, dá à expressão “crédito tributário” sentido muito específico, pressupondo liquidez e certeza decorrentes do lançamento. Enquanto a obrigação tributária surge com o fato gerador, o crédito tributário, em sentido técnico, tal como previsto no CTN, só é constituído com o lançamento”. Paulo de Barros (CARVALHO, 2012, p. 436) conceitua afirmando que “Definimos crédito tributário como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro”. Este crédito nasce com a ocorrência do “fato gerador” e o lançamento por autoridade competente. Depois de constituído o crédito tributário, há possibilidade de não ser necessário o pagamento do tributo, conforme Liziane(MEIRA, 2002, p. 322) discorre que “Com efeito, após o lançamento do credito tributário, é possível a suspensão de sua exigibilidade; porém não há um meio de suspender a exigibilidade do crédito ainda não constituído pela autoridade fiscal”. Quanto à exigibilidade, Paulo de Barros a conceitua aduzindo que “Por exigibilidade havemos de compreender o direito que o credor tem de postular, efetivamente o objeto da obrigação, e isso tão-só ocorre, como é obvio, depois de tomadas todas as providencias necessárias à constituição da dívida, com a lavratura do ato de lançamento tributário. No período que antecede tal expediente, ainda que não se tem o surgimento da obrigação tributária, inexistindo, consequentemente, crédito tributário, o qual nasce com o ato do lançamento tributário.” Estas possibilidades de suspensão e isenção podem ser vistas nos regimes aduaneiros especiais. Para devida compreensão, vê-se necessidade de explanar sobre estes institutos. 3.3.1 Isenção A isenção, para o entendimento de alguns doutrinadores como Souto Maior Borges e Carrazza, trata-se de uma “hipótese de não-incidência tributária legalmente qualificada” (CARRAZZA, 2008, p. 845), pois neste caso não há incidência da norma jurídica tributária, não ocorrendo o nascimento do tributo. As isenções devem estar vinculadas por lei, pelo fato de que seria aberrante inconstitucionalidade nos depararmos com uma regra isentiva baixada por decreto legislativo, se tornando um perigo para os princípios constitucionais e tributários. Já Paulo de Barros Carvalho qualifica a isenção como uma regra de estrutura que atinge a regra-matriz de incidência tributária legalmente qualificada, mutilando-o parcialmente. Esta modalidade inibe a atividade funcional da regra-matriz de incidência tributária, não irradiando os efeitos decorrentes do fato jurídico tributário ocorrido. Com suas palavras (CARVALHO, 2012, p.571), afirma que “[…] a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É obvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida do sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente.[…] é uma formula inibitória da operatividade funcional da regra-matriz, de tal forma que, mesmo acontecendo o evento tributário, no nível da concretude real, não pode o fato ser constituído e seus peculiares efeitos não se irradiam, justamente porque a relação obrigacional não se poderá instalar à mingua do objeto. Segundo pensamos, é um caso típico de isenção: guarda-lhe a natureza e mantém-lhe as aparências.” Seguindo sua teoria, a obrigação tributária não nasce pela existência de lei isentiva que a suprimiu, impondo que em algumas situações o campo de tributação ficaria restrita. Como exemplo podemos citar a aplicação de alíquota zero de IPI para determinado produto. Seria mutilado, neste caso, a parte da alíquota na regra-matriz, reduzindo a incidência desse tributo. Esta modalidade de dispensa legal do recolhimento tributário tem caráter extrafiscal, servindo como fomento aos contribuintes para auxiliar o Estado na consecução de interesses públicos. Liziane(MEIRA, 2002, p. 106) corrobora com esta ideia afirmando que as “Isenções com escopo de promover os interesses de âmbito internacional do país: São isenções de tributos internos e do imposto sobre a exportação criadas com o intuito de diminuir o custo de nossos produtos, aumentar a exportação nacional e, consequentemente, equilibrar o Balanço Comercial. São também as isenções na importação de produtos destinados a integrar outros a serem reexportados. É neste caso, […] que se enquadram muitos dos regimes aduaneiros especiais brasileiros. […] O mecanismo das isenções é um forte instrumento de extrafiscalidade. Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa enfrenta as situações mais agudas, em que vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase desaparecer a capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social. A par disso, fomenta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa a produção, o comercio e o consumo, manejando de modo adequado o recurso jurídico das isenções”. As isenções, portanto, dizem respeito a situações em que o legislador admite ao contribuinte a faculdade de não efetuar o pagamento do tributo devido, desde que sua situação se enquadre na hipótese legal. Com isso, as isenções devem ser concedidas de forma a respeitar o princípio da isonomia, da moralidade e da publicidade dos atos administrativos no tocante ao propósito de realizar os interesses públicos, não implicando eventuais renuncias injustificadas no pagamento de tributos. 3.3.2 Suspensão Após a constituição do crédito, ou seja, ocorrido o “fato gerador”, instauração da obrigação e efetuado o lançamento tributário, a exigibilidade do tributo pode ficar suspenso até o cumprimento de condições legais resolutivas. Vale ressaltar que a suspensão é a respeito da exigibilidade e não da constituição do crédito tributário. Há a constituição do crédito, mas sua exigibilidade fica suspensa nos termos da lei. Diante disso, o crédito pode ser lançado ou constituído pela Administração. As hipóteses de suspensão estão exaustivamente elencadas no artigo 151 do CTN.Cessada as causas suspensivas o tributo volta a ser exigível desde logo.No regime especial do Drawback opera-se o instituto da isenção, conforme demonstrado pelas palavras da Liziane, mas também podemos verificar a suspensão da incidência dos tributos, conforme Schoueri(SCHOUERI, 2014, p. 697) afirma da seguinte forma “[…] a suspensão dos tributos sob o regime de drawback, de fato, seria uma isenção, operada desde a importação, condicionada, contudo, a uma condição resolutiva. Melhor dizendo, no lugar de suspensão dos tributos incidentes na importação, operar-se-ia a isenção, tal qual na hipótese anterior, mas sob o abrigo de uma condição resolutiva (cumprimento dos requisitos do regime), a qual, se não fosse cumprida, importaria reconstituição da obrigação tributária.” Quanto aos prazos de decadência e prescrição, a suspensão não opera como interrupção para estes casos, pelo fato da autoridade competente ter o condão de efetuar o lançamento e constituição do crédito tributário, mesmo que sob condição suspensiva. Isto se dá pela característica de inexigibilidade do crédito. Quanto a suspensão com relação ao modo de lançamento tributário, AndreFolloni(FOLLONI, 2005, p. 45) discorre afirmando que “A matéria vem disciplinada a partir do art. 151 do Código Tributário Nacional. Importante consignar que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário ocorre, nos casos de lançamento de ofício (ou direto), apenas após sua constituição pelo lançamento tributário. Antes de haver crédito, não há que se falar em suspensão de sua exigibilidade, e em casos nos quais há necessidade de ato administrativo de lançamento, o crédito é por ele constituído. […] Nada obstante, essa constituição do crédito pode ocorrer, mas, sendo o caso, o crédito nascerá inexigível. […] Por outro lado, nos casos em que o tributo é submetido ao lançamento por homologação, a mera ocorrência do fato jurídico-tributário é suficiente para fazer surgir o crédito tributário, devendo haver pagamento em um determinado prazo. Portanto, após o fato jurídico-tributário o crédito já está constituído e é exigível (exigibilidade incondicionada a lançamento), podendo ter sua exigibilidade suspensa.” Passadas as observações sobre estes institutos, passa-se a análise da constituição do crédito no regime especial Drawback. 4 Constituição do crédito no regime drawback Já analisados os institutos envolvendo a constituição do crédito tributário, faz-se necessário aplica-los no regime jurídico das modalidades de Drawback já mencionadas.A doutrinadora Liziane Meira entende que os regimes aduaneiros especiais como isenções condicionais. Por sua vez, AndreFolloni afirma que tais regimes ora são casos de isenção, ora de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, ora de extinção do crédito, como também forma de restituição do tributo pago, afirmando ser impossível a aplicação de uma definição genérica. Diante da divergência de opiniões, faz-se necessário elucidar a constituição do crédito nas modalidades. 4.1 Incidência Tributária no Drawback Suspensão Cabe lembrar que esta modalidade suspende a exigibilidade de todos os tributos incidentes na importação até que seja efetivada a exportação ou o pagamento dos tributos. De toda sorte, não suspende a ocorrência do “fato gerador” que ocorre no momento do registro da declaração de importação, constituindo a obrigação tributária.Quando não há a concessão de benefícios fiscais, o crédito tributário se extingue pelo pagamento do tributo, além das outras hipóteses elencadas no artigo 156 do CTN. Vale lembrar, também, que as causas suspensivas da exigibilidade obstam o prosseguimento do processo da cobrança dos tributos, negando à Fazenda Pública tal ação. Tais causas suspensivas não impedem o lançamento tributário que é efetuado no desembaraço aduaneiro. Neste caso, há efetivamente a constituição da relação jurídica tributária com imediata suspensão da exigibilidade do crédito, lembrando que a concessão do regime é realizada pela SECEX antes do registro da DI. Nesta situação não há a suspensão da ocorrência do fato gerador no registro da DI, momento este que a obrigação tributária se constitui de forma plena e imediatamente. A constituição do crédito, portanto, ocorre no ato do lançamento tributário durante o desembaraço aduaneiro e não no registro da importação pelo contribuinte. Uma questão nebulosa diz respeito ao tipo e momento do lançamento tributário referente aos tributos da importação nesta modalidade, bem como a forma de suspensão destes tributos. Neste sentido, Fernando Dantas (FLEISCHMANN, 2010, p. 139) afirma que “[…] considerando a existência de uma condição para a exigibilidade dos tributos suspensos nos termos da declaração firmada pelo contribuinte, não existe constituição do credito tributário na declaração de importação e no termo de responsabilidade por ser necessária a realização do lançamento pela autoridade administrativo nos termos do art. 142 do CTN.” Há a incidência da causa suspensiva após o lançamento. Suspensão exige crédito tributário constituído, que não poderá ser cobrado pela causa suspensiva da exigibilidade. Não há que se falar em suspensão de algo que ainda não existe. Ocorre o “fato gerador” quando os bens adentram o território nacional, já o lançamento no desembaraço aduaneiro, suspendendo de plano a exigibilidade do crédito. Se analisarmos as hipóteses de suspensão que estão dispostas no artigo 151 do CTN, encontraremos dificuldade em correlacionar a situação deste regime aduaneiro com alguma das nele descritas. A interpretação tributária deve ser realizada de forma literal. Desta forma, encontramos dificuldade em entendermos como ocorre a suspensão destes tributos a luz do direito tributário. Admitamos que a Aduana realiza o lançamento tributário para fins de evitar a decadência que segundo o artigo 142 do CTN, o crédito tributário deve ser constituído no prazo de 5 anos. Ora, se o prazo máximo concedido pela SECEX, por meio do Ato Concessório, para o beneficiário realizar a industrialização e exportação dos bens é de 5 anos, e se caso entendamos que o lançamento nesta modalidade seria por homologação sem pagamento prévio do contribuinte, utilizando o disposto no artigo 173, inciso I do CTN, o prazo para lançamento começaria a ser contado do primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que este ato poderia ter sido realizado. Desta maneira, fica difícil compreendermos em que momento se dá o lançamento tributário e a constituição do crédito nesta modalidade. Continuando com a explanação, é expedido o Ato Concessório de Drawback que concede o benefício ao importador, determinando a data limite para efetivação da exportação vinculada. O limite máximo de suspensão da exigibilidade do crédito tributário nesta modalidade, via de regra, é de 2 anos. Vale a ressalva que para os casos de importação de mercadorias destinadas à industrialização de bens que são utilizados em um ciclo de produção de longa duração, o prazo máximo é de 5 anos[5]. Aqui, há a incidência da norma tributária, mas a sua exigibilidade fica suspensa até o cumprimento das condicionantes exigidas para concessão. AndreFolloni(FOLLONI, 2005, p. 201) afirma que “[…] a aplicação do regime de drawback suspensão não impede a ocorrência do fato gerador e a constituição da obrigação tributária, inobstante o regime suspensivo. Há […], suspensão da exigibilidade do crédito. Há a constituição da relação jurídica tributária no momento em que incide a norma, quando do registro da declaração de importação, mas o crédito dela decorrente tem sua exigibilidade imediatamente suspensa.” Portanto, pelo fato da importação do produto ocasionar o “fato gerador”, surge a obrigação e lançamento, ficando constituído o crédito tributário, ficando com sua exigibilidade suspensa durante o prazo de concessão do regime aduaneiro. Isto porque conforme o artigo 75 e 78, §3º do Decreto-Lei nº 37/66, este regime suspende os tributos que incidem sobre a importação. Com a posterior exportação, conforme necessário para concessão do regime, o crédito tributário dantes suspenso, será extinto. Não havendo a exportação dentro do prazo concedido, passa-se a ser exigível o crédito antes suspenso, cessando sua condição suspensiva. Nesta exportação, não há incidência dos impostos vinculados neste ato. AndreFolloni(FOLLONI, 2005, p. 202) ratifica dizendo que “O produto exportado, dando cumprimento ao regime aduaneiro especial de drawback suspensão, não é tributado pelo Imposto de Exportação, conquanto haja registro de exportação, isto é, ocorra o momento descrito no critério temporal da hipótese de incidência tributária daquele imposto.” Assim, conforme demonstrado, a exigibilidade fica suspensa até acabar o prazo de vigência do regime aduaneiro. 4.2 Incidência Tributária no Drawback Restituição Modalidade menos utilizada, no Drawback Restituição o contribuinte efetua o recolhimento dos tributos incidentes em sua importação antes do registro da Declaração de Importação e da homologação pela fiscalização aduaneira, solicitando desde logo a aplicação do regime aduaneiro especial. Caso cumpra com as condicionantes exigidas para tal concessão, o contribuinte adquire um crédito que pode ser compensado em quaisquer operações posteriores que venham a sofrer incidência de tributos. AndreFolloni (FOLLONI, 2005, p. 204), quanto à constituição do crédito nesta modalidade, afirma que “Aqui não há isenção ou suspensão de exigibilidade do crédito tributário. As normas tributárias incidiram, surgiram as relações jurídicas tributárias, que foram extintas com o pagamento. Após todo esse iter, é concedida ao sujeito passivo restituição dos valores pagos, com fundamento em instrumento normativo com status de lei, na forma de crédito em conta corrente, para posterior compensação em outras operações.” Nesta modalidade, há a incidência da norma jurídica e a constituição do crédito tributário como uma importação em regime comum de tributação, diferenciando-se pela concessão do regime aduaneiro do Drawback pela SECEX. Portanto, o importador registra e efetua os recolhimentos como em uma importação em regime aduaneiro comum, ficando na dependência da Aduana quanto a fiscalização para a concessão do crédito em conta para futuras importações. Esta modalidade é a mais utilizada pelos importadores, sendo muito parecida com a modalidade de suspensão pelo fato do crédito não ser exigível até a concessão do regime. Para a Liziane Meira Angelotti, os regimes aduaneiros especiais consistem em isenções tributárias condicionais dos impostos incidentes sobre o comércio exterior, nas quais os bens objetos de exportação ou importação são submetidos ao controle da aduana. Aqui sim, entende-se como aplicável tal teoria. Neste sentido, AndreFolloni(FOLLONI, 2005, p. 203) afirma que “A isenção está aqui condicionada à anterior exportação de bens industrializados em quantidade e qualidade equivalente. É, portanto, uma isenção condicionada ou relativa, contraposta às isenções incondicionadas ou absolutas. […] Se não houver a prévia exportação, não há que se falar em drawback isenção. A condição para a outorga da isenção tributária é a realização de operação anterior, com produtos em quantidade e qualidade equivalentes.” O prazo máximo para a exportação para concessão da isenção é de 1 ano a partir da emissão do Ato Concessório pela SECEX[6]. Frustrada a condição na qual se embasou a isenção, retorna-se à data do “fato gerador” e desaparece a isenção. No entendimento do doutrinador Shoueri (SCHOUERI, 2014, p. 694), “[…] há que se entender que o próprio fato jurídico tributário não opera, no primeiro momento, porque a regra matriz e incidência afetada pela isenção, não contempla tributação se presentes os requisitos da isenção. Uma vez cumprida a condição resolutória, o que se terá é que deixarão de estar presentes aqueles requisitos; não se estará, noutras palavras, numa situação isenta. A regra matriz de incidência possibilitara, então, a plena tributação. Ou seja: o fato jurídico tributário, enquanto plexo de circunstancias previstas pelo legislador como necessárias para o surgimento da obrigação tributária, não se dará por ocorrido se presente uma situação isenta; operando a condição resolutória, aí sim dar-se-á o fato jurídico tributário.” Em outras palavras, entende-se que não há a incidência da norma jurídica tributária, mas incide a norma isentiva, não possibilitando a constituição do crédito tributário, mas tão somente a relação jurídico tributária entre os sujeitos. Neste sentido, AndreFolloni(FOLLONI, 2005, p. 192) aduz que “Havendo incidência da norma de imposição tributária, como há, não se trata de isenção nem, tampouco, de não-incidência pura e simples. Em casos de isenção, não há incidência da norma tributária, mas da norma de isenção. Em casos de não-incidência, nenhuma norma incide. Incidindo uma norma tributária impositiva, que há que se falar em isenção e, tampouco, em não-incidência pura e simples. Há incidência, mas o crédito tributário não surge.” Há efetivamente a isenção dos tributos desde que tenha havido beneficiamento, fabricação, acondicionamento ou qualquer outra forma de industrialização/utilização dos produtos importados e sua consequente exportação dentro do prazo concedido pela SECEX. 5 Considerações finais É evidente que o atual cenário econômico do país vem surtindo reflexos no aumento da sua participação no comércio exterior. Diante disso, o Poder Público tem buscado métodos de fomentar o aumento desta participação no mercado exterior apostando na redução da carga tributária em algumas situações específicas. Com isso, o objetivo desta pesquisa foi verificar os benefícios trazidos pelo regimeDrawback, para as empresas, na redução dos custos para a importação e fabricação de produtos, e para as políticas econômicas, fomentando a dinâmica da economia nacional. Ficou evidenciado nesta pesquisa que desde que satisfaça seus pré-requisitos, este regime é capaz de proporcionar para as empresas importadoras/exportadoras a redução de gastos com impostos.Analisando os benefícios do Drawback, pode-se dizer que é uma aplicação do instrumento de suspensão, isenção ou restituição – este caso na forma de crédito tributário – de tributos envolvidos no procedimento de importação, a depender da sua modalidade de aplicação. Há três modalidades deste regime aduaneiro que se diferenciampelos efeitos da concessão, prazos e exigências postas pela SECEX, conforme demonstrado sumariamente. Foi evidenciado que ocorrido o “fato gerador” descrito na norma, há subsunção do fato a norma, instituindo a relação jurídico tributária entre o sujeito ativo, Poder Público, e o sujeito passivo, contribuinte. Foi necessário explicar que o termo “fato gerador” tem sido utilizado para descrever duas situações distintas, seja para mencionar a previsão legal do fato, quer para os fatos jurídicos propriamente ditos. Descontruindo a constituição do crédito, foi explicado sobre a obrigação tributária que se trata do início da relação jurídico tributária, ainda não exigível. O crédito tributário decorre desta obrigação, surgindo com o lançamento tributário desta, conferindo liquidez e certeza para a relação tributária. Foi discorrido, também, sobre o instituto da isenção e suspensão. Sobre o primeiro, ficou certo que devem ser determinados em lei e que a obrigação tributária não nasce devido a incidência da norma isentiva. Sobre o segundo, ficou evidente que o caso se adequando em uma das causas deste instituto, suspende-se a exigibilidade do crédito tributário. Como complementação, foi preciso comentar sobre os prazos do Ato Concessório, ato este que estipula data para a exportação dos produtos vinculados no Drawback, sob pena de incidência dos tributos por ora suspensos. Por fim, tentamos evidenciar o momento em que se constitui o crédito tributário nas importações sob a concessão das modalidades do regime aduaneiro especial Drawback (suspensão, isenção e restituição), levando em consideração que o lançamento tributário é realizado no desembaraço aduaneiro. Mesmo que identifiquemos o modo em que se opera a isenção e a suspensão dos créditos tributários, encontramos dificuldade em confirmar a prática na teoria, necessitando estudos mais aprofundados.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/constituicao-do-credito-tributario-no-drawback/
A fazenda pública e a dispensação judicial de medicamentos sob o enfoque probatório
Não é novidade que o fenômeno da judicialização da saúde deve ser posto em patamares razoáveis para não servir aos desejos econômicos da indústria farmacêutica. O problema surge uma vez que existem no País mais de 15.000 apresentações de medicamentos, sendo que muitos são questionáveis ou se sobrepõem, impossibilitando assim a padronização ou a oferta de todos à população. Estes medicamentos, portanto, que não estão inclusos nas listas de responsabilidade das três esferas de governo, quando solicitados, devem ser discutidos criteriosamente caso a caso. Destacamos ainda a pressão da indústria junto aos profissionais de saúde no intuito de prescreverem medicamentos considerados de “última geração” e que nem sempre apresentam ensaios clínicos confiáveis, pois geralmente são financiados pela própria indústria e são realizados num número reduzidos de pacientes.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO: Segundo a Anvisa, foram aprovados, nos 3 últimos anos, 516 estudos, 64% deles patrocinados diretamente pela indústria e 30% por CROs (Organizações Representativas de Pesquisa Clínica – ORPC's para a Anvisa), como mostra a tabela abaixo: Para exemplificar, na França nos últimos 23 anos aproximadamente 3.000 novos fármacos ou apresentações foram lançados no mercado. Deste total apenas 0,24% apresenta interesse científico com comprovada eficácia e eficiência. Os demais não demonstraram superioridade aos fármacos já existente (Fonte: Adaptado de Política Industrial ou Saúde Pública: O abismo aumenta. Boletim Sobravime (40/41): 13-19) Destacamos ainda que o Município de Aracaju/SE disponibiliza uma lista com 271 itens padronizados voltados à Atenção Básica, Saúde Mental e à Rede Hospitalar, conforme anexo I, respeitando o Elenco de Referência apresentado na Portaria MS nº2982 de 26 de novembro de 2009 e pactuação aprovada na CIB. Iniciamos nossa explanação com a constatação de uma verdade insuperável: É impossível à Administração Pública incorporar, “in totum”, nas suas listas de dispensação todos os medicamentos lançados no mercado, seja por questões orçamentárias, seja por ausência de certeza científica a respeito da eficácia ou superioridade curativa em relação aos mesmos. 1. DO ÔNUS DA PROVA DA INEFICÁCIA DO TRATAMENTO OFERTADO PELO SUS: A presente dissertação não tem por escopo infirmar o fato de que o profissional de saúde que acompanha o paciente tem, a priori, melhores condições de prescrever o tratamento mais eficaz.  Ao contrário, assumimos o compromisso de demonstrar que, nas situações em que a Fazenda Pública oferece tratamento alternativo, em face da presunção de legitimidade e veracidade ínsita ao ato administrativo que consubstancia a relação de fármacos dispensados ao cidadão, o autor deve demonstrar com a petição inicial, ao menos em nível de cognição sumária, os motivos que lhe impeçam de utilizar a substância que se encontra disponibilizada pelo ente público. É importante salientar que os medicamentos são inclusos na padronização do município conforme Portaria 2982 de 26 de novembro de 2009 e RENAME 2010, aprovada através da Portaria 1044 de 05 de maio de 2010, de modo que não se pode afirmar que a relação se encontra defasada ou que houve mora administrativa em avaliar o “estado da arte” farmacêutica. Como ato administrativo que é, a RENAME 2010 goza de presunção de veracidade e legitimidade, de modo que não poderia um simples receituário, o qual não declina as razões do afastamento da utilização da substância contida no protocolo de tratamento do SUS, a priori, lhe sobrepujar.  Chancelando a tese aqui esposada o superior tribunal de justiça já decidiu: “ADMINISTRATIVO – MOLÉSTIA GRAVE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – MATÉRIA FÁTICA DEPENDENTE DE PROVA. 1. Esta Corte tem reconhecido aos portadores de moléstias graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. O direito assim reconhecido não alcança a possibilidade de escolher o paciente o medicamento que mais se adeqüe ao seu tratamento. 5. In casu, oferecido pelo SUS uma segunda opção de medicamento substitutivo, pleiteia o impetrante fornecimento de medicamento de que não dispõe o SUS, sem descartar em prova circunstanciada a imprestabilidade da opção ofertada. 6. Recurso ordinário improvido”. (STJ – RMS 28.338/MG – 2ª Turma – Rel. Ministra Eliana Calmon – Julg.: 02/06/2009 – Publ.: DJe 17/06/2009) Cumpre, ainda, transcrever um trecho do voto paradigma acima citado, oriundo do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em que foi relatora a Ilustre Ministra Eliana Calmon: "(…) É dever do Estado garantir aos seus cidadãos o direito à saúde, sendo inconcebível a recusa do fornecimento gratuito de remédio a paciente em estado grave e sem condições financeiras de custear as despesas com medicamentos necessários ao seu tratamento, o que não se estende ao direito de escolha de tal ou qual medicamento. Pondero, ainda, que o impetrante não produziu prova documental do que alega, ou seja, de que o medicamento fornecido gratuitamente pela administração, como segunda opção, também é ineficaz, o que leva à conclusão de inadequabilidade da via eleita para o fim colimado, na melhor das hipóteses." Perceba-se que a concessão da antecipação de tutela  seria descabida senão pelos motivos apontados supra pela ausência de PROVA INEQUÍVOCA DA VEROSSIMILHANÇA.  No que tange ao requisito da prova inequívoca, ensina CALMON DE PASSOS: "(…) Havendo prova inequívoca, autorizadora da antecipação, há possibilidade de exame do mérito. As provas por acaso ainda passíveis de produção, se vierem a realizar-se, revestir-se-ão, necessariamente, em face daquela inequivocidade, do caráter de irrelevantes ou impertinentes. Se ainda há provas a produzir e são elas relevantes e pertinentes, inexiste a prova inequívoca autorizadora da antecipação." (CALMON DE PASSOS, J.J. Inovações no CPC. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 12.) Tem-se, então, que não guarnecida, aprioristicamente, a pretensão por prova suficiente a demonstrar a verossimilhança das alegação iniciais, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ex vi do disposto no art. 273 do CPC. Nesse sentido, pedimos vênia para transcrever trecho da decisão monocrática prolatada pelo Eminente Desembargador Cezário Siqueira Neto, no bojo do AGRAVO DE INSTRUMENTO – 0918/2011 (processo nº. 2011208312): Diante dos conflitos de interesses e valores envolvidos no tema, o Supremo Tribunal Federal se posicionou, indicando que o Poder Judiciário deve autorizar o fornecimento de medicamentos mediante o preenchimento de alguns requisitos, entre os quais, demonstração inequívoca da necessidade daquele remédio, inexistência de outro medicamento similar no SUS, comprovação da ausência de condições materiais da parte em adquiri-los e que o medicamento indicado esteja na tabela do SUS. In casu, a fumaça do bom direito não se mostrou evidente, na medida em que o relatório médico não foi detalhado o suficiente no sentido de mostrar a imprescindibilidade daqueles medicamentos específicos, assim como se existem outros remédios similares ou genéricos com a mesma eficácia e, ainda, se positivo, se esses foram utilizados na paciente e não surtiram efeitos. Isto posto, no momento, concedo o efeito suspensivo pleiteado. Determino, ainda, seja intimada a agravada para responder ao presente recurso, no prazo devido, e oficiado ao douto juízo a quo para, em igual prazo, prestar as informações que entender necessárias à instrução deste recurso. A decisão do Preclaro Desembargador foi elogiável, pois em consonância com a orientação inequívoca do Supremo Tribunal Federal, confira-se o Voto do Ministro Gilmar Mendes na STA 260/SC, publicada em 10/05/2010: “A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.”
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A fazenda pública e a dispensação judicial de medicamentos sob o enfoque probatório
Não é novidade que o fenômeno da judicialização da saúde deve ser posto em patamares razoáveis para não servir aos desejos econômicos da indústria farmacêutica. O problema surge uma vez que existem no País mais de 15.000 apresentações de medicamentos, sendo que muitos são questionáveis ou se sobrepõem, impossibilitando assim a padronização ou a oferta de todos à população. Estes medicamentos, portanto, que não estão inclusos nas listas de responsabilidade das três esferas de governo, quando solicitados, devem ser discutidos criteriosamente caso a caso. Destacamos ainda a pressão da indústria junto aos profissionais de saúde no intuito de prescreverem medicamentos considerados de “última geração” e que nem sempre apresentam ensaios clínicos confiáveis, pois geralmente são financiados pela própria indústria e são realizados num número reduzidos de pacientes.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO: Segundo a Anvisa, foram aprovados, nos 3 últimos anos, 516 estudos, 64% deles patrocinados diretamente pela indústria e 30% por CROs (Organizações Representativas de Pesquisa Clínica – ORPC's para a Anvisa), como mostra a tabela abaixo: Para exemplificar, na França nos últimos 23 anos aproximadamente 3.000 novos fármacos ou apresentações foram lançados no mercado. Deste total apenas 0,24% apresenta interesse científico com comprovada eficácia e eficiência. Os demais não demonstraram superioridade aos fármacos já existente (Fonte: Adaptado de Política Industrial ou Saúde Pública: O abismo aumenta. Boletim Sobravime (40/41): 13-19) Destacamos ainda que o Município de Aracaju/SE disponibiliza uma lista com 271 itens padronizados voltados à Atenção Básica, Saúde Mental e à Rede Hospitalar, conforme anexo I, respeitando o Elenco de Referência apresentado na Portaria MS nº2982 de 26 de novembro de 2009 e pactuação aprovada na CIB. Iniciamos nossa explanação com a constatação de uma verdade insuperável: É impossível à Administração Pública incorporar, “in totum”, nas suas listas de dispensação todos os medicamentos lançados no mercado, seja por questões orçamentárias, seja por ausência de certeza científica a respeito da eficácia ou superioridade curativa em relação aos mesmos. 1. DO ÔNUS DA PROVA DA INEFICÁCIA DO TRATAMENTO OFERTADO PELO SUS: A presente dissertação não tem por escopo infirmar o fato de que o profissional de saúde que acompanha o paciente tem, a priori, melhores condições de prescrever o tratamento mais eficaz.  Ao contrário, assumimos o compromisso de demonstrar que, nas situações em que a Fazenda Pública oferece tratamento alternativo, em face da presunção de legitimidade e veracidade ínsita ao ato administrativo que consubstancia a relação de fármacos dispensados ao cidadão, o autor deve demonstrar com a petição inicial, ao menos em nível de cognição sumária, os motivos que lhe impeçam de utilizar a substância que se encontra disponibilizada pelo ente público. É importante salientar que os medicamentos são inclusos na padronização do município conforme Portaria 2982 de 26 de novembro de 2009 e RENAME 2010, aprovada através da Portaria 1044 de 05 de maio de 2010, de modo que não se pode afirmar que a relação se encontra defasada ou que houve mora administrativa em avaliar o “estado da arte” farmacêutica. Como ato administrativo que é, a RENAME 2010 goza de presunção de veracidade e legitimidade, de modo que não poderia um simples receituário, o qual não declina as razões do afastamento da utilização da substância contida no protocolo de tratamento do SUS, a priori, lhe sobrepujar.  Chancelando a tese aqui esposada o superior tribunal de justiça já decidiu: “ADMINISTRATIVO – MOLÉSTIA GRAVE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – MATÉRIA FÁTICA DEPENDENTE DE PROVA. 1. Esta Corte tem reconhecido aos portadores de moléstias graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. O direito assim reconhecido não alcança a possibilidade de escolher o paciente o medicamento que mais se adeqüe ao seu tratamento. 5. In casu, oferecido pelo SUS uma segunda opção de medicamento substitutivo, pleiteia o impetrante fornecimento de medicamento de que não dispõe o SUS, sem descartar em prova circunstanciada a imprestabilidade da opção ofertada. 6. Recurso ordinário improvido”. (STJ – RMS 28.338/MG – 2ª Turma – Rel. Ministra Eliana Calmon – Julg.: 02/06/2009 – Publ.: DJe 17/06/2009) Cumpre, ainda, transcrever um trecho do voto paradigma acima citado, oriundo do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em que foi relatora a Ilustre Ministra Eliana Calmon: "(…) É dever do Estado garantir aos seus cidadãos o direito à saúde, sendo inconcebível a recusa do fornecimento gratuito de remédio a paciente em estado grave e sem condições financeiras de custear as despesas com medicamentos necessários ao seu tratamento, o que não se estende ao direito de escolha de tal ou qual medicamento. Pondero, ainda, que o impetrante não produziu prova documental do que alega, ou seja, de que o medicamento fornecido gratuitamente pela administração, como segunda opção, também é ineficaz, o que leva à conclusão de inadequabilidade da via eleita para o fim colimado, na melhor das hipóteses." Perceba-se que a concessão da antecipação de tutela  seria descabida senão pelos motivos apontados supra pela ausência de PROVA INEQUÍVOCA DA VEROSSIMILHANÇA.  No que tange ao requisito da prova inequívoca, ensina CALMON DE PASSOS: "(…) Havendo prova inequívoca, autorizadora da antecipação, há possibilidade de exame do mérito. As provas por acaso ainda passíveis de produção, se vierem a realizar-se, revestir-se-ão, necessariamente, em face daquela inequivocidade, do caráter de irrelevantes ou impertinentes. Se ainda há provas a produzir e são elas relevantes e pertinentes, inexiste a prova inequívoca autorizadora da antecipação." (CALMON DE PASSOS, J.J. Inovações no CPC. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 12.) Tem-se, então, que não guarnecida, aprioristicamente, a pretensão por prova suficiente a demonstrar a verossimilhança das alegação iniciais, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ex vi do disposto no art. 273 do CPC. Nesse sentido, pedimos vênia para transcrever trecho da decisão monocrática prolatada pelo Eminente Desembargador Cezário Siqueira Neto, no bojo do AGRAVO DE INSTRUMENTO – 0918/2011 (processo nº. 2011208312): Diante dos conflitos de interesses e valores envolvidos no tema, o Supremo Tribunal Federal se posicionou, indicando que o Poder Judiciário deve autorizar o fornecimento de medicamentos mediante o preenchimento de alguns requisitos, entre os quais, demonstração inequívoca da necessidade daquele remédio, inexistência de outro medicamento similar no SUS, comprovação da ausência de condições materiais da parte em adquiri-los e que o medicamento indicado esteja na tabela do SUS. In casu, a fumaça do bom direito não se mostrou evidente, na medida em que o relatório médico não foi detalhado o suficiente no sentido de mostrar a imprescindibilidade daqueles medicamentos específicos, assim como se existem outros remédios similares ou genéricos com a mesma eficácia e, ainda, se positivo, se esses foram utilizados na paciente e não surtiram efeitos. Isto posto, no momento, concedo o efeito suspensivo pleiteado. Determino, ainda, seja intimada a agravada para responder ao presente recurso, no prazo devido, e oficiado ao douto juízo a quo para, em igual prazo, prestar as informações que entender necessárias à instrução deste recurso. A decisão do Preclaro Desembargador foi elogiável, pois em consonância com a orientação inequívoca do Supremo Tribunal Federal, confira-se o Voto do Ministro Gilmar Mendes na STA 260/SC, publicada em 10/05/2010: “A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.”
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-fazenda-publica-e-a-dispensacao-judicial-de-medicamentos-sob-o-enfoque-probatorio/
O IPTU progressivo no tempo como poder sancionador pelo estado
Esse artigo aborda a questão do tributo, especificamente, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU com características de uma verdadeira sanção quando a propriedade não atender os fins sociais estipulados pelo plano diretor, obrigando o contribuinte a promover o adequado aproveitamento do imóvel.[1]
Direito Tributário
Introdução No presente trabalho, procurou-se aprofundar o estudo do IPTU progressivo no tempo, instrumento previsto naLei n° 10.257/2001(Estatuto das Cidades) como forma de política urbana para fazer cumprir a função social da propriedade, contribuindo para reordenação do espaço urbano,dando efetividade ao art. 182 da Constituição Federal. Estudou-se a definição do que seria um tributo e alguns de seus princípios basilares. Superado a definição preliminar, se aprofundou as características essenciais do IPTU, seu fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo e competências. A questão da progressividade da alíquota do imposto foi debatida aprofundando um pouco mais a questão do fim social da propriedade, para posteriormente poder fazer a crítica de seu caráter sancionador. A pesquisa apresenta um entendimento do imposto como uma verdadeira sanção pelo Estado, abordando se a questão seria constitucional ou não? Argumentando sobre a possibilidade de ADIn e emendas constitucionais ao art. 182, §4° da Constituição Federal. A pesquisa foi feita no modelo teórico, com base na doutrina, no ordenamento positivo e em reportagens sobre o IPTU. Contou também com a nova posição jurisprudencial acerca do tema dos tribunais superiores e consequentes súmulas. 1. Conceito de tributo: aspectos gerais interpretativos É necessário definir em primeiro lugar o que seria o conceito de tributo. Apesar de a doutrina criar ou se utilizar de várias definições a respeito do instituto, o mesmo apresenta definição legal trazida pela Lei n° 5.172/66. Segundo Paulo de Barros Carvalho[2], o vocábulo “tributo” pode assumir vários significados quando utilizado no direito positivo com correspondência de: a) tributo como quantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; f) tributo como norma, fato e relação jurídica. Luciano Amaro define tributo como “a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”. Aduz Geraldo Ataliba que “o conceito de tributo é nitidamente um conceito jurídico-positivo, em torno do qual irá se formar o Direito Tributário”.  O conceito legal é o expresso no artigo 3° do Código Tributário Nacional – CTN, sendo assim definido: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Infere-se do texto legal que tributo não se constitui como uma sanção por ato ilícito. A obrigação tributária surge da Lei, o art. 3° deixa claro isso excluindo as outras formas de nascimento das obrigações que, segundo Kelsen são: a lei; o contrato; e, o ato ilícito. O artigo 3° exclui todas as outras possibilidades, ou seja, é mais pelo que deixa de dizer. Apesar de seu pagamento ser obrigatório por visar à arrecadação e possuirfinalidade fiscal, arrecadatória, patrimonial,não tem em seu bojo o intuito de punir, diferentemente da multa, uma penalidade por ato ilícito que não almeja arrecadar. 1.1. Conceitos essenciais à definição de tributo O significado da expressão “prestação pecuniária” é equivalente a dinheiro, por isso a utilização do “moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” o que o legislador quis vedar seria a conduta de se quitar a dívida com prestações de serviços ou mercadorias, como por exemplo, o contribuinte está devendo o pagamento do referido tributo e quando a autoridade fiscal fosse cobrar o mesmo afirmasse que sabe que está devendo mas não possui dinheiro no caixa, perguntando se a autoridade aceitaria o pagamento por meio da prestação de seus serviços ou a entrega de parcela de suas mercadorias condizente com o valor da dívida. A hipótese descrita é certamente inviável, uma vez que o objeto do Direito Tributário seria a obtenção dos ativos financeiros, se a autoridade municipal, distrital, estadual ou federal, quisesse possuir esses bens ou serviços, faria para tanto um processo de licitação para buscar a melhor empresa, que tivesse o melhor produto pelo menor preço, muito mais proveitoso. Dessa forma, o STF firmou jurisprudência através de uma Adin 1.197 (Pleno, rel. Ministro Ricardo Lewandoswski, j. 26.04.20007, DJ 24.08.20007, p. 22), que a dação em pagamento de bens móveis é totalmente proibido quando prevista em lei local, pois ofenderia o procedimento de licitação em virtude da reserva de lei federal para estipular regras gerais de licitação. A única exceção lícita é a dação de pagamento em bens imóveis, prevista em lei nacional pelo próprio CTN, art. 156, XI, tendo em vista que o Código permite a quitação de créditos tributários mediante a entrega de outras utilidades que possam ser expressas em moedas, desde que tais hipóteses estejam previstas pelo próprio CTN, rol taxativo. Com relação à expressão “prestação compulsória” é equivalente a obrigatoriedade, traz em seu bojo uma ideia de compulsoriedade, porque o Estado quando institui o tributo está numa situação hierárquica superior aos meros interesses particulares, visando sempre a sociedade, a coletividade, por isso é de imposição obrigatória, pois caso contrário o particular poderia pagar a seu belo prazer ou não pagar, como uma espécie de ajuda, “dízimo”, seria uma obrigação natural[3], por isso sua necessidade de sua exigência ser vinculada, pois é através do dinheiro que o Estado mantém sua estrutura logística, pagamento de servidores, e possibilidade de cumprir seu papel social. Sobre a afirmação “que não se constitua sanção por ato ilícito”, o tributo não é uma sanção por ato ilícito, pois não traz em seu bojo a ideia de sanção, punição. O objetivo do tributo no sentido fiscal é arrecadar, no sentido extrafiscal seria intervir numa situação social, política, econômica, através da tributação perseguindo objetivos alheios ao meramente arrecadatórios. Para tanto, o contribuinte precisa praticar uma conduta no mundo fático, chamado de fato gerador, conduta essa prevista em lei, chamada de hipótese de incidência, que sempre será algo lícito, que quando preenchido todos os requisitos legais, o Estado pode exigir o pagamento do tributo em questão, não havendo o que se falar em punição ou sanção. Com relação à multa tributária, essa decorre do descumprimento da obrigação acessória art. 113, CTN, obrigações de caráter fiscalizatório, informativo; Se o contribuinte não cumpre, o CTN afirma que a obrigação se converte em principal na forma da multa, forma punitiva pela abstinência de cumprir o dever lega imposto. Assim, enquanto o Estado tributa para atingir seus fins, a multa é instituída com o escopo de desestimular infratores. A doutrina não concorda com a denominação utilizada pelo Código, essa pesquisa segue o mesmo entendimento, afirmando que houve falta de técnica legislativa, a obrigação não se converte em principal, uma vez que o mero pagamento da multa não extingue a obrigação “convertida”, o contribuinte continuará tendo de cumprir a obrigação acessória. Onde se lê “converte-se” leia-se “soma-se”, pois além de continuar tendo de cumprir a obrigação, deverá ainda pagar a multa pelo seu anterior descumprimento, se percebe o caráter reeducativo que possui a punição, em estipular uma pena pecuniária pela não observância. Com relação à expressão “prestação instituída em lei” é equivalente ao princípio da legalidade previsto constitucionalmente no art. 5, II, que afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, dessa forma, o tributo precisa está previsto em lei para ser possível sua cobrança compulsória. Traz uma ideia de segurança, previsibilidade das relações jurídicas. Sobre a afirmação “cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, o tributo é criado por lei e cobrado de forma compulsória pelas autoridades adminsitrativas, eles não possuem discricionariedade, ou seja, conveniência e oportunidade para discutir se deve ou não ser cobrado o tributo, quem possui competência para isso seria o Ente que instituiu o respectivo tributo, se pode até mesmo perdoar, hipótese de remissão, pode não querer cobrar (quem pode o mais pode o menos), a autoridade administrativa possui apenas a delegação da capacidade ativa para cobrar. 1.2.A não utilização do tributo como sanção Ato ilícito segundo sua definição no dicionário é aquilo que se opõe ao que é lícito, contrário à lei, ilegal. Que se opõe aos princípios morais, inaceitável de acordo com a moralidade, ou seja, conduta esta que não é permitida perante a lei, ética ou moral. O ato ilícito manifesta-se em todas as áreas do direito, ilícito civil, administrativo, tributário, trabalhista, eleitoral, processual, sendo a sua definição legal encontrada no direito civil nos arts. 186 e 187: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”. Pode-se inferir do texto legal que o titular de um direito pode cometer ato ilícito se agir com excesso, abuso de direito. O ato ilícito tributário é decorrente da violação tributária, como, por exemplo, o descumprimento da obrigação principal ou acessória. Segundo Paulo de Barros Carvalho, sanção é a “norma jurídica em que o Estado-juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa que postula a aplicação coativa da prestação descumprida.” Em outras palavras, seria a ação que o Estado-jurisdição aplica coercitivamente, a pedido do titular de direito violado, tendo em vista a conduta do sujeito infrator. A diferença entre essa espécie normativa, sanção, e as demais regras de comportamento está no antecedente, tendo em vista que a regra sancionatória descreve fato ilícito qualificado pelo descumprimento de dever estipulado no consequente da regra-matriz de incidência. Essa conduta é tida como antijurídica por transgredir o mandamento prescrito, e recebe o nome de “ilícito” ou “infração tributária”. Tratando-se de matéria tributária, o ilícito pode advir da não prestação do tributo, da importância pecuniária (obrigação principal), ou do não cumprimento de deveres instrumentais ou formais (obrigação acessória). Dessa forma, pode-se definir como infração tributária, como toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente represente o descumprimento dos deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais. As condutas infratoras do dever legal previstos em lei tributária pode revestir as características de meras infrações ou ilícitos tributários que se sujeitam aos princípios gerais do Direito Administrativo, bem como de crimes fiscais, dessa maneira definidos em preceitos da lei penal que estão subordinados aos princípios e institutos do Direito Penal. No domínio do Direito Tributário, segundo a inteligência do art. 97, V, do CTN, “somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades para ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas”, dessa forma, o princípio da estrita legalidade também é aplicado para estabelecer hipóteses de incidências que prescrevam o ilícito e sua respectiva consequência. 1.2.1. Tipos de sanções tributárias Existem milhares de tipos de punições que a legislação pátria atribui aos ilícitos tributários. A seguir irá se discutir a respeito das principais modalidades de sanções tributárias em um rol exemplificativo, não sendo assim um rol taxativo as hipóteses: penalidades pecuniárias; multa de ofício; multa punitiva ou por infração; multa isolada; multa agravada; multa de mora; correção monetária e outras providências como apreensão de mercadorias e de documentos, bem como dos veículos que transportam e da mesma forma, suspensão ou inclusão de contribuintes a regime fiscal especial, etc. – Penalidades pecuniárias – São exemplos marcantes do ideal punitivo pelo ordenamento jurídico. A sua aplicação traz consigo um efeito de prevenção evitando que muitas condutas venham a ser consumadas. No Direito Tributário, a penalidade sempre agrava a tributação que já é “pesada” por excelência. A penalidade pecuniária pode apresentar oscilação, quando baseada no critério quantitativo do respectivo tributo, amparada na alíquota ou base de cálculo; ou pode se apresentar sob a forma de um valor fixo, uma importância já determinada. Nas palavras do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS, acerca das espécies de multas tributárias existentes no direito pátrio, conforme extrato abaixo: “(…) No direito tributário, existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação. (…)” – Multa de ofício – Independente da denominação adotada toda multa apresenta seu intuito de punir, originada da inobservância do um dever legal. Multa de ofício é expressão que indica o procedimento para a constituição do consequente sancionatório: lançamento de ofício. É uma espécie de sanção aplicada pela Autoridade Administrativa mediante lançamento de ofício ou Auto de Infração ou Imposição de Multa, porém não se retira a natureza moratória que elas apresentam. – Multa punitiva ou por infração – a distinção entre multa punitiva ou multa moratória é uma classificação criada pela doutrina, não tendo o legislador nacional diferenciado os respectivos institutos. A multa punitiva é uma típica sanção tributária correspondente numa prestação em pecúnia, compulsória, com nítido caráter intimidativo, decorrente de uma conduta ilícita, uma ação ou omissão do sujeito infrator contrária à lei fiscal. É importante salientar que no Direito Tributário, a constituição do ilícito se dá em regra pelo Auto de Infração, veículo normativo apto para constituir a infração no seu antecedente e instituir no consequente (nascendo o direito subjetivo do Estado de exigir do sujeito infrator uma quantia em dinheiro devida a título de punição pelo ato ilícito), a relação jurídica tributária sancionatória que irá impor a multa punitiva. – Multa isolada – procedimento punitivo que de forma isolada exige a multa por algum motivo que a lei determina. Como um exemplo, a multa será cobrada isoladamente, quando o tributo ou a contribuição houver sido pago após o vencimento do prazo previsto em lei. Terá natureza tanto de ofício, em razão doprocedimento que se submete, como punitiva, em decorrência do seu específico intuito regulatório. -Multa agravada –Possui a finalidade de agravar a penalidade quando ocorrer dolo, fraude ou simulação na prática do ato jurídico tributário. É utilizada quando o Auto de Infração, através de forte conjunto probatório, demonstra a existência de dolo, fraude ou simulação perante o Fisco. A constituição do crédito tributário sancionatório dá-se por ofício, sendo, portanto, também do tipo multas de ofício. – Multa de mora – São penalidades em pecúnia, mas que não apresentam ideal punitivo funcionando como uma indenização pelo não recebimento no tempo correto por parte do Pode Público da devida importância. O descumprimento da obrigação tributária, em razão do destempo, é causa que dá motivo a dano para o Erário Público, pressuposto de fato para a imposição da multa de mora. – Juros de mora – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária[4]. Cobrado na base de 1% ao mês, quando a lei não dispuser de modo diverso, são tidos por acréscimos de cunho civil, apresentando uma feição administrativa no ramo do Direito Tributário, instituído por lei e cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, não é uma punição, almeja apenas a remuneração do capita que permanece em mãos do administrado por tempo excedente ao permitido. O contribuinte, ao obter êxito numa ação de repetição de indébito, a restituição total ou parcial do tributo também lhe concederá o direito de receber, na mesma proporção, os juros de mora e as penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição[5], sendo os valores devido desde o trânsito em julgado, uma vez que a partir desse momento se comprova que os valores pertencem ao Sujeito Passivo.[6] – Correção monetária – Representa a mera atualização do valor monetário da dívida, tendo em vista desvalorização da moeda pela ação do tempo. O valor aquisitivo do dinheiro é corrigido, periodicamente, de acordo com índices estimativos, de modo que, em qualquer tempo, é possível saber-se da expressão econômica do débito ou do crédito em relação a determinado intervalo de tempo. Instrumento de justiça e paz social que deve estar presente em qualquer reação obrigacional de cunho pecuniário seja ela pública ou privada. Funciona como uma garantia da propriedade, na medida em que resguarda o direito patrimonial de verdadeiros atos confiscatórios gerados pela inflação, sem nenhum caráter punitivo. Os valores relativos à devolução pela repetição do indébito tributário devem ser atualizados monetariamente no ato de devolução, os quais são contados desde o pagamento indevido.[7] Nas palavras do próprio STJ, em julgado recente, proferido já em 2012: “Cumpre reconhecer que, nas ações de restituição de tributos federais, antes do advento da Lei 9.250/95 incidia a correção monetária desde o pagamento indevido (no caso, no momento da indevida retenção do IR) até a restituição ou a compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros moratórios a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), na forma do art. 167, parágrafo único, do CTN. Após a edição da Lei 9.250/95, no entanto, passou a incidir a taxa Selic desde o recolhimento indevido, ou a partir de 1º de janeiro de 1996 (caso o recolhimento tenha ocorrido antes dessa data). Insta acentuar que a taxa Selic não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque ela inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros.” (EDcl no REsp 1306105, Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, 2012). Assim, para os tributos federais se deve aplicar a taxa Selic (instituída pela Lei nº9.250/95) e não mais o regramento previsto no Código Tributário Nacional, haja vista que ele próprio abre espaço para que cada ente da federação legisle de forma distinta quanto aos seus tributos. Lei nº 9.250/95, art. 39. § 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada. (Vide Lei nº 9.532, de 1997) Apenas para recapitular, o termo inicial da fluência tanto da correção monetária quanto dos juros de mora, nos tributos federais, após 1º de janeiro de 1996, será a data do recolhimento indevido. Os demais tributos estaduais e municipais, salvo disposição em lei em sentido contrário dos respectivos entes da federação, se submetem ao regramento supramencionado contido no CTN. Ressalte-se que a taxa Selic não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque ela inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros. – Outras providências penalizadoras – Uma praxe tributária é a apreensão de mercadorias e de documentos, bem como de veículos que os transportarem, em função de irregularidades verificadas pela fiscalização. A devolução ficará condicionada ao pagamento do tributo devido, com as penalidades cabíveis, ou então, se o interessado quiser discutir a legitimidade fiscal, terá que oferecer fiança inidônea ou depósito de valor correspondente à mais elevada multa aplicável. Acerca dessa medida sancionatória de retenção de bens para forçar o recolhimento do tributo ou da multa, o STF já se manifestou e entendeu que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.[8] 1.3  A distinção entre a possibilidade de incidência em atividades ilícitas (princípio do pecuniam nom olet) A obrigação tributária principal de pagar tributos[9] surge quando se pratica o fato gerador (fato típico ou conduta no mundo fático ou realidade) previsto pela hipótese legal de incidência (lei ou tipificação tributária ou mundo jurídico). Se por exemplo, a obtenção de renda ou proventos de qualquer natureza, prevista como fato gerador do Imposto de Renda no art. 43 do CTN, for proveniente do meio ilícito, serão tributados, mas não como forma de sanção/punição e sim pelo simples preenchimento dos requisitos enquadrados na hipótese de incidência legal.  Legitima-se assim, a sua cobrança pelo Estado, uma vez que a interpretação do fato gerador deve ser feita abstraindo-se a validade jurídica dos atos praticados, conforme elencado no art. 118 do CTN: “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:  I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;  II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” A cobrança é legal tendo em vista o princípio Vespasiano[10]do Pecunian non olet, o dinheiro não cheira, ou seja, independentemente da origem da atividade que auferiu o rendimento econômico, se ilícita ou lícita, será devido o seu pagamento. Por exemplo, uma atividade de tráfico de drogas que devido a seu grande mercado consumidor acabepor gerar vultosos ativos financeiros, conduta esta tipificada como crime de acordo com o art. 33 da Lei n° 11.343/06. Apesar dos recursos financeiros terem raízes provenientes do crime, a aquisição da disponibilidade econômica vai fazer incidir a hipótese legal de incidência de forma lícita, gerando a exação tributária de pagar. A questão objeto da discussão, já é pacífica segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF: “SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADE CRIMINOSA. NON OLET. DROGAS. I. Tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos. II. Caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes. III. Irrelevância de origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. IV. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminosos, antes de ser corolário do princípio da moralidade, constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética”. (HC 77.530-4/RS; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; STF, Primeira Turma, Dj 25/08/1998) Apesar da abrangência conceitual expressa no art. 3. Do CTN, a tributação sofre limites dentre os quais a vedação do tributo com efeito de confisco e o princípio da capacidade contributiva, como se observa a seguir. 1.4 Os princípios da vedação ao efeito de confisco e da capacidade contributiva Outro ponto importante é a vedaçãoda utilização do tributo com efeito de confisco, art. 150, IV, da CF, uma vez que o instituto do confisco terá sempre o caráter de punição, funcionando como uma pena de perda de bens, estipulada segundo o art. 5°, XLVI, b, CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;” O confisco no Brasil terá sempre o caráter de punição, enquanto o tributo por definição, não pode ser sanção por ato ilícito. Existe uma diferença entre o conceito de tributo confiscatório e tributo com efeito de confisco. No primeiro caso, o tributo funciona como uma verdadeira sanção,sendo uma reação a uma conduta ilícita, passando a ter natureza de penalidade semelhante a uma multa, ferindo seu conceito legal no art. 3° do CTN. No segundo caso, sem ser uma reação a uma conduta ilícita, possui exacerbado critério quantitativo, base de cálculo + alíquota, a tal ponto que começa a consumir, expropriar, parcela considerável do patrimônio ou da renda auferida pelo particular, surtindo efeito de uma verdadeira punição. A competência para instituir e cobrar tributos, oriundo do poder de império do Estado[11], prevista no texto constitucional, deve ser utilizada de maneira razoável e proporcional levando em conta a capacidade contributiva, uma vez que não se está punindo a atividade geradora como um ilícito, devendo se abster de impedir, dificultar ou comprometer seu exercício pela utilização do tributo. O conceito do que seria confisco, depende de cada caso, devendo se analisar as condições peculiares de cada contribuinte e a totalidade da carga tributária incidente na operação.Nessa linha é o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, com o pensamento do ministro Sepúveda Pertence: “Também não sei a que altura um tributo ou uma multa se torna confiscatória mas uma multa de duas vezes o valor de um tributo, por mero retardamento de sua satisfação, ou cinco vezes, em caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório.” Importante é o entendimento do STF para se afirmar que por mais que o princípio se refira à vedação do “tributo” com efeito de confisco, o mesmo também é aplicado em relaçãoàs multas tributárias. A tributação sobre o patrimônio pode ser analisada sobre dois vieses. A primeira é a perspectiva estável do patrimônio, analisando a tributação em si mesma, não havendo o que se falar em aferir potenciais mutações que acresçam o valor do bem tributado, como exemplo: o IPTU e o IPVA. A segunda perspectiva é a dinâmica do patrimônio, levando-se em consideração as potenciais mutações que constituam acréscimos patrimoniais, como é o caso do rendimento produzindo por um imóvel, aluguel. Segundo Aires Barreto[12], “podem ser confiscatórios os impostos sobre o patrimônio, quer considerados na perspectiva estática, quer na dinâmica.” Em um debate acerca da legalidade ou ofensa à Constituição Federal pela aplicação pelos fiscos de multas em percentuais superiores ao valor original do débito tributário recentemente chegou às mãos do Excelso Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 833.106, oriundo do Estado de Goiás.  No caso concreto, estava em apreço a legalidade da aplicação de multa tributária punitiva no percentual de 120% sobre o valor do tributo principal, prevista através de lei estadual em pleno vigor em Goiás. O Tribunal de Justiça de Goiás entendeu ser legal a aplicação de tal multa tributária, estando ausente qualquer violação à Constituição Federal pela prática do fisco estadual, já que tal sanção não possuiria caráter de confisco, como alegado pelo contribuinte. Reafirmando decisão que anteriormente já havia tomado, entendeu que é inconstitucional a aplicação de qualquer sanção administrativa tributária punitiva, tanto em caráter federal, estadual e municipal, em percentual superior ao real valor do tributo devido pelo contribuinte. Seguem extratos da decisão ora prolatada: “(…) A decisão impugnada está em desarmonia com a jurisprudência do Supremo. O entendimento do Tribunal é no sentido da invalidade da imposição de multa que ultrapasse o valor do próprio tributo – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 551/RJ, relator ministro Ilmar Galvão, Diário de Justiça de 14 de fevereiro de 2003, e Recurso Extraordinário nº. 582.461/SP, relator ministro Gilmar Mendes, julgado sob o ângulo da repercussão geral em 18 de maio de 2011, Diário de Justiça de 18 de agosto de 2011. 2. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, reformando o acórdão recorrido, assentar a inconstitucionalidade da cobrança de multa tributária em percentual superior a 100%, devendo ser refeitos os cálculos, com a exclusão da penalidade excedente, a fim de dar sequência às execuções fiscais. (…)” Assim, em razão do fisco do Estado de Goiás ter realizado a fixação da multa em 120% sobre o valor do débito tributário, prática que violação aos preceitos constitucionais, a Corte Superior realizou a redução do valor da sanção para o percentual de 100%, limite máximo autorizado, sob pena de a sanção passar a ter caráter confiscatório. O entendimento exposto pelo STF em julgamento do caso supracitado é de extrema relevância. Apesar de não ter sido apreciado e/ou julgado em sede de recurso repetitivo, ou seja, ocasionaria a aplicação da decisão para todos os demais casos similares em apreço do nosso vasto Brasil, serve como patamar para os próprios fiscos, na aplicação de novas multas tributárias aos contribuintes, bem como serve de exemplo para as cortes inferiores, que poderão passar a adotar tal entendimento a fim de evitar a interposição de futuros recursos extraordinários e a reforma de decisões. Assim como com relação às multas punitivas, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou e delimitou o limite das multas moratórias, a serem aplicadas ao contribuinte que vier a realizar o pagamento de algum tributo de forma intempestiva. Em um caso específico, julgado pelo STF através do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 727.872/RS, o fisco realizou a aplicação de multa moratória a um contribuinte no percentual de 30% sobre o valor do tributo devido. Em julgamento do pleito recursal pelo Supremo, sob a relatoria do ministro Roberto Barroso, houve a reafirmação de entendimento, oportunamente, anteriormente já estabelecido, ou seja, de que a multa moratória tributária não poderá ultrapassar o percentual de 20% sobre o valor do tributo, sob pena de caracterização do ímpeto confiscatório da sanção, expressamente vedado pela Constituição Federal, como já abordado no presente trabalho. Segue trecho do acórdão prolatado: “(…) A tese de que o acessório não pode se sobrepor ao principal parece ser mais adequada enquanto parâmetro para fixar as balizas de uma multa punitiva, sobretudo se considerado que o montante equivale a própria incidência. Após empreender estudo sobre precedentes mais recentes, observei que a duas Turmas e o Plenário já reconheceram que o patamar de 20% para a multa moratória não seria confiscatório. Este parece-me ser, portanto, o índice ideal. O montante coaduna-se com a ideia de que a impontualidade é uma falta menos grave, aproximando-se, inclusive, do montante que um dia já foi positivado na Constituição. (…)” Após lecionar de forma perfeita acerca das similaridades e peculiaridades das multas tributárias moratórias e punitivas, o ministro Roberto Barroso, para concluir o seu julgamento, estabeleceu os limites de percentuais estabelecidos pacificamente pelo STF para a aplicação das referidas sanções aos contribuintes, nos termos do trecho a seguir: “(…) Considerando as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular, parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas. (…)” Com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal, é vedada a aplicação de multa tributária pelos fiscos em percentual superior a 100%, em caso de multa punitiva, e 20%, em caso de multa moratória, sobre o valor do tributo devido pelo contribuinte, sob pena de haver a caracterização do confisco, expressamente vedado pelo artigo 150, IV, da Constituição Federal do Brasil. 2. Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – iptu: aspectos gerais e normas gerais O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU é de competência dos Municípios e do Distrito Federal[13], previsto no texto da Carta Magna[14] e no Código Tributário Nacional – CTN[15]. 2.1.Fato gerador O fato gerador é ser proprietário de um imóvel, ter o domínio útil ou a posse de bem situado na zona urbana do Município[16]. O próprio art. 32, do CTN, traz a definição do que seria zona urbana para fins de incidência tributária, que deve ser estipulada por lei municipal, devendo se observar a existência de no mínimo 2 melhoramentos, construídos ou mantidos pelo Poder Público, como por exemplo: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abastecimento de água; sistema de esgotos sanitários; rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerável. Também é importante salientar que a lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior. 2.2. Base de cálculo A base de cálculo é amparada no valor venal do imóvel, que na sua determinação não se considera o valor dos bens móveis mantidos em caráter permanente ou temporário. Para o Poder Público estimar o valor venal de um imóvel é preciso que ele se utilize de certos critérios objetivos previstos em lei que variam segundo o local, o período, o gênero e a espécie em que o bem se encontra. Tratando-se de bens imóveis, o valor venal é calculado levando em conta o preço que a unidade imobiliária alcançaria em uma operação de compra e venda simples, considerando a função da área da edificação, as características do imóvel (idade, posição, tipologia), sua utilização (residencial ou não) e seu respectivo valor unitário padrão (valor do metro quadrado dos imóveis no logradouro). O cálculo do valor venal de imóveis edificados residenciais é previsto pelo art. 33, do CTN segue a seguinte metodologia:V = A x VR x I x P x TR Onde:V = valor venal do imóvel;A = área da edificação;VR = valor unitário padrão residencial, de acordo com a Planta de Valores do Município;I = fator idade, aplicável em razão da idade do imóvel contada a partir do exercício seguinte ao da concessão do "habite-se", da reconstrução ou da ocupação do imóvel se este não tiver "habite-se";P = fator posição, varia conforme a localização do imóvel em relação ao logradouro;TR = fator tipologia residencial, de acordo com as características construtivas do imóvel considerada as suas reformas, acréscimos e modificações. É sabido que uma das exceções ao princípio da legalidade é a mera atualização monetária, como bem expressa o art. 97, §2º do CTN, não se constituindo assim uma majoração do tributo. Porém o IPTU apresenta uma particularidade segundo o entendimento sumulado pelo STJ que é defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.[17] 2.3. Contribuinte O contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel ou titular do seu domínio útil ou o possuidor a qualquer título, cabendo a legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do IPTU[18]. O STJ entende que somente é contribuinte do IPTU o possuidor por direito real que exerce a posse com animus domini ou definitivo.[19] 2.4. Lançamento A hipótese de lançamento do tributo em questão é por ofício[20], uma vez que o sujeito passivo não elabora declarações ou presta informações sobre a matéria de fato indispensável a sua efetivação nem antecipa valor algum sem o prévio exame da autoridade administrativa. A simples remessa do carnê para pagamento do IPTU ao endereço do contribuinte configura notificação de lançamento.[21] Está sujeito aos princípios da legalidade, anterioridade do exercício financeiro, anterioridade nonagesimal ou noventena (exceto em relação às alterações da base de cálculos do tributo).[22] 2.5. Regime de alíquotas Diante de tantas particularidades no regime de alíquotas do IPTU, se detalhará melhor nos tópicos a seguir todos os detalhes. 2.5.1. Tipos de progressividade Na progressividade, se estabelece uma função quase linear entre uma grandeza e outra, de forma que o crescimento de uma implicará a majoração da outra.A EC 29/2000 autorizou que as alíquotas do IPTU sejam progressivas em razão do valor do valor do imóvel. Alguns Municípios já usavam tal modelo mesmo sem haver autorização legal para tanto, pois se baseavam que os imóveis mais valiosos pertencessem a pessoas com maior capacidade contributiva, sendo a progressividade uma maneira de tornar isonômica a incidência tributária. Porém, o STF considerou inconstitucionais todas as leis que estabeleceram a progressividade de alíquotas do IPTU com base no valor do imóvel, antes da autorização formal da EC 29/2000[23], por entender que o art. 145, §1º da CF, somente permitia os tributos pessoais tivessem sua incidência ajustada de acordo com a capacidade contributiva do sujeito passivo. No mesmo sentindo de sua Súmula 668, o STF tem se manifestado no sentido de não ser possível a progressividade de alíquotas do IPTU com base no número de imóveis do contribuinte.[24]Assim, na progressividade fiscal do IPTU, ao aumento da base de cálculo corresponderá um incremento da alíquota. Segundo o art. 182, §4° da CF, é facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento. No caso de o particular não atender à exigência do Poder Público, próprio dispositivo prevê um conjunto de providências sucessivas. A segunda delas, logo após o parcelamento ou edificação compulsórios, é a adoção de IPTU progressivo no tempo. Na progressividade extrafiscal, um aumento no tempo de descumprimento das imposições do Município trará uma majoração na alíquota do imposto. O parâmetro para a progressividade extrafiscal não é o valor do imóvel, mas sim o passar do tempo sem o adequado aproveitamento do solo urbano. Assim, na progressividade fiscal prevista no art. 156, §1º, I, da CF, quanto mais valioso o imóvel, maior a alíquota incidente. Já na progressividade extrafiscal, prevista no art. 182, §4º, II, da CF, quanto mais tempo mantida a situação agressiva à finalidade social da propriedade, maior será a alíquota aplicável no lançamento. 2.5.2. Alíquotas diferenciadas A alíquota pode variar com o uso do imóvel, de forma que podem existir alíquotas diferentes para imóveis comerciais e residenciais. Também é possível a variação da alíquota de acordo com a localização do imóvel, o que permite, por exemplo, a criação de tabelas diferentes de alíquotas de IPTU para bairros de classes alta, média e baixa. É interessante notar que, em atenção ao princípio da isonomia, o STF, mesmo antes do advento da EC 29/2000, que autorizou a diferenciação da alíquota com base no uso do imóvel, entendeu possível a redução do IPTU sobre o imóvel ocupado pela residência do proprietário que não possua outro.[25] 3. A definição constitucional da progressividade no tempo Existe uma grande celeuma doutrinária sobre a definição deste tributo segundo a previsão do art. 182, §4°, II, da Constituição Federal que assim prevê: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” O cerne da questão diz respeito à alíquota progressiva em razão da propriedade que não atenda os fins sociais estipulados pelo plano diretor, obrigando o contribuinte a promover o adequado aproveitamento da propriedade, conforme previsto no art. 7° da Lei n° 10.257/01: “Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. § 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento. § 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o. § 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo”. A progressividade fiscal como já anteriormente analisada funciona como uma técnica empregada na qual, ao passo que aumenta a base de cálculo do IPTU, aumenta a alíquota sobre ela aplicável. Já na progressividade extrafiscal, prevista no art. 182, §4º, II, da CF, quanto mais tempo mantida a situação agressiva à finalidade social da propriedade, maior será a alíquota aplicável no lançamento. Sua aplicação só é legítima na hipótese de descumprimento da obrigação legal de observância do plano diretor, consistindo numa verdadeira sanção. Para o melhor entendimento do tema é necessário descrever o instituto da fiscalidade e da extrafiscalidade. A fiscalidade é definida como uma ação de caráter arrecadatório, fim exclusivo de abastecer os cofres públicos sem que outros objetivos interfiram no direcionamento da atividade impositiva. A finalidade extrafiscal pode ser definida como um manejo dos elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios. No sentido de prestigiar certas situações, tidas como social política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. Segundo Geraldo Ataliba[26], “a extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou inibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.” O papel intervencionista do Estado tem origens no período da revolução industrial e a tensão entre empregados e empregadores. O conflito entre lucros exorbitantes versus melhores condições de trabalho comprometia as bases e fundamentos do liberalismo clássico, demandando do Estado uma ação positiva nos direitos sociais, fazendo-o abandonar a postura absenteísta experimentada durante o período liberal e a adoção de uma postura intervencionista. Dentre as estratégias de intervenção econômica, destacam-se duas possibilidades: a intervenção no domínio econômico e a intervenção sobre o domínio econômico. A intervenção no domínio econômico ocorre sempre que o Estado através de seu direito e sua constituição promove a atuação estatal na qualidade de empresário, para tanto o Estado cria empresas constituídas com o capital público e destinadas a competir com o particular e obedecendo as regras do mercado. Já a intervenção sobre o domínio econômico consiste em uma forma de atuação através da qual o Estado permanece na condição de soberano, Poder de Império, estabelecendo os limites da própria atividade econômica através, por exemplo, de sua atividade fiscal (tributos, multas, reparações de guerra). Parte da doutrina considera a previsão do art. 182, §4°, II, da CF (que já constava no texto original da Carta Magna, não oriundo de emendas)como uma utilização excepcional do IPTU na modalidade extrafiscal, uma vez que o referido imposto é predominantemente fiscal. A progressividade da alíquota pode ser definida sobre dois viés, o fiscal e o extrafiscal. Na forma fiscal, funciona como uma técnica que pode ser adotada para graduar tributos segundo a capacidade econômica do contribuinte.[27] Na forma extrafiscal, funciona como um mecanismo empregado para obtenção de resultados intervencionistas sem fins arrecadatórios, induzindo ou desestimulando comportamentos dos agentes privados atuantes do domínio econômico. Como exemplo, o Imposto de Importação – II e o Imposto de Exportação – IE, ambos diretamente ligados a ideia de proteção do mercado nacional em face dos produtos estrangeiros e competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, cunho econômico e social pela continuidade do trabalho e permanência dos empregos; Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, estimulando ou inibindo a comercialização de produtos em determinados setores da economia; Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, com impacto significativo na inflação e taxa de juros, setor de turismo, importação de insumos para as indústrias, investimentos. Mesmo levando em consideração o caso em que o IPTU na modalidade progressiva possuísse um caráter extrafiscal, estaria se afirmando que a sua hipótese de incidência seria o descumprimento da função social da propriedade, devendo se impor as devidas medidas úteis para assegurar a fiel execução do plano diretor. Éimportante lembrar que o tributo não pode ser instituído como uma sanção por ato ilícito, que no caso do IPTU é ser proprietário de um bem. A ilicitude está localizada no descumprimento da função social, devendo esta ser combatida com uma sanção que o legislador originário estipula como o IPTU progressivo. A progressividade da alíquota é limitada pelo princípio da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco[28] e pelo princípio da capacidade contributiva, com valor máximo de 15% com base na lei municipal específica de cada ente federativo.A respeito do IPTU e sua majoração anual não pode ultrapassar o dobro do valor da alíquota aplicada no ano anterior. Pelo exposto no art. 7 do Estatuto da Cidade, fica evidente que o poder público municipal só pode lançar mão do IPTU progressivo quando não forem atendidos os prazos e ditames do art. 5° do próprio estatuto, evidenciando o caráter sancionatório do gênero ora comentado. 3.1. Sua feição punitiva / sancionatória Quando uma propriedade urbana descumpre sua função social prevista no plano diretor de cada cidade, pode o administrador público se utilizar dos recursos sancionatórios previstos em lei para garantir a fiel continuidade da finalidade social da propriedade, conforme o art. 182, §4, da Constituição Federal. Quanto aos meios de sanção que se pode empregar, previstos no capítulo da política urbana, pelo descumprimento da função social, pode-se se dividir em 3 opções: parcelamento ou edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública. Para corroborar o entendimento dessa pesquisa do tributo como uma verdadeira sanção, José Afonso da Silva[29] e parte da doutrina no âmbito do direito administrativo costuma chamar essa hipótese de desapropriação como “desapropriação sanção ou desapropriação urbana sancionatória”, trazendo assim em seu bojo o art. 182, §4°, da CF um ideal punitivo. Com isso, o manejo do IPTU com a alíquota progressiva surge com um caráter punitivo/sancionador, servindo como uma imposição ao proprietário de imóveis urbanos subutilizados do fiel cumprimento da lei, para que o mesmo dê uma finalidade real e útil ao imóvel, sendo um dever legal sua observância pelo poder público municipal. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[30] o IPTU não é uma sanção pois “não deve ser entendido como penalidade, pois a subutilização não é ato ilícito e, principalmente, o IPTU é um tributo, não podendo, portanto, em hipótese nenhuma, constituir uma sanção em sentido próprio.” A sanção pode ser interpretada como uma forma de prevenção, buscando diminuir a realização de alguma conduta específica através de seu poder intimidatório, dessa forma, a punição funciona como uma forma de se destacar o poder estatal, punindo todo aquele que não observar seus parâmetros de conduta. O imposto em si não é uma sanção, visto que sua hipótese de incidência já foi preenchida pelo fato gerador e sua alíquota com intuito arrecadatório fiscal já foi utilizada, abstraindo-se a validade jurídica da ilicitude no descumprimento da função social da propriedade, porém, quando se utiliza na modalidade progressiva, possui caráter sancionatório. 3.2. Sua extrafiscalidade O Estatuto da Cidade, Lei n° 10.257/01, foi criado tendo por base a migração da população rural para as áreas urbanas entre as décadas de 40 e 80. Devido ao crescimento desordenado e o “inchaço urbano” fruto da inércia do Poder Público, as diferenças foram acentuadas pela desigualdade, provocando áreas planejadas, dotadas de infraestrutra de serviços que permitem um padrão de vida adequado às necessidades do mundo, e áreas precárias, desenvolvidas fora do traçado original e desprovidas de condições para o atendimento das necessidades mais básicas de seus moradores. As terras ociosas abastecidas de infraestrutura como serviço de água, coleta de esgoto, pavimentação, iluminação pública, poderiam acomodar mais do que o dobro da população. Em metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, o número de imóveis edificados vazios, localizados nas áreas centrais e atendidas por infraestrutura e oferta de serviços públicos, se aproxima do déficit habitacional de ambas as cidades.   Tabela 01 – tabela demonstrativa do Censo – 2000, sinopse preliminar segundo o IBGE. A falta de edificação em uma determinada propriedade situada num bairro já abastecido por melhoramentos públicos acarreta ociosidade na sua utilização, além de diminuir adensidade demográfica naquele lugar, fazcom que as pessoas procurem outros locais para moradia, eventualmente não atendidas pelo Estado, gerando locais ociosos e carentes de infraestrutura pela ausência de atuação do Estado. A função social da propriedade se refere ao limite que deve ter seu possuidor de usufruí-la diante das carências sociais e também diante das irracionalidades causadoras da depredação ambiental, dessa forma, o cumprimento da função social é uma questão, sobretudo, de cidadania. O legislador quando criou a função social, se baseou no entendimento que o direito de propriedade não é exercido de forma plena, razão pela qual precisa ser desenvolvida de forma social (cultivar a terra ou edificar para moradia) ou econômica (aluguéis), sendo uma questão de justiça social. O objetivo da norma é incentivar o cumprimento de forma coercitiva da função social da propriedade através do agravamento da carga tributária pelo decorrer do tempo, progressividade no tempo da alíquota[31], suportada pelo proprietário do solo urbano que não atenda o fim do plano diretor[32]. 4. A confrontação do caráter sancionatório do iptu, com fundamento constitucional e a definição legal de tributo A previsão da progressividade extrafiscal já constava no texto original da Constituição Federal de 1988, não decorrendo de Emenda. Sua legitimidade, no atual ordenamento jurídico-constitucional, remonta à promulgação da Carta Magna. Por ser uma norma constitucional originária, o disposto no art. 182, §4º, II, da CF é insuscetível de ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, só podendo ser as normas oriundas do Poder Constitucional derivado. A regra do IPTU progressivo como instrumento de política urbana é decorrente do Poder Constituinte Originário ou genuíno ou inaugural, sendo a constituição Federal fruto desse poder. O Poder Constituinte Originário é aquele capaz de estabelecer uma nova ordem constitucional, isto é, de dar conformação nova ao Estado, rompendo com a ordem constitucional anterior. É auto-fundante, isto é, tira fundamento de si próprio, não se funda em nenhum outro; Autônomo, não está subordinado a qualquer limitação material; Incondicionado, seu exercício não está submetido à forma, pois é ele quem delibera de que maneira o faz. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a tese das normas constitucionais inconstitucionais, ou seja, de normas contraditórias advindas do poder constituinte originário. Assim, se o intérprete da Constituição se deparar com duas ou mais normas aparentemente contraditórias, caber-lhe-á compatibilizá-las, de modo que ambas continuem vigentes. Não há que se falar em controle de constitucionalidade de normas constitucionais, produto do trabalho do poder constituinte originário. O Supremo Tribunal Federal apenas admite a possibilidade de controle de constitucionalidade em relação ao poder constituinte derivado, apreendendo-se, portanto, que as revisões e as emendas devem estar balizadas pelos parâmetros estabelecidos na Carta Magna. É importante se fazer um paralelo da origem história do Código Tributário Nacional como Lei ordinária n° 5.172 de 1966 que com a criação da Constituição de 1967, foi estipulada no direito brasileiro a figura da lei complementar, sendo assim recepcionado o CTN com status de Lei Complementar e mantido pela Constituição de 1988. De posse preliminar desse conceito e analisando a teoria da hierarquia das normas, se percebe que as normas expressas na Constituição Federal estão no topo da “pirâmide hierárquica”, estando as demais abaixo: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, etc. Pode-se perceber que o conceito de tributo, definido no art. 3 do CTN, não foi completamente recepcionado pela atual Constituição Federal, pois segundo sua definição seria totalmente incompatível com o teor punitivo que o art. 182, §4º, II imputa à alíquota progressiva extrafiscal do IPTU. Essa pesquisa adota o entendimento que a única maneira para distinguir e por ventura “salvar” a existência da progressividade extrafiscal da alíquota do IPTU com ares de uma verdadeira sanção, com o intuito de assegurar o fim social da propriedade com o agravamento da carga tributária consequente do descumprimento do adequado aproveitamento, seria a de que o art. 3° do CTN foi parcialmente recepcionado ou parcialmente não recepcionado pela Constituição Federal de 1988. A Proposta de Emenda à Constituição – PEC decorre do Poder Constituinte Derivado Reformador que possui limitações de ordem formal ou procedimental (iniciativa, votação, promulgação), material ou de conteúdo (cláusulas pétreas), circunstancial (Estado de sítio, Estado de defesa, intervenção federal) e temporal (irrepetibilidade dos projetos de lei). Como o art. 182, §2º,aparentemente, não se trata de uma cláusula pétrea, situações previstas no art. 60, §4º da CF, seu conteúdo pode ser alteradopor meio de uma emenda constitucional por iniciativa de 1/3 , no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; pelo Presidente da Repúbica; por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros; devendo ser aprovada nas 2 casas do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos para melhor se adaptar a definição trazida pelo CTN, resolvendo assim a problemática da recepção parcial da definição de tributo que não se constitua uma sanção por ato ilícito previsto no art. 3º do CTN. 5. Conclusão Diante do exposto, a crítica que se faz é com relação ao caráter sancionador que a lei apresenta sem fins fiscais ou arrecadatórios pelo Ente municipal, abarcando osconceitos da pena no seu idealintimidativo e punitivo, inclusive reeducativo para não mais deixar a propriedade urbana inutilizada ou subutilizada, promovendo assim seu adequado aproveitamento com base no plano diretor, fazendo jus ao fim social. O problema encontrado na finalidade extrafiscal do IPTU é que o Município tende a estimular ou desestimular condutas para promover políticas públicas que não guardam qualquer afinidade com o tributo e a conduta esperada, poderia para tanto, o Estado se utilizar de outros meios coercitivos para constranger o contribuinte ou proprietário do imóvelpara que venha a surtir o mesmo efeito, como a imposição de multa no âmbito administrativo pelo descumprimento do preceito legal sem a necessidade de utilizaçãodo imposto como uma verdadeira sanção. A progressividade da alíquota do IPTU no tempo é uma punição aplicada ao proprietário que deixa ociosa ou subutilizada uma propriedade fundiária muito grande em área onde tenham sido realizados investimentos públicos, abusando assim de seu direito de propriedade, sendo um verdadeiro ato ilícito, punido de forma sancionatória por um tributo. Como é uma disposição oriunda do Poder Constituinte Originário, é insuscetível de ser objeto de discussão de constitucionalidade por meio de ADIn. Essa pesquisa adota o entendimento que a única maneira para distinguir e por ventura “salvar” a existência da progressividade extrafiscal da alíquota do IPTU com ares de uma verdadeira sanção, com o intuito de assegurar o fim social da propriedade com o agravamento da carga tributária consequente do descumprimento do adequado aproveitamento, seria a de que o art. 3° do CTN foi parcialmente recepcionado ou parcialmente não recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Como o art. 182, §2º, aparentemente, não se trata de uma cláusula pétrea, situações previstas no art. 60, §4º da CF, seu conteúdo pode ser alterado por meio de uma emenda constitucional por iniciativa de 1/3 , no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; pelo Presidente da Repúbica; por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros; devendo ser aprovada nas 2 casas do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos para melhor se adaptar a definição trazida pelo CTN, resolvendo assim a problemática da recepção parcial da definição de tributo que não se constitua uma sanção por ato ilícito previsto no art. 3º do CTN.
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Responsabilidade tributária dos sócios-gerentes e administradores e a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica à luz do artigo 135, III, do CTN
O presente trabalho versa sobre a responsabilidade tributária do sócio-gerente e do administrador à luz do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, bem como sobre a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica tributária. O objetivo deste estudo é demonstrar em quais circunstâncias o sócio-gerente ou o administrador poderá ser responsabilizado pelos débitos tributários da empresa. Para a sua realização, utilizou-se o método dedutivo, artigo científico, quanto ao procedimento e quanto a pesquisa foi documental, com aprofundamento teórico em pesquisa bibliográfica em livros, jurisprudências, meios eletrônicos e artigos. Colheu-se, que o sócio-gerente ou o administrador pode ser pessoalmente e diretamente responsabilizado pelas obrigações tributárias da empresa, nos termos do artigo 135, III, do CTN, quando, durante sua gestão, for constatado ato praticado dolosamente, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto da empresa, o qual tenha gerado tal obrigação tributária. Constatou-se, ainda, divergência doutrinária e jurisprudencial no que tange a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, eis que alguns defendem a aplicação deste instituto com fundamento no artigo 135, III, do CTN. Contrariamente, há quem defenda que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica nada se assemelha a responsabilidade esculpida no artigo 153, III, do CTN, haja vista este dispositivo tratar de responsabilidade direta de terceiro.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Versa o presente trabalho sobre o tema da responsabilidade tributária dos sócios-gerentes e administradores, com ênfase no artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional. Além disso, procura analisar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário com fundamento no dispositivo legal supracitado. Acerca da temática apresentada, infere-se que a pessoa jurídica, que adota a forma limitada, possui personalidade jurídica distinta dos seus sócios e administradores, pois, em regra, possuem patrimônio inconfundível e incomunicável. Ocorre que, o Código Tributário Nacional elenca algumas possibilidades em que poderá ser responsável pela obrigação tributária uma terceira pessoa, que não o contribuinte, mas que esteja diretamente vinculada ao fato gerador ou possua vínculo com a obrigação por expressa disposição legal. Para o Código Tributário Nacional, são três as espécies de responsabilidade tributária, quais sejam: responsabilidade por sucessão, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infrações. Nesse sentido, pretende-se demonstrar o alcance da responsabilização tributária de terceiros, especificamente dos administradores, observando-se casos em que os sócios e/ou administradores podem ou não ser responsabilizados pela dívida tributária da empresa. Ainda em relação ao artigo 135, III, do CTN, importante salientar que, no âmbito do direito tributário, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica é objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial. Assim, denota-se a existência de uma corrente que defende a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica com base no artigo 135, inciso III, do CTN, e outra corrente que defende a tese de que o referido artigo não se relaciona com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois trata de responsabilização direta e exclusiva de terceiro. Assim, analisar-se-á, neste estudo, a responsabilidade de terceiro descrita no artigo 135, inciso III, do CTN, bem como os requisitos e pressupostos constantes neste dispositivo para que tais figuras venham a ser responsabilizadas pessoalmente no âmbito tributário, os quais nem sempre são observados nos julgamentos pelo Brasil a fora. 2 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA  A responsabilidade tributária nasce de uma obrigação tributária, que por sua vez, origina-se de uma relação jurídica estabelecida entre o Estado e o particular, a qual objetiva, uma prestação de cunho patrimonial, ou seja, o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, bem como a realização de deveres instrumentais administrativos relativos à arrecadação e a fiscalização de tributos.[1] A relação jurídica tributária é constituída pelos sujeitos ativo e passivo. Por sujeito ativo entende-se o ente público – União, Estados, Municípios e Distrito Federal, nos termos do artigo 119 do CTN: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.[2] Entende-se por sujeito passivo da obrigação tributária a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou da penalidade pecuniária. É a pessoa determinada pela lei como devedora de uma prestação pecuniária, conforme o artigo 121 e seguintes do CTN: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto. Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.[3] Nesse sentido expressa Eduardo Sabbag: “Em princípio, o tributo deve ser cobrado da pessoa que pratica o fato gerador. Nessas condições, surge o sujeito passivo direto (“contribuinte”). Em certos casos, no entanto, o Estado pode ter a necessidade de cobrar o tributo de uma terceira pessoa, que não o contribuinte, que será o sujeito passivo indireto (“responsável tributário”). Em sentido estrito, é a sujeição passiva indireta a submissão ao direito de crédito do Fisco, em virtude de expressa determinação legal, de pessoa diversa do contribuinte, desde que tenha um vínculo indireto com a situação que corresponda ao fato gerador “(art. 128 do CTN).[4] Além disso, tem-se que a responsabilidade poderá ser por substituição ou por transferência. A responsabilidade por substituição se dá “quando terceira pessoa substitui o contribuinte no cumprimento das obrigações, sendo diretamente exigido pela autoridade administrativa a realização do cumprimento das obrigações, podendo atribuir ao contribuinte, apenas de forma supletiva, a responsabilidade tributária[5]”. Já a responsabilidade por transferência, conforme se extrai da doutrina de Eduardo Sabbag, se dá: “Quando, por expressa previsão legal, a ocorrência de um fato, posterior ao surgimento da obrigação, transfere a um terceiro a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, que até então era ocupada pelo contribuinte. Nesse caso, ‘o contribuinte não é ignorado, havendo a mudança do sujeito passivo em momento posterior’. Essa transferência poderá excluir a responsabilidade do contribuinte ou atribuí-la em caráter supletivo. Esta comporta três situações possíveis: a responsabilidade por solidariedade, a responsabilidade dos sucessores e a responsabilidade de terceiros”[6]. Nesse diapasão, passar-se-á a estudar, brevemente, as principais espécies de responsabilidade tributária. 2.1 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA O Código Tributário Nacional, sem seus artigos 128 a 138[7], elenca as hipóteses de responsabilidade tributária, as quais são: responsabilidade dos sucessores, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infrações, como a seguir demonstrado. 2.1.1 Responsabilidade por Sucessão A responsabilidade por sucessão está disciplinada nos artigos 129 a 133 do CTN[8]. Extrai-se destes dispositivos que o responsável será outra pessoa que não a que realizou o fato gerador, podendo referida responsabilidade ocorrer antes ou depois da constituição do crédito tributário, na qual o sucessor passa a ocupar a figura do antigo devedor, no estado em que a obrigação se encontra. Eduardo Sabbag assim explica: “A responsabilidade de devedores sucessores ou, simplesmente, responsabilidade dos sucessores está disciplinada nos arts. 129 a 133 do CTN. Aqui a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do ‘desaparecimento’ do devedor original. Esse desaparecimento pode ser, v.g., por morte do primeiro devedor, recaindo o ônus sobre os herdeiros, ou por venda do imóvel ou estabelecimento, incidindo o importe tributário sobre o comprador. Nessa toada, dois tipos de transferência podem se dar: I Transferência causa mortis: a transmissão do ônus ocorre para os herdeiros, havendo a sua responsabilidade pessoal (art. 131, II e III, CTN); II Transferência inter vivos: a obrigação se transfere para o adquirente em quatro hipóteses: 1ª hipótese: transmissão de imóveis (sucessão imobiliária, art. 130, CTN); 2ª hipótese: transmissão de bens móveis (sucessão inter vivos; art. 131, I, CTN); 3ª hipótese: transmissão de estabelecimento comercial, industrial ou profissional (sucessão comercial; art. 133, CTN); 4ª hipótese: transmissão decorrente de fusão, incorporação, transformação ou cisão (sucessão empresarial; art. 132, CTN)”.[9] Nessa esteira, Aliomar Baleeiro acrescenta: “Bem se vê que a responsabilidade por sucessão não configura sanção jurídica. O fato jurídico que desencadeia a responsabilidade é a sucessão, fato lícito, não se revestindo, portanto, a consequência da norma secundária de caráter sancionatório. Por tal razão, ela se estende a todas obrigações nascidas anteriormente à data da sucessão, ainda que não formalizadas pelo lançamento, e ainda que não tenham sido descumpridas previamente pelo sucedido. Podem ser apenas obrigações surgidas,mas ainda não vencidas ou não exigíveis a data da sucessão.”[10] Destarte, observa-se que o artigo 130 do CTN dispõe da responsabilidade por sucessão na aquisição de bens imóveis, onde os compradores estão obrigados a pagar os débitos fiscais de seus sucedidos (ora vendedores), salvo quando conste no título a prova de sua quitação. Já o artigo 131 do CTN consta o rol dos responsáveis por sucessão. De outra banda, os artigos 132 e 133 do CTN discorrem sobre a responsabilidade dos agentes empresariais, ou seja, a sucessão tributária que ocorre em virtude de fusão, transformação ou incorporação[11]. Logo, a pessoa jurídica de direito privado que resultar de uma dessas três hipóteses será responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado que foram fusionadas, transformadas ou incorporadas. A sucessão empresarial ocorre na hipótese de extinção de pessoa jurídica que continua sendo explorada por qualquer sócio remanescente ou seu espólio, nos termos dos artigos 132 e 133 do CTN, a qual transfere a responsabilidade pelo pagamento do tributo aos continuadores da atividade, eis que estes serão considerados sujeito passivo da obrigação tributária. 2.1.2 Responsabilidade de Terceiros O Código Tributário Nacional dispõe sobre a responsabilidade de terceiros nos seus artigos 134 e 135, os quais expressam: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”[12] Como prescrito no artigo 134 do CTN, na hipótese de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal por parte do contribuinte, os representantes – pais, tutores e curadores, inventariante, síndico da falência, os sócios nas sociedades de pessoas quando liquidadas, tabeliães, entre outros, se tornarão solidariamente obrigados pelos débitos fiscais, se tais pessoas intervierem no ato tributado ou cometerem omissões. Em que pese o texto legal mencionar a palavra “solidariamente”, trata-se de responsabilidade subsidiária. Sobre o assunto, Kiyoshi Harada dispõe: “Por se tratar de responsabilidade solidária, alguns autores entendem que a responsabilidade das pessoas enumeradas nos incisos I usque VII independe da verificação de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. O certo é que a própria norma condiciona a responsabilidade solidária de terceiros aí referidos a dois requisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e o fato de o responsável solidário ter uma vinculação indireta, através de ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Quis o legislador, na verdade, referir-se à responsabilidade subsidiária, porque a solidária não comporta benefício de ordem (parágrafo único do art. 124 do CTN). Acrescenta o parágrafo único desse artigo que a responsabilidade solidária, em matéria de penalidades, só tem aplicação em relação às de caráter moratório”[13]. Denota-se que o artigo 135 do CTN estende e agrava a regra do artigo anterior, trazendo a baila outros responsáveis (mandatários, prepostos e empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado), atribuindo a responsabilidade pessoal, plena e exclusiva aos terceiros, quando verificado excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Aduz Sacha Calmon que o dispositivo em análise tem razão em ser rigoroso, já que ditos responsáveis terão agido sempre de má-fé, merecendo, por isso mesmo, o peso inteiro da responsabilidade tributária decorrente de seus atos, desde que tirem proveito pessoal da infração, contra as pessoas jurídicas e em detrimento do Fisco[14]. Nesse sentido, expressa Marciano Seabra de Godoi (apud Beraldo): “Na sistemática do Código Tributário Nacional, existem dois tipos de devedores ou sujeitos passivos do tributo: contribuinte é o sujeito passivo que pratica efetivamente o fato gerador do tributo; responsável é o sujeito passivo que não tem relação pessoal e direta com o fato gerador, mas a lei tributária o coloca mesmo assim na posição de devedor (solidário ou não) do tributo. Figuremos um exemplo: a empresa X era proprietária de um imóvel urbano no dia 1º de janeiro de 2006 e no dia 30 de março de 2006, a empresa X foi incorporada pela empresa Y. A empresa X é contribuinte do IPTU de 2006 e a empresa Y, com a incorporação, tornou-se responsável pelo imposto”[15]. O artigo 135 do CTN trata da obrigação pessoal e exclusiva do responsável, motivo pelo qual ocorre a exclusão do contribuinte do polo passivo da obrigação. Assim, não se está diante de responsabilidade subsidiária de terceiro nem de responsabilidade solidária, pois somente o terceiro responderá pessoalmente pelas obrigações tributárias. Nessa esteira, Eduardo Sabbag[16] distingue os artigos 134 e 135 do CTN com o seguinte quadro mnemônico: Assim, tem-se que o artigo 134 do CTN trata de reponsabilidade de terceiro com atuação regular, já o artigo 135 dispões acerca da responsabilidade de terceiro com atuação irregular. 2.1.3 Responsabilidade por Infrações Os artigos 136 e 137[17], do Código Tributário Nacional, referem-se à prática de infrações tributárias e reportam-se ao descumprimento do dever de pagar o tributo bem como às infrações apuradas em autuações, pouco importando a intenção do agente. Nesse contexto, explica Caio Bartine: “Podemos identificar em matéria tributária duas espécies de infrações: infrações administrativas, sendo aquelas decorrentes do não cumprimento da obrigação tributária, quando não conceituadas como crime; e aquelas infrações definidas em lei como crimes contra a ordem tributária, previstos e definidos pela Lei 8.137/1990. No primeiro caso (infrações administrativas), o sujeito passivo responderá por seus atos independentemente de sua intenção e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos. Trata-se de uma responsabilidade objetiva em matéria tributária. No entanto, em se tratando dos crimes contra a ordem tributária, exige-se a necessidade, para sua definição, da ocorrência de dolo específico. Inexiste crime culposo em matéria tributária, admitindo-se a possibilidade apenas de crime doloso, sendo tal conduta específica.”[18] Assim, a responsabilidade do agente será pessoal quando as infrações decorram de dolo específico. Os artigos 135 e 137 do CTN têm em comum a questão da pessoalidade, a retirada da solidariedade e a necessidade de comprovação do dolo. Entretanto, na hipótese prevista no artigo 138[19] do CTN, esta responsabilidade poderá ser excluída pela denúncia espontânea da infração, havendo neste caso a confissão e consequentemente a desistência do proveito da infração. A denúncia deverá vir acompanhada pelo pagamento do tributo e juros de mora, se for o caso. Por fim, cabe lembrar que não será considerada denúncia espontânea àquela apresentada após o início do procedimento administrativo ou medida fiscalizatória referente à infração. Expostos os tipos de responsabilidade elencados pelo Código Tributário Nacional, passa-se a análise da responsabilidade tributária do sócio e do administrador à luz do artigo 135 do CTN. 3 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO E DO ADMINISTRADOR E O ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL A responsabilidade tributária dos sócios e administradores está presente na legislação tributária no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional e decorre de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Nesse sentido esclarece Aliomar Baleeiro, ao afirmar que o terceiro que age com dolo, contrariando a lei, mandato, contrato social ou estatuto, torna-se, no lugar do contribuinte o único responsável pelas obrigações decorrentes daquela infração, por ter agido contra os interesses do próprio contribuinte[20]. Logo, além da solidariedade, aplicar-se-á a responsabilidade por substituição, onde evidenciada a má-fé e o intuito doloso do terceiro, ser-lhe-á atribuído toda a responsabilidade. Nessa esteira, aduz Kiyoshi Harada: “O art. 135 dispõe sobre a responsabilidade pessoal do agente no que tange às obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, relativamente às pessoas anumeradas no artigo anterior (inciso I), aos mandatários, prepostos e empregados (inciso II) e aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (inciso III). Nessas hipóteses, ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente. Essa responsabilidade por substituição, outrossim, inclui quaisquer penalidades, bem como as obrigações acessórias”. (grifo nosso).[21] Nesse sentido, denota Marciano Seabra de Godoi: “A literalidade do caput do artigo 135 parece englobar tão-somente situações específicas em que as pessoas arroladas em seus três incisos praticam atos que prejudicam ou traem a confiança de outras pessoas privadas, e, portanto, essas outras pessoas seriam retiradas da condição de sujeito passivo do tributo, passando a figurar como responsável ‘exclusivo’ o terceiro mencionado num dos três incisos do artigo 135. Se um diretor pratica operações em nome de uma empresa, mas segundo os estatutos sociais não tem poderes para tanto, os tributos resultantes de tais operações seriam de responsabilidade ‘pessoal’ do diretor, excluindo-se a responsabilidade da empresa. O mesmo poderia ocorrer com um síndico em relação a massa falida. Somente esse tipo de situação se encaixaria perfeitamente à literalidade da previsão legal de ‘obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos[22]’. […] A jurisprudência do STJ – a nosso ver de forma correta – não se prende à literalidade do artigo 135 do CTN, e aplica a seu inciso III em basicamente dois tipos de situação: o inadimplemento fraudulento de obrigações tributárias mediante participação do diretor, gerente ou representante da sociedade (sejam sócios ou não) e a dissolução irregular da sociedade”.[23] A responsabilidade tributária do artigo 135 do CTN requer interpretação stricto sensu, ou seja, somente os casos contemplados expressamente na legislação permitem a exigência do tributo de terceiro. Acerca do tema, Sacha Calmon Navarro Coêlho denota: “Nas hipóteses do artigo, tributo e multa são transferidos aos terceiros responsáveis. Os empregados, só por serem tais, jamais poderão se responsabilizados por tributos devidos pela sociedade, eis que sujeitados ao poder hierárquico e aos jus variandi dos patrões. O empregado em condições de ser responsável tributário é aquele possuidor de mandato e de poderes de gestão, ou então o que entra em conluio para lesar o Fisco e o empregador, tirando vantagem pessoal. Ao tratarmos do pagamento do crédito tributário, retornaremos ao assunto. A regra, pois, há de ser entendida cummodus in rebus. Este artigo, sua aplicação, depende muito do caso concreto. Ele se presta a encobrir intuitos evasivos das próprias empresas, supostamente lesadas e que como vítimas se apresentarão aos tribunais e, por outro lado, é eficaz instrumento para proteger as pessoas jurídicas de diretores e de empregados espertalhões. Veja-se, v.g., o caso de um contador-empregado que todo mês solicita cheque, com declaração no verso de que é emitido para pagar imposto, mas não efetiva o pagamento. Obtém de assecla seu, gerente do banco recebedor que tem contrato com o Estado para receber em seu nome, documento falso do depósito, e com isso lesam a empresa e o Fisco. Ora, a infração fiscal é objetiva, não porém a responsabilidade tributária. Caso contrário, o artigo 135 sob comento não faria sentido. A empresa deve ser excluída. Os empregados, responsabilizados. O banco deverá indenizar o Estado e regressar contra seu funcionário.”[24] Importante lembrar o que dispõe o artigo 110 do CTN: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.[25] Ora, a teor do dispositivo supra, a lei tributária deverá respeitar os institutos e princípios de direito civil e direito comercial (princípio da separação patrimonial versus princípio da responsabilidade limitada dos seus sócios), pelos quais existe a personalidade jurídica, especialmente o que expressa que a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a compõem.  Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade. “Da definição de sociedade empresária como pessoa jurídica derivam conseqüências precisas, relacionadas com a atribuição de direitos e obrigações ao sujeito de direito nela encerrado. Em outros termos, na medida em que a lei estabelece a separação entre pessoa jurídica e os membros que a compõem, consagrando o princípio da autonomia patrimonial, os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionados ao exercício da atividade econômica explorada em conjunto. Será a própria pessoa jurídica da sociedade a titular de tais direitos e a devedora dessas obrigações”. [26] Assim, da personalização da sociedade empresária segue-se a separação dos patrimônios desta e de seus sócios. Os bens integrantes do estabelecimento empresarial, e outros eventualmente atribuídos à pessoa jurídica, são de propriedade dela, e não de seus membros. Deste modo, conclui-se que respondem pelas obrigações da sociedade, em princípio, apenas os bens sociais. Sócio e sociedade não são a mesma pessoa, e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém (o sócio) por dívida de outrem (a pessoa jurídica da sociedade), a responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária não é dos seus sócios. Em outros termos, a garantia do credor é representada pelo patrimônio do devedor; se a devedora é a sociedade empresária, então será o patrimônio social (e não o dos sócios) que garantirá a satisfação dos direitos creditícios existentes contra ela. Somente em hipóteses que excepcionam a regra da autonomia da pessoa jurídica poder-se-á executar o patrimônio do sócio, em busca do atendimento de dívida da sociedade. [27] Infere-se, portanto, que a responsabilidade tributária diverge do instituto da desconsideração da personalidade jurídica contemplada pelo Código Civil, haja vista o artigo 135, do CTN, imputar a responsabilidade diretamente ao terceiro responsável. Desse modo, não basta o terceiro ser sócio da sociedade devedora para que seus bens particulares possam ser excutidos em prol da Fazenda Pública, é necessário que essa pessoa tenha praticado atos de administração dentro da sociedade, ou seja, o sócio tem que ter efetivamente agido nos comandos e administração da sociedade. Além disso, deve o sócio ter agido com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatutos. Com a ocorrência desses requisitos e a devida apuração e comprovação de que o sócio ou administrador agiu com dolo e má-fé, será este o responsável direto. 3.1 VERIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE Como acima exposto, observa-se para que seja o sócio responsável pessoalmente pelos débitos tributários é preciso que este tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, mas no que consistem tais atos? O doutrinador Eduardo Sabbag melhor explica as expressões “excesso de poder” e “infração de lei, contrato social ou estatuto”: “Excesso de poderes: o terceiro age por conta própria, além dos poderes que a norma legal, contratual ou estatutária lhe conferem, isto é, subvertendo as atribuições que lhe  foram outorgadas. Diferentemente das hipóteses do art. 134, neste artigo temos nítido comportamento comissivo. Exemplo: diretor de sociedade que adquire imóvel, sabendo que, pelo estatuto social, estava impedido de fazê-lo sem a anuência de todos os sócios. A dívida de ITBI, desse modo, recairá pessoalmente sobre ele; Infração de lei, contrato social ou estatutos: é importante enfatizar que o descumprimento da obrigação tributária principal (não pagamento de tributo), sem dolo ou fraude, apenas representa a mora da empresa, e não ‘infração legal’ deflagradora de responsabilidade pessoal. É imprescindível para a responsabilização pessoal a atuação dolosa do gerente ou diretor, devendo ser cabalmente provada. O não pagamento, isoladamente analisado, é ‘mera presunção’ de infração à lei pelo gestor da pessoa jurídica. Ademais, a infração a que se refere o art. 135 é subjetiva (e não objetiva), isto é, dolosa, e é sabido que o dolo não de presume.” (grifo nosso).[28] A expressão “excesso de poderes” é utilizada para indicar atos praticados fora da outorga ou autoridade conferida ao terceiro. Hugo de Brito, ao comentar o artigo 135 do CTN, explica: A referência a atos praticados com excesso de poderes indica muito claramente que a atribuição de responsabilidade tributária a terceiros diz respeito aos créditos tributários originados de atos abusivos, não aos créditos tributários em geral não quitados por simples insuficiência da capacidade econômico-financeira da pessoa jurídica[29]. O contrato social e os estatutos são termos utilizados para designar atos constitutivos das pessoas jurídicas de direito privado, que atuam através de representantes que recebem poderes.  José Otávio de Vianna Vaz ao falar da infração do contrato social ou estatutos, assim expõe: “Poder-se-ia afirmar que a “infração do contrato social” seria uma espécie de “excedimento de poderes”. Entretanto, como acima afirmado, os representantes das pessoas jurídicas recebem seus poderes diretamente do contrato social. Assim, qualquer “excesso de poderes” por parte do representante caracteriza “infração ao contrato”. Daí entendermos ter a lei se utilizado das duas expressões, para abranger categorias diferentes de pessoas que agem em nome da sociedade”[30]. Em relação às infrações à lei, Kiyoshi Harada destaca: “Na prática é comum o equívoco na interpretação do inciso III, imputando-se a responsabilidade tributária aos sócios, gerentes e diretores de pessoas jurídicas de direito privado pelo não-recolhimento de créditos tributários regularmente constituídos, inclusive os escriturados pelo contribuinte-pessoa jurídica. Trata-se de rave equívoco. Nos expressos termos do caput do artigo 135, somente obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração de lei, como, por exemplo, contrabando ou descaminho, acarretam a responsabilização pessoal do sócio ou administrador. O atraso no pagamento de crédito fiscal regularmente constituído não configura infração do art. 135, III, do CTN, pois esse crédito não resulta de infração legal, contratual ou estatutária, nem de ato praticado com excesso de poderes.”[31] (grifo nosso). Leandro Paulsen, nesse diapasão, expressa: “Se, e somente se os dirigentes, controladores ou representantes das empresas houverem agido de modo estritamente ilícito no trato da matéria em questão, afrontando a lei, o contrato social ou estatuto – cometendo fraudes ou sonegação fiscal em termos claros e estritos – serão eles igualmente responsáveis por tais débitos. Para isso, ao autuar a sociedade, o credor tributário deve necessariamente estender a autuação aos seus dirigentes, se sinais houver desde logo desses ilícitos, de modo a que no ensejo do procedimento administrativo – que ao final vai conceder poder de inscrição e título executivo ao credor fiscal – essa responsabilização fique apurada”[32]. Conclui-se, portanto, que, para que haja a responsabilização do administrador, é necessário que este esteja na administração da empresa ao tempo dos fatos geradores, e tenha praticado atos alheios aos interesses empresariais. Infere-se ainda que, a má-fé e o dolo devem ser comprovados, ou seja, não podem ser presumidos. Não havendo provas da ilicitude, os sócios não poderão ser responsabilizados pessoalmente, conforme os ditames do artigo 135, inciso III, do CTN. Assim, ausente o requisito subjetivo dolo da conduta do sócio e/ou do administrador da pessoa jurídica, não há que se falar em responsabilidade pessoal e exclusiva. José Soares de Melo elenca os elementos necessários para a caracterização da responsabilidade a qual trata o dispositivo em análise: “1) Elemento pessoal – refere-se ao sujeito responsável pelo crédito tributário: executor material partícipe ou mandante da infração. É o administrador da sociedade, podendo ser sócio, acionista, mandatário, preposto, empregado, diretor, gerente ou representante. Não deverão ser incluídas nesse conjunto pessoas sem poderes para decidir sobre a realização de fatos jurídicos, ou se com poderes, que, no caso concreto, não tiveram qualquer participação no ilícito; 2) Elemento fático – refere-se às condutas reveladoras de infração que exija dolo; excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto”[33]. Hugo de Brito complementa: “Sendo assim, a violação a lei societária pode ocorrer, dando azo à responsabilização do sócio-gerente ou diretor, em dois momentos distintos. O primeiro, quando o fato gerador é praticado pelo diretor ou sócio-gerente fora de suas funções, extrapolando os limites impostos pelos atos constitutivos ou pela lei societária. É o caso, por exemplo, do sócio-gerente que realiza operação mercantil vedada pelo contrato social. O segundo, quando embora o fato gerador tenha sido realizado pela pessoa jurídica, a dívida tributária não for adimplida em virtude de ato contrário à lei societária praticado pelo diretor ou sócio-gerente, como é o caso da liquidação irregular da sociedade, do desvio de recursos desta para a pessoa natural do diretor ou quaisquer outros atos que, no dizer de Misabel Abreu Machado Derzi, embora praticados em nome do contribuinte, são contrários aos seus interesses”[34]. Nesse sentido, os limites da responsabilidade dos sócios e administradores foram fixados pelo STJ nos seguintes parâmetros: “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros, solidária e ilimitadamente, pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou da lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. 4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. Embargos de divergência rejeitados.”[35] (grifo nosso). “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIOGERENTE. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. INADIMPLEMENTO DE TRIBUTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE INFRAÇÃO LEGAL. MATÉRIA OBJETO DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. 1. A Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.101.728/SP, mediante o procedimento descrito no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos), ratificou o entendimento no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do sócio-gerente, cabendo ao Fisco provar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração à lei ou ao estatuto social da empresa a fim de responsabilizá-lo. 2. Recurso especial provido.”[36] Por fim, importante destacar as palavras de Hugo de Brito Machado acerca da responsabilidade do sócio que não é o administrador: “Destaca-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isso a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos da administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta”[37]. (grifo nosso). De outra banda, infere-se que a responsabilidade pessoal esculpida pelo artigo 135, inciso III do CTN, não pode decorrer da simples falta de pagamento do tributo, como demonstrado no item a seguir. 3.1.1 Responsabilidade pelo Inadimplemento Tributário Doutrina e jurisprudência, na sua maioria, atualmente entendem que o não pagamento do tributo não configura uma infração a lei, e sendo assim, não caberia a responsabilização de terceiros, especialmente do sócio ou administrador, nos termos do artigo 135 do CTN, na ocorrência de inadimplemento da prestação tributária. Nesse sentido, corrobora Hugo de Brito Machado, o qual dispõe: “Se o não pagamento do tributo fosse infração da lei capaz de ensejar a responsabilidade dos diretores de uma sociedade por quotas, ou de uma sociedade anônima, simplesmente inexistiria qualquer limitação da responsabilidade destes em relação ao fisco. Aliás, inexistiria essa limitação mesmo em relação a terceiros. As leis societárias, mesmo quando limitam a responsabilidade dos sócios, atribuem aos administradores responsabilidade pelos atos praticados com violação da lei, do contrato ou estatuto. E o próprio art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional estabelece que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado respondem pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”[38]. Para Machado, a regra é que as pessoas referidas no artigo 135, inciso III, não respondem pessoalmente pelos tributos devidos pelas pessoas jurídicas de direito privado as quais se encontrem vinculadas. A exceção é que permite essa responsabilização, desde que o crédito tributário seja comprovadamente decorrente de atos praticados na forma descrita no caput do artigo 135, eis que: “Não se pode admitir que o não pagamento do tributo configure a infração de lei capaz de ensejar tal responsabilidade, porque isto levaria a suprimir-se a regra, fazendo prevalecer, em todos os casos, a exceção. O não cumprimento de uma obrigação provocaria a responsabilidade do diretor, gerente ou representante da pessoa jurídica de direito privado inadimplente. Mas tal conclusão é evidentemente insustentável. O que a lei estabelece como regra, isto é, a limitação da responsabilidade dos diretores ou administradores dessas pessoas jurídicas, não pode ser anulado por esse desmedido elastério dado á exceção”[39]. Outro não é o entendimento dos tribunais brasileiros. Nesse sentido, destaca-se o Agravo Regimental no Recurso Especial número 1.057.518 – RS, de relatoria da Ministra Denise Arruda, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DISCUSSÃO ACERCA DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS GERENTES DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. A Primeira Seção desta Corte, na assentada do dia 11 de março de 2009, ao julgar o REsp 1.101.728/SP (Rel. Min. Teori Albino Zavascki), mediante a utilização da nova metodologia de julgamento de recursos repetitivos, prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil (introduzido pela Lei 11.672/2008), enfrentou situação semelhante à dos autos. Nessa ocasião, por unanimidade, referendou o posicionamento já reiteradamente adotado pelas Primeira e Segunda Turmas no sentido de que "a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN". 2. No caso em apreço, em sede de apelação cível interposta nos autos de embargos à execução fiscal, o Tribunal de origem, que é soberano no exame das provas, deu provimento ao mencionado recurso para excluir os sócios embargantes do pólo [sic] passivo da execução. Tendo o Tribunal de origem decidido pela não-configuração da hipótese prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional, qualquer conclusão em sentido contrário, objetivando imputar responsabilidade tributária aos sócios gerentes da pessoa jurídica devedora, demandaria, necessariamente, o reexame dos elementos fático-probatórios da causa, o que se revela inviável em sede de recurso especial, por quaisquer das alíneas do permissivo constitucional, tendo em vista o disposto na Súmula 7 desta Corte. 3. Havendo, em sede de embargos à execução fiscal, conclusão pela ausência dos pressupostos configuradores da responsabilidade tributária, afasta-se a presunção juris tantum de legitimidade da CDA. Nesse sentido: REsp 623.926/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.10.2004; REsp 803.651/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 9.3.2007. 4. Ao contrário do que pretende fazer crer a Procuradoria da Fazenda Nacional, no julgamento do recurso especial foi considerada a circunstância de que os presentes autos tratam de embargos à execução fiscal opostos pelos sócios-gerentes. 5. Agravo regimental desprovido.”[40] No mesmo sentido, segue o julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.095.672: “EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO – FALTA DE PAGAMENTO DO TRIBUTO – AUSÊNCIA DE BENS – NÃO CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS –PRECEDENTES. 1. Os embargos declaratórios são cabíveis para a modificação do julgado que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente na decisão. 2. In casu, constata-se a contradição diante da comprovação dos requisitos de admissibilidade recursal, pois houve efetivo esgotamento das instâncias ordinárias. 3. Conforme jurisprudência pacífica desta Corte Superior, o mero inadimplemento ou a não-localização de bens não justificam a responsabilização tributária dos sócios, sendo necessário a comprovação de ter agido com excesso de poderes ou infração de lei. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para sanar a contradição apontada e prover o recurso especial da embargante, afastando a responsabilidade tributária determinada pelo juízo de origem”.[41] (grifo nosso). Com intuito de pacificar tal discussão, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 430: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente[42]”. Superado o assunto, tratar-se-á no item seguinte sobre a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica com fulcro no artigo 135, III, do CTN. 4 O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA TRIBUTÁRIA COM BASE NO ARTIGO 135, INCISO III, DO CTN O instituto da desconsideração da personalidade jurídica é, atualmente, um instrumento de suma importância para o combate de condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado comum no contexto nacional, especialmente no que tange as relações jurídicas tributárias. Entretanto, não se pode perder de vista a excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente se legitima quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas na legislação material. No âmbito do direito tributário, a aplicação desse instituto é objeto de divergência tanto na doutrina como na jurisprudência, havendo uma corrente que defende a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica com base no artigo 135, inciso III, do CTN, e outra corrente que defende a tese de que o referido artigo não se relaciona com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois trata de responsabilização direta de terceiro. Nesse diapasão, Eduardo Sabbag, ao abordar o tema, expõe: “O art. 135, III, do CTN permite atingir a pessoa do diretor, gerente ou representante da empresa à luz da ´teoria da desconsideração da pessoa jurídica´. No entanto, a regra é a personificação jurídica da sociedade e, por isso, esta é quem deve responder pelas obrigações sociais. Assim, a indagada teoria, prevista no art. 50 do Código Civil, deve suscitada em caráter excepcional, ou seja, apenas no caso de o administrador (sócio-gerente) se valer do véu da personalidade jurídica para, agindo com má-fé, prejudicar credores da sociedade”.[43] (grifo nosso). Assim, entendendo que o artigo 135, III, do CTN, reporta-se à desconsideração da personalidade jurídica, destacam-se alguns julgados: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – VÍNCULO FAMILIAR – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. 1. As hipóteses de configuração de litisconsórcio necessário estão no artigo 47 do CPC, o qual exige imposição de lei, ou a existência de vínculo natural, pela natureza da relação jurídica. 2. A base fática da demanda descarta a existência de liame entre os litisconsortes, de relevância para o desfecho da causa, sendo certo que o fato de pertencerem os litisconsortes a uma só família não os coloca na mesma relação jurídica discutida nos autos. 3. Examinada a lei aplicável à espécie, o CTN, o primeiro diploma do direito pátrio a consagrar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, não se encontra, nas hipóteses do artigo 134 do CTN, determinação legislativa justificadora do litisconsórcio. 4. Recurso especial provido”.[44] (grifo nosso) “TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DEVIDA PELO TOMADOR DE SERVIÇO – ART. 22, IV DA LEI 8.212/91 – VIOLAÇÃO DO ART. 135 DO CTN: INOCORRÊNCIA. 1. O legislador, ao exigir do tomador do serviço contribuição previdenciária de 15% (quinze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativa de trabalho, nos termos do art. 22, IV da Lei 8.212/91 (com a redação dada pela Lei 9.876/99), em nenhum momento valeu-se da regra contida no art. 135 do CTN, que diz respeito à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para que seus representantes respondam pessoalmente pelo crédito tributário nas hipóteses que menciona. 2. A referência a "cooperados" contida no art. 22, IV da Lei 8.212/91 diz respeito tão-somente ao fato de que, embora firmado o contrato com a cooperativa de trabalho, o serviço, efetivamente, é prestado pela pessoa física do cooperado. 3. Inexistência de ofensa ao art. 135 do CTN. 4. Recurso especial improvido.”[45] (grifo nosso). “AGRAVO DE INSTRUMENTO – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O SÓCIO GERENTE – "EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE" NÃO ACOLHIDA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – RECURSO IMPROVIDO. O encerramento das atividades empresariais sem a devida comunicação ao órgão estadual competente e o não pagamento dos tributos devidos constituem forte indício de infração à lei, autorizando a desconsideração da personalidade jurídica da executada e o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, eis que preenchidos os requisitos mencionados para ocorrer a responsabilidade tributária prevista no art. 135, III do Código Tributário Nacional, daí porque cabe a rejeição da chamada "exceção de pré-executividade" em que se discute essa circunstância. "A prescrição, em se tratando de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente, aperfeiçoa-se no prazo de cinco anos, computados entre a citação da pessoa jurídica e a do sócio, no afã de mitigar a regra do art. 40 da Lei n. 6.830/80, harmonizando o aludido instituto com as hipóteses previstas no art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal (…)" (TJSC, AC n. , de Itajaí, Rel. Des. Vanderlei Romer, julgada em 12/12/2008). (TJ-SC – AI: 683750 SC 2008.068375-0, Relator: Jaime Ramos, Data de Julgamento: 22/02/2012, Quarta Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , da Capital)[46] (grifo nosso). De outro lado, entendendo de maneira contrária ao acima exposto, defendem alguns juristas que o art. 135, III, do CTN não possui a capacidade de permitir formas de desconsideração da personalidade jurídica, razão pela qual tal dispositivo não de relaciona com este instituto. Nesse sentido, Tôrres registra: “[…] este não diz mais do que uma forma de atribuição de responsabilidade pessoal a determinados sujeitos pelos créditos de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, mas não perante o Fisco, e sim perante aquelas pessoas que eventualmente os representem, a saber: i) por uma das pessoas referidas no artigo 134 (contra aquelas por quem respondem os terceiros responsáveis constantes do referido artigo); ii) pelos mandatários, prepostos e empregados (contra seus mandantes, preponentes ou empregadores). Ou iii) os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (contra as pessoas jurídicas de direito privado das quais são diretores, gerentes ou representantes). Ilude-se quem pense que este artigo justifica alguma condição de procedibilidade para a desconsideração de atos, negócios ou pessoas jurídicas, e do mesmo modo aqueles que julgam ser uma atribuição de responsabilidade perante o Fisco. É certo que este artigo supõe o cumprimento das obrigações tributárias, para que posteriormente tais pessoas possam questionar o que pagaram a mais ou indevidamente não do Fisco, posto o limite do art. 118 do CTN, mas sim diretamente de tais pessoas que deram causa àquela cobrança a mais, por atos negociais. E para o caso de eventuais multas aplicáveis, o art. 137, III, não reserva distinta sorte, se não o mesmo tratamento aplicável aos tributos devidos, nos moldes do art. 135 do CTN, tal como mencionado acima”[47]. (grifo nosso). Confirmando a tese, expressa Silva: Não se pode deduzir do art. 135, III, do CTN que este encerre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica pois apenas cuida da responsabilidade pessoal daqueles que representam a pessoa jurídica quando agem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.[48] Nestes termos, tem-se que a responsabilidade tributária esculpida pelo artigo 135, III, do CTN, é atribuída exclusivamente aos terceiros responsáveis, sendo desnecessária a suspensão temporária da eficácia dos atos constitutivos da pessoa jurídica, para desconsiderando a separação patrimonial existente entre essa e seus sócios ou administradores, responsabilizar esses, de forma ilimitada, pelas obrigações tributárias da pessoa jurídica. Corrobora, assim, Luciano Amaro: “O Código Tributário Nacional (CTN) prevê, no art. 135, situações em que, por abuso do representante legal da pessoa jurídica, ele é pessoalmente responsabilizado por obrigações tributárias que, formalmente, seriam da empresa. Exemplos de responsabilidade subsidiária são dados pelos arts. 133, II, e 134. […] Portanto, quando a lei cuida de responsabilidade solidária, ou subsidiaria, ou pessoal dos sócios, por obrigações da pessoa jurídica, ou quando ela proíbe que certas operações, vedadas aos sócios, sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é preciso desconsiderar a empresa, para imputar as obrigações aos sócios, pois, mesmo considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade do sócio já decorre de preceito legal”.[49] (grifo nosso). Acrescenta, no mesmo norte, Heleno Taveira Tôrres: “Como visto, o art. 135 não resguarda qualquer equivalência com controle sobre simulação, interposição fictícia de pessoas ou de fraude à lei, que podem se alegadas a qualquer tempo (art. 149, VII, do CTN), como justificativa para o auto de infração ou lançamento sobre os sócios de pessoas simuladas ou sujeitos interponentes, quando provada a simulação ou a fraude. Nestes termos, o art. 135, do CTN, ao não se prestar como mecanismo de superação do modelo de separação patrimonial adotado pela legislação mercantil, não pode ser alegado para tais fins”.[50] (grifo nosso). Do último entendimento elencado, extrai-se que o artigo 135 do CTN, não guarda semelhança com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que tal dispositivo implica na aplicação da responsabilidade por substituição e de modo pessoal e exclusivo ao terceiro (sócio-gerente ou administrador) que agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Assim, desnecessário desconsiderar a personalidade jurídica autônoma do ente coletivo para promover essa responsabilização. Ademais, as hipóteses do artigo 135, III, do Código Tributário restringem-se a responsabilidade por obrigações tributárias que resultem de ato praticado pelos dirigentes ou representantes legais das empresas quando atuam com excesso de poderes ou quando suas deliberações não estão em consonância com o objeto do contrato ou do estatuto social em prejuízo dos credores. Já a desconsideração da personalidade jurídica, instituída no Código Civil, poderá ter um alcance mais amplo, pois abrange todas as relações jurídicas em que tenha havido desvio de finalidade, confusão patrimonial ou abuso de direito através da manipulação indevida da pessoa jurídica. Importante salientar que, autores como Leandro Paulsen, defendem que a desconsideração da pessoa jurídica deve ser aplicada no direito tributário com base no artigo 50 do Código Civil Brasileiro[51], que estabelece uma regra geral de conduta, rechaçando a aplicação do artigo 135, III, do CTN. Assim, o referido autor expressa: “A dissolução irregular tem sido considerada como causa para o redirecionamento porque se presume, em tal caso, a confusão de patrimônios, com locupletamento dos sócios. Não seria o caso, contudo, de invocação do art. 135, III, do CTN, porquanto o crédito tributário não decorre da dissolução irregular. Mais pertinente é o art. 50 do Código Civil de 2002: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.”[52] Da mesma forma, Ricardo Mariz de Oliveira: “No passado, vários casos tributários levados ao julgamento dos tribunais foram decididos através da desconsideração de personalidades jurídicas, mesmo sem lei expressa, ao passo que o novo art. 50, acima referido, iguais soluções poderão ser proferidas com fundamento mais sólido.”[53] Colaciona-se abaixo, julgados que enquadram o artigo 135, III, como hipótese de responsabilidade tributária por substituição, e não como desconsideração da personalidade jurídica: “PROCESSO CIVIL E RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO-GERENTE (ART. 135, CTN). DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO LEGAL: OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. RESPONSABILIDADE PESSOAL E SOLIDÁRIA DO SÓCIO-GERENTE. INDEVIDA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. LEGITIMAÇÃO AD CAUSAM PASSIVA. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE (AC 96.01.49173-2/PI E AC 93.01.35326-1/MG) E DO STJ (RESP 7387/91, PR). 1. O descumprimento de obrigação legal relativa a fatos geradores contemporâneos à gerência do sócio, torna-o legitimado passivamente para a execução, ante a configuração de sua responsabilidade pessoal e solidária, decorrente da infração à lei (art. 135, CTN). 2. Título executivo, não impugnado, usufrui da presunção de certeza e liquidez, somente passível de afastamento mediante prova robusta, em sentido contrário, a cargo da parte executada. 3. Configuração da legitimidade passiva ad causam do sócio-gerente. 4. Provimento do apelo. Reforma da sentença. 5. Remessa prejudicada”. (TRF-1 – AC: 63018 BA 1997.01.00.063018-1, Relator: JUIZ CANDIDO RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/09/2000, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 15/12/2000 DJ p.48).[54] Destarte, observa-se que jurisprudência e doutrina não são pacificas a respeito da aplicabilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, em especial ao artigo 135 do CTN. Como mencionado, há quem sustente a impossibilidade de sua aplicação em face do princípio da tipicidade que rege o direito tributário, outros afirmam que a existência de regra genérica consagrando o instituto permite sua aplicação também no que tange ao direito tributário, o que gera relevante instabilidade nas relações jurídicas. Nesse condão, infere-se que, a ausência de patrimônio da sociedade, por si só, não é motivo suficiente para ensejar a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica bem como a responsabilização dos seus sócios ou administradores pelas obrigações sociais. Entretanto, não é o que se vê na prática forense, uma vez que podemos encontrar decisões de toda sorte nos tribunais brasileiros, haja vista que o próprio Superior Tribunal de Justiça e parte considerável dos outros tribunais têm se manifestado, equivocadamente, no sentido de que o artigo 135, III, do Código Tributário Nacional corresponde à consagração do instituto da desconsideração nesse ramo do direito. 5 CONCLUSÃO O artigo 135 do Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de ser responsável pela dívida tributária de uma sociedade, o sócio ou o administrador, desde que este tenha praticado atos de gerência com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. A simples falta de pagamento do tributo não enseja a responsabilização do administrador, sendo indispensável que tenha este agido dolosamente, com ilegalidade ou infração de lei. Em relação à responsabilidade do sócio, denota-se que para que seja a ele imputada a responsabilidade tributária, preponderante que esteja revestido na condição de administrador da empresa à época do fato gerador, pois a simples condição de sócio não é o suficiente para caracterizar a responsabilidade disposta no artigo 135 do Código Tributário Nacional, como disposto no próprio texto de lei. Uma vez comprovado o ato praticado com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto, o agente causador do dano (terceiro responsável) deve ser pessoalmente e exclusivamente responsabilizado no que tange a totalidade da obrigação tributária, podendo inclusive ser atingido seu patrimônio pessoal para o adimplemento da dívida fiscal da sociedade. Assim, será mantido no polo passivo da demanda apenas a figura do responsável, que substituirá o contribuinte. Ainda, como exposto no decorrer deste trabalho, observa-se que parte da doutrina e da jurisprudência manifesta-se no sentido da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica com fulcro no artigo 135, do CTN. De outra banda, há quem defenda que o referido dispositivo em nada se relaciona com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois o Código Tributário Nacional, ao determinar a responsabilidade tributária dos administradores e sócios, estabelece de modo expresso, a responsabilidade a terceiro, ou seja, não está desconsiderando a personalidade jurídica e sim elegendo legalmente e diretamente o responsável pela obrigação tributária. Diante desta divergência, hodiernamente, no cotidiano forense, encontram-se, facilmente, entendimentos conflitantes, o que traz insegurança e instabilidade às relações jurídicas, especialmente aos que litigam nesta matéria.
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Do direito ao crédito de ICMS dos materias de uso e consumo em face da Constituição Federal de 1988 e na intelecção da legislação infraconstitucional
O presente trabalho abordará os principais aspectos jurídicos do instituto princípio da não-cumulatividade do ICMS na Constituição Federal de 1988 e do direito ao aproveitamento de créditos dos materiais de uso e consumo que estejam jungidos às atividades dos sujeitos passivos do ICMS, tendo em vista as restrições prescritas na legislação infraconstitucional em vigor. Numa abordagem partir da Carta Constitucional, procuraremos demonstrar o pleno direito ao crédito de ICMS das mercadorias adquiridas pelo contribuinte, através do mecanismo da compensação, que é a essência do princípio da não-cumulatividade. Também através de uma interpretação sistemática da legislação infraconstitucional que limita indevidamente o aproveitamento dos créditos de ICMS, mormente no que diz respeito aos materiais de uso e consumo, faremos uma interpretação hermenêutica adequada que nos revela a restritividade dessa vedação ao crédito, ainda que se admita a constitucionalidade do artigo 33, I, da LC 87/96 e da legislação ordinária dos Estados e do Distrito Federal que, deveras, acompanha essa regra.
Direito Tributário
Introdução O tema do princípio da não-cumulatividade é objeto de grandes debates na doutrina e na jurisprudência de nossos tribunais na atualidade, mormente em razão da alta carga tributária suportada pelo setor produtivo, dificultando a competitividade de nossos produtos no mercado internacional, e que, direta e/ou indiretamente, também onera o cidadão brasileiro. Tudo sem contar a voracidade de arrecadação do fisco cada vez maior, ressaltando aqui o ponto que nos interessa, as limitações do pleno direito ao crédito em suas operações, do montante devido nas operações anteriores, no que diz respeito ao ICMS. É de fundamental importância que os princípios constitucionais e que a regra-matriz constitucional do ICMS sejam rigorosamente respeitados, não só para fazer valer a Supremacia da Constituição, mas também para que haja segurança jurídica e justiça tributária. A legislação infraconstitucional, vale dizer, a Lei Complementar 87/96 e a legislação ordinária dos Estados Membros e do Distrito Federal, vedam em sua quase totalidade, o aproveitamento de créditos dos materiais de uso e consumo de forma ilegal e inconstitucional. E, a situação se recrudesce consoante as disposições dos Decretos Regulamentares (RICMS) e do previsto nas normas infra-legais como Portarias-CAT, Decisões Normativas-CAT, dentre outros. O presente estudo procurará demonstrar que, a despeito da inconstitucionalidade da vedação ao crédito dos materiais de uso e consumo prescrita no artigo 33, I, da Lei Complementar 87/96 e das Leis Ordinárias do Estado e do DF, numa análise sistemática das normas infraconstitucionais, a vedação em testilha é restritiva, vale dizer, a vedação prescrita na legislação de regência quanto aos créditos de materiais de uso e consumo, estão limitadas apenas àquelas mercadorias que sejam alheiras às atividades do contribuinte. Assim, se houver vínculo de inerência às atividades do produtor ou do comerciante, o crédito é legítimo É neste eito que iremos desenvolver nosso trabalho, sem a pretensão de esgotar o tema, com o fito de se fazer uma interpretação jurídica coerente e adequada em face dos princípios e regras da Constituição Federal, e tendo em vista a validade, vigência e eficácia da normas infraconstitucionais que regulam a compensação de créditos de ICMS. 1. O sistema constitucional tributário brasileiro. No dizer de Roque Antonio Carrazza, sistema é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal modo que elas se sustentam mutuamente e as últimas se explicam pelas primeiras[1]. O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, do qual o saudoso Geraldo Ataliba, se refere nos seguintes termos: “Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo”.[2] Paulo de Barros Carvalho explica que o Direito é um sistema normativo que tem por escopo regular e conduta humana, assim como a moral e a religião.[3] Sistema, segundo mesmo autor, aparece como objeto formado por porções que se vinculam debaixo de um princípio ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si, e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.[4] Os princípios jurídicos explícitos e implícitos que obviamente integram o ordenamento jurídico, têm a função de nortear a interpretação e a aplicação do direito, por carregarem valores consagrados na Constituição Federal. Os princípios jurídicos, principalmente os princípios constitucionais, que se sobrepõe a outros princípios, servem de critérios para dar coerência e harmonia ao sistema jurídico. Neste sentido, vale destacar a lição de Geraldo Ataliba: “…princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos)[5]. De outra parte, infere-se que o Direito Positivo é o direito posto, é o conjunto de princípios e regras válidas que regem a vida social de determinado país em determinada época. Com efeito, o Sistema Constitucional Tributário está sujeito a uma série de princípios constitucionais: (i) princípio da legalidade – significa que não pode ser exigido ou aumentado tributo sem que haja estipulação de lei. (Art.5°, II e Art.150, I da CF); (ii) princípio da isonomia – todos os contribuintes são iguais perante o fisco. (Art.5° e Art.150, I da CF); (iii) princípio da anterioridade – proíbe a União, os Estados e os Municípios de cobrar tributos no mesmo exercício de sua instituição (ou seja, os impostos só podem ser cobrados no ano seguinte de sua aprovação em lei). As exceções para esse princípio são o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o IPI, o IOF e os impostos extraordinários (em caso de guerra). (Art. 150, III a, da CF); (iv) princípio da irretroatividade – proíbe a lei de retroagir: ou seja, não podem ser exigidos tributos sobre fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que instituiu ou aumentou algum tributo. (Art.150, III a, da CF); (v) princípio da capacidade tributária – os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. (Art.145, §1º da CF); (vi) princípio da uniformidade – os tributos instituídos pela União serão uniformes em todo o território nacional (Art.151, I da CF); (vii) princípio da inconstitucionalidade – a lei tributária será inconstitucional quando prever pena de prisão civil contra os contribuintes faltosos. (Art. 5°, LXII da CF); (viii) princípio de proteção fiscal – concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo do contribuinte. (Art. 5°, LXIX, da CF); (ix) princípio da irretroatividade, é a regra é a aplicação da lei vigente ao momento da ocorrência do fato gerador, com exceção das hipóteses previstas no artigo 106 do CTN, em que permite-se a retroatividade benigna. A supremacia da Constituição Federal, dentro do “ordenamento jurídico”, deve prevalecer, ou seja, não pode ser contrariada, pois, todas as leis, decretos, portarias, devem estar compatibilizadas, caso contrário, haverá inconstitucionalidade da regra jurídica. Daí porque os princípios constitucionais explícitos e implícitos devem ser observados, como diretriz do sistema jurídico, de modo a preservar o Estado Democrático de Direito de nossa República, visando, em última análise, garantir os direitos fundamentais do cidadão. 2. As limitações do poder de tributar. Vimos que os princípios constitucionais integram necessariamente o Ordenamento Jurídico. Não é diferente no que tange ao Sistema Constitucional Tributário. Por oportuno, cumpre esclarecer para que serve a Constituição Federal e a razão das normas que limitam o poder de tributar. O homem é um ser eminentemente social e como tal, necessita de normas ou regras para regular os direitos individuais na vida em sociedade e limitar seus direitos e obrigações. Mas somente através da instituição de um Estado Democrático de Direito é que a sociedade pode se organizar, caso contrário seria instalado o “caos”. É a através de uma Constituição que será desenhada a conformação jurídica desse Estado, que lhe outorgará poderes e obrigações. Exemplo de obrigações: garantir aos cidadãos o respeito aos direitos fundamentais. Desse modo, para que um Estado seja fortalecido, é necessário que os cidadãos paguem tributos para fazer frente às despesas públicas necessárias à sua manutenção. Na Constituição Federal do Brasil, dentre os poderes que lhe são concedidos está o “Poder Impositivo de Tributação”, de modo que, para evitar arbitrariedades e abusos do fisco, a Constituição de 88 inseriu normas relativas às Limitações do Poder de Tributar, que estão elencadas no Título VI, Capítulo I, Seção II, nos artigos 150 a 152[6]. Algumas das principais regras, também chamadas de princípios, como já mencionamos, são as seguintes: (i) princípio da legalidade; (ii) princípio da tipicidade; (iii) princípio da da igualdade tributária; (iv) princípio da irretroatividade tributária, com exceção do art. 106 do CTN[7] (quando beneficia o contribuinte); (v) princípio da anterioridade; (vi) princípio do não confisco; (vii) princípio da capacidade contributiva; (viii) e nos casos de imunidades tributárias (jornais, revistas, templos, partidos políticos). A Constituição também prevê o estabelecimento de competências para tributar de cada ente público: Exemplo: IR e Contribuições (União Federal); ICMS (Estados Membros) e ISS (Municípios e Distrito Federal), conforme artigos. 153 a 156[8]. A competência tributária consiste na capacidade de legislar, ou seja, criar in abstrato, instituir tributos por meio de lei. Trata-se da competência que os entes da federação (União, Estados-Membros, DF, Munícipios) detém de por meio de lei para instituir tributos. A repartição da competência tributária está prevista na CF/88, conforme artigos A capacidade tributária, por outro lado, é a capacidade de fiscalizar e arrecadar tributos. Nem sempre o ente estatal competente para instituir o tributo é aquele que o arrecada. Nessa hipótese, pode-se chegar a 02 situações: parafiscalidade (quando o ente responsável pela arrecadação fica com o seu produto), e a sujeição ativa auxiliar (quando o ente responsável pela arrecadação devolve o valor arrecadado ao ente que instituiu o tributo). Paulo de Barros Carvalho, ensina que competência tributária com a significação acima especificada, vale dizer, de legislar (pelo Poder Legislativo, já que "legislador", em sentido amplo, todos nós o somos), afirmando que não se confunde com a capacidade. Não se confunde, pois, com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala no instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa.[9] Um exemplo que podemos citar diz respeito às contribuições parafiscais, cuja competência para sua criação é a União Federal conforme previsto na Constituição, porém, a capacidade ativa para sua cobrança normalmente é delegada para a entidade destinatária da arrecadação. Quanto aos critérios de competência, Humberto Ávila, assevera que o Sistema Tributário Nacional, que regula pormenorizadamente a matéria tributária mantém relação com a Constituição toda, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais e com os direitos fundamentais, mormente o direito à propriedade e à liberdade, além de outros princípios como o princípio republicano, o princípio federativo, o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade, que estão vinculados com o poder de tributar.[10] Neste sentido, Roque Antonio Carrazza, pontua o seguinte: "A competência tributária esgota-se na lei. Depois que esta for editada, não há falar mais em competência tributária [direito de criar o tributo], mas, somente, em capacidade tributária ativa [direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do fato imponível. Temos, pois, que a competência tributária, uma vez exercitada, desaparece, cedendo passo à capacidade tributária ativa. De conseguinte, a competência tributária não sai da esfera do Poder Legislativo; pelo contrário, exaure-se com a edição de lei veiculadora da norma jurídica tributária”[11]” A partir deste momento, não existe mais relação de poder, senão relação jurídica de caráter obrigacional e relações administrativas e processuais, cujo propósito é a reafirmação da vontade da lei nos casos concretos. Assim é que temos a competência compartilhada da União, Estados e Municípios, conforme previsto no art. 145, II e III, da CF/88 e arts. 77 e 81 do CTN, para a instituição de taxas e contribuições de melhoria. A competência privativa para a instituição de impostos estão previstos nos artigos 153 (União), 155 (Estados) e 156 (Municípios). No que tange a competência cumulativa, tem previsão no artigo 157 do CF/88, onde a União tem o poder de instituir impostos estaduais nos Territórios Federais e se os Territórios não forem divididos em Municípios, os impostos Municipais. E ainda, a previsão da competência residual conforme artigo 154, I, e artigo 195, parágrafo 4o, da CF/88, que é o poder da União e somente ela instituir impostos ou contribuição (se assim desejar) por meio de lei complementar, respeitando o princípio da não-cumulatividade. Temos também na Constituição Federal a previsão da competência extraordinária da União de instituir impostos em casos de guerra externa ou sua iminência, independentemente de já terem ou não fatos geradores idênticos já previstos na CF/88, isto é, previsão expressa de bis in idem, cessando sua cobrança 05 anos após a celebração de paz (art. 76 do CTN). E, finalmente, a competência especial da União, de acordo com os artigos 148, 149 e 149-A, da CF/88, para instituir empréstimo compulsório e as contribuições parafiscais (contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesses das categorias profissionais e econômicas), excetuando-se a competência dos Estados, do DF e dos Municípios, para as contribuições sociais para o custeio da previdência social de seus próprios servidores, (Art. 149, parágrafo 1o, da CF/88), bem como, o poder conferido aos Municípios e ao DF para instituição de contribuição para o custeio para iluminação pública. Fica evidente, portanto, que os conflitos de competência em Direito Tributário são, em verdade, na sua quase totalidade, solucionados pela própria Constituição. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios receberam da Carta Constitucional competências privativas, ou competências exclusivas, como preferem alguns autores, seja para criar impostos, taxas ou contribuições. O estudo das “competências tributárias” faz sentido porque o Brasil tem a conformação de Estado Federal. Se fosse um Estado Unitário, não faria sentido ou seria inócuo, pois, neste caso, a competência de criar tributos seria do Estado Central. A União e os Estados-membros são autônomos e legislam inclusive em matéria tributária. Embora os Municípios e o Distrito Federal não façam parte do pacto federativo, também possuem competência privativa para criar alguns tributos. Portanto, é fundamental o estudo das espécies e subespécies dos tributos para que o sujeito passivo averigue se está sendo tributado de modo correto, pela pessoa política competente, nos termos da Constituição Federal, não sendo apenas um estudo acadêmico, segundo Roque Antonio Carrazza[12] Depois, temos o Código Tributário Nacional, as Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisória, Decretos Legislativos, Resoluções, os Decretos Regulamentares, as Instruções Normativas Ministeriais, Circulares, Portarias, Ordens de Serviço e os Regulamentos Internos, até chegar ao agente fiscal, cujas regras, com as limitações legais pertinentes, devem ser igualmente observadas. Neste eito, destacamos a seguinte indagação: para que serve o Código Tributário Nacional? Serve para proteger o contribuinte e não uma ferramenta para o fisco arrecadar. Mesmo com toda essa limitação para o Estado tributar, nossa carga tributária é de praticamente 40% do PIB. Atualmente, o Brasil tem a maior carga tributária da América Latina e se aproxima da carga tributária de países como França e Austrália. Tudo isso sem contar a complexidade de nossa legislação fiscal, impondo, além de tudo, miríades de deveres instrumentais ao sujeito passivo tributário (obrigação de fazer ou não fazer), que ao menor deslize, o “contribuinte” (leia-se: sujeito passivo), fica sujeito a pesadas multas fiscais. Daí a necessidade de se ter instrumentos para a defesa contra abusos e ilegalidades, com o escopo de proteger e dar segurança jurídica ao contribuinte através do devido processo legal, conforme previsto no art. 5ª, inciso LV da CF/88[13], isto é, o processo administrativo e o judicial (contraditório e ampla defesa). Invariavelmente, o sujeito passivo da relação tributária é obrigado a contestar e se defender de ilegalidades, arbitrariedades e abusos da Fazenda e dos agentes fiscais, mormente em razão da voracidade do fisco em arrecadar cada vez mais e mais, a despeito de todas as normas que “limitam o poder de tributar”. 3. O ICMS e a regra-matriz constitucional. Colocadas as premissas anteriormente apontadas, abordaremos especificamente o ICMS na Constituição de 1988, dando ênfase à regra-matriz constitucional. Reafirmamos a supremacia da Constituição Federal, vale dizer, que as normas constitucionais não podem ser contrariadas, pois, todas as leis, decretos, portarias, devem estar compatibilizadas, para que não se configure inconstitucionalidade da regra jurídica. 3.1 O instituto da regra-matriz de incidência tributária. Antes de adentramos no estudo da regra-matriz constitucional do ICMS, é oportuno entender a estrutura da regra-matriz de incidência tributária. A regra-matriz de incidência tributária pode ser definida como uma norma de conduta que disciplina a relação jurídico-tributária entre o Estado e o contribuinte, em razão das obrigações tributárias impostas por lei, sejam elas pecuniárias, instrumentais ou sancionatórias (dar; não-dar; fazer; não-fazer; ser; não-ser). A lei prevê um determinado fato jurídico tributário como hipótese de incidência tributária e, uma vez ocorrido o fato previsto, aparece a relação jurídica entre sujeito ativo e sujeito passivo. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, ocorre a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro.[14] Os elementos da regra matriz são a hipótese e a consequência, que se desdobram em critérios. São estas propriedades que o legislador entendeu como importantes para caracteriza-lo. São os critérios de identificação da hipótese normativa. Os critérios da hipótese são: Critério material (como); Critério espacial (onde); Critério temporal (quando). O critério material é a expressão que delimita o núcleo do acontecimento a ser provido à categoria de fato jurídico tributário. [15] É, em síntese, o verbo mais o complemento da norma. Por exemplo: Ser proprietário de veículo automotor. O critério espacial é justamente o critério que delimita o espaço físico em que a norma jurídica incidirá. O critério temporal é o que determina o momento em que a norma ocorrerá. Por exemplo: "Primeiro dia do ano", "Todo mês", "A cada trinta dias", etc. Os critérios da consequência são: a) Critério pessoal, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo; b) Critério quantitativo, que se subdivide em base de cálculo e alíquota. O critério pessoal é o critério que nos mostra quem são os sujeitos da relação jurídica tributária, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo. O sujeito ativo é aquele que detém o direito subjetivo de exigir a prestação da obrigação tributária, vale dizer, o Estado, que figura como credor, não obstante possa existir o sujeito ativo indireto nos casos de tributos parafiscais. Sujeito passivo é o devedor do tributo, é aquele que tem o dever de cumprir a obrigação tributária. No critério quantitativo, existem dois fatores: base de cálculo e alíquota que combinados irá traduzir um resultado de cunho pecuniário. Ambas tem a mesma natureza; mas se a base de cálculo não contiver uma importância, em dinheiro, certamente a alíquota terá. A base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo, que indicará os critérios para mensurar o fato jurídico tributário. A alíquota, normalmente é um percentual que incide sobre a base de cálculo. 3.2 A regra-matriz constitucional do ICMS. Registramos desde já que o artigo 155, § 2º, inciso XII, da Constituição Federal, prevê que cabe à Lei Complementar disciplinar o ICMS, mormente os critérios da regra-matriz de incidência tributária do imposto. Portanto, a Lei Complementar pode: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados – CONFAZ – CONVÊNIOS; h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço. Assim, a LC 87/96 (Lei Kandir) disciplinou normas gerais sobre o ICMS. A sigla ICMS, conforme Roque Antonio Carrazza, compreende cinco impostos diferentes: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias ou bens importados do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e) imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. [16] Na ensinança de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, o ICMS incide sobre “operações relativas à circulação de mercadorias”, na forma do artigo 155, II, da CF/88, sempre envolvendo negócio jurídico mercantil, mas não toda e qualquer “circulação”.[17] O ICMS somente poderá incidir sobre a realização de operações relativas a circulação de mercadorias, isto é, circulação jurídico-comercial, onerosa, exigindo a transferência de titularidade da mercadoria de uma pessoa para outra, ou seja, a sua disponibilidade e não meramente transferência física. 3.2.1 Do critério material do ICMS. No Critério Material da RIMIT – Regra-Matriz de Incidência Tributária – (fato gerador), estão as “operações”, que é configurada pela prática de ato jurídico (negócio jurídico), oneroso, entre o alienante e o adquirente, pressupondo a transmissão de um direito (posse ou propriedade). Alcides Jorge Costa, enfatiza que “operação relativa a circulação de mercadorias é, pois, um ato jurídico, no sentido de ato material ou não negocial que consiste na imediata realização de uma vontade, no caso, a de promover a circulação de mercadorias para levá-la da fonte de produção até o consumo”.[18] A Circulação, é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, decorrente de um ato jurídico ou de um contrato, isto é, movimentação com mudança de patrimônio.[19] Portanto, a circulação para efeitos jurídicos significa “mudar de titular”, seja transferindo a propriedade ou a posse. Mercadoria é gênero de “produto”, vale dizer, bem econômico que é produzido com o objetivo de realizar venda ou adquirir para revender, com a finalidade de obtenção de lucro econômico. Assim, se não houver mercancia ou não for transacionado com habitualidade, não é considerado mercadoria. José Eduardo Soares de Melo, observa que: “Os conceitos de “circulação, “operação” e “mercadoria”, permanecem umbilicalmente ligados, devendo os intérpretes e os destinatários do ICMS, tomá-los na sua concepção jurídica para efeito de caracterização de sua incidência.”[20] Esses conceitos se interligam e se completam, de modo devem estar presentes no caso concreto, para haja incidência do ICMS. Roque Antonio Carrazza, conceitua mercadoria para fins de tributação do ICMS como sendo bem móvel, sujeito à mercancia.[21] Em outras palavras, a mercadoria é bem móvel corpóreo adquirida pelo comerciante, industrial ou produtos, para que seja revendida. Tributa-se, portanto, uma obrigação de dar mercadoria, isto é, o ICMS incide sobre ato jurídico mercantil oneroso. 3.2.2 Do critério temporal DO ICMS. O Critério Temporal do ICMS, isto é, o momento em que ocorre o fato jurídico tributário, nascendo a relação jurídica tributária entre o sujeito ativo que detém o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo, a prestação pecuniária, é a saída da mercadoria fora dos limites físicos do estabelecimento do contribuinte, em decorrência de um negócio jurídico mercantil. A simples estocagem, a saída de mercadoria para ser mostrada ao cliente, não configura circulação de mercadoria para fins de incidência do tributo. O legislador ordinário estadual e do DF, pode eleger o momento em que a transmissão jurídica será considerada realizada: i) momento da entrada da mercadoria no estabelecimento comercial, industrial ou produtor; ii) momento da saída da mercadoria em qualquer um desses locais; iii) momento da extração da Nota Fiscal. Assim, a lei ordinária apenas define oficialmente no espaço e no tempo a ocorrência da preexistente da operação mercantil. Para Paulo de Barros Carvalho, sobre o critério temporal da hipótese tributária, ensina: “Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária, como grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra do devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.”[22] 3.2.3 Do critério especial do ICMS. O Critério espacial é a indicação no suposto da norma tributária, do lugar onde o fato típico ocorre. Paulo de Barros Carvalho, sobre o critério material ensina: [23] “Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.” Conforme artigo 155, parágrafo 2o, inciso XII, letra “d”, cabe à Lei Complementar, fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços. Assim, a LC 87/96, no artigo 11, parágrafo 3o, define estabelecimento. Rubens Requião define estabelecimento ou fundo de comércio como o instrumento de atividade do empresário.[24] A mesma LC 87/96 faz inúmeras referencias ao conceito de “estabelecimento” para efeitos de incidência do ICMS, como se verifica nos artigos 2o, par. 1o, inciso I, bem como, para efeitos de não incidência (art. 3o, inciso VI, parágrafo único, inciso I), local da operação (art. 11, I), fato gerador (12, I, II e IV), base de cálculo (arts. 13, par. 4o, III, e 15, II e III); e não-cumulatividade (artigos. 20, 23, 25, 26 e 32), o que demonstra a importância desse conceito, que também está previsto no art. 1.142 do Código Civil. 3.2.4 Do critério pessoal do ICMS. O Critério pessoal é o critério que nos mostra quem são os sujeitos da relação. Se subdivide em duas partes – sujeito ativo (titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária, que pode ser pessoa jurídica de direito público, privado ou até pessoa física se esta estiver desempenhando real e exclusivo interesse público definido em lei – art. 119) e sujeito passivo ( física, jurídica, privada ou pública de quem se exige o cumprimento da prestação pecuniária ou não – art. 121). Assim, temos o contribuinte na relação direta; e os responsáveis, ou seja, os sujeitos passivos indiretos que apresenta duas modalidades: por transferência (solidariedade, sucessão ou responsabilidade) e por substituição. Em se tratando de ICMS, a Constituição de 1988 não explicitou o sujeito passivo, ou seja, o agente capaz de fazer nascer a obrigação de pagar o ICMS, mas é inegável que assim como ocorria com o ICM, é o comerciante, o industrial e o produtor. Mas não são só as pessoas dotadas de personalidade jurídica que figuram como sujeito passivo da relação tributária. O comerciante de fato, o comerciante irregular, um agregado familiar que, ainda que de modo clandestino, promova em caráter de habitualidade, atos de comércio ou, mesmo, um menor absolutamente incapaz que, repetidamente, pratique operações relativas à circulação de mercadorias e assim avante (Roque Antonio Carrazza).[25] Portanto, qualquer pessoa física, jurídica ou sem personalidade jurídica que pratique com habitualidade ou por volume, operação de circulação de mercadorias, pode ser contribuinte, como aliás prevê o artigo 7o da Lei Estadual Bandeirante 6374/89. No mesmo sentido, é o disposto no artigo 4o, da LC 87/96. É a destinação à mercancia que gera a incidência do ICMS, como observa Roque Antonio Carrazza. [26] 3.2.5 Do critério quantitativo do ICMS. O critério quantitativo fala do objeto da prestação, subdividida em “base de cálculo e alíquota”. Neste critério encontramos referências à grandeza que o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para definir a quantia a ser pagar pelo contribuinte. Pois bem. A base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo, que indicará os critérios pra mensurar o fato jurídico tributário, como já dissemos alhures. Mais uma vez, lembrando os ensinamentos de Roque Antonio Carrazza, o jurista adverte que o contribuinte deve estar garantido de que o está sendo tributado de acordo com a Constituição, exigindo, para tanto, uma correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência do tributo (fato jurídico tributário), bem como, que o critério de medição da base de cálculo deve observar a razoabilidade e a proporcionalidade para com o critério material possível da RMIT que está sendo considerada.[27] Portanto, a base de cálculo do ICMS deve levar em conta, efetivamente, o valor da operação mercantil. Tanto é que a legislação ordinária prevê que a base de cálculo do tributo é o valor que decorre da saída da mercadoria. Entretanto, o artigo 24, da Lei 6374/89, prevê que deve incluir na base de cálculo do ICMS: juros, seguros, e demais débitos, descontos sob condição, frete (realizado pelo remetente ou por sua conta e ordem), IPI (ressalvados os casos em que ocorra fato gerador de ambos os impostos) e os serviços de montagem e instalação, quando o remetente assumiu a obrigação de entregar os equipamentos montados. E ainda, conforme artigo 33, da Lei 6374/89, que o montante do imposto deve integrar a própria base de cálculo. A chamada “base de cálculo por dentro” A Alíquota, que também é integrante da RMIT, geralmente expresso em percentuais sobre a base de cálculo, a fim de apurar o exato valor do débito fiscal, que pode ser progressiva, mas nem sempre respeitando o princípio da legalidade estrita e o princípio do não confisco (art. 150, IV, 5o, XXII, 170, II, da CF/88). No caso do ICMS, o ente tributante pode fixar a alíquota por meio de lei ordinária, mas desde que respeitados os limites das alíquotas mínimas e máximas estipuladas pelo Senado Federal, que será por meio de Resolução, mediante iniciativa de 1/3 de seus membros e aprovada pela maioria absoluta de seus membros, e por maioria absoluta, com aprovação de 2/3 de seus membros, respectivamente, consoante art. 155, parágrafo 2o, V, da CF/88. Também por meio de Resolução do Senado, mediante iniciativa de 1/3 dos Senadores e aprovada pela maioria absoluta de seus membros, poderá fixar alíquotas para operações e prestações interestaduais e para exportação. A legislação paulista prevê alíquota de 18%, mas o art. 34 da Lei 6473/89 prevê exceções (alíquotas interestaduais conforme a região – 12% ou 7% -, por transporte aéreo – 4%, dentre outros). 4. O princípio da não-cumulatividade na constituição e o pleno direito ao crédito. Com a compreensão da regra-matriz constitucional do ICMS, passaremos a demonstrar que o direito irrestrito ao aproveitamento de créditos de ICMS é impostergável, tendo em vista o princípio da não-cumulatividade expressamente previsto na Constituição Federal. A vedação a crédito, em exceção ao princípio da não-cumulatividade, tem previsão na própria Constituição Federal, no artigo 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e “b”, do caso ﷽﷽a Constitucional, tambrevista na Carta Constitucional, tamb de que, isto é, no caso das isenções ou não incidências, hipóteses em que não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores. 4.1 Algumas considerações sobre o princípio da não-cumulatividade. O princípio da não-cumulatividade do ICMS é uma norma constitucional expressa que gera um direito subjetivo do contribuinte em aproveitar a cada operação o montante devido nas operações anteriores, conforme artigo 155, I, b, e seu § 2º, I, da Carta Magna. Noutro giro, o princípio da não-cumulatividade é garantia constitucional do contribuinte (art. 60, parágrafo 4o, inciso IV, da CF/88), que não pode ser ignorada ou desrespeitada pelo legislador infraconstitucional ou infra-legal, de modo a assegurar o direito a pleno aproveitamento dos créditos de ICMS através do mecanismo da compensação, que é a essência desse instituto. A CF/88 ao instituir o IPI e o ICMS, previu sua não-cumulatividade, ou seja, compensando-se no que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. É de se indagar se a não-cumulatividade é um valor ou um limitador objetivo. Pensamos que sim, pois, o princípio da não-cumulatividade dista de ser um valor. Na verdade, é um limite objetivo, mas que se volta à realização de certos valores como a “justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva do administrado, o da uniformidade na distribuição da carga tributária.” Isso permite evitar distorções como a tributação em cascata como o aumento de preço e efeitos inflacionários. Para atingir esse objetivo a CF impende a edição de norma jurídica prevendo o direito ao crédito daquele que adquire o crédito, que se dá nas várias etapas dos procedimentos de industrialização – direito ao crédito nascido na aquisição do insumo ou mercadoria / relação jurídica tributária que nasce na saída do bem. Por isso que o direito ao crédito é tão importante na consecução da técnica impositiva da não-cumulatividade. O direito à compensação é de cunho patrimonial e o crédito é escritural, ou seja, serve apenas como moeda de pagamento parcial do IPI e do ICMS. Portanto, o princípio da não-cumulatividade pode ser aplicado independentemente de regulamentação legal ou infra-legal, devendo o fisco imprimir esforços para considerar todos os créditos do contribuinte. Paulo de Barros Carvalho, pontua que o princípio da não-cumulatividade deve ser rigorosamente observado: “O primado da não cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar quantia devida pelo ‘contribuinte’, considerar-lhe os créditos, ainda que contra sua vontade.”[28] O direito ao crédito do contribuinte, independe da efetiva cobrança ou pagamento do tributo nas operações anteriores. Basta que o ICMS seja “devido”. Neste sentido é o que assevera ROQUE ANTONIO CARRAZZA[29]: “Interpretação cuidadosa do texto constitucional revela-se-nos que o direito ao crédito em tela independe, para surgir, da efetiva cobrança do ICMS nas anteriores operações ou prestações. Deveras, a Magna Carta nada exige neste sentido, não podendo nenhuma norma infraconstitucional criar restrições a respeito. Isto significa que o direito à compensação permanece íntegro ainda que um dos contribuintes deixe de recolher o tributo ou a Fazenda Pública de lança-lo (salvo, como explicaremos mais adiante, por motivo de isenção ou não incidência). Basta que a leis de ICMS tenham incidido sobre as operações ou prestações anteriores para que o abatimento seja devido. Em suma, a expressão “montante cobrado”, contida na segunda parte do art. 155, §2o, I, da CF, deve ser juridicamente entendida como “montante devido” e, não, como “montante efetivamente exigido” Quanto à origem dos créditos, não há necessidade ser da mesma mercadoria. A Constituição confere ao contribuinte o direito de abater do montante do ICMS a pagar, tudo o que foi devido pelos outros contribuintes (transporte, comunicação, mercadorias), estabelecendo uma “relação de débitos e créditos“ (entradas = créditos / saídas = débitos), num dado lapso temporal, que geralmente é de 30 dias. No que pertine à destinação, o direito ao crédito independe do destino da mercadoria ou serviços adquiridos, por força do princípio da não-cumulatividade. Com efeito, as únicas vedações do direito ao crédito, como observamos anteriormente, são aquelas previstas no artigo 155, parágrafo 2o, inciso II, da CF. Tirante essas hipóteses, o crédito ao ICMS é amplo e irrestrito. Na apuração, se os créditos forem maiores que os débitos, não haverá pagamento de imposto e o crédito será mantido ou acumulado na escrita fiscal para utilização no período seguinte e assim, sucessivamente. Há em nosso ordenamento, a previsão do chamado “crédito presumido”, que é a outorga de crédito fiscal que não corresponde às efetivas entradas de mercadorias, em substituição ao sistema convencional para pagamento de ICMS como moeda, com o fim de incentivo a determinados seguimentos, pela complexidade, onerosidade ou para neutralizar os efeitos da guerra fiscal. O crédito presumido não pode ser prejudicial ao contribuinte e deve respeitar as diretrizes da não-cumulatividade, sem restrição do seu alcance. É importante ainda, fazermos uma referência ao “diferimento”. Diferimento não é isenção, incentivo ou benefício fiscal. Significa adiamento do pagamento do tributo, pois, o tributo será pago no futuro, por quem tenha adquirido as mercadorias, revende as mercadorias. Assim, o novo contribuinte pagará o ICMS devido na operação mercantil que realizou e também na operação mercantil anterior. O Diferimento, portanto, é modalidade de substituição tributária para trás. 4.2 Disciplina do regime de compensação. Cabe à Lei Complementar, nos termos do art. 155, paragrafo 2o, XII, “c” e “f”, da CF/88, disciplinar a manutenção de créditos de ICMS. Deve disciplinar apenas a operacionalização um sistema de escrituração e controle, ou seja, disciplinar procedimentos de constituição e utilização do créditos ou da execução do regime de compensação, e de manutenção de créditos (exportação e remessa para outro Estado), sem restringir, dificultar ou interferir no conteúdo e no alcance do princípio da não cumulatividade, nem prever limites temporais. 4.3 Da restrição aos créditos – considerações gerais. Desde a entrada e vigor da Constituição de 1988, tendo em vista o princípio da não-cumulatividade, a aquisição de bens, mercadorias e materiais para uso e consumo ou ativo permanente, pode ser aproveitado de forma ampla, ou seja, sem restrições, pouco importando sua destinação, numa interpretação sob a ótica da Constituição. O princípio da não cumulatividade não pode ser alterado ou restringido pelo Legislativo ou pelo Executivo, nem tampouco por Lei Complementar (art. 155, parágrafo 2o, XII, “c”). Toda e qualquer legislação infraconstitucional deve observar rigorosamente o que está prescrito na Constituição Federal (art. 155, parágrafo 2o, incisos I e II da CF/88). Esse direito de crédito amplo foi comtemplado, pelo artigo 20 da LC 87/96, em confirmação ao princípio da não cumulatividade. Roque Antonio Carrazza registra que: “Reduzindo o raciocínio à sua expressão mais simples, a aquisição de bens ou mercadorias destinados ao ativo imobilizado do contribuinte não foi considerada, pela Constituição, hipótese apta a acarretar a anulação, ainda que parcial, do crédito relativo às operações ou prestações anteriores. O mesmo podemos dizer das aquisições de bens ou mercadorias para serem utilizados, pelo contribuinte, em seu processo industrial ou comercial. Todos esses créditos, sem exceção, poderão ser integralmente aproveitados.”[30] Com efeito, o artigo 33, II, do Convenio 66/88, na vigência da CF/88 era inconstitucional. Hoje, tal dispositivo encontra-se superado pelo advento da LC 87/96 e pela jurisprudência pacificada do STJ. Do mesmo modo, o artigo 33 da LC 87/96, com a atual redação dada pela LC 138/2010, que limita a eficácia temporal do aproveitamento do crédito de bens destinados ao ativo permanente (parágrafo 5o, do art. 20), e restringe a utilização de créditos de energia elétrica somente se consumida no processo de industrialização e dos materiais de uso e consumo, até 2020 (art. 33, II e IV, da LC 87/96), referida norma é inconstitucional, por manifesta violação ao princípio da não-cumulatividade. O direito a crédito é incondicional e amplo. 4.4 Do crédito extemporâneo. O direito ao crédito pelo contribuinte é insofismável. Nada impede que o exercício do direito ao crédito em qualquer momento, desde que respeitado o prazo decadencial de 05 anos, conforme artigo 23, parágrafo único da LC 87/96, em combinação com o artigo 168 do CTN. O artigo 38, parágrafo 3o, da Lei Estadual Bandeirante 6374/89, prevê o direito de aproveitamento do crédito extemporâneo do ICMS, no prazo de 05 anos. Quanto à correção monetária do crédito extemporâneo, não obstante o equivocado posicionamento do STF, o contribuinte tem direito de corrigir monetariamente o montante do crédito extemporâneo, pelos mesmo índices adotados pelo fisco para corrigir seus créditos, já que a correção monetária apenas tem o condão de repor o poder aquisitivo da moeda. Não significa um plus ou acréscimo patrimonial , de modo que a correção monetária evita o enriquecimento sem causa da Fazenda, além de preservar a isonomia do tratamento tributário, pois, os débitos fiscais são devidamente corrigidos até o efetivo pagamento. Ademais, o crédito de ICMS é moeda de pagamento do débito de ICMS. O ICMS corrigido continua sendo ICMS, não fazendo qualquer sentido o fisco receber com moeda “forte”, e o contribuinte pagar com moeda “fraca“ (crédito nominal, sem correção monetária), Isto implicaria em confisco, que é verdade pela Carta Magna. Qualquer norma de vede a correção monetária dos créditos extemporâneos é inconstitucional, até porque, também implica em violação ao princípio da não-cumulatividade. O mesmo se diga com relação ao termo inicial da correção monetária quando o contribuinte emite a Nota Fiscal de saída com seu registro na forma do art. 215 do RICMS/SP, mas o crédito somente será possível depois o ingresso da mercadoria adquirida no estabelecimento conforme art. 72 do RICMS/SP. Assim, nos casos em que a mercadoria é posteriormente recebida, ou seja, no mês subsequente ou em mais tempo, o contribuinte tem direito à correção, pois, o fisco recebe o valor antecipadamente do ICMS, mas o crédito é feito à posteriori. No entanto, de forma equivocada, o STF entendeu que somente incide correção monetária a partir da recusa injusta do crédito pelo fisco. E o fundamento da mais Alta Corte, foi de que, como não há lei prevendo correção monetária para créditos extemporâneos, o crédito deve ser pelo valor nominal (RE 205.453; RE 195.902; RE 247.520)[31] 5. Vedação aos créditos de icms consoante as normas infraconstitucionais. Não há dúvidas de que o princípio da não-cumulatividade do ICMS é cláusula pétrea (art. 60, parágrafo 4o, inciso IV, da CF/88), cuja norma constitucional garante um direito subjetivo do contribuinte em aproveitar a cada operação o montante devido nas operações anteriores. Ora, pela sistemática da não-cumulatividade, estão inseridos os princípios legalidade e da tipicidade tributária, da capacidade contributiva, do não-confisco e do bis in idem tributário (art. 154, I, CF/88), mormente para evitar o efeito cascata. Além do mais, a não cumulatividade expressamente prevista na Carta Constitucional, também atende aos princípios que informam o Estado Democrático Social de Direito, que concorrem com os princípios do Estado Democrático de Direito, como é o caso do princípio da dignidade humana e o princípio da justiça social e as normas pertinentes aos Estado Democrático Social de Direito como o art. 5o inciso XXIII, de que toda propriedade privada deve cumprir sua função social. Com efeito, diz o artigo 155, I, b, e seu § 2º, I, da Carta Magna, o seguinte: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir: I – imposto sobre: b) operações relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2º O imposto sobre o inciso I, b, atenderá ao seguinte: I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestações de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal; “ O artigo 155, parágrafo 2o, XII, letra “c”, CF/88 assegura ao legislador complementar disciplinar sobre o regime compensação do imposto. A Lei Complementar 87/96, de forma mais ampla, e de forma compatível com a Constituição Federal, no artigo 20, prevê a possibilidade da compensação de todas as mercadorias que ingressarem no estabelecimento, independentemente da destinação, vale dizer, inclusive as mercadorias destinadas ao uso e consumo, nos seguintes termos: Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação. § 1º Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento. § 2º Salvo prova em contrário, presumem-se alheios à atividade do estabelecimento os veículos de transporte pessoal. § 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita: I – para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior; II – para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior. § 4º Deliberação dos Estados, na forma do art. 28, poderá dispor que não se aplique, no todo ou em parte, a vedação prevista no parágrafo anterior. § 5o Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado: (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000) (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000) (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000) I – a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) II – em cada período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o inciso I, em relação à proporção das operações de saídas ou prestações isentas ou não tributadas sobre o total das operações de saídas ou prestações efetuadas no mesmo período; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 120, de 2005) IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído, pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) V – na hipótese de alienação dos bens do ativo permanente, antes de decorrido o prazo de quatro anos contado da data de sua aquisição, não será admitido, a partir da data da alienação, o creditamento de que trata este parágrafo em relação à fração que corresponderia ao restante do quadriênio; (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) VI – serão objeto de outro lançamento, além do lançamento em conjunto com os demais créditos, para efeito da compensação prevista neste artigo e no art. 19, em livro próprio ou de outra forma que a legislação determinar, para aplicação do disposto nos incisos I a V deste parágrafo; e (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) VII – ao final do quadragésimo oitavo mês contado da data da entrada do bem no estabelecimento, o saldo remanescente do crédito será cancelado. (Inciso Incluído pela LCP nº 102, de 11.7.2000) § 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a: I – produtos agropecuários; II – quando autorizado em lei estadual, outras mercadorias.” Pelo artigo 20, na sua intelecção, a norma impõe exceções ao direito ao crédito em relação às mercadorias “alheias às atividades do estabelecimento”, bem como, as vinculadas às saídas “não tributadas ou isentas.” Mas o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, ampliou a restrição para as mercadorias destinadas ao uso e consumo, transitoriamente, ou seja, até 31.12.2019, segundo a legislação vigente. “Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte: I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020;” Tendo em vista a edição da LC 87/96, uma digressão se mostra oportuna em nosso estudo. O regime adotado pela LC 87/96 difere do regime do Convênio 66/88, que continha regra negativa, prevendo a inexistência do direito ao crédito, se não houvesse integração da mercadoria ao produto final ou se não fosse consumida integral e imediatamente no processo industrial, consoante artigo 31, inciso III. Como dissemos alhures, o legislador complementar, no artigo 20 suso transcrito, ampliou a regra do direito ao crédito para todas as mercadorias que ingressem no estabelecimento, seja qual for a destinação, ressalvadas as hipóteses expressas de mercadorias adquiridas alheias às atividades da empresa, as isentas e as não tributadas, sendo esta a regra geral vigente. Pelo regime da LC 87/96, houve uma mudança de critério em relação ao Convênio 66/88, sendo que, pela regra atual, o crédito é vedado apenas quando “não houver qualquer vínculo ou inerência” entre a mercadoria e o processo industrial, ou comercial, ou de prestação de serviços, desenvolvido pelo estabelecimento. Procedendo-se uma análise sistemática da norma complementar, tem-se que o artigo 33, I, da LC 87/96, por ser norma transitória, é uma exceção à regra geral e não uma outra regra geral, de modo que esta deve ser interpretada restritivamente. Desse modo, para a aplicação do artigo 20 c.c. o artigo 31, inciso I, da LC 87/96, não é mais possível adotar os critérios do Convênio 66/88 para se negar crédito do imposto, dada a mudança de regime que o legislador complementar adotou. A propósito, é neste sentido que o STJ tem se manifestado como se vê dos julgados proferidos no AgRg em REsp 142.263, DJe. de 26.02.2013 e no REsp 1.175.166/MG, DJe. de 02.03.2007. [32] Com efeito, na aplicação do artigo 33, I, da LC 87/96, a vedação ao crédito não é em relação a qualquer uso e consumo da mercadoria, pois, deve-se levar em conta a efetiva “destinação” da mercadoria, sob a ótica da legislação infraconstitucional. Vale dizer, identificar, em cada caso, se a destinação refere-se à atividade econômica do contribuinte, sendo este o ponto fundamental para se concluir pela incidência ou não do art. 33, I, da LC 87/96. Neste eito, o legislador ordinário paulista regulamentou a compensação do imposto, vedando o direito ao crédito das mercadorias e serviços para uso e consumo, nos termos dos artigos 38, 40 e 42 da Lei 6374/89: “Artigo 38 – Para a compensação, é assegurado ao contribuinte, salvo disposição em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado, nos termos do item 2 do § 1.º do Artigo 36, relativamente a mercadoria entrada, real ou simbolicamente, em seu estabelecimento ou a serviço a ele prestado, em razão de operações ou prestações regulares e tributadas. § 1.º – O direito ao crédito do imposto condiciona-se à escrituração do respectivo documento fiscal e ao cumprimento dos demais requisitos exigidos pela legislação. § 2.º – O crédito deve ser escriturado por seu valor nominal. § 3.º – O direito ao crédito extingue-se após 5 (cinco) anos, contados da data de emissão do documento fiscal. § 4.º – O estabelecimento que receba mercadoria devolvida por particular, produtor ou qualquer pessoa natural ou jurídica não considerada contribuinte ou não obrigada à emissão de documento fiscal, pode creditar-se do imposto pago por ocasião da saída da mercadoria, segundo o disposto em regulamento. § 5.º – Salvo hipótese expressamente prevista em regulamento, é vedada a apropriação do crédito do imposto destacado em documento fiscal que indique como destinatário estabelecimento diverso daquele que o venha a escriturar. § 6.º – Em substituição ao sistema de crédito previsto neste artigo, poderá ser facultado ao contribuinte a compensação, de importância resultante da aplicação de porcentagem fixa. Artigo 40 – É vedado o crédito do imposto relativo a mercadoria entrada ou adquirida e, conforme o caso, a prestação de serviço tornado: I – para integração ao ativo imobilizado do estabelecimento. II – para uso ou consumo do próprio estabelecimento, assim entendido a que não seja utilizada na comercialização e a que não seja empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou, ainda, na prestação de serviço; III – para integração ou consumo em processo de industrialização de produto cuja saída não seja tributada ou esteja isenta do imposto; IV – para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüentes não sejam tributadas ou estejam isentas do imposto; V – para integração ou consumo em processo de industrialização, para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída do produto ou a prestação subseqüentes estejam beneficiadas com redução da base de cálculo, proporcionalmente à parcela correspondente à redução; VI – que exceder ao montante devido, por erro ou inobservância da correta base de cálculo, determinada em lei complementar ou na legislação deste Estado. Parágrafo único – Uma vez provado que a mercadoria ou o serviço mencionados nos incisos I a IV tenham ficado sujeitos ao imposto por ocasião da posterior operação ou prestação ou, ainda, que tenham sido empregados em processo de industrialização do qual resulte produto cuja saída se sujeite ao imposto, pode o estabelecimento creditar-se do imposto relativo à respectiva entrada, nunca superior ao imposto devido na operação ou prestação tributadas. Artigo 42 – A vedação e o estorno de crédito previsto nos Artigos 40 e 41 estendem-se ao imposto incidente sobre serviços de transporte e de comunicação relacionados com mercadoria que venha a ter qualquer das destinações mencionadas nos aludidos dispositivos.” E o artigo 61 do RICMS, no que diz respeito à compensação do imposto, estabelece as condições formais e materiais em que o direito do crédito de ICMS será assegurado: “Artigo 61 – Para a compensação, será assegurado ao contribuinte, salvo disposição em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado, nos termos do item 2 do § 1º do artigo 59, relativamente a mercadoria entrada, real ou simbolicamente, em seu estabelecimento, ou a serviço a ele prestado, em razão de operações ou prestações regulares e tributadas (Lei 6.374/89, art. 38, alterado pela Lei 10.619/00, art. 1º, XIX; Lei Complementar federal 87/96, art. 20, § 5º, na redação da Lei Complementar 102/00, art. 1º; Convênio ICMS-54/00). § 1º – O direito ao crédito do imposto condicionar-se-á à escrituração do respectivo documento fiscal e ao cumprimento dos demais requisitos previstos na legislação. § 2º – O crédito deverá ser escriturado por seu valor nominal. § 3º – O direito ao crédito extinguir-se-á após 5 (cinco) anos, contados da data da emissão do documento fiscal. § 4º – Salvo hipótese expressamente prevista neste regulamento, é vedada a apropriação de crédito do imposto destacado em documento fiscal se este: 1 – indicar como destinatário da mercadoria ou tomador do serviço estabelecimento diverso daquele que o registrar; 2 – não for a primeira via ou Documento Fiscal Eletrônico – DFE. (Redação dada ao item pelo Decreto 52.097, de 28-08-2007; DOE 29-08-2007) 2 – não for a primeira via. § 5º – Se o imposto for destacado a maior do que o devido no documento fiscal, o excesso não será apropriado como crédito. § 6º – O disposto no parágrafo anterior também se aplicará quando, em operação interestadual, o Estado de origem fixar base de cálculo superior à estabelecida em lei complementar ou em acordo firmado entre os Estados. § 7º – O crédito será admitido somente após sanadas as irregularidades contidas em documento fiscal que: 1 – não for o exigido para a respectiva operação ou prestação; 2 – não contiver as indicações necessárias à perfeita identificação da operação ou prestação; 3 – apresentar emenda ou rasura que lhe prejudique a clareza. § 8º – Quando se tratar de mercadoria importada que deva ser registrada com direito a crédito, o imposto pago em conformidade com o disposto na alínea "a" do inciso I e na alínea "b" do inciso IV do artigo 115 poderá ser escriturado no período de apuração em que tiver ocorrido o seu recolhimento, ainda que a entrada efetiva da mercadoria se verifique em período seguinte. § 9º – Em substituição ao sistema de crédito previsto neste artigo, a Secretaria da Fazenda poderá facultar ao contribuinte a compensação de importância resultante da aplicação de percentagem fixa. § 10 – O crédito decorrente de entrada de mercadoria destinada à integração no ativo permanente, observado o disposto no item 1 do § 2º do artigo 66: 1 – será apropriado à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento; 2 – para seu cálculo, terá o quociente de um quarenta e oito avos proporcionalmente aumentado ou diminuído "pro rata die", caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês. § 11 – Na transferência de bem pertencente ao ativo imobilizado antes de ser concluída a apropriação de crédito prevista no parágrafo anterior, fica assegurado ao estabelecimento destinatário o direito de creditar-se das parcelas remanescentes até consumar-se o aproveitamento integral do crédito relativo àquele bem, observado o procedimento a seguir: 1 – na Nota Fiscal relativa à transferência do bem deverão ser indicados no campo "Informações Complementares", a expressão "Transferência de Crédito do Ativo Imobilizado – Artigo 61, § 11 do RICMS", o valor total do crédito remanescente, a quantidade e o valor das parcelas, o número, a data da Nota Fiscal de aquisição do bem e o valor do crédito original; 2 – a Nota Fiscal prevista no item anterior deverá ser acompanhada de cópia reprográfica da Nota Fiscal relativa à aquisição do bem, a qual deverá ser conservada nos termos do artigo 202. § 12 – Na entrada de mercadoria ou bem decorrente de operação interestadual de devolução ou retorno, inclusive em caso de transferência, o direito ao crédito fica limitado ao valor do imposto destacado no documento fiscal relativo à remessa para o outro Estado. § 13 – As microempresas e as empresas de pequeno porte sujeitas às normas do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional” não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos ao imposto, exceto a hipótese prevista no inciso XI do artigo 63 (Lei Complementar federal 123/06, art. 23, “caput”). (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 54.136, de 17-03-2009; DOE 18-03-2009; Efeitos para os fatos geradores ocorridos a partir de 1° de janeiro de 2009) § 13 – As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional” não farão jus à apropriação nem transferirão crédito relativo ao imposto. (Parágrafo acrescentado pelo artigo 2º do Decreto 52.104, de 29-08-2007; DOE 30-08-2007) § 14 – Na hipótese em que o documento fiscal deva ser registrado eletronicamente na Secretaria da Fazenda, nos termos do artigo 212-P, o crédito somente será admitido se, observadas as demais condições previstas na legislação: (Parágrafo acrescentado pelo artigo 2º do Decreto 52.097, de 28-08-2007; DOE 29-08-2007) 1 – o respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF tiver sido regularmente gerado; 2 – na ausência do respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF, o destinatário comunicar o fato à Secretaria da Fazenda, nos termos de disciplina por esta estabelecida; 3 – havendo divergência entre os dados constantes no documento fiscal e as informações contidas no respectivo Registro Eletrônico de Documento Fiscal – REDF, o destinatário comunicar a irregularidade à Secretaria da Fazenda, nos termos de disciplina por esta estabelecida.” É por isso que os lançamentos de ofício procedidos pelo fisco estadual bandeirante, em especial, através da lavratura de Autos de Infração, tem por fundamento o artigo 66, inciso V, do RICMS/00 (Dec. 45.490/00): “Artigo 66 – Salvo disposição em contrário, é vedado o crédito relativo à mercadoria entrada ou adquirida, bem como ao serviço tomado (Lei 6.374/89, arts. 40 e 42, o primeiro na redação da Lei 10.619/00, art. 1º, XX): V – para uso ou consumo do próprio estabelecimento, assim entendida a mercadoria que não for utilizada na comercialização ou a que não for empregada para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização ou produção rural, ou, ainda, na prestação de serviço sujeita ao imposto.” Destarte, do ponto de vista infraconstituciomal, as normas jurídicas dos artigos 38, 40 e 42 da Lei 6374/89 e os artigos 61 e 66 do RICMS/00, estão em plena validade, vigência e eficácia, de modo que a previsão de vedação ao crédito relativo às mercadorias adquiridas para o uso e consumo das atividades empresariais está pautada em lei, isto é, respeita o princípio da legalidade (art. 97, do CTN). Queremos dizer que no âmbito infraconstitucional, dentro do presente estudo, não está em discussão a inconstitucionalidade do art. 33, I, da LC/87/96, ou os artigos 38, 40, 42, da Lei 6374/89, ou ainda, os artigos 60 e 61, do RICMS/00 (S. Paulo), mas sim, a correta hermenêutica, ou seja, o verdadeiro alcance das vedações previstas nas normas de regência. Logo, se a linguagem das provas constantes do processo administrativo ou judicial demonstrar que em relação aos materiais de uso e consumo há vínculo de inerência com as atividades exploradas pelo contribuinte, ou seja, não são alheios às suas atividades econômicas, deve ter aplicação o art. 20 e não o art. 33, I, da LC 87/96. Um exemplo que podemos citar, são refratários necessários para a produção e industrialização, que, malgrado não integre ao produto final, nem se consume no processo produtivo, é imprescindível para que seja possível a fabricação do respectivo produto. O mesmo se diga quanto a peças de reposição       ao de máquinas do ativo permanente, pois, sem a manutenção, as atividades de industrialização fica impossibilitada, por óbvia razão. Nestes casos exemplificativos, o crédito é legítimo, pois não tem aplicação o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, e por consequência, não incide o artigo 66, inciso V, do RICMS/00. Tendo em vista o regime adotado pela LC 87/96, como já explanado anteriormente, há de se fazer distinção entre mercadorias destinadas para as atividades econômicas do contribuinte, daquelas mercadorias que apenas são destinadas ao suporte da atividade que realiza, como por exemplo, diversas despesas com o departamento administrativo. Estas sim, mercadorias de uso e consumo, onde tem incidência o artigo 33, inciso I, da LC 87/96. O próprio Estado de São Paulo, através da Decisão Normativa CAT 01/01, no item I.1, autoriza o direito ao crédito quando a mercadoria contribua com a atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviço do contribuinte. Eis os exatos termos da regra: “I – DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE 1. – o órgão consultivo da Secretaria da Fazenda (Consultoria Tributária), com base no princípio da não-cumulatividade do imposto inserto no artigo 36 da Lei nº 6.374/89 – e observadas todas as demais regras de lançamento, vedação e estorno do crédito do valor do ICMS, bem como as específicas de cada operação ou prestação, previstas no Regulamento do ICMS – RICMS, aprovado pelo Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000 (artigos 59 e seguintes) – tem se manifestado pela legitimidade do direito de o contribuinte lançar em sua escrita fiscal, a título de crédito, o valor do ICMS "anteriormente cobrado por este ou outro Estado, relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco" (incluindo as mercadorias destinadas ao ativo permanente), utilizadas na sua atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviços, em razão de operações ou prestações por ele realizadas, regulares e tributadas pelo ICMS, ou não o sendo, haja expressa previsão/autorização regulamentar para o crédito fiscal ser mantido ” Portanto, numa interpretação restritiva das normas infraconstitucionais, a destinação das mercadorias é relevante. Se as mercadorias, inclusive os materiais de uso e consumo, forem inerentes às atividades do contribuinte, há direito ao crédito (at. 20 da LC/87/96). Porém, se as mercadorias não tiverem vínculo de inerência com as atividades empresariais, como os materiais de mero suporte administrativo, incide a regra do artigo 33, I, da LC 87/96. Por fim, reiteramos que sob a ótica da Constituição Federal, haja vista o princípio da não-cumulatividade, a destinação das mercadorias é irrelevante. Conclusão Podemos concluir, à vista do exposto, que a Constituição Federal de 1988 prevê o pleno direito ao aproveitamento dos créditos dos produtos e mercadorias adquiridas, sem quaisquer restrições e independentemente do seu destino, tendo em vista o primado do princípio da não-cumulatividade, expressamente previsto no art. 155, parágrafo 2o, da CF/88. Nenhuma norma editada pelo legislador derivado constitucional, ainda que por meio de Emenda Constitucional e, muito menos, a legislação complementar e as normas ordinárias dos Estados e do Distrito Federal, podem restringir ou limitar a utilização de créditos de ICMS na aquisição de mercadorias ou produtos, salvo na hipótese da exceção prevista no inciso II (alíneas “a” e “b”), do parágrafo 2o, do art. 155, da CF/88, uma vez que o princípio da não-cumulatividade inserido na Carta Magna pelo legislador constitucional originário é cláusula pétrea, consoante o art. 60, parágrafo 4o, inciso IV. Como visto neste trabalho, o princípio da não-cumulatividade está jungido a vários princípios constitucionais, que em última análise, protege os direitos e garantias constitucionais do individuo. Ora, o princípio da não-cumulatividade está em consonância com o Sistema Tributário Nacional. Pela sistemática da não-cumulatividade, são preservados os princípios legalidade e da tipicidade tributária, da capacidade contributiva, do não-confisco e do bis in idem tributário (art. 154, I, CF/88), mormente para evitar o efeito cascata. Não se pode olvidar que o principio da não-cumulatividade, tal como está prevista Constituição Federal, atende os princípios que informam o Estado Democrático Social de Direito, que concorrem com os princípios do Estado Democrático de Direito. Destacamos o princípio da dignidade humana e o princípio da justiça social. Existem ainda normas pertinentes aos Estado Democrático Social de Direito como o art. 5o inciso XXIII, de que toda propriedade privada deve cumprir sua função social, bem como, o art. 170, inserido no Título VII (ordem econômica), Capítulo I (princípios gerais da atividade econômica), estabelecendo que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, além dos artigos 193 e 203. Estado não pode impor tributos que asfixie arbitrariamente a atividade econômica, para que Constituição Federal não seja violada, ou seja, para que o princípio da função social da atividade econômica e da livre iniciativa sejam preservados, de modo que o princípio da não-cumulatividade tem por escopo atingir este desiderato. Logo, o princípio da não-cumulatividade, inegavelmente, é cláusula pétrea, razão pela qual, deve ser rigorosamente observado pelo legislador constitucional derivado e pelo legislador complementar e ordinário dos Estados-Membros e do Distrito Federal. De outra parte, agora sob o aspecto da legislação infraconstitucional, admitindo-se a constitucionalidade de restrições aos créditos de ICMS na aquisição de materiais de uso e consumo, numa interpretação sistemática das normas em vigor, as vedações ao crédito estão limitadas a hipóteses limitadíssimas, muito diferente do entendimento que vem sendo adotado o fisco, consubstanciado nas normas infra-legais (Portarias, Decisões Normativas, Resoluções) e normas individuais e concretas expedidas pelas autoridades competentes. Pelo regime adotado pela LC 87/96, há de se fazer distinção entre mercadorias destinadas para as atividades econômicas do contribuinte, daquelas mercadorias que apenas são destinadas ao suporte da atividade que realiza, como por exemplo, diversas despesas com o departamento administrativo, com segurança interna do estabelecimento, dentre outras. Estas sim, mercadorias de uso e consumo, onde tem incidência o artigo 33, inciso I, da LC 87/96. Somente nesses casos é que há vedação ao uso do crédito de ICMS A Lei Complementar 87/96, de forma mais ampla, no artigo 20, prevê a possibilidade da compensação de todas as mercadorias que ingressarem no estabelecimento, independentemente da destinação, vale dizer, inclusive as mercadorias destinadas ao uso e consumo. Pelo artigo 20, na sua intelecção, a norma impõe exceções ao direito ao crédito em relação às mercadorias “alheias às atividades do estabelecimento”, bem como, as vinculadas às saídas “não tributadas ou isentas.” Mas o artigo 33, inciso I, da LC 87/96, ampliou a restrição para as mercadorias destinadas ao uso e consumo, transitoriamente, ou seja, até 31.12.2019, segundo a legislação vigente.  Como vimos, o regime adotado pela LC 87/96 difere do regime do Convênio 66/88, que continha regra negativa, prevendo a inexistência do direito ao crédito, se não houvesse integração da mercadoria ao produto final ou se não fosse consumida integral e imediatamente no processo industrial, consoante o artigo 31, inciso III. Houve, portanto, uma mudança de critério em relação ao Convênio 66/88, sendo que, pela regra atual, o crédito é vedado apenas quando “não houver qualquer vínculo ou inerência” entre a mercadoria e o processo industrial, ou comercial, ou de prestação de serviços, desenvolvido pelo estabelecimento. Procedendo-se uma análise sistemática da norma complementar, tem-se que o artigo 33, I, da LC 87/96, por ser norma transitória, é uma exceção à regra geral e não uma outra regra geral, de modo que esta deve ser interpretada restritivamente. Com efeito, na aplicação do artigo 33, I, da LC 87/96, a vedação ao crédito não é em relação a qualquer uso e consumo da mercadoria, pois, deve-se levar em conta a efetiva “destinação” da mercadoria. Vale dizer, identificar, em cada caso, se a destinação refere-se à atividade econômica do contribuinte, sendo este o ponto nodal para a incidência ou não do art. 33, I, da LC 87/96. Para tanto, o sujeito passivo da relação tributária deverá demonstrar e se for o caso, fazer prova de que os materiais de uso e consumo são necessários e imprescindível às atividades da empresa, para que o crédito seja legítimo. Se há vínculo de inerência com as atividades da recorrente, ou seja, não é alheia às suas atividades, não tem aplicação a vedação do art. 20 da LC 87/96. Em suma: i) pela ótica da Carta Constitucional, o direito ao aproveitamento dos créditos relativamente às mercadorias adquiridas, independentemente das destinações, é pleno e legítimo, exceto quanto as operações isentas ou não-tributadas (art. 155, parágrafo 2o, II, letras “a” e “b”), em virtude do princípio da não-cumulatividade que deve ser rigorosamente observado; ii) numa interpretação sistemática da legislação infraconstitucional, ainda que se admita a constitucionalidade de limitações ou restrições ao primado da não-cumulatividade, a vedação ao crédito está limitada aos materiais de uso e consumo que não tenham vínculo de inerência às atividades da empresa, com aplicação do art. 20 da LC 87/96, pois, o artigo 33, Ida LC 87/96, por se tratar de norma transitória, deve ter interpretação restritiva.
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Importação e nacionalização de navios e embarcações
O objetivo do presente artigo é demonstrar a importância do estudo acerca dos procedimentos de nacionalização e desnacionalização de navios e embarcações e seu impacto no âmbito das operações de comércio exterior.A análise desses critérios jurídicos relacionados aos “navios” e “embarcações” é de máxima importância em especial se considerarmos que cerca de 90% do comércio internacional é feito pelo modal marítimo.
Direito Tributário
1. Introdução. O objetivo do presente artigo é demonstrar a importância do estudo acerca dos procedimentos de nacionalização e desnacionalização de navios e embarcações e seu impacto no âmbito das operações de comércio exterior. A análise desses critérios jurídicos relacionados aos “navios” e “embarcações” é de máxima importância em especial se considerarmos que cerca de 90% do comércio internacional é feito pelo modal marítimo. No entanto, como é cediço, em especial para os operadores e militantes no âmbito do comércio exterior a legislação da atividade marítima não acompanha o progresso e está baseada no Código Comercial de 1850. Analisando por outro prisma é necessário reconhecer que o legislador ao pretender efetuar alterações legislativas nesta matéria cometeu alguns equívocos que mostram de certa forma o desconhecimento e ausência de uma reflexão mais acurada acerca da importância da matéria para o desenvolvimento do país. Para melhor atender os objetivos do presente artigo iremos efetuar uma diferenciação entre os conceitos jurídicos de “navios” e de “embarcações”. Posteriormente iremos analisar alguns aspectos práticos relacionados a nacionalidade e o processo de registro para possibilitar a nacionalização de determinado navio sob a nacionalidade brasileira. Por fim, breves conclusões com alguns apontamentos para tratamento da matéria. 2. Diferenciação entre os conceitos de navios e embarcações Historicamente o navio assumiu a conotação de bem sagrado, pois, foi uma das principais formas de transportee havia muitos “mitos” em torno das navegações. Em todo caso, do ponto de vista jurídico, o professor português Doutor Luís de Lima Pinheiro qualifica navio como “um engenho apto a navegar no mar e utilizado ou susceptível de ser utilizado no transporte de pessoas ou mercadorias”. Por outro lado, convém salientar que as Convenções Internacionais e o Código Comercial Brasil não efetua a conceituação autêntica sobre qual seria o conceito de navio. Se formos adequar ao regime geral previsto no âmbito do Direito Civil podemos qualificar os “navios” como integrantes da classe dos “bens móveis” embora sob certos aspectos é obrigado a se adequar ao regime dos bens imóveis (em especial para fins de comprovação de sua propriedade- que deve ser feita por meio de instrumento escrito e não apenas através da tradição como é a regra geral para os bens móveis). O revogado Decreto n. 15.788/1922 que regulava a execução de contrato de hipotecas em navios, conceituava da seguinte forma: “Art. 3º Considera-se navio toda construcçãonautica destinada á navegação de longo curso, de grande ou pequena cabotagem, apropriada ao transporte maritimo ou fluvial.” A bem da verdade a definição do conceito de “navio” é utilizada pelo legislador de forma equivalente a “embarcação”. A doutrina costuma definir que “navio” é espécie que está inserido dentro do gênero “embarcação”. Por outro turno, podemos definir embarcação como qualquer construção com aptidão de se locomover na água, por meios próprios ou não, independentemente das características e lugar de tráfego, tal como expressamente disposto no revogado art. 10 do Decreto 87.648/82 (Regulamento para o Tráfego Marítimo) e o art. 11 da Lei n. 2.180/1954, conforme disposto abaixo: “Decreto n. 87.468/1982: “Art. 10 – O termo "embarcação", empregado neste Regulamento, abrange toda construção suscetível de se locomover n'água, quaisquer que sejam suas características.” Lei n. 2.180/1954 Art . 11. Considera-se embarcação mercante tôda construção utilizada como meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características e lugar de tráfego. Parágrafo único. Ficam-lhe equiparados: a) os artefatos flutuantes de habitual locomoção em seu emprêgo; b) as embarcações utilizadas na praticagem, no transporte não remunerado e nas atividades religiosas, cientificas, beneficentes, recreativas e desportivas; c) as empregadas no serviço público, exceto as da Marinha de Guerra; d) as da Marinha de Guerra, quando utilizadas total ou parcialmente no transporte remunerado de passageiros ou cargas; e) as aeronaves durante a flutuação ou em vôo, desde que colidam ou atentem de qualquer maneira contra embarcações mercantes. f) os navios de Estados estrangeiros utilizados para fins comerciais.”  (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997) Em linhas gerais e de maneira absolutamente incerta, em razão da imprecisão terminológica da nossa legislação, podemos considerar que a embarcação é toda construção que corre sob a água e navio para embarcação é aquele conceito restritamente utilizado na indústria da navegação. No plano internacional podemos ressaltar que a Convenção de Genebra n. 22 de 1926 (convenção sobre contrato de engajamento de marinheiros) define o termo navio como “todo navio ou embarcação de qualquer natureza, de propriedade pública ou privada, empregadas habitualmente na navegação marítima”.[1] Tendo em vista que no presente tópico foi analisado alguns aspectos gerais acerca do conceito de navio e de embarcações, convém agora discorrer acerca de questões práticas relacionadas a nacionalidade dos navios (utilizaremos essa expressão daqui em diante de maneira indiscriminada, haja vista que inexiste grande diferenciação prática com o termo “embarcação”). 3. Questões relacionadas a nacionalidade dos navios e embarcarções. A questão da atribuição da nacionalidade aos navios é de vital importância no âmbito do direito internacional e do direito aduaneiro. Tal relevância decorre especialmente em virtude de que ao ser definida a nacionalidade é também definida a competência do Estado que terá o dever de regulação e também o poder de exercer determinadas intervenções. A Convenção das Nações Unidas sobre o direito do Mar de 1982[2], concluída em MontegoBay na Jamaica, e internalizada no âmbito do direito interno brasileiro através da edição do Decreto n. 1530/95 ao tratar desta competência utiliza os termos “jurisdição”, “soberania”. O que se pretende afirmar é que os Estados possuem a legitimidade e autonomia para determinar a legislação aplicável e de igual modo os seus tribunais possuem o dever de aplicar a aludida legislação sempre que instado para tanto. Essa posição está em total consonância com as regras gerais do Direito Internacional Público e é adota hodiernamente pela grande maioria dos Estados. Acerca da importância de uma efetiva atuação dos Estados para regulamentação dos navios sob a sua bandeira, confira-se a redação do art. 94 da aludida Convenção: “ARTIGO 94 Deveres do Estado de bandeira 1. Todo Estado deve exercer, de modo efetivo, a sua jurisdição e seu controle em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira. 2. Em particular, todo Estado deve: a) manter um registro de navios no qual figurem os nomes e as características dos navios que arvorem a sua bandeira, com exceção daqueles que, pelo seu reduzido tamanho, estejam excluídos dos regulamentos internacionais geralmente aceitos; e b) exercer a sua jurisdição de conformidade com o seu direito interno sobre todo o navio que arvore a sua bandeira e sobre o capitão, os oficiais e a tripulação, emquestões administrativas, técnicas e sociais que se relacionem com o navio. 3. Todo Estado deve tomar, para os navios que arvorem a sua bandeira, as medidas necessárias para garantir a segurança no mar, no que se refere, inter alia, a: a) construção, equipamento e condições de navegabilidade do navio; b) composição, condições de trabalho e formação das tripulações, tendo em conta os instrumentos internacionais aplicáveis; c) utilização de sinais, manutenção de comunicações e prevenção de abalroamentos. 4. Tais medidas devem incluir as que sejam necessárias para assegurar que: a) cada navio, antes do seu registro e posteriormente, a intervalos apropriados, seja examinado por um inspetor de navios devidamente qualificado e leve a bordo as cartas, as publicações marítimas e o equipamento e os instrumentos de navegação apropriados à segurança da navegação do navio; b) cada navio esteja confiado a um capitão e a oficiais devidamente qualificados, em particular no que se refere à manobra, à navegação, às comunicações e à condução de máquinas, e a competência e o número dos tripulantes sejam os apropriados para o tipo, tamanho, máquinas e equipamento do navio; c) o capitão, os oficiais e, na medida do necessário, a tripulação conheçam perfeitamente e observem os regulamentos internacionais aplicáveis, que se refiram à segurança da vida no mar, à prevenção de abalroamentos, à prevenção, redução e controle da poluição marinha e à manutenção de rádio comunicações. 5. Ao tomar as medidas a que se referem os parágrafos 3º e 4º, todo Estado deve agir de conformidade com os regulamentos, procedimentos e práticas internacionais geralmente aceitos, e fazer o necessário para garantir a sua observância. 6. Todo Estado que tenha motivos sérios para acreditar que a jurisdição e o controle apropriados sobre um navio não foram exercidos pode comunicar os fatos ao Estado de bandeira. Ao receber tal comunicação, o Estado de bandeira investigará o assunto e, se for o caso, deve tomar todas as medidas necessárias para corrigir a situação. 7. Todo Estado deve ordenar a abertura de um inquérito, efetuado por ou perante uma pessoa ou pessoas devidamente qualificadas, em relação a qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação no alto mar, que envolva um navio arvorando a sua bandeira e no qual tenham perdido a vida ou sofrido ferimentos graves nacionais de outro Estado, ou se tenham provocado danos graves a navios ou a instalações de outro Estado, ou se tenham provocado danos graves a navios ou a instalações de outro Estado ou ao meio marinho. O Estado de bandeira e o outro Estado devem cooperar na realização de qualquer investigação que este último efetue em relação a esse acidente marítimo ou incidente de navegação.” Pela simples leitura da Convenção da ONU resta claro que a comunidade internacional considera este tema como de extrema relevância , pois, é entendimento do senso comum de que um navio sem nacionalidade pode ser considerado como um “navio pirata”, ou seja, ilegal. Para que possa ser comprovada a nacionalidade é necessária a apresentação dos “papéis de bordo” que comprovam a vinculação daquela embarcação com determina nacionalidade. A Convenção exige que para que o navio possa ser caracterizado como de determinada nacionalidade deverá obrigatoriamente haver um “vínculo substancial” entre as partes (Estado e nacionalidade do navio), tal como dispõe em seu art. 91: “ARTIGO 91 Nacionalidade dos navios 1. Todo estado deve estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registro de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar. Deve existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio. 2. Todo estado deve fornecer aos navios a que tetenha concedido o direito de arvorar a sua bandeira os documentos pertinentes. Para o saudoso professor da PUC-RJ Celso Mello[3]este denominado “vínculo substancial” no Brasil pode ser auferido em razão da presença dos seguintes requisitos: 1- O proprietário deve ser brasileiro ou empresa brasileira; 2- O capitão deve ser brasileiro; 3- No mínimo dois terços da equipagem composta por brasileiros. Esses requisitos para que se possa “nacionalizar” ou se considerar determinado como de nacionalidade brasileira estão previstos expressamente na Lei n. 9.432/1997: Art. 3º Terão o direito de arvorar a bandeira brasileira as embarcações: I – inscritas no Registro de Propriedade Marítima, de propriedade de pessoa física residente e domiciliada no País ou de empresa brasileira; II – sob contrato de afretamento a casco nu, por empresa brasileira de navegação, condicionado à suspensão provisória de bandeira no país de origem. Art. 4º Nas embarcações de bandeira brasileira serão necessariamente brasileiros o comandante, o chefe de máquinas e dois terços da tripulação. Ao adotar a nacionalidade de determinado Estado (em razão da configuração do vínculo substancial”) o navio possui algumas vantagens importantes que lhe garantem segurança jurídica, tais como: “a) Tem garantida a proteção por parte do seu Estado Nacional, podendo apelar em caso de qualquer tipo de problema ou agressão a representação diplomática do Estado; b) Os Acordos firmados pelo seu Estado nacional lhe beneficiarão; c) Caso se trate de navio público ele se encontra sob a jurisdição de seu Estado Nacional; d) Caso se trate de navio privado, ele se encontra sob a jurisdição de seu Estado Nacional em espaço não submetido a jurisdição de qualquer outro Estado, tai como na Zona Econômica Exclusiva e em alto-mar.” Ainda sob a questão da nacionalidade é importante destacar que os critérios para que possa ser adquirida determinada nacionalidade varia de acordo com a legislação interna de cada país, dentro dos limites estabelecidos pelos Acordos e Tratados internacional, em especial a Convenção do Direito do Mar da ONU. Alguns países permitem até a dupla nacionalidade das embarcações que ocorre geralmente quando um navio é registrado em determinado país e é afretado por uma empresa de outro país, a qual permite que seja utilizado a sua bandeira respeitando apenas a eventual incompatibilidade com o país de origem. No Brasil é vedado essa “dupla nacionalidade”. A doutrina também narra um fenômeno como “bandeiras de conveniência” (“flagsofconvenience”), ou seja, quando determinado Estado permite a utilização de sua bandeira sem maiores exigências. Isso seria uma forma (para alguns ilícita) para competição no comércio exterior, onde comumente o Estado facilita os requisitos legais para obtenção do registro e submete a uma baixa ou nenhuma carga tributária. De igual modo, muitas vezes não exigem que o capitão os tripulantes sejam vinculados ao seu país. Para Celso Mello essas hipóteses acima mencionadas seriam ilegais e violariam a Convenção, haja vista que não estaria sendo respeitada a exigência do “vínculo substancial” que deve existir necessariamente entre o Estado e o navio que utilizar a sua bandeira e está registrado sob a sua nacionalidade. Para os defensores das denominadas “bandeiras de conveniência” alegam que deve ser consideradas as vantagens econômicas, a baixa burocracia, além de facilidade do ponto de vista logístico, operacional e logístico, dado que a menor fiscalização e exigências legais permitiria um fluxo mais célere e eficaz do comércio. Esses argumentos na prática não convencem a grande maioria da comunidade internacional que critica a concorrência desleal (em razão do pagamento a menor ou inexistente de tributos), do alto índice de acidentes (em razão da não utilização das regras de segurança em razão da baixa fiscalização) e condições muito ruins de trabalho para a tripulação. 4. Da necessidade do registro para a aquisição da nacionalide . Conforme descrito no presente artigo, o registro da propriedade das embarcações determina a sua nacionalidade. Apenas após o registro que será possibilitado legalmente a utilização do pavilhão do Estado de Registro, da bandeira, e gozar de todos os benefícios que são outorgados as embarcações nacionais consoante disposto nos Acordos internacionais e em eventual disposições legais internas dos Estados. A questão relacionada ao registro do navio possui dois aspectos principais: i) relacionada ao direito interno que diz respeito às exigências que cada legislação interna fará para permitir que seja efetuado o registro do navio e; ii) relacionada ao direito internacional, que diz respeito as regras fixadas no âmbito do direito internacional que determina que a embarcação em alto mar esteja vinculada a legislação ao Estado de registro. A doutrina costuma diferenciar duas espécies distintas de registro: i) Registros Abertos (que é subdividido em registro de” bandeira de conveniência” e “segundo registro”) e. ii) Registro Nacionais.[4] O denominado registro aberto de bandeira de conveniência já foi detalhado no tópico acima, razão pela qual deixamos de fazer maiores considerações. Já o denominado Registro aberto “segundo registro” ou Registro Internacional foi uma modalidade criada em alguns países que possui como objetivo permitir a adoção de algumas vantagens. Ele é concedido por países que já possuem registro nacional a navios de sua nacionalidade. Ele submete o navio a todas as leis e Convenções internacionais relativas à segurança da navegação, com algumas pequenas restrições relativas a questões trabalhistas e incentivos locais dados aqueles que efetuaram o registro nacional. O Brasil adotou esta modalidade através do Registro Especial Brasileiro (“REB”) instituído pela Lei n. 9.432/97. A diferença entre o registro de bandeira de conveniência e o denominado segundo registro é que este último efetua maiores exigências do ponto de vista da fiscalização e também de requisitos para adotar este tipo de regime, enquanto no regime de bandeira de conveniência é basicamente é ausente qualquer tipo de fiscalização e regulamentação estatal. Geralmente é permitido nos países mais subdesenvolvidos. No denominado Registro Nacional o Estado que concede o registro e permite que o navio utilize a sua bandeira efetua um controle dos navios nele registrado e vinculando a sua legislação. Este modelo é também adotado pelo Brasil, desde que estejam preenchidos os requisitos legais. 5. Os registros de navios no brasil. O Registro Especial Brasileiro é uma modalidade de registro aberto. Trata-se de um segundo registro complementar ao Registro Nacional. Em razão do seu caráter suplementar não haverá o cancelamento do registro principal e deverá ser emitido desde que preenchidos os requisitos pelo Tribunal Marítimo. O objetivo do legislador ao estatuir esta espécie de registro foi possibilitar o aumento da competividade do armador brasileiro frente aos estrangeiros, que muitas vezes se utilizam do registro aberto “bandeira de conveniência”. Existem uma série de benefícios e também uma maior flexibilidade com relação ao Registro Nacional. Um exemplo disso é que é exigido que apenas o comandante e o chefe das máquinas seja brasileiro podendo o restante da tripulação ser estrangeira. Confira-se as disposições legais da Lei n. 9.432/97: “Do Apoio ao Desenvolvimento da Marinha Mercante Art. 11. É instituído o Registro Especial Brasileiro – REB, no qual poderão ser registradas embarcações brasileiras, operadas por empresas brasileiras de navegação. § 1º O financiamento oficial à empresa brasileira de navegação, para construção, conversão, modernização e reparação de embarcação pré-registrada no REB, contará com taxa de juros semelhante à da embarcação para exportação, a ser equalizada pelo Fundo da Marinha Mercante. § 2º É assegurada às empresas brasileiras de navegação a contratação, no mercado internacional, da cobertura de seguro e resseguro de cascos, máquinas e responsabilidade civil para suas embarcações registradas no REB, desde que o mercado interno não ofereça tais coberturas ou preços compatíveis com o mercado internacional. § 2º  Quando o mercado interno não oferecer coberturas ou preços compatíveis com o mercado internacional, é assegurada às empresas brasileiras de navegação a contratação, no mercado internacional, da cobertura de seguro e resseguro de cascos, máquinas e responsabilidade civil, bem como aos estaleiros brasileiros a contratação, no mercado internacional, de cobertura de seguro e resseguro de risco de construção, para as embarcações registradas ou pré registradas no REB. (Redação dada pela Medida Provisória nº 177, de 2004)  § 2º É assegurada às empresas brasileiras de navegação a contratação, no mercado internacional, da cobertura de seguro e resseguro de cascos, máquinas e responsabilidade civil para suas embarcações registradas no REB, desde que o mercado interno não ofereça tais coberturas ou preços compatíveis com o mercado internacional. (Vide Medida Provisória nº 177, de 2004) § 3º É a receita do frete de mercadorias transportadas entre o País e o exterior pelas embarcações registradas no REB isenta das contribuições para o PIS e o COFINS. (Revogado pela Medida Provisória nº 1.858-6, de 1999)   (Revogado pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001) § 4º (VETADO) § 5º Deverão ser celebrados novas convenções e acordos coletivos de trabalho para as tripulações das embarcações registradas no REB, os quais terão por objetivo preservar condições de competitividade com o mercado internacional. § 6º Nas embarcações registradas no REB serão necessariamente brasileiros apenas o comandante e o chefe de máquinas. § 7º O frete aquaviário internacional, produzido por embarcação de bandeira brasileira registrada no REB, não integra a base de cálculo para tributos incidentes sobre a importação e exportação de mercadorias pelo Brasil. (Vide Medida Provisória nº 1.602, de 1997)  (Revogado pela Medida Provisória nº 1.897-51, de 1999)  (Revogado pela Lei nº 10.206, de 2001) § 8º As embarcações inscritas no REB são isentas do recolhimento de taxa para manutenção do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo. § 9º A construção, a conservação, a modernização e o reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no REB serão, para todos os efeitos legais e fiscais, equiparadas à operação de exportação. § 10. As empresas brasileiras de navegação, com subsidiárias integrais proprietárias de embarcações construídas no Brasil, transferidas de sua matriz brasileira, são autorizadas a restabelecer o registro brasileiro como de propriedade da mesma empresa nacional, de origem, sem incidência de impostos ou taxas. § 11. A inscrição no REB será feita no Tribunal Marítimo e não suprime, sendo complementar, o registro de propriedade marítima, conforme dispõe a Lei nº 7.652, de 3 de fevereiro de 1988” Para que possa ser efetuado o registro nacional no Brasil é necessário que sejam respeitados dois requisitos cumulativos (o denominado “critério misto”) qual seja: maioria da tripulação ser brasileira, e o registro da propriedade deve ser feito no Brasil. Por fim, embora não seja o objeto específico do presente artigo é importante destacar que para empresa interessada para operar na navegação marítima deverá formular pedido específico e seguir o procedimento determinado pela ANTAQ[5] (Agência Nacional de Transporte Aquaviários) e deverá seguir o seguinte passo a passo: “1 – A empresa interessada deverá protocolar o pedido de autorização conforme o modelo disposto no Anexo A da Resolução 2.510 – ANTAQ, de 14 de agosto de 2007, juntamente com os documentos relacionados no Anexo B da referida norma na sede da ANTAQ ou em qualquer uma das 14 (quatorze) Unidades Administrativas Regionais; 2 – A documentação, que poderá ser original, autenticada em cartório ou pela ANTAQ, é verificada pelas Unidades Regionais Administrativas Regionais ou pela Gerência de Outorga da Navegação Marítima de Apoio quando o pedido for protocolado na cidade do Rio de Janeiro; 3 – As Unidades Administrativas Regionais enviam para a Gerência de Outorga da Navegação Marítima de Apoio a documentação para análise e emissão de nota técnica; 4 – Caso a empresa não apresente algum documento ou necessite apresentar documentação complementar para análise do requerimento, a solicitação da ANTAQ deverá ser atendida em até 15 (quinze) dias úteis, findo o qual o processo poderá ser arquivado; 5 – Havendo aprovação o processo é enviado para o Superintendente de Navegação Marítima e de Apoio que o encaminhará para a Procuradoria da ANTAQ no Rio de Janeiro que verificará os aspectos legais, emitindo parecer opinativo e remetendo o processo para a Procuradoria Geral da ANTAQ em Brasília; 6 – Após análise da Procuradoria Geral da ANTAQ o processo é encaminhado ao Diretor Relator, escolhido por sorteio automático, que emitirá um relatório com voto; 7 – Não havendo nenhuma pendência, o processo é encaminhado para ser incluído na pauta da reunião da Diretoria Colegiada da ANTAQ; e 8 – Com a aprovação da Diretoria Colegiada sobre o requerimento, é publicado no Diário Oficial da União, em cerca de 3 (três) dias, o Termo de Autorização e a Resolução. De maneira geral, quando a empresa apresenta todos os documentos elencados na Resolução 2.510 – ANTAQ, da data do protocolo até a publicação no DOU, o prazo é de cerca de 45 (quarenta e cinco) a 60 (sessenta) dias para que a mesma obtenha a autorização. Maiores detalhes sobre o processo de outorga podem ser consultados no texto integral da Resolução 2.510 – ANTAQ, de 14 de agosto de 2007 e nos seus respectivos anexos.” 6. Da perda da nacionalidade do navio e embarcações. Os requisitos necessários da perda da nacionalidade deverá ser prevista internamente na legislação do Estado que concedeu o registro do navio por se tratar de questão relacionada a autonomia e soberania de cada Estado. A desnacionalização que é a troca da nacionalidade do Estado é admitida pelo Direito Brasileiro. Pode ocorrer nas hipóteses de cancelamento do registro e decorre da inobservância dos requisitos previstos pela legislação para utilização ou manutenção da bandeira de determinado no país ou pode advir em razão da perda do denominado “vincula substancial” entre o Estado e o navio (e os integrantes da tripulação que no caso do Brasil deve respeitar os limites mínimos previstos em Lei). No âmbito do direito brasileiro há previsão legal expressa de hipóteses de perda da nacionalidade com o consequente cancelamento do registro, conforme se verifica pela leitura da Lei n. 7.652/1988: “Art. 6o O registro de propriedade de embarcação será deferido, exceto nos casos previstos nesta Lei, a pessoa física residente e domiciliada no País ou a entidade pública ou privada sujeita às leis brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 9.774, de 1998)Do Cancelamento dos Registros e dos Impedimentos Art. 22. O registro da propriedade será cancelado quando: I – a embarcação deixar de pertencer a qualquer das pessoas caracterizadas nos arts. 6º, 7º e 8º desta lei; I – a embarcação deixar de pertencer a qualquer das pessoas mencionadas no art. 6o desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 9.774, de 1998) II – a embarcação tiver que ser desmanchada; III – a embarcação perecer ou, estando em viagem, dela não houver notícia por mais de 6 (seis) meses; IV – a embarcação for confiscada ou apresada por Governo estrangeiro, no último caso, se considerada boa presa; V – provado ter sido o registro feito mediante declaração, documentos ou atos inquinados de dolo, fraude ou simulação. VI – determinado por sentença judicial transitada em julgado; e VII – extinto o gravame que provocou o registro de embarcação isenta. § 1º Nos casos dos incisos I, II, III, IV e VII, proceder-se-á ao cancelamento do registro a requerimento do proprietário, o qual deverá fazê-lo no prazo máximo de 2 (dois) meses, contados da data do evento, ou de 8 (oito) meses, contados da data da última notícia no segundo caso do inciso III, cabendo, pelo não cumprimento da exigência, a multa prevista nesta lei. § 2º Nos casos de incisos V e VI e nos demais, não previstos neste artigo, proceder-se-á ao cancelamento do registro exofficio, quando comunicados ao Tribunal Marítimo. § 3o No caso das embarcações classificadas na atividade de esporte ou recreio, o cancelamento far-se-á mediante requerimento do proprietário”. (Incluído pela Lei nº 9.774, de 1998) Ocorrendo a perda da nacionalidade de navio de propriedade estrangeira por óbvio é possível a “nacionalização” do navio estrangeiro com registro no Brasil e nesse caso para todos os efeitos será considerado como de bandeira brasileira. 7. Conclusões O tema da nacionalização dos navios é de extrema importância no cenário internacional haja vista que o modal marítimo é uma das principais formas de realização do comércio exterior com o livre trânsito das riquezas entre os países. Em razão do que foi acima exposto é essencial que tanto no plano internacional quanto no plano interno os Estado devem oferecer garantias para que não desestimular essas operações de comércio exterior. O objetivo do presente artigo não foi narrar de forma minuciosa todo os procedimentos a fim de que se possa permitir o registro e a nacionalização de um navio no país mas apenas quão somente apresentar os principais critérios jurídicos relacionados a este tema. Para concluir é válido reconhecer que o Brasil está aperfeiçoando o tratamento legislativo acerca da matéria com a existência de órgão administrativos especializados a fim de possibilitar que os procedimentos sejam adotados de maneiras mais céleres. De igual modo, no plano legislativo a flexibilização no plano legislativo com a edição do Registro Especial Brasileiro possibilita que os agentes econômicos brasileiros possam concorrer em melhores condições no plano internacional.
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O Crédito tributário e sua extinção pela transação de interesses
Encerrar um litígio tributário é assunto recorrente quando da análise dos problemas inerentes à prestação jurisdicional em nosso país. Isso porque o grande volume de demandas nessa área constitui um dos principais componentes do congestionamento do Poder Judiciário. Com isso em mente, o artigo visa abrir caminho rumo à efetivação da extinção do processo de execução fiscal através da transação de interesses entre Fisco e cidadão contribuinte. Estuda ele a viabilidade de emprego da prática transacional, com benefícios para o Estado e para a sociedade.
Direito Tributário
Advogado Especialista em Direito Tributário e Mestre em Ciências Jurídicas
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A finalidade essencial e a imunidade dos templos de qualquer culto
Resumo:O Brasil é um Estado Laico, ou seja, um estado que não possui uma religião oficial. Todas as manifestações religiosas são aceitas e respeitadas pelo Estado. Todavia, esta situação nem sempre foi assim pois o Estado e a Igreja em alguns momentos da História se confundem,  em outros está em posição diametralmente oposta. O fato é que a religião/igreja sempre foi um assunto poroso mas sempre um tema a ser tratado e levado em consideração pelo Estado. Foi em razão do grande papel que as igrejas desenvolvem hoje, muitas vezes fazendo o papel que o próprio estado deveria desempenhar que a Constituição Federal de 1988 resolveu conceder as igrejas, naquilo que é a sua finalidade essencial, imunidade tributária.
Direito Tributário
Introdução A constituição prestigiou determinados valores em seu texto constitucional. A fim de promover alguns destes valores ela conferiu imunidades tributárias a eles. Dentre as diversas imunidades previstas há aquela conferida aos templos “de qualquer culto”. O presente estudo tem por finalidade a análise das imunidades dos templos de qualquer culto, dando enfoque ao que deve ser considerada atividade essencial. 1. Evolução da relação do estado com a igreja. O cristianismo surge na Judéia e tinha uma doutrina que pregava o amor, o bem e a existência de uma vida após a morte. Seus seguidores difundiam estas idéias por onde passavam. Muitas destas idéias eram contrarias aos “dogmas” do estado. Foi neste contexto que se iniciaram as perseguições contra os cristãos. Após muitas perseguições, mas ainda no governo romano, o cristianismo foi legalizado e aos cristãos foi concedida liberdade religiosa. Daí para frente, a Igreja sempre auxiliou o Estado e muitas vezes era confundida com o próprio. Isto tudo para obter privilégios. Houve brigas entre Ela e o Estado, separação, mas, de alguma forma sempre esteve presente na vida política do Estado. A Igreja também desempenhou papel importante na colonização do Brasil, catequizando os índios, ajudando o Estado lado a lado. No Brasil, a Igreja sempre teve suas relações reguladas, separada ou não do Estado. Em matéria religiosa os Estados podem optar por uma religião oficial ou manter-se neutros, apenas incentivando esta prática. Quando são neutros são chamados de “laico”. Este é o caso do Brasil que assumiu esta posição desde a Constituição de 1891. De lá para cá, os Estado apenas regulam as relações destas entidades, as incentivam no âmbito fiscal e em outros também, como é o caso dos feriados religiosos e das imunidades.  1.1 Arelação entre a igreja e o estado no texto constitucional brasileiro de 1988. Na história da civilização, a igreja que começou pequena, nas classes humildes, ajudou o estado a crescer, a manter o seu poder. Estas duas instituições, por vezes se confundiam. Em outras vezes se separaram. Em um primeiro momento o estado se sobrepôs aigreja mas, em um segundo momento, que é o atual, cada um exerce suas funções dentro da sociedade (ARRUDA, 1993, p. 350). No Brasil a relação do Estado com a Igreja tem altos e baixos. Em um primeiro momento o Brasil declara a sua religião oficial mas, desde a Constituição de 1981 se declara “laico” no sentido de aceitar toda e qualquer religião, respeitá-la e ajudar a promover esta “liberdade religiosa”. O artigo 19 dispõe que: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios…estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” A laicidade da Constituição pode ser verificada, dentre outros dispositivos, como o acima citado, na parte final de seu preâmbulo quando invoca a proteção de Deus, para organizar um regime representativo e democrático. Ao fazer isto, ela exterioriza a fé e certos valores espirituais. Importante trazer a colação um trecho do voto do então ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, na ADI 2.076-AC sobre o significado do trecho “sob a proteção de Deus” presente no preâmbulo: “Essa invocação, todavia, posta no preâmbulo de nossa Constituição Federal reflete simplesmente, um sentimento deísta e religioso que não se encontra inscrito na Constituição, mesmo porque o Estado brasileiro é laico, consagrando a Constituição a liberdade de consciência e de crença (art. 5°), certo de que ninguém será privado de direitos políticos por motivo de crença religiosa ou de convicções filosófica ou política (CF, art. 5°, VIII). A constituição é de todos, não distinguindo entre deístas, agnósticos ou ateístas”[1]. Viu o constituinte de 1988 que era interessante que o Estado fomentasse as atividades desenvolvidas pelas igrejas e apoiasse o sentimento religioso de seu povo pois, ao longo da história todas as vezes que o Estado tentou suprimir o sentimento religioso de seu povo ele travou diversas e intensas batalhas. O Estado democrático de direito deve assegurar meios para que os indivíduos componentes da sociedade se desenvolvam, tanto no aspecto material como moral. No aspecto moral está inserida a “fé e a religião” de cada um. Respeitar o credo de cada indivíduo é viver em harmonia e buscar o bem comum visado pelo Estado. Os valores religiosos são inerentes ao ser humano. A maioria dos seres humanos precisam acreditar em algo superior (divindade) para que ele se desenvolva e oriente sua vida. E aqui que se encontra o grande papel que a igreja toma na sociedade já que por vezes ela orienta seus seguidores. Muitas vezes ela consegue desempenhar papéis tipicamente estatais mais que o Estado, por si só, não consegue. É por isto que o legislador constituinte protegeu e explicitou os valores religiosos de seu povo. Para assegurar estes direitos, é necessário que ela fomente determinadas atividades. Este fomentar, no caso sob estudo, foi estabelecer uma regra imunizadora sobre determinadas atividades, e uma delas, é a imunidade sobre os templos. Hoje, a regra é que todo aquele que praticar um fato que se subsuma a uma hipótese predefinida em lei se tornará sujeito da obrigação tributária e, consequentemente, contra si, despontará um crédito em favor o Estado. Os tributos são importantes fontes de renda para que o estado desenvolva as atividades que asseguram um mínimo existencial aos indivíduos. Portanto, tributar coisas, bens e atividades é a regra do ordenamento jurídico. Excepcionalmente, valorando interesses “caros” a sociedade o Estado estabelecerá uma competência tributária negativa em face de algumas “situações”. Quando a própria Constituição Federal descrever esta hipótese estar-se-á diante de uma imunidade tributária. É no artigo 150, VI, que encontra-se a maioria das hipóteses imunizadas pelo legislador constituinte e, lá, a Constituição vedou que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam impostos sobre os templos de “qualquer culto”. Sobre o fim almejado pelo legislador constituinte quando institui uma imunidade, em especial a imunidade sobre os templos, importante o trecho abaixo colacionado: “A imunidade objetiva claramente impedir, por motivos que o constituinte considera de especial relevo, que os poderes tributantes, pressionados por seus deficits orçamentários, invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser preservadas. Por essa razão, houve por bem a Suprema Corte consagrar a interpretação extensiva para a imunidade, mantendo a restritiva, nos termos do art. 111 do CTN, para as demais formas desonerativas” (NOGUEIRA, online, apud PEIXOTO; CARVALHO, 2005, p. 285/301). A imunidade dos templos, aqui objeto de estudo, tem como finalidade fomentar os valores espirituais de uma nação ou país. 2. As imunidades tributárias na constituição e os valores por ela protegidos O Estado surge da necessidade que o ser humano tem de viver socialmente mas, todavia, mediante regras de conduta impostas por uma maioria eleita. O Estado surge como um ente superior que irá delimitar condutas e impor comportamentos e assim alcançar os fins por ele almejados (busca e promoção da dignidade humana). Para que o Estado atinja as finalidades para os quais foi criado é necessário que ele arrecade dinheiro. A medida que o estado se propõe a assumir diversos papeis na sociedade, como o é no Brasil, maior é a carga tributária incidente sobre os cidadãos. Isto é, sendo mais abstencionista o Estado pouco arrecadará dos cidadãos mas, sendo intervencionista em vários setores, a arrecadação será ostensiva sobre os contribuintes. A instituição de tributos é o instrumento hábil que o estado achou para angariar estes recursos. Quantomais ricas são as pessoas, mais tributos elas pagam, a riqueza que uma pessoa adquire reflete também no Estado. Sem os tributos não poderia o Estado realizar as suas finalidades. A tributação sobre os indivíduos é uma manifestação do poder que o Estado exerce sobre os indivíduos em determinada sociedade. A arrecadação de tributos é impositiva sobre o cidadão. Querendo ou não vai contribuir para a consecução do bem comum. É por isto que se diz que a instituição e arrecadação de tributos é uma das manifestações da soberania estatal. Mesmo com o poder de tributar os indivíduos o constituinte originário, buscando proteger valores caros aos cidadãos, imunizou algumas atividades. “O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes” (AMARO, 2003, 149). Segundo Machado (2002, p. 241), a “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado”. Importante análise faz Tepedino (1994, p. 12), que afirma: “ao conceder uma imunidade, a Constituição não está concedendo um benefício, mas tutelando um valor jurídico tido como fundamental para o Estado. Daí porque a interpretação das alíneas do art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988 deve ser ampla e teleológica, nunca restritiva e literal”. Vê-se, portanto, que dentre todas as imunidades previstas no texto constitucional e os valores por elas protegidos, a imunidade dos templos visa a assegurar a liberdade de culto. 3. A imunidade conferida aos “templos de qualquer culto” 3.1. Evolução da imunidade nos textos constitucionais A imunidade dos templos é concedida, em um primeiro momento, apenas a igreja católica, já que era tida como a religião oficial no Brasil. As demais religiões sofriam incidência normal de tributos.  Somente após, com a constituição de 1891, onde o estado se declara laico é que a imunidade dos templos é tratada de maneira diversa no texto constitucional (COSTA, 2001, online). A Constituição de 1946 foi a primeira quem utilizou o termo “templos de qualquer culto”, o que se manteve até os dias atuais. Já com a segunda constituição brasileira o legislador constituinte vedou que a liberdade religiosa fosse embaraçada por via de tributação (COSTA, 2001, online). O art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal de 1988 proíbe a instituição de impostos sobre as rendas, patrimônios e serviços dos templos de qualquer culto pelas pessoas jurídicas de direito público que detém a competência tributária. 3.2 Fundamentos Vendo a necessidade que cada um tem de difundir a fé que acredita, o Estado para fomentar a liberdade religiosa cria a norma imunizante. Neste sentido Torres (1999, p. 62): “Fundamento da imunidade tributária é a liberdade individual entendida em sua dimensão absoluta. daí resulta que valores como o da justiça e da segurança jurídica também podem, completamente, servir de fundamento as imunidades. Se entre justiça e liberdade há uma certa relação de complementaridade, é claro que a problemática das imunidades se deixará sensibilizar pela ideia de justiça, embora com peso muito menor que o da liberdade”. Desta forma, as normas imunizantes buscam proteger a promover dentre outros valores, o pacto federativo, a liberdade de expressão, o acesso à cultura e aquela que é o objeto do presente trabalho, a liberdade religiosa. 3.3 Conteúdo A imunidade conferida aos templos diz respeito apenas aos impostos. Os outros tributos como as taxas, as contribuições de melhoria e os empréstimos compulsórios incidem normalmente. Ichihara (1998, p. 240) ensina que “uma vez que o texto constitucional fala em “impostos”, relaciona-se ao fato de tal imunidade, no pensar do autor, não se aplicar as taxas, à contribuição de melhoria, às contribuições sociais ou para-fiscais e aos empréstimos compulsórios”. Harada (2003, p. 361) afirma que: “Em termos de doutrina tradicional, a imunidade vem conceituada como vedação ao poder fiscal de instituir impostos. Daí a generalização da idéia de que a imunidade só se refere a essa espécie tributária. Entretanto, a nossa Carta Política prevê hipóteses de imunidades de outras espécies tributárias”. Já o professor Carraza (2002, p. 619)ensina que: “A imunidade tributária comporta duas acepções. A primeira, ampla, significa incompetência da pessoa política para tributar, referindo-se a qualquer tributo. A segunda, restritivamente a impostos, é aplicável às normas constitucionais de forma expressa e referem-se à vedação dos entes políticos de tributar determinadas pessoas em razão de sua natureza jurídica, do tipo de atividades que exercem ou coligadas a determinados fatos, bens ou situações.” Importante destacar que, alem dos tributos como taxas, contribuições de melhorias, contribuições e empréstimos compulsórios, as obrigações tributárias acessórias devem ser realizadas normalmente, inclusive aquelas decorrente dos impostos. 3.4. A expressão “templos de qualquer culto” A expressão “templos de qualquer culto” é um assunto polemizado na doutrina brasileira. Sabbag (2013, p. 345) conceitua a expressão mas também traz as teorias já adotadas para conceituar a expressão. Uma primeira teoria, a restritiva, dizia que a expressão só abrangia o local da celebração da liturgia. Já a segunda teoria ampliava este conceito dizendo que alem do local da celebração do culto, deveriam os anexos serem imunizados. Segundo os ensinamentos de Silva (2006, p. 16): “O conceito de templo traz muitas divergências, podendo-se concluir pela existência de duas correntes: a) a restritiva, que somente admite que a imunidade alcança o local dedicado específica e exclusivamente ao culto religioso; e b) a liberal, que sustenta que a imunidade se estenderia aos ‘anexos’ do templo, isto é, a todos os bens vinculados à atividade religiosa, como os conventos, as casas paroquiais, as residências dos religiosos etc., bem como os serviços religiosos em si, isto é, ao atos próprios de culto”. Já a última teoria, a moderna, atualmente adotada pela maioria dos autores e a jurisprudência traz um conceito amplíssimo levando a considerar “templo” como tudo aquilo ligado a organização religiosa. Sabbag (2013, p. 345) assim dispôs: “Não se pode perder de vista que o conceito de religião é aberto, inexistindo um regramento legal ou constitucional. Vale dizer que a conceituação de religião, longe de ser “substancial” – em que se perscruta aleatoriamente o elemento conteudístico –, deverá ser funcional, abrindo-se para quaisquer agrupamentos litúrgicos em que os participantes se coobriguem moralmente a agir sob certos princípios. Nesse sentido, o intérprete deve buscar o sentido mais abrangente, sob pena de colocar em risco as crenças de grupos minoritários.” Segundo a teoria moderna, hoje adotada, quando a carta maior utiliza a expressão “templo de qualquer culto” ela não esta se referindo apenas a construção, mas tudo que esteja ligado a ela, servindo para desempenhar a atividade essencial. O “templo de qualquer culto” não é apenas a materialidade do edifício. Segundo o art. 19, III, b, da Constituição, compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função. O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência a casa contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados em fins econômicos. 4. O que deve ser considerado essencial para os fins da imunidade dos templos Todas as regras esculpidas no artigo 150, VI, da Constituição Federal sobre as quais os entes tributantes não detém competência tributária revelam um valor que o legislador constituinte desejou proteger. Neste sentido dispôs Barreto (1999, p. 11): “A ratioessendi das imunidades tributárias previstas nesse dispositivo constitucional é, portanto, proteger, deixar a salvo da imposição de impostos – seja pela União, seja pelos Estados, seja pelos Municípios – as pessoas, bens ou fatos representativos de valores consagrados pela ordem jurídica constitucional. Quer a Constituição que tais pessoas, bens ou fatos sejam protegidos e, para tanto, veda sejam onerados por via da exigência de impostos”. No caso das imunidades dos templos de “qualquer culto”, o texto constitucional expressamente disse que a imunidade vai alcançar apenas as finalidades essenciais para a difusão da religiosidade. Ao conferir imunidade aos “templos de qualquer culto” o legislador constituinte ressalvou que apenas estariam cobertos pela imunidade aquilo que fosse essencial a difusão dos “valores religiosos”. Assim, é necessário saber o que vai ser considerado finalidade essencial para alcançar a imunidade. Diversas discussões chegaram ao judiciário sobre o que estaria acobertado pela imunidade e, dentre elas, esta a discussão sobre imóvel locado que teria os valores de alugueis revertidos em beneficio da igreja. Hojejá se consolidou o entendimento de que o imóvel locado de uma igreja que reverte os valores para a difusão da religião esta abrangido na norma. “Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, b e § 4º, da Constituição. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas.” (RE 325.822, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-12-02, DJ de 14-5-04) (grifei) Quanto à expressão “rendas relacionadas com as finalidades essenciais”, constante do § 4º do art. 150 da Constituição Federal, Martins (1998, p. 45-48) diz: “O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, § 4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos. Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião, eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciados nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou aná1ogas às de outras empresas privadas, não gozariam de proteção imunitória. Exemplificando: se uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas finalidades decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nessa hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, l porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente.” O mesmo autor (1998, p. 46) diz que “por esta linha de raciocínio todos os lucros e ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras e destinados às finalidades das entidades imunes são rendimentos e ganhos imunes. É de se entender que o §4º é um complemento do § 3º, assim redigido”: “As vedações do inciso VI, a, e, do parágrafo anterior não se aplicam a patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” E arremata: “O que vale dizer que apenas se as atividades puderem gerar concorrência desleal ou as finalidades das entidades imunes não forem beneficiadas por tais resultados é que a tributação se justifica, visto que, de rigor, tais atividades refogem ao campo de proteção tributária que o legislador supremo objetivou ofertar a essas finalidades da sociedade” (MARTINS, 1998, p. 46). Templo de qualquer culto é, no dizer de Baleeiro (1998, p. 311), o edifício e suas instalações ou pertenças adequadas àquele fim; templo, assim, compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função. O patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que afetados a essas finalidades. É dizer, o prédio onde se realiza o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis (BALEEIRO, 1998, p. 311-312). A renda considerada imune é aquela que decorre da prática do culto religioso, que compreende os dízimos, as ofertas, as doações feitas pelos membros e toda e qualquer aplicação financeira que visa preservar o patrimônio da igreja. Por derradeiro, os serviços religiosos são imunes, gratuitos ou não, mesmo que envolvam o fornecimento de mercadorias, como ocorre na assistência aos pobres (TORRES, 1995, p. 215). Desse modo, a exoneração constitucional sob exame afasta a exigência do Imposto Predial e Territorial Urbano relativo ao imóvel onde o culto se realiza; o Imposto sobre Serviços concernente ao serviço religioso; o Imposto de Renda sobre as esmolas, doações e rendimentos decorrentes de aplicações financeiras; o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis na aquisição desses bens; o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores referente aos veículos automotores usados na catequese ou nos serviços de culto; e o Imposto de Importação sobre bens destinados ao serviço religioso. Nos termos do § 4º do art. 150, a imunidade em foco compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais dos templos. Então, finalidades essenciais são aquelas inerentes à própria natureza da entidade – vale dizer, os propósitos que conduziram à sua instituição. No entender de Ricardo Lobo Torres, citado por Nogueira (2004, online), a finalidade constitucional dos templos é a prática do culto, a formação de padres e ministros, o exercício de “atividades públicas[2]” bem como assistência moral e espiritual aos seus adeptos. Sea Igreja cobra pelo estacionamento de veículos em suas dependências, pelo ingresso em cinemas de sua propriedade ou pela venda de caixões funerários, essas atividades estão sujeitas aos impostos pertinentes. Para Carrazza (1999, p. 507) essas não são finalidades de qualquer culto – e, portanto, estão fora do abrigo da imunidade. Assim esta abrangido pela norma imunizante toda e qualquer atividade desenvolvida pela igreja para buscar e fomentar a religiosidade. Conclusão A igreja sempre exerceu um papel importante na sociedade. Por vezes se confundiu com o próprio Estado. Hoje, ainda o faz quando exerce determinadas atividades que deveriam ser exercidas por aquele. Desde a antiguidade o Estado sempre teve uma relação muito íntima com a Igreja. Em alguns momentos  Estado e igreja se confundiam, em outros se separaram. O fato é que, em razão do ser humano necessitar de algo maior em que acreditar a igreja sempre exerceu muito poder sobre os cidadãos. O Estado, ao longo da historia travou diversas lutas contra a igreja mas percebeu que viver dissociada dela era pior em razão desta grande influencia que ela exerce sobre o cidadão. Então, diante deste papel tão importante que a igreja exerce na sociedade o Estado resolveu protegê-la, como de fato o fez em todas as suas Constituições, a começar pela de 1891. A Constituição de 1988 em seu artigo 5º assegurou como direito fundamental a liberdade de crença e em seu artigo 150, VI consagrou uma imunidade especifica para os templos de qualquer culto. Esta imunidade vem retirar a competência dos entes tributantes, no tocante a impostos, quando incidirem sobre as manifestações religiosas de forma ampla (cemitérios, terrenos, garagens, edifício de realização das liturgias, automóveis utilizados pela igreja, etc). Portanto, a imunidade tributária é uma forma de o Estado proteger a igreja que exerce um papel importante como a assistência aos presos, assistência aos necessitados, assistência aos dependentes químicos. O papel que ela exerce é mais eficiente do se fosse realizado pelo Estado, que é quem deveria realizar estes papeis.
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A Imunidade Tributária dos Templos de Qualquer Culto e os Templos Maçons
As imunidades tributárias visam proteger valores consagrados na Constituição Federal. A imunidade dos templos quer proteger o direito de cada um poder praticar a sua fé, sem sofrer influências estatal, e além disto incentivar que a igreja continue exercendo suas atividades assistenciais, sociais e filantrópicas. Sabendo do papel exercido na sociedade pela maçonaria surge a dúvida se esta imunidade se estende a elas. A Constituição Federal ao conferir a imunidade tributária não especificou a que tipo de religião esta imunidade alcançaria, apenas utilizou um conceito aberto: “Templos de qualquer culto”. Assim, é possível atribuir imunidade aos impostos relacionados ao patrimônio, renda ou serviço das lojas maçônicas?
Direito Tributário
Introdução A Constituição Federal de 1988 concedeu imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”. Para saber o que é atingido pela imunidade em questão é necessário verificar qual o conceito de “templo” para a doutrina e a jurisprudência e assim identificar o alcance da norma. Neste contexto, é necessário debruçar-se sobre o posicionamento da doutrina e da jurisprudência acerta da natureza jurídica das lojas maçônicas para o fim de saber se a norma em questão abarca tal hipótese.   1. As imunidades tributárias na constituição de 1988. A constituição federal de 1988 conferiu competência tributária aos entes de direito público para que, respeitados os limites e princípios constitucionais impostos, dentro de sua esfera de atuação pudessem instituir tributos. “Esta atribuição de instituir tributos, à qual damos o nome de competência tributária, se dá por meio de lei, único mecanismo para o seu exercício, razão pela qual apenas os entes estatais dotados de poder legislativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é quem podem exercê-la (OLIVEIRA, 2010, online). O ente tributante não tem uma obrigação em instituir o tributo mas, o querendo, possui competência para tanto. Esta possibilidade de criar tributos encontra, dentre outras limitações, as imunidades tributárias, que são conhecidas como “limitações ao poder de tributar”. O professor Carrazza (2007, p. 695) encara as imunidades como uma “a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas”. Neste sentido, Carvalho (1999, p. 178): “A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.” O fim ultimo da Constituição federal é que determinadas pessoas não sejam alvo da tributação pelos entes políticos. Dentre as várias imunidades previstas no art. 150, VI da Constituição de 1988, na sua alínea “b” encontra-se aquele objeto do presente artigo: “a imunidade dos templos de qualquer culto”, que vista proteger a liberdade religiosa já prevista no artigo 5º, VI da Constituição. A liberdade religiosa, fundamento da presente imunidade nasce, no Brasil, com a Constituição de 1891 já que a primeira constituição brasileira não havia separado o Estado da Igreja. É só com a Constituição republicana de 1891 que as duas instituições são claramente separadas. Foi o decreto n. 119-A de 7 de janeiro de 1890 que realizou-se a presente separação (LIMA, 2011, online). Hoje, três são as formas de liberdade religiosa: liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. O professor Dirleytraz a distinção entre liberdade de crença e a liberdade de culto já o professor José Afonso aponta que a liberdade de organização religiosa é a possibilidade doindivíduo escolher a religião que melhor lhe aprouver, ou seja, o modo de relacionamento entre o Estado e a igreja: “Poder-se-ia dizer que isso não tem importância, na medida em que as liberdades de consciência e de crença se confundem, são a mesma coisa. Não é verdade! Primeiro porque a liberdade de consciência pode orientar-se no sentido de não admitir crença alguma. Os ateus e agnósticos, por exemplo, têm liberdade de consciência, mas não têm crença alguma. Segundo porque a liberdade de consciência pode resultar na adesão de determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, como ocorre com os movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa. A liberdade de crença envolve o direito de escolha da religião e de mudar de religião. A liberdade de culto corresponde à manifestação, reservada ou não, da crença que se tem, materializando-se por meio de rituais, cerimônias, tradições e reuniões, nos quais se cultiva e se pratica a veneração, a adoração e a contemplação do ente objeto da (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 677-678). […] a confusão, a união e a separação. […] Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático; como o Vaticano e os Estados islâmicos. Na hipótese da união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente À sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil Império” (SILVA, 2004, p. 249-250). Esta norma não faz distinção entre as diversas religiões existentes no Brasil já que a Constituição Federal adotou uma posição neutra. Resta ao interprete saber quais as religiões entrem neste conceito. É certo que todas aquelas que atentem contra os direitos humanos já estão excluídas do conceito.   2. Conceito de “templos de qualquer culto”. Importante entender o significado da expressão “tempos de qualquer culto” para saber que instituições estarão abrangidas pela imunidade. Para Paulsen (2010, p. 229), a expressão “templos de qualquer culto” deve ser interpretada de maneira ampla: “…abarcando toda e qualquer forma de expressão da religiosidade, ainda que não diga respeito às religiões que tradicionalmente predominam em nossa sociedade. O único limite seria o respeito à dignidade da pessoa humana, razão pela qual não se deve admitir religiões que descambam para o absurdo, com inspirações para dominação, exclusão social ou sacrifício dos fiéis”. O renomado autor Sabbag (2013, p. 332), além de conceituar o que vem a ser “culto” para os fins da presente imunidade cita a existência de três teorias: a clássico-restritiva; a clássico-liberal; e a moderna – que tentam conceituar “culto”. A teoria clássico-restritiva conceitua “culto” para os fins de imunidade apenas o imóvel onde acontecem as celebrações. Qualquer outra extensão não esta abrangida pela norma imuniizante. Esta teoria é defendida por autores como Pontes de Miranda e Sacha Calmon Navarro Coelho (SABBAG, 2013, p. 332). A segunda teoria, clássico-liberal, vem e amplia o conceito de templo abrangendo não apenas o local das celebrações, mas também os anexos. Estes anexos seriam tudo aquilo que, mesmo indiretamente vai viabilizar a realização do culto. Adotam esta teoria Aliomar Baleeiro, Roque AntonioCarraza e Hugo de Brito Machado (SABBAG, 2013, p. 332). Importante a explicação de Baleeiro (1997, p. 311): “…Não se pode considerar templo apenas a igreja, mesquita, sinagoga ou edifício principal, onde é celebrada a cerimônia pública, mas também as dependências contíguas, como o convento ou a residência do pároco, desde que não empregados com finalidade econômica.” Já a terceira teoria – à moderna –o conceito de “templo” deve ser visto como é a organização, independentemente das coisas e pessoas que a integram, mantenedora daquele templo religioso. Adota esta teoria Eduardo Sabbag, dentre outros. Sabbag (2013, p. 345) assim dispôs: “Não se pode perder de vista que o conceito de religião é aberto, inexistindo um regramento legal ou constitucional. Vale dizer que a conceituação de religião, longe de ser “substancial” – em que se perscruta aleatoriamente o elemento conteudístico –, deverá ser funcional, abrindo-se para quaisquer agrupamentos litúrgicos em que os participantes se coobriguem moralmente a agir sob certos princípios. Nesse sentido, o intérprete deve buscar o sentido mais abrangente, sob pena de colocar em risco as crenças de grupos minoritários.” O professor Carrazza (2007, p. 730-731) entende que a imunidade abrange os templos maçônicos. “A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação entre Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República. Sabemos que, durante o Império, tínhamos uma religião oficial: a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado. (…).  Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar todas elas. Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público. Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita” Neste ponto, mister trazer a colação o conceito de templo maçônico desenvolvido pela própria instituição[1]: “A Maçonaria é uma Ordem Iniciática mundial. É apresentada como “uma comunidade fraternal hierarquizada, constituída de homens que se consideram e se tratam como irmãos, livremente aceitos pelo voto e unidos em pequenos grupos, denominados Lojas ou Oficinas, para cumprirem missão a serviço de um ideal. Não é religião com teologia, mas adota templos onde desenvolve conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando feições a diferentesritos. Esses visam despertar no Maçom o desejo de penetrar no significado profundo dos símbolos e das alegorias, de modo que os pensamentos velados neles contidos, sejam decifrados e elaborados. Fomenta sentimentos de tolerância, de caridade e de amor fraterno. Como associação privada e discreta ensina a busca da Verdade e da Justiça”. Vê-se que o conceito de templo hoje aceito pela doutrina majoritária é bem amplo para abranger qualquer espaço físico que pessoal se reúnem para discutir questões morais, princípios, etc.   3.A natureza jurídica da maçonaria na visão doutrinária. A maçonaria, também chamada de “ordem dos maçons livre e aceitos” é um tipo de sociedade onde há apenas a participação de homens. Estes homens cultuam a liberdade, a fraternidade e a igualdade (lema da revolução francesa). Os maçons se reúnem em um local que eles chamam de “loja”. Eles chamam Deus de “grande arquiteto do universo”. A maçonaria não é considerada uma religião pois esta busca cultuar uma divindade e, aquela, busca transmitir e aprimorar conhecimentos, tanto que os seus membros podem professar religiões diversas. É importante destacar que esta sociedade não permite o ingresso de mulheres e nem de ateus ao seu corpo. O ministro Ricardo Lewandowisk[2] dá seu conceito de maçonaria: “A Maçonaria (…) é uma associação fechada, não aberta a qualquer um que dela queira participar, a não ser submetido a um  procedimento prévio de apresentação do ‘profano’ por um maçom, cuja admissão e iniciação depende da verificação de condições e requisitos essenciais estabelecidos pelo denominado Regulamento Geral. Só podem ser admitidas pessoas do sexo masculino, maiores de 21 anos, e através de escrutínio secreto por parte de todos os maçons presentes, forma unânime. Em termos de assistência, esta fica restrita às viúvas, irmãs solteiras, ascendentes e descendentes necessitadas de ‘justo’ auxílio dos irmãos. O que é ‘justo auxílio’, só os maçons podem deliberar. “Ora, não há falar em culto na acepção técnica do termo, comoquis a Carta Política. A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a ideia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma “profissão honesta”) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem” Adotando a teoria moderna, Lobato (2014, online) entende que as lojas maçônicas devem ser imunizadas pela norma em questão, veja: “A maçonaria faz jus à imunidade religiosa prevista constitucionalmente, uma vez que não se pode negar o caráter religioso ou a presença de um templo e da realização de cultos, o que a adéqua perfeitamente ao artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal. A loja maçônica, por revelar diversos elementos de religiosidade, deve ser vista como um templo, pois em seus cultos há a elevação espiritual, a profissão de fé e a prática de virtudes, razão pela qual deve ser abarcada pela imunidade religiosa.” Neste sentido, é importante trazer o entendimento da Desembargadora Sandra de Santis, do TJDFT(TJDFT, APC 20000150021228, Relator(a): Des. Sandra de Santis, Terceira Turma Cível, julgado em 03/12/2001, apud LOBATO, 2014, online), quando confirmou a sentença de primeiro grau que concedera a imunidade à maçonaria: “Culto é o conjunto de práticas destinadas ao aperfeiçoamento dos sentimentos humanos. E, considerando que é denominado templo o local onde se reúnem os maçons periodicamente a fim de praticar as cerimônias ritualísticas para melhorar o caráter, a vida espiritual, meditar sobre a missão do homem na vida, recordando-lhe os valores eternos cujo cultivo lhes permite acercar-se da verdade, não se pode chegar a conclusão diversa daquela exarada pelo MM. Juiz na sentença recorrida.” Veja que todos que adotam a visão moderna do conceito de “templo” para os fins de imunidade tributária entende que todo o “culto” que não ofenda a dignidade da pessoa humana, mas a promova deve ser imunizado pela norma em estudo. Assim, as lojas maçônicas, para estes autores, estão abrangidas no conceito de “templos de qualquer culto”.   4.Posição da jurisprudência sobre o assunto. A loja maçônica do Rio Grande do Sul ajuizou uma ação de execução fiscal buscando afastar a incidência do IPTU sob a alegada imunidade dos templos. Seu pedido foi julgado improcedente. Apelaram da decisao, que também foi considerada improcedente. “APELAÇÃO CÍVEL EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS.IPTU. MAÇONARIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ISENÇÃONÃO CARACTERIZADAS. Descabe o reconhecimento da imunidade tributária à Maçonaria, na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 150, VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição Federal. Descabe enquadrá-la como instituição de educação ou assistência social, na medida em que estas desenvolvem uma atividade básica que, a princípio, deveria ser cumprida pelo Estado, o que não é o caso da Maçonaria. Da mesma forma, não se pode admitir seja a Maçonaria um culto na acepção técnica do termo.Trata-se de uma associação fechada, não aberta ao público em geral eque não tem e nem professa qualquer religião, não se podendo afirmarque seus prédios sejam templos para o exercício de qualquer culto.Trata-se de uma confraria que, antes de mais nada, professa umafilosofia de vida, na busca do que ela mesmo denomina deaperfeiçoamento moral, intelectual e social do Homem e daHumanidade. Daí porque, não incidentes, à espécie, as hipótesesprevistas no art. 150, VI, ‘b’ e ‘c’, da CF.Incabível, ainda, o pedido de isenção, não tendo a embarganteatendido aos requisitos contidos na Lei que concedeu a benesse.APELAÇÃO NÃO PROVIDA” Veja como o relator da apelação se posicionou: “De entidade assistencial ou educacional não há falar. A Maçonaria (…) é uma associação fechada, não aberta a qualquer um que dela queira participar, a não ser submetido a um procedimento prévio de apresentação do ‘profano’ por um maçom, cuja admissão e iniciação depende da verificação de condições e requisitos essenciais estabelecidos pelo denominado Regulamento Geral. Só podem ser admitidas pessoas do sexo masculino, maiores de 21 anos, e através de escrutínio secreto por parte de todos os maçons presentes,forma unânime. Em termos de assistência, esta fica restrita às viúvas, irmãs solteiras, ascendentes e descendentes necessitadas de ‘justo’ auxílio dos irmãos. O que é ‘justo auxílio’, só os maçons podem deliberar. Com efeito, não há como considerar tal associação dentre aquelas referidas na alínea ‘c’, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal. Embora sem fins lucrativos, por certo não se trata de instituição de assistência social ou educacional”. Acrescentou enquadrando o tema a  imunidade em questão: “Ora, não há falar em culto na acepção técnica do termo, como quis a Carta Política. A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a ideia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal,pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma “profissão honesta”) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem” Esta discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal mas, foi rechaçada pois, em síntese, considerou-se a maçonaria como uma ideologia de vida e não uma religião. Diante das fervorosas discussões o tema chegou auma das turmas do Supremo Tribunal federal no Recurso Extraordinário nº 562.351/RS onde o relator foi o Ministro Ricardo Lewandowski. À época, ano de 2012, a suprema corte, por maioria dos votos, posicionou-se no sentido de que a norma imunizante não alcança a maçonaria.  Na ocasião do julgamento, em 04/09/2012, a Primeira Turma do STF, por maioria de votos, entendeu que a Maçonaria não estaria abrangida pela imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b”. “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.” Este posicionamento não foi unânime e nem feito pelo plenário. O voto do relator foi no seguinte sentido: “Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos ‘templos de qualquer culto’, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos”, disse o relator. [A Maçonaria] “não é religião com teologia, mas adota templos onde desenvolve conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando feições a diferentes ritos. Continua…não se pode admitir seja a Maçonaria um culto na acepção técnica do termo. Trata-se de uma associação fechada, não aberta ao público em geral e que não tem e nem professa qualquer religião, não se podendo afirmar que seus prédios sejam templos para o exercício de qualquer culto. Trata-se de uma confraria que, antes de mais nada, professa uma filosofia de vida, na busca do que ela mesmo denomina de aperfeiçoamento moral, intelectual e social do Homem e da Humanidade. Daí porque, não incidentes, à espécie, as hipóteses previstas no art. 150, VI, ‘b’ e ‘c’, da CF.” Ao contrário do voto do relator, o ministro Marco Aurelio, que em outro julgamento já havia adotado uma visão amplíssima do assunto[3], entende que a imunidade deve sim abranger as lojas maçônicas: “No mais, o voto do ilustre relator acaba por promover uma redução teleológica do campo de aplicação do dispositivo constitucional em comento. É dizer: revela-se ainda mais restritivo que a interpretação literal da Lei Maior”   Conclusão. Desde que homem resolveu viver em socialmente a ele foi imposto limites para que isto fosse possível. Isto porque as pessoas têm estilos e ideais de vida diferentes. É incitodo ser humano ter algo superior em que acreditar uma “fé”. É neste contexto que Estado e religião sempre foram assuntos que se misturaram, ora porque a religião e o estado eram confundidos em uma mesma pessoa, ora porque estavam separados ou, porque, como é agora, são vistos separadamente, mas há proteção do Estado sobre a religião que cada um professa. A constituição de 1988 expressamente não adotou uma religião oficial, mas se declarou como um estado laico. A fim de proteger a liberdade de expressão ela consagrou imunidade tributária aos templos de “qualquer culto”. Diante da norma imunizante, as lojas maçônicas buscaram o mesmo tratamento dispensado as outras “religiões”. A discussão chegou a uma das turmas do Supremo Tribunal Federal que, por maioria dos votos entendeu que a norma não atingiria a maçonaria. A maçonaria, apesar de não ofender a dignidade da pessoa humana não se enquadra no conceito amplo de culto já que discrimina, por exemplo, as mulheres e os analfabetos, os proibindo de professarem esta “fé”. Assim, o estado democrático de direito no estagio em que se encontra não pode conferir “benesses” a organizações que discriminam pessoas ou grupos. Neste sentido, correto o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
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Redirecionamento da execução fiscal com fundamento na dissolução irregulare o início do seu prazo prescricional
O presente artigo objetiva abordar o tema da responsabilidade tributária, no que diz respeito à responsabilidade de terceiro mediante o reconhecimento da dissolução irregular, nos termos da súmula nº 435 do STJ, bem como do inicio do prazo prescricional para a realização do referido redirecionamento.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca de tema de grande relevância no campo do Direito Tributário e Processual, apto a afetar milhares de processos em andamento, qual seja o termo inicial do prazo prescricional para redirecionar a ação executiva fiscal. Ao analisar o tema deve-se ter em mente toda a evolução da doutrina e da jurisprudência acerca da possibilidade de responsabilização pelo simples inadimplemento da obrigação tributária (responsabilização objetiva) e os reflexos desse entendimentono inicio do prazo prescricional. 1. Possibilidade deredirecionamento da ação de execução fiscal em face de terceiros responsáveis Inicialmente deve-se relembrar que o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser um contribuinte ou um responsável, sendo que, de acordo com o parágrafo único do art. 121 do Código Tributário Nacional diz-se: “I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa da lei”.[1] A responsabilidade de terceiros é tratada pelo Código Tributário Nacional em dois dispositivos, sendo que no primeiro dispositivo regula-se a situação dos terceiros responsáveis que atuaram regularmente, sem agressão à lei, ao contrato social ou aos estatutos (art. 134) e no segundo dispositivo a atuação do terceiro se dá em desrespeito à lei, contrato social, estatuto ou com excesso de poder (art.135). Leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho que, nas hipóteses onde o terceiro responsável atua em desrespeito à lei, ao contrato social, aos estatutos ou com excesso de poderes, a responsabilidade do terceiro é pessoal, e não apenas solidária. Vejamos: “Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. O regime agravado da responsabilidade tributária previsto no artigo estende-se, é óbvio, peremptoriamente àquelas duas categorias de responsáveis previstas no rol do incisos II e III (mandatários, prepostos, empregados e os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado”.[2] No entanto, parte da doutrina entende que quando a pessoa jurídica se beneficiar do ato praticado com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto, deverá responder solidariamente pelo débito com o terceiro responsável designado por lei, em conformidade com o art. 124 do Código Tributário Nacional. Neste sentido é a lição de Leandro Paulsen: “Certo é que, se a pessoa jurídica se beneficiou do ato, ainda que praticado com infração à lei ou com excesso depoderes, sua responsabilidade decorrerá, ao menos, da incidência do art. 124 do CTN, que diz da responsabilidade por interesse comum”[3][4] No entendimento do Código Tributário Nacional quem age em desrespeito à lei não pode ser considerado empresário diligente[5], havendo possibilidade de o mesmo ser responsabilizado pelos débitos decorrentes de sua atuação no bojo da ação de execução fiscal. Cumpre destacar que o mestre Humberto Theodoro Júniormostra-se contrário à possibilidade de terceiro ser responsabilizado em processo de execução, salvo se contar da certidão de dívida ativa: “Em suma, a co-responsabilidade tributária não pode, em regra, decorrer de simples afirmação unilateral da fazenda no curso da execução fiscal. Reclama, como é curial, apuração pelos meios legais e só depois do indispensável acertamento do fato que a tiver gerado é que a responsabilidade do estranho poderá ser havida como líquida e certa. Isto, como é obvio, nunca poderá ser feito depois da penhora, no bojo da execução forçada já em curso, já que a certeza é pressuposto de admissibilidade da própria execução, devendo antecedê-la obrigatoriamente.”[6] Entretanto, em que pesem os argumentos apresentados pelo professor Theodoro Júnior, a jurisprudência pátria, conforme reconhece o próprio autor em passagem da mesma obra, vem possibilitando o redirecionamento da execução fiscal nas hipóteses do artigo 135 III do CTN. “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.(…) 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. (Grifo Nosso)” (EREsp nº 260.017, Rel. Min. José Delgado, DJU de 19.4.2004) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N.º 07/STJ. ARTIGO 543-C, DO CPC. RESOLUÇÃO STJ 8/2008. ARTIGO 557, DO CPC. APLICAÇÃO. 1.O redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes: RESP n.º 738.513/SC, deste relator, DJ de 18.10.2005; REsp n.º 513.912/MG, DJ de 01/08/2005; REsp n.º 704.502/RS, DJ de 02/05/2005; EREsp n.º 422.732/RS, DJ de 09/05/2005; e AgRg nos EREsp n.º 471.107/MG, deste relator, DJ de 25/10/2004.(…) 6. À luz da novel metodologia legal, publicado o acórdão do julgamento do recurso especial, submetido ao regime previsto no artigo 543-C, do CPC, os demais recursos já distribuídos, fundados em idêntica controvérsia, deverão ser julgados pelo relator, nos termos do artigo 557, do CPC (artigo 5º, I, da Res. STJ 8/2008). 7. Agravo regimental desprovido.” (Grifo Nosso) Assim sendo,  embora parte da doutrina questione o redirecionamento da execução fiscal por ausência de título executivo contra os administradores, a jurisprudência pacifica do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de os que os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade. Vale ressaltar que o entendimento da Corte Cidadã encontra-se sumulado: “Súmula 435: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa quedeixar defuncionar no seu domicilio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio–gerente.” (Grifo Nosso) A dissolução irregular da sociedade resta presumida, na dicção da súmula 435 do STJ, em virtude de a empresa executada não se encontrar estabelecida em seu endereço cadastrado junto ao banco de dados da Administração Pública, bem como pelo fato de não haver qualquer alteração de endereço em sua ficha cadastral da Junta Comercial. Observa-se, portanto, que se a empresa encerra suas atividades de fato, sem o pagamento de seus credores, e sem dar baixa junto aos órgãos públicos atuou fraudulentamente, uma vez que os bens da empresa dissolvida são redistribuídos aos sócios, quando do seu fechamento de fato. Assim, como não há reserva de ativo para o pagamento dos credores, estes não encontram bens penhoráveis para a satisfação do seu crédito, em nome da empresa executada. Dessa forma, os sócios da empresa efetuam uma verdadeira blindagem patrimonial e obtém enriquecimento ilícito ou sem causa.Infere-se, ante todo o exposto, que a dissolução irregular da sociedade é um exemplo comum de infração à lei. A constatação da dissolução irregular da sociedade nos autos da ação executiva fiscal é realizada por meio de certidão expedida pelo Oficial de Justiça, no cumprimento do mandado, conforme já foi reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – REDIRECIONAMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – SÓCIO-GERENTE – POSSIBILIDADE –CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA – COMPROVAÇÃO DEDISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÚMULA Nº 435/STJ – 1. A orientação da 1ª Secção do STJ firmou-se no sentido de que, se a Execução Fiscal foi promovida apenas contra pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da certidão de Divida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o referido sócio agiu com excesso de poderes, infração a lei, contrato social ou estatuto, ou que ocorreu dissolução irregular da empresa, nos termos do art. 135 do CTN. 2. A jurisprudência do STJ consolidou o entendimento de que a certidão emitida pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial, é indício de dissolução irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente. Precedentes do STJ. 3. Recurso especial Provido” (STJ, Resp 201001902583, Rel. Min. Herman Benjamim, DJe 04.02.2011) (Grifo Nosso) Ressalta-se que a presunção de dissolução irregular é juris tantum, podendo o terceiro responsável incluído no pólo passivo desconstituí-la mediante a apresentação de embargos à execução, conforme entendimento da maioria da doutrina e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA QUE INFORMA NÃO TER ENCONTRADO A EMPRESA NO ENDEREÇO INDICADO PELO FISCO PARA CITAÇÃO. REDIRECIONAMENTO. PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM” DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. ART. 135, DO CTN. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 435/STJ. 1.Em execução fiscal, certificada pelo oficial de justiça a não localização da empresa executada no endereço fornecido ao Fisco como domicilio fiscal para citação, presume-se (juris tantum) a ocorrência de dissolução irregular a ensejar o redirecionamento da execução aos sócios, na forma do art. 135, do CTN. Precedentes: EREsp 852.437/RS, Primeira Seção. Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22.10.2008; REsp 1343058/BA, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 09.12.2012. 2. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros junto aos órgãos de registros públicos e ao Fisco, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, os referentes à dissolução da sociedade. Precedentes: EREsp 716412/PR, Primeira Seção. Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12.9.2007. 3. Aplica-se ao caso a Súmula n. 435/STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicilio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio–gerente”. 4. Recurso especial provido. (Resp 1374744/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acódão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMERA SEÇÃO, julgado em 14/08/2013, DJe 17/12/2013) (Grifo Nosso) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III,DO CTN. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. 1. Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe provar o contrário em sede de embargos à execução, e não pela estreita via da exceção de pré-executividade. 2. Agravo regimental desprovido. (AGA 561.854/SP, Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 19.04.04). (Grifo Nosso) PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – MATÉRIADE DEFESA: PRÉ-EXECUTIVIDADE – PRESCRIÇÃO – RESPONSABILIDADEDO SÓCIO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. 1. Doutrinariamente, entende-se que só por embargos é possível defender-se o executado, admitindo-se, entretanto, a exceção de pré-executividade. 2. Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, argüir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou as nulidades absolutas, o que não ocorre com a prescrição, que não pode ser reconhecida de ofício. 3. A jurisprudência da Primeira Seção firmou-se no sentido de que não se admite a responsabilidade objetiva, mas subjetiva do sócio, não constituindo infração à lei o não-recolhimento de tributo, sendo necessária a prova de que agiu o mesmo dolosamente, com fraude ou excesso de poderes, excepcionando-se a hipótese de dissolução irregular da sociedade comercial. 4. Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe provar o contrário em sede de embargos à execução. 5. Recurso especial conhecido, mas improvido. (REsp 474.105/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 19.12.03) (Grifo Nosso) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – CITAÇÃO NA PESSOA DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135, III, DO CTN – DISSOLUÇÃO IRREGULAR. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei. 2. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 3. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilização dos sócios-gerentes se constatado pela diligência do oficial de justiça que a empresa deixou de funcionar no endereço fornecido como domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário. Caberá, então, àqueles provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 4. Recurso especialimprovido.”(REsp 667.406/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ. D.J.14.11.2005) (Grifo Nosso) Cumpre ressaltar que não são todos os sócios que respondem pelo referido descumprimento da lei, mas apenas os sócios administradores à época da dissolução irregular. 2. Prazo prescricional para o redirecionamento do feito executivo A jurisprudência do STJ, bem como parte da doutrina, encontra-se vacilante quanto ao inicio do prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal para o terceiro responsável. Em um primeiro momento, o STJ começou a se orientar pela observação de um prazo de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal do responsável para redirecionamento da cobrança de crédito tributário em execução fiscal. Vejamos “AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de Direito Público, consolidou o entendimento de que, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal (…)” (AgRg nos EREsp 761.488/SC, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, 1ª Seção, DJe de 07/12/2009. Ainda nesse sentido:AgRg no REsp 1.202.195/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe de 22/02/2011; AgRg no AREsp 138.395/PE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, DJe de 02/08/2012; e REsp 1.100.777/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, 2ª Turma, DJe 04/05/2009) (Grifo Nosso) “TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA EM SITUAÇÃO IRREGULAR. CITAÇÃO DO SÓCIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. O Código Tributário Nacional, possuindo status de lei complementar, prevalece sobre as disposições constantes da Lei n. 6.830/80. Assim, a interrupção da prescrição dá-se pela citação pessoal do devedor nos termos do parágrafo único, inciso I, do art. 174 do Código, e não na forma estabelecida no art. 8º, § 2º, da lei mencionada. 2. O redirecionamento da ação executiva fiscal em face do sócio responsável pelo pagamento deve ser providenciadoaté cinco anos contados da citação da empresa devedora (…)” (REsp 205.887/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 2ª turma, DJ de 01/08/2005) (Grifo Nosso) Esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em que pese o respeito à Corte Cidadã, não encontra amparo no ordenamento jurídico, pois a prescriçãodecorre da inércia de uma das partes contra quem corre o prazo, sendo, pois uma punição para a parte que deveria e podia agir mais nada fez. No entanto, quando a empresa é citada não há como haver o redirecionamento para os responsáveis pela infração á lei, no caso, pela dissolução irregular, pelo simples fato de ainda não ter acontecido essa dissolução. Após a citação, por exemplo, a sociedade devedora pode ingressar com parcelamento, fato que interrompe a prescrição e suspende a exigibilidade do crédito tributário. Assim, como redirecionar sem nenhum fato que caracterize a responsabilização do terceiro? O entendimento a acima exposto só teria fundamento se o simples inadimplemento fosse capaz de manejar o redirecionamento da ação executiva[7],o que é rechaçado pelo próprio STJ nos termos da Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. O entendimento mais recente do Colendo Superior Tribunal de Justiça está se consolidando no sentido de que, como o redirecionamento só pode ocorrer quando estiver configurada a dissolução irregular o prazo prescricional para o redirecionamento só se inicia no momento que a Fazenda Pública toma conhecimento da infração à lei, mas se mantém inerte, passado a reconhecer o principio da Actio Nata. Vejamos: “EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. PRESCRIÇÃO. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu o andamento do feito e que, somente após seis anos da citação da empresa, consolidou-se a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional. Assim, ainda que a citação do sócio-gerente tenha sido realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa, não houve prescrição, aplicando-se ao caso o princípio da actio nata. Precedentes citados: REsp 996.409-SC, DJ 11/3/2008, e REsp 844.914-SP, DJ 18/10/2007”. (STJ, AgRg no REsp 1.062.571-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/11/2008). (Grifo Nosso) “EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO – "ACTIO NATA". 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. Agravo regimental improvido”(AGRESP 200802386451, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, 18/09/2009) (Grifo Nosso) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional. 2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser. 3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque, se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o Juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da Actio Nata. 4. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.”(AGRESP 200801178464, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, 24/03/2009) (Grifo Nosso) Observa-se que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça passou a referendar o entendimentode que o exame da prescrição intercorrente para o redirecionamento da execução fiscal deve ser realizado à luz do princípioUniversal da Actio Nata ou teoria da Actio Nata o que, em resumo, significa que antes de o credor poder exigir seu crédito do devedor, não há que falar em início do lapso prescricional. Em julgado mais recente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, no REsp 1.095.687-SP (julgado em 15.12.2009, DJ 08.10.2010), que não há que se falar em prescrição para redirecionamento, quando ausente a inércia da Fazenda Pública exequente. “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA O SÓCIO-GERENTE EM PERÍODO SUPERIOR A CINCO ANOS, CONTADOS DA CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF. 2. Controverte-se nos autos a respeito de prazo para que se redirecione a Execução Fiscal contra sócio-gerente. 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o redirecionamento não pode ser feito após ultrapassado período superior a cinco anos, contados da citação da pessoa jurídica. 4. A inclusão do sócio-gerente no pólo passivo da Execução Fiscal deve ser indeferida se houver prescrição do crédito tributário. 5. Note-se, porém, que o simples transcurso do prazo qüinqüenal, contado na forma acima (citação da pessoa jurídica), não constitui, por si só, hipótese idônea a inviabilizar o redirecionamento da demanda executiva. 6. De fato, inúmeros foram os casos em que as Execuções Fiscais eram arquivadas nos termos do art. 40 da Lei 6.830/1980, em sua redação original, e assim permaneciam indefinidamente. A Fazenda Pública, com base na referida norma, afirmava que não corria o prazo prescricional durante a fase de arquivamento. A tese foi rejeitada, diante da necessidade de interpretação do art. 40 da LEF à luz do art. 174 do CTN. 7. A despeito da origem acima explicitada, os precedentes passaram a ser aplicados de modo generalizado, sem atentar para a natureza jurídica do instituto da prescrição, qual seja medida punitiva para o titular de pretensão que se mantém inerte por determinado período de tempo. 8. Carece de consistência o raciocínio de que a citação da pessoa jurídica constitui o termo a quo para o redirecionamento, tendo em vista que elege situação desvinculada da inércia que implacavelmente deva ser atribuída à parte credora. Dito de outro modo, a citação da pessoa jurídica não constitui "fato gerador" do direito de requerer o redirecionamento. 9. Após a citação da pessoa jurídica, abre-se prazo para oposição de Embargos do Devedor, cuja concessão de efeito suspensivo era automática (art. 16 da Lei 6.830/1980) e, atualmente, sujeita-se ao preenchimento dos requisitos do art. 739-A, § 1º, do CPC. 10. Existe, sem prejuízo, a possibilidade de concessão de parcelamento, o que ao mesmo tempo implica interrupção (quando acompanhada de confissão do débito, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN) e suspensão (art. 151, VI, do CTN) do prazo prescricional. 11. Nas situações acima relatadas (Embargos do Devedor recebidos com efeito suspensivo e concessão de parcelamento), será inviável o redirecionamento, haja vista, respectivamente, a suspensão do processo ou da exigibilidade do crédito tributário. 12. O mesmo raciocínio deve ser aplicado, analogicamente, quando a demora na tramitação do feito decorrer de falha nos mecanismos inerentes à Justiça (Súmula 106/STJ). 13. Trata-se, em última análise, de prestigiar o princípio da boa-fé processual, por meio do qual não se pode punir a parte credora em razão de esta pretender esgotar as diligências ao seu alcance, ou de qualquer outro modo somente voltar-se contra o responsável subsidiário após superar os entraves jurídicos ao redirecionamento. 14. É importante consignar que a prescrição não corre em prazos separados, conforme se trate de cobrança do devedor principal ou dos demais responsáveis. Assim, se estiver configurada a prescrição (na modalidade original ou intercorrente), o crédito tributário é inexigível tanto da pessoa jurídica como do sócio-gerente. Em contrapartida, se não ocorrida a prescrição, será ilegítimo entender prescrito o prazo para redirecionamento, sob pena de criar a aberrante construção jurídica segundo a qual o crédito tributário estará, simultaneamente, prescrito (para redirecionamento contra o sócio-gerente) e não prescrito (para cobrança do devedor principal, em virtude da pendência de quitação no parcelamento ou de julgamento dos Embargos do Devedor). 15. Procede, dessa forma, o raciocínio de que, se ausente a prescrição quanto ao principal devedor, não há inércia da Fazenda Pública. 16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido”. (REsp nº 1.095.687-SP (2008/0214589-2), Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão: Min. Herman Benjamin, Julgado em 15.12.2009, DJ 08.10.2010) Observa-se que mesmo com os recentes julgados aplicando a teoria da Actio Natao tema não está totalmente pacificado, assim, o Superior Tribunal de Justiça vai estabelecer, mediante a sistemática dos recursos repetitivos, o prazo inicial que o fisco tem para redirecionar as execuções fiscais quando houver dissolução irregular. A tese será decidida nos autos do Recurso Especial no. 1.201.993. Cumpre ressaltar que até agosto de 2015, o placar está 2×1 para a tese que respeita o princípio da Actio Nata. 3. Conclusão Ante o exposto, percebe-se que o redirecionamento da execução fiscal com fundamento na dissolução irregular é matéria pacificada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, nem todos os aspectos que rodam o tema encontram-se sedimentado, como visto, o termo inicial do prazo prescricional para efetivar o redirecionamento da execução fiscal encontra-se afeto a modalidade de recurso repetitivo. Cumpre ressaltarque considerar o entendimento tradicionalde que o inicio do prazo prescricional para o redirecionamento da cobrança do crédito tributário pelo reconhecimento da dissolução irregular a data da citação do devedor originário só encontrava respaldo quando era possível o redirecionamento pelo simples inadimplementoda obrigação tributária, pois se reconhecia nesta situação a responsabilidade solidária do sócio-gerente. No entanto, o E. STJ sumulou entendimento diverso, restando superada, pela lógica, essa jurisprudência. Desta feita, ante a impossibilidade de responsabilização objetiva do terceiro responsável, é necessário que o Superior Tribunal de Justiça analise a questão a fundo e de acordo com a nova realidade, qual seja: necessidade de caracterizar (reconhecer a dissolução irregular nos termos da Súmula nº 435 do STJ) a infração à lei para fazer nascer o direito da Fazenda Publica redirecionar a ação executiva, mediante a aplicação da teoria da Actio Nata, vez que, antes de o credor poder exigir seu crédito do devedor, não há que falar em início do lapso prescricional, sob pena de se perder um direito (de redirecionar) antes de poder exercê-lo. Assim, espera-se que ao julgar o tema no repetitivo de nº 1.201.993/SP o SJT reconheça a evolução de sua própria jurisprudência e fixe o termo inicial do prazo prescricional para redirecionar a execução como sendo o momento em que a Fazenda toma ciência da dissolução irregular, vez que, além de ser a melhor solução jurídica, também se reflete na mais justa, pois pulverizar o prejuízo (o débito que a sociedade dissolvida fraudulentamente) das Fazendas Públicas é premiar a conduta em desacordo com a lei e com a própria função social da empresa (corolário do princípio constitucional da função social da propriedade) em detrimento das sociedades que atuam em conformidade com o ordenamento jurídico.
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Impossibilidade de instituição de taxas confiscatória: análise à luz da Constituição Federal
O presente artigo analisará as Taxas pelo prisma das normas jurídicas constitucionais. Com efeito, serão abordadas as principais notas das taxas cobras em razão do regular exercício do poder de polícia e pela prestação de serviços públicos. Por derradeiro, serão tecidas algumas notas acerca da vedação de taxas com efeito confiscatório.
Direito Tributário
1. Introdução 1.Prescreve o artigo 145, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir as taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. 2.Verifica-se assim que as taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese normativa, a descrição de um fato revelador de uma atividade do ente estatal, direta e especificamente dirigida ao contribuinte. Por essa característica, afastam-se dos impostos, tributo esse que não prevê em sua hipótese de incidência nenhum labor do ente federado dirigido ao sujeito passivo da relação jurídica tributária. 3.Tais tributos, conforme determinação do legislador originário, podem ser cobradas em razão da (i)Prestação de Serviço Público e/ou(ii)Regular Exercício do Poder de Polícia. 2. As taxas 2.1 Taxa pela prestação de serviço público 4.A taxa pela prestação de serviço público encontra-se positivada, em plano constitucional, no já mencionado artigo 145, inciso II da CF/88. No plano infraconstitucional, a Lei Complementar 5.172/66, em seus artigos 77 e 79[1],enuncia os principais aspectos dessa espécie tributária, auxiliando assim na confecção de sua regra-matriz. 5.Dito isto, tem-se como primeiro desafio à construção da regra-matriz dessa exação, à“correta” definição de Serviço Público. Com efeito,pode-se defini-lo como sendo a “a prestação de utilidade material, fruível individualmente, sob regime de direito público.”[2]. Analisando as considerações trazida, é de fácil percepção quetorna-se público o serviço não pela sua natureza, nem qualquer propriedade intrínseca que possua, mas o regime jurídico a que está submetido. Em outros termos, se ele for prestado por determinação legal, será, sem dúvida, um serviço público, ainda que, eventualmente, não seja essencial à vida do homem. 6.Nesse dedilhar, outra característica determinante à caracterização de um tributo como a espécie taxa (seja pela prestação de serviço público ou pelo Exercício Regular do Poder de Polícia) é a presença indispensável de 03 características, quais sejam: (i) Especificidade; (ii) Divisibilidade e; (iii) Retributividade ou Comutatividade. Vejamos cada uma separadamente: (i) “Especificidade. Atende-se o critério da especificidade quando há individualização no oferecimento da utilidade e na forma como é prestada. Dessa arte, o que se requer, em relação à especificidade, é a simples possibilidade de ser o serviçodestacado em unidades autônomas de intervenção da autoridade pública, de sua utilidade e necessidade pública, sendo suficiente que a regra-matriz da taxa preveja um serviço suscetível de fruição individual, independente do efetivo destaque das unidades de intervenção, de utilidade ou necessidade pública ocorrer ou não no mundo fenomênico.Se o serviço é público impõe-se, inexoravelmente, à Administração Pública que propicie a um grupo de pessoas a fruição de uma vantagem, benefício, comodidade, utilidade. Por essa razão, aespecificidade do serviço público guarda estreita relação com o critério pessoal das taxas (sujeito ativo e sujeito passivo), mais precisamente no tópico do sujeito passivo. (ii) Divisibilidade. Preceitua o artigo 79, II do CTN que os Serviços Públicos serão divisíveis “quando suscetíveis de utilização, separadamente, por cada um dos usuários”.Por tanto, deve ser possível a aferição do custo que a atuação estatal representa, em relação a cada sujeito passivo. Assim, é correto asseverar de a divisibilidade se constitui como desdobramento lógico do critério da especificidade, isto é, se o serviço público é específico (são identificáveis os sujeitos passivos), então será possível também a individualização do custo do serviço, em função de cada contribuinte. (iii) Retributividade ou Comutatividade. As taxas são regidas pelo princípio da comutatividade ou retributividade, por isso que seus fatos geradores são atuações do Estado consistentes em exercer o poder de polícia ou fornecer serviços, em ambas as hipóteses, de modo específico e divisível a determinados beneficiários. Esses sobre esforços do Estado devem ser comutados, retribuídos, “trocados” pelas taxas, as quais, e por isso mesmo, não possuem caráter arrecadatório, sendo necessário especificar o contribuinte, nome e endereço.” 7.Nota-se assim que a Taxa pela prestação de Serviço Público é tributo da espécie dos vinculados que remunera uma atuação estatal, específica e divisível, em prol de determinado contribuinte/usuário em razão de um serviço prestado, ou posto a sua disposição, pelo ente federado, direta ou indiretamente. 8.Ante tais considerações, já temos as condições necessárias àconfecção da regra-matriz de incidência tributária da Taxa em função Prestação de Serviços Públicos: Regra-Matriz de Incidência da Taxa Pela Prestação de Serviço Público Antecedente normativo Critério Material Prestar Serviço Público, Efetiva ou Potencialmente. Critério Temporal Átimo em que o Serviço Público é Prestado Critério Especial/Territorial Extensão Territorial do Ente Federado Competente para Instituir o Tributo. Consequente normativo Critério Pessoal (Sujeito Ativo e Sujeito Passivo) Sujeito Passivo é o Ente Federado Competente pra Instituir a Taxa. O Sujeito Passivo éAquele que Utiliza o Serviço Prestado ou Colocado a sua Disposição Critério Quantitativo: Custo da Prestação do Serviço. 2. 2 A taxa em razão do regular exercício do poder de polícia 9.Interpretando-se as prescrições constitucionais conjuntamente com o artigo 78 do Código Tributário Nacional temos que o exercício regular poder de polícia pode ser definidocomo a “atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”[3] 10.Primeiramente, mostra-se necessário definirmos a extensão do denominado “Poder de Polícia. Assim, no escólio de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, poder de polícia é“a atividade que envolve os atos fiscalizadores, através dos quais a Administração Pública previamente acautela eventuais danos que poderiam advir da ação dos particulares. Assim, a fiscalização de pesos e medidas por meio da qual o Poder Público se assegura de que uns e outros competentemente aferidos correspondem efetivamente aos padrões e, com isto, previne eventuais lesões aos administrados, que decorreria de marcações inexatas. Do mesmo modo, a fiscalização das condições de higiene dos estabelecimentos e casas de pasto, a vistoria dos veículos automotores para garantia das condições de segurança que devem oferecer, prevenindo riscos para terceiros, a fiscalização da caça para assegurar que sua realização esteja conformada aos preceitos legais, são, entre outras numerosíssimas, manifestações fiscalizadoras próprias da Polícia Administrativa”. 11.Dessa forma, a Administração Pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas coercitivas). 12.Outro Ponto que merece ser ventilado diz respeito a necessária efetividade da prestação. Desse modo, diferentemente dos Serviços Públicos, que podem ser efetiva ou potencialmente prestados, na hipótese do poder de polícia somente os EFETIVAMENTE realizados pela administraçãoensejam a cobrança da taxa em debate. Nesse sentido, o professor SASHA CALMON NAVARRO COELHO se posiciona: “O exercício do poder de polícia, de sua vez, afasta qualquer possibilidade de exercício potencial. O poder de polícia tem que ser regularmente desempenhado para se caracterizar como fato gerador da taxa. Não se pode cobrar taxa pela emissão de passaporte de quem não requereu e recebeu o documento, isto é, não se pode cobrar indistitivamente de todo e qualquer cidadão, taxa pela emissão de passaporte, pelo simples fato de a polícia federal estar à disposição para cumprir com tal tarefa”[4] 13.Na mesma linha, a jurisprudência pátria solidificou posição: “EmentaNECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E JULGAMENTO EXTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO – NECESSIDADE DA EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FUNDADO NO PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO – SÚMULA 157 DO STJ – AUSÊNCIA DA CONTRAPRESTAÇÃO – ILEGITIMIDADE DA SUA COBRANÇA.REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO E APELAÇÃO VOLUNTÁRIA DESPROVIDA. 1.A cobrança anual da taxa de localização pressupõe a efetiva prestação de um serviço fundado no poder de polícia do Município. Sem ele, revela-se inviável a exigência do tributo. 2. É ilegítima a cobrança, pelo Município, da taxa para licença de localização, funcionamento e publicidade se ausentes a contraprestação de serviços e a materialização do poder de polícia, capazes de justificar a exação. Processo: APCVREEX 2091827 PR Apelação Cível e Reexame Necessário – 0209182-7 Processo: APCVREEX 2091827 PR Apelação Cível e Reexame Necessário – 0209182-7 Relator(a): José Augusto Gomes Aniceto Órgão Julgador Nona Câmara Cível Publicação: 08/10/2004 DJ: 6722” 14.Dessa feita, é de fácil percepção que para a existência a cobrança da taxa pelo exercício do poder de polícia, deve o ente competente, de fato, exercê-lo. Na hipótese de cobrança em função da mera disponibilização, o tributo é ilegal, ferindo de morte o texto constitucional em seu artigo 145, II bem como o Código Tributário Nacional no seu artigo 78. 15.Ante tais considerações, já possuímos as peças necessárias à construção da regra-matriz de incidência tributária do tributo arrecadado em função do o regular exercício do poder de polícia. Regra-matriz de Incidência Tributária da Taxa pelo Regular Exercício do Poder de Polícia. Antecedente normativo: Critério Material Exercer Poder de Polícia. Critério Temporal Momento Determinado pela Legislação do Ente Federado Instituidor do Gravame. Critério Territorial/Espacial Limite Territorial do Ente Federado. Consequente normativo: Critério Pessoal Sujeito Ativo é o Ente Federado Competente para Instituir a Taxa. O Sujeito Passivo é aquele que foi Alvo ou Solicitou o do Ato de Polícia. Critério Quantitativo: Custo do Ato de Polícia Praticado. 3.Vedação à instituição de taxas com efeito confiscatório 16.Ao tratar da possível base de cálculo das taxas, o legislador constitucional agiu com precisão cirúrgica. Dessa forma, ante a impossibilidade a enumerar, em rol exaustivo, todos os fenômenos sociais jurisdicizáveis, limitou-se a prescrever apenas as hipóteses de incidência, prestar serviços público e exercício do regular poder de polícia, e o critério quantitativo, este de forma negativa, conforme depreende-se do artigo 145 §2º[5]. 17.Portanto, o valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao custo, ainda que aproximado, da atuação estatal específica. É claro que, neste campo, não há necessidade de ocorrer uma precisão matemática; deve, no entanto, existir uma razoabilidade entre a quantia cobrada e o gasto que o Poder Público teve para prestar aquele serviço ou praticar aquele ato de polícia. 18.Caso não ocorra equivalência entre o custo da atuação estatal específica e quantum da taxa, o tributo será inconstitucional, por desvirtuamento de sua base de cálculo. Com isto, aliás, ele assumirá feições confiscatórias, afrontando por consequência o artigo 150, inciso IV da Constituição. 19.Da mesma forma, posiciona-se o Supremo Tribunal Federal: “(…) taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. – Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina. TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. – O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. – A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.”(ADI 2551 MC-QO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2003) 20.Conclui-se assim que a taxa de serviço deve ter por base de cálculo o custo, ainda que aproximado, do serviço público prestado ou posto à disposição do contribuinte. Do mesmo modo, a lei que instituir a taxa de polícia deverá tomar por base de cálculo do tributo “um critério proporcional às diligencias condicionadoras dos atos de polícia, já que este nenhum conteúdo econômico possui”. 21.De tal modo, nas hipóteses de flagrante descompasso entre o valor cobrado pelo Ente e o serviço prestado ou o ato de polícia praticado, deve o contribuinte buscar guarida no poder judiciário a fim de não ser compelido ao pagamento de tributo inconstitucional. 4. Conclusão 22.Nota-se assim que todo e qualquer ente federado, direta e indiretamente, podem instituir taxas em duas e somente duas hipóteses, quais sejam, prestação de serviços públicos ou regular exercício do poder de polícia. 23.Quanto a suas características, o tributo deve ser específico, divisível e comutativo/retributivo. 24.Na prestação de serviço, a taxa é devida tanto na efetiva ocorrência prestação do serviço quanto da sua mera disponibilização ao contribuinte. Já nos atos de polícia, somente quando da efetiva ocorrência pode Ente Federado efetivar a cobrança. 25.Por fim, não pode a taxa ter a mesma base de cálculos dos impostos, seja em função de expressa vedação constitucional seja pelas suas próprias características. De mais a mais, deve o valor cobrado corresponder, de forma fidedigna, ao custo suportado com a prestação do serviço ou o ato de polícia. Dessa forma, não ocorrendo tal correspondência, o tributo assume efeitos confiscatórios, sendo de plano inconstitucional.
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A importância do orçamento público
O orçamento público pode efetivamente garantir o planejamento estratégico, a programação de ações e a definição de metas de governança capazes de gerar o bem estar para a população com uma cidade de desenvolvimento controlado e crescimento ordenado. Para isso, faz-se cada vez mais necessário planejar e modernizar a legislação orçamentária, buscando novas proposições para responder aos anseios dos cidadãos. Cumprindo um papel relevante no regramento das atividades orçamentárias e financeiras no País, a Lei Federal nº 4.320/1964, foi aparelhada com a edição da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que introduziu no arcabouço legal vigente que rege as finanças públicas no País um novo disciplinamento, visando garantir a previsibilidade e o controle da ação do Estado sob o aspecto fiscal, de forma a garantir que a instabilidade e o descontrole das contas públicas não venham a prejudicar a atividade econômica e o contexto social. e a atualização do arcabouço normativo, a começar pela lei de finanças públicas. O conteúdo desse trabalho é resultado da análise de pesquisa bibliográfica que resultou na constatação que quanto mais realista for o orçamento público, mais irá garantir o rumo do  desenvolvimento social e do combate às desigualdades econômicas e regionais. Também trouxe o resumo dos princípios orçamentários, a natureza jurídica do orçamento e a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Orçamento Público é um instrumento de planejamento que espelha decisões políticas, estabelecendo as ações prioritárias para o atendimento das demandas da sociedade. O orçamento deve conter de modo planejado a estimativa da arrecadação de receitas e autorização para a realização de despesas. O presente trabalho teve por objetivo fazer um estudo sobre a importância do orçamento público e a contribuição da Lei de Responsabilidade Fiscal neste contexto, cuja análise permitiu apresentar, ao final, sugestões de melhoria para aperfeiçoamento do orçamento público. Para atingir o objetivo proposto foi preciso mostrar o ciclo orçamentário, apresentar as três peças do sistema do planejamento e orçamento: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei de Orçamento Anual. Também analisou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sob n- 101/2000 que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade que pressupõe ação planejada e transparente que objetiva prevenir riscos e corrigir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. Assim sendo, a sociedade civil tem um papel importante na destinação do orçamento público devendo fiscalizar este processo, seja fazendo analises, fiscalizando a execução, cobrando transparência e idoneidade do poder público. . 1.  JUSTIFICATIVA A apresentação deste tema visa esclarecer em geral sobre como é elaborado o orçamento público, pois, podemos ver que sem um plano de ação bem elaborado, os Administradores Públicos não podem liderar com confiança ou nem esperar que os outros o sigam com convicção. Um dos grandes problemas com relação  a este assunto é que a maioria dos orçamentos governamentais é elaborada dentro dos gabinetes dos governantes tornando-se, por este motivo, uma mera peça técnica de previsão de receitas e fixação da despesa, baseada na maioria das vezes, apenas no que foi arrecadado e gasto no ano anterior. Por fim, a realização deste trabalho, mostra-se muito importante para o aperfeiçoamento do orçamento público e promover avanços nos métodos orçamentários. OBJETIVOS 1.1  OBJETIVOS GERAIS Apresentar a real relevância na elaboração do orçamento público, proporcionando uma visão geral, de seus princípios, planejamento, execução e controle. 1.2  OBJETIVOS ESPECÍFICOS – Conceituar Orçamento Público; – Definir os Princípios do Orçamento Público; – Dispor sobre a Legislação Orçamentária; – Descrever os pontos relevantes da Lei de Responsabilidade fiscal.
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ICMS ecológico: meio eficaz para melhorar a preservação ambiental no Brasil
O direito constitucional assegura a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Transformar positivamente a realidade é objetivo do Estado de direito, e as atividades inerentes à tributação podem atuar nesse sentido. O ICMS, em uma feição extrafiscal, consoante lei que preveja a destinação de receita para um fim específico, encerra ferramental oportuno a estimular o desenvolvimento ambiental sustentável. Daí a denominação de “ecológico”. O artigo em voga investiga e analisa esse mote.
Direito Tributário
1 – Introdução “A natureza é um doce guia, mas não mais doce do que prudente e justa” M. de Montaigne [1] “A natureza só é comandada se é obedecida” F. Bacon [2] A Constituição Federal, em seu artigo 225, é bastante clara: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Tal comando é norma fundamental, verdadeira diretriz a balizar a proteção ambiental em nosso país, institucionalizando a lídima preocupação com a fauna, a flora e os recursos naturais, determinando aos entes federados responsabilidades e a edificação de políticas públicas para o atendimento desses fins, adequando a realidade nacional às exigências internacionais, e o principal, fixando como meta estatal a qualidade de vida dos brasileiros. No entanto, a teoria destoa da prática, e não é de hoje, haja vista que o ideal desenvolvimentista perseguido pelas nações sempre incluiu a busca incessante por investimentos produtivos e financeiros como meios alavancadores do crescimento, aptos a gerar divisas e empregos, mantendo um próspero e, aparentemente sem limites, ciclo econômico. Com isso o ideal ecológico acabou por ceder espaço para novas indústrias, para a expansão do comércio e dos serviços, para a extração e transformação de matérias-primas, para a construção de toda uma infraestrutura, enfim, para as oportunidades que o capital oferecia. Nesse ínterim, as cidades, por serem os locais onde as pessoas vivem e se realizam, não poderiam permanecer inertes em face do panorama evolutivo, com seus territórios sofrendo transformações econômicas que passaram a se chocar diretamente com a preservação do meio ambiente. Em suma, o país crescia e os integrantes da Federação perseguiram essa fórmula de desenvolvimento, renegando a um segundo plano a preocupação ecológica. O advento do século XXI inicia a necessária revolução, pois o planeta começava a reclamar atitudes nesse sentido. Não havia mais como persistir no velho caminho, como garantir o sustento da vida humana nesse quadro de uso irracional e de degradação das condições ambientais. Então, temas como sustentabilidade, correta destinação do lixo, reciclagem, preservação de florestas e de recursos hídricos, aquecimento global, redução do consumo, dentre outros, galgaram a um patamar de real importância na sociedade contemporânea, não podendo mais serem desprezados pelo Poder Público quando de eventuais reformas legislativas. Todavia, fato é que as municipalidades carecem, muitas vezes, de recursos mínimos para efetivação dessa práxis ecológica, isso quando não podem dar atenção para além do que legalmente lhes é exigido em matéria ambiental. Dentro desse novo paradigma de desenvolvimento, comprometido com um meio ambiente sustentável, sucede a reforma do aparato tributário em resposta ao reclame ecológico, passando-se a utilizar de um imposto como o ICMS, e a parcela deste que é dedicada aos municípios, via transferência de recursos, como instrumento de promoção e de estímulo à criação e manutenção de boas práticas ambientais. E é simples assim, pois municípios que preservam o meio ambiente, consoante o estabelecido em lei estadual, começam a ser recompensados com maiores repasses, numa dupla função extrafiscal de caráter compensador e incentivador, desenhando uma inédita arquitetura na distribuição de recursos, verticalizando políticas incentivadoras, permitindo que o afluxo de numerário viabilize que as cidades possam reservar parte de seus territórios e de seus esforços à preocupação com um meio ambiente equilibrado, tornando-os agentes dessa transformação. Este trabalho, enquanto pequena contribuição à análise do instituto do ICMS ecológico, é a oportunidade de volver olhos para a dinamicidade que o Direito Tributário possui no dia-a-dia das pessoas. Explica-se: vários estados já se adaptaram a essa realidade, e assistiram a ascensão de um curioso dilema a respeito de quem merece receber mais recursos, se o município que produz bens e serviços a enriquecer o PIB estadual, ou o município que zela um bem público relevante e impossível de quantificar financeiramente, dada sua relevância estratégica para o nosso futuro, qual seja o nosso meio ambiente. Desse modo, o texto, buscará sintetizar o que é e no que se baseia tal forma de se pensar a redistribuição dos recursos oriundos do ICMS, e os efeitos que está tendo na contemporaneidade brasileira. Essa é a proposta, onde, a partir da investigação científica e da respectiva pesquisa bibliográfica, almeja-se delinear e explicitar esse instrumento fiscal a serviço da preservação ecológica, contribuindo para o debate e a disseminação dessa ideia. 2 – Entendendo o ICMS O artigo 3º, do Código Tributário Nacional (CTN), estabelece que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 145, que são três as espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria. E os artigos 148, 149 e 195 regulam os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais. Alvo de nosso estudo, a definição de imposto insurge no artigo 16, do CTN, que diz: “Imposto é tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Estes são o típico exemplo de tributos não vinculados, pois, na hipótese de incidência dos impostos, não figura nenhuma ação estatal. “Esse retorno, em função dos impostos, será realizado através da prestação dos serviços públicos indivisíveis: segurança, manutenção das forças armadas, do aparelho estatal como um todo etc. O que caracteriza o imposto é não haver uma contraprestação específica, na forma de um serviço estatal, individualmente para a pessoa que o paga; mas os recursos advindos dos impostos deverão ser carreados sob a forma de serviços públicos (não divisíveis e prestados direta e proporcionalmente ao contribuinte que o paga, mas gerais e prestados ao conjunto da sociedade” (DIFINI, 2008, p. 26) O ICMS “É um imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, previsto no art. 155 da Constituição Federal, e regulamentado pela LC. N.º 87/96” (FARAGE; FILHO, 2007, p. 06, apud, MIRANDA, 2010). Caroline Faria (2009) detalha: “O ICMS, Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, pode ser cobrado por cada Estado e pelo Distrito Federal sobre a movimentação de mercadorias e serviços de um Estado para outro, entre municípios ou ainda sobre a importação de mercadorias e prestação de serviços no exterior. O imposto é cobrado das pessoas físicas ou jurídicas inscritas no Cadastro de Contribuintes do ICMS. Porém, mesmo quem não é inscrito no Cadastro tem que pagar o ICMS quando fizer qualquer importação mesmo que eventual e sem intuito comercial. Criado pela Constituição Federal de 1888, o ICMS é regulamentado de acordo com a lei complementar N.O 87/1996 (Lei Kandir) que contém suas normas gerais, e pelas leis complementares 92/1997, 99/1999 e 102/2000. A aplicação do ICMS também pode depender da legislação tributária de cada Estado que pode determinar, por exemplo, como os recursos do ICMS podem ser aplicados além de determinar quais as alíquotas aplicáveis para cada mercadoria/serviço que devem obedecer ao chamado “critério de essencialidade” segundo o qual mercadorias/serviços considerados essenciais (arroz, feijão, etc.) devem ter uma tributação menor que outros considerados supérfluos (exemplo: cigarros). Entretanto, a Constituição Federal determina que 25% do ICMS arrecadado pelo Estado seja repassado aos municípios. Sendo que desses 25%, ¾, no mínimo, ou 75% devem ser distribuídos aos municípios na proporção do valor adicionado fiscal (VAF) e os outros ¼ , (25%) de acordo com o que dispuser a lei estadual. Veja gráfico abaixo para entender melhor:” Pela Constituição Federal, cabe a lei que institui o imposto estabelecer normas referentes à sua aplicação e extensão. Como visto na citação acima, a Lei Complementar (LC) nº. 87, de 1996, veio atender ao reclame do dispositivo constitucional. Robinson Sakiyama Barreirinhas (2006, p.466), apresenta, de forma bastante didática, as normas gerais relativas ao ICMS, dita regra-matriz de incidência: “Critério material: (i) Realizar operações relativas à circulação de mercadorias; (ii) prestar serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; (iii) promover a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior; (iv) prestar serviços no exterior; (v) prestar serviços, não incluídos na competência dos Municípios, com fornecimento de mercadorias; e (vi) adquirir em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados (art. 155, II e § 2º, IX, da CF, art. 4º, III, da LC 87/1996). Critério espacial: Território do Estado (ou Distrito Federal) tributante. Critério temporal: Momento (i) da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, (ii) do início da prestação de serviços tributados, (iii) das prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 12, da LC 87/1996). Critério pessoal: Sujeito ativo […] [é o] Estado em que se dá a operação de circulação de mercadoria ou a prestação do serviço. Sujeito passivo […] é quem realiza a operação ou presta o serviço tributado, ou quem importa o bem ou serviço (art. 4º da LC 87/1996). Critério quantitativo: Base de cálculo: valor da operação, preço do serviço ou valor total da importação (incluídos outros impostos) (art. 13 da LC 87/1996). Alíquotas: fixadas pela lei estadual. Senado pode fixar alíquotas mínimas e máximas. Senado fixa as alíquotas interestaduais” (art. 155, § 2º, IV e V, da CF). Toda a disciplina relativa ao VAF (valor adicionado fiscal), critérios técnicos, forma de apuração, prazos para recursos e datas de repasse, encontra disciplina na Lei Complementar 63/90, em atendimento ao comando contido no artigo 161, I da Constituição Federal. Hugo de Brito Machado (2009, p. 363), reconhece que “o ICMS é tributo de função predominantemente fiscal. É fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal. Tem sido, todavia, utilizado também com função extrafiscal”. Em suma, segundo o eminente jurista, o imposto em tela, embora com fim arrecadatório, poderá ser seletivo em razão de certas mercadorias ou serviços, respeitados os limites legais, assumindo uma parcela de extrafiscalidade. 3 – Sistema tributário versus preservação do meio ambiente A modernidade acha-se às voltas com uma séria problemática, qual seja a discussão em torno dos desequilíbrios ambientais causados pela atuação humana no espaço terrestre e na exploração dos recursos naturais. Atitudes a serem tomadas como formas de evitar, prevenir, minimizar ou reparar a vasta extensão de danos causados e/ou potencialmente lesivos são estudadas ao redor do planeta, e o Direito, enquanto ciência, não fica de fora. A tributação, essencial à manutenção do aparato estatal, e tão presente na vida em sociedade, pode inferir um novo paradigma nesse sentido, haja vista a extrafiscalidade presente em certos impostos. Para o jurista Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, extrafiscalidade “é signo que designa o manejo da tributação com o fim de induzir o comportamento dos agentes econômicos”. Colacionamos, aqui, o conceito de Paulo de Barros Carvalho (2008): “A experiência jurídica nos mostra, porém, que vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade”. Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (2008) diz que: “De modo compatível, mas não idêntico, com conceitos anteriores, a portuguesa Cláudia Dias Soares entende serem impostos ambientais, em sentido próprio, aqueles destinados à preservação ambiental, e, em sentido impróprio, aqueles destinados à recomposição ambiental [102]. Por sua vez, diz-nos o tributarista espanhol Pedro M. Herrera Molina, com base no Modelo de Código Tributário Ambiental para a América Latina, que, para que esteja presente um tributo ambiental, "el hecho imponible debe tipificar las actividades que ocasionan el daño ambiental o generan el gasto público ambiental" [103]. Tem-se aqui o conceito de tributo ambiental em sentido estrito, isto é, o tributo que incide sobre atividade poluente, de modo a desincentivá-la. Vê-se, aqui, que, em sentido estrito, o tributo ambiental seria sempre um "tributo proibitivo". De fato, este último conceito parece ser o mais adequado para uma definição stricto sensu. Tributo ambiental – ou verde – deve ser entendido, em sentido estrito, como aquele que tem em sua hipótese de incidência um fato econômico negativamente impactante ao meio ambiente, devendo sua base de cálculo, por sua vez, quantificar esse fato indesejado. Como já dissemos antes, a extrafiscalidade ambiental não serve ao propósito de determinar o conceito de tributo puramente ambiental, visto que não há nenhum tributo puramente fiscal ou extrafiscal, sendo ambos elementos finalísticos presentes, em maior ou menor grau, em todos os tributos. A extrafiscalidade ambiental, porém, serve para definir o conceito de tributo ambiental em sentido amplo. Neste lato sensu, toma-se por tributo ambiental aquele que é informado por finalidade extrafiscal ambiental, independentemente de incidir sobre atividade poluente ou ambientalmente indesejável. Aqui incluem-se os "tributos premiais", que visam ao incentivo de atividades ambientalmente benéficas ou responsáveis. Em geral, essa extrafiscalidade manifesta-se na alíquota do tributo, que é maior ou menor em razão da compatibilidade ambiental do fato econômico previsto na hipótese de incidência. Como se pode perceber, o elemento definidor do tributo ambiental em sentido estrito é a hipótese de incidência, a qual é confirmada pela base de cálculo, enquanto que o elemento marcante do tributo ambiental em sentido amplo é sua alíquota, que é maior ou menor em razão não da hipótese de incidência geral, mas sim da qualidade do fato econômico que é previsto genericamente por esse elemento da regra-matriz. Embora se possa pensar que o tributo ambiental em sentido estrito seja mais importante do que o em sentido amplo, essa ilação não é verdadeira. A introdução de externalidades positivas ambientais (que são efeitos socialmente positivos gerados pelo agente econômico sem a apropriação de seu resultado) nas atividades dos contribuintes somente pode ser operada por meio da tributação promocional, a qual se dá em tributos ambientais em sentido amplo. Já as externalidades negativas (que são efeitos negativos marginais da atividade econômica não-contabilizados no processo produtivo como custo da empresa, acabando por resultar em custo social e ambiental) podem ser imputadas à empresa por meio de tributo ambiental em sentido estrito ou de tributo ambiental em sentido amplo. Noutros termos, podemos dizer que a tributação proibitiva (que incorpora à empresa as externalidades ambientais negativas) pode tanto ser introduzida por meio de tributo ambiental em sentido estrito, quanto por meio de tributo ambiental em sentido amplo, enquanto que a tributação promocional (que premia a externalidade ambiental positiva) só é introduzida por meio de tributo ambiental em sentido amplo. Em verdade, interessa-nos mais os tributos ambientais em sentido amplo do que os em sentido estrito, porquanto permitem maior flexibilidade do Estado na atividade de influenciar os agentes a adotar decisões econômicas adequadas ao propósito de proteção do meio ambiente, compatibilizando-se esse interesse social e difuso com a liberdade individual do empreendedor, a quem ainda se reserva um campo de livre arbítrio. No âmbito desse conceito amplo, abrem-se mais possibilidades ao legislador, o qual, como bem lembram Fábio Fraga Gonçalves e Janssen Hiroshi Murayama, poderá aproveitar tributos já existentes para promover a tributação ambiental. É o que asseveram os referidos autores: "O Poder Público poderá aproveitar tributos já existentes e introduzir na legislação específica um viés de extrafiscalidade destinado ao preenchimento da finalidade ambiental, até mesmo porque a tributação ecológica não deve representar aumento da carga tributária. A majoração das alíquotas em determinadas ocasiões deve ser contrastada com a adoção de benefícios fiscais para aqueles que passarem a agir com maior responsabilidade sócio-ambiental”. Andressa Veronique Pinto Gusmão (2003), também aborda essa questão: “Ademais da previsão constitucional, a defesa do meio ambiente demanda o abandono da antiquada visão antropocêntrica do direito por uma visão mais realista e adequada medida protetiva, amparada no inovador princípio do protetor-recebedor como forma de proteção do capital social e ecológico”. Prossegue, afirmando que, “não obstante a existência de inúmeros instrumentos legais a disposição em nosso país, a questão ambiental continua a ser tratada de forma pouco efetiva, não só no âmbito governamental, mas, principalmente, pelos atores sociais que muitas das vezes ignoram os direitos e deveres que lhes competem. […] Orientados pelo princípio do protetor-receptor, constituem uma importante forma de transferir recursos ou benefícios da parte que se beneficia diretamente da natureza para a parte que auxilia na conservação do meio ambiente. São exemplos de tais benefícios: a transferência de recursos financeiros; o favorecimento na obtenção de crédito; a garantia de acesso a mercados e programas especiais; a isenção de taxas e impostos e a disponibilização de tecnologia e capacitação, entre outros. Sem ressalvas, pode-se afirmar serem os instrumentos de compensação ou prêmios por serviços ambientais uma forma de estímulo para a utilização sustentável do meio ambiente, interesse vital para a população global.” Como se infere do acima reproduzido, a tributação pode sim figurar ativamente na verticalização de políticas incentivadoras, através do viés extrafiscal de determinados impostos, redistribuindo as receitas públicas de maneira a igualmente abranger o conceito ecológico e, até mesmo, inaugurando a redefinição do conceito capitalista por intermédio de um simples questionamento: o que é mais relevante hoje, o desenvolvimento a qualquer custo ou a sustentabilidade e a premiação de práticas que visem a preservação da fauna e da flora? Assiste-se, portanto, à mescla entre tributação e direito ambiental. Primafacie, o Direito Tributário terá alcançado um estágio visado por todo aparato jurídico nacional, qual seja a pacificação social e a revitalização da cidadania. 4 – ICMS ecológico Dentre os termos em voga na atualidade, prepondera o “ambientalismo”, que, consoante o Dicionário Houaiss, significa o “conjunto de idéias, ideologia ou movimento em defesa da preservação do meio ambiente”. A ecologia, em seu complexo de sentidos, diz respeito às diferentes maneiras como a sociedade interpreta e se relaciona com o meio físico e natural que a cerca. A gestão ambiental, por sua vez, encerra a persecução de formas objetivas e ativas de “planejar, coordenar, controlar e formular ações para alcançar objetivos estabelecidos para um determinado local, sendo uma importante prática para alcançar o equilíbrio dos diversos ecossistemas” (THEODORO et al., 2004, apud NASCIMENTO et al., 2011, p. 1). Quintas (2006, apud, NASCIMENTO et al., 2011, p. 2) diz que este conceito “deriva de um processo de mediação de interesses e conflitos entre os atores sociais que atuam no meio físico-natural, definindo e redefinindo como os atores através de suas praticas alteram a qualidade do meio ambiente e distribuem custos e benefícios decorrentes de suas ações”. Visto isso, conforme citado, dos “atores sociais” emergem políticas públicas em resposta aos anseios da coletividade e às necessidades prementes relativas aos desafios ecológicos trazidos pelo século XXI. De fato, a regulação das ações governamentais e o direcionamento dos recursos para a promoção do bem estar por intermédio da resolução de problemas relacionados com o meio ambiente não é mais tão somente um discurso vazio, ganhando status de prioridade e passando a reverberar em toda e qualquer discussão que pretenda repensar o modo como o ser humano encara e utiliza a natureza, patrimônio, verdadeiro ativo, rara preciosidade a integrar as metas de desenvolvimento de qualquer nação. Na opinião de Adriano Celestino Ribeiro Barros (2007): “O modelo do Sistema Tributário Nacional a partir da Magna Carta de 1988 não é apenas uma maneira dos entes políticos arrecadarem receitas para gerir a “máquina estatal”. Os impostos devem fomentar as atividades voltadas à preservação ambiental. A titularidade desse direito a uma qualidade de vida saudável é ao mesmo tempo de cada um e de todos, pois o conceito ultrapassa a esfera do indivíduo para repousar na coletividade.” Nesse ínterim, e tendo em vista que os tributos são, no correto dizer de Luiz Felipe Silveira Difini (2008, p.17), a forma hodierna de se “obter os recursos necessários para regular o funcionamento do Estado”, depreende-se que, ao construir qualquer vertente de política pública direcionada ao fim ecológico, recursos serão precisos e haverão de fazer a diferença nesse caso específico. Logo, um imposto de competência estadual, o ICMS, sigla para o “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços”, o qual representa a maior receita dos estados, e, não raro, de muitos municípios, já que 25% do produto de sua arrecadação é a eles distribuído, poderá encerrar solução oportuna para a questão ambiental, integrando, positivamente a gestão ambiental. Conforme esse diapasão, até como forma de viabilizar políticas públicas mais eficientes e amplamente voltadas às atividades de preservação do meio ambiente, estados passaram a incorporar uma inédita metodologia no seio de suas legislações pertinentes à repartição do ICMS para com os municípios, e tais critérios, predominantemente ecológicos, começam a mudar a face dos índices de rateio para a receita pública, e, em alguns casos, vem sendo utilizado como espécie de incentivo financeiro àquelas cidades que priorizaram a preservação dos recursos naturais. Explicamos melhor. O Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, da Constituição Federal, em seu Capítulo I, artigo 170, VI, determina: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”. O artigo 225, da Carta Magna, diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Pelo texto legal, depreende-se que o direito ao desenvolvimento deve observar a segurança e a conservação do meio ambiente. O artigo 3º, da Lei nº 6938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, retrata que “Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”. Como lido, a legislação garante a todos um meio ambiente saudável, e, portanto, a sustentabilidade é o critério em voga para a persecução desse direito constitucionalmente assegurado. Logo, a adoção pelos estados de leis que viabilizem a justa recompensa aos municípios que mantém áreas verdes conservadas ou que implementem políticas voltadas à preservação ambiental nada mais traduz do que a busca em se atingir o que a nossa Constituição já preconiza como direito inerente à cidadania. Nesse sentido, a reforma do aparato tributário procurando atender a esse reclame ecológico é válido e traduz a preocupação com as futuras gerações. E, perseguindo esse pensamento, o ICMS verde ou ecológico vem refletir tal mudança conceitual. O artigo 158, da Constituição Federal, assevera que “pertencem aos Municípios: […] IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação: I – três quartos , no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.”. Eis o fundamento para a implantação do ICMS ecológico, em outras palavras, dos 25% a que os municípios têm direito de repasse do imposto, 75%, ou três quartos, desse valor refere-se ao chamado VAF (Valor Adicionado Fiscal), espécie de medida ligada à proporcionalidade da participação da cidade na circulação de produtos e serviços do estado, e os demais 25%, um quarto, é de livre disposição para que lei estadual venha a fixar o critério de distribuição dos recursos. 5 – Considerações finais A reforma tributária é tema recorrente do noticiário político e econômico pátrio, e muitas são as razões para isso, haja vista a injusta e desmedida tributação do setor produtivo e dos cidadãos, contudo, requer, a partir da análise do instituto do ICMS ecológico, uma redefinição de prioridades e de conceitos. Falar em redução de carga tributária, em justiça fiscal, em pacificação arrecadatória são temas recorrentes, entretanto cabe acrescer a essa celeuma a questão ambiental, necessária à atualidade e ao futuro de nosso país. Preservar o que existe é dever de todos, sendo inclusive assegurado constitucionalmente, uma vez que um meio ambiente saudável propicia ganho expressivo em qualidade de vida, oportuniza novos negócios, aprimora processos produtivos, agrega valores à coletividade, enfim, somente traz benefícios para os envolvidos. Logo, propostas como o ICMS verde redirecionam nossos olhares a uma situação em que o peso dos impostos assume a posição de abrir mais um canal de retorno social, válido e amplamente perceptível, daí que os estados federados tendem a viabilizar sua implantação pelo propósito e pela dinamicidade que o imposto assume.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/icms-ecologico-meio-eficaz-para-melhorar-a-preservacao-ambiental-no-brasil/
Inconstitucionalidade do artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91: análise da decisão do Supremo Tribunal Federal
O presente artigo analisará a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional o artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, enunciado prescritivo esse que instituía a cobrança de contribuição previdenciária dos tomadores de serviços de cooperativas. Ademais, serão tecidas considerações sobre os efeitos da decisão do STF, proferida na sede de controle difuso de constitucionalidade.
Direito Tributário
1. Introdução. OSupremo Tribunal Federal,em decisão plenáriade relatoria do Ilustre Ministro José Antonio Dias Toffoli, publicou acórdão na sede de Recurso Extraordinário (com repercussão geral reconhecida) nº 595.838 – São Paulo,decidiupela Inconstitucionalidade da ContribuiçãoPrevidenciária prevista no artigo 22, inciso IV,da Lei nº 8.212, com redação dada pela Lei nº 9.876/99, instituída com fulcro no artigo 195, inciso I, alínea ada CF/88. Em linhas gerais, os contratantes de serviços prestados através de cooperativas de trabalho eram compelidos a recolher o montante de 15% adotando como base de cálculo o valor bruto da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviço. Ante o posicionamento exarado pelo pretório excelso, os tomadores de serviço de cooperativas não serão mais achincalhados com o pagamento da Contribuição Social. Nessa esteira, o presente artigo ponderará os principais temas abordadosna norma individual e concreta introduzida no ordenamento jurídico nacional pelo órgão máximo da nossa jurisdição estatal, desde a natureza jurídica das contribuições sociais/previdenciária até os efeitos da decisão expedida na sede do Controle Difuso de Constitucionalidade. 2. Natureza Jurídica das Contribuições: Contribuição Previdenciária Sobre a Folha de Salário. A Constituição da República Federativa do Brasil em seu o artigo 149, caput, preleciona que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observando o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” Ab initio, o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, determina que as normas gerais sobre matéria tributária devem ser introduzidas no ordenamento mediante lei complementar, dispondo, entre outros pontos, a respeito do “fato gerador”, da base de cálculo, dos contribuintes, etc. Já o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, veda a possibilidade de exigir-se ou aumentar-se tributo sem que lei o estabeleça, trata-se do princípio da legalidade estrita. Por fim, o artigo 195, § 6º, do mesmo diploma, cuida das contribuições à seguridade social, excepcionando-se o princípio da anterioridade de exercício, entretanto, mantendo a anterioridade nonagesimal. Tomando como foco de análise somente as Contribuições voltadas para a seguridade social, infere-se do texto constitucional que tais materialidades encontram-se exaustivamente arroladas, exigindo para a criação de novas, estrita observância aos requisitos impostos ao exercício da competência residual: (i) instituição mediante Lei Complementar; (ii) não-cumulatividade; (iii) hipótese de incidência e base de cálculo diversos dos discriminados na Carta das Cartas. Discorrendo sobre o tema, PAULO AYRES BARRETO afirma o seguinte: “O artigo 149 da Constituição Federal menciona as espécies de contribuição: sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse de categorias profissionais ou econômicas. As primeiras (contribuições sócias) se subdividem em: (i) de seguridade social e (ii) específicas, no sentido de que são destinadas a um fim específico. As contribuições sociais destinadas à seguridade social têm materialidades definidas constitucionalmente, existindo ainda outorga de uma competência residual, cujo exercício é condicionado à observância das restrições postas no artigo 154, I da Constituição Federal. Além disso, são submetidos à chama anterioridade nonagesimal.”[1] Feitas tais constatações, deixamos de lado as contribuições sociais “gerais” para meditar sobre o tributo incidente sobre a folha de salário. Para tanto, indispensável é a leitura e interpretação do artigo 195 da Carta de Direitos, em especial seu inciso I alínea “a”: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)” Infere-se da leitura do dispositivo legal a outorga de competência à pessoa da União para que pudesse instituir contribuição social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei. Trata-se, dessa maneira, da denominada contribuição previdenciária sobre a folha de salários, positivada pela Lei Ordinária nº 8.212/91. Assim, no átimo do pagamento de salário aos seus empregados, a pessoa jurídica deverá recolher o percentual de 20% sobre a folha, conforme disposição do artigo 22 da citada Lei. Ocorre que, no ano de 1999, foi promulga pelo Congresso Nacional a Lei nº 9.876/99 que, dentre outras disposições, alterou a redação do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, acrescentando o inciso IV, enunciado prescritivo esse asseverando quea contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, da mesma lei, terá alíquota de 15 %(quinze) por cento tomando, como base de cálculo o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho. Fixadas tais premissas, resta claro que a Contribuição instituída pelo artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com fulcro no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal instituiu nova materialidade. Entretanto, será que existe matriz constitucional para tanto, ou melhor, foi outorgada competência tributária ao ente? E necessária à observância de formalidades especiais para a instituição de tal gravame? A fim de ilustrar o raciocínio exposto, a confecção da Regra-Matriz de Incidência Tributária mostra-se extremamente didática. Com o preenchimento de seus critérios, poderemos vislumbrar, de forma rápida e fácil, o correto arquétipo que o legislador constitucional concedeu à mencionada contribuição social, precisamente no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal: Hipótese: Critério Material: pagar ou creditar salários e demais rendimentos do trabalho; Critério Espacial: território nacional; Critério Temporal: momento do pagamento ou creditamento do salário e demais rendimentos do trabalho; Consequente: Critério pessoal:sujeito ativo: União; sujeito passivo: empregador, empresa ou entidade a ela equiparada e demais rendimentos do trabalho; Critério quantitativo:base de cálculo: valor da folha de salário e dos demais rendimentos pagos ou creditados; alíquota: aquela determinada em lei. Pelo exposto, evidencia-se o descabimento da cobrança de Contribuição Social aos tomadores de serviço prestados via Cooperativas de trabalho. Tal exação somente poderá ser exigida dos empregadores, incidindo sobre a folha de salário, o faturamento e o lucro e por fim, dos trabalhadores. Nesse sentido o professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, vaticina que: “Explicitando a ideia, estamos convencidos de que, a despeito da Emenda Constitucional 20/1998, as contribuições sociais para a seguridade social não podem ser exigidas nem da empresa que não se reveste da condição de empregador, nem da entidade a ela equiparada, na forma da lei, a esta mesma empresa. (…) As contribuições sociais para a seguridade social poderão incidir sobre outros fatos econômicos, além da folha de salário (folha de pagamento dos empregados, o faturamento e o lucro. Para que isto, porém, validamente aconteça, é mister venham instituídas por meio de lei complementar, sendo-lhes vedada a cumulatividade. Devem, por igual modo, obedecer, em tudo e por tudo, ao regime jurídico tributário, traçado na Constituição.”[2] Dessa feita, para criação de novas contribuições não prescritas expressamente no texto constitucional, deve-se utilizar o adequado veículo da Lei Complementar. Portanto, não resta qualquer dúvida acerca da inconstitucionalidade formal do artigo 22, IV da Lei nº 8.212/91. Em arremate, para que possamos compreender efetivamente o caminho percorrido pelo Supremo Tribunal Federal na decisão do Recurso Extraordinário em análise, revela-se necessário analisarmos a pessoa jurídica da cooperativa. 3. Natureza Jurídica das Cooperativas: Inexistência de Vínculo EMPREGATÍCIO entre os Cooperados e o Tomador dos Serviços. As cooperativas surgiram como um meio alternativo de organização da sociedade econômica, em oposição à forma preponderante, a capitalista. Buscavam a ajuda recíproca, numa relação horizontal, ao invés de uma relação vertical de hierarquização, com base na dicotomia empregador/empregado. No Brasil, as cooperativas representam uma pequena fração do Produto Interno Bruto, diferentemente de outros países (Índia e ou China), locais esses em que milhões de pessoas associam-se sob o manto dessa pessoa jurídica. Quanto ao seu regime jurídico, o Código Civil de 2002 considera as cooperativas sociedades não empresária (simples), indiferente de seu objeto social. Dessa feita, não estão sujeitas à falência. Não obstante a característica da não empresarialidade, os atos constitutivos e demais documentos sociais estão sujeitos ao arquivamento na junta comercial. Por possuir a cooperativa tal característica, RICARDO PEAKE BRAGA afirma que “é visível, pelo exposto acima, a singularidade e o hibridismo das cooperativas (i.e., exercem atividade econômica) mas não tem intuito de lucro; são não empresárias, mas registram-se nas justas comerciais; aproxima-se, por sua história, seu objeto e sua finalidade, do Direito Societário e do Direito do Trabalho.”[3] Merece ainda analisarmos o teor do artigo 1.094 do Código Civil de 2002, que enumera oitos características a serem observadas pelas sociedades. Sem embargo, continuam aplicáveis outras disposições constante da Lei das Cooperativas (5.576/71), especificamente seu artigo 4º. Vejamos cada uma delas: (i) variabilidade, ou dispensa do capital social; (ii) concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; (iii) limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; (iv) intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; (v) quórum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; (vi) direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja sua participação; (vii) distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; e (viii) indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade Respeitadas assim tais características, poderão as cooperativas adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando o direito exclusivo e exigindo a obrigação do uso da expressão "cooperativa" em sua denominação. Além do Código Civil, as cooperativas são regidas através da Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Dos limites (atributos) alhures arrolados, decorrem os conhecidos Atos Cooperados, definidos no artigo 79 da Lei nº 7.764/71 como aqueles praticados entre a cooperativa e seus associados, entre estes e aquelas, bem como pelas cooperativas entre si, para a consecução dos objetivos sociais, não implicando operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produtos ou mercadorias. Esse é o fim das sociedades cooperativas: prestação direta de serviços a seus associados, sem o objetivo de lucro, ainda que para tanto seja necessário o exercício de atividades negociais como meio para a obtenção da finalidade proposta. Desta forma, forçoso concluir que as cooperativas são criadas para beneficiar seus membros atuando como uma espécie de intermediária, porém, sem finalidade lucrativa. Enfim, as cooperativas integram, juntamente com seus cooperados, uma unidade econômica, agindo como um só ente, sempre em nome, por conta e benefício dos associados titulares das receitas auferidas. Com efeito, diversamente do quanto pretendido pelo legislador ao acrescentar o inciso IV ao artigo 22 da Lei nº 8.212/91 as cooperativas de prestação de serviço NÃO são meras “fornecedoras de mão de obra”. Em verdade, as cooperativas são pessoas jurídicas que fornecem mercadorias ou prestam serviços em seu nome, não existindo qualquer relação empregatícia, ou mesmo autônoma, entre as entidades contratantes e os cooperados ou mesmo entre os cooperados e a cooperativa. Portanto, a relação entre cooperativa e cooperados não é uma simples “intermediação”, sem qualquer consequência jurídica. A entidade cooperativa é criada justamente para superar a relação isolada entre prestadores (autônomos) e tomadores de serviços (empresas), relação essa em que o contrato de prestação de serviços é promovido de modo integralmente autônomo. Trata-se de alternativa de agrupamento em regime de solidariedade (art. 3º, I, da Lei nº 5.764/71). Diante disso, mostra-se totalmente inaplicável às sociedades cooperativas o artigo 195, I, a da Constituição Federal. Entender de forma diversa é coadunar com a aventura hermenêutica perpetrada pelo Fisco, que em tempo, foi corrigido pelo Supremo Tribunal Federal.Dessarte, tal relação jurídica não pode ser equiparada por duas razões; (i) existência de Personalidade Jurídica das Cooperativas; e (ii) inexistência de relação empregatícia (tomador – cooperado) em função da ausência dos requisitos legais, entre eles, a subordinação e pessoalidade[4]. Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou: “Cooperativas médicas. UNIMED. “CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS MÉDICOS PRESTADORES DE SERVIÇO DA UNIMED. RELAÇÃO DE EMPREGO. FALTA DE SUBORDINAÇÃO. 1. Os médicos prestadores de serviço à Unimed, não se enquadram na relação de emprego, conforme preceitua o art. 3º da CLT. 2. Os atos cooperativos não constituem relação empregatícia. 3. Apelação improvida.” (TRF4, 1ª T., AC 97.04.22135-5/SC, Juiz José Germano, dez/99) Ante tais constatações, temos que as cooperativas constituem um ente jurídico entre os tomadores e os cooperados. Por consequência, não há como desconsiderar a existência da sociedade cooperativa, na tentativa de qualificar os pagamentos feitos por pessoas jurídicas às cooperativas de trabalho como pagamento os profissionais autônomos, com arrimo no artigo 195, I, a da Constituição Federal. 4. Inadequação da Base de Cálculo Eleita Pelo Legislador: Artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91. Nesse aspecto também, mais uma vez, não observou o legislador a melhor técnica jurídica. Com efeito, elegeu base de cálculo inadequada com a hipótese de incidência adotada na contribuição previdenciária devida pelas pessoas jurídicas sobre os serviços prestados pelas sociedades cooperativas. Mais uma vez, socorramo-nos na melhor doutrina, vez que a correta adoção da base imponível dos tributos é mandamento constitucional expresso.Ao tratar sobre o tema, GERALDO ATALIBA em seu clássico “Hipótese de Incidência Tributária” define Base de Cálculo como “uma perspectiva dimensional do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critérios para a determinação, em cada obrigação tributária concreta do quantum debetur.”[5] Ante tal consideração, tem-se que a base de cálculo, juntamente com a hipótese de incidência, definirá a natureza do tributo (imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social.), i.e., a base de cálculo irá confirmar, afirmar ou infirmar a hipótese de incidência. Além dessa característica, juntamente com a alíquota determinará o quantum do tributo o sujeito passivo da relação jurídica será devedor do sujeito passivo. No caso em debate, a Lei nº 8.212/91 em seu artigo 22, inciso IV com fundamento no artigo 195, I, alínea a da Constituição Federal, estabeleceu a base imponível e alíquota da Contribuição Previdenciária: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: IV – quinze por cento sobre ovalor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 1999).” Verifica-se assim que o legislador federal ao descrever a hipótese de incidência e base de cálculo da contribuição deixou de observar que os institutos eleitos não correspondem efetivamente aos “rendimentos do trabalho” a que faria jus o cooperado caso fosse equiparado a um empregado ou prestador autônomo. Aimportânciabruta da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviço, em seu todo, não constituem, propriamente, rendimentos do trabalho. Diante disto, não podem compor a base de cálculo da contribuição. Seguindo mesma linha de raciocínio o acórdão do Supremo Tribunal Federal em evidência assim posicionou-se: “EMENTA Recurso extraordinário. Tributário. Contribuição Previdenciária. Artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99. Sujeição passiva. Empresas tomadoras de serviços. Prestação de serviços de cooperados por meio de cooperativas de Trabalho. Base de cálculo. Valor Bruto da nota fiscal ou fatura. Tributação do faturamento. Bis in idem. Nova fonte de custeio. Artigo 195, § 4º, CF. 1. O fato gerador que origina a obrigação de recolher a contribuição previdenciária, na forma do art. 22, inciso IV da Lei nº 8.212/91, na redação da Lei 9.876/99, não se origina nas remunerações pagas ou creditadas ao cooperado, mas na relação contratual estabelecida entre a pessoa jurídica da cooperativa e a do contratante de seus serviços. 2. A empresa tomadora dos serviços não opera como fonte somente para fins de retenção. A empresa ou entidade a ela equiparada é o próprio sujeito passivo da relação tributária, logo, típico contribuinte” da contribuição. 3. Os pagamentos efetuados por terceiros às cooperativas de trabalho, em face de serviços prestados por seus cooperados, não se confundem com os valores efetivamente pagos ou creditados aos cooperados. 4. O art. 22, IV da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 9.876/99, ao instituir contribuição previdenciária incidente sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura, extrapolou a norma do art. 195, inciso I, a, da Constituição, descaracterizando a contribuição hipoteticamente incidente sobre os rendimentos do trabalho dos cooperados, tributando o faturamento da cooperativa, com evidente bis in idem.Representa, assim, nova fonte de custeio, a qual somente poderia ser instituída por lei complementar, com base no art. 195, § 4º – com a remissão feita ao art. 154, I, da Constituição. 5. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99”. (STF, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 23/04/2014, Tribunal Pleno) (grifos do autor). Diante desse quadro, resta patente que a base de cálculo eleita pelo legislador ordinário não corresponde com a hipótese de incidência da referida contribuição, revelando-se patente o ato coator ora impugnado de modo impõe-se a declaração de inconstitucionalidade, por vício material, da base de cálculo enunciada pelo artigo 22, inciso IV da Lei nº 8.212/91. 5. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade Exarada pelo Pretório Excelso: Controle Difuso de Constitucionalidade. Por arremate, pensamos ser indispensávelefetuar algumas considerações, mesmo que breves,acercado mecanismo do Controle Difuso de Constitucionalidade, seus efeitos e as medidas que os contribuintes devem adotar com o fim de ver afastada a incidência da referida exação. Dessa forma, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 595.838/SP, por tratar-se de declaração de inconstitucionalidade pela via difusa, não possui eficácia automática perante toda a coletividade. Para tanto, depende de Resolução Senatorial, nos termos do artigo 52, inciso X da CF/88. Ademais, acórdão tem eficácia extunc, ou seja, retroativos à data de entrada em vigor do dispositivo legal atacado. Conforme dispõe o artigo 102, inciso III da Constituição Federal de 1988[6], compete ao Supremo Tribunal Federal analisar as violações contra a Carta das Cartas presentes em decisões judiciais, julgadas em única ou última instancia, contra as quais foi interposto Recurso Extraordinário. Afora os requisitos indispensáveis aos recursos em geral, tal espécie depende ainda de dois requisitos (além da repercussão geral): (i) causas decididas; e (ii) prequestionamento. Tais requisitos funcionam como verdadeiros filtros, impedindo que matérias de “menor relevância” e não devidamente esgotadas nas instâncias inferiores sejam apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. Ao tratar sobre o tema, GILMAR FERREIRA MENDES afirma o seguinte: O recurso extraordinário, instrumento de singular importância no âmbito da jurisdição constitucional brasileira, tem como finalidade assegurar: a inteireza positiva; a validade; a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição. (…) Atualmente, a disciplina geral do instituto está insculpida no art. 102, III, da Constituição, o qual estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (grifos do autor)”[7] Ademais, merece ainda destacar a figura da Resolução Senatorial, enunciado pelo artigo 52, inciso X da Constituição. Com efeito, tal dispositivo prescreve que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Temos assim que a competência outorgada ao Senado é adstrita somente à esfera da vigência normativa. Em termos mais direito: cabe ao Senado Federal apenas expandir os efeitos da decisão inter partes, exarada. Quanto aos efeitos no tempo, na sede do controle difuso de constitucionalidade, em regra, as decisões são retroativas, i.e., retorna-se a situação jurídica ao status quo ante. Nesse aspecto também, poderá a resolução do Senado modificar tai efeitos, tornando os efeitos da decisão prospectivos, somente para os fatos futuros (ex nunc). Entretanto, facecontemporaneidade do acórdão de lavra do Supremo, não há qualquer movimentação no âmbito do Senado Federal. Ante tal situação, os contribuintes beneficiados pelo do acordão exarado deverão requerer, por meio do veículo introdutor adequado a cada situação concreta, a inexigibilidade da Contribuição Previdenciária incidente sobre os valores pagos pela contratação de cooperativas. Conjuntamente,devem requerer o indébito dos valores recolhidos, seja com o fim de restituição (pecuniária) seja com o objetivo de compensar com tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. 5. Conclusão Após percorremos difícil caminho, pensamos ter logrado êxito ao dissecar os principais pontos ventilados no acordão do Supremo Tribunal Federal, ora analisado. Apesar de a primeira vista tratar-se de um tema “exclusivamente” tributário, tornou-se necessário enveredarmos por outros sub-ramos do direito positivo. Tal exercício não mostrou-se fácil. Entretanto, com suporte em obras de doutrinados renomados, conseguimos constatar o acerto dos Ministros do STF ao decidir pela inconstitucionalidade da Contribuição Previdenciária, seja pela inadequação do veículo introdutor eleito (Lei Ordinária ao invés de necessária Lei Complementar) seja pela base de cálculo inadequada à hipótese de incidência. Por fim, mesmo que tais vícios fossem convalidados pelo tribunal máximo da jurisdição nacional, jamais reconheceriam a legalidade da desconsideração da personalidade jurídica das cooperativas (ficção jurídica essa estabelecida pela Constituição Federal, Código Civil e Lei nº 5.764/71) equiparando os cooperados a meros profissionais autônomos.
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Da tributação das saídas a título de doações de bens do ativo não circulante, e de outros materiais e equipamentos – ITCMD; ICMS; IRPJ
O estudo em questão visa abordar as principais características do ITCMD, com foco nas doações realizadas sobre bens do ativo não circulante e demais materiais e equipamentos, e seus efeitos e consequências com relação ao ICMS e ao IRPJ.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Hoje em dia os contribuintes buscam cada vez mais a redução dos seus tributos, isto porque, não são raras as ocasiões em que o insucesso de uma determinada empresa esteja diretamente ligado a sua alta carga tributária. Visando reduzir o recolhimento de tributos, alguns contribuintes optam por adotar práticas ilícitas, como por exemplo: doar imóvel a outrem, objetivando a não tributação do ITCMD, por meio de inúmeras parcelas com valor inferior ao de incidência do imposto. Ocorre que, casos como o exemplo acima, de simulação, dolo, fraude, ou até mesmo dissimulação (a partir da introdução do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional), ainda que aparentemente lícitos, são desconsiderados pelo Fisco, pois possuem a única e exclusiva finalidade de evitar a obrigação tributária, sendo lavrados os respectivos autos de infração, acarretando no recolhimento do imposto corrigido monetariamente, acrescido de juros e multa. Em contrapartida, existem inúmeras hipóteses legais de isenção e não-incidência de tributos que diminuem consideravelmente a carga tributária de uma empresa, mas que são pouco divulgadas e, consequentemente, tornam-se desconhecidas por grande parte dos contribuintes. Assim, o presente artigo busca levar aos contribuintes determinadas hipóteses de isenção e não-incidência de tributos, com foco nas doações de bens do ativo não circulante e demais materiais e equipamentos, evitando o cometimento de fraudes, simulações e dissimulações. 1. ITCMD      Antes de abordarmos o ponto vital do presente estudo, faz-se necessário tecer breves comentários sobre o ITCMD – Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – e sobre o ativo não circulante de uma sociedade. O ITCMD trata-se de um tributo de competência estadual, e incide sobre a transmissão de qualquer bem ou de qualquer direito havido por sucessão ou doação (art. 155 da Constituição Federal, e arts. 35 a 42 do Código Tributário Nacional).      Os responsáveis pelo recolhimento deste imposto, ou seja, os contribuintes, são: o herdeiro ou legatário na transmissão ‘causa mortis’; o fiduciário no fideicomisso; o donatário na doação (sendo que, se o donatário não residir nem for domiciliado no Estado, o contribuinte será o doador); e o cessionário na cessão de herança. Ocorrerá o fato gerador no momento da transferência dos bens ou vantagens patrimoniais para outrem, sem onerosidade, e de mera liberalidade. A base de cálculo do imposto é o valor venal (valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação). No Estado de São Paulo, o ITCMD é regido pela Lei 10705/2000, e, com relação à doação, importante mencionar que o art. 4º do Decreto n° 46.655/2002 prevê hipóteses de não-incidência, sempre que a doação for destinada à: “a) União, Estados, Distrito Federal e Municípios; b) Autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; c) Templos de qualquer culto; d) Partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.” Ainda, o art. 6º estabelece a isenção do imposto quando a transmissão por doação não ultrapassar a quantia de 2.500 UFESP’s, e, caso o valor seja superior, o cálculo desse imposto deverá incidir tão somente sobre a parcela que ultrapassar o valor da isenção. No tocante às doações destinadas a outros Estados, deverá ser observada a legislação específica, que poderá ou não estabelecer outras condições e limites de isenção do imposto. Após discorrer sobre as principais características do ITCMD, com foco em doação, abordar-se-á, na sequência, o conceito e as características do ativo não circulante. 2. ATIVO NÃO CIRCULANTE O ativo não circulante (também chamado de fixo ou permanente) compreende aqueles bens de permanência duradoura, que são destinados ao funcionamento normal da sociedade e do seu empreendimento, bem como os direitos exercidos com esta mesma finalidade. O ativo não circulante é dividido, pela contabilidade, nos seguintes subgrupos: “I – Ativo realizável a longo prazo: bens ou direitos que irão realizar-se em mais do que um ano contábil (360 dias contados do ultimo dia do exercício social da data de publicação do balanço a que faz parte). Exemplos: contrato de mútuo valor e empréstimos a sócios ou diretores; II – Investimentos: aplicação de capital em meios de produção, visando ao aumento da capacidade produtiva (instalações, máquinas, transporte, infraestrutura). Pode ser dividido em investimento bruto (gastos com máquinas, equipamentos e formação de estoque), e investimento líquido (despesas com manutenção e reposição de peças, bem como depreciação de equipamentos); III – Imobilizado: bens destinados à manutenção das atividades econômicas da sociedade (máquinas, equipamentos, imóveis, veículos, etc…); IV – Intangível: bens e direitos incorpóreos que possuem valor à sociedade.” Exemplo: marca.  Pois bem, tecidas as primeiras considerações sobre ITCMD e sobre bens do ativo não circulante, daremos início ao debate sobre a tributação das saídas a título de doações de bens do ativo não circulante, entre outros materiais e equipamentos.      3. TRIBUTAÇÃO DAS SAÍDAS A TÍTULO DE DOAÇÕES DE BENS DO ATIVO NÃO CIRCULANTE, ENTRE OUTROS MATERIAIS E EQUIPAMENTOS Com relação à operação de doação de bem do ativo não circulante, cumpre informar que não haverá incidência de ICMS, conforme nos ensina o inciso XIV, do artigo 7º do RICMS/2000, senão vejamos: “Art. 7º – O imposto não incide sobre:(…) XIV – a saída de bem do ativo permanente;” Assim, independentemente da natureza jurídica do donatário, não haverá incidência do ICMS sobre a saída de bens do ativo não circulante. Entretanto, a empresa obrigatoriamente, deverá informar no campo de informações complementares de sua Nota Fiscal a seguinte expressão: "não-incidência de ICMS (art. 7º, XIV, do RICMS/2000)”. De acordo com as regras do Pronunciamento Técnico nº 27, do Comitê de Pronunciamento Contábil, o valor a ser considerado na emissão da Nota Fiscal quando da doação de bens do ativo não circulante, deverá considerar o valor residual do custo registrado na contabilidade para aquisição, sendo deduzidos os valores de depreciação do período, em caso de depreciação total do bem, deve ser considerado o valor de mercado. A operação é, em regra, amparada pela isenção do ICMS, devendo ocorrer o estorno do crédito de ICMS eventualmente apropriado em razão da entrada das mercadorias, com exceção aos casos em que a própria legislação permite a manutenção do crédito. Sendo assim, para os casos em que não há incidência do ICMS, é importante frisar sobre eventual exigência do ITCMD. E aqueles bens que deveriam ser enquadrados como ativo não circulante, mas foram registrados como, por exemplo, bens de estoque? Para estes, deverá incidir o ICMS sobre a operação de doação como saída de mercadorias de estoque, pois não estará caracterizada a saída de bens do ativo fixo, devendo ser adotado o valor de mercado para emissão da NF. Estes casos, cujas saídas são tributadas pelo ICMS, não haverá incidência do ITCMD, por exclusão, sob pena de dupla incidência sob uma mesma base de cálculo.      Assim, com relação às doações de materiais que não integram o ativo não circulante, é correto afirmar que, via de regra, haverá a incidência normal de ICMS, mesmo em casos de doação para instituições sem fins econômicos. Todavia, existem exceções que autorizam a isenção de ICMS para doações de materiais às determinadas instituições, tais como: a) SENAI, SENAC e SENAR – O art. 76 do anexo I do RICMS/SP autoriza a remessa sem a incidência do ICMS, tão somente para os bens classificados na NCM nas posições 8.444 a 8.453; b) Secretaria da Educação do Estado – O art. 52 do anexo I do RICMS expressamente autoriza a doação, interna e interestadual, de mercadorias decorrentes de doação à Secretaria da Educação do Estado e às escolas ou ao seu corpo discente da rede oficial de ensino; c) Órgãos Públicos para assistência às vitimas da seca – O art. 53 do anexo I do RICMS dispõe que é isenta do ICMS, toda a saída de mercadoria decorrente de doação a órgãos ou entidades da administração direta ou indireta da União, dos Estados, dos Municípios, ou à entidade assistencial reconhecida como de utilidade pública para assistência às vítimas de situação de seca localizadas na área de abrangência da Sudene, bem como a prestação de serviço de transporte da mercadoria; d) Vítimas de calamidade pública – O art. 83 do anexo I do RICMS autoriza a doação sem incidência de ICMS, a entidade governamental ou a entidade assistencial reconhecida como de utilidade pública e que atenda aos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, portadora do "Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos" fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, para assistência a vítimas de calamidade pública declarada por ato de autoridade competente, bem como a prestação de serviço de transporte daquela mercadoria; e) Governo do Estado de São Paulo – O art. 54 do anexo I do RICMS também isenta do ICMS, as saídas de mercadorias para fins de doações efetuadas ao Governo do Estado de São Paulo, que sejam destinadas à distribuição gratuita a pessoas necessitadas ou vítimas de catástrofes, em decorrência de programa instituído para esse fim, bem como a prestação de serviço de transporte correspondente. Cabe ressaltar que para os casos acima não serão exigidos os estornos dos créditos do imposto relativos às mercadorias beneficiadas, ou seja, não se exigirá o estorno do crédito relativo à isenção. Há diversos outros casos em que também deve ocorrer a isenção de ICMS, tais como: doação de produtos alimentícios considerados como ‘perdas’ ao Banco de Alimentos; importação de produtos hospitalares doados e medicamentos não registrados pela Anvisa na falta de droga específica disponível no mercado nacional; saída de microcomputador usado (efetuada diretamente pelo estabelecimento fabricante ou suas filiais para específicos donatários); doações destinadas ao Fome Zero, Amigos do Bem, AACD. Importante mencionar que para cada uma destas hipóteses há requisitos e restrições que devem ser previamente analisadas para confirmar se o contribuinte terá ou não direito a isenção. No tocante aos valores que são lançados na conta de doação, em regra geral, estes não serão dedutíveis da base de cálculo do IRPJ – Imposto de Renda Pessoa Jurídica – nos termos do art. 365 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR. Os bens do ativo não circulante estão sujeitos ao regime da depreciação, que representa a dedução da base do IR considerado o desgaste regular do bem pelo seu uso na produção. Referida depreciação é registrada na contabilidade proporcionalmente à vida útil do bem, de modo a reduzir o montante do IRPJ a pagar. Ressalta-se que, em nenhuma hipótese o total acumulado das cotas de depreciação poderá ser maior que o custo de aquisição do bem. Segue tabela demonstrativa contendo algumas taxas máximas e seus prazos mínimos de depreciação, que são determinados na INSRF – Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal – n° 162/98:              Portanto, quando ocorrer doação de bens do ativo que foram integralmente amortizados pela depreciação, estas não devem representar nova dedução na base de cálculo do IR – imposto de renda. Já na hipótese em que houver doação de bens do ativo que ainda não foram integralmente depreciados na contabilidade, nos exatos termos do art. 365 do RIR, a parcela que ainda não foi amortizada poderá ser dedutível do IR, apenas nas seguintes situações: I – Destinadas às instituições de ensino e pesquisa (cuja criação tenha sido autorizada por lei federal), desde que: a) Comprove a finalidade não-lucrativa e aplicação dos seus excedentes financeiros em educação; b) Assegure a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades; c) Limite de dedução de até um e meio por cento do lucro operacional, antes de computada a sua dedução. II – Destinadas a entidades civis sem fins lucrativos (legalmente constituídas no Brasil), desde que: a) Preste serviço gratuito em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e respectivos dependentes, ou em benefício da comunidade onde atue; b) Limite de até dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução. Assim, em regra as doações não são dedutíveis da base de cálculo do IR, pois em se tratando de doação de bens do ativo, estes já foram deduzidos em razão da contabilização da depreciação do bem. Entretanto, haverá de ser dedutível do lucro real a parcela não depreciada do bem (valor residual), e tão somente quando a doação se destinar às instituições de ensino e pesquisa e às entidades civis que prestem serviços gratuitos em benefício da comunidade, certificadas formalmente pela União com esta qualidade.    Cumpre informar que quando houver remessa para doação com isenção do IR, a dedução somente será tida como legítima se forem apresentados os seguintes documentos à fiscalização: I – Declaração da entidade que se compromete a aplicar os recursos e bens recebidos na realização dos serviços sociais; e II – Documento formal de órgão da União de reconhecimento da condição de comprovação de sua natureza jurídica de utilidade pública. Quanto à eventual dedução do imposto de renda sobre o valor do ICMS destacado nas notas fiscais das demais mercadorias (como por exemplo, aquelas que se encontram em estoque), deverá ocorrer a dedução para aqueles contribuintes optantes pelo lucro real, isto porque, conforme nos ensina o art. 344 do RIR, os impostos, taxas e contribuições suportados pela pessoa jurídica no exercício de suas atividades são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência. 4. CONCLUSÕES Portanto, as doações de bens registrados no ativo não circulante não estarão sujeitas à incidência do ICMS por expressa disposição legal. Por outro lado, os bens não registrados como sendo do ativo deverão ter as suas saídas tributadas normalmente, podendo, entretanto, estarem sujeitas à incidência do ITCMD ao invés do ICMS, caso a operação em questão ultrapasse o valor de isenção do primeiro imposto. Outrossim, nos casos em que houver saídas de doações das demais mercadorias tributadas pelo ICMS, há entendimento doutrinário no sentido de que o valor do imposto destacado na nota fiscal poderá ser deduzido regularmente da base do IR, desde que o contribuinte seja optante pelo lucro real. Por fim, é correto afirmar que todo contribuinte deve fazer uma prévia e eficiente consultoria tributária, realizando um planejamento com profissionais confiáveis, especializados e atualizados com a legislação vigente, com o objetivo de diminuir a sua carga tributária de maneira legítima, e assim, ter inúmeras vantagens sobre os seus concorrentes para alcançar o tão sonhado sucesso.
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Compensação Financeira p/ Exploração de Recursos Minerais, tornada inconstitucional pela EC 33/2001
Este artigo analisa a aplicação do §1º do art. 20 da Constituição Federal1, dispositivo que assegura participação no resultado da exploração de recursos minerais ou compensação financeira por essa exploração, aos entes federados que especifica. O legislador ordinário optou pela participação, mas deu-lhe o nome de compensação, o que não lhe retira a natureza tributária, marcada por sua base de cálculo fixada na Lei, o que resultou na sua inconstitucionalidade, face à nova redação do § 3º do art. 155 da Constituição1, dada pela Emenda Constitucional 33/20012.
Direito Tributário
1. Introdução O § 1º do art. 20 Constituição Federal1 assegura, aos entes federados que especifica, uma receita relacionada aos recursos minerais, nos seguintes termos: “Art. 20 – […] § 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”   Essa receita foi, então, instituída pela Lei 7.990/19893, sob o nome de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, cuja base de cálculo foi assim fixada no seu art. 6º: “Art. 6º. A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.” O nomen juris adotado deveria corresponder a uma receita com natureza jurídica de preço público ou patrimonial. Entretanto, a base de cálculo da CFEM, fixada no art. 6º Lei 7.990/19893, imprime-lhe a natureza jurídica tributária, enquadrando-a como uma participação no resultado da exploração mineral. 2. A equivocada atribuição de preço público à CFEM Após a instituição da CFEM, gerou polêmicas a fixação do prazo decadencial do direito de exigi-la ou do prazo prescricional da ação para cobrá-la. Fosse a CFEM um tributo e este prazo seria de 5 anos, nos termos dos arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional4; fosse ela preço público ou receita patrimonial e tal prazo seria de 10 anos, fixado no art. 205 do Código Civil Brasileiro5. Entende-se que a hipótese de enquadramento da CFEM como preço público é mais atrativa para a Administração, por estar associada a um tempo maior para exigi-la, o que reduz a possibilidade de perda de receita decorrente do seu não recolhimento oportuno.. Talvez por isto, o DNPM insiste em atribuir-lhe a natureza jurídica de preço público, como o faz na Apresentação do Manual de Procedimentos de Arrecadação e Cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, anexo à Portaria DNPM 389/20106, a saber: “O prazo prescricional da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM está diretamente ligado à sua natureza jurídica de preço público. Em sendo preço público, reger-se-á pelas normas de direito privado, pelo que o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, nos termos do art. 205 do Código Civil, observada a regra de transição prescrita no art. 2028 do mesmo diploma legal”. Todavia, para que a CFEM tivesse a natureza jurídica de preço público, como afirma o DNPM, sua base de cálculo deveria ser uma parcela do valor estimado da reserva mineral da jazida, ou o valor da produção anual estimada da mina, antes de ser realizada. Nestes casos, não teria natureza jurídica tributária, pois incidiria sobre bens da União, quais sejam, a reserva mineral ou os recursos minerais ainda não extraídos de onde jazem in natura, como o é a produção mineral prevista, ainda não realizada.  Contudo, como se viu, a base de cálculo da CFEM, anunciada no art. 6º da Lei 7.990/893, é o valor do faturamento líquido da venda do produto da lavra, que não pertence à União, mas ao concessionário, conforme lhe garante a Constituição Federal1, na parte final do caput do art. 176, transcrito a seguir : “Art. 176 – As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.” O produto da lavra de recursos minerais, portanto, pertence àquele que dispõe de concessão do Governo para lavrá-los. Vale dizer que, após legalmente extraídos do solo e/ou do subsolo onde jaziam in natura, os recursos minerais deixam de ser propriedade da União e passam a ser propriedade do concessionário. A situação lançada nesse dispositivo constitucional assemelha-se a uma cláusula testamentária fideicomissária, na qual a República Federativa do Brasil, fideicomitente, lega à União, fiduciária, a propriedade dos recursos minerais gravada com fideicomisso, ou seja, sob a condição resolutiva de transmiti-la ao concessionário, fideicomissário, seu proprietário sob condição suspensiva, quando este, legalmente, retirá-los do seu jazimento em condições de serem aproveitados economicamente.  A referência da Lei Maior ao concessionário abrange todos os titulares de direitos minerários cujos respectivos títulos lhes permitam legalmente lavrar recursos minerais. Afinal, todos são concessionários de direito real de uso da propriedade mineraria para fins de lavra, cujas relações jurídicas são coerentes com aquelas da concessão de direito real de uso, instituída pelo Decreto-Lei 271/19677, em redação dada pela Lei 11.481/20078.. O DNPM reconhece esta situação, tanto que realiza averbações de cessão e transferência de títulos de licenciamento e de permissão de lavra garimpeira, previstas na Portaria DNPM 199/20069. Por conseguinte, reconhece que a referência à cessão ou transferência das concessões, no art. 176, § 3º, da Constituição Federal1 atinge todos os títulos de direitos minerários.. Indubitavelmente, a base de cálculo da CFEM, fixada no art. 6º da Lei 7.990/19893, incide sobre o patrimônio particular, é própria de um imposto, podendo-se concluir que a CFEM é um imposto. É significativo o fato de que, antes de ser instituída a CFEM, era cobrado um imposto daquele que extraía e utilizava e/ou comercializava recursos minerais, o Imposto Único sobre Minerais do País – IUM, instituído pelo Decreto-Lei 1.038/196910, não incluído entre os impostos federais relacionados na Constituição Federal1 ora em vigor… O fato gerador do IUM era, igualmente ao da CFEM, a extração de substâncias minerais da mina para fins de aproveitamento econômico. Sua base de cálculo, também semelhante à da CFEM, era o valor do produto mineral extraído da mina, fosse ele transferido ou vendido. Portanto, se o IUM era um imposto e foi instituído antes da promulgação da Constituição Federal1 vigente, quando não era atribuída ao concessionário a propriedade do produto da lavra, a fortiori, considerando que, no caput do art. 176 desta Constituição Federal1 é garantida ao concessionário tal propriedade, pode-se afirmar que a CFEM é um imposto.     É claríssimo o enquadramento da CFEM na espécie imposto do gênero tributo, devendo ser-lhe aplicado as limitações constitucionais e legais do poder de tributar conferido ao Estado. Tratando-se de tributo, cabe à lei estabelecer previamente seu fato gerador, sua base de cálculo e sua alíquota. Ademais, incide o prazo decadencial de 5 (cinco) anos ao direito da Fazenda Pública de constituir o crédito decorrente da CFEM, nos termos do art. 173 do Código Tributário Nacional – CTN4, e o prazo prescricional também de 5 (cinco) anos da ação para a cobrança deste crédito, contados  da data da sua constituição definitiva, conforme dispõe o art. 174 do CTN4.    3. Não enquadramento da CFEM como receita patrimonial Oportuno é mostrar que a CFEM não tem a natureza jurídica de receita patrimonial que alguns lhe atribuem.  A natureza tributária da CFEM, ora provada, está claramente apontada no voto do Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, Relator da decisão proferida pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 756.530 – DF (2005/0092596-2), do qual foram extraídas as seguintes considerações : “Ora, ao estabelecer o valor da "Compensação Financeira para a Exploração de Recursos Minerais – CFEM", o legislador ordinário, a quem a Constituição atribuiu competência para tanto, adotou como parâmetro e base de cálculo o faturamento líquido correspondente às receitas de venda do produto mineral. É o que se constata nos dispositivos acima transcritos: art. 2º da Lei nº 8.001/90, art. 6º da Lei nº7.990/89 e art. 14, II, do Decreto 01/91. Quando o legislador se referiu a produto mineral e a receita de venda, evidentemente estava se referindo a substância mineral já lavrada, em vias de comercialização, e não a recurso mineral (substância mineral ainda não lavrada ou em processo de lavra, ainda não comercializável)”.   São corretas as considerações do ilustre Relator e, embora não fosse o seu propósito, elas se prestam para confirmar o caráter tributário da CFEM. Vale repetir que, conforme dispõe o caput do art. 176 da Constituição Federal1, os recursos minerais pertencem à União somente quando in natura, ou seja, não participam do patrimônio da União os recursos minerais já lavrados, ou o produto da lavra, cuja propriedade é garantida ao concessionário. Portanto, a CFEM, incide sobre este produto não integrado ao patrimônio da União e, desse modo, não possui natureza jurídica de receita patrimonial, mas tributária. 4. Inconstitucionalidade da CFEM face à EC 33/20012. As polêmicas sobre o prazo decadencial do direito de exigir o recolhimento da CFEM, ou sobre o prazo prescricional da ação para cobrá-la, perderam pertinência com a edição da Emenda Constitucional 33/20012, que alterou a redação do § 3º do art. 155 Constituição Federal1, tornando a cobrança da CFEM inconstitucional, por ter natureza tributária marcada por sua base de cálculo fixada no art. 6º da Lei 7.990/19893, valendo, pois transcrever a nova redação do citado dispositivo constitucional:.   “Art. 155 – […] § 3º. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.” Considerando que a CFEM não está incluída nas exceções relacionadas na nova redação do supracitado dispositivo, este decretou a sua inconstitucionalidade.. De fato, em face da incompatibilidade da nova redação do § 3º do art. 155 da Constituição Federal1 com os termos do art. 6º da Lei 7.990/19893, este artigo está tacitamente revogado por aquele § 3º, seja pela superioridade hierárquica da Constituição sobre a Lei (lex superior derrogat inferiori), seja pela posterioridade daquele § 3º em relação a este art. 6º (lex posterior derrogat legi priori), neste caso, na conformidade da regra do § 1º do art. 2º do Decreto-Lei 4.657/19429 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Urge, pois, a eliminação desse intolerável vício de constitucionalidade, seja mediante a edição de emenda constitucional, para permitir a instituição de um novo imposto sobre recursos minerais, ou por meio da edição de lei ordinária, para estabelecer receita de natureza jurídica de preço público ou patrimonial para a CFEM.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/compensacao-financeira-p-exploracao-de-recursos-minerais-tornada-inconstitucional-pela-ec-33-2001/
A prescrição no processo de execução fiscal
O presente artigo trata da prescrição do crédito tributário e da relação entre Estado e contribuinte. Realizaremos um debate acerta da previsão Código Tributário Nacional – artigo 174, mas também faremos algumas reflexões sobre os princípios insculpidos na Carta Magna, os quais permitiram as evoluções legislativas e jurisprudenciais da temática.
Direito Tributário
1. Introdução A Constituição Federal de 1988 garantiu uma série de garantias aos contribuintes, prestigiando por seu turno a segurança jurídica e o tempo razoável para a pacificação de conflitos. Tendo em vista a importância da matéria quanto à invasão do Fisco no patrimônio do contribuinte, elegeu alguns assuntos que somente por Lei Complementar poderiam ser regulamentados, sendo que a prescrição tributária se insere nesse meio. Sabe-se que, de forma geral, o instituto da prescrição repousa na segurança jurídica e num interesse público refratário ao exercício ad eternum dos direitos. O Código Tributário Nacional prevê o lapso temporal de cinco anos, no qual deverá o crédito tributário ser liquidado, sob pena de extinção (art.174, caput, CTN). Os casos de interrupção desse prazo prescricional, por seu turno, encontram-se previstos no parágrafo único do referido artigo legal. A via legal para cobrança dos créditos tributários é a execução fiscal, sendo que diversos avanços legislativos passaram a ocorrer a partir do ano de 2004. Iniciaremos o presente trabalho abordando sobre a tributação no Estado Democrático de Direito, como forma de delinear esse poder conferido ao Estado, e para que reste mais claro as garantias que o contribuinte possui. Seguidamente passaremos a conceituar a prescrição e a decadência, e abordaremos acerca do lapso temporal para cobrança dos créditos tributários em execução fiscal. Atualmente, importa dizer, de antemão, que não mais se concebe a imprescritibilidade dos aludidos créditos e as inovações processuais fizeram superar o antigo entendimento jurisprudencial da impossibilidade do reconhecimento de ofício pelo órgão julgador da ocorrência da prescrição, independentemente da manifestação da parte interessada. Buscaremos dissertar a respeito dessas evoluções jurisprudenciais e legislativas ocorridas tanto no campo da prescrição intercorrente, matéria essa que deve ser tratadas com a importância e cuidados necessários, uma vez que a prescrição indefinida afronta os princípios informadores do sistema tributário. 2 Tributação no estado democrático de direito 2.1 Estado De Direito e Estado Social e Democrático De Direito Primeiramente cabe ressaltar que são as normas de direito público que tratam especialmente de regular a atividade do Estado para com os cidadãos. Nesse sentido, importante analisarmos esse caráter limitador e os direitos fundamentais num Estado de Direito. Tem-se como Estado de Direito, a partir dos ensinamentos de Norberto Bobbio: "Por Estado de Direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que o regulam, salvo o direito do cidadão recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso de poder. Assim entendido, o Estado de direito reflete a velha doutrina – associada aos clássicos e transmitida através das doutrinas políticas medievais – da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula Lex facit regem, doutrina, essa, sobrevivente inclusive da idade do absolutismo, quando a máxima princeps legibus solutus é entendida no sentido de que o soberano não estava sujeito às leis positivas que ele próprio emanava, mas estava sujeito as leis divinas ou naturais e às leis fundamentais do reino. Por outro lado, quando se fala de Estado de Direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Na doutrina liberal, Estado de Direito significa não só subordinação dospoderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio “invioláveis” (esse adjetivo se encontra no art. 2º da Constituição italiana).” (Liberalismo e Democracia, p.19) 2.1.1 Direitos Fundamentais no Estado de Direito A partir do Liberalismo e da concepção que este dá ao Estado, o Direito passa a ser uma manifestação eminentemente estatal, surgindo daí que o Direito, ao passo que legitima a atividade estatal, também a limita. Portanto, o Estado de Direito é o Estado Liberal, ou pelo menos deve espelhar as ideias desse. Com o advento do liberalismo podemos dizer que também se inicia um movimento pelo constitucionalismo, a fim de obter-se um documento que regulasse o relacionamento entre o Estado e a sociedade. Dentre os documentos importantes que podemos citar com o início desse movimento constitucionalista, está a Carta Magna de 1215, documento adotado de modo praticamente unânime como marco histórico na tutela jurídico-política do relacionamento entre o Estado, à época representado na figura do rei e do povo. Ainda, podemos citar a Petition of Rights (1628) e a Bill of Rights (1689), que foram de supra importância para a formação da convicção de imprescindibilidade de um documento fundamental que determinasse o poder do Estado, os seus limites, as diretrizes gerais e os princípios do tratamento desse para com o povo. Sendo assim, podemos dizer que o Estado de Direito, fundamentado nos princípios dogmáticos liberais, é essencialmente fundado na Constituição, sendo suas características fundamentais: i) supremacia da constituição, ii) separação dos poderes, iii) superioridade da lei e iv) garantia dos direitos individuais. Quanto a esses últimos, salientamos que como direitos individuais, com base no quanto disposto no art. 5º, caput, da Carta Magna, temos o direito à igualdade; direito à vida; direito à liberdade; direito à propriedade; direito à intimidade e direito à segurança. 2.1.2 Estado Social e Democrático de Direito Ao longo do Século XIX surgiu um movimento contrário às ideias liberais, quanto à concepção de Estado, a fim de modificar o excessivo individualismo, excessiva neutralidade e excessiva subjetividade do Estado Liberal, frente às novas demandas sociais. Na primeira metade desse século, podemos dizer que surgiram as ideias do chamado socialismo utópico, que pregavam sobre os aspectos humanitários da sociedade. Como defensores dessa linha podemos citar Prodhoun e Saint-Simon. Porém, o movimento contrário ao liberalismo somente tomou real força com as ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, através do Manifesto Comunista (1848). Em 1867, temos a publicação de "O Capital", de Karl Marx, uma obra política de fundamental importância e repercussão, onde se pregava a luta de classes, extinção do capitalismo ou a sua substituição pelo socialismo e ainda, onde eram apontadas as falhas do sistema liberal-capitalista. Sob esse cenário de ideias, em 1871 temos a Comuna de Paris, que foi uma tentativa de vivenciar o socialismo. A comuna durou somente 1(um) ano, podendo se dizer que serviu mais para deixar uma marca na história. No século XX, destacamos a Revolução Bolchevique, que implantou o socialismo na Rússia e impulsionou à formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O que se vislumbra é a busca para que o Estado se direcionasse mais à objetivos sociais, com a criação de leis de organização do trabalho, descanso semanal remunerado, férias, dentre outras. O capitalismo, e o Estado Liberal por via de consequência, tiveram que se flexibilizar.[1] Destarte, o Estado Social tomou mais força ainda nos anos 30, com o New Deal, movimento que buscava superar a situação recessiva dos Estado Unidos quando da quebra da bolsa de Nova York (1929). Na década de 40, também nos Estados Unidos, passada a recessão, temos o ápice do Estado Social, com a criação do modelo denominado Wellfare State ou Estado do Bem-Estar Social. A partir dos anos 60, podemos citar outro movimento que insere a concepção de democracia ao Estado e que até hoje é mais utilizado: o Estado Democrático de Direito. Carlos Ari Sundfeld[2] assim define Estado Democrático de Direito: "Em termos sintéticos, o Estado Democrático de Direito é a soma e o entrelaçamento de: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de Poderes, legalidade e direitos (individuais e políticos).” A partir da ideia desse novo movimento, busca-se inserir que somente a partir da democracia se pode de fato garantir a fruição, o gozo e o pleno desenvolvimento dos direitos fundamentais, como forma de se ter uma sociedade justa, solidária e livre. Importa destacar que na nossa atual Constituição Brasileira adotou-se o modelo semidireto de democracia, prevista no parágrafo único do art. 1º: “ Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente, nos termos dessa Constituição.” A Carta Magna prevê como instituições de participação direta o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.[3] Sundfeld[4] ao dissertar sobre os elementos do Estado Social e Democrático de Direito, assim define: a)criado e regulado por uma Constituição; b)os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento dos seus deveres; c)o poder político é exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros; d)a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes; e)os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem opô-los ao próprio Estado; f)o Estado tem o dever de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça social. Em suma, o Estado Democrático e Social de Direito é o entrelaçamento de constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de poderes, legalidade, direitos (individuais, políticos e sociais), desenvolvimento e justiça social. Isto é, pode-se se dizer que esse modelo não extingue a ideia de Estado Democrático de Direito, mas sim passa a somá-la, com maiores garantias sociais aos cidadãos. 2.1.3 Personalidade Jurídico-Social Do Estado Certo é que o direito não se ocupa do mundo do ser, mas do mundo do dever-ser, isto é, do mundo das normas. Nesse sentido, importa fazer um estudo para entender como o Estado se relaciona com a sociedade e com os indivíduos. Antonio Celso Baeta Minhoto citando "KELSEN"[5] e "SUNDFELD[6]" assim disciplina: "Ser pessoa ou ter personalidade jurídica é o mesmo que ter deveres jurídicos e direitos subjetivos(…) A pessoa física ou jurídica que tem deveres jurídicos e direitos subjetivos é estes deveres e direitos subjetivos, é um complexo de deveres jurídicos e direitos subjetivos cuja unidade é figurativamente expressa no conceito de pessoa. A pessoa é tão somente a personificação dessa unidade" "Para o direito, pessoa, num sentido jurídico, é um centro, uma unidade, um conjunto de direitos e deveres. Quando o ordenamento jurídico reconhece em dado ente a qualidade de centro de deveres e direitos, lhe outorga personalidade jurídica. A personalidade jurídica é outorgada pelas normas jurídicas." O Estado é efetivamente uma pessoa jurídica, pois é dotado de um centro de direitos e deveres. Essa pessoa jurídica é administrada por homens, os quais são os chamados agentes públicos, os quais têm suas funções determinadas em normas de caráter organizacional. Embora vivamos num Estado de direito, não podemos dizer que esse Estado encontra-se acima de tudo e de todos, uma vez que existente a personalidade de caráter jurídico-constitucional, isto é, acima dele está o Poder Constituinte, ou seja, o poder que inspirou a criação e promulgação da própria Constituição. Sendo assim podemos dizer que se o Estado nega ou desacata qualquer disposição constitucional, está negando a si mesmo e seus atos, neste aspecto, nem mesmo teriam validade. 2.1.4Tributação no Estado Democrático de Direito Sobre o poder de tributar, ensina Hugo de Brito Machado: “O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta”.[7] No mesmo diapasão, importa transcrever a lição de Ricardo Lobo Torres: “A atividade financeira emana do poder ou não da soberania financeira do Estado. O poder financeiro, por seu turno, é uma parcela ou emanação do poder estatal(ou da soberania), ao lado do poder de polícia, do poder penal, do poder de domínio iminente.”[8] Atualmente, os entendimentos doutrinários, entretanto, vislumbram o poder de tributar como uma exteriorização do Estado de Direito, ou seja, que esse poder se manifesta através da lei, o que configura uma forte ligação desse poder com o princípio da legalidade, umavez que a tributação somente acontece com a existência da lei tributária, que existirá a partir da anuência da representação popular, presente nos parlamentos. O princípio da legalidade está inserido no inciso II, do art. 5º da CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Já no âmbito tributário, esse princípio é encontrado no artigo 150, I, da Carta, que prescreve: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ou seja, a Constituição outorga ao Estado o poder para tributar, o qual, mediante lei, criará ou majorará tributos. Essa lei é ordinária, e a ela se equiparam também as medidas provisórias e as leis delegadas, vez que nenhum tributo pode ser instituído ou aumentado via decreto, portaria, ordem de serviço ou qualquer ato infralegal. Fábio Pallaretti Calcini[9], citando Roque Antonio Carazza, lembra ainda que em matéria tributária, fala-se em princípio da estrita legalidade, reserva legal absoluta ou mesmo tipicidade cerrada (artigo 97 do CTN), uma vez que se exige do legislador, para a criação ou majoração de tributos, que toda a matéria seja tratada exaustivamente pela lei, sendo vedado delegar, em especial, de forma indireta (ou sorrateira) aos demais poderes esta função. Neste diapasão, tem-se o poder de tributar não somente na soberania estatal, mas também no consentimento popular, o que permite se dizer que há na relação tributária também uma relação jurídica, com direitos e obrigações de ambas as partes – contribuinte e Fisco, sendo esta relação pautada com diversos princípios e regras os quais buscam assegurar uma maior segurança jurídica, havendo um rígido controle da constitucionalidade das normas tributárias, tanto por via incidental quanto por via direta. Pode-se dizer, portanto, que o princípio da legalidade serve para garantir a segurança nas relações do contribuinte com o fisco, uma vez que a tributação avança sobre o patrimônio, a renda, os negócios da pessoa física e jurídica. Nesse sentido, tem-se que o poder de tributar não encontra como pilar somente a soberania estatal, mas também, e principalmente, o consentimento popular. 3 Prescrição e decadência no processo judicial tributário 3.1 Conceito de Processo Judicial Tributário O processo judicial é importante ferramenta onde se opera o controle da legalidade dos atos da Administração Pública. Como não há leis processuais específicas para regular o processo judicial tributário, utilizamos o Código de Processo Civil, exceto no que diz respeito à execução fiscal (Lei 6.830/80) e à cautelar fiscal. O processo de conhecimento em matéria tributária é de iniciativa do contribuinte, cabendo ao fisco a decisão administrativa, razão pela qual resta esse sem razão para provocar o controle judicial de legalidade de tais decisões. No entanto, a cobrança do crédito tributário se dá através da ação judicial de execução fiscal, posto que o fisco constitui unilateralmente o título executivo a seu favor. 3.2 Conceito de Prescrição Prescrição, conforme ensinamentos de Pontes de Miranda[10], “é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações”. No campo específico do direito tributário, Vittorio Cassone[11] assim conceitua o instituto: "Prescrição é a perda do direito de ação para a cobrança do crédito tributário. Está sujeita à suspensão (art. 151, III) e à interrupção (art. 174, parágrafo único). A decadência deve ser reconhecida de ofício, enquanto a prescrição (de direitos patrimoniais) deve ser alegada pela parte interessada.” Pontes de Miranda[12], sobre o início da contagem do prazo prescricional, acrescenta: "A regra é que a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão, ou da ação. A pretensão nasce quando já se pode exigir de alguém ato ou omissão; a ação, quando já pode ser intentada, ou já se podem praticar os atos necessários à sua intentação (propositura). A pretensão real supõe a existência do direito real, ou situação real (posse); a pretensão pessoal, a do crédito, ou direito pessoal.” No que cabe ao direito tributário, cabe dizer que o Código Tributário Nacional confere tratamento idêntico à prescrição e à decadência, pois ambas atuam como causa da extinção do crédito tributário (art. 156, V). Dispõe o referido diploma legal acerca desses institutos: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.  Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.  Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.” O instituto da prescrição, assim como o da decadência, possui suma importância, para que as coisas não se arrastem indefinidamente, contribuindo para a paz social, bem como para a segurança jurídica dos contribuintes. O Código Civil, aplicado subsidiariamente ao CTN, estabelece: “Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes. Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor. Art. 202. (…) Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper. Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei. Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.” O código de Processo Civil, no que cabe à decretação da prescrição e da decadência, assim estabelece: “Art. 269. Haverá resolução de mérito(…) IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; " 3.2.1 Prescrição Intercorrente A prescrição intercorrente, de construção doutrinária e jurisprudencial, surge após a propositura da ação de execução fiscal, e caracteriza-se pelo fato de o processo restar paralisado por prazo temporal superior a 5 (cinco) anos, por omissão da Fazenda Pública na tomada de providências para impulsionar o processo. A contrario sensu, enunciado da Súmula nº106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.” No campo do direito tributário temos a decadência, isto é, o direito do fisco de constituir o crédito tributário, inserida no art. 173 do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que tal direito extingue-se passados 5 (cinco) anos: a)do primeiro dia do exercício seguinte ao qual o lançamento poderia ter sido efetuado; b) da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. O referido artigo, no seu parágrafo único, acrescenta, ainda, a decadência do direito a partir do decurso do prazo de 5 (cinco) anos , contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo,de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. Importa, também, citar os ensinamentos da Ministra Eliana Calmon, do STJ: “A decadência envolve o próprio direito, o qual nasce com um período certo de tempo para ser exercido. É uma espécie de direito, sujeito a uma condição resolutiva. Se não exercido no tempo determinado, cai por terra e desaparece do mundo jurídico.” (REsp 119986/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2001, DJ 09/04/2001, p. 337) A decadência tem sido alvo de diversos posicionamentos conflitantes no campo do direito tributário, principalmente no que pertine ao momento em que deve se considerar exercido o direito de constituir o crédito tributário. Para Hugo de Brito Machado[13], acertado encontra-se a tese de que o prazo decadencial começa a fluir a partir do momento em que a Administração, que é parte no procedimento e é quem efetua o lançamento, não admite mais discuti-lo, momento em que se pode considerar consumado o lançamento. Acrescenta ainda, o referido autor: "Consuma-se, pois, o lançamento: 1º) Não havendo impugnação, com a homologação do auto de infração; 2º) Havendo impugnaçãoe sendo a decisão primeira favorável à Fazenda, se o sujeito passivo não recorrer; 3º) Havendo recurso, com a decisão definitiva, favorável à Fazenda. Em resumo: o lançamento está consumado, e não se pode mais cogitar de decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser discutida na esfera administrativa." 3.4.Pressupostos para redirecionamento da execução fiscal ao sócio de empresa O Código Tributário Nacional prevê que o dever jurídico correspondente ao adimplemento de um crédito tributário recai sobre quem a lei originariamente indicar como seu sujeito passivo, seja ele contribuinte (art. 121, parágrafo único, I, do CTN), seja ele responsável (art. 121, parágrafo único, II, do CTN). Ocorre, porém, que pessoas que não encontram-se expressamente elencadas nos referidos dispositivos legais podem ser responsabilizadas pelo pagamento do tributo, sendo o caso de responsabilidade de terceiros. Entre as hipóteses que fogem à regra geral, está a prevista no artigo 135 do CTN, que assim dispõe: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” A polêmica do supra-indicado dispositivo legal normalmente recai quanto aos pressupostos, à abrangência e à natureza da responsabilidade por ele instituída (se solidária, subsidiária ou por substituição ao devedor principal), o que interfere diretamente no processo para cobrança do crédito, isto é, na execução fiscal. Para a configuração da responsabilidade prevista no artigo 135 do CTN são necessárias a presença de dois pressupostos básicos: (I) o ato que irá dar origem à obrigação tributária deve ser praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos; e (II) este ato deve ser realizado por alguma das pessoas elencadas nos incisos do artigo 135 do CTN, a qual passará a ser responsável pelo adimplemento do crédito. Francisco Prehn Zavascki[14] alerta que a regularidade do ato o qual resultará na obrigação tributária deve, além de ser aferida por lei, também conferida por contrato social ou estatutos. Importa saber, portanto, se o ato foi praticado por quem de direito o deveria praticar e, ainda, dentro dos limites jurídicos permitidos pelos instrumentos legais a que o agente está vinculado. No caso da resposta ser negativa, temos a incidência da responsabilidade prevista pelo art. 135 do CTN. Destaca-se que, sendo certo que no nosso sistema legal vigente temos que a norma tributária deve ser interpretada de maneira mais favorável ao contribuinte (art. 112 do CTN), bem como vigem os princípios da liberdade e da legalidade, o rol de pessoas do art. 135 do CTN é taxativo, e deve ser interpretado de forma restritiva, sob pena de criarmos responsabilidade tributária sem que haja lei que preveja. Porém, diga-se ainda que a prática de ato com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatutos, por quaisquer das pessoas descritas no artigo 135 do CTN não é pressuposto único para que sobre essa pessoa recaia a totalidade da responsabilidade do pagamento dos débitos tributários, isso porque a referida norma não busca criar hipótese de responsabilidade universal. Ou seja, o artigo 135 do CTN busca conferir ao terceiro somente a responsabilidade sobre o débito tributário que teve como origem o próprio ilícito praticado. Nesse sentido, dispõe o art. 113, parágrafo primeiro, do CTN que “a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Mais adiante, o mesmo diploma legal dispõe que “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta” (artigo 139). Assim, se a obrigação tributária surge com o fato gerador e se o crédito tributário decorre da obrigação tributária, para fins do artigo 135 do CTN, o ato ilícito deve necessariamente constituir ou ao menos estar diretamente relacionado ao fato gerador da obrigação tributária, estando esse ato, por consequência, anterior ou concomitante ao fato gerador da obrigação imputável ao responsável. Sobre o tema, dispõe a Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça que “ o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. No campo prático da execução fiscal em si, proposta e despachada a inicial tempestivamente – restando interrompido o prazo prescricional – a Fazenda redobra suas condições para realizar o crédito, sob pena de extinção. A jurisprudência tem admitido com certa tranquilidade a prescrição intercorrente dos créditos tributários quando a credora permanece inerte na execução fiscal de forma desidiosa, em outras palavras, quando o processo de execução resta paralisado por mais de cinco anos sem qualquer iniciativa do exequente. Nesse caso, o crédito poderá ser atingido pela prescrição quinquenal, mesmo que a ação tenha sido ajuizada tempestivamente, ou seja, o descuido do credor ceifa-lhe o direito. Nesta esteira, quando o parágrafo 3º, do art. 40 da LEF dispõe que a Fazenda pode requerer o prosseguimento da execução a qualquer tempo, essa faculdade deve recair sobre os créditos não prescritos, e não a criar situações de imprescritibilidade incompatíveis com os ditames do CTN. Em suma, o que determina a prescrição e a extinção definitiva do crédito tributário, conforme bem ressalta Tiago Scherer[15] é “(i) o transpassar do prazo de cinco anos; e (ii) sem que tenha ocorrido qualquer das hipóteses determinantes da interrupção do prazo prescricional, pouco importando a intenção ou a conduta fazendária. A questão quanto à prescrição intercorrente em matéria tributária, no entanto, está para ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, que deverá prover quanto à observância dos marcos temporais para a configuração da prescrição intercorrente em execução fiscal[16], afastando, assim, as divagações e contradições existentes. No que tange ao especial redirecionamento da execução contra o sócio, entendemos que esse deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável o disposto no artigo 40 da Lei n.º 6.830/80, que, pois esse refere-se ao devedor, e não ao responsável tributário, devendo, assim, harmonizar-se com as hipóteses previstas no art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. Normalmente o que vemos nessa hipótese, é o credor argumentar que o pedido de redirecionamento da execução ao sócio da empresa executada somente foi possível após o reconhecimento, por exemplo, do seu encerramento irregular, sendo esse o momento da actio nata – princípio esse que estudaremos no próximo tópico, mas que tem em vista a origem do direito- relativamente ao redirecionamento da execução ao sócio responsável. Ocorre que, em sede do Agravo Regimental nº 1247311, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, já manifestou entendimento a favor do voto da relatora, Ministra Eliana Calmon, que observou que a tese recursal da agravante, nesse caso o Fisco, de que se aplica ao redirecionamento da execução fiscal o prazo prescricional de cinco anos para a citação dos sócios, a começar da constatação do encerramento irregular da pessoa jurídica. Porém, manifestou-se a Ministra que, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal.  No especial caso de redirecionamento ao sócio, não podemos também deixar de abordar a Teoria da Actio Nata, que, na lição de De Plácido e Silva[17], conceitua-se: "A teoria da actio nata tem por conteúdo o entendimento de que o prazo prescricional ou decadencial somente se inicia com a ciência da lesão pelo interessado. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial, a minorar o rigor do dispositivo da Lei do Mandado de Segurança quanto ao prazo decadencial para a sua impetração, de que o termo inicial deste prazo se conta a partir da ciência do ato impugnado pela parte interessada, e não simplesmente a contar da ocorrência do ato impugnado." Com efeito, o princípio da actio nata impede que a prescrição possa fluir contra quem não pode agir. Como outra face dessa moeda, a aplicação do princípio faz com que a prescrição passe a correr tão logo surja para o credor a possibilidade de agir na busca de seu crédito. Em sede de redirecionamento, com fundamento na extinção ou sucessão irregular da empresa, isso significa que o termo inicial da prescrição é a data em que o exequente toma ciência da situação de fato que enseja o redirecionamento. Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando da seguinte forma: “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA 'ACTIO NATA'. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 393/STJ. 1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata. 2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada. 3. A responsabilidade subsidiária dos sócios, em regra, não pode ser discutida em exceção de pré-executividade, por demandar dilação probatória, conforme decidido no Recurso Especial 'repetitivo' 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 25.3.2009, DJe 1°.4.2009, nos termos do art. 543-C, do CPC. 4. Incidência da Súmula 393/STJ: 'A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória'. Agravo regimental provido. (AgRg no REsp 1196377/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 27/10/2010.) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional. 2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser. 3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata. 4. Agravo Regimental provido.” (AgRg no REsp 1062571/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 24/03/2009.) Ocorre que, tal princípio acaba, de certa forma, prorrogando o prazo prescricional, uma vez que não se tem somente como ponto de partida os iniciais 5 (cinco) anos da constituição do crédito tributário através do lançamento. Salientamos, que quanto ao prazo prescricional dos débitos tributários, esses 5 (cinco) anos devem ser interpretados à luz do art. 174 do CTN, sendo que a norma constante no art. 2º, § 3º, da LEF somente tem aplicação às dívidas de natureza não tributárias, porque a prescrição das dívidas tributárias é regulada pela lei complementar. Lembra-se também, quanto à prescrição, que esta, em sede de execução fiscal, pode ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte, com amparo no disposto no artigo 219, § 5º, do CPC, observada a redação da Lei 11.280/06, tratando-se de norma de ordem pública, aplicável aos processos em curso. Conforme já elucidado, no que cabe à prescrição intercorrente, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais dominantes, são no sentido de que o art. 40[18] da Lei de Execuções Fiscais deve ser interpretado à luz do art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal e eternizar as situações jurídicas subjetivas. Porém, atualmente com a aplicação da teoria da actio nata, o que se verifica é um aumento considerável para que o Fisco venha a satisfazer o seu crédito, uma vez que nem sempre se torna possível a localização dos devedores ou de bens penhoráveis dentro do prazo fixado em lei. Destaca-se que tal teoria é de suma importância nas execuções fiscais contra as pessoas jurídicas, onde, na maioria dos casos, se verifica a realização do pedido de redirecionamento aos sócios a fim de satisfazer o crédito tributário. Quanto à responsabilidade dos sócios, esta, conforme bem estudado no capítulo 4 do presente estudo, encontra-se disposta no art. 135 do CTN: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Sendo assim, quando ocorre a não localização de bens da pessoa jurídica para satisfazer a obrigação, em razão da responsabilidade subsidiária do sócio, esse deverá responder pelos débitos, devendo obedecer o prazo do art. 174 do CTN. Outra hipótese, a contrario sensu, é ter ocorrido dissolução irregular da empresa, que, quando constatada, é o marco do início do prazo prescricional. Ou seja, mesmo que a execução fiscal já se tenha iniciado há mais de 5 (cinco) anos, e mesmo citada a pessoa jurídica, a partir da ciência da dissolução irregular, a Fazenda Pública começa a ter “novo” prazo prescricional para requerer o redirecionamento da execução aos sócios. Quanto à dissolução irregular, cabe transcrever o enunciado da Súmula nº 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. Sendo assim, plenamente demonstrada a dilação de prazo ocorrida, o que vem a, praticamente, tornar imprescritíveis os créditos tributários no decorrer dos processos executivos, o que, salientamos, de certa forma fere diretamente a segurança jurídica dos contribuintes, mas tem em vista o benefício maior da coletividade. Conclusão A prescrição é tema comum a diversos ramos do Direito, uma vez que a todos interessa a estabilização e a segurança nas relações jurídicas. O tempo tudo domina. Não poderia ser diferente com os direitos. O passar do tempo natural a que o ordenamento atribui efeitos jurídicos, havendo liberdade para os diferentes ramos estabelecerem os pressupostos e as consequências da prescrição adaptados às suas peculiaridades. Isso ocorre com o intuito de não postergar indefinidamente e ad eternum as relações jurídicas cujos direitos não foram exercidos tempestivamente. Sendo assim, não se admite a perpetuação do direito do credor sem que este o exerça, sob pena do próprio Direito fomentar a incerteza. A extinção do crédito tributário pela prescrição, matéria do presente estudo, vem regulamentada no art. 174 do Código Tributário Nacional: “A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.” Claro é que existe uma limitação temporal para o aludido crédito, não sendo o mesmo, portanto, imprescritível. A prescrição, assim, é garantia da Fazenda Pública, mas até um certo marco temporal – cinco anos da constituição definitiva do crédito tributário. Após, superado esse prazo quinquenal, a prescrição converte-se em garantia ao contribuinte, de que não mais será importunado pelo Fisco dormentibus. Cumpre dizer também que o art. 174 do CTN prevê as hipóteses de interrupção da contagem do lapso prescricional, as quais, diga-se, são taxativas. Constituído o crédito, a via exigível é a execução fiscal. O crédito existirá até que seja atingido por uma das causas elencadas no art. 156 do CTN. Uma vez executado, o crédito tributário normalmente será extinto pelo pagamento ou pela prescrição. Sendo assim, deve-se, ainda, atentar ao lapso temporal, pois o fluir do tempo também a tudo domina. Quanto à prescrição intercorrente, essa ainda é matéria muito controversa, que encontra-se aguardando julgamento do Superior Tribunal de Justiça, para que possamos definir melhor como a mesma ocorre, se desde o ajuizamento, ou somente quando ocorrida a desídia do Fisco no impulsionamento do processo executivo. Entendemos que um lapso temporal de cinco anos, e que pode ser renovado apenas em determinadas situações previstas no Código, é, a toda evidência, suficiente para que a execução fiscal tenha êxito. O sucesso da execução fiscal passa não pelo alargamento ou desconsideração do rígido prazo prescricional, mas, sim, pela expedida propositura da execução fiscal tão logo o crédito tributário seja plenamente exigível. E, uma vez estando a Fazenda Pública em juízo, impõe-se que utilize de medidas de inteligência e gestão para impulsionar o feito, como inspira a moderna concepção de Administração Gerencial. Sendo assim, busca-se que a relação Estado-contribuinte não seja vista de forma hierarquizada no âmbito da execução fiscal, mas sim de forma horizontal. A tutela mínima constitucional deve ser assegurada ao contribuinte, razão pela qual a Constituição e o CTN não permitirem um crédito tributário ad eternum, o que também deve aplica-se à penalização dos sócios, que para o seu redirecionamento e responsabilização, impõe-se atentar aos lapsos temporais próprios, e às hipóteses previstas no art. 135 do CTN. Afinal, a segurança jurídica, a pacificação das controvérsias e a harmonia social são interesses verdadeiramente públicos e objetivos do Estado de Direito, que jamais devem deixar de ser enaltecidos e respeitados.
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Quais as mudanças trazidas pela lei dos royalties na distribuição entre os estados e municípios
Neste trabalho tenta-se mostrar quais as principais mudanças trazidas pela lei dos royalties na distribuição entre os Estados e Município tendo como foco um intenso conflito em torno de um grande montante em dinheiro que é gerado por uma importante fonte de energia, que no Brasil há muito tempo é explorada no pré-sal e agora com novas jazidas encontradas no pós-sal. Uma nova lei foi editada e aprovada pelo Congresso Nacional mudando as porcentagens de distribuição entre os estados e municípios produtores, que antes ficavam com a maior parte, e os não produtores, que com a nova lei receberão valor quase equivalente ao dos produtores. Vários artigos da nova lei foram vetados e alguns dos que foram sancionados são alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Não foi encontrado nenhum doutrinador que se dedicasse ao assunto, mesmo porque ele é muito recente, portanto grande parte do trabalho foi baseada em matérias jornalísticas, legislação que trata sobre o assunto, artigos, e demais órgãos diretamente interessados no assunto. Fato é que ao final dos estudos entende-se que, apesar do grande prejuízo causado aos estados e municípios que, por dispositivo constitucional, não cobram ICMS sobre a exploração do petróleo, mas que, em compensação, tinham direito a grande quantidade de royalties que a eles era destinado, contudo os recursos minerais são bens da União. Desta forma, é totalmente constitucional o advento da nova lei que tem como principal objetivo a distribuição igualitária dos recebíveis do petróleo entre os estados e municípios produtores e não produtores.[1]
Direito Tributário
1. Introdução Quais as mudanças trazidas pela lei dos royalties na distribuição entre os estados e municípios? Será que a discussão que se aflora em torno deste tema tem seu foco simplesmente voltado para lucros aferidos com a exploração do petróleo, ou deve se levar em conta também a degradação ambiental causada por sua extração? E quando falamos nos contratos já firmados, nos projetos feitos tendo como fonte pagadora os recebíveis do petróleo? Quais os efeitos da discussão sobre a distribuição dos royalties nos estados que recebem grandes quantias sobre a exploração do petróleo em detrimento de outros que exploram minérios, levando se em conta que “a alíquota do petróleo é 10% do valor bruto e a do minério é 2% do líquido” (CANÊDO, 2013). Os estados produtores de petróleo que estão sendo prejudicados pela nova lei querem que os royalties de outros estados também sejam cobrados de forma correta e que façam parte da distribuição (CANÊDO, 2013). Este assunto, apesar de ter raízes históricas antigas (FERNANDES, 2007; TORRONTEGUY, 2009), tem uma nova formatação, uma discussão atual, que tem gerado grande polêmica na mídia e que seu resultado; sendo a aprovação ou não do projeto de emenda constitucional que dá direito aos estados da federação a dividirem os tributos arrecadados, ainda que as bases de exploração não estejam em seu território; terá grande impacto na economia dos estados envolvidos. 2. Royalties: Origem, conceito e regulamentação Royalty é uma palavra inglesa derivada da palavra "royal", que significa da realeza ou relativo ao rei. Constitui em uma das formas mais antigas de pagamento de direitos sobre atividades econômicas. Sua destinação é voltada às inúmeras despesas necessárias ao desenvolvimento de um negócio, invenção, exploração, que gerará renda. O royalty é protegido dessa forma pelo Estado, para não ser delapidado por terceiros (FERNANDES, 2007; TORRONTEGUY, 2009). Há tempos, os royalties eram os valores pagos por terceiros ao rei ou nobre, como compensação pela extração de recursos naturais existentes em suas terras, como madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos (FERNANDES, 2007). Hoje, royalty é o termo utilizado para designar a importância paga ao detentor, proprietário ou ao território. Os detentores ou proprietários recebem porcentagens geralmente pré-fixadas das vendas finais ou dos lucros obtidos por aquele que extrai o recurso natural, ou fabrica e comercializa um produto ou tecnologia, assim como o concurso de suas marcas ou dos lucros obtidos com essas operações. O proprietário em questão pode ser uma pessoa física, uma empresa ou o próprio Estado (MESQUITA, 2012). Sua definição legal encontra-se expressa no artigo 11 do Decreto Federal nº 2.705/98, que assim dispõe: “Art. 11. Os royalties constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos mensalmente, em moeda nacional, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção.” De modo geral, os royalties de petróleo são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade e o valor arrecadado que fica com o poder público. No Brasil, existem diferentes tipos de royalties, pagos ao governo ou à iniciativa privada. Os royalties pagos ao governo, por exemplo, são relativos à extração de recursos naturais minerais, como minérios metálicos ou fósseis, carvão mineral, petróleo e gás natural, ou pelo uso de recursos naturais como a água, em casos como represamento da água em barragens hidrelétricas. Cada tipo de royalty, frutos da exploração ou extração de determinados recursos, obedece a uma legislação específica, que cobra porcentagens distintas do valor final do produto extraído ou utilizado, e distribui esta renda de formas diferentes entre o Governo Federal, os Estados e os Municípios (MESQUITA, 2012). Também existem regimes específicos de royalties para patentes, que seguem o padrão dos acordos assinados na Organização Mundial do Comércio. Marcas e tecnologias também estão sujeitas a legislações específicas para o pagamento de royalties ao proprietário do bem em questão. No caso de obras de arte ou bens artísticos (músicas e letras musicais, imagens, pinturas, esculturas, roteiros de filmes ou peças teatrais), os royalties podem ser pagos tanto diretamente ao artista autor da obra, como às empresas que adquiriram o direito de reprodução, distribuição e comercialização do bem cultural (MESQUITA, 2012 ). No caso do petróleo e do gás, o royalty trata-se da compensação financeira paga ao proprietário da terra ou área em que ocorre a extração ou mineração de petróleo ou gás natural. Em muitos países, apenas os governos são proprietários dos recursos naturais do subsolo, portanto, apenas estes recebem os royalties, enquanto que, em outros países, existe a possibilidade da propriedade privada dos recursos naturais encontrados no subsolo (MESQUITA, 2012 ). É notório que o petróleo é um bem natural de extrema importância para o país. Em virtude disso, a Constituição Federal de 1988 reservou diversos artigos dirigidos às atividades a ele relacionadas, preocupando-se em demarcar de quem é a propriedade dos recursos minerais e a quem se destinam as contraprestações por essa exploração. No entanto, a Constituição de 1988, traz expresso em seu artigo 20 que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, e os recursos naturais da plataforma continental são bens da União: “Art. 20. São bens da união: (…) V- os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; (…) IX- os recursos minerais, inclusive os do subsolo;” Relacionado ao assunto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou na ADI 3366 – DF, Relator Min. Carlos Britto: “[…] A propriedade do produto da lavra das jazidas minerais atribuídas ao concessionário pelo preceito do art. 176 da Constituição do Brasil é inerente ao modo de produção capitalista. A propriedade sobre o produto da exploração é plena, desde que exista concessão de lavra regularmente outorgada. 9. Embora o art. 20, IX, da CB/88 estabeleça que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União, o art. 176 garante ao concessionário da lavra a propriedade do produto de sua exploração. 10. Tanto as atividades previstas no art. 176 quanto as contratações de empresas estatais ou privadas, nos termos do disposto no § 1º do art. 177 da Constituição, seriam materialmente impossíveis se os concessionários e contratados, respectivamente, não pudessem apropriar-se, direta ou indiretamente, do produto da exploração das jazidas […]”. Ademais, a Constituição Federal também dispõe sobre a forma como deve ser feita a exploração e qual regime do direito minerário deverá ser aplicado, tudo expresso no artigo 176, § 1º, §3º e 4º§, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 6 de 1995: “Art. 176, caput. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º – A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas; […] § 3º – A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente. § 4º – Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.” Cabe salientar que o “sistema seguido pela Constituição Federal é o de concessão, no qual as jazidas pertencem ao Estado, que confere ao particular sua exploração e aproveitamento” (PIRES, 2002). E, Segundo Fernandez, citado por Palma, lavra pode se entendido como “o conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo de sua movimentação”. Também dispõe o art. 177 da Carta Magna, e também o art. 4º da Lei 9.478/97, que compete à União o monopólio das seguintes atividades: “Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.” Aos estados, Distrito Federal e municípios, restou assegurado pelo texto constitucional o direito de compartilhar os resultados da exploração do petróleo ou gás natural obtido no referente território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, conforme artigo 20 da Constituição Federal de 1988: “Art. 20. São bens da união: (…) §1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.” Desde a Emenda Constitucional nº 6/95, a exploração do petróleo e do gás natural deixou de ser atividade de monopólio absoluto da União. Essa foi uma das várias emendas editadas com o propósito de promover a abertura de setores da economia à livre competição, reduzindo-se a participação do Estado. A este caberia à regulação e a fiscalização desses setores por meio das agências reguladoras (MESQUITA, 2012). Contudo, ainda não existe uma legislação que padronize os diferentes sistemas de cobrança e distribuição dos royalties existentes no Brasil, para cada tipo de recurso natural sob a posse do Estado. No caso, a exploração dos demais recursos minerais envolve o pagamento de royalties segundo a Lei de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (MESQUITA, 2012). 3. Polêmica divisão dos royalties O advento da nova distribuição dos Royalties tem causado grandes críticas e polêmicas no nosso ordenamento. A lógica de distribuição alcança tanto as áreas da camada pré-sal quanto às do pôs – sal que já foram licitadas. (MESQUITA, 2012). A OAB-RJ reforça a tese do “pacto federativo” defendida pela ADI 4.917. A petição feita por aquela subseção citada por PINTO, 2013, diz que:  "A tese central da presente ação direta é a de que o pagamento de royalties e participações especiais insere-se no pacto federativo originário da Constituição de 1988, sendo uma contrapartida ao regime diferenciado do ICMS incidente sobre o petróleo (pago no destino, e não na origem), bem como envolve, por imperativo o artigo 20, parágrafo 1º da CR/88, que diz que a participação é uma compensação pelos ônus ambientais e de demanda por serviços públicos gerados pela exploração desse recurso natural no respectivo território". A divisão igualitária dos royalties com os outros Estados está amparada na constituição Federal de 1988, artigo 20, V a IX, onde diz que: “Os recursos minerais inclusive os do subsolo são bens da união”. Além do mais, é a Federação que determina o poder soberano na jurisdição brasileira. Pois se os royalties são patrimônio da União, ela está obrigada a distribuir tais recursos com os estados e municípios, pois assim diz o parágrafo 1º do artigo 20 da Constituição Federal de 1988: “Art. 20. São bens da união:(…) §1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.” Mesmo que o legislador tenha competência para estabelecer participação no resultado da exploração dos royalties, a delegação é condicionada. Pois a lei a ser criada deve observar a lógica federativa, uma vez que o legislador está restrito a legislar sobre a divisão dos resultados segundo o que está na Constituição Federal. (MESQUITA, 2012). Ademais, a exploração do petróleo e gás natural na plataforma continental não traz dano aquele estado onde é extraído e principalmente à cidade, se causasse algum prejuízo a está cidade em específico certo seria que a mesma fosse ressarcida pelos prejuízos ocasionados da exploração. O mesmo não se pode dizer com relação aos estados que possuem exploração mineral, onde os danos são imensuráveis e irreparáveis (deputado federal Fábio Ramalho citado por CANÊDO, 2013). Os royalties, têm a finalidade de absolvição de renda extraordinária, fruto da exploração de minerais. É bem verdade, que usaram esta cobrança como desculpa de compensação de danos ambientais que provavelmente teriam da exploração do petróleo e outros minérios (MESQUITA, 2012), contudo a CR/88 em seu artigo 155, parágrafo 2º, item X, letra b, é clara em dizer que não incidirá ICMS sobre operações que destinem a outros estados petróleo. Por este motivo cobram-se royalties como forma de compensação por não se cobrar ICMS (ICHIHARA, 2011, p. 286). Deve-se levar ainda em consideração que, o dano causado ao meio ambiente afeta a todos os cidadãos de forma geral e não só àquele de determinado estado ou cidade explorada, desta forma deve sim ser garantido um direito difuso de reparação igualitário. (MESQUITA,2012). Como os locais onde é explorado o petróleo pertencem a União art.20, da Constituição da República de 1988, a divisão dos royalties com a Lei de 1997 é que fere a Constituição de 1988, pois o novo projeto de lei quer com essa nova redação apenas redistribuir de forma condizente com o nosso ordenamento jurídico vigente. Ademais, os estados do Rio de Janeiro, Espirito Santo e São Paulo buscam os direitos adquiridos pelos contratos já firmados, dizendo que é um ato jurídico perfeito e que seu destrato afeta a confiança de outros países no Brasil que a qualquer momento desfaz contratos já firmados (PINTO, 2013). Contudo não há que se falar em ato jurídico perfeito quando este foi baseado em preceito inconstitucional. O novo marco regulatório não possui vício de inconstitucionalidade, os estados produtores não deixarão de receber sua compensação, apenas não irão receber os royalties na quantidade que recebiam, pois os recebíveis serão distribuídos a todos os estados e municípios, os recursos minerais são bens da União independente de onde se localizem. (MESQUITA, 2012). Agora os outros estados que até hoje deixaram de ganhar bilhões com essa distribuição errada, terão direitos aos royalties de forma igualitária como está resguardado pela Constituição da Republica desde 1988. 4. Principal divergência com a nova lei dos royalties Uma grande polêmica surgiu após o envio do Projeto de Lei n° 7/2010 da Câmara. Nos estados do Rio de janeiro e Espirito Santo várias pessoas foram às ruas protestar, dizendo ser um absurdo esta lei e que ela trará enormes prejuízos aos seus estados. Depois da aprovação do Senado alegaram, ainda, ser inconstitucional o novo marco regulatório dos royalties. (MESQUITA, 2012). O art. 20, V a IX da Constituição da Republica do Brasil regulamenta que, os recursos minerais, os do subsolo e da plataforma continental pertencem a União e não aos estados da federação. Em seu art. 22, XII, cabe privativamente a União legislar sobre recursos minerais, e no art. 176, caput, é resguardado ao concessionário que explora os recursos minerais a propriedade do produto da lavra. Ficou estabelecido também no art. 20, §1° da CR/88 que cabe aos estados, distrito federal e municípios o direito de participar no resultado da exploração do petróleo e gás natural explorado no território nacional. (MESQUITA, 2012). A Lei n° 9.487/97 reformou a distribuição dos royalties de maneira civilizada no ano de 1997, pois “regulamentou a contratação das empresas estatais e privadas, instituiu a agência reguladora responsável pela fiscalização e normatização das atividades e dispôs acerca dos recursos advindos da concessão das atividades de exploração do petróleo e do gás natural”. (MESQUITA, 2012). O art. 26 desta lei destaca que: “Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.” Nesse artigo, “a remuneração da União, proprietária do recurso mineral, consistia no pagamento de bônus de assinatura, royalties, participação especial e pagamento pela ocupação ou retenção de área”. (MESQUITA, 2012). Sobre a divisão dos Royalties imposta pelo art. 20, § 1° da Constituição Federal relata o Rafael Schechtman, Décio Hamilton Barbosa, José Gutman, et ali, 2000: “Os valores dos royalties arrecadados são distribuídos às unidades federativas, Estados Municípios e União, segundo critérios estipulados na Lei do Petróleo. Assim, além dos tributos federais, estaduais e municipais, exigíveis de todas as empresas que operam sob as leis brasileiras, os concessionários das atividades de produção de petróleo e gás natural são responsáveis pelo pagamento de uma compensação financeira aos Estados e Municípios brasileiros, bem como ao Comando da Marinha e ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Esta compensação financeira são os royalties estabelecidos pela Lei do Petróleo. No ano de 1999 tivemos 11 Estados e 817 Municípios recebendo royalties decorrentes da produção de petróleo e de gás natural, cujo montante total arrecadado ficou próximo de R$ 1bilhão”. Ademais, os royalties são a principal forma de remuneração da exploração de recurso mineral, uma vez que: “Incidem sobre o resultado da produção. Nos termos da Lei n° 9.478/97, as empresas exploradoras pagam a título de royalties 10% (dez por cento) do valor de toda produção, (valor bem próximo do que é cobrado de ICMS). Metade desse valor é distribuído conforme previsto na Lei n° 7.990/89, e a outra metade consta do art. 49 da Lei n° 9.478/97. Esse percentual pode ser reduzido para 5% (cinco por cento) tendo em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores pertinentes (art. 47, § 1°, da Lei n° 9.478/97).” (MESQUITA, 2012) Após essa lei foram decretadas diversas emendas com o intuito de melhorá-la ano após ano, até chegar ao novo Projeto de Lei 7/2010, que modifica a distribuição dos royalties de forma brusca. (MESQUITA, 2012). Houve a necessidade de se regulamentar novamente a lei dos royalties devido ao fato do grande aumento da produção do petróleo e gás natural, em virtude da descoberta da camada do pré-sal. (MESQUITA, 2012). De autoria do Senador Pedro Simon, com a emenda n° 24 do Plenário, foi aprovado no Senado Federal o Projeto de lei da Câmara nº 7/2010, devido à exploração do mar territorial e plataforma continental. Essa emenda traz muitas mudanças no seguinte sentido: “Ressalvada a participação da União, bem como a destinação prevista na alínea ‘d’ do inciso II do art. 49 da Lei nº 9.478, de 1997, a parcela restante será destinada da seguinte forma: (a) 50% (cinquenta por cento) para a constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE); e (b) 50% (cinquenta por cento) para constituição de fundo especial a ser distribuído entre todos os Municípios, de acordo com os critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)”. (MESQUITA, 2012). A nova Lei manteve as parcelas pertencentes à União e aos municípios onde acontecem os embarques e desembarques; o que o novo advento mudou foi a distribuição dos royalties dos estados e municípios produtores. Nesse sentido argumenta MESQUITA, 2012: “Os 45% (quarenta e cinco) por cento da parcela prevista no art. 49 da Lei nº9.478/97 que pertenciam aos estados e municípios “produtores” deixaram de existir e passaram a ser repartidos igualmente para a constituição de dois fundos. Para evitar a drástica e repentina perda de recursos por esses estados e municípios com a alteração prevista pelo novo marco regulatório, a emenda promovida pelo Senador, Pedro Simon, instituiu uma compensação, qual seja, a União deve promover o repasse de recursos correspondente à diferença entre as receitas recebidas pelos estados e municípios “produtores” no período imediatamente anterior à nova forma de distribuição dos royalties e os recursos recebidos com a nova fórmula.” Nessa perspectiva, o art. 3° da constituição de 1988 resguarda o federalismo cooperativo, pois garante o desenvolvimento nacional e busca reduzir as desigualdades sociais e regionais, pelo menos é o que se busca na teoria, ou seja, no texto Constitucional, juntamente com o art.170, VII do mesmo diploma que reforça esse objetivo. (MESQUITA, 2012). 5. Conclusão Percebemos ao final deste estudo que a nova distribuição dos royalties do petróleo alcançara o seu objetivo no memento em que se deixar de observar as jogadas e os interesses políticos, deixando que se preceituem os direitos constitucionais garantidos por nossa Carta Magna. É indiscutível que os recursos minerais pertencem a união e se há que haver divisão entre os estados e municípios que seja de forma igualitária. Se há, da mesma forma, algum ajuste a ser feito na cobrança de royalties em outros estados, por exemplo, o minério em Minas Gerais, que sejam feitos, e que também sejam distribuídos igualitariamente. Com relação aos contratos já firmados, deve-se levar em conta que foram firmados sobre uma legislação que ia de encontro a preceitos constitucionais, e a inconstitucionalidade destes, leva à inconstitucionalidade daqueles. Portanto não há que se falar em ato jurídico perfeito. Defende-se ao final o reconhecimento dos preceitos da nova lei e a aceitação da aplicação de seus dispositivos, inclusive sobre os contratos já firmados.
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A influência da legislação brasileira sobre a gestão tributária dos municípios
O trabalho discorreu sobre como a legislação brasileira interfere na gestão tributária, mostrando a importância dessa ferramenta para o bom andamento das atividades do setor arrecadatório e fiscalizatório nas Prefeituras Municipais. O objetivo geral foi analisar a gestão tributária que é o balanço de resultados, pois, trata-se da despesa e da receita, de que forma foi arrecadado o dinheiro e como foi aplicado. Em sintonia com o estudo, foi analisada também a legislação, em especial, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Código Tributário, a Lei Orgânica Municipal e a portaria da Secretaria do Tesouro Nacional sob n 753/2012. A metodologia utilizada foi o estudo qualitativo, que objetiva identificar a gestão tributária com suas características básicas e a legislação em vigor. Adotaram-se técnicas de pesquisa bibliográficas, consulta à web, encontros e documental, buscando melhores recursos de apresentação da pesquisa. Para finalizar o presente trabalho, o resultado esperado vai depender da conduta dos Gestores Públicos Municipais em aprimorar a eficiência do setor de arrecadação e fiscalização com a finalidade de oferecer ao cidadão um serviço de boa qualidade.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A gestão tributária no âmbito do Município fomenta um debate que serve de parâmetro sobre as atividades de arrecadação e fiscalização. A Administração tributária moderna é a que consegue reunir, de forma íntegra, eficácia, eficiência e equilíbrio, oferecendo ao contribuinte um serviço de boa qualidade e respeitar seus direitos de cidadão. Uma boa gestão tributária é uma ferramenta indispensável para o bom andamento das atividades tributárias municipais. A aplicação desse mecanismo possibilita um aumento significativo da receita própria municipal, gerando impacto no desenvolvimento das políticas públicas. Ademais, a realidade brasileira nos mostra que grande parte dos Municípios brasileiros sofre com a escassez de recursos visto que as transferências governamentais não atendem às demandas sociais e também em virtude de sua pouca eficiência administrativa. Com isso, os Municípios buscam formas de arrecadar seus tributos e uma forma é a arrecadação tributária e a cobrança das receitas públicas face às exigências da legislação. O estudo busca evidenciar como a legislação brasileira interfere na gestão tributária dos Municípios, ou seja, a nossa lei maior promulgada em 1988 deu toda essa importância à ciência do Direito Tributário porque quer que, efetivamente, o Estado faça a sua parte, aprimorando as Administrações Tributárias, a fim de que estas façam o seu melhor para a arrecadação, sempre no intuito de prover a contento o bem comum. Afinal, a receita tributária é a principal fonte de sustento das Administrações Públicas e, consequentemente, a fonte maior para o suprimento das necessidades de uma população. Um estudo publicado no site do Ministério da Fazenda elaborado pela FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (2012), concluiu que entre 3.359 municípios brasileiros, apenas 95 deles, ou 2,82% do total, são eficientes na gestão da área tributária. Uma das constatações do estudo é que, quanto maior a renda per capita, menor tende a ser a informalidade, mas a eficiência da arrecadação também é menor. O estudo observa ainda que ser mais eficiente não significa arrecadar mais e sim melhorar a capacidade do sistema, sem que os custos sejam superiores aos benefícios. Assim sendo, é muito importante que as Prefeituras se estruturem melhor, aprimorando os seus sistemas de gestão e de controle para elevar a qualidade dos serviços que prestam a sociedade e para atraírem investimentos econômicos e sociais que mudem a realidade social. Nesse contexto, o estudo se complementará com a conceituação da Administração Pública e as mudanças importantes ocorridas nos últimos anos quando foi implantada a Administração Gerencial. Também traz uma definição sobre Finanças Públicas e enumera os tipos de receitas e despesas, definindo os impostos municipais. Por fim, define gestão pública e comenta a importância da gestão tributária para os Municípios. A metodologia do estudo baseou-se em pesquisa exploratória e os meios utilizados foi o levantamento bibliográfico e a pesquisa qualitativa
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Conteúdo e finalidade do princípio da legalidade tributária
Dentro da temática do direito tributário e suas reformulações históricas, o presente trabalho tem por objeto de estudo o princípio da legalidade tributária, buscando averiguar a finalidade que a doutrina nacional tem atribuído ao postulado. Visando a melhor compreensão do tema, descrevem-se inicialmente as noções gerais sobre o princípio da legalidade tributária, com as concepções atribuídas ao assunto, seguidas das exceções legais à legalidade no âmbito tributário, abarcando as situações de extrafiscalidade que dispensam a exigência de lei para a alteração da alíquota do tributo. Após tal reflexão teórica, busca-se descrever a finalidade atribuída pela doutrina brasileira ao postulado da legalidade em matéria tributária, especialmente no que se refere aos limites constitucionais ao poder de tributar, que asseguram ideais de segurança jurídica e justiça aos jurisdicionados.
Direito Tributário
Introdução O atual modelo de Estado de Direito – pautado em objetivos como liberdade, justiça e solidariedade – consagrou conquistas históricas do ser humano, especialmente pela previsão de direitos e garantias fundamentais ao cidadão, dentre os quais se destaca, no âmbito fiscal, as limitações ao poder de tributar dos entes políticos. No atual momento histórico, onde a tributação ainda se apresenta como a principal fonte de custeio das despesas públicas, torna-se necessário compreender a abordagem dada ao princípio da legalidade tributária. Conforme estabelece o postulado, é induvidoso que somente a lei pode criar ou majorar tributos, porém é necessário retomar o assunto e verificar a finalidade de se estabelecer tal premissa, convergindo ainda no estudo das atuais tendências de sua aplicação. Dentro deste contexto e tendo como parâmetro as limitações ao poder de tributar estabelecidas no texto constitucional, a pesquisa se propôs a responder a seguinte indagação: qual finalidade tem sido atribuída pela doutrina nacional ao princípio da legalidade tributária? Em função das constantes transformações que a interpretação doutrinária tem passado ao longo da história humana, especialmente após a promulgação da Constituição da República de 1988, que estabeleceu limites racionais ao poder de tributar dos entes políticos que compõem a federação brasileira, é importante priorizar a reflexão sobre o tema. Com isso, há inegável contribuição para o entendimento do sentido dado ao postulado, inclusive com possibilidade de questionamento das práticas de instituição e majoração de tributos no Brasil. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa empregou a técnica de revisão bibliográfica, com análise de livros, artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Entendendo a metodologia como um meio de facilitação do planejamento e organização da pesquisa, consistente na coordenação das ações tomadas ao longo da investigação, o presente estudo pretendeu apresentar um processo dialético-descritivo, com discussão de argumentos e dados coletados sobre o tema, juntamente com o confronto de ideias de autores, sem, contudo, esgotar a discussão ou chegar a um resultado definitivo. 1. O postulado da legalidade tributária Sabe-se que o Direito é a mais eficaz das técnicas de solução de conflitos existentes, atuando na pacificação social e servindo suas normas na organização da sociedade e no equacionamento e regulação da vida humana. Dentre as normas consagradas na Constituição, os princípios relacionados ao fato da tributação constituem efetivas fontes de proteção das liberdades fundamentais dos indivíduos contra possíveis arbitrariedades e ingerências estatais. Nesse sentido, o estágio atual do pensamento jurídico tem reconhecido a força normativa das regras e princípios constitucionais, resolvendo definitivamente a problemática sobre a normatividade dos princípios, na medida em que, ambos hoje são vistos como espécies do gênero norma jurídica, como tem defendido Humberto Ávila (2011) e Luís Roberto Barroso (2009). A partir de tal constatação, importantes alterações foram introduzidas na seara jurídica, como a previsão de normas essenciais à manutenção da harmônica convivência social e a consagração de princípios fundamentais.  Por lidar com valores como liberdade e propriedade, o direito tributário deve se pautar em normas capazes de regular de maneira eficiente as ações estatais no âmbito tributário, o que torna o princípio da legalidade um dos mais relevantes para o ordenamento jurídico. Atualmente o tributo ainda é o principal meio de angariar receitas para o financiamento das atividades públicas. Esses tributos devem ser criados e cobrados com base em regras constitucionais de competência tributária, ou seja, no poder concedido aos entes políticos para instituir e cobrar tributos. Contudo, esse poder não é ilimitado, encontrando restrições nas normas constitucionais e no Código Tributário Nacional, conforme será especificado no estudo. O princípio da legalidade não é recente na histórica da humanidade. Ele surge da necessidade da anuência popular na tributação, para que as exações atendam aos anseios populares dos integrantes da sociedade. Segundo Luciano Amaro (2005, p. 111) esse princípio é multissecular e foi consagrado na Magna Carta inglesa de 1215, pelo Rei João Sem Terra, com a imposição da necessidade de obtenção prévia da aprovação dos súditos para a cobrança de tributos. Segundo Eduardo Sabbag (2013, p. 57), é possível observar o condicionamento do poder tributário à vontade popular em outros momentos históricos como na independência dos Estados Unidos da América e na própria Revolução Francesa, pois em grande parte, foram consequências da atividade tributária extorsiva. A Constituição consagra a legalidade genericamente no art. 5º, II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Especificamente no âmbito tributário, o princípio da legalidade encontra-se no art. 150, I, com a seguinte redação: “Sem prejuízo de outras garantias ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça”. Como se percebe, o princípio da legalidade tributária serve como “garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei” (MACHADO, 2001, p. 36). Conforme explica Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 58), “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, é o cânone da legalidade, inscrito peremptoriamente no art. 5º, II, da Constituição Federal. E reiterando o mandamento, agora com foros de especialização, voltou o constituinte a ferir o assunto, enunciando no art. 150, I, ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao constituinte, instituir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (princípio da estrita legalidade)”. No plano conceitual, a legalidade tributária se insere como um relevante balizamento ao Estado em relação à tributação. Constitui ele uma inafastável garantia individual (SABBAG, 2013, p. 57), um dos pilares do Estado Democrático de Direito com a garantia de que ninguém será obrigado a cumprir uma exação tributária que não tenha sido criada por lei, pela pessoa política competente. Para Sarah Amarante de Mendonça Cohen (2012, p. 16) as limitações ao poder de tributar aparecem como meios de restringir o poder estatal, sendo o postulado da legalidade tributária uma diretriz estruturante de maior relevância, pela qual perpassa toda relação jurídico-tributária. Isso porque no Estado de Direito, a tributação deve derivar da lei, estando por ela regida nos momentos da imposição, arrecadação e aplicação da receita tributária. Com base em tal princípio, a lei que institui o tributo deve conter: a) a descrição do fato tributável; b) a definição da base de cálculo; c) a alíquota, ou outro critério utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; d) a identificação do sujeito passivo da obrigação; e) a identificação do sujeito ativo da relação tributária (MACHADO, 2001, p. 37). Assim, exige-se mais do que a simples feitura da lei para a cobrança do tributo, sendo fundamental que conste na norma os aspectos elementares para determinar quem, o quantum, e a quem se deve pagar a exação. A exigência de completa identificação dos requisitos fundamentais do fato gerador da obrigação tributária serve como contraponto à discricionariedade do ente político dotado de competência tributária. Em suma, “requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei” (AMARO, 2005, p. 112). Dessa forma, pode-se verificar que quando a lei prevê pormenorizadamente os aspectos da incidência tributária, ela permite ao contribuinte conhecer de antemão o volume da carga tributária que suportará, possibilitando o planejamento. “Se o tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade popular, cuja lapidação se dá no Poder Legislativo e em suas Casas Legislativas. Tal atrelamento, no trinômio “tributo-lei-povo” assegura ao particular um “escudo” protetor contra injunções estatais feitas por instrumento diverso de lei” (SABBAG, 2013, p.58). Assim, o administrador público não é dotado de poder de decisão sobre a incidência ou não do tributo à determinada situação fática, pois a obrigação tributária decorre única e exclusivamente da situação fática definida em lei como necessária e suficiente para o nascimento da obrigação, conforme estabelece o art. 114 do Código Tributário Nacional. Regra geral, o consentimento popular é outorgado mediante a representação dos legisladores, na aprovação de lei ordinária. A lei ordinária é “o veículo normativo hábil a instituir e a aumentar as exações tributárias” (SABBAG, 2013, p. 59), exigindo-se quórum da maioria simples dos membros da Casa Legislativa para sua aprovação. Todavia, no Brasil determinados tributos só podem ser criados por meio de lei complementar, cuja aprovação exige a maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa. É o caso dos impostos residuais. Segundo as regras constitucionais, são tributos que exigem lei complementar para sua criação: a) Imposto sobre grandes fortunas, conforme o art. 153, VII; b) Empréstimos Compulsórios, nos termos do art. 148; c) Impostos residuais, como estabelece o art. 154, I; e d) Contribuições social-previdenciárias residuais (art. 195, §4º). Cabe destacar ainda que, nos termos do § 2º do art. 97 do Código Tributário Nacional, não constitui majoração de tributo a atualização monetária da respectiva base de cálculo, com base em índices oficiais de correção. Embora o princípio da legalidade tributária estabeleça que somente lei pode instituir ou majorar tributos, servindo tal assertiva como vetor ao ente tributante, com a garantia de que ninguém será obrigado a cumprir uma exação que não tenha sido criada ou aumentada por lei pela pessoa politicamente competente, admite-se a atualização monetária da base de cálculo do tributo por meio de ato infralegal pautado em índices oficiais de correção. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 648.245/MG, considerou inconstitucional o reajuste da base de cálculo do IPTU sem edição de lei. Conforme ressaltou o Relator do recurso, Ministro Gilmar Mendes, “os Municípios não podem alterar ou majorar, por decreto, a base de cálculo do imposto predial. Podem tão somente atualizar, anualmente, o valor dos imóveis, com base nos índices oficiais de correção monetária, visto que a atualização não constitui aumento de tributo (art. 97, § 1º, do Código Tributário Nacional)”. Como visto, exige-se muita cautela na análise de alegadas atualizações, pois, “se, sob a capa da ‘atualização’, forem utilizados índices acima da correção monetária do período em análise, não se terá atualização, mas induvidoso aumento de tributo (SABBAG, 2013, p. 67). Portanto, a única opção que resta ao fisco é a atualização monetária do tributo, com base em índices oficiais de correção monetária. 1.1 A Estrita Legalidade O art. 97 do Código Tributário Nacional elenca as matérias tributárias que são reservadas exclusivamente à lei, consistindo na conhecida estrita legalidade. Veja-se: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.” É necessário ressaltar que a estrita legalidade, também denominada de tipicidade fechada ou reserva legal não constitui um princípio autônomo, mas compõe o próprio princípio da legalidade tributária (AMARO, p. 113).  Como observa Eduardo Sabbag (2013, p. 63) a lei que institui um tributo não pode, por exemplo, deixar para um ato infralegal a indicação da alíquota, da base de cálculo ou do sujeito passivo: havendo omissão ou obscuridade quanto a esses elementos essenciais, o administrador e o juiz não podem integrar a lei com a analogia.  A legalidade tributária exige que os tributos sejam instituídos não apenas com base na lei, mas pela própria lei. Assim, só à lei é permitido dispor sobre os aspectos da norma tributária impositiva: material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo. A legalidade tributária, portanto, implica em reserva absoluta de lei (PAULSEN, 2012, p. 127). Existe acalorada discussão doutrinária acerca da possibilidade de fixação do prazo para pagamento do tributo por ato infralegal. Para Leandro Paulsen (2012, p. 131) o prazo para recolhimento do tributo não acrescenta nenhuma obrigação ou dever e pode ser estabelecida por simples ato administrativo infralegal, uma vez que não constitui elemento da hipótese de incidência. Entretanto, há quem sustente a tese de que a fixação do prazo para pagamento do tributo é matéria reservada à lei. “Esse entendimento resulta de que, quando se está diante de elevado índice de inflação, a redução do prazo para pagamento implica verdadeiro aumento de tributo” (MACHADO, 2001, p. 37). 1.2 Exceções à legalidade tributária Resta induvidoso que o princípio da legalidade tributária impõe a regra da exigência de lei para a criação, aumento e extinção de tributos. Com efeito, há algumas mitigações que devem ser devidamente estudadas. Nos termos do que dispõe o §1º do art. 153 da Constituição, é facultado ao Poder Executivo alterar (aumentar ou reduzir), sem necessidade de lei, as alíquotas dos seguintes impostos federais: Imposto sobre importação – II; Imposto sobre exportação – IE; Imposto sobre produtos industrializados – IPI; e Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF. Como visto anteriormente, os entes políticos não podem instituir determinados tributos sem estabelecer a alíquota e a base de cálculo, pois “é de sua competência descrever todos os aspectos da hipótese de incidência” (SABBAG, 2013, p. 70). Entretanto, mesmo que a alíquota seja um dos elementos reservados à lei, permite-se ao Ente Público sua alteração, em determinados casos, dentro de certo limite. “Isso não significa que o Poder Executivo desfrutará de poder para fixar a alíquota a seu bel-prazer, mas de mera autorização para flexibilizá-la, segundo parâmetros legais (máximo e mínimo, teto e piso, e não apenas um patamar destes. Tais balizas podem ser amplas, mas não serão ilimitadas” (SABBAG, 2013, p. 70). Lembra Luciano Amaro (2005, p. 117) que a Administração não pode fixar discricionariamente a alíquota aplicada ao tributo. O Poder Executivo deve definir em lei, as alíquotas que serão aplicadas, com os limites mínimo e máximo previamente definidos. As ditas exceções (ou mitigações) ao princípio da legalidade tributária aparecem como uma forma de permitir a regulação do mercado por meio da possibilidade de modificação das alíquotas de certos tributos. Em outras palavras, a possibilidade de modificar as alíquotas de alguns tributos sem necessidade de edição de lei serve para o Poder Executivo regular o mercado e a economia do país, quando haja efetiva necessidade. Pondera Eduardo Sabbag (2013, p. 71) que embora a função precípua do Estado seja auferir receitas (fiscalidade) por meio da tributação, a extrafiscalidade afasta-se do mecanismo da pura arrecadação e tem como objetivo corrigir situações sociais ou econômicas anômalas, buscando atingir objetivos que preponderam sobre os fins meramente arrecadatórios de recursos financeiros para o Ente Público. Por isso têm-se dito que os tributos que podem ter sua alíquota alterada por meio de ato infralegal cumprem uma efetiva função extrafiscal. Deve-se ainda lembrar que a Emenda Constitucional n. 33 de 2001 trouxe mais dois casos de exceções ao princípio da legalidade tributária, com possibilidade de alteração de alíquotas pelo Poder Executivo por meio de ato infralegal. A primeira ressalva está relacionada à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, criada pela Lei n. 10.336/2001, no âmbito do petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível. Este tributo poderá ter suas alíquotas reduzidas ou restabelecidas por meio de decreto presidencial, com atenção ao limite fixado em lei, consoante dispõe o art. 177, §4º, I, “b”, da Constituição. A segunda exceção refere-se ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS incidente uma única vez nas operações com combustíveis e lubrificantes previstos em lei complementar federal. Sendo um tributo da competência estadual, o ICMS deve ter suas alíquotas definidas por deliberação dos Estados e do Distrito Federal. Todavia, mediante convênios interestaduais, há definição das alíquotas incidentes sobre tais combustíveis (SABBAG, 2013, p. 73). O referido convênio tem o condão de reduzir e restabelecer as alíquotas incidentes sobre o ICMS nas operações com combustíveis e lubrificantes previstos em lei complementar federal, com base no §4º, IV, “c”, do art. 155 da Constituição. Por fim, deve-se fazer uma ressalva quanto às medidas provisórias, que têm força de lei, mas não o são em sentido estrito. Elas são aptas na criação e majoração dos tributos para os quais seja necessária lei ordinária. Em outras palavras, as medidas provisórias não podem criar ou majorar tributo que depende de lei complementar, por expressa previsão legal (art. 62, §1º, III, da Constituição). 2. Aspectos teleológicos da diretriz da legalidade tributária Buscando compreender a finalidade atribuída pela doutrina nacional ao princípio da legalidade tributária, nesta seção serão traçadas algumas linhas sobre os pontos entendidos como de maior importância para a temática. Nesse sentido, algumas considerações e uma breve revisão teórica do assunto mostram-se necessárias ao estudo proposto, ventilando alguns de seus principais aspectos. Como já mencionado anteriormente, a legalidade tributária é um princípio aplicável à instituição e majoração de tributos no território brasileiro, ficando a atividade arrecadatória submissa às ações legislativas que visem concretizar a vontade popular por meio da representação legislativa. Com efeito, o que vem a ser um princípio da legalidade na seara tributária e qual tem sido o sentido teleológico atribuído àquele postulado pela doutrina nacional? Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 68) princípio jurídico é o “Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. Por sua vez, Roque Antônio Carraza (1995, p. 29) pontifica que os princípios jurídicos são enunciados lógicos, implícitos ou explícitos, que ocupam posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e vinculam, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. De uma forma geral, pode-se reconhecer que os princípios possuem uma “supremacia funcional” em relação às regras jurídicas. Essa supremacia é essencialmente material e decorre, sobretudo, da proximidade com os valores que o Direito visa realizar, o que os coloca numa posição de superioridade. Dentre as funções desempenhadas pelos princípios, destaca-se a função limitativa, tendo em vista que os postulados desempenham uma função negativa, atuando como vetores, não só dos poderes estatais, mas também ao exercício abusivo de certos direitos. No âmbito legislativo, impedem a criação de normas que venham a ferir os valores consagrados pelo ordenamento jurídico, como as limitações constitucionais ao poder de tributar. Verifica-se que o princípio da legalidade tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar às próprias leis que edita (CARVALHO FILHO, 2011, p. 25). Quer isso dizer que o princípio da legalidade no âmbito tributário baseia-se no próprio modelo de Estado de Direito, onde não apenas os indivíduos, mas também o Estado se submete ao direito, de forma vinculada a determinados princípios e regras previstos na Constituição. André Ramos Tavares (2011, p. 664) sustenta que a diretriz da legalidade aponta para a presença de um Estado de Direito, pois, retirando o arbítrio do Estado, exige-se que sua conduta esteja amoldada à lei, que é expressão da vontade geral. Assim, a imposição da legalidade funda-se na exigência de legitimidade, segundo a qual as leis hão de guardar correspondência com os anseios populares. Na mesma linha de raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 100) aduz que o princípio da legalidade contrapõe-se visceralmente a todas as formas de poder autoritário, na medida em que todo poder emana do povo, por consequência, culminando na ideia da completa submissão do Poder Executivo à lei. No Supremo Tribunal Federal, a finalidade do princípio da legalidade tributária veio bem expressada pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 712-2/DF, julgada em 07/10/1992. Veja-se: “[…] o exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperatividade de suas restrições […]”. Sobre outra perspectiva, o princípio da legalidade tributária serve de instrumento à garantia do ideal de segurança jurídica, princípio constitucional não expresso. Assim, a legalidade tributária se presta a garantir que os tributos sejam criados e cobrados segundo normas objetivamente estabelecidas que permitam assegurar o máximo de estabilidade e segurança nas relações entre o fisco e o contribuinte. Assevera Alexandre de Moraes (2014, p. 905) que o texto constitucional enumera as regras básicas do Direito Tributário direcionadas à proteção do contribuinte e à limitação do poder de tributar, sendo esta limitação essencial para a garantia da segurança jurídica e dos direitos individuais, em especial o de propriedade, evitando abusos e arbitrariedades e permitindo uma relação respeitosa entre o Fisco e o cidadão. É fato que o art. 150, I, da Constituição veda a exigência e o aumento de tributo sem lei prévia. Este princípio é informado por “ideias de justiça e segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos” (AMARO, 2005, p. 111). Nesse sentido, Leandro Paulsen (2005, p. 12) identifica o princípio da segurança jurídica como princípio constitucional implícito que decorre do Estado de Direito, ressaltando sua particular concretização no âmbito tributário por meio da garantia da legalidade. Para o autor, o alcance dessa garantia faz-se sentir na medida em que efetivamente assegura ao contribuinte que esteja sujeito somente aos tributos instituídos por lei suficientemente completa e clara, prospectiva e conhecida com antecedência. A segurança jurídica se apresenta, então, como um valor a ser buscado. Valor este que é concretizado por meio da garantia possibilitada pelo princípio da legalidade tributária, ao atribuir a instituição ou majoração de tributos somente por meio de lei. Nesse sentido é que Humberto Ávila (2004, p. 295) pontifica: “O princípio da segurança jurídica é construído de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretação dedutiva do princípio maior do Estado de Direito (art. 1º). Em segundo lugar, pela interpretação indutiva de outras regras constitucionais, nomeadamente as de proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (art. 5º XXXVI) e das regras da legalidade (art. 5º, II, e art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, ‘a’) e da anterioridade (art. 150, III, ‘b’). Em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal”. Como bem observa Eduardo Sabbag (2013, p. 58), o princípio da legalidade tributária serve como um vetor axiológico, irradiando uma carga valorativa de calibragem, no modulado convívio entre Fisco e contribuinte, sendo informado pelos ideais de segurança jurídica e justiça – vetores que não podem ser solapados na seara da tributação. Com efeito, para Hugo de Brito Machado (2001, p. 36) a diretriz da legalidade tributária visa o consentimento popular na tributação, pois a lei é manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes. Mas não é só isso. Segundo o autor, em certos casos onde a lei não seja a expressão da vontade popular, o postulado presta-se a garantir a segurança nas relações particulares com a submissão do Estado (fisco) à lei, que disciplina a obrigação tributária. Pode-se verificar, por fim, que as obras pesquisadas revelam que o princípio da legalidade em matéria tributária submete a instituição e aumento de tributos à lei, vedando arbitrariedades estatais. Assim, a Constituição arregimentou limites ao poder de tributar dos entes políticos por meio do postulado, assegurando os direitos fundamentais dos indivíduos contra qualquer forma de arbítrio no âmbito tributário, visando valores como justiça e segurança jurídica. Conclusão Como visto ao longo do trabalho, a tributação ainda se apresenta como a principal fonte de custeio das despesas públicas. Em função disso, os tributos devem ser criados e cobrados com base em regras preestabelecidas de competência, ou seja, no poder concedido aos entes políticos para instituir e cobrar tributos. Todavia, o atual modelo de Estado de Direito – pautado em objetivos como liberdade, justiça e segurança – consagrou conquistas históricas do ser humano, especialmente pela previsão de direitos e garantias fundamentais do cidadão, dentre os quais se destacam as limitações ao poder de tributar dos entes políticos.      Dentre as normas consagradas na Constituição, os princípios relacionados ao fato tributação constituem efetivas fontes de proteção das liberdades fundamentais dos indivíduos contra possíveis arbitrariedades e ingerências estatais, exigindo lei para a instituição e aumento de tributos. Por lidar com valores como liberdade e propriedade, a tributação deve se pautar por normas capazes de regular de maneira eficiente as ações estatais no âmbito tributário, o que torna o princípio da legalidade um dos mais relevantes para o ordenamento jurídico. No plano conceitual, a legalidade tributária se insere como um relevante balizamento ao Estado em relação à tributação. Constitui ela uma inafastável garantia individual (SABBAG, 2013, p. 57), um dos pilares do Estado Democrático de Direito que garante que ninguém será obrigado a cumprir uma exação tributária que não tenha sido criada por lei, pela pessoa política competente. Na medida em que o princípio da legalidade tributária submete a instituição e majoração de tributos à lei veda arbitrariedades, com base no próprio modelo de Estado de Direito, onde não apenas os indivíduos, mas também o Estado se submete às leis, de forma vinculada a determinados princípios e regras constitucionais. Numa análise mais detida sobre o assunto, parte dos autores pesquisados nutrem o entendimento segundo a qual o princípio da legalidade tributária é uma diretriz que aponta para a presença de um Estado de Direito, retirando o arbítrio estatal e buscando condutas em conformidade com a lei (TAVARES, 2011; MELLO, 2010; COHEN, 2012 e PAULSEN, 2005). Todavia, parece razoável as ideias que apontam para o princípio da legalidade tributária como limitação essencial à garantia de segurança jurídica e dos direitos individuais como a propriedade, evitando abusos por parte do Estado (MORAES, 2014) e àquelas que atribuem à legalidade tributária ideais de justiça e segurança jurídica (AMARO, 2005; e SABBAG, 2013). Por sua vez, Hugo de Brito Machado (2001, p. 36) aduz que finalidade do princípio da legalidade tributária, informando que ele visa o consentimento popular na tributação, pois a lei é manifestação legítima da vontade do povo. Entretanto, segundo o autor, mesmo em casos onde a lei não seja efetivamente a vontade popular, o postulado presta-se a garantir a segurança nas relações particulares com a submissão do Estado (fisco) à lei, que disciplina a obrigação tributária. Ao que parece, as obras pesquisadas apontam para certa unidade na diversidade de ideias, revelando que a Constituição estabelece limites racionais ao poder de tributar por meio do princípio da legalidade tributária e que tais limites constituem uma forma de assegurar os direitos fundamentais dos indivíduos contra qualquer forma de arbítrio estatal na seara tributária, alcançando assim, os primados da justiça e segurança jurídica.
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O redirecionamento da execução fiscal para o(s) sócio(s) gerente(s): análise da súmula 435 do Superior Tribunal De Justiça
O Judiciário está legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente nos casos em que for verificado que este praticou atos de gestão empresarial  com excesso de poderes e/ou infração à lei ou ao contrato social a que está subordinado, mais especificamente nos casos em que for verificada a presunção de dissolução irregular da pessoa jurídica executada. Nestes casos, a responsabilidade atribuída ao sócio administrador será pessoal, o que distancia esta responsabilização daquelas atribuídas aos demais sócios, as quais se configuram como subsidiárias e/ou solidárias. A aplicação do entendimento jurisprudencial sobre o redirecionamento de uma execução fiscal para pessoa diversa do sujeito passivo originário da obrigação tributária exequenda sem a necessidade de qualquer tipo de procedimento anterior que valide as circunstancias para a mudança da titularidade passiva por vezes é confundida com a aplicação indevida e arbitrária do instituto da desconsideração da personalidade jurídica ou do próprio entendimento em comento. Ocorre que o objeto da presente análise não se trata de desconsideração da pessoa jurídica, fato verificado justamente pela responsabilização direta do sócio gerente, sem a necessidade de processo judicial específico, com base em Súmula elaborada pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, a desnecessidade de instauração de processo judicial específico para apurar as causas de possível redirecionamento da responsabilidade tributária para terceiros interessados não retira do nobre julgador a obrigação de, antes de proceder com a ora tratada, reunir todas as informações que lhe forem prestadas pela parte interessada (Fazenda Pública ou sócio gerente) a fim de verificar a pertinência das causas que levam a possível redirecionamento.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Na seara tributária, a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente, apesar de ser ratificada por Súmula apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda é tema de discussão, tendo em vista que a hipótese trazida por tal Súmula imputa ao sócio a responsabilidade por pessoa jurídica. Tal possibilidade é cabível em casos de desconsideração da personalidade jurídica, conforme aduz o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, insurge a discussão acerca da necessidade de redirecionar o processo fiscal para sócio gerente, cujo nome se apresenta no título exequente apenas como corresponsável tributário. Apesar do redirecionamento de Execução Fiscal ao Sócio-Gerente da Empresa executada pela Fazenda Nacional ser legal, atualmente, o uso indiscriminado da Súmula pelas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ tem trazido inúmeros empecilhos aos contribuintes e responsáveis tributários e desvirtuamento da própria jurisprudência da Corte. A presunção de dissolução irregular da empresa contra a qual é movida originalmente a Execução Fiscal depende da comprovação de que a empresa deixou de funcionar em seu domicílio fiscal sem que tenha ocorrido a comunicação aos órgãos competentes – como, por exemplo, à Receita Federal e à Junta Comercial; e tal presunção somente autoriza o redirecionamento contra o sócio-gerente da pessoa jurídica executada. Inicialmente, a Súmula 435 está em perfeita harmonia com a jurisprudência firmada pela Primeira Seção do STJ, que salientou ser “pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só a responsabilidade subsidiária do sócio”. Para tanto, foi enfatizada a necessidade de comprovação de que o mesmo tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa. A leitura conjugada da Súmula ora leva a crer que somente o sócio que comprovadamente detivesse poderes de gerência, e que comprovadamente tenha praticado as condutas previstas no Código Tributário Nacional pode ter contra si a presunção de dissolução irregular da pessoa jurídica para fins de redirecionamento da Execução Fiscal. Apesar do raciocínio claro do presente dispositivo, haja vista que somente um sócio com poderes de gerência poderia praticar atos que culminassem com a dissolução irregular da empresa, a Fazenda Nacional enxergou na mencionada Súmula 435/STJ a possibilidade de driblar o entendimento firmado em Recurso Repetitivo, e está conseguindo, com a sua aplicação indiscriminada, alterar julgamentos desfavoráveis ocorridos nas instâncias de origem, as quais, com base em fatos e provas, atribuíam a sócios minoritários ou que comprovadamente não detinham poder de gerência a responsabilidade subsidiária decorrente de suposta dissolução irregular bastando para isso mera certidão do oficial de justiça que comprovava que a empresa não funciona mais no endereço indicado. Certo é que, se não há comprovação de que o sócio detinha poder de gerência na condução dos negócios da pessoa jurídica executada, não há como aplicar ao caso a Súmula 435, pois um sócio que não gerencia não pode praticar atos dos quais decorram a suposta dissolução irregular. Nem tampouco nos parece correto que uma simples certidão do Oficial de Justiça possa ser considerada documento suficiente para presumir-se irregularmente dissolvida a Empresa executada. Resta assim arbitrária a postura adotada pela Fazenda Nacional com o intuito de reaver créditos tributários executados. Existe, desta forma, a necessidade de comprovação anterior de que o sócio a ser executado detinha poder para administrar a pessoa jurídica extinta, sendo que a aplicação do enunciado de forma indiscriminada pode conduzir à violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, garantidores de nossa ordem jurídica. Diversos foram os pontos que ensejaram a origem da Súmula em tela, através de decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, a ser aplicada nos casos em que há a presunção de dissolução irregular de pessoa jurídica executada, cujo cadastro não foi devidamente atualizado, frustrando desta forma todas as tentativas de adimplemento do crédito tributário. 2. LIMITES À RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS Por definição, pessoa jurídica é uma entidade abstrata com existência e responsabilidade jurídica independente, possuindo desta forma verossimilhança com a pessoa física sendo, portanto, sujeito com direitos e obrigações. Tal entidade surge com o escopo de possuir patrimônio próprio para a defesa de interesses autônomos, originados pela conjugação dos interesses comuns de uma ou mais pessoas físicas para o exercício de atividades nos casos em que é verificada a existência de hipossuficiência destes individualmente. O escopo principal da existência da entidade pessoa jurídica é acertadamente trazida por Orlando Gomes, que define tal entidade como a personalização de determinado grupo social que surgiu sob a luz de um interesse social em comum para o exercício de determinada atividade cujo objetivo seria inviável, se desenvolvidos individualmente. A sociedade é o exemplo da entidade supracitada mais comum atualmente. Ao defini-la, é possível perceber a convergência de características desta, com aquelas apresentadas pela entidade denominada pessoa jurídica: “Atividades econômicas de pequeno porte podem ser exploradas por uma pessoa (natural), sem maiores dificuldades. Na medida, porém, em que se avolumam e ganham complexidade, exigindo maiores investimentos ou diferentes capacitações, as atividades econômicas não mais podem ser desenvolvidas, com eficiência por um indivíduo apenas. O seu desenvolvimento pressupõe, então, a aglutinação de esforços de diversos agentes, interessados nos lucros que elas prometem propiciar. Essa articulação pode assumir aradas formas jurídicas, dentre as quais a de uma sociedade”. (COELHO, 2007, p, 89) Composta de uma forma geral por sócios, estes são, em síntese, os autores de todos aqueles atos que ensejam o desenvolvimento da sociedade, com o objetivo primordial de preservar seus interesses individuais. Desta forma, verifica-se a divisão patrimonial entre aqueles pertencentes à pessoa jurídica e aqueles pertencentes a cada sócio que a compõe, delimitado assim os direitos e deveres pertencentes a um e a outro e partilhando ao fim os resultados alcançados, conforme preceitua o artigo 981 do Código Civil (2002): “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”. Tendo como obrigação responder pelas ações próprias da empresa, a responsabilidade dos sócios está ligada à espécie de sociedade que se relaciona. Desta forma, a responsabilidade dos sócios divide-se em solidária, limitada e ilimitada, conforme cláusula prevista em contrato social ou ainda a não integralização de capital social. Para a administração, conforme preceitua o Código Civil (2002), os sócios possuem funções preestabelecidas em um contrato social. Estas, por sua vez, podem ir desde a inserção de capital para o desenvolvimento econômico da pessoa jurídica até mesmo às funções diretamente relacionadas à administração da entidade jurídica frente ao meio social que se encontra e órgãos competentes que a fiscaliza. 2.1. OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS DO SUJEITO PASSIVO A relação tributária envolve de um lado o Estado, impositor de norma tributária, cujo cumprimento é imposto ao sujeito passivo da obrigação em tela. Sua natureza é obrigacional e possui como escopo “obter recursos para satisfazer, através do processo de serviço público, as necessidades coletivas” (ROSA JÚNIOR, 2007, p. 397), através de atividades financeiras. A Sociedade, como pessoa jurídica, ocupa na relação tributária o polo passivo, por alcançar vantagem econômica configurando, portanto, como contribuinte, tendo em vista a sua relação direta com a situação que constitua o fato gerador , conforme art. 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (1966): “Art. 121. Sujeito Passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte. Quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua respectivo fato gerador.” O Código Tributário Nacional (1966) divide a obrigação tributária em principal e acessória, de acordo com o meio através do qual o Estado obterá os recursos exigidos através de lei. Para o cumprimento de tais obrigações, o CTN traz como sujeito passivo da obrigação tributária, além do contribuinte, no inciso II, do artigo 121 supramencionado, a figura do responsável, categoria do sujeito passivo cuja obrigação é cometida pelo legislador a fim de viabilizar a eficiente fiscalização e arrecadação dos tributos. Insta salientar que tal responsabilidade, foco principal do presente estudo, apenas é atribuída à pessoa diversa daquela que constituiu o fato gerador através de lei formal: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação” (Código Tributário Nacional, 1966). A responsabilidade tributária é, por sua vez, dividida em modalidades, de acordo com o momento do surgimento da obrigação do responsável e o momento da ocorrência do fato gerador. Sendo a pessoa jurídica o contribuinte e polo passivo direto pela obrigação tributária, os sócios são apresentados como “responsável de terceiros” pelo CTN, tendo em vista a sua vinculação jurídica com o contribuinte, possuindo o dever de praticar determinados atos em nome e de interesse de determinada pessoa. O rol de “responsáveis de terceiros”, conforme aduzido por Marcelo Alexandrino (2009, p.) 125 e corroborado pelo art. 134 e 135 do CTN é exaustivo e não admite qualquer pessoa responsável diversa daquelas minuciosamente elencadas. Sua responsabilidade, por sua vez, é imputada de acordo com sua atuação, seja regular cumprimento de suas atribuições legais, seja por excesso de poder. O mencionado artigo, em seu conteúdo, atribui a responsabilidade a terceiros nos casos em que o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte restou impossibilitada por motivo alheio e o fato gerador da obrigação tributária está a este terceiro vinculado: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: […].” O rol apresenta como responsáveis de terceiros figuras legalmente responsáveis pelo contribuinte diretamente relacionadas ao contribuinte, a exemplo dos pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; figuras responsáveis, ainda que de forma temporária, como o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio e o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; e finalmente os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, momento oportuno para a quitação de todos os débitos relacionados à empresa. Impende aqui salientar que os débitos tributários ora discutidos em que a responsabilidade pode ser atribuída a terceiros só poderá ser aplicada nos casos em que o caráter moratório e a impossibilidade de adimplemento for verificada pelos responsáveis principais da obrigação: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”. (Código Tributário Nacional, 1966). Preservando o Princípio da autonomia patrimonial, sabe-se que o patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio daqueles que a compõe, não sendo no presente caso os sócios os titulares das obrigações e deveres inerentes à pessoa jurídica devidamente registrada na Junta Comercial. Entrementes, tal princípio não deixa de delegar aos sócios constituintes responsabilidades pela sociedade, conforme justificado por Fábio Ulhôa Coelho (2011, p. 38): “A razão de ser do desprestígio da autonomia da pessoa jurídica pode-se pesquisar em dois fatores: na utilização fraudulenta do expediente, como meio de se furtar ao cumprimento de deveres legais ou contratuais; e na natureza da obrigação imputada à pessoa jurídica.” Desta forma, caso os sócios não cumpram suas obrigações imputadas ou ainda ajam de forma fraudulenta, principalmente frente a credores, seu patrimônio pessoal poderá a ser oferecido para adimplemento de obrigações da sociedade da qual faz parte. As obrigações sociais são de responsabilidade dos sócios de acordo com o tipo societário do qual faz parte, relacionando-se dentro de um limite ou ainda sem qualquer limite, podendo configurar como responsabilidade limitada ou responsabilidade ilimitada: em determinadas condições, os sócios respondem sem qualquer limitação, arcando com o valor integral da dívida da sociedade. Em outras, eles respondem pelas obrigações sociais dentro de um limite, relacionando ao valor do investimento que se propuseram a realizar (COELHO, 2011, p. 47). Como obrigação principal, para a formação da sociedade, os sócios estão obrigados a investir, com recursos que viabilizem o exercício da atividade econômica a ser desenvolvida, conforme disposto em contrato social previamente assinado. Para a organização e com o intuito de se manter o bom funcionamento da sociedade, há a figura do administrador ou sócio-gerente, cuja atribuição é administrar a empresa e manifestar a vontade da pessoa jurídica (COELHO, 2011, p. 411), observando, obviamente, os deveres de diligência e lealdade, configurando perante terceiros como corresponsáveis pela sociedade. Por ser a sociedade uma pessoa jurídica, a responsabilidade por seus atos praticados recaem não apenas sobre si, mas também sobre as pessoas que, na condição de seu representante, os praticam. Em relação às obrigações tributárias, tal premissa não seria diferente. No caso de inadimplemento e ajuizada uma execução fiscal com o fim de reaver o crédito tributário, a Fazenda pública está legitimada a recorrer aos meios possíveis para que o débito seja adimplido podendo, inclusive e em sendo o caso, requerer a constrição de bens do executado e, na falta deste, constrição de bens de seus responsáveis tributários, caso seja verificado que o inadimplemento é decorrente de atos praticados por estes últimos. Entretanto, a Fazenda Pública não está legitimada a realizar livre escolha para a perseguição de patrimônio de terceiro (responsável tributário) sem que seja verificado relevante e explícito impedimento de cumprimento da obrigação tributária pelo contribuinte por culpa ou dolo de ato praticado por seu responsável tributário. À luz do artigo 135 do CTN, as obrigações tributárias que recaem sobre uma sociedade devem ser cumpridas por aqueles a quem tal tarefa foi imposta. Sendo assim, ao sócio-gerente é atribuída a responsabilidade do pagamento dos tributos devidos pela sociedade. Ocorre que, a atribuição de tal responsabilidade não é direta e, em caso de inadimplência da sociedade e havendo a cobrança do quantum devido através de um processo judicial (execução fiscal), cabe ao exequente (União Federal, Estado e Município) apresentar provas de que a responsabilidade deve ser atribuída ao sócio gerente daquela sociedade, para que seja verificado o excesso de mandado ou infração à lei, ao Contrato Social ou ao Estatuto daquela sociedade, classificando assim a responsabilidade do sócio gerente como subjetiva. Sobre a responsabilidade imposta ao responsável pela empresa e as consequências destas, há a necessidade de apresentação de provas pelo exequente de que a responsabilidade subjetiva deve ser priorizada nos casos em que é verificada a prática pessoal de atos com dolo ou fraude. Existem reiteradas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte que julga em última instância matéria infraconstitucional, sobre o assunto:                                                                              “Acórdão: AGRESP 401306/MG: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL, 2001/0192130-4. Fonte: DJ. Data: 16/09/2002. Pg. 00153. Relator Min. FRANCISCO FALCÃO (1116). Ementa: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL, RECURSO ESPECIAL. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO NÃO PAGAMENTO DE TRIBUTO. AUSÊNCIA DE PROVA DE INRAÇÃO A LEI OU ESTATUTO: Nega-se provimento ao agravo regimental, em face das razões que sustentam a decisão recorrida, sendo certo que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que o sócio-gerente de sociedade só pode ser responsabilizado pelo não pagamento de tributo respondendo com o seu patrimônio, se comprovado, pelo Fisco, ter aquele agido com dolo ou culpa, com infração à lei, do contrato social ou estatuto e que redunde na dissolução irregular da sociedade. Ademais, o não pagamento de tributo, de per si, não caracteriza violação à lei, mormente quando verificado que a sociedade continua em pleno funcionamento, como na hipótese vertente.” Dos julgados acima transcritos, observa-se que a responsabilidade tributária do sócio, seja gerente ou não, não se limita apenas às hipóteses em que os atos (ou a omissão destes) sejam praticados (ou não) com dolo com por infração à lei. Para a imputação de responsabilidade por substituição, basta que haja a equiparação dos atos praticados (ou não) ao não cumprimento da responsabilidade atribuída ao sócio da empresa. Desta forma, para fins executivos, basta que seja verificado a relação direta entre a gerência social e o cumprimento do débito tributário já vencido para que a responsabilidade do gerente social passe a configurar como responsabilidade objetiva e não mais subjetiva. 2.2 PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR Os responsáveis tributários de uma pessoa jurídica possuem, dentre outras atribuições, a obrigação de praticar os atos de gestão interna e externa da empresa, sob pena de lhe serem imputadas pessoalmente as consequências de possíveis omissões e/ou práticas indevidas. Exemplo corriqueiro da falta ou da má administração de uma pessoa jurídica é a simples transferência de domicílio fiscal da empresa, sem a devida comunicação aos órgãos competentes, nem mesmo alteração no seu contrato social, ou, ainda, sem distrato social e sem a devida averbação na junta comercial. Tal situação é considerada com uma tentativa dos administradores de burlar a execução de prováveis débitos. Diante disto, reiteradas decisões presumem aí a dissolução irregular da empresa, já que esta não possui localização precisa para os órgãos fiscalizadores competentes e, portanto, indiretamente não mais existe para a sociedade. Sendo assim, de acordo com o Código Comercial, caso uma empresa opere ou deixe de operar sem o seu devido registro na junta comercial do estado (órgão fiscalizador), a responsabilidade é solidária entre todos os sócios que compõem a sociedade. Em matéria tributária, enfoque dado ao presente estudo, tal premissa é reforçada pelo artigo 135 do Código Tributário Nacional, onde admite e reitera a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal para os sócios, ampliando desta forma a legitimidade passiva de uma execução fiscal e permitindo a citação do administrador da sociedade na qualidade de responsável para responder pela dívida tributária, conforme dispõe o art. 4° da Lei n° 6.830/80, in verbis: “Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:  I – o devedor; II – o fiador; III – o espólio; IV – a massa; V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e VI – os sucessores a qualquer título”. O ponto determinante de discussão entre doutrinadores gira em torno de prováveis discrepâncias entre o redirecionamento de uma execução fiscal para os administradores e a regra geral estabelecida no art. 1016 do Código Civil: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.”. A doutrina discute a possibilidade do redirecionamento de uma execução fiscal, tendo em vista a ausência de título executivo contra os administradores, os quais sequer participaram do processo administrativo. Tal posicionamento é o de Humberto Theodoro Júnior (2001, p.256): “Sendo a execução fiscal regulada pela Lei no. 6.830 puro procedimento executivo, continua, a meu ver, inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidades de terceiros ou coobrigados que não figuraram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa.” O questionamento principal trazido pelo doutrinador é exatamente a impossibilidade de defesa do administrador, o qual não participa do processo administrativo o qual originou o tributo exequendo e está sujeito à constrição de seus bens, não respeitando desta forma, formalmente, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Embora existam questionamentos como estes, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que os sócios administradores são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias da empresa, quando comprovada a prática destes de atos ou fatos ocorridos com a atuação com excesso de poder, infração a lei, contrato social ou estatutos. Sendo assim, resta evidente a possibilidade de presunção de dissolução irregular de uma sociedade e consequente redirecionamento do cumprimento de uma obrigação tributária para os seus administradores, desde que sejam observados todos os requisitos para tal ocorrência. Importante ainda salientar que tal redirecionamento pode ocorrer a qualquer tempo, mesmo que finalizado o processo administrativo que deu origem à Certidão de Divida Ativa (CDA). Em respeito ao Princípio do Contraditório e da Ampla defesa, havendo o redirecionamento da execução fiscal, os administradores podem defender-se por meio de embargos para provar que a dissolução ocorrida não é presumida e não foi feita em desrespeito à lei, a qual explicita os trâmites para a dissolução de uma empresa. Não o opondo, seu patrimônio pessoal será atingido como consequência da ilegalidade cometida. Desta forma, a simples mudança de endereço de uma empresa, sem a devida comunicação oficial, já é fato suficiente para a responsabilização direta do cumprimento da obrigação tributária aos sócios administradores, os quais deverão recorrer aos meios cabíveis para descaracterizar as hipóteses apresentadas pela Fazenda Pública que ensejaram o redirecionamento. A Turma Recursal de Juiz de Fora – Minas Gerais, por exemplo, deu provimento a um recurso da União Federal e determinou o prosseguimento da execução contra os sócios da empresa executada, tendo em vista que a empresa não foi localizada no endereço constante dos registros da Junta Comercial do Estado, conforme certidão emitida pelo Oficial de Justiça. A simples situação apresentada leva à presunção de que a sociedade foi dissolvida de irregularmente e consequentemente autoriza o redirecionamento da execução para os sócios, que responderão pela dívida pessoalmente, caso não recorram para provar a improcedência do fato certificado pelo Oficial de Justiça. Em seu decisum, a relatora ressalta ainda que a responsabilização dos administradores da empresa pelas dívidas fiscais não é automática, tendo em vista que há a necessidade de comprovação de que os atos praticados (ou não) que ensejaram o redirecionamento sejam contemporâneos aos administradores que efetivamente estavam envolvidos. No caso em análise, a mudança de domicílio fiscal restou comprovada através da certidão emitida pelo Oficial de Justiça e pela ausência de qualquer comunicação de alteração nos órgãos competentes fiscalizadores estaduais ou federais, inobservando, desta forma, os artigos 1.150 e 1.151 do Código Civil, o que faz presumir a sua dissolução irregular e legitima a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal. 3. ÓBICE AO ADIMPLEMENTO EXEQUENDO 3.1  DISSOLUÇÃO IRREGULAR – MOTIVOS ENSEJADORES Conforme já explicitado, a forma mais conhecida de dissolução irregular da sociedade é aquela em que a empresa deixa de operar suas atividades no endereço informado aos órgãos competentes, sem que seja realizada a sua baixa nas repartições competentes, presumindo-se assim que esta continua a desempenhar suas atividades, agora de forma irregular, já que não houve nem o seu devido encerramento, nem as devidas alterações cadastrais. Todos os atos de gestão de uma empresa são de competência de realização daqueles que a representam. São estes os chamados administradores e, na maioria das vezes, tal posto é ocupado justamente por um dos sócios da empresa. Este, por sua vez, foi legitimado a ocupar o referido posto por deliberação dos demais sócios e o ato fora devidamente registrado no estatuto a empresa. A referida figura é denominada sócio gerente. Caso tais administradores, no exercício de suas funções, a desempenhem de forma indevida, com dolo ou culpa, a estes é imputada pessoalmente a responsabilidade solidária ou subsidiária pelas consequências advindas destes atos. Dentre as hipóteses de responsabilidade solidária ou subsidiária dos sócios e administradores de empresas, o ordenamento jurídico brasileiro contempla a responsabilização dos sócios por atos próprios. Sobre tal responsabilização, acertadamente exemplifica Fábio Ulhôa Coelho (2010, p.415): “O limite da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da limitada é o total do capital social subscrito e não integralizado (CC art.1.052). Se Antônio, Benedito e Carlos contratam uma sociedade limitada, com capital subscrito de R$ 100.000,00, arcando, respectivamente, com 50%, 30% e 20% desse valor, cada um deles é responsável pela soma das quantias não integralizadas. Se Antônio integraliza R$ 30.000,00 (de sua quota de R$ 50.000,00), Benedito, R$ 20.000,00 (da quota de R$ 30.000,00), e Carlos também R$ 20.000,00, então o total do devido à sociedade pelos sócios é R$ 30.000,00. Esse é o montante que os credores da sociedade podem cobrar, do sócio, para satisfação de seus direitos creditícios.” Tal responsabilização é direta, não há a necessidade de se almejar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, vez que tal pessoa não é a responsável por atos a que não deu causa. Desta forma, não há que se mencionar a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Exemplo claro de tal assertiva é o redirecionamento de uma execução fiscal para o sócio gerente, uma vez que para estes casos, a simples mudança de endereço e a presunção de sua inatividade não são suficientes para considerar uma sociedade como dissolvida irregularmente. A atribuição de responsabilidade aos sócios gerentes também é claramente verificada no artigo 135 do Código Tributário Nacional, onde demonstra a que a responsabilização por créditos tributários, apesar de ser pessoalmente atribuída ao sujeito passivo da obrigação tributaria, não é exclusiva deste, admitindo-se, portanto, a responsabilidade aos sócios: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” 3.2 DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA De mais a mais, entende-se como dissolvida a sociedade que obedece a um dos requisitos elencados no artigo 1.033 do Código Civil. In verbis: “Artigo 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – o consenso unânime dos sócios; III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias; V – a extinção, na formada lei, de autorização para funcionar.” Para que se concretize da devida forma, a dissolução deve obedecer a requisitos preestabelecidos, conforme estabelece o §2º do artigo 51 do Código Civil: “Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que está se conclua. §1º – Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.” Partindo de tal premissa, não há que se considerar a dissolução de uma sociedade por mera inatividade desta, tendo em vista que, estando desta forma, a qualquer momento, por deliberação dos sócios, a empresa pode ser reativada. A dissolução irregular de uma sociedade é o encerramento das atividades que constituem seu objeto, sem que haja a necessidade de liquidação dos seus ativos e passivos na forma prevista no Código Civil e na legislação específica a cada caso, ou seja, é caracterizada pela inoperância das atividades da empresa. Sendo assim, é a cessação das atividades da empresa, sem que haja a baixa no registro da Junta Comercial e órgãos competentes. Por inúmeros motivos uma sociedade pode ser dissolvida irregularmente, seja por motivos subjetivos, quando os sócios daquela empresa não mais demonstram interesse em desenvolver atividade fim para a qual se reuniram, até a motivos objetivos, sendo o mais conhecido a sua falência, por ausência de capital, na maioria das vezes. Não há como deixar de mencionar que, por deliberação unânime ou por ato autônomo dos sócios, a hipótese de dissolução da empresa é almejada apenas com o escopo de burlar o adimplemento de obrigações imputadas àquela pessoa jurídica. São exatamente nestes casos em que a responsabilização dos sócios ou do sócio administrador é direta, e não mais indireta. De qualquer forma, sabe-se que os cumprimentos das obrigações da sociedade devem ser feitos antes do enceramento de suas atividades. Caso não ocorra, presumir-se-á a sua dissolução irregular, responsabilizando diretamente os sócios pelas consequências dos atos a que deram causa. Esse é o atual entendimento do Tribunal de Justiça, que reconhece a legitimidade passiva destes sócios em processos executivos. A possibilidade de constrição de bens pessoais dos sócios administradores é, portanto, consequência da negligência dos atos dos sócios administradores, que, em tempo, não comunicaram aos órgãos competentes o encerramento, ainda que temporário, das atividades, para que, no período de dormência em que a empresa se encontra novas relações obrigacionais não surgissem e nem mesmo foram cobradas, devido a possível momento crítico subjetivamente existente. Os sócios da empresa devem atuar com cautela igual ou superior à que devem empregar quando registram a existência da sociedade, sob pena de responder, solidária ou subsidiariamente, com seu patrimônio pessoal, pelas obrigações inicialmente imputadas à sociedade que faz parte. O fato de a dissolução irregular da sociedade empresária acarretar a responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas da empresa se assemelhar ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que ambos, por consequência, acabam por responsabilizar diretamente os sócios que a compõe por atos tidos como fraudulentos, claramente não se confundem. O primeiro instituto está diretamente relacionado à responsabilização direta do sócio gerente de uma empresa por ato que deu causa através do abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, e a confusão patrimonial, situações únicas que justificariam a desconsideração, através de reconhecimento por decisão judicial. O segundo instituto relaciona-se estritamente aos casos em que o sócio gerente, no exercício de suas atividades como tal figura, negligencia seus atos gerenciais relacionados à comunicação dos mesmos aos órgãos fiscalizadores. Pela tênue diferença entre tais institutos, não são raras às vezes em que a responsabilidade direta, solidária ou subsidiária dos sócios e administradores acaba sendo confundida com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista a tênue linha que as diferencia. Com a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, como penalidade imposta à sociedade, chega-se à responsabilização dos sócios ou administradores, a qual também pode ocorrer em outras situações que não se confundem com a teoria da desconsideração, conforme já mencionado. Tal diferenciação dos dois institutos é feita por Marcelino de Paula Mattos (2010, p.123): “Por outro lado é certo que a norma legal prevê a forma para a dissolução de sociedade empresarial, e a sua inobservância poderá acarretar prejuízo a terceiros, caso restem obrigações pendentes. Nesses casos, na impossibilidade de se localizar bens para solver as dívidas da pessoa jurídica, deve o magistrado a requerimento da parte, deferir a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade devedora, tudo com vistas a alcançar os bens dos sócios que agiram com manifesto intuito de fraudar credores.” Certo é que notoriamente o Superior Tribunal de Justiça já vem reconhecendo a importância da aplicação comedida da Teoria da desconsideração da Personalidade Jurídica. Seu posicionamento é de que não se podem extrapolar os limites constitucionais impostos pelos princípios da legalidade, do devido processo legal e da ampla defesa. Sobre o assunto, resta evidente o cabimento do redirecionamento de uma execução fiscal para o(s) sócio(s) gerente(s), ante a mudança inesperada do endereço da empresa executada, através da aplicação da Teoria da Desconsideração da personalidade jurídica: “EXECUÇÃO. SOCIEDADE LIMITADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RECURSO IMPROVIDO. Havendo indícios de desativação irregular da pessoa jurídica, o que impede o credor de receber seu crédito, é perfeitamente aplicável a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo então necessária a justa responsabilidade dos sócios, através de seus bens pessoais, nos termos do artigo 50 do Código Civil de 2002. “‘“. O acórdão recorrido manteve a decisão que deferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica ao fundamento de que "a inércia da devedora aliada a desatualização da ficha cadastral junto à JUCESP, bem como a suposta inexistência de bens, conduz à conclusão de que houve dissolução de sociedade de forma irregular, hipótese capaz de caracterizar fraude e infração da lei e do contrato, justificando a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e permitindo a responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, sobretudo porque não localizados bens que respondam pela dívida", não cabendo a este Tribunal o reexame de fatos e provas para julgar em sentido contrário ao que foi decidido pela Corte de origem (…)” (AI 637095, Relator (a): Min. Joaquim Barbosa, julgado em 08/10/2010, publicado em DJe-198 divulgado 19/10/2010 publicado 20/10/2010). Prova é que, neste sentido, o STJ firmou entendimento de que o redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente da empresa executada é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Neste cenário, depois de reiteradas decisões com o referido assunto, é que emergira a Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. A referida Súmula limita a responsabilidade a sócio-gerente, qualquer diretor, administrador ou representante de pessoa jurídica de direito privado, quando este tem relação com a situação e/ou com a gestão à época de surgimento do fato gerador, podendo ser responsabilizada pessoalmente pelo inadimplemento e pagamento do tributo. A Súmula traz em seu teor a presunção relativa justamente para a abertura de possibilidade de defesa da empresa executada ou do sócio gerente, os quais podem apresentar provas que desconstituam tal presunção, segundo entendimento jurisprudencial. Tal entendimento insurge ante a necessidade de garantia do Princípio do Contraditório e Ampla Defesa, através do qual aquele que se achar prejudicado por um redirecionamento de processo executivo, já que doutrinadores e profissionais interpretam tal Súmula em sentido amplo, pode vir a impugnar tal medida, desde que comprovados os equívocos existentes. É nesse diapasão que não são aceitos dados cabais para a verificação de presunção de dissolução irregular, ante simples mudança de endereço. A certidão emitida pelo Oficial de Justiça que atesta que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial é aceita como prova, tendo em vista que a figura a figura do Oficial de Justiça. “cumpre a função de executar as ordens emanadas pelos juízes (mandados judiciais), por isso, comumente são chamados de “longa manus” do magistrado, ou seja, as mãos deste. Sua função é muito importante, posto que o oficial de justiça realize atos materiais necessários para  regular a tramitação dos processos, dando a ele efetividade, possibilitando seu bom andamento e garantindo a resolução dos conflitos da população” (CINTRA, 2010, p. 87). Assim, a presunção de dissolução irregular de uma empresa executada, desde que efetivamente comprovada, é o suficiente para o requerimento de redirecionamento de uma execução fiscal para os sócios gerentes que a compõem. Tal constatação gera a presunção da prática de atos abusivos ou ilegais, uma vez que o administrador que assim procede age em infração à lei comercial, impedindo qualquer meio constritivo em bens da empresa. 4. A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL Promulgada em 22 de setembro de 1980, a execução fiscal tributária, regida pela lei n. 6.830, regula a execução da dívida ativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente ao CPC. A execução fiscal é a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante em título executivo fiscal o que enseja a propositura de ação executiva pelo credor, a fim de reaver o crédito tributário, cabendo a Fazenda Nacional, a capacidade e a competência para cobrar e promover a execução daquele que o deve, garantindo o interesse do credor e a defesa do devedor. Assim, o sujeito passivo da obrigação tributária reveste-se na pessoa do contribuinte e do responsável, podendo a Ação de Execução ser promovida contra estes. A pessoa jurídica muitas vezes é o sujeito passivo da obrigação tributária. A cobrança da Fazenda Pública, ou Fisco, pode ser feita extrajudicialmente (amigável) ou judicialmente. A cobrança amigável faz-se no âmbito da Administração e a outra, em Juízo, através da execução judicial do crédito tributário, inscrito como dívida ativa. A execução fiscal, para cobrança da dívida ativa, alicerça-se no título executivo, emitido pelo próprio Fisco e denomina-se CDA – Certidão de Dívida Ativa. A dívida ativa tributária é o crédito da Fazenda Pública proveniente de obrigação legal relacionada a tributos e multas. Também constitui dívida ativa da Fazenda Pública qualquer valor (entenda-se qualquer crédito) que, com fundamento em lei, deva ser cobrado pela União, Estados, Distrito Federal e suas autarquias e Municípios. Regularmente inscrita, no órgão e por autoridade competente, depois de esgotado o prazo final para pagamento fixado pela lei ou por decisão final, em processo administrativo regular, a dívida ativa goza da presunção relativa de certeza e liquidez. Para o § 3º do artigo 2º da LEF, a inscrição é o ato de controle administrativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do crédito, tributário ou não, da Fazenda Pública, realizado por autoridade competente. A doutrina dominante, com rara divergência, tem-se manifestado favoravelmente à inscrição, após a apuração da liquidez e certeza. O órgão competente para determinar a inscrição como dívida ativa da Fazenda Publica é o órgão jurídico, por intermédio de seus procuradores, que deverão se ater apenas à apreciação da parte formal, da legalidade e legitimidade do ato. Os créditos da União são apurados e inscritos, na Procuradoria da Fazenda Nacional, pelos Procuradores da Fazenda Nacional. Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias deverão fazê-lo por órgão jurídico próprio, através de seus procuradores, ou seja, de advogados especializados do Poder Público. O sujeito ativo da execução fiscal está descrito, de forma exaustiva, no artigo 1º da LEF, regendo esta a execução judicial para a cobrança da dívida ativa Fazenda Pública, que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. A execução fiscal ou a ação de execução fiscal é uma ação especial de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, que tem o seu próprio direito. A inscrição da dívida deve ser feita, pelo órgão jurídico competente – a Procuradoria, por meio do Procurador, que mandará inscrever ou não o crédito como dívida ativa. A certidão relativa a esses créditos constitui título executivo extrajudicial e enquadra-se nos moldes fixados pelo artigo 585, inciso VII, do CPC. Ao não efetuar o adimplemento de sua dívida fiscal em tempo hábil, estando assim vencido, o Fisco está apto a formalizar o título executivo, com a inscrição do crédito tributário em Dívida Ativa, quando então são exigíveis, após a comprovação de sua de certeza e liquidez e podem ser cobrados em juízo mediante a propositura de uma ação executiva, sem necessidade de ajuizamento de prévio processo judicial prévio, para o reconhecimento desses créditos como devidos. Desta forma, verifica-se então que o procedimento utilizado para que o Fisco cobre o que lhe é devido é feito através de um Processo de Execução Fiscal, com base na lei 6.830 de 22.09.1980. Conforme já explicitado, o sujeito passivo da obrigação tributária reveste-se na pessoa do contribuinte e do responsável, podendo a Ação de Execução ser promovida contra estes. Corriqueiramente, a pessoa jurídica muitas vezes é o sujeito passivo da obrigação tributária, e quando não lograr êxito em sua localização para o adimplemento de suas obrigações fiscais e comprovada a arbitrariedade em sua administração a fim de burlar as obrigações fiscais, aos sócios gerentes da empresa a responsabilidade tributária é redirecionada, com o intuito de coibir o uso indevido da pessoa jurídica, impossibilitando que os sócios e responsáveis não usem de forma fraudulenta para garantir seus interesses pessoais. O problema maior surge para se determinar o polo passivo da execução fiscal, face o interesse do Fisco em ver ampliado a gama de sujeitos passivos, estendendo para além do contido na lei suas prerrogativas. A Lei de Execução Fiscal em seu artigo 4º estabelece quais os sujeitos passivos da execução fiscal, que sujeita além do contribuinte (devedor), o fiador, o espólio, a massa falida, o representante legal e os sucessores, o responsável tributário, capaz de responder por dívidas tributárias, através da execução fiscal: “Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra: I – o devedor; […] V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;” A diferença entre a figura do responsável tributário e a pessoa do devedor é perfeitamente verificada tanto na legislação tributária quanto na legislação processual civil, a qual é aplicada de forma subsidiária nos casos em que a legislação tributária for omissa. O artigo 568 e incisos do Código de Processo Civil assim preceituam: “Art. 568. São sujeitos passivos na execução: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;[…] V – o responsável tributário, assim definido na legislação própria”. Ocorre que a respeitável diferença a se verificar é que o legislador processual não exigiu que o responsável tributário tivesse seu reconhecimento constante no título executivo, assim como o devedor. Como bem explica Fabio Ulhôa Coelho (2007, p. 163): “No tocante aos débitos da sociedade enquadráveis como divida ativa, de natureza tributaria ou não tributaria (Lei 6.830/80), os administradores, sócios ou não, respondem por inadimplemento da sociedade limitada. É o que dispõe o art. 135, III do CTN. Sendo ato administrativo e, portanto, presumivelmente verdadeiro, a Certidão da Divida Ativa emitida contra a sociedade pode ser executada diretamente no patrimônio particular do administrador, a quem cabe demonstrar, por embargos do devedor, que o inadimplemento não teria importado descumprimento de lei ou de contrato.” A respeito do sujeito passivo da pessoa jurídica na execução fiscal, configura-se quando a Fazenda não localiza a empresa executada, resta então o redirecionamento da execução para o sócio, com fundamento na Súmula 435, STJ. Verifica-se que o Fisco possui mecanismo muito eficiente para cobrar daqueles que o devem, estando sempre bem respaldado de provas, documentos e jurisprudências que possam através da ação de execução satisfazer seus créditos. A responsabilidade do sócio-gerente da executada decorre do quanto estatuído no artigo 4º, inciso V, da Lei 6.830/80, segundo o qual a Execução Fiscal poderá ser promovida contra "o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”. Conjugando o mencionado dispositivo legal com o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, tem-se que o sócio-gerente, o diretor ou o responsável pela pessoa jurídica que tenham agido com excesso de poderes, infração de lei ou contrato social, poderão ser chamados a integrar o polo passivo da execução fiscal, na condição de substitutos tributários. 5. O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O posicionamento que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado acerca da desconsideração da pessoa jurídica, redirecionando a execução para a pessoa dos sócios, relaciona-se ao fato de que o mero inadimplemento não constitui infração legal. A adoção do redirecionamento da execução fiscal somente é cabível quando for demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. “AgRg no AgRg no REsp 1043617 / RS, Ministro HUMBERTO MARTINS (1130), T2 – SEGUNDA TURMA, 26/08/2008, DJe 18/09/2008 TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL  – REDIRECIONAMENTO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE  – CERTIDÃO DE OFICIAL  DE JUSTIÇA  – PROVA SUFICIENTE PARA AUTORIZAR O REDIRECIONAMENTO – DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES. 1. O Tribunal a quo, quando da apreciação da apelação cível, entendeu pela impossibilidade de redirecionamento da execução fiscal, por não ter havido violação do artigo 135 do CTN, bem como não ter ocorrido a dissolução irregular da sociedade. 2. Em recurso especial interposto pela União, reconheceu-se a dissolução irregular da sociedade, com fundamento na certidão do oficial de justiça de fl. 17, e determinou-se o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios. 3. Necessário retorno dos autos para apreciação da responsabilidade individual, sob pena de supressão de instância. Agravo regimental improvido.” Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado favorável à Fazenda Nacional acerca da desconsideração da pessoa jurídica quando caracterizar que houve dissolução irregular da sociedade, quando se verifica que houve confusão patrimonial na pessoa dos sócios para com a pessoa jurídica, quando há época do débito o sócio fazia parte da administração. Desta forma, não há como se vislumbrar que o encerramento das atividades de uma empresa de forma legal sob o prisma tributário, justamente porque os seus sócios, pessoas naturais gestoras e representantes legais da pessoa moral (sociedade), extinguiram a pessoa jurídica e repartiram entre si o seu capital social e patrimônio (maiores garantias do ente tributante), em franco e flagrante detrimento do crédito tributário do Fisco que resta impossibilitado então de exigir da empresa contribuinte aquilo que lhe era devido. Tal conduta lesiva perpetrada pelos sócios de uma empresa executada acarreta em prejuízo ao crédito do Fisco e consubstancia a causa de suas responsabilidades pelo pagamento da dívida remanescente, nos moldes expressos e cristalinos do CTN, como se segue: “CTN: Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:[…] VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior;” Disto posto, entender de forma diversa do quanto declinado é negar vigência às normas de responsabilidade tributárias do CTN e mais, é premiar a conduta ilegal e lesiva dos sócios da empresa executada, conferindo-lhes enriquecimento sem causa, repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio. Em verdade, o redirecionamento da execução fiscal encarta hipótese de responsabilidade tributária de terceiros (sócios, que não ostentam condição de contribuinte na relação jurídico-tributária) por ato ilícito que impede o cumprimento da obrigação tributária pelo próprio contribuinte (empresa). Desta forma, uma vez que os sócios, agentes da conduta ilegal de liquidação irregular da sociedade executada, não são contribuintes, nem substitutos tributários, nem detinham qualquer vínculo com a obrigação tributária, obviamente que seus nomes não poderiam constar da Certidão da Dívida Ativa, posto que, seja quando do lançamento do tributo, seja quando da emissão do título executivo extrajudicial, seja ainda quando da propositura da ação de execução, tais sócios não estavam obrigados a responder pelo crédito ora cobrado. Uma vez que a relação jurídica entre o Fisco e os sócios, na condição de responsáveis tributários nos moldes dos arts. 134, VII e 135, I, do CTN, somente nasce com a prática do ato ilegal de liquidação irregular da empresa, haja vista que antes disso a obrigação tributária somente existe entre o Fisco e pessoa jurídica, não havia, à época do lançamento tributário e da subsequente emissão da CDA, motivo fático e jurídico para executar os sócios (e nesse ponto é importante destacar que indicar os nomes dos sócios no título executivo é efetivamente ajuizar ação contra eles), sob pena, inclusive, de que, uma vez citados sem qualquer motivo para que respondessem pelos créditos tributários, fossem tidos pelo próprio juízo como partes ilegítimas. De fato, o Fisco não pode, sem que os sócios tenham dado causa à suas responsabilidades tributárias diretas, relacioná-los previamente como sujeitos passivos da execução de crédito tributário constituído contra a sociedade. Assim, advindo a condição para a responsabilização dos sócios pela dívida (liquidação irregular da empresa), a única via que de fato dispõe o Fisco é o redirecionamento aos sócios no curso da execução fiscal, por petitório fundamentado. Desta forma, uma vez que o redirecionamento fundado nos arts. 134, VII e 135, I, do CTN advêm de fato posterior ao lançamento do crédito e à própria emissão da CDA, o caso não é de substituição desta, haja vista que o título não foi emitido eivado de qualquer vício, mas sim perfeitamente, decorrendo sim, a modificação do polo passivo da demanda, de ulterior ato ilegal praticado por terceiros. Consoante dispõe o artigo 4º, inciso V, da Lei 6.830/80, a Execução Fiscal poderá ser promovida contra "o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”. Conjugando o mencionado dispositivo legal com o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, tem-se que o sócio-gerente, o diretor ou o responsável pela pessoa jurídica que tenham agido com excesso de poderes, infração de lei ou contrato social, poderão ser chamados a integrar o polo passivo da execução fiscal, na condição de substitutos tributários. O responsável, também denominado sujeito passivo indireto, assim está definido no art. 121, do CTN: “Art. 121. O sujeito passivo da obrigação tributária diz-se: […] II. responsável quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei". O art. 135, também do CTN, assim dispõe: “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes das obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto:(…) III. os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Por seu turno, a empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta, justificando a responsabilização dos sócios. Em relação ao tema, cumpre destacar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS MODIFICATIVOS – CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL REFERENTE À ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO – EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR COM FUNDAMENTO EM CERTIDÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA – SÓCIO-GERENTE – REDIRECIONAMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, INCISO III, DO CTN – POSSIBILIDADE.[…] 3. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 4. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio-gerente, autorizando-se o redirecionamento, cabendo ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 5. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, comprovado mediante certidão de oficial de justiça, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta, 6. Embargos de declaração que se acolhe, com efeitos modificativos, para anular o acórdão anteriormente proferido e, em nova análise, dar provimento ao recurso especial.” (EDcl no REsp 897798 / SC, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Data do Julgamento 04/11/2008, data da publicação/fonte DJe 24/11/2008) Desta forma, a dissolução irregular da sociedade é ato ilícito hábil a ensejar a responsabilização dos sócios com poderes de gerência, eis que se reveste da qualidade de ato ilegal, na medida em que faz presumir a distribuição indevida de receitas entre os sócios, deixando à míngua os credores. 6. A SÚMULA 435 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O Superior Tribunal de Justiça editou no dia 13/05/2010 a Súmula nº 435 que dispõe: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. (Grifo nosso) Tal Súmula surgiu com o escopo de uniformizar entendimentos sobre o artigo 135 do Código Tributário Nacional, o qual atribui aos administradores a responsabilidade direta por fatos e consequências decorrentes de atos por eles praticados. In verbis: "São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a dissolução irregular da sociedade sem comunicação aos órgãos oficiais caracteriza "infração à lei" possibilitando a cobrança das dívidas dos sócios administradores, mediante o redirecionamento da ação executiva em nome destes. Sendo assim, a referida súmula pacificou o entendimento sobre a dissolução de empresas que deixam de funcionar em seus domicílios fiscais e não comunicam essa mudança de modo oficial, passando tal ato a ser considerado irregular.  O precedente mais antigo que ensejou a criação desta Súmula é de 2005, referente ao Recurso Especial n. 738.502, interposto pela Fazenda Nacional ao STJ contra os proprietários da empresa Fransmar Cozinha Industrial Ltda, de Santa Catarina. No recurso, acatado pelos ministros do STJ, conforme o voto do relator, ministro Luiz Fux, os proprietários da empresa executada argumentaram a impossibilidade de responsabilização de terceiros, ainda que sócios, cobre dívida da empresa. O simples inadimplemento não foi o motivo para a responsabilização dos sócios-gerentes. Entretanto, como a empresa deixou de funcionar no local informado nos órgãos competentes fiscalizadores, presumir-se-ia que tal empresa dissolveu-se irregularmente, caracterizando assim infração à lei e possibilitando a cobrança das dívidas dos administradores. Tais fatos podem ser perfeitamente observados através da ementa do referido recurso: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE. 1. É assente na Corte que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. […] 2. In casu, consta dos autos certidão lavrada por Oficial de Justiça (fl. 47 verso), informando que, ao comparecer ao local de funcionamento da empresa executada, o mesmo foi comunicado de que esta encerrara as atividades no local a mais de ano, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução. 3. Ressalva do ponto de vista no sentido de que a ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público. 4. Recurso especial provido, para determinar o prosseguimento da ação executória com a inclusão do sócio-gerente em seu polo passivo. […]” Embora a referida Súmula estabeleça limites à sócio-gerente ou representante de pessoa jurídica, insurge a necessidade de que haja relação direta entre os personagens mencionados, o fato gerador da obrigação tributário e o ato irregular praticado, no que tange à imperícia na gestão da empresa à época. Responsabilizando-os pessoalmente pelo pagamento do tributo. A lei, que é fonte do direito, assim dispõe. Fato é que é impossível formalizar a dissolução de uma empresa em débito com o fisco, tendo em vista que, para que seja dada a baixa em seu registro nos órgãos fiscalizadores, é imprescindível a quitação prévia de todos os tributos. Por isso, o redirecionamento da execução fiscal originariamente movida contra a pessoa jurídica não deve ser feita de forma automática. O teor da Súmula impede o redirecionamento automático. “Presume-se dissolvida irregularmente”, diz o enunciado e ainda acrescenta: “sem comunicação aos órgãos competentes”. Evidente tratar-se de presunção relativa a comportar prova em sentido contrário, a qual obviamente será feita por quem se achar prejudicado com a medida, através de embargos e munido de provas que desconstituam a presunção. Desta forma, resta claro que o redirecionamento para os sócios-gerentes deve comunicado ao sócio responsabilizado, a fim de que seja garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa aplicável, também, no âmbito administrativo (art. 5°, LV, da CF), in verbis: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” Conforme já elucidado, tal discussão vem sendo feita, erroneamente, em sede de embargos do executado, já que tais pessoas não configuram como executados originais e sequer são regularmente mencionadas no título executivo – Certidão de Dívida ativa, não sendo, portanto sujeito passivo de tributo. Os embargos de terceiros é o melhor meio de impugnação, conforme prevê o art. 1046 do Código de Processo Civil, tendo em vista a grave moléstia com constrição judicial: “Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos”. Disto posto, resta evidente a importância de tal Súmula na defesa de execuções fiscais, já que em inúmeros casos ocorre o redirecionamento da ação para os sócios-gerentes sem que haja a necessidade de motivação legal. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A responsabilização de obrigação tributária diretamente ao sócio da pessoa jurídica a ela relacionada surge como uma forma de sanção para aquele que teria a obrigação de cumprir algo, e o seu não cumprimento gera uma lesão no mundo fático, havendo a necessidade deste responder pelo seu não cumprimento. A lei é clara, e está ao alcance de todos, visto que ninguém pode se escusar de segui-la. O Estado é aquele que possui poderes para coibir o não cumprimento da lei, cobrando daquele que é o responsável pelo seu descumprimento. Na esfera jurídica tributária, o sujeito passivo da obrigação tributária responderá na pessoa do responsável ou do contribuinte, através de ação de execução fiscal pelo não cumprimento da obrigação tributária.  A pessoa jurídica da sociedade limitada tem personalidade própria, mas quando configurada, que em sua gestão o sócio administrador agiu com excesso de poderes, infração a lei, estatuto ou contrato social, a responsabilidade pelos seus atos recairá sobre este. A obrigação do sócio e administrador de responder por dívida originariamente do contribuinte jamais surge direta e automaticamente, pois a ocorrência do fato gerador do tributo só obriga o contribuinte a adimplir com o tributo. A regra da responsabilidade tributária não se confunde, de modo algum, com a regra matriz da incidência de qualquer tributo: tal responsabilidade tem estrutura própria e parte de um pressuposto de fato específico de responsabilidade, sem o qual não há essa atribuição. O que ocorre é que o sócio gerente, devidamente qualificado como tal, pode responder solidariamente com seu patrimônio, o que, por consequência, acaba por ampliar o rol de garantidores da satisfação do crédito tributário. Para isto, faz-se necessário que se comprove que o sócio gerente tenha agido com dolo, fraude ou má-fé no exercício da sua administração, quando estava ocupando função de direção da sociedade.  O simples inadimplemento da obrigação tributária, não enseja responsabilidade do sócio, mas atos que caracterizem que praticados por este, tenham o intuito de infringir a lei com o seu inadimplemento. De acordo com o fato de que os atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, o contrato social ou os estatutos, aos quais se reporta o art. 135, III, do CTN, ocasionou na insolvência da pessoa jurídica, impende salientar que em uma sociedade, tanto os sócios quanto os administradores têm deveres e responsabilidades. Isso se justifica pela necessidade de zelar pelo satisfatório funcionamento da atividade empresária. Para que sejam cumpridos tais deveres, é mister que haja efetiva fiscalização dos atos da sociedade e de seus componentes. Esta fiscalização deve pautar-se na lei e no próprio contato social, sendo indicado que seja desempenhada por órgão específico: o conselho fiscal. Sobre as questões processuais pertinentes ao redirecionamento, tendo em vista que a responsabilidade do sócio não é objetiva, impende que seja apurada, já na esfera administrativa, não apenas a ocorrência do fato gerador, mas também, o próprio ato “ilícito” que fez com que o débito possa ser exigido do terceiro, oportunizando aos responsáveis o exercício do direito de defesa. Cabe tal ato, portanto, ao exequente provar o ato ilícito praticado e, inclusive, na mesma oportunidade, indicar o real responsável tributário. Conclui-se então que a dissolução irregular da empresa é caracterizada através dos indícios de dolo ou fraude ou excesso de poderes, legitima o redirecionamento da execução para os sócios ou administradores, cabendo a estes o ônus da prova de que não faziam parte da sociedade à época do fato. O procedimento utilizado pelo Fisco para cobrar aqueles que o devem é o procedimento utilizado pela Lei 6.830/80, denominada Lei de Execução Fiscal, utilizando o Código de Processo Civil de forma subsidiária naquilo que couber, fundamentando ainda as diligências para reaver créditos tributários em decisões reiteradas do Tribunal de Justiça.  É este o posicionamento atual do STJ nos casos em que o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa, é cabível. Saliente-se que apenas quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Sendo assim, o sócio-gerente que deixa de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e à sua dissolução, viola a lei (arts. 1.150 e 1.151, do CC, e arts. 1º, 2º, e 32, da Lei 8.934/1994, entre outros). A não localização da empresa, em tais hipóteses, gera legítima presunção iuris tantum de dissolução irregular e, portanto, responsabilidade do gestor, não havendo necessidade de atribuir a responsabilidade imediata do adimplemento dos créditos tributários exequendos aos demais sócios, como tenda induzir a Fazenda Nacional em algumas execuções fiscais.
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Evasão fiscal e seus reflexos na gestão tributária
O presente estudo tem como objetivo geral analisar a situação do IPTU no município paulista de Mogi Guaçu. Tem como objetivo específico conhecer o histórico sobre o IPTU de Mogi Guaçu, analisando os valores cobrados de IPTU por parte do município, identificando o quanto não é recebido e os principais fatores que levam ao não pagamento e propor alternativas ao município para que ocorra a diminuição da sonegação. Neste estudo aplica-se o método de pesquisa qualitativa e descritiva, compreendendo e descrevendo com clareza os principais fatores que levam ao não pagamento do imposto. A abordagem do problema é desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica, composta de uma fundamentação teórica que relaciona e evidencia os conceitos mais importantes. A coleta de dados é através de pesquisa documental, envolvendo a investigação de documentos internos dentro da Prefeitura de Mogi Guaçu, analisando os níveis de inadimplência na cidade. Como resultado do estudo é fornecer subsídios à autoridade tributária para a definição de estratégias para aumentar a arrecadação e minimizar a evasão fiscal.
Direito Tributário
1- Introdução A evasão fiscal ou sonegação é um problema tão antigo quanto os impostos em si. Os contribuintes, em geral, não gostam de pagar impostos e farão de tudo o que puderem para reduzi-los. A sonegação de impostos é um dos principais problemas que as administrações tributárias municipais enfrentam, e que trazem fortes implicações para o funcionamento tributário e da economia como um todo. Coma alta carga tributária, várias medidas são tomadas pelos contribuintes com o objetivo de reduzir o pagamento de impostos. Quando as empresas adotam o planejamento tributário utilizando de meios permitidos por lei caracteriza a chamada elisão fiscal. Todavia, quando empresas ou pessoas físicas utilizam meios articulosos, ilegais para não pagarem impostos configuram a evasão fiscal que se expressa como uma ação ou omissão ilícita tendente ao descumprimento do dever jurídico tributário. A partir daí surge o problema de pesquisa: Quais os fatores que podem levar à ocorrência de evasão fiscal do IPTU em um município? O presente estudo tem como objetivo geral analisar a situação do IPTU no município paulista de Mogi Guaçu. Tem como objetivo específico conhecer o histórico sobre o IPTU de Mogi Guaçu, analisando os valores cobrados de IPTU por parte do município, identificando o quanto não é recebido e os principais fatores que levam ao não pagamento e propor alternativas ao município para que ocorra a diminuição da sonegação.
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O creditamento do IPI, do ICMS, do PIS/PASEP e da COFINS, diante do princípio da não-cumulatividade
O presente artigo tem como objetivo definir e demonstrar a sistemática da não-cumulatividade existente em diferentes tributos (IPI, ICMS, PIS/PASEP e COFINS), além de expor algumas das inúmeras hipóteses de creditamento/compensação diante da não-cumulatividade.
Direito Tributário
Introdução Atualmente, a carga tributária de nosso paísé extremamente alta, além de haver grande confusão e até mesmo contradição entre nossas leis. É certo que, devido a esta alta carga tributária, equivalente hoje à carga tributária de um país de primeiro mundo, os contribuintes buscam cada vez mais diminuir sua arrecadação de tributos e aumentar seus créditos, que é exatamente o contrário do que a Fazenda faz, buscando arrecadar sempre mais e mais tributos, sem informar de forma clara e adequada os contribuintes quanto aos créditos que possuem, causando assim um caos na ordem tributária. Dentro deste contexto, começam a surgir inúmeras problemáticas de ordem tributária, como por exemplo, o direito ou não ao crédito de tributos ante o princípio da não-cumulatividade, que será objeto do presente artigo. 1. Princípio da não-cumulatividade A não-cumulatividade se faz necessária para que não ocorra tributação cumulativa (em cascata). Assim, para cada operação, há uma compensação com o tributo cobrado na etapa seguinte, que será exemplificado mais adiante. O imposto sobre produtos industrializados – IPI (federal), bem como o imposto sobre circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS (estadual), tratam-se de tributos sujeitos ao regime da não-cumulatividade. Já o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com o advindo da Medida Provisória n° 66/2002 (Lei n° 10.637/02), e da Medida Provisória n° 135/2003 (Lei n° 10.833/03), passaram a ter dois tipos de regime (o da cumulatividade e o da não-cumulatividade). Com este novo cenário, o regime de apuração não-cumulativo do PIS e da COFINS começou a ser apurado em determinadas pessoas jurídicas de direito privado, quais sejam, aquelas tributadas com base no lucro real, com algumas exceções, como é o caso das empresas de seguros privados e de capitalização, das operadoras de planos de saúde, dentre outras. Cabe destacar que, diversas receitas, apesar de serem auferidas por pessoa jurídica tributada pelo lucro real, não devem compor a base de cálculo do PIS e da COFINS não-cumulativo, como por exemplo, as receitas decorrentes de venda de jornais e periódicos, de prestação de serviços de telecomunicação, e até mesmo o próprio ICMS. Para um maior entendimento quanto ao regime da não-cumulatividade, sugere-se a compreensão do cenário a seguir demonstrado, utilizando-secomo exemplo o IPI: tem-se três sujeitos, A, B e C, sendo que A vendeu insumos à B, este os industrializou, e em seguida vendeu para C, para que este último pudesse industrializar novamente para alguma empresa ou vender para o consumidor final. Ocorrerá, portanto, uma compensação do imposto devido pela venda que B fez para C, decorrente da operação entre A e B para não haver cobrança de tributos cumulativamente. Curioso destacar no caso do IPI, que para o contribuinte ter direito ao crédito, basta que haja uma operação anterior relativa a este imposto, mesmo que não haja a incidência deste na prática, não havendo necessidade do produto industrializado ter sido de fato cobrado e/ou pago para que nasça o direito ao contribuinte de ter a compensação do tributo. Importante mencionar sobre o alcance do princípio constitucional da não-cumulatividade, que por estar presente no IPI (artigo 153, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição Federal), no ICMS (art. 155, § 2º, inc. I, da CF) e no PIS/PASEP e na COFINS (art. 195, § 12°, da CF), não poderá sofrer qualquer tipo de restrição por normas infraconstitucionais e jurisprudenciais, uma vez que são normas constitucionais. Entretanto, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal – STFé desfavorável quanto à eficácia plena deste princípio, conforme julgados sobre a não possibilidade de creditamento do IPI decorrente da aquisição de insumos isentos, tributados à alíquota zero ou não tributados, mesmo sem norma constitucional restringindo tais créditos, e que também ocorre noscasos de ICMS (RE 353.657/PR, 24/06/2007 / RE 370.682/SC, 24/06/2007 / RE 566.819/RS, 29/09/2010). Em contrapartida, as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou aquelas não tributadas, não impedem o creditamento do PIS e da COFINS (de acordo com o artigo 17, da Lei n° 11.033/04), com exceção às listas restritivas de creditamento do PIS e da COFINS existentes nas Leis n°s 10.637/02 e 10.833/03, que são combatidas por doutrinadores, sob o argumento de inconstitucionalidade uma vez que tais restrições, conforme informado anteriormente, somente teriam eficácia jurídica se produzidas pela Constituição Federal. 2. Compensação de tributos –hipóteses de creditamento No tocante à sistemática do creditamento, que possui como alicerce o princípio da não-cumulatividade, é correto afirmar que o contribuinte realizará a compensação do tributo de acordo com os seus créditos devidos pela existência de operações anteriores. Neste sentido, quando as operações realizadas alcançam mais débitos do que créditos, a diferença é calculada e quitada, e quando há mais créditos do que débitos, não há imposto algum a ser recolhido, e também não a nada a ser pago ao contribuinte, sendo que os créditos remanescentes são compensados para o período posterior da apuração realizada. São incontáveis as hipóteses de creditamento em IPI, ICMS, PIS/PASEP e COFINS, sendo que inúmeros créditos devidos estão em consonância com a atual jurisprudência de nossos Tribunais, como é o caso do creditamento relativo ao ICMS incidente na energia elétrica, restrito à parcela destinada pelo processo de industrialização ao qual o contribuinte tem direito. Já com relação ao PIS/PASEP e COFINS, ao abordarmos o mesmo tema (creditamento decorrente de energia elétrica), é correto afirmar que o contribuinte poderá se creditar sem restrição alguma, ou seja, poderá se creditar de toda a energia elétrica e/ou térmica utilizada em seu estabelecimento comercial. Sobre o creditamento de IPI, podemos citar o crédito que o contribuinte possui advindo da aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, sempre que for para empregar na industrialização de produtos tributados. Inclusive, aqueles que embora não integram o novo produto, forem consumidos na atividade de industrialização, salvo se compreendido entre os bens do ativo permanente da empresa. Dentre das inúmeras hipóteses de creditamento possíveis no PIS e na COFINS, há de se destacar aquela em que o contribuinte adquire bens para revenda (exceto produtos sujeitos à incidência monofásica e à substituição tributária), bens e serviços (inclusive combustível e lubrificante) utilizados como insumo na produção ou fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços. Cumpre reforçar que, o contribuinte deverá se atentar às condições, restrições e demais detalhes, antes de presumir que possui direito ao crédito, como por exemplo, as aquisições supracitadas deverão, obrigatoriamente, serem internas de mercadorias e de serviços junto à outra pessoa jurídica domiciliada em nosso país. Há diversos outros créditos aos quais os contribuintes, tanto de IPI, como de ICMS, PIS/PASEP e COFINS possuem direito, tendo em vista a vasta legislação, as diversas características singulares de cada crédito, bem como as constantes alterações no entendimento dos nossos Tribunais. Dentre dasdiversas hipóteses de creditamento diante do regime da não-cumulatividade, destacam-se: Terádireito ao crédito de IPI, o contribuinte que adquirir materiais de comerciante atacadista (ou seja, não-contribuinte) para industrialização, mediante a alíquota do produto a ser calculada sobre 50% (cinquenta por cento) de seu valor constante na nota fiscal. O contribuinte de PIS/COFINS, terá direito a crédito se adquirir edificações (exceto terreno), bem como os gastos com as benfeitorias no imóvel, ou adquirir equipamentos de controle de produção industrial, assim como na instalação e manutenção dos referidos equipamentos. Ainda com relaçãoao PIS e a COFINS, há crédito decorrente dedepreciação nas máquinas, bens e equipamentos utilizados na produção de bens destinados à venda ou prestação de serviços da empresa, depreciação com edificações (inclusive em terrenos de terceiros – amortização), bens recebidos em devolução, custas com agências de publicidade e propaganda, entre incontáveis outras hipóteses. 3. Conclusões É correto afirmar que estão previstas em nosso ordenamento jurídico inúmeras possibilidades de creditamento com base no princípio da não-cumulatividade, para diferentes tipos de contribuintes, sendo certo que o mercado está cada dia mais competitivo, o que faz com que estes busquem constantemente a diminuição de sua carga tributária. Portanto, um contribuinte que pretende permanecer no mercado em igualdade perante seus concorrentes, precisa de uma eficiente consultoria tributária e fazer um planejamento por profissionais confiáveis, especializados, e atualizados com a legislação vigente e atentos às constantes alterações jurisprudenciais, visando diminuir sua carga tributária, e aproveitar os inúmeros créditos, conforme alguns exemplos citados em casos específicos de IPI, ICMS, PIS/PASEP e COFINS com base no princípio da não-cumulatividade.
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O prazo prescricional nos crimes tributários formais
Este artigo pretende analisar o termo de início do prazo prescricional dos crimes tributários formais. O Supremo Tribunal Federal, através da súmula vinculante nº.: 24, pacificou o entendimento acerca do termo inicial para a contagem do prazo prescricional nos crimes tributários materiais. Não há, contudo, um posicionamento firme da Suprema Corte quanto aos crimes tributários formais. O problema deste artigo pode-se traduzir na seguinte pergunta: qual o termo a quo do prazo prescricional nos crimes tributários formais? O objetivo deste artigo é investigar a questão e, se possível, responder ao problema.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Supremo Tribunal Federal, através da súmula vinculante nº.: 24, pacificou o entendimento acerca do termo inicial para a contagem do prazo prescricional nos crimes tributários materiais. Não há, contudo, um posicionamento firme da Suprema Corte quanto aos crimes tributários formais. O problema deste artigo pode-se traduzir na seguinte pergunta: qual o termo a quo do prazo prescricional nos crimes tributários formais? O artigo é estruturado em 2 itens: No primeiro item, é realizada a contextualização do problema, destacando o entendimento jurisprudencial e doutrinário. No segundo item, é realizada a análise crítica do problema, com o objetivo de responder ao questionamento. O objetivo deste artigo é investigar a questão e, se possível, responder ao problema. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA Durante muito tempo discutiu-se sobre a necessidade do término do procedimento administrativo fiscal para que a atuação do Ministério Público nos crimes tributários, regulados pela Lei nº. 8.137/90, fosse considerada legítima. A grande polêmica girava em torno da impossibilidade de se considerar consumado o crime de sonegação fiscal antes da constituição definitiva do crédito tributário. Ocorre que, em 02.12.2009, o STF pacificou o tema e consolidou a questão com a edição da súmula vinculante nº.: 24, do STF, que diz o seguinte: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”. De fato, quanto aos tipos materiais a questão restou pacificada, inclusive, para efeitos da contagem do prazo prescricional, que tem como termo inicial a data da constituição definitiva do crédito tributário. Contudo, a dúvida persistiu quanto aos outros tipos penais da Lei nº. 8.137/90, os denominados tipos formais. Quanto a estes, manteve-se a dúvida sobre o momento consumativo: a data do fato ou a constituição definitiva do crédito tributário. Em verdade, no Direito Penal, quando se trata de crime formal, que deste são espécies os previstos no artigo 2º, da Lei 8.137/90, a consumação é antecipada. Nos dizeres de Ney Moura Teles: “formal é o crime cujo tipo descreve uma conduta, menciona um resultado, mas não exige que este ocorra para sua consumação. São chamados de crimes de consumação antecipada ou de resultado.[1] Ao tratarem especificamente dos crimes tributários, Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini afirmam que: “O tipo penal previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/90, consoante clássica diferenciação, pertence à categoria denominada delito formal, isto é, descreve o resultado naturalístico (supressão de pagamento de tributo) mas não o exige para a consumação formal do delito.”[2] A partir do entendimento de que o crime formal é de consumação antecipada, pois, não há a necessidade da ocorrência do resultado para a consumação do delito, seria desnecessária a conclusão do procedimento administrativo fiscal para a consumação da infração, pois, a conduta do agente é suficiente para que o tipo penal em questão tenha incidência. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido nos Embargos de Declaração no Recurso em HC 90.532-3 CE, senão vejamos: “Processo:      RHC 90532 CE Relator(a):      Min. JOAQUIM BARBOSA Órgão Julgador:      Tribunal Pleno Publicação:     DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-03 PP-00728 Parte(s): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RAFAEL PEREIRA DE SOUZA MARIA FRANCISCA ALVES SOUZA Ementa Embargos de declaração. Efeitos infringentes. Admissibilidade excepcional. Necessidade de intimação da parte embargada para contra-razões. Art. 2º, inc. I, da Lei nº 8.137/90. Crime formal. Desnecessidade de conclusão do procedimento administrativo para a persecução penal. Visando os embargos declaratórios à modificação do provimento embargado, impõe-se, considerado o devido processo legal e a ampla defesa, a ciência da parte contrária para, querendo, apresentar contra-razões. O tipo penal previsto no artigo 2º, inc. I, da Lei 8.137/90, é crime formal e, portanto, independe da consumação do resultado naturalístico correspondente à auferição de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, não demandando a efetiva percepção material do ardil aplicado. Dispensável, por conseguinte, a conclusão de procedimento administrativo para configurar a justa causa legitimadora da persecução. Embargos declaratórios providos.”[3] O precedente do STF é seguido pelos tribunais ao redor do país. (STJ: HC 195824 DF 2011/0018840-2 – Relator(a):   Ministra LAURITA VAZ; TRF4: Processo:       ACR 7009 PR 0003681-07.2007.404.7009 – Relator(a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA; TRF1: Processo: ACR 5679 MG 0005679-14.2004.4.01.3803 – Relator(a):DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES; e TRF3: Processo:       ACR 1944 SP 2006.61.14.001944-6 – Relator(a): DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE). Existe também a corrente que defende não haver diferença entre crime tributário formal e crime tributário material no que tange ao momento consumativo, devendo o procedimento administrativo fiscal ser sempre finalizado antes de se discutir a responsabilidade penal de alguém. Essa corrente defende que mesmo no caso dos crimes formais é preciso saber se o tributo que se buscava suprimir era devido. Por exemplo, uma declaração falsa somente poderia ser considerada crime tributário se a exação for considerada exigível no procedimento administrativo. O artigo 83, da Lei 9.430/1996, com redação dada pela Lei 12.350/2010, pretendeu resolver a questão, ao afirmar que a representação fiscal para fins penais somente pode ser encaminhada ao Ministério Público após a decisão final na esfera administrativa: “Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)” Para a doutrina, contudo, a polêmica continua existente, pois, a lei pretende tratar de maneira idêntica duas situações completamente distintas. Vale destacar que a Lei 12.350/2010, que tem como origem a Medida Provisória nº.: 497/2010, trata desde assuntos como a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 até o fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas. A partir dessas informações, percebe-se, desde logo, que o tema relativo aos crimes tributários foi enxertado indevidamente no texto legal. O fato de o tema ser objeto de lei não é garantia de que seja nela tratado corretamente. O Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição, já demonstrou a complexidade da questão. Segundo Hugo de Brito Machado, o Supremo Tribunal Federal, mesmo diante do art. 83, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, afirmou ser possível a propositura da ação penal antes dessa comunicação. E a Suprema Corte somente não declarou a inconstitucionalidade daquele dispositivo legal, por entender que o mesmo se dirigia apenas às autoridades administrativas, e não limitava a conduta do Ministério Público, pois “é pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal”.[4] Considerando a controvérsia, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4980 contra a nova redação do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996.[5] A ADI sustenta a inconstitucionalidade da Lei em face do abuso da competência extraordinária para a adoção de medidas provisórias e em razão do tratamento errôneo aos crimes de natureza formal, por ofensa aos artigos 3º; 150, II; 194, caput e inciso V; e 195 da Constituição, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. A questão encontra-se para a análise da Suprema Corte.     2. ANÁLISE CRÍTICA DO PROBLEMA Conforme apontado acima, para o Direito Penal, a distinção entre crime material e crime formal não é apenas para fins didáticos. O fato de uma espécie exigir o resultado naturalístico (ou não) faz parte da essência do próprio tipo penal. O sujeito que faz uma declaração falsa ao Fisco, ainda que o tributo que pretenda suprimir seja considerado inexigível no procedimento administrativo fiscal, pratica um fato típico (art. 2, I, Lei 8.137/90). Defender o contrário significa colocar este agente na mesma situação de alguém que sempre faz declarações verdadeiras ao Fisco. Para o argumento que sustenta que a conduta de prestar declaração falsa ao Fisco referente a tributo inexigível não é criminosa, pois não causa danos aos cofres públicos, há o contra-argumento de que o artigo art. 2, inciso I, da Lei 8.137/90 visa punir apenas a declaração falsa ao fisco, independentemente de supressão de tributo. Para punir a declaração falsa seguida de efetiva sonegação fiscal há o tipo do artigo 1, inciso I, da mesma Lei. É princípio basilar de hermenêutica jurídica aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda.[6] Conforme foi colocado no tópico anterior, a situação dos crimes formais é peculiar, pois, não exige o resultado naturalístico para a consumação do crime. Trata-se de um postulado do Direito Penal que não pode ser suprimido por questões de natureza tributária. No caso do Direito Penal Tributário, a Lei Tributária apenas subsidia a aplicação da Lei Penal e não o contrário. Normalmente, o Direito Tributário utiliza institutos e definições próprias de outros ramos do Direito, como o civil, empresarial, sendo, por isso, um “direito de superposição”. A lei tributária cumpre seus fins mediante a utilização de certos conteúdos que encontra apenas em outros ramos jurídicos. No campo do direito penal tributário, todavia, a lei tributária é “lei de subposição”, ou seja, oferta determinados conceitos, institutos, para que a lei penal seja efetivada. Segundo Roque Antônio Carraza, o “direito penal tributário superpõe-se ao direito tributário para, de acordo com as situações que este último regula, dispensar especial proteção aos interesses fazendários”.[7] Isso significa ao menos duas coisas, que estão interligadas: a) no direito penal tributário, os princípios fundamentais do direito penal prevalecem sobre a lei tributária; desde que b) conceitos, institutos e procedimentos da lei tributária sejam compreendidos e respeitados em sua essência. Portanto, não pode a lei tributária impor um regime ao Direito Penal, quando seus princípios e institutos são contrários a este regime. Isso significa que a distinção entre crimes materiais e crimes formais, especialmente no que se refere ao momento consumativo, deve prevalecer ante a necessidade de se aguardar o procedimento administrativo fiscal. CONCLUSÃO            Após a cuidadosa análise do tema, conclui-se que não é necessário aguardar o trânsito em julgado do processo administrativo tributário para que a Autoridade Policial ou o MP, desde logo, promova a persecução penal, seja com inquérito policial ou com a própria ação judicial. Isto significa que nos crimes tributários formais não é preciso que a autoridade tenha de esperar a conclusão do procedimento administrativo fiscal para que comece a praticar os atos de investigação necessários a responsabilização do agente. Isso também implica dizer que, nos casos de crimes formais contra a ordem tributária, o termo inicial do prazo prescricional tem início no dia em que se deu a conduta (data da consumação do crime formal), nos termos do artigo 111, I, do CP, interrompendo-se somente com o recebimento da denúncia, conforme artigo 117, I, do mesmo diploma legal.
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A extinção da punibilidade mediante o pagamento: uma visão crítica
Este estudo trata do instituto da extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo nos crimes contra ordem tributária, que têm promovido grandes discussões doutrinárias nos últimos anos. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica que se utiliza de fontes primárias e secundárias, com o objetivo de analisar a evolução do tema. A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e seus acessórios, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, parece ferir princípios constitucionais como o da proporcionalidade, por conferir uma proteção estatal deficiente a um bem jurídico relevante, e ao princípio da igualdade, na sua esfera material, uma vez que, embora a lei deva ser igual para todos, aos que cometem crimes tributários a punição é mais branda, enquanto que aos que cometem crimes patrimoniais, sem violência ou grave ameaça, o Direito Penal confere penas mais gravosas. A proposta foi demonstrar como o instituto da extinção da punibilidade feria tais princípios. Atingido tal objetivo, foi possível constatar que a extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e seus acessórios, a qualquer tempo, demonstra uma proteção deficiente, por parte do Estado, de um bem jurídico relevante e confirma a que, no Brasil, o princípio da isonomia é aplicado apenas em sua vertente formal. [1]
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O pagamento do imposto, e seus acessórios, como forma de extinção da punibilidade é alvo de controvérsias doutrinárias há algum tempo.  O presente trabalho, sem pretensão de esgotar o assunto, tem como objetivo discutir o instituto da extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e de seus acessórios sob o prisma dos princípios da isonomia e da proporcionalidade. O cerne da questão que será analisada trata-se do ato grau de opressão do Direito Penal em face dos crimes cometidos contra o patrimônio em detrimento de um Direito Penal brando, quase inexistente em face dos crimes cometidos contra a ordem tributária. Para melhor compressão do tema, far-se-á uma análise acerca dos crimes contra a ordem tributária previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137 de dezembro de 1990, adentrando, posteriormente, no estudo sobre os bens juridicamente protegidos em crimes desta natureza. Posteriormente, como não poderia deixar de ser, será avaliado o instituto da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, sendo realizada uma breve análise de cada instituto previsto no art. 156 do CTN- Código Tributário Nacional. Não obstante, será realizado um estudo mais aprofundado do instituto da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e de seus acessórios, que pode ser realizado a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Após o estudo do instituto da punibilidade prevista no CTN, adentrar-se-á no instituto da extinção da punibilidade previsto no CP- Código Penal. Sumariamente, será avaliado cada um dos institutos previstos no art. 107 do Código Penal. Para, adiante, fazer uma análise do instituto do arrependimento posterior, instituto esse que o presente trabalho julga o mais aproximado do instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, e de seus acessórios. Feito isto, será explicado o princípio da isonomia e da proporcionalidade. Para, então, ser realizada uma análise critica acerca do instituto da extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e de seus acessórios. Por fim, será proposto que, nos crimes contra a ordem tributária, deveria ser aplicado o instituto do arrependimento posterior previsto no art. 16 do Código Penal Brasileiro. 2 DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA A repressão ao ilícito fiscal é uma demanda de politica criminal, não obrigatoriamente o ilícito fiscal deverá ser tutelado pelo Direito Penal, isso é uma opção do legislador. As infrações tributárias, portanto, são punidas por sanções cominadas na legislação tributária e eventualmente, quando tipificadas penalmente, por sanções do Direito Penal. Aqui há a emanação de diferentes manifestações da soberania estatal, as sanções tributárias, que derivam do ius tributante e as sanções penais, que emanam do ius puniend. Assim, o Estado tem o dever de proteger os bens jurídicos de seus governados. Deve, o Estado, proteger os seus próprios bens e de todos aqueles que se submetem a sua soberania. Essa, por sinal, é a sua finalidade essencial. Logo, dessa forma, o Estado ao garantir a eficácia do Direito preservando os bens jurídicos, assegura o convívio das pessoas, inegavelmente, esta é a razão de ser do Estado, seja pelo ius tributante ou através do ius puniend. Segundo Hugo de Brito Machado, o Estado, no intuito de proteger os seus governados, manifesta essa proteção de diversas formas e em vários momentos: “Essa proteção manifesta-se de diversas formas e em vários momentos. Desde a elaboração do ordenamento jurídico, momento no qual são feitas as normas segundo as quais os próprios bens jurídicos são definidos, ou têm os seus contornos delimitados, e aos quais o Estado promete proteção, até a aplicação das leis, momento no qual se busca fazer efetiva aquela proteção prometida. E diversas são as formas pelas quais se manifesta tal proteção, começando com a própria norma definidora dos crimes e obrigações de cada um, segundo com a previsão de sanção e indo até a efetiva aplicação da sanção”. (MACHADO, 2011, p.18). Assim, o Estado, no intuito de proteger os bens jurídicos seus e do seu povo, poderá valer-se de sanções e, inclusive, da efetiva aplicação dessas sanções.  A Lei 8.137 de dezembro de 1990 trouxe condutas e cominou penas para os crimes praticados contra a ordem tributária, vejamos: “Art. 1º Constitui crimes contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I- omitir informação, ou prestar declaração falsa as autoridades fazendárias; II- fraudar a fiscalização tributaria, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operações de qualquer natureza, em documentos ou livro exigido pela lei fiscal; III- falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV- elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V- negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativo a venda de mercadorias ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação; Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V. Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:  I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;  IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. (BRASIL, 1990). O art. 1º traz que “constitui crimes contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório”. O crime é suprimir, que significa desaparecer, e reduzir, que significa reduzir, mediante as hipóteses que se passa ao estudo: 2.1 Do art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 omitir informação, ou prestar declaração falsa as autoridades fazendárias O núcleo do tipo penal é a “supressão” ou “redução” do tributo, contribuição ou seus acessórios, mediante a conduta de omitir declaração que deveria fazer, quer inserindo ou fazendo inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, quer omitindo declaração obrigatória. Importante ressaltar que, para que seja configurado o crime sobre comento é importante que o agente tenha agido dolosamente. Em sede de habeas corpus o Supremo Tribunal Federal denegou a ordem no writ sob a alegação de que o dolo restou configurado, pois os agentes agiram conscientemente para a proposital sonegação de tributos. “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DO AGENTE. NECESSIDADE DO REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO HABEAS CORPUS. ORDEM DENEGADA. 1. O dolo na conduta imputada ao agente demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na via do habeas corpus. Precedentes: HC 118.912-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJE de 12.02.14; RHC 117.074, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 24.10.13; HC 115.432-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 27.06.13; HC 112.465, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 18.02.13; RHC 103.354, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 09.08.11; HC 102.745, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 03.03.11. 2. In casu, a paciente foi condenada a 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime aberto, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, tendo a Corte Regional, em sede de apelação, assentado que “se os agentes omitiram informação ou prestaram declaração falsa às autoridades fazendárias, reduzindo ou suprimindo, com isso, tributo e qualquer acessório, perfectibilizado estará o tipo penal. Na espécie, o dolo exigido no artigo 1º, I e II da Lei nº 8.137/90 ficou configurado por ter o réu realizado conscientemente fraudes e mal formações na escrita fiscal, demonstrando agir para a proposital sonegação de tributos”. 3. Ordem denegada”. (BRASIL, 2014, grifo nosso). Sobre o tema, dispõe Edmar de Andrade Filho: “Somente é relevante, para fins de aplicação do dispositivo legal citado, que a informação omitida o seja dolosamente, ou a declaração falsa diga respeito a matéria ou fato idôneo para dar surgimento da obrigação tributária, e que o estabelecimento da relação jurídica respectivo seja frustrado, ou seus efeitos econômicos diminuídos.” (ANDRADE FILHO, 1997, p. 120). Note-se que, caso o agente tenha cometido a ação ou omissão de forma culposa, ou seja, por negligência, imprudência ou imperícia, o mesmo não será punível, em virtude do disposto no parágrafo único do art. 18 do Código Penal Brasileiro[2]. 2.2 Do art. 1º, inciso II, da Lei 8.137/90 fraudar a fiscalização tributaria, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operações de qualquer natureza, em documentos ou livro exigido pela lei fiscal Esse é um tipo de falso ideológico[3], uma vez que o agente mediante a inserção de elementos inexatos ou omitindo operação de qualquer natureza, em documentos ou livros exigidos por lei fiscal visa fraudar a fiscalização tributária. Dispõe Antonio Corrêa que: “Surgem duas situações, uma de omissão de operação de qualquer natureza e, outra, comissiva de falsidade, onde o agente lança dados inexatos. Feito embora o lançamento, os dados são diferentes da realidade, escondendo a verdadeira situação do lançamento do tributo”. (CORRÊA, 1996, p. 104). Em sede de apelação criminal, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, decidiu que “O administrador de pessoa jurídica que deixa de submeter operações tributáveis à incidência do ICMS- Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços, sem emissão de documentos fiscais e escrituração em livros próprios e, com isso, deixa de pagar tributos no valor de R$ 760.554,02, comete o crime previsto no art. 1º, II, da Lei 8.137/1990”, in verbis: “PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, II, DA LEI 8.137/1990). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO AFASTADA. DOCUMENTOS FISCAIS QUE NÃO POSSUEM CARÁTER SIGILOSO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A APREENSÃO POR FISCAIS DA FAZENDA. PRECEDENTES. MÉRITO. POSTULADA A ABSOLVIÇÃO DO APELANTE POR FALTA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PROVA TESTEMUNHAL ELUCIDATIVA. DOLO EVIDENCIADO. ALMEJADA A DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990 E O AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. IMPUGNAÇÃO NÃO CONHECIDA NESSE PONTO. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. – O acesso dos fiscais da Fazenda aos documentos fiscais conservados pelos estabelecimentos empresariais é medida prevista em lei (art. 195, caput, do CTN) e prescinde de qualquer autorização do Poder Judiciário para a sua consecução. Precedentes do STJ. – A pessoa física com poder de administração e gerência da sociedade empresária responde pela prática de crime contra ordem tributária praticado durante a sua gestão. – O administrador de pessoa jurídica que deixa de submeter operações tributáveis à incidência do ICMS, sem emissão de documentos fiscais e escrituração em livros próprios e, com isso, deixa de pagar tributos no valor de R$ 760.554,02, comete o crime previsto no art. 1º, II, da Lei 8.137/1990. – Pelo princípio da dialeticidade recursal – segundo o qual, o efeito devolutivo da apelação criminal encontra limites nas razões expostas pela parte recorrente -, não se pode conhecer do pedido realizado de forma genérica, sobretudo se o apelante não apresentou fundamentação idônea para ensejar a alteração da sentença nesse ponto. Precedentes do STJ. – Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso. – Recurso parcialmente conhecido e desprovido. […]” (BRASIL, 2014, grifo nosso). Destarte, depois de verificado quais os livros as leis fiscais exigem e, a partir, desses analisar se ocorreu ou não a omissão de sua escrituração ou inserção de elementos não verdadeiros ou mesmo operações de qualquer natureza que caracterizem o tipo em comento. 2.3 Do art. 1º, inciso III, da Lei 8.137/90 “falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável” Neste tipo penal o agente poderá valer-se tanto da falsidade ideológica quanto da falsidade material. No primeiro, inserindo dados falsos em documentos verdadeiros e no segundo, criando documentos inteiramente falsos. As duas modalidades visam fraudar o fisco. Na Apelação Criminal de Joinville, Santa Catarina, restou demonstrado que notas fiscais nas quais são inseridos valores inferiores ao das operações, evidenciam o crime de sonegação fiscal nos termos do art. 1º, inc. III, da Lei nº 8.137/90. “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, III, DA LEI N. 8.137/1990, NA FORMA DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DA DEFESA DO RÉU JOÃO LOURENÇO DE SOUZA FILHO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS NO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. DOCUMENTO FISCAL ENTREGUE AO FISCO (3ª VIA) COM VALORES INFERIORES AO DAS OPERAÇÕES. FRAUDE CONHECIDA COMO NOTA CALÇADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. MAJORAÇÃO NA PRIMEIRA FASE DA SENTENÇA, EM RAZÃO DA PERSONALIDADE. AFASTAMENTO. VALORAÇÃO EQUIVOCADA DE PROCESSOS EM ANDAMENTO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 444 DO STJ. ADEQUAÇÃO DA PENA QUE SE IMPÕE. RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA DECISÃO QUE ABSOLVEU RUITER GONÇALVES DOS SANTOS. AGENTE QUE FIGURA COMO SÓCIO-ADMINISTRADOR DA EMPRESA UNICAMENTE NO CONTRATO SOCIAL. RÉU QUE DESEMPENHAVA ATIVIDADES NA ÁREA TÉCNICA, INSTALANDO EQUIPAMENTOS, SEM REALIZAR ATOS DE GERENCIAMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIO PASSÍVEL DE DEMONSTRAR A EFETIVA ATUAÇÃO DO AGENTE NA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA. PROVA TESTEMUNHAL FIRME E COERENTE QUE CORROBORA OS FATOS. INEXISTÊNCIA DE LIAME ENTRE A ATUAÇÃO DO AGENTE E A PRÁTICA DELITIVA QUE LHE FOI IMPUTADA. PLEITO CONDENATÓRIO NEGADO. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.” (BRASIL, 2014, grifo nosso). Note-se que, aqui, os valores do documento fiscal entregue ao Fisco continham valores inferiores ao das operações realizadas, caracterizando o crime do inciso III, art. 1º da Lei. 2.4 Do art. 1º, inciso IV, da Lei 8.137/90 “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato” Este tipo penal visa inibir o comércio de notas fiscais falsas, conforme bem expõe Antonio Corrêa: “Este tipo consagra cinco modalidades de delitos praticados em detrimento do Poder Público pela supressão ou redução de tributos. São elas as de “elaborar”, “distribuir”, “fornecer”, “emitir”, ou “utilizar” documentos falsos ou inexatos. O legislador teve em mira atacar o comércio ilegal de documentos, conhecido vulgarmente por venda de “notas frias”, que assola o comércio e indústria em geral, aumentando a cada dia e impossibilitando a fiscalização de atuar, já que o grande número de fatos econômicos impede o cruzamento de informações, mesmo com o uso da informática, possibilitando a evasão fiscal”. (CORRÊA, 1996, p. 124). Ressalte-se que, não havendo dolo por parte do agente em praticar a conduta descrita no art. 1º, inc. IV da Lei 8.137/90, tal conduta não será considerada crime. Ou seja, é necessário que o agente haja com a vontade livre e consciente de cometer o crime, nesse sentido: DIREITO PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – RECURSO MINISTERIAL – AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O RÉU TENHA CONCORRIDO PARA A INFRAÇÃO PENAL – PROVA INSUFICIENTE PARA LEGITIMAR A CONDENAÇÃO – DOLO NÃO DEMONSTRADO – ABSOLVIÇÃO – MANUTENÇÃO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I – Restando comprovado nos autos que o acusado não contribuiu para prática da conduta criminosa descrita na denúncia, impõe-se a manutenção da absolvição. II – Na ausência de prova do dolo do agente de praticar as condutas descritas nos incisos II e IV do art. 1º da Lei nº 8.137/90, não pode ser reputada criminosa a sua conduta. (BRASIL, 2013, grifo nosso). A figura típica descrita no art. 1º, inc. IV requer que haja, por parte do agente, a vontade de cometer a supressão ou redução de tributo ou contribuições, não estando, desta forma abarcadas condutas daquele que tenha de boa fé, ou acreditando ser licita seu comportamento. 2.5. Do art. 1º, inciso V, da Lei 8.137/90 “negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação” Esse tipo penal ao criminalizar, porque obrigatório, aquele que “negue” ou “deixe de fornecer” nota fiscal, visa punir aquele que haja em desacordo com a legislação tributária. Impende destacar que, apenas está compelido a emitir nota fiscal ou documento equivalente o comerciante que realizar a transação ou fornecer serviço. Assim, incidindo o fato econômico, forçosa é a emissão do documento. Nesse sentido: “APELAÇÃO CRIMINAL – PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEIÇÃO – SÚMULA VINCULANTE Nº 24 DO STF – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – LEI 8.137/90 – ARTIGO 1º, V, DA LEI 8.137/90, NA FORMA DO ART. 11 DA REFERIDA LEI – TIPO MISTO ALTERNATIVO – ICMS – FISCALIZAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL – APURAÇÃO DE ILÍCITO – FRAUDE TRIBUTÁRIA – "CAIXA DOIS" – SAÍDAS DE MERCADORIAS, DESCOBERTAS DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL – NÃO RECOLHIMENTO DE IMPOSTO EFETIVAMENTE DEVIDO – PREJUÍZO AOS COFRES PÚBLICOS COMPROVADO – ADMINISTRADOR DA PESSOA JURÍDICA – FIRMA INDIVIDUAL – TESE DEFENSIVA – ÔNUS PROBATÓRIO – ART. 156 DO CPP – ENCARGO NÃO ATENDIDO – CONDENAÇÃO MANTIDA – CONTINUIDADE DELITIVA – OCORRÊNCIA – RECURSO NÃO PROVIDO. Comprovado que o apelante promoveu a saída de mercadorias desacobertadas de documentação fiscal, em expressivo lapso de tempo, isso ao intento de deixar de recolher o ICMS devido, resulta patenteada a prática do delito capitulado no art. 1º, V, da Lei nº 8.137/90, o que autoriza o reconhecimento de sua responsabilização penal. Tendo sido praticadas diversas condutas, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, deve ser mantida a continuidade delitiva reconhecida em primeiro grau. Cabe a parte acusada o ônus da prova do fato extintivo ou modificativo alegado, a teor do art. 156 do CPP, sendo que o não cumprimento de tal encargo probatório erige-se em óbice à sua almejada absolvição. V.V.: Em delitos previstos na Lei 8.137/90, quando a conduta ilícita é fruto de uma única atuação fiscal, executada por tempo uniforme e sem interrupção é possível o reconhecimento de crime único.” (BRASIL, 2014, grifo nosso). Comprovado que o agente promoveu a saída de mercadorias desacobertadas de documentação fiscal, com o intuito de fraudar o Fisco, restará caracterizado o crime em comento. 2.6. Do art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.137/90 A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V Note-se que o paragrafo único do art. 1º da Lei 8.137/90 trata-se de norma em branco, que se equipara a desobediência. Isto porque, é facultado à administração tributária requerer vista de livros ou documentos da empresa, com intuito de fiscalizá-la. Não há duvidas de que, tal modalidade também configura crime de sonegação fiscal. Nesses termos, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em sede da Apelação Criminal, dispôs: “APELAÇÃO DEFENSIVA. APELANTES CONDENADOS ÀS PENAS DE 2 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, PELA PRÁTICA DO CRIME DISPOSTO NO ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8137/90. Trata-se, assim, de mais uma modalidade de sonegação fiscal, havendo a necessidade imperiosa de verificar a topografia na qual o referido dispositivo legal se encontra inserido, sob pena de incomensurável distorção jurídica. Tipificação que depende do lançamento definitivo do crédito tributário, o que ocorreu. Não obstante a negativa apresentada pelos apelantes, não é crível o argumento de que não sabiam das intimações para atenderem as exigências da autoridade fazendária. Os apelantes são sócios da pessoa jurídica e acreditar que desconheciam a real situação contábil da empresa, após quatro intimações, é tornar o mundo real em um conto de fadas. CONHEÇO do presente recurso e, NO MÉRITO, NEGO-LHE PROVIMENTO”. (BRASIL, 2012, grifo nosso). Para Zanella, o crime previsto no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.137, trata-se de crime de mera conduta, não Geraldo qualquer resultado naturalístico. Bastando a não atendimento à ordem emanada para a concretização do crime. Contudo, deve-se averiguar o dolo do agente, que deve ser no intuito de reduzir ou suprimir tributo, entretanto, como já citado, o resultado não se faz necessário, bastando a mera conduta. (ZANELLA, 2009). 2.7. Do art. 2ª, inciso I, da Lei 8.137/90 fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo Primeiramente, é importante dizer que os crimes previsto no art. 2º da Lei 8137, constituem crimes da mesma natureza dos previstos no art. 1º, isso significa que igualmente violam a ordem tributária, devendo, o agente, ao praticar a conduta, ter a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir o tributo. Entretanto não mais se exige o resultado naturalístico, sendo, portanto, crimes de mera conduta. O inciso I do artigo 2º busca criminalizar condutas daqueles que objetivando a sonegação de impostos, valem-se de manobras como “fazer declaração falsa” ou, ainda, “omitir declaração sobre renda, bens ou fatos”, ou empregando outro meio de fraude para eximir-se, total ou parcialmente, de pagar o tributo devido, nesse sentido: “JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO I, LEI 8.137/90). AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. REINCIDÊNCIA. REGIME INICIAL DE PENA SEMIABERTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de Apelação interposta pelo condenado em face da sentença que julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia, condenando o réu como incurso nas penas cominadas no artigo 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90. Em suas razões recursais, o réu alega que a condenação deve ser afastada por falta de provas e requer, subsidiariamente, a fixação do regime aberto para cumprimento inicial da pena. 2. Com efeito, comete o delito previsto no artigo 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 quem faz declaração falsa ou omite declaração sobre rendas, bens ou fatos ou emprega outra fraude para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo, sob pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa. 3. A situação fática narrada na peça acusatória deve guardar correlação com os fatos que efetivamente aconteceram no caso concreto. Assim, em que pese ter o acusado afirmado em Juízo que apresentou as notas fiscais das mercadorias apreendidas, não comprovou tal alegação. Ao contrário, o réu assinou o Auto de Infração no qual consta a descrição detalhada da infração e onde alega ter fornecido o preço das mercadorias, o que não seria necessário se todas as notas fiscais estivessem em sua posse (fls. 12 e 52). 4. Ademais, no presente caso, incabível a alegação da defesa acerca da ausência de provas, porquanto ficaram exaustivamente comprovadas a materialidade e a autoria do crime descrito no artigo 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, conforme se depreende do Termo Circunstanciado de fls. 06/99; do Auto de Infração e Apreensão nº 3.986/11 (fls. 12/45), bem como dos depoimentos prestados em Juízo (fls. 157/158). 5. A aplicação do princípio in dubio pro reo se restringe àquelas hipóteses em que o conjunto probatório produzido em toda instrução criminal não se mostra capaz de evidenciar com firmeza a autoria e/ou a materialidade delitiva do crime imputado ao réu, o que não ocorreu no presente caso, uma vez que nos autos há provas hábeis a dar supedâneo a um decreto condenatório. 6. Destarte, incabível outro regime inicial de cumprimento da pena ao acusado que não o semiaberto, considerando o que dispõe o artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal, tendo em vista tratar-se de réu reincidente, ora condenado à pena inferior a 4 (quatro) anos de detenção. Acrescente-se que a fixação do regime semiaberto está em conformidade com a súmula 269 do STJ que diz que: "É admissível a adoção de regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais" 7. Recurso conhecido e desprovido, com súmula de julgamento servindo de acórdão, na forma do art. 82, § 5º, da Lei nº 9.099/95.” (BRASIL, 2014, grifo nosso). Com efeito, o agente este tipo penal vale-se de uma conduta comissiva, que é declarar falsamente e uma omissiva, que é omitir informações relevantes quando deveriam constar. 2.8 Do art. 2ª, inciso II, da Lei 8.137/90 “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos” O tipo penal disposto no art. 2º, inc. II da Lei 8.137/90, visa alcançar o denominado lançamento por declaração. Impende esclarecer, primeiramente, o que seja lançamento, que, segundo Hugo de Brito Machado: “Lançamento tributário, portanto, é procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência de fato gerador da obrigação correspondente, identificar seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível”. (MACHADO, 2013, p.117). Nos termos do Código Tributário Brasileiro existem três tipos de lançamento, a saber: o lançamento de ofício, lançamento por declaração e lançamento por homologação. O lançamento de ofício ocorre por iniciativa da autoridade administrativa, conforme determina, ordinariamente, o CTN em seu art. 149, I: “O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine;”. O lançamento por declaração ocorrerá nos termos do art. 147 do CTN: Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação. (Brasil, 1966). Aqui há um contribuinte que prestará as informações sobre fatos, sendo que quem irá apreciar juridicamente este fato, decidindo qual a norma aplicável será a autoridade administrativa (SCHOUERI, Luis Eduardo, 2014). A última modalidade de lançamento é a por homologação, prevista no art. 150 e§1º do CTN: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento”. (BRASIL, 1966). Também denominado autolançamento, “aqui, o sujeito passivo apura o montante devido e recolhe-o aos cofres públicos, estando sujeito a um controle, a posteriori, por parte da administração tributária” (SCHOUERI, Luis Eduardo, 2014). Portanto, o tipo penal em comento visa, como supramencionado, alcançar o denominado lançamento por declaração criminalizando a ação de fato, infundir temor ao agente, que descumprindo a norma penal, estará sujeito a sanção que o atingirá em sua liberdade e seus bens (CORRÊA, Antonio, 1996). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS DECLARADO PELO PRÓPRIO CONTRIBUINTE. FATO QUE SE AMOLDA, EM TESE, AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Da leitura do artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/1990, depreende-se que pratica o ilícito nele descrito aquele que não paga, no prazo legal, tributo aos cofres públicos que tenha sido descontado ou cobrado de terceiro, exatamente como ocorreu na hipótese em exame, em que o ICMS foi incluído em serviços ou mercadorias colocadas em circulação, mas não recolhido ao Fisco. 3. Não há falar em atipicidade da conduta de deixar de pagar impostos, pois é o próprio ordenamento jurídico pátrio, no caso a Lei 8.137/1990, que incrimina a conduta daquele que deixa de recolher, no prazo legal, tributo descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, e que deveria recolher aos cofres públicos, nos termos do artigo 2º, inciso II, do referido diploma legal. 4. Recurso desprovido”. (BRASIL, 2014, grifo nosso).   2.9 Do art. 2ª, inciso III, da Lei 8.137/90 “exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal” Qualquer pessoa que “exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal”, beneficiando-se do erário público, incorrerá no presente tipo penal. Segundo Antonio Corrêa: “A razão do dispositivo em foco não traz dúvida diante de um exame literal dos seus termos. Criminaliza o fato de se desviarem importâncias, que não são levadas aos cofres públicos, mas aos de empresas, sob a forma de incentivos fiscais. O que se deseja através da criminalização é que na captação desses incentivos não ocorra sua comercialização. A pessoa natural ou jurídica que irá aplicar parte dos impostos deduzidos e subtraídos aos cofres públicos não deve se beneficiar diretamente deles, recebendo de volta por parte da empresa sem que passe pelo sistema de produção. Ao permitir que se deduza o valor do imposto, direciona o numerário para a aplicação na própria empresa, mediante aporte ao seu capital. Ocorrendo qualquer desvio do numerário, que deveria ser direcionado para o referido aporte, incide na norma penal. Aí, portanto, sua objetividade jurídica”. (CORRÊA, 1996, p.188). 2.10 Do art. 2ª, inciso IV, da Lei 8.137/90. “deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento” O tipo penal é “deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento”. Aqui, também há a presença de uma conduta omissiva e uma comissiva. A primeira é de deixar de aplicar e a segunda de aplicar indevidamente.  O tipo penal tem por objetivo coibir desvios de recursos de que a Fazenda Pública abre mão, a título de incentivos fiscais. Nesse sentido: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. APLICAÇÃO IRREGULAR DE INCENTIVOS FISCAIS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 1. A conduta consistente em "deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento" constitui crime contra a ordem tributária, nos termos da Lei nº 8.137/90 (art. 2º, IV). Precedentes do STJ. 2. Desprovimento do recurso em sentido estrito”. (BRASIL, 2013). Note-se que a obrigação de aplicar poderá advir de lei ou de contrato. 2.11 Do art. 2ª, inciso V, da Lei 8.137/90. utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública” Para a configuração deste crime o sujeito passivo da obrigação tributária deverá valer-se de programas de processamento de dados que lhe confiram informações diversas daquelas que devem ser fornecidas à fiscalização. Assim, o objetivo da norma é atingir aqueles através de programas de processamento de dados visam sonegar tributos. Assim dispõe Edma Andrade Filho: “A escrituração contábil e fiscal por intermédio de equipamento de processamento de dados é matéria que consta da legislação dos principais impostos cobrados das pessoas jurídicas, cuja inobservância constitui infração a legislação tributária, mas só poderia constituir crime contra ordem tributária se fosse utilizada como meio para que a supressão ou redução de imposto ou contribuição social seja alcançada pelo agente.” (ANDRADE FILHO, 1997, p.134). A pena cominada para os praticam os crimes previstos no art. 1º e incisos da Lei 8.137/90 é pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa e aos que praticam os crimes previsto no art. 2º do mesmo diploma é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, portanto, mais branda. Nitidamente, é reconhecido ao Estado o direito de receber compulsoriamente, soma de dinheiro dos particulares, a título de tributo, proporcionando meio suficiente de defesa para que as normas que regulam a matéria sejam estritamente cumpridas. A transgressão de qualquer tipo outorga ao Estado o direito de aplicar sanções penais, como as descritas na Lei 8.137/90, que possuem a finalidade de preservar a ordem jurídica afetada, atenuando ou eliminando os efeitos jurídicos dessas infrações. 3. DO BEM JURÍDICO TUTELADO O Estado deve eleger bens jurídicos, seus e de seus governados, para que possam ser objeto de tutela do Direito Penal, note-se que não é qualquer bem, serão eleitos aqueles bens cuja proteção seja indispensável. Percebe-se como sendo bens jurídicos tudo aquilo que é necessário à satisfação das necessidades humanas, que são objeto de proteção pelo Estado, ou seja, interesse resguardado pela norma penal. No entendimento de Luiz Regis Prado, “Bem jurídico é um ente (dado ou valor social) material ou imaterial extraído do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, considerado como essencial à coexistência e desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido.” (REGIS PRADO, 2014, p. 225). Nos crimes contra a ordem tributária, o bem jurídico protegido é a própria ordem tributária. Assim, o legislador ao criminalizar uma conduta, entendida como crime contra a ordem tributária, visa à proteção da mesma enquanto bem juridicamente tutelado. Eis que, para que uma conduta seja considerada crime e, portanto, merecedora de proteção pela norma penal, é preciso que haja lesão efetiva ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Isto, devido ao princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade do Direito Penal. Reza o princípio da intervenção mínima que, o Direito Penal deverá intervir apenas quando bens jurídicos imprescindíveis para a coexistência pacífica dos homens for lesado ou encontrar-se em perigo de lesão, sendo impossível protege-los de forma menos gravosa. Isto porque a sanção penal reveste-se de uma especial gravidade, acabando por impor sérias restrições aos direitos fundamentais do homem. Daí dizer que o Direito Penal deve ser considerado a ultima ratio. Já pelo postulado da fragmentariedade, deseja-se mostrar que apenas as condutas mais graves endereçadas aos bens jurídicos mais valiosos podem ser objeto de criminalização. Nesse sentido, Lenio Luiz Streck ao defender que o bem jurídico tem estreita relação com o todo constitucional, dispõe: “Não há dúvidas, pois, que as baterias do Direito Penal do Estado Democrático de Direito devem ser direcionadas preferencialmente para o combate de crimes que impedem a concretização dos direitos fundamentais-sociais e que colocam em xeque os objetivos da República.” (STRECK, 2003, p. 251). Logo, não havendo lesão ou perigo de lesão, fica afastada a incidência da norma penal, devido ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Noutro giro, havendo lesão ou ameaça de lesão à bem juridicamente relevante, indispensável será a atuação do Direito Penal. 4 DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA É importante ressaltar que a antijuridicidade[4] nos crimes contra ordem tributária não residem no Direito Penal, elas decorrem da legislação tributária. Se não há ilícito, antijuridicidade e nem punibilidade à luz da legislação tributária, certamente haverá ausência desses requisitos no Direito Penal. Se à luz da legislação tributária não há crime, não poderá haver uma persecução penal. Extinguindo a obrigação tributária, imporá por consequência a extinção da punibilidade do agente. Existem diversas formas de extinção de punibilidade, que não o pagamento do tributo e seus acessórios, ou seja, quando o agente, mesmo tendo praticado determinada conduta, a ele não será imposta sanção, elas se encontram descritas no art. 156 do Código Tributário Nacional: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; III – a transação; IV – remissão; V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão de depósito em renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X – a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.” (BRASIL, 1966). A extinção da punibilidade mediante o pagamento previsto no inciso I do art. 156 do CTN é a forma ordinária de extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. O tema, que já foi tratado por diversas leis, será mais bem estudado em tópico posterior, por se tratar do objeto do presente trabalho. 4.1 Outras forma de extinção do crédito tributário Como bem observado pelo doutrinador Hugo de Brito (2006) “além do pagamento, extinguem o crédito tributário diversas outras causas, a maioria delas operando a extinção da própria relação jurídica obrigacional subjacente, impedindo a constituição de um novo crédito”. Além do mais, leciona Hugo de Brito, que: “É inegável que todas essas causas são produtoras do mesmo efeito extintivo de crédito tributário, embora excepcionalmente algumas delas não produzam a extinção da relação obrigacional tributária mas simplesmente do crédito tributário como entidade formal. Assim, com as ressalvas das causas de extinção do crédito como entidade apenas formal, sem extinção da relação obrigacional tributária, elas devem ser consideradas como sinônimo de pagamento. É razoável, portanto, afirmar que as causas de extinção do crédito tributário. Com extinção da relação tributária, são causas de extinção da punibilidade nos crimes”. (MACHADO, 2006). Destarte, as formas de extinção do crédito tributário também são causas extintivas da punibilidade ou, ainda, poderão suspender a pretensão punitiva do Estado. Segue-se, sumariamente, a indicação e definição destas causas: 4.1.1 Compensação Hugo de Brito (2006) define a compensação como sendo “o encontro de débitos e créditos. Ocorre quando o devedor do crédito tributário em questão seja ao mesmo tempo credor da Fazenda Pública”. Ou seja, caso o devedor seja, também, credor da Fazenda Pública, ele poderá solicitar a compensação do crédito com o débito. A compensação equivale ao pagamento do crédito tributário, e sendo pagamento, equivale a causa de extinção da punibilidade. Portanto, a compensação, extingue a dívida e o direito de punir do Estado. 4.1.2 Transação A transação, conforme art. 840 e seguintes, do Código Civil só será permitida em se tratando de direitos patrimoniais de caráter privado, estando sua eficácia submetida a forma descrita em lei. Todavia, dispõe o Código Tributário em seu art. 171 que a lei pode facultar, nas condições que estabeleça aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Portanto, uma vez realizada a transação tributária estará extinto o crédito tributário e, consequentemente, extinta a punibilidade do agente. 4.1.3 Remissão Remissão trata-se do perdão da divida pelo credor. Em princípio, a autoridade administrativa não poderá exonerar o contribuinte da dívida tributária. A remissão só é possível nos casos previstos em lei e se estiverem presentes algumas das circunstâncias previstas no art. 172 do CTN: “Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo; II – ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato; III – à diminuta importância do crédito tributário; IV – a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.” (BRASIL, 1966). Assim, “a remissão é mais uma evidência de que, nos termos da lei, a obrigação tributária pode ser extinta sem pagamento” (SCHOUERI, Luís Eduardo, 2014). Inegavelmente, se o Estado renuncia ao tributo, extinguindo assim a obrigação tributária, extinta, também, estará à punibilidade do devedor. 4.1.4 Prescrição e Decadência A prescrição e a decadência também são causa de extinção do crédito tributário, destarte, também são causa de extinção da punibilidade do agente. A decadência atinge o Direito do Estado de lançar o débito tributário. Desta forma, não havendo lançamento, tão pouco haverá o direito a uma ação penal, eis que é requisito para que essa aconteça o lançamento definitivo do débito. A prescrição, por sua vez, atinge o direito do Estado de cobrar o débito tributário. Não podendo o Estado cobrar o débito, também não poderá promover uma ação penal. Hugo de Brito, discorrendo sobre o tema, diz: “Tanto a prescrição, como a decadência, são instrumentos de realização do princípio da segurança jurídica. Nada justificaria a permanência das relações jurídicas por tempo indeterminado. Assim, a lei estabelece a extinção das relações jurídicas ao cabo de certo lapso de tempo, que estipula, para que sejam exercitados os direitos nelas albergados. A inércia do titular do direito durante certo tempo implica a extinção do direito.” (MACHADO, 2006). Portanto, a decadência extingue o direito de lançar o crédito tributário e prescrição extingue o direito de cobrar este crédito. Assim sendo, ocorrendo tal fato, extinta estará a punibilidade do agente, não podendo, portanto, o Estado intentar ação penal. 4.1.5 Conversão de depósito em renda A conversão do depósito em renda se dará quando um contribuinte deseja discutir em juízo a exigência de um tributo, a ele é dada a faculdade de depositar o valor correspondente a dívida. Caso a decisão seja favorável a Fazenda Pública, o depósito será convertido em renda sendo extinto o crédito tributário. Uma vez convertido o depósito em renda é hipótese de extinção do crédito tributário, independente do pagamento. “Quando um contribuinte pretende discutir em juízo a exigência de um tributo, seja antes ou depois de constituído o crédito tributário, tem a faculdade de efetuar o depósito do valor correspondente. O depósito integral do crédito tributário suspende a exigibilidade deste. A decisão favorável à Fazenda Pública manda que o depósito seja convertido em renda. Com o seu trânsito em julgado, ocorre a conversão do depósito em renda e a consequente extinção do crédito tributário questionado.” (MACHADO, 2006). Uma vez extinto o crédito tributário, extinta também estará à possibilidade de uma ação penal em decorrência deste crédito. 4.1.6 Pagamento antecipado e homologação do lançamento O pagamento antecipado e a homologação do lançamento são formas de extinção do crédito tributário previstos no art. 156, inc. VII do Código Tributário. Note-se que o pagamento antecipado por si só não gera a extinção do crédito tributário, uma vez que o crédito ainda não esta constituído. O artigo 150 e seus §§ 1º e 4º, dispõem sob qual forma deve ser realizado o pagamento e a homologação do lançamento: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” (BRASIL, 1966). A causa extintiva do crédito tributário se dará pela soma do pagamento antecipado mais a homologação. É através da homologação que a Administração Pública irá afirmar se o valor do crédito tributário, realizado pelo contribuinte esta de acordo. Consequentemente, o pagamento antecipado, será tido como apropriado, havendo desta forma a extinção do crédito tributário. 4.1.7 Consignação em pagamento A consignação em pagamento trata-se de via excepcional de pagamento de um crédito sempre que ocorra um óbice ao pagamento como comumente seria efetuado. Ocorre aqui que o credor não aceita receber o montante pago pelo sujeito passivo da obrigação, isto porque esse deseja recolher o montante do tributo com juros, mas sem mora (Schoueri, Luís Eduardo, 2014). Diferentemente do depósito em juízo, uma vez que este visa garantir o juízo na hipótese de o sujeito passivo não querer pagar o tributo, a consignação em pagamento, presta-se para que o sujeito passivo pague o aquilo que julga devido. Enquanto o depósito suspende a exigibilidade do crédito, a consignação, por ser um pagamento, busca sua extinção (Schoueri, Luís Eduardo, 2014). A ação de consignação em pagamento está referida no art. 164 do Código Tributário Nacional: “Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos: I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. § 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar. § 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis”. (Brasil, 1966). 4.1.8 Decisão administrativa irreformável Entende-se como sendo decisões administrativas irreformáveis aquelas decisões das quais não cabem mais recursos administrativos, nada obsta, todavia, que a matéria seja rediscutida, em juízo, em sede de ação anulatória, na qual a Fazenda Pública requerer o desfazimento de suas próprias decisões administrativas. “A decisão administrativa irreformável também é causa de extinção do crédito tributário. É a decisão com a qual a própria Administração afirma, em última instância, não ser juridicamente procedente a exigência que está sendo feita ao contribuinte. Não ter fundamento jurídico o crédito tributário questionado. Seja porque reconhece não existir o seu suporte substancial, vale dizer, reconhece não existir a obrigação tributária considerada no lançamento, seja porque reconhece haver sido o lançamento feito de forma indevida, vale dizer, sem obediência às formalidades legalmente estabelecidas para esse fim. A distinção é relevante. Se a decisão administrativa afirma não existir a própria obrigação tributária, o crédito estará extinto definitivamente. Não haverá oportunidade para um novo lançamento, vale dizer, para que a administração proceda novamente a constituição do crédito tributário. Se, porém, a decisão que extingue o crédito tributário reconhece apenas que o lançamento respectivo foi feito sem observância das exigências legais para esse fim, então um novo lançamento poderá ser feito. Em qualquer caso quando ainda não haja decorrido o prazo previsto no art. 173 do Código. E mesmo que haja decorrido o prazo do art. 173, na hipótese prevista em seu inciso II, vale dizer, quando se trate de anulamento por vício formal, pois neste caso o inciso II, a Administração terá um novo prazo para esse fim.” (MACHADO, 2006). Note-se que, poderá haver novo lançamento desde que reconhecido que o lançamento foi feito sem a observância das exigências legais. Contudo, não sendo este o caso e, a decisão administrativa reconhecer que a inexistência da obrigação tributária, estará o crédito extinto definitivamente, não podendo, portanto, falar em ação penal. 4.1.9 Decisão judicial passado em julgado As decisões judiciais passadas em julgado, sendo favoráveis ao contribuinte, são forma de extinção do crédito tributário, impedindo desta forma qualquer persecução penal. Todavia, a decisão judicial poderá apenas afirmar que o lançamento foi feito sem as devidas exigências legais, desta forma, caso não haja decadência do direito de ação por parte do Fisco, poderá ocorrer novo lançamento, o que possibilitará a ação penal. Ressalte-se que, ocorrendo a decadência, como já supramencionado, o Fisco perde o direito de lançar o crédito tributário, não havendo, portanto, o direito a uma ação penal contra o contribuinte. 4.1.10 Dação em pagamento A dação em pagamento trata-se de um instituto do direito privado. Segundo tal instituto, o credor poderá consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida, seja por meio de por meio de bens móveis, desde que haja interesse por parte da Administração pública[5] seja por outras formas e condições descrita em lei. “A dação em pagamento é um instituto do direito privado, mais especificamente um instituto do direito das obrigações, segundo o qual o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida, como está dito no art. 356 do vigente Código Civil. E a rigor equivale a uma compra e venda, posto que determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão do contrato de compra e venda.” (MACHADO, 2006). Insta observar que o fato de o legislador admitir que a obrigação seja extinta via dação em pagamento, não significa que o tributo se torne obrigação in natura. Eventualmente, o sujeito passivo poderá entregar um bem em pagamento, contudo, a dívida assim liquidada é pecuniária. 5 DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO Como já analisado, os crimes contra a ordem tributária são passíveis de penas nos termos da Lei 8.137/90. Aquele que comete alguma das condutas prevista nos artigos 1º e 2º da Lei incorre em penas de dois a cinco anos e multa ou de seis meses a dois anos e multa, respectivamente. A mais proeminente e comentada forma de extinção da punibilidade para os crimes tributários, trata-se da extinção mediante o pagamento integral do tributo e de seus acessórios. Para melhor compreensão do instituto faz-se necessário uma análise histórica do tema, vez que esta forma de extinção de punibilidade vem sofrendo alterações no decorrer do tempo. Impende destacar que, somente poderá intentar ação criminal nos crimes contra a ordem tributária, após esgotamento da via administrativa, conforme disposto no art. 83 da Lei de nº 9.430 de 1996: “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nosarts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010).” (BRASIL, 1996). Edma Andrade Filho, tratando sobre o tema em seu livro “Direito Penal Tributário”, dispõe: “O conteúdo normativo do art. 83 da Lei nº 9.430/96 parece bastante claro ao determinar que a participação do Ministério Público deva ocorrer apenas a partir de determinado momento, o da conclusão do processo administrativo, se houver. Portanto, não teve como objetivo retirar desse órgão a competência material constitucionalmente definida. Aqui é preciso recordar que as instancias administrativas e penal são autônomas, pela acaciana razão de que os agentes fiscais não são policiais ou membros do Ministério Público, e que os policiais e membros do Ministério Público não são agentes fiscais. Cada qual tem seu âmbito material de atuação marcado pela Lei; portanto, o que pretendeu o art. 83 da Lei nº 9.430/96 foi ordenar, no tempo, a atuação de cada um dos órgãos interessados nas consutas que consistem crimes contra a ordem tributária, evitando que o Ministério Público comece a devassar a intimidade do contribuinte quando o núcleo do tipo penal não foi razoavelmente identificado. […]”. (ANDRADE FILHO,1997, p. 115). Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos termos da súmula 24, ao dizer que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Inicialmente, a extinção da punibilidade mediante o pagamento integral do tributo e seus acessórios, foi tratada no art. 2º, da Lei n. 4.729/65. Nos delitos de sonegação fiscal, para que houvesse essa modalidade de extinção da punibilidade, exigia-se que o pagamento fosse realizado antes do início da ação fiscal. “Art 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria.  Parágrafo único. Não será punida com as penas cominadas nos arts. 1º e 6º a sonegação fiscal anterior à vigência desta Lei. (Revogado pela Lei nº 8.383, de 1991).” (BRASIL, 1965). Promulgada a Lei n. 8.137 em dezembro de 1990, em seu artigo 14, a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária voltou a ser disciplinada, prevendo o pagamento do débito tributário, antes do recebimento da denúncia criminal, como causa excludente da punibilidade: “Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. (Revogado pela Lei nº 8.383, de 30.12.1991).” (BRASIL, 1990). Entretanto, os dispositivos mencionados foram revogados pelo artigo 98 da Lei 8.383/91, que afastou a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida tributária. Em dezembro de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.249, sendo que em seu artigo 34 voltou a acolher a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário, desde que o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, fosse realizado em momento anterior ao recebimento da denúncia: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. (BRASIL, 1995). No ano de 2000, a Lei de nº 9.964 que instituiu o REFIS (Programa de Recuperação Fiscal), trouxe a figura da suspensão da pretensão punitiva do Estado, além da extinção da punibilidade. “Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. […] § 3o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal”. (BRASIL, 2000). Haverá, portanto, a suspensão da pretensão punitiva e da prescrição nos crimes contra a ordem tributária durante o período em que a pessoa jurídica relacionada ao agente, estiver incluída no programa de parcelamento. Assim, após a quitação integral do débito, haverá a extinção da punibilidade. Importante ressaltar que, caso o agente não cumpra com a obrigação, ou seja, cessada a causa da suspensão, o gozo do direito é retomado, o Estado volta a ter direito de exigir o montante. Ocorre que, em maio de 2003, nova Lei foi promulgada, a Lei de nº 10.684. Ela trouxe novo regramento para a figura da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. No art. 9º, §2º do referido diploma legal, não mais há um momento processual para o pagamento do débito, ou seja, pode-se realizar o pagamento a qualquer tempo. “Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.” (BRASIL, 2003). Nesse sentido já se pronunciou a época o Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.” (BRASIL, 2004). Em 2009, novamente o tema da extinção da punibilidade foi disciplinado pela Lei nº 11.941 de maio de 2009, em seus artigos 68 e 69, in verbis: “Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.  Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.  Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.  Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.” (BRASIL, 2009). Uma vez realizada o parcelamento do débito tributário, a qualquer tempo, é perfeitamente admissível não só a suspensão da pretensão punitiva, mas também da pretensão executória. E havendo o pagamento integral do débito oriundo de tributos e contribuições sociais e acessórios, independentemente de prazo ou momento processual, extingue-se a pretensão punitiva do Estado. Podendo isto acontecer, inclusive, após o trânsito em julgado de condenação penal.  Hodiernamente, o tema foi novamente modificado pela Lei nº 12.382 de 2011 em seu art. 6º. Agora, só suspende a pretensão punitiva desde que o parcelamento do débito tributário se dê até o recebimento da denuncia. Já, o pagamento do tributo, como forma de extinção da punibilidade, continua sendo a qualquer tempo. “Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6o:  “Art. 83. …………………………………………………..  § 1o Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.  § 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. § 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.  § 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.  § 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.” (NR), (BRASIL, 2011). Assim, repise-se, feito o pedido de parcelamento do débito, a partir do último diploma legal, tal fato apenas dá ensejo à suspensão da pretensão punitiva até a quitação integral das parcelas. Enquanto que, o pagamento do débito integral oriundo do tributo e seus acessórios, como forma de extinção da punibilidade, continuam sendo a qualquer tempo. 6 DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NO CÓDIGO PENAL O Código Penal Brasileiro, Decreto Lei nº 2.848 de dezembro de 1940, tratou da extinção da punibilidade em seus artigos 107, a saber: “Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I – pela morte do agente; II – pela anistia, graça ou indulto; III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV – pela prescrição, decadência ou perempção; V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei”. (BRASIL, 1940). Tendo o agente praticado uma conduta típica, ilícita e culpável, a punibilidade se dará como consequência natural a prática dessa conduta. “Toda vez que o agente pratica uma infração penal, isto é, toda vez que infringe nosso direito penal objetivo, abre-se a possibilidade par ao Estado de fazer valer o seu ius puniendi.” (GRECO, 2011, p.685). 6.1 Morte do agente No Direito Penal brasileiro, havendo a morte do agente, extingue a punibilidade. Porque a responsabilidade penal é pessoal. A pena não se transmite. A morte do agente, desta forma, trata-se de uma causa natural de extinção da punibilidade. O artigo 62 do Código de Processo Penal dispõe, ainda que “No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará a extinção da punibilidade”. 6.2 Anistia, Graça e Indulto Pela anistia, O Estado perdoa a prática de infrações penais que, normalmente, têm cunho político. A regra, portanto, é que a anistia destine-se aos chamados crimes políticos, anda obsta, todavia, que a anistia seja concedida a crimes comuns. Compete a União à concessão da Anistia, conforme artigo 21, inciso XVII da Constituição Federal[6], e se encontra no rol de atribuições do Congresso Nacional, sendo prevista no artigo 48, inciso VIII, da Carta Magna[7]. A anistia poderá ser concedida antes ou depois de sentença penal condenatória, sempre retroagindo com o intuito de beneficiar o réu. Ao Presidente da República compete conceder a graça e o indulto. Embora o art. 84, XII da Constituição Federal, só faça menção ao indulto, entende-se que a graça é concedida a pessoa específica enquanto que o indulto é concedido de maneira coletiva a fatos determinados pelo Presidente da República.Importante ressaltar que os crimes descritos na Lei nº 8,072/90, a denominada Lei dos Crimes Hediondos são insuscetíveis de graça, anistia e indulto, conforme o artigo 2º, inciso I da referida Lei[8]. 6.3 Retroatividade de Lei que não mais considera o fato como criminoso Quando o Estado, por razões de política criminal, entende por bem não mais considerar determinado fato como crime, ocorrerá à denominada abolitio criminis. Dispõe Rogério Greco:“O art. 2º do Código Penal diz: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Isso quer dizer que o Estado entendeu que o bem protegido pela lei penal já não gozava mais da importância exigida pelo Direito Penal e, em virtude disso, resolveu afastar a incriminação, todos aqueles que ainda se encontram cumprindo suas penas em razão da prática da infração penal agora revogada deverão interromper o seu cumprimento, sendo declarada a extinção da punibilidade.” (GRECO, 2011, p. 691).Logo, uma vez declarado que um fato deixou de ser crime, extingue-se a punibilidade do agente e nenhum efeito penal tal como, reincidência e maus antecedentes subsistirão. 6.4 Prescrição, Decadência e Perempção A prescrição trata-se de instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter capacidade de fazer valer o direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. A Decadência, por sua vez, é instituto pelo qual mediante o qual a vítima, ou quem tenha qualidade para representa-la, perde o seu direito de queixa ou de representação em virtude do decurso do tempo. Por fim, com relação a perempção, só será aplicada nas ações penais de iniciativa priva propriamente ditas ou personalíssimas, não se destinando às ações privadas subsidiárias da pública e nem mesmo às ações penais públicas incondicionadas ou condicionadas à representação. Sobre tal instituto, dispõe o artigo 60 do Código de Processo Penal: “Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor”. (BRASIL, 1941). Assim, a perempção é uma sanção jurídica, imposta ao querelante por sua inércia. 6.5 Renúncia ao Direito de Queixa ou perdão aceito nos crimes de ação privada Nos crimes de ação penal privada, o querelante pode renunciar seu direito de queixa. Essa renúncia pode ser tácita ou expressa. Diz-se tácita quando, nos termos do art. 104 do Código Penal, quando o ofendido pratica atos incompatíveis com a vontade de exercer seu direito de queixa, como na hipótese de o ofendido convidar o autor do crime para ser padrinho de seu filho. Diz-se expressa quando o ofendido renuncia formalmente por meio de declaração assinada por ele, por seu representante legal, ou por seu procurador.Com relação ao perdão, diz o art. 106 do Código Penal: “Art. 106 – O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I – se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II – se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) III – se o querelado o recusa, não produz efeito. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º – Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º – Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.” (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). (BRASIL, 1940). O perdão dado pelo ofendido, nos crimes de ação privada, é forma de extinção de punibilidade. 6.6 Retratação do agente nos casos em que a Lei a admite Na definição de Guilherme de Souza Nucci, “é o ato pelo qual o agente reconheceu o erro que cometeu e o denuncia à autoridade, retirando o que anteriormente havia dito”. (NUCCI, 2000, p. 287).O Código Penal, em várias passagens, permiti a retratação do autor, como ocorre nos crimes de calúnia e difamação (art. 143 do CP) e no de falso testemunho e de falsa perícia (art. 342,§2º, do CP). 6.7 Perdão judicial nos casos previstos em Lei O perdão judicial não se dirige a toda e qualquer infração, mas, sim, para aquelas previamente determinadas pela lei. Não cabe, portanto, ao julgador aplica-lo nas hipóteses em que desejar, mas tão somente nos casos já determinados pela lei. O STJ por meio da Súmula nº18, assim afirma que, a sentença concessiva de perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório. Por fim, a extinção da punibilidade, via perdão judicial, só será realizado em casos específicos, impossibilitando, desta forma, a aplicação do instituto da analogia em bona partem. Note-se que, o instituto da extinção da punibilidade previsto no Código Penal, em muito se difere do instituto da extinção da punibilidade previsto para os crimes contra a ordem tributária. Nesses extingue a punibilidade mediante o pagamento do tributo e seus acessórios devidos, ou seja, há uma restituição da coisa. 7 O ARREPENDIMENTO POSTERIOR NO CÓDIGO PENAL No Código Penal, o instituto que mais se aproxima da extinção da punibilidade pelo pagamento, previsto para os crimes contra a ordem tributária, é o instituto do arrependimento posterior. Nele, o agente que repara o dano ou restitui a coisa, terá sua pena diminuída, mas jamais extinguida como nos crimes contra a ordem tributária. Dispõe o art. 16 do Código Penal: “Art. 16- Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denuncia ou queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1940).” O arrependimento posterior é considerado uma causa geral de diminuição de pena, também reconhecido como minorante. Assim leciona Rogério Greco: “[…] Toda vez que o legislador nos fornecer em frações as diminuições ou os aumentos a serem aplicados, estaremos respectivamente, diante de causa de diminuição ou aumento de pena. Se essas causas se encontrarem na Parte Geral do Código Penal, receberão a denominação de causas gerais de diminuição ou aumento de pena; ao contrário, se residirem na parte especial do Código Penal, serão conhecidas como causas especiais de aumento ou diminuição de pena.” (GRECO, 2011, p.273). Assim, justificou o legislador no item 15 da Exposição de Motivos da nova Parte Geral do Código Penal a criação do instituto do arrependimento posterior: “Essa inovação constitui providência de Politica Criminal e é instituída menos no favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.” (BRASIL, 1940). Inegavelmente, o legislador preocupou-se em atender os anseios da vitima e não aos anseios do indiciado. Isso porque, restituída a coisa até o recebimento da denuncia, por ato voluntário do agente, sua pena será reduzida de um a dois terços. Noutro giro, a restituição da coisa amenizará, para a vítima, as consequências da infração penal. Note-se que, o art. 16 impõe um limite temporal para a aplicação do instituto do arrependimento posterior, que é até o recebimento da denúncia. Após tal momento, o agente, mesmo restituindo a coisa à vítima, não terá direito ao arrependimento posterior. Contudo, caso o agente faça a restituição da coisa após o recebimento da denúncia, ele poderá valer-se da atenuante genérica preceituada no art. 65, inciso III, alínea b do Código Penal Brasileiro, in verbis: “Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[…]  III – ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[…]  b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano”; (BRASIL, 1940). O Código Penal, ao dispor sobre as atenuantes genéricas não estabeleceu a quantidade da pena do indiciado a ser reduzida, deixando à discricionariedade do juiz. Contudo, entende-se que as atenuantes não podem diminuir a pena aquém do mínimo legal, o que ocorre com as causas de diminuição de pena. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que dispõe na súmula nº 231 que “incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.  Leciona Cezar Roberto Bitencourt, que: “O Código não estabelece a quantidade de aumento ou de diminuição das agravantes e atenuantes legais genéricas, deixando-a à discricionariedade do juiz. No entanto, sustentamos que as variações dessas circunstâncias não deve ir muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado em um sexto. Caso contrário, as agravantes e as atenuantes se equiparariam àquelas causas modificadoras da pena, que a nosso juízo, apresentam maior intensidade, situando-se pouco abaixo das qualificadoras (no caso das majorantes).” (BITENCOURT,1999, p.219). Observe que, o instituto do arrependimento posterior, descrito no artigo 16 do Código Penal, é mais benéfico para o agente que comete o crime do que a atenuante genérica contida no art. 65, III, b, ou seja, restituindo a coisa até o recebimento da denúncia, haverá diminuição da pena, podendo ser essa inferior a pena mínima prevista no tipo penal. Caso haja restituição da coisa após o recebimento da denúncia, incidirá uma causa de diminuição genérica da pena, a qual não poderá ficar aquém do mínimo legal. Frise-se, nos crimes contra a ordem tributária, sendo efetuado o pagamento do crédito e seus acessórios, a qualquer tempo, o agente verá extinta sua punibilidade. Não se trata aqui de uma causa de diminuição de pena ou de uma atenuante, trata-se de extinção da punibilidade. O que, obviamente é mais benéfico àquele que comete crimes contra a ordem tributária do que o instituto do arrependimento posterior, aos que cometem crimes contra o patrimônio. Insta observar que, toda a reprovabilidade das condutas que lesam o bem jurídico que é a ordem tributária, para além da mera inadimplência, atingindo a fiscalização tributária com o emprego de expedientes ardilosos, fraudulentos e artificiosos, acaba esvaindo-se, esfumaçando-se, pelo simples pagamento do crédito fiscal. Enquanto que, o individuo que furta um celular, mesmo restituindo-o à vítima, sofrerá uma ação penal, tendo apenas sua pena minorada. Ou, ainda, aquele contribuinte que não tenha possibilidade de pagar o crédito tributário sofrerá nas garras do Direito Penal. Nesse interim, temos que o pagamento do crédito tributário e seus acessórios, a qualquer tempo, fere inegavelmente o princípio da isonomia. 8 DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE A palavra princípio vem do latim principium e significa inicio, começo, ponto de partida. Os princípios são indicativos de valor, de uma direção, de um fim. Considera Miguel Reale (1998), que “toda forma de conhecimento filosófico e científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. Reale (1998) ainda dispõe que os princípios “são enunciados normativos genéricos, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, que devem ser observados na aplicação, integração e elaboração de novas normas”. Desta forma, os princípios gerais de direito tem como uma de suas funções a de servir de pilar para todo o ordenamento jurídico, para a própria ciência jurídica. O princípio da isonomia, também denominado princípio da igualdade, está insculpido no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988 ao afirmar que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade […]”. A doutrina traz duas espécies de isonomia, a isonomia formal e a isonomia material. Segundo José Afonso da Silva: “Nossas constituições, desde o império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O interprete há de aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social. Considerá-lo-emos como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI […].” (SILVA, 2014, p. 217). Nas palavras de Alexandre de Morais, “O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados s pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade do interprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou politicas, raça, classe social.” (MORAES, 2013, p. 35). Destarte, Alexandre de Moraes (2013), assevera que “os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”. Contudo, “normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita serão incompatíveis com a Constituição Federal”. No campo do Direito Tributário, o princípio da igualdade será efetivado por outro princípio, qual seja o da Capacidade Contributiva. Segundo Fernando Aurélio Zilvetti, citado por Luíz Eduardo Schoueri: “É o princípio segundo o qual cada cidadão deve contribuir para as despesas públicas na exata proporção de sua capacidade econômica. Isto significa que os custos públicos devem ser rateados proporcionalmente entre os cidadãos, na medida em que estes tenham usufruído da riqueza garantida pelo Estado. Também aceita como capacidade contributiva a divisão equitativa das despesas na medida da capacidade individual de suportar o encargo fiscal.” (SCHOUERI, 2014, p. 339). Luís Eduardo Schoueri segue dizendo que, “[…] o Princípio da Capacidade Contributiva é o corolário, em matéria de impostos, empréstimos compulsórios e contribuições sociais, do Princípio da Igualdade. Como este exige um parâmetro, a Capacidade Contributiva vem preencher a exigência do Princípio da Igualdade, conferindo critério para a comparação de contribuintes”. (SCHOUERI, 2014, p. 339). Com relação à capacidade contributiva, esta poderá ser tanto absoluta ou objetiva[9], quanto subjetiva ou relativa. Na capacidade contributiva absoluta, tratar-se-á da existência de uma riqueza hábil a ser tributada, ou seja, é a capacidade contributiva como hipótese de tributação. Já a capacidade contributiva relativa será abordada como a parcela dessa riqueza que será objeto da tributação em face de condições individuais, é a capacidade contributiva como critério de graduação e limite do tributo. A capacidade contributiva do ponto de vista relativo ou subjetivo procura saber se o contribuinte possui condições pessoais de suportar, ou não, a carga tributária a ele imposta. Eis que, o contribuinte pode possuir mera capacidade econômica, à exemplo, aquele contribuinte que recebe alugueres de valores consideráveis, no entanto, o quadro de saúde deste contribuinte encontra-se agravado, o que o leva a ter gastos exorbitantes com medicamentos e despesas médicas. Assim, a afirmativa de que este contribuinte possui capacidade econômica é verdadeira, mas a afirmativa de que ele possui capacidade contributiva é falsa. Visto isto, pode-se dizer que o Direito Tributário, na busca pela efetivação do princípio da isonomia, vale-se do princípio da capacidade contributiva para, então, dizer se o contribuinte possui, de fato, condições de suportar a cara tributária a ele imposta, afinal, não tendo o contribuinte o mínimo para sua subsistência, não poderia (em tese) ser obrigado a contribuir com as gastos públicos. Com relação ao princípio da proporcionalidade, Mariângela Gama de Magalhães Gomes leciona que: “O princípio da proporcionalidade tem seu principal campo de atuação no âmbito dos direitos fundamentais, enquanto critério valorativo constitucional determinante das máximas restrições que podem ser impostas na esfera individual dos cidadãos pelo Estado, e para consecução de seus fins. Assim, integra uma exigência ínsita no Estado de direito enquanto tal, que impõe a proteção do indivíduo contra intervenções estatais desnecessárias ou excessivas que gravem o cidadão mais do que o indispensável pra a proteção dos interesses públicos.” (MAGALHÂES GOMES, 2003, p. 35). Nesse sentido, Lenio Luiz Streck faz apontamentos acerca do referido princípio: “a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para perspectiva de um garantimo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso no qual se estará em face do que, a partir da doutrina alemã passou-se a denominar de “proibição de proteção deficiente” […]. (STRECK, 2003, p. 254). Note-se que o princípio da proporcionalidade segundo Streck (2003) possui dupla face: de uma proteção positiva, proteção contra os excessos, e de uma proteção de omissões estatais, proibição de uma proteção deficiente. Portanto, poderá agir o Estado de forma desarrazoavada agindo com excesso obtendo um resultado desproporcional, por outro lado, poderá o Estado agir de forma a prestar uma proteção insuficiente de um direito fundamental, é o que ocorre quando o Estado abre mão de sanções penais para proteger um bem jurídico. Quando o Estado extingue a punibilidade do agente que comete um crime contra ordem tributária temos que o Estado presta uma proteção insuficiente por não proteger um bem jurídico relevante à sociedade. E, quando o Estado pune o agente com restrição de sua liberdade por ter furtado uma bolsa de grife (mesmo tendo o agente restituído a coisa), temos um Estado agindo com excesso. 9 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO Inegavelmente a lei privilegiou aqueles que cometem crimes contra a ordem tributária em relação àqueles que cometeram crimes patrimoniais descritos no Código Penal, por exemplo, como referido por Luiz Flávio Gomes em seu artigo “Os crimes tributários e a extinção da punibilidade”, publicado no Conjur, (2011), “É da tradição jurídica brasileira a previsão de causas extintivas da punibilidade pelo pagamento, vinculadas aos crimes materiais contra a ordem tributária, tendo em conta a particularidade do bem ofendido (patrimônio público). Por razões de política criminal (e arrecadatória) do Estado quase sempre se preferiu receber o quantum devido do que o processo ou condenação criminal. Os tributos custeiam serviços públicos essenciais. Melhor arrecadá-los que condenar criminalmente o contribuinte. Muitos veem nisso um privilégio odioso, que favorece precisamente os mais aquinhoados.” (GOMES, 2011). Como já analisado o princípio da igualdade possui duas vertentes: a igualdade formal, aquela prevista nos textos legais e a igualdade material, que é aquela que realmente existe. Para o Estado é mais interessante receber o quantum devido do que mover uma ação criminal contra o contribuinte. Entretanto, esse privilégio dado aos que cometem crimes contra a ordem tributária é odioso, isto porque, no Brasil, a própria Constituição traz que todos devem ser iguais perante a lei. O Direito Penal brasileiro, incontestavelmente traz, também, o princípio da isonomia no campo formal e não no material. Aparentemente, temos que os tipos penais são aplicáveis a todos, entretanto, basta uma análise mais minuciosa, para chegar à conclusão de que existe uma marcante desigualdade. Everton Luiz Zanella, em sua tese de mestrado, dispõe que: “Citamos o exemplo comparativo dos crimes patrimoniais com os crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. Nos primeiros, nos quais a classe economicamente mais abastarda é geralmente vitima, não se prevê a extinção da punibilidade pela reparação do dano; já nos delitos tributários ou previdenciários, nos quais a classe social economicamente mais abastarda é geralmente sujeito ativo (sendo vítima toda a sociedade, devido a grande extensão dos danos causados), existem previsões legais de extinção da punibilidade pela reparação do dano.” (ZANELLA, 2009, p.110). Pode-se dizer que o Direto Penal é altamente repressor contra os indivíduos que possuem baixa renda e são marginalizados pelo Estado. Enquanto que, contra os que praticam crimes contra a ordem tributária, temos um Direito Penal brando, quase simbólico. Esse também é o entendimento de Fabricio de Carvalho Serafini, em sua tese de doutorado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2012: “[…] Nenhum outro crime patrimonial com potencialidade menor que a dos crimes tributários, pois atinge um número menor de sujeitos passivos, tem essa possibilidade (pagamento do tributo e acessórios a qualquer tempo como forma de extinção da punibilidade), o que acaba por ser um contra senso, pois o crime mais grave tem essa benesse jurídica, ao passo que os menos graves, não. Essa situação demonstra que para o Estado brasileiro, bem como para nosso ordenamento jurídico, é mais importante receber o tributo, do que punir os sonegadores. Isso constitui em nossa opinião um estimulo à sonegação, pois quem sonega tem a chance de não ser pego, sendo que, se o for, pode pagar o débito e se livrar da responsabilização penal. Faz também com que acusados por crimes tributários, que tenham maior capacidade econômica, tenham uma resposta diferenciada, para as mesmas condutas, pelo ordenamento jurídico.” (SERAFINI, 2012). Nesse mesmo sentido, acreditando que os crimes patrimoniais e os crimes contra a ordem tributária deve ter tratamento semelhante, Nucci leciona: “[…] Refletindo sobre o tema, é precioso considerar que o tratamento dado pelo Estado ao criminoso, no cenário da ordem tributária é diverso daquele – com maior rigor, certamente- aos delitos que envolvam, de algum modo, patrimônio. Aquele que “subtrai” dinheiro pertencente ao Fisco, pagando, mesmo após a consumação do crime, tem a sua punibilidade extinta; outro qualquer que subtraia coisa alheia móvel (furto, art. 155, CP), ainda que devolva integralmente o que retirou da vítima, antes do oferecimento da denúncia, no máximo será beneficiado com a redução da pena (art. 16, CP), mas não com a extinção da punibilidade. Cremos ser preciso padronizar o tratamento, equilibrando as situações. É indiscutível ser mais interessante ao Estado receber o que lhe é devido em lugar de processar criminalmente o sonegador, muitas vezes por anos e anos, sem nada conseguir, por qualquer razão (ex: prescrição), mas a mesma situação pode ser do interesse da vítima de um furto, estelionato, apropriação indébita, dentre outros delitos. Seria preferível receber de volta o que perdeu em lugar de assistir o Ministério Público processar o agente criminalmente, às vezes, sem sucesso em obter a condenação. O Estado Democrático de Direito, que apregoa a igualdade de todos perante a lei, parece ser muito mais cioso a respeito de seus valores do que em relação aos interesses particulares do cidadão brasileiro, em especial quando se contrasta o cofre público com o cofre particular”. (NUCCI, 2010, p. 1035/1036). Em contra partida, na medida cautelar no Habeas Corpus 119.245[10] do Distrito Federal, que teve por relator o Ministro Dias Toffoli, esse dispôs que: “Se é dado ao legislador até mesmo revogar a norma penal, ou conceder anistia a determinadas violações sancionadas no ordenamento jurídico, qual seria a vedação de ordem material a impedir, nos crimes contra a ordem tributária, que se privilegiasse, por opção política do legislador, o reforço ao erário em detrimento da imposição de uma pena ao contribuinte renitente? […] Em vez da efetiva execução de penas privativas de liberdade contra o sonegador, com todos os custos sociais daí decorrentes, privilegiou-se a política arrecadatória, com a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, desde que satisfeita integralmente a obrigação (entendida como incluindo os acréscimos pecuniários decorrentes da mora, os quais, precisamente, o legislador fixou de modo mais rigoroso e severo).” (BRASIL, 2013). O parecer do Ministro Dias Toffoli demonstra como o Direito Penal aproxima-se da vertente formal do princípio da isonomia. Analisa o Ministro que, o legislador, nos crimes contra a ordem tributária, privilegiou o contribuinte, pois, ao invés de impor a restrição da liberdade do sonegador, permitiu que esse tivesse extinta sua punibilidade, mediante o pagamento do tributo e seus acessórios. Nesse mesmo sentido são as lições de Aurora Tamazini de Carvalho: “Alguns autores discutem o pagamento como forma de extinção da punibilidade como forma de coação. Mas, se o legislador escolheu o pagamento como forma extintiva da punibilidade penal, a nós não compete averiguar suas razões nem estudar as repercussões sócias (sic) causadas por este ato de decisão legislativa. Se é uma forma de coerção a exigência do crédito tributário, o é de forma juridicizada.” (DE CARVALHO, 2008, p. 341/342). Todavia, a norma penal não esta isenta de sofrer controle de constitucionalidade, pois a vigência de um texto jurídico não implica automaticamente em sua validade, deve o legislador, ao legislar, ter que a Lei deve estar em conformidade com a Constituição. Streck abordando o tema elucida: “Nenhum campo do Direito está imune dessa vinculação constitucional. Consequentemente, na medida em que a Constituição figura como o alfa e o omega  do sistema jurídico-social, ocorre uma sensível alteração na seara da conformação legislativa. Ou seja, a partir do paradigma instituído pelo novo constitucionalismo e a partir daquilo que o Estado Democrático de Direito representa na tradição jurídica, o legislador não mais detém a liberdade para legislar que tinha no paradigma liberal iluminista.” (STRECK, 2003, p. 254). Ressalte-se que, a ordem tributária trata-se de um bem de relevante valor e, quando violada, o Estado não dá uma resposta à sociedade, eis que a pena é inexistente, uma vez que, pagando o tributo, e seus acessórios, é extinta a punibilidade do agente, portanto, o Estado presta uma proteção deficiente. Será que instituto do arrependimento posterior, constante do art. 16 do Código Penal, não seria suficiente para solucionar tal questão? Em contra partida, quando um sujeito furta um notebook, mesmo restituindo a coisa, terá apenas sua pena amenizada, age o Estado com um garantismo negativo. Eis que, será executada uma pena privativa de liberdade ao infrator, com todos os custos sociais dela decorrentes. Não seria mais interessante ao Estado extinguir a punibilidade, dos que praticam crimes patrimoniais, sem violência e restituem o lesado, assim como nos crimes contra a ordem tributária? Everton Luiz Zanella segue dizendo em sua tese de mestrado, com relação a extinção da punibilidade mediante o pagamento, nos crimes contra a ordem tributária: “A extinção da punibilidade acaba ainda por vulnerar as funções preventivas da norma penal e gera descrença social quanto a importância do bem jurídico, já que o agente continuará delinquindo, pois nada lhe aconteceu, e os outros indivíduos passarão a delinquir também, mirados no exemplo de impunidade absoluta. Outrossim, a benesse legal incentiva novos atos de sonegação, à medida que os sonegadores assumem o risco da pratica do ato e, se forem descobertos, basta o pagamento do débito para que não sejam processados. Reprovável, no mais, que a extinção da punibilidade não gere qualquer efeito penal para o criminoso, que poderá utilizar desse mesmo benefício de forma livre, não importa o número de vezes que isto ocorra, tampouco o grau de ofensa ao bem jurídico”. (ZANELLA, 2009,p.145). Inegavelmente, a extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo afigura-se como uma prática que incentiva novos atos de sonegação, que traduz a ideia de impunidade absoluta. O mais interessante seria a utilização do instituto do arrependimento posterior aos crimes contra a ordem tributária, desta forma, aquele que praticassem tais crimes, ao pagar o tributo e seus acessórios teriam sua pena amenizada, contudo, jamais extinta. 10 CONCLUSÃO O presente trabalho teve como objeto de a figura do instituto da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária e o fato de estes ferirem os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Para tanto, iniciou-se o trabalho estudando as figuras típicas previstas nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137 de dezembro de 1990. Cuidou de estudar qual o bem juridicamente protegido nos crimes desta natureza. Alisou-se a figura da extinção da punibilidade prevista no art. 156 do CTN, dando ênfase a figura da extinção mediante o pagamento do tributo e seus acessórios. Após, examinou-se a figura da extinção da punibilidade e do arrependimento posterior, previstos no CP. Fora realizada uma explicação sobre o princípio da isonomia em suas duas vertentes, formal e material, e do princípio da proporcionalidade, que pode apontar para um garantismo positivo ou um garantismo negativo. Á luz destes princípios fora realizada uma crítica acerca do instituto da extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo, e de seus acessórios, a qualquer tempo, onde se concluiu que tal instituto fere o princípio da isonomia em sua vertente material, porque aos que praticam crimes patrimoniais, sem violência ou grave ameaça, há um direito penal altamente repressor, em contrapartida, aos que praticam crimes contra a ordem tributária, há um direito penal, liberal, simbólico. Fere, ainda, o princípio da proporcionalidade, isto porque o Estado presta uma proteção deficiente a um bem que, inegavelmente, tem relevância jurídica. Para amenizar tal situação, como já supramencionado, deveria o legislador optar por aplicar o instituto do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Direito Penal, aos crimes contra a ordem tributária. Assim, tendo o agente o realizado o pagamento do montante devido, e seus acessórios, até o recebimento da denúncia, teria sua pena reduzida nos termos do respectivo artigo e jamais extinta, vez que o Estado tem o dever de proteger de forma eficiente bens juridicamente relevantes.
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A bis in idem do imposto sobre serviço na Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Estado do Aamazonas (COOPANEST-AM)
O presente artigo tem como objetivo principal apresentar e buscar soluções teóricas à bis in idem do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISQN ou ISS) que acontece na tributação da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Amazonas –COOPANEST/AM, no tocante a sua irregularidade e aos prejuízos financeiros que esta pode causar aos médicos anestesiologistas do Estado do Amazonas.Este trabalho é elaborado mediante o conhecimento adquirido no decorrer da graduação, tendo como base os conceitos e diretrizes estabelecidos pela atual legislação brasileira, destacando-se a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, em consonância com as teorias e doutrinas jurídicas respeitadas.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Após tomar conhecimento de litígios tributários entre a Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Estado do Amazonas (COOPANEST – AM) e a prefeitura de Manaus, surgiu um grande interesse dentre os médicos anestesiologistas em conhecer mais a respeito de como funciona o ordenamento jurídico atual em relação ao Direito Tributário, com foco, principalmente, na forma pela qual o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISQN ou ISS) deveria ser pago pelos profissionais autônomos da área da saúde. Com ajuda de advogados e contadores especialistas em direito tributário, os médicos anestesistas que eram cooperados da COOPANEST – AM, perceberam que o modelo de cooperativa médica estava sendo mais prejudicial do que benéfico, acarretando vários prejuízos ao patrimônio dos médicos cooperados por conta da alta tributação e por conta de novas normas que estabeleciam o pagamento de novos tributos a serem pagos pelos cooperados da COOPANEST – AM. Estas novas tributações e novas normas que estabeleciam o pagamento de novos tributos pela COOPANEST – AM, geraram uma grande insegurança jurídica, visto que os médicos cooperados não sabiam a que momento a prefeitura poderia estabelecer uma nova cobrança ou majoração de tributo. Indo mais além, por várias vezes a prefeitura tratou de forma diferenciada a Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Estado do Amazonas, argumentando que esta não era uma cooperativa legítima, passando a tributar a cooperativa como se fosse uma Sociedade Simples Limitada. Por causa de todas estas situações e pela insegurança jurídica por elas criada, os médicos anestesistas cooperados da COOPANEST – AM, chegaram à conclusão de que seria melhor transformar a cooperativa em uma empresa simples limitada cujos sócios seriam os antigos cooperados da COOPANEST – AM. Com este artigo buscou-se analisar o caso em questão com enfoque na tributação do Imposto Sobre Serviço sobre a Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Amazonas, visto que, em se tratando do ISS, estava ocorrendo a situação da bis in idem. Sobre esta situação, busca-se, na conclusão, apresentar soluções teóricas que poderão servir de sugestões as quais os médicos anestesistas poderão apresentar à prefeitura de Manaus. Diante do exposto, fica clara a incontestável importância social e jurídica do presente trabalho visto que este faz estudo e análise de um caso concreto que está acontecendo na cidade de Manaus e que está afetando, de forma direta, a renda dos indivíduos que fazem parte da comunidade de médicos anestesiologistas da cidade de Manaus. 1. EVOLUÇÃO E CONCEITO DE DIREITO TRIBUTÁRIO 1.1. ORIGENS E EVOLUÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO   Antigamente, o Estado se valia dos mais diversos meios para arrecadar recursos para custear as despesas necessárias para satisfazer suas finalidades, estes meios geralmente consistiam em guerras de conquistas, extorsões de outros povos, doações voluntárias, fabricação de moedas metálicas ou de papel, exigências de empréstimos, rendas produzidas por seus bens e suas empresas, imposições de penalidades e etc. Muitos destes processos de obtenção de receita pública eram tidos como tributos (HARADA, 2011). Como Aliomar Baleeiro fazia lembrar, onde quer que se erga um poder político, quase que como a sua sombra, aparecia o poder de tributar (COÊLHO, 2010). Devido à crescente evolução das despesas públicas voltadas a atender o interesse coletivo, o Estado viu-se com a necessidade de uma fonte regular e permanente de recursos financeiros, assim, por meio de sua força coercitiva, impôs a retirada parcial das riquezas dos particulares, sem qualquer contraprestação, fazendo com que o tributo passasse a ser a principal fonte dos ingressos públicos, essenciais ao financiamento das atividades estatais (HARADA, 2011). Neste período, como diz Coêlho (2010, p. 4), “o jus tributandi e o jus puniendi eram atributos do poder sem peias dos governantes. Muito poder e abuso e pouca justiça”. Devido o Estado arrecadar tributos de forma coercitiva e sem contraprestação, a tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais durante a História, como a Revolução Francesa, a Independências das Colônias Americanas e, no Brasil, a Inconfidência Mineira, que teve como fundamental motivação a sangria econômica, provocada pela metrópole por meio do aumento da derrama (HARADA, 2011). Atualmente, quase todos os países adotam em suas Cartas Políticas o princípio de que a receita tributária deve ser previamente aprovada pelos representantes do povo. No Brasil, o princípio da legalidade tributária vem sendo adotado desde a primeira Constituição Republicana de 1891, cujo resultado foi a constituição do fenômeno tributário em categoria jurídica disciplinada pelo Direito. Os tributos só podem ser exigidos através de lei, que consiste em uma relação jurídica entre o Estado e o súdito-contribuinte (HARADA, 2011). O direito de tributar foi sendo limitado e, progressivamente, incorporaram-se ao sistema jurídico, conceitos mais justos como a capacidade contributiva como fundamento para tributação, a igualdade de todos perante a lei, o princípio da legalidade, a tipicidade dos fatos tributáveis para evitar o subjetivismo dos chefes fiscais e para garantir a certeza e a segurança dos contribuintes, a proibição do confisco por meio da tributação, a absoluta irretroatividade das leis fiscais e da jurisprudência tributária e assim por diante (COÊLHO, 2010). 1.2. CONCEITO DE DIREITO TRIBUTÁRIO Segundo Amaro (2012), originariamente a disciplina jurídica dos tributos era compreendida pelo direito financeiro, este que tem por objeto a disciplina do orçamento público, das receitas públicas (inclusive as receitas tributárias), da despesa pública e da dívida pública. Amaro (2012) segue afirmando que devido ao acelerado desenvolvimento do direito referente aos tributos, o conjunto de princípios e regras que disciplinam essa parcela da atividade financeira do Estado, ganhou foros de “autonomia”, de modo que, atualmente, é possível se falar no direito tributário, como ramo “autônomo” da ciência jurídica, segregado do direito financeiro. Ressaltasse que esta autonomia é relativa, visto ser meramente para fins didáticos e com a finalidade de melhor compreensão do Direito, pois o Direito é uno, completamente interligado (COÊLHO, 2010). A receita pública subdivide-se em receitas originárias e receitas derivadas, estas últimas, como nos faz referência o nome, são as receitas derivadas das riquezas dos particulares, são os tributos arrecadados por meio de constrangimento legal, estando, o Estado, baseado no princípio da autoridade e no exercício da soberania. Os tributos provenientes da receita derivada constituem o objeto do Direito tributário, e este é composto por uma série de normas jurídicas, sem as quais não seria possível a exigência de tributos por parte do Estado em relação aos particulares (HARADA, 2011). Segundo Harada (2011), o Direito Tributário disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riquezas dos particulares, mediante a observância dos princípios do Estado de Direito, ou seja, é a disciplina jurídica que estuda as relações entre o fisco e o contribuinte. Já Amaro (2012, p. 24), apresenta o breve conceito de que o “direito tributário é a disciplina jurídica dos tributos”. Com este conceito, o citado doutrinador abrange todo o conjunto de princípios e normas reguladores da criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária. Contudo, Amaro (2012) faz uma crítica aos conceitos de Direito Tributário dados por doutrinadores que se restringem em afirmar que o objeto do Direito Tributário é a relação entre o Estado credor e os particulares devedores. Amaro (2012) justifica sua crítica ao lembrar que nem sempre é o Estado que figura no pólo ativo da relação jurídica tributária, assim como em algumas ocasiões, não são os particulares os ocupantes do pólo passivo, e, às vezes, o produto da atividade financeira do Estado não é uma receita efetiva. A crítica de Amaro é reforçada com a censura de Lucien Mehl (1964, p. 62 apud Amaro, 2012), quando esta afirma que os conceitos, no caso criticado, sugerem que apenas as pessoas físicas ou nacionais, seriam contribuintes, quando se sabe que as pessoas jurídicas, inclusive as de direito público, e os estrangeiros também podem se sujeitar à incidência de tributos. Por fim, Amaro (2012) conclui sua crítica esclarecendo que o direito tributário não cuida apenas de efetivas receitas, visto que o empréstimo compulsório, embora configure entrada financeira, abrangendo noção de tributo, é uma receita no sentido de recurso financeiro que necessita de contrapartida do dever de devolução. Um bom conceito do que seja relação jurídica tributária como objeto do Direito Tributário, é o conceito de Torres (1993, p. 186 apud Coêlho, 2010, p. 31): “A relação jurídica tributária é complexa, pois abrange um conjunto de direitos e deveres do Fisco e do contribuinte. A fazenda Pública tem o direito de exigir do contribuinte o pagamento do tributo e a prática de atos necessários a sua fiscalização e determinação; mas tem o dever de proteger a confiança nela depositada pelo contribuinte. O sujeito passivo, por seu turno, tem o dever de pagar o tributo e de cumpri os encargos formais necessários à apuração de débito; mas tem o direito ao tratamento igualitário por parte da Administração e ao sigilo com relação aos atos praticados.” 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO De forma breve, cumpre-se explanar os princípios do direito tributário os quais são: 2.1 Princípio da Legalidade 2.2 Princípio da Igualdade ou Isonomia 2.3 Princípio da Irretroatividade 2.4 Princípio da Anterioridade (do exercício e nonagesimal) 2.5 Princípio da Capacidade Contributiva 2.6 Princípio da Vedação do Confisco 2.7 Princípio da Liberdade de Tráfego 2.8 Princípio da Transparência dos Impostos 2.9 Princípio da Uniformidade Geográfica 2.10 Princípio da Seletividade 2.11 Princípio da Não-Diferenciação Tributária 2.12 Princípio da Não-Cumulatividade 2.13 Princípio das Imunidades Tributárias 2.14 Princípio da Competência 2.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O art. 150, I, da CF/88 trata do princípio constitucional tributário o qual afirma que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (VADE MECUM, 2014). Harada (2011, p. 367) ressalta a abrangência deste princípio quando afirma que, “hoje, esse princípio preside a política de incentivos fiscais, a concessão e revogação de inserção, de remissão e de anistia. O art. 97 do CTN enumera as matérias inseridas no campo de reserva legal”. Segundo o princípio da legalidade, a tributação deve ser decidida não pelo chefe do governo, mas pelos representantes do povo, livremente eleitos para fazer leis claras (COÊLHO, 2010). 2.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU DA ISONOMIA Este princípio está inscrito no art. 150, II, da CF/88 e segundo ele, não deve haver tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente, assim como qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Este princípio é decorrente do princípio genérico da igualdade de todos perante a lei, que se encontra no art. 5° da CF/88 (HARADA, 2011) (VADE MECUM, 2014). 2.3. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE Segundo Cassone (2009), é vedado que a lei retroaja em relação à cobrança de fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Diz o art. 150 da Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III  ̶  Cobrar tributos: a) em  relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” 2.4.  PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE Conforme o art. 150, III, “b” e “c” da CF/88, não é permitido fazer a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro e antes de decorridos noventa dias em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (VADE MECUM, 2014). Os tributos que são exceções a este princípio são os imposto de importação (II), imposto de exportação (IE), imposto sobre produto industrializado (IPI), imposto sobre operações financeiras (IOF), ICMS monofásico sobre combustíveis e lubrificantes, CIDE petróleo, empréstimo compulsório para casos de calamidade publica ou guerra externa, imposto extraordinário de guerra e contribuições para o financiamento da seguridade social, que juntamente com o IPI obedecem somente a noventena. Segundo Harada (2011, p. 369), “o princípio da anterioridade constitui garantia fundamental, insusceptível de supressão via emenda constitucional”. Harada (2011) prossegue esclarecendo que apesar de o Estado ter a faculdade de criar novos tributos ou majorar os existentes quando quiser, terá que respeitar o princípio da anterioridade, segundo o qual a cobrança do tributo fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Segundo Harada (2011) este princípio visa proteger o contribuinte de surpresas, ou seja, de que este seja surpreendido com nova carga tributária no meio do exercício financeiro, além disto, mesmo com os inúmeros impostos que são excessões a este princípio, este não se diminui e nem se invalida, sendo assim, um princípio que vem de encontro à construção do Estado Democrático de Direito. Conforme diz Cassone (2009), a lei deve não só observar o princípio da anterioridade “anual”, mas também, o da anterioridade “nonagesimal”. 2.5. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Este princípio está inscrito no art. 145, §1º da CF/88, nos seguintes termos: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitando os direitos individuais nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Segundo Harada (2011), tal princípio busca atingir a justiça fiscal, repartindo os encargos do Estado na proporção das possibilidades de cada contribuinte. 2.6. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO CONFISCO Este princípio encontra-se inscrito no art. 150, IV da CF/88 e nele afirma-se que é vedada a utilização do tributo com efeito de confisco, impedindo que o Estado, com o pretexto de cobrar tributo, se aposse dos bens do contribuinte (VADE MECUM, 2014). Segundo Harada (2011) é preciso analisar o tributo segundo o princípio da capacidade contributiva para saber se este é confiscatório ou não, também é preciso examiná-lo em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação, sem deixar de verificar, ainda, se a eventual onerosiade da imposição fiscal se harmoniza com os demais princípios constitucionais, que garantem o direito de propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade e etc. 2.7. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGOOU PRINCÍPIO DA IMUNIDADE DE TRÁFEGO INTERESTADUAL OU INTERMUNICIPAL Conforme o art. 150, V da CF/88, “é vedada estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (VADE MECUM, 2014). Segundo Harada (2011, p.387) o objetivo deste imposto é “assegurar a livre circulação de bens e de pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio.” 2.8. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DOS IMPOSTOS De acordo com Pereira (2013), o princípio da transparência dos impostos visa estimular a informação acerca do tributo recolhido, sobre o qual os cidadãos deverão ser informados quanto a sua destinação e o valor que fora recolhido. Este princípio está previsto no art. 150, § 5º, da Constituição Federal, o qual reza que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços” (VADE MECUM, 2014). 2.9. PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE GEOGRÁFICAOU PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE DE TRIBUTO FEDERAL EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL Conforme dispõe o art. 151, I da Constituição Federal: “Art. 151. É vedado à União: I – Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País.” Segundo Harada (2011, p. 388), “este princípio decorre da unidade política do Estado Federal Brasileiro, que faz que o território nacional se apresente como um todo do ponto de vista econômico”. Harada (2011) explica que este princípio veda a discriminação de tributo federal em razão do lugar da ocorrência do fato gerador, sendo iguais, em termos de base de cálculo e alíquota, a incidência do tributo nos estados da Federação. Harada (2011, p. 388) afirma que “uniformidade de tributo federal não significa que não possa haver discriminações, isto é, que todos devem pagar exatamente igual”. 2.10. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE Segundo Pereira (2013), este princípio discorre sobre a possibilidade de promover uma tributação diferenciada, que será aplicável a todos os tributos indiretos, os produtos essenciais terão tributação mais baixa e os bens supérfluos terão tributação mais alta. O Art. 153, §3º, I da CF/88 reza que “a tributação deve ser maior ou menor dependendo da essencialidade do bem. Possui aplicação obrigatória quanto ao IPI e facultativa para o ICMS e IPVA” (VADE MECUM, 2014). 2.11. PRINCÍPIO DA NÃO-DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA O art. 152 da Constituição Federal prescreve que “é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino” (VADE MECUM, 2014). Harada (2011) esclarece que “não se incluem na proibição o estabelecimento de alíquotas diferenciadas para o ICMS para as operações internas, interestaduais e de exportação”. 2.12. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE Pereira (2013) ensina que este princípio visa desonerar a tributação na cadeia produtiva, permitindo que o contribuinte adquirente do produto ou serviço, possa, na etapa seguinte, se creditar do imposto pago nas etapas anteriores, compensando tal valor com o seu imposto devido no momento posterior da venda ou da saída. Os artigos Art. 153, § 3º, IV e art. 155 § 2º, I da Constituição Federal afirmam que: “Art. 153. § 3º, IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto. O art. 155 § 2º, I: I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” 2.13. PRINCÍPIO DA IMUNIDADE GENÉRICA DE IMPOSTOS Este princípio trata da vedação fiscal de instituir impostos e está disposto no Art. 150, VI, da CF/88 o qual afirma que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; templos de qualquer culto; patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (VADE MECUM, 2014). Harada (2011) ressalta que apesar da generalização deste princípio nos dá a idéia de que a imunidade se refere apenas às espécies tributárias mencionadas no art. 150, VI da CF/88, a mesma Constituição prevê hipóteses de outras espécies tributárias, como o princípio da uniformidade geográfica previsto no art. 151, I, CF/88, que também contempla a imunidade do tributo como gênero. 2.14. PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA A entidade tributante há de restringir sua atividade tributacional àquela matéria que lhe foi constitucionalmente destinada, pois, como diz Geraldo Ataliba (1975, p. 40-42 apud Cassone, 2009), a competência é a parcela de poder tributário, que a Constituição dá às pessoas públicas. 3. FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO De forma breve, cumpre-se explanar as principais fontes legais do direito tributário as quais são: Leis, tratados e convenções internacionais, decretos e normas complementares. Segundo Harada (2011, p. 481) “Leis são atos normativos aprovados pelo Poder Legislativo através de quorum qualificado (leis complementares) ou por maioria simples (leis ordinárias)”, sendo estas, criadoras e majoradoras de tributos. O art. 97 do Código Tributário Nacional delimita o campo de atuação privativa da lei, que compreende na instituição e extinção de tributos; sua majoração ou sua redução; a definição do fato gerador; a fixação de alíquotas e da base de cálculo; a cominação de penalidades; as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários (VADE MECUM, 2014). Em relação aos Tratados e Convenções Internacionais, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado no sentido de que estes serão introduzidos no direito interno com paridade de norma ordinária (CASSONE, 2009). Sobre os Decretos, conforme, Cassone (2009), estes tem força de lei e podem apreciar regras singulares ou autônomas, já os decretos regulamentares possuem alguma  margem de discricionariedade, o que possibilita a atuação da Administração Pública e a executoriedade à lei. Tratando de normas complementares, é importante ressaltar que o art. 100 do CTN afirma que “a observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo” (VADE MECUM, 2014). 4. O IMPOSTO SOBRE SERVIÇO DE QUALQUER NATUREZA Segundo Harada (2011), o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza, sigla ISSQN ou ISS, é um imposto de competência municipal, conforme o artigo 156, III, da Constituição Federal de 1988, o qual diz: “Compete aos Munícipios instituir impostos sobre: (…) serviço de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar”. Vale ressaltar que este imposto também pode ser instituído, excepcionalmente, pelo Distrito Federal, pois esta unidade da federação tem as mesmas atribuições dos Estados e dos municípios. Segundo Passoni (2013), o ISS tem como fato gerador as prestações de serviço, descritos na lista anexa à Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003 (lista reproduzida na Lei nº 714, de 30 de outubro de 2003 do município de Manaus). São contribuintes do ISS as empresas ou profissionais autônomos que prestam serviço tributável, porém os municípios e o Distrito Federal também podem atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do ISS às empresas ou indivíduos tomadores de serviços (NOGUEIRA, 2006). Passoni (2013) explica que, como regra geral, o ISS é devido ao município em que se encontra o estabelecimento do prestador do serviço, ainda que o estabelecimento prestador esteja situado em outro município. O recolhimento somente é feito ao município no qual o serviço foi prestado no caso de serviços caracterizados por sua realização no estabelecimento do cliente (tomador), por exemplo: limpeza de imóveis, segurança, construção civil, fornecimento de mão de obra. A alíquota do ISS utilizada varia em cada município, porém a União, através do art. 8º, II da Lei complementar nº116 do dia 31 de julho de 2003, fixou alíquota máxima de 5% (cinco por cento) para todos os serviços, já a alíquota mínima é de 2% (dois por cento), conforme o art. 88, do Alto das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988 (COÊLHO, 2010). 5. BIS IN IDEM 5.1. CONCEITO Entende-se que a bis in idem significa bis, repetição, in idem, sobre o mesmo. A bis in idem ocorre no Direito Tributário quando o mesmo ente tributante cobra um tributo do mesmo contribuinte mais de uma vez (DIREITO NET, 2013). 6. DIFERENÇA ENTRE BIS IN IDEM E BITRIBUTAÇÃO Conforme dito no site Direito Net (2013), a bis in idem não se confunde com a bitributação, pois nesta, diferentemente do que ocorre na bis in idem, entes tributantes diversos é que exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador. Segundo Xavier (2004), a bitributação corre quando entes tributantes diferentes realizam a cobrança do mesmo tributo sobre um mesmo contribuinte. A constituição brasileira atual não veda expressamente a bitributação, preferindo estabelecer uma rígida discriminação de competências tributárias. 7. COOPERATIVISMO 7.1. Conceito Segundo Vasconcelos (2001), o art. 3º da Lei nº 5.764/71 traz como sociedade cooperativa “o contrato em que as pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem finalidade lucrativa”. Segundo Vasconcelos (2001), as cooperativas são sociedades de natureza civil, sem fins lucrativos que visa a colaboração e a associação de pessoas ou grupos com os mesmos interesses, visando à obtenção de vantagens comuns a todos os cooperados em suas atividades econômicas. Segundo Polonio (1999), o Congresso de Praga de 1948 definiu a sociedade cooperativa nos seguintes termos: “Será considerada como cooperativa, seja qual for a constituição legal, toda a associação de pessoas que tenha por fim a melhoria econômica e social de seus membros pela exploração de uma empresa baseada na ajuda mínima e que observa os princípios de Rochdale.” Os Princípios de Rochdale são sete: adesão livre; administração democrática; retorna da proporção das compras; juro limitado ao capital; neutralidade política e religiosa; pagamento em dinheiro a vista; e fomento da educação cooperativa (POLONIO, 1999). Segundo a Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos da Instituição Toledo de Ensino (2002), o modelo brasileiro de cooperativismo é o unitário, neste a cooperação é regulada por uma só lei orgânica, devido ao modelo diversificado, cada tipo de organização cooperativa gera uma legislação específica. No Brasil, sobressaem as cooperativas agrícolas. 7.2. COOPERATIVAS MÉDICAS Segundo o artigo 12 da Resolução nº 39, de 27 de outubro de 2000 da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar  ̶  ANS, são classificadas como cooperativas médicas “as sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971, que operam Planos Privativos de Assistência à Saúde.” Segundo entrevista com Dr. Hideto Yasuda (2014), médico anestesista do Estado do Amazonas, a Coopanest (Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Estado do Amazonas) é entidade sem fins lucrativos que visa facilitar o fechamento de contratos entre os médicos anestesistas cooperados e hospitais e clínicas públicas e particulares. Funciona da seguinte forma segundo Yasuda (2014), ao invés de cada médico tentar firmar contratos com os hospitais e clínicas individualmente, a cooperativa acorda, em um só contrato, a prestação de serviços médicos anestesiológicos por todos os médicos cooperados de forma conjunta, que é, para as clínicas e hospitais, uma forma mais prática de firmar o contrato do que na forma individual. 7.3. A BIS IN IDEM DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇO NA TRIBUTAÇÃO DA COOPANEST – AM E DOS ANESTESISTAS COOPERADOS No município de Manaus, o ISS pode ser pago à prefeitura pelos médicos anestesistas (profissionais autônomos) de duas formas: todas às vezes que a nota fiscal de um serviço for emitida pela prefeitura (é descontado 5% do valor do serviço) ou, de forma alternativa, pode ser pago, ao invés de 5% do valor da nota, pagar um valor fixo estabelecido pela prefeitura, desde que seja paga a anuidade da inscrição municipal do ISS (YASUDA, 2014). Dentro deste contexto, a seguinte situação passou a acontecer: os médicos anestesistas pagavam de forma regular a anuidade do ISS, portanto, a estes deveria ser cobrado apenas o valor fixado pela prefeitura quando esses emitissem a nota fiscal de um serviço realizado, sendo indevido cobrar os 5% sobre o valor do serviço. Porém, não só a prefeitura de Manaus cobrava os 5% do valor do serviço, como cobrava em cima do valor total do serviço de todos os médicos anestesiologistas no momento em que a Coopanest emitia nota fiscal para os hospitais ou clínicas particulares ou públicas. Então, por exemplo, os médicos anestesistas pagam a anuidade da inscrição municipal do ISS junto à prefeitura, e por isto, ganham o direito de pagar o valor fixo do ISS no momento da emissão da nota, valor este que vamos tomar por R$20,00 de forma puramente exemplificativa. A COOPANEST emitiu uma nota de um milhão de reais para a SUSAM (Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas), e a prefeitura desconta, automaticamente, no momento da emissão da nota, 5% do valor do serviço prestado ao Estado por todos os anestesistas no período de um mês, neste exemplo, os 5% descontados seria igual à R$50.000,00 de ISS que deverá ser pago de forma proporcional por todos os anestesistas que prestaram serviço à SUSAM naquele mês. Tomando que a COOPANEST tem 150 cooperados e que todos prestaram serviço a SUSAM no mês do exemplo em questão, que os serviços anestesiológicos tivessem sido 750 no total, e que cada médico tenha prestado exatamente 5 serviços, o valor correto a ser pago de ISS por cada um deveria ser de 5 serviços vezes o valor fixado de R$20,00 (em decorrência do pagamento da anuidade da inscrição municipal de ISS), cujo total é 100 reais de ISS, mas como a prefeitura descontou 5% do valor da nota, que é igual a R$50.000,00, os anestesistas ao invés de terem que pagar cada um R$100,00, cada um terá que pagar R$50.000,00 dividido por 150 médicos, cujo valor é igual à R$333,33, praticamente o triplo do valor correto no exemplo em questão (YASUDA,2014). Analisando o que ocorreu no caso exemplificativo, que se reproduz na realidade com outros valores, percebe-se que o Município está considerando que a cooperativa está prestando serviços médicos, quando na verdade os prestadores de serviço são os anestesistas e a cooperativa apenas faz a intermediação na assinatura de contratos. O que acontecia era que a prefeitura desconsiderava o fato da COOPANEST – AM, por ser uma cooperativa, era mera repassadora de recursos sem fins lucrativos e que quando tributava 5% do valor das notas fiscais que a COOPANEST – AM emitia, na verdade estava tributando os próprios cooperados, estes que já tinham pago a anuidade referente a inscrição municipal do ISS, gerando assim, a situação da bis in idem (YASUDA, 2014). 8. CONCLUSÃO O presente artigo visa apresentar como conclusão algumas soluções que poderiam ser adotadas para a resolução da questão do ISS na COOPANEST ̶ AM. Sugestão de solução 1: nesta solução cada médico deveria emitir sua nota referente aos serviços prestados, mesmo que tenha sido a cooperativa que tenha firmado o contrato. O problema nesta sugestão é que é preciso saber se o município permitiria que essa emissão fosse feita individualmente. Então, voltando ao exemplo da nota fiscal no valor de um milhão de reais, todos os médicos iriam conferir quantos serviços cada um fez e pagariam o valor pré-fixado de R$20,00 por cada serviço realizado. Exemplo: dentro daquele um milhão, cada médico realizou cinco serviços, então cada um deveria emitir cinco notas fiscais e pagariam R$20,00 vezes cinco serviços, cujo valor total é de R$100,00 pagos de ISS. Sugestão de solução 2: nesta solução a COOPANEST deveria emitir várias pequenas notas, para saber quantos serviços cada médico prestou e em cima de cada serviço em separado, pagar a valor fixo do ISS para os médicos que pagam anuidade e não descontar 5% do valor total dos ganhos de todos os serviços de todos os médicos. Sugestão de solução 3: seria nenhum médico pagar a anuidade e deixaria a prefeitura arrecadar 5% do valor da nota emitida pela cooperativa em relação ao trabalho de todos os médicos, porém ficaria um valor muito alto de imposto e não compensaria para os médicos. Ex, se o valor total arrecadado fosse 5 milhões, 5% de 5 milhões é 250 mil, que deveriam ser divididos pagos pelos médicos. Sugestão de solução 4: esta solução foi recentemente adotada pela COOPANEST – AM, e está sendo adotada por muitas outras cooperativas médicas no território brasileiro, foi a transformação da cooperativa em uma sociedade simples limitada composta por profissionais autônomos, neste caso, os médicos anestesistas. Segundo Harada (2011), estas sociedades simples limitadas também podem ser chamadas de sociedades uniprofissionais (sigla SUP), que são as sociedades compostas por profissionais autônomos que desempenham a mesma atividade intelectual de forma pessoal (no caso os profissionais seriam os médicos anestesistas). Harada (2011) explica que as SUPs gozam do regime de tributação fixa do ISS conforme o art. 9º, §3º do Decreto-lei nº 406/68 mantido pela Lei Complementar nº 116/2003, o qual diz: “Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. §3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do §1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.” A sociedade simples limitada dos médicos anestesiologistas faz o mesmo papel que fazia a cooperativa, que é facilitar a assinatura de contratos entre os médicos e as empresas que procuram serviços anestesiológicos. O lucro desta sociedade é repartido entre os anestesistas de forma proporcional a quantidade de serviços que cada um prestou. Comparando a forma que o ISS estava sendo tributado na COOPANEST – AM e a forma como está sendo tributado na SUP dos anestesiologistas do Amazonas, não há grandes diferenças: da sociedade simples limitada, assim como da COOPANEST, a prefeitura de Manaus está cobrando 5% do valor das notas ficas emitidas. A diferença é que na COOPANEST, o médico precisava pagar a anuidade do ISS mais o valor proporcional a quantidade de serviços que prestou dentro dos 5% cobrados do valor das notas fiscais emitidas pela cooperativa, enquanto que na sociedade simples limitada, apesar de ainda serem cobrados os 5% sobre o valor das notas ficais emitidas, o médico pode optar entre pagar ou a anuidade da inscrição do ISS. O que aconteceu foi que a prefeitura estava tributando a COOPANEST – AM como se esta fosse uma sociedade simples limitada, e o total do valor pago de tributos pela cooperativa estava sendo mais alto que o valor que seria pago de tributos caso os médicos ao invés de fazerem parte de uma cooperativa, fizessem parte de uma sociedade simples limitada. Diante do todo apresentado, o presente artigo visa ser fonte de análise para a comunidade de médicos anestesiologistas do estado do Amazonas que procuram entender de forma mais específica, a incidência do ISS na COOPANEST – AM e na Sociedade Simples Limitada dos médicos anestesiologistas do Amazonas, e entender também a situação da bis in idem do imposto sobre serviço que estava acontecendo quando os contratos eram firmados pela COOPANEST – AM.
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Os impostos sobre o patrimônio e a necessidade de o poder público garantir a possibildade de uso, gozo e disposição do bem
Este artigo visa discutir os impostos sobre a propriedade previstos na Constituição Federal e hipóteses em que sua incidência se faz ilegítima. Par tal mister, tomaremos o prisma constitucional e principalmente o estudo da capacidade contributiva. Voltaremos os olhos para situações em que a tributação far-se-á inconstitucional no IPTU, no ITR, no IPVA e a ainda discutiremos o esqueleto constitucional do IGF e situação em que sua cobrança também seria injusta[1].
Direito Tributário
Introdução     Sempre foi com o discurso de custear as despesas comuns e promover o desenvolvimento do todo que desde que o homem começou a se organizar em grupos que os seus líderes coletam riquezas da coletividade. Tal expediente ainda é utilizado no mais diversos momentos: desde quando colegas de trabalho se cotizam para comprar um presente para um aniversariante ou quando rateamos as despesas condominiais. Porém quando essa verba não decorre de ato ilícito, tem como destino o ente estatal e essa contribuição, exprimida em pecúnia, assume contornos de obrigatoriedade estamos diante do objeto de estudo do direito tributário, então temos de observar todo o ordenamento da matéria. O Estado, através do poder legislador, tem a competência para eleger situações que, por si só, obrigarão seu agente a entregar riqueza aos cofres públicos. No entanto o Estado também está amarrado ao ordenamento da legislação tributária. Estudaremos então algumas das regras dessa competência, seu arquétipo constitucional/legal e algumas das limitações, notadamente o princípio da capacidade contributiva, e seus reflexos para a atividade do Estado-legislador e do Estado- arrecadador. Por fim veremos situações reais e hipotéticas onde é possível verificar que em não havendo constante acompanhamento das normas e seus efeitos estas se mostrarão em choque com seus próprios fundamentos de validade. Os tributos sobre o consumo, sobre a renda e sobre o patrimônio. No mundo inteiro os tributos incidem basicamente sobre 3 grupos de situações: Propriedade, Renda e Consumo. É necessário haver um bom balanceamento sobre os três grupos de maneira a não tomar injusta a tributação, ainda que legal. No Brasil podemos verificar um excesso de carga tributária no consumo. Não percebemos quanto pagamos embutidos nos preços dos produtos que consumimos, mas nos queixamos da alíquota do imposto de renda ou do valor do IPVA. Tal formade tributação é perversa pois p rico e o pobre acabam sendo nivelados. Tanto o rico quanto o pobre ao comprar feijão recolhem aos cofres públicos à mesma importância, isto choca com a ideia de justiça fiscal e às finalidade extra e para-fiscais dos tributos. Penso que tal escolha desse modelo por parte dos políticos possivelmente se dápor conta de que são esses os tributos que mais permitem “se esconder” da população. Essa tributação beneficia aqueles que têm mais sobras de caixa, pois ao depois de gastar sua renda com consumo ainda há sobra esta não será amealhada para as necessidades públicas. Os tributos que incidem sobre a renda permitem uma maior individualização da carga tributária, em que efetivamente se mede a possibilidade de pagamento de tributos do contribuinte e assim uma maior justiça fiscal. Permitem atingir ás finalidade fiscais e extra-fiscais concomitantemente. Esta forma de tributar traz um ônus político maior por conta de que muitas vezes o contribuinte se sente roubado pelo Estado. A preponderância deste tipo de tributos favorece os que ganham menos, pois pagarão menos tributo ou até não pagarão, enquanto que os mais abastados se verão com injustiçados por pagar altos valores e geralmente não usar nenhum ou usar poucos serviços públicos. Por último temos os tributos sobre o patrimônio. Nos parece um meio termo entre os dois no que tange a percepção por parte do contribuinte, isto é, de certa maneira parece razoável á todos que o dono de um bem deva pagar alguma soma por isso. Favorece a realização de finalidade para-fiscais por se poder cruzar dados de patrimônio com renda. Como a maioria dos eleitores tem pouco ou nenhum patrimônio o ônus político para aprovação de tributos com essa materialidade não é alto. Este grupo de tributos permite um melhor planejamento tributário para os contribuintes. É este grupo que focamos este trabalho. Aduzimos que não estudaremos o ITBI por entender que é um tributo sobre operação comercial e não sobre patrimônio, apesar de haver doutrina respeitável que entende diferentemente. Os impostos sobre o patrimônio Nossa constituição criou 4 impostos sobre o patrimônio: o ITR, o IPTU, o IPVA e o IGF. O IPTU e o ITR incidem sobre áreas físicas, o IPVA sobre veículos automotores e o IGF ainda não foi instituído/regulamentado, mas deverá incidir sobre todo o patrimônio do contribuinte. A Constituição Federal as materialidades dos impostos em 1988 e para os tributos acima mencionados ficou implícita/explicitamente consignado que o critério material apto a atrair a incidência tributária é a propriedade, o domínio útil ou a posse. Passemos a analisar em breves linhas o esboço constitucional de cada um deles. O ITR O imposto sobre a propriedade territorial rural é imposto de competência federal e seu produto deve ser dividido igualmente com os municípios em que as propriedades se encontram. Há a hipótese de a união delegar para o município as atribuições de fiscalização e cobrança desde que isso não implique em redução do imposto ou renúncia fiscal. A emenda constitucional 42/2003 determinou que o referido tributo deve ter caráter também extra-fiscal para estimular a função social da propriedade. Numa rápida análise pelos critérios de Regra matriz de incidência tributária de Paulo de Barros Carvalho podemos indicar que: Se o contribuinte é titular do direito de propriedade, domínio útil ou posse de determinado imóvel situado na zona rural no período apontando em lei como critério temporal surge para ele a obrigação de pagar à União ou ao município o produto do valor de sua propriedade vezes a alíquota aplicável. O IPTU O imposto sobre propriedade predial e territorial urbana é a versão “da cidade” do ITR. É de competência municipal e seu produto deve ser integrado totalmente às contas do município onde se encontra o referido imóvel. A competência legislativa do mais de 5 mil municípios ficou bem restringida com o tratamento do CTN sobre a matéria. No entanto as câmaras de vereadores podem dispor sobre isenção, multa, obrigações acessórias, data e forma de pagamento e etc. Desde a emenda constitucional de 29/2000 que o IPTU pode ter alíquotas progressivas em razão do valor e da localização e uso do imóvel. Para que haja surja a obrigação de pagar ao município o valor do imóvel vezes a alíquota aplicável basta que o contribuinte seja titular de direito de propriedade, tenha o domínio útil ou a posse de imóvel situado na zona urbana em data prevista na legislação local. O IPVA O imposto sobre a propriedade de veículos automotores é de competência estadual/distrital, pertencendo seu produto integralmente à unidade federativa onde o veículo está matriculado. O legislador complementar nesse caso preferiu deixar ao talante das assembleias legislativas e câmara distrital um maior espectro de atuação na fixação de critérios quanto ao IPVA. A carta magna, no entanto, exigiu que fossem obedecidos pelos legisladores locais a alíquota mínima a ser definida pelo Senado Federal. Permitiu a Constituição que houvessem alíquotas diferenciadas por tipo e por utilização, em clara tentativa de mensuração da capacidade contributiva. Como dito é de competência dos vários estados e do DF a definição do conteúdo do IPVA mas o eu arquétipo constitucional pode ser rascunhado da seguinte forma: Se alguém for dono, tiver domínio útil ou posse de veículo automotor dentro do Brasil fica obrigado a pagar à unidade federativa onde este estiver matriculado o produto do valor do bem e da alíquota determinada em lei. O IGF O imposto sobre grandes fortunas é de competência da união que deverá instituí-lo por lei complementar. A constituição pouco falou sobre o IGF. Não definiu se haverá progressividade, se ele deverá atender à função extra ou para-fiscal e nem definiu momento para sua instituição. O imposto sobre grandes fortunas só existe com previsão constitucional. Não há lei que o defina, no entanto podemos fazer um exercício de hermenêutica e traçar um mínimo que ele, quando instituído não poderá fugir. Para ser contribuinte do IGF o contribuinte deve ser titular de bens que o lhe deem a condição de muito rico. O constituinte não quis tributar neste caso apenas o cidadão que se encontra financeiramente confortável, o vocábulo utilizado foi fortuna e este ainda foi qualificado com o adjetivo grande, logo a soma deve ser realmente bem grande. Então pragmatizando: Se o contribuinte é titular de soma considerável de riqueza no Brasil em data fixada em lei deve pagar à União parcela desse valor. O princípio constitucional da capacidade contributiva. A capacidade contributiva está umbilicalmente relacionada à isonomia. Enquanto a isonomia entendida de forma estrita manda tratar os iguais de forma igual, decorre logicamente deste raciocínio que se deve tratar os desiguais de forma desigual, e tão somente na medida de suas desigualdades. Este é o entendimento consagrado do princípio da isonomia no Brasil e decorre do pensamento do genial Rui Barbosa que por ocasião da formatura dos egressos da faculdade de direito do Largo de São Francisco em 1920 disse: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualmente flagrante, e não igualdade real.” O tributo será justo quando for o critério diferenciador eleito pela norma. Só é lícito eleger como discrimen elemento que evidencie uma capacidade econômica diferenciada do sujeito passivo da exação tributária. A constituição Federal no parágrafo único do artigo 145 estabelece o princípio da capacidade contributiva. “§1º- Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividade econômicas do contribuinte.” Hugo de Brito Machado¹ em sua 31ª edição do curso de direito tributário esclarece: “A nosso ver o princípio da capacidade contributiva ou capacidade econômica, diz respeito aos tributos em geral e não apenas aos impostos, embora apenas em relação a estes esteja expressamente positivado na Constituição. Aliás, é esse princípio que justifica a isenção de certas taxas, e até da contribuição de melhoria, em situações nas quais é evidente a inexistência de capacidade contributiva daquele de quem teria de ser o tributo cobrado. E quanto à segunda das referidas questões (Quanto a possibilidade de o legislador ordinário afastar a incidência deste princípio, haja visto que o texto da Constituição diz: “ sempre que possível…)nos parece que se trata de um princípio constitucional que deve ser encarado com os princípios jurídicos em geral. Não é razoável entender-se que o legislador tem ampla liberdade para resolver quando é e quando não é possível exigir-se obediência ao princípio da capacidade contributiva porque tal compreensão anula inteiramente a sua supermacia. Em outras palavras, essa interpretação rebaixa o princípio em questão do nível da Constituição para o nível das leis ordinárias, o que não é razoável admitir-se.” Nesse trabalho trataremos apenas de impostos, mas vimos que se trata de um princípio aplicável a todos as espécies de tributos, não só aos impostos, e que é de observância obrigatória pelo legislador. Roque Antônio Carraza² nos diz que: “De um modo bem amplo, já podemos adiantar que ela (a capacidade contributiva) se manifesta diante de fatos ou situações que revelam, prima facie, da parte de quem os realiza ou neles se encontra, condições objetivas para, pelo menos em teses, suportar a carga econômica desta particular espécie tributária.” O professor Carraza faz menção a “…desta particular espécie tributária.” pois diverge do Dr. Hugo de Brito na aplicabilidade deste princípio quanto ao espectro de espécies tributárias que este princípio abarca. Entendo este princípio como sendo além do já dito quanto à decorrência da isonomia, como também expressão da extrafiscalidade, ferramenta da justiça fiscal que busca diminuir a diferença das classes sociais. Os benefícios resultantes da aplicação dos tributos servirão a todos; às custas também de todos, mas mais dos que têm melhores condições de pagar. A nosso ver a carta magna determina que apenas fatos que denotem alguma exteriorização de riqueza podem ser alçados a fatos tributários. Isto é: apenas fatos de quem se presuma riqueza devem ser os critérios materiais aptos a atrair a incidência tributária. E esta exação deve observar o tamanho da sua exteriorização. A propriedade e os demais direitos aptos a atrair a incidência dos tributos. Já disse aqui que é a propriedade sobre espaço físico, veículo automotor e grande fortuna a materialidade apta a atrair a incidência dos tributos. Na verdade haverá casos em que outros direitos sobre as coisas poderão também justificar a atividade arrecadatória do Estado. Impende aprofundar um pouco o conteúdo destes institutos. Comecemos observando o que o CTN dispõe sobre o IPTU: “O imposto de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizando na zona urbana do Município.” Ou seja, o legislador complementar deixou para as Câmaras de Vereadores de cada município, observando suas particularidades, a missão de escolher qual dos direitos reais sobre o imóvel que realizará o fato tributável. Quanto ao ITR disse a Lei 5.172/66 em seu artigo 29: “O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.” Os direitos que compõem a materialidade do IPVA não foram minudenciados pela constituição ou pelo Código Tributário Nacional. Vejamos então a Lei que regulamenta o tributo no estado da Bahia. A Lei estadual nº 6.348 de 17 de dezembro de 1991 não traz nenhum artigo com a clareza dos já vistos nos outros impostos mas quando trata da base de cálculo acaba por dizer qual o critério material bastante para definir a obrigatoriedade do recolhimento do tributo. “§5°- Ocorrendo perda total do veículo, por sinistro, roubo, furto ou outro motivo que descaracterize sua propriedade, seu domínio ou sua posse,o imposto será calculado por duodécimo ou fração, considerada a data do evento…”. Como já dissemos o IGF não tem aplicabilidade por falta de lei que o defina. Pudemos ver que nos 3 tributos as materialidades eleitas foram sempre a propriedade, o domínio e a posse. OS conceitos de direito privado e a superposição do direito tributário O direito tributário é um direito de superposição. Diz de superposição pois ele incide sobre situações já regulamentadas por outros ramos do direito. Por exemplo o ISS incide sobre serviços, mas como definir o que é serviço? Recorre-se a outro ramo do direito, no caso o direito civil, então tudo que configurar obrigação de fazer será serviço. Da mesma forma quanto ao ICMS que deve incidir sobre operações de circulação de mercadoria. Recorrer-se-á a outras matérias dentro do direito para conceituar-se mercadoria. Desta forma o direito tributário não pode inventar toda uma realidade, ou seja, não pode, para fins tributários, dizer que na compra de imóveis incidirá ICMS haja visto que no conceito de mercadoria está a ideia de mobilidade, ausente do conceito de imóvel. É esta a leitura que fazemos do artigo 110 da lei 5.172/66, o Código Tributário Nacional, in verbis: “Art.110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizadas, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Nestetrabalho estamos examinando especificamente o ITR, o IPTU, o IPVA e arquétipo constitucional Do IGF, já que ainda não existe lei instituidora deste imposto. Já vimos que o critério material dos referidos tributos envolvem a propriedade, o domínio útil e a posse. Então, vejamos o conteúdo de cada um destes institutos. O direito de propriedade. O código civil fugiu à tarefa de conceituar a propriedade definindo os poderes de seu titular. Disse a lei que o proprietário é a pessoa que tem direito de usar,gozar e dispor da coisas, podendo ainda reavê-la do poder de quem injustamente a detenha ou possua. Socorramo-nos da doutrina para traçar um conceito do instituto. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald³ dizem o que não é propriedade para depois chegar num sucinto conceito: “A propriedade não é o retrato material do imóvel com as características físicas, mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente, dotando o proprietário de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidades e a proteção plena do aparto jurisdicional. O título representativo da propriedade é apenas a parte visível de um bem intangível que resume um conjunto integrado e controlável de informações que circulam entre cartórios, registros, instituições financeiras e Estado, promovendo segurança e confiança intersubjetiva. Podemos conceituar assim propriedade como uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas.” Em Orlando Gomes4, podemos ver de uma só vez três conceitos, que harmonicamente nos trazem a melhor ideia da propriedade: “Sinteticamente, é de se defini-lo, com Windscheid, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica, submetida à vontade de uma pessoa com as limitações da lei.” Para César Fiúza[2]5: “… propriedade pode significar, num sentido mais amplo, a situação jurídica composta de uma relação dinâmica e complexa entre o dono e a coletividade, da qual surgem direitos e deveres para ambos; num sentido mais restrito, pode significar apenas os direitos do dono de usar,fruir, dispor e reivindicar, daí se falar em direito ou direitos de propriedade; e num sentido mais específico e objetivo, propriedade é a própria coisa, objeto do domínio. Daí se falar em propriedade urbana ou rural como sinônimo de imóvel ou prédio urbano ou rural.” De todos estes conceitos podemos extrair que a propriedade é direito complexo, ou seja envolve vários poderes que o senhor tem sobre a coisa e que todos devem respeitar. Não é, entretanto, absoluto, pois deve observar em sua extensão e direção o bem comum, não pode o proprietário fazer o que quiser com a coisa, deve pautar seus atos pelos fins jurídicos e econômicos. Voltando ao nosso estudo, temos que se alguém é senhor de uma coisa e portanto pode usar, fruir, dispor e gozar livremente deste bem quem tem conteúdo econômico concreto é justo que seja sujeito passivo de obrigação tributária. O domínio útil. O legislador cível também se furtou a tarefa de conceituar o domínio útil. O código civil por diversas vezes utiliza a palavra domínio com o sentido de poder sobre determinada coisa, detença. Para Cristiano Chaves o domínio é o poder que instrumentaliza a propriedade: “A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio…”. Enquanto que a propriedade é uma relação jurídica o domínio é uma relação fática. Devem, pois andar de mãos dadas. Mas há situações onde a propriedade é cindida do domínio. O exemplo mais fácil é a locação. Quando o proprietário decide alugar sua coisa passa o domínio para outrem, reservado para si a propriedade. Mais a frente veremos outras situações de partição entre propriedade e domínio que trarão repercussões à esfera do poder de tributar. A posse. Há diversas e intricadas questões sobre a posse. Haja visto que tratamos de tema tributário em que a aplicação do instituto é mínima, para não dizer nula, deixarei de conceituar o instituto. Na seara da atividade arrecadatória especialmente nos impostos sob comento cujos lançamentos dão da modalidade de ofício perde objeto a discussão sobre a teoria de Savigny ou lhering, se existe animus domini e se ele se encontra presente em um caso ou outro.  Não há atividade fiscalizatória a investigar os posseiros e suas intenções com os bens para se verificar se é caso ou não de sujeição passiva. Vejamos breve lição de Aires F. Barreto6 que define qual o tipo de posse que pode, em tese, visto que na prática não é verificável, atrair a incidência dos impostos sobre o patrimônio. “A “posse” apresenta-se como a terceira variável da hipótese de incidência, porquanto reflete o exercício de poderes inerentes à propriedade. Enfeixando-se o poder que se manifesta quando alguém age como se fora titular do domínio, a posse obriga- notadamente quanto ao uso e gozo – direito nos quais se faz presente o substrato tributável. Para haver posse tributável é preciso que se trate de posse ad usucapionem. É dizer, posse que pode conduzir ao domínio. Caso se trate de posse que não tenha essa virtude, não se há de cogitar se esse possuidor contribuinte do IPTU. Assim, não se podem ser contribuintes- embora seja possuidores- os locatários e os arrendatários de imóvel.” Investiguemos agora os tributos individualmente e verifiquemos se é possível em cada um deles que o legislador opte livremente em eleger seu critério material apto a atrair a incidência tributária. As hipóteses de deslegitimação da cobrança dos tributos sobre a propriedade. Vejamos agora as referidas hipóteses em que mesmo havendo, num primeiro olhar, a subsunção do fato à norma é legítima a cobrança de qualquer tributo sobre o patrimônio. É legítima essa cobrança porque esse olhar deve se dar pelo prisma constitucional da capacidade contributiva e onde esta não se revelar a norma não poderá incidir, vez que obstada pela ausência do signo de riqueza legitimador da cobrança. Imóvel rural invadido por famílias sem- terra. Vimos até aqui que o imposto territorial rural é tributo que deve incidir sobre o direito de propriedade, domínio ou posse de terras que não sejam urbanas. Tem capacidade contributiva aquele que extrai riqueza do bem ou, ao menos, tem condição de fazê-lo. O recurso especial 963.499/PR pôs fim a interessante caso em que se demonstra a aplicabilidade do tema ora em debate. Trata-se de pretensão de espólio que tivera fazenda invadida e mesmo após obter provimento judicial que determinara a desocupação do imóvel pelas cerca de 80 famílias sem- terra que lá residam não conseguiu obter o bem de volta. O Estado por não querer assumir tamanho ônus político ou por questões de solidariedade não cumpriu a ordem judicial. A fim de resolver o problema de outra forma o INCRA pondo em movimento a reforma agrária resolveu adquirir a já invadida fazenda para regularizar a situação das famílias. Ocorre que para adquirir a fazenda, como todo comprador cauteloso, a autarquia federal exigiu a quitação de todos os tributos. Ficou assim um grande problema, o Estado não cumpriu com seu dever de garantir o direito de propriedade e também a execução das ordens judiciais, mas, de certa forma, exigia o pagamento dos tributos. Ora, não havia tributo a ser pago. O direito de propriedade ali era um “pastel de vento”, no dizer dos ministros do STJ: “Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos.” É salomônica a justeza da decisão do STJ. Com a anulação dos lançamentos ficou o imóvel sem ônus tributário e, a um só tempo, o INCRA, o espólio nas pessoas dos herdeiros do de cujos, e as famílias assentadas tiveram seus problemas resolvidos. IPTU em área com severa restrição administrativa/ambiental. No caso que acabamos de ver o direito de propriedade tinha sido esvaziado integralmente pelos fatos. Mas há situações em que o titular ainda exerce todos os seus direitos, no entanto estes podem ser restringidos em seu alcance de tal forma que a cobrança do tributo deve ser reavaliada sob pena de ilegitimidade/injustiça. Na seara do direito administrativo, com fundamento na predominância do interesse público sobre o privado, há diversas limitações ao direito de propriedade. Em maior ou menos grau essas restrições invadem o patrimônio individual do cidadão que fica impedido de exercer o direito de propriedade em sua plenitude. Há certo consenso entre os administrativistas que quando a limitação do direito de propriedade tem caráter geral não caberá indenização e quando esta forma específica, fica para o proprietário prejudicado o direito de ser ver indenizado. Não obstante caber ou não indenização o certo é que tais restrições diminuem o valor econômico do bem. Se, por exemplo, em determinada região, já houver excesso de tráfego o dono de terreno fica impedido de construir imóvel que importe em adicionar à região fluxo de pessoas este imóvel terá seu valor diminuído em grande monta por conta do interesse público. Neste caso não há consenso se caberia indenização no valor que o imóvel perdeu, mas seria imperiosa a diminuição do valor do IPTU do terreno, haja vista a possibilidade de geração de renda por parte deste imóvel haver diminuído. Outro raciocínio que não diminua o valor cobrado a título de IPTU do dono de imóvel que perdeu valor de mercado ofenderia frontalmente o já estudado princípio da capacidade contributiva. Para objetivarmos ainda mais o raciocínio pensemos na caso hipotético de um cidadão que compre um terreno e pague por ele R$ 200.000,00 com o fim de construir um edifício. Quando da emissão de licenças ambientais se constate que importante fonte d’água seria prejudicada caso obra daquela monta fosse efetuada naquele espaço. Não há que se falar que a propriedade é dele e este faz i que quiser. O interesse público ordena que não seja autorizada nenhuma obra que tenha potencial de causar prejuízo à fonte. No entanto o bem público não pode ser realizado às custas de um cidadão. Veja, não é caso de se desapropriar o bem. O terreno pode ter outro uso. Ele deve permanecer sob a propriedade do cidadão, apenas deve ser gravado em sua matrícula a obrigação de não prejudicar a nascente. Por óbvio que o valor econômico do imóvel foi prejudicado. No valor deste prejuízo o titular do terreno deve ser indenizado. Caso o valor do terreno em que não se pode construir seja de R$ 90.000,00 o poder público deve indenizar o cidadão no complemento para o valor do bem antes de imposto o ônus ambiental. E mais, para as novas cobranças do IPTU a base de cálculo a ser observada é o do novo valor do bem. IPVA sobre carro roubado/furtado. No caso do IPVA o problema é flagrante e de mais fácil constatação. Centenas de carros são furtados todos os dias no Brasil. É improcedente alegar que, caso o pagamento devesse ser feito após a data em que o bem foi subtraído este se torna indevido, pois o contribuinte ostentou o signo de riqueza durante algum tempo. Da mesma forma se pago antecipadamente o tributo e após isto o signo (veículo) desaparece se torna imperiosa a devolução proporcional do valor pela Administração Pública para o cidadão. Afinal a data de incidência da norma é apenas em um dia enquanto eu o signo de riqueza se protrai no tempo. Vendo este problema, real, cotidiano do cidadão contribuinte que o legislador paulista editou a nova lei do IPVA paulista, número 13.296/2008. No artigo 14 da sucinta lei é disciplinada a hipótese de privação da propriedade do bem tributado: “Artigo- 14- Fica dispensado o pagamento do imposto, a partir do mês da ocorrência do evento, na hipótese de privação dos direitos de propriedade do veículo por furto ou roubo, quando ocorrido no território do Estado de São Paulo, na seguinte conformidade: I- o imposto pago será restituído proporcionalmente ao período, incluído o mês da ocorrência em que ficar comprovada a privação da propriedade do veículo; I- o imposto pago será restituído proporcionalmente ao período, incluído o mês da ocorrência em que ficar comprovada a privação da propriedade do veículo; II- a restituição ou compensação será efetuada a partir do exercício subsequente ou da ocorrência. §1º- A dispensa prevista neste artigo não desonera o contribuinte do pagamento do imposto incidente sobre fato gerador ocorrido anteriormente ao evento, ainda que no mesmo exercício. § 2º- O Poder Executivo poderá dispensar o pagamento do imposto incidente a partir do exercício seguinte ao da data da ocorrência do evento nas hipóteses de perda total do veículo por furto ou roubo ocorridos fora do território paulista, por sinistro ou por outros motivos, previstos em regulamento, que descaracterizem o domínio ou a posse. § 3º- Os procedimentos concernentes à dispensa, à restituição e à compensação serão disciplinados por ato do Poder Executivo.” A lei prevê a restituição proporcional apenas se o bem foi subtraído no Estado de São Paulo. Certamente foram razões políticas/arrecadatórias que levaram à isso. Ao nosso ver não faz sentido tal restrição e mesmo que o bem tenha sido furtado ou roubado em outro estado deve persistir o não pagamento ou a restituição. Mesmo assim é louvável a intenção dos deputados e a iniciativa deve ser aplaudida, principalmente por ser pioneira. O imposto sobre grandes fortunas e o sequestro da poupança de 1989. Previsto pela Constituição Federal em seu artigo 153, VII, o IGF ainda não foi regulamentado. Sem entrar no campo político do motivo da omissão do legislador e mantendo o quanto já dito anteriormente quanto à máxima aplicabilidade das normas constitucionais entendo que o referido tributo teria como materialidade deter grande fortuna. É claro que a lei instituidora do tributo teria liberdade para definir qual o valor a partir do qual se considera grande fortuna. Mas levando em conta a baliza constitucional o legislador teria que escolher um valor a partir do qual fosse o seu titular considerado um afortunado e não um trabalhador que conseguiu atingir algum conforto. De outro lado esta soma não poderia ser tal que apenas poucos brasileiros fossem atingidos pela exação. Como entre um e outro degrau há um grande espaço, peguemos um cidadão hipotético que se localizasse dentro de tal espectro de riqueza. Voltemos ao ano de 1989 em que, da noite para o dia, com o fito de conter a inflação, o Estado brasileiro sequestrou a poupança da população. Caso este nosso cidadão, sujeito passivo do IGF, detivesse parte considerável de seu patrimônio na referida aplicação continuaria a estar sob a incidência do tributo? Penso que não. Desapareceu, ainda que temporariamente o signo de riqueza. Tivesse a fortuna do nosso contribuinte hipotético sido aplicada em imóveis ele deveria continuar contribuindo, mas não é o caso. O signo, o motivo da tributação por ora desapareceu. Veja, não há necessidade que o contribuinte tivesse ficado à míngua. Ele inclusive poderia continuar a ser considerado abastado. Mas se houvesse cruzado para baixo o limite legal de grande fortuna sem dúvida estaria desobrigado ao recolhimento do imposto. Conclusão Os impostos sobre a propriedade, como todos os outros, devem ser entendidos sobre o prisma constitucional do direito tributário. O estudo da capacidade contributiva aqui assume grandes contornos de importância, eis que ser proprietário, não define sempre ter riqueza. Há uma certa presunção constitucional nesse sentido e o Estado deve garantir ai cidadão- contribuinte as bases para que se possa extrair da condição de proprietário a situação de riqueza. Me refiro à condições de normalidade de segurança, possibilidade de trabalho, estabilidade nas relações econômicas e jurídicas e etc. Mas não se pense que os impostos sobre o patrimônios são como taxas que o contribuinte paga para ter direito a essas condições. Não é isso. Todas as situações de segurança pessoal, patrimonial, econômica, jurídica e outras mais são prévias e geração de riqueza e, quando o Estado não as garante perde sua legitimidade de cobrar tributo pois cai por terra a presunção relativa de riqueza que emanava da condição de proprietário. Assim sendo, fica o estado obrigado a cumprir com seu papel e, assim feito, surge para si a legitimidade de cobrar os impostos.
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Imposto sobre grandes fortunas e sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro
O presente trabalho discorre sobre o Imposto sobre Grandes Fortunas previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, tendo como principal objetivo demonstrar a viabilidade ou não da criação e regulamentação do presente tributo no cenário jurídico brasileiro.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho versa sobre a criação e regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil e aborda os aspectos positivos e negativos decorrentes de sua instituição. Preliminarmente, a criação deste imposto possui algumas barreiras a serem enfrentadas, tendo em vista que teríamos a principio que delimitar o que seria grandes fortunas em nosso país e qual seria a destinação do dinheiro arrecadado com tal tributação. Posteriormente, outro entrave a ser enfrentado seria a falta de vontade de nossos parlamentares em regulamentar tal imposto, pois a sua instituição recairia exclusivamente em um grupo específico de pessoas detentoras de grande influência e um vasto poder aquisitivo. Para a maioria dos doutrinadores, a criação de tal imposto possui como fundamento a Justiça Social, sendo chamado por muitos de “Imposto Robin Hood”, na medida em que o que se arrecada dos contribuintes com grandes fortunas deverá ser utilizado em prol dos menos favorecidos lhes proporcionando melhores condições de vida. Entretanto, há também doutrinadores que afirmam que caso viesse a ocorrer à regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil, este seria rapidamente derrubado, citando como exemplo alguns países que já não adotam mais essa forma de arrecadação. Para a corrente doutrinária contrária a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, esta afirma que ele não deve ser criado sobre o fundamento de que: a) desestimularia a aquisição de patrimônio e ocorreria a possibilidade de desconcentração de renda; b) definição do que seria considerado “grandes fortunas”; c) fundamento da justiça social; d) A declaração do contribuinte. Por fim, ao confrontarmos ambos os posicionamentos elencados, verificamos que os argumentos daqueles que defendem a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas merece uma maior atenção, pois além de serem mais consistentes defendem ainda a justiça social em nosso país. 1. Competência Tributária A Carta Magna brasileira de 1988 consagrou o estabelecimento de vários princípios tributários, dentre eles a necessidade de cada ente da federação possuir uma esfera de competência tributária que lhe garanta sua própria manutenção para o pleno exercício de suas autonomias política e administrativa. De acordo com o ilustre doutrinador Roque Carrazza (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 53), competência tributária é: “A aptidão para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”. As competências tributárias deverão ser exercidas observando-se as normas constitucionais, principalmente no que se refere às limitações do poder de tributar, com a consagração de princípios de imunidades bem como com as características da privatividade, indelegabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade no exercício. Quanto à criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, compete a União a criação de tal imposto mediante lei complementar, que será exigida somente para definir as diretrizes básicas que nortearão a criação do imposto, definindo o que é uma grande fortuna. Por fim, a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas in abstracto, seu lançamento processo de arrecadação e fiscalização será realizada por meio de lei ordinária. 1.1. Princípios que regem a Competência Tributária Princípios são regras que servem de interpretação das demais normas jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos aplicadores da lei. São as vigas mestras do edifício jurídico, ou seja, são vetores para soluções interpretativas. São regras que por terem âmbito de validade maior, orientam a interpretação de outras regras, inclusive das regras constitucionais. Os princípios que regem a competência tributária são: 1) Princípio da facultatividade; 2) Princípio da incaducabilidade; 3) Princípio da irrenunciabilidade; 4) Princípio da indelegabilidade. 1.2. Princípio da Facultatividade O detentor da competência tributária pode optar por exercer ou não a sua competência tributária, no qual podemos citar como exemplo os municípios da federação que não instituíram o imposto sobre serviço por entenderem que o custo da sua administração seria maior que o valor arrecadado. Porém, o artigo 11 e parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar nº101/2000), o ente político que não instituir e efetivamente cobrar o imposto de sua competência será excluído dos repasses voluntários, não deixando de receber os repasses decorrentes da repartição de receitas prevista nos artigos 157 a 162 da Constituição Federal. 1.3. Princípio da Incaducabilidade A distribuição de competências consagradas na Constituição Federal de 1988 em momento algum faz menção a lapso temporal para o exercício da competência tributária conferida a um ente político. O fato de um ente federativo não implementar desde logo o seu tributo não o impossibilita de legislar sobre a matéria e instituí-lo a qualquer momento.  1.4 .Princípio da Irrenunciabilidade O Princípio da Irrenunciabilidade consagra que nenhum ente político pode renunciar a competência tributária que lhe foi atribuída pela Constituição Federal para instituir o tributo, porém, o ente político pode conceder isenções. 1.5. Princípio da Indelegabilidade Nenhum ente político pode delegar os seus poderes de legislar sobre tributos a outro ente político. Desta forma, caso algum ente da federação não exercite a sua competência tributária, isto não significa que outro ente político poderá exercê-la. O artigo 7º do Código Tributário Nacional estabelece que a competência tributária é indelegável, o que, não impede e nem inviabiliza a delegação de uma pessoa jurídica de direito público a outra, no qual por meio de convênio, as funções de arrecadar, fiscalizar, executar leis, serviços. Tais delegações compreendem as garantias e os privilégios processuais contidos no artigo 7º, §1, do Código Tributário Nacional, podendo ser revogada a qualquer momento, por ato unilateral de quem a delegou, pois tal ato é sempre de caráter precário. 1.6. Distribuição da Competência Tributária O artigo 145 da nossa Carta Magna estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir tributos. Entretanto, tal competência deve ser distribuída e delimitada, sob pena de um ente federativo violar a competência tributária de outro. A Constituição Federal em seus artigos 153, 155 e 156 delimitou a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. Somente a União, Estado, Distrito Federal, Municípios detêm a competência tributária, sendo tais competências, de acordo com alguns doutrinadores, divididas em: a) competência privativa ou exclusiva; b) competência comum; c) competência residual; d) Competência especial ou extraordinária; e) competência cumulativa. a) A Competência tributária privativa ou exclusiva diz respeito aos impostos. O direito tributário não faz distinção entre competência privativa e competência exclusiva. Por fim, podemos afirmar que é competência privativa da União instituir empréstimos compulsórios.  b) A Competência tributária comum trata-se das e contribuição de melhoria. Para alguns autores trata-se de competência privativa, tendo em vista que todos os entes federativos podem criar taxas e contribuições de melhoria, desde que não sejam as mesmas.  c) Competência tributária residual é aquela em que a União, por meio de lei complementar, poderá instituir outros impostos que não sejam cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo própria dos impostos descriminados na Constituição (art. 154, I da CF). Da mesma forma, a União poderá instituir, por meio de lei complementar, outras contribuições sociais com o objetivo de expandir a seguridade social, conforme os artigos 154, inciso I e 195, §4º da Constituição Federal.  d) Competência tributária especial ou extraordinária trata-se daquela em que a União poderá instituir, por meio de lei ordinária, imposto extraordinário ou de guerra, estando estes compreendidos ou não em sua competência nos termos do artigo 154, inciso II da nossa Carta Magna.  e) Competência tributária cumulativa refere-se à competência da União, em território Federal, de instituir os impostos estaduais e, se o território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais (art. 147 da CF). Ao Distrito Federal compete instituir os impostos estaduais e municipais (art. 32 da CF). 2. Imposto sobre Grandes Fortunas a Luz da Constituição Federal A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 153, inciso VII, que compete à União instituir Imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar. Desde então, a regulamentação de tal imposto tem sido alvo não apenas de projetos de lei complementar, mas também de discussões sobre as conveniências e inconveniências da instituição do imposto sobre grandes fortunas no ordenamento jurídico tributário pátrio. No ano seguinte a promulgação da atual constituição foram apresentados no Congresso Nacional alguns projetos de lei complementar referente à instituição do imposto sobre grandes fortunas. O primeiro deles foi de autoria do então deputado Joarez Marques Batista, sob o nº 108/1989. Entretanto, por mais diversos que tenham sido os projetos de lei apresentados perante o poder legislativo, até hoje o imposto sobre grandes fortunas não foi regulamentado e implementado no Sistema Tributário brasileiro. 3. Aspectos Positivos da criação e da regulamentação do Imposto sobre Grandes Para aqueles que defendem a implementação e a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas declaram que um dos seus grandes objetivos refere-se ao aspecto social, qual seja o de favorecer a distribuição de rendas e consequentemente, a justiça fiscal e social. Pretende-se buscar do vasto patrimônio ostentado por algumas receitas tributárias necessárias para que venha ser aplicada na distribuição de riquezas. A instituição do imposto sobre grandes fortunas sobre o patrimônio estimularia a realização da equidade, tanto em seu aspecto horizontal (respeitando-se o princípio da capacidade contributiva), como em seu aspecto vertical, permitindo por meio da arrecadação uma melhor distribuição de rendas e riquezas, fazendo com que as desigualdades sociais de nosso país sejam diminuídas. A Constituição Federal no seu artigo 3º estabelece os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, sendo eles: “Art. 3º constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Dessa forma, para os defensores da criação e implementação do imposto sobre grandes fortunas seria justo tributar de forma mais gravosa as pessoas detentoras de grandes fortunas, para que estes com seus grandes e suntuosos patrimônios viessem a financiar o Fisco na busca de uma maior e melhor distribuição de rendas e riquezas, alcançando a justiça social. Destaca-se que a riqueza do Brasil está concentrada nas mãos de uma pequena parcela da população, no qual Julio Villaverde (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-brasil-10-sao-donos-de-tres-quartos-das-riquezas,173407) diz: “Os 10 por cento mais ricos da população brasileira detêm mais de 75 por cento da riqueza do país e têm uma carga tributária proporcionalmente menor, o que agrava o quadro de desigualdade social, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)”. Conforme informações extraídas do site acerca do índice Gini no Brasil (http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRB6036520080515?pageNumber=1&virtualBrandChannel=0), em 1960 o índice Gini no Brasil era de 0,5 e agora é de 0,56. Nesse índice, o 0 significa igualdade absoluta, e o 1 implica disparidade máxima, pois um país com um Gini acima de 0,4 é um país com desigualdade brutal. No mesmo estudo sobre a carga tributária publicado no site (http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRB6036520080515?pageNumber=1&virtualBrandChannel=0) constatou-se que os tributos representam 22,7 por cento da renda para os 10 por cento mais ricos, enquanto os 10 por cento mais pobres gastam 32,8 por cento de sua renda com impostos, o que se torna absurdamente desproporcional. Ademais, a finalidade precípua quanto à destinação da arrecadação do imposto sobre grandes fortunas é o Fundo de Combate e Erradicação, conforme estabelece o artigo 80, inciso III, da Constituição Federal. Portanto, a criação do imposto sobre grandes fortunas está repleta de razões de cunho social e de caráter distributivo, mas carece de interesses e vontade política para ser instituído. 4. Aspectos Negativos da criação e da regulamentação do Imposto sobre Grandes De acordo com alguns doutrinadores, a criação e a implementação do imposto sobre grandes fortunas seria inviável em nosso país, pois diversos países obtiveram experiências negativas com impostos similares no decorrer da última década. Tais críticas consideram também as vantagens duvidosas do referido imposto, afinal, a maioria dos argumentos favoráveis a sua instituição limita-se a objetivos de cunho social e considerados insuficientes. Francisco Dornelles afirma, a respeito da instituição do imposto sobre grandes fortunas, que: “O imposto sobre grandes fortunas, pelas suas características próprias e seus elementos constitutivos, poderá quando muito penalizar alguns ricos, mas não produzirá resultado algum para melhorar a vida dos pobres. Sob o aspecto da isonomia pode ainda ser dito que o imposto sobre grandes fortunas atingirá exclusivamente os contribuintes cujo patrimônio seja ostensivo e integrado no sistema produtivo e que nada fizeram para subtraí-lo do conhecimento da sociedade ou do Fisco (DORNELLES, 1991, online)”. Ademais, por mais tentador que seja apegar-se às causas sociais da instituição do imposto sobre grandes fortunas, devemos no atentar para a pesada carga tributária a qual toda a sociedade brasileira está submetida. Por fim, seria extremamente perigoso permitir que mais esse imposto viesse recair sobre bens que de uma forma ou de outra já foram alvo de alguma forma de tributação, podendo ensejar uma possível bitributação. Conclusão O Imposto sobre Grandes Fortunas está previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, no qual somente a União tem competência para instituí-lo. Embora haja apelo por alguns doutrinadores e uma parcela da sociedade em criá-lo, tal possibilidade ainda encontra-se controversa, principalmente no que se refere às diferenças entre o modelo econômico brasileiro e o modelo econômico adotado nos países em que o instituíram. Para aqueles que defendem a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, fundamentam suas idéias no sentido de que seu objetivo principal seria o de realizar justiça social e fiscal, proporcionando uma melhor distribuição de riquezas. Entretanto, para aqueles que são contrários a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, afirmam que a criação de tal imposto não seria possível no Brasil, tendo em vista que muitos países obtiveram experiências desfavoráveis com impostos similares instituídos. Dessa forma, avaliando os argumentos positivos e negativos referentes à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, cabe ao legislador brasileiro verificar a viabilidade e a aplicabilidade da arrecadação adquirida com a instituição de tal imposto, principalmente no tocante a redução das desigualdades sociais em nosso país.
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Lei nº. 13.043/2014: alteração importante na seara da prescrição dos créditos não tributários da União
Esse estudo traz ao leitor uma análise, legal e jurisprudencial, acerca da suspensão da prescrição prevista no “parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977”, assim como, a revogação do mesmo pela a recente alteração prevista na Lei nº. 13043/14.
Direito Tributário
Introdução. A CRFB de 88 estabelece em seu artigo 146, III: “Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: […] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; […]” A Lei Complementar a que se refere o artigo supramencionado é o próprio CTN – Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66), que surgiu inicialmente como lei ordinária. Após a Constituição de 1967, ela foi recepcionada com status de lei complementar, assim como, da mesma forma, após a CRFB/88. Constituição de 1967/69: “Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir”: § 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.” Então, as normas gerais acerca da obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária, devem ser veiculadas por meio da lei complementar. E esse mandamento também estava presente na Constituição pretérita de 1967/69.  “EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários.(…). (RE 556664, GILMAR MENDES, STF)”. (grifo meu). Contudo, existem no nosso ordenamento jurídico, outros tipos de atos normativos que tratam de matéria reservada à lei complementar e, por isso, tais afrontariam à Constituição pretérita, que já previa essa obrigatoriedade, assim como à atual. Alguns Tribunais decidem que não se trata de inconstitucionalidade dessas disposições legais, mas apenas, a sua inaplicabilidade à execução dos créditos tributários, na medida em que se podem aplicar esses artigos à execução dos créditos não tributários. Isso é possível porque o artigo 146, III, da Carta Magna, restringe a exigência da lei complementar àquelas matérias referentes aos créditos tributários, possibilitando a contrario sensu, a aplicação aos créditos não tributários de normas sobre as mesmas matérias que sejam veiculadas, p.ex., por lei ordinária. Assim, matérias sobre prescrição, no que concerne ao seu prazo, hipóteses de suspensão e interrupção do mesmo, podem ser veiculadas por meio de comando diferente de lei complementar quando se tratar de créditos de natureza não tributária. Nesse estudo, trataremos especialmente de uma das hipóteses de suspensão de prescrição veiculadas por Decreto-Lei e amplamente utilizada na contagem do prazo prescricional dos créditos não tributários da União. 1. Suspensão da prescrição prevista no “parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569 / 1977”. As hipóteses de suspensão da prescrição dos créditos não tributários podem estar previstas nos comandos normativos de cada espécie de crédito, assim como, em outras leis esparsas e no próprio CTN. Conceitualmente, a suspensão do prazo prescricional implica a paralisação do prazo, cuja contagem recomeçará a partir do momento em que cessar a causa suspensiva, e pelo tempo restante do mesmo. O parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 previa a suspensão do curso do prazo prescricional, para os casos em que a Dívida deixe de ser cobrada quando não atinja o valor fixado por ato do Ministro da Fazenda, in verbis: “Art. 5º. Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor. Parágrafo único – A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere.” Nessa toada, imperioso registrar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único desse artigo por meio da edição da Súmula Vinculante nº 08 a qual prevê também: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.” Desse modo, interpretando a Súmula Vinculante nº 08, resta assente que a inconstitucionalidade foi reconhecida em relação aos créditos tributários, pois a Lei Fundamental de 1988 exige que a matéria seja regulada por lei complementar. Entretanto, em relação à dívida ativa não tributária não foi reconhecida a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 5º, do Decreto-Lei nº 1.569/1977, de modo que permaneceu a suspensão do curso do prazo prescricional. “Ementa: EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. NATUREZA. PRESCRIÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. É de 5 anos o prazo da prescrição aplicável aos processos de execução fiscal, que, inclusive, pode ser declarada de ofício, nos termos do Verbete n.º 24 do Tribunal Pleno deste Regional. Todavia, se o valor total dos créditos não alcançar o valor estipulado no art. 1º, II, da Portaria MF n.º 49/2004, haverá a suspensão da prescrição em relação a tais créditos, nos moldes do art. 5º do Decreto-Lei n.º 1.569/77. Processo: 00194-2011-018-10-00-8 AP (Acordão 1ª Turma). Origem: 18ª Vara do Trabalho de BRASÍLIA/DF. Juíz(a) da sentença: Silvia Mariózi dos Santos . Data de Publicação: 29/07/2011 Relator: Desembargadora Flávia Simões Falcão)”. (grifo meu). Ocorre que, os Tribunais se dividiam quanto à aplicação dessa hipótese de suspensão prescricional, mesmo aos créditos não tributários. “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INOCORRÊNCIA. SUMULA VINCULANTE Nº 8/STF. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI Nº 1569/77. PRECEDEDENTES DESTA EGRÉGIA CORTE REGIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Agravo regimental que visa à reforma da decisão que, com base no art. 557, caput, do CPC, negou seguimento a agravo de instrumento sob o fundamento de que a regra do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 1.569/77, que possibilitava ao Ministro da Fazenda autorizar a não inscrição e o não ajuizamento de débitos de comprovada inexequibilidade e de pequeno valor, com a consequente suspensão da prescrição durante o prazo em que ficasse suspensa a sua cobrança, teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, sedimentou o seu entendimento na Súmula Vinculante nº 8. 2. Ressalte-se que o Pretório Excelso, ao declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei 1.569/77, afastou, por completo, a sua aplicabilidade, qualquer que seja a natureza do tributo. 3. "Não há que se falar da suspensão do prazo prescricional com base no art. 5º do Decreto-Lei 1.569/77 vez que esse dispositivo legal teve sua inconstitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento restou assentado na Súmula vinculante nº 8, não fazendo qualquer ressalva quanto à sua aplicação." (TRF – 5ª Região – AGTR nº 109153 / PE – Órgão julgador: Segunda Turma – Relator: Desembargador Federal Francisco Wildo – Órgão julgador: Segunda Turma – DJE de 30/09/2010 – Decisão: Unânime). 4. Ademais, "a eternização da dívida, mesmo autorizada por Decreto-lei, atenta contra o ordenamento jurídico, que inadmite a pendência de sua inscrição ou de seu ajuizamento permaneça indefinidamente, mesmo arquivada, até que o valor do débito atinja limite fixado em Portaria Administrativa." (TRF – 2ª Região, AG nº 214755 / ES – Órgão julgador: Sexta Turma Especializada – Relatora: Desembargadora Federal Nizete Lobato – E-DJF2R de 05/12/2012 – Decisão: Unânime). 5. Dessa maneira, é forçoso concluir que a decisão impugnada reconheceu o aperfeiçoamento da prescrição em sintonia com o entendimento firmado pela Suprema Corte, por meio de sua Súmula Vinculante nº 08 e em consonância com precedentes deste egrégio Tribunal Regional Federal, devendo, destarte, ser mantida por seus próprios fundamentos. 6. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AGA 0004545832013405000001, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::25/07/2013 – Página::202.)” (grifo nosso). “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CESSÃO DE CRÉDITO RURAL À UNIÃO POR FORÇA DA MP 2.196-3/2001. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. 1. No que tange aos créditos representados em cédulas de crédito rural, a jurisprudência do Eg. STJ vem entendendo que o prazo prescricional trienal disposto na Lei Uniforme de Genebra (art. 70) não deve ser aplicado, por ser relativo às ações cambiais, distintas das execuções promovidas pela União nos casos de Dívida Ativa de sua competência. 2. Além disso, a jurisprudência aponta para a inexistência de previsão legal que discipline o prazo prescricional dos créditos de natureza privada que tenham sido transferidos à União (submetida ao regime jurídico administrativo), o que também afasta os prazos gerais previstos nos Códigos Civis de 1916 (vintenário) e de 2002 (decenal). O mesmo raciocínio é válido às disposições relativas à prescrição disciplinadas no Código Tributário Nacional. Destarte, deve ser utilizado o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. 3. Ainda que se considere, como quer a União, que o prazo prescricional começou a fluir em 24/11/2005, com o vencimento da última prestação, como consta da CDA, resta consumada a prescrição da ação ajuizada apenas em 18/11/2011, ante o transcurso do lustro quinquenal. 4. Também encontra-se prescrita a ação quando se considere seu termo inicial a data da inscrição da dívida, como crédito tributário, o que ocorreu em 03/01/2006. 5. Ressalte-se que não colhe o argumento acerca da suspensão do prazo prescricional em face da irrisoriedade dos valores, constante do art. 5º, parágrafo único do D.L. nº 1.569/77. Primeiro, porque tal interpretação conduziria à aberrante ideia de imprescritibilidade de créditos. Segundo, porque a Súmula Vinculante nº 8 do STF declarou a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal. 6. Apelo improvido. (AC 00002422220134058311, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 – Segunda Turma, DJE – Data::06/11/2014 – Página::156.)” (grifo nosso). “EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. ARQUIVAMENTO. ART. 20 DA LEI N.º 10.522/02. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. É correta a extinção da execução fiscal diante da manifesta prescrição intercorrente. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C, e STJ, Res. N.º 8/2008), reiterou o entendimento de que incide a regra da prescrição intercorrente (Lei n.º 6.830/80, art. 40, § 4º) mesmo na hipótese de arquivamento da execução fiscal em razão do valor irrisório, na forma prevista no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002 (REsp 1.102.554/MG). O Decreto-lei n.º 1.569/77 (cuja inconstitucionalidade reconhecida na Súmula Vinculante n.º 08 do STF é restrita aos créditos tributários) autoriza a suspensão do prazo prescricional antes da inscrição ou da cobrança dos créditos inferiores aos valores determinados pelo Ministério da Fazenda. Uma vez ajuizada a execução fiscal, arquivada sem baixa, recomeça a contagem do prazo prescricional (Súmula 314 do STJ), não tendo sido demonstrada qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional. Precedentes do STJ. Apelação desprovida. Sentença confirmada. (AC 199551010482880, Desembargador Federal GUILHERME COUTO, TRF2 – SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::04/02/2014.)” .) (grifo nosso). “ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO POR ILIQUIDEZ DO TÍTULO. 1. O direito de a Fazenda Pública exigir crédito patrimonial pagável anualmente (ocupação), antes da Lei n.º 9.636/98, à falta de lei específica, regia-se pelo disposto no art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil de 1916, com prazo de cinco anos. 2. Com relação à suspensão do prazo prescricional para dívidas de pequeno valor, na forma do art. 5º, parág. único, do Decreto-lei n.º 1.569/77, a Súmula Vinculante n.º 08 do STF é expressa ao assinalar que a inconstitucionalidade deste diploma somente se aplica aos créditos de natureza tributária, em razão da burla à exigência de lei complementar. Assim, nos termos da Portaria do Ministério da Fazenda n.º 49/2004, os débitos em valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 estavam dispensados da inscrição em Dívida Ativa (art. 1º, I, ), suspendendo-se o prazo prescricional. Para os débitos já inscritos em Dívida Ativa, inferiores a R$ 10.000,00, o art. 1º, II, da Portaria MF n.º 49/2004, autorizava o não ajuizamento da execução fiscal, suspendendo o prazo prescricional respectivo. Assim, não houve prescrição e não era necessária a retificação da CDA para exclusão dos débitos supostamente prescritos, devendo ser reformada a sentença terminativa. 3. Apelação da União provida. (AC 201050010018051, Desembargador Federal GUILHERME COUTO, TRF2 – SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::19/11/2013.) .) (grifo nosso).” Demais, o valor para inscrição e ajuizamento de débitos é matéria regulamentada pela Portaria MF nº 75/12, a qual prescreve em seu art. 1º, que os débitos abaixo de R$ 1.000,00 não podem ser inscritos em Dívida Ativa, sendo que os débitos abaixo de R$ 20.000,00 não podem ser ajuizados: “Art. 1º Determinar: I – a não inscrição, como Dívida Ativa da União, de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$1.000,00 (mil reais); e II – o não ajuizamento das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). § 1º Os limites estabelecidos no caput não se aplicam quando se tratar de débitos decorrentes de aplicação de multa criminal. § 2º Entende-se por valor consolidado o resultante da atualização do respectivo débito originário, somado aos encargos e acréscimos legais ou contratuais, vencidos até a data da apuração. § 3º O disposto no inciso I do caput não se aplica na hipótese de débitos, de mesma natureza e relativos ao mesmo devedor, que forem encaminhados em lote, cujo valor total seja superior ao limite estabelecido. § 4º Para alcançar o valor mínimo determinado no inciso I do caput, o órgão responsável pela constituição do crédito poderá proceder à reunião dos débitos do devedor na forma do parágrafo anterior.” Há que se ressaltar a única exceção disposta na portaria que desconsidera este limite. Trata-se da disposição do §1º, que se refere às dívidas oriundas de multas penais, constituídas pelo Poder Judiciário em decisão transitada em julgado. Estas dívidas serão inscritas em DAU independentemente de valor mínimo. Ressalva importante consta expressamente da Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, art. 3º, verbis: “Art. 3º A adoção das medidas previstas no art. 1º não afasta a incidência de correção monetária, juros de mora e outros encargos legais, não obsta a exigência legalmente prevista de prova de quitação de débitos perante a União e suspende a prescrição dos créditos de natureza não tributária, de acordo com o disposto no art. 5° do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977”. Esse artigo se aplica a todos os tipos de créditos tributários e de natureza não tributária da União inscritos em Dívida Ativa da União. As contribuições e multas devidas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS são inscritos e cobrados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, mas não comporão a Dívida Ativa da União, e sim, o próprio fundo, visto que os mesmos, não pertencem à União, mas aos empregados e ao próprio Fundo. Por isso, a estes créditos não há a aplicação dos limites de inscrição e ajuizamento previstos na Portaria MF nº 75/2012 e nem do arquivamento das execuções fiscais tendo em vista o valor da mesma. Somente após a edição da Medida Provisória nº . 651/2014 convertida na Lei nº. 13.043, de 13 de novembro de 2014, foi estabelecido os limites mínimos de inscrição e ajuizamento dos créditos do FGTS pela PGFN. “Art. 45. Não serão inscritos em Dívida Ativa os débitos de um mesmo devedor com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). Art. 46. Não serão ajuizadas execuções fiscais para a cobrança de débitos de um mesmo devedor com o FGTS cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Parágrafo único. Entende-se por valor consolidado o resultante da atualização do débito originário, somado aos encargos e acréscimos legais ou contratuais, vencidos até a data da apuração.” 2. Lei nº. 13043/14 e a revogação da suspensão da prescrição prevista no “parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569 / 1977” A publicação da Lei nº. 13.043, de 13 de novembro de 2014, em especial os arts. 74 caput e 114, VIII, trouxe modificações importantes acerca da suspensão da prescrição contida no Parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977, in verbis: “Art. 74. As execuções fiscais de créditos de natureza não tributária cuja prescrição ficou suspensa por mais de 5 (cinco) anos por força da revogação do parágrafo único do art. 5o do Decreto-Lei no 1.569, de 8 de agosto de 1977, constante do inciso VIII do art. 114 desta Lei, deverão ser extintas.[…] Art. 114. Ficam revogados:[…] VIII – o parágrafo único do art. 5o do Decreto-Lei no 1.569, de 8 de agosto de 1977 ” Desse modo, com a revogação expressa desse dispositivo, faremos, data máxima vênia, algumas interpretações referentes ao tema. Inicialmente, imperioso consignar que as alterações promovidas pela Lei 13.043/14, em tese, teriam aplicação prospectiva, em conformidade com as disposições normativas que tratam da vigência das leis presentes no nosso ordenamento jurídico. Ocorre que, o caput do art. 74 foi claro ao determinar sua aplicação às execuções fiscais já em curso, ou seja, alcançando apenas as ações já ajuizadas quando da publicação da Lei, em uma interpretação literal da norma. Demais, não há que se falar em repetição de indébito, caso a extinção da execução fiscal já tenha ocorrido por pagamento do crédito, visto que o mandamento legal se opera para as situações presentes e futuras, em respeito à segurança das relações constituídas sob a égide da lei anterior. Por outro lado, existem situações de créditos, que embora, já constituídos definitivamente, há mais de 5 (cinco) anos, ainda não foram ajuizados, tendo em vista que não alcançaram o valor mínimo para ajuizamento dos mesmos. Neste caso, poderiam, os mesmos serem extintos, em função da revogação do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei n.º 1.569/77 pelo art. 114, VIII da Lei n.º 13.043/14? O Judiciário ainda não foi provocado acerca dessa situação, por se tratar de matéria recente. Mas, podemos desde já falar que essa revogação se opera para frente, ou seja, a princípio, será aplicado aos créditos não tributários definitivamente constituídos a partir da publicação da nova lei. Senão vejamos. Primeiro, há que se ter em mente, não se tratar de norma de direito tributário. Segundo, que se trata de norma de direito substancial ou material, o que explica sua aplicação prospectiva. Por fim, mesmo sendo alterações no mundo jurídico dos créditos não tributários, é possível a aplicação dos métodos de interpretação previstos no CTN, in verbis: “Art. 101. A vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto neste Capítulo.(…) Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.(…) Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:  I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.” Considerações Finais Como vimos, a Lei nº. 13.043, de 13 de novembro de 2014 trouxe modificações importantes na seara da prescrição dos créditos não tributários da União, com a revogação do dispositivo que permitia a imprescritibilidade dos créditos pelo valor que os mesmos apresentavam. Resta assente, que atualmente, tanto aos créditos de natureza tributária, quanto aos não tributários, não há aplicação da suspensão da prescrição pela inezequibilidade do valor consolidado. Trata-se de importante alteração que corrobora preceitos jurídicos essenciais da sociedade e do ordenamento jurídico pátrio, no que concerne à segurança jurídica das relações.
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A hipótese de incidência do IPTU e de majoração de sua alíquota
O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana teve o seu nascimento em nosso pré-ordenamento com um formato peculiar. Diferentemente dos demais países que iniciaram a tributação sobre a propriedade cultivável o Brasil inaugurou como vanguardista a tributação pela hipótese de imóveis urbanos habitáveis. Nos nossos dias atuais em virtude de nossa maior população constituir-se como urbana e na faixa litoral o imposto sobre a propriedade urbana tem maior importância econômica e maior reflexo nos campos jurídicos dos estudos e dos debates em detrimento do imposto que grava a propriedade rural.
Direito Tributário
1. Introdução. O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, teve o seu nascimento em nosso pré-ordenamento com um formato peculiar. Diferentemente dos demais países que iniciaram a tributação sobre a propriedade cultivável, o Brasil inaugurou, como vanguardista, a tributação pela hipótese de imóveis urbanos habitáveis(2). Nos nossos dias atuais, em virtude de nossa maior população constituir-se como urbana e na faixa litoral, o imposto sobre a propriedade urbana tem maior importância econômica e maior reflexo nos campos jurídicos, dos estudos e dos debates, em detrimento do imposto que grava a propriedade rural. Em razão do maior número de proprietários, portanto, maior o número de contribuintes, os municípios brasileiros possuem uma grande fonte de renda anual, especialmente os mais populosos. 2- Definição de Propriedade. A regra-matriz de incidência do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU, tem como base palmar de incidência o exercício da propriedade sobre o imóvel considerado urbano e/ou seu espaço projetado em edificação. Observe-se que o núcleo da hipótese de incidência em foco é o estado de fato jurídico consistente na existência, é a relação de propriedade sobre o bem imóvel urbano. O Código Tributário Naciona, no seu art. 32, trás uma questão que merece ser citada, qual seja a possibilidade de atribuição do IPTU não apenas sobre a relação de propriedade com o bem imóvel, mas também sobre a relação de posse. Entretanto, tal questão foi aceita pela doutrina na forma de que a incidência do IPTU sobre a posse do bem imóvel apenas se dá quando a mesma for no sentido do ânimo em usucapir. Ou seja, naqueles casos aonde o proprietário do imóvel é desconhecido e a posse do imóvel urbano é mansa e pacífica. A terminologia "propriedade" utilizada na Constituição Federal é sob a forma vulgar, comum; de maneira que a regra-matriz de incidência sujeita passivamente ao seu alcance todo aquele que detém qualquer direito de uso, gozo, fruição e de disposição relativamente ao imóvel, seja pleno ou limitado. É nessa relação patrimonial que encontramos o substrato econômico tributável. Os titulares do direito sobre a propriedade imóvel, portanto, obrigados na relação jurídica tributária, são os que têm o exercício pleno da propriedade. Neste mesmo sentido, Hugo de Brito Machado com sua verve peculiar, ensina-nos que: "…falando a Constituição em propriedade, naturalmente abrangeu a posse, que nada mais é que um direito inerente à propriedade. A autorização constitucional é para tributar a propriedade, e o CTN facultou à lei ordinária tomar para fato gerador do tributo a propriedade, o domínio útil ou a posse, vale dizer o direito pleno, total, que é a propriedade, ou um de seus elementos, o domínio útil, ou ainda a posse. Se a propriedade, com todos os seus elementos, está reunida em poder de uma pessoa, o tributo recai sobre ela. Se está fracionada, i.e, se ninguém é titular da propriedade plena, ou porque há enfiteuse, ou porque a posse está com pessoa diversa do proprietário, que é desconhecido, ou imune ao tributo, ou isento, então o tributo recai sobre o domínio útil ou a posse." Em verdade, o Código Tributário Nacional faz uso da definição esculpida pelo Código Civil, por ser vedado aquele em inovar, que por sua vez tomou o conceito e a acepção de Rudolf Von Ihering quanto ao que vem ser propriedade e sua exteriorização. Deve ser salientada que a condicio sine qua non para a incidência do imposto é a detenção do título de propriedade ou de sua posse com certo grau de ânimo para tornar-se proprietário. Assim, o comodatário e o locatário não são sujeitos passivos da obrigação tributária por não serem os verdadeiros proprietários e por não terem nenhum tipo de ânimo para a propriedade do bem ou disporem do mesmo. Vê-se, nestas breves linhas introdutórias, que o imposto não incide sobre a coisa, mas sobre quem detém a coisa, quem exerce a posse e propriedade da coisa, o fato de ser proprietário ou exercer a posse como tal. Incide sobre a relação oriunda do proprietário com o bem. 3- A Regra-Matriz de Incidência A ordem constitucional impositiva para efeito deste imposto que grava a propriedade imobiliária e predial, deferida ao ente federativo Município (ART. 156-I, CF/88), construiu o arquétipo para que a sua incidência fosse a mais genérica possível (como todo imposto pretende ou deve ser), a fim de alcançar o maior número de contribuintes/obrigados. Pode (dever) o município exigir a sua progressão em razão do valor venal do bem e alíquotas diferenciadas em razão do uso e da localização do imóvel (Incs. I e II do § 1º do ART. 156-I, CF/88, após E.C. no. 29/00). Com base na ordem constitucional, primordialmente, e nos demais parâmetros estabelecidos pela Lei 5.172/66-CTN, recepcionada como lei complementar pela Constituição, por leis ordinárias de cada município, e expedientes administrativos, todos compaginando-se ao conceito de propriedade e posse do Código Civil, pode-se então construir, in generum, a regra-matriz de incidência do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, tendo como titulares do mesmo os Municípios brasileiros, o Distrito Federal e, na hipótese de existência, os Territórios, se não divididos em municípios (ART. 147 da CF/88), sendo aí uma extensão da União. A norma jurídica tributária do imposto supra, assim se desenha: 1) CRITÉRIO MATERIAL: ser proprietário pleno, co-proprietário em casos de condomínio, fiduciário que exerça a propriedade, enfiteuta, usufrutuário, compromissário-comprador com posse, usuário com posse e/ou titular do direito real de habitação, possuidor com ânimo de ser proprietário. 2) CRITÉRIO ESPACIAL: restringe-se à definição, por lei municipal, de sua zona urbana, para efeito deste imposto. Esta definição deverá, necessariamente, observar os critérios definidos no § 1º do ART. 32 do CTN. Zona urbana é o contrário de zona rural ou rústica, sendo a zona urbana aquela preenchida com critérios razoáveis de domiciliabilidade, residenciabilidade, dotadas de equipamentos que ensejam ao homem condições de habitação, trabalho, educação, transporte, segurança, assistência e recreação. 3) CRITÉRIO TEMPORAL: o imposto é computado de forma anual, conforme as regras de lançamento para tributação estipuladas na legislação do município competente. Assim, no uso das ficções que o Direito possibilita, o ente competente, tributante e sujeito ativo da relação instituída, pode estipular qualquer data para verificação da incidência do gravame. Geralmente esta data é computada como o primeiro dia do ano civil, quando a partir de então, já tendo considerado a existência do fato jurídico econômico passível de tributação, procede-se o lançamento para posterior exação. 4) CRITÉRIO PESSOAL: SUJEITO ATIVO: Municípios, Distrito Federal e Territórios sem municípios (acaso existam). SUJEITO PASSIVO: qualquer pessoa, física ou jurídica, que seja proprietária plena do bem predial, ou, quem tenha o domínio útil ou qualquer tipo de posse com ânimo, exercício ou exteriorização de tornar-se proprietário pleno. 2) CRITÉRIO QUANTITATIVO: BASE DE CÁLCULO: o valor do bem imóvel. ALÍQUOTA: progressiva e variável em razão do valor venal, da localização e/ou do uso do bem imóvel. Esta é a descrição da regra-matriz de incidência do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana deferida aos municípios brasileiros. 4- Definição de Zona Urbana. Ao visitarmos o teor do quanto dispõe o § 1º do ART. 32 do CTN entendemos que o Município pode, por exemplo, cobrar IPTU de imóveis industriais, comerciais e de prestadores de serviços que não se encontrem dentro do núcleo urbano, do seu cinturão habitacional. Sim, pois, para tanto, deverá atender o preenchimento de pelo menos dois requisitos mínimos previstos na referida norma em comento. O Critério Espacial do imposto em tela restringe-se à definição, por lei municipal, de sua zona urbana, para efeito de exação do mesmo. Esta definição deverá, necessariamente, observar os critérios definidos no artigo supra citado do CTN. E, a contrário senso, não pode lei alguma prevê uma ordem impositiva com inteligência que não esteja em conformidade com a construção lógica do tributo em tela, que não tome por fundamento a titularidade da propriedade e o exercício da posse com ânimo de apropriar-se. Quer-se dizer que não poderá considerar para efeito do imposto a destinação do imóvel, por exemplo. Ora, um imóvel dentro do cinturão urbanístico do município, usufruindo das qualidades ofertadas e mantidas, não pode furtar-se ao pagamento do IPTU. Pois, ao desenvolver uma atividade de agroindústria; e, segundo as técnicas atuais isso é possível, como por exemplo: a plantação de verduras e legumes sob o cultivo hidropônico que ocupa pequenos espaços, dentre outras. Pois bem, o fato de ser uma agroindústria não a torna isenta do IPTU e sujeita ao ITR, somente em razão da destinação do imóvel, por, frise-se, inexistir previsão legal. Ademais, raiaria ao absurdo. A condição primordial para se determinar o que é imóvel urbano e o que é imóvel rural é justamente sua localização. Abrir mão deste axioma é que torna toda a matéria infrutífera e confusa. Pois, como um imóvel pode ser provido de todos os critérios razoáveis que ensejam ao homem condições de habitação, trabalho, educação, transporte, segurança, assistência, recreação, vigilância, poder de polícia e de defesa civil; e, ao contrário e tão somente, por explorar uma atividade agroindustrial, teria a incidência de um imposto sem o devido perfil que lhe afeiçoe, que lhe subsuma? Como? – Para esta hipótese seria desestimulante à Administração municipal investir em assuntos que tais, e os proprietários 'urbanos/agroindustriais' nada poderiam reclamar. De outra banda, como um sítio, sem o mínimo de equipamentos urbanos, sem a devida assistência do município, ou, mesmo que tenha itens que caracterizam a urbanidade exigida pelo imposto, mas que não foram providos pelo Município ou que não são mantidos pelo mesmo, poderia pagar IPTU? Como? – Nestes casos, seria um desestímulo aos proprietários de imóveis rurais prover pra si e seus dependentes/condôminos melhores condições de vida, pois, ver-se-ia obrigado a pagar imposto sobre algo que a administração local em nada contribuiu ou mantém. Lembremos que os requisitos devem guardar perfeita sintonia com a previsão genérica de incidência do tributo. 5- As possibilidades de progressividade da alíquota do IPTU Avançando no estudo, devemos esboçar arguto pensamento sobre o progresso do imposto para viabilizar a capacidade contributiva dos súditos sujeitos ao mesmo. Atualmente, os princípios se configuram como esteio de lídima garantia dos contribuintes para coibir abusos, e estão presentes na maioria dos ordenamentos aqui e alienígena. No caso do Brasil, particularmente, os princípios encontram-se resguardados na Carta Maior Política. Implícita ou explicitamente. Assim, ter-se-á com base neste fundamento, que a incidência do imposto será crescente na medida em que as alíquotas sejam graduadas e elevadas quanto maior for a riqueza demonstrada, daí deduzindo-se logicamente que o patrimônio X não pode ser considerado como idêntico ao patrimônio 2X para efeitos de exação fiscal. Devemos ter em mente que a questão da capacidade contributiva não se conflita com o princípio da igualdade, antes se compagina totalmente com o mesmo, pois no dizer dos ícones Rui Barbosa e Cirne Lima e de outros grandes constitucionalistas: "o princípio da igualdade é tratar igualmente os iguais e tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades". Por seu turno, a progressividade não se dissocia destes arquétipos. Os critérios, a exemplo do quanto já exposto, seriam os valores atribuídos aos bens (valor venal), localização e uso. A função social, não é apropriada para medir a progressividade do IPTU; assim como é indiferente a necessária e estrita ligação da exação fiscal com o quanto prescrito no ART. 182, § 4º da CF/88, como se dela fosse dependente para sua existência. Esse tipo de raciocínio é estanque e bitolado; ou, querem que assim pensemos. Sim, porque definir função social não é munus da Ciência do Direito Tributário. O que se instalou mais claramente com a edição da E.C. 29/00 foi a instituição de dois tipos de progressividade. Uma é a que nós bem conhecemos, que é de índole jurídico tributária. A segunda, trata-se de uma inovação do legislador quanto ao uso temporal para aferir a destinação social do imóvel pela alcunha ambígua de 'progressividade', distinguindo-a com o sinal 'no tempo'. A Constituição apenas e tão somente toma o termo emprestado, sem se referir tecnicamente ao princípio jurídico tributário da progressividade. Tanto é que estabelece nos incisos I e II do § 1º do ART. 156 a inserção correta da expressão técnica progressividade, fazendo alusão ao valor venal, localização e uso como forma de tornar o tributo efetivamente progressivo. Ou, neste caso, como esboça Hugo de Brito Machado, tratando-se de seletividade para o IPTU. Avancemos no estudo proposto, pois cuida de melhor estereotipar a conformação constitucional do IPTU. 5.1- Pessoalidade do Tributo. Inicialmente, e para tanto, necessária se faz afastar a idéia doutrinária construída de que os "impostos reais" não se sujeitam ao termo da progressividade. Não há em lei alguma a cunhagem dicotômica de "impostos reais" e "impostos pessoais", apenas a doutrina elege tais padrões para efeito de classificação, estudo e análise. Em suma, não há previsão legal conferindo a sobredita diferenciação, e elevando-a a observância jurídica. O mundo mudou e continua em mudanças. Antigamente os valores que exteriorizavam riquezas estavam circunvalados na posse de bens imóveis e latifúndios. Hoje não mais. A exemplo da reforma agrária, o imposto precisa ser socializado e o bem objeto precisa de destinação social; para tanto, a ordem governamental precisa implementar conceitos novos de política social e exigência de obediência, mesmo e principalmente quando se trata de tributos. O raciocínio equivocado, já fustigado, conta hoje com uma gama de juristas de cabedal com o afã de satanizar e tornar confusa a norma geral contida no quanto disposto pelo ART. 145 § 1º da CF/88, verbis: § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Devemos, inicialmente, destacar com cores vivas o quanto diz o início do parágrafo: "sempre que possível,…" Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal. Ora, e quando não for possível? A progressividade, juntamente com os demais princípios, deverá ser desconsiderada, jogada num monturo? Este princípio que nos custa tão caro como contribuintes, deverá ser desprezado quando os impostos não forem, por assim dizer, pessoais? Sempre que possível é ordem para que sempre se busque, persiga, objetive o elemento social e equânime dos impostos que é a progressividade dentro da capacidade contributiva de cada elemento social identificado. Outro ponto de destaque e aparentemente ou propositadamente esquecido pelos ilustres é a expressão "caráter pessoal." Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal no sentido de considerar-se a pessoa do contribuinte, este acima do fato econômico, acima do bem imóvel, acima dos chamados e equivocados "impostos reais"; para, presentes, a sua condição pessoal, sua idade, sua saúde, seu estado civil, sua estrutura social em comunidade, sua localização, sua renda, suas posses, sua família, seus dependentes, seus gastos com sobrevivência, suas dívidas, etc., serem relevantes jurídicos para o suporte da incidência do tributo. O 'caráter pessoal' é mais importante do que 'o sempre que possível.' O caráter pessoal é que preenche as cláusulas pétreas da Constituição e são imodificáveis. Não é o 'sempre que possível' que não se modifica ou que é cláusula pétrea como pretendem alguns, única e apressadamente, mas sim a pessoa social em constante mutação, dinamismo e evolução de valores, sob guarda de sede constitucional. O gênero pessoa avoca para si os bens, a propriedade, a posse. Submete-os a si, e não o contrário. Eles existem com os seus conceitos para o uso que se queira dar, não é o homem que se subjuga, que se liga, que se prende ao bem, às coisas. É na relação da posse exercida (lato sensu), é no fato de possuir que se dá o suporte jurídico para a incidência do tributo em estudo. A demonstração dos juristas com exacerbado apego a uma definição antiga e paupérrima, não condizente com nossos dias de convivência social, retrata a insensibilidade para as mudanças de regras com o fito de melhorar dita convivência. O raciocínio, realce-se, mostra-se ilógico, visto que o alcance do § 1º é muito maior do que se supõe! Curioso ainda é a norma contida no § 1º que determina a vigilância, por parte do Fisco, da individualização de cada contribuinte e o respeito aos seus direitos e garantias fundamentais. Pode, por ventura, isto ser inaplicável ao IPTU? Por quê se daria assim? Não seria um contra-senso? Ora, respeitar a pessoalidade, a individualidade, a patrimonialidade de cada cidadão, de sua capacidade contributiva, não é possibilitar inclusive a progressividade? Pois bem. Leis municipais que não respeitem a capacidade contributiva e a progressividade é que são inconstitucionais. Leis que estabelecem, apenas e tão somente, o valor do bem imóvel em sua consideração como coisa é que são contrárias à Constituição. Idem para as decisões que assim se fundamentam. 52- Função Social. O plano diretor urbanístico do município é que definirá a titulada função social dos imóveis integrantes do seu território. O município, dentro da sua autonomia para legislar sobre o assunto, além dos demais sujeitos à sua administração, informará a sua pretensão urbanística para direção e planejamento quanto ao seu mapa urbano, discriminando as áreas para as finalidades inerentes à existência de uma cidade, dando-lhe contornos de organização. Por função social entende-se dar uma destinação ocupável ao terreno, torná-lo produtivo em algo lícito, gerador de riqueza, edificar algo e destiná-lo ao uso. Algo há que se fazer necessariamente para promover o seu adequado aproveitamento urbano. O proprietário de imóvel ou prédio urbano deverá submeter-se ao padrão jurídico estabelecido. Caso contrário, será incurso nos agravamentos previstos em lei pela decorrente má submissão à mesma. Vale repisar que a ordem prevista no ART. 156, I é para um tributo genérico incidente sobre todos os imóveis considerados urbanos, e será progressivo em razão do valor venal destes e com alíquotas variáveis em razão de sua localização e de seu uso. A progressividade prevista no § 1º do ART. 156 da CF/88, tratando-se de um desdobramento do inciso I do artigo supra, que trata do IPTU, deve ser compaginado com o ART. 182 e o § 4º na medida do possível, visto que o § 4º do artigo retro citado é de aplicação facultativa pelo Município. A definição de 'função social' estará traçada no plano diretor da cidade, mas não quer dizer que essa função social irá determinar o que venha ser progressividade ou o próprio imposto predial e territorial urbano. Como ensina Hugo de Brito Machado(14): "A prevalecer a tese pela qual não é possível qualquer outra forma de progressividade, além daquela prevista no ART. 182, § 4º, item II, da CF/88; a disposição do ART. 156, § 1º, restará absolutamente inútil. Poderá ser excluída do texto constitucional sem lhe fazer falta" · Detalhe: o quanto previsto e facultado no § 4º do ART. 182 da CF/88 só pode ser aplicável a um município com mais de vinte mil habitantes. A par deste critério, pergunta-se: E quanto aos municípios com menos de 20 mil habitantes? Estariam desautorizados a cobrar o IPTU? E sob a forma progressiva? Lógico que não! Como já salientado, a progressividade está definida nos incisos I e II do § 1º do ART. 156 da CF/88, após mudança alocada pela E.C. nº 29/00, e é aferida pelos critérios do valor venal do imóvel e das alíquotas em razão da localização e/ou do uso do imóvel. Deve-se registrar, apenas para análise, que a progressividade pelo valor venal e diferenças de alíquotas pela localização e pelo uso é, também, facultativo ao município. Posto que, a ordem constitucional diz poderá, conforme parte final do § 1º do ART. 156. Esta faculdade de como exigir o tributo não se confunde com a faculdade da competência tributária para instituição, legislação e arrecadação. A capacidade tributária ativa diz respeito ao pólo da relação obrigacional jurídico-tributária. De maneira que, quando a Constituição usa termos que nos levam ao raciocínio da faculdade, como no caso do IPTU, está a mesma informando a faculdade de como exigir o tributo e não faculdade para instituir o tributo. O contrário não prevalece de igual modo. Contudo, o quanto contido no § 4º do ART. 182 da CF/88, inclusive após a E.C. nº 29/00, é de aplicação facultativa do município e requer que este tenha mais de 20 mil habitantes. A aplicação da regra facultada no § 4º do ART. 182 da CF/88 é subsidiária, é de cunho administrativo. É de, se for possível: aplicar, agregar, corroborar, então, fazer-se. Mas, a contrário senso, não é imprescindível para a criação e exação do imposto. Lembrar que o § 4º do ART. 182 está sujeito a existência do plano diretor, e que este está sujeito aos parâmetros estabelecidos na lei federal – nº 10.257, de 10.07.01, em vigor, que regulamenta os ARTS. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana e outras providências. É o plano diretor municipal, para municípios com mais de 20 mil habitantes (§ 1º do ART. 182), consubstanciado na lei federal supra, que irá dizer e caracterizar o que é função social do imóvel urbano, e não a exação do imposto IPTU. A cobrança do imposto predial e territorial urbano, os dados, as informações, os cadastros, a fórmula de cálculo é que servirão de base, de parâmetro para como exercitar o plano diretor do município e sua função social, nunca o contrário. Com fundamento no plano diretor, instituído por lei municipal, embasado por sua vez em lei federal de cunho geral, com o auxílio da instituição e fiscalização do IPTU, é que se verificará a adequação do proprietário de imóvel urbano à lei administrativa do plano diretor, e se está ou não atendendo a função social do mesmo. 5.3- Extrafiscalidade. Como pretendem alguns nobres autores e estudiosos do tema, a regra contida no § 4º do ART. 182 da CF/88 não possui caráter de penalidade. Não sob o ponto de vista do Direito Tributário. Em primeiro plano, pela construção normativa do quanto disposto no ART. 3º do CTN, quando prescreve que o tributo não advirá do produto de uma sanção por fato ilícito. Segundo, o plus de caráter jungido à norma possui contornos tributários de extrafiscalidade. O perfil extrafiscal contido na regra do § 4º do ART. 182 da CF é que fará a estrutura da função social inerente e possível ao imposto em estudo. Se entendermos como ônus administrativo, com a devida liberdade em assim chamá-lo, este não se confunde com o imposto, tampouco se confunde com sua base de cálculo, apenas as informações serão aproveitadas. Do ponto de vista do Direito Administrativo, o proprietário do imóvel cometeu um ilícito ao não atender ao plano diretor do município que estabelece como proceder a utilização do referido imóvel dentro da definição legal de sua função social. Assim como se cometem ilícitos na ordem civil. É com este parâmetro que Celso Antônio Bandeira de Mello(17) sinaliza em seu magistério: "Enquadram-se na caracterização de leis de polícia as que imponham ao proprietário uma atuação positiva em prol de ajustar o uso de sua propriedade à função social. Isto decorre não apenas no ART. 5º, XXIII, da Constituição, mas, sobretudo, do ART. 182, § 4º, incluso no Capítulo 'Da Política Urbana'. De conseguinte, serão de 'polícia administrativa' os atos infralegais previstos no § 4º dos incisos I e II do artigo citado." (Grifos no original). Em arremate, o raciocínio mais simples é: o proprietário de um terreno ou prédio qualquer já paga IPTU, com a utilização da progressividade e das alíquotas pela localização e do uso, assim como os demais concidadãos. Ocorre que, ao invés de utilizá-lo de forma a atender a função social, previamente estabelecida em lei que define o plano diretor da cidade, não o faz. Então, além do pagamento do IPTU, normalmente como os demais, este cidadão, um desobediente civil (dentro do contexto de civilidade), irá arcar com mais um gravame, de ordem administrativa e extrafiscal, que serão as aplicações sucessivas do quanto contido no § 4º do ART. 182 da CF/ 88, com o teor conferido pela E.C. 29/00.
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A decadência e a prescrição no direito tributário
A presente pesquisa trata dos institutos da prescrição e decadência tributários, enquanto modalidades de extinção do crédito tributário. O direito tributário tem como uma de suas funções o controle do poder público na arrecadação de tributos. A determinação da incidência da prescrição ou decadência implica na desobrigação do contribuinte de efetuar o pagamento do crédito tributário, que foi transformado em dívida ativa. A decadência e prescrição serão analisadas tanto sob a ótica da ciência jurídica geral quanto do direito tributário, bem como regras especiais previstas na legislação e situações polêmicas envolvendo ambos os institutos. Algumas regras previstas em legislações extravagantes serão avaliadas para o completo entendimento do tema em comento.
Direito Tributário
Introdução O direito tributário, enquanto ramo da ciência jurídica tem como uma de suas finalidades realizar o controle do Poder Público, enquanto ente arrecadador de tributos da sociedade. Ocorre que, muitas vezes, a Fazenda Pública exerce esse poder de forma gananciosa, esquecendo-se dos preceitos elencados na Constituição Federal, alguns deles, até mesmo, alçados à condição de direitos fundamentais. É nesse diapasão que devem ser estudados os institutos da decadência e da prescrição, ambos com grande importância no direito tributário. Tanto que foram elencados pelo Código Tributário Nacional como modalidades de extinção do crédito tributário. Caso seja comprovado a ocorrência de um desses institutos o poder público não poderá mais constituir o crédito ou realizar a cobrança do tributo do contribuinte. Note-se a relevância desse fato para o mundo jurídico tributário. 1.Crédito Tributário 1.1 Considerações iniciais O crédito tributário traduz-se no direito do sujeito ativo de exigir o valor constante da obrigação tributária. Portanto, o crédito tributário é a obrigação tributária tornada líquida e certa por intermédio do lançamento (SABBAG, 2009, p. 693). O art. 139 do código Tributário Nacional afirma que o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. A obrigação jurídica é um vínculo prestigiado pela lei que obriga uma ou mais pessoas a dar, fazer ou não fazer alguma coisa em prol de outra ou outras (COÊLHO, 2009, p. 692). Na doutrina há inúmeras discussões acerca dos conceitos e da relação entre obrigação tributária, fato gerador e crédito tributário. Na verdade, cada doutrinador adota uma tese de correlação entre esses conceitos, tornando muito complicado o aprofundamento de tal estudo. O Código Tributário Nacional também não facilitou o entendimento da conceituação geral do direito tributário, pois muitas vezes não observa a terminologia técnica jurídica, o que ocasiona, várias vezes, ambiguidade dos dispositivos legais. Para Hugo de Brito Machado (2006, p. 189), segundo a terminologia adotada pelo CTN, crédito tributário e obrigação tributária são coisas distintas, uma vez que o crédito decorre da obrigação e tem a mesma natureza desta. Todavia, para Ricardo Lobo Torres (2004, p. 271) inexiste diferença entre crédito e obrigação tributária, pois da obrigação tributária exsurge um direito subjetivo de crédito para o sujeito ativo e uma dívida para o sujeito passivo, logo se a obrigação tributária tem conteúdo patrimonial não pode se distinguir do crédito tributário. Luciano Amaro (2007, p. 338) afirma que: “Obrigação tributária, tributo lançado (ou “crédito tributário”, como diz o CTN) e dívida ativa não são realidades ontologicamente distintas. Todas derivam de uma única fonte, que é o fato gerador da obrigação tributária. Nem são etapas necessárias na vida de toda e qualquer obrigação tributária; obrigações tributárias há (e são muitas) que nascem e se extinguem sem que tenham sido objeto de lançamento e muito menos de inscrição como dívida ativa”. De acordo com o art. 140 do CTN, as circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem. Do artigo em comento extrai-se que, o crédito tributário pode ser atingido por algum vício ou circunstância sem que, necessariamente, a obrigação tributária também seja. Em regra, após a sua constituição, o crédito tributário é permanente, sendo que tão-somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos no CTN, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional a sua efetivação ou as respectivas garantias (CTN, art. 141). Por fim, é de grande importância a distinção feita entre crédito tributário e débito do fisco. O crédito tributário, como já exposto, é a relação jurídica que decorre mediatamente do fato jurídico tributário e, imediatamente, de ato formalizador de autoridade ou ato de particular. Já o débito do Fisco é a relação jurídica que decorre do pagamento indevido e, imediatamente, de ulterior ato de aplicação que reconheça esse fato (SANTI, 2011, p. 70). 1.2 Constituição do crédito tributário A constituição do crédito tributário compete privativamente à autoridade administrativae ocorre através do lançamento. Trata-se de ato vinculado que deve obedecer ao princípio da legalidade, viga mestra do direito público e, por conseguinte, do direito tributário. Constituir o crédito tributário significa produzir norma individual e concreta que estabeleça em seu prescritor a obrigação de dado sujeito pagar determinada quantia ao Fisco, ou a quem lhe faça as vezes como sujeito ativo da relação tributária, em decorrência do fato jurídico tributário (SANTI, 2011, p. 96). 1.3 Conceito e características do lançamento tributário O instituto do lançamento está previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional, que dispõe que: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Nota-se que o caput do artigo 142 delimita as várias funções do lançamento tributário, quais sejam: verificar se o fato gerador realmente ocorreu, determinar a matéria que será tributada, calcular o valor do tributo, identificar o sujeito passivo e, se for o caso, aplicar penalidade. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Eduardo Sabbag (2009, p. 696) afirma que, apesar da literalidade do CTN, há discussão doutrinária acerca do lançamento ser procedimento ou ato administrativo, sendo que parte da doutrina defende que é procedimento administrativo e outra parte, majoritária, advoga que seria ato administrativo. Paulo de Barros Carvalho estabelece a definição de lançamento tributário como sendo: “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido” (CARVALHO, 2007, p.423). Conforme o entendimento de Eurico Marcos Diniz de Santi (2011, p. 80) o lançamento pode ser entendido como a norma individual e concreta que formaliza o crédito tributário e decorre de procedimento administrativo realizado por autoridade administrativa. Acerca da natureza jurídica do lançamento tributário, Vitorio Cassone (2004, p. 322) defende que é declaratória e constitutiva. Declaratória porque nada cria, pois se limita a declarar uma situação jurídica que ocorreu, e constitutiva porque individualiza essa situação, apurando o montante do tributo devido e constituindo o crédito tributário. Por outro lado, Hugo de Brito Machado (2006, p. 192) reconhece que a natureza jurídica do lançamento já foi objeto de grandes discussões doutrinárias, mas que atualmente é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o lançamento não cria direito, pois seu efeito é simplesmente declaratório, uma vez que antes do lançamento existe a obrigação e a partir dele surge o crédito tributário. O autor aprofunda ainda mais a sua análise expondo que o lançamento tem duas fases, sendo uma oficiosa e uma contenciosa. Após a conclusão da primeira fase, em que determinado o valor do crédito tributário, é feita a notificação ao sujeito passivo. Do momento da notificação o lançamento só pode ser modificado em virtude de impugnação do sujeito passivo, recurso de ofício ou iniciativa do próprio poder público. Todavia, está longe de ser doutrinariamente unânime a tese de que o lançamento tem duas fases. O lançamento não será definitivo enquanto comportar alterações na própria esfera administrativa. Portanto, segundo Ricardo Lobo Torres (2004, p. 277)a regra geral que prevalece no direito tributário é a da irrevisibilidade do lançamento. O lançamento tributário também deve obedecer ao princípio da irretroatividade, conforme o disposto no art. 144 do CTN que declara que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente. Todavia, o §1º do art. 144 alerta que deve ser aplicada ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios. Então, quando a norma for integralmente interpretativa poderá ser aplicada de imediato, ou seja, nesse caso, poderá haver norma jurídica tributária que não obedeça ao princípio da irretroatividade. 1.4 Modalidades de lançamento tributário O CTN admite três modalidades de lançamento tributário: direito ou de ofício (art. 149, I), misto ou por declaração (art. 147) e por homologação ou autolançamento (art. 150). 1.4.1 Lançamento direto ou de ofício Essa modalidade de lançamento caracteriza-se pela ausência de participação ou intervenção do contribuinte. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa quando ocorrer uma das hipóteses elencadas no art. 149 do CTN, sendo que a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.” Eduardo Sabbag(2009, p. 711) elenca vários tributos cuja constituição do crédito se dá por esse meio de lançamento, como por exemplo: IPTU, IPVA, taxas, contribuição de melhoria, contribuições corporativas e contribuição para o serviço de iluminação pública. O encerramento do lançamento de ofício ocorre com a notificação ao contribuinte. Segundo Hugo de Brito Machado ( 2006, p. 195) qualquer tributo pode ser lançado de ofício, desde que não tenha sido lançado regularmente na outra modalidade. 1.4.2 Lançamento misto por declaração No lançamento misto ou por declaração é efetuado tendo por base a declaração do sujeito passivo ou de terceiro, que prestam à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato. O ITBI, por exemplo, é um tributo sujeito à lançamento por declaração. Essa declaração tem por finalidade registrar os dados fáticos que, de acordo com a lei do tributo, sejam relevantes para a consecução, pela autoridade administrativa, do ato de lançamento. Se o contribuinte cumprir com o seu dever e informar os fatos verídicos para a Fazenda Pública, esta terá todos os elementos necessários à efetivação do lançamento (AMARO, 2007, p. 358). Já a retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. Isso porque, se a autoridade administrativa já notificou o sujeito passivo, a partir daí cabe a este apresentar defesa administrativa com os recursos cabíveis ou então ajuizar uma ação perante o Poder Judiciário (TORRES, 2004, p. 323). 1.4.3 Lançamento por homologação ou autolançamento A terceira modalidade de lançamento tributário está prevista no art. 150 do CTN. O lançamento por homologaçãoocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa e opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. No lançamento por homologação o contribuinte auxilia ostensivamente a Fazenda Pública, pois recolhe o tributo antes de qualquer providência da Administração, tendo por base o valor que ele mesmo declara. Com a antecipação do pagamento cabe ao Fisco proceder à conferência da exatidão do valor recolhido, homologando o procedimento adotado (SABBAG, 2009, p. 712). O lançamento por homologação é o mais comum dentre as três modalidades de lançamento, sendo utilizada nos seguintes tributos: ISS, ICMS, IPI, IR e empréstimos compulsórios. O pagamento antecipado pelo contribuinte neste tipo de lançamento extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. Todavia, caso haja impropriedade no valor recolhido pelo contribuinte a Fazenda Pública realizará um lançamento de oficio, porém os valores já pagos serão considerados na apuração do saldo devido. O § 4º do art. 150 estabelece que se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. Essa situação representa a homologação tácita do lançamento. Hugo de Brito Machado (2006, p. 195) esclarece que o objeto da homologação não é o pagamento, mas sim a apuração do montante devido, uma vez que é possível a homologação mesmo que não tenha havido pagamento. Portanto, o que caracteriza essa modalidade de lançamento é a exigência legal de pagamento antecipado, e não o efetivo pagamento antecipado. 2. Decadência e prescrição no Direito 2.1 Conceito e diferenciação dos institutos da decadência e prescrição Os institutos da decadência e prescrição são regidos pelo princípio da segurança jurídica, afinal nenhuma relação jurídica, cujo direito não foi exercido, pode perdurar indefinidamente ao longo do tempo, sob pena de provocar grande instabilidade social. Segundo Eurico Marcos Diniz de Santi (2011, p. 102) a decadência e a prescrição são mecanismos de estabilização do direito, que garante a segurança de sua estrutura. Filtram do direito a instabilidade decorrente do direito subjetivo, o qual não foi formalizado ou reconhecido por ente estatal. Para Luciano Amaro (2007, p. 395): “A certeza e a segurança do direito não se compadecem com a permanência, no tempo, da possibilidade de litígios instauráveis pelo suposto titular de um direito que tardiamente venha a reclama-lo. Dormientibus non succurrit jus. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte, durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus direitos. Por isso, esgotado certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito.” De modo geral, as pessoas têm uma concepção errônea sobre a prescrição, considerando-a repugnante à moral e contrária à justiça. Todavia, deve-se atentar para o fato que o instituto da prescrição não deve atender somente ao interesse individual de eventual credor que fique sem receber o seu crédito, mas deve observar principalmente ao interesse social (MONTEIRO, 2000, p. 294). Segundo Silvio Venosa (2006, p. 570), “se não fosse o tempo determinado para o exercício dos direitos, toda pessoa teria de guardar indefinidamente todos os documentos dos negócios realizados em sua vida, bem como das gerações anteriores”. A prescrição, como demonstra Câmara Leal (1959, p. 26), é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo período de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.O autor ainda descreve quais são os quatro elementos integrantes da prescrição: “Existência de uma ação exercitável; inércia do titular da ação pelo seu não exercício; continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo e ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.” Por outro lado, a decadência é a perda do direito, pelo prazo estabelecido em lei ou contrato, cujo titular não o exerceu. O instituto da decadência significa “a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado” (CÂMARA LEAL, 1959, p. 115). Apesar da decadência e prescrição terem vários elementos em comum, como a inércia do titular do direito, há vários traços que as diferenciam, sendo que essa diferenciação é um assunto muito debatido pela doutrina. Na decadência o direito é outorgado para ser exercido dentro de determinado prazo, sob pena de ser extinto. Já na prescrição o titular não utiliza,no prazo estabelecido em lei, a ação existente para a defesa de seu direito. A prescrição resulta exclusivamente de lei, enquanto a decadência pode advir também de contrato (MONTEIRO, 2000, p. 299). E ainda, a decadência quando prevista em lei é irrenunciável, porém se for convencional poderá ser renunciada. A prescrição, por sua vez, pode ser renunciada, conforme o art. 191 do Código Civil, desde que não seja feita de forma prévia. Por fim, o juiz pode declarar de ofício a prescrição, assim como a decadência legal, ao passo que na decadência convencional o juiz não pode tomar tal atitude. 2.2 Decadência e prescrição no direito tributário Também em matéria tributária os efeitos da relação jurídica não podem ficar indefinidos por um lapso de tempo indeterminado. Em nome da segurança jurídica, o crédito tributário deve ser constituído ou cobrado do contribuinte no período estabelecido em lei para tal. A matéria relativa aos institutos em comento é tão importante que a Constituição Federal, em seu art. 146, III, b, estabeleceu que cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais acerca da prescrição e decadência tributárias. O Código Tributário Nacional, assim como o Código Civil, estabelece diferenciação entre os institutos da decadência e prescrição. Ambos estão elencados no art. 156, V do CTN como modalidades de extinção do crédito tributário. Sendo um dos precursores do tema da decadência e prescrição tributária na doutrina pátria Fábio Fanucchi (1975, p. 14) afirma que: “Sabidamente, de comum, a decadência e a prescrição só têm a finalidade para que criadas: a extinção dos direitos, evitando que sejam perpetuados quando demonstrado o desinteresse do titular pela sua preservação. Afora isso, pelas consequências que geram, diferem um do outro, fundamentalmente. Nesta altura da evolução da pesquisa científica, já não são mantidos conceitos justificadores dos institutos, calcados na punição do sujeito passivo dos efeitos por ele produzidos. A lei, com a mesma força criativa, extingue direitos que criou, não para punir credor relapso, mas, isto sim, para trazer tranquilidade ao ambiente jurídico.” O instituto da decadência tem por finalidade declarar a perda do direito da Fazenda Pública, após lapso temporal, de efetuar o lançamento para a constituição do crédito tributário. Por esse motivo, Sabbag (2009, p. 720) afirma que a Fazenda não está impedida de proceder ao lançamento, mesmo que haja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pois esse ato impede a decadência do direito de lançar. O prazo da decadência está previsto no art. 173 do CTN que prevê como sendo de 5 anos o prazo para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, sob pena de o Fisco perder o direito subjetivo de fazê-lo. Além disso, como esclarece Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 503), instalado o vínculo jurídico tributário e sobrevindo o fato decadencial, a decadência faz desaparecer o direito subjetivo de exigir a prestação tributária, bem como também haverá a extinção do débito do sujeito passivo, desaparecendo o laço obrigacional. Em uma ordem cronológica, primeiro vem a decadência e depois a prescrição. Disso decorre que, havendo a decadência, não haverá de se falar em prescrição. Por isso, quando o CTN elencou a decadência como modalidade de extinção do crédito tributário cometeu uma impropriedade técnica, pois, na verdade, a decadência extingue a obrigação tributária (CASSONE, 2004, p. 331). No âmbito do direito tributário a prescrição significa que a Fazenda Pública possui um prazo para propor a ação judicial de cobrança do crédito tributário. O CTN estabelece que esse prazo é de 5 anos, contados da data da constituição definitiva do crédito tributário, conforme o art. 174 do CTN. Logo, o objeto da prescrição tributária é ação para cobrança do crédito tributário. Hugo de Brito Machado (2006, p. 236) observa que na teoria geral do direito a prescrição ocasiona a morte da ação que tutela o direito, mas no direito tributário a prescrição, além de atingir a ação, extingue o próprio crédito tributário. Essa observação revela-se importante na medida em que se a prescrição atingisse apenas a ação para cobrança a Fazenda Pública poderia recusar o fornecimento de certidões negativas aos respectivos sujeitos passivos. Diferentemente da decadência, a prescrição tributária admite hipóteses de interrupção, as quais estão previstas no parágrafo único do art. 174 do CTN: despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; protesto judicial; qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e, finalmente, por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. 3. Regras de decadência para a constituição do crédito tributário 3.1 Análise do art. 173, I do CTN A decadência tributária está prevista, principalmente, em dois dispositivos do CTN, a saber: art. 173, I e art. 150, §4º. O primeiro é considerado como sendo a regra geral da decadência e o segundo, por sua vez, é conhecido como regra especial da decadência tributária. O art. 173, I do CTN estabelece que o direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos. A decadência, prevista no artigo supracitado, significa a perda do direito do Fisco de realizar o lançamento do crédito tributário. Nos preceitos de Luciano Amaro (2007, p. 406) o art. 173, I do CTN estabelece a regra geral de decadência ao estabelecer que o prazo de extinção do direito de lançar é de 5 anos. Dessa forma, qualquer lançamento realizável dentro de certo exercício poderá ser efetuado em 5 anos após o próprio exercício em que se iniciou a possibilidade jurídica de realizá-lo. O lapso temporal de 5 anos é contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado ou da data em que tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Deve-se atentar para a redação do art. 173, I do CTN quando dispõe que os cinco anos serão contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderiater sido efetuado. Aqui, segundo Yoshiaki Ichihara (2001, p. 166), é de suma importância diferenciar os tributos com fatos geradores mensais dos que têm fatos geradores anuais. O primeiro caracteriza-se toda vez que se realiza uma operação e a apuração é mensal. Isso ocorre com o ICMS, IPI, ISS, etc. Já os tributos com fato gerador anual são os que o fato gerador ocorre só em determinado momento, como por exemplo, o Imposto de Renda, IPTU, IPVA, etc. No caso de tributos com fato gerador mensal, ocorridos entre janeiro e novembro, o prazo de decadência será contado a partir do 1º dia do exercício seguinte. Todavia, se o fato gerador ocorreu em dezembro não será possível a realização do lançamento no mesmo ano, logo o lançamento poderia ser efetuado, não no próximo ano, mas tão somente no outro. Nos tributos com fato gerador anual, como o Imposto de Renda, o prazo inicial da contagem para a decadência será o seguinte: para as receitas do ano-base para o IR só é relevante a situação até 31 de dezembro. Logo, só poderia ser efetuado o lançamento referente ao ano-base 2000 em 2001, e o prazo de decadência só passa a ser contado a partir de 01 de janeiro de 2002. Segundo o parágrafo único do art. 173 o prazo de 5 anos também será contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento, por exemplo, quando o Fisco expede notificação requerendo documentos do sujeito passivo. O art. 173, I do CTN alcança os tributos em que os lançamentos tenham sido de ofício, por declaração ou por homologação, desde que não tenha havido o pagamento antecipado do tributo (SABBAG, 2009, p. 723). Há grande debate doutrinário acerca do momento em que se deve considerar exercido o direito de constituir o crédito tributário. Para Hugo de Brito Machado (2006, p. 230) o lançamento tributário estará consumado, não se podendo mais cogitar da decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser discutida na esfera administrativa. A suspensão da exigibilidade do crédito não impede o prazo de decadência, logo, para que ela não ocorra deve a Fazenda Pública efetuar o lançamento, uma vez que o Fisco fica impedido apenas de praticar ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu crédito. Leandro Paulsen (2011, p. 1252) explica que, nesse caso, entender que a decadência não ocorreria, seria dar ao art. 151 do CTN extensão que dele não decorre. Há exceção, contudo, no caso de suspensão de exigibilidade por depósito, em que fica dispensado o lançamento, salvo por valor maior. Em resumo, feito o lançamento, notificado este ao sujeito passivo, tudo dentro do prazo de 5 anos, não há mais que se falar em decadência, pois agora o crédito tributário existe e o Fisco já pode exigir a satisfação da obrigação tributária por parte do sujeito passivo (MARTINS, 2000, p. 190). 3.2 A decadência no caso de anulação de lançamento anterior O art. 173, II do CTN estabelece o prazo de 5 anos para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, contados a partir da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Essa norma estabelece um novo prazo para que o Fisco proceda novamente ao lançamento tributário, em substituição ao que foi anulado. De acordo com Eduardo Sabbag (2009, p. 733) a decisão a que se refere o art. 173, II do CTN, para a maioria da doutrina, pode ser administrativa ou judicial, mesmo porque tanto o Poder Judiciário quanto a Fazenda Pública podem anular o lançamento. Para Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 502) o art. 173, II do CTN contraria as insistentes construções do direito privado, pelas quais o instituto da decadência não se interrompe e nem se suspende. Isso porque, um lançamento anulado por vício formal é um ato que efetivamente existiu, sendo que, conforme o dispositivo em estudo, a decisão final que declarar a anulação do ato nada mais fará que interromper o prazo que já havia decorrido até aquele momento. Como já  dito, a princípio, o prazo de decadência não pode ser suspenso ou interrompido. Com relação a essa questão, Hugo de Brito Machado (2006, p. 231) defende que a lei pode estabelecer hipóteses de suspensão ou interrupção do prazo de decadência como fez o CTN no artigo em comento. Isso porque os princípios jurídicos devem ser observados na interpretação da lei, mas não constituem limites intransponíveis para o legislador. Todavia, outro é o entendimento de Luciano Amaro: “O dispositivo comete um dislate. De um lado, ele, a um só tempo, introduz, para arrepio da doutrina, causa de interrupção e suspensão do prazo decadencial (suspensão porque o prazo não flui na pendencia do processo em que discute a nulidade do lançamento, e interrupção porque o prazo recomeça a correr do início e não da marca já atingida no momento em que ocorreu o lançamento nulo). De outro, o dispositivo é de uma irracionalidade gritante. Quando muito o sujeito ativo poderia ter a devolução do prazo que faltava quando foi praticado o ato nulo” (AMARO, 2007, p. 407). A doutrina, de modo geral, tece críticas severas a esse dispositivo do CTN. Na verdade, ocorre um benefício desmedido em relação ao Fisco que, além de cometer erro no lançamento, é beneficiado por um prazo muito maior que o previsto no caput do art. 173 do CTN. 3.3 Hipótese de decadência prevista no art. 150, §4º do CTN O art. 150, §4º do CTN estabelece o que a doutrina chama de regra especial de decadência. O artigo citado prevê que se a lei não fixar prazo para a homologação, será ele de 5 anos a contar da ocorrência do fato gerador, caso a Fazenda Pública não se pronuncie nesse prazo ocorrerá a homologação tácita do lançamento, exceto se comprovado dolo, fraude ou simulação. O dispositivo em comento atinge exclusivamente os tributos cujo lançamento seja por homologação, com a devida antecipação do pagamento pelo sujeito passivo, conforme o art. 150 do CTN. Caso não haja o pagamento antecipado o prazo a ser aplicado será o do art. 173, I do CTN. Frise-se que o aspecto mais importante do lançamento por homologação é a antecipação do pagamento do tributo com valor calculado pelo sujeito passivo e que, posteriormente, será homologado pelo Fisco. O pagamento antecipado extingue o crédito tributário, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento, segundo o art. 150, §1º do CTN. Eduardo Sabbag (2009, p. 725) lembra que, apesar do CTN utilizar a expressão homologação tácita do lançamento não há, até então, nenhum lançamento na relação jurídica, por isso alguns doutrinadores defendem que nos casos de lançamento por homologação não há decadência propriamente dita, mas sim decadência do direito do Fisco exigir o resíduo tributário, relativo à incompleta antecipação de pagamento. Com a leitura atenta do art. 150, §4º do CTN percebe-se que o prazo de 5 anos para que a Fazenda Pública homologue o pagamento antecipado do tributo comporta duas exceções: se a lei não fixar outro prazo e se houver a comprovação de ocorrência de dolo, fraude ou simulação. Com relação à primeira exceção Luciano Amaro (2007, p. 409) indaga se a lei pode prever prazo maior ou menor para a homologação da antecipação do pagamento. O autor chega à conclusão que a solução deve ser buscada a partir de uma visão sistemática da disciplina da matéria, a qual leva a crer que a lei somente poderá fixar prazo menor ao previsto no art. 150, §4º do CTN. Já quanto à segunda ressalva Eduardo Sabbag (2007, p. 727) defende que quando houver comprovação de dolo, fraude ou simulação deverá ser aplicada a regra geral de decadência prevista no art. 173, I do CTN.  3.4 Cumulação dos prazos de decadência  Há alguns anos o STJ, contrariamente ao que entende a doutrina tributarista, adotou o entendimento de que, com relação aos tributos lançados por homologação, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário seria de 10 anos. Isso porque deveriam ser aplicados cumulativamente os artigos 173, I e 150, §4º do CTN. Esse entendimento do STJ foi chamado de tese dos cinco mais cinco (5 + 5). Abaixo segue elucidativo julgado acerca dessa posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ART. 150, § 4º E 173, I, AMBOS DO CTN.1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo, antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento antecipado, o fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art. 150, § 4º do CTN).2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que homologar nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a figura do lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V do CTN, cujo prazo decadencial rege-se pela regra geral do art. 173, I do CTN.3. Com o encerramento do prazo para homologação (art. 150, § 4º do CTN), inicia-se a contagem do prazo previsto no art. 173, I do CTN. Inexistindo pagamento antecipado, conclui-se ter o Fisco o prazo de 10 anos, após a ocorrência do fato gerador, para constituir o crédito tributário.4. Em síntese, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário será: a) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, se o tributo sujeitar-se a lançamento direto ou por declaração (regra geral do art. 173, I do CTN); b) de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador no caso de lançamento por homologação em que há pagamento antecipado pelo contribuinte (aplicação do art. 150, § 4º do CTN) e c) de dez anos a contar do fato gerador nos casos de lançamento por homologação sem que nenhum pagamento tenha sido realizado pelo sujeito passivo, oportunidade em que surgirá a figura do lançamento direto substitutivo do lançamento por homologação (aplicação cumulativa do art. 150, § 4º com o art. 173, I, ambos do CTN).5. Precedentes da Primeira Seção e das duas Turmas de Direito Público.6. Embargos de divergência providos.”(ERESP 466779/PR, Primeira Seção, Rel. Min. Castro Meira, j. 08/06/2005). A interpretação feita pelo STJ foi a de que, se o lançamento não foi realizado no prazo previsto de cinco anos a partir do fato gerador, a Fazenda Pública perderia seu poder, todavia, a partir desse prazo seriam contados mais cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte. A tese dos cinco mais cinco demonstra a inversão do raciocínio defendido pela doutrina, uma vez que a exegese do disposto no CTN era no sentido de que a decadência do direito de constituir o crédito tributário nos tributos lançados por homologação, e nos quais não houve pagamento, é de cinco anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (COÊLHO, 2002, p. 398).  Na verdade, esse raciocínio elaborado pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, ao duplicar o prazo de decadência, constitui um atentado aos direitos do cidadão enquanto contribuinte de tributos. Leandro Paulsen (2011, p. 1088) defende que o dispositivo do §4º do art. 150 é regra especial relativamente à do art. 173, I do CTN, por esse motivo regra especial prefere à regra geral. Logo, não há que se falar em aplicação cumulativa de ambos os artigos. Felizmente, o STJ reviu seu posicionamento. Segue emblemático julgado que demonstra a mudança do Tribunal da Cidadania quanto ao tema: “PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 557, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR RESPALDADA EM JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL A QUE PERTENCE. INOCORRÊNCIA. TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. PRAZO PARA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL.10. Deveras, é assente na doutrina: "a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do artigo 173 – cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado – com o prazo do artigo 150, § 4º – que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Desta adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica.Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação do art. 150, § 4º aplica-se exclusivamente aos tributos 'cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa'; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento. A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art. 150 determinar que considera-se 'definitivamente extinto o crédito' no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador.”(RESP 638962/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 02/06/2005). Andou bem o STJ ao atender os anseios da doutrina tributarista, pois, com isso, o contribuinte teve seu direito ao prazo decadencial, previsto no CTN, respeitado. 3.5 Prazo decadencial das contribuições sociais da seguridade social Houve grande debate doutrinário e jurisprudencial acerca do prazo estipulado no art. 45 da Lei 8212/91. O artigo em comento estabelecia como sendo de 10 anos o prazo decadencial para a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos. Eurico Marcos Diniz de Santi (2011, p. 69) entende que, como não se trata de lei complementar, tanto o dispositivo em debate, como o art. 46, ambos constantes da lei 8212/91, apresentam-se incompatíveis com os requisitos constitucionais para a elaboração dessa categoria de normas jurídicas. Todavia, tal discussão acerca do tema do prazo de decadência das contribuições sociais perdeu significado com a edição da Súmula Vinculante n. 8 que dispõe que são inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8212/91, que tratam da prescrição e decadência do credito tributário. Como não poderia deixar de ser, a jurisprudência caminhou no mesmo sentido da súmula vinculante n. 8, como demonstra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 535 DO CPC NÃO OCORRENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. PRÉVIA INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. OBSERVÂNCIA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. SÚMULA VINCULANTE 8/STF. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS.  CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INAPLICABILIDADE.1. O Tribunal de origem examinou a lide de modo integral e sólido, sem que tenha se recusado a apreciar matéria sobre a qual deveria ter analisado.2. Inexiste afronta ao princípio da reserva de plenário proposto nos arts. 97 da Constituição da República e 480 do CPC, tendo em vista que o Colegiado a quo não declarou a inconstitucionalidade de ato normativo na hipótese.3. O STF, pela Súmula Vinculante 8, pacificou o entendimento sobre anatureza tributária das contribuições previdenciárias, aplicando-lhes o prazo prescricional de cinco anos previsto no art.174 do Código Tributário Nacional.4. Esta Corte entende, consoante o art. 40, § 4º, da Lei 6.830/1980, que a decretação de ofício da prescrição intercorrente depende de prévia intimação da Fazenda Pública, o que ocorreu no caso concreto.5. Agravo de instrumento não provido.”(Ag 1273075, Min. Castro Meira, j. 05/04/2010). Do exposto, conclui-se que a partir da vigência da Súmula Vinculante n. 8 do STF aplica-se o CTN aos casos de decadência e prescrição que envolvam as contribuições da seguridade social. 4. Regras de prescrição no Direito Tributário 4.1 A prescrição tratada no art. 174 do CTN A prescrição está elencada, ao lado da decadência, como modalidade de extinção do crédito tributário no art. 156, V do CTN. O instituto da prescrição significa que, transcorrido o lapso temporal previsto em lei, não pode mais a Fazenda Pública, através de ação de execução fiscal, cobrar do sujeito passivo o valor do tributo. É de grande importância listar os quatro elementos integrantes, ou condições elementares, da prescrição que foram arrolados por Antonio Luiz da Camara Leal (1959, p. 25): “1.º) Existência de uma ação exercitável (actio nata); 2.º) Inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3.º) Continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; 4.º) Ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.” A prescrição constitui-se na perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em razão do não uso dela, durante determinado espaço de tempo. Diz respeito ao exercício do direito subjetivo de que uma pessoa é detentora (CASSONE, 2004, p. 330). Eduardo Sabbag (2009, p. 739) afirma que a prescrição, veiculando a perda do direito à ação, atribuída à proteção de um direito subjetivo e, por esse motivo, desfazendo a força executória do credor em razão de sua inoperância, apresenta-se como figura de direito processual. Após a realização do lançamento, não há mais que se falar em decadência, o que deve ser observado, a partir desse momento, é o prazo para de prescrição. Tal entendimento pode ser corroborado no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – PRESCRIÇÃO (ART. 174 DO CTN).1. Em direito tributário, o prazo decadencial, que não se sujeita a suspensões ou interrupções, tem início na data do fato gerador,devendo o Fisco efetuar o lançamento no prazo de cinco anos a partirdesta data.2. O prazo prescricional ocorre após o prazo decadencial, e fica nadependência do tipo de lançamento para que se faça a contagem do quinquênio.3. A jurisprudência desta Corte, para simplificar, conta, a partirda data do fato gerador, dez anos: cinco anos como prazo decadenciale mais cinco como prazo prescricional.4. Aplicação da sistemática na contagem.5. Recurso especial improvido.”(RESP 332.366/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 19/02/2002) Segundo o art. 174 do CTN a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. A determinação exata do conceito de constituição definitiva do crédito tributário pode trazer algumas dificuldades. Por isso, Leandro Paulsen(2011, p. 1265) esclarece que o lançamento torna-se definitivo quando o contribuinte, notificado, deixa de impugnar ou recorrer da decisão final. Logo, de tais termos é que se conta o prazo prescricional. A interpretação de Eduardo Sabbag (2009, p. 743) acerca do conceito de constituição definitiva do crédito tributário é a seguinte: “A definitividade não decorre do fato gerador ou da própria obrigação tributária, mas do momento em que não for mais admissível ao Fisco, discutir, administrativamente, a seu respeito. Desse modo, identificando o marco temporal de Definitividade, contar-se-á o prazo de cinco anos para a propositura em tempo da execução fiscal.” Então, realizado o lançamento, por exemplo, com a lavratura de auto de infração, o prazo prescricional deveria iniciar imediatamente. Todavia, como o sujeito passivo possui prazo de 30 dias para recorrer, o prazo de prescrição fica suspenso até que ocorra decisão definitiva no processo administrativo fiscal, ou mesmo que o sujeito passivo não recorra, após a fluência de 30 dias para tal. Logo, a partir do transcurso de uma dessas datas é que começa a correr o prazo de prescrição (CASSONE, 2004, p. 331). 4.2 As causas de interrupção do prazo prescricional As causas de interrupção da prescrição estão previstas no parágrafo único do art. 174 do CTN. Prevê o dispositivo que a prescrição se interrompe: pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; pelo protesto judicial; por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e, por fim, por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento de débito pelo devedor. A interrupção do prazo prescricional faz com que o prazo já transcorrido seja eliminado, ou seja, o lapso temporal de cinco anos para a Fazenda Pública propor a ação de execução fiscal será iniciado novamente. A Lei Complementar 118/2005 mudou a redação do art. 174, parágrafo único, I do CTN. Antes de tal modificação era necessária a citação pessoal do devedor, porém a partir da entrada em vigor da LC 118/2005 o simples despacho do juiz que ordenar a citação do devedor em execução fiscal já é suficiente para interromper o prazo prescricional. 4.3 Suspensão do prazo prescricional no direito tributário Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 506) chama a atenção para o fato de que a suspensão no curso do prazo prescricional não é a mesma coisa que suspensão da exigibilidade do crédito tributário, essa última prevista no art. 151 do CTN. Isso porque, para haver a suspensão do prazo prescricional é imperativo lógico que ele já tenha se iniciado, por outro lado, nem sempre que ocorre a suspensão da exigibilidade do crédito tributário o tempo prescricional já terá começado a correr. Bom exemplo de suspensão da prescrição em âmbito tributário encontra-se no art. 8º, §3º da Lei de Execuções Fiscais: “Art. 8º, § 3º: A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.” Esse dispositivo, segundo SANTI (2011, p. 166) altera objetivamente a contagem do tempo, uma vez que fixa um limite máximo de cento e oitenta dias para a suspensão da prescrição, e não desqualifica a conduta do agente, pois admite a distribuição da execução fiscal como termo consumativo do prazo prescricional. No entanto, especifica Eduardo Sabbag (2007, p. 754) que, em razão da colidência entre a  Lei 6830/80 e o CTN, o artigo em destaque seria aplicável apenas à cobrança de créditos não tributários. Por esse motivo, o autor defende que as causas de anulação de moratória, cujas disposições são extensíveis aos institutos da isenção, anistia e remissão, quando concedidos em caráter individual, são, praticamente, os únicos exemplos de causas de suspensão da prescrição para a cobrança de créditos tributários. 4.4 Suspensão da execução fiscal e o art. 40 da Lei 6830/80 Conforme o art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. O § 2º do art. 40 dispõe que decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. Eurico Marcos Diniz de Santi (2011, p. 167) afirma que a prescrição deve ser entendida como a perda do direito de ação, por isso não cabe cogitar-se de prescrição no curso do processo. Logo, para o autoro art. 40 da LEF não trata de prescrição, mas sim de suspensão do processo de execução fiscal, que somente se constituiu porque não houve prescrição. A doutrina tributarista sempre criticou com veemência o art. 40, §3º da Lei 6830/80, que estabelece que encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. O parágrafo em destaque provocava grande insegurança jurídica, uma vez que, segundo ele, a ação de cobrança da dívida tributária seria imprescritível. Andou bem a Lei nº. 11051/2004 ao incluir o §4º no art. 40 da LEF, que passou a dispor que se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Note-se que se a prescrição houver ocorrido antes da propositura da ação de execução fiscal não é necessária a prévia oitiva da Fazenda Pública pelo juiz. É o que se extrai do julgado em destaque: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO OCORRIDA ANTES DA CITAÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE, INDEPENDENTEMENTE DA PRÉVIA OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA N. 106/STJ. REEXAME DE PROVA. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ.1. Constou expressamente no acórdão recorrido que, na hipótese, "a Fazenda, como autora da ação, não diligenciou no sentido de praticar os atos que lhe competiam para dar andamento ao feito, demonstrando, com isso, desinteresse na percepção do valor objeto da execução". Nesse contexto, é inviável a rediscussão do tema, pois "a verificação de responsabilidade pela demora na prática dos atos processuais implica indispensável reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado a esta Corte Superior, na estreita via do recurso especial, ante o disposto na Súmula 07/STJ" (Resp 1.102.431/RJ, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1º.2.2010 — recurso submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 – Presidência/STJ).2. "Em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício (art. 219, § 5º, do CPC)" (Súmula n. 409/STJ).3. Agravo regimental não provido.”(AgRg no RESP 1229851/PE, 2ª T, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20/03/2012). Ainda em relação à suspensão do processo de execução fiscal com fulcro no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 314: “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. Logo, se a Fazenda Pública abandonar a ação de execução fiscal, poderá haver a prescrição intercorrente, caso a paralização seja superior a cinco anos. O reconhecimento da prescrição intercorrente visa a estabilização da relação jurídica, privilegiando o princípio da segurança jurídica. 4.5 Prescrição nos tributos lançados por homologação De acordo com o que foi anteriormente exposto, a principal característica dos tributos em que o lançamento é feito por homologação é o fato do cálculo do valor do tributo, com a devida antecipação de pagamento, ser feito pelo próprio sujeito passivo sem a interferência prévia do Fisco.  Luciano Amaro (2007, p. 417) defende que não cabe falar em prescrição no caso de tributos lançados por homologação, uma vez que essa forma de lançamento supõe o prévio pagamento, portanto não há o que cobrar em sede de ação de execução fiscal. Por outro lado, se o tributo (lançável por homologação) for lançado de ofício poderá ocorrer a prescrição, todavia, nesse caso, não há que se falar em prescrição da ação de cobrança de tributo lançado por homologação, mas sim de tributo lançado de ofício. Há, todavia, uma celeuma jurisprudencial quando o contribuinte declara o valor correspondente, porém não efetua o pagamento de tal valor. Por esse motivo, SABBAG (2009, p. 747) destaca que, na visão do STJ, a declaração do sujeito passivo que declara o tributo, mas não efetua o pagamento, elide a necessidade de o Fisco realizar a constituição formal do débito tributário. O autor ainda afirma que, por esse motivo, declarado o tributo e não pago poderá haver a imediata inscrição em dívida ativa, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte. Segue a transcrição de jugado do Superior Tribunal de Justiça que estabelece que o termo inicial da prescrição nesses casos é a data estabelecida como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada: “TRIBUTÁRIO. ARTIGO 535. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESACOMPANHADA DE PAGAMENTO. PRESCRIÇÃO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.1. Não caracteriza insuficiência de fundamentação a circunstância de o aresto atacado ter solvido a lide contrariamente à pretensão da parte. Ausência de violação ao artigo 535 do CPC.2. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, ocorrendo a declaração do contribuinte desacompanhada do seu pagamento no vencimento, não se aguarda o decurso do prazo decadencial para o lançamento. A declaração do contribuinte elide a necessidade da constituição formal do crédito, podendo este ser imediatamente inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte.3. O termo inicial da prescrição, em caso de tributo declarado e não pago, não se inicia da declaração, mas da data estabelecida como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada.4. A Primeira Seção pacificou o entendimento no sentido de não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente. Precedentes.5. Não configurado o benefício da denúncia espontânea, é devida a inclusão da multa, que deve incidir sobre os créditos tributários não prescritos.6. Recurso especial provido em parte”. (RESP 850423/SP, 1ª T, Rel. Min. Castro Meira, j. 28/11/2007).Sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula  360 cujo teor é o seguinte: o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributossujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, maspagos a destempo.Eduardo Sabbag (2009, p. 749) explica que a razão para o STJ não aceitar a denúncia espontânea para os casos de autolançamento em que o pagamento não foi efetuado é simples. A denúncia espontânea implica no total desconhecimento do Fisco quanto à existência do tributo denunciado. Porém, quando o contribuinte apresenta uma declaração ao Fisco a existência do crédito tributário é formalizado, permitindo-se que se inscreva o valor não pago em dívida ativa. Para melhor elucidar a questão:“TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART. 138). AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. NÃO CARACTERIZAÇÃO, NOS CASOS EM QUE O CONTRIBUINTE EFETUA FORA DO PRAZO O PAGAMENTO DE TRIBUTO POR ELE MESMO DECLARADO.1. A ausência de debate, na instância recorrida, da matéria aventada no recurso especial, atrai a incidência das Súmulas 282/STF. 2. A 1ª Turma desta Corte vem entendendo não restar caracterizada a denúncia espontânea, com a consequentemente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados e não pagos pelo contribuinte.3. Recurso especial a que se dá provimento (CPC, art. 557, §1º-A).”(RESP 640734/RS, 1ª T, Min. Teori Albino Zavascki, j. 18/04/2004). Como se percebe, na visão do STJ, quando o contribuintenão antecipa o pagamento, nos casos de tributo lançado por homologação, não poderá beneficiar-se dos benefícios da denúncia espontânea, como por exemplo, a exclusão da multa moratória. 4.6 Direito à restituição o caso de pagamento de crédito atingido por prescrição ou decadência Caso o contribuinte efetue o pagamento de tributo em valor superior ao realmente devido é cabível a repetição do indébito, sob o fundamento de que a todos é defeso o enriquecimento sem causa. De acordo com o art. 168 do CTN o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário. A discussão acerca da natureza desse prazo é antiga. Para alguns doutrinadores o prazo é de prescrição, já para outros é de decadência. É corrente o entendimento doutrinário de que, em caso de decadência, há direito de repetição do indébito. Todavia, é interessante o ponto de vista de Eurico Marcos Diniz de Santi (2011, p. 171): “A doutrina entende que o pagamento de crédito tributário após o prazo decadencial faz surgir o direito de repetição de indébito, pois, como a decadência extingue o direito, o Fisco não detém titularidade jurídica para reter essa quantia paga extemporaneamente. Diversamente, se o contribuinte extingue crédito tributário prescrito, não tem direito a pleitear a restituição do montante pago, pois a prescrição extingue a ação, mas não o direito, que remanesce em estado latente.” Portanto, para a doutrina em geral, se houver pagamento de dívida tributária atingida pela decadência cabe o direito de restituição, por outro lado, em caso de pagamento de dívida prescrita, não cabe direito de restituição. Contudo, segundo o autor, o pagamento de crédito tributário decaído ou prescrito faz surgir para o contribuinte o direito ao débito do Fisco, isso porque, segundo o art. 156, V do CTN, tanto a prescrição quanto a decadência são formas extintivas do crédito tributário. Leandro Paulsen (2011, p. 1209) entende que o prazo previsto no art. 168 é de decadência, pois diz respeito ao direito de pleitear a restituição, não importando de administrativa ou judicial. Afirma ainda, que a posição dominante é justamente no sentido de que o art. 168 do CTN traz um prazo decadencial. Havia discussão jurisprudencial acerca da contagem de prazo de repetição de indébito quando se tratasse de tributo lançado por homologação. Todavia, o art. 3º da LC 118/2005 estabeleceu que, para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 do CTN, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. 5. Considerações Finais A presente pesquisa teve por objetivo examinar a importância da decadência e prescrição no direito tributário, além de investigar as implicações do reconhecimento desses institutos no âmbito do direito tributário nacional. O art. 156 do CTN traz diversas modalidades de extinção do crédito tributário, dentre as quais a decadência e a prescrição. A decadência e a prescrição estabelecem que o poder público deve observar os prazos estabelecidos na legislação tributária, caso contrário o crédito tributário não poderá mais ser cobrado do contribuinte. O crédito tributário pode ser entendido como o direito do sujeito ativo cobrar do sujeito passivo os valores surgidos a partir da obrigação tributária. A constituição do crédito tributário ocorre através do lançamento, o qual possui três modalidades,conforme o Código Tributário Nacional, quais sejam: lançamento direto ou de ofício; lançamento misto ou por declaração e lançamento por homologação ou autolançamento. Os institutos da decadência e prescrição são decorrentes do princípio da segurança jurídica, uma vez que nenhuma relação jurídica pode perdurar indefinidamente ao longo do tempo sem que o direito dela decorrente não seja exercido, sob pena de provocar grande instabilidade social. A decadência é a perda do direito, pelo prazo estabelecido em lei ou contrato, cujo titular não o exerceu. No direito tributário a decadência estabelece a perda do direito de lançar o crédito tributário pela Fazenda Pública. A decadência tributária está prevista, principalmente, nos artigos 173, I e  150, §4º do CTN. A doutrina considera o primeiro como sendo o prazo geral da decadência e o segundo como prazo especial do mesmo instituto. Houve grande discussão jurídica quando o STJ, contrariamente ao que entende a doutrina tributarista, adotou o entendimento de que, com relação aos tributos lançados por homologação, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário seria de 10 anos. O Tribunal da Cidadania, naquele tempo, entendeu que os prazos previstos nos artigos 173, I e 150, §4º do CTN deveriam ser aplicados cumulativamente. Felizmente o STJ reviu sua posição e hoje prevalece o entendimento de que o prazo de decadência para os tributos lançados por homologação é de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Outro grande embate acerca da decadência tributária ocorreu acerca do prazo estipulado no art. 45 da Lei 8212/91, que estabelecia como sendo de 10 anos o prazo decadencial para a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos. Após grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais o Supremo Tribunal Federal resolveu a questão editando a Súmula Vinculante nº. 8, a qualestabelece em seu enunciado que são inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8212/91, que tratam da prescrição e decadência do credito tributário. Já o instituto da prescrição significa que, transcorrido o lapso temporal previsto em lei, não pode mais a Fazenda Pública, através de ação de execução fiscal, cobrar do sujeito passivo o valor do tributo. Conforme o art. 174 do CTN a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. As causas de interrupção da prescrição estão previstas expressamente no parágrafo único do art. 174 do CTN. Por outro lado, o CTN não é claro quanto à suspensão da prescrição em âmbito tributário, todavia a doutrina aponta como exemplo dessa situação o art. 8º, §3º da Lei de Execuções Fiscais. Ainda quanto à prescrição, na visão do STJ, a declaração do sujeito passivo que declara o tributo, mas não efetua o pagamento, elide a necessidade de o Fisco realizar a constituição formal do débito tributário. Logo, nesse caso, a Fazenda Pública pode ajuizar ação de execução fiscal sem que seja necessário o lançamento para constituição do débito tributário. Por fim, no que se refere à prescrição, há o caso do contribuinte que efetua o pagamento de tributo em valor superior ao realmente devido, no qual será cabível a repetição do indébito. O art. 168 do CTN dispõe que o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário. Para a maioria dos doutrinadores há direito de repetição do indébito em caso de decadência.Por outro lado, em caso de pagamento de dívida prescrita, não cabe direito de restituição, ressalvada posição divergente de doutrina minoritária.
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O processo administrativo fiscal e a verdade material
As garantias à ampla defesa e ao contraditório devem estar presentes tanto nos processos judiciais como nos administrativos. Quando o assunto é tributo não pode ser diferente podendo o contribuinte apresentar impugnação a um determinado lançamento de crédito tributário. Nesses casos será aberto um Processo Administrativo Fiscal para uma melhor análise da contestação do sujeito passivo. Para se falar em um justo processo que garanta o direito de defesa não se pode afastar do julgamento o princípio da verdade material.
Direito Tributário
Introdução Para efetivamente se falar em “fazer justiça” o Poder Público deve ter o conhecimento da lei e de como se concretizaram os fatos que levaram a uma determinada demanda. Para a descoberta desta realidade, como elemento essencial à decisão, a autoridade julgadora deverá verificar todos os instrumentos de prova que estiverem ao seu alcance. Quando o assunto é tributo, no âmbito administrativo, o Processo Administrativo Fiscal (PAF) é o meio que detém o Fisco para apurar a verdade dos fatos, e a soma dos fatos apurados no PAF que produzirão a convicção da autoridade julgadora para emitir a decisão. Quando lei não determinar de forma expressa uma determinada forma, será aplicado ao Direito Processual Tributário a Teoria Geral do Processo e outros institutos do Direito Civil e Penal. O PAF deve ser avaliado materialmente à luz do princípio da verdade material, a fim de garantir que a decisão tenha como base a realidade do tributo. No direito brasileiro são adotadas várias espécies de provas e a reunião dessas provas é que constituirá o conjunto probatório, cujos integrantes serão avaliados para a formação de um juízo. O Processo Administrativo Fiscal deve contemplar todas as verdades. O princípio da verdade material no paf: O Processo Administrativo Fiscal tem por objetivo cumprir a lei, Helly Lopes Meirelles esclarece: “O conceito de processo administrativo tributário compreende todos os procedimentos fiscais próprios, ou seja, a atividade de controle (processo de lançamento e de consulta), de outorga (processo de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), além dos processos impróprios, que são as simples autuações de expedientes que tramitam pelos órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e outros atos complementares de interesse do Fisco.” (MEIRELLES, 39ª Ed, 2013). Nesse sentido, o processo administrativo referente ao lançamento de crédito tributário deve ter por objetivo solucionar os conflitos de interesse entre o Estado e o sujeito passivo do tributo. Devemos frisar a particularidade desse procedimento, qual seja, o fato do ente público participar do processo como parte e, ao mesmo tempo, como órgão decisório, destinado a decidir entre as pretensões controvertidas com base na legislação vigente. Logo, o objetivo do Processo Administrativo Fiscal é solucionar uma lide entre a própria Administração Pública e um particular, na qual há divergência quanto à aplicação e/ou interpretação de uma norma de natureza tributária. Partindo do pressuposto de que a Constituição Federal garantiu ao administrado a garantia à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV), percebe-se que a nossa Carta Magna quis assegurar às partes garantias semelhantes tanto no processo administrativo quanto no processo judicial. Nesse diapasão, não se pode afastar o princípio da verdade material no âmbito de decisões em processos administrativos fiscais, tendo em vista que esse é aplicado aos processos judiciais. O Decreto nº 70.235/72 já prevê essa situação: “Art. 29. Na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias.(…) Art. 32. As inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos existentes na decisão poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento do sujeito passivo.” O princípio da verdade material deverá subsidiar o processo administrativo, devendo a autoridade julgadora buscar a realidade dos fatos, conforme ocorrida, e para tal, ao formar sua livre convicção na apreciação dos fatos, podendo realizar as diligências que considere necessárias à complementação da prova ou ao esclarecimento de dúvida relativa aos fatos trazidos no processo. A valoração das provas trazidas nos autos do processo deve ser inspirada pela busca da verdade material, para assim se verificar efetivamente o princípio do livre convencimento motivado do julgador. De acordo com este princípio, o julgador deverá valorar as provas a ele apresentadas livremente, sempre buscando a verdade material dos fatos. Identificados por parte da autoridade julgadora, no exercício de suas funções, fatos e circunstâncias que comprovam situação que ensejará alteração de lançamento anterior, a autoridade fiscal tem o dever/poder vinculado e obrigatório de proceder a modificação. Neste sentido, ainda, me utilizo de precedentes do Conselho administrativo de Recursos Fiscais (CARF): “ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJ Exercício: 1999Ementa: REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPENSAÇÃO. IMPOSTO DE RENDA INCIDENTE NA FONTE. (…) Se, em respeito ao princípio da verdade material, a autoridade julgadora, amparada em verificações empreendidas por meio de diligências fiscais, acolhe as retificações efetuadas na declaração anteriormente apresentada pelo contribuinte e, com base nela, apura os saldos finais do IRPJ e da CSLL, o reconhecimento de eventual direito creditório, por decorrência lógica, deve levar em consideração tais retificações.Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.”(11610.000453/2001-63, Segunda Turma/Terceira Câmara/Primeira Seção de Julgamento, Rel. WILSON FERNANDES GUIMARAES, d.j. 31/03/2011). No Acordão nº 3801-001.859 emitida em 25 de abril de 2013 pela 1ª Turma Especial do CARF, Processo nº 13876.000361/2007-83, o relator (Dr. Sidney Eduardo Stahl) bem expõe sobre a obrigatoriedade em se utilizar do princípio da verdade material no Processo Administrativo Fiscal, não podendo a autoridade julgadora se omitir sobre fato concreto e provado que tomou ciência por meio da análise dos autos processuais. “Por outro lado, pelo princípio da verdade material essa Turma não poderia alegar desconsiderar a existência do documento ao qual teve acesso. O que se busca no processo administrativo é a verdade material. Serão considerados todas as provas e fatos novos mesmo que não tenham sido alegados ou declarados, desde que sejam provas lícitas. Interessa à Administração que seja apurada a verdade real dos fatos ocorridos (verdade material), e não apenas a verdade que é, a principio,  trazida aos autos pelas partes (verdade formal). São esses os princípios que norteiam o Processo  Administrativo Fiscal e que definem os limites dos poderes de cognição do julgador em relação  aos fatos que podem ser considerados para a decisão da situação que lhe é submetido.” ( Acordão nº 3801-001.859 emitida em 25 de abril de 2013 pela 1ª Turma Especial do CARF, Processo nº 13876.000361/2007-83 ), (grifo meu). Prova remete à ideia de exame, comprovação, buscando demonstrar a existência de um fato jurídico, com o objetivo de influenciar convencimento e de fundamentar a decisão. É a soma dos fatos apurados no Processo Administrativo Fiscal e da legislação tributária que gerará a convicção da autoridade julgadora. No direito brasileiro são adotadas várias espécies de provas e a reunião dessas provas é que constituirá o conjunto probatório, cujos elementos serão avaliados isoladamente ou em conjunto, para a formação de um juízo. No campo do Direito Tributário, principalmente no Processo Administrativo Fiscal, a prova documental é a mais utilizada. A prova documental poderá ser validada pelo documento a que se aproveite o conteúdo, mas também poderá ser rejeitada por irregularidade em sua construção ou pelo meio de sua obtenção. Em termos processuais, o instrumento hábil para esta descaracterização da prova seria o incidente de falsidade. O Processo Administrativo Fiscal busca a descoberta da verdade material relativa aos fatos tributários. Com status constitucionais, os princípios da ampla defesa e do contraditório serão garantidos ao sujeito passivo, que, querendo, apresentará contestação ao lançamento tributário, intervindo por meio de produção das provas. A denominada verdade material funda-se na aceitação da teoria da verdade por correspondência, pressupondo a possibilidade de espelhar a realidade por meio da linguagem. No processo existirão sempre três verdades: a) verdade descrita no lançamento pela autoridade fiscal; b) verdade descrita na impugnação do contribuinte; c) verdade do julgador. Prevalece a verdade do julgador, para quem as provas terão papel fundamental na formação da sua convicção. A essa autoridade incumbe determinar ou não a realização das diligências, inclusive perícias, podendo indeferi-las se as tiver por prescindíveis ou impraticáveis. São os princípios que norteiam o Processo Administrativo Fiscal e que definem os limites dos poderes de cognição do julgador em relação aos fatos que podem ser considerados para a decisão da situação que lhe é submetida. Sobre o princípio da verdade material explica Lídia Maria. L. R. Ribas: “no processo administrativo tributário, além de levar aos autos novas provas após a inicial, é dever da autoridade administrativa levar em conta todas as provas e fatos que tenha conhecimento e até mesmo determinar a produção de provas, trazendo-as aos autos, quando elas forem capazes de influenciar na decisão. Assim, a Administração pode valer-se de qualquer prova que a autoridade julgadora ou processante tiver conhecimento, devendo trazê-la aos autos, com o objetivo de aproximar a materialidade do fato imponível e sua formalização por meio do lançamento tributário.” (RIBAS, 2003, p. 46) Para os doutrinadores Leandro Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka (na obra Direito Processual Tributário, Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal) “o processo administrativo é regido pelo princípio da verdade material” (2014, p. 108). A autoridade julgadora tem o dever de analisar as provas apresentadas pelo contribuinte quando da apresentação da defesa. Deixar de lado provas lícitas no momento da decisão é deixar de lado as garantias de defesa, se tornando o Processo Fiscal em um verdadeiro processo inquisitorial, pois concretamente estará nas mãos da autoridade julgadora, simultaneamente, as funções de acusador e defensor, tendo em vista que de nada adiantará o sujeito passivo apresentar provas que não serão levadas em conta no processo. O que se busca no Processo Administrativo Fiscal é a verdade material, devendo ser analisadas todas as provas e fatos trazidos pelo sujeito passivo, ainda que desfavoráveis à Fazenda Pública, desde que sejam provas lícitas. O princípio da livre convicção do julgador está previsto no ordenamento jurídico-tributário. Por este princípio a valoração dos fatos e circunstâncias constantes dos autos é feita livremente, pelo julgador após racional discussão no processo, não havendo vinculação a critérios prefixados de hierarquia de provas, ou seja, não há preceito legal que determine quais as provas devem ter maior ou menor peso no julgamento. Modernamente enfoca-se a importância da associação entre o livre convencimento do julgador e as regras probatórias, bem como entre o argumento da razão lógica da experiência e as restrições legais. A regra básica é que todos os tipos de provas são permitidos e praticados desde que admitidos em lei e moralmente legítimos. De certa forma, a prova no direito brasileiro, e no ordenamento tributário, é aberta, desde que válida. Em outras palavras, se for corretamente obtida, qualquer forma de prova é passível de ser acolhida. Entende-se válida a prova obtida de forma lícita, integral, aceita pelo direito brasileiro e de solidez técnica e inequívoca. Na análise da prova, o operador do direito deverá buscar a verdade, não lhe sendo admitido falseá-la, seja qual for a adjetivação que se lhe imponha. Para se falar em um processo com garantia do contraditório deve-se dar o direito à prova e à sustentação dos argumentos aduzidos pelo contribuinte, pois poderá ser uma determinada prova que substanciará a verdade dos acontecimentos. Nesse aspecto, a autoridade julgadora deverá analisar as provas trazidas pelo contribuinte de forma especial, verificando se as alegações do impugnante devem prosperar. Como já exposto, o Processo Administrativo Fiscal deve respeitar o princípio da verdade material. Se determinado contribuinte prova por meio lícito que o lançamento se deu de maneira equivocada, não pode a autoridade julgadora “fechar os olhos” para essa informação no momento do julgamento. A despeito de melhor resguardar os interesses do Fisco e ser mais justo e eficiente o princípio da verdade material deve ser a base dos Processos Administrativos Fiscais. Importante expor que, o disposto no art. 147 do Código Tributário Nacional, transcrevo o dispositivo legal: “Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação. § 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. § 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela.” (grifo meu) Essa previsão do CTN diz respeito exclusivamente os tributos cujo lançamento se dá na modalidade declaração ou misto. O lançamento realizado nessa modalidade é aquele realizado com base na declaração do sujeito passivo, que presta à autoridade fiscal as informações necessárias a sua confecção, caracterizando-se pela ação conjunta entre o fisco e o contribuinte. Cláudio Carneiro comenta, em sua obra, sobre o art. 147 e seus parágrafos: “Destaque-se que a modalidade de lançamento por declaração já foi muito usada pelo Fisco em outras épocas, mas hoje vem perdendo espaço para o lançamento por homologação, com um nítido intuito de desafogar a máquina estatal.” (CARNEIRO, 2014, p. 649) Para Carneiro, e a doutrina e jurisprudência tributária majoritária, o lançamento por homologação não se confunde com o lançamento por declaração, e por consequência não há que se aplicar os institutos de um a casos em que ocorre o outro. Porém, mesmo nesses casos, o texto do CTN já traz a previsão de aplicação do princípio da verdade materia no seu § 2º, dispondo que a autoridade competente retificará de ofício o lançamento, quando houver erro no procedimento. Nesse diapasão, eventual lançamento constituído sem observar o princípio da verdade material poderá ser desconsiderado judicialmente, gerando assim prejuízos ao erário, tendo em vista que serão grandes as chances de condenação em honorários advocatícios sucumbenciais. Conclusão Não há que se falar em limitação de provas no Processo Administrativo Fiscal. Todos os meios legais devem ser admitidos para provar a verdade dos fatos em que se funda ação. O princípio da livre convicção da autoridade julgadora garante a prerrogativa para a realização de diligências que forem necessárias para uma decisão justa. A atuação de ofício terá como objetivo complementar e esclarecer as provas e fatos já descritos nos autos, pois a busca pela verdade material não visa que o julgador substitua o sujeito passivo do tributo na produção de provas, mas apenas servirá de base para que tenha efetivamente uma livre convicção para desfeixo do processo. O livre convencimento da autoridade julgadora nada mais é do o princípio que garantirá que a decisão seja fundamentada, transparente, e justificada perante as partes do processo. No âmbito do Processo Administrativo Fiscal a prova deverá ser realizada em toda a sua extensão e conformidade com as regras aplicáveis, de modo a garantir os direitos constitucionais de que desfruta o sujeito passivo do tributo, qual seja, de ser cobrado a arcar apenas nos exatos termos da lei tributária, na realidade de como se deu o fato gerador.
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Relativização da coisa julgada em matéria tributária: uma realidade?
O presente trabalho tem como objetivo discutir a possibilidade de relativização da coisa julgada material no âmbito do direito tributário, discutindo os institutos jurídicos envolvidos, apresentando as posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o caso, para, alfinal, chegar a uma conclusão, não unânime, mas fundamentada sobre o tema.
Direito Tributário
I – Introdução. O princípio da segurança jurídica é um dos princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito. Nele, em apertada síntese, se depositam as expectativas e a confiança de que as situações decididas pelo Poder Judiciário são definitivas. De nada adiantaria falar-se em direito de acesso à justiça, conforme preconiza o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, se as decisões judiciais fossem soluções provisórias. Nesse trabalho examinamos, em especial, os efeitos da declaração superveniente de (in) constitucionalidade de lei que fundamentou decisão judicial transitada em julgado no âmbito do direito tributário. Noutros dizeres, busca-se discutir, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, se a “sentença, transitada em julgado, deve sobreviver quando a lei que a fundou é, mais tarde, declarada inconstitucional pela Corte Suprema”[1]. Para tanto, esboçaremos uma definição de coisa julgada e aludiremos às suas espécies, trazendo a visão da doutrina, imiscuindo-se, em seguida, sobre a temática da relativização, colhendo-se precedentes jurisprudenciais e opiniões doutrinárias, para, alfinal, adentrar ao ponto específico que ora se propõe examinar, apresentando, por derradeiro, a opinião do autor. II – Da breve noção de coisa julgada: conceito e espécies. De início, parece ser bastante oportuna e didática a transcrição do §3º do art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Confira-se: “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.       § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. (Grifos não originais). Note-se que, embora singelo, o conceito apresentado acima preenche, nesse início, a sua finalidade. Tem-se por coisa julgada, a meu ver, justamente a impossibilidade de se alterar decisões judicias que transitaram em julgado, isto é, que não se sujeitam mais a qualquer recurso[2]. Nesse sentido, Marinoni, ao citar Liebman, afirma que a “coisa julgada é a imutabilidade que qualifica a sentença de mérito não mais sujeita a recurso que impede sua discussão posterior”[3]. Alexandre Freitas Câmara, perfilando as mesmas ideias, sustenta que a “coisa julgada é a situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada substancial), quando tal provimento jurisdicional não está mais sujeito a qualquer recurso”[4]. Desse último conceito, aliás, extrai-se a ideia do que parcela considerável da doutrina chama de coisa julgada formal e coisa julgada material, entendendo-se por aquela a imutabilidade da sentença, isto é, o impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual dentro do processo em que foi proferida. A coisa julgada material, por sua vez, consiste na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença de mérito, e produz efeitos para fora do processo. Uma vez formada, não poderá a mesma matéria ser rediscutida em outro processo[5]. Como dito acima, esta classificação da coisa julgada não é entendimento unânime na doutrina. Só para registrar, eis que tal polêmica não é o objeto deste estudo, Marinoni destaca que a coisa julgada formal “em verdade, não se confunde com a verdadeira coisa julgada (ou seja, com a coisa julgada material). É, isto sim, uma modalidade de preclusão, a última do processo de conhecimento, que torna insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença nele proferida”.[6] Firmada tais premissas, passa-se ao estudo da denominada relativização da coisa julgada. III – Da relativização da coisa julgada. Um esclarecimento, de início, mostra-se oportuno. A doutrina, de um modo geral, ao se referir a este tema, utiliza-se da expressão “relativização da coisa julgada”. Penso, porém, não ser disso que se cuida. A coisa julgada, nessas situações, não é relativizada ou desconstituída[7], mas, sim, desconsiderada, simplesmente deixada de lado. Alexandre Freitas Câmara, em rasas linhas, explica que se trata, tão-somente, “de desconsiderar, em um dado caso concreto, a existência daquela sentença transitada em julgado, julgando-se a nova causa como se aquela decisão não existisse”[8]. Superada a questão, o art. 485 do CPC, aí sim, traz as hipóteses de cabimento de ação rescisória, instrumento processual que visa a impugnar decisões judiciais transitadas em julgado, que não mais se sujeitam à interposição de recursos, rescindindo-as. Confira-se:  “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV – ofender a coisa julgada; V – violar literal disposição de lei; Vl – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; Vll – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; VIII – houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”. A questão que exsurge, portanto, está associada às hipóteses de relativização da coisa julgada fora dos limites traçados pelo citado dispositivo, que, segundo a maioria da doutrina, traz um elenco taxativo de cabimento da ação rescisória. Oportunas, nesse sentido, as lições de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha. Confira-se: “Não se admite ação rescisória, sem que se alegue ou se demonstre a ocorrência de uma das hipóteses capituladas no art. 485 do CPC. O elenco de hipóteses do referido art. 485 do CPC é taxativo. Em outras palavras, as hipóteses que ensejam a rescisão da sentença estão arroladas em numerus clausus na norma ora comentada. Este rol taxativo não admite ampliação por interpretação analógica ou extensiva”.[9] Sucede, porém, que o mesmo Código de Processo Civil, por outro lado, estabelece regra processual que, aparentemente, se contrapõe à norma extraída do art. 485, de modo a permitir, numa leitura apressada, o afastamento da coisa julgada decorrente da manifestação superveniente do Supremo Tribunal Federal – STF. Observe-se: “Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: (…) II – inexigibilidade do título; (…) § 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”. (g.n.). “Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (…) II – inexigibilidade do título; (…) Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”. (g.n). Com efeito, a interpretação literal de tais dispositivos permite concluir que os títulos judiciais executivos, entre eles a sentença transitada em julgado (admitindo-se aqui a possibilidade de execução provisória), fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal são, em ambas as situações, considerados inexigíveis. Ou seja, mesmo tais títulos ostentando o timbre da definitividade ou da coisa julgada estes serão considerados imprestáveis para o fim executório. Em palavras talvez mais didáticas, é dizer que o direito que, in thesi, estava estabilizado, garantido pelo manto da coisa julgada, consubstanciado num título judicial, deixará de ser efetivado em virtude da declaração de inconstitucionalidade da norma que o fundamentou. No entanto, não se pode deixar de mencionar que o art. 741 do CPC é alvo da ADI 2.418/DF, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo julgamento encontra-se pendente. No bojo dessa ação, o presidente do Conselho Federal da OAB, ao comentar o dispositivo legal mencionado, adverte que se trata de “dissimulada hipótese de rescindibilidade da sentença transitada em julgado. (…) O preceito, a toda evidência, investe contra a segurança de que se revestem as decisões judiciais finais, colidindo com as determinações do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada””.[10]  O Advogado-Geral da União à época, ministro Gilmar Ferreira Mendes, instado a se manifestar no processo, defende a constitucionalidade do dispositivo, esclarecendo que: “Não se cuida, destarte, de nova hipótese de rescisão do julgado, mas tão-somente de impedimento de que atos inconstitucionais produzam efeitos igual e necessariamente contrários à Constituição Federal. Trata-se, destarte, de evitar a consolidação de efeitos inconstitucionais de atos jurídicos viciados. (…) Em verdade, a previsão da inexigibilidade do título executivo judicial constava já na redação anterior do Código de Processo Civil. Se a isso se acrescenta a circunstância de que vigora entre nós o dogma da nulidade da lei inconstitucional (somente excepcionado por outro princípio de hierarquia igualmente constitucional) e a eficácia geral e o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de normas, parece claro que a norma impugnada possui conteúdo tão-somente declaratório naquilo em que se explicita ser inexigível – dada a retroatividade dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade título judicial fundado “em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal”. Uma tal orientação preserva os princípios da supremacia da Constituição, de sua força normativa (CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 6ª ed., 1993, p. 229) e da máxima efetividade de suas normas (CANOTILHO, ob. cit. p. 228) bem como a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal em especial aquelas dotadas de eficácia geral e efeito vinculante. Dado o status constitucional de tais imperativos, o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em interpretação ou aplicação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal constituem, à luz de nosso direito constitucional, títulos inexigíveis por excelência”[11]. Em sentido contrário, porém, foi o entendimento do Procurador-Geral da República à época, que, a nosso ver de forma bem didática (não exercendo aqui nenhum juízo de mérito sobre a questão examinada), sustentou a inconstitucionalidade do art. 741 do CPC afirmando que: “39. O problema da coisa julgada com fulcro em norma inconstitucional possui, em seu âmago, uma colisão de princípios: de um lado, o princípio da supremacia da Constituição e da soberania das decisões do Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de normas; de outro, a coisa julgada e a segurança jurídica. 40. Quando princípios constitucionais entram em colisão, um dos princípios tem de ceder ante o outro, não significando isso que se tenha que declarar inválido ao princípio inaplicado. Diferentemente dos conflitos entre regras jurídicas, que se dão em uma dimensão de validez, a colisão de princípios tem lugar em uma dimensão de peso. Uma colisão de princípios, como a que ocorre diante do problema da coisa julgada inconstitucional, será solucionada tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, onde se pode estabelecer entre os princípios opostos uma relação de precedência condicionada, na acepção de ALEXI. A determinação da relação de precedência condicionada consiste em que, tomando em conta o caso concreto, se indicam em que as condições um princípio precede ao outro. Afere-se, com isso, que uma ponderação de bens constitucionais somente se faz diante do caso concreto. Não há possibilidade de uma norma estipular que todos os casos, ou somente em alguns, serão resolvidos tendo em conta um princípio, em detrimento de outro. (…) Assim, não caberá a uma norma, de forma prévia, geral e abstrata, regular os casos em que um princípio constitucional deverá prevalecer sobre outro. O parágrafo único, acrescido pela medida provisória impugnada, ao art. 741 do Código de Processo Civil, comporta uma tal norma, estabelecendo que todos os títulos judiciais baseados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais, em qualquer caso, serão inexigíveis. Por isso, afronta a ordem constitucional, formada por valores e princípios que devem ser interpretados harmonicamente, de forma que todos possam ter máxima eficácia diante do caso concreto”[12]. Na doutrina, de igual forma, a questão não é pacífica. Marinoni, ferrenho opositor a ideia da relativização da coisa julgada, por exemplo, afiança que: “As normas dos artigos 475-L, §1º, e 741, parágrafo único, do CPC, quando interpretadas de modo a permitir a revisão da declaração passada em julgado, são inconstitucionais, por afrontarem a autoridade da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CRFB), uma das expressões inequívocas do Estado Constitucional”[13]. (grifos não presentes no texto original). Nessa mesma toada, Leonardo Greco leciona que: “(…) parece-me claro que a decisão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade em controle concentrado de normas pelo Supremo Tribunal Federal não deve ter nenhuma influência sobre anteriores sentenças transitadas em julgado que tenham fundamento em entendimento contrário ao do STF sobre a questão constitucional. A segurança jurídica, como direito fundamental, é limite que não permite a anulação do julgado com fundamento na decisão do STF. O único instrumento processual cabível para essa anulação, quanto aos efeitos já produzidos pela sentença já transitada em julgado, é a ação rescisória, se ainda subsistir prazo para a sua propositura”[14]. Por fim, reponta oportunas as lições de Nelson Nery Jr., para quem o “risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização (rectius: desconsideração) da coisa julgada”[15]. De outra banda, a favor da relativização da coisa julgada, Marcelo Novelino, jovem constitucionalista, apresenta a seguinte ideia: “A relativização da coisa julgada tem como um de seus fundamentos o princípio da relatividade (ou da convivência das liberdades públicas), segundo o qual nenhum direito, por mais importante que seja, pode ser considerado absoluto, por encontrar limites decorrentes de outros direitos constitucionais consagrados. Se nem mesmo a inviolabilidade o direito à vida é absoluto, o que dizer da coisa julgada que, assim como as demais garantias, não é um objetivo em si mesmo, mas um meio para proteger determinados direitos e alcançar determinados valores. A coisa julgada, enquanto garantia constitucional-processual, deve ser harmonizada com outros valores constitucionalmente protegidos (“coisa julgada inconstitucional”). A leitura clássica da coisa julgada como algo absoluto, fruto de uma preocupação apenas com a segurança jurídica em detrimento de outros valores igualmente consagrados pela Lei Suprema, revela-se inconstitucional (“coisa julgada inconstitucional”) ”.[16] (grifos lançados). Nesse sentido, Helenilson Cunha Pontes menciona as importantes conclusões a que chegou sobre o tema o eminente ministro do Superior Tribunal de Justiça – STJ, José Delgado: “a) o princípio da coisa julgada é de natureza relativa; b) a coisa julgada não pode sobrepor-se aos princípios da moralidade e da legalidade; c) o Poder Judiciário ter por missão aplicar as estruturas que sustentam o regime democrático; d) a sentença judicial transitada em julgado não pode ser veículo de injustiças; e) a decisão judicial não pode conduzir a resultados além ou aquém dos garantidos pela Constituição Federal; f) a coisa julgada pode ser revista, em qualquer tempo, quando eivada de vícios graves e produza consequências que alterem o estado natural das coisas, que estipule obrigações para o Estado ou para o cidadão ou para as pessoas jurídicas que não sejam amparadas pelo Direito; g) a segurança jurídica produzida pela coisa julgada não se sobrepõe a outros valores que dignificam a cidadania e o Estado Democrático; h) a garantia da coisa julgada não pode ser alterada pela lei para prejudicar; i) em nome do princípio da não-retroatividade, os fatos apurados pela sentença nunca transitam em julgado; j) a coisa julgada não deve ser via para o cometimento de injustiças, de apropriações indébitas de valores contra o particular ou contra o Estado, de provocação de desigualdades nas relações do contribuinte com o Fisco, nas dos servidores com órgão que os acolhe, porque a Constituição Federal não permite que a tanto ela alcance; k) em tema de desapropriação, o princípio da justa indenização reina  acima do garantidor da coisa julgada; l) a sentença transitada em julgado pode ser revista, além do prazo para a rescisória, quando a injustiça nela contida for de alcance que afronte a estrutura do regime democrático por ofender à moralidade, à legalidade, à Constituição Federal e às regras da natureza; e finalmente m) a segurança jurídica imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade de que devem seguir todo ato judicial”[17]. Discussões doutrinárias à parte, o fato é que os artigos 475-L, §1º, e 741, parágrafo único, do CPC, estão vigentes e, nessa condição, enquanto não sobrevier decisão definitiva do STF declarando sua inconstitucionalidade, produzem os seus efeitos legais. Nesse cenário, não se pode diminuir o potencial de tais dispositivos em afastar a coisa julgada, sendo constitucionais, ou não. Na verdade, não há de se falar, como dito alhures, em relativização ou desconstituição da coisa julgada, pois isso, de fato, não acontece, salvo nas hipóteses inseridas taxativamente no art. 485 do CPC. A coisa julgada em si não é relativizada ou desconstituída, sua higidez permanece inalterada, o que ocorre é que, em alguns casos, ela é simplesmente desconsiderada. Em abono ao que se sustenta, cita-se como exemplo os casos em que, no bojo de uma ação de investigação de paternidade (quando não existiam técnicas científicas suficientes para apontar, com certeza, a paternidade biológica), se descobre, depois de sentença transitada em julgado, que o resultado apontado no decisum não corresponde à realidade dos fatos, pois a parte apresenta exame de DNA em sentido contrário. Vê-se, aí, claramente um conflito de princípios; de um lado a segurança jurídica, consubstanciado na imutabilidade da coisa julgada e, de outro, o princípio da dignidade humana, que garante ao indivíduo o direito de conhecer sua ascendência genética. A meu ver, não restam dúvidas de que a coisa julgada deve ceder espaço para a dignidade humana. Nesse sentido, aliás, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 363.889/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral da questão e, no mérito, consolidou o entendimento de que "deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo"[18]. Não se pretende com isso, entretanto, banalizar o instituto da coisa julgada, pois se reconhece tratar-se de um instrumento do Estado de Direito, já que é um dos corolários da segurança jurídica, que, por sua vez, é estabelecida no sentido de restringir a atuação do Estado, de modo a promover-se a estabilidade e a paz social. Na verdade, o que se verifica é que, em alguns casos, a segurança jurídica pode ceder espaço para outros princípios também de índole constitucional. IV – Da relativização da coisa julgada no âmbito do direito tributário. Rememore-se que o objeto deste estudo é analisar a problemática gerada em virtude de decisão judicial que declarou a constitucionalidade de um tributo, cuja lei foi em seguida revelada como inconstitucional pelo STF. Tal questão ganha relevância na medida em que no Brasil “prevalece o sistema da nulidade da norma inconstitucional, também herança da influência do Direito Constitucional norte-americano. A pronúncia de nulidade, em princípio, opera ex tunc, atingindo todos os efeitos produzidos pela norma julgada inválida em face da Constituição”.[19] Desse modo, a meu ver, não há como negar que a decisão que declara determinada lei como inconstitucional tenha o condão de retroagir e, eventualmente, afastar a coisa julgada. A questão da coisa julgada inconstitucional, a meu ver, se resolve observando o disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Confira-se: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. (grifos não presentes no texto original). A leitura do dispositivo é clara ao dispor que o STF poderá modular os efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade de determinada lei. Clara, também, é a norma no sentido de que se o STF não modular tais efeitos, a decisão retroagirá para alcançar todos os efeitos da lei declarada como inválida pela Suprema Corte. Recentemente, contudo, o STF, ao julgar o RE 730.462/SP, de relatoria do ministro Teori Zavascki, assentou o entendimento de que a eficácia executiva da decisão que afirma a inconstitucionalidade de dispositivo legal tem como marco inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei nº 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional”[20]. Essa decisão, a meu ver, atenua a discussão sobre tema. Firmada a premissa de que as decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei não retroagirão para alcançar os efeitos pretéritos da norma, a problemática da relativização da coisa julgada perde força. No entanto, trata-se de um julgado apenas, enquanto, por outro lado, há forte jurisprudência reconhecendo o afastamento da coisa julgada em matéria tributária. Confira-se: “Processo Civil. Ação Rescisória. Contribuição Previdenciária dos Avulsos, Autônomos e Administradores. Lei Considerada Inconstitucional. Lei nº 7.787/89 (art. 3º, I). Súmula 343/STF. 1. O prevalecimento de obrigação tributária cuja fonte legal foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal constitui injúria à lógica jurídica, ofendendo os princípios da legalidade e da igualdade tributárias. 2. A Súmula nº 343/STF "nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula nº 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito do recurso extraordinário". (RTJ 101/214). "Se a lei é conforme a constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o Acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde declare inconstitucional"[21]. “TRIBUTÁRIO. RESCISÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DOS "AUTÔNOMOS" E DOS "ADMINISTRADORES".  LEI Nº 7.787/89, ART. 3º, I. 1 – O prevalecimento de obrigações tributárias cuja fonte legal foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal constitui injúria à lógica jurídica, ofendendo os princípios da legalidade e da igualdade tributárias. A Súmula nº 343/STF nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula nº 400, que se aplica a texto constitucional no âmbito do recurso extraordinário (RTJ 101/214). Se a lei é conforme a Constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os Tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o acórdão aplica lei que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, declara inconstitucional (REsp 128.239/RJ – Rel. Min. Ari Pargendler). Multiplicidade de precedentes (ementa do REsp nº 154708/DF, Rel. Min. Milton Luiz Pereira). 2 – A coisa julgada, no caso em exame, afronta o princípio da igualdade tributária e está apoiada em lei declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. 3 – Não há que se entender, data vênia, a existência de decisões controvertidas quando a sentença e o acórdão foram prolatados e, posteriormente, a situação jurídica examinada mereceu declaração de inconstitucionalidade da lei aplicada, com efeitos ex tunc, alcançando as relações jurídicas passadas. 4 – O princípio da segurança jurídica, inspirador dos efeitos da coisa julgada, não pode ser levado ao extremo de ofender o princípio constitucional da igualdade tributária. 5 – Considerou-se, também, que, de acordo com as regras sistematizadoras do  nosso ordenamento jurídico, somente ao Colendo Supremo Tribunal Federal é que cabe, com força definitiva, declarar a inconstitucionalidade de lei e sugerir ao Congresso Nacional a sua retirada do mundo jurídico. 6 – Precedentes: REsp nº 139.865/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de 15.12.97; REsp nº 122477/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 02.03.98; REsp 104227/DF, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJU de 09.03.98. 7 – Recurso provido.”[22]. “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 343 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. CONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 1º A 7º DA LEI N. 7.689/88. ACÓRDÃO RESCINDENDO CONTRÁRIO AO ENTENDIMENTO PACIFICADO NA EXCELSA CORTE. CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. Segundo reiterada jurisprudência da Corte Suprema e deste Superior Tribunal de Justiça, não se aplica a Súmula n. 343/STF quando se tratar de matéria de índole constitucional. Mais a mais, na hipótese em exame o tema discutido não era controverso à época da prolação do acórdão rescindendo, razão pela qual também deve ser afastada a incidência da mencionada súmula. No caso dos autos, é cabível a ação rescisória proposta pela recorrente, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, diversamente do entendimento esposado no v. acórdão rescindendo, firmou orientação no sentido da constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas – artigos 1º a 7º da Lei n. 7.689/88 (Recurso Extraordinário n. 146.733/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 06.11.92). Recurso especial provido.”[23]. “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO DE LEI. NORMA CONSTITUCIONAL. ART. 150, § 7°. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE. FATO GERADOR PRESUMIDO. OCORRÊNCIA. DIFERENÇA A MENOR DO ASPECTO QUANTITATIVO. AUSÊNCIA DE DIREITO À RESTITUIÇÃO. 1. Trata-se de Ação Rescisória, com pedido de antecipação de tutela, proposta pelo Distrito Federal, com fundamento no art. 485, V, do CPC, visando à rescisão do acórdão proferido pela Segunda Turma do STJ, no AgRg no REsp 331.351/DF, de relatoria do Ministro Franciulli Netto, que reconheceu o direito à compensação de valores de ICMS recolhidos a maior, na substituição tributária para frente, quando a base de cálculo estimada for superior ao preço efetivo da operação. 2. Em Ação Rescisória que busca rescindir acórdão contrário à interpretação constitucional adotada pelo Supremo, não incide o óbice da Súmula 343/STF.  3. Conforme assentado na ADI 1.851-4/AL, "O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final". 4. Assim, o acórdão rescindendo violou frontalmente o art. 10 da LC 87/1996, à luz do art. 150, § 7º, da CF. 5. Ação Rescisória julgada procedente para rescindir o acórdão impugnado e declarar a inexistência de direito à restituição do ICMS, na sistemática da substituição tributária para frente, quando o fato gerador ocorrido implicar aspecto quantitativo inferior ao presumido”[24]. Dessa forma, o que se vê é que a segurança jurídica, representada aqui pela coisa julgada, não deve ser vista como um valor absoluto. Há situações em que outros valores sobressaem em relação à imutabilidade das decisões judiciais. Assim, parece ser plenamente possível a desconsideração da coisa julgada no âmbito tributário sem que isso venha a representar ofensa ao princípio da segurança jurídica, na medida em que o que se está a evitar é a eternização da coisa julgada inconstitucional[25]. V – Conclusão. Ante o exposto, pode-se afirmar, ordinariamente, que a expressão “relativização da coisa julgada” adotada pela doutrina é equivocada. O art. 485 do CPC traz em seu bojo rol taxativo de hipóteses em que a coisa julgada, mediante a propositura de ação rescisória, será rescindida (desconstituída).  Talvez, nesses casos, a tese de relativização da coisa julgada possa ser melhor digerida. Com efeito, a expressão relativizar possui um significado comum no sentido de considerar algo sob um ponto de vista relativo e não absoluto, passando-se a admitir a discussão de determinada matéria que, anteriormente, era indiscutível. Assim, no momento em que uma sentença transitada em julgado é desconstituída, o seu caráter absoluto deixa de ser inatingível, passando, por que não, a ser relativizado. Fora dessas hipóteses, no entanto, a coisa julgada é desconsiderada, simplesmente deixada de lado. Não se relativiza absolutamente nada. Pode-se afirmar, ainda, que a desconsideração da coisa julgada em matéria tributária se compatibiliza com o princípio da segurança jurídica, na medida em que o se está a evitar é que decisões inconstitucionais sejam perpetradas ad eternum. Ademais, a interpretação de normas constitucionais se dá pela técnica da ponderação, e não pela subsunção. Dessa forma, haverá situações em que o princípio da segurança jurídica cederá espaço para outros princípios de estatura constitucional, de modo a efetivar com mais amplitude os direitos e garantias previstas na Carta da República. Firmada tal premissa interpretativa, não soa razoável a predominância da coisa julgada em detrimento de outros princípios quando a lei que deu suporte à decisão judicial transitada em julgado for declarada inconstitucional, pois, a norma deve ser encarada como inexistente, nula de pleno direito. Assim, admitir a coisa julgada apoiada em lei nula, inexistente, não se coaduna com o ordenamento jurídico. Em arremate, a coisa julgada não deve ser vista como um valor absoluto, pois nos casos em que atenta contra moralidade, legalidade, e outros princípios da CF/88, deverá ser vencida.
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Técnicas de Planejamento Tributário e a Arbitragem Tributária Internacional
Este estudo tem a finalidade de diferenciar o conceito de arbitragem, de arbitragem tributária e de arbitragem tributária internacional, destacar aspectos do planejamento tributário abusivo e ilegal em contexto internacional, a partir de medidas repudiadas e que tem sido motivo de preocupação por diversos países. São analisadas técnicas de arbitragem tributária, formas e mecanismos de inibir essas práticas por parte dos Estados e para um estudo mais aprofundado, são apresentadas algumas consequências desses tipos de práticas. Por outro lado são elencados alguns procedimentos para um bom planejamento tributário e a importância desse método para redução de pagamento de tributos e direcionamento do montante economizado para outros setores e áreas da empresa.
Direito Tributário
Com a globalização diversas empresas têm ampliado suas atividades que ultrapassam suas divisas e se inserem num contexto econômico internacional. Nesse cenário econômico internacional persistem diferentes sistemas tributários que estão sendo manipulados com a finalidade de viabilizar favorecimentos tributários com o intuito de reduzir o pagamento de tributos por empresas esses mecanismos se denomina planejamento tributário internacional abusivo e/ou ilegal. O presente estudo tem como objetivo analisar esse planejamento tributário uma vez que, o planejamento não pode ser abusivo ou ilegal. A abordagem se refere ao cross-border tax arbitrage que significa arbitragem tributária internacional, essa arbitragem não é a mesma que se utiliza como meio alternativo de conflito, conforme será visto. São apresentados os meios de planejamento tributário internacional que podem ser reconhecidos como técnicas abusivas e ilegais dependendo das operações envolvidas, cuja finalidade tem como intuito reduzir ou eliminar a carga tributária, se beneficiando das divergências existentes nas legislações de dois ou mais países. Posteriormente às formas do cross-border tax arbitrage, são apresentadas as consequências dessas práticas e também, alguns meios de inibi-las. Em oposição às práticas lesivas de planejamento tributário internacional, são definidos alguns procedimentos que viabilizam um bom planejamento tributário, dentro dos parâmetros legais e que viabilizam a redução da carga tributária e do pagamento de tributos como direito de liberdade de cada contribuinte quanto à organização de seus custos a fim de reduzir os ônus tributários. O planejamento tributário adveio da própria globalização e integração dos mercados, na medida em que, foi necessária a instauração de uma ordem tributária internacional, com capacidade de prevenir conflitos e analisar consequências fiscais dos negócios jurídicos. Dessa forma, assevera Tôrres (2001) que o planejamento tributário é uma técnica de organização de modo preventivo que busca propiciar economia de tributos, porém, com o emprego de meios lícitos. O certo é que no planejamento tributário devem ser consideradas as opções fiscais, analisadas as legislações, isso porque, a economia ou redução de tributos é direito do contribuinte, porém, muitas vezes o contribuinte utiliza meios não pretendidos pelo legislador, e essas práticas podem culminar em planejamento ilícito ou abusivo. Vale registrar que Tôrres (2001) relata que o Fisco somente pode intervir após a constituição dos atos jurídicos pretendidos pelo sujeito, isso porque antes há somente a intenção de praticar os atos ainda que seja planejamento tributário ilícito. O planejamento tributário é considerado internacional, segundo Rohatgi (2007) quando abrange transações internacionais envolvendo mais de um país, no sentido de que, a empresa ao optar por determinadas operações transnacionais não considera somente a redução da carga tributária interna, mas outros fatores são analisados, como a viabilidade do negócio, a disponibilidade de recursos e o acesso ao mercado. No caso do planejamento tributário internacional deve ser considerada também a complexidade das operações frente aos diversos sistemas jurídicos dos países envolvidos nessa relação. O planejamento tributário pode ocorrer por meio de diversas formas, como mecanismos de redirecionamento de atividade, reorganização contábil, reestruturação societária, por intermédio de mecanismos fazendários de elisão induzida ou permitida, ou seja, utilização de regimes fiscais benéficos, aproveitamento de incentivos fiscais, imunidades, isenções, zonas francas, incentivos por meio de tratados, dentre outros. Os aspectos relacionados ao planejamento tributário quanto a sua abusividade ou não, e, ilicitude devem sempre ser ponderados, isso porque determinada operação dependendo do caso, pode ser permitida dentro das legislações dos países envolvidos ou de tratados ou acordos internacionais. A arbitragem pode ser definida como um meio alternativo de solução de conflitos em que se busca dirimir situações que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Dessa forma, a arbitragem surge como um meio de resolver conflitos de interesses sem a necessidade de se movimentar a máquina do Poder Judiciário. A arbitragem brasileira é regulamentada pela Lei nº. 9.307/96, que trata das disposições gerais sobre arbitragem e seu procedimento. Entretanto, a arbitragem tributária propriamente dita difere da arbitragem tributária internacional, isso porque a arbitragem tributária é um meio alternativo de resolução de conflitos, porém, muito se discute sua aplicação no campo do Direito tributário em relação ao contribuinte. A arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos não é uma ideia nova no Direito Tributário, mas em termos de panorama internacional na aplicação dos tributos, as técnicas arbitrais tiveram início no século XIX, em que houve uma preocupação crescente na legislação e na doutrina com relação à criação de tribunais de natureza arbitral. A arbitragem foi muito defendida como meio de resolução de conflitos tanto que segundo Catarino e Fillipo (2015): “O FMI e a ONU criaram, no âmbito das respectivas esferas, textos convencionais reguladores de conflitos em matéria fiscal internacional. A Lei-Modelo sobre a Arbitragem Comercial Internacional (…) constituiu um importante fator de harmonização dos regimes nacionais da arbitragem transnacional. Para além dela, existe hoje a Convenção sobre Conciliação e Arbitragem no quadro da Conferência para a Segurança e Cooperação-CSCE, concluída em Estocolmo em 15 de dezembro de 1992. A ONU, de resto, consagra na sua Convenção Modelo para evitar a dupla tributação, o procedimento amigável como forma de resolução de conflitos.” Atualmente a tendência é que os Estados adotem a arbitragem em diversas áreas e setores inclusive como meio de resolução de conflitos visando a extinção do litígio em âmbito tributário. Tanto é verdade que segundo Catarino e Fillipo (2015) no México a aplicação da arbitragem na área tributária vem se apresentando sob a denominação concordato fiscal e na Itália como concordato tributário quanto do arbitrato. O mesmo autor lembra que na França há o que chama agréments fiscaux e arbitrage, nos Estados Unidos os closing agreements e a arbitration. Já a arbitragem tributária internacional não é propriamente um meio alternativo de resolução de conflitos, mas um planejamento fiscal para que diferentes contribuintes possam optar devido às diferenças existentes entre as legislações de países envolvidos na relação jurídica a escolha da legislação que lhe for mais conveniente para estruturar seus negócios, com o objetivo de reduzir ou eliminar o ônus fiscal, reconhecida muitas vezes como planejamento tributário abusivo e/ou ilegal. Dessa forma, o termo arbitragem tributária pode assumir dois direcionamentos, tanto em âmbito internacional como meio de planejamento tributário, como também o direcionamento interno entre contribuintes e o Fisco, e, esses dois “direcionamentos” não podem ser confundidos, pois as regras e a legislação aplicável diferem e muito em cada situação. O termo arbitragem tributária internacional é denominada como cross-border tax arbitrage, que segundo Borges (2004) é uma das modalidades de planejamento fiscal em que há uma estruturação de operações por parte do contribuinte a fim de reduzir ou eliminar a carga tributária tendo como motivo as “diferenças” nas leis de dois ou mais países. Devido às necessidades de empresas transnacionais acompanharem suas atividades, tornou-se imprescindível a construção de uma ordem tributária internacional, a fim de se estabelecer segurança jurídica e projeção internacional, relacionados a diversos fatores econômicos, políticos e legais. A opção por uma ou outra legislação é observada, por exemplo, quando há por parte de um sistema tributário neutralidade fiscal em relação a outro sistema. Segundo Oliveira (2009) é preciso estar atento quanto às delimitações das operações que são compreendidas como cross-border tax arbitrage e a denominada tax shelters, essa última conhecida como abrigo fiscal. A autora relata que os abrigos fiscais além de possibilitarem a elisão fiscal, são sistemas que visam promover a atração de capital e são produzidas pelo próprio país. O fato é que a arbitragem tributária internacional pode existir ainda que entre os Estados persita sistemas rigorosos e abrangentes de tributação, e são justamente essas diferenças legais que viabilizam à arbitragem, entretanto, é certo que as operações realizadas com paraísos fiscais já são discutidas de forma ampla a fim de reduzir os efeitos que esses sistemas produzem. A questão da arbitragem tributária internacional tem como fundamento a tentativa de mitigar a dupla tributação de renda por parte dos Estados, uma vez que, se não houver a eliminação dessa bitributação, os investimentos podem migrar para outros Estados culminando sérias implicações de ordem econômica devido inclusive à pressão exercida pelos contribuintes que realizam essas operações. Umas das preocupações relacionadas a arbitragem tributária internacional, refere-se ao efeito inverso à dupla tributação de renda, conforme ressalta Oliveira (2009) a não tributação da renda em pelos Estados envolvidos na operação do contribuinte. Segundo Ring (2002) a dupla tributação ou a não tributação corrompem os Princípios da Eficiência e da Equidade sob aspectos diversos, ou seja, a dupla tributação da renda atinge a decisão dos investimentos internacionais e a não tributação de renda gera distorções que acarretam à concorrência fiscal desleal. Nesse sentido afirma Oliveira (2009, p.61): “(…) No sentido de que os próprios países, como por exemplo os Estados Unidos, a fim de evitar a dupla tributação dos investimentos internacionais, criam regras tributárias e tecem rede de acordos internacionais, contando que os investidores internos serão tributados. Ocorre que nem sempre isso é observado pois, por meio de planejamentos tributários, utilizam-se da arbitragem tributária internacional, o que acaba por reduzir ou eliminar o tributo que seria devido.” Conforme ressalta Oliveira (2009) a arbitragem tributária internacional tem diversas modalidades por isso tem destaque: arrendamento mercantil internacional, empresas com dupla residência e as entidades híbridas. O arrendamento mercantil internacional conhecido como double-dip leasing, segundo Ring (2002) ocorre quando há um contrato de arrendamento mercantil internacional e duas jurisdições diversas especificam de modo diferente quem é considerado o proprietário do bem arrendado, ou seja, um Estado entende que o proprietário do bem é o arrendatário e o outro o arrendador. Segundo Oliveira (2009, p. 64): “O que irá determinar ou não a ocorrência da arbitragem tributária internacional, nesse caso, será a possibilidade de haver, nesses dois Estados legislação que permita a dedução ou o creditamento em relação àquele que é tido como proprietário do bem.” Assim, os contribuintes poderão ser beneficiados com a depreciação acelerada do bem quanto às deduções ou com a obtenção de créditos referentes ao investimento e tais fatores viabilizaram a dedução do montante do imposto de renda devido. Outra modalidade de arbitragem tributária internacional é a dual resident companies (empresas com dupla residência) tem como fundamento critérios de residência utilizados pelos Estados, envolve questões relativas a grupos empresariais, cujas empresas tenham se fixado em mais de um país. Assim, empresas com dupla residência favorecem as demais empresas do grupo no que tange à redução ou eliminação relativa ao imposto renda devido por essas empresas. Segundo Oliveira (2009, p. 66) para melhor entendimento é importante exemplificar o que ocorre com a dupla residência: “A fim de uma empresa do Reino Unido adquira uma empresa americana ela deve, primeiramente, criar uma subsidiária com dupla residência (EUA e Reino Unido) nos EUA, que financie a aquisição da empresa alvo nos EUA. De tal forma que o débito dessa subsidiária gerado pela aquisição da empresa nos EUA deve produzir, por sua vez, grandes deduções. Como tanto os EUA quanto o Reino Unido têm normas que permitem a consolidação ou o agrupamento de impostos e perdas com as empresas filiais residentes nestes Estados, o gasto na aquisição por parte da subsidiária poderá ser usado para compensar os impostos, tanto da filial dos Estados Unidos como da operação da filial do Reino Unido. O resultado seria a conversão de uma simples despesa em uma dupla dedução (double-dip).” As entidades híbridas compõem outra possibilidade de arbitragem tributária internacional e referem-se quando uma mesma entidade é classificada de modos diferentes. Para melhor entendimento, afirma Borges (2004) que em um dos Estados a entidade não agrega personalidade jurídica em âmbito tributário, e por esse motivo, são tributados os sócios ou integrantes dessa entidade ao passo que no outro Estado a entidade possui essa personalidade jurídica tributária e por esse motivo é tributada a entidade. O importante nessa situação é que a escolha da forma que a entidade será tributada poderá ensejar a arbitragem tributária internacional e contribuir para a possibilidade de não tributação. Nas palavras de Oliveira (2009, p. 67): “Nos Estados Unidos da América o contribuinte elege a classificação da sua ‘entidade’ de acordo com regras emanadas da administração tributária, conhecidas como as regras ‘check-the-box’ que ajustam essa classificação. Porém, o próprio regulamento especifica que algumas entidades nacionais (EUA) e internacionais serão consideradas empresas, sem a possibilidade de eleição por parte do contribuinte.” Vale registrar que essas regras relativas a entidades híbridas podem culminar na dupla interpretação por parte das entidades, uma vez que, a entidade de um proprietário pode ser tributada na pessoa desse proprietário individual ou como filial no caso de empresa, e isso acarreta que a entidade acaba elegendo a forma que será tributada, caso não opte a tributação, será em regra tributada a renda do proprietário. Em contrapartida Tôrres (2001, p. 125) trata o tema como operações entre controladas e controladoras: “Como os dividendos são tributados somente quando disponibilizados (princípio de caixa), sendo esse o regime de vários países, caso a empresa controlada encontre-se em um país com tributação favorecida que não tribute ou tribute com uma alíquota muito baixa os lucros ali produzidos, o controlador ou acionista obterá uma ótima economia de tributos sobre esses lucros produzidos pela sociedade controlada, evitando a disponibilização sob a forma de dividendos e diferindo o pagamento dos tributos para o futuro, mediante reinvestimentos.” É cediço que muitas das formas de planejamento tributário internacional se prestam a usos indevidos e abusivos, mas tais fatos não podem servir a uma posição generalizada sobre a ilicitude ou liceidade dessas medidas. Diversos países têm buscado empregar medidas para impedir o diferimento de pagamento de tributos que segundo Oliveira (2009, p. 68): “(…) adotando o CFC (Controlled Foreing Corporations), que imputa o lucro produzido pela controlada em país de tributação favorecida aos acionistas ou sócios, como se fossem produzidos internamente, ainda que não distribuídos na forma de dividendos.” A arbitragem tributária nem sempre se constata facilmente, vez que o cross-border tax arbitrage é somente uma das formas para esse tipo de planejamento tributário. Dentre outras formas de arbitragem tributária está o treaty shopping que segundo Tôrres (2001) é a utilização de modo abusivo de acordos internacionais visando melhores benefícios, é o caso de favorecimento por meio de residência fiscal fictícia de pessoa jurídica em um país signatário do acordo ou tratado, a fim de estender seus efeitos a empresas localizadas em países diversos dos signatários. Outra forma de planejamento abusivo e que tem sido motivo de preocupação é o transfer pricing (preços de transferência) relata Moreira (2002, p.02): “(…) operação de empréstimo financeiro ou de compra e venda realizada entre empresas vinculadas, financeiro ou de compra e venda realizada entre empresas vinculadas, localizadas em jurisdições diferentes, utilizando-se preços artificiais de modo a reduzir o lucro da empresa situada em país de maior pressão fiscal, em benefício da companhia situada em país onde a tributação é menor.” É cediço que umas das maiores preocupações relacionado a esse tipo de planejamento é que muitos países empregam uma tributação favorecida, denominados paraísos fiscais (tax havens). No Brasil o artigo 24 da Lei nº. 9.430/96 (Lei do Ajuste Tributário) considera tributação favorecida a não tributação da renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento. Vale ressaltar que dentre as situações desse tipo de planejamento, pode-se citar segundo Moreira (2002) a subcapitalização de empresas ou thin-capitalization, isto é, a organização realiza empréstimos com empresas vinculadas para conseguir capital em seus negócios em vez que empregar capital próprio, com essa medida, há favorecimento tributário, isso porque, o empréstimo é agregado como despesa, e, portanto, há redução do lucro tributável. É necessário antes de declinar critérios para eliminar a arbitragem tributária internacional, analisar se a operação viola a equidade, a eficiência econômica e o interesse público, podendo acarretar a subtração de receitas pelos Estados. Outro fator importante para se analisar é a concorrência desleal com base na arbitragem tributária, isso porque o mecanismo do cross-border tax arbitrage contribui para distorções no sistema tributário, e gera consequências como, por exemplo, a concorrência internacional desleal ou prejudicial entre os países, devido o comportamento do contribuinte, por isso, as recomendações de órgãos internacionais como a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) são importantes para inibir essa prática. É de bom alvitre citar alguns exemplos dessas Recomendações conforme destaca Oliveira (2009) em 1987 o Conselho da OCDE recomendou que os Estados adotassem medidas unilaterais a fim de reforçar suas legislações a coibirem práticas tidas como perniciosas e implementassem métodos que lhes permitissem detectar e reprimir condutas elisivas. Outra recomendação foi que os países promovessem entre si maior cooperação internacional por meio de intercâmbio de informações e ainda que os países confrontassem seus métodos e práticas para inibir esse tipo de prática pelos contribuintes. A mesma autora ainda relata que em 1998 o Relatório do Comitê de Assuntos Fiscais reconheceu que há diferenças legítimas entre os ordenamentos jurídicos e essa diversidade não seria motivo para causar a competição fiscal prejudicial e que essa competição se deve à complexidade econômica. Nesse contexto é possível visualizar a liberdade de cada Estado com relação ao seu sistema tributário e certa limitação internacional a reduzir esses “benefícios” tributários, os quais devem ser conferidos com cautela e dentro dos limites suportados, sem que, no entanto, seja um esquema para atrair investimentos. Uma dessas medidas tem como finalidade evitar que as holdings (empresas que agregam a maior parte das ações de outras empresas subsidiárias, com controle centralizado sobre essas) tenham suas instalações em locais que haja favorecimento tributário, assim, diversos países têm adotado por meio de suas Leis, privilégios iguais aos encontrados em outros países que haveria esse tipo de benefício, agregando ainda outras vantagens, como redução de retenções na fonte no país em que há a matriz dessas empresas e das holdings, enfim como meio de coibir a instalação de empresas em paraísos fiscais. Além disso, sabe-se que alguns contribuintes mudam a sua residência fiscal para países com tributação favorecida (autênticos paraísos fiscais) e, como meio de coibir essa prática, diversos países têm adotado a desconsideração da perda de residência fiscal. Segundo Tôrres (2001) no Canadá é cobrado o departure tax, daqueles que cessarem a condição de residente para fins fiscais seja cidadão canadense ou não; na Holanda, Áustria, Austrália e Dinamarca essa cobrança é definida como exit tax, já nos EUA se comprovado que houve a perda da cidadania americana com o objetivo de reduzir tributos é cobrado um imposto substituto denominado alternative tax. As formas para combater as práticas abusivas de não pagamento de tributos são diversas, mas uma dessas práticas diz respeito ao denominado Joint International Tax Shelter Information Centre que segundo Oliveira (2009) tem como integrantes os EUA, o Reino Unido, a Austrália e o Canadá. Assim, esse Centro tem como escopo melhorar a coordenação das leis e políticas fiscais a fim de combater a dupla tributação e disponibilizar meios para que os Estados minimizem esses abusos. No Brasil, aos poucos se tem empregado alguns limites quanto ao planejamento tributário abusivo, como a Lei nº. 9.430/96 (Lei de Ajustes Tributários) objeto inclusive de diversas mudanças desde o início de sua vigência, mas no geral foi essencial para restringir práticas abusivas e ilegais. Alguns desses limites são encontrados nos artigos 18 a 24 da citada Lei, e envolve o controle de operações transnacionais relativos ao transfer pricing (preços de transferência). A arbitragem tributária internacional conforme se pode observar tem esse nome impropriamente empregado, uma vez que, a arbitragem como deve realmente delimitada é um meio alternativo de resolução de conflitos. Na realidade esse tipo de “arbitragem internacional” é o planejamento tributário ilegal e abusivo. Os elementos para que haja um bom planejamento tributário dentro dos parâmetros legais, é encontrado na própria legislação de cada ordenamento jurídico que determinada empresa está inserida. Por esse motivo, é que se necessita compreender os elementos do próprio tributo a ser cobrado e se utilizar de técnicas administrativas, contábeis e jurídicas para que se analisem os orçamentos referentes à área fiscal da organização, e buscar meios alternativos legais, bem como incentivos fiscais e redução da carga tributária. Segundo Amaral (2002) o planejamento tributário tem como finalidade: evitar a incidência do tributo; reduzir o valor do tributo, por meio de redução de sua alíquota ou base de cálculo e retardar o pagamento do tributo desde que sem a ocorrência de multa. Relata ainda Amaral (2002) que a operacionalização relativa ao fato de se economizar legalmente tributos poderá ocorrer nas seguintes esferas: – No âmbito da própria empresa, por meio de medidas gerenciais que viabilizem a inocorrência de fato gerador do tributo ou ainda que diminua seu valor devido ou que adie seu vencimento; – Na esfera administrativa, isto é, buscar utilizar meios previstos em lei que assegurem a diminuição do ônus tributário; – No Poder Judiciário, por meio de medidas judiciais com a finalidade de suspender o pagamento ou ainda diminuição da base de cálculo ou alíquota e legalidade da cobrança. Nesse certame é importante ressaltar que o planejamento, inclusive o tributário, é muito importante para a empresa, é até mesmo uma obrigação dos gestores, uma vez que possibilita grande economia fiscal que permite dirigir esses valores a outros setores e atividades empresariais. Por esse motivo, o artigo 153 da Lei nº. 6.404/76 determina que o administrador da companhia deve empregar o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. É cediço que a ausência da prática da devida gestão tributária poderá gerar perdas e danos aos acionistas e integrantes da organização prejudicados por essa omissão. Para tanto relata Antonio (2003, p. 194): “(…) Antes de ser um direito, uma faculdade, o planejamento fiscal é obrigatório para todo bom administrador. Desta forma, no Brasil, tem ocorrido uma ‘explosão’ do Planejamento Tributário como prática das organizações.” Como se pode observar o planejamento tributário é uma atividade preventiva que busca analisar os tributos visando identificar e projetar os atos e fatos tributáveis e suas consequências. Assim, o planejamento tributário segundo Chaves (2008) deve ter início com revisão fiscal a partir de alguns procedimentos, dos quais se pode extrair: – Levantamento histórico da empresa, inclusive com relação às transações efetuadas; – Analisar a ocorrência de possíveis fatos geradores, identificar os tributos a serem pagos e se há cobranças indevidas ou recolhimentos maiores que deveriam ocorrer; – Identificar e analisar ações fiscais sobre fatos geradores e com relação a créditos constituídos, bem como a existência de prescrição e/ou decadência; – Fazer levantamento dos tributos adimplidos nos últimos anos e se há créditos fiscais não usufruídos pela empresa; – Verificar a possibilidade de incentivos fiscais, isenções, reduções, compensação e restituição. Para um bom planejamento tributário todas as mudanças devem ser analisadas e acompanhadas em especial flutuações na economia, alíquotas dos impostos, mas ajustes na estrutura tributária não podem ser arbitrários e deve-se atentar pela transparência do sistema tributário, respeitadas à eficiência econômica e equidade. Como se pode observar a arbitragem tributária internacional ou cross-border tax arbitrage tem esse nome empregado como planejamento tributário abusivo ou ilegal, não é considerada a arbitragem comumente conhecida como meio alternativo de solução de conflitos com legislação própria. Esse tipo de “arbitragem” também difere da arbitragem tributária, pois, essa, é na verdade a arbitragem, porém, aplicada em âmbito tributário, ou seja, é o meio alternativo de solução de conflitos, mas na esfera tributária, para dirimir questões entre contribuinte e o Fisco, essa arbitragem tributária é permitida de acordo com os parâmetros legais de diversos países, inclusive europeus. Em contrapartida, a arbitragem tributária internacional poderá culminar em danos extremos ao recebimento de tributos e até mesmo a concorrência desleal entre os Estados. Foram analisadas diversas formas de planejamento tributário abusivo, e cada operação deve ser observada com cautela tendo em vista a diversificação dos institutos, e de suas convergências devido à globalização. O importante é que se proponham soluções para o planejamento abusivo, por meio de políticas fiscais em âmbito internacional, em harmonia com benefícios e incentivos fiscais, com equilíbrio a fim de não onerar contribuintes ou desestruturar seus planejamentos tributários. O fato é que um bom planejamento tributário é considerado obrigação do administrador da organização, tanto é verdade que essa omissão pode acarretar perdas e danos aos acionistas e aos integrantes da empresa. Portanto, é mister harmonização e equilíbrio entre o planejamento tributário com a legislação e procedimentos relativos à diminuição de pagamentos de tributos e impedimento de favorecimentos tributários arbitrários.
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A viabilidade da regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) Singela análise crítica à luz do princípio da capacidade contributiva, dos objetivos fundamentais da República, do atual modelo tributário e da situação socioeconômica do Brasil
O presente artigo realiza uma análise crítica acerca da instituição e cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas IGF à luz do princípio da capacidade contributiva dos objetivos fundamentais da República do atual modelo tributário e da situação socioeconômica do Brasil bem como as disposições legais e doutrinárias e os argumentos de seus opositores.
Direito Tributário
Após sua aprovação na constituinte, o IGF foi incluído no rol de impostos de competência da União, no artigo 153, VII, da Lex Mater. Entretanto, para que sua cobrança seja instituída, é necessária a edição e sanção de uma lei complementar que regule suas especificidades, o que nunca foi feito. Por isso, desde sua introdução no sistema tributário nacional, em 1988, esse tributo nunca foi cobrado. Alguns projetos de lei complementar já foram debatidos e votados no Congresso Nacional no sentido de regulamentar esse tributo, mas nenhum foi aprovado. Os congressistas que se opõem à cobrança do IGF, obviamente representando os interesses de possíveis contribuintes desse imposto, valem-se dos mais variados argumentos, sendo que os principais são de ordem jurídica ou análoga. Juridicamente, alegam que a cobrança desse imposto configuraria bitributação, uma vez que incidiria sobre os mesmos fatos geradores tributados pelo IPTU, ITR, IPVA, ITCMD e ITBI. Entretanto, tal argumento é falacioso, de modo que, na verdade, os fatos geradores são diferentes. Enquanto a incidência desses tributos recai sobre a propriedade urbana, rural ou de veículos automotores, e sobre a transferência de bens, gratuita ou onerosa, respectivamente, o IGF incidirá sobre os patrimônios líquidos cuja grandeza configure fortuna. Portanto, o objeto de tributação do IGF é a grande fortuna, e não a propriedade. Por analogia, citam o fato de países desenvolvidos, como os Estados Unidos, não tributarem fortunas. Porém, é preciso muita cautela ao se fazer esse tipo de comparação, sob o risco de incorrer em ultracrepidanismo. Mais do que isso, é preciso fazer um estudo através de direito comparado, levando-se em consideração as diferenças constantes em toda a matriz tributária de um ou outro país. Desse modo, por exemplo, deve-se considerar o fato de que, embora a terra do Tio Sam não tribute a fortuna, ela tributa a distribuição de lucros e dividendos pelo imposto de renda, enquanto que no Brasil esse tributo não incide sobre esse mesmo fato (Lei nº 9249, art. 10). Além disso, outros países desenvolvidos, como a França, tributam as grandes fortunas. Ao contrário dos raciocínios apresentados, e de tantos outros contrários, a doutrina tributária majoritária, conhecedora da importância dos tributos para a própria existência do Estado e de suas finalidades e funções, da função social dos tributos, do papel do cidadão no Estado democrático, dos métodos de tributação mais compatíveis com esse regime, e analisando o direito tributário a partir de sua natureza de direito público, atesta que a razão dessa inércia legislativa e do não exercício de uma competência tributária pela administração pública é puramente política. A exemplo, cita-se o ensinamento de um dos mais respeitados tributaristas do Brasil, Hugo de Brito Machado (2014, p. 355), que ao lecionar o intitulado tributo, e representando o pensamento de seus pares, escreve o seguinte: “Não acreditamos na instituição de um imposto sobre grandes fortunas, por uma razão muito simples: quem manda no mundo, seja pelo poder, seja pela influência sobre os que o exercem, é sempre titular de grande fortuna, e certamente não vai admitir essa tributação.” Com base nesses argumentos, o que se nota, na verdade, é um movimento de oposição baseado no interesse e no oportunismo, no intento de cercear a aprovação de qualquer projeto de lei nesse sentido, mas sem muitas razões de ordem técnica ou jurídica suficientemente crédulas. O poder econômico, bem como seus representantes políticos, não se opõe com tamanha força diante do aumento ou da tributação excessiva por parte de tributos indiretos como, por exemplo, o ICMS e o IPI, pois poderá repassar esse custo no preço dos produtos e serviços que comercializa. Mas contesta a regulamentação do IGF de forma intransponível, diante da impossibilidade de repassar a conta da tributação de sua riqueza para a sociedade. Seguindo essa corrente, alguns autores sustentam que essa omissão do poder legislativo é inconstitucional, haja vista que a edição de lei complementar é prescrição constitucional, prevista no artigo 146, III, da Carta Política. Além disso, deve-se considerar a estrutura basilar da matriz tributária pátria, que, sempre que possível, deve observar o princípio da capacidade contributiva, nos termos do artigo 145, § 1º, da CF/88. Essa ilegitimidade omissiva deriva, ainda, da determinação do artigo 3º, III, da Lei Maior, segundo a qual a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais constituem objetivos fundamentais da República. Em relação à referida finalidade do Estado, em termos materiais, pode-se afirmar que ela pode ser efetivada, a priori, através de dois fatores associados à justa distribuição de renda. A primeira, através do progressivo aumento da produção nacional, elevando-se o produto interno bruto nos mesmos índices. Ou, segundo, através do Estado, que, no exercício do seu poder de império, deve tributar o patrimônio excessivo acumulado na pessoa de um único cidadão (fortuna), e emprega-lo em políticas voltadas à redução das desigualdades sociais, em observância aos princípios intrínsecos à sua própria instituição e aos princípios do regime democrático, explanados pela ciência e pela filosofia política. Jean-Jacques Rousseau (2007, p. 67), em sua obra “O Contrato Social”, afirma que, embora os graus de poder e riqueza não sejam absolutamente os mesmos, uma sociedade só pode ser considerada democrática uma vez que “nenhum cidadão seja bastante opulento para poder comprar um outro e nenhum bastante pobre para ser forçado a vender-se”. Nesse sentido, o IGF possui papel importante na redução da desigualdade material, retirando de quem tem em excesso para que seja dividido a quem falta. Diante disso, é possível concluir que a regulamentação do IGF é tão importante, ou até mais, quanto a de outros tributos cuja legislação foi recepcionada ou editada logo após a promulgação da Constituição Federal, tendo em vista que sua base de cálculo é tão somente o patrimônio líquido dos “ricos”, tributando, portanto, aqueles que mais possuem capacidade contributiva. Sendo assim, observa-se princípios de justiça equitativa nessa regra de incidência, de modo a considerar a solvência ou insolvência do contribuinte. Outro fator a ser ponderado, é o fato do Brasil, ao contrário de diversos países desenvolvidos e da própria tendência tributária mundial, tributar demasiadamente a produção, o consumo e o trabalho assalariado, aliviando a tributação sobre o lucro, o patrimônio e todo tipo de especulação. Essa realidade é causadora de extrema injustiça fiscal, uma vez que os gastos com aquilo que é essencial à vida de qualquer cidadão são praticamente os mesmos, independentemente de sua renda, estabelecendo, portanto, uma proporção tributária invertida, de modo que quanto maior a renda, menor é o índice dos tributos em comparação aos proventos. Por isso, o entendimento popular que diz que quem ganha menos paga mais impostos, é verdadeiro. Em vista disso, a instituição do IGF representaria não uma tributação a mais, mas uma alternativa inicial de substituição do atual modelo tributário, cuja constitucionalidade é duvidosa em decorrência do princípio da capacidade contributiva, estabelecendo essa tributação patrimonial sobre a fortuna e diminuindo a oneração tributária sobre a produção, o consumo e os salários. Portanto, do ponto de vista do referido princípio, a cobrança desse tributo é absolutamente legítima e viável. Esse também é o entendimento acerca desse imposto se analisado do ponto de vista da justiça fiscal, que é uma meta a se estabelecer na relação jurídica tributária entre o governo e o cidadão em todo e qualquer Estado que se afirme democrático. O próprio princípio da capacidade contributiva visa promover justiça fiscal, tributando menos quem possui menos e mais quem possui mais. Do ponto de vista socioeconômico, pode-se mensurar o IGF em suas duas naturezas. Primeiramente, a fiscal, considerando o valor significativo adicionado à receita da União derivado de sua cobrança, para que, ao menos no plano teórico, o Estado possa desempenhar sua atividade financeira, cumprindo suas finalidades constitucionais e teleológicas, que, em síntese, consistem em promover o bem comum. Em seguida, a extrafiscal, utilizando esse tributo como instrumento de redução das desigualdades e distorções socioeconômicas. Fundamentalmente, é preciso admitir o papel do indivíduo no regime democrático, de modo que não apenas os bônus devem ser aproveitados, mas os ônus também devem ser suportados. Especificamente, em relação à produção, tributação e distribuição, é necessário que uns abram mão dos excessos em prol do bem todos. Sobre esses e outros princípios se fundaram a República e a Democracia. É preciso reconhecer a importância desse imposto em qualquer aspecto que seja analisado, no intento de mudar nossa triste, mas, resignada, realidade, onde, ao contrário do que foi dito anteriormente, o bem de todos tem sido convertido em pobreza e miséria, em detrimento do luxo e da ostentação de alguns. O país necessita da regulamentação do IGF, não apenas por motivos de finanças públicas, mas por motivos sociais e econômicos e por respeito aos princípios que sustentam a sociedade contemporânea. Essa é a realidade que deve ser mudada através da aprovação do PLC nº 130/2012, ou de qualquer outro no mesmo sentido.
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Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária
O presente artigo tem por objetivo analisar a compatibilidade dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica prescrita no diploma civil com os requisitos para a responsabilização pessoal dos administradores e sócios prescrita no Código Tributário Nacional. No direito tributário há um instituto específico e completo para tratar da responsabilização pessoal dos acionistas e administradores por obrigações tributárias decorrentes das atividades da sociedade e a teoria geral da desconsideração da personalidade jurídica do direito civil não é aplicável. Contudo, a análise empírica evidencia a existência de um movimento judicial com o objetivo de compatibilizar ambos os institutos, garantindo-se uma suposta harmonia entre as normas civis e tributárias e a segurança jurídica.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Em tempos de crise, é comum a prática de condutas dolosas que extrapolam os limites legalmente estabelecidos para as relações jurídicas firmadas pelas empresas, com o objetivo de utilizar o véu da personalidade jurídica como elemento de proteção patrimonial para fraudar credores. Atentando-se para esta prática escusa, a doutrina criou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), que foi aceita pelo judiciário e incorporada em vários ordenamentos jurídicos, como no caso do sistema jurídico brasileiro. Referida teoria determinada que, caso seja verificado o abuso da personalidade jurídica (que no caso do Brasil é caracterizado pelo desvio de finalidade e/ ou confusão patrimonial, conforme artigo 50 do Código Civil), é possível estender aos bens particulares dos administradores ou sócios os efeitos de determinadas relações jurídicas da empresa. Diante deste contexto, no presente artigo analisaremos a compatibilidade dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica prescrita no diploma civil (artigo 50) com os requisitos para a responsabilização pessoal dos administradores/sócios prescrita no Código Tributário Nacional (artigo 135). 1. PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA DESCONSIDERAÇÃO O ordenamento jurídico resguarda a aptidão genérica das pessoas naturais de adquirirem direitos e deveres no âmbito das relações intersubjetivas por meio da instituição da personalidade (PEREIRA, 1987, p. 499).     A personalidade nada mais é do que o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, da qualidade da pessoa natural para participar das relações jurídicas como sujeito ativo ou sujeito passivo. Referida qualidade é medida através da extensão da possibilidade de fruição, pelo sujeito de direito, da prestação decorrente da relação jurídica, o que se afere com base nas denominadas capacidades de direito (ou de gozo) e de fato (ou de exercício). A capacidade de direito é a aptidão propriamente dita para contrair os direitos e deveres descritos pela lei, ao passo que a capacidade de fato é a aptidão para o efetivo exercícios de tais direitos e deveres, tendo em vista o preenchimento dos requisitos legais (FIÚZA, 2002, p. 14). Além do ordenamento jurídico reconhecer o efeito fundamental decorrente da instituição da personalidade que irradia da pessoa natural (qual seja, a qualificação para participar de relações jurídicas), há ainda a extensão da personificação para os entes tidos por “morais” ou “sociais”. Os entes “morais” ou “sociais” são criados pelo agrupamento de pessoas ou de capital com um objetivo comum que, após atendidas as prescrições legais, o sistema jurídico reconhece como “pessoas jurídicas”, com a devida personalidade e sujeição a direitos e obrigações, conforme elucida Ricardo Fiúza: “A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações. ”. (FIÚZA, 2002, p. 40). Note-se que, o ordenamento civil é claro ao dispor em seu artigo 52 que a proteção dos direitos da personalidade da pessoa natural deverá ser aplicada, no que couber, também às pessoas jurídicas. Uma análise inicial demonstra que o legislador buscou manter a uniformidade de tratamento entre as pessoas naturais e jurídicas, com o devido respeito as especificidades decorrentes da natureza de cada uma, em nítida primazia ao princípio constitucional da isonomia. Dentre as inúmeras diferenças existentes entre a pessoa natural enquanto indivíduo (pessoa física) e a personalidade jurídica instituída legalmente para admitir a assunção de direitos e obrigações pelos entes morais (pessoas jurídicas), para o propósito discutido no presente estudo, focaremos a análise no princípio da autonomia/independência patrimonial entre os bens pessoais dos sócios e os bens das empresas. Referido princípio tem por pressuposto geral que, em razão das empresas devidamente constituídas ostentarem personalidade reconhecida pelo ordenamento jurídico, os bens dos sócios (pessoas naturais ou até mesmo outras pessoas jurídicas) não devem ser confundidos com os bens que compõem o ativo da empresa e, por consequência, o patrimônio dos sócios não deve responder por eventuais obrigações assumidas pela pessoa jurídica, sendo esta a responsável pelo cumprimento de tais obrigações. Nesse sentido, claro são os ensinamentos do professor Fábio Ulhoa Coelho: “Em razão do princípio da autonomia patrimonial, ou seja, da personalização da sociedade empresária, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações desta. Se a pessoa jurídica é solvente, quer dizer, possui bens em seu património suficientes para o integral cumprimento de todas as suas obrigações, o patrimônio particular de cada sócio é, absolutamente, inatingível por dívida social. ”. (COELHO, 2007, p. 116). Entretanto, o princípio da autonomia patrimonial deve ser visto com cautela e de forma relativa, pois os sócios (administradores ou não) podem utilizar da proteção velada pela personalidade jurídica como artifício para inadimplir obrigações da sociedade e fraudar credores. Trata-se do mal-uso da personalidade jurídica. Atenta para situações dessa natureza, a doutrina se debruçou sobre o princípio da autonomia patrimonial para determinar os limites de sua aplicação sem que haja o comprometimento das relações jurídicas e dos princípios gerais norteadores do ordenamento jurídico (legalidade, segurança jurídica, etc.), o que deu origem a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine). Não se sabe ao certo a efetiva origem da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas boa parte da doutrina leciona que o primeiro leading case conhecido ocorreu na Inglaterra em 1897 (Salomon x Salomon Co), com posteriores aplicações nos Estados Unidos e Alemanha. (GUIMARÃES, 1998, p. 21) No Brasil, as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica foram inicialmente incluídas no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.079/1990), nas leis antitruste e de responsabilidade por danos ambientais (Leis n.º 8.884/94 e 9.605/1998, respectivamente) e, mais atualmente, no artigo 50 do Código Civil de 2002, que estabeleceu como critérios para a desconsideração o abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial. Importante destacar que, a desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente da “despersonificação”, não representa a sua total anulação/extinção, sendo apenas a declaração de ineficácia da mesma para determinado caso concreto, conforme afirma Rubens Requião: “[…] ela não envolve a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito em caso concreto”. (REQUIÃO, 1969, p. 12). As mesmas conclusões são obtidas por Ricardo Fiúza ao delinear que, apesar da pessoa jurídica ostentar uma realidade completamente autônoma da pessoa dos seus sócios em razão do princípio da autonomia patrimonial, para os casos em que hajam o desvio de finalidade do ente social ou a confusão entre os patrimônios particular e coletivo, o ordenamento jurídico possibilita a retirada do “véu” protetor decorrente da personalidade jurídica (piercing the veil of the corporation), com a incursão sobre o patrimônio particular para solver as obrigações da sociedade. (FIÚZA, 2002, p. 46). Com base nessas considerações, verifica-se que desconsideração da personalidade jurídica, apesar de ser um instituto legítimo encampado pelo ordenamento jurídico pátrio, representa um regime jurídico excepcional que redireciona a responsabilidade de obrigações da sociedade para os seus sócios e/ou administradores, desde que preenchidos os requisitos legalmente previstos (desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial). Nesse ponto vale ressaltar que, conforme será visto no tópico seguinte, anteriormente à tipificação civil/comercial do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, no direito tributário já existia tipificação semelhante no Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/1966) com o objetivo de responsabilizar pessoalmente os sócios/administradores por obrigações tributárias da sociedade para os casos de comprovada fraude ou abuso de poder. Dessa forma, passa-se à análise da compatibilidade dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica prescrita no diploma civil (artigo 50) com os requisitos para a responsabilização pessoal dos administradores/sócios prescrita no Código Tributário Nacional (artigo 135). 2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA É comum no atual cenário jurídico que as representações fazendárias (como regra geral as Procuradorias de Municípios, Estados e União Federal) requeiram o “redirecionamento” da cobrança de tributos devidos pelas sociedades para os bens dos sócios/administradores. Anteriormente à edição do novo diploma civil, referido pedido era formulado com base no artigo 135 do CTN, que prescreve que os sócios e/ou administradores “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Da análise do citado artigo, entende-se que a referida responsabilização pessoal é um instituto que ostenta grande semelhança com os objetivos almejados pela desconsideração da personalidade jurídica descrita no item acima, contudo, com esta não se confunde. A responsabilidade tributária tratada pelo artigo 135 do CTN está intimamente ligada à análise do sujeito passivo tributário, razão pela qual realizaremos uma pequena digressão sobre o assunto. Anteriormente à edição do atual CTN, não havia na doutrina uma distinção específica do sujeito passivo tributário, situação que refletiu profundamente no referido Código e suscitou inúmeras discussões sobre os tipos de sujeitos passivos no direito tributário. (BECHO, 2011, p. 344-369) A sujeição passiva é a capacidade que certa pessoa, física ou jurídica, tem de compor o polo passivo da obrigação tributária. Pode ser pela prática direta do fato gerador que dá ensejo ao nascimento da obrigação tributária ou, ainda, por definição legal. Em estudo acerca das modalidades de sujeição passiva tributária, o professor Renato Lopes Becho concluiu que a sujeição passiva no ordenamento pátrio é gênero que comporta três espécies, a saber: a) Contribuinte; b) Substituto e c) Responsável tributário. (BECHO, 2011, p. 113-131). A sujeição passiva não pode ser confundida com a capacidade passiva, que é a capacidade que uma pessoa, também física ou jurídica, tem para praticar o fato gerador, mas não se pode dizer que quem tem capacidade passiva sempre será considerado como sujeito passivo. O sujeito passivo pode ser o contribuinte, que é quem pratica o fato gerador e possui a capacidade contributiva, como pode ser o responsável que, embora não tenha praticado o fato gerador, a lei lhe atribui a responsabilidade pelo pagamento do tributo, com recursos próprios. Ao tratar da figura do responsável tributário, objeto do presente estudo, o CTN em seu artigo 121, inciso II, o identifica como sujeito passivo da relação jurídica tributária. Isso é assim porque, ainda que não pratique o fato gerador, será obrigado, por lei, a pagar o tributo devido. É certo que quem pratica o fato gerador é o contribuinte e, que, na maioria das vezes, será também o sujeito passivo da obrigação tributária. Porém, casos ocorrem em que a lei atribui a uma terceira pessoa, que mantém um vínculo indireto com o fato gerador, o dever de pagar o tributo, conferindo a lei a esta pessoa a qualidade de responsável. Pode também o responsável ser sujeito passivo de obrigação acessória (quando é responsável de forma exclusiva) ou sujeito passivo de relação jurídica sancionatória (quando é responsável de forma supletiva), como ocorre nas hipóteses de responsabilidade de terceiros previstas no artigo 134 do CTN. A responsabilidade deste dispositivo é sancionatória, visto que representa uma punição em razão de atos considerados ilícitos pelo legislador. Ponto importante acerca da análise da responsabilidade tributária é a responsabilização pessoal, solidária e subsidiária dos sócios e/ou administradores elencada no citado artigo 135 do CTN, que não dá um tratamento muito claro sobre a questão, conforme afirma Renato Lopes Becho: “Esses problemas refletem na responsabilidade tributária de administradores de empresas, pois não fica claro quando eles responderão como garantidores ou como punição por erros cometidos, quando a responsabilidade é pessoal, quando é solidária e quando é subsidiária.” (BECHO, 2011, p. 369) Com relação a tal ponto, primeiramente é necessário diferenciar se o sócio/administrador possui ou não poderes de gerência, e neste último caso, se ele praticou ou não atos com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatuto, conforme previsto no artigo 135, caput, do CTN, e, por fim, se estava na empresa ou exercia poderes de gerencia ao tempo da ocorrência do fato gerador que originou o crédito tributário cobrado, para fins de analisar a sua responsabilização. Salientamos, pois, a existência das três situações distintas: a) Caso seja um sócio/administrador que exerça poderes de gerência, mas não praticou qualquer conduta referenciada no caput do artigo 135, do CTN, o agente não poderá responder com seus bens pessoais pelos débitos tributários da pessoa jurídica, em nenhuma ação com essa finalidade (execução fiscal ou medida cautelar fiscal); b) Sendo um sócio/administrador que exerça poderes de gerências e incorreu em uma das condutas do caput do artigo 135, do CTN, este deverá responder com seus bens pessoais tanto na ação de Execução Fiscal como na Medida Cautelar Fiscal em razão do referido artigo prever a responsabilidade pessoal do agente; c) Para os casos em que haja sócio/administrador que não exerça poderes de gerência, em nenhuma hipótese terá responsabilidade pessoal sobre as obrigações tributárias da sociedade. Referido entendimento é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme posicionamento firmado pela 1.ª Seção no AgRg no REsp n.º 1.122.807/PR (sob a sistemática dos recursos repetitivos), que delimita que para que seja possível a responsabilização pessoal do sócio/administrador é imperiosa a comprovação de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do artigo 135 do CTN. Importante destacar que o mero inadimplemento de obrigação tributária não configura hipótese de responsabilização pessoal dos sócios/administradores. Ocorre que, após a edição do novo diploma civil, boa parte dos pedidos de redirecionamento de executivos fiscais passaram a ser formulados pelas representações fazendárias com base no artigo 50 do Código Civil (que ostenta como requisitos o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial), ao argumento de que o mesmo seria aplicável também em âmbito tributário, seja por regular a matéria, seja por analogia. Contudo, entende-se que referida interpretação, além de fugir da tipicidade fechada que baliza o direito tributário (princípio da legalidade), acaba por desvirtuar o princípio da especialidade das normas descrito na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto Lei n.º 4.657/1942 – antiga LICC). Conforme dispõe o texto constitucional, no direito tributário vigora o princípio da legalidade estrita (artigo 5.º, inciso II, e artigo 150, inciso I), que veda a utilização da analogia como forma de integração das normas em âmbito tributário para a cobrança de tributos. Referida vedação também se encontra disposta no artigo 108, § 1.º, do CTN: “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”. Considerando que não há previsão legal expressa para a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica na legislação que compõe o Sistema Tributário Nacional (leia-se Constituição Federal, Código Tributário Nacional e demais legislações infraconstitucionais tributárias), entende-se que não seria possível a cobrança de tributos com base no referido instituto. Outro ponto que merece destaque é que o próprio CTN ostenta um instituto próprio e com requisitos específicos para a responsabilização pessoal dos sócios/administradores pelas obrigações tributárias da sociedade. Trata-se de uma abordagem particular e legalmente prevista no artigo 135 do CTN, com requisitos menos subjetivos do que os requisitos previstos pela legislação civil. Para que haja a responsabilização pessoal dos sócios/administradores, não basta que seja demonstrado um “desvio de finalidade” (expressão com extremo caráter subjetivo) e/ou a confusão patrimonial, sendo necessária a comprovação de efetivos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Referida responsabilidade pessoal inclusive pode ser imputada ainda durante o processo administrativo fiscal, situação completamente oposta ao instituto civil que apenas é cabível em sede judicial. Verifica-se que, a especialidade da norma tributária não só abrange os requisitos previstos para a caracterização da desconsideração da personalidade jurídica civil, como vai mais longe, pois, além de possibilitar o contraditório ainda em sede administrativa, aborda questões efetivamente societárias (infração a contrato social ou estatuto), esta sim aptas a imputar a responsabilidade aos sócios por obrigações contraídas em nome da sociedade. Dessa forma, na melhor das hipóteses, a interpretação da norma tributária evidencia o seu nítido caráter especial em detrimento da generalidade constante da norma do diploma civil, razão pela qual deveria, em tese, ser afastada a aplicação desta última no âmbito tributário. Entretanto, ao analisar casos de pedido de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário, os Tribunais pátrios têm realizado uma interpretação convergente (em algumas situações tida como sistemática) entre ambos os institutos, possibilitando a aplicação da disregard doctrine nos processos executivos fiscais, desde que também preenchidos os requisitos específicos do artigo 135 do CTN (vide AgRg no REsp 1473929/SP). Trata-se de uma interpretação conservadora e que visa compatibilizar os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica prescrita no diploma civil com os requisitos para a responsabilização pessoal dos administradores/sócios prescrita no Código Tributário Nacional. CONCLUSÕES Com base nas considerações acima traçadas, conclui-se que no âmbito tributário há um instituto específico e completo para tratar a responsabilização pessoal dos sócios/administradores por obrigações tributárias decorrentes das atividades da sociedade, razão pela qual não haveria que se falar em aplicação da teoria generalista da desconsideração da personalidade jurídica prevista pelo diploma civil. Em contraponto, verifica-se a existência de um movimento judicial que visa compatibilizar ambos os institutos, garantindo-se uma suposta harmonia entre as normas civis e tributárias e a segurança jurídica.
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A ação anulatória de débito fiscal como defesa heterotópica na execução fiscal
O cabimento da ação anulatória após a execução fiscal é um tema em que a doutrina e jurisprudência se debruçam, analisando os requisitos de sua admissibilidade dentro do nosso direito pátrio.
Direito Tributário
1. Introdução O tema abordado nesse artigo é bastante denso, controvertido e rodeado por acaloradas polêmicas e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais por vezes destoantes. Apesar das dificuldades já elencadas é necessário enfrentar a temática pois se reveste de grande importância no contexto das execuções fiscais e as respectivas defesas do executado. 2. Noções de cabimento Segundo o professor Cláudio Carneiro a ação anulatória ordinária:  “(…) é de cunho desconstitutivo ou constitutivo negativo, pois visa anular através da via judicial a existência de débito fiscal, ou seja, do lançamento tributário, daí se presumir para o cabimento da ação anulatória é necessário que  o lançamento tenha sido efetuado.”[1] A sede da ação anulatória na nossa legislação pátria é no artigo 38 da lei 6830/80, como também no artigo 169, CTN. A grande controvérsia se dá em relação ao cabimento da ação anulatória após a execução fiscal. Ponto esse que norteará e delimitará a reflexão a que se propõe esse artigo. 3. A ação anulatória na execução fiscal O entendimento sedimentado no STJ é que a tese de cabimento da ação anulatória após a execução fiscal deve prosperar, pois, a nossa constituição pátria, no artigo 5º, XXXV e LV  prestigiam o acesso à justiça, contraditório, ampla defesa e devido processo legal, assim obedecendo aos comandos constitucionais, o STJ aceitou ser cabível a propositura da Ação Anulatória nas circunstâncias supracitadas conforme importante julgado que abaixo é transcrita sua ementa: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DO LANÇAMENTO POSTERIOR À PROPOSITURA DO EXECUTIVO FISCAL. AUSÊNCIA DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. 1. O ajuizamento de ação anulatória de lançamento fiscal é direito constitucional do devedor – direito de ação -, insuscetível de restrição, podendo ser exercido tanto antes quanto depois da propositura da ação exacional, não obstante o rito previsto para a execução contemple a ação de embargos do devedor como instrumento hábil à desconstituição da obrigação tributária, cuja exigência já esteja sendo exercida judicialmente pela Fazenda Pública. (Precedentes: REsp 854942/RJ, DJ 26.03.2007; REsp 557080/DF, DJ 07.03.2005; REsp 937416/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ. 16/06/2008) 2. Os embargos à execução não encerram o único meio de insurgência Contra a pretensão fiscal na via judicial, porquanto se admitem, ainda, na via ordinária, as ações declaratória e anulatória, bem assim a via mandamental. 3. A fundamental diferença entre as ações anulatória e a de embargos       à execução subjaz exatamente na possibilidade de suspensão dos atos executivos até o seu julgamento. 4. A ação anulatória, por seu turno, para que tenha o efeito de suspensão do executivo fiscal, assumindo a mesma natureza dos embargos à execução, faz-se mister que seja acompanhada do depósito do montante integral do débito exequendo, porquanto, ostentando o crédito tributário o privilégio da presunção de sua legitimidade, nos termos do art. 204, do CTN. 5. A suspensão de sua exigibilidade se dá nos limites do art. 151 do mesmo Diploma legal. Precedentes unânimes: AgRg no REsp. n.º 701729/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJ. 19/03/2009, REsp n.º 747.389/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19/09/2005; REsp n.º 764.612/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 12/09/2005; e REsp n.º 677.741/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07/03/2005. 6. In casu, verifica-se que o pedido da ação anulatória não teve a pretensão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, mas tão somente de desconstituir lançamentos tributários eivados de ilegalidade, razão pela qual lícito o exercício do direito subjetivo de ação. 7. A controvérsia acerca da necessidade de produção probatória, que inviabiliza a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, esbarra no óbice da Súmula 07/STJ. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.” Conforme preleciona o professor Pedro Barretto de forma solar sobre o cabimento da ação anulatória após a execução fiscal: “Caso, na prática, o executado se encontre em situação em que seu patrimônio já fora penhorado e se esgotou o prazo para a propositura da ação de Embargos, sendo ainda que a tese de defesa desafie a necessidade de dilação probatória (o que afastará o cabimento da Exceção de Pré Executividade), somos dos que acompanham o entendimento sedimentado no STJ no sentido de que se torna cabível o ajuizamento da Ação Anulatória (…)” [2] 4. A conexão entre ação Anulatória e a ação de Execução fiscal Há muito se discute a possibilidade de conexão de Execuções e Ação anulatória que envolva o mesmo débito. Dissociar as ações poria em risco a harmonia entre pedido e defesa que, como se bem sabe, devem guardar grande coerência entre suas pretensões. Pois, havendo entre a ação de execução e a ação anulatória, que se oponha ou possa comprometer os atos executivos, ficam evidentes os laços de conexão. Assim, em nome da segurança jurídica e da economia processual, tais demandas inevitavelmente têm que tramitar juntas. As palavras do professor Pedro Barretto corroboram com esse entendimento:  “(…)se torna cabível o ajuizamento da Ação Anulatória, a qual deve ser proposta na própria Vara em que tramita o feito executivo e endereçada ao mesmo juiz, assim como se faria no caso do ajuizamento dos Embargos.”[3] Nessa perpesctiva, a professora Cleide Previtalli ensina que em relação à conexão entre a ação anulatória de débito fiscal e a execução fiscal tem por objetivo, além da economia processual: “ (…) evitar julgamentos contraditórios, relativos aos mesmos fatos, ensejando a segurança jurídica, que não seria obtida caso tramitasse a anulatória perante um juízo e a execução fiscal, por outro.”[4] O professor Cláudio Carneiro propõe uma reflexão muito pertinente, que contribui ao debate sobre o tema em tela: “(…) pode haver uma conexão ‘instrumental’, na qual não haveria necessidade de reunião das ações, mas simplesmente a suspensão da execução até o julgamento da ação anulatória, de modo evitar decisões conflitantes. (…) O juízo em que foi proposta a ação anulatória irá oficiar ao juízo da execução comunicando que a sentença foi prolatada.[5] 5. O depósito integral como pressuposto de admissibilidade da ação anulatória na execução fiscal Na execução fiscal, para que o executado possa manejar embargos à execução precisa garantir o juízo, o que não é necessário para a propositura da ação anulatória de debito fiscal antes da execução  Nesse sentido, há súmula vinculante n. 28 do STF: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário”. Já em relação à ação anulatória após a execução fiscal, o posicionamento jurisprudencial do STJ supracitado, é de que há necessidade de depósito integral para que haja cabimento para o ajuizamento da ação anulatória. Nessa perspectiva Pedro Barreto se coaduna, como se percebe a seguir:  “Entendemos que se o executado que já perdeu o prazo para embargar quiser defender seu patrimônio (já atingido pelo gravame) produzindo provas para dar sustentabilidade a suas alegações, poderá, ao arrepio do silêncio do legislador, e desde que ofereça depósito em dinheiro substitutivo da penhora, apresentar sua defesa, pedir e ter deferimento para produção de provas, tentando demonstrar que o título executivo é viciado e que a ação executiva não merece prosperar.” 6. Conclusão Em suma, conclui-se que a jurisprudência sedimentada no STJ entende que é cabível a ação anulatória após a execução fiscal, mesmo após o prazo dos embargos ter esvaído. A conexão entre a ação anulatória e a ação de execução fiscal é necessária para que se evitem julgamentos contraditórios dos mesmos fatos, prestigiando assim a segurança jurídica. Diferentemente da ação anulatória tradicional que não há necessidade de depósito prévio, na ação anulatória após a execução fiscal, é necessário que seja substituída a penhora pelo depósito integral em dinheiro do débito, para que possa o executado se defender da penhora do seu patrimônio.
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Princípios do Processo Administrativo Fiscal
A aplicação dos princípios no processo administrativo fiscal é um tema em que a doutrina e jurisprudência se debruçam, analisando os os princípios aplicáveis ao processo administrativo fiscal dentro do nosso direito pátrio.
Direito Tributário
1. Introdução: Princípios são a base estruturante do Direito. Como normas jurídicas que são, servem, a um só tempo, como parâmetro hermenêutico e como elemento para integração de lacunas. Mais que isso, representam os valores estruturantes do sistema jurídico. Canotilho ensina que princípios são normas de grau maior de abstração, que se prestam a mediações concretizadoras a cumprir um papel fundamental: são fundamento das regras[1]. Ora, se assim é, os princípios assumem para o processo administrativo uma relevância especial, pois servirão de norte para a ativação do administrador e de parâmetro para o juiz, se provocado a controlar os atos praticados ou decorrentes do processo.  Como lecionou Miguel Reale[2], os princípios são enunciados normativos de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento para sua aplicação e integração. O processo administrativo – acima afirmamos – é importante meio de controlar a Administração. Os princípios são o eficaz instrumento para esse controle. Como diz Jésus Gonzáles Peres[3], os princípios têm operatividade direta e imediata no procedimento. Em poucas palavras: têm importância fundamental. 2. Princípios do processo administrativo fiscal 2. 1. Princípio do contraditório e ampla defesa  A ampla defesa, explicitada como garantia constitucional no artigo 5°, inciso LV, da Constituição, pode ser sintetizada no direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito. É a possibilidade de contestar, em favor de si próprio, condutas, fatos, argumentos, interpretações que possam ocasionar prejuízos físicos, materiais ou morais. Costuma-se fazer referência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, como está mencionado na Constituição. No entanto, o contraditório é pressuposto da ampla defesa. A ampla defesa é que compõe o princípio fundamental e nela já se inclui o direito ao contraditório, que é o direito de contestação a acusações e de contradizer os atos imputados á si. Na definição do Desembargador Alexandre Câmara:  “O contraditório seria a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a consequente possibilidade de manifestação sobre os mesmos, podendo ser entendido como um binômio: informação mais possibilidade de manifestação. Seja no processo administrativo seja no processo judicial, ninguém pode ser atingido por uma decisão administrativa no seu âmbito de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficientemente na sua formação.”[4] Logo, o princípio da ampla defesa, que não significa defesa ilimitada, deve ser observado no processo administrativo, sob pena de nulidade e manifesta-se pela oportunidade concedida ao sujeito passivo de opor-se à pretensão, fazendo serem conhecidas e contempladas todas as suas alegações de caráter processual e material, bem como as provas com que pretenda evidenciar as suas alegações. O contraditório tem como pressupostos: audiência bilateral: notificação de todos os atos processuais e ampla possibilidade de impugnar, com direito da vista do processo; necessidade de que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pela outra parte, para fins de acompanhamento dos atos processuais; direito de apresentar alegações, propor e produzir provas e de toda a intervenção que a parte entender necessária para provar suas alegações; interposição de recursos em face das decisões contrárias as suas pretensões. O Processo Administrativo Fiscal parte da premissa que os atos administrativos podem conter equívocos e que, portanto, deve haver um mecanismo de correção. Neste contexto, se entende que o interessado deve ser chamado a contribuir, assegurando-lhe o direito da manifestar sua inconformidade, caso disponha de informações capazes de compor uma antítese à tese da Administração. Asseverar o contraditório consiste em conduzir o processo de forma dialética, de tal maneira que o interessado tenha o direito de se manifestar sobre todas as teses e provas que a Administração trouxer aos autos. O contribuinte tem direito à ampla defesa significa que ele pode defender-se livremente, sem qualquer limitação, com exceção das que o próprio Direito proíbe. Como exemplo, podemos citar a inadmissibilidade de provas ilícitas. 2.2. Princípio da duração razoável do processo Este princípio só passou a ser expresso após a Emenda Constitucional nº 45/2004, que o incorporou ao art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição e o transformou em direito fundamental, segundo o qual: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Uma das maiores críticas que se faz atualmente ao Poder Judiciário é a excessiva demora na solução das lides. Tal crítica pode, com raríssimas exceções, ser estendida ao Processo Administrativo Fiscal, já que o tempo necessário para a prolação de uma decisão peremptória é, com frequência, superior ao que se pode considerar razoável duração do processo. A duração do processo depende de uma avaliação feita pelo legislador entre os valores justiça e celeridade. Naturalmente, quanto mais controles houver, mais acertadas tendem a ser as soluções finais, mas, por outro lado, mais demorado se torna o processo. A perseguição por maior celeridade não deve, no entanto, ser feita através da redução dos prazos que as partes têm para praticar seus atos, pois estes já são bastante exíguos, sobretudo quando são discutidas questões mais complexas, que dependem de fundamentação mais vasta e da exposição de mais provas. Além disso, tais prazos são relativamente pequenos se comparados à duração total do processo, de modo que, se fossem reduzidos, não haveria benefício considerável na celeridade processual e ainda se embaraçaria o contraditório e a ampla defesa. 2.3. Princípio da verdade material Nas linhas de Odete Medauar:  "O princípio da verdade material ou verdade real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos".[5] A lei concede ao órgão fiscal meios instrutórios amplos para que venha formar sua livre convicção sobre os verdadeiros fatos praticados pelo contribuinte. Tendo em vista o exposto à cima, no que toca o processo administrativo, bem como a definição do princípio da verdade material dentro do mesmo processo, imprescindível faz-se observar o disposto no artigo 36 da Lei 9.784/99, quando assinala a obrigatoriedade de fornecimento de documentos pela Fazenda, o que configura importante contribuição para aplicação do princípio da verdade material: "Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, a obtenção dos documentos documentos ou das respectivas cópias". 2. 4. Princípio do formalismo moderado O princípio do formalismo moderado ou informalismo em apreço encontra fulcro legal no art. 2°, parágrafo único, incisos VIII e IX, da lei nº 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal segundo os quais aAdministração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.  O objetivo principal do princípio do formalismo moderado é atuar em favor do administrado. Isso significa, nas palavras do professor Bandeira de Melo, que:  “a Administração não poderá ater-se a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado."[6]  Nesse sentido, o professro Hely Lopes preleciona: “O processo administrativo deve ser simples, despido de exigências formais excessivas, tanto mais que a defesa pode ficar a cargo do próprio administrado, nem sempre familiarizado com os meandros processuais.”[7]  Portanto, observa-se que o princípio do formalismo moderado reflete o princípio da igualdade, na medida em que propicia que qualquer pessoa, mesmo com conhecimentos limitados, possa ter seus atos recebidos pela Administração Pública.  O princípio ora em tela dispensa ritos sacramentais e formas rígidas para o processo, principalmente para os atos a cargo do particular, devendo a norma reguladora exigir apenas as formalidades que sejam necessárias a certeza e licitude do procedimento. Assim este princípio torna o processo administrativo de acesso mais fácil para o contribuinte, não exigindo as formalidades do processo judicial, desta forma, não há obrigatoriedade de representação por meio de advogado. 2.5. Princípio da legalidade tributária A Constituição Federal de 1988 proclama, em seu artigo 150, I, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Firma, nestes termos, o chamado princípio da legalidade tributária, garantia conquistada pelos cidadãos e consagrada, hoje, na grande maioria das Constituições dos Estados. Assim, o princípio da legalidade estabelece que o processo administrativo seja instaurado com base na lei e para preservação dela. A impugnação do sujeito passivo, simultaneamente ampara o seu direito de defesa e também é de suma importância para a defesa do interesse público, no sentido de manter o poder de imperium da lei e da justiça no funcionamento da Administração Púbica. O ato administrativo de lançamento deve fundar-se em lei, não cabendo ao aplicador fazer ponderações com outros princípios constitucionais, de modo a afastar a legalidade tributária para editar norma individual e concreta de exigência tributária repousada imediatamente em algum outro princípio constitucional. Não pode a autoridade fiscal lançar tributo meramente porque percebe que a atinente arrecadação acolherá o interesse público, na medida em que proverá o Estado com mais recursos para realizar em maior medida outros princípios. Não se pode, por exemplo, criar ou aumentar um tributo por decreto, mesmo que o produto da arrecadação fosse vinculado, independentemente de ser à mais nobre das causas. 2.6. Princípio da oficialidade O Princípio em tela estabelece que a movimentação do processo administrativo cabe à Administração, ainda que instaurado pelo particular. Uma vez iniciado o processo, este passa a pertencer ao poder público, a quem compete o seu impulsionamento até a decisão final, mesmo que haja inércia por parte do administrado. Este princípio informa que compete à própria Administração impulsionar o processo até seu ato-fim, qual seja, a decisão. E neste sentido informa o artigo 2º, inciso XII da Lei 9.784/99, quando prevê a:  "impulsão de ofício do processo administrativo, sem prejuízo da atuação de interessados". No mesmo sentido, dipõe o Decreto 70.235/72, em seu artigo 18, quando prescreve que a autoridade pode determinar,de ofício, a realização de diligências ou perícias, quando as entender necessárias. A Administração Pública tem o dever de dar prosseguimento ao processo, podendo, por sua conta, providenciar a produção de provas, solicitar laudos e pareceres, enfim, fazer tudo aquilo que for necessário para que se chegue a uma decisão final conclusiva. 2.7. Principio da finalidade Segundo Cleide de Previtalli:  “o princípio da finalidade tem por objetivo controlar os atos dos agentes e servidores da Administração e dos administrados, compondo o conflito dos interesses publico e privado, logrando, com a adequada celeridade, extinguir litígios entre as partes, no caso, o Fisco e o contribuinte.”[8] O art. 2º da lei 9784/99 afirma que:  “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” 2.8. Principio da impessoalidade Sobre o princípio da impessoalidade,Previtallis preleciona que:  “Em sua aplicação, a administração deve agir em moldes estritamente objetivos, avaliando o vulto dos interesses públicos e privados em discussão, afastando-se de qualquer interesse escuso e de artifícios que pretendam favorecer terceiros, quer em ordem ideológica e econômica, visando, assim, tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, imparcialmente, sem qualquer distinção de suas condições pessoais.”[9] 2.9. Principio da motivação  A decisão administrativa não pode ser exarada sem fundamento legal que a suporte. A motivação é exigência do Estado de Direito. É pela motivação que se verifica o respeito ao princípio da finalidade. É por ela que se coíbe o desvio de poder. O princípio da motivação obriga que os atos praticados no processo sejam fundamentados. Só assim é que se pode aferir se o ato foi praticado em conformidade com a lei, mesmo no caso dos atos discricionários. 2.10. Principio da razoabilidade  Pretende assegurar o curso do processo administrativo fiscal dentro dos limites lógicos entre o fato objeto da discussão e a atuação concreta da Fazenda Pública. Em suma, como mostra Canotilho: “somente será aceitável o agir estatal que se mostre razoável, assim entendida a prática de atos que apresentem: i) conformidade de meios; ii) necessidade; e iii) equilíbrio (proporcionalidade) entre meios e fins.”[10] 2. 11. Principio da proporcionalidade Conforme ensina Previtallis:  “Mediante este principio, é vedado a Administração o excesso de suas funções, o arbítrio em suas decisões, que, amiúde, acontece na relação um tanto quanto desigual entre Estado e administrado.”[11] O princípio da proporcionalidade exige que o administrador se paute por critérios de ponderabilidade e de equilíbrio entre o ato praticado, a finalidade perseguida e as consequências do ato. Afinal, mesmo o ato que cumpre sua finalidade, poderá ser desproporcional se trouxer consequências que contrariem ou esvaziem a finalidade buscada. Juarez de Freitas pondera, com muita felicidade, que o princípio da proporcionalidade exige sacrificar o mínimo para preservar o máximo. A Lei Federal nº 9.784/99, no artigo 2º, Parágrafo Único, Inciso VI, consagra o princípio da proporcionalidade ao: a) exigir adequação de fins e meios; e b) vedar o estabelecimento de obrigações, restrições e sanções superiores ao estritamente necessário. 2.12. Princípio da Publicidade  Um dos princípios da Administração Pública é o da publicidade, contido no caput do art. 37 da Carta Magna, abaixo transcrito. “Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.” A Constituição, em seu art. 5º, inc. LX, a seguir transcrito, estabelece que os atos processuais são públicos, salvo quando a lei restringir a sua publicidade:  “LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;” Este dispositivo apresenta-se como contrapartida ao princípio da publicidade para a administração. Enquanto a Administração é obrigada a dar publicidade a todos os seus atos, aos cidadãos é garantido o acesso aos documentos relativos a atos praticados por aquela. Comprova-se a publicidade do processo administrativo tributário quando se constata que o seu julgamento é público. Em processos que correm em segredo, o acesso ao seu julgamento é permitido somente às partes interessadas. Sobre o assunto, leciona o doutrinador Ricardo Abdul Nour: “Em última análise, embora muitas vezes utilizado no mesmo sentido, o sigilo de que trata o dispositivo é funcional e não fiscal, ou seja, o agente deve manter sigilo sobre as informações que objete para atingir seu fim (que é apurar o tributo devido), e não manter sigilo sobre o próprio tributo apurado.” [12] Ou seja, coexistem harmonicamente os institutos do sigilo fiscal e da publicidade do processo administrativo tributário, pois o sigilo fiscal é direcionado às informações obtidas pelo agente público para poder determinar o crédito tributário, enquanto a publicidade é relacionada ao próprio crédito tributário, bem como ao processo administrativo a este relativo. 2.13. Principio da segurança jurídica Para Previtali, é o mais importante de todos, em qualquer atividade do Estado, eis que é a base dos demais princípios que asseguram os direitos e garantias constitucionais individuais. Ela entende que dele decorre a continuidade do Estado Democrático de Direito. A transgressão a este princípio abala o Estado e nas relações entre a Fazenda Publica e o contribuinte, pode acarretar graves consequências em relação ao seguimento do ramo de atividade do particular. Conforme lição de Leandro Paulsen:  “O processo administrativo é regido pelo princípio da verdade material, segundo o qual a autoridade julgadora deverá buscar a realidade dos fatos, conforme ocorrida, e para tal, ao formar sua livre convicção na apreciação dos fatos, poderá julgar conveniente a realização de diligência que considere necessárias à complementação da prova ou ao esclarecimento de dúvida relativa aos fatos trazidos no processo.”[13] 3. Conclusão Em suma, conclui-se que os princípios de direito aplicáveis ao processo administrativo fiscal tem pontos comuns aos princípios aplicavéis no direito tributário no âmbito judicial, porém, tem-se princípios próprios, aplicáveis somente na seara do processo administrativo fiscal .
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Possibilidade de dispensa do lançamento tributário para prevenir decadência nos casos de depósito do montante integral
A Administração Pública brasileira pauta-se por diversos princípios, merecendo destaque aqueles esculpidos na Constituição Federal de 1988. O Direito Tributário, como ramo do Direito Público, dedica especial atenção ao princípio da legalidade. Os conceitos atuais de Administração Pública, no entanto, permitem a adoção de mecanismos que, sem desrespeito à legalidade, adotem regras de atuação que privilegiem a eficiência e a economia dos recursos públicos na consecução da sua finalidade. Este estudo, assim, visa à apresentação de uma situação em que a Administração Pública pode, sem se omitir, eximir-se de efetuar um lançamento tributário para prevenir a decadência diante de uma situação em especial, qual seja, a da existência de depósito do montante integral de um tributo. Conclui-se que tal conduta não fere o dever de fazer inerente à atuação pública, quando verificadas determinadas circunstâncias, diante das quais a relativa passividade do poder público não acarretará prejuízos à Fazenda Pública, mas, ao contrário, trará praticidade e economia tanto para o contribuinte quanto para a administração.
Direito Tributário
Abstract: The Brazilian Public Administration is guided by several principles, with emphasis to those carved in the Federal Constitution of 1988. Tax Law, as a branch of public law, pays special attention to the principle of legality. Current concepts of Public Administration, however, allow the adoption of mechanisms that, without disrespecting the legality, adopt rules of engagement that emphasize efficiency and economics of public resources in achieving its purpose. This study therefore aims to present a situation in which the Government may, without omit, evade making a tax issue to prevent the statute of limitation before a special situation, namely, the existence of the deposit full amount of a tax. We conclude that such conduct does not violate the duty of making inherent in public performance when subject to certain conditions, compared to which the relative passivity of the government not cause losses to the Treasury, but, instead, will bring convenience and savings for both when contributors to the administration. Keywords: Release tax to prevent statute of limitations. Deposit of the full amount. Principles of Public Administration. Introdução No exercício do poder de polícia, a Administração Pública deve se pautar por diversos princípios, sendo, sem dúvida, o mais evidente deles o da legalidade, que é aquele que impinge ao poder público a obrigação de atuar estritamente nos parâmetros estabelecidos conforme previsto em lei (MORAES, 2008, p. 320). Este princípio rege a atuação estatal na composição de seus atos que, além disso, revestem-se dos poderes administrativos, classificados primordialmente entre discricionários ou vinculantes. Nas situações em que a lei oferece discricionariedade ao agente estatal no exercício da sua função, ele poderá levar em consideração aspectos de conveniência e oportunidade para a tomada de uma decisão, ao passo que o caráter vinculante exige que uma conduta prevista em lei seja necessariamente realizada quando verificados os aspectos materiais que imponham sua aplicação. Na primeira hipótese há margem de escolha ao agente público, inexistente quanto ao exercício de atividades vinculadas.  Pois bem, adentrar no universo de debate do Direito Tributário exige que tal compreensão seja colocada de plano, uma vez que nesta seara predomina o caráter vinculado da atuação estatal. É dizer que, em matéria tributária, devem ser tomadas precisamente as providências previstas em lei, taxativamente, diante de uma situação idealizada pela norma. Ocorre que existem circunstâncias que exigem a aplicação de entendimentos sistêmicos, ou seja, que levem em conta todo o ordenamento e os diversos impactos que sofrem as situações cotidianas, demandando uma análise amiúde para que demais princípios da administração pública, como os da eficiência, celeridade e razoabilidade, ressaltados pela Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, reguladora do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, não sejam desprestigiados em nome do formalismo imoderado. Nesta perspectiva faremos neste trabalho uma reflexão sobre a atividade administrativa do lançamento tributário para a prevenção da decadência, conforme previsto pela Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, verificada a existência de depósito do montante integral do tributo devido, hipótese apta a promover a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.  O Código Tributário Nacional (CTN) enumera as hipóteses de suspensão, de maneira taxativa, de forma que cada uma destas goza de características próprias, identificadas pelas circunstâncias em que ocorreram e, por conseguinte, provocando consequências específicas e demandando procedimentos particulares ora para o fisco ora para o contribuinte. Assim, avaliamos ao longo do trabalho a possibilidade de dispensa do lançamento para prevenir decadência nestas situações, bem como buscamos entender quais são as implicações para o fisco e para o contribuinte, observado o dever funcional da administração tributária. O ponto central desse estudo é avaliar a possibilidade da dispensa da realização do lançamento nas situações em que o contribuinte tenha efetuado o depósito do seu montante integral, regra geral, com o intuito de discutir judicialmente a higidez do crédito tributário em questão. A constituição do tributo, nesses casos, submete-se à modalidade de ofício, e é também conhecida como “lançamento para prevenir a decadência”, uma vez existente, previamente, uma causa de suspensão de exigibilidade. Neste momento, é importante trazer o conceito do lançamento para prevenir a decadência do crédito tributário, situação referida no art. 63 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996: “Art. 63.  Na constituição de crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributo de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não caberá lançamento de multa de ofício. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001).” Conforme previsto pela norma, o lançamento para prevenir a decadência aplica-se às situações em que a exigibilidade do tributo estiver suspensa nos casos dos incisos IV e V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN), ou seja, na existência de concessão de medida liminar em mandado de segurança e de concessão de medida liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ação judicial. Isto porque, como visto, estas situações estão entre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que impedem que o Fisco proceda à execução judicial do crédito tributário, como as demais arroladas no art. 151 do CTN. Sobre o assunto, ensina o professor Duarte (2013, p. 425): “A existência dessas causas suspensivas, mesmo as judiciais, não implicam na impossibilidade do Fisco efetuar o lançamento, uma vez que o lançamento é atividade vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa. Assim, diante de uma medida judicial suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, há de, caso este não tenha sido constituído, constitui-lo para evitar a decadência, cuidando-se, entretanto, de se consignar que a exigibilidade está suspensa.”  A constituição do crédito tributário, nestes casos, teria o condão de impedir que o transcurso do período decadencial, enquanto não solucionada a lide em âmbito judicial, fulminasse o direito da Fazenda constituí-lo, ainda que a sua tese fosse vencedora. Este risco deve-se ao fato de a suspensão da exigibilidade do crédito tributário não suspender e nem interromper a fluência do prazo decadencial, (GOMES, 2013, p. 125). Notemos que tanto a norma quanto o excerto doutrinário referem-se ao lançamento para prevenir decadência como instituto apto a produzir efeitos nos momentos em que a cobrança do crédito tributário estiver suspensa em razão de liminar em Mandado de Segurança e demais ações e quanto a isto, respeita-se a literalidade do estabelecido pela lei. Dito isto, importa analisar o impacto que tal dispositivo deve provocar em uma outra situação prevista no art. 151 do Código Tributário Nacional, que não a concessão de liminares em mandado de segurança ou demais ações, qual seja, a existência de depósito do montante integral do tributo. A despeito de a norma referir-se somente às medidas elencadas nos incisos IV e V do art. 151 do CTN, a saber, as relacionadas às decisões liminares, o Fisco habitualmente reporta-se ao art. 63 da Lei nº 9.430/1996 para fundamentar o lançamento para prevenir a decadência nos casos em que existe o depósito do montante integral do tributo e correspondente discussão judicial, conforme veremos mais adiante quando da reprodução de decisões administrativas. Tal procedimento encontra entendimentos divergentes, conforme seja o campo de análise: doutrinário, judicial ou no contexto do contencioso administrativo. Predomina doutrinariamente o entendimento de que o lançamento para prevenir decadência, consubstanciado no art. 63 da Lei nº 9.430/96, já apresentado, não se aplica à hipótese de existência do depósito integral, conforme explica Machado (2008, p. 187): “A interpretação literal do art. 151, inciso II, do Código Tributário Nacional nos leva a entender que o depósito é um meio para suspender a exigibilidade do crédito tributário, que pressupõe tenha havido o lançamento. Na verdade, porém, o depósito suspende também a exigibilidade do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado dos tributos nos casos em que esse pagamento antecipado seja legalmente determinado, vale dizer, em relação aos tributos submetidos ao lançamento por homologação, disciplinado pelo art. 150 do Código Tributário Nacional. Assim, mesmo sem existir o crédito tributário cuja exigibilidade deva ser suspensa pelo depósito, este é possível e tem o efeito de suspender a exigibilidade do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado. O depósito suspende a exigibilidade do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado e assume o lugar deste para ensejar a homologação, expressa ou tácita, da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo na apuração do respectivo montante. Feito o depósito, a autoridade geralmente é chamada a se manifestar sobre o mesmo, e, se concorda com o valor correspondente, essa concordância opera a homologação da atividade apuratória, consumando-se, desta forma, o lançamento. Assim, não se cogitará mais de decadência. […]Uma vez efetuado o depósito, em relação ao valor correspondente não se há de cogitar mais de decadência, nem de prescrição. É que o depósito enseja o lançamento pela simples homologação, expressa ou tácita. E torna inteiramente sem sentido a ação de execução, porque, se a decisão final na ação em cujo âmbito tenha sido realizado for favorável à Fazenda Pública, a conversão do depósito em renda desta extinguirá o crédito tributário respectivo.” (grifo nosso) Esta posição é corroborada, com base em análise jurisprudencial, por Schoueri (2012, p. 1.199), que acrescenta: “Embora a sistemática do Código Tributário Nacional faça crer que sem o lançamento inexiste crédito tributário, a jurisprudência tem visto tal formalidade como desnecessária, afirmando que o débito declarado prescinde de um lançamento para que se efetue a cobrança. Ou seja: se o contribuinte declarou que deve um tributo, mas não o pagou no vencimento, a Administração pode inscrever o débito em dívida ativa e cobrá-lo, inclusive em juízo, sem que precise, antes, efetuar um lançamento.” Ainda que o depósito do montante integral não seja pressuposto para a discussão da existência da obrigação tributária, ou da relação jurídico-tributária entre o contribuinte e o fisco, este ocorre, geralmente, quando o contribuinte pretende declarar inconformidade, seja judicial, seja administrativa, em relação à exigência, diante do que se manifesta Coelho (2002, p. 85): “Em tais circunstâncias a cautela requerida ao juízo, garantindo com o depósito da quantia litigada, é sempre para que a Fazenda Pública se abstenha dos atos de lançamento ex officio enquanto durar a lide e até que seja resolvida pela prolação de um julgado irrecorrível. Na hipótese de a Fazenda sair vencedora, o depósito se converte em renda (art. 156, VI do CTN), extinguindo-se o crédito tributário pertinente, sem que tenha havido lançamento, evidentemente desnecessário, porquanto a juridicidade do crédito já foi declarada pelo Poder Judiciário, revisor da lei fiscal e dos atos tributários da Administração.” E, na mesma linha, Paulsen (2013, p. 2.475): “Em face de o depósito ficar vinculado, legalmente, à decisão final, estando, desde o início, vocacionado à conversão em caso de não restar o contribuinte vencedor, só será necessário o lançamento se o Fisco pretender montante superior ao que foi depositado. Não haverá que falar em decadência, pois o depósito supre a necessidade do lançamento. De fato, já tendo o contribuinte apurado o montante devido e o vinculado ao resultado da demanda mediante o depósito, não há que se exigir o lançamento, que nenhuma função teria.  […] No prazo decadencial, deve ser constituído o crédito tributário pelo lançamento ou ser o crédito formalizado de outro modo, dispensando a realização do lançamento: declaração do débito, confissão para fins de parcelamento, depósito do montante do crédito etc. (grifo nosso).” Uma outra preocupação manifestada pelo Fisco, porém, diz respeito aos casos em que a quantia depositada não for suficiente para cobrir a importância de tributo devida, e quanto a isso prossegue Coelho (2002, p.86): “Poderá a Fazenda Pública lançar suplementarmente os resíduos creditícios? A resposta é afirmativa. Aqui não há falar em preclusão do ato de lançar e, conseqüentemente em decadência do direito de crédito. É que existia ordem judicial impeditiva do lançamento, enquanto se examinava o fundamento de validez legislativa da pretensão fazendária. Uma vez removido o obstáculo, pode a Fazenda lançar e tem cinco anos para isso, a contar do 1o dia do exercício seguinte aquele em que poderia ter sido efetivado (do exercício em que foi prolatada a sentença de mérito). A defesa do contribuinte só poderá versar sobre o quantum.” Assim, ao Fisco caberia avaliar se a respeito do depósito efetuado constata-se a sua integralidade ou não, servindo tal compreensão para admitir os seus efeitos de suspensividade ou efetuar-se lançamento suplementar (de ofício), aferido administrativamente, observando o prazo decadencial. Outra importante questão é quanto aos casos em que houver extinção do processo sem decisão do mérito, avaliada por Machado (2008, p. 189) da seguinte forma: “No caso de extinção do processo sem julgamento de mérito suscita-se a questão de saber se, ocorrendo o levantamento do depósito pelo contribuinte, existiria lançamento, a ensejar a execução fiscal, ou se, inexistente este e decorridos mais de cinco anos a contar do fato gerador do tributo, estaria consumada a decadência. A nosso ver, isso não justifica o entendimento afinal adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de conversão do depósito em renda. Na verdade, tem-se uma questão simplesmente burocrática. Feito o depósito, consuma-se o lançamento, por homologação expressa ou tácita. E, se a Fazenda Pública suscita questões processuais na ação contra ela promovida pelo contribuinte, a ela cabe providenciar a inscrição do valor em dívida ativa, já que da decisão pretendida, vale dizer, da extinção do processo sem julgamento de mérito, que está pleiteando, vai decorrer a necessidade da propositura da execução fiscal.” Ou seja, o entendimento do STJ foi o de que, havendo a extinção do processo sem resolução de mérito, o depósito é convertido em renda para a Fazenda Pública, resultando a extinção do crédito tributário, em consonância com a posição de que o depósito do montante integral representa verdadeira forma de constituição do tributo, como veremos no tópico seguinte.  O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido o de que, com o depósito, há verdadeiro lançamento por homologação. O contribuinte afere o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, com o fito de discuti-lo oportunamente. Nesse caso, se a Fazenda o aceita como integral, concordando com o valor indicado pelo contribuinte, dar-se-ia manifestação análoga à homologação tácita prevista no art. 150, parágrafo quarto do CTN, com a dispensa da necessidade do lançamento de ofício (CORREIA, 2010, p. 281). Neste sentido: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL. DEPÓSITO JUDICIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO FORMAL PELO FISCO. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. (…) 2. A Primeira Seção desta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que “no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o contribuinte, ao realizar o depósito judicial com vistas à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, promove a constituição deste nos moldes do que dispõe o art. 150 e parágrafos do CTN. Isso porque verifica a ocorrência do fato gerador, calcula o montante devido e, em vez de efetuar o pagamento, deposita a quantia aferida, a fim de impugnar a cobrança da exação. Assim, o crédito tributário é constituído por meio da declaração do sujeito passivo, não havendo falar em decadência do direito do Fisco de lançar, caracterizando-se, com a inércia da autoridade fazendária apenas a homologação tácita da apuração anteriormente realizada. Não há, portanto, necessidade de ato formal de lançamento por parte da autoridade administrativa quanto aos valores depositados” (ERESP 686.479/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 22.9.2008). 3. Nesse sentido, destaco, também os seguintes julgados: AgRg nos ERESP 1.037.202/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJ 21.08.2009, EDcl nos ERESP 464.343/DF, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, DJ 3.3.2008, ERESP 615.303/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Rel. p/acórdãoMinistra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 15.10.2007. 4. Agravo regimental não provido.” (gn) (AgRg no Ag 1163962/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJ 15/10/2009)” “TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. DEPÓSITO JUDICIAL (ART. 151, INC. II, DO CTN). OMISSÃO QUANTO AO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO NA FORMA DA LEI COMPLEMENTAR N. 07/70. 1. É equivocado afastar a conversão em renda para submeter a Fazenda Pública ao lançamento de tributo cujo valor devido fora objeto de suspensão da exigibilidade por meio de depósito judicial, quando, nesse ponto, a sentença lhe fora favorável. 2. Se os depósitos abrangem o montante integral do PIS (LC 07/70 e Decretos-leis 2.445 e 2.449/88), parte deve ser levantada pelo contribuinte, parte deve ser convertida em renda da Fazenda Nacional, obedecendo aos limites da coisa julgada. Precedentes: REsp 476.567/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 06/12/2004; AgRg no REsp 921.123/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 03/06/2009; e REsp 252.432/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. p/ Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 28/11/2005. 3. Diante desse quadro, imperioso anular o acórdão, para que a instância ordinária, soberana em relação à análise do conjunto fático-probatório, estabeleça, com precisão, de acordo com a sentença, a proporção que cada parte deverá levantar/converter em renda, para que a Fazenda Pública não seja obrigada a efetivar o lançamento em relação à parcela do tributo que já tinha sido objeto do depósito judicial. Precedentes: REsp 1157786/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 28.10.2010; e REsp 828.561/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21.5.2010. 4. Recurso especial provido. (STJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 03/02/2011, T2 – SEGUNDA TURMA)” “RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151, II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.1. Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art. 150, § 4º, do CTN.2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira Seção.3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes: AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial, nos termos da Súmula 7⁄STJ.5. Agravo regimental não provido. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.213.319 – SP (2010⁄0169452-5). Data do Julgamento: 17/05/2012).” As decisões reproduzidas acima, a titulo exemplificativo, servem a demonstrar que para os tribunais superiores não há motivos para que a Fazenda Pública sinta-se pressionada a efetuar o lançamento para prevenir a decadência nos casos de depósito do montante integral, pois a simples verificação deste teria a força constitutiva do crédito tributário, dispensando o Fisco de o fazer, sendo o montante convertido em renda para extinção do tributo quando não houvesse resolução do mérito. Apesar da pacificação dos entendimentos expressos pela doutrina, e pelo predomínio jurisprudencial no sentido de atribuir ao depósito do montante integral capacidade para constituição do crédito tributário, o que dispensaria a realização do lançamento de oficio pelo fisco, as posições administrativas, em sua predominância, manifestam-se reiteradamente no sentido de mantê-lo, sem ressalvas acerca da sua dispensabilidade, conforme se pode constatar das ementas trazidas abaixo: Acórdão DRJ Nº 07-31559 de 2013 “CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JUDICIAL. As matérias submetidas à via judicial devem ter o crédito tributário lançado, pois a atividade do lançamento é obrigatória e vinculada em relação à autoridade fiscal. MULTA DE OFÍCIO. LANÇAMENTO PARA PREVENIR DECADÊNCIA. Aplica-se a multa de ofício em lançamento tendente a prevenir a decadência de crédito discutido judicialmente em mandado de segurança impetrado contra exigência formulada no curso do despacho aduaneiro de importação, tendo em vista a exclusão da espontaneidade do importador em conseqüência do início do despacho aduaneiro por meio do registro da Declaração de Importação. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. MEDIDA JUDICIAL. Ainda que houvesse medida judicial suspensiva da exigibilidade do crédito tributário não afastaria a constituição do mesmo através de auto de infração ou lançamento, tendo em vista a prevenção da decadência. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. CTN, ART. 151. DEPÓSITO INTEGRAL. ABRANGÊNCIA. O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro. (Súmula 112/STJ) A expressão "depósito integral", contida no art. 151, do CTN, e na Súmula 112/STJ, abrange não só os tributos considerados devidos, mas, também, a multa e juros moratórios.” Acórdão DRJ Nº 01-19.264 de 2010 “LANÇAMENTO PARA PREVENIR DECADÊNCIA. A formalização do crédito tributário pelo lançamento de ofício, conforme art. 142 do CTN, decorre do caráter vinculado e obrigatório do ato administrativo, não podendo a fiscalização, sob pena de responsabilidade funcional, eximir-se de efetuá-lo, ainda que esteja suspensa a exigibilidade do crédito tributário. JUROS DE MORA. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. É incabível a inclusão de juros moratórios no lançamento de ofício destinado a prevenir a decadência do crédito tributário, relativamente a tributos e contribuições de competência da União, cuja exigibilidade esteja suspensa em virtude de depósito prévio do seu montante integral.” O Fisco Federal entende pela validade do lançamento, mesmo nos casos de existência de depósito do montante integral, sob argumento de que a autoridade administrativa estaria apenas cumprindo o caráter vinculante imposto pelo art. 142 do CTN. Para ilustrar este entendimento, trazemos explanações contidas em trecho de exposição de motivos da decisão constante do Acórdão DRJ Nº 01-19.264 de 2010: “A formalização do crédito tributário pelo lançamento de ofício, conforme o art. 142 do Código Tributário Nacional (CTN) – Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, decorre do caráter vinculado e obrigatório do ato administrativo, não podendo a fiscalização, sob pena de responsabilidade funcional, eximir-se de efetuá-lo, ainda que esteja suspensa a exigibilidade do crédito tributário.Sendo assim, o procedimento de lavratura do auto de infração sem a exigência do pagamento do débito apurado em nada ofende ou contraria a determinação judicial.Ressalta-se que a autuação tem o objetivo de prevenir a decadência, uma vez que a cobrança só é possível em função da tempestiva constituição do crédito tributário e não implica prejuízos para a contribuinte, pois em caso de sucesso da interessada na ação judicial o lançamento será prontamente cancelado.Essa foi, a propósito, a orientação emanada da Procuradoria da Fazenda Nacional no Parecer n.º 743, de 1988 (posteriormente ratificado pelo Parecer PGFN n.º 17, de 1992 e pelo Parecer PGFN/CRJN n.º 1.064, de 1993), textualmente:“Inicialmente cabe esclarecer que a existência de depósito judicial do valor da exação questionada, bem como a concessão de liminar em Mandado de Segurança, não impedem a fluência de prazo decadencial, sendo, pois, necessária a constituição do crédito tributário a fim de garantir os interesses da Fazenda Nacional.” (grifou-se) A decisão em tela invoca, incidentalmente, o rigor do Parecer PGFN/CRJN n.º 1.064, de 1993, que destaca: “[…] nos casos de medida liminar concedida em Mandado de Segurança, ou em procedimento cautelar com depósito do montante integral do tributo, quando já não houver sido, deve ser efetuado o lançamento, ex vi do art. 142 e respectivo parágrafo único, do Código Tributário Nacional; uma vez efetuado o lançamento, deve ser regularmente notificado o sujeito passivo (art. 145 do CTN c/c art. 7º, inciso I, do Decreto n.º 70.235/1972), com o esclarecimento de que a exigibilidade do crédito tributário permanece suspensa, em face da medida liminar concedida (art. 151 do CTN); com o advento da decisão judicial favorável à Fazenda Nacional, ou a perda da eficácia da medida liminar concedida, deve ser restabelecido o curso do processo fiscal; preexistindo processo fiscal à liminar concedida, deve aquele seguir seu curso normal, com a prática dos atos administrativos que lhe são próprios, exceto quanto aos atos executórios, que aguardarão a sentença judicial, ou, se for o caso, a perda da eficácia da medida liminar concedida.” É dizer que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a despeito dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários já evidenciados, equipara o depósito do montante integral à obtenção de medidas liminares em mandado de segurança ou ações de outra natureza, para efeito da aplicação do art. 63 da Lei nº 9.430/1996, apesar de esta não se referir explicitamente ao depósito do montante integral, mas tão-somente às hipóteses suspensivas da exigibilidade do crédito tributário contidas nos incisos IV e V do art. 151 do CTN, ou seja, a concessão de liminares favoráveis ao pleito do contribuinte. Tal tendência, no entanto, encontra luz contrária no Parecer PGFN/CAT nº 456/2011 que, ao manifestar-se sobre os questionamentos de nº 3 a 8 de consulta formulada pela Superintendência da Receita Federal do Brasil em Minas Gerais sobre os termos do Acordo celebrado entre a União, o Estado de Minas Gerais e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos autos do Recurso Especial nº 1.135.162, pondera, incidentalmente, que: “Também o depósito em juízo do montante integral de crédito tributário litigioso apenas suspende a exigibilidade dele, como se depreende do disposto no inciso II do citado artigo 151 do CTN, com as mesmas conseqüências acima elencadas. Ou seja: o depósito judicial não impede o lançamento do crédito discutido, devendo as autoridades fiscais, caso ainda não o tenham feito, promovê-lo dentro do qüinqüênio – contado sem qualquer interrupção ou suspensão –, sob pena de operar-se a extinção dele pela decadência. Excepciona-se, porém, dessa disciplina o depósito judicial integral de tributos sujeitos a lançamento por homologação. Explica-se. Os tributos com lançamento por homologação caracterizam-se pela circunstância de caber ao próprio contribuinte a tarefa de – à vista da ocorrência do respectivo fato gerador e sem qualquer exame prévio das autoridades fiscais – calcular o montante devido e antecipar o seu pagamento, cumprindo ao Fisco o dever de, dentro do qüinqüênio decadencial, proceder (i) à homologação do lançamento (expressa ou tácita), quando integral o pagamento, ou (ii) o lançamento de ofício quando não tenha havido antecipação de pagamento ou quando esta contemplar valores insuficientes, tudo na forma do art. 150, caput e § 4º do CTN. Essa sistemática, contudo, sofre alteração quando o contribuinte vai ao Judiciário questionar o crédito tributário e ali realiza o depósito integral do seu montante. É que, nessa situação, o juízo sobre a higidez do crédito objurgado – que caracteriza a atividade da homologação do lançamento – já não mais pertence ao Fisco, mas sim, e por opção do próprio contribuinte, ao Poder Judiciário, tornando inteiramente despicienda qualquer atividade homologatória por parte das autoridades fiscais, às quais, portanto, não se poderá imputar qualquer inércia que dê causa à extinção daquele crédito pela decadência. Poderá, sim, o Fisco vir a sofrer os efeitos da decadência se, constatando embora a insuficiência do depósito, permanecer inerte, eis que, nessa hipótese, para cobrar as diferenças, deverá lançar o tributo dentro do qüinqüênio decadencial – contado sem qualquer interrupção ou suspensão, como normalmente deve acontecer nos prazos dessa espécie, conforme já dito.” É dizer que em relação aos tributos lançados pela sistemática da homologação, a compreensão administrativa esposada no ato cujo excerto transcreveu-se acima, pondera pela desnecessidade do lançamento, vez que o contribuinte, por si mesmo, optou por submeter a solução da questão ao poder judiciário, detentor da prerrogativa de decidir definitivamente sobre o assunto. O estudo sobre o tema, contudo, não estaria completo sem que fizéssemos uma análise do assunto sob a lente de determinados princípios constitucionais sensivelmente interessantes ao entendimento da matéria, tarefa a qual passamos a nos dedicar.   A melhoria da qualidade nos serviços públicos e a agilidade na prestação de respostas ao contribuinte passam pela construção de processos que favoreçam a celeridade das decisões e a otimização das ações desempenhadas pelo poder público. Em outras palavras, a Administração Pública deve se empenhar para que seus esforços estejam a serviço da produção de resultados práticos, concretos, os quais não seriam obtidos caso o aparelho estatal não se movesse. A Administração Pública, quando age, faz com que o contribuinte também deva se pronunciar, através da apresentação de contestações ou simplesmente de acompanhamento em relação aos atos concernentes às suas atividades. Schoueri (2012, p. 48) assim aborda o princípio da eficiência processual: “A simplicidade passa pela busca da redução do número de tributos no sistema, pela simplificação em sua legislação e, não menos importante, dos custos burocráticos concernentes à tributação. A idéia é de que, se ao contribuinte já é penoso arcar com o tributo, muito maior revolta lhe causam os custos administrativos relacionados à cobrança. A idéia de “pagar para pagar um tributo”, que resume os custos indiretos da tributação, é a antítese de simplicidade administrativa.” É certo que os princípios constitucionais convivem e submetem-se a uma ponderação de valores, o que determina que o princípio da eficiência deva respeitar o princípio da legalidade, sem que, com a prevalência de um, o outro seja descartado (DWORKIN, 2002, p. 36). Assim, tem-se sobre o princípio da legalidade, conforme Moraes (2008, p. 320), a determinação de que: “[…] o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo que a lei não proíba. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar-se a ordem pública.” O agente administrativo deve, portanto, observar o conteúdo legal, sendo autorizado apenas a agir dentro dos limites que a lei confere. E esta, como já dito, não define o lançamento para prevenir decadência como recurso associado ao depósito do montante integral, de sorte que na ponderação dos princípios, não há óbice ao entendimento de que a eficiência processual está, quanto à matéria estudada, em consonância com o princípio da legalidade, nos termos apresentados pelos autores referenciados. 2.3 Da inafastabilidade da prestação jurisdicional A posição adotada administrativamente, conforme demonstrado pelas decisões exaradas pelos órgãos administrativos do contencioso federal, não se coaduna com as manifestadas pela doutrina e parte predominante da jurisprudência dos tribunais superiores pátrios, ao reconhecer como perfeitamente hígido o lançamento fiscal procedido com o fito de impedir a decadência, ainda que diante da existência do depósito do montante integral. A partir do momento em que o contribuinte contesta a existência da relação jurídico-tributária, e opta por realizar o depósito do montante integral do tributo discutido, ele o faz em consonância com o princípio constitucional da inafastabilidade jurisdicional, esculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, sem, contudo, deixar de oferecer as garantias ao fisco, através do depósito realizado, de que o tributo será honrado, caso a tese contrária à cobrança do tributo reste derrotada no judiciário. Como ensina Maximiliano (2011, p. 271): “Não se interpreta a lei tendo em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco a do Tesouro apenas. O cuidado do exegeta não pode ser unilateral: deve mostrar-se equânime o hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo, ocasional, contraste.” É dizer que a compreensão do texto deve levar em conta os interesses máximos da Fazenda Pública, como administração, e do contribuinte, não apenas como contribuinte, mas como cidadão. 2.4 Da análise sistêmica dos princípios A mobilização da administração na constituição de um lançamento que se encontra já materializado através da realização do depósito do montante integral, como bem grafado por Coelho (2002, p. 75), e reproduzido em tópico anterior, nos demonstra uma afronta ao princípio da efetividade processual, inserida na seara da eficiência da administração, em sentido amplo, conforme destacado no art. 37 da Constituição Federal como um dos princípios basilares da organização pública brasileira, sendo, nas palavras de Moraes (2008, p. 325), aquele que impõe à Administração Pública a “persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade”. E aqui trazemos luz sobre a importância da adoção de mecanismos que simplifiquem as demandas que recaem sobre os contribuintes, ou seja, aliviem o peso da burocracia, quase sempre motivada por excesso de etapas instrumentais encetadas pela Administração Pública. A realização de qualquer ato dispensável, e especificamente de um lançamento tributário que poderia ser substituído pelo aval da Fazenda Pública confirmando a ocorrência do depósito do montante integral, traz desvantagens indiretas para o cidadão contribuinte de forma geral, como o custo do movimento da máquina pública, recaindo sobre todos, e diretas em relação ao contribuinte do caso concreto, que precisará demandar esforços para tomar medidas em relação à exigência, como muitas das vezes ocorre quando este se sente impelido a manifestar-se através de um Processo Administrativo Fiscal que tramitará apenas para confirmar que o crédito está suspenso e que a análise predominante será aquela feita pelo judiciário, em face do que determina o parágrafo único do art. 38 da Lei de Execuções Fiscais. A Fazenda Pública, portanto, aproveitando-se do entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que, afinal, não lhe impõem prejuízos, deveria absorver a ideia da dispensa do lançamento tributário para prevenir decadência em caso de confirmação da existência do depósito do montante integral, uma vez que essa é uma oportunidade de se abrir mão de comportamentos excessivamente burocráticos, em comportamento condizente com o clamor dos contribuintes e dos estudiosos do tema. Conclusão A Administração Pública tem a sua atuação pautada por princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988, com destaque para os da moralidade, publicidade, impessoalidade, eficiência e legalidade. Este último, o da legalidade, é o que impõe ao poder público a obrigação de somente agir conforme determinado em lei. Ao longo deste trabalho vimos que tanto a lei, quanto a jurisprudência e a doutrina, admitem o depósito do montante integral do tributo como forma de verdadeira constituição do crédito tributário, na modalidade de autolançamento, ou lançamento por homologação, sendo, desta maneira, dispensável que a fazenda pública empregue seus esforços na constituição do crédito tributário com o fito de prevenir a decadência, quando da existência do mencionado tipo de depósito. A análise ganha importância à medida que se observa um outro princípio pela administração pública: o da eficiência. Eliminar atos desnecessários e esforços que não agreguem resultados à atividade fim estatal é uma premissa para o cumprimento pleno do espírito da eficiência que norteia a moderna forma de atuação pública. Ocorre que, para que ao poder público não seja atribuída a culpa por omissão em suas funções, é preciso que se atente ao respeito à legalidade, tal qual demonstrado no caso em análise, uma vez que a lei, ao prever o lançamento para prevenir a decadência associada aos casos de existência de medidas liminares favoráveis ao contribuinte, através do silêncio da norma, excluiu a hipótese quando a situação se referisse ao depósito do montante integral. A Administração, nesses casos, deve pronunciar-se a respeito da integralidade do montante depositado, podendo lançar de ofício, inclusive com cobrança de multa e juros, parcela devida que não foi computada para o cálculo do valor depositado.  Essa, contudo, não tem sido a forma com a qual a matéria é tratada administrativamente, uma vez que o lançamento para prevenir a decadência é, recorrentemente, realizado mesmo diante da existência de depósito do montante integral, levando as discussões sobre o tema às instâncias do contencioso administrativo e ocasionando, no mais das vezes, mobilizações dos equipamentos estatais sem a produção de qualquer resultado prático, uma vez que a matéria já foi exposta à apreciação do judiciário, de quem prevalecerá a decisão final.  Em razão disto é que a dispensa da realização do lançamento para prevenir decadência, desde que verificada a existência integral do depósito do montante apurado mostra-se como uma medida condizente com os princípios administrativos, com destaque para os da legalidade e eficiência.
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O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) e sua incidência sobre as atividades de meio. A possibilidade de aplicação de alíquotas diferenciadas entre atividades de um mesmo prestador
O presente artigo pretende elucidar uma das obscuridades que rodeia os serviços tributados pelo ISSQN. Para tanto, estuda a possibilidade da incidência do imposto sobre as atividades de meio, as “atividades fim” e as atividades preponderantes. Aprofundando o tema, aborda ainda a verossimilhança da tributação do imposto com alíquotas diferenciadas sobre atividades fins prestadas por uma mesma empresa, ou por um mesmo prestador. Através da doutrina e da jurisprudência é possível definir o conceito e a extensão de cada uma dessas atividades, bem como suas características e peculiaridades. Demonstra a impossibilidade de se
Direito Tributário
Introdução O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ocupa posição relevante no ranking de arrecadação, dentre os tributos de competência municipal previstos na legislação tributária nacional. O fundamento legal e a competência estão previstos na constituição Federal e o imposto se materializa pela prestação dos serviços listados em lei municipal, promulgada em consonância com a Lei Complementar (LC) nº 116 de 2003.  O ISSQN com frequência encontra-se envolto em diversas polêmicas, sendo, talvez, um dos impostos com mais lacunas e obscuridades na atualidade. Muito se discute à cerca do local da prestação de serviços e da sua base de cálculo. Contudo, o presente estudo visa enfrentar especialmente outra polêmica: a tributação das atividades de meio também conhecidas como atividades acessórias. A partir da previsão constitucional e em lei complementar, faz-se a análise sintética da matriz de incidência tributária, para a investigação da definição e a possibilidade de tributação das atividades acessórias. Finalmente, adentramos na questão da aplicação das alíquotas diferenciadas em atividades desenvolvidas por um mesmo prestador. O ISSQN tem impacto profundo nas finanças municipais e sempre que se discute uma possibilidade de ampliação na margem de tributação, isto é, tributar mais atividades do que vem sendo praticado, o resultado será uma maior arrecadação municipal. Todavia sabemos que essa maior arrecadação é uma via de mão dupla, pois enquanto um sujeito aumenta sua receita, outro diminui e o outro, no caso, é o prestador do serviço. O conflito de interesses entre o fisco municipal e os prestadores de serviços acirra a discussão sobre o objeto deste artigo, instigando nossa aspiração por soluções palpáveis, ou, no mínimo coerentes na incidência de tributos sobre determinadas atividades econômicas. 1. Previsão legal e regra matriz de incidência tributária do issqn 1.1 previsão legal O ISSQN está previsto no inciso III do art. 156 da Constituição Federal (CF): “Art. 156 – Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no Art. 155, II, definidos em lei complementar”;[1] A CF tratou de definir a competência privativa dos municípios ao instituir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, e a Lei Complementar o regulamentou. O art. 155, II da Carta Magna, define, porém, uma exceção à competência municipal de tributar o ISSQN, atribuindo aos estados a função no que tange a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal.[2] A LC nº 116 de 2003 atualmente em vigor, além de regulamentar a CF, veio definir os serviços sobre os quais os municípios, através de suas Leis Ordinárias, farão incidir o imposto: “Art. 1º – O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.”[3] A Lista Anexa para alguns doutrinadores e juristas chama-se Lista de Serviços. Da análise de alguns (ou diversos) Códigos Tributários Municipais, percebe-se que os municípios, basicamente, transcrevem a LC nº 116/2003 em suas Leis Municipais Tributárias. Estabelecido este ponto, passa a ser objeto de análise a norma de conduta que disciplina a relação jurídico-tributária entre o Fisco e o contribuinte: 1.2 Regra matriz de incidência tributária 1.2.1 Aspecto Material Como abordado pela Constituição e pela LC nº 116/2003, o fato gerador do imposto é a prestação de serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. A doutrina é uníssona quanto à incidência do tributo sobre a prestação de serviço e não sobre o serviço em si, tendo o próprio termo “prestação de serviços” sido adotado pela referida LC para descrever o imposto. A materialidade do imposto será aprofundada no capítulo seguinte. 1.2.2 Aspecto Temporal Considera-se devido o ISSQN quando perfectibilizado o critério material. Se inexistente ou não concluído o ato de prestar o serviço, não ocorrerá o aspecto temporal, pois sequer terá nascido a obrigação tributária.[4] 1.2.3 Aspecto Espacial Questão igualmente polêmica sobre o ISSQN e quiçá uma das maiores controvérsias envolvendo este imposto é a controvérsia quanto ao local de incidência do mesmo. Quem possui legitimidade para exigir o imposto? Para efeitos do nosso estudo importa referir apenas que nos termos da LC nº 116/2003, quem possui competência para exigir o imposto é o município do prestador do serviço, posição esta adotada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) [5]: “AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. COMPETÊNCIA. LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003. PRECEDENTES.1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o julgamento pelo colegiado do agravo regimental interposto contra decisão singular do relator supera a alegação de supressão de instância e de eventual ofensa ao art. 557, do CPC.2. Para Corte a quo, a competência tributária para a cobrança do ISSQN se fixa a partir do local da prestação do serviço, isto é, onde se dá o fato gerador.3. Ao decidir assim, o tribunal estadual dissentiu da jurisprudência desta Corte Superior que já decidiu: “a competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º)”.Agravo Regimental improvido.[6]” O conflito de competência entre os municípios para exigir o imposto seria sem dúvida objeto de um estudo interessante, porém não é nosso objetivo com o presente trabalho. 1.2.4 Aspecto Pessoal Como sujeito ativo aparece a figura do Município[7] e como sujeito passivo aquele que presta o serviço, em relação a cada prestação considerada.[8] 1.2.5 Aspecto Quantitativo 1.2.5.1 Base de Cálculo A base de cálculo deste imposto é o preço do serviço[9]. O preço do serviço nada mais é que a “expressão econômica da prestação”[10], dela excluídos os valores extrínsecos à atividade[11]. 1.2.5.2 Alíquota Dispôs a Constituição sobre a alíquota: “Art. 156 -(…) §3º. Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;[12]” A alíquota máxima do imposto é 5% e a mínima é 2%.[13] Retomando a materialidade do imposto introduzida no subitem 1.2.1, veremos o que se considera serviço. 2 Serviço 2.1 Conceito A definição do termo “serviço” nos é dada pela ciência econômica e segundo Francisco Ramos Mangieri é: (…) “o produto do trabalho humano destinado à satisfação de uma necessidade, através da circulação econômica de bem imaterial ou incorpóreo.[14]” Daí porque o fato gerador do ISSQN não é o serviço em si, mas a prestação do mesmo, conforme havíamos referido no capítulo anterior. O fato gerador pressupõe justamente a ocorrência de um fato e, na definição pura de serviço, não há propriamente a ocorrência de um. É necessário que se preste o serviço a outrem para que ocorra o fato gerador do tributo. Traz-se à baila então, a figura do prestador, pois o objeto do direito sempre será a conduta humana e não as coisas ou bens. Quem sofre a incidência do ISSQN é, portanto, a prestação do serviço e não o serviço em si.[15] Se de um lado temos um prestador, temos também aquele que se beneficia da prestação, daí porque o serviço é prestado à terceiro. Afirma o STJ: (…) “3. Deveras, o ISS, na sua configuração constitucional, incide sobre uma prestação de serviço, (…) 4. Desta sorte, o núcleo do critério material da regra matriz de incidência do ISS é a prestação de serviço, vale dizer: conduta humana consistente em desenvolver um esforço em favor de terceiro, visando a adimplir uma “obrigação de fazer” (o fim buscado pelo credor é o aproveitamento do serviço contratado). 5. É certo, portanto, que o alvo da tributação do ISS “é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. (…)”[16] Grifamos O serviço é destinado a um terceiro, pois não há exteriorização de riqueza na atividade exercida em benefício próprio. Não haveria como mensurar a capacidade contributiva nesta ação para si próprio e a Constituição só arrolou arquétipos evidenciadores de riqueza.[17] Neste mesmo contexto, devemos considerar que a relação de prestação de serviço que gera a incidência do ISSQN é aquela que engloba as atividades sob o regime do direito privado.[18] Por outro lado, a habitualidade da prestação não é relevante para fins de incidência deste imposto, posto que ainda que o profissional preste o serviço de maneira eventual, ele gerará a ocorrência do fato gerador.[19] Não é todo e qualquer serviço que pode ser tributado, ainda que a previsão legal traga em seu texto o termo “serviços de qualquer natureza” não tem abrangência irrestrita e ilimitada. Para a tributação dos serviços, conforme já abordado, foi necessário a aprovação da “Lista de Serviços” anexa à LC nº 116/03. Deste modo, há uma confirmação de que o termo “qualquer natureza” é limitado à previsão da prestação de serviços na norma acima mencionada.[20] Por fim, importa destacar que o fato gerador deste imposto envolve impreterivelmente a remuneração, não podendo confundi-la com o lucro, visto que muitas atividades que não envolvem lucros, ainda assim sofrerão incidência do ISSQN. [21] Assim, se um prestador executa uma infinidade de atividades as quais chamamos serviços, há a necessidade de definição sobre quais serviços incidirá o imposto, nos termos do que prevê a legislação. 3. Atividade preponderante, atividade fim, atividade de meio e a incidência do issqn 3.1 Atividade preponderante x atividade fim A atividade fim desenvolvida por um prestador é o serviço final que ele presta a seus clientes. Ocorre que um prestador pode possuir uma ou diversas atividades fim. Quando desenvolver apenas uma, obviamente esta será sua atividade preponderante. Mas, como definir a atividade preponderante do sujeito passivo que desenvolve mais de uma atividade fim? Neste caso, Ana Clara da Rosa Alves doutrina que a atividade preponderante é aquela que possui a maior expectativa de receita pela pessoa jurídica ou aquela que envolver a maior parte de sua mão de obra.[22] Igual é o posicionamento adotado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que considera a atividade preponderante aquela que ocupa na empresa, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos.[23] Assim, podemos concluir que a atividade preponderante sempre será uma atividade fim, mas nem sempre uma empresa terá apenas uma atividade fim, logo, uma atividade fim nem sempre será uma atividade preponderante. Por outro lado, uma atividade fim engloba diversas outras atividades acessórias. É dizer que uma atividade fim é formada por um conjunto de atividades de meio. E nesse contexto, o que seria atividade de meio ou acessória? 3.2 Atividade de meio Se atividade meio compõe a atividade fim, é preciso distinguir o que é atividade fim e o que é atividade meio. Para o STJ, a atividade de meio é o modo de prestar a atividade fim: “Ressalte-se que, conforme consta do aresto impugnado, "não há confundir o serviço com o modo de prestá-lo. Por exemplo, relativamente ao serviço de pulverização, e não de aviação como pensa impetrante, fato gerador é a prestação do serviço de pulverização, que vem a ser atividade-fim. Desimporta o modo com são prestados, se por meios aéreos, terrestres, etc., que são atividades-meio, e assim igualmente os demais. Para vingar a tese da apelante, impunha-se constar na lei, por exemplo, 'serviços de pulverização por meios terrestres'. Aí, sim, estaria excluída tributação quando prestados por meios aéreos. Tendo em vista que na hipótese dos autos o Município pretende tributar os serviços de pulverização de lavouras, os quais são prestados pela recorrente por meio de aviões, não há falar em analogia, haja vista que a Lei Complementar 16/203 prevê expressamente, em seu item 7.13, a tributação desse tipo de atividade, não importando o modo pelo qual e é efetivamente realizado.[24]” Para Barreto as atividades de meio são “pseudo-serviços” que conduzem a execução de um serviço fim: “É preciso discernir, concretamente, essas situações: (a) as atividades desenvolvidas como requisito ou condição para a produção de outra utilidade qualquer são sempre ações-meio, (b) essas mesmas ações ou atividades, todavia, consistirão no fim ou objeto, quando, em si mesmas, isoladamente consideradas, refletirem, elas próprias, a utilidade colocada à disposição de outrem.[25] 1) a consistência do esforço humano prestado a outrem, sob regime de direito privado, com conteúdo econômico – essa a noção apontada pelo conceito de prestação de serviços-; 2)  das ações intermediárias, que tornam possível esse “fazer para terceiros”. Dissemos anteriormente que, [26] em toda e qualquer atividade há “ações-meio” (pseudo-serviços) cujo custo é direita ou indiretamente agregado ao preço do serviço. Mas a isto não autoriza possam ser elas tomadas isoladamente, como se cada uma fosse uma atividade autônoma, independente, dissociada daquela que constitui  a atividade-fim (como seria, por exemplo, se se pretendesse que o advogado presta serviço de datilografia, mesmo sabendo-se que o custo da atividade-meio, separada ou embutidamente, é sempre cobrado do tomador de serviços, por integrar seu preço).”[27] No exemplo acima referido, a datilografia, apesar de ser uma atividade prevista na Lista de Serviços como autônoma, neste caso não passa de uma atividade de meio da qual se utiliza para atingir a atividade fim, que é advogar. A atividade meio, jamais entregará o serviço final contratado, por si só. Para Ana Alves “sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de “prestação-fim”, saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas “prestações-meio””.[28] A atividade de meio é o modo de se chegar à atividade fim. 3.3 Incidência do issqn sobre as atividades de meio Pelo exposto, as atividades de meio também são serviços. O ISSQN por sua vez, tributa os serviços previstos na Lista Anexa. Isso quer dizer que, se a atividade de meio estiver prevista na Lista de Serviços, ela poderá ser tributada separadamente? O ISSQN é devido sobre a atividade fim, não sobre os serviços de composição que, realizados como meios de atingir um fim, consistem em meros atos insuscetíveis de tributação, vez que não há serviço para si mesmo.[29] Na maioria das vezes, a atividade de meio é uma etapa da prestação do serviço tributável (este sendo atividade fim); é possível separá-la, para tratá-la como atividade independente e autônoma, mas não é correto tributá-la. Ainda que se saiba que o custo das atividades de meio está direta ou indiretamente agregado ao preço do serviço, não é possível, juridicamente, tomá-la isoladamente, como se cada uma delas fosse uma atividade autônoma, independente, dissociada daquela que constitui atividade fim.[30] Se como visto no capítulo 2 o esforço humano é prestado a terceiros como fim ou objeto, o alvo da tributação é este fim, onde lê-se, atividade fim. As etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias ao cumprimento da atividade fim, não são tributáveis.[31] Em um julgado, o Ministro Luiz Fux, reproduziu os ensinamentos de BARRETO: “(…) 6. Assim, “sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de “prestação-fim”, saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas “prestações-meio” da sua realização” (Marcelo Caron Baptista, in “ISS: Do Texto À Norma – Doutrina e Jurisprudência da EC 18/65 À LC 116/03”, Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2005, pág. 284). O poder judiciário já consagrou que as atividades necessárias a realização de um dado serviço são dele inseparáveis e “apenas correspondem ao meio de prestação de serviços”  “Não se pode tomar as partes pelo todo” como bem apontado as atividades desempenhadas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado no respectivo item da lista. Não há previsão legal para um serviço decomposto, o serviço vem previsto na sua integralidade, onde se consideraram intelectualmente as várias ações de meio que o integram, daí porque não se pode pretender tributá-las separadamente, uma a uma de forma isolada, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo e independente.” [32] Um pouco mais arrojada é a posição adotada por Ana Clara Alves; para ela o serviço, seja ele de meio ou fim, só poderá ser tributado quando: “Para ser tributável, é fundamental que seja esse “fazer”, objeto do negócio jurídico, seja claramente delimitado e passível de destaque na operação sem a desnaturação do contrato ou a invasão de competências tributárias alheias ao Município.”[33] A jurista entende que a atividade de meio poderá ser tributada, desde que, se destacada do contrato, não lhe roubar sua essência. Neste ponto, peço vênia para discordar da ilustre colega, pois se o destaque da atividade permite a continuidade do contrato sem afetar o fim pretendido, esta atividade deixa de ter características de uma atividade acessória, para assumir contornos de verdadeira atividade fim, com vida autônoma, independente e, por que não, isolada. Pelo exposto, vemos que nem todo fazer que esteja previsto na lista de serviços da LC nº 116/2003 é tributável pelo ISSQN. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim decidiu sobre a questão: (…) “Serviços de armazenagem, containerização, escolta e manuseio (atividades meio) são elementos integrativos do serviço de transporte intermunicipal (atividade fim) e, por isso, não podem ser desmembrados a fim de permitir a tributação pelo ISS.[34]” Em outro julgado do mesmo Tribunal restou consignado que atividades de meio não podem ser confundidas com atividades fim, que constituem o efetivo serviço prestado. O acórdão afirmou ainda que a prestação dos serviços externos, são meros apêndices do serviço principal.[35] A conclusão que se chega é que a atividade preponderante do prestador de serviços não é o que conduz à incidência do ISSQN, mas sim a atividade efetivamente desenvolvida no negócio jurídico analisado.[36] O que deseja tributar o ISSQN é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto, jamais suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim. [37]  Para Barreto “somente podem ser tomadas, para compreensão do ISS, as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado em cada item. Não se pode decompor em serviço porque previsto, em sua integralidade, no respectivo item específico da lista da lei municipal nas várias ações-meio que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de construir-se em desconsideração à hipótese de incidência do ISS.”[38] Recente decisão do STJ, datada de 24.02.2014, voltou a confirmar a não incidência deste imposto sobre as atividades de meio e aplica-se ao presente estudo por analogia: “TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. ATIVDADE-MEIO. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.SÚMULA 83/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, independente da cobrança pela prestação de serviço, "não incide ISS sobre serviços prestados que caracterizam atividade-meio para atingir atividades-fim, no caso a exploração de telecomunicações " (REsp 83254/MG, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 18.207, DJ 28.208 p.74). Precedentes. Incidência da Súmula 83/STJ. (…)[39] Grifamos” Outro não é o entendimento adotado por Tribunais Regionais no país: (…) “No caso, o Apelante pretende sujeitar ao ISS os serviços prestados ou solicitados por concessionário de serviços público de energia elétrica, tais como emissão de aviso e reaviso de faturamento, emissão de segunda via de fatura, realização de ligação e religação de energia, aferição de medidores, verificação de medido improcedente, verificação de nível de tensão, visita À unidade de consumo, fiscalização, vistoria, laudo metrológico elaborado pelo INMETRO, verificação metrológica realizada pelo INMETRO. Essas atividades são, de forma inequívoca, prestadas a fim de viabilizar a prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica pela concessionária. Não se trata de serviços autônomos com conteúdo econômico próprio, mas atividade-meio da prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica. Não podem, portanto, ser desvinculados da prestação do fornecimento de energia elétrica para fins de incidência do ISS,” (…).[40] Há, contudo, alguns serviços prestados em que as atividades de meio e fim confundem-se, assim como o fim pretendido. Não há como distinguir o fim do contrato, se visa uma obrigação de fazer ou uma obrigação de dar, a esse serviço chamamos de complexo e veremos a seguir. 3.4 O serviço complexo O “serviço complexo” recebe este nome justamente por ser composto de inúmeros serviços acessórios e fim que se confundem, tornando extremamente difícil inclusive identificar se o fim do contrato é uma obrigação de dar ou fazer, posto que engloba ambas modalidades. Em razão disto, entende a doutrina e a jurisprudência que o serviço complexo não pode ser dividido para que sobre ele incida o ISSQN. O STJ ao apreciar o RE nº 953840/RJ[41], entendeu que o contrato em questão era de natureza complexa e assim, por ser um todo indissociável de obrigação de dar, fazer e não fazer, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) para declarar a não incidência do tributo municipal, ante a impossibilidade de seu fracionamento.[42] Não foi isolada aquela decisão, no julgamento do RE nº 1.054.144, assim se decidiu: “Os contratos de afretamento por tempo ou por viagem são complexos, porque, além da locação da embarcação, com a transferência do bem, há a prestação de uma diversidade de serviços, dentre os quais inclui a cessão de mão de obra”, de modo que “não podem ser desmembrados para efeitos fiscais (Precedentes desta Corte) e não são passíveis de tributação pelo ISS porquanto a específica atividade de afretamento não consta da lista anexa ao DL 406/68[43]” Esses serviços, em razão de sua complexidade, não podem ser decompostos e acabam tendo de ser analisados pela legislação conjunta, por vezes afastando a incidência do ISSQN ao encontrar disposição específica na legislação de outro imposto como o IPI ou ICMS. 4 Aplicação de alíquotas diferenciadas sobre atividades desenvolvidas pelo mesmo prestador Com base no estudo realizado, temos que um prestador sempre desenvolverá uma atividade preponderante e que a atividade fim poderá ou não ser composta de atividades de meio. Havendo atividade de meio, apenas a atividade fim é tributável pelo ISSQN. Dito isto, seria possível um prestador de serviços ser tributado com alíquotas diferentes do referido imposto sobre duas atividades distintas? A resposta é sim. A fim de compreendermos a questão, atentemos novamente ao que dispõe o art. 1º da LC nº 116/2003: “Art. 1º – O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.[44] Grifamos”    O referido artigo inovou ao incluir a tributação sobre os serviços que não constituam atividade preponderante do prestador. Contudo, dizer que está autorizada a tributação das atividades não preponderantes, não significa dizer que está autorizada a tributação das atividades de meio. Devemos sempre lembrar que a atividade de meio jamais existirá de forma isolada. Salvo melhor juízo, o que nos parece estabelecer o art. 1º da LC nº 116/2003 é que está autorizada a tributação de outras atividades fim desenvolvidas pelo mesmo prestador, desde que previstas na Lista de Serviços e que não sejam sua atividade preponderante. Tomemos como exemplo um hospital. Esta atividade está classificada no item 4.03 da Lista Anexa da LC nº 116/2003. Esse hospital presta basicamente serviços de internação pós-cirúrgica. Para que o estabelecimento desenvolva adequadamente seu fim pretendido, diga-se, a internação, ele também desenvolve serviços internos de lavanderia. Por sua vez, o serviço de lavanderia também está previsto na Lista Anexa no item 14.10. Presta ainda este hospital, serviço de estacionamento, que está previsto na Lista Anexa no item 11.01 e é cobrado de forma independente de seus usuários, além de ser aberto ao público em geral. Pois bem, passemos à análise: a lavanderia, ainda que prevista na Lista Anexa, neste caso é uma atividade de meio, sem a lavanderia o hospital não conseguiria prestar seu serviço fim. Ademais, só se lavam as roupas do hospital de sorte que se não existisse o hospital também a lavanderia não existiria. Ela não é autônoma, nem independente. Por outro lado, o estacionamento, ainda que tenha a intenção de atender aos pacientes do hospital, dele não é vinculado. A prestação fim do nosocômio pode ser prestada com ou sem o estacionamento, que continuará existindo de forma autônoma e independente. É propriamente uma atividade fim, devendo ser tributada conforme sua previsão específica na Lista Anexa. Executa este hospital, portanto, duas “atividades fim” distintas e autônomas. Sobre cada uma delas deverá incidir uma alíquota específica do ISSQN, não devendo esta empresa recolher o imposto apenas sobre o serviço preponderante, sob pena de recolher imposto a maior, ou a menor. Não se deve confundir tributar atividades que não sejam preponderantes, com tributar atividades de meio. Com base no exemplo acima transcrito, a internação hospitalar é a atividade fim e preponderante, já o estacionamento é uma atividade fim e secundária, contudo, a lavanderia é uma atividade de meio que é englobada pela atividade preponderante e, portanto, sobre ela não deve incidir o imposto. Deduz-se, por conseguinte, que é possível um mesmo prestador ser tributado com alíquotas diferentes do ISSQN, desde que sobre duas “atividades fim” distintas. Considerações finais O ISSQN apesar de ser um dos principais impostos de competência municipal, ainda oferece muitas áreas obscuras e conflitantes quanto a sua incidência. A interpretação da legislação em conjunto com a doutrina e a jurisprudência, tem nos conduzido a patamares mais seguros quanto a sua aplicação. Ao longo dos anos, a jurisprudência, principalmente das Cortes Superiores, consolidou uma interpretação que pode ser considerada justa quanto à aplicação deste imposto. O ISSQN tem incidência sobre a prestação de serviços, ou seja, é uma obrigação de fazer que se fundamenta na realização de um esforço humano para um fim específico, tipificado na Lista Anexa e destinado a um terceiro. Este fim específico é o serviço tributado, ele consiste na própria atividade fim. Conforme visto, a atividade fim na maioria das vezes é composta por inúmeras outras atividades auxiliares, que por vezes também estão previstas na Lista Anexa. Tal fato tem gerado certa confusão aos Fiscos municipais quanto à incidência das alíquotas do imposto. Este ente tributante passou a adotar a prática de decompor o serviço a fim de tributá-lo em suas etapas, seja por entender, erroneamente, que esta seria a forma mais correta, seja a fim de maximizar a arrecadação do imposto, tendo em vista que gera a aplicação de várias alíquotas sobre uma única atividade fim. Ainda que previstas na Lista Anexa, as atividades de meio não podem ser tributadas, visto que constituem apenas em um modo para que o serviço fim seja efetivamente prestado. Logo se deduz que nem todo serviço, ainda que previsto na Lista de Serviços, poderá ser tributado. Ao longo deste estudo, percebeu-se ainda, que as “atividades fim” e as atividades de meio às vezes se confundem. Quando esta confusão for complexa a ponto de impedir a identificação da própria obrigação em si, ou do que efetivamente é atividade de meio e o que é a atividade fim, o tributo incidirá na forma que determina a Lei e a jurisprudência, sem que ocorra qualquer decomposição do serviço. Ao passo que o estudo avançou, constatou-se que o que disciplina o art. 1º da LC nº 116/2003 é a possibilidade de tributação das mais variadas “atividades fim”, ainda que não preponderantes. Um prestador sempre desenvolverá uma atividade preponderante, mas isso não quer dizer que ele preste somente uma atividade fim, por conseguinte, poderá existir incidência de alíquotas diferenciadas sobre cada uma das atividades fins por ele prestadas. Em última análise, a incidência pelo ISSQN sobre as atividades de meio afronta o que dispõe a CF e a LC. Quando a atividade de meio puder ser destacada da atividade fim sem que isso prejudique o próprio fim pretendido com o serviço, e, continuando a atividade de meio a existir de forma autônoma e independente, ela toma proporções de própria atividade fim e como tal poderá ser tributada de acordo com a sua previsão na lista anexa.
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Prescrição da pretensão executória dos créditos não tributários da União
Esse estudo traz ao leitor uma análise, legal e jurisprudencial, acerca da pretensão executória aplicados aos diversos tipos de créditos de natureza não tributária da União.
Direito Tributário
Introdução. Para introduzir esse assunto ao leitor de forma mais clara é importante fazermos uma digressão para esclarecer alguns conceitos prejudiciais ao entendimento do mesmo. Os tributos fazem parte das chamadas receitas derivadas que “agrupam, pois os rendimentos do setor público que procedem do setor privado da economia, por meio de prestações pecuniárias compulsórias – quase sempre, na forma de tributos, – devidas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que desenvolvem atividades econômicas”[1] . Nessa toada, encontramos essa relação entre tributo e receita derivada na Lei n° 4.320 de 1964, que estatui normas gerias de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Tal lei foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como complementar, numa decisão de medida cautelar na ADIN 1726, pelo STF, in verbis: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.061, DE 11.11.97 (LEI Nº 9.531, DE 10.12.97), QUE CRIA O FUNDO DE GARANTIA PARA PROMOÇÃO DA COMPETIVIDADE – FGPC. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 62 E PAR. ÚNICO, 165, II, III, §§ 5º, I E III, E 9º, E 167, II E IX, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A exigência de previa lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4.320, de 17.03.64, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar; embora a Constituição não se refira aos fundos especiais, estão eles disciplinados nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei nº 9.531/97, é fundo especial, que se ajusta à definição do art. 71 da Lei nº 4.320/63; b) as condições para a instituição e o funcionamento dos fundos especiais estão previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei. 2. A exigência de prévia autorização legislativa para a criação de fundos, prevista no art. 167, IX, da Constituição, é suprida pela edição de medida provisória, que tem força de lei, nos termos do seu art. 62. O argumento de que medida provisória não se presta à criação de fundos fica combalido com a sua conversão em lei, pois, bem ou mal, o Congresso Nacional entendeu supridos os critérios da relevância e da urgência. 3. Não procede a alegação de que a Lei Orçamentária da União para o exercício de 1997 não previu o FGPC, porque o art. 165, § 5º, I, da Constituição, ao determinar que o orçamento deve prever os fundos, só pode referir-se aos fundos existentes, seja porque a Mensagem presidencial é precedida de dados concretos da Administração Pública, seja porque a criação legal de um fundo deve ocorrer antes da sua consignação no orçamento. O fundo criado num exercício tem natureza meramente contábil; não haveria como prever o FGPC numa Lei Orçamentária editada nove antes da sua criação. 4. Medida liminar indeferida em face da ausência dos requisitos para a sua concessão, não divisados dentro dos limites perfunctórios do juízo cautelar. (ADI 1726 MC, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1998, DJ 30-04-2004 PP-00027 EMENT VOL-02149-03 PP-00431 RTJ VOL-00191-03 PP-00822).” O art. 9º da supracitada Lei assim assevera: “Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da Constituição e das Leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.” Por outro lado, as receitas originárias, não decorrem da coerção e soberania estatais. São obtidas com a exploração do próprio patrimônio da administração pública, por meio da alienação de bens ou serviços. Tem natureza dominial, pois são arrecadadas com a exploração de uma atividade econômica pelo próprio Estado. Decorrem, principalmente, das rendas do patrimônio imobiliário, das tarifas de ingressos comerciais, de serviços e até mesmo venda de produtos industrializados. “A definição em epígrafe oferta claro horizonte por meio do qual se pode vislumbrar que, nas receitas originárias, a fonte é o contrato, e tais entradas referem-se, com exclusividade, a prestações não tributárias”. (Sabbag, 2011, p.44). Para citar exemplos de receitas originárias temos: receitas de aluguéis pela locação de bens públicos, preços públicos obtidos pela venda ou serviços prestados por empresas públicas ou sociedades de economia mista, tarifas exigidas pelas entidades prestacionistas, multas contratuais, entre outros[2]. O art. 139 do CTN informa que “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Nesse passo, o crédito tributário decorrerá de uma obrigação principal cujo objeto são os tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais) ou seus respectivos adicionais e multas. Ademais, os créditos não tributários são os decorrentes de uma relação jurídica que não tem fundo tributário. São exemplos: multas pelo exercício do poder de polícia, as multas de qualquer origem ou natureza, como as administrativas, trabalhistas, penais e eleitorais; créditos decorrentes da utilização do patrimônio, como os foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação; dos créditos decorrentes de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia de contratos em geral ou de outras obrigações, como os créditos rurais; créditos de ressarcimento ao erário; créditos de FGTS, entre outros.[3] Destarte, os créditos de natureza não tributária e os tributários, após serem inscritos em dívida ativa da União, são cobrados através do procedimento específico da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, conhecida como Lei de Execução Fiscal, ou simplesmente LEF, que dispõe sobre a Cobrança Judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências. Em que pese serem cobrados através do mesmo procedimento executório, o prazo de prescrição dos créditos tributários encontra-se previsto expressamente no art. 174 caput do Código Tributário Nacional. Por sua vez, para os créditos não tributários da União, o prazo da prescrição sempre foi alvo de discussões, tendo em vista a ausência de lei específica sobre o tema. Senão vejamos. 1. Prescrição da pretensão executória. Visão da legislação. De acordo com o mestre José Eduardo Soares de Melo, prescrição é a perda do direito da ação judicial para a cobrança do crédito tributário, em razão de inércia da Fazenda Pública após o transcurso de prazo determinado em lei.[4] No caso dos créditos não tributários decorrentes do exercício do poder de polícia, há que se diferenciar os institutos da prescrição da pretensão punitiva e da prescrição da pretensão executória. A prescrição da pretensão punitiva se relaciona com o prazo para apuração da infração administrativa e o respectivo processo administrativo. Para ficar mais claro, seria o prazo de apuração do “fato gerador” até o seu “lançamento” pela autoridade administrativa. A prescrição da pretensão executória se relaciona diretamente com o lapso legal para a cobrança judicial dos créditos já constituídos definitivamente na seara administrativa. O prazo da prescrição da pretensão punitiva já era regulamentado originariamente pela Lei nº Lei nº. 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. In verbis: “Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1° Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 2°Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.(…) Art. 2°. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941 de 2009)   I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009);   II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;   III – pela decisão condenatória recorrível.   IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)” Até a edição da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, que alterou artigos da Lei nº. 9.873, de 23 de novembro de 1999, não havia previsão legal do prazo prescricional judicial para a cobrança desses créditos. Assim, uma das principais inovações, se deu com a inclusão do art 1º-A em sua composição, verbis: “Art. 1o-A.  Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.”(grifo nosso). Em suma, a novel legislação positivou o prazo prescricional de cinco anos para a propositura da ação executória, contado da constituição definitiva do crédito não tributário, bem como passou a prever hipóteses de interrupção dessa prescrição. A Lei nº. 9.873/99 passou a ter a seguinte redação: “Art. 1°-A Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) (grifo)”. Art. 2° A: Interrompe-se o prazo prescricional da ação executória:  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)(grifei)  I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)  II – pelo protesto judicial;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)  III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)  IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor;  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)  V – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)(…) Art. 4°.Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data.  Art. 5°.O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.  Art. 6°.Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.859-16, de 24 de setembro de 1999.  Art. 7°.Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.  Art. 8°. Ficam revogados o art. 33 da Lei no 6.385, de 1976, com a redação dada pela Lei no 9.457, de 1997, o art. 28 da Lei no 8.884, de 1994, e demais disposições em contrário, ainda que constantes de lei especial.” Assim, a alteração promovida pela Lei 11.941/09 somente se aplicará aos créditos definitivamente constituídos a partir de sua vigência, que se deu com a publicação no Diário Oficial no dia 28/05/2009. “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL DE CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO DECRETO 20.910/1932. INAPLICABILIDADE ART. 4º DA LEI 9.873/1993. 1. O prazo prescricional para o exercício do poder punitivo pela Administração Pública é de 5 anos, contados da ocorrência da infração, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificada no sentido da aplicação analógica do Decreto 20.910/1932 (REsp 751.832/SC, r. Ministro Luiz Fux, 1ª turma). 2. A Lei 9.873/1999 não pode retroagir para alcançar fatos já prescritos antes de sua vigência (REsp 1.088.647/RS, r. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma / STJ). 3. Apelação do BACEN / exequente desprovida. Recurso adesivo da executada provido.(TRF-1 – AC: 37957420044013600 MT 0003795-74.2004.4.01.3600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA, Data de Julgamento: 04/10/2013, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.510 de 18/10/2013) )”(grifo nosso). APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DO DEVEDOR – EXECUÇÃO – MULTA POR INFRAÇÃO AMBIENTAL – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA PRETENSÃO PUNITIVA – DIES A QUO INICIADO COM A NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR DO RESULTADO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO – RECURSO IMPROVIDO. A Lei n. 9.873/99 com as alterações e inclusão de dispositivos da Lei n. 11.941/2009 estabelece prazo prescricional quinquenal tanto para a pretensão punitiva como para a executória. Aquela deflagrada, dentre outras meios, pela notificação do infrator do resultado do processo administrativo instaurado pelo órgão público.(TJ-MS – APL: 08001642720128120025 MS 0800164-27.2012.8.12.0025, Relator: Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, Data de Julgamento: 12/09/2013, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/05/2014)”(grifo nosso). Outrora, o alcance dessa norma se restringe às multas administrativas que não possuem preceito legal específico acerca da prescrição. Essa é a orientação da PGFN, no Parecer PGFN/CRJ/nº 506/2010, in verbis: “Feito esse registro inicial, é relevante assinalar que, face ao entendimento firmado no âmbito do STJ, busca-se através da elaboração deste parecer apenas alcançar o prazo prescricional das multas administrativas que não possuam preceito legal específico, não abrangendo, portanto, as multa do FGTS[5] – de acordo com previsão expressa no art. 23, §5º, da Lei 8.036/90[6], o prazo prescricional para as multas do FGTS é de 30 (trinta) anos.”(…) “8.Quanto às multas eleitorais e multas penais, importante ressaltar que não se tratam de multas administrativas, uma vez que: a) as multas eleitorais – são originadas por infração às normas de igual natureza e constituídas através de decisão judicial proferida pela Justiça Eleitoral, tendo jurisprudência pacífica neste âmbito afirmando a aplicabilidade do Código Civil na hipótese[7]; b) a multa penal – A Lei 9.268/96 passou a determinar, no art. 51 do CP, que, "transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição". Assim, a competência para sua execução passou a ser da Fazenda Pública, no entanto, tal fato não teve o condão de transformá-las em multas administrativas, devendo o seu prazo prescricional ser regido pela legislação civil na falta de regramento específico. 9.Não obstante se verifique regramento distinto com relação às multas administrativas na seara trabalhista, observa-se que o mesmo posicionamento vem sendo adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho, “ante a inexistência de preceito legal especificamente destinado a reger a prescrição relativa à multa administrativa, inclinou-se a jurisprudência no sentido de recorrer à aplicação analógica do artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, de forma a igualar em cinco anos o prazo de cobrança das dívidas ativa e passiva da Fazenda Pública”( TST-AIRR-2864/2005-036-23-40.8, Min. Guilherme Caputo Bastos, DJ 02/10/2009). Com o mesmo entendimento: AIRR – 179340-18.2008.5.06.0102 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 02/12/2009, 6ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2009; AIRR – 819340-75.2005.5.10.0014 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 02/12/2009, 6ª Turma, Data de Publicação: 18/12/2009; AIRR – 43640-93.2006.5.06.0311 , Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 25/11/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2009; AIRR – 214540-11.2005.5.02.0003 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 28/10/2009, 1ª Turma, Data de Publicação: 06/11/2009.” Quanto aos créditos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ressalte-se que o STF nos autos do ARE 709.212/DF, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 23, §5º, da Lei 8036/90 e 55, do Decreto 99.684/90, que fixavam em 30 (trinta) anos o prazo prescricional para a cobrança dos mesmos. No referido julgado, entendeu o STF pela aplicabilidade da prescrição qüinqüenal, prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição da República, por se tratar o FGTS de um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, e de que um prazo prescricional tão dilatado não é razoável, prejudicando a segurança jurídica. “Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da lei 8.036/90 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo decreto 99.684/90. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da lei 9.868/99. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF, Pleno, ARE nº 709.212/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13.11.2014).      O STF modulou os efeitos da decisão, determinando a aplicação direta do prazo prescricional inserto no art. 7º, XXIX, da CF, apenas para os créditos vencidos após a sessão de julgamento, ocorrida em 13 de novembro de 2014: “(…) Acerca da aplicabilidade da limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade ao controle difuso, reporto-me ao voto que proferi no Recurso Extraordinário 197.917, Rel. Maurício Corrêa, DJ 7.5.2004. (…)Assim, com base nessas premissas e tendo em vista o disposto no art. 27 da Lei 9.868/1999, proponho que os efeitos da presente decisão sejam meramente prospectivos.”(…)A modulação que se propõe consiste em atribuir à presente decisão efeitos ex nunc (prospectivos). Dessa forma, para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão. Assim se, na presente data, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência desta Corte até então vigente. Por outro lado, se na data desta decisão tiverem decorrido 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar da data do presente julgamento.” 2. Prescrição da pretensão executória. Visão Jurisprudencial. Outrora, aos casos anteriores à vigência da Lei nº. 11.941/09 alguns Tribunais aplicavam, através de uma aplicação analógica, os dispositivos do Código Tributário Nacional, para apuração da prescrição executória dos créditos não tributários da União. “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IMMETRO. COBRANÇA DE MULTA ADMINISTRATIVA. RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ART. 174 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. 1. Entendo inaplicável o prazo prescricional previsto no Código Civil por se tratar, nos presentes autos, de cobrança de crédito não tributário advindo de relação de Direito Público, sendo de ser aplicado o art. 174 do Código Tributário Nacional, conforme já decidiu esta C. Sexta Turma (AC n.º 200603990351592, Rel. Des. Fed. Lazarano Neto, j. 21.03.2007, v.u., DJU 09.04.2007, p. 404). 2. De acordo com o art. 174, caput, do Código Tributário Nacional, A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva. 3. A partir da constituição do crédito, quando se tem por definitivo o lançamento na esfera administrativa, inicia-se o prazo prescricional qüinqüenal para que a Fazenda ingresse em juízo para cobrança do crédito tributário, nos moldes preconizados pelo art. 174 do CTN. 4. Constituído o crédito a partir da notificação da lavratura do auto de infração, inicia-se a contagem do prazo prescricional, que permanecerá suspenso caso o débito seja impugnado administrativamente. 5. Afastada a alegação de suspensão do prazo prescricional uma vez que a hipótese aventada não se enquadra àquelas previstas no art. 174 do Código Tributário Nacional. 6. De acordo com o previsto no art. 174, parágrafo único, I, do CTN, na redação dada pela Lei Complementar n.º 118/2005, vigente à época dos fatos, a prescrição se interrompe pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal. 7. In casu, o débito encontrava-se prescrito antes mesmo do ajuizamento da execução fiscal, que extrapolou o período de 5 (cinco) anos concedido pelo art. 174 do Código Tributário Nacional. 8. Apelação improvida. (STJ – Processo AC 200761090032076; AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1358331; Relator(a) JUIZA CONSUELO YOSHIDA; Sigla do órgão: TRF3; Órgão julgador: SEXTA TURMA; Fonte: DJF3 CJ2. (DATA: 26/01/2009 PÁGINA: 843Data da Decisão: 18/12/2008; Data da Publicação: 26/01/2009)” (grifo nosso). Por sua vez, outros, aplicavam o prazo previsto no art. 1º do Decreto DECRETO Nº 20.910, DE 6 DE JANEIRO DE 1932, que regula a prescrição quinquenal, in verbis: “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.” “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVOS APONTADOS COMO VIOLADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA. RENÚNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APLICABILIDADE DO DECRETO 20.910/32 E ART. 191 DO CC. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O recurso especial não merece ser conhecido em relação a questão que não foi tratada no acórdão recorrido, sobre a qual nem sequer foram apresentados embargos de declaração, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356 do STF, por analogia). 2. A prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação. Na espécie, não há dúvida de que trata-se de uma questão eminentemente administrativa, e, como tal, deve ser aplicado o disposto no Decreto 20.910/32, inclusive no tocante à prescrição. Não se diga que a prescrição quinquenal tem por esteio o CTN, uma vez que não se trata de tributo, mas sim de uma execução de multa administrativa e, assim sendo, aplica-se a norma geral. 3."A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o reconhecimento administrativo do débito é capaz de promover a renúncia ou a interrupção do prazo prescricional já transcorrido, sendo este, portanto, o termo inicial a ser levado em consideração para a contagem da prescrição quinquenal." (AgRg no AREsp 50172/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 13/04/2012). Destarte, merece ser mantido o acórdão recorrido, pois em sintonia com a jurisprudência do STJ. Súmula 83/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AGRESP 201401525507, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:05/11/2014 ..DTPB:.)”( grifo nosso) “EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA PELO MUNICÍPIO. PRESCRIÇÃO. EXISTÊNCIA DE NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA. LAPSO DE PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. OBSERVÂNCIA DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional, interposto por Celso Antônio Soster (em causa própria) em impugnação a acórdão que, afastando a aplicação do art. 174 do CTN e do Decreto 20.910/32, declarou que a prescrição de multa administrativa (por não estar caracterizada a existência de crédito tributário) deve ser regulada pelo Código Civil (10 anos – CC 2002). 2. Todavia, em se tratando da prescrição do direito de a Fazenda Pública executar valor de multa referente a crédito não-tributário, ante a inexistência de regra própria e específica, deve-se aplicar o prazo qüinqüenal estabelecido no artigo 1º do Decreto 20.910/32. 3. De fato, embora destituídas de natureza tributária, as multas impostas, inegavelmente, estão revestidas de natureza pública, e não privada, uma vez que previstas, aplicadas e exigidas pela Administração Pública, que se conduz no regular exercício de sua função estatal, afigurando-se inteiramente legal, razoável e isonômico que o mesmo prazo de prescrição – qüinqüenal – seja empregado quando a Fazenda Pública seja autora (caso dos autos) ou quando seja ré em ação de cobrança (hipótese estrita prevista no Decreto 20.910/32). Precedentes: Resp 860.691/PE, DJ 20/10/2006, Rel. Min. Humberto Martins; Resp 840.368/MG, DJ 28/09/2006, Rel. Min. Francisco Falcão; Resp 539.187/SC, DJ 03/04/2006, Rel. Min. Denise Arruda. 4. Recurso especial conhecido e provido para o fim de que, observado o lapso qüinqüenal previsto no Decreto 20.910/32, sejam consideradas prescritas as multas administrativas cominadas em 1991 e 1994, nos termos em que pleiteado pelo recorrente.(RESP 200602605280, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:28/06/2007 PG:00884 ..DTPB:.)” (grifo nosso). “ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. 1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a "queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem" (fl. 28). 2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. 3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial – termo inicial da prescrição – que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido. 4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração. 5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado. 6. No caso, o procedimento administrativo encerrou-se apenas em 24 de março de 1999, nada obstante tenha ocorrido a infração em 08 de agosto de 1997. A execução fiscal foi proposta em 31 de julho de 2002, portanto, pouco mais de três anos a contar da constituição definitiva do crédito. 7. Nesses termos, embora esteja incorreto o acórdão recorrido quanto à aplicação do art. 205 do novo Código Civil para reger o prazo de prescrição de crédito de natureza pública, deve ser mantido por seu segundo fundamento, pois o termo inicial da prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. 8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008. (RESP 200900441413, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:08/02/2010.)ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. 1. A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a "queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem" (fl. 28). 2. A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. 3. Não obstante seja aplicável a prescrição quinquenal, com base no Decreto 20.910/32, há um segundo ponto a ser examinado no recurso especial – termo inicial da prescrição – que torna correta a tese acolhida no acórdão recorrido. 4. A Corte de origem considerou como termo inicial do prazo a data do encerramento do processo administrativo que culminou com a aplicação da multa por infração à legislação do meio ambiente. A recorrente defende que o termo a quo é a data do ato infracional, ou seja, data da ocorrência da infração. 5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado. 6. No caso, o procedimento administrativo encerrou-se apenas em 24 de março de 1999, nada obstante tenha ocorrido a infração em 08 de agosto de 1997. A execução fiscal foi proposta em 31 de julho de 2002, portanto, pouco mais de três anos a contar da constituição definitiva do crédito. 7. Nesses termos, embora esteja incorreto o acórdão recorrido quanto à aplicação do art. 205 do novo Código Civil para reger o prazo de prescrição de crédito de natureza pública, deve ser mantido por seu segundo fundamento, pois o termo inicial da prescrição quinquenal deve ser o dia imediato ao vencimento do crédito decorrente da multa aplicada e não a data da própria infração, quando ainda não era exigível a dívida. 8. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008.(RESP 200900441413, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:08/02/2010.)” (grifo nosso). Demais disso, quanto aos prazos prescricionais aplicados às multas em período anterior ao da supracitada Lei, a PGFN já se posicionou no sentido da aplicação o prazo qüinqüenal do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, às multas administrativas, salvo quanto às multas eleitorais, penais, e de FGTS.[8] Considerações Finais Como vimos, os créditos com natureza tributária e aqueles com natureza não tributária da União, são cobrados através do mesmo procedimento executório previsto na Lei de Execução Fiscal nº. 6.830/80.  Ocorre, que a ausência de lei específica sobre o prazo de prescrição executória dos créditos não tributários, implicou divergência entre os Tribunais, já que uns aplicavam os dispositivos do CTN, tal qual previsto para os créditos tributários, e, outros, os dispositivos do Decreto nº 20.910/32.   Com a edição da Lei nº. 11941/09, que trouxe inovações importantes, incluindo artigos expressos de prescrição executória na Lei nº. 9.873/99, encerrou-se essa discussão e ao mesmo tempo trouxe para o nosso ordenamento maior segurança jurídica das relações.
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O princípio da proporcionalidade no direito tributário sancionador
Este breve artigo objetiva discutir, de forma geral, a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no Direito Tributário Sancionador. Para isso pretende analisar as características do referido princípio, abordando sua importância para, junto a outros princípios constitucionais, buscar a efetivação de direitos e garantias fundamentais, bem como decisões mais adequadas no que se refere a esta matéria.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Os princípios apurados pela Ciência das Finanças, conforme ensina Aliomar Baleeiro (2001), constituiriam limitações, e limitações constitucionais, ao poder de tributar. Então, poderíamos considerar alguns desses princípios como “princípios gerais de repressão”, os quais exercem influência sobre o Direito Tributário Sancionador. Nesse contexto, destaca-se o princípio da proporcionalidade que, nas palavras de Paulo Roberto Coimbra Silva (2007), tem valor inestimável na concretização e efetivação de direitos e garantias fundamentais, bem como “na adequação das modalidades e intensidade da ingerência estatal sobre liberdades individuais” (SILVA, 2007, p. 305).  Assim, a proporcionalidade tem sido legitimada como um princípio constitucional de grande importância especialmente para coibir arbítrios, conforme avaliação fática e jurídica realizada caso a caso. 1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE O princípio da proporcionalidade está estreitamente ligado à idéia de razoabilidade, sendo esta sua principal característica. Tal princípio remete à noção de simetria, regularidade, harmonia e ponderação. Desse modo, terá uma função restritiva, ou moderadora, de forma que sua aplicação envolverá uma espécie de ‘convite ao equilíbrio’ na busca de uma adequação ideal entre vários objetos ou sujeitos. Antes de analisarmos suas características, é relevante destacar neste pequeno ensaio a existência de diferentes entendimentos a respeito da classificação do tema como princípio. 1.1 Princípio ou postulado? Quando se fala em ‘proporcionalidade’, não se pode falar em unanimidade doutrinária quanto à sua classificação como princípio. Alguns autores como Paulo Roberto Coimbra Silva e Marciano Seabra de Godoi referem-se ao instituto como princípio, mas em sentido oposto, Humberto Ávila, em sua obra que trata da teoria dos princípios, e Fábio Medina Osório, ao escrever sobre o tema em sua obra sobre Direito Administrativo Sancionador, são exemplos de autores que tratam a proporcionalidade como ‘postulado’. Nesse sentido, vejamos: “Um pilar fundamental de desenvolvimento e concretização das normas de Direito Administrativo Sancionador, ao lado e juntamente com o princípio do devido processo legal, é, sem dúvida, o chamado “princípio da proporcionalidade”, cuja importância revela-se transcendental à atividade estatal sancionadora. Esse princípio, se adotarmos a terminologia mais técnica, há de ser designado como postulado normativo aplicativo. Embora possa vir a ser nominado como princípio, o correr do discurso, até em respeito à terminologia usualmente empregada na maioria da doutrina e jurisprudência nacionais e comparadas, o certo é que se deve considerá-lo como postulado.” (OSÓRIO, 2000, p. 187). Humberto Ávila estabelece mesmo uma diferenciação entre “normas de primeiro e segundo grau”, classificando os postulados como “metanormas”, dessa forma: "As normas de segundo grau, redefinidas como postulados normativos aplicativos, diferenciam-se das regras e dos princípios quanto ao nível e quanto à função. Enquanto os princípios e as regras são o objeto da aplicação, os postulados estabelecem os critérios de aplicação dos princípios e das regras. E enquanto os princípios e as regras servem de comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas e proibidas, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os postulados servem como parâmetros para a realização de outras normas.(…) Isso demonstra que esses exames investigam o modo como devem ser aplicadas outras normas, quer estabelecendo os critérios, quer definindo as medidas. De qualquer forma, as exigências decorrentes da razoabilidade, da proporcionalidade e da proibição de excesso vertem sobre outras normas não, porém, para atribuir-lhes sentido, mas para estruturar racionalmente sua aplicação. Sempre há uma outra norma por trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessividade. Por esse motivo, é oportuno tratá-las como metanormas. E, como elas estruturam a aplicação de outras normas, com elas não se confundindo, é oportuno fazer referência a elas com outra nomenclatura. Daí a utilização do termo “postulado”, a indicar uma norma que estrutura a aplicação de outras". (ÁVILA, 2006, p. 125). Como se vê, os que defendem a classificação do instituto como postulado entendem que se trata de uma norma que apenas estruturaria a aplicação de outras. Contudo, diante da dificuldade de enquadramento, a posição dos que qualificam a proporcionalidade como princípio nos parece mais adequada e será a posição adotada neste estudo. Isso porque, entende-se que a proporcionalidade pode ser classificada como um chamado “princípio implícito”, conforme registrado por Aliomar Baleeiro: “É no próprio texto expresso da Constituição que, por vezes, encontramos o prestígio atribuído ao que nela está implícito ou resulta da extensão e compreensão de suas disposições.(…) Ao lado dos princípios expressos de tributação, vigoram sobre o campo desta outros princípios constitucionais inerentes ao regime e considerados garantias individuais.(…) Convém lembrar que uma plêiade de princípios esparsos, muitas vezes expressos para reger matéria financeira, orçamentária ou administrativa, são inteiramente aplicáveis à questão tributária como legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade dos atos administrativos (art. 37), previsibilidade e planejamento dos tributos (art. 165, § 2º) etc. Não são, entretanto, princípios implícitos. São aplicáveis à matéria tributária, por força de interpretação sistemática, estrutural e teleológica. Outros, embora não nomeados expressamente no Texto Constitucional, inspiram normas diversas. São, para alguns, verdadeiros e próprios princípios porque nortearam as decisões da Constituinte e presidiram as opções adotadas. São esses os princípios implícitos”. (BALEEIRO, 2001, p. 783-784). Assim, neste estudo, vamos considerar a proporcionalidade como princípio, adotando essa classificação por entendê-la mais adequada. 1.2 Características do Princípio Estima-se que o princípio da proporcionalidade tenha se originado na antiguidade, tendo sido identificado de forma marcante ainda na Idade Média, na Carta Magna Inglesa, outorgada a João Sem Terra, ao tratar da gradação de multas cominadas a práticas delituosas. O documento continha determinações no sentido de as multas fossem proporcionais à gravidade ou horror dos delitos praticados, sem confiscar as posses do infrator, de modo que a este fosse assegurada a manutenção de um mínimo necessário para sua subsistência. Infelizmente, é cediço que nessa época, de uma forma geral, a aplicação da proporcionalidade não ocorreu efetivamente. Haja vista as atrocidades cometidas pelo Príncipe e/ou mesmo pela própria Igreja, pois consideravam o suplício como elemento inseparável dos ritos punitivos. Posteriormente, a proporcionalidade foi resgatada pelos iluministas e, então BECCARIA, citado por Silva (2007, p. 306) traz a idéia da aplicação do princípio sustentando que a medida na pena deve decorrer da extensão do dano causado à sociedade. Dessa forma, a pena estaria dissociada da intenção do agente – o que hoje costumamos chamar de “direito penal do autor” -, da dignidade do ofendido ou mesmo do grau de ofensa à realeza e/ ou divindade, como era observado naquele período. Vemos que, atualmente, a doutrina e jurisprudência alemãs desenvolveram o princípio com maior profundidade e clareza, evidenciando uma ligação íntima da proporcionalidade ao Estado de Direito. Isso porque no Estado de Direito há a substituição do arbítrio pela submissão a regras gerais, produzidas com vistas a defender direitos consubstanciados nessas normas. Assim, não se toleram ações arbitrárias do Poder Público, pois todos, indistintamente, estão sujeitos às regras previamente estabelecidas. É nesse contexto que a proporcionalidade se mostra “num sentido diretivo e restritivo às potestades repressoras do Estado”. (SILVA, 2007, p. 305). Em sua obra intitulada “Direito Tributário Sancionador”, Paulo Roberto Coimbra Silva (2007) elenca como sendo quatro os principais destinatários do princípio da proporcionalidade, a saber: o legislador, o aplicador da lei, os competentes pelo controle de legalidade e constitucionalidade das atividades estatais e todos aqueles submetidos à abrangência de quaisquer ordenamentos jurídicos. O legislador, no momento pré-normativo, em que este deve adequar consequências aos fatos, agindo com coerência, de modo a evitar qualquer excesso, alinhando na norma as descrições do fato delituoso e da consequência que lhe segue. Já o aplicador da lei é destinatário do princípio da proporcionalidade ao exercer o poder de polícia e/ou os próprios poderes sancionadores do Estado, em quaisquer instâncias: administrativa ou judicial. Os competentes pelo controle de legalidade e constitucionalidade das atividades estatais, por sua vez, serão destinatários num momento posterior, também em quaisquer instâncias administrativa (controle interno e externo da administração) ou judicial (controle judicial). Por fim, todos aqueles submetidos à abrangência de quaisquer ordenamentos jurídicos serão destinatários do princípio, pois este é tido como garantia de proibição da arbitrariedade, de produção de limites ao Poder Público em sua atividade punitiva, restringindo ou limitando o exercício de direitos e liberdades. 2. A INFLUÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR Já se viu que a proporcionalidade foi legitimada como um princípio constitucional de grande importância, principalmente por possibilitar a interpretação e aplicação de outros princípios implícita ou explicitamente encerrados na CR/88. Constata-se sua grande influência na coação e controle de possíveis arbítrios estatais, especialmente. No que se refere às sanções fiscais, Helenilson Pontes, citado por Silva (2007, p. 309) afirma que: “O princípio da proporcionalidade constitui fundamental instrumento de seu controle.” E continua: “a imposição de penalidades tributárias, seja na definição abstrata dos textos normativos, seja na formulação in concreto da norma jurídica sancionatória, encontra substancial limite no princípio da proporcionalidade.(…) o princípio da proporcionalidade constitui um instrumento normativo constitucional por intermédio do qual se pode concretizar o controle dos excessos do legislador e das autoridades estatais em geral na definição concreta e abstrata das sanções.” (PONTES apud SILVA, 2007, p. 309-310) Ainda segundo Pontes, citado por Silva (2007, p. 310), o princípio da proporcionalidade é regra cogente não só para o legislador, mas também para a autoridade responsável pela sua aplicação concreta. E nesse sentido tem procedido o Supremo Tribunal Federal, ao avaliar a compatibilidade das normas legais com o princípio da proporcionalidade. Especialmente quanto à matéria tributária, podemos destacar, entre outros, um caso de “restrição legal do prazo para o contribuinte desconstituir judicialmente exigência fiscal e o princípio da proporcionalidade” (GODOI, 2002, p. 331). No caso concreto, o Supremo considerou abusiva e desproporcional a restrição imposta pela norma do caput do art. 33 da Medida Provisória nº 1.863-53/99 (ADIMC 1.922 e 1.976, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 24.11.2000) que estabelecia um prazo exíguo para exercício do direito de ação pelo contribuinte, obstaculizando o acesso deste à jurisdição. Assim, a referida norma foi suspensa. Semelhantemente a este caso há vários outros, entre os quais podemos citar: Recurso Extraordinário 202.313 (Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 19.12.96), Recurso Extraordinário 18.331 (2ª turma, DJ 08.11.51), bem como alguns julgados mais recentes, tal qual o seguinte: “EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. §§ 2o e 3o do Art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Fixação de valores mínimos para multas pelo não-recolhimento e sonegação de tributos estaduais. Violação ao inciso IV do Art. 150 da Carta da República. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional.” (ADI 551-1/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, Julgamento em 24/10/2002) Nesse sentido vem seguindo também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como destacamos nos seguintes julgados, também recentes: “EMENTA: 1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade. 2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. 3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade "aquilo que não pode ser”. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.(…) 7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396/87.“ (REsp 728.999/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Julgamento em 12/09/2006) “EMENTA: (…) 3. Precedentes análogos do STJ indicam ser possível o exame a) da razoabilidade e da proporcionalidade da pena de perdimento em operações de importação, e b) do dano efetivo ao Erário, para a caracterização específica da pena de perdimento. Com mais razão, seria imprescindível a realização desse juízo em casos que envolvam operações de exportação. 4. Nos termos do art. 112, do CTN, a legislação tributária que comine sanção ao contribuinte deve ser interpretada de forma mais favorável ao acusado, conforme hipóteses ali previstas.” (REsp 1217885/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgamento em 22/02/2011) Assim, pelo exame da pequena amostra de jurisprudência aqui destacada, constata-se que o Estado pode incorrer, e incorre, em abusos em sua atividade legislativa, bem como em sua atividade interpretativa. Portanto é inegável o papel do princípio da proporcionalidade na análise de cada situação, caso a caso, com vistas à proteção e concretização da realização de direitos e garantias fundamentais, repita-se, previstos constitucionalmente.  3. O TRÍPLICE CRIVO DA PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES TRIBUTÁRIAS Três “comandos balizadores” são citados por Silva (2007), nos quais a doutrina alemã teria decomposto o princípio da proporcionalidade como forma de verificar sua observância. Desse modo, a ausência ou violação de qualquer um desses “elementos” acarretaria invalidade da sanção tributária. E são eles: a) a adequação (Geeignetheit); b) a necessidade, imprescindibilidade ou o mínimo necessário (Erforderlichkeit) e c) a razoabilidade, pertinência ou proporcionalidade em sentido estrito, justa medida ou conformidade (Verhältnismässigkeit im engeren Sinne). Passaremos à breve análise de cada um desses elementos. A adequação, no alemão “Geeignetheit”, alude à compatibilidade entre os fins e os meios utilizados para alcançar tais fins, de modo que exista uma “coerência finalística entre limitação jurídica imposta pela sanção e o objetivo que justificou e legitimou sua cominação” (SILVA, 2007, p. 310) e sua imputação. Aqui, no que se refere às infrações tributárias, destaca-se a adequação das sanções pecuniárias em contraposição à inadequação total das chamadas “sanções indiretas” ou sanções morais ou, ainda, políticas. Dessas podemos citar como exemplo o bloqueio de recebimentos pelas empresas de faturas referentes a serviços já prestados ou mercadorias já entregues. O segundo elemento, qual seja, necessidade ou imprescindibilidade ou o mínimo necessário, do alemão “Erforderlichkeit”, faz referência à utilização do meio menos gravoso aos direitos dos particulares na consecução dos objetivos da norma sancionadora. Ou seja, a sanção só será aplicável quando absolutamente indispensável. Nesse sentido, a previsão ou imposição de penas restritivas de liberdade, por exemplo, em casos em que não haja dolo seria manifestamente inconstitucional. Silva (2007) cita como exemplos: intempestividade e/ou inadimplência no recolhimento de tributos. Assim como na “adequação”, neste segundo elemento – “necessidade” – as sanções tributárias indiretas, morais ou políticas, também são rechaçadas, objetivando a defesa do exercício da livre iniciativa das atividades profissionais, pois entende-se que em sua atuação o Estado poderia utilizar meios menos gravosos, de forma até mais eficaz. Por fim, o terceiro elemento seria a razoabilidade ou pertinência ou proporcionalidade em sentido estrito, justa medida ou conformidade, do alemão “Verhältnismässigkeit im engeren Sinne”.  A observância desse elemento determina um sopesamento entre as consequências, para o indivíduo, da intervenção a que estará sujeito e a defesa de outros direitos e garantias fundamentais que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico. Nas palavras de Eduardo Botallo, citado por Silva (2007, p. 312) essa pertinência “persegue o necessário equilíbrio entre o interesse do Estado em atingir o fim desejado e as eventuais adversidades geradas para chegar a esta meta”. Também em relação à “pertinência”, a constatação da ocorrência de desequilíbrio entre a atuação do Poder Público e a realização de outros direitos e garantias assegurados pela CR/88 revelará inconstitucionalidade, pois estes últimos não podem ter seu exercício inviabilizado em virtude de uma limitação imposta pelo próprio Estado. Talvez aqui esteja uma das maiores dificuldades quanto à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade, pois demandará do seu intérprete/aplicador um exercício de “sopesamento contínuo” entre princípios diferentes, e aqui haverá um espaço maior para a discricionariedade de cada agente. Um exemplo comum seria o possível conflito que pode surgir entre a busca do atendimento do interesse público com a arrecadação de receitas indispensáveis ao custeio dos serviços e investimentos públicos em face do princípio da capacidade contributiva, que anuncia o dever de adequar a sanção que se revela exacerbada às reais “forças econômicas” do infrator. CONCLUSÃO O objetivo deste breve artigo foi discutir, de forma geral e mais abrangente, a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no Direito Tributário Sancionador, tendo em vista sua legitimação como um princípio constitucional de grande importância, especialmente para coibir arbítrios do Poder Público. Para tanto, foi necessário analisar suas características principais, e assim passamos pela sua classificação como princípio ou postulado, seus destinatários, até chegarmos a sua influência sobre o Direito Tributário Sancionador. Neste ponto, destacou-se que o princípio da proporcionalidade é regra cogente para todos os seus destinatários, mas especialmente para os agentes, ou autoridades, responsáveis pela sua aplicação concreta. E aqui trouxemos algumas amostras da jurisprudência nacional para exemplificar tal aplicação prática. Visto isso, passou-se a investigar os três crivos da proporcionalidade especificamente nas sanções tributárias, nos quais foi decomposto o referido princípio pela doutrina alemã, quais sejam: i) a adequação (Geeignetheit); ii) a necessidade, imprescindibilidade ou o mínimo necessário (Erforderlichkeit) e iii) a razoabilidade, pertinência ou proporcionalidade em sentido estrito, justa medida ou conformidade (Verhältnismässigkeit im engeren Sinne).  De posse de todos esses elementos foi possível constatar que a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no Direito Tributário Sancionador está intrinsecamente ligada à discricionariedade de seu destinatário, seja ele o legislador ao tipificar condutas e cominar punições, ou seja ele o aplicador, analisando o caso concreto, por exemplo. Esse forte traço discricionário vai influenciar diretamente o estabelecimento de limites às sanções, pois o necessário sopesamento quase sempre estará relacionado a conceitos e critérios subjetivos de “prudência” ou outro tipo de interpretação e convencimento daquele que aplica o princípio. Sob esse prisma, a proporcionalidade deixa um espaço muito amplo para o destinatário, podendo se prestar a justificar qualquer tipo de posicionamento, o que pode até mesmo degenerar em uma ameaça à segurança jurídica, tão preconizada em nosso ordenamento pátrio. Um exemplo disso seriam os casos em que a sanção se revela desproporcional, com um intuito arrecadatório, descaracterizando-se sua natureza. O princípio da proporcionalidade funciona sim como um importante método de sopesamento e balanceamento, na busca pela interpretação mais adequada das normas a serem aplicadas a cada caso. Desse modo, atuará na integração de outros princípios, direitos e garantias fundamentais que, eventualmente, possam estar em situação de aparente conflito. Sobretudo, nesse papel norteador e orientador do sistema normativo, tanto na tipificação das condutas como na aplicação própria das sanções, a proporcionalidade buscará a efetivação de direitos e garantias fundamentais, bem como decisões mais adequadas, coibindo e combatendo arbítrios, conforme avaliação fática e jurídica, repita-se, realizada caso a caso.
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A inconstitucionalidade da cobrança do PIS/COFINS nas faturas de energia elétrica
O presente estudo tem por objetivo dispor sobre a legalidade ou a inconstitucionalidade do pagamento dos tributos – PIS/COFINS – nas faturas de energia elétrica. Aborda inicialmente a definição e importância do direito tributário na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Para isso, trata dos princípios constitucionais orientadores da tributação no Brasil, trazendo à tona a lei e a doutrina para a definição e aplicação dos princípios no estudo. No segundo momento, considerando que o poder de tributar não deve ser visto apenas como um poder estatal, mas sim, como conjunto de direitos e obrigações entre o Estado e os contribuintes. O trabalho busca na lei, na jurisprudência e na doutrina fundamentos jurídicos para aplicação do Direito Tributário Brasileiro em relação a exigência do PIS/COFINS, na forma como vem sendo aplicado pelo Estado Brasileiro, e tão discutido no Poder Judiciário. Por fim, analisa o crédito e a forma de compensação tributária, quando o Estado afronta o Princípio da legalidade cobrando do contribuinte em excesso. O método utilizado na fase de investigação é o indutivo, como base lógica e nas diversas fases de pesquisa foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica, explorando os contornos da literatura através dos mais variados materiais publicados em livros.
Direito Tributário
Introdução O trabalho tem por objetivo analisar o Principio da Legalidade de tributar com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1] e a sua incidência no direito brasileiro, de modo a preservar os direitos do contribuinte e do Estado. Para atingir o objetivo, inicia-se com estudo da tributação na CRFB/88, para, após, estudar o direito tributário e a sua relação com a Constituição e seus fundamentos jurídicos, buscando proteção do contribuinte. Analisar-se-á os Princípios no Direito Tributário na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, e sua concepção doutrinária, bem como, na legislação tributária infraconstitucional, com ênfase no principio do poder de tributar para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e para a Contribuição para Financiamento da Seguridade Socialdo (COFINS) e sua legalidade. Por fim, avalia-se o direito e a possibilidade de compensação do crédito tributário pelo contribuinte, em face do pagamento (caso) indevido. Como hipótese de pesquisa, tem-se que o princípio de legislar os que estão protegidos em Lei, bem como defendido pela doutrina majoritária, que sustenta uma visão positivista do Direito Tributário, petrificado na CRFB/88. O legislador tributário brasileiro ao elaborar norma deve garantir os direitos contra os atos ilegais, princípio da Legalidade, no âmbito da Administração Pública, visando à proteção dos Princípios Jurídicos e dos direitos dos contribuintes. 1. A constituição e seus princípios Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Carta Magna – encontram-se os princípios que conduzem o Estado. Fagundes[2] assevera ser: “[…] a expressão primária e fundamental da vontade coletiva organizando-se juridicamente no Estado, que com ela principia a existir e segundo ela demanda os seus fins”, e estes princípios regula toda lei que legisle direitos e deveres a todos assim fundamentados no artigo 5º da CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Com a definição Constitucional de que deve ser em lei as obrigações de fazer ou deixar de fazer, Falcão[3] ensina que em nosso atual Estado Moderno Constitucional é uma atribuição do legislativo a elaboração de normas que criem aos indivíduos ou cidadãos deveres e obrigações com objetivos sociais e democráticos. A Constituição apresenta, também, os objetivos que fundamentam um Estado Democrático de Direitos, com ênfase no art. 3º – “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”, seguindo os seus Princípios”. (grifo nosso) No que toca aos objetivos apresentados, escreve Falcão[4] que isto é a fonte das normas do conjunto que compõe o ordenamento positivo de nossa Nação e esclarece ser a Constituição organizadora também da Administração Pública, principalmente no assunto tributação.  O artigo 37, caput, da Constituição Federal, estão definidos os princípios da Administração Pública, a saber: “Art. 37 – Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. (grifo nosso) Baleeiro[5] sustenta que “o “Estado Democrático de Direito” guarda com a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a justiça” o conceito de democracia. Para a continuação de suas regras e normas em lei, a Carta Magna fundamenta em seu artigo 146 e 150, a função tributar, conforme lei complementar: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;” Cretella Jr.[6] ressalta de modo preciso que “lei complementar é toda norma que completa disposição constitucional, seguindo, de modo preciso, o rito estabelecido na Constituição”. Assim, o tributo, como regra geral, tem que ser legislado a partir de lei complementar. Em relação ao PIS/COFINS, com fundamento no art. 195, I da Constituição Federal, há a clara definição a quem compete legislar: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (grifos nossos) I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (…) b) a receita ou o faturamento.” Isto posto, ressalta-se que cabe ao legislativo tributar sobre todos os tributos, que inclui a a seguridade social.   1.1 O direito tributário Versando sobre Direito Tributário, Nogueira[7] afirma que “[…] é a disciplina da relação entre Fisco e Contribuinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições”. Para Machado,[8] o Direito Tributário tem por finalidade promover o equilíbrio na relação entre os que têm e os que não têm poder tributário (fisco e contribuinte) e conceitua “como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”. Assim como na Carta Magna o Código Tributário Nacional apresenta em seu art. 97: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: grifo nosso I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;” Conforme os autores especializados em tributação, a competência para tributar é do Poder Legislativo. Nessa trilha, Jardim[9] usa o magistério de Roque Antonio Carrazza e aduz que a “competência tributária é uma aptidão para criar tributos, descrevendo (ou alterando), por meio de lei (no caso, ordinário, (…) é a habilitação, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas para que tributem. A iniciativa da lei complementar, que trata das normas gerais e das leis ordinárias, que instituem os tributos, cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da república, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Constituição. Ressaltando que as leis complementares exigem quórum de aprovação por maioria absoluta, nos termos do art. 69 da CFRB/88 assim afirma: “As Leis Complementares serão aprovadas por maioria absoluta”. (grifo nosso) E porque uma agência que regula a distribuição de energia elétrica nacional pode Legislar com relação a tributos? Sabendo que são as distribuidoras e concessionárias de energia elétrica e telefonia em questão que devem recolher os encargos de PIS/COFINS, não o consumidor final, pois este não visa lucro. As matérias que devem ser regradas por lei complementar encontram-se taxativamente indicadas no texto constitucional e, como regra, as competências privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal terão a forma de resoluções (arts. 51 e 52 da CF) e as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional serão abordadas por decretos legislativos (art. 49 da CFRB/88). É isto que esta na Constituição, cabendo a Lei a instituição do tributo para a cobrança e o recolhimento da contribuição social defendido por Falcão[10] em suas palavras, “exige-se que em lei formal estejam determinados, (…) o fato gerador do tributo, a sua alíquota, a respectiva base de cálculo e os sujeitos passivos diretos e indiretos da obrigação tributária”. Porém, houve alterações na forma do recolhimento dos tributos PIS e COFINS, a partir da Lei 9.718/98, quando as empresas prestadoras de serviço público de forma geral, e no caso, as geradoras de energia elétrica passaram a recolher o PIS e a COFINS não mais somente diretamente sobre o fato gerador praticado por cada uma delas, mas passaram a recolher tais tributos por seus fatos geradores e pelos fatos geradores a serem praticados no futuro presumidamente pelas distribuidoras e pelas concessionárias de energia, num sistema de não-cumulatividade, na forma autorizada pelo art. 150, § 7º da CF/88, com base no fato gerador presumido: “Art. 150:  (…) § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Concluindo, cabe apenas a lei e, expressamente a ela, a competência para instituir tributos. 2. A inconstitucionalidade Em recentes decisões e publicações de Resoluções pela ANEEL e ANATEL, nota-se a influência direta no aumento da carga tributária. Tais alterações no ordenamento tributário, através de Resoluções, ferem os princípios basilares da Constituição Federal, que asseguram o direito do cidadão, bem como, ocorre usurpação de função do Poder Legislativo, necessitando urgentemente do Controle Jurisdicional, pois tais Resoluções Administrativas (ANEEL) são eivadas de ilegalidade e de abuso de Poder, porque o resultado desses atos administrativos (RESOLUÇÕES), sem um fato ou motivo que o legitime, sem nenhum amparo legal, ameaça e traz prejuízos ao consumidor. Ora, ocorre que a ANEEL, por meio do art. 10 da Resolução Homologatória 87, de 6 de abril de 2005, autorizou as concessionárias de energia elétrica e de distribuição a “incluir no valor total a ser pago pelo consumidor, a partir de 1º de julho de 2005, a exemplo do ICMS, as despesas do PIS e da COFINS efetivamente incorridas pela concessionária, no exercício da atividade de distribuição de energia elétrica”. Pois bem, a súmula 659 do STF diz que "é legítima a cobrança da COFINS, do PIS e do FINSOCIAL sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País." A Súmula está certa, os tributos PIS/COFINS e do FINSOCIAL são mesmo devidos, pois, tais tributos, têm fundamento no art. 195, I da Constituição Federal, acima já citado. Quando a Súmula diz que "é legítima a cobrança da COFINS, do PIS e do PASEP sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País", está sendo direcionada, especificamente para as empresas que geram e distribuem energia elétrica, ou seja, para as empresas que executam operações relativas a energia elétrica, e as dos demais ramos, como destacado na súmula, e NÃO PARA O CONSUMIDOR FINAL. O que é “operações” no sentido da Súmula? São operações relativas à energia elétrica, que é o que se discute aqui. É sem dúvida, a geração de energia na usina, é a transmissão dessa energia pela geradora, é a distribuição pela concessionária e ponto final. Não passa daí. O consumidor não entra nessas operações. O Consumidor não compra energia para revendê-la, data vênia. O PIS/COFINS são contribuições sociais que convivem, perante o ordenamento jurídico brasileiro, com a mesma base de cálculo e sujeição passiva: faturamento mensal do empregador, da empresa ou da entidade a ela equiparada (redação dada pela EC nº 20/98), e o sujeito escolhido na legislação, para fazer parte do pólo passivo da relação jurídica tributária é, pois, o empregador, a empresa ou a entidade a ela equiparada que obteve faturamento mensal. A Ilegalidade se verifica evidente, pelo fato de que, por meio do art. 10 da Resolução Homologatória 87, de 06 de abril de 2005, a ANEEL autorizou as concessionárias de energia elétrica e de distribuição, como bem declara em suas peças contestatórias, a “incluir no valor total a ser pago pelo consumidor, a partir de 1º de julho de 2005, a exemplo do ICMS, as despesas do PIS e da COFINS efetivamente incorridas pela concessionária, no exercício da atividade de distribuição de energia elétrica”. Todavia, para que a cobrança de qualquer tributo seja legítima, este deve obedecer à reserva legal própria e prévia já bem claras acima, em que, na lição de Baleeiro[11] ao “instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo” e segue afirmando que deverão constar também todos os seus consectários do fato gerador: "Fato gerador e base de cálculo são conceitos constitucionais (Emenda n. 1/69, Art. 18, §§ 2° e 5º, 21, § 1º), indissociavelmente vinculados a legalidade porque fornecem o elemento fundamental para a identificação, classificação e diferenciação dos Impostos que a Constituição, nos artigos 21 a 26 discriminou a União, aos Estados e aos Municípios”. Por óbvio que se esta diante de um Ato Administrativo Ilegal, tanto da ANEEL, quanto das Concessionárias, pois tais Pessoas Jurídicas, não reúnem as características fixadas em lei para que possam legislar. Destarte, o tributo constituído pela agencia deve ser legislado por Lei, e tratando-se de tributo federal, o órgão legislador deve ser o Congresso Nacional, e não uma agência reguladora. Quando a ANEEL, através de uma resolução (resolução homologatória nº 87/2005), atribui responsabilidade do repasse de um Tributo Federal (PIS e COFINS) a sujeitos estranhos a relação (consumidor), isto mostra-se ilegal, e principalmente inconstitucional, usurpando a competência legislativa tributária como apresenta acima, com nulidade absoluta conforme escreve Poter[12], “as nulidades considerar-se-ão absolutas quando o interesse tutelado pela norma for público, um interesse unicamente do Estado”, e, adiante, o mesmo autor, com base na Carta Magda fundamenta a veracidade: Conforme Vede Mecum (2008, p. 417), “art. 243. Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, e decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa”. Esta prática fere o Princípio da legalidade como o mestre Coêlho[13] bem descreve em sua obra: "O princípio da legalidade da tributação, como estatuído no Brasil, obsta a utilização da chamada interpretação econômica pelo aplicador, mormente por parte do Estado-Administração, cuja função é a de aplicar a lei aos casos concretos, de oficio. (…) Para logo, não existe nenhuma interpretação econômica, toda interpretação é jurídica. O direito, alfim, opera pela jurisdicização do fático, como diria Pontes de Miranda. Ora, uma vez jurisdicizado o real, isto é, uma vez que um fato é posto no programa da lei, a interpretação que dele se possa fazer só pode ser uma interpretação jurídica. Equipole dizer que, em Direito Tributário, inexiste técnica interpretativa diversa das usualmente conhecidas. Entre outros, Ives Gandra, Sampaio Dória, Pinheiro Xavier, Geraldo Ataliba e Ruy Barbosa Nogueira, este último bem afeiçoado ao Direito Alemão, onde o assunto foi intensamente discutido, têm se esforçado permanentemente na demonstração da inocuidade da chamada interpretação econômica, muito defendida pelo Fisco para dilargar indevidamente a tributação através de uma “compensação econômica” dos fatos jurígenos.” Com a mesma defesa, Cretella Junior[14] já escrevia que “se a lei complementar criar novas regras, a medida é contra legem ou praeter legem. Ilegais, mais ainda, inconstitucionais, quaisquer regras jurídicas, que não as do texto constitucionais”. Por fim, sobre a ilegalidade da ANEEL, incluir indiretamente um terceiro sujeito na relação tributária (contribuinte/fisco), quando autorizou por Ato Administrativo (resolução homologatória nº 87/2005), o repasse indevido dos Tributos PIS/COFINS, o que só poderia ter sido feito se fosse o caso, por Lei complementar. Expressa ilegalidade desta tributação, pois o artigo 195 da Constituição acima garante que o custeio da seguridade social é na forma da lei e Cretalla Junior[15] abraça a Lei ao escrever que: “Além de recursos, provenientes de receitas das pessoas jurídicas públicas, o custeio ou “financiamento” da seguridade social é proveniente das contribuições sociais dos empregadores, incidentes sobre (a) afolha dos salários, (b) o faturamento e (c) o lucro. Relevante, pois, a contribuição do empresário para o custeio da seguridade social.” Não é uma concessionária que tem a competência sobre tributar, mas sim o Poder Legislativo como nos ensina Carvalho[16], “preceituou o legislador constitucional que toda matéria de legislação tributária está contida no âmbito de competência da lei complementar” e na aprovação da Lei Complementar é obrigado seguir números na Câmara dos Deputados para legislar e não por autarquias, como as denominadas ANEEL e a ANATEL sobre o PIS/COFINS cobradas nas faturas de energia elétrica. Sabbag[17] assegura, “o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação”, assim, cada órgão tem sua competência. Então, as funções da ANATEL, que são regidas pela Lei nº 9.472/97, que determina o âmbito de sua competência não constando nesta lei o poder de legislar e Ferrajoli[18], fundamenta, que ao legislar com “normas desse tipo são, ao contrário, em qualquer Estado de direito que possua Constituição rígida minimamente garantista, não somente injustas como também inválidas por violarem princípios constitucionais de direitos humanos, de igualdade e da estrita legalidade…”. Cada órgão público tem sua função na administração do Estado, como também a ANEL e a ANATEL, que são agências reguladoras, não instituidoras de tributos, no caso, no caso contribuições. 2.1 A função da aneel e anatel As funções da ANATEL são regidas pelo artigo 19 da Lei nº 9.472/97, que determina o âmbito de sua competência. As atribuições dadas às agências reguladoras são amplas e abrangentes para regular determinado setor, organizando o funcionamento do respectivo serviço público, fiscalizar a prestação da atividade pelo concessionário, arbitrando conflitos entre as partes envolvidas na relação jurídica (Poder Concedente, concessionários e usuários). Sobre a ilegalidade da ANEEL, incluir indiretamente um terceiro sujeito na relação tributária (contribuinte/fisco), quando autorizou por Ato Administrativo (RESOLUÇÃO HOMOLOGATÓRIA nº 87/2005), o repasse indevido dos Tributos PIS e COFINS, o que só poderia ter sido feito se fosse o caso, por Lei Complementar. A ANEEL, por ser entidade integrante da Administração Pública Federal Indireta, sob o regime autárquico especial de Agência Reguladora e vinculada ao Ministério das Minas e Energia, tem a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, como pode ser visto no site da própria ANEEL[19], que esta tem a incumbência de: “apurar e solucionar as demandas dos consumidores e mediar conflitos provenientes da relação entre concessionaria e consumidor”, tendo como missão: proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilibrio entre os agentes e em benefício da sociedade.” Desta forma, todo consumidor, ao se sentir lesionado, terá que buscar a proteção nos Princípios Constitucionais, mormente o da legalidade. 3. Direitos do contribuinte/consumidor A referida Lei de Telecomunicações é a Lei nº 9.472, de 16 de Julho de 1997 denominada Lei Geral de Telecomunicações – LGT, que dispõe acerca da organização dos serviços de telecomunicações, assegurando, na linha do direito contemporâneo, uma série de direitos e garantias aos consumidores dos serviços de telecomunicações. Diferente do posicionamento do Ministro, que está sendo favorável às empresas de telecomunicação e contra o consumidor, destaca-se o art. 5º da LGT, que dispõe: “Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações, observa-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico, e continuidade do serviço prestado no regime público.” E o princípio constitucional da defesa do consumidor, que norteia as relações econômicas no setor de telecomunicações, aí incluídas às relações entre as prestadoras de serviços de telefonia e os consumidores dos seus serviços, exemplificativamente, está previstos nos doze incisos do art. 3º da LGT, destacando-se o referido no inciso IV: “Art.3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:(…) IV – à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços” E nesse caso, sobre os tributos PIS e COFINS, o Poder Legislativo, muitas vezes criticado, cumpriu amplamente sua missão constitucional de realizar o princípio da defesa do consumidor ao editar o Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 e, na medida em que ele, como princípio de direito fundamental, requer que essa proteção seja realizada na maior medida possível princípio como mandado de otimização, incluiu naquele Código normas garantidoras do direito do consumidor de pagar preço justo pelo serviço adquirido e de não ver elevado este preço sem justa causa, assegurando-se-lhe, ainda, a reparação dos danos patrimoniais a ele causados: “Art. 6º. São direitos do consumidor: (…) IV – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:(…) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (…)X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços. Art. 51 – (…) § 1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:(…) III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares.” O mesmo Código de Defesa do Consumidor ainda prevê no seu art. 4º: “Art. 4º. A Política de Relação de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor; (…) VI – coibição e repressão eficientes de tosos os abusos praticados no mercado de consumo.” Ao criar essas disposições legais, o legislador realizou uma das etapas de concretização do princípio constitucional de defesa do consumidor, realizando o que Canotilho[20] identifica como densificação de normas: “Densificar uma norma significa preender, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tomar a solução, por esse preceito, dos problemas concretos” Nesta densificação de normas, todo consumidor fica garantido pela Constituição e, esta é a base democrática e Hesse[21] se iguala a Canotilho escrevendo que na “força normativa da Constituição está condicionada por cada vontade atual dos participantes da vida constitucional, de realizar os conteúdos da Constituição”. (grifo nosso) No caso em tela da legalidade e contribuinte final da tributação acima, pode-se que se trata de uma relação de consumo entre a autora e a concessionária, cabendo, neste momento avocar o artigo 5° da Constituição Federal, inciso XXXII: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, muito bem apontado pela doutrina supracitada. Nesta situação, não seria impróprio lembrar o Código de Defesa do Consumidor, oriundo da Constituição, pelo fato de a relação existente ser uma relação de consumo, cabe perfeitamente a aplicação do art. 42, parágrafo único do CDC: “Art. 42. (…) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.” Há, portanto, direito a reparação por parte do consumidor final. 4 A tese no judiciário afirmando a inconstitucionalidade Para buscar todo direito já apresentado, o consumidor tem o Poder Judiciário como sua garantia na aplicação das leis em vigor com base na Constituição. Ao aplicá-las, Falcão[22] vem afirmar que o judiciário não cria e nem inova, apenas busca sua aplicação em plenitude do mandamento legal. Cito, a título ilustrativo, os seguintes precedentes sobre o tema: “processual civil, administrativo e tributário. Violação do art. 535 do cpc. Deficiência na fundamentação. Cobrança do pis e da cofins na fatura telefônica. Ilegitimidade da anatel. Acréscimo na tarifa. Ausência de previsão legal. Prática abusivaconfigurada. Cdc. Ofensa. Juros de mora. Inaplicabilidade do art. 167 do ctn. Natureza não-tributária. Não se conhece do recurso em relação à ofensa ao art. 535, II, do CPC quando a parte deixa de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF. O Ministro Carlos Veloso, acertadamente, atesta o seguinte: “Todas as contribuições, já falamos, estão sujeitas, integralmente, ao princípio da legalidade, inclusive no que toca à alteração das alíquotas e da base de cálculo” (STF, RE nº 148.754-RJ, Pleno, J. 04.03.94). Assim, o sujeito passivo do PIS e da COFINS, enquanto tributos (espécies tributárias – contribuições) é a companhia prestadora dos serviços, cuja base de cálculo é a sua receita bruta. “Defiro a antecipação da tutela para determinar a suspensão do repasse da COFINS e do PIS ao autor, na fatura de energia elétrica, devendo a empresa ré se abster de proceder o aumento da tarifa para compensar a perda da receita com a proibição do repasse. Para a eventualidade de descumprimento desta decisão comino multa diária no importe R$100,00,limitada ao valor de R$3.000,00.” (Proc. Nº 00434 – xxxxxxx.84.2010.8.13.0313) “A 2ª Turma desta Corte firmou entendimento no sentido da ilegalidade do repasse do PIS e da COFINS na fatura telefônica, bem como acerca da má-fé das empresas de telefonia e, por conseqüência, da abusividade dessa conduta. Direito à devolução em dobro reconhecido com base no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor” (REsp n. 910.784 – RJ, rela. Mina. Eliana Calmon, 2ª Turma). Imaginemos ao longo dos últimos dez anos o quanto foi entregue INDEVIDAMENTE às operadoras e concessionárias de serviços públicos a título de PIS e COFINS. Uma indústria, um hospital, um hotel, uma gráfica, um banco, um órgão público (por exemplos), o quanto aludido repasse (indevido) onerou seus custos operacionais fazendo com que, mais uma vez, o consumidor final pague a conta Importante ressaltar que, a empresa que requerer o não pagamento de PIS e da COFINS incidentes nas contas de energia elétrica e de telefonia, também terão ICMS à restituir, pois a concessionária do serviço público (energia ou telefonia), inclui na base de cálculo do ICMS o PIS e a COFINS, o que por si só já é um absurdo.” No RE nº. 230.303 – que teve como Relator o MIN. MAURÍCIO CORRÊA, cita trecho do voto prolatado pelo MIN. MOREIRA ALVES na Ação Declaratória nº 1, em que este afirma: “Ademais, no tocante ao PIS/PASEP é a própria Constituição Federal que admite que o faturamento do empregador seja base de cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso, é a COFINS” (STF, 2ª Turma, D.J. 18.09.98). O EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu (dentre outros, RE nº 233.807 – RN – Pleno – Rel. Min. Carlos Velloso, DJ. 28.06.2002) que as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações não estão imunes às contribuições sociais (PIS e COFINS), justamente porque estas incidem sobre o faturamento das empresas e não sobre as operações. Nessa linha, reproduzimos os votos de alguns Ministros no supracitado RE nº 233.807. "Em verdade, a incidência do PIS dá-se sobre o faturamento, que, por constituir resultado global, abrangente de inúmeras operações (venda de mercadoria, venda de sérvios, venda de bens eu não configuram mercadorias ou serviços, etc.) distingue-se das operações que constituem hipótese de incidência do imposto único sobre combustíveis” (Min. Carlos Velloso, fls. 1189 e 1190). “Desse modo, só posso concluir emprestando exegese à expressão ‘nenhum outro tributo’, à exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação, contida no preceito do §3º do art. 155 da Constituição Federal, no sentido de que nela não está compreendida a contribuição social displicinada pelo art. 195, I da mesma Carta, cuja incidência se dá sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro dessas empresas e não sobre as operações por elas realizadas, que, no campo do direito tributário, têm o significado de ato mercantil” (Min. Maurício Corrêa, fls. 1201). Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C.C. REPETICAO DE INDÉBITO – PIS E COFINS – REPASSE ECONÔMICO NA CONTA DE ENERGIA ELÉTRICA – COMPOSIÇÃO DA TARIFA – OMISSÃO DA ANEEL – COBRANÇA INDEVIDA – AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA AO USUÁRIO – PRESCRIÇÃO DECENAL.” Assim, cabe à lei dispor sobre política tarifária relativa à prestação de serviços públicos (art. 175, parágrafo único, III, da Constituição da República). Apesar de a lei permitir a revisão e o reajuste de tarifas de prestação de serviço público, na hipótese de oneração da carga tributária (art. 9º, §§ 2º e 3º, da Lei 8.987/95), tal revisão é da competência da ANEEL, nos termos do art. 29, I e V, da Lei 8.987/95. Portanto, é abusiva a cobrança de valores relativos ao PIS e à COFINS como parte do custo do serviço quando tais valores não forem cobrados nos limites da tarifa homologada pela ANEEL e se a fatura não contém informação adequada a este respeito. De acordo com o art. 205 do Código Civil, a prescrição geral ocorre em 10 anos. Nas ações pleiteando a devolução de valores cobrados na fatura de fornecimento de energia elétrica, a título de PIS e COGFINS, cujas cobranças não tenham observado as disposições normativas, principalmente da agência reguladora competente, no caso a ANEEL, estão prescritos os valores pagos há mais de 10 anos antes da propositura da ação. A presente ação é de direito pessoal, regida pelo Código Civil, e, como não há previsão de prazo prescricional específico para a ação de restituição decorrente de cobrança indevida, o prazo de prescrição a ser adotado é o geral, de 10 anos, previsto no seu art. 205: Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Nesse sentido: “TARIFAS TELEFÔNICAS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 26 DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA. PESSOA JURÍDICA DE NATUREZA PRIVADA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ART. 177 DO CCR C/C 2.028 DO NCC. I – […] II – A cobrança a maior não se caracteriza em vício de serviços ou produtos, mas sim de atividade vinculada, erroneamente apresentada, mas que não se confunde com o próprio serviço, devendo ser afastado o prazo nonagesimal previsto no artigo 26 do CDC para o ajuizamento de ação judicial. III – A cobrança a maior enseja repetição de indébito, a qual, dirigindo-se contra pessoa jurídica de natureza privada, tem como prazo prescricional aquele de vinte anos previsto no artigo 177 do CCR c/c o artigo 2.028 do NCC. Precedente: REsp nº 463.331/RO, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 23/08/2004. IV – Recurso improvido.” (REsp 762000/MG, 1ª Turma/STJ, rel. Min. Francisco Falcão, j. 17.02.2009, DJ. 02.03.2009; fonte: site do STJ). No mesmo sentido, acórdão do TJMG: “CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE RESTITUIÇÃO- REPASSE INDEVIDO DE PIS E COFINS NA FATURA DE SERVIÇO DE TELEFONIA- PRESCRIÇÃO- APLICABILIDADE DO PRAZO DO ART. 205 DO NCC- RECONHECIMENTO DE OFÍCIO- CABIMENTO- PRÁTICA ILÍCITA E ABUSIVA DA CONCESSIONÁRIA- RECONHECIMENTO- PEDIDO INICIAL PROCEDENTE- REFORMA DA SENTENÇA- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. -Nas ações em que são impugnados os critérios de cobrança de tarifas de serviços de telefonia e é postulada a restituição dos valores pagos indevidamente a título de PIS e COFINS, o prazo prescricional aplicável é o de 10 anos, previsto no art. 205 do NCC”. (TJMG nº 1.0223.09.283517-0/001, rel. Des. Márcia de Paoli Balbino, j. em 11-3-2010). Então, esta plenamente definido quem é o contribuinte do PIS/COFINS. É sim, a empresa distribuidora e não o consumidor final. Para entender bem segue recente decisão. “RECURSO ESPECIAL. VALOR DO PIS⁄COFINS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS PELA CONCESSIONÁRIA PARA REVENDA. DESCONTOS DE CRÉDITOS CALCULADOS EM RELAÇÃO A FRETE NA OPERAÇÃO DE VENDA. EXEGESE DOS ARTIGOS 2º, 3º, INCISOS I E IX, E 15, INCISO II, DA LEI N. 10.833⁄2003. – Na apuração do valor do PIS⁄COFINS, permite-se o desconto de créditos calculados em relação ao frete também quando o veículo é adquirido da fábrica e transportado para a concessionária – adquirente – com o propósito de ser posteriormente revendido. Recurso especial parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro Relator, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Mauro Campbell Marques. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Francsco Falcão. Brasília, 22 de agosto de 2012(data do julgamento).” Bem claro a todos quem deve ser o contribuinte. Nas faturas de energia elétrica não são os consumidores finais, onde que por inconstitucionalidade de regulamentos, são obrigados a suportar o encargo das distribuidoras e estas obtendo com isso um enriquecimento ilícito, mas sim, as empresas distribuidoras de energia elétrica que devem recolher os tributos. 4.1 – Plenário do TRF-4ª Região Assim tem se manifestado os tribunais, também acerca da não-cumulatividade: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. DISTINÇÃO. CONTEÚDO. LEIS Nº 10.637/2002 E 10.833/2003, ART. 3º, INCISO II. LISTA EXEMPLIFICATIVA. 1. A técnica empregada para concretizar a não cumulatividade de PIS e COFINS se dá por meio da apuração de uma série de créditos pelo próprio contribuinte, para dedução do valor a ser recolhido a título de PIS e de COFINS. 2. A coerência de um sistema de não cumulatividade de tributo direto sobre a receita exige que se considere o universo de receitas e o universo de despesas necessárias para obtê-las, considerados à luz da finalidade de evitar sobreposição das contribuições e, portanto, de eventuais ônus que a tal título já tenham sido suportados pelas empresas com quem se contratou. 3. Tratando-se de tributo direto que incide sobre a totalidade das receitas auferidas pela empresa, digam ou não respeito à atividade que constitui seu objeto social, os créditos devem ser apurados relativamente a todas as despesas realizadas junto a pessoas jurídicas sujeitas à contribuição, necessárias à obtenção da receita. 4. O crédito, em matéria de PIS e COFINS, não é um crédito meramente físico, que pressuponha, como no IPI, a integração do insumo ao produto final ou seu uso ou exaurimento no processo produtivo. 5. O rol de despesas que enseja creditamento, nos termos do art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, possui caráter meramente exemplicativo. Restritivas são as vedações expressamente estabelecidas por lei. 6. O art. 111 do CTN não se aplica no caso, porquanto não se trata de suspensão ou exclusão do crédito tributário, outorga de isenção ou dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 26 de junho de 2012”.(negrito, nosso). Não há dúvida sobre a ilegalidade do repasse indevido do PIS e COFINS nas contas de energia elétrica que as concessionárias estão se beneficiando e para equidade surgem decisões nas áreas fiscais tributárias. 4.2 A decisão do CSRF do CARF O CSRF é a Câmara Superior de Recursos Fiscais e o CARF é Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A decisão que mais causará impacto nos setores contábeis e fiscais das empresas enquadradas no sistema de apuração da COFINS e do PIS não-cumulativos colocamos na íntegra para melhor entendimento dos leitores deste texto, verbis: PIS/COFINS – publicado acórdão da CSRF que estabeleceu o conceito de insumos. Em acórdão publicado recentemente, a Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, instância final de julgamento no âmbito do Ministério da Fazenda, trouxe entendimento inédito a respeito do conceito de insumos para desconto de créditos de PIS e da COFINS. Em que pese o julgamento do referido recurso ter sido realizado há algum tempo, só agora houve a publicação do acórdão, permitindo, além do conhecimento quanto aos argumentos utilizados pelos Conselheiros, a sua utilização como paradigma para eventual Recurso Especial dos contribuintes. A controvérsia reside no embate entre as Leis nº(s) 10.637/2002 e 10.833/2003, que não delimitaram a abrangência do termo insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS, e a Instrução Normativa nº 247/02, que, com base nas normas de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, estabeleceu que o aproveitamento de créditos só seria possível quando o insumo sofresse desgaste, dano ou perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação. Por seu turno, os contribuintes defendem que, pela natureza das contribuições ao PIS e a COFINS, que incidem sobre a receita e não sobre a produção, o conceito de insumo não poderia ser equivalente ao da legislação do IPI, devendo ser utilizado o conceito de despesas necessárias adotado para fins de apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). No referido acórdão, por maioria de votos (7 votos a favor e 3 contra), a CSRF afastou tanto a regência das regras de IRPJ, quanto a aplicação restritiva das regras do IPI, fixando o entendimento de que o conceito de insumos para fins de PIS e COFINS deve obedecer regras próprias. Conforme voto da Conselheira Nanci Gama, relatora do caso, serão dedutíveis todos os dispêndios "relacionados diretamente com a produção do contribuinte e que participem, afetem, o universo das receitas tributáveis pelas contribuições ao PIS e COFINS", bastando verificar "se o dispêndio é indispensável à produção de bens ou à prestação de serviços geradores de receitas tributáveis pelo PIS ou pela COFINS não cumulativos." (trechos do acórdão). A pergunta que garante a obrigação de contribuir é só uma. O consumidor tem receita bruta? Resposta, não. Então, se o creditamento serve para as empresas de produção e fornecedoras de serviços e insumos, como acima apresentado, o pagamento do PIS/COFINS é das concessionárias de energia elétrica, que podem compensar seus impostos e não o consumidor final. E o direito da isonomia? A Constituição Federal garante a todos. Com base no julgamento acima, todos são iguais face a Magna carta. Então, o consumidor só paga o que obrigatoriamente em Lei legal deva. Outra duvida. Como o consumidor final pode creditar estes impostos inconstitucionais já supracitados pelo judiciário? E vai encontrar respaldo em que fundamento legal para atendido com dignidade? Pode-se concluir que é abusivo o que se esta cobrando de toda a população. Quantas faturas de energia elétrica têm em nosso Brasil? Qual o tamanho do  enriquecimento ilícito das empresas favorecidas por resoluções inconstitucionais?  Considerações finais Interromper o círculo vicioso de repassar o PIS/COFINS para o consumidor final, bem como, a recuperação do que foi pago indevidamente e a maior nos últimos 10 anos, com compensação imediata, certamente vai melhorar a competitividade de nossas empresas face ao mercado global e o custo de vida da população. Os consumidores finais de energia elétrica, portanto, não são compradores de energia, porque não a vende, não utiliza do comércio de venda de energia elétrica, e sim, usuários do serviço público. O processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da sociedade, entendendo-se o Estado como o aparato da administração pública e a sociedade como o sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social. A política tem a função de agregar e impor os interesses sociais privados perante um aparato estatal especializado no emprego administrativo do poder político para garantir fins coletivos. Esta claro a inconstitucionalidade do repasse destes tributos, cabe ao judiciário aplicar os Princípios Constitucionais em favor do consumidor e fazer as empresas que distribuem energia elétrica recolher das suas receitas os encargos do PIS/COFINS, podendo o contribuinte lesado pedir a repetição indébito junto a ele.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-inconstitucionalidade-da-cobranca-do-pis-cofins-nas-faturas-de-energia-eletrica/
A história do Brasil pelos tributos
Este estudo pretende, em breves linhas, sintetizar o trabalho do professor Hélio Ourem, a saber, O Brasil: uma breve visão histórica do Estado, das constituições e dos tributos. Procurar-se-á abordar os principais tópicos acerca da evolução do sistema tributário brasileiro, desde o período colonial até a atual Constituição Federativa, tratando, singelamente, dos tributos que deram origem aos incidentes no nosso sistema jurídico-tributário.
Direito Tributário
Introdução O processo de arrecadação e distribuição tributária no Brasil nos remete a sua formação histórica e cultural. A maneira como o nosso Estado foi estabelecido reflete diretamente na sua organização econômica, jurídica e social. Assim, a maneira exploratória com a qual o Brasil foi colonizado ainda apresenta resquícios na atual organização tributária e orçamentária. Serão delineados, através do texto já mencionado, os principais marcos históricos e seus respectivos "avanços" em matéria de tributos. Será notável a falta de autonomia nessa matéria por parte do estado brasileiro diante das grandes metrópoles, no período colonial. E já como Estado independente, essa carência de autonomia ainda vigorou, visto que só formalmente o Brasil deixava de agir em função de Portugal. Enfim, a história do tributo pode ser dividida em três fases: colonial, imperial e republicana. Estas serão tratadas a seguir. 1 Histórico da tributação no Brasil A priori, é necessário discorrer sobre o que vem a ser tributo numa perspectiva global: Etmologicamente, tributo, oriundo da expressão latina tributum, significa dividir entre as tribos; sob a óptica financeira, tributo é uma espécie de receita derivada a principal. No nosso ordenamento jurídico, a Constituição Federal de outubro de 1988 trata da sua definição no artigo 146, inc. III, alínea a. No entanto, é o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), no art. 3º, que trás expressamente essa definição: "é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". Enfim, o conceito desse instituto é pertencente ao direito positivo, ou seja, é a lei quem define o que é tributo, suas espécies; não consiste, pois, numa dedução universal, varia de acordo com cada momento social e histórico. Voltando-se para a questão histórica tributária, a origem da tributação no Brasil se deu com a sua colonização por Portugal; assim, o direito vigente, a partir desse momento, sofreu sérias influências do direito geral português, do direito colonial especial formado para o Brasil, dos costumes locais, dentre outros. Surge, nesse período, o "quinto do pau-brasil", considerado o primeiro tributo brasileiro e decorreu da exploração da árvore nativa  pau-brasil.É válido ressaltar que já nessa época eclode o problema de redistribuição tributária. Numa fase posterior (Governo Geral), os tributos foram classificados,quanto a periodicidade, em dois grupos, a saber, ordinários e extraordinários. Estes decorriam de atividades excepcionais como gastos com guerras e proteção armada; aqueles com despesas cotidianas, constantes. Quanto às espécies, os tributos foram divididos em: – Derramas: independiam dos rendimentos dos contribuintes, ou seja, não eram proporcionais à renda da população. Na verdade, as derramas não consistiram num novo tributo, mas na cobrança da diferença em relação ao que deveria ter sido pago e não foi (ex: cobrança do quinto do ouro em atraso); – Fintas: proporcionais à renda do contribuinte; – Contribuições: espécie de designação subsidiária, aquele que não era nem derrama nem fintas. Por volta de 1630 a 1654, no domínioholandêsem Pernambuco, o centro do açúcar, houve a vigência de uma "Constituição Brasil-holandesa", onde estabelecia a figura do escuteto (chefe administrativo municipal), ao qual cabia a função, dentre outras, de exator da fazenda cobrador dos impostos. Posteriormente, ocorre um fato relevante para a formação da personalidade jurídica brasileira: a vinda da família real portuguesa. Com isso, fixou-se a sede da metrópole no Brasil e os portos foram abertos para as nações amigas, ou seja, o relacionamento comercial tornou-se mais intenso entre o Brasil e outras nações. Surgem, a partir disso, os impostos de importação, dando ensejo, não apenas, à arrecadação, como também ao protecionismo dos produtos internos ou ao incentivo à exportação. Além disso, destaca-se o chamado imposto de sisa dos bens de raiz, incidente sobre a transmissão imobiliária por ato inter-vivos antecessor do ITBI. Ou ainda, os direitos de 10% exigidos sobre os vencimentos dos funcionários da Fazenda e da Justiça predecessor do IR. O movimento de independência deu origem à Constituição de 1824, onde a amplificação do ideal liberal predominou; havia uma intensa preocupação em limitar o Estado, nos preceitos individualistas, tornando as questões sociais em matérias secundárias. Dessa forma, o processo legislativo foi influenciado pelo liberalismo, originando leis do mesmo teor. Nesse período, reinou um sistema de arrecadação bastante caótico, em que os tributos eram cobrados de maneira cumulativa. Estabeleceu-se, ainda, a classificação em: – receitas gerais; – receitas provinciais; – receitas municipais. Adveio a proclamação da república do Brasil e, com ela, a Constituição de 1891; o Brasil tornou-se uma federação, mas as receitas tributárias cabiam, apenas, à União e aos Estados; ficaram excluídos os municípios característica de um sistema censitário, concentrador de poder. Existia, pois, competência concorrente entre a União e os Estados, mas sem detalhamento. Atrelada à crise econômica mundial no final da década de 20, eclode a chamada Revolução de 30, ondese cria, por meio de decreto (DEC. 21.930 de 11 de maio de1932), as contribuições de melhoria (espécie de tributo prevista no atual código tributário), visando reconstruir o país que estava saindo de uma guerra. Em 1934, nasce a Constituição Social-Democrata que criou: – As receitas MUNICIPAIS, ao lado das receitas federais e estaduais; – Vedou a bitributação como a competência para tributar era concorrente, em caso de bitributação, deve-se determinar qual tributo prevalece; – Foi a primeira Constituição a trazer, expressamente em seu texto, o Imposto de Renda como tributo federal; – Criou o imposto de consumo como tributo federal esse imposto é o antecessor do IPI; – Criou o imposto sobre vendas e consignações (IVC) para os Estados é aproximadamente o que conhecemos hoje em dia como ICMS (que só surgiu por completo em 1988); – Imposto de indústrias e profissões (IIP),lançado pelo Estado, mas arrecado pelo estado e municípios em partes iguais é o predecessor do ISS que tem competência municipal. Sob a égide da ditadura, instaura-se a Constituição de 1937, a conhecida "polaca", pouco respeitada, flexível. Esta criou o AIR (Adicional de Imposto de Renda), destinado para pessoas solteiras, viúvas, e casais sem filhos; visava estimular o crescimento populacional. Além disso, foram suspensos o imposto estadual sobre consumo de motor à explosão e o municipal sobre rendas de imóveis rurais. Disto resultou a unificação dos impostos de consumo e de renda, que ficaram com a União; Em fase posterior, sugiu a Constituição de 1946, dotada de caráter democrático; tentou quebrar a centralização do poder, apoiando os municípios e lhes atribuindo receitas próprias. Segue os pontos destacados na obra suscitada: – o desaparecimento das referências à bitributação feitas nas Constituições de 1934 e 1937, entendendo-se que toda ela seria inconstitucional, sem que isto precisasse ser dito; – o conceito expresso da contribuição de melhoria para a hipótese de valorização do imóvel em conseqüência de obras públicas; – as limitações ao poder de tributar foram ampliadas, tornando-se imunes os templos, bens e serviços de partidos políticos, instituições educacionaise assistenciais e o papel destinado exclusivamente a jornais,periódicos e livros; -os impostos deveriam ser sempre que possível pessoais e graduados pela capacidade econômica do contribuinte; -a visão de proteger os setores mais pobres, reduzindo a antiga tradição da tributação regressiva, onde se onera mais os que menos têm capacidade de pagar; -o instituto do direito anglo-saxão (grants-in-aid) que implicava na redistribuição de tributos arrecadados pela competência federal para a órbita estadual e municipal. Em dezembro de 1965, o sistema tirbutário passa a ser sistemático através da Emenda Constitucional nº 18 – de 01 de dezembro de 1965 – procurou encontrar uma nova ordem tributária para o Brasil. Esta possuía as seguintes características: – Originou o IPI imposto sobre produtos industrializados com a característica da seletividade. – Originou o ICM imposto sobre circulação de mercadorias , antecessor do ICMS. – Fez surgir o ISS imposto sobre serviços , sucessor do IIP (imposto sobre indústrias e profissões). Nesse mesmo período, destaca-se a Emenda Constitucional nº07, de 22 de maio de 1964, que suspendeu o princípio da anualidade, ou seja, a previsão de cobrança de um tributo mediante prévia previsão na respectiva lei orçamentária. Origem do CTN e a Constituição de 1967 – Código Tributário Nacional foi proposto em 19.08.1953 sob a vigência da Constituição de 1946, mas só foi aprovado em 25.10.1966 por lei ordinária; logo após isso, foi tido como inconstitucional, pois a então Constituição de 1967 determinava que matéria tributária devia ser tratada por lei complementar. Atrelado a isso, surge o Ato Complementar nº36 que dispôs sobre a recepção do referido código pela Constituição vigente na época, mas este só poderia ser modificado por lei complementar. Por fim, a atual Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988 dispõe, no seu título VI, sobre a "Tributação e o Orçamento". Dentro deste título, há uma divisão, a saber: a) trata dos princípios gerais e das limitações do poder de tributar; b) discrimina as receitas dos impostos pela União, por Estados e o Distrito Federal e pelos Municípios; c) dispõe sobre a repartição das receitas tributárias. Matéria mais aprofundada é tratada em outro estudo, como afirma o autor. Considerações Finais Diante de tudo exposto, percebe-se a fragilidade do nosso sistema tributário, apesar de estar amparado por princípios como o da isonomia, da solidariedade, da irretroatividade, da legalidade, dentre outros, nota-se um presente desequilíbrio na sua distribuição, mesmo porque não consiste em tarefa fácil administrar e controlar valores que ultrapassam a importância dos trilhões. Além disso, a origem do processo de arrecadação se deu de forma exploratória e despreocupada com a condição do contribuinte.
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O erro da tese firmada no REsp. 1.120.295/SP sobre prescrição de créditos tributários
A problemática do presente estudo aborda os dispositivos legais sobre prescrição tributária aplicáveis nas execuções fiscais de créditos tributários. Adota-se como objeto principal da análise crítica o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia de nº. 1.120.295/SP. A tese afirma que um dispositivo de Lei Ordinária, o art. 219, § 1º do Código de Processo Civil, aplica-se para contagem da interrupção do lapso prescricional. Entretanto, tal posicionamento contraria a orientação prevista no art. 146, III, b da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual reserva a Lei Complementar à regulamentação da prescrição de créditos tributários.
Direito Tributário
Introdução O tema abordado no artigo é fruto das atividades profissionais do autor que, no patrocínio de causas tributárias em favor de contribuintes, viu-se de frente com a matéria que hodiernamente é aplicada nos tribunais de todo o país. A problematização adota como ponto de partida a tese firmada no julgamento do Recurso Especial nº. 1.120.295/SP sobre prescrição tributária. O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é de que o marco processual interruptivo da prescrição dos créditos tributários deve retroagir à data da propositura da execução fiscal através da aplicação analógica do art. 219, § 1º do CPC. Desse ponto de partida, formula-se a seguinte pergunta: A posição do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria é compatível com o sistema tributário brasileiro?  A hipótese inicialmente levantada é a de que a aplicação do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil ocorre sem uma análise completa do ordenamento jurídico no que se refere ao sistema tributário, o que acarreta num conflito jurídico entre o referido dispositivo e o art. 174 do Código Tributário Nacional. A solução do problema se daria através do critério da reserva legal previsto no art. 146, III, alínea b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim, o objetivo do artigo é demonstrar, em linhas gerais e específicas, que a aplicação do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil para solucionar questões jurídicas relativas à prescrição de créditos tributários é inconstitucional. O corpo do artigo é dividido em duas partes: a primeira se destina a abordagem de alguns conceitos sobre a prescrição tributária e sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro; a segunda aborda especialmente a problemática levantada, analisando o conflito gerado pela interpretação fixada no julgamento do REsp nº. 1.120.295/SP sobre prescrição dos créditos tributários, propondo um critério de solução sob a ótica do art. 146, III, b da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1 Prescrição tributária O efeito do tempo está presente em todas as coisas, inclusive na vida do ser humano e faz com que tudo o que existe venha deixar de existir em momento. Não poderia ser diferente no âmbito do Direito, pois o tempo exerce seus efeitos inclusive nas relações jurídicas.[1] Dessa forma, nos ordenamentos jurídicos são criados institutos para viabilizar os efeitos do tempo nas relações jurídicas. Isto ocorre porque ao passar de determinado lapso temporal, a certeza e a segurança jurídica devem prevalecer para preservar a ordem jurídica e social. Dentre os mencionados institutos, pode-se citar a prescrição.[2] No ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da prescrição recebe tratamento diferenciado a depender de cada matéria, ao passo que se faz necessário compreender alguns de seus conceitos gerais para adentrar em suas especificidades no âmbito tributário posteriormente. 1.1 Prescrição Ao iniciar o convívio em sociedade, a humanidade criou um sistema regras que busca “uma composição harmônica do bem de cada um, com o bem de todos” para preservar a ordem com a previsão de direitos e obrigações para cada indivíduo, bem como o modo de realização da justiça.[3],[4] O prazo para aquele indivíduo que pretende realizar a justiça, na maioria das vezes, não é indefinido, de modo que os ordenamentos jurídicos fixam prazos limites através de institutos que são divididos em “duas categorias fundamentais: a prescrição (perda do exercício do direito) e a decadência (perda do direito)”.[5],[6] O instituto da prescrição – foco principal do estudo – visa concretizar a segurança nas relações jurídicas, através da estipulação dum prazo limite para que a justiça seja realizada. A segurança jurídica é analisada por Caio Mário da Silva Pereira como “um interesse de ordem pública no afastamento das incertezas em torno da existência e eficácia dos direitos, e este interesse justifica o instituto da prescrição em sentido genérico”.[7] É possível afirmar que o instituto da prescrição encontra fundamento num dos objetivos principais do ordenamento jurídico: a “garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”.[8],[9] Por sua vez, a doutrina classifica a prescrição através de seus efeitos, citando-se como exemplo: a prescrição aquisitiva de direitos e a prescrição extintiva de pretensões jurídicas.[10] O ordenamento jurídico brasileiro adotou a distinção doutrinária exemplificada acima, sendo que a prescrição extintiva foi disciplinada, no âmbito do Direito Civil, na Parte Geral do Código Civil de 2002, enquanto a prescrição aquisitiva foi regulamentada na Parte Especial da mencionada legislação.[11] A prescrição extintiva, como o seu próprio nome sugere, extingue o direito de obter a realização da justiça, o que se traduz em termos técnicos como a extinção da possibilidade do reconhecimento dum direito subjetivo em juízo, operando-se da seguinte forma: há um momento que se inicia a contagem, e um marco interruptivo, que finaliza ou reinicia o fluxo do tempo para se operar a “perda da pretensão em virtude da inércia do seu titular no prazo fixado em lei”.[12],[13] 1.2 Crédito Tributário Antes de adentrar na análise da prescrição tributária, faz-se necessário entender o objeto que sofre seus efeitos: o crédito tributário. No sistema tributário brasileiro, a obrigação tributária é um vínculo existente entre o contribuinte e o ente tributante, decorrente de um fato previsto em lei, que se concluirá com a apuração do crédito tributário, que ocorre através da figura do lançamento tributário, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional.[14] O fato é que no ordenamento jurídico pátrio existem três modalidades de lançamento, cada qual com sua peculiaridade, sendo: o lançamento por declaração, previsto no art. 147; o lançamento por homologação, previsto no art. 150; e o lançamento de ofício, previsto no art. 149, todos dispositivos do Código Tributário Nacional. O momento definitivo da constituição do crédito tributário ocorre de forma diferenciada em cada uma das modalidades de lançamento tributário supracitadas, traduzida na especificidade do marco inicial para contagem do tempo de prescrição. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº. 1.120.295/SP, por exemplo, fixou que o termo inicial do lançamento tributário por homologação se dará no momento da entrega da declaração por parte do contribuinte ou pelo vencimento da obrigação, o que ocorrer primeiro. Por sua vez, no caso do lançamento tributário de ofício, o termo inicial se dá no momento do vencimento da obrigação, da mesma forma que ocorre com o lançamento tributário por declaração. Portanto, pode-se conceituar que: o termo inicial da prescrição nas várias modalidades de lançamento tributário pode ser descoberto através do marco da constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, o momento no qual o ente tributante pode proceder com a inscrição do crédito tributário na dívida ativa e promover a execução forçada da obrigação através de execução fiscal. 1.3. Prescrição Tributária No Direito Tributário brasileiro, diferentemente do Direito Civil, a prescrição não só extingue a pretensão do ente tributante em satisfazer o seu crédito tributário, mas também o próprio crédito tributário, por previsão do art. 156, V, do Código Tributário Nacional. A extinção se opera quando a Fazenda Pública não efetua a cobrança judicial no prazo fixado pela lei depois do crédito tributário devidamente apurado.[15] A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 146, III, alínea “b”, prevê que a espécie normativa válida para tratar sobre a matéria de prescrição tributária é exclusivamente a Lei Complementar. O dispositivo que de acordo com o texto constitucional tratou da matéria foi o art. 174 do Código Tributário Nacional, o qual estipula que o termo inicial da contagem do prazo de cinco anos para ocorrência da prescrição se dá na data da constituição definitiva do crédito tributário. Por sua vez, o art. 174 do Código Tributário Nacional nos seus incisos do parágrafo único prevê as hipóteses de interrupção do transcurso da contagem prescricional, a saber: citação pessoal feita ao devedor[16]; pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal[17]; pelo protesto judicial; por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; e por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. Portanto, numa execução fiscal, lançando-se mão do termo inicial e do marco interruptivo da contagem prescricional, pode-se calcular se há ou não o transcurso do período de cinco anos previsto no caput do art. 174 do Código Tributário Nacional e a consequente extinção do crédito tributário. Apesar de não ser relevante para a presente discussão que se fixa no REsp nº. 1.120.295/SP, a prescrição intercorrente também é uma modalidade de prescrição tributária. Essa espécie de prescrição está relacionada com a inércia do ente tributante em dar seguimento aos atos processuais nas execuções fiscais e está prevista no art. 40, §§ 3º e 4º, da Lei nº. 6.830/1980. 2. Inconstitucionalidade do art. 219, § 1º do cpc em execuções fiscais de créditos tributários O ente tributante exige a satisfação de seus créditos através da via judicial utilizando o procedimento previsto na Lei nº. 6.830/1980, também conhecida como a Lei de Execução Fiscal – LEF. Embora a Lei de Execução Fiscal no seu art. 1º permita a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a reserva legal estabelecida pelo art. 146, III, b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deve ser observada no que se refere aos processos que buscam a satisfação de créditos tributários. Isso significa que as regras relacionadas à execução do crédito tributário contidas no Código Tributário Nacional devem ser aplicadas em prejuízo daquelas constantes na Lei nº. 6.830/1980 e principalmente do Código de Processo Civil. 2.1 Execução Fiscal A Lei nº. 6.830/1980 dispõe em seu art. 1º que a cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa é regida por seus dispositivos e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, sendo utilizada para exigir a satisfação de dívidas tributárias e não tributárias. Dessa forma, a Lei de Execução Fiscal permite que subsidiariamente, ou seja, naquilo em que não há regulamentação específica por seus dispositivos, as disposições Código de Processo Civil sejam aplicadas. A Lei nº. 6.830/1980 dispõe sobre a temática da prescrição no art. 8º, § 2º afirmando que o despacho do juiz, que ordenar a citação do devedor, interrompe o fluxo prescricional. Por sua vez, o art. 219, § 1º do Código de Processo Civil dispõe que a citação válida do réu acarreta na interrupção da prescrição e retroage à data da propositura da ação. Isso significa que com a citação a data da propositura da ação se torna o marco interruptivo do transcurso prescricional. Da leitura dos dispositivos, verifica-se que o limite interpretativo para aplicação subsidiária do art. 219, § 1º do Código de Processo nas execuções fiscais é ultrapassado, na medida em que a interrupção através da “citação válida” é diferente daquela que ocorre com “o despacho, que ordena a citação”. Consequentemente, apenas a aplicação analógica do dispositivo seria uma possibilidade. Entretanto, a aplicação analógica se admitida deveria ocorrer apenas nas execuções fiscais que buscam a satisfação de créditos não tributários da fazenda pública, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 146, III, alínea b, reserva a aplicação da Lei Complementar aos créditos tributários. Portanto, nas execuções fiscais que buscam a satisfação de créditos fazendários tributários, o texto constitucional determina que sejam aplicadas exclusivamente as regras previstas no art. 174 do Código Tributário Nacional, lei materialmente legítima sobre prescrição de tributos. 2.2 REsp 1.120.295/SP O Recurso Especial nº. 1.120.295/SP foi um recurso submetido ao regime de representação de controvérsia previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil no âmbito do Superior Tribunal da Justiça, que fixou as diretrizes para a aplicação dos dispositivos legais sobre prescrição tributária, e é importante destacar os seguintes trechos da ementa do acórdão ao presente estudo: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. […]. 2. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis: "Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pela citação pessoal feita ao devedor; I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor." […]. 13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN). 14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional. 15. A doutrina abalizada é no sentido de que: "Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: 'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.' Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação. Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício  da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233) 16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN. […].”[18] Ao analisar os trechos selecionados da ementa, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que até mesmo em sede de execuções fiscais que buscam a satisfação de créditos tributários, admite-se a aplicação analógica do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil, um dispositivo de Lei Ordinária. A justificativa seria que após as alterações promovidas pela Lei Complementar nº. 118/2005 seria forçoso entender que o marco interruptivo da prescrição – o despacho que ordena a citação do executado – deveria retroagir à data do ajuizamento do feito executivo fiscal, e que a doutrina mais abalizada compartilharia de tal entendimento, mas não houve as citações de fontes no corpo do acórdão. A tese firmada talvez fosse adequada para dívidas não tributárias, tendo vista que sua regulamentação poderia ocorrer através de Lei Ordinária. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer sobre as execuções fiscais de créditos fazendários de natureza tributária, os quais têm regramento específico e reservado pelo próprio texto constitucional. 2.3 Conflito em face à CRFB/1988 O ordenamento jurídico brasileiro é estruturado por diferentes normas e dotado de complexidade. Entretanto, tal complexidade obedece a uma estrutura hierárquica que produz uma unicidade harmônica analisada por Norberto Bobbio da seguinte forma: […]. Que seja unitário um ordenamento complexo, de ser explicado. Aceitamos aqui a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade do ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento jurídico.[19] A teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico afirma haver uma estrutura que forma uma pirâmide normativa, onde uma norma estaria no topo emanando a validade de todas as outras formando um todo organizado complexo e harmônico de normas. No ordenamento jurídico brasileiro, pode-se dizer que no seu topo legislativo está a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da qual fundamenta a validade das demais normas jurídicas legislativamente. Sobre a temática da prescrição tributária, o art. 146, III, alínea b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é taxativo ao reservar o regramento da matéria a Lei Complementar. Por sua vez, nas normas de prescrição tributária que estão abaixo do texto constitucional se encontra o Código Tributário Nacional – Lei nº. 5.172/1966 – que embora seja formalmente Lei Ordinária, foi recebido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com o status de Lei Complementar. Maria do Rosário Esteves explica que quando o Código Tributário Nacional foi elaborado “não existia, na vigência da Constituição Federal de 1946, época em que foi aprovado, lei formalmente complementar à Constituição” e posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1967, o Código Tributário Nacional foi recebido como “lei formalmente ordinária e materialmente de caráter nacional”, ou seja, materialmente complementar.[20],[21] A mesma situação ocorreu com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando o Código Tributário Nacional também foi recebido com o status de lei materialmente complementar. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal reconheceu esta tese na ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº. 556664/RS, de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, entendimento verificado no trecho da ementa do acórdão: “[…]. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. […].”[22] No julgado do Supremo Tribunal Federal se confirmou a tese de que as matérias previstas no art. 146, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – inclusive a prescrição de créditos tributários – devem ser regulamentadas somente através de Lei Complementar. Luciano Amaro afirma que a reserva legal contida no texto constitucional se trata de uma regra que visa garantir a segurança jurídica, dizendo que: A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorizados os fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal).[23] Ao analisar a regra da reserva legal contida no texto constitucional brasileiro, não é difícil intuir que é de manifesta inconstitucionalidade o caso de uma Lei Ordinária regular a matéria ou ser aplicada em detrimento da Lei Complementar. No sistema tributário brasileiro, no que concerne a prescrição tributária, a norma que regulou a matéria foi o Código Tributário Nacional, especificamente em seu art. 174, cabendo sua aplicação exclusiva em execuções fiscais de créditos tributários. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça fixou que o art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil – dispositivo de Lei Ordinária – deve ser aplicado mediante analogia no que se refere à matéria de prescrição em execuções fiscais tributárias. Ocorre que a tese firmada no julgamento do REsp nº. 1.120.295/SP gerou uma situação de contradição no sistema jurídico-tributário brasileiro: de um lado, o texto constitucional reserva a Lei Complementar o trato da prescrição tributária; do outro, o Superior Tribunal de Justiça determina que um dispositivo de Lei Ordinária deva ser aplicado na citada matéria. A solução da contradição se dá através do próprio texto constitucional, de modo que não só a Lei Complementar é a espécie normativa própria para regular a prescrição de créditos tributários, mas como também a que deve ser exclusivamente aplicada em execuções fiscais tributárias. Consequentemente, se a regulamentação da prescrição tributária através de Lei Ordinária é inconstitucional em face do art. 146, III, alínea b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a aplicação de dispositivos da mesma espécie normativa em sede de execuções fiscais tributárias também é respectivamente inconstitucional.[24] Portanto, as diretrizes firmadas no julgamento do REsp 1.120.295/SP para aplicação dos dispositivos legais sobre prescrição tributária parece ser incompatível com o sistema jurídico-tributário brasileiro, de modo que o art. 174 e seus incisos do parágrafo único do Código Tributário Nacional deveriam ser aplicados de forma isoladas nas execuções fiscais onde é exigida a satisfação de créditos tributários, sob pena de inconstitucionalidade. Considerações finais O tema submetido à análise foi capaz de verificar a inconstitucionalidade do entendimento jurisprudencial firmado no Recurso Especial nº. 1.120.295/SP pelo Superior Tribunal de Justiça no que tange a prescrição em execuções fiscais de créditos tributários. A primeira parte do artigo chama a atenção à importância das normas jurídicas de prescrição extintiva de direitos num ordenamento, e especialmente a sua espécie prescrição tributária e como é regulamentada no sistema jurídico-tributário brasileiro. Por sua vez, na segunda parte se expõe algumas noções básicas sobre a cobrança de créditos tributários para depois adentrar na problematização inicialmente levantada sobre a aplicação do art. 219, § 1° do Código de Processo Civil em execuções fiscais tributárias, onde se constata sua inconstitucionalidade por violação a reserva legal de Lei Complementar prevista no art. 146, III, alínea b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A solução da inconstitucionalidade gerada pela interpretação firmada no julgamento do REsp nº. 1.120.295/SP se dá através da aplicação isolada do art. 174 do Código Tributário Nacional no que concerne a prescrição de tributos. Portanto, em resposta à questão formulada a partir da problematização da tese do REsp nº. 1.120.295/SP sobre a aplicação do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil na prescrição de créditos tributários, tem-se confirmada a hipótese levantada de que é inconstitucional a sua aplicação, o que seria aceito apenas naquelas execuções fiscais de créditos não-tributários.
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Imposto sobre a renda de portadores de doenças graves e o exercício dos direitos fundamentais
Através da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, especialmente do sistema constitucional tributário, o presente trabalho descreve as inconstitucionalidades perpetradas pela limitação prescrita pela Lei 7.713/88, em seu artigo 6º, inciso XIV, ao instituir a isenção do Imposto sobre a Renda apenas para os proventos de aposentadoria ou reforma das pessoas físicas portadoras de doença grave. Após a identificação do critério de discrime da norma isentiva, ela foi submetida ao crivo dos princípios constitucionais da Igualdade, da Não Obstância do Exercício de Direitos Fundamentais por Via da Tributação, da Pessoalidade do Imposto Sobre a Renda, da Capacidade Contributiva, de tal sorte que se concluiu pela necessidade de se aplicar a isenção também aos portadores de doenças graves que recebem proventos decorrentes do trabalho, sob pena, de se subverter os valores almejados pela Carta Constitucional.
Direito Tributário
Introdução Os direitos fundamentais são basilares em nossa sociedade e devem orientar todo o ordenamento jurídico, desde a produção de normas até a sua aplicação. Neste sentido, o objetivo desse trabalho é estudar a intersecção entre os direitos fundamentais e a tributação, e, através do sopesamento de seus valores, identificar as necessárias posturas exigidas do Estado, sendo por vezes uma obrigação negativa, e, por outras, uma atitude positiva, todas voltadas para a efetivação da proteção aos direitos fundamentais. O foco empírico do estudo será a análise do disposto no inciso XIV do artigo 6º da Lei nº 7.713/88, que isenta do imposto sobre a renda somente os proventos de aposentadoria ou reforma percebidos por pessoas portadoras de doenças graves, deixando ao largo da isenção, todas as outras remunerações percebidas também por pessoas físicas portadoras de doenças graves. 1. Direitos Fundamentais O Ordenamento Jurídico Brasileiro é formado por normas de comportamento e de estrutura que, tomadas em conjunto, formam o sistema do direito positivo. Nesta medida, esse sistema possui subsistemas que se entrecruzam e encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal. Um dos subsistemas constitucionais de destaque é o sistema constitucional tributário, detentor de normas constitucionais tributárias, as quais mantêm entre si relações de coordenação horizontal justamente por se apresentarem no mesmo plano hierárquico. O subsistema tributário configura um grupamento de regras da mesma natureza lógica e que tratam da mesma temática. O subsistema constitucional tributário dispõe sobre competências do Estado de tributar, mas também prevê limitações ao exercício desse poder. Para tanto, o sistema em foco utiliza-se de princípios para implementar as garantias almejadas. O direito, como objeto do mundo da cultura, está impregnado de valor. O sistema do direito positivo, tal como acima descrito, é presidido e governado por normas jurídicas de superior hierarquia. Referida superioridade sustenta-se na medida em que determinados enunciados prescritivos estão impregnados de carga axiológica bastante ampla e significativa e, por isso, acabam por determinar e subordinar a sorte das demais normas jurídicas que formam a integridade do referido sistema. Nessas normas, encontramos a disciplina dos Direitos Fundamentais que foram positivadas pela Constituição Federal. Não podemos perder de vista a distinção entre direitos fundamentais e direitos do homem, eis que sua definição será relevante quando da demonstração do fundamento para sua aplicação. Nesse contexto, o professor português Canotilho (1998) nos apresenta um critério para esta distinção. O Doutrinador enuncia que os Direitos Fundamentais são as normas vigentes em uma ordem jurídica concreta enquanto que os direitos do homem são aqueles derivados da própria natureza humana. Podemos definir os Direitos Fundamentais, sintaticamente, como instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado, ou seja, essas normas são dirigidas ao Estado para orientar toda a sua atuação, e conforme falamos alhures, em todas as esferas de suas competências. Por conseguinte, a identificação dos direitos fundamentais como aqueles dotados de regime jurídico diferenciado, por estarem estampados no conjunto de normas constitucionais imutáveis e aplicáveis de imediato, é que dão tamanha importância e destaque para o nosso estudo. Ocorre que o Estado necessita tributar seus súditos para que ele possa efetivar os objetivos da república, e é justamente na intersecção entre o poder de tributar e o exercício dos direitos fundamentais que encontramos grande campo de tensão. 1.1 Direito Fundamental à Dignidade da Pessoa Humana A dignidade da pessoa humana é alcançada quando tantos outros direitos são preservados. Sendo ela indispensável ao Estado Brasileiro, a dignidade da pessoa humana está prescrita positivamente como direito fundamental no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República[1]. A propósito, esclarecedoras são as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2008): “A dignidade da pessoa humana, na condição de valor fundamental atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.” Este direito assegura a todo cidadão uma existência digna. Neste sentir, a tributação guarda íntima relação com a dignidade da pessoa humana, eis que o poder tributante não poderá lançar mão de sua competência tributária além do limite da dignidade da pessoa humana, ou seja, a tributação nunca poderá ser tão escorchante a ponto de atingir a dignidade da pessoa humana. 1.2 Direito Fundamental à Saúde O direito fundamental à saúde foi positivado na Constituição da República Federativa do Brasil, juntamente com uma série de outros direitos fundamentais sociais. Integrado mas, não limitado, a Constituição correlacionou o direito fundamental à saúde com a garantia de assistência social, incluindo nesta as fontes de custeio e toda a sistemática política. Entrando no tema específico, a saúde é inserida no conceito de seguridade social e, portanto, como um direito fundamental da sociedade garantido por políticas sociais e financiado por contribuições e recursos federais, constitucionalmente assegurados. É evidente que o direito fundamental à saúde não se limita a uma atuação estatal no sentido de proporcionar tratamentos curativos, mas também, de ações positivas no sentido da prevenção e orientação. Não ficando de fora o dever negativo, ou seja, o dever do Estado abster de determinadas condutas que são contrárias à saúde. Neste último caso podemos destacar a necessidade de conduzir a tributação de forma a não macular este direito tão caro à sociedade brasileira. 1.3 Direito Fundamental ao Mínimo Vital O mínimo existencial, de acordo com Ricardo Lobo Torres (2005), consubstancia-se num direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito ao mínimo existencial não está prescrito expressamente no texto constitucional, não obstante, é evidente que a disciplina constitucional abarca a proteção deste mínimo existencial. Tal proteção baseia-se na ética e fundamenta-se na liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e da dignidade humana, sendo todos estes direitos escopo primordial do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Na Constituição Brasileira, o artigo 6º define os direitos sociais, e neste mesmo dispositivo, podemos identificar de modo implícito o mínimo existencial. Nesse contexto, a Lei 8.742/93 tratou dos mínimos sociais, que também podem ser concebidos como mínimo existencial. Tais direitos são objetivamente mínimos por coincidirem com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e por serem garantidos a todos os homens, incondicionalmente. Assim, por serem tão caros aos homens, esses direitos não podem ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos, pelo contrário, eles reclamam por prestações estatais positivas. 2. Sistemas e Princípios Constitucionais Tributários Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e como tal, vige no território brasileiro uma ordem jurídica, em outro falar, as relações intersubjetivas são reguladas por normas previstas no ordenamento jurídico. Este ordenamento jurídico pode ser visto como um sistema onde habitam normas de comportamento e de estrutura que, tomadas em conjunto, formam o sistema do direito positivo. O sistema em referência possui subsistemas que se entrecruzam e que buscam fundamento de validade na Constituição Federal. O texto constitucional, por sua vez, prescreve inúmeras normas que balizam a conformação do ordenamento jurídico, especialmente, no que toca à tributação. As normas presentes no Sistema Constitucional Tributário são conhecidas como normas constitucionais tributárias, as quais mantêm entre si relações de coordenação horizontal justamente por se apresentarem no mesmo plano hierárquico. Dentro desse subsistema predominam as normas de estrutura, mas também são encontradas as de comportamento. O subsistema em referência disciplina a tributação no Brasil na medida em que dispõe sobre os poderes do Estado de tributar, mas também prevê garantias aos direitos fundamentais das pessoas diante do exercício desse poder[2]. Ao tratar de princípios, inevitavelmente, temos que lidar com valores, eis que, por vezes, os princípios não podem ser traduzidos como regras. Necessário frisar que o ordenamento é regido por normas e princípios de superior hierarquia (constitucional). Por conseguinte, é jurídico enunciar que os princípios são diretrizes normativas, possuindo força para prescrever e direcionar toda a produção de normas do ordenamento jurídico. 2.1 Princípio da Igualdade O Sistema Jurídico Brasileiro adota o princípio da igualdade, o qual não admite discriminações arbitrárias entre pessoas iguais, conforme prescrições contidas no artigo 5º da Constituição Federal, que estampa a regra geral, aplicável a toda e qualquer norma jurídica. Como corolário deste princípio, especificamente no âmbito do Sistema Tributário, há previsão de que não poderá haver instituição e cobrança de tributos de forma desigual entre contribuintes em condições de igualdade jurídica. Neste ponto, existe um quanto de contrariedade na efetivação do princípio da igualdade, pois nem sempre a desigualdade é contrária à igualdade. A pedra de toque deste princípio repousa, então, em saber quais as diferenças relevantes para se adotar um critério de distinção, de discrime. O princípio da igualdade constitui, ao lado de outros princípios tributários, uma vedação ao arbítrio do Estado, e, portanto, garantia assegurada ao contribuinte. É definido, como cláusula pétrea da Constituição, não podendo ser abolida nem mesmo através do expediente da Emenda Constitucional. Por conseguinte, podemos entender que o principal destinatário do princípio da isonomia é o próprio legislador, cabendo a ele distinguir sempre que houver desigualdade. Não obstante, o aplicador do Direito também está vinculado a este mandamento. A igualdade tributária está garantida em todos os tributos. Assim, o principal desafio quando lidamos com o princípio da igualdade é identificar e eleger o critério de discrime necessário à implementação dos tratamentos distintos que culminam na igualdade. 2.2 Princípio da Capacidade Contributiva O princípio da capacidade contributiva está positivado no artigo 145 da Constituição Federal, mediante a prescrição textual a qual ordena que sempre que possível os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Trata-se de princípio limite objetivo: é limite objetivo destinado ao legislador tributário, ordenando que seus comandos devem se ater à capacidade econômica do contribuinte quando da eleição tanto do critério material, quanto do critério quantitativo do tributo. Dessa forma fica clarividente que a observância da capacidade contributiva do contribuinte na edição do tributo prestigia e tem como corolário lógico o princípio da igualdade. Ademais, o princípio da capacidade contributiva deve ser compreendido no âmbito dos impostos que, para atendê-lo plenamente, terão que respeitar a capacidade econômica do contribuinte, de forma que seu critério quantitativo será equalizado com o critério material em equilibrada medida do fato-signo presuntivo de riqueza. Ou seja, um acontecimento que, per si, indique capacidade de contribuir eis que dotado de conteúdo econômico positivo. Adicionalmente, vale mencionar que a capacidade contributiva é revelada pelo acréscimo obtido por meio da aquisição de rendas ou proventos de qualquer natureza. O primado da capacidade contributiva tem como uma de suas pilastras a proteção ao mínimo vital. E, especificamente no âmbito do imposto sobre a renda, destacamos um princípio fundamental à implementação daquele e que também guarda estreita sintonia com toda a disciplina constitucional, o princípio da pessoalidade. 2.3 Princípio da Pessoalidade do Imposto Sobre a Renda O princípio da pessoalidade, expressamente positivado pelo artigo 145, §1º, da Constituição Federal, prescreve que a incidência dos impostos deverá observar as características pessoais daquele que irá sofrer o gravame. Nesse ponto, a pessoalidade aparece ligada à capacidade contributiva, eis que, à norma tributante caberá graduar a sua incidência segundo a particularidade daquele contribuinte praticante do fato hipotético, aferimento de renda. Neste sentido, Mary Elbe Queiroz (2004, p. 35) enuncia as principais características do princípio da pessoalidade: “Em relação ao Imposto sobre a Renda, a pessoalidade assume extrema importância, pois as características das pessoas deverão ser levadas em conta quando da fixação de alíquotas e possibilidade de serem feitas deduções. Para que seja respeitado o princípio, mister se faz que possam ser considerados, em cada caso, as condições pessoais no tocante a gastos e deduções familiares e aqueles necessários à percepção dos rendimentos e manutenção da respectiva fonte produtora, para que a incidência não se torne confiscatória e possa assumir caráter mais isonômico.” O cotejo deste primado nos cria a noção de que na instituição do imposto sobre a renda não basta observar apenas a quantia angariada pelo contribuinte, mas também é imprescindível observar e respeitar a sua condição pessoal, pois é evidente que a capacidade contributiva de um indivíduo solteiro que aufere, hipoteticamente, R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais não é igual à de um indivíduo casado e pai de três filhos aferindo os mesmo R$ 3.000,00 (três mil reais). 2.4 Princípio da Não Obstância do Exercício de Direitos Fundamentais por Via da Tributação Este princípio não está explícito na Constituição Federal, mas é perfeitamente construído conforme nos ensina Regina Helena Costa (p. 92, 2013): da combinação das normas que afirmam diversos direitos e liberdades individuais e coletivos consagrados no bojo da Carta Magna e as normas que regram a atividade tributante. Significa dizer que a tributação não deve ser desempenhada em descompasso com os ditames constitucionais, ou seja, tal princípio não tolera a aplicação da tributação em desapreço aos direitos fundamentais. Se o ordenamento constitucional abarca em seu contexto normativo determinados direitos fundamentais, não pode, ao mesmo tempo, compactuar com a obstância ao seu exercício, mediante uma atividade tributante desvirtuada. Deverá ser obedecido tal princípio pelo legislador infraconstitucional quando da instituição dos tributos. Desse modo, ao eleger os fatos que serão apreendidos pelas hipóteses normativas, deve considerar os direitos cujo exercício eventualmente poderão ser afetados pela exigência fiscal, de modo a não obstaculizá-lo. Diante da ideia desenvolvida acerca do princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, revela-se, ao nosso talante, que tal concepção ocupa o patamar de um verdadeiro sobreprincípio em Direito Tributário, abarcando todo o arcabouço normativo positivado, considerando, para tanto, a tributação em todas as suas concepções (instituição, arrecadação e fiscalização). Toda a gama de princípios e direitos individuais carreados pelo texto constitucional, somados às demais normas de direito tributário convergem para um fim ou objetivo preponderante, a prevalência do princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, impedindo que não haja prejuízo no exercício de tais direitos. 3. Imposto Sobre a Renda de Portadores de Doenças Graves A primeira lei instituidora do imposto sobre a renda no Brasil foi a Lei n. 4.625, de 31 de dezembro de 1922. Posteriormente, uma série de modificações legislativas e regulamentares moldaram o imposto sobre a renda até a estrutura atual. Após a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153, III, que outorgou a União Federal a competência para instituição do Imposto, a Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, alterou sensivelmente as regras matrizes do imposto sobre a renda, existentes na ordem jurídica anterior. O imposto sobre a renda possui várias materialidades e regras matrizes distintas, porém, focaremos apenas aquele incidente sobre a renda e proventos da pessoa física (IRPF), deixando de lado o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa jurídica (IRPJ) e o Imposto Retido na Fonte. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda é o fato de uma pessoa física verificar, ao final de um período – no caso eleito pelo artigo 8º da Lei n. 9.250, de 1995, o ano-calendário – acréscimo patrimonial, tendo sido esse acréscimo fruto de seu trabalho, capital ou combinação de ambos. Uma vez conformada a hipótese de incidência do imposto sobre a renda, tal e qual determina a Constituição Federal em sua rígida repartição de competências tributárias, estamos aptos a confrontá-la às situações que passaremos a tratar adiante. 3.1 A Isenção do Imposto Sobre a Renda dos Portadores de Doenças Graves A isenção é uma norma de estrutura, veiculada por lei em que o ente tributante opta, por qualquer que seja o motivo, em excluir determinado evento da hipótese de incidência do tributo, no caso do imposto sobre a renda. Assim, para que haja a isenção, é necessário que o imposto esteja instituído, ou seja, deve existir no ordenamento positivações necessárias à construção da regra matriz de incidência da exação. Cabe, então, ao ente tributante competente pela instituição do imposto, optar por editar a norma isentiva, aplicada juntamente com a norma de incidência resultando na mutilação de um, vários ou todos os critérios da regra matriz de incidência. A regra de isenção reduz a abrangência de um ou mais critérios da regra matriz de incidência tributária, que segundo doutrina do professor Paulo de Barros Carvalho (2012), são cinco: critérios material, espacial e temporal no antecedente; critérios pessoal, composto por sujeitos ativo e passivo, e quantitativo, composto por base de cálculo e alíquota, no consequente. A norma de isenção de imposto sobre a renda aos portadores de doenças graves está prescrita pela Lei n. 7.713/88, alterada pela Lei n. 11.052/04, que, entre outras providências, instituiu a isenção do imposto sobre a renda de pessoa física aos contribuintes portadores de doença grave. Por conseguinte, para aquelas pessoas portadoras de doenças graves descritas no texto legal, a União excluiu da base de cálculo do imposto sobre a renda os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço. Assim, certamente em cotejo ao sistema constitucional tributário, a norma isentiva buscou dar efetividade à proteção de primados da sociedade brasileira prescritos pela constituição, especialmente ao direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana e ao mínimo vital. Legitimando ainda os princípios da capacidade contributiva, da pessoalidade do imposto sobre a renda. Louvável foi a atitude do legislador ao primar pela leitura sistemática da Constituição Federal, porém, não andou com tamanha distinção ao limitar a isenção apenas aos proventos decorrentes de aposentadoria ou reforma de portadores de doenças graves, não abarcando aquelas pessoas portadoras das mesmas moléstias, porém não aposentadas. Vejamos então, o alcance da norma isentiva em testilha. 3.1.1 Alcance da Regra Isentiva A prescrição textual da Lei n. 7.713/88, refere-se tão somente aos proventos de aposentadoria e reforma percebidos por portadores de doenças graves, silenciando em relação a outros tipos de rendimentos percebidos por estas mesmas pessoas. Via de consequência, parte significativa da doutrina e também da jurisprudência enuncia que referida norma isentiva incide apenas nestas situações. O principal fundamento para esta interpretação literal está alicerçado no artigo 111 do Código Tributário Nacional: “ Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:[…] II – outorga de isenção;” Por via de consequência, aquelas pessoas que são portadoras das mesmas doenças descritas no artigo 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88, porém que não percebem proventos de aposentadoria, mas sim salário ou qualquer outro tipo de rendimento, não se enquadram na isenção em comento. É este, também, o entendimento da Autoridade Fiscal -representada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, – e também de grande parcela da jurisprudência e doutrina, de que a isenção instituída pela Lei n. 7.713/88, deve ser interpretada literalmente, restringindo a isenção do imposto sobre a renda apenas aos proventos de aposentadoria e reforma percebidos por portadores de doenças graves. Necessário frisar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido da restrição da interpretação da norma isentiva, prescrevendo a exclusão da incidência, tanto em relação a renda, quanto em relação à abrangência da isenção às outras doenças não relacionadas no texto legal (v.g. REsp 1.254.371/RJ, relator Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, j. 02/08/2011, DJe 09/08/2011 e REsp 1.221.275/SC, relator Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, j. 08/02/2011, DJe 16/02/2011). Isto significa que uma mesma pessoa portadora de doença grave sofrerá a incidência de imposto sobre a renda quando sua renda não decorrer de provento de aposentadoria e não sofrerá a incidência quanto a estes. Vejamos a regulamentação da matéria pelo Decreto n. 3.000, de 26 de março de 1999, denominado Regulamento do Imposto de Renda: “ Art. 39.  Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:[…] Pensionistas com Doença Grave XXXI – os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão;[…] Proventos de Aposentadoria por Doença Grave XXXIII – os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;” Do exposto, conclui-se que apenas os portadores de doenças graves, os quais não estão mais na ativa, têm o direito à isenção de imposto sobre a renda, eis que somente a pensão e os proventos da aposentaria são isentos da aludida exação. Com esta afirmação, podemos encontrar dois critérios necessários para a concessão da isenção do imposto sobre a renda. 3.1.2 Critério de Discrime Eleito pelo Legislador Infraconstitucional O Legislador infraconstitucional ao editar a Lei n. 7.713 e suas alterações posteriores, elegeu dois critérios necessários para a concessão da isenção do imposto sobre a renda: o primeiro relaciona-se ao sujeito, ou seja, trata-se de uma isenção pessoal, destinada a determinados sujeitos passivos; o segundo associa-se à renda, à base de cálculo do imposto. O primeiro critério, o pessoal, leva em consideração a condição de portador de doença grave, residindo neste critério o verdadeiro fundamento constitucional do benefício. Em razão deste fator, o legislador infraconstitucional pode, segundo a disciplina constitucional, destinar tratamento desigual a tais indivíduos. Desta feita, para que o contribuinte seja enquadrado na isenção do imposto, é imprescindível ser portador de alguma doença grave relacionada no texto legal. Muito embora a condição de portador de doença grave seja necessária, supostamente não é suficiente à concessão da isenção. A norma isentiva apenas tem incidência quando o portador de doença grave percebe pensão ou provento de aposentadoria. Ocorre que, a Ordem Constitucional não outorgou à conformação da norma infraconstitucional estes moldes, prestigiando este último critério de discriminação, pois o fator que realmente fundamenta o tratamento desigual é aquele relacionado à doença grave. Ora vejamos, a doença exige da pessoa maiores necessidades financeiras para custear tratamentos de saúde, custos elevados com o próprio dia a dia. O Legislador não poderia tratar de maneira desigual os deficientes apenas em razão de estarem aposentados ou não. Aqueles que estão na ativa e os aposentados possuem necessidades especiais diferenciando-os das outras pessoas sem deficiência. É justamente neste ponto que deveria residir o critério de discrime, ou seja, apenas a condição de portador de doença grave. É jurídico o emanar da Constituição Federal a fundamentação para a concessão da isenção, eis que a Ordem Constitucional prescreve em seu artigo 1º[3], que o Estado Brasileiro tem como fundamentos, entre outros: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho e da livre iniciativa. A Constituição Federal, por conseguinte, exige que a conformação da ordem jurídica – conjunto de normas vigentes em nosso território -, tome por norte o tratamento digno e a igualdade entre os cidadãos. Como exemplo, a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, reproduz expressamente o comando constitucional, também em seu artigo 1º, §1º, prescrevendo que na intepretação e aplicação do comando legal, devem ser considerados os princípios da dignidade da pessoa humana, justiça social, bem estar, dentre outros, remetendo à Carta Magna, para a observância de outros primados. Desta feita, deveria o Legislador infraconstitucional, especialmente aquele detentor da competência tributária e responsável pela a instituição das normas de conformação do tributo, dentre elas a norma de isenção, observar os comandos constitucionais que consagram os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, entre outros. Nesta senda, a conformação da isenção do imposto sobre a renda dos portadores de doenças graves não poderia diferenciar as pessoas a partir da sua atividade, se aposentadas ou não. Com efeito, a isenção fiscal tem fundamento no acometimento de doença grave, porquanto visa desonerar o sujeito num momento extremamente delicado da vida, qual seja, quando acometido por uma séria enfermidade. 3.3 Violações Identificadas A vedação da norma isentiva do imposto sobre a renda aos deficientes da ativa afronta a isonomia, pois discrimina deficientes ativos, daqueles que são aposentados, destinando a estes um tratamento mais benéfico. Entretanto, este critério de discrime não justifica o tratamento diferenciado, eis que ambos são portadores das mesmas enfermidades, e, por conseguinte, são portadores das mesmas necessidades, sempre mais custosas, como por exemplo, tratamentos médicos, equipamentos de acessibilidade, acompanhamentos de outros profissionais da saúde, pessoas para auxiliar nas mais diversas atividades, dentre outros. Segundo o professor Luís Roberto Barroso (2006, p. 155) o princípio da razoabilidade é um mecanismo para alcançar a isonomia e controlar a discricionariedade legislativa. Classificando a razoabilidade das normas, o efusivo professor enuncia a necessidade de se verificar a razoabilidade externa da norma, que pode ser entendida facilmente através de suas claras palavras: “De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional.” Conclui-se, portanto, que mesmo que a norma possua razoabilidade interna, caso ela não possua o mesmo atributo frente à Constituição Federal, estará fadada ao insucesso quando verificada a sua constitucionalidade. Considera-se inconstitucional o dispositivo legal e a interpretação que exclua de pessoas em situações iguais ou equivalentes, direitos iguais, ferindo assim os princípios constitucionais da isonomia tributária, dignidade da pessoa humana. Não olvidamos que a emprego da equidade não pode resultar na dispensa do pagamento de tributo, consoante prescrição do artigo 108, § 2º do Código Tributário Nacional, porém, não se trata de dispensa de pagamento de tributo, mas sim, de conformação de normas infraconstitucionais às balizas do ordenamento constitucional. Ademais, é vedada a utilização de restrições casuísticas, pois, se assim o fizesse estaria a ferir o postulado material da igualdade, o qual veda o tratamento discriminatório ou arbitrário, seja para favorecer ou para prejudicar. Significa dizer que a elaboração de normas de caráter casuística afronta o princípio da isonomia. E como não bastasse a violação à isonomia do tratamento, há violação também aos princípios da capacidade contributiva e da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação. O legislador ao não permitir a incidência da norma isentiva aos portadores de doenças graves na ativa, acabou por tributar contribuintes com reduzida capacidade contributiva, obstando o exercício de seus direitos fundamentais, como o da saúde, do bem estar, da dignidade da pessoa humana etc. Conclusões Por todo o exposto, partimos da premissa de que o fenômeno tributário não pode ser analisado e conformado apenas a partir da legislação infraconstitucional. Deveras, a tributação deve desenvolver-se com apoio na Constituição Federal, primando por seus fundamentos e princípios, cabendo ao legislador infraconstitucional obedecer a todos estes preceitos ao tempo da edição das normas tributárias. Neste diapasão, segundo ensinamentos do professor Roque Antonio Carrazza, é justamente a Constituição, com seus grandes princípios, que mantém a ação de tributar dentro do Estado Democrático de Direito. Por conseguinte, a Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, não poderia diferenciar os portadores de doenças graves por um critério tão desconexo ao fim legítimo da isenção, – aposentadoria -, eis que, é a doença que justifica o tratamento diferenciado em relação aos outros contribuintes.
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ITCD: uma visão da arrecadação deste imposto no Brasil e no estado do Ceará entre 2000 a 2010
O objetivo deste estudo é contextualizar, historicamente, o ITCD; ter uma visão da arrecadação deste imposto em âmbito nacional e estadual, com a análise comparativa da arrecadação deste tributo no Estado do Ceará com o Brasil e comparando, ainda, seu crescimento em relação ao PIB do Estado do Ceará. Estudar aspectos específicos como a apuração da base de cálculo, a incidência, a não-incidência, a isenção, as alíquotas e sua progressividade. A base de dados da pesquisa é composta por variáveis mensais extraídas do IBGE, Ministério da Fazenda, IPECE, IPEA e SEFAZ-Ce.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO É por meio dos tributos – impostos, taxas e contribuição de melhoria – que as diversas esferas governamentais arrecadam suas receitas, que serão gastas de acordo com as diretrizes orçamentárias estabelecidas em lei. O Estado tem uma função redistributiva, voltada para canalizar recursos para as camadas economicamente desfavorecidas, bem como para as regiões mais pobres do país (VASCONCELOS e GARCIA, 1998). Assim, supõe-se que a ação do Estado esteja voltada para o bem-estar da população. O Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos é de competência estadual e foi instituído pela Constituição Federal de 1988. Muitas vezes renegado a um segundo plano por sua baixa arrecadação, nem sempre é incluído em programas de modernização tributária. Daí surgiu o interesse em pesquisar o comportamento da arrecadação deste tributo nos últimos dez anos e verificar sua evolução como receita estadual, visto que poucos trabalhos relatam a importância deste imposto. Discorremos, ainda, neste trabalho, sobre a evolução histórica do ITCD, sua forma de tributação, da incidência, da não incidência, das isenções, da base de cálculo, do sujeito ativo e do sujeito passivo, das alíquotas e da apuração do imposto, do lançamento e do recolhimento. Comparamos, também, a arrecadação do ITCD do Estado do Ceará com a arrecadação do ITCD do Brasil e comparamos a evolução da arrecadação do ITCD do Estado do Ceará com a evolução do PIB do Estado do Ceará, no período entre 2000 a 2010 com dados obtidos junto a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, ao IPEA, entre. Por fim, elaboramos uma análise dos resultados obtidos e as considerações finais. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ITCD O Estado como ente organizado imprescindível para que o homem possa viver em sociedade necessita de recursos financeiros para atender as necessidades de bem estar. Essa busca de recursos para fazer frente às suas despesas tem sido uma constante para todos os governantes ao longo da história da humanidade. Apresento, neste capítulo, a evolução dos impostos incidentes sobre a transmissão de bens desde os primeiros registros até a época atual.  No Brasil, procuro relacionar as alterações legais desde o início do século IX, complementando com a Constituição de 1988 e o Código Tributário Nacional. 2.1 Evolução histórica do ITCD no mundo Remontam há muitos séculos, as referências aos impostos incidentes sobre heranças e doações. Registros egípcios indicavam sua cobrança instituída pelo faraó Psamétrico I, no ano de 666 a.C.. O imposto sobre as heranças (vicesima hereditatum), instituído por Augusto e cobrado apenas na Península Itálica, em Roma, no ano VI d.C., tinha como destinação suprir o Exército. A alíquota inicial de 5% foi elevada por Antonino para 10%. Justiniano aboliu a vicesima hereditatum no ano de 531. Impostos sobre heranças praticamente não existiram na Idade Média, devido a organização política da época. As terras pertenciam ao Senhor Feudal, que as cedia aos vassalos em troca dos rendimentos sobre a sua exploração. Assim, com a morte do vassalo a terra retornava ao senhor que podia cedê-la novamente a quem quisesse. No fim da Idade Média, com a diminuição do poder dos senhores feudais, e o conseqüente fortalecimento dos Estados, os sistemas tributários passaram a se organizar melhor. Na França, a partir do início do século XVIII começaram a existir impostos cobrados sobre a transmissão de bens tanto inter-vivos quanto causa-mortis, com alíquota de 1% sobre o valor desses. A Inglaterra passou a tributar a transmissão de bens por herança a partir do ano de 1694 com o probate duty, que incidia sobre bens móveis. A resistência dos aristocratas à tributação sobre transmissão de imóveis foi vencida em 1833 com a instituição do sucession duty. Os impostos incidentes sobre heranças foram consolidados no ano de 1894, com o estate duty e o legacy and succession duty, com a adoção de alíquotas progressivas e o estabelecimento de isenções. Entre outros países, na Espanha, existiu a cobrança do imposto sobre transmissão de bens móveis ou imóveis com alíquotas entre 6% e 14% por um largo período, até o ano de 1829 (LEUCK, 1996). 2.2 Evolução histórica no Brasil No Brasil, com a transferência da família real portuguesa, surgiu a necessidade do aumento de impostos para suprir as necessidades da corte. Um desses impostos foi criado pelo Alvará de 3 de junho de 1809, com o nome de sisa dos bens de raiz ou imposto de sisa (FANUCCHI, 1975). Com alíquota de 10%, posteriormente reduzida para 6%, eram tributadas as transferências de bens imóveis por compra e venda, inclusive por troca. O Alvará de 17 de junho de 1809 criava o imposto sobre sucessões com alíquotas de 10% e 20%, estabelecendo isenções para os parentes mais próximos. Em 1811, novo alvará regulamentava a arrecadação do imposto de décima das heranças e dos legados. Em 1832, esse imposto, passou a ser cobrado pelas províncias, integrando definitivamente sua receita a partir da edição da Lei n° 99 de 31 de outubro de 1835 (LEUCK, 1996). A Constituição Republicana de 1891 em seu art. 9º, inciso 3º, promulgada em 24 de fevereiro de 1891 por uma Assembléia Constituinte convocada pelo Governo Provisório (SARASATE, 1967) atribuía aos Estados a competência para decretar impostos sobre a transmissão da propriedade, aí incluídos imóveis, móveis e semoventes. Com a promulgação da Constituição de 1934, promulgada a 16 de julho pela Assembléia Constituinte eleita para esse fim e convocada pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas (SARASATE, 1967), o imposto de transmissão da propriedade foi dividido em dois, de competência privativa dos Estados, conforme pode ser visto no próprio texto daquela constituição: “Art. 8º – Também compete privativamente aos Estados: I – decretar impostos sobre: b. transmissão de propriedade causa mortis; c. transmissão de propriedade imobiliária inter vivos , inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade;”
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A compensação de débitos com apólices da dívida pública
As apólices da dívida pública resultam dos empréstimos realizados pelo Estado junto à população, já que o Governo pode utilizar-se de capital alheio, para fomentar, estruturar, desenvolver e fazer com que o país cresça, se comprometendo a reembolsar os credores, em determinado espaço de tempo. Assim, os títulos da dívida pública foram e são de grande importância para a formação e criação do Estado Nacional. Mas a prática dos títulos, mostra-se totalmente divergente e desvirtuada do discurso e do compromisso Estatal, não sendo possível o credor receber o credito emprestado, bem como efetuar pagamentos ou mesmo utilizá-lo para compensação e quitação de tributos e/ou dívidas com o próprio Estado, não servindo tais papeis para absolutamente nada. Desta forma o presente trabalho, através de uma analise histórica, legislativa, juridica, especialmente através do Direito Tributário e Financeiro, objetiva comprovar a validade e legitimidade dos títulos, demonstrando-se que tais papeis são pagáveis, ou seja, liquidáveis pelo Governo, podendo ser compensando tributariamente, resgatando assim a segurança juridica e Constitucional das promessas, compromissos e acima de tudo obrigações oriundas do Estado com a sociedade, mantendo-se a confiança e solidez do Estado Democrático de Direito.
Direito Tributário
Os títulos da divida publica, é um tema muito polêmico, complexo e de intenso debate, que em virtude de seu valor jurídico e principalmente social, merece ser bastante explorado, por envolver de um lado o Governo, uma enorme divida e um considerável numero de credores, que possuem uma visão de que sofreram um duro golpe por parte do Governo. Face à impossibilidade de utilização de tais títulos, para a compensação e quitação de débitos fiscais, surgem inúmeras indagações a respeito da utilização de tais papeis e sua validade. Os Títulos da Dívida Pública Externa, (TDPE), foram alvo de oportunistas e de pessoas de índole duvidosa, que usaram de má fé para arquitetar golpes na sociedade, assim, aliado a falta de pagamento dos títulos por parte do Governo e das fraudes envolvendo os papeis, as apólices são vistas de forma negativa perante a sociedade. Apesar da imagem ruim perante a sociedade os TDPE, possuem valor comercial e jurídico, pois são resgatáveis, pagáveis ou mesmo podem ser compensados com tributos perante a Receita Federal do Brasil. Assim, este trabalho busca o resgate da credibilidade dos papeis, junto a sociedade, operadores do direito e principalmente do Governo, para que a via sacra da compensação tributária através das apólices possam ser feitas de maneira clara, segura e acima de tudo reconhecida o seu devido valor perante a sociedade e o Estado. Este trabalho possui escopo de efetuar uma analise juridica da validade e viabilidade dos títulos, fazendo uma abordagem histórica das apólices, demonstrando de forma coerente à certeza, legitimidade, liquidez dos papeis perante o Governo, e a validade juridica da compensação tributaria dos títulos da divida publica, sempre com base na legalidade, sanando dúvidas referentes a validade dos títulos, prescrição, autenticidade, procedimento para atualização dos valores e a possibilidade de quitação de tributos, através da compensação, consignação em pagamento ou mesmo do oferecimento em caso de penhora. No período de 1902 a 1964, o Governo Federal Brasileiro emitiu apólices com o intuito de angariar recursos para investimentos em infraestrutura. As cláusulas contratuais garantiam ao detentor de cada apólice uma taxa de juros de 5% ao ano, não contemplando, por outro lado, a correção monetária. Os agentes econômicos compravam estes títulos que muitas vezes chegavam a ter maturidade de 200 anos, por ser, na época, um instrumento de poupança de longo prazo de risco mínimo[1]. O Estado vai ao mercado buscar recursos junto aos investidores ou para financiar os seus déficits ou para a realização de investimentos de grande porte. O crédito público e consequentemente a divida pode ser interna ou externa. A definição de títulos, da divida publica e a própria divida pública, os títulos são papéis com promessa de resgate futuro, acrescido de juros, já que o Governo possui 03 (três) formas de financiar as suas despesas, arrecadando impostos, emitindo moeda e vendendo títulos da dívida pública. O título da dívida pública é uma espécie de empréstimo e/ou venda em que o Governo obtém credito (dinheiro/ativos), de terceiros (cidadãos, empresas, bancos públicos e privados, investidores, instituições internacionais e mesmo governos de outros países), com o compromisso de devolvê-lo, ou resgatá-lo em uma determinada data, por um determinado valor, acrescido de juros, correção, em determinada moeda para incentivar as vendas/empréstimos. Já a divida, é uma obrigação de determinada entidade com terceiros, gerada pela diferença entre despesas e receitas dessa entidade. Em outras palavras, só há dívida quando há déficit (despesas maiores que receitas), embora muitas vezes ocorra defasagem entre a realização do déficit e a contabilização da dívida. O conceito de dívida pública, assim como os demais conceitos fiscais, pode ser representado de diferentes modos, sendo as mais comuns à dívida bruta (que considera apenas os passivos do governo) e a dívida líquida (que desconta dos passivos os ativos que o governo possui).[2] Assim, a dívida publica sofre influencia e influencia na economia, no crescimento do pais, nos investimentos, na inflação, nos juros, no cambio, de que maneira o pais é analisado internacionalmente em relação a segurança econômica e financeira, sob a égide do Governo honrar ou não com suas obrigações, com seus credores internos e externos. A história da dívida interna brasileira tem origem ainda no período colonial, no qual, desde os séculos XVI e XVII, alguns governadores da Colônia faziam empréstimos. A exemplo do processo de endividamento em outras partes do mundo, os empréstimos da época confundiam-se com empréstimos pessoais dos governantes. Além disso, no período colonial “tudo era desconhecido: o tamanho da dívida, a finalidade do empréstimo, as condições em que esse era feito etc.” (NETO, 1980 apud, CAPUTO, 2009). A divida publica interna do Brasil, também ganha proeminência a partir da iniciativa do imperador D. Pedro I de designar, em 20 de setembro de 1825, por meio de decreto, uma comissão para promover a apuração e a institucionalização da dívida pública interna no Brasil. “Pela primeira vez na história do país executava-se uma medida com a finalidade de institucionalizar a dívida pública interna, dar-lhe caráter de dívida nacional, pela qual toda a Nação é responsável, desvinculando-a do caráter de dívida pessoal do governante” (NETO, 1980 apud, CAPUTO, 2009). Desta maneira os títulos da dívida pública interna foram emitidos desde o ano de 1902 até o final do ano de 1943, por sucessivos governos, com o objetivo de captar recursos para a construção de pontes e ferrovias. Posteriormente, já em 1956, o governo começou a resgatá-los, mas cerca de 2% (dois por cento) dos títulos, que correspondem a aproximadamente duzentas mil apólices, não foram resgatados à época. Face à falta de resgate e prevendo uma grande possibilidade de lucros foram contratados advogados de renome e auditores do mesmo quilate para oferecerem pareceres que concluíssem pela validade dos títulos e para apurar os seus valores atuais, considerando a data de sua emissão e o valor dos juros estabelecidos à época. Com esse objetivo de auferir lucros, envolveram-se neste projeto, financistas, empresários, especuladores nacionais e políticos interessados em influenciar de certa forma nos poderes Executivos, Legislativo e Judiciário com o fito de viabilizar a transformação dos papéis podres em dinheiro limpo e legal. Para resolverem a questão ou mesmo por interesses particulares, alguns membros do legislativo, começaram a viabilizar leis que obriguem o governo a aceitar estas apólices, através da compensação ou mesmo como moeda. Importante ressaltar que alguns juízes já confirmaram que os títulos não estão prescritos, sendo portanto válidos e devidos, competindo ao Governo resgatá-los, compensá-los com dívidas tributárias ou mesmo aceitá-los como moeda, vale citar uma decisão contra a prescrição do Des. Federal Catão[3], na qual afirma que as apólices não foram alcançadas pela prescrição. Assim, a prescrição dos títulos da divida publica interna, depende de como é visto o impasse, do lado do Governo ou da visão do possuidor do titulo, podemos citar como exemplo os títulos que foram emitidos pelo Estado de Minas Gerais, que como os demais títulos públicos internos foram chamados para o resgate, de acordo com a subsecretária do Tesouro Estadual, eles estão prescritos pela Lei Estadual nº. 5.828 de 06.12.1971. A Resolução nº. 208, da Secretaria de Estado da Fazenda, de 13.04.1972, e o Edital de 04.04.1972, publicados no “Minas Gerais”, foi estabelecido normas para o resgate dos referidos títulos. O artigo 60 da Lei Federal nº. 4.069, de 11.06.1962, também dispõe sobre esse assunto, estabelecendo em cinco anos o prazo para resgate, esta Lei Federal inclui todos os demais títulos de todos os estados: “Art. 60. Incidem em prescrição legal as dívidas correspondentes ao resgate de títulos federais, estaduais e municipais, cujo pagamento não for reclamado decorrido o prazo de 5 (cinco) anos a partir da data em que se público o resgate das respectivas dívidas. Parágrafo único. Consideram-se igualmente prescritos os juros dos títulos referidos neste artigo, cujo pagamento não for reclamado no prazo de 5 (cinco) anos, a partir da data em que se tornarem devido.” Entre março e setembro de 1972, o Estado de Minas Gerais converteu os títulos públicos que ainda não haviam vencido em OR (Obrigações Reajustáveis), com prazo de validade de cinco anos para resgate. Em 1989, as ORs foram transformadas em Letras Financeiras do Tesouro (LFT), que, por sua vez, deixaram de existir em 1998, por força do contrato de renegociação da dívida do Estado de Minas Gerais com a União. Portanto, hoje não mais existem dívidas estaduais por títulos. Por tais motivos é que alguns juristas e doutrinadores, afirmam que os referidos títulos não estão prescritos, pelo fato de que as obras pelas quais ouve a capitação dos recursos nunca foram concluídas, dando o calote nos investidores, pois quando o poder público é chamado em juízo para arcar com os compromissos assumidos na esfera privada, tenta circunscrever sempre a demanda ao qual está envolvido na esfera da prescrição, como se esta estratégia fosse verdadeira, capaz de apagar todos os encargos e compromissos assumidos com a já tão sofrida sociedade. Desta forma as obras, fato gerador das respectivas apólices, não foram concluídas, o que por si só exclui qualquer assertiva tendente à construção da ideia de prescrição, visto estar o vencimento dos títulos em questão vinculado ao término dos projetos governamentais. Também se deve enfatizar como foram tidos os resgates destes títulos de forma ilegal, observando então que o Decreto-lei nº 263, que fixou no seu artigo terceiro o prazo de prescrição de seis meses, contado da data da divulgação do edital publicado pelo Banco Central do Brasil, é inconstitucional, pois ao ser vedado ao Presidente da República invadir competência privativa da UNIÃO, tendo em vista que desde 1946, somente a União Federal pode legislar sobre o direito civil, como se verifica no art. 5, XV da Carta 1946. Tal dispositivo foi renovado na emenda constitucional nº. 10/64 (art. 5º, XV, “a”), nas Constituições de 1967 (art. 8º, “b”), na Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 8º, XVII,”b”) e na de 1988 (art.22, I), entranhando-se no ordenamento maior como uma forma de impedir que o Chefe do Executivo baixe normas que invadam a soberania dos direitos materiais aplicados jurisdicionados, incluindo-se nesse rol o Direito Civil, onde encaixa-se o instituo da prescrição. Como não podia legislar sobre prescrição, por ser inerente à competência da União Federal, não teve efeito legal o Decreto-lei 263/67, que criou prazo prescricional de seis meses para resgate dos títulos da divida publica. Apesar de estar autorizado a baixar Decretos-Lei sobre a matéria financeira, o Presidente da República não tinha autorização do Congresso Nacional para impor normas de Direito Civil, tais como as de prescrição do direito dos titulares do Titulo ao Portador da Dívida Pública, vários outros Decretos-Lei, foram ratificados e todos com o mesmo questionamento sobre sua inconstitucionalidade, ou seja, não cabia ao Presidente da República sem autorização do Congresso ratificar qualquer Decreto-Lei. Fora esses questionamentos sobre a imprescritibilidade dos papéis, gira em torno do fato de que no momento em que o Governo Federal tomou empréstimos do povo, celebrou contratos de direito comum, ou seja, a dívida só é publica porque o devedor é a União Federal, sendo certo que o regime jurídico ao quais as partes encontram-se vinculados é o de direito privado, aqui cabe citar a tese de Hely Lopes Meireles[4]: “A administração Pública pode praticar atos ou celebrar contratos em regime de Direito Privado (Civil ou Comercial), no desempenho normal de suas atividades. Em tais casos ela se nivela ao particular, abrindo mão de uma supremacia de poder, desnecessária para aquele negócio jurídico. É o que ocorre, p. Ex., quando emite um cheque ou assina uma escritura de compra e venda ou doação sujeitando-se em tudo as normas de direito privado […] (MEIRELES, 2003).” Essa é a grande discussão entre o Governo e os que defendem a liquidez das apólices, sobre várias teses, mas falar hoje em títulos da divida publica interna é algo que causa descrença e falta de seriedade. Com o objetivo de regularizar as dívidas do país no exterior, na década de 40, o Governo Federal fez diversas transações com credores internacionais, nos quais eram representados por duas entidades de detentores de Títulos Públicos no exterior “The Council of the Corporation, Inc.”, de Londres, e “Foreing Bondholdres Protective Council, Inc”, de Nova York. Como resultado dos entendimentos foi editado um decreto lei nº 6.019/43, publicado no DOU (Diário Oficial da União) de 25 de novembro de 1943, autorizando e estabelecendo novas regras para a retomada dos pagamentos da dívida mobiliária (ou Dólares, ou Libras Esterlinas) do Governo Federal, Estados, Municípios e de outras entidades públicas brasileiras, então suspensas. Ao longo da vigência deste Decreto-Lei, a maior parte da dívida, representada por apólices externas, foi resgatada ou prescreveu. Os títulos em dólares americanos foram todos chamados para resgate. A última chamada de títulos para cada um dos dois planos previstos no Decreto-Lei se deu, respectivamente, em 1968 e 1978. Os títulos eventualmente não apresentados prescreveram. Quanto a títulos em libras, há ainda em circulação um estoque reduzido. Vários já foram chamados para resgate estando os recursos disponíveis e aguardando a apresentação nos prazos determinados para cada papel. O resgate se dá exclusivamente no exterior por meio do agente pagador credenciado e na moeda de emissão. Não há possibilidade de resgate em moeda nacional. Os Títulos são aproveitados na maioria das vezes por empresas para compensar seus tributos Federais, perante a Receita Federal, sendo tudo demonstrado através de documentos, como decisões da Justiça Federal do Distrito Federal e de Goiás. A diferença existente entre os títulos da divida publica externa pra os títulos da divida interna, é o fato de que os da divida publica externa tem prazo de vencimento em 2076, 2026, 2012. Apesar destes títulos terem sido chamados para serem resgatados, os mesmos não estão prescrito, pois consta sua validade na face do titulo, já os da dívida pública interna não tem prazo de validade na face, mas já foram chamados para resgate, porém, mais uma vez existem inúmeras discussões a respeito da imprescritibilidade das apólices, mas em relação a estes o Tesouro Nacional, nunca afirma que são pagáveis o que não acontece com os da dívida externa. Desta maneira, pelas abordagens do estudo, percebemos que até o momento, existem varias alegações por parte do Governo que os títulos da dívida pública externa, quanto os da divida interna, possuem dificuldades para serem cumpridas a lei, ou seja, que sejam resgatáveis, já que a União sempre criar empecilhos, barreiras e manobras para não efetuar o pagamento, compensação e/ou resgate de tais papeis. O parecer jurídico da lavra do professor Ricardo Abdul Nour, titular de direito Financeiro e direito Tributário, da Universidade de Guarulhos, concluiu: “Portanto, por estar em vigor e com eficácia jurídica plena, o Decreto Lei 4330 de 28 de Janeiro de 1902, é que as Apólices da Dívida Pública Federal emitidas com base nele, continuam com a natureza de Título Creditício Exigível, que como tal deve ser satisfeito, não só porque é válido, mas também para que seja preservado o Crédito Público, a respeitabilidade do Estado e a Moralidade Administrativa.  É Constitucional, Legal, Moral e Justo”.  Sobre o tema, assim deu o parecer, Miguel Reale Junior, in verbis: “Em 28 de fevereiro de 1967, por força do AI. 4 e AI. 5, o Congresso estava em recesso, sendo portanto, impedido de apreciar a matéria. Praticamente proibiram que todos os atos do legislativo baixados pelo governo militar naquela época fossem contestados na justiça. Daí, entende-se que os titulares de Apólices da Dívida Pública interna fundada do Governo Federal tem direito, a no mínimo exigir que ela seja reconhecida. Assim não poderia, você possuidor destes papéis, recorrer à justiça pelo simples motivo de que não havia o Estado de Direito, sendo tudo resolvido à força”. Já para o doutrinador Aristides Junqueira Alvarenga. “O resgate parcial promovido pelos Decretos Lei nº 263/67 e 396/68, das Apólices supra citadas, ocorreu de forma irregular, ao atropelar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos, leis em plena vigência à época de suas edições e, finalmente, ao fulminarem a própria Constituição Federal.   Senão: 1. O DL nº 263/67 afrontou normas constitucionais então vigentes, quando em seu artigo 12, delegou ao Conselho Monetário Nacional o "poder" de regulamentá-los. Sendo que tal atribuição era e continua sendo indelegável e relativa ao Presidente de República. 2. O DL nº 263/67 é também inconstitucional quando em seu artigo 3º, parte final, versa matéria de prescrição, vedada em Decreto-lei, consoante o regime constitucional vigente. 3. Consequentemente de nenhuma valia é o edital do Banco Central convocando os particulares para o resgate dos títulos da dívida pública, eis que ausente a vigência da autorização legislativa. Isto posto, inquestionável, portanto, a validade das Apólices da Dívida Pública e demais títulos a que se refere o Decreto-lei nº 263/67, alterado pelo Decreto-lei nº 396/68, e por isso passíveis de resgate.” O mesmo entendimento comunga José Kleber Leite de Castro, vejamos: “É inquestionável que as obrigações do Estado originárias da emissão das Apólices da Dívida Pública, ao abrigo do Código Civil (art. 1.505 e seguintes) ou de legislação extravagante, não podem ser alteradas unilateralmente, colocando-se, pelo contrário, sob ampla regência dos princípios constitucionais e da lei de introdução ao Código Civil, relativos ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Ademais, as condições inscritas nas Apólices da Dívida Pública e nos decretos autorizativos de sua emissão, constituíram relações jurídicas definitivas e incorporaram direitos ao patrimônio dos seus portadores, não podendo, então, serem alteradas unilateralmente pela via de decretos-lei, por consubstanciarem atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos. As regras referentes ao prazo de resgate e à prescrição dizem respeito à substância do ato jurídico perfeito e do direito adquirido; logo, não poderiam ser vulneradas por legislação superveniente, cuja retroatividade é vedada pelo texto constitucional.” Os professores da FGV, Luiz Guilherme Shymura e Clóvis de Faro, que também é diretor financeiro da entidade, concluem em princípio que a dívida de um Estado, desde que não seja para financiar uma guerra, têm de ser reconhecida. “Na maioria dos países, os títulos públicos são considerados sem risco e, por este motivo são os que rendem as menores taxas de juros do mercado. Nos Estados Unidos da América, devido a elevada credibilidade, o governo tem emitido títulos de até 30 anos de maturidade que rendem uma taxa de juros de 7% ao ano”. Em todos os decretos autorizativos das emissões desses títulos o Governo assumia pagar o principal na razão de 0,5% (meio por cento) ao ano, a contar daquele que se seguir ao término ou aquisição de cada obra financiada. E só pagaria à vista se a cotação do título estivesse abaixo do seu valor de face. Se, porém, estivesse essa cotação acima do valor de face, pagaria por sorteio. Na opinião desses respeitáveis doutrinadores; O resgate parcial promovido pelos Decretos-Leis n°. 263/67 e 396/68 ocorreu de forma absolutamente irregular, ao atropelar direitos adquiridos, contratos jurídicos perfeitos, leis em plena vigência à época de suas edições e, finalmente, ao fulminarem a própria Constituição Federal. Conforme acima citados e dos mais que trataremos, os títulos da dívida pública encontram vários argumentos que mostram sua imprescritibilidade. Analisando as teses dos autores, sobre a validade dos papeis, fica claro que o Governo passa por cima de suas próprias leis, para se beneficiar de forma arbitraria, ferindo de morte nossa Carta Magna. Dentre os partidários da legitimidade das apólices, há os que professam em prol de sua utilização, seja por meio de compensação, seja por alegarem que os referidos títulos teriam a natureza de moeda escritural. Um dos argumentos dos defensores das apólices é que os decretos editados pelo Governo, de 1967 e 1968, seriam inconstitucionais. Primeiro, porque sua regulamentação não poderia ter sido feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), como ocorreu, mas sim pelo Presidente da República. Em segundo, defendendo que os títulos seriam imprescritíveis, pois têm validade de 200 anos. Para o jurista Celso Bastos[6], as apólices não prescreveram porque as obras que elas financiaram nunca foram concluídas, o que seria condição para o resgate. Divergentemente é o entendimento do coordenador de assuntos jurídicos diversos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Jorge Amaury Maia Nunes que alega: “Esses papéis são um nada jurídico econômico, só têm valor histórico[7]”. Contudo, segundo o CMN, Conselho Monetário Nacional, tinha sim competência para regulamentar os decretos, por se tratar de um ato administrativo. Da mesma forma, seria legítimo, e constitucional, que o governo estabelecesse um prazo para a prescrição dos títulos, pois um decreto-lei poderia alterar decretos e leis anteriores, argumenta o coordenador, autor de um parecer da Fazenda Nacional sobre a questão. (NUNES, 1998). O que se trava é uma ‘queda-de-braço’ com a União em nome de herdeiros indefesos. Quando apresentou o projeto de emenda, o Senador Edison Lobão disse que o fez depois de ter sido procurado por proprietários de tais títulos. E até hoje sustenta que “o que o governo vem fazendo é calote”[8]. A questão da prescrição já fora analisada pelos juristas, e foram unanimes em afirmarem que não há que se falar em prescrição, pelos seguintes motivos: a. Não ocorreu a prescrição da ação dos titulares das Apólices da Dívida Pública para exigir a amortização do débito do Estado, na forma pactuada no negócio jurídico original. b. Os Decretos-Leis n°. 263/67 e 396/68 são inconstitucionais, por ferirem o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, por igual, por tratar de matéria que exorbitava a competência do Presidente da República. c. O Decreto-Lei n°. 263/67  que  expressa  apenas  autorização legislativa ao Poder Executivo para resgatar os títulos  afrontou normas Constitucionais então vigentes, quando, em seu Art. 12, delegou ao Conselho Monetário Nacional o poder de regulamentá-lo, atribuição que era e é indelegável e privativa do Presidente da República. d. O Decreto-Lei n°. 263/67 é também inconstitucional quando em seu Art. 3°., parte final, versa matéria de prescrição vedada  em Decreto-Lei, consoante o regime constitucional então vigente. e. O Decreto-Lei n°. 263/67 ainda não produziu efeitos, ou seja, ainda não teve início de vigência porque até hoje não foi, constitucionalmente, regulamentado. f. O Decreto-Lei n°. 396/68 não teve o seu edital publicado, o que, por si só, já seria bastante para interromper o fluxo do prazo de prescrição, a partir de dezembro de 1968. E, mesmo que um novo edital tivesse sido publicado, o mesmo estaria ineficaz juridicamente porque o Decreto-Lei n°. 263/67, por ele alterado, ainda não estava vigendo e é inconstitucional. Por fim os eminentes juristas concluíram: “Inquestionável, portanto, a validade das apólices e demais títulos da dívida pública a que se refere ao Decreto-Lei n°. 263/67, alterado pelo Decreto-Lei n n°. 396/68, ainda não liquidados, os quais, por imperativo de justiça, devem ser resgatados sob total respeito ao princípio de equivalência, da boa-fé, da moralidade administrativa, do equilíbrio financeiro dos contratos e da vedação do enriquecimento sem causa.” Porém, o Governo já decidiu que não vai pagar os títulos que considera prescritos há 25 anos e, para isso, montou uma ofensiva judicial, praticamente todas a liminares que permitiam o uso das apólices foram cassadas. Apesar de tal assertiva do Governo, em todo o país proliferam ações na Justiça Federal, movidas por empresas que estão comprando lotes de títulos das mãos de corretores e advogados. Essa caça ao tesouro criou uma indústria que hoje dá dinheiro a advogados, corretores e empresários. Há empresas e escritórios que chegam ao requinte de promover concorrências quando querem comprar lotes grandes de apólices. Na Justiça Federal, alguns juízes de São Paulo, Goiás, Rio e do Distrito Federal concederam a chamada tutela antecipada de posse, reconhecendo assim o direito temporário dos detentores das apólices, contra a União, conforme processo n°. 2001.35.00.006898-2 da 3ª Vara federal de Goiás. Quando feito a atualização do valor dos títulos dois requisitos devem ser considerados. Em primeiro lugar a economia brasileira, principalmente nos últimos cinquenta anos, tem sido caracterizada pela presença de elevadas taxas de inflação. Como consequência, para que os títulos tenham seus respectivos valores de emissão mantidos em termos de poder de compra, é necessário que se proceda a uma atualização monetária que contemple de uma maneira adequada, observando o comportamento da inflação. A segunda componente, que é função da primeira, está associada às sucessivas trocas da unidade monetária utilizada. Por força mesmo do processo inflacionário, que, em alguns momentos, caracterizou o que se denominou hiperinflação, chegou-se a ter os preços de mercadoria de pouco valor intrínseco sendo expressos em milhares de unidades monetárias. Isso ocasionou, por repetidas vezes, a troca de unidade monetária. Deste modo, a atualização em questão tem que levar em conta as taxas observadas de inflação, tais como medidas em termos das variações de índices de preços que sejam fidedignos e relevantes, bem como as sucessivas trocas de unidade monetária que foram efetuadas. Aqueles que são contra a liquidez dos Títulos da Dívida Pública, afirmam que os mesmos não têm cotações na bolsa. No entanto, não é o que acontece quando se observa a realidade no exterior ou até mesmo no Brasil, como serão abordados no seguinte capítulo. Portanto, apesar dos inúmeros esforços do governo em não validar os títulos, algumas instituições reconhecem os papéis e provam sua exigibilidade, validade e liquidez. O código ISIN, International Securities Identification Number (Números de identificação de segurança Internacional), foi criado para estabelecer uma padronização internacional na codificação de títulos financeiros, atribuindo a cada ativo um único código de identificação. A BOVESPA é uma agência numeradora brasileira, única autorizada a atribuir ISIN’s a títulos financeiros no Brasil. Muito dos títulos da dívida pública externa possuem seu número de título financeiro na Bovespa, por exemplo, o Título Público State of Rio de Janeiro (Estado do Rio de Janeiro), quando consultado na página de busca por ISIN’s no site da BM&F BOVESPA é possível encontrar seu código BRZUIZTDE012 – código emissor ZUIZ – TIT DIV EX – Título da Dívida Externa – Plano A – E:1904 , constando como titulo financeiro e ainda com a informação que possui 1,625% de taxa de juros, ou seja, é um ativo que tem valor, demonstrado nas bolsas de valores. A FSA – Financial Services Authority (Autoridade de Serviços Financeiros) é uma organização não governamental independente, dotada de poderes legais, que funciona como a Comissão de Valores Mobiliários – CVM aqui no Brasil, no qual é responsável por assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão, proteger os titulares contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários, evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados e as companhias que os tenha emitido, assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários, estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários, promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanente em ações do capital social das companhias abertas. No site da FSA quando consultado a sua lista oficial de ativos no qual mostra os títulos dos planos A, em sua maioria cadastrados e com seus devidos ISIN’s, há de se seguir o mesmo raciocínio de que os títulos são validos pois o Título do Estado do Rio de Janeiro, aparece com seus números de ISIN’s, BRZVTZTDE025; BRP81271AB79; BRP80977AB03, constando no site, podendo ser consultado por qualquer cidadão[9], como também os do Estado da Bahia, Município de Santos, dentre outros. Enquanto o Banco Central deixou de emitir os títulos da dívida pública dois anos após a publicação da Lei Complementar 101, de 4.5.2000 (D.O.U. 5.5.2000) (artigo 34) além de resgatar todos os títulos emitidos pelo BACEN, o Tesouro Nacional e a União ainda honram os Títulos da Dívida Pública, se tornando os principais os órgãos competentes do governo federal que reconhecem e dão validade aos mesmos. O próprio governo apesar de afirmar que não pagará pelas apólices, contrariamente assume o pagamento dos títulos no seu site de planejamento, no orçamento de 2009, 2010 e 2011, aduz que vai acertar todas as dívidas externas com seus devidos credores, alegando que a finalidade é fazer ás obrigações financeiras afetas aos reescalonamentos negociados da dívida pública contratual e mobiliária federal externa, e em sua descrição ele afirma ser cumprimento das obrigações financeiras afetas à divida pública contratual e mobiliária federal externa, mediante pagamento do principal, dos juros e/ou dos outros encargos da dívida , a base legal está varias resoluções do senado e no meio deles o decreto-lei 6.019/1944. Deixando claro e sem mais palavras que o Governo diz que paga, mas receber é que é o problema. Como foi abordado neste capitulo, existe nítido aceitamento do Governo em reconhecer a validade dos títulos da dívida pública, sem contar das instituições como BOVESPA e FSA que colocam os papéis com ISIN e deixam claro que são papéis com validade e podem ser negociados a qualquer momento. Assim prevê o Código Tributário Nacional – CTN, em seus Arts. 97, VI e 141, in verbis: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.” Hugo de Brito Machado[10], assegura, com propriedade, que, “no Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o principio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação”. No plano especifico do Direito Tributário, desponta o art. 150, I, CF/88. Observe-o: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, e vedado a União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” A extinção dessa obrigação tributária, usualmente, se dá mediante o pagamento do tributo, conforme art. 156, I do CTN. No entanto, há diversas outras situações que também conduzem à extinção do vínculo obrigacional[11]. “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.” Este pagamento poderá ser efetuado conforme prevê o Art. 162, I do CTN, ou mesmo de acordo com o Art. 655, IX do CPC, ou Art. 11, II da Lei n°. 6.830/80, vejamos: “Art. 162. O pagamento é efetuado: I – em moeda corrente, cheque ou vale postal; II – nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo mecânico. (destacamos). Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:[…] IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (destacamos). Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:[…] II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; (destacamos).”     Como verificamos na dicção do art. 162, II do CTN, admite-se o pagamento de tributo em papel selado, ou seja, documento que contenha a chancela do Governo, exatamente o caso das apólices da divida publica. Ora, tanto o Art. 655, IX do CPC, quanto o Art. 11, II da Lei n°. 6.830/80, preveem a possibilidade de penhora, garantia ou arresto de títulos da divida publica que tenham cotação na bolsa, é o caso dos títulos da divida publica do plano – A, pois como vimos anteriormente neste estudo, tais apólices possuem cotação, registro (ISIN) e valor de mercado, mas na pratica tudo isso não é aceito. Portanto, em nosso ordenamento legal pátrio não restou qualquer espaço para se suscitar duvidas sobre a plausibilidade ou a garantia que se origina da obrigação decorrente dos títulos públicos, tanto assim é verdade que o artigo 1.491 do CC/02, assim prevê: “Art. 1.491. A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ou estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente; ou por outra garantia, a critério do juiz, a requerimento do devedor. (destacamos).” O Decreto-Lei 6.777, de 08/08/44, publicado no DOU de 10/08/44 dispoe de modo cogente sobre a sub-rogação de imóveis gravados ou inalienáveis, determinando que estes devem ser substituídos por outro imóvel, quanto por títulos da divida publica federal. Analogicamente a Lei n°. 10.179 de 6 de fevereiro de 2001, admitiu a previsão legal para que os títulos sirvam para pagamento de tributos, isto porque não é crível, e nem admissível, que o legislador, em confronto com o principio constitucional da isonomia, trate de forma desigual os possuidores de Notas do Tesouro Nacional NTN, em relação aos possuidores das apólices. “Art. 6° A partir da data de seu vencimento, os títulos da dívida pública referidos no art. 2° terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal, de responsabilidade de seus titulares ou de terceiros, pelo seu valor de resgate.” A extinção da obrigação tributária como visto acima, poderá ser feita através da Dação em Pagamento, conforme previsão no art. 156, XI do CTN.  A dação em pagamento, um dos principais meios indiretos de extinção das obrigações, em tese, poderia ser utilizada pelos detentores das tais apólices quando diante de créditos tributários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios[12]. Tal entendimento também esta contido no Parecer n°. 2390/2000, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência, ao qual foi dado efeito normativo pelo então Ministro Waldeck Ornelas[13]. “Ementa: Certificado da Divida Publica. Lei n°. 9.711 de 1998. Recebimento pelo INSS em Dação em Pagamento para quitação ou amortização de débitos previdenciários, inexistência de renuncia fiscal. Lei de Responsabilidade Fiscal.” Mas apesar de constar em lei, a doutrina dominante tem entendido que os títulos da divida publica não podem ser utilizados para a dação em pagamento, pois existe a recusa do credor, nos moldes do art. 356 do CC/02, não podendo assim ser obrigado a aceitar os papeis, e inexiste lei especifica que regule tal possibilidade da dação em pagamento com títulos da divida publica, vejamos: “SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO (SFH). MÚTUO HABITACIONAL. INADIMPLÊNCIA DO MUTUÁRIO. PRETENSÃO DE PAGAMENTO MEDIANTE TÍTULO DA DÍVIDA PÚBLCIA. DESCABIMENTO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. RECUSA DO CREDOR. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.1. A dação em pagamento requer a anuência do credor em receber prestação diversa daquela originariamente pactuado, conforme prescreve o art. 995 do Código Civil de 1916, (art. 356 do atual), o que não se verificou no caso dos autos.995 Código Civil de 1916. 2. Os Títulos da Dívida Pública não se prestam para quitação de débito relativo a contrato de mútuo com garantia hipotecária, diante da inexistência de requisitos dos institutos da dação em pagamento.3. É impossível ao Judiciário impor ao agente financeiro o recebimento de apólice de dívida pública, seja porque a pretensão de satisfazer obrigação pactuada por meio de mútuo celebrado no âmbito do SFH, mediante o oferecimento de título, esbarra na previsão contida no art. 863 do Código Civil de 1916, segundo o qual, "o credor de coisa certa não pode ser compelido a receber outra, ainda que mais valiosa"; seja porque, de acordo com o art. 1.256 do mesmo Código (art. 586 do atual), "o mutuário está obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade".863 Código Civil de 1916. 4. Sentença mantida. 5. Apelação do autor não provida. (3229 MT 0003229-04.1999.4.01.3600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 23/08/2010, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.23 de 06/09/2010).” Desta maneira, não basta a vontade do devedor, ou mesmo a dificuldade financeira que se encontra, para viabilizar a utilização do instituto, é necessário o consentimento do Governo Federal, já que não existe vontade deste em receber os títulos da divida publica e o interesse do legislador para conferir leis especifica autorizando, no caso não vemos uma desde a Lei n°. 9.711, de 20 de novembro de 1998, que previa: “Art. 1º – Até 31 de dezembro de 1999, fica o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) autorizado a receber, como dação em pagamento, Títulos da Dívida Agrária a serem emitidos pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, por solicitação de lançamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), especificamente para aquisição, para fins de reforma agrária: “Art. 4º – A União poderá promover leilões de Certificados da Dívida Pública mobiliária federal a serem emitidos com a finalidade exclusiva de amortização ou quitação de dívidas previdenciárias, em permuta por títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional ou por créditos decorrentes de securitização de obrigações da União. § 1º – Fica o INSS autorizado a receber os títulos e créditos aceitos no leilão de Certificados da Dívida Pública mobiliária federal, com base nas percentagens sobre os últimos preços unitários e demais características divulgadas pela Portaria referida no § 5 º deste artigo com a finalidade exclusiva de amortização ou quitação de dívidas previdenciárias, de empresa cujo débito total não ultrapasse R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). (destacamos). Portanto, a menos que a União, legislando para o INSS, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, por suas casas legislativas competentes, consagrem explicitamente a possibilidade de dação em pagamento de créditos tributários com as apólices da dívida pública federal emitidas no início do século, este não pode ser um dos caminhos a serem trilhados pelos seus detentores. Há de se ressaltar que o INSS não emite nenhum título e não desapropria nenhuma fazenda para fins de reforma agrária[14]. A consignação em pagamento é uma das causas descritas pelo Código Tributário Nacional, como de extinção do crédito tributário. Trata-se da hipótese prevista o artigo 164 do CTN. A extinção operada, neste caso, segue a ordem da consignação em pagamento descrita nos outros ramos do direito. Portanto, segundo Pablo Stolze Gagliano[15], o instituto jurídico colocado à disposição do devedor para que, ante o obstáculo ao recebimento criado pelo devedor ou quaisquer outras circunstâncias impeditivas do pagamento, exerça, por depósito da coisa devida, o direito de adimplir a prestação, liberando-se do liame obrigacional. Desta maneira os detentores das apólices, utilizam-se da dicção legal do art. 334 do CC/02: “Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.” O Governo se defende afirmando que a consignação em pagamento, somente pode existir nos casos expressamente previstos em lei, assim, se não existir razão legal, não pode o devedor depositar prestação devida em vez de pagar diretamente a União. Partindo deste pressuposto o art. 164, do CTN, elenca as possibilidades do devedor depositar a prestação ao invés de pagar diretamente ao Governo: “Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos: I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. § 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar. § 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis. (destacamos).” De acordo com Maria Helena Diniz[16], a simples utilização do dispositivo legal, sem as características próprias de cada caso, não autorizam a utilização de tal instituto, vejamos: “Se inexistir razão legal, se o devedor, sem que nada o justifique, depositar a prestação devida em vez de pagar diretamente ao credor ou a seu representante, será tido como carente da consignatória, por não haver motivo legal para a propositura da ação (RT, 430:178)”. Outro obstáculo defendido pelo Governo, pela impossibilidade de consignação em pagamento com títulos da divida pública esta previsto no art. 156, VIII combinado com o art. 164, § 2° do CTN, onde prevê que somente o valor poderá ser consignado, se houver ação judicial autorizando o pagamento e ao final foi julgada procedente. “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos: § 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis. (destacamos).” Assim, mais uma vez o Governo, afirma que somente o dinheiro poderá ser convertido em renda para satisfazer o credito tributário, demonstrando que os papeis são imprestáveis para a consignação em pagamento de créditos tributários, por via dos títulos emitidos no início do século. Ora, o procurado da PGFN, Jorge Amaury Maia Nunes[17], em seu parecer, conforme anteriormente citado, afirma que os títulos não possuem qualquer valor, mas de forma contrario, colocando em cheque todos os entendimentos do Governo, o gerente da Coordenação de Operações da Divida Publica – CODIP, Antônio Paulo Vogel de Medeiros, afirma através do oficio n°. 4969 de 06 de novembro de 2003, que: […] “que como previsto na DL n°. 6019/43, os referidos títulos são pagáveis, juros e principal, mediante apresentação ao agente pagador HSBC, no endereço HSBC Bank plc, Mariner House, Pepys, London EC2N.” Confirmando assim que realmente e verdadeiramente os papeis são pagáveis e se possuem serventia, porque o governo não honra com a obrigação assumida com os possuidores dos títulos? 4.3 – Suspensão da exigibilidade do credito Os artigos 97, VI e 151 ambos do CTN, preveem, que é possível a suspensão de creditos tributários, somente através de lei especifica ou conforme o rol taxativo constante nos incisos do art. 151 do CTN. “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;  VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.” Ademais, o próprio art. 151, II é utilizado como argumento de defesa, já que em suas ações sustenta a tese de que somente o dinheiro poderia satisfazer a exigência do citado artigo, conforme também previsão legal do art. 156, VI do CTN. O governo não deseja de forma alguma a suspensão e discussão do credito, pois nesta etapa a suspensão da exigibilidade implica a impossibilidade, para o Fisco, de efetuar a cobrança do credito, não sendo possível a inscrição na divida ativa ou o ajuizamento da ação executiva. A defesa da Fazenda Publica restou vencedora, que fora editada a Súmula n° 112 pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: "O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro." (destacamos). Como nas outras possibilidades o Governo mais uma vez utilizou-se de manobras e da influencia política e legislativa para não ter que arcar com as obrigações assumidas em seus próprios creditos, através de títulos, não aceitando assim a devolução de seu próprio papel para a suspensão da divida. Em uma ação de execução fiscal em desfavor de uma determinada empresa, é necessário a mesma efetuar o pagamento do debito ou nomear bens a penhora para a satisfação do credito. Desta forma, pode a empresa executada oferecer como garantia o titulo da divida pública, caso não tenha dinheiro suficiente para adimplir a integralidade do credito, conforme prevê a Lei n°. 6.830/80, em seu art. 11, II, que apresenta a possibilidade de pagamento com apólices em segundo lugar, logo após o dinheiro. “Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I – dinheiro; II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; (destacamos).” Tal previsão também encontra-se consagrada no art. 655,  do Código de Processo Civil, diferindo da lei especial apenas na ordem. “Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (destacamos).” Assim, a própria lei abre a possibilidade dos títulos da divida publica serem utilizados como indicação a penhora e seu consequente pagamento, até mesmo porque como mencionado em linhas pretéritas as referidas apólices da divida publica possuem não somente a cotação na bolsa de valores, como ficou demonstrado, como também o seu respectivo registro e certificação, ou seja, o ISIN. Porém, mais uma vez o Governo utiliza-se de manobra, para barrar os títulos, requerendo a substituição dos títulos dado em garantia com base no art. 15, II da própria lei de execuções fiscais, acima citada, independente da ordem elencada no art. 11 da mesma lei. Abre-se a oportunidade, então, para se ofertar referido bem em sede de execução fiscal. Todavia, deve-se ter em mente que a utilização deste bem, como oferta, simplesmente não põe a salvo o devedor da execução. Diz o Art. 15 da mesma norma que a Fazenda Pública pode requerer em qualquer fase do processo a substituição dos bens penhorados por outros, independente da ordem numerada no Art. 11, bem como o reforço de penhora insuficiente. Portanto, fica claro a possibilidade de utilização do titulo como garantia do juízo, apesar dos discussões com o governo e com o próprio tribunal em querer achar barreiras e obstáculos para a aceitação dos títulos emitidos pelo próprio governo. A previsão da compensação tributária esta prevista no art. 156, II e art. 170 ambos do CTN. “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: II – a compensação; Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento. (destacamos).” O tema de compensação de creditos também possui guarida no Código Civil de 2002, em seu art. 368 e 369. “Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.” Na medida em que os títulos da dívida pública representam créditos contra o emitente, exigíveis ou não, dependendo do vencimento, surge, em tese, a possibilidade destes créditos serem compensados com as exações tributárias reclamadas ao contribuinte pelo Erário[18]. O governo alega que não existe a possibilidade, pois os creditos dos títulos não são líquidos e certos, ademais, fica a critério da administração pública, aceitar ou não, ou seja, tem que aceitar a compensação, já que a compensação civil se processo automática, enquanto que a tributária depende do aval da parte credora, no caso o Estado. Da mesma forma a compensação é prevista pela Lei n° 10.637, de 30 de dezembro de 2002, que alterou a Lei n° 9.430 de 27 de dezembro de 1996, vejamos: “Art. 49. O art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:    "Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.  (Vide Decreto nº 7.212, de 2010). § 1° A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. § 2° A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. § 3° Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação: I – o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física; II – os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação. § 4° Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo. § 5° A Secretaria da Receita Federal disciplinará o disposto neste artigo."(NR) Para PAULSEN[19] (2003, p. 1.002), a identidade subjetiva é requisito lógico da compensação, pelo que “deve haver, necessariamente, identidade entre os sujeitos da relação”. Sobre o tema, vale transcrever a o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sendo o núcleo da decisão o seguinte trecho: “3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado (Lei n. 6.830/80). Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei (artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88). Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 550400/MS (Diário de Justiça, edição de 18.09.2007, p. 80)”. (destacamos). Já o Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, possui posicionamento oposto, como se constata do seguinte precedente, representativo do entendimento da Corte: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DÉBITO DE ICMS. CRÉDITOS DECORRENTES DE AUTARQUIA. PRECATÓRIO DEVIDO POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE LEI ESTADUAL. ART. 78, § 2º, DO ADCT. PRECEDENTES. 1. A compensação de débito fiscal estadual (ICMS) com crédito de precatório de natureza distinta e entre pessoas jurídicas diversas não é possível quando não previsto em legislação especial. 2. O art. 78, § 2º, do ADCT, é expresso ao referir-se a "tributos da entidade devedora". A inexistência de identidade entre o devedor do precatório (DER) e o credor do tributo (Estado) afasta a aplicabilidade do dispositivo constitucional. 3. Precedentes: AgRg no RMS 29.939/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 29/10/2009;AgRg no Ag 1174142/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 28/10/2009; RMS 28.500/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 23/09/2009; RMS 30.229/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe 18/02/2010; RMS 28.942/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 2/6/2009, DJe 12/6/2009; AgRg no REsp 1.089.665/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 24/3/2009, DJe 20/4/2009; RMS 24.450/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, julgado em 8/4/2008, DJe 24/4/2008. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no RMS 28.983/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010). (destacamos). Pensamos que o princípio da celeridade processual, aliado ao princípio da moralidade no âmbito fiscal autorizam a compensação de créditos com débitos tributários mesmo que de espécies distintas e alusivos a pessoas jurídicas distintas, devendo, contudo, integrarem a mesma fazenda pública. O novo Código Civil, em seu artigo 374, trouxe para o ordenamento positivo brasileiro, verdadeira barreira de proteção contra as arbitrariedades de um Estado cujo maior, ou único objetivo é o de arrecadar, pouco importando que direitos tenha que violar. Referido artigo remete para o Código Civil a disciplina da compensação das dívidas fiscais e parafiscais, o que representa o fim de privilégios injustificadamente concedidos à Fazenda Pública. Assim, como discorrido, inexiste qualquer empecilho legal para a exclusão das dívidas fiscais do instituto da compensação regulado pelo Código Civil. A compensação é uma só, quer seja de dívidas privadas quer seja do indébito tributário, sendo efetuada diretamente pelo contribuinte e, no caso dos débitos fiscais, posteriormente, comunicada à autoridade fazendária. Não há mais necessidade, no caso, de um reconhecimento prévio, em processo administrativo, do pagamento indevido do tributo, ou, de sua liquidez, certeza e exigibilidade por parte da devedora, que futuramente tratará de cobrar o que eventualmente não pudesse ter sido objeto da compensação. A administração fazendária não pode, em hipótese alguma, limitar, restringir ou negar ao contribuinte o direito à compensação sempre que a parte for credora da Fazenda Pública. O direito à compensação do indébito tributário é corolário lógico do próprio direito de propriedade, constitucionalmente amparado. Assim, não há que se remeter à legislação especial, mais precisamente, à legislação tributária, a definição dos limites ao direito à compensação, quando for a Fazenda Pública a devedora. No entanto, o ente estatal sempre alega não haver plausibilidade jurídica, quando existem as ações interpostas requerendo a compensação de creditos, através dos títulos da divida pública, pois as hipóteses de compensação estariam restritas unicamente às disciplinadas no atual ordenamento jurídico, e mais, dentro da estreita ótica que a Fazenda quer dar ao caso. Todavia, vale salientar que são poucos os juízos que comungam do mesmo entendimento, como é o caso da MMª. Juíza da 3ª Vara Cível da Seção Judiciária de Brasília, nos autos da Ação Declaratória n° 2003.34.00.038414-8/DF, conforme extrato. Da sentença é relevante destacar em seu dispositivo as conclusões da magistrada: “[…] Ante o exposto, com base na fundamentação supra, julgo totalmente procedente o pedido para declarar a inexistência de relação jurídica tributária entre autora e Fisco, com base nos tributos e datas colocados acima. E, ainda, resta suspensa qualquer cobrança a esse título. Declaro, por conseguinte, extinto o processo com julgamento de mérito (art. 269, I, do Código de Processo Civil)”. Na verdade, a Fazenda Pública, por lhe ser mais confortável, embora sem base legal, prefere limitar a angulação da matéria aos limites estreitos de uma exegese restritiva do artigo 170 do Código Tributário Nacional, olvidando toda atuação legiferante sobre o tema, notadamente o ingresso no direito positivo pátrio do novo Código Civil Brasileiro, que deu íntegro tratamento à questão, fazendo plasmar no título que trata da extinção das obrigações os novos rumos para aplicação do instituto jurídico da compensação aos débitos fiscais e parafiscais. Ocorre que a aplicação da lei não está condicionada ao que o Ministro Cordeiro Guerra, chamou de “ideal subjetivo de justiça” à mercê da compreensão do aplicador, no caso o juiz ou mesmo a Fazenda Nacional. Carlos Maximiliano em sua consagrada Hermenêutica e Aplicação do Direito[20], caminha no mesmo sentido, obtemperando que: “Na verdade, o magistrado não formula o Direito, interpreta-o apenas; e esta função ainda é exercida somente quando surge a dúvida, sobre a exegese, em um caso forense […]”. Na hipótese, há critério objetivo vigente e apto a espantar qualquer sombra de dúvida sobre a questão, e em recente entrevista concedida à Revista Jurídica Consulex[21], o Relator do Projeto do Código Civil, Deputado Ricardo Fiúza ofereceu à comunidade jurídica pátria relevantes considerações sobre a mens legens do novel tratamento legal do instituto. Inicialmente, inquirido sobre se a pretendida revogação do artigo 374 do novo Código Civil (pela lei n°. 10.677/2003) por si só ensejaria a repristinação do artigo 1.017 do antigo código, asseverou o Senhor Deputado que a compensação legal de tributos: “[…] deve obedecer às regras gerais do Código Civil, uma vez que a simples revogação do art. 374 jamais poderia implicar na repristinação do art. 1.017 do Código Civil de 1.916, este definitivamente extirpado do nosso ordenamento jurídico. E é exatamente por haver desaparecido a proibição constante do Código anterior, que se pode concluir que as normas gerais sobre a compensação, constantes da lei posterior, no caso o Código Civil, que regulou completamente a matéria, revogando, assim, as leis anteriores conflitantes tal como manda a LICC, aplicar-se-ão, igualmente, às dívidas fiscais.” É verdade, que alguns setores da doutrina (especialmente os defensores das teses fazendárias) apressaram-se em dizer que haveria conflito entre os textos legais em tese (artigo 374 do novo Código Civil e 170 do CTN). No entanto, com clareza solar, o Legislador entrevistado cuida de dissipar qualquer duvida, explicando: “De maneira alguma. Nem com o CTN , nem muito menos com a Constituição Federal […]. A Constituição Federal, por exemplo, em passagem alguma, veda a compensação tributária. Esta vedação estava contida no artigo 1.017, do antigo C. Civil. Mas, ainda assim, ela não era absoluta, pois havia autorização para que, lei  especial, a permitisse. A Constituição Federal, também, em nenhum momento, remete a disciplina da compensação para a legislação complementar. A alegação de que o C. Civil é lei ordinária e a matéria teria sido reservada para ser tratada em lei complementar (art. 146, III, b) também não resiste, pois foi o próprio CTN, que é lei complementar, no seu artigo 170, que estabeleceu que “lei pode autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. É evidente que quando o legislador complementar usou a expressão “a lei pode” se referiu à lei ordinária”. (destacamos). Igualmente, não há falar que, sendo o Código Civil lei geral como tal não poderia revogar disposições constantes de leis especiais. O disposto no §1°, do artigo 2°, da Lei de Introdução ao Código Civil soluciona a controvérsia: “§1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Comentando o dispositivo, Paulo de Lacerda, em citação de Maria Helena Diniz, obtempera que: “Se a nova norma vier a regular diversa e inteiramente a matéria regida pela anterior, esta poderá ser tida como revogada, seja geral ou especial, pois haverá aniquilamento total das leis reguladoras da matéria, sem distinguir entre gerais e especiais, como condição inelutável para a implantação de um regime jurídico integral diferente”.[22] Como bem observa Gabriel Lacerda Troiarrelli; “[…] se no artigo 374 se tivesse dito que as regras do novo Código Civil seriam aplicadas “subsidiariamente” à compensação tributária ou que a compensação tributária seria regida pelo novo Código Civil, “sem prejuízo das normas em vigor”, poderíamos aceitar, sem qualquer dificuldade, a permanência das normas de lei ordinária federal que dispõem sobre compensação”.[23] Mas não foi o caso, o Código não fez qualquer ressalva. Logo, no que tange à compensação legal, o que fica valendo é o Código Civil, pouco importando a natureza dos débitos e créditos a serem compensados. Em suma, o novo ordenamento nada mais fez do que trazer à prática os princípios isonômicos (que alcançam também o ente público) consagrados no artigo 5° do texto político vigente, e este é, também, o entendimento do Legislador: “[…] Pois bem, o artigo 374 apenas determinou que essas regras seriam também aplicáveis, como regras gerais, quando as dívidas a serem compensadas tivessem natureza fiscal. Ou seja, ainda que uma das partes envolvidas fosse o Estado, ainda assim deveriam ser aplicadas as regras gerais que valem para o cidadão comum, o que representa o fim de privilégios injustificadamente concedidos à Fazenda Pública”. O contrário, é legitimar a prática do confisco, que é ínsita ao modo como opera a Fazenda Pública. “[…] Sem dúvida alguma. O crédito do contribuinte é parcela do seu patrimônio. É sua propriedade. Na medida em que não se admite a compensação de créditos do contribuinte com dívidas fiscais suas, se está admitindo verdadeiro confisco de seus créditos, sabido que é de todos que o contribuinte não dispõe de meios eficazes para os fazer valer contra a Fazenda. A norma que vise a evitar a compensação pelo contribuinte, de seus créditos perante a Fazenda Pública, com o débito que tenha com esta, constitui indiscutivelmente uma norma que visa a detenção de ativo financeiro do contribuinte. É o dinheiro do contribuinte que estará sendo retido pela Fazenda Pública, na medida em que esta nem paga, nem permite a correspondente compensação e, ainda assim, exige, sob pena de pesadas sanções, o pagamento do débito do contribuinte”. Neste sentido, cumpre trazer à baila a advertência que ressai da cátedra de Maximiliano[24]: “Os juízes, oriundos do povo, devem ficar ao lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. A atividade dos pretórios não é meramente intelectual e abstrata; deve ter um cunho prático e humano; revelar a existência de bons sentimentos, tato, conhecimento exato das realidades duras da vida. “Em resumo: é o magistrado, em escala reduzida, um sociólogo em ação, um moralista em exercício; pois a ele incumbe vigiar pela observância das normas reguladoras da coexistência humana, prevenir e punir transgressões das mesmas”. Portanto, é inexorável reconhecer-se que a matéria em tese da compensação de débitos fiscais, encontra-se evidentemente tratada de forma e em estatutos legais outros, além dos limites do artigo 170 do Código Tributário Nacional. O que não pode mais ocorrer, portanto, é a administração fazendária, a seu bel-prazer, através de atos administrativos de questionável juridicidade, restringir ou negar ao contribuinte ou possuidor dos papeis, o direito à compensação de um crédito líquido, certo e exigível. O direito à compensação do indébito tributário decorre do direito de propriedade, amparado constitucionalmente, e não pode sofrer restrições outras que não aquelas previstas para a compensação em geral. Nesse particular, o próprio STJ já havia decidido ser: “[…] de natureza agressiva aos direitos fundamentais do contribuinte a pretensão de fazer cumprir legislação infraconstitucional que impõe limites à compensação tributária, quando tal fenômeno é referente a parcelas das contribuições recolhidas por exigência fiscal que veio a ser considerada inconstitucional pelo STF”.[25] Diante de tão revolucionário instituto, antes mesmo de sua entrada em vigor, o Governo Federal tentou revogá‑lo através de Medida Provisória (MP n° 75, de 27 de outubro de 2002). Entretanto a MP foi rejeitada pelo Congresso, ao final da legislatura passada. Às vésperas da entrada em vigor do Código, o Governo Federal voltou à tona, editando a MP n° 104/03, tentando, novamente, revogar o dispositivo. Felizmente, a cada dia se mostra mais evidente para a comunidade jurídica serem vãs as tentativas da Fazenda Pública de limitar a angulação da matéria aos limites restritos do artigo 170 do Código Tributário Nacional, notadamente em face do ingresso no direito positivo pátrio do novo Código Civil Brasileiro, que deu íntegro tratamento à questão, fazendo plasmar no título que trata da extinção das obrigações os novos rumos para aplicação do instituto jurídico da compensação aos débitos fiscais e parafiscais. Nas palavras dos professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade: “[…] A revogação da norma ora comentada pela MEDProv 104/03, é inconstitucional, de modo que é inoperante e não produz efeito, razão pela qual continua em vigor o CC 374. É inconstitucional porque fruto de reedição pelo presidente da república, procedimento absolutamente vedado pela CF/88, no art. 62 §10°. (§10° “é vedada a reedição, na mesma seção legislativa, de Medida Provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo)”. Com efeito, a questão jurídica relativa à aplicação do art. 374 do Código Civil à matéria da compensação de dívidas fiscais e parafiscais, foi objeto de recente acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cujo voto condutor, de lavra do eminente Desembargador Roberto Caníbal, foi seguido por unanimidade pelos não menos ilustres Desembargadores integrantes da colenda 1ª Câmara Cível daquele Sodalício. O acórdão foi assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. CONFISSÃO DE DÍVIDA RELATIVA A EMPRÉSTIMO JUNTO A EXTINTA CAIXA ECONÔMICA ESTADUAL. PRETENDIDA COMPENSAÇÃO COM CRÉDITOS DEVIDOS PELO ESTADO AO PARTICULAR. POSSIBILIDADE. Havendo reciprocidade nas posições de credor e devedor – Estado x particular – deve ser admitida a compensação, nos termos do artigo 368 e seguintes do Código Civil/02. Limitações impostas pela Medida Provisória nº 104/03, que não podem prevalecer, em detrimento do expresso texto do artigo 374 do CC/02. Questão de lógica e razoabilidade que deve anteceder a mera e simples conveniência do Poder Público. Interesse explícito do Poder Executivo em barrar as compensações que não o beneficiem, contrariando, explícita e frontalmente, a mens legis,  o escopo do legislador ao editar normas que venham a facilitar as compensações, sejam fiscais (artigo 170 do CTN), ou não (artigos 368 e seguintes do CC). Recurso improvido”. (TJRS – Apelação Cível nº 70008058364, Relator Desembargador Roberto Canibal, 1ª Câmara Cível, julgado em 21/12/2005). (destacamos). Imperioso, ainda, frisar a decisão monocrática datada de 28/08/2007, de lavra do Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 550.400/RS, acerca dos requisitos necessários para o pagamento, via compensação, de tributos à Fazenda Pública, vejamos: “DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública. 2.      O acórdão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal – Estado do Rio Grande do Sul – e o devedor do crédito oponível – a autarquia previdenciária. 3.      O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado (Lei n. 6.830/80). Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei (artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88). 4. Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no sentido de que: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002. I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000. II. – ADI julgada improcedente”. Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários. Publique-se. Brasília, 28 de agosto de 2007. Ministro Eros Grau – Relator.” Discute-se, naquele caso concreto, a possibilidade de reconhecimento do direito à utilização de títulos, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública. Acabou o Ministro Eros Grau por fixar as premissas jurídicas no que tange ao instituto da compensação, acentuando que “a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei (artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88)”. Interpretando tal decisum, o primeiro ponto a ser observado é que se a Lei Maior não impôs qualquer obstáculo ou limitação ao instituto da cessão e da compensação, não poderia uma lei de hierarquia inferior fazê-lo, sob pena de ofensa ao princípio da hierarquia das leis. Em segundo lugar, frisou o Ministro Eros Grau, naquele caso concreto, que resulta da própria lei o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo. No presente caso, o poder liberatório do título da dívida pública externa emitido em libras esterlinas também resulta da lei de emissão da apólice, sendo certo que é a lei de regência que deve vigorar nas relações jurídicas entre as partes, em respeito ao brocardo de que o ato é regido pela lei do tempo, bem como em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. Portanto, o instituto da compensação dos títulos da divida publica é plenamente possível. Para os Tributos Federais, será feito o procedimento para Liquidação/Conversão do Credito Judicial com origem no Decreto- Lei 6.019/43 – Créditos Externos como forma de pagamento dos Tributos Federais e INSS (Contribuições Previdenciárias). O credito financeiro utilizado será os da divida externa brasileira, como informado em linhas pretéritas, baseados no Decreto Lei 6.019/43, com ordem de pagamento pelo Poder Judiciário/Crédito Judicial onde a empresa cessionária ao adquirir o crédito passa a ter legitimidade sobre ele, quando da substituição processual legitimando-a como detentora originária do crédito. Como já tratado o credito possui registro na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) e consequente código ISIN (International Securities Identification Number), bem como estando disponibilizado seu resgate nos Bancos pagadores, podendo ser efetiva sua consulta no site da Secretaria do Tesouro Nacional. Após a aquisição do credito mediante a cessão de transferência do valor adquirido, será feita a substituição processual no processo onde já está constituído o crédito judicial com origem nos créditos do Decreto Lei 6.019/43, com isto a detentora passa a figurar no pólo ativo da ação. Após tal procedimento será fornecido à compradora um documento oficial expedido pelo Poder Judiciário, certificando a existência do processo onde o mesmo poderá ser pesquisado no site da Justiça Federal, isto somente após a homologação da substituição processual nos autos. É necessária a feitura de uma planilha de atualização financeira e consequente atualização do crédito, para que seja feito a correção mensal pela Selic. Após, é necessário um parecer do credito judicial, com origem no DL 6.019/43, que deverá ser feito pelos advogados tributaristas contratados, que posteriormente promoverá as ações em desfavor da União Federal, para que seja compensados os creditos, amparado em lei própria para tal mister. Neste parecer jurídico constam todos os dados e decisões judiciais de processos já julgados. A cessão é elaborada conforme as exigências legais. Trazendo todos os dados do crédito e do processo, valor atualizado adquirido, valor e percentual de venda etc. Além disso, dispõe a cessão de direitos creditórios que o cedente do titulo se responsabiliza civil e penalmente, atestando que não efetuou qualquer outra cessão a terceiros relativamente ao crédito objeto da presente cessão. Como nas demais ações judiciais é necessário a feitura de um contrato de cessão de direitos creditórios firmado entre a cedente detentora e honorários advocatícios. Assim, o contrato firmado com a cedente legitima proprietária dos títulos em questão, traz garantias ao cessionário, como por exemplo: clausula de garantia de qualidade do ativo, atestando também que o referido crédito é de legitimidade da empresa detentora, ato que deverá ser ratificado pela banca de advogados. A cessão de créditos envolve também o compromisso da cedente com a cessionária de pagar os honorários advocatícios ao escritório que patrocina as ações tanto na esfera judicial como na administrativa, para os trabalhos jurídicos para extinguir a obrigação da cessionária ora compradora dos créditos. Após, o estabelecimento dos contratos, inicia-se o trabalho jurídico: 1. Pedido de habilitação da empresa cessionária nos processos que originaram os créditos adquiridos, protocolados nas respectivas varas federais onde tramitam os processos; 2. Abertura de conta conversão em renda junto a Caixa Econômica Federal, pedido administrativo de pagamento, conversão em renda, não é compensação é pagamento, nos termos do artigo 151 e 156 do CTN, protocolado no órgão competente da RFB, dos tributos vencidos ou vincendos, anexado a toda comprovação da legitimidade do crédito e a comprovação da cessionária como detentora (cessão em nome a empresa), com as respectivas guias de depósito judicial, pagas com o crédito com a conversão em renda. Procedimentos para o pagamento de tributos federais incluindo INSS. 1. Pedido de habilitação da empresa cessionária nos processos que originaram os créditos adquiridos, protocolado nas respectivas varas federais onde tramitam os processos; 2. Pedido administrativo de pagamento, pela conta conversão em renda aberta num setor especial da Caixa Econômica Federal, requerimento especial dentro do órgão da RFB e da PGFN, protocolado no órgão especial da RFB informando o pagamento dos tributos vencidos ou vincendos (aqui mês a mês), devidamente atualizados em planilha, anexando a forma de pagamento com o respectivo crédito judicial com origem no DL 6.019/43; 3. O crédito também pode ser utilizado como garantia de execuções fiscais se já em andamento, ou para extração de CND (Certidão Negativa de Débitos), depois de feita a substituição processual pela adquirente; 4. Por fim, os procedimentos para liquidação/pagamento dos tributos com a conversão em renda do crédito judicial da origem já informada acima, se dará pelo pagamento através de DARF de pagamento do tributo com código específico, com a conversão em renda, onde é informado o pagamento daquele tributo com o credito externo, junto a Receita Federal do Brasil, sob o pálio de ordem judicial, pela qual é homologado expressamente o pagamento; 5. A base legal do pagamento se dá pela Lei 10.181 de 12/02/2001, bem como pela Lei 10.179/2001, artigos 2°,3° e 6° que normatiza: “a partir da data de seu vencimento, os títulos da dívida pública, como no caso em particular, terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal de responsabilidade de seus titulares ou terceiros, pelo seu valor de resgate”. 6. O que vale dizer que o resultado financeiro passará a ser liberado para ser negociado, na medida em que o crédito será convertido em renda (artigo 156, VI do CTN), para o pagamento de tributos federais, consoante artigo 6° da lei 10.179/2001 e na medida em que o debito tributário será exaurido através do agente custodiante, ou seja, a Caixa Econômica Federal. 7. Noutra vertente, na contabilidade além do lançamento contábil da aquisição do credito, será feito o lançamento na DCTF e outras obrigações acessórias, como valor pago em pecúnia na sua totalidade, após o pagamento da guia judicial do tributo, ou dos tributos, um a um serão iniciados os procedimentos judiciais e administrativos como forma de extinção do crédito tributário. O ganho financeiro com a intervenção dos débitos fiscais na Instância Judicial se traduz, em alavancagem financeira livre dos extorsivos juros de mercado. Dinheiro é afinal a mercadoria mais cara nos dias de hoje. Assim, com maior folga no fluxo de caixa, a empresa pode projetar um crescimento real. Todo patrimônio dos sócios fica regularizado, pois todos os tributos devidos passam a ser pagos, inclusive suas retiradas. Trata-se de títulos do Decreto Lei 6.019/43, podendo ser utilizados em pagamento tributário, fiscal e garantia, com cotação na bolsa na gradação da Lei 6.830 de Execuções Fiscais e pode ser utilizados para o aporte de capital social de empresas e/ou amortizar determinados débitos fiscais perante órgãos públicos; bem como para aumento de capital, lastro de negociações e garantias em empréstimos e licitações. Assim, nenhum cidadão brasileiro, portador do Titulo tem a obrigação de sair do país para resgatar obrigações contraídas pelo próprio país. Se o fizesse, estaria cometendo crimes de elisão fiscal e evasão de divisas. Na cártula dos Títulos reza à seguinte clausula: “Os Títulos deverão ser aceitos por todos agentes fiscais do Estado como equivalente para se descontar toda sua quantia nominal com o objetivo de caucionar dinheiro ou como deposito de garantia exigida pelo Estado e os Títulos retirados assim como os cupons vencidos deverão ser aceitos pelo Estado como dinheiro para o pagamento de impostos. O Decreto-lei 6.019/43 fixou as normas definitivas para o pagamento e serviços dos empréstimos externos realizados em libras e dólares pelos Governos da União, Estado e Municípios, Instituto de Café e do Estado de São Paulo. Mas o incentivo financeiro teve depois o respaldo legal através da Lei 10.179/2001 – ratificada pela Lei 11.803/2008 – na medida em que o Chefe do Executivo foi autorizado a emitir os Títulos da Dívida Pública Externa para dar cobertura aos déficits orçamentários da União, o que ocorreu mediante o desenvolvimento das operações de mercado aberto e através do Banco Central do Brasil. Isto é, o Tesouro Nacional emitiu os Títulos e esses Títulos puderam ser convertidos em moeda corrente, após avaliação e atualização monetária pelo órgão competente, com o poder liberatório para pagar os tributos e contribuições federais de qualquer natureza, sem qualquer outro tipo de intervenção da Receita Federal ou da Procuradoria Nacional do Brasil. Estes ativos financeiros constituem dívidas da União Federal por assunção na forma do DL 6.019/43, logo possuem liquidez, embora o Governo do Rio de Janeiro na forma das LOA’s de 2008 a 2011 esteja pagando juros à União Federal. O Tesouro Nacional reconhece que estes títulos são pagáveis através do Ofício n. 4929 datado de 04/11/2003 e ainda espelha no seu site no 5º. quadro, onde constam como títulos “em circulação”, responsabilidade de liquidação do Banco HSBC (Londres). Os referidos títulos da divida publica externa, alem de constar na Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESP, também constam nas bolsas de valores de Londres e da Inglaterra, com juros anuais, variando de 4,5% a 7% ao ano, todos com os seus devidos ISIN’s. Os títulos também foram aceitos na Bloomberg, na Euroclear e na Financial Services Authority, como firmes, valorizados e negociáveis, comprovando assim a sua liquidez. Diferentemente do entendimento da União Federal. Ademais, os referidos títulos possuem reconhecimento Internacional, como o parecer do parecer do professor William Summerhil[27], que reconhece a obrigação da sua liquidação como reconstrução do esqueleto da dívida pública brasileira. Os títulos possuem laudos emitidos pelos eméritos professores Ulisses Gamboa e Antônio Carlos da Silva, reconhecidos como doutores na matéria das apólices. O primeiro professor convidado da Universidade da Califórnia e membro do corpo docente da Universidade de São Paulo – USP e o segundo, membro por mais de 15 anos do quadro de Doutores da Fundação Getúlio Vargas, dentre outros que reconhecem a atualização dos títulos bem como a sua autenticidade. Os títulos foram devidamente traduzidos, e no verso dos referidos papeis, como exemplo o do Estado do Rio de Janeiro (State Of Rio de Janeiro), a lei de sua emissão, no artigo 14, afirma que o mesmo deverá ser recebido/pago, como dinheiro, cabendo ao Estado reconhecer a sua validade, também para o pagamento do tributo. Por fim, o Governo não nega a sua liquidação dos ativos, apenas se esquiva de efetuar o seu pagamento em território nacional, pois afirma que o pagamento deve ser efetuado pelos bancos pagadores HSBC, Melon Bank, Rotschild, One, JP Morgan, em Londres, o que vai de encontro a lei constante no verso dos títulos em seu artigo 17 da lei de emissão, bem como da CF/88, pois se assim o fizer, o detentor dos títulos cometerá os crimes de financeiro de evasão de dividas, atentando contra o Tesouro Nacional. Os títulos da dívida Pública gozam de isenção de qualquer imposto e de privilégios, de acordo com o estabelecido nas normas que disciplinam a emissão dos papeis, bem como o estabelecido no contrato de emissão das Apólices, como podemos observar nas legislações a seguir. A Lei de 15 de novembro de 1.827 prescreve em seu artigo 37°. “Art. 37. As apólices serão isentas do imposto sobre heranças e legados. O Decreto nº 4.244 de 15 de setembro de 1.868 em seu art. 4° estabelece: Art. 4°. Aos Títulos deste empréstimo são aplicáveis todos os privilégios e isenções das Apólices que existem actualmente em circulação. O Decreto n° 7381 de 19 de julho de 1.879 em seu art. 8°, prescreve. Art. 8°. Aos Títulos deste empréstimo são aplicáveis todos os privilégios e isenções das Apólices que as leis concederam ás Apólices ora em circulação O Decreto n° 1976 de 25 de fevereiro de 1.895 em seu art. 6°, prevê. Art. 3°. Os Títulos deste empréstimo gozarão dos privilégios e isenções concedidos as Apólices ora em circulação pela lei de 15 de novembro de 1827 e pelas demais em vigor. O Decreto n°. 4865, de 16 de junho de 1.903, em seu Art. 6° prescreve: “Art. 6°. Os Títulos desta emissão, além da garantia do fundo de que trata o art. 3°., gozarão também da garantia do Governo e dos privilégios e isenções que as leis concedem as apólices ora em circulação.” O Decreto n° 9.138, de 22 de novembro de 1.911, que regula a emissão das Apólices, em seu Art. 5°, estabelece. “Art. 5°. Os Títulos que forem emitidos, gozarão dos privilégios e isenções que as leis concedem ás apólices ora em circulação.” O Decreto n° 19.412 de 19 de novembro de 1.930 em seu art. 4° disciplina. “Art. 4°. Estas obrigações gozarão de isenção de quaisquer impostos e serão recebidas como caução, da mesma forma e nos mesmos casos em que são as apólices da dívida pública.” O Decreto n° 21.113 de 02 de março de 1.932 em seu art. 7°, prevê. “Art. 7°. Os Títulos das emissões do Funding-Loan de que trata este decreto e os juros correspondentes ficarão isentos de todos e quaisquer taxas e impostos brasileiros presentes ou futuros.” O Decreto n° 1.195 de 13 de novembro de 1.936 em seu art. 3° determina. “Art. 3°. As apólices emitidas em virtude deste decreto gozarão das mesmas regalias e isenções de impostos que cabem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto n° 1.967 de 15 de setembro de 1.937 em seu art. 4°, estabelece. “Art. 3°. As apólices emitidas em virtude deste decreto gozarão das mesmas isenções e privilégios que as leis concedem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto-Lei n° 501 de 16 de junho de 1.938 em seu art. 4°, normatiza. “Art. 4°. As apólices emitidas em virtude deste decreto gozarão das mesmas regalias e isenções de impostos que cabem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto-Lei n° 1.110 de 16 de fevereiro de 1.939 em seu art. 3°, estabelece. “Art. 3°. As apólices emitidas em virtude deste decreto gozarão das mesmas regalias e isenções de impostos que cabem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto-Lei n° 2.447 de 25 de julho de 1.940 em seu art. 4°, disciplina. “Art. 4°. Os Títulos emitidas em virtude deste Decreto-Lei gozarão das mesmas regalias e isenções de impostos que cabem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto-Lei n° 4.011 de 13 de janeiro de 1.942 em seu art. 4° estabelece. “Art. 4°. As apólices emitidas em virtude deste decreto-lei gozarão das mesmas regalias e isenções de impostos que cabem aos demais títulos da dívida pública interna.” O Decreto n° 33.712 de 01 de setembro de 1.953 em seu art. 5° prevê. “Art. 5°. As apólices que forem emitidas gozarão da garantia do governo e dos privilégios e isenções que as leis concedem as apólices ora em circulação.” A lei n° 10.179, de 06 de fevereiro de 2.001, em seu Art. 4°, determina. “Art. 4°. São isentos do Imposto de Renda os juros produzidos pelas NTN emitidas na forma do inciso III do art. 1o desta lei, bem como os referentes aos bônus emitidos pelo Banco Central do Brasil para os fins previstos no art. 8°. do decreto-Lei No. 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, com redação dada pelo decreto-Lei No. 2.105, de 24 de janeiro de 1984.” Alem da tradição de se isentar os títulos da dívida pública de qualquer imposto, visando o incentivo do empréstimo ao Estado, os títulos, estabelecem textualmente a isenção de qualquer imposto. Desta maneira a União deverá isentar os possuidores das apólices de qualquer imposto ou tributação no presente e/ou no futuro, face o seu estabelecimento em clausula contratual entre as partes, constantes no verso das referidas cártulas. Pelo exposto no decorrer desta pesquisa, conclui-se que a aceitação e pagamento pelo Governo Brasileiro dos títulos da divida publica externa, pressupõe o uso e a aplicação correta das leis, estudo por parte dos magistrados e operadores do direito, especialmente a desvinculação dos papeis a política, já que as questões de ideologia política e social interferem diretamente e sobremaneira a utilização das apólices. A construção de uma sociedade igualitária e justa depende exclusivamente da aplicação correta da justiça, cumprimento das obrigações assumidas pela União e principalmente de uma participação social, o Governo não pode emitir papeis, se comprometendo a resgatar em um determinado tempo e ao longo desse tempo criar manobras políticas e jurídicas (prescrição, falta de legitimidade, falsidade dos papeis, revogação da lei, etc.) para não adimplir sua obrigação. Os títulos são pagáveis, possuem registros financeiros, valor de mercado, podendo ser feita a sua compensação e/ou ser dada como garantia em juízo. Pois constatou-se na presente pesquisa à possibilidade de utilização dos títulos na órbita tributária, através de dois posicionamentos de doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais: uns afirmando que a lei é omissa, outros afirmando que a interpretação da leis leva ao entendimento de que é permitida a utilização dos títulos da dívida pública, para compensação de tributos. Afirmando, com isso que tanto a lei civil quanto a lei tributária são unânimes em reconhecer a compensação como um encontro de contas entre devedor e o credor. Nesse sentido, devemos chegar a uma única conclusão: os títulos da divida publica são legais, podendo ser utilizados e devendo serem aceitos pela União para pagamento, compensação ou serem dados em garantia em juízo, como foram assegurados pelo contrato dos títulos, legislação e Constituição Federal da Republica. Desta forma, as instituições oficiais devem concorrer com a vontade política necessária, contribuindo, em suas respectivas esferas de competência, para a que sejam resolvidos os casos dos títulos da divida publica que já perduram por anos, porém, sem resolução, para que no seio da sociedade se concretize o sentimento de justiça e pacificação social, com o cumprimento do papel do Estado na vida da população. Assim, acredita-se que debatendo e divulgando esse problema e as suas verdades, sensibilizaremos cada vez mais a União, o Poder Judiciário, as Instituições Financeiras, Cátedras e a sociedade, para firmarem um compromisso social e coletivo de resolver a pendência envolvendo os títulos da divida publica, passando a ser um instrumento de mudança, fazendo com que o problema possa ser solucionado, ficando apenas na historia nacional a via crucis das referidas apólices.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-compensacao-de-debitos-com-apolices-da-divida-publica/
O imperativo de dizer-se não à regressividade tributária
A ideia central do artigo baseia-se nos impostos de consumo e no imposto de renda (IR). Deste modo, os impostos de consumo são os que mais arrecadam impostos. Isto porque, o imposto é o mesmo para todos independentes da condição financeira, fato que nos remete ao tema da regressividade tributária. Além disso, voltando-se para os impostos de consumo, este artigo fará uma reflexão a respeito do imposto sobre valor agregado, guerra fiscal e substituição tributária e desigualdade tributária. Não obstante, diante das inúmeras críticas acerca da carga tributária brasileira, o artigo inquirirá a proposta do imposto único, o qual consiste na defesa de uma alíquota única incidente sobre a movimentação financeira. Em contrapartida, o IR se destina apenas a uma parcela da população, qual seja, a que aufere renda. Diante disso, será feita uma análise IR, suas controvérsias, oneração das empresas e repasse de carga.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Os tributos possuem a principal função de angariar recursos financeiros para que o Estado consiga realizar suas atividades com excelência. Em contrapartida, o imposto é uma espécie de tributo que financia os serviços universais, assim denominados, pois são utilizados por toda a sociedade. Baseiam-se assim, na ideia de solidariedade social. Pois bem, este artigo fará uma análise nos impostos de consumo e no de renda. Os impostos de consumo possuem arrecadação bem maior se compararmos com os de renda. Isto porque, os impostos de consumo atingem toda a sociedade, desde o mais rico até o mais pobre, haja vista que ele é embutido no preço final da mercadoria. Desta forma, qualquer cidadão, independente de sua condição social, irá paga o mesmo imposto nos alimentos, por exemplo. Tal situação nos leva a fazer uma crítica quanto à regressividade do imposto. De outra sorte, o Imposto de Renda (IR), além de possuir uma arrecadação inferior, não atinge a todos. Isto porque, o IR incide em quem detém renda e portanto, desempregados, trabalhadores informais e os isentos do IR (trabalhadores que recebem até R$ 1.710,78), não pagam esta prestação pecuniária. Em outro momento, o artigo fará uma análise na proposta formulada pelo economista Marcos Cintra, de adotar-se um imposto único. Outrossim, a ideia do imposto único baseia-se na adoção de uma alíquota única, incidente sobre a movimentação financeira de 2,65%, tanto para débitos quanto para créditos bancários. Deste momento em diante, o artigo se volta na reflexão do imposto único. Imposto este que, pode resolver o problema da tão criticada carga tributária brasileira. Entrementes, inquirindo o Princípio da Seletividade do imposto de consumo e observando a extrema desigualdade social do nosso País, indagamo-nos se esta proposta é efetivamente suficiente para resolver os clamos de quem paga impostos no Brasil. 1. O TRIBUTO COMO DIRETRIZ FINANCEIRA NO DIREITO BRASILEIRO Para que o Estado realize satisfatoriamente suas atividades, são necessários recursos financeiros que se conseguem: a) mediante receitas originárias, em que o Estado explora o seu patrimônio e com isso, consegue receitas, a exemplo dos alugueres e receitas de empresas públicas e sociedades de economia mista;[1] b) mediante receitas derivadas, em que o Estado se utiliza de suas prerrogativas e obriga o particular a contribuir, como por exemplo nos tributos, multas e reparações de guerra (ALEXANDRE, 2013). Cingimo-nos a tratar das receitas derivadas, particularmente aos tributos. Segundo o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 3º: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Desdobrando o conceito exposto no próprio CTN, verifica-se que o tributo deve ser pago em dinheiro e não de outra forma, a exemplo do trabalho ou entrega de bens. Entrementes, a frase "ou cujo valor nela se possa exprimir" faz referencia a época de elaboração do Código (1966) e se referia a tributos "cujo valor não é previsto em reais, mas sim por indexadores, como a extinta UFIR – Unidade Fiscal de Referência" (CORNÉLIO, 2014, p. 16). Não obstante, hodiernamente o tributo é quitado apenas com dinheiro. Quanto à prestação pecuniária compulsória, verificamos à obrigatoriedade quanto ao pagamento do tributo, independentemente de vontade por parte do devedor. Assim, a "lei tributária cria, entre outras, a obrigação de pagar o tributo. Se a lei obriga, o contribuinte não pode se negar a pagar o tributo" (CORNÉLIO, 2014, p. 16). Saliente-se que o tributo não se constituiu a partir do ato ilícito, uma vez que: “(…) a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento da ilicitude. Não pode estabelecer como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação de pagar um tributo uma situação que não seja lícita. Se o faz, não está instituindo um tributo, mas uma penalidade” (LUKIC, 2012, p. 11, apud MACHADO, 2005, p. 73). Isto posto, o dever de pagar tributo surge com uma das hipóteses previstas em lei (que é denominada fato gerador). Do tributo, devem ser desconsiderados os recursos provindos de ato ilícito. Entretanto, é possível que o pagamento do tributo incida sobre uma atividade ilícita (como tráfico de drogas, por exemplo), eis que o fato de auferir renda não se constitui um ilícito (LUKIC, 2012, p. 11). Além disso, o princípio do "pecunia non olet" ("dinheiro não cheira") prevê também, a possibilidade da tributação de rendimentos advindos de atos ilícitos (CORNÉLIO, 2014, p. 16). O entendimento dos tribunais também tem se dado neste sentido, conforme observamos na decisão abaixo: “PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. NON OLET". Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do CTN – "que não constitui sanção por ato ilícito"), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética” (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998). Avançando as reflexões quanto ao conceito de tributo disposto no art. 3º do CTN, a parte que afirma devir o tributo de uma obrigação instituída por lei, reafirma o caráter compulsório do tributo. Isto porque, o tributo decorre de lei e não por vontade das partes. Por tal razão, somente a lei pode instituir, aumentar, reduzir e extinguir tributos, conforme estipulam os artigos 150 da CF e 97 do CTN. Quanto à instituição do tributo, a regra geral é a de que dá por Lei Ordinária. Porém a lei complementar pode ser usada para instituir tributo quando houver expressa previsão constitucional (LUKIC, 2012, p. 11). A última parte do conceito expõe que a prestação deve ser cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Isto quer dizer que o agente estatal não pode escolher se quer ou não cobrar determinado tributo. Isto significa dizer que "não há qualquer grau de discricionariedade (análise de conveniência e oportunidade) na cobrança de tributo por parte da autoridade administrativa competente” (CORNÉLIO, 2014, p. 16). Além do conceito do tributo, é fundamental observar a natureza jurídica dos tributos. Deste modo, observa-se que a natureza jurídica especifica de cada tributo é determinada "pelo fato gerador da respectiva obrigação (…)" (CORNÉLIO, p. 17). Assim, pelo fato que gera a obrigação é possível identificar-se qual a sua espécie tributária, conforme advoga o art. 4º do CTN. São cinco as espécies tributárias – conforme o entendimento do STF que adota a Escola Pentapartida – a saber: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais (ALEXANDRE, 2013, p. 17). 2. IMPOSTO Limitamo-nos ao imposto para focar o objetivo deste artigo. O imposto é uma espécie de tributo não vinculado à hipótese de incidência, ou seja, o fato gerador independe de qualquer atividade estatal específica e, portanto, diz respeito ao contribuinte (artigo 16 do CTN). Além disso, a receita do imposto financia as atividades gerais do Estado, ou os denominados serviços universais (uti universi), os quais não são específicos e são indivisíveis,[2] além de que se baseiam na ideia de solidariedade social (ALEXANDRE, 2013, p. 22). Desta forma: “(…) os impostos têm como fato gerador à "manifestação de riquezas do contribuinte (sujeito passivo), incidindo independente de contraprestação estatal específica. Ou seja, quando alguém obtém rendimento, vende mercadoria, presta serviço de assistência médica, por exemplo, deve contribuir com a União (IR), com o Estado (ICMS) e com o Município (ISS), respectivamente. Os recursos arrecadados por esses entes, por sua vez, devem ser usados em prol de toda a sociedade. Portanto, afirma-se que o imposto é uma exação (exigência) para todos os manifestantes de riqueza, que, compulsoriamente, contribuem para prestações de serviços estatais em prol de toda a coletividade. Os impostos, têm, dessa forma, caráter contributivo” (CORNÉLIO, p. 19-20) (grifo nosso).  A Constituição Federal não cria tributos, ela apenas delega competência aos entes federativos (União, Estado e Município) para estes criarem seus tributos, através de lei. Assim, a lei deve definir o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota e os contribuintes do respectivo imposto (ALEXANDRE, 2013, p. 23). É importante observar também, que os impostos podem caráter pessoal ou real. Como consequência, no imposto pessoal é analisada a capacidade econômica do contribuinte. Como exemplo disto se tem o Imposto de Renda incidentes sobre proventos de qualquer natureza (IR). Por outro lado, o imposto real incide objetivamente sobre o contribuinte, independentemente da sua capacidade econômica, a exemplo do IPVA (não importa se meu carro é importado ou popular, o imposto é devido pelo simples fato de eu possuir um automóvel) (CORNÉLIO, 2014, p. 24). O imposto pode ainda ter duas finalidades: fiscal e extrafiscal. Como finalidade fiscal, o desígnio do imposto é angariar recursos para os cofres públicos, fazendo com que o Estado possa desenvolver suas atividades fins. Estes impostos possuem finalidade exclusivamente financeira. Ao contrário, os impostos com finalidade extrafiscal, são aqueles que objetivam intervir numa situação social ou econômica (AZEVEDO, 2013). Portanto, com a extrafiscalidade, o dinheiro não vai para os cofres públicos, mas sim, para projetos que visam transformação da realidade social. Além disso, as pessoas também podem participar – por meio de contribuições pessoais – ativamente do na garantia e promoção de direitos sociais, além da melhoria da sociedade. 2.1. IMPOSTO DO CONSUMIDOR O imposto do consumidor possui finalidade fiscal, ou seja, sua finalidade é angariar recursos para que o Estado possa desenvolver suas atividades. Para tanto, este imposto é embutido no preço do produto final e, portanto, quem irá pago-ló será o consumidor final. Do universo de impostos arrecadados, vale salientar que o imposto sobre o consumo é o que mais arrecada no País, conforme podemos observar no gráfico elaborado pela Folha de São Paulo, no ano de 2013, através de uma pesquisa realizada pela OCDE: Analisando o seguinte gráfico, percebemos que além do Brasil possuir a maior parte de suas arrecadações advindas do imposto sobre o consumo, ele ainda é um dos países que mais arrecada impostos nesta modalidade. A matéria da Folha de São Paulo (2013) faz uma reflexão importante sobre este ponto, acertando alguns motivos para o imposto de consumo ser bem maior que o de renda. Um dos motivos que a matéria aponta, é que no Brasil nem todos os salários pagam Imposto de Renda (IR). Isto que dizer que, quem ganha até R$ 1.710,78 (exercício de 2014, ano-calendário 2013) está isento desta tributação (RECEITA FEDERAL, 2014). Ora, evidentemente que no Brasil a grande maioria da população não possui tal rendimento. Segundo a referida matéria, apenas 25 milhões de pessoas possuem renda maior que R$ 1.710,80, em um país com uma projeção de população de mais de 203 milhões de pessoas (IBGE, 2014). Em qualquer hipótese, mesmo admitindo-se unidades familiares (4 pessoas), teríamos percentual considerável que de pessoas que não contribuem tributariamente nesta modalidade de arrecadação. Além desta constatação, outro motivo apontado é o fato de existir muita informalidade no mercado brasileiro, tanto de pessoas sem carteira assinada, quanto das que colocam valor diverso do recebido na mesma. Além disso, existe muita sonegação da declaração do IR, fato que não ocorre no imposto sobre o consumo, eis que o imposto já vem embutido no valor final da mercadoria. Dito isto, fica fácil perceber as razões de existe muito mais arrecadação no imposto sobre o consumo do que no IR. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um imposto de consumo de competência estadual. Ele incide nas “operações reativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações prestadas se iniciem no exterior” (MESSA, 2014, p. 426). Deste modo, o ICMS recai com a circulação de mercadoria ou a prestação de serviços. Todos os que vendem algo ou prestam algum serviços estão sujeitos a pagar ICMS, sendo que sua base de cálculo se baseia no valor da operação ou no preço do serviço. No que se referem às alíquotas elas se diferem dependendo de cada Estado (MESSA, 2014). Outro imposto de consumo é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o qual é de competência da União. É importante mencionar que “a arrecadação do IPI é a segunda entre os impostos federais (só é menor que a do IR)” (ALEXANDRE, 2013, p. 552). Tal arrecadação justifica a proteção aplicada a este imposto vetando sua elevação repentina.  O IPI é aplicado com a “industrialização do produto, ou seja, com a operação que modifique a natureza ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo” (MESSA, 2014, p. 431). Importante observar, que o IPI passa pelo Princípio da Seletividade, isto que dizer que “as alíquotas deste imposto devem ser fixadas de acordo com a essencialidade do produto, sendo menores para os gêneros considerados essenciais e maiores para os supérfluos” (ALEXANDRE, 2013, p. 552). Deste modo, os produtos com maiores tributações do IPI são os supérfluos, tais quais perfumes, cigarros, bebidas alcoólicas, dentre outros. De outra sorte, alguns produtos considerados essenciais são imunes a este imposto, conforme dispõe a Constituição Federal, como por exemplo, livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, d da CF). 2.1.1. IMPOSTO SOBRE VALOR AGREGADO, GUERRA FISCAL E SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA. Por certo que o imposto incidente sobre a produção de bens vai incidindo sobre valor agregado. Isto vale dizer, a indústria coloca sobre o bem produzido o valor do imposto (IPI) e, depois, o comércio agrega ao valor de custo de aquisição, o valor do imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMs). Trata-se de modelo tributário que encarece o preço final dos produtos, eis que o ICMs, por exemplo, é pago considerando o valor total do preço de venda. É o que ocorre com o preço da energia elétrica, que se pode tomar de exemplo. Se a fatura for de R$ 300,00 e constar que o ICMs é de 20%, isto significa que o valor lançado a título de imposto terá importado R$ 60,00. Na verdade, o valor do bem é de R$ 240,00 e o imposto incide sobre estes R$ 240,00. Isto significa que o consumidor paga alíquota percentual de 25% e não 20% como estaria constando na fatura. Isto ocorre com todos os bens comercializados e daí se formula a máxima de que os percentuais reais de impostos são muito maiores do que os valores nominais que constam nas faturas. Ademais, como o Brasil é ente federado, os Estados entre si “guerreiam”, inclusive no que diz respeito à matéria tributária na esfera de sua competência. O ICMs, por ser de competência estadual, não conta com alíquotas nacionalmente unificadas. Se o preço final dos produtos produzidos for determinante para o sucesso do empreendimento, é possível que determinada empresa se instale no Estado que cobre a menor alíquota de ICMs e não naquele que tem a maior alíquota. Os Estados lutam entre si, por meio das alíquotas de imposto, para atrair investimentos e empresas para si. E, da mesma maneira, Municípios acabam por tentar atrair investimentos pela concessão de benefícios fiscais (isenção de impostos). Esta questão é razão pela qual já se sugeriu insistentemente que fosse adotado o modelo do imposto sobre valor agregado (IVA) com consequente redução das alíquotas (ARAÚJO, 2011). Mas, mesmo a adoção do IVA não resolve o principal problema dos impostos incidentes sobre a produção e comercialização de bens que é a regressividade do imposto. 2.1.2. O PROBLEMA DA REGRESSIVIDADE. Um dos nós górdios da tributação vigente no Brasil é sua regressividade. A regressividade significa dizer que a maior parcela da carga tributária é suportada exatamente pelos mais pobres. A agregação do imposto sobre os bens de consumo estabelece um sistema de penalização regressiva e contra aqueles que percebem rendimentos menores. Atente-se para a diferença entre valor do tributo e incidência percentual do tributo sobre a massa de rendimentos. No caso do imposto incidente sobre o consumo é evidente que, quem consome mais, paga mais tributo. Mas, o consumo não mede a renda disponível. Ou, para dizer de outro modo, no consumo dos mesmos bens ou produtos, o percentual do imposto pago sobre a renda auferida vai ser muito maior para quem tem menor renda. Admita-se que haja rendas diferentes de R$ 1.500,00 e R$ 30.000,00. Se o consumo de ambos de determinado produto, digamos pimenta, for igual e no valor de R$ 10,00, a incidência do tributo sobre a pimenta significará muito maior desembolso percentual para quem ganha R$ 1.500,00. Como se admite que o consumo de pimenta para quem perceba os valores maiores e menores seja igual eis que pressupõe-se um limite de consumo equivalente, o percentual desembolsado por quem ganha menos com a paga do imposto é maior. Ou seja, os pobres contribuem com parcelas percentuais significativamente superiores de seu rendimento para a paga dos impostos e manutenção do Estado. É isto que significa regressividade tributária. Os pobres, no imposto sobre consumo, pagam muito mais impostos, em termos percentuais, do que os ricos. E, considerando-se a base alimentar, fator que atinge o consumo de todos, os trabalhadores (isto em oposição genérica aos rentistas) perfazem a maior parte das pessoas, as quais suportam o valor da carga tributária que aufere o Estado. O imposto sobre o consumo é imposto insonegável por parte do consumidor; o imposto está embutido no preço do produto. A sonegação, se houver, será pela falta de repasse do imposto cobrado pela venda ao fisco. As pessoas de menor faixa de renda pagam mais impostos porque a base tributária brasileira se estabelece a partir e em privilégio aos impostos incidentes sobre o consumo. Mesmo os impostos que são incidentes sobre a produção (IPI) acabam sendo pagos pelo consumo porque tais impostos são repassados à cadeia de produção e venda. Considerando a totalidade dos impostos sobre produção e comercialização, todos estes são repassados ao consumidor como custo do produto que está sendo vendido ao consumo. Se o Estado deve arrecadar, a forma privilegiada de sustento da máquina pública se faz prioritariamente sobre o consumo e aí, fica patente a regressividade tributária brasileira. O que aqui se diz, não é novidade (SEVEGNAN,2011). Mas, em que pese ser tema reiterado na doutrina e na discussão técnica em que praticamente não há dissenso (PINTOS-PAYERAS, 2014), o fato é que o tema tributário brasileiro se mantém persistentemente regressivo. 3 . AS DEMANDAS PELO IMPOSTO ÚNICO Considerando o tema da regressividade e também motivado por um persistente combate ideológico contra a carga tributária brasileira, há muito vem sendo discutida a proposta formulada pelo economista Marcos Cintra (EAESP/FGV) de adoção do imposto único. Pelos termos básicos da proposta, toda arrecadação tributária se converteria numa alíquota de tributos única incidente sobre a movimentação financeira de 2,65%, tanto para débitos quanto para créditos bancários. Em parte, se propõe tal imposto único nos mesmos moldes da extinta CPMF. A diferença é que não seria mais um imposto e sim, imposto substituto de toda carga tributária. 3.1. REGRESSIVIDADE Há diversos méritos na proposta do imposto único. Um destes méritos seria o automatismo das operações, fator que dispensaria a atividade de contadores e advogados para o cálculo e defesa dos contribuintes. O imposto incidiria automaticamente e o repasse se faria no momento da circulação financeira. Depois, outra vantagem seria a virtual impossibilidade de sonegação fiscal. Além disso, os realmente pobres, por não terem conta de movimentação bancária estariam livres da paga do imposto único. Todavia, em que pesem os grandes méritos de tal proposta do imposto único, preocupamo-nos especialmente quanto à sua plausibilidade prática e as decorrências para o sistema tributário como um todo. 3.2.  INSUFICIÊNCIA DO IMPOSTO A primeira crítica fundada sobre a adoção do imposto único diz respeito à aleatoriedade da alíquota fixada. De fato, mesmo que seja possível estimar a priori o percentual do imposto, o efetivo percentual haveria de ser calculado a posteriori. Isto significa que o imposto único provavelmente deveria ser superior a 5%. O problema daí, se pode ver que, além das questões legais e também referentes à manipulação política da tributação, seriam necessários outros mecanismos de controle do consumo. Isto porque, mesmo que muitos apreciem consumir Whisky legitimamente escocês, é evidente que este consumo deve ser, de algum modo, refreado. O mesmo pode ser dito em relação ao multimilionário mercado de luxo o qual, muito provavelmente, não reduzirá os seus preços por conta da adoção de uma alíquota única. O que se diz neste momento é o estabelecimento de uma crítica profunda à proposta do imposto único. Se está a dizer que, contra os cânones do senso comum, que o mercado não é, nem pode ser livre. Não é possível que o Estado se exima de interferir nas políticas de consumo. A tributação das bebidas alcóolicas destiladas e cigarros, por exemplo, é um dos motivos ensejadores do seu preço elevado. No caso do cigarro, não poucos que estão livres deste hábito, gostariam que o imposto sobre o consumo fosse multiplicado, pelo menos, por 100 vezes. De igual modo, o consumo indiscriminado de produtos importados, mesmo para aqueles que contam com similares nacionais, de algum modo precisa ser contido. E, a forma natural de controle a ser exercido pelo Estado sobre o mercado é o imposto incidente sobre os bens de consumo. Esta tributação há de ser exercida de forma qualificada e técnica. De qualquer modo, já se pode dizer que os agentes econômicos haveriam de adaptar-se ao imposto único e, tal qual ocorre com os impostos incidentes sobre o consumo, haveria repasse do custo tributário ao preço dos produtos vendidos. Isto vale dizer, também, que o imposto único não resolve o principal problema dos impostos que é a regressividade. 3.3. DESIGUALDADE SOCIAL Ademais, outro problema do imposto único é que não se enfrenta, pela estrutura tributária, o problema da desigualdade social. O Estado tem de ser sustentado exatamente porque se demanda que cumpra com suas funções. Agora, é por demais evidente que a contribuição ao sustento do Estado deve dar-se em função da renda dos cidadãos, até porque, o aparato público do Estado se organiza em sentido contra revolucionário. Isto vale dizer, que o Estado se engendra como mantenedor da ordem social posta. Se assim é, há de sobriamente reconhecer-se que compete encontrar uma forma tributária que seja compatível com as desigualdades sociais brasileiras. Isto implica dizer que aqueles que detêm maiores rendas e posses devem suportar fatias maiores de imposto. O problema, na verdade, é saber como se faz isto. Normalmente se entende que o Imposto sobre a Renda cumpriria esta função. 4. IMPOSTOS SOBRE A RENDA O Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) possui como fato gerador a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza” (MESSA, 2014, p. 430). Desta forma, o IR é um imposto pessoal, eis que depende da renda de cada contribuinte[3]. Ademais, tal imposto é de competência da União, conforme dispõe o art. 153, III da CF. No que diz respeito ao conceito de renda, grande parte da doutrina defende que: "a Constituição trouxe um conceito implícito de renda no sentido de acréscimo patrimonial, ou seja, como a diferença entre as receitas (entradas) e as despesas (saídas), seja da pessoa física ou jurídica, durante um determinado período de tempo" (LUKCI, p. 104). Salienta-se assim, que o IR é devido tanto pela pessoa física quanto pela jurídica. No caso da pessoa física, a tributação varia de acordo com a base de cálculo (depende do salário), eis que a partir dela será estipulada a alíquota (de 0 a 27,5%), conforme é possível visualizar abaixo na tabela: Já na pessoa jurídica, a tributação pode ser feita por meio de três formas de apuração: lucro presumido, lucro real e lucro arbitrado (LUKCI, p. 118). 4.1  ONERAÇÃO DAS EMPRESAS E REPASSE DE CARGA Não é de hoje que se aponta para o imposto de renda como o santo graal para a solvência da regressividade tributária. De fato, o imposto sobre a renda incide sobre a renda dos cidadãos e das empresas. No primeiro caso, incide sobre os rendimentos auferidos e se paga conforme a previsão aliquotária de incidência do tributo. Entretanto, também o imposto de renda não é isento de críticas, muitas destas, sem dúvida, acertadas. Fixamo-nos em dois problemas críticos para falar do imposto de renda. O primeiro problema é questão da base de cálculo e o segundo é, mais uma vez, a regressividade. Falemos destes dois problemas em conjunto, base de cálculo e regressividade. O imposto de renda é, também, suscetível a acertadas críticas quanto à base de cálculo. Como incide sobre a renda disponibilizada ao pagamento, é de perguntar-se qual é o significado desta renda disponível. Advogados podem bem conhecer este problema. Por resolução da corregedoria de diversos (senão todos) tribunais estaduais e federais, se entendeu ser o caso de proceder aos descontos fiscais no momento do pagamento de alvarás. Na justiça federal, em inovação, se entendeu cabível a aplicação de alíquota única e, para o caso da justiça estadual do Estado do Paraná, tomado aqui como exemplo, se adotou o caso de desconto conforme as alíquotas progressivas do imposto de renda. O beneficiário do alvará tem desconto do seu crédito da parcela destinada ao fisco. Todavia, ao assim proceder-se não se processam os descontos previstos pela legislação. Em específico se aponta para os descontos previdenciários e as despesas incorridas pelos advogados na manutenção dos seus escritórios de advocacia.[4] Isto vale dizer que, antes de pagar o salário da secretária, a advogada paga o imposto sobre o total da receita auferida. Em ambos casos, a paga da previdência e o salário da secretária são parcelas dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda. Entrementes, não é apenas este o caso crítico em relação ao imposto de renda. A legislação tributária admite que certas despesas sejam abatidas da base de cálculo da incidência tributária. É o caso das despesas médicas, de instrução e de pagamento de pensão alimentícia. Todavia, por que não se permite o abatimento da base de cálculo o valor pago com alugueres, para o caso da pessoa física? Como, quem paga o imposto é o proprietário do imóvel alugado, entende-se que a exclusão da base de cálculo dos alugueres pagos, implicaria em duplicidade de consideração tributária sobre o mesmo evento gerador. Até aqui, consideramos o caso do imposto de renda da pessoa física. No caso do imposto de renda da pessoa jurídica, a situação não é muito diferente. O imposto de renda se dá como contribuição sobre o lucro líquido apurado ao final do exercício fiscal. Isto na teoria. Na prática, a parcela destinada ao imposto de renda da pessoa jurídica se lança como despesa a ser enfrentada futuramente. Se é lançada como despesa, ela também integra os custos dos produtos fabricados e vendidos. Mais uma vez, também o imposto de renda pessoa jurídica se mostra como regressivo pelo fato de aumentar o preço dos produtos disponibilizados para venda. Todavia, o problema apontado, isto gera por parte do sujeito passivo tributário, uma série de medidas defensivas contra o imposto. E aí surgem os advogados tributaristas que acabam dedicando boa parte do seu tempo em encontrar mecanismos para reduzir o impacto da paga de tributos. Trata-se de um jogo de gato e rato. O Estado mantém enorme arcabouço regulatório para tentar equacionar o casuísmo tributário e o cidadão e as empresas tentam encontrar brechas e falhas na legislação para reduzir os impostos. É o caso exemplar das indústrias que se vêm obrigadas a criar novas empresas com a finalidade de venderem os produtos que produzem para que parte considerável dos impostos incidentes sobre a produção sejam reduzidos e conversos para o imposto sobre a prestação de serviços. A segunda empresa (que é apenas desdobramento da primeira) absorve carga tributária menor. CONCLUSÃO Do que foi até aqui mencionado, é perceptível que o Estado brasileiro deve fazer esforço para deslocar a carga tributária incidente sobre o consumo para a incidência sobre a renda. É a renda auferida que tem as condições de paga do imposto. Quando o imposto incide sobre o consumo, em que pese as vantagens já apontadas para esta forma tributária, a sua desvantagem é por demais perniciosa. Assim, o que se propugna é a adoção de uma sistemática tributária que privilegie a progressividade do imposto. E, isto se faz com a alteração combinada do peso de incidência sobre a renda e sobre a propriedade. Trata-se de disposição combinada para que a tributação alcance os seus objetivos de progredir conforme a capacidade contributiva do sujeito passivo. Além do imposto sobre a renda efetiva auferida pelos agentes econômicos, o imposto deve incidir sobre a propriedade. Isto é necessário especialmente considerando os movimentos do capital especulativo que se desloca do mercado financeiro para outros empreendimentos de alto rendimento. É o caso atual da especulação imobiliária. A renda auferida pode não ser alcançada pelo imposto incidente sobre a renda quando se transfere o rendimento para a propriedade imobiliária. Assim, adquire-se terras vendidas por alqueire para anos depois, seja a terra vendida em lotes. Enquanto fica a terra parada à espera da valorização imobiliária não há renda sobre a qual incide o imposto de renda. A valorização suposta ou provocada das terras não é atingida pelo sistema tributário. Quando a venda ocorre, o valor do tributo sobre o ganho imobiliário já se inclui no preço de venda. Isto vale dizer que a estrutura tributária precisa encontrar formas de incidir efetivamente sobre a especulação proprietária. Não é possível enfrentar a regressividade tributária sem coragem e determinação. Na verdade, a modificação tributária em favor de um sistema progressivo tem diante de si um enorme problema. Este deriva da conformação política. A lei se altera por força do Poder Legislativo e neste, da forma como está erigida a democracia representativa, fica muito difícil implementar modificações estruturais na tributação. Pretender que o imposto incida sobre a renda e sobre a propriedade é, na verdade, propor, de certo modo, fazer modificações que alavancaram as revoluções. Quem pensa ser difícil fazer uma revolução vai compreender que fazê-la por força da democracia tampouco é fácil.[5] Na verdade, quem demanda as modificações na estrutura tributária é a evolução conceitual e filosófica do próprio Direito. Ao se pretender que a igualdade jurídica não seja apenas um dogma liberal, que os Direitos Humanos sejam matriz de reflexão do Direito e que a sociedade deve encarar a democracia como um dos seus mais altos valores é daí que deriva a demanda pelas alterações no sistema tributário. Agora, se estas alterações são exequíveis, isto depende, em grande parte, da tomada de posicionamento por parte daqueles que, por dever de ofício, assumem o nobre encargo de colocar-se ao lado daqueles a quem não se lhes faz justiça. Justifica-se assim, o título do artigo “O Imperativo de dizer-se não à regressividade tributária”, eis que o Direito, mais do que ninguém, deve lutar pela justiça social.
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Maomé e a Justiça Fiscal
O presente artigo aborda de forma simples e direta as influências políticas que o líder religioso Maomé exerceu ao seu tempo, principalmente na área fiscal mediante a distribuição de justiça tributária, fazendo a associação de suas posições políticas com princípios constitucionais consagrados na Carta Magna de 1988, com base em publicação do editorial Super Interessante, chegando-se à conclusão de que os métodos de distribuição de renda estatuídos pelo líder religioso servem como um bom parâmetro para a análise histórica do instituto.
Direito Tributário
Introdução Questão muito curiosa foi abordada recentemente no periódico Super Interessante (ed. 343, fev. de 2015). Em tempos de atrocidades cometidas por grupos radicais como Al-Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram, a revista elaborou uma reportagem de onze páginas com um bem produzido apanhado histórico sobre a vida de Muhammad ibn Abdallah (Maomé). Certamente não interessa ao propósito deste artigo a parte histórica, mas a jurídica. Especificamente em relação à Justiça Fiscal. Primeiramente, devemos entender por “Justiça Fiscal” todo ato estatal direcionado a uma arrecadação justa, num sistema onde os que ganham mais contribuem com mais e os que ganham menos contribuem com menos, segundo critérios legalmente estabelecidos. Ou seja, nada mais que dispensar tratamento diferenciado a pessoas que se encontram em situações econômico-financeiras distintas. E, a par dos princípios que se interrelacionam com a Justiça Fiscal, lhe conferindo sentido, adotaremos neste artigo a acepção geral descrita acima. A Justiça Fiscal em Medina Estamos no século 6 d.c. Precisamente no ano 570, quando Maomé nasceu, em Meca, na Arábia Saudita. A cultura local era a de reverência a deuses em forma de estatuetas, em um santuário chamado Caaba (O Cubo). Era também um tempo aonde a Bíblia já era o texto mais conhecido do mundo, visto que havia sido escrita mil anos antes pelos judeus. Em meio a essa miscigenação de crenças e cultos a deuses é que nasceu Maomé. Quando adulto, com aproximadamente vinte e cinco anos de idade, Maomé se destacou perante a sociedade como um exímio comerciante, sendo reverenciado pela elite de seu tempo. Já nessa época, de acordo com os primeiros escritos islâmicos sobre a vida do Profeta, Maomé demonstrava aversão às ideias que propunham a escravização de pessoas que não conseguiam pagar suas dívidas. Ou seja, era avesso à imposição proposital de juros abusivos em contratos para que devedores não conseguissem quitar seus débitos, o que acabava forçando a venda de membros da própria família, negócio à época muito mais lucrativo para os comerciantes mais abastados. Com mais escravos – mão de obra barata – a produção era maior e, consequentemente, os lucros. Enfim, deixando de lado detalhes históricos, o fato é que foi a partir de seus quarenta anos de idade que Maomé passou a fazer as Recitações, que mais tarde dariam origem ao chamado Alcorão. Foi assim, por meio de recitações, que Maomé passou a propagar em seus discursos novas lições sobre juros, tributação e justiça, ainda que de modo implícito. Um destes benevolentes atos foi comprar escravos de colegas comerciantes a fim de libertá-los. Em termos fiscais, o Profeta foi mais longe ainda. Em 622 d.c, agora em Medina (Arábia Saudita), Maomé era um Xeique e todos os seus seguidores formavam o que se denominava Ummah (comunidade), grupo unido pelas ideologias pregadas pelo conhecido líder religioso. Na cidade de Meca, onde o monopólio do comércio se encontrava nas mãos dos Quraysh, todos pagavam taxas a este grupo sempre que uma mercadoria era vendida. Em Medina, onde Maomé agora residia, o sistema também era semelhante. Ninguém podia vender nada sem que uma taxa fosse paga a uma tribo de origem judaica chamada Banu Qaynuca. Contudo, essa política fiscal não agradava Maomé, que teve uma ideia: criar uma feira concorrente, que não cobrava taxas sobre vendas. Ou seja, com a concorrência em alta, as demais feiras – sujeitas à tributação pelo Banu Qaynuca -, diminuíram seus preços. Ninguém queria perder a clientela para a nova feira instituída por Maomé, onde inexistia tributação. Tudo, claro, com um propósito: o Estado não era desatento, mas queria distribuir renda de forma mais igualitária, sem deixar de disceminar ideias puramente capitalistas. Outro exemplo foi a consolidação do zakat, sistema arrecadatório pelo qual todos os membros do Ummah deveriam pagar tributos de acordo com as suas posses. O dinheiro era revertido a um fundo e repassado aos menos abastados, que não tinham como pagá-los. Ou seja, extinguia-se a política de tributação exorbitante de forma indiscriminada – pessoas mais ou menos abastadas eram tributadas da mesma forma – e nascia uma forma de Justiça Fiscal. Ao criar um mercado de livre concorrência à sua época, impedindo que comerciantes Quraysh – mais ricos – instituíssem taxas abusivas sobre as vendas de outros comerciantes, Maomé materializou o princípio do não-confisco (art. 150, IV, CF/88). Sim, pois com a medida as pessoas não mais se sujeitavam ao pagamento de tributos altíssimos, o que ensejava muitas vezes inadimplência e a obrigatoriedade de cessão de membros do clã familiar para o credor, em um verdadeiro sistema de escravidão. Depois, ao instituir o zakat, o líder religioso permitiu a integração da sociedade em geral com os bens de consumo. Isso porque, se considerarmos que o tributo era cobrado sobre a posse lato sensu, poderíamos incluir nessa conta tanto a renda quanto os bens stricto sensu. Assim, o fundo gerado com o tributo era revertido aos menos favorecidos, que com mais chances de vendas passavam também a aquecer o mercado e a gerar riquezas. Àquele fenômeno chamaríamos de princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/88), um dos critérios atuais de Justiça Fiscal. Conclusão Vemos, portanto, que há séculos que diversos líderes e pessoas comuns tentam criar mecanismos para a concretização da Justiça Fiscal. E o Estado, muitas vezes ineficiente em suas gestões fiscal e econômica, não consegue cumprir a contento os comandos constitucionais que, juntos, objetivam fazer Justiça Fiscal no país. O exemplo de Maomé serve apenas para saciar uma curiosidade, sem deixar de ser um ótimo precedente sobre o tema.
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A ilegitimidade do Delegado da Receita Federal da jurisdição fiscal da filial em mandado de segurança sobre matéria previdenciária
Neste artigo pretende-se analisar a legitimidade, em sede de mandado de segurança, do Delegado da Receita Federal do Brasil da jurisdição fiscal do estabelecimento filial da pessoa jurídica, cuja matriz encontra-se domiciliada em outra localidade, em se tratando de questões previdenciárias. Inicialmente, aborda-se o conceito de autoridade coatora no mandado de segurança. Por um primeiro viés, busca-se analisar as normas de competência da Administração Tributária, especialmente em matéria previdenciária. Por outra vertente, busca-se a resposta considerando os conceitos de pessoa jurídica e de personalidade jurídica, vislumbrando-se q ue a inscrição no CNPJ não confere personalidade jurídica às filiais.  Conclui-se pela pertinência do reconhecimento da ilegitimidade passiva do Delegado da Receita Federal do Brasil responsável pelo estabelecimento filial na hipótese de a matriz estar sediada em jurisdição fiscal diversa em questões previdenciárias.
Direito Tributário
1. Introdução A questão que se pretende analisar neste artigo cinge-se à ilegitimidade passiva do Delegado da Receita Federal do Brasil da jurisdição fiscal do estabelecimento filial, localizado em Município diverso do domicílio fiscal da matriz – que se encontra sob a jurisdição fiscal de outra Delegacia da Receita Federal do Brasil -, em se tratando de questionamento acerca de contribuições previdenciárias em sede de mandado de segurança. Trata-se de questão recorrente em mandados de segurança, cuja relevância decorre de a ordem judicial poder não surtir os efeitos desejados na hipótese de provimento judicial de obrigação de não fazer (não autuar a filial) imposta ao Delegado da Receita Federal da filial, que não tem poder hierárquico sobre a Unidade Descentralizada da RFB com jurisdição fiscal sobre a matriz, que pode desenvolver procedimentos de cobrança e fiscalização previdenciária em face da pessoa jurídica “como um todo”. Primeiramente, são tecidas breves considerações acerca do mandado de segurança, especialmente sobre a legitimidade passiva, esclarecendo-se que a autoridade coatora é aquela que disponha de competência para corrigir o ato impugnado. Passa-se a analisar a questão posta, considerando a legislação que dispõe sobre as contribuições previdenciárias previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da lei nº 8.212/91[1] e das contribuições instituídas a título de substituição e estabelece os procedimentos aplicáveis à arrecadação das mesmas pela Receita Federal do Brasil (RFB), bem como define a competência de cada Unidade Descentralizada da Receita Federal, especialmente em questões previdenciárias. Em um segundo momento, busca-se fundamentar a resposta ao questionamento mediante o estudo doutrinário dos conceitos de personalidade jurídica, verificando-se se os estabelecimentos filiais possuem personalidade jurídica própria. Após interpretar a legislação tributária, civil e empresarial, conclui-se que a pessoa jurídica pode ter estabelecimento matriz e estabelecimentos filiais, com diferentes terminações de CNPJ, mas a lei não atribui aos estabelecimentos personalidade jurídica diversa daquela pessoa jurídica que os instituiu. Por fim, verifica-se que a teoria da autonomia dos estabelecimentos não se aplica para as contribuições previdenciárias, merecendo ser reconhecida a ilegitimidade passiva do Chefe da Unidade da Receita Federal da jurisdição fiscal da filial, considerando o domicílio centralizador da matriz para fins de contribuições previdenciárias. 2. Da autoridade coatora no mandado de segurança O mandado de segurança (“mandamus” ou “writ”) é uma garantia constitucional do cidadão em face do Poder Público, garantia prevista no art. 5º, LXIX, CF c/c art. 1º da lei nº 12.016/2009, “in verbis”: “CF/88. Art. 5º. LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” “Lei nº 12.016/2009. Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” Na seara tributária, o mandado de segurança é remédio que pode ser impetrado pelo contribuinte que tenha um direito líquido e certo, que independa de dilação probatória – prova pré-constituída comprovada da plano nos autos – , lesado ou ameaçado por ato de autoridade. As partes iniciais do “mandamus” são o impetrante (titular do direito) e impetrado (autoridade coatora), devendo ser indicada também a pessoa jurídica que a autoridade coatora integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições, para que lhe seja dada ciência da ação e para que, querendo, ingresse no feito como litisconsorte necessário (arts. 6º e 7º da lei nº 12.016/2009). Conforme o §3º do art. 6º da Lei nº 12.016/2009, “considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem de sua prática”, ou seja, tanto a pessoa que ordena ou omite o ato impugnado e o superior que baixa normas gerais para sua execução (MEIRELLES, 2010, p.69). Impende salientar que em uma imposição fiscal ilegal, o coator não é o Ministro ou o Secretário da Fazenda que expede instruções gerais para a arrecadação dos tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária, mas o chefe de serviço ou o Delegado da Receita Federal que arrecada o tributo e impõe as sanções fiscais respectivas, utilizando-se de seu poder de decisão. Em suma, autoridade coatora é aquela que dispõe de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. Na seara do Direito Administrativo vige o princípio segundo o qual somente à autoridade que tem competência para o ato administrativo compete desconstituí-lo, ou vice-versa, a não ser que extravase o âmbito legal de suas atribuições. Destarte, incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário. Funda-se essa orientação na máxima ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. Traçadas as considerações básicas acerca da autoridade coatora no mandado de segurança, passa-se a analisar a questão posta: se a empresa possui vários estabelecimentos comerciais, sendo diversa a localização da filial em relação à matriz, sob jurisdição de outro Delegado da Receita Federal Brasil, em matéria previdenciária, a autoridade coatora é o Delegado da Receita Federal do Brasil da jurisdição da filial ou somente o da jurisdição da matriz? 3. Da competência das Unidades Descentralizadas da RFB em matéria previdenciária A prestação das informações solicitada em mandado de segurança é de responsabilidade da Unidade da Secretaria da Receita Federal do Brasil com jurisdição sobre o domicílio tributário do contribuinte. A competência das Delegacias da Receita Federal do Brasil é atribuída pelo Regimento Interno da Receita Federal do Brasil, instituído pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 203, de 14 de maio de 2012, que assim dispõe em seu artigo 224: “Art. 224. Às Delegacias da Receita Federal do Brasil – DRF, Alfândegas da Receita Federal do Brasil – ALF e Inspetorias da Receita Federal do BrasiI – IRF de Classes "Especial A”, "Especial B" e "Especial C", quanto aos tributos administrados pela RFB, inclusive os destinados a outras entidades e fundos, compete, no âmbito da respectiva jurisdição, no que couber, desenvolver as atividades de arrecadação, controle e recuperação do crédito tributário, de análise dos dados de arrecadação e acompanhamento dos  maiores contribuintes, de atendimento e interação com o cidadão, de comunicação social, de fiscalização, de controle aduaneiro, de tecnologia e segurança da informação, de programação e logística, de gestão de pessoas, de planejamento, avaliação, organização, modernização e, especificamente: I – informar sobre interpretação e aplicação da legislação tributária e  aduaneira;” (grifo nosso) Com relação às contribuições previdenciárias previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da lei nº 8.212/91 e das contribuições instituídas a título de substituição, que passaram a integrar a esfera de competência da Receita Federal Brasil nos termos do art. 2º da lei 11.457/2007, são aplicáveis atualmente as prescrições contidas na Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009. Nos dispositivos do referido ato normativo secundário, abaixo citado, verifica-se que em matéria previdenciária, a circunscrição administrativa é determinada pela localização do estabelecimento matriz, que corresponde, atualmente, ao estabelecimento-matriz constante do CNPJ – Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas: “DO DOMICILIO TRIBUTÁRIO E DO ESTABELECIMENTO Art. 487. Domicílio tributário àquele eleito pelo sujeito passivo ou, na falta de eleição, aplica-se o disposto no art. 127 da Lei nº 5.172, de 1966 (CTN). Art. 488. Estabelecimento é uma unidade ou dependência integrante da estrutura organizacional da empresa, sujeita à inscrição no CNPJ ou no CEI, onde à empresa desenvolve suas atividades, para os fins de direito e de fato. DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS Art. 489. A partir do 91º (nonagésimo primeiro) dia após a publicação desta Instrução Normativa: I – o cadastro previdenciário e a base do CNPJ terão o mesmo estabelecimento como centralizador e matriz; II – o cadastro previdenciário assumírá como centralizador o estabelecimento matriz constante na base do CNPJ, com exçeção dos órgãos públicos da administração direta; e III – o estabelecimento centralizador constante no cadastro previdenciário passará o ser denominado matriz e regido pelos atos próprios da RFB.(…) Art. 491. O estabelecimento matriz será, alterado de ofício pela RFB, quando for constatado que os elementos necessários à Auditoria-Fiscal na empresa se encontram, efetivamente, em outro estabelecimento.(…) Art. 492. A empresa deverá manter, à disposição do AFRFB, no estabelecimento matriz, os elementos necessários aos procedimentos fiscais, em decorrência do ramo de atividade da empresa e em conformidade com a legislação aplicável.” (grifo nosso) Em consulta aos sistemas informatizados da Receita Federal do Brasil é possível averiguar onde está situado o domicílio fiscal do estabelecimento matriz da Impetrante, se diverso do domicílio da filial e da autoridade coatora apontada no “writ”. Com a finalidade de identificar a autoridade impetrada coatora imperioso recorrer aos Anexos I e II da Portaria RFB nº 2.466, de 28 de dezembro de 2010, que define a área de jurisdição fiscal das Unidades Descentralizadas da Secretaria da Receita Federal do Brasil e consultar a unidade responsável pelo estabelecimento matriz. Com efeito, sob a observância regulamentar e regimental, a Delegacia da Receita Federal com jurisdição sobre a localidade do estabelecimento filial, em matéria previdenciária, não mantém qualquer vínculo e nem procederá a qualquer ação administrativa de cobrança ou fiscalização perante o mesmo. Encontrando-se o estabelecimento matriz domiciliado em localidade diversa da filial, em se tratando de matéria previdenciária, a Delegacia da Receita Federal com jurisdição sobre a matriz – que não fora indicada como autoridade impetrada e que não faça parte da relação jurídica -, com competência de administração tributária e de fiscalização, pode, a qualquer tempo, diante da conveniência e oportunidade, desenvolver procedimentos de cobrança e fiscalização previdenciária em face da pessoa jurídica “como um todo” (matriz e todas as filiais), pois na legislação previdenciária a empresa é tratada como uma única empresa. Conclui-se que o mandado de segurança, em matéria previdenciária, deve ser dirigido não contra o Delegado da Receita Federal da localidade da filial, mas sim contra a autoridade que detém regimentalmente a competência para atuar sobre a administração e fiscalização do ato questionado, qual seja, o Delegado da Receita Federal do Brasil com jurisdição sobre o domicílio do estabelecimento matriz. 4. Da personalidade jurídica Por outro viés, a questão pode ser analisada sob o aspecto da personalidade jurídica pela pessoa jurídica (sociedade empresarial), que é una e singular para fins de direito obrigacional, ainda que haja estabelecimentos comerciais filiais além da matriz. Mister buscar os alicerces dos institutos jurídicos envolvidos na discussão em tela advindos da Parte Geral do Código Civil, especialmente no tocante aos titulares de direitos e obrigações. Vale recordar o disposto no Código Civil (Lei nº 10.406/2002): “Art. 1º. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.” “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações. IV – as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) V – os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)”. A personalidade é definida pela doutrina como a “aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações”, ou seja, no sentido técnico, associa-se à qualidade para ser sujeito de direito, conceito aplicável tanto às pessoas físicas quanto às jurídicas (Tepedino, 2004, p. 4). Assim, somente detém capacidade de direito (“capacidade de gozo” ou “capacidade de aquisição”), faculdade abstrata de gozar de seus direitos, o ente a quem o próprio ordenamento jurídico brasileiro atribui o status de pessoa, seja física, seja jurídica, salvo exceções expressamente previstas em lei no tocante aos entes despersonalizados. Em sentido contrário, a quem não for dado o status de pessoa não é assegurada a prerrogativa de figurar em qualquer relação jurídica, tampouco de ser titular de direitos e obrigações. Em relação às pessoas jurídicas, o art. 45 do Código Civil dispõe que o seu surgimento ocorre a partir da inscrição de seu ato constitutivo no respectivo órgão de registro, antes do qual não existe personalidade jurídica: “Código Civil. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo” A pessoa jurídica de direito privado tem origem com a manifestação de vontade humana, independente de qualquer ato administrativo de concessão ou autorização estatal, com exceção dos casos especiais tratados no Código Civil. Entretanto, enquanto não se realizar a inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica no registro, além da referida autorização, sua personalidade jurídica permanecerá em estado potencial. Somente mediante o preenchimento dos requisitos estabelecidos pela norma é que a personalidade jurídica será adquirida. Com a inscrição do ato constitutivo no órgão de registro público, a pessoa jurídica assume a capacidade jurídica para praticar atos jurídicos, celebrar negócios jurídicos, possuir patrimônio próprio e distinto de seus constituintes, enfim, de participar de todas as atividades compatíveis com a pessoa jurídica (Venosa, 2004, p. 264). Em relação especificamente às sociedades, impõe-se o dever de inscrever seus respectivos atos constitutivos no registro competente para, assim, adquirirem personalidade jurídica própria, conforme previsto no art. 985 do Código Civil: “Código Civil. Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”. Por conseguinte, a legislação estabelece os órgãos de registro competentes a proceder à inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica: as Juntas Comerciais, relativamente às firmas mercantis individuais, sociedades empresárias e cooperativas (art. 8º c/c art. 32, da Lei nº 8.934/94), e os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, relativamente às sociedades civis (art. 114, da Lei nº 6.015/73). Vale ressaltar que inexiste lei que autorize outro ato de registro (como a inscrição no CNPJ) que tenha o condão de constituir pessoas jurídicas, tampouco de atribuir a qualquer tipo de corporação o atributo da personalidade jurídica. Em conclusão, a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, regido atualmente pela Instrução Normativa RFB nº 1.183/2011, não outorga à pessoa jurídica a capacidade jurídica para figurar em relações jurídicas (art. 1º do Código Civil), sendo apenas um ato de registro para outros fins. Com efeito, existem outros atos de registro relativos às pessoas jurídicas que, apesar de não terem a atribuição de constituí-las ou outorgar-lhes capacidade jurídica, constituem-se deveres jurídicos impostos direta ou indiretamente pela lei às pessoas jurídicas e às entidades a elas equiparáveis, cujo descumprimento não é isento de sanções. 5. Dos estabelecimentos: matriz e filial. Da inscrição no CNPJ. O ato de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) é dever jurídico decorrente do art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, o qual autoriza que a Administração Fazendária estabeleça obrigações acessórias aos contribuintes no intuito de viabilizar as atividades de arrecadação, controle e fiscalização na esfera tributária, conforme se pode ler do dispositivo legal: “CTN. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.(…) § 2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos.” A primeira das obrigações acessórias que deve ser cumprida por qualquer pessoa jurídica, como condição ao seu funcionamento regular, é a inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídica (CNPJ), que substituiu o Cadastro Geral das Pessoas Jurídicas (CGC), de que cuidava a Lei 5.614/70 e atos normativos regulamentadores (Paulsen, 2010, p. 895). Verifica-se que o ato de inscrição das pessoas jurídicas no CNPJ não implica nos efeitos previstos no art. 45 do Código Civil (outorga de capacidade jurídica), dado que seu fundamento legal refere-se ao cumprimento de obrigações acessórias instituídas pelos órgãos do Ministério da Fazenda a fim de auxiliar a apuração dos fatos geradores, garantir maior eficácia à fiscalização e viabilizar a arrecadação dos tributos apurados e constituídos. Conclui-se que contém erro a assertiva de que cada inscrição no CNPJ representa uma pessoa jurídica distinta para fins tributários ou que se podem considerar pessoas jurídicas distintas matriz e filiais da mesma empresa, uma vez que não há lei que preveja que o registro de um estabelecimento filial no CNPJ outorgue-lhe personalidade jurídica nos termos do art. 1º do Código Civil. A Instrução Normativa RFB nº 1.138/11 não afirma que matriz e filiais de determinada empresa são “pessoas jurídicas autônomas”. Ao contrário, referido ato normativo secundário trata matriz e filiais como estabelecimentos de uma pessoa jurídica, conforme a redação do art. 4º, “in verbis”: “Art. 4º Todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem possuir uma inscrição no CNPJ, na condição de matriz, que os identifique na qualidade de pessoa jurídica de direito público, sem prejuízo das inscrições de seus órgãos públicos, conforme disposto no inciso I do art. 5 º. § 2º No âmbito do CNPJ, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, móvel ou imóvel, próprio ou de terceiro, onde a entidade exerce, em caráter temporário ou permanente, suas atividades, inclusive as unidades auxiliares constantes do Anexo VII a esta Instrução Normativa, bem como onde se encontram armazenadas mercadorias. ” (grifo nosso) Dessa forma, a própria Instrução Normativa, conforme as definições dos institutos e conceitos traçados pelo direito civil, determina que o que será inscrito no CNPJ serão os estabelecimentos de uma pessoa jurídica. Estabelecimento é “o local (…) onde a entidade exerce, em caráter temporário ou permanente, suas atividades”, conforme o par. 2º do art. 4º da IN RFB nº 1.138/11. Como se vê, em momento algum há previsão de que o estabelecimento a ser inscrito no CNPJ é considerado como uma pessoa jurídica autônoma. Apenas se determina que, se são vários os locais onde a empresa exerce as suas atividades, cada um deles deve estar cadastrado para fins de fiscalização tributária. Insta ponderar que é obrigatório o cadastro no CNPJ de órgãos públicos e representações diplomáticas (IN/RFB nº 1.138/11, art. 5º[2]), que não são considerados pela legislação tributária como sujeito de deveres e direitos autônomos distinto das pessoas jurídicas ou físicas que compõem. Destarte, não há fundamento legal ou infralegal a atribuir personalidade jurídica própria a cada estabelecimento filial inscrito no CNPJ. Inexiste, por conseguinte, ficção legal a respaldar a premissa de que matriz e filial são pessoas jurídicas distintas a serem tratadas como pessoas jurídicas autônomas. 6. Da sociedade empresarial Em se tratando de pessoas jurídicas empresariais, cada número no CNPJ representa um estabelecimento comercial ou industrial, seja o estabelecimento matriz, seja o estabelecimento filial. Em rigor, não é a pessoa jurídica que deve se inscrever no CNPJ. Deve a pessoa jurídica já existente (inscrita no respectivo órgão de registro público) inscrever no CNPJ seus estabelecimentos comerciais, elegendo qual deles é a matriz e quais são as filiais, nos termos do art. 11, Instrução Normativa RFB nº. 1.183/2011: “Art. 11. A comprovação da condição de inscrito no CNPJ e da situação cadastral é feita por meio do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral", conforme modelo constante do Anexo III a esta Instrução Normativa, emitido no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 13. § 1º O Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral contém as seguintes informações: I – número de inscrição no CNPJ, com a indicação de estabelecimento Matriz ou Filial;” (grifo nosso). Nos mesmos moldes já ocorria com o antigo Cadastro Geral de Pessoas Jurídicas – CGC, instituído pela Lei nº 4.503/64, que concedia o mesmo número cadastral básico (raiz numérica) aos estabelecimentos comerciais de uma pessoa jurídica, possibilitando que a ele fossem adicionados números complementares, caso necessários para a melhor identificação, de acordo com o art. 4º, “in verbis”: “Art 4º As pessoas jurídicas e seus estabelecimentos receberão um número cadastral básico, de caráter permanente, que as identificará em todas as suas relações com os órgãos do Ministério da Fazenda. Parágrafo único. O número referido neste artigo poderá ser adicionado de códigos numéricos complementares, quando indispensáveis à administração de determinados tributos” Identifica-se a pessoa jurídica através da raiz do número do CNPJ (ex.: 00.000.000/), enquanto que seus estabelecimentos, matriz ou filial, são identificados através dos números complementares (ex: /0001-00). Como, no mínimo, toda pessoa jurídica possui ao menos um estabelecimento, tem-se que a identificação completa indica a qual dos estabelecimentos da pessoa jurídica o CNPJ se refere (ex.: 00.000.000/0001-00). Em suma, para fins da legislação tributária vigente, a relação matriz-filial refere-se aos estabelecimentos comerciais ou industriais de uma mesma pessoa jurídica. Frise-se que em nenhum momento a legislação do CNPJ trata matriz e filial como duas pessoas jurídicas distintas, mas somente como dois ou mais estabelecimentos distintos. Cumpre rememorar que a legislação empresarial também não confunde o conceito de pessoa jurídica e o conceito de estabelecimento comercial, conforme se pode notar da leitura dos art. 1.142 e 1.143 do Código Civil, “in verbis”: “Código Civil. Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. “Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direito e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza” Conceitua-se estabelecimento, no âmbito do Direito Empresarial, como complexo de bens destinados ao exercício da atividade empresarial, objeto de relações jurídicas, que não se confunde com o sujeito de relações jurídicas. Já a pessoa jurídica (sujeito), constituída sob a forma de sociedade empresária, é quem dirige a atividade empresarial realizada através do estabelecimento, podendo inclusive aliená-lo (art. 1.143, CC), sem acarretar necessariamente a sua extinção.  A unidade da pessoa jurídica, que engloba a matriz e as filiais, também pode ser corroborada pelo teor do art. 969 do Código Civil, que impõe o dever de o empresário informar à respectiva Junta Comercial a constituição de estabelecimento comercial secundário, “in verbis”: “Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste também deverá inscrevê-la, com a prova da inscrição originária. Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede”. Não se trata de constituir uma nova pessoa jurídica ou conceder aos estabelecimentos secundários personalidade jurídica, mas de registrar uma filial, sucursal ou estabelecimento. Se assim fosse, desnecessária seria a prova da inscrição originária, bem como a menção que a filial também deverá ser inscrita. Ademais, o parágrafo único do art. 969 do Código Civil, não deixa dúvidas que tanto matriz quanto filiais são estabelecimentos, não pessoas jurídicas autônomas ou dotadas de personalidade jurídica própria, pois nomeia a filial como “estabelecimento secundário”, de forma que a matriz constitui “estabelecimento principal” da mesma pessoa jurídica. A rigor, matriz e filial são a mesma pessoa jurídica, sendo o CNPJ o mesmo, apenas com modificação na terminação (Paulsen, 2009, p.31). Assim, seja na legislação tributária, seja na legislação empresarial, o que se verifica é a inexistência de norma legal ou infralegal a atribuir à matriz e filial personalidade jurídica diversa daquela que possui a pessoa jurídica (sociedade empresária) que as instituiu. Pelo contrário, vê-se que a todo instante a legislação trata matriz e filial como de fato são: estabelecimentos comerciais ou industriais (objeto de direito) através dos quais a pessoa jurídica realiza a atividade empresarial. Por outro vértice, não se desconhece o Princípio da Autonomia dos Estabelecimentos, ou o disposto no art. 127, II, do CTN[3], no entanto, nada disso tem o condão de atribuir personalidade jurídica aos estabelecimentos. Com efeito, a norma referida guarda relação com o domicílio tributário a ser selecionado pela Administração Tributária na ausência de eleição pelo contribuinte e com o nascimento da obrigação tributária relativamente a determinados tributos, como o IPI e o ICMS. De fato, nestes tributos, cada estabelecimento – ou filial – é uma unidade independente no sentido de que, nos termos do art. 127, II, do CTN, qualifica-se como domicílio relativamente aos atos e fatos ali ocorridos dos quais decorrerem o surgimento da obrigação tributária, o que não quer dizer que a pessoa jurídica enquanto tal – incluindo todos os seus estabelecimentos – não seja responsável por todos os débitos de suas filiais e que essas filiais, nesta linha, também não o sejam por aqueles da matriz. No caso de contribuições previdenciárias, a Administração Tributária previu a centralização do domicílio no estabelecimento matriz, de forma que somente a Delegacia da Receita Federal da jurisdição da matriz é que terá competência para modificar eventual ato coator em matéria previdenciária. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão de fundo da atribuição, ou não, de personalidade jurídica aos estabelecimentos matriz e filial de uma empresa, com a finalidade de verificar a responsabilidade única pelos débitos tributários desta, no RESP nº 939.262/AM[4] reconheceu que filiais e matriz não possuem personalidade jurídica distintas, compondo, na realidade, um único ente capaz de assumir direitos e obrigações, a pessoa jurídica. Importante citar a decisão no RESP nº 1.355.812-RS[5] em sede de Recurso Repetitivo com força persuasiva especial do Superior Tribunal de Justiça, submetido ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, na qual se firmou que o estabelecimento empresarial não é sujeito de direitos, mas objeto de direito, e que os CNPJ’s das filiais são irrelevantes para a responsabilização patrimonial da devedora como um todo, para fins de bloqueio de ativos financeiros via BACENJUD, bem como para expedição de Certidão Negativa de Débitos. Destarte, não há como fugir da conclusão de que a legislação tributária, à semelhança da civil e da empresarial, trata matriz e filial como apenas como estabelecimentos empresariais, respondendo assim pelos tributos que eventualmente são gerados em razão dos fatos geradores praticados através de seus estabelecimentos matriz e filiais. Em consequência, eventual certidão positiva com efeitos de negativa deverá obediência aos arts. 205 e 206 do CTN, considerando não só o estabelecimento matriz como todas as filiais da parte autora, independente do tipo de atividade que a empresa exerça. Da mesma forma, para fins de verificação da legitimidade da autoridade coatora em mandado de segurança cujo objeto seja matéria previdenciária, merece ser observado que a pessoa jurídica é única, ainda que haja filiais em outras localidades. O princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo preceitua que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes nas relações jurídico tributárias travadas com a Administração Federal, é um instituto de direito material ligado à questão do nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente considerado como o ICMS e o IPI. Em relação às contribuições previdenciárias, considerando que a legislação prevê a centralização da administração e fiscalização de empresa com um todo, pela Unidade descentralizada com jurisdição sobre o domicílio da matriz, somente esta pode ser a autoridade coatora em matéria previdenciária. 7. Conclusão Em se tratando de questionamento acerca de contribuições previdenciárias em sede de mandado de segurança, de extrema relevância a impetração do “mandamus” em face da autoridade coatora que detenha poder de cumprir eventual ordem judicial, especialmente de obrigação de não fazer. De fato, na hipótese de provimento judicial de obrigação de não fazer (não autuar a filial) imposta ao Delegado da Receita Federal da filial, que não tem poder hierárquico sobre a Unidade Descentralizada da RFB com jurisdição fiscal sobre o domicílio da matriz, existe o risco de descumprimento em razão do equívoco no polo passivo. Isso porque a Unidade Descentralizada da RFB da matriz pode desenvolver procedimentos de cobrança e fiscalização previdenciária em face da pessoa jurídica “como um todo”, ainda mais se a mesma não fora apontada como autoridade coatora pelo impetrante. No presente artigo ressaltou-se que a autoridade coatora é aquela que disponha de competência para corrigir o ato impugnado e explanou-se que, conforme as normas de competência da Administração Tributária, em questões previdenciárias, a atuação é centralizada no domicílio do estabelecimento matriz. Por outro viés, fundamentou-se a ilegitimidade mediante o estudo do conceito de personalidade jurídica, verificando-se que a pessoa jurídica (sujeito de direitos) pode ter estabelecimento matriz e estabelecimentos filiais (objetos de direito), com diferentes terminações de CNPJ, mas a lei não atribui aos estabelecimentos personalidade jurídica diversa daquela pessoa jurídica que os instituiu. Por fim, verifica-se que a teoria da autonomia dos estabelecimentos não se aplica às contribuições previdenciárias, merecendo ser reconhecida a ilegitimidade passiva do Chefe da Unidade da Receita Federal da jurisdição do estabelecimento filial, considerando o domicílio centralizador da matriz para fins de contribuições previdenciárias.
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Crise tributária brasileira: apontamentos reflexivos
Existe uma crise em curso no Brasil. E esta é inerente à tributação, com uma vasta gama de dificuldades e absurdos evidentes, a começar pela elevada carga dos tributos e pela sua péssima distribuição, chegando à quase total ausência de retorno social, dentre tantos outros problemas, conhecidos e sofridos pela população como um todo. Desafios de um país que cresce e se desenvolve, mas que carece da prioritária reformulação de seu sistema tributário. Essencial, portanto, a reflexão que o artigo inaugura, principalmente para que a população possa começar a realmente se conscientizar sobre o assunto.
Direito Tributário
1 – Introdução “Taxes are what we pay for civilized society” Oliver Wendell Holmes [1]  Ao Estado é atribuída a missão de organizar e prover a existência em sociedade. Para tanto, revela-se necessário coletar recursos financeiros entre os cidadãos que a compõe. E o meio de se realizar isso recebe o nome de tributação, procedimento em que cada pessoa contribui, no limite de suas posses ou condições, para com o desafio do Poder Público de entregar os serviços e a infraestrutura de que todos precisam para sobreviver. Portanto, na esteira dessa acertada fórmula, e somente de posse do respectivo numerário, podem ocorrer investimentos em saúde, educação, transportes, segurança, previdência, ou seja, é com o que se arrecada que o país prepara e constrói o que lhe é basilar para crescer social e economicamente. Entretanto, existem problemas correlatos a essa elementar função estatal. “Todo imposto é ruim. Por isso chama-se imposto e não voluntário”. A frase é do Ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (GUARACY, 2001, p.99), e traduz uma grande verdade: ninguém gosta de pagar tributos, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Mas há episódios que tornam os deveres tributários no Brasil difíceis de serem cumpridos “de bom grado”, vez que ter parte de sua renda onerada não é bom para quem quer que seja, mas pior sucede quando, ao quitar suas obrigações para com o Fisco, que são diversas e pesadas, não se perceba, a olhos claros, o esperado retorno de tão alto investimento. Qual é a presença estatal sentida pela população face à arrecadação de tributos ao tesouro público? O que destinamos, compulsoriamente, ao Estado de alguma maneira permite a melhora na condição de vida das pessoas? Portanto, ao pensar a respeito de pontos nevrálgicos como esses, é que se tem a certeza de que algo não vai muito bem. Estanque, pouco funcional, complicada, hermética, extensa, geradora de discórdias e obsoleta, a legislação tributária segue retilínea em sua insólita verborragia, servindo unicamente ao propósito de funcionar como amarra ao desenvolvimento, retirando do país as preciosas eficiência e competitividade, exigidas pelo capitalismo de uma pós-modernidade globalizada. Logo, o artigo em voga ergue a bandeira da luta por um futuro mais justo, enaltecendo a importância de uma providencial reestruturação das atividades estatais nessa seara. Perseguindo esse propósito, não pode jamais faltar a vontade em enfrentar os problemas. Daí que um dos flancos de batalha é o correlacionado ao aperfeiçoamento e a simplificação do aparato jurídico-tributário empregado no dia a dia do contribuinte. A essa proposta de diálogo se juntaram esforços no sentido de estudar as causas e as eventuais consequências, analisando criticamente os fatos, de modo a instigar o debate e fomentar a possível transformação fiscal. Nesse ínterim, como desde o título restou frisado, é por intermédio de apontamentos didático-científicos, aonde se parte da concretude das dificuldades enfrentadas cotidianamente por todos nós, que o presente texto estimula essa reflexão. É o que se acredita. É o que se almeja. É o que nos propomos a desvendar nas páginas seguintes.  2 – Sistema tributário regressivo e carga mal distribuída Em qualquer sistema tributário que se preze, paga mais quem pode mais. Isso é evidente, e é o que se chama “progressividade”. No Brasil a excentricidade é tamanha que a lógica é outra, ou, dizendo de outra forma, é completamente invertida: quanto mais pobre, mais tributado o cidadão o é. E essa é a mais simplória explicação que podemos fornecer acerca do perverso fenômeno denominado “regressividade tributária”. O nosso país é uma das maiores economias do mundo, no entanto possui uma gritante concentração de renda. Em 2009, 1% dos mais ricos da população brasileira detinham 12,6% da renda domiciliar, ao passo que os 50% mais pobres detinham apenas 17,5%. Nesse mesmo ano, 28,7% dos domicílios viviam em situação de pobreza. Essa disparidade distributiva permanece imutável ao longo das décadas e governos, independentemente dos esforços políticos em minimizá-la (RIBEIRO; LUCHIEZI JÚNIOR; MENDONÇA , 2011, p.10-11). Comprovada tamanha incoerência, a “injustiça fiscal” aqui experimentada acompanha a concentração de riquezas, chegando a transparecer em dados como os que apontam que: a) em 2002/2003, os 10% mais pobres pagavam 32,8% de seus ganhos com tributos, e os 10% mais ricos sofriam uma carga de apenas 22,7% (BRASIL, 2009, p.27); e b) em 2009, as pessoas que ganhavam até dois salários mínimos gastavam 53,9% de sua renda no pagamento de tributos, ao passo que, na faixa salarial entre dois e três salários mínimos, o percentual caia para 41,9%, indo, para aqueles que tinham de três a cinco salários mínimos mensais, aos 37,4%, até que chegamos àquelas que tinham renda superior a trinta salários mínimos, as quais arcavam com apenas 29% (MARTINS, 2009, p.64). Várias são as causas dessa situação. Porém observa-se que, ao se decompor o peso fiscal, consoante sua incidência direta e indireta sobre a renda, nota-se claramente que os ditos tributos diretos aumentam, e muito, de relevância na medida em que a renda familiar se eleva. Biderman e Avarte (2004) chegam a asseverar a distância entre a legislação e a prática, uma vez que oficialmente, o Brasil tem um sistema tributário progressivo, mas a realidade é outra, havendo consenso geral de que este é sim inteiramente regressivo e potencialmente maléfico ao desenvolvimento nacional (BRASIL, 2009). Todavia, alterado esse panorama, com a correção das distorções e a adoção de um sistema que pudesse traduzir uma verdadeira justiça fiscal, com a progressividade necessária a liberar os assalariados de baixa renda e a tributar aqueles que detêm maior capacidade contributiva, poderíamos assistir a ampliação do mercado interno, com inclusão social e incentivo aos setores produtivos. Ou seja, corrigida a regressividade, a renda disponível para quem mais precisa reverterá em aumento no consumo de bens e serviços e, por conseguinte, no almejado desenvolvimento econômico (CARDOSO JÚNIOR, 2009).  3 – Retorno social baixo em relação à alta carga tributária Podemos dizer que o conceito econômico de carga tributária é “o quociente entre a receita tributária total e o valor do Produto Interno Bruto (PIB) do país, em determinado exercício fiscal. Representa a parcela de recursos retirados compulsoriamente dos indivíduos e empresas pelo Estado para financiar o conjunto das atividades do governo” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2011, p.26). É cada um de nós que mantém o Estado funcionando. Os tributos que pagamos, quer direta ou indiretamente falando, sustentam o edifício do poder. E, concebido certo nível de benefício, é consenso de que o sistema tributário de um país deve ter o menor efeito possível sobre a sociedade. Nesse ínterim, a colocação de Jean Baptiste Colbert, ministro das finanças de Luís XIV, vem a calhar: “A arte da tributação consiste em retirar as penas do ganso com o mínimo de dor” (LIMA, 1999, p.5-6). Mas, aparentemente, não dominamos essa lição, de modo que a carga tributária brasileira se assemelha à de países desenvolvidos, cuja população tem alta renda. Porém, um detalhe chama a atenção: nosso país destoa das nações ricas no tocante ao atendimento das expectativas e das necessidades que o cidadão contribuinte tem, face aos recursos que o Estado lhe retira, sendo notória a baixa qualidade dos serviços públicos prestados. Não há a devida compensação. “O retorno social em relação à carga tributária é considerado baixo porque dos 33,8% do PIB auferidos em 2005 apenas 9,5% do produto retornaram à sociedade na forma de investimentos públicos em educação (4,4%), saúde (3,5%), segurança pública (1,2%) e habitação e saneamento (0,4%)” (BRASIL, 2009, p.30). E, novamente, é a população menos favorecida economicamente a que mais padece, pois a contrapartida do peso tributário que sofre, quando em comparação com as classes mais ricas, é bastante reduzida. Justamente a faixa da sociedade que mais precisa da guarida do poder público. Os investimentos em saúde, educação, segurança, só para citar alguns dos ditos serviços essenciais, não crescem proporcionalmente ao esforço desprendido pelos mais pobres em pagar os tributos. Portanto, o prejuízo para quem realmente precisa é duplo: primeiro porque arca com uma carga maior a se abater sobre sua parca renda, dada a regressividade do sistema, e, em segundo lugar, porque, ao custear o Estado, este falha na prestação de um serviço público de qualidade, o qual aquela família, pela carência de recursos, não pode prescindir. Dessa maneira, diremos, sem receio nenhum, que o que acontece no Brasil, em matéria de tributação, é um crime contra os mais humildes, uma grave afronta aos direitos inerentes à cidadania. “A grande maioria da população também acredita que o volume atual dos tributos arrecada­dos é suficiente para que o governo melhore a qualidade do serviço público. Dos entrevista­dos, 82% concordam total ou parcialmente com a afirmação “O governo já arrecada muito e não precisa aumentar mais os impostos para melhorar os serviços públicos”. A população brasileira considera a carga tributária demasiadamente pesada no País. Para 87% dos entrevistados, os impostos são “elevados” ou “muito elevados” e apenas 7% consi­deram o valor “adequado”. Esse percentual aumenta significativamente para faixas de renda e de escolaridade mais altas. Na faixa mais elevada de renda familiar (acima 10 de salários mínimos), 97% dos entrevistados consideram os impostos “muito elevados” ou “elevados” e apenas 2% os con­sideram “adequados”. Além de questionados sobre a carga tributária atual, os entrevistados também foram inda­gados a respeito da evolução dos impostos no Brasil nos últimos anos. Para 79%, há a per­cepção de que os impostos “aumentaram muito” ou “aumentaram um pouco”; 12% acham que eles “nem aumentaram, nem diminuíram”. Apenas 3% acham que os impostos “dimi­nuíram um pouco” e nenhum entrevistado optou por “diminuiu muito”. Como visto anteriormente, a maioria dos brasileiros acredita que o governo já arrecada mui­to e não precisa aumentar mais os impostos para melhorar os serviços públicos. Defronta­dos com a frase “A baixa qualidade dos serviços de saúde deve-se mais à má-utilização dos recursos públicos do que à falta deles”, 63% dos entrevistados “concordam totalmente” com a afirmação e 18% “concordam em parte”. Apenas 9% dos entrevistados discordam, em parte ou totalmente, dessa afirmação” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2011, p.11-19). Giambiagi e Além (2008), e também o escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, CEPAL, da Organização das Nações Unidas (2010), observam que a carga tributária brasileira, em comparação com outros países da América Latina, é alta, visto que a média da região é de somente 18%. Na consideração com o resto do planeta, estamos em uma linha intermediária. As maiores cargas são as do continente europeu, as quais, em casos pontuais, como o da Dinamarca e o da Suécia, ultrapassam os 50% do PIB. No oriente, a mais elevada é a do Japão, a qual é da ordem de 26%. Entretanto, quando são adicionados os componentes da renda per capita e da destinação de recursos a esse complicado cálculo, denota-se que a carga tributária brasileira, na comparação com a experiência internacional, é tradução de injustiças e extremamente desproporcional. Pois, sinalizando que o Estado é grande e custoso, uma pressão tributária a “roubar” em torno de 35% do PIB anualmente[2] (desde meados dos anos 1990, a carga tributária tem subido, em média, 1 ponto percentual do PIB todo ano), não reflete em infraestrutura de transportes, em serviços públicos acessíveis, e em quantidade e qualidade satisfatórias, em planejamento e correta gestão de gastos, em respeito ao contribuinte. De forma que pagamos tributos como se estivéssemos num país escandinavo, e temos de volta uma presença estatal mínima, tal como alguma nação paupérrima da África. Além do que, tamanha carga é muito dependente de impostos e contribuições que recaem sobre a produção e a circulação de bens e serviços, atravancando o desenvolvimento nacional e onerando indiretamente a iniciativa privada e a população, o que gera distorções incorrigíveis no sistema e tornam caros, em demasia, o crédito e os preciosos investimentos sociais.  4 – Inadequação do pacto federativo O Brasil é formado por 26 Estados, mais de 5.000 municípios e um distrito federal. Biderman e Avarte (2004), no entanto, colocam que, dadas essas condições diferenciadas, afora as especificidades de cada um dos seus componentes, a nossa organização federativa é problemática, sendo difícil a implementação de um modelo de sistema tributário que possa ser tido como ideal, uma vez que nenhum ente irá apoiar ou efetivar mudanças se houverem perdas de receitas ou deslocamento de custos ou competências, e nenhum setor econômico aceitará maiores aumentos na carga que já suporta sem que expresse reações negativas ou adote posturas contrárias. Em suma, nosso país tem problemas de três ordens em sua órbita federativa, a saber: a) “conflitos de interesses” entre o poder público, visando maiores fontes de recursos para seus cofres, e a iniciativa privada, que quer desonerações, as quais permitam maior eficiência e competitividade; b) choque entre as próprias esferas de governo, a caracterizar um “embate vertical”, com União, estados e municípios se digladiando entre si mesmos, num inequívoco processo autofágico por mais repartição de receitas e por menos encargos; e c) desentendimentos nas variadas regiões de um idêntico nível de governo, o chamado “conflito horizontal”, a exemplo do que acontece com o ICMS, e a famigerada oposição e autofagia entre estados produtores e consumidores, além da propagada “guerra fiscal”, impulsionada na busca pela fixação de indústrias e pela maior arrecadação desse imposto. Logo, qualquer reforma tributária imaginável tem que rever o pacto estabelecido entre os entes federados, objetivando formas de administrar e de vencer essas desordens estruturais. Ainda dentro da complexidade da federação brasileira, podemos listar que a falta de clareza quanto às atribuições de cada estado e município, a partir de 1988, tem compelido ao aparecimento de dificuldades nos serviços de saúde e educação. A transferência de despesas sociais veio a ocasionar distorções no atendimento das demandas, face à limitação de receitas e à superposição de interesses (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). Descentralizaram-se atribuições sem que se pensasse se as políticas públicas seriam hábeis e teriam a accountability adequada, gerando heterogeneidades entre os municípios e os estados, num ambiente em que faltam instrumentos eficazes de coordenação e cooperação intergovernamental. A suposta “coparticipação” reverbera mais como figura ilustrativa, pois a Constituição Federal disciplina que as três esferas federais podem e devem oferecer o acesso à educação, podem e devem financiar a educação, podem ou não atuar nas diversas áreas da educação. “Resultado: não existe uma instância do poder público que seja responsável (e responsabilizável) pela oferta (ou não) de ensino fundamental. Cada instância faz o que pode e o que quer, supostamente em regime de colaboração” (CUNHA, 2010, p.203). Para rematar, o desafio do modelo de Estado brasileiro envolve o respeito, duplamente considerado, à autonomia dos entes a compor a federação e à soberania da União, numa perspectiva de agregar valores e ações, em perfeita coordenação dos instrumentos fiscais predispostos a cada um destes, na exata medida de sua participação e relevância. 5 – Estrutura tributária desincentivadora das atividades produtivas Sondagem da CNI (Confederação Nacional da Indústria) revelou que “grande parte das empresas brasileiras considera que o sistema tributário brasileiro tem viés anti-crescimento e reduz a competitividade de nossos produtos” (BRASIL, 2009, p.33). A referida pesquisa escancarou alguns dos dilemas enfrentados pela iniciativa privada, onde o “grande número de tributos” (76%), “tributos cumulativos ou em cascata” (57%), “tributação sobre a folha de pagamento” (44%), “complexidade ou excesso de burocracia” (41%), “carga tributária desigual entre os setores” (34%), foram os principais problemas listados pelas empresas consultadas (BRASIL, 2009, p.33). Quando o desenvolvimento de uma nação torna-se expressão de crescimento econômico, e a partir do momento em que atores privados são reconhecidos, e devidamente respeitados, como basilares à produção da riqueza nacional, a orientação de qualquer governo que se preze, até por uma questão de sobrevivência, face à globalização, à proposta de Estado mínimo e à autorregulação dos mercados, deve ser no sentido de estímulo, ou de não obstaculização, do ciclo de prosperidade. Nesse ínterim, firma-se um sustentáculo de fomento a atitudes positivas, as quais desembocam na ampliação do parque industrial, na expansão dos negócios, na potencialização dos lucros, na valoração do comércio internacional, na geração de emprego e renda, na circulação monetária, no aumento da arrecadação de tributos (devido a uma maior formalização das atividades e por incremento no contingente de contribuintes), e no importantíssimo retorno social, pronto e adequado, pois, afinal, o maior ingresso de receitas permitiria a adequação dos serviços públicos e a satisfação direta das necessidades da coletividade, com a eliminação de eventuais disparidades. Essa seria a maneira acertada de um Estado conduzir suas políticas orçamentária, fiscal e tributária, contudo, não é o que se assiste por aqui. A complexidade do sistema tributário de nosso país, consoante Amaral, Olenike e Viggiano (2008), é espantosa e surge na constatação de que: a) são 61 tributos cobrados; b) existem mais de 3.200 normas a reger o sistema tributário, e outras 300 são editadas todos os anos; c) em virtude das 97 obrigações acessórias (declarações, formulários, guias de recolhimento, tempo despendido no pagamento dos valores, manutenção de livros etc.), as quais uma empresa deve cumprir em termos de burocracia para estar em dia com o Fisco, 1,5% de seu faturamento é sumariamente perdido, a um custo de R$ 35 bilhões anuais.  Só para que se tenha uma ideia, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (AMARAL, OLENIKE e VIGGIANO, 2008, p.2) ainda aponta que as “deformações tributárias elevam a carga tributária brasileira em 2,03 pontos percentuais e arrecadam R$ 52 bilhões indevidamente”. Portanto, a tributação, tal como se encontra, não condiz com a fórmula que o Brasil deveria seguir para que viesse a se industrializar e a crescer economicamente. Outros dados chamam ainda mais a atenção. Para a Confederação Nacional da Indústria (2010), os tributos que incidem diretamente sobre uma empresa tendem a majorar, exponencialmente, o custo total de qualquer projeto, a exemplo do IPI (representado 8,3% do investimento total), do ICMS (8,17%), do Imposto de Importação (6,2%), da Cofins (3,95%), do ISS (1%) e do PIS (0,8%). Também o grande número de tributos, a coexistência de diferentes métodos de apuração, e a profusão legislativa acerca das regras, exceções e deveres, tornam o mero recolhimento do que é devido uma empreitada de alto custo. Mas isso não é tudo, haja vista que tamanha “confusão” ocasiona incertezas e inseguranças jurídicas, de modo que o aporte de capital para que, por exemplo, uma indústria venha a se instalar ou expandir, torna-se oneroso demais. Nas empresas de capital aberto, os atos necessários para quitar os tributos devidos corespondem a 0,75% do valor adicionado das mesmas, significando uma despesa da ordem de R$ 23,6 bilhões anuais. “Além de serem extremamente elevados, os custos de conformidade afetam de forma mais significativa as empresas menores. Segundo o estudo, o percentual chega a 5,8% do valor adicionado nas empresas com receita bruta anual de ate R$ 100 milhões. Nas empresas com receita bruta anual superior a R$ 5,0 bilhões, ele e de 0,24%” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81). Para o Banco Mundial (“Doing Business”, 2010, apud, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p. 81), o pagamento de tributos, no nosso país, toma 2.600 horas/ano[3] de uma empresa. Essa mesma levaria apenas 385 horas/ano para recolher seus tributos na média da América Latina e somente 194 horas/ano na média dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE. Em outras palavras, a empresa brasileira é penalizada em excesso, precisando trabalhar 13 vezes mais para manter seus tributos em dia, contrariamente ao que sucede em um país desenvolvido. “Entre as 183 economias pesquisadas em 2010, o Brasil aparece na 150ª posição entre os países onde mais se gasta tempo para pagar tributos, tendo recuado 4 posições em relação ao estudo de 2009” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81). E o mais incrível é constatar que o Estado é uma das vítimas das situações absurdas que ele próprio acaba criando. Um ambiente tributário desfavorável à indústria e ao comércio, não apenas estrangula as vias normais de desenvolvimento, mas igualmente inviabiliza algumas das funções típicas da Administração Pública. Fato é que o gasto com a fiscalização e a arrecadação de tributos federais equivaleu, em 2009, a 1,35% de tudo que a União carreou para seus cofres, ou 0,4% do PIB, uma cifra que girou em torno de R$ 11,3 bilhões (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81-82). A cumulatividade de alguns tributos, ao longo da cadeia produtiva, é outro entrave para que a indústria e o comércio venham a crescer e a realizar investimentos. “O Ministério da Fazenda estimou em pelo menos 2% do PIB a incidência cumulativa remanescente na economia brasileira” (SENADO FEDERAL, 2010, p.31). Esses impostos cumulativos, vulgarmente denominados “impostos em cascata”, abrangem todos os estágios do processo produtivo, e, dependendo do grau desse efeito, tal cobrança acaba sendo, de uma maneira ou de outra, repassada ao consumidor final (BIDERMAN; AVARTE, 2004). Podemos dar dois exemplos dessa prática: a) não adianta de nada isentar o pão de tributos se forem aumentados aqueles cobrados da farinha, e estes não acabarem por ser devolvidos; b) se um veículo, ao ser exportado, tem o referido imposto isentado, não surtirá efeito a renúncia fiscal, pois antes será preciso restituir o que fora cobrado do aço, do motor, e de outros componentes empregados em sua fabricação (SENADO FEDERAL, 2010, p.31). “Portanto, um imposto em cascata, implementado à alíquota de 10%, quando existem apenas três estágios no processo de produção e distribuição, equivale a um imposto cuja alíquota é [de] 33%, portanto mais de três vezes a alíquota inicial” (BIDERMAN; AVARTE, 2004, p.190). Nesse diapasão, o peso dos tributos cumulativos sobre o consumo tornam todo o sistema ainda mais regressivo e essencialmente custoso. Não podemos nos furtar de abordar dois outros flancos dessa inglória batalha: a informalização da economia e a sonegação fiscal. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, da Presidência da República, no estudo denominado “Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional” (BRASIL, 2009, p.30), aponta que, consoante o IBGE, em 2005, aproximadamente 8,7% do PIB foram gerados por unidades produtivas informais. “Segundo os mesmos dados, cerca de 58,8% das ocupações da economia brasileira corresponderam a ocupações sem vínculo formal, ou seja, trabalhadores sem carteira assinada, ocupações por conta própria, empregadores de unidades informais e trabalhadores não remunerados” (BRASIL, 2009, p.30). Obviamente que a pessoa, dentro dessa perspectiva, ao ponderar sobre os custos para abrir um negócio próprio ou para registrar e arcar com os direitos de um funcionário, buscará o melhor para si, o que desloca parte do capital produtivo nacional para um perigoso e sombrio espaço, fora das amarras e do controle governamental, e que não aparece em estatísticas oficiais. E isso é sério, pois, segundo estimativas, apenas quanto ao Imposto de Renda Pessoa Física, a evasão e/ou elisão fiscal atinge 80% das famílias cujas rendas principais são oriundas do trabalho por conta própria ou da atividade empresarial irregular (BRASIL, 2009, p.30). Quer dizer, a pessoa, ao não regularizar sua situação para com o Estado, ocasiona a queda na arrecadação direta do sistema, o que reflete negativamente na receita disponível para investimentos em serviços essenciais e na infraestrutura básica, o que, por consequência, ocasiona a tributação indireta e o declínio econômico. Concluindo esse ponto, vamos reiterar o que disse o juiz John Marshall, em 1819: “O poder de tributar é, sem dúvida alguma, o poder de destruir” (PAULA, 2009, p.38). Tornar as atividades industriais e comerciais inviáveis por custos elevados relacionados a um sistema tributário falho é um erro estratégico dos mais grosseiros que nosso país precisa urgentemente corrigir. Dessa maneira se reclama que sejam retirados os empecilhos ao desenvolvimento econômico, com a acertada reforma e gestão do aparato fiscal, impulsionando a necessária e preciosa transformação do Brasil em uma nação do primeiro mundo.  6 – Ausência de cidadania tributária  Cidadania tributária significa a “conscientização do cidadão para o fato de que a necessária arrecadação de tributos deve reverter-se em benefícios que cumpram o papel de atender às necessidades da coletividade, reduzindo distâncias sociais” (BRASIL, 2009, p.39). De posse dessa conceituação, afirmaremos que, no Brasil, a população desconhece, quase que totalmente, o quanto paga em tributos e qual o percentual de sua renda que é mensalmente retirada para esse fim, tampouco entende como o Estado se mantém e se faz sentir, inexistindo vontade em se buscar apreender como está estruturado ou como funciona o sistema tributário nacional, bem como a Administração Fazendária. Além disso, outro aspecto pouco debatido é a quase ausência de controle social, o qual transparece na fiscalização deficitária, por parte do cidadão contribuinte, do processo orçamentário e da destinação das receitas públicas. Logo, configura-se como prejudicial aos preceitos da cidadania a inacessibilidade a informações, transparentes e simples, aptas a gerar e aprimorar, no seio de cada indivíduo, a oportuna reflexão sobre as injustiças tributárias, até para que se possa reivindicar direitos e lutar por um país menos desigual e mais justo. “Aliás, não seria demais afirmar que quase todas as revoluções, no Brasil e no mundo, tiveram origem em questões tributárias. Isso é claro: o abuso de poder de tributar ofende diretamente dois dos valores mais caros ao homem: liberdade e propriedade” (AMARAL, 2010, p.11). Daí exsurge que o pleno domínio dos aspectos mais intrínsecos e relevantes a respeito da tributação, e de seus efeitos no dia-a-dia, pode vir a alterar para melhor as feições díspares que vemos atualmente. “A área tributária é, seguramente, uma das mais sensíveis a essa questão, pois ela é que retira os recursos da sociedade, tornando-se a interlocutora fundamental do processo de cidadania fiscal” (VASCONCELOS, 2002, p.14). E as distorções na cobrança e na arrecadação dos tributos assumem papel dúbio tanto de causa como de consequência dessa verdadeira ignorância por parte da população. Explica-se. Ao comprar um bem ou contratar um serviço, ao ter um trabalho ou exercer uma profissão, ao realizar movimentações financeiras, dentre outras muitas atividades corriqueiras, a pessoa, quer direta ou indiretamente, contribui para o Estado, mas não sabe o quanto isso representa, nem quais os tributos incidentes, tampouco como o Fisco age para levar tais recursos para o tesouro público, ou, pior ainda, não tem ciência sequer de qual a esfera de governo beneficiada. Desse modo, a falta de visibilidade, resultado da vasta gama de tributos, da enorme quantidade de leis, da miríade de alíquotas e dos regimes de apuração e de cobrança distintos, agravam sobremaneira o problema. Chama a atenção que a falta de transparência é a mãe da regressividade, da elevada carga tributária, da injustiça social e da inadequação do sistema tributário do País. “Reformar esta estrutura deve começar por transformar consumidores-pagadores em cidadãos-cobradores” (SENADO FEDERAL, 2010, p.32). Nas exatas palavras de Ronald Reagan: “O contribuinte é alguém que trabalha para o governo federal, mas não precisa prestar concurso para a administração pública” (BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.623). Por conseguinte, mudar essa situação, propiciando a redefinição do que se compreende por cidadania na relação entre Estado e contribuintes, não deve ser apenas mais uma meta, perdida dentre muitas outras, mas deve sim representar a própria alma a lastrear uma futura insurreição em matize tributária. A sociedade brasileira clama por isso, e já não é sem tempo chegada a hora de se pensar no elemento humano por trás da manutenção da receita pública. Aceitemos ou não, esses são os fatos, e teremos que deixar de lado tamanha hipocrisia se quisermos evoluir. 7 – Sistema tributário ideal Dois termos estão no centro de quaisquer discussões em torno das frequentes propostas de reforma tributária: “equidade” e “eficiência”. Consoante Biderman e Avarte (2004), a dificuldade em encontrar o “desenho tributário ótimo” pode ser visto como equivalente ao de identificar a melhor combinação entre esses objetivos. Especificamente, o Estado busca arrecadar e distribuir recursos sem a ocorrência de perdas ou distorções, com o menor custo possível, ao mesmo tempo em que o cidadão contribuinte merece ter seus direitos respeitados e anseia ser dignamente tratado, arcando tão somente com o que pode pagar, e em nível de igualdade para com os demais integrantes da sociedade. Dessa forma, viabilizar a solução para tamanho dilema existencial é o que interessa, pois, em uma configuração próxima de ser classificada como perfeita, “equidade” e “eficiência” haverão de conviver sob uma mesma base. Na obra “A riqueza das nações”, publicada em 1776, Adam Smith determina quatro diretrizes fundamentais, as quais deveriam nortear a construção de qualquer aparato tributário, e são elas: a) a “capacidade contributiva” [4], onde cada pessoa terá uma parcela de sua renda retirada, em correta e imparcial proporção, quando necessário, velando-se, em tal contribuição, pela “verticalidade”, a qual diz respeito ao maior pagamento pelos que estão em maiores condições de pagar, e pela “horizontalidade”, que abrange o tratamento igualitário aos que estão em idêntica situação; b) “regras claras”[5] para fixação dos tributos, prevenindo-se arbitrariedades, por intermédio da discriminação do valor e da forma de pagamento, de maneira a permitir que o contribuinte se programe e tenha, antecipadamente, os meios de se defender, característica essa que se exprime em simplicidade na tributação; c) “conveniência para o contribuinte”[6], de modo que, conforme tal desígnio, os tributos devem a ser cobrados no momento em que os indivíduos estão de posse dos recursos para pagá-los; e, finalmente, d) “menor custo”[7] para o contribuinte, zelando pela manutenção do fluxo de receita e pelo desenvolvimento nacional (LIMA, 1999; BIDERMAN; AVARTE, 2004). Basta, após essa leitura, ponderarmos como cada um dos pontos supralistados no parágrafo acima se encaixa perfeitamente nos problemas vivenciados no Brasil, e, também, nas propostas de mudanças no âmbito tributário, restando, tão somente indagar se, passados mais de dois séculos de tão válida construção teórica, em algum momento, aprendemos o que é, para que se destina e como deve ser efetivado um sistema tributário justo e equânime? Ou será que persistiremos por mais algum tempo com a multiplicação exponencial de nossos erros e equívocos, a prejudicar severamente todo um país? Como já ensinou Rudolf Von Ihering: “Mas, se só chegamos a compreender as lições da história quando já é tarde, a culpa é nossa; não é por causa da história que não as percebemos em tempo, pois ela nos ensina de forma clara e inconfundível” (IHERING, 2000, p.77). 8 – Considerações finais  Ao epílogo do artigo, remeteremos, novamente, a Adam Smith, agora em seu “Essays on Philosophical Subjects”, de 1755, onde aparece a ilustre máxima: “Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e uma tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas” (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2002, p.83). Sem sombra de dúvidas, em nosso país, não podemos deixar de ter em mente que resta muito por fazer em sede tributária, haja vista as incorreções e desigualdades de algo que não atende as necessidades do Estado e, muito menos, aos pleitos da sociedade. Mencionar as expressões “cidadania tributária” e “justiça fiscal” não pode, de maneira alguma, significar discurso vazio ou ausente de sentido. Se a população padece com altos tributos e com o fenômeno da regressividade, se o Estado devolve a coletividade serviços públicos pífios e incipientes, se a indústria nacional é indevida e demasiadamente onerada, se a Administração Fazendária pode fazer pouco para arrecadar mais, se não existe planejamento algum, e se o crescimento econômico e o desenvolvimento foram esquecidos, não nos cabe sequer pensar em desistir de reclamar e de lutar por um amanhã mais digno. Como diria Geir Campos, a tarefa reside em: “Morder o fruto amargo e não cuspir mas avisar aos outros quanto é amargo, cumprir o trato injusto e não falhar mas avisar aos outros quanto é injusto, sofrer o esquema falso e não ceder mas avisar aos outros quanto é falso; dizer também que são coisas mutáveis… E quando em muitos a noção pulsar – do amargo e injusto e falso por mudar- então confiar à gente exausta o plano de um mundo novo e muito mais humano” (CAMPOS, 2013, p.89). O estudo “Brasil 2022” arquiteta que, ao completar 200 anos de independência, em nosso país, “o sistema tributário cumprirá sua função de forma progressiva, fazendo com que a contribuição de cada um corresponda à sua capacidade econômica. O Brasil em 2022 terá deixado de ser um dos países mais desiguais do mundo” (BRASIL, 2010, P.59). Temos ainda nove anos. Portanto, é das cinzas de um sistema tributário falido que haverá de renascer uma nova nação, mais rica, mais forte, mais justa, e, porque não, mais equitativa e eficientemente tributada. Temos de acreditar, ou será que esse é apenas um sonho?
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A verdade material como diretriz do processo administrativo fiscal
o presente artigo pretende elucidar algumas questões que tangenciam o processo administrativo fiscal, bem como os princípios que lhe são peculiares. No desenvolver das ideias, supera-se a dicotomia meramente doutrinária que alguns autores abordam em relação ao processo e o procedimento, principalmente na seara do contencioso tributário.
Direito Tributário
1 Introdução Como amplamente debatido, apesar de existir extensa doutrina pátria divagando sobre as diferenças entre processo e procedimento, em termos práticos esta questão não nos parece ainda relevante. Paulo de Barros Carvalho (2011) enfrenta a questão com a clareza que lhe é peculiar, admitindo a distinção entre os dois institutos. De acordo com o autor: “De fato, ‘processo’, nos domínios do Direito, é o nome que se dá ao instrumento de composição de litígios, ou ao complexo de atos e termos voltados à aplicação do direito positivo a uma situação controvertida. […]. A figura do ‘processo’ está jungida ao campo da jurisdição, em que se pressupõe a existência de um órgão estatal, independente e imparcial, credenciado a compor conflitos de interesse, de maneira peremptória e satisfativa.” (CARVALHO 2011). Mais a frente, no artigo intitulado “Segurança jurídica no novo CARF” o mestre ensina: “Estamos em crer que é imperiosa a distinção entre processo e procedimento. Reservemos o primeiro termo, efetivamente, à composição de litígios que se opera no plano da atividade jurisdicional do Estado, par a que signifique a controvérsia desenvolvida perante os órgãos do Poder Judiciário. Procedimento, embora sirva para nominar também a conjugação de atos e termos harmonizados na ambitude da relação processual, deve ser o último étimo apropriado para referir a discussão que tem curso na esfera administrativa. Firmadas estas premissas, é lícito deduzir que a locução adequada para aludirmos à impugnação de atos administrativos, junto à própria Administração, no que tange à matéria tributária, é ‘procedimento administrativo tributário’, ao contrário do que faz supor o título do presente trabalho.” (CARVALHO 2011).  Por mais brilhante que sejam as explanações do autor, como dito alhures, tecnicismos doutrinários, nesta seara, trarão poucos benefícios ao presente estudo. É certo que há consideráveis divergências quanto ao monopólio da jurisdição: se concentrada única e exclusivamente nas mãos do Poder Judiciário frente à atuação da Administração Pública nos processos administrativos e também quanto à arbitragem, modalidade cada vez mais adotada diante da complexidade das relações jurídicas. Aqui não cabe esmiuçado debate sobre o temário, que requer delongadas elucubrações, além de fugir do objeto da presente análise. Contudo, feita breve introdução, há que se considerar o poder das autoridades administrativas de proferirem decisões quando provocadas, no seio do processo administrativo fiscal, mesmo que estas não sejam dotadas de definitividade. 2 Processo administrativo tributário (breves apontamentos)  O processo (ou procedimento, para alguns) administrativo tributário inicia-se com a impugnação tempestiva do sujeito passivo (seja ele contribuinte ou responsável, a depender do caso concreto) ao ato de lançamento realizado pela autoridade do ente tributante competente para instituição da exação. Da leitura das considerações feitas pela professora Andréa Medrado Darzé (2014), em artigo intitulado “Preclusão da prova no processo administrativo tributário: um falso problema”, uma passagem, a nosso ver, é bastante feliz e retrata de modo cristalino a finalidade do processo administrativo tributário. De acordo com a autora: “Neste ponto, vale ressaltar que, diferentemente do que se verifica no processo judicial, a principal finalidade do processo administrativo tributário não é solucionar conflitos de interesses entre particular e o Poder Público, ainda que o faça mediatamente. Sua razão é controlar a legalidade dos atos de constituição do crédito tributário.” (DARZÉ, 2014) Além da finalidade delineada pela autora, a nosso sentir, respaldado nos ensinamentos do Mestre Geraldo Ataliba, o processo administrativo fiscal tem por escopo, senão principal, mas de extremada relevância, o “desafogamento” do Judiciário, já abarrotado com demandas das mais diversas espécies. Por isso, apregoa-se com tanta veemência, a necessidade do processo administrativo fiscal transcorrer sem excesso de formalismo, respeitando os princípios da celeridade e eficiência, norteadores, pelo menos em tese, da atividade administrativa. Não resta dúvida quanto à aplicação do Código de Processo Civil no âmbito administrativo, porém apenas de forma subsidiária, somente em casos omissos, pois o processo administrativo fiscal, espécie do gênero processo administrativo, contem princípios e regras próprias, que norteiam as partes demandantes, até prolação da decisão final. A estrita legalidade é parâmetro máximo do Direito Tributário como um todo, não sendo diferente na seara do processo administrativo tributário. Assim, o desenrolar dos atos devem, desde o lançamento (CTN artigo 142), aterem-se a lei. Dúvida não há quanto à sujeição do processo administrativo fiscal ao devido processo legal, princípio basilar do Estado Democrático de Direito, expressamente positivado na Carta Magna de 1988, mais precisamente no artigo 5º, LIV. Decorrentes de tal princípio, a ampla defesa e o contraditório são garantias processuais asseguradas constitucionalmente às partes, que legitimam o procedimento. No entendimento de Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2011), o devido processo legal compreende o direito de oitiva das partes, ampla publicidade dos atos procedimentais, informalismo, bem como o amplo direito de produção de provas, claro, dentro do limites legais. Quanto à dilação probatória, especificidade inerente ao processo administrativo fiscal é de competência da autoridade administrativa julgadora produzir prova por iniciativa própria, em detrimento as partes. O informalismo nada mais é do que o respeito à verdade material, de modo a beneficiar o administrado, desembaraçando o procedimento e despindo-o de formalidades, em prol do contribuinte. É defeso a Fazenda Pública valer-se do princípio em comento, já que sua atividade é plenamente vinculada à lei. Aqui não se descarta por óbvio, as transações administrativas ex lege, cuja leitura do livro “Transações Administrativas” do Professor Onofre Alves Batista Júnior (2007) torna-se imprescindível. 3 A verdade material como princípio máximo do processo administrativo fiscal Grandes doutrinadores pontuam que o processo administrativo tributário visa a busca da verdade material, aquela cujas diretrizes são os fatos que realmente ocorreram no mundo fenomênico, conquanto que o processo judicial, não só de natureza tributária, acaba por prevalecer a verdade formal, limitada aos documentos que instruem os autos. Assim, no contencioso administrativo fiscal deve-se afastar a formalidade processual probatória, típica do contencioso judicial, em nome da verdade material. Logo, dentro do processo administrativo lato senso, a autoridade administrativa tem maior liberdade na colheita e produção de provas. Mais uma vez: no processo administrativo fiscal prepondera a verdade material. Em apertada síntese, conforme preleciona a Lei 9.784/99, o Decreto nº 70.235/72 e o Decreto 7.574/11, arcabouço jurídico do processo administrativo, dentre eles o fiscal, é conferido à autoridade administrativa julgadora amplas prerrogativas de investigação dos fatos, através do impulso oficial e da iniciativa probatória do “juiz”, de modo a sempre buscar a verdade material da demanda levada a apreciação. Desatrela-se, deste modo, o julgador das provas constantes apenas nos autos. Pelo princípio da oficialidade o trâmite dos atos na duração do processo administrativo não é exclusividade das partes, podendo ser realizados pelo órgão julgador, em nome da celeridade, eficiência e economia processual. É o que prevê expressamente o artigo 2º, parágrafo único, XII, da Lei 9.784/99. Nítida é a busca pela verdade material. Paulo de Barros Carvalho (2011), autor que inspira as anotações aqui transcritas realça a importância do princípio da oficialidade: “Do princípio da oficialidade se desprende a regra de que o impulso do procedimento deve caber à Administração […]. Demora-se aqui um fator de dessemelhança com relação ao Direito Processual Civil, em que prevalece a diretriz segundo a qua a lei atribui às partes assegurarem o caminhar do procedimento judicial, na busca da tutela jurisdicional do Estado. […]. Deflui, também, da máxima da oficialidade o preceito do timbre instrutório que há de acompanhar o procedimento administrativo, entendendo-se por isso a circunstância de que a produção de provas e todas as demais providências para a averiguação dos fatos subjacentes cabem tanto ao Poder Público quanto à parte interessada.” (CARVALHO 2011) Tudo para preconizar o postulado da verdade material. A nosso ver, em que pese às diversas teorias sobre o momento da prova no processo administrativo tributário, dentre elas a que preconiza a aplicação imediata do §4º artigo 16 do Decreto nº 70.235/72, para alcançar a verdade material em sua excelência, deve ser aplicado o teor do artigo 38 da Lei 9.784/99 aqui transcrito in verbis: “Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo. § 1o Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão. § 2o Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.” Assim, além de respeitar o devido processo legal, o documento apresentado, mesmo que de modo atemporal, deve ser analisado pelo julgador, devido a competência concorrente deste, juntamente com as partes, para produzir provas, dentro dos liames da legalidade. Bem mais que prerrogativa, é dever da autoridade julgadora analisar as provas constantes dos autos, mesmo que preclusa. Assim, a análise que cabe ao julgador é se a prova apresentada intempestivamente é ou não decisiva, necessária para a solução do conflito. 4 Conclusão Por mais que para renomados autores, tanto de Direito Tributário, como de diversas outras áreas do conhecimento jurídico, seja relevante a distinção entre processo e procedimento, na nossa modesta opinião, debates acerca do assunto restam superados. Não há dúvida que o procedimento administrativo, para alguns, trata-se de verdadeiro processo, pois presentes ampla defesa e contraditório, princípios inerentes ao devido processo legal, em que pese a Administração Pública não ser dotada de jurisdição (juris dicere = dizer o direito), esta privativa do Poder Judiciário. Ademais, já há doutrinadores refutando esta atribuição exclusiva do Judiciário, vide a importância que vem ganhando os Tribunais Administrativos, bem como a disseminação da mediação e da arbitragem, julgamentos privados presididos por profissionais especialistas em determinadas áreas. Assim, o processo administrativo fiscal é regido por princípios e legislações próprias, sendo, em caso de omissão, aplicado o CPC. Através deste arcabouço legislativo e principiológico o processo administrativo, gênero, tem por escopo máximo a busca da verdade material, beneficiando o administrado, em detrimento a verdade formal, típica do processo judicial, que se atêm as provas e indícios constantes nos autos.
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Reanálise do tema “Despesas educacionais e Imposto de Renda” em razão da impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo
Neste artigo pretende-se reanalisar tese defendida em artigo anterior sobre a questão de o Poder Judiciário poder, ou não, reconhecer o direito à dedução integral das despesas educacionais na base de cálculo do Imposto de Renda, com o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95. Aborda-se o problema pelo viés da constitucionalidade do ato normativo em face do conceito de renda, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da isonomia e do direito fundamental à educação. Em face do princípio da separação de poderes e do princípio da legalidade, constata-se que a intervenção do Poder Judiciário usurparia função do Legislativo, sendo necessária uma alteração da legislação.
Direito Tributário
1. Introdução A questão que se pretende analisar neste artigo cinge-se à possibilidade de reconhecimento judicial do direito à dedução integral das despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda, mediante o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95, in verbis: “Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: (…) II – das deduções relativas: (…) b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de:  (…)” (grifo nosso) Primeiramente, analisa-se a constitucionalidade da norma em face do critério material da regra matriz de incidência do Imposto de Renda, delimitando-se o conceito de renda, previsto no art. 153, III, da CF, esmiuçado nos arts. 43 a 45 do CTN. Busca-se delinear a natureza jurídica das despesas com instrução, verificando-se se ao legislador ordinário era permitido limitar a dedução de tais despesas, em razão do conceito constitucional de renda. Em um segundo momento, considerando que as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, investiga-se se o ato normativo que limita quantitativamente a dedução de despesas educacionais ofende o princípio da capacidade contributiva, bem como o princípio da princípio da isonomia. Passa-se, então, ao exame da questão em face do dever imposto ao Poder Público de promover e incentivar a educação, já que a Constituição assegura a todos o direito à educação, direito social fundamental que tem por objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. Averigua-se, por fim, diante da inconstitucionalidade aventada, se a intervenção do Poder Judiciário no mérito da questão ofende o princípio da separação dos poderes. 2. Do conceito constitucional de renda A competência tributária impositiva da União para criar o Imposto de Renda é traçada pela Constituição Federal em seu art. 153, III, que dispõe competir à União “instituir impostos sobre: (…) III – renda e proventos de qualquer natureza”. Por sua vez, o Código Tributário Nacional no art. 43, I e II, esmiuça o critério material da regra matriz de incidência, como a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial produto do capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda) ou de qualquer outra causa (proventos). A base de cálculo do Imposto de Renda, elemento quantitativo da regra matriz de incidência, é o “montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (CTN, art. 44), resultado da diferença entre os rendimentos recebidos e as deduções previstas no inc. II do art. 8º da lei 9.250/95. A alínea “b” do inciso II do art. 8º da lei 9.250/95 fixa o limite pecuniário, individual e anual, do contribuinte e de seus dependentes, para a dedução dos pagamentos de despesas com instrução. Pergunta-se: a imposição de limites à dedução de despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda pelo legislador ordinário conflita com o conceito de renda constitucionalmente previsto? O conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional, que não pode extrapolar a amplitude dos conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, sob pena de inconstitucionalidade (PAULSEN, 2010, p. 275). O texto constitucional referiu-se ao critério material da regra matriz de incidência tributária para o fim de proceder à repartição da competência tributária impositiva, de forma que é impossível conferir ao legislador infraconstitucional competência para bulir com o âmbito das próprias competências tributárias impositivas constitucionalmente estabelecidas. Verifica-se existir, portanto, um conceito constitucional de renda conforme esclarece Lima Gonçalves (1997, p. 171): “A própria Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o conteúdo do conceito por ela – Constituição – pressuposto”. Insta citar, no mesmo norte, a lição de Brito Machado (2009) no sentido de que o direito à dedução dos gastos com educação na base de cálculo do Imposto de Renda não se trata de um incentivo fiscal, mas de limitação constitucional da competência tributária, fazendo-se que o imposto incida sobre a renda e não sobre despesas. A exclusão ou limitação do abatimento dos gastos com educação implica em admitir um imposto sobre os gastos com educação, o que evidencia o absurdo da limitação questionada. Gomes de Sousa (1960) apud Navarro Coelho (2006, p. 415) afirmava que o conceito tributário de renda está baseado na distinção entre renda e patrimônio, sendo o patrimônio “o montante da riqueza possuída por um indivíduo em um determinado momento” e a renda “o aumento ou acréscimo do patrimônio, verificado entre dois momentos quaisquer de tempo (na prática, esses dois momentos são o início e o fim do exercício financeiro)”. Cumpre salientar que tanto a renda, produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, como os demais proventos não compreendidos na definição, devem traduzir um aumento patrimonial entre dois momentos de tempo. O acréscimo patrimonial, em seu dinamismo acrescentador de mais patrimônio, é que constitui a substância tributável pelo imposto (COELHO, 2000, p.279). Diante da associação necessária do conceito de renda, pressuposto na Constituição, à idéia de acréscimo patrimonial, o legislador infraconstitucional somente pode fazer incidir a exação sobre os acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte, assim considerados os valores remanescentes após as deduções do valor integral das despesas com instrução, no exercício do direito fundamental à educação (CF, art. 6º e 205). Considerando que as despesas relacionadas à educação constituem decréscimos patrimoniais, desembolsos, consistentes em perda da disponibilidade econômica e jurídica, o legislador ordinário que vedou ao contribuinte a dedução de qualquer importância que exceda o limite legal autorizado subverteu o conceito constitucional de renda. A diferença entre o valor efetivamente despendido pelo contribuinte e o limite legal autorizado não pode ser considerada acréscimo patrimonial para compor a base de cálculo do imposto de renda. Em conclusão, a alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9250/90, no ponto em que traz limitação quantitativa à dedução com despesas com instrução contraria o conceito constitucional de renda. 3. Dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia O princípio da capacidade contributiva, princípio de sobredireito para a maior parte da doutrina (PAULSEN, 2010, p.48), positiva-se pela previsão de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte no art. 145, §1º, da CF. O Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, ou seja, conforme a aptidão concreta de cada indivíduo suportar a tributação, segundo os signos presuntivos de riqueza, sem implicar em confisco para ninguém e preservando-se o mínimo vital. A capacidade contributiva é bem definida por Navarro Coelho (2006, p.51) como a “possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay)”, sendo subjetiva – e nesse sentido eleita pelo constituinte – quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real) e objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa, como ter casa ou carro, signos presuntivos de capacidade contributiva. A vedação à dedução do valor integral das despesas com educação ofende o princípio da capacidade contributiva, porque as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, levando-se em conta não só os rendimentos brutos, mas também os gastos necessários para a sua educação e a de seus dependentes (capacidade econômica real). A aptidão de suportar a carga tributária do contribuinte que teve despesas com educação acima do teto restará diminuída em relação a outro que tenha aferido a mesma renda, com tais despesas dentro do teto, violando-se o princípio da isonomia. A fixação de determinado teto viola a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, pois cria um “plus” de aptidão para contribuir totalmente fictício (COSTA, 2003). Por consistir o dogma da capacidade contributiva desdobramento do princípio da isonomia (BALEEIRO, 1999, p.200), insta tecer algumas considerações acerca do conteúdo jurídico deste. O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, como ao ser aplicada, não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente e discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação equivalente. De plano, verifica-se que houve discriminação de contribuintes em situação equivalente, ou seja, que efetuaram despesas com instrução, concretizando o direito fundamental à educação. Imergindo no conteúdo jurídico do princípio da igualdade, pode-se dizer que o fator de discriminação (valor acima do limite quantitativo imposto) não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de tratamento jurídico dispensado (quem gasta abaixo do teto tem direito a deduzir a totalidade das despesas educacionais e quem gasta acima do teto não tem o direito de deduzir os gastos educacionais que o ultrapassem). Com efeito, impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de sucedâneo (MELLO, 1995, p.39). Insta salientar que o vínculo da correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles deve ter pertinência em função dos interesses constitucionalmente protegidos, no caso, o direito fundamental à educação. Com efeito, por esse viés, a norma que permite a dedução das despesas com educação tem como fundamento para a desequiparação a necessária concretização do direito fundamental à educação. Já a norma que impõe como fator de discrímen determinado valor como teto para o abatimento, desigualando aqueles contribuintes que tem despesas com educação até o teto daqueles que tem despesas em valor superior ao teto, diferencia situações que não são efetivamente distintas entre si. Vale dizer, trata-se, em ambos os casos, de contribuintes que gastam com educação e pelo mesmo fundamento constitucional merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, conforme a capacidade contributiva subjetiva. Destarte, as despesas educacionais não deveriam ter teto que as limite, sob pena de afrontar o princípio da capacidade contributiva sob o aspecto subjetivo (CF, 145, §1º), bem como o princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II), na medida em que não há efetiva distinção entre o contribuinte que efetua despesas educacionais até o teto e aquele que realiza despesas acima do teto, considerando que o tratamento jurídico diferenciado consubstanciado na possibilidade de dedução de despesas educacionais decorre do direito fundamental à educação, interesse constitucionalmente protegido.  4. Do direito social fundamental à educação A Constituição Federal declara que a educação, por meio da qual o cidadão adquire a capacidade de interferir na comunidade em que vive, é um direito social de todos e um dever do Estado e da família e será promovida com vistas “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e  sua qualificação para o trabalho” (CF, art. 6º e 205). Pondere-se que não obstante se tratar de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à educação (CF, art. 23, V), que deverão organizar em regime de colaboração os sistemas de ensino (CF, art. 211), diante da impossibilidade de o Estado garantir a todos a efetiva prestação de ensino público em estabelecimentos oficiais, permitiu-se a exploração pela iniciativa privada (CF, art. 209). Assim, ao lado da prestação do ensino gratuito – direito fundamental do homem nos termos do art. 26 da Declaração Universal dos Direito Humanos, subscrita pelo Brasil – preferencialmente pelo Estado (CF, art. 208), que recebe os recursos públicos (CF, art. 213), consentiu a Carta Magna com a exploração do ensino, em todos os níveis e modalidades, pela iniciativa privada, com as limitações de cumprir as normas gerais da educação nacional e de sujeição à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (CF, art. 209), de forma que a educação, neste caso, será prestada mediante o pagamento de mensalidades e demais despesas legítimas. Com o escopo de promover e efetivar o direito à educação, a lei 9.250/95 previu em seu art. 8º, II, “b”, norma que permite a dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física. Por meio da técnica de abatimento, compensa-se aqueles que se utilizam da rede de ensino privado e, conseqüentemente, deixam de sobrecarregar o ensino público, desonerando-o e propiciando à Administração melhor alocação de recursos. Entretanto, a estipulação arbitrária de limite anual individual, impedindo a dedução do valor real, efetivamente empregado na educação, paradoxalmente, contraria tal finalidade e atribui efeitos jurídicos distintos à mesma despesa realizada pelo contribuinte. Consoante o escólio de Canotilho (1998, p.436-440), as normas consagradoras de direitos sociais implicam em interpretação das normas legais conforme a “constituição social econômica e social”, devendo servir de parâmetro de controle judicial quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais restritivas destes direitos. Insta ponderar que o direito social à educação, elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, especialmente como o princípio da dignidade humana, funcionando com verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direito fundamentais. O art. 208, §1º, da Constituição consagra o direito fundamental à educação com o status jurídico de “direito público subjetivo”, conferindo eficácia plena e imediata à norma, nos termos do art. 5º, §1º, da CF, afigurando-se prescindível a integração posterior normativa para a concretização desse direito. Insere-se o direito à educação na categoria dos direitos de segunda geração, cuja concretização, exige, via de regra, uma atuação positiva do Estado. Entretanto, se o Estado não cumpre com seu mister de disponibilizar ensino gratuito a toda a população mediante prestações positivas, tem o dever, ao menos, de fomentar e facilitar o acesso à educação, deixando de atingir, via tributação, a esfera patrimonial dos cidadãos empenhada para efetivar e concretizar esse direito.  Com efeito, a proteção e a concretização do direito social à educação pode-se dar por meio de um não fazer estatal, especialmente pela não vedação à dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda, conferindo maior efetividade ao direito à educação, em contexto de extrafiscalidade. Afigura-se, também por este viés, inconstitucional a imposição de teto para as despesas com instrução efetivamente realizadas, por obstaculizar o exercício do direito fundamental à educação, em violação aos arts. 6º, 23, V, e 205 da CF. 5. Do princípio da separação dos poderes A Constituição Federal, com vistas a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais: legislação, administração e jurisdição (CF, art. 2º). O poder estatal, uno, indivisível e indelegável, compõe-se de várias funções, cujo exercício é incumbido a diferentes órgãos do Estado. O princípio da separação dos poderes (de órgãos e de funções), princípio estrutural da organização do poder político, no sentido horizontal, refere-se à diferenciação funcional (legislação, execução, jurisdição), à delimitação institucional de competências e às relações de controle e interdependência recíproca entre os vários órgãos de soberania. A divisão de tarefas estatais entre distintos órgãos autônomos, com previsão de garantias e imunidades a cada Poder, bem como mecanismos de controles recíprocos de “freios e contrapesos”, configura-se um princípio estrutural conformador do domínio político (CANOTILHO, 1998, p.449) e garante o Estado Constitucional Democrático de Direito. Impõe-se questionar se as decisões do Judiciário que suprimem do ordenamento, por reconhecer a sua inconstitucionalidade, a norma que limita o valor das despesas educacionais a ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda configuram ofensa ao princípio da separação dos poderes, por atuar o julgador como legislador positivo, estabelecendo a redução ou a isenção de tributos. A resposta que se impõe é positiva. A questão encerra uma situação de colisão entre normas constitucionais, quais sejam, a norma que exige lei para a concessão de benefício fiscal (CF, art. 150, §6º), sendo a função legislativa atribuída exclusivamente ao Poder Legislativo conforme o princípio da separação de poderes (CF, art. 2º e 48, I) e a norma que prevê o direito social fundamental à educação (CF, art. 6º, 23, V e 205). Pode-se dizer que a educação inclui-se no rol dos direitos sociais, de segunda geração, que sob uma dimensão subjetiva, são autênticos direitos subjetivos inerentes ao espaço existencial do cidadão. Por outro lado, sob uma dimensão objetiva, as normas constitucionais que os consagram impõem a obrigatoriedade de o legislador atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos, bem como exige o fornecimento pelo Estado de prestações aos cidadãos, densificadoras da dimensão subjetiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições institucionais, como bem salienta Canotilho (1998, p.434). De fato, existe o problema da efetivação do direito originário à educação, sendo certo que há uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora de transformações econômicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a perfectibilização desse direito. Assim, a interpretação da norma legal, diante da norma constitucional consagradora do direito social à educação, deve ser conforme a efetiva realização deste direito. Inegável que a possibilidade de dedução das despesas educacionais conferida pela lei, mesmo que limitada, já se trata de um instrumento de política educacional.  Mas, ainda que aquém dos anseios sociais, tal fato, por si só, não enseja a intervenção do Poder Judiciário, pois não se pode perder de vista a impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo para estabelecer isenções, reduções de tributos e deduções de despesas da base de cálculo do Imposto de Renda, uma vez que tais hipóteses são matéria privativa do Poder Legislativo[1].   Em atenção ao princípio da legalidade tributária, não é viável a criação, o aumento, a diminuição ou a extinção de tributo sem que exista lei para tanto. Destarte, é vedado ao Poder Judiciário substituir-se ao Poder Legislativo, a fim de deferir pleitos dessa espécie, sob pena de ferir não somente o princípio da legalidade tributária, mas também o princípio da separação de poderes e as regras constitucionais de competência tributária. Eventual decisão judicial que suprima o limite de dedução de despesas educacionais incorre em ativismo judicial, no sentido aventado por Elival Ramos (2010, p.308) como o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento ao Poder Judiciário, ultrapassando os limites de sua atribuição em detrimento da função legislativa, “com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”. 6. Conclusão A questão do reconhecimento pelo Poder Judiciário, em ações movidas pelos contribuintes, do direito de deduzir a totalidade das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda, enseja um questionamento acerca da constitucionalidade da norma limitadora e outro questionamento acerca da possibilidade de o Poder Judiciário reconhecê-lo sem ofensa ao princípio constitucional da separação das funções. Sob o prisma da análise da constitucionalidade da norma que impõe limite quantitativo à dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda (art. 8, II, “b”, da lei 9250/90), por três vertentes chegou-se à inconstitucionalidade da norma.   A primeira consiste na ofensa ao conceito constitucional de renda (CF, 153, II), na medida em que as despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes configura perda de disponibilidade econômica e jurídica, de forma que a norma limitativa subverteu o conceito de renda. A segunda determina o afastamento da norma diante da ofensa ao princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, §1º) e ao princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II). A técnica da dedução das despesas para a aferição da base de cálculo do Imposto de Renda consiste em fórmula que respeita a possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo. Os contribuintes que gastam com educação, aquém e além do teto, pelo mesmo fundamento constitucional – concretização do direito à educação – merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, não havendo situação que justifique a diferenciação de tratamento jurídico. A terceira resulta da análise do direito social fundamental à educação (CF, art. 6º e 205), configurando a dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda efetiva medida concretizadora do objetivo primordial da educação. Entretanto, há que se ter em vista o princípio da separação dos poderes (de órgãos e de funções), princípio estrutural da organização do poder político, no sentido horizontal, referindo-se à diferenciação funcional (legislação, execução, jurisdição), à delimitação institucional de competências e às relações de controle e interdependência recíproca entre os vários órgãos de soberania. Eventual decisão do Poder Judiciário que afaste a norma em comento ofende o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), por se tratar de ilegítima intervenção judicial, na medida em que o Poder Judiciário não possui função legislativa para editar lei que estabeleça isenções, reduções de tributos e deduções da base de cálculo do Imposto de Renda. Destarte, conclui-se não cabe ao Poder Judiciário em “ativismo judicial” reconhecer o direito à dedução integral das despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, sob pena de atuação como legislador positivo, em ofensa ao princípio da separação de poderes.
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Breve exposição da (fatídica) história tributária brasileira
Existem, no planeta, poucas nações com um produto interno bruto, PIB, superior a R$ 1 trilhão. E estas se encontram no rol das mais ricas. No Brasil, essa quantia é um pouco inferior ao que é anualmente arrecadado em tributos. Somente no estudo da evolução histórica podemos começar a desvendar os motivos determinantes do presente quadro, a estarrecer a sociedade e prejudicar o desenvolvimento nacional.
Direito Tributário
1 – Introdução “A verdade econômica é a fantasia organizada” George Orwell [1] É de Cícero a passagem que diz que “não saber o que aconteceu antes do teu nascimento seria para ti como permanecer criança para sempre” (BARELLI; PENNACHIETTI, 2001, p.626). Porém, cá entre nós, fixar o olhar no passado recente da tributação no Brasil é uma tarefa realmente complexa, pela óbvia constatação de que esse é um pesadelo do qual ainda estamos longe de acordar. Passamos, portanto, a expor as origens do problema. 2 – Antes de 1988 A estrutura vigente à época do Império tinha a economia lastreada em uma base agrícola e amplamente aberta ao capital estrangeiro. Dessa forma, o comércio exterior prevaleceu durante todo esse período, destacando-se o imposto de importação, que, em alguns anos, respondeu por 70% da receita pública total. E a influência era tamanha que, mesmo às vésperas da proclamação da República, tal imposto participava em metade da receita do governo (VARSANO, 1996). Com a proclamação da República até meados da década de 1930, o sistema tributário brasileiro persistiu, com algumas alterações, nos mesmos parâmetros. A Constituição de 1891, sem modificar o quadro premente, introduziu um regime de separação de fontes tributárias, com a adoção do regime federativo, sucedendo a discriminação dos impostos de competência exclusiva da União e dos estados, haja vista a necessidade de dotação de receitas que lhes permitissem a recém-adquirida autonomia financeira. A estrutura republicana, comparada à do Império, era mais enxuta, tendo havido a extinção de alguns impostos que integravam o orçamento federal em 1889. Ainda assim, a agricultura e o comércio exterior continuavam preponderantes. Afora isso, União e estados gozavam de liberdade para criar outras receitas tributárias (VARSANO, 1996; GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). Entretanto, não houve quem se preocupasse, àquele momento, com o efeito dos tributos sobre o contribuinte ou a economia, nem com o tamanho ou a exploração de novas bases para tributação.  O avanço da produção cafeeira, o fim da escravatura, a entrada maciça de imigrantes, a ampliação do trabalho assalariado e o progressivo aumento da participação nos fluxos comerciais e financeiros da economia internacional não foram suficientes para alterar, substancialmente, as bases produtivas do país, mantendo-se as características de uma economia agroexportadora, de forma que os resultados desse modelo não foram favoráveis para a manutenção da harmonia federativa e, por conseguinte, da estabilidade tributária (OLIVEIRA, 2010). E a situação que transparece tem explicações, a começar pelos ventos liberais que sopravam por todo o mundo, que levaram o Estado a assumir papéis bem restritos e delimitados, abreviando, sobremaneira, o volume de recursos a serem extraídos do setor privado, além da influência deixada na sociedade pelas marcas “sombrias” das épocas da Colônia e do Império, em relação a impostos exagerados e, por vezes, ilógicos, influenciando, e muito, a próxima Constituinte na redefinição do sistema tributário (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). Nesse contexto, a tributação visava “prover o governo de recursos destinados a desempenhar suas limitadas atividades, inexistindo seu manejo enquanto instrumento de política econômica voltada para outros objetivos” (OLIVEIRA, 2010, p.11). Foi a Carta Magna de 1934, e a legislação desse período, que erigiram as condições para uma posterior evolução. A revisão do pacto federativo foi necessária, de modo que as principais modificações se deram nas esferas estadual e municipal. Passaram a predominar os impostos internos sobre produtos. Em relação à distribuição das competências, pela primeira vez, atribuiu-se, constitucionalmente falando, um campo próprio aos municípios, com uma estrutura de cinco tributos. Já quanto à composição da receita tributária federal, o imposto de importação figurou como principal fonte de recursos antes de 1930, somente daí em diante é que o imposto sobre consumo o superou. Outra novidade trazida por essa Constituição foi a repartição das receitas entre os diversos entes federados, e a liberdade para que  União, estados e municípios pudessem criar outros impostos. Ao governo federal continuavam a exclusividade sobre os impostos de renda e consumo existentes (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008; VARSANO, 1996). Já a Lei Maior de 1937 não trouxe grandes alterações. Pode-se listar que os estados perderam a faculdade de tributar o consumo de combustíveis e os municípios de tributar a renda das propriedades rurais. A respeito da União, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, há a queda na participação do imposto de importação na receita federal. Esse episódio é importante, pois tal mutação facilitou, e porque não dizer, inaugurou a decisão de utilizar o manejo da importação e da exportação de produtos como instrumento extrafiscal, a partir dos anos 1950. Colocando de outra forma, a União começava a intervir diretamente no desenvolvimento do país, por meio de instrumentos fiscais (VARSANO, 1996). O objetivo do governo brasileiro era levar à frente o projeto de desmonte das estruturas oligárquicas e transferir para o Poder Central a tomada de decisões estratégicas referentes à política econômica, e a tributação integrava esse plano, uma vez que o financiamento da receita pública era uma demanda ascendente e preocupante (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). Visto isso, como a maior parte do sistema era ainda o herdado da proclamação da república, uma mudança empreendida para fazer com que a entrada de recursos aumentasse se traduziu na melhoria do aparelho arrecadador. Relevante, nesse intento, foi a reforma realizada em 1934 e culminada em 1937, na instituição responsável pela cobrança dos tributos, que levou ao surgimento da Direção-Geral da Fazenda Nacional (DGFN). Com isso, os impostos federais passaram a contar com cobertura nas áreas de fiscalização, arrecadação e apoio administrativo. Entretanto, tal esforço não se traduziu em eficiência, uma vez que os resultados demoraram a aparecer, fato que permaneceu imutável até a década de 1960 (OLIVEIRA, 2010). O advento da Constituição de 1946 demudou nosso sistema tributário. Aumentou-se a receita dos municípios, com a inclusão de dois novos impostos na sua esfera de competência. Também se institucionalizou um sistema de transferência, o que decompôs a discriminação de rendas entre as esferas de governo, muito embora a teoria tenha destoado da prática. Frise-se que impostos sobre consumo seguiram adquirindo relevo, sendo responsáveis, agora, por mais de 45% da receita tributária da União (VARSANO, 1996; OLIVEIRA, 2010). Majorou-se o peso relativo dos impostos internos sobre produtos. “Em outras palavras, o Brasil entrou em uma fase em que a tributação sobre bases domésticas passou a ser crescentemente a mais importante, simultaneamente ao início de um processo de desenvolvimento industrial sustentado” (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p.245). Todavia, com a industrialização e o incremento do mercado nacional, houve um crescimento das despesas que não pôde ser acompanhado pelo das receitas, de forma que o sistema tributário se mostrava insuficiente e beirava a exaustão, com o equilíbrio fiscal se apresentando cada vez mais delicado. Também o Estado crescia em tamanho e em atribuições, e os anos passaram sem que se atentasse para o problema que isso geraria num futuro não tão distante. O colapso era iminente, e as esporádicas microrreformas já eram tidas como ineficientes, se prestando somente para revelar que algo precisava ser feito (VARSANO, 1996; OLIVEIRA, 2010). De fato, não demorou muito, pois, diante da crise econômica e política por que passávamos na década de 1960, a reforma tributária sobrevém como prioritária. Não apenas para resolver a imensa dificuldade orçamentária, como, principalmente, para prover recursos para o Estado. Existia uma consciência no Poder Central de que era necessário, especialmente prioritário, reorganizarem-se os diversos setores da vida nacional, as denominadas “reformas de base”, e a mudança da estrutura fiscal era apenas uma delas. Tratava-se, pois, de uma estrutura tributária arcaica, intrincada e não mais capaz de prover os recursos adequados para o correto e pleno desempenho dos papéis estatais, isso sem incorrer em fortes e irreversíveis desequilíbrios estruturais (OLIVEIRA, 2010; VARSANO, 1996). No entendimento dos especialistas, o aparelho arrecadador estatal era falho. A Administração Tributária, ao menos a federal, não funcionava adequadamente. Gastava-se muito para arrecadar pouco. “O próprio Ministro da Fazenda na época estimava que seria possível, apenas com a melhoria da administração fazendária, sem qualquer mudança nos tributos, arrecadar adicionalmente, no mínimo, valor equivalente a 2/3 da receita estimada para 1963” (VARSANO, 1996, p.7). Criada pelo Ministério da Fazenda, em 1963, uma Comissão de Reforma tinha a tarefa – nada fácil – de modernizar a Administração Fiscal federal. E sucedeu que, como se esperava, houve uma expansão das atividades inicialmente estabelecidas, de maneira que, com o golpe de 1964, a revisão global da situação tributária nacional adquiriu impulso. “Passou-se a encontrar menos obstáculos institucionais e políticos, bem assim menos resistência por parte de interesses criados” (VARSANO, 1996, p.9). A militarização do poder havia permissionado a reforma ansiada, haja vista que as coisas, agora, eram ditadas, de cima para baixo, sem longas discussões ou empecilhos. E a chuva passageira assumira ares de forte tempestade, com a tributação sendo definitivamente alterada e recolocada em seus eixos (OLIVEIRA, 2010). A racionalização era o foco, com apoio em medidas que, de imediato, contribuíssem para a reabilitação das finanças federais e que, de outro lado, atendessem de forma mais urgente os reclamos de alívio tributário dos setores empresariais, os quais constituíam a base do novo regime. E uma transformação, realmente grande e importante, preparava-se para ganhar a realidade. Essa reforma tributária dos militares, que teve início com a Emenda Constitucional nº 18, de 1965, completou-se com a aprovação do Código Tributário Nacional, em 1966, documento legal que marca o fim dos trabalhos. E um de seus admiráveis aspectos foi a alteração da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre valor agregado, em vez daquele “em cascata”, referente a impostos cumulativos. Fechou-se a porta para que os entes federados criassem indiscriminadamente novos impostos, sendo essa tarefa restringida à União, o que levou à égide de três sistemas tributários distintos: o federal, o estadual e o municipal (OLIVEIRA, 2010). Certos impostos foram extintos, outros renomeados, todos tendo suas bases de incidência muito bem definidas, e, ainda, alguns tributos assumiram feição econômica, viabilizando as políticas extrafiscais. O Estado, agora, atuava diretamente na economia, impulsionando ou desincentivando importações ou exportações, e regulando o consumo. Ainda na esteira da inovação, foram criados dois impostos sobre valor agregado (ou adicionado), IVA: o Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, ICM, este último, na década de 1980, viria a ser nomeado Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS. De caráter não cumulativo, estes deram ares renovados à economia e sepultaram a cumulatividade da tributação, empecilho ao desenvolvimento do país (OLIVEIRA, 2010; VARSANO, 1996). “Um fato que merece ser destacado é que a adoção do IVA no Brasil – ainda que sem ter este nome – precedeu o uso desse instrumento tributário na própria comunidade econômica europeia – com exceção da França. O Brasil, portanto, em 1967, passou a ter um dos sistemas tributários mais modernos do mundo, na época” (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p.246). Abreviando a explanação, quatro categorias de impostos emergiram: a) impostos sobre o comércio exterior, com a transferência para a União dos Impostos de Importação e o de Exportação (este último, anteriormente estadual); b) impostos sobre patrimônio e a renda, neste grupo foram reunidos o IPTU, municipal, ITBI, estadual, o ITR e o IR, federais; c) impostos sobre a produção e a circulação, como o IPI e ICM (mencionados no parágrafo anterior), o Imposto sobre Serviço de Transportes e Comunicações, ISTC, e o IOF, ambos de competência da União, e o ISS, na ótica municipal; d) impostos únicos, sobre energia elétrica (IUEE, sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e sobre minerais (IUM), todos federais; e) receitas extra-orçamentárias, incluídas contribuições sociais criadas à margem do sistema tributário (também chamadas de contribuições parafiscais), destinadas ao financiamento de políticas sociais específicas, casos do salário-educação e da contribuição previdenciária, ou para o financiamento de longo prazo, casos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS, e do Programa de Integração Social, PIS, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, PASEP (OLIVEIRA, 2010; REZENDE, 1996). Também relevante foi a exploração do potencial da tributação interna, com elevação substancial das alíquotas do IPI, ICM e do IR, tanto para pessoas físicas como para as jurídicas, ao passo em que se eliminaram isenções para certas categorias profissionais. Houve concentração de recursos na órbita da União, e a arrecadação, nesse período, aumentara sobremaneira. O tesouro nacional estava abarrotado de recursos (OLIVEIRA, 2010). No campo do Fisco federal, em 1968 ocorre a criação da Secretaria da Receita Federal, o que representou uma das mudanças operadas pelo Ministério da Fazenda até a década de 1970, cujo objetivo era dar status de eficiência à Administração Tributária federal, garantindo o aperfeiçoamento da fiscalização e da arrecadação. Com isso, a última etapa da mudança fora concluída. E um ponto que tem que ser tratado é a questão da excelência da reforma realizada e dos seus efeitos na carga tributária, a qual, até meados de 1980, manteve-se, oscilante sim, mas na faixa dos 25% do PIB. Restrição às transferências e aos incentivos fiscais foram episódios que mantiveram a situação mais ou menos satisfatória e dentro do controle do Estado. No período entre 1979 e 1983, observou-se uma normalidade nesse ponto, a despeito da recessão econômica vislumbrada ao longo desse período (VARSANO, 1996). 3 – No ano de 1988 Em “Madame Bovary”, o escritor francês Gustave Flaubert popularizou a expressão: “É culpa da fatalidade!” (BARELLI; PENNACHIETTI, 2001, p.144). Será? Primafacie, as coisas pareciam resolvidas, mas eis que o destino apronta das suas, e, vinte anos depois, a redemocratização do final dos anos 1980 fez brotar, no seio da nova Carta Cidadã, reais desafios ao sistema tributário nacional. E a complicada equação, que parecia até então apaziguada, galgara a um patamar insustentável. Destarte, dois foram os motivos determinantes para a falência desse projeto: a) a busca em romper com o autoritarismo e com a concentração de poder do período de exceção democrática vivido, tendo os trabalhos da Constituinte um cerne de redefinição do pacto federativo; b) a procura por dar as respostas sociais, pelas quais a nação clamava, ampliando os temas relacionados à ordem social, aumentando as responsabilidades do Estado e introduzindo-se conceitos como o da seguridade e da previdência no texto constitucional. Esse quadro de renovação, dentro de um contexto histórico marcado por restrições orçamentárias, crise econômica, pressão inflacionária, desvalorização monetária, e o pior, na mesma base de arrecadação tributária e de financiamento da década de 1960, jamais poderia dar certo, e lançou dificuldades, sobretudo para o âmbito federal, demolindo tudo o que havia sido anteriormente construído (OLIVEIRA, 2010). Explica-se melhor. Aspecto marcante da Constituição de 1988 foi o fortalecimento da Federação, o que se refletiu no aumento da presença fiscal de estados e municípios e na descentralização das receitas tributárias disponíveis. Igualmente procurou-se corrigir as décadas de atraso na órbita social, implantando-se um regime securatório e garantidor de direitos impossíveis de serem mantidos sem que mais recursos fossem imediatamente carreados para o erário. O Estado brasileiro era grande, mas não o suficiente para assumir tamanhos encargos. Desse modo, outros dilemas nasceram daquele ideal, e se agigantaram para além do imaginável, o que levou à total incompatibilidade do orçamento disponível com as novas atribuições estabelecidas. Ficara difícil falar em coerência ou nexo da tributação nesse período, pois, recém-saído de uma ditadura militar, no auge da chamada “década perdida”, reformou-se, em matéria fiscal, o que não poderia ser alterado, gerando altos custos sem a devida antevisão de como provê-los (VARSANO, 1996; CARDOSO JÚNIOR, 2009). Como no dizer de Norberto Bobbio, “a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil” (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p.105). Ralph Waldo Emerson disse que “ao analisar fatos históricos devemos evitar ser profundos, pois, muitas vezes, as causas são bastante superficiais” (BARELLI; PENNACHIETTI, 2001, p.628, adaptado). Por incrível que pareça, a teoria mais ingênua acaba sendo a verdadeira, e Cláudio Hamilton dos Santos e Denise Lobato Gentil, ao abordarem a situação das finanças públicas brasileiras, sem meias palavras, colocam que: “O resultado final da Constituição de 1988 foi tornar o governo federal ingovernável, como disse na ocasião o presidente José Sarney. Ao fim do processo descentralizador da receita […] a parcela da União na receita tributária caíra de 47% para 37%, a dos estados subira para 42% e a dos municípios para 22%. […] Ao contrário do que seria de prever, à redistribuição de receitas não correspondeu uma redistribuição dos gastos, seja porque as unidades subfederativas não quiseram absorver novas tarefas, seja porque o governo federal não quis abrir mão do poder político oriundo da alocação clientelística de verbas. Não é de admirar, pois, que o jurista Yves Gandra Martins tenha chamado a Carta de 1988 de “Constituinte da Hiperinflação”. Mais justo, aliás, seria denominá-la “Constituinte da Estagflação”. O excesso de encargos sociais e o aumento da carga tributária desestimulavam os investidores nacionais […]. O desequilíbrio estrutural do orçamento da União resultaria inevitavelmente em inflação. Destarte, a estagflação que hoje sofremos não é mero acidente de percurso; é um mandato constitucional” (CAMPOS, 1994, p. 1.199) (In: CARDOSO JÚNIOR, 2009, p.124-125). Logo, o desenho tributário de 1988 não visava fatores econômicos – quiçá havia a mínima lógica em suas intenções –, a começar pela verificação de que esse novo modelo, ao contrário do originado a partir da reforma de 1960, a qual, naquele momento, fora erigida por uma equipe técnica em gabinetes, decorreu de um processo deliberativo, em que os protagonistas eram figuras políticas, sob pressões diversas, atendendo as mais variadas demandas, que não exclusivamente as fiscais e de financiamento público. E, muito embora, a decisões tenham sido tecnicamente assessoradas, e originadas do processo democrático, tinham feição díspare da que se podia esperar. “Conseguiu-se mediante esse procedimento promover o debate mais amplo de que se tem notícia na história do Brasil. Mas o processo, ímpar e não testado, tinha riscos altos” (VARSANO, 1996, p.12). Assumimos tais riscos, mas não estávamos preparados para as suas consequências, acabando-se por vitimar todo um plano de Estado, uma vez que “a situação de desequilíbrio orçamentário que já existia, ao invés de ser eliminada, consolidou-se” (VARSANO, 1996, p.13). Prosseguindo com a análise, em um segundo plano, as transferências tributárias, fundadas no FPE (Fundo de Participação dos Estados), no FPM (Fundo de Participação dos Municípios), nos fundos de desenvolvimento regional e no de compensação das exportações de produtos industrializados, levaram a uma panaceia fiscal e financeira crônica. Faltavam recursos, a conta simplesmente não fechava, e ela era muito alta (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). O governo teve, então, que tomar medidas rápidas para rematar o complicado orçamento. Com isso, para ampliar a receita da União, desfacalda pelos elevados custos sociais e pelo regime de transferências, abusou-se, e muito, da criação de novos tributos e da elevação dos já existentes, em particular daqueles não suscetíveis à partilha com estados e municípios. E isso foi realizado sem a devida preocupação com os reflexos para a sociedade, para o comércio e para a indústria. Houve a reintrodução de impostos cumulativos, em especial sob a forma de contribuições, tais como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, CSLL, e a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, CPMF, e o aumento da alíquota da COFINS e do IOF (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008; LIMA, 1999). Mas o Brasil tem feito das suas, não se pode negar. E as soluções – se é que podemos dizer dessa forma – que o governo federal apresentava, a despeito de resolverem parcialmente a questão da arrecadação e da receita, levaram a uma queda vertiginosa na configuração do péssimo sistema criado pela CF/1988, desfazendo-se, portanto, as principais conquistas históricas (LIMA, 1999). Com o aumento progressivo da carga tributária sobre o consumo e a produção, potencializou-se o fenômeno da regressividade tributária, prejudicando diretamente a população, inviabilizando o comércio e a prestação de serviços, desestimulando o processo de industrialização e terminando por firmar a questão fiscal como dilema ao desenvolvimento do país. O modelo era falho e revelou-se inadequado. Portanto, a celeuma estava instalada, começando a chamar a atenção dos responsáveis pela política macroeconômica nacional, uma vez que ficaríamos, no curtíssimo prazo, sem ter mais como remediar esse paciente terminal (CARDOSO JÚNIOR, 2009). Entretanto, esses não eram todos os problemas. O buraco parecia mais fundo, podendo-se ainda listar que: a) a atribuição de competência para que os estados manipulassem as alíquotas do ICMS ocasionou a guerra fiscal entre entes federados; b) a eliminação da faculdade, atribuída pela Constituição anterior à União, de conceder isenções de impostos estaduais e municipais, diminuiu o controle federal sobre estes; e c) o fato de não se poder impor condições ou restrições à entrega ou emprego de recursos distribuídos às demais unidades federativas ocasionou a perda de receita sem a devida contrapartida (VARSANO, 1996). 4 – Depois de 1988 Vamos sintetizar o discorrido até aqui. O sistema que vigora desde a Constituição de 1988 revelou-se precário e problemático, principalmente quando da adoção de políticas restritivas visando o controle dos enormes déficits do aparelho estatal. Porém as ações do governo federal, anteriormente descritas, se mostraram eficientes nas sucessivas elevações da receita, com recordes na arrecadação em tributos, a elevar sobremaneira a pressão que a excessiva tributação exerce sobre o PIB, o que representa um alto ônus para um país de renda média e em vias de desenvolvimento como o Brasil, com visível agigantamento da deterioração do quadro econômico. Basta ver que “a carga tributaria, segundo estudos da Receita Federal do Brasil, elevou-se de 25,7% para 35,8% do PIB no curto espaço de 15 anos, entre 1993 e 2008” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.72). E a fórmula repassada era muito clara, e também alarmante. Conter despesas, cortar gastos, reduzir o endividamento interno, diminuir o tamanho do Estado, eram temas que sequer eram mencionados, pois não faziam parte do utópico ordenamento constitucional. Todo planejamento das políticas públicas – se é que havia algum –, dali em diante, concebia o social como único e derradeiro farol, muito embora se soubesse que se estava fugindo a qualquer parâmetro válido e confiável em termos de orçamento e equilíbrio fiscal. Como subterfúgio, para manter os gastos com a seguridade e os repasses obrigatórios às demais unidades componentes da Federação, a União abusou, e muito, da criação de contribuições. “A mera descrição dessa desproporção entre contribuições (infladas) e impostos (abandonados) já indica a anomalia em que o que deveria ser marginal ou acessório se tornou o principal” (SENADO FEDERAL, 2010, p.19). Foi a junção de tudo isso que levou à amplificação, para além dos limites do aceitável, dos nocivos fenômenos da bitributação, da regressividade e da elevação exponencial da carga tributária, a se abaterem sobre toda a sociedade brasileira e a estagnarem o desenvolvimento nacional. A situação era grave e ficava cada vez pior. “Um trabalho conduzido pela Coordenação de Estudos Tributários da SRF observou que o debate sobre “tributação cumulativa versus tributação do valor agregado” se acirrou nos últimos anos no Brasil, devido, principalmente, à crescente participação das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento (PIS/Cofins) e da CPMF na arrecadação total (se considerar apenas essas três contribuições, verifica-se que sua participação agregada na carga tributária total passou de 15,5% em 1989, para 35%, em 2002). Assim, a discussão da cumulatividade se concentra, obviamente, nos tributos incidentes sobre vendas de bens e serviços. Quanto ao aspecto discutido naquele estudo, a tributação sobre bens e serviços foi dividida em dois grandes grupos de tributos: valor adicionado (ICMS e IPI […]) e os que incidem cumulativamente (Cofins, PIS/Pasep, CPMF, IOF e ISS […]). Analisando dados que vão desde 1968 a 2002, constatou-se um acentuado aumento da tributação cumulativa. Em 1968       os tributos cumulativos representavam 1,60% do PIB e apenas 6,87% do total da receita nacional. Em 2002 atingiram 7,87% do PIB, ou 21,8% do total. Os impostos sobre valor adicionado, por seu turno, respondiam por 11,70% do PIB e por 50,21% da carga total em 1968 e, em 2002, responderam por 9,45% do PIB e por 26,18% do total. É notório, portanto, que a tributação sobre valor agregado vem sendo substituída pela de caráter cumulativo. A explicação mais difundida pelos que defendem essa última é de que esse tipo de tributação é de mais fácil fiscalização, além de ser menos afetado pelas oscilações na conjuntura econômica, já que a maior parte incide sobre o faturamento e não sobre o lucro. Entretanto, embora seja considerada inadequada e indesejada, essa forma de tributação gerou, em 2002, cerca de R$ 86 bilhões, somente entre Cofins […], PIS e CPMF. Para se desfazer dessa forma de tributação, a União teria de descobrir outras fontes de arrecadação de imposição não-cumulativa, o que é uma tarefa muito fácil. Esse é o principal argumento da União para mantê-las” (AVARTE; BIDERMAN, 2004, p.170). Inadequação do pacto federativo, entes que se digladiam entre si, carga tributária que consome mais de 1/3 de toda riqueza produzida em um ano, verborragia e complexidade legal, elevados custos de fiscalização e de cobrança, regressividade ao invés de progressividade, quase total inexistência de retorno social, informalidade, alta sonegação, desincentivos à iniciativa privada e à indústria, falência do projeto de desenvolvimento nacional, economia estanque, abandono de planejamento para o amanhã. O leque é grande, e que o leitor, nesse cardápio do terror fiscal, escolha qual pode ser apontada como sendo a maior mazela do sistema tributário vigente no Brasil. Na voracidade por aumentar a receita, sucedeu nova tentativa de aperfeiçoamento da Administração Fazendária Federal, agora com uma maior especialização tributária, a partir da criação de Delegacias Especiais, compostas de mão de obra treinada. Junto a essa descentralização, houve a instituição de coordenações, tais como COPEI (Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação), COPAT (antiga Coordenação-Geral de Estudos Econômico-Tributários) e CORAT (antiga Coordenação-Geral do Sistema de Arrecadação), a gerir as ações implementadas. Aquisição e investimentos em tecnologia da informação também faziam parte desse processo renovatório (VASCONCELOS, 2002). O fortalecimento e a valorização da Advocacia Pública e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também são evidentes, com ajustes organizacionais imprescindíveis. E a explicação para tamanho movimento da máquina pública era óbvia, uma vez que mexer na legislação tributária era difícil, inexistindo ambiente político ou econômico favorável, cresceu a relevância da fiscalização e do aparelho arrecadatório para enfrentar a crise em curso. O orçamento da União precisava ser inflado de recursos, em detrimento das pressões que tais iniciativas teriam perante os cidadãos-contribuintes e o PIB do país. Era a velha e exaurida fórmula sendo mais uma vez reaplicada, só que agora com um detalhe ainda mais macabro: sabíamos, de antemão, que essa maneira de tratar o problema não teria futuro algum. O Plano Real, de 1994, conseguiu conter a inflação, iniciando uma importantíssima fase de estabilização econômica e financeira e de controle cambial, afora o desenvolvimento econômico que propiciou, mas em seu âmbito fiscal revelou-se como tão somente mais uma mal redigida página da “tragédia” cotidiana, com os tradicionais incrementos da receita através do aumento exponencial da carga tributária. Dessa maneira, a conjuntura contraditória e incerta gerada pela Constituição Cidadã apenas terminou por se agravar. Ressalte-se que, nas discussões em torno das finanças públicas federais, em geral, ocorreu a exclusão de assuntos importantes, tais como pagamento de juros e dos encargos da dívida pública, duas enormes amarras para qualquer economia, e que representaram, àquele instante, um verdadeiro desafio (OLIVEIRA, 2010; GARCIA, 2008). Por fim, mencionamos que os anos seguintes, marcados pela mudança no poder em 2003, e também de orientação política a ser seguida, assistiram a uma piora progressiva e irracional do sistema tributário como um todo, o qual se apresentava tão desequilibrado quanto em outros períodos (BIDERMAN; AVARTE, 2004). Nessa época, muito embora tenha que se reconhecer que o compromisso com o crescimento do país tenha sido uma política acertada, e que sucedeu sim uma efetiva distribuição de renda e uma maior inclusão social, com a expansão do crédito e do consumo, e a melhoria dos principais indicadores gerais, ainda assim, as promessas de reforma não são cumpridas, e o problema continuou longe de ter o tratamento apropriado e mais do que necessário (OLIVEIRA, 2010). Não sabemos se pela ausência de opções ou pela certeza de que já não havia mais como corrigir o que não funciona há muito tempo. 5 – Considerações finais O escritor italiano Aretino proferiu que “as únicas falsas loucuras que ainda existem são aquelas que vez por outra os sábios cometem” (BARELLI; PENNACHIETTI, 2001, p.561). As pessoas à frente do destino do país, responsáveis pelo pensamento estratégico da nação, tem o dever de raciocinar sobre os passos tomados até aqui, uma vez que insistir no caminho equivocado, repetindo erros históricos, de nada surte efeito face à realidade de um mundo pós-globalizado como o que nos deparamos atualmente. Por tudo que fora explanado, deveríamos ter em mente as consequências que algumas “loucuras” do passado têm sobre a vida prática de cada um de nós. Rudolf Von Ihering (2000, p.77) sentenciou: “Mas, se só chegamos a compreender as lições da história quando já é tarde, a culpa é nossa; não é por causa da história que não as percebemos em tempo, pois ela nos ensina de forma clara e inconfundível”. Por isso é que mudar se revela algo realmente prioritário.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/breve-exposicao-da-fatidica-historia-tributaria-brasileira/
Análise da ineficiência da execução fiscal perante a Justiça Federal
A Justiça Federal não tem oferecido solução rápida e eficiente às iniciativas de cobrança do passivo fiscal da União. Custosa, letárgica e destoante da realidade, a jornada processual disciplinada pela Lei nº 6.830/1980 não mais se coaduna com os resultados almejados pelo Fisco, pelo contribuinte e pela sociedade. As causas determinantes deste quadro encerram o objeto de estudo do presente artigo, de modo a gerar a precisa reflexão sobre o tema.
Direito Tributário
1 – Introdução “Quantas vezes já te disse que, depois de se eliminar o impossível, qualquer coisa que reste, por mais improvável que seja, tem de ser a verdade?”Arthur Connan Doyle[1] A execução fiscal é a forma de o Estado obter, judicialmente, a satisfação do crédito tributário a que tem direito. A situação de inadimplemento do contribuinte acaba por deflagrar isso. Legalmente constituído, dotado de certeza e liquidez, o Poder Executivo, defrontando-se com essa configuração de eventos, vencida a fase administrativa, com o título em mãos, não tem mais o que fazer, a não ser buscar o Judiciário, a quem caberá a penosa função de tentar levar aos cofres públicos aquele numerário. Entretanto, este procedimento, regulado pela Lei nº 6.830/1980, e apesar de contar com varas especializadas, é demorado, principalmente por seguir os moldes da execução processual civil. Interessante registrar que a “exposição de motivos” do Projeto da Lei de Execução Fiscal dispunha que o objetivo, com sua edição, era a agilização e a racionalização da cobrança da dívida. Não foi o que aconteceu, nem é o que se vê. Partindo-se da citação do devedor, para que indique bens à penhora ou, em desejando, contraponha-se aos argumentos oferecidos, assegurando o processo com o depósito ou a fiança bancária, a marcha processual segue por uma estrada demorada. Levada a cobrança judicial a cabo, exceções de pré-executividade ou embargos podem ser opostos, os quais, em não logrando êxito, culminarão com a adjudicação pelo Estado daquela propriedade em litígio. Vê-se, com isso, que, até sua conclusão, tal ritualização consome tempo, demanda custos, onera o Estado, congestiona de processos a já estanque Justiça e inviabiliza o pleno funcionamento da Fazenda Pública (MELO, 2012). Na análise de pontos nevrálgicos, especialmente os relativos à celeridade e à efetividade, pela alta dose de formalidade envolvida, deparamo-nos com sérios problemas, a começar pela quase total ineficiência desse sistema de cobrança. “Em suma, já não se pode conceber o ‘processo’ sob uma visão mítica, abstraindo-se o próprio meio no qual vive e se desenvolve: a justiça, seja no campo do Judiciário ou nas vertentes administrativa e legislativa” (NOGUEIRA, 2002, p.110). E, como no aforismo de Elias Canetti, “o mais difícil é redescobrir o que já se sabe” (BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.130). Sabe-se que causas a versarem sobre matérias abrangendo a União são exclusivas da Justiça Federal. Quem deve e não paga tributos federais, ou não cumpre as obrigações a eles correlatas, submete-se aos métodos e aos meios de cobrança erigidos pela Fazenda Nacional, envolvendo desde atividades da própria Administração, até mesmo a edificação do litígio judicial, com o respectivo processo de execução fiscal, o que não soluciona nada, uma vez que essas são, simplesmente, demandas que não podem ser evitadas. Em outras palavras, permanecendo o contribuinte em posição de devedor, o Estado é obrigado, em obediência aos ditames legais, a perseguir aqueles valores lançados, de maneira que, o grande contingente de processos executivos, a paralisar o Judiciário, não está a depender de uma escolha por parte do Poder Público: eles existem e aumentam exponencialmente, independentemente do que se faça, pois encerram o cumprimento de um dever. O Estado já faz o que pode, com o que tem a seu dispor, haja vista que, embora aplique os recursos de que dispõe, em termos de pessoal e tecnologia da informação, não se vislumbra a mínima melhora que seja no quadro da cobrança dos créditos tributários a que tem direito. E essa situação encontra guarida na constatação de que é a própria disciplina do processo de execução fiscal que se revela precária e insuficiente para abranger e lidar com a complexidade e a quantidade dos litígios que surgem diariamente, figurando como entrave a qualquer aperfeiçoamento nesse sentido. E o eventual prejuízo para a sociedade ultrapassa os meros e corriqueiros problemas notórios e inerentes ao acesso e alcance dos serviços disponibilizados pelo Judiciário, pois, como salienta Gomes (2009), a baixa eficiência da cobrança da dívida ativa, além de prejudicar sobremaneira a arrecadação por parte do Fisco, atinge diretamente o caráter “pedagógico” da tributação, abalando a relação entre Estado e cidadão-contribuinte, minando qualquer possibilidade de avanço da temática e atravancando o desenvolvimento nacional. Faceta de uma execução fiscal que há tempos merece a devida reanálise. Cícero proferiu que “nada é perfeito quando encontrado” (BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.7). O Judiciário Federal não funciona a contento. Eis um fato. Motivo para enfrentar os fatores determinantes desse enorme problema. Excesso de demandas, custo, tempo e arrecadação deficitária são algumas das causas. 2 – Congestionamento de ações a dificultar o funcionamento do Judiciário Possibilitar o ingresso de novos processos representou, no passado, uma estratégia governamental para tentar abranger e oferecer solução às mais variadas contendas que emanavam da existência em coletividade. Era esse um aspecto indissociável da cidadania.  No entanto, a facilitação em se buscar o Judiciário não representou ganho positivo ou qualitativo para a pacificação dos conflitos. Muito pelo contrário. O agigantamento do Poder julgador, tanto em tamanho como em legislação aplicada, acarretou outros ônus e encargos sociais nunca antevistos, criando obstáculos inesperados à realização das expectativas de quem quer que seja, inclusive dos próprios entes estatais. Amarrado ao ritualismo e às garantias processuais, a execução forçada de um bem, por qualquer que seja o valor discutido, exaure tempo, que, enquanto unidade construtiva, é cada vez mais precioso para o mundo atual, em atendimento a um pós-modernismo legal que reclama saída para os procedimentos jurídicos aplicados desde sempre, questão essa que acaba por ser agravada pelo número expressivo de ações. Logo, tendo esse enfoque, deparamo-nos com o congestionamento de execuções fiscais a potencializar os danos à efetividade e à celeridade do sistema. Para o Conselho Nacional de Justiça (2010), o indicador denominado “taxa de congestionamento”, em termos sintéticos, é o correlacionado ao estoque ou a quantidade de processos “parados” em dado tribunal. Esse conceito pretende “medir se a Justiça consegue decidir com presteza as demandas da sociedade, ou seja, se as novas demandas e os casos pendentes anteriores são finalizados ao longo do ano” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010, p.16). A Resolução CNJ nº 76/2009 veio a substituir a variável “sentenças” por “processos baixados” e “casos pendentes de sentenças” por “casos pendentes de baixa”, de forma que, consoante a metodologia empregada na confecção das estatísticas por esse órgão, a taxa de congestionamento passa a ser contabilizada a partir do índice resultante da divisão dos casos não baixados pela soma dos casos novos e dos casos pendentes de baixa (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010). Atualmente, a Justiça pátria, consideradas a estadual, a federal e os tribunais superiores (menos o Supremo Tribunal Federal e os Conselhos), encontra-se em uma situação em que são 89 milhões de processos em tramitação. Destes, 26 milhões ingressaram no ano de 2011, conquanto 63 milhões já se achavam pendentes. Foram proferidas 23 milhões de sentenças (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, 449-450). De posse desses números, utilizando-se da fórmula revelada ao parágrafo anterior, chega-se a incrível taxa de 71% dos processos congestionados. Para a finalidade do nosso trabalho, as execuções fiscais, detidamente no âmbito da União, sobressaem no quantitativo de casos pendentes de julgamentos, operando no aumento de demandas para além do aceitável. Mais uma vez referindo-se ao Conselho Nacional de Justiça (2012, p.448), no relatório “Justiça em Números 2012”, está cabalmente asseverado que “a maior causa da morosidade são os processos de execução de título extrajudicial fiscal”. Tem-se ainda que considerar que “ingressaram no Poder Judiciário mais processos na fase de conhecimento do que da fase de execução, entretanto, como também foram baixados mais processos nesta fase, o estoque é composto majoritariamente por processos de execução” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, 448).  Em outros termos, os processos de conhecimento encontram resolução em menos tempo, não se somando aos que, oriundos de períodos anteriores, já se encontram nas prateleiras dos fóruns, tendo impacto limitado e controlado na lentidão da Justiça Federal, ao passo que os de execução fiscal engrossam os números do congestionamento de ações, levando à piora do quadro, por não serem solucionados adequada e oportunamente, com a requerida celeridade. Como se pode depreender, para onde quer que se olhe, qualquer diagnóstico sobre o problema da quantidade assoberbada de trabalho do Judiciário, aponta que grande parte da dificuldade em se proceder à baixa dos processos está restrita à execução, especialmente à relacionada à área fiscal. Até porque, dos 11,5 milhões de processos em tramitação na Justiça Federal, 4,3 milhões estão na fase de execução, destacando-se a execução fiscal, responsável por 3,5 milhões do volume processual, que obteve crescimento acentuado nos casos novos em 2011, passando de 275 mil processos ingressados em 2010 para quase 447 mil em 2011, ou seja, aumento de 62% (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, 203). E é por informações como essas que se chega à declaração categórica de que as execuções de títulos extrajudiciais fiscais estão na base dos problemas dessa Justiça específica, “tendo em vista que representam cerca de 37% do total do estoque e apresentam taxa de congestionamento de 92%. Desconsiderando esses processos, o congestionamento da fase de execução passa de 83% para 52%” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, p.200). Portanto, resumindo esse item, afirmar-se-á que a causa essencial da morosidade do Judiciário federal, ao se considerar o volume de processos, é majoritariamente da execução fiscal, pois estas ações constituem mais de 1/3 de tudo que tramitou na primeira instância desta Justiça no ano de 2011. Mas isso não é tudo, pois, de cada 100 processos de execução de título extrajudicial fiscal iniciados, apenas 10% encontraram solução no mesmo ano de ingresso, ou seja, “[…] um estoque de execuções fiscais pendentes nove vezes maior que o total de execuções fiscais iniciadas” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010, p.44). Dos 2.609.866 dos processos de execução fiscal em tramitação, somente 282.099 foram baixados, com 183.351 sentenças proferidas (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010, p.44). Se não fossem considerados esses processos, há anos aguardando desfecho, a taxa de congestionamento dessa etapa executória fiscal cairia imediatamente de 85% para 74% (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, p.448), com melhoria significativa na velocidade do trâmite dos demais processos. 3 – Alto custo do processo como fator inviabilizante da fase executória fiscal perante a Justiça Federal A Justiça tem um preço? A pergunta é difícil, pelas mais diversas razões, porém, em resposta, diremos que sim. Manter a estrutura judiciária pesa, e muito, aos cofres públicos. “Recursos humanos, materiais e tecnológicos são consumidos no sofisticado processo de buscar um nível satisfatório de justiça na resolução de disputas e conflitos. Este esforço público tem um custo, que é variável e pode ser mensurado” (IPEA, 2011b, p.8). Dessa maneira, uma ação, ao ingressar no processamento comum de um tribunal, é tão somente mais uma diminuta peça a compor o intrincado problema envolvendo a prestação jurisdicional no nosso país. E, para impor ao inadimplente as sanções de entregar forçosamente aquilo que é devido, se gasta bem mais que o próprio numerário ali discutido. A lógica passa longe disso, não existindo fórmula econômica que demonstre o contrário. Porém, é o que tem acontecido no Brasil no caso envolvendo a execução de créditos tributários, de forma que o dinheiro comprometido na cobrança desses valores é a sutileza que mais atrai aqueles que se dedicam a estudar esse problema. Ninguém pode negar que o maior usuário da Justiça é o Estado. Existem estimativas dando conta de que, na Justiça Federal, 60% das ações envolvem o setor público de alguma forma, sobremaneira nos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal, uma corte constitucional, tem 80% de seus processos relacionados ao Poder Executivo federal. No Superior Tribunal de Justiça, a situação se repete, com mais de 85% da carga de trabalho envolvendo o governo, de forma direta ou indireta. E em mais de 70% dessas causas, a subida a instâncias superiores tão somente piorou o congestionamento da justiça, sem modificar a decisão inferior contrária ao Estado (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO, AZEVEDO, 2009, p.21). Constatado isso, não se pode desviar o foco da observação de que tamanha litigiosidade adquire feições meramente protelatórias, haja vista que o Estado é o agente que mais se utiliza da estratégia de ingressar com recursos e apelações, mesmo diante de poucas chances de vitória. “Hammergren (2007) não tem dúvidas de que grande parte da carga de trabalho dos tribunais brasileiros deve-se a esta prática dos procuradores públicos” (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO, AZEVEDO, 2009, p.21). Sem restrições para litigar, o Estado, em suas esferas federal, estadual e municipal, muitas vezes em posição devedora, emprega esse subterfúgio. Em alguns desses processos, o ganho de tempo com o adiamento de uma decisão final é o maior objetivo. “É o que o Banco Mundial (2004) descreve como sendo controle do fluxo de caixa via Judiciário” (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO; AZEVEDO, 2009, p.22). O alvo dessa prática altamente lesiva tem lastro em causas previdenciárias, quitação de precatórios e execuções fiscais variadas, rebaixando para além do tolerável a qualidade da prestação jurisdicional. No avesso da história, o Estado, que emprega um processualismo nocivo e exacerbado em sua rotina de defesa executória, é também refém de idêntica circunstância quando tenta receber ou cobrar tributos e multas de sua competência. Afinal, o cidadão contribuinte em débito, denominado sonegador, tendo conhecimento das falhas e das dificuldades com as quais se depara a Fazenda Nacional e as Varas de Fazenda Pública, bem como estando ciente da morosidade da Justiça Federal, enxerga no adiamento desses pagamentos uma oportunidade única e providencial de postergar o que sabe ser inevitável, ocasionando custos para a Administração e para os tribunais, arriscando com o tempo e com a baixa efetividade dos meios de cobrança. Micheli Pereira (2010), também antevê esse ardil em manipular procedimentos. Para tanto, a autora lista quatro características inerentes a um bom Judiciário: baixo custo, decisões justas, celeridade e previsibilidade. À medida que se distancia desse referencial, o mau funcionamento do sistema prejudica o crescimento econômico do país, levando os protagonistas sociais a escapar das “armadilhas legais”, e por consequência, a gerar danos ou prejuízos. A etapa executória, no campo fiscal, é um verdadeiro dilema econômico, do qual os “atores” produtivos mantém uma relação estreita e ambígua, “porquanto, por vezes, consideram que a morosidade atrapalha o desenvolvimento de suas atividades empresariais, e, outras vezes, entendem que a morosidade auxilia a adiar o cumprimento de determinadas obrigações, beneficiando assim suas atividades” (PEREIRA, 2010, p.54). Empresas que honram com seus deveres fiscais se veem, na enorme maioria das vezes, na impensável contingência de ter que concorrer com outras que, conhecedoras da ineficácia dos métodos de cobrança vigentes e com a paralisia existencial da Justiça, insistem em dever e protaem o quanto podem o pagamento de tributos, tirando vantagem, literalmente manobrando com prazos processuais. Tal conjugação de fatores repercute nos mercados, mostrando-se essencialmente danosa à livre concorrência, abalando os relacionamentos negociais, elevando os custos de transação, transferindo as inesperadas variações ao consumidor final, unicamente por lidar com aspectos relacionados à demora prestacional da esfera judicante. Denota-se, que o manejo da litigiosidade é uma prática corriqueira em cerne tributário, tanto da parte do cidadão comum e da iniciativa privada, como do próprio Poder Público, o que enseja o ajustamento do renomado “jeitinho brasileiro”, com a providencial reescrita daquela célebre máxima “devo, não nego, pago quando puder… ou quiser”. No encalço dos custos judiciais, cumpre frisar, consoante dados do Conselho Nacional de Justiça (2012, p.447-450), que, em 2011, o Poder Judiciário, analisado como um todo, exauriu a cifra de R$ 50,4 bilhões, o que, em termos percentuais, corroeu 1,24% do PIB nacional. Entre 2010 e 2011, a despesa cresceu 13,4%. No que tange aos recursos humanos disponíveis, eram 16.918 magistrados e 366.428 servidores. O dispêndio com pessoal, nessa época, respondeu por 90% dos gastos totais da Justiça, ou R$ 45,2 bilhões. Tivemos, nesse período, uma média de 4.594 processos por magistrado. Somente a Justiça Federal teve uma despesa de R$ 6,7 bilhões (0,2% do PIB, ou 0,4% do total da despesa pública da União), sendo R$ 151, 6 mil reais por servidor e R$ 4 milhões por magistrado. E, considerando os 192 milhões de brasileiros[2], o gasto com o Judiciário Federal alcançou a bagatela de R$ 35 por habitante, ao ano, quer estes se utilizem ou não dos serviços judiciais. Igualmente, no rol dos gastos, assegurar-se-á que um processo novo custa R$ 1.693,94, que é o valor despendido pelo Estado para manter a estrutura requerida pelos procedimentos judiciais necessários ao correto e pleno deslinde de uma única ação, quer cognitiva, quer executória. Carlos Eduardo Richinitti diz que “isso significa que em alguns casos é mais barato o Judiciário pagar para o potencial litigante que deixar o processo gerar mais gastos com servidores, pois o valor da causa mostra-se inferior às despesas geradas com a tramitação do processo” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011d, p.10-11). Por conseguinte, deve haver o reconhecimento do flagrante prejuízo ao erário a partir do instante em que um ente público arca com ônus superiores aos bens ou valores envolvidos em uma demanda, de modo que, monetariamente falando, um processo, a depender de certos fatores, pode vir a não compensar. Na órbita da Justiça Federal, ao analisar as ações de execução fiscal, a coisa se revela muito pior. E o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA (2012, p.12), objetivando traçar um perfil de tais demandas, e tendo por farol o exercício de despesas correntes de 2009, erigiu um indicador denominado “custo médio por processo/dia”, o qual pode ser determinado a partir da conversão do orçamento executado em orçamento diário, subdividindo-o, em seguida, pelo número de processos que tramitaram no primeiro grau de jurisdição. Portanto, “considerando-se o orçamento executado de R$ 4.912,7 milhões e um total de casos pendentes e processos baixados de 8,5 milhões, tem-se que o orçamento diário da Justiça Federal de Primeiro Grau é de R$ 13,5 milhões e o CMPD [custo médio por processo/dia] do ano de 2009 é de R$ 1,58” (IPEA, 2012, p.12). De outro lado, é também certo que o processamento dessas ações executivas gera ao Judiciário alguma renda sob a forma de custas apuradas, as quais tem valor médio de R$ 35,49. Ao final de tamanha racionalização, chega o IPEA ao “custo médio provável” de um único processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que é de R$ 5.606,67 (IPEA, 2012, p.13). Seguindo adiante, o IPEA fixa a probabilidade em se obter a recuperação integral do crédito em 25,8%, o que eleva o “ponto a partir do qual é economicamente justificável” promover-se judicialmente a cobrança de créditos fiscais para o piso de R$ 21.731,45. “Ou seja, nas ações de execução fiscal de valor inferior a este, é improvável que a União consiga recuperar um valor igual ou superior ao custo do processamento judicial” (IPEA, 2012, p.14). Episódio esse que justificaria o reajuste do piso mínimo para o ajuizamento de ações de execução fiscal da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional de R$ 10.000,00, de acordo com os ditames da Lei nº 10.522/2002, para R$ 20.000,00 (IPEA, 2012, p.14). Também relata o Instituto que a mudança permitiria uma redução progressiva do volume de trabalho daquele órgão em torno de 52% ao longo dos nove anos seguintes, e em 9% o estoque de ações em andamento na Justiça Federal (IPEA, 2012, p.15). Não há que se pensar que os estudos do IPEA estejam restritos ao plano teórico, pois os reflexos dessa crise fiscal aparecem nas mais inusitadas áreas. Basta ver que, no ano de 2011, o IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pensou em suspender a cobrança de pequenas multas ambientais, sob a alegação de que os altos custos dos processos judiciais, a superar o valor da maior parte das penalidades dessa categoria, inviabilizaria a cobrança. A proposta seria a de transformar todos os autos de infração com valor de até R$ 2.000,00 em meras advertências, sem consequências pecuniárias para o infrator. Mais de 95% das multas recolhidas por esse órgão tem teto nesse valor, e, caso aprovada, a medida ocasionaria a perda automática de R$ 100 milhões de reais em multas, referentes aos 115 mil processos já em andamento (FERNANDES, 2011). Como se depreende, os efeitos do caráter estanque da Lei de Execução Fiscal são sentidos na prática. Temos agora que vencer outra vertente, ainda mais prejudicial à União, e esta é a que busca identificar os proponentes de tamanho quantidade de processos. Para o pesquisador do IPEA, Alexandre dos Santos Cunha (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011d, p.13-16), o problema da execução fiscal é sério a ponto de distorcer as estatísticas oficiais, dificultando um estudo pormenorizado, a começar pela dificuldade em estabelecer o perfil das demandas. Segue ele discorrendo que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional move apenas 50% das ações executórias fiscais, e que a Procuradoria Geral Federal, outro legitimado a propô-las, como representante de autarquias e fundações públicas federais, responde por cerca de 10% (8,9%) das demais. O que é estranho, pois estes dois órgãos deveriam ser seus principais autores. Logo, indaga-se: se a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional somente é autora de metade dos processos, de onde vem todo o restante de execuções fiscais a entulhar a Justiça Federal? O entendimento no tocante a isso advém justo dos principais concorrentes das Procuradorias Federais, a não surgir nas pesquisas, que são os Conselhos Profissionais, como Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, Conselho Federal de Medicina etc., que detém o controle sobre quase 37% das ações ingressas no sistema. “As ações movidas por essas organizações paraestatais explicam parcialmente a quantidade expressiva de executivos fiscais movidos inicialmente contra pessoas físicas (39,5%), em relação ao total patrocinado contra pessoas jurídicas (60,5%)” (IPEA, 2011b, p.30-31). Há ainda que se considerarem outros coadjuvantes menores, como os 0,6% de ações movidas pelos departamentos jurídicos de bancos públicos federais (IPEA, 2011b). Estas, na imensa maioria dos casos, não passam de cobranças de taxas, multas decorrentes de procedimentos fiscalizatórios e mensalidades ou anuidades de profissionais liberais em atraso, com valores muito baixos, em uma média que vai de R$ 600,00 a R$ 1.500,00, e, não raro, chega-se mesmo a encontrar execuções da ordem de R$ 15,00 ou R$ 30,00, perdidas entre tantas outras. Os impostos, objeto de cobiça por parte da União, em verdade, não totalizam nem 30% (27,1%) das demandas, seguidos de perto pelas contribuições sociais, com 25%, e por outras verbas destinadas à União, como aforamentos, laudêmios e obrigações contratuais diversas, contribuindo com 10% (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011d; IPEA, 2011b). Em documento do IPEA (2011b), surge inclusive a afirmação de que a execução fiscal vem sendo irresponsavelmente empregada pelos conselhos de fiscalização das profissões liberais como forma primária de cobrança. O instituto diz isso com base no valor irrisório das ações propostas por tais entidades, a reduzir a quantia média cobrada, dos mais de R$ 22 mil apurados pela a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e pela Procuradoria Geral Federal, para uma mediana de apenas R$ 1.377,60. Ou seja, esses conselhos tem movimentado o aparato judicial da União para perseguir débitos cujo processamento não possuem a devida compensação entre custo e benefício, o que é inadmissível. E, “com o objetivo de reduzir, ou mesmo eliminar, essa pratica, recomenda-se que as custas judiciais e taxas judiciárias sejam fixadas de modo a desincentivar economicamente o uso abusivo”  (IPEA, 2011b, p.72-73). Primafacie, com a conjetura exibida, o aumento do valor mínimo apto a deflagrar uma cobrança judicial pela União surtiria sim efeito prático na redução da litigiosidade, já que “a adoção de medidas que resolvam o problema da execução fiscal será importante para o desempenho institucional global do Judiciário” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011a, p.20). Mas a mudança sugerida pelo IPEA deve ser pensada com cautela, pois, embora o Conselho Nacional de Justiça, com propriedade, aponte a sobrecarga de trabalho da Fazenda Pública como fator imperante na morosidade da Justiça Federal, e que a letargia desta encontra-se justo no congestionamento de ações de execução fiscal, a solução mais simples, que seria a retirada de processos infrutíferos do sistema, pode não ser a mais apropriada. O problema merece ser enfrentado e não deixado de lado. Até porque a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional tem obtido taxas de sucesso maior que os demais protagonistas na execução desses créditos, com uma média de arrecadação de R$ 54.783,77. E o custo, embora alto e desproporcional, de mais de R$ 5.000,00, para esta entidade, por execução fiscal, conforme anteriormente descrito, não é obstáculo justificável o suficiente a definir a exclusão de ações ou o abandono de determinados processos, por seu baixo valor unitário. Com tal entendimento, esse ajuste pediria a completa reescrita das estratégias de cobrança, de modo a abarcar os óbices visualizados, sob pena de sinalizar à sociedade que multas, taxas, contribuições e impostos de pequena monta não devem ser pagos, pois nem cobrados seriam, apenas mascarando o problema, abrindo-se mão de pequenas quantias preciosas para entes públicos diversos. 4 – Tempo decorrido excessivo a onerar o Estado e prejudicar a sociedade Em 2007, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, criou uma comissão destinada à elaboração de um relatório sobre o Anteprojeto de Lei de Execução Fiscal Administrativa, proposto naquela época pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Neste, a exposição de motivos elenca alguns dos principais problemas da execução fiscal, e o componente “tempo” sobressai. Literalmente, é declarado: “estima-se, no âmbito da Procura­doria-Geral da Fazenda Nacional, que, em média, a fase administrativa dura 4 anos, enquanto a fase judicial leva 12 anos para ser concluída, o que explica em boa medida a baixa satisfação eficá­cia da execução forçada” (GOMES, 2009, p.87). Porém, o IPEA destoa do que alegam a Fazenda Nacional e a Associação dos Juízes Federais do Brasil a respeito do tempo despendido no processamento das execuções fiscais na Justiça Federal, chegando a um cálculo díspare, consoante o qual dois resultados são contabilizados: a) para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, “o tempo médio total de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias” (IPEA, 2012, p.14); b) já para o “grosso” de litigantes, aí compreendidos todos os entes públicos federais autores de execuções fiscais, como a Procuradoria Geral Federal e os Conselhos Profissionais, dentre outros, inclusive a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o tempo é de 8 anos, 2 meses e 9 dias (IPEA, 2011b, p.45). A justificativa para a diferença está nos valores médios das execuções propostas e das recuperações efetivadas. Enquanto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional arrecada mais de R$ 50.000,00, lidando com numerários maiores, os outros enfrentam questões menos trabalhosas, pois, quando consideramos o geral, com o somatório de todos os entes, o valor cai para R$ 9.960,48. Nada obstante, as ações desencadeadas pela Procuradoria Geral Federal são mais demoradas do que aquelas promovidas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, ao passo que as ações patrocinadas pelos Conselhos Profissionais são, em regra, mais céleres. Como as dos Conselhos tem participação absoluta de mais de 30% do total de processos, acabam por puxar as estatísticas para baixo, estabelecendo um lapso temporal contraposto aos dos demais. Portanto, a menor complexidade do litígio repercute no tempo final da execução fiscal na Justiça Federal, o que elucida a diferença entre os tempos apurados. Interessante que, na elaboração dessa informação, a Lei de Execução Fiscal foi decomposta em etapas, a saber: autuação, despacho da inicial, citação, penhora e avaliação, leilão, abertura de vistas ao exequente, afora a defesa do executado, com exceções (ou “objeções”, como surge no texto do IPEA) de pré-executividade, embargos do devedor, recursos (agravos, apelações, recursos especiais ou extraordinários), sentença e, por fim, baixa definitiva. Cada uma delas, autonomamente sopesada, encerra desafios ao aperfeiçoamento da execução fiscal, esgotando tempo e recursos humanos e materiais preciosos do Judiciário Federal. Foi com uma técnica denominada “carga de trabalho ponderada” que “mediu-se o tempo médio total de tramitação, que considera o intervalo de tempo transcorrido entre o momento processual no qual se ordena a prática do ato e o instante no qual este e efetivamente concluído” (IPEA, 2011b, p.41). Determinando-se a quantidade de dias consumida em cada fase da execução fiscal, o IPEA pôde coletar e adequadamente mensurar os dados oriundos dos processos e da rotina das Varas de Fazenda Pública Federal, construindo um modelo capaz de desnudar as estatísticas, trazendo luz aos conceitos de morosidade judicial e de congestionamento de ações, permissionando uma melhor compreensão do problema, bem como o seu exato dimensionamento. Consideremos, para fins do que passamos a abordar, o que o IPEA nomeou de “processo de execução fiscal médio”, que será objeto de exame. Entre a elaboração da petição inicial pelo exequente (que intenta a execução judicial) e a autuação na Justiça, se passam 117 dias. Após a autuação, até que um magistrado ordene um despacho, mais 66 dias se vão. Depois de 28 dias há a ordem de citação, e, pasme, necessita-se de 1.287 dias para que se ache o executado, ou se extinga o processo, caso não apareça ninguém. Não se confunda, pois ainda não superamos a citação, e o “processo de execução fiscal médio” já requereu 1.315 dias, ou 3 anos e 7 meses, sem que se encontrasse o devedor. No decorrer dos procedimentos legais, a determinação de penhora não ocorre antes de 540 dias, e o leilão precisa de 743 dias para ser organizado e efetivado. Foram-se mais 3 anos e meio sem que a execução tivesse solução. As vistas ao exequente tem prazo aberto nas fases do processo, por isso não foi aqui mencionada. Tratando-se da defesa do executado, tem-se que as exceções de pré-executividade prolongam a demanda por mais 574 dias e que os embargos de devedor ou de terceiros estende a questão por outros 1.566 dias. Lá se foram outros 5 anos e 10 meses de resistência do inadimplente sem que o Estado tenha recebido nada. Ainda na esfera dos recursos, cada agravo, recurso extraordinário, recurso especial ou embargo de declaração pede 332 dias para apreciação, atrasando a baixa definitiva do processo em 175 dias, representando um incremento de 507 dias no tempo total de tramitação. Finalizados tais meios de defesa, a sentença pedirá outros 243 dias para ser preparada e devidamente publicada. “Consequentemente, o tempo médio total de tramitação de um ‘processo de execução fiscal médio’ é de 2.989 dias, ou seja, 8 anos, 2 meses e 9 dias. Note-se que essa e uma media provável, produzida em função da frequência media provável e do tempo médio provável das etapas que compõem o executivo fiscal” (IPEA, 2011b, p.41-42). Visto o acima expresso, a execução fiscal na Justiça Federal é muito demorada, com ocorrências principais, como a citação, insurgindo em um “imenso gargalo inicial”, a qual, dada sua inoperância, paralisa todo o processamento executório. O próprio IPEA reconhece esse como um dos grandes empecilhos a serem vencidos, uma vez que em 43,5% das vezes o devedor simplesmente não é encontrado pelo sistema de justiça (IPEA, 2011b, p.32). Prosseguindo na avaliação do tempo desprendido, chegamos à participação e aos efeitos da mão de obra dos servidores abrangidos pelo processo, e os resultados divulgados pelo IPEA são curiosos. Senão, vejamos. Mesmo verificado que o tempo que a execução fiscal consome é da ordem de quase 3.000 dias, totalizando 8 longos anos, o trabalho das pessoas que com ela lidam consome, em média, apenas 646,2 minutos, ou seja 10 horas e 46 minutos (IPEA, 2011b, p.42). Dada a imensa distância entre os dois elementos fáticos, algumas reflexões mostram-se imprescindíveis de serem feitas. Primeiramente, perdas em eficiência são correlatas ao trabalho humano, qualquer que seja ele. Se a pessoa trabalha 6 horas por dia, e vem a gastar somente 20 minutos por processo, ela não é obrigada a, digamos, autuar 15 processos por dia, haja vista que, “como não é uma máquina, não pode existir a expectativa razoável de que o servidor passe todo o seu período de trabalho executando exclusivamente sua atividade-fim” (IPEA, 2011b, p.45-46). É simples assim, pois ninguém é um autômato, a depender de um aperto de botão para ligar ou desligar, para realizar ou não algo útil. Em segundo lugar, a realização das tarefas processuais não compõe uma linha de produção industrial, retilínea e sem modificações, muito pelo contrário, até porque cada fase depende da anterior para que possa se dar prosseguimento ao próximo ato, sendo comum a intervenção em atividades do mesmo tipo (por exemplo, juntada, cargas ao exequente etc.), as quais são realizadas em grandes blocos, o que envolve uma organização do trabalho voltada para o acumulo de autos que se encontram em determinada etapa do processamento para que haja movimentação conjunta com outros na mesma etapa (IPEA, 2011b, p.46). Logo, é um equívoco exigir que a Justiça adquira moldes de uma operação sequencial, o que iria de encontro ao seu próprio funcionamento. Em terceiro lugar, o “tempo morto” do processo, qual seja aquele em que nada lhe é acrescentado, em que nenhum passo é tomado rumo à sua conclusão, ficando parado, deve-se, às vezes, aos períodos de arquivamento provisório por ordem do exequente, ou na ocorrência de prazos processuais em benefício das partes, o que é normal, em respeito à legislação (IPEA, 2011b). Destarte, verifica-se que a morosidade do processo de execução fiscal, na Justiça Federal, tem causa, em parte, no modo como é gerenciado o trabalho desenvolvido pelos servidores públicos nas Varas da Fazenda Pública. E uma cultura organizacional burocrática e formalista não se coaduna com a modernidade legal, de maneira que não são apenas os prazos, ritos e fases recursais, prescritas à Lei nº 6.830/1980, os únicos culpados pelo aumento do tempo de processamento. As perdas temporais nas rotinas administrativas são tão prejudiciais quanto. Nesse ínterim, a adequação da mão de obra, por intermédio da atribuição de um maior dinamismo à sua atuação, com a correlata adoção de uma sistemática que permita o melhor aproveitamento do espaço ocioso do processo, especializando-se as funções, com a preciosa cooperação intersetorial, empregando-se ao máximo as tecnologias relacionadas à informação, e direcionando-se esforços para etapas como a citação e a penhora, são algumas das iniciativas propícias a deflagrar uma revolução no trato dessas ações. Ainda no estudo das causas do problema envolvendo a execução fiscal e o tempo de sua realização, alcançamos outro ponto relevante, que é a existência de dois patamares distintos: o processo administrativo, que é de competência de órgãos como a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e a Procuradoria Geral Federal, e o processo judicial, nas Varas da Fazenda Pública da Justiça Federal. Cada uma dessas instâncias de cobrança tem a referida e inescusável parcela de culpa no quadro atual de inadimplência, e os hodiernos obstáculos a se superar no caminho da melhora do procedimento e do consequente aumento da arrecadação acabam por serem os que desde sempre atravancam a solução rápida e eficaz de uma situação dessas, como veremos em seguida (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b). Existe, em nosso país, uma duplicidade de instâncias em matéria tributária: a administrativa e a judicial. Quanto à atuação da Fazenda Nacional, todos os ditames legais são observados, assegurando-se ao sujeito passivo o amplo direito de defesa, inclusive com recurso para esferas superiores. Por sua vez, mesmo reconhecida a completude do processo administrativo, garante-se concomitantemente ao contribuinte o acesso ao Judiciário. E o Fisco, embora realize seus próprios julgamentos, só encontrará eficácia na cobrança, e a posterior arrecadação dos valores, por intermédio da competente execução fiscal, perante o Poder Judiciário (KFOURI JÚNIOR, 2010). Logo, esse traço característico gera uma curiosa situação, à medida que “as duas instâncias atuam de forma muito independente, quase como se fossem mundos à parte” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b, p.20). São universos que não operam em regime de colaboração, mas que seguem lado a lado. Não se comunicam e ainda concorrem entre si. A produção de provas, no âmbito do Fisco, não serve para fins judiciais. Além disso, a “cultura jurídica” consolidada aumenta o conflito entre esses dois campos, uma vez que o contribuinte visualiza na esfera administrativa tendência decisória a favor do Fisco, voltada para os cofres estatais. De outro lado, para esse mesmo contribuinte, o Judiciário surge como um porto seguro, uma “luz de esperança”, onde o tratamento dispensado, em sentido oposto, tende a ser mais sensível ao elo mais fraco dessa relação, qual seja o cidadão comum. Para tanto, igualmente distingue-se um aspecto misto em ambas. As procuradorias públicas, em sua atuação, administram o direito público, e a Justiça, perseguindo a neutralidade de suas sentenças, possui Varas especializadas, até para dedicar esforços e profissionais a esse setor (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2011b). Tudo isso consome tempo, e a fase passada diante do Fisco, além de demorada, submete-se ao posterior crivo judicial. O cidadão, assumidamente inadimplente, procura esgotar as vias recursais administrativas que lhe são facultadas, para, só depois, rediscutir tudo novamente no Judiciário. E a dificuldade premente é que o devedor pode traçar, em atitude protelatória, os dois caminhos. Portanto, ao tempo de processamento da execução fiscal deve ser acrescida a média dos 4 anos em que a cobrança por parte do Executivo não logra êxito. Por sinal, é atitude recorrente das Administrações Fazendárias, ao constatar que créditos irão se perder, devido à prescrição, edificar os respectivos processos de execução, aos milhares, de uma única vez, e remetê-los à Justiça, congestionando ainda mais esse Poder julgador. Observado isso, conclui-se que, aos 8 anos, 2 meses e 9 dias declarados pelo IPEA, devem ser somados os quatro anos despendidos pelo Fisco, o que nos leva a afirmar que um crédito tributário da União pode não achar quitação antes de, no mínimo, 12 anos. 5 – Valores cobrados versus valores arrecadados: distanciamento da realidade Em 2012, a União, no estoque de sua dívida ativa, administrada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, tinha a quantia de R$ 1.104.963.098.381,66 a receber, valor que significou um acréscimo nominal de quase R$ 149 bilhões na comparação com o ano anterior, onde os créditos vencidos e não pagos somavam R$ 956 bilhões (PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 2013, p.4). No período entre o biênio 2011/2012, a arrecadação só abrangeu 1,37% do montante, ou seja, apenas R$ 13.636.907.233,73 foram recuperados. Ainda em 2011, os créditos tributários não previdenciários em execução fiscal na Justiça Federal totalizavam R$ 652 bilhões, aí considerados os parcelados e os não parcelados, estes em volume quase seis vezes maior do que aqueles, ou R$ 98 bilhões e R$ 554 bilhões, respectivamente (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2011). Pior é a constatação de que a efetiva arrecadação vivenciou uma queda, já que, em 2009, esta foi de mais de R$ 17 bilhões. Quer dizer, cresceu a dívida e também a quantidade de processos, porém o que foi coletado experimentou uma diminuição de mais de R$ 4 bilhões em dois anos (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2009). Os números anteriormente expostos são assustadores, mas repercutem o volume de trabalho enfrentado pelas Procuradorias e pelas Varas da Fazenda Pública Federal. Considerando que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional contava com 1.996 procuradores no fim de 2011, verifica-se que cada um desses funcionários arrecadou, em média, R$ 12,7 milhões, evitando-se a perda de R$ 277,652 bilhões (SIMÃO, 2012). Prosseguindo, haveremos de entender que a pesquisa realizada para a confecção do presente artigo científico abrange a quantidade de processos executórios fiscais de nível federal, de origem tributária e previdenciária, parcelados ou não, pendentes de resolução, com créditos vencidos e nunca quitados, e que se prestam a congestionar o sistema de cobrança judicial. Precisa-se arrazoar que ações desse porte, enquanto perpassem nos tribunais os 8 anos estipulados pelo IPEA, encerram direito da União que não adentra aos cofres públicos, por lentidão e ineficiência, frustrando a arrecadação e prejudicando a sociedade, pois a recuperação de, digamos, um percentual de 10% desses mais de R$ 1 trilhão, representaria R$ 100 bilhões em investimentos possíveis de ganharem realidade, o que, convenhamos, viria a ser uma revolução fiscal sem precedentes históricos, haja vista que o retorno social dos tributos poderia tornar-se evidente, com avanço significativo nas obras e nos serviços públicos entregues à população. Também há que se mencionar que as soluções das execuções fiscais, transitadas em julgado na Justiça Federal, chamam a atenção, pois não é por questões atinentes a custo ou tempo que tais processos não resultam em nada. Em 33,9% dos casos a baixa ocorre em razão do pagamento integral da dívida, índice que aumenta para 45% quando a citação obtém sucesso. Em seguida, vem o cancelamento da inscrição do débito (17%), a extinção sem julgamento do mérito (11,5%), a remissão (8%), o julgamento de embargos (1,3%), exceção de pré-executividade (0,3%) e o declínio de competência (0,2%). Ao final, apenas 12,3% das sentenças proferidas são recorridas pelo exequente (IPEA, 2011b). Pergunta-se: então, porque tamanha demora em resolver tais processos? Na busca da resposta, esses dados nos conduzem a ponderar sobre dois outros aspectos. Um deles é que o volume de executivos fiscais extintos por pagamento ou prescrição e decadência é praticamente o mesmo, o que indica que a probabilidade de o executivo fiscal obter êxito ou fracassar é quase idêntica. O outro diz repeito à extinção por pagamento, onde se tem que a quitação do débito em parcela única ocorre em 41,3% dos casos, enquanto que a adesão e o fiel cumprimento a programa de parcelamento da divida representam 36,3% (IPEA, 2011b). 6 – Considerações finais Em suma, o número de devedores que recorrem é baixo, e a taxa de reforma das sentenças é menor ainda, com o pagamento sendo a principal causa de extinção dos processos. Divisa-se, portanto, que é sim a ineficiência no processamento das ações perante a Justiça o que congestiona o sistema de cobrança, pois, se a resistência do inadimplente é estatisticamente baixa, não haveria outros motivos para o alto estoque de valores presos às execuções fiscais, senão os enumerados aos itens anteriormente abordados, provando as hipóteses levantadas, quais sejam às relativas à má gestão do Fisco e do Judiciário. Se o processo não concretiza a Justiça, descumpre sua função de aplicação da lei. E é a cidadania que resta diminuída, com a sociedade e o Estado acabando prejudicados. “Numa palavra: onde houver injustiça fiscal, lá estarão os comportamentos de resistência aos impostos, o que significa dizer que não há eficiência injusta que seja eficiente, já que só a justiça é eficiente” (PAULA, 2009, p.30). “A existência de um Estado democrático e republicano comprometido com a efetivação dos direitos e garantias sociais abrigados em nossa carta fundamental depende, em grande medida, da eficiência de sua arrecadação e execução orçamentária” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007.p.7). Alberto Nogueira (2002, p.113) estava certo ao reconhecer que, “a situação hoje vivenciada no Brasil não tem a menor semelhança ou sequer ponto de contato com o devido processo legal tributário, constituindo-se, ao contrário, em negação de sua existência”. E é com isso em mente que, seguindo rumo ao que deveria ser um sistema tributário próximo do ideal, a Justiça haverá de funcionar a contento, reconhecendo e atendendo aos anseios do Fisco e do contribuinte. Nas palavras de Bertolt Brecht, “apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la” (BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.485). De posse desse axioma, conhecer mais a respeito das dificuldades enfrentadas pelo Estado no processamento de execuções fiscais, por tudo que fora dito aqui, inaugura a oportunidade de fomentar a reflexão, estabelecendo os pilares de um futuro debate, apto a transformar a sociedade, resolvendo o caos tributário em que nos achamos imersos.  Tocqueville raciocinou que “o passado, quando não mais ilumina o futuro, deixa o espírito andando nas trevas” (OST, 2005, p.10). Henry Ford asseverou: “o fracasso é a oportunidade de começar de novo inteligentemente” (GUARACY, 2001, p.88). Seguindo essa estrada renovatória, algumas importantes atitudes sobressaem às demais, de maneira que verticalizar uma resolução plausível deve ser a meta de qualquer governo que se preze. “A Administração Tributária tem de fazer parte da solução e não do problema. Para tanto, os funcionários desta Administração devem se conscientizar de que não são apenas servidores do Estado, mas também assistentes dos cidadãos.” (PAULA, 2009, p. 44). Minimizar a sobrecarga de trabalho das advocacias e procuradorias públicas, enfrentar as causas do congestionamento do Judiciário, repensar o tempo das ações, gerir melhor os recursos humanos e materiais disponíveis e conscientizar-se sobre os custos envolvidos na cobrança da dívida ativa da União são apenas parcelas do desafio. Terminando, é contraproducente persistir com um modelo inoperante como o que nos deparamos atualmente. Não obstante, mudar a estrutura de cobrança do Fisco e aperfeiçoar o funcionamento do Judiciário para que se possa arrecadar mais, com as desejadas eficiência e eficácia, respeitando o cidadão, enquanto usuário final do sistema, e estimulando o desenvolvimento do país, constituem as ideias a que se propôs a explicar e analisar o artigo que agora se encerra.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/analise-da-ineficiencia-da-execucao-fiscal-perante-a-justica-federal/
A não incidência do ITBI (Imposto de Transmissão sobre Bens Imóveis) nas desapropriações por utilidade pública
A desapropriação por utilidade pública, não abarca a cobraça do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), ocorre que alguns municípios, estes que possuem competência para efetuar a cobrança de referido imposto, entendem que a cobrança é válida e legal. Pretende-se demonstrar que não há que se falar em dever de recolhimento de ITBI nestas ações, visto que inexistente o respectivo fato gerador, que é a transmissão do bem. A desapropriação é forma originária de aquisição de propriedade, o que importa em dizer que é por si mesma suficiente para instaurar a propriedade em favor do Poder Público, esta independe de qualquer vinculação com o título jurídico anterior.
Direito Tributário
1. Introdução.  Objetiva-se, com esse trabalho, demonstrar a ilegalidade das leis municipais que instituem a incidência do ITBI na aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação por utilidade pública. Sabe-se que o tema proposto se afasta, e muito, do que é praticado no dia-a-dia. Em um Estado Democrático de Direito há a necessidade de os entes políticos que o formam serem providos de recursos, a fim de que cada um possa atender às suas próprias despesas, viabilizando a manutenção da estrutura político-administrativa desse Estado e de suas ações de governo. Para tanto, são criadas fontes de receitas, dentre as quais está a receita de natureza tributária. A Constituição Federal, para o ingresso de receita tributária, criou um sistema misto de partilha de competência, em que o poder de criar tributos é repartido entre os vários entes da federação – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Todos eles têm competência para criar determinados tributos. Contudo, o ente político, ao exercer sua competência tributária, está submetido a vários balizamentos definidos na Constituição e demais normas infraconstitucionais, dentre os quais está o campo de incidência do tributo e, conseqüentemente, de não-incidência (imunidade). Na hipótese desses limites serem ultrapassados, o ente exercerá competência que não lhe foi autorizada. Este trabalho pretende demonstrar que o legislador municipal, ao instituir o ITBI para as desapropriações por utilidade pública, ultrapassou essas fronteiras. A Constituição Federal de 1988 (artigo 156, II) estatui que os Municípios podem instituir imposto sobre transmissão a qualquer título, onerosa e inter vivos de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis. Pela leitura do texto citado, verifica-se que a competência outorgada aos municípios possui uma série de limitações impostas ao legislador municipal. Dentre elas, a impossibilidade de o tributo municipal abranger hipóteses em que não há transmissão voluntária de bens. Isto significa que o Município não tem competência para tributar as formas originárias de aquisição da propriedade imobiliária, tal como ocorre na usucapião ou na desapropriação. A transmissão imobiliária pressupõe a manifestação de vontade, que é materializada por meio da efetivação de um negócio jurídico hábil a gerar obrigações entre as partes. O que não ocorre na desapropriação por utilidade pública. Pretende-se ainda diferenciar compra e venda de aquisição originária de propriedade e também sobre os preceitos constitucionais e jurisprudências sobre o assunto, além de conceituar a ação de desapropriação por utilidade pública e o imposto sobre transmissão de bens imóveis.  2 – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis “inter vivos” – ITBI  Trata-se de imposto de competência municipal, relacionado à transmissão de bens imóveis “inter vivos”, utiliza-se a sigla ITBI para se referir a este imposto. Destaca-se que o recolhimento deste imposto se dá com o registro da Escritura Pública de Transmissão, feita no Cartório de Registro de Imóveis do local do imóvel. O artigo 156 da Constituição Federal estabelece que: “Artigo 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II. transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. §2º. …. I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;” Importante mencionar que toda transmissão “Inter Vivos” deve ser obrigatoriamente por ato oneroso. O parágrafo segundo do art. 156 da Constituição Federal menciona os casos de não incidência de referido imposto, são eles: sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Destaca-se que o fato gerador do ITBI é a transmissão de propriedade, direitos reais (com exceção das garantias) sobre os bens imóveis. O artigo 35 do CTN ( Código Tributário Nacional) menciona o fato gerador do Imposto sobre Transmissão: “Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II. Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.” Como já se viu, a competência de instituir o Imposto “Inter vivos” é dos Municípios, através de Lei Municipal. Nesta mesma lei deve conter o valor no qual incidirá a alíquota para a cobrança do imposto. 3 – A desapropriação por utilidade pública como forma de aquisição originária de propriedade A desapropriação por utilidade pública ocorre quando a transferência do bem é conveniente, embora não seja imprescindível. A necessidade pública decorre de situações de emergência a ser resolvida satisfatoriamente. A competência executória, isto é, para promover efetivamente a desapropriação, providenciando todas as medidas e exercendo as atividades que culminarão na tranferência da propriedade, é mais ampla, alcançando, além das entidades da administração direta e indireta, os agentes delegados do Poder Público, como os concessionários e permissionários. Trata-se de aquisição por modo originário de aquisição de propriedade, onde o Poder Público recebe o bem livre de vícios e expurgado dos ônus que o gravam, os quais se subrogariam no preço da indenização. Com escopo de diferenciar essas formas de aquisição, VENOSA (2003) ensina que, na aquisição originária, o adquirente não guarda qualquer relação com os titulares precedentes, ainda que estes possam ter efetivamente existido. Diferentemente, da aquisição derivada, em que há essa relação com o antecessor, por haver transmissão da propriedade de um sujeito para outro. Assim sendo, a aquisição da propriedade opera-se com a sentença na ação de desaprorpiação, e ao Cartório de Registro de Imóveis cumpre registrá-la à vista dos elementos constantes no título apresentado, logo, para a tranferência do domínio basta o título traslativo da propriedade, que no caso decorre de aquisição originária mediante processo expropriatório. Ressalta-se que a aquisição orginária não se caracteriza como transferência da propriedade, mas obtenção da propriedade de forma originária. Conforme argumentação de José Carlos de Moraes Sales, a desapropriação por utilidade pública possui como princípio basilar a predominância do interesse público sobre o particular: “Com efeito, para Pontes de Miranda, “ O fundamento da desapropriação está em que havendo conflito entre o interesse público e entre o interesse privado, que se não previu em lei, se há de atender àquele, dando-se satisfação a este indiretamente”. (…) Daí haver acrescentar “ assim se chegou a uma transação, admitindo-se que o proprietário seja privado dos imóveis sobre o que se exerce o seu direito mediante justa indenização e apenas nos casos em que os bens se destinem a um fim de utilidade pública superior à função social que estava a desempenhar”. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho defende o mesmo entendimento ao afirmar: “ A idéia fundamental, e que caracteriza juridicamente o instituto da desapropriação, sempre afirma que o interesse  público deve prevalecer sobre o interesse privado”. José Carlos de Moraes Sales. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. São Paulo: RT, 2009, p. 79.” bn Leciona ainda que: “Com efeito, a desapropriação retira a propriedade de alguém (particular ou entidade pública menor), transferindo-a para o expropriante.(…). Porque na desapropriação o particular é despojado do domínio, compensa-se o vazio econômico por ele sofrido mediante o pagamento de uma indenização. Recompõe-se seu patrimônio com a soma correspondente ao desfalque gerado pela desapropriação.(…)”.(pg. 669) Importante mencionar o entendimento de Hely Lopes Meirelles sobre a matéria: “classificam-se os meios de aquisição de um bem em originários e derivados. Na forma originária não há transmissão da coisa, pois o fato jurídico em si é que enseja a transferência da propriedade, prescindindo de correlação com qualquer título jurídico de que seja titular o anterior proprietário, não havendo sub-rogação de titular a titular”. O Professor Hely Lopes Meirelles  ensina que: "a desapropriação configura uma aquisição originária, porque não provém de nenhum título anterior, e, por isso, o bem expropriado torna-se insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer ônus que sobre ele incidissem precedentemente, ficando os eventuais credores sub-rogados no preço". (Direito de Construir. Hely Lopes Meirelles, 9 ª Edição, 2005. Editora Malheiros, p. 179.) Sob este diapasão, percebe-se que a desapropriação engendra verdadeira ruptura da cadeia de sucessão dominial registrada na matrícula. Constitui o processo de desapropriação, em face de seu caráter excepcional, legítima exceção ao princípio da continuidade. Dessa forma, a aquisição da propriedade pela via originária se dá livre de qualquer gravame, limitação, ônus ou embaraço decorrente de atos anteriores. Não se aplica a tais formas de obtenção da propriedade a regra basilar "nemo plus juris alium transferre potest quam ipsehabet" (ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que tem), pelo simples fato de que não cabe falar em transmissão. Conforme bem observado por JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES: “A lei não especifica o que deve constar da declaração de utilidade pública. É óbvio, entretanto, que o decreto respectivo deve individuar com precisão o bem declarado de utilidade pública, a fim de que não haja dúvida sobre o objeto da expropriação.” (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da Doutrina e da Jurisprudência. São Paulo. Revista dos Tribunais. 6ªed. 2009. p. 90) 4– A não incidência do ITBI nas ações de desapropriação por utilidade pública Como já mencionado, a Constituição Federal não cria tributos, ela apenas outorga competências tributárias aos entes políticos que estes a exerçam, mas para fazê-lo, a regra matriz da norma tributária deve estar prevista no texto constitucional. No caso do ITBI, o campo de incidência está restrito à hipótese de transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física. Nesse ponto, revela-se importante tecer algumas considerações sobre a citada hipótese de incidência. A primeira observação a ser feita é quanto à expressa referência a “transmissão inter vivos”, ela afasta a hipótese de sucessão causa mortis, cuja tributação é da competência dos Estados, nos termos do artigo 155, I, da CF. Tal como, ao mencionar “ato oneroso”, fica afasta a transmissão a título gratuito, cuja competência tributária também pertence aos Estados e Distrito Federal. A segunda observação refere-se ao termo “bens imóveis, por natureza ou acessão física”, cuja definição está no artigo 79 do Código Civil de 2002. Este conceitua bens imóveis como sendo “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Finalmente, a terceira e última observação a ser feita, refere-se ao fato de a “transmissão” da propriedade imobiliária apenas ocorrer após o registro do título no Registro de Imóveis (é o que estipula o artigo 1245 do novo Código Civil). O Código Civil de 1916 já dizia que a aquisição da propriedade imobiliária se dava pela transcrição do título de transferência no registro de imóveis. O Superior Tribunal de Justiça também entende no mesmo sentido. Devem ser conferidos os seguintes julgados: REsp 253.364-DF (DJU 16/04/2001, p. 104), AgRg no Ag 448.245-DF (DJU 09/12/2002, p. 309) e AgRg nos EDcl no Ag 717187 / DF (DJU 23/03/2006, p. 157). Segundo entendimento doutrinário consolidado sobre a matéria, “classificam-se os meios de aquisição de um bem em originários e derivados. Na forma originária não há transmissão da coisa, pois o fato jurídico em si é que enseja a transferência da propriedade, prescindindo de correlação com qualquer título jurídico de que seja titular o anterior proprietário, não havendo sub-rogação de titular a titular.Já na derivada, ocorre relação negocial entre o proprietário e o adquirente, sendo necessário, portanto, a participação volitiva do transmitente” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12ª ed. rer., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005, pag. 731). Neste contexto, não há que se falar em exigência de recolhimento do ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso “Inter Vivos”), porquanto que este possui como fato gerador a transferência, transmissão ou cessão de propriedade de imóveis, o que não ocorre com a desapropriação. Segundo definição dada pelo artigo 16 do Código Tributário Nacional, podemos conceituar Imposto como o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Afirma o Código Tributário Nacional (CNT) no § 1º do artigo 113: “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”. Destarte, a obrigação tributária principal nasce com a ocorrência no mundo do fato previamente descrito na norma como capaz de gerá-la. Nesse sentido, é o entendimento dos Tribunais: “A jurisprudência majoritária do Tribunal do Estado de São Paulo entende que a desapropriação não enseja a tributação de ITBI, por se tratar de forma originária de aquisição da propriedade”. “Desapropriação- Forma de aquisição originária da propriedade- Acordo quanto ao valor da indenização não altera sua natureza jurídica. Ilegítimo condicionar expedição de carta de adjudicação ao recolhimento do ITBI – Recurso de agravo provido. (9.112.906-62.2009.8.26.0000- Apelação, Relator (a): Regina Capistrano, Comarca: São Paulo , Orgão julgador: 1ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 05/04/2011, Data de registro; 13/04/2011, outros números: 994090033922)”. “ITBI – Tributação com relação a áreas desapropriadas – Hipótese de não incidência – Inexistência de fato gerador – Sentença mantida – Recurso de ofício e apelo da Municipalidade desprovidos. (9.098.085-92.2005.8.26.000 Apelação / ITBI – Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Móveis e Imóveis, Relator (a) Gonçalves Rostey, Comarca: Araçatuba, Orgão julgador: 14ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 07/10/2010, Data de registro: 26/11/2010, Outros números: 0435019.5/2-00, 99.05.32043-0).” “Desapropriação – ITBI – O imposto sobre transmissão de bens imóveis não incide na hipótese de desapropriação ante a inexistência de fato gerador. Recurso provido. (0039116-53.199.8.26.0000 – Agravo de instrumento / Desapropriação, Relator (a): Lineu Peinado, Orgao julgador: 2ª Câmara de Direito Público, Data de registro: 29/06/1999, Outros números: 109.032-5/9-00, 994.99.039116-2).” “’CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a.EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. – As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150,VI, a.II. – R.E. conhecido e provido.RE 354897 RS – Relator : CARLOS VELLOSO – julgamento 17/08/2004.  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 374.314 – MG (2013/0236779-0) RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES  AGRAVANTE : MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA PROCURADOR : ANTÔNIO AMADO MAIOLINO JUNIOR E OUTRO (S) AGRAVADO : CONSÓRCIO CAPIM BRANCO ENERGIA – CCBE ADVOGADOS : PAULO ROBERTO MIRO DA SILVA E OUTRO (S) PAULO ROBERTO MIRO DA SILVA JÚNIOR EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO VIA CORREIO ELETRÔNICO. FAC-SÍMILE OU PETIÇÃO ELETRÔNICA. AUSÊNCIA DE EQUIPARAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso especial interposto pelo Município de Uberlândia em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado: "MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – DESAPROPRIAÇÃO -AQUISIÇÃO – ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE – INDENIZAÇÃO -INEXISTÊNCIA DE TRANSMISSÃO – INOCORRÊNCIA DE ONEROSIDADE – NÃO INCIDÊNCIA. 1. Não incide ITBI na aquisição de propriedade por meio de desapropriação, em razão da aquisição da propriedade se dar de forma originária, inexistente a onerosidade. 2. Sentença confirmada em reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário".  "TRIBUTÁRIO – ITBI – DESAPROPRIAÇÃO – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – NÃO INCIDÊNCIA. Originária a aquisição da propriedade pela desapropriação, não gera tributo, assim não incidindo o imposto sobre transmissão de bens imóveis. (TJPR Reexame Necessário – 0064955-4, Relator: Newton Luz, Data de Julgamento: 04/11/1998, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/11/1998 DJ: 5277)  REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUTÁRIO – COBRANÇA DE ITBI – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL POR MEIO DE USUCAPIÃO – MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIO QUE NÃO IMPORTA EM TRANSMISSÃO – CONCEITO DE DIREITO PRIVADO QUE NÃO PODE SER ALTERADO PELA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA -INTELIGÊNCIA DO ART. 110 DO CTN – INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR – REMESSA OFICIAL DESPROVIDA – SENTENÇA MANTIDA.110CTN"Como a transmissão pressupõe uma vinculação, decorrente da vontade ou da lei, entre o titular anterior e o novo titular, descabe a cogitação de imposto em se tratando de aquisição originária, como no caso da desapropriação e do usucapião, por exemplo, em que inexiste qualquer vínculo entre aquele que perde o direito de propriedade e aquele que o adquire." (Kioshi Harada, Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2003, p. 410). (TJSC 2009.013387-0, Relator: Carlos Adilson Silva, data de Julgamento: 22/11/2011, Terceira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. , de Porto Belo).” Outrossim, o artigo 150 da Constituição Federal, em seu inciso VI, alínea a, prevê a imunidade tributária recíproca entre os entes públicos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), especialmente no que concerne aos vossos patrimônios, rendas ou serviços. As empresas públicas e sociedades de economia mistas representam formas recorrentes de inserção do estado na economia. Para preservar a igualdade que se espera no ambiente de livre iniciativa e livre concorrência, a Constituição, em seu artigo 173, prevê que tais conformações societárias são serão desoneradas de obrigações trabalhistas e tributárias, exercendo suas atividades em condições semelhantes as dos particulares atuantes no seguimento. A norma imunizante, repita-se, por oportuno, é decorrência imediata do princípio federativo, visando a preservar a igualdade entre os entes federados. Não representa portanto, privilégio ou prerrogativa de entidades públicas, mas vedação de ordem constitucional à produção legislativa tributária de um ente em relação ao outro para que não surjam deformidades no fino equilíbrio de poderes. A definição do alcance normativo da imunidade tributária, por tanto, deve preservar a dinâmica da ordem econômica constitucional, que distingue os ambientes sujeitos à exclusividade estatal e os ambientes sujeitos à livre concorrência. O argumento predominante nos acórdãos analisados diz respeito ao ambiente de atuação d ente que busca e extensão da imunidade tributária recíproca: saber se a empresa atua em regime de competição com outros agentes ou se é o único prestador de serviço considerado.  A elevação desse parâmetro tem por pano de fundo a distinção já mencionada sobre as formas de inserção de Estado na economia, seja explorando atividade econômica em sentido estrito, seja prestando serviços públicos. Naquela, que tem por pressuposto a busca primordial do lucro, vincula-se ao sistema do art. 173 da Constituição, que o põe em igualdade com os demais particulares atuantes no segmento, visando a afastar potenciais vantagens comparativas ao ente público e seus efeitos anticoncorrenciais. Quando atua na prestação de serviços públicos – atividade de prestação privativa do Estado, à exceção de serviços de educação e saúde-, por sua vez, inexistente a ocorrência, afasta a racionalidade do art, 173, atraindo por mimetismo a regra do art. 150, VI, § 2º.   Apesar de ser uma preocupação manifestada em abstrato em todos os julgamentos observado, a não observação minuciosa do complexo de atividades desempenhadas por essas empresas públicas e sociedades de economia mista, às quais vem sendo reconhecida a imunidade tributária recíproca por extensão, já tem gerado perplexidades na âmbito concorrencial. Hipótese isolada até o momento, mas com multiplicidade de casos envolvidos – inclusive com repercussão geral reconhecida – diz respeito à definição de abrangência do reconhecimento da imunidade tributária à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) no RE 601392. No caso, a imunidade da ECT vinha sendo declarada de forma irrestrita pelo Supremo Tribunal Federal em relação as suas atividades, abarcando inclusive os serviços prestados por empresas terceirizadas. Contudo, a percepção de que o serviço sujeito ao monopólio estatal não contempla todas as atividades desenvolvidas pela ECT e que parte (considerável) dela é desemprenhada em regime de livre concorrência, afinado a outros entes do setor privado levo o STF a reconhecer a repercussão geral da matéria, fundando-se na necessidade de delinear o alcance da imunidade quanto às atividades específicas.   Vê-se, com isso, que, apesar de o argumento de preservação da concorrência estar presente na unanimidade dos acórdãos analisados, ele tem tido forte apelo teórico e a identificação da imunidade tem sido com o ente e não cm a atividade, dando alcance indesejável a imunidade do ponto de vista concorrencial. Tal fato leva a concluir que, para melhor aferição do parâmetro concorrencial, a análise não deve perder de vista a(s) atividades(s) efetivamente desempenhada(s) pelo ente que pleiteia a imunidade, identificando-se como imunes a renda, bens e serviços afetos aquela atividade e não superpondo a imunidade ao prestador, o que pode acontecer, mas não ocorre necessariamente.  Partindo, contudo, da invocação recorrente ao exercício de competências públicas sem distorções concorrências como norte de avaliação para fins de reconhecimento da imunidade tributária recíproca, serão consideravelmente as atividades da estatal e, a partir de um esforço interpretativo de projeção de atuação, ver se suas atividades (isoladamente consideradas) se adéquam às premissas fixadas. O Supremo Tribunal Federal já manifestou sobre o assunto: "O usucapião e a desapropriação são formas de aquisição originária de propriedade e, por isso, não autorizam a incidência do ITBI (STF, RDA 73:160 e RTJ, 117:652)". Assim, o mesmo entendimento utilizado para o usucapião pode ser utilizado para as ações de desapropriação, pois são formas originárias de aquisição de propriedade, a transmissão nesse caso é utilizada como forma necessária e não como vontade individual, pois em ambos os casos, retiram a propriedade do domínio do proprietário inserindo-a no patrimônio do Estado. Outro argumento que pode ser utilizado para enfatizar essa questão é de que somente o Estado, pessoas jurídicas de direito público detém o poder de desapropriar, CARVALHO FILHO (2007) advoga que a desapropriação gera aquisição originária da propriedade. Isso porque, para ele, a aquisição derivada depende de participação volitiva de outra pessoa, sendo imprescindíveis as figuras do transmitente e do adquirente. O que não ocorre na desapropriação. GASPARINI (2008) defende que a aquisição da propriedade pela desapropriação é originária, uma vez que não há quem transmita a propriedade para o Estado, que a adquire independente de qualquer vinculação com o título jurídico do então proprietário. Por fim, o ilustre Desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo (2008) defende que a desapropriação é forma originária de aquisição, o que se justificaria pelo fato da perda da propriedade ocorrer com mero pagamento do preço por parte do poder expropriante. 5 – Imunidade Tributária, Isenção Tributária e Não-Incidência de tributos Quando o legislador trata sobre a não tributação ele está se referindo à imunidade tributária. Nesta seara é importante destacar que trata-se de previsão constitucional sobre a não incidência de tributos, como bem salienta Paulo de Barros Carvalho: “O universo do direito positivo brasileiro abriga muitas interdições explícitas que, num instante considerado, podem ter o condão de inibir a atividade legislativa ordinária, escala hierárquica em que nascem as regras tributárias em sentido estrito. Tão-somente aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental, entretanto, guardarão a fisionomia jurídica de normas de imunidade. O quadro das proposições normativas de nível constitucional é seu precípuo campo de eleição. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 307.” Observa-se a impossibilidade de tributação sobre o fato, onde o ente federado não pode promover arrecadação de tributo. A imunidade tributária é também norma que não abre espaço para exceções e sua aplicação é obrigatória a todas as esferas do Poder Público. A Carta Magna quando atribui a imunidade tributária, estabelece mandamento que não necessita de lei que trate sobre o assunto. Faz-se mister distingui-la da denominada isenção, iniciando com sua conceituação. E para efeitos deste trabalho, foi adotado o conceito dado por Paulo de Barros Carvalho: “Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente. (…) Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse. (…) o encontro de duas normas jurídicas, sendo uma a regra-matriz de incidência tributária e outra a regra de isenção, com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da conseqüência da primeira (regra-matriz).” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 504-5.” Assim, a isenção tributária decorre de lei. Com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 151, inciso III) a União não pode mais instituir isenções tributárias de competência dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios, logo, o Poder Público que exige o tributo tem o poder de isentar. Importante mencionar um dos entendimentos doutrinários sobre o assunto: “1) a imunidade é, por natureza, norma constitucional, enquanto a isenção é normal legal, com ou sem suporte expresso em preceito constitucional; 2) a norma imunizante situa-se no plano da definição da competência tributária, alocando-se a isenção, por seu turno, no plano do exercício da competência tributária; 3) ainda que a isenção tenha suporte em preceito constitucional específico, a norma constitucional que a contém possui eficácia limitada, enquanto a imunidade abriga-se em norma constitucional de eficácia plena ou contida; e 4) a eliminação da norma imunizatória somente pode ser efetuada mediante o exercício do Poder Constituinte Originário, porquanto as imunidades são cláusulas pétreas, desde que não seja o caso da imunidade ontológica; uma vez eliminada a isenção, por lei, restabelece-se a eficácia da lei instituidora do tributo, observados os princípios pertinentes. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109 – grifo do original.” É a isenção um caso de dispensa do crédito tributário, ou seja, de exclusão deste (artigo 175, inciso I, do Código Tributário Nacional -CTN).  A não incidência de tributos é a falta de enquadramento ou de respaldo quanto à hipótese normativa, trata-se de análise quanto ao fato gerador do tributo, vale menionar que: “Quanto à não-incidência, tem-se que é o não enquadramento normativo a uma conduta isto é, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico-tributária. Assim, na “não-incidência, o fato não pode ser contemplado legalmente como gerador de determinado tributo, como é o caso de lavagem de roupas que não constitui fato gerador do IPI”. MELO. José Eduardo Soares de. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p. 192 – grifo do original.” O art. 184 da Constituição Federal § 5º e artigo 26 da Lei Nacional n.º 8.629/93 estabelecem que são imunes de impostos municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, assim, o ITBI não deve incidir nesses casos. A Emenda n° 10/64 também trata sobre a imunidade tributária sobre a transferência de imóveis rurais em caso de desapropriação por reforma agrária. Assim, por não haver tratativas sobre a imunidade conferida às ações de desapropriação por utilidade pública, alguns tribunais veem aplicando essas normas de forma analógica para conceder imunidade tributária nesses casos. Assim, as previsões de limitação da tributação e de não incidência são imunidades e não isenções. Destaca-se que a não incidência do ITBI nas ações de desapropriação o Poder Público alcança o domínio desta, como se ela nunca tivesse pertencido a alguém, como se fosse a primeira aquisição. Não há a derivação do domínio pois não há transmissão, mesmo porque, na aquisição originária há a sub-rogação no preço de eventuais credores. Outra questão que merece respaldo sobre o tema tratado, é que não há voluntariedade do alienante pois o Poder Público desapropria em função do princípio de que o interesse público prevalece sobre o interesse particular. O primeiro interessado a desapropriar, é o Estado, pois só ele pode consumar a transferência da propriedade pela desapropriação. Assim, a imunidade tributária do ITBI decorre do fato de que o Estado não poderia tributar fato que é originário de sua própria vontade. Nas transmissões ou transferências, o repasse oneroso e o pagamento de referido imposto se deve ao fato de que a propriedade saiu das mãos do antigo proprietário, passando para o novo adquirente. Destaca-se que os municípios devem observar os critérios de imunidade tributária. Ocorre que muitos entes municipais exigem o pagamento de referido imposto para procederem os registros das ações de desapropriação pois eles não possuem base legislativa sobre a competência tributária relacionada ao ITBI. 7 – Conclusão O presente estudo, como inicialmente dito, teve como objetivo discutir a não-incidência do ITBI na aquisição da propriedade imobiliária por meio da ação de desapropriação por utilidade pública. O entendimento aqui defendido é no sentido de ser a desapropriação forma originária de aquisição da propriedade, tendo em vista a transmissão pressupor uma vinculação decorrente entre o titular anterior e o novo titular. Inexistindo vínculo entre aquele que perde a propriedade e o que o adquiri, decorre a aquisição originária, nesse caso o direito do novo titular não se funda no título anterior. A par disso, não há que se falar em incidência do Imposto de Transmissão sobre Bens Imóveis – ITBI, haja vista qualquer tributo só ser exigível em face de fato gerador previsto em lei e que deverá estar em consonância com a Carta Magna, visando o cumprimento dos princípios da legalidade e da constitucionalidade. O que não ocorre, in casu, posto que na desapropriação por utilidade pública não há transmissão da propriedade e, sim, em aquisição da propriedade. Em razão de não haver qualquer fundamento jurídico que autorize a exigência desse imposto e a Carta Magna prescrever que o tributo em tela será devido, tão-somente, para os casos de transmissão da propriedade, pode-se considerar inconstitucional a cobrança de ITBI nestas ações, pelos municípios.
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Crimes contra a ordem tributária e a extinção da punibilidade segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal
O presente trabalho tem por finalidade contribuir com a discussão sobre a extinção da punibilidade nos crimes tributários e sua consequência na esfera tributária e penal, tendo como fundamento o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, foram analisadas as jurisprudências mais recentes emanadas por referida Corte. Para alcançar tal objetivo foi utilizado a pesquisa básica (quanto ao ponto de vista da sua natureza), pois a finalidade era o de  satisfazer uma necessidade intelectual pelo conhecimento. Em relação ao nível, optou-se pela pesquisa exploratória. Quanto a abordagem, a pesquisa é qualitativa, pois foram analisados o teor dos decisórios produzidos pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema.Do estudo, constatou-se que o entendimento majoritário da Cúpula é no sentido de ser possível a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária pelo pagamento integral da dívida, podendo este ser realizado em qualquer momento da ação penal. Quanto ao parcelamento, os ministros do Supremo Tribunal Federal o consideram capaz de suspender a pretensão punitiva do estado e somente quando fora formalizado antes do recebimento da denúncia.[1]
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho teve por escopo estudar o entendimento do Supremo Tribunal Federal nos casos da extinção da punibilidade nos crimes tributários e sua consequência na esfera tributária e criminal. Atualmente a carga tributária nacional é bastante elevada, e consequentemente são inúmeras as demandas judiciais referentes à execução de dívidas oriundas da sonegação fiscal e também referentes aos processos criminais nos quais se busca a punição penal de cada um destes agentes. São nos processos de cunho criminal que surge a discussão acerca da extinção da punibilidade pelo pagamento ou parcelamento da dívida, o que acaba por refletir nos processos tributários em tramitação na esfera cível. Na doutrina e na jurisprudência encontram-se diversos entendimentos diferentes acerca da matéria. Inclusive na cúpula do Supremo Tribunal Federal há divergência acerca da possibilidade de extinguir-se a punibilidade pelo pagamento integral da dívida ou até mesmo pelo parcelamento desta. Trata-se, portanto, de um tema bastante polêmico. Assim, alguns questionamentos surgem para os operadores do direito, entre eles: qual entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal? Para a Corte, o pagamento integral da dívida e o parcelamento extinguem a punibilidade em crimes contra a ordem tributária? E até que momento da persecução penal podem ser efetuados? O objetivo deste trabalho foi então analisar o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. Para tanto, estudou-se a forma de constituição do crédito tributário, apresentando breves disposições acerca da sua inscrição em dívida ativa, bem como dos institutos do parcelamento e do pagamento do débito. Em seguida, descreveu-se os crimes contra a ordem tributária, a pena imposta a eles e demais prerrogativas. E por fim, tratou-se sobre a extinção da punibilidade nos crimes tributários, verificando nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal a real possibilidade de sua declaração. Em relação ao tipo de pesquisa utilizada, quanto ao ponto de vista da sua natureza, a pesquisa em voga é considerada básica; quanto ao nível, optou-se pela pesquisa exploratória; quanto a abordagem, a pesquisa é qualitativa, pois foram analisados o teor dos decisórios produzidos pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema do artigo científico. No tocante ao procedimento, adotou-se, principalmente a pesquisa documental, porquanto o estudo será baseado em fonte primária para a coleta de dados, qual seja, as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal. Acessoriamente, será adotada a pesquisa bibliográfica, tendo em vista que também serão realizadas consultas em livros e leis, para o desenvolvimento do trabalho científico. 1 Direito tributário  O direito tributário pertence ao ramo de direito público, tendo em vista a característica marcante da supremacia do interesse público sobre o privado, já que a obrigação de pagar o tributo decorre de lei, sem que haja a manifestação do contribuinte nesse sentido.  (ALEXANDRE, 2014). Ainda, o direito tributário é, segundo Amaro (2014, p. 21), “a disciplina jurídica dos tributos”, abrangendo dessa forma, o conjunto de regras, normas e princípios, que regulam a criação, fiscalização e arrecadação de tributos. (AMARO, 2014). Por tributo, tem-se que, conforme artigo 3º do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” (BRASIL, 1966). Dessa forma, entende-se que o tributo só pode ser exigido nas formas previamente definidas em lei, e é mecanismo de custeio das despesas de toda coletividade. (AMARO, 2014). Para o Supremo Tribunal Federal, os tributos possuem cinco espécies tributárias: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios. (ALEXANDRE, 2014). Diante destas primeiras considerações, é de extrema importância seguir o presente estudo, analisando os institutos referentes ao crédito tributário, para ao final relacioná-lo aos crimes de ordem tributária sob a ótica do direito penal. 1.1 Constituição do crédito tributário  Sobre o crédito tributário, Sabbag (2014, p. 803) ensina que: “O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico- tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário (art. 142 do CTN), o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária “lançada” ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo.” Consoante disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional, o crédito tributário é constituído pelo lançamento, o qual é considerado o procedimento administrativo responsável por observar a ocorrência do fato gerador, definir a base de cálculo, identificar os sujeitos da relação tributária, propor a sanção cabível, etc: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” (BRASIL, 1966). Entende-se dessa forma, que o lançamento é o procedimento administrativo responsável por tornar a dívida, a obrigação tributária, líquida e exigível, sendo que, com sua formalização, nasce o crédito tributário. Nesse sentido, Sabbag (2014, p. 803) ressalta que: “Com efeito, o lançamento é o instrumento que confere a exigibilidade à obrigação tributária, quantificando-a (aferição do quantum debeatur) e qualificando-a (identificação do an debeatur). Em outras palavras, esta, sendo ilíquida e inexigível, carece dos atributos de certeza e liquidez, que se dão pela atuação do Fisco, por meio do lançamento. Com a formalização deste, não há que se falar em “obrigação tributária”, mas em crédito tributário. (…) Desse modo, o crédito tributário é a obrigação tributária tornada líquida e certa por intermédio do lançamento.” Ainda sobre o instituto do lançamento, Amaro (2014, p. 339) lembra que: “(…) cabe ao sujeito ativo (para habilitar-se à adoção de medida tendente a obter a satisfação do seu direito) proceder ao lançamento e notificar o sujeito passivo para que pague no prazo assinalado, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à cobrança judicial (precedida da formalidade da inscrição da dívida).” Assim, pode-se concluir que o lançamento é medida essencial tanto para cobrança administrativa da dívida, bem como para possibilitar eventual cobrança através de demanda judicial. 1.1.1 Da inscrição em dívida ativa Realizado o lançamento, o devedor é notificado para efetuar o pagamento, possuindo o prazo de 30 dias para tanto, conforme dispõe o artigo 160 do CTN: “Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.” (BRASIL, 1966). No caso de não efetuado o pagamento do débito no prazo legal ou concedido no processo administrativo, o crédito é inscrito em dívida ativa pela Fazenda Pública, em livro próprio, observado o disposto no artigo 202 do Código Tributário Nacional.[2] (AMARO, 2014). Importante ressaltar que, conforme lembra Machado (2004, p. 242), “O crédito é levado à inscrição como dívida depois de definitivamente constituído. A inscrição não é ato de constituição do crédito tributário. Pressupõe, isto sim, que este se encontre regular e definitivamente constituído (…).” Sabbag (2014, p. 982) discorre em sua obra sobre a dívida ativa da seguinte maneira: “A inscrição do crédito tributário em dívida ativa ocorre pelo inadimplemento da obrigação tributária nascida com o fato gerador. Isso quer dizer que o crédito tributário não suspenso, não extinto ou não excluído, poderá, como resposta à necessidade de cobrança judicial do sujeito ativo, ser inscrito em dívida ativa. Tal procedimento tem o condão de conferir exequibilidade à relação jurídico-tributária. Portanto, a dívida ativa pode ser definida como o crédito tributário inscrito.” Por meio da inscrição em dívida ativa torna-se possível a cobrança judicial do débito tributário, observando-se os dispositivos da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/1980). (BRASIL, 1980). É a partir do termo de inscrição em dívida ativa, também chamado de certidão de dívida ativa, que é realizada a execução judicial do débito, tendo em vista tratar-se de verdadeiro título executivo extrajudicial. (SABBAG, 2014). 1.2 Do pagamento O pagamento, entre outros institutos, é forma de extinção do crédito tributário, nos termos do artigo 156, inciso I, do Código Tributário Nacional.[3] Segundo Alexandre (2014, p. 408) “o pagamento é a causa mais natural de extinção das obrigações.” Significa a satisfação do direito creditório. (MACHADO, 2004, p. 165). No tocante ao prazo do pagamento, Sabbag (2014, p. 911-912), ensina que: “O prazo para o pagamento dos tributos é definido na legislação própria de cada gravame, mas salvo regra contrária, aplica-se o disposto no art. 160 do CTN, a saber, o prazo é de 30 (trinta) dias, contados da data de notificação do lançamento ao contribuinte, lembrando que o parágrafo único do artigo supramencionado autoriza a concessão de desconto pela antecipação do pagamento, desde que preenchidas algumas condições.” Importante ressaltar, outrossim, que o fato do sujeito passivo (devedor) sofrer eventual penalidade, não exclui a obrigação de efetuar o pagamento integral do tributo devido, pois a penalidade é ato punitivo relacionado à eventual infração de lei, não substituindo, dessa forma, o tributo. (AMARO, 2014).  1.3 Do parcelamento Enquanto que o pagamento tem por fim a extinção do crédito tributário, o parcelamento possui o condão de apenas suspender a exigibilidade do crédito, consoante disposição legal prevista no artigo 151, inciso VI, do Código Tributário Nacional.[4] Assim preceitua Sabbag (2014, p. 902): “O parcelamento é procedimento suspensivo do crédito, caracterizado pelo comportamento comissivo do contribuinte, que se predispõe a carrear recursos para o Fisco, mas não de uma vez, o que conduz tão somente à suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e não à sua extinção. Extinção seria se “pagamento” o fosse.” Ademais, segundo Alexandre (2014, p. 402): “o parcelamento consiste numa medida de política fiscal com a qual o Estado procura recuperar os créditos e criar condições práticas para que os contribuintes que se colocam numa situação de inadimplência tenham a possibilidade de voltar a regularidade.” Para Kiyoshi Harada (2001 apud SABBAG, 2014, p. 875), “a suspensão da exigibilidade do crédito tributário é sempre de natureza temporária. A suspensão não importa na desconstituição do crédito tributário, que continua intacto desde sua constituição definitiva pelo lançamento, notificado ao sujeito passivo.” O parcelamento é concedido na forma e nas condições estabelecidas em lei, consoante disposto no artigo 155-A do Código Tributário Nacional. Lembra Alexandre (2014, p. 403) que “A lei específica reclamada pelo dispositivo é lei do membro da Federação com competência para a instituição do tributo. Assim, cada ente político possui autonomia para editar suas leis autorizatórias de parcelamento de crédito tributário”. Realizados os esclarecimentos acerca do direito tributário, constituição do crédito tributário e dos institutos do parcelamento e pagamento da dívida, necessário se faz nesse momento discorrer sobre o direito penal tributário e as principais características dos crimes contra a ordem tributária e a extinção da punibilidade no direito penal. 2 Direito penal tributário  Como anteriormente citado, o direito tributário é ramo do direito público e está relacionado aos demais ramos do direito, em particular com o direito penal. Para Amaro (2014, p. 33), “o direito penal, além de sancionar criminalmente os ilícitos tributários considerados mais graves, fornece ao direito dos tributos um conjunto de princípios extremamente útil no campo das infrações e penalidades fiscais de caráter não delituoso.”  2.1 Dos crimes contra  a ordem tributária Em 1990, com o advento da Lei n. 8.137, restaram definidos os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, já tratados como crimes de sonegação fiscal pela Lei n. 4.729/1965. Observando-se referida normativa, é possível verificar que há uma divisão referente ao agente do ilícito tributário. Enquanto que os artigos 1º e 2º da lei supracitada referem-se aos crimes tributários praticados por particulares, no artigo 3º estão dispostos os crimes contra a ordem tributária praticados por funcionários públicos. (BRASIL, 1990). Outrossim, existem dois ilícitos penais tributários tipificados no Código Penal Brasileiro: os crimes contra a previdência social; quais sejam, apropriação indébita previdenciária (art. 168-A) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A). (BRASIL, 1940). 2.1.1 Ordem tributária como bem jurídico Antes de tratar dos crimes propriamente ditos, importante discorrer sobre o significado de ordem tributária. Segundo Machado (2011, p. 328-329): “Ordem tributária pode ser entendida como o complexo de normas jurídicas limitadoras do poder de instituir e cobrar tributos, vale dizer, o complexo de normas jurídicas limitadoras do exercício do poder de tributar (…). Assim, os crimes contra a ordem tributária são crimes praticados em detrimento da eficácia dessas normas.” Portanto, pode-se concluir que “o objeto desses crimes é a eficácia da ordem tributária.” (MACHADO, 2011, p. 330). Nesse mesmo sentido, a lição de Ferreira (1996 apud MACHADO, 2011, p. 332): “No caso dos crimes sob estudo, considerou o legislador que a ordem tributária constitui um bem digno de proteção penal, tanto por sua relevância social quanto pela ineficácia das sanções de caráter civil, em sentido amplo, postas em sua defesa.  (…) o legislador nacional, (…) erigiu a ordem tributária em bem jurídico fundamental, suscetível de proteção do direito penal. Assim procedeu, levando em conta também o desvalor social da conduta lesiva ou perigosa ao bem jurídico.” Ante o exposto, em relação a todos esses crimes, o bem jurídico protegido é a ordem tributária. (MACHADO, 2011).  2.1.2 Da ação penal nos crimes contra a ordem tributária Consoante leciona Machado (2011, p. 372), “A ação penal nos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/90 é pública incondicionada”. Todavia, lembra o autor que “isto não quer dizer que o Ministério Público possa promovê-la antes de encerrado o processo administrativo de lançamento.” (MACHADO, 2011, p. 372). Assim, somente após esgotados todos os procedimentos na via administrativa, torna-se possível a propositura da ação penal por crimes contra a ordem tributária. (MACHADO, 2011).  2.1.3 Dos crimes contra a ordem tributária consoante disposto na Lei n. 8.137/90 O artigo 1º da Lei n. 8.137/90 trata sobre a supressão ou redução de tributos por parte do particular.[5] Em relação à tais crimes, Machado (2011, p. 328) dispõe que: “o aperfeiçoamento do tipo penal depende da ocorrência da supressão ou redução do tributo.” Renomado altor aduz ainda que trata-se de “crime material de dano, pois para sua consumação é necessário a ocorrência do resultado consistente na supressão ou redução do tributo.” (MACHADO, 2011, p. 328).  A pena para tais crimes é de reclusão de 2 a 5 anos e multa. (BRASIL, 1990). Já o artigo 2º, inciso I, da Lei n. 8.137/90 dispõe acerca do crime de inadimplemento fraudulento de obrigação acessória: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; (…).” (BRASIL, 1990). Segundo Machado (2011, p. 391) as condutas dispostas no tipo “dizem respeito a fato relevante do ponto de vista tributário, vale dizer, fato que participa na formação da relação obrigacional tributária.” O inciso II, do artigo antes mencionado, prevê o crime correspondente ao não pagamento de tributo: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (…) II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (…).” (BRASIL, 1990). Na realidade, trata-se de uma omissão do contribuinte. O artigo 2º tipifica ainda as seguintes condutas como criminosas: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (…) III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.” (BRASIL, 1990). A pena para todos os tipos previstos no artigo 2º é de seis meses a 2 anos e multa, consoante referido dispositivo. (BRASIL, 1990). Os crimes funcionais, ou seja, praticados por funcionários públicos, contra a ordem tributária, além dos constantes no Código Penal, estão dispostos no artigo 3º da Lei n. 8.137/90: “Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (Título XI, Capítulo I): I – extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social; II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. III – patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”  2.2 Extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária Segundo Andrade Filho (1995, p.135), “as causas de extinção da punibilidade atuam como inibidoras da aplicação da sanção penal, extinguindo o direito que tem o Estado de aplicar punição quando da ocorrência de crime de qualquer natureza.” Com o advento da lei 4.729/65, a qual deu origem à hipótese de apropriação indébita por equiparação, tornou-se possível a extinção da punibilidade em virtude do pagamento do tributo, em se tratando de crimes fiscais. No entanto, referido benefício operava-se somente se o pagamento fosse anterior ao início do procedimento administrativo. (ANDRADE FILHO, 1995). Posteriormente, em 1967, o Decreto-lei n. 157, modificou o texto da lei supracitada, todavia manteve a possibilidade da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, desde que o pagamento fosse realizado logo após o julgamento da autoridade de primeira instância administrativa. (ANDRADE FILHO, 1995). Em 1990, com a publicação da Lei n. 8.137, restou consignado em seu art. 14 que: “Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nos artigos 1º a 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”(BRASIL, 1990). O dispositivo acima citado fora revogado em 1991, como lembra Andrade Filho (1997, p. 136) “a Lei n. 8.383/91 revogou não só o art. 14 da Lei n. 8.137/90, como também, expressamente alguns dispositivos que já estavam revogados e todos aqueles que porventura contivessem disposição em contrário.” Para Machado (2011, p. 384) “era a implantação do denominado terrorismo fiscal.” A partir de 1996, com o a vigência da Lei n. 9.249/95, a punibilidade dos crimes definidos nas Lei n. 8.137/90 e na Lei n. 4.729/65, seria extinta quando o agente promovesse o pagamento do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia, consoante o disposto no art. 34 de referida norma. (BRASIL, 1995). Consoante ensina Andrade Filho (1995, p. 137), “o princípio da ultratividade da lei penal mais benéfica faz com que essa norma beneficie os agentes que cometeram crimes previstos nas leis mencionadas, mesmo em data anterior a 1-1-1996.” Embora omissa, a lei de 1995 também fora aplicada nos crimes contra a Previdência Social, por analogia in bonam parte, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC n. 73.418-9). (ANDRADE FILHO, 1997). Com o advento da Lei n. 10.684/2003, não restou consignado que o pagamento ou o parcelamento deveriam ser realizados antes do recebimento da denuncia nos crimes contra a ordem tributária. Referida norma disciplinou a questão do parcelamento da dívida, o qual suspenderia a pretensão punitiva do Estado. A partir desse momento, alguns juristas entenderam ser possível a declaração de extinção da punibilidade nos crimes tributários nos casos em que o pagamento fosse realizado a qualquer momento da persecução penal. (AMARO, 2013). Segundo Machado (2011, p. 387) “Depois da Lei n. 10.684/03 o assunto pacificou-se.” Todavia, em 2011, fora editada nova norma a respeito, a Lei 12.382/2011, a qual, pela redação literal dos seus dispositivos, prevê que não haverá extinção da punibilidade se o pagamento integral da dívida ocorrer após recebimento da denúncia, sendo que, da mesma forma, o parcelamento, para suspender a pretensão punitiva do Estado, deveria ser requerido anteriormente. (CAVALCANTE, 2014). Na realidade, referida norma trata sobre o parcelamento da dívida e dispõe que este deve ser formalizado antes do recebimento da denúncia para ter o condão de suspender a pretensão punitiva do estado, sendo possível o pagamento posterior da dívida. Discute-se, então, se a norma trata apenas sobre o pagamento da dívida posterior ao parcelamento, ou de pagamento direto e integral da dívida. Sobre o assunto discorre Machado (2011, p. 387): “Recentemente, quando se imaginava pacificado o assunto, a Lei n. 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, veio com novos dispositivos que poderão suscitar controvérsias. Em seu art. 6º alterou a redação do art. 83, da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, inserindo no mesmo cinco parágrafos, com a renumeração do parágrafo único. O caput  deste art. 83 já tivera sua redação alterada pela Lei n. 12.350, de 20 de dezembro de 2010. (…) Considerando que a regra do § 6º, que antes da Lei n. 12.350/2010 estava no parágrafo único, já havia sido alterado no sentido de se admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento feito a qualquer tempo, agora será suscitada a questão de saber se o fato de haver sido expressamente mantida deve ser entendido como uma reedição e, assim, voltaríamos à situação na qual o pagamento somente extinguiria a punibilidade se feito antes do recebimento da denúncia.” Demonstrada a discussão doutrinária e a evolução histórica do benefício da extinção da punibilidade nos crimes tributários, a seguir será abordado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. 3 Extinção da punibilidade em crimes contra ordem tributária segundo entendimento do stf  Feito o suficiente embasamento acerca da constituição do crédito tributário, bem como dos institutos do parcelamento e do pagamento do débito, de forma a auxiliar a compreensão dos efeitos de tais prerrogativas do contribuinte, assim como dos dispositivos relacionados aos crimes contra a ordem tributária, buscou-se propiciar uma consistente compreensão sobre ambos os temas. Nesta etapa, então, direciona-se este trabalho a tentar compreender de que forma a extinção da punibilidade nos crimes tributários é aplicada pelo Supremo Tribunal Federal. A polêmica anteriormente exposta chegou à última instância, sendo inclusive matéria do boletim informativo n. 731. Segundo disposto por Cavalcante (2014, p. 804) duas correntes manifestaram-se sobre o assunto no julgamento da dos embargos declaratórios na Ação Penal 516/DF. Referido recurso buscava a declaração da extinção da punibilidade referente aos crimes de sonegação de contribuição previdenciária e de apropriação indébita tributária, em face do pagamento da dívida e ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Acontece que o Supremo Tribunal Federal já havia proferida sentença condenatória e, em face disso, o recorrente alegou que a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito poderia se dar a qualquer momento. Segundo a primeira corrente, adotada inclusive por Ayres Britto: “(…) a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito tributário somente seria admitida enquanto existente pretensão punitiva estatal (processo penal de conhecimento). Se já houver sentença penal condenatória transitada em julgado, surge a pretensão executória do Estado e não mais é possível a extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida.” (CAVALCANTE, 2014, p. 804). Em seu voto, o ministro Ayres Britto reconheceu que a extinção da punibilidade pelo superveniente pagamento integral do débito tributário trata-se de questão de ordem pública, podendo ser analisada em qualquer tempo e até mesmo de ofício.[6] Em seguida, passou a discorrer acerca do imbróglio relacionado com o momento em que o pagamento deve ser realizado para que este tenha efeito de extinguir a punibilidade do agente. Após breves observações sobre o assunto, o ministro concluiu que após proferida a sentença referente à condenação, a pretensão punitiva do Estado já teria se concretizado, limitando assim a possibilidade de reconhecimento do pagamento do tributo como fim da extinção da punibilidade: “Atento a esses marcos interpretativos, tenho que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, quando exercida em única ou última instância, prescinde do trânsito em julgado para que sua decisão ganhe foros definitivamente. Definitividade que limita, então, a possibilidade de reconhecimento do pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade, por não mais existir pretensão punitiva do Estado passível de suspensão, ou anulação. (…) O que me leva a concluir que, uma vez exercida em definitivo a pretensão punitiva estatal, fica inviabilizada a eficácia jurídico-penal do pagamento integral do débito tributário no caso concreto, para efeito de extinção da punibilidade.” (BRASIL, STF, 2013). No caso em comento, o ministro Ayres Britto, indeferiu o pedido de declaração da extinção da punibilidade superveniente pelo pagamento integral da dívida. Os ministros Teori Zavaski, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa adotaram o mesmo posicionamento de Ayres Britto. Já a segunda corrente, defendida pelos demais ministros, e a que prevaleceu na Cúpula, concluiu que: “O pagamento do tributo, a qualquer tempo, extingue a punibilidade do crime tributário. Defende que o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não foi revogado e continua em vigor. Ao contrário das leis de ns. 11.941/2009 e 12.382/2011, a Lei n. 10.684/2003 trata de pagamento direto (e não de pagamento após parcelamento). Assim, o pagamento integral implica a extinção da punibilidade por força do §2º, do art. 9º da Lei n. 10.684/2003.” (CAVALCANTE, 2014, p. 804). Nesse sentido, para o ministro Dias Toffoli, “a Lei n. 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no §2º do art. 9º da Lei n. 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.” (BRASIL, STF, 2013). Ainda, na visão do ministro mencionado, a opção política do legislador é a de: “(…) privilegiar a arrecadação estatal, utilizando-se da coação penal como um meio para obter a satisfação integral do débito tributário (…). Em vez da efetiva execução de penas privativas de liberdade contra o sonegador, com todos os custos sociais daí decorrentes, previlegiou-se a política arrecadatória, com a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, desde que satisfeita integralmente a obrigação.” (BRASIL, STF, 2013). Consoante dispõe Cavalcante (2014, p. 804), “o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não estabeleceu qualquer restrição quanto ao momento ideal para realização do pagamento. Logo, não cabe ao intérprete, por isso, impor limitações ao exercício do direito postulado.” Destaco outrossim, que no voto do ministro Dias Toffoli, este expõe também seu posicionamento acerca dos efeitos do parcelamento da dívida nos procedimentos criminais:  “Na hipótese de parcelamento, conforme previsto na Lei n. 12.382/11, se dá a suspensão da pretensão punitiva do Estado, com relação aos crimes tributários, pelo período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento, com a ressalva de que o pedido de parcelamento deverá ter sido formalizado antes do recebimento da denúncia no procedimento penal.” (BRASIL, STF, 2013). Assim, ao contrário do que o ministro Dias Toffoli entende em relação ao momento do pagamento da dívida tributária, este considera possível o parcelamento da dívida apenas como forma de suspensão da pretensão punitiva, e, ainda, somente se este for formalizado em data anterior ao recebimento da denúncia; já o pagamento poderia se dar em qualquer momento da persecução penal, como acima exposto. O acórdão favorável à extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida em qualquer momento da ação penal, proferido nos autos da ação penal 516/DF, fora mantido e repetido em outro acórdão proferido em outro recurso analisado pelo Supremo Tribunal Federal. O entendimento fora mantido na decisão prolatada na questão de ordem na ação penal de n. 613/TO. [7] Dessa forma, embora não existam muitos julgados da Cúpula do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, os aqui apresentados são recentes e demonstram a predominância do entendimento de que é possível reconhecer a extinção da punibilidade nos processos criminais tributários em que haja o pagamento da dívida, podendo este ser realizado em qualquer momento da persecução penal. Já em relação ao parcelamento da dívida, este poderia ser realizado somente antes do recebimento da denúncia para ter força de suspensão da punibilidade. Considerações finais  Neste trabalho científico, tratou-se sobre os crimes tributários e a extinção da punibilidade segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal. Além de terem sido abordados os institutos relacionados aos crimes tributários, à constituição do crédito tributário e demais dispositivos inerentes ao estudo, foram expostos os diferentes posicionamentos adotados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Pôde-se observar com o presente estudo que, considerando a crescente carga tributária nacional, o número de casos de sonegação fiscal e, consequentemente, a quantidade de processos criminais e tributários em tramitação no Poder Judiciário, compreender os institutos do parcelamento e do pagamento da dívida, assim como seus efeitos em referidas demandas judiciais é de extrema relevância. E, diante da inconstância jurídica que abarca o tema em questão, buscou-se tratar neste trabalho as características do crédito tributário e dos crimes contra a ordem tributária para depois, discorrer acerca da possibilidade de ser reconhecida a extinção da punibilidades em tais ilícitos. Com a realização deste trabalho pôde-se verificar que as discussões inerentes à extinção da punibilidade nos crimes tributários são de longa data. Isto porque a cada momento, nova norma era editada, alterando as possibilidades de aceitação do pagamento da dívida como forma de extinção da punibilidade. Assim, com base na pesquisa efetuada, infere-se que, atualmente, segundo o posicionamento majoritário do Supremo Tribunal Federal, a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária é reconhecida quando há pagamento integral da dívida, este podendo ser realizado em qualquer momento da ação penal, inclusive após sentença condenatória. Outrossim, é possível concluir também, que, para parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em relação ao parcelamento, este só tem o condão de suspender a pretensão punitiva do estado, e, ainda se efetuado antes do recebimento da denúncia. Dessa forma, a importância deste artigo científico está justamente na necessidade conhecer o posicionamento majoritário do Supremo Tribunal Federal, a fim de nortear as decisões dos juízes de primeira instância, evitando entendimentos conflitantes sobre o tema, diminuindo o risco de ceifar direitos de alguns contribuintes.
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Análise crítica do posicionamento do stj sobre a denúncia espontânea dos tributos lançados por homologação
O presente artigo aborda de uma maneira crítica o posicionamento do STJ frente ao instituto da denúncia espontânea dos tributos lançados por homologação.
Direito Tributário
1 Introdução O artigo 136 do Código Tributário Nacional (CTN)[1] inaugura a Seção IV que trata da responsabilidade por infrações (ilícitos fiscais) por vezes cometidas pelo sujeito passivo da obrigação tributária.Ditas infrações tributárias são apuradas pelas autoridades administrativas, regendo-se pelas disposições atinentes ao Direito Administrativo, sendo sua sanção de caráter pecuniário. Característica importante que se extrai da redação do em comento é quanto à intenção do agente, que é irrelevante para a configuração do ilícito fiscal e, nas palavras do mestre Sacha Calmon “se fosse permitido alegar a ignorância da lei fiscal, no caso a lei extrainfracional, estaria seriamente embaraçada a ação do Estado contra os sonegadores de tributos, e aberto o periculum in mora” [2]. Constata-se, desde logo, que a infração fiscal é cometida pelo simples descumprimento de deveres tributários de dar, fazer ou não fazer. Já o artigo 137[3] dispõe sobre a responsabilidade pessoal do contribuinte (ou responsável tributário) pelo o pagamento das multas fiscais, fugindo à regra geral da objetividade, devendo ser comprovado, observado o devido processo legal, se houve ou não dolo por parte do agente, para fins de apuração de responsabilidade do sujeito passivo da obrigação tributária Adiante, o artigo 138[4] do CTN, talvez um dos mais importantes mecanismos de defesa para os administrados (vide a potestade do Estado), cuida da exclusão da responsabilidade pelo pagamento de multas através do instituto da denúncia espontânea da infração. Assim, a todo o dever tributário, seja ele o pagamento de um tributo (obrigação de dar), seja ele o uma obrigação acessória (obrigação de fazer ou não fazer), caso descumprido, incide uma sanção. Porém, se aquele infrator adianta-se à fiscalização fazendária, procedendo a denúncia espontânea, a fim de reparar as infrações ora cometidas, a responsabilidade fica afastada. O objetivo do instituto é senão, excluir a responsabilidade do devedor, liberando-o da multa de mora, de caráter punitivo. 2 Desenvolvimento Importante frisar que a denúncia espontânea abrange todo e qualquer tipo de infração quer das multas de mora, decorrentes do não pagamento de tributos, quer das multas isoladas, resultado do não cumprimento de obrigação acessória. De acordo com Sacha Calmon, “ocorrendo denúncia espontânea acompanhada do recolhimento do tributo, com juros e correção monetária, nenhuma penalidade poderá ser imposta nem tampouco exigida do contribuinte anteriormente inadimplente.” [5] Questão que exige acurada análise é a redação da súmula 360 do STJ, aqui transcrita in verbis: “o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo”.[6] Conforme melhor doutrina, os pressupostos de admissibilidade da denúncia espontânea são: (i) tempestividade, (ii) especificidade do procedimento; (iii) pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada. Não se considera eficaz a denúncia espontânea apresentada após início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização realizada pela Administração. Assim, iniciado qualquer procedimento de fiscalização relacionada a determinada obrigação (seja principal ou acessória), resta comprometida a denúncia espontânea, pois de espontânea não tem nada.  A especificidade do procedimento administrativo fazendário é condição sine qua non para que seja eficaz a denúncia espontânea. Desta maneira, a Fazenda não poderá negar ao contribuinte o direito de denunciar espontaneamente, se contra aquela infração não se houver iniciado qualquer procedimento fiscalizatório. Trata-se de verdadeiro direito subjetivo do sujeito passivo da obrigação tributária. Outro requisito de admissibilidade da denúncia espontânea é o pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada. Neste ponto há divergências relevantes, corroborada pela redação do artigo 138 do CTN: “  Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.”[7] A expressão destacada nos remete a ideia de que, como dito alhures, a responsabilidade excluída pela denúncia espontânea abrange tanto as obrigações principais quanto as obrigações acessórias. Outra ponderação a respeito da expressão destacada é se seria possível o instituto da denúncia espontânea com o pedido de parcelamento da dívida. A questão é bastante controversa na nossa jurisprudência. O antigo Tribunal Federal de Recursos editou a súmula 208 transcrita in verbis: “A simples confissão da dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea”. Grande parte da doutrina considera o teor da súmula ultrapassado, mas há jurisprudência do STJ confirmando o conteúdo sumulado. Há, entretanto, outras tantas decisões do Superior Tribunal de Justiça declarando ser possível o parcelamento para fins de denúncia espontânea, entendimento este, a nosso ver, mais coerente. Questão também sobremaneira polêmica envolvendo a matéria é se seria possível a denúncia espontânea nos tributos lançados por homologação. De acordo com entendimento sumulado do STJ (Súmula 360) o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. A posição majoritária da 1ª Seção prevaleceu, entendendo ser impossível o instituto da denúncia espontânea nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, sendo editada a referida súmula. Segundo o entendimento equivocado do Tribunal Superior, quando o contribuinte apresenta a declaração (GIA e DCTF) que entende ser devida ao Fisco, ele estaria confessando o débito, sendo desnecessário qualquer ato administrativo para lançar e constituir o mencionado crédito. Assim, as declarações seriam semelhantes aos atos administrativos, capazes de afastar a incidência do artigo 138 do CTN; a declaração formaliza a existência do crédito tributário. Em apertada síntese, o STJ entende não ser possível a aplicação da denúncia espontânea quando o contribuinte declara previamente a existência do tributo devido. Não tendo havido a declaração por parte do contribuinte é possível a aplicação do instituto. Pela simples leitura do dispositivo legal, a única causa que exclui a possibilidade da denúncia espontânea é no caso de já haver iniciado procedimento administrativo relativo àquele crédito tributário. Como o ato de lançamento e é privativo da Administração Pública (CTN artigos 3º e 142) e somente ela pode dar início ao procedimento administrativo, não há que se estender às declarações do contribuinte nos tributos lançados por homologação a ato de constituição do crédito tributário. Desta maneira, a simples informação do contribuinte da existência de obrigação tributária e o quantum devido aos cofres públicos, não tem condão de constituir o crédito tributário. O fundamento basilar deste entendimento esdrúxulo reside no fato de que as declarações ofertadas pelo contribuinte à Administração Fiscal se assemelhariam a confissões e dívidas, entendimento este que não deve prosperar. O verdadeiro intuito do artigo 138 do CTN é desestimular a inadimplência e, de certo modo, beneficiar tanto o contribuinte, pois afastada a responsabilidade pelas infrações, quanto ao Fisco, já que hodiernamente, a maioria esmagadora dos tributos são sujeitos ao lançamento por homologação, dificultando muitas vezes a fiscalização da Administração. A denúncia espontânea deve beneficiar o contribuinte de boa fé, que verificando sua conduta infracional, a retifica perante o Fisco. A súmula do STJ inverte a valoração do conteúdo do artigo 138, premiando o contribuinte que omite informações do Fisco, fazendo com que seja beneficiado pela denúncia espontânea aquele contribuinte que não declara seus débitos fiscais. A nosso sentir, o entendimento contido na Súmula 360 do STJ está em plena dissonância com os princípios do Estado Democrático de Direito, indo na contramão do fenômeno hodierno pelo qual vem passando o Direito Público, principalmente o Direito Tributário e Administrativo, que prevê maior participação dos contribuintes nas relações Estado-indivíduo, com o objetivo legitimar a atuação do Fisco.
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Debatendo a reforma tributária: Primeiros apontamentos e derrubando alguns mitos
O artigo debate a importância da Reforma Tributária no Brasil para solucionar o problema da regressividade da política fiscal herdada da ditadura militar. Derruba a tese de que o nosso país possui uma elevada carga tributária, e demonstra que o maior peso dos tributos afeta a classe trabalhadora, quando o correto seria inverter a lógica, aproveitando a experiência do modelo nórdico.
Direito Tributário
I – Introdução ao Tema Já afirmei algumas vezes que pelo menos três grandes reformas devem ser realizadas para a consolidação da nossa Democracia: a política, a tributária e a da mídia. Cada uma delas tem impacto em setores da vida cotidiana, e podem permitir uma ampliação das políticas de inclusão social instauradas desde a ascensão de Lula, 2003, incluindo elemento de natureza imaterial, como a valorização da cultura local. O grande desafio para o novo Governo eleito num processo disputado, como o encerrado no último dia 26 de outubro, será o de superar uma base congressual extremamente conservadora ou reacionária, composta por grupos políticos que não necessariamente apresenta interesse em transformar o país. No novo parlamento tivemos uma elevação de representantes do grande empresariado, de ruralistas, de religiosos fundamentalistas, dentre outros. Na outra ponta, temos a queda da representação sindical, de ambientalista e de militantes sociais. A reforma política é fundamental para restringir o exercício de poder dos grandes grupos econômicos sobre candidatos e partidos, situação esta que já poderia ter sido reduzida, não fosse o pedido de vista realizado pelo Ministro Gilmar Mendes na ADI nº 4650, no dia 02 de abril deste ano, ação na qual a OAB ataca exatamente o financiamento empresarial de campanhas. Como a votação apontava placar avançado de para declarar a inconstitucionalidade deste tipo de financiamento, o empresarial, é possível que o Supremo, consiga resolver em parte o problema criado pelo financiamento privado de campanhas, ao arrepio dos interesses dos grupos conservadores do Parlamento. No que se refere à reforma de mídia, a famosa Lei dos Meios, o embargo poderá ser ainda maior. Muitos Deputados e Senadores possuem vínculos pessoais e familiares com grupos de comunicação. Dos três Senadores do Rio Grande do Sul, por exemplo, dois são funcionários da RBS, sucursal da Rede Globo no Estado. Outros, como o próprio ex-candidato à Presidente pelo PSDB, Aécio Neves, são vinculados a famílias que detém o controle de grupos regionais de comunicação. Portanto, a reforma de mídia também enfrentará um grande entrave, pois deverá enfrentar um dos mais poderosos grupos econômicos do país, inclusive patrocinado por interesses internacionais. “Abrir a caixa-preta dos meios de comunicação”, como tenho reforçado, poderá ser um grande instrumento para coibir a concentração de poder em determinados grupos e famílias, ampliar o espaço para a divulgação da cultura popular e local, das produções independentes, e restringir a corrupção política. Mas, nesse texto, vou laçar algumas informações sobre a pouco debatida Reforma Tributária, também fundamental para reverter o quadro regressivo da política fiscal imposta pelos militares e copiada pelo “Centrão”[1] em 1988. Obviamente, retomarei os outros dois pontos em artigos próprios mais adiante. II – Do Sistema Tributário “Regressivo” O problema no nosso sistema fiscal, e não poderia se esperar algo diferente, é cercado por uma grande disputa de ideias, informações e ideologias. Mais do que isto, muitas vezes os números são espancados por metodologias questionáveis, somente para reforçar interpretações, algumas míticas ou inverídicas. Como ponto de partida, é imperativo questionar o grande mito despejado todos os dias nas nossas mentes, sobre o fato do Brasil possuir uma carga tributária elevada. Um simples estudo comparativo com outros países demonstra que a nossa carga tributária está na faixa intermediária, bem abaixo da adotada nos países com melhor qualidade de vida do mundo, como Noruega, Suécia e Finlândia, algo que também pode demonstrar o motivo de déficit em políticas sociais como saúde e educação, em razão da ausência de financiamento. Os recursos fiscais são escassos, dependem diretamente da contribuição realizada pela sociedade. Assim, sempre que questionamos os serviços públicos como saúde, educação, assistência social, dentre outros, inclusive a remuneração de servidores, devemos ter a certeza que estes são financiados por tributos. No quadro abaixo uma breve comparação da carga tributária do Brasil em relação ao PIB, e o mesmo indicador em outros países: Como podemos observar no quadro acima, o peso percentual dos tributos brasileiros supera apenas os indicadores da Espanha, da Grécia, do Chile, China, Rússia e Japão.  Embora Chile e China possuam uma tributação relativamente baixa, os outros quatro países também se localizam na esfera de tributação intermediária. Destaco que Espanha e Grécia são as economias com pior desempenho da União Europeia, e com as mais altas taxas de desemprego, e baixíssima capacidade de investimento. Já o nosso vizinho Chile, único situado no campo da baixa tributação, sofreu um processo de recrudescimento das políticas sociais. O ensino superior é pago, e o Estado aplica apenas 15% dos valores destinados à manutenção do acesso às universidades[2]. No Brasil, ao contrário, todas as instituições oficiais de ensino superior são gratuitas, e o Governo Federal investe pesadamente no financiamento do acesso às instituições privadas via o PROUNI. Na Rússia temos um indicador muito próximo do brasileiro, com diferença de apenas 0,2%. A China é um país com a economia predominantemente estatizada, portanto bem diferente da brasileira. Já o Japão vem enfrentado uma estagnação econômica intensa, agravada pelo problema de Fukushima. O percentual dos tributos brasileiros em relação ao PIB está muito próximo ao indicador do Reino Unido. Contudo, bem abaixo dos países com os melhores indicadores sociais do planeta: Alemanha, Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca. Nos países nórdicos, e também na França, este índice supera 40% do PIB. Já na Alemanha, há uma pequena redução para 38,7% do PIB, mesmo com os nove anos de mandato consecutivos da conservadora Ângela Merkel. É importante destacar que existe uma pequena diferença entre a metodologia da Receita Federal e a adotada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT, responsável pelo famoso Impostômetro. De acordo com a referida entidade, em 2012 o peso da carga tributária na economia brasileira era de 36,37%, sendo projetada para 36,42% em 2013[3]. Contudo, identificamos um ponto de discordância na metodologia do IBPT que é a dupla contagem dos valores da dívida ativa fiscal, como multas, juros e correção monetária. A referida entidade também faz o somatório das contribuições sindicais e dos emolumentos judiciais. Logo, é feita uma projeção com base em valores extrafiscais, decorrentes ou de para-fiscalidade, ou de descumprimento da Lei Tributária. Juros, multas e correção monetária não são tributos. Possuem natureza extrafiscal, e sempre são decorrentes de ilegalidades praticadas pelos contribuintes, como sonegação, por exemplo. Como tem ocorrido uma ação cada vez mais ofensiva da Receita Federal contra a sonegação, há inegável crescimento da receita com a cobrança da dívida ativa, convertida em crédito orçamentário. Mas, com a devida vênia, isso não é carga tributária, pois não podemos colocar no mesmo grupo pessoas que cumprem as suas obrigações, e aqueles que praticam condutas ilegais. No que se refere aos emolumentos judiciais, estes possuem o caráter mais próximo de preço público, portanto extrafiscais. Se levarmos ao excesso a teoria do IBPT também deveriam ser cobrados os pedágios (muito mais danosos à economia do que a cobrança de impostos), as tarifas de água, energia elétrica, telefonia, dentre outros serviços públicos delegados, que também são custos assumidos pela sociedade. No entanto, nem todos os custos são tributos, não sendo adequada a sua utilização para o cálculo das obrigações fiscais. Ainda sobre este ponto, as contribuições sindicais ou corporativas não ingressam no financiamento do Estado. Não são obrigações fiscais, e sim associativas, para-fiscais, e sua inclusão no cálculo do índice tributário também é equivocada. Entretanto, mesmo se considerarmos correto o índice obtido pelo IBPT, a carga tributária brasileira continuará sendo classificada como média, e abaixo dos patamares da União Europeia. O ponto de corte, e principal herança negativa deixada pelo “Centrão” na Constituinte de 1988, é a regressividade da nossa carga tributária, com o peso excessivo dos tributos sobre trabalho e, principalmente, sobre consumo. Como leciona, corretamente, o tributarista Luciano Amaro, “Os tributos podem ser regressivos e progressivos. Denominam-se regressivos quando a onerosidade relativa cresce em razão inversa do crescimento da renda do contribuinte. E progressivos se a onerosidade relativa aumenta na razão do crescimento da renda. Suponha-se que o indivíduo “A” pague (como contribuinte de direito ou de fato) 10 de imposto ao adquirir o produto X, e tenha uma renda de 1.000; o imposto representa 1% de sua renda. Se esta subisse para 2.000, aquele imposto passaria a significar 0,5% da renda, e, se a renda caísse para 500, o tributo corresponderia a 2%. Assim, esse imposto é regressivo, pois, quanto menor a renda, maior é o ônus relativo”[4]. Portanto, impostos indiretos sobre o consumo, como o ICMS e o IPI, são extremamente regressivos. Já os tributos direitos, como o escalonado imposto de renda (IR), tem grande potencial para a progressividade. Apesar do direito brasileiro não admitir a progressividade dos impostos sobre o consumo, estes podem ser seletivos em face de interesse público a ser tutelado. Assim, justifica-se a elevação do IPI sobre a fabricação de cigarros, e a sua redução para os bens da “chamada linha branca” (geladeiras, máquinas de lavar, etc.), pois no primeiro caso o interesse público a ser tutelado é a saúde, e a elevação da alíquota impõe a restrição do comércio. Já no segundo caso, o interesse público é a melhoria de qualidade de vida das famílias. A seletividade também é utilizada por alguns governos para reequilibrar a conta de comercialização frente aos produtos importados, em relação ao “dumping” dos produtos do exterior, embora a medida mais adequada seja a sobretaxação por meio do imposto de importação. Mas voltando ao debate sobre a progressividade e a regressividade dos tributos, não restam dúvidas que o Imposto de Renda é o que possui o maior potencial de progressividade, potencial este que não é utilizado no Brasil, onde temos apenas 5 faixas de tributação. No quadro abaixo, o impacto das principais categorias tributárias sobre o nosso produto interno bruto: O crescimento do peso dos tributos sobre a folha de salários, mesmo com a política de desoneração realizada pelo Governo Federal tem uma explicação simples, que é redução das taxas de desemprego e elevação do nível de formalização do trabalho. Esta explicação também é retratada pela Receita Federal, que vê no aumento das contribuições previdências e ao FGTS o motivo da elevação da tributação das folhas salariais no PIB (RECEITA FEDERAL, 2013). Já a variação dos impostos sobre bens e consumo, há um crescimento da arrecadação do ICMS (imposto estadual), que sofreu uma variação de 7,18% (2011) para 7,46% (2012). As demais variações neste campo foram baixas, embora apenas o IPI (imposto federal), apresente uma redução do seu peso na economia. Chama atenção o pequeno impacto do Imposto de Renda na nossa base tributária, onde predominam os tributos sobre pessoas jurídicas e retidos na fonte: O imposto retido na fonte é pago pelos trabalhadores com carteira assinada ou regime estatutário. Já o imposto de renda pessoa física é pago pelos profissionais liberais na declaração de ajuste, e pelas grandes rendas. Mesmo que parte das rendas superiores já seja taxada no lucro das empresas, seria necessário inverter esse quadro para atingir uma maior justiça fiscal. Com relação à tributação sobre o patrimônio observa-se uma tributação ainda menos significativa, sendo que os resultados do ITR são pífios. Portanto, se arrecadação tributária é baixíssima na categoria dos impostos sobre a propriedade, temos uma arrecadação pífia num dos espaços onde existe maior injustiça social que é na propriedade territorial rural, dada a insignificância do ITR na economia. Pesa, ainda, a ausência de progressividade nos impostos sobre a propriedade, especialmente do IPTU, na medida em que a alíquota é idêntica para uma casa na periferia e outra nas regiões de maior renda, mesmo que a Emenda Constitucional nº29/2009 autorize a diferenciação em razão do uso, localização e valor do imóvel. Quaisquer medidas para enfrentamento do problema ainda geram conflitos com os grupos mais abastados e setores da mídia. As únicas modificações de alíquotas admitidas na nossa legislação para os impostos sobre a propriedade, notadamente o IPTU, que ainda recebem certa legitimação, são as com função extrafiscal, como o IPTU progressivo no tempo para imóveis não utilizados ou subutilizados, ou a alíquota superior para terrenos não edificados. Entretanto, quando comparamos o nosso modelo tributário com o adotado por outros países, observamos um quadro diferente no peso de cada categoria de tributos: Como pode ser observado, se alguns países possuem um peso maior da arrecadação previdenciária/trabalhista sobre a composição geral da massa tributária, e outros uma composição maior sobre o capital (renda/propriedade), apenas o Brasil mantém o peso maior da sua atividade financeira sobre o consumo, esfera que, conforme destacamos anteriormente, os tributos possuem natureza regressiva. O maior peso da tributação sobre o trabalho está fortemente vinculado ao ideal europeu de seguridade social, como contribuições previdenciárias e sociais. Já a tributação sobre capital não considera os valores aplicados sobre a propriedade. No quadro abaixo uma comparação entre as maiores taxas legais de Imposto de Renda: Portanto, muito embora o Brasil mantenha uma taxa de imposto de renda para as empresas, excluída à vantagem destinada às micro e pequenas empresa (15%), dentro do patamar médio europeu (25%), a tributação sobre a renda individual ainda é limitada no índice máximo de 27,5%, e em apenas 5 faixas[5]. Além disso, como já destacamos, o grosso desta retenção é realizado na fonte. Logo, para garantir maior justiça tributária, seria necessário ampliar o número de faixas de tributação, e elevar o valor da alíquota máxima para as faixas de maior renda, diminuindo a incidência sobre a classe trabalhadora. Isto poderia redundar em menor distorção, favorecendo amplamente uma redistribuição econômica através da melhoria das políticas públicas. Nesse sentido, divirjo e não vejo procedência no argumento daqueles que sustentam ser necessário melhorar a qualidade do serviço público para fazer crescer a carga tributária. Ao contrário, para melhorar a prestação de serviços públicos, como saúde e educação, é necessário corrigir a distorção dos tributos, reduzindo a incidência sobre o consumo e aumentando a cobrança sobre as faixas econômicas de maior renda. III – Considerações Finais O exemplo nórdico de maior igualdade e melhores serviços públicos, adotado na Suécia, na Finlândia, na Noruega e Dinamarca, aponta para a necessidade de modificação no nosso modelo tributário, priorizando os impostos progressivos, especialmente sobre a renda individual, em detrimento dos impostos regressivos e indiretos, como a tributação sobre o consumo. Por fim, resta destacar que o Brasil ainda está muito abaixo dos outros países na tributação do patrimônio, haja vista que o IPTU, imposto municipal, sofre muito com a falta de atualização da planta de valores prediais, fragilidade dos cadastros das administrações locais, e elevado grau de informalidade urbana. Destaco que esta informalidade inclui muitos espaços ocupados por grupos de maior renda, como o entorno do Lago Paranoá, em Brasília, redundando numa elevada perda de receitas e em mais injustiça social. Portanto, considerando os elementos apresentados acima, considero como essenciais algumas medidas: a) Elevação do número de faixas do imposto de renda e aumento da taxa máxima de incidência sobre os maiores rendimentos. Para tanto, não é necessária Emenda Constitucional, mas simples modificação legislativa; b) Investimento na melhoria da gestão tributária municipal, para reduzir a renúncia tributária do IPTU. É uma medida administrativa e legislativa local, não precisando de mudança constitucional; c) Limitação e simplificação dos impostos sobre o consumo, reduzindo o peso da carga dos impostos indiretos. Nesta esfera será obrigatória a Emenda Constitucional e em Lei Complementar. Como o imposto mais pesado é o ICMS, também será necessária discussão com os outros entes federativos; e d) Simplificação das contribuições sociais, o que tende a diminuir a sonegação fiscal. A atualização da planta de valores e do cadastro imobiliário dos Municípios permitirá uma maior autonomia gerencial dos governos locais e uma menor dependência do ICMS. Além disso, a mudança do modelo do imposto de renda com maior progressividade também poderá compensar perdas de arrecadação através do Fundo de Participação dos Municípios. Destaco que estes são apenas levantamentos iniciais, e não uma solução completa para a nossa reforma tributária, o que depende de um estudo aprofundado sobre alíquotas, mecanismos de repasse e de gestão. Contudo, fica evidente que a nossa carga tributária não é elevada, mas profundamente injusta. Em face destas informações, é necessário reduzir o peso dos tributos sobre a classe trabalhadora e sobre os consumidores, repassando este custo para os grupos de alta renda, ainda beneficiados pelo caráter regressivo do nosso sistema tributário. Entretanto, será necessário superar o perfil absolutamente conservador do Parlamento eleito em 2014.
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O protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa – CDA
Resumo:Intimamente ligados pelas suas histórias, os títulos de crédito e o protesto de títulos, passam por um novo capítulo de suas existências no direito brasileiro com a recente vigência de lei incluindo o título representativo de dívida ativa – a CDA, na hipótese de protesto extrajudicial. A presente monografia pretende demonstrar que o protesto extrajudicial desse título de crédito não se presta para as mesmas finalidades do que o protesto cambial. A pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental, faz um estudo sobre os efeitos do protesto no direito privado e sobre estes mesmos efeitos no direito público. Dessa maneira, discorrerá este trabalho sobre os elementos que as Administrações Públicas devam observar na hipótese de promoverem o protesto. Visa também o presente trabalho discorrer sobre os privilégios e garantias que as fazendas públicas da União, dos estados e dos municípios têm para constituir e cobrar os créditos tributários quando forem exigíveis, bem como as sanções já disponíveis e albergadas pela lei para penalizar o devedor tributário, este que se encontra cada vez com menos alternativas de defesa. Contudo, com a decisão do STJ proferindo acórdão concordando com a legalidade da medida, fundando sua decisão nos modernos conceitos de gestão pública, no princípio da eficiência e na intersecção dos institutos do direito privado com os do direito público, será feito uma análise dos efeitos da sua aplicação a partir de seus próprios argumentos, da doutrina e dos princípios constitucionais.[1]
Direito Tributário
1 introdução É crescente a intersecção dos institutos do Direito Privado no Direito Público. Essa aproximação é resultado das transformações ocorridas no seio da sociedade com reflexos na Administração Pública, com fundamento na evolução do direito como uma ciência com critérios em organização. Isto se demonstra com a recente modificação dada na Lei de Protestos, a Lei nº 9.492/97, que acabou por inserir o protesto extrajudicial às Certidões de Dívida Ativa das Fazendas Públicas da União, estados e municípios, das autarquias e fundações públicas. A partir da sua publicação contam os entes públicos com mais um poderoso instrumento de coação ao devedor do erário para a cobrança dos créditos tributários ou não tributários, representados pelas Certidões de Dívida Ativa – CDAs. A autorização dada pela lei é culminante de um processo que se desenvolve há bastante tempo nos bastidores dos tribunais e da doutrina. Cumpre destacar que em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.790-5 – Distrito Federal, promovida pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil, no ano de 1998, o STF firmou entendimento sobre troca de informações entre os cartórios de protestos de títulos e a manutenção dos arquivos de consumo, os conhecidos bancos de dados. A decisão proferida reconheceu que a existência dos arquivos de consumo são um dado muito arraigado na nossa economia, fundada nas relações massificadas de crédito. Consoante a inclusão do parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/97, dado pelo diploma alterador, Lei 12.767/12, albergou a nova possibilidade, até então omitida no cenário legislativo. Conferiu o contorno necessário para o protesto extrajudicial da CDA, até então não positivado em lei, ficando autorizadas as fazendas públicas a aplicarem o instituto típico do direito privado. O protesto, no direito pátrio, é ato praticado pelo detentor de um crédito, perante o cartório competente, para incorporar ao respectivo título em sua posse ou fazer prova de fato relevante. Em sua forma originária, tem como finalidade atestar formalmente o inadimplemento e o descumprimento de obrigação representada em título ou documento de dívida. As CDAs, por sua vez, são documentos de dívida pública, com presunção de liquidez e certeza, e exigibilidade com efeito de prova pré-constituída desde o seu lançamento. Trata-se de um título de crédito executivo extrajudicial, que alcança o objetivo de comprovar a existência da dívida, por ato vinculado da Administração Pública, dispensando que se demonstre, por outros meios, a impontualidade e o inadimplemento do contribuinte, restando evidente a ausência do interesse jurídico em levá-las a protesto. Uma vez protestada a CDA, a administração pública não poderá aplicar os seus efeitos com a mesma finalidade do direito privado. O Estado brasileiro, fundado numa economia de relações massificadas de consumo e de crédito, transforma o protesto da CDA numa eficaz e questionável ferramenta de coerção dos contribuintes em débito com as fazendas públicas. Assim sendo, o primeiro capítulo deste trabalho analisará a função de cada um dos institutos relacionados com a edição da nova lei, bem como procurará identificar quais os interesses que a poderão ter as Administrações Públicas na efetivação da medida, bem com as possíveis finalidades e seus efeitos jurídicos. No segundo capítulo serão brevemente identificados os requisitos e as medidas impostas pela legislação tributária e civil para que as Fazendas Públicas possam constituir o crédito tributário, a forma de aplicar o protesto em suas instâncias, com destaque aos entes federados União, estados e municípios. O capítulo final discorrerá sobre os dispositivos disponíveis pelas administrações fazendárias para tutelarem a arrecadação tributária e recuperarem os créditos tributários e não tributários não adimplidos até o vencimento. Destaque para os meios extralegais, ou a margem da lei, a sua relação com a nova lei, a posição dos tribunais superiores antes e depois da aprovação desta. 2 A origem dos títulos de crédito e do protesto É sabido que instituto do Protesto dos Títulos de Crédito está intimamente ligado pela história do título conhecido como Letra de Câmbio, como lembra Franciulli Neto (2006). De acordo com o juiz: “Obviar os perigos do transporte em dinheiro, em grandes distâncias, foi o germe a precipitar a Letra de Câmbio instrumento representativo da soma em dinheiro entregue pelo tomador (beneficiário) ao sacador (criador da letra), dai decorrendo o uso da inserção na letra de câmbio da cláusula ‘valor entregue ou recebido’, uma vez que idêntica soma em dinheiro deveria existir em mãos do sacado à disposição do proprietário do título.” (Franciulli Netto, 2006, pag. 1) O protesto, como se lê, é nascido da família cambiária. A sua prática é antiga e encontra registros em alguns arquivos italianos datados da primeira metade do século XIV, ato naturalmente tirado por notário ou oficial público, a fim de que não pairasse dúvidas quanto a autenticidade de uma letra de câmbio. Em sua pesquisa Franciulli Netto (2011) revela que a informação do mais antigo protesto teria sido lavrado em 1935, composto de três atos: a) apresentação da letra; b) requisição do pagamento; c) “protestatio”. No direito brasileiro, os títulos de crédito cambiários são aqueles vinculados ao Direito Cambiário e elencados no inciso I do artigo 585 do CPC – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque – tipos de cártulas que se ajustam adequadamente aos princípios cambiários, embora a lei apresente outros modelos de títulos que podem circular. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 894, segundo Mamede (2008), refere expressamente ao portador do título representativo de mercadoria, que igualmente pode ser transferido, portanto cambiável, ou exigir o cumprimento da obrigação, recebendo a mercadoria independentemente de quaisquer formalidades. Outros títulos de crédito positivados pelo direito brasileiro são aqueles elencados nos incisos II a VIII do artigo 585 e no artigo 475-N do Código de Processo Civil. Guardam características dos títulos cambiais, porém não o da circulação, permanecendo vinculados à relação ou ato jurídico que lhe deu origem, bem como ao Direito Civil. É extenso o rol de títulos que a lei e a doutrina recepcionam como sendo não cambiários, por força do inciso VIII, do artigo 585, do CPC: “[…] chegam a quase três dezenas de espécies, dentre as quais: o cheque, a duplicata, os títulos de crédito rural, criados pelo Decreto Lei 167/67, os títulos de crédito industrial, criados pelo Decreto Lei 413/69, os títulos de crédito comercial, o certificado de depósito bancário, a letra imobiliária, as debêntures, o warrant, o conhecimento de transporte, a cédula hipotecária, as contas judicialmente verificadas e vários outros.”(SANTOS, 2010, pag. 9). Destaca-se do artigo 585 do CPC, o do inciso VII, a Certidão de Dívida Ativa – CDA, título de crédito executivo extrajudicial formado por força de lei – o Código Tributário Nacional, e que alcança o objetivo de comprovar a existência da dívida com o erário, por ato vinculado da Administração Pública. Os títulos de crédito surgem a partir da vontade do devedor (assinatura em cheque, nota promissória, letra de câmbio, etc.), o que não sucede com a CDA.  2.1 A Certidão de Divida Ativa A CDA é título executivo extrajudicial (MACHADO SEGUNDO, 2012), e ajusta-se ao molde fixado pelo artigo 585, inciso VII, do CPC. Tem características únicas, como preleciona Melo (2012), devendo indicar obrigatoriamente, conforme o artigo 202 do Código Tributário Nacional, além da indicação do livro e da folha de inscrição na repartição administrativa competente: I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV – a data em que foi inscrita; V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. Em comentários, Nour (2002, pag. 531), completa dizendo que “Lavrado o termo de inscrição, a Administração pode extrair a certidão de dívida ativa, que constitui título executivo extrajudicial, necessário para a execução fiscal.” Conforme Machado (2013), a omissão de qualquer dos requistos previstos no artigo 202 do CTN em relação ao preenchimento da certidão, ou erro relativo aos mesmos, se não sanado, é causa de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente. […] “a ausência de quaisquer dos apontados requisitos impede o executado de conhecer os pontos específicos da exigência tributária, implicando autêntico cerceamento de defesa” (MELO, 2012). Havendo circunstância ou pendência em que a CDA não espelha a quantia devida realmente devida, será considerada ilíquida. (MACHADOS SEGUNDO, 2012) Além desses requisitos a jurisprudência do STJ tem entendido que a ausência da menção do processo administrativo que a originou, é causa de nulidade da Certidão de Dívida Ativa: “EXECUÇÃO FISCAL – CDA – AUSÊNCIA DE MENÇÃO AO PROCESSO ADMINISTRATIVO – NULIDADE. O termo de inscrição da dívida ativa indicará, obrigatoriamente, o número do processo administrativo de que se originou o crédito, acarretando, sua ausência, causa de nulidade da inscrição e do procedimento dela decorrente. Recurso improvido.” (REsp 212.974/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/1999, DJ 27/09/1999, p. 58) Essa formalidade, conforme leitura de Hugo de Brito Machado Segundo (2012) possibilita que se conheça a origem da dívida consubstanciada na CDA, os fatos que a geraram, seu fundamento legal etc., sendo, portanto, essencial ao controle de validade do crédito executado, em juízo, em sede de embargos de execução. O Processo Administrativo correspondente a inscrição em dívida ativa pode ser requisitado pelo sujeito passivo como meio de defesa, em que poderá demonstrar a ilegitimidade da cobrança tributária, pela via dos embargos a execução fiscal, como afirma Melo (2012). A CDA dispensa que se demonstre, por outros meios, a impontualidade e o inadimplemento do devedor tributário. Quando regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída, conforme artigo 204 do CTN. Ou seja, prova o crédito da Fazenda Pública, ao mesmo tempo em que atesta a inadimplência e o descumprimento de obrigação daquele que figura na certidão, colocando-o como sujeito passivo e em mora, não sendo exigíveis outras formas para tal finalidade, inclusive o do protesto extrajudicial como veremos a seguir. 2.2 A função do Protesto Extrajudicial de Títulos e seus efeitos “O protesto é, antes de tudo, prova." (COSTA, 2008, pag. 227). Dentro das finalidades legais contidas na legislação que rege os títulos de crédito, ele é prova insubstituível da apresentação do título ao devedor. O resto é consequência. O protesto é o registro de um fato, continua o autor, e não se faz contra ninguém, é um registro público onde deve ser feita a transcrição literal do título e das declarações nele contidos. A palavra protesto na linguagem jurídica não é completamente diferente do seu significado na linguagem comum. Nas duas hipóteses estão sempre ligados a uma ideia de inconformação declarada publicamente, nas palavras de Hugo de Brito Machado ao Instituto de Direito Tributário de Londrina/PR (s.d). Segundo Wille Duarte Costa (2008), existem duas espécies de protesto: o primeiro, o judicial, previsto no Código de Processo Civil no artigo 867. Destina-se a prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalvar direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal, dirigido ao juiz quando demonstrado legítimo interesse e o protesto, dando causa a dúvidas e incertezas, possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio lícito, como preconiza o artigo 869 do mesmo diploma. Não obstante ao entendimento sobre o protesto judicial, seguindo o entendimento adotado pela lei tributária, o artigo 174, parágrafo único, inciso II do CTN, ainda confere ao protesto judicial como causa de interrupção da prescrição do crédito tributário. (FERREIRA, 2011) Já o protesto extrajudicial, é típico do direito cambiário. A competência para o protesto, respeitado o artigo 3º da Lei 9.492/97, é do Tabelião de Protestos de Títulos. (MAMEDE, 2008). “Lei 9.492/97, art. 3º – Compete privativamente ao Tabelião de Protesto de Títulos, na tutela dos interesses públicos e privados, a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados, na forma desta Lei.” Ao Tabelião o legislador incumbiu de tutelar os interesses públicos e privados envolvidos em tais negócios. Inclui a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados. (MAMEDE, 2008) Segundo a Lei do Protesto – 9.492/97, em seu artigo 1º, o protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. A sua prática tem sido utilizada historicamente não apenas para asseverar o inadimplemento de uma obrigação, mas também para tornar público a sua existência. (MAMEDE, 2008) “A finalidade precípua da lei não é realizar o protesto, mas dar oportunidade para que este seja pago.” (PARIZATTO, 2002, pag. 34) Apesar da lei, o protesto é medida facultativa colocada ao alcance do credor, não sendo exigível para que seja iniciada uma execução (PARIZATTO, 2002), afinal a obrigação dos devedores afirma-se diretamente na cártula, condicionada ao vencimento do título (MAMEDE, 2008), salvo as exceções previstas: Nos contratos de câmbio – Lei 4.728/65: “Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.” No exercício de Ação Regressiva – Lei 5.474/68: “Art. 13. A duplicata é protestável por falta de aceite de devolução ou pagamento.[…] § 4º O portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de seu vencimento, perderá o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas.” Para requerer a busca e apreensão de bem sob alienação fiduciária – Decreto Lei nº 911/69: “Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver.[…] § 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.” Na instrumentalização da falência – Lei nº 11.101/2005: “Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;” Nestes termos podemos concluir que o protesto é indispensável para requerer a falência do devedor, preparar o exercício do direito de regresso e constituir em mora o aceitante, embora não seja indispensável para acioná-lo. Com efeito, Hugo de Brito Machado, em seu artigo ao Instituto de Direito Tributário de Londrina (s.d), afirma que o protesto produz efeitos para: (a) interromper a prescrição; (b) viabilizar o pedido de falência do devedor; (c) induzir o devedor em mora; (d) preservar o direito de regresso contra coobrigados. Antecipadamente a pretensão de utilizar-se do protesto extrajudicial da CDA para instrumentalizar a falência do devedor, já em 2006, o STJ, pelo Ministro Relator Francisco Falcão em Recurso Especial (REsp nº 287.824 – 2006), resolveu sobre esta impossibilidade. Ditou não caber à Fazenda Pública requerer a falência do comerciante, sendo impróprio o protesto da certidão de dívida ativa para este ente atingir esta fianlidade. “TRIBUTÁRIO E COMERCIAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ. ART. 204 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A FALÊNCIA DO COMERCIANTE CONTRIBUINTE. MEIO PRÓPRIO PARA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AO REGIME DE CONCURSO UNIVERSAL PRÓPRIO DA FALÊNCIA. ARTS. 186 E 187 DO CTN. I – A Certidão de Dívida Ativa, a teor do que dispõe o art. 204 do CTN, goza de presunção de certeza e liquidez que somente pode ser afastada mediante apresentação de prova em contrário. II – A presunção legal que reveste o título emitido unilateralmente pela Administração Tributária serve tão somente para aparelhar o processo executivo fiscal, consoante estatui o art. 38 da Lei 6.830/80. (Lei de Execuções Fiscais) III – Dentro desse contexto, revela-se desnecessário o protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública. IV – Afigura-se impróprio o requerimento de falência do contribuinte comerciante pela Fazenda Pública, na medida em que esta dispõe de instrumento específico para cobrança do crédito tributário. V – Ademais, revela-se ilógico o pedido de quebra, seguido de sua decretação, para logo após informar-se ao Juízo que o crédito tributário não se submete ao concurso falimentar, consoante dicção do art. 187 do CTN. VI – O pedido de falência não pode servir de instrumento de coação moral para satisfação de crédito tributário. A referida coação resta configurada na medida em que o art. 11, § 2º, do Decreto-Lei 7.661/45 permite o depósito elisivo da falência. VII – Recurso especial improvido.” (REsp 287824/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 20/02/2006, p. 205) No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado (2013), afirma descaber o protesto extrajudicial da CDA. “Ocorre que o credor tributário não carece de nenhum desses efeitos. Não pode, nem tem interesse em pedir a falência do devedor, nem precisa de qualquer outro dos efeitos do protesto. Não tem, portanto, necessidade de promover o protesto de certidão de inscrição de crédito tributário, que se mostra, assim, absolutamente incabível.” […]“O protesto constitui indiscutível abuso, que apenas tem o efeito de causar dano ao contribuinte, sem qualquer proveito para a Fazenda Pública.” (MACHADO, s.d.) A propósito da publicidade do crédito tributário, não há vedação quanto a divulgação por parte da Fazenda Pública, ou de seus servidores, informações quanto a inscrições na dívida ativa, conforme o art. 198, § 3º, II, CTN. “Lei nº 5.172/66, art. 198 – Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.[…] § 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:[…] II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;” Acompanhando o sentido da lei, o STJ proferiu decisão quanto a publicidade do conteúdo da CDA: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL – CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – PROTESTO PRÉVIO – DESNECESSIDADE – PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ – AUSÊNCIA DE DANO MORAL – DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF.[…] 2. A Certidão de Dívida Ativa além da presunção de certeza e liquidez é também ato que torna público o conteúdo do título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade. (grifo não original) 3. É desnecessário e inócuo o protesto prévio da Certidão de Dívida Ativa. Eventual protesto não gera dano moral in re ipsa.”[…] (REsp 1093601/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 15/12/2008) O protesto não poderia tornar mais pública uma dívida já inscrita na Certidão de Dívida Ativa, documento que dá publicidade ao seu conteúdo. Contudo, as informações obtidas no desempenho funcional do servidor público, não estão albergadas pelo princípio da publicidade como preceitua o artigo 5º, XXXIII, CF, não sendo, desta forma, de interesse coletivo ou geral. Com efeito, as informações relativas a inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública e parcelamento podem ser divulgadas sem, contudo, infringir dispositivos legais, desde que obedeça aos limites constitucionais estabelecidos. (MARTINS, 2002) Descabe desta forma, o protesto extrajudicial da CDA para conferir a publicidade à dívida ativa. Ainda, segundo Gladson Mamede (2008), o protesto cambial é dispensável para acionar o devedor principal e os seus avalistas pelo não cumprimento da obrigação principal, estando eles condicionados ao vencimento da data aprazada na cártula.  2.3 O Protesto no Direito Privado A Constituição Federal dispõe em seu artigo 236 que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, e, em seu artigo 37, § 6º, fixou a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. O legislador regulamentou a atividade serviços notariais e de registro por meio da Lei nº 8.935/94 e, em especial no artigo 22, a responsabilidade civil pelos seus atos: “Lei nº 8.935/94, art. 22 – Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.” Pela Lei nº 9.492/97 incumbiu competência privativa aos Tabeliães de Protestos de Títulos a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados, expresso no artigo 3º deste diploma legal. Adjuntamente tem-se o pensamento de João Roberto Parizatto: “Tem-se assim que somente ao Tabelião de Protestos, será dado o exercício e a prestação dos serviços elencados em tal lei que define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências.” (PARIZATTO, 2002, pag. 7) O protesto extrajudicial de títulos é procedimento (MAMADE, 2008), ou uma sucessão de procedimentos. O credor é quem protesta contra o sacado, o tabelião apenas reduz a termo a vontade do titular do crédito (COELHO, 2008). O protesto tem como fase inicial a apresentação e o recebimento do título ou documento da dívida ao Tabelião no Cartório, que deverá examiná-lo em seus caracteres formais. Não observados vícios quanto à forma, o protesto terá seu curso, descabendo ao Tabelião investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade, conforme Gladson Mamede (2008). Qualquer irregularidade formal que for que visto pelo Tabelião obstará o registro do protesto, conforme o artigo 9º, parágrafo único, Lei 9.429/97. “Constatando a irregularidade, o Tabelião deverá devolver o documento ao apresentante […]” (MAMEDE, 2008). Em não havendo vícios, ensina João Roberto Parizatto (2002), o Tabelião expedirá a intimação ao devedor para que pague ou providencie a sustação do protesto apontado contra si, no endereço fornecido pelo apresentante do título. É possível a intimação do protesto por via postal, aprofunda Parizatto (2002) ,desde que enviado com AR (aviso de recebimento), para que fique assegurado a comprovação da efetiva intimação do devedor. “Contenta-se o dispositivo legal com a entrega da intimação no endereço do devedor, não sendo necessária a entrega dessa ao próprio. Tal hipótese assemelha-se a regra do art. 8º, II, da Lei nº 6.830, de 22-09-80, que trata da Execução Fiscal.” (PARIZATTO, 2002, pag. 35). “Lei nº 6.830, art. 8º, II – a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal;” Na intimação do protesto deverá conter o nome e endereço do devedor, elementos de identificação do título ou documento de dívida, e prazo limite para cumprimento da obrigação no Tabelionato, bem como número do protocolo e valor a ser pago, conforme a leitura do § 2º do art. 14, Lei 9.492/97 (PARIZATTO, 2002). Na hipótese de ser ignorada ou incerta a localização da pessoa apontada no protesto, a intimação poderá ser feita por edital, conforme o art. 15 da Lei 9.492/97. No entanto, se o apresentante oferecer deliberadamente endereço incorreto responderá por perdas e danos. Durante esse procedimento e anterior a lavratura do protesto, é licito ao apresentante do título ou documento retirá-lo, desde que pague os emolumentos e demais despesas inerentes. (MAMEDE, 2008) Uma vez que for intimado o devedor do título, não o sendo retirado pelo apresentante e não havendo qualquer óbice judicial, o pagamento poderá ser realizado diretamente no Tabelionato competente, no valor igual ao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais despesas. O Tabelião não poderá a recusar o pagamento dentro do prazo legal e no horário de funcionamento do tabelionato; dará a respectiva quitação e o valor devido será colocado à disposição do apresentante no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento, tudo nos termos do artigo 19 da Lei 9.492/97. (MAMEDE, 2008). O protesto, por fim, será lavrado e registrado em três dias da data de intimação do devedor na hipótese de não ser pago ou de não ter sido concedido liminar de sustação do protesto, conforme o artigo 20 da Lei de Protesto e em sintonia ao já mencionado anteriormente, sendo o respectivo instrumento entregue ao apresentante. (PARIZATTO, 2002). Sinaliza Willi Duarte Costa (2008) que o protesto será registrado em um livro único, não importando a espécie, finalidade ou motivo. Conclui dizendo que o protesto não produz efeito jurídico sobre a pessoa do devedor, mas reflete nele.  2.4 Os Bancos de Dados Uma consequência dos protestos de títulos, dentre eles o da CDA, encontra-se na possibilidade de inscrição do devedor nos cadastros dos bancos de dados e arquivos de consumo. Pincinato (2011) diz que apesar de serem classificados como entidades de caráter público, que coletam, organizam, armazenam e distribuem dados acerca dos pretendentes à obtenção de crédito, não tem o poder de aprovar ou negar a concessão de crédito. A falta de conhecimento e a insegurança que o anonimato provoca nos fornecedores, fizeram criar os bancos de dados, segundo a interpretação de Humberto Theodoro Júnior (1999). A coleta de informações é feita de maneira complexa, com a colaboração dos associados, dos cartórios de títulos e protestos e pelo intercâmbio entre outros bancos de dados existentes. (PINCINATO, 2011) Os bancos de dados foram criados com funções econômicas. “os quais armazenam, de maneira permanente, informações adrede captadas do mercado de consumo a respeito da idoneidade financeira do cidadão/consumidor. As informações ficam arquivadas, sob sigilo, em entidades (Serasa, SPC) diversas daquelas que diretamente lidam com o consumidor, e destinam-se a orientar terceiros fornecedores que as solicitam caso a caso, antes de consumar suas operações creditícias.” (THEODORO JÚNIOR, 1999, pág. 5). A legalidade dos cadastros nos bancos de dados não é posta em dúvida (THEODORO JÚNIOR, 1999). Ainda no ano de 1957, pela Lei 3.099, o legislador tratou de regulamentar as suas atividades, determinando condições de funcionamento dessas empresas destinadas a informações reservadas ou confidenciais, comerciais ou particulares, mais tarde regulamentada pelo Decreto 5.532/61. “Se investigarmos o porquê de o protesto ser uma eficiente maneira de cobrança extrajudicial, sem maiores esforços chegaremos à conclusão que a publicidade e a oficialização da mora, resultado da lavratura do protesto, tocam, de alguma forma, a personalidade do cidadão, compelindo-o a quitar o débito. Certamente é um convencimento que passa pelo exercício regular do direito de o credor dar publicidade à mora.” (BITELLI, 2003, pág. 6) A medida é legal, e sua utilização gera, reflexamente, o pagamento das dívidas levadas a protesto, pois qualquer nome inserto ou excluído da base dos tabelionatos, necessariamente, será atualizado em todos os bancos de dados privados de inadimplentes do Brasil que forem conveniados. Com efeito, o contribuinte em débito com a Fazenda Pública, se protestado, enquanto não quitar sua dívida, poderá arcar com o ônus de ter consideráveis restrições junto à agência bancárias, para fazer pagamento com cheques, prejuízos para concessão de financiamentos e de crédito direto ao consumidor, entre outros constrangimentos com o mercado. A inscrição indevida nos bancos de dados enseja a indenização por dano moral sem que seja necessário prova em juízo a conduta, o dano e o nexo causal, como julgou o STJ. “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. EXTRAPOLAÇÃO DOS PODERES PELO MANDATÁRIO. SÚMULA 476/STJ. PROTESTO INDEVIDO. DANO IN RE IPSA. MONTANTE FIXADO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DESNECESSÁRIA A INTERVENÇÃO DO STJ. 1. As instâncias ordinárias firmaram seu convencimento de que o protesto indevido deu-se em razão de extrapolação dos poderes pelo mandatário, o que implica a sua responsabilização, nos termos da Súmula 476/STJ. 2. A inscrição indevida em cadastro negativo de crédito, bem como o protesto indevido caracterizam, por si sós, dano in re ipsa, o que implica responsabilização por danos morais. Precedentes.”[…] (AgRg no AREsp 158.938/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 29/10/2014) O dano decorre do próprio fato, o que é presumido no caso em tela, não depende de prova do prejuízo, de comprovação de determinado abalo psicológico sofrido pela vítima. A jurisprudência, no entanto, admite o dano moral de pessoa jurídica, como muitos tribunais brasileiros vêm decidindo e inclusive, mais recentemente, o STJ vem confirmando (BUITONI, 2003). “STJ Súmula nº 227. Pessoa Jurídica – Dano Moral. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.” O dano moral da pessoa jurídica ocorre quando existe violação de seu nome, o que, evidentemente, afeta sua tradição no mercado e traz repercussão econômica. Os Bancos de Dados também ajudam a evitar que o devedor que já tiver histórico de atraso e restrições sigam frustrando injustamente o legítimo anseio dos credores: protegem o mercado de crédito contra a figura conhecida dos devedores contumazes. A troca de informações entre os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos e os bancos de dados já foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a de nº 1.790-5 – Distrito Federal, do STF. Essa ADIn indeferiu medida cautelar questionando a constitucionalidade do artigo 29 da Lei nº 9.492/97. “Lei nº 9.492/97, art. 29 – Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente. § 1o O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou se forneçam informações de protestos cancelados. § 2º Dos cadastros ou bancos de dados das entidades referidas no caput somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados cujos registros não foram cancelados.” O relatório do Ministro Relator Sepúlveda Pertence firmou o entendimento de que a nova redação do mencionado artigo 29 não afronta o direito constitucional à intimidade (artigo 5º, X, CF) ou o princípio da defesa do consumidor (artigo 5º, XXXII e 70, V, CF). “EMENTA: Protesto cambial: MProv. 1638-1/98: limitacão de emolumentos relativos a protestos de que devedora microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 6º) e disciplina do fornecimento de certidões diárias dos processos tirados e cancelamentos efetuados às entidades representativas da indústria ou do comércio e aos serviços de proteção do crédito (alteração, pelo artigo 10, dos arts. 29 e 31 da L. 9.492/97): alegada inconstitucionalidade por ofensa dos arts. 62, 236, §2º, 5º, X e XXXII, e 170, V, da Constituição: suspensão cautelar indeferida.[…] 3. A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: de viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas: ao sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor sara prevenir ou reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as informações sobre os protestos lavrados, urna vez obtidas na forma prevista no edito impugnado e integradas aos bancos de dados das entidades credenciadas à certidão diária de que se cuida: é o bastante a tomar duvidosa a densidade jurídica do apelo da argüição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição reconhece (art. 50, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito.” A conclusão do Ministro Relator Sepúlveda Pertence propõe conciliar entre a norma de direito constitucional da privacidade com a existência dos bancos de dados, “cuja realidade a própria Constituição reconhece (artigo 5º, inciso LXXII, “a”, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável de uma economia fundada nas relações massificadas de crédito”. Em que pese ser uma realidade na sociedade de consumo, o artigo 170, CF, confere legitimidade para a atividade dos bancos de dados, e encontra regulação no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 43 e seus parágrafos. Porém, em consonância com o fundamental direito a informação, de informar e ser informado, estampado no artigo 5º, incisos XIV e XXXIII da CF, ressalva-se o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, afirma o relatório do ministro. A norma constitucional, artigo 5º, XXXIII, estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (LENZA, 2010). A medida constitucional para garantir o acesso à informação é o Habeas Data, nos termos do artigo 5º, LXXII, “a” e “b”. “Tem, pois, uma finalidade restrita; em outras hipóteses, o direito a informação pode ser assegurado pelas vias ordinárias ou por mandado de segurança, já que nenhuma lesão ou ameaça de direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV).” (DI PIETRO, 2013, pag. 75) O direito ao acesso as informações e a disciplina do rito processual para a obtenção do Habeas Data, encontra-se regulado na Lei Federal nº 9.507/97. Esse diploma legal considera de caráter público todo o registro ou banco de dados contendo informações que sejam, que possam ser transmitidas a terceiros, que não sejam de uso privativo do órgão, da entidade produtora ou depositária das informações. (MELO, 2012) Em julgamento de Embargos de Declaração em Habeas Data 64-DF, a Relatora Ministra Denise Arruda concluiu que o direto constitucional do Habeas Data não deve ser confundido com o de obter certidões, mas sim o de ter todas as informações solicitadas, mesmo que subjetivas, que constarem nos bancos de dados, a respeito de quem o impetrar. 2.5 A Administração Pública no Protesto da CDA Segundo o entendimento da doutrina de Hugo de Brito Machado, a Administração Pública não carece dos efeitos do protesto de títulos. É inadequada a providência de se promover protesto da Certidão da Dívida Ativa para o fim de ser requerida falência de contribuintes comerciantes, porque as CDAs gozam de liquidez de certeza, conforme o artigo 3º, Lei 6830/80, em que pese a redação do artigo 187, do Código Tributário Nacional. “Lei nº 5.172/66, art. 187 – A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.” Com isso, como afirma Coelho (2005), em consonância com CTN, que os credores fiscais encontram-se numa situação privilegiada, não sujeitos ao concurso de créditos na falência, pois são titulares de uma garantia legal. Não pode a Fazenda Pública ter legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor. A mora do devedor tributário decorre da conjugação da lei, do lançamento e fato gerador, artigos 142 e 144 do CTN, declaratório (MACHADO, 2013) da obrigação e constitutivo da exigibilidade. “Lei nº 5.172/66, art. 142 – Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.[…] Lei nº 5.172/66, art. 144 – O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.” Com isso o credor tributário não pode ter interesse em constituir o seu devedor em mora pelo protesto extrajudicial, “[…] uma vez que a mera ausência de recolhimento do tributo já seria suficiente para caracterizar a mora do devedor (art. 202, II, do CTN).” (TJ SP Agravo de Instrumento nº 2074829-30.2014.8.26.00) O crédito inscrito na forma do inciso VII do artigo 585, do Código de Processo Civil, combinado com o CTN reveste-se de presunção da constituição em mora e a dívida, quando regularmente inscrita, goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída (art. 204, CTN). O protesto judicial, regulado pelos artigos 882 a 887 do CPC, é aplicável para fins de interrupção do prazo prescricional, na hipótese do credor tributário estar impossibilitado de ajuizar a execução fiscal, diante da iminência do término do fim do prazo prescricional (SABBAG, 2009). Junto a isto encontramos, no parágrafo único do artigo 174 do CTN, em seus incisos I a IV, as demais oportunidades em que se interrompem a prescrição do crédito tributário. São eles, o despacho judicial na ação fiscal que ordenar a citação do devedor, qualquer ato judicial buscando a comprovação do conhecimento e demonstrando a fluição da mora do devedor e, por último, ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor, a única situação de interrupção prescricional de forma extrajudicial ou pela esfera administrativa, como ensina Sabbag (2009). Apesar da determinação do Código Civil, em seu artigo 202, inciso III, afirmar que uma das hipóteses da interrupção da prescrição é protesto cambial, opondo-se a isto, o STF, em súmula, decretou o contrário: “Súmula STF nº 153 – Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição.” Desta forma não podem as fazenda pública utilizar-se do protesto extrajudicial para pretender a interrupção da prescrição de seus créditos. Contudo o protesto extrajudicial da CDA passa para o campo da legalidade com as mudanças no parágrafo único, artigo 1º, Lei 9.492/97, recebendo novo contorno jurídico, conforme será visto no capítulo seguinte. 3 Os procedimentos da administração tributária Com foi visto anteriormente, não podem, a Administração Pública, suas autarquias e fundações, pretenderem interromper a prescrição do crédito tributário, instrumentalizar falência, constituir o devedor tributário em mora ou preservar o direito de regresso contra os coobrigados por meio do protesto extrajudicial da CDA. O protesto do crédito tributário, incluído pela Lei nº 12.767/2012 à Lei nº 9.492/1997, é faculdade que é atribuída às Administrações Fazendárias da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e das respectivas autarquias e fundações, pela sua própria leitura, que inclui as CDAs “[…] entre os títulos sujeitos a protesto […]” “Lei nº 9.492/97, art. 1º – Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” (grifo não original) Por se tratar de medida facultativa carece de regulamentação nas diversas instâncias, devendo obrigatoriamente ser precedida do adequado processo administrativo fiscal de constituição do crédito tributário, de natureza administrativa e por vezes jurisdicional, no entanto sempre vinculada. (MACHADO, 2013) O Poder Público, ao agir, deve sempre se pautar segundo o interesse público determinado pela própria lei. O procedimento legal, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013, pagina 684) “[…] é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, na forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro do processo administrativo.” Contudo, de acordo com o ensinamento de Machado Segundo (2012), a maior parte dos Estados e Municípios segue, em linhas gerais, o disposto na legislação tributária federal, especialmente no Decreto nº 70.235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, recepcionado pela CF/88. Indubitavelmente essa garantia estende-se às administrações tributárias para que possam levar a protesto os títulos de crédito representativos da dívida ativa com o erário, num conjunto de atos vinculados a Constituição Federal, com o destaque para que se observe o Princípio da Legalidade. 3.1 O Princípio da Legalidade O Princípio da Legalidade representa um dos pilares do estado democrático de direito e, na órbita tributária, segundo Eduardo Sabbag (2009), pode ser observado, de modo genérico, no art. 5º, II, da atual Carta Magna, sob a disposição: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e, em sintonia com a legalidade estrita em matéria tributária (BARRETO, 2012), o artigo 150, I, CF: “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. O referido princípio determina que a Administração Pública deve se submeter aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar, sob pena de nulidade do ato. O administrador público deve, além de atender a legalidade, pela leitura de Meirelles (2014), conforma-se com a moralidade e a finalidade de seu ato, para dar plena legitimidade a sua atuação. Merece destaque a atuação finalística da administração, o efeito jurídico imediato que o ato produz, o resultado a ser alcançado com a prática do ato. (DI PIETRO, 2013) No entendimento de Hugo de Brito Machado (2013, pag. 499) “Não há tributo sem lei que o estabeleça. Se o fato não está previsto na lei tributária, sua ocorrência é irrelevante para o direito tributário”. A Legalidade Tributária vai muito além de simples autorização do Legislativo para o Estado cobrar um tributo. Machado Segundo (2012) ensina que a legalidade impõe-se nas relações processuais como nos atos do Poder Público de uma maneira geral. Acrescenta ainda dizendo que desse modo, não apenas os procedimentos administrativos preliminares como também o processo administrativo de controle interno de legalidade dos atos administrativos, e o processo judicial tributário, enfim, toda a atividade processual tributária desenvolve-se, como não poderia deixar de ser, nos termos em que prevista previamente em lei. A ação estatal sem o correspondente respaldo legal, sem a previsão no sentido de adotar o procedimento, sem que esclareça a na prática o objetivo que pretende alcançar, desrespeita o princípio da legalidade, desatende o interesse público ficando caracterizado o desvio de poder. (DI PIETRO, 2012) Da doutrina do eminente processualista tributário (MACHADO SEGUNDO, 2012) conclui-se que deve o ente federado revestir de necessário amparo legal os procedimentos da sua pretensão em protestar as CDAs, sob pena de, segundo esse entendimento, submeter-se a sanção da nulidade.  3.2 O processo administrativo fiscal Qualquer que seja o processo administrativo, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013), sempre existe como instrumento indispensável para o exercício de função administrativa São espécies de processos administrativos tributários: a repetição de indébito, aplicada quando o contribuinte efetua um pagamento indevido e usa-o para que a Administração determine a sua restituição; o parcelamento de dívidas fiscais, que tem o fito de estimular e facilitar o pagamento da obrigação tributária; o reconhecimento de direitos, destinado à formalização das isenções e imunidades que estejam a depender de manifestação da autoridade da administração tributária (MACHADO, 2013); o processo da consulta, que tem como finalidade eliminar dúvidas que tenha o contribuinte na interpretação da lei tributária (MACHADO, 2013), e finalmente o processo de determinação e exigência de crédito tributário, o mais importante processo administrativo fiscal, destinado a constituição do crédito tributário, ou seja, é o processo de lançamento do tributo.(ALVES, 2002) Não há maiores resistências na doutrina de que o processo administrativo fiscal de determinação e exigência do crédito tributário divide-se em duas fases distintas: a fase não contenciosa e a fase contenciosa. Divergem, entretanto, quanto à fase contenciosa, se ela tem o fito de esgotar administrativamente a determinação e exigência do crédito tributário, ou uma vez lançado o crédito tributário já estaria apto a ser judicializada ou, no presente contexto, ser levada a protesto extrajudicial. A fase não contenciosa começa com o primeiro ato da autoridade competente, tendente à realização do lançamento (MACHADO, 2013). Segundo Alves (2002), o seu início interrompe a pretensão do sujeito passivo em apresentar denúncia espontânea, seja em relação a obrigação tributária principal ou acessória, conforme o artigo 138 e seu parágrafo único, do Código Tributário Nacional. O termo de encerramento da fiscalização acompanhado do auto de infração, caso tenha sido constatada a infração a legislação tributária, põe fim a fase unilateral e não contenciosa. A segunda fase do processo inicia-se com a impugnação do lançamento pela parte passiva (MACHADO, 2013), se quiser assim se manifestar, com a possibilidade de perícias e realização de diligências, quando necessárias, antes do julgamento em primeira instância. Depois de encerrado o processo administrativo de controle da legalidade do lançamento tributário, observando os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, com a finalidade de se constituir a obrigação tributária e que se desenvolva no âmbito da Administração Tributária, consuma-se com o procedimento de lançamento do crédito tributário, considera-se definitivamente constituído o crédito tributário. “Deve ser feita, então, a chamada cobrança amigável, depois da qual a quantia devida deve ser inscrita em dívida ativa e executada judicialmente.” (MACHADO SEGUNDO, 2012, pag. 189) A doutrina ensina que encerrada a fase contenciosa, esgotada a via administrativa de constituição pelo processo fiscal, o crédito, exigível desde esta fase, recebe a forma da certidão em mero procedimento, a fim de viabilizar um maior controle e organização da atividade administrativa pública, e não processo, pois não contam com a participação do devedor. “Esses meros procedimentos, que antecedem a prática de alguns atos administrativos, a exemplo de lançamentos, reconhecimentos de imunidades ou isenções, o deferimento de compensações etc., estes não têm por fim resolver um conflito de interesses. Pelo contrário, constituem mera sequência de atos logicamente encadeada, mas cujo fim não é resolver um conflito, nem viabilizar a participação dos interessados, mas apenas operacionalizar a prática de atos administrativos típicos, atos inerentes à atividade do Poder Executivo, Tais procedimentos, exatamente por que não contam com a participação dos interessados como forma de legitimar a formação do resultado final, nem têm por fim resolver um conflito de interesses (conflito que asseguraria tal participação sob a forma de um contraditório), não são processos no sentido estrito do termo. Sua finalidade é tão-somente a de viabilizar um maior controle e propiciar melhor organização da atividade administrativa, não se submetendo por isso a princípios como o da ampla defesa e do contraditório durante o seu trâmite, nem ao princípio do devido processo legal em seu aspecto substancial mais comum.”(MACHADO SEGUNDO, 2012, pag. 26) Neste sentido o protesto da CDA decorre de um procedimento administrativo vinculado a lei ou regulamento que vier a instituí-lo, uma vez que o crédito tributário deve estar regularmente constituído pelo lançamento, com a presunção legal de certeza e liquidez. (MACHADO, 2013) Contudo, para cada ente federado, a Constituição Federal outorgou o direto de instituir tributos, definindo os impostos de competência privativa de cada um deles, segundo Rubens Approbato Machado e Márcia Regina Machado Melaré: “Cada nível de governo, dentro da partilha constitucional, tem competência para instituir, por meio de suas legislações ordinárias materiais, o tributo de sua competência; e, por intermédio de uma norma de direito formal, criar o modo de proceder, quanto à arrecadação, fiscalização e lançamento.” (MACHADO e MELARÉ, 2007, pag. 957) Neste contexto, Barreto (2013) ensina: “de um lado, as autoridades administrativas recebem ampla competência para fiscalizar os administrados, desde que a matéria objeto da fiscalização seja inerente ao tributo respectivo; mas, de outro, essas atribuições estão rigorosamente balizadas pelo sistema constitucional, por seus princípios e regras, e modo que seus agentes só podem atuar dentro dos limites dos parâmetros fixados na Lei Suprema.” (Barreto, 2013, pág. 579) Em atendimento ao princípio da territorialidade, as leis dos entes (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) têm eficácia restringida aos limites dos territórios respectivos, de modo que somente uma das leis incidirá e produzirá efeitos em certa área geográfica. “Se a lei for da União o território é o nacional; se a lei for estadual, os limites do Estado respectivo; se a lei for distrital, o território do Distrito Federal; se a lei for municipal, o território do município respectivo. Em todos os casos, a norma deve ater-se ao território do Legislativo que o produziu, não havendo ultraterritorialidade legal: a lei é eficaz apenas em seu território.” (BARRETO, 2012, página 64 e 65) O protesto da CDA é uma opção da administração tributária diante da legislação própria e regulamentadora, uma vez que a Lei de Protesto – alteração dada pela Lei nº 12.767/12, autoriza, mas não obriga a promoção do protesto em cartório da CDA. Em se tratando de crédito tributário regularmente constituído, impago e não prescrito, a União, alguns estados e municípios, autarquias públicas e fundações, já regulamentaram os limites e os procedimentos para levar a efeito o protesto de seus créditos, como veremos a seguir. 3.2.1 Na união A constituição do crédito tributário da União é disposta pelo Decreto Federal 70.235/72, que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal. Como salientam Machado e Melaré (2007), o decreto veio a unificar e uniformizar a o processo administrativo tributário da União, que até então eram administrados por autoridades fiscais diferentes e se desenvolviam de forma diversa perante cada uma dessas autoridades. O Decreto-Lei nº 147/67 e o Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – Portaria MF Nº 257/2009, conferiu a incumbência ao Procurador Geral da Fazenda Nacional para dirigir, orientar, supervisionar, coordenar e fiscalizar as atividades das unidades que lhe são subordinadas, ministrando-lhes instruções e expedindo atos normativos e ordens de serviço, com caráter normativo e vinculante. Recentemente a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional reeditou portaria, a PGFN nº 429/2014, determinado a responsabilidade para si, além da disciplina de utilização do protesto extrajudicial por falta de pagamento de certidões de dívida ativa da União, incluiu os creditos inadimplidos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. O regulamento fixou entre outras providências já conhecidas pela Lei nº 9.492/97, o valor consolidado de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) sujeitas ser encaminhadas para protesto extrajudicial por falta de pagamento, no domicílio do devedor. 3.2.2 Nos Estados O Sistema Tributário Nacional atribui a cada nível governamental o direto de instituir tributos conferidos pela partilha constitucional. Cada estado, por suas legislações ordinárias, pode instituir esses seus impostos, bem como, por meio de normas procedimentais, estabelecer o modo de lançar, fiscalizar e administrar cada um dos seus tributos. (MACHADO e MELARÉ, 2007) No que tange ao processo administrativo estadual, há subordinação aos mesmos princípios aplicáveis aos demais processos administrativos, podendo ocorrer modificações quanto a aspectos processuais previstos pela legislação específica em cada ente. (CARNEIRO, 2013) Embora a pesquisa em legislação que autorizasse o protesto extrajudicial da CDA no Estado do Rio Grande do Sul tivesse retornado negativa, a sua Lei Estadual nº 6.537/73, que dispõe sobre o procedimento tributário administrativo, com as alterações dadas pelo artigo 1º, IV, da Lei 12.209/2004, em seu artigo 13 e § 3º, tem sido aplicados para levar a conhecimento dos bancos de dados, a inclusão do nome do contribuinte em débito com a fazenda estadual, após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, in verbis: “Art. 13. A partir de 1º de julho de 2005, o Estado divulgará os devedores que tenham crédito tributário inscrito como Dívida Ativa, inclusive com menção aos valores devidos, exceto se estiverem parcelados. § 3º – As informações divulgadas nos termos deste artigo poderão ser utilizadas ou consideradas, no exercício de suas atividades, por entidades de proteção ao crédito ou por centrais de risco de crédito, entidades de registros públicos, cartórios e tabelionatos, entidades do sistema financeiro, bem como por qualquer outra entidade pública ou privada.” Esse entendimento vem corroborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pacificada em favor da positivação dos créditos tributários nos bancos de dados, no âmbito da Administração Tributária estadual: “Ementa: AGRAVO. TRIBUTÁRIO. ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. SERASA. INSCRIÇÃO. Após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, é legal a inclusão do nome contribuinte inadimplente no cadastro de órgãos de proteção ao crédito. Art. 198, § 3º, do CTN. Lei Estadual 6.537/73. Precedentes do STJ. Recurso desprovido. (Agravo Nº 70061379632, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 11/09/2014) (grifo não original) Ementa: TRIBUTÁRIO. DÉBITOS FISCAIS E INSCRIÇÃO NO SERASA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE OU GARANTIA POR PENHORA. AUSÊNCIA DE PROVA. ARTIGOS 198, § 3º, II, CTN E 13, LEI ESTADUAL Nº 6.537/73. POSSIBILIDADE. Ausente prova relativamente a estarem os débitos fiscais com a exigibilidade suspensa ou garantidos por penhora, afigura-se admissível a inscrição da devedora inadimplente no SERASA, a teor dos artigos 198, § 3º, II, CTN e 13, Lei Estadual nº 6.537/73, na esteira de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal. (Apelação Cível Nº 70060695772, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 03/09/2014) (grifo não original) Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO TRIBUTÁRIO. INSCRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – SERASA. LEGALIDADE DA MEDIDA. Medida expressamente prevista na Lei Estadual nº 6537/73, a qual se encontra em perfeita consonância com os ditames do art. 198, parágrafo 3º, do Código Tributário Nacional. Ademais, de relevar-se ser meio informativo, visando a proteger e advertir os demais comerciantes acerca daqueles que não têm honrado as obrigações contraídas. Caso em que não demonstrada qualquer hipótese de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, ou constrição de bens do devedor em benefício do titular do crédito, a consubstanciar a alegação de ilegalidade da inscrição. Decisão mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÃNIME.’(Agravo de Instrumento Nº 70056141286, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 21/05/2014) (grifo não original) Sendo o crédito de natureza tributário exigível, inscrito em dívida ativa e não pago, nada obsta a Administração Fazendária gaúcha positivá-la nos cadastros de proteção ao crédito, independentemente de sua cobrança mediante Execução Fiscal. A medida relevar-se ser meio informativo, visando a proteger e advertir os demais comerciantes acerca daqueles que não têm honrado as obrigações contraídas. Com efeito, o devedor tributário passa a arcar com o ônus de ter consideráveis restrições junto à agência bancárias, para fazer pagamento com cheques, prejuízos para concessão de financiamentos e de crédito direto ao consumidor, entre outros constrangimentos com o mercado. Ainda como medida inovadora, o Estado do Rio Grande do Sul, formalizou no seu trato tributário, o conceito de “devedor contumaz”. Pela Lei nº 13.711, de 6 de abril de 2011, passa a aplicar o Regime Especial de Fiscalização ao contribuinte, para o cumprimento das obrigações tributárias. Considerar como tal quem deixar de recolher débitos declarados em guia de apuração, ou tiver inscritos como Dívida Ativa valor superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ou ainda tiver em Divida Ativa valores incompatíveis com seu faturamento ou patrimônio. As medidas restritivas a essas empresas são bastante severas, e combinado com a sua Lei Estadual nº 6.537/73, permite a Receita Estadual promover ações restritivas, dentre elas a inclusão dos nomes dos devedores tributários no SERASA. Nos demais estados e por analogia “[…[ o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.” (STJ REsp 1126515/PR – 2013). Em Pedido de Providências N° 200910000045376, o CNJ recomenda aos Tribunais de Justiça a edição de ato normativo que regulamente a possibilidade de protesto extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa, diante da constatação de experiências positivas no âmbito dos Estados brasileiros. 3.2.3      Nos municípios O processo administrativo municipal, no que tange ao Processo Administrativo Fiscal, de acordo com Carneiro (2013), se subordinam aos mesmos princípios aplicáveis aos demais processos administrativos, podendo haver algumas modificações quanto aspectos processuais dadas pela legislação específica do ente. De regra geral, no âmbito municipal, segundo Machado e Melaré (2007), a discussão do lançamento poderá ocorrer em duas instâncias. A primeira será ante a autoridade encarregada da administração do tributo. A autoridade julgadora de segunda instância será o órgão colegiado que tiver sido criado, ou, na hipótese de sua inexistência, será o Prefeito, que poderá delegar essa competência ao Secretário das Finanças do município, onde existir o Secretariado. “A legitimação costuma ser mais ampla, pois permite que, além do contribuinte ou responsável, aquele que possua interesse jurídico na situação que constitua objeto do processo também possa postular via processo administrativo.” (CARNEIRO, 2013, pag. 135) Todavia, tratando-se de créditos tributários municipais consolidados em CDA, o protesto só deve se viabilizar se houver previsão expressa em lei municipal, porque há, no particular, reserva de competência ao município, conforme o artigo 30, II, CF. A competência legislativa, nesse aspecto, é suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, de acordo com a informação de Pedro Lenza (2010), balizando-a dentro do interesse local. Somente ao município compete promover a cobrança dos respectivos créditos. A nenhuma outra esfera de competência tributária (União, Estados e demais Municípios) poderá fazê-lo por ele, sendo precedido do ato administrativo específico, o lançamento, a inscrição e culminando com o ajuizamento. O protesto de CDA, à evidência, não é dever e, portanto, não é obrigatório, nas palavras do Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Mourão Neto (2013). 3.3 Créditos exigíveis O crédito tributário, pela sua natureza, é exigível. Constituído o crédito tributário nasce a exigibilidade (MACHADO, 2013). O seu destino natural é ser extinto pelo pagamento. Existem, no entanto, situações em que a exigibilidade do crédito tributário é suspensa, não podendo, a evidência, serem levados a protesto em cartório. O CTN, no seu artigo 151, em seus incisos, dispõe sobre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por determinado lapso temporal vinculado ao tempo de duração do respectivo processo administrativo ou judicial (LIBERTUCI, 2002), que são: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento. Leandro Paulsen (2012, pag. 1059), tratando do tema, assim se pronuncia: “Enquanto a exigência não se tornar definitiva na esfera administrativa, o montante não pode ser exigido do sujeito passivo, não pode ser inscrito em dívida, tampouco lhe pode ser negada a certidão de regularidade fiscal.” Só surge o direito ao crédito tributário após o lançamento definitivo formado por decisão administrativa não impugnada pela via judicial. Nessa linha de pensamento STJ confirma as hipóteses de suspensão do crédito tributário de acordo com a lei: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. O PARCELAMENTO PRÉVIO, MODALIDADE QUE SUSPENDE A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (ART. 151, VI DO CTN), IMPOSSIBILITA O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO EXECUTIVO PELA QUITAÇÃO DO PARCELAMENTO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA DO EXEQUENTE. DECISUM AGRAVADO FUNDAMENTADO EXCLUSIVAMENTE NAS PREMISSAS ASSENTADAS PELO MAGISTRADO DE PISO E PELO TRIBUNAL A QUO. INOCORRÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 2. Concedido o parcelamento antes da propositura da execução fiscal, tem-se a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, por consequência, a ausência de título executivo apto a embasar a execução fiscal. Precedentes. (grifo não original) (AgRg no REsp 1352638/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 09/10/2014) PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ATO COOPERATIVO. ISENÇÃO DA COFINS. DEPÓSITOS JUDICIAIS. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. LEI SUPERVENIENTE. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. 3. A existência de depósitos judiciais realizados pela recorrente para garantir a suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, II, do CTN, especializa a hipótese, pois a eventual desistência da presente ação para formular pedido administrativo acarretaria a conversão dos depósitos em renda para a União.(grifo não original) (REsp 1461382/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014) RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. INGRESSO NO SIMPLES NACIONAL. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL OU EXISTÊNCIA DE DÉBITO FISCAL COM A EXIGIBILIDADE SUSPENSA. ARTIGO 17, V, DA LEI COMPLEMENTAR 123/2006. GARANTIA DA EXECUÇÃO OU ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 7. Entrementes, somente as causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, taxativamente enumeradas no artigo 151, do CTN (moratória; depósito do montante integral do débito fiscal; reclamações e recursos administrativos; concessão de liminar em mandado de segurança; concessão de liminar ou de antecipação de tutela em outras espécies de ação judicial; e parcelamento), inibem a prática de atos de cobrança pelo Fisco, afastando a inadimplência do contribuinte, que é considerado em situação de regularidade fiscal. (grifo não original) (RMS 27.473/SE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 07/04/2011) PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – STATU QUO ANTE – CASSAÇÃO DA LIMINAR CONFIRMADA EM SENTENÇA PELO ACÓRDÃO EM GRAU RECURSAL. 1. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário por força de liminar mandamental. Cassação de provimento liminar. Retorno ao estado anterior. (grifo não original) (REsp 417.443/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2002, DJ 09/12/2002, p. 293) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. DEPÓSITO DE PRECATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 112/STJ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. Nos termos da Súmula 112/STJ, somente o depósito integral e em dinheiro tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário. (grifo não original) 2. O exame da presença ou ausência dos requisitos que autorizam o deferimento de medidas acautelatórias ou antecipatórias constitui matéria de fato, sendo, portanto, em regra, incompatível com a via recursal extraordinária. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 405.131/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 28/02/2014) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RETOMADA DO PRAZO PRESCRICIONAL. 2. A concessão de liminar em mandado de segurança é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV, do CTN). Todavia, revogada a liminar pela Corte de apelação e considerando o efeito meramente devolutivo dos recursos especial e extraordinário, nada impede que a Fazenda promova, desde a revogação da liminar, as medidas necessárias tendentes à cobrança dos créditos tributários cuja exigibilidade não mais se encontra suspensa, se não verificada outra causa de suspensão prevista no art. 151 do CTN. Nesse sentido: EREsp 449.679/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º.2.2011; REsp 1.216.841/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.5.2013. (grifo não original)[…] (AgRg no REsp 1375895/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ICMS. EXECUÇÃO FISCAL. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. CONSEQUENTE SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ. 1. Nos termos da jurisprudência da Primeira Turma desta Corte, constituído o crédito tributário, mas suspensa a exigibilidade da exação por decisão liminar, não há falar em curso do prazo de prescrição, uma vez que o efeito desse provimento é justamente o de inibir a adoção de qualquer medida de cobrança por parte da Fazenda, de sorte que somente com o trânsito em julgado da decisão contrária ao contribuinte é que se retoma o curso do lapso prescricional. (grifo não original)” (AgRg no AREsp 407.940/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 11/04/2014) Depreende-se que suspensão é a impossibilidade da Fazenda Pública exigir, por qualquer meio previsto na lei, o seu crédito enquanto quaisquer umas das circunstâncias previstas no art. 151 do CTN persistirem e que, qualquer que seja a causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, impede que o sujeito ativo de exercitar as medidas cabíveis para a sua cobrança: a execução ou o protesto. Existem outras situações em que o crédito também não é exigível – não passível do protesto: quando for extinto. Com isto feito, dele não mais se cogita. O artigo 156 do CTN arrola em seus 10 itens, 12 formas de extinção do crédito tributário, (MACHADO, 2013) que são: Pelo pagamento que é a entrega ao sujeito ativo, pelo sujeito passivo ou por qualquer outra pessoa em seu nome, a quantia correspondente ao crédito tributário. (MACHADO, 2013) A compensação, o encontro de contas, utilizada no âmbito do direito privado, previsto nos artigos 368 a 390 do Código Civil Brasileiro, é meio de extinção que depende de lei que expressamente a autorize. (BARRETO, 2012) Modalidade de extinção quando se é devedor e credor, concomitantemente. (SABBAG, 2009) A transação é um acordo que se caracteriza pela ocorrência de concessões mútuas. “No direito tributário a transação (a) depende sempre de previsão legal; e (b) não pode ter o objeto de evitar litígio, só sendo possível após a instauração deste.” (MACHADO, 2013, pag. 205) Remissão que é perdão. É a dispensa, dar como pago, total ou parcialmente. Depende sempre de lei que a autorize. Pela prescrição. Sobre a prescrição em matéria tributária, Hugo de Brito Machado (2013, pág. 227) ensina: “[…] a prescrição não atinge apenas ação para a cobrança do crédito tributário, mas o próprio crédito, vale dizer, a relação material tributária.” Sucumbe em cinco anos a pretensão de cobrar o crédito tributário após a sua constituição definitiva, se não ocorrerem algumas das hipóteses que trata o parágrafo único, do artigo 174, CTN, que são: pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; pelo protesto judicial; por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; e, por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. Pela decadência em lançar o crédito tributário em cinco anos, a contar-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele que o lançamento poderia ter sido efetuado. (BARRETO, 2012) Com a conversão do depósito em renda, pressupõe-se a existência do crédito. Feito o depósito, se a Fazenda pública concorda, considera-se feito o lançamento e, portanto, existente o crédito tributário. (MACHADO, 2013) Pelo pagamento antecipado e a homologação do lançamento, quando for homologado o pagamento de tributo apurado pelo próprio sujeito passivo. (SABBAG, 2009) Pela propositura da consignação em pagamento nos casos de: “a) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre o mesmo fato gerador.” (MACHADO, 2013, pag. 230) Pela decisão administrativa irreformável, mesmo que se encontre em constituição. Deve ser entendida aquela que não possa mais ser alvo de ação anulatória. (BARRETO, 2012) Pelo último pronunciamento emitido pelas autoridades judiciárias, resolvendo a questão, quando não couber mais recurso quanto ao seu mérito: a decisão judicial passada em julgado. (MACHADO, 2013) Por último, pela dação em pagamento em bens imóveis, que encerra a entrega voluntária de bem imóvel pelo contribuinte devedor. (SABBAG, 2009) Também são inexigíveis os créditos tributários albergados pelo preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei que tratar da anistia e a isenção (art. 175, CTN). Já na imunidade, como assevera Hugo de Brito Machado (2013) decorre de exigência constitucional e que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato. De acordo com o pensamento de José Eduardo Soares de Melo (2012, pag. 156), o objetivo da imunidade é a preservação de valores considerados como de superior interesse nacional, “[…] tais como a manutenção de entidades federadas, o exercício de atividades religiosas, da democracia, das instituições educacionais, assistenciais e filantrópicas, e o acesso às informações.” Não incide tributo sobre fato gerador, não há lançamento, por isto, sem crédito a tributar. Imunes também estão as entidades políticas integrantes da federação, não podendo fazer incidir impostos umas sobre as outras (MACHADO, 2013). A imunidade recíproca está prevista no art. 150, § 3º, CF/88. Com isto, nem todo o crédito tributário pode ser levado a protesto afastadas as hipóteses de suspensão da exigibilidade e extinção do crédito tributário, mais os anistiados, isentos e imunes. Sendo exigíveis e não adimplidos quando do seu lançamento, reduzidos a certidão que lhes confere certeza e liquidez – a CDA, tornam-se passíveis de serem executados conforme a lei, ou protestados extrajudicialmente se assim a legislação no ente federado o permitir. 4. Do descabimento ao cabimento do protesto de certidões de dívida ativa Como visto no capítulo inicial a administração publica não pode ter interesse nos efeitos do protesto do título representativo do crédito tributário, a CDA. O procedimento no âmbito da Administração Pública não interrompe a prescrição, incabível para pedir a falência do protestado não sendo isto o seu interesse, inaplicável para induzir em mora o devedor, tampouco preservar direito contra coobrigado. Não obstante a supremacia do interesse público sobre o particular deve-se assegurar o equilíbrio entre a Administração Pública e seus administrados, oportunizando a ampla defesa e do contraditório nas suas relações. Este capítulo pretende discutir os meios já existentes para a Administração Pública poder constituir e cobrar dos créditos tributários e não tributários. 4.1 Meios para a Fazenda Pública ver adimplidos os créditos tributários É unânime da literatura jurídica que a Fazenda Pública possui um enorme arsenal de meios para ver os créditos tributários adimplidos. Desde o lançamento por meio do processo administrativo de constituição e exigência do crédito tributário, até aos meios judiciais executórios. O CTN dedica o Capítulo VI, dos artigos 183 a 193, para tratar das garantias e privilégios do crédito tributário, conforme ensina Eduardo Sabbag (2009), para impelir o contribuinte à satisfação do gravame, de modo a abastecer os cofres públicos para que seja realizada a consecução de seus fins sociais. Evidentemente os artigos 183 a 185 são dedicados às garantias e privilégios, e do artigo 186 ao 193 às preferências do crédito tributário. Nem sempre é possível se fazer uma distinção nítida entre garantia e privilégio, pela leitura de Hugo de Brito Machado (2013). As garantias, esclarece Aires F. Barreto (2012, pag. 576), “[…] são uma série de caminhos pelos quais a administração tributária pode exercer o seu direito subjetivo de receber dos sujeitos passivos os valores correspondentes.” Em prelação geral, Eduardo Sabbag (2009), sobre o artigo 183, CTN, diz que: “[…] o rol legal das garantias atribuídas ao crédito tributário não é obstativo de outras tantas que, estando previsto de modo expresso em lei, venham a incrementá-lo.” No entendimento de Machado (2013), os bens e as rendas de qualquer origem ou natureza do sujeito passivo respondem pelo crédito tributário, mesmo quando esses bens estiverem hipotecados, penhorados, gravados por ônus real, ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, excetuados os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. Tirante à execução judicial dos créditos tributários, a Fazenda Pública conta com legislação específica para ver adimplidos os seus créditos tributários. Forte neste sentido são as leis que regulam as ações exacionais de iniciativa do Fisco (CARNEIRO, 2013), próprias para a cobrança judicial da dívida ativa: a Lei de Execução Fiscal – nº 6.830/80, e a Lei da Medida Cautelar Fiscal – nº 8.397/92. A Lei de Execução Fiscal – a LEF, surge para buscar a tutela jurisdicional executiva, de acordo com as palavras de Hugo de Brito Machado Segundo (2012), fundado no título executivo extrajudicial, a CDA. Não se busca através desta lei o acertamento da relação conflituosa, mas a satisfação do direito já acertado no processo administrativo fiscal de determinação e exigência do crédito tributário e não pago, ou não pago integralmente. “O seu papel, no âmbito tributário, é o de obter o adimplemento do crédito tributário (da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Municípios, e das suas respectivas autarquias e fundações.), devidamente constituído, vencido e não pago.”(Machado Segundo, 2012, pag. 224) Impende frisar quanto a legitimidade ativa dos Conselhos de Fiscalização Profissional, cujo tema foi objeto de ADIn nº 1.717-6 – Distrito Federal, que julgou inconstitucionais o caput do artigo 58 e seus §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, da Lei 9.649/98, que delegava ao serviço privado, mediante autorização legislativa, os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas. O Tribunal Regional Federal da 4ª região tem aplicado o CTN para decidir sobre o assunto. “EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CONSELHOS. ANUIDADES. 1. As anuidades devidas aos conselhos de fiscalização profissional constituem contribuições parafiscais, pertencendo ao campo tributário. Assim, são aplicáveis as disposições do CTN relativas à decadência e à prescrição. (grifo não original) 2. Partindo-se da premissa de que, no momento do vencimento da anuidade, o crédito já se encontrava devidamente constituído, conta-se o prazo prescricional de cinco anos a partir da data para atualização do tributo. 3. Aplicabilidade, in casu, do art. 174, parágrafo único, I, do CTN, com a redação anterior à determinada pela LC nº 118/2005, eis que ajuizado o executivo fiscal em momento anterior à referida alteração. 4. Transcorridos mais de cinco anos entre o vencimento das parcelas apontadas na CDA e a prolação da sentença, sem que tenha sido efetivada a citação, impõe-se, à vista da ausência de causas suspensivas/interruptivas, o reconhecimento da prescrição de todo o crédito perseguido pelo Conselho.” […] (TRF4, AC 5011233-77.2012.404.7100, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, juntado aos autos em 13/06/2013) (grifo não original) A natureza jurídica da anuidade aos conselhos é de contribuição de interesse das categorias profissionais, portanto, tributo e sujeito a aplicação do CTN e da LEF. Deve-se, sobretudo, observância subsidiária as normas do Código de Processo Civil, quando não houver previsão sobre o tema para resolver as questões não disciplinadas pela Lei 6.830/80, como ela expressamente assenta desde seu primeiro artigo. “Lei 6.830/80, art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.” No bojo da LEF encontram-se vários privilégios que contam as Administrações Públicas para verem acelerada a pretensão da adimplência do Crédito Tributário. Ilustram tal afirmação: o redirecionamento da execução às pessoas elencadas no artigo 4º; a citação do executado para pagar a dívida em cinco dias e do ausente por edital com prazo de sessenta dias, artigo 8º e § 1º; a interrupção da prescrição pelo despacho judicial, § 2º do artigo 8º; a execução por carta, artigo 20; a inadmissibilidade de reconvenção ou compensação, artigo 16, § 3º; a obrigatoriedade da intimação pessoal representante judicial da Fazenda Pública, artigo 25; a reunião dos processos e competência para julgamento, artigo 27; entre outras que os demais títulos de crédito não gozam. Muito semelhante ao processo de arresto disciplinado no artigo 813, CPC, os credores tributários, os sujeitos ativos do crédito tributário, dispõem da normativa cautelar fiscal, como ensina Machado Segundo (2012). A medida pode ser considerada como preparatória de uma execução fiscal, podendo ser ajuizada contra o sujeito passivo, antes ou depois da inscrição do crédito tributário em dívida ativa. (CARNEIRO, 2013) A tutela jurisdicional consiste em tornar indisponíveis os bens do obrigado ou responsável pelo crédito junto a Fazenda (TEODORO JÚNIOR, 2001), até o limite da satisfação da obrigação. “Cumpre, assim, de certa forma, a função normal do arresto, sem, todavia, a necessidade da constrição e depósito judicial, proporcionando, de qualquer maneira, ao credor a garantia de, posteriormente, realizar a penhora sobre os bens preservados.” (TEODORO JÚNIOR, 2001, pág. 3). Presentes os requisitos necessários, o juiz poderá conceder liminarmente a medida cautelar fiscal (MACHADO SEGUNDO, 2012). A cautelar fiscal tem natureza acautelatória, pois garante que a execução fiscal não seja frustrada (CARNEIRO, 2013). Surge agora com o parágrafo único, do artigo 1º da Lei nº 9.492/97, incluído pelo artigo 25 da Lei nº 12.767/12, nova modalidade de cobrança dos créditos tributários federais, estaduais, municipais, de autarquias e fundações públicas, inscritos em dívida ativa, sujeitando-os ao protesto extrajudicial. 4.2 As sanções tributárias A sanção pode ser considerada como uma consequência que irá surgir em caso de descumprimento de uma norma, ou seja, do preceito por ela estabelecido. (OLIVEIRA, 2004, pag. 346) Por sua vez, a sanção tributária é a consequência pela inobservância de norma tributária. (OLIVEIRA, 2004, pag. 351). Segundo lembra Hugo de Brito Machado (2011), a sanção é simplesmente a consequência do ilícito e não se pode dizer que este seja algo contrário ao direito, por ser simplesmente o pressuposto deste. Sanção tributária propriamente dita seria a prestação pecuniária compulsória instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado, tendo por causa o descumprimento de um dever legal ou contratual. A fixação normativa de sanções tributárias está relacionada ao princípio da legalidade. Pelo entendimento de Hugo de Brito Machado (2013), sanção é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Sanção e pena, muitas vezes são empregadas como se fossem sinônimos. O certo é que não o são. Segundo a acepção de Hugo de Brito Machado (2011), no direito Tributário, sanção é gênero e, podem ter como espécie, as executórias, indenizatórias ou punitivas. As executórias, situadas no campo cível, se destinam simplesmente a compelir o inadimplente a cumprir o dever jurídico a cujo descumprimento correspondem. Também situadas no campo cível, as indenizatórias ostentam natureza patrimonial e correspondem a reparação do dano resultante do ilícito. Por último, as punitivas, tem caráter patrimonial ou pessoal, que tem por finalidade essencial castigar o responsável pelo ilícito. Não diferente desse entendimento, José Geraldo Ataliba Nogueira (2011) acompanha a doutrina do jurisperito: “Para que fique assegurada a plena obediência às normas de Direito tributário, são elas acompanhadas de sanção, cuja gravidade varia na medida da importância do mandamento garantido por ela. São as mais diversas as sanções no direito tributário. Podem ser de caráter civil (reparação de prejuízo do fisco), ou de caráter penal-administrativo” (castigo ao contribuinte pela transgressão de um dever imposto pela lei tributária) (José Geraldo Ataliba Nogueira, 2011, pag 2/5). A aplicação de penalidades pecuniárias há de ser feita com cuidado, para que não sejam cometidas graves injustiças (MACHADO, 2013). São conhecidas as multas por infrações penais, estabelecidas pelas leis tributárias, pelo descumprimento de obrigações acessórias, com valores fixos ou com indicações de limites mínimo e máximo. A multa tributária pode revestir o aspecto da reparação civil com a mesma natureza e estrutura que o débito tributário, ou caráter de penalidade administrativa em oposição à penal. Indo ao encontro deste posicionamento, José Jayme de Macêdo Oliveira afirma: “É verdadeira a faculdade conferida pela lei ao fisco, a qual não se confunde com arbitrariedade, porquanto a autoridade tem de agir nos limites legais, mediante processo regular, isto é, que compreende um procedimento disciplinado pela lei.” (OLIVEIRA, 2011, pag. 197) Pronunciando-se a respeito do assunto o STJ, em Recurso Especial nº 728999/PR, o Ministro Luiz Fux ressalta que os princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade devem agir como parâmetros informadores das sanções tributárias, censurando o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. “Dentre as de caráter civil salienta-se a mora que, tem o sentido de indenização ao fisco pelo atraso da satisfação da obrigação tributária, da mesma forma que nos contratos privados (aluguel, compra a prestação etc.) se estipula o pagamento de quantia proporcional ao atraso nos pagamentos.” (NOGUEIRA, 2011, pag 2) Tal sanção encontra respaldo no CTN, no artigo 161 e § 1º, in verbis: “Lei nº 5.172/66, art. 161 – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.” […] Contudo, toda a vez que a infração da lei tributária configurar crime – fato descrito e definido nas leis penais, a apreciação e julgamento do ato, para efeitos penais, serão de alçada do Poder Judiciário. (NOGUEIRA, 2011) Pela leitura do art. 136 do CTN dispensa-se a necessidade de dolo para a conformação das infrações tributárias, mas não a de culpa, de acordo com a interpretação dada por Branco e Takano (2014, pag. 9). “Este é o caso em que a culpabilidade do agente infrator exerce papel determinante não apenas para graduar a penalidade eventualmente imposta, mas para que efetivamente surja a pretensão punitiva estatal.” “Art. 136, CTN. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” Todavia, para a sua classificação, de acordo com o entendimento de Machado (2011), as sanções punitivas penais, com natureza pessoal ou patrimonial, somente podem ser aplicadas pelas autoridades judiciárias e exigem a responsabilização pessoal do autor do ilícito, e as sanções administrativas pelas autoridades administrativas. “A sanção deve ser, tanto quanto possível, da mesma natureza do cometimento do ilícito. Se este não atinge a pessoa, mas o patrimônio, a sanção correspondente não deve ser pessoal, mas patrimonial.” (Hugo de Brito Machado, 2011, pag. 9) Hugo de Brito Machado (2004) ainda alerta ao respeito ao princípio do ne bis in idem, com o que deve ser evitada a dupla sanção em decorrência do mesmo ilícito, capaz de ensejar diretamente sanção patrimonial e sanção pessoal, preferindo aquela em detrimento desta, por qualquer razão. Em outra obra Machado (2011), afirma dizer que a cumulação de penalidades implica, de regra, desproporção entre ilícito e sanção. Afrontam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade a cumulação de penalidades administrativa e penal, mesmo sabendo que a legislação e a jurisprudência brasileira admitem pacificamente a sua cumulação. Com efeito, por esta breve leitura da doutrina, não se deduz que o protesto extrajudicial da CDA possa se subsumir a sanção tributária. A inadimplência do tributo já encontra uma sanção na aplicação da pena de juros legais previamente previstas no próprio CTN, devidas sobre as obrigações principais ou sobre as acessórias, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. Não há objetivamente enlace legal que possa harmonizar a falta de cumprimento da obrigação tributária, com o protesto extrajudicial do título que a traduz, sem antes aplicar a sanção de multa, de juros legais e evitar a cumulação de penalidades. Neste sentido o STJ apreciou Embargos a Execução Fiscal, concordando não haver a dupla penalidade pelo descumprimento da obrigação, na cobrança de juros e multas por parte do erário sem que, no entanto, admita e existência do ne bis in idem na matéria tributária. “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE PROVA. MULTA. JUROS DE MORA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. APLICAÇÃO DA TRD. LEIS NS. 8.177/91 E 8.218/91. CDA. CERTEZA E LIQUIDEZ. SÚMULA N. 7/STJ.[…] 3. A cumulação de multa com juros de mora não configura bis in idem. Estes são devidos para compensar a perda financeira decorrente do atraso do pagamento, enquanto a multa tem finalidade punitiva ao contribuinte omisso. (grifo não original)[…] 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.” (REsp 261.335/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2006, DJ 13/03/2006, p. 236) Considerando o caráter punitivo da aplicação dos juros e multas previstos pelo ordenamento tributário, junto com tantos outros do elenco das sanções tributárias, exsurge agora, com a Lei de Protesto, novo efeito punitivo e indireto ao contribuinte em débito com a Fazenda Pública: restrições de crédito, prejuízos para concessão de financiamentos, entre outros constrangimentos com o mercado. 4.3 As Sanções Políticas As sanções políticas têm uma abordagem difusa no âmbito jurídico tributário. Consistem, conforme o pensamento de Hugo de Brito Machado (2013, pag. 511), nas mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos. “Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas, que no Brasil remontam aos tempos da ditadura de Vargas, vem se tornando a cada dia mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou as vezes como forma de retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra cobranças ilegais.” (Machado, 2011, pag. 3) É evidente que as sanções políticas são vedações contra a livre iniciativa da atividade econômica, e pelo entendimento de Milton Carmo de Assis Júnior (2013, pag. 4), podem ser consideradas como “[…] desvirtuamento da atividade administrativa na prática de atos alheios ao interesse público, como forma de coação do cidadão a determinada finalidade, a exemplo da coação do contribuinte ao pagamento de tributos.” Têm como finalidade assegurar a efetividade das obrigações tributárias e, em última instância, garantir arrecadação ao erário. As sanções políticas, que podem ser consideradas como desvirtuamento da atividade administrativa na prática de atos alheios ao interesse público, como forma de coação do cidadão a determinada finalidade, a exemplo da coação do contribuinte ao pagamento de tributos. (ASSIS JÚNIOR, 2013) Cometem-se no Brasil inúmeros abusos por parte da administração pública, dentre uns resultando por impor ao sujeito passivo da relação tributária as mais variadas formas de restrições aos seus direitos. O assunto é conhecido há muito tempo na jurisprudência dominante do STF, que em julgados, sumulou três decisões sobre o tema, a fim de impedir que se cometam tais violações: “Súmula 70, STF – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Súmula 323, STF – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Súmula 547, STF – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.” Mais recentemente a jurisprudência do STF tem se mostrado sempre no sentido de considerar incompatível com a ordem constitucional a imposição de sanções políticas no campo tributário. “DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa. (RE 413782, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005 PP-00004 EMENT VOL-02194-03 PP-00618 LEXSTF v. 27, n. 320, 2005, p. 286-308 RT v. 94, n. 838, 2005, p. 165-176 RDDT n. 120, 2005, p. 222) (grifo não original) Agravo regimental no agravo de instrumento. 2. Tributário. 3. Norma local que condiciona a concessão de regime especial de tributação à apresentação de CND. Meio indireto de cobrança de tributo. Ofensa ao princípio da livre atividade econômica. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 798210 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 23-05-2012 PUBLIC 24-05-2012) (grifo não original) O histórico jurisprudencial do STF toma por ilícito, não razoável e desproporcional os meios indiretos utilizados como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos, revelando-se favorável às liberdades de iniciativa, atividade econômica e exercício profissional. Contribuindo com o entendimento da Corte Superior, José Eduardo Soares de Melo (2012, pag. 323), tratando do assunto da aplicação de regimes especiais de fiscalização, contribui dizendo que: […] “embora seja louvável a preocupação do Fisco em coibir as práticas sonegatórias, o fato é que, muitas vezes, expedientes como a estipulação de "regimes especiais" violam direitos individuais, quais sejam: a) princípio da legalidade, ao estipular prazo de pagamento de forma diversa da constante da legislação; b) princípio da indelegabilidade de poderes, ao permitir à autoridade administrativa a execução dos referidos atos, sem embasamento jurídico; c) princípio do livre exercício do trabalho, ao dificultar a prática dos negócios dos contribuintes; d) princípio do sigilo profissional, ao divulgar a situação econômica e financeira do contribuinte, expondo-o ao conhecimento da coletividade.”(Melo, 2012, pag. 323) O elenco jurisprudencial sobre os atos abusivos e arbitrários da Administração Pública é matéria de apreciação no STJ, conforme vemos: “TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – APREENSÃO DE MERCADORIAS. AUSÊNCIA DE AUTUAÇÃO. ILEGALIDADE – ACÓRDÃO – OMISSÃO – EXISTÊNCIA – NULIDADE NÃO DECRETADA – ART. 249, § 2º, DO CPC – SÚMULA 323/STF.. 1. É ilegal a apreensão de mercadoria ainda que desacompanhada de nota fiscal se a Administração tributária não efetiva o ato administrativo de lançamento da penalidade e cobrança do tributo por consistir em sanção política, nos termos da Súmula 323/STF.[…] (REsp 1104228/TO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009) TRIBUTÁRIO – PROCESSO CIVIL – ART. 185-A DO CTN – SENTIDO E ALCANCE – ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL – IMPENHORABILIDADE – INSUSCETÍVEL DE INDISPONIBILIDADE – CARÁTER CAUTELAR – VAGAS DE GARAGEM – PENHORABILIDADE. 1. A indisponibilidade prevista no art. 185-A do CTN tem caráter cautelar ao processo de execução, de modo a proporcionar a penhora, principalmente a de numerário, e não medida de coerção ao pagamento de tributo, expediente vedado pelo sistema tributário, por consistir em sanção política”.[…] (REsp 1057511/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 04/08/2009) Destarte não resta dúvida que as sanções impostas ao contribuinte faltoso com o erário não podem ser ato disponível da autoridade pública fiscal, mas sim resultar de expressa disposição da lei. O protesto extrajudicial das CDA pode ser considerado como sanção política, pois age de forma a coagir o devedor tributário por meio indireto e vexatório para o pagamento dos tributos, em flagrante violação aos à liberdade da atividade econômica dos contribuintes. 4.4 A Posição dos Tribunais Superiores Em que pesem as posições dos tribunais superiores grassarem suas decisões questionando o interesse e finalidade que a administração pública poderia ter em levar a protesto extrajudicial a CDA, após a publicação da Lei 12.767/2012, com a inclusão do parágrafo único ao artigo 1º da Lei nº 9.492/97, resolveu a qualquer dúvida quanto a legalidade da matéria, restando aos entes federados discipliná-las em legislação específica. É obvio que modificou-se substancialmente a interpretação dos tribunais sobre o assunto, inovando tratamento jurídico sobre o tema, mas não aplacando a discussão sobre conveniência e interesse que a Administração Pública teria na medida. 4.4.1 O STJ antes da vigência da Lei 12.767/2012 Inobstante a posição majoritária dos tribunais superiores até a promulgação da Lei 12.767/2012, os argumentos então conhecidos revelavam majoritariamente as suas preocupações com qual finalidade e interesse jurídico com que as Administrações Públicas vinham realizando o protesto extrajudicial das CDAs. Contudo, não havia respaldo legal para se oporem, e frágil esteio para convergirem quanto a sua legalidade. “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA – CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na divida ativa. 2. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1316190/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 25/05/2011) A finalidade da regra de presunção de liquidez e certeza da CDAs, que contenha todas as exigências legais, inclusive, a indicação da natureza do débito e sua fundamentação legal, a forma de cálculo de juros e de correção monetária, como decidiu o Ministro Luiz Fux (Recurso Especial nº 865.266 – MG), serve como prova pré-constituída, sendo o inadimplemento caracterizado como elemento probante. A certeza e a liquidez atribuída à CDA, por força de sua constituição, inerente aos títulos de crédito, confere ao executado elementos para opor embargos, obstando execuções arbitrárias. Logo, faltava interesse ao Ente Público que justifique o protesto prévio da CDA para satisfação do crédito tributário que este título representa. 4.4.2 O STJ após vigência da Lei 12.767/2012 Chamado a se manifestar após a publicação da Lei 12.767/2012, o STJ, alterou sua antiga posição e, em extensa ementa, passou a entender que diante da atual legalidade, o instituto do protesto da Certidão de Dívida Ativa “mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão”. Passou a conhecer o protesto como modalidade alternativa de cobrança de dívida, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". (STJ. REsp 1126515/PR) Como instituto bifronte ­ expressão usada pelo Ministro Relator, acrescenta que o protesto da CDA serve de “[…]instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência […]” em redundância com o artigo 204, CTN, in verbis: “A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.” Ou seja, e como anteriormente dito, o crédito regularmente inscrito goza de presunção de certeza e liquidez, dispensada outras formas para alcançar este fim. A decisão ainda diz que o protesto deve decorrer do exaurimento da instância administrativa, seja pela impugnação ao lançamento ou da interposição de recurso, bem como afasta a LEF como único e permanente mecanismo para a recuperação de créditos tributários. Reconhece a utilidade de mecanismos de cobrança extrajudicial, não cabendo ao Poder Judiciário eleger em nome da Administração, as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. O referido protesto não ofende aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois resta o controle jurisdicional, em relação ao título, desde que provocado pelo interessado. Por fim, a decisão concordou com a orientação do CNJ considerando ”[…] que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares […]”; e concorda com a tendência moderna de intersecção dos institutos jurídicos do Direito Público com o Privado, com a crescente publicização do privado e privatização do público, com a utilização de sistema de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços. Em epílogo, impende ressaltar que o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, na redação dada pela Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, está sendo atacada por Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI/5135, junto ao Supremo Tribunal Federal, desde o dia 07 de junho de 2014, tendo como requerente  a Confederação Nacional da Indústria – CNI. “Em síntese, a requerente alega que: (i) o dispositivo seria formalmente inválido, porque inserido por emenda em medida provisória (MP nº 577/2012, convertida na Lei nº 12.767/2012) com a qual não guardaria pertinência; (ii) não haveria justificativa ética ou jurídica para o manejo do protesto pelo Fisco, já que sua única finalidade seria pressionar o protestado ao pagamento – tratar-se-ia, portanto, de sanção política, meio indireto de execução que contrariaria o devido processo legal; (iii) o protesto da certidão de dívida ativa (CDA) seria meio inadequado e desnecessário, afrontando a livre iniciativa e a liberdade profissional (CF/88, arts. 5º, XIII, e 170) e inviabilizando a concessão de créditos necessários à atividade empresarial.”(Ministro Luís Roberto Barroso. ADI/5135) O último despacho do Ministro Relator Luís Roberto Barroso, datado de 08 de setembro de 2014, dá vistas sucessivamente, à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República por 5 (cinco) dias. 4.5 O Princípio da Eficiência Chama atenção a pretensão do relator quanto a aplicação do protesto como parte de sistema de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços, dessarte a incompatibilidade do Princípio da Eficiência com o disposto. Inserido pela Emenda Constitucional 19/98 o Princípio da Eficiência veio a posicionando-se ao lado dos demais princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade – art. 37, caput, CF). “O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.” (MEIRELLES, 2014, pag. 102) No entanto, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013) afirma que este princípio tem dois aspectos: quanto ao modo de atuação do agente público, do qual se espera que alcance os melhores resultados na atividade de suas atribuições; e quanto ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com os mesmos objetivos e alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. “Impõe anotar que os agentes públicos nem sempre conseguirão atingir os objetivos pretendidos. Todavia, estão obrigados a se conduzir buscando alcançá-los, revendo procedimentos e métodos que se mostrem inadequados ou aptos ao alcance dos fins visados”(CUNHA e RUIZ, pag. 477) A eficiência ao ser inserido no texto constitucional pela EC 19/98, junto aos demais princípios, recebeu maior relevância, não podendo se sobrepor aos demais princípios impostos à Administração (DI PIETRO, 2013). Concordando com este pensamento, Marcos André da Cunha e Ivan Aparecido Ruiz em artigo a Escola de Governo do Paraná (s. d., pag. 487), ressaltam que aos administradores competem zelar para que sua atuação pessoal seja direcionada a uma prestação de serviço com qualidade, mais economicidade e voltado a resultados melhores para a Administração Pública. Apesar da concordância do tribunal em aplicar o protesto extrajudicial, típico do direito privado no direito público, como auxiliar no controle de eficiência na prestação de serviços, resta contentar aos membros do serviço público em geral, com qual elo do princípio constitucional em tela, poderá ser aplicado como medida para somar resultados positivos e satisfatórios no atendimento das necessidades das comunidades e de seus cidadãos. 5 Conclusão Nascidos do mesmo ventre, o título de crédito e o protesto, preservam algumas das suas características originais e outras que se transformaram de acordo com o passar do tempo. O titulo de crédito extrajudicial, formado por força da lei, com presunção de certeza e liquidez, com exigibilidade desde a sua constituição – a CDA, vem a ser agraciado agora com um instituto típico do Direito Privado, com a inclusão do parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/1997, na redação dada pela Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, o protesto extrajudicial. O ato do protesto da CDA deve ser realizado por Tabelião junto ao Cartório de Registro de Documentos e Protestos. Apesar da atual legalidade, demonstra-se inútil para os mesmos fins que o direto privado atribui a os demais títulos de crédito: constituir em mora o devedor, promover a busca e apreensão de bem sob alienação fiduciária, exercer direito de regresso contra coobrigados, tampouco para instrumentalizar a falência do protestado. Permite, porém, que o nome do devedor tributário, em última análise, venha a ser inscrito no rol dos bancos de dados e arquivos de consumo, comuns a atividade de aquisição de crédito junto á instituições financeiras. Esses efeitos não estão afetos ao interesse do Estado. Estão contrárias as normas constitucionais da ordem econômica e social e, por isto, não pode estar ligado ao interesse da administração pública fazendária. Contudo, o Poder Público, a partir da publicação da lei, passa a receber a faculdade de promover o protesto extrajudicial da certidão representativa de dívida com o erário. O procedimento administrativo, condicionada ao encerramento da fase contenciosa de lançamento e constituição do crédito tributário, e do regular processo administrativo fiscal de determinação e exigência do crédito tributário, em apreço ao princípio do contraditório e da ampla defesa, tudo vinculado ao estrito cumprimento da legalidade do ato, sob pena de nulidade. O protesto deverá ser promovido por cada ente da federação ou órgão público que tiver recebido pela lei a faculdade de protestar e cada um deverá regulamentar por meio próprio, os limites da medida. A União já o fez, os estados da federação receberam recomendação do CNJ para a regularem e, aos municípios, respeitada as normas constitucionais, tem competência privativa para instituir a medida. São inarredáveis as condições para que possa o título público ser levado a protesto, que ele seja exigível, não tenha sido suspenso, imune ou imunizado, anistiado, remido, extinto ou prescrito por força de imposição legal. No entanto, não é de hoje que a Administração pública detém um invejável arcabouço de meios processuais e legais de ver adimplidos os créditos tributários. Desde o processo na esfera administrativa que goza de uma fase não contenciosa e sem a participação do sujeito passivo, a lei oferece ao credor tributário um rol exemplificativo de garantias e privilégios, possibilidades de aplicação de multas e penas pecuniárias, medidas que visam desestimular comportamento ilícito. Tudo sem contar com as exclusivas leis executivas e cautelares, amparadas pela subsidiaridade do Código de Processo Civil. A aplicação destas garantias e sanções vem acompanhada com algumas resistências na doutrina do Direito, dentre elas quanto a dupla sanção pelo mesmo ilícito, o ne bis in idem, quando cumula juros e multas moratórios. Exurge agora, como sanção, o efeito indireto proporcionado pelo protesto, junto aos bancos de dados e arquivos de consumo: a restrição de crédito com o mercado. Apesar da oposição dos tribunais e distante da legalidade, algumas administrações ainda fazem uso de medidas consideradas como arbitrárias pela jurisprudência e pela doutrina, que são as chamadas sanções políticas. Visam estas a verem adimplidos os créditos tributários e não tributários por meio de medidas oblíquas, adverso ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa. A jurisprudência dominante tem inúmeros julgados reprimindo tais práticas fundadas em súmulas publicadas pelo STF sobre o assunto. Outros acórdão e sentenças acabam por assentar suas decisões por analogia, quando julgado o ato da administração como desvirtuado da atividade administrativa, ilícito, não razoável ou desproporcional ao tributo exigível. Há que se ponderar pela natureza estatal das atividades exercidas pelos cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público, ao receberem a atividade de arrecadação tributária, vez que não estão protegidos pela imunidade recíproca entre os entes federados. Com um julgado recente sobre o assunto, o STJ reconhecendo a intersecção dos institutos do direito privado com os do público, vê como válida a tentativa de ver a medida do protesto extrajudicial da CDA ser aplicada como meio pelas administrações tributárias para verem, a partir do esgotamento das instâncias administrativas, a cobrança e pagamento de tributos em atraso, sem que seja tomada a LEF como meio exclusivo de cobrança dos créditos tributários. Os princípios do contraditório e do devido processo legal são garantidos, pois subsistirá o controle judicial quanto à higidez do protesto da CDA. O acórdão do STJ ainda concorda com a recente orientação do CNJ aos estados e seus órgãos para que admitam e providenciem regulamentação do protesto de CDA. A partir desta decisão marcante do STJ, deve passar-se a travar um novo debate na doutrina e na jurisprudência, a fim de desafixar desta contenda os pontos incontroversos deixados pelo acórdão, e a manutenção de assuntos não resolvidos pelo mesmo, dentre elas quanto ao interesse que administração pode ter no protesto ou sua aplicação tal como sanção política. É de se notar a que o referido acórdão passou a produzir nova orientação, sem que tivesse alocado o protesto como garantia ou sanção extralegal para exigir o crédito. Fica agora ao gosto do gestor público a preferência sobre qual dos inúteis efeitos do protesto justificará a suas razões para a respectiva aplicação O credor tributário não carece em constituir em mora ou instruir em falência o devedor; exercer direito de regresso contra coobrigados ou fazer uso para requerer busca e apreensão, considerando que os meios de interrupção da prescrição em matéria tributária são os expressos pela lei fiscal. A utilidade do protesto extrajudicial da CDA para as Fazendas Públicas se encerra com o registro do devedor tributário, feito indiretamente pelos cartórios de registro de títulos e documentos, nos bancos de dados e arquivos de consumo. A inscrição da dívida nos bancos de dados, pela via indireta, poderá a vir a beneficiar aquele que os arquivos de consumo, a lei, a jurisprudência e a doutrina já conhecem com devedor contumaz. Deste nada mais se espera senão o esgotamento do prazo prescricional de cada uma de suas dívidas. Aos demais devedores do erário que forem protestados, ficarão sujeitos a relevante função de serem legalmente constrangidos ao pagamento, com a exposição de seus nomes nos cadastros de crédito, produzindo um efeito capaz de inviabilizar a sua própria recuperação em termos financeiros. O relator teria sido mais feliz se tivesse recortado de sua decisão o encerramento da ementa, em que relaciona o protesto da CDA com a utilização dos modernos institutos de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços que, objetivamente não se coadunam um com o outro. Diante do já existente “cipoal legislativo”, não se observa como poder harmonizar legalização do protesto da CDA com o princípio da eficiência para melhorar a eficácia e a qualidade dos serviços públicos.
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A incontitucionalidade do §2° do artigo 7° da lei 12.016, de 2009 face ao direito à compensação tributária
Após quase oito anos de tramitação no Congresso Nacional, em 07 de agosto de 2009 foi promulgada a Lei 12.016 que regula o Mandado de Segurança. A novel lei veio em substituição da lei 1.533/1951 que, embora tenha tido algumas alterações, não conseguia mais regular devidamente o processamento do remédio constitucional. A nova lei não trouxe grandes inovações ao ordenamento jurídico brasileiro, preocupando-se em sedimentar entendimentos jurisprudenciais. Neste sentido, foi que a lei 12.016/2009 proibiu no §2° do artigo 7°, a concessão de medida liminar em mandado de segurança que tenha por objeto a compensação de créditos tributários. E o fez em total desrespeito a princípios constitucionais, como o acesso à justiça, o devido processo legal, a separação de poderes e, sobretudo, a supremacia da Constituição Republicana.
Direito Tributário
1. Introdução Embora elucidada pela súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça, a proibição da concessão de liminar para a compensação tributária em sede de mandado de segurança mitiga o princípio do devido processo legal e reduz, consubstancialmente, a acessibilidade à justiça. Há quem argumente que a impossibilidade gira em torno de, às vezes, não se poder mensurar a veracidade do crédito e do débito que se pretende compensar. Contudo, esta certeza está no próprio fundamento do mandado de segurança, que, por preceito constitucional, só pode ser concedido quando se tratar de direito líquido e certo. Ademais, constitui requisito para a concessão de liminar a presença do fumus boni iuris, a fumaça do bom direito, ou seja, o juiz ao analisar a possibilidade ou não da concessão, analisará se há presença de quesitos suficientes à garantia antecipada do direito. Por fim, se buscará demonstrar quão inviável e arbitrária é a impossibilidade de concessão de liminar que tenha como objeto a compensação tributária. Nesse passo, cristaliza-se a necessidade do estudo sobre a possibilidade da concessão de liminar para que se efetive essa modalidade de extinção de crédito tributário, ao passo que graves problemas podem surgir no dia a dia dos tribunais na medida em que se aplica a “Nova Lei do Mandado de Segurança”.   2. Acesso à jurisdição Constitucionalmente, o acesso à jurisdição é assegurado no artigo 5°, inciso XXXV, que assim dita: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desta feita, toda e qualquer demanda levada à apreciação do Poder Judiciário deve ser processada e julgada. Dito isso, mister alguns dizeres quanto a questão principiológica. Diddier Jr. (2006, p. 37), ao citar Guerra Filho, assim aponta:  “Inicialmente, vale sublinhar, com DWORKIN, que conduzir uma argumentação utilizando princípios necessariamente resulta na tentativa de estabelecer algum direito fundamental, envolvido na questão, já que, segundo ele, ‘principles are proposition that describe rights’, pelo que se diferenciaram de outro importante standart argumentativo, aquele que invoca políticas públicas (policies), que seriam ‘proposition that describe goals’.”  E aqui, não haveria de ser diferente. Princípios direcionam a direitos fundamentais, e estes são a maior valia de um Estado Democrático de Direito. O acesso à justiça, como direito fundamental, aponta a maior garantia da sociedade desde que o Estado tomou para si a função jurisdicional. É, pois, a síntese de todas as garantias do processo. Processo que, a bem dizer, é a forma de exteriorização da jurisdição e de garantia da cidadania. Saliente-se que, o acesso à justiça é também conhecido, segundo a doutrina mais sedimentada como “acesso à ordem jurídica justa”. Para explicar, Lenza (2010, p. 773) cita Watanabe: “a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.”  Como princípio fundamental e garantia individual, é notório que o princípio do acesso à justiça não pode ser mitigado, porquanto considerado cláusula pétrea. Nesta óptica, tal princípio direciona-se a todo processo legislativo, que não poderá editar leis que obste o acesso ao Poder Judiciário (LENZA, 2010, p. 774). Tal ditame apenas exterioriza a inafastabilidade, característica da jurisdição. A bem dizer, o princípio do acesso à justiça ou do acesso à ordem jurídica justa está diretamente ligado ao princípio do devido processo legal. Isto porque, conforme dito acima, não pode o legislador ao editar o ordenamento jurídico, criar mecanismos que impeçam o acesso à jurisdição. Assim como, não pode o Judiciário apenas solucionar conflitos jurídicos, mas deve sim, garantir a realização da justiça. Neste sentido, ensina Theodoro Júnior (2009, p. 456): “A prestação do Poder Judiciário, destarte, está profundamente comprometida com o princípio da efetividade. Por isso, o acesso à justiça se faz com a observância da garantia constitucional do devido processo legal, nela compreendidas tanto a meta do procedimento legal como sua adequação a realizar a justiça material.” Em síntese o princípio do acesso à justiça ou acesso à ordem jurídica justa, norteia todo o Estado Democrático de Direito, afim de que seja garantido a toda sociedade o direito de perquirir a reparação por dano sofrido. Ademais, tal princípio conduz o Poder Legislativo a não criar normas que reduzam esse direito da sociedade. Além de fazer com que sejam criados mecanismos de facilitação à busca da satisfação dos direitos. Neste sentido, é que surge a figura do Mandado de Segurança. 3. Mandado de segurança  3.1. Conceito Hely Lopes Meirelles conceitua Mandado de segurança como (2007,p. 25-26): “o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”  Desta forma, o Mandado de Segurança é o instrumento às mãos dos cidadãos, afim de que tenham seu direito líquido e certo resguardado, quando não amparados pelo habeas corpus ou habeas data. Segundo Moraes (2006, p. 136) “o mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de aos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política”. Assim como qualquer outro processo, o Mandado de Segurança inicia-se com uma petição inicial. E é este o momento para que se prove a liquidez e certeza do direito objeto do mandamus. Líquido e certo é aquele direito sobre o qual não há dúvidas. É aquele que pode ser comprovado de plano. Não se olvide que qualquer direito é, pois, em sua essência, líquido e certo. O que pode gerar dúvidas é o fato que fez aflorou determinado direito à determinada pessoa. Nesse sentido Moraes (2006, p. 139) explica: “Note-se que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam de comprovação. Importante notar que está englobado na conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente de adequada interpretação do direito, não havendo possibilidades de o juiz denegá-lo, sob o pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade jurídica.” Saliente-se que o Mandado de Segurança apresenta duas classificações: o repressivo, e o preventivo. Será repressivo quando tiver por objeto uma ilegalidade ou abuso de poder que já ocorreu. E será preventivo quando o impetrante estiver prestes a sofrer cerceamento de algum direito líquido e certo por parte de determinada autoridade. Ressalte-se que neste último haverá sempre a necessidade de comprovação que o ato impugnado esteja colocando em risco algum direito. (MORAES, 2006). Ademais, pode ainda o Mandando de Segurança ser coletivo. Isto se dá quando um único writ é aproveitado a um número maior de interessados que se encontrem em uma mesma situação jurídica. A finalidade maior do Mandado de Segurança coletivo é ampliar o princípio do acesso à justiça. O Mandado de Segurança coletivo pode ser a teor da Constituição Republicana de 1988, impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional ou ainda por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.[1] O prazo para interposição do Mandado de Segurança extingui-se em 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Opera-se aqui caso claro de decadência, portanto, não poderá o prazo ser suspenso tampouco interrompido. Incumbe dizer, que no caso do Mandado de Segurança preventivo não há aplicação deste prazo decadencial, posto que o dano temido está sempre presente. O Mandado de Segurança Individual tem como sujeito ativo qualquer pessoa, seja física ou jurídica, desde que titular do direito líquido e certo não amparado por habeas corpus e habeas data quando este direito for violado. Sendo assim, não importa se brasileiro ou estrangeiro, domiciliado ou não no Brasil. O que interessa para fins de Mandado de Segurança é que o direito, objeto do mandamus, esteja sob a jurisdição da Justiça Brasileira (MORAES, 2006). Já o Mandado de Segurança coletivo, conforme dito poderá ser proposto a teor do artigo 21 da Lei 12.016, de 2009 por: “partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.”  O sujeito passivo tanto do Mandado individual como do coletivo é a autoridade coatora que pratica ou que ordena a execução ou a inexecução do ato impugnado, podendo a pessoa jurídica de direito público, ingressar a qualquer tempo, em litisconsórcio. Por seu turno, a novel Lei 12.016, de 2009 equipara à autoridades para efeitos de Mandado de Segurança, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. Além disso, a citada lei veda a concessão de segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público.  3.2. Liminar em mandado de segurança A medida liminar em sua essência tem natureza cautelar. Busca assegurar que determinado direito ou objeto não se perca pelo passar do tempo. Segundo Meirelles (2009) apud Jayme (2011, p. 89) a medida liminar: “não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa.” Sendo assim, pode-se dizer que, ao deferir o pedido do impetrante liminarmente, o Juiz não está antecipando os efeitos da sentença, mas sim assegurando que o direito não se parca pelo decurso de tempo ou por a autoridade coatora permanecer cometendo o ato abusivo. Neste sentido Câmara (2006, p. 18) ensina: “este provimento jurisdicional não é capaz de realizar o direito substancial afirmando pelo demandante, mas tão somente se destina a assegurar que, no futuro, quando chegar o momento de se obter a satisfação de tal direito, estejam presentes as condições necessárias para tanto. A medida cautelar não satisfaz, e sim assegura a futura satisfação.” A melhor entender, a medida liminar faz parte do gênero medidas de urgência, do qual também fazem parte, a tutela cautelar e a tutela antecipatória.  A tutela cautelar tem como características essenciais a acessoriedade, a instrumentalidade e a autonomia. Assim necessita obrigatoriamente de um processo principal para existir. Por seu turno, a tutela antecipatória não se vincula obrigatoriamente, a um processo principal e o seu diferencial está em conceder uma decisão provisória sobre o pedido formulado na inicial. (MEDINA; ARAÚJO, 2009) Mandamentalmente, a medida liminar é assegurada pela própria Lei 12.016, de 2009, em seu artigo 7°, III, que estabelece como requisitos para a concessão do provimento “fundamento relevante e que do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida”. Inexistentes estes requisitos o provimento liminar deve ser negado. Em que pese os requisitos acima descritos, a doutrina majoritária os entende, respectivamente, como fumus boni iuris e periculum in mora, requisitos que devem ser observados em todos os provimentos cautelares.  Fumus boni iuris pode ser traduzido como “a fumaça do bom direito”. Em outros dizeres, para que possa ser concedida a liminar o órgão julgador deverá utilizar de um juízo de probabilidade, bastando que o impetrante demonstre apenas a possibilidade da existência do direito. Ressalte-se aqui, que por mais que exista a probabilidade do direito, em sede de mandamus, esta análise se torna deveras simplificada, porquanto, necessária a comprovação, pelo impetrante, de seu direito líquido e certo.  Na tentativa de melhor conceituar esse requisito, Câmara (2006, p.36) evidência a divergência doutrinária a cerca do fumus boni iuris, senão veja-se: “Não é pacífica, porém, a doutrina quando se trata de definir o fumus boni iuris. Há quem afirme tratar-se ele da mera “aparência do bom direito”. Outros autores, por sua vez, referem-se a este requisito de concessão de medidas cautelares como a verossimilhança do direito afirmado pelo demandante. Todos estes conceitos, embora tenham sutis diferenças entre si, conduzem todos, a uma mesma idéia: a de que a cognição a ser realizada no processo cautelar é sumária, não se exigindo nesta sede, a certeza quanto à existência do direito substancial.”  Já o periculum in mora, traduzido como “perigo da demora” será, pois, em sua essência, a iminência de um dano irreparável. Conforme dito, a liminar como medida cautelar que é, tem por finalidade a proteção de um provimento jurisdicional futuro. Sendo assim, nada mais natural que se exija a comprovação de que o ato impugnado poderá, se persistir, gerar dano irreparável ao impetrante. Medina; Araújo (2009, p.119), em estudo aprofundado sobre a Lei 12.016, de 2009, destaca que a liminar em sede de Mandado de Segurança pode se dá de três espécies: cautelar, antecipatória, e satisfativa. Confira-se:  “Em todo caso, o provimento de urgência previsto pelo artigo 7°, III, poderá assumir tripla configuração: 1) liminar cautelar; 2) liminar antecipatória; ou 3) liminar satisfativa. Tudo dependerá das eficácias sentenciais que forem agregadas ao comando mandamental. Em determinadas situações a liminar será satisfativa e esgotará o objeto do pedido, como na liminar para fornecimento de medicamento. Em outro exemplo, pode-se visualizar a natureza de antecipação da tutela no mandamus, como no pedido de reintegração provisória do servidor do cargo. E, por fim, a liminar poderá assumir contorno cautelar quando tenha objetivo agregar eficácia suspensiva à exigência do crédito tributário.” Por fim, registre-se que segundo o artigo 7° da Lei 12.016, de 2009, o momento para concessão de da medida liminar é do despacho da inicial pelo juiz. Contudo, o provimento liminar poderá ser concedido em momento diverso a este como, por exemplo, após a autoridade coatora prestar as devidas informações. Não há, portanto, obste à concessão de liminar em momento diverso que o especificado no caput do artigo 7°. O que geralmente ocorre é que, devido a sumariedade do procedimento do Mandado de Segurança, o juiz não encontra outro momento para apreciar a existência dos requisitos do inciso III do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009, fazendo-o assim, conforme o caput do artigo 7° da citada lei. 4. Compensação tributária  A compensação tributária é uma modalidade de extinção do crédito tributário, do qual fazem parte também, segundo o artigo 156 do Código Tributário Nacional: a) o pagamento; b) a transação; c) a remissão; d) a prescrição e a decadência; e) a conversão de depósito em renda; f) o pagamento antecipado e a homologação do lançamento; g) a consignação em pagamento; h) a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; i) a decisão judicial passada em julgado.  Ater-se-á aqui tão somente ao instituto da compensação. O instituto da compensação não é novidade no Direito. Encontra respaldo primeiramente no Código Civil Brasileiro – Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – que assim ensina: “Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Desta maneira, toda vez que dois indivíduos forem credor e devedor entre si, suas obrigações estarão extintas, até onde se equivalerem. Para melhor compreensão, Alexandre (2010, p.447) fornece um claro exemplo, veja: “Assim, se ‘A’ deve a ‘B’ cem reais e ‘B’ deve a ‘A’ setenta reais, as obrigações são passíveis de compensação até setenta reais, de forma que a dívida de ‘B’ estará completamente extinta e a dívida de ‘A’ será parcialmente extinta, restando, tão somente, a parcela não compensada de trinta reais.”  Em matéria tributária a compensação tem o mesmo alcance. A diferença principal é que a sujeito ativo na relação jurídico-tributária será sempre o Estado, através de seus entes federados ou pela Administração Indireta que age em seu nome. A compensação tributária encontra respaldo no artigo 170 do Código Tributário Nacional, in verbis: “A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.” Pela leitura do artigo supra, verifica-se que a compensação de créditos tributários opera-se entre créditos líquidos e certos do sujeito passivo para com a Fazenda Pública, podendo ser vencidos ou vincendos, diferentemente do Direito Civil, onde compensação de créditos se dá apenas entre créditos vencidos. Contudo, registre-se aqui, que apenas poderá ser vincendo o valor que a Fazenda Pública deve. O crédito tributário deve estar sempre vencido. Caso o crédito tributário seja vincendo, necessário se faz proceder ao cálculo do seu atual valor, a fim de atualizá-lo à data da compensação. Neste pensar é que se aplica o parágrafo único do artigo 170 acima transcrito. Outro ponto deveras importante de ser lembrado é que a compensação somente opera-se mediante lei. Sendo assim, necessário se faz a existência de uma lei que diga as condições para o processamento da compensação tributária. Neste sentido assevera Alexandre (2010, p.447): “O dispositivo deixa claro que, em se tratando de crédito tributário, a compensação sempre depende da existência de lei que estipule as respectivas condições e garantias, ou que se delegue à autoridade administrativa o encargo de fazê-lo. Não é suficiente, portanto, a simples existência de reciprocidade de dívidas para que a compensação se imponha. Grifos não constantes no original.” Em que pese as regras da compensação, ressalte-se que muitas vezes o sujeito passivo da obrigação tributária utiliza desse instituto quando, após ter pago determinado valor referente a determinado crédito tributário, entende ter sido tal valor pago indevidamente. Sendo assim utiliza a compensação do valor já pago com outros créditos tributários, a fim de fugir da demorada sistemática dos precatórios. (ALEXANDRE, 2010) Machado explica (2009, p. 209): “Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para efeito de compensação, que se apure o montante do crédito, não podendo determinar redução superior ao juro de 1% ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.” Noutra seara, o artigo 170-A do Código Tributário Nacional vincula a compensação de créditos tributários ao trânsito em julgado da decisão. Confira-se: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Por esse entender é que se deu a Súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça proibindo a compensação tributária por intermédio de ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória. In verbis: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”. Não obstante à súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça, Machado (2009, p. 213) esboça um acertado pensamento quanto à concessão de medida liminar para a compensação tributária: “O art. 170-A veda a compensação que o contribuinte eventualmente pretenda fazer apenas porque, considerando que pagou tributo indevido, ingresse em juízo para obter decisão confirmatória de seu entendimento, vale dizer, decisão considerando que efetivamente ocorreu um pagamento indevido. Não veda o deferimento de medida liminar autorizando a compensação.” Contudo, embora acertado o pensamento acima transcrito a Lei 12.016, de 2009, que regula o Mandado de Segurança, sedimentou entendimento que não possível a compensação tributária por medida liminar. E o fez ao estatuir o artigo §2° do artigo 7°: “Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação tributária […]”. E assim fez a lei 12.016, de 2009 em flagrante inconstitucionalidade, porquanto, não observou o princípio do acesso à justiça, tão pouco o devido processo legal. Ademais, reduziu o alcance da súmula 213 do Superior Tribunal de Justiça que atribui ao Mandado de Segurança a maneira de se perquirir a compensação tributária, conforme se verá adiante. 5 . A incontitucionalidade do §2° do artigo 7° da lei 12.016, de 2009 face ao direito à compensação tributária A Lei 12.016 de 07 de agosto de 2009 veio como diploma regulador do Mandado de Segurança, remédio constitucional previsto no artigo 5° inciso LXIX da Constituição Republicana de 1988. A novel lei veio como substitutiva da lei 1.533 de 31 de dezembro de 1951. O mandado de segurança, conforme dito é o remédio constitucional cabível para resguardar e assegurar direito líquido e certo não amparado por habeas corpus nem por habeas data. A nova Lei que regula o mandado de segurança não trouxe muitas inovações legislativas, se preocupando, com demasia, em sedimentar entendimentos jurisprudenciais. Foi neste sentido que a lei 12.016, de 2009 proibiu na primeira parte do §2° do artigo 7°, a concessão de medida liminar que tenha por objeto a compensação tributária. “Art. 7°. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:  §2°. Não será concedida medida liminar que tenho por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Grifos não constantes no original.” Conforme dito anteriormente, a compensação tributária é o instituto do Direito Público que tem por objeto a extinção de débitos quando sujeito ativo e sujeito passivo são, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro. Ademais, para que seja possível a compensação de créditos com a Fazenda Pública, necessário que se demonstre a certeza e a liquidez do crédito que se pretende extinguir. Por assim ser, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 212 que proíbe a compensação tributária em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória, por entender que a demonstração de certeza e liquidez só existiria com o trânsito em julgado da ação, conforme assevera o artigo 170-A do Código Tributário Nacional. Não obstante a isso, o Superior Tribunal de Justiça editou também a súmula 213 que deixa claro que o Mandado de Segurança é a ação correta para se requerer a compensação de tributos, veja: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. Sendo assim, o legislador ao editar a primeira parte do §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009 agiu em flagrante inconstitucionalidade, já que a medida liminar é inerente ao mandado de segurança. A medida liminar é uma medida de caráter cautelar que busca assegurar o direito do impetrante quando há risco deste direito se perder no tempo. Desta maneira, sempre que houver presente os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, deve ser deferida, pelo magistrado, medida liminar de caráter satisfativo, antecipatório ou cautelar. Desta feita, o legislador ao editar a primeira parte do §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009 o fez em nítida inconstitucionalidade, pois não respeitou o princípio do acesso à justiça, ademais desrespeitou o pacto federativo no que tange à separação de poderes. O acesso à justiça é o princípio de ordem constitucional que garante a todos os cidadãos ter sua demanda processada e julgada pelo Poder Judiciário. Ademais, tal princípio conduz o Estado Democrático de Direito a uma ordem jurídica justa, afastando assim, toda e qualquer hipótese de redução do acesso ao judiciário. Nesse sentido, proibir a concessão de liminar para compensação tributária mitiga o direito constitucional do acesso à justiça do cidadão além de retirar do writ sua efetividade, confira-se os dizeres de Bueno (2009, p. 45): “As previsões são todas, sem exceção, flagrantemente inconstitucionais, destoando, por completo, da ordem constitucional e do modelo por ela criado para o mandado de segurança, individual e coletivo. Impensável que a grandeza constitucional do mandado de segurança e sua aptidão para assegurar a fruição integral e in natura de bem da vida (o que decorre imediatamente do art. 5°, XXXV E LXIX, da Constituição Federal) sejam obstaculizadas, frustradas ou, quando menos, minimizadas por qualquer disposição infraconstitucional.”  Assim, não se pode admitir, em hipótese alguma, que uma norma infraconstitucional mitigue uma garantia expressamente assegurada pela Carta Magna. Ou melhor, nem mesmo por norma constitucional de daria possível. Direitos e garantias constitucionais são cláusulas pétreas e não podem, nem mesmo pelo próprio texto constitucional, ter seu alcance reduzido. Veja: “Aliás, nem mesmo por alteração constitucional isso seria possível, porque os direitos e garantias fundamentais são cláusulas pétreas, imunes, pois, a alterações até mesmo por parte do constituinte derivado (art. 60, §4°, IV, da Constituição Federal). (BUENO, 2009, p. 45).” O trecho acima transcrito apenas evidencia o princípio da supremacia da constituição, mais um princípio basilar de um Estado Democrático de Direito. Por ele se tem a ideia de que todo o ordenamento jurídico deve estar plenamente de acordo com a Carta Magna. E de uma rápida leitura da primeira parte do §2º segundo do artigo 7º da lei 12.016, de 2009 verifica-se, com uma clareza palmar, que a norma não está de acordo com a Constituição Republicana. E foi nesse sentido que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil impetrou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade em detrimento de alguns artigos da Lei 12.016, de 2009, dentre eles o §2° do diploma legal. Confira-se texto da ADI 4.296, de 2009 no que tange a compensação tributária[2]: “A legislação, portanto, já impunha exaustivas limitações legais, e tal previsão na Lei n° 12.016/09 inviabiliza o exame e ilegalidade pontuais sob aspectos que, no que toca à compensação, muitas vezes torna impraticável o exercício do direito assegurado, sendo necessário observar, todavia, que o mandado de segurança é instrumento de matriz constitucional, e a ele não se pode aplicar, por via de simples lei, restrição dessa ordem. Não cabia ao legislador, como exsurge da redação do § 2° do art. 7°, primeira parte, excluir a possibilidade de concessão de liminar em mandado de segurança em matéria de compensação de créditos tributários, visto que a legislação e a jurisprudência se sedimentaram no sentido de tal possibilidade, desde que haja lei prevendo essa hipótese e o crédito se constitua por homologação. Com delineado, o direito líquido e certo do impetrante salta aos olhos nas hipóteses já reconhecidas pela jurisprudência, notadamente se observado que nenhuma lesão ou ameaça a direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Conforme art. 5°, XXXV, CF/88. O legislador, contudo, estabeleceu restrição desarrazoada e inconciliável com o remédio constitucional, cuja conseqüência prática mitiga a possibilidade de concessão de liminar e retira do ‘mandamus’ a máxima eficácia, incorrendo, pois, em manifesta vulneração aos artigos 2°, por ingerir na esfera do Poder Judiciário e quebrar o Princípio da Separação de Poderes, bem como por ofender a própria garantia fundamental do mandado de segurança e do acesso à jurisdição, na forma dos incisos XXXV e LXIX do art. 5°, da Carta Maior. Imperioso, portanto, o reconhecimento da inconstitucionalidade do § 2° do art. 7°, primeira parte, da Lei n° 12.016/09, posto que amesquinhou a possibilidade de concessão de liminar e desconsiderou vasta e sedimentada jurisprudência a respeito do cabimento da segurança para fins de declaração do direito à compensação, daí a necessidade de suspender a eficácia do dispositivo.” Conforme se vê da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296, de 2009, a previsão legal da impossibilidade da concessão de liminar em mandado de segurança que tenha por objeto a compensação tributária é assente inconstitucional não podendo persistir no ordenamento jurídico brasileiro. Saliente-se, por oportuno, que a inconstitucionalidade tratada aqui é de ordem material. Explica-se. Ao se editar qualquer norma, o poder legislativo deve, precipuamente, verificar os dizeres constitucionais acerca do tema, não podendo assim, editar qualquer ditame que fira o texto constitucional. Pois bem, em linhas gerais, a inconstitucionalidade pode ser de duas órbitas: formal e material. Dá-se inconstitucionalidade formal quanto a forma de edição do diploma legal. A bem dizer, a Constituição Republicana de 1988 dita como deve ser o processo legislativo de cada norma. Assim, a própria Constituição elenca regras como competência, quorum etc. Confira-se os ensinamentos de Bonavides (2007, p. 297): “O controle formal, é por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado.” Assim, por exemplo, se um Deputado Federal faz uma proposta de uma lei ordinária tenente a criar algum cargo na Administração Pública, assente está sua inconstitucionalidade, porquanto, tal competência é privativa do Presidente da República, conforma dita o artigo 61, §1º, “a”, da Constituição Republicana de 1988. Outrossim, seria inconstitucional uma norma que foi aprovada com quorum de 1/3 quando deveria ter sido aprovada por um quorum  de 3/5. Por outro lado, a inconstitucionalidade material é aquela que diz respeito ao conteúdo da norma. Nesse sentido Lenza (2010, p. 210) ensina: “Por seu turno, o vício material (de conteúdo, substancial, ou doutrinário) diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material. Não nos interessa saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo. Por exemplo, uma lei discriminatória que afronta o princípio da igualdade.” Sendo assim, a norma ora em questão, traz em seu conteúdo flagrante inconstitucionalidade material. A uma, pois mitiga uma garantia de ordem constitucional e o pacto federativo; a duas, pois mitiga o princípio constitucional do acesso à justiça. Noutra seara, a impossibilidade da concessão de liminar com a finalidade de compensar tributos ataca direitamente a órbita patrimonial do contribuinte. Para haver a possibilidade de compensação tributária deve o contribuinte dever ao Fisco assim como deve ser credor do Fisco. Assim, estando a Fazenda Pública a dever, o contribuinte vê seu patrimônio ficar retido violando ademais, a sua esfera patrimonial. Ressalte-se que não há de se dizer que a violação existe pela falta de certeza e liquidez do crédito que o contribuinte pretende compensar. O direito líquido e certo já é inerente à ação constitucional do mandado de segurança. Ademais, não se pode questionar, outrossim, a ausência de danos ao contribuinte (periculum in mora). Com efeito, por mais que ação do mandado de segurança seja, em sua exegese, rápida e célere, salta aos olhos de qualquer um que a máquina judiciária é, em demasia, lenta. E essa demora ataca como dito, o patrimônio do contribuinte que fica em detrimento do Estado, gerando, sem sombra de dúvidas, danos ao contribuinte.   É nesse sentido os dizeres de Wambier; Vasconcelos (2009, p.195): “Estão expressamente previstos, então, na nova Lei do Mandado de Segurança (nos moldes da disciplina anterior), os pressupostos para a concessão da medida liminar. São eles, nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier: ‘da relevância dos motivos em que se baseia o pedido; e da possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante’. A autora citada, explica que o primeiro desses pressupostos não corresponde ao fumus boni iuris tal com se exige para a concessão das medias de natureza cautelar, porque a aparência do bom direito é exigível para a própria impetração do mandado de segurança. E, para que se possa lançar mão da ação constitucional, o direito líquido e certo deve ser demonstrável de plano, através de prova documental. Logo, quando o juiz constata a relevância dos fundamentos do pedido, ainda que em exame superficial, verifica que há mais do que mera plausibilidade. O segundo pressuposto, no entanto, é precisamente o periculum in mora. É o fundado receio de que, se não imediatamente concedida a medida pleiteada, danos irreparáveis possam ser causados ao impetrante. Pode-se dizer que, não raro a concessão da segurança de quase nada adianta ao impetrante se não for deferida liminarmente a medida.” Portanto, dúvida não resta que proibição da concessão de medida liminar com o intuito de compensação tributária é inconstitucional, não condizente com os ditames de um Estado Democrático de Direito. E sedimentando esse entendimento, Wambier; Vasconcelos (2009, p. 195-196) diz: “Por esses fundamentos é que acreditamos ser inconstitucional o art. 7º, §2º, da nova lei, que pura e simplesmente, sem qualquer ressalva, proíbe a concessão da liminar em mandado de segurança, violando flagrantemente o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/1988) e o próprio devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF/1988) inerente à ação constitucional.” 6. Considerações finais Por todo o exposto, verifica-se quão arbitrária é a vedação constante no §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009. A sociedade não pode ser permissiva a tal ponto e deixar que seu direito líquido e certo seja embaraçado. Vive-se, hoje, em um Estado Democrático de Direito, cuja premissa maior é ter efetivado a soberania popular. Assim sendo, atitudes como a não concessão de liminar com a finalidade de se compensar tributos é arbitrária e incompatível com os princípios norteadores de um Estado Democrático. Saliente-se que o conceito de compensação vem previsto no ordenamento jurídico desde o pretérito Código Civil de 1916 ao dizer que as obrigações serão extintas na maneira em que se compensarem sempre que duas pessoas forem ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Nesse diapasão, o Código Realeano manteve o preceito em seu artigo 368 com dizeres semelhantes: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Em matéria tributária a compensação como modalidade de extinção de créditos tributários vem regularmente prevista nos artigos 156, II, 170 e 170-A, do Código Tributário Nacional, condicionando esta possibilidade, por natural, a créditos líquidos e certos, podendo ser vencidos ou vincendos. Sendo assim, a compensação tributária se torna maneira efetiva e legítima de extinção de débitos dos contribuintes para com a Fazenda Pública. Contudo, muitas vezes, a Administração Pública impede que esses contribuintes façam jus a esta possibilidade. Nesse sentido, quando surge essa impossibilidade, por vezes arbitrária, vê-se possível a figura do mandado de segurança, como meio garantidor à satisfação do bem jurídico tutelado. Desta feita, cumpre ao contribuinte, vendo seu direito violado, impetrar tal remédio constitucional, a fim de obstar a atitude temerária da Administração Pública. Todavia, na maioria das vezes, não pode o cidadão aguardar o trânsito em julgado da ação – que é extremamente moroso – pois corre o risco de o bem jurídico tutelado se perder no tempo. Assim, dá-se a figura da medida liminar. É nesse sentido que se deve ver o parágrafo 2º do artigo 7º da Lei 12.016. A bem dizer, é inconstitucional a proibição de medida liminar em mandado de segurança que vise à compensação tributária. A uma, por ser garantia constitucional intrinsecamente contida no artigo 5º, XXXV e LV; a duas, por violar, nitidamente, o pacto republicano, já que, o Mandado de Segurança e a medida liminar a ele inerente constituem direitos e garantias fundamentais, portando, cláusulas pétreas não se admitindo óbice ou mitigação. O constituinte originário ao prever o devido processo legal, quis que a todos fosse garantido o direito de ter suas pretensões avaliadas pelo Judiciário, e o fez ao estatuir que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. De sorte, o devido processo legal assegura que ninguém deve ter seus direito restritos sem a observância de todos os preceitos legais. Noutra esteira, o devido processo legal deve ser respeito, de igual forma, no processo legislativo. A lembrar o grande mestre Kelsen, todas as normas jurídicas devem, obrigatoriamente, respeitar uma hierarquia. A ser assim, no Estado Democrático de Direito, todo processo legislativo deve estar em conformidade com o a norma maior; deve estar em consonância com a Carta Magna. Insta dizer então, que a Lei 12.016, em seu artigo 7º, §2º, constitui imensurável afronta à Constituição da República. Como já dito, o legislador infraconstitucional, ao estatuir a predita lei, não respeitou o devido processo legal, já que tal dispositivo viola o pacto republicano ao reduzir o alcance de um direito fundamental, além de violar preceitos fundamentais. Com isso, a vedação à concessão de liminar em mandado de segurança para a compensação tributária não deve prevalecer por subsistir em total afronta a princípios e preceitos da Carta Republicana de 1988, além de violar o dever maior do Estado, qual seja, a satisfação do bem social.
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Cidadania e os limites constitucionais tributários
O objetivo deste artigo é analisar os limites do Estado sobre os tributos. Através da formação dos Estados modernos, as constituições escritas trouxeram as garantias tributárias, prevenindo os abusos, arbitrariedades e excessos. A ideia de poder era entendida como Estado Absoluto, sendo assim possuía poder ilimitado. Sob a nova ótica de poder, as garantias atribuíram ao Estado limites sobre as normas relacionadas à tributação.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O conceito do tributo tem seu nascimento na Constituição Federal, mas a sua definição normativa advém da Lei nº 5.172/66, conhecida como Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º: (…) ”Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” A tributação deve-se operar dentro dos limites da norma constitucional aplicada, garantindo a proteção do cidadão frente aos abusos do poder do Estado. 1 – TRIBUTAÇÃO O Estado tem por escopo regular as condutas em favor dos valores que a sociedade busca implementar. As normas jurídicas preceituam comportamentos obrigatórios e proibidos que devam ou não ser aplicados pelos cidadãos e o Estado. Para que o Estado possa alcançar a finalidade pelo qual foi criado, necessita de recursos que são provenientes do próprio cidadão através dos tributos. Não obstante que o tributo tenha sido sempre tratado dessa forma, esse feito se tornou um dever fundamental de cada cidadão. Entretanto, há limites do Estado como já mencionado com relação aos abusos dos tributos, para tanto a existência das garantias fundamentais. O direito tributário visa à regulamentação da atuação das autoridades fiscais, fiscalização e proteção ao contribuinte, dispondo de todos os princípios que orientam a tributação. 2 – NORMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA E SEUS LIMITES Ao analisarmos o sistema constitucional tributário encontramos princípios que regem este instituto, que limitam os abusos e arbitrariedades dos tributos. Temos as competências tributárias, princípios constitucionais tributários e pressupostos de imunidades. Esses preceitos são denominados limitação de poder de tributar, através de valores impostos pela Constituição que preservam os direitos e garantias fundamentais. Complementa o autor (CARVALHO, 2010, p. 190 e 191): “o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados. E, ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros princípios, tal o poder aglutinante de que são portadoras, permeando, penetrando e influenciando um número inominável de outras regras que lhe são subordinadas. (…). Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como consequência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema Constitucional Tributário Brasileiro”. Entendemos que o descumprimento dos princípios constitucionais tributários acarreta afronta a uma totalidade de nosso ordenamento jurídico, sendo assim uma inconstitucionalidade. “É inquestionável que o fenômeno da tributação tem contribuído de modo especialmente relevante para a reflexão sobre o princípio da legalidade e para a transformação do seu conteúdo. Os problemas fiscais estão por trás de muitos dos momentos históricos que marcam a construção da legalidade como princípio jurídico e direito subjectivo (…)” (ALMEIDA, 2012, p. 493). Observe-se que os princípios constitucionais tributários desfrutam de um caráter de cláusula pétrea, devido à hierarquia em que se estabelece, uma vez que está superior a uma Emenda Constitucional. Entretanto, vale ressaltar que já existe entendimento do STF que dispõe legítima por meio de medida provisória instruir sobre matéria tributária. Nesse passo, nota-se que medida provisória não é lei e, somente lei pode versar e instruir sobre tributos. Claramente que, aceitar este posicionamento do Supremo Tribunal Federal estaria ferindo o princípio constitucional da legalidade constrangendo os direitos fundamentais do cidadão contribuinte. Foi através da Emenda Constitucional nº 32/2001, em seu artigo 62 que se tornou vulnerável o princípio da legalidade. Uma decisão como essa complacente pelo STF atinge diretamente a segurança jurídica dos contribuintes em face do Estado. Já mencionado anteriormente, os princípios constitucionais tributários são direitos fundamentais dos cidadãos contribuintes, sendo incoerente interpretá-los de forma restrita. Assim, também, tratamos as imunidades, no qual pessoas e fatos que integram esse patamar não devem ser passiveis de alterações por nenhuma norma jurídica. Porém, a respeito da imunidade de imposto sobre a renda descrita no artigo 153, III, §2º da Constituição Federal, o STF declarou constitucional a sua revogação pela Emenda Constitucional nº 20/98, alegando que tal norma não se consagrava como direito fundamental, sendo assim, sua supressão do texto constitucional não romperia uma ordem constitucional vigente. Pode-se dizer que entendimentos como esse levam insegurança aos cidadãos contribuintes quanto ao Estado diante da flexibilização e interpretações restritivas dos direitos fundamentais. 3 – O PROBLEMA DA FLEXIBILIZAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O problema em questão se demonstra, podem os poderes reformadores através das Emendas Constitucionais ampliarem ou criar tributos, partindo-se do pressuposto que os princípios e as imunidades estão no rol de cláusulas pétreas, pois se trata de direito fundamental? Pois bem. Entende-se que é possível a Emenda Constitucional sem prejuízos as garantias que altere a competência tributária, desde que não ultrapasse os limites do constituinte originário. De acordo com o artigo 154, I, da Carta Magna, para instituição de um novo tributo deve-se observar a não cumulatividade e a impossibilidade de concomitância com fato gerador ou base de cálculo próprios dos já discriminados na Constituição. Ademais, é necessário observar se a transferência de competência tributária resultaria a perda de autonomia de algum ente tributário, que nesse caso, daria ensejo a uma inconstitucionalidade. Evidentemente que a reforma constitucional na legislação tributária é possível, contudo, se faz necessário sempre observar os preceitos que implicam na autonomia dos entes, e os princípios constitucionais tributários.      Enfatiza-se mais uma vez que, o Supremo Tribunal Federal (EC nº 32, de 11 de Setembro de 2001), já se manifestou a despeito desse assunto e se posiciona claramente adepto a criação de novos tributos através do poder reformador, não havendo necessidade de se ater aos requisitos destacados em questão. O Supremo Tribunal Federal entende que a Emenda Constitucional tem liberdade para criação de novas figuras tributárias, notadamente tornando o contribuinte instável frente ao Estado em relação aos tributos. Nesse passo, toda reforma que afete os limites constitucionais e o poder de tributar devem priorizar os direitos fundamentais, pois julgamentos e reformas atinentes a esse assunto geram a incerteza dos cidadãos a eficácia do próprio Direito. CONCLUSÃO O tributo é aquele que vincula o sujeito ativo a possibilidade de demandar de um sujeito passivo uma prestação de caráter econômico consequente de um fato ilícito. Esse tributo é o meio principal de recurso que o Estado possui para suprir os gastos públicos. O estudo dos tributos se convencionou no Direito Tributário, que tem sua base na lei maior sendo verdadeiramente um sistema constitucional tributário. É por meio do voto que os cidadãos dão consentimento para que os governantes trabalhem em prol dos interesses da coletividade, concretizando assim a chamada democracia. Sendo assim, os governantes possuem obrigações, dentre elas a de se subordinar as normas e principalmente àquelas que se referem a direitos fundamentais dos contribuintes e as cláusulas pétreas, direitos esses que não se modificam em nosso sistema jurídico. Os direitos fundamentais e por sua vez os direitos individuais são conquistas do povo, garantias que são imutáveis pelo poder reformador, sendo assim, tudo aquilo que ameaça ou desfavorece tais direitos deve ser observado. Sempre que reformas no campo da legislação tributária forem ensejadas, se faz necessária uma análise das questões suscetíveis de alteração, levando-se em conta os limites do poder constituinte. Alguns entendimentos sobre vedações das reformas são tratadas sobre a ampliação de tributos em discordância com as regras de competência residual; a transferência de competência tributaria que compreenda a perda de autonomia de qualquer pessoa política; revogação ou restrição à imunidade de qualquer espécie; invasão de competência de outro ente político; redução de abrangência dos princípios constitucionais. No entanto, o STF (EC nº 32, de 11 de Setembro de 2001) se manifestou favorável em se tratando das Emendas Constitucionais não se atendo as regras mencionadas no presente texto. Sendo assim, se torna inegável a preocupação em face da insegurança do cidadão sobre o pagamento e a cobrança dos tributos. Concluímos que, a despeito de tributos não há que se falar em flexibilizar normas constitucionais, principalmente em se tratando de cláusulas pétreas que afetem os direitos fundamentais do contribuinte. Os tributos devem ser cobrados conforme e dentro dos limites já estabelecidos em nosso ordenamento jurídico através da lei maior que é a Constituição.
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A incidência de ICMS sobre os serviços de cessão de capacidade satelital
Por meio do presente trabalho, busca-se analisar a incidência do ICMS sobre a cessão de capacidade espacial de satélite. Para tanto, discute-se se essa operação caracteriza-se como locação ou serviço de comunicação.
Direito Tributário
Introdução       A incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS sobre os serviços de comunicação constitui, há algum tempo, tema recorrente nos Tribunais. Questões envolvendo provedor de internet e habilitação de telefone celular, por exemplo, já foram inclusive objeto de enunciados sumulares do Superior Tribunal de Justiça – STJ.[1] [2]
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-incidencia-de-icms-sobre-os-servicos-de-cessao-de-capacidade-satelital/
A incidência de ICMS sobre os serviços de cessão de capacidade satelital
Por meio do presente trabalho, busca-se analisar a incidência do ICMS sobre a cessão de capacidade espacial de satélite. Para tanto, discute-se se essa operação caracteriza-se como locação ou serviço de comunicação.
Direito Tributário
Introdução       A incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS sobre os serviços de comunicação constitui, há algum tempo, tema recorrente nos Tribunais. Questões envolvendo provedor de internet e habilitação de telefone celular, por exemplo, já foram inclusive objeto de enunciados sumulares do Superior Tribunal de Justiça – STJ.[1] [2]
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Dos direitos fundamentais do contribuinte: o princípio da anterioridade tributária
O artigo em epígrafe possui o fito esmiuçar o tema em questão, assim, facilitando a compressão do Principio da Anterioridade Tributária como um dos Direitos Fundamentais dos Contribuintes. Dessa forma, orientações doutrinárias e entendimentos jurisprudenciais fomentam a discussão central em torno da possibilidade da limitação decorrente do principio da anterioridade, por configurar clausula pétrea da Constituição da Republica, não poder ser editada por emenda constitucional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O princípio da anterioridade tributária, expresso no art. 150, III, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal, surge como um postulado tipicamente tributário, assim, os efeitos emergem para o viés da tributação, nas esferas federal, municipal, ou distrital. Nesse liame, a magnitude e importância do principio da Anterioridade Tributaria configura Direito Fundamental do contribuinte, equiparados àqueles instituídos na Carta Magna brasileira. Igualmente, essa inclusão constitucional fundamentalista, além de prover segurança jurídica e fatídica, abre um leque de discursão quanto à possibilidade de classificação desse princípio em clausula pétrea. Nesse diapasão, doutrinadores, bem como os entendimentos jurisprudenciais compreendem a norma tributária, respeitando os limites das garantias individuais do contribuinte. 1 – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE     COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO CONTRIBUINTE Inicialmente, ressalta-se conforme entendimento do autor Celso Antônio Bandeira de Melo, no tocante a princípios, que por sua vez, considera principio “por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exta compreensão e inteligência.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 2003, pg. 32-33). Assim, conforme orientações do doutrinador Sabbag o “Principio da Anterioridade é inequívoca garantia individual do contribuinte, implicando que sua violação produzirá irremissível vício de inconstitucionalidade”. (Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, 2011, pg. 90).  Nesse contexto, em cumprimento com o disposto no art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal, temos: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – cobrar tributos: (…) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a alei que os instituiu ou aumentou, observando o disposto na alínea “b”;” (Brasil, Constituição Federal, 1988, 150, inciso III, alíneas “b” e “c”). Nota-se, que o princípio da anterioridade, supracitado no texto constitucional, vislumbra o estabelecimento de um período mínimo entre o tempo de publicação e força vinculante da lei, que venha instituir ou majorar um tributo no exercício financeiro de incidência. Em uma de suas obras tributaristas, o doutrinador AMARO, conceitua “Exercício Financeiro como o período de tempo para o qual a lei orçamentaria aprova a receita e a despesa pública”. (Luciano Amaro, Direito Tributário Brasileiro, 2011, pg. 143). Assim, a autor Anis Kfouri Jr. afirma que, enquanto pela irretroatividade os tributos não podem atingir os fatos passados, na anterioridade a lei deve conceder um tempo futuro (alguns dias ou meses após a publicação da lei), para que o contribuinte possa se adaptar as mudanças ou ao aumento do imposto. ( Anis Kfouri Jr., Curso de Direito Tributário, 2012, pg. 173). Entrementes, se esta lei prover benefícios ao contribuinte, afastado estará o principio da anterioridade, pois este disposto principiologico dá-se em favor do contribuinte, e nunca em seu detrimento. 2 – INCLUSÃO EM CLAUSULA PÉTREA A possibilidade de inclusão do Principio da Anterioridade em Clausula Pétrea já fora objeto de discursão no Supremo Tribunal Federal (STF), quando se posicionou ao analisar o art. 2°, § 3°, da Emenda Constitucional n. 3, de 17-03-1993, que afastara o principio da anterioridade tributária anual do IPMF, entendo o STF que tal medida seria uma “violação à garantia individual do contribuinte”. (STF, ADI n. 939-7, rel. Min. Sydney Sanches, j. 15-12-1993). Desse modo, nota-se que para o STF o principio em questão é de suma importância para o mantimento da ordem tributário, classificando-o como um direito fundamental do contribuinte. Nesse liame, conforme dispostos constitucionais, o rol de direitos fundamentais não é dotado de taxatividade, podendo ao logo do tempo, serem incluídos novos direitos que fomentam a realidade social. Assim, conclui o doutrinador SABBAG que, mostrando-se tal postulado como “direito e garantia individual”, afastada está qualquer tentativa de emenda constitucional tendente a estiolar este núcleo imodificável do texto constitucional. (Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, 2011, pg. 91). 3 – ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS Nesse liame, introduziremos entendimentos jurisprudenciais que evidenciam todo o exposto no corpo do texto, vejamos: Proferiu, conforme informado no tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal: “A Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, b e VI’, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da anterioridade, que é garantia ‘individual do contribuinte’ (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV e art. 150, III, b da Constituição).” (STF, ADI n. 939-7, Rel. Min. Sydney Sanches; Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 01/09/2014). Dessa forma, o STF entendeu que o dispositivo da emenda e a lei, supracitadas, estavam sucumbindo o principio da Anterioridade Tributária. Assim, em seu Voto Ministro Celso de Mello afirma: “O princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes. Não desconheço que se cuida, como qualquer outro direito, de prerrogativa de caráter meramente relativo, posto que as normas constitucionais originárias já contemplam hipóteses que lhe excepcionam a atuação. Note-se, porém, que as derrogações a este postulado emanaram de preceitos editados por órgão exercente de funções constituintes primárias: a Assembléia Nacional Constituinte. As exceções a este princípio foram estabelecidas, portanto, pelo próprio poder constituinte originário, que não sofre, em função da própria natureza dessa magna prerrogativa estatal, as limitações materiais e tampouco as restrições jurídicas impostas ao poder reformador. Não posso ignorar, de qualquer modo, que o princípio da anterioridade das leis tributária reflete, em seus aspectos essências, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes. O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos, introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações sempre tão estruturalmente desiguais entre as pessoas e o Poder. Não posso desconhecer especialmente neste momento em que se aplica o espaço do dissenso e se intensificam, em função de uma norma tão claramente hostil a valores constitucionais básicos, as relações de antagonismo entre o Fisco e os indivíduos, que os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete, quaisquer que sejam os contribuintes, à imperatividade de suas restrições. A reconhecer-se com legítimo o procedimento da União Federal de ampliar a cada vez, pelo exercício concreto do poder de reforma da Carta Política, as hipóteses derrogatórias dessa fundamental garantia tributária, chegar-se-á, em algum momento, ao ponto de nulificá-la inteiramente, suprimindo, por completo, essa importante conquista jurídica que integra como um dos seus elementos mais relevantes, o próprio estatuto constitucional dos contribuintes.” (STF, ADI n. 939-7, Rel. Min. Sydney Sanches; Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 01/09/2014.). Por fim, é valida a transcrição do seguinte entendimento: “O princípio da anterioridade da lei tributária – imune, até mesmo, ao próprio poder de reforma constitucional titularizado pelo Congresso Nacional (RTJ 151/755-756) – representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados ao universo dos contribuintes pela Carta da República, além de traduzir, na concreção do seu alcance, uma expressiva limitação ao poder impositivo do Estado. Por tal motivo, não constitui demasia insistir na asserção de que o princípio da anterioridade das leis tributárias – que se aplica, por inteiro, ao IPTU (RT 278/556) – reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes.” (STF, ADI n. 939-7, Rel. Min. Sydney Sanches; Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 01/09/2014. 4 – CONCLUSÃO As os direitos e garantias legais confeccionadas para o mantimento das relações tributaristas, em suma a preservação e pleno exercício do Principio da Anterioridade Tributária, evoluiu, assim, reconhecido como um dos direitos fundamentais dos contribuintes. Em ato contínuo, os entendimentos jurisprudenciais coadunam com todo o enunciado do texto. Ademais, o Supremo Tribunal Federal – STF reconheceu as necessidades sociais que emergiram ao longo do tempo, portanto, não podendo ser rechaçadas. A esse propósito, discorre Alexandre de Moraes, para quem “os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2008, Pg. 121). Destarte, conclui-se que os limites oriundos do principio da Anterioridade, por configurar clausula pétrea da Constituição da Republica, não pode ser modificada por emenda constitucional.
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Imunidade tributária e locação de imóveis
O presente artigo pretende analisar o imposto sobre propriedade territorial urbana (IPTU), diante de imóveis de propriedade de Autarquias Federais. Portanto, o foco principal é a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, ‘a’, §2º, da Constituição Federal. A imunidade de impostos prevista no texto magno alcança os bens de Autarquias Federais. Mas, se os referidos bens estiverem locados para terceiros, há a incidência de IPTU (imposto municipal)? Para responder à pergunta, foco principal do artigo, foram abordados os principais aspectos relativos ao IPTU e à imunidade tributária. Por fim, fora abordada a questão da finalidade do imóvel e sua influência na imunidade de impostos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo pretende abordar uma relevante questão na prática dos operadores do direito, especialmente daqueles afetos ao direito tributário. A questão, apesar de não ser nova, ainda é atual e relevante. Trata-se da análise do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU), mais especificamente, a possibilidade de incidência do tributo sobre propriedades imobiliárias de Autarquias Federais, quando referidos imóveis estiverem locados a terceiros. Como deve ser interpretada a imunidade prevista no artigo 150 da Constituição Federal? A finalidade do imóvel é relevante para fins de incidência do IPTU? São essas as questões que pretendemos responder. Note-se que o tema proposto toma relevância quando se percebe que a Administração Municipal (competente para instituição do IPTU), muitas vezes, possui entendimento diverso dos Tribunais. Para obter as respostas às questões propostas, foi feita uma abordagem, ainda que de forma sumária, sobre os principais aspectos do IPTU. O arquétipo constitucional do tributo, além de não ter sido esquecido, foi o ponto de partida de toda a explanação. A imunidade tributária, especialmente a chamada ‘imunidade recíproca’ também foi objeto de estudo. Note-se, por fim, que a questão é de extrema importância para a Administração Pública, na medida em que eventual incidência de IPTU sobre os imóveis locados a terceiros pode impactar no orçamento da entidade e na viabilidade do contrato firmado com o particular. 1  DA AUTARQUIA FEDERAL Antes de abordar os conceitos de direito constitucional envolvidos no tema em debate, é importante fixar o conceito de Autarquia Federal. Isso porque, conforme se verifica da introdução do presente, o foco principal é a possível incidência de IPTU sobre imóvel de propriedade de Autarquia Federal, quando locado a terceiro. Assim, para deslinde da questão, é imprescindível a elucidação do conceito de Autarquia Federal. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Há certo consenso entre os autores ao apontarem as características das autarquias: 1. Criação por lei; 2. Personalidade jurídica pública; 3. Capacidade de autoadministração; 4) especialização dos fins ou atividades; 5) sujeição a controle ou tutela. […] Com esses dados, pode-se conceituar a autarquia como a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de autoadministração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”[1]. Diogenes Gasparini, ao tratar do tema, faz uma ressalva importante sobre o conceito de Autarquia: “As autarquias são detentoras, em nome próprio, de direitos e obrigações, poderes e deveres, prerrogativas e responsabilidades. Ademais, em razão de sua personalidade, as atividades que lhe são trespassadas, os fins e interesses que perseguem são próprios, assim como são próprios os bens que possuem e venham a possuir”[2]. O conceito de Autarquia revela que o referido ente é autônomo em relação aos entes federados dos quais se originam. Ou seja, as Autarquias são pessoas jurídicas públicas autônomas. Vale dizer, há autonomia, inclusive no que tange à titularidade de bens e direitos, entre as Autarquias Federais e a União Federal. A referida característica (autonomia) é fundamental para o deslinde do tema proposto. 2 DO IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA A Constituição estabelece a competência dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU): Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: “I – propriedade predial e territorial urbana; […] § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)” A Constituição Federal estabeleceu o âmbito de incidência do IPTU. Determinou, dentre outros aspectos, que o critério material da hipótese de incidência será a propriedade predial e territorial urbana. Como a Constituição não cria tributos, cabe ao ente federado competente a tarefa de, respeitando o arquétipo constitucional, definir os itens da norma matriz de incidência (instituir, em abstrato, o tributo). É preciso, portanto, analisar a expressão propriedade predial e territorial urbana para compreender quais os fatos que podem ser eleitos pelo legislador ordinário para legitimar a imposição tributária. O primeiro objeto de análise é o termo propriedade. Maria Helena Diniz afirma que propriedade é “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de uma coisa corpórea ou incorpórea, bem como de reivindicar de quem injustamente a detenha”[3]. Ao tratar do direito de propriedade, Carlos Roberto Gonçalves afirma que “pode ser definido como o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos […] é aquele que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou certos respeitos, e a segue em poder de quem quer que a detenha”[4]. Pode-se afirmar que a propriedade é o direito que determinado sujeito possui de, segundo a legislação vigente, usar e dispor da coisa, opondo-se a todos os demais. É preciso, ainda, definir os limites da expressão predial e territorial urbana. Isto é, diferenciar a propriedade urbana da propriedade rural, de modo a fixar os exatos contornos do critério material da regra matriz de incidência do IPTU. O Código Tributário Nacional (CTN) que, com fundamento no artigo 146 da Constituição, foi recepcionado como a Lei Complementar destinada a estabelecer normas gerais em matéria tributária, veicula os seguintes preceitos sobre a incidência do IPTU: “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.” Segundo referido diploma, a propriedade urbana será caracterizada diante de, no mínimo, dois dos elementos indicados no §1 do art. 32 do CTN. Há, ainda, uma equiparação legal contida no §2º do art. 32 do CTN. Pode-se afirmar, portanto, que o CTN estabeleceu que o território urbano é aquele localizado na zona urbana (critério topográfico), sendo certo que será considerada zona urbana a área com, pelo menos, duas melhorias públicas indicadas no art. 32. Mas a análise do CTN não basta para a solução da questão. O Decreto-lei 57/66 modificou a sistemática eleita pelo CTN e passou a utilizar a destinação (utilização) como critério definidor da natureza urbana ou rural do terreno: “Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.” A conclusão é que referido Decreto-lei ainda permanece em vigor. O art. 12 da Lei 5.868/1972, que revogava o art. 15 do Decreto-lei 57/66, foi julgado inconstitucional pelo STF (RE 140.773/SP) e o Senado Federal elaborou a Resolução 9/2005, concedendo efeitos erga omnes à referida decisão. Portanto, o art. 15 do Decreto-lei 57/66 deve ser considerado como norma vigente. Esta conclusão parece ter sido acolhida de forma dominante, conforme se verifica do julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido com fundamento no art. 543-C do CPC: “TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. 1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966). 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. Indexação”[5]. Assim, além do critério topográfico eleito pelo CTN, é preciso indagar a destinação do imóvel, uma vez que, se o imóvel localizado em área urbana for utilizado para exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, não haverá incidência do IPTU, mas sim do Imposto Territorial Rural (ITR). Sem prejuízo da explanação sobre a vigência do Decreto-lei 57/66, é importante citar os argumentos em sentido contrário. Hugo de Brito Machado, ao tratar do tema, afirma: “não ser legítima a alteração feita pelo Decreto-lei n. 57, de 18.11.1966, e pela Lei n. 5868, de 12.12.72, que modificou o mencionado decreto-lei. Em se tratando de disciplinar conflito de competência tributária, o instrumento hábil é a lei complementar. Já na vigência da Constituição anterior era assim, por força de seu art. 18, §1, e continua sendo assim atualmente, por força do estipulado no art. 146, inciso I, da Constituição Federal de 1988”[6]. O STJ, em novembro de 2000, também já se posicionou pela impossibilidade de modificação do CTN pelo Decreto-lei 57/66: “TRIBUTÁRIO. IPTU. CARACTERIZAÇÃO DO IMÓVEL. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO. D.L. 57/66. PREVALECIMENTO DO CTN COMO LEI COMPLEMENTAR. PRECEDENTE DO STF. 1. Consoante fixado pela Excelsa Corte, o Código Tributário Nacional é Lei Complementar que não pode ser alterado por Decreto-lei. Assim, para efeito da incidência do IPTU o que importa é a localização do imóvel, como previsto no artigo 32, §1, do CTN e não sua destinação. 2. Recurso especial conhecido, porém, improvido.” (STJ. Resp. 169924. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. Segunda Turma. DJE 04/06/2001). Contudo, como já dito, prevalece a vigência do Decreto-lei 57/66 para fixação do limite da incidência do IPTU. Pois bem, definido o critério material da hipótese de incidência, será necessário analisar a imunidade tributária e seus efeitos sobre a regra matriz de incidência. 3  DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA O estudo do direito tributário revela diversas definições de imunidade tributária. Paulo de Barros Carvalho traz definição precisa: “A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno, para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”[7]. Ou seja, conforme afirmou Aliomar Baleeiro é "como uma exclusão da competência de tributar, proveniente da Constituição"[8]. Importante destacar a lição de Hugo de Brito Machado que, ao definir imunidade tributária, discute se a imunidade pode ser considerada limitação ao poder de tributar, ou se trata de norma estrutural, que apenas define os limites da própria competência tributária: “Imunidade é o obstáculo decorrente de regra de Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência tributária. Há quem afirme, é certo, que a imunidade não é uma limitação da competência tributária porque não é posterior à outorga desta. Se toda atribuição de competência importa uma limitação, e se a regra que imuniza participa da demarcação da competência tributária, resulta evidente que a imunidade é uma limitação dessa competência. O importante é notar que a regra de imunidade estabelece exceção. A Constituição define o âmbito do tributo, vale dizer, o campo dentro do qual pode o legislador definir a hipótese de incidência da regra de tributação. A regra de imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna imune. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho constitucional do âmbito do tributo, da mesma forma que opera a regra de isenção relativamente à definição da hipótese de incidência tributária”[9]. Pode-se afirmar, portanto, que imunidade é a norma constitucional que, ao estabelecer a incompetência tributária do ente federado sobre determinadas situações, fixa os limites da competência tributária. Entende-se que a norma que veicula imunidade não limita o poder de tributar. Afinal, por se tratar de disposição da própria Constituição, referida norma apenas define o contorno (ou limite da competência tributária). Afinal, se a norma de imunidade é um dos elementos que define a competência tributária, não pode, ao mesmo tempo, limitá-la. Contudo, tendo em vista que eventual classificação da imunidade como limitação do poder de tributar não influenciará a conclusão do presente estudo, a natureza jurídica da imunidade tributária não será objeto de análise mais aprofundada. O estudo da imunidade e das normas de competência permite concluir, ainda, que a Constituição não cria tributos. A Constituição apenas fixa a competência legislativa para criação do tributo por cada ente federado. Mas é preciso atentar que a imunidade não é um fim. A finalidade da imunidade é positivar garantias ao contribuinte. Pretende garantir que as limitações impostas pelo Constituinte originário não sejam alteradas pelo próprio ente que institui o tributo. Neste sentido, manifestou-se o Ministro Celso de Mello nos autos do RE nº 253.747-1: “Não se pode desconhecer, dentro desse contexto, que as imunidades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetividade e a atribuir concreção a determinados direitos e garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições. […] O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.” No mesmo sentido, é a lição de Ives Gandra da Silva Martins: “A imunidade, portanto, descortina fenômeno de natureza constitucional que retira do poder tributante o direito de tributar, sendo, pois, instrumento de política nacional que transcende os limites fenomênicos da tributação ordinária. Nas demais hipóteses desonerativas, sua formulação decorre de mera política tributária do poder público, utilizando-se de mecanismos ofertados pelo Direito. Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a retirar, do campo de tributação, pessoas, situação, fatos considerados de relevo, enquanto nas demais formas desonerativas há apenas a veiculação de uma política transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder Público em sua esfera de atuação”[10]. Há mais. Para a plena compreensão do tema, é preciso verificar as diversas espécies de imunidade. As imunidades dividem-se em subjetivas, objetivas ou mistas, conforme digam respeito a pessoas, coisas, ou ambas. As imunidades subjetivas são as que alcançam as pessoas, em função de sua natureza jurídica. Cite-se o artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal, que se refere ao patrimônio, renda ou serviços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Já as imunidades objetivas são aquelas conferidas em função de determinados fatos, bens ou situações, e não pelas características específicas das pessoas beneficiadas, ou pelas atividades que desenvolvem. É a imunidade aos “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. A terceira categoria é a das imunidades mistas. Tais imunidades são revestidas tanto do aspecto objetivo, porque conferidas em função de uma realidade de fato, quanto do aspecto subjetivo, uma vez que abrangem o patrimônio, a renda e os serviços de pessoas, na sua parcela que esteja ligada a tais realidades de fato. Note-se que o texto constitucional é expresso ao afirmar que a imunidade refere-se aos impostos e não outras espécies de tributos[11]. É importante destacar, ainda, que o §2º do artigo 150 da Constituição Federal determina que: A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. A primeira conclusão relevante para o presente estudo é que as Autarquias Federais ostentam imunidade tributária sobre o patrimônio, a renda e os serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Diferentemente do artigo 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal, as Autarquias Federais somente ostentam imunidade se o patrimônio, renda e serviços estiverem relacionados às finalidades essenciais (ou delas decorrentes). 4 DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS IMÓVEIS DAS AUTARQUIAS FEDERAIS LOCADOS A TERCEIROS No presente item, será estudada a questão principal proposta: há imunidade de IPTU sobre imóvel de propriedade de Autarquia Federal, quando locado para terceiros? Conforme artigo 150 da Constituição Federal, as Autarquias Federais somente ostentam imunidade se o patrimônio, renda e serviços estiverem relacionados às finalidades essenciais (ou delas decorrentes). A leitura do texto constitucional poderia implicar a conclusão de que, uma vez locado a terceiros, não seria possível falar em imunidade de IPTU. Afinal, se o imóvel está sendo utilizado por terceiros, seria evidente que não estaria direcionado à atividade-fim da Autarquia. Logo, se o imóvel não está destinado à atividade-fim, não há que se falar na imunidade do art. 150, VI, ‘a’, §2º, da Constituição Federal. Contudo, diante de uma interpretação sistemática da Constituição, essa não parece ser a melhor conclusão. O Supremo Tribunal Federal, em casos análogos, reconheceu a imunidade quando os valores obtidos em decorrência de locação ou outra fonte de receita são aplicados na atividade-fim. Vale dizer, apesar do imóvel não estar diretamente aplicado na atividade essencial da entidade, a imunidade deve ser mantida, quando a renda gerada pelo imóvel é aplicada. A premissa adotada pelo STF é que, além da aplicação direta do imóvel na atividade-fim, a imunidade também incide quando a renda é aplicada. Ou seja, quando, indiretamente, o imóvel é aplicado na atividade-fim. Na sessão de julgamento de 21/05/2008, o plenário do STF decidiu o RE 578562 (envolvendo a questão da imunidade de templo de qualquer culto), no qual foi Relator o Ministro Eros Roberto Grau (recurso já transitado em julgado). No caso, a Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico, obteve ordem judicial reconhecendo que o IPTU não poderia incidir sobre o terreno no qual foi construído um cemitério. A questão que se colocava é: o cemitério, anexo ao templo, ostenta a imunidade deferida aos templos de qualquer culto? O Relator, Ministro Eros Grau, deu início ao voto resumindo os argumentos utilizados pela recorrente: “A recorrente diz que desde o início do século XIX está situado na Ladeira da Barra, em Salvador, imóvel onde existe uma Capela destinada ao culto da religião anglicana e um cemitério – Cemitério Britânico – no qual há aproximadamente quinhentos túmulos. […] A recorrente, entidade filantrópica sem fins lucrativos, é titular do domínio útil do imóvel, preservando a Capela, o Cemitério Britânico e jazigos, bem assim o culto da religião anglicana professada nas suas instalações. Embora aqui se trate de questão de direito, ela é conformada pelas circunstâncias do caso, a situação a que respeita este recurso. Esta Corte procede, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, inicialmente à interpretação de textos normativos e da realidade, desde então produzindo normas jurídicas gerais, posteriormente cogita da aplicação dessas normas jurídicas gerais ao caso, definindo, então, a norma de decisão do caso. O modo sob o qual os acontecimentos que compõem o caso se apresentam pesará de maneira incisiva na produção das normas a ele aplicáveis e, em seguida, na definição da norma de decisão. Essas observações são relevantes porque diversa da que se há de aplicar aos cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso é a norma de decisão que calha a situações nas quais empresas exploram a atividade de locação e/ou venda de jazigos. Vale dizer: no julgamento do presente recurso esta Corte não dirá, simplesmente, que cemitérios em geral estão abrangidos, ou não estão abrangidos, pela imunidade; diversamente, decidiremos se cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão, ou não estão, por ela alcançados. Pois é evidente que jazigos explorados comercialmente, por empresas dedicadas a esse negócio, não gozam da proteção constitucional de que se cuida. Ainda que a família e amigos próximos do ali enterrado possam cultuar a sua memória diante do jazigo. No caso se trata de situação diversa daquela a que nesse apartado voto faço alusão. […] No caso destes autos o cemitério é anexo à Capela na qual o culto da religião anglicana é praticado; trata-se do mesmo imóvel, parcela do patrimônio, da recorrente, abrangido pela garantia contemplada no artigo 150”. Verifica-se que o referido julgamento utiliza-se da premissa já fixada no RE 325822, que definiu que a imunidade não abrange apenas os prédios destinados ao culto, mas também o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas. O mesmo raciocínio deve ser utilizado no caso de imóveis das Autarquias, que estejam locados a terceiros. Isto é, a imunidade não abrange apenas os imóveis aplicados diretamente na atividade-fim, mas também o patrimônio, a renda e os serviços direcionados à realização da atividade-fim. Ao tratar da imunidade contida no artigo 150, VI, ‘c’ da Constituição Federal (“patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”), o STF editou súmula (Súmula 724) no seguinte sentido: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.” Note-se que, apesar de não tratar especificamente das Autarquias Federais, a premissa fixada na Súmula 724 do STF é inteiramente aplicável no caso em comento. Isso porque a finalidade do texto magno, nesse ponto, é idêntica. Vale dizer, o dispositivo que confere imunidade para as Autarquias possui a mesma finalidade da imunidade veiculada no art. 150, VI, "c", da Constituição. Logo, a conclusão da Súmula 724 do STF é inteiramente aplicável para as Autarquias Federais. O STF já acolheu o raciocínio aqui exposto, no RE 357824 AgR/MG – Rel. Min. Eros Grau, Julgado em 12/06/2007. Portanto, para o reconhecimento da imunidade, é importante que o dinheiro advindo da locação de imóveis seja destinado à atividade-fim da Autarquia Federal. No caso das Autarquias, a destinação da renda do aluguel à atividade-fim é presumida, pois agem sob os ditames da lei e eventuais desvios de finalidade devem ser provados. Ou seja, todo dinheiro obtido por uma Autarquia Federal deve ser aplicado na sua destinação constitucional, conforme orçamento. A destinação da renda de aluguel para sua finalidade essencial é presumida e decorre de imperativo legal. Na verdade é o desvio da utilização dos referidos recursos que deve ser provado. A jurisprudência do STJ ressalta a presunção quanto ao destino dos recursos derivados do patrimônio das Autarquias: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. PRESUNÇÃO DE QUE O IMÓVEL SE DESTINA AOS FINS INSTITUCIONAIS DA ENTIDADE AUTÁRQUICA. ÔNUS DA PROVA EM CONTRÁRIO. INCUMBÊNCIA DO PODER TRIBUTANTE. 1. Conforme a orientação jurisprudencial predominante no STJ, presume-se que o imóvel de entidade autárquica esteja afetado a destinação compatível com seus objetivos e finalidades institucionais. Portanto, o ônus de provar que o patrimônio da autarquia está desvinculado dos seus objetivos institucionais e, portanto, não abrangido pela imunidade tributária prevista no art. 150 da Constituição, recai sobre o poder público tributante. Com efeito, assim como cabe ao executado-embargante o ônus da prova de sua pretensão desconstitutiva, incumbe ao embargado, réu no processo de embargos à execução, a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (REsp 447.649/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 1º.3.2004, p. 125). Precedentes citados. 2. Agravo regimental não provido”[12]. Verifica-se que os imóveis pertencentes a Autarquias Federais, mesmo que locados a terceiros, ostentam imunidade tributária. Logo, não é possível a incidência de IPTU sobre referidos imóveis. Note-se, contudo, que é necessário provar que a renda auferida com a locação do imóvel é destinada à atividade-fim da entidade. No caso das Autarquias Federais, objeto do presente estudo, a destinação dos recursos para as finalidades institucionais é presumida. 5  CONCLUSÃO As Autarquias apresentam as seguintes características: criação por lei, personalidade jurídica pública, capacidade de autoadministração, especialização dos fins ou atividades e sujeição a controle ou tutela. Apesar da sujeição a controle ou tutela, é preciso reconhecer que a Autarquia é uma pessoa jurídica pública autônoma e titular de bens e direitos, dentre eles, bens imóveis. A Constituição Federal de 1988 estabelece as características principais do imposto sobre propriedade territorial urbana. Isto é, o texto magno veicula o arquétipo da regra matriz, sendo certo que essas características devem ser observadas pelo legislador quando da criação do tributo. Tendo como objeto o arquétipo constitucional do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, abordou-se os principais aspectos da regra matriz de incidência do tributo em questão. As imunidades dividem-se em subjetivas, objetivas ou mistas, conforme digam respeito a pessoas, coisas, ou ambas. As imunidades subjetivas são as que alcançam as pessoas, em função de sua natureza jurídica. Já as imunidades objetivas são aquelas conferidas em função de determinados fatos, bens ou situações, e não pelas características específicas das pessoas beneficiadas, ou pelas atividades que desenvolvem. O artigo 150, VI, ‘a’, §2º da Constituição Federal veicula a imunidade das Autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. A Constituição vincula a imunidade do patrimônio das Autarquias à destinação, vale dizer, condiciona a imunidade à aplicação do patrimônio na realização de sua finalidade institucional. O entendimento que prevalece no Supremo Tribunal Federal é que, nos termos da Súmula 724, os imóveis de propriedade de Autarquias Federais ostentam imunidade em relação ao IPTU, mesmo quando locados a terceiros. É presumido que o dinheiro obtido com a locação será destinado à realização da atividade-fim da Autarquia. Portanto, a imunidade em questão somente cede diante de prova inequívoca de que a renda advinda da locação de imóveis para terceiros não está sendo direcionada para a atividade-fim da Autarquia. Note-se que essa prova cabe ao ente que pretende afastar a imunidade. No caso em testilha, trata-se do Município, que possui competência tributária para instituir e cobrar o IPTU.
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O federalismo: conceito e características
Resumo: O trabalho tem como objetivo analisar o Sistema Federativo Brasileiro, tendo como foco central a faceta fiscal do Estado Federal.
Direito Tributário
1. Introdução O pacto federativo pode ser definido como a União dos entes federados dotados de autonomia e submetidos ao poder central soberano. Nesse sistema, os entes federados aliam-se em comum acordo para criar um governo central, que absorverá algumas prerrogativas que competiam às unidades constitutivas. Via de regra, as unidades subnacionais perdem atribuições para a política externa, defesa do país, à moeda, aos serviços de correios e telecomunicações, bem como as esferas do Direito Penal e Civil. (HOFFE, 2005, pag. 164). Portanto, os membros da Federação passam a se submeter a uma regra majoritária, instaurando, sobretudo, um Legislativo comum, um Judiciário federal comum e um Executivo federal.  O Federalismo é uma forma de organização de Estado em que os entes federados são dotados de autonomia administrativa, política, tributária e financeira necessárias para manter o equilíbrio que se estabelece entre eles para a constituição do Estado Federal (OLIVEIRA, apud ARRETCHE, MARTHA, 2005). Por tratar-se de um “acordo” entre os entes federados – pacto federativo -, há a implicação de reciprocidade e cooperação entre os envolvidos, governo central e governos subnacionais locais. Sobre o tema dispõe Soares: “O contrato federal significa o acordo entre as diversas comunidades territoriais para a formação de uma comunidade política mais ampla. Tal contrato só é possível se houver o interesse compartilhado de pertencer a uma comunidade mais ampla. O contrato significa: 1) que as comunidades transferem parte dos seus poderes para um centro político nacional, 2) que há consenso das partes envolvidas em torno das políticas que estabelecerão a comunidade política – o que significa delimitar o campo de ação de cada esfera de governo e (4) que há garantia constitucional e institucional de autonomia para cada ente federativo, o que significa autonomia para constituir seus governos” (SOARES, 1997, p.42) O equilíbrio federal tratado acima é estabelecido entre as esferas de poder – governo central e governos constituintes -, o que significa que nenhuma das esferas de poder da estrutura federal deve sobrepor-se à outra. Nesse sistema coexistem uma esfera Nacional, representando a União, enquanto ente federado, e outras esferas subnacionais descentralizadas, representando os estados-federados, cujo poder político é exercido de forma autônoma, respeitando os limites constitucionais estabelecidos em âmbito federal. É importante destacar que, essas duas esferas autônomas têm poderes únicos e concorrentes para governarem sobre o mesmo território e as mesmas pessoas. Dessa forma, o sistema federativo tem a capacidade de acomodar e reconciliar a competição e, algumas vezes, o conflito em torno de diversidades existentes entre os entes federados com relevância política dentro do Estado. Desse modo, garantir a manutenção do sistema federal é garantir a dupla autonomia das esferas territoriais de poder num sistema de pesos e contrapesos, estabelecendo um equilíbrio político-institucional (checks and balances) entre as forças políticas atuantes na sociedade. Essas forças políticas podem ser identificadas como forças centrífugas e centrípetas. As forças centrífugas defendem a existência de um Estado Unitário com amplos poderes. As forças centrípetas, por sua vez, respondem pela autonomia das subunidades federais freando as forças centrípetas. O Estado Federal busca, portanto, equilibrar essas forças que atuam em sentidos opostos. Na federação o Estado-Membro possui autonomia, entretanto, falta-lhe soberania e representação na ordem internacional, cabendo à União representar a nação enquanto totalidade.  Quanto ao regime político do Estado Federal, é importante ressaltar que há uma incompatibilidade entre o regime autoritário e o federalismo. O regime autoritário não respeita a pluralidade de interesses. Esse regime é marcado pela coerção que se dirige ao esmagamento de conflitos sociais e alto grau de centralização do poder. A formação de pactos federais, por sua vez, representa uma resposta democrática à esses conflitos, através de mecanismos institucionais que possibilitam o debate entre diversos grupos de interesses segundo um regime democrático. Nesse sentido Soares afirma que: “A federação é, portanto, a negação, no nível das relações territoriais de poder, do autoritarismo. É difícil imaginar, e a história ratifica isto, que um regime autoritário possa conviver com este "desvio" democrático. Assim, todo regime político autoritário redunda numa estrutura unitária de organização do Estado, visto que estes regimes se caracterizam por um alto grau de centralização do poder, que envolve também a dimensão territorial. (…) O que estamos defendendo é que a natureza do regime autoritário é incompatível com o sistema federal”. (SOARES, 1997, p.40) Sendo a democracia um regime que busca dar expressão à pluralidade de grupos de interesses através da participação política e apresenta um aparato constitucional e institucional que estabelece as regras legítimas para expressão desses interesses, a federação é a resposta democrática para a existência de diversos entes federados marcados por pluralidades territoriais e interesses diversos, sem o uso da coerção física (SOARES, 1997).  Assim, no regime atual, o Estado Democrático de Direito, há garantias constitucionais e institucionais de manutenção do pacto federativo, estabelecendo um sistema de pesos e contrapesos que sustentam tanto a autonomia do centro político como a autonomia dos demais entes federados.  Segundo Soares (1997), para a criação do sistema federal, é essencial a formulação de uma Constituição responsável pela garantia de certa autonomia às comunidades territoriais e delimitação do exercício do poder. E, como tal, é fundamental para esse sistema, uma vez que incorpora as regras que dizem respeito às relações territoriais de poder: distribuições de competências administrativas e de recursos fiscais, instituições federais, representação federal, relações intergovernamentais e etc. Segundo Elazar (1994, p.12) esse documento (CR/88) corporifica regras fundamentais e a repartição interna de poderes estabelecidas no pacto federativo firmado e fornece às partes envolvidas um entendimento comum sobre o sistema Federal adotado. É ela que delimita a atuação e os espaços de poder entre os dois governos no mesmo território, buscando eliminar a possibilidade de concorrência entre os entes federados para administração do mesmo territorio e evitar que os interesses locais ou regionais se sobreponham aos interesses nacionais. (FREIRE, 2007). Em outras palavras, o auto-governo, a autonomia e a capacidade de auto-organização garantida aos entes federados devem respeitar os limites estabelecidos na Carta Política. Pode-se concluir que, são pressupostos do federalismo: existência de uma Constituição Federal; igualdade entre os entes federados; repartição, pelo texto Constitucional, de competências (federais, estaduais e municipais); existência de um poder fiscalizador do cumprimento da Constituição; garantia da integridade dos entes, -que tem sua autonomia assegurada através da descentralização política e repartição de competências -; impossibilidade de usurpação de competências locais, isto é, o legislador federal não está autorizado a legislar sobre matérias cuja competência seja estadual e vice-versa; e, por fim, tem-se o princípio da cooperação, que deriva do pacto firmado entre os entes. 2. O Federalismo Brasileiro – Origem O processo de formação da federação Brasileira não se assemelha ao processo que impulsionou a constituição da federação norte-americana. A origem do federalismo nos EUA em 1787 foi motivada por intenções expansionistas, ameaças, por defesa militar ou diplomacia. As treze colônias inglesas que constituíram os EUA, dotadas de autonomia no período colonial (forte identidade territorial), com o objetivo de se livrarem do domínio colonial inglês, se uniram no processo de independência, culminando no surgimento da Confederação das 13 colônias da América em 1778 (ARRECTCHE, 2001). Contudo, com o fim da guerra, cada colônia foi transformada em república independente. Porém, a fragilidade de cada república frente às ameaças externas, interesse econômicos, e a rivalidades entre as 13 novas repúblicas viabilizou a União e a formação da federação norte-americana.  Segundo Arrecthe (2001, p. 25), nesse sistema, os governos locais fazem concessões ao poder central a fim de aumentar sua capacidade militar ou diplomática, estabelecendo um pacto constitucional entre os estados autônomos. Soares afirma que: “O que temos então neste período que vai de 1778 a 1787 é o confronto das forças centrípetas – cujos principais interesses eram: 1) fortalecimento militar através da união contra ameaças externas, 2) interesses econômicos num mercado amplo e 3) a pacificação entre as 13 colônias independentes – com as forças centrífugas, cujo interesse primordial era a manutenção do status quo das ex-colônias, o que em linhas gerais significa a manutenção daquele aparato regional (legislação, identidade, estrutura de poder etc.) que só a autonomia poderia propiciar”. (SOARES, 1997, p. 18) No caso brasileiro, por sua vez, a federação nasceu da determinação do governo central, como resposta aos anseios das elites regionais que se sentiam tolhidas pelo centralismo monárquico. Entretanto, a despeito dessas diferenças, reproduziu-se parte da estrutura institucional do modelo adotado pelos EUA, uma formação implantada de cima para baixo – determinação do governo central –, com similar estrutura institucional: estados dotados de poderes Executivo, Legislativo e Judiciário próprios; representantes eleitos pelo voto; Constituições estaduais e etc. (FREIRE, 2007). 2.1 Perspectiva Histórica do Federalismo Brasileiro.  A caracterização do Estado Federal esta intimamente ligada à formação histórica do sistema no país. No caso brasileiro, o federalismo como forma de Estado, foi criado em 1891, após a proclamação da República, por um decreto que colocou fim ao Estado Unitário e centralizado e permitiu a criação dos Estados Federados. O período desde a Constituição de 1891 até a atual Constituição foi marcado por um ciclo que alternou fases de descentralização[1] e centralização do poder político, administrativo e fiscal. A organização do Estado em cada período dá ênfase maior ou menor à centralização, e daí resulta a estrutura organizacional do poder, revelando a forma de Estado adotada. Tal movimento pendular pode ser descrito através de uma análise histórica do Federalismo Brasileiro e pode ser explicado pelas variações de regime político. Nos anos compreendidos entre 1891 a 1929, as fortes influências do espírito liberal, ligadas às idéias de descentralização e autonomia dos entes federados foram acolhidas pela Constituição Republicana de 1891, iniciando esse ciclo de oscilações (REZENDE, 2001). Portanto, nos primeiros anos da República a Federação brasileira foi altamente descentralizada em termos políticos e fiscais. Nesse período, o governo central fraco era acompanhado por estados independentes fortes, com o poder de regular e tributar o comércio interno e externo. Alguns autores consideram que a "Federação" na Primeira República reforçou as hierarquias locais existentes, consolidando o poder das oligarquias. O poder político nacional estava concentrado em alguns poucos estados com destaque aos estados de Minas Gerais e São Paulo, levando a grande desigualdade e iniciando o processo de formação de coalizões de determinados estados contra outros estados. O aumento do poder das oligarquias locais desencadeou revoltas intensas, devido ao descontentamento das oligarquias marginalizadas e os conflitos entre as elites regionais dominantes em torno das eleições presidenciais de 1930, dando margem para o início do período autoritário da Era Vargas (Estado Novo). O período Vargas, apesar de manter formalmente o termo federativo, foi marcado por um processo altamente centralizador (redução de influências das oligarquias estaduais demonstram o movimento centralizador desse regime). Um ponto interessante a ser destacado em relação ao Estado Novo é que este eliminou a descentralização política, porém não reduziu, pelo contrário aumentou, a descentralização fiscal e administrativa (maior participação das esferas subnacionais nas receitas totais do governo). Nesse período, os estados passaram a representar na estrutura unitária de poder simples divisões administrativas (SOARES, 1997). A duração continuada do regime no período 1930-1945 provocou o renascimento de idéias liberais, que visavam à descentralização federal. Dessa forma, o Governo Vargas foi sucedido por nova descentralização no período democrático de 1946-1964 marcado pelo enfraquecimento do poder central e pela autonomia subnacional, que perdurou até a instalação do Regime Militar. Dentre as mudanças evidenciadas, destacam-se a elevação das receitas dos municípios, restabelecimento das eleições para governadores e deputados estaduais, instituição da autonomia dos municípios e o inicio da formulação de um sistema de transferências intergovernamentais. Nesse período observa-se a preocupação com a redistribuição de recursos para regiões desfavorecidas, buscando redução da desigualdade inter-regional chamado federalismo cooperativo (FREIRE, 2007). Segundo Freire: “Com o fim da ditadura do Estado Novo, a democracia e o populismo foram restabelecidos. Os partidos se organizam, constituindo o sistema multipartidário. Uma nova Constituição é promulgada em 1946, primando pela extensão dos direitos da cidadania, pela moralização do processo eleitoral, pelo restabelecimento das eleições para governadores e deputados estaduais e pela instituição da autonomia dos municípios, com a permissão de eleições diretas para os cargos eletivos dessa esfera”. (FREIRE, 2007, p.13) O processo de descentralização foi interrompido pelo golpe militar de 1964, que marca o inicio do período centralizador. A federação e democracia eram incompatíveis com o regime militar de 64 porque abria espaços para os adversários políticos do regime. Nesse período, ocorre a extinção dos partidos políticos (AI n º2), o fim da eleição popular para governadores (AI nº3). Além dessas mudanças, com o decreto AI-5 a autonomia fiscal dos entes federados foi reduzida, tornando-os dependentes das transferências provenientes da União. Durante esse período os poderes tributários do governo federal foram reforçados, ao mesmo tempo em que foi instituído um mecanismo de partilha da receita entre aqueles entes que possuíam base tributária estreita (REZENDE, 2001). Esses atos institucionalizaram o regime determinando a completa submissão dos governos subnacionais ao governo central. Ao longo dos anos 80, inicia-se o processo de abertura política “lento e gradual”. O afrouxamento do regime militar, as tendências ligadas à abertura política e as tensões entre o federalismo e autoritarismo foram enfraquecendo o poder central, resultando na redemocratização. Nesse período os movimentos no sentido da descentralização fiscal e do enfraquecimento do poder central eram evidentes pela forte elevação das transferências de impostos federais em favor dos governos subnacionais (REZENDE, 2001).  Nesse contexto, cabe ressaltar que a Reforma de 1977 favoreceu os estados mais pobres elevando o número de representantes no Senado e elevando as transferências federais para regiões desfavorecidas.  Essas tendências resultaram na redemocratização, tomando forma definitiva na nova Constituição de 1988. Nesse sentido “[…] a radical descentralização fiscal da Constituição de 1988 seria uma reação à centralização fiscal do regime militar.” (OLIVEIRA e outros, apud ARRETCHE, 2005, p. 71). 2.2 A Constituição da República de 1988 e a Federação Brasileira na atualidade. A República Federativa do Brasil, consoante ressalta o art. 1°, caput, da Constituição da República de 1988 (CR/88), constitui-se em um Estado Democrático de Direito, formado pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, qualifica-se, portanto, como um Estado Federal. Tanto é assim, que a CR/88 proíbe emendas nas seguintes matérias, a teor do art. 60, § 4º, verbis: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa de Estado; […]”. (BRASIL, 2008, p. 53) A Constituição da República de 1988 representa a culminância de um processo de abertura política. Esse processo restabeleceu a democracia e a organização federativa no Brasil. É através da adoção ao regime democrático, que prima pela convivência em uma sociedade livre, justa e solidária, que o Estado torna-se capaz de acolher e processar a pluralidade de interesses existentes na sociedade por meio da participação política. É importante destacar que, foi a Constituição da República de 1988 que conferiu ao município status de ente federado. Nesse período, foram definidas regras para repartição de receitas tributárias e fortalecida a capacidade de tributação própria dos entes federados, com os municípios sendo os grandes beneficiados (FREIRE, 2007). A respeito da repartição de receitas discorre Dain: “Entre 1988 e 1993 a receita de impostos disponível da União reduziu-se de 66% pra 58% da receita total. No mesmo período, permaneceu praticamente inalterada a participação dos estados na receita disponível (de 26% para 27%), contrastando com a elevação da receita própria e, sobretudo, das transferências da União e dos estados para os municípios, que resultaram em significativo aumento da disponibilidade de receita nessa esfera de governo (11% para 16%)”. (DAIN, 1995, p. 356) Com a Constituição Federal 1988, a Federação foi redesenhada em benefício dos Estados e Municípios, esta tratou de restabelecer as condições políticas e mesmo econômicas de autonomia das unidades federadas. As porcentagens de impostos federais que compõem o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) aumentaram consideravelmente. É importante destacar que, os critérios de distribuição de recursos fiscais e financeiros permitiu que regiões menos dinâmicas e pouco habitadas como os micro municípios disponham de receitas relativamente elevadas, enquanto os grandes municípios são contemplados com recursos insuficientes para atender à sua população (FREIRE, 2007). Tal situação incentivou o surgimento de um grande número de pequenos municípios. Essa descentralização implicou também na redistribuição de recursos às regiões mais pobres (nas duas ultimas décadas, houve movimentos claros no sentido de redistribuição de receitas). Consoante essas mudanças, a Constituição de 1988 deu novo impulso ao desequilíbrio da representação política ao elevar a participação dos parlamentares das regiões menos desenvolvidas em detrimento das mais desenvolvidas. A descentralização fiscal evidenciada deve ser tratada com maior atenção, pois possibilita uma análise dos aspectos de financiamento e gastos do governo em cada unidade subnacional. Nesse período, grande parte dos recursos fiscais foi redistribuída, contudo, as atribuições e encargos de cada esfera de governo não foram estabelecidas de maneira clara (SOUZA, 2006). Nesse sentido, alguns autores ressaltam que a Constituição de 1988 estabeleceu uma descentralização de receita, mas não ocorreu descentralização de encargos. Sobre o assunto assevera Soares: “Durante o regime militar houve um processo de centralização fiscal no qual a União, excluídas as transferências intergovernamentais, passou de uma participação líquida na receita total de 39,0% em 1965 para 50,5% em 1974.[2] A partir da década de 80, esse processo foi interrompido. Nesse período, estados e municípios passaram a pressionar por maiores recursos, houve uma descentralização significativa dos recursos fiscais da União sem uma correspondente descentralização das competências administrativas.” (SOARES, 1997, p. 123) Nesse sentido dispõe Oliveira citado por Arretche: “Assim embora tenha sido pensada para revitalizar a Federação, a descentralização de recursos a enfraqueceu, porque não foi acompanhada por uma distribuição também dos encargos entre os governos e de novos mecanismos de cooperação intergovernamentais, o que passou a condicionar a natureza de ajuste fiscal.” (ARRETCHE, 2005, p. 266) O autor Figueiredo (2006, p.192) ressalta que nesse período, as receitas foram atribuídas aos governos subnacionais antes de haver-se decidido sobre a descentralização de encargos e as competências funcionais de cada esfera de governo. Sobre o tema Rezende discorre: “A autonomia financeira pleiteada foi a autonomia para gastar, não a competência de instituir os tributos necessários ao financiamento do gasto” (REZENDE, 1995, p. 43). Dessa forma, é possível concluir que a reforma tributária promovida pela CR/88 redefiniu as competências tributárias, mas de fato o anseio dos governos subnacionais era quanto à autonomia para gastar, algo que depende da definição das responsabilidades e atribuições conferidas a cada ente. Ou seja, paralelo à descentralização fiscal, era para ter se estruturado um “projeto” de descentralização de encargos e responsabilidades para os entes federados, mas, este não ocorreu. O compartilhamento de receitas fiscais com os governos subnacionais, além de beneficiar as esferas estaduais e municipais, estrangulou o orçamento federal. Dado esse contexto de descentralização, a União passou a expandir cada vez mais sua receita através da instituição das contribuições sociais (competência do governo federal cuja receita não é compartilhada com os outros entes). As contribuições sociais surgem como mecanismo de financiamento dos direitos sociais, mas são utilizadas pela União como meio para cumprir suas responsabilidades (REZENDE, 1995). Ou seja, de mecanismos de financiamentos dos direitos sociais as contribuições sociais passam a representar a solução para o estrangulamento orçamentário da União provocado pela descentralização e aumento do repasse de receitas fiscais para os demais entes federados. O autor Rezende (2004) entende o sistema instituído pela Constituição Federal como um regime fiscal duplo, que abarca as tendências descentralizadoras e ao mesmo tempo abre espaço para a criação de contribuições sociais, centralizando recursos em poder da União. (REZENDE; AFONSO, 2002). Desse modo, a União manteve o gasto público federal em níveis elevados no período pós-88 para amenizar o impacto da reforma tributária, interrompendo a tendência à descentralização. Nesse período, a capacidade real dos governos de exercer plenamente sua autonomia fiscal sofreu restrições devido à pressão de ajustar a economia e estabilizar a moeda. Nesse sentido, foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo objetivo era garantir disciplina fiscal em todos os níveis do governo. Ou seja, a Constituição apontava para uma maior descentralização, contudo, as restrições orçamentárias afetavam a autonomia dos entes federados (REZENDE, 2001). Alem dessas medidas, a partir da segunda metade da década de 90, alterações na legislação tributária federal aumentaram a participação da União na divisão da arrecadação, privilegiando a cobrança de tributos não partilhados e reduzindo a autonomia dos Estados[3]. Mais recentemente, o Governo Central adotou medidas para ampliar ainda mais sua receita. Em 1994 foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), em caráter provisório, e foi sendo prorrogado ao longo dos anos. A criação desse fundo ocasionou cortes no repasse de recursos para os fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM)[4]. Atualmente, com a criação da Emenda Constitucional n.º 27 de 21.03.2000, o Fundo Social de Emergência foi substituído pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Nesse período também foi criado o CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mais um imposto federal, hoje extinto, aumentando a arrecadação nas mãos da União. Dada a concentração de recursos evidente, o mecanismo de cooperação – transferências intergovernamentais – próprio do modelo de descentralização de responsabilidades, ganhou importância dada a concentração da arrecadação de contribuições e da maior concentração de tributos nas mãos do governo federal evidenciado (Rezende, 2001). São as transferências intergovernamentais que possibilitam a correção desse desequilíbrio. Segundo Afonso (2001), os efeitos das mudanças centralizadoras, que podem ser identificadas no aumento da arrecadação das contribuições pelo governo federal, foram mais do que compensados pelas transferências, seja através de convênios voluntários ou sob a forma de repasses regulares.  Entretanto, para alguns autores, tal concentração de recursos nas mãos da União apresenta uma ameaça ao pacto federativo, vez que a disponibilidade de recursos é fator que representa o grau de autonomia financeira do ente federado –Estados e Municípios. Portanto, na conjuntura atual, o federalismo brasileiro, que fortaleceu a autonomia fiscal dos estados e municípios na década de 80 – descentralização -, passa a concentrar novamente os recursos tributários nas mãos da União.
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Estruturação da base de cálculo: valor aduaneiro e caso PIS/COFINS-importação
O presente artigo trata da estruturação da base de cálculo, utilizando-se como apoio o caso da inconstitucionalidade da inserção dos valores devidos a título de ICMS e das próprias contribuições na base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de bens. Para isso, inicia-se com a delimitação constitucional da competência tributária, aspectos da materialidade e base de cálculo. Em seguida, discorre-se sobre a estruturação da base de cálculo na importação de bens, da concepção do conceito de valor aduaneiro no âmbito do GATT e seu conceito constitucional, bem como expondo sobre a inconstitucionalidade. Ato contínuo, analisa-se brevemente o julgamento do RE nº 559.937/RS. Em desfecho, diante dos efeitos da decisão do STF, concluí-se pela relevância do precedente para que os contribuintes importadores restituam os valores imprescritos recolhidos a maior a título de PIS/COFINS-Importação.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Ante o cenário em que se encontrava a ordem jurídica pátria nos idos do ano de 2003, foi publicada a Emenda à Constituição nº 42, cujo conteúdo, a pretexto de uma reforma fiscal, ampliou a carga tributária nacional. Tal implicação defluiu dos reclamos do Poder Executivo federal e, sobretudo, de sua falta de gerência e contenção dos recursos públicos. Nesse contexto, o poder constituinte reformador outorgou à União a autorização constitucional para a criação de contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços, as quais foram instituídas por meio da Lei nº 10.865, de 1º de maio de 2004, fruto da conversão da Medida Provisória nº 164, em 29 de janeiro de 2004. Desde a criação das contribuições sociais supracitadas, fervorosos debates foram travados acerca de questões controvertidas nelas abarcadas. Dentre tais discussões, em especial, está a atinente ao vício contido no regramento de sua base de cálculo. Nesse passo, inicialmente o presente artigo se deterá na análise do arcabouço constitucional que atribuiu à União a competência tributária para a criação das contribuições sociais sobre a importação, bem como discorrerá sinteticamente acerca da materialidade e da base de cálculo da forma como previstas na legislação ordinária. Em seguida, engajando-se na problemática, discorrer-se-á acerca da teoria da estruturação da base de cálculo, explorando a compreensão da expressão “valor aduaneiro” no contexto do comércio internacional e da Constituição Federal. Por fim, abordar-se-á o julgamento do Recurso Extraordinário nº 559.937/RS, o qual concluiu por reconhecer a inconstitucionalidade da norma que instituiu a base de cálculo em questão, fato que fora corroborado pelo Poder Legislativo federal por meio da alteração trazida pela Lei nº 12.865/2013, que redefiniu a base de cálculo em pauta. 1. DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA A INSTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE A IMPORTAÇÃO A baliza inarredável que encontra o Poder Legislativo na instituição dos tributos é a observância dos limites constitucionais. Sem o devido respeito absoluto a tais normas, torna-se inevitável a inconstitucionalidade da lei tributária. A Constituição estabelece os contornos para o exercício da competência tributária, seja diretamente, quanto aos princípios tributários nela existentes, seja indiretamente, quando na disciplina de outros direitos, como os institutos de direito privado da propriedade, do livre exercício das atividades profissionais, liberdade de locomoção e dentre outros, conforme doutrinado por Roque Antonio Carrazza (2012, p. 571-572). Com isso, a competência tributária já nasce limitada pela própria Constituição, a qual restringe a competência legislativa dos entes políticos no seu exercício de criação das exações fiscais.        No concernente aos gravames em estudo, com o advento da Emenda à Constituição nº 42/2003, criou-se os alicerces constitucionais que outorgaram competência à União Federal de instituir contribuições sociais sobre a importação. Tal emenda constitucional modificou a redação do artigo 149, § 2º, inciso II, da Constituição Federal, passando a prever uma nova base econômica para a incidência de contribuições sociais, qual seja, a importação de produtos ou serviços estrangeiros. Em vista disso, estes tributos deveriam ter por base de cálculo, no caso de alíquota ad valorem, o valor aduaneiro, conforme o artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, introduzido pela EC nº 33/2001, ou a unidade de medida adotada, quando alíquota específica. Ademais, a citada emenda acrescentou o inciso IV ao artigo 195 da Lei Maior, introduzindo o importador como agente financiador da seguridade social. Assim, completou-se a competência a fim de prever o importador como sujeito passivo das contribuições sociais em tela. Em vista da introdução supracitada, validou-se a instituição das contribuições sociais incidentes sobre a importação por meio de lei ordinária, posto que prevista a base econômica em norma constitucional. Desse modo, não haveria a necessidade de instituição dessas novas contribuições por meio de lei complementar, haja vista que tal fonte de custeio passou a ter previsão dentre os incisos do caput do artigo 195 da Constituição, afastando-se o § 4º deste dispositivo (PAULSEN, 2007, p. 532-533). Em síntese, na delimitação da competência legislativa tributária, o constituinte derivado apontou explicitamente, no caso das contribuições sociais incidentes sobre a importação, sua materialidade, qual seja, a importação de produtos estrangeiros ou serviços. Além disso, outorgou o seu aspecto quantitativo, a saber, no caso da alíquota específica, a unidade de medida adotada, e, no caso da ad valorem, a base de cálculo a ser utilizada seria o valor aduaneiro. Nesse passo, com a vinda da Emenda Constitucional nº 42/2003, cuja finalidade era de uma reforma tributária, ao invés de aperfeiçoá-la, criou um arcabouço constitucional para a ampliação da carga tributária, em atendimento aos clamores do Poder Executivo. A mencionada emenda alargou a competência da União em instituir contribuições sociais sobre a importação. Nesse fundamento, o Poder Executivo Federal editou a Medida Provisória nº 164, em 29 de janeiro de 2004, convertida na Lei nº 10.865/2004. Tal ato inaugurou no sistema jurídico-tributário as contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a importação de bens e serviços. A medida adotada pela União Federal foi fruto de uma política governamental, como reportado na exposição de motivos da Medida Provisória nº 164, de equalizar o tratamento entre as operações nacionais e as decorrentes de importações. Assim, submetendo-as ao mesmo ônus tributário, sendo que as internas já sofriam com a incidência das contribuições sociais sobre a receita bruta. No entanto, cumpre-se estabelecer que as novas contribuições, denominadas PIS/PASEP e COFINS, não se confundem com suas homônimas, que são fundamentadas na Lei nº 9.718/1998. Apesar de terem recebido a mesma nomenclatura utilizada pelas contribuições sociais sobre o faturamento, bem como possuindo a mesma destinação constitucional de seus recursos, as novas contribuições sociais sobre a importação são consideradas tributos de natureza diversa daquelas em razão da distinção de suas materialidades (TRIONELLI, 2004, p. 61). Isto é, enquanto as contribuições homônimas incidem sobre a receita ou faturamento, as novéis incidem sobre despesas decorrentes da operação de importação.    2. DA MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS O critério material da hipótese de incidência das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação se encontra definido nos capítulos I e II da lei, sob a nomenclatura “Da Incidência” e “Do Fato Gerador”, respectivamente. Nos termos do artigo 3º, no caso de importação de bens o fato gerador será “a entrada de bens estrangeiros no território nacional”. Quanto ao critério temporal, em regra, considera-se a “na data do registro da Declaração de Importação de bens submetidos a despacho para o consumo”, nos termos do que dispõe o inciso I do artigo 4º. Destarte, tal como ocorrem nos casos do IPI e do Imposto de Importação, o PIS/COFINS-Importação deve ser recolhido no momento do registro da Declaração de Importação no Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex), através de débito automático em conta-corrente previamente cadastrada pelo importador (VASCONCELLOS, 2011, p. 364-365). Portanto, o prazo para o recolhimento é a data do registro da declaração da importação, nos termos do inciso I do artigo 13 da Lei nº 10.865/2004. No que tange à base de cálculo, esta veio fixada no artigo 7º, inciso I, da seguinte forma: “Art. 7o A base de cálculo será: I – o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o desta Lei;” De logo, percebe-se que o legislador adotou o artifício “cálculo por dentro”, resultando na inclusão do valor devido na incidência das próprias contribuições. Ademais, optou o legislador ordinário em acrescer à base imponível o valor devido a título de ICMS incidente na importação de bens. A justificativa para tal regramento foi como sendo um mecanismo para alcançar a neutralidade tributária entre as operações nacionais e as provenientes da importação, haja vista que nas nacionais o valor de ICMS seria acrescentado na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita bruta (VASCONCELLOS, 2011, p. 375). Por fim, destaca-se que, por meio da recente alteração dada pela Lei nº 12.865, de 09 de outubro de 2013, a base de cálculo na importação de bens passou a ser apenas o valor aduaneiro. 3. DA ESTRUTURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS O fato jurídico tributário se origina com a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Com isso, a obrigação tributária tem seu nascimento com a ocorrência do fato gerador, o qual, nos termos do artigo 114 do Código Tributário Nacional, é a situação definida em lei. Ademais, os incisos III e IV, do artigo 97 do diploma legal supracitado, dispõem que somente a lei pode determinar a definição do fato gerador da obrigação tributária e da sua atinente base de cálculo. Nesse toar, considera-se que o aspecto material da hipótese de incidência, traduzido pelo fato gerador da obrigação tributária, somente se aperfeiçoa com a indicação legal de sua respectiva base de cálculo, a qual, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 400), além de medir o quantum debeatur, irá confirmar ou determinar a materialidade tributária, conforme colacionado abaixo: “Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo. A versatilidade categorial desse instrumento jurídico se apresenta em três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.” Portanto, conforme o ensinamento mencionado, na base de cálculo se pode encontrar um signo seguro a fim de identificar o aspecto material da hipótese de incidência. Assim, o citado critério quantitativo deverá constituir, obrigatoriamente, das características peculiares do fato jurídico tributário, o que confirmará se o padrão de medida utilizado pelo legislador é compatível com critério material ou se, ao contrário, a grandeza eleita e o acontecimento jurídico tributário são incompatíveis. Ou seja, o binômio “hipótese de incidência e base de cálculo” deverá resultar na ratificação da materialidade do tributo, da forma como leciona o eminente autor (CAVALHO, 2008, p. 210): “Todo o esforço do legislador há de estar orientado no sentido de promover o perfeito ajuste entre o enunciado mensurador da base de cálculo e a formulação enunciativa da hipótese. Dito de outro modo, a perspectiva dimensível há de ser de uma medida efetiva do fato jurídico tributário, recolhido como tal pela hipótese normativa. Não será qualquer proporção, ainda que retirada do mesmo suporte fáctico, que servirá como aspecto mensurador: é fundamental a perfeita conexão entre o fato descrito pela hipótese e o fato construído para ser sua base de cálculo (…).” Dada a suma importância da base de cálculo na estruturação da regra-matriz de incidência do tributo, deve o legislador construir com cautela o instrumento de medição do evento tributário. Assim, tem de reunir caracteres dotados de rigor e precisão a fim de corresponder ao fato sobre o qual a norma tributária incidirá, sendo que qualquer variação fora da realidade que se pretenda introduzir ensejará na desconfiguração da incidência pretendida. Em síntese, a base imponível, além de medir a dimensão econômica do fato imponível, deverá exercer seu papel no controle do poder de tributar, na medida em que deve haver a compatibilidade entre o critério material da hipótese de incidência e a grandeza eleita pelo legislador na instituição do tributo, sob pena de ultrapassar a competência tributária ditada pela Constituição.    Posto isso, concedida a competência constitucional para instituir contribuições sociais sobre a operação de importação de bens ou serviços, sendo este o critério material da regra de incidência, não há como idealizar outra base de cálculo senão o valor da operação. O que, ademais, foi explicitamente outorgada pela própria Constituição sob a denominação “valor aduaneiro”. O critério material da hipótese de incidência em analise se constitui pelo ato de importar, cujo regime jurídico é regido por normas contratuais. Por sua vez, o tributo advém de uma obrigação ex lege. Posto isso, como já dito, a relação jurídico-tributária se dará da subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Nesse sentido, tendo em vista que norma tributária recepciona o fato “operação de importação”, cujo surgimento sucede da regra negocial, não poderá aquela desvirtuar o conceito deste. Ou seja, a norma tributária somente irá irradiar seus efeitos sobre o fato econômico, jamais alterar sua realidade (SOUZA; SABBAG, 2004, p. 82). Outrossim, ao determinar a base de cálculo, a norma de incidência-tributária apenas poderá abranger ou não valores condizentes ao fato jurídico tributário, que, in casu, corresponde à operação de importação. No entanto, diversamente do prelecionado, na redação original da lei instituidora das contribuições sociais sobre a importação, o legislador federal elegeu uma base imponível calculada por meio de uma ardilosa equação matemática que alargou a sua competência tributária. Além disso, computou valores estranhos à transação negocial de importação de produtos, a saber, os valores devidos de ICMS no desembaraço aduaneiro e os das próprias contribuições. Nesse contexto, tem-se que a Lei nº 10.865/2004, ao invés de irradiar seus efeitos sobre a realidade econômica, incluiu dados que não compõem o custo do negócio jurídico, deturpando o processo de formação de preço pelo vendedor (estrangeiro) na aquisição pelo comprador (importador). O ato de importação de bens, cuja operação decorre de regras estipuladas contratualmente, tem seu preço constituído pelo respectivo valor de transação, com eventuais despesas inerentes à operação comercial. Com isso, tem-se legitimo o valor baseado nas modalidades de contratação de importação/exportação, Termos Internacionais de Comércio (Incoterms), conforme Resolução nº 21/2011, da Câmara de Comércio de Exterior (CAMEX). Tais modalidades constam da citada resolução, quais sejam: Ex Works (EXW); Free Carrier (FCA); Free Alongside Ship (FAS); Free On Board (FOB); Cost and Freight (CFR); Cost, Insurance and Freight (CIF); Carriage Paid To (CPT); Carriage and Insurance Paid To (CIP); Delivered At Terminal (DAT); Delivered At Place (DAP); e Delivered Duty Paid (DDP). Destarte, a formação de preço nos modelos contratuais adrede citados englobam o valor do bem e os custos inerentes à operação, a depender da responsabilidade de cada contratante no negócio jurídico. Portanto, o valor da transação de que tratam pode ser constituído pela somatória do valor do produto e custos com frete e seguro.  Ou seja, a base de cálculo a ser considerada na operação de importação deve se basear no próprio valor da transação, isto é, no preço pago ou a pagar pelo importador ao vendedor estrangeiro, o que é representado pela denominação “valor aduaneiro”. Posto isso, tendo a consciência que o Direito Tributário atua no campo da superposição do fato à norma, diante do critério material “operação de importação de produtos estrangeiros”, identifica-se vício na estruturação da base de cálculo quando esta compreender valores estranhos ao da transação econômica. Por fim, como visto, a materialidade, baseada em suporte fático e reveladora de capacidade tributária, formará a construção da regra de incidência do tributo. Com relação às contribuições PIS/COFINS-Importação, sua materialidade foi dimensionada pelo valor aduaneiro, o qual assume a posição da engendrar grandeza econômica ao fato jurídico tributário em voga. 4. DA CONCEPÇÃO DO CONCEITO DE VALOR ADUANEIRO 4.1. O ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT Conforme já visto, o artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição, a base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a importação, em sendo as alíquotas ad valorem, será o valor aduaneiro. Para definir o conceito constitucional de valor aduaneiro, deve-se, antes, analisar seu sentido utilizado no comércio exterior, nos termos do definido e normatizado pelo GATT e internalizado pelo sistema jurídico pátrio. A definição de valor aduaneiro vem disposta no artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1994), resultante da Ata Final que Incorpora aos Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche em 12 de abril de 1994. Tal parte integrante do GATT, criada nessa rodada de negociações, passou ser obrigatório para todos os membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), a partir de 1º de janeiro de 1995. O pacto resultante prevê que o valor aduaneiro será determinado pela aplicação sucessiva e sequencial de seis métodos de valoração. O primeiro é baseado no valor da transação, isto é, no preço efetivamente pago ou a pagar na importação, sendo os demais aplicados apenas na impossibilidade de utilização deste. O Acordo de Implementação do artigo VII, conhecido como “Acordo de Valorização Aduaneira” (AVA-GATT), após aprovação pelo Decreto Legislativo nº 30, foi promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Tal pacto veio com o objetivo primordial de impedir a criação de valores aduaneiros fictícios ou arbitrários, assegurando a previsibilidade, estabilidade e segurança aos agentes econômicos. Com isso, teve o objetivo de promover a redução dos embaraços criados nas relações comerciais entre países, segundo o disposto na Introdução Geral do referido documento, que segue transcrito: “Os Membros, Tendo em vista as negociações comerciais Multilaterais; Desejando promover a consecução dos objetivos do GATT 1994 e assegurar vantagens adicionais para o comércio internacional dos países em desenvolvimento; Reconhecendo a importância das disposições do Artigo VII do GATT 1994 e desejando elaborar normas para sua aplicação com vistas a assegurar maior uniformidade e precisão na sua implementação; Reconhecendo a necessidade de um sistema eqüitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios; Reconhecendo que a base de valoração de mercadorias para fins aduaneiros deve ser tanto quanto possível o valor de transação das mercadorias a serem valoradas; Reconhecendo que o valor aduaneiro deve basear-se em critérios simples e eqüitativos condizentes com as práticas comerciais e que os procedimentos de valoração devem ser de aplicação geral, sem distinção entre fontes de suprimento; Reconhecendo que os procedimentos de valoração não devem ser utilizados para combater o dumping.”[1] Para isso, o artigo 1 do Acordo de Valorização dispõe que o valor aduaneiro será o valor da transação, ou seja, o preço efetivo da venda de exportação ao país importador. Ficou, ademais, especificado no artigo 8 do pacto que, a critério dos países-signatários, poderia incluir no valor da transação os custos de transporte, carga, descarga e seguro, bem como determinado que, na quantificação deste valor, nenhum outro poderia ser adicionado ao preço se não estivesse previsto no referido artigo do GATT. O acima arrazoado se encontra disposto no do Acordo da seguinte forma: “2. Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo ou em parte, dos seguintes elementos: (a) – o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação; (b) – os gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação; e (c) – o custo do seguro. 3. Os acréscimos ao preço efetivamente pago ou a pagar, previstos neste Artigo, serão baseados exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis. 4. Na determinação do valor aduaneiro, nenhum acréscimo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar se não estiver previsto neste Artigo.”[2] Em vista das disposições do tratado, a aludida faculdade fora adotada no Brasil, para o qual integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado, as despesas referentes a transporte e seguro. Essa adesão foi introduzida no Regulamento Aduaneiro, atualmente o constituído pelo Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009, o qual, em seu artigo 77, estabelece os custos que integram o valor aduaneiro, quais sejam: a) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; b) os gastos relativos à carga, descarga e manuseio, referentes ao transporte da mercadoria importada, até aos locais citados no item “a”; e c) o custo do seguro da mercadoria durante as mencionadas operações. Com isso, o que se extrai do afirmado acima é que, na formação do valor aduaneiro, faz-se referência à transação na modalidade de contratação no comércio exterior Cost, Insurance and Freight (CIF), cláusula que obriga o vendedor pela contratação e pagamento do frete e do seguro marítimo por danos durante o transporte até a entrega no porto (PAULSEN; MELO, 2004, p. 31). Todavia, diversamente do previsto pela convenção internacional supramencionada, o texto original do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004 estabeleceu que a base de cálculo do PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação seria o valor aduaneiro, mas, no caso, entendido como o utilizado pelo Imposto de Importação[3], somado ao valor do ICMS sobre a importação e dos valores das próprias contribuições. Com isso, o legislador desvirtuou o conceito de valor aduaneiro, provocando um conflito que esbarra na questão da hierarquia entre tratado internacional, recepcionado pelo Brasil, e lei ordinária. Nos termos do artigo 98 do Código Tributário Nacional, as leis anteriores e as que lhes são posteriores devem estrita observância aos tratados internacionais. Esse dispositivo demonstra que, no âmbito do Direito Tributário, as normas internacionais têm primazia, em todos os sentidos, em relação às normas produzidas internamente sob a forma de lei ordinária. Assim, de acordo com este diploma, cuja força de lei complementar foi atribuída pelo Supremo Tribunal Federal, instituiu-se a prevalência dos tratados incorporados sobre as normas ordinárias internas, como observa José Francisco Rezek (2011, p. 130): “Não há dúvida de que o tratado revoga, em qualquer domínio, a norma interna anterior; nem tampouco de que o legislador, ao produzir direito interno ordinário, deve observar os compromissos externos da república, no mínimo para não induzi-la em ilícito internacional.” Em última análise, mais do que garantir a segurança jurídica nas relações internacionais, evidencia-se que a regra supracitada vem com o fim de manutenção da confiança das nações estrangeiras na economia nacional. Ora, como os tratados internacionais incorporados ao ordenamento brasileiro, caso do GATT 1994, são materialmente leis internas e, ademais, como estes têm prevalência sobre a legislação ordinária, segundo o artigo supracitado, não pode a lei instituidora das contribuições em análise modificar a definição de valor aduaneiro.   Ademais, o Acordo de Valorização Aduaneira, com força contratual, é obrigatório a todos os países-signatários. Diante disso, é inalterável unilateralmente pelo Estado brasileiro, muito menos através de lei ordinária, o que, a propósito, corrobora Hugo de Brito Machado (2008, p. 43): “Não nos parece razoável a tese segundo a qual as leis internas de um país podem validamente dispor contrariando o estabelecido pelos tratados internacionais dos quais participe. O comportamento de qualquer pessoa que contraria um contrato por ela firmado configura ato ilícito. Do mesmo modo, a feitura de uma norma interna pelo Estado, contrariando um tratado internacional por ele firmado, é um ato ilícito. Não apenas um ato contrário à ética, mas contrário também ao próprio Direito positivo. E como tal não pode prevalecer no mundo jurídico.” Com isso, ante a natureza contratual do tratado em foco, bem como diante do dever de respeito à avença entre os contratantes, suas cláusulas devem ser observadas pela legislação interna que lhe sobrevenha. Portanto, partindo do acima prelecionado, pode-se alcançar o teor da definição de valor aduaneiro conforme introduzido no texto constitucional, o que se demonstrará adiante. 4.2. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE VALOR ADUANEIRO A ciência jurídica vem ao longo do tempo sedimentando conceitos, cujos sentidos semânticos são carregados de efeitos jurídicos. Tais conceitos são empregados na construção de definições constitucionais, legais, doutrinárias e jurisprudenciais. Nesse sentido, a Constituição brasileira traz em seu bojo inúmeros conceitos já anteriormente assentados pela legislação, tratados internacionais, demais ciências e, ainda, pela linguagem comum. Ou seja, diversos conceitos nela contidos já estavam consolidados pela legislação infraconstitucional, como as noções de faturamento, renda e salário. Em vista disso, destaca Eros Roberto Grau (2009, p. 233), em sua obra acerca da interpretação e aplicação do Direito, que algumas expressões resumem em seu conceito um conjunto de normas preestabelecidas no sistema jurídico a ele aplicável, conforme segue: “As regulae juris consubstanciam expressões que sintetizam o conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, sem que lhes correspondam um significado próprio. Limitam-se a exprimir, condensadamente, um sistema normativo, a modo – diz Fábio Konder Comparato [1983:269] – de autêntica estenografia legal. Tome-se como exemplo dessa espécie de conceito o de propriedade, que apenas assume alguma significação na medida em que tenhamos sob consideração a função, por ele cumprida no discurso do direito, de resumir toda a disciplina normativa atinente ao modo de aquisição e aos poderes, faculdades e deveres decorrentes da aquisição de uma posição jurídica subjetiva em relação a um bem [Meroni 1989:285].” Com efeito, tais palavras, carregadas de seus estáveis sentidos semânticos, foram simplesmente absorvidas pela Lei Maior, transmudando um conceito, que antes tinha força conforme a legislação, em um conceito de maior abrangência, de âmbito constitucional. Desse modo, por não se tratar mais apenas de um conceito legal, este passa a ter sua interpretação vinculada à hermenêutica constitucional, com suas típicas técnicas de interpretação e aplicação. Aliás, tais conceitos conferirão legitimidade às normas jurídicas inferiores, as quais somente serão válidas se conformarem com as contidas na Constituição Federal, isto em respeito ao princípio da supremacia constitucional (SILVA, 2010, p. 45-46). Em vista da construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, este busca, constantemente, interpretar os conceitos jurídicos constitucionais mantendo seus sentidos conforme sua formação histórica. Isto é, nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do RE nº 166.772/RS, a corte busca manter a essência das expressões contidas na Constituição segundo o consolidado através do tempo e do já interpretado pelos tribunais, destacando o Eminente Magistrado o que segue: “De início, lanço a crença na premissa de que o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo do sentido venacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte, que ao técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que revelem conceito estabelecido com a passagem do tempo, por força dos estudos acadêmicos e pela atuação dos pretórios. Já se disse que ‘as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica’ (Studi Sulla Teoria Generali Del Diritto, Torino – G. Giappichelli, edição 1955, página 37). Realmente, a flexibilidade de conceitos, a câmbio do sentido destes, conforme os interesses em jogo, implicam insegurança incompatível com o objetivo da própria Carta que, realmente, é um corpo político, mas o é ante os parâmetros que encerra e estes não são imunes ao real sentido dos vocábulos, especialmente os de contornos jurídicos. Logo, não merece agasalho o ato de dizer-se da colocação, em plano secundário, de conceitos consagrados, buscando-se homenagear, sem limites técnicos, o sentido político das normas constitucionais.” Ante as considerações no tópico anterior, concluiu-se que o valor aduaneiro se compõe do valor do produto somado apenas aos custos e despesas com frete e seguro, tendo em vista a incorporação dos termos do Acordo de Valoração Aduaneira. Além disso, viu-se que a definição foi delineada a partir do direito privado e utilizada, expressamente, pela Constituição para o fim de definir e limitar a competência tributária da União. Diante disso, quando do advento do advento da Emenda à Constituição nº 33/2001, que inseriu o valor aduaneiro no texto constitucional, já estavam implementadas no Brasil, por meio do processo de internalização, as regras do GATT 1994. Ou seja, a extensão semântica desse conceito já vinha amplamente definida pela legislação interna, nos termos do referido tratado. Portanto, não ventilado pela emenda qualquer alteração em sua definição, a referência constitucional à expressão “valor aduaneiro” foi inserida com base em seu sentido pressuposto. Isto é, a Constituição Federal incorporou o conceito de valor aduaneiro de acordo com o já praticado no discurso jurídico-positivo preexistente à edição da EC nº 33/2001, a saber, o veiculado pelas normas internas que implementaram o Acordo de Valoração Aduaneira (SANTI; PEIXOTO, 2005, p. 43-44). Com efeito, conforme destacado, seria um dever constitucional do legislador se atentar ao conceito preexistente de valor aduaneiro, da forma como concebido pelo direito interno, bem como, em especial, por tratado internacional incorporado pelo Brasil. Nesse passo, a Lei nº 10.865/2004, ao definir a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação, utilizou a nomenclatura “valor aduaneiro”. Entretanto, em seu texto anterior à alteração pela Lei n 12.865/2013, para a aplicação aos tributos em tela considerou o valor da transação somado aos montantes devido de ICMS na importação e das próprias contribuições, diversamente do conceito constitucional. Ou seja, construiu uma nova extensão ao conceito por meio de lei ordinária, extrapolando os limites outorgados pela Constituição.  Não obstante, a expressão “valor aduaneiro”, contida no artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, utilizada para limitar a competência tributária da União, advém de um conceito consolidado de direito privado, cujo conteúdo foi dado pela incorporação de acordo internacional que regula o comércio internacional. Em razão disso, a base de cálculo na importação de bens, nos termos do definido no artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, antes de sua alteração pela Lei nº 12.865/2013, esbarrou-se no disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional. Tal dispositivo veda a modificação de conceito do direito privado, previsto na Constituição, que define ou limita a competência tributária dos entes políticos. Tal controvérsia, outrossim, ocorreu com a base de cálculo aplicada às contribuições homônimas, PIS e COFINS, pela Lei 9.718/1998, na qual o legislador ordinário ampliou o conceito de receita, previsto no artigo 195, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal. Diante disso, citando a norma extraída do artigo 110, supracitada, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do RE nº 390.840/MG, declarou inconstitucional tal ampliação do conceito constitucional, conforme parte da ementa que segue: “CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.”[4] Ademais, destaca-se como precedente o julgamento do RE nº 116.121/SP, cuja decisão reconheceu a inconstitucionalidade do item 79 da lista de serviços do ISS, anexa ao Decreto-lei nº 406, na redação dada pela Lei Complementar nº 56/1987, no qual previa a locação de bens móveis, de forma a destoar da definição de serviço regida pelo Código Civil e utilizada pela Constituição Federal. No citado julgamento, a Suprema Corte exarou o seguinte entendimento: “os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.”[5] Posto isso, delimitando a competência tributária da União para a instituição das contribuições sociais sobre a importação de produtos, a Constituição se utilizou de conceito preestabelecido pelo direito privado (valor aduaneiro), cujo conteúdo, amplamente acolhido pela legislação infraconstitucional, foi implementado através de tratado internacional. Assim, ao determinar que, para os efeitos da lei, o valor aduaneiro incluiria os valores devidos a título de ICMS e das próprias contribuições, chocou-se com o artigo 110 do Código Tributário Nacional, haja vista a deturpação do conceito constitucional. Portanto, o artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, até o advento de sua nova redação, além de inconstitucional, como se verá adiante, padeceu de ilegalidade. 5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS 5.1. ALTERAÇÃO DE CONCEITO CONSTITUCIONAL Em vista do acima prelecionado, a instituição das contribuições sociais sobre a importação, advinda por meio da Lei nº 10.865/2004, teve por fundamento de validade o artigo 149, § 2º, inciso II, da Constituição Federal. Viu-se, outrossim, que diante do inciso III, alínea “a”, deste dispositivo, definido a respectiva base de cálculo a ser aplicada, a saber, o valor aduaneiro, nos casos de alíquotas ad valorem. Nesse passo, além de prever a materialidade da hipótese tributária, observa-se que a Constituição reduziu o campo de discricionariedade do legislador na eleição da base de cálculo dessas contribuições. Ou seja, a própria Lex Major outorgou os aspectos da regra-matriz de incidência ao determinar o critério material, a base imponível, bem como o sujeito passivo das exações em questão, nos termos de seu artigo 195, inciso IV. Assim, a grandeza econômica a ser tributada é o valor aduaneiro, cujo conceito, trazido pelo Acordo de Valorização Aduaneira do GATT 1994 e consolidado por diversas normas internas, foi absorvido pela Constituição Federal, conforme já amplamente considerado no presente artigo. Aliás, induz repisar que, não havendo definição do conteúdo semântico da expressão “valor aduaneiro” pelo texto constitucional, introduzida pela EC nº 33/2001, a Carta Maior empregou o seu conceito pressuposto, isto é, o já utilizado pelo discurso jurídico-positivo preexistente à edição daquela emenda a fim de delimitar a competência tributária da União.  Dito isso, apesar do comando constitucional supracitado, a Lei que instituiu as contribuições sociais incidentes sobre a importação modificou o conceito de valor aduaneiro, ao passo que constava em sua redação original a citação “para os efeitos desta Lei”, de modo a abarcar valores não considerados pela imposição constitucional, quais sejam, o montante devido a título de ICMS-Importação e das próprias contribuições. Ademais, os valores acima mencionados não guardam relação com qualquer atividade econômica realizada pelo contribuinte, mas, sim, são decorrentes da incidência de tributos sobre a mesma realidade tributada, caracterizada pela importação. Assim, o importador, além de se submeter a diversos tributos incidentes na importação de bens, será tributado sobre o montante dos mesmos. Assim, tal fenômeno repercute em violação ao princípio da capacidade contributiva[6]. Com efeito, a capacidade contributiva é um dos parâmetros a fim de aferir a constitucionalidade de uma norma, sendo que tal diretriz dita o critério que deverá ser seguido pelo legislador na edição da imposição tributária (PIMENTA, 2002, p. 68-70). Ou seja, na construção dos aspectos de incidência do tributo, deve-se eleger pressupostos que revelem a aptidão para contribuir, isto é, fatos que denotam riqueza do contribuinte. Portanto, quando se incluiu na base imponível valores relativos a tributos, este fato resulta em violação ao princípio em comento e, consequentemente, na inconstitucionalidade da norma. Resta claro, destarte, que o disposto no inciso I do artigo 7º, até o advento da Lei nº 12.865/2013, burlou a norma constitucional na medida em que dizia “o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido (…)”, sendo que, por meio de um “jogo” de palavras, objetivou acrescer ao conceito “valor aduaneiro” custos estranhos a este. O uso de tal método evidenciou um artifício para ampliar a base de cálculo das contribuições, aumentando a arrecadação da União e afetando o comércio exterior do país. Além do mais, caso o legislador estivesse livre para criar o conceito livremente, tornar-se-ia letra morta a norma constitucional. Em razão do exposto, restou patente a inconstitucionalidade da base de cálculo outorgadas às contribuições PIS/COFINS-Importação sobre a importação de produtos (artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, antes da alteração pela Lei nº 12.865/2013), tendo em vista que esta deve abranger apenas o valor aduaneiro, expressão constitucional, conforme estabelecido pelo artigo 149, § 2ª, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal. Posto isso, a Lei nº 10.865/2004 instituiu uma base de cálculo que extrapolou os limites impostos pela Constituição, bem como feriu normas dispostas no Código Tributário Nacional e no Tratado Internacional do GATT. Criou-se, como visto, um conceito de valor aduaneiro específico paras as contribuições sociais sobre a importação de bens, diverso daquele fixado pelo Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-GATT). Ou seja, havia um valor aduaneiro para o Imposto de Importação e outro para as contribuições em voga. 5.2. BREVE ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 559.937/RS Por derradeiro, a questão ora em debate chegou à análise do Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário nº 559.937/RS. Em julgamento, concluiu-se que a lei criadora do PIS/COFINS-Importação não teria alterado o conceito de valor aduaneiro, mas desconsiderado as disposições constitucionais de que as contribuições sobre a importação, no caso de alíquota ad valorem, fossem calculadas somente com base no valor aduaneiro. Isto é, segundo a Suprema Corte, a lei questionada teria efetivamente determinado que os tributos em tela fossem calculados sobre o valor aduaneiro somado ao valor do ICMS-Importação e dos valores das próprias contribuições. Em vista disso, houve expressa extrapolação de norma que condiciona o exercício da competência tributária prevista na Constituição Federal.  Ao final, em questão de ordem suscitada pela Fazenda Nacional, alegando-se que prejuízo de 34 bilhões de reais poderá atingir os cofres da seguridade social, houve requerimento para a modulação dos efeitos da decisão. Assim, requisitou-se que fosse estabelecida como marco dos efeitos da decisão a data do julgamento, gerando direito à restituição do indébito apenas às ações propostas até aquele momento, analogamente ao decidido no RE nº 560.62/RS[7]. No entanto, restou asseverado pela Corte que o tema seria analisado em eventuais embargos de declaração. Em suma, reiterou-se a postura da Suprema Corte no sentido de preservar o conceito já empregado no Direito positivo preexistente à outorga constitucional, conforme o precedente RE nº 166.722/RS, fazendo-se oportuno colacionar abaixo um fragmento de sua ementa: “INTERPRETAÇÃO – CARGA CONSTRUTIVA – EXTENSAO. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo – por mais sensato que seja – sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" – Celso Antonio Bandeira de Mello – em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele. CONSTITUIÇÃO – ALCANCE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS – INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.”[8] No citado julgamento, reconheceu-se a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 7.787/1989, o qual teria alterado o conceito da expressão “folha de salários”, contido na Constituição (artigo 195, inciso I, alínea “a”) a fim de fazer incidir a respectiva contribuição social sobre valores pagos a trabalhadores autônomos e administradores. Ante o exposto, declarou-se a inconstitucionalidade parcial do texto do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, que dizia “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, tendo em vista a violação do artigo 149, parágrafo 2º, inciso III, letra “a”, da Constituição Federal.   Diante do prelecionado, bem como tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade da base de cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens em sede de controle difuso no RE nº 559.937/RS, os contribuintes precisarão se recorrer ao Poder Judiciário a fim de fazer valer o novel entendimento da Suprema Corte. Para isso, é imprescindível que a decisão do julgamento em foco tenha eficácia retroativa (ex tunc), ou aguardar eventual modulação de seus efeitos, para que se faça valer o direito à restituição dos valores pagos a maior, respeitado o lapso quinquenal da prescrição do direito do contribuinte. Em desfecho, vale ressaltar que, com o advento do artigo 26 da Lei nº 12.865/2013, o artigo 7º, inciso I, da lei instituidora das contribuições PIS/COFINS-Importação, passou a considerar apenas o valor aduaneiro da operação de importação de bens para fins de apuração da base de cálculo. Tem-se que tal alteração é resultado do reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Poder Legislativo em consonância com o julgamento supracitado. CONCLUSÃO Com o fim de cobrir o rombo da má gerência das receitas públicas, restou claro que a ânsia da União Federal em criar tributos resultou na instituição de exações com vício na estruturação da base de cálculo, fato que dilatou sobremaneira a carga tributária na importação de bens estrangeiros. Ademais, apesar do alegado propósito sob o qual foram instituídas as contribuições PIS/COFINS-Importação, a de equalizar a custo tributário entre os produtos nacionais e importados, evidenciou-se, em verdade, um instrumento desproporcional, na medida em que extrapolou preceitos constitucionais, bem como previsão contida em tratado internacional incorporado pelo Brasil. Com efeito, na forma como previa a redação original do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, a estruturação da base de cálculo referente à hipótese “importação de bens” apresentou-se inválida, seja violando o conceito constitucional de valor aduaneiro ou desconsiderando a previsão constitucional ao ponto que abarcou na base de cálculo outros valores além do valor aduaneiro. Ora, essa última interpretação foi a que levou o Supremo Tribunal Federal a concluir pela invalidade da norma em foco. Não aceitando, portanto, o argumento de que o inciso I do artigo 7º, em sua totalidade, teria dado outro conceito à expressão “valor aduaneiro". Em vista disso, qualquer que seja a interpretação adotada, ambas redundam na inconstitucionalidade e, consequentemente, na invalidade da estruturação da base de cálculo ao passo que restou violada a regra-matriz constitucional.
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Publicações eletrônicas: a imunidade tributária de imprensa
O artigo em questão tem o fito de instituir as relações e evoluções das obras intelectuais para o formato eletrônico em conjunto com a imunidade tributaria de impressa. Assim, a discussão central abrange correntes doutrinarias, bem como os entendimentos jurisprudenciais da norma legal. Destarte, o ápice da pesquisa tem o fito de conceituar a publicação eletrônica como obra de criação intelectual, ou seja, não a limitando ao formato e sim ao conteúdo inserido, e, por conseguinte a sua destinação como elemento informativo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Segundo Ruy Barbosa Nogueira, “a imunidade é, assim, uma forma de não incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional”. (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, Pg. 167). Assim, as conquistas ao longo dos anos e períodos políticos pela imunidade tributária de impressa, possui um viés social de extrema relevância, uma vez que essa imunidade possibilita a disseminação da informação como elemento formador do conhecimento. Entrementes, com a chegada da era “cibernética”, o formato da publicação de impressa exigiu mudanças profundas, deixando de lado o papel impresso propriamente dito, e admitindo os formatos eletrônicos, como suportes sucedâneos do livro. Nesse liame, o doutrinador Sabbag defende uma mídia eletrônica imune de tributos, caso seja veiculada em suporte físico difundidos em meio ópticos (CD-ROM ou Compact Disk for Reading Only Memory). (Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, 2011, pg. 365). Ademais, vejamos no decorrer do desenvolvimento do presente trabalho as principais consequências e mudanças oriundas da era “cibernética”, junto à impressa e entidades fiscais do entre tributante. 2 – A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE IMPRENSA Nos termos da Constituição Federal de 1988 a Imunidade tributaria está prevista no artigo 150, VI, “d”, prevendo a exoneração imunitória para impostos que incidem sobre o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à impressão de tais veículos de pensamento. Conforme orientações do autor Anis Kfouri Jr., para fins de imunidade, o conteúdo da obra é irrelevante, bastando que se trate de livro, jornal ou período, de forma a não caracterizar o cerceamento do livre pensamento e da liberdade de expressão. (KFOURI JR., Anis, Manual de Direito Tributário, Pg. 131). Nesse sentindo, trazemos o posicionamento do STF no RE 221.239/SP, julgado em 25/05/2004, tendo como relatora a Ministra Ellen Gracie, onde considerou imune a comercialização de álbum de figurinhas: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, d, da CF/88. “ÁLBUM DE FIGURINHAS”. ADMISSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 01/09/2014). Para o doutrinador Sabbag, o preceito constitucional não supre as necessidades, uma vez que não é aplicado uniformemente, em face do viés subjetivo que demarca a sua analise. (Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, 2011, pg. 361).  Varias correntes doutrinárias classificam a imunidade de impressa como de natureza objetiva, uma vez que atingem os bens ou coisas, livros, jornais, periódicos e o papel destinado a impressão. Correlacionado, temos a proteção da liberdade de pensamento, que para o doutrinador Aliomar Baleeiro, a mutilação da imunidade pode servir de instrumento de controle estatal, inviabilizando o acesso a informação, vejamos: “A constituição almeja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica (…). (…) o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento, a critica dos governos e homens, enfim, de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático”. (Aliomar Baleeiro, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, pg. 790). Dessa forma, é notório que a Imunidade Tributária de Imprensa, é elementar para o mantimento da Liberdade de Expressão do Pensamento. Possibilitando, assim, a possibilidade de divulgação e acesso a informação. Por fim, cumpre informar, conforme preceitos do autor Paulo de Barros Carvalho que, se nos dispusermos a conjugar os elementos que mais agudamente despertam a atenção dos estudiosos, procurando o denominador comum dos pensamentos dominantes, teremos a imunidade como um obstáculo posto pelo legislador constituinte, limitador da competência outorgada às pessoas políticas de direito constitucional interno, excludente do respectivo poder tributário, na medida em que impede a incidência da norma impositiva, aplicável aos tributos não vinculados (impostos), e que não comportaria fracionamentos, vale dizer, assume foros absolutos, protegendo de maneira cabal as pessoas, fatos e situações que o dispositivo mencione. (CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, Pg.223). 2 – AS PUBLICAÇÕES ELETRÔNICAS Conceitualmente as Publicações Eletrônicas são obras de cunho intelectual. Para o doutrinador Sabbag, um novo fenômeno na historia da humanidade no final do século XX, que é a emergência da cultura eletrônica ou do espaço cibernético, com todas as suas consequências no campo do direito. (Eduardo Sabbag, Manual de Direito Tributário, 2011, pg. 361). Essa nova cultura, não requer apenas um evolução estrutural, mas também uma evolução do texto constitucional. Os ditames legais precisam equiparar-se a realidade social econômica. O legislador é omisso quanto a essa nova era, as doutrinas são divergentes, no tocante aos julgados, estes ainda não apresentaram uniformidade a garantia dessa imunidade. Existem muitas divergências sobre o que seria eletronicamente imune aos tributos. Os meios ópticos (CD-ROM ou Compact Disk for Readig Only Memory) são os mais admitidos pela doutrina. Outrossim, afirma o Autor Anis Kfouri Jr., “a questão da imunidade dos CDs, DVDs e outras mídias para suporte de livros, jornais e periódicos é um exemplo do atraso que a falta de uma visão voltada para o futuro do constituinte produz. A constituição é um conjunto de princípios, que estabelecem um meio para se chegar aos resultados desejados por uma sociedade. Nesse contexto, ainda que baseada numa visão pretérita, os princípios devem se sobrepor, o que ensejou, inclusive, a atuação do Poder Judiciário, de forma a ajustar o princípio maior à redação constitucional. ((KFOURI JR., Anis, Manual de Direito Tributário, Pg. 131). 3 – Dos entendimentos Jurisprudenciais Ainda sobre essa questão, registramos a manifestação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em decisão proferida no julgamento de agravo de instrumento, tendo como relator o juiz Nery Junior: PROCESSUAL CIVIL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – ART. 150, VI, “B”, CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCENTIVO A CULTURA, ARTES, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO – CD – ROM, CD, AUDIO, DVD E FITAS CASSETES – AVANÇOS TECNOLÓGICOS – POSSIBILIDADE. 1 – A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal, tem o escopo de incentivar a cultura, educação, ciência e permitir a liberdade ao pensamento. 2 – Com os avanços tecnológicos, como o desenvolvimento da multimídia, faz-se necessário expandir a imunidade em questão aos CD-ROM, CD áudio, DVD, fitas e videocassetes, cujo fulcro também seja a promoção da cultura e da educação (…). (Ag. 222.782. TRF 3ª Região. Rel. Juiz Nery Junior, 3ª Turma, DJU, 27/04/2005, Pg. 249). Conforme jurisprudência supracitada, o então tribunal reconheceu que com os avanços tecnológicos, como o desenvolvimento da multimídia, faz-se necessário expandir a imunidade em questão aos CD-ROM, CD áudio, DVD, fitas videocassetes, cujo fulcro também seja a promoção da cultura e educação. Entrementes, em diversas decisões proferidas o Supremo Tribunal Federal não reconheceu a imunidade tributária de imprensa nas publicações eletrônicas, vejamos entendimento proferido no RE 330817/RJ – Rio de Janeiro – Relator Min. Dias Toffoli – Julgamento: 04/02/2010 – DECISÃO: Vistos. Estado do Rio de Janeiro interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: “Duplo Grau de Jurisdição. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Art. 150, VI, ‘d’, da Constituição Federal. Comercialização da Enciclopédia Jurídica eletrônica por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural – software. Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos. A limitação do poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio no Tax on Knowledgs. Sentença que se mantém em duplo grau obrigatório de jurisdição” (fl. 94). Alega o recorrente contrariedade ao artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal. Contra-arrazoado (fls. 112 a 137), o recurso extraordinário (fls. 98 a 109) foi admitido (fls. 143 a 145). Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, “pelo desprovimento do recurso” (fls. 160 a 164). Decido. Anote-se, inicialmente, que o acórdão recorrido foi publicado em 15/9/2000, conforme expresso na certidão de folha 96, não sendo exigível a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07. A irresignação merece prosperar, haja vista que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros insumos que não os compreendidos na acepção da expressão “papel destinado a sua impressão”. Sobre o tema, anote-se: “Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, "d" da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão ‘papel destinado à sua impressão’. Precedentes do Tribunal. – Incabível a condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança, nos termos da Súmula 512/STF. Agravos regimentais desprovidos” (RE nº 324.600/SP-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 25/10/02). “ISS. Imunidade. Serviços de confecção de fotolitos. Art. 150, VI, "d", da Constituição. – Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863) de que apenas os materiais relacionados com o papel – assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto – estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição. – No caso, trata-se de prestação de serviços de composição gráfica (confecção de fotolitos) (fls. 103) pela recorrida a editoras, razão por que o acórdão recorrido, por ter essa atividade como abrangida pela referida imunidade, e, portanto, ser ela imune ao ISS, divergiu da jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, em caso análogo ao presente, o decidido por esta 1ª Turma no RE 230.782. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE nº 229.703/SP Primeira Turma, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/2/02). “Recurso extraordinário inadmitido. 2. Imunidade tributária. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. A jurisprudência da Corte é no sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por essa imunidade tributária. 4.Agravo regimental a que se nega provimento” (AI nº 307.932/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 31/8/01). CONCLUSÃO A preservação e mantimento da Liberdade de Expressão deve ser assegurada, em todos os seus aspectos e formas. Nesse liame, a Imprensa Eletrônica surge como o elemento veicular de divulgação de informação dessa nova era da cibernética.                        É fundamental que a imunidade tributária as obras impressas sejam estendida as obras virtuais, uma vez que abarquem conteúdo especifico ou variado, com o fito de difundirem o conhecimento. Nesse liame, uma reforma legal para prover essas mudanças possui urgência, dessa forma, as incongruências dos tribunais serão sanadas. Outrossim, o direito em sua mais plena forma requer equiparação ao contexto social, possibilitando, assim, a sua aplicabilidade e atingimento dos seus efeitos.
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O leão de duas cabeças: a sarça da bitributação internacional
O fluxo cada vez mais elevado de transações comerciais e financeiras exige da economia uma dinâmica fluida e eficaz. Para tanto é de suma importância a participação dos Estados no combate ao fenômeno da bitributação internacional, ocorrido pelo exercício soberano do poder de tributar de cada Estado. O fenômeno é estudado desde a identificação de cada um de seus elementos caracterizadores até a análise das consequências negativas de sua ocorrência. Pulsa, portanto, a relevância da utilização de mecanismos de combate à dupla tributação internacional através de medidas por parte dos próprios contribuintes ou através do Estado, de forma unilateral e/ou bilateral, visando a supressão da evasão e elisão fiscal e demais chagas atribuídas ao fenômeno aqui estudado.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O processo conhecido como globalização, em que, dentre as várias faces de atuação, pode ter na frente econômica o principal motivo de existência, é responsável direto pelo incremento das trocas comerciais estabelecidas entre os Estados atuantes no cenário internacional, pois através dele se amenizou gradualmente as barreiras físicas e virtuais tipicamente impostas quando do trato comercial entre países. Neste contexto de intercâmbio econômico mundial, não tardaria a surgir meios de otimização das relações comerciais, tornando propício assim o surgimento dos tratados internacionais em matéria tributária como método de combate aos efeitos da bitributação internacional, fenômeno este causado pelo exercício soberano de cada ente internacional em seu poder de tributar. Para estruturação deste estudo se utilizará o método dedutivo de pesquisa com base na análise bibliográfica ancorada nos princípios de direito que regem o ordenamento jurídico pátrio de forma a harmonizar a interpretação dos institutos à visão da Constituição Federal de 1988. Surgindo, então, a conceituação do fenômeno da bitributação e sua análise devida. Por fim, serão observados os mecanismos de combate à bitributação internacional, desde as medidas unilaterais, que em suma buscam amenizar os efeitos da múltipla tributação, quanto as figuras dos tratados internacionais em matéria tributária, analisando a sua concepção, a forma como interagem como o ordenamento interno e a sua relevância no combate à tal fenômeno. 1. BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL O poder de tributar é reflexo direto da soberania de um Estado, que o exerce com a precípua necessidade arrecadatória de subsidiar a manutenção dos serviços que disponibiliza a seus cidadãos. Por isto mesmo que o Estado não poderia deixar de tributar as operações internacionais de trocas de capitais, mercadorias e serviços, fontes relevantes de arrecadação (tendo em vista o crescimento do comércio e de investimentos estrangeiros). Tal tributação é possível através do princípio da universalidade, ou world wide income, que estabeleceu a imputação dos rendimentos em bases universais, tornando fértil o campo de concorrência de pretensões impositivas legítimas, mesmo que indesejáveis sob o viés econômico. 1.1 Conceituação O fenômeno da dupla tributação internacional pode ser conceituado como a situação em que há o concurso de regras tributárias emanadas de distintos Estados soberanos incidentes sobre um idêntico fato gerador, sob a caracterização de mesmos tributos, concentrado na figura do mesmo contribuinte em um mesmo intervalo temporal. O próprio Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teceu precisas observações sobre a conceituação do fenômeno: “O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se de forma geral como o resultado da percepção de impostos similares em dois — ou mais — Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo.”[1] Do exposto se extrai a noção de que a dupla tributação internacional se reveste de elementos essenciais para sua configuração, quais sejam: (a) pluralidade de soberanias tributárias; (b) identidade do elemento material do fato gerador; (c) identidade do imposto; (d) identidade do sujeito passivo; e (e) mesmo período de tempo. 1.1.1 Pluralidade de soberanias tributárias A soberania tributária é qualidade inerente a um Estado de pleno direito de exercitar e consolidar um sistema tributário autônomo. A sobreposição do exercício de normas tributárias entre diferentes Estados é elemento crucial na formação da dupla tributação. Sendo o caso de mais de dois Estados nos depararemos com a multi ou pluritributação. 1.1.2 Identidade do elemento material do Fato Gerador Não havendo a incidência de impostos semelhantes sob o mesmo elemento material do fato gerador, ou seja, sob a ação ou situação material definida em lei que, realizada, dará existência à obrigação tributária, restará prejudicada a caracterização da dupla tributação. 1.1.3 Identidade do imposto Para que seja configurada a bitributação é necessário que este elemento seja observado, ou seja, que ocorra a identidade dos impostos, ou mais corretamente, da semelhança dos impostos, visto que a diversidade dos ordenamentos em sobreposição é vasta, dificultando assim a acepção rigidamente idêntica entre os mesmos. É o que pondera NORONHA: “Em consonância com a identidade material, os impostos que incidirão sobre o fato tributável devem ter natureza análoga. É indispensável observar que eles nunca serão idênticos, porquanto foram criados para atender às especificidades de ordenamentos jurídicos diversos. Entretanto, um mínimo de aproximação lhes é exigida, principalmente no que concerne à semelhança da base de cálculo ou ao efeito econômico desencadeado.”[2] Lembrando que a caracterização do tributo se dá através da observância de suas três bases: elemento material, elemento subjetivo e elemento quantitativo, bem colacionado nas palavras de Bernado Ribeiro de Moraes[3], e é por isso que o elemento material do fato gerador não é capaz por si só de identificar o tributo em questão. 1.1.4 Identidade do sujeito passivo Para a análise deste item mister se faz a distinção entre o conceito jurídico de pluritributação internacional e o conceito econômico do mesmo fenômeno. Nas palavras de Getulio Borges da Silva: “Conceito jurídico — é a imputação de um mesmo tributo a um mesmo contribuinte por dois Estados soberanos, tendo por base o mesmo fato gerador e o mesmo período de tempo como referência. Conceito econômico —  é a situação em que, uma mesma transação, rendimento singular ou elementos do capital, sofre tributação idêntica por parte de dois ou mais Estados soberanos durante o mesmo período de tempo, mas tendo como contribuintes pessoas diferentes.”[4] A pesar da primeira conceituação ser a “geralmente considerada como atentatória aos princípios de justiça e da equidade e mais perniciosa do ponto de vista econômico, reclamando, assim, consideráveis esforços para solucioná-la”[5] a segunda já passa a permear alguns ordenamentos jurídicos como forma de flexibilizar o elemento da identidade do sujeito passivo, admitindo como tal os sócios de uma empresa e os cônjuges. 1.1.5 Identidade do período Alguns autores tomam por óbvia e desnecessária a citação do elemento da identidade do período por já estar este conceito incluído na própria ideia do elemento material do fato gerador, mas tal entendimento não deve prosperar, visto a distinção pujante de conceitos, tal qual fundamenta, mais uma vez, em precisa inteligência, BORGES: “A atitude de não incluir a identidade do período na definição de dupla tributação, dada a sua obviedade, pode resultar-lhe em prejuízo, não logrando comunicação sem equívoco, considerando que tal identidade é traço essencial da dupla tributação, o objeto definido, independentemente de os impostos serem de fato gerador instantâneo ou periódico. Quanto ao entendimento de que o elemento material do fato gerador envolve a identidade do período, ou do elemento temporal, não se pode aceitá-lo. Trata-se de dois elementos distintos do fato gerador, o primeiro configurando-se na descrição da situação de fato que lhe serve de suporte, e o outro, na indicação do momento em que se considera concretizado.”[6] Conclui-se portanto que a identidade temporal é fator essencial à configuração do fenômeno abordado. 1.2 Causas e consequências Em seu livro, Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, Heleno Tôrres ensina que: “A causa prevalecente do problema da bitributação internacional deve-se às relações entre dois ou mais sistemas tributantes de estados soberanos, instigada por inevitáveis concursos de pretensões impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em base transnacional, pela incidência das normas do Estado da situação da fonte efetiva dos rendimentos (dos países onde se localizam as filiais de uma multinacional, por exemplo) e pelas normas do Estado de residência (do país onde se localiza a matriz, a sede, da multinacional).”[7] Daí que para estabelecer sua competência internacional no que concerne aos impostos devidos, os Estados buscam nos elementos de conexão, ou seja, nos princípios da universalidade ou da territorialidade, sua justificação legal. Caso se baseiem no princípio da universalidade poderão adotar o critério da residência e/ou da nacionalidade e, em se tratando do princípio da territorialidade, adotarão o critério da fonte, mas é raro a adoção exclusiva de um único princípio para delimitação da competência tributária internacional. Importante as possibilidades suscitadas por BORGES: “Relativamente ao critério da nacionalidade, cite-se o caso de uma pessoa física que, ante sistemas diferentes de concessão da nacionalidade originária, detenha a nacionalidade de dois Estados, de um, por haver nascido no seu território — sistema do ius soli —, e de outro, por ser filha de nacionais seus — sistema do ius sanguinis —. Também uma pessoa jurídica pode ser considerada nacional de dois Estados, bastando, para isso, que, a fim de determinar a nacionalidade das pessoas jurídicas, um deles adote a teoria da sede social, e o outro, a teoria da origem, isto é, a do território de constituição da sociedade. Em se tratando do critério da residência, uma pessoa física pode ser considerada residente de um Estado, porque nele mantém a sua residência habitual; de outro, porque nele se encontra o centro de suas atividades econômicas; de outro ainda, porque o visita periodicamente, dispondo, para isso, de um apartamento no seu território. De forma similar, uma pessoa jurídica pode ser considerada residente de um Estado pelo fato de haver nele sido constituída, e de outro, por encontrar-se no território desse o centro de direção e controle. Quanto ao critério da fonte, por último, em seu nome pode também uma mesma pessoa ser cumulativamente tributada por dois Estados, se o conceituarem de modo diferente. É o que acontece, se uma pessoa presta serviços no território de Estado que conceitua a fonte como o local onde a atividade econômica se desenvolve, sendo, porém, paga por tais serviços por residente de outro Estado, que considera a fonte como o local onde é obtida a disponibilidade econômica ou jurídica da renda.”[8] Do todo se exprime a ideia de que as causas da múltipla tributação internacional podem advir da identidade ou da discrepância dos elementos de conexão utilizados no regramento jurídico de cada Estado. A despeito do fenômeno não estar eivado de antijuridicidade a bitributação internacional viola a concepção de justiça fiscal, onerando excessivamente os rendimentos globais de um contribuinte em desarmonia com o princípio tributário universal da capacidade contributiva. Além disso suas consequências se irradiam também no campo financeiro, cultural e sócio-político. As atividades econômicas são sumariamente prejudicadas pela dupla tributação internacional por interferir no livro movimento dos capitais e de pessoas, dificultando a transferência de tecnologia e o intercâmbio de bens e serviços. DORNELES[9] cita outros inconvenientes: (i) imposição de dificuldades ao fluxo de investimentos; (ii) encarecimento do custo do dinheiro; (iii) encarecimento e imposição de dificuldades na transferência de tecnologia; (iv) insegurança para os contribuintes; (v) neutralização por parte de um Estado da política fiscal de outro Estado. O fenômeno é responsável ainda por um possível incremento involuntário à prática da evasão e elisão fiscal, visto que os contribuintes, na busca da economia de tributos, fazem uso de meios juridicamente indesejáveis para se proteger da dupla imposição tributária. XAVIER aponta: “O fenômeno da elisão fiscal internacional assenta, assim, num duplo pressuposto: a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se apresentam, face a uma dada situação concreta, como mais favoráveis que o outro ou outros; a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do ordenamento tributário aplicável, pela influência voluntária na produção do fato ou fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicação.”[10] Daí que o contribuinte pode se posicionar para que quando pratique fatos jurídicos imputáveis tributariamente, o faça de maneira a reduzir ao máximo ou até mesmo eliminar a ocorrência da bitributação internacional, mesmo que para isso exceda a utilização de tais meios, desde que ainda legais, estando portanto configurada a prática da elisão fiscal. Já a evasão fiscal é caracterizada pela fraude à lei tributária, através da mutação dos elementos de conexão atribuídos pelo ordenamento jurídico ao qual está inserido por meio de atos ilícitos. Diferencia-se portante do mero abuso praticado na situação descrita acima. 1.3 Formas de combate à bitributação internacional Ao fixarem suas normas tributárias, os Estados devem sempre atender ao cuidado de verificar a possibilidade de ocorrência do fenômeno aqui estudado, objetivando atenuar seus efeitos indesejados sem, contudo, abrir mão de sua política fiscal instrumental à sua economia e ao dirigismo econômico constitucional. As medidas de enfrentamento à bitributação podem partir tanto do contribuinte, através de um planejamento tributário eficaz, quanto do Estado, por meio de medidas unilaterais ou bilaterais. 1.3.1 Planejamento tributário Assunto de grande relevância na seara privada de atuação do Direito Tributário Internacional, o planejamento tributário consiste na estruturação e organização jurídica por parte do contribuinte de seus atos imputáveis tributariamente visando a economia de tributos. É um processo de otimização da carga tributária, utilizado como um guia interpretativo dos sistemas tributários ao qual se debruça visando assegurar medidas seguras mais eficientes na tomada de decisões de negócios sujeitas à imposição tributária de mais de um Estado. 1.3.2 Medidas unilaterais Objetivando minorar os efeitos da pluritributação internacional os Estados adotam, unilateralmente, medidas limitadoras do exercício de sua competência tributária. NORONHA complementa: “Com efeito, as medidas a serem adotadas pelo ente tributante devem encontrar-se em perfeita harmonia com os fins colimados por sua política fiscal, quais sejam: neutralidade fiscal interna, neutralidade fiscal externa e eficiência nacional. A primeira, inerente a países ex-portadores de capital, é compatível com o sistema de crédito de imposto. Já a neutralidade fiscal externa (neutralidade fiscal à importação), prevista para países importadores de capital, compatibiliza-se com o método da isenção. Cabe verificar que, além do crédito de imposto e da isenção, existe o método da dedução, completando o rol de medidas unilaterais utilizadas para evitar a bitributação internacional.”[11] 1.3.2.1 Método da isenção O método da isenção, na seara do Direito Tributário Internacional, consiste na limitação à aplicação do princípio da universalidade, deixando de considerar imputável rendimentos auferidos além dos limites fronteiriços do país, rendimentos estes que, não fosse a isenção que lhe recai, seriam afetados pelo elemento da estraneidade e configurando assim os requisitos para aplicação das prerrogativas tributárias. Tal método comporta duas modalidades de aplicação, conforme NORONHA: “a) a isenção integral (full exemption), que ocorre quando a renda estrangeira não é considerada para nenhum efeito, sendo excluída da base de cálculo do imposto, e b) a isenção progressiva (exemption with progression), na hipótese de o rendimento produzido alhures ser utilizado para o cálculo da alíquota progressiva que será utilizada na determinação do quantum  debeatur do imposto devido.”[12] 1.3.2.2 Método da imputação ou do crédito do imposto devido O método da imputação, ou tax credit, consiste na adoção pelo Estado de uma postura de tributação integral dos rendimentos do contribuinte, ficando mais evidente aqui a aplicação do princípio da universalidade, uma vez que se tributa o que o contribuinte aufere fora e dentro do país, dando-lhe porém o direito subjetivo à concessão de um crédito pelo imposto pago no Estado da fonte, podendo este crédito sofrer alguma limitação. Na imputação integral o valor dos impostos pagos será deduzido em sua totalidade do que foi pago no país fonte do rendimento, mesmo sendo inferior, igual ou superior ao tributo devido no país de residência. Na imputação ordinária o montante de impostos pagos no país da  fonte será deduzido até o limite do valor devido em tributos no Estado de residência. Saliente-se que o Brasil adota o critério do crédito ordinário, previsto nos art. 103 e 395 do RIR/99. 1.3.2.3 Método da dedução e da redução de alíquota No método da dedução há a situação de que os impostos pagos em outros Estados são considerados como despesas e, por isto, podem ser deduzidos da base de cálculo do imposto a ser pago em seu país de origem. Já no método da redução de alíquota, responsável apenas por uma atenuação no fenômeno da bitributação internacional, consiste, em breves palavras, na redução da alíquota aplicada em determinados rendimentos de origem externa.[13] Conclui-se portando que ambos os métodos são pouco impactantes em sua finalidade de combater a multitributação internacional, assim como os demais métodos unilaterais de atuação Estatal, como bem acentua BORGES: “Ainda que as medidas unilaterais destinadas a evitar ou a eliminar a dupla tributação internacional sejam mais facilmente adotadas, na prática elas se mostram inadequadas e insuficientes para tal mister. O sacrifício unilateral que envolvem, o seu caráter limitado, no sentido de que geralmente visam apenas a alguns impostos, a grande diversidade dos atuais sistemas tributários, assim como a sua crescente complexidade, demonstram a impropriedade e a insuficiência das referidas medidas como meio de prevenção ou eliminação da dupla tributação internacional, cumprindo, assim, fazer uso de convenções internacionais.”[14] Convém, portanto, uma análise mais detalhada sobre os tratados internacionais em matéria tributária visando o combate ao fenômeno da bi ou múltipla tributação internacional, feita no próximo capítulo. 2. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA PARA EVITAR A BI OU MÚLTIPLA TRIBUTAÇÃO Data de 1899 o primeiro tratado internacional para evitar a dupla tributação e evasão fiscal, tendo sido firmado entre o Império Austro-Húngaro e a Prússia com a finalidade de tornar o comércio entre os dois países mais fluido e, quando do surgimento de controvérsias, possibilitar uma base de resolução ágil entre as duas jurisdições. O tema da bitributação internacional e seus consequentes tratados não surgiu recentemente mas veio a participar da história mais ativamente com o incremento do intercâmbio econômico entre as nações com vista a amenizar as barreias que impedem o maior fluxo de capitais, de transferência de tecnologias e expansão das economias mundiais. É em 1921 que o Comitê Financeiro da Sociedade das Nações (predecessora da ONU) lança estudos mais consistentes a respeito do assunto. É neste contexto que se lança a ideia da globalização, vendida principalmente como um projeto de integração cultural, a “aldeia mundial”, mas que incentivava principalmente a adoção mais aprofundada do modelo neoliberal de economia como meio de expandir o poder de ramificação das empresas multinacionais em um regime de livre mercado favorável a uma ampla concorrência. Daí ser a dupla ou múltipla tributação internacional um dos pontos mais relevantes do Direito Tributário Internacional na atualidade, pois sua complexidade inerente e as múltiplas frentes de atuação para resolução deste fenômeno indesejado, tais como o campo econômico, político, social e jurídico fazem com que diversas inteligências se debrucem sobre o tema visando um manejo eficiente do fenômeno, seja por parte do Estado, em seu interesse de tributar, mas que ao mesmo tempo tem interesse em manter a economia fluindo, seja por parte das empresas que buscam uma carta tributária menos onerosa e facilitadora das trocas comerciais. Os tratados ou acordos internacionais se mostraram, ao decorrer do tempo, como o mecanismo mais fecundo para neutralização da bitributação e seus efeitos indesejáveis. Daí a adoção em massa pelos Estados nacionais de tais mecanismos ao firmarem acordos de comprometimento, voltando suas vontades ao combate do referido fenômeno e respectivos reflexos, visando o desenvolvimento comercial entre eles, e a busca por maior lucratividade e entrada de capitais em seus países.[15] Postura a que se assemelha Agostinho Torroli Tavolaro: “Foram os tratados bilaterais para evitar a dupla tributação internacional (TDT), no entanto, a ferramenta mais utilizada pelos diferentes países, havendo alcançado número próximo a 2000, projetando mesmo ALEX EASSON que, mantido o mesmo ritmo assinatura de TDT, chegar-se-á a 16000 TDT no ano 2050, razão porque põe a indagação sobre sua necessidade, indagação esta a que demos resposta pela negativa quanto ao Brasil. De se lembrar que o Brasil tem em vigor, até a presente data, 25 (vinte e cinco) TDT.”[16] 2.1. Os tratados no direito brasileiro De suma importância a discussão sobre a interação entre o Direito pátrio e os tratados internacionais, como se dá a relação de um acordo firmado por nosso país e as leis que nele imperam, definindo-se, por fim, diretrizes de resolução de conflitos que venham a surgir. Para tanto é interessante frisas o papel de duas teorias que buscam explicar a relação entre os tratados e o direito interno: o monismo e dualismo. A primeira tece entendimento no sentido de que a ordem jurídica internacional e nacional são unidas, dando origem ao Direito como um todo, ou seja, a ordenação extranacional e intranacional são manifestações da unidade do Direito. Já a teoria dualista trilha caminho distinto, apartando as duas manifestações, aludindo à independência de cada conjunto de ordenamentos, o pátrio e o internacional, onde cada um regerá situações específicas e cada um terá seu âmbito de atuação. Cabe frisar que tais teorias não são precisas em suas delimitações, visto que quando da análise fática dos movimentos de comunicação entre as mais diferenciadas normas se perceberá que o nível de interação transborda as conceituações puras das citadas teorias, seja a monista ou a dualista. Conclui-se, portanto, que a distinção tem maior relevância no campo didático, uma vez que na esfera fática enfrentará maiores desafios à sustentação de suas bases teóricas. Foram firmados no Brasil os seguintes tratados[17]: “Alemanha (Dec. nº 76.988, de 6-1-1976); Argentina (Dec. nº 87.976, de 22-12-1982); Áustria (Dec. nº 78.107, de 22-07-1976); Bélgica (Dec. nº 72.542 de 30.07.1973); Canadá (Dec. nº 92.318, de 23-1-1986); Chile (Dec. no. 4.852 / 2003); China (Dec. nº 762, de 19.02.1993); Coréia (Dec. nº 354, de 2-12-1991); Dinamarca (Dec. nº 75.106, de 20-12-1974); Equador (Dec. nº 75.717, de 11-02-1988); Espanha (Dec. nº 76.975, de 02-1-1976); Filipinas (Dec. nº 241, de 25-10-1991); Finlândia (Dec. nº 2465, de 19.01.1998); França (Dec. nº 70.506, de 12-5-1972); Holanda (Dec. nº 355, de 02.12.1991); Hungria (Dec. nº 53, de 8-3-1991); Índia (Dec. nº 510, de 27-04-1992); Itália (Dec. nº 85.985, de 06-05-1981); Japão (Dec. nº 61.899, de  14-12-1967); Luxemburgo (Dec. nº 85.051, de 18-08-1980); Noruega (Dec. nº 86.710, de 09.12.1981); Portugal (Dec. nº 4012 /2001); República Tcheca (Dec. nº 43, de 25.02.1991); República Eslovaca (Dec. nº 43, de 25.02.1991); Suécia (Dec. nº 77.053, de 19-1-1976).” 2.1.1 A recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro No Brasil há um certo rito pelo qual se estabelece um Tratado Internacional. A começar pelas trativas entre os Estados ou Entes Internacionais envolvidos no acerto convencional sobre uma matéria em comum. Segundo o ordenamento pátrio essa prerrogativa é exercida pelo chefe do Executivo, o Presidente da República, que também pode delegar a outra pessoa por meio de Cartas de Plenos Poderes, conforme abaixo: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.[18] É através desse preceptivo que se permite o firmamento de acordos, protocolos, entre outros atos, que virão a ser devidamente validados após o referendamento do Congresso Nacional que, segundo o art. 49, inciso I da Constituição da República Brasileira é de sua competência exclusiva referendar tratados internacionais que envolvam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Interessante a ressalva de Bianca Castelar de Faria: “Do texto constitucional fica evidente que a Constituição da República Federativa do Brasil não exige a edição de uma lei específica para a recepção das normas de tratados internacionais. Uma conclusão mais apressada poderia, inclusive, levar o intérprete a admitir que o Brasil é um país que adota a doutrina monista. Mas, a rigor, a prática brasileira, no que tange à incorporação de normas externas, sempre foi de promulgar os tratados internacionais, mesmo diante do fato de que tal exigência jamais constou de qualquer das Constituições do Brasil. Na verdade, “o decreto de promulgação não constitui reclamo constitucional: ele é um produto de uma praxe tão antiga quanto a Independência e os primeiros exercícios convencionais do Império.” Essa tradição, por seu turno, parece ter-se originado a partir da Constituição de 1824, que exigia a sanção imperial para a entrada em vigor dos decretos e resoluções da Assembleia Geral, comando que era aplicado analogicamente aos atos internacionais. Costume que perdura até a presente data, já que a Constituição de 1988 em nenhum momento determina expressamente a promulgação de tratados internacionais, não obstante o parágrafo 3°, de seu art. 60, preveja que a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, enquanto seus artigos 65 e 66 estabelecem que os projetos de lei deverão ser enviados à promulgação, após a aprovação de ambas as casas do Congresso, nos prazos indicados nos parágrafos do art. 66. Não bastasse isso, o inciso IV, do art. 84, estabelece que a promulgação de leis é de competência privativa do Presidente da República, sem, contudo, fazer qualquer referência aos tratados, acordos ou atos internacionais.”[19] Ante a explanação se percebe a praxe de referendamento pelo Congresso Nacional que, após aprovar o tratado através de Decreto Legislativo, faz seguir o texto para a ratificação do Executivo. Daí segue a troca dos instrumentos de ratificação e finalmente o tratado é promulgado, em Diário Oficial, pelo Presidente da República através do decreto que dará conhecimento aos brasileiros da celebração do tratado. Surge, naturalmente, as questões sobre que seguimento teórico segue o Brasil, se o monista ou o dualista e, para além disso, as dúvidas sobre a resolução de conflitos que eventualmente venham a surgir e requeiram o pronunciamento do Estado sobre que legislação aplica, se a do tratado ou do ordenamento interno. Buscaremos resolvê-las a seguir. 2.1.1.1 Os conflitos no âmbito constitucional Primeiramente é válido fazer uma breve análise sobre a possibilidade de caracterização constitucional dos tratados internacionais de direito tributário. O parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.[20] Em leitura rápida e superficial facilmente caberia o entendimento de que os TDT (Tratados de Direito Tributário) se pigmentariam do verniz constitucional, ou seja, que suas disposições teriam força constitucional. Acontece, que tal dispositivo constitucional se refere a regramentos sobre direitos humanos, de forma que fica prejudicado o entendimento que buscar alçar à categoria constitucional os Tratados Internacionais de Direito Tributário. É de se notar que o referido dispositivo daria azo a uma imensa controvérsia doutrinária. Neste diapasão que veio a ser emendada a Constituição com a Emenda  nº 45, de 8 de dezembro de 2004, através de seu art. 5º, § 3º, como forma de dirimir as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a hierarquia e recepção dos tratados: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” Fica a sensação, correspondente à realidade, de que, no âmbito constitucional, haverá um certo teor vago de normatividade respectivamente aos tratados que não dirimam sobre direitos humanos, concluindo-se que tais tratados remanescentes quando conflitarem com o ordenamento pátrio terão sua solução definida pela aplicação dos métodos de solução de antinomia tradicionais ou pelo monismo moderado, sendo este um critério cronológico de resolução de conflitos entre normas. 2.1.1.2 Análise dos tratados ante o artigo 98 do Código Tributário Nacional Prescreve o art. 98 do CTN: os tratados e as convenções internacionais revogam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. Há um lapso constitucional em tratar expressamente sobre o conflito entre normas de direito internacional e de direito interno. Ao se debruçar sobre o estudo que busque solucionar um conflito entre nomas chegar-se-á a uma dupla possibilidade contextual: quando o tratado é posterior à lei interna; e quando a lei interna é posterior ao tratado. Na primeira situação prevalecerá a aplicação do tratado, seja pela abordagem do critério cronológico, seja pelo prisma da especialidade. Já na segunda situação, onde a lei interna é posterior ao tratado, há de ser prevalente a regra “lex posterior generalis non derrogat priori speciali”, ou seja, a lei geral sucessiva não derrogará a lei especial precedente. Pelo exposto, no que tange o artigo 98 do Código Tributário Nacional, a resolução de um conflito entre um Tratado Internacional de Direito Tributário toma contornos especiais, chegando-se à ideia de que os TDT teria, certas vezes, supremacia hierárquica sobre a lei interna, vez que se encontram em relação de especialidade em relação a esta. Tal entendimento encontra respaldo em Alberto Xavier: “Ora a matéria tributária situa-se precisamente no cerne dos direitos e garantias constitucionais, pois não só a própria Constituição assim o considera (art. 150, “caput”, da Constituição Federal), como atinge de pleno direitos e garantias, como a propriedade privada, a liberdade de comércio e a proibição do confisco. Apesar de expresso apenas no que concerne a “direitos e garantias” não vemos razão para restringir a superioridade hierárquica dos tratados a este terreno, já que ela decorre de outros elementos do sistema, como a existência de cláusula geral de recepção plena, a necessária participação do Chefe do Poder Executivo na sua celebração e a determinação expressa do art. 98 do Código Tributário Nacional.”[21] Uma vez que os TDT buscam evitar a dupla tributação internacional e combater a evasão através da cooperação entre Estados, de se esperar que os referidos tratados não criem novas obrigações tributárias nem ampliem as que já existem, assim como devem manter as garantias dos contribuintes ou demais normas de direito interno, apontando para a disponibilização de possibilidades resolutivas perante o concurso de pretensões impositivas dos Estados e seus residentes. Por isto que, observando esses critérios, o TDT será tido como lei tributária em sentido formal toda vez que tratar de matérias abrangidas pelo artigo 97 do CTN[22], onde se localiza o conteúdo abalizador do princípio da legalidade. Conclui-se com Daniel D'Agostini: “Portanto, cuida-se que havendo conflitos de normas oriundas de tratado tributário e a norma interna, se este observar os requisitos formais de formação e ainda respeitar as garantias do contribuinte e a legalidade tributária, este prevalecerá sobre o ordenamento interno, se constituindo em norma de aplicabilidade plena, em observância ao disposto no artigo 98 do CTN e pelos arts. 5º, § 2º, e 150, caput, da CF/88[…]”.[23] 2.1.1.3 O posicionamento do STF De todo o exposto nos tópicos anteriores chega-se ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, ao decorrer dos anos, oscila entre entendimentos não tão claros, mas que, atualmente pode ser sintetizado no mais recente posicionamento da corte em que há a prevalência do princípio cronológico, visto que ambos os instrumentos normativos, o interno e o internacional, são tidos como leis ordinárias, em detrimento ao princípio da especialidade, ou seja, a despeito do art. 98 do CTN o STF adota atualmente apenas o critério cronológico para dirimir eventuais conflitos entre TDT e norma interna. CONSIDERAÇÕES FINAIS De todo o exposto, no presente trabalho foi possível verificar como se dá o surgimento do fenômeno da bitributação ou múltipla tributação internacional, entendendo-se que o ocorrido se dá pelo exercício soberano e legal de cada Estado em efetuar suas prerrogativas tributárias. Para além disso foi efetuado uma contextualização no campo do Direito Internacional através da análise de seus princípios cardeais a serem aplicados no estudo presente. Foi abordado a estruturação de requisitos para a ocorrência da bitributação internacional e, quando da sua ocorrência as táticas combativas possíveis de serem aplicadas pelos Estados, sejam elas originadas nos próprios contribuintes, por medidas unilaterais por parte dos Estados ou bilaterais, sendo estas últimas alvo de maior detenção no trabalho. Tidas como as medidas mais eficazes ao combate da pluritributação internacional as medidas bilaterais foram convertidas no estudo dos tratados internacionais em matéria tributária visando o combate do fenômeno. Finalizamos o trabalho com a abordagem dos tratados internacionais de direito tributário onde foram alavancadas as possibilidades de interação destes instrumentos com o ordenamento jurídico pátrio, observando-se as particularidades ante o Código Tributário Nacional, a Constituição e a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, espera-se ter alcançado o objetivo maior do trabalho em se elucidar, de maneira geral, o mundo orbitante em torno das relações entre Estados visando uma maior integração econômica no processo maior chamado globalização através das mais variadas interações soberanas em busca de maior fluidez no trato internacional tributário.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-leao-de-duas-cabecas-a-sarca-da-bitributacao-internacional/
Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular e o fato gerador do ICMS
O objetivo deste estudo é analisar a regra matriz de incidência do ICMS, prevista no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, a fim de examinar os elementos que a compõem, cuja delimitação é de extrema importância para que seja possível a identificação do fato gerador do imposto em qualquer situação fática. À luz das correntes doutrinárias e jurisprudenciais mais atuais, bem como das disposições constantes da Lei nº 6.374/89, da Lei Complementar nº 87/96 e do Decreto nº 45.490/2000, analisar-se-á a possibilidade, ou não, de transferências de bens realizadas entre estabelecimentos pertencentes a um mesmo titular serem capazes de provocar o fato gerador do imposto incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias.
Direito Tributário
Introdução O ICMS, previsto no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, é imposto cuja instituição compete aos Estados e ao Distrito Federal, possuindo função predominantemente fiscal e sendo fonte de cerca de 80% da receita dessas pessoas políticas (SABBAG, 2003, p. 268). Alberga, em sua sigla, cinco impostos diferentes, que, apesar de possuírem hipóteses de incidência e bases de cálculo diversas, devem obedecer ao regime da não-cumulatividade. São eles: (i) imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias; (ii) imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; (iii) imposto sobre serviços de comunicação; (iv) imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; (v) e imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Para o presente estudo, no entanto, interessa-nos apenas o primeiro imposto, incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Apesar de a regra matriz de incidência do ICMS estar bem delimitada pela Constituição Federal, a doutrina ainda não é unânime acerca da definição dos elementos que a compõem, e cuja delimitação, por sua vez, é de extrema importância para que seja possível a identificação do fato gerador do imposto em qualquer situação fática. Questionar-se-á, no presente trabalho, a validade da exigência, pelo Fisco, de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias em casos nos quais se verifica tão somente a transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo proprietário. Nesse ponto, serão contrapostas as disposições constantes da Constituição Federal com aquelas contidas na Lei nº 6.374/89, na Lei Complementar nº 87/96 e no Decreto nº 45.490/2000, que trazem artigos nos quais o legislador infraconstitucional definiu como autônomos cada um dos estabelecimentos pertencentes a um mesmo titular. Dessa forma, será contestada a própria constitucionalidade dos dispositivos integrantes dos diplomas legais acima referidos, a fim de se esclarecer, através da análise da doutrina e da jurisprudência, se a remessa de mercadorias realizada entre estabelecimentos de uma mesma empresa pode provocar a ocorrência do fato gerador do ICMS. 1. Análise da Hipótese de Incidência do ICMS O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias está previsto no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, que, ao definir a regra matriz de incidência do tributo, apresentou ao intérprete três importantes elementos, cuja definição é imprescindível para a identificação da materialidade da hipótese de incidência do ICMS. Eles são: (i) operações; (ii) circulação e (iii) mercadorias. A noção de mercadoria é fundamental para o estudo do fato gerador do ICMS. Eduardo de Moares Sabbag (2003, p. 271) esclarece que, apesar de, lato sensu, ser a mercadoria qualquer coisa que constitua objeto de uma venda, a Constituição Federal define mercadoria, implicitamente, por seu sentido estrito, qual seja a junção do produto mais o intuito de mercancia. Dessa forma, para o autor é mercadoria todo bem ou coisa móvel destinada ao comércio. José Eduardo Soares de Melo também dá a sua definição de mercadoria, diferenciando-a dos bens que compõem o ativo permanente de uma empresa: "Mercadoria, tradicionalmente, é bem corpóreo da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso do ativo permanente" (MELO, 2001, p. 18) (grifo do autor). A diferenciação entre o que se configura como mercadoria e o que não se encaixa no conceito é bem evidenciada pelo exemplo trazido por Roque Carrazza (2000, p. 120), quando sustenta que a água pode ou não ser mercadoria, dependendo da sua utilização. Nas palavras do autor, a água mineral engarrafa e vendida por empresa comercial a um consumidor final é definitivamente uma mercadoria, sendo a operação com ela realizada perfeitamente tributável pelo ICMS. Em contraponto, é impossível a tributação por meio deste imposto da água em estado bruto, por exemplo, que se trata de bem público não destinado ao comércio. A definição da circulação que envolve essa mercadoria, por sua vez, tem igual importância, uma vez que não é qualquer circulação de mercadoria que será capaz de provocar a incidência do ICMS. A definição crua e dicionarizada da palavra "circulação" jamais poderia indicar, sem maiores especificidades, toda e qualquer situação que deveria ensejar a incidência do imposto em comento. A definição de "circulação" como simples "trajeto", "curso" ou "movimento" de um objeto levaria o intérprete a crer que o fato gerador do ICMS poderia ser provocado sempre que houvesse simples deslocamento físico de uma mercadoria. Assim, observando-se o aspecto temporal eleito pelo art. 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87/96, seria possível se reputar consumado o fato imponível do ICMS a partir da ocorrência de toda e qualquer saída física de mercadoria de um estabelecimento, de modo que até mesmo o contribuinte que tivesse suas mercadorias furtadas teria que arcar com o pagamento do imposto (CARRAZZA, 2000, p. 30). No exemplo acima não se pode negar que a circulação efetivamente ocorreu, uma vez que a mercadoria foi movimentada. No entanto, a tributação de tal situação seria claramente irracional, uma vez que a intenção do legislador ao criar o imposto sobre a circulação de mercadorias foi de onerar o comércio, e não qualquer deslocamento físico ausente de propósito negocial. Mauro Luís Rocha Lopes (2009, p. 362) dá uma série de outros exemplos de saídas de mercadorias completamente despidas de qualquer significado econômico, que não caracterizam efetiva circulação jurídica e, por consequência, não podem dar nascimento à obrigação de recolher ICMS: saída de veículos para test drive; deslocamento de estoque em razão de mudança de endereço; saída em comodato ou para exposição; remessa em consignação; remessa para depósito; etc. Assim, não basta que a mercadoria seja deslocada de um lugar para outro, devendo ocorrer real circulação jurídica da mesma, sendo necessário, para tal, que a operação realizada tenha caráter mercantil e que, em decorrência dela, haja mudança de titularidade do bem objeto do negócio jurídico. Eduardo de Moraes Sabbag (2003, p. 270/271), a fim de demonstrar o quão imprescindível é a transferência da propriedade da mercadoria para a caracterização da obrigação tributária, define o próprio termo “circulação” como “mudança de titularidade jurídica do bem”. Frisa o autor que a circulação, no caso do ICMS, não pode ser entendida como “mera circulação ‘física’, mas circulação ‘jurídica’ do bem”, que sai da titularidade de um sujeito, passando à titularidade definitiva de outro. Nesse sentido, concordam Geraldo Ataliba e Cleber Giardino (2005, p. 563), ao sustentarem (e insistirem) que “circular significa, para o Direito, mudar de titular”, de modo que “se um bem ou mercadoria muda de titular, circula para efeitos jurídicos”. Dessa maneira conclui-se que, em inúmeras ocasiões, a circulação física da mercadoria sequer será necessária para a caracterização do fato gerador do tributo, tendo em vista que a titularidade de uma mercadoria pode ser transferida de uma pessoa a outra sem que, necessariamente, essa mercadoria tenha que ser movimentada do local em que se encontra, bastando, para tal, a formalização do negócio jurídico que acarretará a transmissão da propriedade. Outro elemento da regra matriz de incidência do ICMS que merece delimitação são as operações, que estão claramente identificadas no texto constitucional como fato gerador do ICMS (art. 155, inciso II, da CF). Em seu art. 13, inciso I, e art. 15, inciso I, a Lei Complementar nº 87/1996 determina, como regra geral, que a base de cálculo do ICMS deve ser o valor da operação realizada, uma vez que o imposto incide, não sobre a circulação propriamente dita, ou sobre a saída de mercadorias, mas sobre o negócio jurídico celebrado que acarrete a circulação dessas mercadorias. Geraldo Ataliba dá uma definição esclarecedora: “É a operação – e apenas esta – o fato tributado pelo ICMS. A circulação e a mercadoria são consequências e meros aspectos adjetivos da operação tributada. Prestam-se, tão só a qualificar – dentro do universo possível das operações mercantis realizáveis – aquelas que ficam sujeitas ao tributo, ex vi de uma eficaz qualificação legislativa. Não é qualquer operação realizada que se sujeita ao ICMS. Destas, apenas poderão ser tributadas as que digam respeito à circulação atinente a uma especial categoria de bens: as mercadorias” (ATALIBA apud MELO, 2002, pág. 15). Dessa forma, entende-se que a operação, como fator gerador do ICMS, é o ato jurídico praticado em decorrência de um acordo de vontades emanado por duas pessoas distintas, que tenha por objeto a transferência de mercadorias. Imprescindível, assim, que o ato praticado tenha relevância no mundo jurídico, bem como que se vislumbre a existência de propósito negocial envolvendo a mercadoria. O ato jurídico deve ser, portanto, um ato de mercancia. Nas palavras de Eliud José Pinto da Costa (2008, p. 103): “As operações relevantes para esse imposto são os atos jurídicos. Não quaisquer atos, mas aqueles qualificados como negócios jurídicos” (grifos do autor). Nesse sentido, é válida a citação dos ensinamentos de Aliomar Baleeiro: “O Estado-membro está investido de competência para decretar ICM, é claro, não sobre bens ou coisas, mas especificamente sobre ‘operações’, isto é, negócios jurídicos que ponham em circulação mercadorias, transferindo-as de produtores ou revendedores dentro de sua jurisdição territorial, em sucessivas etapas, até o consumidor ou usuário final. Não é lícito querer ICM da deslocação física, sem relevância jurídica nem conteúdo negocial da mercadoria” (BALEEIRO apud BRASIL, 1987, p. 87). Sumarizando o que foi exposto até então, podemos concluir que só provocará o nascimento da obrigação tributária de recolher ICMS o contribuinte que (i) realizar operações (negócios jurídicos) mercantis, que impliquem na (ii) circulação jurídica (transmissão da propriedade) de (iii) bens destinados ao comércio (mercadorias). 2. A Não Ocorrência do Fato Gerador do ICMS no Caso de Transferência de Mercadorias entre Estabelecimentos do Mesmo Titular Ao analisar os principais elementos da regra matriz de incidência do ICMS, descrita pelo art. 155, inciso II, da Constituição Federal, concluímos que o fato gerador do imposto em comento somente será consumado com a realização de negócios jurídicos mercantis (operações), que tenham por objeto a mudança de titularidade (circulação) de uma categoria específica de bens: as mercadorias. No entanto, ao analisar a legislação infraconstitucional, encontramos disposições incompatíveis com a definição exposta acima. Consoante se infere do art. 2º da Lei nº 6.374/89, o legislador decidiu considerar como autônomos cada um dos estabelecimentos pertencentes a um mesmo titular, in verbis (grifo nosso): “Art. 2º – Ocorre o fato gerador do imposto: I – na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;” A Lei Complementar nº 87/96 e o Decreto nº 45.490/2000 também contêm disposições no mesmo sentido (grifo nosso): LC nº 87/96 “Art. 11. (…) § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:(…) II – é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”; Decreto 45.490/00 “Art. 2º – Ocorre o fato gerador do imposto: I – na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;” Dessa forma, de acordo com as disposições normativas acima transcritas, é possível se reputar ocorrido o fato gerador do ICMS no caso de transferências de mercadorias realizadas entre estabelecimentos do mesmo titular. Respeitável parte da doutrina, da qual fazem parte Alcides Jorge Costa e Hugo de Brito Machado, adota essa posição, sustentando que as operações de circulação de mercadorias não precisam, necessariamente, serem negócios jurídicos que impliquem na mudança de titularidade das mercadorias transmitidas, mas qualquer ação que impulsione esses bens da fonte de produção até o consumo: “Na transferência entre estabelecimentos da mesma empresa, desde que a mercadoria sai do estoque de um para compor o estoque do outro, onde se destina à comercialização, ocorre uma verdadeira operação relativa à circulação de mercadoria, que a impulsiona no caminho que há de percorrer da fonte produtora até o consumidor. Configura-se, pois, o fato gerador do ICMS” (COSTA, 1979, p. 91). Acatando as posições de tais autores, e seguindo com precisão o disposto nas normas infraconstitucionais sobre o tema, os Tribunais Administrativos têm proferido decisões que firmam entendimento no sentido de que devem ser tributadas todas as saídas de mercadorias de um estabelecimento contribuinte, ainda que se destinem a outro estabelecimento do mesmo proprietário, conforme se observa dos julgados abaixo transcritos: “ICMS. SAIDA DE MERCADORIA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL EM OPERAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO TITULAR. O art. 2º da Lei 6.374/89 estabelece a incidência do imposto nas saídas a qualquer título do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular. A operação em comento é tributada – paradigmas trazidos demonstram divergência no critério do julgamento. Recurso Fazendário conhecido e provido. RECURSO CONHECIDO. PROVIDO. DECISAO NÃO UNANIME Provido. Decisão não unânime”. (TIT, Recurso Especial, DRT 1C, Processo 567749/2002, AIIM 2019886-3, p. 04/03/2009). (grifo nosso). “ICMS – FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO POR ERRO NA APLICAÇÃO DA ALÍQUOTA. A d. Representação Fiscal recorreu do cancelamento do item 2 destes autos, relativo a transferência de mercadoria entre estabelecimento do mesmo titular. Indica paradigma apto a demonstrar o necessário dissídio jurisprudencial. O imposto incide na saída de mercadoria, ainda que se destine a estabelecimento de mesma titularidade. RECURSO CONHECIDO. PROVIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME”. (TIT, Recurso Especial, DRT 06, Processo 826531/2009, AIIM 3096491-0, p. 07/11/2011). (grifo nosso). “ICMS. A AUTUAÇÃO CONSISTE DE QUATRO ITENS DE ACUSAÇÃO: 1-FALTA DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS REFERENTE SAÍDA DE ENERGIA ELÉTRICA GERADA NA UTE BANDEIRANTES, NA QUAL A AUTUADA É AUTOPRODUTORA DE ENERGIA ELÉTRICA, E REMETIDA PARA SUAS UNIDADES NA CIDADE DE SÃO PAULO; 2- FALTA DE ADOÇÃO DO LIVRO REGISTRO DE SAÍDAS; 3- FALTA DE INSCRIÇÃO NA REPARTIÇÃO FISCAL; 4-FALTA DE ENTREGAS DE GUIAS DE INFORMAÇÃO E APURAÇÃO DO ICMS. (…). Irrelevante que a saída seja para outros estabelecimentos da mesma empresa, pois, como bem atestam os paradigmas e a jurisprudência predominante nesta casa, na transferência de mercadoria produzida num estabelecimento para outro estabelecimento do mesmo titular, o imposto incide normalmente. CONHEÇO E DOU PROVIMENTO AO APELO FAZENDÁRIO PARA RESTABELECER A AÇÃO FISCAL. DECISÃO NÃO UNÂNIME”. (TIT, Recurso Especial, DRT 1C, Processo 475015/2010, AIIM 3134279-6, p. 06/02/2012). (grifo nosso). No entanto, somos levados a concordar com a parte da doutrina que sustenta que a trajetória formada pelo impulso que leva a mercadoria da fonte produtora até o consumidor final deve ser realizada mediante sucessivas transferências de propriedade, uma vez que a movimentação de mercadorias sem alteração de patrimônio deve ser considerada juridicamente irrelevante para fins de tributação pelo ICMS. Para facilitar a compreensão de tal posição, José Nabantino Ramos dá um exemplo bastante simples ao afirmar que “considerar circulação a transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo proprietário é tanto quanto afirmar que o dinheiro circula quando Pedro o passa da mão direita para a mão esquerda” (RAMOS apud CARRAZZA, 2000, p. 56) (grifo do autor). Eliud José Pinto da Costa (2008, p. 112/113) tem a mesma opinião: “Em primeiro lugar, a definição jurídica de circulação deve ser identificada como um negócio jurídico. Vale dizer, deve ser realizado por duas pessoas, jamais por uma única pessoa como nos casos das transferências de matrizes para filiais, por exemplo.(…) Não é a simples transferência da posse de mercadoria de uma pessoa para outra que motiva a incidência do imposto, mas a transferência da propriedade”. Sacha Calmon Navarro Coêlho (2005, p. 563) também adota o mesmo entendimento, sustentando que “a circulação de mercadoria será sempre movimentação como forma de transferir o domínio, como mudança de patrimônio, como execução de um contrato translativo de titularidade da mercadoria”. Dessa forma, conclui-se que apenas as operações mercantis das quais decorram circulações de mercadorias com o propósito de transferir-lhes a propriedade terão relevância jurídica suficiente para provocar a incidência do ICMS. Roque Antônio Carrazza (2007, p. 38/56) também insiste: “Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular a sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias. É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS. (…) O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos consumidores finais”. Por este motivo, Carrazza (2007, p. 55) entende que “a remessa de mercadoria de um estabelecimento para outro, de uma mesma empresa, configura simples transporte e, por isso mesmo, é intributável por meio de ICMS”. O autor deixa a sua posição bastante clara, afirmando que, no caso de deslocamentos de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular, não ocorre a transmissão de mercadoria e, consequentemente, também não se concretiza a circulação jurídica necessária para a caracterização do fato gerador do tributo, que só ocorrerá quando uma operação for realizada entre duas pessoas distintas. Dessa forma, entende o doutrinador serem inconstitucionais todas as disposições normativas – constantes de leis complementares, ordinárias ou decretos – que equiparem filiais de uma mesma empresa a terceiros, uma vez que, ao assim disporem, deturpam a regra-matriz do ICMS prevista na Constituição, ferindo o direito conferido “aos contribuintes de só pagar este imposto quando realmente se configura uma operação mercantil” (CARRAZZA, 2007, p. 56). Nesse sentido, apesar de insistirem os Tribunais Administrativos em proferir decisões cujo conteúdo, a despeito de seguir as disposições infraconstitucionais sobre o tema, ultrapassa as linhas de demarcação da regra matriz constitucional do ICMS, a jurisprudência do Poder Judiciário ruma no sentido oposto, acatando as posições doutrinárias acima expostas a fim de firmar entendimento no sentido de que transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não provocam o fato imponível do imposto em comento.  É o que se observa do precedente abaixo colacionado: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DE UMA MESMA EMPRESA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PELA INEXISTÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166/STJ. DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. O deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS, porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade. (Precedentes do STF: AI 618947 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-07 PP-01589; AI 693714 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-13 PP-02783. Precedentes do STJ: AgRg nos EDcl no REsp 1127106/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; AgRg no Ag 1068651/SC, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 02/04/2009; AgRg no AgRg no Ag 992.603/RJ, Rel. Ministro  BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 04/03/2009; AgRg no REsp 809.752/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 06/10/2008; REsp 919.363/DF, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 07/08/2008) 2. "Não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte." (Súmula 166 do STJ). 3. A regra-matriz do ICMS sobre as operações mercantis encontra-se insculpida na Constituição Federal de 1988, in verbis: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;" 4. A circulação de mercadorias versada no dispositivo constitucional refere-se à circulação jurídica, que pressupõe efetivo ato de mercancia, para o qual concorrem a finalidade de obtenção de lucro e a transferência de titularidade. 5. "Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias. É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS. (…) O ICMS só pode incidir sobre operações que conduzem mercadorias, mediante sucessivos contratos mercantis, dos produtores originários aos consumidores finais." (Roque Antonio Carrazza, in ICMS, 10ª ed., Ed. Malheiros, p.36/37). 6. In casu, consoante assentado no voto condutor do acórdão recorrido, houve remessa de bens de ativo imobilizado da fábrica da recorrente, em Sumaré para outro estabelecimento seu situado em estado diverso, devendo-se-lhe aplicar o mesmo regime jurídico da transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, porquanto ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. (Precedentes: REsp 77048/SP, Rel. Ministro  MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/1995, DJ 11/03/1996; REsp 43057/SP, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/1994, DJ 27/06/1994) 7. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 8.  Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008”. (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, REsp 1125133/SP, j. 25/08/2010, DJe 10/09/2010, RTFP vol. 96 p. 392). (grifo nosso). Os Tribunais de Justiça tem seguido a orientação daquela Corte, como se pode ver através do precedente abaixo, proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “AGRAVO INTERNO. Processo. ICMS. Transferência de mercadoria. Estabelecimento do mesmo contribuinte. Suspensão da exigibilidade. Antecipação de tutela. Possibilidade. Art. 557, par.1ºA do Código de Processo Civil. Provimento. Possibilidade: – Não demonstrada qualquer inconsistência no fundamento da decisão, baseada na jurisprudência dominante de tribunal superior, é manifestamente infundada a irresignação do agravante. Ementa da decisão: PROCESSO. ICMS. Transferência de mercadoria. Estabelecimento do mesmo contribuinte. Suspensão da exigibilidade. Antecipação de tutela. Possibilidade: O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS. A antecipação de tutela não pode ser negada quando presentes a verossimilhança da alegação e o perigo da demora”. (TJSP, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Teresa Ramos Marques, Agravo n. 2129592-78.2014.8.26.0000, j. 15/09/2014). (grifo nosso). A pacificação da matéria no Judiciário, apesar de não impedir que decisões contrárias sejam proferidas na esfera administrativa, foi de extrema importância diante de casos extravagantes onde o Fisco pretendeu exigir o imposto, que era claramente indevido. Exemplo de tais situações foi um caso julgado pelo E. Supremo Tribunal Federal, no qual pretendia o Fisco Estadual cobrar o ICMS incidente sobre remessas de frangos de um para outro estabelecimento da mesma empresa, para simples pesagem (AI-AgR 131941/SP – Relator Min. Marco Aurélio). Diante de tais situações esdrúxulas, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria, estabelecendo que “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula nº 166). Ressalte-se que o entendimento dos Tribunais Superiores permanece o mesmo para situações nas quais uma mercadoria tenha sido remetida de um estabelecimento a outro, do mesmo titular, com o objetivo de comercializá-la, vez que, apesar de estar a mercadoria sendo impulsionada do produtor para o consumidor final, o fator gerador do tributo não restou configurado, ante a ausência de negócio jurídico mercantil com transferência de titularidade. Nesse sentido, segue o julgado abaixo transcrito: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA PARA ESTABELIMENTO DO MESMO CONTRIBUINTE. SÚMULA N.º 166/STJ. VERIFICAÇÃO ACERCA DO DESLOCAMENTO DE MERCADORIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ. (…) 2. O pólo passivo do writ cujo objeto é a incidência do ICMS sobre a transferência de mercadorias, impulsionada com o objetivo de venda, entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte, deve ser ocupado pelo Secretário de Fazenda do Estado.(…) 4. O deslocamento de mercadoria para um outro estabelecimento do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do ICMS. (Súmula n.º 166, do E. STJ). 5. Concluindo a instância a quo, com ampla cognição fático-probatória, que houve referido deslocamento obstativo da incidência da exação, a aferição do mesmo implica revolvimento de matéria de prova, insindicável pelo E. STJ, na forma da Súmula n.º 07. 6. Revela-se indiferente o argumento do Estado de que no caso de a mercadoria ser transportada de um estabelecimento para outro, do mesmo contribuinte, com o objetivo de comercializá-la, porquanto referido argumento não afasta a incidência do verbete sumular n.º 166/STJ. 7. Recurso especial desprovido”. (STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, REsp 729658/PA, j. 04/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 192). (grifo nosso). 3. Exceção à Regra Roque Carrazza e Vittorio Cassone concordam com a existência de uma exceção à regra geral. Para os autores, na transferência de mercadorias realizada entre estabelecimentos do mesmo titular, que estejam situados em territórios de pessoas políticas diferentes, a incidência do ICMS é verificada, a fim de que o Estado de origem não saia prejudicado. Dessa forma, entendem os doutrinadores que, em casos como este, a filial pode ser considerada um “estabelecimento autônomo”, ao menos para fins de tributação pelo ICMS. Assim, em operações interestaduais há a possibilidade de a Lei Estadual criar hipótese de incidência do tributo, tendo em vista que estas situações envolvem questões de competência, “interferindo na titularidade da receita do ICMS” (CASSONE in MARTINS, 2011, p. 792/793). Para fundamentar sua argumentação, Roque Carrazza (2007, p. 58) invoca o Princípio Federativo e o Princípio da Autonomia Distrital, e explica: “Em outras palavras, cabe ICMS quando a transferência de mercadorias dá-se entre estabelecimentos da mesma empresa, mas localizados em territórios de pessoas políticas diferentes, desde que se destinem à venda e, portanto, não sejam bens de ativo imobilizado. A razão disso é simples: a remessa traz reflexos tributários às pessoas políticas envolvidas no processo de transferência (a do estabelecimento de origem e a do destino). Ora, aplicando-se a regra geral (de que inexiste circulação na transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro, de um mesmo proprietário) a pessoa política de origem nada pode arrecadar, a título de ICMS; só a localizada no estabelecimento de destino”. No entanto, apesar de apontada a exceção pela doutrina, os Tribunais do país têm pautado seus julgamentos de acordo com a Súmula nº 166/STJ, uma vez que, como se observa, para que a transferência de mercadorias não constitua fato gerador do ICMS, a referida súmula preconiza apenas a necessidade de que o deslocamento se dê entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, sem ressalva quanto à necessidade de situarem-se no mesmo Estado: “TRIBUTÁRIO. ICMS – TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO. MULTA. LEI MAIS BENÉFICA. ESTADOS DIVERSOS. SÚMULA 166/STJ. APLICAÇÃO DA TR. LEI Nº 8.177/91. 1. Esta Corte tem entendimento já pacificado acerca da aplicação dos efeitos retroativos de lei mais benéfica, quando ainda não definitivamente julgado o ato, a teor do artigo 106, inciso II, alínea “c”, do Código Tributário Nacional. Precedentes jurisprudenciais. 2. A Súmula 166 do STJ consagrou a tese de que não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. 3. "Os índices de junho e julho de 1990 e de março de 1991 devem adequar-se ao posicionamento adotado na Suprema Corte para os meses em que vigoraram os 'Planos Collor I e II'. Assim, devem ser observados o BTNF para junho e julho/90 e a TR para o mês de março/91" (STJ – 1ª Seção, REsp n.º 282.201/AL, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 29.09.2003). 4. Recursos especiais do Estado do Rio Grande do Sul improvidos. Recurso Especial de Eicon – Refrigeração Ltda. provido”. (STJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, REsp nº 659569 /RS, j. 01/03/2005, DJ 09/05/2005, p. 353). (grifo nosso). Conclusão A regra matriz do ICMS contém três importantes elementos que nos propusemos a definir a fim de delimitar o aspecto material da hipótese de incidência do imposto, quais sejam: (i) operações; (ii) circulação e (iii) mercadorias. Através da análise da lei, bem como das posições expostas pela doutrina e pela jurisprudência, foi possível deduzir que, quando a Constituição Federal demarca a materialidade do tributo, em seu art. 155, inciso II, como a realização de operações relativas à circulação de mercadorias, está definindo o ICMS como um imposto incidente sobre a celebração de negócios jurídicos mercantis, que acarretem a transmissão da propriedade de bens destinados ao comércio, de maneira a impulsioná-los do setor de produção para o consumo final. Apesar de existirem correntes contrárias, tanto na doutrina como na jurisprudência (em especial, a jurisprudência dos Tribunais Administrativos), é majoritário o entendimento no sentido de que, para que a mercadoria circule e, portanto, seja objeto de operação com relevância jurídica suficiente para provocar a incidência do imposto em comento, é imprescindível que haja a mudança de titularidade, ou seja, a circulação jurídica da mercadoria, e não meramente física. Dessa forma, conclui-se que, para que se repute ocorrido o fato gerador do ICMS, deve o contribuinte realizar operação de caráter mercantil, em decorrência da qual haja mudança de titularidade das mercadorias objeto do negócio jurídico. Nesse sentido, as disposições normativas constantes da Lei nº 6.374/89, da Lei Complementar nº 87/96 e do Decreto nº 45.490/2000, que definem como autônomos cada um dos estabelecimentos pertencentes a um mesmo titular, são evidentemente inconstitucionais, visto que definem uma hipótese de incidência de tributo incompatível com o texto da Constituição da República. É impossível, assim, a despeito do entendimento jurisprudencial que predomina no Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, que transferências de mercadorias realizadas entre estabelecimentos pertencentes a um mesmo proprietário sejam tributadas pelo ICMS. A única exceção à regra que pode ser levada em consideração é aquela trazida por Roque Carrazza e Vittorio Cassone, que consideram legítima a incidência do imposto em tela na transferência de mercadorias realizada entre estabelecimentos do mesmo titular, que estejam situados em territórios de pessoas políticas diferentes. Difundem tal entendimento em razão dos reflexos tributários que tal remessa ocasiona para as pessoas políticas envolvidas, a fim de evitar conflitos de competência e de proporcionar, ao Estado de origem, a captação de parte da receita da tributação advinda daquela cadeia de comercialização. No entanto, ainda assim, a posição do Judiciário é unânime, seguindo à risca a previsão da Súmula nº 166/STJ, segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”, ainda que se encontrem em Estados diversos.
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A polêmica dos prazos prescricionais no redirecionamento da execução fiscal
O presente trabalho buscou abordar os aspectos da prescrição no caso de redirecionamento da execução fiscal em face de terceiro responsável. Busca-se descobrir se é possível que o responsável tributário invoque a prescrição intercorrente após o lapso temporal de cinco e anos e, se a resposta for positiva, a partir de qual momento o se iniciará a contagem do prazo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Dentre os embates doutrinários acerca da execução fiscal, podemos destacar a polêmica sobre o prazo para o redirecionamento da execução fiscal para a figura do responsável.Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha sumulado a questão, a doutrina é divergente em vários aspectos desse tema e já podemos encontrar na jurisprudência, entendimentos contrários a referida súmula, inclusive na jurisprudência do próprio STJ.Sendo assim, partimos da análise da obrigação e da responsabilidade tributária, para posteriormente enquadrarmos o momento da constituição do crédito tributário e, em seguida, analisarmos o fenômeno e os prazos da prescrição no Direito Tributário. Visto esta parte introdutória, passamos a análise da possibilidade do redirecionamento da execução fiscal para, finalmente, enfrentarmos os embates doutrinários e jurisprudenciais a respeito do prazo para o fisco promover o redirecionamento da execução fiscal, sob pena de restar caracterizada a prescrição intercorrente em favor do particular. Outro tema a ser debatido versa sobre o início da contagem do referido prazo.Em suma, o que se busca encontrar no presente artigo é a opinião doutrinária e jurisprudencial em relação ao prazo do credor para promover o redirecionamento da execução fiscal, bem como o início da contagem do respectivo prazo. 1. ASPECTOS GERAIS DA OBRIGAÇÃO E DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Hugo de Brito Machado, ao discorrer sobre o conceito da obrigação tributária, leciona que “A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. Em virtude do princípio da legalidade, essa norma há de ser uma lei em sentido estrito, salvo em se tratando de obrigação acessória. A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se de fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo) são efeitos da incidência da norma.” (2010, p. 129) Podemos entender dessa forma, que a obrigação tributária é a relação jurídica onde o particular tem a obrigação de prestar dinheiro ao Estado, bem como fazer, não fazer ou tolerar algo decorrente do interesse da arrecadação ou fiscalização de tributos por parte do Estado, que por sua vez, tem o direito de constituir contra o indivíduo, um crédito (MACHADO, 2010, p. 129.). A obrigação tributária, segundo o artigo 113, do Código Tributário Nacional será principal ou acessória. A obrigação principal visa o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, enquanto a obrigação acessória visa as prestações, positivas ou negativas previstas em lei.Mas para bem entendermos os institutos da obrigação e responsabilidade tributárias, devemos antes, analisar o conteúdo de seus elementos, sendo eles a hipótese de incidência, o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota, e os sujeitos ativo e passivo.A hipótese de incidência não se confunde com o fato gerador. Ela representa a descrição legal de um fato, considerada abstrativamente, enquanto o fato gerador é concreto. Hugo de Brito Machado realiza a diferenciação desses institutos dizendo que “A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei”. (2010, p. 135). Em relação ao fato gerador, de acordo com o artigo 114, do Código Tributário Nacional “Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” De acordo com Hugo de Brito Machado, o fato gerador é a concretização da hipótese de incidência, abstratamente prevista em lei. Para o autor “o fato gerador da obrigação tributária há de ser sempre considerado como fato.” (2010, p. 133).Ainda segundo o renomado autor, a base de cálculo representa “a expressão econômica do fato gerador do tributo (…), é a realidade economicamente quantificável”. É um elemento essencial para a identificação do tributo e sobre ele incidirá a chamada alíquota, que é “o percentual aplicado sobre a base de cálculo.” (2010, ps. 142-143 ).Para melhor entendermos a dinâmica da relação de tributação, devemos estudar o artigo 119 e 121, ambos do CTN, que tratam sobre os sujeitos da relação tributária. “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.” O sujeito ativo, como se pode extrair da leitura do artigo acima indicado, é aquele titular da competência para exigir o adimplemento da obrigação.Desta forma, o sujeito ativo será a pessoa jurídica de direito público que possui competência para constituir o crédito tributário, inscrevê-lo na dívida ativa e promover a execução fiscal (MACHADO, 2010, p. 147).Já em relação ao sujeito passivo, podemos descrevê-lo como sendo a pessoa, natural ou jurídica, obrigada ao cumprimento da obrigação tributária.Ponto importante destacado por Hugo Machado de Brito é sobre a diferenciação entre o contribuinte e o responsável. Em sua classificação o autor utiliza a denominação de sujeito passivo direto e indireto, senão vejamos “O sujeito passivo direto (o contribuinte) é aquele que tem relação de fato com o fato tributável, que é na verdade uma forma de manifestação de sua capacidade contributiva (…) Por conveniência da Administração tributária, a lei pode atribuir o dever de pagar o tributo a outra pessoa, que não tenha relação de fato com o fato tributável, eliminando, ou não, esse dever do contribuinte. Surge, nesse caso, o  sujeito passivo indireto. O sujeito passivo indireto é aquele que, sem ter relação direta de fato com o fato tributável, está, por força de lei, obrigado ao pagamento do tributo.” (MACHADO, 2010, p. 150) O Código Tributário Nacional, em seu artigo 121, II, se refere à responsabilidade tributária em sentido estrito, ao referir-se ao responsável como sendo um sujeito passivo diverso do contribuinte. De acordo com o referido artigo “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Porém o artigo acima citado deve ser interpretado, nesse caso, juntamente com o artigo 128, também do Código Tributário Nacional, que dispõe “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Isso vale dizer que podemos encontrar um indivíduo na posição de contribuinte e outro indivíduo na posição de responsável. Porém, há que se ter em mente que só poderá ser apontado como responsável, aquele particular que tiver algum vínculo com o fato gerador.Leandro Paulsen defende o mesmo ponto de vista, quando diz que “O legislador não pode atribuir responsabilidades tributárias de modo aleatório, a quem não se relacione com o fato gerador ou com o contribuinte. A causa da responsabilidade e seus efeitos tem de se justificar.” (2008, p. 907). Nas palavras de Hugo de Brito Machado “Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei”. (2010, p. 159) A doutrina contemporânea classifica a responsabilidade tributária passiva em responsabilidade por substituição e responsabilidade por transferência para tratar do vínculo jurídico existente entre o contribuinte e o responsável. Dessa forma, analisaremos os conceitos e características desses dois institutos. 1.1. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUBSTITUIÇÃO Dá-se a responsabilidade tributária por substituição quando a obrigação surge diretamente para o responsável, a quem deve recolher o tributo devido a partir da ocorrência do fato gerador. De acordo com Machado (2010, p. 151), a substituição ocorre quando o legislador, ao definir a hipótese de incidência, coloca desde logo como sujeito passivo da relação tributária – que surgirá com a ocorrência do fato gerador-, um indivíduo que já está relacionado àquele. No momento em que ocorre o fato gerador, o responsável já guarda uma relação com ele. Aqui reside a principal diferença entre a responsabilidade por substituição e a responsabilidade por transferência, visto que na responsabilidade por transferência, o responsável ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador. 1.2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR TRANSFERÊNCIA A responsabilidade por transferência acontece quando um terceiro ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador, em decorrência de um evento superveniente, ou seja, depois de surgida à obrigação contra uma pessoa determinada ela acaba sendo transferida a outro por acontecimentos posteriores (SABBAG, 2011, p. 709). A responsabilidade por transferência ocorre quando existe legalmente o sujeito passivo direto (contribuinte) e mesmo assim o legislador atribui também, a outra pessoa, o dever de pagar o tributo, tendo em vista eventos ocorridos após o surgimento da obrigação tributária. (MACHADO, 2010, p. 150) Desta forma, podemos perceber que na responsabilidade tributária por transferência, a obrigação tributária surge primeiramente em face do contribuinte, no entanto, a legislação prevê a mudança do polo passivo em decorrência do advento de determinados atos ou fatos jurídicos. 2. O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL, UMA ANÁLISE À LUZ DO DIREITO PROCESSUAL   Já sabemos que diante da ausência de pagamento da obrigação tributária, o sujeito ativo procederá com a expedição da Certidão de Dívida Ativa (CDA), que é título executivo extrajudicial. Com o título em mãos, o representante da Fazenda Pública promoverá a ação de Execução Fiscal em face do particular (MACHADO, 2010, p. 274). De acordo com Fredie Didier Jr., “Após a inscrição em dívida ativa, será emitida uma certidão que atesta a certeza e liquidez do débito. Essa certidão, denominada de certidão de dívida ativa, constitui o título executivo apto a legitimar a propositura da execução fiscal” (2010, p. 745).Mais adiante, o autor analisa sobre a possibilidade do redirecionamento da execução fiscal, da figura do contribuinte, para a figura do responsável da seguinte maneira “Conquanto o art. 2°, § 5°, I, da Lei Federal n. 6.830/1980 mencione a necessidade de os responsáveis serem designados no Termo de Inscrição de Dívida Ativa, é bem de ver que o art. 4° da mesma Lei n. 6.830/1980 dispõe poder a execução fiscal ser promovida contra o responsável (inciso V). Se realmente fosse necessária a designação do responsável no Termo de Inscrição em Dívida Ativa, ele se transformaria em devedor, não havendo razão para o art. 4°, V, da Lei n. 6.830/1980 fazer referência ao responsável; bastaria a referência apenas ao devedor, pois ostenta essa condição aquele que consta do Termo de Inscrição em Dívida Ativa. Significa, então, que a execução fiscal pode incidir contra o devedor ou contra o responsável tributário, não sendo necessário que conste o nome deste na certidão de dívida ativa. Na verdade, estando o nome do responsável no Termo de Inscrição em Dívida Ativa, ele figura como parte legítima a integrar o polo passivo da execução fiscal, havendo a presunção de liquidez e certeza de ser ele responsável, podendo, simplesmente, ser intentada execução fiscal em face dele. Caso, todavia, não esteja consignado na Certidão de Dívida Ativa o nome do responsável, nada impede seja a execução contra ele redirecionada, desde que haja a comprovação de sua responsabilidade pela dívida.” (DIDIER JR., 2010, p. 748). Apesar da opinião respeitável do doutrinador acima citado, a legislação tributária pátria permite que a cobrança do débito tributário possa recair sobre a figura de terceira pessoa que não conste na CDA. Evidentemente, cabe ao fisco provar que se trata de uma das hipóteses previstas no Código Tributário Nacional e requerer ao magistrado que ocorra o redirecionamento da execução fiscal em face da figura do responsável. Porém, há que se fazer uma diferenciação quanto a modalidade de responsabilidade. A nosso ver, seria incoerente a permissão do redirecionamento da execução fiscal em relação a responsabilidade por substituição, visto que nela já existia a figura responsável na época da ocorrência do fato gerador. Mais correto seria, então, incluir o nome do responsável no momento da criação da CDA. O fato apontado pela doutrina majoritária que tem o condão de justificar a entrada de terceiro, alheio à CDA, no polo passivo da execução, é justamente a comprovação tardia de responsabilidade de outrem. Sendo assim, o redirecionamento da execução fiscal poderá ocorrer quando for o caso de responsabilização por transferência. A necessidade de uma medida que possibilite a eficácia do processo de execução fiscal também é uma justificativa válida para a aceitação dessa medida. Porém, há que se fazer uma ressalva em relação aos limites do redirecionamento da execução fiscal. A apuração da figura do responsável deverá ocorrer após o lançamento do crédito tributário e caberá ao fisco demonstrar que o caso se enquadra nas normas relativas à responsabilidade tributária e que o status de responsável só se revelou em momento processual avançado. Esse raciocínio pode ser extraído dos incisos I e V, do artigo 568, do Código de Processo Civil, que reza “Art. 568. São sujeitos passivos na execução: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo; […] V – o responsável tributário, assim definido na legislação própria” Sendo assim, vemos que o Código de Processo Civil prevê a possibilidade da inclusão no polo passivo de responsável tributário, ainda que não tenha sido mencionado no título executivo extrajudicial. Essa previsão ocorre devido ao fato de que podem vir a existir situações de alteração do polo passivo quando já está em curso o processo de execução. Não seria razoável que a Fazenda tivesse que criar outra CDA para começar um novo processo de execução fiscal, oriundo de um mesmo fato gerador, se já existe a figura do responsável. É uma medida que homenageia o princípio da eficiência, da razoabilidade e da economia processual. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento da possibilidade do redirecionamento da execução fiscal nesses casos “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. ÔNUS DA PROVA. DISTINÇÕES. 1. Na imputação de responsabilidade do sócio pelas dívidas tributárias da sociedade, cumpre distinguir a relação de direito material da relação processual. As hipóteses de responsabilidade do sócio são disciplinadas pelo direito material, sendo firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, sob esse aspecto, a dissolução irregular da sociedade acarreta essa responsabilidade, nos termos do art. 134, VII e 135 do CTN. 2. Sob o aspecto processual, mesmo não constando o nome do responsável tributário na certidão de dívida ativa, é possível, mesmo assim, sua indicação como legitimado passivo na execução (CPC, art.568, V), cabendo à Fazenda exequente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a causa do pedido, que há de ser uma das hipóteses da responsabilidade subsidiária previstas no direito material. A prova definitiva dos fatos que configuram essa responsabilidade será promovida no âmbito dos embargos à execução.” (RESP n° 1096444, processo n° 200802176717, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, em 30/03/2009) Tendo visto que é possível haver, nos casos acima citados, o redirecionamento da execução fiscal, nos resta saber se existe em nosso ordenamento jurídico a fixação de um prazo, qual seria esse prazo e a partir de qual momento o suposto prazo começaria a ser contado. 3 ASPECTOS DA PRESCRIÇÃO O instituto da prescrição diz respeito ao fato de que o exercício de um determinado direito não deve ficar pendente de forma indefinida no tempo, de forma a garantir uma segurança jurídica à sociedade. (TARTUCE, 2011, p. 241).Na opinião de Maria Helena Diniz, a prescrição está apta a extinguir a pretensão do direito, não o direito em si. Nessa vereda, a prescrição faz desaparecer “por via oblíqua, o direito por ela tutelado que não tinha tempo fixado para ser exercido”.(2010, p. 207). Segundo Hugo de Brito Machado “Na teoria geral do direito, a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se, nesse ponto, da decadência, que atinge o próprio direito”. (2010, p. 236). De acordo com a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa “O art. 189 abre o capítulo, dispondo: “Violado o direito subjetivo, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Adota-se o princípio da actio nata, admitindo-se que a prescrição tolhe o direito de ação, ou mais especificamente, dentro do direito material, a prescrição faz extinguir a pretensão, que é o espelho do direito de ação” (2007, p. 548). Destarte, podemos concluir que a prescrição acaba por constituir uma penalidade aplicada contra o credor, em benefício do devedor, homenageando a máxima de que “o direito não socorre aos que dormem”, devido aos reclames sociais por segurança jurídica.   3.1 A PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO De acordo com o Código Tributário Nacional, o prazo prescricional será de cinco anos, a contar da data da efetiva constituição do crédito tributário.O artigo 174 do CTN, assim dispõe “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.” Sendo assim, devemos analisar, contudo, qual o momento da constituição definitiva do crédito tributário, para então podermos aplicar a regra prescricional trazida pelo artigo 174 do CTN.De acordo com o artigo 142, também do CTN “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Como visto acima, enquanto não houver lançamento pela autoridade competente, não estará constituído o crédito tributário (MACHADO, 2010, p. 182). Sendo assim, podemos concluir que o prazo prescricional de cinco anos começará a fluir a partir do lançamento realizado pela autoridade fiscal competente. 4 O PRAZO PRESCRICIONAL PARA O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL Concluímos no segundo tópico do presente trabalho, que nosso ordenamento jurídico pátrio permite, em certos casos, o redirecionamento da execução fiscal. Porém, o fisco deverá respeitar as regras concernentes à prescrição.Sabe-se, também, que o prazo prescricional da dívida tributária ocorre em cinco anos, contados do momento em que houver a formalização do crédito tributário.Por conseguinte, nos resta examinar se existe em nosso ordenamento jurídico um prazo para que a Fazenda promova o redirecionamento da execução fiscal para recair sobre a figura do responsável e a partir de qual momento este prazo começaria a fluir.A dificuldade de uma resposta imediata reside no fato de que o responsável, embora assim designado pela lei, não foi mencionado no momento de constituição do crédito (se assim o fosse, não haveria o que se analisar em relação ao redirecionamento da execução fiscal, pois ele seria considerado parte). Tendo em vista que o artigo 174 do CTN determina que a prescrição começa a correr a partir da constituição do crédito, tal marco não se fez presente em relação à figura do responsável.Consequentemente, em uma primeira leitura do dispositivo, poder-se-ia imaginar que não haveria prescrição intercorrente no caso do redirecionamento da execução fiscal, uma vez que o crédito do responsável ainda não foi constituído, não havendo que se falar em prescrição, podendo o fisco, a qualquer tempo, promover o redirecionamento da execução fiscal. Não obstante, a doutrina vem discutindo a respeito da aplicação ou não do prazo previsto no artigo 147. Pela análise gramatical do dispositivo, percebemos que o prazo prescricional só poderá ser aplicado em favor do contribuinte indicado na CDA, não se aplicando, todavia, a figura do responsável.Outra análise que se faz necessária é a da prescrição intercorrente, disposta no art. 40 da Lei n° 6.830/80, que dispõe “Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4o – Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. § 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.” A partir da leitura do dispositivo acima mencionado, pode-se perceber que o legislador pátrio optou por considerar que a prescrição intercorrente também ocorrerá no prazo de cinco anos. Assim sendo, quando a execução não puder ser satisfeita, o juiz suspenderá a execução por um ano, findo esse prazo, ordenará o arquivamento dos autos (art. 40, § 1°). A partir do momento em que o magistrado despachar suspendendo a execução, será dado vista para que o Sujeito Ativo realize atos suficientes para encontrar bens ou responsáveis para darem prosseguimento na execução fiscal. Se, todavia, durante os cinco anos subsequentes, o Sujeito Ativo permanecer inerte, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, não se justifica que após o advento do lapso temporal, possa o representante da Fazenda proceder com o redirecionamento da execução fiscal em face da figura do responsável. Observe-se que, a partir do momento em que o juiz ordena o arquivamento dos autos pelo período máximo de um ano, aberto vista para o representante da Fazenda, ele deverá fazer o redirecionamento da execução fiscal no prazo de cinco anos, sob pena de a execução fiscal ser extinta por prescrição intercorrente, inclusive em relação ao redirecionamento da execução fiscal.É exatamente esse raciocínio seguido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos “TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO CONTRA O SÓCIO – CINCO ANOS DA CITAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. O redirecionamento da execução aos sócios gerentes deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, de modo a afastar a imprescritibilidade da pretensão de cobrança do débito fiscal. Agravo regimental improvido.” (AGA 200802441915, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, 31/08/2009). Em relação ao inicio de contagem do prazo da prescrição intercorrente, o verbete n° 314 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça diz que o prazo quinquenal terá início a partir do momento em que se findar o prazo de suspensão de um ano do processo, como se pode ver na própria jurisprudência dessa Corte “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ANUIDADES DE CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 435/STJ. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. SÚMULA 314/STJ. TAXA SELIC. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A dissolução irregular da empresa legitima o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, conforme Súmula 435/STJ. 2.  "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente" (Súmula 314/STJ). 3. "As contribuições cobradas pelas autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional são contribuições parafiscais, contribuições corporativas, com caráter tributário" (STF, MS 21.797/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ 18/5/01). 4. "É legítima a utilização da taxa SELIC como índice de correção monetária e de juros de mora, na atualização dos créditos tributários" (REsp 665.320/PR, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe 3/3/08). 5. Agravo regimental não provido.” (AgRE no REsp 1226083, Min. Arnaldo Esteves Lima. Primeira turma, 13/06/2012). CONCLUSÕES Ao longo do presente artigo, vimos que a figura do responsável surge através da impossibilidade de o sujeito passivo adimplir seu débito tributário e vimos também que para que um particular seja considerado responsável, deverá haver previsão em lei. Só assim o responsável poderá ser incluído no polo passivo da obrigação tributária.Visto isso, foi analisado que o prazo para a prescrição tributária ocorrerá em cinco anos e que de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, poderá haver prescrição intercorrente se o fisco se quedar inerte.Noutros termos, isso significa dizer que se não for possível adimplir a obrigação tributária na execução em face do contribuinte, a Fazenda pode requerer ao magistrado que o processo seja suspenso por prazo máximo de um ano, para que busque meios de executar o requerido. Se, contudo, ainda não se tornar possível o pagamento por aquele indicado como contribuinte na Certidão de Dívida Ativa, documento que instrui o processo de execução, o fisco poderá requerer o redirecionamento da execução fiscal em face da figura prevista em lei como responsável, ainda que seu nome não tenha sido mencionado na CDA.Ante o exposto, podemos concluir que a jurisprudência do STJ vem decidindo majoritariamente que a Fazenda tem o prazo de cinco anos, contados do final do prazo de um ano da suspensão da execução, momento em que estará certo que não haverá possibilidade de executar o contribuinte, para promover o redirecionamento da execução fiscal em face ao terceiro responsável pelo crédito tributário.
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Breves apontamentos sobre a inconstitucionalidade da reforma do Código Tributário Municipal e de Rendas da Cidade do Salvador
É fato notório que a Câmara de Vereadores, bem como a Assembleia Legislativa e a Câmara dos Deputados são os grandes arquitetos do ordenamento jurídico brasileiro, cabendo-lhes não só redigir normas como analisar as propostas de leis enviadas pelo Poder Executivo de seu respectivo ente político. Caso emblemático foram os projetos de lei 160 e 161/2013, que foram propostos pelo Poder Executivo Municipal da Cidade de Salvador e trouxeram à lume uma discussão antiga: até que ponto a política deve sobrepor a juridicidade dos atos? Qual o real papel da Comissão de Constituição e Justiça, diante do jogo político que amealham os partidos? Os referidos projetos de lei do Poder Executivo, como se perceberá, foram confeccionados à revelia do melhor entendimento doutrinário e ignorando o que a jurisprudência mais aquilatada preceitua, inaugurando para os contribuintes soteropolitanos um momento temeroso, onde direitos constitucionalmente garantidos são feridos de morte, dispositivos legais desrespeitados e sobretudo, o contribuinte desrespeitado na sua condição de cidadão, por ver projetos nefastos como esse serem apresentados e aprovados no esquema “rolo compressor”, impedindo uma ampla e irrestrita discussão.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Como é de notório saber, a atual Gestão Municipal Soteropolitana apresentou à Câmara Municipal de Vereadores, dentre outros, dois projetos de lei (PLE 160 e 161 de 2013[1]) que despertaram o interesse e causaram alvoroço no meio tributário. Os debates em torno da proposta avançam não só na seara da legalidade como da constitucionalidade e afetam muitos setores da sociedade. Ocorre que muitas das inovações trazidas ao Digesto Tributário Municipal afrontam princípios de ordem constitucional, disposições legais, limitações ao poder de tributar e mais: alguns dos princípios basilares ao Estado Democrático de Direito, insculpidos na Constituição Federal. Desta maneira, com fito de propor a discussão mais ampla sobre os temas aqui abordados e evitar a enxurrada de questionamentos acerca da inconstitucionalidade dos dispositivos no Poder Judiciário, busca-se aqui esclarecer alguns dos aspectos obscuros e/ou pouco esclarecidos pelo próprio Poder Executivo Municipal. A proposta do presente artigo não é esgotar as inconsistências, mas trazer a lume alguns pontos controversos e muitas vezes olvidados das discussões especializadas e apresentar, quiçá, propostas de alteração das iniciativas das proposições legislativas apresentadas pelo Prefeito de Salvador. 2. AS SOCIEDADES DE ADVOGADOS NA (M) IRA DO FISCO. Inicialmente, traz preocupação os escritórios de advocacia que prestam suas atividades judicantes na Cidade de Salvador por criar critérios para o aproveitamento da base de cálculo específica do ISS – Imposto Sobre Serviços, apontado em lei complementar federal (Art. 9º do Decreto-Lei 406/68[2]), por meio de condições exigidas para o seu labor, precipuamente no tocante ao art. 87-B, § 4º, quando comanda o alheamento do regime jurídico especial para as sociedades que, "embora constituídas como simples, assumam caráter empresarial em função de sua estrutura ou da forma da prestação dos serviços". Ora, é sabido que as sociedades simples são aquelas que exercem atividades de cunho intelectual, não se enquadrando nos preceitos legais para exercício de atividade empresarial e enquadramento na figura típica do empresário, como se infere do art. 966 do Código Civil[3]: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. (grifo nosso)” Tal dispositivo utiliza de acepções muito abertas, de conteúdo indeterminado, o que permite a regulamentação, pela Administração Municipal, de modo contrário, ou restritivo ao direito à base de cálculo distinguida. Essa discricionariedade afronta as limitações ao poder de tributar, como pedra angular de direito tributário, defendido inclusive pela Carta Política de 1988. Decerto que tal disposição aflige outras sociedades de cunho intelectual de profissionais liberais, como engenheiros, contadores, médicos, entre outros. A permissividade do art. 87-B §4º é de tal maneira perniciosa que esta pretensa equiparação de dois tipos societários tão distintos, culmina por permitir a tributação destas duas sociedades, sob mesmos aspectos, o que, no mínimo, uma afronta aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.Seria cabível, in casu, um projeto de emenda legislativa substitutiva, destinada a suprimir o presente artigo, visto que uma sociedade de advogados, por exemplo, não pode ser equiparada a sociedade mercantil, posto que seu estatuto – Lei Federal 8.906/94[4] – veda expressamente em seu art. 14, impedindo inclusive seu registro no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas e Junta Comercial, como se pode ver abaixo: “Art. 16 Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar. § 3º – É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia.” Em sendo assim, guarda a presente reforma do Código Tributário Municipal, vício de legalidade, por afrontar dispositivo de hierarquia nacional, devendo ser suprimido no todo. 3. A INTIMAÇÃO POR COMUNICAÇÃO ELETÔNICA E O DIREITO A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO. O projeto de lei 160/2013 inova ao trazer em seu bojo a utilização da comunicação eletrônica pela Secretaria Municipal da Fazenda para, dentre outras finalidades:              “Art. 14. (…) I – Cientificar o sujeito passivo de quaisquer tipos de atos administrativos; II – encaminhar notificações e intimações; III – Expedir avisos em geral.” Ora, há de existir uma previsão clara e expressa para a comunicação pessoal do sujeito passivo, bem como criar instrumentos que garantam a efetiva ciência do contribuinte nos casos de utilização de meios eletrônicos. Fica patente a necessidade de previsão de outros meios de comunicação – além da eletrônica – para empresas e outros contribuintes que encontrem dificuldades em ter acesso aos meios de informática e acesso a internet. Ademais, como se pode inferir do art. 16 §§ 1º e 4º do PL 160/2013, há uma dispensa, indevida, registre-se, da intimação pessoal do sujeito passivo da relação tributária. Indevida, em primeiro lugar, porque a Administração Pública, consoante disposição constitucional insculpida no art. 37, é norteada, dentre outros, pelo princípio da publicidade, o qual impõe o dever de dar ciência de seus atos à população mediante instrumento oficial. Ademais, indevida também porque a garantia do devido processo legal aplica-se aos processos administrativos, devendo a Administração, com razoabilidade, proporcionar ao administrado os direitos à ampla defesa e contraditório de modo a viabiliza-los. A intimação/notificação presumida é meio anômalo de dar ciência, podendo ser utilizado, tão somente, quando esgotados os outros possíveis meios, sob pena do famigerado cerceamento do direito de defesa. Esta proposta legislativa, portanto, fere de morte o princípio constitucional da publicidade, o qual deve nortear a Atividade Administrativa. Demais disso, a novel legislação municipal obriga o contribuinte a acessar todos os dias o sistema eletrônico a fim de verificar se foi emitida alguma notificação em seu nome. Ora, essa é uma obrigação acessória desarrazoada, criada em total dissonância com as regras e princípios de um Estado Democrático de Direito. Nessa senda, vejamos o que dispõe a proposta legislativa municipal: “Art. 16. Uma vez realizado o credenciamento nos termos do art. 15 desta Lei, as comunicações da Secretaria Municipal da Fazenda ao sujeito passivo serão feitas por meio eletrônico, em portal próprio, denominado DEC, dispensando-se a sua publicação no Diário Oficial do Município, a notificação ou intimação pessoal, ou o envio por via postal. § 1º A comunicação feita na forma prevista no caput deste artigo será considerada pessoal para todos os efeitos legais. § 4º A consulta referida nos §§ 2º e 3º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias contados da data do envio da comunicação, sob pena de ser considerada automaticamente realizada na data do término desse prazo.” Ora, não se pode chamar de pessoal o que não é pessoal. O Direito não pode alterar conceitos pré-estabelecidos para quaisquer fins, muito menos é dada à Administração Pública (a quem cabe preservar os interesses da coletividade) tal prerrogativa. Aliás, cumpre asseverar que a própria Lei Geral que Regula o Procedimento Administrativo rechaça tal possibilidade. Vejamos: “Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.(…) § 3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.” Evidente que a malsinada “comunicação eletrônica” apenas e tão somente presume a ciência do interessado, mas nunca assegura a certeza do recebimento da notificação/intimação, como exige a legislação supra. E mais: não só presume o recebimento, como também presume o recebimento pelo interessado. Em tempos de fraude e insegurança no meio digital, é temerário assegurar que o destinatário da mensagem fora quem acessou o denominado “DEC”. Ainda mais em se tratando de informações protegidas sob o manto do “sigilo fiscal”. A falta de observação a estes requisitos poderá impingir a alguns contribuintes uma “revelia” administrativa em razão de dificuldades ao acesso a internet e impedir que se cientifique de informações que lhe dizem respeito, culminando por ferir os primados da publicidade, da ampla defesa e contraditório, insculpidos na Constituição Federal de 1988[5]. 4. A EMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM CONFRONTO COM A LEGISLAÇÃO FEDERAL O PL 160/13 trata ainda, no seu art. 47, no Capítulo VII, da emissão de valores mobiliários, mediante cessão, a titulo oneroso à Sociedade de Propósito Específico criado pela própria municipalidade. O projeto examinado mal consegue disfarçar a autêntica operação de crédito, encontrando obstáculos na Constituição Federal, em Resolução do Senado Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal como veremos adiante. O instituto da sociedade de propósito específico foi encravado no nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal nº 11.079, de 30-12-2004[6], que estabeleceu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no campo da administração pública, com a escopo específico de implantar e administrar o objeto da parceria público-privada. Dispôs a Lei nº 11.079/2004 em seu art. 9º, verbis: “Art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1º A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei nº8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2º A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3º A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4º Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. (grifo nosso) § 5º A vedação prevista no § 4º deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição.” Ora, o objeto da SPE aprovada a ser fundada pelo Projeto de Lei 160/2013 para adquirir do Município de Salvador, a título dispendioso, os créditos tributários e não tributários sob o regime de parcelamento nada têm a ver com o desenvolvimento de esforços em comum para a realização de obras ou prestação de serviços, que é a verdadeira finalidade da SPE de que cuida a Lei Federal de nº 11.079/2004. Pelo contrário, a SPE a ser construída com a maioria do capital pertencente ao Município, portanto, com infração ao § 4º, do art. 9º, da lei de regência da matéria, terá por objeto social “a estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e distribuição de valores mobiliários ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais” lastreadas nos direitos creditórios provenientes de créditos tributários e não-tributários objetos de parcelamentos administrativos ou judiciais, conforme expresso em seu art. 47º, verbis: “Art. 47. Fica o Poder Executivo autorizado a ceder, a título oneroso, à sociedade de propósito específico a que se refere o art. 53 desta Lei ou a fundo de investimento em direitos creditórios, constituído de acordo com as normas da Comissão de Valores Mobiliários, os direitos creditórios originários de créditos tributários e não tributários, exclusivamente aqueles objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, relativos aos impostos, às taxas de qualquer espécie e origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações.” Como se vê, a sociedade cuja concepção foi aprovada pelo artigo retro citado não se trata de sociedade de propósito específico, mas sim de verdadeira empresa controlada pelo Município de Salvador que deterá a maioria de seu capital votante, nos termos do art. 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000[7], que define a empresa controlada como sendo “a sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação”. Se bem observado o objeto social da referida “sociedade de propósito específico” a que acena o projeto de lei do Poder Executivo, verifica-se que a mesma constitui verdadeira instituição financeira controlada, obrigada que está de obter recursos financeiros junto ao mercado de capitais, nos termos da Lei nº 4.595, de 31-12-1964[8], afrontando a Constituição Federal, que exige a autorização prévia para criação do referido órgão. Logo, além da ausência de prévia autorização do órgão competente para concepção da instituição financeira, a operação tropeça na interdição contida no art. 36 da LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe: “Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal ou municipal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.” Ainda que não se considere a sociedade de propósito específico, uma instituição financeira, inequívoca a sua natureza de empresa controlada, bem como que a operação de “cessão” nela prevista tem por finalidade o recebimento antecipado de valores sob o regime de parcelamento, pelo que essa operação, também, encontra óbice no art. 37, II da LRF que prescreve: “Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados: (…) II – recebimento antecipado de valores de empresa que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendo, na forma da legislação;” No mesmo sentido dispõe a Resolução do Senado Federal nº 43/2001[9], em seu art. 3º, § 1º, I e 5º, I: “Art. 3º Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os compromissos assumidos com credores situados no País ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros. Não é aceitável que uma sociedade de propósito específico “às avessas”, como a proposta no projeto de reforma do Código Tributário Municipal de Salvador seja autorizada, por lei, a desvirtuar a sua própria essência, violando preceitos legais e constitucionais, sob pena de vulnerar o Estado Democrático de Direito. 5. CONCLUSÃO As inconsistências ao projeto de lei 160/2013 não acabam com os pontos discutidos neste trabalho, mas tão somente iluminar, sob a luz da legalidade, algumas inovações que, supostamente, conforme discurso do Prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto, não trariam ao contribuinte qualquer majoração tributária. Urge, portanto, destacar que, inobstante não ter sido exaurido o presente estudo, fica evidente que não apenas para a majoração de tributos de competência municipal deve a população soteropolitana voltar seus olhos, mas para inconstitucionalidades patentes, violações ao poder de tributar, “esquecimento” de crimes tributários, dentre outras práticas nefastas que impingem ao contribuinte tanto mal quanto um aumento da carga tributária, ou até maior. Fica evidente o papel da Casa Legislativa de Salvador em exercer o papel de fiscalizar a aplicação da lei e impedir que o Poder Executivo exacerbe seus poderes constitucionalmente definidos, evitando um sana arrecadatória que tem caracterizado o estado brasileiro nas últimas décadas. Para isso, as emendas supressivas, modificativas e aditivas, a depender da situação prática. Em tempo, apesar dos problemas apontados, o referido projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final, tendo como único voto dissonante, o edil Waldir Pires e obteve da Câmara de Vereadores e seus edis a aprovação de um projeto tão eivado de vícios e máculas.
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Capacidade contributiva e alcance da finalidade do ITR no centro norte de Mato Grosso
Este artigo tem por escopo interpretar o alcance da finalidade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), em termos de eficiência, a partir da análise do Valor da Terra Nua (VTN) e sua correlação com o repasse de Transferências Constitucionais em confronto ao cenário de Uso e Ocupação do Solo no Centro Norte de Mato Grosso entre 2009 e 2010. A finalidade do ITR é determinada como a consecução de seu objetivo extrafiscal. A análise da variável VTN permite a realização da projeção de arrecadação do ITR. De outro modo, a análise da variável repasse de Transferências Constitucionais permite a constatação da arrecadação efetiva do imposto. Baseado nos dados de ambas varáveis, estabelece-se a capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Essa capacidade demonstrou um acréscimo desproporcional do repasse de Transferências Constitucionais em relação ao acréscimo projetado pela análise do VTN. O aumento da arrecadação efetiva do imposto revelou uma suposta eficiência do ITR tal como nos tributos em geral. Todavia, ao se confrontar os dados da capacidade contributiva com o cenário do Uso e Ocupação do Solo, concluiu-se que o ITR não alcança sua finalidade. Isto porque sua eficiência não está diretamente relacionada à efetiva arrecadação.
Direito Tributário
Introdução O exercício da advocacia na área agrária e tributária rural possibilitou uma convivência estreita com o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) no Estado de Mato Grosso. A defesa dos interesses dos produtores rurais relacionados ao ITR no âmbito do judiciário aliado à vivência e reflexão em um Estado predominantemente voltado ao Agronegócio levou à compreensão da realidade deste imposto de forma mais complexa. Realidade esta que aborda a situação do ITR em uma rede dinâmica de confluência de interesses determinados por agentes do agronegócio, em especial, produtores rurais, instituições e organizações sociais e política local, regional e nacional. Nesse contexto, percebem-se possibilidades para o real alcance das finalidades do ITR, mas também limites que são determinados por fatores jurídicos e econômicos que vão muito além da porteira das propriedades rurais. A interpretação das questões envolvidas no presente artigo não se refere a situações desconhecidas sob o ponto de vista da vivência e da prática. O Valor da Terra Nua (VTN), o repasse de Transferências Constitucionais, a concentração fundiária e o uso social da propriedade rural são problemáticas vivenciadas e verificadas no dia-a-dia do setor do Agronegócio do Estado de Mato Grosso. Desse modo, sendo a pesquisa uma atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade é que se compactua com Minayo (1994, p.17) onde “nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema de vida”. Assim, tendo em vista que o Agronegócio vem angariando, ano após ano, fundamental importância no cenário econômico nacional e mundial, torna-se indispensável repensar referido imposto à medida que as questões atinentes à propriedade privada rural, em especial o ITR, são interpretadas de maneira diferente da época de sua instituição. A análise, em termos de eficiência, do alcance da finalidade extrafiscal do ITR no Centro Norte de Mato Grosso no ano de 2009 e 2010 é, portanto, o objeto desse estudo. O interesse em explicitar a efetividade de um instrumento de controle da concentração fundiária e garantidor da função social da terra através de um referencial econômico em um estado voltado para o Agronegócio foi sua motivação. O objetivo, por sua vez, revela-se em demonstrar a proporcionalidade da relação entre a capacidade contributiva e sua eficiência.
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Instrumentos tributários na proteção ambiental
Este artigo pretende analisar a importância da tributação na proteção ambiental, dando destaque para o caso das taxas. Inicialmente, pretende-se destacar o problema ambiental e o dever fundamental de proteção, seja do Estado, seja dos cidadãos, enquanto comunidade planetária. Em seguida, é analisada a questão da tributação ambiental, o caso das taxas e os limites que devem ser atendidos quando da sua instituição.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Os problemas ambientais decorrentes da ação humana estão assumindo proporções cada vez mais desesperadoras. Desta feita, a preservação do meio ambiente para a presente e para as futuras gerações é um dos desafios da nossa época, além de ser um dever do Estado e da coletividade, nos termos do artigo 225, da Constituição Federal. Não somente do Estado e da coletividade, a proteção do meio ambiente deve ser alvo dos esforços conjuntos dos Estados, dos Países, enfim, de toda a comunidade planetária. No plano das ciências, é exigida a atuação conjunta dos cientistas, em busca de um fim comum, que é o desenvolvimento sustentável, ou seja, a conciliação entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. O desenvolvimento sustentável requer, sobretudo, uma racionalidade na utilização dos recursos ambientais, de modo que esta utilização seja perene, e não se esgote no presente.  No âmbito do direito, é notório o fato de que os sistemas jurídicos estão repletos de legislações ambientais, tributos verdes, modelos de responsabilização civil, criminal e administrativa por danos ambientais. Não obstante, o modelo de exploração e utilização insustentável dos recursos naturais, por sua vez, continua presente, em especial na região amazônica. Um exemplo, segundo matéria veiculada no sítio do IPEA, é a crescente taxa de desmatamento na Amazônia: “A taxa de desmatamento na Amazônia, maior floresta tropical do mundo, mais do que dobrou em maio na comparação com o mesmo mês de 2010, segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com o levantamento, cerca de 268 quilômetros quadrados de floresta foram desmatados em maio, contra 110 quilômetros quadrados no mesmo mês do ano passado”.[2] Há inúmeros exemplos de poluição crescente ocorrendo longe das grandes mídias e da preocupação dos ambientalistas, como a poluição sonora nas grandes metrópoles e o aumento progressivo na emissão de gás carbônico decorrente do incremento no mercado automobilístico brasileiro. Com a intenção de transformar a proteção legal em proteção efetiva, a comunidade jurídica aproximou o Direito Tributário ao Direito Ambiental em busca de soluções eficientes para o problema relativo à preservação ambiental. Isto, pois, o tributo, além do caráter fiscal, ou arrecadatório, possui também caráter extrafiscal, que é quando a espécie tributária é utilizada pelo ente político para estimular ou desestimular certos comportamentos entre os cidadãos, como legítimo instrumento de comando e controle social. 1 TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL A utilização de instrumentos fiscais em favor da proteção ambiental não é recente e decorre, sobretudo, da necessidade de internalização dos custos das externalidades ambientais negativas no agente da ação poluidora. Imputando estes custos aos poluidores, a atividade prejudicial ao ambiente, sob uma ótica econômica, torna-se cada vez menos vantajosa e, por outro lado, torna viável financeiramente a prestação de serviços públicos reparadores e preventivos. Para esta modalidade de imputação de custos ao poluidor, dá-se, especificamente, o nome de princípio do poluidor pagador (PPP), que está positivado no artigo 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, como objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente. Atenta à problemática situação da eficiência das políticas de proteção ambiental, a pesquisadora lusitana Maria Alexandra de Sousa Aragão faz uma relevante consideração, fundada na relação custo-benefício, ao defender que as normas e as taxas seriam instrumentos compatíveis com o princípio do poluidor pagador (PPP) justamente por sua aplicação permitir impor ônus sobre o poluidor, o que resultaria em mudança comportamental do agente racional: “Instrumentos de política comunitária compatíveis com o PPP, são as normas e as taxas. Normas e taxas prescrevem regras de comportamento ou impõem ónus complementares de tipo monetário sobre o poluidor. A sua aplicação permite obter dois resultados positivos: a redução da poluição (função de incentivo) e o financiamento dos custos que qualquer política pública de protecção do ambiente comporta (função de redistribuição)”.[3] Dentre os instrumentos tributários mais utilizados no mundo encontram-se as taxas. Ainda que esta seja uma nomenclatura dada a várias espécies de tributos, com alguns países utilizando-a como imposto, no Brasil, em Portugal, e em outros Estados, sua característica marcante é a de serem tributos vinculados a uma prestação estatal. Experiências bem sucedidas com a taxa sobre as pilhas na Suécia, que viabiliza a reciclagem destas, e as taxas sobre o ruído dos aviões na Holanda, que visam cobrir o custo das medidas de “insonorizarão” em redor dos aeroportos[4], tornam estas espécies tributárias um interessante objeto de estudo. No Brasil, temos espécies de taxas verdes, como a taxa de controle e fiscalização ambiental, instituída pela Lei 10.165/2000, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. Sem embargo, a análise das taxas verdes deve ser cuidadosa. Analisando-se as características das espécies tributárias observa-se que, no mundo, muitos dos tributos tidos como “taxas” são, em verdade, impostos. No Brasil, a importância de se identificar a natureza do tributo ambiental surge em razão do modo analítico como o sistema tributário como um todo é tratado por nossa Constituição Federal. A ordem jurídica brasileira prevê limites específicos para a criação de taxas – exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. A taxa surge, então, como um instrumento tributário contraprestacional, baseado no princípio da equivalência. O princípio da equivalência está para as a taxas como o princípio da capacidade contributiva está para os impostos. Trata-se, em essência, de princípio fundamental da espécie, por representar, neste caso, parâmetro de justiça fiscal, na medida em que a distribuição da carga fiscal se dará em sua conformidade. Por exemplo, quando a taxa de controle e fiscalização ambiental, acima citada, foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte (ADIN n. 2178-8), uma de suas falhas foi exatamente a falta de especificação dos contribuintes potencialmente poluidores, sobre quem deveria ser exercido permanentemente o poder de polícia[5]. Note-se que, em se tratando de um tributo contraprestacional, a tipificação cerrada dos contribuintes onerados é essencial à distribuição da carga fiscal em conformidade com o princípio da equivalência, na medida em que será avaliado o custo provocado pelo contribuinte e o benefício que a administração lhe proporciona. No entanto, no momento em que as taxas se aproximam da finalidade extrafiscal relativa à proteção ambiental, outro princípio deve ser considerado: o princípio do poluidor-pagador. O princípio do poluidor-pagador está positivado no artigo 4º, inciso VII, da Lei 6.938/81, como objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente. Destarte, a proteção ambiental tem neste princípio um pilar fundamental, com o qual o instrumento fiscal que se diz “verde” deve compatibilizar-se. Aproveitando o exemplo anterior, a falta de especificação dos contribuintes potencialmente poluidores afeta, inclusive, a compatibilização do tributo com o princípio ambiental, sobretudo, pela dúvida de quem seria o poluidor a ser onerado. A imposição dos custos ao poluidor e ao predador estaria comprometida, na medida em que não fica definido quem deve pagar o tributo ambiental. A criação de uma taxa verde no universo brasileiro não é, portanto, tão simples quanto se pode imaginar em uma primeira abordagem. Há uma grande dificuldade em se formular um tributo capaz de enquadrar-se, ao mesmo tempo, em ambos os princípios. No entanto, é sempre importante atentar que, a partir do momento em que uma espécie tributária é classificada como “ambiental”, ela deve respeito tanto aos princípios de justiça fiscal como aos de justiça ambiental, além das demais limitações presentes no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, sob pena de sua utilização indevida, inclusive, como estratégia de retórica política. CONCLUSÃO Não foi pretensão deste trabalho esgotar a questão acerca da tributação ambiental, em especial das taxas verdes. O que se buscou e acredita-se haver alcançado foi demonstrar que a tributação ambiental, em especial as taxas verdes, tem grande relevância para as políticas de proteção ambiental, ao contrário da pouca atenção que o legislador a tem dado. No caso específico das taxas verdes, uma das principais vantagens é tornar viável financeiramente a prestação de serviços públicos reparadores e preventivos, na medida em que o valor arrecadado tem o fim específico de custear a ação estatal, reduzindo o campo de discricionariedade do gestor público. Ressaltou-se, também, o cuidado que deve ser tido com a importação de modelos estrangeiros de taxas verdes, em especial pelo caráter analítico da Constituição do Brasil, assim como as hipóteses específicas de criação das taxas (exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição). Por fim, destacou-se, ainda, a necessidade de adequação das taxas (e dos tributos verdes em geral) aos princípios de justiça fiscal e justiça ambiental, sob pena de utilização indevida das espécies tributárias, usando a proteção ambiental como estratégia retórica para legitimar a instituição da exação.
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Análise crítica à Lei Complementar Municipal nº 155/2013 e o fator de verticalização como técnica de aplicação da progressividade do IPTU
O presente artigo pretende estudar a progressividade do IPTU, bem como o fator de verticalização instituído pela Lei Complementar Municipal 155/2013, de forma a demonstrar que referido índice está em perfeita consoância com a legislação tributária e permite que princípios basilares do Direito Tributário, como a capacidade contributiva, isonomia e justiça fiscal sejam amplamente aplicados no exercício da cobrança e arrecadação do tributo. Para tanto, abordar-se-á a origem da progressividade fiscal do IPTU, seus principais enfoques e sua compatibilidade com a progressividade extrafiscal, prevista pelo art. 182, § 4º, II da Constituição Federal. Busca-se, portanto, explanar a incontestável constitucionalidade do fator de verticalização, explicando não se tratar de uma nova espécie de tributação sobre o fato gerador do IPTU, mas sim um importante mecanismo de adequação entre a capacidade econômica dos seus contribuintes com o campo de incidência do mencionado imposto.
Direito Tributário
1. Introdução  O presente estudo ocupa-se em analisar a incidência dos princípios tributários, especialmente aqueles que asseguram uma sociedade solidária e isonômica, sobre um tributo de natureza jurídica eminentemente real, ou seja, tributo cujo fator tributável é o patrimônio do contrituinte. O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) revela-se um exemplo de imposto real, cujo fato gerador consiste na propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel urbano, de onde a legislação tributária extrai a presunção de riqueza passível de tibutação. Para contemplar o princípio da capacidade contributiva, como forma de propiciar a distribuição de renda entre os cidadãos, muitos Municípios passaram a instituir IPTU progressivo, o que foi rechaçado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal (Sum. 668), antes do advento da EC 29/00, sob o fundamento de que a progressividade não condizia com os impostos reais. Com a promulgação da EC 29/00, houve uma inovação sobre a forma de analisar os impostos reais, especialmente sobre a percepção de que poderia ser aplicável a esses tributos o princípio da capacidade contributiva através da utilização da técnica da progressividade sobre suas alíquotas, garantindo, a isonomia entre os contribuintes. Amparado pelo texto constitucional, o Município de Fortaleza, no ano de 2013, teria instituído uma Lei Complementar (LC 155/13) a qual previa um índice sobre o qual se somaria ao valor do imóvel predial urbano para fins de cálculo do IPTU, aplicando a legítima progressividade ao imposto, mas gerando nos contribuintes a sensação de estarem sofrendo uma maior carga tributária, ou mesmo de que a exação com o mencionado índice configuraria um verdadeiro atentado ao texto constitucional. A abordagem desse artigo pretende esclarecer o fator de verticalização, criado pelo Município de Fortaleza, explicando de que forma o mesmo está intimamente ligado com a técnica da progressividade do IPTU, enfatizando a necessidade de sua aplicação para a promoção da justiça fiscal. Pretende-se explicar através desse trabalho que cada Município, detentor da competência tributária para instituir o IPTU, pode instituir índices representativos de valorização e desvalorização para cálculo do imposto, não incorrendo em qualquer ilegalidade, mas tão somente se utilizando da sua prerrogativa constitucional de tributar o patrimônio, adequando o valor do bem tributado à realidade do mercado imobiliário, prestigiando, sobretudo os princípios tributários norteadores da sua atividade arrecadatória. Assim, será demonstrado que o fator de verticalização, o qual prevê o acréscimo de 0,5% (meio por cento) no cálculo do valor venal das unidades imobiliárias contempla a finalidade da atividade arrecadatória do Estado, respeitando a situação econômica dos contribuintes, uma vez que garante o recebimento do tributo, proporcional a riqueza de cada contribuinte, sendo esta demonstrada através no valor de mercado do imóvel sobre o qual tem a propriedade, a posse ou o domínio útil. 2. A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS FRENTE AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO O Estado Democrático de Direito, como entidade política responsável pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos, contemplados pelo texto constitucional, necessita de recursos para financiar seus programas e projetos voltados para o atendimento das suas finalidades. Muito embora o Estado, além de ente garantidor desses direitos possa vir a explorar seu patrimônio, gerando, assim, receita originária, é certo que a arrecadação expressiva para custeio dos seus projetos político-sociais provém da receita gerada pelo recolhimento dos tributos, a chamada receita derivada. Por essa razão, a própria Constituição Federal atribuiu competência aos entes federativos para criarem seus tributos e, a partir deles, extraírem a receita necessária para a concretização de seus projetos de Governo. Ocorre que o mesmo diploma normativo que conferiu a citada competência aos entes federados, tratou de limitar essa atuação, de modo a proteger os contribuintes dos excessos cometidos por parte do Estado, criando as limitações ao poder de tributar, consubstanciadas através das imunidades tributárias e dos princípios. As imunidades consistem no óbice constitucional à tributação, ou seja, sobre determinados bens, situações ou pessoas, o ente tributante está impedido de instituir e cobrar tributo; a Constituição Federal cria um obstáculo intransponível para o exercício da competência tributária, inviabilizando a tributação sobre as hipóteses previstas em seus artigos. Os princípios, por sua vez, não impedem a tributação, mas sim norteiam a atuação da entidade tributante, ao estabelecer regramentos que devem ser observados quando da criação e cobrança do tributo. “Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte” (MACHADO, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário, página 52 e 58, 32ª Edição, Editora Malheiros) É a partir da limitação do Estado ao seu poder constitucional de tributar (mediante a aplicação das imunidades e a observância dos princípios) que se aufere a harmonização do sistema tributário, verificando que as leis que exigem os tributos e permitem que o Poder Público exija-as estão sujeitas ao respeito dos direitos e garantias dos cidadãos, afastando-se das arbitrariedades com a exação. Nesse contexto, Luciano Amaro esclarece em sua obra Direito Tributário Brasileiro: “Desse modo, as chamadas “limitações ao poder de tributar” integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar (ou seja, do poder, que emana da Constituição, de os entes políticos criarem tributos). […] São, por conseguinte, instrumentos definidores (ou demarcadores) da competência tributária dos entes políticos […] (destaque original”) (Amaro. Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: saraiva. 2006. p. 107) Portanto, tem-se que todos os princípios tributários devem ser respeitados quando da elaboração da lei instituidora do tributo de forma a evitar sua invalidação pelo fundamento da inconstitucionalidade, uma vez que suas preposições atingem um grau praticamente exaustivo de normatividade, portanto, de observância obrigatória. (Amaro. Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: saraiva. 2006. p. 110) Nesse contexto, observa-se que a natureza jurídica dos princípios tributários pode ser estudada sob duas vertentes; importanto em uma limitação ao exercício da competência tributária dos entes federativos, norteando a elaboração da legislação tributária, além de representar uma garantia constitucional ao contribuinte, a qual lhe resguarda da atuação excessiva e arbitrária do Fisco. Assim, concluir-se que o respeito e aplicação dos princípios tributários assegurarão não apenas a licitude do tributo e, por conseguinte, da sua cobrança, como principalmente protegerão os contribuintes do uso desmedido da competência tributária.  3. IPTU E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E JUSTIÇA FISCAL Conforme explanado acima, os princípios tributários revelam-se uma importante ferramenta de proteção aos contribuintes na medida em que limitam a pretensão arrecadatória do Estado à observância de alguns preceitos basilares. Sua aplicação deve incidir sobre todos os tributos instituídos pelo Poder Público, não obstante pairar algumas controvérsias acerca da compatibilidade da natureza jurídica de alguns tributos com princípios que objetivam proteger aspectos subjetivos do contribuinte. O princípio da capacidade contributiva, por exemplo, tem por escopo garantir ao contribuinte o mínimo existencial, impedindo que sofra tributação que inviabilize o seu sustento e de seus dependentes. Sobre o referido princípio, extraem-se os entendimentos que objetivam conceitua-lo, sempre demontrando sua importância para a prevalência do objetivo republicado contemplado no art. 3º, inciso I da CF, o qual dispõe sobre a sociedade livre, justa e solidária. “É a aptidão que cada cidadão tem em tese, para contribuir, mediante impostos, para o abastecimento dos cofres públicos, sem prejuízo das próprias necessidades de subsistência, bem assim da sua família (CARRAZZA. Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. 1ª ed. Curitiba: Juruá Editora. 1996. Pg. 45) A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para auferir-se o impacto da carga tributária […] Há necessidade premente de ater-se o legislador à procura de fatos que demonstrem signos de riqueza, pois somente assim poderá distribuir a carga tributária de modo uniforme e com satisfatória atinência ao princípio da igualdade” (CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013. pg. 172-173) A partir de um enfoque essencialmente subjetivo, observa-se que esse princípio objetiva tributar aqueles que possuem maior acúmulo de riquezas e isentar ou tributar com menor força, aqueles cuja riqueza se revela pouco expressiva ou mesmo inexistente. Nos tributos de natureza pessoal, é fácil observar a aplicação do mencionado princípio, haja vista o Estado, observando as condições inerentes ao contribuinte, ter condições de fixar alíquotas do tributo de acordo com a capacidade econômica daquele, resultando na maior tributação sobre aquele que concentrar maiores riquezas e menor tributação e/ou isenção, naquele que concentrar menores riquezas. Ocorre que para os tributos de natureza real, onde o enfoque da exação não considera os atributos inerentes ao contribuinte, a aplicação desse princípio ocorre sob uma outra perspectiva, qual seja, considerando a riqueza objetivada na coisa construída pelo sujeito passivo da relação tributária. Nesse caso, as condições pessoais do contribuinte serão analisadas sob o enfoque do patrimônio gerado pela sua riqueza. O IPTU representa um típico tributo real, onde o Município, titular da competência tributária para criá-lo, institui alíquota sobre o valor do bem (imóvel e/ou terreno urbano), aplicando o princípio da capacidade contributiva considerando o bem em si, o seu valor de mercado. Sobre essa vertente, Roque Antonio Carrazza explica a aplicação desse princípio esclarecendo que: “[…] a capacidade contributiva, para fins de tributação por via de IPTU, é auferida em função do próprio imóvel (sua localização, dimensão, luxo, características etc), e não da fortuna em dinheiro do seu proprietário”. (CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. p. 105) Referido imposto tem por fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou acessão física, localizado na zona urbana do Município (art. 32 do CTN), onde suas alíquotas incidirão sobre o valor venal do bem. Ou seja, quanto maior o valor do bem, maior será a carga tributária a ser suportada pelo contribuinte, diante da presunção de riqueza gerada pelo valor da coisa. A disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil ou da posse do bem imóvel situado em zona urbana consiste no ponto central para indicação do contribuinte do tributo. Ocorre que a simples incidência de alíquota sobre o valor venal do bem, por si só, não contempla a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária, mas apenas garante a arrecadação por parte do Estado. Isso porque, aplicar uma mesma alíquota de IPTU tanto para aquele sujeito passivo que possui um único imóvel, de baixo valor, quanto para aquele que, mesmo possuindo um único imóvel, apresenta um valor venal cinco vezes maior do que o primeiro, não assegura o mesmo impacto econômico para ambos os contribuintes, importando, fatalmente, em uma maior onerosidade ao contribuinte de menor potencial econômico (aquele que possui um único imóvel, de menor valor). Com isso, estar-se-ia desprestigiando o princípio da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da justiça fiscal, tornando o imposto de natureza real um desestímulo para a construção de patrimônio pelos cidadãos, devido à inviabilidade, de adimplir com os impostos que lhes são inerentes. A partir dessa compreensão, a EC 29/00 legitimou a aplicação da técnica da progressividade para o IPTU, prevendo-a expressamente no texto constitucional, de forma a afastar as teses fazendárias sobre a impossibilidade de sua aplicação, em virtude da ausência de autorização do poder constituinte.  Essa emenda, modificou a redação do artigo 156, § 1º, da Constituição Federal de 1988, implantando no tributo municipal um mecanismo de contemplação da justiça fiscal. “Art. 156 […] §1º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, §4º, II[1], o imposto previsto no inciso I poderá: I- ser progressivo em razão do valor do imóvel; II- ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.” Conforme bem esclarece Marcelo Alexandrino, a técnica da progressividade, destinada a atender à capacidade contributiva, significa incidência de maiores alíquotas quanto maior for a base de cálculo[2]. Aliomar Baleeiro, por sua vez, reflete sobre a progressividade como uma fórmula de compensação de renúncia de receita, diante da concessão de isenções ou reduções do tributo, em prestígio ao princípio da isonomia[3]. A progressividade instituída pela mencionada emenda não representou um novo princípio tributário, mas sim um mecanismo que permite a gradação de alíquotas do tributo à medida que se aumenta a base de cálculo de determinado imposto, garantindo, assim, a justiça fiscal. Mantendo-se na análise da progressividade do IPTU, observa-se que esse importante instituto, garantidor da isonomia tributária e capacidade contributiva, pode ser estudado sob dois enfoques, o da progressividade fiscal e o da progressividade extrafiscal. A progressividade extrafiscal, prevista antes mesmo da indigitada emenda constitucional, consiste no importante mecanismo para garantir o cumprimento da função social da propriedade, ao prever sucessivas medidas sancionatórias aos contribuintes, na hipótese de descumprimento do plano diretor do Município cujo imóvel esteja situado. “Art. 182 Constituição Federal- A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.[…] § 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. A progressividade fiscal, por sua vez, legitimada após o advento da EC 29/00, passou a graduar a tributação em razão do valor venal do imóvel, compatibilizando a natureza eminentemente fiscal do IPTU com o princípio da capacidade contributiva que deve nortear a criação de qualquer tributo. A bem da verdade é que ambas as modalidades de progressividade do IPTU devem ser observadas no ato do lançamento e cobrança do tributo, haja vista que representa importante exercício da promoção da justiça fiscal, oferecendo tratamento isonômico aos contribuintes, embora o núcleo do tributo consista na tributação sobre um bem imóvel e não, nos atributos pessoais do sujeito passivo da obrigação tributária. Ao impor maior alíquota aquele contribuinte que possuir imóvel/ terreno urbano de maior valor econômico perante o mercado imobiliário, estar-se aplicando a capacidade contributiva, a isonomia e a justiça fiscal, uma vez a presunção normativa entender que aquele que reserva maior patrimônio, possui condições financeiras de arcar com uma carga tributária elevada se comparado aquele que possui imóvel/terreno de menor valor. É certo que o imposto municipal não perde a sua característica eminentemente fiscal (arrecadatória) diante da aplicação da progressividade, mas busca-se através desse instituto equilibrar a situação financeira dos contribuintes, com a necessidade do Estado de gerar receita derivada e prover com seus programas políticos, a fim de contemplar os princípios tributários norteadores do poder de tributar do Fisco. 4. O FATOR DE VERTICALIZAÇÃO INSTITUÍDO PELA LC MUNICIPAL 155/13 E A APLICAÇÃO DA PROGRESSIVIDADE DO IPTU A Lei Complementar Municipal 155 de 13 de dezembro de 2013 gerou grande irresignação por parte dos contribuintes do IPTU de Fortaleza, importando em constantes questionamentos sobre sua constitucionalidade, frente à impressão de ter sido criado uma nova forma de tributação sobre os imóveis urbanos. Referido dispositivo alterou a Lei nº 8.073/2003, que dispõe acerca do Imposto sobre a Propriedade Predial Urbana, reajustando as alíquotas incidentes sobre o imóvel, além de instituir o polêmico fator de verticalização (art. 2º da LC 155/03), o qual preceitua: “LC 155/03 Art. 2º No cálculo do valor venal das unidades imobiliárias residenciais localizadas em prédios, com elevador, será considerado o fator de verticalização, devendo o montante apurado na forma da Lei nº 8.703, de 30 de abril de 2003, ser acrescido de 0,5% (meio por cento) por andar, a partir do segundo andar. Parágrafo único. No cálculo do valor venal das unidades imobiliárias residenciais localizadas em prédios, sem elevador, o fator de verticalização incidirá de modo que o montante apurado na forma da Lei nº 8.703, de 30 de abril de 2003, será reduzido em 0,5% (meio por cento) por andar, a partir do segundo andar.” Referido mecanismo criado pelo ente tributante municipal, despertou nos contribuintes a sensação de estarem sendo tributados de forma abusiva, sendo compelidos a recolher o tributo tanto em razão da condição de serem proprietários, possuidores ou detentores de domínio útil de imóvel urbano, como em face da situação vertical onde está localizada a sua unidade imobiliária (quanto mais alto o apartamento estiver situado, maior a porcentagem que incidirá sobre o cálculo do seu valor venal). Ocorre que, desmistificando o senso comum de que todo ente político sempre almeja novas estratégias para recolher mais tributos a partir da criação de leis abusivas/ inconstitucionais, pretende-se analisar a discutida lei complementar sob a perspectiva da progressividade, bastante estudada no item anterior e que fundamenta o, então criado, fator de verticalização. Estudando o texto da LC 155/13, extrai-se como primeira conclusão relevante que o fator de verticalização de 0,5% (meio por cento) por andar incide sobre o valor venal do imóvel, ou seja, a Lei Municipal reconhece que quanto mais alto estiver situado o imóvel no prédio (que possua elevador), maior seu valor de mercado, portanto, mais elevada deverá ser a tributação. Essa constatação não trata de uma presunção do Município, mas de uma constatação extraída da análise do mercado imobiliário, onde dois imóveis, situados em um mesmo prédio, possuem valores distintos em face do andar em que estão localizados. Essa premissa atende estritamente o artigo 32 do Código Tributáiro Nacional, o qual preconiza que, para fins de base de cálculo do IPTU, deverá ser considerado o valor venal do imóvel e, sob o ponto de vista do mercado imobiliário, quanto mais alto for o apartamento, maior o valor do imóvel, ou seja, maior capacidade econômica objetivada na coisa. Não obstante essa previsão normativa desagradar os contribuintes, que consideram a carga tributária a que estão submetidos extremamente onerosa em face da precária contraprestação estatal, é inegável que, sob o ponto de vista constitucional e legal, a norma encontra-se em perfeita consonância com o ordenamento jurídico, estando isenta de qualquer vício que contamine sua validade. A técnica da progressividade aplicável ao IPTU legitima a busca da justiça fiscal, o que, no presente caso evidencia-se através do fator de verticalização, criado para incidir sobre o valor venal dos imóveis, considerando que quanto mais alto o imóvel estiver situado no prédio, maior o seu valor de mercado, portanto maior a presunção juris et de jure de riqueza, importando na incidência de alíquota maior. Sobre essa técnica da progressividade incidente sobre o valor venal dos imóveis para efeito de cobrança do IPTU, importante destacar o seguinte entendimento: “[…] quanto a progressividade das alíquotas do IPTU baseadas no valor venal do imóvel, importante observar que possui um “objetivo fiscal”, pois ao aumentar as alíquotas incidentes sobre os imóveis mais valiosos-presumivelmente pertencentes a pessoas de maior capacidade econômica- visa a incrementar a arrecadação, retirando mais de quem mais pode pagar” (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Editora Método. 2013. p. 618) Não obstante, o Município de Fortaleza entendeu que apenas estipular alíquotas progressivas não estar-se-ia, de fato, prestigiando a busca pela justiça fiscal, igualdade tributária e capacidade contributiva pelo Município de Fortaleza, haja vista a percepção de que os imóveis situados em um mesmo prédio apresentam, inquestionavelmente, valores distintos, em face do andar em que estão situados. Com a edição da LC 155/03, instituiu-se o fator de verticalização, que nada mais representa senão o potencial que cada Município (ente tributante do IPTU) possui para obter o valor venal dos imóveis, a partir de criação de tabelas, listas, bem como índices representativos de valorização ou desvalorização[4]. O acréscimo de 0,5% (meio por cento) no cálculo do valor venal do imóvel importa no índice representativo de valorização que o mercado imobiliário reconhece para os apartamentos situados nos andares mais elevados de um prédio. Quanto mais alto, maior o valor de mercado do imóvel, portanto, nada mais justo que incida maior tributação. Evidenciando a intenção da LC 155/2013 de promover a justiça fiscal, tem-se que o mesmo texto normativo instituiu o fator vertical inverso, ou seja para os casos das unidades imobiliárias serem desvalorizadas pela altura (prédios desprovidos de elevador), reduz-se-à 0,5% (meio por cento) do valor venal do imóvel para fins de base de cálculo do imposto. Nessa situação, quanto mais elevado o andar, maior sua desvalorização frente ao mercado imobiliário, portanto, nada mais justo, do ponto de vista jurídico, do que beneficiar os contribuintes do IPTU com a redução de 0,5% (meio por cento) sobre o cálculo do valor venal do imóvel. Sob essa ótica, importante relacionar o princípio da igualdade tributária com a técnica da progressividade, compreendendo esta como um mecanismo garantidor do tratamento isonômico que deve ser conferido aos contribuintes, in verbis: “Não fere o princípio da igualdade- antes, o realiza com absoluta adequação- o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza”. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores.  2011.pg. 37-38 hugo) (destaque original) A técnica de progressividade através do fator de verticalização desenvolvida pelo Município de Fortaleza possibilita que os impostos reais também contemplem o princípio da capacidade contributiva, ainda que os aspectos inerentes ao contribuinte não seja o enfoque do tributo, protegendo o potencial econômico do contribuinte, onerando mais aqueles que, presumivelmente possuem maior riqueza.  Portanto, não se constata qualquer inconstitucionalidade/ilegalidade do ente político ao criar um índice (fator de verticalização) que incidirá sobre a base de cálculo do IPTU, quando aquele acompanha a lógica tributária sobre a análise da riqueza do contribuinte, elevando a base de cálculo sobre a qual incidirá a alíquota do tributo daqueles que potencialmente possuem maior riqueza e isentando ou reduzindo a carga tributária daqueles cujo patrimônio não se encontre valorizado no mercado imobiliário. O importante é compreender que a progressividade do IPTU atinge o valor venal do bem (ressalvado a hipótese da progressividade extrafiscal art. 182, §4º da CF), portanto o índice criado como forma de evidenciar o real valor do imóvel revela-se um importante alicerce para a aplicação dessa progressividade, fundamental para uma tributação justa e equânime. 5. CONCLUSÕES Com o presente artigo, buscou-se explicar a intenção do Município de Fortaleza quando instituiu o fator de verticalização para cálculo do IPTU, como um mecanismo de auferição da riqueza dos contribuintes a partir do valor venal dos seus imóveis. Tratou-se de estudar a importância da técnica da progressividade para a cobrança do IPTU, considerando que mesmo tratando-se de um imposto eminentemente real, é possível promover a justiça fiscal a partir da observância do princípio da igualdade e da capacidade contributiva dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Para tanto, o ente tributante precisa considerar o efetivo valor do imóvel perante o mercado imobiliário, o que o motivou o Município de Fortaleza a instituir critérios para constatação da valorização e desvalorização do patrimônio tributado (fator de verticalização), para que a alíquota incida sobre uma riqueza real. Tal critério foi idealizado a partir da confirmação pelo mercado imobiliário de que o valor venal do imóvel, além de variar conforme sua localização, tempo, dimensão, altera-se conforme a posição da unidade imobiliária em um prédio. Quanto mais alto estiver situado o apartamento inserido em um prédio que possua elevador, maior será o seu valor de mercado perante aquele que, encontrando-se no mesmo prédio, na mesma localidade, com as mesmas dimensões e tempo, situe-se em andar abaixo. Assim, aquele que adquire uma unidade imobiliária em andar superior demonstra maior capacidade econômica, sendo constitucionalmente permitido sofrer maior tributação comparado aquele cujo imóvel, em especificações idênticas ao primeiro, situa-se em andar abaixo e, portanto, o valor do seu imóvel é inferior àquele.  Em contrapartida, criou-se pela mesma LC 155/2013, o fator de verticalização inverso, reduzindo 0,5% (meio por cento) para cálculo do IPTU, do valor venal do imóvel situado em prédio que não possua elevador, pois nesse caso, conforme percepção do mercado imobiliário, ocorre uma desvalorização do seu valor quanto mais alto estiver situado. Assim, observa-se que a intenção do Município de Fortaleza foi tão somente recolher o IPTU com base na realidade do mercado imobiliário, mantendo a função do imposto predominantemente fiscal (arrecadatória), porém considerando a capacidade econômica dos seus contribuintes, frente a distinção dos valores dos imóveis segundo o fator de verticalização. Demonstrou-se que a aplicação desse índice não ofende os preceitos constitucionais e infraconstitucionais, mas ao contrário, contempla-os, norteando a atividade tributante do ente federativo.
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A impossibilidade de realização do fato gerador do IRPJ e da CSLL pelos fundos de pensão fechados
Trata-se de se analisar o problema da incidência de IRPJ e CSLL aos rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC´s), a partir do questionamento acerca da impossibilidade de tais entidades realizarem o fato gerador dos referidos tributos, uma vez que a LC 109/2001, ao estabelecer o tratamento normativo dispensado a essas entidades, determinada que sejam constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos.
Direito Tributário
1. Introdução Em 2001, o STF, através do julgamento do RE 202.700/DF, consolidou entendimento de que as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão) não estariam abrangidas pela imunidade tributária, prevista nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º, da CRFB/88. Em outra frente, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas da Previdência (ABRAPP) há muito vem tentando demonstrar aos Tribunais pátrios sobre a impossibilidade da incidência de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre eventuais superávits realizados pelas suas filiadas, tendo em vista a proibição legal de que tais entidades obtenham lucros. A questão posta para análise possui implicações práticas relevantes, dentre elas: é lícito a atuação dos Tribunais no sentido de ampliar o conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza, com fito de atingir os ganhos dos fundos de pensão fechados? Sobre o entendimento prevalecente dos pretórios pátrios acerca do tema serão tecidas algumas considerações, sob o prisma da impossibilidade de equiparação entre o lucro das pessoas jurídicas com fins lucrativos e o superávit realizado pelos fundos de pensão fechados, se valendo, para tanto, dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e disponibilidade econômica, estes elementos básicos para se definir o fato gerador do IRPJ e da CSLL.  2. Características das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão) As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC´s) – comumente chamadas de fundos de pensão – são organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos e são acessíveis, exclusivamente, aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas ou aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores ou aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores[1]. Diferentemente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de natureza institucional e de filiação obrigatória (artigo 201, caput, da CRFB/88), o regime de previdência privada tem como marcas indeléveis o caráter facultativo e contratual da relação entre a entidade e seus participantes. A despeito da relação de complementariedade com o RGPS, as EFPC´s sustentam um caráter autônomo e independente daqueloutro regime previdenciário, de forma que o ingresso ao regime privado/complementar independe de filiação ao regime geral. Os atributos acima delineados encontram fundamento constitucional, nos seguintes termos: “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” O legislador ordinário, em cumprimento ao comando constitucional, editou a LC 109/2001, que passou a regulamentar o regime de previdência complementar. Ademais, tais entidades devem seguir as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução 3.121, de 25 de setembro de 2003, no que tange à aplicação dos recursos dos planos de benefícios. A Lei Complementar 109 categoricamente estabelece que “as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos” (Art. 31, § 1º). Ou seja, os fundos de pensão por serem obrigatoriamente organizados sob a forma de fundação ou associação – esta última que, com o advento do Código Civil de 2002, veio a substituir as sociedades civis sem fins lucrativos – ostentam, indubitavelmente, caráter não empresarial. Para que fique indene de dúvidas, para ser de natureza empresarial, a atividade, além de contínua, deve exsurgir como econômica organizada para a produção e a circulação de bens e serviços, tendo essencialmente por fulcro a obtenção de lucro. Inobstante o fato de o lucro ser o súpero fundamento da atividade empresarial, ele não é um elemento essencial, porquanto há a possibilidade de uma empresa registrar prejuízo fiscal, sem perder a qualidade própria de empresa. 3. Da Impossibilidade da Realização do Fato Gerador do IRPJ e CSLL pelos Fundos de Pensão Uma questão que foi muito discutida em sede doutrinária e pretoriana foi a possibilidade de os fundos de pensão estarem ou não acobertados pela imunidade prevista nos artigos 150, VI, “c”, e 195, § 7º[2], da Constituição de 1988. Entretanto, tal discussão foi ilidida, a partir do julgamento do RE 202.700/DF pelo STF, que afastou a natureza assistencial dos fundos de pensão, pelo fato de haver contrapartida financeira dos beneficiários. Referido entendimento, encontra-se consolidado por aquela Corte Constitucional, nos termos da súmula 730 que dispõe: “A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários.” Não obstante, o posicionamento do pretório excelso sobre o tema, exsurge uma problemática, advinda da própria natureza jurídica dos fundos de pensão fechados, no que tange à possibilidade de realização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, tendo em vista que tais fundos são legalmente proibidos de buscar a obtenção de lucro. Quanto a CSLL, a legislação de regência (Lei nº 7.689/88), em seu artigo 2º, § 1º, “c”[3], prevê como fato gerador da referida exação o lucro real, apurado com observância da legislação comercial, fato este que não se aplica aos fundos fechados de previdência, constituídos sob a forma de fundações ou associações, conforme o comando expresso da LC nº 109/2001. Já quanto ao IRPJ, que tem por fundamento o artigo 153, III, da Constituição, e os artigos 43 e ss. do Código Tributário Nacional (CTN), o conceito de renda é concebido como sinônimo de lucro, tendo como base de cálculo “o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente ao período de apuração”, conforme se extrai do Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999 –, consubstanciado pelo Decreto n. 3.000/1999[4].   Para afastar possíveis equívocos semânticos, é necessário fazer uma breve digressão acerca dos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza, bem como da inarredável necessidade de conjunção com a expressão “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”. Primeiramente, há que se frisar, que nem todo ingresso acresce. Segundo Roque Antônio Carrazza[5]: “(…) nem todo o dinheiro que ingressa no universo da disponibilidade financeira do contribuinte integra a base de cálculo do IR, mas única e exclusivamente os aportes de recursos que vão engrossar, com uma conotação de permanência, o patrimônio de que os recebe…” Para Kiyoshi Harada, a discussão acerca do que seja renda foi aniquilada com o advento do Código Tributário Nacional, porém a controvérsia se cinge, preponderantemente, sobre a expressão “disponibilidade econômica ou jurídica”. Segundo o autor[6] a “disponibilidade econômica seria a percepção da renda em dinheiro, ao passo que, a jurídica, seria o nascimento do direito à percepção da renda”. Muito didática é a lição de Hugo de Brito Machado[7] sobre o tema, vejamos: “É que a expressão ‘renda e proventos de qualquer natureza’ quer dizer acréscimo patrimonial, vale dizer, aquilo que em regra pode ser poupado. Referindo-se o Código Tributário Nacional à aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, quer dizer que a renda ou os proventos podem ser os que foram pagos ou simplesmente creditados. A disponibilidade econômica decorre do recebimento do valor que se vem acrescentar ao patrimônio do contribuinte. Já, a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa juridicamente a dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos.” Portanto, para que seja realizado o fato gerador do IRPJ não basta que o contribuinte aufira renda ou proventos. É necessário que se adquira a disponibilidade econômica ou jurídica da renda, ou dos proventos de qualquer natureza. Ademais, a disponibilidade da renda não se presume e não se configura pela possibilidade de ação para sua cobrança, pois esta “pressupõe a ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos”[8]. Nesse sentido aponta Paulo Paulsen[9], in verbis: “Sendo fato gerador do imposto a ‘aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza”, não alcança a ‘mera expectativa de ganho futuro ou em potencial’. Tampouco configura aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos a simples posse de numerário alheio.” O Ministro Marco Aurélio, por ocasião do julgamento, pelo STF, da ADI 2.588-1/DF, em excerto de voto-vista, assim dispôs: “A disponibilidade, tão comum ao conceito de renda, tem sentido vernacular e técnico todo próprio. O fato gerador do imposto sobre a renda, sob pena de não se poder assentar esta última, é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, fenômeno sempre concreto e que não pode, à mercê da ficção jurídica extravagante, insuplantável, ser deturpada, a ponto de se dizer que, onde não há disponibilidade econômica ou jurídica, entenda-se já acontecido o fenômeno…” Portanto, a disponibilidade econômica ou jurídica é condição sine qua non para que se realize o fato gerador do imposto de renda. Ou seja, é de se dizer que a incidência do imposto de renda sobre o acréscimo patrimonial está condicionada a disposição física do numerário pelo seu titular (disponibilidade econômica), ou ainda quando o acréscimo patrimonial que configura a renda, sem estar fisicamente disponível, encontra-se apto para ser recebido em vista da posse de um título jurídico (disponibilidade jurídica). Voltando a questão central sobre a possibilidade ou não de os fundos de pensão fechados realizarem o fato gerador do IRPJ e da CSLL, primeiramente, recalcitra-se na ideia de que, para as pessoas jurídicas, o conceito de lucro se concebe como sinônimo de renda, para fins de base de cálculo das exações sob análise. Ou seja, diferentemente das pessoas físicas que são tributadas pelo total dos rendimentos do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, admitidas deduções de algumas despesas dentro dos limites estabelecidos na legislação de regência, as pessoas jurídicas tem a incidência do imposto sobre o lucro, que segundo os ensinamentos de Mary Elbe Queiroz [10] consiste no: “(…) resultado positivo da pessoa jurídica, obtido após a dedução das receitas, de todos os custos, gastos e despesas necessários à manutenção da fonte produtora e à produção e à produção dos rendimentos, depois de compensados os prejuízos havidos na exploração da atividade.” As pessoas jurídicas de Direito privado são classificáveis, essencialmente, em dois tipos: pessoas jurídicas de caráter corporativo (corporações, associações e sociedades) e pessoas jurídicas de caráter fundacional (fundações). Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[11], “enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado, ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, ‘a personificação de uma finalidade’”. A despeito de as associações, segundo o magistério do ilustre administrativista, estarem inseridas no substrato corporativo, as mesmas estão impedidas, tanto quanto as fundações, de obter lucros ou dividir os resultados, conforme disposição do artigo 53 e ss. do Código Civil de Miguel Realle. Hodiernamente, as associações e fundações cumprem um papel de grande relevância econômica e social no cenário brasileiro, pois tais entidades, não raro, movimentam substanciosos recursos na sublime missão de auxiliar o Estado na consecução dos seus objetivos, notadamente aqueles de ordem social, religiosa, moral, cultural e assistencial[12]. Porém, não estão impedidas de obter superávits financeiros, no desenvolvimento de suas atividades, residindo, neste ponto, o principal imbróglio acerca do tema. Sobre a possibilidade de as entidades sem fins lucrativos realizarem superávits, a lei 9.532/97, em seu artigo 12, § 3°[13], é bem clara ao dispor: “Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.(…) § 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.” (destacamos) Portanto, bem clara a possibilidade de as pessoas jurídicas em causa perceberem eventuais superávits, que necessariamente deverão ser destinados necessariamente à manutenção e ao desenvolvimento de seus objetos sociais, ou, até mesmo, para reduzir equitativamente as contribuições de seus beneficiários. Muita discussão se deu em torno da introdução, pela LC 104, dos §§ 1º e 2º ao artigo 43 do CTN, pois sob uma análise açodada parecia que o legislador infraconstitucional houvesse alargado o espectro de incidência do imposto de renda, com a expressão “receita ou rendimento”, tendo em vista que o termo “receita” não comporta deduções de qualquer sorte, sendo apenas considerado em sua acepção as entradas. Sobre o tema, discorreu Roque Antônio Carrazza[14]: “Os  §§ 1º e 2º do art. 43, referem-se a “receita” ou rendimento. Receita, contudo, é palavra com sentido bem mais largo que o de renda ou proventos, enfim, que o de acréscimo, eis que receita é qualquer quantia recebida. […] De qualquer modo, não se pode perder de vista que a definição de fato gerador está condicionada pela base econômica dada à tributação pelo art. 153, III, da CF, que se refere a “rendas ou proventos de qualquer natureza”, e não a receitas. Não se pode, pois, dar a dispositivo infraconstitucional sentido que desborde da norma de competência, sob pena de inconstitucionalidade. Nunca é demais lembrar, a par disso, que o legislador infraconstitucional não pode alterar os conceitos utilizados pelas normas constitucionais que outorgam competências.” Portanto, os dispositivos inseridos no CTN pela LC 104 demandam uma interpretação em conjunto com o caput, que indica peremptoriamente que o critério material para se aferir o fato gerador do imposto é necessariamente um acréscimo patrimonial, e, sobretudo, com o preceito constitucional, que não cogita da incidência do imposto sobre a receita. Em sede pretoriana, costuma-se amalgamar os conceitos de lucro e superávits, em flagrante e ilegal desconsideração do conceito jurídico de lucro, fato este expressamente repugnado pela ordem tributária brasileira, uma vez que, a teor do artigo 110 do CTN, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo, e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado”, nem, tampouco, assiste razão ao aplicador do direito que pretenda estender deliberadamente o fato gerador de determinada exação. Veja-se, como exemplo, o entendimento da 1ª turma do TRF da 4ª Região, ao julgar a AC nº 5007162-07.2013.404.7000, sob a relatoria do desembargador Joel Ilan Paciornik: “TRIBUTÁRIO. AC. ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. IMUNIDADE. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. BITRIBUTAÇÃO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROGRESSIVIDADE. 1. O patrimônio das entidades fechadas de previdência privada compõe-se de valores provenientes das contribuições de seus participantes, de dotações da própria entidade e de aporte do patrocinador, enfim, mesmo que não possuam fins lucrativos, é cabível a incidência do imposto de renda e da contribuição sobre o lucro, pois na sua atividade captam e administram os recursos destinados ao pagamento de benefícios de seus associados. Também, não gozam da imunidade prevista no art. 150, VI, "c" da CRFB, já que não se confundem com as entidades de assistência social, destinadas a auxiliar pessoas carentes, independentemente de estarem ou não no mercado de trabalho e da contribuição correspondente.” Importante ressaltar que, sob o prisma comercial, renda e lucro são distribuíveis aos investidores ou sócios. Note-se que, para Bulhões Pedreira[15], lucro, em sentido econômico, é “espécie de renda repartida ou distribuída. […] Lucro é a parcela de renda repartida que excede da remuneração do trabalho, dos recursos naturais e do capital”. Não se confunde com os eventuais superávits alcançados pelos fundos de pensão, não distribuíveis por expressa previsão legal. Gilberto Ulhôa Canto[16] dispõe que: “Não basta, apenas, que seja adquirido o direito de auferir o rendimento (ou a sua titularidade). É necessário que a aquisição desse direito assuma a forma de faculdade de adquirir disponibilidade econômica, mediante a tomada de iniciativa ou a prática de ato, que estejam no âmbito do arbítrio do interessado, a qualquer momento: em outras palavras, a disponibilidade jurídica não ocorre com o aperfeiçoamento do direito à percepção do rendimento, sendo, mais do que isso, configurada somente quando o seu recebimento em moeda ou quase moeda dependa somente do contribuinte.” (destacamos) De fato, há a possibilidade de os fundos de pensão perceberem, em determinado período, ganhos que acresçam ao seu patrimônio. Contudo, tais ganhos, na seara contábil, não equivalem ao lucro, estes passíveis de distribuição entre investidores e sócios. Ao contrário, o superávit dos fundos de pensão são legalmente impedidos de ser distribuídos, portanto independem da vontade do seu titular para ser recebido. Inobstante o posicionamento dos tribunais pátrios, demonstrado através de trecho da ementa do acórdão acima transcrito, os superávits não podem ter outras destinações senão as fixadas em lei, dentre as quais não se inclui a distribuição entre seus investidores[17]. Perscrutando as consequências disso, tem-se, portanto, que os fundos de pensão não podem realizar o fato gerador da CSLL e do IRPJ. 1.    Da Inconstitucionalidade da Tributação Exclusiva na Fonte. Quanto ao IRPJ, é inconstitucional inclusive a tributação exclusiva na fonte. A pretensão fiscal de fazer incidir o IR-fonte, debruça-se sobre a afirmação de que o fato gerador do imposto não é apenas o lucro e, sim, qualquer acréscimo patrimonial legalmente previsto. Para tanto, se fundamenta notadamente nos seguintes dispositivos[18]: “Lei 7.789/89 Art. 47. O rendimento real produzido por quaisquer aplicações financeiras de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, fica sujeito à incidência do imposto de renda na fonte às seguintes alíquotas de acordo com a condição do beneficiário e o prazo da operação. (destacamos) Lei 8.383/91 Art. 20. O rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa iniciada a partir de 1° de janeiro de 1992, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte às alíquotas seguintes (…).(destacamos) Lei 8.541/92 Art. 36. Os rendimentos auferidos pelas pessoas jurídicas, inclusive isentas, em aplicações financeiras de renda fixa iniciadas a partir de 1° de janeiro de 1993 serão tributadas, exclusivamente na fonte, na forma da legislação vigente, com as alterações introduzidas por esta lei. (destacamos) Lei 8.981/95 Art. 65. O rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, a partir de 1º de janeiro de 1995, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de dez por cento. Art. 72. Os ganhos líquidos auferidos, a partir de 1º de janeiro de 1995, por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, em operações realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, serão tributados pelo Imposto de Renda na forma da Legislação vigente, com as alterações introduzidas por esta lei. Art. 73. O rendimento auferido no resgate de quota de fundo de ações, de commodities, de investimento no exterior, clube de investimento e outros fundos da espécie, por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota de dez por cento. (destacamos) Lei 9.532/97 Art. 28. A partir de 1º de janeiro de 1998, a incidência do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica imune[19] ou isenta, nas aplicações em fundos de investimento, constituídos sob qualquer forma, ocorrerá (…)” (destacamos) A incidência de IRPJ sobre os rendimentos oriundos de aplicações financeiras de renda fixa ou variável, na forma como dispõem as leis supratranscritas, não se aplicam aos fundos de pensão, pois essa forma de recolhimento visa tão somente a antecipação do imposto que se presume que seja devido ao final do ano-base, fato este que não alcança as pessoas jurídicas que, “sendo proibidas de obter lucros, situam-se fora do campo de competência impositiva da União Federal”[20]. Posto isso, é de se afirmar que não há o que se antecipar, por ser a pessoa em comento, repita-se, impedida de obter lucro. É de solar clareza que tais dispositivos legais não alcançam os fundos de pensão, uma vez que as referidas pessoas jurídicas não são isentas nem tampouco imunes – fato este já rechaçado pelo STF – à incidência de IRPJ. Tecnicamente, o que ocorre é que os ganhos auferidos por tais entidades estão além da competência delimitada pela Constituição, em seu artigo 153, III. Pende de julgamento final, no Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário nº 612.686, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que analisará as postulações da Associação Brasileira das Entidades Fechadas da Previdência – ABRAPP, que há anos vem defendendo o entendimento aqui sustentado. Trata-se de um julgamento paradigmático, onde será possível aferir o que os Ministros daquela Corte Constitucional entendem dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e de disponibilidade econômica.       3. Conclusão A despeito da miríade de entendimentos acerca dos conceitos de renda, proventos de qualquer natureza e da necessária conjunção desses dois conceitos à disponibilidade econômica para que haja a incidência do imposto de renda, na forma como concebido no artigo 153, III, da CRFB/88, dados pela doutrina ao longo dos anos, hodiernamente há um consenso entre a melhor doutrina em torno de tais conceitos. O problema é que em sede pretoriana muitas vezes são eles aplicados de forma equivocada. Nota-se uma clara inclinação dos Tribunais pátrios e das autoridades administrativas em estender o conceito de lucro para atingir os resultados superavitários dos fundos de pensão. Resta claro, porém, que os termos lucros e superávits guardam distinções relevantes, mormente no que se refere à disponibilidade. O resultado positivo, sobre o qual a pessoa jurídica não possui disponibilidade, em razão de ter a sua finalidade vinculada a um comando legal, é superávit. Já o resultado positivo sobre o qual haja disponibilidade, mesmo que jurídica, é lucro. Para sanar a insegurança jurídica decorrente do emaranhado de vozes proferido pelos órgãos jurisdicionais e pelas autoridades administrativas, é necessário que o STF ao se posicionar sobre o tema o faça de maneira a dirimir todas as controvérsias semânticas que giram em torno dos conceitos aqui expendidos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-impossibilidade-de-realizacao-do-fato-gerador-do-irpj-e-da-csll-pelos-fundos-de-pensao-fechados/