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Advocacia aderindo ao Simples Nacional – Lei Complementar 147/2014
Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisar qual modo de Tributação é mais viável para uma empresa do ramo advocatício após as mudanças que a Lei Complementar 147/2014 implicou ao Simples Nacional, fazendo com que algumas atividades antes vedadas passassem a poder optar pelo sistema simplificado, caso este que ocorreu com a atividade de advocacia. Para isto foram realizadas pesquisas bibliográficas e um estudo de caso para comprovar se há a viabilidade nessa opção.
Direito Tributário
Introdução A Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar nº 123, de 2006, que institui o Estatuto da Micro e Pequena Empresa e dispõe sobre o Simples Nacional), permitindo a opção de atividades que antes eram vedadas ao SIMPLES, tais como as atividades de advocacia. Esta possibilidade de ingresso, por si só não é fato decisório para a opção, visto que existem outras formas de tributação. A questão a ser elucidada aqui é comparar o cálculo de tributos no caso de a empresa de advocacia ser optante do SIMPLES ou não. O objetivo é mostrar que o planejamento juntamente às possibilidades que a legislação nos permite, podem contribuir para um maior crescimento da Empresa. O estudo será feito para analisar se é viável o ingresso da Empresa no Simples Nacional ou é preferível optar-se pelo Lucro Presumido ou Tributar na Pessoa Física dos advogados.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/advocacia-aderindo-ao-simples-nacional-lei-complementar-147-2014/
Restituição e compensação das contribuições previdenciárias de natureza indenizatória
O presente artigo se refere a indagação sobre a possibilidade de compensação da verba previdenciária patronal no que tange aos créditos gerados pelo pagamento de contribuições previdenciárias de cunho indenizatório aos obreiros de determinada empresa.
Direito Tributário
Introdução O tema sobre compensação de contribuições previdenciárias é de relevante destaque, tendo em vista que esses tributos são praticamente os maiores que o empresário deve arcar em sua rotina. A importância é acentuada principalmente considerando a necessidade de se conhecer com profundidade institutos como as verbas remuneratórias, pois são essas que incidem as contribuições previdenciárias, e verbas indenizatórias, essas que não incidem os referidos tributos, tendo em vista que a compensação equivocada pode gerar o direito subjetivo para que a Receita Federal – órgão de fiscalização tributária da União, que tem para si a competência de administrar esse tipo de tributo –, provoque o início de um procedimento administrativo para a realização do pagamento deste, com as sanções tributárias e administrativas aplicáveis ao caso em concreto, culminando, futuramente, em uma inequívoca inscrição em dívida ativa deste passivo para ulterior execução fiscal proposta pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Os prejuízos de uma análise equivocada para a correta realização da compensação das contribuições previdenciárias de natureza indenizatória também defluem para a responsabilização criminal dos gestores de uma pessoa jurídica de direito privado, eis que, conforme o artigo 168-A do Código Penal, o ato de deixar de repassar a previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes – contribuições previdenciárias de cunho remuneratório, destinadas ao complemento previdenciário do obreiro –, no prazo e na forma legal ou convencional, tipifica o crime de apropriação indébita previdenciária, que não admite suspensão condicional do processo, mas que admite a extinção da punibilidade do agente mediante a declaração espontânea e confessa do equívoco, cumulada com o pagamento integral dos valores. Ou seja, o não pagamento das contribuições previdenciárias de cunho remuneratório podem gerar uma alarmante responsabilização criminal, principalmente se o agente não estiver em condições financeiras para arcar com o adimplemento desses valores. Tudo isso para exemplificar as graves consequências de uma análise equivocada sobre institutos tão profundos quanto a diferenciação da natureza jurídica remuneratória e indenizatória de determinada contribuição social. Contudo, com a correta análise dos referidos institutos, a empresa deixa de arcar com pagamentos indevidos de pesados tributos decorrentes de sua atividade econômica, bem como os restitui, através de compensações sobre a contribuição patronal devida à seguridade social, o que evita prejuízos ilícitos e abusivos por parte da fiscalização tributária federal. Posto esses fatos, realizar-se-á uma análise jurídica, embasada na legislação, nos entendimentos administrativos da própria Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF –, e nos entendimentos jurisprudenciais pacíficos dos tribunais superiores: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, para se averiguar, com o ímpeto de se restituir, evitar e compensar, sem a penumbra de se adentrar em eventual responsabilização civil ou criminal, as referidas contribuições previdenciárias de cunho indenizatório, pagas equivocadamente em larga escala pelos setores industriais privados brasileiros. 1. Conceituação sobre verbas indenizatórias e verbas remuneratórias A previsão legal para a existência de diferenciação entre as referidas verbas, encontra-se no art. 28, da Lei 8.212/91, que versa sobre as formas de custeio da Seguridade Social, mais especificamente, sobre como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade financiará esse sistema, pautado na solidariedade intergeracional. Dispõe o referido artigo, que o salário-de-contribuição será aquele que incidirão as contribuições previdenciárias. Continua definindo que este será, para o empregado e trabalhador avulso: “a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato, ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.”[1] Ou seja, o legislador quis conceituar que as verbas remuneratórias são aquelas destinadas a retribuir o trabalho, ou seja, são todas aquelas verbas que tem intenção de dar uma contraprestação a determinada atividade realizada por um obreiro, em relação empregatícia com o seu empregador. Mesmo que a doutrina entenda que não é recomendável que o legislador disponha em lei sobre conceitos jurídicos, este dispôs que as referidas verbas terão natureza remuneratória: “a) Salário-maternidade; b) Total das diárias pagas, quando excedente a cinquenta por cento da remuneração mensal.” Contudo, é certo que as verbas como o salário ou as gorjetas, por exemplo, também deverão ser consideradas como verbas remuneratórias, por interpretação analógica do art. 28 da referida lei. Disto, conclui-se que o rol de previsões sobre as verbas remuneratórias é aberto, exemplificativo ou ampliativo, ou seja, mesmo que surja uma verba totalmente inovadora no ordenamento jurídico, é possível saber se a sua natureza é remuneratória se considerar o fato desta possuir uma natureza de remunerar um trabalho efetivamente realizado. O legislador também dispôs, na referida lei, um rol sobre as verbas de natureza indenizatória, ou seja, verbas que o empregado recebe sem que necessite realizar um trabalho para tanto, não incidindo a contribuição previdenciária nesses casos. São elas: (a)  “Benefícios da previdência social, salvo o salário-maternidade; (b) As ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta; (c)  A parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; (d) Férias indenizadas e o respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata a CLT[2]; (e)  Indenização por tempo de serviço, anterior à Constituição Federal de 1988 do empregado não optante do FGTS; (f)   Multa de 50% da remuneração devida ao obreiro demitido sem justa causa em contratos temporários; (g)  Indenização por tempo de serviço, correspondente a 1/12 do salário mensal, por mês de serviço ou fração superior a 14 dias ao safrista desligado normalmente de suas atividades rurais; (h) Verbas recebidas a título de incentivo à demissão; (i)   Verbas recebidas a título de abono pecuniário de 1/3 das férias; (j)   Verbas recebidas a ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; (k)  Verbas recebidas a título de licença-prêmio indenizada; (l)   Verbas recebidas sobre a multa no montante de um salário mensal, incidente em caso de dispensa sem justa causa, no período de 30 dias que antecede a data de sua correção salarial; (m)                Vale-transporte (n) Ajuda de custo recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado; (o)  Diárias para viagens, desde que não excedam a 50% da remuneração mensal; (p) Verbas recebidas a título de bolsa de complementação educacional de estagiário; (q) Participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica; (r)   Verbas oriundas do abono do PIS/PASEP; (s)  Verbas correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante de sua residência em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho; (t)   A importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa; (u) As parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira; (v)  Verbas pagas a título de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes; (w)Verbas para assistência médica ou odontológica; (x)  Verbas correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para a prestação dos respectivos serviços; (y)  Verbas que tendem a ressarcir as despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista; (z)  Verbas relacionadas a plano educacional ou bolsa de estudos que visem à educação básica de empregados e seus dependentes; (aa)   Bolsa de aprendizagem garantida aos adolescentes de até quatorze anos de idade; (bb)   Valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais; (cc)  A multa no valor da maior remuneração que obtivera na empresa, quando é demitido sem justa causa pelo empregador; (dd)   Valores correspondentes ao vale-cultura.” Mesmo com esse extenso rol de possibilidades para realizar a verificação se determinada verba é indenizatória ou não, o legislador não conseguiu abarcar o universo total das verbas que o obreiro recebe. Cita-se, por exemplo, o aviso-prévio: se for trabalhado, as verbas serão remuneratórias? E se for indenizado, as verbas serão consideradas indenizatórias para não incidência das contribuições previdenciárias? Logo, conclui-se que o legislador quis indicar que as verbas indenizatórias são aquelas que o empregado recebe sem que haja prestação de atividade ou serviço, ou seja, decorre de algum fato alheio à atividade estabelecida na relação empregatícia. Com isso, conclui-se que esse extenso rol, também é aberto, exemplificativo ou ampliativo. Desta conceituação inicial, conclui-se que o aplicador do direito é livre para analisar a natureza jurídica remuneratória ou indenizatória de determinada verba percebida pelo obreiro, para tanto, basta verificar se a mesma decorre ou não de uma contraprestação por uma atividade realizada. Logo, a continuação da análise se debruçará sobre as verbas indenizatórias mais controvertidas, eis que, quando pagas como se remuneratórias fossem, geram o direito subjetivo no contribuinte de reavê-las, através de pagamento em precatório ou compensação tributária. 2. Verbas indenizatórias controvertidas Primeiramente, o art. 30, I, a, b e c, da Lei 8.212/91, prevê a obrigatoriedade da empresa realizar o desconto das verbas remuneratórias, explicadas anteriormente, da remuneração percebida pelo empregado. O que ocorre na prática é que, infelizmente, por má interpretação da legislação por parte dos administradores de uma empresa, realiza-se um cálculo que inclui todas as verbas possíveis e imagináveis em favor do empregado, o que onera sobremaneira os caixas do empregador e lhe causa inúmeros transtornos e prejuízos, principalmente quando se fala sobre: (a)  “Terço constitucional de férias (b) Os quinze primeiros dias de afastamento, que antecedem o auxílio-doença; (c)  Aviso-prévio indenizado; (d) Férias indenizadas; (e)  Férias gozadas; (f)   Salário-maternidade.” Como as tais verbas não estão descritas expressamente na Lei 8.212/91, os órgãos de fiscalização tributária federal entendem, de forma ardil, que as tais devem ser consideradas como se remuneratórias fossem, inflando os cofres públicos de forma indevida. Contudo, em nenhum dos casos citados a cima há a constatação de uma remuneração decorrente de contraprestação por um serviço realizado. No caso do terço constitucional de férias, o obreiro simplesmente as recebe por benefício legal, ao concluir o período aquisitivo e gozar as suas férias, sem realizar nenhum esforço para tanto. A jurisprudência caminha no sentido de considerar o terço constitucional de férias como verba indenizatória, sendo impossível se imaginar, nem com muito esforço, qualquer viés de trabalho para que o obreiro faça jus à referida verba. “AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. EMPRESA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. EMPREGADOS CELETISTAS. – Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas. Precedentes. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg nos EREsp: 957719 SC 2010/0103922-1, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 27/10/2010, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/11/2010) Somando-se as previsões elencadas nos tópicos b, c e d, a jurisprudência também caminha no sentido de afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre todas as referidas verbas. “APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS, AUXÍLIO-DOENÇA NOS PRIMEIROS 15 DIAS DE AFASTAMENTO, SALÁRIO-MATERNIDADE E AVISO PRÉVIO INDENIZADO E REFLEXOS. COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES ARRECADADAS PELO INSS. ART. 26, § ÚNICO, DA LEI 11.457/07. I – Inexigibilidade de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, auxílio-doença nos primeiros 15 dias de afastamento e aviso prévio indenizado. Precedentes. II – Exigibilidade de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade e sobre a gratificação natalina decorrente do aviso prévio indenizado (reflexos). Precedentes. III – Compensação de valores que deve observar a limitação prevista no art. 26, § único, da Lei nº 11.457/07. IV – Recurso da parte autora desprovido. Recurso da União e remessa oficial parcialmente providos.” (TRF-3 – APELREEX: 18592 SP 0018592-91.2009.4.03.6100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, Data de Julgamento: 30/10/2012, SEGUNDA TURMA) “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. INDEVIDA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. FÉRIAS INDENIZADAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. VALE-TRANSPORTE. VALE-ALIMENTAÇÃO FORNECIDO EM PECÚNIA. ASSISTÊNCIA MÉDICA E ODONTOLÓGICA. FÉRIAS GOZADAS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDECIÁRIAS. INSS E IRPF. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. COMPENSAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. ART. 543-B DO CPC. 1. A Primeira Seção do STJ – Superior Tribunal de Justiça acolheu, por unanimidade, incidente de uniformização, adequando sua jurisprudência ao entendimento firmado pelo STF, segundo o qual não incide contribuição à Seguridade Social sobre o terço de férias constitucional, posição que já vinha sendo aplicada pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. 2. As férias indenizadas são pagas ao empregado despedido sem justa causa, ou cujo contrato de trabalho termine em prazo predeterminado, antes de completar 12 (doze) meses de serviço (Artigo 147 da CLT). Não caracterizam remuneração e sobre elas não incide contribuição à Seguridade Social, assim já decidiu essa Turma (AC 2003.61.03.002291-7, julg 25/09/2009). 3. O aviso prévio indenizado não compõe o salário de contribuição, uma vez que não há trabalho prestado no período, não havendo, por conseqüência, retribuição remuneratória por labor prestado. 4. O STF – Supremo Tribunal Federal apreciou o RE 478410 e decidiu que não constitui base de cálculo de contribuição à Seguridade Social o valor pago em pecúnia a título de vale-transporte(…)” (TRF-3 – APELREEX: 9966 MS 0009966-34.2005.4.03.6000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, Data de Julgamento: 30/07/2013, PRIMEIRA TURMA) Poderia haver indícios de dúvida no tocante às férias gozadas, eis que, para ter direito a recebe-las, o obreiro necessita, antes, cumprir um período aquisitivo de doze meses para poder usufruí-las. Contudo, na prática, observa-se as férias como se fosse uma espécie de recompensa, privilégio, que se distancia da conceituação de contraprestação em razão do seu trabalho. Basta observar que o obreiro, mesmo tendo batalhado por um longo período para conquistá-las, recebe valores sem realizar nenhum tipo de trabalho para o seu empregador. Ora, assim sendo, não se pode dizer que as férias devem ser consideradas verbas remuneratórias, eis que a Lei 8.212/91 é específica no sentido de que integra o salário de contribuição do obreiro, ou seja, considera-se como verbas remuneratórias aquelas cuja importância é auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma. De igual modo, a dúvida persiste no tocante ao salário-maternidade, eis que a Lei 8.212/91 prevê, de forma expressa, que essa verba integra o salário de contribuição do obreiro e faz incidir as contribuições previdenciárias. Contudo, não é possível evidenciar qualquer tipo de contraprestação a uma atividade prestada pelo obreiro, razão pela qual, a referida verba, mesmo com disposição legal expressa, contradiz-se em si mesma e não pode ser considerada para fins previdenciários. O entendimento de que as férias gozadas e o salário-maternidade não podem integrar a base de cálculo para a incidência de contribuições previdenciárias é seguido de forma pacífica pelo Superior Tribunal de Justiça: “EMENTA RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS. 1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador. 2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e  ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei 8.213/91), não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei 8.212/91. 3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher. 4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido; assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida no art. 28, § 9o., a da Lei 8.212/91. 5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg Documento: 25335993 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 08/03/2013 Página 1 de 3 Superior Tribunal de Justiça no AI 727.958/MG, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, DJe 27.02.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada. 6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas. 7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); dest'arte, não há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas. 8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade. 9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas. Documento: 25335993 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 08/03/2013 Página 2 de 3 Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3a. Região), Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Compareceu à sessão, o Dr. FABIO DA COSTA VILAR, pela recorrente. Brasília/DF, 27 de fevereiro de 2013 (Data do Julgamento).” (STJ – RE: 1.322.945, Relator: MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,, Data de Julgamento: 27/02/2013, PRIMEIRA SEÇÃO) Logo, com a exposição das verbas mais controvertidas, conclui-se que todas elas possuem natureza indenizatória e não devem servir para o cômputo da incidência de contribuições previdenciárias em favor do obreiro. Não se exclui, de igual modo, outras verbas de natureza indenizatória, que não devem integrar as referidas contribuições sociais. 3. Compensação Levando-se em consideração a demora clássica em receber valores a título de precatório, a ação ressarcitória dos valores pagos indevidamente a título de contribuição previdenciária tornam-se inviáveis. Contudo, quando houver esse tipo de situação, ao contribuinte é devido utilizar-se do instituto da compensação. Nas palavras de Hugo de Brito Machado: “A compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário.”[3] A compensação é um instituto trazido pelo Código Civil[4], trazido em seu artigo 368, e autorizado perante a legislação tributária, trazida através do artigo 170 do Código Tributário Nacional[5]. “Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.” Ora, caso o contribuinte seja credor da Fazenda Nacional, tendo em vista o recolhimento indevido de contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias, poderá valer-se da compensação, enquadrando-se perfeitamente em ambas as disposições legais, pois a “lei” trazida pelo Código Tributário Nacional se refere a qualquer uma que relacione o referido instituto, comunicando-se perfeitamente com a legislação do Código Civil. Paulo de Barros Carvalho assim ensina: “Por outras modalidades, além do pagamento, a obrigação tributária igualmente se extingue. A compensação é uma delas. Tem por pressuposto duas relações jurídicas diferentes, em que o credor de uma é devedor da outra e vice-versa. O Código Civil sobre ela dispõe no art. 368, definindo-a assim: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações se extinguem, até onde se compensarem. (…) Sempre em homenagem ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, o Código Tributário Nacional acolhe o instituto da compensação, como forma extintiva, mas desde que haja lei que a autorize. É a seguinte redação do seu art. 170(…).”[6] Em outra obra, também explica sobre a possibilidade da utilização da compensação no âmbito tributário: “Pela dinâmica da compensação também se extingue a obrigação tributária, desde que haja lei que autorize o agente administrativo a fazê-lo. E não poderia ser diferente, pois o enunciado implícito da indisponibilidade do interesse público, que é um valor relevante de nosso sistema, estará sempre presente na tutela dos direitos subjetivos do Estado. Daí porque a atividade do agente, nesse campo, há de ser vinculada, não lhe sobrando qualquer margem de discricionariedade. Neste caso, exige-se que os créditos do sujeito passivo contra a Fazenda sejam líquidos e certos, vencidos ou vincendos, podendo a lei instituir condições e garantias, ou indicar os limites dentro dos quais o funcionário do Poder Público vai operar a compensação. Esse é o teor do art. 170 da Lei n. 5.172/66.”[7] É possível valer-se do mandado de segurança para garantir o direito de compensar as referidas contribuições, desde que não seja utilizado para convalidá-las posteriormente, conforme se observa das súmulas 213 e 460 do Superior Tribunal de Justiça: “SÚMULA N. 213 O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária. SÚMULA N. 460 É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte”. É importante destacar que o mandado de segurança impede a condenação do impetrante, em caso de indeferimento, ao pagamento de honorários advocatícios, constituindo-se como o instrumento ideal para pleitear altos valores a serem compensados. 4. Conclusão Observa-se que o entendimento jurisprudencial e doutrinário é pacífico no sentido de ser indevido o recolhimento de contribuições previdenciárias que incidem sobre verbas indenizatórias, podendo o contribuinte diminuir os valores de seus tributos com a mera exclusão dessas verbas das folhas de salário mensais de sua empresa. Como é inviável o recebimento dos valores pagos a maior, o ideal é que haja a compensação desses com outros de mesma natureza. É importante frisar que a compensação deve ser realizada sobre as contribuições patronais, e não sobre as contribuições relativas aos empregados, sob pena de tipificação do crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal. Ou seja, mesmo que o obreiro tenha recebido valores maiores que os devidos, os mesmos devem permanecer para si, com o intuito de reverter para o cálculo de sua aposentadoria. Como o prazo prescricional do crédito tributário é de cinco anos[8], o contribuinte deverá realizar uma auditoria desse período excluindo todas as verbas de natureza indenizatória da base de cálculo das contribuições previdenciárias dos empregados, o que lhe gerará um crédito que poderá ser compensado com a sua contribuição previdenciária patronal, frise-se, tal procedimento jamais deverá ser utilizado para compensar os valores previdenciários dos empregados. Caso o contribuinte realize as referidas compensações e mesmo assim a fiscalização realize a autuação das referidas verbas indenizatórias, este terá amplo amparo doutrinário e jurisprudencial para o êxito de sua defesa administrativa ou judicial.
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Inconstitucionalidade do acréscimo de 10% na multa do FGTS em casos de demissão sem justa causa
O presente artigo se debruçará sobre a análise da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no art. 1º da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001, que instituiu um acréscimo de 10% sobre a “multa de 40% do FGTS”, em casos de demissão injustificada do empregado.
Direito Tributário
Introdução Durante a atividade empresarial, é bem comum que ocorram demissões injustificadas dos obreiros de determinada pessoa jurídica. Com a demissão sem justa causa deste, o empregador deverá, por força legal, a arcar com uma “multa” no valor de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada ao FGTS do empregado, conforme dispõe o art. 18, §1º da Lei do FGTS[1], a ver: “Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. § 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.” Não bastando a referida “multa”, que é destinada diretamente ao empregado lesado, o empregador também deve arcar com um outro ônus: mais 10%, que deverá ser revertido ao próprio fundo do FGTS. No total, o empregador deverá arcar, a cada demissão injustificada, com uma “multa” de 50% sobre os valores depositados a título de FGTS. A previsão legal do referido ônus se encontra no art. 1º da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001: “Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.” Contudo, a referida contribuição, como assim a lei o intitula, anteriormente possuía motivos para ser cobrada dos empresários, porém, hoje, não há mais finalidade que sustente a sua existência, conforme se comprovará. 1. Sobre a perda de finalidade do art. 1º, da Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001 Primeiramente, a referida contribuição social nasceu por conta de um “acordo geral”, realizado entre os representantes dos empregados (confederações sindicais), “representantes” dos empregadores (confederações sindicais patronais) e com representantes do governo (presidente da república), com o intuito de se cobrir um prejuízo de aproximadamente R$ 43 bilhões de reais aos cofres do FGTS, causado pelo ajuizamento de ações pelos sujeitos prejudicados pelos planos Verão e Collor I. Como disse o próprio deputado federal Sr. Antonio Carlos Mendes Thame, em exercício em meados de 2006, mais uma vez, os empregadores foram chamados a pagar a conta dos planos econômicos que, além de não lograrem êxito, trouxeram inúmeros prejuízos à população, notadamente aos trabalhadores[2]. Ou seja, a finalidade da referida contribuição era cobrir a má administração do governo federal, através de recursos do setor empresarial. Contudo, em janeiro de 2007, a Caixa Econômica Federal emitiu um estudo afirmando que naquela data, havia realizado o pagamento da última parcela do acordo para ressarcimento do prejuízo causado pelos planos Verão e Collor I, conforme se verifica: “Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir “funding” suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões. Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido. E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores. Essa conquista constiuiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada lei.”[3] Com isso, no mesmo ano, houve a instituição de um Fundo de Investimentos do próprio FGTS, que se utiliza dos valores excedentes dessa contribuição para financiar empreendimentos em infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento básico, ou seja, desvirtuando-se completamente da sua finalidade inicial. “FI – FGTS O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) é um fundo fechado e exclusivo que terá o FGTS como cotista único. O FI-FGTS terá patrimônio próprio, segregado do FGTS, cujo valor inicial de constituição não comprometerá o patrimônio individual dos trabalhadores (contas individuais), pois os recursos são do Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia. A finalidade do Fundo é o financiamento a empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, de acordo com as diretrizes, critérios e condições que dispuser o Conselho Curador do FGTS. O investimento do FI-FGTS ocorrerá em projetos previamente analisados e selecionados e o percentual máximo alocado pelo Fundo de Investimento será de até 30% do valor total do empreendimento quando o investimento for realizado em instrumentos de participação societária. Após um período de maturação estimado inicialmente em 2 anos, empreendimentos do FI-FGTS (fundo-mãe) poderão vender cotas de participação. Estas cotas constituirão um novo Fundo a ser lançado pela CAIXA, denominado Fundo de Investimento em Cotas (FIC), produto que poderá ser oferecido aos trabalhadores como uma “opção de investimento”, na qual estes poderão aplicar até 10% do saldo de suas contas vinculadas. O FI-FGTS foi criado pela Medida Provisória n.º 349/2007, aprovada pelo poder legislativo e convertida na Lei n.º 11.491, de 29.06.2007, que autorizou a aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do FGTS para integralização de cotas do FI-FGTS, podendo essa quantia atingir até 80% do Patrimônio Líquido do FGTS em 31/12/2006, ou seja R$ 17.100.800 mil. (…)”[4] Contudo, sobreveio um outro parecer, dizendo que mesmo sabendo sobre o pagamento da última parcela da dívida de FGTS, ainda sim existiam empregados que não se habilitaram para recuperar os valores pelos quais foram lesados[5], valores estes, que aproximavam de R$ 11,5 bilhões. Logo, havia a necessidade de se captar esses recursos. Ou seja, não obstante o pagamento da última prestação em janeiro de 2007, o próprio Gerente Nacional do FGTS, Sr. Henrique José Santana, em conjunto com o Superintendente Nacional do FGTS, Sr. Sergio Antonio Gomes, emitiram um parecer sobre a desnecessidade da referida contribuição desde julho de 2012, levando-se em consideração a expectativa de desembolso de valores que perfazem a monta aproximada de R$ 11,5 bilhões, conforme fora observado anteriormente. “Assunto: Período de exigibilidade da Contribuição Social 10% – LC 110/2001 Senhor Secretário-Executivo, 1. Conforme solicitação dessa Secretaria Executiva consideramos, abaixo, alguns apontamentos acerca da matéria da Contribuição Social instituída pela Lei Complementar 110/01, de 29 de junho de 2001. 1.1 A Contribuição Social em foco, cujo valor corresponde ao percentual de 10% (dez por cento) aplicado ao montante de todos os depósitos devidos ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, é devida pelo empregador quando da despedida de empregado sem justa causa. 1.2 Preliminarmente, cabe ressaltar que a Lei Complementar 110/2001 foi o fruto de um processo de negociação que envolveu o Governo Federal, representado então Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, os trabalhadores, pelas Centrais Sindicais com assento no Conselho Curador do FGTS, e os empregadores, pelas Confederações com assento no mencionado Conselho, o que resultou, à época, no denominado Maior Acordo do Mundo. 1.2.1 Nesse processo, cada uma das partes anuíram em dar a sua cota de contribuição para a formação do montante de recursos necessários à quitação dos compromissos decorrentes dos complementos de atualização monetária resultantes da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF. 1.3 Concluída essa complexa negociação, o Governo Federal apresentou Projeto de Lei Complementar que autorizava o crédito, nas contas vinculadas do FGTS, dos complementos de atualização monetária em comento, sob a condição da aprovação da contribuição social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devida nos casos de despedida sem justa causa, e da contribuição social de 0,5% (cinco décimos por cento), incidente sobre a folha de pagamento. Essas contribuições representavam a contrapartida dos empregadores no Acordo firmado entre o Governo e os representantes patronais e dos trabalhadores. 2 Dessa forma, no contexto da mencionada negociação, com o objetivo de auxiliar o Fundo no pagamento dos complementos de atualização monetária aplicáveis às contas vinculadas na forma da supracitada LC, estruturou-se uma engenharia econômico-financeira que compreendia as seguintes fontes de recursos e medida para evitar o desequilíbrio patrimonial do Fundo: a) arrecadação das contribuições sociais, instituídas pelos artigos 1º e 2º da LC 110/2001, onde, a primeira, ainda vigente (cuja arrecadação não foi possível estimá-la, à época), e a segunda que vigorou por 60 (sessenta) meses (01/2002 a 12/2006), estimada em R$ 5,0 bilhões; b) participação dos trabalhadores, mediante a aplicação de deságio, no valor dos créditos de importância superior a R$ 2,0 mil reais, estimado em R$ 4,0 bilhões; c) utilização de R$ 10,0 bilhões do Patrimônio Liquido do FGTS; d) utilização de R$ 10,0 bilhões oriundos de receitas financeiras do FGTS, potencializadas pela troca de R$ 6,0 (seis bilhões de reais) de Títulos CVS, da carteira do Fundo, por outros Títulos do Tesouro (LFT); e e) autorização para que o FGTS promovesse o diferimento das despesas correspondentes em até 15 anos. 2.1 Considerando a não-previsibilidade de todos os impactos dessas medidas, a fixação de termo para a exigibilidade da Contribuição em comento ficou para ser promovida em momento oportuno, ou seja, quando se pudesse definir a partir de quando o FGTS absorveria os efeitos econômico-financeiros do pagamento dos referidos complementos a todos os trabalhadores, quer seja pela via administrativa ou judicial. 3. Observadas as condições estabelecidas na LC 110/2001 e as decisões judiciais que determinam a efetivação dos créditos, para aqueles trabalhadores que não optaram pela via administrativa, foram realizados, até o momento, mais de 85,4 milhões de créditos nas contas vinculadas, perfazendo um montante de R$ 41,1 bilhões, conforme planilha anexa. 3.1 Como dito, uma fatia de trabalhadores não quis formalizar a adesão, nos termos da LC 110/2001, preferindo a via judicial para obter a reconstituição de atualização monetária dos saldos das contas vinculadas. 3.1.1 Desses, atualmente, persistem aproximadamente 94 mil (posição de setembro /2011) processos judiciais referentes aos Planos Econômicos, ainda ativos, tramitando nas Varas Federais e Juizados Especiais, nos quais o FGTS figura no pólo passivo. 3.1.2 Por essa razão, está registrada, a título de provisão, a quantia de R$ 11,5 bilhões no balancete do FGTS (posição dezembro/2011), que reoresenta a expectativa de desembolso a ser ainda realizado pelo Fundo. 4 Até o mês de dezembro de 2011, o FGTS arrecadou com as duas Contribuições Sociais, de que trata a LC 110/2001, o montante de R$ 23,059 bilhões, conforme planilha anexa. 5 Ao cotejarmos os valores das fontes de recursos citadas no item 2 supra – que somam até o momento R$ 40,1 bilhões -, com o total das despesas já realizadas e a realizar pelo FGTS – previstas em R$ 53,42 bilhões -, constatamos uma diferença de recursos da ordem de R$ 13,32 bilhões. 5.1 Portanto, esse “déficit” de R$ 13,32 bilhões tem sua realização projetada para ocorrer no momento em que se espera que sejam julgadas e extintas todas as ações judiciais citadas no subitem 3.1.1 retro. 6 É fundamental destacar que apesar da LC 110 autorizar o diferimento das despesas com os complementos de atualização levados a crédito dos trabalhadores em até 15 anos, o FGTS, considerando a sua condição econômico-financeira e em benefício dos empregadores responsáveis pelo pagamento da Contribuição Social em comento, reduziu em 4 (quatro) anos aquele prazo, fato que caracteriza uma contribuição adicional do Fundo para o equacionamento do tema. 6.1 Essa redução, que se traduz em absorção de impactos pelo FGTS acima dos limites negociados no Acordo, é que nos tem permitido defender o término da exigibilidade da Contribuição aqui tratada para julho de 2012. 6.2 Merece igual destaque o fato de que o estabelecimento imediato do fim da exigibilidade da precitada Contribuição Social levará o FGTS, pela antecipação total do diferimento autorizado, à relização de prejuízo da ordem de R$ 1,61 bilhões (saldo da conta de diferimento na posição de dezembro de 2011), fato que poderá ensejar a aplicação do disposto: – no art. 11 da LC 110/2001, que estabelece que o Tesouro Nacional fica subsidiariamente obrigado à liquidação dos valores creditados aos trabalhadores até o montante não coberto pela arrecadação das Contribuições Sociais instituídas pela referida LC; – no parágrafo 4º do art. 13 da Lei 8.036/1990, que estabelece que é do Governo Federal a responsabilidade de garantir o saldo das contas vinculadas. 6.3 Em resumo, essa antecipação do término de exigibilidade da Contribuição Social em pauta, contraria a premissa que presidiu o processo de negociação – de que a conta dessa magnífica dívida social não poderia ser paga, exclusivamente, pelo FGTS e o Tesouro Nacional – além de implicar o descumprimento do chamado “MAIOR ACORDO DO MUNDO”, consubstanciado na LC 110, com a assunção, pelo Governo Federal, da contrapartida a cargo dos empregadores. 7 Finalizando, registramos que a manutenção da cobrança da Contribuição Social, até julho de 2012, faz parte da engenharia econômico-financeira criada pela LC 110/2001 para permitir que o Fundo honre os compromissos em relação aos créditos complementares e é de fundamental importância para a recomposição dos recursos do FGTS utilizados nesse processo e, consequentemente, evitar-se desequilíbrios desse Instituto que se traduz em um verdadeiro patrimônio da sociedade brasileira, em especial dos trabalhadores. Atenciosamente (…)”[6] Pelo conjunto dos acontecimentos trazidos até agora, o recolhimento da referida contribuição perdeu a sua finalidade e não deveria ser recolhido. 2. A declaração exarada pela Presidente da República, Dilma Rousseff A então a então Presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 25/07/2013, vetou um projeto de lei (PL 200/2012) que pretendia abolir a referida contribuição, sob a fundamentação de que a extinção dessa contribuição acarretaria em um impacto de R$ 3 bilhões de reais ao ano, resultando na redução de investimento em importantes programas sociais, como o programa minha casa, minha vida: “MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013.  Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que "Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a extinção de contribuição social".  Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões: "A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS." Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.7.2013”[7] A própria Presidente da República confessou que desviava os valores de sua finalidade institucional. Essa foi a gota d’água para que os contribuintes buscassem a restituição das referidas contribuições pagas indevidamente desde julho de 2012, momento o qual passaram a ser reconhecidamente indevidas pelo próprio FGTS. 3. Fundamentação jurídico-constitucional: a contribuição se enquadra no art. 149, e não no art. 195 da CF A fundamentação jurídico-constitucional para a restituição das referidas verbas debruça-se na definição de sua natureza. As contribuições previstas no art. 149 da Constituição Federal possuem uma característica inerente à sua criação, ou seja, possuem uma espécie de finalidade que as acompanha durante toda a sua vigência. Esta que, uma vez atingida, extingue a exigibilidade do referido tributo. A finalidade, conforme explicado anteriormente, era justamente cobrir os danos causados pelos planos Verão e Collor I, que impactaram os fundos de FGTS em montante aproximado de R$ 43 bilhões. Logo, há evidências de seu caráter interventivo-transitório. É diferente das contribuições sociais previstas no art. 195 da Constituição Federal, eis que esses tributos possuem um caráter de permanência e continuidade, tendo em vista que possuem a finalidade de financiar toda a seguridade social, com recursos de toda a sociedade. Logo, as contribuições desse artigo possuem a finalidade para efetivar o acesso de toda a população à previdência, ao assistencialismo, e à saúde, e não para cobrir um prejuízo causado por má administração governamental. A referida contribuição social possuía um caráter de urgência, e, conforme prevê a CF, todas essas verbas emergenciais devem ter um “prazo de validade”, que se alcançará quando o desequilíbrio econômico social for atingido. A referida verba possui natureza jurídica idêntica a CPMF, que surgiu em um momento conturbado da economia, mas que fora extinta quando tudo se normalizou. Até mesmo a própria Lei Complementar traz indícios de sua transitoriedade. Cita-se, por exemplo, a contribuição que estava prevista no art. 2º, que trouxe uma contribuição social à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, com prazo de sessenta meses de duração. Todas as evidências de que a sua natureza jurídica atrai o art. 149 da Constituição Federal foram confirmadas pelo STF, no julgamento da ADI 2.556-2, conforme ementa: “EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas na Lei Complementar federal nº 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar. – A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub-espécie “contribuições sociais gerais” que se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna.(…)”[8]  A bem da verdade, conforme se extrai do relatório anual de gestão do FGTS de 2007, o atendimento à finalidade legal fora cumprido naquele ano, não devendo mais ser devidos, portanto, as referidas contribuições após essa data. “Crédito Complementar do FGTS O Governo Federal determinou, no ano 2000, o atendimento aos pleitos dos trabalhadores que à época dos Planos econômicos detinham contas vinculadas do FGTS com saldo. Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir “funding” suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões. Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido. E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores. Essa conquista constiuiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada lei”.[9] Com isso, foi possível a criação do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), que se utiliza de recursos que não comprometem o patrimônio individual dos trabalhadores, pois os recursos que o financiam são justamente de um “Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia”. Ora, se existia um déficit e o mesmo fora quitado através de uma receita específica para tanto, e a mesma receita continuou a ser exigida, de forma indevida, resta óbvio que todo esse excedente seria destinado ao “Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia”. “FI – FGTS O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) é um fundo fechado e exclusivo que terá o FGTS como cotista único. O FI-FGTS terá patrimônio próprio, segregado do FGTS, cujo valor inicial de constituição não comprometerá o patrimônio individual dos trabalhadores (contas individuais), pois os recursos são do Patrimônio Líquido do Fundo de Garantia. A finalidade do Fundo é o financiamento a empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, de acordo com as diretrizes, critérios e condições que dispuser o Conselho Curador do FGTS. O investimento do FI-FGTS ocorrerá em projetos previamente analisados e selecionados e o percentual máximo alocado pelo Fundo de Investimento será de até 30% do valor total do empreendimento quando o investimento for realizado em instrumentos de participação societária. Após um período de maturação estimado inicialmente em 2 anos, empreendimentos do FI-FGTS (fundo-mãe) poderão vender cotas de participação. Estas cotas constituirão um novo Fundo a ser lançado pela CAIXA, denominado Fundo de Investimento em Cotas (FIC), produto que poderá ser oferecido aos trabalhadores como uma “opção de investimento”, na qual estes poderão aplicar até 10% do saldo de suas contas vinculadas. O FI-FGTS foi criado pela Medida Provisória n.º 349/2007, aprovada pelo poder legislativo e convertida na Lei n.º 11.491, de 29.06.2007, que autorizou a aplicação de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do FGTS para integralização de cotas do FI-FGTS, podendo essa quantia atingir até 80% do Patrimônio Líquido do FGTS em 31/12/2006, ou seja R$ 17.100.800 mil. (…)”[10] Contudo, frise-se, a finalidade da referida contribuição não foi para criar o FI-FGTS, com o intuito de se investir em empreendimentos de infraestrutura dos setores de energia, rodovia, ferrovia, hidrovia, porto e saneamento, mas sim para resolver o déficit dos Planos Verão e Collor I. Ademais, como pode um Fundo atrelado ao FGTS possuir um patrimônio segregado do FGTS? Por óbvio que esse “patrimônio próprio” é, justamente, a contribuição prevista na Lei Complementar n.º 110/2001, o que desvirtua de forma cabal a destinação das referidas verbas. Até mesmo o próprio FGTS entendeu a natureza transitória e de destinação específica da referida contribuição social, prevendo que essa deveria ser extinta em julho de 2012. Todo esse cenário para, frise-se, concluir que houve desvio de finalidade no emprego da contribuição social, de caráter interventivo, nos moldes do art. 149 da Constituição Federal. De outro modo, resta clarividente que as contribuições de intervenção no domínio econômico, que é o caso analisado, devem possuir destinação específica e seguir a estrita formalidade. É o que ensina Hugo de Brito Machado. “A finalidade da intervenção no domínio econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo de função nitidamente extra-fiscal. Assim, um tributo cuja finalidade predominante seja a arrecadação de recursos financeiros jamais será uma contribuição social de intervenção no domínio econômico. A finalidade interventiva dessas contribuições, como característica essencial dessa espécie tributária, deve manifestar-se de duas formas, a saber: (a) na função da própria contribuição, que há de ser um instrumento da intervenção estatal no domínio econômico, e ainda, (b) na destinação dos recursos com a mesma arrecadados, que só podem ser aplicados no financiamento da intervenção que justificou sua instituição. Não se venha argumentar que a destinação do produto da arrecadação é irrelevante para a determinação da natureza jurídica específica do tributo. Realmente é assim, nos termos do art. 4º do CTN. Ocorre que esse dispositivo tem de ser interpretado no contexto em que está encartado. Como o Código Tributário Nacional não trata de contribuições de intervenção no domínio econômico, é compreensível que as suas normas não sejam sempre adequadas a essa espécie tributária. Ocorre que a contribuição de intervenção no domínio econômico tem perfil constitucional próprio. Ela não se destina a suprir os cofres públicos de recursos financeiros necessários para o custeio das atividades ordinariamente desenvolvidas pelo Estado. Ela não é um instrumento de arrecadação de meios financeiros, simplesmente. É um instrumento de intervenção no domínio econômico. (…) Sua utilização para outros fins configura violação à Constituição, caracterizada pelo desvio da finalidade a que se referem especialmente os cultores do Direito Administrativo. (…) A intervenção não consubstancia atividade normal, ordinária, permanente do Estado. Ela é atividade excepcional, e por isto mesmo, temporária, tendente a corrigir distorções em setores da atividade econômica. Assim, a lei que institui uma contribuição de intervenção no domínio econômico há de definir sua hipótese de incidência no estreito campo da atividade econômica na qual vai atuar como instrumento de intervenção estatal. E há de indicar expressamente a destinação dos recursos a serem arrecadados, que evidentemente não pode ultrapassar o âmbito da atividade interventiva.”[11] Todo esse cenário para se explicar o óbvio: criou-se uma contribuição para suprir um déficit e o governo aproveitou-se desta para, de forma ardilosa, desviar esses recursos para programas sociais de governo, hostilizando de forma direta a finalidade do referido instituto, bem como a sua destinação. 4. Conclusão Conforme explicado no decorrer do artigo, existe inconstitucionalidade no pagamento da contribuição no valor de 10%, que incide sobre a demissão injustificada dos empregados de uma empresa. Logo, o contribuinte não só pode, como deve, pleitear perante o Poder Judiciário a restituição ou compensação das referidas verbas, desde o período que fora indicado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/inconstitucionalidade-do-acrescimo-de-10-na-multa-do-fgts-em-casos-de-demissao-sem-justa-causa/
Análise da emenda constitucional Nº 75/2013: a imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas musicais
O presente artigo buscou abordar sobre a Emenda Constitucional nº 75/2013, que acrescentou a alínea “e” ao inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, instituindo a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. Como objetivo geral, o presente artigo pretendeu analisar os aspectos concernentes a essa recente hipótese de imunidade tributária, considerando a abordagem, ainda de forma tímida, por parte da doutrina. Para tanto, foram trazidas breves noções sobre imunidade tributária, especialmente o conceito, a base normativa e algumas de suas hipóteses, como também apreciados a abrangência terminológica, os limites da Emenda Constitucional e seus reflexos tributários.
Direito Tributário
Introdução O Sistema Tributário Nacional, ao ser insculpido pelo legislador constituinte, procedeu à partilha da competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na medida em que outorgou a cada uma dessas pessoas políticas o poder de instituir tributos, exigíveis à vista da ocorrência de determinadas situações preestabelecidas. Ao mesmo tempo, vedou o exercício da competência tributária em relação a certos fatos, atos, bens, serviços, pessoas e situações, visando preservar certos valores políticos, sociais, educacionais, etc. (DUARTE, 2013, p. 253). Significa dizer, com isso, que a Constituição Federal excluiu certas pessoas, bens ou serviços do alcance do poder de tributar, no intuito de preservar o regime político adotado, a saúde da economia, o respeito aos direitos fundamentais e aos valores espirituais. A partir desse conjunto de pessoas, bens ou serviços, protegidos da tributação pela norma constitucional, tem-se a noção de “imunidade”. Dentre as imunidades tributárias uma chama atenção: a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais, vulgarmente conhecida como “imunidade musical”, trazida à Carta Magna através da Emenda Constitucional nº 75, de 15 de outubro de 2013. A imunidade conferida aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, é o foco sobre o qual se debruça o presente artigo, pois, tendo sido concedida recentemente, ainda pairam dúvidas quanto a sua aplicação e abrangência terminológica. Justamente em razão da abordagem ainda tímida por parte da doutrina e da consequente escassez de trabalhos acadêmicos e científicos sobre o tema, o presente artigo pretendeu analisar os aspectos concernentes a essa recente hipótese de imunidade tributária. Sendo assim, num primeiro momento serão tratadas as questões relativas à imunidade tributária, notadamente o conceito, a base normativa e suas diversas hipóteses. Mais a frente, dar-se-á prosseguimento ao estudo da imunidade tributária, mormente a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais, prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, perpassando pelo teor da Emenda Constitucional nº 75/2013, responsável pela inserção do mencionado instituto no texto constitucional. Por fim, apreciar-se-ão a abrangência terminológica e os limites da EC nº 75/2013, bem como seus reflexos tributários. 1 Breves noções sobre imunidade tributária A imunidade tributária é tradicionalmente estudada como uma limitação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ao poder de tributar, segundo os termos da própria Constituição Federal, já que esta inseriu a temática na Seção II, relativa às “Limitações ao Poder de Tributar”, do capítulo do “Sistema Tributário Nacional”, juntamente com os princípios constitucionais tributários. Entretanto, a natureza jurídica e o conceito de imunidade tributária sofrem divergências no campo doutrinário, fazendo coexistirem posicionamentos diversos. Dentre eles estão os que entendem a imunidade como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, os que acreditam ser uma limitação ao poder de tributar e os que a veem como supressão do poder tributário. Para Borges (1980, p. 181), a imunidade tributária deve ser tida como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, nesses termos: “Regra imunizante configura, desta sorte, hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada. Quando se destaca no ordenamento jurídico um setor normativo autônomo – as regras tributárias – a análise constata a existência de duas modalidades distintas pelas quais se manifesta o fenômeno denominado não-incidência: I) a não-incidência genérica ou pura e simples, e II) a não-incidência juridicamente qualificada ou especial; não-incidência por determinação constitucional, de lei ordinária ou complementar. A imunidade tributária inclui-se, pois, nesta segunda alternativa. A não-incidência pura e simples ocorre quando inexistentes os pressupostos de fato idôneos para desencadear a incidência, automática e infalível, de norma sobre a sua hipótese de incidência realizada concretamente (fato gerador). A não-incidência por imunidade constitucional decorre da exclusão de competência impositiva do poder tributário.” Baleeiro (1992, p. 84), por sua vez, define as imunidades como sendo “vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas) e, às vezes, uns e outras”. Discordando desse ponto de vista, Amaro (2013, p. 176) ensina que a imunidade tributária é a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que a deixou fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. Para ele, não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, pela razão de que, nas situações imunes, não existe (nem preexiste) poder de tributar. Esse posicionamento assenta-se com as lições amplamente difundidas de Carvalho (2007, p. 195), que considera a imunidade tributária como a classe finita e determinável de normas jurídicas, contidas na Constituição Federal, que estabelecem expressamente a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para a expedição de regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. Destaque-se que esse entendimento é contrário à ideia de ser a imunidade uma limitação à competência tributária, posto que, quando estabelecida pela Constituição Federal, impede, desde logo, a competência dos entes dotados de possibilidade legiferante de editarem normas incidentes sobre determinadas situações. “Ora, o que limita a competência vem em sentido contrário a ela, buscando amputá-la ou suprimi-la, enquanto a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário para formar, juntamente com outros mandamentos constitucionais, o feixe de atribuições entregue às pessoas investidas de poder político. (CARVALHO, 2007, p. 183)” A imunidade tributária, pode-se dizer, é técnica legislativa por meio da qual o legislador constituinte exclui do campo tributável determinadas situações sobre as quais não quer a incidência de gravame fiscal (AMARO, 2013, p. 176). O fundamento que permeia as imunidades é a preservação de valores reputados relevantes pela própria Constituição, que sobrelevam a eventual capacidade econômica revelada na situação. A importância da liberdade religiosa, do acesso à informação, da liberdade de expressão, do federalismo, por exemplo, justificam a não tributabilidade das pessoas ou das situações imunes. Nesse diapasão, Duarte (2013, p. 253) afirma que as imunidades conferem direito público subjetivo às pessoas delas beneficiárias em não serem tributadas. A Constituição Federal, no seu art. 150, inciso VI, discrimina algumas hipóteses de imunidades tributárias: a imunidade recíproca, que obsta a possibilidade de tributação do patrimônio, renda e serviços de cada pessoa política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pelas demais, tendo em vista o federalismo (alínea a); a imunidade dos templos, que impede que a tributação recaia sobre seu patrimônio, renda ou serviços, desde que relacionados às suas finalidades essenciais (alínea b); a imunidade dos partidos políticos, das fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, em relação ao seu patrimônio, renda ou serviços (alínea c); a imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão (alínea d); e a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais (alínea e). Importante observar que a imunidade das entidades referidas na alínea c do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal, compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com suas finalidades essenciais, conforme prevê o § 4º do mesmo dispositivo. Ademais, o Código Tributário Nacional dispõe, em seus arts. 9º e 14, que tal imunidade é subordinada à observância dos requisitos neles contidos. Cabe, para fins deste artigo, o estudo mais detalhado da imunidade tributária constante da alínea e do mencionado dispositivo, ou seja, a imunidade conferida aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, que será alvo de abordagem no tópico que segue. 2 A imunidade tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 75/2013 Antes da entrada da Emenda Constitucional nº 75 no ordenamento jurídico brasileiro, no dia 15 de outubro de 2013, o inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, era composto de quatro alíneas que açambarcavam quatro situações protegidas com regra imunizante. Com a edição da Emenda Constitucional nº 75/2013, o rol do inciso VI foi ampliado, passando a incluir, na alínea e, uma nova hipótese de imunidade no nosso atual sistema tributário nacional. O dispositivo agora possui a seguinte redação: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.” A “PEC da Música”, como era conhecida a Proposta de Emenda que deu origem à Emenda Constitucional nº 75/2013, foi, na realidade, um Projeto de Emenda Constitucional de 2007, de autoria do deputado Otávio Leite (PSDB/RJ), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no dia 13 de dezembro de 2011, e pelo Senado Federal, no dia 24 de setembro de 2013. Foi transformado na Emenda Constitucional nº 75/2013, publicada no Diário Oficial da União do dia 16 de outubro do mesmo ano. Segundo a justificação da Proposta, a iniciativa teve como finalidades: a) combate à contrafação (popularmente conhecida como pirataria); b) o revigoramento do mercado fonográfico brasileiro; e c) a difusão da cultura musical a todas as classes sociais do Brasil, em especial as menos privilegiadas. Nesse documento, o deputado Otávio Leite consignou que o objetivo da PEC era estabelecer imunidade tributária para a produção musical brasileira, bem como a comercialização de seus suportes físicos e digitais, tendo como única restrição que as músicas sejam compostas ou gravadas por autores ou artistas brasileiros. Essa medida contribuiria para reverter o atual quadro de favorecimento da indústria da pirataria, valorizando os produtos legalmente produzidos e comercializados no País. Ainda na justificação da PEC, o deputado colacionou números apresentados pela Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos, que mostraram que o Brasil, outrora detentor da 6ª (sexta) posição no ranking mundial de produtores fonográficos, hoje tem seu mercado reduzido ao 12º (décimo segundo) lugar neste mesmo universo, estando em 1º (primeiro) lugar no que diz respeito às perdas decorrentes da pirataria no segmento musical. O deputado Otávio Leite argumentou, por fim, que o mercado nacional foi dominado por produtos ilegais e postos empregatícios informais, que provocaram uma imensa distância financeira entre o produto legal e o falsificado. A imunidade, nesse contexto, acabaria com o alto preço dos impostos que recaem sobre o produto original, retirando de cena esse fator que efetivamente torna desleal a concorrência entre ambos. De fato, a altíssima carga tributária que incidia sobre o produto original o tornava muito mais caro em relação ao produto pirata. Por tais motivos, acreditou o parlamentar que a referida PEC, ao desonerar de impostos praticamente todas as fases do processo de produção de música composta e/ou gravada por artistas brasileiros e comercializada em seus diversos suportes, atenuaria a barreira econômica que pesava sobre o produto original, popularizando ainda mais o seu acesso às classes menos favorecidas do país. Na busca pela difusão e consolidação da cultura nacional, a PEC, apoiada fartamente pelos artistas brasileiros, ganhou força e transformou-se na Emenda Constitucional nº 75/2013. A referida emenda constitucional, desse modo, estendeu o fenômeno da imunidade tributária por sobre os CDs e DVDs de músicas compostas e/ou gravadas por autores brasileiros e, ainda, outros suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, de modo a facilitar o acesso à cultura por todos, especialmente por aqueles que não têm condições financeiras. 2.1. Abrangência terminológica e limites da Emenda Constitucional nº 75/2013 A redação da nova alínea do inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, contém informações bastante técnicas sobre a abrangência e, ao mesmo tempo, os limites da imunidade tributária, o que faz gerar diversas dúvidas por quem faz apenas uma leitura literal da norma. Necessário se faz, portanto, esmiuçar o conteúdo desta, para que seja compreendida em todos os seus aspectos. Aduz a norma constitucional que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre: a)    Fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil (…); De acordo com o art. 5º, inciso IX, da Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), fonograma é “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Em termos mais simples, é a obra gravada. Cada faixa do CD ou DVD, por exemplo, compreende um fonograma distinto. A mesma obra cantada por um cantor diferente também é tratada como um fonograma distinto. O videofonograma, por sua vez, é o registro simultâneo de som e imagem contido em mídias, como fitas de videocassete, digital video disc (DVD), blu-ray disc etc. Ora, se a norma imuniza o fonograma, que contém somente sons, com razão imuniza também o videofonograma, que contém sons e imagens, conferindo, por via de consequência, maior proteção contra as práticas criminosas de pirataria. Atente-se para o fato de que os fonogramas e os videofonogramas devem ser produzidos no Brasil para que sejam alcançados pela imunidade tributária em comento. b)    Contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros (…); Segundo Costa Netto (1985, p. 41), obra musical é a síntese da melodia (emissão de um número indeterminado de sons sucessivos), da harmonia (emissão simultânea de vários sons – acordes) e do ritmo (sensação determinada por diferentes sons consecutivos ou diversas repetições periódicas de um mesmo som, marcando o andamento da melodia). Ao afirmar que a originalidade da obra musical está na melodia, o autor explica: “Assim, inegável que, dos três elementos constitutivos da obra musical, a melodia é a essencial. É essa, justamente, a característica mais peculiar em relação ao processo de criação da obra musical em relação às demais obras intelectuais: mais acentuadamente na criação melódica incide a sensibilidade, a inspiração, e não a reflexão ou comparação. Assim, não estaria afeta à melodia à inteligência e sim à sensibilidade. (COSTA NETTO, 1985, p. 41)” Além dos três elementos fundamentais já vistos da obra musical, podem vir a integrá-la, também, o título e a letra. No que cerne ao título, o art. 10, da Lei 9.610/1998, dispõe que “a proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor”. Com efeito, a obra formada apenas pela melodia, harmonia e ritmo pode ser definida como música ou obra musical. Quando a obra contém, além destes três elementos, o título e a letra, é possível defini-la como obra literomusical. Quando a obra é transformada e fixada em um suporte, fala-se em fonograma. Mais uma vez a norma ressalta o elemento pátrio, ao citar que as obras musicais ou literomusicais contidas nos fonogramas ou videofonogramas devem ser de autores brasileiros, para que a imunidade tributária possa sobre elas fazer efeito. c)    E/ou contendo obras em geral interpretadas por artistas brasileiros (…); O legislador derivado, explicitamente, previu que a imunidade tributária incide sobre os fonogramas e os videofonogramas musicais produzidos em nosso país, que contenham obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros. Ao fazer esta distinção, a norma abre brecha para o surgimento de várias questões sobre o tema, como, por exemplo, a diferenciação entre os produtos musicais de artistas nacionais e estrangeiros. Poderia, por ventura, incidir impostos sobre uma música de autoria de um brasileiro produzida no Brasil por um artista estrangeiro? Estariam imunizadas as músicas produzidas no Brasil por uma banda formada por integrantes brasileiros e estrangeiros, conjuntamente? Todas essas perquirições dependem de futura regulamentação pelo legislador infraconstitucional. Por ora, convém ressaltar que uma regra imunizante não pode ser interpretada tão somente sob a ótica literal, mas sim de forma sistemática e teleológica, ou seja, consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o contexto a que se refere. No caso sub examine, a norma que prevê a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais deve ser interpretada de maneira ampla, tendo em vista sua finalidade de disseminar e proteger a cultura nacional. A propósito, a Constituição Federal, em seu o art. 23, inciso V, prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Nesse contexto, a Associação Brasileira de Música Independente (ABMI) publicou um Comunicado sobre a Emenda Constitucional nº 75/2013, para seus associados, no intuito de esclarecer dúvidas e procedimentos a serem utilizados após a promulgação da Emenda. Em suas notas explicou que tanto a obra musical ou literomusical brasileira quanto o intérprete brasileiro, junta ou separadamente, são protegidos da tributação pela regra imunizante. De acordo com a ABMI, pode-se depreender da análise da norma que as condições para incidência da imunidade são: obra musical ou literomusical brasileira e/ou intérprete brasileiro. Vale só a obra, vale só o intérprete. Noutro dizer, se o artista estrangeiro interpretar obras de produção brasileira estará abrangido pelo manto imunizante. Do mesmo modo, se o artista brasileiro interpretar obras estrangeiras, também estará protegido da tributação. d)    Bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham (…); A imunidade tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 75/2013 também incide sobre as mídias físicas que dão vida às músicas, aos filmes e aos videoclipes, chamadas de suportes materiais. Esses suportes nada mais são que os meios pelos quais os fonogramas e os videofonogramas se materializam, a exemplo dos CDs, DVDs e blu-ray. No entanto, nem sempre os fonogramas e os videofonogramas são fixados em um suporte material. É o que acontece com os arquivos digitais, que permitem visualizar, reproduzir e difundir, através de uma rede informática ou pela Internet, quaisquer dados, no caso, os fonogramas e os videofonogramas musicais. Logo, são imunizadas as músicas baixadas pela Internet, os aplicativos de música para celular e tablet, etc. e)    Salvo na replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. O alcance da imunidade é limitado pela ressalva constante na parte final do preceito, por força da qual a incidência de impostos é admitida na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. Por replicação de mídias entende-se o processo industrial de multiplicação da matriz de CD ou DVD em cópias idênticas. Destaque-se, ainda, o fato de que os dispositivos de armazenamento por meio óptico são os mais utilizados para o armazenamento de informações multimídia, sendo amplamente aplicados no armazenamento de filmes, música, etc. Essa exceção não constava no texto original da PEC da Música, tendo sido inserida por ocasião do substitutivo apresentado pelo Deputado José Otávio Germano, relator da Comissão Especial, durante a tramitação da proposta. Considerando o dever de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais de nosso país, o relator da Comissão Especial, em seu voto, concluiu que a nova redação aperfeiçoa o texto original da PEC, ao resguardar a produção industrial de CDs e DVDs na Zona Franca de Manaus, com a manutenção da exclusividade do benefício fiscal na etapa de replicação. O texto original da PEC da Música trazia a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, sem qualquer ressalva no sentido de resguardar a produção industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM). Os representantes da Zona Franca de Manaus temiam que a instituição dessa imunidade para todo o território nacional levasse à evasão de indústrias de seu território. Isso porque a ZFM conta com um conjunto de incentivos fiscais e extrafiscais, ofertados especialmente na tentativa de atrair e fixar investimentos em sua área de abrangência, mediante ação conjunta entre o Governo Federal (arts. 40 e 92, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e o Governo do Estado do Amazonas (Lei Estadual nº 2.826/2003). Impende ressaltar que essa ação conjunta se efetiva, de um lado, pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 40, que estabelece a manutenção das características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, conferidas à Zona Franca de Manaus, pelo prazo de 25 anos a contar da promulgação da Constituição Federal, acrescidos de mais 10 anos pelo art. 92 do mesmo Ato, e de outro lado, pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Lei Estadual nº 2.826/2003, que regulamenta a Política Estadual de Incentivos Fiscais e Extrafiscais, nela compreendida a Zona Franca de Manaus. A inclusão da parte final do preceito fez com que a exclusividade do benefício fiscal na etapa de replicação industrial, concedido aos produtores da Zona Franca de Manaus, continuasse salvaguardada. Dessa forma, limitou-se o âmbito da proposta original e aprovou-se a PEC da Música, com insignificante votação contrária da bancada política da ZFM. Apesar disto, o Governador do Estado do Amazonas propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.058, com pedido de medida cautelar, perante o Supremo Tribunal Federal, em face da Emenda Constitucional nº 75/2013, sustentando que esta viola os arts. 5º, XXXVI, 60, § 4º, e 151, I, da Constituição Federal, e os arts. 40 e 92 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao esvaziar, de forma drástica, o modelo de incentivo regional da Zona Franca de Manaus. O Estado do Amazonas, em suma, pugna pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 75/2013 ou, subsidiariamente, a atribuição de interpretação conforme a alínea e do inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, para (a) limitar a imunidade tributária à Zona Franca de Manaus durante o prazo de vigência do art. 40 do ADCT de 1988 e (b) reduzir a interpretação da locução “suportes materiais” às mídias ópticas de leitura a laser. A ADI nº 5.058-DF, proposta em 18 de outubro de 2013, ainda encontra-se em trâmite na Corte Suprema. 2.2. Impostos afastados pela imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas musicais De posse da melhor compreensão a ser retirada da regra do art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, resta saber, em termos práticos, quais tributos devem ser afastados pela imunidade e quais tributos continuam a incidir normalmente sobre os fonogramas e os videofonogramas musicais. A princípio, faz-se mister salientar que as imunidades tributárias previstas no art. 150, inciso VI, da Constituição Federal, somente são aplicáveis aos impostos, não alcançando as taxas nem outra espécie de tributos, segundo assentou a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento do Recurso Extraordinário nº 424.227/SC e de tantos outros que o sucederam. O mesmo não ocorre com outras hipóteses de imunidades previstas pela Carta Magna, já que podem afastar outras espécies de tributos, além dos impostos. Como exemplo, têm-se o art. 151, inciso I, conhecido como princípio da uniformidade geográfica, que contempla a imunidade do tributo como gênero, e o art. 195, § 7º, que se refere à imunidade de contribuições para a seguridade social. Com efeito, a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, afasta a incidência dos impostos já criados, especialmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e de qualquer outro imposto que venha a ser criado e que possa onerar o comércio da música gravada, seja por que meio for. Assim, continua viável a cobrança de todos os demais tributos, como IPVA, IPTU, COFINS, PIS/PASEP, etc. Necessário observar que a música brasileira passa pelos processos de criação e produção até a distribuição e venda aos consumidores finais, seja em suportes físicos, como os CDs, DVDs, blu-rays, etc., seja em formatos digitais, por telefonia móvel ou por internet. Para o conhecimento dos reflexos tributários que a Emenda Constitucional nº 75/2013 proporcionou aos contribuintes, impõe-se a análise da incidência dos impostos sobre o processo da música brasileira, em todas as suas fases, aqui tomados como parâmetros os suportes materiais ou físicos. Pois bem. A fase de produção dos CDs, DVDs e blu-rays estaria sujeita, naturalmente, à incidência do IR e do ISS, uma vez que o item 13.02 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 prevê como serviço passível de cobrança de ISS a “fonografia ou gravação de sons, inclusive trucagem, dublagem, mixagem e congêneres”. A partir da Emenda Constitucional nº 75/2013, quem executa essas atividades de produção não está mais obrigado ao recolhimento dos referidos impostos. Produzidos os CDs, DVDs e blu-rays, passa-se à fase de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, ou seja, a multiplicação da matriz em cópias idênticas. Aqui, incidirão normalmente o ICMS e o IPI, por força da ressalva contida na parte final da regra imunizante ora estudada, observados os benefícios fiscais concedidos à Zona Franca de Manaus. A terceira e última fase consiste na distribuição e venda dos CDs, DVDs e blu-rays, sobre a qual incidiria o ICMS e o IR gerado com a venda desses produtos. Contudo, a Emenda Constitucional nº 75/2013 faz com que seja afastada a incidência de tais impostos nessa fase. Importa salientar, por fim, que a operação de circulação desses suportes materiais está sujeita à sistemática da substituição tributária, regime pelo qual a responsabilidade pelo ICMS é atribuída a outro contribuinte, no caso o fabricante. No entanto, isso não faz com que o mencionado imposto passe a ser devido. Pelo contrário, o ICMS, devido na fase posterior (venda) e retido na fonte na fase anterior (fábrica), também é afastado pela imunidade. Considerações finais Após o detalhamento do tema proposto no presente artigo, foi visto que a Emenda Constitucional nº 75/2013 acrescentou a alínea “e” ao inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, instituindo a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. A fase de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, no entanto, continua sofrendo normalmente os efeitos da tributação, por força da ressalva contida na parte final do mencionado dispositivo constitucional. Essa exceção se fundamenta na política de incentivos fiscais, a níveis federal e estadual, de que goza a Zona Franca de Manaus. Observa-se que a EC nº 75/2013, ainda que tardiamente, estendeu o fenômeno da imunidade tributária por sobre os CDs e DVDs de músicas compostas e/ou gravadas por autores brasileiros e, ainda, outros suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, de modo a facilitar o acesso à cultura por todos, especialmente por aqueles que não têm condições financeiras. Ao fazer isso, pretendeu difundir e consolidar a cultura nacional. Semelhante propósito já havia sido almejado pela Constituição Federal quando da instituição da imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. O legislador constituinte reforçou o incentivo à educação, à cultura e à ciência e efetivou a livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CF/88), a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, da CF/88) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF/88). A Emenda Constitucional nº 75/2013 nada mais fez do que equiparar, em termos tributários, a produção musical brasileira aos outros produtos culturais, como livros e revistas. A imunidade tributária na produção de música no Brasil é de extrema importância neste momento de recursos escassos, de baixo consumo e, principalmente, de combate à pirataria física e digital, que impera nos tempos hodiernos, prejudicando os pequenos produtores e artistas brasileiros. Na prática, a imunidade instituída pela EC nº 75/2013 proporciona aumento nominal de remuneração para autores e artistas brasileiros, tendo em vista que não são mais descontados os impostos da base de cálculo dos direitos autorais e artísticos sobre vendas de música. Para os consumidores, o preço final do produto (CDs, DVDs, blu-rays, etc.) se torna mais convidativo, fazendo-os optar pelo produto original ao invés do falsificado. Para os produtores fonográficos, a medida acarreta maior crescimento dos investimentos em música brasileira, principalmente no lançamento de novos artistas. Por tudo exposto, conclui-se que a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais gera benefícios para autores e artistas brasileiros, produtores fonográficos e para todos aqueles que trabalham no mercado musical, como também para os consumidores finais. Além disso, do ponto de vista macro, a referida imunidade corrobora com a disseminação e a proteção da cultura nacional.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/analise-da-emenda-constitucional-n-75-2013-a-imunidade-tributaria-dos-fonogramas-e-videofonogramas-musicais/
Cobrança de imposto sobre serviço de qualquer natureza, no que tange os advogados autônomos e a sociedade de advogados
O presente trabalho aborda informações referentes a cobrança do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), ou também denominado, Imposto Sobre Serviço (ISS), no que tange os serviços de advogados autônomos e sociedade de advogados. Neste sentido o tema é abordado minuciosamente, a fim de que o leitor possa adquirir e interpretar de modo cristalino as informações, sobre o referido tributo, contidas neste artigo.
Direito Tributário
.INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é abordar a cobrança do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), ou também denominado, Imposto Sobre Serviço no que se refere aos serviços advocatícios, tanto ao advogado autônomo quanto à sociedade de advogados. Em seu contexto é apresentado à respectiva legislação, bem como jurisprudência sobre o assunto. Não obstante traz também, para a tratativa cristalina desta questão, a exposição da melhor alternativa, ao profissional, no que tange esta tributação, visto que a mesma tende a variar, obviamente, por se tratar de um imposto de competência municipal. 1. IMPOSTO De acordo com o artigo 16 do Código Tributário Nacional temos por definição que: “imposto é o tributo[1] que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte”. Notório que diante do exposto na legislação citada, o imposto tem caráter geral, não trazendo qualquer vantagem específica ao contribuinte, característica esta mais marcante como forma de imposição do poder político, impondo um dever, sem gerar qualquer contrapartida. Portanto, o imposto para existir, requer a existência de um fato com envolvimento de particular e sem a presença do Estado. A Constituição Federal de 1988 aponta as espécies de tributos, sem especificá-las e tampouco classifica-las, porém no que diz respeito ao imposto cita que: “são instituíveis pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios […]”. Na esfera municipal, ponto tratado neste artigo, a competência dos Municípios em instituir impostos é apresentada no artigo 156 da Carta Magna, conforme nos ensina Luciano Amaro: “Aos Municípios são outorgados os impostos sobre a propriedade territorial e predial urbana; transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e sobre serviços de qualquer natureza“[2]. Sendo assim, é de inteira competência dos Municípios a aplicação de imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS ou ISSQN). 2. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN) O ISSQN ou ISS ingressa no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição de 1934, a qual criava impostos incidentes sobre atividades que envolviam diversões públicas. Atualmente, encontra-se previsto na Constituição de 1988 em seu artigo 5º, III, disposto na Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, todavia revogados os artigos 71 a 73 do Decreto Lei nº 406 de 31 de dezembro de 1968. Como visto, este imposto é municipal, desta forma, de responsabilidade do município é sua implantação e fiscalização, conforme os ditames legais dispostos na Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 e, também, do artigo 9° §§ 1° e 3° do Decreto Lei nº 406, de 31 de dezembro 1968. 3. LEI COMPLEMENTAR N° 116/2003 E O DECRETO LEI Nº 406/68 A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 além de inovar, alterou a legislação, tendo como intuito a ampliação da diversidade de serviços tributados pelos Municípios, de maneira a evitar a elisão fiscal e, não obstante, fixar nova base para o cálculo do imposto, sendo esta, o valor do serviço prestado. Entretanto, a referida lei não revogou o artigo 9° §§ 1° e 3° do Decreto Lei nº 406, de 31 de dezembro 1968. Em seu parágrafo 1°, o respectivo Decreto estabelece que determinados serviços, devido a sua natureza, deverão ter o imposto sobre serviço calculado através de alíquota fixa ou variável. Adiante no parágrafo 3° esclarece que determinados serviços, como a advocacia, ficam sujeitos a forma de cálculo estabelecida no § 1°, sendo calculado em relação a cada profissional individualmente, que preste serviço em nome de sociedade, todavia, assumindo responsabilidade pessoal. Desta forma, cabe apresentar as recentes decisões dos Tribunais, validando o entendimento da não-revogação do artigo 9° §§ 1° e 3°, como por exemplo a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí: “TJ-PI – Remessa de Ofício/Apelação APL 50011880 PI (TJ-PI) Data de publicação: 10/11/2009 Ementa: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇAO CÍVEL AÇAO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE COBRANÇA DE ISS C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO SOCIEDADE DE ADVOGADOS PRESTAÇAO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA APENAS CARÁTER EMPRESARIAL NAO DEMONSTRADO SUJEIÇAO AO ISS NA FORMA PRIVILEGIADA POR PROFISSIONAL HABILITADO REPETIÇAO DE INDÉBITO DEFERIDA RECURSOS IMPROVIDOS. Na forma dos 1º e 3º do art. 9º do DL nº 406 /68, subsiste integralmente a tributação privilegiada, pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), das sociedades de profissionais liberais de nível superior, no caso, advogados, que continuam sujeitas ao imposto por profissional habilitado e não pelo seu movimento ou receita bruta, pois não verificado o caráter empresarial alegado. Assim, na esteira do STJ, a sociedade de advogados de natureza civil, não recolhe o ISS com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra, de maneira que não ocorre o repasse do encargo a terceiros a exigir o cumprimento do disposto no artigo 166 do Código Tributário Nacional nas ações de repetição de indébito da exação em comento” (REsp 897813/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 24/11/2008). Decisão unânime. Em decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, temos o mesmo entendimento: “TJ-SE – APELAÇAO CÍVEL AC 2009218111 SE (TJ-SE) Data de publicação: 06/04/2010 Ementa: Tributário – Ação ordinária c/c repetição de indébito – Sociedade civil de advocacia – Base de cálculo do ISS – Alíquota fixa – Art. 9º, 1º e 3º do DL 406 /68 – Revogação pela LC 116 /2003 – Inocorrência – Honorários advocatícios – Manutenção. I – Em se tratando de sociedade civil de advogados que presta serviços especializados e sem caráter empresarial, em nome da sociedade, embora sob a forma de responsabilidade pessoal, tem direito ao tratamento privilegiado do ISS, nos termos do art. 9º, 1º e 3º, do DL 406 /68, ficando sujeita ao recolhimento do referido imposto, por meio de alíquotas fixas e variáveis de acordo com a natureza do serviço, calculado em relação a cada profissional habilitado que preste serviços em nome desta; II – A LC 116 /2003 não revogou o artigo 9º do DL 406 /1968, porquanto o art. 10 da mencionada lei elencou expressamente quais foram os dispositivos por ela revogados, dentre os quais não se encontra o referido dispositivo; III – Sopesando as particularidades da causa, revela-se adequada a manutenção do valor arbitrado a título de honorários sucumbenciais, que se encontra em consonância com os ditames dos 3º e 4º do art. 20 do CPC ; IV – Recurso conhecido e desprovido.” No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais corrobora: “AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO – ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DECRETO-LEI Nº 406/68 – STF – NORMA RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ISSQN – BASE DE CÁLCULO – SOCIEDADES CIVIS DE PROFISSÃO REGULAMENTADA – ADVOGADOS – ITEM 88 – PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. “O STF já declarou a constitucionalidade do art. 9º, §§ 1º e 3º. do D.L 406/68″. Em princípio, as sociedades civis de profissão regulamentada devem pagar o ISSQN sobre um valor fixo, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviço em nome da sociedade, havendo previsão legal expressa, inclusive, quanto aos advogados (art. 9º, §§ 1º e 3º, item 88, do Decreto-Lei 406/68)” (Processo nº 1.0313.04.142256-6/001 (1), Rel. Des. Gouvêa Rios, p. em 01/07/2005). “Mandado de Segurança Preventivo – Direito Intertemporal – ISSQN – Artigo 9º, §3º, do Decreto Lei nº 406/98 – Revogação – Lei Complementar 116/03 – Inocorrência. O regime especial da tributação do valor do ISS devido pelas sociedades profissionais de que trata o §3º, do art. 9º do Decreto -Lei nº 406/68, continua em vigor, porquanto a Lei Complementar nº 116/03 não revogou o referido dispositivo legal”. De igual entendimento decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco: “TJ-PE – Agravo AGV 3964110 PE (TJ-PE) Data de publicação: 09/11/2015 Ementa: TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. LEI MUNICIPAL N.° 15.563/97. DECRETO LEI N.° 406/68. SOCIEDADE CIVIL DE PRESTADORES DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA. ILEGALIDADE NA COBRANÇA DO ISS. RECURSO DE AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. A teor do art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei nº 406/68, para que incida o regime de tributação diferenciada, faz-se mister que a sociedade seja uniprofissional, ou seja, que todos os seus integrantes pertençam à mesma categoria profissional, bem como que, embora preste seus serviços em nome da sociedade, os sócios e demais profissionais habilitados, respondam pessoalmente sobre seus atos, o que exsurge da análise do contexto probatório dos presentes autos. 2. Quanto à alegação da impropriedade da exceção de pré-executividade, entendemos que não merece prosperar, tendo em vista que a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória (Súmula 393 do STJ). 3. Em relação ao pedido de redução no valor dos honorários advocatícios, entendemos que deve ser mantido o percentual arbitrado pelo juiz a quo, uma vez que está de acordo com o art. 20, §4° do CPC. 4. Recurso de agravo conhecido e não provido. 5. Decisão Unânime.” 4. A TRIBUTAÇÃO DO ISS PARA AS SOCIEDADES DE ADVOGADOS Diante do exposto não há o que se arguir sobre a eficácia e vigência do Decreto Lei nº 406 de dezembro de 1968, no que se refere ao artigo 9° §§ 1° e 3° que expressa: “Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. § 3º Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.” (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987) Sendo assim, as sociedades de advogados regularmente constituídas, possuirá tributação de ISS diferenciada em relação ao advogado autônomo. Para as Sociedades o Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza deve ser calculado em alíquotas fixas ou variáveis em relação a cada profissional habilitado. Os respectivos valores a serem pagos por cada profissional habilitado devem respeitar os ditames da legislação do Município onde a sociedade está localizada. Vale ressaltar, ainda, que devido ao tributo estar sujeito a alíquotas fixas, o referido imposto não poderá ser retido na fonte. 5. ADVOGADOS AUTÔNOMOS E A TRIBUTAÇÃO DO ISS O advogado autônomo, sujeito a pagar o ISS de acordo com a LC n° 116/2003, terá como fato gerador do Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza a lei municipal, de acordo com os limites estipulados de alíquota mínima de 2% (dois porcento) e máxima de 5% (cinco porcento)[3], tendo como base de cálculo o preço do serviço prestado[4]. Mister que o advogado busque a informação referente a alíquota estipulada pelo Município, bem como a forma de recolhimento praticada. Caso a incidência do ISS não esteja expressa na legislação do Município de prestação de serviço, tal cobrança considerar-se-á indevida. 6. SOCIEDADE UNIPESSOAL DE ADVOCACIA As Sociedade Unipessoal de Advocacia, criada pela Lei nº 13.247, de 12 de janeiro de 2016, que altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia, em seu artigo 2° rege: “Art. 2o Os arts. 15, 16 e 17 da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral. § 1º A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia adquirem personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede. § 2º Aplica-se à sociedade de advogados e à sociedade unipessoal de advocacia o Código de Ética e Disciplina, no que couber. § 4º Nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de advogados, constituir mais de uma sociedade unipessoal de advocacia, ou integrar, simultaneamente, uma sociedade de advogados e uma sociedade unipessoal de advocacia, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional. § 5º O ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da sociedade e arquivado no Conselho Seccional onde se instalar, ficando os sócios, inclusive o titular da sociedade unipessoal de advocacia, obrigados à inscrição suplementar. § 7º A sociedade unipessoal de advocacia pode resultar da concentração por um advogado das quotas de uma sociedade de advogados, independentemente das razões que motivaram tal concentração.” (NR) Além disto, a sociedade unipessoal de advocacia deverá ser composta pelo nome do seu titular completo seguido da denominação “Sociedade Individual de Advocacia”. O advogado terá um número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil para a sua pessoa física e outro para a pessoa jurídica. 7. ADESÃO AO SIMPLES NACIONAL (LEI COMPLEMENTAR N° 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006). O Simples Nacional[5] é um sistema unificado de cobrança dos seguintes tributos: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ); Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL); Programa de integração Social (PIS); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e o Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza (ISSQN ou ISS). A advocacia foi inserida no Simples através da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006, em seu artigo 18, § 5° C, inciso VII, que veio a ocorrer por meio da Lei Complementar n° 147, de 07 de agosto de 2014, de acordo com a seguinte redação: “Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o  disposto no § 15 do art. 3o.  (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016) § 5º-C Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, as atividades de prestação de serviços seguintes serão tributadas na forma do Anexo IV desta Lei Complementar, hipótese em que não estará incluída no Simples Nacional a contribuição prevista no inciso VI do caput do art. 13 desta Lei Complementar, devendo ela ser recolhida segundo a legislação prevista para os demais contribuintes ou responsáveis: VII – serviços advocatícios.”    (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014) Para o cadastramento no Simples Nacional, deve-se atender ao disposto no art. 2°, inciso IV e no art. 6° § 5°, inciso I da Resolução CGSN n°94, de 29 de novembro de 2011, conforme segue: “Art. 2° Para fins desta Resolução, considera-se: IV – empresa em início de atividade aquela que se encontra no período de 180 (cento e oitenta) dias a partir da data de abertura constante do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); (Lei Complementar nº123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º) Art. 6° A opção pelo Simples Nacional dar-se-á por meio do Portal do Simples Nacional na internet, sendo irretratável para todo o ano-calendário. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 16, caput) § 5º No caso de início de atividade da ME ou EPP no ano-calendário da opção, deverá ser observado o seguinte: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 16, § 3º) I – a ME ou EPP, após efetuar a inscrição no CNPJ, bem como obter a sua inscrição municipal e, caso exigível, a estadual, terá o prazo de até 30 (trinta) dias, contados do último deferimento de inscrição, para efetuar a opção pelo Simples Nacional;” 7.1 ALÍQUOTAS E PARTILHAS DO SIMPLES NACIONAL As sociedades de advogados que tenham receita bruta no último período (12 meses) de até R$ 3.600.000,00 (Três milhões e seiscentos mil reais), podem optar pelo Simples Nacional. De acordo com anexo VI da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2016, com vigência de 1 de janeiro de 2015, as alíquotas e partilhas do Simples Nacional dar-se-ão através da apuração da relação entre a Folha de Salários incluídos encargo em 12 meses dividido pela Receita Bruta em 12 meses. As alíquotas do Simples Nacional, independente do resultado da relação corresponderão conforme tabela[6]: 8. CONCLUSÃO Em observância ao Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza, sendo este de competência do Município, no que abrange a Sociedade de Advogados deve se analisar a alíquota incidente onde está localizada e observar, também, os ditames legais apresentados neste artigo. Todavia, a visão geral dos tributos envolvidos pelo Simples Nacional apresenta expressiva redução de carga tributária para as Sociedades com menor receita. Se compararmos as sociedades que são tributadas pelo regime de lucro presumido[7], teremos uma variação do percentual tributário entre 11,33% e 14,33% além do ISS. No que tange os advogados autônomos, tributação de pessoa física, esta pode alcançar até 27,5% somente com o Imposto de Renda Retido na Fonte, soma-se a este percentual a alíquota do Imposto Sobre Serviço. Sendo assim, a Sociedade Unipessoal de Advocacia é o formato mais propício ao advogado autônomo que aufere rendimentos expressivos. Desta feita, retornando ao cerne do assunto abordado, o Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza apesar de ter sua análise individualizada, devido à característica de tributo de competência do Município, o advogado autônomo, ou a Sociedade de Advogados deve analisar a questão tributária como um todo para uma melhor avaliação e determinação da forma de contribuição mais pertinente e mais expressiva quanto a redução da carga tributária.
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Isenção do IRPF nas doenças graves na atividade, inatividade e na previdência complementar
Neste artigo procuramos mostrar ao leitor a isenção do IRPF na atividade, inatividade e na previdência complementar, concedidas aos portadores de doenças graves. O direito à isenção está previsto na Lei nº 7.713/1988 regulamentada no Decreto nº 3000/1999, que aprovou o RIR, bem como a Solução de Consulta nº 152/2016, da Cosit, que isenta do IR o plano PGBL; não obstante, o referido direito vem sendo discutido nos tribunais do País com algumas decisões desfavoráveis aos portadores de doenças graves numa afronta constitucional no que diz respeito ao conceito holístico da saúde integral. Por essas razões, buscamos, por intermédio das jurisprudências e da melhor prática do Direito Tributário, esclarecer os aspectos polêmicos das normas, tais como o impedimento da isenção da previdência complementar, esta procurada pelos trabalhadores por motivo da falta de sincronismo na consciência financeira do Estado nos proventos da aposentadoria, enfim, das decisões que dificultam o Estado de garantir aos portadores de doenças graves os direitos constitucionais à saúde de forma integral, assim como às conquistas junto ao TRF.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO A Lei nº 7.713 de 22/12/1988 publicada no DOU de 23/12/1988 e o Decreto nº 3.000 de 26/03/1999, que aprovou o Regulamento do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (RIR), instituíram normas sobre o direito à isenção do IR, nos casos de doenças graves. Porém, tais direitos à isenção do IR concedidos aos portadores de doenças graves são objetos de discussões nos tribunais do País. De sorte que procuramos mostrar ao leitor, por meio das decisões do TRF, leis, Solução de Consulta nº 152 de 31/10/2016, da Cosit, publicada no DOU de 18/11/2016, seção 1, pág. 49, bem como a melhor prática do Direito Tributário, tomando-se por base as interpretações constitucionais em relação aos direitos dos portadores de doenças graves, no que diz respeito à isenção do IR. Assim, o não reconhecimento do Estado da isenção do IR, a exemplo da previdência complementar, embora haja o reconhecimento da isenção pela SRFB apenas para o denominado Plano Gerador de Benefício Livre – PGBL, no contexto nosso entendimento é que não garante o direito constitucional à saúde integral aos portadores de doenças graves, seja na atividade, inatividade ou na previdência complementar, que é procurada pelos trabalhadores por motivo da falta de sincronismo na consciência financeira do Estado nos cálculos dos proventos da aposentadoria oficial do INSS. Também mostramos que os Planos da Previdência Complementar possuem uma elevada carga tributária na incidência do IR. Ainda, neste trabalho procuramos mostrar, junto ao Tribunal Regional Federal (TRF), a conquista dos portadores de doenças graves no que se refere à isenção do IRPF, mesmo em atividade com vínculo empregatício ou não, conforme decisões do Acórdão do Desembargador Federal Tolentino do Amaral. 2 – PRINCIPIO DA PROGRESSIVIDADE NO IMPOSTO DE RENDA – IR Em relação ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IR, o art. 153, §2º, I, da CF/1988, estabelece que o referido imposto é informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. De sorte que a progressividade do Imposto de Renda tem como objetivo alcançar todas as pessoas com seus rendimentos, cuja alíquota incidirá por meio de uma tabela divulgada pela SRFB, caracterizada por alíquotas maiores e menores, tomando-se por base a capacidade econômica do contribuinte. Entretanto, entendemos que a cobrança desse imposto é injusta; por esse motivo, necessita de sérias mudanças a fim de atender com justiça o princípio da capacidade contributiva. De fato, o ente federativo restringe o contribuinte, por exemplo, quando limita as deduções sobre os gastos com educação; também considera para efeito de abatimento as despesas com dependentes limitando a idade de 24 anos, quando nos países desenvolvidos essa idade é em média 28 anos, quando exige do idoso com mais de 60 anos o pagamento do imposto. Enfim, é escorchante a cobrança do referido imposto, principalmente para os contribuintes pessoas físicas, no caso os assalariados, pois as pessoas jurídicas, conforme suas atividades econômicas, são beneficiadas com Incentivos Fiscais, que na verdade o Poder Público abdica de uma arrecadação do presente postergando-a para o futuro em alguns benefícios fiscais, já em outros há uma grande perda na arrecadação. De fato, as pessoas físicas são menos privilegiadas por meio de benefícios fiscais, inclusive aqueles existentes são obtidos por um preço muito alto para o beneficiário, a exemplo daqueles que são concedidos para os portadores de doenças graves que possuem o benefício fiscal da isenção do IR; todavia, eles se deparam com as amarras do ente federativo que restringe e dificulta sua utilização adotando uma postura mais fiscalista do que a própria garantia constitucional, a exemplo do direito à saúde e à vida, asseguradas na nossa Carta Política. 3 – ISENÇÃO DO IRPF NAS DOENÇAS GRAVES NA ATIVIDADE, INATIVIDADE E NA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR No que diz respeito ao direito à isenção do IRPF, figuramos como litigante contra a União, e obtivemos sucesso, pois a Corte Especial do TRF, por meio dos Embargos Infringentes pelo Acórdão nº 0009540-86.2009.4.01.3300, por unanimidade negou provimento à embargante Fazenda Nacional, sendo o referido Acórdão lavrado pelo Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, em 30 de janeiro de 2013 e transitado em julgado no dia 8 de maio de 2013. Enfim, com muita sabedoria o Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, no seu voto, esclarece: “Não fosse epidérmico aquilatar que, em qualquer caso, a moléstia induz perda ou redução da capacidade contributiva, o ser humano e a patologia que porventura lhe acometa, frisa-se, não são entes dicotômicos ou estanques (há, no todo, um só alguém gravemente adoecido), sendo inimaginável crer em contribuinte que, para fins tributários, se possa separar em “sadio para fins de rendimentos ativos” e, simultaneamente, “doente quanto a proventos”: não se pode conceber tal monstruosidade, que  atenta contra a própria gênese do conceito holístico de saúde integral, que envolve o direito à vida, à consciência, à crença, à honra, à imagem, à intimidade, itens que não se podem fictamente seccionar. Normas jurídicas nascem para pacificar o tecido social, não para causar estupor nem sensação de abandono”[1]. Não obstante, ao ser protocolada a petição para fins de cumprimento da obrigação de fazer, pelo autor da demanda, o juízo a quo, da 4ª Vara Seção Judiciária da Bahia, em relação ao Acórdão transitado em julgado em 8/5/2013, acolheu apenas as isenções do Imposto de Renda (IR) relativo aos salários da ativa oriundos do vínculo empregatício, bem como sobre os proventos da aposentadoria pública (INSS). Ocorre que, para nossa surpresa, o Juízo a quo não acolheu ao pedido relativo aos resgates da aposentadoria privada (BRASILPREV), aliás, numa total afronta ao espirito do Acórdão no que diz respeito ao conceito holístico da saúde integral, em que de forma definitiva é consignado no referido Acórdão com a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, ou seja, foi concedida isenção do IR para o portador de doença grave. Assim, após cinco anos da data em que foi protocolada a petição inicial sobre o pedido de isenção do Imposto de Renda no TRF, o autor no dia 20/01/2014, protocolou o Agravo de Instrumento sob o nº 0002667-03.2014.4.01.0000, no Tribunal Regional Federal, recomeçando sua via crucis no referido tribunal. De forma que, decorridas várias tramitações processuais, finalmente foi julgado o Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 0002667-03.2014.4.01.0000/BA, na 12ª Sessão Ordinária da Oitava Turma, realizada em 02/05/2016, cujo Relator foi o Exmo. Dr. Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, ocasião em que a turma, por unanimidade, conforme voto do Relator, nos termos da sua decisão[2], deu provimento ao agravo regimental para, reformando a decisão de fls. 350/351, negar provimento ao agravo instrumento, decidindo: “[….] Neste Corte, a Oitava Turma, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Federal Souza Prudente, ao apreciar o recurso de apelação do autor, deu-lhe parcial provimento apenas para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, também em relação à incidência do imposto de renda sobre a remuneração por ele auferida em atividade (f. 190). [….] Nesse contexto, considerando ter sido reconhecido ao exequente na demanda originária o direito à isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria pagos pelo INSS e a remuneração por ele auferida em atividade, não tendo sido acolhido o pedido relativo aos valores percebidos a título de complementação de aposentadoria de entidade de previdência privada, o acolhimento do pleito de intimação da seguradora de previdência privada para que não efetue a retenção do imposto de renda sobre os valores não pode prevalecer porque não encontra amparo no título judicial. Ante o exposto, dou provimento ao agravo regimental para, reformando a decisão de fls. 350/351, negar provimento ao agravo de instrumento”. Por essa razão, contra a decisão do Relator, aprovada no julgamento realizado em 02/05/2016, na 12ª Sessão Ordinária da Oitava Turma, foi interposto Recurso Especial ao Presidente do TRF, em 01/07/2016, protocolado sob o nº 16339921, que por meio da decisão de 14/12/2016, do Agravo de Instrumento nº 0002667-03.2014.4.01.0000/BA, o Presidente do TRF, Exmo. Dr. Desembargador Federal Hilton Queiroz, não admitiu o recurso especial[3]. Ora, com a devida vênia, permita-nos fazer um corte hermenêutico contra as decisões proferidas, quer seja do Juízo a quo, quer seja dos ilustres Desembargadores Federais, bem como da decisão do Presidente do TRF. De fato, o Acórdão do Desembargador Federal Souza Prudente[4], no seu voto-vista, esclareceu as causas de pedir do autor e seu direito de isenção do Imposto de Renda por ser portador de doença grave, conforme consta nas peças processuais. Pois no referido voto deu provimento, em parte, declarando a inexistência da relação jurídico-tributária entre as partes em relação à incidência do imposto de renda sobre os rendimentos na atividade e na inatividade, porém, não acatou o pedido da suspensão dos efeitos do benefício da assistência judiciária gratuita; por esses motivos, o referido voto foi fundamental para elucidações das decisões anteriores, inclusive para as demais decisões. Nesse sentido, o Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, em seu Acórdão dos Embargos Infringentes nº 2009.33.00.009545-1/BA[5], esclarece: “[…] O autor também apelou, pedindo a procedência integral do seu pedido. Em sessão de 18/NOV/2011 (f. 221/2), a T8/TRF1, por unanimidade, deu provimento, em parte, ao agravo retido da FN (só para afastar a gratuidade de justiça) e, por maioria, Rel. p/acórdão Juiz Federal SOUZA PRUDENTE, vencido o Juiz Federal CLEBERSON JOSÉ ROCHA, negou provimento à sua apelação e à remessa oficial e deu provimento, em parte, à apelação do autor para, desde 04/AGO/2008, afastar o IRPF sobre os proventos de aposentadoria (RGPS/INSS) e, ainda, sobre os rendimentos da atividade, assegurada a restituição do indébito, agregada apenas a SELIC. […] Em reforço de argumento ou variante intelectiva, se a troca “voluntária” do descanso e do emprego, nos casos, respectivamente, da conversão da licença-prêmio por pecúnia e da adesão aos programas coletivos de demissão, qualifica os valores auferidos ao grau de “indenizatórios”, como não se conceber que as verbas (provento/inatividade ou remuneração/atividade) recebidas por quem, de modo “compulsório”, viu-se portador de moléstia que a lei afirmou de suma complexidade, não tragam consigo o tom da isenção, pela perda ou redução do direito humano fundamental de crer-se para sempre são, de imaginar eternidades, de ver-se avô sadio a brincar com netos.” Portanto, retomando a decisão do Desembargador Federal Souza Prudente[6], no seu voto, ele conclui: “[….] Com estas considerações, dou parcial provimento ao agravo retido interposto pela União e, pedindo vênia ao eminente Relator, dou provimento, em parte, ao recurso de apelação do autor suplicante, para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, também em relação à incidência de imposto de renda sobre a remuneração por ele auferida em atividade, e nego provimento à remessa oficial e ao apelo da União (Fazenda Nacional), mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.” Assim, entendemos que os nobres julgadores, ao interpretarem os Acórdãos dos Desembargadores Souza Prudente e Luciano Tolentino Amaral, não analisaram a isenção do Imposto de Renda na causa de pedir do autor no contexto dos referidos Acórdãos, os quais não citam taxativamente sobre a isenção do Imposto de Renda – IR, no resgate da previdência privada da BRASILPREV, o que no mínimo ocorreu um erro de vício e não o direito da isenção do IR, pois os julgadores seguintes esbarraram tão somente numa formalidade processual usual nos tribunais, ou seja, aquilo que não está descrito não foi deferido, aliás, resultando numa interpretação equivocada em hermenêutica. Ora, a isenção do Imposto de Renda – IR, concedida pelo Tribunal Regional Federal – TRF, conforme os Acórdãos citados no presente trabalho, está ligada ao fato de o autor da demanda ser portador de doença grave, ou seja, neoplasia maligna. Assim, mostraremos neste trabalho que os tribunais de nosso país não possuem uniformidade em suas decisões, ocasionando uma derrama de decisões injustas, falta de imparcialidade[7] e ativismo judicial[8]. De fato, Umberto Machado de Oliveira e Leonardo Fernandes dos Anjos[9] esclarecem: “Em situações onde a lei não é clara, o intérprete não pode simplesmente invocar o texto legal porque o texto, por si só, admite mais de uma interpretação. A escolha entre os critérios de interpretação (gramatical, histórico, teleológico, sistemático etc.) é uma escolha que dependerá de outras razões além da mera análise do texto normativo. Nesse caso, o juiz necessariamente terá que buscar um argumento extra fora da lei, ou melhor, além da lei. O magistrado terá que analisar as consequências possíveis que sua decisão eventualmente terá no mundo real e, com base nisso, justificar a sua escolha.” Ainda, como mencionamos, o próprio TRF possui decisão beneficiando o portador de doença grave, a exemplo da neoplasia maligna, reconhecendo a isenção do Imposto de Renda – IR, no plano de previdência privada, por meio da Remessa ex officio em Mandado de Segurança REOMS 4474 SP, processo nº 2004.61.00.004474-5 (TRF-3)[10], senão vejamos: “Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA. APOSENTADORIA COMPLEMENTAR. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE ESPECIFICADA EM LEI. ISENÇÃO. ART. 6º, INC. XIV, DA LEI Nº 7.713/88. ART. 39, §6º, DO DECRETO Nº 3.000/99. 1. A Lei nº 7.713/88 e o Decreto nº 3.000/99 garantem a isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria percebidos pelo portador de neoplasia maligna, tal qual a hipótese dos autos, em que o impetrante foi aposentado por invalidez, em decorrência de tal moléstia, conforme carta de concessão do INSS, com início de vigência em 25/06/2003. 2. A isenção do imposto de renda, em face da existência de moléstia grave que acomete o contribuinte, visa desonerá-lo devido aos encargos financeiros relativos ao próprio tratamento da doença. 3. No caso, o impetrante, como participante contribuinte do BANESPREV, em virtude de sua aposentadoria por invalidez, teve direito ao resgate de 100% (cem por cento) do saldo existente em seu nome no respectivo plano de previdência privada. Trata-se, portanto, de benefício recebido a título de complementação à aposentadoria do impetrante, em virtude da doença especificada em lei. 4. Em respeito ao princípio da igualdade tributária, a isenção do IRRF, prevista no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88, abrange também os valores oriundos de aposentadoria complementar, em decorrência da neoplasia maligna que afligiu o impetrante, e que se encontra documentalmente comprovada nos autos. 5. É de se observar que o art. 39, §6º, do Decreto nº 3.000/99 prevê que a isenção do referido tributo também se aplica à complementação de aposentadoria. 6. Precedentes deste E. TRF e do E. TRF 4º Região. 7. Remessa oficial improvida.” Em relação à decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal, Exmo. Dr. Desembargador Federal Hilton Queiroz que, por meio da decisão de 14/12/2016, não admitiu o Recurso Especial, referente à decisão do Agravo de Instrumento nº 0002667-03.2014.4.01.0000/BA, entendemos que existiu um ativismo judicial, ocasião em que o judiciário não considerou uma norma do executivo, ou seja, a Solução de Consulta nº 152-Cosit, de 31/10/2016, publicada no DOU de 18/11/2016, seção 1, pág. 49, no que diz respeito à isenção do Imposto de Renda, concedida aos portadores de doenças graves nos casos do plano PGBL da previdência complementar, que é o caso do autor da demanda. Vale ressaltar que, data vênia, na dúvida sobre o espírito do Acórdão do Desembargador Federal Tolentino do Amaral, o qual declara a inexistência da relação jurídico-tributária entre as partes, concedendo ao portador de doença grave isenção do IR, na atividade, inatividade e na previdência privada, o Relator, Exmo. Dr. Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, que negou provimento ao Agravo de Instrumento nº 0002667-03.2014.4.01.0000/BA, poderia, no nosso entendimento, buscar argumentos extras fora da lei, ou melhor, além da lei, segundo ensinamentos da doutrina pátria citada neste trabalho. Nesse contexto, a Solução de Consulta da Cosit poderia ser utilizada pelo ilustre Relator, pois foi provocada por entidade da previdência complementar, que obrigatoriamente deverá cumprir a orientação constante na Solução de Consulta nº 152/2016, da Cosit; além do mais, o seu efeito vinculante aplica-se às demais previdências privadas. De fato, o ato administrativo da espécie normativa, denominado Solução de Consulta, tem força regulamentar, considerando suas qualidades jurídicas, tais como presunção de legitimidade, imperatividade, coercibilidade e executoriedade. Além do mais, a Instrução Normativa RECEITA FEDERAL DO BRASIL – RFB nº 1.434, de 30/12/2013, publicada no DOU de 02/01/2014[11], estabelece que a Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência têm efeito vinculante no âmbito da RFB, senão vejamos: “Art. 1º Os arts. 3º, 8º, 9º, 15, 23, 25 e 27 da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, passam a vigorar com a seguinte redação:  […] “Artigo 9º A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.” Desse modo, a Coordenação-Geral de Tributação, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio da referida Solução de Consulta nº 152 da Cosit, de 31/10/2016[12], concluiu: “Diante do exposto, proponho que a presente consulta seja solucionada informando-se à consulente que: a) Em razão da interpretação literal a que se sujeita a legislação que trata de isenção, apenas os rendimentos relativos a proventos de aposentadoria, reforma ou pensão e suas respectivas complementações, tais como as dos Planos Geradores de Benefício Livre (PGBL), recebidos por portadores de moléstia grave, são isentos do imposto sobre a renda. Os rendimentos decorrentes de VGBL sujeitam-se ao imposto sobre a renda, na fonte e na declaração de ajuste anual, mesmo que o beneficiário de tais rendimentos seja portador de moléstia grave. b) Por força de disposição contida nos incisos I e II, art. 18, da Instrução Normativa RFB nº 1.396/2013, é ineficaz a consulta no que se refere ao questionamento sobre o preenchimento da Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte-DIRF, por se tratar de questão eminentemente procedimental e por não indicar os dispositivos da legislação tributária sobre cuja aplicação há dúvidas.” Ora, a própria Secretaria da Receita Federal do Brasil, responsável pela arrecadação do Imposto de Renda, reconhece a isenção para os portadores de doenças graves nos casos do plano PGBL, da previdência privada, por essa razão, entendemos que é lamentável um órgão do judiciário responsável pela melhor aplicação da lei não reconhecer a referida decisão da Cosit. Além disso, considerando que a decisão do Presidente do TRF, Desembargador Federal Hilton Queiroz, a qual foi com base nos erros processuais iniciados pelo Juízo a quo, que, ao ter que cumprir a obrigação de fazer da decisão do Acórdão lavrado pelo Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, não o fez em relação à isenção sobre os rendimentos da Brasilprev, ocasião em que o autor contestou da decisão por meio de Pedido de Reconsideração entre outros instrumentos jurídicos. Mesmo assim, sobre a admissibilidade do pedido do Recurso Especial, o Presidente do TRF[13], decidiu: “[…] Se a pretensão do autor objetivava o reconhecimento da inexistência de relação jurídico-tributária também em relação aos proventos de aposentadoria percebidos por entidade de previdência complementar, deveria ter recorrido do acórdão prolatado pela Quarta Seção desta Corte, mas assim não o fez, não cabendo, nesta sede de regimental, a alteração do decisum agravado. Nesse caso, o exame da argumentação do recorrente ou a adoção de entendimento diverso implicaria o revolvimento da matéria fático-probatória, o que é insuscetível de ser realizado na via recursal especial. (Aglnt no AREsp 848.207/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 23/11/2016; Aglnt no AREsp 696.558/MS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016). Diante do exposto, não admito recurso especial.” Ainda, os equívocos não cessaram quando da decisão que não reconheceu o direito da isenção aos portadores de doenças graves do plano PGBL da previdência privada, pois os leitores poderão observar neste trabalho que, além do não reconhecimento da isenção constante do Acórdão lavrado pelo Desembargador Luciano Tolentino Amaral, pasmem, se foi desconsiderada a isenção e exigida incidência do IRPF, não foi levado em consideração o benefício fiscal da redução da base tributável em 12% com base no aporte efetuado até em 31 de dezembro. De fato, o autor teve um aporte efetuado pela empresa em 26/12/2008, entretanto, considerando que a decisão da matéria encontrava-se sub judice, é notório que houve omissão dos relatores das decisões do Agravo de Instrumento nº 0002667-03.2014.4.01.0000/BA, uma vez que entendemos que deveria constar direito nas decisões dos relatores, pois, o autor não utilizou o valor do aporte para fins de redução da base tributável. Além do mais, o meio empresarial já alguns anos vem enfrentando crises econômicas, baixos salários de aposentadorias públicas (INSS), especialmente, daqueles funcionários que possuem na atividade salários superiores ao teto máximo da Tabela de Contribuição Mensal da Previdência Social. Tais tabelas não possuem nenhum sincronismo no que diz respeito aos princípios da progressividade em relação às faixas de salários e respectivas alíquotas de incidência para cálculo da contribuição a ser paga ao INSS, com a Tabela Progressiva Mensal de incidência do IRRF, tampouco com o mercado de trabalho. Nas tabelas progressivas atuais com vigência em 2017, por exemplo, na última faixa da tabela mensal do INSS para fins de incidência da Contribuição da Previdência Social para segurado empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, constam os valores de R$2.765,67 até R$5.531,31, cuja alíquota para fins de recolhimento é de 11%. Por sua vez, na tabela progressiva mensal, para fins de recolhimento do Imposto de Renda divulgada pela Secretaria da Receita Federal, com base na Lei nº 13.149/2015, consta para fins de base de cálculo na última faixa o valor de R$4.664,68, cuja alíquota para fins de recolhimento é de 27,5%, com a parcela a deduzir do IR o valor de R$869,36. Assim, o leitor poderá observar que o trabalhador fica sujeito às amarras de um procedimento para fins de cálculo do IR, INSS e limite de valor a ser pago na aposentadoria administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que entendemos não ter nenhum sincronismo. Este nos traz a simetria, que se não existir haverá uma interposição e choque de uma consciência financeira[14] a qual é baseada em harmonia. Ora, a falta de sincronismo a que nos referimos é visível e financeiramente extorsiva, ocasionando prejuízo ao trabalhador e, em contrapartida, beneficiando os Cofres Públicos, ou seja, o trabalhador a fim de aposentar-se com o teto máximo do INSS 2017, no valor de R$5.531,31, terá que ter contribuído com 11% do valor do referido teto durante pelo menos 80% da sua vida ativa[15].  Por essa razão, nosso entendimento é que o empregado de uma sociedade empresarial trabalha a vida toda para aumentar a arrecadação tributária dos Cofres Públicos, pois, quando na ativa, se por acaso ele venha a receber um salário acima de R$4.664,68, ele ficará sujeito a ser onerado pelo pagamento do IR.  Por sua vez, como aposentado ele ficará condicionado a receber o teto máximo de R$5.531,31, inclusive sendo descontado da contribuição para previdência social, quando estiver exercendo ou voltar a exercer atividade empregatícia. Por essas razões, a falta de sincronismo ocasiona uma extorsão financeira ao trabalhador, prejudicando a qualidade de vida dele, tais como: físico, emocional, social, profissional, intelectual e espiritual. Assim, o trabalhador ao aposentar-se será penalizado no fim de sua vida, fugindo totalmente dos padrões de vida quando estava na atividade. Aliás, tais fatos ocorreram com aqueles trabalhadores de empresas que não adotaram o Plano de Demissão Voluntária (PDV) ou Plano de Aposentadoria Incentivada (PAI). Enfim, presenciamos na sociedade brasileira trabalhadores aposentados com padrões de vida socioeconômicos deploráveis. Também, ocorrem situações em que o aposentado, para complementação da aposentadoria pública do INSS, continua com vínculo empregatício com a empresa a qual possui relação de emprego, ou, desligando-se dela, procura outro emprego num mercado que, muitas vezes, discrimina de forma vergonhosa o idoso. Ainda, se o aposentado for portador de doenças graves, deficiente físico ou possuir outras patologias, ele ficará fadado a ter um fim de vida sem nenhuma dignidade à pessoa humana. Aliás, este é o prêmio para aquele trabalhador brasileiro que contribuiu com teto máximo para INSS, quando se encontrava na atividade. Por esses motivos, mostraremos ao leitor que, diante do cenário econômico do País, bem como a elevada carga tributária, por várias décadas estes problemas vêm inviabilizando os investimentos das empresas em geral, obrigando-as a reduzirem custos.  De fato, de alguns anos para cá, em decorrência das crises políticas e econômicas, as sociedades empresariais foram obrigadas na área de recursos humanos a efetuarem mudanças corporativas essenciais para sobreviverem, evitando uma quebradeira generalizada no país; por esses motivos, vivenciamos nos últimos anos um elevado número de demissões. De maneira que as sociedades corporativas, comprometidas com o social, mercado e investidores, buscaram a renovação no quadro de empregados, substituindo os mais antigos pelos mais novos. Os primeiros com maiores salários causavam um elevado custo na folha de pagamento. Já os segundos com salários baixos reduziam significativamente os custos com mão de obra. Também, nas governanças públicas, atualmente o atual governo do Presidente Michel Temer, buscando reduzir os gastos com pessoal em decorrência da crise econômica e politica, anunciou por meio dos canais de comunicação a implantação do Programa de Demissão Voluntária – PDV. Assim, muitas organizações adotaram as governanças corporativas, com base na cultura e ética, buscando uma política mais profissional e menos familiar; por esses motivos, na atualidade, os empregados que foram desligados conseguiram, muitos deles, aposentar-se na empresa em que iniciaram a carreira profissional, ou seja, o primeiro emprego do trabalhador; não obstante, acreditamos que no futuro tal situação deva diminuir significativamente. De maneira que as sociedades empresariais comprometidas com uma política de responsabilidade social implantaram o Plano de Previdência Complementar para seus trabalhadores adequando as melhores práticas de administração de pessoal; por essa razão, no que diz respeito aos desligamentos dos mais antigos, foi concedida uma indenização que viesse cobrir as deficiências da aposentadoria pública (INSS). Já outras sociedades empresariais também comprometidas com uma política de responsabilidade social e na sua política de planejamento estratégico no que diz respeito a sua forma de enxugamento do quadro de pessoal, visando melhorar seu processo de otimização, buscaram diminuir os custos na gestão de pessoas. Por esses motivos, implantaram o Plano de Demissão Voluntária (PDV), Programas de Demissões Coletivas, por intermédio da aposentadoria pelas empresas de previdência privada, Plano de Aposentadoria Incentivada (PAI), cujos valores recebidos pelos trabalhadores, pelo que entendemos, para os fins trabalhista e tributário poderão ser conceituados como verbas indenizatórias. Desse modo, no caso das empresas que adotaram PDV ou PAI no pagamento das verbas indenizatórias, não há que se falar em incidência do Imposto de Renda, bem como da contribuição previdenciária. Já as outras empresas que firmaram contrato com previdência privada complementar, ou seja, conhecida na legislação e doutrina como rendimentos de previdência complementar, temos conhecimento de que algumas efetuaram contribuição com um aporte único para aqueles funcionários com 30 anos ou mais de empresa com perspectivas de desligamento, ou seja, os portadores de doenças graves, deficientes físicos ou não, aliás, o que mostra o comprometimento com a política de responsabilidade social da sociedade empresarial. No entanto, é oportuno mencionar que alguns contratos empresariais com a previdência privada podem ser firmados com base nos denominados planos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL)[16], que possuem regimes de tributação do Imposto de Renda distintos, sendo que no primeiro plano as contribuições não são dedutíveis. Já no segundo plano as contribuições podem ser abatidas no cálculo do IR, até o limite de 12% da renda tributável como benefício fiscal, considerado como um diferimento. No que diz respeito às contribuições do plano VGBL, este tem por objetivo atender aqueles contribuintes que utilizam o modelo simplificado quando da entrega junto à SRF da Declaração de Ajuste Anual com opção pelo desconto simplificado, de 20% sobre o rendimento tributável, entretanto, desde que não ultrapasse o limite atualmente previsto que é de R$16.754,34 (dezesseis mil, setecentos e cinquenta e quatro reais e trinta e quatro centavos). Por sua vez, somente poderão deduzir o valor das contribuições ao plano PGBL aqueles que pagam o IRPF, por meio do modelo completo quando da entrega da Declaração de Ajuste Anual. De maneira que a diferença do plano VGBL[17] é que na sua fase de acumulação não tem nenhuma vantagem de dedução, isto é, na fase de aplicação do plano, todavia, possui o benefício nos resgates, ocasião em que o IR incidirá tão somente sobre os rendimentos obtidos. Vale ressaltar que, caso o contribuinte tenha optado pela tributação regressiva, o imposto retido na fonte é considerado como tributação definitiva, cujos rendimentos serão lançados para fins do Imposto de Renda na rubrica “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva / Definitiva”. Já no plano PGBL os aportes efetuados poderão ser dedutíveis até o limite de 12% da renda tributável, ou seja, há incidência do IR nos aportes; entretanto, o seu pagamento é postergado quando do resgate, ocasião em que a incidência do IR resultará numa base de cálculo com valor acumulado no momento do referido resgate, incidindo sobre os aportes, bem como sobre os rendimentos. Ainda sobre os rendimentos de previdência complementar, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 280, de 2/6/2017, publicada no DOU de 14/6/2017[18], concluiu-se pela impossibilidade da isenção do Imposto de Renda – IR, nos casos do regime de tributação regressiva, nos rendimentos pagos por entidade de previdência privada, senão vejamos: “[…] Conclusão 11. Com base no exposto, conclui-se que a isenção para maiores de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, prevista no art. 6º, inciso XV, da Lei nº 7.713, de 1988, não se aplica à percepção de rendimentos de caráter previdenciário, pagos por entidade de previdência privada complementar, na hipótese em que o beneficiário desses rendimentos tenha optado pelo regime de tributação regressiva e exclusiva na fonte de que trata o art. 1º da Lei nº 11.053, de 2004.” De forma que exemplificaremos uma situação em que uma empresa formalizou um contrato com uma empresa de previdência complementar, cujo plano foi o PGBL, a fim de que o leitor possa avaliar o prejuízo do portador de doença grave que é isento do IR, por meio da Solução de Consulta nº 152/2016, da Cosit, que, no caso da decisão do Presidente do TRF, pasmem, será tributado, podendo o ganho financeiro servir apenas para pagar o imposto de renda, pois as correções monetárias oscilam para mais ou para menos. Assim, no plano empresarial PGBL, hipoteticamente, foi efetuado um aporte único na previdência privada, em dezembro de 2008, sendo efetuado um resgate no exercício de 2016, a seguir: 1 – Resgate Exercício 2017, Ano-Base 2016. a) Cálculo do Imposto Valor tributável – R$435.298,24 IR retido (15%) – R$65.294,74 b) Cálculo do Imposto Devido 435.298,24 – 16.754,34 = 418.543,90*27,5%/100 = 115.099,57 – 10.432,32 = 104.667,25 c) Cálculo do IR a Pagar 104.667,25 – 65.294,74 = 39.372,51 d) Cálculo da Carga Tributária – CT 65.294,74 + 39.372,51 = 104.667,25*100/418.543,90 = 25% CT – 25% 2      – Fator de Tributação a) Alíquota de 27,5% FT = (100 – 27,5) = 72,50% FT = ( 1 – 0,275) = 0,725 b) Alíquota de 15% FT = (100 – 15) = 85% FT = (1 – 0,15) = 0,85 3 – Reajustes concedidos pela União para fins de Cálculo do IRPF a) Desconto padrão de 20% utilizado na Declaração Simplificada Ano-Calendário 2015 – R$15.880,89 Ano-Calendário 2016 – R$16.754,34 Portanto, nota-se que o reajuste foi de apenas 5,5%, a saber: 16.754,34 – 15.880,89 = 873,45. 873,45*100/15.880,89 = 5,5%. Conclui-se que: 15.880,89*5,5 = 873,45 + 15.880,89 = 16.754,34. a) Reajuste da tabela progressiva para cálculo do IRPF com base na alíquota de 27,5% Ano-Calendário 2015 – R$10.302,70 Ano-Calendário 2016 – R$10.432,32. Também, podemos observar que o reajuste foi de apenas 1,2581%, a saber: 10.432,32 – 10.302,70 = 129,62129,62*100/10.302,70 = 1,2581%. Conclui-se que: 10.302,70*1,2581 = 129,62 + 10.302,70 = 10.432,32. Em relação ao exemplo hipotético demonstrado anteriormente nosso objetivo foi mostrar ao leitor a elevada carga tributária existente na modalidade do plano PGBL, bem como a seguir demonstraremos os prós e contras sobre os planos nas modalidades VGBL e PGBL. De fato, conforme mencionamos anteriormente, em decorrência das crises políticas e econômicas, choque de consciência financeira dos órgãos governamentais, as empresas em geral para sobreviveram foram obrigadas a demitirem seus empregados utilizando os planos PDV, PAI, bem como as aposentadorias dos mais antigos por meio das previdências privadas, aliás, por aquelas organizações comprometidas com uma política de responsabilidade social. Não obstante, algumas empresas, a fim de assegurarem uma aposentadoria digna para aqueles empregados mais antigos, efetuaram um aporte único com opção no plano PGBL, conforme consta no exemplo hipotético. Ocorre que, no aporte efetuado pela empresa, o benefício até o limite de 12% da renda tributável não foi utilizado; o que nos fez perceber uma elevada carga tributária, e, pelo que entendemos, os planos da previdência privada para os trabalhadores é uma aposentadoria e não um investimento, tal qual é tratado pelo mercado financeiro. Portanto, a fim de que os leitores possam melhor efetuarem suas análises críticas neste trabalho discorremos de maneira pormenorizada sobre as modalidades dos planos PGBL e VGBL comparando a utilização e as consequências dos referidos planos. De fato, o PGBL, ao possibilitar abater até 12% da sua renda tributável como beneficio fiscal, estará reduzindo a sua base tributável de seu rendimento, exemplificando, caso tenha efetuado aportes no valor de R$12.000,00 até o dia 31 de dezembro e tenha uma renda tributável anual de R$100.000,00, podendo abater da Declaração de Ajuste Anual o valor dos aportes, resultando um valor tributável efetivo no exercício de R$88.000,00. Assim, ocorrerá o diferimento, isto é, o pagamento do imposto quando da realização do resgate, imposto de renda que incidirá numa base de cálculo com valor acumulado. Por esses motivos, o PGBL em relação à tabela de tributação apresenta duas faces de uma mesma moeda, podendo ser progressiva ou regressiva. A primeira é mais interessante no caso de se resgatarem valores menores ou de se efetuarem aportes num prazo curto limitado em 12% da renda tributável anual, além da elevada carga tributária que poderá onerar o orçamento. Já a segunda aplica-se a tabela de tributação regressiva para fins de resgates a longo prazo, visando à aposentadoria do trabalhador, por exemplo, acima de dez anos de tempo do contrato de adesão com a empresa de previdência privada, o imposto de renda sobre o resgate terá a alíquota de 10% sobre o valor dos aportes acrescidos dos rendimentos. Finalmente, não há dúvidas de que a SRFB reconhece a isenção do IRPF para os portadores de doenças graves que possuem contratos com empresa da previdência privada na modalidade de plano PGBL e não reconhece para fins de isenção a modalidade de plano VGBL, por entender que ele não é um plano de previdência complementar por se enquadrar no ramo de seguro de pessoas, sujeitando-se ao imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual, mesmo que o beneficiário de tais rendimentos seja portador de moléstia grave. 4 – CONCLUSÃO Finalmente, o nosso objetivo foi no intuito de mostrar a elevada carga tributária na incidência do IR, nos planos da previdência privada, na modalidade do plano PGBL que, entendemos, é procurada pelos trabalhadores por motivo da falta de sincronismo na consciência financeira do Estado quando da sua aposentadoria junto à Previdência Social do Governo. Ainda, apesar do entendimento do TRF em não conceder isenção do IRPF aos portadores de doenças graves, a SRF é taxativa no que diz respeito à isenção do Imposto de Renda, concedida aos portadores de doenças graves nos casos do plano PGBL da previdência complementar, por meio da Solução de Consulta nº 152-Cosit, de 31/10/2016, publicada no DOU de 18/11/2016, seção 1, pág. 49. A Solução de Consulta, inclusive fundamentada pelo Regulamento do Imposto de Renda, não deixa dúvidas sobre a isenção do IRPF para os portadores de doenças graves que possuem contratos com empresa da previdência privada na modalidade de plano PGBL. Todavia, não reconhece para fins de isenção a modalidade de plano VGBL, por se enquadrar no ramo de seguro de pessoas, por isso, sujeitando-se ao imposto de renda na fonte, mesmo que o beneficiário dos rendimentos do citado plano seja portador de moléstia grave. Também, mostramos que no mínimo nos deparamos com um ativismo judicial em relação ao TRF em não acatar uma norma já existente da SRF sobre a matéria de substancial importância para aqueles portadores de doenças graves, bem como sobre o descumprimento das empresas da previdência privada que efetuam retenção do imposto de renda dos portadores de doenças graves que possuem rendimentos no plano na modalidade PGBL. Por outro lado, mostramos a conquista junto ao TRF para aqueles portadores de doenças graves que continuam trabalhar com vinculo empregatício ou não, tais direitos foram com base na sabedoria do voto-vista do Desembargador Federal Souza Prudente, aliás, do sábio Acórdão[19], que orienta um exame mais aprofundado da questão, o que reclama a busca da mens legis[20]. Assim, não admitindo a isenção, o Estado não garante aos portadores de doenças graves os direitos constitucionais à saúde. Ainda, a referida conquista da isenção ocorreu com trânsito em julgado do sábio Acórdão do Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, em 8/5/2013, o qual enfatiza que não pode existir, para fins tributários, separar em sadio para fins de rendimentos ativos e doentes quanto aos proventos da aposentadoria. Por esse motivo, esclarece: “não se pode conceber tal monstruosidade, que  atenta contra a própria gênese do conceito holístico de saúde integral”.  Enfim, em qualquer mecanismo de tributação deve o Estado excluir os portadores de doenças graves da relação jurídico-tributária com a Fazenda Pública, prestigiando de forma ampla o benefício da isenção[21] concedida por meio da Lei nº 7.713/1988.
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A aplicação da imunidade tributária recíproca quando os correios exercem atividades comerciais que não são objeto de monopólio
Este artigo faz uma análise da aplicação do instituto da imunidade tributária recíproca das empresas públicas, em especial da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, quando prestam serviços que não são objeto de monopólio.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução jurisprudencial da imunidade tributária recíproca das Empresas Públicas, em especial da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT no que se refere ao direito à fruição do referido benefício constitucional na prestação de serviços que não são tidos como monopólio. Antes de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal entendia que à ECT era aplicável a imunidade recíproca, independente de qual serviço fosse prestado.  No entanto, em maio de 2011, quando o Ministro Joaquim Barbosa apresentou o relatório do Recurso Extraordinário n° 601.392, foi criada uma controvérsia no que se refere à prestação dos serviços que não são objeto de monopólio, sendo que o referido Ministro passou a entender que a imunidade recíproca somente deveria ser aplicada em relação aos serviços tidos como monopólio. Em um primeiro momento acompanharam o voto do Ministro relator os Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Cézar Peluso, Ricardo Lewandowski e a Ministra Carmem Lúcia. Já o Ministro Ayres Brito abriu divergência, reconhecendo direito à ECT de usufruir da imunidade tributária no referido caso, divergência que foi seguida pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Melo. Na mesma sessão de julgamento, que foi realizada em 16 de novembro de 2011, o Ministro Dias Toffoli pediu vistas ao processo e o julgamento foi retomado em 28 de fevereiro de 2013, no qual o Ministro Dias Toffoli decidiu pelo provimento do recurso da ECT, tendo sido acompanhado pela Ministra Rosa Weber. Ainda na mesma sessão, o Ministro Ricardo Lewandowski, mudou seu entendimento alterando seu voto, fazendo com que a ECT passasse a ter 6 (seis) votos favoráveis ao provimento do recurso, tendo sido reconhecido o direito à fruição da imunidade tributária, tanto na prestação de serviços objeto de monopólio, quanto não monopólio. Diante do resultado final do julgamento desse recurso vislumbramos a possibilidade de desenvolver um artigo sobre o tema, pela sua grande importância no campo do direito tributário. O presente artigo será desenvolvido da seguinte forma, após esta introdução, faremos no segundo tópico uma breve exposição do instituto da imunidade tributária recíproca e da exploração de atividade econômica por parte do Estado. No terceiro tópico falaremos sobre a ECT, empresa pública que detém o monopólio da prestação dos serviços postais no Brasil. No quarto tópico será apresentada uma exposição de como se formou, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento jurisprudencial de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista poderiam usufruir do benefício constitucional da imunidade tributária recíproca em contraponto com a interpretação literal do texto constitucional. No quinto tópico abordaremos, especificamente, a questão de como se formou o entendimento jurisprudencial da possibilidade de extensão da imunidade recíproca à ECT, descrevendo ainda, quais as correntes que se formaram a respeito. No sexto tópico falaremos sobre a orientação do Ministro Joaquim Barbosa em relação à aplicação da imunidade recíproca à ECT. No sétimo tópico trataremos do Recurso Extraordinário 601.392, que teve seu julgamento finalizado no Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2013. Ao final, faremos uma conclusão sintetizando o que foi dito ao longo do trabalho, e expondo o que parece ser o melhor entendimento para o caso. 2 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E A EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. As imunidades, como descrito por Ricardo Alexandre, “são limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos” (ALEXANDRE, 2010, p. 170). A Constituição Federal, em seu art. 150, proibiu os entes federados de instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, estendendo referido benefício às autarquias e fundações públicas, desde que o patrimônio, a renda ou serviços estivessem vinculados às suas atividades essenciais. Entretanto, o legislador constituinte, vedou no § 3° do art. 150, que a referida imunidade se aplique ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços e tarifas pelo usuário. Segundo Roque Antônio Carraza, o princípio da imunidade recíproca “decorre seja do princípio federativo, seja do princípio da isonomia (igualdade jurídica) das pessoas políticas” (CARRAZA, 2004, p. 27). Explicitando seus pressupostos, Carraza diz que “decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir impostos de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia” (CARRAZA, 2004, p. 27). Decorre do princípio da isonomia, pois “[…] entre as pessoas políticas reina a mais absoluta igualdade jurídica. Umas não se sobrepõem às outras. Não, pelo menos, em termos jurídicos. É o quanto basta para afastarmos qualquer ideia de que podem sujeitar-se a impostos” (CARRAZA, 2004, p. 28). A Constituição Federal, em seu art. 173, caput, estabelece que o Estado somente poderá explorar, diretamente, atividade econômica, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. O § 2° do referido artigo, visando coibir a concorrência desleal, estabeleceu que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. Na visão de Roque Antônio Carraza, “Não podemos deixar de aplaudir a exigência constitucional, pois de pouco valeria o caput do precitado art. 173 declarar competir preferencialmente à iniciativa privada a exploração de atividades econômicas, se as empresas públicas e as sociedades de economia mista, intervindo no mercado, pudessem desfrutar unilateralmente de privilégios fiscais. Com isto, acabariam promovendo verdadeira concorrência desleal, já que seus produtos ou serviços, livres de custos da tributação, tenderiam a ser mais baratos que os das empresas privadas. Na prática, pois, a exploração preferencial das atividades econômicas pertenceria ao Estado (contrariando diretriz de nosso sistema jurídico)” (CARRAZA, 2004, p. 36). Diante do que foi dito, podemos dizer que o legislador constituinte, queria afastar o Estado do comando de empresas exploradoras de atividade econômica, autorizando-o apenas em casos excepcionais. E mais, caso o mesmo estivesse atuando, seja sob a natureza jurídica de empresa pública, seja sob a forma de sociedade de economia mista, não poderia gozar de privilégios não extensivos ao setor privado, sob pena de prática de concorrência desleal. 3 O MONOPÓLIO DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS O Decreto Lei n° 509/69 transformou o Departamento de Correios e Telégrafos em empresa pública que recebeu o nome de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Em 1978, foi criada a Lei n° 6.538/78 ratificando o Decreto Lei n° 509/69 e regulando os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território brasileiro. A referida lei, em seu art. 9°, estabeleceu que: o recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; o recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada; e a fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal, seriam explorados, em regime de monopólio, exclusivamente pela União. Roque Antônio Carraza, expõe claramente qual a natureza jurídica da ECT, conforme se extrai da transcrição que segue: “A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é uma empresa pública, criada por meio de lei, com o escopo de prestar, em caráter privativo (“sob regime de monopólio”), os serviços postais a que alude o art. 21, X, da CF. Seu patrimônio e seus serviços típicos são incontendivelmente públicos, submetendo-se, destarte, ao regime jurídico próprio da espécie” (CARRAZA, 2004, p. 125). Com o passar dos anos diversas empresas de distribuição foram criadas em todo o território brasileiro, sendo que a ECT, invocando o monopólio previsto na Lei n° 6.538/78, ingressou com diversas ações judiciais com o objetivo de impedir que tais empresas prestassem os serviços para os quais foram criadas. Diante dessa objeção criada pela ECT, em 2003, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (ABRAED) propôs uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n° 46 – com o objetivo de reparar lesão a preceito fundamental, alegando que a Lei n° 6.538/78 teria sido tacitamente revogada pela Constituição Federal de 1988. Em relação à recepção ou não da Lei n° 6.538/78 pela Constituição Federal de 1988, Luís Roberto Barroso defendia a ideia da não recepção, conforme trecho transcrito abaixo: “O serviço postal é uma atividade econômica obrigatória para o estado, por força de mandamento constitucional, mas desenvolvida em regime concorrencial. De fato, a Constituição de 1988 só tolera os monopólios por ela instituídos e, dentre eles, não se encontra o serviço postal. Lei anterior à Carta em vigor e que dispunha em sentido diverso não foi recepcionada, consoante regra elementar de direito intertemporal” (BARROSO, 2000, p. 211) Contudo, em agosto de 2009, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da referida ADPF, que teve o Ministro Eros Grau como relator para o acórdão, decidindo que a Lei n° 6.538/78 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, portanto, reconhecendo a existência do monopólio, entretanto restringindo este monopólio apenas às atividades expressamente definidas no art. 9° da referida lei. Diante de tal decisão, restou-se caracterizado que a ECT somente poderia impedir a atuação de empresas de distribuição quando viessem a prestar serviços caracterizados como monopólio. De acordo com Aline Lícia Klein, “A corrente que prevaleceu no Plenário afirmou a necessidade de se dar interpretação conforme ao texto legal, para se excluir do conceito de carta comercial, que se submete ao regime de exclusividade, a distribuição de diversas comunicações que ora são majoritariamente entregues por empresas privadas. Tais empresas encontravam-se constantemente ameaçadas em suas atividades, inclusive diante da caracterização ampla do crime de violação do privilégio postal da União, previsto no art. 42 da Lei n° 6.538/78” (KLEIN, 2009, p. 4). Assim, a ECT detém o monopólio dos serviços postais no Brasil, conforme disposição constante na Lei n° 6.538/78 e decisão prolatada na ADPF n° 46, não podendo criar objeção para que outras empresas prestem serviços iguais ao que ela presta hoje, quando não se trata de monopólio. 4 O POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA POSSIBILIDADE DE EXTENÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E ÀS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. Como já foi verificado, fazendo uma interpretação literal do texto constitucional, somente os entes federados, as autarquias e fundações públicas, as duas últimas com a condição imposta pela Constituição, poderiam usufruir do benefício da imunidade tributária recíproca. Contudo, o Supremo Tribunal Federal passou a enfrentar diversas ações em que empresas públicas e sociedades de economia mista pleiteavam o direito de usufruir da imunidade recíproca, sendo que, nas decisões destas ações, passou a ter o entendimento de que elas, na qualidade de prestadoras de serviços públicos obrigatórios, também poderiam usufruir do referido benefício. Corroborando os dizeres constantes no parágrafo anterior, o Professor Marciano Seabra de Godoi, aponta o seguinte: “Nos últimos cinco ou seis anos, a jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que a imunidade recíproca tem aplicação quando se trata da prestação de serviço público (seja por autarquia, por empresa pública ou por sociedade de economia mista) derivada de delegação legislativa, mesmo que se tenha a cobrança de tarifa ou outra forma de contraprestação do usuário dos serviços” (GODOI, 2011, p. 49). Como exemplo de decisões que levaram à formação deste novo entendimento, merece destaque os julgados da Infraero, do Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município de Senador Firmino – SAAE e da Petrobrás, que foram unânimes na Segunda Turma, porém, provocaram divergência no Plenário. (GODOI, 2011, p. 50) No primeiro caso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal enfrentado questão em que o Município de Salvador cobrava da Infraero ISSQN oriundo de prestação de serviço executado pela referida empresa, entendeu que: “[…] a Infraero, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infra-estrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária de serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea “c’ da lei fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), do poder de tributar dos entes políticos em geral” (BAHIA, 2007). No segundo caso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, diante de demanda ajuizada pelo Estado de Minas Gerais contra a SAAE exigindo o pagamento de IPVA sob os veículos de sua propriedade, entendeu que: “É aplicável a imunidade tributária recíproca às autarquias e empresas públicas que prestem inequívoco serviço público, desde que, entre outros requisitos constitucionais e legais não distribuam lucros ou resultados direta ou indiretamente a particulares, ou tenham por objetivo principal conceder acréscimo patrimonial ao poder público (ausência de capacidade contributiva) e não desempenhem atividade econômica, de modo a conferir vantagem não extensível às empresas privadas (livre iniciativa e concorrência)” (MINAS GERAIS, 2010).  Já em relação à Petrobrás, empresa com natureza jurídica de sociedade de economia mista, o Professor Marciano Godoi de SEABRA expôs muito bem o entendimento proferido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, conforme se encontra descrito no trecho abaixo: “Já quando se tratava de atividade exercida por sociedade de economia mista (Petrobrás) com notórios propósitos lucrativos no desempenho da atividade econômica stricto sensu, o Tribunal negou a aplicação da imunidade recíproca com relação ao IPTU (RE-AgR 285.716, Segunda Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 26.3.2010). Destacou o Relator, Ministro Joaquim Barbosa, que se mostrava irrelevante o fato de a atividade constituir monopólio da União (art. 177, IV, da Constituição. Coerente com os votos que proferiu nos recursos extraordinários (REs 451.152, 253.472 e 434.251) relativos à imunidade recíproca no caso de bens públicos cedidos a particulares, o Ministro Joaquim Barbosa ressaltou que as atividades da Petrobrás visam a produzir dividendos para seus acionistas (públicos e privados), e que a tributação de uma atividade econômica lucrativa e que demonstra a mesma capacidade econômica de uma empresa completamente privada não supõe qualquer risco ao pacto federativo, resguardado pela imunidade recíproca” (GODOI, 2011, p. 49/50). Outra decisão que exemplifica a orientação que vinha sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal remonta ao ano de 2007, quando do julgamento da Ação Cautelar n° 1.550-2, na qual foi concedido, a uma sociedade de economia mista prestadora de serviço público obrigatório de saneamento básico, o direito de usufruir da imunidade recíproca. Assim sendo, verificamos que existiam diversos entendimentos jurisprudenciais que estendem o benefício da imunidade recíproca às empresas públicas e às sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos. 5 O POSICIONAMENTO DO STF EM RELAÇÃO À EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA À EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.   Após tratarmos da questão de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos poderão usufruir do benefício da imunidade recíproca, passaremos a demonstrar, especificamente, como se formou o entendimento jurisprudencial no caso da ECT, sendo que este entendimento vinha sendo consolidado em função de diversas decisões do Supremo Tribunal Federal referente a impostos específicos. Em julgamento proferido em 2000, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a ECT era prestadora de serviço público, de competência da União Federal, não exercendo atividade econômica (STF. Recurso Extraordinário 229.696-7 Pernambuco. Rel. Min. Ilmar Galvão, 2000). Em 2004, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n° 407.099, firmou entendimento de que a atividade exercida pela ECT, na qualidade de empresa pública, constitui serviço público de prestação obrigatória pelo Estado, estendendo a ela o benefício da imunidade recíproca. Como a ECT estava tendo problemas em relação à cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, por parte dos Estados que não concordavam com a ideia de que a referida empresa poderia usufruir do benefício da imunidade recíproca, ela passou a ingressar com diversas ações cíveis originárias, com o objetivo de não ser compelida a pagar o imposto que lhe estava sendo cobrado. Como já dito, várias ações foram propostas, sendo que a primeira a ser julgada foi a Ação Cível Originária n° 765-1, proposta pela ECT contra o Estado do Rio de Janeiro. Na referida ação, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a autora não seria obrigada a pagar o IPVA por estar amparada pela previsão legal constante no art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal, conforme trecho extraído da ementa do referido acórdão que segue abaixo: “Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confundem com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso impõe-se o reconhecimento da imunidade recíproca supracitada” (RIO DE JANEIRO, 2009). Durante o julgamento da referida Ação Cível Originária, o Ministro Menezes Direito suscitou questão de ordem para que a decisão tomada no plenário fosse aplicada às demais ações que tivessem objeto idêntico, de forma monocrática e definitiva, pois, não havia sentido que ações com o mesmo objeto fossem julgadas novamente. Tal questão foi autorizada pelo Plenário, sendo que todas as Ações Cíveis Originárias que estavam para ser julgadas obedeceram aos termos desta decisão. Assim, diante de diversas decisões que demonstraram claramente qual o entendimento majoritário adotado pelo Supremo Tribunal Federal, difícil seria pensar que em um futuro próximo existiria alguma possibilidade da ECT não usufruir do benefício da imunidade recíproca. Porém, apesar de existir uma corrente minoritária e uma corrente majoritária, Marciano Seabra de Godoi descreve, como veremos abaixo, que além destas, uma nova orientação se formou em relação à questão, conforme Ação Cível Originária n° 765 julgada no Supremo Tribunal Federal em 2009. “No julgamento das diversas ações movidas contra os Estados pela ECT tendo por objeto o IPVA, formaram-se três correntes. (cf. ACO 765, Redator para o acórdão o Ministro Menezes Direito, julgamento em 1.5.2009, DJ de 4.9.2009). Uma corrente minoritária […] considerou que a imunidade não se aplicava a uma empresa pública como a ECT, nos termos da literalidade do art. 173, parágrafo 2°, da Constituição. A corrente majoritária manteve o entendimento da Segunda Turma […] e do já referido acórdão do RE 229.696, no sentido de que a ECT não realiza exploração econômica e sim presta serviço público explorado diretamente pela União, mediante uma instrumentalidade sua, sendo por isso aplicável a imunidade recíproca (GODOI, 2011, p. 50). Uma Terceira Orientação foi adotada pelo Ministro Joaquim Barbosa que considerou que o pleito da ECT devia ser julgado procedente em parte, aplicando-se a imunidade recíproca somente em relação aos bens e serviços relacionados com as atividades que constituem serviço público exclusivo da União (serviço postal e correio aéreo nacional), mas não às demais atividades exercidas pela ECT em regime de concorrência” (GODOI, 2011, p. 51) Após analise das três correntes, verificamos que a corrente minoritária, capitaneada pelo Ministro Marco Aurélio e pelo Ministro Ricardo Lewandowski, vai contra toda a construção jurisprudencial que vem sendo feita sobre o assunto, pois ela nega a imunidade recíproca às empresas públicas, não considerando nem o fato de serem ou não prestadoras de serviço público, utilizando como premissa, conforme exposto por Godoi, apenas a interpretação literal dos artigos. 150, parágrafo 3°, e 173, parágrafo 2°, da Constituição Federal. A corrente majoritária foi fruto da construção jurisprudencial advinda das diversas decisões judiciais oriundas das ações propostas pela ECT contra os Estados ou Municípios que dela exigem cobrança de impostos, como o IPVA. Já em relação à terceira corrente, nas palavras de Godoi, terceira orientação capitaneada pelo Ministro Joaquim Barbosa, nos deparamos com uma nova ideia que será objeto de análise mais pormenorizada no próximo capítulo. Portanto, a ideia, que à época era predominante, de que a ECT seria beneficiária da imunidade tributária recíproca, passou a ser questionada, no que tange à prestação de serviços que não são objeto de monopólio, a partir da nova orientação que foi levada ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. 6 A ORIENTAÇÃO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA A orientação do Ministro Joaquim Barbosa, constante no voto proferido nos autos da Ação Cível Originária 765-1 Rio de Janeiro, apresentou um novo cenário para a aplicação da imunidade tributária recíproca à ECT, estabelecendo que o benefício somente deveria ser aplicado nos casos em que houvesse a prestação dos serviços enquadrados como monopólio. Como já vimos, a Lei n° 6.538/78 estabeleceu quais os serviços seriam prestados em regime de monopólio pela ECT. Vimos também que, após o julgamento da ADPF n. 46, ficou pacificado que a lei supracitada foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e que só seria objeto de monopólio os serviços especificados em seu art. 9°. Um dos impeditivos que fizeram com que a nova orientação do Ministro Joaquim Barbosa não prosperasse no julgamento da Ação Cível Originária 765-1, foi o fato da dificuldade de mensurar qual parte do imposto sobre propriedade de veículos automotores seria devido em função da prestação de serviço objeto de monopólio, e quanto seria devido em função da prestação de serviço do que não fosse monopólio. Assim, pelo o que era observado, existia grande chance de que o Supremo Tribunal Federal, em decisões futuras, mudasse o entendimento em relação à imunidade recíproca da ECT, no que tange às atividades exercidas para consecução de objetivos da instituição não ligados ao monopólio. Exemplo do que foi dito no parágrafo anterior, poderia ter ocorrido no julgamento do recurso extraordinário 601.392, que será objeto de análise do próximo tópico. 7 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 601.392. O Recurso Extraordinário n. 601.392 foi interposto pela ECT contra acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, haja vista que o Tribunal entendeu ser possível a Prefeitura de Curitiba tributar através do ISS os serviços arrolados no item 95 da lista anexo ao Decreto-Lei n° 56/1987, sendo que, dentre os serviços que podem ser tributados pelo imposto estão: as cobranças e recebimentos por conta de terceiros; protestos de títulos; sustação de protestos; devolução de títulos pagos; manutenção de títulos vencidos; fornecimento de posição de cobrança ou recebimento; e outros serviços correlatos à cobrança ou ao recebimento. O referido Recurso Extraordinário teve a repercussão geral conhecida em função da sua relevância jurídica e econômica e, quando foi julgado em definitivo, teve sua decisão aplicada aos processos idênticos que tramitavam nas instâncias inferiores. O Ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, proferiu voto pelo desprovimento do Recurso Extraordinário no julgamento que teve início no dia 25 de maio de 2011. Iniciando a fala, o Ministro Joaquim Barbosa disse que o seu voto “[…] não tem o objetivo de alterar a jurisprudência da corte acerca da imunidade recíproca da ECT, e, sim, calibrar essa imunidade a luz de balizas já conhecidas, para impedir que a orientação não seja desvirtuada nas funções que a imunidade tributária recíproca exerce no nosso sistema constitucional” (STF. Recurso Extraordinário 601.392. Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2011). O argumento utilizado pelo Ministro foi o de que a ECT estaria prestando serviços diversos dos autorizados pela Constituição Federal, estando, também, auferindo lucro na prestação desses serviços, contrariando a Constituição Federal que, em seu art. 150, § 3°, veda o benefício da imunidade recíproca quando houver exploração de atividade econômica regida pelas normas de direito privado. Os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Cezar Peluso desproveram o recurso, acompanhando o voto do Ministro Relator. Já os Ministros Ayres Brito, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram favoráveis ao provimento do recurso. Os argumentos dos Ministros Ayres Brito e Celso de Mello se assemelham, uma vez que utilizam do fundamento do subsídio cruzado, este também aventado pela recorrente, como forma de dar à ECT a saúde financeira para poder prestar os serviços objeto de monopólio, que são deficitários. O subsídio cruzado nada mais é do que a utilização, pela ECT, do superávit oriundo da prestação dos serviços que não são monopólio, para custear a prestação dos serviços objeto de monopólio, que, como já dito, são deficitários. O julgamento foi suspenso em 16 de novembro de 2011, devido ao pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. Naquele momento, dos onze ministros que compunham o Supremo Tribunal Federal, seis tinham votado a favor da manutenção do acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª região, e três tinham votado contra, sendo favoráveis ao pleito da ECT, faltando apenas os votos do Ministro Dias Toffoli e da Ministra Rosa Maria Weber. Se os Ministros que já tinham votado não mudassem seus votos, independente dos votos que faltavam, era certo que a ECT não obteria êxito na sua pretensão, sendo obrigada a pagar ISS sobre a prestação dos serviços definidos pela decisão, decisão essa, que contrária à do IPVA, poderia ter sido plenamente operacionalizada na prática, tendo em vista que em relação ao ISS, poderia ser verificado facilmente sobre qual serviço incidia e sobre qual não incidia a imunidade. Em consonância com esse entendimento, citamos abaixo trecho do Professor Marciano Seabra de Godoi: “No caso da ACO 765, acima comentada, a proposta do Ministro Joaquim Barbosa – de reconhecer somente em parte a imunidade da empresa – esbarrava em problemas de operacionalização prática, tendo em vista que se tratava de cobrança de IPVA sobre os veículos da ECT que são utilizados em diversos contextos. Mas no caso da cobrança do ISSQN, por exemplo, parece-nos que essa orientação deve prevalecer no plenário, não sendo caso de se admitir a imunidade recíproca no caso da tributação de serviços que, segundo o próprio Tribunal (ADPF 46) se submetem à livre concorrência” (GODOI, 2011, p. 54). Apesar do próprio Ministro Relator dizer que o seu voto não tinha o condão de alterar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em relação à imunidade tributária recíproca da ECT, vislumbramos que seria plenamente possível a mesma ser inovada, no sentido de somente ser cabível nos casos de prestação de serviço que seja objeto de monopólio, haja vista que quando ela se aplica sobre a prestação de serviços que não são tidos como monopólio, prejudicava diretamente a livre concorrência, pois, empresas privadas concorreriam deslealmente quando da prestação dos mesmos serviços. Não obstante tudo encaminhar para o desprovimento do recurso extraordinário, no dia 28 de fevereiro de 2013, na sessão de retomada do julgamento, o Ministro Dias Tofoli votou a favor do provimento do recurso, sendo seguido pela Ministra Rosa Weber e o inesperado, que era uma possível mudança de voto, aconteceu, o Ministro Ricardo Lewandovski mudou seu voto, e a ECT teve o recurso provido por 6 (seis) votos a 5 (cinco). 7 CONCLUSÃO Quando iniciamos o presente artigo, tínhamos como objetivo analisar se a ECT teria direito a usufruir do benefício da imunidade tributária recíproca em relação aos serviços que não são objeto de monopólio. Vimos que o entendimento majoritário que se formou no Supremo Tribunal Federal estendeu à ECT o referido benefício, tendo em vista que o serviço prestado por ela é público e obrigatório. A nova orientação trazida pelo Ministro Joaquim Barbosa em relação ao caso, atentou para o fato de que a ECT estava usufruindo do benefício mesmo ao prestar serviços que não são monopólio, concorrendo deslealmente, em um mercado onde existem empresas privadas prestando o mesmo serviço. Ao final do referido julgamento, tal entendimento não prosperou e a ECT teve o seu recurso provido, passando a usufruir da imunidade tributária em relação, tanto às atividades objeto de monopólio quanto as que não eram objeto de monopólio. Concluindo, com a data máxima vênia, discordamos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, pois, entendemos que a ECT não deveria ter direito à imunidade recíproca, quando presta serviços que não são monopólio, pois, tais serviços não são públicos e exclusivos, sendo prestados também por empresas privadas que não podem sofrer o ônus de concorrer em regime de desigualdade com uma empresa pública que explora atividade econômica.   Agente de Polícia Federal. Bacharel em Direito e Administração de Empresas pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Público pelo IEC PUC Minas
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As diferentes técnicas de desoneração tributária
Este artigo busca diferenciar, na teoria e na prática, as três principais técnicas de desoneração tributária no Direito Brasileiro: imunidade constitucional, isenção e hipóteses de não incidência tributária.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO  Imunidade, isenção e hipóteses de não incidência tributária são institutos que se assemelham por impedir o nascimento da relação jurídico-tributária, mesmo que se verifique a ocorrência de fatos jurídicos economicamente tributáveis. Porém, por possuírem diferenças relevantes, com consequências práticas, um estudo atento sobre suas distinções é recomendado aos operadores do Direito Tributário.   Nesse sentido, o presente artigo fará uma análise breve, mas adequada a pontuar como se diferenciam referidas técnicas de desoneração tributária, especialmente em relação ao conceito, à fonte normativa, à possibilidade de revogação, à eficácia da decisão que reconhece o benefício e ao alcance/extensão de cada uma delas.  1. Imunidade 1.1. Conceito  Como ensina Paulo de Barros Carvalho, as imunidades tributárias são “normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas” (CARVALHO, 1999).[1]  Segundo Humberto Ávila, “a causa justificativa da imunidade é facilitar, por meio da exclusão de encargos tributários, a consecução de finalidades que devem ser atingidas pelo próprio Estado” (RAMOS, 2012).[2] Por exemplo, ao instituir a imunidade dos templos de qualquer culto, o art. 150, inciso VI, alínea ‘b’, da CRFB/88 estaria promovendo a liberdade religiosa. Nesse sentido, para Ricardo Lobo Torres as imunidades tributárias consistem na “intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades preexistentes” (TORRES, 2011).[3]  Portanto, a imunidade tributária é uma limitação ao poder de tributar que impõe regra de incompetência absoluta. Ou seja, o Ente fica impedido de criar o tributo nas situações subjetivas ou objetivas, a que ela se refere. 1.2. Fonte Normativa  Via de regra, a fonte normativa das imunidades é a Constituição, mas elas também podem surgir em previsão de Tratado Internacional.  Na CRFB/88, a maioria das imunidades consta do art. 150, inciso VI, cujo rol só diz respeito a impostos, vejamos: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:  (…) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”.  Porém, isso não significa que não haja imunidades de taxas (art. 5º, incisos XXXIV e LXXVI) e de contribuições (art. 195, § 7º). Nesta última hipótese, inclusive, a Constituição utiliza a palavra “isenção”, porém é uníssono o entendimento de que tal vocábulo foi utilizado de forma equivocada, pois se trata de imunidade. Isso porque todas as vezes em que a CRFB/88 proíba a tributação para promover algum direito ou garantia constitucional, a hipótese será de imunidade, independentemente do termo usado. Segundo o STF, as Constituições Estaduais não podem prever imunidade tributária para tributos estaduais e municipais em dissonância com o modelo da Constituição Federal, sob pena de violação à isonomia federativa, eis que a limitação ao poder de tributar deve ser igual para todos os Entes federativos.[4]  Com relação à previsão de imunidade tributária por Tratado Internacional, temos o exemplo da Convenção de Viena de 1961, que prevê a imunidade para dos imóveis de Estados Estrangeiros utilizados como consulados ou embaixadas. A possibilidade de tratado estipular imunidade se justifica pelo princípio da igualdade entre Estados e pela teoria da reciprocidade. 1.3. Possibilidade de Revogação  É firme na doutrina o entendimento de que as limitações ao poder de tributar são garantias fundamentais. Como consequência são cláusulas pétreas e não podem ser suprimidas, nem por emendas constitucionais, muito menos por lei. Nesse sentido é a lição de Roque Antônio Carrazza (CARRAZZA, 2008):  “Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição. (…) Em termos mais precisos, o direito à imunidade é uma garantia fundamental constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei, poder ou autoridade pode anular.” [5] 1.4.  Eficácia da decisão que a reconhece  O reconhecimento da imunidade possui efeitos declaratórios ex tunc, retroagindo até o momento em que o requerente preencheu os requisitos próprios a usufruir dessa garantia. Com efeito, ação declaratória do direito à imunidade seria imprescritível.   Tal reconhecimento pode ser judicial ou administrativo, e interessa a quem não pode ser tributado em razão do referido benefício. Por exemplo, após uma Igreja ter seu estatuto devidamente averbado no registro próprio, ela poderá pleitear a imunidade e este reconhecimento retroagirá até a data de sua constituição (registro), data a partir de quando ela não poderá ser tributada.  Se, porém, a entidade imune for tributada, ela terá interesse em desconstituir o lançamento, ou, caso tenha recolhido indevidamente o tributo, em buscar a restituição desse pagamento. Nos dois casos há prazo decadencial de 5 anos para ambas as hipóteses. Na primeira, o prazo se conta da data do lançamento. Na segunda, conforme previsto no art. 168 do CTN[6], o prazo é contado da data do pagamento indevido. 1.5. Alcance  A imunidade abrange a obrigação principal, mas não as obrigações acessórias. Assim, o beneficiado fica livre do pagamento do tributo, mas “o fato de a pessoa jurídica gozar da imunidade tributária não afasta a exigibilidade de manutenção dos livros fiscais”.  Essa conclusão é oriunda do RE 250.844/SP [7], em que o STF considerou válida a prestação de obrigações acessórias por quem goze de imunidade tributária. Os principais argumentos foram os seguintes: i) em Direito Tributário não há vinculação entre acessório e principal, sendo cada obrigação autônoma; ii) o cumprimento da obrigação acessória se dá no interesse da fiscalização, inclusive para fins de aferir o preenchimento dos requisitos da manutenção da imunidade; iii) o art. 14 do CTN[8] condiciona a manutenção de escrituração contábil para quem seja beneficiário da imunidade fiscal. 2. Isenção 2.1. Conceito  O conceito de isenção não é unívoco. Pelo conceito clássico, isenção seria a dispensa de pagamento do tributo devido. Com isso o fato gerador ocorreria e a obrigação tributária surgiria, contudo o pagamento do tributo seria, pela lei, dispensado. Ou seja, o tributo seria devido, mas a lei dispensaria seu recolhimento. Essa definição, oriunda da doutrina contemporânea à elaboração do Código Tributário Nacional (CTN), é bastante criticada por permitir nascer “uma obrigação que não obriga nem produz qualquer outro efeito jurídico, o que seria uma demasia” (NOVELLI, 1992).[9]  Apesar das críticas, o Supremo Tribunal Federal (STF) sempre adotou o conceito clássico, com base no art. 175, inciso I, do CTN, o que persiste ocorrendo.[10] Não obstante, em precedente recente, a 1ª Turma do STF acenou para uma mudança de entendimento, adotando a ideia do conceito moderno. [11]   Pelo conceito moderno, a isenção consiste na suspensão da eficácia da norma impositiva. Explique-se. Na isenção há sempre duas normas: uma definindo as hipóteses de incidência fiscal (norma impositiva), e outra prevendo a isenção. Esta seria especial em relação àquela e, por isso, suspenderia a produção de seus efeitos. Logo, não haverá fato gerador, tampouco obrigação tributária, como explica Ricardo Lobo Torres (TORRES, 2011): “A isenção opera no plano da norma e não no plano fático. Sabemos que a expressão fato gerador é ambígua, podendo tanto se referir à definição hipotética da lei, quanto ao fato que venha a ocorrer no mundo real. Para que nasça a obrigação tributária é necessário que ocorra na realidade aquela circunstância hipoteticamente prevista na norma. Ora com a isenção o fato abstrato deixa de existir e assim não pode nascer nenhuma obrigação tributária”.[12] Apresentados os dois conceitos de isenção, torna-se relevante diferenciarmos a isenção da chamada “alíquota zero”. Para tanto, utilizamos a definição da doutrina (SAABAG, 2012): “Trata-se de opção adotada pelo legislador para minimizar por completo a tributação, sem utilizar a isenção (que só pode ser concedida por meio de lei). É tributação por percentual inóquo, estando inserida no âmbito da extrafiscalidade do imposto, com a conseqüente dispensa dos princípios constitucionais tributários da legalidade e da anterioridade, no que concerne à alteração de alíquotas. A alíquota zero, portanto, não se confunde com isenção ou com imunidade, sendo tributação pelo percentual “zero”. Nesse passo, não nos esqueçamos de que zero por cento de algum valor é sempre zero”.[13] Desse modo, na “alíquota zero” a não-tributação ocorre por razões matemáticas. Embora haja fato gerador, o cálculo do tributo resultará em zero real e o contribuinte nada deverá ao Fisco. 2.2. Fontes Normativas  A isenção se dá no plano infraconstitucional, podendo ter como fonte a lei, os tratados internacionais e até convênios estaduais. Ela é prevista geralmente por lei, devendo esta ser da mesma espécie da lei que criou o tributo (lei ordinária ou lei complementar).  Além disso, as isenções podem ser determinadas por tratados internacionais, ainda que em relação a tributos estaduais e municipais, pois o Presidente da República estaria nesse caso agindo na qualidade de Chefe de Estado em prol do interesse nacional. É o que ocorre p. ex. com o GATT, acordo internacional que veda a diferença de tratamento tributário entre produtos nacionais e estrangeiros quando estes últimos forem originários de país signatário, inclusive para contemplar isenções, conforme sumulado pelo STJ (súmula nº 20).      Ainda, no caso do ICMS, a isenção deve advir de convênios entre os Estados, como exige o art. 155, §2º, inciso X, alínea “g” da CRFB/88. 2.3. Possibilidade de Revogação  Diferente das imunidades, as isenções estão ligadas à questões de política fiscal. Por isso a lei que as concede pode ser revogada a qualquer tempo, ressalvando-se o direito adquirido nas isenções onerosas por prazo certo. Mas o que seria isenção onerosa por prazo certo? Segundo Ricardo Lobo Torres são as “concedidas, a prazo determinado, sob a condição de o contribuinte beneficiado praticar certas atividades ou realizar algum investimento. Delas cuida o art. 179 do CTN. Implicam em verdadeiro contrato para o Fisco e para o contribuinte. Por isso mesmo não podem ser revogadas unilateralmente” (TORRES, 2011).[14] A lei que prever esse tipo de isenção pode ser revogada a qualquer tempo, porém o sujeito passivo que já tiver reconhecido o benefício tem o direito adquirido a gozar da isenção até o fim do prazo estipulado, desde que continue preenchendo os requisitos para tanto. 2.4. Eficácia da decisão que a reconhece A decisão que reconhece o direito a isenção produz efeitos constitutivos (ex nunc), ou seja, o beneficiado pela isenção só pode dela gozar a partir do momento em que a administração reconhecer o direito a tanto.  Ressalve-se que, sob pena o contribuinte ser prejudicado pela demora da administração ou do Judiciário em analisar seu pedido, os efeitos da decisão que reconhece o direito à isenção retroage à data do requerimento administrativo, ou do preenchimento dos requisitos posteriormente ao requerimento.  Com relação às ações anulatória de lançamento indevido e de repetição de indébito, aplica-se o mesmo que foi comentado acima sobre as imunidades.  2.5. Alcance  A lei que concede isenção atinge apenas a obrigação principal, permanecendo o dever do contribuinte de cumprir as respectivas obrigações acessórias. Trata-se de previsão expressa do art. 175, parágrafo único do CTN, verbis:  “Art. 175. Excluem o crédito tributário: I – a isenção; II – a anistia. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente”. 3. Não Incidência Pura 3.1. Conceito  Segundo Ricardo Lobo Torres “a não-incidência, em sua acepção ampla, compreende a imunidade, a isenção e a não-incidência propriamente dita, e as três trazem a consequência de evitar a incidência do tributo” (TORRES, 2011).[15]  Daí encontrarmos na doutrina quem defina a imunidade como “hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada” e a isenção como “hipótese de não incidência legalmente qualificada”.  O tema não é pacífico e ainda compreende uma outra diferenciação, entre imunidade constitucional e “não incidência expressa na Constituição”. Quem faz essa distinção entende que a imunidade consagra direitos fundamentais e a não incidência expressa respeita a questões de política fiscal. Essa discussão ocorreu quando a Emenda Constitucional nº 20/1998 suprimiu o art. 153, § 2º, inciso II da CRFB/88, que garantia a não incidência de imposto de renda à pensões e aposentadorias dos maiores de 65 anos. Os aposentados defendiam a irrevogabilidade da imunidade, mas a Fazenda Pública defendia a tese de que se tratava de política fiscal revogável, o que acabou prevalecendo no STF.  A “não-incidência propriamente dita” é chamada pela doutrina de “não incidência pura”, e seu conceito  está inversamente atrelado ao significado de hipótese de incidência tributária. Enquanto esta “representa o momento abstrato, previsto em lei, hábil a deflagrar a relação jurídico-tributária” (SAABAG, 2012)[16], aquela é “tudo aquilo que escapa da hipótese de incidência, ou, simplificadamente corresponde a toda situação que não se subsume perfeita e rigorosamente ao tipo tributário legalmente previsto” (TAVARES, 2009).[17]  Portanto, a não incidência tributária pura pode ser entendida como uma delimitação das hipóteses que estão fora do campo de incidência do tributo, a partir da análise legal das hipóteses que estão dentro.  Por exemplo, são passíveis de tributação, pelo IPTU, os imóveis territoriais, residenciais e comerciais. Caso um município, ao instituir a cobrança do IPTU por lei, só preveja nesta a cobrança desse imposto aos imóveis territoriais e comerciais, conclui-se que aos imóveis residenciais há uma não incidência de IPTU. 3.2. Fontes Normativas  Quanto à fonte, a não incidência pura decorre da falta de definição do fato gerador pela norma criadora do tributo.  Ou seja, quando a norma cria um tributo, possibilita-se a delimitação das hipóteses em que referida norma não incidirá, como no exemplo do IPTU, mencionado acima. 3.3. Possibilidade de Revogação  A possibilidade de revogação da não incidência é interessante. Isso porque ela geralmente ocorre de forma implícita, notadamente com a edição da lei que passe a tributar certa situação antes não tributada.  Assim, diferente da revogação da isenção, que tem como efeito restaurar a incidência tributária, a revogação da não incidência ocorre sem esse efeito restaurador da incidência, pois o bem sofrerá tributação pela primeira vez.   Cabe ressalvar que, para aqueles que diferenciam imunidade de não incidência constitucional expressa, a supressão desta última é possível porque relaciona a política fiscal, devendo ser feita por emenda constitucional, como ocorrido na EC nº 20/1988. 3.4. Eficácia da decisão que a reconhece  O reconhecimento, administrativo ou judicial, da hipótese de não incidência possui efeitos declaratórios, pois a não incidência existe desde o momento em que se delimita o que incidiria. Referente a possíveis ações anulatória de lançamento indevido e de repetição de indébito, aplica-se o mesmo raciocínio exposto para isenções e imunidades.   3.5. Alcance  Para doutrina majoritária a hipótese de não incidência abrange tanto a obrigação principal, como as obrigações acessórias, em razão da ausência de fato gerador abstratamente previsto. Um exemplo prático seria o seguinte: Na lei que regulamenta o ISS definem-se os fatos geradores sobre os quais o imposto incidirá, formando-se uma lista com diversos itens, que são as hipóteses de incidência. Caso lei superveniente venha a retirar um desses itens da lista, o contribuinte não só estará desobrigado de pagar o tributo que antes recolhia, referente ao item retirado, como tampouco será obrigado a continuar cumprindo as respectivas obrigações acessórias.  CONCLUSÃO Conceitualmente, vimos que a imunidade equivale a uma regra de incompetência tributária absoluta, porque seu escopo é tutelar valores relevantes, que a isenção refere-se a derrogação da incidência de tributos relacionados à política fiscal,  e que a não incidência é a delimitação das hipóteses não prevista pelo fato gerador do tributo.  Tal distinção, porém, não se exaure na teoria. Como consequência, na prática, as imunidades têm fonte constitucional, são irrevogáveis, alcançam apenas a obrigação tributária principal, não dispensando, pois o cumprimento das obrigações acessórias, e seu reconhecimento produz efeitos ex tunc. Por sua vez, as isenções em regra têm fonte legal, são revogáveis com efeito restaurador da incidência, também só alcançam a obrigação tributária principal, o que impõe  a observância das obrigações acessórias, e seu reconhecimento produz efeitos ex nunc.  Já a hipótese de não incidência tem fonte em normas que delimitam uma determinada hipótese de incidência tributária, são revogáveis fazendo com que um fato antes não tributável seja passível de sofrer tributação, alcança tanto a obrigação tributária principal como as acessórias e seu reconhecimento opera efeitos ex tunc.   Portanto, concluímos que a breve análise acima feita serve para demonstrar que as diferenças entre as técnicas de exoneração tributária não são meramente teóricas, pois são diversos as suas repercussões práticas.
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Análise da incidência do ITBI em caso de incorporação societária entre empresas do mesmo grupo econômico à luz do requisito onerosidade na transmissão
O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos incide quando verificada transmissão onerosa entre vivos, a qualquer título, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia. Ocorre que, por vezes, há tributação do imposto indevidamente pela aparente transação onerosa ocorrida. Contudo, analisando a situação fática de incorporação imobiliária de sociedade subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico, verifica-se a ausência de item fundamental para subsunção do fato gerador à hipótese de incidência, o que merece ser objeto de reflexão para evitar a tributação de situação jurídica não prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Os municípios têm considerado qualquer transmissão da titularidade de imóveis que não seja objeto de doação como sendo sujeita à incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), salvo quando verificadas as hipóteses de imunidade previstas na Constituição Federal (CF) e no Código Tributário Nacional (CTN). O acórdão nº 9.881/3 proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município de Belo Horizonte/MG (CART)[1] será utilizado como base para a questão fática objeto de análise, pois refere-se à discussão central de incidência ou não do ITBI, à luz da imunidade constitucional prevista no art. 156, §2º, I, da CF, aliada ao requisito onerosidade da transmissão imobiliária decorrente de incorporação societária de subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico. O entendimento que vêm sendo praticado pelas Fazendas Públicas, e que havia sido reconhecido antes da prolação do acórdão supracitado, viola frontalmente as hipóteses de incidência do referido imposto, na medida em que tributa operações de reorganização societárias apenas por entender estarem excluídas pela preponderância da atividade imobiliária, que impede o reconhecimento de imunidade do imposto. Contudo, como será abordado ao longo do trabalho, é preciso analisar-se a preponderância ou não das atividades da adquirente e, ainda, outro elemento essencial, a saber, a presença de todos os componentes configuradores do imposto, fins de apurar o preenchimento ou não das características para a ocorrência do fato gerador. 1 TRIBUTOS E ESPÉCIE DOS IMPOSTOS A palavra tributo deriva do termo em latim tributum, possuindo como significado algo que é concedido ou submetido a outrem por obrigação, necessidade ou hábito. Trata-se de uma obrigação normalmente paga em dinheiro, que as pessoas físicas ou jurídicas prestam ao Estado, devido à relação jurídica tributária estabelecida entre elas para fins de manutenção e desenvolvimento do Estado. Vicente Kleber de Melo Oliveira[2] conceitua tributo: “Pode-se definir tributo como o valor (prestação), normalmente em dinheiro, que cada pessoa (física ou jurídica) paga ao Estado, em decorrência da relação jurídica, pelo princípio da legalidade, que se estabelece entre ambos, aquelas na qualidade de contribuintes ou responsáveis, com dever jurídico, e este, com direito subjetivo para exigi-lo em face do poder de tributar decorrente da soberania que lhe confere a Constituição Federal”. (OLIVEIRA, 2001, p. 89) Sobre a obrigatoriedade do tributo, Kiyoshi Harada[3] leciona: “Caracteriza-se o tributo pela compulsoriedade da obrigação pecuniária em moeda ou em valor que nela possa se exprimir, resultante exclusivamente da lei, sem se constituir em sanção do ato ilícito como ocorre com as multas administrativas que, igualmente, derivam de lei e, portanto, são compulsórias”. (HARADA, 2012, p. 84). O art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN) traz o conceito de tributo, in albis: “Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da obrigação, independentemente da denominação e características formais que possua, bem como destinação legal do produto da arrecadação, consoante se depreende do art. 4º do CTN. Ou seja, é através do fato gerador da respectiva obrigação tributária principal que será determinada a espécie do tributo. Isso porque tributo é gênero, do qual são espécies, de acordo com o art. 5º do CTN, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No entanto, a Constituição Federal (CF) também prevê outros tributos, como se denota dos seus arts. 147 a 149, do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”, a saber, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. O imposto foi definido no art. 16 do CTN, como sendo "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte". Vê-se, pois, que a espécie dos impostos tem por característica principal a não vinculação, que significa a ausência de contraprestação de qualquer atividade estatal dirigida ao contribuinte. Logo, incide a exação sobre a conduta determinada por lei sem qualquer necessidade de dependência com a atividade do Estado, porquanto sua arrecadação destina-se ao provimento do orçamento público, consoante dispostos no art. 167, IV da Constituição Federal. O art. 16 do CTN é claro sobre a desvinculação do pagamento do imposto com a atividade estatal, ficando claro que ao se exigir o imposto não existe atividade estatal (sujeito ativo) que beneficie diretamente o contribuinte ou responsável (sujeito passivo) de forma específica, motivo pelo qual inexiste contraprestação. Caracterizam-se os impostos, ainda, como tributo que capta a riqueza do particular (HARADA, 2012). São classificados como diretos e indiretos, reais e pessoais e em fixos, proporcionais ou progressivos. Os impostos podem ser, ainda, Federais, Estaduais ou Municipais. In casu, o imposto a ser analisado é o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos, ora denominado simplesmente ITBI. Como se verá, trata-se de imposto direto, real, proporcional, ipso facto (que não admite progressividade), e de competência municipal. 2 O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS POR ATO ONEROSO INTER VIVOS O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso inter vivos, denominado simplesmente ITBI, era conhecido no passado como "siza" ou "sisa", que vem do francês saisine, significando posse. Referido imposto passou por algumas modificações ao longo dos anos, tanto no que toca ao ente tributante quanto no que se refere à base tributável, consoante será explanado. 2. 1 Evolução histórica O ITBI surgiu no século XIX, em 1809, com nome de "sisa", através do Alvará nº 3, de junho de 1809, em que D. João VI teria instituído a meia sisa no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o tráfico de escravos e sobre a transação de bens de raiz. Tratava-se de um imposto de caráter geral que vigorou até 13/5/1888, data em que ocorreu a abolição da escravatura. A Constituição Outorgada de 1824 foi omissa na previsão do ITBI, mas pelo Ato Adicional de 1834, houve alteração quanto ao ente tributante da sisa sobre transações com bens de raiz, que passou das Províncias (Estados-membros) para os Municípios, exceto no município do Rio de Janeiro. A primeira vez que foi previsto no texto constitucional fora em 1891, na Constituição Republicana de 1891 que atribuiu aos Estados-membros a competência para instituir impostos “sobre transmissão de propriedade”, de acordo com o seu art. 9º, inciso III, o que provocou a derrogação dos arts. 35 a 42 do CTN. Após, na Constituição de 1934, manteve-se a competência estadual para instituição do imposto, contudo, houve sua cisão entre imposto causa mortis e inter vivos, consoante art. 8º, inciso I, alíneas b e c. Curioso destacar que a modalidade inter vivos abarcava a transmissão para o fim de incorporação ao capital da sociedade e a causa mortis, por sua vez, incidia sobre os bens incorpóreos, conforme art. 8º, §4º do referido texto. Nas Constituições de 1937 e de 1946 não houve qualquer alteração, até que com a Emenda Constitucional nº 5, de 1961, ocorreu o desmembramento desse tributo: o imposto de transmissão inter vivos passou para a ser de competência exclusiva dos municípios (art. 29, III); e o imposto de transmissão causa mortis continuou sendo de competência dos Estados-membros (art. 19, I e §§ 1o e 2o). Contudo, em 1965 a Emenda Constitucional nº 18 reunificou os impostos de transmissão causa mortis e inter vivos, atribuindo a competência de ambos para os Estados-membros (art. 9º e §§ 1º a 4º). Na Carta de 1967 houve atribuição aos Estados-membros da competência para decretar o imposto sobre “transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza, acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis” (art. 24, I). O §2º do art. 24, após alteração da redação pelo Ato Complementar nº 40 de 30/12/1968, fixou a competência do Estado-membro onde se situa o bem imóvel, impondo uma limitação à alíquota máxima fixada por Resolução do Senado Federal e prevendo o direito de dedução do montante pago por ocasião da apuração e pagamento do imposto de renda oriundo da transação imobiliária. A Emenda nº 1, de 1969, inobstante manutenção do conteúdo da Constituição anterior (art. 23, I e §2º), retirou a previsão constitucional de dedução do imposto pago a esse título para efeito de pagamento de imposto de renda. Finalmente, com o advento da Constituição de 1988, novamente cingiu-se a competência impositiva dos entes tributantes, de modo que a tributação da transmissão causa mortis e doação passou a ser dos Estados, através do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), e a das transmissões de bens imóveis inter vivos e de forma onerosa passou a ser de competência dos Municípios e do Distrito Federal. 2.2 Conceito e características O ITBI integra o Sistema Tributário Nacional e, por força do princípio da discriminação de rendas tributárias, encontra-se inserto no âmbito da competência impositiva dos Municípios (HARADA, 2012). Incide sobre a transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), bem como cessão de direitos à sua aquisição. Érico Hack simplifica a conceituação do imposto: “O ITBI é o Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos, que se aplica apenas às transmissões onerosas de imóveis. […] Trata-se do imposto que o comprador de imóvel paga sobre o valor do negócio, sendo seu recolhimento obrigatório para o Registro de Imóveis e a conclusão da escritura”. (HACK, 2015, p. 233). O escopo constitucional do ITBI está previsto nos arts. 156, II e §2º c/c art. 184, §5º, da CF, cuja redação é a seguinte: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] II – transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; […] § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. […] § 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária”. O Código Tributário Nacional também dispõe sobre o ITBI a partir do art. 35, não havendo lei complementar dispondo sobre normas gerais de tal imposto. Por ser tributo de competência municipal, cabe à lei ordinária de cada município ou do Distrito Federal regulamentar a matéria. Quanto às suas características, o ITBI tem finalidade fiscal, isso quer dizer que seu escopo é obter recursos financeiros para os municípios e Distrito Federal. É imposto direto, cujo ônus econômico recai diretamente e definitivamente sobre o contribuinte; e real, instituído e cobrado em razão do fato gerador objetivamente considerado, não podendo variar em razão da presumível capacidade contributiva do sujeito passivo. A alíquota do imposto é proporcional, não variando em razão da base de cálculo, até mesmo por ser vedada a progressividade no mencionado tributo. Nesse sentido, vide ementa do Recurso Extraordinário nº 234.105[4], de Relatoria do Ministro Carlos Velloso (BRASIL, 2000), sobre a não progressividade do ITBI: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS – ITBI. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2º. Lei nº 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo, SP. I. – Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos – ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda. II. – R.E. conhecido e provido.” (RE 234105/SP – SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 08/04/1999, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJ 31-03-2000). É não vinculado, assim como todos os impostos, pois o fato gerador da obrigação independe de qualquer atividade estatal específica para o obrigado; e, por fim, tem incidência instantânea quando da transmissão da propriedade do imóvel. A base de cálculo do ITBI é o valor venal do bem imóvel transmitido ou do direito real cedido, nos termos do art. 38 do CTN, equivalente ao valor de mercado (ou preço de venda, à vista, em condições normais de mercado), sendo irrelevante o preço constante da escritura. (SABBAG, 2013, p. 1060). Das lições do Direito Privado extrai-se que ocorre a transmissão quando se transferem a outrem, bens e direitos. In casu, somente incide o ITBI em transmissões inter vivos de bens imóveis ou direitos a ela correlatos. Assim, pode-se incidir o imposto, basicamente, em 03 (três) situações: (i) transmissão de bens imóveis urbanos ou rurais, por natureza ou acessão física; (ii) cessão de direitos à sua aquisição; e (iii) transmissão de direitos reais sobre imóveis, excetuando-se os de garantia. 2.3 Fato gerador O fato gerador do ITBI é a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição. Este fora o âmbito constitucional estabelecido pelo art. 156, II, da CF, a partir do qual o legislador municipal irá definir as hipóteses de incidência. Inclusive, tal domínio deve ser esmiuçado, consoante art. 146, III, da CF, fins de evitar que os legisladores municipais estabeleçam outras hipóteses de incidência do ITBI, como vem ocorrendo em alguns municípios que tem cobrado o imposto valendo-se do mero contrato de promessa de compra e venda, o que não está incluso no âmbito constitucional do imposto. Sobre o tema leciona Hugo Machado de Brito: “Aliás, por força do disposto no art. 146, inciso III, da Constituição Federal esse âmbito constitucional deve ser detalhado, explicitado, de sorte a evitar que os legisladores dos diversos Municípios brasileiros estabeleçam tratamentos diferentes, como atualmente se está verificando, com a lei de alguns Municípios colocando entre as hipóteses de incidência do ITBI a promessa de compra e venda, que nos parece estar fora do âmbito constitucional desse imposto. Alguns Municípios definem a promessa de compra e venda como fato gerador do ITBI, e disso decorre importante implicação. Feita a promessa, consumado está o fato gerador, de sorte que acessões físicas que venham a ocorrer no imóvel, realizadas pelo promitente comprador, serão irrelevantes para a definição do imposto devido, ainda que este não tenha sido pago na época própria. Assim, se alguém faz promessa de venda de um terreno, e o promitente comprador realiza uma edificação, não pode o Município cobrar o imposto sobre o valor desta, a pretexto de que somente com o registro imobiliário da venda é que se deu a transmissão do imóvel. Para fins tributários, por opção do legislador municipal, a transmissão deu-se com a promessa. A edificação foi feita, então, em terreno próprio do construtor, e, assim, não pode ser tida como objeto da transmissão”. (BRITO, 2010, p. 417-418). Os direitos reais sobre bens imóveis cuja transmissão está sujeita ao imposto estão previstos no Código Civil Brasileiro, em seus arts. 1225 e seguintes, que os enumera: propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese. As três últimas espécies – penhor, hipoteca e anticrese, por serem direitos de garantia não podem ser relacionadas como fato gerador do ITBI. Do mesmo modo incide o ITBI sobre a transferência de domínio útil, a teor do que dispõe a Súmula 326 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “legítima a incidência do imposto de transmissão 'inter vivos' sobre a transferência de domínio útil". No que se refere à cessão de direitos, tal será fato gerador do ITBI quando possuir o timbre de transmissão de propriedade, com efetiva translação jurídica da propriedade do bem imóvel (SABBAG, 2013). Ou seja, enquadram-se como cessão de direitos os atos que podem fazer com que a pessoa que os recebe adquira de fato o imóvel, equivalendo, assim, à própria transmissão do bem. Sob este prisma, importante colacionar ementa do Recurso Especial nº 327.188[5] (BRASIL, 2002), em que restou exarado que a promessa de cessão de direitos à aquisição de imóveis não configura fato gerador do ITBI: “EMENTA: TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE CESSÃO – NÃO INCIDÊNCIA. Promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI”. (Ag.Rg no REsp. 327.188/DF. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. 1ª Turma. J. em 07-05-2002. DJ 24-06-2002). De se ressaltar, ainda, o plano espacial do ITBI, que é o território do Município da situação do bem, consoante art. 156, II e §2º, II, da CF; e o plano temporal, que é o da transmissão patrimonial ou da cessão de direitos, conforme mesmo dispositivo da CF c/c art. 35 do CTN. Sobre o plano temporal, especificamente, o momento de incidência do ITBI, tem-se como ocorrido o fato gerador quando houver o registro do respectivo ato (PINTO, 2012). Isso porque somente o registro do título translativo de propriedade no competente Registro de Imóveis consubstancia o ato de transmissão do bem imóvel, motivo pelo qual só o ato do registro é capaz de gerar efeitos constitutivos. Interessante a lição de Kiyoshi Harada sobre o plano temporal e eventual vício do título aquisitivo: “Embora a transmissão da propriedade só ocorra com o registro do título de transferência, no Registro Imobiliário competente, nada impede de a lei fixar o aspecto temporal do fato gerador desse imposto antes dela, não tendo a menor relevância jurídica eventual vício do título aquisitivo que venha impedir o seu registro, em face do que dispõe o art. 118 do CTN. O que importa é que o bem adquirido integre-se economicamente ao patrimônio do comprador”. (HARADA, 2001, p. 333-334). Tal questão do momento da ocorrência do fato gerador do ITBI no caso da transferência de bens imóveis já foi muito debatida, prevalecendo esse entendimento tanto na doutrina como na jurisprudência. 3 DA IMUNIDADE DO ITBI A Constituição Federal previu algumas situações de imunidade do ITBI. A primeira delas, prevista no art. 156, II, parte final, da CF, dispõe que os Municípios e o Distrito Federal não poderão exigir o imposto em face das pessoas que realizam hipotecas e anticreses. A terceira imunidade, que consta do art. 184, §5º da CF, relaciona-se às operações para fins de reforma agrária. Ambas não são objeto do presente estudo.  A segunda modalidade de imunidade prevista no texto constitucional – objeto do presente artigo, é a que será analisada, in casu, encontrando-se insculpida no art. 156, §2º, I, da CF. Cita-se: “§2º. O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.” Segundo Cláudio Carneiro referida imunidade trata-se de: “Hipótese de imunidade tributária objetiva, pois visa a promover a capitalização e o desenvolvimento econômico das empresas, realizando o capital sem o recolhimento do imposto”. (CARNEIRO, 2013, p. 93). Da leitura do mencionado dispositivo vê-se que há duas hipóteses distintas de não incidência do ITBI: (i) transmissão de bens e direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídica em realização de capital; e (ii) transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa Jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. A doutrina majoritária e a jurisprudência se firmaram no sentido de exigir o requisito da inexistência de preponderância da atividade constante na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, para ambas as hipóteses acima mencionadas – i e II. Contudo, para Kiyoshi Harada[6] (2014), há dois tipos de imunidade. Segundo o doutrinador, a não distinção da imunidade pura da condicionada decorre de “equívoco consagrado pela jurisprudência decorre do erro de interpretação gramatical, de um lado, e de erro de interpretação jurídica, de outro lado, como veremos mais adiante”. De acordo com Harada, no artigo publicado no site de seu escritório de advocacia, a imunidade constante na primeira parte do dispositivo refere-se à imunidade pura, enquanto a da segunda parte relaciona-se à imunidade condicionada, nos casos de transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Entende-se, segundo o autor, por imunidade pura aquela que independe de quaisquer condicionantes. No caso do inciso I, do §2º, do art. 156, da CF, primeira parte, vê-se que não há qualquer ressalva para reconhecimento da imunidade do ITBI, bastando que sejam referentes à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital. No inciso I, do §2°, segunda parte, do mesmo dispositivo, no entanto, encontra-se a chamada imunidade condicionada, pois para que seja reconhecida nos casos previstos no texto constitucional (fusão, cisão, incorporação, etc.), a atividade preponderante do adquirente não pode ser a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. De acordo com Harada, não haveria que se falar em aplicação da restrição constante na parte final do dispositivo sobre a primeira parte do artigo, que se refere à incorporação do patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital social, eis que trata-se da imunidade pura e, portanto, sem quaisquer condicionantes. Em outras palavras, aplicar-se-ia a imunidade do ITBI nas hipóteses constantes da segunda parte do inciso I, quais sejam, incorporação, fusão, cisão, etc., salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda de bens imóveis, locação de imóveis ou arrendamento mercantil é que a imunidade não prevalecerá. Isso porque, segundo Harada, o advérbio “nem” em lugar do conectivo “e” constantes do inciso I do §2º do art. 156, da CF, separa as duas modalidade de imunidade: a primeira de forma incondicionada e, a segunda, de forma condicionada. A expressão “nesses casos”, na parte final do dispositivo, não abrangeria a hipótese da primeira parte separada pelo advérbio “nem”, mas apenas as hipóteses da segunda parte que pressupõem a existência de duas ou mais pessoas jurídicas, com exceção da hipótese de dissolução. Afinal, não haveria como uma empresa incorporar a si própria, tampouco promover cisão sem implicar criação de uma outra empresa. Ressalta-se que tal entendimento é minoritário e o tema sequer foi abordado por outros doutrinadores ou pela jurisprudência. Sobre a atividade preponderante, muito bem elucidou Roque Antonio Carrazza: “Não são, pois, tributáveis, por meio do ITBI as transmissões de bens ou direitos: I – incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e II – decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Estas duas últimas imunidades, todavia, caem por terra se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil ("leasing" imobiliário). Frisamos, por oportuno, que a atividade preponderante do transmitente ou cedente é de todo em todo irrelevante para a fruição da imunidade em tela”. (CARRAZZA, 2011, p. 916). O CTN, a seu turno, disciplinou o ITBI nos arts. 35 a 42, quando este imposto ainda era de competência dos Estados. Sendo o CTN de data anterior à CF, apenas alguns dispositivos foram recepcionados. Nesse ponto, há que se destacar a restrição da sua aplicação quando a atividade preponderante do adquirente for a atividade imobiliária, a teor do que dispõem os arts. 36 e 37 do CTN, em relação à imunidade condicionada. Cita-se: “Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior: I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra. Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. § 1o Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo. § 2o Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição. § 3o Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data. § 4o O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.” Caracteriza-se a atividade preponderante quando a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição representar mais de 50% (cinquenta por cento) da atividade da empresa adquirente, nos termos do §1º do art. 37, do CTN. Para Ricardo Lobo Torres o âmbito dessa desoneração do ITBI atrela-se à: “Não incidência constitucionalmente qualificada, ditada por motivos conjunturais, inconfundível com a imunidade, que protege os direitos humanos. O objetivo da norma superior é promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas. O CTN regulamenta o dispositivo constitucional descendo as minúcias (arts. 26 e 37)”. (TORRES, 2005, p. 399). Vê-se, portanto, que os §§1º a 4º do art. 37 do CTN foram sim recepcionados pela CF vigente, estabelecendo as regras definidoras do alcance da limitação constitucional ora exarada em harmonia com o disposto no art. 156, §2º, I, da CF, consoante será aprofundado a seguir. 4 DESCARCTERIZAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ITBI PELA AUSÊNCIA DE ONEROSIDADE NA INCORPORAÇÃO SOCIETÁRIA Consoante abordado alhures, não aplica-se a imunidade do ITBI em casos de transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, quando verificado que a atividade preponderante da adquirente é a de compra e venda de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Assim, adentrando ao cerne do presente trabalho, tratando-se de incorporação societária realizada por empresa que atua no ramo imobiliário, sendo sua atividade preponderante nesse sentido – mais de 50% (cinquenta por cento), em tese não haveria que se falar em reconhecimento da imunidade do ITBI constante da segunda parte do art. 156, §2º, I, da Constituição Federal, pela condição constante na parte final do dispositivo. Contudo, há que serem analisados outros elementos, fins de verificar a aplicação da preponderância da atividade para incidência do ITBI, uma vez que o imposto não pode incidir simplesmente por ter havido alteração no registro imobiliário, ou, ainda, por decorrer de meros negócios societários, por si só. Explica-se. O conceito de incorporação está inserto no art. 227 da Lei 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, sendo aplicável subsidiariamente às demais formas de sociedades, mercantis e civis. Veja-se: “Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. § 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão. § 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora. § 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.” O art. 1116 do Código Civil também conceitua: "Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos". Trata-se de transferência do patrimônio líquido de uma sociedade para outra mediante a subscrição de capital da incorporadora, efetuada pelos acionistas da incorporada. Não há que se falar em surgimento de uma nova sociedade, pois, na realidade, a incorporadora absorve a outra ou outras sociedades, que se extinguem pela modalidade incorporação. A extinção é rígida, nos termos da legislação. Como leciona Armador Paes de Almeida: “Pelo processo de incorporação uma ou mais sociedades são absorvidas pela incorporadora, permanecendo inalterada a identidade desta, que, por via de consequência, assume todas as obrigações das sociedades incorporadas.” (ALMEIDA, 2016, p. 96). De outro lado, considera-se uma sociedade subsidiária àquela que é controlada por outra, denominada holding, que é a empresa que detém a posse majoritária de suas ações e também de outras empresas. Nesse ponto, chama-se a empresa de subsidiária integral quando existe apenas uma única sociedade como sua acionista. Tais conceitos não podem ser alterados pela lei, posto que utilizados pela CF para limitar a competência tributária. O art. 110 do CTN, portanto, cujo efeito é didático, há que ser invocado para interpretação e análise conjunta dos dispositivos e conceitos legais, como passa-se a expor a seguir. Volvendo à análise de incidência do ITBI, vê-se que sua hipótese de incidência consiste na transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), bem como cessão de direitos à sua aquisição. Sobre a transmissão, o art. 1245 do Código Civil assim dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. A transmissão da propriedade imobiliária só se opera mediante o registro efetivo do título translativo no Registro de Imóveis competente, nos termos do §1o do mesmo dispositivo: “§1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. O conteúdo do §1o do art. 1245 do Código Civil apenas repisa que não há transmissão e, por consequência, o fato gerador do ITBI, enquanto a escritura de compra e venda não for registrada, como já abordado anteriormente. Corroborando o posicionamento legal e doutrinário, também está a jurisprudência do STJ, como se denota do REsp 253364[7] (BRASIL, 2001): “EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – FATO GERADOR – REGISTRO IMOBILIÁRIO – (C. CIVIL, ART. 530). A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro respectivo título (C. Civil, Art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o Ordenamento Jurídico”. REsp 253364 DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 16-4-2001, p. 104). Sobre o requisito da onerosidade, trata-se de atributo imanente ao campo de incidência do ITBI, porquanto há de haver um nexo causal que una os contratantes, em recíproca e bilateral relação de empobrecimento e enriquecimento patrimonial[8]. (FURLAN, 2003). A condição de onerosidade prevista no inciso II do art. 156 para incidência do ITBI também determina expressamente a incidência do tributo nos casos de incorporação e extinção da pessoa jurídica desde que observada a preponderância das atividades. Contudo, analisando a hipótese de incorporação societária de sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico, onde a incorporada é subsidiária integral da incorporadora, ainda que a atividade preponderante seja a incorporação imobiliária, não há que se falar em incidência do imposto por carecer do requisito onerosidade. Isso porque para haver a tributação do ITBI, deve-se partir do pressuposto que existiu um negócio jurídico antecedente, de cunho oneroso, firmado por duas pessoas, sejam físicas ou jurídicas, inclusive no caso de operações societárias. Há que existir, portanto, um negócio jurídico que ampare a transmissão imobiliária. Sobre os negócios jurídicos leciona César Fiúza: “Negócio jurídico é toda ação humana, voluntária e lícita que, condicionada por necessidades ou desejos, acha-se voltada para a obtenção de efeitos desejados pelo agente, quais sejam, criar, modificar, ou extinguir relações ou situações jurídicas, dentro de uma perspectiva de autonomia privada, ou seja, de autorregulação dos próprios interesses”. (FIÚZA, 2010, p. 202). Cediço que nas incorporações societárias a empresa incorporadora recebe ações e obrigações da incorporada, podendo, com isso, adquirir bens onerosamente, o que ensejaria incidência do ITBI. Contudo, quando a sociedade incorporada for subsidiária integral da incorporadora (holding), não há que se falar em aumento de capital e, por consequência, emissão de ações. Isso porque no caso sub examen a holding/incorporadora já detinha 100% (cem por cento) das ações da incorporada, que era subsidiária integral e, exatamente por isso, não houve qualquer onerosidade na transação. O que faz o fato gerador adequar-se à hipótese de incidência, fins de aplicação do ITBI, é exatamente a transferência do direito de propriedade, de onde se extrai não só o negócio jurídico ou a transcrição imobiliária, mas sim o fato-efeito da transmissão (BARRETO, 1997). Quando a transmissão representa mera alteração no registro imobiliário ou operação societária sem repercussão onerosa, como é o caso da incorporação pela holding da subsidiária integral, resta prejudicada a incidência do ITBI por ausência de onerosidade na transação, requisito para sua configuração. Os negócios jurídicos têm na vontade do agente a sua principal fonte de efeitos, de onde se extrai que as partes celebrantes de negócio jurídico apto à incidência do ITBI devem ter interesses distintos, e não iguais. Uma das partes terá como repercussão patrimonial o empobrecimento, enquanto a outra terá o enriquecimento, em recíproca e bilateral transação. No caso de incorporação da subsidiária integral, inexiste bilateralidade ou distinção de vontades, pois não são duas empresas distintas e independentes transacionando. Ao contrário, a vontade é una, comum, repercutindo, na prática, em reorganização societária sem qualquer substância indicadora de capacidade contributiva apta a gerar incidência do ITBI. Isso porque sendo a empresa de propriedade integral da outra, a incorporação da sociedade implicará tão somente em transmissão do patrimônio líquido da incorporada, inexistindo, por absoluto, comutatividade, porquanto não haverá qualquer alteração patrimonial efetiva na incorporadora. A bem da verdade, ocorrerá apenas simples alterações nas contas contábeis, mantendo-se o patrimônio líquido da sociedade incorporadora exatamente idêntico ao que era antes da operação. Justamente nesse sentido fora o acórdão nº 9.881/3, proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município de Belo Horizonte/MG (CART) no recurso voluntário nº 10.144, oriundo do processo nº 01.075626.07.09, em que discutia-se exatamente a incidência ou não do ITBI sobre operação de incorporação societária feita entre empresas integrantes do mesmo grupo econômico, sendo a incorporadora empresa que exerce atividade preponderante imobiliária. A operação tributada pelo município de Belo Horizonte fora, basicamente, a seguinte: a MRV Engenharia era detentora de 100% (cem por cento) das ações da MRV Empreendimentos e 85% (oitenta e cinco por cento) das ações da MRV Construções. A MRV Empreendimentos, a seu turno, era subsidiária integral da MRV Engenharia, tendo sido incorporada por esta última, de modo que a MRV Engenharia passou a deter 100% (cem por cento) das ações da MRV Construções. O Fisco Municipal autuou a empresa adquirente/incorporadora argumentando ser a sua atividade preponderantemente imobiliária, motivo pelo qual não estaria abarcada pela imunidade constante do art. 156, §2º, I, da CF. Contudo, o recurso fora provido após instauração de divergência pelo redator do acórdão nº 9.881/3. Cita-se dispositivo do acórdão: “Vistos, relatados e discutidos os autos, acorda a 3ª Câmara do Conselho de Recursos Tributários, na reunião do dia 2 de outubro de 2014, à unanimidade, em conhecer o recurso. No mérito, pelo voto de qualidade, provido o recurso voluntário, vencidos o Relator, o Dr. Reginaldo Moreira de Oliveira e o Dr. Carlos Alberto Pereira, que o desproviam. Designado redator do acórdão o Dr. Leonardo Varella Giannetti, autor da divergência instaurada, acompanhada pelo Dr. Daniel Pereira Artuzo, que alterou o voto anteriormente proferido, e pelo Presidente, Dr. Alfredo bento de Vasconcellos Neto. Compareceu à sessão de julgamento, em nome da Recorrente, o Dr. Eduardo Lopes de Almeida Campos”. (Acórdão 9.881/3. Recurso voluntário nº 10.144, oriundo do processo nº 01.075626.07.09, CART Belo Horizonte/MG). Importante trazer excerto do voto do Dr. Leonardo Varella Giannetti, autor da divergência, cuja inteligência merece destaque: “No caso em debate não se vislumbra elemento econômico suscetível de tributação, pois não houve acréscimo do capital social, não houve emissão de novas ações e quem adquiriu é o único controlador da transmitente, pois é detentor de 100% das ações da sociedade. Esse fato indica não só a ausência de transmissão como ausência de capacidade contributiva apta a ser tributada pelo ITBI. Entendo que o ITBI não incide simplesmente por ter ocorrido uma alteração no registro imobiliário no qual o adquirente do bem exerça e aufira receita decorrente de atividade imobiliária. Há um ingrediente há mais. No caso do ITBI, a tributação patrimonial envolvendo partes independentes, que formulam verdadeiro pacto ou negócio jurídico que ostenta real riqueza. Não se vislumbra no caso dos autos uma efetiva transmissão patrimonial no sentido jurídico, pois não há um efetivo negócio jurídico, mas simples mudança formal no registro imobiliário (os imóveis "trafegam" no papel de uma pessoa jurídica para outra com transcrição no registro notarial).” Portanto, como muito bem delineado, não basta a transcrição no registro do imóvel, ou ainda a mera operação societária, fins de incidir o ITBI. Há que ser preenchido o núcleo completo que compõe o fato gerador do referido tributo, verificando a existência de onerosidade na operação inter vivos e, eventualmente, reconhecimento ou não da preponderância das atividades, fins de que seja cobrado o imposto. Assim, conclui-se que o lançamento do ITBI decorrente de operações societárias gratuitas não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro e, por isso, deve ser repelido. CONCLUSÃO Como visto, os municípios têm cobrado ITBI pela mera transmissão da titularidade de imóveis que não seja objeto de doação, sem analisar a minúcia de cada caso e elementos envoltos na operação tributada, assim como havia ocorrido na situação fática objeto de recurso voluntário antes do provimento pelo acórdão nº 9.881/3 proferido pelo CART de Belo Horizonte/MG. Contudo, restou demonstrado que antes da análise de reconhecimento da imunidade constitucional prevista no art. 156, §2º, I, da CF, tomando por base a preponderância das atividades do adquirente como requisito excludente do benefício, há que serem avaliados os elementos essenciais que constam do texto constitucional e do CTN. Portanto, antes de ponderar se é hipótese de imunidade ou não ante a preponderância das atividades, é preciso estar presente o requisito fundamental da onerosidade da transmissão imobiliária decorrente de incorporação societária. No caso de incorporação de subsidiária integral pertencente ao mesmo grupo econômico da holding, restou demonstrado não ter havido operação societária onerosa, mas sim gratuita. Logo, as partes celebrantes de negócios jurídicos que venham a sofrer tributação do ITBI devem avaliar se todos elementos do imposto restaram configurados, sob pena de serem indevidamente tributadas as transmissões imobiliárias. Conclui-se, por fim, que não basta a transcrição no registro do imóvel, ou a mera operação societária para incidência do ITBI, motivo pelo qual a postura praticada pelas Fazendas Públicas deve ser revista, sob pena de violar as hipóteses de incidência do referido imposto.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/analise-da-incidencia-do-itbi-em-caso-de-incorporacao-societaria-entre-empresas-do-mesmo-grupo-economico-a-luz-do-requisito-onerosidade-na-transmissao/
A análise do veto presidencial da prorrogação da RECINE: poderá valer a pena esperar
O presente artigo visa analisar os aspectos técnicos e jurídicos do veto presidencial à prorrogação dos incentivos previstos na Lei 8.685/1993 (Lei do Audiovisual) contidos no Projeto de Lei de Conversão 18/2017, baseado na MP 770/2017, com base na a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, especialmente o art. 14 que dispõe sobre normas de gestão fiscal responsável, planejada e transparente, a fim de prevenir situações de desequilíbrio orçamentário. De conseguinte, tem por escopo tratar a nova proposta de prorrogação da RECINE com a inclusão dos jogos eletrônicos por intermédio da criação do art. 3º-B  na lei do Audiovisual e o reconhecimento expresso dos jogos eletrônicos como obra audiovisual.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Recentemente foi amplamente veiculada na mídia a notícia de veto da prorrogação dos incentivos previstos na Lei 8.685/1993 (Lei do Audiovisual). Apesar da prorrogação ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, a decisão do veto foi publicada no dia 24 de agosto de 2017. Sendo certo que há ainda uma certa urgência para que a referida prorrogação seja aprovada, haja vista que os incentivos fiscais findariam em 31 de dezembro de 2017, nos termos da redação dada pela Lei nº. 13.196 de 2015. O Projeto de Lei de Conversão 18/2017, baseado na MP 770/2017 que fora aprovado pelo Congresso Nacional, foi vetado pelo presidente Michel Temer devido à ausência de estudo de impacto orçamentário, tendo em vista as alterações feitas no texto original. Esclareça-se que o estudo é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. A MP publicada originalmente previa a renovação do RECINE até 31 de dezembro deste ano, incluindo o estudo de impacto orçamentário somente para este período e não para a extensão pretendida. 1. O RECINE E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL De certo que o Regime Especial de Tributação para desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica – RECINE, trata de verdadeira hipótese de incentivo fiscal, diferentemente da isenção tributária que é um instrumento de Direito Tributário. Desse modo, o incentivo fiscal é um mecanismo financeiro que se situa na seara extrafiscal para o desenvolvimento de políticas públicas. Conceitualmente, o incentivo fiscal implica na redução da receita pública de natureza compulsória ou na supressão de sua exigibilidade. Funcionando como um instrumento do dirigismo econômico; visando desenvolver economicamente determinada região ou certo setor de atividade. Em outras palavras, é um mecanismo de intervenção do Estado na economia que tem por escopo o estímulo da atividade. Nesse sentido, a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), limita a ação do legislador na concessão de incentivos de natureza tributária nos termos do art. 14, in verbis. “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que  trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. (…) ”. Desse modo, o art. 14 da LRF têm por escopo alcançar as metas previstas no art. 1° da LRF, por meio de uma gestão fiscal responsável, planejada e transparente, a fim de prevenir situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, impõe limites e condições para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício que implique renúncia de receita pública. Não interfere, nem cria obstáculos à concessão de benefícios ligados às receitas não tributárias, como é o caso dos privilégios outorgados aos usuários de serviços públicos concedidos. A LRF limita o poder de renunciar tributos que é corolário do poder de instituir, fiscalizar e arrecadar. A criação de tributos encontra limitações de ordem constitucional, enquanto que a renúncia de tributos encontra limitações de natureza legal e infraconstitucional. Portanto, o nível de imposição tributária, ou a concessão de incentivos fiscais não se inserem na seara do direito tributário, mas no campo da política tributária. De conseguinte, o inciso I condiciona o ente político concedente do benefício à demonstração prévia de que a renúncia pretendida foi considerada na estimativa da receita na Lei Orçamentária Anual – LOA – na forma do art. 12 da LRF, e que não afetará as metas dos resultados fiscais previstos nos anexos da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO. Na sequência, o inciso II exige que a proposta de renúncia esteja acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio de aumento da carga tributária mediante elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo.  Prescreve o § 2°, do art. 14, que a vigência do incentivo ou benefício, decorrente de medidas de compensação da perda de arrecadação fica condicionada à efetiva implementação dessas medidas, de sorte a não provocar qualquer desequilíbrio nas contas públicas. Com as exigências previstas nos dois incisos comentados torna-se inviável, juridicamente, a supressão pura e simples do encargo tributário, para atender aos diversos interesses políticos divorciados do interesse público primário, principalmente diante da necessidade da apresentação do estudo técnico documental agrupando os requisitos apostos nos incisos I e II do art. 14 da LRF. O que deve ser devidamente observado quando houver proposta de alteração legislativa, inclusive para a prorrogação do prazo aposto no art. 1º da Lei do Audiovisual. Portanto, conclui-se que o veto presidencial foi tecnicamente correto. Por outro lado, é de se ressaltar que o cinema brasileiro tem funcionado em regime de plena produtividade com mais de 150 longas metragens no ano de 2016 e uma previsão concreta para ultrapassar essa meta em 2017, o que gera empregos e renda para o país. Conforme a carta de Gramado de 2017, escrita após o Festival de Gramado, a atividade cinematográfica comporta aproximadamente 250 mil empregos diretos e indiretos, representando meio por cento do PIB anual brasileiro. Diante disso, parece que o governo tem demonstrado certa preocupação com o tema e vem tomado medidas para acelerar o processo de aprovação da prorrogação da RECINE na Lei do Audiovisual. 2. DA MP 796 E SUA NOVA EMENDA Nesse diapasão foi apresentada uma emenda pelo deputado Thiago Peixoto à Medida Provisória 796, que propõe a criação do art. 3º-B da Lei do Audiovisual, a qual beneficiários da remessa, entrega ou pagamento pela aquisição ou remuneração de direitos relativos à exploração de jogos audiovisuais eletrônicos no país poderão beneficiar-se de abatimento de 70% do imposto devido, desde que invistam no desenvolvimento de jogos audiovisuais eletrônicos brasileiros independentes[1]. Sem fazer um juízo de valor acerca das sucessivas prorrogações da medida e da avaliação da política pública per se, é irrefutável que se trata de um marco histórico para a indústria de jogos eletrônicos, pois além de viabilizar mecanismo de fomento indireto, registrará expressamente o termo “jogos audiovisuais eletrônicos”, o qual irá explicitar a posição de que os jogos eletrônicos são, de fato, software e obra audiovisual, conforme já defendido no artigo “Jogo Eletrônico não pode ser considerado obra audiovisual para fins tributários” [2]. Ora, é cediço que o mercado audiovisual está completamente diferente daquele idealizado pelos legisladores quando foi pensada a MP 2.228-01/01, porquanto foi definido apenas os conceitos de obra  cinematográfica e videofonográfica, ainda que de modo bastante incipiente. Confira-se o texto da MP 2.228-01/01: “Art. 1º da MP 2.228-01/01 (…) II – obra cinematográfica: obra audiovisual cuja matriz original de captação é uma película com emulsão fotossensível ou matriz de captação digital, cuja destinação e exibição seja prioritariamente e inicialmente o mercado de salas de exibição; III – obra videofonográfica: obra audiovisual cuja matriz original de captação é um meio magnético com capacidade de armazenamento de informações que se traduzem em imagens em movimento, com ou sem som;” Assim, os jogos eletrônicos, por não estarem abarcados nas definições legais, constituem um terceiro gênero não previsto pelo legislador. Dessarte, a tendência que tem se apresentado ao longo dos últimos anos é a aproximação entre os jogos eletrônicos e o cinema que se torna cada vez mais evidente. Portanto, ambos os institutos – cinema e jogos eletrônicos devem ser encarados como simbióticos e não como compartimentos estanques ou dicotômicos. Dessa maneira, é necessário se estabelecer um critério de discrímen para que a exegese das leis fique mais racional, porquanto não se pode admitir um critério discricionário para sua aplicação. Nesse cenário, sugere-se a distinção entre obra audiovisual stricto sensu e obra audiovisual lato sensu. Ao longo dos tempos o termo “audiovisual” foi utilizado pela indústria, pelo poder público e pelos legisladores para se referir à obra videofonográfica e cinematográfica, logicamente sem excluir os projetos transmidiáticos. Nesse sentido, para fins de esclarecimento, entende-se aqui por interpretar essas obras audiovisuais originalmente pensadas pelo legislador como obra audiovisual stricto sensu e os jogos eletrônicos como um terceiro gênero de obra audiovisual, se enquadrando no conceito de obra audiovisual lato sensu. Dito isso, não obstante a concessão de incentivos fiscais não se inserir propriamente na seara do direito tributário, mas no campo da política tributária, alguns juristas podem entender que aplicar-se-ia o disposto no art. 111 do CTN[3] cuja interpretação restritiva deve ser aplicada aos casos de benefícios fiscais. O que daria margem para discussão acerca da aplicação dos institutos da Lei do Audiovisual para os jogos eletrônicos caso não houvesse a sua menção expressa nessa tentativa de inclusão do art. 3º-B, pois poder-se-ia entender que a palavra “audiovisual” aposta na lei seria apenas para as obras audiovisuais stricto sensu e não lato sensu. 3. CONCLUSÃO Dessa maneira, conclui-se que a inclusão do termo “jogos eletrônicos” ou “jogos audiovisuais eletrônicos” será providencial para evitar inúmeros imbróglios jurídicos e discussões judiciais. Assim, é bastante elogiável que os jogos eletrônicos sejam utilizados pelo legislador de forma expressa tal como proposto. Demonstrando assim a vontade inequívoca do legislador de conceder o benefício fiscal a essas categorias e, indiretamente, reconhece-la como obra audiovisual para fins de direito administrativo e do entretenimento. Portanto, tal como no mito de Penélope[4] que teceu a mortalha por diversas noites à espera do herói Ulisses que, ao final, acabou retornando para casa de sua viagem na qual havia sido convocado para a guerra de Tróia; valerá a pena a espera para a prorrogação do incentivo fiscal que trará a inclusão do art. 3º-B na Lei 8.685/1993.
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Tributação sustentável e incentivos fiscais
O presente artigo trata da tributação sustentável como mecanismo para proteção do meio ambiente, sobretudo por meio de incentivos fiscais, que têm como objetivo bonificar aqueles que busquem alternativas sustentáveis ao desenvolvimento de suas atividades. O trabalho apresenta o conceito de tributação sustentável e a forma com que atua, tanto de forma fiscal quanto extrafiscal, abordando-se a questão dos incentivos fiscais como potencializadores à defesa do meio ambiente, inclusive pela possibilidade de conscientização ambiental gradual de consumidores e empresários. A título conclusivo, pode-se afirmar, em primeiro lugar, que a tributação sustentável é importante mecanismo de intervenção do Estado para promoção da conscientização ambiental e indução de escolhas sustentáveis. Em segundo lugar, em que pese o interesse da própria sociedade na busca e valorização das chamadas opções “verdes”, ainda existe resistência, tanto de cunho político como empresarial para efetivação da tributação sustentável, sendo necessária maior cooperação entre os sujeitos.
Direito Tributário
INtrodução O tema proposto converge duas temáticas precipuamente transindividuais: de um lado, a proteção ao meio ambiente, de outro, a tributação como ferramenta reguladora do Estado. Com o decorrer dos anos, estão sendo trazidas à baila, cada vez mais, questões envolvendo a preservação da natureza e a busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado. O crescimento desenfreado da sociedade em si e, principalmente, a de consumo, bem como da ausência de medidas de contenção, reciclagem e uso consciente de materiais e matérias-primas – sem qualquer preocupação quanto ao esgotamento de recursos -, causaram diversos danos ambientais, mesmo com a introdução da denominada “conscientização ambiental”. A esse respeito, como tutela específica, o Direito Ambiental atua na preservação do meio ambiente por intermédio de aplicação de sanções às condutas lesivas, não obtendo resultados proveitosos quanto ao objetivo.[1] A esse respeito, vale observar as lições de Ost: “[…] enquanto não for repensada a nossa relação com a natureza e enquanto não formos capazes de descobrir o que dela nos distingue e o que a ela nos liga, os nossos esforços serão em vão, como testemunha a tão relativa efetividade do direito ambiental e a tão modesta eficácia das políticas públicas neste domínio.[2] Portanto, o objetivo desse artigo é examinar a tributação sustentável como ferramenta para promover a proteção ambiental, analisando-se as formas com que esse mecanismo funciona e se é capaz de suprir esta demanda social. Será feito um breve apanhado sobre os princípios ambientais como auxiliares da atuação tributária. Em seguida, a pesquisa cinge-se à apresentação da tributação sustentável e à discussão sobre os incentivos fiscais como ferramentas para efetivação da preservação do meio ambiente, criando-se paralelo com o princípio do protetor-recebedor. Assim, pretende-se trazer à tona a discussão sobre a utilização do Direito Tributário como agente ativo na defesa do meio ambiente e potencializador de medidas direcionadas positivas para conscientização da sociedade e empreendedores, questionando-se sobre a eficácia dos incentivos fiscais como recompesa em alternativa às tradicioanais sanções às condutas lesivas. 1. PRINCÍPIOS AMBIENTAIS COMO FERRAMENTAS PARA TRIBUTAÇÃO Os Princípios Ambientais tratam de valores multidisciplinares aplicáveis a diversos universos do Direito, inclusive quanto à tributação com ênfase na sustentabilidade. Possuem força normativa e servem para que se adote determinada conduta, de acordo com o estado que se pretende promover. Para Luís Cláudio Martins de Araújo: “A dialética entre a natureza e a realidade social é uma unidade constantemente oxigenada, que, longe de ser estanque, permanece em constante modificação. Esta continuidade evolutiva traz como reflexo direto a permanente criação de novos Princípios do Direito Ambiental, o que gera uma carga de dificuldade de elencar um rol fechado de Princípios Ambientais”.[3] Um dos princípios mais conhecidos é o chamado Poluidor- Pagador, o qual tinha como escopo internalizar os custos relativos à deterioração ambiental, representado no art. 3° da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA): […] a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (IV), ou seja, atividade causadora de qualquer “[…] alteração adversa das características do meio ambiente” (II). Poluição seria uma espécie de degradação ambiental, podendo ser compreendida como “[…] a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente” prejudiquem ao meio ambiente, como, por exemplo, as que: “a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. A definição de poluidor-pagador surgiu através do Princípio 16 estabelecido na ECO-Rio 1992: “As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internalização dos custos de proteção do meio ambiente e o uso dos instrumentos econômicos, levando-se em conta o conceito de que o poluidor deve, em princípio, assumir o custo da poluição, tendo em vista o interesse público, sem desvirtuar o comércio e os investimentos internacionais.”[4] Para Édis Milaré, o Princípio do Poluidor-Pagador pode ser entendido como: “O princípio do poluidor-pagador impõe a internalização dos custos decorrentes das externalidades negativas ambientais. Isto é, dos efeitos nocivos resultantes do desenvolvimento das atividades humanas que, embora não sejam necessariamente voluntários, merecem igual reparação, uma vez que incidem sobre a qualidade do meio, em prejuízo de toda a sociedade.”[5] Assim, resta claro que o intuito deste princípio é responsabilizar o agente que causar danos ao meio ambiente, minimizando os efeitos prejudiciais acarretados e desestimular condutas desta natureza. Não obstante, os princípios do Desenvolvimento Sustentável e da Cooperação são previstos, como antes referido, no artigo 225, caput, da Constituição Federal, visando defender e preservar o meio ambiente à coletividade e futuras gerações, devendo ser articulada a cooperação entre os sujeitos públicos e privados. Igualmente, o Princípio 14 da ECO-Rio 92 assentou a noção de cooperação: “Os Estados irão cooperar, em espirito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam.” [6] Por sua vez, o Princípio da Precaução tem como objetivo impedir a efetivação de danos ao meio ambiente, com conceituação reproduzida na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:  “Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”[7] Diferentemente, o Princípio da Prevenção, é aplicável quando se pretende impedir os danos ao meio ambiente, em situações em que os riscos são previsíveis, tomando-se medidas acautelatórias. A esse respeito, vale observar distinção feita por Terence Trennepohl: “O princípio da precaução tem aplicação mais abrangente que o da prevenção, haja vista a aplicação daquele ocorrer em momento anterior ao conhecimento das consequências do dano ambiental, enquanto este somente se dá em uma fase posterior, quando o risco se converte em dano.”[8] Por fim, o Princípio Responsabilidade, o qual será apresentado pela ótica de Hans Jonas, não se tratando de sinônimo do Poluidor-Pagador como comumente parte da doutrina considera. Para Hans Jonas, o Princípio Responsabilidade não é, tampouco se assemelha com os princípios antes elencados. Antes do advento da vasta tecnologia que conhecemos e desfrutamos, já atentava para os problemas que esta poderia causar para o ser humano se não fosse administrada com parcimônia e obedecendo a certos princípios éticos. Conforme o autor, a natureza deve ser o foco de atenção da sociedade para que a nova teoria ética seja estruturada:  “A natureza como responsabilidade humana é seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria ética deve ser pensada. Que tipo de deveres ela exigirá? Haverá algo mais do que o interesse utilitário? É simplesmente a prudência que recomenda que não se mate a galinha dos ovos de ouro, ou que não se serre o galho sobre o qual se está sentado? Mas este que aqui se senta e que talvez caia no precipício quem é? E qual é o meu interesse no seu sentar ou cair”?[9] Segundo Jonas, é necessária a adoção do Princípio Responsabilidade aliado à precaução, precedente à tomada de decisões, mas também que haja comprometimento coletivo e não apenas individual dos indivíduos, em prol da sobrevivência das futuras gerações.[10] Para tanto, utilizar-se-á a chamada “Heurística do Medo”, tornando-se ferramenta essencial para que a cautela paute a tomada de decisões, baseadas no receio de provocar dano. Indo pelo viés contrário a outros pensadores, Hans Jonas propõe o medo em oposição aos sentimentos de esperança e otimismo que normalmente explanam os filósofos e tomam o ser humano. Segundo o filósofo Jelson Roberto de Oliveira em entrevista: “(a heurística do medo) Trata-se de uma opção ética pelo mau prognóstico, de um antídoto contra a esperança sem sentido que pode afetar a ação humana no mundo. Em vez das probabilidades otimistas e idealistas, Jonas propõe utilizar-se do medo como forma de aprendizado e fazer da projeção da possibilidade da previsão negativa como condição para alterar a atitude do ser humano em frente à natureza. Para o autor, é preciso utilizar as predições e os presságios apontados pelos saberes científicos modernos como forma de antecipação das condições desastrosas previstas caso o ser humano não altere as suas ações, em sentido de fomentar a responsabilidade. Trata-se de uma tomada de consciência do perigo, do risco do mal que adviria do uso perigoso do poder da técnica. Como a ameaça ambiental é geralmente imperceptível ou, pelo menos, de difícil acesso para o cidadão comum, a heurítica poderia contribuir para revelar a real possibilidade do perigo e serviria de convocação. O temor tem, portanto, um tom antecipador e é a primazia do mau prognóstico.”[11] Os problemas que podem atingir a natureza, os danos que esta pode sofrer, nem sempre são previsíveis ou evidentes, por isso a proposta de utilizar a responsabilidade da precaução – como o imperativo do medo -, dá maior ênfase e aumenta o próprio debate acerca das escolhas a serem tomadas. Destaca-se que essa consciência coletiva e respeito ao próximo deve existir não se pensando apenas nos seus descendentes, mas havendo uma visão de manutenção geral da vida na Terra. Nesse sentido: “Com isso finalmente encontramos um principio que proíbe certos “experimentos” de que a tecnologia se tornou capaz, e cuja expressão pragmática é o preceito discutido antes: no processo decisório deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre em face dos prognósticos de felicidade. O principio ético fundamental, do qual o preceito extrai sua validade, é o seguinte: a existência ou a essência do homem, nunca podem ser transformadas em apostas do agir. Daí deduz-se automaticamente que a simples possibilidade desse tipo de situação deve ser entendida como risco inaceitável em quaisquer circunstâncias. Vale para a vida da humanidade (o que nem sempre deve valer para o paciente individual) o principio de que mesmo os paliativos imperfeitos são preferíveis à cura radical promissora, mas que pode matar o paciente. Lidamos aqui, portanto, com a inversão do principio cartesiano da dúvida. Segundo Descartes, para que possamos estabelecer o que é indubitavelmente verdadeiro, deveríamos equiparar tudo o que for duvidoso, de uma forma ou de outra, ao que é comprovadamente falso.”[12] Outra crítica feita por Jonas é a inversão de prioridades dos Estados. Ainda que exista normas que visem a proteção do meio ambiente, nem sempre as políticas públicas são direcionadas e priorizam a questão ambiental, dando-se maior importância ao setor econômico.[13] Com as passagens colacionadas, conclui-se que o ser humano não pode simplesmente apostar (ou continuar apostando) naquilo que pode, e certamente, causa prejuízos ao meio ambiente. Quando o autor diz que, no processo decisório, deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre em face dos prognósticos de felicidade, faz-se relação direta com a questão de que a proteção do meio ambiente deveria ser mais efetiva e rigorosa.[14] Em complemento: “(…) as certezas relativas do presente não podem compensar a incerteza absoluta. O nosso principio ético da aposta não admite essa possibilidade. Pois ele proíbe que nos arrisquemos por nada, impede que este risco seja admitido em nossa escolha – em suma, proíbe a aposta do tudo ou nada nos assuntos da humanidade. Ele também não confronta o inimaginável com o imaginável, mas só o que é inteiramente inaceitável com o que é mais ou menos aceitável dentro da finitude. Mas, acima de tudo, ele é imperativo, recusando o cálculo interessado de perdas e ganhos; essa imposição se faz a partir de um dever primário com o Ser, em oposição ao nada. Esse principio para o tratamento da incerteza não tem propriamente nada de incerto em si e nos obriga incondicionalmente, isto é, não apenas como um mero conselho de prudência moral, mas como mandamento irrecusável, na medida em que assumimos a responsabilidade pelo que virá. Sob a óptica de tal responsabilidade, a prudência, virtude opcional em outras circunstâncias, torna-se o cerne do nosso agir moral. Mas em todas as discussões anteriores supusemos implicitamente, sem comprovação, que somos de modo geral responsáveis. O principio de responsabilidade de modo geral – o inicio da ética- ainda não foi demonstrado. Dedicar-nos-emos agora a essa tarefa, para a qual, no passado, se teria invocado o auxilio dos céus, auxilio tão necessário, hoje mais do que nunca, quando dele nada obtemos ao lhe dirigir o olhar.”[15] Como pode ser observado do trecho transcrito, a prudência moral relativa, que é normalmente utilizada para tomar certas decisões na vida, não se aplica no caso da proteção do meio ambiente e do comprometimento das futuras gerações. Neste caso, o principio responsabilidade exige do agente a prudência moral absoluta, ou seja, proíbe que se arrisque e se comprometa a vida na Terra, em razão de ponderações sobre eventuais ganhos futuros e hipotéticos. Jonas segue, afirmando ser a sociedade somente uma ferramenta para se transferir a responsabilidade para o outro, de maneira que as pessoas têm a ilusão de que ao não poderem se autotutelar, não possuem responsabilidades com abrangência maior do que no tocante a si mesmas ou seus próximos, não em um sentido geral da humanidade. [16] Ademais, não seria possível apostar nada daquilo que não lhe pertence, ou seja, um indivíduo não poderia apostar a vida das futuras gerações, por exemplo, porque estas não são suas. Todavia, as relações humanas e para com a natureza não são isoladas, de maneira que “não se pode evitar que o meu agir afete o destino de outros; logo, arriscar aquilo que é meu significa sempre arriscar algo que pertence a outro”.[17] Por fim, Hans Jonas expõe que o bem estar mundial deve ser cessado, tendo em vista que a ideia utópica e a felicidade momentânea só faz com se tomem atitudes sem levar em consideração as consequências futuras. Assim, para o autor, a política mais lógica e razoável é a utilização do principio responsabilidade baseado no medo do mal maior.[18] Consequentemente, a tributação sustentável ou ambientalmente orientada exerce importante papel para aplicação do Princípio Responsabilidade, pois servirá como instrumento de impedimento de danos, preservação do meio ambiente e promoção da consciência ambiental, inclusive com a transformação paulatina de valores da sociedade. No geral, os princípios antes elencados servirão como auxiliares para direcionar a tributação sustentável, servindo como subsídio seja para promoção de ações extrafiscais ou pela concessão de incentivos. 2. TRIBUTAÇÃO SUSTENTÁVEL A tributação é um dos maiores poderes conferidos pela sociedade ao Estado, inserindo-se "no núcleo do contrato social estabelecido pelos cidadãos entre si para que se alcance o bem-comum". [19] Assim, a tributação com escopo sustentável busca garantir o cumprimento do art. 225 da Constituição Federal, ou seja, garantir o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, os tributos podem agir com cunho intervencionista, no intuito de regulamentar as condutas sociais, conduzindo o comportamento dos agentes econômicos, a fim de fomentar ações positivas e inibir as prejudiciais ao meio ambiente.[20] A esse respeito, insculpida no artigo 174 da Constituição Federal[21], a intervenção estatal na ordem econômica de maneira indireta, pode ocorrer pela normatização ou regulação da economia.[22] Desse modo, a tributação sustentável cria mecanismos para preservação do meio ambiente, orientando as condutas de contribuintes e da economia. Nesse sentido, vale observar conceituação de Niehues et al: “A tributação ambiental tem por objetivo, orientar as ações dos contribuintes a fim de estimular a preservação do meio natural e a economia, garantindo que estes estejam em conformidade com os fundamentos constitucionais no que se refere à proteção dos recursos naturais de modo sustentável, ao invés de apenas punir os agentes por seus deslizes e irregularidades.”[23] Ao contrário do que pode se imaginar, a tributação sustentável não diz respeito à aplicação de sanções. A extrafiscalidade empregada no âmbito ambiental, em prol da busca do meio ambiente ecologicamente equilibrado possibilita que o Estado empregue políticas incentivadoras ou inibitórias, sem cunho arrecadatório. Segundo Niehues et al: “A arrecadação ou a isenção de imposto oriunda da tributação ambiental, de modo geral deve custear os serviços públicos na manutenção do meio ambiente conservando-o melhor possível. Trata-se também de incentivar o consumo de produtos ecologicamente corretos que ofereçam menos danos. Neste sentido, Costa (1998, p. 73) define tributo ambiental como “[…] a geração de recursos para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental e a orientação do comportamento dos contribuintes para a preservação do meio ambiente.”[24] Todavia, em que pese se fale em tributação sustentável, a doutrina não entende que a criação de tributos desta natureza seria a solução à preservação do meio ambiente, na medida em que o Brasil já possui elevada carga tributária. A esse respeito: “Considerando que a carga tributária incidente no Brasil já é considerada muito grande, a criação de novos tributos ou aumento de alíquotas daqueles já existentes poderia gerar certo desconforto e resistência. Desta forma, as possibilidades oferecidas pela tributação ambiental lato sensu mostram-se como importantes opções e alternativas para o modelo fiscal brasileiro na tentativa de preservação do meio ambiente.”[25] Para implementação da tributação sustentável, poderiam ser aplicadas diversas ferramentas, como, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais, isenções, além da diferenciação de alíquotas.[26] “A graduação das alíquotas nos tributos ambientais orientará o desenvolvimento de atividades “limpas”, servindo como forma de estimular a adoção de mecanismos ou materiais não poluidores e ao uso racional dos recursos ambientais. Atendendo, dessa forma, à função extrafiscal dos tributos, pois a elevação das alíquotas corresponderá ao desestímulo de condutas poluidoras ou ao uso irracional dos recursos ambientais, e a adoção de alíquotas benéficas ou a própria isenção de determinadas atividades econômicas não agressoras ao meio ambiente, incentivar-se-á o desenvolvimento das atividades não poluidoras.”[27] E, para Niehues et al, a tributação ambiental consiste em: “Tributação ambiental pode ser entendida como o emprego de instrumentos tributários com duas finalidades: a geração de recursos para o custeio de serviços públicos de natureza ambiental e a orientação do comportamento dos contribuintes para a preservação do meio ambiente. Assim, ao referir-se em tributação ambiental podem-se destacar dois aspectos: um sendo de natureza arrecadatória ou fiscal e outro a de caráter extrafiscal ou regulatório que tem como objetivo conduzir o comportamento dos contribuintes, incentivando-os a adotar condutas que estejam em sintonia com a ideia de preservação ambiental.”[28] Por conseguinte, Modé interpreta que a utilização dos tributos como incentivadores/inibidores e, em termos gerais, reguladores, representa vantagens em relação ao uso de, somente, instrumentos proibitivos ou autorizativos de condutas: “A implementação da tributação incorpora vantagens à mera utilização de instrumentos normativos, proibitivos ou autorizativos de condutas. Dentre as principais vantagens, a flexibilidade aos agentes econômicos poluidores pra buscarem dentro de sua própria conveniência, o melhor meio de se adequarem aos padrões mínimos estabelecidos; a aplicação do princípio da preservação, agindo antes da ocorrência do fato danoso ao meio ambiente, ou atuando de forma a reduzir os impactos ao meio ambiente e a equidade, uma vez que atua como fator de correção dos preços.”[29] O emprego da tributação com cunho ambiental e devidamente orientada possui a sutileza e a influência que, às vezes, a norma proibitiva ou autorizadora não possui. O reflexo disso é a condução da sociedade para maior conscientização ambiental e escolhas pautadas pelo devido discernimento ecológico. À vista disso, o Estado poderá utilizar a tributação para conceder incentivos fiscais à empresas ecologicamente responsáveis, incentivar ou inibir o consumo no geral ou de determinados bens. Pertinente salientar o caráter dual que a tributação ambiental expõe, pois além do objetivo comum fiscal, ou seja, a arrecadação de valores que serão revertidos na preservação do meio ambiente diretamente; há a característica extrafiscal pela promoção de ações incentivadoras de comportamentos.[30] Para Ayala, faz-se necessária a criação de novos referenciais às sociedades contemporâneas, posto que a globalização pode criar condições desfavoráveis, consideradas “globais e transtemporais”, o que implica na percepção de sociedade do risco global.[31] Portanto, a criação destes novos referenciais, justamente pela inversão de muitos valores e a priorização de fatores econômicos em detrimento das questões do meio ambiente, é perfeitamente concebível na esfera da tributação sustentável, dada a intervenção do Estado com natureza extrafiscal, no fito de influenciar as escolhas dos contribuintes e pela forma com a qual suas atividades serão desenvolvidas. Considerando-se esta natureza do sistema tributário, ou seja, a capacidade de atuar de forma dinâmica, de acordo com o que a sociedade necessita e a realidade do momento, é perceptível a importância da sua atuação em prol da sustentabilidade, posto que, outros ramos do direito, por conterem apenas regras estáticas e determinadas, não conseguem se utilizar de mecanismos tão eficazes na defesa do meio ambiente. Todavia, segundo Rafael Moreira, em que pesem as tentativas de articulação multidisciplinar em favor do meio ambiente, há carência de interesse político para a concretização de instrumentos fiscais com finalidade extrafiscal.[32] Não obstante, no tocante à questão arrecatatória, Omara Oliveira de Gustão tece críticas à destinação da verba arrecadada, a ausência de planejamento ambiental e decisões de caráter eminintemente político: “A decisão de onde gastar é primordialmente política. O governante elabora um plano de ação, demonstra-o nas leis orçamentárias, indica as fontes de seu atendimento e realiza a despesa. O plano de gastos é produto das convicções ideológicas, religiosas, políticas e sociais do grupo que detém o poder. A questão ambiental como prioridade ainda passa ao largo da vontade política do Estado brasileiro, embora sua riqueza natural e biodiversidade estejam a demandar uma maior atenção”[33] Ainda, coincidindo para com o entendimento de Moreira, Omara Gusmão ressalta que a prioridade do Estado não é a ecológica, de forma que os tributos arrecadados ao serem repartidos obedecem a vontade política, não sendo dada a devida importância às medidas de proteção ambiental. “Por isso, depender da prioridade estatal, que atualmente ainda não é a ecológica, e do que for rateado entre as diversas atividades e órgãos estatais, submete a causa ambiental à mercê da vontade política, isto é, sem a prioridade na consumação de políticas ambientais que tornem efetivo o mandamento constitucional de uma proteção do meio ambiente. Há, de fato, um total descompasso das atribuições ambientais deferidas a União, Estados e Municípios e os recursos efetivos para provê-las.”[34] Em face disso, Gusmão continua, destacando a essencialidade do tributo como “compensador dos custos da atividade ambiental”, indicando que lhe cabem duas atribuições, quais sejam, a de arrecadar recursos em benefício do meio ambiente e, ainda, induzir, positiva ou negativamente comportamentos, sendo que esta natureza extrafiscal seria o “fundamento da tributação ambiental.” De igual modo, a tributação desempenharia a função de compensar “o custo real da agressão causada”, posto que nem sempre é praticável recompor o dano ambiental em si. [35] A título ilustrativo, um dos exemplos de tributação ambiental no Brasil é o Imposto de Circulação sobre Mercadorias e Serviços – ICMS ecológico. Não se trata de tributo diferente do já conhecido ICMS; mas, o que houve foi a redefinição sobre os critérios aplicáveis à distribuição dos recursos arrecadados pelo imposto, levando-se em consideração fatores sociais e ambientais. De outra banda, não há apenas o desafio ao Estado na promoção da tributação sustentável, porém se enfrenta resistência dos próprios contribuintes passivos desse novo sistema que vem sendo proposto. Nesse sentido: “Ao mesmo tempo em que a tributação ambiental surge com o intuito de conscientizar e recriar um novo cenário no que se refere aos meios de preservação encontra-se dificuldades de aceitação e adequação por parte da população passiva deste sistema tributário.” [36]  Corbari e Asta mencionam que o papel da tributação ambiental é, justamente, internalizar os efeitos nocivos expostos por determinada atividade econômica, atribuindo os custos ao agente causador e afastando a responsabilidade à sociedade no geral. Desse modo, utilizaria-se o direito tributário como mecanismo para forçar os empreendedores à escolha de alternativas ecológicas em seus processos de produção.[37] Ainda, expõe que pela tributação de empresas que poluem mais, as outras teriam a redução de preço de suas mercadorias, “induzindo os consumidores a preferir o produto com preço mais baixo e que tenha ainda uma imagem “verde””. Com isso, as ações em benefício do meio ambiente seriam interessantes aos empresários e se estimularia a proteção ambiental, aliada ao desenvolvimento econômico sustentável.[38] Dessa forma, propiciaria-se o financiamento de atividades não poluentes pelo Estado pela tributação, ocorrendo a “internalização compulsória dos custos ambientais e a efetivação dos princípios ambientais, já mencionados do poluidor pagador, do desenvolvimento sustentável e da prevenção e precaução”.[39] Segundo Braun, a tributação ambiental retrata uma das mais eficientes ferramentas disponíveis à proteção da natureza e ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo em vista a possibilidade de formação de consciência ambiental e arrecadação de recursos. Para ele, há efetiva mudança de comportamento, porquanto se atinge a economia de modo amplo, englobando-se cidadãos no geral e empresário e atuando diretamente nas finanças destes. [40] 3. INCENTIVO FISCAL E PROTETOR-RECEBEDOR Os incentivos fiscais se tratam de renúncias de receitas públicas, concedendo-se pelo Estado tratamento tributário diferenciado ao contribuinte, com a intenção de incentivar setores produtivos ou regiões determinadas e reduzir as desigualdades sociais, bem como promover o desenvolvimento econômico regional.[41] É de conhecimento a divergência quanto à terminologia “incentivos fiscais”, como apontado por Brandão, discutindo-se se é espécie do gênero “benefício fiscal” e sobre as diferenças entre terem características estáticas ou dinâmicas.[42] Neste artigo, emprega-se o termo “incentivo” como qualquer estímulo concedido à proteção do meio ambiente. Em linhas gerais: “Os critérios para identificação dos benefícios fiscais acima sintetizados na obra referenciada demonstra a possibilidade de adoção dos termos incentivos fiscais e benefícios fiscais como sinônimos, sendo o estímulo apenas um dos critérios para a identificação do benefício fiscal.”[43] Uma das formas com a qual a tributação ambiental pode surgir é através de bonificações fiscais ou incentivos verdes, como referido por Braun, que são “mecanismos legais de fomentar ações de interesse geral da sociedade e financiar projetos a longo prazo”. [44] Ressaltando a importância dos incentivos fiscais na seara ambiental, Goron faz os seguintes apontamentos: “É incontornável a alteração das condutas humanas para com o ambiente natural, e para tanto o Direito Ambiental necessita de outras disciplinas que lhe possam auxiliar na proteção do meio ambiente, pois o insucesso que esse ramo do Direito tem revelado com a utilização apenas de normas coercitivas é patente. É exatamente aqui que devem entrar em cena os benefícios, ou incentivos, fiscais.”[45] Ainda, conforme Henrique Goron, o oferecimento de incentivos fiscais é condição fundamental à eficaz proteção do meio ambiente, porquanto as relações humanas tendem a ser pautadas por alguma forma de recompensa.[46] “A concessão de incentivos fiscais é uma das formas pelas quais se alcançará a efetiva proteção do meio ambiente, pois a natureza humana exige alguma vantagem, o homem necessita de recompensa para agir contrário ao seu interesse (egoisticamente econômicos), e a concessão de alguma benesse por intermédio de lei vem justamente para acalentar essa natureza humana. A lei que influencia de modo sutil as condutas tende a ser melhor aceita do que as que determinam essas condutas, e esse é o caso da concessão de incentivos fiscais. A possibilidade de escolha da conduta dá a impressão de que a pessoa é totalmente livre, e isso faz com que percorra o caminho da conduta socialmente desejada que, no caso, é a de proteção do meio ambiente. Desta forma, parece que a utilização do Direito, especificamente do Direito Tributário, na proteção ambiental será mais eficaz se efetivada possibilitando a escolha daquele que degrada o meio ambiente em não o fazer em razão de que o Estado lhe concede algum benefício em troca da sua conduta. O incentivo fiscal está entre essas possibilidades.”[47] E, continua: “Nesta esteira andam os incentivos fiscais que podem impulsionar uma alteração na conduta humana tão evidentemente egoísta. Ao laçar mão dos incentivos fiscais, o Estado estará ao mesmo tempo acariciando o ego humano para o qual somente o “si mesmo” é que importa, pois as vantagens financeiras advindas de benefícios acertarão diretamente o alvo do egoísmo, e, por via de consequência, reduzindo, ou até mesmo impedindo, a destruição do meio ambiente.”[48] Dessa maneira, o entendimento do autor supracitado converge para com a concepção de egoísmo adotada por Nietzche, de que “as ações altruístas são apenas uma espécie particular das ações egoístas [egoistischen]”[49]. Ou seja, o incentivo fiscal com a característica de tributação sustentável, ainda que dotado da “bondade” do aparente benefício, tem como objetivo precípuo a defesa do meio ambiente e a modificação de comportamentos a longo prazo. Ademais, segundo Thais Maganhini, a concessão de incentivos fiscais, de qualquer natureza, mostra-se positiva, ao passo que utiliza-se do princípio da prevenção do direito ambiental, ao invés de majorar a carga tributária e fazer com que haja preço estipulado à degradação ambiental, sendo preciso atuar de forma preventiva e não repressiva.[50] De igual modo, Goron indica que os incentivos fiscais possuem maior eficácia do que a tributação de condutas lesivas, exatamente pela questão de evitar o pagamento por este comportamento danoso, o que, comumente, ocorria, consubstanciado-se no princípio do Poluidor-Pagador. [51] Nas palavras do autor: “Assim, os incentivos fiscais, sendo logicamente apenas uma parcela de auxílio na proteção ambiental que deve ser levado a efeito, em conjunto com inúmeras outras ações, apresentam resultados positivos, pois contemplam a natureza humano, por intermédio da vantagem possível, com o alívio do bolso do contribuinte. Como consequência, induzem a conduta do homem a respeitar o meio ambiente, tendo em vista o atendimento às regras que lhe são simplesmente vantajosas. É a premiação pela conduta desejada, e não mais a sanção pelo agir indesejado, o rumo que deve ganhar maior força na aplicação do Direito Tributário Ambiental.”[52] O art. 150, parágrafo 6o da Constituição Federal[53] estatui a necessidade de lei específica e exclusiva para a outorga de qualquer benefício fiscal. Logo, com a finalidade de aprovar esses incentivos, é preciso que haja a comprovação da relevância social que exercerão, obedecendo ao previsto no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF: “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. § 3o O disposto neste artigo não se aplica: I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o; II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.” Para ilustrar, Trennenpohl apresentou alguns dos incentivos aplicados no Brasil, como o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, onde se diferenciaram as alíquotas dos veículos quanto aos combustíveis utilizados (gasolina e álcool); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS ecológico; Imposto de Renda – IR, o qual possibilitava a dedução do imposto de pessoas físicas ou jurídicas que empregassem capital para o (re)florestamento. Ainda, o Imposto sobre Território Rural, que, com fulcro na Lei 9.393/96, criou isenção à cobrança em áreas de reserva legal, de preservação permanente, entre outras.[54] Embora a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF tenha instituído regras à concessão dos incentivos fiscais, para Somavilla e Lobato o objetivo foi balizar sua utilização, dando-lhe maior transparência e impedindo a aplicação desmedida. [55] “O ato de conceder benefícios tributários é uma política pública já consagrada em diversos países. Sua utilização pretende auxiliar o desenvolvimento de segmentos econômicos estratégicos, regiões desfavorecidas e grupos de contribuintes. Ao conferir incentivos fiscais, portanto, o Poder Público procura induzir determinados comportamentos ao ente privado, pois aumenta sua disponibilidade econômica e lhe confere a decisão alocativa dos recursos.”[56] Neste contexto, Niehues et al assinalam que a outorga de incentivos é de interesse de todos os envolvidos, eis que pode interferir no preço de venda de produtos ao consumidores, além de significar investimento por parte das próprias empresas beneficiadas.[57] Quanto à natureza dos incentivos, estes podem ser fiscais ou financeiros. Os incentivos financeiros seriam aqueles em que as empresas seriam beneficiadas com a dilação de prazo para recolhimento de determinado tributo, não existindo isenção ou minoração do tributo. Já os incentivos fiscais diferenciam-se por, justamente, significarem desoneração tributária, implicando na redução ou afastamento do tributo.[58] Como se vê: “Os incentivos financeiros são os diferimentos tributários, por meio dos quais as empresas têm parte ou totalidade dos tributos a serem pagos, financiados pelo estado, não havendo isenção ou redução destes impostos, mas sim um prazo maior para recolhimento. Os incentivos fiscais caracterizam-se por uma desoneração tributária, já que uma parte do que seria arrecadado pelo governo, não será mais recolhido, como no caso de presunções creditícias, isenções, anistias, reduções de alíquotas e abatimentos. Garcia (2001) complementa, ressaltando que os incentivos fiscais são todos aqueles benefícios destinados a eliminar os tributos que incidem sobre determinado produto no mercado interno e, assim, podendo compensar tributos agregados aos produtos impossíveis de serem dissociados do seu preço interno.”[59] De qualquer sorte, como preleciona Renata Brandão, a concessão de quaisquer espécies de benefícios fiscais, os quais conferiram tratamento diferenciado a determinados sujeitos, não significará privilégio fiscal, em virtude da necessidade de observância aos princípios e regras previstos no ordenamento jurídico.[60] Destarte, com a concessão de benefícios, mostra-se necessário apresentar novo princípio, qual seja, do Protetor- Recebedor, visando-se a remuneração, seja direta ou indireta, daquele que adota conduta sustentável.[61] Para Hupffer et al, o princípio Protetor-Recebedor entraria em cena quando houvesse a verificação da carência dos mecanismos de controle utilizados pelo Estado, como, por exemplo, o zoneamento e o licenciamento ambiental. [62] Como consequência da ineficácia ou insuficiência dos instrumentos normativos para tutelar o meio ambiente, utilizam-se instrumentos econômicos tais como medidas de recompensa por serviços ambientais, no intuito de estimular financeiramente o sujeito pela preservação do meio ambiente.[63] Em complementação, Henrique Goron refere que a concessão de incentivos fiscais tem se mostrado a melhor opção para conduzir as ações humanas para proteção do meio ambiente, sendo que a “a vantagem proporcionada àquele de quem se pretende a conduta modificada equivale a um prêmio, pelo fato de que suas ações correspondem ao desejo estatal.”. [64] Em outras palavras, depreende-se que o contumaz padrão do Brasil na punição dos agentes lesivos não se comprovou modo eficaz na proteção do meio ambiente, eis que os empreendedores com maior poder aquisitivo e potenciais poluidores acabavam pagando pelo dano causado, com fulcro no próprio princípio do Poluidor-Pagor. Ao contrário, com a implementação de incentivos fiscais como incentivadores de medidas ambientais, recompensariam-se as boas ações e introduziria-se o costume da proteção do meio ambiente na sociedade no geral. CONCLUSÃO A tributação e o desenvolvimento sustentável são temas que afetam diretamente a vida de todos, e mais: são pressupostos para viabilizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no artigo 225 da Constituição Federal. Nesse sentido, com o crescimento desenfreado do consumo e da sociedade como um todo, sem medidas efetivas de redução, reciclagem e economia de recursos, é de suma importância refletir sobre formas que evitem a degradação da natureza. Assim, a tributação sustentável se manifesta como uma técnica relevante utilizada pelo Estado para intervenção na econômia e sociedade. Em que pesem os esforços dos últimos anos na efetivação da tributação sustentável, verifica-se que há longo caminho para se atingir uma proteção ambiental plenamente efetiva, pois ainda existem resistências, seja de cunho político ou econômico. Todavia, é possível perceber mudança gradual no comportamento tanto de contribuintes quanto de empreendedores, no concernente à necessidade de escolha e busca por opções sustentáveis, através da compra de produtos "verdes" ou de emprego de tecnologias limpas, etc.. Não obstante, no geral, é evidente que as pessoas têm interesse em promoverem a proteção do meio ambiente; mas, muitas delas, para tanto, necessitam da conscientização adequada. Dessa maneira, a extrafiscalidade atua como ferramenta educadora imprescindível, porquanto, além de regular e intervir na econômia como um todo, tem o papel de induzir comportamentos, estimulando-se a proteção do meio ambiente e medidas sustentáveis. Igualmente, os incentivos fiscais configuram como estímulos destinados às empresas para promoverem a escolha de alternativas sustentáveis, revelando-se importante artifício alternativo às tradicionais – e não tão eficazes – medidas punitivas aplicadas ao agente lesivo. Logo, com a implantação paulatina dos incentivos fiscais com objetivo sustentável, poderá ser rompido o estigma de que as ações ambientais significam barreira ao desenvolvimento das empresas e dos negócios no geral, encontrando-se equilíbrio entre a atuação dos empreendedores para com a sustentabilidade. De qualquer modo, faz-se importante a cooperação entre organismos governamentais, pessoas jurídicas de direito privado e cidadãos para a realização de mudanças conjuntas em prol da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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CPC/15 e reflexos sobre a LEF: tutela provisória recursal e liquidação antecipada do seguro-garantia
Tema bastante polêmico e que é alvo de recorrentes questionamentos judiciais diz respeito aos efeitos em que é recebido o recurso de apelação interposto contra a sentença de improcedência nos embargos à execução fiscal, em decorrência da possibilidade que se abre à liquidação da garantia antes do trânsito em julgado, quando a apelação é recebida no efeito apenas devolutivo, produzindo a sentença eficácia imediata. O problema da liquidação antecipada está mais atrelado ao seguro garantia em razão da crescente utilização pelo devedor do Fisco (baixo custo), bem como por não haver resistência pelas Fazendas Públicas, pois representam ativos financeiros de alta liquidez. A possibilidade de recebimento da apelação no efeito apenas devolutivo, aliado à alta liquidez dos ativos financeiros garantidos por fiança ou seguro garantia, propiciou um ambiente favorável à Fazenda Pública na busca de uma suposta garantia da satisfação do crédito tributário, ensejando um repertório de precedentes cada vez mais comum sobre a possibilidade de intimação do segurador para que efetue o depósito judicial do valor executado, mesmo pendente o julgamento da apelação. Essa possibilidade de liquidação antecipada da garantia pode ser combatida pelo instrumento processual consistente no “Pedido de Concessão de Efeito Suspensivo a Recurso de Apelação”.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Não são poucas as notícias sobre o grande volume de execuções fiscais no Poder Judiciário, sem perspectiva de satisfação do crédito tributário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça[1], através do estudo Justiça em número – 2016, relacionado a dados de 2015, as execuções fiscais são os processos responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, pois representam aproximadamente 39% do total de casos pendentes, com congestionamento de 91,9%, o maior dentre os processos. Isso significa que de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados. De acordo com tal relatório, chegam ao Poder Judiciário, em sua grande maioria, os títulos executivos referentes a créditos tributários antigos, em relação aos quais há maior dificuldade de satisfação e, por conseguinte, maior retardamento na extinção das execuções fiscais[2]. Esse cenário tem propiciado a proliferação de subterfúgios hermenêuticos judiciais tendentes à imprescritibilidade da pretensão fiscal, tais como o Recurso Especial 1.104.900/ES e a Súmula 435 do STJ, bem como o Recurso Extraordinário 1.120.295/SP do STF, os quais evidenciam a intenção de, a qualquer custo, assegurar a recuperação dos créditos tributários ad aeternum. Como forma de legitimar essas distorções pragmáticas, sob uma perspectiva puramente positivista, temos observado a criação de variados instrumentos processuais com a finalidade de antecipar o bloqueio do patrimônio do devedor tributário, a fim de satisfazer a pretensão fiscal. A partir de uma retrospectiva da evolução legislativa, daremos ênfase às alterações processuais que viabilizam a execução provisória do crédito tributário no contexto da sentença de rejeição dos embargos à execução fiscal, a qual opera eficácia imediata, ainda que objeto de irresignação do devedor por meio de recurso de apelação. 1 EFEITOS NOS RECURSOS 1.1 Efeito devolutivo Conforme lição do processualista José Carlos Barbosa Moreira, todos os recursos admissíveis produzem um efeito constante e comum, que é o de obstar, uma vez interposto, ao trânsito em julgado da decisão impugnada. Ao lado desse efeito, que ocorre sempre, outros dois são produzíveis, em geral, pela interposição de recurso: o suspensivo e o devolutivo.[3] Inexiste, o recurso totalmente desprovido de efeito devolutivo, com ressalva dos casos em que o julgamento caiba ao mesmo órgão que proferiu a decisão recorrida.[4] O que pode ocorrer é a variação da extensão e da profundidade do efeito devolutivo de um para outro recurso. Aquela nunca ultrapassará os limites da própria impugnação: no recurso parcial, a parte não impugnada pelo recorrente escapa ao conhecimento do órgão superior, salvo se por outra razão, este tiver que se pronunciar.[5] Os recursos objetivam a reanálise das decisões, sejam elas terminativas do feito ou incidentais. Logo, forçoso reconhecer o efeito o devolutivo como natural de todo recurso. Sob a vigência do CPC/73, referido autor destaca a noção genérica do efeito devolutivo, segundo o qual é transferido ao órgão ad quem o conhecimento da matéria julgada em grau inferior de jurisdição.[6] Ou seja, seguindo essa linha, consideramos que há devolução sempre que se transfere ao órgão ad quem aquela matéria que fora submetida ao órgão a quo; não necessariamente tudo. O efeito devolutivo é a manifestação do princípio dispositivo e impede que o tribunal conheça de matéria que não foi objeto de pedido do recorrente, nos termos do art. 141 e 1.013 do CPC/2015. O recurso interposto devolve ao tribunal ad quem a matéria efetivamente impugnada. O tribunal só pode julgar o que estiver contido nas razões de recurso, nos limites do pedido de nova decisão. Para Nelson Nery Júnior, o efeito devolutivo pressupõe o ato de impugnação, de modo que não concebemos efeito devolutivo na remessa necessária. Assim, como não admitimos o pedido genérico, o recurso não pode ser interposto genericamente, devendo conter pretensão recursal explícita.[7] O juízo destinatário somente poderá julgar o que o recorrente tiver recorrido nas razões do recurso, encerradas com o pedido de nova decisão, que fixará os limites e o âmbito de devolutividade de qualquer recurso. Sob outra perspectiva, Nelson Nery considera não apenas os efeitos devolutivo e suspensivo tradicionalmente reconhecidos – que leva em conta a interposição do recurso e suas consequências apenas quanto à decisão recorrida –, mas também outros fenômenos relacionados com (a) a eficácia da decisão recorrida e (b) com o julgamento do próprio recurso, que são efeitos dos recursos e não se enquadram naquela posição clássica. Esses efeitos são expansivo, translativo e substitutivo dos recursos.[8] De fato, o efeito devolutivo prolonga o procedimento, pois torna o processo pendente até que a decisão judicial não seja mais impugnável. Logo, esse efeito devolutivo retarda a formação da coisa julgada. De acordo com a regra geral inserta pelo CPC/2015, temos que os recursos são recebidos no efeito apenas devolutivo, nos termos do artigo 995 de referido diploma legal.[9] 1.2 Efeito suspensivo O recurso tem efeito suspensivo quando impede a produção imediata dos efeitos da decisão, sendo impróprio aludir que o único resultado dessa decisão é a impossibilidade de se pode promover a execução.[10] Salvo em previsão contrário, para Barbosa Moreira, a suspensão é de toda a eficácia da decisão, não apenas de sua possível eficácia como título executivo.[11] Para o autor, trata-se de uma característica desse efeito, mas não esgota seu conceito, pois as decisões meramente declaratórias e as constitutivas, que apesar de não comportarem execução, também podem ser impugnadas por recursos com efeito suspensivo. Entende Barbosa Moreira que mesmo antes da interposição do recurso, a decisão, pelo simples fato de estar sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que estaria cessada se não for interposto o recurso. [12] Em certos casos, como na em face de sentença que rejeitar os embargos do devedor, que é o objeto de nossa análise, o óbice à eficácia da decisão não nasce da previsão legal do recurso, mas de ato judicial que, no caso concreto, diante de determinadas circunstâncias, suspende aquela eficácia. Em sentido contrário, sob a égide do sistema processual de CPC/73, a regra é que têm os recursos efeito suspensivo, o qual não ocorre quando alguma regra especificamente o exclua. No ordenamento pátrio, quando provisoriamente exequível a sentença, o efeito executivo começa a produzir-se desde o recebimento da apelação, pelo órgão a quo, no mero efeito devolutivo. Não sendo essa previsão, deve prevalecer a regra geral de que a decisão só se torna eficaz com o trânsito em julgado.[13] Carlos Barbosa Moreira destaca que, nos países germânicos, é habitual conceber o efeito suspensivo como impedimento à formação da coisa julgada. Porém, não é esse o conceito no direito brasileiro, pois adotá-lo importaria reconhecer tal efeito a todos os recursos, perderia a razão de ser a divisão dos recursos em suspensivos e não – suspensivos. Para o autor, o efeito suspensivo concerne apenas à eficácia da decisão, inconfundível com a auctoritas rei iudicatae, embora a regra seja a da coincidência entre o começo da produção de efeitos e o trânsito em julgado.[14] O efeito suspensivo é a qualidade que ataca a produção de efeitos da decisão, perdurando até que transite em julgado a decisão ou o próprio recurso dela interposto. Assim, por suspensividade poderíamos entender o atributo da recorribilidade e não propriamente do recurso, tendo início com a publicação da decisão impugnável por recurso que a lei prevê esse efeito suspensivo, e termina com a publicação da decisão que julga o recurso. Logo, a suspensão é da eficácia da decisão e não somente de sua eficácia executiva. [15] Esse efeito suspensivo evita a produção de efeitos da sentença condenatória – eficácia executiva -, e das sentenças declaratórias e constitutiva. A regra geral do CPC/2015 é que os recursos tenham apenas efeito devolutivo, sendo o efeito suspensivo concedido apenas a requerimento do recorrente e desde que presente os requisitos do art. 995. Para os recursos previstos sem efeito suspensivo, como a Apelação no caso de sentença que julga improcedente os Embargos, a decisão, tão logo publicada, passa a produzir efeitos, ensejando inclusive sua execução provisória.[16] Durante o procedimento com efeito suspensivo, não se pratica ato de sequência do procedimento, já que o andamento também fica suspenso até o trânsito em julgado. Isso não impede o juiz de ordenar providência para conservação da coisa, através de tutela provisória. Portanto, considerando essa regra geral do CPC/2015, que preconiza a ausência de efeito suspensivo, passamos a analisar como a doutrina aborda efeitos antecipados da sentença. 1.3 Efeitos antecipados da sentença Quando a apelação não é suspensiva, haverá o efeito executivo. Essa executividade não constitui senão uma das várias manifestações da eficácia sentencial, em relação à qual pode a lei estender a antecipação.[17] No caso de sentença improcedência dos embargos à execução, a exclusão da suspensividade nesse caso tem uma justificativa baseada no recebimento dos embargos do devedor, pois o mero recebimento dos embargos suspende a execução. Por consequência, se a apelação em face da sentença de improcedência também fosse dotada de efeito suspensivo, esse efeito obstaria à produção da eficácia sentencial, mantendo-se, portanto, suspensa a execução. [18] Por isso, a lei expressamente dispôs em contrário, negando suspensividade à apelação, ela permite que retome sua marcha a execução embargada pelo devedor. Para o autor, não há efeito executivo antecipado da decisão que rejeita os embargos. O efeito executivo que fora suspenso pelo recebimento dos embargos, e que recomeça a produzir-se apesar da interposição da apelação, é da sentença proferida no processo de conhecimento (ou decorrente do título extrajudicial). A sentença que julga improcedentes os embargos é declaratória negativa, e, portanto, despojada de executividade. O seu efeito, que se antecipa ao trânsito em julgado, é precisamente o de configurar como infundada a pretensão do devedor embargante, mantendo intacta a eficácia do título executivo que os embargos visavam a coibir. Quanto ao art. 995 do CPC/2015, toda decisão recorrível tem eficácia imediata, ainda que o recurso não tenha, ainda, sido interposto. Assim, o efeito imediato da decisão é a regra; a suspensão desses efeitos, a exceção.[19] O art. 995 prevê que a regra é que qualquer recurso somente tenha devolutivo. Para que haja o suspensivo, deve haver o cumprimento do parágrafo único do art. 995. É exatamente o inverso do CPC/73, que, sempre quando a lei silenciasse, ao recurso deveria ser conferido efeito suspensivo. Flávio Cheim Jorge indica que a expressão “efeito suspensivo” pode dar a impressão de que a interposição do recurso quem faz cessar a eficácia da decisão, quando, de fato, a decisão já não produz qualquer efeito desde que publicada. O que há são decisões que têm eficácia imediata, e decisões que não produzem efeitos imediatos, estado este que é simplesmente prolongado pela interposição do recurso. De todo modo, além de ser expressão consagrada na prática, é a própria lei que, em certas ocasiões, se refere ao “efeito suspensivo”, como no art. 1.012 caput § 3.[20] Em resumo, conforme demonstramos, pela regra geral do CPC/20215, o efeito comum a todos os recursos é o devolutivo, sendo o suspensivo uma exceção, havendo, por conseguinte, os efeitos antecipados da sentença. Porém na Apelação do CPC/2015 há uma dupla atuação desses fenômenos. Em regra, pelo caput do art. 1.012, a Apelação é recebida no duplo efeito. Porém no parágrafo único, o código indica as hipóteses em que esse recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, ou seja com a eficácia plena da sentença. Uma dessas hipóteses é exatamente a examinada neste estudo, relativa à apelação interposta em virtude de sentença que julga improcedente os embargos à execução. Em face da relevância desse tema cabe destacar em um tópico especificamente sobre os efeitos da Apelação. 1.4 Efeitos na Apelação Segundo José Carlos Barbosa Moreira, para quem a Apelação não produz efeito suspensivo, mas apenas devolutivo, nas hipóteses arroladas no art. 520 do CPC/73 (art. 1.012 do CPC/15), existe a previsão quando a Apelação interposto em virtude de sentença de denegou provimento a Embargos à Execução.[21] A apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença rejeitar liminarmente ou julgar improcedentes embargos opostos, pelo devedor ou pelo responsável a ele equiparado, não terceiro, à execução, quer de sentença, quer de título extrajudicial.[22] Contrariando a regra de que os recursos só têm efeito devolutivo, o art. 1.012 confere a Apelação, impreterivelmente (“terá”), o efeito suspensivo, mas condiciona essa circunstância ao pedido do Apelante. Para Nelson Nery, o efeito suspensivo só deve ser concedido mediante requerimento do apelante, razão pela qual deixou de ser matéria de ordem pública, conhecível ex officio. Para o autor, não se coloca mais a questão da suspensividade como efeito inerente à recorribilidade da apelação.[23] Nessa linha, conclui que, quanto ao art. 1.012, o julgamento de improcedência dos embargos do executado confirma a higidez do título executivo que aparelha a execução, de sorte que a apelação contra referida sentença deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, prosseguindo-se na execução. [24] Esse entendimento está alinhado à previsão de que a Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente os embargos à execução somente é recebida no efeito suspensivo, com eficácia imediata após seu proferimento, conforme prevê o § 1º do art. 1.012 do CPC-15. Por outro lado, o art. 1.012 § 4º do CPC/2015 traz a possibilidade de concessão de efeito suspensivo pelo relator se o apelante demonstrar probabilidade de recurso, ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. 2 TUTELAS PROVISÓRIAS Para falarmos de tutela provisória, balizamos nossas considerações na lição de Piero Calamandrei, para quem a tutela cautelar insere-se exclusivamente no plano processual, como o direito do Estado à seriedade da função jurisdicional que a exerce, o que permite apontar no sentido de uma medida antecipatória tenha natureza cautelar.[25] O autor italiano viu na provisoriedade do provimento tomado sob cognição sumária o traço decisivo de caraterização da tutela cautelar. Para Calamandrei, o critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, de um lado, dos provimentos classificativos, de outro, não é só a atividade do juiz. Sob esse ponto de vista, o provimento cautelar é uma “unita” – daí a razão pela qual a tutela cautelar não é considerada um tertium genus, suscetível de contraposição à tutela de conhecimento e à tutela executiva. O critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, numa ponta, dos provimentos de conhecimento e de execução, em outra, é o critério da estrutura dos provimentos de cognição, execução e cautelar.[26] Enquanto os provimentos de conhecimento e de execução são definitivos, os provimentos cautelares são provisórios. Essa a nota conceitual que singulariza o provimento cautelar na ótica de Calamandrei – a estrutura provisória do provimento. Do ponto de vista funcional, o provimento cautelar em visa a assegurar que o processo não venha a sofrer um “dano jurídico”, ocasionando por um perigo de tardança, ou por um perigo de infrutuosidade da tutela jurisdicional, enquanto pendente o processo de conhecimento ou de execução ou quando quaisquer dessas atividades de encontrem prestes a iniciar. O jurista italiano ensina que o provimento cautelar constitui proteção provisória emprestada aos processos de conhecimento e de execução. Por isso, trata-se do instrumento do instrumento – e, como tal, constitui o resultado do exercício de uma mera ação, sem amparo em qualquer espécie de “diritto sostanziale di cautela”.[27] Nesse sentido, Calamandrei nega que o provimento cautelar constitua uma proteção ao direito da parte. Nessa linha, pouco importa a satisfatividade ou não do provimento para caracterização da função cautelar. Os provimentos cautelares podem ser tanto assecuratórios como satisfativos – tanto é assim que ele entendida como cautelares os provimentos antecipatórios da decisão final de mérito do processo de conhecimento. Dentro desse quadro teórico, Piero Calamandrei indica que a tutela jurisdicional prestada sob cognição sumária sempre foi afeiçoada à tutela cautelar. O autor italiano não estabelecia qualquer diferença entre tutela cautelar e tutela satisfativa – já que, diante do critério da provisoriedade, em ambos os casos poder-se-ia cogitar de tutela cautelar.[28] Daí se passou a compreender toda tutela sumária como tutela cautelar e, como tal, vinculada à proteção contra o periculum in mora. Assim, segundo Calamandrei (2000:25), a tutela cautelar assume a função de neutralizar provisoriamente o perigo de dano capaz de frustrar o resultado útil do exercício da jurisdição – ou seja, o resultado útil do processo principal. Calamandrei serve-se do conceito de “mera azione” e, com isso, transforma o direito material à segurança em posição jurídica ligada ao Estado e não à pessoa. 2.1 Tutelas de urgência – cautelar e antecipada A doutrina brasileira, sob forte influência da doutrina de Calamandrei, destaca nas medidas cautelares a “provisoriedade”, concebendo-as, pois, como acessórias, que visam a evitar males ao processo, isto é, têm por objetivo “garantir o resultado útil da função de conhecimento ou de execução”, e que a antecipação de tutela é espécie de tutela cautelar, atuando apenas em função da garantia do provimento definitivo, sendo impossível conceber por essa razão qualquer espécie de direito material à cautela.[29] Para Ovídio Baptista da Silva a tutela cautelar apenas assegura a possibilidade de fruição eventual e futura do direito acautelado, ao passo que a tutela antecipada desde logo possibilita a imediata realização do direito. Nessa linha, a satisfatividade converte-se em um “requisito negativo da tutela cautelar”. Segundo Ovídio Baptista, a tutela cautelar é a tutela sumária que visa a combater, mediante providência mandamental, o perigo de infrutuosidade do direito de forma temporária e preventiva.[30] A cautelar não tem por objetivo atacar o perigo da demora da prestação jurisdicional, nem prestar tutela a outro processo. Já a tutela antecipada tem por função combater o perigo de tardança do provimento jurisdicional compondo a situação litigiosa entre as partes provisoriamente. Dessa forma, Ovídio Baptista da Silva destaca a diferença quanto a estrutura à função: para caracterização da tutela cautelar, tira o foco da provisoriedade do provimento e coloca-o na satisfação ou simples asseguração do direito.[31] Logo, para Ovídio Baptista da Silva, a tutela sumária passa a ser entendida como tutela de urgência, gênero no qual se inserem a tutela cautelar, a tutela satisfativa de urgência autônoma e a tutela satisfativa (tutela antecipada). Por conta das lições de Ovídio, o sistema processual brasileiro passou a distinguir a tutela cautelar e a antecipação de tutela. Baseado na lição de Ovídio Baptista da Silva, Daniel Mitidiero parte do pressuposto de que as tutelas cautelares e satisfativas não se confundem, destacando que a técnica antecipatória não tem por função simplesmente compor o perigo de tardança do provimento jurisdicional.[32] A técnica antecipatória pode prestar tutela satisfativa ou cautelar em face da urgência. Nessa linha, visa a realizar ou acautelar um direito diante do perigo de tardança. A tutela satisfativa e cautelar são tutelas jurisdicionais do direito, oriundas do plano do direito material e são realizáveis, quando há ameaça ou efetiva crise de colaboração entre as partes, mediante a tutela jurisdicional. Já a técnica antecipatória é simples meio para antecipação de resultados. [33] Dessa maneira, podemos dizer que a tutela cautelar incide sobre algo que é reparável (o dano), enquanto a antecipação de tutela incide sobre o objeto que é, em essência, irreparável (tempo).[34] Cássio Scarpinella Bueno destaca que a distinção entre ambas recai sobre a aptidão da tutela provisória satisfazer ou apenas assegurar o direito do requerente. Satisfazendo-o, é antecipada; assegurando-o, é cautelar.[35] 2.2 Requisitos para concessão de tutela de urgência O CPC/2015, ao tratar dos requisitos da tutela de urgência, abandonou a necessidade de existência de “prova inequívoca” para convencer o juiz da “verossimilhança da alegação” para a concessão da tutela, para adotar o conceito de probabilidade do direito, autorizando o juiz a conceder as tutelas de urgência, com base na cognição sumária, ou seja, ouvindo apenas uma das partes ou então fundado em quadros probatórios incompletos (sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato).[36] A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder “tutela provisória”. Para caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador indicou como requisito o “perigo de dano” ou o “risco ao resultado útil do processo”. Identificados os requisitos para a concessão de tutela de urgência: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, passaremos a analisar a utilização deles para a suspensão dos efeitos da sentença proferida em embargos, nos termos do art. 1.012 § 4º. 2.3 Tutela provisória no âmbito recursal – Apelação A competência para outorgar tutela jurisdicional satisfativa ou cautelar em seara recursal ao tribunal competente para examinar o mérito do recurso é prevista pelo art. 299 do CPC/2015. No mesmo sentido, o art. 932, inciso II, dispõe que o relator também deverá apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; tutela essa que pode ser concedida em qualquer tempo e grau de jurisdição. A outorga de efeito suspensivo constitui hipótese de antecipação de tutela recursal: quer-se suspender a eficácia imediata da sentença.[37] Nos casos em que o recurso não tenha efeito suspensivo automático (ope legis), é possível que o relator profira decisão no sentido de sustar a eficácia da decisão (ope judicis). Para tanto, deve o recorrente demonstrar que a imediata produção de efeitos pode causar dano grave, de difícil ou impossível reparação, e a probabilidade de que o recurso venha a ser provido. Por essa sistemática, torna-se desnecessário ajuizamento de ação cautelar inominada para a atribuição de efeito suspensivo a recurso, razão pela qual o novo CPC não manteve a regra constante do art. 800 do CPC/73. Quanto ao efeito suspensivo excepcional, autorizado pelo § 1º do art. 1.012, tanto o relator monocraticamente quanto o tribunal podem conferir o efeito suspensivo à Apelação, verificados os requisitos indicados (probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação).[38] O recorrente deverá fazer pedido expresso de concessão do efeito suspensivo junto ao Tribunal, em petição autônoma (art. 1.012 § 3º). Este, por sua vez, só acolherá o pedido e suspenderá os efeitos em caso de probabilidade de provimento do recurso (tutela de evidência: fumus boni iuris) ou de risco de dano gravo de difícil reparação (tutela da urgência: periculum in mora), nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015: “Art. 1.012.  … § 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1o poderá ser formulado por requerimento dirigido ao: I – tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la; II – relator, se já distribuída a apelação. § 4o Nas hipóteses do § 1o, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.” A interpretação literal do referido dispositivo indica que basta um dos requisitos, o que está em desacordo com os demais dispositivos do CPC que tratam dessa matéria (um “ou” outro). A primeira, “demonstração de probabilidade de provimento do recurso”, há, para o autor, uma espécie de tutela evidência para fins de atribuição desse efeito. Ou seja, demonstrada a probabilidade de êxito do recurso, seja porque a decisão apelada hostiliza jurisprudência sumulada ou firmada em julgamento em sede de repetitivo, além das outras hipóteses do art. 311, sendo evidente o êxito, poderá pretender a suspensão da eficácia da sentença. Quanto à segunda, se relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação. Nessa segunda hipótese estamos diante de preção de natureza típica de tutela de urgência, pois se exige, para a suspensão de eficácia da sentença, a demonstração conjunta da relevância da fundamentação (avalia-se o quão relevante é a pretensão recursal, algo assemelhado à aparência do bom direito), e o risco de que, se for passível de cumprimento desde sua publicação, a sentença poderá gerar dano irreparável ou de difícil reparação. William Santos Ferreira expõe que o efeito suspensivo também é uma forma de antecipação da tutela recursal, porque o relator, ao analisar “a relevância da fundamentação” do recurso, realiza um juízo provisório e antecipado sobre o que provavelmente será decidido pelo órgão colegiado. Não se pode esquecer que um dos principais efeitos do provimento do recurso é a substituição da decisão impugnada, tendo, como consequência, o encerramento dos efeitos desta. Logo, a obtenção do “efeito suspensivo” é uma das facetas da antecipação da tutela recursal, com requisitos e objetivos similares, para não dizer idênticos, aos da tutela antecipada.[39] No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno expõe que efeito suspensivo, no sentido de suspender os efeitos da decisão recorrida, remete a função da tutela cautelar, de evitar riscos, assegurando a fruição futura da pretensão, ainda que recursal. Já o efeito suspensivo ativo, por seu turno, é inequívoca manifestação de tutela antecipada, no sentido de viabilizar, de imediato, a fruição da pretensão recursal.[40] Com base na lição acima, é viável a utilização de tutela de urgência no âmbito recursal para fins de concessão de efeito suspensivo na Apelação que foi interposta contra sentença que julgou improcedente os Embargos à Execução Fiscal. Para a concessão desse efeito suspensivo, os requisitos para a tutela provisório no âmbito recursal são o provimento do recurso ou de risco de dano gravo de difícil reparação. 3 RISCO DE DANO IRREPARÁVEL NA EXECUÇÃO ANTECIPADA DO SEGURO GARANTIA Conforme já destacamos, na execução de títulos extrajudiciais, como a Certidão de Dívida Ativa, os embargos não têm efeito suspensivo automático, podendo esses podem ser atribuídos pelo magistrado. Conforme o já transcrito art. 1.012, podemos afirmar que o seguro-garantia está sujeito à excussão a partir da sentença de improcedência dos embargos à execução fiscal, eis que dotada de executividade imediata. Desta forma, assim que acionada a garantia pelo MM. Juízo, haverá sua liquidação ainda que pendente o julgamento definitivo. Com o seguro garantia judicial, o juízo e a Fazenda Pública não correm o risco de solvabilidade do Executado, muito menos se condiciona a apólice a qualquer pagamento de prêmio entre o Executado e a Seguradora. Isto é, sempre haverá o pagamento da apólice pela seguradora, ainda que haja falta de pagamento do prêmio não se aplicam ao seguro garantia judicial, pois mesmo a impontualidade no pagamento do prêmio, por parte da empresa, não afeta a solidez do contrato que continuará vigente. Ainda que o prêmio não seja pago, a Seguradora manterá e quitará a garantia. A Circular nº 477 da SUSEP regulamenta a forma de cobrança do prêmio através da execução do contrato de contra garantia firmado com o Tomador, sem que isso afete o objeto do contrato que é a obrigação de pagamento da indenização ao segurado no caso de sinistro. A apólice não poderá ser cancelada por tal motivo. Cumpre a seguradora, neste caso, cobrar o valor do respectivo prêmio diretamente do tomador, sem qualquer prejuízo ao segurado. Nestes casos a apólice continua vigente e caberá a Seguradora, tão somente, executar o prêmio que lhe é devido diretamente em face do Tomador, sem que isto implique qualquer alteração ou cancelamento da garantia devida ao Segurado. Logo, é visível que há um risco de dano irreparável que incorrerá caso haja o prosseguimento da ação executiva, como no art. 1.012 § 1º, quando a sentença julgar improcedente os embargos à execução, pois haverá a liquidação da garantia em qualquer hipótese. Desse modo, a importância da concessão de efeito suspensivo na Apelação pelo relator, conforme garantida pelo art. 299 do CPC/2015, o qual estabelece a competência para outorgar tutela jurisdicional satisfativa ou cautelar em seara recursal ao tribunal competente para examinar o mérito do recurso. No mesmo sentido, pelo art. 932 inciso II, o relator também deverá apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; tutela essa que pode ser concedida em qualquer tempo e grau de jurisdição. Trata-se de uma concessão de natureza típica de tutela de urgência, pois há a demonstração do risco de que, se for passível de cumprimento desde sua publicação, a sentença poderá gerar dano irreparável ou de difícil reparação. Resta claro que é possível a concessão do efeito suspensivo, como tutela provisória antecipada no âmbito recursal, para impedir que haja os efeitos imediatos na execução provisória da garantia em fiança ou em seguro garantia. Assim, a empresa deve fazer pedido expresso de concessão do efeito suspensivo junto ao Tribunal, em petição autônoma, pois há de risco de dano gravo de difícil reparação, quando a execução da garantia do seguro-garantia, nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015. Portanto, há a possibilidade de concessão de efeito suspensivo na Apelação interposta quando de sentença improcedência de embargos, quando está for garantida por seguro-garantia ou fiança, por expresso risco de perigo de dano pela execução desse seguro-garantia. 4 PREVISÃO DO ART. 32 DA LEF Outra possibilidade para evitar a execução provisória da ação executiva garantida por seguro-garantia é observar o art. 32 de LEF, que especificamente trata do depósito, mas pode ser estendido ao seguro-garantia. O depósito de que cuida o art. 32 § 2º é o meio legal para garantia da execução, sob a modalidade de caução, sem formalidades acessórias, ou que prolonguem o curso dos Embargos. Não é depósito liberatório, a título de pagamento, mas para conferir condição de admissibilidade da defesa dentro do prazo legal.[41] O depósito em dinheiro tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito, nos temos do art. 151, inciso II, do CTN.[42] O efeito suspensivo do recurso de apelação contra a sentença que julga os embargos só se manifesta efetivamente quando há dinheiro depositado para a segurança do juízo da execução.[43] Isso decorre da regra especial do art. 32 § 2º da LEF, que cria um regime específico para o executivo fiscal, visto que somente permite à Fazenda Pública levantar as importâncias depositadas judicialmente “após o trânsito em julgado”. Humberto Theodor Junior indica que a explicação desse rigorismo se deve à dificuldade que o devedor terá de enfrentar para reaver as importâncias embolsadas pela Fazenda Pública, caso saia vitorioso em seu recurso.[44] Daí decorreria a cautela legal de apenas permitir o levantamento de todos os depósitos judiciais verificados na execução fiscal depois de consolidada a sentença pelo trânsito em julgado. Para corroborar a impossibilidade de executar o título extrajudicial quando ainda pendente o julgamento da apelação sem efeito suspensivo, Humberto Teodoro Júnior destaca que o art. 32 § 2º da Lei n. 6.830/80 condiciona à coisa julgada a entrega à Fazenda Pública do dinheiro depositado judicialmente para segurança do juízo.[45] No caso de garantia da execução fiscal por meio de fiança bancária ou seguro garantia, o regime de satisfação da Fazenda exequente é o mesmo do art. 32 § 2º da LEF. Isto é, somente após o trânsito em julgado, poderá a credora obter o levantamento do valor que o banco fiador houver depositado em juízo, para cumprir a garantia judicial prestada. Portanto, pelo entendimento de Humberto Theodoro Júnior deve haver a aplicação do art. 32 da LEF para o seguro garantia e a fiança, para quem a execução provisória está condicionada ao trânsito em julgado do processo. CONCLUSÃO O efeito suspensivo dos recursos, que impede a produção imediata dos efeitos da decisão, não é verificável automaticamente no recurso de apelação em face de sentença de improcedência dos embargos à execução fiscal, de modo que é possível a produção antecipada dos efeitos da sentença, ou seja, a execução provisória da sentença. Essa é a própria regra geral do CPC/2015, ou seja, é a eficácia imediata das decisões judiciais, não possuindo efeito suspensivo automático, salvo previsão legal em contrário, como na Apelação. Apesar disso, a própria legislação processual civil prevê hipóteses em que é possível a atribuição de efeito suspensivo à Apelação, tendo como requisitos: a probabilidade do direito e o risco de dano ou de difícil reparação quando há execução provisória. Os requisitos para a tutela provisória no âmbito recursal na Apelação, são alternativos: probabilidade do direito ou perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Para impedir a execução provisória da ação executiva do seguro-garantia, demonstra-se que o haverá o perigo de dano ao processo, pois essa garantia é plenamente líquida, conforme a legislação civil de regência, notadamente a Circular SUSEP n. 447/2013. Isso porque, uma vez quitado o débito, a Seguradora se subroga nos direitos do credor, podendo cobrar do devedor-segurado, em ação civil regressiva, o valor relativo ao pagamento do prémio, acrescido de prémio, juros e acréscimos contratuais. Paralelamente, pode ser o recurso de apelação provido e anulado o crédito tributário, o que evidencia o prejuízo ao executado, o qual pode valer-se da tutela provisória recursal com o fim de atribuir, ope iudicis, efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença que negou provimento a embargos à execução fiscal, nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015. Dessa forma, o provimento judicial suspensivo determinará que essa garantia somente seja executada após o trânsito em julgado, em analogia ao art. 32 § 4º da LEF, que limita o levantamento da garantia em depósito após esse trânsito em julgado, o que é possível em razão da equiparação jurídica do seguro-garantia ao depósito. Portanto, a possibilidade legal de execução provisória do seguro-garantia deve ceder lugar à observância ao trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal a partir da interpretação conjugada dos dispositivos processuais que asseguram a tutela provisória recursal com o regime jurídico especial do processo executivo fiscal.
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O imposto extraordinário
O imposto extraordinário foi criado em razão da premente urgência dos Estados em conseguir importante fonte de renda para fazer frente aos gastos decorrentes de conflito armado declarado, cessando a sua cobrança quando posta à termo a conflagração armada. O desenvolvimento do instituto remonta à Inglaterra quando enfrentava as forças napoleônicas e durante as duas Guerras Mundiais. No Brasil, há exemplo da Europa, prevê, em seu art. 76 do Código Tributário Nacional, bem como na Carta Magna de 1988, a previsão da instituição do imposto extraordinário está contida no art. 154, inciso II.
Direito Tributário
Introdução. O imposto extraordinário de guerra se trata de antiga exação instituída para ampliar os recursos do Estado no caso de guerra declarada ou na iminência de sua ocorrência. No mundo o imposto foi criado quando a Inglaterra se viu ameaçada pelas tropas de Napoleão Bonaparte. O imposto sempre foi importante para os países em guerra, como foi o caso da Europa durante as duas Grandes Guerras Mundiais. No Brasil há a previsão, tanto no Código Tributário Nacional, quanto na Constituição Federal de 1988, da instituição do imposto extraordinário. Entretanto, importantes considerações se fazem necessárias quanto à sua periodicidade e à sua instituição por medida provisória.  1. O Imposto Extraordinário e sua evolução histórica no mundo A Inglaterra, quando se viu cercada pelos exércitos de Napoleão Bonaparte, instituiu o imposto de renda para financiar suas forças armadas e repelir os franceses. O imposto deixou de ser cobrado ao final do conflito. O Parlamento Inglês, quando da apresentação de novo projeto de lei sobre a taxação da renda, em 1918, de autoria de Lord Finllay[1] (Lord Chancellor), expôs a necessidade da retomada desse tipo de imposto para a reconstrução de seu país após o término da Primeira Grande Guerra: “The Income Tax is a great weapon for war as well as for peace. It won the Napoleonic War for us, and it will win the still greater struggle in which we are now engaged; and I think that all of us must recognise that, whatever aspirations have been entertained in the past with regard to the Income Tax being only of a temporary nature, it must now be regarded as a permanent part of our fiscal system. The tax was introduced as a war tax in 1799 by Mr. Pitt”. Em 1º de julho de 1916, a França instituiu a contribuição extraordinária de guerra[2], que teria como motivação “os benefícios excepcionais e suplementares realizados durante a guerra”. Trata-se de imposto criado para tributar as empresas, que durante o curso da guerra, tiveram ganhos expressivos com a venda de armamentos e suprimentos ao exército francês. A Confederação Suíça, igualmente aos demais citados países, chegou a discutir a criação de um imposto extraordinário para cobrir as despesas militares durante as duas guerras mundiais. Foi instituído o “impôt de guerre" (1916-1917), "nouvel impôt de guerre extraordinaire" (1921-1932), "taxe de crise" (1934-1940) e o "impôt de défense nationale” a partir de 1941[3]. O imposto extraordinário, portanto, é exação sempre presente em períodos de conflito bélico, sendo importante fonte de recursos para o Estado em momentos de grande urgência. 2. O Imposto Extraordinário e sua evolução no Brasil O Legislador repetiu no Código Tributário Nacional tradição iniciada pela Constituição Federal de 1946. O Constituinte de 1946[4], claramente impressionado com as consequências trágicas – sejam elas humanas ou materiais – ocorridas durante e depois da Segunda Guerra Mundial, instituiu tributação, de competência da União, com a finalidade de obter recursos para fazer frente aos gastos despendidos no curso do conflito bélico. De acordo com o artigo 15º, §6º, da Constituição Federal de 1946[5][6], a União somente teria autorização para instituir o imposto extraordinário em duas situações bem delineadas pelo conteúdo da norma: na iminência de guerra ou na situação de declarada beligerância entre o Brasil e outro país qualquer. Já no que tange ao aspecto temporal, também previsto na norma constitucional, o Legislador Originário determinou, passados cinco anos contados da data da assinatura da paz, a cessação da cobrança do imposto extraordinário. O Código Tributário Nacional, reproduzindo em parte o artigo da Constituição de 1946, em seu artigo 76, também faculta à União a instituição da exação em comento: “Art. 76. Na iminência ou no caso de guerra externa, a União pode instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos ou não entre os referidos nesta Lei, suprimidos, gradativamente, no prazo máximo de cinco anos, contados da celebração da paz.” A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 23, de igual maneira que a Carta de 1946, previu a possibilidade de instituição do imposto extraordinário. Contudo, deixou de lado a necessidade de se aguardar cinco anos após a assinatura da paz para cessar a cobrança da exação, bastando, somente, que as causas de sua criação deixassem de existir. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 1/69[7], que alterou sensivelmente a Constituição Federal de 1967, os impostos extraordinários foram mantidos no ordenamento constitucional. O imposto extraordinário, conforme alguns doutrinadores, como Ricardo Lobo Torres[8], nem chegaria a fazer parte do sistema constitucional tributário, tendo em vista sua temporalidade e sua situação especialíssima. Contrapondo a ideia acima, Antônio Roque Carrazza afirma que os impostos extraordinários não são tributos sui generis, pois inexistentes no mundo jurídico, sendo, apenas, impostos[9].   Outros, como Paulo Lucena de Menezes[10], classificam os impostos como sendo ordinários e extraordinários. Os ordinários seriam aqueles onde se verifica o ingresso de receitas de forma periódica ao Estado, já os impostos que não detêm características de habitualidade, somente admitidos de forma emergencial, seriam os impostos extraordinários. 3. A Constituição de 1988 e o artigo 76 do Código Tributário Nacional A Constituição Federal de 1988, no artigo 154, inciso II[11], mantendo a tradição inaugurada na Constituição Federal de 1967, deixou de lado a necessidade de se observar o interregno de cinco anos após a assinatura de paz para deixar de cobrar o imposto extraordinário. Assim, o artigo 76 do Código Tributário Nacional foi derrogado pela Constituição quanto a esse requisito. Contudo, por mais que não seja mais necessário esperar a assinatura de paz, a Carta Suprema, como se vê no artigo 154, inciso II, determina a supressão do imposto de forma gradativa, ou seja, não foi estipulado um prazo para a extinção da cobrança ficando, assim, ao talante do Presidente da República e do Congresso Nacional estipular o momento que isso virá a ocorrer.   Conforme ensinamentos de Aliomar Baleeiro: “Não há qualquer sanção para compelir o Congresso a suprimir esse tributo temporário por definição. O texto, quase pleonástico, deixou o assunto ao discricionarismo do Presidente da República e do Congresso. O legislador provavelmente acreditou que a própria necessidade de reconversão das indústrias absorvidas pelo esforço bélico forçara a extinção dos impostos extraordinários, para liberação de recursos utilizáveis pelo setor privado, evitando, assim, a depressão econômica. Todavia, a experiência secular mostra que os governos raramente abandonam um imposto decretado como exceção numa emergência”[12]. Importante destacar que tanto a Constituição Federal de 1988, quanto o Código Tributário Nacional, não estipularam qual seria o fato gerador dos impostos extraordinários, sendo necessário, como único requisito para a sua instituição, por lei ordinária, a existência de guerra externa ou a sua iminência[13]. Como alerta Antônio Roque Carrazza[14], o imposto extraordinário não poderá ser instituído em caso de guerra intestina ou para rearmamento das Forças Armadas, com exceção se essa última se fizer necessária por motivo de conflito armado externo ou sua iminência. Amílcar Falcão assevera: “A exceção considera um interesse superior do Estado, ou da sua própria sobrevivência, e representa uma das referências especiais do direito público ao estado de necessidade”[15]. Aqui, tendo em vista acontecimentos recentes, em especial o terrorismo, cabe a ressalva quanto ao novo tipo de conflito inaugurado pela “Guerra ao Terror”[16], onde os Estados não são mais os contendores. O terrorismo não encontra paralelo com as guerras convencionais, assim, não haveria como interpretar extensivamente[17] a autorização constante do artigo 154, inciso II, da Constituição Federal, para a instituição do imposto extraordinário em casos semelhantes aos ataques desferidos às diferentes nações por grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.   Com relação à declaração formal de guerra, cabe ao Presidente da República, conforme a redação do artigo 84, inciso XIX, da Constituição Federal, declarar guerra desde que com autorização do Congresso Nacional ou referendado por ele, mesmo esse estando em recesso[18], conforme os artigos 49, inciso II, e 21, inciso II, da Constituição Federal. Já com relação à iminência de guerra, conforme Paulo de Lucena de Menezes, “(…) identifica o período que antecede uma guerra previsível, aguardada, mas ainda não declarada formalmente ou iniciada no plano concreto” [19]. A medida de urgência enfrentada pelo Estado resulta no alargamento da competência tributária da União[20], ficando autorizado, pela regra ínsita no artigo 154, inciso II, da Carta Magna, a última, a instituir quaisquer impostos, mesmo aqueles originalmente reservados aos demais entes políticos. Contudo, nada impede que tais tributos sejam cobrados cumulativamente, ocorrendo a bitributação[21]. Paulo de Barros Carvalho aduz que: “Satisfeito o pressuposto, o legislador federal poderá editar normas jurídicas que venham a instituir impostos, fora ou dentro de seu âmbito de competência, isto é, poderá servir-se daquelas exações que foram concedidas, inicialmente, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o que caracterizaria hipótese de bitributação constitucionalmente autorizada, como também de sua própria competência, resultando na constitucionalidade de especificas situações de bis in idem”[22].    Os princípios constitucionais tributários, com exceção do princípio da anterioridade e do princípio das competências originárias, devem ser observados pela União quando da criação dos impostos extraordinários[23]. Considerações Finais Em caso de conflito armado, a Constituição Federal, em seu artigo 148, inciso I[24], e o Código Tributário Nacional, artigo 15, inciso I[25], autorizam, além dos impostos extraordinários, a instituição, por lei complementar, de empréstimo compulsório com o fim de fazer frente aos gastos decorrentes de guerra externa. Conclui-se, assim, que os impostos extraordinários são de suma importância ao Estado em caso de beligerância externa, sendo fonte de receita para o rearmamento de suas Forças Armadas e reconstrução do país após o fim das hostilidades.
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A possibilidade de inclusão de tributos retidos na fonte no PERT
O presente trabalho realiza o estudo da Medida Provisória n.º 783, publicada em 31 de maio de 2017, que instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O tema central abordado é a análise quanto à possibilidade de inclusão de tributos retidos na fonte no PERT à luz da referida Medida Provisória. Tal tema possui relevantes contornos que serão esmiuçados ao longo deste estudo, trazendo o posicionamento judicial acerca do assunto que tanto interessa aos contribuintes, ao fisco e ao judiciário brasileiro.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Medida Provisória n.º 783, publicada em 31 de maio de 2017, (“MP n.º 783/2017”) instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária, chamado de “PERT”. O presente artigo pretende trazer à baila o art. 11 da MP n.º 783/2017, que trata da vedação à concessão de parcelamento de débitos relativos a tributos passíveis de retenção na fonte. O referido dispositivo impediria a inclusão de qualquer débito tributário sujeito à retenção no PERT? Para responder tal indagação, far-se-á primeiramente a análise do dispositivo legal que versa sobre o tema e suas regulamentações, à luz do Código Tributário Nacional, abordando a forma como o Poder Judiciário vem começando a enfrentar essa questão que é tão nova nos debates jurídicos atuais. 1. Medida Provisória n.º 783 de 31 de maio de 2017 e a baixa adesão ao PERT A Medida Provisória n.º 783, publicada em 31 de maio de 2017, (“MP n.º 783/2017”) instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária, chamado de “PERT”. O referido Programa foi regulamentado pela Receita Federal do Brasil por meio da Instrução Normativa RFB n.º 1.711/2017 e, no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, pela Portaria PGFN n.º 690/2017. De acordo com a MP n.º 783/2017, o contribuinte pode optar por uma dentre as várias modalidades de pagamento de seus débitos, que, em suma, resumem-se em: (i) pagamento à vista de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do valor da dívida (em 5 parcelas mensais) e o restante de forma fracionada, ou utilizando prejuízos fiscais; ou (ii) pagamento parcelado em até 120 (cento e vinte) prestações mensais. Até agora, de acordo com a Receita Federal, foram 66.946 adesões ao “novo Refis”[1]. Por ora, esse número está aquém das expectativas, porém, é esperado que aumente com a proximidade do término do prazo previsto para adesão ao PERT (até dia 31 de agosto de 2017), que, inclusive, pode não ser prorrogado com a conversão da MP n.º 783/2017 em lei. Diversos motivos para essa baixa adesão ao novo refinanciamento podem ser suscitados. Além da crise econômica que assola o país, podemos citar ainda a frustração dos contribuintes que esperavam um REFIS mais generoso, menos limitativo, e com um maior desconto de multas e juros[2]. 2. O PERT e a inclusão dos tributos retidos na fonte Nesse sentido, o PERT vem sofrendo pesadas críticas dos mais variados setores econômicos e especialistas da área, já que adotou uma postura mais conservadora e restritiva ao prever diversas limitações ao refinanciamento, como, por exemplo, a vedação à “concessão de parcelamento de débitos relativos a tributos passíveis de retenção na fonte” (art. 11 da MP n.º 783/2017)[3]. E nesse ponto, surge verdadeira discussão prática sobre o assunto, que vem sendo travada entre Fazenda Nacional e os diversos contribuintes nos Tribunais de todo o país. Explica-se. Como já mencionado, o PERT previu a possibilidade de o contribuinte efetuar o pagamento de seus débitos à vista ou de forma parcelada. Nesse sentido, caso os contribuintes escolham liquidar seu passivo tributário à vista, poderão incluir no PERT os débitos decorrentes de tributos sujeitos à retenção na fonte. Isto porque o já citado artigo 11, da MP n.º 783/2017, é expresso ao afirmar a impossibilidade de “concessão de parcelamento” aos débitos concernentes a tributos retidos na fonte. No entanto, a referida Medida Provisória não estendeu tal vedação ao pagamento à vista dos débitos, devendo a ausência de limitação ser interpretada, a contrario sensu, como uma autorização. E não poderia ser diferente, já que o art. 111 do Código Tributário Nacional[4] estabelece que a legislação tributária que versa sobre a suspensão ou exclusão do crédito tributário, como é o caso de parcelamento ou pagamento de tributos, deve ser interpretada literalmente. Desse modo, sendo certo que a MP n.º 783/2017 dispõe exatamente sobre parcelamento e quitação, não há espaço no universo semântico tributário para que seja realizada uma interpretação extensiva ou analógica dessa norma, estendendo a vedação da concessão de parcelamento de tributos retidos na fonte aos pagamentos realizados à vista no âmbito do PERT. Nos moldes do CTN, a interpretação deve ser literal e a literalidade da MP n.º 783/2017 é uma só: não podem ser concedidos parcelamentos aos débitos decorrentes de retenção na fonte, inexistindo qualquer previsão no mesmo sentido quando o pagamento for realizado à vista. Indo na contra mão desse entendimento, a Receita Federal estabeleceu, no artigo 2º, parágrafo único, inciso II, da Instrução Normativa n.º 1.711/2017 que “não podem ser liquidados na forma do PERT os débitos provenientes de tributos passíveis de retenção na fonte.” Ocorre que o referido dispositivo é eivado de ilegalidade, sendo mais abrangente do que a MP n.º 783/2017, já que essa somente veda o parcelamento dos débitos relativos aos tributos retidos na fonte, não proibindo o pagamento à vista, com as benesses concedidas pelo novel programa. Infere-se que a Instrução Normativa n.º 1.711/2017 extrapolou os parâmetros legais previstos na MP n.º 783/2017, extrapolando assim o poder regulamentar da Receita Federal. 3. O posicionamento do Poder Judiciário E como tem se posicionado o Judiciário diante de tal imbróglio? Uma indústria gaúcha obteve liminar, concedida pela juíza federal Ana Inés Algorta Latorre, da 14ª Vara Federal de Porto Alegre, permitindo, para pagamento à vista, a inclusão de débitos de tributos retidos na fonte no PERT. A magistrada entendeu que a Receita Federal "extrapolou seu poder de regulamentação ao restringir o aproveitamento do PERT". Contudo, muito recentemente, a decisão que concedia a referida liminar foi reformada por decisão da juíza federal substituta Clarides Rahmeier, também da 14ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, que acolheu a argumentação da PGFN, no sentido de que a Instrução Normativa n.º 1.711/17 apenas reforçou uma vedação que a MP n.º 783/2017 já trazia. A empresa ainda pode apresentar recurso. 4. Conclusão Assim, percebe-se que o tema trazido à baila é passível de intenso debate e ainda não se sabe qual será a posição adotada pelos Tribunais Superiores. O que se tem conhecimento é que os contribuintes têm fortes argumentos em mãos, sendo perfeitamente possível e salutar que levem a questão ao Poder Judiciário, poupando recursos e regularizando sua situação junto ao fisco, em cenário de aumento da carga tributária e grave crise econômica no país. Pelo exposto, conclui-se que, diversamente do que afirma a PGFN, é legal a inclusão dos débitos de tributos retidos na fonte no PERT, desde que o pagamento seja realizado à vista, mesmo que de modo fracionado, como autoriza a MP n.º 783/2017, podendo ser ajuizada ação sobre o tema, inexistindo, até o momento, jurisprudência pacífica sobre a questão ventilada.
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A tributação de publicidade na internet, v.o.d. e os três lemas do oráculo de Delfos
O presente artigo científico visa tratar da questão da tributação da publicidade na internet e V.O.D. (vídeo on demand) pela via de Instrução Normativa nº 95 da Ancine em detrimento do disposto no art. 150 da CRFB/1988. O texto perpassa pelo princípio da tipicidade, pela criação da CONDECINE na MP 2.228-01/01, pela sua recepção diante da E.C. 32 e pelo escopo do poder regulamentar das agências reguladoras, fazendo, por derradeiro, uma pequena analogia com um trecho da Odisseia de Homero e dos três lemas do Oráculo de Delfos na fase conclusiva.
Direito Tributário
OPINIÃO É cediço que o princípio da legalidade é um dos alicerces do estado democrático de direito, restando positivado no artigo 5º, II da CRFB/1988, aduzindo que “ninguém será obrigado a fazer algo ou deixar de fazer senão em virtude da lei”. Não obstante, na seara do Direito Tributário, pode-se dizer que ninguém será obrigado a cumprir um dever instrumental tributário que não tenha sido criado por meio de lei, pelo ente federativo competente. Apesar de parecer redundante para aqueles que possuem um olhar desatento, a construção acima possui uma diferença fundamental. A primeira assertiva traduz o espírito do art. 5º, inciso II da CRFB/1988, que é justamente o livre-arbítrio, na acepção de São Tomás de Aquino[1], segundo o qual a ação humana parte de um ato de vontade e razão, o qual pode ser limitado pela lei no Estado Democrático de Direito[2]. Por outro lado, o Direito Tributário funciona com a fórmula de que o tributo só poderá ser cobrado pelo Estado em virtude de lei, preconizando assim o princípio do “no taxation without representation” que historicamente já se encontrava implícito no Direito desde 1215 na Magna Carta Libertatum[3]. Dessa maneira, por meio de ato do legislativo, cria-se a lei (reserva de lei formal), e tal lei descreve o tipo tributário (reserva de lei material), que há de ser um conceito fechado, seguro, exato, rígido e reforçador da segurança jurídica “Art 150 CF. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios: I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.'' Dessarte, consoante ressaltado no artigo anterior intitulado “Jogo eletrônico não pode ser considerado obra audiovisual para fins tributários”, publicado pela Revista CONJUR em 13 de julho de 2017, vigora no Direito Tributário o famigerado princípio da estrita legalidade ou da tipicidade, porquanto a lei que instituiu o tributo deve prever todos os seus elementos descritivos, o fato imponível, além de preencher todos os elementos da hipótese de incidência. Observando assim os elementos que permitem a identificação do fato imponível (hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo), restando vedado o emprego de analogia pelo poder judiciário, e da discricionariedade por parte da administração pública. Ante o exposto, pode-se dizer que a legalidade para o direito tributário, é a exigência de lei para criar ou majorar tributos, ressalvadas as exceções constitucionais.      Pois bem. A Medida Provisória 2.228-01/01 que institui a CONDECINE, foi publicada em 06 de setembro de 2001, um pouco antes da publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001, em 11 de setembro de 2001 e introduziu o § 2º do art. 62 com as vedações de edição de medida provisória, especialmente em matéria “que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. Nesse diapasão, considerando essa diferença de 5 (cinco) dias da publicação da MP 2.228-01/01 em relação à publicação da E.C. 32, aplica-se o disposto no art. 2º da E.C 32, segundo o qual aduz que “as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. O que implica na conclusão de que a MP que criou a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE (art. 32), foi recepcionada pela Constituição Federal. E, portanto, obedece ao princípio da legalidade. “Art. 32. A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine terá por fato gerador: (Redação dada pela Lei nº 12.485, de 2011) (Produção de efeito) I – a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e vdeofonográficas com fins comerciais, por segmento de mercado a que forem destinadas; (incluído pela Lei nº 12.485, de 2011) (Produção de efeito) II – a prestação de serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais nos termos da lei que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado, listados no Anexo I desta Medida Provisória; (incluído pela Lei nº 12.485, de 2011) (Produção de efeito) III – a veiculação ou distribuição de obra audiovisual publicitária incluída em programação internacional, nos termos do inciso XIV do art. 1o desta Medida Provisória, nos casos em que existir participação direta de agência de publicidade nacional, sendo tributada nos mesmos valores atribuídos quando da veiculação incluída em programação nacional. (incluído pela Lei nº 12.485, de 2011) (Produção de efeito) Parágrafo único. A CONDECINE também incidirá sobre o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo.” Até aí tudo normal. Mas ainda não foi atingido o ponto fulcral deste artigo. Ultrapassada essa questão da constitucionalidade formal da MP 2.228-01/01, verifica-se que após a determinação do fato gerador da CONDECINE, o art. 33 estipula que a mesma será devida “para cada segmento de mercado”, confira-se. “Art. 33. “A Condecine será devida para cada segmento de mercado, por: (Redação dada pela Lei nº 12.485, de 2011) I – título ou capítulo de obra cinematográfica ou videofonográfica destinada aos seguintes segmentos de mercado: a) salas de exibição; b) vídeo doméstico, em qualquer suporte; c) serviço de radiodifusão de sons e imagens; d) serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura; e) outros mercados, conforme anexo”. Dito isto, significa dizer que os fatos geradores apostos no art. 32 da MP 2.228-01/01 são devidos, individualmente, para cada um dos segmentos de mercado dispostos no art. 33, supracitado. E aí começa o problema… A alínea “e” do referido art. 33, inciso I faz alusão a “outros mercados” e menciona expressamente o “anexo”. Porém, ao observar o tal anexo, o legislador não traz qualquer definição do que sejam “outros mercados”. Diferentemente do que ocorre no caso da “lista aberta” do imposto sobre serviços – ISS, o qual seu anexo contém o rol de serviços a serem tributados. Ainda pior é o tratamento das “obras publicitárias”, previstas noo inciso II que, sequer, estão arroladas no anexo, pois o tratamento não definido pelo legislador sobre os “outros mercados” inexiste no tocante às obras publicitárias, considerando que o próprio texto anexo as exclui de seu quadro de valores. Nesse ínterim, na tentativa de suprir o silêncio eloquente do legislador e suplantar a lacuna da lei, a IN nº 95, de 08 de dezembro de 2011 da Ancine, em seu art. 24, parágrafo 2º define o que seriam “outros mercados”. E, como se não bastasse, a IN nº. 134, de 09 de maio de 2017 da ANCINE, altera a IN nº 95, de 08 de dezembro de 2011 da Ancine, inclui no art. 24 o inciso V que contém a “Publicidade Audiovisual na Internet”. Ausculte-se. “Art. 24. A CONDECINE será devida uma vez a cada 12 (doze) meses, por título de obra audiovisual publicitária, por segmento de mercado audiovisual em que seja comunicada publicamente, conforme valor definido em regulamento pelo Poder Executivo Federal, nos termos do §5º do art. 33 da Medida Provisória 2.228-1, de 06 de setembro de 2001. (Alterado pelo art. 1º da Instrução Normativa nº 134) §1º Os segmentos de mercado audiovisual são os seguintes: I – Salas de Exibição; II – Radiodifusão de Sons e Imagens; III – Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura; IV – Vídeo Doméstico; e V – Outros Mercados. §2º Entende-se por Outros Mercados os seguintes segmentos: I – Vídeo por demanda; II – Audiovisual em mídias móveis; III – Audiovisual em transporte coletivo; e IV – Audiovisual em circuito restrito. V – Publicidade audiovisual na Internet”. (Incluído pelo art. 2º da Instrução Normativa nº 134) Ora, ao definir “outros mercados” por instrução normativa – que o legislador deveria colocar no anexo da MP 2.228-01/01, ou até mesmo no próprio corpo normativo –, a agência reguladora está, definitivamente e por vias transversas, instituindo tributos. Dito isso, cabe a indagação: compete à agência reguladora instituir tributos por instrução normativa? Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “nos limites da conceituação teórica, não há grande dificuldade em distinguir dois dos poderes fundamentais do Estado – o legiferante e o regulamentar. O primeiro é primário, porque se origina diretamente da Constituição na escala hierárquica dos atos normativos; o segundo é secundário, porque tem como fonte os atos derivados do poder legiferante”[4]. Na qualidade de ato administrativo, o ato regulamentar é subjacente à lei e deve pautar-se pelos limites desta. Em outras palavras, o escopo do regulamento é esmiuçar a lei sem extravazar seus contornos. Hely Lopes Meirelles[5], na mesma linha de raciocinio, sustenta que: “como ato inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringir ou extravasar da lei, é írrito e nulo, por caracterizar situação de ilegalidade”. Portanto, verifica-se que as agência reguladoras exercem função verdadeiramente regulamentadora, ou seja, estabelecem disciplina, de caráter complementar, com observância dos parâmetros existentes na lei que lhes transferiu aquela função. “O poder normativo técnico indica que essas autarquias recebem das respectivas leis, delegação para editar normas técnicas (não as normas básicas de política legislativa) complementares de caráter geral, retratando poder regulamentar mais amplo, porquanto tais normas se introduzem no ordenamento jurídico como direito novo (ius novum)”[6]. De modo que há no caso em tela clara violação ao princípio da tipicidade tributária e extrapolação do poder regulamentar, pois a lei é clara em se referir ao anexo e não a qualquer tipo de regulamento. Nessa toada, deve-se evitar que a sedução pelo ímpeto da realização de alguma política pública em razão de algum silêncio da atividade legiferante permita que seja extrapolado o poder regulamentar. De modo que seja reprimida a prática autoritária do administrador, por mais que tenha uma boa intenção ou uma ideia inovadora. A esse respeito cumpre mencionar que na Odisséia, o protagonista Ulisses optou por não se furtar de escutar o canto das sereias antes de passar por Cila e Caribde na jornada de volta para Ítaca; porém, teve que atravessar aquele trecho do mar com os braços e as pernas amarradas no mastro do navio para não sucumbir aos seus feitiços e perecer junto aos navegantes desafortunados que jaziam junto ao grande prado onde as sereias se encontravam[7]. A referida anedota traz à lembrança o famoso oráculo de Delfos, criado por Apolo, filho de Zeus, e que era uma peça fundamental para a tomada de decisões na Grécia Antiga nos séculos VI e IV a.c., e nele continham três lemas que se aplicam à hipótese em debate: “Conhece-te a ti mesmo”; “Nada em excesso”; e “Comprometer-se traz infelicidade”.
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Execução fiscal administrativa
A execução fiscal no Brasil ocorre em sua integralidade pela via judicial o que a torna morosa e ineficaz pelo excesso de formalismo exigido no processo judicial. É através dos tributos que o Estado brasileiro gera receita para fazer jus as demandas sociais por um país pobre e com profunda desigualdade financeiro-social. A ineficiência na cobrança dos tributos gera uma sobrecarga nos que não possuem meios de arcar com os custos de até dezesseis anos de uma demanda judicial. A execução fiscal administrativa mostra-se com meio célere, dinâmico e de baixo custo para a cobrança dos débitos fiscais.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Atualmente a execução fiscal no Brasil é regulada pela Lei 6.830/80 e realizada inteiramente pela via judicial. Ocorre que nos últimos anos há uma crescente dúvida quanto à eficiência do atual modelo. A execução fiscal administrativa, de acordo com o Projeto de Lei PL 2412/2007, se prestaria a desafogar o já tão congestionado Poder Judiciário, daria mais celeridade aos atos de execução e eficiência a cobrança do débito fiscal. Os argumentos para a elaboração do projeto de lei basearam-se em uma execução fiscal eficiente e eficaz combinada com uma prestação jurisdicional célere sem deixar de observar as garantias dos executados. Orientou-se, ainda, pela elaboração de um procedimento que propicie a conexão da fase administrativa de cobrança do crédito com fase judicial, ficando ao Poder Judiciário reservado o julgamento das demandas que possuam caráter patrimonial não elididas administrativamente. 1. A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL Segundo a Teoria do Contrato Social o homem, necessitando viver em sociedade, entrega todos seus direitos individuais à uma certa pessoa, o soberano, como se este fosse um administrador geral de todos os problemas. De acordo com Rousseau na sociedade contratualista cada um dando-se a todos não se dá a ninguém e com a junção do esforço conjunto haver mais força para conservar o que se tem. Consequentemente, apenas numa sociedade que não aliena ninguém e vive sob o princípio da igualdade de seus membros, dando total liberdade para cada um, não tem necessidade de ser imposta a vontade alheia. A autodeterminação de cada indivíduo, que livremente adere à sociedade contratualista, resulta em sujeitos livres que aliam-se a outros sujeitos igualmente livres, por vontade geral, criando um corpo social organizado.  A partir daí surgiu a noção moderna de Estado, tendo como função típica a organização social e prestação de serviços essências a todos. Tais serviços geram despesas e a solução encontrada para atender a tais despesas foi o tributo. Historicamente o termo tributo tem como definição prestação pecuniária ou bens, arrecadados pelo Estado com a finalidade de atender as despesas estatais. Modernamente, com o império do Estado Democrático de Direito, o tributo decorre de lei e é paga pelo cidadão para colaborar com o custeio das despesas coletivas. Segundo Luciano Amaro: “Tributar (de tribuere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal: o Estado tributa. O tributo (tributum) seria o resultado dessa ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos. Como súdito paga o tributo para o Estado, o verbo passou a designar também a ação de pagar tributo, dizendo-se tributário, contributário ou contribuinte aquele que paga o tributo ou que ‘contribuiu”. (AMARO, 2003, apud, SANTOS, 2006, p. 22.) O conceito de tributo foi introduzido no sistema tributário nacional no Código Tributário Nacional (CTN) em seu artigo 3º, nos seguintes termos: “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” Ser uma ‘prestação pecuniária compulsória’ significa que ocorrendo a hipótese tributaria haverá a obrigação do individuo de fazer o pagamento do tributo ao Estado. A compulsoriedade permite que o Estado exija o pagamento podendo se utilizar dos meios legais para a satisfação de seu crédito. O pagamento ‘em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir’ ratifica o fato do tributo ser uma prestação pecuniária que deva corresponder a uma prestação em dinheiro expressa em moeda corrente, sendo vedado seu pagamento in natura ou in labore. De acordo com o CTN o tributo pode ser pago em cheque ou vale postal ou em casos previstos em lei em estampilha, em papel selado ou processo mecânico. Só será receita tributaria a que advir de ato lícito decorrente de hipótese prevista em lei. Segundo Santos (2006, p.25) o legislador diferenciou hipótese tributaria de hipótese tributaria sancionatória sendo a primeira decorrente de ato licito e a segunda de ato ilícito distingundo-os o fato jurídico que lhe deu origem. A instituição em lei do tributo é decorrente do princípio da legalidade que veda os entes da federação brasileira exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça, como regra. O artigo 142 do CTN estabelece que Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. A cobrança tributária vincula e obriga o servidor que poderá ser responsável pelo não lançamento do tributo. Ressalta-se que o fato de pessoas de direito privado poderem arrecadar tributos não retira seu caráter vinculatório. Segundo o CTN e a Constituição Federal de 1988 (CF/88) são tributos: os impostos cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte; as taxas que têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição; as contribuições de melhorias instituídas para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado; os empréstimos compulsórios que tem o escopo de atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência e investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional; e as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses de categorias profissionais que funcionarão como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas. No Brasil o poder de tributar é dividido entre os entes da federação em face do princípio do federalismo, devendo cada ente limitar-se a sua parcela de competência. A CF/88 dá aos entes a competência para legislar em matéria tributária sendo essa competência indelegável, intransferível e irrenunciável. Não se deve confundir a competência com capacidade tributária, está sendo a delegação da função de arrecadar ou fiscalizar a outra pessoa de direito público. A competência tributária classifica-se em privativa, comum, residual e extraordinária. A competência privativa é o poder que tem todos os entes da federação para instituir os impostos elencados na Constituição Federal. É privativa, pois a Constituição enumera taxativamente os tributos que podem ser cobrados por cada ente. Ressalta-se que o empréstimo compulsório e as contribuições especiais encontram-se na competência privativa da União, as contribuições sociais para o custeio da previdência e assistência social de seus próprios servidores faz parte da competência privativa dos estados e por fim a contribuição de iluminação pública é de competência privativa dos municípios. A competência comum é o poder que tem a União, os estados, o DF e os municípios para instituir taxas e contribuições de melhoria no âmbito de suas respectivas atribuições. Aqui se insere a competência cumulativa que é o poder da União de instituir, nos territórios federais os impostos estaduais e caso o território não seja dividido em municípios os impostos municipais. Ao Distrito Federal cabe cumulativamente os impostos municipais e estaduais. De acordo com o artigo 154, I, da CF a União poderá instituir mediante lei complementar, impostos não previstos em sua competência privativa, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculos próprios dos já discriminados na própria Constituição Federal. Ademais o artigo 195, § 4º autoriza  que lei possa instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. Chama-se essa competência de residual. A competência extraordinária encontra-se no artigo 154, II, da CF e segundo ela a União poderá instituir na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação. Essa competência independe de outros impostos terem ou não fatos geradores já previstos na CF/88, sejam eles da própria União, dos estados ou municípios. Segundo alguns doutrinadores essa seria uma exceção a bitributação que é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, cabe mencionar que a competência tributária outorgada pela Constituição Federal é uma faculdade para os entes federativos, não sendo seu exercício obrigatório e de acordo com o artigo 8º do CTN “O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” Para que haja obrigação do cidadão de pagar o tributo, deve existir uma relação jurídica tributária entre ele e o Fisco. Essa relação une o sujeito ativo, a Fazenda Pública, ao sujeito passivo podendo ser o contribuinte ou o responsável tributário, em torno de uma obrigação pecuniária, a obrigação principal ou uma obrigação não pecuniária representada pela obrigação acessória tributária. Segundo Torres “Na relação jurídica tributária podem-se distinguir os seus aspectos substantivos (materiais) e administrativos (formais), o que constitui projeção da distinção entre o Direito Tributário Material e o Direito Tributário Formal. A relação jurídica tributaria material compreende os vínculos surgidos das leis que dispõe sobre os tributos. A relação formal abrange os vínculos decorrentes da lei sobre os deveres instrumentais e os procedimentos administrativos necessários a exigência do tributo […].”(TORRES, 2006, p.232) São inúmeras as relações jurídicas tributárias já que um mesmo contribuinte poderá ser sujeito passivo em face da União, estados e municípios. Esse mesmo contribuinte poder ser devedor de várias espécies tributarias simultaneamente. 2 O PROCESSO TRIBUTÁRIO O processo tributário brasileiro dar-se pelas vias administrativa e judicial. O processo administrativo tributário regula a prática dos atos da administração e do contribuinte no que se pode chamar de acertamento da relação tributária revisando o lançamento. Classifica-se em: impugnação de lançamento, restituição de tributo e consulta. Na impugnação de lançamento o contribuinte impugna, no prazo de 30 dias, o auto de infração ou o lançamento, instalando-se o contencioso administrativo. Na restituição cada tributo estabelece seu sistema em sua legislação. A consulta é a formulação sobre a legislação tributária aplicável a determinado fato seguindo o rito do contraditório. São diversos os processos tributários judiciais podendo ter natureza declaratória, constitutiva negativa ou mandamental. No Brasil prevalece o sistema de dualidade de jurisdições, ou seja, os tributos federais são julgados pela Justiça Federal e os tributos estaduais e municipais pela Justiça Estadual. A Ação Declaratória é proposta pelo contribuinte visando à declaração de existência ou inexistência do crédito tributário e segue o rito ordinário. A Ação Anulatória de Débito Fiscal visa a anulação de lançamento tributário e adota, igualmente a Ação Declaratória, o rito ordinário. Na Ação de Consignação em Pagamento de Débito Fiscal o sujeito passivo consigna judicialmente a importância do credito fiscal nos casos de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória, de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal e de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. Conforme Torres (2006, p. 352) a execução fiscal desde a época do Império possui legislação especial vigorando por mais de 30 anos o Decreto-lei número 960, de 1938. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil este passou a regular a execução fiscal até 1980 com o advento do atual sistema de execução fiscal regulado pela Lei 6830/80. De acordo com o artigo 201, do CTN, constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. A execução fiscal é ajuizada com base na certidão extraída dos livros de inscrição da dívida ativa. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída sendo a presunção relativa que pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. A execução fiscal se desenvolve com o despacho do juiz que determina, inicialmente, a citação, a penhora se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito ou fiança, arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar, registro da penhora ou do arresto e avaliação dos bens penhorados ou arrestados. De acordo com a Lei de Execuções Fiscais (LEF) a citação será para que no prazo de cinco dias, o executado pague a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução. De regra, a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção. A citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, dez dias após a entrega da carta à agência postal. Se o aviso de recepção não retornar no prazo de quinze dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por Oficial de Justiça ou por edital. A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: dinheiro, título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa, pedras e metais preciosos, imóveis, navios e aeronaves, veículos, móveis ou semoventes e direitos e ações. Poderá o devedor oferecer embargos no prazo de trinta dias quando irá formar-se um juízo cognitivo. O executado deverá garantir a execução com depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária, fiança bancária, nomeando bens à penhora ou indicando à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública. Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução. Nos embargos o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas. A reconvenção, a compensação, e as exceções, não são cabíveis, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos. Recebidos os embargos, o Juiz mandará intimar a Fazenda, para impugná-los no prazo de trinta dias, designando, em seguida, audiência de instrução e julgamento. Caso o executado não ofereça embargos ou estes sejam rejeitados, se inicia a fase expropriatória com o leilão dos bens penhorados ou com sua adjudicação pela Fazenda Pública. Nessa fase o juiz designará dia e hora para o leilão do bem penhorado através do edital de leilão e intimação. Se o bem não alcançar lance igual ou  superior a  avaliação será arrematado por quem oferecer quantia não inferior a 60% dessa avaliação em segundo leilão. A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados antes do leilão, pelo preço da avaliação ou depois do leilão, se não houver licitante, pelo preço da avaliação ou havendo licitantes, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta. Ressalta-se que, segundo pesquisa feita no ano de 2007 pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, do início do processo administrativo até o fim da execução fiscal leva-se em média 16 anos dividindo-se esse período em quatro anos e três meses na fase administrativa, sete anos no curso da execução fiscal, cinco anos discutindo os embargos a execução, verificando-se, no modelo atual, a existência de pelo menos três possibilidades de discussão do mesmo débito fiscal. 3 EXECUÇÃO FISCAL ADMINISTRATIVA Em quatro de abril de 2008 o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, apresentou a proposta do novo projeto de Execução Fiscal Administrativa ao Conselho Federal de Justiça. A proposta de Projeto de Lei foi então elaborada, num consenso entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e os Juízes Federais. O projeto de lei propõe a transferência para os órgãos da Fazenda Pública o encargo pela notificação, identificação do patrimônio penhorável do devedor e bloqueio temporário do bem, para assegurar sua posterior penhora na fase judicial, passando essas atividades a ter caráter administrativo tornando o processo mais rápido e eficaz. O projeto prevê, em seu artigo 4º, a criação do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes que será gerenciado pela Receita Federal do Brasil. Tal cadastro será o instrumento utilizado para verificar a situação patrimonial dos contribuintes, seja de bens móveis ou imóveis registrados pela União, Estados ou Municípios. O desejo de trazer a penhora administrativa para o âmbito da execução fiscal é antigo. Em 1999 o Senador Lúcio Alcântara apresentou os projetos de lei nº. 174/96 e nº. 608/99. O Senador Pedro Simon e o Deputado Celso Russomanno também apresentaram projetos que nunca prosperaram. Segundo Prudente a execução fiscal administrativa é juridicamente possível ante aos atributos dos atos administrativos, que segundo a melhor doutrina, se revestem da presunção de legitimidade, em face do princípio da legalidade ao qual se subordina a Administração Pública.[1]  Há, ainda, a imperatividade e a auto-executoriedade consistente na possibilidade desses atos serem imediata e diretamente executados pela própria Administração de forma coercitiva, atendendo ao princípio da supremacia do interesse público, sem que, contudo, haja afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, imposto no artigo 5º, inciso XXXV, da CF. Ainda de acordo com Prudente, a execução do crédito da Fazenda Pública pela via administrativa, não dispensa a observância dos princípios informativos do direito público e processual civil, tais como os da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência dos atos administrativos em consonância com os princípios processuais da boa-fé e da lealdade, do interesse do credor, da economia processual, da responsabilidade patrimonial do devedor, da menor onerosidade da execução, do contraditório, dentre outros, garantidos constitucionalmente pelo devido processo legal. De acordo com o projeto de lei a Dívida Ativa da União será apurada e inscrita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a das Autarquias e Fundações públicas federais será apurada e inscrita pela Procuradoria-Geral Federal. Aqui já se observa uma primeira mudança, visto que de acordo com a LEF, não há diferença entre os créditos da União e da Administração Indireta. O procedimento inicia-se com o Termo de Inscrição de Dívida Ativa que  deverá conter, dentre outras informações, o nome e o número de inscrição perante o CPF e o CNPJ, se houver, do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; o valor originário de cada uma das parcelas componentes da dívida principal, individualizando-se as que sejam destinadas a terceiras entidades, o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora, atualização monetária e demais encargos previstos em lei ou em contrato; a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; a data e o número da inscrição no registro de Dívida Ativa e o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida. Ao ser concluída a inscrição, será realizada investigação patrimonial dos devedores inscritos por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Procuradoria-Geral Federal e pelos órgãos, tudo por intermédio do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes e por outros meios legalmente admitidos. Reza o artigo 5º do projeto que Inscrito o crédito em Dívida Ativa, o devedor será notificado do inteiro teor da certidão para, em sessenta dias, alternativamente: I – efetuar o pagamento, acrescido dos encargos incidentes; II – solicitar o parcelamento do débito por uma das formas previstas em lei; III – prestar garantia integral do crédito em cobrança, por meio de depósito administrativo, fiança bancária ou seguro-garantia.(…) § 2o Após a inscrição, o devedor poderá, independentemente de notificação, adotar uma das providências descritas nos incisos II e III do caput deste artigo, fazendo jus, desde logo, à obtenção da certidão de que trata o art. 206 da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, desde que a Fazenda Pública verifique que o crédito está integralmente garantido. § 3o Transcorrido o prazo de quinze dias sem a manifestação da Fazenda Pública, presume-se que o crédito está integralmente garantido. § 4o O devedor, ou o responsável legal, que não praticar um dos atos descritos nos incisos I a III do caput deverá relacionar quais são e onde se encontram todos os bens que possui, inclusive aqueles alienados entre a data da inscrição em Dívida Ativa e a data da entrega da relação, apontando, fundamentadamente, aqueles que considera impenhoráveis. (…) § 6o Transcorrido o prazo de que trata o caput deste artigo sem que o devedor tenha praticado um dos atos previstos em seus incisos de I a III, a Fazenda Pública deverá efetuar os atos de constrição preparatória necessários à garantia da execução. (…) § 8o A fiança bancária e o seguro-garantia serão executados imediatamente caso não sejam tempestivamente opostos embargos à execução ou quando esses forem rejeitados ou julgados improcedentes. § 9º Em caso de solidariedade passiva, a garantia prestada por um dos co-devedores aproveitará os demais, mas, na superveniência de efetivação da garantia do crédito pelo devedor indicado originariamente na certidão, a inclusão dos co-devedores tornar-se-á sem efeito com a sua consequente exclusão do pólo passivo. O despacho que determinar a notificação ordenará, ainda, a efetivação da constrição preparatória e a avaliação de bens, sobre tantos bens e direitos quantos bastem para garantir o débito e o registro da constrição, independentemente do pagamento de custas ou outras despesas. A notificação que se refere o supracitado artigo 5º será feita no endereço do devedor, por carta com aviso de recebimento, ou por outro meio, inclusive eletrônico, com comprovação do recebimento. Haverá presunção de validade da notificação dirigida ao endereço informado pelo devedor à Fazenda Pública, a partir da prova de seu recebimento. Notificado, o devedor poderá argüir, ressalta-se que pela via administrativa, no prazo de trinta dias, fundamentadamente, sem efeito suspensivo, o pagamento, a compensação anterior à inscrição, matérias de ordem pública e outras causas de nulidade do título que possam ser verificadas de plano, sem necessidade de dilação probatória. Não se manifestando a Fazenda Pública, após trinta dias contados da argüição, faz presumir a rejeição dos argumentos levantados pelo devedor. A rejeição de qualquer dos fundamentos da arguição pela Fazenda Pública não impede a sua renovação em sede de embargos à execução. A constrição preparatória, que ocorreu quando da notificação do devedor, veda a alienação ou a constituição de ônus sobre o bem ou direito objeto da constrição pelo prazo de cento e vinte dias e induzirá fraude à execução mesmo após esse prazo. Observa-se que tais bens ficarão sob a guarda do devedor, que não poderá recusar a responsabilidade de depositário, salvo se indenizar, com antecipação, as despesas com a guarda do bem. Ao tomar ciência do ato de constrição terá o devedor prazo de quinze dias para impugnar avaliação de bens declinando o valor que entende correto devendo o órgão de cobrança competente responder à impugnação também em quinze dias. Na hipótese de o órgão de cobrança não acolher a impugnação, o devedor poderá renová-la em juízo Note-se que essa impugnação difere da arguição supracitada acerca do valor da dívida ativa.  Cabe ressaltar que até o momento o devedor teve duas oportunidades para se manifestar uma administrativa e outra judicialmente. A primeira acerca do débito, a segunda acerca do despacho de constrição preparatória, ficando claro que seu direito à defesa e ao contraditório de forma alguma fica prejudicado. Após os procedimentos de notificação e constrição de bens pela via administrativa, a Fazenda Pública terá, em regra, o prazo de trinta dias para promover o ajuizamento da ação de execução fiscal, salvo nos casos em que a constrição preparatória for de dinheiro em conta bancária, caso em que a execução fiscal deverá ser ajuizada em três dias após a realização da constrição sobre o dinheiro, sob pena de ineficácia imediata da constrição. Quando a constrição preparatória ou provisória for em dinheiro em conta bancária, que não poderá exceder o montante em execução, a Fazenda Pública será quem determinará à autoridade supervisora dos sistemas bancário, preferencialmente por meio eletrônico. Não sendo encontrado o devedor para ser notificado o oficial da Fazenda Pública, achando bens do devedor, a constrição provisória será convertida em arresto. Não encontrado bens não se ajuizará a execução fiscal enquanto não localizados quaisquer valores que possa recair a constrição preparatória. Decorrido o prazo de um ano, sem que sejam localizados bens, será  ordenado o arquivamento dos autos do processo administrativo pertinente. A qualquer tempo, quando encontrado bens, os autos do processo administrativo serão desarquivados e será dado prosseguimento à cobrança. Se da decisão que ordenar a suspensão do ajuizamento tiver decorrido o prazo prescricional, a autoridade administrativa poderá de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Depois de ajuizada a execução fiscal o juiz despachará, se deferir a inicial, para promover a citação do devedor, determinar a convolação da constrição preparatória em penhora ou arresto, intimar o executado da convolação da constrição preparatória em penhora e registrar da penhora ou arresto independentemente do pagamento de custas ou despesas. O juiz não se pronunciará de ofício acerca da validade da constrição preparatória ou seu reforço, salvo quando a constrição recair sobre bem impenhorável ou houver evidente excesso de garantia. A sentença que rejeitar liminarmente a execução tornará sem efeito a constrição preparatória ou provisória. O executado é obrigado a comunicar ao juízo da execução toda a movimentação que fizer em seu patrimônio que prejudique a satisfação do crédito da Fazenda Púbica, sob pena de ineficácia do ato praticado. No projeto de lei, os embargos à execução, assim como na LEF, deverão ser opostos em trinta dias contados da citação da execução. Quando o executado deixar de oferecer embargos tempestivos, a Certidão de Dívida Ativa passará a gozar de presunção absoluta de veracidade que até então, de acordo com o artigo 3º da LEF e 204, do CTN, possuía presunção relativa, não se admitindo novas alegações sobre a extinção do crédito. A exceção para novas alegações ocorrerá quando, de direito superveniente, competir ao juiz conhecê-las de ofício ou quando por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição. Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória de cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento. De igual teor do artigo 17, da LEF, o artigo 24 do projeto de lei reza que se os embargos forem recebidos a Fazendo Pública terá o prazo de trinta dias para impugná-los. Assim como na LEF nos embargos à execução fiscal e em todos os incidentes judiciais relativos à execução, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente. O novo texto trás como inovação a possibilidade da Fazenda Pública requerer ao juízo a suspensão do prazo para impugnação, para averiguação das alegações de fato articuladas pelo embargante, tais como o pagamento e a compensação anteriores à inscrição em Dívida Ativa, podendo tornar sem efeito todos os atos de execução até então praticados. Verifica-se que esse dispositivo além de ser benéfico para o devedor, traduz a economia processual, visto que a própria administração, em seu poder de autotutela, averiguará administrativamente qualquer situação que de pronto possa, por fim, nos embargos arguidos. Outro benefício dado ao devedor, elencado no projeto de lei, é que durante o prazo de suspensão requerido pela Fazenda Pública o mesmo terá direito a certidão positiva com efeitos negativos. O prazo de suspensão para averiguação será de trinta dias. Nesse prazo a Fazenda Pública poderá cancelar, emendar ou substituir a certidão de Dívida Ativa, assegurado ao executado a devolução do prazo para embargos, que somente poderá versar sobre a parte da certidão de Dívida Ativa eventualmente modificada e prosseguir nos atos de execução e oferecer impugnação aos embargos com relação à parte da certidão de Dívida Ativa que não restar alterada. Se Fazenda Pública cancelar, emendar ou substituir a certidão de Dívida Ativa em razão de argumentações nos embargos do devedor, deverá pagar honorários de sucumbência, respondendo, proporcionalmente, pelas custas que o devedor houver suportado, salvo quando o devedor tenha contribuído para o erro. A fiança bancária e o seguro-garantia, dado como garantia pelo devedor quando da notificação da inscrição do crédito em Dívida Ativa, serão executados imediatamente sendo os embargos intempestivos, rejeitados ou julgados improcedentes. A oposição de embargos não suspende o curso da execução. Nos autos, o juiz poderá deferir medida cautelar para assegurar a eficácia prática da futura sentença, desde que, constatada a plausibilidade do direito invocado, haja fundado temor de que a demora a tornará ineficaz. O devedor conta, ainda como meio de defesa, de ação judicial autônoma. O mesmo se quiser manifestar-se, desde logo, judicialmente poderá opor à inscrição em dívida ativa ou à execução por meio de ação autônoma, que será distribuída ao juiz competente para conhecer da execução fiscal e dos embargos e restará prevento. Ressalta-se que o ajuizamento da Ação Autônoma importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto. Aduz o artigo 26, § 2º, do projeto que  a propositura de qualquer ação relativa ao débito inscrito na dívida ativa não inibe a Fazenda Pública de promover-lhe execução; todavia, se relevantes os fundamentos e diante de manifesto risco de dano de difícil e incerta reparação, ficará suspensa a execução, mediante garantia consistente em depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro-garantia. Cabe observar que os defensores desse novo modelo de execução fiscal dos débitos fiscais da Fazenda Pública são favoráveis a uma lei que institua a transação tributária. Tal instituto seria um instrumento utilizado anteriormente a execução fiscal no qual, segundo o Procurador-Geral da Fazenda Nacional[2], consistiria em um acordo entre o contribuinte e a Fazenda Pública, que transigiriam a respeito dos juros e mora sobre o principal, bem como modalidades alternativas de quitação, a serem homologadas na própria esfera administrativa, objetivando promover a solução de demandas de natureza tributária, permitindo a satisfação de créditos tributários e evitando controvérsias tributárias. A lei geral de transação seria admissível nas hipóteses de matéria jurídica controvertida, fato imponível de difícil determinação e de demonstração da ausência da capacidade de pagamento. CONCLUSÃO A execução fiscal administrativa visa o aperfeiçoamento da cobrança da dívida pública fazendária. Ao trazer para via administrativa a maioria dos atos e procedimentos executivos, propõe-se um processo mais célere, visto que o Poder Judiciário encontra-se, atualmente, sobrecarregado. Retira-se, da via judicial, procedimentos simples, dispensando formalidades que torna lento o atual sistema de execução fiscal. O sistema proposto pelo anteprojeto de lei não compromete o direito de defesa do contribuinte e certamente reduzirá o número de demanda judicial executiva. Caso o contribuinte entenda ter sido lesado, poderá recorrer ao Judiciário e recuperar em juízo, mediante repetição de indébito, o equivalente aos bens já executados, ou seja, os valores indevidamente cobrados. O intuito não é desprestigiar o Poder Judiciário, mas tão-somente abordar a execução como ato administrativo, que de fato é. Ao Judiciário reservam-se os litígios mais complexos. Ressalta-se que o presente artigo não tem a pretensão de esgotar um assunto polêmico e não pacificado. Pretende-se, apenas, levantar questões e trazer a tona uma discussão necessária para o aprimoramento do atual sistema de execução, que há muito deixou de ser satisfatório e cumprir com o seu papel: uma execução fiscal célere, eficiente e eficaz.
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Da incidência TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS: uma análise interdisciplinar
Pretende-se, no presente trabalho, defender, através de uma análise técnica e jurídica, a impossibilidade de incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e da Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD sobre a base de cálculo do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS), na medida em que a distribuição e transmissão são consideradas atividades-meio, as quais não há transferência de titularidade da mercadoria. Busca-se respaldar o estudo em doutrinas, análises técnicas e jurisprudências, a fim de ratificar a possibilidade de fracionamento das etapas de fornecimento de energia elétrica, bem como enfatizar o momento em que há ocorrência do fato gerador do tributo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Primeiramente, cumpre salientar que o fornecimento de energia elétrica se sujeita à incidência de um imposto estadual, denominado imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS). Porém, o que os entes estatais têm feito é uma cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD, que se referem ao uso da rede básica de energia elétrica. Insta salientar que as etapas de transmissão e distribuição constituem atividade meio, possuindo a função de propiciar que a energia elétrica possa chegar aos consumidores, essa sim, atividade fim. O que se pretende abordar no presente estudo é a possibilidade de fracionamento das etapas de fornecimento de energia elétrica, bem como a definição do fato gerador do ICMS, através de uma análise técnica e jurídica, ensejando uma conclusão sobre a possibilidade ou não de incidência do imposto estadual sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD. 1. DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL, INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS) Conforme preleciona o artigo 155 da Constituição da República, a instituição do ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal. A base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. O conceito de circulação é entendido como uma alteração da titularidade jurídica do bem. Conforme define (SABBAG, 2015, fls. 230) “A movimentação física do bem não se traduz em circulação, propriamente dita. Cite-se,como exemplo, a saída de bens para mostruário. Nessa hipótese, não incide o ICMS, pois não houve mudança de titularidade. Nessa toada, o conceito de “mercadoria” deve ser assimilado, a fim de que se tenha o correto entendimento do fato gerador do ICMS: “mercadoria” vem do latim merx, i.e.,“coisa que se constitui objeto de uma venda”. A Constituição Federal define, de forma implícita, o vocábulo “mercadoria”, em seu sentido estrito, englobando no termo as ideias de “produto” e “intenção de mercancia”, assim devendo ser ele entendido para a constituição do fato gerador do ICMS. Nessa toada, o conceito de “mercadoria” deve ser assimilado, a fim de que se tenha o correto entendimento do fato gerador do ICMS: “mercadoria” vem do latim merx, i.e.,“coisa que se constitui objeto de uma venda”.” Corroborando com esse entendimento, (MINARDI, 2015, p.770): “Em síntese, a operação de circulação de mercadorias consiste em um negócio jurídico, regulado pelo direito que implique necessariamente mudança de titularidade, passando a mercadoria de uma pessoa para outra, uma vez que circular significa, para o direito, mudar de titular, movimentação com mudança de patrimônio. Por essa razão, o STJ sedimentou seu entendimento de modo que a circulação de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo titular não se sujeita à incidência do ICMS.” Ainda sobre o ICMS, dispõe (MACHADO, 2015, p. 344), “é fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal”. Em estudo encomendado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) no ano de 2016, constatou-se que ICMS é responsável por 18,3% do total de tributos pagos pelos brasileiros. Desse modo, qualquer decisão que vise à redução no recolhimento do supracitado imposto afeta o ente estatal, que tende a demonstrar sua irresignação através de peças processuais cabíveis. 2. DEFINIÇÃO JURÍDICA DE ENERGIA Nota-se que, conforme a interpretação do texto constitucional e da LC 87/96 (Lei Kandir) refletida expressamente na legislação tributária do ICMS em cada Estado, a energia elétrica é considerada uma mercadoria. Nesse sentido, “in verbis”:  “Art. 2° O imposto incide sobre:(…) § 1º O imposto incide também: I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade. II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente”. Ademais, preleciona o artigo 4º da supracitada lei complementar, “in verbis”: “Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:   (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)     I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;    (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) II – seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;   (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.” Insta salientar que o direito considera a energia elétrica como bem móvel, sendo que, com fulcro no artigo 155, II, da Constituição da República, a sua comercialização estaria sob o âmbito de incidência do imposto ICMS, quando instituída a lei especifica do respectivo tributo. Ademais, o artigo 82, I, do Código Civil de 2002, consagrou a energia elétrica como bem móvel, “in verbis”: “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I – as energias que tenham valor econômico.” Sendo assim, considerando que o artigo 110 do Código Tributário Nacional prevê que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir competências tributárias, a energia elétrica constitui base econômica do imposto. Nesse sentido, destaco entendimento de (SABBAG, 2012, p. 1064):“Cabe registrar que a energia elétrica é pacificamente entendida como ‘mercadoria’ para efeito da incidência do ICMS”. Desse modo, a partir da conclusão de que energia elétrica é considerada, para fins jurídicos uma mercadoria, passa-se a uma análise do procedimento realizado até que a mesma chegue à residência dos consumidores, e, posteriormente, far-se-á um estudo, especificadamente, acerca da incidência do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação – ICMS no atinente as operações realizadas com energia elétrica. 3. ENTENDENDO UM POUCO MAIS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA Fulcrado no entendimento da ANEEL, a rede básica de energia elétrica, é constituída por subestações e linhas de transmissão, sendo o sistema integrado por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e extra altas. Após a produção de energia elétrica – (maior parte têm procedência de usinas hidroelétricas, seguida pelas termoelétricas, e em menor quantidade por fontes renováveis de energia, por meio de parques eólicos e painéis fotovoltaicos) -, essa se direciona para os municípios por meio das linhas e torres de transmissão de alta tensão. Essas supracitadas linhas e torres são visíveis nas estradas, objetivando a condução de energia por longas distâncias. No momento em que a energia elétrica chega às cidades,ocorre sua passagem por transformadores nas subestações, a fim de se reduzir a tensão, sendo este um procedimento técnico importante para sua posterior utilização pela rede de distribuição. Esta, por sua vez, por meio dos fios instalados nos postes, é responsável pelo transporte de energia até as ruas ou avenidas. Previamente ao ingresso nas casas, a energia elétrica ainda se desloca pelos transformadores de distribuição (também instalados nos postes) que rebaixam a tensão para 127 ou 220 volts, adequando-a a sua utilização pelos consumidores. Desse modo, inconteste a possibilidade e a efetiva separação entre as fases do procedimento de fornecimento de energia elétrica. É o que se verifica (BRASIL.GOV, 2014): “Antes da privatização do setor, no início dos anos 2000, as empresas eram verticalizadas e não havia separação dos negócios da cadeia produtiva (geração, transmissão e distribuição). Hoje independentes, as distribuidoras são o elo entre o setor elétrico e a sociedade: essas instalações recebem das companhias de transmissão a maior parte do suprimento de energia elétrica destinado ao abastecimento do País.” 4. DA IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO Após uma análise jurídica do ICMS, bem como análise técnica sobre as etapas que percorrem a energia elétrica, tem-se que o fato gerador do imposto só pode ocorrer pela efetiva entrega da energia ao consumidor. Sendo assim, exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre o fato gerador não previsto na legislação regente (notadamente Constituição Federal e Lei Complementar n° 87/96), o que viola frontalmente o princípio constitucional da reserva legal prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.Acrescente-se que o ponto foi objeto, ainda, da Súmula 391 do STJ, “in verbis”: “Súmula 391 – STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada”. Bem como, dispõe a Súmula 166 STJ, “in verbis”: “Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” Ora, considerando o previsto em súmulas e leis constitucionais e infraconstitucionais, a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluído o custo de eventuais operações anteriores com a produção e distribuição da energia elétrica. Por fim, torna-se indispensável salientar que há houve Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Complementar, PEC nº 285/04 e PLC nº 352/02, com textos não aprovados – não instituindo, portanto, a incidência do ICMS nas etapas intermediárias do fornecimento de energia elétrica -, que dispunham, respectivamente: “Ressalvado o disposto no § 2º, X, b, a incidência do imposto de que trata o inciso II do caput, sobre energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados:I – ocorre em todas as etapas da circulação, desde a saída do estabelecimento produtor ou a importação até a sua destinação final; II – em relação à energia elétrica, ocorre também nas etapas de produção, de transmissão, de distribuição, de conexão e de conversão, até a sua destinação final. Art. 13. […] VIII – na hipótese do inciso XII do art. 12, o valor: a) da operação de que decorrer a entrada de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo;b) total cobrado do adquirente, nele computados todos os encargos, tais como os de geração, importação, conexão, conversão, transmissão e distribuição, em relação à entrada de energia elétrica.” Tal questão demonstra e ratifica, mais uma vez, a impossibilidade de tributação, com muito mais razão quando até mesmo propostas e projetos foram rejeitados. Portanto, não se desconhece que o custo da energia elétrica fornecida ao consumidor final aumenta em cada etapa, porém isso não deve ser repassado ao consumidor, quando não decorrenteda operação final, sendo que atributação só se torna juridicamente possível quando a energia elétrica, por força de relação contratual, saido estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida. 5. DA SIMILARIDADE AO CASO DA TENTATIVA DOS ESTADOS COBRAREM ICMS SOBRE A ATIVIDADE DE PROVIMENTO DE ACESSO À INTERNET Em decisão acerca da possibilidade de incidência de ICMS sobre a atividade de provimento de acesso à Internet, entendeu-se o Superior Tribunal de Justiça pela negativa, na medida em que restou entendida a inexistência de comunicação, sendo uma infraestrutura fornecida pelas operadoras de telecomunicações, cujas operações eram devidamente tributadas. Ora, não havendo comunicação, não nascia o fato gerador e, portanto, não haveria incidência tributária. A questão cerne do presente estudo apresenta respaldo similar, uma vez que não havendo operação de circulação jurídica de energia, a parcela que remunera o mero serviço de entrega física do bem não deveria sofrer tributação, conforme bem salientado pela Ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa. Nesse sentido, colaciono julgado em que prevê esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “in verbis”: “ProcessoREsp 754393 / DF RECURSO ESPECIAL2005/0087855-1 Relator(a)Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) Relator(a) p/ AcórdãoMinistro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão JulgadorT1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento02/12/2008 Data da Publicação/FonteDJe 16/02/2009 Ementa TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. ASSINATURA MENSAL. ATIVIDADE-MEIO.SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. CONCEITO. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE AATIVIDADE-FIM. COMUNICAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES. I – "Este Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade deanalisar o conteúdo desse convênio, concluindo, em síntese, que: (a a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da LeiComplementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMSsomente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamenteditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidirsobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre aatividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuárioe de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, oserviço é considerado preparatório para a consumação do ato decomunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito,consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral deTelecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o DireitoTributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneiraque, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam ofato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, doCTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidênciado ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio delei complementar." (REsp nº 601.056/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJde 03/04/2006). No mesmo sentido: REsp nº 418.594/PR, Rel. Min.TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/03/2005 e REsp nº 402.047/MG, Rel.Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 09/12/2003. II – Ante a evidência de que não se trata de serviço de comunicação em sentido estrito, inviável a inclusão no seu conceito do serviço de "assinatura mensal", para fins de incidência do ICMS. III – Recurso Especial provido.” 6 – DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS Não obstante haja uma decisão isolada, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legalidade da incidência do ICMS sobre TUST/TUSD, o supracitado Tribunal selecionou acórdãos sustentando que a Tarifa de Utilização do Sistema de Distribuição (Tusd) não integra a base de cálculo do ICMS sobre consumo de energia elétrica, tendo em vista que o fato gerador só se verificaquando a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida (precedentes). Nesse sentido, destacam-se alguns julgados, “in verbis”: “Processo REsp 1649658 / MT RECURSO ESPECIAL 2017/0013910-3 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 20/04/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 05/05/2017 Ementa TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DOCPC. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. FATO GERADOR. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO FORNECEDOR. CONSUMO. BASE DE CÁLCULO. TUSD. ETAPA DE DISTRIBUIÇÃO.NÃO INCLUSÃO. PRECEDENTES. 1. O Tribunal a quo confirmou sentença de concessão da Segurança para determinar que a autoridade apontada como coatora deixe de lançar o ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) da conta de energia elétrica consumida pela recorrida. 2. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamentefundamentada, a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 3. Não há falar em descumprimento do rito processual relativo à observância da cláusula de reserva de plenário, pois não se verifica o afastamento, pelo Tribunal local, dos dispositivos invocados pelo recorrente, mas, sim, interpretação dos enunciados neles contemplados, a exemplo do conceito de "valor da operação". 4. O STJ possui entendimento consolidado de que a Tarifa de Utilização do Sistema de Distribuição – TUSD não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai doestabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe ovalor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor (AgRg na SLS 2.103/PI, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, DJe 20/5/2016; AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13/4/2016; AgRg no REsp 1.075.223/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 11/6/2013; AgRg no REsp 1.014.552/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/3/2013; AgRg nos EDcl no REsp 29/9/2010). 5. Não se desconhece respeitável orientação em sentido contrário, recentemente adotada pela Primeira Turma, por apertada maioria, vencidos os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Regina Helena Costa (REsp 1.163.020/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 27/3/2017). 6. Sucede que, uma vez preservado o arcabouço normativo sobre o qual se consolidou a jurisprudência do STJ e ausente significativa mudança no contexto fático que deu origem aos precedentes, não parece recomendável essa guinada, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e daisonomia (art. 927, § 4°, do CPC/2015). 7. Recurso Especial não provido.” “Processo AgInt no REsp 1607266 / MT AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2016/0157592-8 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 10/11/2016 Data da Publicação/Fonte DJe 30/11/2016 Ementa PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E DA TUSD. DESCABIMENTO. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O STJ possui jurisprudência no sentido de que a Taxa de Uso doSistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS 3. Agravo Interno não provido.” CONCLUSÃO Nota-se que é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, uma vez que, conforme demonstrado cabalmente, as etapas são bem delineadas, de modo que cada uma possui uma atribuição diversa. Não se nega, tecnicamente, que tais procedimentos se realizam com certa instantaneidade, entretanto, tal celeridade entre as fases não consolida o entendimento de impossibilidade de fracionamento. Salienta-se, ainda, que o fornecimento de energia elétrica inclui os custos de geração, transmissão e distribuição, porém quando ocorrem as fases de transmissão e distribuição ainda não fora efetuada a transferência de titularidade, indispensável para a incidência do ICMS, constituindo-se como atividade meio, que não poderá ensejar que o ônus pelo pagamento recaia sobre o consumidor, em virtude de estar o mesmo adimplido além da energia efetivamente consumida, ensejando um pagamento em excesso. Portanto, embora a geração, a transmissão e a distribuição formem o conjunto dos elementos essenciais, o fato gerador – a situação de fato, prevista na lei de forma prévia, genérica e abstrata, que, ao ocorrer na vida real, faz com que, pela materialização do direito ocorra o nascimento da obrigação tributária – do ICMS apenas ocorre no momento da transmissão de propriedade de mercadoria, que não se verifica nas etapas de distribuição e transmissão. Conclui-se, assim, em outras palavras, que é entendimento consolidado que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria (no caso em comento, a energia elétrica) de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, o que por si só, respalda a ilegalidade na incidência de ICMS em TUST/TUSD.
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Evolução histórica do Sistema Tributário Nacional
O presente artigo tem por objetivo resgatar o momento histórico que ensejou a instituição do Sistema Tributário Nacional, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 18/65, a promulgação da Constituição de 1967 e posterior a publicação do Código Tributário Nacional, seguindo a linha de evolução histórica dada pelo Jurista e Professor Ives Granda da Silva Martins (2000). Em seguida, analisam-se eventos tributários nas Constituições de 1946, 1967 e 1988, e a Emenda Constitucional nº. 18/1965, revisitando interpretações de fatos dados por outros doutrinadores e juristas, que analisam eventos tributários nas constituições, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas abrindo um debate para investiga a efetividade com que as Constituições brasileiras trataram do tema sobre a tributação e o Sistema Tributário Nacional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inicialmente, antes de passarmos ao estudo da Evolução do Sistema Tributário Nacional, é de bom estudo, saber como alguns doutrinadores interpretam a ideia de sistema, qual significado, como funciona, qual é o seu objetivo, suas características; bem como verificar como eles a descreve em seus estudos. Em seguida, para posicionar nosso estudo num tempo histórico da evolução do Sistema Tributário Nacional, é preciso ter um ponto de partida, um início, uma identificação de quando foi instituído no Brasil o Sistema Tributário Nacional, pois, ajudará a entender suas bases, suas características, princípios e regras, compreender a funcionalidade do instituto como um todo, evitando desviar do âmbito de atuação do estudo. Posteriormente, analisaremos na Constituição brasileira de 1946, fatos históricos: que ensejaram um Sistema Tributário Nacional e a Emenda Constitucional nº 18 de 1965; na Constituição de 1967 e na Constituição de 1988. 1. SISTEMA A palavra “sistema” é de origem grega, e é derivado da palavra SYNÍSTANAI, ela é formada por duas outras a SYN que significa “junto” e a palavra HÍSTANAI que significa “fazer ficar em pé”, porém pode ser interpretado como “fazer funcionar, ou seja, SYNISTANAI tem o significado de “fazer funcionar junto”. A partir da palavra “SYNISTANAI, surgiu SYSTEMA que significa reunião de várias partes diferentes” (GRAMÁTICA.NET.BR, 2017). Segundo SOARES (2004, p.209), sistema é ordem, e, é o todo ordenado. Mas, em seu vocábulo possui dois sentidos, o primeiro como nexo, que trata da reunião de coisas, dos elementos de um conjunto, de um “Conjunto de coisas interligadas”. “De outro lado, a usamos no sentido de ‘método’, quando dizemos, por exemplo, ‘ser sistemático’, significa com isso, ‘ser metódico’”. Sendo assim, “sistema é um conjunto de elementos e um conjunto de elementos que estão relacionados entre si”, formando um repertório que compõem a estrutura de um sistema, “que mantém relacionamentos a partir de uma série de regras que unem esses elementos entre si”. (SOARES, 2004, p.209). Por fim, sendo sistema “o conjunto organizado de partes, relacionadas entre si e postas em mútua dependência”, ele possui “duas acepções”, “o sistema externo ou extrínseco e o sistema interno ou intrínseco”. (SOARES, 2004, p.209). 2. INSTITUIÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Como ponto de partida para o nosso estudo sobre a evolução histórica do Sistema Tributário Nacional, de sua instituição no Brasil, nos filiamos ao entendimento do Jurista e Professor Ives Granda da Silva Martins (2000). Ele nos ensina que o “Direito tributário principiou a ganhar consistência como Sistema Tributário Nacional a partir da Emenda Constitucional nº 18/65”. E o que existia anterior à Emenda Constitucional nº. 18/1965, defendido por alguns como um sistema autônomo, na verdade era uma completa desarmonia das normas, “apesar de já se ter desenvolvido, com razoável densidade, a técnica impositiva concernente a alguns tributos”. (MARTINS, 2000, p. 1-2). Anterior a Emenda Constitucional nº. 18/65, os conflitos se sucediam, não existia uma harmonia, as normas eram impregnadas com imperfeições notórias, e os abusos e as ilegalidades eram freqüentes, gerando choques contínuos entre normas. (MARTINS, 2000, p. 1-2). Nesse contexto, podemos concluir que nada disso faz parte do que defendemos como sendo um Sistema Tributário Nacional, pois, ao analisarmos como funciona um sistema, verificamos que ele principia pela harmonia dos seus elementos e pela sistematização das espécies criadas a partir de um corpo principal. Então, nesse sentido, sistema é o “conjunto de elementos que estão relacionados entre si”, formando um repertório que compõem sua estrutura, “que mantém relacionamentos a partir de uma série de regras que unem esses elementos entre si”. (SOARES, 2004, p.209). (grifo nosso). Corroborando com SOARES (2004, p. 209), HARADA (2005, p. 21), explicita que, Sistema Tributário, é um conjunto de normas de natureza tributária, inserido em um sistema jurídico global, como as Constituições de um Estado, formando um todo, unitário e ordenado, que devem obediência aos princípios e regras deste sistema, reciprocamente harmonizados, que organizam os elementos constitutivos deste mesmo Estado. MELO (2006, p.12), por sua vez, segue a mesma linha de pensamento de SOARES (2004, p. 209), e HARADA (2005, p. 21), quando explica que “os lineamentos, os contornos, as balizas e os limites da tributação encontram-se estatuídos na Constituição”. E que a análise desse sistema compreende o estudo dos “princípios e normas hauridos na Constituição.” Pois, esta é a “lei fundamental de um Estado”, conferindo “poderes, outorgando competência e estabelecendo os direitos e garantias”. Por fim, para Ishida e MARTELLI (2015, p.02), o Sistema Tributário Nacional é o “conjunto de tributos vigente no país, amparados legalmente pela lei maior que é a Constituição Federal”. Definido como um sistema racional que “advém de contribuições também do tipo histórico” um método “eficaz para o controle sobre a definição e instituição de tributos e sua forma de arrecadação” que encontra “limites na constituição e a competência impositiva está expressamente prevista na Constituição Federal”. 3. O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Encontramos o Sistema Tributário Nacional, no Título VI, da tributação e do orçamento, Capítulo I, do Sistema Tributário Nacional, artigos 145 a 156, que nos remete a lembramo-nos do Código Tributário Nacional, Lei nº. 5. 172, de 25 de outubro de 1966. (MELO, 2006, p.12). Mas, existem ainda, demais normas espalhadas pela Constituição, como exemplo tem-se o art. 7º, III – Fundo de garantia por tempo de serviço; art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais; art. 212, §5º – A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei; art. 239, §§ 1º e 4º: §1º – Dos recursos mencionados no "caput" deste artigo, pelo menos quarenta por cento serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor, §4º – O financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei; e art. 240 – Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, etc. E também, emendas constitucionais 21/1999; 37/2002; 39/2002; 42/2003; 45/2004 e 47/2005. (MELO, 2006, p. 12). Por fim, a Constituição brasileira 1988 “é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação”, cheia de princípios e regras, seus fundamentos estão enraizados, onde se “projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios”. (COELHO, 2006, p.3-4). 4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL NAS CONSTITUIÇÕES DE 1946, 1967, 1988 E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18/1965 4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 Com a Constituição de 1946, surgem as alterações na estrutura econômica nacional que era “predominantemente atividades primárias” transmudando-se em “atividades de bases preponderantemente industriais e Urbanas”. Com a criação de mecanismos de descentralização de Poder, ampliam-se, a concepção constitucional de Federalismo, modificando o sistema de competências, passando de um “exclusivismo inicial para um processo de co-gestão e cooperação na consecução de interesses públicos”. Mantiveram-se as “limitações constitucionais ao Poder de tributar, inerentes à efetivação do federalismo”, descritas nos “artigos 17, 19, parágrafo 5.º e 32, exemplificativamente”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216). Seguindo uma “política de fomento das exportações e desenvolvimento regional”, o Estado, “passaria a tributar a atividade produtiva de forma mais racional, estimulando o desenvolvimento nacional por meio da concessão de incentivos fiscais regionais”, uma “forma de planificação” e “incentivo à economia” nacional, e de suas infra-instrutoras, formada, principalmente, por tributos de renda individual e de empresas, produtos industrializados, lubrificantes e combustíveis, produtos importados e movimentação financeira. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216). Já instituído, o princípio da capacidade contributiva, derivado da Constituição de 1891, do art. 179, nº. 15, mantido na Constituição de 1946, para somar às imunidades dos Impostos sobre o consumo de mercadorias, art. 15, inciso II, assim, “contribuindo para as pessoas economicamente hipossuficientes”, ampliar sua “garantia do respeito à capacidade contributiva prevista no artigo 202”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216/17). É inaugurada pela Constituição de 1946 a instituição dos princípios da anualidade, anterioridade e legalidade tributárias, constituindo com destaque as “imunidades tributárias, algumas delas denominadas de isenções”, como a imunidade das pequenas glebas rurais, conforme descrito no seu artigo 19, § 1º. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Também, ocorreram mudanças no Imposto de Renda, assim como no imposto sobre o consumo de bens, previsto a serem transferidos para a competência dos Municípios, com “os percentuais de 15% (quinze por cento) do volume arrecadado com o Imposto de Renda e 10% (dez por cento) do total arrecadado com o Imposto sobre Consumo, deixando este de ser cumulativo, sobre o valor adicionado e não mais “‘em cascata’”, técnica essa da não-cumulatividade, “que viria a se tornar princípio por meio da Emenda Constitucional n.º 18/65”, dentre outras alterações”. Ocorreram mudanças, também, nos repasses de percentuais tributários aos municípios, com a transferência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos – ITBI, dos Estados para os Municípios. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Neste contexto, é fácil verificar que o Brasil passa agora, nesta Constituição, a explorar a tributação interna, com foco no processo de industrialização no país, mas, ainda assim, o Imposto de Consumo é responsável por 40% da receita tributária da União em 1946, mas em 1944 o IR alcançou mais de 40% da arrecadação sobre o imposto de consumo que representava 30% da arrecadação. (VARSANO, 1996, p.06). Nesse interregno, “vem à tona o Ato Institucional n.º 1, de 09 de abril de 1964, encerrando a breve trajetória democrática da nação” embora tivesse alcançado “sucesso na sistematização da legislação tributária nacional”, pugnava-se pela criação de um “regramento unitário e centralizador da competência tributária e tal objetivo foi alcançado posteriormente”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Um dos objetivos da Constituição de 1946 era “de reforçar as finanças municipais”, uma das iniciativas, era que os Estados subnacionais repassassem aos municípios, transferências Constitucionais, um percentual de 30% do excesso de arrecadação, também as cotas sobre o IR, que “só começaram a ser distribuídas em 1948, calculadas no período de um ano, com base na arrecadação do período anterior, para distribuição no ano seguinte”, mas, existia a desvalorização inflacionária. Por fim, quando a cota parte dos Municípios começou a ser distribuída (1948) e mais tarde, a cota parte do imposto de consumo, surgiu nos Estados, um fenômeno desordenado de desmembramentos e criação de novos municípios brasileiros, que passaram de 1.669 municípios em 1944, para 3.924 municípios em 1966. Desta forma, muitos municípios brasileiros passaram a depender, única e exclusivamente, das transferências das cotas partes, que diminuía o seu percentual a cada criação de um novo município. 4.2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18/65 Segundo DORNELLES, (2013, p.04), a reforma tributária de 1965, elaborada pelo professor Gilberto de Ulhôa Canto, no Governo Castello Branco, ensejava a “redução de impostos”, a instituição de um “sistema de repartição de receitas dos impostos da União para os Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios”, e “a substituição dos fatos geradores representados por atos jurídicos por fatos de natureza econômica que pudessem medir a capacidade contributiva, tais como renda, consumo e patrimônio”. A reforma tinha como um dos objetivos “reduzir a autonomia dos estados e dos municípios para instituir tributos” e centralizar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, tornando-os mais eficientes. Para os municípios ficariam o ISS e o IPTU, para os Estado o ICM e o ITBI. Outra medida tomada foi à vedação à bitributação e, a competência residual ficaria somente com a União ou seria abolida. (DORNELLES, 2013, p.04).  A Constituição de 1946 trazia em seu bojo princípios constitucionais, porém, esses princípios eram inconsistentes, quando vinculados a partir da ideia de “nível de sistema” tributário, de um todo ordenado, harmônico e sistematizado. Nessa perspectiva, era necessária uma reforma tributária, que viesse a suprir essa inconsistência normativa com um imperativo fiscal para uma economia “imposta pelo crescimento nacional” industrial e pela “complexidade decorrencial” de um período pós-guerra. (MARTINS, 2000, p. 3). A reforma era necessária, pois não existia uma “sistematização das espécies tributárias”. Taxas e impostos se confundiam e os fatos geradores não eram adequados. Necessitava-se de um corpo de princípios e regras tributárias que se relacionassem. Dentro desse contexto, é instituída a Emenda Constitucional nº 18/65, que foi a fonte do nascedouro para o Código Tributário Nacional (CTN), criado como “Lei Ordinária e recebendo pouco depois, eficácia de Lei Complementar, quando da publicação da Constituição de 1967.” (MARTINS, 2000, p. 3). MARTUSCELLI, (2010, p.4217), corroborando, ensina que a Constituição de 1946, “não trata dos princípios, direitos e garantias da tributação de forma sistemática e efetiva, fazendo-o de forma aparentemente esparsa”. Em seu entendimento, ele nos afirma que “as reformas sofridas”, “não deram conta da tarefa de readequação do sistema tributário de então à nova realidade econômica nacional”. Neste contexto, ensejou “a criação de uma Comissão”, que tinha então o objetivo de elaborar “um anteprojeto de reforma tributária”. BARROS (2014, p.07), ensina que existia sim, na Constituição de 1946, uma “coexistência de um sistema tributário autônomo para cada unidade da federação, ou seja, União, Estados e Municípios, e a aceitação legal de uma classificação jurídica dos impostos”. Diante disso, poder-se-ia verificar, caso considerar tal hipótese, que existiria também, conflitos entre Estado e Municípios, ou mesmo, uma guerra fiscal, com o único intuito, pois, tudo conduzia para esse caminho, uma disputa entre os entes federados por uma maior arrecadação de tributos. Foi na década de 50, que Rubens Gomes de Sousa, de início, redigiu o anteprojeto do estatuto nacional de direito tributário. Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende e Carlos Rocha Guimarães exerceram a função revisora, “com especial percuciência, que suas anotações foram preservadas”. Somaram-se a eles a experiência de Amílcar de Araújo Falcão, que fundou as bases para ofertar o perfil da Emenda Constitucional nº 18/65, assim como da Lei 5.172/66, que constitui o atual CTN. (MARTINS, 2000, p. 7). Com uma intensa discussão no Congresso Nacional, entre consenso e dissenso, o anteprojeto sofreu grandes distorções, “alterando o esboço de Rubens Gomes de Sousa, inclusive destruindo o capítulo das infrações tributárias”. (MARTINS, 2000, p. 7) Em 1964 inicia um período peculiar na história nacional, com o Golpe Militar, mas, são iniciadas as “reformas significativas nas estruturas políticas nacionais”, que atinge diretamente a “estrutura tributária então vigente”, com publicação da “Emenda Constitucional n.º 18/65 e, posteriormente, pela publicação do Código Tributário Nacional”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4218). Por fim, a proposta de Emenda Constitucional 18/65, é instituída sobre o princípio do Federalismo, na tentativa de reestruturação tributária, culminando na publicação da então Emenda Constitucional n.º 18/65, com uma promessa de uma melhora qualitativa no Sistema Tributário Nacional. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4218). Foram instituídos 15 impostos, para o Sistema Tributário Nacional, emanado pala EC. de 18/1965, que “se apoiava principalmente em dois impostos federais”, um imposto de renda progressivo e um imposto seletivo sobre o consumo de produtos industrializados (IPI), e em um imposto estadual de consumo, que era cobrado no momento da circulação, tendo como fato gerador a saída das mercadorias do estabelecimento industrial, comercial ou produtor. Do “IPI era destinado um porcentual para os fundos de participação dos estados e dos municípios”. 4.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1967 Com a Constituição de 1967 é inaugurado o Sistema Tributário Nacional, criado pela anterior Emenda Constitucional n.º 18/65, no Capítulo V, do Título I, artigo 18, onde fez constar em “seu texto um capítulo específico acerca das normas de tributação de forma sistematizada”. “Nunca se teve em mente a maximização de direitos e garantias do cidadão” como nesses textos. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Construída sobre a base de três gêneros de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, conforme o artigo 18, da Constituição de 1967. A Constituição também vai especificar as competências de cada ente, “partindo da fixação lógica de regras de competência e limites comuns” para em momento porvindouro, “indicar individualmente a parcela de Poder conferida a cada esfera da federação”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Contraditoriamente ao princípio do federalismo, é instituída a competência isencional heterônoma, legitimando a “União a conceder isenções acerca de tributos que não eram de sua competência”, descritas em seu artigo 20, § 2.º, tal exceção causa perplexidade na seara tributária. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). É instituído o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), retirando das mãos dos Estados à prerrogativa de alterar as alíquotas do imposto sobre o consumo e passando essa prerrogativa para serem fixadas pelo Senado Federal. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Já instituída, mantém-se a cláusula de reserva legal em seu artigo 20, inciso I, bem como a imunidade dos livros, jornais e periódicos, descrita no inciso III, alínea “d”. Instituem as imunidades referentes aos gêneros de primeira necessidade, e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias aplicável, conforme a previsão do artigo 24, § 6.º. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Segundo TAVARES (2015, p.2), a “racionalização era o foco, com apoio em medidas que, de imediato, contribuíssem para a reabilitação das finanças federais” nesse sentido era preciso que, acolhessem de “forma mais urgente os reclamos de alívio tributário dos setores empresariais”, base de apoio do regime que agora se instalava. Um dos aspectos principais dessa reforma tributária, fora a “alteração da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre valor agregado”, não mais era permitido impostos cumulativos. Também, como medida de prevenção, diante da anterior desordem dos tributos, é vedada, aos entes federados, criar “indiscriminadamente novos impostos, sendo essa tarefa restringida à União, o que levou a época à égide de três sistemas tributários distintos: o federal, o estadual e o municipal” (OLIVEIRA, 2010 apud TAVARES 2015, p.2). Foram feitas várias inovações, muitos tributos foram “extintos, outros renomeados, (mas,) todos tendo suas bases de incidência muito bem definidas”. Com essas mudanças o Estado passa a atuar “diretamente na economia, impulsionando ou desincentivando importações ou exportações, e regulando o consumo”, como política extrafiscal. (TAVARES 2015, p.2). (grifo nosso). Foram instituídos novos impostos “sobre valor agregado” ou adicionado, “IVA: o Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, ICM” sepultando de uma vez a cumulatividade e a “adoção do IVA no Brasil – ainda que sem ter este nome – precedeu o uso desse instrumento tributário na própria comunidade econômica européia – com exceção da França”. Nesse contexto, o Brasil, passou a ter um dos “sistemas tributários mais modernos do mundo, na época” (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p.246 apud TAVARES, 2015, p.2). TAVARES (2015, p.2) ensina que fora Instituído o imposto sobre o comércio exterior: Impostos de Importação e o de Exportação; os impostos sobre patrimônio e a renda; o IPTU municipal; ITBI estadual; o ITR e o IR federais; os impostos sobre a produção e a circulação, como o IPI e ICM; o Imposto sobre Serviço de Transportes e Comunicações, ISTC e o IOF; o ISS; o imposto único sobre energia elétrica (IUEE); Imposto único sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e imposto único sobre minerais (IUM). (OLIVEIRA, 2010; REZENDE, 1996 apud TAVARES, 2015, p.02). As contribuições sociais, contribuições parafiscais, “destinadas ao financiamento de políticas sociais específicas”, de contribuição previdenciária, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS, e do Programa de Integração Social, PIS, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, PASEP (OLIVEIRA, 2010; REZENDE, 1996 apud TAVARES, 2015, p.02). Houve a elevação das alíquotas do “IPI, ICM e do IR, tanto para pessoas físicas como para as jurídicas”, também, “eliminaram isenções para certas categorias profissionais”, e em “1968 tem-se a criação da Secretaria da Receita Federal”, proposta que representou “mudanças operadas pelo Ministério da Fazenda até década de 1970”, cujo objetivo era dar “status de eficiência à Administração Tributária federal, garantindo o aperfeiçoamento da fiscalização e da arrecadação”. (TAVARES, 2015, p.02). A Secretaria da Receita Federal foi criada pelo Decreto n.º 63.659 de 1968, “passando a ocupar o antigo posto da Direção Geral da Fazenda Nacional” com uma conseqüente elevação da “tributação nacional dos antigos 18% (dezoito por cento) ao patamar de 24% (vinte e quatro por cento) do Produto Interno Bruto”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Na Constituição de 1967, foram implantadas poucas “modificações em relação ao texto anterior já emendado pela Emenda Constitucional n.º 18/65”, modificações essas, que realmente fizeram sentidos, “concernente ao Imposto sobre Minerais, previsto no artigo 21, inciso IX”; “as contribuições de intervenção no domínio econômico, sobre previdência social”; e as contribuições no interesse de categorias profissionais, art. 21, §2.º, inciso I. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Os municípios tinham a faculdade de arrecadar o ICM, que era regulado pelos Estados com as alíquotas máximas de 30%. Tendo a seguinte incidência: Imposto sobre o comércio exterior; Imposto sobre o Patrimônio e a Renda; Imposto sobre a Produção e a Circulação (o ICM e o IPI pertencem a esse grupo) e Impostos especiais. (VALENTIM, 2014, p. 20). Com a Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, estabeleceram-se normas básicas do ICM, e em 28 de Dezembro de1966, foi instituído o Ato Complementar nº. 31, que determina um único imposto substituindo o imposto estadual e municipal, o ICM que passou a ser de competência dos Estados, transferindo 20% da arrecadação para os municípios. (VALENTIM, 2014, p. 20). Por fim, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional de nº 01/69, os critérios de incidência do ICM, não foram alteradas, mas, “incluíram novas alíquotas diferenciadas para as operações interestaduais e determinou que as isenções do ICM”, seriam concedidas através de “convênios celebrados entre os Estados e o Distrito Federal” sendo o fato gerador a circulação de mercadorias “desde a fonte produtora até o consumidor final”, de todo “bem móvel e tangível, produzido ou recebido para ser posto em circulação”. (VALENTIM, 2014, p. 20). 4.4. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Em março de 1987, iniciaram-se os debates na Assembléia Nacional Constituinte, distribuídos entre subcomissões temáticas, a do sistema tributário fora analisada e “dirigida pelos constituintes Benito Gama e Fernando Bezerra Coelho, cujo anteprojeto foi aprovado em 25/5/1987”, e consolidado dentre “duas subcomissões, que trataram dos orçamentos e do sistema financeiro”, composta por 62 membros, e atuando como relator o constituinte José Serra, por fim, sendo aprovado o Sistema Constitucional Tributário em 22/6/1987. Segundo VARSANO (1996, p.12), “o sistema tributário criado pela Constituição de 1988”, foi fruto de um processo “participativo em que os principais atores eram políticos”, mas, sabe-se bem, que esses políticos estavam preparados para conduzir “o processo de criação (pois) tinham formação técnica e haviam exercido recentemente funções executivas no governo e que um grupo de técnicos os assessorava”. Era permitida intensa participação de todos constituintes, “era profundamente democrático” até mesmo a “participação direta da população com as emendas populares”, com “total liberdade de concepção”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, revela-se modificada, “consideravelmente, a estrutura da distribuição de competências e de distribuições de receitas entre os entes da federação, beneficiando estados e municípios em detrimento da União”, exemplos dessa distribuição de competência dos Estados são dos “impostos únicos (incidentes sobre a energia elétrica, os combustíveis e os minerais) e especiais (transportes rodoviários e serviços de comunicação)”, sendo integrado em um único imposto, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). (DE OLIVEIRA, 2010, p.39). “Manteve praticamente a estrutura da Emenda Constitucional de nº 18 de 1965”, tanto o IR, como o IPI “continuaram sendo o carro chefe da arrecadação da União e o ICM (que se tornou ICMS), a principal fonte de arrecadação dos estados”. (DORNELLES, 2013, p.07). Henrique e Ricci (2014, p.03), citando HENRIQUE (2011), ensina que “a esperada descentralização tributária e de poder” e a autonomia para legislar e instituir impostos passou a ser distribuída entre os entes federados: União, Estados, Municípios e Distrito Federal, com a Constituição Federal de 1988. Mas, com ela veio também o aumento na carga tributária. Ampliaram-se, consideravelmente, a base de incidência do “Imposto de Renda e do IPI, transferida para os estados e municípios (de 33% para 47% no caso do IR e de 33% para 57% no do IPI)”, e repartindo a arrecadação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), com os municípios. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). Cabendo aos estados 10% da arrecadação do IPI, “repartido em proporção à exportação de produtos manufaturados. Desse montante, 25% são entregues pelos estados a seus respectivos municípios”. (Varsano, 1996, p.12/13). E, com os fins de beneficiar os Estados, foi instituída, a ampliação da base de incidência do novo ICMS; a criação do Imposto sobre Herança e Doações; o aumento do FPE e dos recursos para os “Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (NO-NE-CO). (Varsano, 1996, p.14). Sendo extinto o FE “mais que o montante de 3% da arrecadação do IR e do IPI”, “é destinado a programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, através das instituições financeiras federais de caráter regional”. (Varsano, 1996, p.14), e da criação do Fundo de Compensação das Exportações de Manufaturados, que drenaria 10% da receita do IPI”. Proporcionando, ainda aos Estados, a autonomia para o “estabelecimento das alíquotas do ICMS, observadas as limitações previstas em lei”. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). Os municípios foram beneficiados com o aumento do FPM e do Fundo de Compensação das Exportações de manufaturados, também por tributos da União e dos Estados que passaram para sua competência, caso esse do Imposto de “Venda a Varejo de Combustíveis, que seria cobrado até 1993, quando a Emenda Constitucional de Revisão nº 3 (EC 03/93) determinou sua extinção”, e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos, agora, passando para a competência dos municípios. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). E vedou-se “a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades” da federação. (Varsano, 1996, p.12/13). Nesse contexto, a receita tributária da União caiu “de 60,1% em 1988 para 54,3% em 1991, enquanto a dos Estados aumentou de 26,6% para 29,8% e a dos Municípios, de 13,3% para 15,9% no mesmo período”. (DE OLIVEIRA, 2010, p.41). Já na discussão entre a tributação “cumulativa versus tributação do valor agregado”, na constituição de 1988, percebe-se uma crescente participação das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento do PIS/COFINS e da CPMF na arrecadação total”. (TAVARES, 2014, p. 03). Verifica-se também, que os tributos incidentes sobre vendas de bens e serviços, tiveram uma “participação agregada na carga tributária total, que passou de 15,5% em 1989, para 35%, em 2002”, sendo dividida em dois grupos: “valor adicionado ICMS e IPI” e os que incidem cumulativamente COFINS; PIS/PASEP; CPMF; IOF e ISS. “Em 1968 os tributos cumulativos representavam 1,60% do PIB e apenas 6,87% do total da receita nacional”. “Em 2002 atingiram 7,87% do PIB, ou 21,8% do total”. (TAVARES, 2014, p. 03). Finalizando, TAVARES, (2014, p. 03) citando AVARTE e BIDERMAN (2004, p.170), ensina que os “impostos sobre valor adicionado, por seu turno, respondiam por 11,70% do PIB e por 50,21 % da carga total” em 1968 e, “em 2002, responderam por 9,45% do PIB e por 26,18% do total”, gerando “R$ 86 bilhões, somente entre COFINS, PIS e CPMF”.  (AVARTE; BIDERMAN, 2004, p.170).      CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução história do Sistema Tributário Nacional pode ser compreendida pelos fatos e acontecimentos históricos do processo de desenvolvimento de um Estado Nacional que necessitava se adaptar às mudanças do sistema econômico mundial, que agora possuía uma base econômica industrial, e que para integrar-se, a essa nova realidade, precisaria implementar mudanças nos sistemas normativos nacional e na Constituição de seu Estado, transformando a sua economia agroexportadora para uma economia urbana industrial. A estrutura do Sistema Tributário Nacional no período anterior a Emenda Constitucional nº 18 de 1965 mostrou-se desfavorável para sua implantação, devido principalmente aos compromissos assumidos por um governo centralizador que tinha como proposta desenvolver os setores da economia com programas de incentivo a industrialização no país. Muitas das decisões levaram a ajuste fiscal, num contexto de ausência de iniciativas de reformas mais abrangentes capazes de conciliar os vários setores de interesses da nação, ou quanto esses setores seriam afetados, sem descurar estes compromissos. No campo da administração tributária avanços foram feitos, com significativo desempenho, mudanças ocorreram, os entes federados, em todos os níveis de governo, tornaram-se capazes de cobrar, com eficiência os impostos de sua competência. Uma verdadeira “revolução” no Sistema Tributário Nacional ocorreu quando da Emenda Constitucional nº 18º de 1965, transformando o Estado brasileiro em uma máquina de arrecadação e de fiscalização, renovando suas instituições, órgão e delegacias, impulsionada pelo avanço do processo de informatização e pela absorção, do fisco brasileiro, das novas tecnologias de informação, modernizando suas estruturas, em termos de controles, procedimentos, instituição de canais e de comunicação com os contribuintes. (DE OLIVEIRA, 2010).
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/evolucao-historica-do-sistema-tributario-nacional/
A inconstitucionalidade do bônus de eficiência aplicada aos auditores e julgadores fiscais
Esse artigo pretende abordar e discutir a questão do bônus de eficiência estipulado em prol dos auditores e julgadores fiscais pela manutenção de infrações em benefício da Fazenda com o confronto do princípio da imparcialidade, gerando automaticamente benefícios financeiros para os respectivos agentes.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Vive-se em tempos de profunda recessão econômica devida a vários fatores endógenos e exógenos, podendo se destacar a própria crise política que afeta consideravelmente o sensível mercado, causando-lhe instabilidade e inconstâncias na moeda, surgindo assim com mais força o fenômeno inflacionário e seus malefícios. Nesse momento de crise, só existem duas saídas: i) adquirir mais receitas do que as despesas; ou ii) cortas os gastos desnecessários. Tendo em vista a “sede arrecadatória do Estado”, o governo adotou a opção nº I, majorando a carga tributária, suspendendo várias isenções anteriormente concedidas com prazos indeterminados, sempre visando o aumento da sua arrecadação, inclusive, estudando propostas de instituição de novos tributos, que na conjectura atual do País, impactarão ainda mais a “pesada” carga tributária suportada pelos brasileiros. Adotando a opção nº II, várias empresas vêm objetivando a redução dos gastos mensais, fazendo com que o índice de desemprego no País suba ferozmente: de 9% em setembro/novembro de 2015 para 11% em 2016, de acordo com dados publicados pelo IBGE. Com o desemprego em massa e a impactante carga tributária imposta, os pedidos de falência registraram alta de 36% no acumulado do 1º bimestre em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), com abrangência nacional. Em fevereiro de 2016, o número de pedidos de falências aumentou de 30,5% na comparação mensal e 76,3% em comparação a fevereiro de 2015. Conforme dados do IBGE e do Cadastro Central de Empresas – CEMPRE, 50% das empresas se tornam inativas após os 2 primeiros anos de criação, tendo em vista o custo, a burocracia e outros entraves para o crescimento. Do percentual restante, segundo a média de sobrevivência empresarial no Brasil, existe a porcentagem das que estarão fadadas ao prazo de validade de aproximadamente 30 anos, sendo pouquíssimas as que conseguem ir além, sendo essa a realidade empresarial no Brasil. Tendo por base tais informações e sabendo o ente público detentor da competência tributária possui a faculdade de sua utilização, podendo até mesmo realizar a remissão total, a concessão de parcelamentos tributários ganha importância ímpar pela esperança de arrecadação e dos contribuintes que almejarem quitar suas dívidas com certos “benefícios” como a redução de juros e multa. Dentre tais parcelamentos, destaca-se o estipulado pela Lei Complementar nº 362/2017, denominado de Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, instituído pelo Governo de Pernambuco. O art. 10 da LC nº 362/2017, objeto do referido estudo, incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008, instituindo o bônus de eficiência dos Auditores e Julgadores do SEFAZ/PE. O tema ganha importância quando se contextualiza com os acontecimentos políticos e sociais vigentes no País, com a crise política e a consequente perda da credibilidade das instituições, envolvidas muitas vezes com a corrupção, desvio de dinheiro público e consequentemente fator de injustiça, gerando a ineficácia normativa social e o sentimento de revolta. Analisar-se-á a questão da legalidade e constitucionalidade das respectivas leis em face dos dispositivos e princípios fundamentais versados no ordenamento jurídico em busca da extensão e consequência dos efeitos do bônus de eficiência quanto a imparcialidade dos julgados e dos respectivos agentes envolvidos. A pesquisa será feita no modelo teórico, com base na doutrina, em reportagens, contando com a jurisprudência dos tribunais superiores a respeito do tema. I – A LEI COMPLEMENTAR 362/2017 E AS ALTERAÇÕES NA LC 107/2008 A LC nº 362/2017 apresenta dois objetivos, primeiramente, estipular as condições para o ingresso no Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, que dispõe sobre a redução dos valores de multas e juros relativos a débitos do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, mediante o pagamento integral à vista ou parcelado.  Segundamente, estipular alterações contidas na Lei Complementar nº 107/2008, com o disposto no art. 10, in verbis: “Art. 10. A Lei Complementar nº 107, de 14 de abril de 2008, passa avigorar com as seguintes modificações: “Art. 44 … §2º … III … c) do bimestre de março e abril de 2016 ao bimestre de maio e junho de 2017, a primeira a 16% (dezesseis por cento) e a segunda a 30% (trinta por cento) de vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 36% (trinta e seis por cento) do vencimento-base; (NR) d) do bimestre de julho e agosto de 2017 ao bimestre de setembro e outubro de 2017, a primeira a 28% (vinte e oito por cento) e a segunda a 42% (quarenta e dois por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 48% (quarenta e oito por cento) do vencimento-base; e (AC). e) a partir do bimestre de novembro e dezembro de 2017, a primeira a 36% (trinta e seis por cento) e a segunda a 50% (cinquenta por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 56% (cinquenta e seis por cento) do vencimento-base; e (AC) Art. 50-B. Fica concedida, ao AFTE e ao JATTE, Indenização por Eficiência na Limitação de Campo – IELC, correspondendo ao valor da participação do ingresso de receitas provenientes de multas, de que trata o inciso III do art. 41, que, do somatório das parcelas de remuneração previstas nos arts. 41 a 47, exceder o limite do §6º do art. 97, não podendo extrapolar o valor do art. 56, parte final, ambos da Constituição do Estado de Pernambuco, observando-se as seguintes condições: (AC)
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Da incidência TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS: uma análise interdisciplinar
Pretende-se, no presente trabalho, defender, através de uma análise técnica e jurídica, a impossibilidade de incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e da Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD sobre a base de cálculo do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS), na medida em que a distribuição e transmissão são consideradas atividades-meio, as quais não há transferência de titularidade da mercadoria. Busca-se respaldar o estudo em doutrinas, análises técnicas e jurisprudências, a fim de ratificar a possibilidade de fracionamento das etapas de fornecimento de energia elétrica, bem como enfatizar o momento em que há ocorrência do fato gerador do tributo.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Primeiramente, cumpre salientar que o fornecimento de energia elétrica se sujeita à incidência de um imposto estadual, denominado imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS). Porém, o que os entes estatais têm feito é uma cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD, que se referem ao uso da rede básica de energia elétrica. Insta salientar que as etapas de transmissão e distribuição constituem atividade meio, possuindo a função de propiciar que a energia elétrica possa chegar aos consumidores, essa sim, atividade fim. O que se pretende abordar no presente estudo é a possibilidade de fracionamento das etapas de fornecimento de energia elétrica, bem como a definição do fato gerador do ICMS, através de uma análise técnica e jurídica, ensejando uma conclusão sobre a possibilidade ou não de incidência do imposto estadual sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição – TUSD. 1. DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL, INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS) Conforme preleciona o artigo 155 da Constituição da República, a instituição do ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal. A base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. O conceito de circulação é entendido como uma alteração da titularidade jurídica do bem. Conforme define (SABBAG, 2015, fls. 230) “A movimentação física do bem não se traduz em circulação, propriamente dita. Cite-se,como exemplo, a saída de bens para mostruário. Nessa hipótese, não incide o ICMS, pois não houve mudança de titularidade. Nessa toada, o conceito de “mercadoria” deve ser assimilado, a fim de que se tenha o correto entendimento do fato gerador do ICMS: “mercadoria” vem do latim merx, i.e.,“coisa que se constitui objeto de uma venda”. A Constituição Federal define, de forma implícita, o vocábulo “mercadoria”, em seu sentido estrito, englobando no termo as ideias de “produto” e “intenção de mercancia”, assim devendo ser ele entendido para a constituição do fato gerador do ICMS. Nessa toada, o conceito de “mercadoria” deve ser assimilado, a fim de que se tenha o correto entendimento do fato gerador do ICMS: “mercadoria” vem do latim merx, i.e.,“coisa que se constitui objeto de uma venda”.” Corroborando com esse entendimento, (MINARDI, 2015, p.770): “Em síntese, a operação de circulação de mercadorias consiste em um negócio jurídico, regulado pelo direito que implique necessariamente mudança de titularidade, passando a mercadoria de uma pessoa para outra, uma vez que circular significa, para o direito, mudar de titular, movimentação com mudança de patrimônio. Por essa razão, o STJ sedimentou seu entendimento de modo que a circulação de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo titular não se sujeita à incidência do ICMS.” Ainda sobre o ICMS, dispõe (MACHADO, 2015, p. 344), “é fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal”. Em estudo encomendado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) no ano de 2016, constatou-se que ICMS é responsável por 18,3% do total de tributos pagos pelos brasileiros. Desse modo, qualquer decisão que vise à redução no recolhimento do supracitado imposto afeta o ente estatal, que tende a demonstrar sua irresignação através de peças processuais cabíveis. 2. DEFINIÇÃO JURÍDICA DE ENERGIA Nota-se que, conforme a interpretação do texto constitucional e da LC 87/96 (Lei Kandir) refletida expressamente na legislação tributária do ICMS em cada Estado, a energia elétrica é considerada uma mercadoria. Nesse sentido, “in verbis”:  “Art. 2° O imposto incide sobre:(…) § 1º O imposto incide também: I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade. II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente”. Ademais, preleciona o artigo 4º da supracitada lei complementar, “in verbis”: “Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:   (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)     I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;    (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) II – seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;   (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.” Insta salientar que o direito considera a energia elétrica como bem móvel, sendo que, com fulcro no artigo 155, II, da Constituição da República, a sua comercialização estaria sob o âmbito de incidência do imposto ICMS, quando instituída a lei especifica do respectivo tributo. Ademais, o artigo 82, I, do Código Civil de 2002, consagrou a energia elétrica como bem móvel, “in verbis”: “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I – as energias que tenham valor econômico.” Sendo assim, considerando que o artigo 110 do Código Tributário Nacional prevê que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, para definir competências tributárias, a energia elétrica constitui base econômica do imposto. Nesse sentido, destaco entendimento de (SABBAG, 2012, p. 1064):“Cabe registrar que a energia elétrica é pacificamente entendida como ‘mercadoria’ para efeito da incidência do ICMS”. Desse modo, a partir da conclusão de que energia elétrica é considerada, para fins jurídicos uma mercadoria, passa-se a uma análise do procedimento realizado até que a mesma chegue à residência dos consumidores, e, posteriormente, far-se-á um estudo, especificadamente, acerca da incidência do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação – ICMS no atinente as operações realizadas com energia elétrica. 3. ENTENDENDO UM POUCO MAIS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA Fulcrado no entendimento da ANEEL, a rede básica de energia elétrica, é constituída por subestações e linhas de transmissão, sendo o sistema integrado por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e extra altas. Após a produção de energia elétrica – (maior parte têm procedência de usinas hidroelétricas, seguida pelas termoelétricas, e em menor quantidade por fontes renováveis de energia, por meio de parques eólicos e painéis fotovoltaicos) -, essa se direciona para os municípios por meio das linhas e torres de transmissão de alta tensão. Essas supracitadas linhas e torres são visíveis nas estradas, objetivando a condução de energia por longas distâncias. No momento em que a energia elétrica chega às cidades,ocorre sua passagem por transformadores nas subestações, a fim de se reduzir a tensão, sendo este um procedimento técnico importante para sua posterior utilização pela rede de distribuição. Esta, por sua vez, por meio dos fios instalados nos postes, é responsável pelo transporte de energia até as ruas ou avenidas. Previamente ao ingresso nas casas, a energia elétrica ainda se desloca pelos transformadores de distribuição (também instalados nos postes) que rebaixam a tensão para 127 ou 220 volts, adequando-a a sua utilização pelos consumidores. Desse modo, inconteste a possibilidade e a efetiva separação entre as fases do procedimento de fornecimento de energia elétrica. É o que se verifica (BRASIL.GOV, 2014): “Antes da privatização do setor, no início dos anos 2000, as empresas eram verticalizadas e não havia separação dos negócios da cadeia produtiva (geração, transmissão e distribuição). Hoje independentes, as distribuidoras são o elo entre o setor elétrico e a sociedade: essas instalações recebem das companhias de transmissão a maior parte do suprimento de energia elétrica destinado ao abastecimento do País.” 4. DA IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO Após uma análise jurídica do ICMS, bem como análise técnica sobre as etapas que percorrem a energia elétrica, tem-se que o fato gerador do imposto só pode ocorrer pela efetiva entrega da energia ao consumidor. Sendo assim, exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre o fato gerador não previsto na legislação regente (notadamente Constituição Federal e Lei Complementar n° 87/96), o que viola frontalmente o princípio constitucional da reserva legal prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.Acrescente-se que o ponto foi objeto, ainda, da Súmula 391 do STJ, “in verbis”: “Súmula 391 – STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada”. Bem como, dispõe a Súmula 166 STJ, “in verbis”: “Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” Ora, considerando o previsto em súmulas e leis constitucionais e infraconstitucionais, a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluído o custo de eventuais operações anteriores com a produção e distribuição da energia elétrica. Por fim, torna-se indispensável salientar que há houve Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Complementar, PEC nº 285/04 e PLC nº 352/02, com textos não aprovados – não instituindo, portanto, a incidência do ICMS nas etapas intermediárias do fornecimento de energia elétrica -, que dispunham, respectivamente: “Ressalvado o disposto no § 2º, X, b, a incidência do imposto de que trata o inciso II do caput, sobre energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados:I – ocorre em todas as etapas da circulação, desde a saída do estabelecimento produtor ou a importação até a sua destinação final; II – em relação à energia elétrica, ocorre também nas etapas de produção, de transmissão, de distribuição, de conexão e de conversão, até a sua destinação final. Art. 13. […] VIII – na hipótese do inciso XII do art. 12, o valor: a) da operação de que decorrer a entrada de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo;b) total cobrado do adquirente, nele computados todos os encargos, tais como os de geração, importação, conexão, conversão, transmissão e distribuição, em relação à entrada de energia elétrica.” Tal questão demonstra e ratifica, mais uma vez, a impossibilidade de tributação, com muito mais razão quando até mesmo propostas e projetos foram rejeitados. Portanto, não se desconhece que o custo da energia elétrica fornecida ao consumidor final aumenta em cada etapa, porém isso não deve ser repassado ao consumidor, quando não decorrenteda operação final, sendo que atributação só se torna juridicamente possível quando a energia elétrica, por força de relação contratual, saido estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida. 5. DA SIMILARIDADE AO CASO DA TENTATIVA DOS ESTADOS COBRAREM ICMS SOBRE A ATIVIDADE DE PROVIMENTO DE ACESSO À INTERNET Em decisão acerca da possibilidade de incidência de ICMS sobre a atividade de provimento de acesso à Internet, entendeu-se o Superior Tribunal de Justiça pela negativa, na medida em que restou entendida a inexistência de comunicação, sendo uma infraestrutura fornecida pelas operadoras de telecomunicações, cujas operações eram devidamente tributadas. Ora, não havendo comunicação, não nascia o fato gerador e, portanto, não haveria incidência tributária. A questão cerne do presente estudo apresenta respaldo similar, uma vez que não havendo operação de circulação jurídica de energia, a parcela que remunera o mero serviço de entrega física do bem não deveria sofrer tributação, conforme bem salientado pela Ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa. Nesse sentido, colaciono julgado em que prevê esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “in verbis”: “ProcessoREsp 754393 / DF RECURSO ESPECIAL2005/0087855-1 Relator(a)Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) Relator(a) p/ AcórdãoMinistro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão JulgadorT1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento02/12/2008 Data da Publicação/FonteDJe 16/02/2009 Ementa TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. ASSINATURA MENSAL. ATIVIDADE-MEIO.SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. CONCEITO. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE AATIVIDADE-FIM. COMUNICAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES. I – "Este Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade deanalisar o conteúdo desse convênio, concluindo, em síntese, que: (a a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da LeiComplementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMSsomente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamenteditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidirsobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre aatividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuárioe de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, oserviço é considerado preparatório para a consumação do ato decomunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito,consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral deTelecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o DireitoTributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneiraque, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam ofato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, doCTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidênciado ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio delei complementar." (REsp nº 601.056/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJde 03/04/2006). No mesmo sentido: REsp nº 418.594/PR, Rel. Min.TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/03/2005 e REsp nº 402.047/MG, Rel.Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 09/12/2003. II – Ante a evidência de que não se trata de serviço de comunicação em sentido estrito, inviável a inclusão no seu conceito do serviço de "assinatura mensal", para fins de incidência do ICMS. III – Recurso Especial provido.” 6 – DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS Não obstante haja uma decisão isolada, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legalidade da incidência do ICMS sobre TUST/TUSD, o supracitado Tribunal selecionou acórdãos sustentando que a Tarifa de Utilização do Sistema de Distribuição (Tusd) não integra a base de cálculo do ICMS sobre consumo de energia elétrica, tendo em vista que o fato gerador só se verificaquando a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida (precedentes). Nesse sentido, destacam-se alguns julgados, “in verbis”: “Processo REsp 1649658 / MT RECURSO ESPECIAL 2017/0013910-3 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 20/04/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 05/05/2017 Ementa TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DOCPC. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. FATO GERADOR. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO FORNECEDOR. CONSUMO. BASE DE CÁLCULO. TUSD. ETAPA DE DISTRIBUIÇÃO.NÃO INCLUSÃO. PRECEDENTES. 1. O Tribunal a quo confirmou sentença de concessão da Segurança para determinar que a autoridade apontada como coatora deixe de lançar o ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) da conta de energia elétrica consumida pela recorrida. 2. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamentefundamentada, a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 3. Não há falar em descumprimento do rito processual relativo à observância da cláusula de reserva de plenário, pois não se verifica o afastamento, pelo Tribunal local, dos dispositivos invocados pelo recorrente, mas, sim, interpretação dos enunciados neles contemplados, a exemplo do conceito de "valor da operação". 4. O STJ possui entendimento consolidado de que a Tarifa de Utilização do Sistema de Distribuição – TUSD não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai doestabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe ovalor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor (AgRg na SLS 2.103/PI, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, DJe 20/5/2016; AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13/4/2016; AgRg no REsp 1.075.223/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 11/6/2013; AgRg no REsp 1.014.552/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/3/2013; AgRg nos EDcl no REsp 29/9/2010). 5. Não se desconhece respeitável orientação em sentido contrário, recentemente adotada pela Primeira Turma, por apertada maioria, vencidos os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Regina Helena Costa (REsp 1.163.020/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 27/3/2017). 6. Sucede que, uma vez preservado o arcabouço normativo sobre o qual se consolidou a jurisprudência do STJ e ausente significativa mudança no contexto fático que deu origem aos precedentes, não parece recomendável essa guinada, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e daisonomia (art. 927, § 4°, do CPC/2015). 7. Recurso Especial não provido.” “Processo AgInt no REsp 1607266 / MT AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2016/0157592-8 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 10/11/2016 Data da Publicação/Fonte DJe 30/11/2016 Ementa PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E DA TUSD. DESCABIMENTO. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O STJ possui jurisprudência no sentido de que a Taxa de Uso doSistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS 3. Agravo Interno não provido.” CONCLUSÃO Nota-se que é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, uma vez que, conforme demonstrado cabalmente, as etapas são bem delineadas, de modo que cada uma possui uma atribuição diversa. Não se nega, tecnicamente, que tais procedimentos se realizam com certa instantaneidade, entretanto, tal celeridade entre as fases não consolida o entendimento de impossibilidade de fracionamento. Salienta-se, ainda, que o fornecimento de energia elétrica inclui os custos de geração, transmissão e distribuição, porém quando ocorrem as fases de transmissão e distribuição ainda não fora efetuada a transferência de titularidade, indispensável para a incidência do ICMS, constituindo-se como atividade meio, que não poderá ensejar que o ônus pelo pagamento recaia sobre o consumidor, em virtude de estar o mesmo adimplido além da energia efetivamente consumida, ensejando um pagamento em excesso. Portanto, embora a geração, a transmissão e a distribuição formem o conjunto dos elementos essenciais, o fato gerador – a situação de fato, prevista na lei de forma prévia, genérica e abstrata, que, ao ocorrer na vida real, faz com que, pela materialização do direito ocorra o nascimento da obrigação tributária – do ICMS apenas ocorre no momento da transmissão de propriedade de mercadoria, que não se verifica nas etapas de distribuição e transmissão. Conclui-se, assim, em outras palavras, que é entendimento consolidado que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria (no caso em comento, a energia elétrica) de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, o que por si só, respalda a ilegalidade na incidência de ICMS em TUST/TUSD.
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Evolução histórica do Sistema Tributário Nacional
O presente artigo tem por objetivo resgatar o momento histórico que ensejou a instituição do Sistema Tributário Nacional, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 18/65, a promulgação da Constituição de 1967 e posterior a publicação do Código Tributário Nacional, seguindo a linha de evolução histórica dada pelo Jurista e Professor Ives Granda da Silva Martins (2000). Em seguida, analisam-se eventos tributários nas Constituições de 1946, 1967 e 1988, e a Emenda Constitucional nº. 18/1965, revisitando interpretações de fatos dados por outros doutrinadores e juristas, que analisam eventos tributários nas constituições, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas abrindo um debate para investiga a efetividade com que as Constituições brasileiras trataram do tema sobre a tributação e o Sistema Tributário Nacional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inicialmente, antes de passarmos ao estudo da Evolução do Sistema Tributário Nacional, é de bom estudo, saber como alguns doutrinadores interpretam a ideia de sistema, qual significado, como funciona, qual é o seu objetivo, suas características; bem como verificar como eles a descreve em seus estudos. Em seguida, para posicionar nosso estudo num tempo histórico da evolução do Sistema Tributário Nacional, é preciso ter um ponto de partida, um início, uma identificação de quando foi instituído no Brasil o Sistema Tributário Nacional, pois, ajudará a entender suas bases, suas características, princípios e regras, compreender a funcionalidade do instituto como um todo, evitando desviar do âmbito de atuação do estudo. Posteriormente, analisaremos na Constituição brasileira de 1946, fatos históricos: que ensejaram um Sistema Tributário Nacional e a Emenda Constitucional nº 18 de 1965; na Constituição de 1967 e na Constituição de 1988. 1. SISTEMA A palavra “sistema” é de origem grega, e é derivado da palavra SYNÍSTANAI, ela é formada por duas outras a SYN que significa “junto” e a palavra HÍSTANAI que significa “fazer ficar em pé”, porém pode ser interpretado como “fazer funcionar, ou seja, SYNISTANAI tem o significado de “fazer funcionar junto”. A partir da palavra “SYNISTANAI, surgiu SYSTEMA que significa reunião de várias partes diferentes” (GRAMÁTICA.NET.BR, 2017). Segundo SOARES (2004, p.209), sistema é ordem, e, é o todo ordenado. Mas, em seu vocábulo possui dois sentidos, o primeiro como nexo, que trata da reunião de coisas, dos elementos de um conjunto, de um “Conjunto de coisas interligadas”. “De outro lado, a usamos no sentido de ‘método’, quando dizemos, por exemplo, ‘ser sistemático’, significa com isso, ‘ser metódico’”. Sendo assim, “sistema é um conjunto de elementos e um conjunto de elementos que estão relacionados entre si”, formando um repertório que compõem a estrutura de um sistema, “que mantém relacionamentos a partir de uma série de regras que unem esses elementos entre si”. (SOARES, 2004, p.209). Por fim, sendo sistema “o conjunto organizado de partes, relacionadas entre si e postas em mútua dependência”, ele possui “duas acepções”, “o sistema externo ou extrínseco e o sistema interno ou intrínseco”. (SOARES, 2004, p.209). 2. INSTITUIÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Como ponto de partida para o nosso estudo sobre a evolução histórica do Sistema Tributário Nacional, de sua instituição no Brasil, nos filiamos ao entendimento do Jurista e Professor Ives Granda da Silva Martins (2000). Ele nos ensina que o “Direito tributário principiou a ganhar consistência como Sistema Tributário Nacional a partir da Emenda Constitucional nº 18/65”. E o que existia anterior à Emenda Constitucional nº. 18/1965, defendido por alguns como um sistema autônomo, na verdade era uma completa desarmonia das normas, “apesar de já se ter desenvolvido, com razoável densidade, a técnica impositiva concernente a alguns tributos”. (MARTINS, 2000, p. 1-2). Anterior a Emenda Constitucional nº. 18/65, os conflitos se sucediam, não existia uma harmonia, as normas eram impregnadas com imperfeições notórias, e os abusos e as ilegalidades eram freqüentes, gerando choques contínuos entre normas. (MARTINS, 2000, p. 1-2). Nesse contexto, podemos concluir que nada disso faz parte do que defendemos como sendo um Sistema Tributário Nacional, pois, ao analisarmos como funciona um sistema, verificamos que ele principia pela harmonia dos seus elementos e pela sistematização das espécies criadas a partir de um corpo principal. Então, nesse sentido, sistema é o “conjunto de elementos que estão relacionados entre si”, formando um repertório que compõem sua estrutura, “que mantém relacionamentos a partir de uma série de regras que unem esses elementos entre si”. (SOARES, 2004, p.209). (grifo nosso). Corroborando com SOARES (2004, p. 209), HARADA (2005, p. 21), explicita que, Sistema Tributário, é um conjunto de normas de natureza tributária, inserido em um sistema jurídico global, como as Constituições de um Estado, formando um todo, unitário e ordenado, que devem obediência aos princípios e regras deste sistema, reciprocamente harmonizados, que organizam os elementos constitutivos deste mesmo Estado. MELO (2006, p.12), por sua vez, segue a mesma linha de pensamento de SOARES (2004, p. 209), e HARADA (2005, p. 21), quando explica que “os lineamentos, os contornos, as balizas e os limites da tributação encontram-se estatuídos na Constituição”. E que a análise desse sistema compreende o estudo dos “princípios e normas hauridos na Constituição.” Pois, esta é a “lei fundamental de um Estado”, conferindo “poderes, outorgando competência e estabelecendo os direitos e garantias”. Por fim, para Ishida e MARTELLI (2015, p.02), o Sistema Tributário Nacional é o “conjunto de tributos vigente no país, amparados legalmente pela lei maior que é a Constituição Federal”. Definido como um sistema racional que “advém de contribuições também do tipo histórico” um método “eficaz para o controle sobre a definição e instituição de tributos e sua forma de arrecadação” que encontra “limites na constituição e a competência impositiva está expressamente prevista na Constituição Federal”. 3. O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Encontramos o Sistema Tributário Nacional, no Título VI, da tributação e do orçamento, Capítulo I, do Sistema Tributário Nacional, artigos 145 a 156, que nos remete a lembramo-nos do Código Tributário Nacional, Lei nº. 5. 172, de 25 de outubro de 1966. (MELO, 2006, p.12). Mas, existem ainda, demais normas espalhadas pela Constituição, como exemplo tem-se o art. 7º, III – Fundo de garantia por tempo de serviço; art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais; art. 212, §5º – A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei; art. 239, §§ 1º e 4º: §1º – Dos recursos mencionados no "caput" deste artigo, pelo menos quarenta por cento serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor, §4º – O financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei; e art. 240 – Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, etc. E também, emendas constitucionais 21/1999; 37/2002; 39/2002; 42/2003; 45/2004 e 47/2005. (MELO, 2006, p. 12). Por fim, a Constituição brasileira 1988 “é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação”, cheia de princípios e regras, seus fundamentos estão enraizados, onde se “projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios”. (COELHO, 2006, p.3-4). 4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL NAS CONSTITUIÇÕES DE 1946, 1967, 1988 E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18/1965 4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 Com a Constituição de 1946, surgem as alterações na estrutura econômica nacional que era “predominantemente atividades primárias” transmudando-se em “atividades de bases preponderantemente industriais e Urbanas”. Com a criação de mecanismos de descentralização de Poder, ampliam-se, a concepção constitucional de Federalismo, modificando o sistema de competências, passando de um “exclusivismo inicial para um processo de co-gestão e cooperação na consecução de interesses públicos”. Mantiveram-se as “limitações constitucionais ao Poder de tributar, inerentes à efetivação do federalismo”, descritas nos “artigos 17, 19, parágrafo 5.º e 32, exemplificativamente”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216). Seguindo uma “política de fomento das exportações e desenvolvimento regional”, o Estado, “passaria a tributar a atividade produtiva de forma mais racional, estimulando o desenvolvimento nacional por meio da concessão de incentivos fiscais regionais”, uma “forma de planificação” e “incentivo à economia” nacional, e de suas infra-instrutoras, formada, principalmente, por tributos de renda individual e de empresas, produtos industrializados, lubrificantes e combustíveis, produtos importados e movimentação financeira. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216). Já instituído, o princípio da capacidade contributiva, derivado da Constituição de 1891, do art. 179, nº. 15, mantido na Constituição de 1946, para somar às imunidades dos Impostos sobre o consumo de mercadorias, art. 15, inciso II, assim, “contribuindo para as pessoas economicamente hipossuficientes”, ampliar sua “garantia do respeito à capacidade contributiva prevista no artigo 202”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4216/17). É inaugurada pela Constituição de 1946 a instituição dos princípios da anualidade, anterioridade e legalidade tributárias, constituindo com destaque as “imunidades tributárias, algumas delas denominadas de isenções”, como a imunidade das pequenas glebas rurais, conforme descrito no seu artigo 19, § 1º. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Também, ocorreram mudanças no Imposto de Renda, assim como no imposto sobre o consumo de bens, previsto a serem transferidos para a competência dos Municípios, com “os percentuais de 15% (quinze por cento) do volume arrecadado com o Imposto de Renda e 10% (dez por cento) do total arrecadado com o Imposto sobre Consumo, deixando este de ser cumulativo, sobre o valor adicionado e não mais “‘em cascata’”, técnica essa da não-cumulatividade, “que viria a se tornar princípio por meio da Emenda Constitucional n.º 18/65”, dentre outras alterações”. Ocorreram mudanças, também, nos repasses de percentuais tributários aos municípios, com a transferência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR e do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos – ITBI, dos Estados para os Municípios. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Neste contexto, é fácil verificar que o Brasil passa agora, nesta Constituição, a explorar a tributação interna, com foco no processo de industrialização no país, mas, ainda assim, o Imposto de Consumo é responsável por 40% da receita tributária da União em 1946, mas em 1944 o IR alcançou mais de 40% da arrecadação sobre o imposto de consumo que representava 30% da arrecadação. (VARSANO, 1996, p.06). Nesse interregno, “vem à tona o Ato Institucional n.º 1, de 09 de abril de 1964, encerrando a breve trajetória democrática da nação” embora tivesse alcançado “sucesso na sistematização da legislação tributária nacional”, pugnava-se pela criação de um “regramento unitário e centralizador da competência tributária e tal objetivo foi alcançado posteriormente”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4217). Um dos objetivos da Constituição de 1946 era “de reforçar as finanças municipais”, uma das iniciativas, era que os Estados subnacionais repassassem aos municípios, transferências Constitucionais, um percentual de 30% do excesso de arrecadação, também as cotas sobre o IR, que “só começaram a ser distribuídas em 1948, calculadas no período de um ano, com base na arrecadação do período anterior, para distribuição no ano seguinte”, mas, existia a desvalorização inflacionária. Por fim, quando a cota parte dos Municípios começou a ser distribuída (1948) e mais tarde, a cota parte do imposto de consumo, surgiu nos Estados, um fenômeno desordenado de desmembramentos e criação de novos municípios brasileiros, que passaram de 1.669 municípios em 1944, para 3.924 municípios em 1966. Desta forma, muitos municípios brasileiros passaram a depender, única e exclusivamente, das transferências das cotas partes, que diminuía o seu percentual a cada criação de um novo município. 4.2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18/65 Segundo DORNELLES, (2013, p.04), a reforma tributária de 1965, elaborada pelo professor Gilberto de Ulhôa Canto, no Governo Castello Branco, ensejava a “redução de impostos”, a instituição de um “sistema de repartição de receitas dos impostos da União para os Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios”, e “a substituição dos fatos geradores representados por atos jurídicos por fatos de natureza econômica que pudessem medir a capacidade contributiva, tais como renda, consumo e patrimônio”. A reforma tinha como um dos objetivos “reduzir a autonomia dos estados e dos municípios para instituir tributos” e centralizar a distribuição dos recursos arrecadados pela União, tornando-os mais eficientes. Para os municípios ficariam o ISS e o IPTU, para os Estado o ICM e o ITBI. Outra medida tomada foi à vedação à bitributação e, a competência residual ficaria somente com a União ou seria abolida. (DORNELLES, 2013, p.04).  A Constituição de 1946 trazia em seu bojo princípios constitucionais, porém, esses princípios eram inconsistentes, quando vinculados a partir da ideia de “nível de sistema” tributário, de um todo ordenado, harmônico e sistematizado. Nessa perspectiva, era necessária uma reforma tributária, que viesse a suprir essa inconsistência normativa com um imperativo fiscal para uma economia “imposta pelo crescimento nacional” industrial e pela “complexidade decorrencial” de um período pós-guerra. (MARTINS, 2000, p. 3). A reforma era necessária, pois não existia uma “sistematização das espécies tributárias”. Taxas e impostos se confundiam e os fatos geradores não eram adequados. Necessitava-se de um corpo de princípios e regras tributárias que se relacionassem. Dentro desse contexto, é instituída a Emenda Constitucional nº 18/65, que foi a fonte do nascedouro para o Código Tributário Nacional (CTN), criado como “Lei Ordinária e recebendo pouco depois, eficácia de Lei Complementar, quando da publicação da Constituição de 1967.” (MARTINS, 2000, p. 3). MARTUSCELLI, (2010, p.4217), corroborando, ensina que a Constituição de 1946, “não trata dos princípios, direitos e garantias da tributação de forma sistemática e efetiva, fazendo-o de forma aparentemente esparsa”. Em seu entendimento, ele nos afirma que “as reformas sofridas”, “não deram conta da tarefa de readequação do sistema tributário de então à nova realidade econômica nacional”. Neste contexto, ensejou “a criação de uma Comissão”, que tinha então o objetivo de elaborar “um anteprojeto de reforma tributária”. BARROS (2014, p.07), ensina que existia sim, na Constituição de 1946, uma “coexistência de um sistema tributário autônomo para cada unidade da federação, ou seja, União, Estados e Municípios, e a aceitação legal de uma classificação jurídica dos impostos”. Diante disso, poder-se-ia verificar, caso considerar tal hipótese, que existiria também, conflitos entre Estado e Municípios, ou mesmo, uma guerra fiscal, com o único intuito, pois, tudo conduzia para esse caminho, uma disputa entre os entes federados por uma maior arrecadação de tributos. Foi na década de 50, que Rubens Gomes de Sousa, de início, redigiu o anteprojeto do estatuto nacional de direito tributário. Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende e Carlos Rocha Guimarães exerceram a função revisora, “com especial percuciência, que suas anotações foram preservadas”. Somaram-se a eles a experiência de Amílcar de Araújo Falcão, que fundou as bases para ofertar o perfil da Emenda Constitucional nº 18/65, assim como da Lei 5.172/66, que constitui o atual CTN. (MARTINS, 2000, p. 7). Com uma intensa discussão no Congresso Nacional, entre consenso e dissenso, o anteprojeto sofreu grandes distorções, “alterando o esboço de Rubens Gomes de Sousa, inclusive destruindo o capítulo das infrações tributárias”. (MARTINS, 2000, p. 7) Em 1964 inicia um período peculiar na história nacional, com o Golpe Militar, mas, são iniciadas as “reformas significativas nas estruturas políticas nacionais”, que atinge diretamente a “estrutura tributária então vigente”, com publicação da “Emenda Constitucional n.º 18/65 e, posteriormente, pela publicação do Código Tributário Nacional”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4218). Por fim, a proposta de Emenda Constitucional 18/65, é instituída sobre o princípio do Federalismo, na tentativa de reestruturação tributária, culminando na publicação da então Emenda Constitucional n.º 18/65, com uma promessa de uma melhora qualitativa no Sistema Tributário Nacional. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4218). Foram instituídos 15 impostos, para o Sistema Tributário Nacional, emanado pala EC. de 18/1965, que “se apoiava principalmente em dois impostos federais”, um imposto de renda progressivo e um imposto seletivo sobre o consumo de produtos industrializados (IPI), e em um imposto estadual de consumo, que era cobrado no momento da circulação, tendo como fato gerador a saída das mercadorias do estabelecimento industrial, comercial ou produtor. Do “IPI era destinado um porcentual para os fundos de participação dos estados e dos municípios”. 4.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1967 Com a Constituição de 1967 é inaugurado o Sistema Tributário Nacional, criado pela anterior Emenda Constitucional n.º 18/65, no Capítulo V, do Título I, artigo 18, onde fez constar em “seu texto um capítulo específico acerca das normas de tributação de forma sistematizada”. “Nunca se teve em mente a maximização de direitos e garantias do cidadão” como nesses textos. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Construída sobre a base de três gêneros de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, conforme o artigo 18, da Constituição de 1967. A Constituição também vai especificar as competências de cada ente, “partindo da fixação lógica de regras de competência e limites comuns” para em momento porvindouro, “indicar individualmente a parcela de Poder conferida a cada esfera da federação”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Contraditoriamente ao princípio do federalismo, é instituída a competência isencional heterônoma, legitimando a “União a conceder isenções acerca de tributos que não eram de sua competência”, descritas em seu artigo 20, § 2.º, tal exceção causa perplexidade na seara tributária. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). É instituído o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), retirando das mãos dos Estados à prerrogativa de alterar as alíquotas do imposto sobre o consumo e passando essa prerrogativa para serem fixadas pelo Senado Federal. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Já instituída, mantém-se a cláusula de reserva legal em seu artigo 20, inciso I, bem como a imunidade dos livros, jornais e periódicos, descrita no inciso III, alínea “d”. Instituem as imunidades referentes aos gêneros de primeira necessidade, e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias aplicável, conforme a previsão do artigo 24, § 6.º. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Segundo TAVARES (2015, p.2), a “racionalização era o foco, com apoio em medidas que, de imediato, contribuíssem para a reabilitação das finanças federais” nesse sentido era preciso que, acolhessem de “forma mais urgente os reclamos de alívio tributário dos setores empresariais”, base de apoio do regime que agora se instalava. Um dos aspectos principais dessa reforma tributária, fora a “alteração da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre valor agregado”, não mais era permitido impostos cumulativos. Também, como medida de prevenção, diante da anterior desordem dos tributos, é vedada, aos entes federados, criar “indiscriminadamente novos impostos, sendo essa tarefa restringida à União, o que levou a época à égide de três sistemas tributários distintos: o federal, o estadual e o municipal” (OLIVEIRA, 2010 apud TAVARES 2015, p.2). Foram feitas várias inovações, muitos tributos foram “extintos, outros renomeados, (mas,) todos tendo suas bases de incidência muito bem definidas”. Com essas mudanças o Estado passa a atuar “diretamente na economia, impulsionando ou desincentivando importações ou exportações, e regulando o consumo”, como política extrafiscal. (TAVARES 2015, p.2). (grifo nosso). Foram instituídos novos impostos “sobre valor agregado” ou adicionado, “IVA: o Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, ICM” sepultando de uma vez a cumulatividade e a “adoção do IVA no Brasil – ainda que sem ter este nome – precedeu o uso desse instrumento tributário na própria comunidade econômica européia – com exceção da França”. Nesse contexto, o Brasil, passou a ter um dos “sistemas tributários mais modernos do mundo, na época” (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p.246 apud TAVARES, 2015, p.2). TAVARES (2015, p.2) ensina que fora Instituído o imposto sobre o comércio exterior: Impostos de Importação e o de Exportação; os impostos sobre patrimônio e a renda; o IPTU municipal; ITBI estadual; o ITR e o IR federais; os impostos sobre a produção e a circulação, como o IPI e ICM; o Imposto sobre Serviço de Transportes e Comunicações, ISTC e o IOF; o ISS; o imposto único sobre energia elétrica (IUEE); Imposto único sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e imposto único sobre minerais (IUM). (OLIVEIRA, 2010; REZENDE, 1996 apud TAVARES, 2015, p.02). As contribuições sociais, contribuições parafiscais, “destinadas ao financiamento de políticas sociais específicas”, de contribuição previdenciária, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS, e do Programa de Integração Social, PIS, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, PASEP (OLIVEIRA, 2010; REZENDE, 1996 apud TAVARES, 2015, p.02). Houve a elevação das alíquotas do “IPI, ICM e do IR, tanto para pessoas físicas como para as jurídicas”, também, “eliminaram isenções para certas categorias profissionais”, e em “1968 tem-se a criação da Secretaria da Receita Federal”, proposta que representou “mudanças operadas pelo Ministério da Fazenda até década de 1970”, cujo objetivo era dar “status de eficiência à Administração Tributária federal, garantindo o aperfeiçoamento da fiscalização e da arrecadação”. (TAVARES, 2015, p.02). A Secretaria da Receita Federal foi criada pelo Decreto n.º 63.659 de 1968, “passando a ocupar o antigo posto da Direção Geral da Fazenda Nacional” com uma conseqüente elevação da “tributação nacional dos antigos 18% (dezoito por cento) ao patamar de 24% (vinte e quatro por cento) do Produto Interno Bruto”. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Na Constituição de 1967, foram implantadas poucas “modificações em relação ao texto anterior já emendado pela Emenda Constitucional n.º 18/65”, modificações essas, que realmente fizeram sentidos, “concernente ao Imposto sobre Minerais, previsto no artigo 21, inciso IX”; “as contribuições de intervenção no domínio econômico, sobre previdência social”; e as contribuições no interesse de categorias profissionais, art. 21, §2.º, inciso I. (MARTUSCELLI, 2010, p. 4219). Os municípios tinham a faculdade de arrecadar o ICM, que era regulado pelos Estados com as alíquotas máximas de 30%. Tendo a seguinte incidência: Imposto sobre o comércio exterior; Imposto sobre o Patrimônio e a Renda; Imposto sobre a Produção e a Circulação (o ICM e o IPI pertencem a esse grupo) e Impostos especiais. (VALENTIM, 2014, p. 20). Com a Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, estabeleceram-se normas básicas do ICM, e em 28 de Dezembro de1966, foi instituído o Ato Complementar nº. 31, que determina um único imposto substituindo o imposto estadual e municipal, o ICM que passou a ser de competência dos Estados, transferindo 20% da arrecadação para os municípios. (VALENTIM, 2014, p. 20). Por fim, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional de nº 01/69, os critérios de incidência do ICM, não foram alteradas, mas, “incluíram novas alíquotas diferenciadas para as operações interestaduais e determinou que as isenções do ICM”, seriam concedidas através de “convênios celebrados entre os Estados e o Distrito Federal” sendo o fato gerador a circulação de mercadorias “desde a fonte produtora até o consumidor final”, de todo “bem móvel e tangível, produzido ou recebido para ser posto em circulação”. (VALENTIM, 2014, p. 20). 4.4. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Em março de 1987, iniciaram-se os debates na Assembléia Nacional Constituinte, distribuídos entre subcomissões temáticas, a do sistema tributário fora analisada e “dirigida pelos constituintes Benito Gama e Fernando Bezerra Coelho, cujo anteprojeto foi aprovado em 25/5/1987”, e consolidado dentre “duas subcomissões, que trataram dos orçamentos e do sistema financeiro”, composta por 62 membros, e atuando como relator o constituinte José Serra, por fim, sendo aprovado o Sistema Constitucional Tributário em 22/6/1987. Segundo VARSANO (1996, p.12), “o sistema tributário criado pela Constituição de 1988”, foi fruto de um processo “participativo em que os principais atores eram políticos”, mas, sabe-se bem, que esses políticos estavam preparados para conduzir “o processo de criação (pois) tinham formação técnica e haviam exercido recentemente funções executivas no governo e que um grupo de técnicos os assessorava”. Era permitida intensa participação de todos constituintes, “era profundamente democrático” até mesmo a “participação direta da população com as emendas populares”, com “total liberdade de concepção”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, revela-se modificada, “consideravelmente, a estrutura da distribuição de competências e de distribuições de receitas entre os entes da federação, beneficiando estados e municípios em detrimento da União”, exemplos dessa distribuição de competência dos Estados são dos “impostos únicos (incidentes sobre a energia elétrica, os combustíveis e os minerais) e especiais (transportes rodoviários e serviços de comunicação)”, sendo integrado em um único imposto, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). (DE OLIVEIRA, 2010, p.39). “Manteve praticamente a estrutura da Emenda Constitucional de nº 18 de 1965”, tanto o IR, como o IPI “continuaram sendo o carro chefe da arrecadação da União e o ICM (que se tornou ICMS), a principal fonte de arrecadação dos estados”. (DORNELLES, 2013, p.07). Henrique e Ricci (2014, p.03), citando HENRIQUE (2011), ensina que “a esperada descentralização tributária e de poder” e a autonomia para legislar e instituir impostos passou a ser distribuída entre os entes federados: União, Estados, Municípios e Distrito Federal, com a Constituição Federal de 1988. Mas, com ela veio também o aumento na carga tributária. Ampliaram-se, consideravelmente, a base de incidência do “Imposto de Renda e do IPI, transferida para os estados e municípios (de 33% para 47% no caso do IR e de 33% para 57% no do IPI)”, e repartindo a arrecadação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), com os municípios. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). Cabendo aos estados 10% da arrecadação do IPI, “repartido em proporção à exportação de produtos manufaturados. Desse montante, 25% são entregues pelos estados a seus respectivos municípios”. (Varsano, 1996, p.12/13). E, com os fins de beneficiar os Estados, foi instituída, a ampliação da base de incidência do novo ICMS; a criação do Imposto sobre Herança e Doações; o aumento do FPE e dos recursos para os “Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (NO-NE-CO). (Varsano, 1996, p.14). Sendo extinto o FE “mais que o montante de 3% da arrecadação do IR e do IPI”, “é destinado a programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, através das instituições financeiras federais de caráter regional”. (Varsano, 1996, p.14), e da criação do Fundo de Compensação das Exportações de Manufaturados, que drenaria 10% da receita do IPI”. Proporcionando, ainda aos Estados, a autonomia para o “estabelecimento das alíquotas do ICMS, observadas as limitações previstas em lei”. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). Os municípios foram beneficiados com o aumento do FPM e do Fundo de Compensação das Exportações de manufaturados, também por tributos da União e dos Estados que passaram para sua competência, caso esse do Imposto de “Venda a Varejo de Combustíveis, que seria cobrado até 1993, quando a Emenda Constitucional de Revisão nº 3 (EC 03/93) determinou sua extinção”, e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos, agora, passando para a competência dos municípios. (DE OLIVEIRA, 2010, p.40). E vedou-se “a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades” da federação. (Varsano, 1996, p.12/13). Nesse contexto, a receita tributária da União caiu “de 60,1% em 1988 para 54,3% em 1991, enquanto a dos Estados aumentou de 26,6% para 29,8% e a dos Municípios, de 13,3% para 15,9% no mesmo período”. (DE OLIVEIRA, 2010, p.41). Já na discussão entre a tributação “cumulativa versus tributação do valor agregado”, na constituição de 1988, percebe-se uma crescente participação das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento do PIS/COFINS e da CPMF na arrecadação total”. (TAVARES, 2014, p. 03). Verifica-se também, que os tributos incidentes sobre vendas de bens e serviços, tiveram uma “participação agregada na carga tributária total, que passou de 15,5% em 1989, para 35%, em 2002”, sendo dividida em dois grupos: “valor adicionado ICMS e IPI” e os que incidem cumulativamente COFINS; PIS/PASEP; CPMF; IOF e ISS. “Em 1968 os tributos cumulativos representavam 1,60% do PIB e apenas 6,87% do total da receita nacional”. “Em 2002 atingiram 7,87% do PIB, ou 21,8% do total”. (TAVARES, 2014, p. 03). Finalizando, TAVARES, (2014, p. 03) citando AVARTE e BIDERMAN (2004, p.170), ensina que os “impostos sobre valor adicionado, por seu turno, respondiam por 11,70% do PIB e por 50,21 % da carga total” em 1968 e, “em 2002, responderam por 9,45% do PIB e por 26,18% do total”, gerando “R$ 86 bilhões, somente entre COFINS, PIS e CPMF”.  (AVARTE; BIDERMAN, 2004, p.170).      CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução história do Sistema Tributário Nacional pode ser compreendida pelos fatos e acontecimentos históricos do processo de desenvolvimento de um Estado Nacional que necessitava se adaptar às mudanças do sistema econômico mundial, que agora possuía uma base econômica industrial, e que para integrar-se, a essa nova realidade, precisaria implementar mudanças nos sistemas normativos nacional e na Constituição de seu Estado, transformando a sua economia agroexportadora para uma economia urbana industrial. A estrutura do Sistema Tributário Nacional no período anterior a Emenda Constitucional nº 18 de 1965 mostrou-se desfavorável para sua implantação, devido principalmente aos compromissos assumidos por um governo centralizador que tinha como proposta desenvolver os setores da economia com programas de incentivo a industrialização no país. Muitas das decisões levaram a ajuste fiscal, num contexto de ausência de iniciativas de reformas mais abrangentes capazes de conciliar os vários setores de interesses da nação, ou quanto esses setores seriam afetados, sem descurar estes compromissos. No campo da administração tributária avanços foram feitos, com significativo desempenho, mudanças ocorreram, os entes federados, em todos os níveis de governo, tornaram-se capazes de cobrar, com eficiência os impostos de sua competência. Uma verdadeira “revolução” no Sistema Tributário Nacional ocorreu quando da Emenda Constitucional nº 18º de 1965, transformando o Estado brasileiro em uma máquina de arrecadação e de fiscalização, renovando suas instituições, órgão e delegacias, impulsionada pelo avanço do processo de informatização e pela absorção, do fisco brasileiro, das novas tecnologias de informação, modernizando suas estruturas, em termos de controles, procedimentos, instituição de canais e de comunicação com os contribuintes. (DE OLIVEIRA, 2010).
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A inconstitucionalidade do bônus de eficiência aplicada aos auditores e julgadores fiscais
Esse artigo pretende abordar e discutir a questão do bônus de eficiência estipulado em prol dos auditores e julgadores fiscais pela manutenção de infrações em benefício da Fazenda com o confronto do princípio da imparcialidade, gerando automaticamente benefícios financeiros para os respectivos agentes.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Vive-se em tempos de profunda recessão econômica devida a vários fatores endógenos e exógenos, podendo se destacar a própria crise política que afeta consideravelmente o sensível mercado, causando-lhe instabilidade e inconstâncias na moeda, surgindo assim com mais força o fenômeno inflacionário e seus malefícios. Nesse momento de crise, só existem duas saídas: i) adquirir mais receitas do que as despesas; ou ii) cortas os gastos desnecessários. Tendo em vista a “sede arrecadatória do Estado”, o governo adotou a opção nº I, majorando a carga tributária, suspendendo várias isenções anteriormente concedidas com prazos indeterminados, sempre visando o aumento da sua arrecadação, inclusive, estudando propostas de instituição de novos tributos, que na conjectura atual do País, impactarão ainda mais a “pesada” carga tributária suportada pelos brasileiros. Adotando a opção nº II, várias empresas vêm objetivando a redução dos gastos mensais, fazendo com que o índice de desemprego no País suba ferozmente: de 9% em setembro/novembro de 2015 para 11% em 2016, de acordo com dados publicados pelo IBGE. Com o desemprego em massa e a impactante carga tributária imposta, os pedidos de falência registraram alta de 36% no acumulado do 1º bimestre em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), com abrangência nacional. Em fevereiro de 2016, o número de pedidos de falências aumentou de 30,5% na comparação mensal e 76,3% em comparação a fevereiro de 2015. Conforme dados do IBGE e do Cadastro Central de Empresas – CEMPRE, 50% das empresas se tornam inativas após os 2 primeiros anos de criação, tendo em vista o custo, a burocracia e outros entraves para o crescimento. Do percentual restante, segundo a média de sobrevivência empresarial no Brasil, existe a porcentagem das que estarão fadadas ao prazo de validade de aproximadamente 30 anos, sendo pouquíssimas as que conseguem ir além, sendo essa a realidade empresarial no Brasil. Tendo por base tais informações e sabendo o ente público detentor da competência tributária possui a faculdade de sua utilização, podendo até mesmo realizar a remissão total, a concessão de parcelamentos tributários ganha importância ímpar pela esperança de arrecadação e dos contribuintes que almejarem quitar suas dívidas com certos “benefícios” como a redução de juros e multa. Dentre tais parcelamentos, destaca-se o estipulado pela Lei Complementar nº 362/2017, denominado de Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, instituído pelo Governo de Pernambuco. O art. 10 da LC nº 362/2017, objeto do referido estudo, incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008, instituindo o bônus de eficiência dos Auditores e Julgadores do SEFAZ/PE. O tema ganha importância quando se contextualiza com os acontecimentos políticos e sociais vigentes no País, com a crise política e a consequente perda da credibilidade das instituições, envolvidas muitas vezes com a corrupção, desvio de dinheiro público e consequentemente fator de injustiça, gerando a ineficácia normativa social e o sentimento de revolta. Analisar-se-á a questão da legalidade e constitucionalidade das respectivas leis em face dos dispositivos e princípios fundamentais versados no ordenamento jurídico em busca da extensão e consequência dos efeitos do bônus de eficiência quanto a imparcialidade dos julgados e dos respectivos agentes envolvidos. A pesquisa será feita no modelo teórico, com base na doutrina, em reportagens, contando com a jurisprudência dos tribunais superiores a respeito do tema. I – A LEI COMPLEMENTAR 362/2017 E AS ALTERAÇÕES NA LC 107/2008 A LC nº 362/2017 apresenta dois objetivos, primeiramente, estipular as condições para o ingresso no Programa Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC, que dispõe sobre a redução dos valores de multas e juros relativos a débitos do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, mediante o pagamento integral à vista ou parcelado.  Segundamente, estipular alterações contidas na Lei Complementar nº 107/2008, com o disposto no art. 10, in verbis: “Art. 10. A Lei Complementar nº 107, de 14 de abril de 2008, passa avigorar com as seguintes modificações: “Art. 44 … §2º … III … c) do bimestre de março e abril de 2016 ao bimestre de maio e junho de 2017, a primeira a 16% (dezesseis por cento) e a segunda a 30% (trinta por cento) de vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 36% (trinta e seis por cento) do vencimento-base; (NR) d) do bimestre de julho e agosto de 2017 ao bimestre de setembro e outubro de 2017, a primeira a 28% (vinte e oito por cento) e a segunda a 42% (quarenta e dois por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 48% (quarenta e oito por cento) do vencimento-base; e (AC). e) a partir do bimestre de novembro e dezembro de 2017, a primeira a 36% (trinta e seis por cento) e a segunda a 50% (cinquenta por cento) do vencimento-base, não podendo a sua percepção, independentemente do alcance da extrapolação de metas, ultrapassar 56% (cinquenta e seis por cento) do vencimento-base; e (AC) Art. 50-B. Fica concedida, ao AFTE e ao JATTE, Indenização por Eficiência na Limitação de Campo – IELC, correspondendo ao valor da participação do ingresso de receitas provenientes de multas, de que trata o inciso III do art. 41, que, do somatório das parcelas de remuneração previstas nos arts. 41 a 47, exceder o limite do §6º do art. 97, não podendo extrapolar o valor do art. 56, parte final, ambos da Constituição do Estado de Pernambuco, observando-se as seguintes condições: (AC)
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Coisa julgada inconstitucional e as sanções tributárias: uma análise crítica do Parecer nº 492/2011 da PGFN, sob a ótica dos princípios da segurança jurídica e da isonomia
O presente artigo objetiva analisar o instituto da coisa julgada inconstitucional no âmbito do direito tributário sancionador, especificamente em face de decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal, em controle de constitucionalidade, desfavoráveis aos contribuintes que possuem decisão anterior favorável já transitada em julgado. Serão abordados os principais aspectos de tal figura jurídica, em especial a chamada relativização na esfera tributária, notadamente diante da possível aplicação do Parecer nº 492/2011 da PGFN. O posicionamento jurídico-dogmático do Poder Executivo Federal, dentre outros equívocos, viola o princípio da segurança jurídica dos contribuintes, já que permite ao Fisco a cobrança dos créditos tributários sem o manejo da devida ação judicial de desconstituição da coisa julgada. Por fim, à luz do positivismo jurídico “metódico-axiológico”, serão feitas algumas considerações acerca dos princípios da segurança jurídica dos contribuintes e da isonomia entre os agentes econômicos privados, os quais devem ser respeitados, sendo que aquele abrange o período entre o trânsito em julgado da ação favorável ao contribuinte e o trânsito em julgado da ação de desconstituição da coisa julgada, enquanto o segundo incide somente após a desconstituição judicial da coisa julgada.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO No presente trabalho, será analisado o instituto da coisa julgada inconstitucional, notadamente a sua chamada relativização no âmbito do direito tributário sancionador e as repercussões do Parecer nº 492/2011 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista as decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal, em controle de constitucionalidade, desfavoráveis aos contribuintes que possuem decisão anterior favorável já transitada em julgado. A coisa julgada apresenta como característica, além de outras, que serão objeto de exame posteriormente, a pretensão de concretizar o “princípio jurídico maior” (ou valor) da segurança jurídica. Nesse rumo, mister se faz realizar algumas considerações preliminares sobre a noção de coisa julgada no âmbito jurídico. O instituto da coisa julgada é de extrema relevância para a vida em sociedade, por ser um dos instrumentos por meio dos quais as pessoas podem viver socialmente de forma equilibrada e previsível. Sem a coisa julgada o caos estaria inserido na sociedade, visto que os indivíduos não teriam certeza acerca de suas situações jurídicas. Com efeito, o Constituinte de 1988 prescreveu o direito à segurança em seu artigo 5º, considerando-o como princípio fundamental. Este, na esfera tributária, consoante o autor Ives Gandra da Silva Martins, em Parecer acerca da “Decisão Transitada em Julgado anteriormente à Reformulação Jurisprudencial[1]”, apresenta a seguinte significação: “A “segurança”, a que faz menção o contribuinte, é a “segurança jurídica”, ou seja, a segurança da estabilidade das relações jurídicas, econômicas, políticas, sociais e, no aspecto patrimonial, a garantia da “propriedade” e do “contrato” como alicerces da ordem econômica (MARTINS, 1992, p. 7)”. Ainda o autor referido, citando José Cretella Júnior, assevera que “Garantir a segurança é, de fato, garantir o exercício das demais liberdades, porque a vis inquietativa impede o homem de agir” (MARTINS, 1992, p. 7). Nessa esteira, pelas palavras do autor, percebe-se que a segurança jurídica no Direito Tributário, consubstanciada no princípio da proteção à confiança do contribuinte, assume função primordial, já que está intimamente ligada ao exercício da liberdade de iniciativa e de concorrência, fundamentais para os valores de uma economia capitalista.  Portanto, cabe ao Poder Público atuar com certa margem de previsibilidade, bem como respeitar as situações constituídas pelo complexo de normas por ele elaboradas e reconhecidas, de modo que os seus cidadãos possam viver sem muitas surpresas, notadamente quanto às relações econômicas. A garantia da coisa julgada aparece no texto constitucional atual concretizada pela vedação de que a lei prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI). No entanto, a aplicação pura e simples da coisa julgada de maneira absoluta e eterna coloca em conflito os princípios mencionados (segurança jurídica e seus correlatos) e outro fundamental princípio jurídico, o da igualdade, previsto também no caput do artigo 5º da CF/88, entre os entes privados que atuam no domínio econômico, já que o contribuinte beneficiado por determinada decisão poderia ficar protegido eternamente, mesmo ante a pronunciamento contrário e posterior do Supremo Tribunal Federal. Isto posto, é importante que o intérprete não despreze nenhum dos princípios, aplicando-os em consonância com as exigências do caso concreto e tendo como paradigma o Estado Democrático de Direito, nos termos da Constituição Federal de 1988, motivo pelo qual passaremos, a seguir, a um estudo mais aprofundado acerca do objeto deste estudo. 1. TEORIA GERAL DA NORMA JURÍDICA: POSITIVISMO Pelo Positivismo Jurídico o ordenamento jurídico é composto de normas jurídicas, sendo que estas devem se diferenciar das normas da Moral e dos costumes, apesar de essas últimas, em um momento pré-jurídico, influenciarem na elaboração do Direito. Porém, após a inserção no mundo jurídico, a interpretação deve ser pautada, exclusivamente, por critérios jurídicos, sem a influência das outras Ciências. Na Teoria das Normas, Hans Kelsen, em sua obra “Teoria Pura do Direito”, aduz que, em sentido amplo, norma significa que algo deve ser, podendo caracterizá-la como o sentido de um ato de vontade, de modo que este reside na esfera do ser, enquanto que seu significado reside na esfera do dever ser (KELSEN, 2013, p. 46). Para o autor, a norma, para ser jurídica, deve ser prescrita por uma norma jurídica, sendo, ela própria, produzida por um ato jurídico que, por seu turno, recebe sua significação jurídica de outra norma, de forma que, no caso de eventual divergência entre o ato e o conteúdo da norma, há a incidência de uma sanção (KELSEN, 2013, p. 71). Nessa esteira, as normas jurídicas são normas de um sistema, dirigidas não a uma certa pessoa, mas a uma certa conduta que, no caso de uma sua violação, existe a previsão, no final, de uma sanção. Dessa maneira, dentre as espécies de normas jurídicas, Hans Kelsen menciona as coercitivas e as de autorização (KELSEN, 2013, p. 47-48). As normas coercitivas apresentam uma parte ordenadora e uma sancionadora. Já as de autorização, produtoras de direito, prescrevem as pessoas competentes e os procedimentos mediante os quais as normas jurídicas serão criadas, pois é característica fundamental do Direito a regulação de sua própria criação (KELSEN, 2013, p. 47 e 48). Para o presente trabalho, de fundamental importância são as normas de sanção, cujo escopo primordial é assegurar a eficácia das normas de conduta por meio da imposição de penalidades (sanções) aos sujeitos de direito que descumprem as condutas prescritas pelo sistema, praticando, assim, os denominados ilícitos (KELSEN, 2013, p. 89-91). Dessa forma, a noção de sanção assume a função de núcleo da “Teoria Pura do Direito”, motivo pelo qual Kelsen qualifica de primárias as normas sancionantes e de secundárias as normas de conduta (KELSEN, 2013, p. 93). Afirma Norberto Bobbio que norma jurídica é “aquela norma cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada”, sendo ponto comum entre os autores a ideia de que as normas desvinculadas de sanção externa e institucionalizada não se enquadram como jurídicas, podendo estar localizadas na Moral (BOBBIO, 1994, p. 27). Nesse diapasão, adota-se, no presente estudo, o denominado método positivismo jurídico “metódico-axiológico”, o qual se caracteriza por ser, segundo Heleno Taveira Torres, “materialmente fechado, mas axiologicamente aberto, coerente com o Estado Democrático de Direito e, por isso mesmo, capaz de prover segurança jurídica sistêmica tanto em termos formais quanto materiais, na efetividade de direitos e liberdades fundamentais” (TORRES, 2011, p. 45-46). Posto isso, importa analisar a questão das sanções tributárias oriundas do descumprimento de uma obrigação tributária em face da aplicação do Parecer nº 492/2011 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional sem a utilização das técnicas “pós-positivistas” de “ponderação de princípios” e de “tudo-ou-nada na aplicação das regras jurídicas”, responsáveis, em certa medida, pelos excessos do ativismo judicial brasileiro. 2. TEORIA GERAL DA COISA JULGADA 2.1 Coisa Julgada no Direito Brasileiro O instituto da coisa julgada, no ordenamento jurídico brasileiro, tem assento na Constituição da República de 1988, a qual prescreve a vedação de que a lei prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI). O dispositivo acima está inserido no capítulo II, pertinente aos Direitos e Garantias Fundamentais. Dessarte, percebe-se a relevância atribuída pelo legislador constituinte à coisa julgada, de modo a ser instituída, também, em benefício do indivíduo. Além disso, o referido instituto enquadra-se nas chamadas cláusulas pétreas[2] e, por conseguinte, nem mesmo obra do legislador constituinte derivado pode aboli-lo ou mesmo mitigá-lo. A legislação infraconstitucional também previu tal instituto, nos termos do Novo Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte: “Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. No direito brasileiro a coisa julgada tem por escopo concretizar o princípio jurídico (ou valor) da segurança jurídica, razão pela qual, após o trânsito em julgado da sentença, os indivíduos, bem como o próprio Estado, terão suas situações jurídicas estabilizadas, sem o temor de mudanças nas decisões já proferidas pelo Poder Judiciário, podendo elaborar projetos e planos, notadamente na esfera econômica, sem preocupações acima da normalidade. 2.2 O Parecer nº 492/2011 da PGFN e a coisa julgada em matéria tributária  Acerca do presente tema, em 07-02-2011 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional emitiu o PARECER PGFN/CRJ/Nº 492/2011, que foi aprovado pelo Senhor Ministro da Fazenda e publicado no Diário Oficial da União de 26-05-2011, sendo que a referida norma estabeleceu diretivas para a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional em relação a tributos cuja constitucionalidade é afirmada pelo STF, quando existente em favor do contribuinte decisão transitada em julgado reconhecendo sua inconstitucionalidade. Em suma, o posicionamento jurídico-dogmático do Poder Executivo Federal chegou às seguintes conclusões: a) a alteração nos suportes fático ou jurídico existentes ao tempo da prolação de decisão judicial voltada à disciplina de relações jurídicas tributárias continuativas faz cessar, dali para frente e de forma automática, a eficácia vinculante dela emergente em razão do seu trânsito em julgado, sendo que o advento de precedente objetivo e definitivo do STF, nos moldes da letra “b”, configura circunstância jurídica nova apta em tal sentido, motivo pelo qual o Fisco retorna a ter direito de cobrar o tributo em relação aos fatos geradores ocorridos daí para frente ou o contribuinte-autor deixa de estar obrigado ao recolhimento, não havendo a incidência do artigo 471, inciso I, do CPC/1973; b) possuem força para impactar ou alterar o sistema jurídico vigente, precisamente por serem dotados dos atributos da definitividade e objetividade, os seguintes precedentes do STF: b1) todos os formados em controle concentrado de constitucionalidade; b2) quando posteriores a 3 de maio de 2007, aqueles formados em sede de controle difuso, seguidos, ou não, de Resolução Senatorial, desde que, nesse último caso, tenham resultado de julgamento realizado nos moldes do art. 543-B do CPC; b3) quando anteriores a 3 de maio de 2007, aqueles formados em sede de controle difuso, seguidos ou não, de Resolução Senatorial, desde que, neste último caso, tenham sido oriundos do Plenário do STF e sejam confirmados em julgados posteriores da Suprema Corte; c) em regra, o termo a quo para o exercício de tais direitos é a data do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo STF. Excepciona-se essa regra, no que tange ao direito do Fisco de voltar a cobrar, naquelas específicas hipóteses em que a cessação da eficácia tenha ocorrido em momento anterior à publicação do Parecer e tenha havido inércia dos agentes fazendários quanto à cobrança; em tais hipóteses, o termo a quo é a publicação do Parecer. Nessa esteira, quando não for mais cabível o ajuizamento de ação rescisória, principalmente pelo decurso do prazo decadencial, o Procurador da Fazenda deverá, apenas, encaminhar cópia dos respectivos autos judiciais à Delegacia da Receita Federal do Brasil do domicílio fiscal do contribuinte para que possam ser iniciados os procedimentos necessários à cobrança administrativa do tributo relativo aos fatos geradores ocorridos após o advento do precedente do STF ou após a publicação do Parecer, conforme o caso. Na seara tributária, a coisa julgada assume especial relevância em face de que os tributos constituem encargos que interferem, continuamente, na livre iniciativa e na livre concorrência. Com isso, os contribuintes atuam na ordem econômica confiando nas normas jurídicas vigentes (lei, decisão judicial ou administrativa), de modo a planejar suas atividades na crença de que o Estado não as mudará de maneira abrupta. Porém, numa ordem econômica fundada na livre iniciativa e que tem por princípio a livre concorrência (artigo 170 da CF/88) qualquer benefício, seja ele tributário ou não, somente é justificado se e enquanto houver uma norma jurídica considerada válida que o fundamente, pois a perpetuação de situações posteriormente julgadas ilegais desrespeita os princípios e os valores constitucionais, notadamente a igualdade entre os contribuintes. Logo, o entendimento exarado pelo Poder Executivo Federal somente deve ser aplicado caso respeite tanto a coisa julgada em matéria tributária quanto a igualdade entre os contribuintes, em face da prescrição do caput do artigo 5º da Constituição Federal acerca dos direitos à segurança, à igualdade e à liberdade. 2.3 Críticas Doutrinárias ao Parecer nº 492/2011 da PGFN Segundo o autor Heleno Taveira Torres, a declaração de in(constitucionalidade) pelo Supremo Tribunal Federal tem o condão de cessar a eficácia da coisa julgada de maneira automática, o que tornaria aceitável o entendimento exarado pela Fazenda Nacional. São palavras do autor as seguintes: “A ocorrência de alterações nas circunstâncias fáticas ou jurídicas existentes quando proferida a decisão transitada em julgado pode motivar a revisão da coisa julgada, mas não sua ineficácia automática, salvo no que concerne às alterações legislativas que modifiquem, de modo substancial, a situação jurídica do objeto do pedido ou a causa de pedir, ou declarações de (in)constitucionalidade pelo STF. Nesses casos, cessam os fundamentos de constitucionalidade e de legalidade que motivaram os requisitos de certeza da coisa julgada, mas em condições sobremodo excepcionais. Em vista disso, nenhuma ofensa ou relativização se opera ao instituto da coisa julgada. (TORRES, 2011, p. 481)”. Com posicionamento contrário ao do Parecer da PGFN, o autor Antônio Frota Neves, em artigo atinente ao tema, expõe os seguintes raciocínios: “(…) o ponto fulcral do parecer é a desconstituição da relação jurídica na qual se baseara a decisão judicial que transitou em julgado, para inferir-se diante das alterações fáticas ou jurídicas supervenientes, agora estar diante de uma nova relação jurídica sem nenhum liame que a ligue a qual fora objeto da análise na sentença passada em julgado.(…) o legislador ordinário, em correto respeito à coisa julgada, remeteu ao Estado Juiz, a tarefa de verificar em quais contornos essa eventual modificação no estado de fato ou de direito se coadunam com os termos da sentença transitada em julgado.” (…) O próprio legislador processual civil CPC, art. 468, determinou que “(…) a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Ora, se a coisa julgada tem força de lei, é lei intrapartes, portanto, deve se submeter aos princípios do Direito Tributário tal qual, qualquer lei, ou seja, deve obediência aos princípios da Irretroatividade, da Anterioridade e da regra da nonagesimal. (NEVES, 2013, p. 175 e 177)”. Por fim, outro argumento contrário ao Parecer, especificamente atinente à alegação de que o artigo 471, inciso I, do CPC/1973[3] somente é aplicável em situações específicas e excepcionais, nas quais exista expressa previsão, o que não ocorre no ramo tributário, é apresentado por Mary Elbe Gomes Queiroz e Antonio Carlos de Souza Júnior:  “A lógica do parecer (apesar da arguta construção) promove uma inversão em um ponto: trata norma geral como excepcional para justificar a sua não aplicação em situação que não contempla norma específica sobre a matéria. Pelo contrário, no nosso ordenamento a regra geral é a necessidade de ação de modificação e só em situações excepcionais pode o legislador dispensar tal requisito por meio de norma especial (QUEIROZ; SOUZA JÚNIOR, 2012)”. Nesse diapasão, apresentados alguns entendimentos quanto ao tema, surgem algumas questões acerca do Parecer nº 492/2011 da PGFN, as quais serão respondidas no título “Coisa Julgada Inconstitucional e as Sanções Tributárias”: 1) Decisão do STF em controle de constitucionalidade abstrato ou concreto constitui “direito novo” (nova relação jurídico-tributária) para fins de modificação das circunstâncias jurídicas anteriores?; 2) Decisão do STF em controle de constitucionalidade cessa a eficácia da coisa julgada em sentido contrário? Se sim, a ineficácia é imediata ou depende de ação judicial com fins de desconstituição da coisa julgada?; 3)Pode a Fazenda Pública cobrar seus créditos tributários (tributos e sanções) em relação aos fatos geradores anteriores à decisão do STF pela constitucionalidade da norma tributária? E quanto aos fatos geradores posteriores à decisão do STF, mas ocorridos antes de 02 anos da cobrança (após o prazo da rescisória)? e 4) O artigo 471, inciso I, do CPC/1973 (artigo 505, inciso I, do atual CPC) é aplicável em matéria tributária? 3. COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E AS SANÇÕES TRIBUTÁRIAS 3.1 O Parecer nº 492/2011 da PGFN e as sanções tributárias O fenômeno da modulação dos efeitos temporais das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade e também na figura das súmulas vinculantes expedidas pelo STF, é um caso típico da chamada relativização da coisa julgada. Tal técnica está prevista no artigo 27 da Lei 9.868 de 1999, bem como no artigo 4º da Lei 11.417 de 2006, cujos teores, respectivamente, vêm expressos nos moldes abaixo: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Art. 4o A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.” Portanto, é notável que a técnica ora explanada não é novidade no ordenamento jurídico nacional, sendo aplicada pelo STF em determinadas decisões, especialmente no sistema de controle concentrado. Mas é óbvio que, para a ocorrência da modulação dos efeitos temporais, por afetar de forma cabal o princípio da segurança jurídica, é imprescindível o preenchimento das condições mais rígidas, previstas na legislação (razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social e maioria qualificada). O Parecer nº 492/2011 da PGFN tenta diferenciar a relativização da coisa julgada, a qual seria modificação dos efeitos anteriores à decisão do STF (precisamente os precedentes referidos no item 3.2 acima), da cessação automática de sua eficácia, que seria em relação aos efeitos futuros, devido à mudança das circunstâncias jurídicas.  No entanto, diferentemente do argumento apresentado pela Fazenda Nacional, não há, em tais decisões, criação de direito novo, senão entendimento diverso em relação à decisão anterior favorável ao contribuinte, de modo que a coisa julgada anterior está acobertada pela garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, pois o legislador constituinte não atribuiu força de coisa julgada apenas às decisões do Supremo. Ademais, as decisões do Supremo em controle de constitucionalidade não cessam automaticamente a eficácia das decisões judiciais em contrário, mas apenas possibilita a sua futura desconstituição, e não rescisão, de maneira individual, por meio da devida ação judicial, já que a Constituição blindou a coisa julgada até mesmo da lei (artigo 5º, inciso XXXVI). A cessação automática, sem pronunciamento judicial, da eficácia da decisão judicial, como quer a Fazenda Nacional, também impossibilita o contribuinte de arguir alguma matéria de defesa, como alguma especificidade de seu caso em comparação com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, violando também o princípio da separação de poderes prescrito no artigo 2º da Carta Constitucional. Os dois pontos apresentados anteriormente são aceitos pela jurisprudência predominante, consoante decisões a seguir: “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA. TRIBUTÁRIO. PARECER PGFN Nº 492/11. PREVALÊNCIA DA COISA JULGADA. 1. A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) ou outro veículo processual que lhe faça às vezes. 2. Segundo jurisprudência do egrégio STF, a superveniência de decisão do Pretório Excelso, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc – como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte. 3. O mesmo entendimento vale para a hipótese em que o STF declara a validade de uma lei, que, precedentemente, foi reconhecida inválida em um processo que, inter partes, transitou em julgado, formando a coisa julgada material favoravelmente ao contribuinte. 4. A tentativa da Administração, por meio do Parecer PGFN nº 492/11, de sujeitar a coisa julgada a exame administrativo viola o princípio da separação dos poderes, já que, uma vez regrada a relação jurídica pela normativa individual emitida pelo Poder Judiciário, salvo a superveniência de lei, somente este poderá examinar a conservação e a permanência daquele regramento individual em relação aos fatos futuros. 5. Sentença mantida”. (TRF 4 – Apelação/Reexame Necessário nº 5006618-44.2012.404.7100/RS, Relator: Otávio Roberto Pamplona) (grifamos). “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL – INDISCUTIBILIDADE, IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA JULGADA – EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS – VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – EFICÁCIA PRECLUSIVA DA 'RES JUDICATA' – 'TANTUM JUDICATUM QUANTUM DISPUTATUM VEL DISPUTARI DEBEBAT' – CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. – A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia 'ex tunc' – como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, 'in abstracto', da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. – O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito.” (STF, AgR no RE nº 592.912/RS, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJe de 22-11-2012) (Grifamos). “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – CSLL. COISA JULGADA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 7.689/88 E DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. SÚMULA 239/STF. ALCANCE. OFENSA AOS ARTS. 467 E 471, CAPUT, DO CPC CARACTERIZADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL CONFIGURADA. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.1. Discute-se a possibilidade de cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro – CSLL do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. 2. (…). 3. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade. 4. Declarada a inexistência de relação jurídico-tributária entre o contribuinte e o fisco, mediante declaração de inconstitucionalidade da Lei 7.689/88, que instituiu a CSLL, afasta-se a possibilidade de sua cobrança com base nesse diploma legal, ainda não revogado ou modificado em sua essência. 5. 'Afirmada a inconstitucionalidade material da cobrança da CSLL, não tem aplicação o enunciado nº 239 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a 'Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores' (AgRg no AgRg nos EREsp 885.763/GO, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Seção, DJ 24/2/10). 6. (…) 7. 'As Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária. Por isso, está impedido o Fisco de cobrar a exação relativamente aos exercícios de 1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material' (REsp 731.250/PE, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ 30/4/07). 8. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/STJ”. (REsp nº 1.118.893/MG, 1ª Seção, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23-03-2011) (Grifamos). Quanto aos fatos geradores ocorridos anteriormente ao pronunciamento do STF a questão é mais simples devido ao princípio da segurança jurídica e seus correlatos em matéria tributária (em especial o artigo 100, que exclui as penalidades, e o 146, que impede a retroatividade quanto às mudanças nos critérios jurídicos, ambos do Código Tributário Nacional), bem como em face da extinção do crédito tributário, nos moldes do artigo 156, inciso X, do CTN, motivo pelo qual a Fazenda não pode cobrar os créditos tributários, especialmente as multas tributárias, oriundos daqueles. Já no que tange aos créditos tributários (tributos e sanções) relacionados a fatos geradores posteriores à decisão do STF pela constitucionalidade da norma tributária, mas ocorridos antes de 02 anos da cobrança (após o prazo da rescisória), a questão é mais complexa.  Todavia, mesmo nesses casos é incabível a cobrança pelo Fisco, porque a coisa julgada produz efeitos enquanto não houver a sua desconstituição judicial, extinguindo todo o crédito tributário, de modo que a possibilidade de exigência recai apenas sobre aqueles fatos geradores ocorridos posteriormente ao trânsito em julgado da ação judicial de desconstituição da coisa julgada favorável ao contribuinte, pois a coisa julgada anterior já não mais produzirá efeitos. Importa ressaltar que a ação devida é a de desconstituição da coisa julgada, ajuizada de maneira individual, em relação aos fatos geradores ocorridos posteriormente, preservando os efeitos anteriores da decisão favorável ao contribuinte, e não a rescisória, prescrita no artigo 966 do Código de Processo Civil. Isso acontece por dois motivos principais. Em primeiro lugar, é incabível a ação rescisória porque não estará presente nenhum dos pressupostos taxativamente previstos no artigo 966 do CPC, ressaltando-se que não houve violação manifesta de norma jurídica (inciso V), mas, sim, inaplicação de lei considerada constitucional pelo STF por decisão posterior. Sobre este ponto o autor Ives Gandra da Silva Martins, ainda na vigência do CPC/1973, o qual apresentava redação muito semelhante (artigo 485, inciso V – violar literal disposição de lei), em Parecer acerca do tema, entende no mesmo sentido: “(…) à luz do novo perfil da “segurança jurídica” no direito pátrio, o desenho do que seja violação “literal” de lei há de conformar, nas hipóteses retro citadas, a violação expressa do texto constitucional, isto é, literal, grotesca, ostensiva, aberrante, absurda, o que, à evidência, não ocorreu na decisão colocada para exame, transitada em julgado, quando pacífica era a jurisprudência no sentido de que a contribuição social sobre o lucro nascera ilegal e inconstitucional (MARTINS, 1992, p. 26)”.  Além disso, também descabe a ação rescisória, pois esta rescinde a decisão anterior, fulminando todos os seus efeitos, o que não atenderia aos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança dos agentes econômicos concretizados no instituto da coisa julgada. Por fim, não prospera o argumento utilizado pelo fisco quanto à inaplicabilidade do artigo 471, inciso I, do CPC/1973 (artigo 505, inciso I, do atual CPC) no Direito Tributário, posto que tal inciso é a norma geral, sendo o inciso II a específica. Assim, como não há dispositivo a respeito na legislação tributária, deve-se incidir o inciso I. Caso contrário, o inciso I seria desprovido de sentido jurídico, pois todo o seu conteúdo já estaria abrangido pelo inciso seguinte. 3.2 Princípios da Segurança Jurídica e da Isonomia: preservação necessária da Coisa Julgada e da Livre Concorrência A denominada relativização da coisa julgada em matéria tributária não deve ser entendida como produção de efeitos da decisão judicial transitada em julgado se e enquanto não houver decisão do Supremo em controle de constitucionalidade em sentido contrário, mas sim a manutenção de sua eficácia até a sua desconstituição judicial, após decisão da Corte Suprema com entendimento diverso. Com isso, os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima estarão preservados: o contribuinte com decisão anterior favorável terá a manutenção de todos os efeitos da coisa julgada até o momento de sua desconstituição, caso tenha ocorrido decisão do STF, posterior à coisa julgada e anterior à desconstituição, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso com posterior Resolução do Senado (artigo 52, inciso X, CF88), que lhe seja desfavorável. Em contrapartida, com o escopo de atender ao princípio da isonomia entre os contribuintes, em especial aos da livre iniciativa e livre concorrência, a coisa julgada anterior não deve produzir efeitos eternamente, favorecendo apenas um ou alguns em detrimento do restante de sujeitos passivos da obrigação tributária, razão de ser a desconstituição judicial da coisa julgada necessária, produzindo seus efeitos dali para frente. No que tange à igualdade na Ordem Econômica o autor, na mesma linha de entendimento apresentada por este estudo, assevera o seguinte: “A primeira, e óbvia, decorrência desse princípio é a exigência de que, na competição econômica, não haja favorecimentos nem desfavorecimentos. Entretanto, os estímulos a atividades econômicas, que são cabíveis na perspectiva do desenvolvimento, importam não raro em condicionamentos especiais. Estes são legítimos, desde que se mantenham na esfera do razoável, não acarretando vantagens desproporcionadas, em relação aos benefícios esperados. Trata-se de uma avaliação difícil e delicada, que, todavia, não pode ser excluída (FERREIRA FILHO, 2011, p. 95 e 96)”. Portanto, não há propriamente uma relativização da coisa julgada, nem uma cessação automática de sua eficácia como entendeu a Fazenda Nacional, mas uma preservação dos valores e princípios constitucionais mencionados (segurança jurídica – coisa julgada e isonomia – livre iniciativa e livre concorrência), em consonância com os fins do Estado Democrático de Direito, positivados no texto constitucional, e com o método positivismo jurídico “metódico-axiológico”.  CONCLUSÃO A coisa julgada é um instituto de extrema relevância para a vida em sociedade, por tratar-se de um dos instrumentos por meio dos quais as pessoas podem viver socialmente de forma equilibrada e mais previsível. Sem a coisa julgada, o caos estaria inserido na sociedade, tendo em vista que os indivíduos não teriam certeza acerca de suas situações jurídicas. Portanto, cabe ao Poder Público atuar com certa margem de previsibilidade, bem como respeitar as situações constituídas pelo complexo de normas por ele elaboradas e reconhecidas, de modo que os seus cidadãos possam viver sem muitas surpresas, em respeito ao princípio (ou valor) constitucional da segurança jurídica (inteligência do artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988) e seus correlatos na seara tributária. Quanto aos fatos geradores ocorridos após a decisão do STF, a questão é mais simples, devido ao princípio da segurança jurídica e seus correlatos (em especial, o artigo 100, que exclui as penalidades, e o 146, o qual impede a retroatividade quanto às mudanças nos critérios jurídicos, ambos do CTN), bem como em face da extinção do crédito tributário, nos moldes do artigo 156, X, do CTN, motivo pelo qual a Fazenda não pode cobrar os créditos tributários, especialmente as multas tributárias, oriundos daqueles. Todavia, mesmo em relação aos fatos geradores posteriores é incabível a cobrança, porque a coisa julgada produz efeitos enquanto não houver a sua desconstituição, de modo que a possibilidade de exigência recai apenas sobre aqueles fatos geradores ocorridos posteriormente ao trânsito em julgado da ação judicial de desconstituição da coisa julgada favorável ao contribuinte, pois a coisa julgada anterior já não mais produzirá efeitos. No entanto, no Direito Tributário a aplicação pura e simples da coisa julgada de forma perene coloca em conflito os princípios mencionados acima com outro fundamental princípio jurídico, que é o da isonomia dos agentes econômicos privados, consubstanciada pelos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Logo, é importante que o intérprete não despreze nenhum dos princípios, de modo que haja a preservação da coisa julgada até o momento de sua desconstituição judicial, de forma individual, e somente após tal termo é que o princípio da livre concorrência deverá incidir sem a necessidade da aplicação das técnicas pós-positivistas, móbil de o Parecer nº 492/2011 da PGFN não encontrar respaldo no paradigma do Estado Democrático de Direito nos termos da Carta de 1988.
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Prescrição e decadência no direito tributário. Uma análise sob o enfoque dos artigos 150, § 4° e 173, I do CTN
O presente artigo é uma abordagem resumida dos fenômenos da decadência e da prescrição no direito tributário. Com enfoque especificamente na decadência, artigos 173, I e 150, §4, do CTN, que orbitam em torno desse fenômeno é que pretende-se demonstrar o assunto, alvo de grande polêmica e divergências tanto jurisprudenciais quanto doutrinárias. Não menos importante as modalidades de lançamento tributário, (ofício, declaração e homologação). Outrossim, serão abordados para melhor compreensão do estudo, as particularidades no que se refere a prazos pertinentes aos dois artigos do CTN estudados (dies a quo/ ad quem) causados pela inércia da Administração Fiscal. Ao final, dois exemplos práticos sobre a matéria e a conclusão.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo é um resumo que visa abordar os fenômenos da prescrição e da decadência no direito tributário. Com enfoque nos artigos 150, §4° e 173, I do CTN. A dúvida paira não só no campo teórico, mas também no campo prático. A prescrição possui um papel de relevância notória no sistema jurídico como um todo. Isso porque, adstrito ao tempo, resolve lides de forma automática de ofício ou por provocação. É matéria de ordem pública que controla a eficiência da atividade jurídica evitando a perpetuação ad eternum, de pretensões jurídicas. Da mesma forma garante a segurança jurídica, princípio de solar importância.  Consubstanciado sob seio constitucional a qual garante a razoável duração do processo e do devido processo legal. A Decadência da mesma forma que a prescrição extingue o crédito tributário, conforme o artigo 156, V do CTN. Nesse instituto importa mencionar desde já algumas características. A decadência atinge o direito subjetivo do sujeito ativo, nesse caso o fisco poderá ser federal, estadual ou municipal. Somente pode-se falar em decadência antes do lançamento. Aplica-se a decadência os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Em tese, se houver decadência não haverá prescrição. O tributo atingido pela decadência poderá ser restituído (SABBAG, 2016). A decadência é a perda do direito de lançar o que ensejaria a constituição do crédito tributário. O Estado não pode permanecer eternamente com esse direito por inércia em fazer o lançamento. Assim, em razão do não pagamento do tributo devido, o Estado deve lançar, efetivar o crédito em um período de tempo a qual será maior detalhado alhures. O presente trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica com maior ênfase em jurisprudência, pelo método dedutivo de abordagem tendo em vista solucionar entendimentos uniformizando, epistemologias de cunho doutrinário referente a temas duvidosos, como é o caso, que exigem um suporte majoritário jurídico de decisão que fora dele, deixam espaço para interpretações soltas. Ressalte-se, no entanto, que o presente trabalho não tem o condão, muito menos audácia, de dirimir todos os pontos exaurindo o tema. Mas sim, elucidar a matéria restrita a qual se deu a pesquisa de forma básica, objetiva, haja vista carecer o tema de estudos mais robustos adequando a sistemática teórica à prática. 1. LANÇAMENTO E SUAS MODALIDADES. 1.1. Aspectos Gerais Antes de adentrar no tema a que se propõe o artigo, necessário é, que seja apresentado um breve relato dos aspectos gerais do lançamento e suas modalidades, haja vista sua importância para vincular ao tema que será apresentado em breve. Vejamos; “Art. 142 – Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” Em análise do presente chega-se a uma conclusão bastante simples. Só a Administração faz lançamento! Sujeito passivo não lança. Por meio dessa premissa, pode surgir a seguinte indagação; Se é privativo da autoridade administrativa, como o sujeito passivo pode constituir o crédito tributário? O sujeito passivo pode constituir o crédito tributário de outras maneiras, por exemplo, por meio de declaração, que não é lançamento tributário. Isso de nenhuma forma ofende o citado artigo acima. De outra forma tomando o raciocínio supra como escopo subentende-se sob parâmetros lógicos que a constituição do crédito tributário não é privativa da Administração, apenas a constituição pelo lançamento. Lançamento tributário nas palavras do Il. Prof. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, (pag. 370), “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento nos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido. Na mesma senda, o lançamento é um ato por meio do qual se declara a obrigação tributária proveniente do fato gerador a qual possui efeitos ex tunc, em consonância com o princípio da irretroatividade tributária (SABBAG, 2016). O fato gerador opera com efeitos ex nunc, pois é um ato constitutivo, criador de direitos e deveres. Por isso que o lançamento constitui o crédito tributário revestindo-o de feição constitutiva do crédito. Portanto, em consonância com os dois posicionamentos conceituais simetricamente chaga-se a conclusão de que o lançamento possui natureza mista, constitutivo (do crédito tributário) e declaratório (da obrigação tributária). Repisa-se que o lançamento é um ato administrativo vinculado, não auto executório e privativo do Fisco, podendo haver tão somente uma participação maior ou menor do contribuinte no ato de lançar. 1.2. Lançamento por Homologação  A Fazenda com sua crescente necessidade em recolher tributos para o custeio das necessidades/despesas do Estado conjugada com a evolução das áreas econômicas do País e com o aumento do número de contribuintes viu-se incapaz na fiscalização ou na contratação de uma quantidade proporcional de fiscais, conduzindo os legisladores a implementarem uma sistemática da qual juristas italianos, também utilizaram desta técnica tributária chama de accertamento. Desta forma o lançamento por homologação do tributo ou do autolançamento é descrito no art. 150 do CTN, atribuindo ao contribuinte a apuração e recolhimento antecipado do tributo sem exame prévio da Fazenda Pública. Dentre as espécies de lançamento tributário os que denegam maior atenção, segundo Ricardo Alexandre (2007); “o lançamento dos tributos por homologação é um dos temas mais debatidos entre os tributaristas e objeto de muitas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.” Conforme Eduardo Sabbag (2009), ao conceituar esta modalidade de lançamento, o mesmo diz que é aquele em que o contribuinte auxilia ostensivamente o fisco na atividade do lançamento, recolhendo o tributo antes de qualquer providencia da Administração.² Ao abordar o tema referendando sua discordância, Paulo de Barros Carvalho (1996), assim dispõe: “A conhecida figura do lançamento por homologação é um ato jurídico-administrativo de natureza confirmatória, em que o agente público, verificado o exato implemento das prestações tributárias de determinado contribuinte, declara, de modo expresso, que obrigações houve, mas que se encontram devidamente quitadas até aquela data, na estrita consonância dos termos da lei. Não é preciso dispender muita energia mental para notar que a natureza do ato homologatório difere da do lançamento tributário. Enquanto aquele primeiro anuncia a extinção da obrigação, liberando o sujeito passivo, este outro declara o nascimento do vínculo, em virtude da ocorrência do fato jurídico. Um certifica a quitação, outro certifica a dívida. Transportando a dualidade para outro setor, no bojo de uma analogia, poderíamos dizer que o lançamento é a certidão de nascimento da obrigação tributária, ao passo que a homologação é a certidão de óbito.³ Em síntese apertada, mas não menos brilhante a Ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon no Resp n° 279.473 – SP aduz em seu voto que; “o lançamento por homologação, próprio dos tributos indiretos, opera-se pelo ato da autoridade administrativa que tomando conhecimento da antecipação de pagamento pelo sujeito passivo, expressamente a homologa”. O art. 150 do CTN aduz que; “Art. 150 – O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.” Nessa hipótese de lançamento por homologação, a lei atribuiu ao contribuinte, toda a série de tarefas necessárias a constituição do crédito. O STJ editou a Súmula 436 nos seguintes termos; A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer providencia por parte do Fisco”. (negritei) Assim, é um dever do contribuinte do imposto fazer às vezes do fiscal, ou seja, o próprio contribuinte se autofiscaliza emitindo documento fiscal, escriture livros em que demonstrem a determinação da base de cálculo obtendo o produto pela alíquota, apurando o montante devido, sendo obrigado a recolher, sem interferência da Fazenda Pública. 1.3. Lançamento por Declaração Ocorre o lançamento por declaração quando o contribuinte presta as devidas informações as autoridades fazendárias para a exigência fiscal. Fornecendo ao Fisco, elementos para que o crédito tributário seja apurado o notificando apenas para pagar o tributo devido. O contribuinte então, nesses casos, cumpre seu dever prestando a informação, mas espera, como já exposto, a notificação do montante a ser pago (PAUSEN,2012). Previsto no art. 147 do CTN em síntese ao que consta no parágrafo supra, ocorre o seguinte nos lançamentos por declaração. Quem realiza o fato gerador é o sujeito passivo. Com a realização do fato gerador, nasce a obrigação tributária acessória, que são as informações que deve prestar a administração por meio da declaração. A Administração com base nas informações contidas na declaração faz o lançamento e o sujeito passivo efetua o pagamento o que gera a extinção do crédito tributário. O que ocorre com certa frequência é uma confusão entre o lançamento por declaração e o lançamento por homologação. No lançamento por homologação, o sujeito passivo ao realizar o fato gerador, tem o dever de declarar, nascendo, para ele, duas obrigações; a) obrigação tributária acessória (declarar), e b) obrigação tributária principal (pagamento) na sequência da declaração e somente após a homologação. Percebe-se que no lançamento por homologação, administração se situa após a declaração e após o pagamento. No lançamento por declaração, objeto desse item, não. A Administração situa-se no meio. O sujeito passivo declara, aguarda, a Administração faz o lançamento (meio) e após lançar, o sujeito passivo efetua o pagamento. Outro ponto de relevância é a possibilidade de retificação por erro na declaração pelo próprio contribuinte, mas desde de que o faça antes que a Administração efetue o lançamento por meio da notificação. A adequação à legislação aplicável para emitir o lançamento decorre das informações de todas as operações estados, fatos e situações ocorridas num determinado período de tempo pelo devedor (MELO, 2003). Exemplo claro da referida modalidade de lançamento é o Imposto de Renda, IR (CASSONE, 2001). 1.4. Lançamento de ofício No lançamento de ofício é dispensada qualquer auxílio por parte do sujeito passivo da relação jurídico tributária. Em síntese, ocorre o lançamento de ofício quando somente a Administração determina o valor do tributo devido. Somente a Administração participa do lançamento de ofício. Ele é unilateral porquanto participa do lançamento apenas a autoridade administrativa. Um exemplo sobre esta modalidade de lançamento é o IPTU, na qual a própria autoridade verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido, identifica o sujeito passivo e propõe a aplicação da pena cabível, se for o caso. A característica central dessa modalidade são os dados que a administração possui dos sujeitos passivos. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:” O caput do artigo traz duas hipóteses de lançamento de ofício; 1) lançamento efetuado de ofício, 2) lançamento revisto de ofício que são duas hipóteses diferentes, senão vejamos. Como o próprio caput aduz, o lançamento pode ser efetuado por inciativa da Administração ou numa hipótese de revisão de lançamento anterior. Situações diferentes que podem motivar o lançamento de ofício: Na própria competência do lançamento, da natureza do lançamento de ofício ou na situação de lançamento de ofício que já fora feito. Nessa revisão o resulta será outro lançamento de ofício. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine;” Quando se diz em natureza originária do lançamento, quer-se dizer que existem tributos que são originalmente lançados de ofício como o IPTU e o IPVA. Não decorre de uma revisão de outro lançamento. Sujeito passivo pratica o fato gerador, por exemplo, no dia 1° de janeiro, aguarda e o lançamento será entregue com a cobrança respectiva. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;” Os incisos II, III e IV podem ser considerados sequenciais para a compreensão de sua finalidade. O Núcleo da discussão que se pretende levantar é sobre a declaração para que se converta no lançamento de ofício. A primeira hipótese diz respeito ao lançamento de ofício ou revisão de um lançamento anterior que a lei determina. A segunda hipótese está nos incisos de II a IV. Nesta segunda hipótese o lançamento de ofício pode se dar de duas formas; ou a revisão do lançamento anterior que já tenha sido realizado por determinação de lei em detrimento de descumprimento de uma obrigação tributária acessória pelo sujeito passivo ou o lançamento de ofício por conta do descumprimento da obrigação tributária acessória. A obrigação tributária acessória aqui é a declaração. A falha na declaração resultará ou na revisão do lançamento anterior ou no próprio lançamento de ofício. A título de exemplo para o caso de revisão de lançamento tem-se o seguinte caso. O sujeito passivo ao realizar o fato gerador faz a declaração que contém informações essenciais para o lançamento de um tributo originalmente lançado por declaração. Com base nessa declaração a Administração faz o lançamento, dentro do prazo decadencial. Todavia, a Administração percebe que essa declaração foi falsa. Nesse caso ela, Administração, pode revisar esse lançamento baseado numa declaração falsa e produzir outro lançamento de ofício. Noutro exemplo seria a hipótese do lançamento de ofício. Pensando-se num tributo a qual tenha-se o lançamento por homologação em que é dever do sujeito passivo declarar, ele não declara ou declara errado. Nesse caso a ausência da declaração pode gerar o lançamento de ofício porquanto o sujeito passivo não cumpriu corretamente sua obrigação tributária acessória. Dessa forma, o fundamento para o lançamento de ofício nos casos de não declaração podem estar dentro dos incisos I a IV. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;” Fundamento para o lançamento de ofício é o descumprimento do lançamento por homologação como já supra citado. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;” Importa um comentário sintético referente ao inciso VI, do art. 149 do CTN. É claro nesse inciso que se trata de uma infração cometida pelo sujeito passivo. E se houve uma infração, haverá a aplicação de uma penalidade pecuniária exigida por meio de lançamento de ofício. Pode ser que o tributo nem seja devido, o que não importa muito pois a natureza desse lançamento é punir tendo em vista descumprimento de obrigação tributária acessória. Não emissão de nota fiscal, por exemplo. “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;” Comentários acerca do inciso VII, aprofundaria demasiadamente esse tema e desvirtuaria o tema proposto objeto do presente artigo. Entretanto, não quer dizer que não mereça atenção tendo em vista sua solar importância na compreensão do lançamento de ofício. O inciso VII trata da revisão do lançamento ou o próprio lançamento de ofício. Trata do tema da elisão tributária. Elisão tributária consiste na prática de atos lícitos que resultam no não pagamento do tributo ou na redução do tributo devido. Evasão é a prática de atos dolosos, fraudulentos ou simulados que também resultam no não pagamento do tributo ou na redução do tributo devido. Por fim, frise-se um ponto que merece atenção diz respeito ao direito de “ampla defesa”, que assiste o contribuinte, sujeito passivo da relação em impugnar, o lançamento dos créditos tributários efetuados com base em sua declaração. Isto é, o devedor do crédito tributário poderá apresentar sua defesa na esfera administrativa mesmo em casos da cobrança ser feita sem a expedição de auto de infração. Nesse ponto, a corte superior (STJ) vem decidindo que o contribuinte poderá impugnar o lançamento dos tributos, mesmo nos casos que for efetuado com base em suas próprias declarações sem auto de infração.  A corte entende que é uma possibilidade prevista no CTN que não distingue qual tipo de lançamento pode ser objeto de impugnação. Então, se o CTN não discrimina qual o tipo de lançamento que se pode impugnar, não compete às fazendas pública fazê-lo. A decisão é por demais importante já que, durante o julgamento da impugnação que pode durar até quatro anos, a exigibilidade do crédito tributário respectivo ficaria suspensa e o contribuinte tem direito a “certidão negativa”. “TRIBUTÁRIO – LANÇAMENTO COM BASE NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE – ERRO – IMPUGNAÇÃO – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DA REGRA DE QUE ONDE A LEI NÃO DISTINGUE NÃO CABE AO INTÉRPRETE DISTINGUIR. 1. O CTN prevê a possibilidade de impugnação, mesmo do lançamento com base na declaração efetuada pelo contribuinte, posto que, além de tratar-se de ato administrativo, o dispositivo de regência não faz referência a que tipo de lançamento pode ser alvo de impugnação, ou não, não podendo o intérprete distinguir onde a lei não distingue, como pontifica avelhantado brocardo jurídico. 2. Destarte, se o lançamento notificado pode ser alterado pelo sujeito passivo, é evidente que conspira em favor da interpretação teleológica das regras do sistema a possibilidade de o sujeito passivo antecipar-se.  3. Num sistema tributário em que se admite a “denúncia espontânea”, revela-se incompatível vedar-se a retificação ex-officio do auto lançamento, acaso engendrado “tempestivamente”. 4. Recurso desprovido.” 2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO. 2.1. Histórico A perpetuidade era regra característica do direito romano primitivo. No entanto, quando a segurança nas relações jurídicas passou a ser exigência, houve a necessidade de se delimitar um tempo para a proposição das ações. O legislador italiano recepcionou a prescrição como causa extintiva, mas com uma forma de operação diferenciada das demais, pois para que atingisse seus efeitos necessário era a alegação do devedor. Ante as várias divergências o direito brasileiro assumiu a posição do direito romano que considera a prescrição como causa para extinção da pretensão, ou seja, pela inércia, por um período de tempo do credor na cobrança do crédito. Ocorre pela perda da prerrogativa de se exigir judicialmente o direito, embora não impeça que o devedor satisfaça essa dívida. O direito positivo não socorre a quem permanece inerte por um longo lapso temporal, pois decorrido muito tempo, o direito pode não mais existir por ter sido satisfeito pelo devedor, por exemplo, tendo em vista que papéis perdem-se ou destroem-se com o passar do tempo. Portanto, decorrido certo prazo, as reações jurídicas devem estabilizar-se para que haja certeza e segurança jurídica nas relações (AMARO, 2003). Por sua vez, quanto ao alcance, a prescrição, não atinge, de regra, somente a ação; atinge a pretensão (MIRANDA, 1974). No entendimento de Monteiro (2003, p. 334), a prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso desta, durante determinado espaço de tempo. Nesse sentido a prescrição tem grande relevância pois sua principal finalidade é a impressão de certeza que o decurso de tempo dá as relações jurídicas, segurança de que deverão ser extintas em um certo lustro temporal. A busca da estabilidade é fator preponderante para justificar a prescrição, e seria impossível suportar uma perpétua situação de incerteza ou insegurança. Decorrido um tempo, é importante que se prepondere a situação de fato sobre a situação de direito. Se perpétuo ou reservado indefinidamente o direito de reclamar, desapareceria a estabilidade de toda espécie de relações, o direito ficaria enfraquecido e o devedor se veria em constante ameaça de cobrança de uma dívida (RIZZARDO, 2005). Nesse sentido é opinião tranquila que a prescrição atende a satisfação de superior e geral interesse a certeza e a segurança no meio social e, assim, se coloca entre os institutos de ordem pública (JUNIOR, 2003). Para ocorrência da prescrição dois são os requisitos, aliás muito bem definidos. Em primeiro a inação do titular do direito; em segundo o transcurso de tempo. Embora a prescrição se inspire na noção de segurança e estabilidade nas relações sociais, ela também se justifica na ideia de que, se o titular do direito deixa de exercer a ação, revelando-se desse modo seu desinteresse, não merece proteção do ordenamento jurídico. Não se verifica injustiça na privação de uma prerrogativa, sendo que, o primeiro a desprezá-la. Desse modo é imprescindível a atitude inerte do autor para a consumação da prescrição (RODRIGUES, 2002). 2.2. Prescrição Tributária A prescrição tributária é o fato jurídico que implica a perda do direito de ajuizamento da ação de execução fiscal (SABBAG, 2015). A prescrição está relacionada à ação. É propriamente a perda de uma ação ajuizável, em virtude da falta de andamento durante certo lapso temporal, (cinco anos). A decadência extingue o direito; a prescrição tem por objeto a ação. Para alicerçar o citado supra, o CTN em seu art. 174, caput, não admite interpretação contraditória nem acerca do tempo, tampouco da própria prescrição; Modernamente, contudo, juristas e jurisprudência de nossa corte conceituam a prescrição como sendo a perda de um direito de prosseguimento na ação judicial de execução pelo decurso de tempo. Embora previsto no NCPC (Novo Código de Processo Civil), me aterei especificamente a prescrição no direito tributário a qual é estampado no art. 174 do CTN. Erroneamente alguns pensam que a prescrição põe fim ao direito das Fazendas. Isso não ocorre. O que ocorre é o direito definitivamente de continuar a executar por via judicial a cobrança do crédito tributário. Portanto é a perda do direito de cobrança do crédito tributário por parte do Estado sempre que permitir que entre o lançamento do tributo e a execução opere tempo superior a cinco anos. Importa ressaltar que a prescrição assegura à paz social e a segurança jurídica. Não destrói o direito,  não apagam as pretensões, apenas encobre a eficácia da pretensão, atendendo a conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou acionabilidade. O que se vê nas práxis no meio jurídico é a expressão erroneamente empregada de “prescreveu o direito.” É elipse reprovável, pois em verdade, se quis dizer que; “o direito teve prescrita a pretensão”, ou a ação, que dele se irradiava ou teve prescrita todas as pretensões (ou ações) que dele se irradiavam. Interessante é que quando se diz; “dívida prescrita”, elipticamente se exprime “dívida com pretensão encobrível, (ou já encoberta), por exceção de prescrição. Muito diferente é o que se passa quando se diz; pretensão prescrita” ou “ação prescrita”. A pretensão prescrita é a pretensão encobrível (ou já encoberta) por exceção de prescrição. [12] 2.2. Prescrição e a dívida ativa Quando a Fazenda não possui seu debito satisfeito o que ocorre é a inscrição do crédito tributário em dívida ativa. Com isso, tem-se a habilitação para que seja proposta uma ação de execução fiscal, com fulcro nas disposições da lei 6.830/1980. No intuito de extinguir a execução fiscal que pesa sobre si, o sujeito passivo poderá opor embargos à execução após a garantia do juízo (no prazo de 5 dias); no prazo de 30 dias, a contar da; a) data do depósito; b) juntada da prova da fiança bancária; c) intimação da penhora; (art. 16, I, II e III, da LEF). Importa mencionar que no caso de prescrição, excepcionalmente poderá o executado valer-se da exceção de pre-executividade (SABBAG, 2015). 3. Decadência Decadência é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi de origem subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado. Entre a decadência, que aniquila e a prescrição que apenas paralisa, existem traços diferencias entre um e outro, vejamos; Em primeiro lugar a decadência extingue o direito; a prescrição tem por objeto a ação. O prazo da decadência começa a correr desde que o direito nasce; a prescrição desde o momento em que o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado (porque nesse momento é que nasce a ação, contra a qual a prescrição se dirige). A decadência supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida. (LEAL, 1959) Em verdade, tanto a prescrição quanto a decadência supõem um decurso e tempo e a inercia do titular do direito. Prescrição limita-se a pretensão, ao passo que a decadência extingue o direito. 3.1. Decadência no direito tributário A decadência no Direito Tributário é o próprio decaimento, ou perecimento, de constituição do crédito tributário pelo lançamento. Sua ocorrência prevê a extinção do crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Ressalte-se que se só se pode falar em decadência, antes do lançamento. (SABBAG, 2105)  O CTN apresenta dois dispositivos, análise do presente artigo que devem ser analisados quando do estudo da decadência. 3.2. Decadência conforme art. 173, I, CTN. Para se ter melhor uma análise pertinente ao artigo, transcrevo abaixo; “Art. 173. o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário, extingue-se após 5 (cinco) anos, contado; I. do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;” Conforme o presente artigo, a previsão do dies a quo traz como o primeiro dia o exercício subsequente àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Assim, o direito da fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos. É a perda do direito que a Fazenda possui de realizar o lançamento do crédito. O referido artigo estabelece a regra geral de decadência ao estabelecer que o prazo de extinção do direito de lançar é de 5 anos. Dessa forma, qualquer lançamento realizável dentro de certo exercício poderá ser efetuado em 5 anos após o próprio exercício em que se iniciou a possibilidade jurídica de realizá-lo. (AMARO, 2007) O lapso temporal é contato no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado ou a data em que tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vicio formal, o lançamento anteriormente efetuado. Importante ponto é diferenciar os tributos com fatos geradores mensais dos que possuem fatos geradores anuais. O primeiro caracteriza-se toda vez que se realiza uma operação e apuração é mensal. Isso ocorre com o ICMS, IPI, ISS, etc. Os tributos com fato gerador anual são os que o fato gerador ocorre só em determinado momento, exemplo, imposto de renda, IPTU, IPVA, etc. Em verdade o que o citado artigo do CTN diz é que, caso haja falta de pagamento, por exemplo, em tributos no qual o lançamento seja por homologação que conforme o artigo 150 do CTN atribuem ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, caso não o faça, ou seja, nada pague, a Fazenda terá a seu favor, um prazo maior para a constituição do crédito, ou seja, 5 anos  com o dies a quo no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. (AMARO, 2001) Se o sujeito passivo “antecipa” o tributo mas o faz em valor inferior ao devido, o prazo que flui é para a autoridade manifestar-se se concorda ou não com o valor. Se não concordar deve lançar de ofício desde de que o faça antes do término do prazo, cujo transcurso implica homologação tácita. Se houver, for constatado, dolo, fraude independentemente do pagamento, o prazo também será contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte. Consideremos este, como o primeiro caso dentro do lançamento por homologação. Casos em que exista o dever de declarar estabelecido em lei, podem ocorrer duas possibilidades a se considerar. Pode haver a declaração correta e o não pagamento. Ou então, a declaração correta e o pagamento parcial, portanto, insuficiente. Percebe-se que nesses dois casos não se está a preocupar-se com a decadência, mas sim com a prescrição, pois as declarações foram feitas corretamente. Nos casos de declaração ausente ou errada, teremos a decadência, pois haverá a necessidade de constituir o crédito tributário, que terá como prazo inicial o art. 173, I. Nos tributos lançados de ofício, conforme art. 149 do CTN e nos tributos lançados por declaração art. 147 do CTN a regra geral nessas duas modalidades de lançamento é a do art. 173, I. A regra desse artigo é aplicada nas três modalidades de lançamento. 3.3. Decadência conforme art. 150, §4°, CTN. A decadência conforme o art. 150, §4° do CTN, na modalidade de lançamento por homologação é a mais extensa dentre as modalidades de lançamento. Como já é sabido, nesse tipo de lançamento, o sujeito passivo realiza o fato gerador do tributo e antecipa o pagamento, (pagamento de forma precária), sem o prévio exame da autoridade administrativa. Melhor dizendo, o sujeito passivo realiza o pagamento com base nas informações que ele mesmo obteve. Por ser precário o pagamento, o mesmo não extingue o crédito tributário que somente ocorrerá com a homologação deste. Homologação para todos os efeitos é a concordância da autoridade administrativa sobre o quantum pago. Ressalta-se que a homologação tem o prazo de 5 anos com dies a quo¸ a partir do fato gerador e não do pagamento! O pagamento em si, não extingue o crédito tributário, mas a homologação. A administração tributária tem o prazo de 5 anoso, com já exposto para a homologação do pagamento que poderá ser expressa, quando há manifestação administração, ou tácita, presumida, quando a autoridade administrativa fica em silêncio. Nessas duas possibilidades haverá a extinção do crédito. Na literalidade da lei tem-se; “Art. 150 – O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 4º – Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” É fácil destacar da lei que o art. 150 se refere a homologação expressa, pois expõe sobre o conhecimento da autoridade para se manifestar sobre o valor pago e o parágrafo quarto do mesmo artigo se refere a homologação tácita, ou seja, sem pronuncia da fazenda pública. Ocorre que para que a autoridade administrativa homologue ela precisa concordar. Não o fazendo, então, ela não homologa, seja por erro de cálculo do contribuinte, pagamento a descoberto, insuficiente ou pela própria ausência de pagamento, risco que muitos contribuintes apostam. Nesses casos o que se verifica na prática é uma mutação na forma do lançamento. O art. 150 apenas obriga o sujeito passivo a antecipar o pagamento, muito restrita. De fato a obrigação do sujeito passivo possui uma amplitude maior, que além de antecipar o pagamento, deverá declarar que realizou o fato gerador e que deve determinada quantia de tributo. Quando a administração verifica que o pagamento fora insuficiente ou não houve o pagamento ela mesma, a administração, lança, mas agora de ofício, é o fundamento do art. 149, V do CTN, vejamos; “Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;” Dessa forma, se o sujeito passivo não cumpriu a obrigação que pesa contra si, quem faz as vezes é a autoridade administrativa por meio do lançamento de ofício, que por muitas vezes tem a denominação de “auto de infração’, e é nesse ato que a administração tem um prazo, prazo esse decadencial pois se insere antes do lançamento. Para o STJ, os prazos decadenciais assumem distinção alicerçando-se, a Corte, no comportamento do sujeito passivo, para que a administração faça o lançamento de ofício. Ou seja, em breve síntese, nas exações cujo lançamento se faz por homologação, caso haja pagamento antecipado, o prazo decadencial tem início a partir do fato gerador, art. 150, §4°, do CTN. Somente nos casos que não houver pagamento ou que exista prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, prazo maior para que a administração efetue o lançamento. (Resp. n° 183.603/SP, Rel. Min, Eliana Calmon, DJ de 13.08.2001). A Fazenda então possui 5 anos para homologação segundo o art. 150, §4° do CTN, após o qual, expira o prazo, homologação ficta. O prazo de cinco anos nasce com o fato gerador e finda com a homologação ou de forma tácita, ao final de cinco anos, se esta não recorrer. Vê-se que o pagamento não produz efeito, pois o que se homologa não é o pagamento e sim a atividade exercida pelo sujeito passivo, quando quantifica e determina a prestação. O pagamento quando homologado tempestivamente possui efeito retroativo. Nesse sistema, o contribuinte, não poderia aguardar eternamente a homologação, portanto estabelecido prazo para a Fazenda de 5 anos que mesmo tácita, ficta extingue-se o crédito tributário não mais podendo haver o lançamento. Em outras palavras, o que foi pago pelo contribuinte antecipadamente, não pode ser impugnado. A ressalva acerca do exposto restringe-se quando não há pagamento algum ou quando comprovada ocorrência de dolo, fraude ou simulação, aí, incidindo ao art. 173, I do CTN. (Resp. n° 279.473/SP, Rel. Eliana Calmon, DJ 08/04/2002). Em breve síntese, nesse sentido a ementa do Ministro Ari Pargendler, além de muito clara, é didática quando diz que: Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4°, do Código tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe evidentemente hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto do artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. (Resp. 101.407/SP, rel. Min. Ario Pargendler, Primeira Seção. Dec. Unânime, publ. No DJ de 08/05/2000). Por fim, a linha dos tribunais quanto ao tema é bem clara, ao se posicionarem quanto ao pagamento antecipado e a homologação ficta =, consequentemente gerando para a administração um prazo menor para realizar o lançamento, ou seja, a partir do fato gerador ou quando não houver pagamento antecipado ou quando se comproe dolo, fraude ou simulação, casos em que a administração terá um tempo maior para o lançamento, no primeiro dia do ano seguinte àquele em que poderia ter sido lançado. 4. EXEMPLOS Numa análise individualizada dos dois dispositivos é possível extrair a diferença na contagem do prazo inicial. O art. 173,I, do CTN para lançamentos de ofício, misto e por homologação/falta de pagamento. Lançamento por homologação sem pagamento aplica-se ao caso o artigo 173,I CTN, pois sem pagamento não há o que homologar, faltando o objeto ao lançamento por homologação. Nesse caso a constituição do crédito devem observar o art. 173, I CTN de acordo com a sumula 219 do TRF. O art. 173,I do CTN como já dito é considerado “’regra geral” d decadência, embora não empregue o termo “decadência” em seu texto. Trata-se de regra que não vale para o tributo lançado por homologação, em sua forma típica. Este dispõe de regra de cálculo própria, especial, constante do art. 150, § 4°, CTN. CASO PRÁTICO 1. O IPTU, é um imposto lançado de oficio. Assim sendo, evidencia-se a necessidade de aplicação do prazo constante do art. 173, I do CTN: cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.  Então, o IPTU relativo ao ano de 2010, pode ser exigido até que data, por meio do lançamento? O ano de 2010 é o exercício em que o lançamento poderia ter sido efetuado. O ano de 2011, exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Fica assim: Conte: 01/01/2011 primeiro dia do exercício seguinte: Contagem zero (0) 01/01/2012 …………………………contagem: 1 anos 01/01/2013 …………………………contagem: 2 anos 01/01/2014 …………………………contagem: 3 anos 01/01/2015 …………………………contagem: 4 anos 01/01/2016 …………………………contagem: 5 anos Conclusões sobre o exemplo: 1. Se o fiscal vier até 31/12/2015, poderá haver o lançamento sem operar a decadência. 2. Se o fiscal vier na data de 01/01/2016, já haverá decadência, não podendo efetuar o lançamento. 3. Se a autoridade fiscal vier após a data de 01/01/2016 transcorreu mais ainda o prazo, surgindo nitidamente a decadência. CASO PRÁTICO 2. AIIM (ICMS): Agosto 2015 Fato gerador: março de 2010 Falta de Pagamento. Veja bem. O fato gerador do ICMS foi em março de 2010. Em agosto de 2015 a autoridade administrativa lançou por falta de pagamento (art. 173, I, CTN) do imposto. Contagem do prazo inicial. 01/01/2011…………………………………. contagem: 0 ano 01/01/2012…………………………………. contagem: 1 ano 01/01/2013…………………………………. contagem: 2 anos 01/01/2014…………………………………. contagem: 3 anos 01/01/2015…………………………………. contagem: 4 anos 01/01/2016…………………………………. contagem: 5 anos Conclusões sobre o exemplo; Segue a mesma conclusão do exemplo passado. Ou seja, a autoridade administrativa lançando até 31/12/2015 não haverá os efeitos da decadência. Somente se opera a decadência em 01/01/2016. Nesse exemplo, não houve decadência. CASO PRÁTICO 3. (BÔNUS) Nesse caso prático o lançamento será feito por homologação, com o pagamento, ou seja com a devida antecipação de pagamento por parte do contribuinte, operando-se os efeitos do art. 150, § 4° do CTN. Vejamos. O Fato Gerador do ISS se deu em 06/07/2009, como recolhimento do gravame em 30/07/2009. Caso o fisco queira rever o valor recolhido, deverá fazê-lo no prazo de 5 anos a contar do fato gerador, pois houve o pagamento, isto é, de 06/07/2009. Observações; antecipando o pagamento, inicia-se o prazo para o Fisco; 1. Homologar o pagamento; 2. Lançar de ofício o tributo cujo pagamento foi irregular (art. 149, V, CTN). Se o Fisco não se pronunciar nesse prazo de 5 anos a contar do fato gerador, in albis, não mais poderá discordar do importe antecipado. 5. CONCLUSÃO  A prescrição possui um papel de relevância notória no sistema jurídico como um todo. Isso porque, adstrito ao tempo, resolve lides de forma automática de ofício ou por provocação. É matéria de ordem pública que controla a eficiência da atividade jurídica evitando a perpetuação ad eternum, de pretensões jurídicas. Da mesma forma garante a segurança jurídica, princípio de solar importância.  Consubstanciado sob seio constitucional a qual garante a razoável duração do processo e do devido processo legal. A Decadência da mesma forma que a prescrição extingue o crédito tributário, conforme o artigo 156, V do CTN. Nesse instituto importa mencionar desde já algumas características. A decadência atinge o direito subjetivo do sujeito ativo, nesse caso o fisco poderá ser federal, estadual ou municipal. Somente pode-se falar em decadência antes do lançamento. Aplica-se a decadência os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Em tese, se houver decadência não haverá prescrição. O tributo atingido pela decadência poderá ser restituído. A aplicabilidade do art. 173, I do CTN relaciona-se aos casos em que não há pagamento para os tributos a qual o contribuinte deva fazer a antecipação do mesmo, sobrando para o Fisco um maior tempo para que a administração efetue o lançamento, é a regra por sinal. Nos casos que envolvem o art. 150, § 4°, exceção, portanto, o contribuinte efetuou o pagamento antecipado e fica somente no aguardo da administração homologar o feito. Caso a administração ultrapasse esse prazo sem pronunciar-se sobre o pagamento, haverá contra ela os efeitos da decadência, ou seja, não mais poderá efetivar o lançamento contra aquele, aceitando tacitamente o valor que fora antecipado. São meios de defesa do contribuinte que possui contra a administração tributária de excluir o crédito tributário. Esse efeito não é automático, devendo o contribuinte verificar se o lançamento fora feito em prazo hábil. No afã de recolher cada vez mais impostos para custear as necessidades do Estado, a administração, mesmo operando o efeito da decadência e também o da prescrição, instituto esse que não fora objeto desse trabalho, mais indissociável daquele, lança como de dar uma de “João sem braço”.
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Imposto de renda – uma breve análise das opções para as empresas
Este artigo tem por objetivo analisar a forma de incidência do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza sobre as pessoas jurídicas, descrevendo as opções que a lei prevê para a escolha do regime de tributação, de um modo bem prático. Para isso, será feita uma análise geral deste imposto, quem são seus contribuintes e um estudo de seu aspecto material, para posteriormente partir para uma análise minuciosa dos regimes em si. Cumprida tal tarefa, já teremos condições de expor as vantagens e desvantagens de cada regime, além do que deve ser considerado no momento de sua escolha.
Direito Tributário
Introdução. Nos dias atuais, uma grave crise financeira assola o Brasil, causando altos índices de desemprego, deixando a maioria das empresas em sérias dificuldades financeiras, afetando também os entes federativos. Somando-se isto à política fiscal já praticada em nosso país há algum tempo, a inadimplência fiscal é cada vez mais recorrente, agravando ainda mais a situação acima descrita, fazendo com que programas de parcelamento lançados pelo governo sejam fundamentais para permitir os contribuintes ficarem em situação regular, como tem sido constante nos últimos anos. As consequências desta situação se dão no contexto econômico geral do país, com a inibição de investimentos, diminuição da geração de empregos e do poder aquisitivo interno, bem como saldo negativo das contas públicas. Portanto, ao deparar-se com um sistema fiscal altamente burocratizado, confuso e com caráter confiscatório, resta às empresas realizar todos os esforços para que o reflexo da carga tributária em seu orçamento seja o mais brando possível. Nossa legislação tributária dá margem ao contribuinte de fazer algumas escolhas, entre elas a escolha do regime para apuração do imposto de renda para as pessoas jurídicas, que pode ser crucial para a sobrevivência e no desenvolvimento da empresa. Assim sendo, vale a pena buscar alternativas dentro da própria legislação para conseguir um abrandamento da carga tributária, sendo, para tanto, necessário um estudo das características da empresa e das alternativas trazidas pela lei. O presente trabalho busca desenvolver a forma de incidência do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza sobre as pessoas jurídicas, descrevendo as opções que a lei prevê para tais pessoas na escolha do regime de tributação, de um modo bem prático. Para isso, será feita uma análise geral deste imposto, quem são seus contribuintes e um estudo de seu aspecto material, para posteriormente partir para uma análise minuciosa dos regimes em si. Cumprida tal tarefa, já teremos condições de expor as vantagens e desvantagens de cada regime, além do que deve ser considerado no momento de sua escolha. 1. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. 1.1. Contribuintes. Para realizarmos um estudo bem definido de quem são os contribuintes do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, devemos partir da definição do artigo 121 do Código Tributário Nacional regula quem é o sujeito passivo, em geral, da obrigação principal: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade.” Na definição de Paulo de Barros Carvalho, “sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível da avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais ou formais”.[i] No caso do tributo aqui tratado, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, o legislador teve o cuidado de regular separadamente as pessoas físicas das pessoas jurídicas, tratando-as juridicamente de modo distinto, em razão da forma diferenciada de obtenção de renda entre elas, respeitando o princípio da igualdade. Assim, no caso do imposto de renda, objeto do presente trabalho, o Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto nº 3.000/99) as trata como sujeito passivo da relação tributária do imposto de renda da seguinte maneira: “Art. 146. São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27): I – as pessoas jurídicas (Capítulo I); II – as empresas individuais (Capítulo II). § 1º As disposições deste artigo aplicam-se a todas as firmas e sociedades, registradas ou não (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27, § 2º). § 2º As entidades submetidas aos regimes de liquidação extrajudicial e de falência sujeitam-se às normas de incidência do imposto aplicáveis às pessoas jurídicas, em relação às operações praticadas durante o período em que perdurarem os procedimentos para a realização de seu ativo e o pagamento do passivo (Lei nº 9.430, de 1996, art. 60). § 3º As sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada são tributadas pelo imposto de conformidade com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas (Lei nº 9.430, de 1996, art. 55). § 4º As empresas públicas e as sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias, são contribuintes nas mesmas condições das demais pessoas jurídicas (CF, art. 173, § 1º, e Lei nº 6.264, de 18 de novembro de 1975, arts. 1º a 3º).icas (Lei nº 9.430, de 1996, art. 55). § 5º As sociedades cooperativas de consumo, que tenham por objeto a compra e fornecimento de bens aos consumidores, sujeitam-se às mesmas normas de incidência dos impostos e contribuições de competência da União, aplicáveis às demais pessoas jurídicas (Lei nº 9.532, de 1997, art. 69). § 6º Sujeita-se à tributação aplicável às pessoas jurídicas o Fundo de Investimento Imobiliário nas condições previstas no § 2º do art. 752 (Lei nº 9.779, de 1999, art. 2º). § 7º Salvo disposição em contrário, a expressão pessoa jurídica, quando empregada neste Decreto, compreende todos os contribuintes a que se refere este artigo. Art. 147. Consideram-se pessoas jurídicas, para efeito do disposto no inciso I do artigo anterior: I – as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, sejam quais forem seus fins, nacionalidade ou participantes no capital (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27, Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, art. 42, e Lei nº 6.264, de 1975, art. 1º); II – as filiais, sucursais, agências ou representações no País das pessoas jurídicas com sede no exterior (Lei nº 3.470, de 1958, art. 76, Lei nº 4.131, de 1962, art. 42, e Lei nº 6.264, de 1975, art. 1º); III – os comitentes domiciliados no exterior, quanto aos resultados das operações realizadas por seus mandatários ou comissários no País (Lei nº 3.470, de 1958, art. 76). Art. 148. As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº 2.303, de 21 de novembro de 1986, art. 7º, e Decreto-Lei nº 2.308, de 19 de dezembro de 1986, art. 3º)” Definidas estas pessoas, quando elas realizarem o fato gerador previsto, ou seja, quando fizerem ocorrer a hipótese de incidência tributária, serão sujeitos passivo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Contudo, outros aspectos deverão ser considerados, além da definição do sujeito passivo da lei e da ocorrência do fato gerador, para que a pessoa se torne de fato sujeito passivo da obrigação. Por exemplo, os princípios gerais do direito e os princípios específicos do direito tributário, como o Princípio da Capacidade Contributiva, também deverão ser considerados para a caracterização de uma pessoa como contribuinte de um tributo. Concluindo, será sujeito passivo do imposto de renda e proventos de qualquer natureza aquele que estiver definido por lei como sujeito passivo e realizar o fato previsto na hipótese de incidência deste tributo, sempre respeitando os princípios aplicáveis à matéria. 1.2. Aspecto Material. A hipótese de incidência dos tributos contém diversos aspectos, como o aspecto material, aspecto temporal, aspecto pessoal entre outros. Assim, a soma de todos esses aspectos traz a previsão da hipótese de incidência tributária. Tal hipótese consiste na previsão de um fato, com todas suas características, que se ocorrido no mundo fenomênico gerará a incidência do tributo. O critério material em si consiste na descrição da ação propriamente dita da hipótese de incidência. Didaticamente, diz-se que o critério material é o verbo, que denota a ação praticada pelo contribuinte ou, somado a um complemento, que irá qualificar a ação prevista naquele verbo, delimitando-o, quanto à sua abrangência. No caso do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, o artigo 43 do Código Tributário Nacional descreve a situação em que haverá a incidência do sobredito tributo: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda a proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”  Percebe-se então, que o supracitado artigo descreve o critério material do imposto de renda, qual seja a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda como produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”, assim como “os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”. Tradicionalmente, até para fins didáticos, costuma-se simplificar a descrição de tal aspecto, dizendo-se que o aspecto material deste imposto é auferir renda. Avancemos então, para um estudo específico deste aspecto material. Renda, no seu conceito clássico, é o rendimento obtido através de capital empregado e/ou do trabalho. Assim, dizemos que auferimos renda quando recebemos certa quantia em decorrência de um trabalho prestado num certo período de tempo ou em decorrência de uma aplicação financeira, por exemplo. Passo contínuo, quando falamos em proventos de qualquer natureza, o próprio Código Tributário Nacional cuidou de fazer uma definição, que seria tudo aquilo que não é renda. Em outras palavras, qualquer outro rendimento que não seja fruto do capital e/ou do trabalho, estaria “encaixado” no conceito de proventos de qualquer natureza. Exemplificando, o rendimento obtido em um sorteio se enquadraria neste conceito. Um fator muito importante que deve ser destacado na caracterização do aspecto material do imposto de renda, independente de tratar-se de renda ou proventos de qualquer natureza, é a necessidade de que haja um acréscimo patrimonial. Ou seja, para que haja a incidência do imposto de renda tem que ocorrer necessariamente, tanto para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas, um incremento de seu patrimônio decorrente daquele rendimento, ou seja, devem auferir renda. Neste ponto, vale destacar a diferença dos conceitos de renda e de receita. Tais conceitos são extremamente diversos, no sentido de que renda se refere quando os rendimentos geram um acréscimo patrimonial, um lucro, enquanto a receita se refere a todos os rendimentos, que gerem acréscimo patrimonial ou não, como uma receita obtida pela venda de parte do patrimônio, por exemplo. Em suma, nem sempre que uma empresa aufere receitas, ela está tendo um acréscimo patrimonial. Voltando à descrição do artigo 43 de nosso Código Tributário Nacional, mister se faz a definição do conceito de aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica. Por aquisição de disponibilidade econômica podemos entender que se trata das rendas e proventos efetivamente pagos, enquanto a aquisição de disponibilidade jurídica seriam as rendas e proventos creditados. Em outras palavras, aquisição da disponibilidade econômica decorre do recebimento efetivo do valor que represente em efetivo acréscimo patrimonial, enquanto a aquisição da disponibilidade jurídica representa que o crédito do referido montante, isto é, a posse jurídica, embora ainda não tenha sido utilizado tal benefício econômico. A definição de todos estes conceitos, como de renda, de receita, aquisição de disponibilidade jurídica e econômica, é de extrema importância, uma vez que se a situação fática ocorrida não se enquadrar exatamente nestes conceitos, não haverá a incidência do tributo, sendo que, se houver sua cobrança pela Autoridade Fiscal, estará completamente revestida de ilegalidade. Assim, o critério material define a ação propriamente dita, que, junto com os demais aspectos, formam a hipótese de incidência tributária. 2. Lucro Presumido. 2.1. Conceito. O regime do lucro presumido, como o próprio nome diz, é um regime em que a lei presume um lucro para a empresa, que será utilizado como base de cálculo do imposto de renda. A adoção de tal regime somente pode se dar para determinadas pessoas e é opcional, nunca podendo a lei exigir que determinada pessoa jurídica o adote. O artigo 44 do Código Tributário Nacional prevê que a base de cálculo do imposto de renda deve corresponder ao montante real, presumido ou arbitrado. Portanto, há a previsão legal de tal regime. Contudo, discutiu-se a constitucionalidade deste regime, uma vez que para que haja a incidência do imposto de renda é necessário ter um acréscimo patrimonial, como já vimos no capítulo anterior, sendo que em tal regime, tal acréscimo pode não ocorrer, incidindo mesmo assim o imposto. Não entraremos neste mérito, pois os dispositivos legais que o regem podem ser interpretados de várias formas, que levam a conclusão sobre a inconstitucionalidade ou não de tal regime, o que não é o foco principal do presente trabalho. 2.2. Empresas autorizadas. A lei restringe as pessoas que podem adotar o regime do lucro presumido, uma vez que esta prevê algumas situações em que determinadas pessoas jurídicas estão obrigadas a optar pelo regime do lucro real, como veremos no próximo capítulo deste trabalho. Portanto, podem optar pelo regime do lucro presumido todas aquelas pessoas jurídicas que não estejam obrigadas a optar pelo regime do lucro real. Vê-se que o regime do lucro presumido não é acessível a todas pessoas jurídicas, pois a Autoridade Fiscal tem o interesse de fiscalizar determinadas pessoas jurídicas de um modo mais rigoroso, seja em função de sua atividade com muita importância para a sociedade, como é o caso das instituições financeiras, seja pelo valor da receita auferida no ano anterior, obrigando-a a optar pelo regime do lucro real, que é muito mais transparente. 2.3. Base de cálculo. A base de cálculo do regime do lucro presumido é apurada, conforme o próprio nome do regime diz, por um lucro presumido. Para se chegar a esse valor do lucro presumido deve-se aplicar à receita bruta da venda de bens ou serviços, ou seja, de sua atividade principal, um percentual definido por lei, de acordo com a atividade da empresa, somando todas as demais receitas e ganhos de capital. Tais percentuais estão definidos pelo artigo 15 da Lei nº 9.249/95, da seguinte forma: Vale ressaltar a situação em que a empresa explore várias atividades diversificadas, quando deverão ser aplicados sobre a receita bruta de cada atividade os respectivos percentuais, entre os indicados na tabela acima. Como dito anteriormente, a determinação da base de cálculo do imposto de renda das empresas tributadas pelo regime do lucro presumido será determinada pela aplicação dos percentuais acima sobre a receita bruta auferida com a venda de bens ou serviços, sendo o acrescido outras receitas, rendimentos e ganhos de capital na forma do artigo 25 da Lei nº 9.430/96. A receita bruta aqui tratada é a prevista no artigo 519 do RIR, que foi definida pelo artigo 224 do mesmo regulamento: “Art. 224. A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia.” Vale destacar ainda, o parágrafo único do artigo acima, que prevê que “na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário”. Portanto, trata-se da previsão dos valores que devem ser excluídos da apuração da receita bruta. Em nosso direito tributário ainda há outra definição de receita bruta, que é a prevista no artigo 3º da Lei nº 9.718/98, que considera parte da receita bruta todas as receitas, independente de nomenclatura ou da classificação contábil que a elas são atribuídas. Todavia, o conceito acima foi criado para um determinado fim, que não é para a apuração da base de cálculo do imposto de renda do regime do lucro presumido, conforme nos ensina o Edmar Oliveira Andrade Filho: “…Ocorre que esta regra tem finalidade específica, a de servir de suporte para a determinação da base de cálculo de contribuições sociais devidas ao PIS e Cofins, e, por isso, não se presta ao cálculo do lucro presumido…”[ii] Como já exposto anteriormente, no regime aqui exposto, após a apuração do lucro presumido, devem ser somadas algumas receitas previstas em lei. O artigo 521 faz essa previsão. Tratam-se de receitas não advindas da venda de bens ou serviços, mas de receitas provenientes de aluguéis, aplicações financeiras, etc., que não são incluídas no lucro presumido, que têm, portanto, tributação diferida. Referidos elementos são constitutivos de todo e qualquer tipo de obrigação, seja ela trabalhista, empresarial, ambiental, consumerista, tributária e também, como não poderia deixar de ser, da responsabilidade civil. 2.4. Forma de apuração e pagamento. O imposto de renda para as pessoas jurídicas regidas pelo lucro presumido é apurado trimestralmente, ou seja, são considerados os períodos-base em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro, de cada ano-calendário. Por isso, a opção por este tipo de regime se dá na ocasião do pagamento da primeira quota do imposto devido no primeiro trimestre do ano-calendário, cujo vencimento será no último dia útil do mês seguinte, 31 de abril. Para casos em que a empresa iniciar sua atividade no segundo ou terceiro trimestre, ela manifestará sua opção por este regime no momento do pagamento da quota do imposto devido no trimestre do início de suas atividades.  Assim, para o pagamento do imposto de renda nesse regime, apura-se a base de cálculo, nos moldes da explicação do item anterior, do trimestre, aplicando a alíquota de 15 (quinze) %, conforme regula o artigo 541 do RIR. Soma-se a isto, o chamado adicional, que consiste na aplicação de uma alíquota de 10 (dez) % sobre o valor da base de cálculo que exceder o montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) daquele período trimestral. Ou seja, este adicional incide somente sobre a parcela do lucro presumido que exceder a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por mês. O artigo 542 do RIR traz essa regulamentação: “Art. 542. A parcela do lucro real, presumido ou arbitrado que exceder o valor resultante da multiplicação de vinte mil reais pelo número de meses do respectivo período de apuração, sujeita-se à incidência de adicional de imposto à alíquota de dez por cento.” Resumindo, aplica-se a alíquota de 15 (quinze) % sobre a base de cálculo, apurada pelo lucro presumido trimestral, com a posterior soma do adicional a esse valor, se houver. 2.5. Considerações. Portanto, esse regime do lucro presumido é sempre opcional, cabendo apenas às empresas decidirem se é vantajoso ou não. Um importante ponto a ser destacado é o fato deste regime ser muito mais simples burocraticamente que os demais, o que deve ser levado em conta no momento da opção, pois quanto mais burocracia mais sujeita aos riscos de cometer um erro está a empresa. Muitas empresas que só contam com os contadores para definir e realizar sua tributação, acabam aderindo ao regime do lucro presumido simplesmente por ter essa forma menos burocrática, não realizando um estudo para verificar se lhe é vantajoso economicamente ou não. A grosso modo, podemos dizer que a opção pelo lucro presumido é vantajosa para as empresas que tenham margem líquida de lucro superior aos percentuais aplicáveis sobre sua receita no momento de determinar a base de cálculo. Por outro lado, para as empresas que têm atividades sazonais, ou seja, que têm suas receitas concentradas em determinados períodos do ano já não é tão vantajoso esse regime, pois não pode fazer um “balanceamento anual”. Esse é um outro ponto de destaque, no regime do lucro presumido nunca haverá a situação de prejuízo fiscal, pois sempre há um lucro, por presunção, razão pela qual não há o que se falar em compensação. Claro, que todas as análises devem ser feitas considerando vários outros fatores, como o pagamento dos demais tributos, a existência ou não de ganhos de capital, entre outros. Exemplificando, a escolha pelo regime do lucro presumido implicará na obrigatoriedade da adoção do regime cumulativo, que não permite a compensação com créditos dos mesmos tributos, para apuração e recolhimento do PIS/PASEP e da COFINS. 3. Lucro Real. 3.1. Conceito. O artigo 247 do RIR prevê a possibilidade da adoção do regime do lucro real para apuração e pagamento de tal imposto. Como o próprio nome diz, em tal regime é considerado o lucro líquido da empresa, ajustando-o com as adições, exclusões ou compensações previstas pela lei, chegando-se ao lucro real. A apuração do imposto em tal regime pode se dar de duas formas: lucro real trimestral ou lucro real anual, como veremos mais adiante. 3.2. Universo dos contribuintes. Das opções previstas em lei para a apuração do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza das pessoas jurídicas, o regime do lucro real pode ser entendido como a regra. Isto é, em princípio todas as pessoas podem optar por esse regime. Contudo, há alguns casos em que a lei não põe como opção, mas como obrigação que determinadas pessoas jurídicas optem por este regime. Tais pessoas são: a)  cuja receita total, no ano calendário anterior, tenha sido superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões) ou proporcional ao número de meses de atividade da empresa no período; b)  cujas atividades sejam de caráter eminentemente financeira, como bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, entre outras; c)  que tenham lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior; d)  que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos a isenção ou redução do imposto; e)  que, no decorrer do ano-calendário, efetuem pagamento mensal do Imposto de Renda pelo regime de estimativa; f)   que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); g) e que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio. A lei exige que tais pessoas sejam obrigadas a optar pelo regime do lucro real, porque tais pessoas têm grande importância para o desenvolvimento da sociedade, razão pela que devem tem uma fiscalização mais rigorosa pela Autoridade Fiscal. Portanto, todas as pessoas jurídicas que não estejam enquadradas no rol acima elencado podem optar pela adoção de outro regime de tributação, desde que também preencham os requisitos exigidos por tais regimes. 3.3. Lucro Real Trimestral. 3.3.1. Base de Cálculo. Para a apuração do lucro real, ou seja, a base de cálculo do imposto de renda para os optantes deste sistema, deve ser apurado o lucro líquido, ou seja, de todas as receitas provenientes da venda de bens ou serviços devem ser subtraídas as despesas. Apurado o lucro líquido contabilmente, devem ser realizadas algumas exclusões, adições ou compensações que a lei entendeu por bem considerar para a apuração do lucro real. Quando falamos em adições, entendem-se os valores que não foram considerados na apuração do lucro líquido, mas que não são dedutíveis, por previsão legal. No artigo 249 do RIR contém o rol desses valores quem devem ser somados ao lucro líquido para a apuração do lucro real, por exemplo operações de cobertura (hedge) e juros pagos ou creditados, relativos a empréstimos. Com relação às exclusões, valores que foram computados na apuração do lucro líquido e devem ser desconsiderados para a apuração do lucro real. O artigo 250 do RIR prevê em quais situações isso ocorrerá, sendo que podemos citar, principalmente: os rendimentos e ganhos de capital nas transferências de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, quando auferidos pelo desapropriado, os dividendos anuais mínimos distribuídos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento. Por último, podem ser realizadas as compensações de prejuízos fiscais de períodos de apuração anteriores com o lucro real apurado no período base, respeitando o limite máximo de 30 (trinta) % do lucro real e demais considerações aplicáveis previstas na legislação. 3.3.2. Forma de apuração e pagamento. No regime do lucro real trimestral, como o próprio nome diz, deve ser apurado trimestralmente, sendo que os períodos de apuração serão encerrados em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro, previsão contida no artigo 220 do RIR. Podemos dizer que são exceções a esta regra os casos de incorporação, fusão, cisão ou encerramento de atividades, nos quais a apuração da base de cálculo e do imposto devido deve ser efetuada na data em que ocorrer qualquer um desses eventos, conforme prescrito nos parágrafos 1º e 2º do supracitado artigo. Para realizar a apuração do imposto, aplica-se também a alíquota de 15 (quinze) % sobre o lucro real apurado no trimestre, nos moldes descritos no item anterior, também usando a aplicação do adicional de 10 (dez) % sobre o montante do lucro real que exceder R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) no trimestre, assim como ocorre no lucro presumido, estudado no item próprio desse regime no presente trabalho. Apurado o imposto, este deve ser pago em quota única, até o último dia útil do mês subsequente ao do encerramento do trimestre de sua apuração, ou, opcionalmente, em até 3 (três) quotas mensais, iguais e sucessivas, respeitando o valor mínimo previsto no artigo 856 do RIR. 3.3.3. Considerações. Quando surgiu o regime de lucro real trimestral, muitos pensaram que iria ser extremamente vantajoso para as empresas, pois não teriam mais a necessidade de recolher os tributos mensalmente, seria bem mais simplificado. Contudo, este regime traz algumas desvantagens que podem ser de suma importância, como a limitação da compensação dos prejuízos fiscais. Neste regime, o lucro do trimestre anterior não pode ser compensado com o prejuízo fiscal dos trimestres seguintes, ainda que no mesmo exercício. Ademais, o prejuízo fiscal de um trimestre só poderá ser compensado, reduzindo o lucro real dos trimestres seguintes até o limite de 30 (trinta) %. Outro ponto a ser destacado, é o adicional de 10 (dez) %, que incidirá sobre a parcela do lucro real que superar R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) no trimestre, ou seja, R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por mês. Por exemplo, se uma empresa apura o lucro real de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) num trimestre e R$ 70.000,00 no trimestre seguintes, não terá a incidência do adicional no primeiro trimestre, mas terá sobre todo o valor do segundo, não sendo possível compensar a insuficiência dos R$ 10.000,00 (dez mil reais) que teve no primeiro trimestre. Concluindo, este regime também não é a salvação das empresas como diziam, trazendo consigo algumas desvantagens, sendo sempre necessário a análise de vários outros fatores. 3.4. Lucro Real Anual (Estimativa Mensal). 3.4.1. Base de Cálculo. Neste regime, podemos dizer que devemos calcular duas bases de cálculo. Isto porque, conforme veremos no próximo item, o imposto de renda é estimado e pago mensalmente, como a apuração do lucro real e realização de eventuais ajustes no final do exercício. Assim, para realizar a estimativa mensal do imposto de renda, a base de cálculo utilizada será semelhante à base de cálculo do regime do lucro presumido, já estudada neste trabalho.   À receita operacional bruta mensal, ou seja, provenientes da venda de bens ou serviços, devem ser aplicados os mesmos percentuais definidos pela lei para o regime do lucro presumido, de acordo com a atividade da empresa. Realizada a aplicação destes percentuais à receita operacional bruta mensal da pessoa jurídica, devem ser somados eventuais ganhos de capital e outras receitas, que não sejam oriundas da atividade principal da empresa, conhecida como receita não-operacional. Desta forma é calculada a base de cálculo do imposto de renda com base na estimativa mensal. Como dito anteriormente, no final do ano, deve ser feito outro cálculo do imposto de renda, com base no lucro real anual. Para apurar o imposto de renda neste módulo, a base de cálculo a ser utilizada será semelhante à utilizada no regime do lucro real trimestral, mas, como o próprio nome diz, deve ser apurada anualmente. Portanto, a base de cálculo é o lucro líquido anual, que se calcula subtraindo-se todas as despesas de todas as receitas apuradas no ano, independentes de serem receitas operacionais ou não, com a posterior realização de adições, exclusões e compensações. Portanto, estas são as bases de cálculo utilizadas no regime do lucro real anual. 3.4.2. Forma de apuração e pagamento. Apura-se o montante do imposto de renda estimado mensal, utilizando a base de cálculo acima exposta (aplicação da renda bruta aos respectivos percentuais), aplica-se a alíquota do imposto de renda, de 15 (quinze) %. A esse valor, deve-se calcular o adicional de 10 (dez) % sobre a parcela da base de cálculo que ultrapassar o valor de R$ 20.000,00 no mês de referência, como nos casos anteriores. Os vencimentos destes pagamentos se dão no último dia útil do mês seguinte ao da apuração. Posteriormente, deve ser feita apuração o lucro real anual, com o encerramento do período em 31 de dezembro. Aplica-se a mesma alíquota de 15 (quinze) % e o mesmo adicional de 10 (dez) %, ao lucro líquido com seus devidos ajustes, chegando-se ao valor do lucro real anual. Com isso, faz-se o consequente ajuste anual, confrontando o que foi pago por estimativa mensal com o que deveria ter sido pago, de acordo com o lucro real anual, tendo como resultado um valor a ser complementado à título de imposto de renda ou um valor a ser restituído. 3.4.3. Considerações. O primeiro ponto de destaque no regime do lucro real anual é obrigatoriedade do recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) mensalmente, assim como o imposto de renda. Além disso, podemos dizer que há a compensação total dos valores pagos com os valores devidos, no momento do “ajuste” anual do imposto devido, assim como a neutralização dos adicionais pagos. Isto porque, neste regime de pagamentos mensais, o adicional incide sobre a parcela do lucro estimado mensal que superar R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sendo que essa incidência somente será definitiva se o lucro real anual exceder R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais). Se determinada empresa pagar apenas em alguns meses esse adicional e seu lucro real anual for menor que R$ 240.000,00, na conta final não incidirá o adicional e os valores já pagos a esse título serão descontados. Por isso dizemos que neste regime há a neutralização do adicional. De outra banda, este regime é extremamente complexo e burocrático, necessitando de muito cuidados para evitar um erro e uma consequente autuação. 4. SIMPLES NACIONAL. 4.1. Opção. O Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições (SIMPLES) é uma opção instituída em 1997 para determinadas pessoas jurídicas que necessitavam de um tratamento especial. Vale ressaltar que tal sistema é apenas uma opção, não estando as empresas enquadradas no conceito de microempresa e empresa de pequeno porte obrigadas a realizar sua tributação desta forma. Essa opção é decorrente de uma previsão constitucional de tratamento especial para essas pessoas jurídicas, inclusive um tratamento tributário especial, conforme se denota pela leitura do artigo 179 de nossa Carta Magna: “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” Atualmente, a partir da Lei Complementar nº 123/2006, está em vigor o SIMPLES NACIONAL, assim chamado por envolver outros tributos além dos federais, conforme será visto a frente. Portanto, esse sistema é encarado como um benefício, com o objetivo principal de facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e da empresa de pequeno porte, de modo que assegure o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento econômico e social do País. 4.2. Quem pode optar. Como dito anteriormente, podem optar pelo SIMPLES as microempresas e as empresas de pequeno porte, que atualmente são definidas da seguinte forma: a)  Microempresa (ME), a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); b)  Empresa de Pequeno Porte (EPP), a pessoa jurídica que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). A receita bruta contida neste conceito é entendida como a resultante da venda de bens e serviços nas operações em conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia. Assim, toda pessoa jurídica enquadrada nesta condição de microempresa e empresa de pequeno porte poderá optar pela inscrição no SIMPLES, desde que não se enquadre nas hipóteses de vedação em razão de sua atividade, composição societária ou demais motivos. Ainda que esteja dentro do limite da receita bruta acima exposta, as seguintes empresas não poderão optar pelo SIMPLES: I.   que na condição de micro-empresa ou empresa de pequeno porte tenha auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta acima do limite a que estava sujeita; II. constituída sob a forma de sociedade por ações; III. cuja atividade seja de instituição financeira ou equiparada; IV. que se dedique à compra e à venda, ao loteamento, à incorporação ou à construção de imóveis; V.  que tenha sócio estrangeiro, residente no exterior; VI. de cujo capital participe entidade de administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; VII.        que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica, com sede no exterior; VIII.      cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do capital de outra empresa, desde que a receita bruta global ultrapasse R$ 2.400.000,00; IX. de cujo capital participe, como sócio, outra pessoa jurídica; X.  que preste serviços profissionais de corretor, representante comercial, despachante, ator, empresário, diretor ou produtor de espetáculos, cantor, músico, dançarino, e de qualquer outra profissão cujo exercício dependa de habilitação profissional por lei, tais como médico, advogado, engenheiro, jornalista, etc.; XI. que participe do capital de outra pessoa jurídica, ressalvado os investimentos decorrentes de incentivos fiscais; XII.        que tenha débito inscrito em Dívida Ativa da União ou do INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa; XIII.      cujo titular ou sócio participe de seu capital com mais de 10% esteja inscrito em Dívida Ativa da União ou do INSS, cuja exigibilidade não esteja suspensa; XIV.       que seja resultante de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento de pessoa jurídica; XV. cujo titular ou sócio com participação superior a 10% adquira bens ou realize gastos em valor incompatível com os rendimentos por ele declarados; XVI.       que realize operações relativas a: a)  locação ou administração de imóveis; b)  armazenamento e depósito de produtos de terceiros; c)  propaganda e publicidade, excluídos os veículos de comunicação; d)  factoring; e)  prestação de serviços de vigilância, limpeza, conservação e locação de mão-de-obra; Portanto, essas pessoas jurídicas excepcionalmente não podem optar pelo SIMPLES, mesmo que estejam enquadradas no conceito de microempresa ou empresa de pequeno porte em razão de sua receita bruta. 4.3. Impostos abrangidos. Portanto, as empresas que optarem pelo SIMPLES NACIONAL estarão sujeitas a uma tributação simplificada e unificada, por meio de aplicação de percentuais favorecidos e progressivos, incidentes sobre uma única base de cálculo, a receita bruta, como veremos no próximo item. Esse sistema substitui a apuração e o pagamento dos seguintes tributos: a)  Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica (IRPJ); b)  Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); c)  Contribuição ao PIS/PASEP; d)  Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); e)  Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); f)   Contribuição Previdenciária a cargo da empresa; g) Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e h)  Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Assim, optando por este sistema, os referidos tributos deixam de ser apurados e pagos do modo regular, sendo pagos todos unificadamente. 4.4. Forma de apuração e pagamento. O cálculo do valor dos tributos e contribuições federais unificados pelo SIMPLES deve ser efetuado mediante a aplicação, sobre a receita bruta mensal, de percentuais específicos, tendo como base a receita bruta da empresa, que aumentam progressivamente, a medida que a receita auferida se torna maior. Esses percentuais variam de acordo com o faturamento da empresa e tipo de atividade. Assim, apura-se mensalmente o montante do imposto a ser pago, com a aplicação à receita bruta da empresa no mês, do percentual correspondente à soma de sua receita até o mês do cálculo. Por exemplo, no mês de março aplica-se a alíquota correspondente ao valor da soma da receita bruta de janeiro, fevereiro e março à receita bruta apenas do mês de março. Destaque-se que havendo ganho de capital por parte da empresa, a tributação deste valor não está incluída no SIMPLES, devendo ter tributação regular, com a aplicação das alíquotas do imposto de renda previstas para esse tipo de ganho. 4.5. Considerações. O primeiro ponto a ser destacado é que o SIMPLES é uma opção e nem sempre é vantajosa economicamente paras as empresas que podem optar por este sistema de tributação. É sabido que há uma espécie de “mito” que, estando a pessoa jurídica enquadrada no conceito de microempresa e empresa de pequeno porte, sempre será vantajoso a adoção do SIMPLES, o que não é verdade. É bem verdade que este é um sistema muito simplificado, com o pagamento de todos os impostos por ele abrangidos em uma única guia, não há a necessidade de manter escrituração comercial para fins fiscais, etc. Todavia, se determinada empresa de pequeno porte tem rendimentos constantes não decorrentes de sua atividade principal, como rendimentos financeiros, pode ser que não compense adotar este sistema. Portanto, neste sistema, assim como nos demais regimes, sempre deve ser feita uma análise do contexto geral para sua escolha, pois certamente todos terão suas vantagens e desvantagens, cabendo analisar qual teria um menor impacto sobre a receita da empresa. Conclusão. Como exposto, cada regime tem suas particularidades, sendo que certamente trazem algumas vantagens e desvantagens, sendo necessário um estudo aprofundado da empresa para decidir qual regime adotar. Quando se fala num estudo aprofundado, não se refere apenas a um estudo do imposto de renda em si, mas de um estudo global da empresa, como a disposição societária, atividade principal do contrato social, localização da matriz, entre outras coisas, uma vez que todos esses fatores influenciam na tributação da pessoa jurídica. Trata-se portanto, de um planejamento tributário, que é muito mais que apenas um estudo para a escolha do regime de tributação a ser adotado, é um gerenciamento das obrigações tributárias, também conhecido como elisão fiscal. Com esse gerenciamento busca-se evitar a (i) incidência do tributo, através de procedimentos que visam evitar a ocorrência do fato gerador; (ii) reduzir o montante do tributo, providências para reduzir a base de cálculo ou a alíquota; e (iii) retardar o pagamento do tributo, com medida que visam postergar o pagamento, mas sem caracterizar a mora. Importante distinguir a elisão fiscal, que é um planejamento tributário, da evasão fiscal, que são atos de redução ilícita da carga tributária, normalmente depois da ocorrência do fato gerador. São fraudes e sonegações que sempre deixarão a empresa correndo o risco de sofrer autuações e outras sanções pelo cometimento destes atos ilícitos. A importância de um planejamento tributário não se dá apenas no campo tributário da empresa, pois terá reflexos em todo seu funcionamento. Sua ausência pode deixar a empresa em grande desvantagem no campo da competitividade do mercado. Tal elisão fiscal traz uma forte perspectiva de ganhos significativos aumentando sua margem de lucro. Não é compensador o fato de a empresa apresentar uma grande receita, se esta ficar comprometida por uma alta carga tributária, o que prejudicará o lucro final. A competitividade nos negócios requer cada vez mais esforços criativos, inovadores e dinâmicos de estratégia das empresas. É sob este aspecto que o planejamento tributário deve ser visto pelos empresários e gestores de negócios. É claro que deve ser feito um estudo com muito critério, observando as limitações previstas em lei e, dentro desta, delinear as estruturas e formas legítimas para suas operações, possibilitando-lhe uma menor carga tributária e desta forma planejar com melhor capacidade sua estratégia de atuação. Com a redução das obrigações mediante o sucesso no planejamento tributário, a empresa, consequentemente, aumentará a sua liquidez. Com o aumento na sua liquidez, diminui a necessidade de recursos em curto prazo, tornando-se possível à empresa obter uma vantagem na formação do preço final do produto ou mercadoria, ou mesmo oferecer um crediário mais acessível, com o intuito de aumentar as vendas e favorecer a fidelização de clientes. O planejamento tributário deve ser visto como indispensável redutor de custos e como arma essencial na competitividade e sobrevivência da empresa. As vantagens apuradas em consequência da gestão tributária, em muitos casos desafogam o caixa da empresa, contribuindo para uma melhor gestão do capital de giro. Se revertido esse resultado em favor da melhoria do produto, serviço ou mercadoria, teremos uma boa receita conjugada em dois extremos: fim do desperdício tributário e maior competitividade da companhia.
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Imposto sobre grandes fortunas: origens e aspectos doutrinários-jurídicos relacionados
O presente artigo científico tem como tema o Imposto sobre Grandes Fortunas. O objetivo do estudo é analisar suas origens, bem como detalhar as feições deste tributo ainda não instituído no Brasil. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como CARRAZA (2008), ATALIBA (2008) e MOTA (2010) entre outros. Procurou-se também enfatizar a importância como nasceram as grandes fortunas e quais foram as experiências internacionais na tributação das mesmas. Concluiu-se que ainda pairam algumas dúvidas sobre a instituição do IGF, mas seria o caso de trazê-lo para o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de que sejam reduzidas as grandes disparidades econômicas entre as classes sociais do país.
Direito Tributário
Introdução O presente estudo tem como tema a análise detalhada de uma figura tributária que causa intensos debates acerca de sua instituição, vez que, para muitos, sua instituição não é viável economicamente, bem como afugentaria as grandes concentrações de riquezas do país. Em que pese o respeitoso posicionamento da doutrina divergente, há na doutrina nacional variados posicionamentos em defesa da implementação do IGF e, inclusive, confrontam todos os pontos tidos por negativos e inerentes a esta figura tributária. Para verificar a viabilidade da instituição do IGF, foram analisados o que poderia ser o conceito legal de grande fortuna, seu fato gerador, base de cálculo, alíquotas, questões econômico-jurídicas relacionadas, destino dos valores arrecadados, prática internacional sobre o tema, entre outros tópicos. No presente estudo, teve-se em mente uma elucidação pragmática de um tema alvo de grandes discussões sobre a real efetividade de solução dos problemas a que se propõe. 1 Concentração de riquezas e criação de grandes fortunas A análise da tributação implica, necessariamente, observar-se como esta se deu, ou seja, examinar em qual contexto sócio-econômico aquela oneração ao patrimônio ocorreu. Ademais, como lembra Mota (2010), no decorrer do processo evolutivo da humanidade o que se pôde observar foi a cultura da naturalização das exclusões, discriminações, desigualdades, intolerâncias e injustiças. Destarte, com o decorrer dos anos, as transformações sociais, econômicas e culturais trouxeram avanços em relação às questões sobre desigualdades, principalmente econômicas. Entretanto, não se pode dizer que as evoluções econômico-sociais ocorrem de maneira uniforme em todos os países. Aduz Mota (2010) que a acumulação de riquezas e a construção de grandes fortunas acompanham a humanidade desde sua gênese. Tal fato é corroborado por Falcão (1981 apud Mota, 2010) ao lembrar que após a Guerra de Peloponeso, na Grécia Antiga, houve exacerbada concentração de riquezas em poder do pequeno número de ricos e, consequentemente, acumulação de grandes fortunas. Conforme Sidou (1978 apud Mota, 2010), no deslinde da história tributária, ressalta-se não ter havido qualquer imposição ao pagamento de tributos sobre grandes fortunas, tanto nas civilizações pré-romanas quanto nas civilizações posteriores até o advento da Idade Média. Com efeito, a tributação seria muito difícil de recair sobre a pequena classe de abastados da sociedade, pois, segundo Mota (2010), os possuidores de grandes riquezas se confundiam com os detentores do poder vigente à época. No contexto da tributação mais recente, tem-se como marco inicial da cobrança de impostos diretos gravando a propriedade e a renda datada no ano de 1154, ou seja, antes mesmo da elaboração da Magna Carta Libertatum (1215).  As palavras de Uckmar (1986 apud Mota, 2010) são claras ao discorrer, em síntese, sobre a história da tributação patrimonial, a saber: “[…] os antigos tributos tomados em razão da posse de específicos bens constituem a primeira forma de imposição do patrimônio. Tributos sobre o patrimônio […] existiam também na Grécia (eisfora) e em Roma (tributos ex censu), e foram aplicados, sem alguma exceção, sobre todos os bens, pertencentes a qualquer um. […]. Na Idade Média tal composição perdeu a característica original de receita extraordinária, e se institucionalizou. O objetivo do suscitado tributo era atingir a renda produzida do bem, e não o valor do bem em si. A noção própria de Wealth Tax tem, portanto, origem mais recente e está ligada com o nascimento do capitalismo no século XV e XVI quando se iniciou a verificação do fenômeno da acumulação de notáveis riquezas nas mãos dos comerciantes sob formas de bens de troca, e nas mãos de banqueiros sob forma de crédito em relação a terceiros. A gênese histórica de ‘fato imponível’ não corresponde a uma adequada valoração jurídica. A noção permaneceu imprecisa até o final do século passado quando surgiu nos países do norte da Europa o primeiro imposto patrimonial em sentido próprio. O tributo real, denominado pelos estudiosos de língua inglesa ‘selective taxes’, foi gradualmente evoluído na forma impositiva do patrimônio global dos contribuintes”. Entende Agüero (1987 apud Mota, 2010) que a versão moderna e atual do imposto incidente sobre o patrimônio líquido tem seu surgimento, primeiramente, na Europa e, conforme os historiadores, estendeu-se para o Extremo Oriente e América Latina somente por volta do século XX. Parece claro, portanto, que a privação do direito individual ao patrimônio e a exação de tributos são aplicados desde o nascimento das cidades (polis) desde a Grécia Antiga. Entretanto, o imposto sobre o patrimônio líquido sobreveio posteriormente, como consequência da evolução das práticas tributárias e crescimento da concentração de rendas e patrimônios. 1.1 O surgimento do Imposto sobre Grandes Fortunas No que se refere ao surgimento do Imposto sobre Grandes Fortunas, Abrão (2003) preleciona que este tributo tem seu nascimento no século XIX, na era Fabiana. Há, contudo, na doutrina internacional, o posicionamento de que o IGF tem sua gênese relacionada à tributação das pessoas, uma vez que se trata de um imposto sobre o patrimônio. Para Giffoni (1987 apud Mota 2010), entretanto, a origem de um tributo, o qual tenha efetivamente sido nomeado de Imposto sobre as Grandes Fortunas, se deu na França sob a nomenclatura de ''Impôt sur les Grandes Fortunes”. Ademais, para o autor, o IGF trata-se da mais moderna versão de imposto global sobre o patrimônio líquido pessoal ou familiar. Pode-se observar que a efetiva cobrança de um tributo incidente sobre os vultuosos patrimônios líquidos pessoais originaram-se na França. A exemplo dos franceses, a Espanha foi a nação subsequente a instituir a exação sobre a renda líquida de seus contribuintes, segundo Giffoni (1987 apud Mota 2010). 2.1.3 Origem da ideia de tributação das grandes fortunas no Brasil O contexto histórico nacional relacionado às origens do IGF, segundo Souza (1990 apud Martins, 2010), possui origem “obscura”, pois o que se tentou implementar no país era algo semelhante ao imposto espanhol sobre determinados bens suntuários, também conhecido como “imposto sobre o luxo”. Nas intensas discussões na assembleia nacional constituinte, destacou-se a atuação favorável à instituição do IGF de Antônio Mariz. Szklarowsky (1989 apud Mota, 2010) citou os argumentos de Mariz sobre a necessidade de implementar o referido imposto, in verbis: “[…] que esse dispositivo visa corrigir várias disparidades econômicas entre pessoas e classes sociais, que a função extrafiscal da tributação pode reduzir injustiças provocadas pela obtenção e acúmulo de grandes fortunas, muitas vezes decorrentes até da sonegação de impostos pelo beneficiário ou por seus ancestrais, que a tributação normal dos rendimentos ou mesmo das heranças e doações nem sempre são suficientes para produzir as correções desejáveis, que daí a necessidade de novo imposto que alcance as situações anormais de riqueza acumulada e não produtiva.” Segundo Mota (2010) após todas as etapas legais afeitas à aprovação do texto referente à introdução no ordenamento jurídico constitucional pátrio de uma tributação sobre as grandes fortunas, o IGF foi aprovado por 308 votos favoráveis, 84 contrários e oito abstenções. Isto posto, viu-se que ao passar dos anos a concentração de renda motivou o Estado a exercer seu poder coercitivo e iniciar a tributação sobre a mesma. Ademais, salienta-se que a origem da tributação incidente sobre os vultuosos acúmulos de patrimônio iniciou-se na França ao passo que no Brasil, embora já tenha havido iniciativas legislativas com este intento, a instituição do IGF permanece em debate nas casas legislativas. Passe-se agora a uma análise teórico-doutrinária acerca do IGF no que se refere aos elementos constitutivos desta figura tributária, quais sejam, conceito de grandes fortunas, hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, avaliação dos ativos financeiros, espécies normativas afeitas ao imposto. Além disso, aborda-se também o destino dos valores arrecadados com o IGF, questões econômicas a ele relacionadas e algumas experiências internacionais de tributação sobre o patrimônio líquido, também conhecida como Weath Tax 1.3 Conceito da expressão grandes fortunas Desde a previsão constitucional do IGF, criou-se na doutrina uma problemática em torno do conceito e quantificação de “grandes fortunas”. Tal questão, entretanto, pode ser resolvida tomando-se por base os ensinamentos de Grau (1998 apud Mota, 2010), quais seja, […] “ainda que ambíguas e imprecisas, as palavras e expressões jurídicas expressam significações determináveis” […]. Destarte, segundo Grau (1998 apud Mota, 2010), os conceitos jurídicos têm como objeto significações. Dessa forma, conforme o autor, no conceito há uma ideia universal e, portanto, não existem conceitos indeterminados. Outrossim, sobre conceito indeterminados, assevera Miranda (2009) […] “a sua determinação ou densificação tem de ser pautada pela perspectiva dos princípios, bens e interesses constitucionalmente relevantes, de forma que o legislador infraconstitucional não pode, ao seu bel prazer, “transfigurar” o conceito.” […]. Na seara tributária, não é outro entendimento que a principal fonte é a CRFB/88, pois esta é a base de todo ordenamento jurídico. É o que se depreende das palavras de Ataliba (2008), quais sejam, […] “as definições jurídicas devem tomar por ponto de partida o dado jurídico supremo: a lei constitucional. A partir do desenho constitucional dos tributos é que o jurista de construir o seu conceito” […]. No que se refere ao IGF, como já mencionado, a problemática reside em se mensurar o que seria “grande fortuna”, já que a expressão não foi especificada no texto constitucional. Ademais, discorrem sobre o tema Garcia e Souza (2008), a saber: “[…] o conteúdo e o alcance da expressão “grandes fortunas” só pode ser buscado no próprio texto supremo, uma vez que à legislação infraconstitucional cabe apenas para explicitá-lo e não para preenche-lo. A expressão utilizada pelo constituinte indica que a materialidade do imposto é a titularidade de uma riqueza superlativa”. A lei tributária, segundo Amaro (2008), pode alterar conceitos dados pelo ramo do direito privado ou qualquer outro ramo do direito ou, ainda, conceitos léxicos. Entretanto, existe uma vedação à modificação de conceitos dados por lei superior no que se refere à definição de competência tributária, caso a modificação possa resultar na ampliação de competência. Com efeito, dispõe o art. 110 do CTN: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Pode-se dizer, portanto, que, embora ainda não instituído, o conceito de “grandes fortunas” advém, consoante Ávila (2008), de uma [..] “conexão entre direitos fundamentais, princípios constitucionais fundamentais e gerais e regras de competência” […]. Ademais, ainda segundo o autor, este conceito pode ser formado através da diferenciação de outras hipóteses de incidência que a CRFB/88 traz em seu bojo. Sobre o tema assinala Martins (2008), a saber: “[…] o conceito de grande fortuna é indeterminado, porém fortuna é maior do que riqueza. E grande fortuna é mais do que fortuna. A pessoa rica, portanto, não se deverá submeter a qualquer imposição, indeclinável apenas sobre os grandes bilionários deste país”. No que se refere ao IGF, Martins (2004) aduz que […] “se a expressão ‘fortuna’ já significa grande privilégio econômico, ‘grande fortuna’ implica necessariamente em algo de muito maior vulto, chegando a ser assombroso” […]. De mais a mais, há dificuldade na mensuração da incidência do IGF, é dizer, se esta deve ser sobre a renda, patrimônio ou sobre ambos. Sobre o tema assevera Amaro (1991 apud Mota, 2010) […] “outros tributos também gravam o patrimônio, mas não temos ainda um tribo que gravasse o patrimônio como um todo” […]. Percebe-se, entretanto, que a doutrina tende a dizer que o IGF é um imposto que tem por base o patrimônio. Nesse sentido, lembra Martins (2004) […] “inobstante o nomem juris, [Imposto sobre Grandes Fortunas] tem a natureza de clássico imposto de renda, tendo por base de cálculo, o patrimônio” […]. A dificuldade em conceituar a expressão ‘grandes fortunas’ encontra variadas barreiras, mas é possível. Para tanto, basta cuidado do legislador infraconstitucional na análise das variantes do problema. Outrossim, ensina Mota (2010), a saber: “[…] retornando àquela questão essencial relativa ao conceito da expressão grandes fortunas, deve haver a necessária observação por parte do legislador infraconstitucional de todo sistema jurídico vigente no país para que se permita a delimitação de grande fortuna a ser considerada especificamente para efeitos da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas.” Além da expressão ‘grandes fortunas’ no inciso VII do art. 153, da CRFB/88, não há nenhum outro dispositivo no ordenamento jurídico que se refere à fortuna nos termos da norma constitucional mencionada. Parece, portanto, haver falta de parâmetros jurídicos concretos para se conceituar o elemento fundamental do IGF. Em que pese as considerações acima mencionadas, Mota (2010) traz um parâmetro constitucional capaz de levar o legislador infraconstitucional a uma base do que poderia ser encarado como grande fortuna ou, no mínimo, o que não poderia ser classificada como uma. Destarte, tem-se no inc. III do art. 146 c/c inc. II do art. 155 e art. 179, todos da CRFB/88, a exigência de tratamento diferenciado a ser oferecido às micro e empresas de pequeno porte. Com o advento da Lei Complementar n. 123/06, houve a regulamentação dos valores máximos que cada pessoa jurídica enquadrada no regime poderia auferir em cada ano-calendário . Pode-se ver, portanto, que quis o legislador constitucional originário estabelecer limites mínimos para o reconhecimento de uma situação específica de hipossuficiência. Sobre a problemática da conceituação da expressão grandes fortunas, Mota (2010) esclarece, in verbis: “Apesar de a regra-matriz do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil disposta na Constituição Federal não conceituar o que se entende por grandes fortunas, o arquétipo constitucional desse subespécie tributária a permite, isto é, a observância das regras e princípios constitucionais, bem como a totalidade do sistema jurídico, permitem que sejam atribuídas significações à expressão, pois existe uma “ideia universal” do que representa essa riqueza.” Conclui-se que, embora não haja no ordenamento jurídico brasileiro uma definição legal de ‘grandes fortunas’, se pode definir, por exclusão, o que não poderia se enquadrar em sua ideia determinante de excesso de riqueza. Ademais, como já exposto, há um quantum mínimo do qual o legislador poderá partir para, enfim, definir o que seria uma “grande fortuna”. 2 Hipótese de incidência do IGF Primeiramente, insta ressaltar que não há no texto constitucional a descrição da hipótese de incidência do IGF. Por sua vez, consoante entendimento de Mota (2010), vê-se que o constituinte originário deixou diretrizes básicas implícitas na CRFB/88, as quais permitem a elaboração de uma possível hipótese de incidência do IGF. Quando da criação de um tributo, é necessário que o legislador observe alguns aspectos intrínsecos às figuras tributárias. Nas palavras de Carrazza (2008), a saber: […] “criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota” […]. Especificamente no caso da hipótese de incidência dos tributos, observa-se que esta materializa-se com a descrição do legislador de uma determinada situação hipotética de um fato. Com efeito, ensina Ataliba (2008): “[…] costuma-se designar por incidência o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato a uma hipótese legal, como consequente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma, e que a hipótese de incidência é a descrição hipotética e abstrata de um fato”. Destarte, ressalta-se que a doutrina tributarista ressalta algumas características imanentes à hipótese de incidência, quais sejam, aspecto pessoal, aspecto material, aspecto temporal e aspecto espacial. Sobre o tema, leciona Ataliba (2008): “[…] a configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei: criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso”. Conforme salientado anteriormente, esses aspectos implícitos do IGF estão presentes no texto da CRFB/88, bem como, segundo Carraza (2008), […] “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota, das várias espécies e subespécies de tributos” […]. Para Coêlho (2009), o legislador constituinte originário […] “definiu os fatos geradores e, indiretamente, os contribuintes de todos os impostos e contribuições sociais do sistema tributário” […]. A destinação dos valores oriundos da arrecadação dos tributos, segundo Ataliba (2008), não integra seu regime jurídico tributário. Entretanto, conforme Carrazza (2008), há certos casos em que a mesma hipótese de incidência pode ser, ao mesmo tempo, usada tanto para um imposto de competência da União quanto para uma das contribuições elencadas no art. 149 da CRFB/88. Assim sendo, vê-se que tal fato explica por que não há a ocorrência de bis in idem quando determinado contribuinte é compelido a pagar de maneira conjunta a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com o Imposto sobre a Renda (IR), os quais possuem hipóteses de incidência materialmente coincidentes. Por sua vez, Carrazza (2008) define o conceito de bis in idem, diferindo-o de bitributação, a saber: “[…] em matéria tributária, dá-se bis in idem quando o mesmo fato jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já, bitributação é fenômeno pelo qual o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas jurídicas.” Em que pese os esclarecimentos acima delineados, tem-se que ocorreria o fenômeno do bis in idem relativo ao IGF quando cobrado conjuntamente com o Imposto de Renda e/ou Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR), assim como bitributação no que se refere à exação cumulativa do IGF com Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e de Direitos (ITBI), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). A despeito de o patrimônio ser tido como hipótese de incidência do IGF, segundo Mota (2010), não se deve confundir este com aqueles individualmente considerados como alvos de tributação nas subespécies tributárias acima mencionadas. Isto porque, o patrimônio que integra o sistema jurídico do IGF deve ser encarado de maneira global, é dizer, encarado como uma universalidade de direito. Nas palavras de Arruda (1989 apud Mota, 2010), a universalidade de direito é […] “uma entidade única, distinta dos elementos que a compõem, em oposição à ideia de uma pluralidade de elementos apreciáveis individualmente, não dotada de autonomia” […]. Portanto, conclui-se que, para a correta aferição da possível hipótese de incidência do IGF, deve-se observar todo arquétipo constitucional deste tributo na CRFB/88. Destarte, o legislador infraconstitucional deverá observar todo o ordenamento jurídico brasileiro, pois, como restou demonstrado, embora não tenha o texto constitucional explicitado a hipótese de incidência do IGF, bem como outras nuances jurídicas deste tributo, há ordenamento jurídico pátrio informações capazes de orientar na elaboração de todos os aspectos jurídicos do IGF. 2.1 Critério material possível Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto material possível […] “é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito pela hipótese de incidência. É a imagem abstrata de um fato jurídico” […]. Para aferir os aspectos materiais possíveis do IGF é necessário, primeiramente, saber se, no caso do tributo em tela, a base tributária incidirá ou não sobre o patrimônio, renda ou sobre ambos. Para Mota (2010), não há que se falar em tributação, por parte do IGF, das rendas, pois, nesse caso, se trataria de uma mera complementação ao imposto de renda. Ademais, a utilização do lucro presumido da pessoa jurídica como base de cálculo do IGF, segundo o autor, desvirtuaria o arquétipo constitucional do imposto. Percebe-se que, assim como assevera Carrazza (2008), o IGF pode ser visto como um imposto patrimonial. Por sua vez, Tilbery (1987 apud Mota 2010) ensina que existem duas formas de tributação incidente sobre o patrimônio, quais sejam, nominal e real. A forma nominal refere-se ao imposto que, mesmo sendo mensurado sobre o patrimônio, é suportado pela renda. Já no caso da espécie real, tem-se que o imposto onera o capital, pois não pode ser pago somente pela renda. Por conseguinte, observa-se que o imposto nominal sobre o patrimônio tão somente dele se vale como base de cálculo, figurando como um imposto incidente, na realidade, sobre a renda desse patrimônio. A seu turno, o imposto real sobre o patrimônio incide sobre o próprio patrimônio, é dizer, uma sua substancia, uma vez que a renda não é capaz de saldá-lo. Ainda segundo os ensinamentos de Tilbery (1987 apud Mota 2010), o imposto sobre o patrimônio pode ter amplitude global ou restrita, é dizer, sobre o patrimônio como um todo ou somente sobre categorias específicas do patrimônio. Nesse caso, a base de cálculo do imposto pode ser o patrimônio de maneira global ou apenas categorias restritas. O ordenamento jurídico pátrio já dispõe, de forma clara, sobre a tributação sobre categorias específicas do patrimônio, como é o caso do IPVA, IPTU e ITR. Consoante já salientado anteriormente, o IGF deve ter por base de cálculo a incidência do patrimônio do contribuinte de maneira global ou, pelo menos, em sua maioria sendo, pois, considerada como uma universalidade de direito, nos termos do art. 91 do Código Civil. Nesse sentido, assevera Velloso (2007), a saber: “[…] o Imposto sobre Grandes Fortunas é, nitidamente, um imposto geral sobre o patrimônio. Caso fosse instituído, poderia sobrepor-se aos impostos específicos sobre os patrimônios consagrados pela Constituição. A incidência sobre os itens destacados do patrimônio já é tarefa reservada a outros impostos do sistema tributário.” Vale a ressalva trazida por Mota (2010) no sentido de que nada impede que o imposto incidente sobre o patrimônio utilize como base tributária os bens pré-existentes no patrimônio ou o acréscimo decorrente do ingresso de novos bem patrimoniais. Portanto, tem-se que o aspecto material da possível hipótese de incidência do IGF pode ser delimitado pela observância das características do patrimônio do contribuinte, bem como do arquétipo constitucional deste imposto. 2.2 Critério pessoal possível Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto pessoal é o fator da hipótese de incidência que determina o sujeito ativo da obrigação tributária correspondente, bem como estabelece os critérios para a fixação do sujeito passivo. Ademais, consoante o autor, sujeito ativo pode ser encarado como a pessoa a quem a lei determina a exibilidade do tributo e sujeito passivo é a pessoa que fica na possibilidade legal de ter o comportamento objeto da obrigação. No caso do IGF, inciso VII do art. 153, da CRFB/88 destinou a competência legislativa tributária à União para a instituição do IGF, é dizer, este ente federado é o sujeito ativo da relação tributária. Ressalta-se que existe diferença entre competência tributária e capacidade tributária, nas palavras de Amaro (2008) […] “uma coisa é a competência tributária (aptidão para instituir o tributo) e outra coisa é a capacidade tributária (aptidão para ser titular do polo ativo da obrigação, vale dizer, para figurar como credor de uma relação jurídica tributária).” […]. No que tange à possibilidade de as pessoas jurídicas serem compelidas ao pagamento do IGF, esclarece Arruda (1989 apud Mota, 2010) que, embora a palavra “fortuna” seja usada em alusão à riqueza de um indivíduo, não seria impróprio utilizá-la em referência a pessoas jurídicas. Ademais, aduz o autor que a definição pelo texto constitucional do fato gerador não veda à lei a escolha de sociedades empresárias como contribuintes do imposto. Em que pese a posição doutrinária acima delineada, ao se considerar o aspecto pessoal possível, observa-se que há uma corrente desfavorável à incidência do IGF sobre as pessoas jurídicas. Outrossim, Velloso (2008) assevera que tal exação deturparia o tributo, pois o IGF poderia onerar acionistas cujo patrimônio não se classificaria como “grande fortuna” e os titulares de grandes fortunas seriam duplamente onerados. Isto posto, vê-se que o legislador infraconstitucional possui discricionariedade quando da elaboração do aspecto pessoal da hipótese de incidência do IGF. Dessa forma, não há óbice jurídico para a inclusão de pessoas jurídicas com sede no país ou com sede no exterior tenha grande patrimônio no Brasil. 2.3 Critério temporal possível Segundo Ataliba (2008), a função principal do aspecto temporal refere-se à indicação do momento em que se reputa ocorrido o fato imponível e, por isso, nasce a obrigação tributária. Relativamente ao IGF, Arruda (1989 apud Mota, 2010) lembra que o momento de configuração da exegibilidade do referido imposto seria o início de cada exercício financeiro. Entretanto, o autor faz uma ressalva, a saber: “[…] não há porém restrição de ordem constitucional para a fixação de intervalos menores de apuração, ou, até mesmo, para a previsão em lei de desconto pela fonte pagadora, em situações excepcionais que denotem com clareza a ocorrência imediata do fato gerador, como nos ganhos com jogos e na herança.” Destarte, sem prejuízo das observações supracitadas, há de se observar também, como lembra Mota (2010), quando do início da cobrança do IGF, o princípio da anterioridade tributária (referente à lei tributária, não à sua vigência ou validade), tanto na vedação de cobrança tributos no mesmo exercício financeiro quanto na chamada “anterioridade nonagesimal”. Consoante os ensinamentos de Carvalho (2008), a validade da norma jurídica tributária é aquela que mantém a relação de pertinência com determinado sistema jurídico positivo a qual se refere aquela norma ou que nele foi introduzida pelo órgão legitimado para produzi-la, seguindo o procedimento adequado para esse fim. Destarte, sobre o tema, leciona Becker (2007): “[…] a praticabilidade do sistema jurídico tributário do imposto pretendido e as diretrizes básicas da política fiscal é que vão indicar ao legislador qual a melhor medida de tempo que ele deverá empregar para a construção da regra jurídica tributária”. Infere-se, portanto, que, observados os princípios constitucionais tributários e outras nuances jurídicas abordadas, é facultado ao legislador infraconstitucional elaborar a lei tributária, bem como indicar o instante em que o fato gerador da obrigação tributária se configurar, sem prejuízo da observância da vigência, validade e eficácia da norma jurídica tributária. 2.4 Critério espacial possível Nas palavras de Ataliba (2008), o aspecto espacial é a indicação das circunstâncias de lugar, estipuladas implícita ou explicitamente na hipótese de incidência, proeminentes para a caracterização do fato tributário imponível. No que se refere ao IGF, Giffoni (1987 apud Mota 2010) é favorável à adoção de um critério mundial quanto à localização de patrimônio, de maneira que […] “o patrimônio a ser declarado pelo contribuinte domiciliado e/ou residente no país, com bens aqui situados, incluiria também, bens e direitos havidos no exterior” […]. É preciso lembrar, consoante Mota (2010), entretanto, o caráter territorial da lei tributária, ou seja, é preciso limitar o seu âmbito de validade, vigência e eficácia ao território a ela circunscrito, sob pena de ser considerada um fato juridicamente irrelevante. Ademais, o âmbito da lei instituidora do IGF será nacional e seu fato gerador somente ocorrerá no território no qual essa lei seja válida, vigente e eficaz. A vigência da lei tributária regulamentadora do tributo em questão será nacional, pois o inciso VII do art. 153, da CRFB/88 está inserido nos tributos de competência da União. Sobre a validade e eficácia de tal lei, leciona Mota (2010), in verbis: “Será válida se observar os ditames constitucionais, juridicizando a hipótese de incidência e irradiando seus efeitos jurídicos. Já a sua eficiência estará comprometida quanto aos fatos ocorridos no exterior se não for objeto específico de tratados internacionais, com exceção quanto a eventual adoção do critério da universalidade das rendas produzidas no exterior, patrimônio possuídos no exterior, ou ambas situações, tal qual adotado atualmente quanto ao imposto sobre renda produzida no exterior pela pessoa jurídica ultraterritorialmente, com a denominada tributação da renda mundial – “worldwide income taxation”. Conclui-se que, ao elaborar a norma jurídica tributária e os critérios espaciais da hipótese de incidência do IGF, o legislador infraconstitucional deverá observar as particularidades advindas dos tratados internacionais, bem como os critérios afeitos à validade, eficácia e vigência da norma tributária. 2.5 Critério quantitativo possível Para Carvalho (2008), o aspecto quantitativo constante na consequência da norma jurídica tributária […] “é o conjunto de elementos que o legislador faz inserir na consequência das endonormas tributárias e que nos permite precisar o conteúdo da prestação que haverá de ser cumprida pelo sujeito passivo” […]. Em estrita observância do princípio da legalidade tributária, vê-se que fica a cargo da lei tributária mensurar o aspecto material. Segundo Ataliba (2008), a fixação do quantum devido é atingida após a aplicação da alíquota sobre a base calculada. Sobre o tema, leciona o autor, a saber: “[…] na hipótese de incidência, a indicação do sujeito ativo e dos critérios para a determinação do sujeito passivo (aspecto pessoal); a indicação da materialidade ou consistência material do fato descrito (aspecto material); a qualificação das coordenadas de tempo (aspecto temporal) e de lugar (aspecto espacial) juridicamente relevantes e a fixação da perspectiva dimensível do aspecto material (base imponível) que deve ser considerada, no fato, pelo intérprete. Aplicada a alíquota – inserida no mandamento – à base calculada, obtém-se, em cada caso, o quantum devido, objeto da obrigação, nascida do fato imponível.” É preciso lembrar, ainda, a necessidade da observância dos princípios constitucionais tributários, pois, em caso contrário, estar-se-ia sob o risco de um tributo com feições confiscatórias. Por sua vez, Tilbery (1987 apud Mota 2010) preleciona que, na maioria dos países do mundo, há, essencialmente, duas formas de incidência tributária sobre o patrimônio, quais sejam, sobre o patrimônio líquido e sobre o patrimônio bruto. A primeira forma utiliza como base de cálculo o valor do patrimônio após deduzidas todas as obrigações inerentes à manutenção daquele patrimônio. No segundo caso, utiliza-se como base de cálculo o valor do patrimônio sem quaisquer deduções. Destarte, Arruda (1989 apud Mota, 2010), referindo-se especificamente ao IGF, defende que a base de cálculo deste imposto incida sobre o patrimônio líquido do contribuinte. O autor justifica tal posicionamento elencando os motivos, a saber: “[…] a) impede que, pela exclusão de obrigações, possa-se identificar como grande fortuna uma situação de efetiva insolvência; b) é correlata com a concepção de patrimônio como uma universalidade de direito, própria do nosso sistema jurídico; c) propicia a integração do sistema tributário como um todo (através de mecanismos como o crédito dos valores pagos por força da incidência dos demais impostos sobre o patrimônio) e a complementaridade como o imposto sobre a renda, compensando situações insuscetíveis de serem corrigidas por este imposto, além de guardar como ele simetria, por decorrência do princípio da universalidade de a que o mesmo está hoje subordinado (art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal).” Por sua vez, Machado (1988 apud Mota 2010), ao discorrer sobre o IGF, sustenta que as alíquotas deste tributo devem incidir de maneira diversa em certos bens componentes do patrimônio, é dizer, o encargo tem de recair de maneira mais gravosa sobre os bens considerados como suntuosos com alíquotas mais elevadas. Para tanto, deve-se observar os critérios da seletividade. Na visão de Machado (1988 apud Mota 2010), as alíquotas do IGF devem ser progressivas. Ademais, conforme o autor, tal progressão deve ser graduada, pois, a seu ver, a progressividade simples destoaria do princípio da capacidade contributiva. Sobre a definição do conceito de alíquotas simples e graduadas, esclarece Machado (1988 apud Mota 2010), a saber: “[…] simples é aquela em que cada alíquota aplica-se a toda matéria tributável. E graduada é aquela em que cada alíquota maior aplica-se apenas sobre a parcela de valor compreendida entre um limite inferior e outro superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelas de valor e depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar.” Segundo Giffoni (1987 apud Mota, 2010), é necessária a criação de mecanismos compensatórios efetivos para os impostos patrimoniais já recolhidos. Outrossim, Machado (1988 apud Mota 2010) defende que o legislador pode criar meios de compensação entre o imposto sobre a renda e o imposto sobre o patrimônio, ao se adotar uma forma não cumulativa entre os referidos impostos. Há na doutrina pátria, segundo Mota (2010), uma corrente afirmando que, ao discorrer sobre as defasagens de uma eventual instituição do IGF, poderá haver uma ocultação do valor real dos bens possivelmente tributados pelo referido imposto, originando uma verdadeira “indústria de laudos de avaliação”. Amaro (2008) defende a correção monetária do preço de aquisição ao se fazer uma nova avaliação. Portanto, conclui-se que o legislador infraconstitucional, ao elaborar a norma jurídica tributária regulamentando a instituição do IGF, deverá fixar a forma pelo qual será avaliada a grande fortuna do contribuinte, seja por seu valor declarado, histórico ou apurado, bem como estabelecer os critérios de definição das alíquotas incidentes sobre o patrimônio considerado como grande fortuna. 2.6 Base de cálculo do IGF Nas palavras de Becker (2007), a base de cálculo pode ser conceituada como a quantificação do critério material da Hipótese de incidência. Outrossim, conforme o autor, tem-se que o legislador usa deste instrumento como referência, a fim de que possa mensurar o alcance financeiro do fato gerador. A Base de Cálculo pode ser encarada como o dimensionamento do alcance da exação tributária do ente federado. Como observa Guasque et al  (2009), o referido instituto pode ser considerado como sendo […] “a descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributário”. No que se refere especificamente ao IGF, Carvalho Júnior (2011) ensina que este usualmente é aplicado sobre a riqueza líquida em caso de esta exceder a um limite prefixado em lei. Ademais, lembra o autor sobre a possibilidade de a União tributar o indivíduo ou o grupo familiar, sendo analisados o patrimônio acumulado, bem como as alíquotas. Como bem lembra Carvalho Júnior (2011), os contribuintes residentes no país são tributados por seu patrimônio distribuídos no mundo e os não-residentes sofrem incidência tributária somente nos ativos constantes no país. Via de regra, para aqueles que não residem no país não há limite de isenção aplicado, pois seria dificultoso à administração tributária mensurar o patrimônio dos contribuintes não-residentes. A solução para tal fato, segundo Carvalho Júnior (2011), seria a incidência do imposto sobre os ativos com alíquota única, caso não haja tratados internacionais sobre o tema em sentido contrário. 2.7 Alíquotas incidentes As alíquotas dos tributos podem ser entendidas como percentual que, incidindo sobre a base de cálculo, é usada pra mensurar o valor de determinado tributo. Especificamente no caso do IGF, Corsatto (2010) ressalta sobre a aplicação de baixas alíquotas terem como consequência a demonstração de fragilidade e pouca capacidade de arrecadar do referido imposto. Não obstante tal posicionamento, Carvalho Júnior (2011) lembra que, por este imposto ser de exação anual, não há que se falar na possibilidade de adoção de alíquotas de natureza confiscatórias. Ademais, o autor lembra que os altos índices de isenção e alíquotas progressivas têm maior chance de causar evasão fiscal. Destarte, segundo Carvalho Júnior (2011), a evasão fiscal está relacionada aos custos de transferência da propriedade, pois há possibilidade de transferência de ativos (financeiros e não financeiros) entre membros de um mesmo grupo familiar ou de pessoas próximas, a fim de permanecer nos limites de isenção ou, no mínimo, ficar no patamar de incidência de alíquotas menores. Sobre tal fato, Carvalho Júnior (2011) lembra algumas medidas capazes de atenuar o problema da evasão fiscal, quais sejam, […] “a adoção de uma alíquota única, a diminuição do limite de isenção, a obrigação da declaração familiar conjunta, a existência de cadastros familiares e um maior limite de isenção e bandas entre alíquotas para declarações conjuntas” […]. 2.8 Destino dos valores arrecadados A arrecadação dos tributos, bem como a destinação de seus valores, é, segundo Mota (2010), uma questão financeira e não tributária. Não é outro o entendimento de Ataliba (2008), qual seja, […] “as espécies tributárias se reconhecem pela natureza da materialidade da h.i. [hipótese de incidência]. Só” […]. Por outro lado, como se verifica no próprio texto constitucional, há certos casos que a destinação do tributo possui contornos como parte integrante da própria figura exigida do contribuinte. Outrossim, assevera Amaro (2008): “[…] há situações em que a destinação do tributo é prevista pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico da figura tributária, de modo que não se pode ignorar a destinação nos casos em que esse destino condiciona o próprio exercício da competência tributária.” De mais a mais, nos termos do inciso IV, do art. 167 da CRFB/88, a vinculação da receita dos impostos é vedada, salvo os casos previstos no próprio texto constitucional. Conquanto, a Emenda Constitucional nº. 31/2010 incluiu o inc. III no art. 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e estabeleceu que o produto da arrecadação do IGF integram o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Destarte, embora tal alteração tenha sido promovida pelo legislador constitucional derivado, vê-se que tal destinação integra o regime jurídico do IGF. Ainda sobre a alteração trazida pela EC. 31/2010, Velloso (2007) salienta […] “essa vinculação da arrecadação do IGF, existente até o ano de 2010, convola-o inquestionavelmente, numa contribuição especial, mais especificamente, numa contribuição de combate e erradicação da pobreza no território nacional.” […]. Em que pese o fato de haver discussões doutrinárias, Carrazza (2008) entende que a destinação das receitas resultantes da tributação não modifica, necessariamente, a classificação da figura tributária em si. Dessa forma, conclui-se que, independe o fato se a destinação dos valores arrecadados com o IGF vai influenciar na alteração de sua natureza tributária, desde que a função social do tributo seja respeitada e, consequentemente, o valores constitucionais sejam alcançados. 3 Questões econômico-jurídicas em torno do IGF Grande parte das publicações sobre o IGF teve como base a utilização do Direito comparado no desenvolvimento de suas reflexões. Entretanto, Tilbery (1987 apud Mota 2010) traz sérias restrições a esta forma empírica de análise, pois deve-se levar em conta as diferenças entre os sistemas tributários adotados em cada país. Destarte, foi sob a óptica da evolução histórica da tributação do patrimônio nos países que Tilbery (1987 apud Mota 2010) elencou benefícios e ressalvas da instituição de um imposto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas e jurídicas. Na visão do Tilbery (1987 apud Mota 2010), são vantagens da introdução do IGF no ordenamento jurídico, a saber: respeito à equidade horizontal para o alcance da plena aplicação do princípio da capacidade contributiva, busca pelo fomento da atividade produtiva através da eficiência da aplicação dos recursos, redistribuição de riquezas e, por fim, aumento da eficiência do controle administrativo na busca pelo impedimento da evasão fiscal. Sobre as restrições à instituição do IGF, Tilbery (1987 apud Mota 2010) as elenca, quais sejam, as dificuldades administrativas referentes à declaração e avaliação dos patrimônios pessoais, possível fuga de capitais para o exterior e redução da poupança interna e resultado insignificante da arrecadação do imposto. Ainda acerca das vantagens da adoção de um imposto incidente sobre o patrimônio líquido pessoal, Tanabe (1972 apud Mota 2010) lembra que se tem defendido a instituição deste imposto sobre várias alegações, entre elas as que fazem referência ao alcance da equidade. Outrossim, complementa o referido autor, in verbis: “Outros fatores que aconselham a adoção são o desejo de reduzir a excessiva concentração de riqueza, estimular uma utilização mais produtiva do capital, minimizar os efeitos de desincentivo do imposto sobre a renda líquida e promover uma maior eficiência na administração deste último imposto.” Segundo Corsatto (2000), em relação aos tributos já existentes, o IGF viria a se tornar um imposto suplementar, pois constituiria uma parcela adicional derivado da superposição, ou um imposto complementar, resultante de uma eventual evasão fiscal, ou um imposto novo, no tocante aos bens patrimoniais ainda não tributados pelos impostos já instituídos. Lado outro, ao analisar os argumentos desfavoráveis à instituição do IGF tecidos por Tilbery, Machado (1988 apud Mota 2010) confronta os impedimentos suscitados e enumera seus motivos, a saber: a) no que se refere às dificuldades administrativas, é mais fácil constatar a existência de patrimônio do que renda, e tal fato não foi óbice à instituição de um imposto sobre a renda e a atual declaração de bens utilizada poderia ser aperfeiçoada e o valor dos bens atualizados; b) já sobre a redução da poupança interna e o desestímulo ao investimento, tem-se que se os muito ricos deixarem de poupar, irão pagar impostos com hipótese de incidência no consumo, os quais possuem alíquotas mais elevadas e c) sobre os possíveis baixos valores oriundos da arrecadação do imposto, o autor ressalta que tal fato não deveria ser crucial para a instituição do imposto, pois o Brasil é marcadamente conhecido por sua concentração de renda. Outrossim, Machado (1988 apud Mota 2010) lembra que o imposto cujo gravame recai sobre o patrimônio não incide sobre os fluxos de riqueza, mas sim sobre sua acumulação e, por isso, tratar-se-ia de um meio complementar do imposto sobre a renda e progresso econômico por incidir sobre bens improdutivos. Em seus estudos, Tilbery (1987 apud Mota 2010) aduz sobre a possibilidade de a instituição do IGF drenar os recursos do mercado financeiros ou, ainda, causar a sua evasão. Entretanto, Mota (2010) classifica tal argumento como dogma construído por economistas, mas nunca comprovado na prática. Ademais, lembra Mota (2010) que a alta carga tributária brasileira não afugentou os capitais, ao contrário do que se dizia, sob a alegação de que os capitais não têm pátria. Nesse sentido, assevera Rangel (1988 apud Mota 2010): “Ao contrário do que dizem os liberais “tupiniquins”, a tributação do capital ou patrimônio não ocasiona, apenas por si, a fuga de capitais nacionais, pois os capitalistas fundam suas decisões em investimento de rentabilidade líquida de suas aplicações e na estabilidade das regras do jogo apresentadas.” Para Machado (1988 apud Mota 2010) o IGF dever ter como objetivo precípuo tributar aqueles contribuintes que, não obstante sejam demasiadamente ricos, não pagam imposto de renda compatível com tal condição. Ademais, para o referido autor, o tributo é o preço que se paga ao Estado para manutenção da ordem jurídica que lhes garante, inclusive, o direito à propriedade. O IGF teria, nas palavras de Khair (2009), o condão de, ao invés de afugentar, atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Para Sousa (2008), a instituição deste imposto não pode estar limitada somente à questão de redistribuição de renda, in verbis: “Deve tornar o nosso sistema tributário mais justa, de forma que os pobres paguem menos impostos (sobre o consumo), os ricos paguem mais impostos sobre a renda e, por que não, sobre a acumulação de fortuna como imposto complementar voltado para fins de apoio ao combate às desigualdades sociais.” Vê-se, portanto, que análise acerca do IGF traz consigo variadas questões econômico-financeiras. A possível instituição deste imposto no Brasil deve levar em conta não só as experiências internacionais, mas também as características histórico-econômicas da sociedade brasileira. 3.1 A prática internacional acerca da instituição do IGF Segundo Carvalho Filho (2011), todos os países da Europa Ocidental adotam ou já adotaram alguma forma de imposto sobre grandes quantidades de patrimônio (Wealth Tax), salvo a Bélgica, Portugal e Reino Unido. Na Ásia, o Japão, por pouco tempo, adotou este imposto. A Índia já em 1950 o adotou e há relatos de experiências no Paquistão e Indonésia. Por fim, na América Latina, o imposto está plenamente instituído na Colômbia, Argentina e Uruguai e, segundo o autor, há vultuoso crescimento de arrecadação nestes últimos. Ristea e Trandafir (2010 apud Carvalho Filho, 2011) elencaram as três principais razões que levaram alguns países europeus eliminarem o imposto a datar de 1990, quais sejam: transferência de capitais para países com carga tributária menor ou paraísos fiscais, alto custo administrativo do imposto e, por fim, o imposto altera a destinação dos recursos quando aplicado sobre o patrimônio de pessoas jurídicas. No entanto, Carvalho Filho (2011) ressalta que o IGF pode ser efetivo no caso do Brasil, haja vista a nossa grande desigualdade social, o volume de sua economia, a efetividade operacional facilitada pela tecnologia atual e, por fim, a baixa incidência de tributos em heranças e propriedades do país. Devido à grande quantidade de países que adotaram o IGF (ou outra forma de tributação sobre grandes patrimônios assemelhada), o presente estudo se aterá, principalmente, aos desdobramentos da instituição do IGF em alguns Estados, quais sejam, Argentina, França, Uruguai e Suécia. 3.1.1 Argentina Segundo Carvalho Filho (2011) a Argentina, desde de 1973, instituiu um tributo denominado Imposto sobre Bens Pessoais, o qual possui competência do governo central. À vista do tempo em que o imposto está em vigor, houve diversas modificações estruturais ao longo do tempo, entre as quais cabe citar a modificação da base de cálculo sobre riqueza líquida (1973 a 1989) para, a partir de 1991, riqueza bruta, com incidência de alíquotas progressivas. Segundo dados colhidos por Carvalho Filho (2011), a arrecadação deste tributo tem aumentado exponencialmente, uma vez que em 1996 era de 1 (um) trilhão de pesos e, em 2010, passou a ser de 5 (cinco) trilhões. Ademais, consoante o autor, em que pese as crises econômicas que, sucessivamente, assolam o país, desde o ano de 2003 o recolhimento do tributo tem crescido consideravelmente […] “a uma taxa média real de 12,2% ao ano e o indicador da arrecadação do imposto sobre as receitas totais estabilizou-se entre 1,1% e 1,5% a partir de 2004” […]. No que se refere à proporção arrecadatória do Imposto sobre Bens Pessoais sobre as receitas tributárias, Carvalho Filho (2011) lembra que este tributo em 2003 representou 3,1% de seu valor total, mas que, a partir de 2004, a sua participação manteve-se estável em 2%. 3.1.2 França Consoante Mota (2010), em 1981 a França instituiu o chamado Impôt sur les Grandes Fortunes com sua exigibilidade para o exercício fiscal subsequente. Inicialmente o imposto incidia sobre o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, mas após certo tempo apenas as pessoas físicas deveriam pagá-lo. Ademais, em 1986, após a eleição de um Parlamento conservador, o imposto foi abolido. Em 1988, após a eleição de um governo de inspiração socialista, foi instituído o Impôt Solidarité sur la Fortune (ISF), tributo com as mesmas feições do Impôt sur les Grandes Fortunes. Consoante Carvalho Filho (2011), o ISF concede isenção tributária a alguns instrumentos de trabalho, artigos de coleções e móveis, direitos autorais e artísticos e ativos de relevância ecológica, histórica e artística. Carvalho Filho (2011) ensina que o ISF possui ao todo seis alíquotas progressivas variáveis entre 0,55% a 1,8% incidentes sobre patrimônio líquido excedente a 800 (oitocentos) mil euros. Ademais, o governo promoveu um abrandamento fiscal ao vedar que a soma do valor pago pelo contribuinte no ISF somado ao imposto de renda exceda 50% (cinquenta por cento) da renda bruta. Outro incentivo importante é a redução de 30% (trinta por cento) na avaliação do imóvel residencial do contribuinte e as propriedades excedentes, se alugadas, possuem de 20 a 40 por cento de desconto. Por fim, Carvalho Filho (2011) assevera que, no período de 1992 a 2010, houve um aumento no número de contribuintes (168 mil para 562 mil famílias) e dos valores arrecadados (aproximadamente 1 bilhão de euros para 4,5 bilhões de euros, respectivamente) do ISF. 3.1.2 Uruguai Nas palavras de Carvalho Filho (2011), desde 1989 o Uruguai possui o tributo denominado de Impuesto al Patrimônio, o qual incide sobre a riqueza líquida de pessoas físicas e jurídicas. Consoante dados do referido autor, o imposto incide sobre o patrimônio líquido avaliado acima de 2,21 milhões de pesos uruguaios e possui alíquotas progressivas para contribuinte residentes (variáveis entre 0,7% a 2,0%) e alíquota unificada de 1,5% para contribuintes não-residentes. Ainda segundo Carvalho Filho (2011), as aplicações financeiras são protegidas pelo anonimato e, nesses casos, há incidência de alíquota de 3,5% sendo o valor recolhido obrigatoriamente pelas instituições financeiras, as quais sofrem incidência de uma alíquota de 2,8% em seu patrimônio. São dedutíveis do impostos as doações feitas às universidades (50% deduzido no valor arrecadado no imposto de renda e 50% no valor das residências). Ademais, há disposto na legislação uruguaia a total extinção do imposto em 2015. No que tange aos dados apresentado por Carvalho Filho (2011), vê-se que o imposto representa cerca de 4,1% a 6,5% dos valores recolhidos a título de receita pelo governo uruguaio entre os anos de 1996 e 2010. Nesse período, o Estado do Uruguai o crescimento da arrecadação passou de 3,7 bilhões a 9 bilhões de pesos uruguaios. Ressalta-se que, neste lapso temporal, o valor arrecadado entre pessoas físicas caiu praticamente pela metade. 3.1.3 Suécia Segundo os estudos de Carvalho Filho (2011), a Suécia, notadamente um país com tradição em tributar a propriedade, aboliu o Wealth Tax em 2007. À época da exação deste tributo, sobre o qual incidia uma alíquota única de 1,5%, o governo contava com 284 mil contribuintes que possuíssem patrimônio superior a 1,5 milhão de coroas suecas. Ademais, ressalta o autor que a alíquota única de 1,5 % foi adotada após uma reforma tributária promovida por um Parlamento com tendências de direita Em análise sobre a história da concentração de renda sueca, Jesper e Daniel (2007 apud Carvalho Filho 2011) perceberam que o Wealth Tax sueco teve participação num processo de desconcentração de renda e diminuição da desigualdade social iniciado ainda no século XX. Conclusão Percebe-se, portanto, que a incidência de tributos sobre a acumulação de riqueza é uma prática comum em todo mundo. Nota-se, ademais, que os Estados mais eficientes na arrecadação de impostos sobre grandes riquezas são aqueles que adequaram o modelo do Wealth Tax à sua realidade. Por sua vez, essa forma de exação tributária sobre o patrimônio, quando bem usada, pode ser útil à tarefa de redução das desigualdades sociais, bem como concentração de riquezas.
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A não incidência da contribuição previdenciária sobre planos de saúde ofertados pelas empresas aos empregados e seus dependentes
Analisa-se as Contribuições Previdenciárias incidentes sobre planos de saúde ofertados aos empregados e seus dependentes com base no alcance da isenção prevista no art. 28, §9º, q, da Lei 8.213/91 sobre o viés jurisprudencial e administrativo dos tribunais.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Lei 8.212/91 que disciplina a forma de organização e custeio da Seguridade Social, dispõe que o critério material das Contribuições Sociais Previdenciárias (cota patronal) incidirá sobre as verbas destinadas a retribuir o trabalho efetivamente prestado ou o tempo à disposição do empregado ao empregador. A própria lei se encarregou de estabelecer as hipóteses de isenção do tributo, impedindo a formação da relação jurídica tributária com o consequente vínculo dos sujeitos envolvidos. Assim, foi expressamente afirmado no art. 28, §9º da Lei nº 8.212/91: “Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:(…) § 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)(…) q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; (Incluída pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)” Pela simples leitura da norma, percebe-se que os valores referentes à assistência médica ou odontológica, própria da empresa ou por ela conveniada, não devem ser incluídas na base de cálculo das contribuições previdenciárias, desde que a cobertura abranja todos os empregados e dirigentes da empresa. Num primeiro momento, levada por uma interpretação puramente literal do dispositivo, a Receita Federal se posicionava de forma favorável para incidência das Contribuições Previdenciárias sobre planos de saúde oferecidos pela empresa aos seus empregados. Tal entendimento era embasado, inclusive, no art. 458 da CLT que afirma que os valores devidos ou pagos a funcionários, ainda que in natura, ou em forma de utilidade, incorporavam-se à remuneração para todos os efeitos legais, e constituíram base de incidência das contribuições previdenciárias. Ocorre que com a Lei nº 10.243/2001 que acrescentou o §2º no art. 458 da CLT, tal interpretação ficou comprometida uma vez que assim dispôs: “§ 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde. (com redação dada pela Lei nº 10.243, de 10.06.2001)” Analisando a norma pelo viés teleológico, percebe-se que a intenção do legislador ao estipular a respectiva isenção foi a de estimular a concessão de planos de saúde pela rede privada para os empregados das referidas empresas, almejando um menor impacto na quantidade de dependentes do precário Sistema Único de Saúde – SUS. A contraprestação fiscal pela permanência dessa conduta por parte das empresas é justamente diminuir o impacto orçamentário da cota patronal das Contribuições Previdenciárias. Pelo texto legal, percebe-se por uma interpretação estritamente literal/gramatical que para obtenção da referida isenção, basta que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. Como se sabe, a interpretação literal é a forma mais rasa de compreensão das normas jurídicas. Por isso, é mister sempre conhecer os posicionamentos dos tribunais superiores e tribunais administrativos a respeito da matéria versada, trazendo melhores elucidações. I – DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL E ADMINISTRATIVO O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (órgão de cúpula no âmbito administrativo fiscal), em recente decisão, se manifestou num caso específico onde uma empresa que custeava a assistência à saúde para todo o seu quadro de funcionários, mas contemplava um dirigente com plano de categoria superior àquela assegurada aos demais, entendendo por unanimidade pela manutenção da autuação por ter descontado o valor da despesa mensal (planos de saúde) da base de cálculo da contribuição previdenciária, afastando assim a isenção: “Contribuições Sociais. Previdenciárias. Período de apuração: 01/01/2007 a 31/12/2008. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. DIVERSIDADE DE PLANOS E COBERTURAS. Os valores relativos a assistência médica integram o salário-de-contribuição, quando os planos e as coberturas não são igualitários para todos os segurados. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. RETROATIVIDADE (Acórdão 9202-003.846) (…) ASSISTÊNCIA MÉDICA. DISTINÇÃO ENTRE PLANOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. INCIDÊNCIA SOBRE AS DIFERENÇAS DE VALORES DOS PLANOS. Os valores pagos a título de assistência médica pela empresa não integram o salário de contribuição se e somente se forem destinados a todos os empregados e dirigentes e tenham a mesma cobertura, ou seja, a mesma especificidade, o mesmo valor. A base de cálculo das contribuições previdenciária incidentes sobre os valores pagos a título de assistência médica em desacordo com a norma isentiva é a diferença entre o valor dos planos ofertados a seus diretores e gerentes e o valor do plano básico disponibilizado para os demais trabalhadores. (…)” (Processo  10830.011996/2008-25, Data da Sessão 28/01/2016, Acórdão 2401-004.067). A relatora do voto entendeu que se o plano de saúde oferecido pela empresa não for uniforme quantitativamente (princípio da universalidade) para todos os funcionários, seja empregados ou altos dirigentes (princípio da isonomia quanto à extensão do benefício fiscal), não estaria abarcada pela norma de isenção do art. 28, §9º, da Lei nº 8212/91, assim se manifestando: “Sempre que houver patamares de valores e tipos de planos e coberturas diferentes entre os funcionários de uma empresa, quaisquer que sejam a sua remuneração, cargo ou assunção de benefícios correspondentes ao grau das responsabilidades que desempenham ou do salário que auferem, essa distinção, por si só, tem o condão de desnaturar o benefício da não incidência prevista na Lei e que portanto o valor relativo a mesma, nessas hipóteses, deve incorporar o salário-contribuição para fins da incidência respectiva contribuição previdenciária”. Existe controvérsias doutrinárias especificamente envolvendo a temática da decisão no sentido de o CARF não poderia ter distinguido onde a lei não o fez e criando condições que não estão expressas na norma jurídica, pois teria atuado o tribunal como legislador positivo, ofendendo o princípio da legalidade e separação dos poderes, trazendo, inclusive, precedentes do STJ( REsp 192531/RS, Rel. Min. João Octavio de Noronha, 2ª Turma, Dj 17/02/05, Dje 16/05/05), sendo o único requisito para a concessão a oferta de forma ampla para todos os empregados. A controvérsia é tamanha que dentro do próprio CARF havia divergências: “A Segunda Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) tem julgado nesse exato sentido, ou seja, entendendo que a “condição estabelecida no art. 28, § 9º, alínea ´q´ da Lei 8.212/91 para que não se incluam no salário de contribuição e não sejam objeto de incidência de contribuição previdenciária os valores relativos à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, é que exista cobertura abrangente a todos os empregados e dirigentes da empresa. Exigir que haja cobertura a todos os empregados e dirigentes da empresa é diferente de exigir que haja a mesma cobertura a todos estes funcionários. A condição imposta pelo legislador para a não incidência da contribuição previdenciária é, simplesmente, a existência de cobertura que abranja a todos os empregados e dirigentes, não cabendo ao intérprete estabelecer qualquer outro critério discriminativo” (Processo  11070.002845/2007-15,  Recurso Especial do Procurador,  Data da Sessão 29/07/2014, Acórdão 9202-003.256). Essa pesquisa se posiciona de forma contrária ao entendimento adotado pelo CARF, concordando em grau, número e gênero com o posicionamento do STJ, no sentido de que a inclusão de outros requisitos, como, a exigência de planos de saúde “iguais e da mesma categoria” a todos os funcionários ultrapassa as condições impostas pela lei e viola de certa forma o art. 111, II do CTN. Apesar dos argumentos em sentido contrário, a decisão é válida e eficaz, trazendo o posicionamento dos tribunais administrativos a respeito do tema, tendo importância ímpar para os contribuintes que almejarem preencher todos os “requisitos” para gozarem do benefício da isenção fiscal. II – DA POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS DEPENDENTES Outro fator interessante a respeito do tema de incidência das contribuições sociais previdenciárias sobre planos de saúde é a possibilidade extensão aos dependentes dos empregados sem ônus tributário para a empresa, uma vez que a lei é omissa quanto a maiores condições, sendo assim abrangida a situação pela norma imunizante. O caso já foi discutido no Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, no caso REsp nº 1.430.043/PR, quando a Segunda turma entendeu de forma favorável aos contribuintes, afirmando que a assistência médica paga pela empresa não integra o salário de contribuição dos empregados, independentemente da sistemática de concessão do benefício, nesse sentido: “Nesse contexto, não há falar em ampliação ou violação da norma isentiva, pois, como bem observado pelo Tribunal de origem, “embora   não conste na folha de pagamento, trata-se em verdade de forma de reembolso dos valores despendidos pelos empregados com medicamentos”, sendo que tal sistema “apenas evita etapas do moroso procedimento interno de reembolso via folha de pagamento, que, com certeza, seria mais prejudicial ao empregado (…).” (Resp nº 1.430.043/PR, Relator: Min. Mauro Cambell Marques, Segunda Turma, julgado: 25.2.2014) O entendimento do STJ já é seguido por vários Tribunais Regionais Federais – TRFs, se manifestando que o plano de saúde concedido a empregados e dependentes não integra o conceito de salário de contribuição, tudo nos termos do art. 28, §9º, Q, da Lei 8.212/91 (Apelação/Reexame necessário nº 424703, TRF-2ª, 4ª turma, Dje 15/04.2014; Apelação 2008.71.05.003324-7/RS, 2ª Turma, TRF-4ª, Dj. 30/06/2009). No âmbito do CARF ainda não há uma posição consolidada quanto a extensão da assistência médica aos dependentes dos empregados, porém a interpretação da Receita Federal do Brasil (solução de consulta nº 77 – Cosit), no caso de planos de saúde é no sentido de que: “PLANO DE SAÚDE DISPONIBILIZADO A TODOS OS EMPREGADOS E DIRIGENTES. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. O valor relativo a Plano de saúde pago por empresa a cooperativa médica não integra o salário de contribuição, desde que a empresa disponibiliza o referido plano à totalidade dos seus empregados e dirigentes, ainda que alguns deles, por motivos particulares, manifestem por escrito que não pretendem participar de plano”. (Dispositivos Legais: Lei nº 8.212, de 1991, art. 28, § 9º, “q”). Infere-se que a única restrição do art. 28, §9º, q, da Lei nº 8.212/91 para que seja afastado o recolhimento da contribuição previdenciária sobre os valores da assistência médica concedida aos empregados e dependentes está relacionado à disponibilidade do benefício a todos os empregados e dirigentes. O princípio da legalidade possui interpretações diferentes a depender do destinatário: particular ou Administração Pública. Para Administração Pública, estritamente vinculada aos preceitos legais, todas as suas condutas têm de ter respaldo legal sob pena de serem nulas. Já o particular, pode fazer tudo aquilo que a lei estritamente não proibir. Assim, não tendo comando legal expressamente proibindo a conduta, ela é permitida. Dessa forma, a extensão aos dependentes é perfeitamente excluída da incidência das contribuições no entender dessa pesquisa, interpretação aliada ao princípio da estrita legalidade no âmbito tributário.  O nome dessa desoneração tributária chama-se elisão fiscal, meio pelo qual o contribuinte lança mão para evitar a ocorrência do fato gerador do tributo ou mitigar-lhe os efeitos financeiros, não podendo as autoridades administrativas oporem-lhe resistência, por tratarem-se de compromissos lícitos, suportados pelo princípio da reserva à lei, do qual sobreleva a premissa de que o contribuinte é livre para organizar o seu negócio e as suas atividades da maneira que lhe aprouver, não havendo fundamento moral ou cívico que o obrigue a adotar a solução mais vantajosa para o tesouro. III – CONCLUSÃO Diante do exposto, pode-se concluir que sendo o benefício ofertado a todos os empregados, com ou sem a adesão dos dependentes, não havendo distinção de valores quanto aos planos, a empresa estará no gozo da isenção quanto as contribuições previdenciárias. Esse entendimento é amparado por uma análise extensiva na posição jurisprudencial majoritária dos tribunais administrativos e judiciais a respeito do tema. Para evitar eventual embaraço fiscal com a Receita Federal quanto a tais operações, com a possibilidade de inclusão no cadastro de proteções ao crédito da empresa, ajuizamento de execuções fiscais, bloqueio online de contas (Bacen Jud), restrições de circulação de veículos (Renan Jud), penhoras, etc. Mister se faz o estudo e análise de um planejamento tributário com um escritório de advocacia para trazer maior segurança, transparência e previsibilidade das relações fiscais, evitando posteriores frustrações que poderiam ter sido evitadas com uma consultoria tributária de excelência. O planejamento tributário visa justamente a adoção de procedimentos implicitamente autorizados pelo ordenamento jurídico, plano da licitude, que podem ser usados com o propósito de incorrer numa menor carga tributária.
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Imposto sobre a renda e a questão da dedutibilidade dos gastos com educação básica sob a ótica do mínimo existencial
Mediante do exame do conceito constitucional de renda e do direito à educação, este último sob o enfoque do mínimo existencial, este trabalho volta-se a discutir a legitimidade da restrição à dedutibilidade dos gastos com educação na formação da base de cálculo do imposto sobre a renda prevista no art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995. A competência tributária delimitada pelo emprego do termo “renda” no texto constitucional assegura ao sujeito passivo o direito de submeter-se a imposto cuja base de cálculo seja composta de forma dinâmica, de tal modo que não se podem ignorar as despesas necessárias à própria manutenção e de sua família. No tocante ao direito à educação, propõe-se observar um corte transversal condizente com a ideia de mínimo existencial, abrigando, sob a linha  demarcada por essa noção, o direito à educação básica e infantil, hipótese em que a discricionariedade legislativa, relativa à previsão de dedutibilidade, é inexistente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A legislação infraconstitucional que disciplina o imposto sobre a renda voltado às pessoas físicas prevê que o sujeito passivo da obrigação tributária, ao calcular a base de cálculo do imposto, tem a faculdade de descontar gastos efetuados com educação (art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995[1]). Sucede que essa previsão não contempla todo e qualquer gasto de tal natureza, na medida em que restringe a dedução respectiva por meios de critérios qualitativos e quantitativos. Do ponto de vista qualitativo, somente algumas espécies de despesas com educação são tidas por dedutíveis (creches, pré-escolas, ensino fundamental, ensino médio, educação superior, limitado à graduação, mestrado, doutorado e especialização, e educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico), enquanto que, sob o aspecto quantitativo, mesmo esses gastos não podem ser integralmente deduzidos, mercê das limitações estatuídas no art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995. As discussões em torno da constitucionalidade dessas limitações não são recentes. Sem embargo, pensamos que algumas palavras acerca do tema ainda podem ser utilmente tecidas, sobretudo porque, embora o Supremo Tribunal Federal[2] venha apresentando alguma resistência para apreciar a matéria, parece-nos[3] que cada vez mais que se aproxima o momento em que esse assunto ganhará destaque naquela Corte e, por consequência, junto à comunidade jurídica em geral. A abordagem do tema terá dois pilares teóricos fundamentais. Em primeiro lugar, do ponto de vista da teoria geral do direito, este trabalho estará lastrado no Constructivismo Lógico Semântico[4], e, no que toca ao modo de se aproximar do direito tributário brasileiro, observará as lições de Geraldo Ataliba e Roque Antonio Carrazza (2015, p. 63), para quem não há como se estudar esse campo jurídico sem partir do texto constitucional, respeitando-se, em toda a sua magnitude, as regras e princípios dele decorrentes. Normalmente, os debates em torno da dedutibilidade dos gastos com educação têm sido travados sob uma argumentação caracterizada pelo “tudo ou nada”. De um lado, alinham-se os que entendem que, afigurando-se a educação como um direito fundamental especialmente disciplinado pela Constituição da República, não seria dado à legislação infraconstitucional restringi-lo de qualquer forma, razão pela qual as limitações à dedutibilidade seriam invariavelmente ilegítimas. De outro, situam-se os que sustentam que a fixação da base de cálculo do imposto sobre a renda é matéria reservada ao livre juízo do legislador infraconstitucional, que, ao promover a ponderação dos interesses em jogo, estaria autorizado a manipular essas regras de dedutibilidade com ampla margem de discricionariedade. Nesse caso, o regime jurídico das dedutibilidades seria muito próximo daquele observado nos benefícios fiscais, eis que, tanto num como noutro caso, o principal fator a ser respeitado seria a liberdade do legislador.   Ambas as posições apresentam importantes argumentos, os quais serão mais bem detalhados em tópico próprio. Nada obstante, parece-nos que, examinando o conceito constitucional de renda e a questão da jusfundamentabilidade dos direitos sociais sob o parâmetro do mínimo existencial, uma posição intermediária, pouco explorada, poderia ser desenvolvida. É a isso que se propõe este trabalho. 1. O CONCEITO JURÍDICO DE RENDA 1.1. O conceito jurídico como proposição normativa O sistema do direito positivo caracteriza-se com um corpo de linguagem de sobrenível de função prescritiva, sintaticamente fechado, embora semanticamente suscetível a influência de outros extratos de linguagem (contábil, econômico etc.). Do ponto de vista da Ciência do Direito, não cabe examinar os conceitos adotados em outros sistemas sociais, salvo quando esses mesmos que esses conceitos tenham sido abraçados pelo direito positivo. Bem por isso, esse trabalho evitará fazer referências diretas a conceitos econômicos, contábeis ou de qualquer outra ordem do termo “renda”. O que importa, nesse contexto, é examinar qual o conceito de renda adotado pelo direito positivo brasileiro, a partir de uma analise que não pode ter outro ponto de partida que não o texto constitucional. Mas, antes mesmo de adentrar nessa seara, parece-nos que algumas palavras muito singelas são necessárias quanto à nossa concepção do que vem a ser um “conceito jurídico”. A expressão “renda”, quando empregado em determinado texto do direito positivo, dá ensejo a uma significação que se apresenta como um fragmento de norma jurídica em sentido estrito, ou, em outras palavras, como uma proposição jurídica (CARVALHO, P. B., 2015, p. 134). Esse termo tanto pode ser empregado na regra matriz de incidência tributária (legislação ordinária), quanto para atribuir competência (legislativa) tributária a determinado ente federativo, no caso à União, hipótese em que poderia ser qualificada, para os que aceitam tal distinção, como uma regra (em sentido amplo) de estrutura.   Em qualquer dos casos, o termo “renda” enseja uma significação. Ante o contato com o texto normativo, o intérprete inicia um processo de produção de sentido, formulando proposições normativas, as quais, quando articuladas em forma de juízo hipotético condicional, produzem aquilo que o professor Paulo de Barros Carvalho denomina de norma jurídica em sentido estrito (2015, p. 135).   Adotado esse referencial teórico muito brevemente exposto, impõe-se concluir que o que se costuma denominar de “conceito jurídico” afigura-se, no mais das vezes, como uma proposição normativa, isto é, como uma significação construída com fundamento no plano de expressão do direto positivo ainda não suficiente, embora necessária, para estruturar um comando normativo em sua inteireza. Por outros torneios, pode-se dizer que a significação produzida a partir do termo “renda” integrará a estrutura de diversas normas jurídicas, de tal sorte que, pelo critério classificatório adotado, o conceito de renda ostenta a natureza de proposição normativa.  Dessa ordem de ideias e mantida fidelidade à proposta metodológica adotada, sobressaem duas consequências. A primeira delas consiste na constatação de que não existe termo sem um correspondente conceito, na medida em que, tendo contato com o texto, o intérprete inicia inexoravelmente uma produção de sentido, formulando no seu intelecto a significação daquele signo. O conceito é inerente à atividade interpretativa. Assim, quando o sujeito lê o termo “renda” empregado no art. 153, III, da Constituição da República[5], não há a produção de um nada na sua mente; dá-se uma produção de sentido, exsurgindo daí uma significação ou, para usar uma expressão mais consagrada, um “conceito de renda”.    A segunda consequência acima anunciada diz respeito ao que se deve entender por conceito jurídico, no sentido de conceito legal ou constitucional. Como resultado de um processo interpretativo, o conceito jurídico ou proposição normativa é uma construção intelectual que tem como base material o texto normativo (legal, constitucional etc.). Quando se fala em conceito constitucional, por exemplo, concebemos estar diante de um conceito construído pelo intérprete com suporte no texto constitucional e não de um conceito depositado nas dobras do texto constitucional simplesmente descoberto ou revelado pelo sujeito cognoscente. É justamente por isso que os conceitos constitucionais são dinâmicos, adaptando-se às novas exigências da sociedade, tal como se pode conferir mediante uma simples análise das sucessivas interpretações autênticas e não-autênticas a respeito de textos jurídicos inalterados no plano de expressão. 1.2. A necessária existência do conceito constitucional de renda No que concerne especificamente ao ponto central em análise, as noções brevemente expostas nos conduzem a descartar prontamente a chamada teoria legalista do conceito de renda, segundo a qual o legislador infraconstitucional teria ampla liberdade para estabelecer a definição desse conceito, moldando o aspecto material da hipótese tributária do imposto sobre a renda (e a base de cálculo respectiva) sem amarras rígidas provenientes da interpretação do texto constitucional. Essa teoria apresenta séria fragilidade quando afirma não existir um conceito constitucional de renda, pois isso equivale a dizer que, tendo contato com o texto constitucional, o sujeito não produz nenhuma significação. A interpretação da Constituição, nesse particular, produziria um nada no intelecto do intérprete, algo que, há de se convir, é extremamente difícil de se sustentar, sobretudo no âmbito do modelo de pensamento adotado neste trabalho. Todo e qualquer emprego de um termo indica uma ideia, uma vez que o primeiro é a forma do segundo. Por isso, não nos parece correto pensar que a Constituição da República é um texto que emprega palavras sem que elas apontem para determinado sentido. Não que as palavras, as letras no papel, contenham um sentido a ser meramente extraído pelo intérprete. Essas marcas (palavras) são os dados empíricos que servem de base para o processo gerador de sentido, o qual resultará na construção de uma significação. Essa significação, criada a partir desse contato com texto, pode não ser estável – já que o direito positivo apresenta certa permeabilidade semântica e pragmática (conversação) -, mas ela definitivamente existe e tem o perfil que a comunidade jurídica e o intérprete autêntico lhe confere em determinado momento.    Assim, quando a Constituição fala em “renda”, estamos diante de um ato de seleção de palavras que cria duas classes: a classe do conceito “renda” e a classe do conceito “não-renda”. Negar que aí existe um conceito é o mesmo que negar a existência dessas duas classes, o que, no fim das contas, subtrairia qualquer utilidade do texto constitucional. Se ao legislador fosse conferida a liberdade de (re)desenhar, conforme suas próprias preferências, as significações suscitadas pelo texto constitucional, haveria que se reconhecer, por imperativo pragmático, que o Poder Legislativo seria detentor, no final das contas, de um poder reformador materialmente ilimitado e formalmente livre das restrições procedimentais especificamente previstas para a alteração do texto constitucional. Hugo de Brito Machado (2009, p. 7), com sua reconhecida habilidade retórica, demonstra didaticamente a debilidade do argumento legalista: “Quem quer que estude Teoria Geral do Direito sabe que os conceitos utilizados em norma jurídica de hierarquia superior não podem ser livremente alterados pela norma de hierarquia inferior. Se a lei ordinária pudesse definir casa como a edificação com mais de mil metros quadrados e piso de mármore ou granito, certamente estaria anulada a regra da Constituição segundo a qual ‘a cada é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial’. Realmente, se as palavras empregadas nas normas da Constituição pudessem ser livremente definidas pelo legislador ordinário, a supremacia constitucional não seria mais que um simples ornamento da literatura jurídica. Através de definições legais, todos os dispositivos da lei maior poderiam ser alterados pelo legislador ordinário”. A teoria legalista, quando testada em situações extremas, produziria resultados que dificilmente seriam aceitos pelos seus defensores. Imagine-se, por exemplo, que a legislação ordinária definisse renda como “a realização de despesas” ou como “a promoção de operações de circulação de mercadorias”. A constitucionalidade dessas normas hipotéticas provavelmente não encontraria defesa entre os juristas gabaritados para tanto. Parece-nos que, quando se procura defender a inexistência de “conceitos constitucionais”, quer-se, na verdade, aludir muitas vezes à inexistência de um conceito fixo, estável e pré-determinado. O problema, portanto, não está na existência do conceito; esse sempre existe. A questão diz respeito à abrangência do conceito ou à definição do conceito. Que “renda” é termo que representa um conceito ninguém pode negar, tal como evidenciam os exemplos acima. No entanto, saber se determinadas situações satisfazem os critérios conotativos para pertencer à classe correspondente é uma questão muito mais difícil, porque, nesse caso, está em pauta não a existência do conceito – discussão que nos parece superada –, mas o perímetro desse conceito. Enfim, a dificuldade na construção do limite da classe (conceito de renda) não pode implicar a conclusão de que a classe não existe, por motivo mais que evidente. Os contornos da classe, além de difícil mensuração, não são necessariamente estáveis e não podem ser tidos como uma condição a ser descoberta pelo aplicador do direito. Esses limites são estabelecidos na definição, de tal modo que as disputas argumentativas devem se situar nesse campo específico e não na eventual negação do conceito. Por isso mesmo, sob a perspectiva de quem precisa convencer, o problema está na forma de legitimar uma definição proposta, já que, no final das contas, terá sucesso em seu intento aquele que convencer  sobretudo o intérprete autêntico. 1.3. O conceito constitucional de renda Fixada a premissa de que existe um conceito constitucional de renda, cabe delimitar o conteúdo que nos parece mais consentâneo com o ordenamento jurídico. Esse mister, naturalmente, terá por base material o próprio texto constitucional, tomado não só na parcela que diz respeito ao termo “renda”, mas ao conjunto dos dispositivos que possam auxiliar a construção da proposição objeto de nossa atenção. Em alentado trabalho sobre o tema, José Artur Lima Gonçalves (2002, p. 177) inicia essa investigação com o exame de “conceitos próximos” trazidos na Constituição, uma vez que, identificando-se o que não é “renda”, clareia-se o caminho para se saber o que efetivamente o é. Nessa toada, o autor, sempre a partir do texto constitucional, define “faturamento” como o “[…] mero ingresso; é a soma das faturas; é a grandeza do conjunto de ingressos decorrentes do conjunto de faturas emitidas” (GONÇALVES, 2002, p. 177). “Capital”, a seu turno, é expressão “[…] tomada pela Constituição na acepção de investimento, de titulação de patrimônio […]” (GONÇALVES, 2002, p. 178). Já “Lucro” significa, no plano constitucional, o “[…] resultado positivo da atividade empresarial” (GONÇALVES, 2002, p. 178). “Ganho” é referido na Constituição como “ingressos, de forma descompromissada da noção de saldo positivo” (GONÇALVES, 2002, p. 178), enquanto que “’resultado’ é tomado como situação terminal de um processo, sem qualificação valorativa relativamente à manifestação de capacidade contributiva”. Por fim, “patrimônio” significa “conjunto estático de bens ou direitos titulados por uma pessoa, pública ou privada” (GONÇALVES, 2002, p. 179). A partir desses referencias, o autor propõe um conteúdo semântico mínimo do conceito constitucional de renda, traduzindo da seguinte forma: “(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um (iii) período de tempo” (GONÇALVES, 2002, p. 179). A ideia de saldo aparta o conceito de “renda” de conceitos próximos, como o de capital ou de patrimônio, por exemplo, evidenciando que, enquanto esses últimos revelam uma natureza estática, a renda é eminentemente dinâmica. A noção de renda é sempre de uma relação entre dados, isto é, decorre da comparação entre grandezas distintas, de tal modo que esse saldo, quando positivo, exprime aquele plus inerente ao conceito em questão.   Esse saldo pressupõe, portanto, a comparação entre ingressos e saídas no patrimônio do sujeito passivo. No entanto, não são quaisquer entradas e saídas que se qualificam a compor essa equação. Explica o autor: “A restrição a ‘certas’ entradas e ‘certas’ saídas é imperativo do corte necessário à análise, somente, daqueles eventos que tenham ontologicamente significado relacionado ao acréscimo patrimonial que entendemos configurar renda”  (GONÇALVES, 2002, p. 182). 1.3.1. “Certas” entradas e “certas” saídas A ideia de que nem todas as entradas verificadas no patrimônio do sujeito passivo integram a noção de renda não é problemática. Desde que se adote a noção de que renda é um saldo patrimonial positivo verificado entre dois momentos, é inescapável concluir que somente serão consideradas as entradas que efetivamente representem acréscimo patrimonial, vez que as demais entradas – as que não impliquem essa adição –, serão neutras no que toca ao patrimônio do sujeito passivo, afigurando-se irrelevantes no cômputo daquele saldo referido. Com efeito, entradas que não configurem real acréscimo patrimonial, como empréstimos tomados, permutas de bens ou recebimentos de indenizações, não estão qualificadas a integrar essa dinâmica. Devem ser excluídas da classe “certas receitas”. A jurisprudência dos tribunais[6] acolhe essa posição, muito embora o faça sobretudo com espeque na legislação infraconstitucional. Sem embargo, é inegável que, a se incluir na equação da renda todo e qualquer ingresso, estar-se-ia diante da transmudação do correspondente imposto (IR) em tributo sobre ingressos ou sobre mutações patrimoniais. A violação art. 153, III, da CR, estaria caracteriza, tal como, em tempos passados, já chegou a decidir o Supremo Tribunal Federal: “Saber se indenização é, ou não, renda, para o efeito do artigo 153, III, da Constituição, é questão constitucional, como entendeu o acórdão recorrido, até porque não pode a Lei infraconstitucional definir como renda o que insitamente não o seja”. (RE 188684, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ 07/06/2002). Muito mais delicada tem sido a discussão em torno das “certas saídas” e é justamente esse ponto de maior interesse para este trabalho, na medida em que se está examinando questão relativa à dedutibilidade das despesas com educação da base de cálculo do imposto sobre a renda. Na doutrina, a noção que o saldo que caracteriza o conceito de renda deve ser integrado por entradas e saídas especialmente qualificadas parece ser bem aceita. Uma vez adotado o conceito de renda acima proposto, não haverá como se atendê-lo sem que, da equação correspondente, participem os três pilares registrados: (i) certas entradas, (ii) certas saídas e (iii) certo lapso de tempo. O problema que se coloca, como se pode antever, diz respeito à delimitação da extensão do conjunto formado pela expressão “certas saídas”. Enfim, a questão é saber que saídas são necessariamente relevantes para a composição do conceito constitucional de renda. Ou, em outras palavras, qual o núcleo semântico mínimo dessa expressão (“certas saídas”) que, por compor o próprio conceito constitucional de renda, não pode ser violado pelo legislador infraconstitucional. Humberto Ávila qualifica como juridicamente relevantes, para fins de definição de renda, “[…] as saídas necessárias à manutenção da fonte produtora ou da existência digna do contribuinte” (2011, p. 34). Eis a sua lição (2011, p. 17): “Somente a renda disponível da atividade desempenhada por ser tributada. Despesas indispensáveis à manutenção da dignidade humana e da família devem ser excluídas da tributação. Preservar a dignidade humana e a existência da família implica não as destruir por meio da tributação. Quer dizer: a preservação do direito à vida e à dignidade e da garantia dos direitos fundamentais de liberdade alicerça não apenas uma pretensão de defesa contra restrições injustificada do Estado nesses bens jurídicos, mas exige do Estado medidas efetivas para a proteção desses bens. O aspecto tributário dessa tarefa é a proibição de tributar o mínimo existencial”. Com efeito, integram o conceito constitucional de renda: (i) as saídas necessárias para a manutenção da fonte produtora das entradas que se acrescentam ao patrimônio do sujeito passivo e (ii) as saídas relativas aos gastos necessários para a manutenção digna do contribuinte e de sua família. Os gastos para a manutenção da família, considerado um contexto de existência digna, não podem ser ignorados quando se está diante do conceito constitucional de renda. Essa noção, que representa importante avanço para a compreensão da composição do referido conceito, deixa, a seu turno, mais uma questão a ser solucionada: o que exatamente são gastos necessários à manutenção digna da família e, mais especificamente, os gastos com educação são qualificados necessariamente dessa maneira? Para tentar contribuir com a resposta a essa questão, pensamos ser necessário examinar a disciplina constitucional do direito à educação, firmando uma posição teórica quanto aos contornos desse direito. 2. DO DIREITO À EDUCAÇÃO 2.1. A disciplina constitucional da educação A Constituição de 1998 é reconhecidamente uma Carta de perfil analítico, disciplinando com relativa minúcia temas que normalmente são deixados para a legislação infraconstitucional. No que toca à educação, essa característica do texto constitucional ganha ainda mais intensidade, tendo-se conferido especial sede ao direito em questão, quando comparado com outros de semelhante índole. O art. 6o da CR/88 qualifica o direito à educação como um direito social:  “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)” Além de conferir essa especial natureza ao direito à educação, o texto constitucional também contém diversas outras referências que lhe tocam diretamente, as quais, compreendidas no seu conjunto, permitem formar seguro juízo quanto à destacada atenção atribuída ao tema pelo Poder Constituinte. Conforme art. 7o, IV, da CR88, “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (…) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação (…)”. O art. 205, a seu turno, dispõe que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O art. 208 assegura a gratuidade da “educação básica obrigatória” (inciso I) e determina a “progressiva universalização do ensino médio gratuito” (inciso II). O parágrafo primeiro desse mesmo artigo estabelece que “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. De igual modo, também restou fixado que “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” (art. 212).  O direito à educação, quando comparado com outros direitos sociais, foi objeto de uma atenção especial por parte da Constituição, dada a minúcia com a qual se dedicou a tema, traçando balizas mais estreitas para a atuação do Estado e reforçando, no que tange ao ensino obrigatório e gratuito, a previsão de que se trata de um direito subjetivo do particular. Vê-se que, quanto ao direito à educação, o arcabouço normativo desenhado pelo Poder Constituinte contém algumas indicações que podem ser muito importantes para se construir interpretativamente o núcleo mínimo desse direito, o que, como se verá mais adiante, terá consequências importantes para o fim de eventualmente caracterizar esses gastos do contribuinte (com educação) como integrante da classe “certas saídas”, isto é, como dedutíveis (ou não) da base de cálculo do imposto sobre a renda. 2.2. A jusfundamentabilidade do direito à educação sob a ótica do mínimo existencial Todo o arcabouço normativo resultante da interpretação do texto constitucional conduz a doutrina a qualificar o direito à educação como um direito social ou como um direito fundamental de segunda geração, caracterizado por exigir (também) uma posição ativa do Poder Público na respectiva concretização. De acordo com André Ramos Tavares (2010, p. 869): “Perante o direito à educação como direito fundamental, ao Estado surge um dever de atuar positivamente, seja i) criando condições normativas adequadas ao exercício desse direito (legislação), seja ii) na criação de condições reais, com estruturas, instituições e recursos humanos (as chamadas garantias institucionais relacionadas diretamente a direitos fundamentais)”. Esse direito, concebido na sua máxima dimensão jusfundamental, imporia ao Estado, independentemente da edição de legislação infraconstitucional, o dever de (i) abster-se de adotar qualquer medida, inclusive tributária, que venha a inviabilizar ou dificultar o exercício do direito à educação; e a obrigação de (ii) implementar medidas concretas para o fornecimento do serviço educacional em todos os níveis. Somente assim o direito à educação poderia ser considerado, na sua integralidade, como um direito fundamental, isto é, como um direito de eficácia plena e aplicabilidade imediata, sujeito, portanto, à irrestrita tutela judicial. Afinal de contas, direitos fundamentais – e as expressões afins (direitos humanos, direitos do homem etc.) – podem ser definidos de várias maneiras, mas, do ponto de vista do direito positivo, parece-nos ter importância central aquela que identifica o regime jurídico dessa classe de direitos. E essa sistemática particular é justamente caracterizada pela possibilidade irrestrita de se produzirem normas individuais e concretas (sentenças judiciais, por exemplo), a partir tão somente do texto constitucional, para o fim de assegurar o âmbito de proteção da norma geral e abstrata (direito subjetivo fundamental). Essa forma de enxergar os direitos sociais, destaca o Ricardo Lobo Torres (2009, p. 46), sensibilizou relevante parte da doutrina brasileira na década de 1980. Nesse sentido, cita o pensamento de Celso Antônio Bandeira De Melo, segundo o qual “todas as normas constitucionais concernentes à justiça social” geram direitos que são “verdadeiros direitos subjetivos na acepção mais comum da palavra” (apud TORRES, 2009, p. 46). Também Luís Roberto Barroso já escreveu, embora tenha evoluído no seu posicionamento, que “[…] já não cabe negar o caráter jurídico e, pois, a exigibilidade e acionabilidade dos direitos fundamentais, na sua tríplice tipologia. É puramente ideológica, e não científica, a resistência que ainda hoje se opõe à efetivação, por via coercitiva, dos chamados direitos sociais”. (apud TORRES, 2009, p. 47).   A tese da indivisibilidade dos direitos humanos, que atribui o regime jurídico de direito fundamental aos direitos de defesa e sociais indistintamente, produz sério impasse. Isto porque, embora o sistema de direito positivo produza, na qualidade de metalinguagem, sua própria realidade (CARVALHO, P. B., 2014, p. 34), parece-nos certo que toda e qualquer norma jurídica somente poderá assentar-se sobre o modo lógico da possibilidade (CARVALHO, P. B, 2014, p. 54), de tal modo que a expedição de ordens jurídicas de cumprimento impossível acabaria por simplesmente desmoralizar a própria previsão normativa. A promoção dos chamados direitos sociais não depende tão somente da produção de um texto normativo que imponha tal obrigação ao Estado. Em sociedades em que os recursos econômicos são especialmente limitados, é inescondível a constatação de que nem todos os direitos sociais poderão ser plena e prontamente atendidos, de tal forma que escolhas muito difíceis deverão ser feitas pelas autoridades investidas de competência para tanto. Essa ordem de ideias poderia conduzir à conclusão de que os direitos sociais seriam carentes de jusfundamentabilidade, de tal sorte que o legislador, quanto a eles, teria ampla margem de decisão, implementando-os de acordo com as opções políticas do momento. Essa conclusão, no entanto, não nos parece ser a melhor saída, eis que (i) também acabaria por desmoralizar o texto constitucional, que, quanto aos direitos sociais, teria sua normatividade completamente subtraída por essa tese; (ii) implicaria a adoção de um modelo de Estado claramente não acolhido na Constituição de 1998. Diante dessa encruzilhada, Ricardo Lobo Torres (2009, p. 53) propõe a seguinte solução: “A saída para a afirmação dos direitos sociais tem sido, nas últimas décadas: a) a redução de sua jusfundamentabilidade ao mínimo existencial, que representa a quantidade mínima de direitos sociais abaixo da qual o homem não tem condições de sobreviver com dignidade; b) a otimização da parte que sobreexcede os mínimos sociais na via das políticas públicas, do orçamento e do exercício da cidadania”.  Assim, mediante um corte transversal nos direitos sociais poder-se-ia separar (i) a parcela daqueles direitos essencial à existência digna do indivíduo e (ii) a porção desses mesmo direitos que vai além desse conteúdo mínimo. No primeiro caso, isto é, naquilo que diga respeito ao mínimo existencial, os direitos sociais estariam acobertados pelo regime jurídico próprio dos direitos fundamentais, enquanto que, na parcela restante, a implementação dos direitos estaria sujeita à mediação legislativa e, portanto, às disputas políticas travadas em torno sobretudo do orçamento. Nesse sentido, a especial proteção dos direitos sociais, na qualidade de direitos fundamentais, estaria restrita ao mínimo existencial, tal como registra Ricardo Lobo Torres (2009, p. 41): “Parece-nos que a jusfundamentabilidade dos direitos sociais se reduz ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa  contra a incidência de tributos sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático”.  Do ponto de vista da tributação, duas conclusões podem ser formuladas a partir dessas premissas. A primeira delas consiste em que o núcleo fundamental dos direitos sociais, resultante do corte promovido pela noção de mínimo existencial, está protegido contra a incidência de tributos, haja vista que o Estado, pela via da tributação, não pode obstar ou dificultar o exercício daqueles direitos que qualificou como fundamentais. Nesse particular, pode-se invocar, inclusive, princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, cunhado por Regina Helena Costa (2006, p. 87), para quem: “[…] se a Lei Maior assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação, também constitucionalmente disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses mesmos direitos”.  Em contrapartida, a segunda conclusão é a de que, desde que respeitadas as exigências constitucionais pertinentes, os direitos sociais podem ser tocados pela tributação, na parcela que sobreexcede o mínimo existencial. A porção dos direitos sociais que exorbitam a linha traçada pelo mínimo existencial não está protegida da tributação, razão pela qual, nesse particular, a imposição de gravame tributário estará à mercê de escolha política do legislador, respeitadas, por certo, as demais normas constitucionais conformadoras da atividade legislativa e tributária. Esse corte permite avançar na compreensão do cruzamento entre tributação e direitos sociais, haja vista que introduz elemento capaz de assegurar a normatividade dessa classe de direitos, no seu aspecto negativo (proteção à tributação), sem cair no impasse que seria gerado pela aplicação da tese da indivisibilidade dos direitos fundamentais. No entanto, a definição do que seja exatamente esse mínimo existencial não é algo fácil de fazer, a menos que se recorra a expressões igualmente vagas que apenas deslocam a incerteza do definiendum para o definies. No caso do direito à educação, essa incisão é particularmente ainda mais problemática e isso pode ser demonstrado quando se examinam outros direitos topicamente semelhantes. Note-se, por exemplo, que o direito social à moradia, também previsto no art. 6o, CR/88, revela esses dois aspectos de modo muito mais claro: o mínimo existencial tem ligação com o estritamente necessário para uma moradia digna, extrapolando essa noção moradias suntuosas, casas de veraneio etc. Enfim, aquilo que for considerado supérfluo, mesmo em se tratando de moradia, não estará protegido como direito fundamental, embora posa merecer diversas outras modalidades de proteção, legais e constitucionais. A jusfundamentabilidade do direito à moraria, pelo menos no plano teórico, é mais facilmente identificável, dentro do modelo adotado. O mesmo pode ser dito quanto ao direito à alimentação, também estabelecido no art. 6o, da CR/88: a jusfundamentabilidade desse direito, restrita ao mínimo existencial, não está ligada a refeições requintadas, mas apenas a uma alimentação digna e suficiente para a manutenção saudável do indivíduo. O supérfluo, mais uma vez, exsurge como elemento importante para se separar a face do direito situada no hemisfério do mínimo existencial daquela que não se abriga sob esse manto e que, portanto, não goza da especial proteção à tributação. Quando se trata do direito à educação, no entanto, é difícil visualizar a aplicação dessa ideia de superfluidade. A noção de que determinados gastos com educação possam ser supérfluos pode não ser muito bem aceita, na medida em que o investimento em tal área é essencial para o desenvolvimento do ser humano naquilo que ele tem de mais humano. Assim, uma posição segundo a qual o direito à educação estaria, todo ele, inserido na concepção de mínimo existencial não seria reprovável e talvez seja o caminho mais propício para a superação das grandes e históricas dificuldades da sociedade brasileira.  Sem embargo disso, não se pode ignorar que mesmo o direito à educação pode ser visto em camadas de essencialidade. A partir do texto da Constituição de 1998, é possível verificar a especial atenção que foi dispensada à educação básica. De acordo com o art. 208, I, da CR/88, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. Aos particulares, ademais, foi expressamente assegurado que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. De outro lado, quando disciplina as demais etapas do processo educacional, a Constituição de 1988 foi mais comedida. Prescreve a progressiva universalização do ensino médio gratuito (art. 208, parágrafo 1o) e o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, inciso V). Destarte, quanto à educação básica, não nos parece haver dúvida que se situa no âmbito demarcado pela linha do mínimo existencial, tanto pela referência especial que recebeu no texto constitucional, quanto por configurar o núcleo mais inegociável do direito à educação (BARCELLOS, 2002, p. 258). A educação infantil, afigurando-se etapa anterior à educação básica, também já foi reconhecida pela Supremo Tribunal Federal como essencial à ideia de mínimo existencial (ARE 639337, pub. 15-09-2011) Quanto às demais atividades educacionais – ensino médio, superior etc. ­–, apesar de extremamente importantes por razões mais que evidentes, parece-nos que escapam a esse conceito estrito de mínimo existencial, dado o tratamento que lhes foi conferido pela Constituição e, ainda, pela necessidade de se reconhecer que, embora não seja o ideal, não é impeditivo de uma vida digna a ausência de tais níveis de instrução, sobretudo quando considerado o atual contexto socioeconômico do Brasil. 3. OS GASTOS COM EDUCAÇÃO E O IMPOSTO SOBRE A RENDA 3.1. A disciplina infraconstitucional O art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995[7], ao disciplinar a formação da base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa física, prevê a dedutibilidade de gastos efetuados com educação. No entanto, impõe certos limites. Do ponto de vista qualitativo, as deduções estão restritas às seguintes atividades: creches, pré-escolas, ensino fundamental, ensino médio, educação superior, limitado à graduação, mestrado, doutorado e especialização, e educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico. Como se vê, as diretrizes adotadas na legislação, nesse particular, parecem ser as seguintes: (a) acolher a dedutibilidades dos gastos relativos à educação básica, ao ensino médio e ao ensino superior (este restrito a mestrado, doutorado e especialização) e igualmente à educação profissional; (b) excluir a dedutibilidade de outras despesas, tais como as relativas a cursos de idiomas, por exemplo. Sob o critério quantitativo, a legislação estabelece um teto para as deduções, de modo que, independentemente do valor efetivamente dispendido, a dedução ficou limitada a um valor individual anual de R$ 3.561,50 (três mil, quinhentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), ou seja, R$ 296,79 (duzentos e noventa e seis e setenta e nove centavos) por mês, para o exercício de 2015. Ao assim proceder, o legislador infraconstitucional: (a) primeiro, dentro do universos da atividades educacionais que propiciam a dedução, não foi estabelecida nenhuma diferenciação entre educação básica, ensino médio, superior etc.; (b) segundo, fixou limite igual para todas essas atividades, limite este reconhecidamente aquém dos efetivos custos para a obtenção de uma educação razoável em nosso país (nesse sentido, conferir demonstrativo preparado pela OAB na ADI 4927). 3.2. A discussão na doutrina e na jurisprudência Diante dessas limitações à dedutibilidade dos gastos com educação na apuração da base de cálculo do imposto de renda, formaram-se na doutrina e na jurisprudência duas posições diametralmente opostas, uma advogando a inconstitucionalidade das restrições impostas pelo art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995, especialmente quanto ao aspecto quantitativo, e outra defendendo a perfeita compatibilidade da disciplina legal com a Constituição. Um bom roteiro para se conhecer bem essas duas posições é a análise de julgamento proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3a Região nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade n. 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, ao qual serão agregadas outras manifestações, sobretudo do Supremo Tribunal Federal e da doutrina especializada. Naquele julgado, prevaleceu a posição de que os limites impostos pela legislação infraconstitucional são inconstitucionais, tal como se pode conferir a partir da leitura da respectiva ementa: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. LIMITES À DEDUÇÃO DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, II, "B", DA LEI Nº 9.250/95. EDUCAÇÃO. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. DEVER JURÍDICO DO ESTADO DE PROMOVÊ-LA E PRESTÁ-LA. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. NÃO TRIBUTAÇÃO DAS VERBAS DESPENDIDAS COM EDUCAÇÃO. MEDIDA CONCRETIZADORA DE DIRETRIZ PRIMORDIAL DELINEADA PELO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE GASTOS COM EDUCAÇÃO VULNERA O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. 1. Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela e. Sexta Turma desta Corte em sede de apelação em mandado de segurança impetrado com a finalidade de garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001. 2. Possibilidade de submissão da quaestio juris a este colegiado, ante a inexistência de pronunciamento do Plenário do STF, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte, acerca da questão. 3. O reconhecimento da inconstitucionalidade da norma afastando sua aplicabilidade não configura por parte do Poder Judiciário atuação como legislador positivo. Necessidade de o Judiciário – no exercício de sua típica função, qual seja, averiguar a conformidade do dispositivo impugnado com a ordem constitucional vigente – manifestar-se sobre a compatibilidade da norma impugnada com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Compete também ao poder Judiciário verificar os limites de atuação do Poder Legislativo no tocante ao exercício de competências tributárias impositivas. 4. A CF confere especial destaque a esse direito social fundamental, prescrevendo o dever jurídico do Estado de prestá-la e alçando-a à categoria de direito público subjetivo. 5. A educação constitui elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, estando em estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Atua como verdadeiro pressuposto para a concreção de outros direitos fundamentais. 6. A imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos contribuintes com educação resulta na incidência de tributos sobre despesas de natureza essencial à sobrevivência do indivíduo, a teor do art. 7 º, IV, da CF, e obstaculiza o exercício desse direito. 7. Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação. 8. A incidência do imposto de renda sobre despesas com educação vulnera o conceito constitucional de renda, bem como o princípio da capacidade contributiva, expressamente previsto no texto constitucional. 9. A desoneração tributária das verbas despendidas com instrução configura medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil. 10. Arguição julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95.”  A análise desse julgado é sobremaneira interessante porque a questão foi tratado com profundidade incomum, quando comparado com outros julgados sobre a matéria, o que nos permite colher posições bem fundamentadas, tanto a favor quanto contra a constitucionalidade da limitação à plena dedutibilidade dos gastos com educação da composição da base de cálculo do imposto sobre a renda.  Em favor da constitucionalidade art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995, o primeiro argumento alinhavado naquele julgado consistiu na afirmação de que a subtração dessa norma do ordenamento jurídico acabaria por caracterizar a atividade judicial como a de um legislador positivo, pois, caso acolhesse a pretensão do contribuinte, o Judiciário estaria introduzindo, nesse mesmo ordenamento, uma segunda norma de dedução integral. Esse argumento, aliás, tem sido prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal. No RE 606179 AgR, a 1a Turma do STF, sob a relatoria do Ministro Teori Zavascki, decidiu “que não pode o Poder Judiciário estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo”, razão pela qual “não é possível ampliar os limites estabelecidos em lei para a dedução, da base de cálculo do IRPF, de gastos com educação”. A regra de dedutibilidade, portanto, foi caracterizada como um benefício fiscal, o que nos leva a pensar essa construção tem em sua base, ainda que não explicitamente, alguma das seguintes premissas: (a) ou não existe um conceito constitucional de renda; (b) ou, caso esse conceito exista, não faria parte dele a noção de que há “certas saídas” que devem ser necessariamente consideradas; (c) ou que, entre essas “certas saídas”, não estão necessariamente as despesas com educação. Adotada qualquer uma dessas ideias, pode-se sustentar que a regra de dedutibilidade dos gastos com educação seria um benefício fiscal, ficando à inteira mercê do legislador moldá-lo de acordo com suas próprias preferências, respeitados, é claro, os demais parâmetros constitucionais.     A partir do exame de outros precedentes, parece-nos que, por critério de coerência, o Supremo Tribunal Federal tem-se inclinado pela primeira opção, já que sequer conhece de recursos extraordinários sobre a matéria, por considerar trata-se de uma discussão de cunho infraconstitucional. No AI 724817 AgR, Rel.  Min. Dias Toffoli, a 1a Turma da Corte entendeu que a “discussão relativa à limitação da dedução, na declaração de ajuste anual do imposto de renda, dos valores pagos a título de educação, na forma da Lei nº 9.250/95, insere-se no âmbito infraconstitucional, sendo certo, ainda, que eventual ofensa à Constituição, caso ocorresse, dar-se-ia de forma reflexa ou indireta”. Para o Supremo Tribunal Federal, ao que parece, não haveria um conceito constitucional de renda, razão pela qual o desenho das eventuais deduções para a formatação da base de cálculo do imposto de renda dependeria exclusivamente a opção política do legislador. Um segundo argumento à favor da regularidade da norma infraconstitucional foi colocado pelo Desembargador Federal Paulo Octávio Baptista Pereira no julgamento da já mencionada Arguição de Inconstitucionalidade n. 0005067-86.2002.4.03.6100/SP (trecho de voto, p. 9): “Observe-se que nem todas as despesas eventualmente realizadas pelos contribuintes por insuficiência ou ineficiência do Estado em garantir os direitos previstos nos Arts. 6o e 7o, da CF (moradia, alimentação, lazer, vestuário, higiene, segurança) foram admitidas pelo legislador como dedutíveis (aluguéis e prestações para aquisição da casa própria, por exemplo). Até mesmo em relação à saúde, despesas com medicamentos, por exemplo, permaneceram excluídas”. Essa fundamentação, a nosso ver, está diretamente ligada com a questão da jusfundamentabilidade dos direitos sociais. Aparentemente, diante da incapacidade do Estado de implementar todos esses direitos na sua extensão máxima, o Desembargador Paulo Octávio Baptista Pereira optou pela solução interpretativa que não os insere na classe dos direitos fundamentais, entendidos como aqueles de aplicabilidade plena e imediata. Por isso, esses direitos não estariam protegidos da tributação. A questão da jusfundamentabilidade restrita dos direitos fundamentais, segundo o corte resultante do mínimo existencial, não foi objeto de discussão, mas, ainda assim, a posição que prevaleceu é incompatível com essa forma de conceber os direitos sociais. A preservação dos direitos sociais não seria uma limitação ao exercício da competência tributária. Em polo oposto – agora já ingressando nos argumentos contrários à constitucionalidade do art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995 -, o Desembargador Federal Mairan Maia argumentou o seguinte (trecho de voto, p. 27): “O exercício dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República não pode, em hipótese alguma, ser obstado ou dificultado em função do exercício das competências tributárias inerentes aos entes políticos, também disciplinadas constitucionalmente, razão pela qual inviável admitir que quantias empenhadas na concretização de direitos dessa espécie sejam atingidas pela tributação”. Como se vê, ao proteger de tributação os valores empregados na concretização dos direitos sociais – ainda mais sem fazer referência a qualquer limite para essa proteção -, essa posição parece acolher a tese da indivisibilidade dos direitos fundamentais, mantendo a salvo da incidência de tributos as despesas relativas aos gastos com educação. Os direitos sociais, concebidos como direitos fundamentais em toda a sua extensão, não admitiriam restrição por efeito do uso da competência tributária atribuída aos entes políticos. Nesse ponto, cabe destacar que o voto faz referência expressa à doutrina de J. J. Gomes Canotilho e ao princípio da máxima efetividade da Constituição.  A seu turno, o Desembargador Federal Johonson di Salvo, naquele mesmo julgamento, argumentou que: “[…] o limite imposto pela lei significa tributação sobre despesa e não de renda, pois, como apontam com rigor as entidades que se debruçam em estudos a respeito da tributação, essa pífia dedução não paga sequer a carga tributária incidente sobre as mensalidades de escolas particulares (trecho de voto, p. 4)”.  Esses dois argumentos acima expostos são prestigiados por Hugo de Brito Machado (2009, p. 87), segundo o qual: “Negar o direito de o contribuinte partilhar com a sociedade o ônus de seus gastos com educação, além de ser uma flagrante afronta aos dispositivos constitucionais que a colocam como um direito fundamental, viola também a Constituição porque implica a cobrança do imposto sobre algo que não é renda, mas despesa. Ninguém de bom senso, portanto, poderá considerar válido o dispositivo que limita a dedução das quantias com educação, na formação da base de cálculo do imposto de renda”.   Na mesma linha, embora com base argumentação diferente, aduz Carlos Leonetti (2003, p. 194): “Com efeito, grande parte da população se vê̂ obrigada a utilizar os serviços de instituições de ensino privadas, com ou sem fins lucrativos, cujos custos via de regra consomem boa parte de seus rendimentos. Dessarte, os gastos com instrução também se incluem entre aqueles necessários e involuntários e que beneficiam não apenas o contribuinte e/ou seus dependentes, mas a comunidade em geral. (…) Neste giro, a capacidade contributiva do indivíduo depende dos montantes dos gastos com educação em que este incorre, impondo-se a dedução destes dos respectivos rendimentos brutos”. Diante desse quadro, pode-se concluir que essa segunda posição, contrária à constitucionalidade do art. 8o, II, “b”, da Lei 9.250/1995, assenta-se nos seguintes fundamentos teóricos, nem sempre explicitados: (a) existe um conceito constitucional de renda; (b) é inerente a esse conceito uma dinâmica formada não só pode “certas entradas”, mas também por “certas saídas”; (c) as despesas necessárias do contribuinte, relativas à concretização de direitos sociais, devem integrar o conceito de renda, como espécie do gênero “certas saídas”; (d) isso porque os direitos sociais são considerados como direitos fundamentais na sua máxima extensão, não podendo ser tolhidos ou dificultados por via da tributação. No que se refere ao argumento de que a declaração de inconstitucionalidade da norma examinada implicaria legislar positivamente, convém transcrever os seguintes trechos do parecer proferido pela Procuradoria Geral da República na ADI 4927: “Em termos práticos, o pedido de inconstitucionalidade veiculado na inicial, acaso julgado procedente, acarretaria, ao menos momentaneamente (ou seja, até que sobreviesse lei para os fixar em nível mais elevado), a supressão dos limites de deduções, com a consequente possibilidade de o contribuinte pessoa física deduzir todo o montante de gastos com educação a cada exercício. Tal resultado não exige do Judiciário a elaboração de regra ou norma que implique indevida inovação do ordenamento jurídico. Em outras palavras, no caso, a declaração de inconstitucionalidade das normas não representaria indevida atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, pois não adicionaria regras ao regramento jurídico vigente, tampouco implicaria concessão de benefício fiscal a pretexto de isonomia”. Esse parecer, é importante notar, reconhece (i) a existência de um conceito constitucional de renda, (ii) que esse conceito implica a dedução de certas despesas, mas (iii) entende, paradoxalmente, que a ponderação acerca dos limites dessas deduções cabe exclusivamente ao legislador, razão pela qual, mesmo em se tratando de educação, seria inviável falar-se em dedutibilidade plena. Observe-se: “Despesas com saúde e educação são imposições da vida e ao mesmo tempo relacionam-se com direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Caso a legislação fosse totalmente omissa em prever algum nível de dedução delas da base de cálculo dos tribu- tos impostos aos cidadãos em geral – como é o caso do mais direto entre todos, aquele que incide sobre a renda –, operar-se-ia, aí, sim, verdadeira inconstitucionalidade, por contrariedade ao conceito constitucional de renda. A escolha, porém, de quais despesas são dedutíveis e sua quantificação pertence ao juízo de conveniência e oportunidade do legislador, pois não há preceito constitucional que determine parâmetro de dedutibilidade. Em resumo, a definição dos lindes da renda tributável é questão de política fiscal legislativa, que deve ser veiculada por leis ordinárias elaboradas de acordo com a Constituição”. A posição da Procuradoria Geral da República, portanto, é a de que, embora exista um conceito constitucional de renda e esse conceito seja integrado pela dedutibilidade de certas saídas, o legislador poderia fazer uma “escolha” acerca de quais despesas devem ser admitidas para fim de dedução, segundo juízo de conveniência e oportunidade. Dentro desse panorama brevemente traçado, o que pode perceber é que as argumentações, em regra, são colocadas de modo extremado, no sentido de que ou se admite a dedução integral em qualquer caso ou se entende que não há um direito constitucional mínimo à dedutibilidade de certas saídas, ficando tal disciplina ao sabor do juízo do legislador. Trata-se de argumentações caracterizadas por uma espécie de “tudo ou nada”: ou o direito à educação deve ser protegido da tributação em toda sua dimensão, ou esse direito não tem proteção especial alguma de índole constitucional, caso em que o legislador deve decidir, com ampla liberdade, sobre a relação entre esse direito e a tributação. É certo que essas posições variam quanto às premissas adotadas, as quais nem sempre são devidamente explicitadas, mas, no geral, todas elas revelam alguma inclinação quanto aos pontos tratados nos tópicos anteriores deste trabalho. Note-se que os argumentos dos que defendem a constitucionalidade da atual disciplina constitucional partem de algum dos seguintes fundamentos: (a) da não existência de um conceito constitucional de renda; (b) da adoção de um conceito de renda do qual não fazem parte as necessárias deduções de certos gastos; (c) da ausência de jusfundamentabilidade do direito à educação, no que tange à proteção, ainda que relativamente a um núcleo mínimo, dos gravames tributários. O argumento segundo o qual a eventual declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal implicaria legislar positivamente também é muito empregado, muito embora me parece que, nesse caso, essa linha argumentativa é muito mais um reflexo desses outros argumentos do que efetivamente um fundamento autônomo e suficiente para sustentar a posição referida. Só haveria que se falar em legislador positivo se o direito à dedução dos gastos com dedução, no caso, não decorresse diretamente da interpretação do texto constitucional, o que, por certo, pressupõe adotar uma daquelas três posições acima expostas. No hemisfério oposto, os argumentos alinhavados relevam tomada de posição quanto aos seguintes pontos abordados neste trabalho: (a) existe um conceito constitucional de renda; (b) esse conceito constitucional é integrado pela necessária dedutibilidade de certas saídas; (c) dentre essas saídas, estão os gastos com educação. Feito esse breve resumo dos argumentos mais prestigiados sobre o tema, passa-se a expor a nossa posição. 3.3. Nossa posição Diante das considerações formuladas nos tópicos anteriores, algumas posições já foram firmadas, as quais serão retomadas, de forma muito breve, apenas para auxiliar na construção do raciocínio que fundamenta nossa posição. Em primeiro lugar, não nos parece razoável defender a inexistência de um conceito constitucional de renda. As palavras empregadas no texto constitucional apontam inescondivelmente para algum sentido, suscitando no intérprete a construção de uma significação. Aparentemente, confundem-se eventuais disputas argumentativas em torno da definição do conceito com a inexistência do próprio conceito  (v. tópico 2.2.). Diante da interpretação sistemática do texto constitucional, mediante a qual é examinada a noção de renda em conjunto com diversas outras, como patrimônio, receita, capital etc., temos firme convicção, com apoio na lição de José Artur Lima Gonçalves e da doutrina mais abalizada, que esse conceito deve ser compreendido de forma dinâmica, isto é, como um conceito que relaciona certos elementos durante certo período de tempo. Renda, portanto, no sentido que se pode construir a partir do texto constitucional, deve ser entendida como o “(i) saldo positivo resultante do (ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo de um (iii) período de tempo” (GONÇALVES, 2002, p. 179). Essa definição traduz um importante avanço na compreensão do conceito, sobretudo porque, no que interessa mais particularmente para este trabalho, fixa a ideia de que não se estará diante do conceito de renda se não estiver presente o elemento essencial “certas saídas”. A dedutibilidade de certas despesas na formação da base de cálculo do imposto de renda é uma imposição constitucional, haja vista que essa exigência liga-se diretamente ao conceito (constitucional) de renda. Naturalmente, essa premissa nos leva a rejeitar a posição segundo a qual a regra de dedutibilidade deveria ser vista como um benefício fiscal. Ora, na medida em que o cômputo de certas saídas é parte indissociável do conceito de renda, conceito este de índole constitucional, sobressai necessário reconhecer que a dedutibilidade dessas saídas decorre precisamente da norma constitucional e não da vontade do legislador infraconstitucional. Pode-se discutir – e, mais do que isso, dever-se discutir – quais são essas deduções essenciais, decorrentes da própria Constituição e, bem assim, o papel do legislador como intérprete do texto constitucional e participante ativo do processo de ponderação que antecede a edição dos enunciados normativos de sua competência. Mas, indubitavelmente, há que se reconhecer que, assim como renda apresenta um núcleo semântico inegociável, também a noção de “certas saídas” não está à inteira disposição do legislador, o qual deverá respeitar o sentido essencial dessa expressão construído a partir da própria Constituição.  Em geral, a doutrina identifica duas espécies despesas que devem necessariamente integrar o conceito constitucional de renda: as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora das entradas que representam o aspecto positivo da renda e aquelas essenciais à manutenção digna do indivíduo e de sua família. Nesse sentido, além dos autores já citados, cabe uma breve referência à doutrina de Sacha Calmo Navarro Coelho (2005, 466): “Enquanto as pessoas jurídicas são tributadas com base no chamado princípio do balanço, as pessoas físicas apuram a renda tributável pelo saldo entre o que ganharam durante o período de um ano, sejam rendimentos decorrentes do capital ou do trabalho, ou da combinação de ambos, e o que gastaram para obter os rendimentos, acrescido das despesas de auto-manutenção, aí incluído o mínimo vital para uma existência digna, abaixo do qual a renda não revela capacidade contributiva e, pois, é intributável”. Conquanto o autor sustente que, abaixo do mínimo existencial, a renda deixa de ser tributável, pensamos que melhor seria dizer que a renda é justamente o resultado de uma equação em que as despesas essenciais, ligadas ao mínimo existencial, representam o subtraendo, de tal modo que efetivamente não há renda enquanto não for realizada essa subtração. Não se trata de qualificar a renda com não tributável, mas efetivamente de identificar não haver renda ainda devidamente apurada. Há tão somente algumas entradas, mas ainda não a renda calculada, razão pela qual não pode servir de base de cálculo do imposto de renda. Sem embargo, a conclusão do autor está em linha com a ideia central que nos sensibiliza: o mínimo existencial, na sua feição negativa, não pode ser alcançado pela tributação.  A lição de Klaus Tipke e Joachim Lang (2008, p. 463) é na mesma direção: “Para o pagamento do imposto não é disponível que o sujeito passivo precise despender para sua própria subsistência de sua família… Por isso o mínimo vital e as obrigações de manutenção devem diminuir a base de cálculo. Vale o princípio da dedutibilidade de despesas inevitáveis (o chamado princípio de liquidez privada ou subjetiva)”. Com base nessas considerações, é de se concluir que o conceito constitucional de renda tem como elemento essencial a consideração de “certas saídas” e que, dentre essas “certas saídas”, estão aquelas relacionadas ao mínimo existencial. E dessa ideia é possível sacar mais duas importantes noções. A primeira e mais evidente consiste em que, respeitado o conceito de renda e delimitação do sentido da expressão “certas saídas”, haverá que se reconhecer a existência de despesas dedutíveis e de despesas não dedutíveis, já que a dedutibilidade está ligada a uma característica especial de uma certa classe de despesas, não decorrendo do simples fato de ser uma despesa. Tal consideração nos leva a rejeitar o argumento empregado por Hugo de Brito Machado e pelo Desembargador Federal Johonson di Salvo (v. tópico 3.2) segundo o qual um dos motivos que determinariam a dedutibilidade plena dos gastos com educação seria porque se trata de uma despesa e não de renda. O fato de ser uma despesa é uma condição necessária para a dedutibilidade; no entanto, não é uma condição suficiente. É imprescindível que a despesa esteja qualificada de forma especial. A segunda conclusão, portanto, é a de que, para se concluir pela dedutibilidade ou não de certa saída, é necessário qualificá-la de acordo com os critérios explicitados. O Desembargador Federal Mairan Maia, por exemplo, entendeu que os gastos exigidos para a concretização dos direitos fundamentais (expressão empregada em sentido amplo, para designar os direitos sociais, inclusive) carregam consigo essa qualificação especial e, por isso, não podem ser alcançados pela tributação, inclusive, por meio de aplicação de regra restritiva de dedutibilidade. Essa é uma posição que avança na qualificação das saídas relevantes para a composição do conceito constitucional de renda, mas que nos parece um tanto quanto extremada. Embora seja verdade que a tributação deva ser realizada de modo a minimizar que seus reflexos atinjam os direitos fundamentais, inclusive os sociais, parece que algum grau de interferência sempre haverá e, mais, que essa inevitável interferência é tolerada pelo ordenamento jurídico. Robert Alexy (p. 277) expõe com muita clareza a concepção de que os direitos fundamentais, desde que entendidos como posições prima facie, estão suscetíveis a restrições, sem que isso cause maiores divergências na doutrina: “O conceito de restrição a um direito parece familiar e não problemático. Que direitos tenham restrições e que possam ser restringidos parece uma ideia natural, quase trivial, que encontra expressão na Constituição alemã (arts. 5o, § 2o; 8o, § 2o; 10, § 2o; 11, § 2o; 11, § 2o; 13, § 3o; 14, § 1o, 2; 17a, §§ 1o e 2o; 19, § 1o, 104, § 1o). O problema para não estar no conceito de restrição a um direito fundamental, mas exclusivamente na definição dos possíveis conteúdo e extensão dessas restrições e na distinção entre restrições e outras coisas como regulamentações, configurações e concretizações”. A bem da verdade, a restrição a direitos fundamentais é inerente à ideia de tributação. É bem destacada pela doutrina a tensão que existe entre esses dois polos, sobretudo no que toca ao direito de propriedade e ao direito à liberdade, ambos diretamente afetados pela tributação. A professora Regina Helena Costa destaca que a tributação de índole predominantemente fiscal afeta mais incisivamente a propriedade, enquanto que a tributação extrafiscal, justamente por revelar fins ordinatórios da conduta do sujeito passivo, tem ponto de contato acentuado com a liberdade (2006, p. 86-87). Essa relação entre direitos fundamentais (sentido amplo) e tributação, no entanto, não se esgota nesses dois direitos. É possível verificar essa oposição entre tributação e direitos fundamentais levando-se em conta os direitos à saúde, à moradia, à educação, dentre tantos outros. Ocorre que, conquanto essa tensão seja mais comumente destacada sob a ótica da tributação como elemento de restrição dos direitos fundamentais, também não se pode ignorar que os direitos fundamentais somente podem ser promovidos pelo Estado se houver recursos econômicos disponíveis para tanto. Por isso, é certo que os direitos fundamentais são limites à atividade tributária do Estado, mas, sob outro ponto de vista, também se revelam como a fundamentação mais basilar para que a própria tributação exista e seja aceita pela coletividade. Equilibrar esses dois pontos de contato verificados entre tributação e direitos fundamentais é o que nos parece essencial para a concepção de um sistema tributário harmônico e eficiente, pois, de um lado, o Estado não deve obstar, pela via da tributação, o exercício de direitos fundamentais e, de outro, deve viabilizar, com os recursos advindos da tributação, semelhantes direitos, em geral, para a parcela da população economicamente mais fragilizada. É claro que falar, no plano teórico, sobre esse necessário equilíbrio, ainda mais de um modo abstrato, não revela grandes dificuldades, de modo que tal exortação, desacompanhada de uma proposta mais detalhada, cairia num completo vazio. É justamente por isso que a compreensão dos direitos sociais sob a ótica do mínimo existencial se mostra tão interessante. Com base nessa teoria, reduz-se a jusfundamentabilidade do direito social ao seu núcleo e garante-se uma estabilidade de regime jurídico quanto a essa sua dimensão. Nesse sentido, a síntese de Ricardo Lobo Torres (2009, p. 80) merece registro: “Em síntese, a jusfundamentabilidade dos direitos sociais se reduz ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa contra a incidência de tributos sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária, a partir do processo democrático. Esse é o caminho que leva à superação da tese do primado dos direitos sociais sobre os direitos da liberdade, que inviabilizou o Estado Social de Direito, que não permite a eficácia destes últimos sequer na sua dimensão mínima”. Assim, embora Alexy esteja correto quando afirma que os direitos fundamentais (sentido amplo) podem sofrer restrições, essas mesmas restrições têm como limite o mínimo existencial, que deverá ser protegido, seja mediante prestações positivas ou, no que interessa mais diretamente a este trabalho, pela proibição de intervenção do Estado naquilo que constitui o núcleo essencial dos direitos necessários à dignidade humana. No que diz respeito ao campo delimitado pela linha do mínimo existencial, a margem de atuação do legislador, quando se trata de restrição, inclusive por intermédio da tributação, é inexistente. De fato, “[…] há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos […]” (TORRES, 2009, p. 35). Bem por isso, malgrado não se negue que o legislador possa fazer escolhas na dosagem da tributação, inclusive quando se trata de disciplinar a dedutibilidade de despesas da base de cálculo do imposto de renda, também não se pode ignorar que não lhe é dado fazer qualquer escolha: a discricionariedade legislativa estará limitada pela linha do mínimo existencial. A tributação buscará seu ponto de equilíbrio com os direitos fundamentais (sentido amplo) em algum ponto da parcela que sobreexcede o mínimo existencial. Nunca abaixo dessa linha. Enfim, (a) a tributação pode afetar os direitos sociais, mas (b) não pode ir além da linha traçada a partir da noção de mínimo existencial. Com base nessas duas premissas, não podemos concordar nem com a posição que tem a plena dedutibilidade de todos os gastos com educação como uma exigência constitucional e nem com o entendimento segundo o qual a regra de dedutibilidade dependeria de uma escolha do legislador, adstrito unicamente a juízo de conveniência e oportunidade. Não concordamos com a primeira porque ela estende o âmbito de irrestrita proteção do direito social para além do mínimo existencial e discordamos da segunda porque nega a existência de um núcleo do direito dotado de proteção especial e, portanto, fora do campo da discricionariedade legislativa. No tópico 3.2, firmamos posição no sentido de que, a partir do exame do direito positivo, o direito à educação básica tem um tratamento singular, que o coloca em patamar sobremaneira especial. O artigo 208, I, da CR/88, prescreve que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita. Associado ao dever do Estado, foi previsto destacadamente o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. Essas cláusulas permitem compreender o grau de essencialidade que se conferiu ao direito em questão, o que é perfeitamente compreensível, de vez que a educação básica constituiu o núcleo mais elementar do direito à educação, revelando-se essencial à ideia de dignidade e mínimo existencial.  Ana Paula de Barcellos (2002, p. 258), ao abordar a composição do mínimo existencial, destacou a essencialidade do direito à educação fundamental: “[…] o mínimo existencial que ora se concebe é composto por quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça. Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade humana que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário. (destaques não são do original)”. Parece-nos seguro sustentar, portanto, que o direito à educação básica encontra-se diretamente relacionado com o conceito de mínimo existencial, razão pela qual deve estar completamente protegido contra a tributação, independentemente da vontade do legislador infraconstitucional. Essa proteção, repita-se, configura direito subjetivo exigível perante o Poder Judiciário, porque decorrente diretamente da Constituição. Aplicada essa premissa mais geral ao caso concreto, parece-nos conclusão necessária aquela segundo a qual os gastos com educação básica não podem sofrer restrição no que toca à respectiva dedutibilidade na formação da base de cálculo do imposto de renda. Ora, uma vez reconhecido que (i) os gastos condizentes com o mínimo existencial devem compor a equação do conceito de renda e que (ii) as despesas com educação básica têm relação inescondível com o mínimo existencial, é seguro afirmar que a restrição à dedutibilidade prevista no art. art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995, não nos parece estar de acordo com a Constituição Federal. A norma decorrente desse enunciado não respeita o conceito mínimo resultante da interpretação do termo “renda”, pois, ao vedar a dedutibilidade integral de despesas essenciais à preservação do mínimo existencial, acaba por transformar o imposto sobre a renda em imposto sobre receitas. A advertência feita por Roque Antonio Carrazza (2012, p. 84) quanto a esse ponto é extremamente pertinente: “[…] o IR não pode ser transformado em singelo imposto sobre receitas – o que ocorre quando se nega venham a ser abatidas de sua base imponível as despesas necessárias da pessoa física. A legislação infraconstitucional deve garantir, pois, o discernimento da renda tributável, com a subtração, dos ganhos globais, dos gastos para obtê-lo, máxime os representados pelos gastos familiares do contribuinte”. Destarte, a irrestrita dedutibilidade dos gastos com educação básica na formação da base de cálculo do imposto de renda é uma exigência de ordem constitucional, como meio imprescindível para a proteção do mínimo existencial, razão pela qual a limitação quantitativa prevista no art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995, parece-nos inconstitucional, nesse ponto específico. Da mesma forma, embora a Constituição Federal, no capítulo dedicado ao direito à educação, não tenha dispensado, à educação infantil (art. 208, IV) – creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade –, a mesma atenção que conferiu à educação básica, existe certo consenso de que tal direito também se revela essencial para promoção do mínimo existencial. Nesse sentido, convém dar destaque a trechos de importante precedente do Supremo Tribunal Federal, que, embora esteja amparado em diferente e mais alargada noção de mínimo existencial, está em linha com nosso entendimento no que diz respeito ao cerne da questão: “[…] A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). […] A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. […] A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança”.[…] (ARE 639337 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125) Como se vê, diante da jusfundamentabilidade do direito à educação infantil, resultante de sua ligação direta com a noção de mínimo existencial, o Supremo Tribunal Federal, afastando a aplicação da “cláusula da reserva do possível” e a discricionariedade do Poder Público, determinou a adoção concreta de políticas públicas (ações positivas) para o efetivo atendimento do comando constitucional sob análise (art. 208, IV). Sendo assim, tratando-se de previsão normativa de força suficiente para ensejar a adoção de uma decisão judicial dessa ordem, que interfere diretamente nas políticas públicas, há que se reconhecer, por imposição de coerência, que esse mesmo direito à educação infantil também demanda proteção máxima no seu aspecto negativo. Os gastos com educação infantil, portanto, afigurando-se essenciais à salvaguarda do mínimo existencial, também devem ser integralmente deduzidos na composição da base de cálculo do imposto de renda, aplicando-se, nesse particular, as mesmas conclusões apresentadas quando se abordou a educação básica, inclusive, quanto à inconstitucionalidade – nessa parte ­– do art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995. Relativamente aos demais níveis de ensino, a Constituição prevê a progressiva universalização do ensino médio gratuito (art. 208, II) e o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). Assim, sem embargo da inquestionável importância de uma educação mais completa, parece-nos que existe diferença de grau quando se trata da essencialidade da educação infantil e básica ante o ensino médio e superior. Esse quadro normativo não nos confere segurança suficiente para defender que essas camadas do direito à educação – ensino médio e superior – estejam necessariamente situadas abaixo da linha traçada pela noção de mínimo existencial, o que, em princípio, conduz-nos a aceitar a discricionariedade legislativa na definição do equilíbrio que deve haver entre esses direitos sociais e a tributação. A dedutibilidade integral desses gastos na formação da base de cálculo do imposto não nos parece ser uma decorrência do conceito constitucional de renda e sequer uma exigência derivada da noção de mínimo existencial. Sem embargo, essa discricionariedade não significa uma completa ausência de parâmetros à atividade legislativa. Os princípios de ordem mais geral como igualdade, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, eficiência, dentre outros, deverão ser observados pelo legislador, assim como ocorre na edição de qualquer ato de sua competência. A discussão quanto à dedutibilidade dos gastos com ensino médio e superior deve estar situada não na legitimidade da restrição em si, mas, sim, na compatibilidade do grau de restrição imposto pelo legislador com o próprio direito à educação e com os demais princípios constitucionais mencionados. A legislação, segundo nos parece, foi estruturada de maneira muito questionável. Primeiro, porque tratou de modo linear todo e qualquer gasto com educação qualificado como dedutível, isto é, estabeleceu limite quantitativo único para qualquer despesa dedutível. E, segundo, porque esse teto é extremamente reduzido, revelando-se insuficiente para contemplar mesmo uma fração relevante do valor efetivamente pago em circunstâncias normais a estabelecimentos de ensino. Muito mais condizente com o equilíbrio entre tributação e educação seria a previsão de restrições específicas para cada tipo de gasto com educação, respeitando-se o grau de essencialidade crescente que existe entre ensino médio, ensino superior, mestrado, doutorado etc. E, bem assim, que essas restrições, atualmente previstas em forma de teto de dedutibilidade, observassem parâmetros mais condizentes, em termos de valores, com a realidade efetivamente vivenciada. Isso nos leva a considerar que, muito embora seja possível introduzir, pela via da tributação, restrições ao direito à educação, ressalvada a educação infantil e básica, o modelo adotado pela legislação atualmente vigente (art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995) pode ter extrapolado o âmbito da discricionariedade reservada ao legislador. Por isso, sem prejuízo da possibilidade geral de editar-se legislação restritiva do direito à dedutibilidade, parece-nos que o regime atualmente em vigor fica no limite do que pode ser considerado ou não abrangido pelo campo de mérito legislativo. Essa percepção, no entanto, não se mostra suficientemente forte para justificar a inconstitucionalidade da norma, quanto a esses pontos específicos. Embora a escolha do legislador possa não ter sido a melhor, não se tendo, a nosso sentir, atendido os princípios constitucionais em questão da forma mais adequada, o juízo de inconstitucionalidade não se contenta com zonas de incerteza, no âmbito das quais convém preservar a ação do legislador. Diante disso, mesmo ressalvando essa posição pessoal no sentido de que a legislação não foi desenhada da maneira mais condizente com o equilíbrio exigido entre tributação e direito à educação, parece-nos que a interferência do Judiciário nesse campo seria demasiada, razão pela qual as escolhas feitas pelo legislador merecem ser respeitadas. O aprimoramento desse regramento, ao nosso sentir, deve ocorrer por meio do exercício da cidadania e no âmbito do processo político. Em linha com essas considerações, nossa conclusão, quanto às despesas com ensino médio e superior, é pela constitucionalidade do art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995, ressalvando-se, no entanto, que a legislação poderia ter sido estruturada de modo a atender de forma muito mais plena as exigências constitucionais em jogo. Por fim, no que toca às despesas com educação indedutíveis por critérios qualitativos – curso de idioma, por exemplo ­–, entendemos que se aplica, com maior razão ainda, aquilo que foi dito quanto à necessidade de se respeitar o mérito legislativo, uma vez que tais despesas não estão ligadas ao mínimo existencial, cabendo ao legislador calibrar a tributação e equilibrar os valores sensíveis envolvidos nesse processo. CONCLUSÃO A posição adotada neste trabalho parte de algumas premissas fundamentais: (a) a existência de um conceito constitucional de renda; (b) que esse conceito corresponde ao saldo apurado mediante a comparação de centras entradas e certas saídas, durante um intervalo de tempo; (c) que integram conceito mínimo dessas “certas saídas” e, portanto, o próprio conceito constitucional de renda, os gastos exigidos para a preservação do mínimo existencial; (d) a jusfundamentabilidade dos direitos sociais, inclusive à educação, está restrita à porção do mínimo existencial; (e) especificamente no que toca ao direito à educação, estão relacionadas ao mínimo existencial o direito à educação infantil e à educação básica, apenas. A partir dessas premissas, foram firmadas as seguintes conclusões: (a) o art. 8o, II, “b”, 1 a 10, da Lei 9.250/1995, no que toca às restrições quantitativas à dedutibilidade de gastos realizados com educação infantil e básica, é inconstitucional;  (b) esse dispositivo, quanto à disciplina referente aos demais gastos com educação, muito embora não tenha sido concebido da melhor forma possível, não se afigura inconstitucional. A questão, segundo nos parece, não é trivial. Demanda séria reflexão sobre diversos assuntos, exigindo exame de temas mais afetos a diferentes áreas do direito. De um lado, impõe-se estudo quanto ao desenho constitucional da hipótese tributária possível do imposto de renda, haja vista a necessidade de se estabelecerem os limites para o exercício da competência tributária, notadamente quanto à fixação do aspecto material e, ainda, quanto à parcela mais importante do aspecto quantitativo situado no consequente normativo (base de cálculo). De outro, não se pode deixar de examinar questão central do direito constitucional, vale dizer, a questão alusiva a jusfundamentabilidade dos direitos fundamentais (e sociais), especialmente quanto ao grau de efetividade que eles devem ter no seu aspecto negativo (proteção à tributação).  São temas complexos e que, repita-se, merecem atenção especial por parte da doutrina e dos tribunais. O que se vê, no entanto, especialmente no Supremo Tribunal Federal, é o exame da questão de forma pouco interessada. Basicamente, os processos que tocam esse assunto são decididos, sem maiores aprofundamentos, mediante o emprego de premissas muito genéricas: (a) o Judiciário não poderia atuar como legislador positivo; (b) a fixação da base de cálculo do imposto de renda é matéria exclusivamente infraconstitucional[8]. Por tudo o que foi exposto nos tópicos anteriores, não podemos concordar com os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, muito embora, quanto às conclusões, exista um alinhamento circunstancial, no que diz respeito à restringibilidade da dedutibilidade dos gastos com educação que não se refiram à educação infantil e básica. O que se quer enfatizar, no entanto, muito mais do que essa divergência parcial de conclusão, é a necessidade de se discutir o assunto com mais comprometimento, o que requer, por certo, um aprofundamento nos debates quanto à pertinência das premissas utilizadas normalmente pela corte.   Essas discussões mais aprofundadas podem ser feitas no âmbito de diversos processos, conquanto dois mereçam referência especial. O primeiro deles, já referido neste trabalho, diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade 4927/DF, proposta pela Ordem dos Advogado do Brasil, entidade capaz de atrair especial atenção do Supremo Tribunal Federal para o enfrentamento mais detido da matéria. O segundo processo com potencial de gerar esse debate mais verticalizado é o de número 0005067-86.2002.4.03.6100, também já referido mais acima. Embora seja um feito sem nenhuma particularidade especial, a disputa argumentativa travada no Tribunal Regional Federal da 3a Região[9], que resultou no reconhecimento da inconstitucionalidade da limitação à dedutibilidade dos gastos com educação da base de cálculo do imposto de renda, pode servir de impulso para igual ordem de discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal. De fato, existe espaço para que a discussão em torno do tema ganhe nova dimensão. E, ocorrendo esse debate mais alentado sobre o assunto, espera-se prevaleça posição comprometida com a autoridade do texto constitucional, no tocante à delimitação da competência tributária fixada a partir do conceito de renda, e, bem assim, com a noção de mínimo existencial, que assegura regime jurídico estável e de proteção integral da parcela dos direitos sociais essencial à dignidade humana. A proteção da educação infantil e básica em face da tributação não pode, por todos os argumentos expostos ao longo deste trabalho, ser concebida com um favor do legislador; trata-se, antes, de uma imposição constitucional e de um direito subjetivo exigível perante o Judiciário.
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Imunidade tributária recíproca e impostos indiretos
A divergência doutrinária quanto à imunidade tributária recíproca e os impostos indiretos centra-se na questão da repercussão tributária dos referidos tributos. Conforme o método interpretativo utilizado, se substancial ou formal, haverá a aplicação ou não da imunidade mútua, a depender da posição do ente federativo como contribuinte de direito ou contribuinte de fato na relação jurídico-tributária. A discussão se concentra, portanto, na relevância que deve ser atribuída à translação tributária, se jurídica, em que prestigia a relação jurídico-formal, ou se econômica, na qual há uma valorização da interpretação econômica, haja vista que leva em consideração quem assumirá o encargo financeiro do tributo. Através do método dialético, serão analisados inicialmente todos os aspectos envolvidos acerca do tema para depois discorrer sobre os métodos interpretativos mencionados. Ainda que plausíveis os fundamentos da corrente doutrinária, e do próprio Supremo Tribunal Federal, que sustentam a interpretação formal quanto à aplicação da imunidade recíproca nos impostos indiretos, é possível concluir que prestigiar uma interpretação formal em detrimento da material é desprezar o real intuito da norma imunizante, considerando estar fundamentada nos princípios federativo, da isonomia e da capacidade contributiva das pessoas políticas.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo visa discorrer sobre a aplicação da imunidade tributária recíproca, disposta no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal de 1988, nos impostos indiretos. Segundo o dispositivo mencionado, aplicável às pessoas jurídicas de direito público – entes federativos e suas autarquias e fundações – e às empresas públicas e às sociedades de economia mista quando prestadoras de serviços públicos, tais entidades ficam proibidas de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. O dilema acerca da imunidade recíproca refere-se ao seu alcance quanto aos impostos indiretos, considerando que neles existe uma diferenciação, feita pela doutrina, entre o contribuinte de direito e o contribuinte de fato, diante do fenômeno da repercussão ou translação tributária. Ainda que o tema, nos últimos anos, tenha se pacificado no Supremo Tribunal Federal, a doutrina continua divergente a respeito da questão, debatendo acerca da relevância jurídica ou econômica que deve ser dada à translação econômica dos impostos indiretos. Dessa forma, objetiva-se demonstrar a importância do tema ao Direito Tributário, a partir da análise dos entendimentos doutrinários quanto à matéria, tendo-se em consideração o uso do método dialético para a pesquisa. No início serão feitas considerações acerca da imunidade tributária, distinguindo-a de outros institutos como a não incidência e a isenção, para em seguida discorrer sobre a imunidade tributária recíproca, analisando-a quanto ao rol de sua abrangência, além dos fundamentos que a sustentam. Posteriormente far-se-ão algumas observações quanto aos impostos indiretos, examinando-os quanto à sua repercussão tributária e os conceitos de contribuinte de direito e contribuinte de fato, no intuito de analisar a incidência da imunidade tributária recíproca nos aludidos tributos. O estudo será feito à luz dos posicionamentos doutrinários, trazendo os diversos métodos interpretativos quanto à matéria, inclusive sob à ótica da finalidade da norma imunizante, e à luz da jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal. Ante a demonstração dos argumentos utilizados por cada corrente doutrinária e de tudo o que será ao longo do artigo apreciado, serão expostas, ao final, as conclusões a respeito do tema. 2 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA O poder de tributar decorre de uma relação jurídica entre o Estado e seus cidadãos contribuintes, cujo exercício depende de previsão expressa na Constituição Federal. Trata-se da outorga de poder concedido pela Lex Fundamentalis aos entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – para criação, instituição e majoração de tributos. Ou seja, o texto constitucional atribui ao Estado, em caráter de exclusividade, a competência para criar, extinguir, aumentar e diminuir tributos, a fim de arrecadar recursos para a consecução de suas finalidades pautadas no interesse público. Ocorre que o poder de tributar não é irrestrito. Existem limites que devem ser observados quando do exercício da competência tributária, esta entendida como a repartição do poder de tributar. Referidos limites podem ser genéricos, traduzidos na observação da Constituição Federal de 1988 e do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ou específicos, que correspondem aos princípios e imunidades tributárias dispostos no texto constitucional. As limitações constitucionais ao poder de tributar configuram autênticas garantias individuais do cidadão contribuinte contra a impetuosa arrecadação fiscal pelo Estado, considerando que o contribuinte é o elo mais fraco da relação jurídico-tributária. Dessa forma, tratando-se de garantias individuais, são consideradas cláusulas pétreas, nos termos do art. 60, § 4°, IV, da Carta Constitucional, não podendo ser suprimidas ou diminuídas por propostas de emendas constitucionais. Frise-se que tal assertiva – as limitações constitucionais ao poder de tributar são cláusulas pétreas – é reconhecida não só pela doutrina, como também pela jurisprudência pátria, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. (SABBAG, 2015) Dentre os limites constitucionais, destacam-se as imunidades tributárias, definidas por Ricardo Alexandre como as “limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos” (ALEXANDRE, 2012, p. 145). Eduardo Sabbag, por sua vez, conceitua a imunidade como: “A norma constitucional de desoneração tributária, que, justificada no conjunto de caros valores proclamados na Carta magna, inibe negativamente a atribuição de competência impositiva e credita ao beneficiário o direito público subjetivo de ‘não incomodação’ perante o ente tributante”. (SABBAG, 2015, p. 290) Já Hugo de Brito Machado qualifica a imunidade tributária como uma forma qualificada de não incidência, descrevendo-a como um “obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO, 2010, p. 244). Referido autor traz à tona uma importante diferenciação conceitual digna de nota. Eis que, apesar de assemelhados, os institutos jurídicos da imunidade, da isenção e da não incidência não se confundem. A princípio, recapitulemos que “o fenômeno da incidência está ligado à ocorrência na realidade fática da hipótese abstratamente prevista na lei tributária como necessária e suficiente para o surgimento da obrigação tributária” (ALEXANDRE, 2012, p.143). Numa interpretação a contrario sensu, a não incidência referir-se-á às hipóteses em que uma situação não é alcançada pela regra da tributação. A doutrina aponta que a não incidência pode ser pura e simples ou juridicamente qualificada (ALEXANDRE, 2012, p.144). A não incidência pura e simples abarca as seguintes hipóteses: quando o ente tributante não possui competência para tributar determinada situação ou quando o ente tributante detém a competência, mas não a exerce. Em suma, quando não se realiza a hipótese de incidência. Já o instituto da não incidência juridicamente qualificada é o próprio fenômeno da imunidade. Esta, conforme magistério dos doutrinadores supracitados, ocorre quando a Constituição impede o ente federativo de determinar certo fato como hipótese de incidência de tributos. A isenção, por sua vez, configura hipótese de exclusão do crédito tributário, em que há a dispensa legal do dever de pagar o tributo. Nas palavras de Ricardo Alexandre (2012, p.144), “o ente político tem competência para instituir o tributo e, ao fazê-lo, opta por dispensar o pagamento em determinadas situações.” Há de se assinalar que a distinção entre aludidos institutos é bastante sucinta. A imunidade e a isenção, por exemplo, diferenciam-se, em essência, quanto à posição hierárquica da norma imunizante no ordenamento jurídico. Enquanto na imunidade há uma norma constitucional que impede a incidência da regra de tributação, na isenção há uma norma legal que dispensa o pagamento do tributo. Ricardo Alexandre realiza o seguinte raciocínio: a isenção ocorre na esfera do exercício da competência; já a imunidade opera na esfera da própria delimitação de competência. Tratando-se de uma delimitação de competência constitucionalmente atribuída, a imunidade será, então, sempre prevista na Constituição. Já a isenção será prevista em lei, considerando sua atuação no exercício legal da competência. Ressalte-se, por fim, que em todas referências constitucionais que determinam que certa situação é isenção, concernem, na verdade, a hipóteses de imunidade (ALEXANDRE, 2012). Outrossim, relevante também é a diferença entre as imunidades e os princípios constitucionais tributários. Estes dispõem sobre os balizamentos do sistema jurídico tributário. Além de delimitarem o poder de tributar, orientam a interpretação e aplicação das normas tributárias, tendo-se em vista que são normas de maior grau de abstração. As imunidades, por seu turno, são regras determinadas a certos fatos e pessoas. Conforme Eduardo Sabbag (2015, p. 287), “a imunidade para tributos representa uma delimitação negativa da competência tributária”, haja vista operar na determinação dos contornos da competência. A Constituição Federal de 1988 prevê diversas imunidades tributárias. Tendo em vista o objeto de estudo do presente artigo, segue-se à análise da imunidade pertinente ao tema: a imunidade tributária recíproca. 2.1 Imunidade Tributária Recíproca Também conhecida como imunidade das entidades políticas ou imunidade mútua, a imunidade intergovernamental recíproca está prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” Aludida imunidade surgiu na Constituição de 1891 e foi preservada nas demais constituições brasileiras. Segundo tal norma, os entes políticos ficam proibidos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Dentre a classificação[1] doutrinária das imunidades, a imunidade intergovernamental recíproca pode ser categorizada como uma imunidade genérica, subjetiva, explícita, incondicionada e ontológica. É genérica quanto ao seu alcance, considerando que se trata de uma vedação a todos os entes políticos, abrangendo diversos impostos. Quanto ao modo de incidência, é subjetiva ou pessoal, haja vista cuidar-se de uma imunidade que recai sobre os sujeitos da relação jurídico-tributária, em razão da sua natureza jurídica ou do dever que possui para com a sociedade. É uma imunidade expressa no texto constitucional, sendo, portanto, uma imunidade explícita quanto à forma de previsão. No tocante à necessidade de regulamentação, é classificada como uma imunidade incondicionada, haja vista que se trata de uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Por fim, quanto à origem, é uma imunidade ontológica, em virtude de decorrer de princípios constitucionais, como o princípio da isonomia, da capacidade contributiva e do pacto federativo, conforme ensinamentos de Ricardo Alexandre (2012). Sendo consequência de princípios constitucionais, referida imunidade existiria ainda que não houvesse previsão expressa na Constituição, não podendo, portanto, ser eliminada do texto constitucional (ALEXANDRE, 2012). Sobre a finalidade das imunidades, Bruno Pereira Santos afirma que “ao atuarem como elemento de contenção do poderio do Estado, as imunidades não devem ser analisadas como um fim em si mesmas, mas como instrumento para garantir a efetividade dos principais valores eleitos pelo constituinte” (SANTOS, 2008). Regina Helena Costa também ressalta a instrumentalidade das imunidades, ao assinalar que “a imunidade é a concessão de exoneração tributária prescrita na Constituição, que o Estado deseja para alcançar certos fins através de incentivo a atividades consideradas de interesse público” (COSTA apud ARRUDA, 2008). Denota-se que, por detrás de cada imunidade, existem os fundamentos que sustentam a prescrição da norma imunizante na Constituição Federal. Assim, importa perquirir quais os fundamentos da imunidade tributária recíproca. Como dito alhures, a imunidade do art. 150, VI, a, da CF/88, é uma imunidade ontológica, haja vista ser uma consequência de princípios constitucionais. A imunidade mútua, consistente na vedação aos entes federativos de cobrarem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, tem seus fundamentos nos princípios federativo, da isonomia e da capacidade contributiva das pessoas políticas. Decorre do federalismo[2], pois, se um ente federativo pudesse cobrar impostos de outro ente, estaria interferindo na autonomia do outro ente político, lesando, assim, o pacto federativo. Imagine-se a situação de um estado cobrar da União determinado imposto. A União estaria então à mercê das pretensões tributárias do estado, subordinando-se a este também quanto a outras questões políticas e sociais, considerando que a instituição de impostos, por independer de uma contraprestação estatal, pressupõe uma supremacia do ente tributante sobre o tributado.  Frise-se que a tributação se relaciona intrinsecamente ao poderio econômico de cada ente federativo e sua consequente capacidade contributiva, considerando que arrecadam recursos para a realização de ações políticas e sociais, em especial na prestação de serviços públicos, pautados no interesse público. A cobrança de impostos de um ente político pelo outro significa uma interferência na esfera de competência e autonomia desse outro ente através da exação (SANTOS, 2008). Há de ser ressaltado que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem estar sujeitos uns aos outros, em virtude do princípio da isonomia, que preza pela igualdade dos entes federados. Incabível, assim, a sujeição de um ente político a outro. Tendo-se em vista que o federalismo é constituído pela autonomia e igualdade dos entes federativos, a imunidade recíproca é um instituto fundamental à sua concretização, assegurando, dessarte, o equilíbrio federativo entre os entes e o desenvolvimento harmônico das políticas públicas. Só dessa maneira estaria garantido o federalismo de cooperação ou de equilíbrio, em que se visa repartir de forma equitativa e equilibrada os poderes entre os entes federativos, possibilitando a cada um deles desempenhar sua função atribuída pela Constituição em prol do interesse público. 2.1.1 Alcance da Imunidade Tributária Recíproca A imunidade das entidades políticas alcança apenas os tributos não vinculados a uma contraprestação estatal, quais sejam os impostos. Estes são ditos como não vinculados, “uma vez que seus fatos geradores são manifestações de riqueza dos contribuintes (renda, patrimônio, consumo) independentes de atividade estatal” (ALEXANDRE, 2012, p. 69). Não é possível a aplicação da aludida imunidade aos demais tributos, como taxas e contribuições de melhoria, posto que estes são tributos vinculados, cuja cobrança depende de uma atividade estatal específica quanto ao contribuinte, “não havendo manifestação de poder de império de um ente político sobre o outro” (SANTOS, 2008). Caso a imunidade abrangesse tais tributos, haveria um verdadeiro locupletamento por parte do ente beneficiado com a atuação estatal, pois estaria sendo favorecido com a prestação estatal, sem contribuir para sua realização. Consoante o disposto no art. 150, VI, a, da CF/88, há proibição de instituição de impostos, entre os entes federativos, que onerem o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Numa interpretação literal da norma, Ricardo Alexandre (2012) aponta que a imunidade abrangeria os seguintes impostos: imposto sobre grandes fortunas, imposto sobre a propriedade territorial rural, imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, imposto sobre a propriedade de veículos automotores, imposto sobre a propriedade territorial urbana, imposto sobre a transmissão de bens imóveis, imposto de renda e imposto sobre serviços de qualquer natureza. Estariam excluídos, via de consequência, os impostos de importação e exportação, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras e o imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços. Esta não foi a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, que ampliou o rol de abrangência da norma imunizante, “afastando quaisquer impostos que possam onerar economicamente as finanças da entidade impositora” (ALEXANDRE, 2012, p. 301). Logo, para o STF, o ente federativo não paga nenhum imposto, mas sim outras espécies tributárias. Outro aspecto a ser analisado quanto ao alcance da imunidade intergovernamental é a respeito das pessoas jurídicas abrangidas pela norma imunizante. Eis que o art. 150, § 2°, da CF/88, determina a extensão da imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no tocante ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Insista-se que, para gozar da imunidade mútua, as entidades autárquicas e fundacionais devem cumprir suas finalidades essenciais ou as que delas decorram. Ou seja, é uma imunidade condicionada para tais entidades.  Importa frisar que a imunidade mútua não alcança todos as pessoas jurídicas da administração pública indireta, não englobando as entidades exploradoras de atividade econômica. Dessa forma, as empresas públicas e as sociedades de economia mista só fruirão de tal imunidade quando prestadoras de serviços públicos, desempenhando atividades exclusivas do Estado. Na hipótese de atuarem como instrumento do Estado na economia, exercendo atividade econômica, não serão agraciadas pela imunidade recíproca. 3 IMPOSTOS INDIRETOS Na classificação dos tributos, há aquela que leva em conta a possibilidade de repercussão do encargo econômico-financeiro. Assim, os tributos podem ser separados em duas categorias: diretos e indiretos. Os tributos diretos são aqueles que oneram diretamente a pessoa definida em lei como sujeito passivo, não permitindo a translação econômica do tributo. Os tributos indiretos, por sua vez, são os que permitem que haja repercussão do encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo. Destarte, o contribuinte de direito não será o que arcará com o impacto da exação tributária, mas sim o contribuinte de fato. Sabe-se que o sujeito passivo da obrigação tributária principal é a pessoa obrigada a pagar o tributo e a penalidade pecuniária, enquanto na obrigação tributária acessória é a pessoa obrigada às prestações de fazer ou não fazer que constituam objeto da relação. Ocorre que na relação jurídico tributária, cujo objeto seja uma obrigação principal, há duas modalidades de sujeito passivo: o responsável e o contribuinte. O responsável, ou o sujeito passivo indireto, é aquele que tem relação indireta com a situação que constitua o fato gerador. Apesar de não ter sido a pessoa que realizou o fato gerador, foi a pessoa escolhida por lei para pagar o tributo. A responsabilidade somente decorre de lei, não podendo, portanto, ser modificada por convenção particular, salvo disposição contrária em lei. O contribuinte, também denominado de sujeito passivo direto, é aquele que tem relação direta e pessoal com a situação que constitua o fato gerador. O contribuinte pode ser dividido em contribuinte de direito e contribuinte de fato. O contribuinte de jure é a pessoa que praticou o fato gerador, nos termos da legislação tributária. Já o contribuinte de facto é quem suportou o encargo financeiro ocasionado pela exação. Em outras palavras, é quem sofre a incidência econômica do tributo, ainda que, formalmente, não faça parte da relação jurídico-tributária, conforme definido em lei. Dentre os impostos indiretos destacam-se o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o imposto sobre serviços de qualquer natureza, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações financeira. Utilizemos o caso do ICMS como exemplo para ilustrar a situação. O ICMS é um tributo indireto, no qual é possível vislumbrar a presença dos contribuintes de direito e de fato. A lei determina que o comerciante, escolhido como o sujeito passivo da relação, é quem deverá recolher os valores do imposto aos cofres públicos, porém autoriza que repasse o respectivo encargo financeiro para o consumidor. Nota-se que o comerciante figura como o contribuinte de direito, já que dessa maneira foi definido em lei, enquanto o consumidor apresenta-se como o contribuinte de fato, tendo em vista que será a pessoa que suportará o encargo financeiro. 4 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E IMPOSTOS INDIRETOS Há consenso doutrinário e jurisprudencial de que os impostos diretos, como o imposto sobre a propriedade territorial urbana ou o imposto de renda, não devem incidir sobre os entes federativos, por força da imunidade intergovernamental recíproca. A discussão centra-se, contudo, no alcance da aludida imunidade nos impostos indiretos, caracterizados pelo fenômeno da translação tributária. O desenlace da questão irá depender, consequentemente, de “como se observa o fenômeno da repercussão tributária nos ditos impostos indiretos, atribuindo-se lhe relevância jurídica ou relevância econômica” (SABBAG, 2012, p 316), além da própria interpretação segundo a finalidade da norma imunizante. Nos tópicos seguintes serão delineadas as ponderações feitas pela doutrina e pela jurisprudência, em especial o entendimento do STF acerca da matéria. 4.1 Métodos Interpretativos Sob a perspectiva doutrinária, destacam-se dois métodos interpretativos a respeito do assunto: uma interpretação de cunho substancial e outra de cunho formal. Consoante a interpretação de cunho substancial, o que interessa na análise da incidência da imunidade recíproca nos impostos indiretos é a relevância econômica da repercussão tributária. Eduardo Sabbag explica que “esta interpretação privilegia o fenômeno da repercussão tributária na dimensão econômica, havendo a incidência tributária de acordo com a localização do ente político, como contribuinte de direito ou como contribuinte de fato” (SABBAG, 2015, p. 316). Denota-se, por este viés interpretativo, que o importante é o efeito econômico da exação tributária, ou seja, se o tributo irá desfalcar o patrimônio do ente federativo ou não. Consoante essa corrente, não se deve desconsiderar o contribuinte de fato na relação jurídico-tributária. Nesse sentido, se o ente político assumir a posição de contribuinte de fato, em que suportaria o encargo financeiro da tributação, não haverá a incidência do imposto, aplicando-se, consequentemente, a imunidade mútua. Contudo, se o ente político figurar como contribuinte de direito, ou seja, como a pessoa que praticou o fato gerador, incidirá o imposto, posto que não arcará com nenhum ônus financeiro, descaracterizando hipótese de aplicação da imunidade recíproca. Os defensores dessa corrente, destacando-se Aliomar Baleeiro e Geraldo Ataliba, dentre outros (SABBAG, 2015, p. 316), fundamentam seu posicionamento na doutrina da interpretação econômica. Criada e desenvolvida na Alemanha, a tese da interpretação econômica sugere que as normas tributárias sejam interpretadas segundo sua realidade e seus efeitos econômicos. O que interessa para essa teoria é o substrato econômico do fato ocorrido, e não a forma jurídica utilizada. Baseada no princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a doutrina em comento busca alcançar o significado econômico das normas. Logo, situações econômicas iguais devem ser tratadas de formas iguais, independentemente da forma jurídica adotada na operação, no intuito de obter uma distribuição mais uniforme dos encargos sociais (ESTRELLA, s.d.).  Referida teoria, contudo, é repelida por alguns estudiosos do Direito Tributário, ao argumento de que o uso da interpretação econômica para tributar é inconstitucional, dado o princípio da legalidade, a vedação ao emprego da analogia para instituição de tributos e a impossibilidade de, na interpretação da norma jurídica, buscar seu sentido levando em consideração apenas seus efeitos econômicos. Ademais, acentuam que tal matéria – análise do impacto econômico – concerne à Ciência das Finanças, não devendo ser objeto de estudo do direito. (GUTIERREZ, 2006) Quanto à utilização da teoria da interpretação econômica, malgrado posições contrárias à referida doutrina, como acima mencionado, é esta essencial a uma prudente interpretação do Direito Tributário. Como exemplo, destaque-se a norma antielusiva[3] prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Tal dispositivo permite à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ressalte-se que tais atos ou negócios jurídicos são lícitos, porém praticados com abuso da forma jurídica, fazendo uso de outros atos ou negócios que não os idealizados pelo ordenamento jurídico. Um dos grandes fundamentos da constitucionalidade da norma antielusiva é justamente a interpretação econômica, baseada nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Permite-se a desconsideração de negócios lícitos, mas que violaram normas jurídicas indiretamente, para possibilitar a tributação, prezando proteger a receita arrecadada pelo Fisco e evitando as condutas dos particulares que intentam fugir do pagamento de tributos. (ALEXANDRE, 2012) Em suma, a norma antielusiva respalda-se na prevalência do substancial em detrimento do formal, o que também se objetiva na corrente defendida por Aliomar Baleeiro. Em contraposição à interpretação material, há a interpretação de cunho formal, segundo a qual não importa o fenômeno da repercussão tributária na perspectiva econômica. O que é relevante é a sua consideração na dimensão jurídica. “A figura do contribuinte de fato é estranha à relação jurídico tributária”, conforme ensina Sabbag (2015, p. 316). Nessa acepção, se o ente federativo se apresenta como contribuinte de fato, trata-se de hipótese de incidência tributária. No entanto, se o ente político figurar como contribuinte de direito, cuida-se de hipótese acolhida pela norma imunizante, já que estará participando da relação jurídica. Para os simpatizantes desse método interpretativo, Paulo de Barros Carvalho, Hugo de Brito Machado e Bilac Pinto, dentre outros, a repercussão tributária deve ser analisada exclusivamente sob o prisma jurídico, despido de qualquer conteúdo econômico. Sobre o tema, explana Hugo de Brito Machado: “O argumento de que o imposto sobre produtos industrializados (IPI) assim como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da Ciência das Finanças. Não no Direito Tributário. A relação tributária instaura-se entre o industrial, ou comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a Fazenda Pública, ou fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da mercadoria e o industrial, ou comerciante, que a fornece, instaura-se uma relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual. O Estado comprador paga simplesmente o preço da mercadoria adquirida. Não o tributo. Este pode estar incluído no preço, mas neste também está incluído o salário dos empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isto não tem relevância para o Direito, no pertinente à questão de saber quem paga tais custos”. (MACHADO, 2010, p. 303) 4.2 Posicionamento do STF Em que pese as considerações feitas acima, após muita discussão acerca do alcance da imunidade intergovernamental nos impostos indiretos, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a interpretação de cunho formal. Dessa forma, estando o ente federativo na posição de contribuinte de direito, permanece a imunidade. Porém, quando o ente político figurar como contribuinte de fato, não gozará do manto da imunidade mútua. Recentemente o STF fixou a seguinte tese sob a sistemática da repercussão geral, divulgado no seu informativo de número 855: “A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido. STF. Plenário. RE 608872/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22 e 23/2/2017 (repercussão geral)” (Info 855, STF). Vale ressaltar que o Supremo já adotou a interpretação de cunho material, reconhecendo a imunidade tributária mútua quando os entes federativos atuassem na posição de contribuintes de fato. Tal entendimento era o que prevalecia até a década de 70. (SANTOS, 2008)  Aludida teoria retornou a ser prestigiada por alguns tribunais brasileiros, conforme algumas ementas abaixo transcritas que privilegiam o entendimento outrora adotado por Aliomar Baleeiro. “TRIBUTÁRIO.ICMS. IMPOSTO INDIRETO. CONTRIBUINTE DE FATO. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O ÔNUS DO PAGAMENTO DO ICMS INCIDENTE SOBRE OS SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELEFONIA É TRANSFERIDO PARA O CONSUMIDOR, QUE SE TORNA O CONTRIBUINTE DE FATO DESTE IMPOSTO. 2. COMO CONTRIBUINTEINDIRETO, TEM O CONSUMIDOR – IN CASU, UMA AUTARQUIA FEDERAL – LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR O RECONHECIMENTO DE SUA IMUNIDADE EM JUÍZO. 3. APELAÇÃO PROVIDA”. (TRF 5 – Apelação Cível AC 209209 RN 0012654-43.2000.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima. Data de Julgamento: 28/08/2001. Segunda Turma. Data de publicação: DJ 23/10/2002. Página 906) “DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ICMS INCIDENTE SOBRE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. – Reconhecida a imunidade contra a incidência do ICMS no fornecimento de energia elétrica do ente imune. A sistemática das regras imunizantes induz pela aplicação também quando há relação jurídica com contribuinte de fato, visto que uma vinculação jurídica não pode se sobrepôr a dados da realidade. Inteligência do artigo 166 do CTN. (TRF-4 – AMS: 6504 SC 2001.72.00.006504-2, Relator: Álvaro Eduardo Junqueira, Data de Julgamento: 18/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 22/11/2006 Página: 360) 4.3 Sob a Ótica da Finalidade da Norma Imunizante A melhor interpretação quanto à imunidade recíproca e os impostos indiretos é aquela pautada conforme os ditames constitucionais. Há de ser perquirida a finalidade da norma imunizante, a fim de que seja possível interpretá-la à luz da Constituição Federal. A hermenêutica é a ciência da interpretação jurídica, enquanto a interpretação é a atividade prática que permite desvelar o sentido e o alcance das normas jurídicas. Recordar-se que existe uma distinção entre o texto normativo e a norma jurídica. Explica Dirley da Cunha: “Cumpre à interpretação construir a norma, pois não há norma senão norma interpretada. Vale dizer, a norma não é o pressuposto, mas o resultado da interpretação. Não se interpreta a norma, mas sim o texto normativo, pois é dele, através da interpretação, que se extrai a norma. Contudo, não se interpreta apenas o texto normativo senão confrontando-o com sua realidade histórico-social do momento em que ocorre a interpretação. Da interpretação do texto e da realidade obtém-se a norma. A norma, portanto, é o significado da conjugação que o intérprete faz entre o texto normativo e a realidade. Ainda com base em Müller, podemos sustentar que na interpretação a norma é produzida não a partir exclusivamente dos elementos colhidos no texto (mundo do dever ser), mas também dos dados do caso ao qual ela (a norma) deve ser aplicada, quer dizer, a partir dos elementos da realidade (mundo do ser)”. (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 175)   Nota-se que a interpretação da norma não pode ser literal, alheia aos fatos aos quais será aplicada. Deve existir uma correlação entre o texto normativo e a realidade fática, a fim de produzir uma norma cuja aplicação possa ser efetivada no mundo do ser. Almeja-se, com a interpretação jurídica, “construir o sentido do texto da norma em relação à sua realidade” (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 176). A interpretação dada à norma jurídica, conforme classificação de Savigny, deve ser, preferencialmente teleológica e sistemática, e não meramente literal. Afinal, a norma deve ser entendida dentro do contexto do ordenamento jurídico (interpretação sistemática), na busca de sua real finalidade e alcance, indo além do texto literal da norma (interpretação teleológica). Nessa toada, cumpre ressaltar que, na interpretação sistemática, prevalece no ordenamento jurídico brasileiro a interpretação material sobre a formal, o que condiz com o raciocínio de Dirley da Cunha acima exposto, de que o sentido interpretado do texto da norma deve corresponder à sua realidade. Exemplo disso é a importância que a doutrina e a jurisprudência dão ao princípio da instrumentalidade das formas, princípio este que rege o tema das nulidades no direito processual brasileiro e determina que o ato processual viciado não terá declarada sua nulidade, caso ele tenha alcançado sua finalidade sem causar prejuízos às formas. Ou seja, a forma é um mero instrumento utilizado para que se atinja a finalidade desejada pela norma. Com base nessas ponderações, também deve ser interpretada a norma imunizante. Buscar seu real sentido e alcance é interpretá-la consoante sua finalidade no mundo fático, sem enjeitar sua interpretação substancial. 5 CONCLUSÃO A imunidade intergovernamental, prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Lex Fundamentalis, estabelece a vedação aos entes federativos – estendida também às suas autarquias e fundações, além das empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviço público – de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Na análise do alcance da norma imunizante, o cerne da questão envolve se deveria a imunidade mútua ser aplicada aos impostos indiretos, quando o ente federativo figurar na posição de contribuinte de fato. Os fundamentos da imunidade debatida rogam por uma interpretação extensiva da norma, e não restritiva, como vem adotando a Corte Suprema. Ademais, tratando-se de uma norma constitucional, deve ser interpretada segundo os valores proclamados na Constituição Federal, na busca pela finalidade da norma imunizante, a fim de efetivá-la ao máximo possível. Quando analisados os fundamentos da imunidade tributária recíproca, constatou-se que o principal objetivo da norma foi o de proteger a pessoa jurídica de direito público de ter o seu patrimônio desfalcado, impossibilitando-a de realizar suas políticas públicas no interesse da coletividade. O fim almejado é, por conseguinte, a garantia de meios e instrumentos aos entes federativos na prestação de serviços, assegurando a consecução de finalidades públicas. Atribuir a imunidade recíproca aos entes federativos quando figurarem na posição de contribuinte de fato na relação jurídico-tributária é cumprir a finalidade do insculpido no art. 150, VI, ‘a’, da CF/88. Consoante já mencionado, a imunidade mútua é uma imunidade ontológica, decorrente dos seguintes princípios constitucionais: princípio federativo, princípio da isonomia e princípio da capacidade contributiva dos entes políticos. Não estender a imunidade intergovernamental aos tributos indiretos é subverter o objetivo da norma, que é proteger os entes federativos de exações tributárias entre eles mesmos; afinal seria uma interferência no âmbito da autonomia e da competência do ente político. Ainda que o ente federativo não seja o sujeito da relação jurídico-tributária, haja vista ser o contribuinte de fato, é ele quem irá suportar todo o ônus financeiro do tributo. Frise-se que garantir tal imunidade é assegurar a realização do federalismo, preservando o equilíbrio federativo entre os entes e asseverando a autonomia de cada um deles, além de possibilitar o desenvolvimento das políticas públicas. Tal só será possível se a imunidade recíproca for estendida também aos impostos indiretos, quando o ente político for apenas o contribuinte de fato, e não o de direito. No tocante ao fenômeno da repercussão tributária nos impostos indiretos, preza-se pela interpretação de cunho material em detrimento da formal. Eis que a vinculação jurídica conferida ao contribuinte de direito não pode se justapor aos dados da realidade. Considerando que a imunidade deve proteger de forma mais ampla possível o patrimônio do ente federativo contra exações tributárias de outras entidades, em obediência ao princípio federativo, inexiste razão que justifique a não aplicação da imunidade ao ente político quando contribuinte de fato. Afinal, ainda que nesta hipótese não figure como sujeito da relação jurídico-tributária, é quem irá suportar o ônus tributário. Caso a imunidade não lhe seja estendida, o patrimônio do ente sofrerá com o encargo, contradizendo a finalidade perseguida pela norma imunizante. Destaca-se ainda que a relevância econômica é inerente a diversas normas tributárias, a exemplo da norma antielusiva. Desconsiderá-la, ao argumento de que apenas o vínculo jurídico da relação tributária importa, implica em profundo desapreço pelo que ocorre no âmbito fático, o que não é o almejado pelo legislador constitucional. Não se revela, dessarte, razoável desconsiderar a relevância econômica dos impostos indiretos, enfatizando apenas o aspecto formal. Assim, conclui-se que o ente federativo também deve gozar da imunidade recíproca nas situações dos impostos indiretos em que ocupar a posição de contribuinte de fato.
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Da análise acerca da (in)constitucionalidade da CONDECINE à luz do Mandado de Segurança Coletivo nº 1000562-50.2016.4.01.3400
Faz-se neste estudo uma análise não exaustiva acerca da condição de constitucionalidade da Contribuição Para o Desenvolvimento Da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE, criada e regulamentada pela Medida Provisória 2228-1/2011 e alterada pela Lei 12485/2011. As considerações quanto a (in)constitucionalidade se dão com fulcro nos princípios da legalidade tributária e da referibilidade, diante da classificação do tributo com base na teoria quinquipartite como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE. A análise é feita à luz do Mandado de Segurança Coletivo, processo de número 1000562-50.2016.4.01.3400, impetrado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL, e também da Suspensão de Segurança de número 5.116 julgada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Não há questionamento sobre a importância de comunicação na sociedade moderna, inclusive sendo essa chamada de Sociedade da Informação, como bem descreve Luís Manuel Borges Gouveia (2016): “A Sociedade da informação está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. Estas tecnologias não transformam a sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus contextos sociais, económicos e políticos, criando uma nova comunidade local e global: a Sociedade da Informação.”[1] Dentre os meios de comunicação, a Lei Geral das Telecomunicações nº 9.472/1997 define telecomunicação como: “[…] transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.[2] Em meio às diversas exações tributárias que incidem sobre a prestação de serviços de telecomunicações, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE – foi instituída pela Medida Provisória de número 2.228-1 de 2001[3] e alterado pela Lei 12.485 de 2011[4], conhecida como Lei da TV Por Assinatura, e tem sido objeto de debates judiciais sobre sua constitucionalidade e sua incidência, ou não, para empresas de telecomunicações que não se beneficiem diretamente do tributo. A incidência da referida exação se dá por três maneiras diferentes: CONDECINE Títulos, CONDECINE Teles e CONDECINE Remessa. No que tange à espécie Teles deste tributo, esta tem sido alvo de debates judiciais de modo que fora impetrado Mandado de Segurança Coletivo (Processo 1000562-50.2016.4.01.3400) pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDTELEBRASIL, questionando a constitucionalidade da CONDECINE, em razão das alterações providas pelo Art. 26 da lei 12.485/2011[5], no qual se pretendia suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo à mencionada contribuição das empresas filiadas ao sindicato ora impetrante. Portanto, pertinente se faz o debate perante sua regularidade, incidência e constitucionalidade, uma vez que a modalidade de CONDECINE em pauta gera mais de R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) para os cofres públicos anualmente, tendo, assim, grande impacto econômico. 1 CLASSIFICAÇÃO DA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA Primeiramente, faz-se necessário discriminar noções introdutórias ao tema com objetivo de identificar a classificação tributária da CONDECINE e os princípios que a norteiam, de modo a basilar as interpretações acerca do escopo desse artigo. O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 3º, conceitua tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.[6] Dessa forma, tributo consiste em obrigação pecuniária não sancionatória de origem legal, sendo que o credor da obrigação é o Estado ou outras entidades não estatais com fins de interesse público, de modo que tal prestação é arrecadada para o financiamento das despesas públicas. 1.1. TEORIA QUIQUIPARTITE Segundo José Eduardo Soares de Melo (2010), “A importância das classificações reside, sobretudo, na sua utilidade, na fixação de critérios seguros e uniformes para interpretar e aplicar as regras de cada tipo tributário, consoante seu peculiar regime jurídico.” [7] É de conhecimento que existe manifesta divergência doutrinária acerca da classificação dos tributos, todavia, consoante posicionamento do Supremo Tribunal Federal[8], o atual sistema tributário brasileiro é composto por cinco tributos à luz da teoria quinquipartite. Por conseguinte, a pentapartição leva em consideração os impostos (1), as taxas (2), as contribuições de melhoria (3), os empréstimos compulsórios (4) e as contribuições especiais (5). Cabe ressaltar que o critério da teoria supramencionada leva em conta os tributos finalísticos – empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, ou seja, tributos em que o legislador constituinte determina a destinação do produto da arrecadação tributária, tendo sua criação fundamentada em gastos públicos específicos, de sorte que tais tributos somente irão se legitimar enquanto perdurar sua finalidade. 1.2. CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS Diante das considerações já traçadas, é cediço que as contribuições especiais são espécies de tributos finalísticos, sendo subdivididas em (1) contribuições sociais; (2) contribuições de intervenção no domínio econômico; (3) contribuições de interesse de categoria econômica ou profissional e (4) contribuição para custeio do serviço de iluminação pública (CIP), essa última por força da inserção do artigo 149-A na Constituição Federal[9]. Nesse sentido, as contribuições especiais possuem natureza justificadora, isso porque a destinação específica é diretamente vinculada às hipóteses de incidência da exação. Tendo em vista o objeto de escopo, o estudo se limitará à análise da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), em detrimento das demais subespécies de contribuições especiais. 1.2.1 Contribuição de intervenção no domínio econômico A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) é instrumento regulatório da economia de caráter extrafiscal, pois não é meramente meio de arrecadação, mas sim mecanismo de planejamento, com intuito de corrigir distorções e abusos em determinados seguimentos que se encontram em estado de desequilíbrio econômico em relação aos demais.  No que tange à CIDE, para Paulo Ayres Barreto (2010): “As Contribuições de intervenção no domínio público econômico são tributos que se caracterizam por haver uma ingerência da União (intervenção) sobre a atividade privada, na sua condição de produtora de riquezas (domínio econômico). Tal forma de intervenção deve ser adotada em caráter excepcional se, e somente se, for detectado um desequilíbrio de mercado que possa ser superado com a formação de um fundo que seja revertido em favor do próprio grupo alcançado pela contribuição interventiva. Além disso, a Constituição Federal não autoriza sejam criadas contribuições dessa natureza cujo critério material seja de imposto conferido à competência privada de Estados, Distrito Federal e Municípios.”[10] Destarte, a CIDE é contribuição especial de competência exclusiva da União e de caráter excepcional, justificada apenas quando da existência de desequilíbrio econômico em determinado setor. Nesse sentido, cumpre ressaltar que a CONDECINE, à luz da doutrina, é classificada como Contribuição de Intervenção no Domínico Econômico, tendo em vista que foi criada com o intuito de constituir o Fundo Nacional da Cultura – FNC e ser alocada em categoria de programação específica, denominada Fundo Setorial do Audiovisual, nos termos do artigo 34 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 06 de Setembro de 2001: “Art. 34.  O produto da arrecadação da Condecine será destinado ao Fundo Nacional da Cultura – FNC e alocado em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, para aplicação nas atividades de fomento relativas aos Programas de que trata o art. 47 desta Medida Provisória.” [11] Todavia, embora a CONDECINE tenha destinação específica e tenha sido criada com o objetivo de fomentar a indústria cinematográfica nacional, há de se considerar que quando se trata de contribuição de intervenção no domínio econômico a Constituição limita o conceito de ordem econômica, nos termos do artigo 170: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;  VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”[12] Nessa linha, pontuam Rodrigo Azevedo Greco e Daniela Silveira Lara (2013): “Dessa forma, analisando cada um dos pilares da intervenção no domínio econômico, resta claro que a atividade de “distribuição de conteúdos audiovisuais de acesso condicionado” é estranha aos princípios da Ordem Econômica previstos constitucionalmente.”[13] Destarte, ainda que a doutrina majoritária classifique a CONDECINE como CIDE, importante se faz pontuar que o incentivo à cultura e à comunicação não são temas relacionados à Ordem Econômica, inclusive sendo abrangidos pelo Capítulo VI, Título VIII, da Constituição Federal[14], que trata da Ordem Social, de modo a permitir a interpretação pela corrente minoritária de que a referida exação não constitui CIDE, e sim contribuição geral. 2 DA CONDECINE 2.1 BREVE HISTÓRICO O contexto histórico caótico no qual se constatava a dificuldade de relacionamento entre o Governo e a indústria cinematográfica, que padecia de incentivos governamentais, foi cenário do III Congresso Brasileiro de Cinema – CBC, realizado entre 28 de junho e 01 de julho do ano de 2000, em Porto Alegre – Rio Grande do Sul. O evento organizado pela Fundacine (Fundação Cinema RS), com apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, resultou em uma série de reivindicações, o que sucedeu na elaboração de um documento final que diagnosticava a insegurança econômico-financeira em que se encontrava o setor: “O momento se caracteriza pela paralisação da produção, pelo descontrole dos mecanismos de mercado, pela falta de informações a respeito da própria realidade do mercado cinematográfico, pela ausência sistemática do cinema brasileiro nas telas da TV e pelo esgotamento dos mecanismos atuais das leis de incentivo. Todos esses problemas se devem, em grande parte, à deficiente forma de relacionamento do setor cinematográfico com o governo […]”.[15] Dentre as exigências, destaca-se a requisição de criação de fundo de fomento à produção com recursos provenientes de devolução de recursos parciais captados por meio de certificados do audiovisual, cujos prazos de validade expirem sem que os mesmos sejam liberados; taxação sobre as receitas de TV aberta e das operadoras de TV por assinatura; taxação sobre os comerciais importados para veiculação no país. Em atendimento às solicitações realizadas no III Congresso Brasileiro de Cinema, foi promulgada a Medida Provisória nº 2.219/01[16], que cria o Conselho Superior do Cinema e a Agência Nacional do Cinema – ANCINE, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional – PRODECINE, autoriza a criação de Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – FUNCINES, altera a legislação sobre a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional e dá outras providências. Todavia, a medida provisória supracitada foi revogada pela Medida Provisória n° 2.228-1/2001 que altera a legislação sobre a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional e dá outras providências, sendo considerada o diploma legal instituidor da CONDECINE, tendo em vista o disposto no artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.[17] Assim sendo, a CONDECINE, conforme artigo 32 da Medida Provisória n° 2.228-1/2001, incidia sobre a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, por segmento de mercado a que forem destinadas: “Art. 32.  A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE terá por fato gerador a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, por segmento de mercado a que forem destinadas.” [18] Todavia, o artigo 32 do referido diploma legal foi alterado pela Lei 12.485/2011, que ampliou a hipótese de incidência da exação tributária: “Art. 26.  O Anexo I da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, passa a vigorar acrescido do quadro constante do Anexo desta Lei, e seus arts. 32, 33, 35, 36, 38 e 39 passam a vigorar com a seguinte redação, renumerando-se o parágrafo único do art. 38 para § 1º.     “Art. 32.  A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine terá por fato gerador:  I – a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, por segmento de mercado a que forem destinadas;  II – a prestação de serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais nos termos da lei que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado, listados no Anexo I desta Medida Provisória;  III – a veiculação ou distribuição de obra audiovisual publicitária incluída em programação internacional, nos termos do inciso XIV do art. 1o desta Medida Provisória, nos casos em que existir participação direta de agência de publicidade nacional, sendo tributada nos mesmos valores atribuídos quando da veiculação incluída em programação nacional.”[19] Dessa forma, atualmente, a CONDECINE possui quatro hipóteses de incidência, sendo que, a depender do fato gerador, a exação terá alíquota ad valorem (CONDECINE Remessa) ou específica (CONDECINE Título e CONDECINE Teles), nos termos do dispositivo legal supramencionado. 2.2 DAS ESPÉCIES DE CONDECINE A CONDECINE é recolhida, de acordo com a Medida Provisória 2.228-1/2001[20], em três formas distintas, nomeadas pela a ANCINE, como CONDECINE Títulos, CONDECINE Remessas e CONDECINE Teles[21]. A Espécie nomeada Títulos se encontra no Art. 33 da MP 2.228/2001[22] e incide sobre o título ou capítulo de obra cinematográfica ou videofonográfica destinada aos segmentos de mercado que se encontram nos incisos I alíneas de “a” a “e” do referido artigo e outros mercados, conforme a tabela anexa ao dispositivo legal. São eles, salas de exibição; vídeo doméstico, em qualquer suporte; serviço de radiodifusão de sons e imagens; serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura e outros mercados. O valor da contribuição varia conforme o tipo da obra, se esta é publicitária ou não, o segmento de mercado os quais são mencionados no rol do Art. 33 do referido dispositivo legal[23], sendo que no caso das obras não publicitárias, a duração e, ainda, a forma de organização da obra, se esta é seriada, hipótese na qual a cobrança se dá por capítulos ou episódios. A CONDECINE Título é devida a cada cinco anos para as obras não publicitárias, conforme inciso I do §3º do Art.33[24] do arcabouço legal supracitado, e a cada 12 meses no caso de obras publicitárias como disposto no inciso II do §3º do artigo supracitado. Sendo que seus valores estão contidos nas tabelas anexas identificadas de “a” a “d”. Ademais, a Espécie Remessa está disposta no Parágrafo Único do Art. 32[25] da mesma Medida Provisória, que dispõe que a CONDECINE também incidirá sobre o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, aos distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo. A alíquota da CONDECINE Remessas é estipulada em onze por cento sobre as importâncias referidas, pelo §2º do Art.32 da MP 2.228-1/2001[26], contudo, segundo o Inciso X do Art. 39, estarão isentas deste pagamento caso o agente passivo opte por aplicar o valor correspondente a três por cento do valor da incidência desta espécie deste tributo em projetos de produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de longa, média e curta metragens de produção independente, de coprodução de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de produção independente, de telefilmes, minisséries, documentais, ficcionais, animações e de programas de televisão de caráter educativo e cultural brasileiros de produção independente e aprovados pela ANCINE. Resta também a CONDECINE Teles, disposta no inciso II do Art.32, que incide sobre prestação de serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais, esta foi incorporada pela Lei 12.485 de 2011[27] e incide em uma lista de serviços com seus respectivos valores contidos no anexo de ambas as leis.  Na prática, ela é devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações que prestam serviços que se utilizem de meios possibilitados de distribuir conteúdos audiovisuais, mesmo que não utilizados para distribuição do referido conteúdo. 3 DA ANÁLISE ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA CONDECINE Traçadas as considerações iniciais sobre a CONDECINE, passa-se ao cerne da questão, qual seja a análise acerca da constitucionalidade da referida exação tributária em relação aos últimos julgados. Destarte, para se discutir a tendência dos tribunais sobre o tema, necessário se faz trazer à tona os próprios argumentos que permeiam o entendimento quanto a inconstitucionalidade do tributo. 3.1 DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SUA APLICABILIDADE EM RELAÇÃO À CONDECINE 3.1.1 Princípio da legalidade Com relação ao princípio da legalidade, a Constituição Federal do Brasil determina em seu artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.[28] No que tange ao princípio da legalidade tributária, o legislador constituinte optou por acautelar os direitos dos contribuintes, de modo que considerou necessária nova previsão constitucional que os tutelasse de forma específica, pelo o que a legalidade tributária mereceu seu próprio dispositivo, consubstanciado no artigo 150, inciso I, da Lei Maior[29], que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O princípio da legalidade tributária limita o poder de tributar do Estado de modo que a cobrança de tributo, qualquer que seja a sua espécie tributária, só poderá ser operada se houver Lei previamente estabelecida que a autorize. Todavia, cumpre esclarecer que o princípio supramencionado não se limita apenas à existência de previsão legal para instituição de tributos, ou seja, lei material, mas também se exige a lei formal, assim compreendida na forma de elaboração do preceito normativo. Nesse sentido, posiciona Luciano Amaro (2010): “Quando se fala em reserva de lei para disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorizados fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal).” [30] Destarte, em regra, o veículo hábil para instituir e majorar tributos é a lei ordinária, lei comum emanada do Poder Legislativo, cuja elaboração prescinde de quórum qualificado. Exaurido o mérito, cabe analisar a instituição da CONDECINE e o respeito ao princípio da legalidade tributária, que consiste em um dos argumentos centrais daqueles que defendem a inconstitucionalidade da exação. 3.1.2 O princípio da legalidade e instituição da CONDECINE por medida provisória Primeiramente, cumpre destacar que, embora haja posicionamentos doutrinários divergentes, os tribunais brasileiros entendem que a CONDECINE se trata de Contribuição de Intervenção ao Domínio Econômico – CIDE: “APELAÇÃO CÍVEL – TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA INSDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA NACIONAL (CONDECINE) – CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – ARTIGO 149 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.228-1/2001 – FORÇA DE LEI ORDINÁRIA (ARTIGO 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)- PRESCINDIBILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR – VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO DESPROVIDO. […] 2. A contribuição em questão foi criada para financiar o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional, portanto, tendo seu objetivo voltado para a educação e para a cultura, muito embora possa também ter feição fiscal de caráter secundário. 3. Trata-se de espécie de contribuição de intervenção no domínio econômico, cujas regras estão delineadas no artigo 149 da Constituição Federal. […]” [31] Assim sendo, partindo-se da premissa que a CONDECINE é classificada como CIDE, sua instituição, em regra, consoante o princípio da reserva legal, deveria se dar por meio de lei ordinária, todavia, sua criação se deu pela Medida Provisória nº 2.228-1/2001, o que gera o questionamento quanto à sua constitucionalidade. No que tange à possibilidade de instituição e tributos por medida provisória, há que se considerar a controvérsia sobre a matéria, sendo que essa se trata de ato normativo de vida efêmera e de utilização excepcional, devendo obediência aos requisitos de relevância e urgência. Contudo, a Emenda Constitucional nº 32/2001 trouxe a previsão de utilização de medida provisória em matéria de ordem tributária, permitindo a instituição de impostos por meio de medida provisória: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. […] § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.”[32] Por outro lado, necessário se faz destacar que a referida Emenda Constitucional permite a aplicabilidade de medida provisória em matéria tributária exclusivamente no que diz respeito a impostos, não abarcando, portanto, demais tributos do sistema tributário brasileiro. Ainda, parte da doutrina tece críticas quanto à apropriação imoderada da Presidência da República do poder de legislar, o que acaba por degradar os preceitos intrínsecos à medida provisória, quais sejam relevância e urgência. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou favorável à permissão de se instituir e majorar tributos por meio de medida provisória. Segue voto do relator Ministro Carlos Velloso no Recurso Extraordinário nº 138.284/CE-1992: “Há os que sustentam que o tributo não pode ser instituído mediante medida provisória. A questão, no particular, merece algumas considerações. Convém registrar, primeiro que tudo, que a Constituição, ao estabelecer a medida provisória como espécie de ato normativo primário, não impôs qualquer restrição no tocante à matéria.” [33] Nesse interim, são plausíveis as críticas referentes à constitucionalidade da CONDECINE, posto que a possibilidade de instituição de tributo por meio de medida provisória é terreno fértil que propicia críticas respaldadas na possível violação do princípio da legalidade tributária. 3.2 DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE CONTRIBUINTE Ainda sobre a constitucionalidade do tributo, passar-se-á a analisar especificamente a extensão do conceito de contribuinte da CONDECINE enquanto CIDE. A Lei 12.485/2011[34] alterou consideravelmente a Medida Provisória 2.228-1/2001[35] quando introduziu o inciso II ao seu artigo 32[36], ampliando o então conceito de contribuinte da CONDECINE quando estabeleceu como hipótese de incidência a prestação de serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais nos termos da lei, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado, listados no Anexo I da Medida Provisória. Ocorre que parte da doutrina entende que a CIDE deve resguardo ao princípio da referibilidade, consoante dispõe Ludimila Carvalho Bitar Morelo (2016): “As CIDEs são instituídas pela União, conforme art. 149 da Constituição Federal (CF), como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas econômicas. Isto significa que uma CIDE pode ser instituída quando a lei própria apontar uma das finalidades previstas na Constituição como de necessária atuação do Estado. Assim sendo, para alguns doutrinadores, esta contribuição é instituída pela União no intuito de intervir em um certo domínio econômico, de modo que a referida atuação estatal, necessariamente, deve se reverter em favor do próprio grupo que paga esta espécie tributária. É o que se chama de referibilidade entre a contribuição interventiva e a atuação estatal.”[37] Dessa maneira, o princípio da referibilidade é a existência de benefício ou vantagem obtida pelo contribuinte como contraponto de uma determinada ação estatal ou um gravame por ele criado, sendo que as CIDES são necessárias para custear respectivos custos e encargos. Segue doutrina de Maurício Zockun (2005): “É necessário, pois, que haja uma correlação lógica entre a intervenção realizada e o propósito do gravame criado. […] Ora, admitir que a União possa gravar o patrimônio particular por meio de uma CIDE sem que realize qualquer espécie de contrapartida direta ou indireta é, com o perdão da alusão ao coloquialismo, pretender legitimar a máxima segundo a qual é possível “pedir esmola com o chapéu alheio.” [38] Nesse sentido, cabe pontuar que o fruto da arrecadação do CONDECINE tem destinação específica ao Fundo Nacional da Cultura – FNC e alocado em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, para aplicação nas atividades de fomento relativas aos Programas de que trata o art. 47 da Medida Provisória nº 2.228-1/2001: “Art. 47.  Como mecanismos de fomento de atividades audiovisuais, ficam instituídos, conforme normas a serem expedidas pela Ancine: I – o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro – PRODECINE, destinado ao fomento de projetos de produção independente, distribuição, comercialização e exibição por empresas brasileiras; II – o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PRODAV, destinado ao fomento de projetos de produção, programação, distribuição, comercialização e exibição de obras audiovisuais brasileiras de produção independente;  III – o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Infra-Estrutura do Cinema e do Audiovisual – PRÓ-INFRA, destinado ao fomento de projetos de infra-estrutura técnica para a atividade cinematográfica e audiovisual e de desenvolvimento, ampliação e modernização dos serviços e bens de capital de empresas brasileiras e profissionais autônomos que atendam às necessidades tecnológicas das produções audiovisuais brasileiras.”[39] Assim sendo, o inciso II do artigo 32 da MP nº 2.228-1/2001 acaba por estender o conceito de contribuinte da exação para empresas de telecomunicações que não se relacionam diretamente com os programas de fomento de que trata o artigo 47 do mesmo arcabouço legal, por conseguinte, parte da doutrina entende que a alteração trazida pela Lei nº 12.485/2011[40] infringe o princípio da referibilidade, de modo a ser sua cobrança inconstitucional. Todavia, decisões reiteradas nos tribunais brasileiros mostram uma tendência jurisprudencial em considerar que a cobrança de CIDE independe de referibilidade: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INSTITUÍDA PELA LEI 10.168/2000 (COM REDAÇÃO ACRESCIDA PELA LEI 10.332/2001). VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO OCORRÊNCIA. APRECIAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. REFERIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO COMO CONDIÇÃO DE SUA LEGITIMIDADE. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO. […] No caso concreto, as questões levantadas nos aclaratórios da contribuinte, quais sejam, o local da prestação dos serviços de assistência técnica e a falta de referibilidade […] 7. A Primeira Seção, ao apreciar a exigibilidade da contribuição para o INCRA, firmou orientação no sentido de que "as contribuições especiais atípicas (de intervenção no domínio econômico) são constitucionalmente destinadas a finalidades não diretamente referidas ao sujeito passivo, o qual não necessariamente é beneficiado com a atuação estatal e nem a ela dá causa (referibilidade). Esse traço característico que as distingue das contribuições de interesse de categorias profissionais e de categorias econômicas" (EREsp 724.789/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJ 28/5/2007). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.”[41] Ante o exposto, embora haja divergências sobre o tema, os tribunais brasileiros mantêm posicionamento favorável à instituição e cobrança de CIDE não vinculados diretamente a um benefício ao contribuinte estabelecido na legislação que a instituiu, inclusive quando se trata especificamente de CONDECINE, como será explicitado. 3.3 A CONSTITUCIONALIDADE DA CONDECINE À LUZ DOS RECENTES JULGADOS Com o exposto, cabe analisar o posicionamento dos tribunais sobre o tema, ainda não pacificado pelas instâncias superiores. O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL impetrou Mandado de Segurança Coletivo (Processo 1000562-50.2016.4.01.3400) questionando a constitucionalidade da Contribuição para o CONDECINE, em razão das alterações promovidas pelo art. 26 da Lei 12.485/2011, no qual se pretendia suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo à mencionada contribuição das empresas filiadas ao sindicato impetrante. A decisão proferida pela 4ª Vara Federal da Seção Judiciaria do Distrito Federal foi favorável à Impetrante e concedeu a medida liminar no writ originário, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário onde alega: “O Supremo Tribunal Federal já decidiu que ‘a sujeição passiva deve ser atribuída aos agentes que atuem no segmento econômico alcançado pela intervenção estatal’ (RE 595670 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 18- 06-2014 PUBLIC 20-06-2014). Muito embora não se exija uma contraprestação direta em favor do contribuinte (o que seria mais adequado à taxa), o princípio da referibilidade deve ser interpretado estritamente, ou seja, somente deve suportar o tributo quem for integrante do setor que demanda uma atuação efetiva no segmento sujeito à intervenção. No caso destes autos ainda que se vislumbre uma tênue vinculação entre os setores em questão, tal vinculação não se apresenta com caráter estrito, e isto justifica o afastamento da norma instituidora do tributo, ao menos em princípio. Assim, defiro o pedido de liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo à ‘CONDECINE das teles’ em relação às empresas filiadas ao Impetrante.”[42] Em face da mencionada decisão, foi interposto agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por parte da ANCINE, em que o Tribunal manteve a decisão concessiva da liminar proferida em 1º grau. Como resultado, visto a emergência da matéria tratada, a ANCINE formulou Pedido de Suspensão de Segurança em face da decisão proferida pelo Tribunal Regional da 1ª Região, onde foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal pela suspensão do mandado de segurança e, consequentemente, da medida liminar que eximia as empresas filiadas ao SINDITELEBRASIL de arcarem com o pagamento da CONDECINE. Em sua argumentação, o Excelentíssimo Ministro Presidente Ricardo Lwandowiski ressalta a importância da lei 12.485/2011[43] para o estímulo a concorrência do setor, sendo que esta mesma lei permitiu a criação dos “combos” pelas empresas de Telecomunicações, autorizando às concessionárias e demais autorizadas vender seus serviços conjuntamente com o serviço de televisão por assinatura. Ademais, ressalta que o entendimento da corte é em sentido de que as contribuições de intervenção podem ser criadas por lei ordinária como expõe: “Acrescento que esta Corte possui entendimento no sentido de que as contribuições de intervenção no domínio econômico podem ser criadas por lei ordinária e não exigem vinculação direta entre o contribuinte e a aplicação dos recursos arrecadados, conforme se observa do julgamento do RE 451.915-AgR/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, cuja ementa transcrevo a seguir: “Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Lei no 10.168, de 2000. Contribuição social de intervenção no domínio econômico. Inexigência de lei complementar e de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE 396.266/SC, Rel. Min. Carlos Velloso; RE 389.016-AgR/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE 389.020-AgR/PR e AI 650.194-AgR/PR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 739.715-AgR/RJ, Rel. Min. Eros Grau; RE 399.649- AgR/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes; RE 529.457/RJ e AI 793.258/CE, Rel. Min. Celso de Mello; AI 739.316/SP e RE 564.901/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 367.973-AgR/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 583.058/CE, de minha relatoria.”[44] Dessa forma, embora não haja trânsito em julgado deste processo, pelos apontamentos dados na decisão proferida na Suspensão de Segurança supramencionada, bem como pela tendência jurisprudencial dos tribunais superiores, o Supremo Tribunal Federal se posiciona em acordo ao não atendimento ao princípio da não referibilidade e a permissibilidade da constituição de tributos por meio de medida provisória, portanto há de se considerar a possibilidade do referido processo resultar em decisão pela constitucionalidade da incidência do CONDECINE sobre empresas de telecomunicações em geral, o referido CONDECINE Teles. CONCLUSÃO Ante todo o exposto, ainda que haja divergência doutrinária, é possível classificar a CONDECINE dentro da teoria pentapartite como contribuição de intervenção no domínio econômico, de sorte a constituir tributo de destinação específica, ou seja, sua criação tem como requisito a vinculação dos recursos arrecadados aos fins para os quais a exação foi criada, bem como deve ser criado mediante lei. Todavia, mesmo que a CIDE seja caracterizada pela inerência da finalidade à sua essência, a CONDECINE tem como contribuinte todo e qualquer prestador de serviços de telecomunicações, não se restringindo ao autorizado pela ANATEL para exploração de Serviço de Acesso Condicionado (Televisão por Assinatura), mesmo que a destinação da arrecadação seja voltada para fundos dos quais provedores que não prestam SEAC não possuam qualquer vinculação ou benefício. Tal fato fundamentou o Mandado de Segurança Coletivo interposto pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL que questiona a constitucionalidade da exação, haja vista a violação do princípio da referibilidade. Ainda, o referido sindicato defende a violação do princípio constitucional da legalidade tributária, tendo em vista que a CONDECINE é criada mediante medida provisória e não por lei ordinária. Quanto ao princípio da reserva legal, há que se considerar que a jurisprudência é favorável à constituição de tributos mediante medida provisória, desde que se obedeça aos requisitos da relevância e da urgência e que haja conversão do texto legal em lei, o que não ocorre com a Medida Provisória 2.228-1/2001. É inquestionável que a (in)constitucionalidade da CONDECINE é tema polêmico e de grande impacto, motivo pelo qual o mérito ainda não foi exaurido, soma-se a isso que a declaração de inconstitucionalidade da exação pode vir a ferir gravemente os cofres públicos, abrindo precedentes para inúmeros outros Mandados de Segurança e Ações de Repetição de Indébito Tributário.
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O conceito de estabelecimento no Código Civil e na legislação paulista do ICMS
O presente trabalho pretende expor as diferenças e semelhanças do conceito de estabelecimento previsto no Código Civil e na legislação tributária paulista do ICMS.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O conceito de estabelecimento é vital para a moderna teoria da empresa. O estabelecimento pode ser visto como o aspecto objetivo da empresa, reunindo os bens necessários para a consecução da atividade empresarial. Na passagem para o direito tributário, esse mesmo conceito sofre adaptações para outro fim: viabilizar a cobrança de tributos. Os conceitos de estabelecimento para o direito empresarial e para o direito tributário podem ser diferentes, conforme preceituam os arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional. E a legislação de cada tributo, no interesse da fiscalização e arrecadação, pode prever um conceito diferente. No presente estudo será analisado o conceito de estabelecimento previsto na legislação tributária do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado de São Paulo em confronto com o conceito previsto pelo Código Civil. 1. O CONCEITO DE ESTABELECIMENTO NO CÓDIGO CIVIL O que faz um ramo do direito autônomo é a aplicação de um regime diferenciado de interpretação, normalmente consubstanciado em um particular conjunto de regras e princípios, que exigem um estudo pormenorizado para a sua correta aplicação. O direito empresarial estuda o mundo das empresas. A atividade empresarial na moderna teoria da empresa adotada pelo Código Civil é o conceito chave em torno do qual gravitam diversos institutos, como as sociedades empresárias, propriedade industrial, títulos de crédito, falência e recuperação judicial. Nesse contexto, o conceito de estabelecimento é vital para o entendimento da atividade empresária. Ao discorrer sobre Direito de Empresa, Maria Helena Diniz (2011, p. 35) expõe a visão multifacetária de Alberto Asquini, que concebe a empresa como um fenômeno poliédrico, composta de quatro perfis ou elementos: a) o subjetivo, que seria o empresário (pessoa física ou jurídica), titular da empresa. No perfil subjetivo, considera-se, portanto, a empresa sob o prisma de seu titular e das condições que ele deve satisfazer para realizar juridicamente o empreendimento econômico; b) O material ou patrimonial, que abrange o estabelecimento (patrimônio aziendal – azienda res) ou universalidade de bens e o complexo de direitos sobre bens empresariais, as relações com os funcionários, fornecedores de material e de capital. Pelo perfil patrimonial, a empresa teria um patrimônio afetado a uma finalidade específica; c) O funcional, atividade desenvolvida para alcançar um fim, organizando a força de trabalho e o capital necessário para a produção de bens e serviços; d) O corporativo ou institucional, relativo à parceria entre empresários e seus colaboradores, ao fato da participação dos empregados no lucro da empresa, fator de integração do trabalhador na comunidade empresarial. Apesar de discordar que essa visão foi acatada em sua íntegra pelo direito brasileiro, reconhece o trinômio empresa-empresário-estabelecimento, aduzindo (2011, p. 57): “Empresa é a atividade econômica unitariamente estruturada ou organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. Empresário, individual ou coletivo, é o titular da empresa. Estabelecimento é o conjunto de bens, caracterizado por sua unidade de destinação, podendo ser, como diz Miguel Reale, objeto unitário de negócios jurídicos, daí sua importância para que a "empresa" possa atingir suas finalidades, pois o empresário precisa reunir meios para consecução contínua de um objetivo técnico.” O estabelecimento é regulado no Código Civil no Livro II da Parte Especial (Direito de Empresa), mais especificamente entre os artigos 1.142 a 1.149. O conceito de estabelecimento trazido pelo Código Civil é: “Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.” Porém, esse conceito de direito empresarial sofre modulações quando da passagem para aplicação no direito tributário. 2. RELACIONAMENTO ENTRE DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO O direito tributário é um direito de sobreposição. O direito tributário tem como função técnica invadir o patrimônio do particular, daí retirando recursos para o sustento da própria sociedade. E, para cumprir essa função, o direito tributário se sobrepõe às relações jurídicas civis que permeiam a sociedade. Nesse sentido, Regina Helena Costa (2014) de forma magistral dispõe: “Também com os Direitos Civil, Comercial e do Trabalho o Direito Tributário mantém conexão, especialmente representada pelo fato de constituir este um direito de sobreposição. Assim, utilizam-se princípios de direito privado para a interpretação de suas normas, bem como conceitos desse domínio para a configuração das materialidades tributárias, tais como propriedade, bens móveis e imóveis, prestação de serviços, família, mercadoria, salário, dentre muitos outros, o que se reflete na importância da disciplina contida nos arts. 109 e 110, CTN.” Isso significa que o direito tributário retira muitos de seus conceitos de outros ramos do direito, mas pode modulá-los, conforme autorização do art. 109 do CTN: “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.” Os efeitos tributários podem ser diferentes, mas há uma limitação: não podem ser tão diferentes de forma a mudar a atribuição da competência tributária, conforme disciplina do art. 110 do CTN: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Segundo Ricardo Alexandre (2016), "A interpretação a contrario sensu é também importante, de forma que os conceitos de direito privado que não tenham sido utilizados pelas citadas leis máximas podem ser alterados pelo legislador infraconstitucional, não havendo que se falar em inconstitucionalidade neste caso". E é assim que ocorre com o conceito de estabelecimento para a legislação paulista do ICMS, como demonstrado a seguir. 3. O CONCEITO DE ESTABELECIMENTO NA LEGISLAÇÃO DO ICMS O imposto sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior", ou, no jargão, simplesmente ICMS, é um tributo de competência estadual, conforme estatuído pelo art. 155, II, da Constituição Federal. Esse tributo tem as suas normas gerais necessariamente reguladas por lei complementar (CF, art. 146, III e art. 155, § 2º, XII), de forma a tentar minimizar o conflito federativo decorrente de sua operacionalização (guerra fiscal). No âmbito do Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 6.374/89 instituiu concretamente o ICMS e regulou uma série de temas. A regulação mais pormenorizada do tributo se dá por meio do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 45.490/2000, e legislação inferior correlata (Resoluções do Secretário da Fazenda, Convênios, Portarias da Coordenadoria da Administração Tributária etc). O conceito de estabelecimento é utilizado por diversas vezes na lei. Por exemplo, o art. 2º da Lei Estadual 6.374/89 dispõe: “Artigo 2  – Ocorre o fato gerador do imposto: (Redação dada ao artigo pela Lei 10.619/00, de 19-07-2000; DOE 20-07-2000) I – na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (…)” Mas o conceito de estabelecimento não é aquele previsto no art. 1.142 do Código Civil (complexo de bens organizado). Mais à frente, a Lei Estadual nº 6.374/89 dispõe: “Artigo 12 – Para efeito desta lei, estabelecimento é o local, privado ou público, construído ou não, mesmo que pertencente a terceiro, onde o contribuinte exerça toda ou parte de sua atividade, em caráter permanente ou temporário, ainda que se destine a simples depósito ou armazenagem de mercadorias ou bens relacionados com o exercício dessa atividade. (Redação dada ao artigo pela Lei 10.619/00, de 19-07-2000; DOE 20-07-2000) § 1º – Na impossibilidade de determinação do estabelecimento nos termos deste artigo, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação ou encontrada a mercadoria. § 2º – Considera-se estabelecimento autônomo: 1- o veículo utilizado na venda de mercadoria sem destinatário certo; 2- o veículo utilizado na captura de pescado. 3 – a área e a atividade de revenda de combustíveis e outros derivados de petróleo, conforme definidas na legislação federal. (Item acrescentado pela Lei 11.929/05, de 12-04-2005; DOE 13-04-2005; Na redação dada pelo texto promulgado pela Assembléia Legislativa, de 13-12-2005) § 3º – Considera-se extensão do estabelecimento o escritório onde o contribuinte exerce atividades de gestão empresarial ou de processamento eletrônico de suas operações ou prestações. (Redação dada ao parágrafo pela Lei 13.918, de 22-12-2009; DOE 23-12-2009) § 4º – O regulamento poderá considerar como estabelecimento outro local relacionado com a atividade desenvolvida pelo contribuinte”. (§3º passou a denominar-se §4º pela Lei 13.918, de 22-12-2009; DOE 23-12-2009) O estabelecimento, para fins tributários na legislação paulista do ICMS, não é o complexo de bens, mas sim o local. O estabelecimento funciona, para a legislação paulista do ICMS, como elemento de conexão para a fixação da competência tributária, tendo um caráter eminente operacional em relação ao aspecto espacial da regra matriz de incidência tributária. CONCLUSÃO O conceito de estabelecimento é vital para a moderna teoria da empresa. Para o direito empresarial, o estabelecimento é considerado o complexo de bens nos termos do art. 1.142 do Código Civil. Porém, esse conceito pode ser modulado pelo direito tributário, conforme o disposto nos arts. 109 e 110 do CTN. A legislação paulista do ICMS utiliza-se de tal faculdade ao conceituar estabelecimento não como complexo de bens, mas como local, de forma a servir como elemento de conexão para a fixação da competência tributária, tendo um caráter eminentemente operacional em relação ao aspecto espacial da regra matriz de incidência tributária.
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Fenomenologia das isenções tributárias
O presente trabalho tem como objetivo analisar as diversas teorias existentes sobre as isenções tributárias, bem como abordar algumas questões controvertidas, como a relação entre isenção tributária e alíquota zero e isenção tributária e imunidade.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo expor as principais teorias que se propuseram a descrever o fenômeno jurídico da isenção, acompanhadas das críticas que lhe foram dirigidas. Começa-se pela mais tradicional delas, que enxerga na isenção uma dispensa legal do pagamento do tributo, seguida da teoria da isenção como norma não-juridicizante e da teoria de Paulo de Barros Carvalho, que vê na isenção uma norma de estrutura, que mutila parcialmente algum critério da regra-matriz tributária. Finalmente, expõe-se a teoria de Pedro Lunardelli, que compreende a isenção como uma norma de comportamento que estabelece uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte. O trabalho também apresenta algumas questões controvertidas. Nesse sentido, compara o fenômeno da isenção com o fenômeno da alíquota zero, bem como diferencia as normas de imunidade das normas de isenção. 1. TEORIAS SOBRE ISENÇÕES 1.1. ISENÇÃO COMO DISPENSA LEGAL DO PAGAMENTO Para essa teoria, cujo defensor principal fora Rubens Gomes de Souza, coautor do anteprojeto do Código Tributário Nacional, o fato jurídico ocorre, nascendo normalmente o vínculo obrigacional. Em seguida, por razões de ordem ética, econômica, política, financeira, entre outras, desonera-se o sujeito passivo da obrigação tributária de cumprir o dever jurídico de recolher o gravame, mediante dispositivo expresso em lei[1]. Portanto, para essa doutrina, num primeiro momento há a incidência da norma tributária, para só depois ocorrer a incidência da norma de isenção. São essas as palavras do próprio Rubens Gomes de Souza, para quem “a isenção pressupõe a incidência da norma tributária, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido”[2] Não há duvidas de que essa teoria influenciou de sobremodo o código tributário, que arrolou a isenção como hipótese de exclusão do crédito tributário, como se verifica no artigo 175 do CTN.  Contudo, isso não impede a formulação de críticas, porque como adverte Paulo de Barros Carvalho, o legislador em vários momentos emite suas proposições normativas sem levar em consideração lições que podem ser recolhidas da Teoria Geral do Direito e da Lógica Jurídica[3]. Portanto, se por um lado a autoridade legislativa pode imputar efeitos aos fatos sociais que escolha, por outro lado esse domínio encontra limites no campo da associação imputativa, que se rege por imposições lógicas que escapam à vontade do político investido de competência legiferante[4].  É, pois, com base nessas ponderações que se fazem críticas a essa compreensão doutrinaria, sob o fundamento de que ela iria de encontro à dinâmica normativa. De fato, não existe cronologia na atuação das normas jurídicas, razão pela qual não parece correta a concepção adotada pela teoria da dispensa legal do pagamento do tributo, que atribui à regra-matriz de incidência tributária uma maior velocidade que a norma jurídica de isenção. Aquela chegaria primeiro ao evento, juridicizando-o; esta chegaria apenas em momento posterior, para extinguir uma obrigação tributária que já se encontraria formalizada. Nesse sentido, na visão de muitos doutrinadores essa tese fere concepções elementares de como se processa a normatização dos fatos sociais, conferindo às normas jurídicas predicados que elas não possuem[5], ou seja, conferindo a determinada norma jurídica a qualidade de ser mais veloz que outra norma jurídica. Além disso, a teoria da dispensa legal do pagamento do tributo tem dificuldades de diferenciar a isenção da remissão, que é hipótese de extinção do crédito tributário. Na fenomenologia da remissão há, de fato, a incidência de duas normas distintas, que se sucedem temporalmente, sem que se tenha, nesse caso, qualquer ofensa a postulados da teoria geral do direito, porque os fatos previstos na norma isentiva e na norma de remissão são distintos, operando-se em momentos diversos. Primeiro, incide a regra-matriz de incidência tributária, que prevê na sua hipótese a descrição de um evento futuro, e no seu consequente, o estabelecimento da relação jurídica tributária entre o fisco e contribuinte.  Em seguida, incide a norma de remissão, que prevê no seu antecedente um fato passado, ou seja, relação jurídica tributária decorrente da regra-matriz; e no seu consequente, a extinção desta referida relação tributária. Assim, a teoria da isenção como dispensa legal do pagamento de um tributo é criticada por duas circunstâncias: primeira, de conferir às normas jurídicas o predicado de possuírem diferentes velocidades; segunda, de não conseguir diferenciar a isenção do fenômeno jurídico da remissão.  1.2.  ISENÇÃO COMO NORMA NÃO-JURIDICIZANTE O primeiro a criticar a teoria tradicional, da isenção como dispensa legal do pagamento, foi Alfredo Augusto Becker. Esse autor, com base na divisão das normas jurídicas em juridicizantes, desjuridicizantes e não juridicizantes, cunhada por Pontes de Miranda, defendeu que a lógica da tese da dispensa legal do pagamento do tributo só encontra guarida no plano pré-jurídico, da política fiscal, mas não quando se trabalha com os postulados da teoria geral do direito[6]. Para esse autor, uma regra juridicizante é aquela cuja incidência leva como consequência a juridicização da hipótese de incidência realizada, que se transfigura em um fato jurídico.  Regra desjuridicizante total, ao revés, ocorreria quando a incidência da regra desconstituísse um ato jurídico nulo ou anulável, expulsando-o do mundo jurídico; por fim, haveria a regra não-juridicizante, que se configuraria em uma espécie de regra cuja incidência não transmudaria a hipótese de incidência em fato jurídico.  Sua função, portanto, seria unicamente deixar claro que aquele evento ocorrido não acrescentaria ou diminuiria nada que existisse no mundo jurídico[7]. Para melhor explanação do que seja a regra não-jurdicizante, ou regras negativamente formuladas, transcrevemos trechos da obra de Pontes de Miranda[8]: “Advirta-se em que há regras jurídicas, cujo suporte fático, colorindo-se com a incidência, nem por isso entra no mundo jurídico. Assim, essas regras jurídicas, em vez de serem regras juridicizantes (isto é, que tornam fatos jurídicos os suportes fáticos), exatamente se formulam em termos de negação: não dizem que o suporte fático A é suficiente; dizem que o suporte fático, ou porque algo lhe falte, ou algo haja ocorrido que o desfalque, não é suficiente para a entrada no mundo jurídico. Não são, porém, tais regras jurídicas senão formulações negativas de regras jurídicas de suficiência: há sempre uma regra jurídica, explícita ou implícita, que diz qual o suporte fático suficiente”. Para Alfredo Augusto Becker, portanto, a norma de isenção não é uma norma desjuridicizante, porque não existe uma relação jurídica tributária anterior, que atribua ao sujeito passivo a obrigação de pagar o tributo. Para que pudesse existir uma relação tributária anterior, seria imprescindível que tivesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação, a qual não teria ocorrido porque um dos elementos da sua composição teria faltado ou excedido. Assim, esse elemento faltante ou excedente é que comporia a regra de isenção e que a diferenciaria da regra de tributação. Desse modo, a regra de isenção desencadearia como único efeito a negação da existência da relação jurídica tributária, ou seja, a regra jurídica de isenção incidira para que a de tributação não incidisse[9]. Em que pese essa teoria tenha afastado a tese de que a norma de tributação incidiria antes da norma de isenção, ela não ficou isenta de críticas. Na verdade, critica-se essa teoria sob o fundamento de que ela teria incorrido no mesmo equívoco da teoria da dispensa legal do pagamento do tributo, só que em um sentido inverso. Ao asseverar que a regra de isenção incide para que a de tributação não incida, acabou por outorgar maior celeridade ao preceito isencional, em detrimento da norma do tributo. Alterou-se, pois, a dinâmica de juridicização do evento que, ao invés de receber primeiro a incidência da regra de tributação, receberia a incidência da norma isentiva.[10] 1.3. ISENÇÃO COMO NORMA DE ESTRUTURA QUE MUTILA UM DOS CRITÉRIOS DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA Trata-se de uma das teorias que mais goza de prestígio na doutrina. Foi desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho, após o autor fazer uma análise profunda das teorias até então existentes, e refletir a respeito da diferença entre normas de comportamento e normas de estrutura. Para esse jurista, a regra de isenção é uma norma de estrutura, que investe contra um ou mais de um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária, mutilando-os de maneira parcial. O que o preceito de isenção faz é, portanto, subtrair parcela do campo de abrangência de alguns dos critérios do antecedente ou do consequente, não podendo essa subtração ser total, porque isso implicaria na inutilização da regra-matriz como norma válida no sistema[11]. Nesse sentido, a regra de isenção pode inibir o funcionamento da regra-matriz de oito maneiras distintas, sendo quatro pelo antecedente e quatro pelo consequente: na hipótese, pode desqualificar o critério espacial, o critério temporal e o critério material, este último pela supressão parcial do verbo ou do seu complemento. No consequente, pode atingir o critério pessoal, mutilando o sujeito passivo ou sujeito ativo; e o critério quantitativo, pela supressão da base de cálculo ou da alíquota[12]. Exemplifiquemos cada uma dessas hipóteses, para melhor visualização da operacionalidade da regra de isenção na perspectiva de quem adota essa teoria. O critério material da regra-matriz pode ser afetado tanto pelo verbo quanto pelo seu complemento. O primeiro caso ocorre, a título de exemplo, com a lei que afirma que não se considera industrialização a montagem de óculos, mediante receita médica.  Ao invés de declarar que estavam isentos os óculos, o legislador preferiu optar por desqualificar o verbo desindustrializar, determinando que a montagem dos óculos não se enquadra no conceito de industrialização. A segunda hipótese, de supressão de parte do complemento do verbo, ocorre quando a lei afirma que estão isentos do IPI vários produtos, como queijo minas e a rede de dormir[13]. O critério espacial é afetado quando há uma diminuição da área de incidência do imposto, como acontece quando a lei afirma que os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, em princípio, são isentos do IPI. O critério temporal é mutilado quando a lei manipula o fator tempo, nas hipóteses de suspensão do imposto de que goza determinados produtos isentos do IPI[14]. No critério pessoal, a regra-matriz pode ser afetada tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo. A primeira hipótese ocorria com as isenções heterônomas, que permitiam à União conceder isenções de impostos estaduais e municipais. Em que pese o legislador utilizasse o termo isenção, o que se tinha era a revogação temporária da regra-matriz tributária, como será exposto adiante. A segunda hipótese ocorre quando uma porção do universo dos possíveis sujeitos passivos é excluída do consequente da norma, como ocorre com a legislação do imposto sobre a renda, que proclama a isenção de determinados rendimentos para os servidores diplomáticos de governos estrangeiros[15]. Por fim, pode o critério quantitativo da regra-matriz ser afetado, tanto na base de cálculo quanto na alíquota, nos casos dos produtos em que uma delas ou ambas são reduzidas ao valor zero. Assim, vislumbra-se que há oito maneiras para paralisar a regra-matriz de incidência tributária, evitando-se o nascimento da relação jurídica entre o fisco e o contribuinte.  Algumas advertências adicionais são, contudo, necessárias. Como fora dito anteriormente, a supressão dos critérios da regra-matriz de incidência tributária deve ser sempre parcial. Se o legislador desqualificar todos os verbos, subtrair os complementos, suprimir todo critério temporal e especial, retirar todos os sujeitos passivos ou ativos; ou, ainda, reduzir todas as bases de cálculo ou alíquotas ao valor zero, não surgirá relação jurídica alguma daquele tributo, porque a regra-matriz terá sido revogada do sistema jurídico[16]. Em razão disso, é necessário frisar que o exemplo dado anteriormente, de supressão do sujeito ativo em razão da autorização vigente na Constituição anterior, que autorizava que a União concedesse isenções de impostos de outros entes federativos mediante lei complementar, se consubstanciava na verdade não numa isenção, mas numa hipótese de revogação temporária do tributo. De fato, como a redução de um critério da regra-matriz tem de ser parcial, e sendo o sujeito ativo o elemento único de um conjunto, seu suprimento resulta em um conjunto vazio, que implica na inexistência de sujeito ativo no polo da relação, levando à ab-rogação da norma[17]. 1.4.  ISENÇÃO COMO NORMA DE COMPORTAMENTO A presente teoria, desenvolvida por Pedro Lunardelli, vislumbra ser possível, a partir de enunciados do direito positivo, descrever a norma de isenção como uma norma que estabelece diretamente uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, ou seja, reputa-se que seja possível construir uma regra-matriz isencional. Essa regra matriz tem a mesma estrutura formal que qualquer outra norma jurídica, porque sua hipótese descreve de maneira abstrata a concretização de um evento; e o seu consequente contém uma prescrição, igualmente abstrata, de uma relação jurídica, que no caso específico dessa regra se trata de uma relação jurídica isencional[18]. Há, assim, semelhança sintática entre a regra-matriz tributária e a regra-matriz isencional, posto que esta última também possui um antecedente, composto pelos critérios material, espacial e temporal; e um consequente, composto pelos critérios pessoal e quantitativo.  Todavia, diferenças surgem entre elas quando se analisa o aspecto semântico. Na norma tributária, a incidência da regra-matriz enseja o nascimento de uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte, em que aquele tem o direito subjetivo de exigir o débito tributário deste último, e este o dever subjetivo de cumprir a prestação[19]. Na norma isencional ocorre o inverso, porque a sua incidência provoca uma relação jurídica entre o contribuinte e o fisco, em que este tem o dever subjetivo de não exigir a prestação (débito isencional), e aquele tem o direito subjetivo de não ser exigido (crédito isencional)[20]. Para melhor compreensão da fenomenologia da isenção segundo essa perspectiva, tomemos como exemplo o seguinte enunciado: estão isentos do IPI a montagem de óculos, mediante apresentação de receita médica. Nesse caso, o critério material é a montagem de óculos; o critério espacial, o território nacional, porque a norma isencional pode irradiar efeitos em qualquer parte do país; e o critério temporal é a saída da mercadoria do estabelecimento. O sujeito ativo é o contribuinte, e o sujeito passivo é a União Federal.  Por fim, a base de cálculo é o valor da operação, e a alíquota é de 100%, porque a isenção é total. Feitas essas observações, analisar-se-á agora como se dá a relação entre a norma de isenção e a regra-matriz, para demonstrar que essa teoria não incorre no equívoco de atribuir diferentes velocidades às regras do sistema jurídico. De fato, o que ocorre na dinâmica normativa não é uma relação cronológica entre a regra-matriz tributária e a regra-matriz isencional, mas uma relação entre o conjunto de antecedentes e o conjunto de consequentes de ambas. Suponha-se uma norma tributária, cujo antecedente aponte as propriedades 1, 2, 3, 4; e o consequente a previsão de uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte, em que este estará obrigado a cumprir a prestação a aquele[21] Imagina-se agora a norma isencional, cujo antecede aponte a propriedade 1 e o consequente também uma relação jurídica entre o fisco e contribuinte, consubstanciada no direito deste último de não ser exigido por prestação alguma, e no dever do fisco de não cobrar[22]. Por força da relação que há entre esses conjuntos de antecedentes, a regra tributária passa a conotar apenas os eventos cujos critérios não se identifiquem com os da propriedade “1”, pois este passou a integrar o conjunto normativo da hipótese da regra de isenção. Está-se diante, pois, de um cálculo relacional. No caso, de uma relação de intersecção entre a classe de antecedente da norma tributária e a classe de antecedente da norma de isenção[23]. Esse cálculo relacional também ocorre entre os consequentes da norma tributária e da norma isencional, provocando uma alteração na composição dos sujeitos passivos. Por conta da concretização do evento conotado pela propriedade “1”, o sujeito passivo não mais comporá a relação jurídica tributária, mas sim a relação jurídica isencional, na qualidade de credor, com o direito subjetivo de estar permitido a não cumprir a prestação[24]. Dessa forma, vê-se que essa teoria diverge do pensamento de Paulo de Barros Carvalho porque enxerga de maneira diversa o encontro da norma-matriz com a norma de isenção. Para esse jurista, o cálculo relacional imporia limites em alguns dos critérios da regra-matriz-tributária. Dito de outra forma, para esse autor os enunciados que estabelecem as isenções somente permitiram construir significações que formassem conjuntos isolados, vocacionados ao exclusivo relacionamento com a regra-matriz[25]. A teoria de Pedro Lunardelli, ao revés, defende que é possível, com base nos enunciados prescritivos que estabelecem as isenções, construir significações em uma estrutura normativa típica de comportamento, relacionando-a com a norma-matriz da forma como fora descrita anteriormente, desde que haja nos enunciados elementos suficientes que permitam saturar os categoremas de uma proposição hipotética condicional.  Por fim, cumpre afirmar que essa concepção acaba levando a uma compreensão bastante peculiar a respeito do que seja a exclusão do crédito tributário, sobretudo quando cotejada com as demais teorias analisadas. De fato, para a teoria da dispensa legal do pagamento, o termo exclusão do crédito tributário equivale à extinção do crédito tributário, em razão da ideia de que a norma isencional incide apenas depois de já constituída a obrigação. Para a teoria da isenção como norma não-juridicizante e para a teoria da isenção como norma que mutila um ou mais critérios da regra-matriz de incidência, o termo exclusão do crédito tributário deve ser interpretado não como sua extinção, mas no caso da isenção, como uma situação que faz evitar inclusive o próprio surgimento da obrigação tributária. Situação bastante distinta ocorre com a teoria da isenção como norma de comportamento, em virtude do pressuposto adotado, de que há uma norma isentiva que estabelece uma relação jurídica tributária entre o fisco e o contribuinte.  Tal qual toda relação jurídica obrigacional, a relação isencional se apresenta da forma exposta no item 3.1, ou seja, com a existência de um sujeito ativo, de um sujeito passivo, de um objeto, de um direito subjetivo e de um dever jurídico. No caso do exemplo anteriormente referido, de isenção do IPI nas operações que tenham por objeto óculos montados mediante receita médica, o sujeito ativo é o contribuinte, e o sujeito passivo, a União. O objeto é justamente o direito atribuído pela norma, que confere a isenção. O direito subjetivo é aquele de que dispõe o contribuinte, de não ser obrigado a cumprir a prestação; e o dever jurídico, aquele ao qual é obrigado à União, de não exigir do contribuinte o pagamento da prestação. Nota-se que, ao comparar a regra isencional com a regra-matriz, percebe-se a inversão dos polos da relação jurídica. A União, que na regra-matriz do IPI é sujeito ativo, passa a ser sujeito passivo; e o contribuinte, que na regra-matriz é sujeito passivo, passa a ser sujeito ativo da regra de isenção. Por consequência, aquela passa a ter um dever jurídico de não exigir a prestação; e este, um direito subjetivo de não cumpri-la. O termo exclusão do crédito tributário deve, pois, ser compreendido justamente neste último sentido, como o direito subjetivo de que dispõe o contribuinte em não cumprir a prestação. 2. QUESTÕES CONTROVERTIDAS 2.1. ISENÇÃO E IMUNIDADE Diversos doutrinadores debruçaram-se para descrever o instituto jurídico da imunidade, tendo ganhado força a teoria que a enxergava como uma hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada e a teoria que a compreendia como uma exclusão ou supressão do poder de tributar. A teoria da não-incidência constitucionalmente qualificada tem contra a si a crítica de que a imunidade é uma regra jurídica; logo, em sendo norma, irá incidir, caso ocorram os fatos descritos no seu antecedente. Também se formulam críticas consistentes à teoria que vislumbra na imunidade uma exclusão ou supressão do poder de tributar. Paulo de Barros Carvalho, por exemplo, afirma que ela pressupõe a existência de uma prévia competência impositiva, que em um segundo momento é suprimida por outra norma jurídica[26]. Nesse sentido, essa teoria também atribuiria diferentes velocidades às normas, numa descrição incompatível com o fenômeno jurídico. Assim, para o referido jurista, as imunidades são normas jurídicas constitucionais de estrutura, que, portanto, não se voltam imediatamente à regulação da conduta humana, mas disciplinam outras normas jurídicas. Elas prescrevem uma vedação que impede os entes federativos de exercerem o direito subjetivo de legislar, proibindo-lhes de desencadear processo legislativo para inserir no ordenamento jurídico enunciados a partir dos quais se possa construir uma norma tributária[27]. Dessa forma, isenção e imunidade são fenômenos distintos. Apesar de se assemelharem do ponto de vista sintático (porque ambas apresentam estrutura hipotético-condicional) diferem-se porque a imunidade está no nível constitucional, ao passo que as isenções estão no plano infraconstitucional[28].  Além disso, para quem adota a teoria de Pedro Lunardelli, aquela é norma de estrutura, que representa vedação ao direito subjetivo de legislar; e esta norma de comportamento, fruto do próprio exercício do poder legiferante. 2.2. ALÍQUOTA ZERO E ISENÇÃO Para aqueles que enxergam na norma de isenção uma norma que mutila algum dos critérios da regra-matriz de incidência, não há diferença entre isenção e alíquota zero, porque esta é apenas uma das técnicas possíveis de que o legislador dispõe para mutilar a regra-matriz, impedindo sua operacionalidade. Assim, afigurar-se-ia irrelevante o nome utilizado pela lei – se isenção ou alíquota zero – porque o fenômeno seria o mesmo. De fato, em razão de a alíquota zero significar uma classe nula de objetos, ainda que se pudesse verificar a ocorrência do evento, não se poderia constatar o nascimento da relação jurídica tributária. O antecedente é condição-suficiente do consequente; e este condição necessária do primeiro. Assim, se não ocorre o consequente – porque a relação não tem avaliação econômica – também não ocorre o antecedente[29]. Ainda que se adote a compreensão de que a isenção é uma norma de comportamento, também não existira diferença entre o fenômeno da alíquota zero e o fenômeno da isenção. Tal qual aquela, esta também é uma regra-matriz de comportamento, que estabelece uma relação entre o contribuinte e o fisco.  A diferença reside apenas nos enunciados do direito positivo por conta dos quais o intérprete inicia a busca das significações jurídicas que irão compor os categoremas da regra-matriz de isenção.[30] Dito de outro modo, ao invés de se referir à isenção, o texto utiliza a palavra alíquota zero. Contudo, a norma construída pelo interprete é a mesma, porque se é vedado ao fisco cobrar qualquer valor pela ocorrência do evento previsto no antecedente, o contribuinte tem o direito subjetivo de não pagar a prestação. A única distinção que se entende cabível em relação a tais fenômenos refere-se ao processo de produção dos enunciados. A isenção só pode ser inserida no ordenamento mediante lei. Os enunciados que estabelecem a alíquota zero, ao revés, podem ocorrer por um ato do Poder Executivo, no caso dos impostos em que a Constituição expressamente autorizou essa prática[31]. Nesse último caso, há a necessidade de a lei fixar os parâmetros em que o executivo poderá variar o percentual da alíquota. Portanto, a diferença não está no fenômeno em si, mas nas normas que regem o processo de produção dos enunciados referentes à isenção e à alíquota zero. No caso da isenção, a norma prevê como antecedente a atuação do órgão legislativo do ente da federação competente; no caso da alíquota zero, a hipótese prevê um ato do poder executivo, que pode modificar a alíquota dentro dos limites estipulados pela legislação[32]. CONCLUSÃO Intentou-se demonstrar as diversas teorias sobre isenções formuladas no país e a repercussão que a adoção de uma ou outra gera na compressão a respeito dos enunciados de direito positivo que disciplinam esse instituto jurídico. De início, expôs-se as críticas doutrinárias feitas à concepção tradicional, ainda adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de que a isenção se configuraria em uma dispensa legal do pagamento do tributo. Dentre as principais objeções existentes, mencionou-se o fato de essa teoria pressupor uma cronologia na atuação das normas jurídicas, o que não é compatível com o que ocorre na dinâmica normativa.  Além disso, ressaltou-se que a adoção dessa ideia dificulta a diferenciação entre o instituto jurídico da isenção e o instituto jurídico da remissão. Também se afirmou que a teoria da isenção como norma não-juridicizante, formulada por Alfredo Augusto Becker, também acaba atribuindo diferentes velocidades às normas jurídicas; nesse caso, seria a norma de isenção que seria mais rápida que a regra-matriz, e que incidira para que a outra não incidisse. Após a exposição das duas primeiras teorias, debruçou-se sobre aquela formulada por Paulo de Barros Carvalho, que vislumbra na norma de isenção uma norma de estrutura, que mutila parcialmente algum dos critérios da regra-matriz de incidência tributária. Aduziu-se que o referido autor compatibilizou a teoria das isenções com os postulados da teoria geral do direito, descrevendo o fenômeno sob o ângulo puramente normativo, sem misturar a linguagem do direito positivo com a realidade social, e respeitando igualmente o princípio da simultaneidade da dinâmica normativa. Após, expôs-se a teoria de Pedro Lunardelli, para quem é possível construir, a partir dos enunciados do direito positivo, uma regra-matriz de isenção, que estabeleça uma relação jurídica entre o fisco e o contribuinte.   Essa regra-matriz de isenção seria uma norma de comportamento, que incide nos casos previstos no seu antecedente não porque é mais rápida que a regra-matriz tributária – porque não há cronologia entre ambas – mas por decorrência do cálculo relacional que ocorre entre o conjunto de antecedentes e consequentes de ambas as normas jurídicas.  Por fim, comparou-se o instituto jurídico da isenção com as normas de imunidade e com a alíquota zero, de acordo com alguns dos referenciais teóricos abordados.
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Da (in)constitucionalidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015
O presente artigo tem como objetivo analisar a compatibilidade constitucional do disposto no artigo 8º da Lei 13.202/2015, o qual autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor de diversas taxas, com os princípios da legalidade, anterioridade e segurança jurídica.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Desde as primeiras aquisições de direitos que, pouco a pouco, acabaram por culminar no surgimento do Estado Democrático de Direito, encontram-se disposições que limitaram o poder estatal no campo da tributação.  A mais antiga é aquela que submente a exigência do tributo à prévia autorização, cujo marco tem sido apontado pela doutrina como sendo a Magna Carta, assinada em 1215 pelo Príncipe João Sem Terra. Alguns estudiosos apontam data ainda mais remota, identificando tal exigência em práticas adotadas pelas corporações de ofícios. No que diz respeito ao Direito Brasileiro, todas as constituições pretéritas trataram de estabelecer limitações ao poder de tributar. De todo modo, sem desconsiderar os méritos que cada uma teve dentro do contexto histórico em que foram editadas, é inegável que nenhuma constituição foi tão detalhista em matéria de Direito Tributário quanto à Constituição Federal de 1988. A atual constituição dedicou um título inteiro ao estabelecimento das linhas básicas do Sistema Tributário Nacional, existindo na lei maior um capítulo apenas para estabelecer as limitações ao poder de tributar. Dentre as principais limitações gravadas nesse capítulo, que se inicia no artigo 150 da Constituição Federal, encontram-se as normas que estabelecem imunidades tributárias e os princípios de direito tributário. Assim, qualquer legislação que pretenda inserir novas obrigações no âmbito tributário deve passar pela filtragem dessas disposições constitucionais, não podendo adentrar nas áreas imunizadas ou escapar da incidência dos princípios ali consagrados. Estabelecida essa premissa – de que qualquer norma que institui ou majora tributos deve observar estritamente as limitações constitucionais ao poder de tributar – tem o presente artigo o objetivo de analisar se o artigo 14 da Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertido no artigo 8º da Lei 13.202/2015, obedece a todos os parâmetros da Constituição Federal de 1988. Como se sabe, a Medida Provisória de número 685, de 21 de julho de 2015, autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor de diversas taxas existentes. Durante a sua tramitação no Congresso Nacional foram realizadas algumas alterações no texto original, dentre as quais a inserção de dois parágrafos que limitaram o percentual do valor a ser atualizado. Ao final, a Medida Provisória foi convertida na Lei 13.202/2015, tendo resultado, naquilo que diz respeito ao tema analisado, no seguinte artigo de lei: “Art. 8º.  Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas:     (Regulamento) I – no art. 17 da Lei nº 9.017, de 30 de março de 1995; II – no art. 16 da Lei nº 10.357, de 27 de dezembro de 2001; III – no art. 11 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; IV – no art. 1º da Lei nº 7.940, de 20 de dezembro de 1989; V – no art. 23 da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999; VI – no art. 18 da Lei nº 9.961 de 28 de janeiro de 2000; VII – no art. 12 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 VIII – no art. 29 da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005; IX – no inciso III do caput do art. 77 da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001; X – nos art. 3º-A e art. 11 da Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999; e XI – no art. 48 da Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010” Não é preciso muito esforço para se concluir que o referido texto normativo não agride a nenhuma das normas de imunidade prevista no texto constitucional. Desse modo, a dúvida razoável existente, já objeto de algumas ações judiciais, diz respeito à possível ofensa a três princípios consagrados na carta, a saber, os princípios da (i) legalidade, (ii) anterioridade e (iii) segurança jurídica. Assim, propõe-se, a partir de agora, a apresentar possíveis respostas a essas indagações, apresentando-se argumentos a respeito da (in) compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015 com os princípios retro mencionados. 1. DA (NÃO) OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA O princípio da legalidade, extraído do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, enuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O referido mandamento foi especializado para o âmbito tributário, tendo o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, sido claro ao afirmar ser “ vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Embora os dois dispositivos mencionados deitem raízes na mesma doutrina política, a saber, na ideia de que os cidadãos devem se submeter tão somente as normas que eles próprios criaram através dos seus representantes, deve-se afastar, de plano, a afirmação segundo a qual o artigo 150, inciso I, seria desnecessário ou redundante, em razão da possibilidade de construção do princípio da legalidade a partir do artigo 5º, inciso II, anteriormente mencionado. Isso porque, enquanto a legalidade geral – extraída do artigo 5º, inciso II – condiciona a obrigatoriedade de um comportamento a uma regra que possa ser construída “em virtude” de uma lei, a legalidade tributária – extraída do artigo 150, inciso I, da CF – exige que a própria obrigação esteja prevista na Lei, não existindo espaço para delegação[1]. Desse modo, a legalidade tributária tem contornos mais rígidos que a legalidade geral. No que tange ao conteúdo do artigo 150, inciso I, da CF, a construção do princípio da legalidade tributária não pode prescindir de uma delimitação dos significados dos vocábulos exigir, aumentar, tributo e lei, utilizados pelo texto normativo. Tal tarefa se afigura fundamental para exata compreensão do mandamento constitucional, sendo certo que, a depender do significado que o intérprete der a cada uma dessas palavras, o grau de intensidade dos requisitos exigidos para introdução de um novo tributo ou majoração do seu valor pode variar sensivelmente. No presente artigo, proceder-se-á, a partir de agora, ao estudo dos termos “aumentar”, “tributo” e “lei”, deixando-se de lado a análise individualizada do verbo “exigir. A razão dessa escolha repousa no fato de que a Lei 13.202/2015 – resultado da Medida Provisória de número 685/2015 – a que se pretende analisar a constitucionalidade, não instituiu ou exigiu novo tributo, limitando-se a autorizar o acréscimo do seu valor. Contudo, não custa frisar que, ainda que não se proceda a uma análise individual e pormenorizada sobre o significado do termo “exigir”, a sua significação é pressuposta na construção de sentido dos outros vocábulos, uma vez que as palavras não podem ser interpretadas isoladamente, senão no sentido em que empregadas, no cotejo com os demais termos que compõe a oração. Feita tais considerações, debruça-se sobre a palavra tributo, cujo conceito comporta pelo menos seis acepções, conforme indicado por Paulo de Barros Carvalho[2]. São elas: a) a quantia em dinheiro; b) o dever jurídico do sujeito passivo; c) o direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) como relação jurídica tributária; e) como norma jurídica tributária; f) como norma, fato e relação jurídica, ao mesmo tempo. No contexto em que a palavra tributo foi utilizada pela Constituição e, tendo em vista a multiplicidade de acepções do termo, é possível extrair do artigo 150, inciso II, duas ideias distintas e complementares: Primeira, no sentido de que o princípio da legalidade se estende a todas as espécies tributárias espalhadas pelo ordenamento jurídico. Independentemente de se defender a existência de duas, três ou cinco espécies, ninguém discorda do fato de que tributo é gênero, do qual os impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios são espécies. Assim, ao utilizar o termo tributo, a Constituição deixou claro que a exigência de lei não se limita a uma ou alguma das suas espécies, aplicando-se indistintamente a todas as exações. Quando quis restringir um dispositivo à uma classe, a Constituição Federal o fez expressamente, como se observa do inciso IV, do artigo 150, o qual estabelece as hipóteses de imunidades à incidência de impostos. A segunda ideia diz respeito à imprescindibilidade de que todos os elementos necessários ao nascimento da obrigação tributária estejam previstos em lei. Nesse sentido, CARVALHO (2011, p.299) enuncia que: “O princípio da legalidade compele o intérprete, como é o caso dos julgadores, a procurar frases prescritivas, única e exclusivamente, entre as introduzidas no ordenamento positivo por via de lei ou de diploma que tenha o mesmo status. Se do consequente da regra advier obrigação de dar, fazer ou não-fazer alguma coisa, sua construção reivindicará a seleção de enunciados colhidos apenas e tão somente no plano legal”. Desse modo, a lei precisa indicar, com rigorosa exatidão, todos os elementos da realidade a tributar, a fim de que nela esteja previsto tudo o que for necessário e suficiente ao nascimento da obrigação tributária[3]. Quanto ao termo lei, é assente que, empregando a Constituição Federal esse substantivo, sem qualquer adjetivo que lhe qualifique, está-se diante da exigência tão somente de lei ordinária, cujo quórum para aprovação é de maioria simples. Desse modo, basta analisar os dispositivos que outorgam competência para se concluir que, como regra, a instituição de tributos pode ser realizada por meio de lei ordinária, excetuadas as seguintes hipóteses, nas quais a Constituição Federal expressamente exigiu lei complementar: a) Empréstimos Compulsórios, conforme previsão do artigo 148 da CF; b) imposto sobre grandes fortunas, nos termos do artigo 153, inciso VII, da CF; c) Impostos residuais de competência da União, conforme artigo 154, inciso I; d) Contribuições para Seguridade Social Residuais, conforme artigo 195, §4º, da CF. Discussão mais tormentosa e que tem relação com o objeto do presente artigo diz respeito à possibilidade de instituir ou aumentar tributos por meio de Medida Provisória. Embora o Supremo Tribunal Federal, desde a redação originária da Constituição Federal –  antes, portanto, da Emenda Constitucional 32/2001 – tenha firmado posição no sentido da sua possibilidade[4], os argumentos em sentido contrário pareciam ter maior consistência, pelo menos até o advento desta Emenda Constitucional. Em primeiro lugar, porque a expressão “força de lei”, utilizada no caput do artigo 62 da Constituição Federal para definir as Medidas Provisórias, não leva à equiparação da lei, em razão de aquelas serem dotadas de coercibilidade e vigor a título precário, até que sejam convertidas por decisão do Congresso Nacional[5]. O segundo argumento diz respeito aos próprios pressupostos de relevância e urgência, os quais exigem eficácia imediata da Medida Provisória, em contradição com o princípio da anterioridade. No dizer de (BALEEIRO, 2015) “as leis ordinárias ou complementares, que instituem ou majoram tributos, têm a eficácia e a aplicabilidade adiadas, por força do princípio da anterioridade. Medidas provisórias, em razão da relevância e da urgência, têm necessariamente sua eficácia e aplicabilidade antecipadas à existência de lei em que se hão de converter, por imperativo constitucional”[6] A terceira objeção reside no fato de que, tratando-se de tributos aos quais se vislumbrou a necessidade de respostas estatais rápidas – notadamente os impostos a que a Constituição Federal autorizou a elevação das alíquotas pelo executivo – a própria Constituição Federal concedeu instrumento mais célere e efetivo do que as Medidas Provisórias, autorizando-se a elevação da alíquota por mero decreto do Poder Executivo[7]. O quarto argumento é o de que, à luz de todas as constatações acima, a mera ausência de proibição expressa não conduziria a uma autorização implícita. Por outro lado, após a Emenda Constitucional de número 32/2001, tais argumentos parecem ter sido superados, em razão da inserção de dispositivo expresso que autoriza a edição de Medidas Provisórias em Direito Tributário. No entanto, a controvérsia sobre o assunto não findou, tendo apenas mudado de foco. Agora, a objeção não mais diz respeito a se existe ou não autorização, no texto constitucional para edição de Medidas Provisórias na seara tributária; mas a se a autorização existente, introduzida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, ofende ou não alguma cláusula pétrea, sendo ela própria inconstitucional. Há vozes abalizadas na doutrina que sustentam a inconstitucionalidade do dispositivo. Para CARRAZA (2011, p. 297), a referida emenda “Viola, pois, a cláusula pétrea do art. 60, §4º, III, da CF, que estabelece que nenhuma emenda constitucional poderá sequer tender a abolir a separação dos Poderes. Como se isso não bastasse, a Emenda Constitucional 32/2001 – sempre no que concerne às medidas provisórias – atropela o direito fundamental dos contribuintes de só serem compelidos a pagar tributos que tenham sido adequadamente consentidos por seus representantes imediatos: os legisladores. Invocável, portanto, na espécie, também a cláusula pétrea do artigo 60, §4º, IV, da CF, que veda o amesquinhamento, por meio de emenda constitucional, dos direitos e garantias individuais lato sensu”. Pede-se vênia para não comungar desse entendimento. Defende-se, no presente artigo, que a referida Emenda Constitucional não atentou contra a separação dos poderes, pelas seguintes razões: a) a questão mais sensível diz respeito à possibilidade de o Poder Executivo editar instrumento com força de lei; tal previsão, no entanto, remonta à redação originária da Constituição Federal, fazendo parte do sistema de freios e contrapesos pressuposto pela salvaguarda do artigo 60, §4º, III, da CF; b) ainda que se entenda – como faz o presente artigo – que, na redação originária, não existia espaço para edição de Medidas Provisórias no campo tributário, a mera ampliação do rol dos assuntos possíveis de serem disciplinados por esse instrumento não representa, por si só, ofensa à cláusula pétrea, sobretudo no caso em discussão, em que o Supremo Tribunal Federal, como intérprete constitucional, já acolhia tal possibilidade; c) no conjunto, a Emenda Constitucional 32/2001 acabou por fortalecer o poder Legislativo, moralizando a tramitação das medidas provisórias e evitando a combatida prática de reedições sucessivas. A partir da nova sistemática, se a medida provisória não for convertida em lei no prazo de 60 dias prorrogáveis por uma vez, perde a eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. Também se pede licença para dissentir da tese de que a referida Emenda ofenderia o disposto no artigo 60, §4º, IV, da CF. Isso porque, a garantida de que os contribuintes só sejam compelidos a pagar tributos por meio do consentimento dos seus representantes restou preservada. Mesmo em se tratando de Medida Provisória, a última palavra é do Poder Legislativo. Ademais, em caso de rejeição ou perda da sua eficácia pelo transcurso do prazo constitucional, cabe ao Congresso Nacional decidir sobre a disciplina das relações jurídicas que ocorreram durante a sua vigência. No que tange ao verbo aumentar, o contexto da oração permite inferir que a Constituição veda qualquer modificação, senão por meio de lei, na base de cálculo ou na alíquota da regra-matriz de incidência, que importe no acréscimo do valor tributável. A questão controversa diz respeito à melhor interpretação do termo aumentar, existindo pelo menos duas acepções possíveis nesse contexto: Na primeira, o termo aumentar estaria atrelado ao valor nominal da exação, o que tornaria inconstitucional qualquer alteração da base de cálculo por meio de outro instrumento legislativo que não a lei – ou, de acordo com as premissas adotadas acima, por meio de Medida Provisória a partir da EC 32-2001. A segunda acepção do termo o vincula ao valor real, correspondente ao valor nominal após o ajuste em relação à inflação. Embora exista na doutrina quem sustente a tese de que a palavra aumento deveria ser interpretada no primeiro sentido, vedando-se, portanto, a possibilidade de atualização monetária por ato infralegal, adota-se no presente artigo a tese contrária, que qualifica o verbo aumentar, previsto no artigo 150, inciso I, como atrelado ao valor real do tributo. E, assim se entende, pelas seguintes razões: A Constituição empregou o termo aumentar ou aumento dezesseis vezes, em contextos distintos, não deixando expresso em nenhum deles de qual espécie de aumento – se nominal ou real – estaria a tratar. Nesse sentido, não tendo a Constituição escolhido um entre os dois sentidos e, sendo razoável quaisquer das interpretações, afigurar-se-ia lícito ao legislador optar por um dos dois significados, o que efetivamente ocorreu com a inserção do §2º ao artigo 97 do CTN. Com efeito, o referido dispositivo afirma que “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”. Ademais, do ponto de vista econômico, a mera atualização monetária da base de cálculo realmente não importa em majoração do tributo, mas tão somente na preservação do seu valor. Desse modo, o fundamento central do princípio da legalidade, que é de condicionar a tributação – e a sua medida – ao consentimento dos cidadãos resta preservado. Além disso, em sendo o fenômeno inflacionário algo previsível e constante, não é desarrazoado que, na própria lei que institua a exação, conste previsão expressa que permita ao Poder executivo atualizá-la monetariamente. A referida técnica atende ao princípio da praticidade, evitando que, a cada exercício financeiro, deva o Poder Legislativo proceder a uma revisão de toda a legislação tributária, desencadeando sucessivos processos legislativos tão somente para que a medida real da tributação escolhida inicialmente permaneça a mesma. Por fim, sob a perspectiva da pragmática, é certo que, desde há muito, o termo aumentar tem sido utilizado nesse contexto, de vedar o aumento real da tributação. A constituição de 1967, em seu artigo 20, inciso I, dispunha ser vedado aos entes federativos “instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”, em redação muito semelhante da atual. Já naquela época vigia o Código Tributário Nacional, cujo artigo 97, inciso II, dispõe que somente a lei pode estabelecer “a majoração de tributos”, bem como que não constitui majoração a atualização do valor monetário da base de cálculo, conforme §2 do artigo 97 citado anteriormente. Durante a vigência da Constituição pretérita, sempre se entendeu que esse último dispositivo era compatível com a ordem constitucional vigente. Assim, a tradição do direito brasileiro tem sido a de não considerar como aumento do tributo a mera atualização monetária da base de cálculo, não soando absurda a conclusão de que, ao manter praticamente idêntica, nesse ponto, a redação da Constituição passada, intentou-se preservar essa exegese. Assim, por essas razões, compreende-se o termo aumentar, utilizado pelo artigo 150, inciso I, da CF, como aumento real da tributação. Contudo, a adoção dessa acepção não significa afirmar que a atualização monetária da base de cálculo de um tributo possa ser feita ao talante da administração pública, sem quaisquer condicionantes que devam ser necessariamente observadas.  Como expõe Roque Antônio Carrazza[8], o exercício desta aptidão deve ser exercido com obediência a dois pressupostos: primeiro, que a possibilidade da correção monetária por meio de ato infra legal esteja expressamente prevista em lei, uma vez que, ao efetuar o lançamento, a Administração Pública não pode agir sponte propria. Segundo, que a lei ou o ato que promover à atualização deve ser expressa ao indicar os critérios de correção monetária adotados. No caso da Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertida na Lei 13.202/2015, os dois requisitos mencionados acima foram observados: O artigo 8º da referida lei dispõe que “Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, desde que o valor da atualização não exceda a variação do índice oficial de inflação apurado no período desde a última correção, em periodicidade não inferior a um ano, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas”, arrolando a seguir as exações a que faz referência. Dessa forma, há expressa autorização legal para realização da atualização monetária pelo Poder Executivo, tendo igualmente o dispositivo vedado a recomposição da inflação em periodicidade inferior a um ano. Quanto ao critério de correção aplicável, as portarias editadas[9] determinaram a aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, o qual reflete a inflação do período, não se consubstanciando em um aumento real disfarçado. Portanto, tendo sido construídas, de acordo com os pressupostos adotados ao longo do artigo, as significações dos termos aumentar, tributo e lei, faz-se possível chegar as seguintes conclusões: a) as taxas referidas na Medida Provisória de número 685/2015, posteriormente convertida na Lei 13.202/2015, devem obedecer ao disposto no artigo 150, I, da CF, por serem espécie do gênero tributo; b) o fato de os dispositivos analisados terem origem na edição de Medida Provisória não ofende a exigência de lei, uma vez que, após a Emenda Constitucional nº32/2001, afigura-se possível a sua utilização em matéria tributária; c) a efetiva atualização, pelo executivo, da base de cálculo das referidas exações, também não implicou ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que não implicou no aumento da exação. Assim, no que tange ao princípio da legalidade, não se vislumbra inconstitucionalidade no artigo 8º da lei 13.202/2015. 2. DA (NÃO) OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE O artigo 150, inciso III, da Constituição Federal, a partir do qual se pode construir os princípios da anterioridade, dispõe no seguinte sentido: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – cobrar tributos: […] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”. Do disposto na alínea b, é possível construir a norma a que a doutrina chama de anterioridade anual ou genérica, que veda a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  A alínea c, por sua vez, diz respeito à anterioridade nonagesimal, cujo conteúdo impede a cobrança da exação antes de decorrido noventa dias da lei que os instituiu ou aumentou.   Constata-se que o texto também utiliza os termos tributos, lei e aumentou. Assim, no que tange as controvérsias acerca da interpretação dessas palavras, aplica-se integralmente todas os pressupostos assentados no item anterior do presente artigo. Desse modo, não procede o argumento de inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 13.202/2015 por ofensa ao artigo 150, inciso III, da CF. O princípio da anterioridade se aplica no caso de a lei aumentar um tributo, compreendendo-se tal vocábulo como aumento real e não meramente nominal. No caso da Lei 11.202/2015, não houve aumento real do tributo, mas tão somente a atualização monetária das exações. 3. DA (NÃO) OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. Afastadas as alegações de ofensa aos princípios da legalidade e da anterioridade, cumpre aferir agora se o artigo 8º da Lei nº 13.202/2015 ofendeu ao princípio da segurança jurídica.  Tal se afigura necessário em razão da existência de particularidade que diferencia o referido dispositivo de outras normas que também autorizaram o Poder Executivo a atualizar monetariamente alguma exação. O fator de diferença reside no fato de que tais taxas foram instituídas há muitos anos – algumas delas há décadas – sem que, durante todo o período de vigência, fosse realizada a atualização monetária das exações. O resultado foi que, ao se corrigir os tributos pela inflação acumulada, verificou-se um incremento substancial na quantia devida. Apenas a título de exemplo, os valores da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e das suas correspondentes classes de patrimônio líquido que constam do Anexo da Lei nº 7.940, de 20 de dezembro de 1989 sofreram incremento de 241,85%. A Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária, por sua vez,  prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99, teve uma correção que atingiu o percentual de 193,55%.[10] Ressalta-se que, na redação originária da Medida Provisória, esse aumento era ainda mais significativo, em razão de durante a tramitação do processo legislativo se ter incluído o parágrafo primeiro ao artigo 8º, segundo o qual a primeira atualização monetária relativa às taxas previstas no caput ficaria limitada ao montante de 50% (cinquenta por cento) do valor total de recomposição referente à aplicação do índice oficial desde a sua instituição. Antes da inclusão desse parágrafo, ainda sob a égide da redação originária da Medida Provisória, presenciaram-se situações como aquela constante da Portaria Interministerial nº 701/2015, a qual elevou a taxa de revalidação e renovação de registro de medicamentos novos de R$ 80.000,00 para R$ 234.836,12. Assim, ainda que não tenha existido um aumento real desde a última correção, o fato é que ocorreu um aumento brusco no valor da tributação, justificando-se um exame mais detido acerca de eventual ofensa ao princípio da segurança jurídica. Antes, contudo, de adentrar-se no tema específico, é necessário fixar os parâmetros do teste de constitucionalidade que será realizado. Nesse sentido, é imprescindível a definição do que se entende, nesse artigo, como segurança jurídica, bem como quais são as condutas a que o referido princípio determina como obrigatórias, permitidas e proibidas. Acerca do tema, Humberto Ávila, em longa monografia, demonstrou que a análise sobre a segurança jurídica ocorre mediante um alto grau de parcialidade e vagueza. A parcialidade ocorre em razão de o tema ser examinado sob um aspecto em particular, negligenciando-se as demais manifestações da segurança jurídica. A vagueza decorre do fato de o estudo ser feito de maneira excessivamente ampla, sem que sejam apontados critérios adequados para efetivação prática do princípio da segurança jurídica.[11] A fim de superar tais dificuldades, o referido jurista reduziu a indeterminação conceitual do princípio da segurança jurídica e construiu critérios seguros que lhe garantem a operacionalidade. Nesse sentido, utilizando-se da teoria elaborada por Humberto Ávila como referencial teórico, pode-se conceituar o princípio da segurança jurídica como a norma-princípio, fundada constitucionalmente, que determina a adoção de determinados comportamentos para realização dos estados que ela determina atingir[12]. Esses estados ideais cuja promoção é determinada pelo princípio da segurança jurídica são a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade. Nas palavras de ÁVILA (2016, p. 107/108), tais elementos podem ser descritos da seguinte forma: “o ideal de confiabilidade representa, sob perspectiva retrospectiva, a mudança do passado ao presente, denotando aquilo que, do passado, deve permanecer no presente; o ideal de calculabilidade ilustra, sob perspectiva prospectiva, a passagem do presente ao futuro, para demonstrar aquilo que, do presente, deve ser mantido na transição para o futuro; e a transparência do controle semântico-argumentativo revela a necessidade de objetividade discursiva na transição do dispositivo à norma, e da norma à decisão” No que tange ao objeto do presente estudo, assume relevância o estado de calculabilidade, que diz respeito à dimensão futura do princípio da segurança jurídica. Pode-se defini-la como a capacidade de antecipação das consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, de forma que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas que foram antecipadas no presente.[13] Como se extrai da definição, o estado de calculabilidade não tem a pretensão de exigir que o cidadão tenha certeza sobre a norma que será aplicada no futuro, mas apenas determina que a norma que venha a incidir seja objetivamente previsível, ou seja, situe-se dentro do espectro de alternativas que possam ser antecipadas no presente. Dentre as várias manifestações do estado de calculabilidade, destacam-se em importância a anterioridade de exercício financeiro e a anterioridade nonagesimal, a que se fez referência anteriormente. Tais normas proporcionam um conhecimento prévio da legislação do porvir, garantindo aos contribuintes a possibilidade de exercerem legitimamente um planejamento estratégico. Contudo, tais manifestações não as únicas, possuindo o princípio da segurança jurídica autonomia. Assim, nos casos em que a regra da anterioridade não se aplique, seja por exceção constitucional ou mesmo porque o caso concreto não se amolda à sua hipótese, pode o princípio da segurança jurídica ser aplicado diretamente sobre a relação jurídica, a fim de salvaguardar os estados ideais a que ele almeja atingir. No caso do objeto do presente artigo, como dito anteriormente, embora não tenha existido uma majoração real do tributo desde a última recomposição inflacionária – a afastar, de acordo com os pressupostos aqui aplicados, a incidência da norma da anterioridade – não há dúvidas de que o valor cobrado variou sensivelmente, em alguns casos triplicando. A questão que se coloca, portanto, é responder se, à luz do princípio da segurança jurídica, afigurou-se legítima a atuação estatal de exigir, quase que instantaneamente, um aumento substancial no valor de diversas taxas em razão da realização de uma recomposição inflacionária acumulada de décadas. Como se acentuou anteriormente, o estado preconizado pelo princípio da segurança jurídica é alcançado, na modalidade da calculabilidade, quando a norma a ser aplicada no futuro for possível de previsão no presente. Nesse sentido, o estado da calculabilidade afasta mudança bruscas e drásticas. Nas palavras de ÁVILA (2016, p. 619), “ bruscas são aquelas alterações que não são, de modo algum, antecipáveis e que, por isso mesmo, surpreendem o destinatário que com aquelas não contava, nem podia contar”. As mudanças drásticas ocorrem quando as mudanças, embora antecipáveis, mostram-se bastante intensas nos seus efeitos. Dentre os possíveis cenários capazes de previsão objetiva se enquadra a atualização monetária ou mesmo um aumento real da tributação, em razão de a revisão do critério quantitativo da regra-matriz de incidência ser fato corriqueiro, sobretudo quando realizado para recompor a perda inflacionária. Contudo, a revisão do quantum debeatur, no caso concreto, além de ter atingido a patamares extraordinários, representou uma mudança repentina de postura do poder executivo sobre o tema, situando-se fora do espectro das possibilidades que poderiam ser validamente antecipados pelos contribuintes. Com efeito, fato de o valor das taxas ter se mantido o mesmo durante um longo período de tempo autoriza a concluir que, dentre as possibilidades normativas previsíveis então existentes, situava-se: a) a de que o valor da tributação não seria alterado; b) de que poderia ser majorado, num percentual razoável; c) que poderia ser aumentado sensivelmente, garantindo-se nessa última hipótese um período de adaptação. As circunstâncias então existentes não autorizavam a suposição de que, de uma hora para outra, com base em uma medida provisória, o poder executivo elevaria o valor das exações em até 300% e exigiria imediatamente as novas quantias. Essa postura representou uma inovação brusca na política fiscal vigente, fugindo do campo de possibilidades que se tinha à época. Portanto, em casos assim, em que ocorre uma mudança drástica e brusca  na carga tributária, independentemente de previsão constitucional ou legal específica, há a necessidade, por força do princípio da segurança jurídica, de que essa mudança venha acompanhada de mecanismos de temperança da modificação. Um dos mecanismos possíveis, ao lado das regras de transição, é a fixação de um prazo razoável entre a data da publicação da norma modificativa e o início da sua eficácia.[14]Isso porque, embora o princípio da segurança jurídica não impeça o Estado de proceder à atualização monetária das exações, mesmo na hipótese de longo período inflacionário acumulado, não há dúvidas de que ele impõe a existência de regras de transição ou técnicas de amortização do impacto tributário, a fim de que seja compatibilizada a necessidade de obtenção de receitas com o estado ideal de calculabilidade exigido por esse princípio constitucional. No caso da redação originária da Medida Provisória de nº 685/2015, nenhum desses mecanismos foi utilizado. A efetivação da atualização monetária ocorreu um ou dois meses depois da sua edição, mediante a publicação das portarias pelo Poder Executivo, sendo igualmente certo que o texto original não previa qualquer limitação quanto ao valor a ser atualizado. Desse modo, apenas para repetir o exemplo dado anteriormente, de um mês para o outro o contribuinte que procedeu a renovação de registro de medicamento teve de despender R$ 234.836,12 ao invés do valor de R$ 80.000,00 até então vigente. Portanto, o presente artigo defende a inconstitucionalidade do artigo 14 da Medida Provisória 685/2015, posteriormente convertido no artigo 8º da Lei 13.202/2015, por ofensa ao princípio da segurança jurídica. A Lei 13.202/2015, resultado da conversão da referida Medida Provisória, melhorou a redação originária, tendo incluído os parágrafos primeiro e segundo ao artigo 8º, nos seguintes termos: “Art. 8o  Fica o Poder Executivo autorizado a atualizar monetariamente, desde que o valor da atualização não exceda a variação do índice oficial de inflação apurado no período desde a última correção, em periodicidade não inferior a um ano, na forma do regulamento, o valor das taxas instituídas: […] § 1o  A primeira atualização monetária relativa às taxas previstas no caput fica limitada ao montante de 50% (cinquenta por cento) do valor total de recomposição referente à aplicação do índice oficial desde a instituição da taxa. § 2o  Caso o Poder Executivo tenha determinado a atualização monetária em montante superior ao previsto no § 1o do caput, poderá o contribuinte requerer a restituição do valor pago em excesso”. Contudo, ainda assim, entende-se que o dispositivo se afigura inconstitucional, porque o mecanismo previsto no parágrafo primeiro, de limitar ao montante de cinquenta por cento o valor total da recomposição, não foi suficiente para salvaguardar o fim estabelecido pela norma-princípio da segurança jurídica. Com efeito, em alguns casos, mesmo com a limitação referida, constatou-se uma modificação brusca no valor da tributação, como nos exemplos dados anteriormente, de incremento de 241,82% na Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e de 193,55% na taxa prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99. Desse modo, a ressalva não foi suficiente para atender, ainda que minimamente, a exigência de segurança jurídica prevista constitucionalmente, o que teria ocorrido se a legislação, ao invés de estipular um teto sobre a própria recomposição, tivesse utilizado outras técnicas legislativas, como a postergação da vigência da norma do artigo 8º ou o escalonamento da majoração, mediante a estipulação de um percentual máximo de aumento no primeiro ano. Portanto, por todas essas circunstâncias, reputa-se inconstitucional, por ofensa ao princípio da segurança jurídica, o disposto no artigo 8º da Lei 13.202/2015. CONCLUSÃO O objetivo do artigo foi analisar a compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015, que autorizou o Poder Executivo a atualizar monetariamente o valor de diversas taxas, com os princípios da legalidade, anterioridade e segurança jurídica. Iniciou-se a análise pelo princípio da legalidade, ocasião em que foram definidos os termos tributo, aumentar e lei. Constatou-se que as taxas referidas pela Lei 13.202/2015 se enquadram no conceito de tributo, razão pela qual o seu aumento se encontra regulado pelos princípios e regras constitucionais constantes do artigo 150 da Constituição Federal. Quanto ao termo lei, assentou-se que, após a Emenda Constitucional de número 32/2001, a Constituição Federal autorizou expressamente a edição de Medidas Provisórias em direito tributário, não se vislumbrando na edição dessa emenda qualquer ofensa às cláusulas pétreas previstas no artigo 60 da CF. No que tange ao termo aumentar, foi exposta a controvérsia acerca da sua interpretação, tendo o presente artigo entendido que o termo deve ser interpretado como aumento real da tributação, e não como aumento meramente nominal. Ao final, defendeu-se que a Lei 13.202/2015 não contrariou o princípio da legalidade. Após a análise do princípio da legalidade, enfrentou-se a alegação de que existiria ofensa ao princípio da anterioridade. Em razão de o dispositivo a partir do qual o princípio da anterioridade é construído ter utilizado os mesmos vocábulos analisados anteriormente – aumento, tributo e lei – defendeu-se que, pelas razões outrora expostas, não existiu qualquer ofensa ao princípio da anterioridade. Por fim, passou-se a analisar a compatibilidade do artigo 8º da Lei 13.202/2015 com o princípio da segurança jurídica. Com base na teoria de Humberto Ávila, defendeu-se que o princípio da segurança jurídica determina a promoção dos estados de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade, tendo-se acolhido a definição deste último elemento como a capacidade de previsão das consequências alternativas atribuíveis a fatos ou atos, de forma que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas que foram antecipadas no presente. Nesse sentido, argumentou-se que o fato de o valor das taxas ter se mantido o mesmo durante um longo período de tempo excluía a suposição de que, de uma hora para outra, com base em uma Medida Provisória, o poder executivo elevaria o valor das exações em até 300% e exigiria imediatamente as novas quantias. Defendeu–se, assim, que essa postura representou uma inovação brusca na política fiscal vigente, fugindo do campo de possibilidades que se tinha à época. Ademais, consignou-se que a modificação brusca da legislação ou do valor de um tributo exige a edição de regras de transição ou de mecanismos de amortização. No caso da redação originária da Medida Provisória de nº 685/2015, concluiu-se que nenhum desses mecanismos foi utilizado. A efetivação da atualização monetária ocorreu um ou dois meses depois da sua edição, mediante a publicação das portarias pelo Poder Executivo, não tendo o texto original previsto qualquer limitação quanto ao valor a ser atualizado. No que tange a Lei 13.202/2015, resultado da conversão da referida Medida Provisória, mencionou-se a inovação representada pela inserção do parágrafo primeiro ao artigo 8º, o qual determinou que a primeira atualização monetária ficasse limitada a cinquenta por cento do valor total da recomposição. Embora se tenha reconhecido no dispositivo um avanço, concluiu-se que ele não foi suficiente para atender a exigência de segurança jurídica prevista constitucionalmente, em razão da constatação de que, mesmo com a sua inserção, ocorreu majorações bruscas, como nos casos da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários e da Taxa prevista no art. 23 da Lei nº 9.782/99, cujos reajustes alcançaram 241,82% e 193,55%, respectivamente. Consignou-se, ainda, que se a legislação, ao invés de ter estipulado um teto sobre a própria recomposição, tivesse utilizado outras técnicas legislativas, como a postergação da vigência da norma do artigo 8º ou o escalonamento da majoração, o estado preconizado pelo princípio da segurança jurídica teria sido atendido. No entanto, da forma como foi redigido, defendeu-se que o artigo 8º da Lei 13.202/2015 é inconstitucional, por ofensa ao princípio da segurança jurídica.
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Aspectos da tributação internacional: análise da aplicabilidade dos tratados em matéria tributária
O presente artigo trata de aspectos do Direito Tributário Internacional, tendo sido realizada uma análise consistente de suas características principais tomando como base a Constituição Federal de 1988, razão pela qual foi necessário o estudo de três ramos do Direito, quais sejam, o Direito Constitucional, o Direito Internacional e o Direito Tributário, sempre os relacionando entre si, demonstrando as suas características comuns e  apresentando fundamentos para o presente estudo.
Direito Tributário
Introdução Inicialmente, cabe expor os motivos que levaram à escolha do tema. Além da maior identificação com o Direito Tributário e o Direito Internacional, o trabalho em questão trata de um assunto pouco discutido, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, além de não ser muito comentado nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Neste trabalho, abordarei os principais conceitos da matéria, as relações existentes entre o Direito Tributário e o Direito Internacional e a importância da análise conjunta das disposições sob a égide da Constituição Federal de 1988 serão demonstrados a seguir. Darei ênfase à análise da tributação internacional envolvendo o Brasil, com foco nas análises dos tratados internacionais, análise do artigo 98 do CTN e da dupla tributação internacional. Para a elaboração da presente monografia foram utilizados livros de doutrina de Direito Constitucional, Direito Tributário e de Direito Internacional, vez que o tema envolve, principalmente, estes ramos do Direito, além de consultas à legislação anterior e à vigente e de pesquisas jurisprudenciais. 1. Tratados internacionais O tratado internacional é um acordo formal envolvendo pessoas jurídicas de direito internacional público, as quais firmam um ajuste de cumprimento e respeito às cláusulas e condições estabelecidas, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos nas relações exteriores, criando preceitos de direito positivo. De Plácido e Silva (2004, p. 1429), por sua vez, traz a definição de tratado: “[…] Em significação propriamente jurídica, é o convênio, o acordo, a declaração ou o ajuste firmado entre duas, ou mais nações, em virtude do que as signatárias se obrigam a cumprir e respeitar as cláusulas e condições que nele se inscrevem, como se fossem verdadeiros preceitos de Direito Positivo.” […] A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 26 de maio de 1969, define “tratado” em seu artigo 2º, parágrafo ‘1’, alínea “a”: “1. Para os fins da presente Convenção: a) "tratado" significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica;” Em relação às terminologias “tratados” e “convenções internacionais”, tem-se a opinião doutrinária de Emerson Penha Malheiro (2008, p. 68-70): “[…] a diversidade de designações não encontra ligação com o conteúdo de um tratado, observado que ele pode cuidar de diferentes matérias. E na forma do item 4.1 retro, como regra, a sua designação terminológica não determina a espécie de compromisso que foi ali firmado. No entanto, a designação terminológica de um tratado traz consigo indícios de seu conteúdo, que podem, ou não, se confirmar. O estudo da terminologia busca, então, indicar tais traços que, insista-se, não seguem nenhum rigor científico, mas tem por base os usos e costumes do direito internacional público. […] A convenção, por vezes, cuida de um tratado sem fins políticos, como pode ser observado na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969).” Para ingressar no ordenamento jurídico, os tratados devem ser ratificados pelo Congresso Nacional e, posteriormente, deverá ser promulgado pelo Presidente da República. Neste sentido, De Plácido e Silva (2004, p. 1429) afirma que “A ratificação é atribuição que, em regra, se defere ao poder legislativo. E somente depois que é ela promovida está o tratado definitivamente composto”. Em regra, os tratados internacionais passam a integrar o ordenamento jurídico após a edição do Decreto Legislativo e, ademais, é necessário que o Presidente da República ratifique o tratado e o promulgue por meio de decreto presidencial. Alberto Xavier (2005, p. 105-107), em relação ao procedimento de celebração dos tratados, ensina: “[…] O procedimento de celebração dos tratados comporta três fases: a fase preparatória ou das negociações, a fase constitutiva ou da celebração e a fase integrativa de eficácia, ou de promulgação. […] A fase constitutiva ou de celebração inicia-se com o referendo do Congresso Nacional, o qual tem por objeto o texto autenticado e por conteúdo autorizar o Presidente da República a ratificar o tratado. O referendo limita-se à alternativa de permissão ou rejeição da ratificação, não sendo admissível qualquer interferência no conteúdo do tratado. O referendo do Congresso Nacional reveste, assim, a natureza de uma autorização para ratificação. A reiterada prática constitucional brasileira revela que a forma adotada para o referendo é o decreto legislativo. Por seu turno, a ratificação é o ato unilateral pelo qual o Presidente da República, devidamente autorizado pelo Congresso Nacional, confirma um tratado e declara que este deverá produzir os seus devidos efeitos. […] A promulgação, por decreto do Presidente da República, é o ato jurídico de natureza meramente interna, pelo qual o governo torna pública a existência de um tratado por ele celebrado e constata o preenchimento das formalidades exigidas para a sua conclusão.”  Assim, após a edição de decreto legislativo pelo Congresso Nacional, o qual tem a função de autorizar a ratificação do tratado, e em sendo cumpridos os requisitos necessários, o Presidente da República, através de decreto presidencial, dá publicidade à existência do tratado. Em relação às formalidades da publicidade de referido decreto, Alberto Xavier (2005, p. 107) conclui que “A promulgação está sujeita a publicação no Diário Oficial, produzindo efeitos ‘ex tunc’ com relação às datas previstas no tratado para a vigência deste (Parecer Normativo CST nº 3/79)”. Pode ocorrer, ainda, que os Estados signatários não tenham mais interesse em manter o acordado anteriormente no tratado, motivo que gera a necessidade de extingui-lo. Há a hipótese, também, que um dos Estados signatários queira se retirar do tratado, mantendo-se os demais. Para os dois casos narrados, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados disciplina, em seu artigo 54 e seguintes, os casos de extinção dos tratados e de retirada das partes, in fine: “A extinção de um tratado ou a retirada de uma das partes pode ter lugar: a) de conformidade com as disposições do tratado; ou b) a qualquer momento, pelo consentimento de todas as partes, após consulta com os outros Estados contratantes. A não ser que o tratado disponha diversamente, um tratado multilateral não se extingue pelo simples fato de que o número de partes ficou aquém do número necessário para sua entrada em vigor. 1. Um tratado que não contém disposição relativa à sua extinção, e que não prevê denúncia ou retirada, não é suscetível de denúncia ou retirada, a não ser que: a) se estabeleça terem as partes tencionado admitir a possibilidade da denúncia ou retirada; ou b) um direito de denúncia ou retirada possa ser deduzido da natureza do tratado. 2. Uma parte deverá notificar, com pelo menos doze meses de antecedência, a sua intenção de denunciar ou de se retirar de um tratado, nos termos do parágrafo 1”. 2. Aplicabilidade das normas nacionais e dos tratados internacionais No âmbito do Direito Internacional existem diversas formas de solução de conflitos, apresentando distinções em relação à doutrina analisada. Os conflitos entre norma internacional e norma interna são solucionados, em regra, com o uso do critério de cronologia lex posterior derogat priori. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 80.004, entendeu que referido critério deveria ser usado na solução de referidos conflitos de normas. Em relação à revogação de disposições em contrário envolvendo tratado e lei federal, prevalece o mesmo entendimento, ou seja, que a lei posterior derroga a anterior, haja vista que, na maioria das vezes, as duas normas possuem o mesmo valor hierárquico. Cabe demonstrar, ainda, que é de competência da União celebrar tratados internacionais, conforme se verifica do inciso I, do artigo 21, da Constituição Federal, in verbis: “Art. 21. Compete à União:       I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;” Quanto ao procedimento para a celebração, o inciso VIII, do artigo 84, da Constituição Federal reza que: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”; Neste tocante, Alberto Xavier (2005, p. 129) ensina: “O art. 21, inciso I, da Constituição entrega à competência da União “manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”. No que concerne à celebração dos tratados, convenções e atos internacionais, ela é de competência privativa do Presidente da República, mas fica sujeita a referendo do Congresso Nacional (art. 84, inciso VIII), sendo certo que é da competência exclusiva deste “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, inciso I). A Constituição Federal consagra, assim, o sistema segundo o qual “a voz externa do Estado é, por excelência, a voz do seu chefe”. Fica claro, desta forma, que o Presidente da República, exercendo as funções de chefe de Estado, é a pessoa competente para celebrar tratados internacionais, devendo estes ser referendados pelo Congresso Nacional. 3. Do artigo 98 do Código Tributário Nacional Há discussão doutrinária acerca da constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, vez que referido dispositivo legal coloca os tratados internacionais em posição hierarquicamente superior à legislação ordinária. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 98, dispõe, in fine: Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. Roque Antônio Carrazza (2008, p. 233), que antes defendia a inconstitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, atualmente opina pela sua constitucionalidade: Embora já tenhamos sustentado o contrário, hoje estamos convencidos de que realmente o tratado internacional, devidamente aprovado, ratificado e promulgado, é fonte primária do direito tributário. Constitucional, pois, o art. 98 do CTN quando prescreve que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela lei que lhes sobrevenha”. Tem-se, assim, que os tratados internacionais possuem um caráter diferencial, no entanto continuam sendo legislação infraconstitucional, com exceção daqueles que tratam de matéria envolvendo direitos e garantias. Alberto Xavier (2005, p. 131-132), por sua vez, entende que: “A conclusão de que os tratados têm supremacia hierárquica sobre a lei interna é confirmada, em matéria tributária, pelo art. 98 do Código Tributário Nacional que, em preceito declaratório, dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Observe-se, em homenagem à exatidão, que é incorreta a redação deste preceito quando se refere à “revogação da lei interna pelos tratados. […] Trata-se, isso sim, de limitação de eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação e decorre da relação de especialidade entre tratados e leis. Observe-se, enfim, que o art. 98 do Código Tributário Nacional, tendo natureza de lei complementar, contém um comando adicional ao legislador ordinário, que veda a este, qualquer desobediência ao tratado”.    O célebre doutrinador continua sua exposição: “Nem se diga que o art. 98 estaria exorbitando, inconstitucionalmente, das suas funções de lei complementar, limitando sem título legítimo o Poder Legislativo, quando a verdade é que ele se insere de pleno na função atribuída pelo art. 146 da Constituição de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, uma das quais é precisamente a que resulta da supremacia hierárquica dos tratados, consagrada por todo o sistema constitucional, mais especificamente pelo p. 2º do art. 5º da Constituição;” Alguns doutrinadores defendem que os tratados internacionais prevalecem sobre as normas internas dos Estados quanto aos direitos e garantias. A fim de se analisar esta questão, cabe expor o disposto no parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Alberto Xavier (2005, p. 123-124), neste sentido, ensina: “Mas o parágrafo 2º do art. 5º tem ainda um alcance mais amplo do que a simples declaração de que os tratados relativos a direitos e garantias não recebidos “como tal” na ordem nacional e não como leis internas. Com efeito, ao estabelecer que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, revela claramente que as normas constantes dos tratados internacionais prevalecem sobre as normas internas nas matérias em causa”. Cabe demonstrar, ademais, a seguinte posição jurisprudencial: “TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DO AFRMM EM RELAÇÃO A MERCADORIAS IMPORTADAS SOB A ÉGIDE DO GATT. IMPOSSIBILIDADE. O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-as em nível idêntico,conferindo-lhes efeitos semelhantes. O artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósito de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual. Se o ato internacional não estabelecer, de forma expressa, a desobrigação de contribuições para a intervenção no domínio econômico, inexiste isenção pertinente ao AFRMM. Recurso provido.  Decisão unânime”. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 196.560/RJ, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 18/03/1999, DJU 10/05/1999).      No tocante à caracterização do artigo 98 do Código Tributário Nacional como lei complementar, revela-se imprescindível expor a destinação de referida norma, conforme se infere do artigo 146 da Constituição Federal: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I – será opcional para o contribuinte; II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes”. Em relação à aplicação das normas gerais de direito tributário, há, na doutrina, diferentes interpretações do artigo 146 da Constituição Federal. A teoria tricotômica tem por base o apego à literalidade do texto da Constituição Federal. Os doutrinadores que adotam esta corrente entendem que, para se alcançar o sentido disposto na Constituição Federal, é necessário tão somente uma leitura simples dos seus enunciados. Entendem, ainda, que a lei complementar possui três funções: 1) Dispor sobre conflito de competência entre os entes; 2) Regular as limitações ao poder de tributar; 3) Estabelecer normas gerais em matéria tributária. A teoria dicotômica, por outro lado, se baseia em uma análise sistemática de todo o texto constitucional. Assim, o artigo 146 da Constituição Federal deveria ser interpretado em conjunto com todo o ordenamento constitucional, para que seja evitada a afronta aos princípios, entre os quais se destacam o da federação e o da autonomia dos entes políticos, e não de forma simplesmente literal. Doutrinadores entendem que a nomenclatura “dicotômica” é equivocada, vez que tal corrente defende apenas uma função da lei complementar: editar normas gerais de direito tributário. Esta lei complementar de normas gerais teria dois objetivos: 1) Dispor sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes; 2) Regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Para os adotantes da teoria dicotômica, a interpretação realizada pelos seguidores da teoria tricotômica afrontaria o pacto federativo e a autonomia dos entes, pois estabeleceria uma faculdade temerária à União, a qual poderia invadir a esfera das outras pessoas políticas.  Ademais, Paulo de Barros Carvalho (2008, p.125) aponta mais uma crítica a tal corrente: há a falta de melhor desenvolvimento da questão, em razão da não-delimitação do conteúdo semântico da expressão “normas gerais”. Entendo que a teoria dicotômica apresenta melhor fundamentação, bem como a expressão “normas gerais” realmente não foi delimitada. Note-se, ainda, que a interpretação da Constituição Federal deve ser realizada de forma ampla, e não apenas com apego à literalidade, haja vista que muitas vezes as palavras podem distorcer conceitos. 3. Dupla tributação internacional A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fornece o conceito de “dupla tributação internacional”: “O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se de forma geral como o resultado da percepção de impostos similares em dois ou mais Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo.” Alberto Xavier (2005, p. 31), por seu turno, traz a conceituação de dupla tributação: “Dupla tributação é um conceito com que no Direito Tributário se designam os casos de concurso de normas. Como se sabe, há concurso de normas quando o mesmo fato se integra na previsão de duas normas diferentes. Assim, há concurso de normas em Direito Tributário quando o mesmo fato se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias materiais distintas, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação de imposto.”      Assim, a dupla tributação ocorre quando vários Entes soberanos tributam o mesmo fato jurídico tributário, em determinado momento, em relação a igual contribuinte. Atualmente, o Brasil possui tratados celebrados com diversos Estados em relação ao comércio internacional, com o objetivo de eliminar a ocorrência de duplas tributações que recaem sobre os bens e os rendimentos, baseando-se em um modelo criado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao celebrar contratos com diversos países, evita-se a ocorrência da dupla tributação, a qual é um entrave para as relações comerciais e, ademais, é prejudicial ao contribuinte, desrespeitando os princípios da segurança jurídica e da capacidade contributiva. 5. Conclusão O fator principal do qual partiu o desenvolvimento do trabalho foi a escassez de trabalhos acadêmicos e de doutrinas relacionados ao Direito Tributário Internacional. Depois da análise da legislação e da doutrina a respeito do tema, observa-se que a matéria a ela relacionada é muito importante, não só para nosso ordenamento jurídico, como também para os outros territórios estrangeiros. A questão da tributação internacional produz diversas consequências, não podendo ser deixada de lado, vez que atua diretamente em nossas vidas e em nosso cotidiano.
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A ação anulatória de débito fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal
Este artigo tem por escopo uma análise dos principais aspectos alusivos à ação anulatória de débito fiscal. Buscou-se reunir o que pensa a doutrina acerca da matéria e o tratamento dado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Sem a pretensão de esgotar o tema, trouxeram-se à baila os aspectos mais controvertidos que circundam a ação anulatória de débito fiscal, tais como, o depósito como condição de procedibilidade e suspensabilidade do crédito tributário, a sua coexistência com a ação de execução fiscal e os embargos, e a possibilidade de concessão da tutela antecipada[1], objetivando a suspensão da exigibilidade da exação tributária. O método usado foi o dedutivo, fundamentado por meio de livros, doutrinas, artigos científicos e jurisprudência.
Direito Tributário
Introdução O contencioso tributário judicial constituído pela relação jurídica de direito processual em que são partes a Fazenda Pública e o contribuinte é denso e provoca acalorada discussão doutrinária e grande polêmica nos tribunais. No sistema jurídico brasileiro, é o próprio fisco que constitui o título executivo representativo de crédito tributário[2], mediante processo administrativo especial de acertamento[3] que goza de presunção de legalidade. Ocorre que o ato administrativo de lançamento[4] levado a efeito pela Fazenda Pública não tem caráter absoluto. Ademais, nem mesmo as decisões administrativas, ainda que questionadas pelo contribuinte em âmbito administrativo, são definitivas, podendo o sujeito passivo da relação jurídica tributária buscar, por meio do processo judicial tributário, uma solução justa e imparcial para o tributo indevido, mormente em razão do princípio do livre acesso ao Poder Judiciário[5]. De um lado, a Fazenda Pública dispõe da Execução Fiscal para a cobrança do crédito tributário não adimplido, além de poder valer-se da Medida Cautelar Fiscal regulada pela Lei 8.397/92, a qual tem como objetivo garantir a satisfação dos créditos da Fazenda mediante medidas de indisponibilidade do patrimônio do contribuinte. De outro vértice, há um cabedal de ações dispostas ao contribuinte, as chamadas ações antiexacionais – em contraponto às ações exacionais -, cujo objetivo é proteger o contribuinte da imposição de tributos indevidos[6]. Dentre outras ações, destacam-se o Mandado de Segurança Preventivo e Repressivo, a Ação Cautelar, os Embargos à Execução Fiscal, a Ação Anulatória de Débito Fiscal e a Ação de Consignação em Pagamento[7]. Das chamadas ações do contribuinte, a Ação Anulatória, embora amplamente aceita e difundida, seja talvez a que desperte maior controvérsia, em especial entre os doutrinadores. Se é verdade que se pode afirmar, com um certo grau de segurança, que não há vozes contrárias à utilização da Ação Anulatória pelo contribuinte como meio adequado para questionar o crédito tributário, não é menos verdade que tanto a doutrina quanto a jurisprudência divergem em vários temas a ela inerentes. E no que diz respeito à Ação Anulatória de Débito Fiscal, objeto do presente trabalho, a exemplo de outros meios de impugnação à exação tributária, se apresenta aquela demanda como importante meio de desconstituição do crédito tributário. 1. A AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL A ação anulatória tendente a desconstituir o lançamento[8] tributário está prevista no art. 38 da Lei 6.830/80[9] (Lei de Execução Fiscal). À primeira vista, a leitura do artigo pode levar a precipitada conclusão de que a ação anulatória somente poderia ser intentada após o crédito tributário já se encontrar judicializado, com a propositura da respectiva ação de execução fiscal pela Fazenda Pública. Ao tratar do assunto, o Superior Tribunal de Justiça[10] sempre sinalizou pela possibilidade da propositura da ação anulatória antes mesmo do ajuizamento da execução fiscal e no REsp 1140956, afetado sob o regime de recursos repetitivos, pacificou em definitivo a matéria, assim como nesse mesmo sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal como se dessome do RE 93849-4/RJ. Segundo corrente doutrinária majoritária, o lançamento tributário possui natureza declaratória e constitutiva[11], daí a inegável natureza declaratória desconstitutiva ou constitutiva negativa[12] [13] [14] [15] da Ação Anulatória, uma vez que antes do lançamento caberá ao contribuinte valer-se da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária. A Ação Anulatória de Débito Fiscal tem por escopo a anulação/invalidação do crédito tributário, com a consequente desconstituição do ato administrativo, que pode ser um ato de infração ou ato administrativo equivalente, ou seja, pressupõe a existência de um lançamento fiscal de tributo indevido[16] [17] [18]. [19] [20] [21] [22] [23]. Visa a atacar igualmente as decisões administrativas, inclusive as denegatórias de restituição de tributo indevido (CTN/art. 169)[24] [25] [26]. Constitui uma ação de conhecimento pelo procedimento comum[27] e, portanto, propicia ao contribuinte ampla discussão e produção probatória[28] [29] [30] [31]. Os fundamentos da Ação Anulatória de Débito Fiscal são bem amplos, possibilitando ao contribuinte questionar o crédito tributário indevido em razão da não-incidência ou não ocorrência do fato gerador[32], pela arguição de previsão legal de isenção tributária, ausência de lei instituidora do tributo, base de cálculo incorreta, erros formais de procedimentos administrativos, dentre outras situações fático-jurídicas que tornem indevida a exação tributária[33] [34]. Consoante doutrina majoritária, a Ação Anulatória de Débito Fiscal pode ser intentada a qualquer tempo, vale dizer, após a notificação de lançamento, durante e após o procedimento administrativo de inscrição em dívida ativa e antes ou depois do ajuizamento da Execução Fiscal pela Fazenda Pública, e implica desistência ou renúncia do contencioso administrativo[35] [36] [37] [38] [39]. 1.2. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL E DEPÓSITO JUDICIAL O já mencionado art. 38 da Lei 6.830/80 estabelece como condição de procedibilidade da Ação Anulatória de Débito Fiscal o depósito prévio do montante integral do crédito questionado. O dispositivo normativo em questão fomentou acalorada discussão sobre sua constitucionalidade. Logo de início, a doutrina majoritária sinalizou pela inconstitucionalidade da norma, em razão do princípio do livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CRFB/88)[40] [41], embora vozes destoantes chegaram a firmar a compatibilidade do referido dispositivo legal com a Carta Constitucional[42]. Contudo, tanto o Superior Tribunal de Justiça[43] quanto o Supremo Tribunal Federal[44] há muito vinham reconhecendo a inconstitucionalidade de tal dispositivo. Essa posição dos dois principais Tribunais Pátrios do país culminou com a edição da Súmula Vinculante 28[45] do STF, sepultando de uma vez por todas a absurda exigência normativa de impor ao contribuinte o prévio depósito como condição para a propositura da Ação Anulatória ou qualquer outra ação que tenha como escopo contestar a exigência tributária[46] [47] [48] [49]. Por outro lado, se é certo que o contribuinte está dispensado do prévio depósito do montante integral do crédito tributário para propor qualquer ação questionando a exação tributária, tem-se que, sobretudo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[50], para que haja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, há necessidade de que a Ação Anulatória de Débito Fiscal venha acompanhada do depósito do montante integral do crédito tributário, conforme preconiza o art. 151, II, do CTN[51]. Outrossim, a suspensabilidade do crédito tributário pelo depósito integral do crédito tributário vem acompanhada da impossibilidade de a Fazenda Pública ajuizar a Execução Fiscal[52] [53] [54] [55] [56]. Nesse sentido, o Superior Tribunal Justiça pacificou a matéria no REsp 962.838-BA, afetado sob o regime de recursos repetitivos. 1.3. AÇÃO ANULATÓRIA E EXECUÇÃO FISCAL 1.3.1. Ação anulatória antes da execução fiscal Proposta a Ação Anulatória de Débito Fiscal antes do ajuizamento da ação de Execução Fiscal, fica impedida a Fazenda Pública de promover a cobrança do crédito tributário[57], desde que o contribuinte realize o depósito integral do montante pretendido pela Fazenda Pública, porque o depósito configura uma das hipóteses de suspensão, a teor do art. 151, II, do Código Tributário Nacional. Entretanto, não ocorrendo o depósito do montante do crédito tributário pelo contribuinte, ainda, assim, é possível a suspensão da execução fiscal, com fundamento no art. 313, V, alínea “a”, do CPC, em razão dos potenciais danos que podem advir para o contribuinte com os possíveis atos de expropriação de seus bens na execução fiscal. A execução então ficaria obstada até a decisão final na Ação Anulatória quanto à legalidade do crédito tributário. 1.3.2. Ação anulatória após a execução fiscal Lopes[58] é um representante da doutrina que critica a possibilidade do ajuizamento da Ação Anulatória de Débito Fiscal após a propositura da Ação de Execução Fiscal, pois, segundo os críticos, estar-se-ia conferindo ao contribuinte a possibilidade de a qualquer tempo questionar a legalidade do crédito tributário quando já rejeitados ou preclusos os Embargos, sem interesse de oferecer garantia à execução. Data maxima venia, o próprio conteúdo do parágrafo único do art. 38 da Lei 6.830/80 indica a inequívoca possibilidade de o contribuinte valer-se da Ação Anulatória de Débito Fiscal, nada obstante a previsão dos Embargos, mormente porque o tributo pode se apresentar manifestamente indevido, assim como o procedimento administrativo de acertamento do crédito tributário pode apresentar vícios. Nessas hipóteses, não parece razoável que o contribuinte somente possa questionar a exação tributária por meio dos Embargos que exigem prévia constrição de bens do executado. Essa mesma conclusão é que se extrai do art. 784, § 1º, do Código de Processo Civil, ao dispor que a propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça[59] já tem jurisprudência consolidada no sentido de que é possível o ajuizamento da Ação Anulatória após o ajuizamento da Execução Fiscal. 1.3.3. A conexão entre ação anulatória de débito fiscal e ação de execução fiscal Segundo dispõe o art. 55 do vigente Código de Processo Civil, reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Infelizmente, o atual código não avançou quanto ao conceito legal de conexão e críticas contundes da doutrina que já se faziam em relação à legislação processual civil revogada (art. 103 do CPC/73) igualmente se aplica ao atual código, no sentido de que a definição legal de conexão é insuficiente para englobar todas as situações concretas que conectam uma ação com a outra[60]. De acordo com a doutrina, o melhor critério a ser considerado é o de não permitir decisões conflitantes, evitando a insegurança nas relações jurídicas e o comprometimento da credibilidade das decisões judiciais. A jurisprudência, de igual sorte, perfilha o mesmo caminho[61]. A Ação Anulatória, nessa hipótese, não se pode olvidar, visa a desconstituir o crédito tributário objeto da Ação de Execução Fiscal devidamente constituído pelo lançamento e inscrito em dívida ativa. Destarte, é inegável a ocorrência de conexão no tocante à Execução Fiscal e à Ação Anulatória de Débito Fiscal, em razão do elemento de prejudicialidade existente entre as duas demandas, recomendando-se a reunião dos processos para julgamento simultâneo. Para Cleide Previtali Cais[62]: “O objetivo da conexão, além de economia processual, é, fundamentalmente, evitar julgamentos contraditórios, relativos aos mesmos fatos, ensejando a segurança jurídica que não seria obtida caso tramitasse a anulatória perante um juízo e a execução fiscal por outro.” Aliás, a conexão entre a Ação Anulatória de Débito Fiscal e a Execução Fiscal é matéria já pacificada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça[63] que, todavia, não andou bem ao já ter sinalizado no sentido de que somente resulta configurada a prejudicialidade no caso de conexão da Ação Anulatória com a Execução quando houver garantia do juízo[64]. 1.4. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL E EMBARGOS Como já se demonstrou alhures, a Ação Anulatória pode ser ajuizada antes ou depois da Ação de Execução Fiscal. Quando manejada posteriormente à Execução Fiscal, pode fazer as vezes dos Embargos. Mas a Ação Anulatória de Débito Fiscal também pode conviver concomitante com os Embargos à Execução, configurando, assim, a litispendência entre as demandas. Nos termos do art. 337, §§ 1º e 3º, da legislação processual civil, há litispendência quando se repete ação que está em curso. Outra não é a orientação do Superior Tribunal de Justiça que, em reiterados julgados, reafirmou a litispendência entre a Ação Anulatória de Débito Fiscal e os Embargos à Execução, em face da identidade das partes, causa de pedir e pedido[65]. 1.5. AÇÃO ANULATÓRIA E TUTELA ANTECIPADA A Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, acrescentou o inciso V ao art. 151 do Código Tributário Nacional, para incluir a possibilidade de o contribuinte obter a suspensão do crédito tributário pela concessão de liminar ou de tutela antecipada em outras demandas, haja visa que, fora dos Embargos ou do depósito prévio do montante integral do crédito tributário, essa suspensabilidade estava limitada ao Mandado de Segurança. Tal mudança na legislação somente reforça a conclusão de que não apenas o prévio depósito do montante integral do débito em juízo tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário. Para que se opere a suspensão da exigibilidade do crédito tributário por meio da antecipação de tutela, faz-se imprescindível que o contribuinte demonstre cabalmente os requisitos ínsitos do art. 300 do Código de Processo Civil. A propósito, ressalta Cais[66]: “Sendo assim, além da liminar concedida em mandado de segurança, em hipótese que se enquadre no art. 273 do CPC, o contribuinte pode requerer a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e antecipação dos efeitos da tutela, independentemente da constituição de garantia pelo depósito em dinheiro, nos termos da Súmula 112 do STJ, eis que demonstrados os pressupostos objeto do art. 273 e de seus parágrafos.” A possibilidade da suspensão do crédito tributário pelo instituto da tutela antecipada – atual tutela provisória de caráter antecipatório[67] [68] – é de suma importância, porquanto, as mais das vezes, a exigência do crédito tributário tido como indevido pelo contribuinte envolve valores vultosos. Ainda, pode a Ação Anulatória de Débito Fiscal ser proposta com provas cabais do pagamento do tributo, ou que este esteja fulminado pela decadência ou prescrição, entre outras hipóteses de sua manifesta inexigibilidade. A jurisprudência emanada do Superior Tribunal de Justiça[69] e do Supremo Tribunal Federal[70] está em consonância com o que defende a doutrina, cujos tribunais são categóricos em afirmar a possibilidade do contribuinte obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que evidenciados os requisitos da tutela antecipada. CONCLUSÃO A ação anulatória de débito fiscal se apresenta como importante meio de impugnação do crédito tributário, mormente porque admite ampla e irrestrita discussão. O lançamento tributário, como se viu, constitui condição de procedibilidade da Ação Anulatória de Débito Fiscal, o que não ocorre com o prévio depósito integral do crédito tributário, em razão da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 38 da Lei. 6.830/80. Entretanto, lamentavelmente, segundo jurisprudência pacificada dos tribunais superiores, constitui o depósito prévio requisito para a suspensão do crédito tributário, mas, por outro lado, impede o ajuizamento pela Fazenda Pública da Execução Fiscal. Constatou-se pela admissibilidade da Ação Anulatória antes ou depois da Execução Fiscal e sua coexistência com os Embargos à Execução. Com a Execução Fiscal impõe-se o reconhecimento da conexão e com os Embargos fica caracterizada a litispendência. Por fim, conclui-se ser amplamente favorável a doutrina, assim como a jurisprudência, sobre a possibilidade da concessão da tutela antecipada na Ação Anulatória de Débito Fiscal, ainda que independentemente de depósito integral do crédito tributário, desde que presentes os requisitos legais.
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Limites das medidas provisórias quanto às matérias tributárias
O texto reacende um tema em discussão da atualidade polícia e econômica do Brasil, qual seja o poder do Presidente da República editar medidas provisórias e sua relevância na área do Direito Tributário, trazendo a possibilidade de tocar no dia a dia dos cidadãos, sendo assim, contornou-se o tema com os estudos que ressaltam as limitações Constitucionais desse poder, que certamente encontra divergências doutrinárias, também abordadas na pesquisa. Nesse passo o texto tem boa fluidez sendo de fácil leitura para elucidar questões sociais realmente complexas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O estudo das Medidas Provisórias aplicadas ao Direito Tributário tem um caráter importante nos tempos atuais, considerando que diuturnamente é travada uma intensa discussão sobre o aumento da carga tributária no País e a possibilidade do Presidente da República o fazê-lo utilizando este instituto. O cenário político contemporâneo é efervescente quanto às matérias de Direito, isso se dá, especialmente, pela instabilidade do governo e pelo tramitar do processo de impeachment da a atual Presidente. Conquanto, revisar os limites de um dos poderes que emana do cargo de Presidente da República, e que, de sobremaneira afeta toda sociedade, será desenvolvido com base na consulta à Constituição da República, às Normas Gerais de Direito Tributário, apoiadas na Doutrina e na Jurisprudência Nacional. Quer-se contornar o tema proposto dos fundamentos constitucionais e tributários balizadores do poder, mesmo não tendo o propósito de esgotá-lo, mas para que ao final se possam concluir quais os limites materiais das medidas provisórias que repercutem no ramo do Direito Tributário. 1. Contornos Constitucionais da Medida Provisória aplicada ao Direito Tributário. 1.1 Conceito Conceitualmente a medida provisória é uma espécie legislativa compreendida dentro do sistema do processo legislativo constitucional, topologicamente inserido no Art. 59, inc. V da CRFB/88, trazendo a seguinte disposição: “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”[1]. Embora o processo legislativo seja uma função típica do Poder Legislativo, ou seja, do Congresso Nacional no âmbito Federal, das Assembleias Legislativas no âmbito Estadual, além das Câmaras Municipais no âmbito Municipal, a elaboração de normas socialmente cogentes[2] não está adstrita a este Poder. A medida provisória é um exemplo de uma função atípica exercida pela autoridade do Presidente da República, que ocupa o cargo de Chefe do Poder Executivo. Isso não representa propriamente que uma das funções da República domine a outra, ou exerça sobre aquela alguma hierarquia, na realidade, a possibilidade dos Poderes Executivos, Legislativo e também o Judiciário exercerem funções atípicas, é o que os mantém unidos, com harmonia e independência no desempenho das atividades do Estado. Inclusive, esta tese foi defendida por José Afonso da Silva[3], que se baseia na teoria dos mecanismos de freios e contrapesos para sustentar a sistematização da Constituição Federal. Sua utilização como ferramenta legislativa do Presidente da República, deve se dar excepcionalmente, como bem ensina Saulo Ramos[4], apud Luiz Emygdio F. da Rosa Jr[5]: “É inquestionável que as medidas provisórias constituem, no plano da organização do Estado e na esfera das relações institucionais entre os Poderes executivo e Legislativo, um instrumento de uso excepcional. Afinal, a emanação desses atos pelo Presidente da república configura momentânea derrogação ao princípio constitucional da separação dos poderes.”  A obrigatoriedade e coercitibilidade das leis representa um dos fundamentos basilares do Direito, implica dizer que o regramento socialmente cogente imputa obrigações à sociedade, de modo que esta venha a se sentir impelida a praticar certos atos ou, ao contrário, seja desestimulada a praticá-los. Não é demais reforçar que a coercitibilidade de cada uma das espécies legislativas encontram limites dentro do ordenamento jurídico. Sobretudo, a Constituição da República da República desempenha o papel de Lei Maior, funcionando como principal filtro de validade das normas. Assim explica o Professor Paulo de Barro Carvalho[6]: “As normas se conjugam de tal modo que as de menor hierarquia buscam seu fundamento de validade, necessariamente, em outra de superior hierarquia, até chegarmos ao patamar da Constituição, ponto de partida do processo derivativo e ponto de chegada do esforço de regressão. Vê-se, de pronto, que hierarquia exsurge como autêntico axioma de toda e qualquer ordem positiva, como também os chamados – princípios ontológicos do direito” O Art. 62 da CRFB/88 dá a seguinte previsão às medidas provisórias: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)  Ademais, lei e medida provisória são espécies legislativas diferentes, por isso recebem tratamento adequado à finalidade de cada uma. A medida provisória tem caráter precário, dependendo da conversão em lei para seus efeitos se perpetuarem no tempo, embora já detenha força equiparada a lei desde o seu nascimento. Nesta esteira, Aliomar Baleeiro[7] ensina que: “A expressão com força de lei, de que se utiliza o caput do art. 62 da Constituição, para qualificar as medidas provisórias, de modo algum leva à equiparação da lei, como manifestação precípua e fundamental do Poder Legislativo, pedra basilar da democracia. As medidas provisórias são dotadas, a titulo precário, do mesmo vigor, poder, energia, coercibilidade, enfim, eficácia de que goza a lei, antes mesmo de o serem, antes de nela se terem convertido por decisão do Congresso Nacional.” Vale ressaltar o ofício de Aliomar Baleeiro[8] (2005, pag. 53), para quem este instituto guarda peculiaridades, ainda sob o ponto de vista da coercitibilidade. Conformo o próprio nome já deixa revelar, trata-se de uma medida que atua provisoriamente no tempo e no Direito. O autor anota que: “Urge observar que as medidas provisórias, como o nome indica, só a título temporário e precário inovam a ordem jurídica” Admite-se na doutrina que a medida provisória seja caracterizada como fonte de direito tributário, nas quais se incluem Sergio Pinto Martins[9], que sobre esse ponto dissertou: “Não são apenas as leis oriundas do Poder Legislativo que são fontes do Direito, mas também as normas provenientes do Poder Executivo. Edita o Poder Executivo medidas provisórias, que tem força de lei no período de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período.” Nesse sentido, as Medidas Provisórias são consideradas espécies legislativas capazes de subsidiar o nascimento de normas socialmente obrigatórias que tenham viés de inovar na ordem tributária, por essa razão são também consideradas fontes do direito a que se referem. 1.2  Características formais das Medidas Provisórias A Constituição Federal atribuiu competência ao Presidente da República para expedir medida provisória. Não obstante esta seja uma função atípica atribuída ao cargo, o Presidente só poderá fazê-lo obedecendo, rigorosamente, aos dois critérios de observação cumulativa[10], ou seja, para edição de medida provisória deverão estar presentes os requisitos da urgência e da relevância sobre a matéria, como se lê no art. 62 da CRFB/88: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)  O poder de legislar através de medidas provisória deve obedecer aos critérios de urgência e relevância da matéria, contudo, a análise do que vem a ser urgente e relevante para a Nação é tomada a partir de um crivo totalmente político[11] e discricionário do próprio Chefe do Poder Executivo. O Supremo Tribunal Federal – STF, em algumas oportunidades[12] assentou na jurisprudência que o exame do pressuposto de urgência e relevância da matéria vinculada à medida provisória, adstringe-se ao controle dos atos discricionários, ou seja, quanto ao motivo, à finalidade e a razão da prática, mas em respeito ao princípio da separação dos poderes, não é da competência originária do STF definir se há urgência ou relevância da matéria de mérito de uma medida provisória. Assim ilustra o trecho do voto da Ministra Ellen Gracie[13]: "Esta Suprema Corte somente admite o exame jurisdicional do mérito dos requisitos de relevância e urgência na edição de medida provisória em casos excepcionalíssimos, em que a ausência desses pressupostos seja evidente." Em julgamento mais recente a Suprema Corte reforça a jurisprudência já consolidada[14]: “Conforme entendimento consolidado da Corte, os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos indeterminados de 'relevância' e 'urgência' (art. 62 da CF), apenas em caráter excepcional se submetem ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF) (ADI 2.213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004; ADI 1.647, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 26-3-1999; ADI 1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-1998; ADI 162-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-9-1997).” (ADC 11-MC, voto do rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 28-3-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007.). Não obstante, para Luiz Emygdio (São Paulo, Renovar, 2003, pág. 303), inexistem lacunas interpretativas do que vem a ser urgente, já que a Constituição Federal anotou nos Artigos 148, I; 195, §6º; 150, §1º; 153, §1º as soluções para todas as matérias tributárias que tenham caráter urgente e relevante. “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;  Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: § 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” Tecnicamente, a medida provisória entra em vigor a contar da sua publicação, tem força de lei pelo prazo de 60 dias, podendo ser prorrogado uma vez por igual período. “As MPs trancam a pauta da Casa Legislativa em que se encontrarem após 45 dias de sua publicação pelo Executivo. Primeiro uma comissão mista, formada por deputados e senadores, precisa aprovar um parecer sobre a MP. Depois, ela segue para o plenário da Câmara e, em seguida, para o plenário do Senado. Caso a aprovação do parecer na comissão mista demore mais de 45 dias, a MP já chega ao plenário trancando a pauta das sessões ordinárias[15].” As medidas provisórias poderão ser convertidas em lei ou não. Eventualmente se convertida em Lei, ela será remetida ao Presidente para sanção ou veto. Se o texto for vetado parcial ou integralmente, a discussão retorna para o Congresso Nacional. Eventualmente, se após o prazo mencionado a medida provisória não for convertida em lei, cessarão os seus efeitos, e o Congresso Nacional deverá elaborar um decreto legislativo para regulamentar as relações jurídicas dela decorrentes, podendo optar em extingui-las. Caso o Congresso Nacional não se manifeste expressamente sobre a forma de um decreto legislativo, compreende-se que as relações jurídicas que nasceram a partir da MP serão mantidas de acordo com o ela já regulamentava, até que ocorra a extinção natural da relação, sobretudo, não se manifestando expressamente sobre o efeito “ex tunc”, que provocaria a extinção retroativa das relações, se tem na jurisprudência que o efeito aplicado será “ex nunc”, ou seja, na ausência do decreto legislativo a MP não convertida em Lei no prazo correto deixa de formar novas relações jurídicas daí para frente. Nesses termos, o juiz convocado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª região, na qualidade de Relator do caso[16]: REOMS: 3195 SP 0003195-45.2007.4.03.6105, disserta sobre a questão: “A medida provisória rejeitada perde eficácia desde a sua edição, incumbindo ao Congresso Nacional à disciplina das "relações jurídicas constituídas e decorrentes" do ato normativo expungido do ordenamento. Não exercida essa competência pelo Congresso, as relações jurídicas "constituídas e decorrentes" da medida provisória permanecerão regidas pelas suas disposições. Inteligência do art. 62, §§ 3º e 11 da CF/88. O objetivo da regra constitucional é a resguardar as relações jurídicas que, além de decorrerem de atos praticados na vigência da medida provisória, foram "constituídas" durante o período vigorante do ato normativo. Abriga, assim, tão somente as relações devidamente aperfeiçoadas sob a égide da MP, ou seja, aquelas iniciadas e concluídas entre os termos de sua vigência.” 1.3 limites materiais das MPs aplicados ao Direito Tributário Hugo de Brito Machado[17], em sua doutrina destaca os limites materiais à edição de medidas provisórias: “Algumas matérias, porém, não podem ser tratadas por medidas provisórias, destacando entre elas, porque relevantes na relação tributária, a que diz respeito ao processo civil e a que seja reservada a Lei Complementar, que envolve as Normais Gerais em matéria de legislação tributária.” A previsão de limitações do campo de atuação das MPs é expressa na Constituição da República, nos moldes do § 1º do Art. 62: “§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.” No campo dos estudos tributários, Roque Antônio Carrazza[18] (2003, pag.305) adverte veementemente que somente a lei em sentido estrito pode instituir ou majorar tributos, em respeito ao princípio da legalidade, da anterioridade e da não surpresa, por isso rechaça a ideia de que as Medidas Provisórias possam fazer o mesmo. O Autor anota ainda que o Art. 62 § 1º não vedou que as Medidas Provisórias tratassem de matéria tributária, porém, não reconhece nenhum outro dispositivo Constitucional que tenha autorizado expressamente a vinculação de tal matéria por esta via, pois, para Carrazza, as MPs seriam atos administrativos, e não espécies legislativas. Não obstante, ainda na esteira de Roque Antônio Carrazza, o Autor ratifica sua ideia sobre o argumento de que as Medidas Provisórias terão que ser convertidas em lei, e somente a partir da publicação da conversão da MP em lei é que o instrumento passaria a ter legitimidade inovadora no ordenamento tributário, mesmo assim, tendo que respeitar o princípio da anterioridade de exercício e o princípio da não surpresa. Contudo, Roque Antonio Carrazza adota uma corrente minoritária sobre esse aspecto, que vai de encontro com a posição da Suprema Corte[19], há muito tempo já consolidada: "(…) já se acha assentado no STF o entendimento de ser legítima a disciplina de matéria de natureza tributária por meio de medida provisória, instrumento a que a Constituição confere força de lei (cf. ADI 1.417-MC)." Aliomar Baleeiro[20] em sua obra ensina que: “A inexistência de consentimento expresso, no Art. 62 da CF, para veiculação de normas tributárias por meio de medidas provisórias, longe de aumentar a discrição do Poder Executivo ou do Legislativo na questão, restringe-a drasticamente, porque não abre brecha alguma no regime peculiar a que a constituição submete os tributos” Conforme doutrina de Vittorio Cassone[21], temos o presente entendimento que quando a Constituição requer lei complementar para esculpir um novo tributo, ela diz expressamente. Todavia, dúvidas foram levantadas em vista da CRFB/1988, no Art. 149, faz expressa remissão ao Art. 146, II, que exige “lei complementar”, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que tal disposição se aplica tão somente à definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos, tal como disposto nesse inciso III. Anote-se: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Art. 146. Cabe à lei complementar: III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Pode-se observar que o texto de lei veda expressamente que as Medidas Provisórias estabeleçam normas gerais de direito tributário, destacando especialmente o conceito de fato gerador, base de cálculo, contribuintes, prescrição, decadência, por outro lado, vale observar também, que as alíquotas não foram contempladas neste rol taxativo. Na atuação das medidas provisórias, está a possibilidade de instituir o imposto extraordinário, seguindo o ensinamento de Ricardo Lobo Torres[22], que compreende:  “Competência extraordinária é reservada pelo Art. 154, II, à União para, iminência ou no caso de guerra externa, instituir impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua criação. Não se lhe aplica o princípio da anterioridade (150 §1º).” Por assim dizer, a medida provisória serve como instrumento para iniciar o processo legislativo, a conversão dela em lei somente se completa com a publicação oficial, isto quer dizer que os impostos sujeitos ao princípio da anterioridade só podem ser cobrados a partir do exercício seguinte àquele em que ocorreu a publicação da lei que os instituiu, ou aumentou, nesta esteira Hugo de Brito Machado[23] ainda assevera que: “É assim porque a medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV e V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte, se houver sido convertida em lei até o último dia daquele que foi editada. Como a lei somente se completa com a publicação oficial, isto quer dizer que os impostos sujeitos ao princípio da anterioridade só podem ser cobrados a partir do exercício seguinte àquele em que ocorreu a publicação da lei que os instituiu, ou aumentou.” Neste ponto vale observar o parágrafo segundo do Art. 62 da CRFB/88: “§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. (Incluído pela EC 32/2001) Os impostos esculpidos no parágrafo acima são os seguintes: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:      I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; IV – produtos industrializados;    V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;     Art. 154. A União poderá instituir: II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.” 1.4 – Relação do Princípio da Anterioridade com as Medidas Provisórias: A anterioridade desempenha um papel significativo como axioma principiológico no campo do Direito Tributário, pois está intimamente atrelada à ideia de proteção do cidadão contra a eficácia imediata das leis que instituem ou majorem tributos. Nesse sentido explica a doutrina de Roque Antônio Carrazza[24]: “Não devemos perder de vista que por trás do princípio da anterioridade está o princípio da segurança jurídica. É ele que serve de apoio e lhe revela as reais dimensões.” O princípio da anterioridade é corolário lógico do princípio da segurança jurídica, bem como do princípio da não surpresa, pois a aplicação conceitual destes três princípios equivale dizer que os cidadãos têm direito de serem avisados com antecedência da mudança que vai atingir seu patrimônio, e ao mesmo tempo tem o direito de se prepararem financeiramente para a aplicação das novas regras, ademais, significa dizer também que o Estado deve agir de boa-fé e não surpreender seus contribuintes, prevalecendo o espírito de segurança e transparência da relação entre a administração pública e a sociedade. Na esteira de Aliomar Baleeiro (2005, pag. 53): “É que a Magna Carta acosta às leis tributária (quer ordinárias ou complementares), que criam tributo novo ou majoram os já existentes, o princípio da anterioridade o qual se lhes adia a eficácia, procrastinando, para o exercício seguinte ao de sua publicação, os atos de cobrança. No caso das medidas provisórias, ao contrário, antes mesmo de se completar o processo legislativo, antes de se aperfeiçoar a lei em que se hão de converter, na Constituição antecipa a eficácia, consentindo na aplicabilidade imediata e prévia a própria existência (da lei).” Na sequência, persiste o Autor[25]: “A segurança jurídica, consagra como princípio fundamental no Art. 5º da CF, expressa-se de forma recrudescida no Direito Tributário, uma vez que não se manifesta, como ocorre nos demais ramos do jurídicos, apenas por meio da legalidade formal, material ou pela irretroatividade genérica das leis. Realiza-se através do princípio da anterioridade das leis fiscais ao exercício de aplicação, em maior plenitude, o basilar princípio da segurança. É evidente que o adiamento da eficácia provocado pelo princípio da anterioridade, como regra geral do Direito Tributário, é o resultado da primazia da segurança jurídica.” Por isso, prevaleceu nas disposições constitucionais a necessidade de previsão, de conhecimento antecipado, de planejamento dos encargos fiscais, sobre o imediatismo das medidas provisórias à luz da transparência. Debruçando-se sobre a Constituição da República, obtemos que o princípio da anterioridade está esculpido no Art. 150, III, “a”, “b”, e “c”, da CRFB/88, sendo representado da seguinte maneira: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) No entanto, a anterioridade não se aplicará a todos os tributos indistintamente, pois, mais adiante há exceções previstas na Carta Magna que encontram amparo no § 1º do mesmo artigo: “§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154 II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V e 154, II, nem à  fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I." O citado dispositivo constitucional autoriza ao chefe do Poder executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. do Art. 153 por meio de MP. Diante do texto temos que a Constituição da República excepcionou os impostos de Importação; Exportação; Sobre Produtos Industrializados; Sobre Operações Financeiras  e também o Imposto Extraordinário da aplicação de anterioridade de exercício, tendo em vista o caráter extrafiscal destes impostos. Também vedou que essa relação de tributos sofresse a influência da anterioridade nonagesimal prevista no inc. III, alínea “c”, salvo em relação ao IPI, que não se encontra neste rol, sobretudo, está inserido entre as exceções da anterioridade nonagesimal o Imposto de Renda, contudo, como se sabe, o IR deve obediência à anterioridade de exercício. A tabela seguinte tenta ilustrar didaticamente as disposições do artigo em análise. O professor Cláudio Carneiro[26] faz a seguinte observação: “A única hipótese de cobrança imediata diz respeito aos tributos que são abrangidos pela exceção à anterioridade, ou seja, o II, IE, IOF, e IEG, que admitem a contagem a quo do prazo para cobrança a partir da data da própria edição da medida provisória se não houver alteração substancial da matéria até a aludida conversão, conforme dispõe o Art. 62, parágrafo 2º, da CRFB/88. Em que pese o posicionamento de alguns no sentido de que a anterioridade tributária deva ser aplicada a partir da data da conversão da medida provisória em lei, entendemos de forma diversa. Para nós, a aplicação da anterioridade deve ser contada da data da publicação da medida provisória (desde que convertida em lei no mesmo exercício) e não da sua conversão em lei, caso contrário a edição de medidas provisórias em matéria tributária perderia sua razão de ser. Isso porque de nada adiantaria editar uma medida provisória se seus efeitos (quanto à cobrança) ficassem subordinados  à sua conversão em lei.” O Supremo Tribunal Federal[27] denota sentido protecionista em favor dos contribuintes, diante da atividade legislativa que for abusiva ou violar os direitos fundamentais, lista de direitos ao qual se inclui o princípio da anterioridade: "O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – Tratando-se, ou não, de matéria tributária – Devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade." (RE 200.844-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 25-6-2002, Segunda Turma, DJ de 16-8-2002.) No mesmo sentido: RE 480.110-AgR e RE 572.664-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 8-9-2009, Primeira Turma, DJE de 25-9-2009. Roque Antonio Carrazza (2003, pag. 215), anota ainda, que a anterioridade volta-se para fatos futuros, dando ao contribuinte previsibilidade do que o aguarda no próximo exercício financeiro, por isso, possibilitando que se programe para bem cumprir as novas exigências fiscais. O contribuinte tem direito constitucional subjetivo de ver acatado o princípio da anterioridade pelo Estado. Este direito só pode desaparecer naqueles casos taxativos em que o próprio texto magno permite que o tributo incida sobre fatos ocorridos no mesmo exercício em que ele foi criado ou aumentado. Especialmente as contribuições previdenciárias têm sido tratas por Medidas Provisórias, a título de exemplo estão às contribuições para PIS em geral, que após alterações da Lei Complementar nº 7/70, que institui o Programa de Integração Social, várias medidas provisórias foram desencadeadas a partir de outubro de 1995: nº 1.767/95; 1.212/95; 1.249/95; 1.286/96; 1.325/96; 1.365/96; e 1.407/96. Sacha Calmon[28] adverte: “As medidas provisórias, em virtude da antecipação de efeitos à própria existência da lei em que se converterão, são veículos que guardam profunda antinomia ao tradicional princípio da anterioridade das leis fiscais”. A antinomia desvelada pelo Autor em epígrafe é seguida na Doutrina de Aliomar Baleeiro[29], para quem a medida provisória e a regulação de tributos não se conciliam, pois o imediatismo vinculante das medidas provisórias viola o princípio da não surpresa. “Bem se vê que medidas provisórias e regulação de tributos não se conciliam, por causa dos princípios que vedam a “surpresa” tributária. Esses princípios postergam, adiam a eficácia da lei já existente ou para o exercício financeiro subsequente ou para o término do período de espera de noventa dias. As medidas provisórias, em mandamento constitucional exatamente oposto, antes mesmo da existência da lei, têm antecipada a eficácia.” Não obstante às objeções da doutrina clássica, estas caem por terra, quando na prática forense o Supremo Tribunal Federal admite que as medidas provisórias vinculem matéria tributária e até tratem da instituição ou majoração de tributos, assim como já admitia na égide da Constituição de 1964 os decretos-leis, reguladores de normas tributárias. Portanto, argumentos contrários, por mais consistentes que sejam, encontram-se superados. 1.5 – Reedição das Medidas Provisórias: Em recente oportunidade o STF confirmou o posicionamento sobre a contagem do prazo da anterioridade nonagesimal nos casos de reedição de medida provisória, conta-se da primeira edição, e não da sua conversão em lei: “EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Prequestionamento. Ausência. Tributário. CSLL. Adicional de 1%. Medida Provisória nº 2.158-35/01. Anterioridade nonagesimal. Termo inicial. Primeira edição. Precedentes. Controvérsia acerca do valor do adicional. Matéria infraconstitucional. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando o dispositivo constitucional que nele se alega violado não está devidamente prequestionado. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. O termo inicial para o cômputo da anterioridade nonagesimal é a edição da primeira medida provisória que majora a CSLL, no caso de reedições. Precedentes. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da causa à luz da legislação infraconstitucional. 4. Agravo regimental não provido”. (RE 790861 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 27-04-2015 PUBLIC 28-04-2015) 2. RELAÇÃO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO COM AS MEDIDAS PROVISÓRIAS. 2.1 CTN – Lei Ordinária x Lei Complementar. O professor Luiz Emygdio[30] ensina que: “A principal lei complementar sobre matéria tributária é a lei nº 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional), que, embora aprovada como lei ordinária, foi elevada, ainda sob a égide da Carta de 1967, à categoria de lei complementar, em razão principalmente do seu objeto, que é fixar normas gerais sobre legislação tributária, sendo lei nacional e não meramente lei federal.” O princípio da recepção encontra-se positivado no ordenamento nos moldes do Art. 34, § 5º, dos atos de disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, assim descrito: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. § 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º. § 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto. § 4º As leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição”. Nesse sentido, a partir da promulgação da Constituição Federal, o Código Tributário que na essência foi sancionado como Lei Ordinária em 25 de outubro de 1966, ganhou status de Lei Complementar a partir da Constituição de 1967, reforçado pela Constituição de 1988, pois este Diploma Normativo estabelece normas gerais de Direito Tributário. No entanto a doutrina diverge sobre esse tópico, alertando que o código não foi totalmente recepcionado com status de Lei Complementar, apenas os artigos que vinculam as chamadas normas gerais é que assim o foram, porém, os artigos que vinculam outras normas permanecem sendo considerados como espécie de Lei Ordinária. O fato mais relevante em si está em observar o desdobramento deste entendimento, pois, naquilo que o código vincula matéria adstrita às Leis Complementares ele só pode ser alterado por outra Lei Complementar mais recente, por outro lado, naquilo em que o código vincula outras normas, ele poderia ser alterado por uma simples lei ordinária. A esta altura já ficou bastante evidente que as Medidas Provisórias e as Leis Complementares não se conciliam, por isso não seria cabível alteração do código tributário por meio de MP sobre matérias que vinculam normas gerais. Seguindo este raciocínio poderia se dizer que é válida a alteração do CTN por meio de MP quando o artigo alterado não propõe norma geral, se presente os requisitos de urgência e relevância. Sobre tal aspecto, mas uma vez, ensina o professor Cláudio Carneiro[31]: “Por força da recepção constitucional na modalidade de complementação, o CTN possui status de Lei Complementar, já que trata de normas gerais em matéria tributária. Contudo, questiona-se o significado e o alcance da expressão “norma geral”. Podemos dizer que, no âmbito tributário, as normas gerais são aquelas que padronizam (de forma mínima o regramento básico), visando a estabelecer parâmetros normativos genéricos, com objetivo de torná-lo uniforme, racional e compatível com o sistema tributário nacional, daí a necessidade de serem observados pelo legislador ordinário da (União, Estados, DF e Municípios). Quanto ao limite da norma geral, a matéria suscita controvérsia, pois, em tese, o limite vem a ser a competência legislativa das esferas de Governo, que não pode ser suprimida, sob pena de violação da autonomia dos entes e, consequentemente, do pacto federativo. A doutrina diverge se o CTN pode ser considerado como norma geral e, por isso, lei complementar. Entendemos que apenas os artigos eu veiculam normas gerais é que foram recepcionados com status de lei complementar e não todo o CTN, hipótese em que os artigos que não sejam considerados norma geral podem, obviamente, ser alterados por lei ordinária”. Insta observar nota explicativa[32] do Senado Federal a respeito do assunto em tela: “Há vários tipos de quórum para aprovação de matérias e demais decisões da Casa. O mais comum é o de maioria simples, exigido para aprovação de projetos de lei ordinária e de resolução, bem como de Medida Provisória, que pode também ser aprovada por votação simbólica (ver verbete). Os projetos de lei complementar e os projetos de decreto legislativo requerem maioria absoluta dos senadores e dos deputados. A maioria absoluta é definida como o primeiro número inteiro superior à metade. No caso do Senado, são 81 senadores, a metade é 40,5; portanto, o primeiro número superior é 41.” Por votação simbólica compreende-se: “Votação em que não há registro individual de votos. O presidente da sessão pede aos parlamentares favoráveis à matéria que permaneçam como se encontram, cabendo aos contrários manifestarem-se. Ocorre, geralmente, quando há acordo para a votação das matérias.” Não obstante, se reconhece que não há hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar, estas apenas diferenciam-se em razão da matéria e do quórum de aprovação, como bem assenta o Colendo Supremo Tribunal Federal: “EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. COFINS E CSLL. COMPENSAÇÃO. REVOGAÇÃO MEDIANTE MEDIDA PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, II, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEGALIDADE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ARTIGO 93, IX, DA CARTA MAGNA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 16.3.2011. 1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido da inexistência de reserva de lei complementar para dispor sobre isenção pertinente à Cofins, bem como ausente relação hierárquica entre lei complementar e lei ordinária (art. 59 da Constituição) porquanto, em matéria tributária, a reserva de lei complementar é definida em razão da matéria. (…)” É possível imaginar o que ocorreria em hipótese, se o Presidente da República editasse uma Medida Provisória que trouxesse uma inovação sob o aspecto de determinada norma geral tributária, que após seguir para o Congresso, fosse ela aprovada por maioria absoluta das duas casas, como se daria esse desdobramento. Veja-se que tal proposta nasce com vício formal, porém, ao final supõe-se que tal Medida fosse aprovada pelo quórum qualificados, necessário para aprovação das Leis Complementares, ou seja, eis que surge a seguinte hipótese: mesmo com o suposto vício a MP poderia ser converter em Lei com quórum qualificado e inovar naquilo que é de competência das Leis Complementares? É possível responder a esta hipótese observando que o vício de iniciativa do Presidente não pode ser suprimido pela votação qualificada do Congresso, pois, afinal, estariam invertidos os papéis dos representantes da República, notoriamente tal inversão agride a Constituição Federal, pois a revisão das normas gerais em direito tributário deve partir do Congresso, e não do Presidente, sendo assim, o vício de iniciativa, não se convalesce pelo quórum de aprovação exigido em Lei Complementar. Analisa-se, também, a MP nº 719, de 29 de março de 2016, que entre outras atribuições dispõe sobre alteração da Lei nº 13.259, de 16 de março de 2016, que regulamenta a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção do crédito tributário inscrito em dívida ativa da União. “Art. 4º  A Lei nº 13.259, de 16 de março de 2016, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 4º  O crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, nos termos do inciso XI do caput do art. 156 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, mediante dação em pagamento de bens imóveis, a critério do credor, na forma desta Lei, desde que atendidas as seguintes condições: I – a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda; e II – a dação abranja a totalidade do crédito ou créditos que se pretende liquidar com atualização, juros, multa e encargos legais, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a possibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da totalidade da dívida e o valor do bem ou dos bens ofertados em dação. § 1º  O disposto no caput não se aplica aos créditos tributários referentes ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional. § 2º  Caso o crédito que se pretenda extinguir seja objeto de discussão judicial, a dação em pagamento somente produzirá efeitos após a desistência da referida ação pelo devedor ou corresponsável e a renúncia do direito sobre o qual se funda a ação, devendo o devedor ou o corresponsável arcar com o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios. § 3º  A União observará a destinação específica dos créditos extintos por dação em pagamento, nos termos de ato do Ministério da Fazenda.” Notadamente se sabe que o instituto da dação em pagamento é regulado pelo Código Civil, que faz ás vezes de uma norma geral no ramo do Direito Privado, no sentido de que prevê o conceito do referido instituto: “Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida”. O CTN, embora estabeleça normas gerais, está adstrito ao campo tributário, e quando utilizar-se de conceitos esculpidos em outros diplomas normativos, não poderá alterar seu sentido, conforme premissa expressa do próprio Codex: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Nesse sentido, a previsão da MP 719, trouxe apenas os requisitos que a dação em pagamento deve obedecer para ter o efeito de extinguir o crédito tributário, dessa forma vale complementar com a afirmação que não houve instituição de nova modalidade de extinção do crédito tributário, e sim da autorização do manejo do instituto da dação em pagamento no campo tributário. Outra análise que enriquece esse estudo diz respeito ao julgamento proferido pelo STF, quando da majoração de alíquotas de contribuições social através de Medida Provisória: “EMENTA: Tributo. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Adicional instituído por meio de medida provisória. Admissibilidade. Violação ao art. 246 da CF. Não ocorrência. Tributo instituído e regulamentado pela Lei nº 7.689/88. Mero aumento da alíquota pela MP nº 1.807/99. Recurso extraordinário não provido. A Medida Provisória nº 1.807/99 não instituiu, nem regulamentou a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL, mas apenas lhe aumentou a alíquota.” (RE 403512, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 16/12/2008, DJe-043 DIVULG 05-03-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-06 PP-01051 LEXSTF v. 31, n. 363, 2009, p. 209-211) Ademais, a título exemplificativo, veja-se o julgamento do STF que entendeu como constitucional a revogação de isenção através de Medida Provisória, anteriormente concedida às Cooperativas por Lei Complementar: “EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. SOCIEDADE COOPERATIVA. INEXISTÊNCIA DE IMUNIDADE. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR Nº 70/1991, PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.858-6. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o benefício fiscal previsto na Lei Complementar nº 70/1991 foi revogado pela Medida Provisória nº 1.858, tornando-se tributáveis pela Cofins as receitas auferidas pelas cooperativas. 2. Deve ser afastado o entendimento de que as sociedades cooperativas não possuem faturamento, nem receita, e que, portanto, não haveria a incidência de qualquer tributo sobre a pessoa jurídica. Trata-se de conclusão que levaria ao mesmo resultado prático de se conferir a elas imunidade tributária, não obstante a inexistência de autorização constitucional para tanto. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 602581 ED, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-183 DIVULG 15-09-2015 PUBLIC 16-09-2015) Vale observar também o seguinte caso, onde o STF compreendeu ser legítima a destituição de benefício tributário por meio de Medida Provisória, anotando ainda que não se aplica o princípio da anterioridade: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI. POSSIBILIDADE DE EFEITO IMEDIATO DA NORMA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. PRESCINDIBILIDADE DE LEI ESPECÍFICA. VIABILIDADE POR MEDIDA PROVISÓRIA. MP 1.807/1999. REQUISITOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. VERIFICAÇÃO APENAS EM CARÁTER EXCEPCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – É inadmissível o recurso extraordinário em relação a questão constitucional não apreciada no acórdão recorrido. A tardia arguição da matéria, deduzida apenas em embargos de declaração, não supre o prequestionamento. Incidência da Súmula 282 do STF. II – A exigência de lei específica prevista no art. 150, § 6º, da Constituição restringe-se à concessão dos benefícios nele mencionados. III – A suspensão de benefício tributário pode ser realizada a qualquer momento – sendo inaplicável o princípio da anterioridade –, e por medida provisória, ainda que verse sobre vários temas. IV – A verificação pelo Judiciário dos requisitos de relevância e urgência para a adoção de medida provisória só é possível em caráter excepcional, quando estiver patente o excesso de discricionariedade por parte do Chefe do Poder Executivo. V – Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 550652 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 11-02-2014 PUBLIC 12-02-2014) 3. Conclusão As discussões que permearam o campo de estudo deste trabalho trouxeram à tona diversos argumentos jurídicos e análises de doutrinadores de ponta, verdadeiros catedráticos do Direito Tributário, que de certo modo divergem sobre o posicionamento das Medidas Provisórias nesta seara. Em alguns manuais encontra-se medida provisória qualificada como fonte de direito tributário (Luiz Emygdio, 2012), em outros casos defende-se que as MP não passam de atos administrativos (Carrazza, 2013). A partir da análise feita, e data vênia as opiniões divergentes, não se pode negar que as MPs encontram previsão constitucional como espécie derivada do processo legislativo, sendo sim capazes de inovar na ordem jurídica, e por essa razão se reconhece que tal instrumento também pode ser classificado como fonte de Direito Tributário. A iniciativa de edição das MPs também foi abordada sobre o enfoque que lhe compreende como atividade legislativa atípica do Presidente da República, e neste aspecto também é inegável que se reconheça a possibilidade que as demais funções da República (Legislativo e Judiciário) também desempenham atividades atípicas, sem que tais condutas representem usurpação do Poder Democrático, ao contrário, se sabe bem que o exercício de certas atividades atípicas é, também, decorrente do sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal, o que permite integração entre as funções da República com independência e harmonia. As MPs não fogem a regra de se sujeitarem ao controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, nesta esteira um Juiz federal ou o próprio Supremo Tribunal podem declarar a inconstitucionalidade de certa medidas provisória que esteja em confronto com a Constituição. Contudo, o STF assentou firmemente na jurisprudência que somente em caráter excepcional poderia julgar o mérito dos requisitos de validade das MPs, quais sejam urgência e relevância na edição das medidas, pois tais critérios são discricionários e possuem uma forte natureza política. Ademais, as Medidas Provisórias podem ser convertidas em lei ou não, e podem ser reeditadas consecutivas vezes estendendo sua validade até a derrogação do seu prazo. Viu-se que na primeira hipótese a MP convertida em lei pode ser alterada por Lei Ordinária, já as MPs que não forem convertidas em lei perdem sua vigência e eficácia com efeito “ex nunc”, sobretudo, pode o Congresso editar Decreto Legislativo regulamentando as relações jurídicas que surgiram com a edição da MP, e se assim resolverem poderão dispor expressamente neste Decreto a extinção dos efeitos com retroatividade “ex tunc”. Se assim não procederem, automaticamente o efeito será “ex nunc”. O quórum de votação, ainda que qualificado, no ato de conversão das Medidas Provisórias em Lei não faz convalescer o vício de iniciativa da MP que trouxer inovação tributária de matéria reservada a Lei Complementar. Haverá no caso nítida inconstitucionalidade da MP, visto que este instituto não se concilia com a Lei Complementar. Observou-se que o texto do Art. 146, III da CFRB/88 lei veda expressamente que as Medidas Provisórias estabeleçam normas gerais de direito tributário, destacando especialmente o conceito de fato gerador, base de cálculo, contribuintes, prescrição, decadência, por outro lado, observou-se também, que as alíquotas não foram contempladas neste rol taxativo. Razão pela qual não é demais concluir que as alíquotas de tributos possam ser alteradas por MPs As MPs podem ser manejadas para revogar benefícios tributários, como por exemplo, isenções, também podem ser manejadas para regulamentar os requisitos da aplicação da dação em pagamento, como forma de extinção do crédito tributário, bem como para instituir programas como o Prorelite, que visa à redução de litígios tributários. Não obstante, as MPs devem guardar obediência ao princípio da anterioridade de exercício e a anterioridade nonagesimal como regra, contudo, excepcionalmente nos casos previstos pelo §º do art. 150 da CF em que os tributos relacionados surtirão efeitos desde sua primeira edição. Frisa-se, então, que as objeções da doutrina clássica caem por terra, quando na prática forense o Supremo Tribunal Federal admite que as medidas provisórias vinculem matéria tributária e até tratem da instituição ou majoração de tributos, assim como já admitia na égide da Constituição de 1964 os decretos-leis, reguladores de normas tributárias. Portanto, argumentos contrários, por mais consistentes que sejam, encontram-se superados.
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As políticas tributárias adotadas no Brasil à luz da função social do tributo
O presente artigo científico tem como tema a função social do tributo com enfoque nas políticas tributárias adotadas pelo Brasil. O objetivo do estudo é analisar quais foram as políticas tributárias adotadas pelo Brasil nas últimas décadas, analisando-as à luz da função social do tributo. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como MOTA (2010), Pasold (2003) e Balthazar (2004) entre outros. Procurou-se também enfatizar que os erros da política tributária adotada pelo Brasil desvirtuam a função social que o tributo possui. Concluiu-se que os erros das políticas tributárias adotadas pelo Brasil não observaram a função social do tributa e causaram a aplicação das receitas fiscais em setores que não resultaram os efeitos desejados, bem como causaram a concentração de renda.
Direito Tributário
Introdução O presente estudo tem como tema análise se as políticas tributárias adotadas no Brasil estão de acordo com a função social do tributo, assunto que será delimitado para uma abordagem acerca de como as distorções provocadas pela tributação exagerada sobre o consumo e as camadas menos favorecidas.   A presença constante da concentração de riquezas e desigualdade social sinalizam a necessidade de um novo olhar do legislador sobre a questão da função social do tributo, bem como a imprescindibilidade da busca pela justiça fiscal, a fim de que as mazelas do povo brasileiro sejam minimizadas. No presente estudo, teve-se em mente a busca pela elucidação de um tema pouco tratado pela doutrina em geral. Outrossim, objetivou-se encontrar respostas aos variados questionamentos em torno da problemática dos erros nas políticas tributárias adotadas no Brasil, bem como entender por quais motivos estas diretrizes ainda são adotadas e estas estão de acordo com a realidade político-jurídica da sociedade brasileira. Por fim, a análise das políticas tributárias adotadas no Brasil se dará em face da função social do tributo, inferindo se aquelas estão de acordo com o que preconiza um olhar do legislador com um viés mais justo e igualitário. 1 A Função Social do Tributo no Estado Hodierno Segundo ensinamentos de Pasold (2003), o alcance do bem comum não se dá pela soma dos interesses individuais ou dos desejos isolados, mas pela correta aplicação do bem estar coletivo, sendo que a principal função do Estado contemporâneo deve ter o viés social. Na busca pelo alcance deste objetivo, o legislador infraconstitucional balizou a utilização dos tributos para variadas finalidades. Com efeito, Mota (2010) ressalta tais características, quais sejam, fiscais, extrafiscais e para fiscais. Para Carvalho (2008), a fiscalidade dos tributos tem como elemento principal abastecer os cofres públicos, já na extrafiscalidade os objetivos são voltados à observância de certas questões sociais, políticas ou econômicas, e, por fim, na parafiscalidade, visa-se disponibilizar os recursos auferidos para que a pessoa jurídica de direito público ou a entidade estatal possam aplicá-los nos desempenho de suas atividades. A finalidade buscada pelo legislador delega ao tributo a função de cumprimento de um dever que cabe diretamente ao Estado cumprir, qual seja, a função social. Por isso, dispõe Mota (2010) que, atualmente, o tributo é usado como instrumento de alcance da função social do Estado, e, concomitantemente, também cumpre sua função no meio social. Sobre o tema, preleciona Balthazar (2004), a saber: “O Estado deve ultrapassar sua finalidade de simples arrecadador fiscal e atuar, através de intervenções, tanto nos problemas econômicos, quanto sociais, garantindo a liberdade social e propiciando melhores condições de sobrevivência às massas. Estas funções cabem à extrafiscalidade”. A distribuição do patrimônio e rendas pode ser alcançada, em parte, pela exação de tributos pelo Estado. Para Balthazar (2004), a justiça social é a justa repartição do total da carga tributária entre os cidadãos, cuja qual tornou-se imperativo ético para o Estado Democrático de Direito. Com efeito, a política fiscal figura como política de justiça e não mera política de interesses. Há na doutrina pátria, entretanto, quem acredite ser a alegação da função social do tributo como forma de fundamentação para imposição fiscal “falacioso e absolutamente falacioso”. Em que pese a posição desta corrente, vislumbram outros pensadores do direito ser a busca pela justiça o alicerce sobre o qual o sistema deve ser sustentado. Para Mota (2010), a prevalência e manutenção do Estado Social atualmente demanda a utilização dos tributos como instrumentos para alcance dessa função estatal. Em remate, ressalta Mota (2010), in verbis: “Como defendido por alguns juristas, o tributo pode e deve ser um meio a mais na “busca de realização da justiça social. Essa justiça social, além de ser um compromisso do Preâmbulo da Constituição, ‘constitui fundamento (artigo 1º), objetivo fundamental (artigo 3º) e princípio (artigo 7º) balizador das atividades estatais privadas’.” A CRFB/88 trouxe em seu texto alguns valores a serem observados tanto pelo legislador infraconstitucional quanto toda sociedade. Segundo Mota (2010), o espírito desses desígnios visaram reduzir as desigualdades e a alta concentração de riquezas vivenciada pela sociedade brasileira desde sua criação. Ademais, tais preceitos não podem ser afastados sob qualquer alegação que tenham como objetivo reduzir sua eficácia. Salienta Balthazar (2004) que a Constituição aduz proposições para a instauração de um desenho social, no qual o que não existir deve ser buscado, e, por isso, não se pode ler seu texto pela metade, mas de forma conjunta. Outrossim, a CRFB/88 preconiza um Estado com função social, que prima pelos aspectos sociais em relação aos econômicos. Pode-se perceber, então, a nítida relação entre a função social do tributo e sua finalidade extrafiscal. Entretanto, assevera Mota (2010), ambas se diferem, já que a finalidade extrafiscal é um dos principais instrumentos à consecução da função social, embora essa função possa ser cumprida por quaisquer outra finalidade lastreadora da instituição do tributo, quais sejam, fiscal, extrafiscal ou para fiscal. A finalidade adotada pelo legislador infraconstitucional para a instituição do tributo acaba por não retirar o seu necessário papel coletivo. Tal conclusão é alcançada através do raciocínio de que o Estado deve utilizar de todos os meios para alcançar o bem comum a toda sociedade brasileira, portanto, sendo o tributo um dos instrumentos de que dispõe o governo, a relação necessária entre ambos (função social do Estado e tributo) fica evidente. É o caso, portanto, de se analisarem as finalidades intrínsecas à instituição de determinado tributo com sua função social de maneira conjunta, ou seja, interdependentes e intrínsecas. Dessa forma, fica evidente a relação harmônica entre as finalidades econômico-jurídicas do tributo e a sua função social. A Assembleia Nacional Constituinte elencou como sendo inafastável a observância dos desígnios necessários para atender às necessidades de seu povo. Na busca pela consecução do bem estar de sua população como um todo, o Estado brasileiro dispõe do tributo como um de seus vários instrumentos para alcançá-lo. Portanto, figura como patente desrespeito aos valores elencados no texto constitucional a desconsideração da função social do tributo. 2 As políticas tributárias adotadas no Brasil Para Mota (2010), a igualdade social não será alcançada por nenhum governo, ainda que seja pautada pela busca da justiça social, independentemente do Estado analisado, caso exista uma quantidade exacerbada de concentração de riquezas em grupos minoritários. Ademais, conforme salientado anteriormente, a confluência de grandes quantidades de riquezas, principalmente no Brasil, é decorrência de um longo processo histórico que teve como consequência principal a existência de enormes desigualdades sociais. A Assembleia Nacional Constituinte analisando, entre outros temas, as mazelas da população, bem como a histórica elevada taxa de concentração de rendas do país primou, segundo Pasold (2003), pela busca pela solução destes problemas através da implementação de um sistema tributário que possibilitasse o alcance da perseguida justiça social. Apesar disso, consoante Mota (2010), na busca pelo cumprimento da já mencionada função social, o Estado brasileiro aumentou impensadamente a carga tributária em afronta ao princípio da justiça social. Ademais, segundo os referidos "Estudos para a Reforma Tributária" realizado pelo SEPLAN-PR/INPES (apud Mota, 2010), o sistema de tributação adotado pelo Brasil possui determinadas feições, a saber: “[…] os impostos patrimoniais brasileiros deixaram de ter participação significativa no total das receitas tributárias e na composição da carga impositiva nacional há décadas, e por isso afirmavam que uma vez adotado o conjunto de medidas propostas, dentre as quais estava a criação do imposto sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas, certamente haveria uma reversão do 'quadro atual de incidência da tributação progressiva no Brasil. Está, atualmente na imposição sobre os rendimentos do trabalho assalariado e autônomo'.” Na verdade, à época, de acordo com Torres (2000), optou o Estado Brasileiro pela adoção da "teoria do bolo", cuja a qual é firmemente rejeitada pelos economistas atuais em sua unanimidade, e que levou […] “à exacerbação do direito de propriedade e concentração de rendas” […]. Segundo Pires (1996 apud Mota, 2010), a “teoria do bolo” consiste na utilização de um sistema de incentivos fiscais em setores específicos, com o intuito de fomentar o desenvolvimento econômico do país, possibilitar o aumento do produto interno bruto e a incorporação de riqueza aos rendimentos, para se alcançar uma distribuição mais igualitária da carga tributária. Sobre o assunto, assevera o referido autor […] “os capitalistas e proprietários dos meios de produção acabaram sendo os mais beneficiados e, por outro lado, nem sempre, porém, as grandes fortunas se dirigem para atividades que geram o desenvolvimento” […]. De outro modo, a atual política tributária do Brasil é analisada por Ferreira (2007) […] “temos penalizado, de maneira intolerável, os bons contribuintes, enquanto aumentamos os 'prêmios' aos sonegadores através dos aumentos desordenados da carga tributária” […]. Tem-se no Brasil que as partes mais desenvolvidas economicamente são “penalizadas” por uma carga maior de tributos, cuja receita é futuramente alocado em benefício de pessoas mais ricas das regiões mais pobres. Ademais, tal situação já havia sido alvo de análise por Pires (1996 apud Mota, 2010), in verbis: “[…] a grande maioria de assalariados vem pagando imposto de renda para que uma minoria, com rendimentos mais elevados, prossiga beneficiando-se dos incentivos postos a sua disposição, de modo que na hora da distribuição da fatia do 'bolo', não se sabe quando, expor-se-á a 'contradição' existente entre a busca do crescimento da economia e a 'tributação justa'.” A concessão de benefícios fiscais à iniciativa privada de maneira gratuita, ou seja, sem contraprestação, foi alvo de crítica de Ferreira (2007), pois, segundo o autor, este fenômeno pode ser chamado de “privatização dos tributos”, já que […] “toda a coletividade contribui financeiramente com recursos individuais que serão destinados à atividade econômica privada, como se esta por si só não fosse capaz de gerar riquezas” […]. Consoante Mota (2010), a opção político-tributária adotada no Brasil, além de apresentar as distorções já mencionadas, acaba por tornar contraditório a busca do cumprimento da função social do Estado, bem como a realização da justiça social, pois há um atravancamento da realização do bem comum. Em remate, assevera o referido autor, a saber: “[…] por decorrência de interesses políticos que predominam há décadas no Brasil, privilegiou-se uma classe de indivíduos e setores específicos de atividades econômicas em detrimento de outros, em face da existência de distorções da opção político-tributária dessa opção no contexto internacional”. Como já salientado, o Brasil, assim como a maioria dos países capitalistas neoliberais contemporâneos, está inserido na atual conjuntura de omissão na tributação dos investimentos meramente especulativos. Ademais, ressalta Mota (2010) que os fundos de capital especulativo estão ligados às grandes corporações e empresas transnacionais, cujos capitais são revertidos em favor dos seus países-sede, os quais são hegemônicos na ordem político-econômica internacional. O atual sistema financeiro, através do uso principalmente da tecnologia da informação, está totalmente globalizado tem feito com que cada vez mais as economias mundiais estejam interligadas e interdependentes. Entretanto, a globalização financeira apresenta alguns riscos, como salienta Balthazar (2003), in verbis: “[…] a globalização financeira agrava a insegurança econômica e as desigualdades sociais. Ela limita e rebaixa as escolhas dos povos, das instituições democráticas e dos Estados soberanos em favor do interesse geral. Ela os substitui por lógicas estritamente especulativas, que exprimem apenas os interesses das empresas transnacionais e dos mercados financeiros”. Isto posto, conclui-se que, atualmente, fica patente o descompasso entre o uso da função social do tributo e as distorções existentes na opção político-tributária do Estado brasileiro. Em parte, as aspirações da sociedade, positivadas no texto da CRFB/88, no que tange ao alcance da igualdade e da justiça social só poderão ser alcançadas pelo correto uso da tributação com viés eminentemente social. Conclusão A concentração de grandes quantidades de riquezas, principalmente no Brasil, é decorrência de um longo processo histórico que teve como consequência principal a existência de enormes desigualdades sociais.  Nesse sentido, as políticas tributárias adotadas no Brasil não foram desenvolvidas no sentido de atuar estas desigualdades, mas acabaram por surtir efeito diverso. Como se viu, há vários erros nas políticas tributárias adotadas no Brasil e estes acabam por acentuar as desigualdades sociais sob a ótica da função social do tributo preconizado na CRFB/88. A tributação da classe assalariada e a chamada “privatização dos tributos” são apenas um dos exemplos das distorções nas diretrizes fiscais do país. Nos termos da CRFB/88, o tributo possui função social e esta deve ser observada a todo momento pelo legislador, notadamente na elaboração de políticas tributárias. As políticas fiscais de um país têm o condão de realizar a redistribuição de renda e tornar mais igual a distribuição da carga tributária entre os contribuintes. Portanto, conclui-se que as políticas tributárias adotadas pelo Brasil ainda não observaram a função social do tributo, prevista na CRFB/88. Tal fato, porém, não constitui óbice a um novo olhar do legislador para os erros destas diretrizes fiscais, sendo imprescindível a justa taxação através da função social do tributo.
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Princípios tributários afeitos à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas
O presente artigo científico tem como tema os princípios tributários que norteariam a eventual instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil. O objetivo do estudo é analisar quais são esses princípios e de forma eles balizariam a criação deste imposto. Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica que teve importantes contribuições de autores como MELLO (1991), ATALIBA (2003) e MOTA (2010) entre outros. Procurou-se também enfatizar a importância de o legislador observar os preceitos dos princípios tributários relacionados ao IGF quando da sua instituição, a fim de integrá-lo de maneira plena ao ordenamento jurídico. Concluiu-se que se ao instituir o IGF o legislador fugir dos preceitos dos princípios tributários relacionados a este tributo, poderá incorrer em vícios irreversíveis capazes de extinguir a validade, vigência, aplicabilidade deste imposto.
Direito Tributário
Introdução O presente estudo tem como tema a análise de, eventualmente, quais seriam os princípios tributários a serem observados pelo legislador infraconstitucional quando da instituição dos Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no inciso VII do art. 153, da CRFB/88. A observância dos princípios tributários, sejam eles constitucionais ou infraconstitucionais, quando da instituição de qualquer tributo é indispensável, pois, além de promoverem a integração da nova figura jurídica ao ordenamento, figura como meio para aferir sua adequação ao sistema jurídico no qual foi inserido. O IGF apresenta peculiaridades e especificidades que o diferem dos demais tributos, mas isso não afasta o fato de sua instituição ser balizada pelos princípios tributários, sob pena de ser declarada sua inconstitucionalidade. No presente estudo, teve-se em mente a busca pela elucidação de um tema pouco tratado pela doutrina em geral. Outrossim, objetivou-se encontrar quais seriam os princípios tributários que seriam de observância obrigatória na instituição do IGF. 1 Princípios tributários O Antes de serem citados e esclarecidos os referidos princípios do direito tributário relacionados à instituição do IGF, faz-se necessário salientar, incialmente, o conceito de princípio. A definição que melhor se aplica ao âmbito jurídico é trazida por Mello (1991), nestes termos: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” Os princípios caracterizam-se por serem a base sobre a qual um sistema jurídico é alicerçado. Ademais, segundo assevera Tavares (2001), os princípios, tanto os tributários quanto os demais, exercem tal função sobre determinado ordenamento jurídico que acabam por transformá-lo num verdadeiro sistema, conferindo-lhe harmonia. Pode-se dizer que princípios são as bases sobre as quais se fundam o ordenamento jurídico. Nas palavras de Ataliba (2007), princípios são diretrizes orientadoras a serem seguidas por todos, a saber: […] “Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda sociedade e obrigatoriamente devem ser perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).” […]. A função precípua dos princípios é, portanto, informar a linha de interpretação de certo dispositivo normativo, a fim de que seja manifestada a verdadeira vontade do legislador. Na seara tributária, estes atuam limitando o poder de tributar do Estado quando do exercício de sua soberania. Destarte, cumpre salientar que o Estado soberano, ao instituir um tributo, atinge o patrimônio do contribuinte por meio de uma relação jurídica firmada na anuência dos particulares que cedem limitadamente parte de sua soberania financeira em favor da coletividade. Consoante ensinamentos de Sabbag (2012), o Estado, para prover serviços básicos de boa qualidade, necessita recolher recursos materiais para financiar ações destinadas a satisfazer as necessidades da população. Em análise mais relacionada ao tema ora abordado, Moraes (1997) assevera sobre os princípios afeitos ao Direito Tributário, in verbis: “Os princípios aplicados à tributação são numerosos. Alguns são de índole constitucional, outros não; alguns são expressos, outros implícitos; alguns são gerais, outros específicos; alguns de conteúdo político-jurídico, outros de conteúdo econômico-jurídico; alguns para todo o Direito, outros somente para o direito tributário.” No que se refere ao IGF, Mota (2010) afirma que o sistema jurídico-tributário nacional deve observar mais especificamente os princípios da legalidade tributária, isonomia (ou igualdade formal tributária), da capacidade contributiva, da anterioridade (ou irretroatividade tributária), da vedação ao confisco, da uniformidade dos tributos federais, sem prejuízo da obediência aos demais princípios. Isto posto, tem-se que, em caso de uma eventual instituição do IGF no Brasil, deve observar estritamente os princípios constitucionais tributários. Ademais, cumpre salientar que, não obstante a observação obrigatória dos princípios já mencionados, deve o legislador infraconstitucional estar atento ao sistema jurídico brasileiro, haja vista sua característica unitária. Tal fato se justifica no dever de criação de figuras compatíveis e harmônicas entre si. 1.2 Princípio da Legalidade Tributária Segundo o artigo 3º do CTN, tributos são prestações compulsórias que têm sua criação vinculada à lei. Ademais, o art. 150, inciso I, da própria CRFB/88 proíbe os entes da federação a cobrança ou a majoração de tributos sem que a lei assim o estabeleça. Nas palavras de Alexandre (2010), deve-se nominar a obediência de matérias específicas à normatização pela lei de “princípio da reserva legal”, ao passo que, enquanto a submissão da gênese de quaisquer compulsões ao domínio da lei seria, na verdade, consequência do “princípio da legalidade”. Na visão do autor, seria correto denominar o princípio tributário contido no art. 150, I, da Lei Maior de reserva legal. Por se tratar de um ato invasivo do Estado, a criação dos tributos foi limitada pelo legislador a ter sua gênese através de lei em sentido estrito. Tal fato se justifica, pois, no fato de a lei ser a expressão da vontade do cidadão consubstanciada através da democracia indireta, é dizer, da atividade legiferante dos representantes da população nas casas legislativas. Segundo Sabbag (2012), via de regra, o tipo normativo adequado para instituir tributo é a lei ordinária sendo, portanto, competência de sua elaboração o Poder Legislativo, não cabendo ao Poder Executivo versar sobre o assunto. Ademais, consoante o autor, há casos onde não será possível a instituição de tributo por meio de lei ordinária, in verbis: “Entretanto, existem tributos federais que, mesmo obedecendo ao princípio da legalidade, devem ser criados por meio de lei complementar: Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, CF); Empréstimos Compulsórios (art. 148, CF); Impostos Residuais (art. 154, I, CF) e as contribuições social-previdenciárias novas ou residuais (art. 195 §4º, CF c/c art. 154, I, CF)”. O art. 150, I, da CF utiliza-se da palavra “exigir” no sentido da exação a ser exercida pelo ente tributante. Outrossim, para Alexandre (2010), o dispositivo impõe que o tributo só pode ter sua criação, majoração e redução atrelada a uma lei de igual hierarquia àquela que foi responsável pela sua gênese. Destarte, o legislador infraconstitucional não se limitou aos casos supracitados. O CTN traz uma enumeração taxativa de matérias obedientes à reserva legal em seu artigo 97, a saber: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”  Supremo Tribunal Federal firmou entendimento  no sentido de que as matérias não constantes no art. 97 do CTN estão afastadas do princípio da legalidade. Ademais, o § 2° traz em seu bojo outra vedação ao princípio, qual seja, a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. A fixação do prazo para o recolhimento do tributo firmou-se como exceção criada pela jurisprudência do STF. A Emenda Constitucional 32, de 2001, alterou o art. 62 da Constituição Federal e trouxe nova redação no que tange à possibilidade de majoração de tributos por meio de medida provisória. Sobre o tema, assevera Bernardi (2007): “Não obstante a estrita legalidade, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, alterando a redação do artigo 62 da Constituição Federal, trouxe a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória, espécie normativa que não é lei, na acepção estrita do termo, uma vez que não resulta do trabalho do Poder Legislativo – que, em nosso País, tem a função típica de estabelecer regras de conduta gerais e abstratas – mas é editada pelo Presidente da República, irradiando efeitos tão logo seja publicada no órgão da Imprensa Oficial.” Destarte, insta ressaltar que a utilização de medida provisória é meio excepcional e só deve ser utilizada somente em casos de urgência e relevante valor social. Ademais, o texto constitucional trouxe em seus arts. 146, 148 e 154 os casos em que caberá a utilização de lei complementar para instituir e, em alguns casos, dispor sobre as matérias tributárias. O inciso VII do art. 153, da CRFB/88 destinou a competência legislativa tributária à União para a instituição do IGF, nos termos de lei complementar. Outrossim, o legislador infraconstitucional vinculado a esta espécie normativa, sob pena de inconstitucionalidade formal. Segundo Moraes (2005), no que tange ao aspecto formal, a lei complementar caracteriza-se pela observância ao procedimento especial, sendo votada e aprovada pela maioria absoluta, é dizer, foi atingido o quorum de mais da metade de representantes no Congresso Nacional. Sob o prisma material, a lei complementar tem por escopo complementar algumas normas constitucionais que requerem regulamentação para produzirem efeitos. No Brasil, como regra, a regulamentação dos tributos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, dá-se por meio de lei ordinária, mas há casos em que o legislador constitucional determinou a utilização de lei complementar. Sobre o tema, assevera Amaro (2008): “A lei exigida pela Constituição Federal para a criação do tributo é, como regra, a lei ordinária, por exceção, para alguns tributos, a Constituição requer lei complementar. Nesses casos em que a lei complementar exerce essa atribuição excepcional de instituir tributo, terá o nome, mas não a natureza de lei complementar.” À luz do que dispõe inc. III, ‘a, do art. 146 da CRFB/88, cabe à lei complementar a […] “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” […]. No que se refere ao IGF, Carraza (2008) ensina que a lei complementar apenas norteará a sua criação, a saber: “A União, por meio de lei ordinária, poderá instituir o imposto sobre grandes fortunas (ou sobre ele dispor). A lei complementar apenas irá definir as diretrizes básicas que nortearão a criação deste imposto (que, a nosso ver, é um imposto sobre patrimônio). […] Não será, porém, a lei complementar que instituirá, in abstracto, este imposto.” Há divergência doutrinária sobre a figura normativa adequada à instituição do IGF, pois há quem entenda que somente a lei complementar deve institui-lo, ou seja, definir todos os seus contornos, como hipótese de incidência, base de cálculo e os contribuintes. Nesse sentido, dispõe Paulsen (2009): “A referência aos termos de lei complementar no próprio inciso em que previsto o Imposto sobre Grandes Fortunas vem exigir este veículo legislativo para a instituição, propriamente do tributo, ou seja, para definir todos os aspectos da norma tributária impositiva” Nota-se que há na doutrina divergência sobre a utilização de lei ordinária como instrumento hábil para regulamentar a instituição do IGF. Ademais, cumpre ressaltar que o STF adotou entendimento  que não há hierarquia entre as normas, é dizer, não há que se falar em superioridade de lei complementar em face de uma lei ordinária, isso porque a matéria abordada por cada tipo normativo é diferente. Portanto, conclui-se que, embora haja divergência doutrinária sobre os instrumentos normativos a serem utilizados na instituição do IGF, não há que se falar em eventual inconstitucionalidade de lei ordinária que, in abstracto, instituir o imposto em comento, desde que sejam respeitadas as matérias afeitas a cada tipo normativo. 1.2.1 Exceções ao princípio da legalidade tributária Conforme assevera Carrazza (2006), as exceções ao princípio da legalidade tributária estão, costumeiramente, relacionados aos tributos afeitos ao comércio (II, IE, IPI e IOF). Ademais, a existência dessa excepcionalidade tem sua razão de ser nas funções eminentemente econômicas que estes impostos exercem na economia. A CRFB88 trouxe em seu bojo algumas exceções ao princípio da legalidade tributária. Tem-se como primeiro caso o dispõe o art. 153, § 1 que faculta ao poder executivo promover alterações nas alíquotas sobre o II, IE, IPI e do IOF. Tal faculdade visa dar proteção à indústria nacional, pois precisam de maior celeridade em seu processo normativo. Entretanto, o decreto de que trata o referido artigo só produz efeitos nas condições e limites estabelecidos em lei. Estabelece o art. 177, § 4, I, b do texto constitucional que pode o executivo reduzir ou restabelecer as alíquotas da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), relacionados às atividades de importação e comércio de petróleo e seus derivados, gás e seus derivados e álcool combustível. Nesse caso, segundo Sabbag (2012), o Poder Executivo poderá promover a referida alteração por instrumento próprio, qual seja, decreto presidencial. Tem-se no art. 155, IV a permissão do legislador constituinte para os estados e o Distrito Federal poderem definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis. Ressalta Alexandre (2010) que o comando legal utiliza-se da palavra “definir” e, portanto, pressupõe-se um concessão maior de poder aos estados e DF. Para tanto, deve o ente tributante utilizar-se do ato normativo correto, qual seja, convênio do CONFAZ. Conforme já mencionado anteriormente os casos elencados taxativamente no art. 97 do CTN não estão afeitos ao princípio da legalidade tributária. 1.3 Princípio da Isonomia Não se pode falar no princípio da isonomia sem antes citar as palavras de Barbosa (2005): “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” Para Alexandre (2010), possui duas acepções, quais sejam, horizontal e vertical. A primeira está relacionada às pessoas que estão no mesmo nível, ou seja, na mesma situação e, consequentemente, devem ter tratamento igual. A segunda refere-se aos casos em que se têm as mesmas pessoas em situações distintas e, portanto, devem ser diferenciadas na medida de suas disparidades. Com efeito, a CRFB /1988 dispõe em seu art. 150, II, a saber: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”; Segundo Alexandre (2010), no referido artigo, tratou-se do sentido horizontal da isonomia, mas a deixou implícito que os contribuintes em situação desigual devem ser tratados de maneira diferente (sentido vertical). Ademais, consoante Harada (2012), a redação detalhada do dispositivo não permite que o princípio da isonomia tributária seja contornado por meio de rótulos dados aos títulos ou direitos e rendimentos, assim como impede a diferenciação do contribuinte em virtude de sua profissão ou função. Como exemplo, pode-se citar as diferenciações de alíquotas que, além dos rendimentos, preveem a dedução dos gastos com educação, saúde e número de dependentes. Pelo exposto, nota-se de maneira inequívoca a relação entre a instituição do IGF e a aplicação real do princípio da isonomia tributária, é dizer, ao instituir um imposto incidente sobre as grandes quantidades de patrimônio estar-se-ia tratando os desiguais na justa medida de sua desigualdade. 1.3.1 Isonomia e capacidade contributiva Intrinsecamente ligado ao princípio da isonomia tem-se o princípio da capacidade contributiva. Segundo Carraza (2006), o critério fundamental para se obter um efetivo tratamento diferenciado entre os contribuintes é, de fato, sua capacidade contributiva. Ademais, trata-se da aplicação máxima da igualdade real, pois este princípio conduz o legislador no momento da graduação dos tributos a, sempre quando possível, considerar a condição econômica do contribuinte. A capacidade contributiva é de tal sorte importante que o legislador constitucional o estabeleceu de maneira taxativa no bojo da CRFB/88, qual seja, o art. 145, § 1°, nestes termos: “Art. 145. (…) § 1° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Conforme dispõe Alexandre (2010), ainda que a CRFB/88 preveja a aplicação da capacidade contributiva somente para os impostos, é assente na jurisprudência do STF o entendimento que não há impedimento da sua aplicação as demais espécies tributárias. No julgamento do RE 423.768 (informativo 433 do STF), o relator Ministro Marco Aurélio ressaltou a importância social do §1° do art. 145, a saber: “O § 1.° do art. 145 possui cunho social da maior valia, tendo como objetivo único, sem limitação do alcance do que nele está contido, o estabelecimento de uma gradação que promova justiça tributária, onerando os que tenham maior capacidade para pagamento do imposto”. Dessa forma, é inegável a importância da consideração por parte do Estado, quando da elaboração de suas normas tributárias, da capacidade contributiva de seus subordinados. A inobservância desse quesito poderia caracterizar a instituição de impostos de caráter confiscatório. No que se refere ao IGF, este princípio guarda estrita relação e efeito praticamente vinculante para o legislador infraconstitucional. É necessário observar a função social do tributo, a busca pelo alcance da justiça fiscal e a redução das desigualdades regionais e sociais, mas, quando da regulamentação deste imposto, caso o legislador se esquecer de considerar a capacidade contributiva do contribuinte restaria configurado não só uma violação do direito à propriedade, mas também patente excesso ao poder de tributar do Estado. 1.4 Princípio da irretroatividade tributária A CRFB/88 em seu art. 150, III, a’ traz esculpido o princípio da irretroatividade tributária ao vedar a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os tenha instituído ou aumentado. Não se deve confundir, entretanto, o significado do termo “vigência” utilizado na referida norma constitucional com “eficácia”, pois estas expressões embora parecidas, possuem significados distintos. Nas palavras de Balleiro (2005), a saber: “O termo vigência deve ser articulado ao princípio da anterioridade, uma vez que, no Direito tributário, uma lei pode estar vigente, mas ter sua eficácia por ele inibida (o que acontecia usualmente, quando existente, entre nós, o princípio da autorização orçamentária)” Para Alexandre (2010), o legislador constituinte foi bem claro na sua intenção de impedir a cobrança de tributos em relação a fatos geradores passados com duas disposições, quais sejam: a) vedar a tributação de fatos que, no momento de sua incidência, não estavam efeitos à cobrança; e b) garantir que tributação ocorrida seja definitiva, não sendo alvo de majoração posterior. Cabe lembrar que, para Alexandre (2010), o princípio da irretroatividade não comporta qualquer exceção. Entretanto, o referido princípio não possui incompatibilidade com a possibilidade de leis com efeito retroativo, tais quais as expressamente interpretativas e as que versem sobre infrações e sejam mais benéficas para os infratores. A seu turno, assim como qualquer figura tributária, o IGF, em caso de sua regulamentação, não poderá atingir os contribuintes com efeitos retroativos. 1.5 Princípio da anterioridade do exercício financeiro O art. 150, III, b, da CRFB/88 veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei responsável por sua instituição ou aumento. Destarte, observa-se que o referido dispositivo fala em publicação e não data da vigência – como esculpido no princípio da irretroatividade. O princípio da anterioridade do exercício financeiro é aplicado exclusivamente no direito tributário, pois sua projeção ocorre somente na seara da tributação. Nas palavras de Silva Neto (2004): “[…]com efeito, enquanto para os demais ramos do Direito a pura vigência de seus textos de lei já os torna factivelmente exigíveis, pois aptos à produção de efeitos a partir de referida vigência, as normas jurídicas tributárias, que criem ou majorem, para fins de cumprimento ao princípio em tela, não exigem previsão sobre aquele momento, mas quanto ao de vincular ou de incidir sobre os casos concretos.” Alexandre (2010) preleciona que a existência deste princípio está afeita à proteção do contribuinte e, portanto, qualquer modificação benéfica a este possui aplicação imediata. Para o STF, embora este posicionamento receba críticas, a antecipação da cobrança não agrava a situação do contribuinte e, consequentemente, não precisa obedecer ao princípio em tela. Dessa forma, conforme ensinamentos de Amaro (2001), a CRFB/88 determina ao ente tributante que ao promulgar a lei que crie ou aumente o tributo seja anterior ao exercício financeiro em que haja a cobrança do tributo. Ademais, há casos onde deve ser respeitado o período mínimo de noventa dias entre a data da publicação da lei que o instituiu ou majorou e a data em que se passa a aplicá-la. 1.5.1 Exceções à anterioridade do exercício financeiro A CRFB/88 trouxe em seu bojo exceções ao princípio da anterioridade no seu art. 150, § 1º, quais sejam, Imposto de importação, Imposto de exportação, Imposto sobre produtos industrializados e Imposto sobre operações financeiras. Ademais, são outras exceções ao princípio: Impostos extraordinários de guerra, Empréstimos compulsórios, Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social. Há ainda que se falar das exceções parciais, Imposto sobre a circulação de bens e serviços incidente monofasicamente sobre os combustíveis e a Contribuição de intervenção no domínio econômico. 1.5.2 Princípio da anterioridade nonagesimal ou noventena A obediência a prazo mínimo de noventa dias entre a data de publicação de uma norma que majorasse ou criasse um tributo tinha sua aplicação restrita às contribuições para o financiamento da seguridade social, conforme o art. 195, § 6°, da CRFB/88. Destarte, conforme lembra Alexandre (2010), com a advento da Emenda Constitucional 42/2003, acrescentou-se ao art. 150 o inciso III que, segundo o autor supra, assemelha-se ao disposto para as contribuições para a seguridade social. Quis o legislador com a criação da EC 42/2003, em homenagem ao princípio da não surpresa, os princípios da anterioridade do exercício e da noventena passaram a ter sua aplicação, via de regra, cumulativamente exigíveis. Nos ensinamentos de Carraza (2004): “O princípio da anterioridade, exigindo que a lei tributária, para incidir, seja conhecida pelo menos noventa dias antes do término do exercício financeiro da ocorrência fato imponível, permite que os contribuintes saibam o que os aguarda, no campo da tributação, e, bem por isso, confiem no Estado Fiscal.” Insta ressaltar que a existência do princípio da anterioridade nonagesimal não exclui a aplicação do princípio da anterioridade do exercício financeiro. Sobre o tema ensina Moraes (2006): “[…] princípio da anterioridade mitigada ou nonagesimal não exclui a incidência do tradicional princípio da anterioridade, determinando o art. 150, III, c, que ambos sejam aplicados conjuntamente, ou seja, em regra, os tributos somente poderão ser cobrados no próximo exercício financeiro de sua instituição ou majoração, e, no mínimo, após 90 dias da data em que haja sido publicada a lei, evitando-se, assim, desagradáveis surpresas ao contribuinte nos últimos dias do ano”. Portanto, em resumo, o princípio da noventena significa que a instituição ou majoração de um tributo somente poderá se dar após a observância de, no mínimo, noventa dias da data da publicação da lei majoradora/instituidora e porquanto já tenha dado início ao exercício subsequente. 1.5.2.1 Exceções à noventena A CRFB/88 traz em seu bojo, no § 1.° do art. 150, os casos em que não é aplicado o princípio da noventena, quais sejam, Imposto de importação, Imposto de exportação e Imposto sobre operações financeiras, impostos extraordinários de guerra, Empréstimos compulsórios (nos casos de guerra externa ou sua eminência  e calamidade pública), Imposto de renda, Base de cálculo do IPTU e Base de cálculo do IPVA. Com efeito, pode-se notar que o princípio da noventena e da anterioridade nem sempre são aplicados de forma conjunta, subsistindo, por vezes, casos em que apenas um deles é aplicado. No que se refere às contribuições para a seguridade social, pode-se afirmar que estas estão afeitas à aplicação da anterioridade nonagesimal, conforme disposto no art. 195, § 6° da CRFB/88. Em que pese o referido art. 195 usar a expressão “modificado”, como assevera Alexandre (2010), o STF possui entendimento firmado no sentido de a expressão “modificado” deve ser observado como “aumentado”. Por fim, após análise das ponderações acima delineadas, tem-se que a instituição do IGF deverá obedecer tanto a anterioridade quanto a anterioridade nonagesimal, não comportando esta figura tributária qualquer exceção a estes princípios. 1.6 Princípio do não confisco O legislador constitucional trouxe no art. 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, nestes termos: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.” Nas palavras de Silva (2000), trata-se do princípio da proporcionalidade com razoabilidade na seara da sistemática tributária. Outrossim, Machado (2001) trouxe à baila a síntese conceitual do referido princípio, qual seja […] "tributo com efeito de confisco é tributo que, por excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade." […].  Não se pode englobar no entendimento deste princípio apenas aqueles tributos com caráter confiscatório, conforme preleciona Horvath (2002). Ademais, segundo o referido doutrinador, toda forma de tributação que possa trazer prejuízos abusivos à renda e ao patrimônio do contribuinte ou iniba de maneira excessiva o seu consumo pode ser considerada com efeito de confisco. Nesse sentido, preleciona Silva (2001), in verbis: “[…] a proteção constitucional da propriedade privada é imprescindível a uma política de engrandecimento e desenvolvimento econômico e social, sendo devida sua compatibilização e preservação em face da tributação. Caso o Estado não garantisse a propriedade não seria mais do que uma teoria. Além disso, o Estado jamais poderia cumprir suas funções, dentre as quais manter a ordem interna e o respeito ao direito de propriedade, sem transferência de recursos aos cofres públicos. Reside nesse ponto o paradoxal equilíbrio: a tributação não deve evitar o direito de propriedade, mas é indispensável para que o Estado proveja e garanta a sua proteção”.      Com efeito, o STF julgou se a aferição de confiscatoriedade deve ser em relação a um tributo determinado ou a toda carga tributária na ADI2010/DF. Na visão do Pretório Excelso, o efeito de confisco deve ser avaliado observando-se toda carga tributária, tendo-se em mente a capacidade econômico-contributiva do contribuinte de suportar a totalidade de tributos a serem pagos, durante determinado período, à mesma entidade estatal. O pagamento de tributos constitui uma limitação à liberdade individual ao patrimônio, por isso é necessário que as diretrizes limitativas ao poder de tributar devem estar afeitas a um controle, a fim de que a exação tributária não se torne abusiva. Nesse sentido, discorre Amaro (2001), a saber: “[…] o princípio da vedação de tributo confiscatório não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador, que, à vista das características da situação concreta, verificarão se um determinado tributo invade ou não o território do confisco.” O controle do efeito confiscatório dos tributos é realizado de diferentes maneiras, de acordo com atuação específica de cada poder. Dispõe Antinarelli (2010) que a verificação da regularidade da atividade tributária ocorre no âmbito do Poder Legislativo, através do controle de constitucionalidade das leis pelos tribunais. No Executivo, dá-se pela verificação da validade do ato administrativo, ainda pelos tribunais. De sorte, no Judiciário, que deve sempre pautar suas decisões na proporcionalidade, necessidade, adequação e conformidade, através do meio incidental. Isto posto, embora o alvo objeto da exação do IGF seja vultuoso, vê-se que este imposto não pode representar uma ameaça ao patrimônio do contribuinte ao ponto de confiscar seus bens. Um dos objetivos do IGF é reduzir a concentração de renda, não onerar o grande patrimônio chegando a torná-lo pequeno. Recomenda-se prudência ao legislador quando da regulamentação do IGF, a fim de que tal fato não ocorra. 1.7 Princípio da uniformidade geográfica dos tributos federais O princípio da uniformidade geográfica dos tributos federais, na verdade, deriva do princípio da uniformidade tributária, sendo este gênero e aquele espécie. Quis o legislador constituinte originário, segundo Oliveira (2010), além de cumprir o princípio da isonomia, fortalecer o pacto federativo. Outrossim, dispõe o inciso I, do art. 151, da CRFB/88, in verbis “Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o Território Nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País;” Como pode-se observar, com o intuito de promover a unidade do território da República Federativa do Brasil, este dispositivo constitucional proíbe a União de instituir um tributo que não incida de maneira uniforme em todo território nacional. Há, contudo, ressalvas acerca da parte final da norma constitucional em comento, no que se refere aos incentivos fiscais destinados à promoção do equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país. Nesse sentido, assevera Souza (1998 apud Morais, 2014): “[…] o dispositivo não permite o estabelecimento de regimes tributários diversos entre as várias regiões. Consente apenas que para algumas delas, em virtude de suas características, possa haver incentivos. Note-se que tal figura supõe uma política de fomento, em que se exigem de seu destinatário certas ações. Diferenças tributárias sem que se verifique o fomento, mesmo que referidas a regiões menos favorecidas, são inconstitucionais.” Consoante esclarecimento de Oliveira (2010), o legislador constitucional não estava alheio à materialização da igualdade real ao fazer a ressalva da possibilidade dos incentivos fiscais, pois há regiões que são esporadicamente assoladas por condições climáticas adversas ou, ainda, são historicamente conhecidas por conterem bolsões de pobreza e exclusão social. Outrossim, dispõe o autor, a saber: “[…] a possibilidade de concessão de incentivos e benefícios fiscais não é uma exceção ao princípio da isonomia, mas o seu cumprimento como instrumento para atingir a igualdade social e econômica de todas as regiões do país.[…] Assim, os benefícios fiscais dirigidos às regiões norte e nordeste, sobretudo para aquelas áreas de difícil acesso ou de seca, são atos admitidos pelo ordenamento jurídico e necessários a atingir o ideal de justiça e igualdade real, exemplo disto é a área de livre comércio de Manaus – Zona Franca de Manaus.” Destarte, nota-se que a instituição do IGF está diretamente relacionada a este princípio, pois seria inconcebível um imposto tido por ser um possível instrumento para o alcance da justiça social incidir de maneira desigual no território brasileiro. Tal fato inegavelmente produziria ainda mais desigualdades sociais, sem prejuízo do patente desrespeito ao texto constitucional. Conclusão Por fim, ante ao exposto neste artigo, observa-se que deve o legislador infraconstitucional estar atento aos princípios tributários afeitos à instituição do IGF, sob risco de declaração de inconstitucionalidade da lei que o instituir, vez que aqueles se caracterizam não só como balizas ao processo de criação e elaboração das normas, mas também como meios de integração das normas ao ordenamento jurídico.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/principios-tributarios-afeitos-a-instituicao-do-imposto-sobre-grandes-fortunas/
Substituição tributária progressiva
Este artigo foi desenvolvido para uma análise sobre garantias tributário-constitucionais frente à previsão trazida pela Emenda Constitucional 3 de 1993.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO: A substituição tributária progressiva, trazida pela emenda constitucional nº 3 de 1993, permite ao Fisco colher tributos referente a várias etapas futuras de um processo econômico em cadeia, no momento da realização de uma etapa pretérita, tudo tendo em vista a praticidade da tributação. Deste modo, fatos geradores que ainda vão ocorrer serão tributados em momento anterior, numa das etapas da produção, por ocasião de um dos fatos geradores em concreto. Transforma-se um dos agentes dessa cadeia, além de contribuinte direto pelo fato gerador por ele praticado, responsável pela obrigação que ainda não existe, fruto de ação que possa vir a ser praticada por terceiro, mas que no futuro é consequência normal dessa cadeia de fatos. Vejamos o que diz a CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) <Emendas/Emc/emc03.htm#art150§6>” Ocorre que essa consequência normal da cadeia de fatos é presunção de fato gerador futuro, e mesmo que tenha uma grande probabilidade de vir a ocorrer, traz à tributação a invasão ao patrimônio do substituto de modo antecipado, infringindo a pessoalidade da tributação e ainda a realidade do fato gerador como origem material da obrigação legal que é o tributo. 2. principiológia tributário-constitucional e COnstitucionalis- mo. O Direito Tributário sempre teve paralelo com o Direito Penal, este garantista sobre o direito ambulatorial do cidadão, aquele sobre o patrimônio. Muitos dos princípios que embasam o ordenamento no que tange a estes ramos do Direito coincidem-se, e mais, os bens jurídicos amparados por estes ramos jurídicos engrossam quase que a totalidade dos eventos políticos que deram ensejo ao constitucionalismo moderno. Uma constituição moderna assim o é, pois estrutura o Estado, reparte poderes, e institui direitos fundamentais para que se freiem estes mesmos poderes. Assim como os direitos fundamentais que estruturam o Direito Penal, os respectivos direitos fundamentais referentes ao ramo tributário pertencem à primeira evolução de sua espécie, conforme a doutrina originária de Karel Wassak, em palestra proferida na Faculdade de Viena. São direitos fundamentais de seus cidadãos a obrigatória omissão do Estado frente a esses referidos direitos, abolindo o Absolutismo que imperava, vindo as monarquias agora a amoldarem-se às constituições nacionais. Surgiam as monarquias constitucionais. Se a invasão ao patrimônio dos súditos só se daria agora quando determinado pela lei, num montante também por ela determinado (ou seja, por seus representantes), seguindo regramentos postos à época, temos um claro referencial entre Direito Penal e Direito Tributário. A Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra, ou Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês)sobre direitos dos contribuintes), limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do rei João, que a assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. O documento foi resultado de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo. Vejamos os itens 11 a 14 do referido documento histórico, referentes ao sobre o princípio da legalidade: “11. E se alguém morrer e tiver dívidas para com os judeus, a sua esposa terá a sua parte, e nada pagará daquele débito; e se os filhos do falecido forem de menoridade, as suas necessidades serão salvaguardadas conforme os haveres do falecido, e do remanescente a dívida será paga, exceptuando-se o que é devido aos senhores; do mesmo modo se procederá para os débitos com outros que não judeus. 12. Nenhuma scutage ou ajuda será imposta no nosso reinado, excepto pelo conselho comum do nosso reino, a menos para o resgate da nossa pessoa, a cavalaria do nosso filho mais velho e uma vez para o casamento da nossa filha mais velha, e para tais casos apenas uma ajuda razoável será paga; proceder-se-á igualmente a respeito das ajudas da cidade de Londres.  13. E a cidade de Londres terá todas as suas antigas liberdades e todos os seus direitos alfandegários livres, tanto por terra como por mar. E mais, queremos e concedemos que todas as outras cidades, burgos, vilas e portos tenham todas as suas liberdades e direitos alfandegários livres. 14. E para consultar o conselho comum do reino a respeito do estabelecimento de outros tributos que não os três casos acima mencionados, ou para o estabelecimento da scutage, faremos notificar os arcebispos, os bispos, os abades, os condes, e maiores barões, individualmente, por carta nossa; e, além disso, faremos notificar em geral, por meio dos nossos sheriffs e bailios, todos aqueles que, como chefes, de nós receberam benefícios para um dia fixado, a saber, quarenta dias pelo menos após a notificação, e num lugar fixado. E em todas as cartas de tais notificações explicaremos as suas causas. Sendo feitas as notificações, procederse-á no dia indicado conforme o conselho daqueles que estiverem presentes, mesmo que nem todos os que foram notificados compareçam.” Note que matéria tributária, além das liberdades individuais, motivou grandemente o surgimento e o texto do Bill of Rights do Rei João Sem Terra. O monarca não poderia mais invadir o patrimônio de seus súditos livremente, e agora, na Inglaterra do Século XIII, tributos, para serem regular e legalmente cobrados, deveriam ser criados e aprovados pelo Conselho dos Comuns, em regra. Necessitariam, grosso modo, de decisão colegiada do Parlamento. Segundo Sabbag, ‘’a doutrina contesta tal mecanismo por veicular um inequívoco fato gerador presumido ou fictício – realidade técnico-jurídica que estiola vários princípios constitucionais, v.g., o da segurança jurídica, o da capacidade contributiva e o da vedação ao tributo com efeito de confisco. São exemplos de produtos que se inserem no contexto de substituição tributária “para frente”: veículos novos, ao deixarem a indústria em direção às concessionárias (o ICMS já é recolhido antes da ocorrência do fato gerador que, presumivelmente, nascerá em momento ulterior, com a venda do bem na loja); ainda, cigarros, bebidas e refrigerantes etc.’’ O crédito tributário é fruto de todo um procedimento fático e técnico-legal, procedimento este que inicia-se com uma hipótese de incidência, criada pelo legislador. Essa hipótese será um modelo abstrato, não concreto, que nada criará. Repetimos, uma hipótese de incidência nada cria. Assim, esse fato em abstrato ganha a qualidade de hipótese de incidência quando previsto em lei. Com esta pretérita previsão em lei da hipótese de incidência, e posteriormente surgindo o fato, esse, antes natural, por conta da lei que o lista como hipótese de incidência passa a ser fato gerador de tributo. De um ser, decorre o dever ser. Essa relação ontológica nos traz que resultados tributários não advirão da lei somente, nem apenas dos fatos em abstratos (hipótese de incidência) previstos nela, e também nem apenas dos fatos do mundo real. Será preciso a ocorrência destes 3 itens, em sequência posta supra, para que possa vir a ocorrer um fato gerador de obrigação tributária. 3. Pós-Positivismo e legalidade Substancial/constitucional. Diz a Constituição Federal de 1988, no que tange à legalidade: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” Toda a dogmática tributária é fundada sobre o fato gerador, além da legalidade. Toda obrigação deve advir de um fato no mundo natural, cuja hipótese deve estar anteriormente prevista em lei. Assim, podemos apontar que o princípio da legalidade protege, além da obrigatoriedade de os principais componentes do fato gerador abstrato estarem previstos em lei, que a obrigação tributária só surge e se torna exigível com a ocorrência desse mesmo fato gerador. Penalmente, nenhuma punição pode ser cumprida sem o trânsito em julgado. Simplesmente porque sem o trânsito em julgado não há ninguém culpado. E se não é culpado, não há que cumprir pena. Legalmente ainda se permite que seja o investigado/processado sujeito às medidas de restrição por motivos de má-fé objetivo-subjetivos processuais, que possam vir a prejudicar o inquérito, o processo, a vítima do crime ou mesmo terceiros. Mas tudo com previsão em lei, e principalmente, que tudo seja justificado por conta de sua extrema excepcionalidade. Retornando ao paralelismo que existiu na origem do que denominamos Direito Tributário e Direito Penal, se apenas excepcionalmente se poderia restringir os direitos de alguém investigado/processado, sendo necessário para tanto justificação sobre a realidade prática da situação motivadora da medida, como poderia uma Emenda Constitucional trazer como regra a responsabilidade por um fato gerador inexistente? E mais, de terceiro! Motivos práticos e reais podem fazer com que uma medida cautelar possa vir a ser tomada durante uma investigação criminal, ou mesmo durante um processo penal. Nos traz o art. 312 do CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).” No Ordenamento Jurídico Brasileiro, para se vejamos a restrição ambulatorial de alguém no âmbito penal, devemos ter processo devido, com ampla defesa e contraditório, e decisão transitada em julgado. Mas há hipóteses que durante o inquérito ou mesmo durante o processo poderão ensejar o recolhimento precário do indiciado/acusado em cárcere. Note, circunstâncias do caso concreto darão o embasamento para que ocorra a medida. Vela-se aqui mesmo pela individualização da pena. Já na substituição tributária progressiva, precariamente se será cobrado por um tributo que ainda não é devido, e como dito, nem mesmo é de sua responsabilidade fática. A lei, no caso uma emenda constitucional, poderia impor que terceiro seja responsável por obrigação que naturalmente seja de terceiro, por motivo unicamente de facilitar a tributação desse determinado fato gerador? Originariamente, a CF88 trouxe direitos fundamentais do cidadão contribuinte, e nesse bojo, também trouxe no texto inicial a substituição tributária regressiva, onde alguém localizado no meio de uma cadeia de produção será o responsável pela obrigação tributária de outrem localizado anteriormente, nesta mesma cadeia. São tributos que permitem a transferência, pois lidam com comércio de produtos e serviços, e cuja obrigação tributária pode na prática ser transferida para alguém que esteja mais à frente da cadeia de produção, como o consumidor final. Na substituição tributária regressiva, facilita-se a tributação, pois seria de grande dificuldade fiscalizar e recolher tributos devidos por produtores rurais ou mesmo de atividade agropecuária. Recolhe-se, então, os tributos devidos decorrentes de fatos geradores já ocorridos até então em toda a cadeia produtiva, tendo em vista a organização, regularização, porte financeiro e facilidade de fiscalização da atividade industrial. E mais, fisicamente os fatos geradores das primeiras fases da cadeia de produção já ocorreram. De outro lado, na substituição tributária para frente ou em perspectiva, tratamos de fatos geradores futuros e incertos, apesar de prováveis na cadeia econômica. A substituição tributária em perspectiva, trazida pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993, impõe responsabilidade por fatos geradores que porventura venham a ocorrer no futuro, praticados por terceiros, a alguém que se encontra no início ou em outra posição anterior ao contribuinte de fato, tornando aquele o responsável tributário atual (contribuinte de direito) por essa obrigação ainda futura e incerta. Esse tipo de responsabilidade é constitucional? Na verdade, a responsabilidade tributária progressiva nos faz enfrentar toda a principiologia e dogmática tributário-constitucional, pois torna regra uma invasão patrimonial que, mesmo legal, não se baseia em materialidade. Num paralelo já traçado supracitadamente, já nos portamos acerca das medidas cautelares prisionais penais, pois, conquanto sejam limitadoras dos direitos ambulatoriais dos investigados/processados, obrigatoriamente devem ser justificadas com situações fáticas que lhes façam necessárias. Não existindo necessidade material, ou se aplicam cautelares diversas da prisão, ou se processa sem nenhuma medida cautelar a aplicar. Como então nos obrigar legalmente por uma relação inexistente, pois futura, incerta e na qual não somos contribuintes? Penalmente, se o investigado/processado for sujeito de uma medida cautelar prisional, fundamentada e legalmente possível, e no fim do processo for condenado à uma pena privativa de liberdade, apenas basta detrair-se o tempo cumprido na cautelar. E se ao final fosse absolvido? Uma sentença absolutória não influenciaria nos fundamentos de uma cautelar decretada anteriormente. Um inocente absolvido pode ter tido um comportamento que embasasse uma prisão preventiva ou outra cautelar durante o processo, e nem por isso sua absolvição na sentença fará injusta a medida cautelar imposta durante o procedimento. Tudo baseado na situação fática, somada à justificativa do magistrado, fazendo valer a individualização da pena mesmo durante o processo. E a substituição tributária para frente? Apesar de não ser pena tributária, como a multa, enseja responsabilidade que incide sobre o patrimônio do constituinte. Uma responsabilidade atual por fato futuro e incerto, apesar de provável. Alguns pontos a tratar. Primeiro, esta imposição legal seria constitucional? Penalmente alguém poderia ser obrigado legal a uma pena de multa de terceiro, mesmo que pudesse cobrar desse terceiro futuramente, judicial ou comercialmente? Comercialmente, é certo que toda substituição tributária progressiva enseja a transferência do suporte ao tributo, e quem terminará arcando com ele é o consumidor final. Na prática fiscal, é uma técnica válida. Mas tributário- constitucionalmente, não. Tomemos como exemplo uma refinaria de combustível. Ela arcará com os tributos de operações futuras da cadeia de circulação de riqueza, originados das operações da venda para os postos, do transporte, e ainda da operação de venda dos postos ao consumidor final. É legal, mas antecipa-se como regra uma imposição patrimonial sobre o responsável, onde nem mesmo material fático (fato gerador) existe, nem circunstâncias do caso concreto fazem crer que a tributação seria ineficaz se seguirmos a regra de tributar o fato gerador existente, dentro da legalidade somada à realidade. Lembremos que a substituição tributária é técnica aplicada a certos tributos, e não à multa tributária. Esta é a única pena financeira encontrada na tributação legal. Mas o tributo, apesar de não ser pena, é ônus legal. A praticidade de transferência da responsabilidade pelo tributo para outro que não o contribuinte, num encadeamento em que se tributa algo ainda inexistente, só nos faz concluir que se tributa sem fato gerador, violando o princípio da legalidade. Este é enfrentado quando se tributa sem previsão em lei, e por isso quando muito haveria apenas o fato natural, mas não o fato gerador (fato jurídico) nem a hipótese de incidência. Também é enfrentado quando se tributa com previsão em lei, mas sem o substrato material fático da obrigação tributária, qual seja, sem este mesmo fato gerador. Ontologicamente, a lei que nos trouxe a substituição tributária para frente tributa algo que não existe. E lei não pode criar algo natural. Apenas o mundo material poderia criar algo tátil, a lei não. E esse fato natural, que ainda não existe, não poderia ser objeto de lei que o faria hipótese de incidência e, concomitantemente ou não, fato gerador. Luta de séculos por populações de vários Estados nos fizeram ser protegidos pela lei, pela legalidade, pelos parlamentos que mitigaram o Estado absolutista. Posteriormente, essa mesma lei não foi suficiente, e surgiram tiranias modernas que perfizeram atrocidades não vistas por gerações. Foi necessário que a legalidade se submetesse às constituições fruto do constitucionalismo, ideia que trouxe direitos fundamentais e limitações de poder. A lei, portanto, não poderá tudo criar, e em Estados Constitucionais será ela a súdita. Nenhuma praticidade administrativa poderá tornar regra à violação de direitos fundamentais, e se a máquina tributária não se mostra capaz de tornar possível a tributação em que se respeita a legalidade e os individualizáveis fatos jurídicos componentes de uma cadeia econômica, a materialidade do fato gerador legal deve ser mantida como um limite fático onde o contribuinte escolhe praticar o fato gerador ou não, Apesar de toda a celeuma doutrinária acerca dessa técnica, a substituição tributária progressiva é aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Vejamos trecho da emenda do Recurso Extraordinário 632.898, do Mato Grosso, relatado pelo Ministro Marco Aurélio em 18.10.2012. “A EC nº 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente.” Sacha Calmon alerta que a técnica da substituição tributária progressiva não poderá resultar de imposto maior que aquele que seria devido com a tributação década fase da cadeia, cabendo para tanto restituição do que se pagar a maior.
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O abuso da imunidade tributária
Almeja-se discutir e delinear os arquétipos da norma de imunidade buscando traçar preceitos introdutórios sobre a configuração de um nítido abuso no exercício de tal direito, por certa parcela dos contribuintes, propondo uma reflexão sobre possíveis soluções.
Direito Tributário
Sumário. 1. A conceituação da norma imunizante. 2. Os limites da interpretação e suas possíveis implicações. 2.1 Imunidade recíproca. 2.2 Imunidade religiosa. 2.3 Imunidade das Entidades. 2.4 Imunidade cultural. 3. Do abuso da imunidade tributária. 3.1 O abuso de direito na doutrina civilista. 3.2 Analogia com a interpretação teleológica da isenção de veículos para deficientes. 3.3 O abuso e seus desdobramentos na esfera tributária. 4. Considerações finais. Referências I – A CONCEITUAÇÃO DA NORMA IMUNIZANTE Antes da análise sobre o “Abuso da Imunidade”, mérito propriamente dito do presente artigo, é necessário tecer algumas considerações introdutórias à respeito dos possíveis conceitos e interpretações basilares da presente temática, dando suporte para melhor elucidação da questão posta à debate. A doutrina majoritária conceitua a norma de imunidade como uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada. Tal entendimento é baseado pela suposição que a situação no mundo fático não será tributada por força de uma lei proveniente da Constituição Federal, que exclui ou retira do campo de competência do ente a respetiva Hipótese de Incidência da norma tributante, o fato ‘X’ imune. A lógica é melhor visualizada se olhada pelo viés cronológico, onde no momento (T1) – é fixado a competência tributária de certo ente; e no momento (T2) – surge a norma de imunidade, excluindo certa parcela da atribuição de exigir e cobrar tributos do mesmo. Forte são as críticas da doutrina contrária sobre a conceituação da norma imunizante. Como exemplo pode-se citar o respeitável posicionamento do Prof. Paulo de Barros Carvalho no entender que a imunidade seria uma regra que colabora no desenho do quadro das competências, não excluindo nem a limitando, mas fixando de forma preventiva pela CF a competência para legislar. Nessa linha de conceituação, não haveria o que se falar da imunidade como um “limitador da competência tributária”, tendo a norma imunizante um papel fundamental no alinhamento ou realinhamento da abrangência de competência dos entes. Seguindo tal lógica, não haveria distinção de momentos de incidência da norma de competência da norma de imunidade, agindo consequentemente ambas de forma concomitante. Nesse sentido: “As imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competências das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferant”e. Paulo de Barros Carvalho critica a expressão “norma de não incidência constitucionalmente…”, fazendo uma reflexão no sentido de que é justamente por incidir que a mesma propaga seus efeitos jurídicos, qualificando assim pessoas e objetos, não podendo ser conceituada como uma norma de “não incidência”. Pensamento contrário comportaria que não haveria tido fato concreto apto a ocorrência de seus efeitos. De forma sintética, assim conclui o referido autor sobre a conceituação do tema: “Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.” É interessante trazer a visão do prof. Roque Antônio Carrazza, que diferentemente da doutrina majoritária que classifica a norma de imunidade como uma regra de incidência, o mesmo define como uma norma de estrutura, sendo essa responsável pela criação, transformação do ordenamento jurídico, sempre visando o aperfeiçoamento da forma de processamento de suas disposições. “Oportuno frisar que as imunidades – ao contrário das isenções – não tratam da fenomenologia da incidência, porquanto operam antes do momento. De fato, antecedem o próprio exercício, pelas pessoas políticas, das respectivas competências tributárias, até porque – como vimos – são normas de estrutura que ajudam a delinear as regras-matrizes das exações a que se referem.” (Roque A. Carrazza). Muitos autores definem a imunidade como uma “norma de isenção constitucionalmente qualificada”. Rogando a devida vênia, o presente artigo desenvolve a mesma linha de entendimento do Prof. Paulo de Barros, nesse sentido, a leitura de forma simplificada e não atenta ou sem aprofundamento no campo tributário, acaba por confundir conceitos-chave entre a distinção de normas imunizantes e normas de isenção. Conceituando de forma sucinta, a isenção tributária é uma norma de origem ordinária que inutiliza um dos critérios da RMIT da norma tributante, fazendo com que a obrigação tributária não chegue a ocorrer no mundo concreto. Explicando em miúdos, a norma de imunidade como já afirmado anteriormente atua de forma concomitante com a norma de competência, sendo tal momento totalmente diferente cronologicamente do momento de atuação da norma de isenção. Antes de discutir se uma norma incide ou não incide e suas consequências práticas, é necessário se atentar ao campo da abrangência da competência tributária do respectivo ente, para saber se tal a conduta no mundo fático estará abarcada ou não, sendo esse o momento da norma de imunidade, agindo de forma antecedente à discussão da incidência. Já a norma isentiva atua no campo da legislação ordinária, em momento posterior à norma imunizante, discutindo definitivamente a incidência ou não da norma tributante. Nesse sentido: “O preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecedem na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo…” (Paulo de Barros Carvalho) Para os fins desta pesquisa, pode-se definir a norma de imunidade como uma regra de estrutura proveniente do texto da Constituição Federal que impõe a incompetência dos entes federados para instituir e cobrar tributos sobre certas situações específicas. A norma de imunidade não é uma cláusula pétrea, essas por sua vez fazem parte do conjunto das normas de conduta, regulando as interrelações jurídicas dos indivíduos e as relações de intersubjetividade desencadeadas, estabelecendo certos regramentos de conduta do comportamento no sentido de um fazer, não fazer ou dar. A regra imunizante não estabelece um direito ou uma garantia fundamental, vez que não são dirigidas aos agentes como uma norma de conduta, mas sim ao próprio sistema, alinhando ou realinhando a abrangência de incidência da competência tributária. Dentre as consequências da regra imunizante, pode-se citar a máxima efetividade de certos valores consagrados pelo texto constitucional como cláusulas pétreas, não podendo o intérprete confundir a natureza da norma com suas consequências. II – OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES Encontra-se assim previsto no CTN as modalidades que o legislador impôs uma intepretação literal: “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:  I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias” A doutrina majoritária defende que o rol incluído no referido artigo é taxativo, devendo o intérprete analisar literalmente as causas ali versadas e por exclusão, para tal corrente, os casos ali não previstos são passíveis de interpretação extensiva. Tal entendimento é seguido pelo Professor Roque Antônio Carrazza e também será adotado nesse trabalho para fins de construção do raciocínio lógico-jurídico no sentido de comportar a norma de imunidade interpretação teleológica. Faz-se um parêntese a respeito das várias modalidades de interpretações possíveis e suas formas de classificação, como por exemplo, quanto ao intérprete podem ser assim divididas: “Autêntica (feita pelo próprio legislador com as normas de estrutura e meramente interpretativas); Doutrinária (doutrinadores com interpretações explicativas/descritivas sobre a fenomenologia do direito); e Jurisprudencial (aplicação do direito por excelência com a resolução do caso concreto, feita pelos juízes e tribunais)”. Já com relação à natureza, podem-se dividir em: “Filológica ou Gramatical – leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico e as regras de sintaxe das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro valor. Também chamada de interpretação pura é a forma mais rasa de construção dos significados pelo intérprete, sujeita a vários equívocos e absurdos. Histórica ou Sociológica – leva em consideração as circunstâncias políticas, sociais, econômicas e culturais presentes em determinado momento temporal da edição da norma. Confere-se importância ímpar à análise das exposições de motivos do projeto de lei, das discussões do parlamento e da sociedade, da evolução histórica do instituto disciplinado na norma. Assim se chega ao que o legislador pretendia dizer ao redigir o texto objeto de interpretação no determinado contexto histórico. Sistemática – analisa a norma como parte de um sistema na qual está inserida, buscando a harmonia e unicidade que devem caracterizar o ordenamento jurídico, afastando antinomias (contradições). Deixa-se de olhar exclusivamente para o texto do dispositivo interpretado e se passa a analisa-lo em conjunto com todos os demais dispositivos da mesma norma e com todas as demais normas correlatas que integram o ordenamento jurídico, respeitando-se a hierarquia, para elucidar melhor o sentido. Teleológica – busca conhecer o sentido da norma através do entendimento da finalidade de sua inserção no ordenamento jurídico. A norma vem ao mundo com determinado intento, determinado propósito. O intérprete deve possuir em mente os objetivos que presidiram a elaboração da norma, para atribuir-lhe o sentido que mais se coadune com tais desígnios, de forma a concretizar, no mundo dos fatos, a vontade abstrata da norma.” Como cada ramo do direito tem escopos distintos, a interpretação teleológica vai variar de acordo com o ramo em que a norma se insere, no presente caso, âmbito tributário. Dessa forma, através da interpretação teleológica é possível buscar a real intenção do legislador ao criar a norma. As normas de imunidade estão espalhadas pelo corpo da Constituição de forma geral, centralizando o presente estudo nas incluídas no art. 150, VI, da CF, que assim dispõe: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)” Será abordado de forma específica e detalhada para melhor compreensão a interpretação teleológica das imunidades que estão no ponto central desse trabalho nos tópicos seguintes. II.I – IMUNIDADE RECÍPROCA O art. 150, VI, a, da CF, afirma expressamente que é vedado a todos os entes cobrar impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros. Como afirmado expressamente no texto constitucional, tal imunidade só é referente à impostos, não impedindo que um ente venha cobrar outra espécie tributária (taxa, contribuição…) de outro. A própria Constituição tratou de estender a referida imunidade às fundações e autarquias instituídas e mantidas pelos Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.[1] Caso a utilização do bem tenha finalidade diversa da essencial, as fundações/autarquias perdem a imunidade no tocante àquele bem, sendo o mesmo passível de tributação. Os entes públicos não possuem tais restrições no tocante à finalidade essencial, não perdendo jamais a imunidade. Olhando a jurisprudência do STF, que sempre interpretou a norma de imunidade de forma bastante ampliativa, possui julgados no sentido de conceder a vedação de impostos extensíveis as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos quando tratar-se de prestação obrigatória e exclusiva do Estado[2], nesse sentido pode-se citar o Correios, INFRAERO. Apesar de existir disposição expressa pela Constituição no sentido de excluir do benefício a imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas aplicáveis para empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário[3], o STF por uma interpretação mais abrangente entende ser cabível o gozo da regra imunitória por tais pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública Indireta. No julgado estendendo às sociedades de economia mista que atendam os mesmos requisitos da empresa pública, levou-se em conta que se a participação privada for considerada ínfima, a imunidade não restará prejudicada, uma vez que o controle é exercido de forma majoritária pelo Estado[4]. Importante ressaltar que o STF entendia que quando um imóvel pertencente a ente imune (seja ente político ou alguma outra entidade – quando destinado às suas finalidades essenciais) era alugado a pessoa privada, o município não poderia cobrar IPTU, uma vez que o contribuinte de direito era imune. Porém, revendo sua jurisprudência o Pretório Excelso, recentemente (06/04/2017), mudou de entendimento em sede de Repercussão Geral[5] se posicionando pela possível cobrança de IPTU de empresa privada que ocupe imóvel público, por pessoa imune. Tal posicionamento pode ter sido estimulado por uma nova tendência de interpretação não tão extensivas no tocante as normas imunizantes. Essa nova corrente interpretativa pode ter sido respaldada pela parte final do art. 150, §3º da CF, afirmando que a regra imunizante não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. A restrição impede que a celebração de tal compromisso entre particulares e entes imunes sirva, tão somente, como mecanismos para se fugir à tributação. II.II – IMUNIDADE RELIGIOSA O legislador constituinte originário visando não criar embaraços para liberdade de crença e na tentativa de assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção dos locais de suas liturgias[6], valores protegidos e consagrados como cláusulas pétreas, tratou logo de estabelecer uma norma de imunidade visando realinhar a competência para não obstaculizar o funcionamento das entidades religiosas. Pela inteligência do preceito constitucional do Estado Laico, a imunidade dos templos de qualquer culto no tocante aos impostos visa a máxima efetividade de direitos e garantias fundamentais, para permanência e perpetuidade dos cultos e suas liturgias religiosas, fazendo com que a incompetência estimule a plena pluralidade de crenças e seu livro exercício. A interpretação do arquétipo constitucional “templo” é entendida pela maioria da doutrina e pelo próprio STF como todas as atividades inerentes à entidade religiosa, não ficando limitada ao mero conceito estrutural de “prédio” que comportaria apenas os impostos incidentes sobre a propriedade (IPTU e ITR). Tal interpretação mais abrangente do conceito de templo é amparada no art. 150, §4º da CF, afirmando que a vedação compreende o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais da entidade. Nesse sentido é a jurisprudência do STF: “Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, da CF deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” O §4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo da alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da CF. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas” (STF, Tribunal Pleno, Re 325.822/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/12/2002, DJ 14.05.2004, p. 33). Assim, por uma interpretação extensiva, entende-se que mesmo que uma receita seja decorrente de uma atividade particular lucrativas, mas reinvestida na atividade essencial da entidade, está acobertada pela norma imunizante. II.III – IMUNIDADE DAS ENTIDADES Essa imunidade compreende as seguintes entidades: partidos políticos e suas fundações, sindicato dos trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos. A Constituição Federal afirma em seu artigo 1º, inciso V, os fundamentos da República, assim consagrando o pluralismo político. Nesse caso, a razão da existência da norma imunizante consiste no incentivo da diversidade de partidos políticos e suas fundações, não sendo usado o tributo como uma ferramenta dos poderosos partidos que estão no Poder visando excluir os pequenos da possibilidade de integrar o círculo político por ausência de recursos financeiros. Com relação aos sindicatos dos trabalhadores, o art. 8º da Magna Carta assegura que é livre a associação profissional ou sindical. O legislador almejou com que a incompetência efetivasse a proteção da parcela menos favorecida financeiramente da relação empregatícia, os trabalhadores, visando garantir um mínimo de patrimônio, renda e serviços para que os mesmos desempenhem suas funções com louvor na luta por melhores condições para sua classe, na capacitação profissional, na fiscalização dos direitos, dentre tantos outros. Quanto as entidades educacionais e assistenciais, o legislador almejou conferir norma imunizante pela simples lógica que tais personas são filantrópicas, sem fins lucrativos, porém condicionou o gozo da imunidade ao preenchimento de certos requisitos dispostos em lei. Nesse sentido é interessante trazer a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho[7]: “Se as instituições particulares atuassem gratuitamente, a fundo perdido, logo se estiolariam em quantidade e qualidade. A filantropia é cara, e a caridade, pouca.” A norma de imunidade surge justamente visando a incompetência para trazer a máxima eficácia da persecução dos objetivos pelas atividades essenciais de tais entidades, diminuindo os embaraços. Tal imunidade passou a ser classificada como uma norma de eficácia limitada, sendo a Lei Complementar responsável pela regulação, nos termos do art. 146, II, da CF. Nesse sentido: “Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoes, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar” (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 1.802/DF, Rel. Min Sepúlveda Pertence, j. 27.08.1998, DJ 13.02.2004, p. 10). Tais requisitos estão elencados no art. 14 do CTN, recepcionado com status de Lei Complementar desde a CF/1967, assim dispondo: “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. §1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no §1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. §2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.” Como muito bem mencionado no artigo colacionado, o descumprimento de qualquer requisito implica a suspensão da norma imunidade. Importante ressaltar que o intuito unicamente lucrativo não se confunde com atividades econômicas que lhe tragam subsistência, assim, toda entidade que vise crescimento deve se esforçar para conseguir receitas que superem suas despesas, sendo elas empregadas ou reinvestidas com a exploração patrimonial em sua atividade essencial. Nesse sentido é o entendimento do STF: “Súmula 724. Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.” Nos tributos tidos por indiretos, com a presença dos contribuintes de direito e de fato, o benefício da imunidade não é extensível ao contribuinte de fato mesmo que esse seja ente imune, uma vez que não faz parte da relação jurídica tributária, inteligência do art. 166 do CTN.[8] II.IV – IMUNIDADE CULTURAL O art. 150, VI, d, da CF/88 afirma que é vedado aos entes federados instituir e cobrar impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Através da interpretação teleológica acha-se a intenção do legislador ao criar a mesma, visando a incompetência, maximizando o barateamento do acesso à cultura, o aprimoramento intelectual, livre manifestação do pensamento, acesso de comunicação e liberdade intelectual, artística, científica, todos esses direitos e garantias fundamentais elencados no rol do art. 5º da CF.[9] No entender do STF, a principal consequência da imunidade em discussão é baratear o acesso à cultura, não sendo relevante para efeito de reconhecimento a qualidade cultural da publicação, interpretando de forma extensiva o conceito para atender a intenção do legislador. Em julgado recente, 08/03/2017, levando em conta a disposição dos motivos na origem da lei (acesso à cultura, barateamento da instrução técnica-profissional e amplo acesso à informação, o STF sedimentou seu posicionamento entendendo que a incompetência também abarcaria os livros digitais (e-books, kindle, e-reader) em votação unânime, decidindo que os livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura são alcançados pela consequência da regra imunizante realinhando a competência. O acesso à cultura, barateamento do aperfeiçoamento profissional e amplo acesso à informação, os e-books, ou qualquer meio digital que seja repassar informação nesses termos, estaria abarcado pelos efeitos da norma imunizante, como por exemplo o kindle, o e-reader, pela mesma lógica que o jornal mesmo contendo propaganda não desnatura sua função principal, os meios digitais também não devem ser desnaturados por qualquer outro intuito lhe atrelado, sem perder a função informativa.[10] III – DO ABUSO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA III.I – A DEFINIÇÃO DO ABUSO DE DIREITO NA DOUTRINA CIVILISTA Preceitua o Código Civil de 2002 no Título III que dispõe sobre os atos ilícitos, especificamente que: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Infere-se do texto legal que o abuso de direito é um ato voluntário, comissivo ou omissivo, negligente ou imprudente, que viola direitos e causa prejuízo a terceiros, equiparado a um verdadeiro ato ilícito. O excesso é caracterizado por um exercício aparentemente regular, mas que desrespeita a finalidade do direito (pacificação social e cumprimento da função social do Estado). No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento os quais contêm seus valores fundamentais. O fundamento encontra-se em preceitos éticos e morais que o direito não pode desconhecer, nesse sentido Venosa conceitua: “Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do razoavelmente o direito e a Sociedade permite. O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nessa situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade.”[11] A abuso de direito não foi incorporado expressamente no âmbito tributário, podendo assim a lei tributária alterar, inclusive, sua definição, nos termos do art. 110 do CTN. Mesmo na ausência de legislação dando suporte, forte é a doutrina que se forma no sentido favorável a tal aplicação, sendo encabeçada pela Receita Federal do Brasil, no sentido de que o magistrado deve julgar a causa com base na analogia, nos princípios gerais do direito tributário, nos princípios gerais do direito público, na equidade, sendo o abuso de direito um princípio basilar no ordenamento jurídico. Assim, mesmo sem disposição expressa, essa pesquisa segue a corrente de possibilidade de aplicação no âmbito das imunidades tributárias caso o contribuinte se utilize de determinado instituto do direito de maneira que, no âmbito do próprio direito, seja desproporcional, excessiva em relação as características daquele mesmo instituto, fazendo com que a imunidade funcione unicamente como um mecanismo para fugir da tributação e visando o enriquecimento. III. II – ANALOGIA COM A INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA ISENÇÃO DE VEÍCULOS PARA DEFICIENTES O legislador ordinário estabeleceu isenções no tocante à impostos para pessoas portadoras de necessidades especiais na compra de veículos para facilitar sua locomoção. Os consumidores portadores de necessidades estarão isentos de IPI, ICMS, IPVA, desde que sua deficiência esteja entre as estabelecidas no rol taxativo e cumprido os requisitos da Instrução Normativa 988 da Receita Federal, Convênio 38 ICMS e Lei nº 8.989/95. A aquisição do veículo facilita a vida e a locomoção nas atividades diárias para o médico, exames, clínicas de tratamento, evitando o deslocamento manual pelas ruas e calçadas com péssimas qualidades. Para a utilização da isenção, é necessário o preenchimento de certos requisitos, como por exemplo: i) confirmação da deficiência por laudo técnico especializado do Detran; ii) cadastro como contribuinte especial no site da Receita Federal; iii) concessão da isenção pela Secretaria da Fazenda; iv) escolher o carro, desde que seja 0 km e abaixo do valor de R$70.000,00 (setenta mil reais). Como se pode inferir, a intenção do legislador é conferir um tratamento isonômico para as pessoas que se encontram em situações distintas, na medida de suas desigualdades. Tendo em vista que uma pessoa com necessidades especiais, precisa em muitos casos arcar com tratamentos e exames, diminuindo sua capacidade contributiva em relação a outro indivíduo sem tais necessidades, percebe-se que o tratamento de isenção é uma configuração da justiça tributária, capacidade contributiva e isonomia tributária. Dado interessante que merece uma atenção especial nesse trabalho reside no fato que mesmo portador da isenção, o legislador ordinário teve o cuidado que delimitar um certo patamar de valores para os veículos que serão isentos de impostos. Tal atenção é digna de aplausos, uma vez que a benesse fiscal não deve ser utilizada como um instrumento para fugir da tributação de forma absoluta. O patamar de até R$70.000,00 (setenta mil reais) é considerado um veículo de porte médio de luxo, sendo suficiente no quesito conforto e espaço em comparação com os veículos mais simples do mercado, atendendo de forma essencial as necessidades dos portadores especiais. O legislador teve o cuidado de evitar certos excessos e abusos do direito da isenção na compra de veículos considerados de luxo, uma vez que a real intenção não é conceder uma absoluta inexigência de impostos sobre veículos, mas um desconto que atenda aos anseios na medida de suas necessidades locomotoras e conforto básico, fator que um veículo de tal patamar atende perfeitamente. III.III – O ABUSO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA ESFERA TRIBUTÁRIA O presente artigo se baseia na crítica de um sistema falho e impreciso terminologicamente que acaba por gerar certo excesso na utilização da imunidade, configurando-se num verdadeiro abuso que faz parcela da população gerar sentimentos negativos sobre o instituto constitucional, requerendo o seu fim imediato. A razão que alimenta esse sentimento de revolta se baseia nas cotidianas notícias de partidos políticos que apresentam “invejosos” conjuntos patrimoniais de bens; entidades religiosas que apresentam artigos do mais soberbo luxo e conforto (veículos de última geração, helicópteros, jatinhos e até mesmo iates) que o dinheiro pode comprar, registrados em seu nome sob a justificativa que é para o cumprimento de suas funções essenciais; entidades assistenciais que possui registrado em seu domínio verdadeiras “mansões”; sindicatos dos trabalhadores esbanjando vultosas receitas e diretores recebendo altos salários, dentre outros absurdos que não condizem cos preceitos visados pelo legislador constitucional decorrentes da norma imunizante. Tais abusos são mais facilmente identificáveis nesse momento de crise política, econômica e social que o País vive, onde tal sistema tende a favorecer a desigualdade social, tornando o Brasil um país ainda mais injusto, desigual e marginalizado. Preceitos esses que a República estipulou como Princípios Fundamentais e Objetivos Fundamentais que os entes federados lutariam para reduzir ou acabar, visando uma sociedade mais digna, livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e estimulando a livre iniciativa, ideais que estimulam a reflexão e demonstram a ineficácia do direito no plano social e jurídico. Sem adentrar no mérito da (i)licitude na obtenção desses bens ou no ingressos de tais receitas financeiras, o que se discute no presente trabalho é o conjunto formado pelo patrimônio, renda e serviços que representam signos presuntivos de capacidade de riqueza diferenciada em relação às demais da mesma espécie, não mais devendo comportar a interpretação absoluta da imunidade, uma vez que na aquisição de certos bens materiais se põe a prova a questão da necessariedade da obtenção dos mesmos para o cumprimento de suas funções essenciais, necessitando da regulação de um patamar de valores para certas aquisições não se tornarem abusivas, restando a partir daí a incidência de tributação. Um exemplo para fins didáticos da proposta desse artigo seria o seguinte caso, uma entidade religiosa necessita de um veículo para transportar os seus membros durante eventos, compra de mantimentos para mesma, transporte para outros anexos de sua propriedade, etc. Percebe-se que no caso apresentado, a mesma necessita de um veículo que atenda tais fins para que continue exercendo sua atividade com louvor. No mercado de veículos, existe várias marcas, com diversos modelos e motores, diversas capacidades de carga. No modelo atual, pela interpretação do STF quanto a extensão da imunidade, a entidade poderia adquirir tanto modelo(s) básico(s) ou intermediário(s) que atenda os fins de transporte e/ou cargas, quanto poderia adquirir um Rolls Royce Ghost Serie II motor V.12 Biturbo 6.6, veículo importado inglês, com valor a partir de R$2,9 milhões (valor com tributos inclusos) no mercado brasileiro sem nenhuma tributação, sob a justificativa de cumprir suas finalidade essenciais. A presente discussão almeja refletir o conceito de necessidade de certas aquisições sob a justificativa de cumprimento de suas funções essenciais. Não se discute se o bem será ou não revertido essencialmente para sua função essencial, uma vez que tal fator é um requisito objetivo para permanência do gozo. O que se discute é a o patamar de certos bens adquiridos para cumprir sua finalidade essencial sob o escudo da imunidade, configurando-se um nítido excesso pela conduta abusiva no manejo da consequência da incompetência. Os mais românticos diriam que tais “problemas” não seriam culpa do direito, mas sim da sociologia do direito, filosofia do direito, uma vez que o direito é uma ciência do Dever-Ser, ficando para outro plano a eficácia do direito. O direito como um regramento de condutas que visam a pacificação social deve distinguir e estabelecer certos parâmetros de valores para entidades que precisam do auxílio do Estado na consecução de seus objetivos das demais que já conseguem se auto sustentarem. A imunidade nessa nova perspectiva deve ser vista analogicamente como no modelo do Simples-Nacional, visando um regramento mais favorável e beneficiador para as entidades, assim como para as micro empresas e as de pequeno porte, estimulando as pequenas a se tornarem grandes e atingirem certo patamar diferenciador em relação as demais por questões de capacidade contributiva, isonomia e justiça tributária, sendo totalmente passíveis de tributação. A norma de imunidade como já definida no tópico sobre a conceituação, não é uma cláusula pétrea, não cria barreiras ou obstáculos no sentido de impedir a atividade legislativa de alinhar ou realinhar a competência tributária, vez que são normas de estrutura que visam o melhoramento do próprio sistema. Não podendo assim o intérprete confundir a natureza da norma imunizante com os efeitos jurídicos dela decorrentes, trazendo a máxima efetividade de certos valores consagrados pelo texto constitucional como cláusulas pétreas. A linha tênue que separa o exercício legal do direito do abuso se esvairia, uma vez que seria excluído tal interpretação do alcance da incompetência tributária, tornando o preceito muito mais condizente com os reais interesses do legislador originário constituinte, deixando o ordenamento muito mais harmônico. Essa pesquisa não almeja excluir as imunidades tributárias, mas sim, aprimorá-las, extraindo a máxima efetividade de seus efeitos jurídicos, a real intenção do legislador adaptada e atualizada para o contexto histórico então vigente. Com a devida vênia, a doutrina majoritária e a própria jurisprudência do STF interpretam a norma imunitória de forma ampla, geral e irrestrita, não atentando para o plano prático de seus efeitos jurídicos, configurando verdadeiros abusos por parte dos contribuintes que se apoiam no escudo da incompetência visando outros interesses que não os meramente essenciais da entidade. Sob o viés do legislador, a norma imunizante confere eficácia e efetividade de certos valores constitucionais fundamentais, consagrando pela decorrência de seus efeitos a existência de um conjunto mínimo existencial para permanência das referidas entidades. Os excessos causados pela “má intepretação” ou absoluta extensão do preceito não condizem com sua natureza, nem foram almejados pelo constituinte, sendo obra interpretativa ardilosa para se evitar unicamente a tributação, escorando-se na personificação da entidade para o gozo de “privilégios fiscais” abusivos. A intenção do legislador em não prejudicar o culto/liturgia, não significa uma total abstinência do poder de tributar de forma absoluta, ampla e irrestrita em todas as hipóteses, mas sim a de garantir que certos patamares para o cumprimento de suas funções essenciais estejam imunes, garantindo um mínimo de patrimônio, renda e serviços para consecução de seus objetivos, não podendo o mesmo interferir nesse jaez. Não se pode esquecer que o legislador constituinte ao criar os impostos estabeleceu que o mesmo incidisse sobre manifestações de riqueza, bases econômicas para quantificar, confirmar e infirmar o critério material da RMIT. Assim, preservar-se-ia o mínimo de conjunto patrimonial para consecução de seus objetivos institucionais. Nas manifestações de riqueza de valores vultosos, é mais que necessário haver tributação, é condição isonômica diferencial entre as demais da mesma espécie, por uma questão de demonstração de capacidade contributiva digna e suficientemente condizente com suas capacidades financeiras. Esse estudo, visa uma discussão embrionária de uma possível proposta de Emenda Constitucional dispondo sobre uma regulamentação, por lei complementar, que limite o poder de tributar nos termos do art. 146, II, da CF, estabelecendo patamares de valores e faixas de imunidades pelo Poder Legislativo, tornando muito mais eficaz e eficiente os preceitos constitucionais consagrados. Caso uma entidade religiosa, assistencial ou política, que não visam unicamente o lucro, se tornarem além de autossustentáveis e autossuficientes, crescerem ao ponto de virarem verdadeiras “potências” com invejável poder econômico e conjunto patrimonial de bens, seria razoável refletir que possuam capacidade contributiva suficiente para suportar o ônus tributário. Como se sabe imposto não é uma punição pela inteligência do art. 3º do CTN, visando custear as atividades essenciais do Estado na consecução do cumprimento do seu dever social. Sendo estipulado na própria Constituição Federal em seu art. 1º, IV, que a República Federativa do Brasil terá como Fundamento a “livre iniciativa”, a imunidade serve para estimular que as entidades desenvolvam atividades econômicas para se sustentarem sozinhas, devendo toda instituição que vise crescimento se esforçar para conseguir receitas que superem suas despesas para chegarem num patamar de não mais necessitarem, podendo adquirir bens acima dos patamares imunes devido sua esplêndida capacidade contributiva, arcando com a devida tributação. A discussão sobre uma possível Emenda Constitucional deve ser pautada visando a estipulação dos patamares da imunidade para o patrimônio, as rendas e os serviços considerados essenciais, evitando os excessos e abusos por parte desse direito utilizado de forma indevida, causado pela tamanha extensão da interpretação da norma de imunidade. Como já se afirmou, os valores consagrados como cláusulas pétreas, esses jamais poderão ser reduzidos, persistindo no texto constitucional, não sendo esse o caso das normas de imunidade, que trazem maior efetividade e eficácia a tais disposições, sendo passíveis de alteração para melhor materializá-las no plano prático. Apenas para reforçar o pensamento, a interpretação ampla e irrestrita da norma imunizante leva à dolosa conduta do abuso de direito, não fazendo parte da abrangência da interpretação teleológica visada pelo legislador ordinário constitucional. Mesmo para os que consideram a imunidade uma cláusula pétrea, não se estaria reduzindo, uma vez que tal interpretação nunca fez parte da intenção da norma imunizante, sendo uma alteração para trazer a máxima efetividade do preceito constitucional, interpretando-a conforme os valores fundamentais assegurados pela Constituição. A imunidade não pode ser utilizada como um artifício ardiloso com intuito de evitar a tributação na forma de um escudo protetor contra qualquer abuso ou excesso por parte do contribuinte, utilizando as instituições e entidades como muralhas para seus interesses escusos. O contexto histórico, social e político que o País vive com a perda de credibilidade das instituições, a corrupção em massa, os desvios de finalidade, pregam por uma nova evolução do direito para atentar contra tais fatos que corroboram para corrosão dos princípios basilares. O direito como um ordenamento dinâmico e atento as evoluções sociais, precisa jurisdicizar os novos valores em prol de uma sociedade livre, justa e solidária, evitando verdadeiros abusos por parte das entidades imunes. Nessa discussão inicial sobre uma possível proposta de Emenda à Constituição, o intuito da norma imunizantes seria o de garantir um mínimo de conjunto patrimonial e de receitas para consecução de seus objetivos essenciais. A essencialidade do objetivo deve ser analisada sobre o viés da necessidade e ainda assim visando o a instrumentalização do meio adequado para operacionalização de seus objetivos. Nessa nova visão, as instituições e entidades serão incentivadas a crescer, progredirem com seus próprios passos e conforme esse processo de evolução, chegar a patamares que não precisarão mais do suporte do Estado, virando autossuficientes, sendo capazes de perseguirem seus objetivos de forma independente e disporem sobre a compra de bens acima dos valores imunes como bem entender com a devida tributação ressaltando suas qualidades de elevada capacidade contributiva, isonomia em relação às demais e justiça tributária. Diante das razões expostas, a imunidade tornaria o ente incompetente para tributar no tocante a impostos: “I) A propriedade, os bens e os serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado; II) Desde que não beneficie atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a obtenção de lucros (que se diferencia da atividade econômica desenvolvida em proveito do reinvestimento na própria entidade); III)  Não devendo ter como efeito colateral a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica ilícita; IV) Desde que atendidos os patamares econômicos para estipulação da faixa de imunidade no atendimento das necessidades de suas finalidades essenciais dispostas em Lei Complementar.” IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou realizar uma análise prática no plano da eficácia do direito quanto as consequências trazidas pela interpretação ampla, geral e irrestrita das imunidades tributárias de forma absoluta, acabando por gerar condutas abusivas originárias de uma interpretação excessiva da busca pela real intenção do legislador originário constituinte. A abusividade encontra-se configurada nas condutas ardilosas que se escoram na personificação da própria entidade para o gozo de “privilégios fiscais”, se utilizando indevidamente da norma imunizante como um verdadeiro escudo para evitar a tributação visando interesses escusos que os meramente declarados como necessários para o cumprimento das finalidades essenciais da mesma. Como procurou se demonstrar, tal raciocínio não encontra guarida em nosso ordenamento, configurando-se nítido abuso de direito. Tendo em vista a posição aqui adotada no sentido de possuir a norma imunizante (norma de estrutura) natureza distinta da consagrada como cláusula pétrea (norma de conduta), é perfeitamente possível sua alteração visando o estabelecimento de patamares econômicos ou faixas de imunidade para certos conjuntos patrimoniais. Mesmo para os que consideram a imunidade uma cláusula pétrea, não se estaria reduzindo, uma vez que tal interpretação nunca fez parte da intenção da norma imunizante, sendo uma alteração para trazer a máxima efetividade do preceito constitucional, interpretando-a conforme os valores fundamentais assegurados pela Constituição. Diante de todo o exposto, conclui-se esse estudo embrionário para formação crítica de uma nova proposta de Emenda Constitucional, visando o aperfeiçoamento da norma imunizante, com a estipulação de patamares/faixas econômicos imunes regulados por Lei Complementar, signos presuntivos de riqueza condizentes com a capacidade contributiva das referidas instituições, tornando muito mais eficaz e eficiente os efeitos jurídicos dela decorrentes, consagrando ainda mais os valores almejados pelo legislador adequando e atualizando-os ao novo contexto histórico social vigente.
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A notificação do contribuinte e as condições de validade do crédito tributário
O presente artigo trata da certidão de dívida ativa, mais especificamente dos casos em que a mesma é anulada por ausência de requisito na constituição definitiva do crédito tributário. Do surgimento da obrigação até o momento em que a dívida é inscrita no cadastro de devedores da fazenda, e é gerada a certidão de dívida ativa. As formas de notificação do contribuinte. Dentre as condições de validade da Certidão de Dívida Ativa, encontra-se a notificação do contribuinte. A partir do momento em que a se constata algum vício na constituição definitiva do crédito tributário, surge para o contribuinte, o direito de se manifestar. O Código de Processo Civil Aplicado de forma subsidiaria, oferece ao executado a oportunidade de defesa. Diante desta correspondência entre a validade do crédito tributário e a devida efetivação do lançamento, através da notificação, bem como as respectivas consequências, conferindo a abordagem que será trazida neste trabalho.[1]
Direito Tributário
Introdução A partir do momento que um contribuinte pratica um fato gerador surge a obrigação tributária, sendo que o respectivo crédito se constitui depois de lançado o tributo e de o contribuinte ser devidamente notificado. Por esta razão, com a efetivação deste ato composto, pode-se dizer surgir a contraprestação de adimplir a obrigação. Nas hipóteses de não pagamento do crédito, e decorrido o prazo deste, sem que o contribuinte apresente alguma defesa, ocorre a inscrição na dívida ativa, e então é gerada a certidão de dívida ativa, essa dívida pode ser tributaria ou não, a inscrição em dívida ativa é o que dá ensejo para se iniciar um processo de execução fiscal. Mas para que seja inscrito é necessário observar alguns requisitos previstos na legislação, e a omissão de qualquer dos requisitos, bem como o erro de algum deles faz com que essa certidão se torne nula desde o seu nascimento. O presente artigo tratará das causas de nulidade por falta de algum/alguns dos requisitos, e para isso serão usadas pesquisas doutrinarias, onde autores explicam todo o procedimento e dão suas interpretações sobre o assunto. Será usado também a legislação vigente, como fonte de pesquisa, bem como julgados de tribunais de vários estados do Brasil e também tribunais federais. Será analisado o nascimento dessa obrigação e qual o caminho até chegar a dívida ativa. Serão também analisadas as formas de lançamento do tributo, de notificação do contribuinte, e as possibilidades de manifestação e defesa em face da atuação da fazenda pública. 1 DO SURGIMENTO DA OBRIGAÇÃO Á INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA Quando um contribuinte pratica algum ato que tem como consequência a incidência tributária, diz-se que ele praticou uma hipótese de incidência, o que dá ensejo ao fato gerador. Como bem citou Ricardo Alexandre (2015, p. 280), a hipótese de incidência de um tributo “é uma situação jurídica” ou “uma situação de fato”, o primeiro ocorre quando mesmo antes que uma lei tributaria o defina como situação de um tributo, outro ramo do direito já estipula efeitos jurídicos desse mesmo fato, o segundo, quando a situação que o legislador escolheu para definir como fato gerador possua apenas relevância econômica, mas que não definida em nenhum ramo do direito como sendo produtora de efeitos jurídicos, assim nasce a obrigação tributária. A obrigação tributária só pode ser exigida­/cobrada depois que o contribuinte for devidamente notificado, passando a obrigação a ter liquidez e certeza. Liquidez significa que o título deve conter exatamente o valor devido, e certeza consiste na confirmação de que existe da obrigação e que deva ser realizada. A obrigação tributária pode ser principal ou acessória.  A obrigação principal consiste no próprio tributo, bem como nas penalidades decorrentes do seu inadimplemento ou não cumprimento de forma tempestiva. A obrigação tributária acessória se refere à incumbência atribuída ao sujeito passivo (contribuinte) no que diz respeito à obrigação de fazer ou não fazer, mas que compõe o conjunto de deveres ele imputados (por exemplo; fazer declarações, ou não fazer, não atrasar, não sonegar e etc.). (Luciano Amaro, p. 273, 2010) As finalidades e funções do lançamento são de verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, caso seja necessário, propor aplicação de penalidade cabível. O lançamento tem natureza constitutiva e declaratória, ele constitui o crédito tributário e declara a obrigação. Ricardo Alexandre (2015) expõe quais as formas de lançamento podem ser feitas, e que são descritas na legislação vigente. O lançamento pode ser feito de três formas: de oficio, também conhecido como lançamento direto, sendo aquele em que a administração tributária, sabendo da ocorrência de determinado fato gerador, identifica o sujeito passivo, calcula o montante devido e o notifica para fins de declarar a existência de um lançamento. Trata-se de uma obrigação sem que o sujeito passivo preste qualquer informação previa. Lançamento por declaração, por sua vez, é aquele em que a lei determina ao sujeito passivo, no momento em que for praticar fatos geradores relacionados à determinado tributo, deverá informar ao fisco a ocorrência correspondente aquele fato gerador. O fisco, de posse dessas informações, aplicará a matéria de direito, apontando a base de cálculo, a alíquota e o seu consequente montante do tributo. O lançamento por homologação é a modalidade em que o contribuinte realiza declarações de fato e de direito quanto ao fato gerador ocorrido, apurando o valor do tributo. O fisco, de posse dessas informações e dos valores pagos, analisa e, caso não encontre nenhuma divergência, ás homologará. A constituição do crédito tributário é competência privativa da autoridade administrativa, que o faz através do lançamento. Uma vez efetivado, com o contribuinte notificado de forma devida, tem-se o crédito tributário. A partir daí o contribuinte tem quatro opções: pagar, impugnar administrativamente, ingressar com uma ação judicial pedindo anulação do lançamento, ou apenas não fazer nada. O pagamento extingue o crédito, a impugnação suspende a sua exigibilidade, e a inação fará com que a fazenda nacional procederá a inscrição em dívida ativa, formalizando em ato posterior a respectiva execução fiscal. Tramitado o Processo Administrativo Tributário (PAT) até a segunda instância, em decorrência da impugnação oferecida pelo contribuinte, tem-se a decisão administrativa condenatória irreformável. Tem-se esse nome por não caber mais recurso em âmbito administrativo. A decisão pode ser pela improcedência do lançamento, que nesse caso extingue o crédito definitivamente, ou pode ser decidido pela sua procedência, nesse caso o devedor tem 30 dias para pagar o tributo sob pena de inscrição em dívida ativa. Caso ele pague, extingue a obrigação; não pagando, seu débito é inscrito na dívida ativa, gerando a emissão da respectiva Certidão, que representa um verdadeiro título extrajudicial. De acordo com o artigo 2º da lei 6.830/80, são inscritos em dívida ativa, aquelas dividas definidas como tributaria ou não tributaria. As tributarias são aquelas que se originam de tributos e multas que decorem do seu não pagamento, CTN em seu artigo 201 relata (BRASIL, P. 689) “Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.” Já as não tributarias, como leciona Eduardo Sabbag “são os créditos que fazem jus a fazenda pública, tais como originários de foros, laudêmios, alugueis, preços públicos, indenizações e outros” (ano, p. 962). Também no mesmo artigo 2º da referida lei, bem como no Código Tributário Nacional em seu artigo 202, elencam os requisitos da inscrição, sendo esse rol taxativo, que será tratado em tópico específico.      A dívida ativa é um crédito público, ou seja, são valores que a fazenda pública tem para receber de terceiros. A Certidão de Dívida Ativa (CDA), como bem disse Sacha Calmon trata-se de um título considerado abstrato (2015) é ele quem assegura grau máximo de eficácia, gozando de presunção de certeza e liquidez e exigibilidade. 2 Notificação do Contribuinte Após ocorrido o fato gerador, a obrigação tributária nasce, porém ilíquida e incerta, superando tais etapas somente a partir da sua regular notificação. O lançamento é de competência privativa da administração tributária, nos termos declarados pelo CTN artigo 142. Sua efetivação, como já abordado especificamente, poderá se dar através de 03 (três) modalidades: direta, mista e homologação. A notificação ocorre como ato contínuo e necessário para que o contribuinte possa efetivar o cumprimento da obrigação. Sua abordagem legislativa pode ser extraída através do Código Tributário Nacional, que é claro quando se refere ao termo “notificação”, porém o que tem acontecido é que alguns tribunais utilizam o artigo 23 do decreto 70.235 de 1972 para regular este ato, bem como sua forma e ordem para efetivação. Sendo que o mencionado dispositivo prevê que a “intimação” deve ser feita preferencialmente de forma pessoal ou por via postal, telegráfica ou eletrônica, mas sempre tendo a prova do recebimento. A intimação por edital só cabe em casos que a intimação pessoal foi frustrada, seja ela pelo agente fiscal ou por via postal. Nota-se a utilização de terminologia diversa, quando comparado o CTN e o Decreto 70.235/72, no que se refere ao ato de comunicar o contribuinte acerca da efetivação do fato gerador, e por consequência, do nascedouro de uma obrigação tributária. No primeiro diploma, o legislador optou por denominar este mesmo ato de "notificação"; sendo que o segundo, se utiliza do termo "intimação". Mesmo assim, observa-se que não só nos julgados retratados neste trabalho, mas de forma generalizada, os Tribunais não fazem a respectiva distinção. Ou seja, as duas terminologias acabam por refletir o mesmo significado. De acordo com entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª região, “Não é licita à autoridade administrativa proceder à intimação por edital antes de tentar as vias postais ou pessoais de notificação, sob pena de afrontar os princípios do devido processo legal e a ampla defesa.” Dessa forma é possível entender que a notificação do contribuinte por edital só é válida se verificado que o órgão tributante procedeu a tentativa e alguma das demais modalidades. No julgamento da apelação cível de nº 124824520164049999, perante o TRF da 4ª Região, diante da efetivação do lançamento do crédito tributário através da Notificação, não só o não atendimento dos requisitos taxativamente previstos pelo artigo 23 do Decreto 70.235/72, mas também na hipótese de supressão da sequência prevista no mesmo dispositivo, estará o respectivo ato eivado de nulidade. No caso em comento, a fazenda pública utilizou-se como modalidade de expedição da notificação o Edital, sem, contudo, esgotar as hipóteses previamente previstas. Sendo assim, não poderia ter outro deslinde, do que o reconhecimento pelo referido Tribunal da nulidade da respectiva CDA. A notificação do contribuinte acerca do lançamento do crédito tributário é condição para que o mesmo seja eficaz, como bem disse o ministro Carlos Menezes, ela aperfeiçoa o lançamento. Se não há notificação, o lançamento torna-se inexistente e, portanto, resta caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido. 3. Requisitos da Certidão de Dívida Ativa Como analisado nesse trabalho a dívida ativa é um crédito que a fazenda pública possui contra terceiros e ele pode ser tributário ou não. A certidão é o que certifica que o debito foi inscrito em dívida ativa. E esse ato de inscrição é um ato constitutivo de título executivo sendo ele formal. Para haver essa inscrição é necessário observar alguns requisitos trazidos pela lei de execução fiscal (6.830/1980) e o próprio CTN, pois eles devem ser preenchidos. (BRASIL, 2017). A mencionada lei em seu artigo 2º § 5º e os incisos desse paragrafo relata alguns requisitos e diz: “Art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. § 5º – O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.” A lei 6.830/90 os determina como base nos termos da certidão de dívida ativa. No mesmo sentido o Código Tributário Nacional apresenta requisitos idênticos. É possível notar que a lei de execuções fiscais é uma cópia do código tributário nacional com apenas algumas atualizações, pois ela vem trazendo também os requisitos para inscrição em dívida ativa das dívidas não tributarias. O requisito inicial é constar o nome do devedor e sendo o caso dos corresponsáveis, e também sempre que houver possibilidade, o domicilio de um ou de outro, é a primeira coisa a se fazer; identificar o devedor/sujeito passivo, para que possa ser feita a devida notificação e o mesmo efetue o pagamento. É valido ressaltar que somente pode conter na CDA o nome dos devedores ou corresponsáveis que participaram do processo administrativo. Quanto ao endereço do executado existe a possibilidade da citação ser recebida por pessoa diversa que não o executado. O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido[2] O segundo requisito é referente ao valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular juros, e os demais encargos previstos na lei ou em contrato no caso de credito não tributário. Importante lembrar que não é necessário que junte a memória de cálculo, que apenas com as informações contidas na CDA seja possível identificar o valor original e os demais acréscimos. O legislador entendeu que indicando apenas o valor originário e os termos iniciais seria suficiente para este fim. O terceiro requisito é referente à origem, a natureza e ao fundamento legal ou contratual (no caso de dívida não tributaria) da dívida. Esses requisitos seguem o mesmo raciocínio de dar ao devedor oportunidade de saber do que se trata a dívida e poder se defender. A origem está ligada ao fato de que a administração deve indicar como a dívida foi gerada, pela sua natureza (da dívida) é que a administração dirá se é tributaria ou não tributaria. O fundamento legal ou contratual será dizer onde na lei consta aquele ato como infração, no caso de dívida não tributaria, qual o contrato deu origem aquela certidão. Os três últimos requisitos da CDA estão ligados a clareza, são a data o número da inscrição no registro da dívida ativa, o número do processo administrativo ou do auto de infração, caso neles esteja apurado o valor da dívida. É possível observar nesses requisitos que eles são nada mais do que a representação da necessidade de que seja dado ao devedor a oportunidade de identificar o débito e sua origem e que possa eventualmente ter condições de apresentar sua defesa em juízo. A data    e o número da inscrição podem até parecer de menor importância, mas o efetivo conhecimento do número do processo é muito importante para que o devedor tome ciência quanto a que débito a execução se refere. Assim como dito na lei 6.830/90 no seu artigo 2º §6º, a Certidão de Dívida Ativa deve conter os elementos iguais ao do termo de inscrição, e essa certidão deverá ser autenticada pela autoridade competente. Os requisitos legais das CDA, são de extrema importância para o processamento da execução fiscal. Caso falte algum deles a CDA será considerada nula. Dessa forma decidiu o tribunal regional federal da 4º região, no julgamento da apelação cível de nº 500244.2016.4.04.7104/RS. De acordo com o entendimento da segunda turma do referido tribunal, a falta de notificação do contribuinte para pagamento, acarreta a nulidade da Certidão de Dívida Ativa e impõe a extinção da execução fiscal. Citou em sua decisão, o julgamento da apelação cível de nº 5002569-77.2014.404.7103/RS desse mesmo tribunal, onde o desembargador federal Otavio Roberto disse; “a notificação do sujeito passivo é condição para que o lançamento tenha eficácia”.   E nos casos em que se evidenciarem uma nulidade ou nulidade absoluta, não é possível a mera substituição da CDA, na maioria dos casos é necessário refazer o lançamento tributário e a inscrição em dívida ativa, correndo o risco de grave prejuízo ao sujeito ativo do tributo. 4. FORMAS DE DEFESA DO CONTRIBUINTE Quando o contribuinte tem seu nome inscrito na dívida ativa dá-se a execução fiscal, a certidão de dívida ativa em praticamente todos os casos é a peça inicial desse processo de execução que se instaurou. É sabido que esse título (CDA) é formalizado mediante procedimento administrativo que não depende de concordância do devedor. De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º inciso XX, a todos em processo judicial ou administrativo é assegurado o contraditório e a ampla defesa, e no processo de execução fiscal não é diferente. Iniciada a execução o contribuinte pode opor embargos e se defender, por exemplo dizendo que o valor da dívida está incorreto, ele também poderá se defender através da exceção de pré-executividade. Depois que o juiz deferir a petição inicial ele determinará a citação do devedor para que pague ou garanta a execução no prazo de cinco dias, caso não o faça cabe ao oficial de justiça que proceda a penhora, após garantir a execução o devedor tem trinta dias para apresentar seus embargos, contados da seguinte forma: “Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I – do depósito; II – da juntada da prova da fiança bancária; III – da intimação da penhora.” Nos embargos demonstrará as razões de fato bem como as jurídicas pelas quais ele considera que o título executivo seja desconstituído. O embargo do devedor é um processo autônomo e corre em autos apensos ao do processo executivo. Hugo de Brito Machado cita em seu livro Processo Tributário “a interposição dos embargos, em nosso entendimento suspende o curso da execução fiscal, na qual podem ser praticados apenas atos que tenham por finalidade garantir ou reforçar a garantia da dívida”. (P. 289). A execução fiscal somente continuará se os pedidos feitos nos embargos forem julgados improcedentes. Vale ressaltar que nos casos em que a garantia não foi suficiente para satisfazer a execução, a mesma continua ao que não foi garantido, mas só até o momento que ocorrer essa complementação. Os bens dados em garantia não podem ser alienados enquanto não forem apreciados os embargos, sob pena de ir contra a garantia do devido processo legal. A garantia citada anteriormente pode ser através de depósitos, fiança, ou mesmo penhora de bens, em casos de penhora de dinheiro o mesmo é convertido em deposito. Nesses casos de deposito ou penhora em dinheiro, os mesmos só serão entregues ao órgão fazenda pública depois que transitar em julgado a sentença que decidir por improcedência dos pedidos dos embargos. Os legitimados para propor os embargos são aqueles que se encontram no polo passivo da ação de execução, são eles; o fiador, o devedor, o espólio e a massa falida. Outra forma de defesa do devedor é a exceção de pré-executividade; lê-se também, defesa sem penhora e sem embargos. É uma defesa que não tem previsão legal, foi criada pela doutrina, não tem prazo, pode ser proposta a qualquer tempo e não precisa garantir o juízo para isso. A exceção de pré- executividade é usada para combater execuções que por algum motivo estão desprovidas dos seus atributos essenciais, Mizael Montenegro em seu livro Curso de Direito Processual Civil cita alguns “a incerteza a iliquidez, a inexigibilidade do documento que apoiou a pretensão do credor, quando a mácula for perceptível através do simples exame do título”. Ela é usada em casos de nulidade absoluta. 5. Aplicação Subsidiaria do CPC O artigo 1º da lei 6.830 de 1980, também conhecida por LEF (Lei de Execução Fiscal), vem dizendo que as ações de execução fiscal serão regidas pela mencionada lei, e nos casos que a mesma for omissa o CPC (Código de Processo Civil) será usado de forma subsidiaria. Também o artigo 784 do CPC elenca o rol de título executivos extrajudiciais, mais especificamente no inciso IX trata da certidão de dívida ativa da fazenda pública, que correspondem aos créditos inscritos na forma da lei. Além de ser autorizada pela lei, alguns julgados nesse sentido de autorizar o CPC subsidiariamente, foram proferidos, como por exemplo no Agravo de nº 70066001363 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul , onde o TJRS usou de forma subsidiaria o que consta no artigo 782 §1º do CPC de 2015, onde diz que o juiz determinará os atos executivos do oficial de justiça quando a lei não dispuser em modo diverso, no presente caso se tratava de uma notificação do contribuinte por edital, de acordo com o § 1º do mencionado artigo o oficial de justiça cumprirá atos executivos determinados pelo juiz nas comarcas contiguas, ou seja ao lado, bem como naquelas de fácil comunicação e naquelas que situem na mesma região metropolitana. Dessa forma no caso em tela de acordo com o entendimento do tribunal, o Estado do Rio Grande do Sul deveria ter tentado notificar o contribuinte primeiro de forma pessoal e se não obtivesse êxito é que se reportaria a notificação por edital. O fato do CPC ter sido reformado não significa que a forma de execução fiscal mudará, até mesmo porque lei especifica que no nosso caso é a LEF sobrepõe a lei geral que no nosso caso é o novo CPC. A expressão que o legislador usou “subsidiaria” a aplicação das normas do Código de Processo Civil, dá a entender uma indesejada lacuna deixada pela lei de execução fiscal. Dessa forma o CPC somente será usado naquilo em que não for incompatível com a Lei de Execução Fiscal, não se deve aplicar as normas mais gerais que constam no CPC, ele apenas vem complementar a lei especifica. 6. Vícios na Constituição Definitiva do Crédito Tributário e suas Consequências O crédito tributário se dá com a notificação válida do contribuinte, ele é a obrigação tributária que se tornou líquida e certa, pelo lançamento, portanto sendo exigida. Caso contribuinte não pague ou não faça nada em sua defesa em relação à obrigação tributária, a mesma é inscrita em dívida ativa. Como visto em tópico anterior são necessários alguns requisitos para que se constitua a dívida ativa, trata-se de um rol taxativo, que não dispensa nenhum item. Ocorre que como preleciona o artigo 203 do Código Tributário Nacional, a omissão de qualquer um dos requisitos descritos no art. 202 do mesmo diploma (ou do §5º do art. 2º da lei 6.830/80, que é basicamente a mesma redação do referido artigo), ou mesmo erro a qualquer um desses requisitos, são causas para que se anule a inscrição em dívida ativa, e por consequência, anulação também do processo de cobrança que a mesma (Dívida Ativa) tenha gerado. A nulidade aqui mencionada pode ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da Certidão nula. Porém, aqui será tratado dos casos em que a substituição não acontece até a mencionada fase processual, e por esta razão, deve ser declarada nulo o título que fundamenta a própria Execução Fiscal em face da ausência do requisito “notificação do contribuinte”. Mais uma vez torna-se necessário destacar, que há uma forma, bem como uma ordem para que o contribuinte seja notificado, devendo a mesma ser seguida. As modalidades de defesa que foram retratadas neste trabalho, a fim de demonstrar as oportunidades de se alegar o vício incidente sobre a CDA, foram os embargos à execução e a exceção de pré-executividade, sendo que esta possui matéria reservada justamente às hipóteses de nulidade e outros vícios que poderiam comprometer a validade do título executivo, enquanto que naquela o embargante poderá optar por argumentos taxativamente previstos em rol expresso na Lei de Execução Fiscal. Alguns julgados dos tribunais de justiça do Brasil reconheceram e declararam a nulidade da Certidão de Dívida Ativa em que o contribuinte não foi notificado, ou quando não notificado de forma correta. O TRF da 4º Região no julgamento da apelação cível de nº 0012482-45.2016.404.9999, disse ser nula a notificação do contribuinte do crédito tributário, por meio de edital, quando não comprovado nos autos a tentativa de notificação por qualquer outro meio previsto no artigo 23 do decreto nº 70.235 de 1972. No Caso em tela o autor da apelação era a União e o réu era Marcio B. dos Anjos. O autor alega ter tentado notificar o contribuinte por meio de carta com aviso de recebimento, e que é obrigação do contribuinte manter seu endereço atualizado. Diz também não haver ordem legal para a procedência da notificação, porém o autor encaminhou a um endereço insuficiente e a mesma foi devolvida. O réu provou nunca ter mudado de endereço, inclusive aquele que se fez constar na peça inicial é o mesmo que se faz presente no processo administrativo e no título executivo. Em se tratando de ordem legal para procedência, o tribunal teve entendimento diferente do apelante, e afirmando haver ordem a ser seguida, correspondendo àquela que se faz presente no art. 23 do decreto 70.235/1972, e que, portanto, a CDA seria nula por faltar a notificação do contribuinte. Também o TRF da 4º região no ano de 2015, no julgamento da apelação cível nº 15463020104047100, entendeu ser devido o pagamento de anuidade para conselho de fiscalização profissional pelos profissionais nele inscritos. Porém, para que isso fosse possível, deveria haver a prévia notificação do contribuinte. Neste caso, também foi anulada a CDA por falta de notificação. O TJRS quando julgou a apelação de nº 70064426547 (nº0128032-91.2015.8.21.7000) também decidiu pela nulidade do lançamento fiscal, e por consequência, da Certidão de Dívida Ativa. O tribunal entendeu que antes de notificar o contribuinte por edital, a secretaria da fazenda estadual deveria ter esgotado as outras formas, o que nesse caso específico não ocorreu. No julgamento dos embargos à execução fiscal de nº 0000402-94.2016.8.01.0009, o juiz de direito Afonso Branã, da comarca de Senador Guiomard no Acre, decidiu por anular a certidão de dívida ativa que dava ensejo a execução fiscal. Essa decisão foi baseada na falta de notificação do contribuinte, que no entender do magistrado, o IBAMA, autor da ação, não deu ao mesmo a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa. No ano de 2013, o Dr. Geraldo Augusto, desembargador do TJMG, sendo relator no julgamento da apelação cível nº 10027061062157001, decidiu pela nulidade da CDA. No caso em comento, o apelante, Município de Maria Fé, não conseguiu demonstrar a existência da correta notificação, e por esta razão, o colendo tribunal mineiro entendeu pela ausência de constituição válida do crédito, anulando a Certidão de Dívida Ativa. A apelação cível de nº 70041378035, julgada pela vigésima segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu que não havendo notificação do sujeito passivo da obrigação tributária do auto de lançamento, este é nulo, não restando constituído o crédito fiscal, e por consequência, declarando nula a CDA que embasa a execução fiscal. Ao retratar os diversos entendimentos proferidos em repetidas oportunidades, evidencia-se, inicialmente, que há um procedimento a ser seguido quando a fazenda pública exerce o seu poder fiscalizatório no tocante à obrigação tributária consistente em fazer constituir o seu crédito. Além disso, sedimenta o entendimento de que o descumprimento de algum dos requisitos contamina não só o próprio ato constitutivo do crédito tributário, mas o título executivo que fundamenta a propositura da Execução Fiscal, ou seja, a CDA. Desta forma, torna-se relevante por parte da própria fazenda pública, inicialmente, zelar pelo atendimento dos requisitos exigidos pelo ordenamento no tocante à realizar a notificação do devedor, e com isso constituir de forma devida o crédito tributário. No mesmo sentido, desata-se a relevância do contribuinte, uma vez notificado em um procedimento administrativo, ou citado em uma execução fiscal, realizar, de forma vinculada aos requisitos legais, o mesmo juízo de análise, a fim de que, constatado alguma omissão na constituição do crédito, utilizar tempestivamente as oportunidades de defesa processual para pleitear a nulidade da própria CDA. Conclusão No processo de formação do crédito tributário, iniciando com a efetivação do fator gerador, a partir da específica hipótese de incidência do tributo, até o momento de sua efetiva cobrança judicial, há que se respeitar os atos administrativos efetivados em cada etapa, no tocante aos elementos constitutivos e as formalidades exigidas para cada um. A fim de especificar a conduta cabível ao contribuinte, na condição de sujeito passivo de um processo administrativo, e posteriormente de uma demanda judicial, através deste trabalho foi destacou-se o conjunto argumentativo na busca de se declarar a invalidade de um crédito tributário a partir do não atendimento de um dos seus requisitos. Para tanto, especificamente diante deste último contexto, foi abordado figuras processuais, como embargos à execução e a exceção de pré-executividade, e os respectivos subsídios legais e jurisprudenciais. Através de vários julgados foi possível analisar que a falta de qualquer desses requisitos, ou mesmo o erro de qualquer um deles pode vir a anular a Certidão de Dívida Ativa, e por consequência, prejudicar o andamento da respectiva ação de execução fiscal. Incidindo a análise sobre a constituição definitiva do crédito tributário, a notificação, como instrumento de efetivação do lançamento, se apresenta como ato administrativo dotado de etapas e requisitos específicos que devem ser seguidos à risca pelo órgão constituinte. Independente da etapa processual em que for reconhecida, seja perante processo administrativo ou diante de uma ação de execução fiscal em andamento, ocorrendo a nulidade, será necessário um novo lançamento. Trata-se de consequência extremamente danosa, uma vez que vai demorar mais tempo para receber um crédito público, na melhor das hipóteses, já que poderá estar extinto em razão da decadência. Ao faltar a notificação do contribuinte, e mesmo assim, partir para inscrição na dívida ativa, é possível dizer que há violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Através das oportunidades que deixaram de ser ofertadas ao contribuinte, vícios que poderiam ser imputados no momento oportuno acabam por ser mais danoso à fazenda pública do que para o próprio contribuinte, já que aquela ainda poderia rever o próprio ato e com isso refazê-lo tempestivamente. Apesar da incongruência do termo alocado pelos tribunais em julgamentos proferidos nas Execuções Fiscais e Ações Anulatórias, pois se utilizam da expressão “intimação”, com fundamento no artigo 23 do Decreto 70.235/72, quando na realidade se trata de “notificação”, como sendo o instrumento procedimental exigido para a constituição definitiva do crédito tributário, fica-se certo que se trata de condição intransponível para sua validade, para que a cobrança tributária possa ser direcionada ao contribuinte, em sede administrativa ou judicial.
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Substituição progressiva e a repetição tributária nos impostos plurifásicos
A metodologia da substituição tributária busca antecipar a tributação à ocorrência do fato gerador, a fim de satisfazer o interesse arrecadatório, facilitando a fiscalização e a aplicação das normas tributárias. Apesar de criticada por muitos doutrinadores, tal sistemática foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 1841/AL. Outra celeuma atinente ao tema, consiste na possibilidade da restituição imediata e preferencial dos tributos recolhidos a maior quando da utilização da sistemática da substituição progressiva, tema objeto de discussão no RE nº 593. 849/MG.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO O Direito Tributário é arquitetado com alicerce em princípios e regras previstas na Constituição Federal, haja vista sua natureza interventiva no patrimônio do contribuinte. É cediço que o ente Fiscal na busca maior índices de arrecadação inova a legislação tributária diariamente, criando novas regras de fiscalização, bem como aperfeiçoando as existentes.  Neste contexto, surge a figura da substituição tributária progressiva, instituto criado com o escopo de facilitar a atividade fiscalizatória do Estado. Esse método visa antecipar a arrecadação à ocorrência do fato gerador, presumindo sua ocorrência. Tal sistemática foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 1841/AL O estudo desse método de arrecadação torna-se importante quanto se analisa imposto plurifásicos. Também merece destaque a atual discussão que permeio o Poder Judiciário sobre a possibilidade de restituição dos valores recolhidos a maior, quando a base de cálculo se concretiza em importância inferior a estimada pelo Fisco. Este trabalho será desenvolvido em duas etapas, sendo que inicialmente será exposto as peculiaridades do sistema de substituição progressiva, e posteriormente será analisado a possibilidade de repetição de valores recolhidos a maior. 2.HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E FATO IMPONÍVEL Antes de adentrar no tema alusivo a substituição tributária, necessário é efetuar uma minuciosa análise sobre a estrutura da norma tributária. A norma tributária é composta da hipótese de incidência consistente na descrição hipotética, prévia e genérica de fatos da vida real eleitos pelo legislador, que se praticados no mundo fenomênico ensejam o surgimento da obrigação tributária, consequentemente o dever jurídico de levar dinheiro aos cofres públicos. Como bem ensina, Aliomar Baleeiro: “A lei define as situações ou hipóteses que sujeitam alguém à obrigação de pagar tributo. Geralmente o legislador escolhe certas manifestações positivas e concretas de capacidade econômica da pessoa, como patrimônio, a renda, o emprego desta surpreendido através dum ato, fato material ou negócio jurídico. Essas situações ou hipóteses constituem o fato tributável ou “fato gerador”, comparado por Jèse ao fato delituoso, que sujeita alguém à ação penal. Não há pena ou crime sem a lei defina a figura delituosa. Não há dívida de imposto sem lei que estabeleça o fato gerador[1]” Assim, a relação jurídica nasce no exato momento em que sobrevém o evento típico hipoteticamente previsto na hipótese, acarretando as seguintes consequências: identificação da ocasião em que nasce a obrigação tributária; determinação do sujeito passivo; determinação do regime jurídico, alíquota, e base de cálculo. É nessa ocasião que surge o poder-dever do Estado de recolher o tributo, e por sua vez, o dever jurídico do contribuinte, ou responsável de adimpli-lo. Enquanto não se verificar a ocorrência efetiva dos eventos descritos na norma jurídica, não há que se falar em obrigação tributária, já que a simples previsão legal não tem o condão de fazer nascê-la, sendo necessário que o fato concreto coincida em toda sua extensão com a hipótese de incidência. Geraldo Ataliba descreve este acontecimento: “Assim, a lei descreve hipoteticamente um estado de fato, um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo. Portanto, temos primeiramente (lógico e cronologicamente) uma descrição legislativa (hipotética) de um fato; ulteriormente, ocorre, acontece, e realiza-se este fato concretamente. A obrigação só nasce com a realização (ocorrência) deste fato, isto é: só surge quando este fato concreto, localizado no tempo e no espaço se realiza.[2]” São dois momentos lógicos na incidência tributária: primeiramente a lei descreve um fato capaz de deflagrar conseqüências jurídicas, e posteriormente o fato elencado acontece. No mesmo sentido ensina Paulo de Barros Carvalho: “Diremos que houve subsunção, quando o fato (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da (hipótese tributária). Ao ganhar concretude, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la. (…) Seja qual for a natureza do preceito jurídico, sua atuação dinâmica é a mesma: opera-se a concreção do fato previsto na hipótese, propalando-se os efeitos jurídicos prescritos na conseqüência. Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção[3].” Com o nascimento da obrigação tributária sobrevém o fenômeno da sujeição passiva tributária, que se desenvolve em dois seguimentos distintos: de um lado encontra-se o contribuinte, sujeito cuja capacidade contributiva é exposta pela pratica direta do evento previsto regra matriz de incidência, de outro lado o responsável, sujeito eleito pelo legislador para cumprir a prestação pecuniária em razão de sua vinculação com o fato tributado. Sobre identificação e a utilização responsável tributário, ensina Leandro Paulsen: “É de se ver que não é qualquer pessoa que pode ser definida como responsável. Somente se justifica a condição de ‘responsável’, adquirindo uma posição jurídica equivalente à de devedor principal, na hipótese da pessoa ter relação com o próprio devedor ou com o fato gerador da obrigação tributária.[4]” No mesmo sentido ensina Hugo de Brito Machado e Hugo de brito Machado Segundo: “É responsável a pessoa, natural ou jurídica que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador do tributo, esta obrigada a fazer o recolhimento respectivo por disposição de lei. Não é devedor do tributo, mas tem responsabilidade por seu pagamento porque a lei assim estabeleceu. O responsável, exatamente porque não é devedor do tributo, tem contra este o direito de exigi-lo. Trata-se, porém, de relações jurídicas distintas, embora interligadas e, de certa forma, dependentes uma das outras. Uma é a relação tributária propriamente dita, na qual existem o sujeito ativo e o sujeito passivo. O fisco e o contribuinte. Este com o dever e também com responsabilidade. Outra é a relação criada pela lei ao atribuir a condição de responsável a quem não é contribuinte. Nesta segunda relação, que é desdobramento da primeira, o responsável não tem o dever jurídico tributário que reside na relação tributária da qual é desdobramento[5].” Conclui-se, que somente aquele que praticar o fato imponível, ou terceiro vinculado de alguma forma com a sua realização poderão ter o seu patrimônio afetado com a conseqüência da tributação. É com alicerce nessa idéia que há de ser utilizado o mecanismo da substituição, sendo vedado que tal ônus recaía sobre pessoa aleatória a fato gravado pela incidência fiscal. 3. FINALIDADE E SISTEMÁTICA DA SUBSTITUIÇÃO PARA FRENTE A metodologia da substituição para frente foi adotada em resposta as várias reivindicações dos contribuintes que sofriam diretamente com a concorrência desleal advinda da sonegação fiscal. Sua implantação procurou satisfazer o interesse arrecadatório, facilitando a fiscalização e a aplicação das normas tributárias. A centralização no recolhimento do tributo devido nas operações subseqüentes tende a reduzir a possibilidade de sonegação fiscal e, conseqüentemente a pratica da concorrência desleal, vez que ao antecipar a tributação todos são compelidos a recolher aos cofres públicos. Sobre o emprego da substituição tributária progressiva, Hugo de Brito Machado, juntamente com Hugo Brito Machado Segundo ensinam que: “A Fazenda Pública é insaciável e sempre está procurando formas de antecipar a arrecadação dos tributos. Por isto, os burocratas a serviço da mesma engendraram uma fórmula de antecipação do ICMS, que denominaram de substituição tributária, e que a doutrina tem chamado de substituição para frente, na qual é atribuída ao fabricante, ou ao distribuidor a condição de contribuinte substituto dos adquirentes de seus produtos. Trata-se de uma forma deturpada de substituição tributária na qual se reúnem a substituição propriamente dita, e a antecipação[6].” Na substituição tributária progressiva o legislador por meio de lei atribui ao substituto eleito, dever jurídico de recolher tributo que será devido no futuro, ou seja, antes da materialização do fato gerador. A propósito, ressalta Ives Gandra da Silva Martins que esse artifício obriga o contribuinte “a antecipar o pagamento de um tributo que incidirá no futuro, em decorrência de fato gerador a ser praticado por outrem, que ele, contribuinte substituto, nem sabe se será efetivamente devido e em que medida[7]. A substituição tributária é verificada em impostos plurifásicos, haja vista a existência de várias operações dentro da cadeia econômica. Essa sistemática de tributação foi inclusa na Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993.. Pontua, José Eduardo Soares de Melo: “Na substituição progressiva o legislador indica uma pessoa responsável pelo recolhimento de um determinado valor (referido como tributo), relativamente a fato futuro e incerto, com alocação de valor também incerto. Há definição, por antecipação, do sujeito passivo de uma obrigação não acontecida, como é o caso de exigir-se recolhimento de ICMS concernente a operação que provavelmente deverá ser realiza, no futuro, por outros contribuintes[8].” Como o fato tributado é presumido, o ente fiscal não possui os elementos necessários para medir a riqueza tributada, inviabilizando a perfeita adequação entre a base de cálculo e a hipótese de incidência. Tendo em vista esta imprecisão na quantificação financeira, o legislador autoriza o Fisco realizar estimativa da importância devida à título de tributação, presumindo, assim, o valor da base de cálculo. Assim, presume-se a ocorrência do fato gerador futuro, bem como o critério quantitativo da norma. É utilizada uma base de cálculo fictícia, aparente e imaginária, sobre a qual recaí a alíquota. Leciona Dorival Guimarães Pereira Junior e Marcionilia Coelho Guimarães:  “Quando da criação da substituição tributária progressiva, uma questão crucial foi a definição de qual seria o fato gerador que forneceria a base de cálculo para a incidência da alíquota de ICMS. Afinal, a obrigação tributária de pagar tributo somente nasce com a ocorrência, no mundo real do fato gerador. Como prever, então o fato imponível ? A saída encontrada pelo legislador foi a criação do chamado fato gerador presumido. Trata-se de uma ficção, segundo a qual a lei, de acordo com os critérios previstos na norma jurídica, estabelece uma margem de valor a ser acrescida ao preço da saída da mercadoria do substituto tributário, para a formação da base de cálculo do ICMS substituição tributária[9].”  A sistemática de arbitramento do critério quantitativo da regra matriz de incidência sofrido inúmeras críticas da doutrina, haja vista a inexistência de correlação lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência. Ensina Sacha Calmon Navarro Coelho: “Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa), uma relação de pertinência de harmonia. Do contrário instalada a confusão e o arbítrio com prevalência do nomen juris, da simples denominação formal sobre a ontologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário. Uma taxa de fiscalização do arroz para prover, desde a sua comercialização, sanidade do cereal em prol dos consumidores (serviço do poder de polícia) que tiver por base de cálculo o valor de mercado do arroz fiscalizado e não o trabalho fiscalizatório, ainda que estimado, será um imposto sobre circulação de mercadorias[10].” Aduzem os críticos que coagir o sujeito passivo a recolher imposto com base em presunções, fere o princípio da segurança jurídica em razão da incerteza quanto ao montante a ser tributado, podendo haver ingerências e distorções entre o valor arbitrado e o real, fato inadmissível em um Estado Democrático de Direito. José Jayme de Macêdo Oliveira, expõe o seguinte entendimento: “(…) já na constituição, se deduzem critérios idôneos e definidos para eleição das bases de cálculo dos tributos, pela lei ordinária, que, nesse mister não pode escapar da indicação de grandezas ínsitas à natureza essencial do fato tributado. Nessa ordem de idéias, a desfiguração da base de cálculo do ICMS fazendo com que passe ele a incidir, não sobre o objeto e preciso o valor da operação realizada, mas sobre qualquer cifra, aleatoriamente estabelecida (ainda que pela lei), nega-lhe o caráter de imposto sobre operações mercantis. Inegável violência à nossa Carta Política, portanto, a adoção de critérios arbitrários e aleatórios, estimativos ou a forfait, na legislação do ICMS, no respeitante à base de cálculo do tributo[11].”  Corrobora com esse entendimento, Marçal Justen Filho: “Ao instituir a substituição tributária para frente, o fisco disciplina a base imponível, estimando valores para as futuras operações. Isso é inconstitucional e inadmissível, encontrando três ordens de impedimento. 2.4 O Primeiro obstáculo riside na desnaturação da hipótese de incidência tributária. Há vedação à antecipação da exigência do tributo, tendo em vista a ausência de concretização do fato imponível. Mas ainda, há impossibilidade de afirmar que ocorrerá, no futuro, a configuração de um “fato gerador”, porque isso dependerá das circunstancias do caso concreto, em qualquer caso, há absoluta incerteza desse evento; 2.5 O segundo obstáculo está na ausência de valores efetivos a serem considerados como base imponível. Tal como prevê a futura ocorrência de um fato imponível incerto, o fisco também ‘estima’ o preço que pode ou não ser praticado. Inexiste qualquer certeza sobre a efetiva concretização do futuro fato imponível. Mas não há qualquer dado acerca do preço que pode ou não ser praticado … isso, se algum dia, vier a ocorrer o fato imponível.  (…) Se a garantia da não cumulatividade não pode ser frustrada através das exigências impossíveis de serem praticamente cumpridas, também não poderá sê-lo através de expedientes na fixação da exigibilidade da prestação tributária. Isso se passaria no caso de antecipação da exigência do ICMS devido nas operações subseqüentes[12].” Apesar de todas as críticas despendidas, no que tange ao instituto da substituição tributária progressiva prevista no §7º do art. 150 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADIn nº 1.851-4/AL, declarou a constitucionalidade desse método. Nessa ADIn entendeu-se que o fato gerador previsto na substituição progressiva não advém de uma ficção jurídica idealizada pelo legislador, e sim de uma presunção relativa, que poderá ser afastada na hipótese de o fato gerador não se concretizar, ocasião em que será promovida restituição do tributo pago.. Preconizam, Sacha Calmon Navarro Coêlho e Misabel Abreu Machado Derzi: “O dever de pagar o imposto não decorre da ocorrência de um fato gerador previsto por uma ficção jurídica, porque se assim fosse, não estaríamos sequer diante de uma antecipação de pagamento, mas de cumprimento de uma obrigação por fato gerador já ocorrido, por força de uma ficção. Na verdade, o que se da é a exigência de um pagamento antecipado em razão de um fato gerador que, presume-se irá ocorrer no futuro. E, como se disse, trata-se de presunção relativa, bastando a prova de que tal fato gerador futuro frustrou-se para o contribuinte ter direito para o contribuinte ter direito a restituição[13].” 4.POSSIBILIDADE RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO RECOLHIDO A MAIOR Muito se tem discutido sobre a possibilidade de restituição imediata e preferencial dos tributos recolhidos a maior quando da utilização da sistemática da substituição progressiva. A doutrina majoritária entende que se a base de cálculo sobrevém em montante inferior àquela presumida, o tributo pago de forma antecipada deverá ser contraposto ao montante realmente devido, aperfeiçoando a substituição progressiva. Sendo tal engenho nada mais do que uma antecipação de tributo devido nas operações subseqüentes, ou seja, o fato gerador estimado não é definitivo, vez que não se materializou no mundo fenomênico, consequentemente o valor real devido ao fisco será verificado quando da materialização do fato gerador. Assinala, Hugo de Brito Machado: “Na denominada substituição tributária para frente tem-se a atribuição de responsabilidade ao industrial, ou distribuidor, pelo pagamento do ICMS cujo fato gerador deve ocorrer posteriormente, porque consiste em uma operação subsequente. Induvidoso, pois, que o ICMS que é recolhido pelo denominado contribuinte substituto somente se tornará devido com a ocorrência da operação subsequente, que a lei define como fato gerador. É evidente que se o fato gerador não acontece antes do momento em que se dá o seu pagamento, pelo substituto, mas em momento posterior, a quantia que é paga pelo substituto é simples adiantamento. Não é ainda o imposto devido, porque este somente surge com a ocorrência do fato gerador respectivo[14].” No caso do ICMS, por exemplo, a regra matriz de incidência se materializa no momento em que acontece a operação mercantil ou prestação de serviços de transporte e comunicação, momento este, que se deve apurar o tributo efetivamente devido. Nessa diapasão, embora o pagamento seja realizado antecipadamente, ele passa a ser devido somente com a superveniência do fato gerador. Nas palavras do autor acima mencionado “todo direito, nasce sempre do binômio norma-fato[15]”, logo o tributo alusivo as operações posteriores tornam-se devidos quando da ocorrência e materialização destas, nos exatos limites ditados por elas, ou seja, é imperioso a correspondência da base de cálculo e das alíquotas a elas concernentes. Portanto, o tributo recolhido previamente só se incorpora legitimamente ao patrimônio do Estado quando efetivamente ocorrer o fato jurídico tributário. E, neste mesmo sentido, José Eduardo Soares de Mello afirma que: “a descoincidência entre o valor real (efetiva operação realizada entre o substituído e o consumidor), e o valor presumido (anterior situação existente entre substituto e substituído) caracteriza uma base de cálculo fictícia, resultando num ICMS fictício, que não pode prevalecer diante dos princípios da segurança e certeza do crédito tributário, indispensáveis no caso de intromissão patrimonial[16].” Ao cobrar previamente tributos que de outra forma seriam auferidos pelo substituído em regime de tributação normal, o fisco locupleta-se indevidamente de rendimentos financeiros, haja vista a dissonância entre o montante arrecadado e a riqueza demonstrada pelo sujeito passivo. Desta feita, desarrazoado é a atuação do Estado na atividade arrecadatória quando impossibilita a restituição pelo contribuinte dos valores pagos a maior nas hipóteses em que o fato imponível se concretizar em importância menor que a prevista pelo agente fiscal. É nítido o excesso de cobrança quando tal circunstância ocorrer, desvirtuando o sistema de recolhimento previsto no Código Tributário Nacional que veda a apropriação pelo Estado de quantia paga de modo indevido pelo contribuinte. Apesar do art. 150, § 7º restringir as hipóteses de restituição da quantia paga aos casos em que o fato gerador presumido não sobrevenha, infere-se através da realização de uma interpretação pautada na finalidade da lei (teológica), ou catalogada com alicerce na unidade ordenamento jurídico (sistemática), a possibilidade de repetição dos valores recolhidos a maior, mostrando-se insuficiente e precária interpretação gramatical para a determinação da extensão, e compreensão da norma. Preleciona Melo: “Fato Gerador Presumido – na dicção constitucional (§ 7º, do art. 150), apto a permitir a restituição, não significa somente a inexistência do fato, mas também a configuração “parcial” de seus elementos, especialmente a base de cálculo que compreende parte do fato gerador. Na medida em que se nega a restituição parcial dos valores antecipadamente recolhidos (a maior) estará sendo violado o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a presumida riqueza do contribuinte (substituído) não veio a ocorrer concretamente. Negada a restituição, o contribuinte estará arcando com tributo maior do que o efetivamente devido, porque o referido valor não integrara o patrimônio, acarretando efeito confiscatório[17].” De imediato tem-se que o legitimado para pleitear a restituição dos valores pagos a maior no caso ICMS é o substituído, uma vez que é ele que suporta o encargo financeiro, apesar de não ser o responsável pelo recolhimento do tributo, conforme preconiza o art. 166 do CTN[18].      Embora, a doutrina majoritária pleiteasse pela repetição dos valores recolhidos a maior quando da utilização da substituição tributária, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que a base de cálculo estimada na antecipação da arrecadação é definitiva: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA. VENDA REALIZADA A PREÇO MENOR DO QUE O UTILIZADO COMO BASE DE CÁLCULO. FATO GERADOR PRESUMIDO. CARÁTER DEFINITIVO. INEXISTÊNCIA DE INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO OU CREDITAMENTO. MATÉRIA DECIDIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADI 1.851/AL. REPERCUSSÃO GERAL. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”[19] Importante destacar os argumentos utilizados pelo Ministro Ilmar Galvão no julgamento da ADI 1.851, no que pertine a repetição dos valores recolhidos a maior quando da utilização da substituição tributária, já que a grande maioria das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores utilizavam-se desse julgamento como parâmetro para fundamentar suas decisões. Entendeu o Ministro que a base de cálculo e o fato gerador no citado regime são definitivos não se revestindo de caráter provisório, salvo na hipótese de sua não ocorrência, não havendo, portanto, que se falar em repetição dos valores recolhidos a maior, conjectura restrita a não ocorrência do fato gerador presumido. Em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal encontrava-se a ADIn nº 2.777/SP, que objetiva a declaração de inconstitucionalidade do art. 66-B da Lei estadual nº 6.374/1989, a qual autoriza a restituição do imposto pago antecipadamente em virtude da substituição tributária. O julgamento da mencionada ação encontrava-se empatado, cinco a cinco, faltando apenas o voto do Min. Carlos Ayres Britto, quando foi adiado, permanecendo paralisado desde 07/02/2007. Esse assunto é também objeto da ADin nº 2.675/PE, que está sendo analisada em conjunto com a ADin nº 2.777/SP. Foi reconhecido a repercussão geral da matéria no RE 593. 849/MG, sobrestando os julgamentos das ações supracitadas. Com o julgamento do Re 593.849/MG na data de 19/10/2016, o STF alterou o entendimento sobre o tema, autorizando a restituição da diferença de imposto pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. O Min. Edson Fachin, relatou que a tributação não pode desprezar as variações decorrentes doo processo econômico, transformando-se em uma ficção jurídica, sendo vedado presunção absoluta na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo.  Não permitir a restituição, nos moldes do art. 165 do CTN, importaria injustiça fiscal inadmissível em um Estado Democrático de Direito, fundado em princípios e regras que visam conservar as expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte. 5. CONCLUSÃO A administração pública é regida por diversos princípios elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal, entre eles destaca-se a eficiência, que preconiza a busca dos melhores resultados, com os menores custos. É com o escopo de se adequar a essa norma jurídica que é erigido o mecanismo da substituição tributária, que visa dificultar manobras de sonegação fiscal. É sabido que o Sistema Tributário Brasileiro é edificado com embasamento na idéia de subsunção do fato a norma, ou seja, da prática no mundo fenomênico dos eventos previstos pelo legislador. Dessa forma, somente após a ocorrência desse feito é que surgirá a relação jurídica entre o contribuinte e o Fisco, conseqüente o dever de recolher valores aos cofres públicos. A substituição para frente vai de encontro a essa lógica, vez que antecipa o recolhimento do tributo com base em meras presunções, antes mesmo da superveniência do fato gerador. O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1851, entendeu pela constitucionalidade dessa sistemática, raciocinando no sentido de que o fato gerador e a base de cálculo estimadas são definitivas, fato que veda a restituição de valores, caso exista dissonância entre importância arbitrada e o valores efetivamente praticados pelo contribuinte. O equívoco é evidente, pois o fato gerador e os elementos quantificadores do critério quantitativo tornam-se definitivos em sua plenitude somente após a superveniência da subsunção do evento a norma. Ora, a não devolução do valor pago a maior acarreta o locupletamento ilícito do Estado em face ao contribuinte, e consequentemente o seu enriquecimento sem causa. Tendo em vista esse quadro que aflige diversos cidadãos, o STF no julgamento do RE nº 593. 849/MG, cuja repercussão geral foi reconhecida, alterou o posicionamento elucidado na ADI 1851, autorizando a repetição dos valores recolhidos a maior quando da antecipação de tributos.
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A (im)possibilidade de quitação de tributos mediante a compensação com precatórios
O presente trabalho traz inicialmente a conceituação de execução e de Fazenda Pública, com o intuito de nortear o estudo do regime dos pagamentos efetuados pelo ente público. Após, é realizada abordagem no regime dos precatórios estabelecido na Constituição Federal, além de uma análise sobre as mudanças que recaíram sobre eles, oriundas das Emendas Constitucionais nºs 30 e 62. A intenção será demonstrar como é o nascimento das RPVs e dos precatórios, oriundos das execuções em face da Fazenda Pública, demonstrando suas diferenças principalmente no que se refere ao prazo para pagamentos. Após, uma especificação do regime dos pagamentos, tanto os realizados pelo ente público quanto ao relativo dos precatórios.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho de pesquisa visa o entendimento da execução em face da Fazenda Pública, demonstrando assim o nascimento do título chamado precatório, que nada mais é do que a promessa que o ente público faz ao particular, de pagar a indenização oriunda de condenação judicial. Após, será realizada abordagem no regime de pagamentos dos precatórios, o regime especial, as modificações trazidas pelas Emendas Constitucionais nºs 30 e nº 62 e, por fim, a análise do problema estabelecido: a possibilidade, ou não, da quitação de tributos mediante a compensação com precatórios. Para a realização deste trabalho foram realizadas pesquisas eletrônicas, bibliográficas e leitura de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No intuito de enriquecer ainda mais a pesquisa e os dados nela contidos, foram buscadas informações com profissionais que atuam nesta área, além de leitura em jornais e periódicos disponíveis na rede mundial de computadores, tentando manter sempre as informações atualizadas, uma vez que o tema proposto provoca diversas manchetes jornalísticas. No primeiro momento a intenção será demonstrar como é o nascimento das RPVs e dos precatórios, oriundos das execuções em face da Fazenda Pública, demonstrando suas diferenças principalmente no que se refere ao prazo para pagamentos. Após, uma especificação do regime dos pagamentos, tanto os realizados pelo ente público quanto ao relativo dos precatórios.      O presente estudo busca a resposta para a possibilidade da quitação de dívidas tributárias com a utilização de precatórios. Esta possibilidade não está facultada ao simples ―querer‖ do credor, uma vez que a lei é clara ao demonstrar que somente irá ser absorvida tal proposta quando lei específica assim a regular e permitir, nos termos do artigo 170 do Código Tributário Nacional, além dos entendimentos jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça. 1 Execução contra a Fazenda Pública Na Execução contra a Fazenda Pública, se faz necessária a conceituação de dois elementos. Segundo Didier Jr. (2010, p.28) ―Executar é satisfazer uma prestação devida […]‖, assim, a execução visa à satisfação de uma obrigação do executado para com o exequente, e pode ser ―[…] espontânea, quando o devedor cumpre voluntariamente a prestação, ou forçada, quando o cumprimento da prestação é obtido por meio da prática de atos executivos pelo Estado.‖. O segundo elemento, a Fazenda Pública é o conjunto de ferramentas arrecadatórias que visam à manutenção do Estado. Dito de outra forma são os órgãos da administração pública que têm por objetivo arrecadar e fiscalizar os tributos, buscando a manutenção do aparato estatal. No ensinamento de Leonardo Carneiro Cunha (2011, p. 15) ―Fazenda Pública é a expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público.‖. Sempre que figurar tanto no polo passivo quanto no polo ativo, um ente tão importante quanto a Fazenda Pública, se faz necessária a presença de certas prerrogativas, que visam auxiliá-lo na tramitação do processo. Tal ―auxílio‖ se faz necessário diante do excesso de demandas judiciais em que figura a Fazenda Pública, seja como autora, ou como ré. As ações de execução visam a satisfação do credor em face do devedor e, dependendo do caso, a execução pode dar início a uma privação da propriedade dos bens do devedor. Entretanto, tal medida não se torna possível quando figura no polo passivo da execução a Fazenda Pública, uma vez que não há a possibilidade de realizar penhora e alienação em bens públicos. Deste modo, define Franco (2002, p. 55), sobre o entendimento acerca da inalienabilidade dos bens públicos: “Isto, porque o fato de um bem particular ser utilizado para uma finalidade pública não o torna um bem público, e porque não se pode desconsiderar a personalidade jurídica dessas empresas, de modo a responsabilizar diretamente a controladora (ente de direito público, claro), sem que estejam presentes os pressupostos para esta excepcional medida.” Por conseguinte, inalienáveis os bens públicos; quando vencida a Fazenda Pública na execução, a mesma realizará os pagamentos de outras formas, as quais serão abordadas mais adiante. 1.1 Procedimento Instruída por normas próprias, a Execução contra a Fazenda Pública segue os termos do art.100 da Constituição Federal (com regras definidas pelo ADCT) e os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil. Referidos dispositivos devem ser observados, de modo que, quando figurar no polo passivo da execução a Fazenda Pública, não serão seguidas as regras tradicionais da execução. Em uma execução que não tenha no polo passivo a Fazenda Pública, tem-se a distinção dos procedimentos no que tange aos títulos judiciais ou extrajudiciais. O art. 730 do Código de Processo Civil dita o rumo da execução contra a Fazenda Pública. Tal dispositivo assim se apresenta: “Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I – o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II     – far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.” Nota-se aqui que, após citada, a Fazenda Pública pode opor embargos dentro do prazo de 10 (dez) dias e, assim, se faz necessário aguardar o julgamento da execução uma vez que tal medida suspende o andamento do feito. Caso oposta execução contra devedor diferente da Fazenda Pública, a oposição de embargos não acarretaria na suspensão do processo. A questão da suspensão automática do processo de execução quando da interposição de embargos pela Fazenda Pública, é ressaltada por uma das mudanças trazidas pela Lei nº 11.382/2006 que introduziu o art. 739-A no Código de Processo Civil. Referido dispositivo impõe a não incidência de suspensão quando da apresentação dos embargos pelo executado, apresentando em seus extensos parágrafos o rol de momentos específicos para tanto. Entretanto, conforme os parágrafos do art. 739- A, poderá ser suspensa a execução se o Juiz da causa acolher o requerimento dos embargantes, que deverá trazer fundamentos relevantes de que o prosseguimento da execução poderá causar dano de difícil ou grave reparação às partes, e, desde que já esteja garantida a execução por penhora, depósito ou caução de forma suficiente. Esta decisão, que dá provimento a suspensão da execução, poderá ser revista a qualquer tempo, tanto que poderá ser modificada ou revogada mediante decisão devidamente fundamentada. Se a suspensão for específica sobre determinada parte da execução, da parte que não recaiu a suspensão, prosseguirão os atos expropriatórios. Quando houver mais de um executado, o requerimento de suspensão realizado por uma parte, não se estende às outras, devendo cada parte, por seus próprios motivos e fundamentos, alegar a necessidade da suspensão da execução. Importante também ressaltar, que mesmo quando concedido o efeito suspensivo à execução, os atos relativos à penhora e a das avaliações que recaírem sobre os bens, terão continuidade para fins de celeridade processual. Ainda no âmbito procedimental da execução em face da Fazenda Pública, mais precisamente nos casos onde o credor não possuir título executivo extrajudicial, capaz de legitimar sua ―vontade‖ processual executiva, tem-se uma fase de conhecimento, voltada exclusivamente para a legitimação da existência de algo ―executável‖, algo que comprove a passividade executiva da Fazenda Pública. Logo após, reconhecido o direito do exequente, passa-se então a uma nova fase chamada de ―etapa executiva‖. Da mesma forma, busca assim a satisfação, o 13 adimplemento concreto daquilo que foi plenamente garantido na etapa anterior, em suma, busca-se fazer a Fazenda Pública pagar aquilo que deve. 1.2 O Regime dos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública Ao provocarmos o Estado pela via judicial, após a procedência da demanda, quando esta implicar no pagamento, indenização ou ressarcimento em favor da parte autora, o Estado terá duas modalidades de pagamento: A Requisição de Pequeno Valor, conhecida também pela sigla RPV, ou através da emissão de precatório, dependendo unicamente do valor do crédito a ser recebido. As RPVs serão emitidas quando o valor da causa não ultrapassar aos montantes de 60 (sessenta) salários mínimos nacionais, para a União, 40 (quarenta) salários mínimos para os Estados e 30 (trinta) salários mínimos para os Municípios, podendo a lei local estabelecer outros limites, nos temos em que dispõe o artigo 100, §4º da CF/88. Quando o valor da condenação de ação judicial extrapolar este valor, então terá nascimento o precatório, ordem de pagamento feita pelo Judiciário ao Executivo, que, se enviada até a data de 30 (trinta) de junho de um ano, deverá incorporar o orçamento público do exercício financeiro seguinte, o que não significa e nem garante que será pago no ano seguinte. O regime dos pagamentos dos precatórios mostra que, na realidade não há o pagamento no ano seguinte, uma vez que a ordem de pagamentos e o evidente excesso de precatórios faz com que sua legitimação demore anos para ocorrer, sendo o beneficiário do precatório um mero detentor de um título, sem poder efetivamente utilizar o poder financeiro conferido nele. Ainda, há que ressaltar alguns dos privilégios processuais que goza a Fazenda Pública, tais como a dispensa do pagamento das custas processuais e pagamento equitativo dos honorários advocatícios de acordo com o art. 20 do CPC. Também goza de prazo diferenciado, conforme se vê no art. 188 do CPC: ―Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte vencida for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.‖. Nenhum pagamento será feito pela Fazenda Pública, senão pelo regime estabelecido no art.100 da Constituição Federal. Assim preconiza o caput do referido artigo: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.” A ordem cronológica, quer seja simplesmente a ordem decrescente do tempo da expedição do precatório, será apreciada quando dos pagamentos. Entretanto, existem casos específicos que têm preferência no pagamento, ou seja, terão prioridade no momento do pagamento, podendo se antecipar a precatórios mais antigos. Terão preferência no pagamento dos precatórios àqueles credores que tiverem 60 (sessenta) anos ou mais na data da expedição do precatório. Quando não for este o caso, o credor que completar os 60 anos de idade após a expedição do precatório e for credor originário de precatórios alimentares, somente poderá pleitear a preferência do pagamento do crédito, apresentando requerimento de preferência decorrente de idade. O § 1º do art. 100 da Constituição Federal, apresenta a conceituação dos débitos de natureza alimentícia: “Art. 100. § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, provimentos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.” A ressalva que consta no § 1º do art. 100 da Constituição Federal, em indicação ao § 2º do mesmo dispositivo, se refere aos débitos de natureza alimentícia para aqueles que tenham 60 anos de idade ou mais na data da expedição do precatório, ou ainda sejam portadores de doença grave. Nestes casos terão preferência de pagamento sobre todos os demais débitos até o valor equivalente ao triplo estabelecido em lei, admitindo assim o fracionamento do pagamento, mantendo o restante a ser pago pelo critério da ordem cronológica. No orçamento das entidades de direito público, é obrigatória a apresentação das verbas necessárias para pagamento dos precatórios, oriundos de sentenças já transitadas em julgado, devendo constar no orçamento os precatórios apresentados até o dia 1º de julho e o pagamento deverá ser feito até o final do exercício seguinte, ainda com atualização monetária referente ao período de ―espera‖. Como mencionado, o disposto no parágrafo anterior, encontrado no texto do § 5º do art. 100 da Constituição Federal não é cumprido comumente no prazo estabelecido, haja vista o excesso de demandas em face da Fazenda Pública, gerando incontáveis expedições de precatórios e, assim, fazendo com que o ente público demore alguns anos para conseguir efetivamente quitar seus débitos para com seus credores, não cumprindo o disposto no citado parágrafo. Importante também ressaltar que, no momento da expedição do precatório, seu valor total será abatido de eventual dívida que o credor tenha com a Fazenda Pública, inclusive parcelas que ainda não estão vencidas no momento da expedição do título, de forma que, compensados o ativo e o passivo, o resultado será o valor atribuído ao precatório. Antes deste procedimento, o Tribunal irá solicitar à Fazenda devedora, informações sobre tais descontos (dívidas do credor) para que sejam respondidas em até 30 dias, sob pena de perda do direito de abatimento. Referente a esta compensação feita pela Fazenda Pública, diante de eventual dívida tributária do exequente, Machado (2010, p. 282), nos ensina que: “Não é razoável que, para compelir os que eventualmente lhe devem ao pagamento correspondente, imponha a todos os seus credores a obrigação de provar que nada devem. Entretanto, é certo que a Fazenda Pública tem o direito de compensar, ao fazer o pagamento de uma dívida, o crédito que tenha contra aquele a quem vai fazer o pagamento‖.” Nesta hipótese, a Fazenda Pública exerce direito ao qual praticamente não permite que o contribuinte tenha também, quer seja a quitação de algum tributo mediante a compensação com valor devido por ela ao cidadão. Esta abordagem se tornará mais específica no segundo capítulo do presente trabalho. O credor da Fazenda Pública poderá também ceder, no total ou em parte, seu crédito de precatório. Tal medida independe da anuência do devedor, devendo apenas após a cessão, ser protocolada no Tribunal, petição informativa da cessão, constando o beneficiário e a porcentagem ou valores que foram cedidos. No que se refere à cessão de parte do precatório, esta comumente é utilizada para fins de pedidos administrativos de quitação de tributos mediante a compensação do precatório. Tal medida se faz necessária mediante a necessidade de o valor do tributo a ser quitado ser exatamente o mesmo do valor do precatório em que o devedor é credor, assim valores equivalentes geram a proposta administrativa de quitação mediante a compensação, tema que terá maior abordagem em item específico. No que tange à realização de acordos judiciais, também existe diferenciação procedimental quanto à presença, ou não, da Fazenda Pública no processo. Quando não há a figura do ente público, o acordo entabulado entre as partes gera maior celeridade quanto ao pagamento da dívida pelo executado, onde comumente é estabelecido prazo para que seja cumprido o acordo. Já quando a executada é a Fazenda Pública, a realização de acordo judicial não gera nenhum tipo de ―bônus‖ quanto ao pagamento. Da mesma forma como ocorre com a ordem de pagamento estabelecida processualmente, o acordo também irá para a fila da expedição dos precatórios (ou RPVs) e terá seu procedimento realizado na mesma ordem e requisitos dos processos em que não foi entabulado acordo. Assim, realizar acordo com a Fazenda Pública não gera nenhum privilégio. Importante também ressaltar, mesmo que de forma sintética, pois será abordado adiante, o regime especial de pagamento para a Fazenda Pública. Tal regime, estabelecido pelo artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, permite o pagamento em regime especial como uma vinculação do título em uma conta especial do valor do estoque dos precatórios, que gera uma atualização dos valores, dividido pelo número de 15 (quinze) anos, que é o período temporal do regime especial. A outra possibilidade estabelecida pelo regime especial é a destinação de porcentuais da receita corrente líquida, para o pagamento dos precatórios, anualmente. Dos valores auferidos com as porcentagens estabelecidas, a ideia é o pagamento de, no mínimo, metade dos precatórios que mesmo sendo em regime especial, terão sua ordem de pagamento obedecida no sistema de preferências, idade, doença, alimentares e por fim a ordem cronológica de apresentação. 1.3 O regime dos Precatórios e requisição para pagamentos. Diante das conceituações já realizadas, tanto entendendo o procedimento da execução quanto definindo o que é a Fazenda Pública, passa-se agora a análise mais específica sobre os precatórios. Como já visto, o precatório é uma ordem de pagamento feita à Fazenda Pública devedora, referente à execução contra ela promovida. Em busca de um conceito básico doutrinário, encontramos a definição de precatório feita por Elali (2011, p. 271), de forma objetiva: “Precatório é uma ordem de pagar quantia certa decorrente de decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública. O montante de precatórios se constitui em dívida consolidada do Poder Público correspondente.” O regime dos precatórios é estabelecido pela Constituição Federal Brasileira, sendo ele o sistema de pagamento das sentenças judiciais julgadas em processos nos quais a Fazenda Pública figure no polo passivo e, reste vencida. Esse sistema de pagamento com a consequente expedição do precatório sempre se dará após o trânsito em julgado do referido dispositivo. Como visto, os pagamentos dos precatórios devem ocorrer de forma cronológica, quer seja na ordem de sua apresentação e expedição, dos mais antigos aos mais novos. A apresentação deve ser feita até o dia 30 de junho de cada ano e o precatório deve ser pago até o final do exercício financeiro seguinte. Quanto às garantias dos pagamentos dos precatórios, Elali (2011, p. 273), ensina da seguinte forma: “[…] O orçamento público é o grande garantidor do pagamento dos valores envolvidos. A requisição do dinheiro (daí o nome de precatório requisitório) é feita pelo Presidente do Tribunal onde o processo transitou em julgado e o pagamento também é determinado pela mesma Corte. Se a ordem de preferência no pagamento dos precatórios foi violada, o Presidente do Tribunal, a requerimento do credor, pode determinar o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito. (sic)” Se de alguma forma o credor do precatório descobrir que sua preferência cronológica foi violada, tendo seu momento de pagamento sido ―pulado‖, poderá, mediante requerimento escrito protocolado junto ao Tribunal, requerer o sequestro do valor constante em seu precatório diretamente das contas do Estado. Frise-se que, neste caso, a Fazenda Pública não pagará ao credor o valor do precatório, mas sim terá o montante da satisfação do crédito removido de suas contas, assim como ocorre, por exemplo, em ações de fornecimento de medicamentos. A ordem de pagamento dos precatórios se dá de forma cronológica, conforme já exposto. Entretanto, existem credores que terão preferência no momento do adimplemento do precatório em virtude de requisitos que devem ser observados para tanto. Essa ordem de preferência será abordada de forma mais ampla em item específico posteriormente. No que se refere à requisição de pagamento dos precatórios, Bueno (2010, p.437) leciona à luz do art. 730, inciso I do Código de Processo Civil: “[…] a requisição do pagamento será feita pelo Presidente do Tribunal competente. Em se tratando de Fazenda Pública Federal, competente é o Presidente do Tribunal Regional Federal da região respectiva; em se tratando de Fazenda Pública Estadual, Municipal ou Distrital, do respectivo Tribunal de Justiça.” Esta requisição é o Precatório, que se resume em uma ordem de pagamento requisitada ao ente público, para que pague determinada quantia a alguém. O precatório, então, tem sua origem, passando a integrar extensa fila que aguarda pagamento, pelo simples fato de existirem inúmeras demandas contra a Fazenda Pública e se os pagamentos fossem realizados conforme estabelecido, provavelmente acarretaria um rombo nas finanças públicas. Se seguissem exatamente o que determina a lei, os precatórios deveriam ser pagos conforme o seguinte exemplo: um pagamento requisitado até a data de 1º de julho de 2014, o precatório deveria ser adimplido totalmente até a data de 31 de dezembro de 2015. Se a requisição de pagamento do exemplo acima fosse requerida somente em 2 de julho de 2014, o adimplemento se arrastaria até no mínimo no dia 31 de dezembro de 2016. Existindo alguma situação que leve o credor a necessidade de se manifestar quanto a alguma irregularidade quer seja do momento do pagamento do precatório ou até mesmo referente aos valores que estão sendo disponibilizados, deverá se dirigir diretamente ao juiz da execução que originou o precatório. O Presidente do Tribunal que realizou o requerimento do precatório não tem competência para tanto, mas sim apenas para realizar a atualização monetária do valor do precatório até o momento de seu pagamento, tudo conforme o texto do art.100, § 5º da Constituição Federal. Bueno (2010, p. 438) comenta o art. 1º-E da Lei nº 9.494/1997, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, dizendo ―que o Presidente do Tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, pode rever as contas elaboradas para aferir a exatidão dos valores requisitados antes do seu pagamento ao credor. Deste modo, não há o que se falar em requerimentos ao Presidente do Tribunal que originou o precatório senão para a atualização ou avaliação dos valores nele contidos. Quaisquer que sejam as dúvidas, diferentes deste tema, deverão ser direcionadas mediante petição e protocoladas diretamente nos autos do processo de execução que originou a contenda Contribuinte x Fazenda Pública, que gerou o precatório.
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Princípio da capacidade contributiva: um instrumento de políticas públicas voltadas à promoção do desenvolvimento regional com justiça social
A busca por informações sobre a problemática do desenvolvimento regional tem-se intensificado, tendo em vista o contexto atual de entraves na ordem socioeconômica, que a sociedade brasileira atual tem suportado. Ao que parece desde a criação do modelo contemporâneo de gestão socioeconômica, busca-se mecanismos de rechaçar as desigualdades sociais e diferenças regionais, que sempre existiram, em virtude de diversos fatores históricos e culturais que definiram o panorama atual do (sub) desenvolvimento das regiões em todo território nacional. Pois bem, a temática aqui levantada tem o escopo de estabelecer uma correlação entre o Princípio da Capacidade Contributiva e o Desenvolvimento Regional, analisando de que forma o atual Sistema Tributário Nacional, expressado no referido princípio, pode contribuir para a consecução dos objetivos constitucionalmente traçados de desenvolvimento igualitário entre as regiões do Brasil, com a nobre missão de realizá-los com justiça social. Tarefa árdua, vez que ao longo de décadas os mecanismos utilizados até então para a satisfação desse desenvolvimento, mostrou-se ineficientes ou pendentes de uma verdadeira efetividade. Por isso far-se-á necessária tal discussão a fim de novamente trazer à tona a problemática do desenvolvimento regional, sobre um prisma peculiar, da contribuição econômica e tributária, especialmente de como a capacidade contributiva pode se relacionar na consecução dessas metas precípuas, ao Estado Democrático de Direito.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo jurídico é o resultado de um trabalho de pesquisa jurídico-científico em que se pretende analisar os aspectos relevantes acerca de como o princípio da capacidade contributiva pode contribuir para o desenvolvimento regional do país, cuja finalidade é de ampliar a compreensão sobre o assunto em tela, trazendo à baila discussões em torno do Sistema Tributário Nacional, debruçando-se sobre os princípios constitucionais tributários, especialmente o princípio da Capacidade Contributiva, percebendo-o como um instrumento de políticas públicas, voltadas à promoção do desenvolvimento regional com justiça social e que para fins essencialmente didáticos, serão em momento oportuno destrinchados. A tributação é um importante instrumento do Estado para realizar os fins sociais. É por meio da cobrança de tributos que uma nação pode/deve adquirir recursos para implantação de políticas públicas e gerir os serviços essenciais à vida em sociedade, bem como tornar possível a efetivação de direitos fundamentais. Nesse sentido, o Direito Tributário assume papel relevante, pois sua existência se justifica para a proteção do contribuinte em face de excessos eventualmente cometidos na instituição e cobrança de tributos. Por essa razão, faz-se pertinente analisar como a tarefa estatal de desenvolvimento regional deve ser harmonizada com a efetivação de princípios constitucionalmente estabelecidos em prol do cidadão, dos quais é destacada a capacidade contributiva. Desse modo, percebe-se a relevância dessa abordagem que transborda a discussão meramente teórica, pois o que se busca é a satisfação e a consecução de objetivos constitucionais, que visam tão somente, o estabelecimento de metas e seu conseguinte atingimento, visando o bem maior, que se traduz num estado de bem-estar social, dentro dos ditames da igualdade da liberdade e fraternidade, comungados como pressupostos de um convívio harmônico nas relações entre os concidadãos e destes com as instituições. 2 BREVE EXPOSIÇÃO CONCEITUAL E DOGMÁTICA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA À LUZ DA CF/88 Abordado expressamente na Constituição de 1946 e suprimido no Texto de 1967, o princípio da capacidade contributiva foi resgatado pela Constituição Federal de 1988, que o consagrou por meio de seu art. 145, §1º. Do texto constitucional, extrai-se a finalidade do princípio, que é adequar a tributação à condição econômica do contribuinte, ou seja, ao volume de seu patrimônio, sua riqueza, suas atividades empresariais e seu poder de compra. Significa que a “expropriação” promovida pelo tributo deve considerar as disponibilidades do contribuinte, sem lhe retirar o exercício de direitos fundamentais. A doutrina jurídica abaixo mencionada tem se debruçado sobre alguns termos contidos no dispositivo citado, em decorrência de dúvidas quanto à sua aplicabilidade. É o que ocorre com a expressão “sempre que possível” e com a palavra “impostos”. Quanto à primeira questão, “a expressão sempre que possível”, entende-se que ela adere ao entendimento que afasta a impossibilidade de aplicação do princípio em certas ocasiões, o que ficaria a cargo do legislador decidir. Assim compreende o tributarista Hugo de Brito Machado (2015, p. 40), para quem “não é razoável entender-se que o legislador tem ampla liberdade para resolver quando é e quando não é possível exigir-se obediência ao princípio da capacidade contributiva porque tal compreensão anula inteiramente sua supremacia”. Em sentido contrário, Luciano Amaro (2005, p. 139), para quem a ressalva foi feita justamente a fim de indicar a inviabilidade de sua aplicação em determinadas situações: “dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilização do imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados”. Em respeito à segunda questão, que diz respeito a utilização da expressão “impostos”, invoca-se novamente, o pensamento de Hugo de Brito Machado (2015, p. 40), que considera ser possível a aplicação do princípio as outras espécies tributárias além dos impostos, expressamente positivados no texto constitucional. O doutrinador informa, por exemplo, que a capacidade contributiva orienta a isenção de certas taxas e da contribuição de melhoria, “em situações nas quais é evidente a inexistência da capacidade contributiva daquele de quem teria de ser o tributo cobrado”. Não é este, entretanto, o entendimento de Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 26), que afirma que “o princípio da capacidade contributiva só se impõe aos impostos” e, em complemento, argumenta que impostos indiretos, suportados pelo consumidor final, seriam incompatíveis com o princípio. Discorda-se desse último argumento, pois como afirma Luciano Amaro (2005, p. 141), “não fosse assim, o princípio poderia ser abandonado, para efeito de tributação de alimentos básicos e remédios, a pretexto de que os contribuintes de direito dos impostos aí incidentes são empresas de altíssimo poder econômico”. Corroborando com tal entendimento o doutrinador Leandro Paulsen (2012, p. 76) afirma que a “[…]capacidade contributiva não constitui, apenas, um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias”. Exsurge, nesse debate, a necessidade de compreender a extensão do nobre princípio implícito no art. 145, da CF/88. Embora remeta aos impostos, tem-se admitido majoritariamente a extensão da aplicação da capacidade contributiva para outras espécies tributárias, inclusive a taxa. Ponto de divergência entre os mencionados doutrinadores, por entender alguns, que o pagamento das taxas decorre da utilização efetiva ou não, de serviço público específico e divisível, e que, portanto, tratar-se-ia de justiça comutativa e não distributiva como afirma parte da doutrina. Ao derradeiro, tem-se que a acepção da capacidade contributiva, hoje um princípio imperativo à ordem tributária, constitui, sem embargo, um reforço indispensável à limitação do poder de tributar do Estado, vez que se apresenta de forma multifacetária diante da necessidade de sua aplicação, em que pese, a opinião quanto à temeridade da extensão da sua aplicabilidade, deve-se considerar conforme aludido supra, deve estar a serviço da orientação do legislador e do contribuinte, sob uma ótica social e econômica, afim de atender parâmetros de justiça e razoabilidade, nos moldes em que se propõe o objeto desse estudo, um instrumento de políticas públicas. 3 DA EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A positivação do princípio da capacidade contributiva na Constituição de 1988 veio acompanhada da delimitação de circunstâncias relativas às atividades fiscais destinadas à cobrança e arrecadação de tributos. Assim, o §1º do art. 145 da Lei Maior dispôs que para conferir efetividade ao princípio, a administração tributária tem a faculdade de “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Observa-se que, de acordo com o texto constitucional, a ação fiscal do Estado, voltada à aferição de riqueza do contribuinte, não será absoluta, pois deve respeitar direitos individuais e os termos da lei. De acordo com o tributarista Luciano Amaro (2005, p. 143), embora a atuação do Fisco já presuma o respeito às garantias individuais, que compreendem desde imunidades e isenções a pressupostos de segurança jurídica, como a legalidade, a irretroatividade e anterioridade da lei tributária, as atividades fazendárias são antes de uma faculdade, um dever. A positivação da obediência ao devido processo legal é, portanto, um reforço que a Constituição faz sobre a necessidade de compatibilizar o esforço para identificar a capacidade contributiva com outros princípios constitucionais, independentemente de sua natureza tributária, como a dignidade e a privacidade. Outro aspecto da efetivação do princípio, trazida por Hugo de Brito Machado (2015, p. 40) é a possibilidade do controle de sua aplicação perante o Judiciário em casos concretos ou por meio de ação direta de inconstitucionalidade. Citado doutrinador avança na reflexão do tema para argumentar que isenções concedidas para impostos que incidem sobre patrimônio ou renda tendem a ferir a capacidade contributiva se o beneficiário revelar possuir riqueza a ser tributada. Esta violação não ocorreria, contudo, se o fato gerador do tributo não estiver associado ao patrimônio, como também se a isenção for conferida para proteger pessoa cuja riqueza seja ínfima, hipótese na qual o princípio estaria realizado. Dito isso, tem-se que, estabelecer de que forma o nobre princípio pode contribuir para o desenvolvimento regional não é tarefa fácil, mas percebe-se alguns aspectos dos quais, restem inequívocos para a compreensão quanto a sua aptidão de promover as diretrizes constitucionais de dar efetividade ao plano de desenvolvimento regional. Entender a capacidade contributiva como um instrumento de políticas públicas, (objeto desse estudo) já é um bom começo, mas como chegar a essa percepção, é o que motiva a se debruçar na ideia de que, se levar em consideração que ao favorecer os meios de produção e elevar o poder econômico do contribuinte, notadamente o fisco, numa perspectiva a longo prazo, se beneficiaria dessa melhoria macroeconômica inevitavelmente. Ou seja, se hoje, a função do fisco é exigir que parte dos ganhos do contribuinte sejam destinados ao Estado e o pagamento desses tributos é tão sacrificante, vide a baixa média do poder aquisitivo da sociedade brasileira, na medida de seu patrimônio ou renda, uma vez elevada essa renda e acrescido esse patrimônio, haverá provavelmente, um aumento significativo na arrecadação tributária, mas isso só seria possível dentro de um cenário em que o estados, propiciem esse acréscimo e essa valorização dos seus concidadãos ao ponto de não restar mais sacrificante, àquela obrigação de compartilhar parte do que lhe pertence. E respeitar esse dinamismo é imprescindível para o alcance dessas metas de desenvolvimento, pois é nesse sentido que a capacidade contributiva pode ser interpretada como um instrumento que favorece a evolução social e econômica. 4 RELAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COM OS DEMAIS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS  A acepção acerca da capacidade contributiva decorre de um arcabouço principiológico notadamente encabeçado pelo princípio da igualdade ou isonomia, em sentido lato se pelo prisma da justiça social e em sentido strictu se vislumbrado sob o prisma da justiça fiscal. Esse é o panorama em que se insere a compreensão do princípio da capacidade contributiva, consubstanciado no chavão, “quem pode mais, paga mais”, de modo a permitir que o contribuinte menos abastado possa arcar com suas obrigações fiscais sem que a exação o onere a tal ponto que comprometa o sustento próprio e dos que dele dependam, mantendo um equilíbrio social e fiscal, a fim de atender aos preceitos de mínimo existencial corolário da dignidade humana. Importante mencionar a correlação mencionada acima e de quão tênue parece a linha que divide a preservação do mínimo a sobrevivência digna e a vedação do confisco, ou seja, o Estado no exercício de suas atribuições arrecadatórias, não pode/deve embaraçar a vida daqueles que já encontram dificuldades em razão da sua realidade econômico-social nem tão pouco tolher a pretensão à acumulação de riquezas desses que já somam vultosos patrimônios, sob pena de incorrer em práticas confiscatórias, por isso a necessidade de estabelecer a extensão da aplicação desse princípio de relevância sem igual, à consecução efetiva dos ideais de justiça fiscal. Nessa perspectiva de similitude relevante entre os postulados, note-se a relação entre o nobre princípio objeto deste estudo, e os princípios da progressividade, proporcionalidade, seletividade e da personalização todos em comunhão, de modo a expressar a instrumentalidade que se propõe a capacidade contributiva como derivada dos ideais de igualdade, se utilizando de critérios objetivos para distinguir os contribuintes, que por sua vez terão tratamento igual ou desigual na medida de seus respectivos enquadramentos socioeconômicos, e tais princípios institucionalizados merecem tratamento pormenorizado a seguir. Pois bem, esses institutos decorrem dos ideais de igualdade em sentido amplo, e torna interessante desvendar a correlação da capacidade contributiva com a progressividade, por exemplo. Isso por que, ao mencionar o caráter progressivo de um tributo, ainda que numa perspectiva mais remota, leva-se em consideração, também, a capacidade econômica do contribuinte, uma vez que em razão de determinadas circunstâncias a alíquota daquela espécie tributária será elevada para atender aos preceitos de justiça fiscal, que está estritamente ligada a capacidade contributiva, ou seja, há uma interligação conceitual, se entendermos todos esses princípios de forma sistêmica, cuja missão precípua é de atender aos critérios constitucionais de limites ao poder de tributar, e satisfazer os anseios de tratamento isonômico e igualitário dos contribuintes, e de que a mesma lógica interpretativa pode ser comtemplada aos demais princípios mencionados. Ao passo que, em se tratando da seletividade, nota-se uma correlação na medida em que todo tributo deve atender aos critérios de essencialidade do bem, ou seja, quanto maior sua importância, menor será os seus encargos tributários, tendo em vista, a indispensabilidade deste bem para o gozo de uma vida digna. Respeitando a semelhança entre ambos institutos tem-se ao que parece a obediência a capacidade econômica, na medida em que determinados bens são entendidos como essenciais a uma vida razoavelmente digna (dentre eles alguns itens de uso doméstico), ou seja, o respeito a qualidade do contribuinte é condição sine qua non, sob o qual vislumbra-se a satisfação do princípio, vez que àquele contribuinte menos favorecido, merece a proteção cuja a seletividade e a capacidade contributiva podem promover, quando da aquisição desses itens essenciais a uma vida digna. Ainda assim, a conexão entre os princípios da capacidade contributiva, da razoabilidade e da proporcionalidade são patentes, ora não se pode entender aplicação de um se não observado os preceitos dos outros e vice-versa. Para o professor Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade”, ou seja, ambos possuem uma essência constitucional semelhante, embora carreguem peculiaridades, mas para esse estudo, nos parece oportuno compreendê-los de forma conjunta, pois em se tratando de limites ao poder de tributar e de forma mais específica a vedação ao confisco, são institutos manejados para a proteção do contribuinte como assevera outro jurista. Em resumo, o princípio da razoabilidade, em harmônico convívio com o postulado da proporcionalidade, apresenta-se no cenário em que o excesso e as atitudes incongruentes são proibidos à Administração, disposta a homenagear a prudência no nobre exercício da função estatal […] (SABBAG, 2013, p, 177) Considerando o desenvolvimento regional, não há como não trazer à baila à discussão sobre a uniformidade geográfica, preconizado no art. 151 da CF/88, que impõe vedações a União. Por sua vez, a proteção a que se refere acima, a priori diz respeito, aos tributos federais, asseverando que estes não podem trazer diferentes exações quando instituídos ou majorados. Tal desígnio visa promover um ideal de tratamento isonômico destinado as diferentes regiões do Brasil. Entretanto, o próprio texto constitucional destaca a possibilidade de isenções fiscais específicas para a consecução de uma justiça social e fiscal mais efetiva, a exemplo a zona franca de Manaus. Assim, comungados a capacidade contributiva e a uniformidade geográfica cuja a natureza jurídica está imbricada, e o atingimento do desenvolvimento regional perpassa sem embargo, pela observância desses postulados, onde o primeiro leva em conta o poder econômico de um prisma particular, no seio da individualidade do contribuinte, e o outro sob um prisma macro, no respeito as peculiaridades regionais, em que pese a obrigação de uniformidade dos tributos, nada obsta, como já dito, uma concessão ou incentivo fiscal, previstas constitucionalmente, a fim de atender a uma justiça mais ampla. 5 A NATUREZA PECULIAR DA EXTRAFISCALIDADE  Em que pese à natureza do Sistema Tributário seja, em sua essência, inclui a arrecadação de tributos cuja finalidade é de custear os anseios da sociedade, sob o espectro do poder estatal legitimado pelo contrato social, existem, como define parte da doutrina, em especial o professor Eduardo Sabbag, obrigações ou “missões paralelas” àquelas essencialmente fiscais. Ou seja, Toda vez que o Estado busca mecanismos de controle socioeconômico através do sistema tributário, esta função assume a roupagem de extrafiscalidade, mormente são os instrumentos de regulação do mercado, de promoção ao desenvolvimento regional, promoção a sustentabilidade e combate às desigualdades sociais, como assevera o nobre doutrinador Sabbag (2013, pg 174) que nesse sentido entende que a extrafiscalidade se abre para a consecução de propósitos paralelos, como: “a redistribuição da renda e da terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos privados para setores produtivos, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial”. Para tanto, o Estado e seu braço forte fiscal lançam mão de políticas ou ações específicas a fim de dar cumprimento ao objetivo pretendido, cuja satisfação, em regra, dá-se de forma imediata, vide a majoração ou redução de alíquotas de tributos que exercem uma função de controle no mercado de exportação e importação (essa relação precisa de acompanhamento amiúde pelos agentes econômicos), bem como tributos específicos ligados a utilização e exploração de recursos naturais de maneira sustentável, a progressividade dos impostos sobre a propriedade rural e urbana a fim de dar efetividade à função social da propriedade, e tantos outros mecanismos assegurados constitucionalmente. Nesse sentido, percebe-se a relevante transcendência da extrafiscalidade, dando azos às diretrizes principiológicas fundadas na CF/88, ao passo que satisfaz o atendimento das incessantes aspirações sociais com a atribuição arrecadatória fiscal, em que o Estado levanta recursos para sustentar-se. E, quando ataca de interventor/mediador direto ou indireto, utiliza-se de instrumentos análogos, para obtenção dos objetivos específicos a exemplo dos já mencionados. Ressalte-se, ainda, que a natureza jurídica desse condão paralelo extrafiscal é característica singular e acessória da função essencial dos tributos, numa relação de complementação ou afago, ante a imposição e a utilização permanente desse braço forte do Estado que por vezes pesa injustamente, principalmente se afastada a devida obediência a capacidade econômica e demais preceitos que visam tão somente a proteção do contribuinte, conforme depreende-se do que fora acima demonstrado. 6 DESENVOLVIMENTO REGIONAL ASPECTOS CONSTITUCIONAIS A temática do desenvolvimento regional recebe tratamento especial no Texto Maior, cuja previsão está esparsa em toda sua extensão normativa, como objetivos da República, expressamente traduzidos nos art. 3, III e art. 170, VII. E assim dispõe a CF/88 acerca dessa matéria cuja missão precípua é de promover, através de políticas públicas, com instrumentos eficazes, capaz de transbordar ao mundo fático, esses preceitos constitucionais, que se destinam a preocupação com os ideais de igualdade, de bem-estar-social, de dignidade humana, e nesse diapasão em 2007 instituiu-se o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, através do Decreto n° 6.047/07 que cria o PNDR, perpassando por uma tentativa de “positivação” desses princípios constitucionais, e que a partir de então será o ponto de partida legal, para alcançar esses objetivos traçados em nossa Constituição. Pois bem, a saber, o PNDR traça diretrizes de consecução desses objetivos, cuja missão é de favorecer ou promover o desenvolvimento intra e inter regiões, como parte integrante e sem o qual, seria impossível alcançar os índices de desenvolvimento nacional, com ações de fomento ao desenvolvimento socioeconômico nas regiões em que naturalmente sofrem com mazelas sociais, vez que inevitavelmente acabam por ser preteridas pelos conglomerados econômicos situados nas grandes capitais do país, seja em razão do clima, da localização ou da ausência de mão-de-obra especializada.  Consoante esse cenário, algumas instituições foram manejadas no intuito de dar efetividade a essas ações, quais sejam: a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que foram extintas em momento posterior. Mas suas missões guardavam semelhança dentro do estabelecido pela nossa Lex Major e o Dec. n° 6.047/07, de promover o desenvolvimento nas regiões norte e nordeste, a favor da justiça social, do combate às desigualdades sociais e regionais, e a igualdade entre as regiões. De modo a permitir que elas também detenham capacidade e autonomia para geração de emprego e renda, tornando a economia local mais sólida e independente dos grandes centros econômicos do Brasil, reduzindo o êxodo populacional tão peculiar em tempos de ausência dessas políticas. Conforme depreende-se do afirmado no texto constitucional busca-se ainda formas de “compensações tributárias” a fim de promover a igualdade regional e estabelecer um padrão uniforme de desenvolvimento, a saber o inciso I do artigo 151 da CF/88, pelo qual "a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País". Por sua vez, são dispositivos bem como o supramencionado, que traduzem expressamente os objetivos constitucionais para com a temática e a problemática da promoção ao desenvolvimento regional.  Ou seja, alguns institutos jurídicos, obedecem, por vezes, a um viés social quando da busca pela plenitude da satisfação de necessidades específicas, cito o referido dispositivo que trata dos benefícios das isenções fiscais, que pela própria natureza atende aos critérios de capacidade econômica, razão pela qual a CF/88 permite que o legislador promova através de legislações extravagantes isenção da exação para tributos específicos, a determinados entes da administração direta e indireta, corroborando esse caráter peculiar da extrafiscalidade, que fora discutido no tópico antecedente. 7 GUERRA FISCAL E A “IMPOSIÇÃO” DE LIMITES AO DESENVOLVIMENTO DAS REGIÕES DO BRASIL  Outra problemática que merece abordagem, diz respeito a uma suposta “guerra fiscal” travada entre os entes federativos, que de uma forma ou de outra, traz consigo reflexos temerários ao desenvolvimento das regiões no Brasil.  Nesse diapasão, para alcançar o pleno desenvolvimento de uma região são necessárias uma gama de fatores que se complementem para um objetivo maior, que perpassa desde fatores econômicos, sociais, culturais etc., aspectos estruturais comungados no atingimento de metas anteriormente traçadas. A saber, no que tange aos fatores econômicos, talvez o mais preponderante, por que vive-se numa era essencialmente capitalista, e de que desse fator específico talvez derive todos os outros aspectos supra afirmados, que precisam está devidamente engendrados para o alavancar de determinada localidade, e em se tratando de desenvolvimento econômico, o setor de energias ganha tamanha notoriedade em dias atuais, no que diz respeito ao uso de tecnologias recentes, na busca por eficiência energética e desenvolvimento sustentável, e isso, de forma inequívoca, contribui para o desenvolvimento como um todo. Isso leva a perceber que, se utilizar como exemplo a busca por geração de bioenergias, produzidas através de combustíveis renováveis, um alvo incessante na corrida para o desenvolvimento de tecnologias e acima de tudo, insumos que possam de alguma forma serem extraídos biocombustíveis capazes de substituir os fósseis, que num futuro breve perecerão, pode-se avaliar a situação do Brasil nesse aspecto. Diante desse cenário o Brasil largara na frente há algumas décadas atrás com o desenvolvimento do etanol e continuou suas pesquisas até chegar nas tecnologias utilizadas atualmente, na área de produção de bioenergias como a extração do óleo da mamona, da soja e o sebo bovino, tornaram-se insumos para a produção do biodiesel, e com isso resolveria boa parte dos problemas ligados à área energética, tendo em vista o aumento da demanda, os altos custos de produção e distribuição de energia nuclear ou termelétrica e a urgente necessidade em substituir o combustível fóssil poluente (petróleo), por outros que agreguem eficiência energética e desenvolvimento sustentável. Pois bem, na contramão do resto do mundo, não houve no Brasil, ao que parece, e a julgar pelo contexto atual, um investimento considerável em fatores que pudessem favorecer e atrair investidores estrangeiros a trazer suas plantas industriais para o país, e com isso de certa forma, o Brasil fora “obrigado” a compensar essa ingerência recorrente nos últimos anos, com a ausência de políticas públicas e investimentos de infraestrutura, com a política de abertura da arrecadação, ou seja, buscou-se compensar, os fatores estruturais essenciais que não tiveram atenção devida nos anos passados. Com isso, tivera que lançar mão de mecanismos de políticas fiscais para atrair a produção de biocombustíveis para o Brasil. A saber concessões de isenções, de redução de alíquota de base de cálculo, entre outras formas de incentivos, que de alguma forma favorecessem a instalação dessa tecnologia aqui, uma vez que goza de fatores naturais e econômicos que de fato alavancariam essa produção. Entretanto, os acontecimentos recentes, tem demonstrado que foram insuficientes, tendo em vista a descontinuação de produção de biocombustíveis em alguns estados, vez que àquelas políticas de incentivos, não comtemplou a instalação à manutenção e a eventual recuperação das empresas desse segmento, o que inevitavelmente culminou na suspensão da produção em algumas regiões do Brasil, desacelerando toda aquela meta de crescimento que se iniciara com a perspectiva de continuidade da produção de bioenergias, que impulsionaria a economia naquela região em diversos segmentos, desde o plantio ou extração (no caso do sebo bovino) até a distribuição e revenda ao consumidor final, que não obstante agradaria em todos os sentidos, tendo em vista, o notório desenvolvimento local, frustrado pelos problemas já mencionados, e toda aquela política de incentivo fiscal, de perda de arrecadação na expectativa de um retorno em outros tributos agregados, fora por água abaixo, por ausência de uma macropolítica séria a longo prazo. Dito isso, deu-se margem para que os entes federativos (os estados e municípios) iniciassem por conta própria mecanismos de atratividade dessas indústrias, e daí iniciou uma corrida, talvez ainda sem fim, de conceder uma gama de benefícios em especial os fiscais, para a instalação de indústrias de produção de biocombustíveis, dando margem a concorrência entre os estados, o que se entende hoje por “guerra fiscal”, e que ao que parece, o setor privado tem-se valido dessa concorrência para barganhar com os estados, e obviamente quem oferecer as melhores condições e incentivos, levará como troféu a instalação dessas indústrias, porém, talvez esse cenário a priori se “justificaria” pela ausência de outrora não ter buscado a consecução das diretrizes constitucionalmente traçadas de desenvolvimento regional e nacional, que demandam principalmente investimentos contínuos em infraestrutura. Por isso, o que se espera é uma retomada da importante notoriedade que tinha o Brasil em matéria de biocombustíveis, e que de fato haja uma preocupação e uma integração entre os estados, de modo que seja possível o desenvolvimento destes sem que necessariamente demandem concessões absurdas em matéria fiscal dentre outras, e que de forma harmônica possam coexistir e se desenvolverem, atraindo as indústrias não só desse segmento de energias, capaz de promover um crescimento exponencial especialmente na produção de biocombustíveis, uma vez que os fatores naturais ainda nos favorecem, como já dito. E finalmente através de políticas descentralizadas de cunho fiscal, econômico, social, bem como incentivos a valorização da mão-de-obra e investimento de infraestrutura, possam estabelecer metas futuras para dar efetividade aos preceitos constitucionais, ao Plano Nacional de Desenvolvimento Regional e a sustentabilidade. 8 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SOB O PRISMA ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO  A compreensão da ideia de desenvolvimento regional requer também uma abordagem amparada em estudos de Economia. Na lição de Celso Furtado (1980, p. 15), há dois sentidos comumente utilizados para definir desenvolvimento. Segundo o autor, a primeira perspectiva está associada “à evolução de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho”, Já a segunda “relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas”. (FURTADO, 1980, p.16) O professor ainda acrescenta uma terceira dimensão, representada pela “consecução de objetivos que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos”(FURTADO, 1980, p.16).  Da convergência das três dimensões anteriormente expostas, tem-se que o desenvolvimento está intimamente relacionado ao aumento da eficácia de métodos produtivos, do que resulta um aumento do fluxo de bens e serviços para a população. Trata-se da conjugação de eficiência e riqueza. Ainda de acordo com Furtado (1980, p. 43), é a criatividade humana, o seu poder de inovar, o grande vetor do desenvolvimento, já que do incremento de produtividade proporcionado pela ação criativa é que se torna possível a acumulação de excedentes, ou seja, produtos que vão além das necessidades essenciais (1980, p.49). Feitas essas considerações, nota-se que a aplicação do princípio da capacidade contributiva deve ter em conta que àquela “expropriação” gerada por um tributo deve se dar na medida das disponibilidades dos contribuintes que integram determinada e certa região, de modo a não lhes retirar seu poder de acumulação ou dificultar a satisfação de suas necessidades essenciais. Com efeito, se o Produto Interno Bruto é a medida de fluxo de bens e serviços e, portanto, uma das principais formas de aferir o desenvolvimento, as políticas públicas que visem o progresso regional devem ser orientadas ao manejo de seus componentes, a saber: despesas de consumo, investimentos, gastos do governo e saldo positivo das transações comerciais. Isto quer dizer que tais políticas podem ser direcionadas ao consumo familiar, mas também podem estar voltadas à manutenção da máquina estatal, o que deve ser harmonizado com a função fiscal. Para a teoria econômica, contudo, o foco deve estar nas despesas de investimento. Isto ocorre porque “um acréscimo nessas despesas apresenta efeito multiplicador sobre o nível da renda, daí sua grande importância” (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 27). Dessa forma, a adoção de políticas de investimento deve considerar dois fatores: em primeiro lugar, a tributação permite ao próprio Estado investir em condições estruturais para movimentar a economia; por outro lado, limitações ao poder de tributar, como a capacidade contributiva, visam assegurar que os investidores privados mantenham seu poder de investir. Cabe, portanto, ao formulador da política de desenvolvimento regional, encontrar um ponto de equilíbrio entre as ações estatal e particular. Uma implicação da difícil busca de conciliação de interesses pode ser observada no artigo 6º, inciso VI, do Decreto n° 6.047/07, que prevê incentivos e benefícios fiscais como instrumentos de implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Fundamentado no art. 151, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dispositivo que consagra o princípio da Uniformidade Geográfica, como já dito, o mencionado artigo expressa uma política que, à primeira vista, poderia desconsiderar a capacidade contributiva. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “isenção de imposto de renda a empresa industrial, a pretexto de incrementar o desenvolvimento regional, sem qualquer consideração ao montante do lucro auferido, constitui flagrante violação do princípio da capacidade contributiva” (2015, p. 40).  Em que pese tal observação, com a qual se concorda em parte, observa-se não ocorrer a anulação do princípio em comento, visto que, nestas circunstâncias, os postulados precisam ser ponderados a fim de reparar distorções e, em última instância, o aumento no fluxo de bens e serviços proporcionados pela medida, tende a gerar incremento na arrecadação em decorrência de outros fatos geradores, o que é possível com a continuidade do processo de produção de excedentes.  Em outras palavras, a promoção do desenvolvimento gera aumento da capacidade contributiva da sociedade, que poderá ser revertida em arrecadação. Por outro lado, é importante ressalvar que o uso deste instrumento deve ser visto com prudência, já que o incentivo pode ser oferecido sem necessariamente isenção de tributo, conforme particularidades do negócio e do espaço que se deseja desenvolver, sempre em caráter transitório. 9 A CONSECUÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL  De fato, buscasse entender, como esses mecanismos tributários e econômicos podem promover o atingimento desses princípios norteadores de uma sociedade justa e igualitária, vez que esse é o objeto deste estudo, de tal maneira que prescinde a essa discussão sobre o desenvolvimento regional. Tendo em vista, a necessidade de análise da viabilidade das metas e dos objetivos traçados na CF/88, para compreender os instrumentos que se dispõem ao consectário de tais pretensões. Pois bem, sem alongar-se muito na discussão acerca da evolução histórica do conceito de justiça, pois não é objeto desse trabalho, vez que, (revela-se um tanto quanto difícil defini-la por motivos intrínsecos a sua concepção essencialmente filosófica). Leve-se em conta, que desde os primórdios, buscava-se conceituar justiça, passando pelos filósofos gregos e romanos, até chegar na idade média quando as ciências antropológicas começam a ganhar notoriedade com o marxismo e as teorias iluministas, até alcançar o mais próximo da acepção atual, com base nesses elementos içados em épocas anteriores, como assevera o referido pensador: “O sentido fundamental da justiça é o de virtude da convivência humana, respeitando-se a dignidade da pessoa. Daí, dizer que sem uma preocupação com o próximo e sem o desejo de igualdade, os fins da justiça jamais serão alcançados” (ARAÚJO, 2007). Nesse diapasão, pode-se extrair da concepção de justiça em sentido amplo, qual seja, a satisfação da pretensão individual ou coletiva que decorre dos ideais de moral e ética, além de influências das ciências antropológicas e filosóficas, se atendo a preceitos jurídico-sociais pré-estabelecidos. Pois bem, destrinchando o entendimento acerca da justiça, chegamos a satisfação da justiça social, obviamente intrinsicamente ligada a um anseio coletivo, a direitos difusos e intergeracionais, que agregam valor a vida em sociedade, dos quais são essenciais ao bem-estar desta, cujos objetivos são comuns. É, sem embargo, interesse de todos, que se promova condições básicas de vivência, a saber: os direitos à vida, à liberdade, saúde, educação, a um emprego digno, e tantos outros consagrados, na Lei Maior, e o Estado deve ser o garantidor desses fundamentais direitos, e para tanto se utiliza de instrumentos jurídicos, sociais, econômicos e tributários, e é nesse diapasão, que se enxerga a presença da capacidade contributiva engendrada na consecução da justiça social. Notadamente, satisfazer esses anseios, não é tarefa fácil, e soa um tanto quanto utópico, vez que discursos demagógicos e políticas sociais que não levam a lugar nenhum, tem sido praxe na atual conjuntura político-social do país, isso porque promover uma sensação de justiça a uma dada sociedade, significa dizer que todos têm os mesmos direitos, a tratamento igualitário, bem como acesso a todo e qualquer mecanismo que se preste a finalidade de uma vida digna, não no plano da abstração e sim de uma realidade factual, que garanta o agora e promova o amanhã. Desse modo, a própria Constituição entende a justiça social como uma meta precípua a ser alcançada, especialmente entre os capítulos que tratam da Ordem Econômica e Social, preconizado no art. 170 CF/88 donde depreende-se destes dispositivos, como por exemplo a livre iniciativa, valorização do trabalho humano, a redução das desigualdades sociais e especialmente a existência digna, a preocupação com um desígnio primordial da CF/88, em que pese, supostamente não ser tratado de maneira direta, mas está implícita no bojo dos preceitos constitucionais, e toda organização de institutos e instituições em nosso ordenamento jurídico, visam tão somente o atingimento da justiça social, atrelada as igualdades e as liberdades. Compreende-se de um ponto de vista teleológico desses princípios, cujo escopo é norteador, que eles, esses princípios, compõem um núcleo essencial do conjunto de direitos, garantias e instrumentos de alcance a justiça social que constituem preceitos básicos de satisfação, numa relação de completude, de modo que não há que se falar em justiça social, sem que sejam assegurados, por exemplo, alguns “princípios” dispostos no art. 170 da CF/88, como já dito. Portanto a efetividade dos instrumentos de políticas públicas e a observância a esses preceitos constitucionais perfazem uma estrutura na qual se alicerçam a sensação de justiça, ou seja, é o devido respeito, mas especificamente aos princípios constitucionais, que expressarão a satisfação da sociedade, que clama por justiça em sentido amplo, e exige a justiça e igualdade em seu particular, e nesse aspecto, vislumbra-se a participação do princípio da capacidade contributiva trazendo sua essência, (aqui levantada) para a consecução desses ideais, como um dos instrumentos de políticas públicas voltado especialmente para justiça social e fiscal. 10 CONCLUSÃO As considerações aqui realizadas revelam a pertinência temática desse estudo, vez que, como já mencionado, transborda ao mundo fático, especialmente por que trata sobre os avanços socioeconômicos em matéria de desenvolvimento regional, pois assim vislumbra a nossa Constituição amparada nos princípios norteadores da realização dessas metas constitucionais, a fim de viabilizar a consecução das diretrizes postas a serviço do máxime dever de alcançar o bem-estar-social. Nota-se o caráter interdisciplinar de certas problemáticas enfrentadas no Direito. De fato, para preservar o princípio constitucional da capacidade contributiva e promover o desenvolvimento regional, é necessário adotar uma visão sistêmica dos fenômenos sociais em torno dos quais são construídas políticas públicas. Reconhece-se, nesse sentido, a necessidade de amparo em demais campos do saber, como a Economia, não obstante, impossível esgotar o tema neste breve estudo. A realização plena do princípio da capacidade contributiva analisado, só ocorrerá se houver uma prévia avaliação das circunstâncias de tempo e espaço em que estão inseridos os contribuintes, de modo que se possa extrair seu nível de riqueza adequadamente e, em consequência, graduar o montante do tributo a ser pago.  A compatibilização da capacidade contributiva com as políticas de desenvolvimento regional passa, portanto, pela consideração de outros princípios igualmente válidos, como a progressividade, a proporcionalidade, a seletividade e a uniformidade geográfica além de outros, bem como da natureza extrafiscal de determinados tributos, aspectos que não inviabilizam o princípio, mas, em perspectiva mais ampla, o realizam.  Ademais, tal relevância fomenta discussões no mundo jurídico cujas opiniões doutrinárias ainda são diametralmente opostas, traduzindo os efeitos práticos dessa discussão essencialmente teórica.  Por fim, tem-se que, são de suma importância esses dispositivos constitucionais, que assumem a expressão de objetivos essenciais ao desenvolvimento regional, mas que guardam certa preocupação, na medida em que não se pode olvidar, que o legislador constituinte originário tenha demandado tanta preocupação com esse tema, mas que infelizmente por força de políticas de governos (àquelas cujas as pretensões são passageiras e partidárias) não houve implementação eficaz dessas diretrizes traçadas na CF/88. E que, portanto, fica a ressalva no tocante a necessidade premente de se revisitar essas questões, ainda pendentes de uma maior efetividade, já que os fins propostos a época ainda padecem de solução.
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Suspensão da eficácia de liminar ou sentença em mandado de segurança: um olhar para o direito tributário
Apresenta um estudo acerca do pedido de suspensão da eficácia de decisões liminares ou sentenças, proferidas contra o Poder Público em sede de mandado de segurança, ressaltando a sua utilização na área do direito tributário. Traz, primeiramente, noções acerca do mandado de segurança, de modo a possibilitar ao leitor uma melhor compreensão do requerimento de suspensão das decisões proferidas neste tipo de ação. Enfoca, também, aspectos concernentes à formação do crédito tributário, realçando a utilização do mandado de segurança como meio de suspender a exigibilidade de tributos. Analisa, em seguida, o pedido de suspensão de segurança em si, realizando estudo sobre a efetividade do processo, para, então, passar a conceituar e contextualizar, normativa e historicamente, o requerimento suspensivo de decisão proferida em sede mandamental. Ocupa-se, ao depois, de analisar a natureza jurídica do pedido de suspensão de segurança, passando, a seguir, a verificar aspectos processuais do instituto, como a legitimidade ativa, competência, prazo de ajuizamento, requisitos, procedimento, recursos e eficácia temporal da decisão suspensiva. Traça paralelo acerca da utilização do incidente de suspensão de segurança em matéria tributária. Conclui apresentando as principais considerações advindas do estudo do incidente de suspensão de segurança, notadamente aquelas relativas à sua aplicabilidade ao direito tributário como meio de proteção do interesse público.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O pedido de suspensão da eficácia da liminar ou da sentença em sede de mandado de segurança, corriqueiramente conhecido como suspensão de segurança, é tema que, conquanto apresente notável impacto nas relações jurídicas entre Estado e particular, pouco vem sendo estudado pela doutrina nacional, malgrado seja extensivamente utilizado na lida forense. De fato, a suspensão de segurança possui importância singular nas lides travadas entre a Fazenda Pública, de um lado, e os particulares, cidadãos ou empresas, de outro, exteriorizando, talvez como nenhum outro instituto processual, o embate entre o interesse privado e o interesse público. As nuances existentes no seu estudo são muitas, implicando em constantes reversões, embora transitórias, de decisões judiciais concedidas quase sempre em situações em que o direito do particular, assim como o da pessoa jurídica de direito público requerente, encontra-se a ponto de perecer. Delicada, portanto, a decisão de suspensão de segurança, que requer bom senso, sopesamento cuidadoso dos interesses conflitantes e análise fático-jurídica lúcida e pontual ante cada caso apresentado à autoridade competente para apreciá-la, o que, inobstante, não vem ocorrendo com muita frequência. Destaca-se, ademais, que o pedido de suspensão vem sendo bastante utilizado para suspender a execução de liminares concedidas em favor dos contribuintes em ações mandamentais ¾ muita vez de forma indiscriminada. Daí porque a escolha do estudo do instituto processual em comento como objeto do presente trabalho. 2.MANDADO DE SEGURANÇA: BREVES NOÇÕES Porque o pedido de suspensão da execução de decisões judiciais é intimamente ligado ao mandado de segurança, surgindo mesmo quando da criação do mencionado remédio[1]–[2], é que se torna necessário, primeiramente, tecer algumas considerações acerca deste writ[3].   É assente na doutrina que o mandado de segurança, assim como o habeas corpus, os nossos mais importantes instrumentos de jurisdição constitucional, têm suas raízes mais profundas no direito anglo-saxão, conquanto estudiosos existam que, sem negar tal afirmativa, procurem estabelecer que tais medidas, no Direito Brasileiro, tiveram particular desenvolvimento em vista da forte tradição de processo interdital aqui existente, advinda, ainda, dos tempos de Colônia[4]. Contudo, embora as origens remotas do mandado de segurança, com suas características de executoriedade imediata, remontem mesmo aos interditos do Direito Romano, o writ só surgiu no Direito Brasileiro com a promulgação da Carta Política de 1934, muito embora a discussão acerca da necessidade de sua criação já estivesse bastante amadurecida. De fato, em virtude da interpretação extensiva que se estava dando ao habeas corpus, desviando-o de sua função clássica de tutela da liberdade física do indivíduo ¾ mesmo após a reforma constitucional de 1926, que inviabilizou o seu uso para fins não estritamente penais ¾, clamava-se pela criação daquilo que viria a ser denominado de mandado de segurança, de modo a proteger os direitos individuais ofendidos pela Administração Pública por ilegalidade ou abuso de poder. Dessa forma, em 1934, através da Constituição Federal (art. 133, § 33), foi incorporado ao nosso direito positivo a figura do mandado de segurança, não tendo figurado da Lei Fundamental de 1937 ¾ outorgada durante o Estado Novo ¾, conquanto mantivesse-se no plano infraconstitucional pela Lei n.º 191/36, com as restrições do Decreto-lei n.º 6, de 16-11-1937. As Cartas seguintes, de 1946, 1967, 1969 e 1988, restituíram ao mandado de segurança o seu caráter constitucional, sendo, inclusive, nesta última, erigido ao patamar de garantia constitucional individual e coletiva (art. 5.°, LXIX e LXX), o que reforçou a sua importância. No nível infraconstitucional, afora a já citada Lei n.º 191/36, que teve vida curta, porque revogada pelo Código de Processo Civil de 1939, cujos arts. 319 e ss. tratavam do processamento do mandado de segurança, tem-se que o remédio constitucional sub examine era disciplinado, basicamente, pela Lei n.° 1.533, de 31-12-1951, com as alterações nela realizadas, sendo de suma importância, também, a Lei n.° 4.348/64. Além destas, as Leis n.°s 2.770/56 e 5.021/66 agasalhavam regras processuais importantes para a aplicação prática da ação mandamental, do mesmo modo que a Lei n.º 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público. Já neste século, a Lei n.º 12.016, de 7-8-2009, veio trazer novo regramento ao mandado de segurança, individual e coletivo, revogando, dentre outras, as Leis n.ºs 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66. Feitas estas ligeiras anotações acerca do histórico do mandamus[5], mostra-se adequado conceituar o instituto em si mesmo. Tendo em conta as disposições constitucionais e legislativas delineadoras do instituto, Hely Lopes Meirelles, em obra clássica[6], o define como “o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (…)”. O conceito acima apresentado comporta desdobramentos tais como a legitimidade ativa (estendida após 1988 também para os entes que defendem a tutela de interesses metaindividuais) e passiva na ação mandamental, o objeto do writ (correção de ato ou omissão ilegal e ofensivo de autoridade) e o direito por ele protegido (líquido e certo). Quanto a este último, aliás, recorrendo uma vez mais às lições do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles[7], tem-se que “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1.533). é um conceito impróprio ¾ e mal-expresso ¾ alusivo a precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito.” Conclui-se, portanto, que nem todo direito lesado ou em via de o ser pode ser garantido pelo mandado de segurança, que, por ser ação civil de rito sumário e especial, demanda a presença de pronta comprovação da ofensa perpetrada pela autoridade administrativa coatora, e mais, da ilegalidade do seu ato (prova pré-constituída das situações e fatos que alicerçam o direito do impetrante). Uma vez que no presente trabalho não se objetiva traçar estudo aprofundado da ação mandamental, mas, tão-somente, tecer breves anotações a respeito da mesma, até como meio de possibilitar uma melhor compreensão do instituto da suspensão se segurança, entende-se por bem deixar de lado a análise de aspectos processuais importantes, tais como: cabimento do mandamus; prazo para impetração; competência para o seu conhecimento; partes; procedimento; recursos etc. Em verdade, apesar de se optar pela não realização de estudo sistemático dos aspectos acima citados, alguns deles, senão todos, sempre que necessário, serão pontualmente analisados no desenrolar do trabalho. Outrossim, pela sua importância para o presente estudo e mesmo para o mandado de segurança, cabe destacar que a medida liminar concedida para suspender ato ilegal ou praticado com abuso de poder pela autoridade impetrada (art. 7.º, III, Lei n.° 12.016/09) integra, ao nosso ver, a própria garantia constitucional do mandamus. Com efeito, face à lesão ou perigo de lesão imediata a direito líquido e certo existente nos writs, a medida liminar é instrumento de suprema importância para evitar o perecimento daqueles e, consequentemente, a total ineficácia da segurança pleiteada. O professor Antônio Cláudio da Costa Machado[8], com propriedade, leciona que: “a imediata suspensão do ato atacado, aqui prevista, coloca em evidência o fato de que tal providência tem caráter antecipatório, satisfativo ou inovativo ¾ tudo isso é a mesma coisa ¾, posto que: a suspensão projetada para a sentença ocorre antes mesmo da notificação da autoridade (daí, a antecipatoriedade); a suspensão imediata significa a própria satisfação do direito invocado pelo impetrante, ainda que provisoriamente (daí a satisfatividade); a pronta suspensão do ato representa imediata alteração do quadro fático (daí, a inovatividade). Além disso, afigura-se-nos extremamente interessante observar, sob a ótica do direito processual civil, que a liminar em mandado de segurança, paralelamente ao seu caráter antecipatório, possui evidente natureza cautelar, na medida em que se exige para a sua outorga a presença do requisito do periculum in mora ¾ assim tem entendido franca e majoritariamente os nossos tribunais ¾, requisito este que corresponde ao elemento nuclear, à condição essencial e ao pressuposto ontológico das providências acautelatórias. É que onde há pressuposição de periculum in mora (perigo de que a demora na outorga da providência definitiva acarrete dano irreparável ou de difícil reparação), imposta pela lei para à [sic] concessão de um ato judicial, aí se localiza uma medida cujo escopo é a própria neutralidade do periculum, que corresponde ao bem da vida perseguido pelo requerente da cautelar”. (Grifos nossos). É fácil concluir que a medida liminar no mandado de segurança é mesmo um apêndice deste remédio constitucional, existente para garantir a pronta efetividade das garantias por ele amparadas, e, embora prevista apenas em lei ordinária, no já citado art. 7.°, III, da Lei n.° 12.016/09, é, segundo Eduardo Arruda Alvim[9], "imperioso entender-se que a liminar em mandado de segurança possui status constitucional, e, sendo assim, não pode ser acutilada por leis infraconstitucionais”. Dito isso, é momento de voltar-se para o estudo da utilização do mandamus na área tributária, assunto do qual nos ocuparemos adiante. 3.MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA 3.1. IMPORTÂNCIA  Como já visto acima, o mandado de segurança é ação constitucional de garantia dos direitos fundamentais das pessoas, físicas ou jurídicas, ante atos ou omissões de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica que exerça funções do Poder Público, praticados com ilegalidade (atos vinculados) ou abuso de poder (atos discricionários) e que lhes violem ou ameacem violar direito líquido e certo. Ora, uma das áreas em que há mais “contato” entre particulares e a Administração é, sem dúvida, a tributária. O Estado necessita de arrecadar tributos para manter-se e tais tributos são, obviamente, cobrados de particulares, cidadãos e empresas, que são os contribuintes. A relação entre Fisco e contribuintes, como é de geral sabença, não é das mais pacíficas, posto que o conflito de interesses existente entre quem paga e que arrecada tributos é evidente. Em um sistema tributário complexo ¾ e confuso ¾ como o brasileiro então, repleto de normas de todos os graus hierárquicos ¾ por vezes conflitantes ¾ e diferentes em cada ente federativo, dá para se imaginar que o choque entre Fazenda e contribuintes é ainda maior, senão constante. Não raro, tal conflito de interesses necessita de intervenção jurisdicional, se transformando em lide, mormente no exemplo brasileiro, onde a voracidade do Fisco é notória. Normalmente é o contribuinte, parte mais fraca da relação, quem recorre ao Judiciário, utilizando-se de uma das chamadas ações tributárias, quais sejam: os embargos à execução fiscal; a ação declaratória de inexistência de obrigação tributária; a ação de nulidade de lançamento; e, o próprio mandado de segurança. Porém, o mandamus, dado mesmo à sua natureza constitucional, à possibilidade de suspensão liminar do ato abusivo[10], à celeridade de seu procedimento e à característica mandamental da decisão nele proferida, que é auto-executável, tornou-se, na lúcida lição de Erik Frederico Gramstrup[11], “a ação tributária por antonomásia, pelo menos sob a ótica do contribuinte”. Não se pode olvidar, ainda, que, a contribuir para a larga utilização do mandado de segurança na área tributária, tem-se que o ato de lançamento, conforme Eduardo Arruda Alvim[12], “é vinculado e obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional (art. 142, par. ún., do CTN), permitindo um amplo controle pela via do mandado de segurança”. 3.2. OBRIGAÇÃO, CRÉDITO E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIOS Conquanto o mandado de segurança não se preste na área tributária apenas para suspender a exigibilidade do crédito tributário (v.g. impetração de mandamus para liberação de mercadorias irregularmente apreendidas pelo Fisco), julga-se necessário escrever algumas linhas acerca do lançamento tributário, ato contra o qual o writ é utilizado à larga. Como se sabe, a obrigação tributária principal (art. 113, § 1.°, CTN), isto é, a obrigação patrimonial do contribuinte de pagar um determinado tributo, surge da ocorrência de um fato ou situação previsto em lei capaz de ensejar tal efeito (fato gerador ou fato imponível). Existe, também, a obrigação tributária acessória (art. 113, § 2.°), consistente numa obrigação de fazer ou não fazer a que está sujeito o contribuinte e que, se não cumprida, converte-se em principal, podendo ser exigida como se tributo fosse (art. 113, § 3.°). Porém, a existência da obrigação tributária não dá ao Estado o direito de exigir do contribuinte o pagamento do tributo. É mister, para tanto, que seja constituído o crédito tributário, através do procedimento vinculado denominado lançamento, que, no magistério de Hugo de Brito Machado[13], é ato “constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente”. 3.3. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Após a constituição do crédito tributário via lançamento, o mesmo, na lição de Hugo de Brito Machado[14], “somente se modifica, ou se extingue, ou tem a sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos em lei”. Interessa-nos particularmente a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, que faz com que o contribuinte fique, temporariamente, protegido contra atos de cobrança por parte do Fisco. A liminar em mandado de segurança, como já se disse, é uma das causas suspensivas previstas no art. 141, do Código Tributário Nacional (CTN). Neste particular, concorda-se, aliás, com a afirmação de Luciano Amaro[15] de que “[e]m rigor, não seria necessário prever, no Código Tributário Nacional, que a liminar suspende a exigibilidade do crédito tributário, já que isso é decorrência da força mandamental do despacho que a concede.”  Isso porque entendo, como já restou aqui registrado, que a liminar em mandado de segurança possui, também ela, status constitucional, e representa, numa garantia do porte do writ of mandamus, instituto que não demandaria previsão legal expressa para se ver cumprida em caso de possível lesão a direito líquido e certo do contribuinte, devidamente analisado em juízo preliminar pelo magistrado, quanto mais quando apresenta evidente característica de autoexecutoriedade. 3.4. IMPETRAÇÃO PREVENTIVA ANTERIOR AO LANÇAMENTO O mandado de segurança pode ser impetrado de maneira preventiva com ensejo a evitar lesão a direito líquido e certo. Assim, anteriormente ao próprio lançamento tributário, pode o contribuinte impetrar ação mandamental visando resguardar o seu direito. Ora, imagine-se a hipótese de criação de obrigação tributária inconstitucional. Por óbvio que diante da flagrante ilegalidade do novo tributo o contribuinte não vai quedar-se inerte até o momento da constituição do crédito. Há, nesse caso, o que a doutrina chama de justo receio de lesão ao seu direito líquido e certo, até mesmo porque a atividade de lançamento é vinculada e obrigatória para a autoridade fiscal. Assim, fundado no justo receio de lesão ao seu patrimônio, e fulcrado em provas da ameaça existente ¾ em razão da presunção de legalidade dos atos administrativos ¾, poderá o contribuinte impetrar mandamus visando resguardar o seu direito. A respeito do tema, julgo importante transcrever o magistério de Hugo de Brito Machado[16]: “Especificamente em matéria tributária, para que se torne cabível a impetração de mandado de segurança preventivo, não é necessário esteja consumado o fato imponível. Basta que estejam concretizados fatos dos quais logicamente decorra o fato imponível. Em síntese e em geral, o mandado de segurança é preventivo quando, já existente ou em vias de surgimento a situação de fato que ensejaria a prática do ato considerado ilegal, tal ato ainda não tenha sido praticado, existindo apenas o justo receio de que venha a ser praticado pela autoridade impetrada. É preventivo porque destinado a evitar lesão ao direito, já existente ou em vias de surgimento, mas pressupõe a existência da situação concreta na qual o impetrante afirma residir ou dela recorrer o seu direito cuja proteção, contra a ameaça de lesão, está a reclamar do Judiciário. (…) Em tais condições, é viável a impetração de mandado de segurança preventivo. Não terá o contribuinte de esperar que se concretize tal cobrança. Nem é necessária a ocorrência de ameaça dessa cobrança. O justo receio, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade administrativa de lançar o tributo, impor as penalidades e de fazer a cobrança respectiva. A autoridade administrativa não pode deixar de aplicar a lei tributária, ainda que a considere inconstitucional. E não é razoável presumir-se que vai descumprir o seu dever.” 3.5. SENTENÇA EM MANDADO DE SEGURANÇA TRIBUTÁRIO A sentença concessiva de segurança possui, segundo a doutrina, natureza mandamental, ou seja, “[e]la ordena, manda, não se limitando a condenar”, conforme Kazuo Watanabe[17]–[18]. Quer isso dizer que a sua execução se dá de maneira singular, sem a necessidade de ajuizamento de nova ação, desta feita executiva, para que se a dê cumprimento. De fato, a simples remessa de ofício à autoridade coatora constitui-se na sua “execução”, sendo certo que o impetrado a terá de cumprir sob pena de configuração de delito penal. Transitada em julgado a sentença favorável ao contribuinte extingue-se o crédito tributário, a teor do disposto no art. 156, X, do Código Tributário Nacional. De outro bordo, a sentença denegatória da segurança almejada pelo contribuinte é declaratória negativa de sua pretensão, afirmando, tão-somente, inexistir direito à ordem impetrada. Por tal razão, aliás, retroage a mesma para cassar, ou melhor, extinguir na origem, a liminar eventualmente deferida em favor do impetrante (Súmula 405 do STF)[19].  Dessarte, segundo Meirelles[20], denegada a segurança, “voltam as coisas ao status quo ante. Assim sendo, o direito do Poder Público fica restabelecido in totum para a execução do ato [no caso, cobrança do tributo] e de seus consectários, desde a data da liminar”[21]. 4.SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 4.1. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E EFETIVIDADE MANDAMENTAL Já restou aqui delineado que a decisão concessiva de segurança, ainda que em sede de liminar, possui natureza de ordem, de mandamento, que demanda o seu imediato cumprimento por parte da autoridade impetrada. O mandado de segurança, portanto, é uma ação que, devido mesmo à sua natureza constitucional, empresta grande efetividade às decisões judiciais nele proferidas, e, como se sabe, a sociedade, assim como os operadores do Direito, rogam, nestes tempos de descrença no Judiciário, justamente pela efetividade do processo. Ou seja, não basta apenas ter julgada procedente a sua pretensão, é necessário vê-la cumprida. A respeito, aliás, o professor Luiz Guilherme Marinoni[22], afirma que: “os processualistas modernos abandonaram a ideia de que o direito de acesso à justiça, ou do direito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito. Esse modo de ver o processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que pairam sobre as cabeças dos processualistas ligados ao tema da ‘efetividade do processo’, que traz em si a superação da ilusão de que o processo poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material.” Pois bem. Diante destas constatações alusivas à grandeza constitucional do mandamus e à efetividade das decisões concessivas nele proferidas, é que surge a necessidade de se debater acerca do pedido de suspensão da eficácia de tais decisões, posto que se trata de meio de privação do impetrante em ver garantido, de imediato, o seu direito líquido e certo. De fato, o requerimento de suspensão de segurança constitui-se, segundo Gleydson Kléber Lopes de Oliveira[23], em “meio processual restritivo à eficácia do writ” inicialmente previsto no art. 4.°, da Lei n.° 4.348, de 26 de junho de 1964, que ¾ editada em meio à convulsão político-institucional advinda do Golpe Militar de 31 de março ¾, “surgiu no cenário brasileiro com o claro objetivo de restringir ou limitar o poder concedido pela Lei de Mandado de Segurança (Lei n. 1.533/51) à magistratura de primeira instância”, nas precisas palavras do professor Antônio Cláudio da Costa Machado[24]. Com efeito, referida lei (4.348/64), além de ressurgir[25] o instituto do pedido de suspensão de segurança, instituiu em favor das pessoas jurídicas de direito público, privilégios processuais outros, como, por exemplo, a vedação da concessão de liminares objetivando a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou aumento ou extensão de vantagens de caráter pecuniário (art. 5.°), assim como a limitação temporal à eficácia de medida liminar em mandado de segurança (art. 1.°, b)[26]. Posteriormente, através da edição de sucessivas medidas provisórias[27], o pedido de suspensão da execução de decisões judiciais ganhou força redobrada ¾ apesar de não mais estarmos vivendo em um regime de exceção ¾, inclusive com a possibilidade de formulação de novo pedido de suspensão para o presidente do tribunal hierarquicamente superior acaso negado o primeiro pleito no tribunal a quo. Ou seja, criou-se a possibilidade de fazer-se um pedido de suspensão do pedido de suspensão, se assim se pode chamar, ao qual a doutrina denominou de requerimento de suspensão per saltum[28]. Com a edição da nova Lei do Mandado de Segurança (12.016/09), o pedido de suspensão restou disciplinado no seu art. 15, que manteve, apenas com alguns acréscimos no caput, a redação do revogado art. 4.º da Lei n.º 4.348/64. As alterações no pedido de suspensão levadas a termo pelas medidas provisórias, como a ampliação de suas hipóteses de cabimento, permaneceram na Lei n.º 12.106/09. A efetividade imediata das decisões mandamentais, assim, resta detida pela suspensão da segurança, que veio, conforme Antonio Cláudio da Costa Machado[29], como mais uma forma de se estabelecer certa “contenção de decisões judiciais que possam paralisar ou, pelo menos, comprometer o desempenho das funções estatais administrativas”, realçando a primazia do interesse público sobre o privado. 4.2.  CONCEITO, PREVISÃO NORMATIVA E HISTÓRICO O pedido de suspensão da execução da decisão liminar e de sentença concedida em sede de mandado de segurança contra o Poder Público encontra-se previsto, como já se disse, no art. 15 da Lei n.º 12.016/09[30], que assim vaticina: “Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.  § 1o Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.  § 2o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.  § 3o A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.  § 4o O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.  § 5o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”  O revogado art. 4.º da Lei n.º 4.348/64 (com as inclusões dos §§ 1.º e 2.º realizada pela MP n.º 2.180-35/2001) tinha redação semelhante: “Art. 4.° Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, o presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo sem efeito suspensivo, no prazo de 10 (dez) dias, contados da publicação do ato. § 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.           § 2º Aplicam-se à suspensão de segurança de que trata esta Lei, as disposições dos §§ 5.º a 8.º do art. 4.º da Lei n.º 8.437, de 30 de junho de 1992.” Antes da norma acima transcrita, já dizia o art. 13 da Lei n.° 1.533/51: “Art. 13. Quando o mandado fôr concedido e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo de petição para o tribunal a que presida.”[31] Mais recentemente, o art. 25, caput, da Lei n.° 8.038, de 28-5-1990 (Lei de Recursos), também dispôs acerca da suspensão de segurança: “Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, competente ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais dos Estados e do Distrito Federal.” Dessa feita, se conclui que o requerimento de suspensão de segurança constitui-se, como já mencionado, em instituto processual que visa preservar o interesse público, ou seja, o interesse da coletividade, frente ao interesse particular, de modo mesmo a garantir uma ordem social estável, finalidade precípua do Direito. Como aqui já se afirmou, a história do pedido de suspensão de segurança no Direito Brasileiro está intimamente ligada ao desenvolvimento do mandado de segurança. Contudo, Marcelo Abelha Rodrigues sugere que o instituto em apreço possui raízes bem mais profundas, ainda no Direito Romano, na figura da intercessio[32], caracterizada pelo veto de um magistrado à decisão de um outro juiz, suspendendo a execução da mesma. Referido autor, aliás, para sustentar sua tese, faz relevante observação ao comparar o pedido de suspensão de eficácia das decisões proferidas contra o Poder Público do direito pátrio com institutos semelhantes existentes na legislação de outras nações, inclusive ressaltando sua ocorrência em países que adotam tanto a civil law quanto a common law[33].  No Brasil, na evolução da legislação relativa ao mandamus, o instituto da suspensão de segurança sempre esteve presente, pois o art. 13 da Lei n.º 191/36 já o previa de maneira bastante aproximada à da norma ora em vigor, inclusive especificando as hipóteses de seu cabimento (a proteção da economia pública não era uma delas). O Código de Processo Civil de 1939, revogando a lei supramencionada, tratou, no seu art. 328, do pedido de suspensão de segurança até o advento da Lei n.° 1.533/51, cujo art. 13, já citado acima, se ocupou do instituto processual sub examine. O art. 13 da Lei n.º 1.533/51, no entanto, não falava da suspensão da liminar concedida no writ ¾ o que, conforme Marcelo Abelha Rodrigues[34], “não criou dificuldades para a doutrina e a jurisprudência estenderem o dispositivo às liminares concedidas no mandado de segurança” ¾, bem como deixava de mencionar as hipóteses que dariam guarida ao requerimento de suspensão da decisão judicial. Para suprir tais imperfeições do art. 13 da Lei n.° 1.533/51, assim como para restringir a utilização de liminares em sede mandamental ¾ como já restou salientado neste trabalho ¾, é que surgiu a Lei n.° 4.348/64, cujo art. 4.° tratou do instituto da suspensão de segurança, expandindo, inclusive, as hipóteses de sua utilização ao acrescer a proteção à economia pública, ao lado da saúde, segurança e ordem públicas, como um dos bens por ele protegidos. A Medida Provisória n.º 1984-13 e suas sucessivas reedições (até a MP n.º 2.180-35/01) ampliaram, como já se disse alhures, as hipóteses de cabimento da suspensão de segurança, sendo tais modificações agasalhadas pelo texto da Lei do Mandado de Segurança ora em vigor (12.016/09), que revogou as disposições das Leis n.º 1.533/51 e n.º 4.348/64. 4.3. NATUREZA JURÍDICA Cumpre observar, de início, que o pedido de suspensão de segurança não impede, ao nosso ver[35], que a Fazenda Pública, que se julga lesada pela decisão judicial que lhe foi desfavorável, interponha o competente recurso para revertê-la (agravo, no caso de liminar; apelação ou recurso ordinário para a sentença ou acórdão). O § 3.º do art. 15 da Lei n.º 12.016/09 deixa bem claro, aliás, que "[a] interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido a que se refere este artigo." Diante disso, e tendo em conta o princípio da singularidade (ou unicidade, ou ainda unirrecorribilidade) dos recursos, pelo qual de cada decisão judicial recorrível é cabível apenas um único tipo de recurso, já se constata que o pedido de suspensão de segurança não tem natureza recursal. Mais: não há, no pedido de suspensão de segurança, pleito visando à reforma da decisão que se pretende suspender, até mesmo porque, a teor do disposto no art. 15, caput, da Lei n.° 12.016/09, o presidente do tribunal a quem cabe analisar o requerimento sob foco não pode adentrar no meritum causae da decisão de inferior instância. Em suma, segundo a Ministra Ellen Gracie Northfleet[36], “o que ao Presidente é dado aquilatar não é a correção ou equívoco da medida cuja suspensão se requer, mas a sua potencialidade de lesão a outros interesses superiormente protegidos.” Marcelo Abelha Rodrigues[37] salienta, ainda, que, do pedido de suspensão de segurança “estão ausentes a tempestividade, o preparo, a tipicidade, a devolutividade, a legitimidade, a competência etc.” Logo depois, afirma, corroborando com o que já expusemos acima, que: “Nunca é demais repetir que o pedido de suspensão requerido ao presidente do tribunal não pretende a reforma ou anulação da decisão, o que significa dizer que, mesmo depois de concedida a medida, o conteúdo da decisão permanecerá incólume. As razões para se obter a sustação da eficácia da decisão não está no conteúdo jurídico ou antijurídico da decisão concedida, mas na sua potencialidade de lesão ao interesse público.”[38] Tampouco se nos parece constituir-se o pedido de suspensão de segurança numa ação, conquanto existam respeitáveis posições doutrinárias neste sentido[39]. A Ministra Ellen Gracie[40], apesar de julgar que o pedido de suspensão de segurança não se constitui em recurso ou ação, defende que sua natureza é administrativa, pois “a Presidência [do tribunal] exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extra-jurídicas. Porque não examina o mérito da ação, nem questiona a juridicidade da medida atacada, é com discricionariedade própria de juízo de conveniência e oportunidade que a Presidência avalia o pedido de suspensão.” Entretanto, como bem destaca Marcelo Abelha Rodrigues, a natureza administrativa do pedido de suspensão de segurança não pode prevalecer, mormente porque, “ao conferir gênese administrativa ao ato do presidente estaríamos admitindo que poderia um ato administrativo sobrepor-se a um ato jurisdicional, até mesmo para retirar-lhe a eficácia. Seria, em outras palavras, além de admitir que uma decisão judicial pudesse ser descumprida por uma decisão administrativa, que esta última tivesse força bastante para sustar a eficácia de uma decisão judicial. Em última análise, estaríamos dizendo que o controle da eficácia do ato jurisdicional estaria ao sabor de um ato administrativo!”?  A corrente mais aceita, e à qual nos filiamos, entende, no entanto, que o requerimento de suspensão da eficácia das decisões proferida contra o Poder Público possui natureza de incidente processual[41]. Com efeito, o sempre citado Marcelo Abelha Rodrigues[42], leciona que: “[…]. O fato de  não pretender [o pedido de suspensão da segurança] a revisão da decisão, e não se confundir com o mérito da causa principal, apenas se lhe afasta a natureza de recurso e de ação, respectivamente, todavia, não se lhe retira a natureza típica de incidente processual. Assim, para concluir, ratificamos que o pedido de suspensão de execução de decisão judicial é figura própria, sendo típico incidente processual voluntário, não suspensivo do processo que se manifesta por intermédio de uma questão que surge sobre o processo em curso. Pelo fato de ser acessório e secundário depende da existência do processo principal, e, como já ressaltado alhures, possui induvidosa finalidade preventiva. “ 4.4. LEGITIMIDADE  ATIVA Da leitura do art. 15 da Lei n.° 12.016/09, se observa que legitimada primeiramente para requerer a suspensão de segurança é a pessoa jurídica de direito público interessada, ou seja, aquela a quem a decisão vá afetar, isto é, que suportará os efeitos do decisum. A autoridade coatora impetrada não possui legitimidade para manejar o incidente de suspensão de segurança. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias e fundações são legitimados para promover o incidente de suspensão de segurança. Mais recentemente, no entanto, vem se desenvolvendo o entendimento de que “desde que caiba mandado de segurança, caberá o pedido de suspensão”.[43] Desta forma, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e até mesmo as empresas privadas prestadoras de serviços públicos podem, também, requerer a suspensão das decisões proferidas em sede mandamental, desde que presentes os requisitos para tanto. Hely Lopes Meirelles[44], aliás, lembra que “não só a entidade pública como, também, o órgão interessado têm legitimidade para pleitear a suspensão”. De fato, tem-se aceito pedidos de suspensão de segurança formulados por órgãos não personificados, como as Mesas das Assembleias Legislativas e os Tribunais de Conta.[45] De toda forma, a extensão da legitimidade ativa para a promoção do incidente de suspensão de segurança ainda é matéria não pacificada, devendo ser ressaltado que as pessoas jurídicas de direito privado acima mencionadas, bem como os órgãos não personificados, só podem manejar o instituto processual em exame quando a medida que se visa suspender se relacione intimamente com o interesse público. Outrossim, apraz ressaltar que também o parquet possui legitimidade para requerer a suspensão de segurança de decisão proferida no writ. Com efeito, já no regime da Lei n.º 4.348/64, cujo art. 4.º não atribuía legitimidade ao Ministério Público para pedir a suspensão de segurança, admitia-se o manejo do incidente por tal órgão, tendo em conta que referida instituição tem, por força do art. 127, da Constituição Federal, o dever de zelar pela preservação do interesse público[46]. Diante disso, a cabeça do art. 15 da nova Lei do Mandado de Segurança veio expressamente admitir que o pedido de suspensão de segurança seja aviado pelo Ministério Público. Cabe frisar, ademais, que pode ocorrer de mais de uma pessoa possuir legitimidade ativa para propor o pedido de suspensão de segurança. De fato, como destaca Marcelo Abelha Rodrigues[47], “nada impede que a execução da decisão legitime mais de uma pessoa jurídica de direito público, desde que elas possuam posição legitimante diante do interesse público atingido pela decisão.” 4.5. COMPETÊNCIA Autoridade competente para conhecer do pedido de suspensão de segurança é o presidente do tribunal ao qual couber o julgamento do recurso contra a decisão que se visa suspender. Assim, se a decisão for proveniente da primeira instância, competente será o presidente do Tribunal de Justiça do Estado ou do Distrito Federal ou do Tribunal Regional Federal, conforme o mandamus trate de matéria da competência da Justiça Estadual ou Federal.[48] Acaso a decisão concessiva se dê em única ou última instância, ou seja, já na corte de justiça, por relator, liminarmente, ou pelo órgão colegiado, o pedido de suspensão de segurança deve ser dirigido à Presidência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, conforme a matéria tratada abranja ou não aspecto constitucional (art. 25 da Lei de Recursos). Assim, na lição de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[49], “[…] a decisão proferida pelo relator em tribunal de justiça, por ser interlocutória, pode ser impugnada, e cassada, via recurso de agravo inominado dirigido ao órgão colegiado, sem que fique configurada a usurpação de competência do tribunal superior. Além da interposição de agravo dirigido ao órgão colegiado do tribunal local, pode ser suscitado perante o STF ou STJ, conforme a natureza do fundamento, o incidente de suspensão. Dessa forma, em face de decisão que defere medida liminar em mandado de segurança de competência originária de tribunal de segunda instância, são cabíveis o recurso de agravo inominado ao órgão colegiado do próprio tribunal e o incidente de suspensão dirigido ao STF ou ao STJ, conforme a natureza do fundamento.”[50] 4.6. PRAZO A lei não estabelece prazo para a propositura do incidente de suspensão de segurança. Assim, a qualquer tempo pode a pessoa jurídica de direito público interessada ou o Ministério Público postular a suspensão da eficácia da decisão prejudicial ao interesse público. Contudo, tendo em vista que o instituto processual em apreço, como meio preventivo que é, presta-se para resguardar o interesse público ameaçado de grave lesão, é óbvio que deve ser requerido com a maior urgência possível, até mesmo para robustecer o pleito, posto que, se a medida que se pretende ver suspensa já estiver gerando efeitos de há muito, torna-se bastante difícil acreditar que a mesma cause prejuízo de tal monta à saúde, à segurança, à ordem ou à economia públicas para ser paralisada. Isso não significa dizer, entretanto, que a suspensão de segurança não possa ser requerida quando a execução da medida judicial já estiver em curso. Pelo contrário, isso é possível, sim, muito embora doutrinadores haja que entendam de maneira diversa[51]. Apenas se quer dizer que a suspensão de segurança, em casos tais, se tornará, por razões óbvias, mais difícil, até porque o ente de direito público interessado terá mais dificuldade para demonstrar o periculum in mora. 4.7. REQUISITOS Como já alhures ressaltado, o pedido de suspensão de segurança de decisão judicial pode ser formulado desde que se encontre em risco de grave lesão o interesse público, nas hipóteses de ofensa à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Como se vê, a decisão a respeito da suspensão, ou não, da decisão de instância inferior envolve algum subjetivismo, pois o que, por exemplo, pode ser caracterizado como ordem pública?[52] De todo modo, à parte as interpretações dadas às hipóteses previstas na lei, o que os tribunais vêm entendendo é que, demonstrada pela pessoa jurídica de direito público a possibilidade de lesão aos valores fundamentais tutelados acaso se dê cumprimento à decisão judicial, deve esta ter sua execução suspensa. Assim, o mérito da decisão que se pretende suspender não é examinado pelo presidente do tribunal, cujo juízo de cognição se restringe tão-somente à análise política de possível ofensa ao interesse público em se dando cabo ao decisum atacado, mesmo que este tenha sido proferido em consonância com a ordem jurídica. Defende-se, então, que a correção ou não da decisão somente pode ser analisada pela via recursal própria.[53] Contudo, corrente doutrinária há que rechaça a ideia de impossibilidade absoluta de ampliação da cognição no exame do pedido de suspensão. Com efeito, Cassio Scarpinella Bueno[54] defende que a suspensão da eficácia da decisão deve ocorrer tão somente se esta for injurídica. Ou seja, além dos requisitos acima elencados, a pessoa jurídica de direito público necessitaria de provar “a injuridicidade (ilegitimidade) do ato judicial praticado em benefício do impetrante.” No mesmo sentido leciona Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[55]: “[…], é cediço que o interesse, para ser público, tem que estar em consonância com a ordem jurídica, de forma que a cognição do órgão do Poder Judiciário deve recair, também, sobre a plausibilidade jurídica do pedido e dos respectivos fundamentos no incidente de suspensão. Não há interesse público que não esteja arrimado na norma jurídica. Por conseguinte, deve o presidente do tribunal analisar se a decisão a que se visa suspender foi proferida em consonância com a ordem jurídica vigente, de modo que somente é lícito suspendê-la, desde que verifique a sua antijuridicidade e a presença do risco de lesão aos valores fundamentais (segurança, ordem, saúde e economia públicas).” Eduardo Arruda Alvim[56] destaca, aliás, que “não se pode suspender os efeitos de decisão liminar ou de sentença, sem apreciar a legalidade da decisão que se pretende ver suspensa. Assim, a pessoa jurídica de direito público interessada não poderá pedir a suspensão, salvo se estiver em pauta interesse, pelo menos aparentemente, legalmente protegível. É absurdo concluir que a lei proteja aquilo que o Judiciário já deu por ilegal se o tribunal nem ao menos vislumbrou ilegalidade.” Com razão os insignes processualistas. De fato, acaso se entenda que os requisitos para a suspensão de segurança são apenas políticos, e não jurídicos, concluir-se-á que o incidente em estudo não foi recepcionado pela Carta Magna de 1988, porquanto o mandamus é uma garantia constitucional, cuja efetividade não pode ser tolhida por uma norma infraconstitucional, a não ser que a decisão proferida em favor do impetrante seja flagrantemente antijurídica. Deve então, ser realizada uma interpretação do incidente de suspensão de segurança conforme à Constituição Federal, de forma a compatibilizá-lo com o texto Magno[57], que garante ao cidadão o direito de obter do Judiciário uma decisão justa e pautada em elementos jurídicos. O incidente de suspensão de segurança é, assim, um plus que se franqueia às pessoas jurídicas de direito público no afã de estabelecer a proteção do interesse público. Mas nem por isso tal objetivo pode ser alcançado sem que se prove que a decisão objeto do incidente está incorreta,[58] “[d]o contrário, estar-se-ia reduzindo por demais o espectro de abrangência da garantia constitucional do mandado de segurança, o que não pode ser feito nem por emenda constitucional”, nas palavras de Eduardo Arruda Alvim.[59] Ouso acrescer, ainda, aos requisitos autorizadores do pedido de suspensão de segurança o fato de que o seu deferimento está condicionado à proteção do interesse público dito primário. De fato, tem se desenvolvido no Brasil a teoria, lançada pela doutrina italiana, notadamente através de Renato Alessi, de que existem dois tipos de interesse público ¾ por vezes coincidentes, por vezes antagônicos: o primário, que é o interesse público propriamente dito, pertinente à sociedade como um todo; e, o secundário, atinente à pessoa jurídica de direito público enquanto ente personalizado, sendo interesse individual do Estado.  A propósito, o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[60], com o brilhantismo peculiar de sua pena, ensina que: “[…], a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano, este, que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo com quaisquer interesses da entidade que representa o todo (isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno).  […] É que, além de subjetivar estes interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extra-jurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. […]. Esta distinção a que se acaba de aludir, entre interesses públicos propriamente ditos — isto é, interesses primários do Estado — e interesses secundários (que são os últimos a que se aludiu), é de trânsito corrente e moente na doutrina italiana, e a um ponto tal que, hoje, poucos doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los, limitando-se a fazer-lhes menção, como referência a algo óbvio, de conhecimento geral. […].” Aliás, a própria leitura do art. 15 da Lei n.° 12.016/09 já demonstra que o objetivo do legislador foi o de proteger os interesses públicos primários, e não os interesses individuais do Estado, porquanto se exige que a decisão que se pretende ver suspensa possa provocar grave lesão à coletividade. 4.8. PROCEDIMENTO O pedido de suspensão de segurança, como incidente processual autônomo que é, deve ser endereçado ao presidente do tribunal competente para apreciá-lo em petição avulsa, devendo o requerente demonstrar, de plano, a plausibilidade de grave lesão aos bens tutelados, pois o requerimento em análise, como alerta a Ministra Ellen Gracie[61], “não comporta dilação probatória, devendo o postulante trazer com o pedido todos os documentos que sustentem as afirmativas de potencial agressão aos interesses públicos tutelados”. Questão de fundamental interesse é saber se para a prolação da decisão acerca da suspensão, ou não, da decisão guerreada, o presidente do tribunal necessita de ouvir a parte contrária e mesmo o Ministério Público, posto que o art. 15 da Lei n.° 12.016/09 é omisso a esse respeito. Creio que sim. Com efeito, a Lei Fundamental assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, não sendo admissível, então, que no incidente de suspensão de segurança, medida excepcional e drástica que impede o impetrante de ver resguardado de imediato o seu direito líquido e certo, este não seja ouvido e, tampouco o representante do parquet, defensor constitucional do interesse público.   A respeito do assunto, Sérgio Ferraz[62] alerta que “a suspensão da liminar por autoridade diversa da que a concedeu, ou dos efeitos da decisão concessiva da segurança, é constitucionalmente esdrúxula, à vista dos princípios norteadores da função jurisdicional. Mas se torna totalmente inconstitucional se não observadas, como é a praxe, as garantias do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural e do devido processo legal.” Tal visão se reforça tendo em vista a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que confere especial tratamento aos princípios do contraditório substancial e da não surpresa (vide, por exemplo, as disposições dos arts. 7.º, 9.º e 10 daquele Códex). O § 1.º do art. 25 da Lei n.º 8.038/90 diz que o presidente do tribunal pode ouvir, no prazo de 5 dias, o impetrante do writ e o Procurador-Geral quando este não for o requerente. Já o art. 4.º, § 2.º, da Lei n.º 8.437/92 fala em prazo de 72 horas para oitiva do autor da ação mandamental e do Ministério Público. Em verdade, como entende a doutrina, a melhor hermenêutica dos preceitos legais referidos é a de que o impetrante e o parquet devem ser ouvidos pelo presidente do tribunal, salvo se isso comprometer a eficácia da suspensão. E o § 4.º do art. 15 da Lei n.º 12.016/09 permite concluir ser esta a interpretação mais correta, pois ali se diz que "[o] presidente do tribunal poderá conferir ao pedido [de suspensão de segurança] efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida"; ou seja, a regra seria a observância do contraditório, deferindo-se o rogo inaudita altera parte apenas em casos excepcionais. 4.9. RECURSOS Da decisão que concede a suspensão de segurança é cabível a interposição de agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 dias. Saliente-se que o agravo mencionado é o inominado (regimental, interno etc.).Já a decisão que denega o pedido de suspensão seria irrecorrível, dela cabendo apenas novo pedido de suspensão, a teor do disposto no § 1.° ao art. 15 da Lei do Mandado de Segurança. Há quem defenda, todavia, a possibilidade de interposição de agravo inominado em caso de decisão negativa do presidente do tribunal, com fundamento no princípio da recorribilidade das decisões interlocutórias[63]. Tal é o entendimento hodierno inclusive da jurisprudência, eis que as súmulas 506, do STF, e 217, do STJ, que afirmavam a impossibilidade de interposição de agravo no caso de denegação do pedido de suspensão de segurança foram revogadas.  Apesar de não ser um recurso em si, cabe aqui tecer breve consideração acerca do pedido de suspensão de segurança suscitado em face de decisão proferida no próprio incidente de suspensão, também conhecido como requerimento de suspensão per saltum (art. 15, § 1.º, da Lei n.º 12.016/09). Em verdade, mesmo não sendo um recurso, funciona o pedido de suspensão de segurança per saltum como um, pois, como adverte Gleydson Kleber Lopes de Oliveira[64],   “é voltado a impugnar um pronunciamento judicial proferido pelo tribunal local, por meio da presidência ou órgão colegiado, em sede de incidente de suspensão. Acolher o pedido de suspensão no STF ou no STJ significa corrigir a decisão proferida pelo tribunal local que, por meio da presidência ou órgão colegiado, indeferiu o pedido de suspensão”. Esse novo pedido de suspensão, originalmente introduzido no nosso ordenamento pela MP n.º 2.180/01, que acresceu o § 1.º ao art. 4.º da Lei n.º 4.348/64, é tido por inconstitucional por boa parte da nossa doutrina[65], notadamente, dentre outras incongruências, pelo fato de que a legislação ordinária disciplinou matéria inerente à competência do STF e do STJ, quando somente a Constituição Federal poderia fazê-lo. 4.10. EFICÁCIA TEMPORAL Questão relevante no âmbito do incidente de suspensão de segurança é a relativa à eficácia temporal da decisão positiva proferida pela presidência do tribunal, notadamente nos casos em que a decisão suspensa é de natureza liminar, sendo confirmada pela instância inferior com a concessão da segurança pretendida. Nesta situação, a decisão que suspende os efeitos da liminar perde ou não a sua eficácia? Eduardo Arruda Alvim, alinhando-se ao entendimento mais aceito a nível pretoriano, afirma que os efeitos da suspensão de segurança devem prevalecer à sentença até ulterior decisão final e definitiva do writ.[66] Esse o teor, aliás, da Súmula n.º 626 do STF, in verbis: “A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.” Em sentido diverso, porém, parte da doutrina vem considerando que a suspensão da liminar não pode vigorar após a decisão concessiva do mandamus. Argumenta-se que não é lógico e razoável “aceitar a ilação de que a decisão proferida no incidente de suspensão suscitado em face de decisão liminar possa tolher a eficácia de um pronunciamento judicial dotado de eficácia auto-executável que ainda está para ser proferido com base em cognição exauriente.”[67] Marcelo Abelha Rodrigues[68], corroborando o posicionamento supra, diz que “os requisitos para que esteja presente a eficácia da decisão suspensiva pelo presidente do tribunal, em qualquer caso, são: eficácia e existência da decisão cuja execução se pretende suspender, e existência da decisão suspensiva pelo presidente do tribunal.” Esse segundo entendimento parece ser o mais razoável. Assim, se o incidente de suspensão for suscitado em face de liminar, terá eficácia até a prolação da sentença no mandado de segurança. Se manejado contra a sentença, vigorará até decisão final proferida no mandamus, inclusive até o julgamento da remessa necessária (art. 14, § 1.º, da Lei n.° 12.016/09) e de eventual recurso voluntário interposto. 5.INCIDENTE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DIREITO TRIBUTÁRIO Feitas tais considerações acerca do incidente de suspensão de segurança, é momento de voltar-se para a análise de sua aplicabilidade no âmbito do direito tributário. Como já se afirmou alhures, o mandado de segurança é meio processual bastante utilizado pelo contribuinte para defender-se dos atos praticados pelo Fisco, sendo a liminar nele proferida, inclusive, modo de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Dada a larga utilização do writ em matéria tributária, por óbvio que o incidente de suspensão da eficácia das decisões nele proferidas também é bastante utilizado nesta seara. Com efeito, a Fazenda Pública, principalmente sob o fundamento de risco de grave lesão à economia pública, maneja o incidente processual em apreço com certa frequência visando suspender as decisões liminares suspensivas da exigibilidade do crédito tributário. A exigência do crédito tributário então, que estava suspensa, volta a vigorar com a suspensão da decisão de inferior instância pela presidência do tribunal. No caso de sentenças concessivas de segurança, que extinguem o crédito tributário, a extinção fica diferida até o momento da decisão final acerca da remessa necessária ou recurso voluntário interposto. Como adverte Cássio Scarpinella Bueno[69], “[…] o emprego da suspensão de segurança quando está sub judice tributo é nulificar a relevância do disposto no art. 151, IV e V, do Código Tributário Nacional, pelos quais, como cediço, a concessão de liminar em mandado de segurança, a de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial tem, por si só, o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário.  Uma vez concedida medida com aquele viés, a suspensão da eficácia da decisão contra o Poder Público significa, em termos diretos, que o contribuinte precisará recolher o valor do tributo questionado aos cofres públicos. Ao fazê-lo, contudo, a viabilidade de fruição in natura por ele pretendida — e, em um primeiro momento, assegurada, mercê da decisão jurisdicional proferida em seu favor — cai por terra. A regra do solve et repete passa a ser, assim, a única solução para o caso concreto, em flagrante contradição com os avanços do direito processual civil mais recente e — o que é ainda mais grave — com o próprio sistema diferenciado de tutela material reconhecido pelo Código Tributário nacional, como demonstram suficientemente, os dispositivos acima evidenciados.” Muitas vezes também, o Estado banaliza o incidente de suspensão de segurança, medida excepcionalíssima, buscando não à proteção do interesse público, mas sim evitar que as suas receitas sejam reduzidas através da contestação quanto à regularidade ou legalidade da cobrança de determinados tributos. Nota-se, aí, que o Estado não está a proteger o interesse público propriamente dito, mas o seu próprio, patrimonial, o que, como já foi dito, afigura-se inadmissível. Sobre isso, socorro-me, uma vez mais, das valiosas lições do professor Cássio Scarpinella Bueno[70]: É evidente que a liminar que determina a suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede o ingresso de valores para os cofres públicos. “Quando, contudo, a medida é tomada com base na ilegitimidade da cobrança tributária, não é tolerável, juridicamente, que elementos estranhos à juridicidade daquela cobrança — assim, os argumentos ad terrorem estampados no caput do art. 15 da Lei n. 12.1026/2009: “evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” — possam querer justificar o ingresso obstado pelo juízo de instância inferior, tal qual sói ocorrer em se tratando de suspensão de segurança”. Também é comum que a pessoa jurídica de direito público interessada utilize-se do incidente de suspensão de segurança em matéria tributária sob o fundamento de que a decisão que se pretende ver suspensa poderá ter um efeito “bola de neve” ou “multiplicador”, pois novas decisões semelhantes poderão ser concedidas prejudicando a arrecadação tributária. Aqui, novamente, devem ser ratificados os argumentos do parágrafo anterior. Eduardo Arruda Alvim[71], aliás, neste particular, discorre que: “[…], não poderá a Fazenda Pública, por exemplo, em mandado de segurança por intermédio do qual se discuta determinada exigência tributária, pretender a suspensão dos efeitos da decisão concessiva da ordem, exclusivamente porque a mesma pode conduzir a uma avalanche de decisões contrárias aos interesses arrecadatórios da Fazenda, dado o precedente que será aberto. Fosse isso possível, e estariam reduzidos a zero o alcance e utilidade do mandado de segurança”. Marcelo Abelha Rodrigues[72] destaca, ademais, que: “Ainda, é pratica muito comum nos pedidos de suspensão de execução de decisão ao presidente do tribunal a alegação de que a pessoa jurídica de direito público passa por problemas financeiros, que a crise é geral, que a inadimplência dos tributos é constante, e que por isso, se naquela situação não lhe fosse dada a suspensão da segurança, constituiria num agravamento da situação. Essas alegações não são ao nosso ver suficientes para permitir o deferimento da medida, pelo simples fato de que se trata de alegações genéricas, não demonstrando a potencialidade concreta de lesão aos interesses tutelados na norma”. O Supremo Tribunal Federal, porém, admite o pedido de suspensão de segurança lastreado na tese de grave lesão à ordem e à economia públicas pela ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, como se observa no julgado cuja ementa transcrevo abaixo: “AGRAVOS REGIMENTAIS NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – ICMS. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. ALÍQUOTAS. EFEITO MULTIPLICADOR. AGRAVOS REGIMENTAIS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO. I – A natureza excepcional da contracautela permite tão somente juízo mínimo de delibação sobre a matéria de fundo e análise do risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Controvérsia sobre matéria constitucional evidenciada e risco de lesão à economia pública comprovado. Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, não afastada na hipótese. Efeito multiplicador demonstrado, conforme pontuado no RE 714.139-RG. II – O depósito judicial não transfere a plena titularidade e disponibilidade do montante depositado. III – Agravos regimentais aos quais se nega provimento”.(STF – Pleno – SS 3717 AgR – Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente) – j. em 29-10-2014 – DJe-226, de 17-11-2014). Outro importante exemplo da utilização equivocada do instrumento processual em estudo na área tributária também citado por Marcelo Abelha Rodrigues[73] em sua abrangente obra, “ocorre quando o Estado requer a suspensão da execução de decisão em mandado de segurança que excluiu determinada empresa, sob alegação da inconstitucionalidade da norma, do regime de substituição tributária para se lhe aplicar o regime antigo de recolhimento do imposto. Neste caso, normalmente, dois caminhos são trilhados pelo Estado: o primeiro, quando alega a constitucionalidade da substituição tributária e por isso deveria ser suspensa a execução da decisão concedida no writ; o segundo, quando alega que, se não fosse deferida a suspensão, poderia haver uma proliferação de mandado de segurança, servindo, pois, a suspensão como um estimulante negativo.” Referido autor, em seguida, espanca, com maestria, tais argumentos, ressaltando, principalmente, que o Estado intenta com incidentes de suspensão tais quais o exemplificado “pretender que o remédio seja usado para situações onde não há o concreto risco de dano (o que se possui é a mera expectativa de que venham a existir novos mandados de segurança)”[74]. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, vem julgando pela possibilidade de suspensão de segurança das decisões proferidas contra o Fisco em tema de substituição tributária tão somente com base na ocorrência do prefalado efeito multiplicador plausível de gerar grave lesão à economia pública, senão veja-se o seguinte aresto: “CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA: SUSPENSÃO – GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA – EFEITO MULTIPLICADOR – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ‘PARA FRENTE’ – I. O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, julgando os RREE 213.396-SP e 194.382-SP, deu pela legitimidade constitucional, em tema de ICMS, da denominada substituição tributária ‘para frente’. II – A medida liminar, nos termos em que concedida, impossibilita a Fazenda Pública de receber a antecipação do ICMS por um largo período, o que lhe causa dano, sendo ainda certo que a segurança, se concedida, a final, não resultará inócua, dado que ao contribuinte é assegurada a restituição do pagamento indevido. III – Necessidade de suspensão dos efeitos da liminar, tendo em vista a ocorrência do denominado ‘efeito multiplicador’. IV – Agravo não provido”. (STF – AGRSS 1307/PE – Rel. Min. Carlos Velloso – j. em 1.º-3-2001 – DJU 11-10-2001, p. 007).[75] 6.CONCLUSÕES De todo o exposto, pode-se concluir o seguinte: 1. O mandado de segurança bem como as liminares nele proferidas, constituem-se em garantias constitucionais asseguradas ao particular para a defesa de seus direitos ameaçados por ato ou omissão ilegal ou abusiva cometida pela Administração, ou por quem as suas vezes fizer, por seus agentes. 2. Sendo writ constitucional cujas decisões possuem forte efetividade, devido a seu caráter mandamental, o mandado de segurança é utilizado à larga pelos contribuintes para se proteger de atos praticados pelo Fisco, mormente porque a liminar no mandamus possui efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário. 3. O pedido de suspensão de segurança formulado por pessoa jurídica de direito público diretamente ao presidente do tribunal competente para apreciar o recurso cabível da decisão que se busca suspender é medida excepcional, de natureza incidental, utilizado quando o interesse público primário esteja ameaçado nas hipóteses de ameaça de grave lesão à ordem, saúde, à segurança e à economia públicas. 4. Conquanto não se exija a apreciação da legalidade da decisão que se visa suspender, como entende majoritariamente a doutrina e a jurisprudência, deve a decisão acerca da suspensão de segurança ser conduzida com vistas à juridicidade do provimento de inferior instância, somente podendo ser concedida a suspensão se a ordem judicial for flagrantemente contrária ao ordenamento vigente, sob pena de não recepção da norma do art. 15 da Lei n.° 12.016/09 pela Constituição Federal, posto que limitadora da garantia constitucional do mandamus. 5. Dado que o mandado de segurança é bastante utilizado na seara tributária, também o é o incidente de suspensão de segurança, devendo, no entanto, ser observado que o Estado não pode, ao nosso sentir, manejá-lo exclusivamente na defesa de seus interesses individuais arrecadatórios, fulcrado tão somente em expectativas de diminuição de receita com base no efeito multiplicador que a decisão desfavorável pode acarretar, sem a comprovação da concreta ameaça de lesão à economia pública, interesse superiormente protegido.
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O direito de restituição das contribuições previdenciárias incidentes sobre verbas com teor indenizatório
Analisa-se a jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Administrativos visando formular um plano de ações com segurança para recuperação de créditos incluídos indevidamente na base de cálculo das Contribuições Previdenciárias Patronais.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo técnico almeja analisar os possíveis caminhos na recuperação dos valores pagos indevidamente a título de Contribuições Sociais à luz da atual Jurisprudência dos Tribunais Superiores, tanto em âmbito judicial como administrativo. O objeto do presente estudo se baseia na inconstitucionalidade da incidência da Contribuição para Seguridade Social sobre o total das verbas pagas na folha de salário dos empregados reconhecida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça e pelo Pretório Excelso. A ilegalidade encontra-se manifesta justamente porque na Lei 8.212/91 que dispõe sobre a organização Seguridade Social e institui suas formas de custeio afirma expressamente no seu art. 22: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:(…) I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.” Pode-se inferir do texto legal que as Contribuições para Seguridade Social só incidirão sobre as remunerações que houver a contraprestação pelo serviço efetivamente prestado ou pelo tempo que o empregado passa à disposição do empregador. O artigo 28, §9º da respectiva Lei traz uma lista das verbas que devem ser excluídas da folha de salário por expressa previsão legal, não servindo de base de cálculo para as Contribuições da Seguridade Social. Dessa forma, a respectiva Contribuição só deve incidir sobre as verbas de natureza salarial, que visam remunerar pelo efetivo serviço prestado ou pelo tempo do empregado à disposição do empregador, devendo se excluir da base de cálculo as verbas com teor indenizatório, que visam compensar o empregado por algum prejuízo. Acontece que, no entender da Receita Federal do Brasil interpretando literalmente o artigo 28, §9º, as verbas que não estejam expressamente previstas no rol de exclusão, são passíveis de incidência, não importando o teor indenizatório ou remuneratório, ou seja, incidiriam sobre a folha de salário como um todo. Assim, no entender da Receita Federal do Brasil através de uma interpretação meramente literal do artigo, as verbas não englobadas no art. 28, §9º da Lei 8.212/91 seriam perfeitamente lícitas para inclusão na base de cálculo das Contribuições. Tendo por base essa tese, várias empresas contestaram judicialmente ou impugnaram via administrativa visando não mais a incidência da Contribuição sobre tais verbas e almejando a recuperação dos valore pagos de forma indevida dos últimos 5 (cinco) anos. Nesse interim, com a chegada das demandas judiciais nos Tribunais Superiores (STF e STJ), os Ministros tiveram tempo de analisar o tema com profundidade e já publicaram julgados favoráveis para os contribuintes, no sentido de excluir algumas verbas da base de cálculo das Contribuições para Seguridade Social. Enquanto o resto das verbas aguarda a conclusão final dos julgamentos, já é possível se presumir os novos posicionamentos pela conjectura dos votos e histórico das posições dos Ministros. Através dessa análise de risco é que se é possível adquirir certa margem de segurança objetivando a futura recuperação de créditos pagos indevidamente, seja pela restituição dos valores em precatórios/Requisições de Pequeno Valor – RPV´s ou via compensação. I – A POSIÇÃO DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ O Superior Tribunal de Justiça após proferir vários julgamentos no mesmo sentido fixou em sede de recursos repetitivos que não se incluem na base de cálculo das Contribuições Previdenciárias as seguintes verbas: i) aviso prévio-indenizado; ii) terço constitucional de férias gozadas; e iii) 15 primeiros dias de afastamento pelo auxílio-doença. Tendo em vista que o tema afetava uma coletividade inominada de pessoas, acarretando várias impugnações objetivando a contestação dos valores, o STJ fixou seu entendimento em grau de Recurso Repetitivo, significando que toda demanda que chegue para apreciação do Tribunal tenha o mesmo destino. O julgamento em grau de Recursos Repetitivos traz celeridade para os processos em trâmite e segurança para os contribuintes que almejam a recuperação de tais valores, uma vez que torna obrigatório para os Tribunais inferiores seguirem o posicionamento do STJ, inclusive, vinculando à Administração Pública como um todo, devendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (última instância administrativa de competência dos tributos federais) seguir tal posicionamento quando não mais puder ser discutido no STF. Nesse sentido transcreve-se o entendimento do STJ: “Tema 478 Questão submetida a julgamento – Discute-se a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado.    Tese firmada – Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial. (REsp 1230957/RS, STJ, 1ª Seção, Ministro Mauro Campbell, Dj. 26/02/2014, Dje 18/03/2014) Tema 479 Questão submetida a julgamento – Discute-se a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de terço constitucional de férias. Tese firmada – A importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa).  (REsp 1230957/RS, STJ, 1ª Seção, Ministro Mauro Campbell, Dj. 26/02/2014, Dje 18/03/2014) Tema 737 Questão submetida a julgamento – Discute-se a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de adicional de férias relativo às férias indenizadas. Tese firmada – No que se refere ao adicional de férias relativo às férias indenizadas, a não incidência de contribuição previdenciária decorre de expressa previsão legal.  (REsp 1230957/RS, STJ, 1ª Seção, Ministro Mauro Campbell, Dj. 26/02/2014, Dje 18/03/2014) Tema 738 Questão submetida a julgamento – Discute-se a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos nos primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença. Tese firmada – Sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória.” (REsp 1230957/RS, STJ, 1ª Seção, Ministro Mauro Campbell, Dj. 26/02/2014, Dje 18/03/2014) Dentre as verbas discutidas, o STJ já se posicionou quanto a legalidade da inclusão na base de cálculo das Contribuições Previdenciárias das seguintes verbas: i) salário-maternidade; ii) salário-paternidade; iii) adicional de horas extras; iv) adicional de transferência; v) adicional de periculosidade; vi) férias gozadas. Apenas com base na decisão do STJ seria prematuro tomar alguma posição, sendo necessário conhecer o entendimento do STF e do CARF para se ter uma maior visibilidade do panorama. II –  A POSIÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO – STF No tópico anterior foi visto que o Colendo STJ fixou seu entendimento por meio dos Recursos Repetitivos no sentido de que não incide a Contribuição para Seguridade Social sobre as seguintes verbas: i) aviso prévio-indenizado; ii) terço constitucional de férias gozadas; e iii) 15 primeiros dias de afastamento pelo auxílio-doença; e iv) férias indenizadas devido a sua natureza indenizatória, não podendo servir de base de cálculo da referida Contribuição conforme preceitua o art. 22, inciso I, da Lei 8.212/91. O Supremo Tribunal Federal por meio de provocação (RE 593.068) reconheceu a Repercussão Geral do tema, ou seja, a discussão ultrapassa do mero interesse das partes litigantes, abarcando interesses de toda uma coletividade. Compete ao Pretório Excelso, Guardião da Constituição, o dever de zelá-la e lhe incumbe a tarefa de interpretar as normas constitucionais de forma a trazer adequação e compatibilização para os preceitos normativos. No Recurso Extraordinário nº 593.068 se discute a incidência da Contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, a gratificação natalina (13º salário), os serviços extraordinários (adicional de hora extra), o adicional noturno e o adicional de insalubridade não tendo até o momento sido concluído o julgamento, ficando assim suspenso o efeito do Recurso Repetitivo no STJ que entendeu pela não incidência da contribuição Previdenciária sobre terço constitucional, tendo de aguardar a decisão final no STF. Nesse sentido: “Tema 163/STF Questão submetida a julgamento – Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 40, §§ 2º e 12; 150, IV; 195, § 5º; e 201, § 11, da Constituição Federal, a constitucionalidade, ou não, da exigibilidade de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, a gratificação natalina, os serviços extraordinários, o adicional noturno e o adicional de insalubridade, tendo em vista a natureza jurídica de tais verbas. “ (REsp 1.230.957/RS sobrestado pelo Tema 163/STF (decisão da Vice-Presidência do STJ de 25/07/2014). (RE 593.068, STF, Rel. Min. Roberto Barroso) Para uma análise mais profunda sobre os possíveis resultados do julgado é indispensável conhecer como anda o posicionamento de cada julgador até o momento: “Votos pela Não-Incidência: Luís Roberto Barroso (relator) Rosa Weber Cármem Lúcia Luiz Fux Edson Fachin Ricardo Lewadonski Votos pela Incidência: Teori Zavascki Dias Toffoli Gilmar Mendes Marco Aurélio” A Suprema Corte é composta de 11 membros, bastando que a maioria, ou seja, no mínimo 6 Ministros profiram votos para que seja julgado o provimento ou desprovimento do recurso. Tendo em vista que a maioria havia se formado no sentido de dar parcial provimento ao Recurso Extraordinário para afastar a incidência da Contribuição Previdenciária Patronal incidente sobre as respectivas verbas, o resultado iria ser proclamado, porém, o Ministro Gilmar Mendes (vencido), pediu vista dos autos, fazendo com que a Presidente da sessão Ministra Cármem Lúcia tivesse de adiar o julgamento. Tal pedido do Ministro Gilmar Mendes que não possui previsão nem estipulação de prazo para retomada do julgamento para proclamação do resultado interfere no trâmite de milhares de processos em cursos. Porém, tendo por base tal posicionamento dos Ministros, já se percebe uma boa margem de segurança para ajuizar ações pleiteando a exclusão da base de cálculo das verbas com teor indenizatório já fixadas pelo STJ e as verbas não integrantes dos proventos de aposentadoria fixada pela maioria do STF, dando direito, inclusive, de recuperar os valores pagos nos últimos 5 (cinco) anos, podendo o contribuinte escolher ao final da demanda se prefere a restituição ou a realização de compensação do montante creditício recuperado. Pode-se afirmar com total segurança que as outras verbas já sedimentadas no entendimento do STJ no sentido de não englobarem a base de cálculo das Contribuições Previdenciárias, não serão mais objeto de apreciação ou rediscussão pelo STF, uma vez que o mesmo só pode apreciar questões constitucionais e o posicionamento dos Ministros foi no sentido de que a questão é de índole infraconstitucional, sendo assim de competência do STJ a interpretação e definição das mesmas. Nesse sentido: “Tema 908/STF Questão submetida a julgamento – Recursos extraordinários em que se discute, à luz dos arts. 7º, XIII e XVI; 97; 103-A; 150, § 6º; 195, I, a, e II; e 201, § 11, da Constituição Federal, acerca da natureza jurídica das verbas pagas ao empregado a título de adicional de férias, aviso prévio indenizado, décimo terceiro proporcional, auxílio-doença e horas extras, para fins de incidência da contribuição previdenciária, nos termos do art. 28 da Lei 8.212/1991. Tese Firmada – Não há Repercussão Geral.” (RE 892.238, STF, Rel. Min. Luiz Fux) Apesar de não englobada no julgado do STF, o adicional de periculosidade, pela lógica empregada no caso para elucidação e formação do posicionamento, tende a seguir a mesma argumentação do adicional de insalubridade pela não incidência das Contribuições Previdenciárias. Quanto ao posicionamento do Pretório Excelso sobre o salário-maternidade (tese que pode ser utilizada no salário-paternidade), tal julgamento encontra-se parado sem nenhuma perspectiva de julgamento, não tendo o Ministro Relator do caso ainda se pronunciado, não podendo até o momento emitir nenhum juízo de valor sobre o caso: “Tema 72/STF – Inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a remuneração.” Rel. Min. Roberto Barroso Leading Case: RE 576.967 Há Repercussão Geral? Sim Questão submetida a julgamento – Recurso Extraordinário em que se discute, à luz do art. 195, caput e §4º; e 154, I, da Constituição Federal, a constitucionalidade, ou não, da inclusão do valor referente ao salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição /Previdenciária incidente sobre a remuneração (art. 28, §2º, I, da Lei 8.212/91 e art. 214, §§2 e 9º, I do Decreto nº 3.048/99). Ainda sobre o caso, há a existência de uma ADIn nº 5626 questionando a incidência da Contribuição Previdenciária sobre a salário-maternidade, nesse sentido são as palavras do Procurador Geral da República: “Segundo Janot, os parágrafos 2º e 9º (alínea “a”, parte final) do artigo 28 da lei são incompatíveis com as garantias constitucionais de proteção à maternidade e ao direito das mulheres de acesso ao mercado de trabalho. O procurador argumenta que as normas imputam ao empregador parte do ônus do afastamento da gestante devido à maternidade e contribuem para o aumento do custo de sua mão de obra, em comparação à masculina. “Essa condição constitui significativo fator de discriminação da mulher no mercado de trabalho”, afirma. De acordo com a linha de argumentação adotada na ADI, medidas estatais que imponham de forma desproporcional maior custo à mão de obra feminina são incompatíveis com a premissa de equilíbrio entre a proteção da maternidade e do emprego da mulher. Janot lembra que a Lei 6.136/1974 transferiu à Previdência Social o encargo exclusivo pelo pagamento integral da remuneração da trabalhadora no período de licença, mas o empregador continuou obrigado a recolher a contribuição sobre o salário-maternidade e, ainda, arcar com o encargo incidente sobre a remuneração de eventual trabalhador temporário, substituto da licenciada. “Essa dupla contribuição pelo mesmo posto de trabalho encarece a mão de obra feminina e contraria a norma constitucional e a internacional”, sustenta, referindo-se à Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho. O procurador-geral pede, cautelarmente, a suspensão da eficácia das normas apontadas e, no mérito, que o STF aplique a elas a técnica da interpretação conforme a Constituição para reconhecer ao salário-maternidade a qualidade de salário de contribuição apenas para fim de cálculo de outros benefícios, afastando a incidência direta da contribuição previdenciária linear a cargo do empregador.” As demandas judicias contestando o salário-maternidade tendem a permanecerem sobrestadas enquanto a questão está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal. III – DO POSICIONAMENTO EM ÂMBITO ADMINISTRATIVO Apesar do entendimento sedimentado do STJ que não incide a contribuição previdenciária sobre: i) aviso prévio-indenizado; ii) terço constitucional de férias gozadas; e iii) 15 primeiros dias de afastamento pelo auxílio-doença, o Fisco entende por meio de parecer PGFN/CRJ nº 485/2016 que somente o aviso prévio indenizado não faz parte da base de cálculo das referidas contribuições, Quanto as demais verbas, por estarem ainda sem proclamação do resultado no STF, não vinculam a Receita Federal do Brasil tendo a mesma ampla liberdade para fazer incidir e realizar a cobrança manifestamente indevida. Para os contribuintes que se aventuram em âmbito administrativo impugnando o débito fiscal, após recurso contra primeira instância proferida pelo Delegacia da Receita de Julgamento – DRJ, o processo chega ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão de cúpula lhe incumbido a decisão final em sede administrativa, tendo o mesmo dado ganho de causa aos contribuintes no tocante a verba de 15 primeiros dias de afastamento do empregado por auxílio doença e ao aviso prévio indenizado, justamente porque o STF já afirmou que tal discussão não teria natureza constitucional, seria no âmbito infralegal, tendo a última palavra o STJ. O julgamento com base em recursos repetitivos do STJ e STF vinculam o CARF, devendo assim obediência aos julgados com entendimentos sedimentados, como no presente caso. Já no tocante as demais verbas, similar a Receita Federal do Brasil, por ausência de resultado final no julgado que decide tal impugnação no STF, o CARF tem se posicionando favorável pra Fazenda. Assim, em âmbito administrativo, as únicas verbas que os contribuintes poderiam impugnar e requerer a restituição ou compensação dos últimos 5 (cinco) anos seria no tocante ao aviso prévio indenizado e quinze primeiros dias de afastamento do empregado por auxílio-doença. IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Sem a pretensão de esgotar o tema, o presente artigo teve o intuito de elucidar a discussão da não incidência da Contribuição para Seguridade Social sobre as verbas com teor indenizatório, não incluídas na base de cálculo da folha de salário dos empregados. Analisou-se não só o posicionamento jurisprudencial dos Tribunais Superiores quanto os Administrativos das DRJs e do CARF, como também o entendimento de cada Ministro nos julgamentos pendentes de conclusão. Almejou-se estipular um Plano de Ações ou Stock Options (sentido amplo) com certa margem de segurança para os contribuintes que desejarem contestar o crédito tributário com total transparência e forte embasamento na posição jurisprudencial e administrativa mais atualizada acerca do objeto da presente discussão. Pôde-se concluir que as seguintes verbas: i) aviso prévio-indenizado; ii) terço constitucional de férias gozadas; iii) 15 primeiros dias de afastamento pelo auxílio-doença; iv) férias indenizadas devido a sua natureza indenizatória; v) gratificação natalina (13º salário); vi) serviços extraordinários (adicional de hora extra); vii) adicional noturn; e o viii) adicional de insalubridade (adicional de periculosidade[1]) já possuem posição jurisprudencial favorável para ajuizamento de ações judiciais contestando o débito e com o intuito de recuperação desses valores pagos de forma indevida nos últimos 5 (cinco) anos. Em âmbito administrativo, entendeu-se que somente seria aconselhável impugnar o crédito relativo ao i) aviso prévio indenizado e os i) quinze primeiros dias de afastamento por auxílio doença, justamente pela existência do Parecer da PGFN/CRJ nº 485/2016 e a atual jurisprudência do CARF.
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A tributação do streaming nos Estados Unidos
Este artigo busca avaliar como tem se dado a tributação da tecnologia streaming em algumas cidades e estados norte-americanos. Após breve análise do impacto da evolução tecnológica na sociedade, será traçado um panorama da legislação pertinente no direito comparado. Por fim, este ensaio se encerrará com as considerações finais sobre a tributação do fluxo de mídia nos EUA.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com o ingresso da humanidade na Era Digital[1], a dificuldade em se tributar fatos geradores ocorridos na internet  tem sido cada vez mais discutida na atualidade, dado seu aspecto essencialmente imaterial e intangível. Essa dificuldade é, pois, o pano de fundo deste artigo, cujo objetivo é mostrar o enquadramento tributário da tecnologia streaming (ou fluxo de mídia) no direito norte-americano. Ressalte-se, aqui, a inexistência de qualquer pretensão em se esgotar definitivamente o tema. 1. A ERA DIGITAL 1.1. A revolução tecnológica e seu impacto na sociedade atual Diante das necessidades humanas que surgem a cada momento, contrapõem-se as infinitas soluções proporcionadas pela revolução tecnológica a partir da segunda metade do século XX. O telefone, por exemplo, encurtou distâncias ao possibilitar a conversa entre interlocutores a milhares de quilômetros de distância; e hoje, se tornou um computador de mão, onde se pode ouvir músicas, fazer download, tirar fotos, jogar, assistir TV, e de vez em quando fazer uma ligação. Também, a música é um exemplo de como a revolução tecnológica tem proporcionado infinitas soluções às necessidades humanas. Primeiro, surgiu a vitrola com os discos de vinil; depois, as fitas K7; em seguida, o Compact Disc (CD), e por último o MP3. Podemos armazenar as músicas que ouvimos durante toda a nossa vida, ou acessar de qualquer lugar uma biblioteca inteira em um pequeno aparelho. Muito mais importante, contudo, que as facilidades proporcionadas por estes recursos, são as transformações que esta evolução promoveu na sociedade.  Estamos num momento histórico tão importante quanto à revolução industrial do século XVIII, cuja principal característica é a descontinuidade das bases materiais da economia, sociedade e cultura. E mais, diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que estamos vivendo na revolução atual (Revolução Digital, ou como preferem alguns, da Tecnologia) refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação, que alteram profundamente o modo como vivemos em sociedade. Daí o nome, Era da Informação. 1.2. Novo paradigma econômico social demanda um novo arquétipo jurídico A penetração das novas tecnologias da informação e da comunicação na vida social, econômica e política vêm afetando profundamente os modos de organização das relações econômicas, jurídicas e sociais. O caráter transversal e global da transformação em curso está nos levando a um novo paradigma econômico-social que demanda, também, um novo paradigma jurídico. Isto porque, a Era Digital vem desafiando princípios e regras há muito consolidados, pensados para uma sociedade assente em bens físicos ou corpóreos. E não é só isso. As características da Internet e, consequentemente, todos os negócios digitais realizados a partir dela, contrariam o alcance territorial e temporal do direito, bem como da autoridade do Estado, ocasionando obstáculos à sua aplicação num espaço sem fronteiras, de difícil fiscalização e controle. Também, este novo paradigma social nos trouxe um problema de jurisdição: é cada vez mais frequente, por exemplo, o consumo remoto e uso de conteúdo armazenado em "nuvem" (cloud), um método de computação que disponibiliza recursos como armazenamento, bancos de dados e os aplicativos disponíveis através da internet.[2] Os novos modelos de negócios podem, portanto, cruzar fronteiras nacionais, aumentando as dúvidas quanto a qual a legislação aplicável, e qual o tribunal competente para a solução de litígios. Por isso, tem se falado em um novo ramo do Direito, o Direito Digital[3], com vistas a se repensar a organização das relações jurídicas e legislação existente, sob a luz da nova demanda social decorrente da Era Digital. 2. CONCEITO DE STREAMING A palavra streaming, de origem inglesa, significa córrego ou riacho e, por isso, streaming remete para “fluxo”, que no ambito da tecnologia, indica um fluxo de dados ou conteúdos multimídia. A partir daí, podemos extrair o seguinte conceito: streming (fluxo de mídia, software[4] de transmissão on line) é a tecnologia de transmissão que viabiliza acesso a conteúdo através da internet[5], sem que precise haver transferência de posse ou de propriedade. Como exemplos de aplicação da tecnologia streaming de vídeo, podemos citar o Youtube (pioneiro no serviço de streaming na internet), Netflix, Youtube, Globo Play, HBO Now, Amazon Prime; como streaming musical, temos o Spotify e Apple Music. 3. A TRIBUTAÇÃO DO STREAMING NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Nos EUA, berço da tecnologia, a legislação norte-americana sobre o tema[6] se encontra em patamar mais avançado que no Brasil. Vejamos. 3.1. Flórida No Estado da Flórida, uma consulta fiscal ao Departamento de Receita Tributária local, resultou no Florida Technical Assistente Advisement  nº 14A19-005, de 18/12/2014 [7], segundo o qual o sales and use tax (imposto sobre vendas e uso) não incide sobre venda e assinatura de streaming de vídeo digital (programas de televisão, filmes, eventos esportivos e eventos de notícias), porque não há transferência de domínio de bem material (tangível). Tal consulta fiscal, entretanto, concluiu pela incidência do imposto sobre serviços de telecomunicação da Flórida no acesso temporário a conteúdo digital mediante assinatura, enquanto a aquisição definitiva de conteúdo (baixado ou permanentemente armazenado na biblioteca on line do usuário) configuraria venda de serviços de informações transferidos por via eletronica, e portanto, não sujeito nem ao imposto sobre serviços de telecomunicações, nem ao imposto sobre vendas e uso no Estado da Flórida. 3.2. Idaho Já no Estado de Idaho, o estatuto sobre bens digitais (Idaho, H.B. 209) [8] foi alterado em 1/4/2015, para estabelecer que serviços de streaming não se sujeitam a qualquer tributação. O diferencial entre tratamento tributável e não tributável está no carater temporário (streaming) ou permanente (download) do direito de uso. O imposto sobre vendas e uso incidirá sobre bens digitais quando o comprador adquirir o direito permanente de usar os bens digitais. Em oposição, o imposto sobre vendas e uso não incidirá quando o uso for temporário ou estiver condicionado a pagamento contínuo. 3.3. Chicago O Departamento de Finanças da cidade de Chicago (no Estado de Illinois) emitiu a instrução fiscal  Tax Rule nº 5 [9], em 01/09/2015, e alterou o Chicago Amusement Tax  (o que poderia ser traduzido como “imposto sobre entretenimento”) com o intuito de tributar as diversões desfrutadas por meio eletrônico. Tal exação se aplica, pois, ao contribuinte que assistir ou participar de qualquer entretenimento mediante o acesso digital. A alíquota é de 9% sobre o preço da assinatura ou valor equivalente, bem como, além dos eventos tradicionalmente tributáveis pelo Chicago Amusement Tax (exposições, shows de entretenimento, atividades recreativas ou eventos similares), também o entretenimento através do acesso digital (programas de televisão, filmes, vídeos, música e Jogos on-line) passou a integrar a hipótese de incidência tributária. No mais, é considerado sujeito passivo do aludido tributo todo cliente cujo endereço residencial ou comercial principal seja em Chicago (o que pode ser comprovado pela fatura do cartão de crédito, o endereço de faturamento da negociação, etc.). Enfim, segundo o Departamento de Finanças de Chicago, tal tributação incide “somente sobre o conteúdo objeto de acesso temporário, transmitido on-line” (e não à aquisição de shows, filmes, vídeos, músicas ou jogos baixados permanentemente para o dispositivo do usuário, mediante download). 3.4. Alabama Por fim, o Departamento de Receita do Estado do Alabama (localizado na região sudeste do país), alterou a Administrative Rule nº 810-6-5-.09 [10], para estender o Alabama’s rental tax (uma espécie de imposto sobre locação) ao streaming de vídeo ou áudio, com vigência a partir de 01/10/2015. De acordo com essa alteração, "transmissões digitais, filmes sob demanda, programas de televisão, streaming de vídeo, streaming de áudio e outros programas similares, disponibilizados aos clientes, independentemente do método de transmissão (seja mediante assinatura por período definido ou indefinido, seja sob demanda), são considerados bens tangíveis e sujeitos ao imposto sobre locação (que se assemelha à locação de bens móveis na legislação brasileira). Contudo, devido à pressão do governo estadual e dos advogados tributaristas, aludida norma administrativa foi revogada em 07 de julho de 2015 e, após a supressão do imposto, não mais se cogitou sua imposição. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após essa análise sobre as legislações apontadas acima, percebe-se que Estados e cidades norte-americanos têm usado diferentes fatos geradores para tratar da tributação sobre streaming de vídeos, programas de TV, jogos e música digital. Tanto o entretenimento on line, como o serviço de comunicações, ou ainda, a venda e uso de bem corpóreo têm sido apontados como fatos geradores da tributação do streaming nos Estados Unidos. Todavia, conquanto não exista consenso sobre qual hipótese de incidência tributária seria a mais adequada para se enquadrar a tecnologia streaming, extrai-se deste breve ensaio que a legislação tributária nos Estados Unidos (mais atual e adequada ao novo paradigma social e econômico) já alcançou patamar avançado e incorporou novo arquétipo jurídico (prescindindo de uma “releitura do Direito tradicionalmente conhecido), pois perfeitamente capaz de subsumir a tecnologia streaming às hipóteses de incidência tributária existentes.
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Os princípios tributários e a repartição constitucional de competências tributárias
O escopo deste trabalho é a discussão sobre o direito constitucional tributário com enfoque no estudo jurisprudencial das limitações ao poder de tributar e, principalmente, na separação constitucional de competências tributárias que se coaduna com a preocupação do ordenamento em proteger o pacto federativo. Então, adotou-se o método dedutivo de raciocínio lógico, partindo-se do estudo dos institutos básicos do direito tributário e da relação entre direito tributário e os direitos fundamentais até a análise da constitucionalidade e/ou recepção de alguns institutos tributários. Concluiu-se que a jurisprudência e a doutrina devem realizar constante estudo dos princípios e imunidades tributárias, uma vez que, no ordenamento ainda existem resquícios de autoritarismo tributário. O próprio CTN é anterior à Constituição de 88, e prevê institutos que conflitam com a atual ordem constitucional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Na linha do Constitucionalismo Contemporâneo, marcado pela garantia de direitos, hoje, o Estado deve ser capaz de atuar positivamente para assegurar os direitos fundamentais sem agir de forma autoritária. Visando esse equacionamento, a Constituição Federal de 1988 trouxe mecanismos para que o Estado cumpra o seu papel de assegurar direitos e ao mesmo tempo ordena e divide o exercício do poder, tentado impedir os abusos já demonstrados pela história brasileira. Com esse escopo, prevê o princípio da separação de poderes no seu Art.2ª e no Título III, denominado de Organização Político- Administrativa, ordena o exercício simultâneo de poderes pelos entes federativos: União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Nesse sentido, para permitir que o Estado assegure os direitos, a Constituição também prevê os meios para fazê-lo ao dispor sobre as formas de arrecadação financeira pelo Estado. Entra em cena o conceito de atividade financeira do Estado, segundo Aliomar Baleeiro, consiste em obter, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu a outras pessoas de direito público. Visando obter recursos no exercício da atividade financeira, uma das principais fontes de receita do Estado oriunda do Poder de Império estatal são os tributos. Parecem contrapostos o conceito de tributo e direitos fundamentais, uma vez que a cobrança de tributos implica invasão no patrimônio e a propriedade é um direito fundamental, Art.5, XXII, da CRFB. No entanto, tributos e direitos fundamentais devem interpretados como institutos complementares. Ambos estão inseridos no exercício de atividade financeira pelo Estado, pois para satisfazer as necessidades públicas, dentre as quais, garantir os direitos fundamentais, o Estado precisa despender recursos e para despendê-los, clarividente é necessário haver arrecadação prévia. Por outro lado, a instituição e a cobrança dos tributos não podem ser feitas de maneira desregrada, pois do contrário haveria absolutismo e abuso de poder, que a Constituição Federal de 1988 objetivou extirpar. Nesse sentido, a própria Constituição prevê os princípios tributários que são as balizas da limitação do Poder de Tributar. São eles: legalidade; anterioridade tributária; irretroatividade; vedação ao confisco; liberdade de tráfego, dentre outros. Esses princípios são tão importantes que, apesar de não integrarem o rol do Art.5ª da CRFB, grande parte da doutrina e da jurisprudência têm os considerado direitos fundamentais.  Sendo cláusulas pétreas, não podem sofrer limitações por meio de emenda constitucional. Não obstante, como corriqueiro na práxis brasileira, as leis e até mesmo a Constituição é flagrantemente desrespeitada. Não raro, criam-se tributos por meio de decreto; tributos são cobrados antes do transcurso temporal necessário para que os contribuintes possam fazer a sua programação financeira, desrespeitando o princípio da anterioridade, dentre outras ofensas. Sendo assim, o estudo dos princípios tributários e da limitação ao Poder de Tributar é um tema atual e imprescindível para a garantia dos direitos fundamentais. Ressalta-se, no entanto, que a análise será feita de maneira imparcial, uma vez que tender para qualquer dos extremos, pró-contribuinte ou pró-fisco, pode implicar descompasso no equilíbrio instável satisfação das necessidades públicas x garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido, “a virtude está no meio”, preconizou Aristóteles. Nessa linha, o presente trabalho também terá o objetivo de analisar a repartição constitucional das competências tributárias, uma vez que também são limitações ao poder de tributar. Esse tema é imprescindível para o desenvolvimento científico da matéria que está em constante construção diante da multiplicidade de situações fáticas. Como situado antes, o Estado Brasileiro adotou a forma de federativa, constituindo inclusive uma cláusula pétrea (Art.60, §4ª, I, da CRFB). Dessa forma, a União, os Estados, os municípios e o DF têm especificado na Constituição as suas competências administrativas e legislativas, ou seja, o constituinte teve o cuidado de regulamentar as necessidades públicas que cada ente federativo é encarregado de satisfazer. Sendo assim, os entes precisam também de receitas próprias, por isso a própria Constituição trouxe a repartição de competências tributárias. O tema também é de extrema importância, porque no federalismo brasileiro existe certa supremacia de poder pela União. Logo, não raro, existe invasão de competências. 1. Uma Visão Geral sobre o Direito Tributário: conceitos fundamentais e o direito constitucional tributário 1.1. Os Tributos e os direitos fundamentais Tentando explicar o papel desempenhado pelos direitos fundamentais, Jellinek leciona que o indivíduo possui quatro status em relação ao Estado, quais sejam: ativo, passivo, positivo e negativo. Dessas situações originam-se direitos ou deveres diferenciados.  Segundo o status positivo, o cidadão pode exigir que o Estado aja em seu favor por meio das prestações positivas, como a garantia de educação, saúde e outros direitos fundamentais. O status positivo de Jellinek, de acordo a classificação clássica de Paulo Bonavides, corresponde aos direitos de segunda geração, resultando na concepção social do Estado. Tal status surgiu após a revolução industrial, quando se percebeu as mazelas resultantes do Estado Liberal e da total inércia do Estado nas relações sociais e econômicas que ocasionaram situações de opressão aos menos favorecidos economicamente. Então os direitos de segunda geração, no entender de Gilmar Mendes, vieram com a missão de estabelecer a liberdade real e igual para todos, mediante ação corretiva dos Poderes Públicos. São denominados de direitos sociais, porque se relacionam às reivindicações de justiça social e tem como titulares indivíduos singularizados. Ao longo da história, o Estado Social foi se amoldando às evoluções sociais e econômicas e hoje é bastante presente no Constitucionalismo Contemporâneo. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 é uma clara expressão disso, uma vez que traz logo no Título II um extenso rol de direitos e garantias fundamentais. Desse rol boa parte dos direitos é de eficácia limitada, pois exige atuação positiva do Estado para concretização. Não obstante, o Estado é uma abstração e para cumprir o seu papel precisa de recursos financeiros, por isso Gilmar Mendes defende que “não existe Estado Social sem o Estado Fiscal”. Para o exercício da atividade financeira, a Constituição Federal atribuiu poderes ao Estado para que possa criar tributos e obrigar os particulares a se solidarizarem com o interesse público mediante a entrega compulsória de valor em dinheiro. Nesse sentido, o tributo como a principal forma de receita pública do Estado Moderno revela-se como fundamental para manter as prestações positivas do Estado. Visando desenvolver as teses previstas, será feito uma breve explicação sobre os principais institutos do direito tributário. 1.2. Obrigação Tributária e os sujeitos do direito tributário Nessa esteira, importante discorrer um pouco sobre os sujeitos do Direito Tributário. Os atores do direito tributário são os integrantes da obrigação tributária, sendo esta última o vínculo jurídico, com amparo constitucional, entre o Estado e o indivíduo que permite a cobrança dos tributos. Obrigação, de acordo com o direito privado, trata-se de relação de caráter transitório, estabelecida entre credor e devedor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida do primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio.  A obrigação tributária pode ser do tipo principal ou acessório, sendo determinante para diferenciar apenas o conteúdo pecuniário que é característico da obrigação principal, logo, tanto o pagamento do tributo, quanto dos respectivos juros e multa são obrigação principal, diferenciando-se dos conceitos do direito civil nos quais juros e multa são acessórios.  Já a obrigação tributária acessória são prestações positivas ou negativas que não estão, a priori, relacionadas à obrigação de pagar. Conquanto, de acordo com o Art.113, §3ª do Código Tributário Nacional, com a inobservância da obrigação acessória, esta se converte em obrigação principal, pois haverá a cobrança de multa (obrigação de pagar). Nesse sentido, os sujeitos do direito tributário serão os elementos subjetivos da obrigação tributária, principal ou acessória, serão os integrantes dos polos ativo e passivo da relação jurídico-tributária. O sujeito ativo da obrigação tributária é o credor, segundo o Art.119 do CTN, pessoa jurídica de direito público que tem o poder de exigir o seu cumprimento. Segundo Ricardo Alexandre, não é possível confundir o sujeito ativo da obrigação tributária que detém capacidade tributária ativa, uma condição delegável, com a competência tributária, que é a atribuição constitucional da competência para instituir tributo, esta é indelegável. Segundo o Art.7ª do CTN é possível haver delegação da capacidade tributária ativa (condição de sujeito ativo da obrigação tributária) que consiste nas funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas entre pessoas jurídicas de direito público.  Não obstante, é controversa a possibilidade de delegação da capacidade tributária ativa às pessoas jurídicas de direito privado, tendo em vista que se trata de exercício do poder de império estatal, sendo prevalente a posição que é contrária, por conta da redação do Art. 7ª do CTN que dispõe expressamente que pode haver delegação de capacidade tributária ativa de uma pessoa jurídica de direito público a outra. Nesse sentido, as contribuições sociais corporativas, por exemplo, apesar de serem instituídas em favor das entidades sindicais não os tornam sujeitos ativos da obrigação tributária, uma vez que é a União por meio do Ministério do Trabalho e Emprego que configura como sujeito ativo dessas contribuições. Importante destacar que o CTN no Art. 120 prevê hipótese de modificação superveniente de sujeito ativo, esta ocorre quando há a criação de novo ente federado por intermédio do desmembramento territorial do ente anteriormente existente. Nesse caso, a nova pessoa jurídica, até o momento em que crie sua própria legislação, utilizará a legislação do desmembrado e, além disso, também se sub-rogará nos direitos tributários do mesmo. No outro polo da obrigação tributária está o sujeito passivo da obrigação tributária, aquele que vai ser obrigado a despender o seu patrimônio em prol da coletividade. Segundo o CTN, o sujeito passivo pode ser contribuinte ou responsável.  O contribuinte, de acordo com o Art. 121, I do CTN é aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, já o responsável (Art.121, II do CTN) é quem mesmo não sendo contribuinte, tem obrigação tributária decorrente de disposição expressa de lei. A responsabilidade tributária pode ocorrer por substituição ou por sucessão. No primeiro caso, a lei transfere previamente o pagamento do tributo a um terceiro para facilitar a cobrança e fiscalização, pode ocorrer até mesmo antes da ocorrência do fato gerador por expressa autorização constitucional (Art.150, §7ª do CTN); já na responsabilidade por sucessão ocorre a transferência de responsabilidade por algum fato imprevisto como morte; falência, dentre outros dispostos no CTN. Então, também é importante conceituar fato gerador que para a obrigação tributária principal, segundo o Art.114 do CTN, consiste na situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação tributária, isso significa que o fato gerador é condição obrigatória e, uma vez ocorrendo, surgirá obrigatoriamente a obrigação tributária principal. Já o fato gerador da obrigação acessória, é a situação definida na legislação tributária, ou seja, não precisa ser definida em lei em sentido estrito, que impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. Cumpre destacar que, segundo o Art.126 do CTN, a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil das pessoas naturais, ou seja, um interditado continua integrando o polo passivo da obrigação tributária; também independe de estar a pessoa jurídica regularmente constituída. Também importante diferenciar os conceitos de contribuinte de fato e de direito, por meio dos quais pode se extrair outros sujeitos tributários. O contribuinte de fato é aquele que mesmo sem integrar formalmente a relação jurídica tributária, como o faz o contribuinte de direito, é obrigado a efetivamente pagar o tributo, como ocorre, por exemplo, com o consumidor final que sofre o ônus do ICMS, uma vez que o valor do tributo estará embutido no preço final do produto. 1.3. Espécies tributárias A Constituição dispõe sobre as espécies tributárias dentro da SEÇÃO I do título VI, denominada de Princípios Gerais, sendo, portanto, importante ao objeto deste trabalho discorrer um pouco sobre estes. De início é de relevo destacar a polêmica sobre quais são os tipos de tributos, tendo em vista que o CTN no art. 5ª adotou a teoria tricotômica, segundo a qual tributos são apenas: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Não obstante, existe forte corrente pentapartida que acrescenta ainda como espécies tributárias os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais introduzidas pela Constituição Federal. Ao ser questionado, o Supremo Tribunal Federal adotou a teoria pentapartida, reconhecendo a autonomia dos empréstimos compulsórios e das contribuições especiais como tributos novos e autônomos que não estão previstos no CTN, porque este é anterior a CRFB.  Vale ressaltar que, na linha do entendimento do STF, a adoção da teoria tripartida não pode prosperar, pois do contrário haveria inúmeras inconstitucionalidades na própria constituição, como por exemplo, a cobrança de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Como ambos incidem sobre o mesmo fato gerador, se ambos fossem impostos, como entende a teoria tripartida que não reconhece a autonomia das contribuições especiais, haveria inconsistência no sistema. Para determinação da natureza jurídica dos tributos, o Art.4ª do CTN desconsidera a denominação e utiliza como critério tão somente o fato gerador. Nesse sentido, se o fato gerador estiver relacionado a alguma atividade estatal, o que a doutrina denomina de referibilidade, estar-se-á diante de uma taxa, independente de a lei denominá-lo de imposto, por exemplo.  Ricardo Alexandre destaca que é importante também acrescentar ao critério do CTN o critério da base de cálculo, uma vez que, a CRFB prevê no art.145, §2ª que as taxas não podem ter base de cálculo própria dos impostos, logo seria uma forma de diferenciar estas espécies tributárias. Pois bem, iniciando a discorrer sobre as espécies tributárias, os impostos são os tributos não vinculados, pois não se relacionam a nenhuma contraprestação estatal que incidem sobre a manifestação de riqueza do sujeito passivo. A instituição de impostos baseia-se na ideia de solidariedade social, uma vez que quando mais bens se possuir, mais se contribuirá para o Estado angariar recursos e atingir as necessidades públicas que serão úteis a toda a comunidade, indistintamente. É importante destacar que os impostos também são tributos de arrecadação não vinculada, uma vez que não podem ser afetados, salvo exceções constitucionais, para nenhuma atividade específica. Essa determinação tem o objetivo de garantir ao administrador margem de discricionariedade na escolha das políticas públicas. Essa exigência inclusive se trata de princípio do direito financeiro denominado de não afetação. Cada ente federativo tem competência delimitada e facultativa para instituir por meio de lei impostos previstos na própria Constituição Federal, havendo ofensa ao princípio do pacto federativo a instituição de tributo por outro ente que não o previsto na CRFB. As competências constitucionais são bem delimitadas e, por isso existe a exigência do art.146, III, a da CRFB de haver lei complementar nacional para definir fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes de todos os impostos da Constituição e não apenas os de competência da União. Quanto ao caráter facultativo do exercício da competência tributária, é importante destacar o Art.153, VII da CRFB que atribui a União o poder instituir mediante lei complementar o imposto sobre grandes fortunas, não obstante, a União ainda não os institui. Fugindo a regra da competência facultativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal parece ter desconsiderado esse entendimento e na linha do princípio da responsabilidade fiscal, instituiu a sanção de vedação de transferências voluntárias ao ente federativo que não instituir imposto de competência prevista na Constituição, o que não afeta a União, uma vez que esta não recebe transferências voluntárias. Além dos impostos já previstos na Constituição, a União ainda tem a denominada competência tributária residual para criar novos impostos desde que sejam não cumulativos e que não tenham fato gerador ou base de cálculo coincidente com os já discriminados na CF. A Constituição também atribuiu a União a competência extraordinária para instituir os impostos extraordinários em caso de iminência ou de guerra externa. Quanto aos impostos ainda é de relevo destacar o princípio da capacidade contributiva, previsto no Art.145, §1ª, diretriz ao legislador infraconstitucional concretizar a isonomia, determinando que este, sempre que possível, gradue os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte.  A jurisprudência antiga entendia que a observância à capacidade contributiva se aplicaria apenas aos impostos pessoais, não obstante, recentemente, o STF admitiu a progressividade do ITCMD, um imposto real, dando sinais de que poderá haver mudança de entendimento. Outra espécie tributária prevista na Constituição são as taxas, tributos devidos pela prestação de serviços individuais e divisíveis ou pelo exercício do poder de polícia. Vê-se que as taxas ao contrário dos impostos, são tributos vinculados, porque dependem de uma atividade estatal. O STF entende que apesar de não haver previsão constitucional, nada impede que as taxas também levem em consideração o princípio da capacidade contributiva. Importante destacar que, quando se tratar de serviço obrigatório, as taxas podem ser cobradas mesmo quando o contribuinte não usufrua do serviço, como, por exemplo, a coleta de lixo domiciliar.  E o mais controverso sobre a cobrança das taxas de serviço público é a necessidade de o serviço ser individual e divisível, o que os entes políticos muitas vezes não respeitam. Esse foi o fundamento para o Supremo declarar inconstitucional a cobrança de taxa pelo serviço de iluminação pública, o que agora é vinculante por conta da edição da recente súmula vinculante 41, “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”. Importante diferenciar taxa de serviço e preço público ou tarifa, esse último é instituído para serviços facultativos e são estabelecidos pelo regime de direito privado, contratual, não se submetendo a rigidez do direito tributário. As concessionárias de serviço público, por exemplo, são remuneradas por tarifa. Já a taxa de polícia, só pode ser instituída pelo efetivo exercício do Poder de Polícia. Não obstante, as decisões mais recentes do supremo têm presumido o exercício do Poder de Polícia quando existente órgão fiscalizador, mesmo que este não comprove haver realizado fiscalizações individualizadas nos estabelecimentos de cada contribuinte. Já a contribuição de melhoria, é tributo que tem como fato gerador a valorização imobiliária decorrente obra realizada pelo poder público. Tem como fundamento o princípio constitucional da isonomia, pois, com a construção de obras públicas, se não houver contribuição de melhoria, alguns indivíduos se beneficiarão extraordinariamente com o gasto de recursos públicos. Segundo a jurisprudência amparada no CTN, este tributo tem duas limitações, individual e total. A limitação individual é aquela que impõe que cada contribuinte pode pagar no máximo o valor pelo qual efetivamente se beneficiou com a valorização imobiliária e o limite total é que a soma dos tributos arrecadados não pode ultrapassar o custo total da obra. Quanto aos empréstimos compulsórios, podem ser instituídos exclusivamente pela União por meio de lei complementar e podem ser cobrados em duas situações: para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência. A segunda hipótese é para realização de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse social. Importante destacar que apenas no primeiro caso o imposto não precisa observar o princípio da anterioridade anual e nonagesimal. Os recursos provenientes de empréstimos compulsórios terão arrecadação vinculada ao custeio da situação que levou a sua instituição e como nome indica, o valor arrecadado deve ser restituído aos contribuintes. Sendo assim, a lei instituidora dos empréstimos compulsórios deve fixar o prazo e as condições de resgate. Nesse sentido, o STF tem entendimento consolidado de que a restituição do valor arrecadado deve ser efetuada na mesma espécie em que recolhido (RE 175.385/CE). Por fim, adotando-se a teoria pentapartide, comentários sobre a última espécie tributária: as contribuições especiais, também são de competência exclusiva da União e se dividem em: contribuições sociais; contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE); contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (coorporativas) e contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Destacando-se que os estados e municípios, como exceção à regra de que as contribuições especiais são de competência exclusiva da União, podem instituir contribuições sociais para o financiamento dos seus regimes próprios de previdência. Importante destacar a observação de Gilmar Mendes, sobre a crescente utilização das contribuições especiais como forma de suprir as necessidades fiscais da União, uma vez que a Constituição determina que boa parte da receita dos impostos federais deva ser repartida com Estados e Municípios. 1.4. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar Ao passo que a constituinte de 88 deu poderes aos entes para que esses instituíssem tributos, não cuidou em deixar que fosse ilimitado. Nesse sentido, a Constituição cidadã trouxe uma gama de mecanismos para evitar que o Estado não seja excessivo e na desculpa de instituir tributos para atender as necessidades públicas acarrete violação aos direitos fundamentais, essas limitações estão dispostas no Art.150 da Constituição. Logo no inciso I, a Constituição trouxe a exigência de lei para instituir ou aumentar tributos, é denominado princípio da legalidade.  A legalidade é uma das principais limitações ao poder de tributar, pois como dito antes, os tributos são invasão no patrimônio dos cidadãos, e, portanto, para que não haja arbitrariedade, faz-se necessário que sejam instituídos por rito formal e por aqueles que foram legitimamente escolhidos pelo povo para comandar os interesses públicos. Quando a Constituição fala em lei, a exigência é a instituição mediante lei ordinária, pois o procedimento de lei complementar, por ser mais solene, será obrigatório apenas quando estiver expresso no texto constitucional, assim como ocorre para a instituição de empréstimos compulsórios, por exemplo. Na linha do princípio da legalidade, poderia ser considerado ofensivo instituir tributos por meio de medida provisória. Entretanto, não é esse o entendimento dos tribunais superiores, segundo o qual, as medidas provisórias estão no rol do Art.59 da Constituição Federal, logo, são meios aptos para a instituição de tributo, com exceção dos tributos que exigem lei complementar para a sua instituição, uma vez que a própria constituição no Art. 62, §1ª, III veda a edição das medidas provisórias que tratem de tema reservado à lei complementar. O inciso II do Art.150 trata do princípio da isonomia tributária e no mesmo sentido da isonomia prevista no rol do art.5ª veda o tratamento desigual aos contribuintes que se encontrem em situações equivalentes. Já o art.150, III da Constituição na linha da não-surpresa disciplinou os princípios da anterioridade anual e nonagesimal e o princípio da irretroatividade tributária. Esses são fundamentados na ideia de que o contribuinte precisa fazer o seu planejamento fiscal e para isso precisa de tempo, logo, ao instituir tributos o Estado deve fazê-lo e dá um período mínimo para que o contribuinte possa fazer o seu adequado planejamento. De início, a Constituição previa apenas o princípio da anterioridade anual, sendo a anterioridade nonagesimal específica às contribuições sociais. Dessa forma, não raro, os entes políticos realizavam aumentos tributários nos últimos dias do exercício financeiro e já exigiam o seu pagamento nos primeiros dias do ano seguinte, o que na prática significa desrespeito ao escopo constitucional. Então, a sociedade reclamou e o princípio da anterioridade nonagesimal passou a ser a regra para todos os tributos e não apenas às contribuições sociais. Na sequência, o inciso IV trouxe o princípio da vedação ao confisco, no sentido de que os tributos não podem ser ilimitados, pois do contrário estarão ofendendo ao direito constitucional à propriedade. Segundo a doutrina, o confisco se mostra quando há comprometimento da dignidade da pessoa humana; à prática de atividade profissional e também quando houver comprometimento ao princípio da livre iniciativa empresarial. Segundo o entendimento jurisprudencial, para configurar confisco, os tributos devem ter sido instituídos pelo mesmo ente tributante e cobrados no mesmo período de tempo; conforme entendimento jurisprudencial, a vedação também se aplica às multas. Não obstante, importante destacar que existe entendimento jurisprudencial que esse princípio não se aplica aos tributos com caráter extrafiscal. O inciso V, por sua vez, estabeleceu a proibição de instituir tributos que impliquem limitações ao trafego de pessoas e bens, tem o objetivo de assegurar o direito de ir e vir sem restrições através da cobrança de tributos interestaduais ou intermunicipais, conquanto, a própria Constituição trouxe a faculdade de instituir pedágios. Como política tributária, o inciso VI do Art.150, CRFB, prevê várias hipóteses de não incidência tributária, são proibições de instituição de tributos pelos entes federados a determinadas pessoas ou objetos, são denominadas pela doutrina de imunidades: imunidade recíproca; imunidade religiosa; imunidade aos partidos políticos; entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos; imunidade cultural sobre livros, jornais e periódicos e a imunidades sobre fonogramas e videofonogramas. Estas imunidades serão mais bem tratadas no decorrer dos próximos capítulos. Por fim, é importante destacar o crescente entendimento jurisprudencial de que os princípios e imunidades tributárias se tratam de verdadeiros direitos fundamentais e, portanto, não podem ser restringidos nem mesmo por emenda constitucional.  2. APROFUNDAMENTO E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS 2.1)  Legalidade Consoante a melhor doutrina de José Afonso da Silva, a técnica difere princípio da legalidade e o princípio da reserva legal, uma vez que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador, portanto, incluindo todas as espécies legislativas do Art. 59 da CRFB.  Já a reserva legal exige que a regulamentação de determinadas matérias deva fazer-se necessariamente por lei em sentido estrito. Sendo assim, segundo a jurisprudência dominante, o Art.150, I da CRFB, não se refere ao princípio da reserva legal, uma vez que, a criação e a majoração de tributos podem ser feitos, via de regra, por meio de medida provisória. Quanto à edição de medida provisória para instituir impostos, importante destacar que a eficácia da MP somente ocorrerá no ano seguinte a sua conversão em lei, diferente das demais espécies tributárias em que o marco para a anterioridade é a data da publicação da espécie normativa, conforme inteligência do Art.62, §2ª da CF. Entretanto, interesse julgado do STF, RE 568503/RS, determinou que mesmo se tratando se contribuição social, e não imposto como determina o texto constitucional, o prazo da anterioridade seria contado apenas da lei de conversão da MP quando a majoração de alíquota tiver sido estabelecida somente pela lei de conversão. Observa-se que pesar da Constituição Federal exigir a edição de lei apenas para criação e aumento de tributo, o Art.97 CTN traz outras hipóteses em que a observância desse princípio é obrigatória. Transcreva-se: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”. Como se observa, os incisos I, II estão relacionados ao princípio do paralelismo das formas: criação – extinção de tributo; majoração – redução de tributo. Observa-se que apesar da redação do dispositivo ser anterior a Lei de Responsabilidade Fiscal, está em consonância com o escopo da legislação que institui a observância ao princípio da responsabilidade fiscal. Como requisito obrigatório à responsabilidade fiscal, o Art.11 da LRF prevê a obrigatoriedade de instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente. Nesse sentido, a exigência de lei para a extinção e diminuição das alíquotas dos tributos torna a dispensa de receita tributária mais dificultosa. O inciso IV prevê a observância à legalidade para fixação da base de cálculo. Sobre isso, importante destacar que a mera atualização do valor monetário da base de cálculo não significa aumento do tributo, o que é diferente da modificação da base de cálculo que ultrapassa a mera atualização. A mera atualização pode ser realizada por meio de decreto, já a modificação da base de cálculo se enquadra no inciso IV e exige a edição de lei. Nesse sentido há entendimento sumulado do STJ, súmula 160 do STJ: “é defeso ao município atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”. Isso porque, no entender da Corte, contrariando a autonomia dos entes federativos, a atualização em índice superior seria, na verdade, aumento camuflado do tributo e, portanto, deve observar a legalidade, não podendo ser feito por simples decreto do Poder Executivo. Quanto à base de cálculo, importante destacar o caso específico do IPTU (imposto sobre a propriedade territorial urbana), segundo Helton Kramer, diante da impossibilidade de avaliação individual de cada imóvel urbano, na maioria das situações, o valor venal é definido pela Planta Genérica de Valores, a qual determina o preço do metro quadrado por região. Ocorre que, há julgado do STF declarando inconstitucional a avaliação individual que serve de base de cálculo para exigir o IPTU sobre os imóveis por meio de decreto, pois fere a legalidade, ainda que sejam bens que surgiram posteriormente à planta genérica. Ou seja, mesmo havendo planta genérica, é necessário que haja lei para fazer a avaliação individual, assim como discrimina o art.146, III, a, CF. Importante destacar que, apesar de não haver exceção ao princípio da legalidade quanto à criação de tributos, para resguardar o caráter extrafiscal de determinados tributos, admite-se a majoração por meio de decreto.  Nesse sentido, segundo a CRFB, a majoração das alíquotas do II, IE, IPI e IOF podem ser realizadas por ato do Executivo. Entretanto, ressalta-se que essa exceção é diferente da alteração da CIDE- combustível, pois de acordo com o Art.177, §4ª, I, b, o poder executivo pode reduzir ou restabelecer as alíquotas de CIDE-COMBUSTÍVEL, ou seja, não pode aumentá-las, mas apenas extinguir a diminuição anteriormente concedida. Outra exceção é a definição das alíquotas de ICMS. Com o escopo de evitar a guerra fiscal entre os Estados, a Constituição no Art. 155, §4ª, IV prevê a definição das alíquotas por meio de deliberação entre os Estados, o que se dá por meio de convênio realizado no CONFAZ, podendo haver o aumento de alíquotas de ICMS sem ser por meio de lei.  Por fim, a jurisprudência considera que a alteração do prazo de pagamento de tributo também não precisa observar a legalidade, podendo inclusive haver a antecipação de pagamento por meio de simples decreto. 2.2. Princípio da não surpresa Como antes conceiturado, o princípio da não surpresa é composto pela irretroatividade; anterioridade de exercício e a noventena. Todos eles objetivam garantir que o contribuinte possa realizar o seu adequado planejamento tributário e não sofra impactos desastrosos por conta da criação ou majoração de tributos de vigência imediata. O alcance desses princípios vem sendo acompanhado por várias ponderações jurisprudenciais, destacar-se-á algumas delas. Anterioridade SÚMULA VINCULANTE 50 Em 2015 o STF aprovou a Súmula Vinculante 50, segundo a qual norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita a anterioridade. Esse entendimento é bastante criticado por parte da doutrina, pois de acordo o enunciado, o fisco pode inclusive antecipar a data de pagamento e não haverá ofensa à anterioridade, contrariando o objetivo constitucional que é permitir ao contribuinte tempo hábil para que este organize as suas finanças.  Entretanto, diante da força vinculante do enunciado, a extinção desse entendimento só poderá ser feita por cancelamento da súmula ou reação congressual, ou seja, lei editada pelo legislativo que contrarie esse entendimento, uma vez que o Poder Legislativo na sua função típica de legislar não fica vinculado aos enunciados das súmulas vinculantes. Como visto antes, a jurisprudência também considera que o prazo para pagamento de tributos também é exceção à legalidade. Logo, o Supremo perdeu a oportunidade de também tornar esse entendimento vinculante, pacificando o tema, pois no enunciado da súmula 50 poderia ter especificado tratar-se de exceção à legalidade e à anterioridade, diminuindo a insegurança jurídica. REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL A consequência imediata da revogação de um benefício fiscal é o aumento do tributo, logo, o coerente seria que essa política também devesse observância ao princípio da anterioridade. Ocorre que, havia entendimento pacífico no sentido de desnecessidade de respeito à anterioridade. O STF entendia que o benefício fiscal é vinculado à política econômica que pode ser revista pelo Estado a qualquer momento e, portanto, não deve respeito à anterioridade. Ocorre que, em setembro de 2014, a 1ª turma do STF decidiu de modo diametralmente oposto, entendeu que o ato normativo que revoga benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo e, portanto, está sujeito ao princípio da anterioridade tributária. O Ministro relator, Marco Aurélio, ressaltou que toda alteração do critério quantitativo do tributo que implique aumento da alíquota deve ser entendida como majoração e, portanto, a extinção de benefício teria o mesmo resultado do aumento de tributo, devendo observar a anterioridade. Ademais, importante destacar o Art.104, III, CTN, segundo o qual, entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação as leis referentes aos impostos que extinguem ou reduzem isenções. Ou seja, a própria legislação dá sinais de que a revogação das isenções deve respeito à anterioridade. Entretanto, como não se trata de decisão do plenário, não é possível afirmar que houve superação do entendimento antigo e pacificação da jurisprudência.  IRRETROATIVIDADE – Súmula 584 do STF Na contramão da irretroatividade, o STF tem considerado a noção puramente formal de fato gerador, desse modo, consagrou a súmula 584: “ao Imposto de Renda calculado sobre os vencimentos do ano base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deva ser apresentada a declaração”. Para entender a súmula, importante uma breve digressão sobre a classificação dos fatos geradores. Os fatos geradores podem ser classificados como instantâneos ou periódicos. No primeiro caso, o fato gerador se concretiza em um único momento, evento preciso. Já nos periódicos, o fato gerador se prolonga ao longo do tempo, ex: IPTU E IR. O fato gerador periódico ainda se subdivide em simples, quando decorre de um único evento, ex: ser dono de propriedade predial e territorial urbana; composto ou complexivo, quando decorre de diversos eventos, ex: recebimento mensal de renda. Para os fatos geradores periódicos, a lei, por ficção jurídica, estabelece o momento em que ocorre a completude e perfeição do fato gerador, o que faz com que possam ter tratados como instantâneos. Nesse sentido, de acordo com o entendimento sumulado, uma lei editada nos últimos dias do exercício financeiro que majore as alíquotas de imposto de renda, e que, portanto, já pode ser aplicada ao próximo exercício financeiro, uma vez que, o imposto de renda não observa noventena, pode incidir sobre a aferição de renda do ano anterior, pois se considera a lei vigente do ano de declaração. Vê-se que esta súmula constitui uma clarividente ofensa a irretroatividade. Logo, existe polêmica sobre se ainda tem validade, não obstante, o entendimento que prevalece no STF é de que a súmula ainda está em vigor.  A justificativa apontada pela Suprema Corte é que o fato gerador do imposto de renda somente ocorre no dia 31 de dezembro de cada ano. Ocorre que, essa definição de fato gerador se trata de uma ficção jurídica, pois, na verdade, os eventos já ocorreram durante todo o exercício financeiro; a lei instituiu essa data apenas para facilitar a cobrança e determinar a lei aplicável. Sendo assim, se a lei aplicável é a vigente no ano da declaração, estará atuando retroativamente sobre fatos geradores passados. Mas não é esse o entendimento da corte, pois considera suficiente que a lei seja anterior ao dia 31 de dezembro de cada ano para já incidir sobre os rendimentos mensais do mesmo. Entretanto, importante destacar que o STF, recentemente reconheceu exceção à súmula 584, por meio do RE 592396/SP. Segundo o julgado noticiado no informativo 810, é inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no ano anterior. Em resumo, a corte entendeu que a súmula não se aplica quando o tributo tem função extrafiscal. IRRETROTATIVIDADE E O ART. 106 DO CTN A constituição federal não prevê exceções ao princípio da irretroatividade. No entanto, o Art.106 do CTN traz casos em que a legislação tributária terá aplicação retroativa, porém não são exceções à irretroatividade, pois não constituem hipóteses em que seja possível cobrar tributos ou majorar alíquotas antes do início da vigência da lei. A primeira hipótese é quando se tratar de lei expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados. Já a segunda hipótese ocorre quando a lei deixa de tratar determinado fato como infração e como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, então será possível haver aplicação de lei nova retroativamente ao ato não definitivamente julgado, desde que o ato não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo.  E, por fim, a terceira hipótese se dá quando a lei comine a determinado fato penalidade menos severa que a lei vigente ao tempo da prática do ato. Importante destacar que a irretroatividade se refere apenas a leis que tratam de infrações e suas respectivas punições. Dessa forma, não haverá retroatividade da lei que disponha sobre tributos, seja para melhor ou pior. Sendo assim, a interpretação retroativa de leis não pode ser utilizada para excluir a cobrança de tributos. Por fim, a jurisprudência do STJ define que o julgamento definitivo, para fins de aplicação da lei tributária mais favorável, como o momento após a fase de arrematação; adjudicação ou remição. 2.3. Vedação ao confisco – art.150, IV, CF Trata-se de princípio associado ao direito fundamental à propriedade, previsto na CF que, segundo Eduardo Sabbag, é direcionado em primeiro plano ao legislador infraconstitucional e numa perspectiva ulterior ao intérprete e aplicador da lei.  Como visto antes, os tributos têm relação direta com os direitos fundamentais, uma vez que não há como cumprir direitos prestacionais sem recursos financeiros. Entretanto, nenhum direito é absoluto, dessa forma, o ente público não pode tributar desarrazoadamente o cidadão, sob pena de infringir o direito à propriedade. Ademais, o confisco de bens somente é possível em hipóteses excepcionais que estão expressamente dispostas na constituição e dentre as quais não se inclui a tributação. Importante destacar que o Estatuto da Cidade, amparado pelo Art.182 da CF, prevê o aumento progressivo de IPTU como forma coercitiva ao proprietário de imóvel urbano que não esteja cumprindo a sua função social, para que assim o faça, podendo chegar até a alíquota máxima de 15%. Nesse sentido, existe corrente da doutrina que defende ser possível haver o caráter confiscatório dos tributos que tenham função extrafiscal. Já outra parte da doutrina entende que não há confisco ao estabelecer esse percentual. A divergência decorre da ausência de caráter objetivo para definir a partir de qual o percentual é considerado confisco. Segundo Sabbag, a doutrina tem se resumido a definir confisco como o que exceder a capacidade contributiva, o que deixa margens para amplas interpretações. Sabbag cita Ives Granda, segundo este, a linha de atuação do princípio da vedação ao confisco se estende por dois pontos limítrofes e opostos: parte-se do nível ótimo de tributação, em que o tributo é possível e razoável, chegando-se ao extremo oposto, ponto de invasão patrimonial, quando a cobrança será excessiva. Nesse sentido, o respeito ao princípio do não confisco estaria no centro dos opostos. A jurisprudência também tenta delimitar os contornos desse princípio, já tendo sido firmados alguns entendimentos. Segundo o entendimento prevalente, a partir de julgado do STF, o confisco deve ser aferido a partir da soma de toda a tributação devida ao mesmo ente. Logo, não seria correto aferi-lo isoladamente, apenas levando em consideração determinado tributo. Não obstante, segundo entendimento da Corte, deve-se observar em separado a instituição pela mesma pessoa política. Sendo assim, não interessaria, por exemplo, se a soma dos tributos estaduais e municipais é confiscatória, pois o entendimento é que só haverá confisco se a soma dos tributos estaduais ou municipais, isoladamente considerados, assumir resultado exorbitante. O entendimento firmado pela Corte, apesar de tentar salvaguardar a autonomia dos Entes federativos, não parece fazer sentido para garantia constitucional do não confisco, uma vez que o patrimônio atingido é o mesmo, independente do ente político que esteja realizando a cobrança. Conquanto, apesar dos esforços doutrinário e jurisprudencial, vê-se que os contornos dessa cláusula aberta ainda estão bastante carentes de delimitação, o que acaba esvaziando o efeito dessa garantia constitucional. Uma vez que milita o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, é difícil ao intérprete declarar determinado tributo contrário ao não confisco sem que haja critérios objetivos de definição. 3. A repartição constitucional das competências tributárias e Imunidade tributária recíproca 3.1. O Federalismo O Brasil incorporou, com temperamento, a forma de Estado norte-americana denominada de Federalismo. O Federalismo instituiu o modelo de organização dos Estados em que convivem um poder central e vários poderes autônomos distribuídos entre outros entes políticos de menor dimensão territorial, porém, não dotados de independência, o que impede que haja o direito de secessão. Os Estados que adotaram esse modelo tem ainda como característica básica a titularidade da soberania, sendo esta o poder de autodeterminação plena, livre de interferências de poder interno ou externo, exclusiva do Estado Federado como um todo, ou seja, apenas o Poder Central detém a soberania. Em contrapartida, os demais entes federados detém autonomia, que significa a capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano. Segundo Gilmar Mendes, a principal finalidade do federalismo seria a tentativa de resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisões que afetam o país como todo. Além disso, também teria a função de reduzir os poderes excessivamente aglutinadores da União. Na criação do Estado Federal Brasileiro, houve o “temperamento” do modelo original por meio da inclusão dos municípios no grupo dos entes federativos. Segundo o modelo brasileiro, existe um poder descentralizado de 2ª grau, uma vez que os municípios detém autonomia, porque possuem Poder Executivo e Poder Legislativo próprio e contam também o poder de auto-organização, por meio das leis orgânicas.  Ocorre que, o Estado brasileiro foi originado de processo centrífugo. Isso significa que inicialmente havia apenas um centro de poder que foi repartido entre os entes federativos menores, então gerou um modelo de Estado federal cheio “imperfeições”, o que a doutrina denomina de federalismo assimétrico. O federalismo assimétrico decorre da clara prevalência de poderes da União, inclusive no Poder Econômico, uma vez que, dentre outros motivos, esse ente detém a maior capacidade tributária, em detrimento dos Estados e Municípios. Os municípios claramente estão em situação de desarmonia com o sistema, uma vez que, contrariando o modelo original, não têm representantes no Senado Federal, o que é típico de um ente federado. Outra distorção é o fato dos municípios não terem Poder Judiciário, enfraquecendo o seu poder de auto-organização. Não obstante, apesar de imperfeito, o federalismo brasileiro foi importante para livrar o país das amarras criadas pelo autoritarismo de um Poder Central Unificado e garantir que, pelo menos em termos, a democracia pudesse existir.  Nesse sentido, o Constituinte de 88 em vários momentos tratou com bastante cuidado o princípio do pacto federativo e a independência dos entes federativos. O princípio está disposto logo no art.1ª, caput da Constituição de 88 ao prevê que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel da União, Estados e municípios. E mais ainda observa-se a deferência ao princípio constitucional quando o constituinte elegeu a forma federativa de Estado como cláusula pétrea. 3.2. O Federalismo e a tributação VÍCIOS DO FEDERALISMO: BITRIBUTAÇÃO E BIS IN IDEM Como a federação pressupõe divisão de competências legislativas e materiais, o poder de tributar está diretamente relacionado à autonomia dos entes federativos. Ora, como poderia um ente cumprir as suas competências materiais determinadas pela constituição se não obtivesse receita própria? Visando impedir ofensas ao pacto federativo, a Constituição criou rígidos mecanismos de divisão de competências tributárias, de modo que no polo ativo da obrigação tributária não é possível haver solidariedade como é possível no polo passivo. Ocorre que, não raro existem conflitos de competência, uma vez que determinadas situações podem ser enquadradas como fatos geradores de mais de um tributo de competência de entes federativos diversos ou mesmo de tributos de competência do mesmo ente. Essas situações dão origem a dois vícios tributários: a bitributação e o bis in idem. Ocorre bis in idem quando o mesmo ente tributante edita diversas leis instituindo múltiplas exigências tributárias sobre o mesmo fato gerador. Essa situação, apesar de aparentemente infringir o princípio da vedação ao confisco, não é impedida constitucionalmente.  Nesse sentido, a União, por exemplo, tributa o lucro auferido por uma empresa pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e ao mesmo tempo tributa esse fato gerador com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Já a bitributação ocorre quando entes diversos exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador. Trata-se de situação totalmente contrária ao ordenamento, pois a Constituição prevê um rígido sistema de repartição de competências. Entender de modo diferente seria ofensa ao princípio do pacto federativo. Atento a isso, o constituinte de 88 no Art.146, I, CRFB, previu a edição de lei complementar para regular o conflito de competência em matéria tributária. Não obstante, segundo leciona Ricardo Alexandre, não configura ofensa ao pacto federativo as hipóteses excepcionais de bitributação previstas constitucionalmente. A primeira exceção decorre da competência extraordinária conferida à União de estabelecer os impostos extraordinários em caso de iminência ou de guerra externa, pois a constituição permite que estejam ou não compreendidos na competência tributária da União. A outra exceção decorre de casos envolvendo Estados-nações diversos, o que ocorre principalmente nos tributos incidentes sobre a renda. Ricardo Alexandre cita como exemplo alguém que reside no Brasil, mas recebe rendimentos de trabalho realizado no Uruguai. Nesses casos, o autor prevê como solução a celebração de tratados internacionais. VÍCIOS DO FEDERALISMO: Prevalência da União na arrecadação tributária Ocorre que, como antes exposto, no federalismo brasileiro existe uma clara prevalência da União em relação aos demais entes, então para tentar “corrigir” essa falha do sistema, o constituinte de 88 criou o sistema de repartição das receitas tributárias, disposto no Art.157 e ss. da CF. A União como maior arrecadadora tem a imposição constitucional de dividir seus impostos com os Estados e Municípios e os Estados, por sua vez, são obrigados a dividir um pouco do que arrecadam e um pouco do que recebem por transferência da União com os municípios. Quanto aos repasses obrigatórios, importante destacar a redação do Art.160, CRFB, segundo o qual é vedado a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego de recursos dos repasses obrigatórios aos Estados, Distrito Federal e municípios, incluindo os adicionais e acréscimos relativos aos impostos. Segundo decidiu o STF, nesses adicionais se inclui a multa moratória, porém, não está incluída a multa punitiva. 3.3. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA Outro mecanismo criado pelo constituinte para diminuir ou impedir o aumento da assimetria entre os entes federativos foi o princípio da imunidade tributária recíproca, disposto no Art.150, VI, a, CF. Leciona Hugo de Brito Machado que a imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência da lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas. Nessa linha, Sabbag conceitua imunidade como um tipo de incompetência tributária. Com relação especificamente a imunidade tributária recíproca, trata-se de hipótese de não incidência tributária que inibe a existência do próprio fato gerador de impostos em relação aos entes federativos, com a nítida intenção de impedir que haja repressão e favoritismo entre os entes. Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, é instrumento de preservação e calibração do pacto federativo, impedindo que os impostos sejam utilizados como instrumento de pressão indireta de um ente sobre o outro. Destaca-se que esta imunidade se refere apenas aos impostos, uma vez que, como visto antes, são os tributos que não são dotados de referibilidade, ou seja, não estão atrelados a nenhum serviço específico, como ocorre com as taxas.  Logo, segundo a doutrina, é perfeitamente possível e pelo princípio da responsabilidade fiscal, é até mesmo obrigatório que um ente faça o lançamento de taxa, por exemplo, em relação ao outro ente. Segundo Eduardo Sabbag, trata-se de uma imunidade subjetiva ou pessoal, outorgada em função da condição da pessoa e uma imunidade ontológica, pois decorre da força dos princípios que edificam o texto constitucional. A imunidade recíproca quanto dos impostos foi prevista aos entes federativos sem restrições. Já a imunidade recíproca extensiva, como classifica a doutrina, é a prevista no Art.150, §2ª às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, sendo essa restrita a renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais, por isso a doutrina também a denomina de condicionada. Ressalta-se que a condição da renda/serviço ser vinculado à atividade essencial não é exigida para os entes políticos. O art.150, §3ª veda expressamente que haja a concessão da imunidade recíproca à exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados, trata-se de uma forma de garantir o princípio da livre concorrência e respeitar o Art.173, §2ª da CF. Conquanto, flexibilizando a previsão constitucional, o STF estendeu a imunidade prevista no Art.150, VI,a, CF, às Empresas Públicas e Sociedades de Economia mista prestadoras de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado.  Esse entendimento foi firmado no RE 407.099/RS e AC 1.550-2. Nesse sentido, o STF entendeu devida a imunidade à Sociedade de Economia mista que prestava serviço público de abastecimento de água e esgoto. No caso da imunidade recíproca conferida às sociedades de economia mista, poder-se-ia questionar o fato haver particulares envolvidos no quadro societário que seriam beneficiados pela imunidade, contrariando o princípio da livre concorrência. Então, com o escopo de evitar inconstitucionalidade, o STF levou em consideração a participação relativa do capital privado quando comparado com a participação do ente público detentor do controle acionário, se a participação privada for mínima, a imunidade não estaria prejudicada. Em 2013, o STF adotou entendimento ainda mais abrangente, entendeu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é imune em relação a todas as suas atividades, inclusive quando realiza atividades sujeitas à livre concorrência e até mesmo em atividades que não se enquadram como serviço público. A Corte utilizou como argumentos: os Correios se sujeitam a um conjunto de restrições não aplicáveis à iniciativa privada, como licitação; obrigatoriedade de concurso e controle do TCU; prestam serviço de forma exclusiva em muitos lugares da federação que não são atrativos para a iniciativa privada, atuando na maioria das vezes de forma deficitária; a prestação do serviço postal está passando por momento de baixa, o que torna a ECT ainda mais deficitária. Logo, no entender da Corte, a imunidade ampla conferida aos Correios, seria uma forma de compensar os serviços públicos de ampla cobertura realizados por imposição constitucional que nem sempre seriam capazes de se auto custear. Logo, haveria uma espécie de “subsídio cruzado”, pois as atividades lucrativas estariam financiando os serviços essenciais. Importante destacar que ao contrário das Empresas Públicas e Sociedades de Economia mista, as concessionárias, mesmo quando prestam serviços públicos, não são beneficiárias da imunidade recíproca, uma vez que, são empresas privadas que desempenham atividades em busca do lucro. Interessante julgado do STF (RE 599.176/PR) concluiu que a imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão na hipótese em que o sujeito passivo era contribuinte regular do tributo devido. Esse último entendimento foi utilizado para impedir a imunidade recíproca da União em relação às dívidas com o fisco municipal da antiga RFFSA, sociedade de economia mista federal que foi extinta, tornando-se a União sua sucessora legal. Por fim, importante destacar que o entendimento da Suprema Corte no sentido de que a imunidade leva em consideração apenas o contribuinte de direito. Ou seja, não tem relevância o fato de o ICMS ser pago indiretamente pelo consumidor de produto vendido por ente imune, pois o que interessa para fins de imunidade é que o ente imune seja formalmente integrante da relação jurídico-tributária. Esse entendimento restou consolidado com a edição da Súmula 591, STF: “A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte de IPI”. 4. OFENSA AO PACTO FEDERATIVO? ANÁLISE DE ALGUNS INSTITUTOS Como visto antes, o pacto federativo é muito importante para a manutenção da harmonia do sistema, sendo um importante mecanismo de impedimento ao autoritarismo.  Nesse sentido, o constituinte de 88 deu importância máxima ao instituto ao elegê-lo como cláusula pétrea (Art.60, §4ª, I). Não obstante, a edição da constituição de 88 não significou a desconsideração automática de todo o ordenamento jurídico anterior. Nesse sentido, muitas normas anteriores quando materialmente compatíveis com a nova ordem constitucional passaram pelo fenômeno constitucional denominado de recepção e continuam vigentes. Leciona Gilmar Mendes que a recepção corresponde à revalidação das normas que não conflitam materialmente com a nova ordem constitucional, não sendo relevante eventual incompatibilidade formal. O autor cita Kelsen, segundo o qual a recepção trata-se de um procedimento abreviado de criação do direito, no qual as leis anteriores permanecem válidas, porém com novo fundamento, de modo que apenas o conteúdo é o mesmo. Dessa forma, entendeu o STF que as normas anteriores que fossem incompatíveis materialmente sofreriam revogação, não sendo hipótese de inconstitucionalidade superveniente como defendeu o Ministro Sepúlveda Pertence.  O STF adotou a tese da revogação por meio da não recepção, sob o argumento de que a constitucionalidade deve ser aferida no momento da criação da norma. Sendo assim, a Corte entendeu normas anteriores que forem compatíveis com o parâmetro constitucional da época em que foram editadas não podem ser declaradas inconstitucionais, uma vez que a inconstitucionalidade significa declaração de nulidade da norma, produzindo, via de regra, efeitos retroativos. Por conta desse posicionamento, a doutrina defende que o Brasil não aceita o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente. Pois bem, o Código Tributário Nacional foi editado antes da Constituição de 88, ainda em 1966 com o status de lei ordinária.  Ocorre que, como antes exposto, para que ocorra o fenômeno da recepção apenas tem relevância a compatibilidade material. Nesse sentido, entendeu-se que o CTN seria compatível materialmente com a Constituição, então o mesmo foi recepcionado e passou a vigorar com o status de lei complementar, assim como exigiu o texto constitucional por meio do art. 146 da CRFB. Ocorre que, a princípio, a recepção do código foi feita na sua integralidade. Entretanto, coerentemente, aos poucos a Suprema Corte foi declarando que alguns dispositivos do CTN não foram recepcionados. Não obstante, ainda vigoram alguns institutos que parecem conflitar com o sistema constitucional, em especial ao pacto federativo, tão caso a nova ordem constitucional. Analisar-se-á a partir de então alguns destes. 4.1) MORATÓRIA GERAL A moratória faz parte do rol do Art.151 do CTN, consiste em hipótese de suspensão do crédito tributário. Conceitua Eduardo Sabbag que a moratória é uma dilação legal para pagamento de tributos, prevista em lei, submetendo-se, portanto, ao princípio da estrita legalidade, conforme prevê o Art.97 do CTN. O instituto já existia antes da LC 104/2001 que instituiu o parcelamento, por isso existe doutrina que entende que a moratória seria “o parcelamento de ontem”. A semelhança ainda é maior quando se trata de moratória parcelada, em que além da dilação de prazo, existe a possibilidade de parcelamento do crédito tributário.  Não obstante, os dois institutos continuam válidos e não se confundem. O parcelamento é política fiscal corriqueira, enquanto a moratória é medida excepcional que inclusive pode dispensar o pagamento de juros e multa, o que não ocorre, via de regra, com o parcelamento. A moratória pode ser concedida diretamente por lei, ocorre quando é concedida em caráter geral. Dessa forma, a dilação de prazo é automática, pois decorre da lei. E também pode ser de caráter individual, quando para obter o benefício, o sujeito passivo tenha que comprovar determinados requisitos previstos em lei. Nesse último caso, não pode haver a alegação de direito adquirido, pois se o sujeito deixar de cumprir os requisitos, o benefício será “revogado” de ofício (Art.155, caput).  Observa-se que o legislador utilizou o termo “revogação” com falta de técnica, uma vez que o correto seria anulação, pois a revogação ocorre quando há análise de conveniência e oportunidade e não de legalidade, como ocorre no caso em comento. Então quando há a “revogação da moratória” o crédito deve ser imediatamente cobrado acrescido de juros de mora, podendo ainda haver a imposição de penalidade, caso haja prova de simulação ou dolo do beneficiado ou de terceiro em favor daquele. Além disso, caso haja comprovação de simulação ou dolo, haverá suspensão da prescrição no período compreendido entre a concessão da moratória e sua “revogação”.  Entretanto, maior afronta ao ordenamento ocorre na previsão da moratória geral. A moratória geral pode ser de dois tipos: autônoma ou heterônoma. No primeiro caso, o ente instituidor do tributo concede a moratória para o pagamento dos seus próprios tributos. Já a moratória heterônoma, trata-se de aberração constitucional, uma vez que viola flagrantemente o princípio do pacto federativo ao admitir que a União conceda moratória geral em face de todos os tributos, incluindo os estaduais; distritais e municipais. O dispositivo é uma herança nefasta de um período de autoritarismo e centralização de poder. Representa uma patente ofensa ao Art.151, III, CF que impede a União de conceder isenção aos tributos estaduais, distritais e municipais, o que a doutrina denomina de isenção heterônoma, dispositivo que está em total conformidade com o federalismo. Na verdade, a moratória geral contraria todo o ordenamento constitucional, uma vez que, permite a União interferir violentamente na autonomia dos demais entes federativos.  Ora, como o ente poderá cumprir as suas obrigações constitucionais previstas nas competências materiais da CF, se não obtiver a arrecadação tributária no momento devido? É clarividente que não é possível haver esse tipo de invasão. Nesse sentido entende Eduardo Sabbag. Não é lógico que a constituição enalteça o princípio do federalismo tornando-o cláusula pétrea e estabeleça as competências materiais e legislativas de cada ente e ao mesmo tempo uma lei infraconstitucional admita que a União interfira unilateralmente no planejamento dos outros entes. Os defensores do dispositivo entendem que se trata de medida excepcional o que justificaria a invasão de competência alheia; alegam também que é condicionada, pois tem como requisito a dilação de prazo para pagamento dos tributos de competência da própria União e de todos os demais entes, nesse sentido entende Hugo de Brito Machado.  Ocorre que, a definição do que é excepcional não é exata, podendo a União utilizar o instituto como forma de centralização de poder, uma vez que muitos municípios não tem outra fonte de receita, o que é um absurdo jurídico e político.  Sendo assim, não é possível admitir que tal previsão ainda persista no ordenamento, pois representa um perigo latente ao equilíbrio do sistema. Infelizmente, nunca houve uma análise mais detalhada do instituto pelo STF, uma vez que o dispositivo nunca foi aplicado. Logo, cumpre a doutrina continuar defendendo a não recepção do mesmo, pois quando houver um surto de autoritarismo, o judiciário deve ter respaldo e amparo para poder reprimi-lo. 4.2. Isenção por meio de tratados internacionais A polêmica em torno dos tratados internacionais em matéria tributária gira sobre duas questões. Primeiramente, a redação atécnica do Art.98 do CTN pode causar confusões ao intérprete e outro ponto polêmico é a possibilidade de a União celebrar tratados internacionais concedendo isenções sobre tributos dos outros entes federativos, discutir-se-á um pouco sobre isso. O Art. 98 do CTN parece prevê total supremacia dos tratados internacionais frente à legislação pátria ao regular que aqueles revogam e modificam a legislação interna, além de gerarem a obrigação de observância pela legislação interna superveniente. Ocorre que, a doutrina e a jurisprudência já se encarregaram de realizar o devido temperamento. Nesse sentido, o STF pacificou o entendimento de que os tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos tem o status de lei ordinária e, portanto, caso uma lei posterior contrarie determinado tratado, equivalerá à denúncia do mesmo, o que plenamente possível. O mesmo entendimento também se aplica aos tratados em matéria tributária. Logo, é plenamente possível que uma lei posterior que contrarie um tratado internacional tributário, na verdade esteja realizando a sua denuncia. Ademais, os tribunais tem entendido que o termo “revogação”, disposto na redação do Art.98 do CTN, deve ser interpretado como “suspensão de eficácia” para as hipóteses específicas disciplinadas pelo tratado. Desse modo, o tratado prevalece sobre a legislação interna de forma restrita e a justificativa não é o suposto status superior do mesmo, mas apenas a observância da técnica hermenêutica da especialidade.  Logo, caso decida-se denunciar o tratado, a legislação interna volta a ter ampla eficácia. Se fosse o caso de revogação, não seria possível o retorno automático da legislação anterior, uma vez que o ordenamento proíbe o efeito repristinatório, salvo previsão em contrário. Quanto ao segundo questionamento, a possibilidade de celebração de tratados dispondo sobre isenções de tributos da competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, existe muita polêmica, uma vez que pode ser interpretado como isenção heterônoma, o que, conforme visto, é vedado pelo Art.151, III da CRFB, além de significar ofensa ao pacto federativo. Ocorre que, apesar de aparentemente, tratar-se de ofensa aparente, uma vez que, quando realiza tratados internacionais, a União atua como pessoa jurídica de direito público internacional. Além disso, apesar de a Constituição prevê que cumpre o chefe do executivo federal assinar os tratados internacionais, os mesmos são ratificados pelo Congresso Nacional que contém representantes de todos os Estados. Entendimento contrário dificultaria as relações internacionais que são fundamentais em um mundo cada vez mais globalizado. Ademais, Ricardo Alexandre ressalta que os tratados internacionais em matéria tributária normalmente trazem acordos visando evitar a bitributação internacional e estatuir regras de cooperação internacional para evitar a evasão fiscal. Logo, devem ser firmados visando o benefício de todos os entes federativos, não configurando ameaça ao pacto federativo. Nesse sentido, o STF no julgamento do RE 229.096, firmou o entendimento de que a isenção de ICMS relativa à mercadoria importada de país signatário do GATT, quando isento o similar nacional, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, não se aplicando a limitação prevista no artigo 151, III, da Constituição Federal, que prevê a isenção heterônoma (ARE 831170 AgR, relator(a): ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 7/4/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-075 DIVULG 22-04-2015 PUBLIC 23-04-2015). Não obstante, importante destacar entendimento contrário do STJ no RESP 90.871/PE, quando o Tribunal entendeu que a União não poderia firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexistente lei estadual em tal sentido. 4.3. Alíquotas de ISS O ISS é um tributo de competência municipal que tem como fato gerador a prestação de serviços definidos em lei complementar. Além disso, o Art.156, §6ª da CRFB também reserva à lei complementar, a fixação das alíquotas mínimas e máximas de ISSQN. Ocorre que a lei complementar que regulamenta o mesmo, LC 116/03, não dispõe sobre as alíquotas mínimas. Dessa forma, a regulamentação é atualmente feita por meio do Art.88 da ADCT. Por meio do dispositivo, o poder constituinte derivado dispõe que enquanto não houver lei complementar regulamentando, o ISS terá alíquota mínima de 2% e, além disso, não poderá haver a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais que resultem direta ou indiretamente na redução da alíquota mínima. Vê-se que existe clara ofensa à autonomia do ente municipal. A doutrina que entende de modo contrário defende que o objetivo seria evitar a guerra fiscal entre os municípios. No entanto, o constituinte originário não fez tal previsão, como fez para o ICMS. Sendo assim, apesar de não haver decisões dos tribunais superiores, entende-se que o Art.88, ADCT restringe excessivamente a autonomia municipal e como se trata se obra do Poder Constituinte derivado pode-se defender que o dispositivo tem constitucionalidade duvidosa, pelos mesmos motivos já expostos para a moratória geral. Conclusão Infelizmente, o contexto político e econômico do Brasil não é dos melhores: esquemas de corrupção noticiados a todo o momento, queda da bolsa de valores, desvalorização do real frente o dólar, inflação, violência urbana crescente, serviço público de saúde precário, educação insuficiente, dentre outras mazelas que vem afetando o Estado Democrático de Direito brasileiro. Tudo isso gera muita indignação na população que não vê o retorno dos seus tributos em melhorias sociais. Tem-se a impressão de que pagar tributos é verdadeiro confisco, o que contraria a essência dos tributos que segundo o Art.9ª da Lei 4.320/1964, seria destinar-se ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas pelos entes federativos. Não obstante tamanha crise, existem ferramentas jurídicas para impedir abusos e permitir a saída das crises. No entanto, depende de todos, exigir a atuação das instituições e também agir nesse sentido, respeitando as leis e a Constituição. A Constituição da República de 1988 não é apelidada de Constituição cidadã à toa, é até excessiva, sendo taxada de analítica, porque é demasiadamente regulatória. Entretanto, de nada adianta a regulamentação perfeita sem que haja força normativa. Felizmente, o Poder Judiciário tem trabalhado na tentativa de pôr em prática os mandamentos constitucionais, por meio, principalmente, das ações constitucionais. No caso específico do objeto deste trabalho, a jurisprudência tem aperfeiçoado a previsão constitucional dos limites ao poder de tributar, traçando os seus contornos e, apesar de ainda haver muita desinformação, isso tem sido noticiado de maneira mais aberta. Conquanto, os Poderes, e não apenas o Poder Judiciário, precisam de subsídios doutrinários e científicos para atuar, por isso é tão importante a pesquisa constante na ciência jurídica. Quanto aos conflitos de competência tributária, são ameaças à instabilidade do federalismo tão caro ao Estado constitucional brasileiro que foi elevado ao mais alto patamar da legislação do ordenamento: cláusula pétrea.  Nessa lógica, o estudo sobre do direito constitucional tributário sempre foi de alta relevância, porém, hodiernamente, torna-se não apenas relevante, mas imprescindível.  Isso ocorre, porque, infelizmente, a história mostra que as aberrações tributárias são causa e/ou consequência de crise política, a inconfidência mineira, por exemplo, teve como estopim o aumento excessivo da carga tributária sobre o ouro. Para evitar mais crises, o momento deve ser de utilizar os tributos como aliados, tanto para a população que é carente na garantia dos seus direitos fundamentais, quanto para o Estado que precisa superar as crises e para isso precisa de recursos. A ciência deve contribuir para isso, logo, deve-se pesquisar e estudar a fundo a jurisprudência levando ao conhecimento de mais pessoas os seus direitos e tão importante quanto, das suas obrigações.  Ante o exposto, o presente trabalho tem o escopo de auxiliar o esclarecimento da jurisprudência sobre a matéria tributária já explicitada, além de buscar soluções para auxiliar, quem sabe, a superação desse estado de coisas inconstitucionais que o Brasil está vivenciando.
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Uma análise das sanções políticas no direito tributário
O Direito Tributário Sancionador é um sub-ramo do Direito Tributário responsável pelo estudo das sanções, que são aplicadas quando há o descumprimento de uma obrigação tributária. Em consonância com o princípio constitucional da legalidade, toda matéria relativa à tributação, incluindo essas sanções, deverá ser previamente disposta em lei. As sanções aplicadas no âmbito do direito tributário, quando não tipificadas em leis penais, são pecuniárias (multas). Contudo, em nosso cotidiano, presenciamos a aplicação da denominada sanção política. Essa espécie de sanção não observa os direitos e garantias fundamentais do indivíduo e os princípios constitucionais. Portanto, a prática das sanções políticas representa verdadeiro arbítrio da Administração, devendo ser rechaçada sempre que identificada.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta pesquisa acerca das sanções políticas tributárias, que consistem em sanções comumente aplicadas pela Administração como meio de coagir o contribuinte que se encontra em débito com o Fisco, a quitar suas obrigações. Como resultado dessa coação, o contribuinte se vê privado de seus direitos, e de consequência tem o exercício de suas atividades comerciais prejudicado, ou mesmo impedido. A norma instituidora dos tributos traz como uma de suas principais características a compulsoriedade[1], que consiste na obrigação de dar dinheiro ao Estado, logo, é obrigatória e deve ser cumprida por todos aqueles que praticam o respectivo fato gerador. Essa mesma norma também deverá trazer a previsão de uma sanção no caso do descumprimento da obrigação tributária, e que será aplicada com diversos objetivos, dentre eles: pedagógico/didático, preventivo, punitivo e indenizatório. O Direito Tributário Sancionador é o ramo do Direito Tributário responsável pelo estudo das sanções tributárias, e como tal, conceitua as variadas formas de sanções, sempre observando a Constituição e as leis, e a hierarquia existente entre elas. A República Federativa do Brasil é regida pela Constituição Federal de 1988, que instituiu a tripartição de poderes, independentes e harmônicos entre si, em que cada um possui uma competência designada em lei. A Lei Maior também determina que, via de regra, cabe ao Poder Judiciário a aplicação de restrições aos direitos do indivíduo, salvo a possibilidade de a Administração executar restrições, desde que observados os direitos e garantias individuais, de conteúdo também constitucional. Vale destacar que os atos normativos editados devem observar os preceitos constitucionais, e, por isso, o legislador editou a Lei de Execução Fiscal (Lei n° 6830/80), que trata da forma de efetuar cobranças de créditos tributários. Portanto, conforme o princípio da legalidade, é por meio deste ato normativo que as cobranças de tributos deverão ser realizadas. As sanções políticas, objeto da pesquisa, são aplicadas pela Administração com a justificativa do poder de polícia fiscal, consistente nas prerrogativas que a Administração possui de condicionar e limitar o exercício de atividades e/ou propriedades pelos particulares em nome do interesse coletivo. Indubitavelmente o poder de polícia tem fundamental importância para a defesa da coletividade, na medida em que é responsável pela fiscalização das atividades relativas à segurança, à higiene, à ordem, dentre outros. Contudo, a validade desses atos praticados encontram limitações na lei, observadas também a razoabilidade, a proporcionalidade e a responsabilidade. No caso das sanções políticas, verificamos que os referidos princípios não são observados, haja vista que a lei que trata do assunto determina que para a cobrança de tributos é necessário o ajuizamento de ação de execução fiscal. Infelizmente ainda presenciamos em nosso cotidiano a prática das sanções políticas, amparadas por atos normativos editados pela Administração e que são contrários aos preceitos constantes nas garantias fundamentais do indivíduo. Este comportamento adotado pela Administração é reprovado pela doutrina, conforme será exposto durante o trabalho. Neste mesmo sentido, a jurisprudência pátria repele a aplicação desse tipo de sanção, tanto é que o Supremo Tribunal Federal a denominou de execução política, exatamente tratar-se de uma medida ilegal e desarrazoada.. Em razão da prática constante dessas sanções e sua condenação por parte dos tribunais, foram editadas súmulas pela Suprema Corte, fato este que, mais uma vez, corrobora a afirmação que a aplicação dessa espécie de sanção é de toda forma desarrazoada. Neste contexto serão analisadas legislações que tratam da matéria pesquisada, relacionando-as com os atuais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Cabe ressaltar que trataremos de hipóteses em que há mero inadimplemento em relação à obrigação tributária, logo, não se enquadram nessa pesquisa as situações em que há reiterados débitos tributários que tenham por objetivo lesar o Fisco e a sociedade, atos já tipificados em leis penais. 1 A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL 1.1  BREVE HISTÓRICO O caráter obrigatório do pagamento de tributos ocorre desde tempos remotos, senão vejamos: “O tributo é tão velho quanto as sociedades humanas. Onde quer que tenha existido um governante e um grupo de governados existiu o tributo, que sempre foi o instrumento pelo qual os que governam arrecadam dos governados os recursos financeiros necessários ao custeio das despesas do governo” [2]. Num breve exame da história do Brasil, logo após seu descobrimento, na época do Brasil Colônia, já existia a obrigatoriedade do pagamento de impostos para a Coroa portuguesa, cuja destinação era o financiamento de novas expedições, o pagamento de despesas e o enriquecimento daquele país. Os tributos eram calculados conforme a produção de matérias primas, destacando-se o quinto do pau-brasil, o primeiro tributo criado, que incidia sobre sua comercialização. O Pacto Colonial permitia que houvesse transação portuária tão-somente entre colônia e metrópole. Com a vinda da família Real para o Brasil Colônia, com posterior emancipação para Império, os portos brasileiros foram abertos às outras nações, o que ocasionou o início de transações comerciais do Brasil com outros países. Neste contexto, o imposto de importação, que incidia sobre as relações comerciais externas, ganhou destaque e passou a ser uma das principais formas de arrecadação do Império. Essa espécie de tributo visava à arrecadação de fundos e a proteção aos produtos nacionais. Nesta época, os tributos passam a atender não somente aos interesses de Portugal, mas também do Brasil. Por fim, no período republicano[3], no período denominado República Velha (1889-1930), o café era o principal produto produzido no país, sendo a sua principal fonte de receitas. O sistema tributário brasileiro daquele período fora herdado do período imperial, e assim, permanecendo com as principais características retro mencionadas. Em momento posterior ao do auge da produção cafeeira, ocorre o início da industrialização, e consequente ampliação das relações comerciais internas, culminando na criação de tributos incidentes sobre a produção de bens e transações comerciais internas, o que acaba por auxiliar nas despesas públicas. Uma importante mudança no sistema tributário e merecedora de destaque ocorre na década de 60, período em que há o aumento de despesas em virtude do desenvolvimento industrial. Esses fatos levaram à necessidade da reforma e modernização do sistema tributário existente. Neste mesmo período a população presenciou um aumento significativo na produção de bens, consumo e renda, o que consequentemente levou à criação de novos impostos, dessa vez, incidentes sobre esses fatos. Na década de 60 verificamos também a limitação imposta aos Estados para legislar sobre matéria tributária. A partir de então, somente a União tinha a competência para legislar sobre tributação. Nesta época também foram criados os fundos de participação dos Estados e dos Municípios, necessários à realização de políticas sociais de forma descentralizada. Em 1966, foi aprovado o Código Tributário Nacional através da Lei n° 5172/66, e em 1967, uma nova Constituição. Com esses dois atos normativos mencionados, o sistema tributário nacional inicia uma fase de reorganização. A Constituição de 1988, vigente na atualidade, tem caráter liberal e social, graças às influências dos movimentos ocorridos nos séculos XVIII, XIX e XX. A influência liberal é visualizada principalmente no capítulo de trata dos direitos e garantias fundamentais, em que há uma nova concepção de Estado com poderes limitados, dando ênfase à liberdade dos indivíduos. Em relação ao Estado social, verificamos a importância da intervenção do Estado nos chamados direitos sociais. A partir de então, o indivíduo passa a ter maior importância e consequente proteção no ordenamento jurídico, senão vejamos: “Também os direitos do homem são, indubitavelmente, um fenômeno social. Ou, pelo menos, são também um fenômeno social: e, entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), há lugar para o sociológico, precisamente o da sociologia jurídica. Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo[4]”. Importante destacar também a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1949, documento de cunho eminentemente protetivo dos direitos humanos e que também influenciou a edição do atual texto Constitucional. Posteriormente, com o fenômeno do neoconstitucionalismo, o ordenamento jurídico passa a destacar “novos” direitos, denominados direitos de solidariedade, neles incluídos o meio ambiente, a tributação, dentre outros. Diante da influência dos acontecimentos supramencionados, foi promulgada a atual Constituição, que deu continuidade à reformulação o sistema tributário nacional iniciada na década de 60. Dentre essas reformas, citemos a definição de competências de cada ente federado na instituição de tributos e a criação de novos princípios tributários a serem observados quando da edição de leis infraconstitucionais que versem sobre matéria tributária. Desde então, o ordenamento jurídico tem se desenvolvido, conforme a dinâmica da sociedade. Em relação à influência das mudanças iniciadas na década de 60 no sistema tributário constitucional atual, Kildare Gonçalves Carvalho menciona que “o Sistema Tributário tem suas raízes na Emenda Constitucional n. 18/65, que introduziu a reforma tributária no Brasil, de modo a dar maior consistência e cientificidade à matéria” [5]. O prestigiado autor prossegue enfatizando também a importância dos princípios fundamentais do indivíduo na Constituição de 1988: “Os princípios fundamentais da Constituição de 1988 desempenham relevante função no texto Constitucional (função teleológica ou diretiva), por orientar a ação dos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), demarcando seus limites e atuação” [6]. Face ao exposto, a Constituição de 1988 inicia a redemocratização no país, possui cunho liberal e social, dando maior ênfase aos direitos e garantias do indivíduo e que vem traduzida em todo o seu conteúdo, especialmente no título que trata dos Direitos e Garantias fundamentais. 1.2 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO ATUAL A Constituição Federal de 1988 dispõe nos arts. 145 a 162 a matéria relativa ao Sistema Tributário Nacional, aos seus princípios, suas normas e as espécies de tributos a serem instituídos pelos entes federados, conforme os limites na Carta fixados. O Código Tributário Nacional surgiu com a Lei n° 5172/66. Embora o tenham formalmente editado como lei ordinária, desde a Constituição de 1967 tem ele o status de lei complementar, tendo sido recepcionado pelo art. 34, § 5° do ADCT da nova Constituição da República. Por consectário lógico, as alterações no CTN ocorrerão somente mediante lei complementar. No Direito Tributário brasileiro, os tributos constituem gênero, da qual são suas espécies os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Uma das principais características dos tributos é a obrigatoriedade do seu pagamento, sempre que houver a prática do fato gerador definido em lei. A relação jurídica existente entre o Estado e o contribuinte é ex lege, ou seja, decorre da lei, que também deverá prever a aplicação de uma sanção na hipótese do descumprimento da obrigação ali imposta. Em relação à natureza jurídica do tributo, Geraldo Ataliba defende ser de natureza obrigacional de dar dinheiro ao Estado, senão vejamos: “(…) o objeto da relação jurídica é o comportamento consistente em levar dinheiro aos cofres públicos. Este dinheiro – levado aos cofres públicos, por força da lei tributária – recebe vulgarmente a designação de tributo. Juridicamente, porém, tributo é a obrigação de levar dinheiro e não o dinheiro em si mesmo” [7]. Isto posto, a tributação não consiste no dinheiro propriamente dito, mas, sim, na obrigação do contribuinte de dar dinheiro ao Estado. 1.3 FINALIDADES DOS TRIBUTOS: O Estado necessita de recursos para cumprir com as obrigações de prestação de serviços essenciais à população, e.g.: segurança, educação, saúde, assistência social, transporte, etc. Tais serviços devem garantir a promoção da ordem, do bem-estar e do progresso dos grupos sociais pertencentes ao Estado. Portanto, os tributos constituem um meio  para satisfazer essas necessidades básicas coletivas. Para que consiga cumprir com sua função/serventia, o Estado necessita captar recursos financeiros. O montante desses recursos é denominado receita pública As receitas públicas, a depender de sua forma de aquisição, são divididas em receitas originárias e receitas derivadas. Receitas originárias são aquelas oriundas do próprio patrimônio do Estado; receitas derivadas, do patrimônio dos particulares. O tributo se encontra dentro das receitas derivadas, nas quais o particular é obrigado a contribuir para que Estado consiga executar os seus objetivos, constantes no art. 3° da Constituição Federal. Os tributos são criados com fins diversos, dentre eles: finalidade fiscal, extrafiscal e parafiscal. Na finalidade fiscal o tributo é instrumento arrecadador de receitas para a execução de políticas públicas. Na finalidade extrafiscal, por sua vez, os tributos não visam diretamente à arrecadação, mas a intervenção em comportamentos, estimulando ou desestimulando condutas, e assim, influenciando nas atividades humanas, conforme o interesse pretendido. Por fim, um imposto terá a finalidade parafiscal quando for cobrado por instituições de relevância pública, como as empresas que compõem o chamado sistema “S” (Sesi, Senai, dentre outras) e os órgãos representantes de atividades profissionais (OAB, CFM, CRC, sindicatos…). Neste caso, os tributos são destinados à manutenção dessas instituições. Face ao retro perfilhado, conclui-se que o poder de tributar é justificado a partir do conceito de preferência do bem da coletividade sobre os interesses individuais. 1.4 O PAPEL DO ESTADO NA CRIAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E COBRANÇA DOS TRIBUTOS: Para compreensão do papel do Estado na criação, fiscalização e cobrança dos tributos torna-se necessária compreensão acerca do conceito de competência legislativa tributária. A Constituição Federal atribui no capítulo que trata do Sistema tributário nacional a competência para União, Estados, Distrito Federal e Municípios legislarem sobre a matéria tributária. Sobre a competência tributária, Luciano Amaro nos ensina: “(…) O poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição. Temos assim a competência tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. “Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição”.[8] Em virtude da competência legislativa, somente os entes federados poderão instituir tributos, desde que observados os limites constitucionais impostos. Entre os limites ali fixados, há a indelegabilidade da competência tributária a outros órgãos ou pessoas. Portanto, a competência legislativa é exclusiva do Pode Legislativo de cada ente. Já em relação à competência para fiscalização e a arrecadação dos tributos, caberá ao Poder Executivo de cada ente federado, salvo nas hipóteses de parafiscalidade[9]. Essa fiscalização e cobrança são realizadas pela Administração Tributária. A respeito desta atividade, Kyoshi Harada nos leciona: “A Administração tributária é a atividade do poder público voltada para a fiscalização e arrecadação tributária. É um procedimento que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso,os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir as certidões comprobatórias da situação fiscal do sujeito ativo”.[10] Importante destacar que durante as fases de fiscalização e arrecadação tributárias, caso não haja o pagamento espontâneo da obrigação, a autoridade administrativa realizará a constituição do crédito tributário através do lançamento. Assim, o lançamento é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível[11]. Portanto, somente por meio do lançamento é que o crédito tributário torna-se líquido, certo e exigível. A partir de então, a autoridade fazendária iniciará a cobrança administrativa. Esse tipo de cobrança será feita por quem exerce atividade administrativa plenamente vinculada, conforme disposto no art. 3° do CTN. Durante este procedimento administrativo, o contribuinte poderá impugnar a cobrança imposta, podendo ocorrer as seguintes hipóteses: pagamento espontâneo, extinção do crédito[12], caso configure alguma das hipóteses previstas em lei, ou, não sendo possível o pagamento através da fase administrativa, passaremos à fase de cobrança judicial. Assim, caso ocorra o não pagamento espontâneo da obrigação tributária após o seu lançamento, competirá ao ente federado, como credor, ajuizar ação de execução fiscal, de acordo com a Lei n° 6830/80. As obrigações tributárias são subdivididas em principais e acessórias. As obrigações principais correspondem ao pagamento tributo em si, definido em lei, sendo também denominadas obrigações materiais. As acessórias consistem nas prestações positivas ou negativas (obrigações de fazer ou não fazer conforme definições em lei tributária) às quais os contribuintes estão sujeitos – sendo conhecidas como obrigações formais. Na hipótese de mora do devedor no cumprimento das obrigações tributárias, estará o contribuinte sujeito a sanções, sempre em consonância com lei previamente criada com esta finalidade. Sobre o descumprimento das obrigações e a decorrência de sanções, vejamos a citação de Luciano Amaro: “No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (“ obrigação acessória", na linguagem do CTN), a consequência é, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas também no direito administrativo em geral, bem como no direito privado “[13]. A partir do ajuizamento da ação de execução Fiscal, inicia-se a fase judicial, em que a Fazenda federal, estadual ou municipal ingressa em juízo para a cobrança forçada do crédito tributário. Além dos entes federados, poderão ajuizar a execução as respectivas autarquias e entidades que detenham capacidade tributária por delegação[14], conforme disposto em lei. A partir do que foi exposto neste tópico, a Administração estará cumprindo com os princípios regentes da Administração Pública, agindo com eficiência, transparência e celeridade, conforme os ditames constitucionais. 2 O DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR O Direito Tributário é o ramo do direito que tem por objeto as relações entre Estado e contribuinte. Assim nos ensina Sacha Calmon Navarro Coelho: “(…) O Direito Tributário regula e restringe o poder do Estado de exigir tributos e regular os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente”[15]. Considerando que o pagamento de tributos consiste em uma obrigação compulsória determinada por lei, a sua não observância enseja a aplicação de sanções, também previstas na lei instituidora do tributo. A aplicação de sanções é necessária à efetivação da obrigação, sob pena de torná-la inócua e sem eficácia. O Direito Tributário Sancionador é responsável pelo estudo das sanções aplicadas em decorrência da não observância dos preceitos contantes nas leis tributárias. Ainda que esse sub-ramo disponha sobre sanções, e tenha algumas relações com o Direito Penal, não tem subordinação a este. Obviamente não podemos deixar de ressaltar a existência da relação entre Direito Tributário Sancionador e Direito Penal. Entretanto, o fato de as normas tributárias terem princípios comuns ao Direito Penal não permte concluir que elas tenham natureza penal. Portanto, considerando que o Direito Tributario Sancionador trata tão somente de infrações estritamente fiscais, a ele serão aplicados os principios proprios da atividade punitiva estatal, conforne o regime jurídico tributário, logo, é considerado um sub-ramo do Direito Tributário. 2.1 OS ILICITOS FISCAIS: Ao cogitar no termo “ilícito”, temos em mente que houve o descumprimento de um dever imposto por lei. Por conseguinte, imaginamos otema dos ilícitos penais, haja vista ser o ilícito comumente tratado no Direito Penal, cujo objeto é a tutela dos bens da vida considerados mais relevantes. O critério utilizado pelo legislador na tipificação de atos delituosos é da maior proteção a determinandas situações que necessitam maior atenção, de bens da vida considerados de maior relevância. A afirmação é objeto de estudo de Luciano Amaro: “A qualificação da gravidade da infração é jurídico-positiva, vale dizer, é o legislador que avalia a maior ou menor gravidade de certa conduta ilícita para cominar ao agente uma sanção de maior ou menor severidade”[16]. Quando tratarmos de assuntos de maior relevância, a pena, em regra, será a privativa de liberdade, e poderá ser aplicada somente pelo Poder Judiciário, respeitados o contraditorio e o devido processo legal. Entretanto, quando tratamos de outros temas em que há descumprimento de obrigação que não necessita da intervenção do Direito Penal, estaremos diante de outros tipos de ilícitos, como é o caso dos ilicitos civis, administrativos e tributários.  De forma mais específica, ao referir-se ao tema do ilícito tributário, Sacha Calmon assim explica: “(…) o ilícito tributário retrata o comportamento humano contrário ao prescrito nas normas tributárias, que são basicamente: não pagar o tributo previsto em lei ou fazê-lo a destempo ou a menor; praticar atos vedados pela lei tributária ou deixar de praticar atos obrigatórios, segundo essa mesma lei[17]”. Em análise ao critério de relevância dos bens da vida, passaremos à análise específica do ilícito fiscal não delituoso. Na hipótese da ocorrência desse tipo de ilícito, haverá a aplicação de uma sanção administrativa/tributária, imposta pela Administração, sempre observando as disposições previstas na lei que trata do assunto, além da análise da proporcionalidade entre o ato praticado e a sanção a ser imposta. Em regra, teremos a aplicação de sanção pecuniária (multa), uma vez que a Constituição Federal impede a aplicação de penas privativas de liberdade ou restritiva de direitos por órgão diverso do Poder Judiciário. As restrições de ordem constitucional são fundamentadas pelos arts. 5°, XXII e 170 da Carta Magna. De forma mais peculiar, ao analisar a sanção a ser aplicada em caso do inadimplemento de obrigação tributária, a sanção a ser aplicada não poderá extrapolar os limites constantes no Texto Constitucional. Interpretação lógica dessa afirmação é a de que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel[18]. Da mesma forma queé assegurado o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profisionais que a lei estabelecer[19]. 2.2 AS SANÇÕES A sanção consiste no meio que a ordem jurídica utiliza para desestimular o comportamento contrário à lei. Nos dizeres de Hugo Brito Machado: “(…) pode a sanção limitar-se a compelir o responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, ou pode consistir num castigo, numa penalidade a este cominada”[20]. Dessa forma, a sanção possui diversas finalidades, conforme será exposto a diante. Importante destacar que na sua aplicação, a sanção, deve ser proporcional, ou seja, possuir correlação em relação ao ato praticado, caso contrário, haverá a prática de arbitrariedades. 2.2.1 OBJETIVOS: As sanções tributárias visam induzir o contribuinte a cumprir seus deveres legais, desestimulando comportamentos contrários à lei. Inicialmente elas eram aplicadas no âmbito do direito penal, por este motivo, as sanções tributárias têm relações com este ramo do direito. As normas jurídicas são estabelecidas para garantir a manutenção da ordem social, e as sanções, uma forma de garantir a eficácia das normas. Para Paulo Roberto Coimbra Silva, as sanções possuem uma função transformadora e uma virtude educativa, uma vez que ratifica condutas mais convenientes para a convivência social. O autor prossegue, ressaltando a crescente ampliação das normas sancionadoras em decorrência da complexidade das relações humanas disciplinadas pelo direito positivo. Essas normas possuem múltiplas utilidades e funções e aqui destacaremos: a função preventiva, a repressiva, a reparatória, a didática e assecuratória. Função Preventiva: A função preventiva tem o escopo de criar a consciência dos destinatários das normas à certeza da impropriedade de sua infração, de forma a desestimular o rompimento da ordem instituída. Ao analisar as sanções tributárias, Paulo Coimbra nos ensina a finalidade do caráter preventivo da sanção: (…) “finalidade de reforçar a eficácia das normas jurídicas, conferindo-lhe coercitividade, imprescindível para evitar ou desestimular a sua violação” [21]. Dentro do contexto do papel educativo e de acordo com a finalidade descrita pelo autor, a função preventiva deve provocar nos contribuintes uma coerção motivada pela a convicção da aplicação da pena, uma vez que não é a intensidade ou o rigor do castigo que irá impedir os delitos, mas sim a certeza de sua punição. Paulo Coimbra, ao citar Foucault, também ressalta a observação deste filosofo em relação a eficácia das punições quando este diz: “(…) sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro (…)” [22]. Assim sendo as sanções operam no sentido de anteparar a infração, com o intuito de fortalecer a eficácia das normas jurídicas estabelecidas. Função Repressiva ou Punitiva: A função Repressiva fundamenta-se no castigo, na penalidade a ser aplicada àquele que infringiu o ordenamento jurídico. A punição é uma resposta ao ilícito e precisa ser pertinente e coerente com a violação. Deve-se considerar a proporcionalidade entre o ato praticado, o dano causado, e a pena instituída, caso contrário a pena torna-se desmedida. Helenilson Cunha Pontes afirma com propriedade a importância do princípio da proporcionalidade quando diz: “A proporcionalidade também requer um sopesamento dos diversos valores pelo Direito, não se admitindo que uma sanção por sua intensidade exacerbada, possa comprometer outros valores e interesses judiciais tutelados”[23]. E segue enfatizando o referido princípio no tocante às sanções: “As sanções positivas podem e devem ser controladas pelo principio da proporcionalidade já que o alcance de uma finalidade de interesse público não pode chegar ao extremo de comprometer a eficácia dos demais interesses protegidos pelo ordenamento constitucional” [24]. Assim, inferimos que a proporcionalidade é então uma ferramenta de controle à designação e aplicação das sanções, devendo sua intensidade ser medida de acordo com a valorização social da gravidade atribuída ao ato ilícito. Função Reparatória ou Indenizatória A finalidade indenizatória, quando comparada com as funções preventiva e punitiva, tem raízes mais recentes, influenciadas pelo direito civil. Refere-se ao pagamento de uma indenização ao dano ocasionado à vitima do ato praticado. Sobre essa finalidade, Paulo Roberto Coimbra Silva (2007) nos esclarece: “(…) as sanções de natureza compensatórias pretendem restabelecer a paz e o equilíbrio perturbados pela prática de um alto lesivo, implicando para o protagonista do dano, único e tão-somente, a privação do que fora por ele ilegitimamente obtido ou reparação do que fora por ele injustificavelmente lesado”[25]. Cabe ressaltar que o ato danoso não necessariamente é um ato ilícito e o ato ilícito não é pressuposto da sanção reparatória, sendo assim as sanções reparatórias têm como conjetura de sua aplicação o dano ou a lesão dele decorrente e não o ato ilícito em si. Paulo Roberto Coimbra Silva reforça essa afirmação quando enfatiza a teoria do risco, que considera mais plausível a possibilidade de uma sanção reparatória de um dano não precedido ou concomitante à prática de um ato antijurídico. O autor ainda exemplifica a referida teoria: quando o Estado, em prol do bem comum, no exercício regular de suas atribuições, impõe sacrifícios a um particular ou a um grupo determinado de particulares, e como compensação, oferta-se a estes uma indenização. As sanções indenizatórias são implicações do dano causado e por este motivo sua aplicação não prescinde de sua demonstração e quantificação. Neste contexto quando o perpetrante de uma lesão satisfaz a respectiva sanção, ressarcindo o que foi lesado extingue-se o seu dever. Por isso, as sanções indenizatórias são substitutivas e devem ser pautadas em critérios objetivos, almejando a extensão e a intensidade do dano que se busca reparar. Função Didática Assim como a finalidade indenizatória, a finalidade didática também é recente e objetiva contribuir para a educação e correição daquele que praticou o ato contrário à lei. Neste caso, espera-se que o infrator compreenda a ilicitude do ato por ele praticado, e assim, não o faça novamente. Função Incentivadora ou premial Esta função tem a finalidade de estimular condutas positivas e desejáveis por parte da população, e como recompensa, concede a eles alguns benefícios. Servem de estimulo as condutas almejadas, sendo mais conveniente à coletividade. Função assecuratória Tem o escopo de garantir a execução da obrigação, assegurando ao ente credor o direito ao recebimento do respectivo débito. Como exemplos dessa função temos os institutos da responsabilidade por extensão e por transferência. A responsabilidade por extensão ocorrerá quando uma terceira pessoa, além do contribuinte que efetivamente praticou o fato gerador, também for responsável pelo pagamento de um tributo. Essa responsabilidade poderá ou não desobrigar o contribuinte, conforme dispuser a lei. Na responsabilidade por transferência, a obrigação tributária é constituída inicialmente em relação ao contribuinte que efetivou o fato gerador da obrigação tributária, e posteriormente comunicará a outro responsável, consistindo em maior garantia no pagamento do débito. 2.2.2 ALGUMAS ESPÉCIES DE SANÇÕES: 2.2.2.1 Sanção penal: Conforme já exposto, a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. A efetivação dessa proteção ocorre por meio da previsão, aplicação e execução da pena. Portanto, a sanção penal é o instrumento que o Estado utiliza para a proteção dos bens mais importantes. No tocante à sua aplicação, deverão ser observados os princípios constantes em nossa Lei Maior. Exatamente pela limitação imposta pela Constituição, o Brasil limita as espécies de penas a serem aplicadas, quais sejam: pena privativa de liberdade, pecuniária e restritiva de direitos, todas aplicadas, via de regra, pelo Poder Judiciário. Por fim, é importante lembrarmos as principais características das sanções penais, a saber: legalidade, anterioridade, personalidade, humanidade e proporcionalidade, todas expressas em nosso texto constitucional. 2.2.2.2 Sanção administrativa: Essas sanções se encontram previstas em atos normativos que regem as atividades da Administração Pública. Sua criação é fundamentada no princípio da supremacia do interesse público, que, nos dizeres de Alexandre Mazza: “(…) significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares[26]”. Exatamente com base neste princípio que as normas que regem a Administração limitam ou restringem o exercício de direitos do individuo. Essa limitação e/ou restrição de direitos é realizada por meio do denominado poder de polícia, consistente na prerrogativa conferida à Administração Pública para condicionar ou restringir o uso de bens e o exercício de direitos ou atividades pelo particular, em prol da bem estar da coletividade[27]. O conceito de poder de polícia, inclusive, se encontra positivado no art. 78, caput do CTN[28]. É preciso salientar que a aplicação dessa espécie de sanção não é ilimitada, pois que está sujeita ao controle administrativo e judicial. Além disso,a Administração deve respeitar os princípios constantes na Constituição, nossa lei maior, principalmente o princípio da legalidade. 2.2.2.3 Sanção tributária: Considerando que o tributo consiste em uma prestação compulsóriaex lege, o não pagamento quando da ocorrência do fato gerador ensejará a aplicação de uma sanção. Essas sanções se subdividem em infrações materiais – descumprimento da obrigação principal, e infrações formais – descumprimento da obrigação acessória. Há quem diga que essa sanção pertence ao ramo do Direito Administrativo, como também há quem defenda que elas pertençam ao Direito Penal. Por fim, há aqueles que se manifestam a favor da autonomia dessa espécie de sanção, afirmando que sua natureza é exclusivamente tributária. Nessa ultima corrente o fundamento se encontra no justributandi do Estado e que nelas estão incluídastão somente as sanções estritamente fiscais, uma vez que as sanções penais já se encontram tipificadas no Código Penal e leis penais extravagantes. As sanções tributárias são subdivididas em sanções pecuniárias e não pecuniárias. Como exemplo de sanção pecuniária, temos a multa. A sua aplicação será feita pela Administração Pública, tem como principais finalidades a punitiva e a preventiva. Entre sanções não pecuniárias relativas ao direito tributário citemos as hipóteses tipificadas nas leis penais, como é o caso dos crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei n° 8137/90. Outro exemplo de sanção não pecuniária é a hipótese das sanções políticas, de constitucionalidade duvidosa, conforme será exposta em capítulo específico. 2.3 SANÇÕES POLITICAS As sanções políticas constituem uma modalidade de sanção aplicada de forma frequente e se materializam por meio de restrições de direitos como forma de obrigar o contribuinte, em débito com o Fisco, a quitar suas obrigações. Com propriedade, Hugo de Brito Machado comenta: “(…) Prática antiga, que, no Brasil, remonta aos tempos da ditadura de Vargas, é a das denominadas sanções políticas, que consistem nas mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos. São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias em face de pequena irregularidade no documento fiscal que as acompanha, o denominado regime especial de fiscalização, a recusa de autorização para imprimir notas fiscais, a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes, a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte, entre muitos outros” [29]. Conforme exposição tratada até então, as sanções que restringem direitos são aplicadas, via de regra, pelo Poder Judiciário. Excepcionalmente, poderá haver restrições de direitos pela Administração desde que a situação a ser restringida seja nociva à coletividade ou à segurança nacional. Dessa forma, essa possibilidade de restrição de direitos ocorrerá de forma excepcional, sob pena de tornar-se exagerada e desproporcional. A doutrina majoritária condena a aplicação dessa sanção, haja vista desrespeitar os princípios fundamentais do indivíduo. Ora, essa sanção é aplicada por um órgão que não tem competência para tal, sem que haja um devido processo legal e sem qualquer possibilidade de contraditório e ampla defesa por parte do contribuinte. Ainda assim, presenciamos em nosso cotidiano a aplicação frequente dessa sanção, motivo este que chamou atenção à pesquisa em comento. Importante destacar que após o advento da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, é que houve maior número de questionamentos acerca das medidas arbitrárias adotadas pelo Estado, que aplicam medidas tais que significam verdadeiro desrespeito aos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Corroborando com os motivos ora elencados, Helenilson Cunha Pontes reforça a impossibilidade da aplicação de sanções políticas: “O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção de receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até de proibição de participar de concorrências públicas” [30]. Em face das consequências trazidas pelas sanções políticas, torna-se necessário identificar quando da sua ocorrência. Para facilitar essa identificação, destacamos algumas de suas características: implicam na restrição da atividade econômica; tratam de medida unilateral adotada pela Administração, impedindo o acesso ao Judiciário para discussão do débito, e consequentemente culminam em prática arbitrária realizada pelo Fisco. As sanções políticas são comumente aplicadas em nosso ordenamento após a edição de atos normativos secundários (regulamentos, portarias, circulares, etc.), que não observam os preceitos constitucionais, trazendo ao ordenamento jurídico normas eivadas do vício da inconstitucionalidade. Nesse mesmo sentido, Hugo de Brito Machado trata com propriedade sobre o tema da inconstitucionalidade dessas sanções: “Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento de liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional porque contraria o disposto nos artigos 5°, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País” [31] (…) “Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante a ação de execução fiscal”.[32] Neste mesmo sentido, Paulo Roberto Coimbra Silva reafirma a inconstitucionalidade das sanções políticas: “As sanções não pecuniárias previstas nas leis tributárias, em sua maior parte, têm sua constitucionalidade infirmada pela melhor doutrina e jurisprudência. Dentre estas, destacam-se a interdição de estabelecimentos e o impedimento de atividades; a negativa de alvarás de funcionamento e de autorização para impressão de notas fiscais; a suspensão, o bloqueio e o cancelamento de inscrições cadastrais, e a exigência de pagamento de tributos e seus consectários como condição à expedição de licenças ou alvarás. Outras tantas são de constitucionalidade duvidosa, tais como a pena de perdimento de bens e a imposição de regimes especiais de fiscalização e de cumprimento de obrigações acessórias”[33]. O fundamento utilizado para legitimar essas normas inconstitucionais é o poder de polícia que a Administração possui, e queconsiste na legitimação do Estado para, em algumas situações[34], realizar intervenções em nome do bem comum sobre um interesse particular. Essas intervenções poderão causar restrições a direitos individuais, desde que esses direitos possam causar danos potenciais à coletividade. Ressaltemos, mais uma vez, que tais intervenções feitas pela Administração devem ocorrer sob o crivo da lei, obedecendo ao principio da legalidade disposto no art. 37,caput[35]da nossa Constituição: Conclui-se, dessa forma, que não se pode dizer que a supremacia do interesse público é fundamento para a aplicação das sanções políticas. A Administração Pública deturpa este conceito na tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que viola os direitos fundamentais, quando aplica medidas desproporcionais.A prerrogativa de tributar não outorga ao Estado o poder de suprimir ou inviabilizar as atividades e direitos constitucionalmente previstos. Para assegurar tais direitos, cada ente federado responsável em instituir impostos e suas sanções deverá observar os limites constitucionais impostos, sob pena de incorrer na edição de norma inconstitucional ou ilegal. Em consonância com a doutrina pátria, o Supremo Tribunal Federal editou súmulas relativas ao assunto: Súmula 70 “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. Súmula 323 “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Súmula 547 “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.  A partir da análise de jurisprudências emanadas pelosnossos tribunais, as sanções políticas podem assumir inúmeros formatos. De forma a demonstrar alguns deles, destacamos alguns julgados: EMENTA: DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa (RE 413782/SC – Santa Catarina. Relator Min. Marco Aurélio. Data de julgamento:17/03/2005. Órgão julgador: Tribunal Pleno). EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (ADI 173 / DF – DISTRITO FEDERAL Relator Min. Joaquim Barbosa. Data de julgamento: 25/09/2008. Órgão julgador: Tribunal Pleno). EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. INSCRIÇÃO DE FILIAL EM CADASTRO DE CONTRIBUINTES. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS. INADMISSIBILIDADE. SANÇÃO POLÍTICA. DIREITO AO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. DESCABIMENTO.  A exigência de quitação de débito fiscal como condição para a inscrição de filial da empresa no cadastro de contribuintes do ICMS configura sanção política e afronta o direito do comerciante ao exercício das atividades econômicas, como previsto no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal. – Eventuais exigências feitas ao exercício do comércio devem ter por objetivo a regulamentação da atividade, sendo vedados as que possuam caráter coercitivo para obrigar ao pagamento de tributo. – O pagamento do débito tributário deve ser obtido através da execução fiscal, respeitado o devido processo legal, não se admitindo o uso de meios diversos para coagir o contribuinte a quitar a obrigação. – Descabe a redução dos honorários advocatícios fixados em valor coerente com a localidade da prestação de serviços, o zelo e presteza do profissional, o tempo exigido e a importância da causa. – Sentença confirmada no reexame necessário. – Recurso voluntário prejudicado. (TJMG – AC/Reexame necessário 1.0223.06.207990-8/002; Relatora Des. Heloísa Combat. Data de julgamento: 06/09/2009 data de publicação: 13/11/2009). EMENTA:AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. RIO GRANDE DO SUL. LEIS ESTADUAIS 6.537/73 E 8.820/89. ICMS. APREENSÃO DE MERCADORIAS POR TEMPO INDETERMINADO E EM DESACORDO COM A FINALIDADE LEGAL. SANÇÃO POLÍTICA. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 633239 AgR/RS – Rio Grande do Sul. Relator Min. Joaquim Barbosa. Data de julgamento: 22/03/2011. Órgão julgador: Segunda Turma) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – INSCRIÇÃO ESTADUAL DE EMPRESA – RECUSA ADMINISTRATIVA – SÓCIO QUE INTEGRA OUTRAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS EM SITUAÇAO IRREGULAR PARA COM O FISCO – AFRONTA À LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA. As sanções políticas na seara tributária, consistentes em restrições impostas aos contribuintes como meio indireto de obriga-los às satisfação do tributo, são amplamente rechaçadas pela doutrina e jurisprudência. A recusa à inscrição de empresa junto ao cadastro de contribuintes em função de o seu sócio integrar outros grupos societários em situação irregular perante o fisco constitui ofensa ao livre exercício de atividade econômica, princípio previsto nos arts. 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal. Recurso provido.(TJMG – AC 1.0024,11,025460-4/001; Relatora Des. Áurea Brasil. Data de julgamento: 20/09/2012, data de publicação: 01/10/2012). Diante do que foi exposto, fica clara a posição da nossa Corte em relação ao comportamento da Administração, que exorbita do poder de tributar para impor restrições às atividades econômicas no intuito de coagir o contribuinte impontual ao pagamento do tributo. Corroborando com esta afirmação, concluímos com a citação usada por John Marshall no caso McCulloch v. Maryland: “O poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir” [36]. 3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINGIDOS QUANDO DA OCORRÊNCIA DAS SANÇÕES POLÍTICAS 3.1 Legalidade: O significado desse princípio traz a limitação do Estado em face de seus atos, ou seja, somente a lei poderá definir e estabelecer os limites impostos ao indivíduo e a atuação estatal em face das restrições impostas. A legalidade se encontra expressamente disposta em nossa Constituição no título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, no art. 5°, II. No âmbito do direito tributário destacamos a legalidade estrita, em que “nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei” (CF/88, art. 150, inc. I). Além da instituição de um tributo, a lei também deve prever o fato gerador da obrigação tributária, os sujeitos ativo e passivo, enfim, todas as situações necessárias ao surgimento da obrigação tributária e consequências em caso do não cumprimento obrigacional. Neste sentido Hugo de Brito destaca: “A rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação”[37]. Concluindo com o que fora exposto acerca do tema legalidade, Eduardo Sabbag, em sua obra Manual de Direito Tributário, corrobora com a seguinte afirmação: “o princípio da legalidade é o vetor dos vetores”[38]. Em relação às sanções políticas, verificamos a sua contrariedade em relação ao principio da legalidade, uma vez que a Administração Pública não realiza o procedimento de acordo com o que preceitua a lei editada para a realização das cobranças de débitos tributários. Importante mencionar que decorre do princípio da legalidade o princípio do devido processo legal, haja vista que a própria lei dispõe sobre a forma de garantia e eficácia dos atos estatais. O princípio significa, dessa forma, que a observância das leis materiais e processuais deverá ser traduzida em um processo justo e seguro.Sobre o devido processo legal, Alexandre Moraes nos leciona: “O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (…)”[39]. A respeito da relação existente entre legalidade e devido processo legal:, temos: “(…) o devido processo legal é o “processo devidamente estruturado” mediante o qual se faz presente a legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade “[40]. Ao tratarmos, mais uma vez do tema das sanções políticas tributárias, verificamos também a não observância do devido processo legal, pois queo contribuinte se encontra submetido ao arbítrio estatal, não tem oportunidade de discutir acerca da existência e da legalidade do débito, acabando por aceitar as imposições do Estado, como forma de se livrar da restrição que lhe fora imposta de forma coativa e ilegal. 3.2 Inafastabilidade da jurisdição: Este princípio, também conhecido por direito de ação, se encontra expresso no art. 5°, XXXV da atual Constituição[41] e reproduz a primazia do Poder Judiciário na execução da função jurisdicional. O mesmo texto constitucional também dispõe sobre as funções do Poder Judiciário brasileiro, dentre elas, o da prestação jurisdicional, assegurada a todos aqueles que estiverem diante da lesão ou ameaça a um direito. Traduz-se, desta forma, na garantia da proteção do princípio da Separação dos Poderes, também de cunho constitucional. Ao analisarmos a aplicação das sanções políticas frente ao princípio mencionado, verificamos que o contribuinte sujeito a essa espécie de sanção não tem a oportunidade de exercer o seu direito de ação, uma vez que se encontra obrigado a efetuar o pagamento de um débito que lhe foi imputado. Quando da aplicação das sanções políticas, verificamos que ao contribuinte não proporcionada essa modalidade de contestação da via adotada, haja vista que o próprio Estado decide, de forma unilateral, a restrição de um direito, até então garantido por lei: a atividade econômica lícita. Referido direito encontra-se disposto na CF/88, no art. 5°, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Assim, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deverá ser garantido ao contribuinte em face do Estado, sendo-lhe garantida a apreciação de um débito e/ou uma sanção por parte de um órgão imparcial, de forma que seja decidido acerca de sua validade. 3.3 Não confisco: O confisco tributário consiste na obtenção econômica por parte do Estado, mediante tributação exacerbada, culminando na insuportabilidade da carga tributária imposta ao contribuinte, levando, dessa forma, à apropriação indevida do patrimônio do particular pelo Estado. Sobre o referido princípio, Hugo Brito Machado nos ensina: “Tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade. É que o tributo, sendo instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros de que necessita para o desempenho de suas atividades, não pode ser utilizado para destruir a fonte desses recursos”. MACHADO, p. 264. No que relaciona às sanções (multas), aplicadas em face do descumprimento da obrigação tributária, o referido princípio também deverá ser observado. Portanto, do mesmo modo que nenhum tributo poderá estabelecer efeito confiscatório do patrimônio, igualmente, as multas relacionadas à tributação também não poderão causar o mesmo efeito. Neste sentido, Eduardo Sabbag reafirma acerca da impossibilidade de aplicação de multas com caráter confiscatório: “Não há dúvida de que uma multa excessiva, que extrapole os limites do razoável, ainda que visando desestimular o comportamento ilícito iterativo, além de irradiar sua carga punitiva, em seus dois elementos caracteres – o preventivo e o punitivo -, mostra-se vocacionada a burlar o dispositivo constitucional inibitório de sua existência, agredindo o patrimônio do contribuinte”[42] SABBAG, p.250. 3.4 Presunção de inocência: O princípio da presunção da inocência, caracterizado pelo dever que o Estado tem de comprovar a culpa do acusado, é traduzida pela boa-fé do contribuinte e tem como principal função a defesa das liberdades individuais frente aos possíveis abusos do poder estatal.  Portanto, até que sobrevenha prova de culpa, o indivíduo é considerado inocente do fato que lhe é imputado. Tem origem do direito penal, em que as condenações ocorriam sem qualquer possiblidade de defesa por parte do acusado, que muitas vezes era submetido a tortura e acaba por confessar a prática de atos não cometidos. Um dos defensores deste princípio, Cesare Beccaria, publicou a obra “Dos delitos e das penas” no século XVIII, considerada um marco na doutrina liberal penalista, e que tem no princípio da presunção da inocência um de seus pilares mais sólidos. O ilustre autor quando refere a este princípio, assim nos ensina: “Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi concedida. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que confere ao juiz o poder de aplicar uma pena a um cidadão, enquanto perdure a dúvida sobre a sua culpabilidade ou inocência”[43]. O princípio em menção foi positivado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, elaborada à época da Revolução Francesa. Posteriormente também foi adotado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), e pelo Pacto de San Jose da Costa Rica (1969). No ordenamento jurídico brasileiro, a presunção da inocência é introduzida como princípio constitucional somente na Constituição Federal de 1988. Atualmente, além do Direito Penal, o princípio é também utilizado em outros ramos do direito. No âmbito do Direito Tributário, à Administração incumbe o dever de apresentar prova sobre a existência de um crédito em desfavor do contribuinte. Ainda que a Constituição preveja a presunção de inocência relativa ao processo penal, o princípio também deverá ser aplicável no âmbito administrativo. Neste sentido, a jurisprudência mostra-se a favor dessa aplicação, senão vejamos: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇAO FISCAL. ICMS. INFRAÇAO TRIBUTÁRIA. QUEBRA DO DIFERIMENTO. COMPRADOR IRREGULAR.VENDEDOR DE BOA-FÉ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NAO-CORRÊNCIA. 1. A responsabilidade pela prática de infração tributária, malgrado o disposto no art.136 do CTN, deve ser analisada com temperamentos, sobretudo quando não resta comprovado que a conduta do vendedor encontrava-se inquinada de má-fé. Emhipótese como tais, tem emprego o disposto no art. 137 do CTN, que consagra aresponsabilidade subjetiva. Precedentes. 2. Recurso especial de Rui Claret de Carvalho Gonçalves provido e recurso especial da Fazenda Nacional improvido”. (RE471894/SP – São Paulo. Relator Min. João Otávio de Noronha. Data de julgamento: 23/05/2006,data de publicação: 04/08/2006). Durante a fase administrativa de cobrança do débito tributário, essa prova é materializada pelo auto de infração; durante a fase judicial, pela certidão da dívida ativa, documento indispensável ao ajuizamento da ação de execução fiscal. Lembrando que tanto no procedimento administrativo como no processo judicial, o contribuinte tem direito ao exercício do contraditório e a da ampla defesa, nos moldes constitucionais. 3.5 Proporcionalidade – princípio constitucional implícito No campo do direito tributário, mais precisamente no tocante à aplicação das sanções políticas, constatamos a ocorrência do abuso de poder por parte da Administração que, fundamentada pelo poder de polícia, restringe atividades lícitas pelo simples motivo de o contribuinte estar em débito com o Fisco. A proporcionalidade é considerada como a imprescindibilidade da realização da ponderação quando da criação das sanções (mediante lei), bem como de sua aplicação em relação ao ato praticado. O princípio em menção deve ser entendido como a proibição do excesso. O correto nesta situação, em conformidade com o princípio da legalidade estrita, ao qual se submete a Administração Pública, o de ajuizar ação de execução fiscal, nos termo da legislação editada para esta finalidade, qual seja a lei de execução fiscal (Lei n° 6830/80). Neste diapasão, estamos uma medida desproporcional, haja vista que a restrição da atividade não se deu por outros motivos senão o inadimplemento[44]. 4A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL A lei n° 6830, publicada em 22 de setembro de 1980, foi editada com o objetivo de regulamentar a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública. Na cobrança dessa espécie de dívida estão incluídas as dívidas tributárias e não tributarias. Seguindo-se o princípio da estrita legalidade, regente na Administração Pública, esta é a única hipótese para cobrança das obrigações tributárias quando o pagamento não é realizado de forma espontânea. Com a edição da lei em comento, o ordenamento jurídico impôs limites à Administração em relação ao assunto, protegendo os direitos de ambas as partes envolvidas no processo. Antes de tratarmos da lei em comento, necessário, mencionarmos alguns conceitos importantes à sua compreensão. Sabe-se que o nascimento da obrigação tributária ocorre com a prática do fato gerador definido em lei. Contudo, para que a obrigação seja exigível, necessário que haja a constituição do crédito tributário, o que é feito através do ato denominado lançamento. O lançamento é o procedimento administrativo realizado pela autoridade fazendária e consiste na verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, na determinação da matéria tributável, no cálculo do montante do tributo devido, na identificação o sujeito passivo e, sendo caso, na aplicação da penalidade cabível[45]. Após o lançamento, o crédito tributário será inscrito na dívida ativa, passando, então, a ser exigível pelo credor através do ajuizamento da execução fiscal, nos termos da Lei 6830/80, utilizando-se de forma subsidiária o Código de Processo Civil. Uma vez ajuizada a ação de execução, o devedor será citado para pagar a dívida ou garantir a execução. Dentre as formas de garantias temos, o depósito em dinheiro, o oferecimento de fiança bancária ou a nomeação de bens à penhora. Importante destacar que em eventual fase de penhora de bens, o Estado deverá utilizar a forma menos gravosa para o contribuinte; dessa forma serão observados os direitos e garantias fundamentais, os demais preceitos legais relativos ao tema, bem como as consequências decorrentes do procedimento (consequências sociais e econômicas). Interpretação lógica é a de que as medidas excepcionais[46] dispostas na lei de execução fiscal serão utilizadas de forma excepcional. Sobre o tema, Alexandre Rego confirma a necessidade de sopesamento das consequências geradas por uma eventual penhora desmedida: “O Estado tem o dever de ponderar sobre as melhores opções para resgate de seu crédito, levando em consideração os prejuízos eventualmente causados ao contribuinte e seus reflexos na sociedade.”[47]. Como procedimento judicial, os princípios constitucionais do processo deverão ser observados, haja vista a hierarquia existente entre as leis infraconstitucionais e constitucionais. Dentre esses princípios constitucionais citemos o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Dessa feita, havendo a estrita observância dos procedimentos constantes na lei e nos preceitos constitucionais, estarão protegidos tanto o credor como o devedor, e assim, o processo de execução cumprirá com a finalidade imposta. CONCLUSÃO O Estado foi criado para executar a satisfação dos interesses coletivos. Para a realização desses interesses, ele necessita captar recursos, sendo que a tributação é uma das principais formas de arrecadação financeira. O Brasil é regido pela Constituição Federal de 1988, nossa Lei Maior, e sua principal característica é a supremacia. Portanto é o texto constitucional o responsável na orientação da edição das normas infraconstitucionais.  O atual sistema tributário nacional é originado da Constituição, consequentemente, as demais normas tributárias deverão seguir os princípios constitucionais. No texto constitucional, no mesmo capítulo em que é tratado do sistema tributário, também se encontram dispostas as competências para instituir e legislar sobre tributos e os limites em relação a essas competências. Em atenção ao que dispõe a Constituição, é competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a edição de normas que instituam tributos, desde que haja estrita observância aos princípios constitucionais, caso contrário, estes entes incorrerão no abuso do poder e desvio de finalidade. Em conclusão à pesquisa realizada, foi observado que a sanção aplicada em caso de inadimplemento da obrigação tributária se dá através das multas. Contudo, foi verificada também a aplicação de outra espécie de sanção, denominada sanção política, cujo objetivo é o de restringir direitos do contribuinte em débito com o Fisco, de forma a obrigá-lo a quitar seus tributos.  Referida sanção não tem embasamento constitucional, ao contrário, representa um verdadeiro desrespeito aos direitos e garantias individuais. Conforme exposto durante o tema pesquisado, a aplicação das sanções políticas consiste exatamente na hipótese de abuso de poder, uma vez que a Administração restringe atividades lícitas, sem justificativas razoáveis. Quando essa sanção é aplicada, a Administração exorbita do seu poder, invadindo competência do Poder Judiciário, aplicando restrições aos direitos de indivíduos com o escopo de obriga-lo ao pagamento de débito decorrente de obrigação tributária. Portanto, em consonância à supremacia constitucional, essa prática adotada deve ser rechaçada pelos nossos Tribunais, de forma que não mais seja identificada em nosso cotidiano. Dessa forma, haverá a observância e predominância da supremacia constitucional no país.
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Como a competência tributária é facultativa, embora a lei de responsabilidade fiscal a coloque como obrigatória
Tendo em vista a forma federativa de terceiro grau adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, insculpido na Constituição da República de 1988, tem-se como entes federados autônomos a União, os Estados e os Municípios. Dentro desse contexto, fez-se necessário a distribuição e a delimitação da legitimidade para instituir tributos, a qual deu-se o nome de Competência Tributária. Em razão da autonomia dos entes federativos, tal competência tem, entre outras, a característica da facultatividade, podendo ser exercida ou não, a depender de critérios fiscais, extrafiscais e até mesmo políticos de cada Ente. A Lei de Responsabilidade Fiscal explicitando um novo modelo de governança fiscal, por meio de limites de gastos públicos e incremento de receitas, estabeleceu a obrigatoriedade de instituir exações, tributos, prevendo inclusive restrições sancionatórias em decorrência da não instituição. Este trabalho tem como desiderato tratar desse aparente conflito ou antinomia apontando soluções de interpretação e de aplicação.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO Antes de adentrar-se mais amiúde no cotejo da questão, é primal tecer breves considerações sobre aspectos introdutórios acerca da Competência Tributária. Tem-se que ela é o poder de instituir tributo, adotando se para discriminá-los a teoria pentapartida, a qual tem como espécies do gênero tributo: Os Impostos, as Taxas; as Contribuições de Melhoria; os Empréstimos Compulsórios e as Contribuições Especiais. Vale observar que nesse contexto, a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública foi colocada como uma espécie do gênero Contribuição Especial, à guisa de opiniões contrárias que a entende como gênero sui generis e autônomo. Outro ponto que merece destaque, diz respeito ao que prescreve o artigo 5º, II da Constituição Federal de 1988; “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por tal dispositivo chega-se à conclusão de que imposição de conduta deve ser descrita por lei, insculpindo o famoso Princípio da Legalidade Ampla. Na seara tributária, o artigo 150, I da Lei Maior cristaliza o Princípio Tributário da Legalidade ao prever a necessidade de que uma lei, ou ato normativo com sua força (Medida Provisória), seja editada para instituir ou aumentar um tributo. Assim dispõe o artigo:”Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:” e o inciso I completa: “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Das ideias expostas acima, chega-se nas seguintes premissas: a) Todos os tributos são instituídos ou aumentados por lei, essa é a regra, cujas exceções não são objeto deste artigo e b) Somente quem possui poder legislativo, órgão legiferante, pode instituir ou aumentar um tributo. Postas tais considerações, passa se mais detidamente ao objeto de tal trabalho. 2. DA FACULTATIVIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Embora os Entes Políticos não possam delegar nem renunciar sua competência tributária, eles são livres para dela se utilizar ou não, vale dizer, a competência tributária para instituir determinado tributo poderá não ser exercida por um longo período de tempo, isso porque o exercício da competência tributária não está adstrito a um prazo decadencial, é a incaducabilidade. Por essa razão o artigo 8º do Código Tributário Nacional(CTN) dispõe:”O não exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” A pessoa política pode criar o tributo segundo sua discricionariedade, adotando critérios de conveniência e oportunidade que lhes forem próprios, com viés de arrecadação por meio dos tributos chamados fiscais, ou meramente político e não fiscal com os chamados tributos extrafiscais. Por oportuno destacar a diferença entre competência e capacidade tributária. Esta é a capacidade para ser  sujeito ativo da relação tributária por força de disposição constitucional ou legal do ente tributante, sendo delegável podendo inclusive ser transferida para outra pessoa jurídica as atividades atinentes a fiscalizar e arrecadar. Diferente daquela que é privativa, indelegável, incaducável, inalterável, irrenunciável e facultativa. Todo Ente que possui competência tributária contém capacidade tributária, mas tal capacidade pode ser delegado a outra pessoa jurídica que não possua competência tributária, o espectro de tal delegação somente abrange a posição ativa, ou seja, ser credor do tributo, bem como as atribuições administrativas (arrecadar e fiscalizar) inerentes ao polo ativo da relação jurídica tributária, definindo assim a Capacidade Tributária Ativa. Ultrapassada tal diferenciação, é importante perceber que a Constituição Federal apenas outorga aos entes tributantes o mister de instituir tributos, nossa Lei Maior não instituiu tributo algum. Ela tão somente elenca o exercício da competência tributária para cada ente da federação, dispondo como uma faculdade inserida na autonomia federativa de cada um deles, conforme o artigo 18 caput da CR/88: “ A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. As pessoas políticas são livres para utilizar das competências tributárias atribuídas pela Constituição ou não. Isso é o que se depreende do artigo 145, caput do CR/88: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:”. É oportuno lembrar o exemplo do imposto sobre grandes fortunas, tributo de competência da União instituído por lei complementar, como determina o artigo 153, VII, da Constituição Federal, e que até hoje não foi criado. 3. DA OBRIGATORIEDADE DO EXERCÍCIO  DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Com o advento da Lei Complementar 101/2000, a conhecida lei de responsabilidade fiscal-LRF, toda dinâmica da gestão orçamentária e fiscal passou a ser analisada por um outro prisma, focada na governança, em conceitos de eficiência, eficácia e efetividade da arrecadação tributária, bem como de gestão de risco e planejamento estratégico.  Toda essa exegética fez com que a competência tributária fosse refletida sob um outro olhar e algumas controvérsias foram enfrentadas pela doutrina e jurisprudência. Entre as maiores polêmicas destaca-se: a facultatividade da competência tributária frente ao que dispõe o artigo 11 e seu parágrafo único, isto porque uma leitura seca de tais dispositivos leva a clara dedução de que a competência tributária teria agora um viés obrigatório. O artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF ( Lei Complementar nº 101/2000) inserta: “ Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da federação.” E seu parágrafo único arremata ao dispor: “ É vedado a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.” A primeira observação digna de nota é que a vedação se dá em relação às transferências voluntárias, pois as de cunho obrigatório seja por disposição legal, seja por disposição constitucional não estão abarcadas em tal proibição, por exemplo as repartições constitucionais de receitas tributárias. Outro ponto é que tal restrição se coloca somente em relação aos impostos. Logo se um ente deixar de instituir uma contribuição de melhoria, não sofreria nenhuma sanção, assim como se deixar de instituir uma taxa, estaria dentro da facultatividade da Competência Tributária. Isso é de excelsa importância para a maioria dos Municípios, que possuem boa parte de sua saúde orçamentária e financeira a dependem de doações voluntárias com a União, seja por repasse de receita, seja por empréstimos.  Embora o dito acima, alguns Municípios deixam de instituir alguns impostos de sua competência, como por exemplo o ITBI ou ISS, em sua grande maioria das vezes em razão do custo que derivaria sua cobrança, tornando inviável sua instituição e isso levou a discussão se o referido artigo 11 e seu parágrafo único da LRF seria ou não constitucional. A interpretação que prevalece hoje foi dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede liminar no ADI 2.238 o qual entendeu que tal artigo deveria ter uma interpretação conforme a constituição. Assim o ente pode deixar de instituir, por ser facultativa a competência, mas se ele instituir o imposto, fica obrigado a arrecadar tal tributo. Essa é a hermenêutica dada ao artigo de modo a compatibilizá-lo com o regramento constitucional. 4. CONCLUSÃO O tema não é pacífico na doutrina e na jurisprudência, tanto que o próprio STF não concluiu o julgamento da ADI citada acima, não obstante a constitucionalidade do artigo 11, parágrafo único se dá por meio de uma interpretação conforme a constituição. Assim, embora a Competência Tributária seja facultativa, no que se refere a instituição de impostos tem-se que caso o ente escolha não instituí-lo, arca com a não possibilidade de transferências voluntárias, seria mais um desestímulo a não instituição do que uma proibição e dando esse viés interpretativo o artigo 11 da LRF mantém sua constitucionalidade e não retira a facultatividade do ente político de instituir tributos.
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A contribuição de melhoria e sua utilização por administradores públicos no Brasil
O presente artigo destina-se ao estudo de um dos tributos elencados na Constituição Federal mas que, por inúmeros fatores ainda não é utilizado no Brasil com a devida eficiência. Trata-se da contribuição de melhoria, que pode ser instituída e cobrada em todos os níveis da administração pública no Brasil sempre que uma obra pública gerar valorização imobiliária particular.
Direito Tributário
Introdução Sabendo que a Constituição Federal de 1988 através do seu art. 145 possibilita a instituição e cobrança de alguns tributos, o presente artigo destina-se ao estudo do tributo contribuição de melhoria, analisando se o mesmo realmente é utilizado pelos administradores públicos municipais no Brasil. Tratando-se de tributo dos mais justos, deixar de utilizá-lo por falta de preparo do administrador público seria deslealdade com o cidadão que poderia ver, através da sua cobrança, inúmeras pretensões públicas e coletivas realizadas com muito maior agilidade. É importante que os administradores públicos municipais conheçam a contribuição de melhoria e saibam como se preparar para poder institui-la e cobrá-la sem se deparar posteriormente com as barreiras que podem impedi-lo de utilizá-la com eficiência. 1. Conceituação e Fundamentação da Contribuição de Melhoria Apesar de toda a legislação voltada para a regulamentação da contribuição de melhoria, este tributo não encontra definição legal. Coube aos doutrinadores esta tarefa. O Código Tributário Nacional – CTN, mesmo não a conceituando, trouxe em seus arts. 81 e 82, os elementos básicos necessários para sua definição. Reza o art. 81 que “a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado” (BRASIL, 1966). Isto demonstra que as pessoas políticas de direito constitucional interno – União, Estados, Distrito Federal e Municípios é que são competentes para instituírem a contribuição de melhoria, e poderão cobrá-la sempre que um particular tenha seu imóvel valorizado em decorrência de uma obra pública. Cada uma destas pessoas poderá instituir contribuição de melhoria referente às suas obras, de forma que a municipalidade não poderá instituir o tributo se a valorização se deu em virtude de obra realizada pelo governo Estadual ou Federal e vice-versa. Desta forma pode-se, inicialmente, conceituar a contribuição de melhoria como um tributo que pode ser instituído por qualquer das pessoas de direito constitucional interno a partir do momento que uma obra pública gerar valorização imobiliária para o seu proprietário. Ainda em conformidade com o CTN, os tributos possuem uma divisão entre vinculados e não vinculados. Os impostos classificam-se como não vinculados por não terem seus fatos geradores diretamente ligados a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Já as taxas e as contribuições de melhoria tratam-se de tributos vinculados, pois possuem seus fatos geradores diretamente ligados a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. O que diferencia os dois tributos vinculados é que as taxas advêm de um serviço público, enquanto a contribuição de melhoria, de uma obra pública geradora de valorização imobiliária. No que se refere à fundamentação filosófica, a utilização do tributo justifica-se por elementar princípio de justiça e de moralidade. A cobrança da contribuição de melhoria é uma forma de restituir o Tesouro Público de um gasto realizado com uma obra, mas que, em virtude desta, valorizou imóveis de apenas alguns privilegiados. Estes privilegiados, ao pagarem a contribuição de melhoria, restituem ao erário um quantum[1] que poderá ser utilizado pela administração pública para o pagamento da obra, ou para o benefício daqueles que não foram anteriormente favorecidos, em conformidade com os interesses e a possibilidade financeira da administração. Não seria justo que um particular se beneficiasse individualmente do esforço de toda uma coletividade, o que geraria inclusive o enriquecimento sem causa deste particular. Isto demonstra que o objetivo da redistribuição dos investimentos condiz perfeitamente com o princípio básico da administração pública que visa a supremacia do interesse público em relação ao privado, buscando seu objetivo maior que é o bem comum da coletividade administrada. Neste sentido, é extremamente adequado o comentário de Celso Ribeiro Bastos quando diz que “a contribuição de melhoria justifica-se pela inaceitabilidade de o Estado repartir desigualmente os lucros advindos da sua atuação. O que, inclusive, faz com que seja este o mais justo dos tributos” (BASTOS, 1999, p. 155). 2. A Experiência Brasileira e sua Legislação Apesar de relativamente diferente do atual conceito de contribuição de melhoria, a primeira cobrança do que originou o tributo advém do Decreto n. 1.029 de 06 de julho de 1905, instituída no Rio de Janeiro, para que  proprietários de imóveis beneficiados custeassem parte da pavimentação de suas ruas. Na década de 1960 surgiram os dois maiores edificantes da contribuição de melhoria. Em 25 de outubro de 1966 foi promulgado o Código Tributário Nacional que, através dos seus artigos 81 e 82 estabeleceram definitivamente o tributo e, no ano seguinte, através do Decreto-Lei N.º 195 de 24 de fevereiro de 1967, entrou em vigor toda a regulamentação sobre a cobrança da contribuição de melhoria. Atualmente tem-se a Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 145, III, e de forma bastante lacônica, apenas permitiu a cobrança do tributo, haja vista que suas particularidades e características já haviam sido definidas pelos já citados CTN e Decreto-Lei N.° 195/67. Por fim, cabe acrescentar apreciável comentário de Aires F. Barreto sobre a experiência brasileira no que se refere à contribuição de melhoria: “Para não remontar a pesquisa a períodos anteriores, é possível afirmar que, nos últimos cinqüenta anos, União e Estado jamais a exigiram. No âmbito municipal, louve-se o esforço de alguns Municípios que, carentes de recursos financeiros, não mediram braços visando a superar os entraves para instituição da contribuição de melhoria. No passado, destacaram-se, na busca da viabilização da contribuição de melhoria, os Municípios de Natal (RN) e Curitiba (PR). Esses Municípios, porém, naquelas oportunidades, circunscreveram a imposição desse tributo às obras de pavimentação, apesar de ser inegável que obras públicas outras determinam valorização imobiliária.” (BARRETO, 1998, p. 573). 3. Divergências Doutrinárias Atualmente, o que se tem como base legislativa para regulamentação da contribuição de melhoria é a Constituição Federal de 1988, em seu art. 145, III; o Código Tributário Nacional em seus arts. 81 e 82 e o Decreto-Lei N.º 195/67. Apesar da grande maioria da doutrina defender este ponto de vista, alguns doutrinadores não concordam com esta corrente, alegando que não mais estariam em vigor estas duas últimas fontes legais citadas. Estes doutrinadores defendem, desde a Emenda Constitucional n.º 23/83 que modificou a redação constitucional substituindo o termo “imóveis valorizados” por “imóveis beneficiados” e omitindo o limite individual para cobrança do tributo, que seriam incompatíveis os novos termos constitucionais com a redação do CTN e do Decreto-Lei N.º 195, ficando estes tacitamente revogados. Seguir este entendimento seria, de início, considerar completamente diferentes os termos “imóveis valorizados” e “imóveis beneficiados”. Entretanto o que se percebe é que as duas terminologias possuem significado bastante parecido e é até difícil imaginar um imóvel que seja beneficiado por uma obra pública e que não obtenha uma valorização, mesmo que pequena. O que pode acontecer é que, mesmo com a ocorrência da obra pública, não surja nenhum benefício. Neste caso não haveria valorização. Mesmo assim, esta modificação terminológica no texto legal não daria causa para a revogação dos dispositivos em discussão, como fica evidente por ser este o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “Nos RE nºs 115.863; 116.147 e 116.148-5-SP-1993, assim como o STJ, tem rejeitado lançamentos de contribuição de melhoria sem a demonstração do pressuposto de valorização do imóvel, dando acolhida aos arts. 81 e 82 do CTN e ao Decreto-Lei N.° 195/67”. O mesmo entendimento advém da seguinte jurisprudência: “CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA – FATO GERADOR – VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA OU BENEFÍCIO ESPECÍFICO – NECESSIDADE. Tributário – Contribuição de Melhoria – Fato Gerador – Base de Cálculo – Requisitos da Valorização ou de Específico Benefício – Art.18, II, CF/88 – Arts. 81 e 82, CTN – Decreto-Lei N.º 195/67 (artigos 1º, 2° e 3º). 1. Recapeamento de via pública, com o custo coberto por um plano de rateio entre todos os beneficiários, afronta exigências legais (arts. 81 e 82, CTN; Decreto-Lei N.º 195/67, arts. 1° e 2°). 2. Ilegalidade do lançamento de Contribuição de Melhoria baseado no custo, sem a demonstração dos pressupostos de valorização ou específico benefício, conseqüente da obra pública realizada no local de situação do imóvel. 3. Precedentes da jurisprudência. 4. Recurso provido.” Outra divergência doutrinária a respeito da contribuição de melhoria refere-se aos limites para cobrança do tributo. O art. 81 do CTN estabelece diferenciadamente o limite individual e o limite total para sua cobrança. Em conformidade com este preceito legal o limite individual será um quantum não superior ao acréscimo de valor do imóvel respectivo, e o limite total não poderá ser superior ao custo da obra. Neste sentido é categórica a explicação de Hugo de Brito Machado que esclarece: “Realmente, a especificidade da contribuição de melhoria reside em ser ela um instrumento pelo qual se retira do proprietário do imóvel a vantagem adicional que ele, individualmente, auferiu com a realização da obra pública, ou retira dele, pelo menos, o equivalente ao custo da obra pública respectiva. Se o incremento de valor dos imóveis, no total, é maior do que o custo da obra, prevalece este como limite global. Os contribuintes serão, neste caso, beneficiados proporcionalmente” (MACHADO, 2001, p. 377). Desta forma, em nenhuma hipótese o contribuinte pagaria um valor superior ao da valorização do imóvel do qual é proprietário. Neste mesmo sentido, muito bem coloca Paulo de Barros Carvalho: “Ninguém pode ser compelido a recolher, a esse título, quantia superior à vantagem que sobreveio a seu imóvel, por virtude da realização da obra pública. Extrapassar esse limite representaria ferir, frontalmente, o princípio da capacidade contributiva, substância semântica sobre que se funda a implantação do primado da igualdade, no campo das relações tributárias” (CARVALHO, 1999, p. 42). Entretanto, nem toda a doutrina concorda com este ponto de vista, que é o que advém da própria lei. Aires F. Barreto utiliza-se de claro exemplo para contradizer a corrente que, como visto anteriormente, tem Hugo de Brito Machado como um dos seus defensores: “Dentre tantos exemplos, tememos um dos mais recentes, na cidade de São Paulo. Estendeu-se, há pouco, a av. Faria Lima (em trecho designado de “nova Faria Lima”). A avenida em questão, uma das mais importante de São Paulo, tem, junto com a av. Paulista, o maior preço de metro quadrado de terreno da cidade. O trecho que se rasgou, em continuação à avenida existente, surgiu extremamente valorizado. Um metro quadrado que, antes da obra, custava cerca de R$ 700,00, vale, agora, concluída a obra, cerca de R$ 10.000,00. Assim, um proprietário de imóvel de 10.000 m² (e os há) teve seu imóvel valorizado em mais de 14 vezes, ou seja, de R$ 7.000.000,00, seu valor pulou para R$ 100.000.000,00. Em suma, recebeu valorização de R$ 93.000.000,00. O que a tese do mestre Hugo prestigia, pois – supondo, por exemplo, um custo da obra proporcionando a esse imóvel de R$ 13.000.000,00 – , é, permissa vênia, que o Tesouro (vale dizer, a sociedade) receba, a título de contribuição de melhoria, R$ 13.000.000,00, e o dono de tal terreno fique com os R$ 80.000.000,00 restantes” (BARRETO, 1998, p. 594). Apesar de ser dotado de fundamento lógico, não é este o posicionamento adotado pela legislação brasileira, nem pela maior parte da corrente doutrinária. Do que foi exposto percebe-se claramente que a contribuição de melhoria advém da valorização imobiliária e, não maior que esta valorização poderá ser o quantum tributável. Se os administradores públicos utilizassem o custo da obra como parâmetro para a cobrança da contribuição de melhoria, estariam deixando de lado as características básicas deste tributo e fazendo uso da base de cálculo de taxa, que tem o objetivo de recuperar o custo da atividade estatal. Bem encerra Aliomar Baleeiro informando: “A Constituição de 1988 não se refere a limite, quer individual, quer geral, para a cobrança da contribuição de melhoria. Mas o limite individual está implícito na expressão melhoria, que é pressuposto inerente á natureza dessa espécie de tributo” (BALEEIRO, 1999, 584). Desta forma, o administrador público municipal no Brasil não poderá cobrar do beneficiado valor superior ao gasto na obra pública. Se isto fizesse, estaria recebendo do particular uma espécie de reembolso de um quantum que não gastou. 4. Particularidades Jurídicas Retomando o conceito da contribuição de melhoria, pode-se dizer que se trata de um tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis. Do próprio conceito pode-se retirar as principais características jurídicas do tributo. Primeiramente, é importante ressaltar o que causa a contribuição de melhoria e em quais circunstâncias ela é originada para que os contribuintes possam efetivamente realizar os devidos pagamentos. Para que um dia possa ser cobrada uma contribuição de melhoria, primeiramente é necessária uma obra pública. A administração pública objetiva e define uma obra pública que, diferentemente de serviço público que gera uma taxa, em gerando valorização imobiliária para os proprietários dos imóveis próximos à obra, deverão pagar a contribuição de melhoria como forma de reverter ao Tesouro Público as valorizações que estes particulares obtiveram em virtude da citada obra. Desta forma, não é suficiente que exista uma obra pública, mas que esta obra gere uma valorização dos imóveis próximos a ela. Esta valorização imobiliária, originada por uma obra pública, será a base de cálculo da contribuição de melhoria. Neste sentido, Aires F. Barreto faz grandioso comentário: “Nos termos da Constituição Federal, só o que pode motivar a exigência dessa subespécie tributária é a valorização de imóvel como conseqüência de obra pública. Deveras, é imperativo constitucional para a criação do tributo contribuição de melhoria, que a própria lei preveja, ao descrever hipótese de incidência, que a exigência só caiba diante de: concreta valorização imobiliária; causada por obra pública.” (BARRETO, 1998, p. 580). E completa Geraldo Ataliba, citado por Aliomar Baleeiro: “Por ser a contribuição de melhoria um tributo vinculado, cuja hipótese de incidência configura uma atuação estatal (obra pública) relativa ao obrigado, relação esta que viabiliza por meio de circunstância intermediária – a vantagem, o benefício, a valorização imobiliária – conclui-se: a hipótese de incidência da contribuição de melhoria compõe-se de dois núcleos (benefício + obra pública) igualmente relevantes, ou seja, é o benefício-valorização do imóvel do contribuinte decorrente de obra pública; a base de cálculo será o valor do benefício individual auferido, limitado pelo custo da obra.” (BALEEIRO, 1999, p. 581) Interessantes comentários feitos pelos citados autores, demonstram a necessidade do requisito valorização imobiliária. Se assim não fosse, poderia ocorrer o absurdo de se cobrar contribuição de melhoria de um imóvel vizinho de uma obra pública que não tenha gerado valorização imobiliária, ou mesmo de uma obra que tenha gerado desvalorização imobiliária, como é o caso da construção de um cemitério ou de um presídio. Neste sentido têm sido as decisões dos tribunais, como pode ser observado na jurisprudência abaixo: CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA – FATO GERADOR – RECAPEAMENTO ASFÁLTICO – VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA – INOCORRÊNCIA. Tributário – Contribuição de melhoria – Fato Gerador – Valorização Imobiliária – Recapeamento Asfáltico – Impossibilidade de cobrança. O fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária provocada pela realização de uma obra pública. O recapeamento de via pública já asfaltada não acarreta valorização imobiliária, impossibilitando a cobrança da contribuição de melhoria. Ademais o recapeamento constitui mero serviço de manutenção e não figura entre as hipóteses de incidência previstas nos incisos I a VIII, do artigo 2º, do Decreto – Lei  N.º 195/67. No que se refere à alíquota, segue-se o exemplo da base de cálculo e não poderá ultrapassar o quantum da valorização imobiliária. O lançamento, por sua vez, deverá ser feito de ofício e, em conformidade com o art. 9º do Decreto – Lei N.° 195/67, ocorrerá após o término da obra, depois de publicado o respectivo demonstrativo de custos e após a efetiva valorização dos imóveis beneficiados. Por fim, cabe ainda evidenciar as partes sujeitas a uma suposta contribuição de melhoria. O sujeito ativo, conforme estabelecido no art. 145, III da Constituição Federal de 1988, poderá ser União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em contra-partida, o sujeito passivo será o proprietário de imóvel valorizado por obra pública realizada por uma das pessoas políticas citadas. Aires F. Barreto, acrescenta ainda como possíveis contribuintes, o titular do domínio útil, o usufrutuário e o compromissário-comprador imitido na posse (BARRETO, 1998, p. 589). E, por último, o Decreto-Lei N.º 195/67 estabelece no seu § 1.° do art. 8.° que em caso de enfiteuse, o enfiteuta responderá pelo tributo. 5. Requisitos para a Cobrança e sua Impugnação Estando pois definidas todas as características principais da contribuição de melhoria, faz-se necessária a fixação dos requisitos utilizados para que se possa cobrar o tributo. Eis que todos os requisitos para a instituição e cobrança da contribuição de melhoria encontram-se bem definidos na legislação pátria. Através de direta consonância, o art. 82 do CTN e o art. 10 do Decreto-Lei N.º 195/67 trazem em seu bojo todos estes requisitos. Dotado de maior aprimoramento, o primeiro dispositivo legal requer a publicação prévia dos seguintes elementos: memorial descritivo do projeto, orçamento do custo da obra, determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição, delimitação da zona beneficiada e determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas. Os § 1.° e 2.º do mesmo artigo, informam ainda que a contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização, e ainda, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integraram o respectivo cálculo. Por fim, e talvez como o mais importante dos requisitos para a cobrança da contribuição de melhoria, deve-se colocar o interesse do administrador público. Se este, como competente para definir as questões referentes à administração pública preparar-se adequadamente para a instituição e cobrança do tributo, os demais requisitos estabelecidos em lei serão certamente alcançados. No que se refere à impugnação da cobrança da contribuição de melhoria, o art. 82 do CTN em seus incisos II e III, estabelece que o prazo mínimo para que os interessados possam discordar de qualquer dos itens do inciso I do mesmo artigo, é de 30 dias; e que deverá existir a regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação, sem prejuízo da sua apreciação judicial. Já o Decreto-Lei N.° 195/67 refere-se à impugnação em seus arts. 6.º e 7.º, parágrafo único do art. 10 e art. 11, estabelecendo o termo inicial do prazo para a impugnação que é a data da publicação do edital dos elementos/requisitos para instituição e cobrança da contribuição de melhoria e que o processo administrativo terá início através de petição dirigida à administração competente. O contribuinte, considerando a existência de qualquer irregularidade no edital publicado pela administração municipal, poderá discordar de qualquer dos elementos contidos no mesmo, inclusive sobre o valor da contribuição. 6. Necessidade da Utilização da Contribuição de Melhoria Como já foi dito anteriormente, é indiscutível o caráter de justiça e equidade desencadeado pela contribuição de melhoria. Seu intuito de melhor distribuir os recursos advindos da administração pública municipal, de proporcionar uma reutilização do dinheiro público e por tratar-se tributo vinculado, fazem com que este tributo seja considerado o mais justo dos existentes no Brasil. E o objetivo de cobrar apenas de proprietários de imóveis beneficiados os valores de suas valorizações (em conformidade com o limite total e individual), denota ainda a equidade preponderante nos fundamentos de existência da contribuição de melhoria. O tributo em estudo, desta forma, demonstra todas as suas características que só geram benefícios para a população administrada. Falar sobre contribuição de melhoria é falar sobre justiça, sobre ideal repartição de lucros e despesas advindas da administração pública e principalmente, de administração dotada de um governante que zela pelo bem comum. Uma obra pública ao ser realizada beneficia um grupo de proprietários de forma direta. Já a cobrança da contribuição de melhoria, tende a beneficiar toda a sociedade. Isto faz com que sua instituição e cobrança funcione como uma espécie de balança onde fica em um de seus pratos o grupo de beneficiados pela obra pública; no outro prato, fica todo o restante da sociedade. Assim, tendo a administração pública investido o dinheiro de todos em uma obra que beneficia apenas um grupo restrito, verá o prato onde estes se localizam ficar mais pesado e, conseqüentemente mais baixo. Na busca da idealização do princípio da administração pública que prega a supremacia do interesse público sobre o privado e objetivando o bem comum de toda a sociedade, o administrador instituirá a contribuição de melhoria e, através de novos investimentos, poderá novamente ver os dois pratos em pé de igualdade, como bem objetiva a justiça. Aliomar Baleeiro coloca a seguinte orientação que justifica a necessidade da utilização da contribuição de melhoria: “Se considerarmos que a administração pública, no exercício normal do poder de regulamentação, em geral, nas cidades policiadas, só autoriza a abertura de novas vias públicas, se terraplanagem, arborização, coletores de águas pluviais e de esgotos sanitários, ramais de energia ou de água potável etc., incorporando o preço dessas acessões e benfeitorias aos das áreas, compreenderemos quanto se locupletam, às expensas de todos os contribuintes, os proprietários de prédios em zonas cuja urbanização vem a ser feita pela autoridade pública. Daí a conseqüência: se o proprietário não concorreu para as obras públicas dos logradouros onde está situado o imóvel e, afinal, o ônus delas veio a recair sobre a administração, esta poderá indenizar-se, restabelecendo a igualdade entre todos os titulares de terrenos. Outra solução conduziria à iniqüidade insuportável de serem uns sobrecarregados do custo de obras, que lhes interessam e também ao público, ao passo que outros, sem o mais mínimo esforço ou investimento, receberam o presente de obras idênticas realizadas pelos cofres públicos”(BALEEIRO, 1999, p. 570). Por tudo isto, além de todos os fundamentos que estruturam o tributo em estudo, é que se faz necessária a sua utilização. Seu caráter de justiça, equidade e lealdade, fazem da contribuição de melhoria um tributo admirável e, conseqüentemente, deveria ser utilizado constantemente pelos administradores públicos não só municipais, mas em todos os níveis da administração pública. 7. Causas da não Utilização da Contribuição de Melhoria pelos Administradores Públicos Municipais no Brasil Conforme já ressaltado, infelizmente não existem registros da utilização da contribuição de melhoria nos últimos cinqüenta anos pela União ou por Estados no Brasil. Isto demonstra que apenas os municípios é que têm se utilizado da oportunidade de cobrar um tributo justo e eficiente dos contribuintes que viram seus imóveis valorizados em decorrência de uma obra pública. Entretanto o que se percebe é que, apesar de existirem alguns municípios que se arriscaram em instituir e cobrar a contribuição de melhoria, pouquíssimos são os administradores públicos que assim o fazem. Dificilmente encontra-se um município que já fez uso da contribuição de melhoria e, raramente depara-se com um município em sua plena utilização. Isto se percebe pela própria falta de jurisprudência sobre o assunto. Pouquíssimas são as jurisprudências que se referem à contribuição de melhoria e, dentre estas, a maior parte refere-se a período anterior à Constituição Federal de 1988. Esta deficiente utilização da contribuição de melhoria por Municípios no Brasil faz com que não só a população, mas também os administradores públicos municipais, desconheçam a existência do tributo e a possibilidade da sua cobrança. Este desconhecimento do tributo é apenas uma das causas da não utilização da contribuição de melhoria pelos administradores públicos municiais no Brasil. Mas se todos desconhecem o tributo, é porque existem outras causas que dificultam a sua utilização e conseqüentemente, a sua divulgação. Desta forma, vejam-se as possíveis causas da não utilização da contribuição de melhoria no Brasil: a) Aferição da Valorização: O  fato gerador da contribuição de melhoria é uma valorização imobiliária decorrente de uma obra pública. Existindo a referida valorização, o proprietário de imóvel valorizado deverá pagar o tributo que terá como base de cálculo o quantum da valorização advinda em virtude da obra. Neste sentido esclarece Aires F. Barreto: “Tendo em vista os princípios informadores do instituto da contribuição de melhoria, sua base de cálculo há de ser a variação positiva no valor do imóvel, determinada pela realização de obra pública” (BARRETO, 1998, p. 589). Desta forma, atendendo os requisitos para a cobrança da contribuição de melhoria, deverá o administrador público apresentar a delimitação da zona beneficiada. Isto fará com que cada imóvel localizado na zona beneficiada tenha seu cálculo individual de valorização em virtude da obra. É aí que se depara a administração municipal com o que pode ser a maior de todas as dificuldades para se cobrar a contribuição de melhoria: estabelecer o valor do imóvel antes da obra, estabelecer o valor do imóvel após a realização da obra e alcançar a variação positiva advinda da diferença entre os dois valores anteriormente citados. Primeiramente a Prefeitura Municipal gastaria significativos valores para formar uma equipe técnica conhecedora das relações imobiliárias no Município para avaliar todos os imóveis abrangidos pela zona possivelmente beneficiada, antes da realização da obra. Após a realização da obra esta equipe novamente entraria em ação para mais uma vez avaliar os imóveis e observar quanto seriam os seus valores, e se realmente existiu valorização oriunda da obra pública em cada imóvel anteriormente avaliado. No caso de imóveis valorizados, o quantum da valorização individual será a base de cálculo para o pagamento da contribuição de melhoria. Já no caso de imóveis desprovidos de valorização, não será possível a cobrança da contribuição de melhoria por faltar um dos fundamentos da sua existência: a valorização imobiliária. Para que possa a administração pública instituir e cobrar a contribuição de melhoria sem ser barrado por este empecilho, deverá o seu administrador se preparar com a devida antecedência para a realização da cobrança. O prefeito municipal deverá munir-se de todas as ferramentas necessárias para que possa, futuramente, cobrar a contribuição de melhoria. O administrador deverá, inicialmente, contratar as pessoas capacitadas para avaliar todos os imóveis pertencentes à zona de beneficiamento antes de que a população saiba da possibilidade da realização da obra, já que só a notícia da sua realização já poderia afetar o valor dos imóveis. Com a realização da obra, esta equipe novamente avaliaria todos os imóveis, apurando o acréscimo no valor dos mesmos. É de fundamental importância que o administrador público se prepare com antecedência para a cobrança do tributo, pois só assim criará a possibilidade da efetivação da sua cobrança. b) Impossibilidade Financeira do Contribuinte: A cobrança da contribuição de melhoria poderá ser feita tão logo terminada a obra pública. Eis que se depara então o administrador público com um problema: a impossibilidade financeira do proprietário do imóvel valorizado. A valorização do imóvel não significa que seu proprietário possua fundos suficientes para o pagamento do tributo. Não seria estranho se o particular tivesse uma grande valorização em seu imóvel, mas não possuísse dinheiro para pagar o tributo. O art. 12 do Decreto-Lei N.º 195/67 estabelece que o contribuinte pagará o tributo de forma que sua parcela anual não exceda a 3% (três por cento) do maior valor fiscal do seu imóvel, atualizado à época da cobrança. Este dispositivo de lei é até uma forma de se cobrar do administrador público que não abandone o princípio da capacidade contributiva, cobrando valores muito altos dos contribuintes. Mesmo assim, 3% (três por cento) pode significar um valor expressivo, em conformidade com o valor do imóvel. Além de ser um pagamento com altos valores, o contribuinte poderá não ter como angariar recursos para o pagamento do tributo. Neste caso, a única alternativa seria a venda do imóvel. No caso de terrenos, seria plenamente possível a venda de parte do mesmo para que pudesse ser feito o pagamento do tributo. Entretanto, no caso do imóveis residenciais – casa ou apartamento – ficaria difícil a efetivação do pagamento da contribuição. Interessante solução é trazida por Aires F. Barreto: “Os fiscos deveriam estudar alternativas de procrastinação da cobrança, diferindo o momento do pagamento, por exemplo, para o momento de venda do imóvel. Poderiam ser estudados mecanismos, inclusive com eventual mudança na legislação ordinária, que permitissem, aos que não pudessem, ou aos que preferissem não pagar naquela oportunidade, a transformação do valor em uma percentagem do imóvel que passaria a gravar a propriedade, com averbação no registro de imóveis. Por ocasião da venda futura, o valor correspondente seria retido e entregue ao Tesouro” (BARRETO, 1998, p. 604). c) Delonga para o Término da Obra: Quanto mais se demora para terminar a obra, mais se dificulta a apuração da valorização do imóvel. Isto, por ser possível o proprietário do imóvel modificá-lo durante a realização da obra, fazendo com que o imóvel valorize-se independentemente da realização de uma obra pública. Por exemplo, se uma rua é asfaltada, e, neste mesmo período uma das casas beneficiadas pelo asfaltamento da rua tem construída em seu quintal uma piscina, ter-se-á que apurar qual a valorização adveio do asfaltamento e qual adveio da piscina. Em casos de obras públicas muito demoradas é possível a construção de casas onde anteriormente só existiam lotes, ou a modificação completa de algumas casas tornando-as residências de luxo. Nestes casos a apuração da valorização imobiliária fica cada vez mais difícil. d) Possibilidade de Impugnação pelo Contribuinte: A impugnação é permitida não só pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 82, inciso II; mas também pelo Decreto-Lei N.º 195/67 em seu art. 10, parágrafo único. O contribuinte poderá impugnar sobre qualquer erro ou discordância contido no edital previamente publicado pela administração municipal. Eis que esta impugnação pode ser também uma das causas para o administrador público não se aventurar no propósito de cobrar contribuição de melhoria. Esta possibilidade de impugnação exige da administração uma perfeita preparação para que o tributo seja instituído. Entretanto, como não é praxe a cobrança do tributo em administrações municipais, estas não possuem prática na sua preparação e, conseqüentemente, não se aventuram na possibilidade de querer cobrar o tributo e posteriormente verem seus objetivos frustrados. e) Falta de Interesse do Administrador Público: Todos os casos vistos anteriormente ocorrem quando o administrador tem interesse em cobrar a contribuição de melhoria mas, por algum motivo, não consegue fazê-lo. Entretanto existe ainda a possibilidade de o administrador não ter interesse em fazer a cobrança do tributo. É uma constante no Brasil atualmente, os políticos que vivem “da política” em vez de viverem “para a política”. A busca pelo poder faz com que os políticos no Brasil tornem-se efetivos “políticos de carreira”, buscando sempre beneficiar aqueles que patrocinam as campanhas eleitorais, só lembrando do eleitor quando próximo ao período de votação. Desta forma, nenhum interesse haveria em instituir e cobrar contribuição de melhoria se um dos protegidos da administração tivesse seu imóvel valorizado por uma obra realizada pela administração municipal. Esta torna-se uma das grandes causadoras da não utilização da contribuição de melhoria pelos administradores públicos municipais no Brasil: o interesse político em privilegiar e proteger terceiros. Utilizar a contribuição de melhoria é sinônimo de honestidade, de lealdade, de moralidade. Entretanto, estas são características pouco encontradas atualmente nos políticos brasileiros, o que acarreta a deficiente utilização da contribuição de melhoria pelos administradores públicos no Brasil. 8. Conseqüências da não Utilização da Contribuição de Melhoria pelos Administradores Públicos Municipais no Brasil Analisadas algumas das possíveis causas da não utilização da contribuição de melhoria pelos administradores públicos municipais no Brasil, percebe-se uma grande semelhança entre todas elas: a falta de prévio e adequado preparo da administração em cobrar o tributo. Infelizmente a contribuição de melhoria ainda é um tributo pouco conhecido no Brasil, não só pelos administradores públicos, mas por toda a sociedade. As únicas pessoas que ainda tem oportunidade de conhecê-la são os estudiosos do Direito, já que se trata de matéria tributária. Desta forma, poder-se-ia diferenciar as administrações municipais brasileiras da seguinte forma: as que não sabem da existência do tributo, as que conhecem o tributo, mas não têm interesse em utilizá-lo, as que tentam, mas não conseguem utilizá-lo com eficiência e as que utilizam a contribuição de melhoria com sucesso. Independentemente da causa da não utilização da contribuição de melhoria, uma só é a conseqüência gerada para a sociedade: a impossibilidade da redistribuição objetivada pelo tributo. No fim das contas quem sai perdendo é o cidadão que paga seus tributos e vê o seu dinheiro sendo utilizado em obras que só beneficiam um grupo restrito de cidadãos que recebem sem qualquer ônus uma valorização imobiliária “de presente” da administração pública. O tributo que poderia financiar a realização de uma obra, ou que poderia patrocinar novas obras públicas para a população, fica portanto, praticamente inutilizado no Brasil. Conclusão A pesquisa abordou a utilidade da contribuição de melhoria. Tratando-se de tributo vinculado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte, a valorização imobiliária decorrente de obra pública torna-se a base de cálculo para a sua cobrança. Cada contribuinte pagará portanto, o valor que tiver auferido em sua propriedade a título de valorização imobiliária, em virtude da obra realizada pela administração pública. Entretanto, percebeu-se que as administrações municipais não utilizam o tributo que poderia auxiliar municípios a realizar obras públicas com maior facilidade, já que seriam patrocinadas pelos seus beneficiados diretos. Isto ocorre porque as administrações públicas municipais deparam-se com inúmeras dificuldades para alcançarem a efetivação da sua instituição e cobrança. Dentre os óbices mais constantes foram identificadas a dificuldade em se alcançar a valorização imobiliária advinda da obra pública, a impossibilidade financeira do contribuinte e a possibilidade de impugnação.  Observou-se claramente que estas causas contribuem insistentemente para que o administrador público não consiga utilizar o tributo em conformidade com seus requisitos legais, causando portanto a impossibilidade prática de se receber uma contribuição de todos aqueles que tiveram seus imóveis valorizados por uma obra pública. Foi visto que além dos administradores que não conseguem utilizar a contribuição de melhoria, existem ainda aqueles que não querem utilizá-lo e os que nem sabem da sua existência. Em decorrência destes últimos é que toda administração pública municipal deveria ter uma equipe jurídica preparada para bem desenvolver no município a adequada utilização e cobrança de todos os tributos municipais. Assim, verificou-se que o grande segredo para se desenvolver todo o processo de instituição e cobrança da contribuição de melhoria em um município é a prévia formação de uma equipe dotada de conhecimentos práticos e jurídicos em utilizar o tributo. Esta equipe se encarregaria de adequar todo o processo de realização da obra aos requisitos legais da contribuição de melhoria. Só assim se alcançará o que quis o legislador ao inserir a contribuição de melhoria no Brasil: ver a administração pública dotada de maior capacidade financeira através do auxílio direto de todos aqueles que se beneficiaram por obras públicas realizadas.
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A regra-matriz de incidência tributária e o imposto sobre serviços – ISS
O presente trabalho destina-se a analisar, à luz da teoria da regra-matriz de incidência tributária, os aspectos constitucionais e legais do imposto sobre serviços – ISS, bem como traçar seus requisitos mínimos de conformidade com o direito positivo. A pesquisa abrangerá também a análise dos serviços descritos na Lei Complementar n. 116/2003 para efeito de lançamento e aferição de decadência e ainda sobre às práticas administrativas de fiscalização e gestação tributária.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O ISS ou Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), tal como estabelecido no inciso III do artigo 156 da Constituição Federal de 1988, é de competência dos Municípios e tem sua definição condicionada à Lei Complementar, no caso, a Lei Complementar n. 116, de 11 de julho de 2003. Não só o estudo do direito positivo delimita as regras do direito tributário. Em termos de regra-matriz de incidência tributária, a linguagem será, sobretudo, o ponto fulcral para o processo de construção do direito, porquanto constitutiva da própria realidade, a qual o direito positivo encontra-se também inserido. Desta feita, antes de serem traçadas as estruturas básicas da regra-matriz de incidência tributária do ISS (norma em sentido estrito), é fundamental a análise de seus elementos de modo neutro, isto é, como norma geral e abstrata do direito, bem como às premissas que levam a esta construção. Somente assim será possível aferir com maior exatidão os limites da constitucionalidade e legalidade das normas positivas tributárias, principalmente, daquelas instituidoras de tributos. 1. Direito positivo e ciência do direito. Da análise da obra do professor Paulo de Barros Carvalho: Curso de direito tributário, o estudioso do direito depara-se com o tema inicial “Direito positivo e Ciência do direito”, indicando como premissa a necessidade de divisão do direito posto da construção do direito pela linguagem. Assim, muito bem observa o autor que: “Muita diferença existe entre a realidade do direito positivo e a da Ciência do direito. São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas” (2012, p. 33). Neste contexto, Paulo de Barros Carvalho menciona que direito positivo é o “complexo de normas jurídicas válidas num dado país.”, ao passo que à ciência do direito representa a tarefa de descrever esse plexo normativo, organizando-o, ordenando sua hierarquia, interpretando os sentidos dos enunciados prescritivos, para extrair os conteúdos de significação (2012, p. 34). Hans Kelsen, já observava que “(…) as manifestações por meio das quais a Ciência Jurídica descreve o direito, não devem ser confundidas com as normas criadas pelas autoridades legislativas, dado que estas são prescritivas, enquanto aquelas são descritivas”. (2006, p. 64). Nesses termos, o direito, como ciência, seria produto de um trabalho descritivo, uma vez que utiliza a linguagem adequada para transmitir conhecimentos e informações de como são as normas aplicadas na realidade jurídica intersubjetiva, ao passo que o direito posto teria uma linguagem prescritiva, porquanto prescreve regras de comportamento. Paulo de Barros Carvalho, ainda observa outro traço que separam as duas linguagens, qual seja: a lógica. Explica o autor que o direito positivo busca a lógica deôntica, isto é, a lógica do dever-ser (lógica das normas), por sua vez, a ciência do direito trabalha com a lógica apofântica, a lógica alética dos enunciados verdadeiros ou falsos. No entanto, a manifestação do direito sempre terá a linguagem como veículo de expressão. Clarice von Oertzen de Araújo observa que: “O direito é apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência.” (2005, p. 19). Outro não é o entendimento de Fabiana Del Padre Tomé, segundo o qual: “É a linguagem que cria a realidade. Só se conhece algo porque o ser humano o constrói por meio de sua linguagem.” (2011, p. 38). Dessa forma, para o direito a linguagem também é pressuposto de existência. É instrumento inseparável, seja no âmbito prescritivo, seja no âmbito descritivo (interpretativo). Nada se manifesta senão por intermédio de uma linguagem devidamente estruturada. 1.1 A interpretação do direito. Fincadas as premissas de que o direito positivo é um corpo de linguagem prescritivo, organizado para disciplinar as relações intersubjetivas em sociedade, e que a ciência do direito é instrumento linguístico a extrair os significados prescritivos, torna-se fundamental a análise da interpretação do direito. Ensina Paulo de Barros Carvalho, que a aplicação do direito pressupõe a interpretação, entendido como “(…) a atividade intelectual que se desenvolve à luz de princípios hermenêuticos, com a finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das regras jurídicas.” (2012, p. 128). No entanto, o conceito de interpretação precisa adequar-se aos novos paradigmas trazidos pela filosofia da linguagem e da semiótica. O professor Paulo de Barros Carvalho esclarece que: “Segundo os padrões da moderna Ciência da Interpretação, o sujeito do conhecimento não ‘extrai’ ou ‘descobre’ o sentido que se achava oculto no texto. Ele constrói em função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos limites de seu mundo, vale dizer, do seu universo de linguagem.” (2013, p. 197). A tradição hermenêutica encabeçada por Carlos Maximiliano, associava a interpretação a atividade de extrair da frase ou texto tudo o que nele contivesse, como se existisse um conteúdo próprio a cada termo. Assim, o trabalho de intérprete limitava-se em encontrar a significação preexistente no texto, extraindo dele o sentido que existia, como se este fosse algo dado, mas escondido ou implícito. Entretanto, acompanhando as lições do professor Paulo de Barros Carvalho, Aurora Tomazini de Carvalho, observa que: “O sentido não está no texto (aqui considerado na acepção estrita), como algo a ser descoberto ou extraído pelo intérprete. Não há um sentido próprio (verdadeiro) para cada palavra, expressão ao frase. Ele é construído por meio de um ato de valoração do intérprete. (…). A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada as suas tradições culturais.” (2013, p. 224-225). Nesses termos, podemos afirmar que o texto é significativo, mas não contém, em si mesmo, significações (conteúdo). As significações são construídas na mente daquele que interpreta o suporte físico (o texto). 1.2 Incidência e aplicação do direito. Vimos que, tanto a realidade social, quanto o sistema do direito positivo são constituídos pela linguagem. Tampouco, o direito dispõe de normas individuais e concretas para regular cada caso em específico. Na verdade, o ordenamento jurídico dispõe de um aparato de normas gerais e abstratas que a partir delas possam ser criadas outras normas (individuais e concretas) para serem aplicadas diretamente aos indivíduos. Fala-se, então, em aplicação do direito. Tárek Moysés Moussallem, menciona que o direito positivo é um sistema auto-referente, na medida em que só permite o ingresso dos fatos do mundo exterior quando estes estiverem descritos nas hipóteses normativas. (2006, p. 96). É como notavelmente ensina Lourival Vilanova: “O fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese.” (2005, p. 89). Dessa forma, o evento, como acontecimento puro, não ingressa no sistema do direito positivo por carecer de linguagem. O professor Paulo de Barros Carvalho traz em sua obra, Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, um simples e grandioso exemplo para ajudar na compreensão da fenomenologia da incidência: “Pensemos num exemplo singelo: nasce uma criança. Isto é um evento. Os pais, entretanto, contam aos seus vizinhos, relatam os pormenores aos amigos e escrevem aos parentes de fora para dar-lhes a notícia. Aquele evento, por força dessas manifestações de linguagem, adquiriu também as proporções de um fato, num de seus aspectos, fato social. Mas não houve o fato jurídico correspondente. A ordem jurídica, até agora ao menos, não registrou o aparecimento de uma nova pessoa, centro de imputação de direito e deveres. A constituição jurídica desse fato vai ocorrer quando os pais ou responsáveis comparecerem ao cartório de registro civil e prestarem declarações. O oficial do cartório expedirá norma jurídica, em que o antecedente é o fato jurídico do nascimento, na conformidade das declarações prestadas, e o consequente é a prescrição de relações jurídicas em que o recém-nascido aparece como titular dos direitos subjetivos fundamentais (ao nome, à integridade física, à liberdade, etc.), oponíveis a todos os demais da sociedade.” (2012, p. 145-146). Por sua vez, falar em aplicação seria o mesmo que falar em incidência, pois a norma jurídica não incide sozinha. Para produzir efeitos concretos ela precisa ser aplicada por alguém. Portanto, a incidência não seria automática e infalível. Caso contrário, seria entender que a norma não precisa de interpretação. Quanto a isso, Aurora Tomazini de Carvalho observa que a aplicação da norma jurídica requer a presença de uma pessoa, de um ente competente, ou seja, alguém que o próprio sistema elege como pessoa apta para, a partir de normas gerais e abstratas, produzir normas individuais e concretas. (2013, p. 439). Esta atividade nada mais é que a subsunção da norma ao fato ocorrido, tornando-o jurídico com produção de efeitos. Pelas lições de Paulo de Barros Carvalho: “não é o texto normativo que incide sobre o fato social, tornando-o jurídico. É o ser humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata, constrói a norma individual e concreta.” (1998, p. 145). Com base nisso, traz o autor o conceito de fato jurídico tributário como sendo: “O enunciado protocolar denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito.” (CARVALHO, 2012, p. 176). Ainda adverte o nobre autor que: “uma coisa é o marco de tempo em que uma norma, individual e concreta, entra no sistema do direito posto; outra, a data que o enunciado registra como da realização do acontecimento.” (CARVALHO, 2012, p. 176). Nesse contexto, haverá subsunção quando o fato (fato jurídico tributário), constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo guardar absoluta identidade com o texto normativo da hipótese (hipótese tributária). Para Gabriel Ivo, a ideia de incidência automática e infalível levaria a neutralidade do aplicador. A incidência teria sempre o sentido que o homem lhe der. Desse modo, a norma não incidiria por força própria, ela seria incidida (2006, p. 62). 1.3 Regras de comportamento e regras de estrutura. Para que o direito posto possa realizar seu fim de regular o comportamento das pessoas, ele necessita de regras que devem estabelecer direta ou indiretamente a conduta humana. Paulo de Barros Carvalho, aponta a existência de dois tipos de normas jurídicas no ordenamento do direito positivo: as regras de comportamento, relacionadas a conduta das pessoas e suas relações intersubjetivas; e as regras de estrutura, aquelas voltadas a criação de órgãos, procedimentos e de que maneira as normas deveriam ser criadas, modificadas ou retiradas do sistema. (2012, p. 317). O sistema do direito positivo é tido como deôntico, porquanto as normas jurídicas expressam-se por intermédio do conectivo dever-ser, representado em uma permissão, obrigação ou proibição. Quanto às regras de estrutura, a relação com o deôntico reside na dependência da edição de uma outra norma regulamentadora, fazendo assim surgir a relação de intersubjetividade entre os entes. Assim sendo, a regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma regra de comportamento, preordenada a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal perante o pretenso titular do direito ao crédito. 1.4 A norma jurídica completa. Para falar de norma jurídica completa é preciso explicar o significado da locução unidade irredutível de manifestação do deôntico, uma vez que os comandos jurídicos prescritivos para terem sentido a seus destinatários devem possuir uma estrutura formal mínima e necessária. Para o professor Paulo de Barros Carvalho, a norma jurídica completa é composta por uma única norma, mas com feição dúplice, contendo, assim, uma norma primária e uma norma secundária. A norma primária seria aquela que vincula a ocorrência de um fato social ou natural a uma consequência normativa. Prescreve um dever-ser, representado numa relação de obrigação, permissão ou proibição entre os sujeitos de direito. Já a norma secundária é a que prescreve uma providência sancionatória. (2012, p. 56). “Tanto na primária como na secundária a estrutura é uma só [D(càq)]. Varia tão somente o lado semântico, porque na norma secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.” (CARVALHO, 2012, p. 56). Nesse passo, às fórmulas proposicionais que melhor compõem a norma jurídica completa são: D[(pàq) v [(p.-q)S], onde “D” representa o dever-ser contido na norma; “p” é a ocorrência do fato jurídico; “à” o operador implacacional; e “q” o consequente, representado pelo surgimento da relação jurídica; “v” como disjuntor includente, em que ambas as regras são válidas, mas a aplicação de uma exclui a da outra, havendo então a necessidade de um conectivo conjuntor, representado pelo “.”; que, por exclusão, poderá fazer aplicar a norma sancionadora “S”. Com isso, somente uma norma jurídica, tomada em sua integralidade constitutiva (como unidade mínima e irredutível do deôntico), terá o condão de expressar o sentido dos mandamentos da autoridade que legisla, cumprindo efetivamente com a mensagem deôntica nela insculpida. Ainda, alerta Maria Rita Ferragut que: “Nem sempre as significações construídas a partir de um único artigo de lei são suficientes para compor a norma jurídica, unidade mínima irredutível do deôntico (…). Para isso, o intérprete deverá socorrer-se de diversos textos de lei (suportes físicos), podendo o mesmo artigo, a seu turno, gerar tantas significações quantos forem o número de intérpretes, pois a norma não está no texto escrito, mas no juízo provocado no espírito do intérprete.” (2001, p.20). Desta feita, a norma jurídica que não ostentar a estrutura sancionatória necessária será apenas uma norma de significação com o sentido do dever-ser incompleto, diferentemente da norma jurídica construída pelo intérprete e organizada em uma estrutura hipotético-condicional, com a associação de duas ou mais proposições prescritivas. 2. A regra-matriz de incidência tributária. A partir deste ponto fica claro observar que toda norma jurídica deve possuir uma estrutura capaz de proporcionar a geração de sentidos e de veicular um comando prescritivo. Segundo Aurora Tomazini de Carvalho: “Todas as regras do sistema têm idêntica esquematização formal: uma proposição-hipótese “H”, descritora de um fato (f) que, se verificado no campo da realidade social, implicará como proposição-consequente “C”, uma relação jurídica entre dos sujeitos (S’ R S’’), modalizada com um dos operadores deônticos (O, P, V). Nenhuma norma foge a esta estrutura, seja civil, comercial, penal, tributária, administrativa, constitucional, processual, porque sem ela a mensagem prescritiva é incompreensível.” (2013, p. 289). Assim, todo ordenamento jurídico apresenta-se sob uma mesma estrutura: a hipótese e o consequente. O que muda é a variação de seus conteúdos: as significações, que podem mudar de acordo com a matéria eleita pelo legislador ou conforme os valores do interpretador inserido na sociedade. Com o tempo, novos enunciados surgem, outros são retirados do sistema, as interpretações modificam-se, os valores sociais alteram-se, mas a forma normativa não se altera. Diante disto, Aurora Tomazini de Carvalho afirma que o direito positivo é um sistema sintaticamente homogêneo e semanticamente heterogêneo. (2013, p. 289). Logo, a norma jurídica tributária em sentido estrito é aquela que define a incidência fiscal, isto é, a regra que institui o tributo. Como tal, sua construção é feita pelo intérprete que, a partir do texto da lei (suporte físico), constrói a significação de cada enunciado prescritivo (planos dos significados), para, assim, reunir essas significações, estruturando-as em juízos hipotético-condicionais (mínimos deônticos completos). Observa Paulo de Barros Carvalho, que as demais normas que versam sobre o direito tributário, como àquelas que veiculam deveres instrumentais, são chamadas de normas tributárias em sentido amplo. (2012, p. 297). Como a norma jurídica que define a incidência tributária situa-se entre as normas gerais e abstratas, a regra-matriz de incidência aqui também se enquadra, pois não se identifica na sua hipótese a descrição de um evento já ocorrido ou especificado em certo espaço. Explica Aurora Tomazini de Carvalho que na expressão “regra-matriz de incidência”, o termo “regra” é empregado como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, feita a partir do contato com os textos legislativos. O termo “matriz” é empregado como sendo um modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica. E “incidência”, porque se refere a norma a ser aplicada. (2013, p. 380). 2.1 Origem e estrutura. O surgimento da regra-matriz de incidência tributária deu-se nos anos 60 (sessenta), na ocasião da apresentação de defesa da tese de doutoramento do professor Paulo de Barros Carvalho, denominada “Teoria da norma tributária”, amparada em sólidos fundamentos da teoria geral do direito e da filosofia jurídica. (CARVALHO, 2014, p. 299). Em virtude do diálogo feito entre a ciência do direito e o direito positivo, e principalmente, em razão do estreito contato com os trabalhos de Lourival Vilanova, a teoria da regra-matriz foi aperfeiçoada, consolidando-se no movimento ideológico conhecido como: Construtivismo Lógico-Semântico, que também toma o direito como linguagem, mas o analisa em sua integralidade, isto é, em seus aspectos sintático (lógico), semântico e pragmático (CARVALHO, 2014, p. 301). Com isso, a técnica interpretativa de compreensão da estrutura mínima da norma jurídica tributária, por intermédio da regra-matriz, foi muito bem recebida pelos juristas, responsáveis até hoje pelo aprimoramento no campo prático e teórico. Dessa forma, como norma jurídica ampla e abstrata, a regra-matriz de incidência tributária é composta pelas seguintes estruturas: um antecedente (hipótese), que descreve um comportamento; um dever-ser, que a vincula a um consequente, este responsável por estabelecer uma relação entre fisco e contribuinte (obrigação tributária). (CARVALHO, 2012, p. 298). Assim sendo, a hipótese sempre estará aludindo a um fato e a consequência à prescrição dos efeitos jurídicos que o evento vier a deflagrar, razão pela qual se fala em descritor para o antecedente e prescritor para o consequente. Com efeito, tem-se na hipótese um elemento (critério) material, representado por um comportamento humano, condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Por sua vez, na consequência existe um critério pessoal (sujeito ativo e passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). E é na junção de todos esses elementos que a obrigação tributária, núcleo-estrutural da norma, poderá ser exigida. (CARVALHO, 2012, p. 298-299). 2.2. Antecedente da norma. Como tratado no tópico acima, a regra-matriz de incidência aparece como uma norma de estrutura lógico-semântica, composta inicialmente por um antecedente que descreve um comportamento juridicamente relevante, construído pela vontade do legislador, tornando-o fato jurídico. O legislador ao escolher esses acontecimentos relevantes como causa para o desencadeamento de efeitos jurídicos, seleciona os fatos e também as relações a serem estabelecidas e os normatizam: a primeira como hipótese e a segunda como consequente. E foi considerando que todo fato refere-se a um acontecimento (ação), num dado espaço e tempo, que o professor Paulo de Barros Carvalho elegeu 3 (três) critérios identificadores da hipótese de incidência: a) critério material, b) critério espacial, e c) critério temporal. (2012, p. 298-299). Portanto, tais critérios foram selecionados com a finalidade trazer as informações mínimas e necessárias para a identificação de um fato jurídico tributário. 2.2.1. Critério material. Não restam dúvidas que a hipótese descreve um comportamento humano condicionado no tempo e no espaço. Agora, o exercício de abstração, que retira o núcleo do verbo (ação) desse comportamento, é que confere o critério material. Assim, o critério material nada mais é que “a expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o núcleo do acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico.” (CARVALHO, 2013, p. 386). Fala-se ainda que este núcleo do critério material (verbo) é pessoal, posto que os fatos que interessam para o direito são necessariamente aqueles que envolvem pessoas. (CARVALHO, 2013, p. 389). Por isso mesmo, Geraldo Ataliba, enfatizava que o fato de o verbo ser pessoal faz dispensar a necessidade de um critério pessoal no enunciado da hipótese de incidência tributária. (2012, p. 82). Para Alfredo Augusto Becker, “a realização da hipótese de incidência está sempre ligada a alguém, entretanto, esta ligação (que não necessita ser social, podendo ser de natureza física ou psicológica ou de proximidade etc.) não é relação jurídica.” (2007, p. 300). 2.2.2. Critério espacial. O critério espacial é a “expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o local que o evento, a ser promovido à categoria de fato jurídico, deve ocorrer.” (CARVALHO, 2013, p. 392). Paulo de Barros Carvalho explica que existem diferentes níveis de elaboração de coordenadas de espaço, dividindo o critério espacial em: a) pontual: quando faz menção a determinado local para a ocorrência do fato; b) regional: quando se refere a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; e c) territorial: quando amplo, onde todo e qualquer fato, que se suceda sob o manto do território da lei, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares. (2012, p. 329).   Desse modo, a título exemplificativo, poderíamos citar os impostos que gravam o comércio exterior como o imposto de importação e o de exportação como pontuais. Já os que incidem sobre bens imóveis, como o IPTU e o ITR, sendo regionais, e os demais tributos estariam no abrigo do subcritério territorial. Interessante é o caso do imposto de renda da pessoa física, uma vez que a norma jurídica tributária alcança também os acontecimentos ocorridos fora do território nacional, pois se algum residente brasileiro auferir renda no exterior, estará sujeito ao pagamento do imposto no Brasil. No entanto, Aurora Tomazini de Carvalho, observa para este caso que a territorialidade não está atrelada ao aspecto espacial, e sim pelo critério pessoal (do consequente normativo) na expressão “residente”. Dessa forma, classifica a autora tratar-se de um critério espacial universal. (2013, p. 396). 2.2.3. Critério temporal. O critério temporal apresenta-se como um feixe de informações contidas na hipótese normativa que permite identificar, com exatidão, o momento da ocorrência do evento a ser promovido a fato jurídico. (CARVALHO, 2013, p. 398)[1]. Este momento poderá ser, por exemplo, o primeiro dia do exercício financeiro, no caso do IPTU, do ITR e do IPVA; o exato momento da saída da mercadoria nas operações mercantis, no caso do ICMS; ou o momento da morte da pessoa natural, no caso do ITCMD. E como bem observa o professor Roque Antonio Carrazza: “Este momento não deve ser confundido com o prazo de recolhimento do tributo, que é o estipulado em lei, para que o contribuinte efetue o voluntário pagamento da exação.” (2010, p. 75). Veja-se tratar de um importante elemento normativo, sem o qual não se pode precisar o exato momento da ocorrência da hipótese tributária, abrindo-se aos sujeitos da relação o exaro conhecimento de seus direitos e obrigações. Assim, o critério temporal é determinante para completar o antecedente normativo. Mas toda ação, por mais simples que possa parecer, exige uma série de atos ou desmembra-se em várias outras ações, o que levou o legislador a eleger um marco temporal, como por exemplo: o último dia do mês; noventa dias após a notificação; ou ainda escolher fatores de ação, como por exemplo: saída da mercadoria. Dadas essas considerações, a professora Aurora Tomazini de Carvalho chama atenção para o cuidado de não confundir os fatores de ação do critério temporal com o próprio critério material, uma vez que ambos sinalizam uma ação em si. (2013, p. 399). Paulo de Barros Carvalho menciona uma série de exemplos desse equívoco entre o critério temporal e o critério material, quando envolve fatores de ação dos impostos de importação e exportação, do IPI e do ICMS: “A pretexto de mencionarem o fato, separam um instante, ainda que o momento escolhido se contenha na própria exteriorização da ocorrência. Não passa, contudo, de uma unidade de tempo, que se manifesta, ora pela entrada de produto estrangeiro no território nacional (Imposto de Importação), ora pela saída (Imposto de Exportação); já pelo desembaraço aduaneiro, já por deixar o produto industrializado o estabelecimento industrial ou equiparado, ou pelo ato de arrematação, tratando-se daqueles apreendidos ou abandonados e levados a leilão (IPI), já pela saída de mercadorias dos estabelecimentos.” (2012, p. 334). Imperioso lembrar que o critério temporal não demarca o instante do nascimento do vínculo obrigacional. Este como elemento delimitador da hipótese, apenas aponta para a realidade social, com única função de identificar o exato momento em que se considera ocorrido o fato a ser elevado ao patamar de jurídico. Dessa forma, enquanto não vertido em linguagem competente nenhum efeito produzirá no ordenamento jurídico. Nesse mister, Aurora Tomazini de Carvalho, brilhantemente, identifica 2 (duas) funções ao critério temporal: uma indireta, que é a identificação precisa do momento da ocorrência do evento relevante para o direito; outra indireta, quando visa identificar o momento da ocorrência do fato jurídico para determinar quais regras jurídicas vigentes serão aplicadas (2013, p. 403), como por exemplo, as regras de decadência. 2.3. Consequente. Se na hipótese, o legislador busca enunciar critérios que identifiquem um fato jurídico tributário, no consequente, ele seleciona os elementos que devem conter para às relações intersubjetivas relacionadas a este fato. “Ao preceituar a conduta, fazendo irromper direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos, o consequente normativo desenha a previsão de uma relação jurídica, que se instala, automática e infalivelmente, assim que se concretize o fato.” (CARVALHO, 2012, p. 353). Desse modo, 2 (dois) critérios são indicados para identificar nascimento da relação jurídica: a) critério pessoal, e b) critério quantitativo. Sem eles, o prescritor da norma jurídica não consegue identificar os sujeitos da relação, e muito menos mensurar o tamanho da obrigação. Para a teoria geral do direito, relação jurídica é definida como: “ O vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação.” (CARVALHO, 2012, p. 354-355). Neste ponto, é importante também observar que no campo das prescrições normativas, relacionadas ao direito tributário, encontram-se dois tipos de relações jurídicas: uma de caráter estritamente patrimonial, e outra, relacionada aos deveres exigidos pela administração pública. Estas últimas, são melhor denominadas de “deveres instrumentais” (ou formais) (CARVALHO, 2012, p. 360), pois as tradicionais “obrigações acessórias” não indicam sintaticamente os elementos caracterizadores dos laços obrigacionais, como se fosse impossível transformá-las em obrigações pecuniárias. Nos ensinamento do professor Paulo de Barros Carvalho: “São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos.” (2012, p. 360). No campo tributário, são os deveres relacionados à escrituração de livros, apresentação de declarações de rendimentos, de emitir notas fiscais, colaborar com as fiscalizações, manter dados à disposição das autoridades, tudo no intuito de proporcionar ao Estado a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária (principal). 2.3.1. Critério pessoal. Em termos gerais, o critério pessoal refere-se aos integrantes da relação jurídica obrigacional tributária, ou seja, o sujeito ativo e o sujeito passivo. Para a professora Aurora Tomazini de Carvalho, é “o feixe de informações contidas no consequente normativo que nos permite identificar, com exatidão, os sujeitos da relação jurídica a ser instaurada quando da constituição do fato jurídico.” (2013, p. 406. Essas informações contidas no consequente normativo são fundamentais para o sistema jurídico, pois o único meio que o sistema dispõe para prescrever condutas é estabelecendo relações entre os sujeitos em relação ao objeto. Nesse contexto, as informações contidas no texto legislativo, que identificam o indivíduo a quem é conferido o direito de exigir o cumprimento da conduta prescrita, são utilizadas na composição normativa na posição de sujeito ativo (titular do direito subjetivo), ao passo, que as notas remetem ao indivíduo a quem é conferido o dever de realizá-la, são empregadas na composição do sujeito passivo (portador do dever jurídico). Quanto ao números de sujeitos, o legislador pode eleger mais de um indivíduo para compor um dos polos da relação, como no caso de responsabilidade solidária (ativa ou passiva), ou ainda, para garantir o cumprimento da obrigação tributária, pode eleger outras pessoas, instituindo a chamada responsabilidade subsidiária. Nestes casos, explica Aurora Tomazini de Carvalho que não se justifica a necessidade do sujeito, posto na posição ativa ou passiva de determinada relação jurídica, integrar diretamente a ocorrência típica que deu causa ao vínculo jurídico obrigacional. Haveria sim a necessidade de guardar relação com o fato que o colocou na condição de responsável, substituto ou sucessor. (2013, p. 412). Seja como for, para traçar os contornos da incidência, o intérprete deve estar atento a todas essas nuanças do legislador, para poder identificar, com precisão, quem são os sujeitos ocupantes do polo ativo e passivo da relação. 2.3.2. Critério quantitativo. Seguindo a lógica normativa estabelecida, o critério quantitativo é aquele que recai sobre o objeto dos direitos e deveres da relação jurídica tributária, relevando o seu caráter patrimonial (econômico) expresso em pecúnia, observando o conceito legal de tributo esculpido no artigo 3º, do Código Tributário Nacional. É ele quem estabelece os elementos necessários para a quantificação do tributo. Logo o critério quantitativo do consequente da norma jurídica tributária deve ser representado por elementos mensuráveis, como, por exemplo, a base de cálculo e a alíquota. Assim, podemos conceituar o critério quantitativo como sendo o grupo de informações que o intérprete obtém da leitura da norma geral e abstrata, e que lhe permite precisar a exata quantia devida do tributo. (2012, p. 396). A alíquota, dentro do ordenamento tributário brasileiro, é matéria submetida à reserva legal, integrando a estrutura da regra-matriz de incidência tributária. Congregada à base de cálculo, dá a mensuração numérica da dívida a ser exigida do sujeito passivo, em cumprimento da obrigação que nascera pela ocorrência do fato jurídico tributário. Por sua vez, muito se fala no termo tributos fixos, onde o valor do crédito tributário já viria determinado nas expressões da lei, dispensando maiores esforços de interpretação, mostrando aos interessados um valor pré-estipulado, mesmo antes da ocorrência do fato jurídico tributário. Quanto a isso, Paulo de Barros Carvalho menciona, a título de exemplo, o ISS e a maioria das taxas, apontando, inclusive, uma inconstitucionalidade dessas normas ante o caráter definitivo e invariável. (2012, p. 397). E enfatiza: “Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz de incidência tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserido no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, temo o condão de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo.” (2012, p. 400). Desse modo, ensina o ilustre autor que o critério quantitativo possui três funções distintas dentro da regra matriz de incidência tributária: “a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.” (2012, p. 400). 2.4 Síntese teórica e prática da regra-matriz de incidência tributária. Uma vez percorrida todas as estruturas lógicas da regra-matriz de incidência tributária, podemos propor a seguinte fórmula representativa: D {[Cm(v+c) . Ct.Ce] à [Cp(Sa.Sp) . Cq(bc.al)]} Pelo sinal “D”, temos o dever-se (neutro) que outorga validade à norma jurídica, Este incide sobre o conectivo condicional interproposicional “à”, responsável por instaurar o vínculo jurídico entre hipótese (“[Cm(v.c) . Ct.Ce]”) e consequente (“[Cp(Sa.Sp) . Cq(bc.al)]”). O sinal “Cm” para critério material (verbo mais complemento: “v+c”); o “.”, como conectivo lógico conjuntor (mais +); “Ct” (critério temporal); “Ce” (critério espacial); “Cp” (critério pessoal), formado entre o sujeito ativo “Sa’ e o sujeito passivo “Sp”; somado ao critério quantitativo “Cq”, composto pela base de cálculo “bc” e alíquota “al”. Na jurisprudência, como exemplo da aplicação prática da norma, podemos citar o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental do Recurso Especial n. 602480 (DJe 21/06/2012), de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, exteriorizado na seguinte Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ANTERIORIDADE. PRAZO FINAL. DISTINÇÃO ENTRE O CRITÉRIO TEMPORAL E A DATA DE RECOLHIMENTO DOS VALORES DEVIDOS. QUESTÃO INFRACONSTITUCIONAL. MP 63/1989. LEI 7.787/1989. ART. 195, § 6º DA CONSTITUIÇÃO. O acórdão recorrido reconheceu a inconstitucionalidade condicional do art. 21 da Lei 7.787/1989, por violação da regra da anterioridade nonagesimal ou especial (art. 195, § 6º da Constituição), conforme precedente adotado por esta Suprema Corte. Da forma como posta a questão nas razões recursais, o debate toma por parâmetro direto de controle o texto do próprio acórdão recorrido, para definir se a expressão “cobrada a partir de outubro de 1989” significa “incidente sobre a remuneração paga em outubro de 1989” (fato jurídico tributário) ou “recolhido em outubro de 1989” (fato jurídico do adimplemento da obrigação tributária). Ademais, a solução dessa controvérsia se esgota na interpretação do próprio texto da legislação federal que estabelece o critério temporal da regra-matriz de incidência, que não se confunde com a data de recolhimento do tributo. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (Sem grifos no original). Na ocasião, o Ministro-relator da Suprema Corte utilizou-se dos elementos da regra-matriz de incidência tributária, ilustrando a assertiva de que se trata de um instrumento de ampla eficácia para a solução dos casos que se apresentam ao intérprete da norma tributária. 3. A regra-matriz de incidência tributária do ISS. Conforme verificado no capítulo anterior, a regra-matriz de incidência tributária representa uma norma de comportamento, posta no sistema para disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o agente pretensor, titular do direito de crédito. Em relação ao Imposto sobre Serviços – ISS, é a Constituição Federal quem traça as suas estruturas lógicas iniciais. Nos dizeres do professor Roque Antonio Carrazza: “No que se refere aos impostos, a Magna Carta traçou a regra-matriz da incidência (o arquétipo genérico) daqueles que podem ser criados, sempre em caráter exclusivo, pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.” (2002, p. 30). Nesses termos, vem o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, estabelecer a competência para o legislador municipal criar, em caráter geral e abstrato, a norma do ISS. Vejamos: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:(…); III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar; (…)”. Pois bem. De início, é possível ver que a referida norma constitucional, além de traçar os limites de sua competência, deixou também traços iniciais do critério material do ISS, porquanto já é sabido que a norma deverá incidir sobre os serviços de qualquer natureza, a serem definidos por lei complementar, bem como não incidirá sobre aqueles previstos no inciso II, do artigo 155, referentes a serviços de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, cuja competência legislativa recai aos Estados. Em face disso, observa-se que o melhor termo a ser empregado para se referir a este imposto é “Imposto sobre Serviços”, ou “ISS”, uma vez que pela disposição da própria Constituição, o tributo não incide sobre serviços de qualquer natureza, mas sim aqueles estabelecidos em lei complementar. 3.1 Análise logico-semântica de serviço. Antes de traçarmos o perímetro delimitador da norma instituidora do ISS, é preciso analisar o conceito de “serviço” e trazê-lo aos parâmetros constitucionais para saber o que pode ser tributado. Quanto a isso, Aires F. Barreto, em sua obra Curso de direito tributário municipal, explica que: “O conceito constitucional de serviço não coincide com o emergente da acepção comum, ordinária, desse vocábulo. Essa diferença é fruto das limitações que o termo sofre, uma vez inserido no contexto global do sistema jurídico.” (2012, p. 336). No sistema jurídico, o que se vê são definições de serviços e não conceitos (conteúdo semântico), ou ainda o estabelecimento de formas de prestá-lo, como prevê o artigo 594 do Código Civil[2]. Pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa, serviço: “É substantivo masculino: 1. Ação ou efeito de servir, de dar de si algo em forma de trabalho. 2. Exercício e desempenho de qualquer atividade.” (HOUAISS, 2001, p. 2559). Nessa mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor define serviço como sendo: “Qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”[3] A ação que faz nascer o fato jurídico tributário é expressada pelo verbo “prestar”, que significa propiciar, dar, conceder. (HOUAISS, 2001, p. 2293). A partir desses signos, Natália de Nardi Dácomo, conceitua serviço como sendo: “Ação ou efeito de servir; propiciar, dar, conceder, dispensar, dar de si algo em forma de atividade, executar um trabalho intelectual ou uma obra material.” (2007, p. 34). Denota-se disso, que a relação de prestação de serviço pode ter como objeto, tanto uma obrigação de dar (produto), quanto uma obrigação de fazer (processo). Eurico Marco Diniz de Santi, observa que: “O ato de pintar é enunciação; o quadro pintado, enunciado. O ato de legislar é enunciação; a lei, enunciado. O ato de julgar; enunciação; a sentença, enunciado. (…) Finalmente, o processo é enunciação; o produto, enunciado.” (2000, p. 63). Portanto, é importante termos, ao menos, em mente que o serviço envolve um processo e um produto, e, de acordo com o caso, o enfoque será dado a um ou outro elemento. 3.2 Análise pragmática de serviço. Há ainda juristas que veem o conceito de “serviço” à luz dos aspectos: econômico e jurídico, numa tentativa de obter o verdadeiro alcance deste signo. Acompanhando a melhor doutrina, encontramos os ensinamentos de Aires F. Barreto, ao apontar que serviço “(…) é uma conduta humana (prestação de serviço) consistente em desenvolver um esforço visando a adimplir uma obrigação de fazer.” (2003, p. 423.). No mesmo sentido aponta José Eduardo Soares de Melo. (2003, p. 33). Na linha do conceito econômico, a título de exemplo, podemos citar Sergio Pinto Martins, segundo o qual: “Serviço é bem imaterial na etapa da circulação econômica. Prestação de serviço é a operação pela qual uma pessoa, em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço).” (2004, p. 42). Nesse contexto, insta lembrar que foi a adoção do conceito jurídico de serviço, isto é, como obrigação de fazer, que levou o Supremo Tribunal Federal a afastar a incidência do ISS sobre os “serviços” de locação de bens móveis, no julgamento histórico do Recurso Extraordinário 116.121, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 11 de outubro de 2000, com a seguinte Ementa e, posteriormente, sendo transformada em súmula vinculante: “TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.” “Súmula Vinculante 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.” (DJe 17/02/2010). Outrossim, na dimensão do significado “serviço” para fins do ISS, não se incluem também: “a) o serviço público, tendo em vista ser ele abrangido pela imunidade (art. 150, a, da Carta Fundamental); b) o trabalho realizado para si próprio, despido que é de natureza econômica; e c) o trabalho efetuado em relação de subordinação, abrangido pelo vínculo empregatício.” (CARVALHO, 2013, p. 774). 3.3. Critérios da hipótese. 3.3.1 A materialidade do ISS. Em linhas gerais, o critério material da hipótese de incidência, contida na regra-matriz constitucional do ISS, é a prestação de serviço, daqueles não compreendidos na competência tributária dos Estados (art. 155, II, CF), e definidos em lei complementar. Quanto a isto, Paulo de Barros Carvalho, comenta que: “Diante da complexidade desse imposto e visando a evitar eventuais conflitos de competência, o constituinte houve por bem eleger a lei complementar como veículo introdutor de normas jurídicas tributárias definidoras de quais sejam os serviços de qualquer natureza, suscetíveis de tributação pelos Municípios.” (2013, p. 771). Além disso, a composição do critério material exige a identificação de um verbo, seguido de um complemento, pois se o direito destina-se a regular condutas humanas intersubjetivas, não há como imaginar a possibilidade do critério material descrever um evento estritamente natural, como a chuva, o vento, o brotar de uma árvore[4], por exemplo. O complemento “serviço” indica um verbo “prestar”, pressupondo sempre uma conduta humana (atividade), ou seja, prestar serviço. Com isso, só há falar em prestação de serviço diante de presença de duas pessoas, envolvidas na relação: o prestador e o tomador do serviço. Para José Eduardo Soares de Melo: “O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a ‘serviço’, mas a uma ‘prestação de serviço’, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de fazer, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado.” (2003, p. 33). Mas Aires F. Barreto observa que a norma tributária do ISS não deve incidir sobre a relação jurídica privada entre prestador e tomador, mas sobre a atividade de prestação de serviço, pois se assim fosse, bastaria contratar o serviço que o imposto já seria devido, passando o ISS a ser um tributo sobre contratos. (2012, p. 341). Por sua vez, a Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, introduziu no sistema uma lista de serviços, que assim complementa a norma geral e abstrata do ISS prevista na Constituição Federal. Nesse mister, a lista de serviços tem a função de estabelecer os critérios para que um evento do mundo social possa ser enquadrado pelos operadores do direito como um fato jurídico, no caso, uma prestação de serviço tributável pelo ISS. (DÁCOMO, 2007, p.42). Portanto, a lista de serviços contida na Lei Complementar n. 116/2003, é descritora dos critérios de identificação de um fato, na medida em que compõe a hipótese de incidência da norma geral e abstrata do ISS. O próprio termo “congêneres” contido na lista de serviços ratifica este caráter conotativo (descritor). Entretanto, é preciso ter em mente que a referida lei complementa e sua lista anexa não são autoaplicáveis. A Constituição Federal sobretudo outorgou competência tributária para os Municípios. Nem ela, nem a lei complementar podem instituir o ISS. Isto é tarefa do legislador ordinário do ente político que recebeu esta competência. Na prática, o que se vê nas legislações municipais é a instituição do tributo e a transposição ipsis litteris da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, inclusive, reproduzindo a expressão “congêneres” sem especificar quais seriam. 3.3.1 A taxatividade da lista de serviços. Muito se discutiu sobre a taxatividade da lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto sempre defenderam que o rol de serviços da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, seria exemplificativo. Para tais autores, os Municípios poderiam tributar todo e qualquer serviço, exceto aqueles que a Constituição reservou a competência para os Estados (art. 155, II, CF), sob pena de violação à autonomia municipal. (1986, p. 33). Atualmente, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, prevalece a interpretação que vê a lista de serviços como taxativa, e não meramente exemplificativa. Mas embora taxativa, os Tribunais Superiores têm ventilado à possibilidade de uma interpretação extensiva. Vejamos as seguintes Ementas: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. LEI COMPLEMENTAR: LISTA DE SERVIÇOS: CARÁTER TAXATIVO. LEI COMPLEMENTAR 56, DE 1987: SERVIÇOS EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL: EXCLUSÃO. I. – É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpretação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei Complementar 56/87. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III. – Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87. IV. – RE conhecido e provido. (Sem grifos no original). (STF, RE 361829, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador:  Segunda Turma, DJ 24/02/2006, LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 240-257).” “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC NÃO EVIDENCIADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. ISS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. LISTA DE SERVIÇOS. TAXATIVIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ART. 543-C DO CPC. ENQUADRAMENTO. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.(…). 5. Para verificar se as atividades que se pretende tributar enquadram-se nos itens 95 e 96 da lista anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 é indispensável a análise da natureza das cobranças realizadas pela instituição financeira, isto é, saber em que essas atividades consistem efetivamente, não sendo suficiente considerar o mero nomen iuris da cobrança. 6. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 e à Lei Complementar n. 116/2003, para efeito de incidência de ISS sobre serviços bancários; é taxativa, mas admite-se a interpretação extensiva, sendo irrelevante a denominação atribuída. 7. Tal entendimento foi consolidado no julgamento do REsp 1.111.234/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, submetido ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. Incidência da Súmula 424/STJ. Agravo regimental improvido. (Sem grifos no original). (AgRg nos EDcl no AREsp 131227, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, DJe 18/06/2012).” Também, é imperioso lembrar que, pela própria subordinação à descrição em lei complementar dos serviços tributáveis, estes realmente não poderiam admitir a integração normativa pela analogia, por violação frontal a regra da legalidade tributária (art. 150, I, CF). Todavia, observa Kiyoshi Harada que a taxatividade proclamada pelo Supremo Tribunal Federal não representaria a imutabilidade da norma. Quer por razões de política tributária, quer por decorrência do surgimento de novos serviços do mundo globalizado, o legislador complementar poderia ampliar o rol de serviços. (2014, p.14). E mais. Deve ser entendido também pela possibilidade de redução deste rol, sem que isto represente violação à autonomia municipal, uma vez que o recorte constitucional da regra-matriz de incidência tributária do ISS, estabelecido no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, prescreve competência legiferante à União por meio de lei complementar. 3.3.2 O critério espacial e a territorialidade. Não restam dúvidas que para um fato concretizar-se no mundo fenomênico necessita de um determinado espaço, como referencial de lugar, para que a ocorrência do fato tipificado na lei tributária como jurídico possa permitir o surgimento da obrigação tributária. Geraldo Ataliba, designa por aspecto espacial “(…) a indicação de circunstâncias de lugar, contidas explicita ou implicitamente na hipótese de incidência, relevantes para a configuração do que convencionou chamar ‘fato imponível’.” (2012, p. 104). Mas em termos de critério espacial do ISS é preciso ter em mente sempre a noção de eficácia territorial da lei, posto que no caso do ISS, que é tributo de competência municipal, a Constituição Federal outorgou, concomitantemente, competência tributária a mais de 5.570 (cinco mil, quinhentos e setenta) Municípios[5]. No entanto, o critério espacial do ISS não se confunde com o plano de eficácia territorial, não obstante em alguns casos eles coincidam. O primeiro, tem a função de delimitar o local da ocorrência do fato jurídico tributário (local da prestação do serviço), enquanto a territorialidade delimita o plano geográfico de incidência da lei municipal (dentro do território do município). Assim, nenhum município poderia pretender exigir o ISS sobre fatos ocorridos fora de seu território. No entanto, o legislador complementar enfraqueceu esta regra, estabelecendo vários critérios delimitadores espaciais para a incidência do tributo, vindo, inclusive, a permitir que o local da prestação do serviço não seja o mesmo da incidência. Trata-se da prescrição contida no artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/2003, segundo a qual, o local da prestação do serviço poderá ser o local do estabelecimento prestador, ou, na falta, o local do domicílio do prestador, o local do estabelecimento do tomador, ou, por fim, o local da prestação do serviço.[6] Com base nesse dispositivo supracitado, é possível encontrar 4 (quatro) critérios delimitadores espaciais do ISS, isto é: a) em razão do local do estabelecimento prestador; b) em razão do domicílio do prestador; c) em razão do estabelecimento tomador (ou intermediário); e d) em razão do local da prestação do serviço. Desse modo, embora o local da prestação do serviço seja, por excelência e lógica-pragmática, o critério espacial do ISS, com o advento da Lei Complementar 116/2003, ficou estabelecido como regra geral o local do estabelecimento prestador, esteja ele localizado onde for, e, subsidiariamente, o local do domicílio do prestador. Nos casos de importação de serviços, o estabelecimento tomador ou intermediário. E por último, não se tratando de nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 3º, será o local da prestação do serviço. Veja-se que a pretexto de fixar a competência tributária dos Município, a lei complementar desrespeitou completamente o primado constitucional de fixação do critério espacial, com base na conjugação dos critérios espacial e pessoal. Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza enfatiza que: “Impõe-se, pois, a urgente reposição do único critério que parece prestigiado pela Constituição, qual seja, a de que o local da prestação é o do Município onde se conclui, onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzem os resultados da prestação do serviço. Se o fato tributável só ocorrer no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem eles produzidos, executados, consumados.” (2002, p. 609). 3.3.2.1 Serviços prestados para o exterior. O artigo 2º, da Lei Complementar n. 116/2003, traz algumas hipóteses de não incidência tributária[7]. E no inciso I, estabelece que o ISS não incidirá sobre “as exportações de serviços para o exterior do País.” Trata-se, na verdade, de uma delegação de competência constitucional negativa, pois segundo o inciso II, do § 3º, do artigo 156, da Constituição, em relação ao ISS, caberá à lei complementar “(…) excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.”. Ou seja, o legislador complementar não tem espaço para prescrever em sentido contrário. Porém, observa o Paulo de Barros Carvalho que: “A previsão do art. 156, § 3º, II, que parece ser, à primeira vista, caso de imunidade, não se configura como tal, precisamente porque remete à lei complementar e, como vimos, a proibição de exaurir-se no altiplano da Constituição.” (2012, p.246). Trata-se, portanto, de regra de não incidência tributária, pois a Lei Complementar, ao definir a materialidade do ISS, delimitou o seu campo de incidência para as hipóteses em que o serviço é prestado para o exterior. Existe ainda um complemento condicionante delimitador do critério espacial bastante polêmico da não incidência do ISS sobre os serviços para o exterior, o qual não será objeto deste estudo, porquanto merecedor de uma profunda e exclusiva discussão. Este complemento condicionante refere-se a norma prevista no parágrafo único do artigo 2º, da lei complementar, segundo a qual: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”. (Sem grifos no original). As assertivas traçadas e a interpretação dessas significações foram muito bem desenvolvidas no processo administrativo n. 2011-0.125.786-1, de relatoria do Conselheiro Julgador Alberto Macedo, do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, cujo julgamento ficou conhecido como caso NOOR[8]. Na ocasião deste julgamento, o relator do processo observou que o legislador complementar definiu “exportação de serviço”, de modo negativo, ou seja, estabeleceu o que não é exportação de serviço. Assim, observou que a celeuma criada em relação à caracterização da exportação de serviços para fins de não incidência do ISS reside exclusivamente na expressão “cujo resultado aqui se verifique”, contida no parágrafo único do artigo 2º da Lei Complementar nº 116/2003, já mencionado. No referido julgamento ficou assentado que: “Não pode a busca do resultado do serviço partir para resultados mediatos, extrínsecos à relação de prestação de serviço. Agindo assim, a determinação do local do resultado do serviço entraria num subjetivismo sem fim, valendo-se de resultados financeiros e até psicológicos, reduzindo-se ao absurdo. E a caracterização do local do resultado não pode se dar em outro lugar que não aquele onde se encontra o beneficiário do serviço, outro elemento fixo aferível que faz parte da relação de prestação de serviço.”. Portanto, no caso em questão, onde se envolveu uma prestação de serviço de consultoria de investimentos para um fundo (tomador) situado no exterior, o tribunal administrativo assentou entendimento no sentido da efetiva exportação do serviço, uma vez que os resultados da consultoria só poderiam ter ocorrido no exterior (beneficiário do serviço), mesmo tendo a consultoria como objeto investimentos no mercado nacional. 3.3.3 O aspecto temporal. Por outro prisma, o critério temporal deve corresponder ao momento em que determinada materialidade concretiza-se no mundo fenomênico. Exemplo: prestar serviço. Não se confunde com o momento em que nasce a obrigação tributária, uma vez que a relação jurídica somente surge após ser vertida em linguagem competente. A norma de estrutura do direito positivo que prescreve o momento da ocorrência da hipótese de incidência é aquela prevista no artigo 116 do Código Tributário Nacional, segundo a qual: “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.”. Com efeito, o ISS é imposto que se classifica entre os exigíveis em virtude de uma situação de fato, ou seja, pelo fato prestar serviço, e não pelo negócio jurídico decorrente desta prestação. Assim, considera-se ocorrido o fato gerador do tributo, desde o momento em que se verificar as circunstâncias materiais essenciais da prestação do serviço. Entretanto, é preciso atentar ao fato que esta disposição normativa leva ao equívoco de entendimento no sentido de que com o mero evento já teria ocorrido o “fato gerador”, bem como os seus efeitos. Conforme visto neste trabalho, o fato ocorre apenas quando o acontecimento juridicamente relevante for descrito no antecedente de uma norma individual e concreta. E nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho: “O átimo de constituição, salienta-se, não pode ser confundido com o momento da ocorrência a que ele se reporta.” (2012, p. 343). E mais. Traz o autor em sua obra, Fundamentos jurídicos da incidência, uma importante distinção entre: o “tempo do fato” e “tempo no fato”. Segundo ele: “O tempo do fato é aquele instante no qual o enunciado denotativo, perfeitamente integrado como expressão dotada de sentido, ingressa no ordenamento do direito posto, não importando se veiculado por sentença, por acórdão, por ato administrativo ou por qualquer outro instrumento introdutório de normas individuais e concretas. (…) Algo diverso, porém, é o tempo no fato, isto é, a ocasião a que alude o enunciado factual, dando conta da ocorrência concreta do evento.” (2012, p. 194). Em síntese, o tempo “no fato” refere-se ao momento de ocorrência de um evento no mundo fenomênico, que, quando convertido em linguagem competente, transformar-se em tempo “do fato”. Portanto, este sempre será posterior àquele.  Na análise do ISS, temos, então, o evento prestar serviço como indicador do tempo no fato. Quando esse fato é vertido em linguagem competente: prestar serviço, dentre aqueles previstos na Lei Complementar n. 116/2003, é que se considera ocorrido o fato gerador e permitido a instauração da relação jurídico-tributária reveladora da obrigação de pagar o tributo. 3.4 Critérios do consequente. 3.4.1 O critério pessoal. Consubstanciados na figura de um sujeito passivo (S’) e um sujeito ativo (S’’), na hipótese específica do ISS, trata-se do prestador do serviço[9], de um lado, e o Município, do outro. Ainda, como sujeito ativo da obrigação tributária poderá ser: o Distrito Federal ou a União, nos Territórios (artigo 147, CF). O sujeito ativo segundo o artigo 119 do Código Tributário Nacional, “é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária.”. O Sujeito passivo, por sua vez, “é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”. Lembre-se que o sujeito passivo poderá ser tanto aquele que pratica a conduta descrita no critério material, como a pessoa que a lei expressamente atribua o dever de pagar o tributo ou penalidade, nos estritos termos do parágrafo único do artigo 121, do Código Tributário Nacional[10]. No mais, a Constituição Federal traz os parâmetros mínimos para a instituição do ISS. Quando se refere a expressão “serviços”, tira a liberdade do legislador eleger aleatoriamente sujeitos passivos do tributo que não estejam envolvidos na relação jurídica negocial (prestador e tomador). Além disso, cita Aires F. Barreto o princípio da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, CF) como limite objetivo à livre escolha dos sujeitos passivos do ISS, e afirma que: “A lei tributária que violar a capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF), será inconstitucional e não poderá ser aplicada. E um dos modos frontais e flagrantes de fazê-lo estará em colocar como sujeito passivo do ISS aquele que não revela capacidade contributiva pela participação, provocação ou produção dessa espécie de fato tributável.” (2012, p. 384). Isso nos leva a conclusão de que a Constituição Federal também delimita a norma de incidência tributária do ISS em aspecto pessoal, no sentido de exigir como sujeito passivo somente aqueles que tenham relação com o fato imponível, isto é, o prestador ou o tomador do serviço. 3.4.2 O critério quantitativo. A exigência do ISS, tal como ocorre com os demais tributos, pressupõe a mensuração da intensidade da relação humana intersubjetiva. O valor do tributo deve guardar estreita relação com o fato jurídico tributário, bem como com a capacidade contributiva. A base de cálculo e a alíquota, como elementos integrantes do aspecto quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, estão presentes em todo e qualquer tributo. No ISS, a base de cálculo reside sobre o preço do serviço[11], como regra. Mas também pode ser determinada com base por um valor fixo, independentemente, do valor do serviço. Como exemplo deste último caso, podemos citar os serviços prestados sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou aqueles prestados por meio de sociedades de profissionais. E a alíquota é mensurada também por um preço fixo em conjunto com a base de cálculo, ou como indicador de numérico por sócio ou empregado. Outrossim, uma grande distinção tem que ser feita entre preço e custo do serviço, porquanto esta última, por questões pragmáticas e semânticas, não deve integrar a base de cálculo do tributo. Tanto que o § 2º, do artigo 7º, da Lei Complementar n. 116/2003, previu a não inclusão dos valores de materiais empregados nos serviços da construção civil. Vejamos: “Art. 7º. (…). § 2º. Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar; (…)”. Ainda, alguns doutrinadores identificam o ISS como sendo um tributo não cumulativo. Nos dizeres de Aire F. Barreto: “O fato de a legislação de natureza complementar autorizar a dedução das subempreitadas já tributadas, no caso de construção civil, parece remeter à confirmação de ser o ISS, como regra, não cumulativo. (2012, p. 398). Isto se verifica desde à égide do Decreto-lei n. 406/1968, onde se permitia a dedução de subempreitadas já tributadas pelo imposto, nos termos de seu § 2º, b, do artigo 9º[12], permanecendo válida esta previsão até os dias de hoje em razão de sua recepção pela Constituição. 4. Questões controvertidas envolvendo o ISS no tempo. Vimos que o critério temporal apresenta-se como um feixe de informações contidas na hipótese normativa que permite identificar o momento exato da ocorrência do evento a ser promovido a fato jurídico. Temos observado que as maiores discussões relativas ao aspecto temporal do ISS surgem quando o “fazer”, indicativo da prestação do serviço, estende-se no tempo, ou quando a norma tributária antecede o momento de sua realização no mundo fenomênico, fazendo aparecer questionamentos em relação compatibilidade da norma com a regra-matriz de incidência tributária. Para efeito do ISS, em face da enorme diversidade de serviços objeto de tributação, o momento preciso de sua conclusão dever ser identificado, analisando-se cada caso específico, para somente assim ser levado ao patamar da incidência tributária e o consequente surgimento da obrigação. 4.1 O problema do ISS Habite-se. O ISS “habite-se”, por definição, corresponde a um ato administrativo (unilateral) emitido pela autoridade competente, assim definida pela legislação municipal, e que corresponde à manifestação de um poder de polícia local. No município de São Paulo, o ISS “habite-se” encontra-se positivado na Portaria SF 118/2010: “Institui o ‘Certificado de Quitação do Imposto Sobre Serviços – ISS Habite-se’ e a ‘Confirmação de Autenticidade do Certificado de Quitação do Imposto Sobre Serviços – ISS Habite-se’.” As condições para a emanação desse ato de polícia encontram-se previstas em outras legislações municipais, com a finalidade de regulamentar as construções em relação a metragem, recuos, dimensões, limites de construção, saídas de emergência, etc., tudo isso visando proteger bens jurídicos como segurança, saúde, higiene, etc. Dessa forma, verifica-se haver espaço normativo para os Municípios veicularem exigências a serem atendidas pelos destinatários. Portanto, o ISS “habite-se” nada mais é do que um ato administrativo emitido em conclusão de um processo administrativo tendente a verificar se dada edificação construída pelo interessado está de acordo com as posturas edilícias municipais. À vista disso, o imóvel ou o empreendimento recebe o certificado de quitação e está liberado para a utilização na finalidade a que se destina. Todavia, isto não valida o arbitrário condicionamento para a emissão do “habite-se”, à exibição dos comprovantes de recolhimento do ISS devido nas prestações de serviços que resultaram na edificação. Este condicionamento extrapola os fundamentos do ato de polícia (higiene, saúde, segurança), representando tão somente uma coerção ao efetivo cumprimento da obrigação tributária do ISS. Seria supor, ao lado da taxa de serviço público e de poder de polícia, uma terceira espécie de taxa: a de coação[13]. É em razão desta carga coercitiva que muitos juristas enquadram o ISS “habite-se” como se fosse uma nova e indevida espécie tributária. Por outro lado, se o ISS “habite-se” não se refere a um novo imposto sobre prestação de serviço, a autoridade competente muito menos poderá utilizá-lo como como marco inicial de contagem do prazo decadencial[14] do ISS. Da mesma forma que prazo para pagamento não se confunde com o aspecto temporal da hipótese de incidência tributária, a data do lançamento da taxa do “habite-se” não pode reportar-se aos fatos jurídico desencadeadores do ISS na construção civil. Veja-se que, nos termos do artigo 173, do Código Tributário Nacional, a Fazenda Pública dispõe de 5 (cinco) anos para efetuar o ato jurídico administrativo de lançamento. Não praticado este ato, decai o direito de constituí-lo.[15] Sem proceder a um exame pormenorizado dos regimes de lançamento previstos no Código Tributário Nacional, como regra geral, tem-se o ISS relativo às prestações de serviço da construção civil sujeito ao denominado lançamento por homologação. Ou seja, exige-se que o contribuinte calcule e recolha o ISS relativo aos serviços prestados, tomados ou intermediados e, segundo a praxe legislativa municipal, recolha o imposto pertinente até o dia dez do mês subsequente. Nestes casos, o recolhimento do imposto declarado e pago ao Fisco municipal ensejará a deflagração do procedimento de fiscalização e cobrança, tendente a verificar a correta declaração e pagamento do tributo. Assim, na hipótese de lançamento por homologação, não há necessidade do Fisco constituir o crédito, posto que este já teria sido constituído no momento da declaração, e após a ocorrência do fato gerador. Portanto, na hipótese de eventual constatação de irregularidades na declaração do ISS devido na obra, deverá o Fisco municipal, nos termos do § 4º, do artigo 150, do Código Tributário Nacional[16], reportar-se ao momento dos fatos geradores como marco inicial do prazo decadencial. Nunca no momento do lançamento do “habite-se”, isto é, da emissão da “Certificado de Quitação do ISS Habite-se”. 4.2. Serviços fracionáveis. No entanto, pode ainda existir dúvidas em relação ao exato momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário, quando nos reportamos a serviços divisíveis ou fracionáveis. Conforme bem observa Aires F. Barreto: “Essa bipartição é crucial porque, se o fato for fracionável, o aspecto temporal pode ser tido por completado quando da ultimação de cada fração. Se, inversamente, não puder ser secionado, esse imposto só se tornará exigível quando da integral conclusão do fato (…). Sempre que a segmentação dos fatos se revelar viável sem perda de sua inteireza (e configurem uma prestação de serviço), ocorrerão tantos fatos tributários quantas forem as decomposições que se fizerem possíveis. Os fracionamentos pode constituir em etapas, fases ou trechos ou, ainda, em períodos de tempo. (…). Se é possível defender que, se há medições efetuadas, tem-se a cada uma delas, um fato suscetível de tributação, por via do ISS.” (2012, p. 352-353). Mas a maioria dos serviços, pela sua natureza, não comportam fracionamento. No entanto, é preciso examinar com cautela a natureza de cada atividade. Se admitir execuções parceladas ou por etapas, o ISS poderá ser devido quando de suas conclusões. Isso também poderá influenciar na contagem do prazo decadencial para o lançamento, não permitindo, por exemplo, que a autoridade administrativa se reporte somente ao final do empreendimento como sendo o momento da conclusão do serviço, se este já foi cronologicamente apurado, declarado e recolhido o tributo. 4.3. Antecipação do aspecto temporal. Muito se discute sobre a possiblidade da norma tributária antecipar a ocorrência do fato jurídico tributário e cobrar o tributo sem que se tenha instaurado a relação jurídico tributária. Para Aires F. Barreto, tal hipótese é instransponível. Cita o autor que “mesmo nos casos em que for admissível o fracionamento, não pode considerar como aspecto temporal qualquer momento que anteceda a prestação dos serviços.” (2012, p. 355). No mesmo sentido, encontramos Geraldo Ataliba, que dispõe não ser possível a fixação do critério temporal antes da consumação do fato. Para o saudoso autor: “Violaria o princípio da irretroatividade da lei (art. 150, III, ‘a’). Daí a inconstitucionalidade das antecipações de tributos (algumas vezes camufladas sob a capa da substituição tributária).” (2012, p. 95). Mas a despeito disso muitos Municípios exigem que contribuintes da área de diversões públicas e demais eventos chancelem os ingressos que serão postos à venda, efetuando, nessa oportunidade, o pagamento do ISS. A materialidade “prestar serviço”, no caso de diversão pública, embora tenha início com o efetivo espetáculo, este só se conclui no momento no final do mesmo. Antes disso, qualquer momento que anteceda à efetiva prestação não poderá ser considerado como fato gerador. A jurisprudência integrou parte desta interpretação, pois em uma das ementas abaixo transcritas, definiu como o momento da prestação do serviço a conclusão da venda do bilhete. Vejamos: “TRIBUTÁRIO – ISS – DIVERSÕES PÚBLICAS – FATO GERADOR – ARTIGOS 114 E 116 DO CTN. 1. O fato gerador do ISS reside na efetiva prestação de serviço, definido em lei complementar, constante da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68. 2. Em se tratando de ISS incidente sobre diversões públicas, o fato imponível se configura no momento da venda do ingresso ao consumidor, pelo que ilegítima a antecipação do recolhimento, quando da chancela prévia dos bilhetes pelo município. (STJ, REsp n. 159.861/SP, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, DJ 14/12/1998, p. 109).”. “AGRAVO MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR – ISS – Município de São Paulo Lei municipal e Instrução Normativa 06/2012 que obrigam o prestador de serviço de valet service a recolher antecipadamente o imposto mediante aquisição de cupom de estacionamento Tratando-se de ISS incidente sobre tal serviço, o fato gerador tributário configura-se no momento da prestação do serviço, motivo pelo qual, conforme precedentes do STJ, é ilegítima a antecipação do recolhimento – Fumus boni juris presente – Perigo da demora que se revela com a possibilidade de prejuízo à regular execução da atividade do contribuinte Liminar mantida – RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP, Agravo de instrumento n. 0011935-86.2013.8.26.0000, Relator: Rodrigues de Aguiar, Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público, DJe 03/06/2013). CONCLUSÃO. No presente trabalho deu-se a oportunidade de analisar o direito sob a ótica da teoria geral do direito e da regra-matriz de incidência tributária. Foram identificados e traçados os elementos essenciais que devem compor toda e qualquer norma jurídica, e que dispõe sobre o comportamento humano e suas relações intersubjetivas. Com isso observa-se que os aspectos da linguagem norteiam todo o estudo da regra-matriz de incidência tributária. Importante também foi a distinção entre direito positivo e ciência do direito. Viu-se que o direito, como ciência, seria produto de um trabalho descritivo, porquanto utilizaria a linguagem para transmitir conhecimentos e informações de como são as normas aplicadas no mundo fenomênico, ao passo que o direito posto teria apenas uma linguagem prescritiva, prescrevendo regras de comportamento das relações intersubjetivas. Assim, como norma jurídica em sentido estrito, a regra-matriz de incidência tributária insere-se no ordenamento jurídico como regra de comportamento, visando disciplinar as condutas envolvendo o sujeito passivo, devedor da prestação fiscal, e o sujeito ativo, pretensor, titular do direito do crédito tributário. Desse modo, torna-se plenamente possível identificar a estrutura lógica de todo e qualquer tributo, podendo ainda verificar a validade da norma frente ao sistema jurídico como um todo. Nesse mister, ficou bastante claro que o critério material da hipótese de incidência do ISS seria a prestação de serviço, daqueles não compreendidos na competência tributária dos Estados (art. 155, II, CF), e definidos em lei complementar. E que o rol da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003, é taxativo, embora permita interpretação extensiva. O critério espacial, por excelência, deveria ser somente o local da prestação do serviço, mas a lei complementar estabeleceu outros 3 (três) lugares de ocorrência do fato jurídico tributário: o local do estabelecimento prestador, o lugar do domicílio do prestador, e o lugar do estabelecimento tomador (ou intermediário). O critério temporal do ISS por questões semântica e lógica só pode ser o momento imediatamente posterior à prestação do serviço. No entanto, este critério foi o escolhido para melhor análise, visando sanar desvios de conduta do legislador local, que muitas vezes posterga este momento no tempo para efeito de contagem decadencial, ou, ainda, antecede o momento de sua realização no mundo fenomênico. No critério pessoal verificou-se, sem maiores problemas, os possíveis sujeitos integrantes da relação jurídica tributária do ISS. Mas identificamos na eleição dos substitutos tributários o dever de obediência ao princípio objetivo da capacidade contributiva. Com isso, concluímos que nem toda pessoa pode ser eleita como substituta ou responsável pelo recolhimento do tributo. No critério quantitativo, nota-se que os Município não estão autorizados nem pela Constituição, nem pela Lei Complementar n. 116/2003, a cobrar qualquer valor a título de ISS. Só o que resulte da aferição da perspectiva dimensional do respectivo fato jurídico tributário, ou seja, o preço do serviço. Por fim, ao se debruçar sobre os questionamentos de ordem prática envolvendo o ISS no tempo, vê-se que o ISS habite-se, como verdadeira taxa de polícia, não pode condicionar a emissão do certificado à prova do pagamento do ISS a qual se refere. Muito menos poderá a autoridade administrativa utilizar como marco inicial decadencial o momento desta emissão, devendo, portanto, reportar-se a fatos tributáveis. No mais, restou identificado à possibilidade de fracionamento dos serviços, o que influencia nas regras de lançamento e decadência e que em nenhuma hipótese seria autorizado ao legislador complementar (ou local) antecipar o momento da prestação dos serviços.
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Desvinculação da receita arrecadada pelas taxas do DETRAN
A situação de esgotamento financeiro por que passam os Estados tem demandado dos Gestores uma reavaliação das suas fontes de receitas. Nesse ínterim, buscando potencializar e melhorar o gasto público, surge o debate a respeito da viabilidade jurídica de utilizar os recursos financeiros obtidos com taxas arrecadadas pelo DETRAN. Apurar a (in)existência de vinculação dos recursos financeiros provenientes das taxas arrecadas pelo DETRAN.  Tudo isto, cotejado, em face de decisão do TCE RO que impediu o Governo do Estado de utilizar recursos subutilizados do DETRAN RO.
Direito Tributário
Introdução A finalidade precípua do Estado é alcançar o bem comum da sociedade, por meio da prestação de serviços públicos. Nas palavras de Régis Fernandes de Oliveira e Estevão Hovart “tudo aquilo que incumbe ao Estado prestar, em decorrência de uma decisão política, inserida em norma jurídica, é necessidade pública”[1]. O Prof. Valdecir Pascoal, ao destacar a atividade do Estado, assim o faz[2]: “Em resumo: é tarefa do Estado a realização do bem comum que se concretiza por meio do atendimento das necessidades públicas, como por exemplo: segurança, educação, saúde, previdência, justiça, defesa nacional, emprego, diplomacia, alimentação, habitação, transporte, lazer, etc. (ver. Art.s 3º, 21, 23, 25 e 30 da CF/1988). Para realização dos seus objetivos fundamentais, definidos especialmente em sua Lei Maior, o Estado precisa obter fontes de recursos (extraindo-os da própria sociedade – tributos e contribuições – recorrendo a empréstimos, alienando o seu patrimônio, cobrando pela prestação de serviços, etc.), planejar a aplicação desses recursos por meio do orçamento público e efetivamente realizar o gasto público.” Portanto, no objetivo de alcançar a série de determinações Constitucionais, o Estado depende de assegurar/arrecadar recursos financeiros. Necessita assim de receitas para arcar com a prestação desses serviços. De Plácido e Silva define receitas pública como "o complexo de valores recebidos pelo erário público, sejam provenientes de rendas patrimoniais, sejam resultantes de rendas tributárias, destinados a fazer frente à despesa pública”.[3] Consoante a doutrina clássica, as receitas podem ser classificadas em 03 (três) espécies: originária, derivada e transferida. Novamente, o Prof. Régis Fernandes é cirúrgico ao especificar cada uma delas[4]: “A receita originária decorre da exploração, pelo Estado, de seus próprios bens ou quando pode exercer atividade sob o que se denomina de direito público disponível. […] A receita derivada provém do constrangimento sobre o patrimônio do particular. É o tributo. Divide-se ele em imposto, taxa e contribuição de melhoria, podendo, ainda, o Estado cobrar as denominadas contribuições parafiscais, hoje denominadas, sociais ou de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas (ver o art. 149 da CF). […] Há receitas que denominamos de transferidas, porque, embora provindas do patrimônio do particular (a título de tributo), não são arrecadadas pela entidade política que vai utilizá-las.” Dentro da segunda espécie de receitas (receitas derivada) encontra-se a taxa. A taxa constitui em espécie de tributo “cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”(Art. 77 do Código Tributário Nacional – CTN). A taxa “é, assim, tributo cuja exigência é orientada pelo princípio da retributividade, vale dizer, ostenta caráter contraprestacional – paga-se a taxa por ter-se provocado o exercício do poder de política, em razão de ter sido prestado serviço público específico ou divisível ou, ainda, por ter sido serviço dessa natureza colocado à disposição do sujeito passivo”[5]. Portanto, dentro das espécies de exações tributárias, é a taxa uma das modalidades de receitas do Estado para consecução do bem comum. Nesse contexto, o presente artigo visa a discutir a respeito da (in)existência de vinculação dos recursos financeiros provenientes das taxas, mas em específico, das taxas arrecadas pelos Departamentos Estaduais de Trânsito – DETRAN. O presente estudo visa a abordar e verificar se os valores arrecadados pela Fazenda Estadual com as taxas cobradas pelo DETRAN são de arrecadação vinculada ou podem ser destinadas a outras ações para consecução do bem comum. É dizer, na hipótese dos valores arrecadados superarem o ônus do custo do serviço, se seria legítimo a utilização desses recursos em outras finalidades públicas. O estudo tem extrema importância no atual contexto de limitações financeiras por que passam os Estados. O atual cenário de crise econômica Brasileira é irrefutável. Dos 26 (vinte e seis) Estados e o Distrito Federal, 20 (vinte) deles atrasaram salários dos servidores desde 2015 até o último dia 11.11.2016.[6]Há pelo menos 11 (onze) Estados com pedidos de empréstimos pendentes de apreciação junto ao Tesouro Nacional e pelo menos 03 (três) – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte – têm afirmado não ter condições de quitar o 13º salário dos seus funcionários[7]. Neste cenário de penúria financeira, constitui a receita do DETRAN importante fonte de recursos a amparar o pagamento de diversas obrigações e compromissos dos Estados. Tudo isso problematizado no contexto de limitações que a Corte de Contas do Estado de Rondônia vem sustentando em face do Poder Executivo daquele Estado. Abordará o presente artigo as diretrizes da matéria e o pensamento da consolidada doutrina e jurisprudência nacional. Do contexto de limitação do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. O Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, analisando lei estadual que efetuava a transferência de recursos arrecadados com taxas pelo DETRAN RO, subutilizados naquela autarquia, para o Tesouro Estadual (fonte 0100)[8], instaurou processo administrativo[9] para apurar a legitimidade de tal ato, bem como, incidentalmente, a (in)constitucionalidade da norma. A colar do debate a respeito da vigência da Súmula 347 do STF[10], posicionou-se a Corte de Contas Estadual contrário a transferência dos Recursos arrecadados com taxas pelo DETRAN. Sustentou que tal medida violaria,a um só tempo, aLei n° 5.172, de 25 de outubro de 1.966- CTB, a Lei Federal n° 4.320/64 e a Lei Federal n° 101/2000[11]. A despeito de pouco específica a fundamentação da Corte de Contas, fundou a impossibilidade de desvinculação dos recursos extravagantes arrecadados com taxas em dois grupos normativos: o Código de Trânsito Brasileiro – CTB e as Leis Federais Orçamentárias (LC 101/00 e a Lei 4.320/64). Adentraremos, minudentemente, em cada uma das normas citadas para apurar se, de fato, existe vedação a transferência de receitas arrecadadas com taxas pelo Departamento Estadual de Trânsito. Indo além, iremos apurar como tem se comportado a jurisprudência nacional ao enfrentar o tema. Por fim, apurar como outras unidades da Federação tem se posicionado quanto aos recursos sobressalentes arrecadados por taxas nos Departamentos de Trânsito Estadual. Antes, porém, vejamos a distinção entre tributos vinculados e receita tributária vinculada. Dos Tributos Vinculados e das receitas tributárias vinculadas. O Legislador Constituinte estabeleceu ao longo do Título VI as espécies de tributos existentes no ordenamento nacional. A colar dos antigos debates doutrinários, atualmente é uníssono o entendimento que os tributos classificam-se em 05 (cinco) espécies[12]: “A controvérsia sobre a classificação dos tributos em espécies fez com que surgissem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias somente os impostos e taxas; a segunda, a tripartida, tricotômica ou tripartite, que divide os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, a pentapartida ou quinquipartida, que a estes acrescenta os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149-A da Constituição Federal e a última, a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que simplesmente junta todas as contribuições num só grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. ALEXANDRE (2016, p. 17).” Afastando qualquer dúvida a respeito da classificação pentapartida, o Prof. Leandro Paulsen sentencia[13]: São cinco as espécies tributárias estabelecidas pela Constituição: imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e a contribuição especial. Dentro das espécies tributárias existente, temos as taxas. O conceito de taxa resta cristalizado ao longo dos artigos 77 e 78 da Lei Federal nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional – CTN: “Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.  Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.” A doutrina pátria não deixa dúvidas quanto as particularidades que envolvem essa espécie de exação tributária. Como espécie de contraprestação por serviços a taxa é assim diferenciada: “As taxas são tributos cujo fato gerador é configurado por uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte, que pode consistir: a) no exercício regular do poder de polícia; ou b) na prestação ao contribuinte, ou colocação à disposição deste, de serviço público específico e divisível (CF, art. 145, II; CTN, art. 77).[14] Taxa é a espécie de tributo que compreende atividade estatal específica em relação ao contribuinte, em razão da prestação de serviço público específico e divisível ou do poder de polícia estatal.”[15] Pois bem, a Constituição Federal outorga a todos Entes Federados, inclusive os Estados, a competência de instituir e cobrar taxas, verbis: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”. Em sendo assim, os Estados, dentro do seu poder de auto organização e auto administração, pode instituir e efetivar a cobrança de taxas. De fato, as Cortes Superiores, em diversos momentos, já se manifestaram quanto a inconstitucionalidade de diversas taxas instituídas pelos diversos Entes Federados[16]. Talvez, aquela decisão que gerou maior repercussão no cenário jurídico nacional, foi o momento em que o Supremo decidiu pela inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública. Motivo, inclusive, da edição da Súmula Vinculante nº 41[17]. Efetivamente, o artigo 145, II, CF (supracitado) possui o efeito de autorizar o legislador a vincular atividades do Poder Público ao surgimento da obrigação tributária. Assim, a criação da taxa pressupõe, portanto, atuação administrativa do Estado diretamente relacionada ao contribuinte e indicada pelo legislador como fato gerador da obrigação tributária. Nos mesmos termos, o renomado Prof. Ricardo Alexandre[18] leciona que “os contornos da definição constitucional deixam claro que as taxas são tributos retributivos ou contraprestacionais, uma vez que não poder ser cobrados sem que o Estado exerça o poder de polícia ou preste ao contribuinte, ou coloque à sua disposição, um serviço público específico ou divisível”. Mais adiante, o mesmo professor, ao estabelecer a classificação doutrinária dos tributos, esclarece a distinção entre os tributos com hipótese de incidência vinculado dos tributos com arrecadação vinculada. Haveriam parâmetros distintos de classificação: hipótese de incidência vinculada e arrecadação vinculada. No que toca a classificação quanto a hipótese de incidência, veja a lição do Prof. Ricardo Alexandre: “São vinculados os tributos cujo fato gerador seja um “fato do Estado”, de forma que, para justificar a cobrança, o sujeito ativo precisa realizar uma atividade específica relativa ao sujeito precisa realizar uma atividade específica relativa ao sujeito passivo. São vinculadas, portanto, as taxas e contribuições de melhoria. Nestas, o sujeito ativo precisa realizar uma obra da qual decorra valorização em imóvel dos sujeitos passivos; naquelas é necessária a prestação de um serviço público específico e divisível ou o exercício do poder de polícia. São não vinculados os tributos que têm por fato gerador um “fato do contribuinte”, são sendo necessário que o Estado desempenhe qualquer atividade específica voltada para o sujeito passivo para legitimar a cobrança. Todos os impostos são não vinculados, uma vez que seus fatos geradores são manifestações de riqueza dos contribuintes (renda, patrimônio, consumo) independentes de atividade estatal. “ Portanto, essa classificação toma por pressuposto a vinculação ou não entre o pagamento do tributo e o exercício de uma ação pelo Estado. A correlação direta entre o tributo e o serviço público. Por outro lado, ao estabelecer a classificação dos tributos de arrecadação vinculada, o Autor já adverte da confusão que não deve se estabelecer entre a vinculação da arrecadação e a vinculação da hipótese de incidências, verbis: “O primeiro ponto importante é não confundir esta classificação com a anterior (quanto ao fato gerador). Lá, o divisor de águas é se a situação definida em lei como necessária e suficiente para o surgimento da obrigação de pagar tributo é uma atividade do Estado ou um fato do contribuinte. Aqui, a preocupação é com a liberdade que o Estado possui para definir a aplicação do produto da arrecadação.“ A segunda classificação – destinação da arrecadação – é voltada a verificar as hipóteses em que a receita apurada com o respectivo tributo seja vinculada ou não a certa finalidade. É dizer, o produto da arrecadação com aquela exação tributária estaria comprometida a atender, única e exclusivamente, determinada finalidade prevista em lei. Veja-se que o Constituinte foi taxativo quanto as hipóteses em que é possível a vinculação da receita de impostos, nos termo do Artigo 167, inciso IV: “Art. 167. São vedados:… IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;” Na medida em que doutrinaria e legalmente o imposto é uma espécie de tributo não referenciado[19], como regra, a sua arrecadação deve ser destinada a amparar as atividades necessárias e suficientes a consecução do bem comum, dentro dos limites de repartição constitucional[20]. De outro lado, como regra, inexiste no texto constitucional dispositivo que determine ou limite a determinadas finalidades a destinação das receitas arrecadadas com taxa. Dentro do texto Constitucional, consta apenas uma única hipótese de vinculação de receitas arrecadadas por meio de taxa, é aquela prevista ao longo do Artigo 98, §2º, incluído no texto Constitucional através da Emenda Constitucional nº 45/2004, verbis: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:[…]              § 2º As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).” Nesse sentido, leciona ainda o Professor: “As taxas e contribuições de melhoria são tributos de arrecadação não vinculada, salvo as custas e emolumentos (taxas judiciárias, segundo o STF), uma vez que a EC 45/2004 introduziu um §2º ao art. 98 da CF/1988 estipulando que “as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça.” Em sendo assim, esclarece o Professor que as taxas têm sim hipótese de incidência vinculada, sendo típico tributo vinculado. Por outro lado, a arrecadação de receita da taxa não é vinculada, salvo as custas e emolumentos, consoante comando do Artigo 98, §2º. Nesse mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal entendeu dentro da ADI nº 1.145-6 e no julgamento dos EmDcl no Recurso em mandado de Segurança nº 21.032 MG. Vejamos. Dentro da ADI nº 1.145-6, o Min. Carlos Veloso reputou inconstitucional a Lei 5.672/92 do Estado da Paraíba, assim ementado, verbis: “Constitucional. Tributário. Custas e Emolumentos: Natureza Jurídica: taxa. Destinação de parte do produto de sua arrecadação a entidade de classe: Caixa de Assistência dos Advogados: Inconstitucionalidade. Lei 5.672 de 1992, do Estado da Paraíba. “ No julgado, o Supremo termina por reconhecer que a “Constituição, art. 167, inciso IV, não se refere a tributos, mas a impostos. Sua inaplicabilidade às taxas”. Corolário disso, ressalvados os emolumentos e custas judiciais, não existe determinação do Constituinte quanto a restrição na aplicação dos recursos financeiros arrecadados com essa espécie de exação tributária. No mesmo sentido, o STF caminhou no julgamento dos EmDcl no Recurso em mandado de Segurança nº 21.032 MG. O Supremo terminou por julgar constitucional o Artigo 113, da Lei 6.763/75 de Minas Gerais que permitia a utilização de arrecadação da taxa de incêndio para outras ações que não aquelas vertidas ao pagamento e custeio do serviço. Nesse mesmo sentido, o Prof. Roberval Rocha[21] leciona, verbis: “A função econômica precípua das taxas é cobrir razoavelmente os custos pela manutenção dos serviços a ela efeitos. É um instrumento de custeio, em geral parcial, de certas despesas públicas, que o legislador visa repartir entre a universalidade de cidadãos e aqueles que obtêm certas prestações de serviços públicos. Essa repartição do custo do sérvio é o que fundamenta essa espécie tributária. É ideal que os valores arrecadados pelas taxas sejam utilizados na manutenção dos sérvios a que ela se refere, entretanto, como se trata, via de regra, de uma espécie tributária de arrecadação não vinculada – ou seja,: a utilização do produto de sua arrecadação é discricionária para o Poder Executivo -, nada impede que os recursos sejam utilizados em outras contas orçamentárias. “ Fica claro, portanto, através do que prescreve o texto constitucional, bem como das conclusões doutrinárias e jurisprudenciais, que não existe vinculação da receita arrecadada com taxas, podendo o Estado empregá-la segundo a sua decisão política baseada nas carências e nas necessidades mais prementes dos cidadãos. Continuemos a analisar se (in)existe limitação específica quanto aos recursos arrecadados com as taxas do DETRAN na legislação federal aplicada ao tema. Antes, porém, visitemos interessante decisão do Supremo quanto a proporcionalidade das taxas. Da Proporcionalidade das Taxas De fato, compete ressaltar que o STF, em diversos momentos, tem destacado que os valores da taxa tem que guardar correlação com o valor do serviço prestado. Isto é, entende a Corte Maior que os valores arrecadados pelos Entes Federados com a taxa deve ser proporcional ao custo do serviço: “O entendimento aqui firmado já foi alvo de análise deste Supremo Tribunal Federal em várias ocasiões: "Taxa: correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal. A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da CF."[22] “Taxa de Licença para Localização, Funcionamento e Instalação. Base de cálculo. Número de empregados. Dado insuficiente para aferir o efetivo poder de polícia. Art. 6º da Lei 9.670/1983. Inconstitucionalidade. Jurisprudência pacífica da Corte. A taxa é um tributo contraprestacional (vinculado) usado na remuneração de uma atividade específica, seja serviço ou exercício do poder de polícia e, por isso, não se atém a signos presuntivos de riqueza. As taxas comprometem-se tão somente com o custo do serviço específico e divisível que as motiva, ou com a atividade de polícia desenvolvida. A base de cálculo proposta no art. 6º da Lei 9.670/1983 atinente à taxa de polícia se desvincula do maior ou menor trabalho ou atividade que o poder público se vê obrigado a desempenhar em decorrência da força econômica do contribuinte. O que se leva em conta, pois, não é a efetiva atividade do poder público, mas, simplesmente, um dado objetivo, meramente estimativo ou presuntivo de um ônus à administração pública. No tocante à base de cálculo questionada nos autos, é de se notar que, no RE 88.327/SP, rel. min. Décio Miranda (DJ de 28-9-1979), o Tribunal Pleno já havia assentado a ilegitimidade de taxas cobradas em razão do número de empregados. Essa jurisprudência vem sendo mantida de forma mansa e pacífica.”[23] No entanto, como pode se apurar nas decisões citadas, em momento algum o Supremo, guardião do texto constitucional, estabeleceu limitação na aplicação dos recursos arrecadados com o pagamento de taxas. Não trouxe vinculação desta receita com a manutenção do serviço por ela relacionado. Em sendo assim, não existiria, a priori, vedação a utilização do excesso arrecadado ou subutilizado com outras finalidades públicas. Vejamos se (in)existe alguma limitação ou proibição expressa no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, primeiro dos dois conjuntos normativos apontados como violados pelo TCE RO. Da Inexistência de violação ao CTB. Ultrapassada a diferenciação entre tributos vinculados e tributos de receitas vinculadas, passemos a verificar a (in)existência de impedimentoseventualmente dispostos no Código de Trânsito Brasileiro – CTB quanto a utilização de recursos financeiros subutilizados arrecadados com as taxas pelo Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN em outras ações públicas. Tal como citado, o CTB prevê, de fato, vinculação de receitas às suas atividades, mas refere-se a aquelas fruto das multas, senão vejamos: “Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Parágrafo único. O percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito.” É dizer, o comando do legislador pátrio dispõe que as receitas arrecadadas com multas de trânsito devem ser aplicadas exclusivamente com as atividades de sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Destarte, cumpre citar as palavras do Prof Nei Pires Mitidieiro: “O legislador viário destinou a receita provinda das imposições de multa, careando exclusivamente para a sinalização, engenharia de trânsito (preferimos o termo a tráfego, circulação de veículo em missão de transporte), de campo (i. é, no caso, engenharia viária), policiamento, fiscalização e educação de trânsito, reservando, no parágrafo único cinco por cento do total arrecadado para a formação de fundo de âmbito nacional consagrado especialmente à segurança e à educação de trânsito[24].” (grifo nosso) No mesmo sentido, igualmente vale a pena mencionar, o entendimento de ARNALDO RIZZARDO que destacou: presentemente há uma destinação específica: serão aplicados os valores na própria melhoria do trânsito, nos setores de sinalização, da engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito[25]. (grifo nosso). Algumas conclusões devem ser estabelecidas. Primeiro, o dispositivo trata a respeito de multa e não de taxa. É imperioso não confundir penalidade com espécie de tributo: a taxa. Os recursos de receita vinculada previsto no CTB referem-se à multa e não às taxas. Segundo, mesmo esses recursos – multas – podem ser empregados nas atividades relacionadas às ações de melhoria de trânsito, tais como policiamento. Portanto, considerando que o CTB trata de multa e não de taxas, não a que se falar em violação das normas de trânsito (Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997). Passemos a analisar o complexo de normas orçamentárias. Da Inexistência de violação à Lei Federal nº 4.320/64 e à Lei Federal nº 101/2000. As finanças públicas estão regulamentadas, em âmbito constitucional, dentro do Capítulo II, do Título VI, da Constituição Federal, especificadamente, ao longo dos artigos 163 a 169. Infraconstitucionalmente, duas importantes normas estabelecem regras gerais a respeito das finanças públicas, uma delas, editada antes da Constituição Federal, devidamente recepcionada com status de lei complementar, a Lei nº 4.320/64, e a outra, mais recente e de conhecimento mais difundido no seio da academia jurídica, a Lei Complementar nº 101/2000, denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF. Pois bem, a seara das finanças públicas é estudada pelos doutrinadores do direito financeiro. A par da funda polêmica que reside na nomenclatura usada para intitular esse ramo do direito, no qual, ora alguns utilizam direito financeiro, ora outros utilizam direito orçamentário, reconhecida está a importância no seu estudo e o conhecimento da singularidade dos seus institutos. Pois bem, a Colenda Corte de Contas de Rondônia fundamentou a impossibilidade de utilização dos recursos subutilizados com as taxas do DETRAN em eventual limitação impostos pelas supracitadas leis orçamentárias federais. A Lei Federal nº 4.320/64 regulamenta a classificação das receitas segundo as categorias econômicas: “Art. 11 – A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas de Capital. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 1982) § 1º – São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.939, de 1982) § 2º – São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda, o superávit do Orçamento Corrente.” Mais adiante, classifica a taxa como espécie de receita tributária – receita corrente. Ao regulamentar a respeito da receita e sua arrecadação, estabelece o princípio da unidade de tesouraria, verbis: “Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.” O legislador, textualmente, veda na arrecadação a fragmentação de caixas especiais. Tal premissa só pode ser afastada nas hipóteses de arrecadação vinculadas a fundos, prescrito ao longo do Artigo 71 e ss. Dessa maneira fica claro que inexiste qualquer previsão ou disposição legal contida na Lei Federal nº 4.320/64 que vincule a arrecadação de taxas do DETRAN a aquela Autarquia. Pelo contrário, obriga o Estado a arrecadar as suas receitas em conta única, tal como as taxas citadas. A mesma dinâmica estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, inexistindo vedação específica, tal como tratado no decisum. Pelo oposto, os dispositivos da LC 101/00 vão enunciar medidas de controle de gasto público, não dispondo expressamente quanto a qualquer limitação da utilização dos recursos subutilizados provindos da arrecadação de taxas do DETRAN. Conclusão A aqueles que militam na seara pública, em especial, junto aos sistema de arrecadação e planejamento dos Entes Estaduais, que o montante de receitas arrecadadas com taxas de trânsito alcançam valores significativos. Apenas a título de ilustração, o DETRAN RO arrecadou, a título de taxas, no exercício de 2016, mais de 172 (cento e setenta e dois) milhões de reais[26]. Isso remontará mais do que o dobro da capacidade de investimento disposta no Projeto de Lei Orçamentária de 2017 – LOA 2017[27]. De outra mão, é sintomático a situação de recessão econômica por que passa o país. Nesse momento é imperioso que o Gestor adote medidas eficazes de gasto público, a fim de atender aos anseios da população. Como demonstrado, tanto o texto constitucional, quanto o CTB, bem como as leis orçamentárias (Lei Federal nº 4.320/64 e a Lei Federal nº 101/2000) não possuem qualquer vedação na utilização dos recursos que ficarem subutilizados ou não utilizados provenientes da arrecadação das taxas de trânsito. O texto constitucional tem a mens legis extremamente restrita quanto a vinculação da arrecadação de tributos. Disposições específicas quanto a impostos e ainda, quanto a determinados fundos, bem como da taxas judiciárias e emolumentos, são as únicas hipóteses constitucionais. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal – STF tem jurisprudência consolidada apenas quanto a “proporcionalidade” entre os valores estipulados nas taxas e o custo do serviço, não se referindo em tempo algum quanto a limitação do Estado na utilização em outras finalidades públicas dos recursos que fiquem sem ser utilizados com a arrecadação das referidas taxas.
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A unanimidade do Confaz à luz da ADPF nº 198/DF e da ADI nº 5244/PE
Um dos mecanismos mais utilizados pelos Estados-Membros brasileiros para atraírem investimentos para seu território é a concessão de incentivos fiscais. Nessa toada, o principal tributo alvo das desonerações é o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS. Todavia, para ele, o regime jurídico aplicável traz requisito específico para a instituição de benefícios, qual seja, a exigência de celebração de convênio unânime entre Estados e Distrito Federal. Tal requisito é alvo de grande controvérsia jurisprudencial e doutrinária, estando no centro dos debates sobre guerra fiscal.
Direito Tributário
Introdução O ICMS hoje representa o imposto de maior arrecadação dos Estados e Distrito Federal, sendo também exação de elevada complexidade, com extensa regulamentação em nível constitucional, legal e infralegal. Ademais, tendo em vista seu elevado impacto nas operações dos contribuintes, possui grande capacidade para servir de indutor econômico por meio da concessão de incentivos e benefícios fiscais. Todos os Estados possuem programas ou ao menos algum mecanismo de recolhimento diferenciado. Deve-se observar ainda que a Constituição da República estabelece requisito próprio para concessão de benefícios relativos ao ICMS, qual seja, a exigência de convênio entre Estado e Distrito Federal, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Ademais, a Lei Complementar nº 24/75 exige que a celebração se dê por unanimidade. Tendo em vista a elevada dificuldade em se atender tal exigência, devido à recalcitrância de alguns Estados em concordarem com a concessão de benefícios por outros, proliferam-se programas de incentivos fiscais criados unilateralmente, à revelia do Confaz, por simples lei estadual, desencadeando a notória “guerra fiscal”. Nessa toada, surge grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da recepção ou não do requisito da unanimidade pela Constituição da República, uma vez que a solução da celeuma gerará uma forte reconfiguração no cenário fiscal do ICMS em todo o país. No presente trabalho, busca-se analisar posicionamentos doutrinários abalizados sobre o tema, além dos argumentos discutidos na ADPF nº 198/DF e na ADI nº 5244/PE. 1. Regime jurídico de concessão de incentivos fiscais 1.1. Considerações terminológicas Cumpre inicialmente realizar um esclarecimento terminológico básico: Não há consenso acadêmico acerca da conceituação de incentivos ou benefícios fiscais. Sua definição frequentemente se confunde com termos como benefícios financeiros, gastos tributários, desoneração tributária, entre outros. Na lição de Almeida[1], benefícios fiscais é gênero, do qual decorrem as espécies de benefícios tributários, financeiros, creditícios e desonerações tributárias. Ainda nessa linha de pensamento, incentivos fiscais são espécies de benefícios tributários: No mesmo trabalho, o autor ainda enfatiza a confusão terminológica existente no país, envolvendo benefícios e incentivos fiscais: “Cabe ressaltar que, tradicionalmente, no Brasil tem-se empregado o termo ‘benefício fiscal’ como sinônimo de ‘benefício tributário’, para designar disposições especiais à regra tributária geral. Contudo, a rigor, benefício fiscal é um termo mais abrangente, pois em economia a palavra fiscal envolve tanto questões ligadas à receita como à despesa, podendo, assim, designar não apenas os benefícios tributários como também os gastos diretos na forma de subsídios, subvenções, etc. Já a expressão “incentivo fiscal” é conhecida como um subconjunto dos benefícios tributários. Para um benefício tributário ser também enquadrado como incentivo fiscal é preciso que seja “indutor de comportamento”, vale dizer, estimule os agentes a agir de determinada forma, objetivando a atingir um alvo econômico ou social previamente definido. Como exemplo, temos a isenção do imposto de renda sobre os rendimentos reais obtidos em depósitos de caderneta de poupança pelos contribuintes pessoas físicas, visando mantê-los, ou atraí-los, nessas aplicações, de modo a evitar uma canalização excessiva de recursos para o consumo, fato prejudicial no início de um programa de estabilização”.[2] Não obstante para fins deste estudo, serão usadas indistintamente as terminologias benefícios e incentivos fiscais, uma vez que, para efeito de atendimento dos requisitos constitucionais e legais não haverá diferença, como se verá a seguir. 1.2. Requisitos gerais para concessão de incentivos fiscais A Constituição da República dispõe sobre os requisitos gerais para concessão de quaisquer incentivos fiscais em seu art. 150, § 6º. Da leitura do dispositivo, percebe-se a preocupação do constituinte em não apenas exigir lei, mas lei específica para tratar sobre concessão de incentivos fiscais. Sobre esse tema, leciona Amaro: “A matéria aí referida é, sem dúvida, assunto de lei. Mais do que lei, porém, a Constituição reclama lei específica (vale dizer, lei especialmente editada para tratar somente desses assuntos) ou comando de lei que regule exclusivamente o próprio tributo. Assim, uma redução da base de cálculo do imposto de renda ou deve ser objeto de lei que regule apenas esse imposto ou de lei especial que discipline tão só aquela matéria. O objetivo visado com essa disposição é evitar que certas isenções ou figuras análogas sejam aprovadas no bojo de leis que cuidam dos mais variados assuntos (proteção do menor e do adolescente, desenvolvimento de setores econômicos, relações do trabalho, partidos políticos, educação etc.) e embutem preceitos tributários que correm o risco de ser aprovados sem que o Legislativo lhes dedique específica atenção”.[3] Dessa forma, a mens legis empregada no dispositivo foi a de evitar a concessão sub-reptícia de incentivos fiscais no bojo de projetos de lei que tratam de assuntos diversos. Ademais, deve-se sempre ter em mente as exigências da LRF sobre a concessão de benefícios dessa natureza, chamados pela lei de renúncias de receita, em seu art. 14. Segundo o dispositivo, é necessário previamente à concessão a apresentação de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrar em vigor e nos dois seguintes. Além disso, deve-se demonstrar que tal renúncia foi considerada na estimativa de receita orçamentária ou ao menos que haverá medidas de compensação à perda arrecadatória. Acerca do tema: “Qualquer benefício que implique diminuição de receita demanda a necessidade de estimativa do impacto financeiro que possa causar, bem como de que a renúncia foi levada em conta na elaboração da lei orçamentária, no momento das previsões de receita ou indicação de medidas compensatórias, decorrentes de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.[…] Vale ressaltar, por oportuno, que a renúncia fiscal subordina-se à fiscalização do Congresso Nacional, mediante controle interno de cada Poder, em consonância com o Estatuto Maior. De sorte que lhe são aplicáveis os princípios da legalidade, legitimidade e economicidade. O vocábulo contempla “todos os mecanismos fiscais em que se podem converter os itens de despesa pública, consubstanciados nas subvenções, nos subsídios e nas restituições a título de incentivo”.[4] 1.3.Incentivos fiscais no âmbito do ICMS Todavia, tratando de ICMS, há regramento constitucional próprio para concessão de incentivos fiscais, disciplinado no art. 155, § 2.º, XII, g da Constituição Federal. A Carta da República, à semelhança do que fazia a Constituição de 1967/1969, institui que a concessão de incentivos ou benefícios fiscais no âmbito desse imposto depende da celebração de convênio entre todos os Estados da Federação e do Distrito Federal. Sem dúvida a intenção do constituinte foi tentar minimizar a ocorrência do fenômeno da guerra fiscal, com efeitos deletérios no próprio pacto federativo. Os Estados possuem autonomia financeira, de tal sorte que a Constituição lhes outorgou competência tributária para cobrança do ICMS. Contudo, a Lei Maior também buscou criar mecanismos para evitar que o exercício dessa prerrogativa gerasse conflito entre eles, notadamente por meio de uma competição desenfreada para atração de investimentos, por meio da concessão de benefícios fiscais.[5] No mesmo sentido, Ives Gandra leciona que “Na autonomia financeira dos Estados, é o ICMS a sua grande fonte de receita, tributo cuja estadualização implica a existência de regras na lei Suprema destinadas a evitar que os Estados sejam privados do direito de dirigir suas políticas regionais, ou que sejam pressionados a conceder benefícios, por autênticos "leilões" provocados por investidores que escolhem o local de sua instalação em função dos benefícios que este ou aquele Estado lhes ofereçam. Na atual guerra fiscal, são os investidores que negociam e impõem às Secretarias dos Estados sua política, obtida, por se instalarem naqueles que lhes outorgarem maiores vantagens. Tal fato representa, de rigor, que a verdadeira política financeira não é definida pelos governos, mas exclusivamente pelos investidores. E, muitas vezes, gera descompetitividade no próprio Estado para estabelecimentos, já há longo tempo lá estabelecidos, que não poderão dos estímulos se beneficiar”.[6] Do exposto fica claro que a exigência da celebração de convênios imposta pelo constituinte busca resguardar a própria autonomia dos Entes Federados, tendo em vista que suas diferentes situações econômicas e políticas geram um desigual poder de atração de investimentos privados. A lei complementar que trata sobre os mencionados convênios já foi editada sob a égide na Constituição anterior, trata-se da LC nº 24/75. Nela, há exigência de aceitação unânime por todos os Estados e Distrito Federal para que um benefício fiscal seja concedido, no âmbito de um órgão conhecido como Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Frequentemente, contudo, alguns Estados, na tentativa de atrair investimentos, realizam concessões de benefícios em relação ao ICMS sem atenderem às prescrições da referida lei complementar: “Ocorre que, sob o argumento de promover o desenvolvimento de seus territórios, os Estados desconsideram a condição imposta constitucionalmente, concedendo unilateralmente incentivos fiscais de ICMS de diversas naturezas, para atrair investimentos empresariais, ignorando, dessa forma, os limites previstos na Lei complementar nº 24/75”.[7] A competição dos Estados por investimentos privados traduz-se na chamada “Guerra Fiscal”, em que esses entes federados realizam uma verdadeira “corrida ao fundo do poço”[8], gerando uma queda generalizada na arrecadação, com prejuízo a todos: “Por meio de tais atrativos, inaugura-se um leilão de vantagens entre os entes federados. Desencadeia-se, assim, uma guerra em que poucos ganham e quase todos perdem. A longo prazo, com a generalização da competição há uma generalização do prejuízo pela queda global da arrecadação do ICMS de todos os Estados, considerando que, de qualquer modo, em alguns dos entes da Federação, a sociedade empresária seria instalada”.[9] Essa conduta de alguns entes federados gera demandas judiciais pelos demais Estados, geralmente de maior pujança econômica, que não querem sofrer com deslocamentos de empresas de seus territórios. Dessa feita percebe-se uma tensão existente entre a necessidade de observância estrita aos ditames da Lei Complementar nº 24/75, constitucionalmente prevista, e o objetivo fundamental de desenvolvimento nacional e redução de desigualdades sociais e regionais, também prescritos pela Carta Magna. 2. Argumentação deduzida na ADI 5.244/PE Entre tantos exemplos, é possível selecionar a ADI 5.244/PE para servir de paradigma de análise tendo em vista ser ação que questiona a validade de um amplo programa de incentivos fiscais ao ICMS concedido pelo Estado de Pernambuco, denominado Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco – Prodepe. 2.1. Manifestações dos autos A principal tese apresentada para tentar fulminar o programa é a ausência de celebração de convênio prévio autorizativo no âmbito do Confaz, conforme exigência do art. 155, § 2º, XII, g da Constituição da República. Primeiramente, o autor na ADI 5244/PE afirmou a imprescindibilidade da celebração de tais convênios, para tanto, realizou diversas citações doutrinárias, entre as quais se colaciona a de Roque Carraza: “O art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF, ao estabelecer que, em matéria de ICMS, cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados”, excepcionou a regra geral que assegura a cada pessoa política competente para criar o tributo a aptidão jurídica para, unilateralmente, conceder a isenção tributária. Ficando com a ideia central, as isenções, no caso do ICMS, só podem ser concedidas pelos Estados e pelo Distrito Federal, em conjunto e por unanimidade”.[10] Em seguida, concluiu seu raciocínio da seguinte maneira: “No entanto, não se tem qualquer notícia quanto à deliberação anteriores dos Estados e do Distrito Federal autorizativa do “crédito presumido” em questão, deferido por PERNAMBUCO por meio das normas ora objurgadas”[11]. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é farta em julgados que declaram a inconstitucionalidade de leis por ausência do referido convênio autorizativo, o que, em traz robustez aos argumentos do autor: “(…) padece de inconstitucionalidade formal a LC 358/2009 do Estado de Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a CF de 1988.” (ADI 4.276, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 20-8-2014, Plenário, DJE de 18-9-2014.) No mesmo sentido: RE 861.756-AgR, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 17-3-2015, Segunda Turma,DJE de 7-4-2015. “ICMS – Benefício fiscal – Isenção. Conflita com o disposto nos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, alínea g, da CF decreto concessivo de isenção, sem que precedido do consenso das unidades da Federação.” (ADI 2.376, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 1º-7-2011.) Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12, caput e parágrafo único, da Lei estadual (PA) nº 5.780/93. Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada “guerra fiscal”. Precedente: ADI nº 2.548/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 15/6/07. 2. Inconstitucionalidade do art. 12, caput, da Lei nº 5.780/93 do Estado do Pará, e da expressão “sem prejuízo do disposto no caput deste artigo” contida no seu parágrafo único, na medida em que autorizam ao Poder Executivo conceder diretamente benefícios fiscais de ICMS sem observância das formalidades previstas na Constituição. 3. Ação direta julgada parcialmente procedente. (ADI 1247, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00001) Foram intimadas para apresentar resposta em ambas as ações o Estado de Pernambuco e a Assembleia Legislativa de Pernambuco. O principal argumento utilizado em defesa da Lei instituidora do Prodepe, e que traz à tona questão de elevada complexidade, diz respeito à consecução do objetivo fundamental de reduzir desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inc. III da CF/88) em contraponto às rigorosas exigências da Lei Complementar nº 24/75 para celebração de convênios acerca do ICMS. A seguir, manifestou-se o Procurador-Geral da República, pela procedência do pedido. Reafirmou a jurisprudência do Supremo acerca do tema e defendeu que o requisito da unanimidade, criado nos arts. 2º, § 2º, e 4º da Lei Complementar nº 24/75, foi recepcionado pela Constituição Federal. Frise-se ainda um ponto importante. Preliminarmente ao mérito da ação, foi levantado uma controvérsia relevante, que diz respeito à própria possibilidade de utilização da referida Lei para servir de parâmetro para controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que pode-se vislumbrar uma ofensa meramente reflexa à Carta da República. 2.2. Ofensa Reflexa à Constituição Segundo alega o Estado de Pernambuco em suas informações à ADI nº 5.244/PE, a exigência de celebração prévia de convênio unânime é criada unicamente pela legislação infraconstitucional, qual seja, a Lei Complementar nº 24/75. Assim questiona-se se a alegação de descumprimento da referida lei é parâmetro de constitucionalidade suficiente para ensejar o controle concentrado, uma vez que, se estaria diante de inconstitucionalidade meramente reflexa ou indireta. Segundo lição de Barroso: “Se, para chegar à alegada violação do preceito constitucional invocado, teve a recorrente de partir da ofensa à legislação infraconstitucional, a afronta à Constituição teria ocorrido de forma indireta, reflexa. Ora, somente a ofensa direta e frontal à Constituição, direta e não reflexa, é que autoriza o recurso extraordinário”.[12] É de se ressaltar, contudo, que o mesmo autor tece críticas à utilização simplista do critério de fixação do objeto passível de controle em ofensas diretas e indiretas (reflexas): “É de perguntar se o parâmetro utilizado pelo STF até o momento — distinção entre ofensa direta e reflexa — conserva sua atualidade no contexto da chamada nova interpretação constitucional. Em tempos de constitucionalização do direito, não parece adequado simplesmente barrar o acesso à jurisdição constitucional sempre que exista lei disciplinando determinada matéria. A irradiação dos valores constitucionais pelos diversos ramos do ordenamento jurídico tende a ocorrer primordialmente através da interpretação da legislação ordinária à luz da Constituição, potencializada pela crescente utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. Confinar o objeto do recurso extraordinário às chamadas ofensas diretas significa para o STF abdicar aprioristicamente do controle de questões relevantes e que se conservam eminentemente constitucionais a despeito da intermediação legislativa”.[13] Em todo caso, atualmente a Jurisprudência do STF, ao identificar que o parâmetro de constitucionalidade invocado efetivamente se enquadra no conceito de ofensa reflexa, tende a negar a possibilidade de controle: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – COMPETÊNCIA CONCORRENTE (CF, ART. 24) – ALEGADA INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO FEDERAL, POR DIPLOMA LEGISLATIVO EDITADO POR ESTADO-MEMBRO – NECESSIDADE DE PRÉVIO CONFRONTO ENTRE LEIS DE CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL – INADMISSIBILIDADE EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. – Nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), nas quais se estabelece verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal e os Estados-membros (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de entender incabível a ação direta de inconstitucionalidade, se, para o específico efeito de examinar-se a ocorrência, ou não, de invasão de competência da União Federal, por parte de qualquer Estado-membro, tornar-se necessário o confronto prévio entre diplomas normativos de caráter infraconstitucional: a legislação nacional de princípios ou de normas gerais, de um lado (CF, art. 24, § 1º), e as leis estaduais de aplicação e execução das diretrizes fixadas pela União Federal, de outro (CF, art. 24, § 2º). Precedentes. É que, tratando-se de controle normativo abstrato, a inconstitucionalidade há de transparecer de modo imediato, derivando, o seu reconhecimento, do confronto direto que se faça entre o ato estatal impugnado e o texto da própria Constituição da República. Precedentes. ” (ADI 2344 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2000, DJ 02-08-2002) Todavia, verifica-se que embora a constituição não disponha expressamente sobre o requisito da unanimidade, o art. 155, § 2º, XII, g da CF/88 é claro ao exigir a celebração de convênios como condição para concessão ou revogação de benefícios fiscais. Independentemente do motivo pelo qual haja ausência de convênio prévio, ainda que devido à inviabilidade em se atingir um consenso pleno entre os Estados, o fato é que a falta do ajuste pode ser cotejada diretamente com o dispositivo constitucional citado, fugindo assim do problema relativo à alegação de inconstitucionalidade reflexa. Tanto é assim, que frequentemente, conforme já citado em julgados anteriores, o STF frequentemente controla atos de concessão unilateral de benefícios fiscais por violação ao mesmo artigo constitucional. 3. Recepção da Unanimidade Estipulada na Lei Complementar nº 24/75 e ADPF nº 198/DF 3.1. Considerações Gerais Questão mais delicada diz respeito à recepção especificamente do do art. 2º, § 2º da LC nº 24/75, que assim dispõe: A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. O fato é que, diversos Estados, Pernambuco incluso, alegam que a exigência de unanimidade inviabiliza a criação de programas regionais de desenvolvimento fundados na concessão de benefícios fiscais. Isso porque é de se esperar que ao menos algum dos demais Estados ou Distrito Federal irá se opor, por não querer sujeitar-se ao risco de se tornar menos atrativo para investimentos, ou ainda de sofrer uma evasão de indústrias, por não conceder benefícios similares. Para Ives Gandra o requisito de unanimidade é decorrência constitucional, sendo, portanto, legítima a previsão da LC nº 24/75: “Concluo esta parte do estudo, dizendo que o texto constitucional, quando se refere à deliberação dos Estados e do Distrito Federal no tocante a estímulos fiscais outorgados necessariamente impõe a deliberação de todos os Estados e o Distrito Federal, visto que não estabeleceu qualquer quorum mínimo. Por esta linha de raciocínio, entendo que a unanimidade exigida pelo CONFAZ não decorre da legislação infraconstitucional, mas decorre, à luz da Constituição de 1988, do próprio texto supremo (…)”.[14] Para o autor a estatura constitucional dessa exigência é inclusive petrificada, uma vez que sua relativização seria medida tendente a abolir o pacto federativo, sendo assim vedada pelo art. 60, § 4º, inc. I da CF/88. Retirar de um Estado o direito de se opor a convênio que o prejudique significaria manter uma federação meramente do ponto de vista formal[15]. Comentando o posicionamento acima, contrapõe-se Paulo de Barros Carvalho, aduzindo que a unanimidade não é requisito constitucionalmente previsto: “A despeito desses sólidos argumentos, penso que o tema não deva ser tratado com tamanha rigidez [cláusula pétrea]. Sendo facultado aos Estados e Distrito Federal conceder as isenções, incentivos ou benefícios de ICMS autorizados em convênios pelo CONFAZ, mostra-se inócua a exigência de unanimidade para sua aprovação sempre que estiver em pauta o estímulo ao desenvolvimento de unidades federativas que, comprovadamente, se encontrem em situação econômico-produtiva precária. Tal regime tem gerado obstáculos, em face dos interesses dissonantes e, muitas vezes, contrapostos, dos entes federados. Solução razoável seria reduzir, para esses casos específicos, o quorum de aprovação para dois terços, cumprindo, desse modo, sua função de tornar factível o estímulo para desenvolvimento de Estados menos favorecidos, com consequente redução das desigualdades regionais, como desejado pela Constituição de 1988”[16]. O autor fundamenta sua opinião em análise do contexto histórico que deu origem à Lei Complementar nº 24/75, concluindo que os pressupostos existentes naquela época não mais subsistem. Segundo afirma, a referida lei foi editada em pleno regime ditatorial militar, em um contexto em que se buscava conferir ao então ICM uma uniformidade nacional, situação que não mais subsiste, sendo possível que cada Estado o adapte para atender a suas situações peculiares. O raciocínio parte da redação do art. 23, § 6º da Constituição de 1967 que por sua redação impunha o caráter impositivo aos convênios de ICMS, de tal sorte que todos os Estados estariam obrigados a sua aplicação. Para ele, atualmente a constituição permite convênios meramente autorizativos, uma vez que dá maior ênfase à autonomia dos entes federados para escolher se aplicarão ou não o benefício. Esse tipo de entendimento abre margem para questionar se a criação por lei de um requisito extremamente dificultoso, caso da unanimidade, é capaz de inviabilizar a criação de benefícios fiscais tidos como indispensáveis para a consecução do objetivo previsto constitucionalmente, qual seja a redução de desigualdades regionais. Para Scaff, citando Regis Fernandes de Oliveira, a regra da unanimidade exigida não foi recepcionada. O fundamento apontado para essa conclusão é também a defesa do pacto federativo, tendo em vista que medidas que seriam benéficas como um todo para a federação podem ser sustadas por ato isolado de um único membro: “(…) Regis Fernandes de Oliveira trilha caminho distinto, com o qual me alinho, pela não recepção da norma que impõe a unanimidade. Pela lógica da unanimidade, o Confaz se torna o dono do ICMS e não cada Estado individualmente considerado. O Confaz tem um papel de harmonização fiscal em um Estado Democrático de Direito, e não de Coação Fiscal, própria do período em que foi criado. Durante o autoritarismo a regra da unanimidade possuía uma lógica interna ao sistema; durante o período democrático esta norma não pode prosperar, pois não encontra amparo em nenhuma norma constitucional. Esta exigência de unanimidade do Confaz não é inconstitucional, ela simplesmente não foi recepcionada. A referência efetuada pelo artigo 34, parágrafo 8º do ADCT à Lei Complementar 24/75 realizou a recepção da norma, mas não em sua inteireza. A regra da unanimidade simplesmente não foi recepcionada por falta de norma que a ampare sob a égide da Constituição de 1988. Entendo que o artigo 2º, parágrafo 2º da Lei Complementar 24/75 não foi recepcionado pela atual Constituição em face do Princípio Federativo e do Princípio Democrático, pois, da forma como se encontra estruturado, é possível a um único Estado da Federação bloquear uma deliberação que seja relevante para o conjunto dos demais entes federados. Isso não está auxiliando ou permitindo o desenvolvimento federativo, ao contrário, está matando a Federação. Nem mesmo uma proposta de Emenda Constitucional que contivesse este tipo de obrigatoriedade poderia ser analisada, por ferir cláusula pétrea de nossa Constituição (artigo 60, parágrafo 4º, I, Constituição Federal). ”[17] 3.2. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 198/DF Sobre o tema, deve-se destacar finalmente o possível impacto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 198/DF. Tal ação pede a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 2º e do caput do art. 4º da Lei complementar nº 24/75, que são justamente os dispositivos que tratam da unanimidade para deliberação do Confaz. O instrumento para impugnação utilizado foi a ADPF, uma vez que é o meio adequado de controle concentrado para aferir a compatibilidade de atos normativos anteriores a 1988 com a atual Carta Política: “Possibilitando levar ao Supremo leis ou atos normativos municipais, bem como o direito pré-constitucional, a ADPF fortificou o controle concentrado, tornando-o completo”[18]. Caso seja julgada procedente, a ADPF nº 198 trará grandes modificações na sistemática atual de celebração de convênios do Confaz. Embora haja certa controvérsia a respeito, é razoável supor que, com a retirada do critério de unanimidade, o novo quórum de aprovação de convênios para concessão de benefícios ou incentivos fiscais será de maioria relativa. Embora a Lei Complementar nº 24/75 não traga este quórum, ele é estabelecido no inciso III do art. 30 do Regimento Interno do Confaz de forma subsidiária: “Art. 30. As decisões do Conselho serão tomadas: I – por unanimidade dos representantes presentes, na concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais previstos no artigo 1º da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975; II – por quatro quintos dos representantes presentes, na revogação total ou parcial de isenções,  incentivos e benefícios fiscais concedidos; III – por maioria dos representantes presentes, nas demais deliberações. Parágrafo único. Cabe ao Presidente o voto de desempate nas decisões do inciso III”. Atualmente é evidente que vigora o inciso I para a concessão de benefícios fiscais, todavia, caso seja julgada procedente a ADPF nº 198, tal dispositivo também será retirado do mundo jurídico por arrastamento: “A dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É o que a doutrina denomina de declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento”.[19] Dessa forma, como a situação de concessão de benefícios fiscais ficará sem dispositivo expresso, é possível sustentar que se aplique o quórum subsidiário constante no inciso III, qual seja, maioria relativa. Outro ponto relevante de análise que pode ser feito diz respeito aos diversos atores interessados no resultado favorável ou não da ADPF nº 198. Isso porque, além das manifestações exigidas por lei, diversos postulantes ingressaram ou buscaram ingresso no processo como amicus curiae, revelando seu interesse no julgamento do feito. Compilando as informações, é possível elaborar a seguinte tabela: Percebe-se que, fora os agentes de nível Federal, todos os representantes de agentes privados são favoráveis ao pedido, além de que, dos entes políticos, apenas São Paulo se opõe à pretensão autoral. Esse fato reforça a tese defendida pelo Governo de Pernambuco, nas informações à ADI 5244/PE, de que o Estado de São Paulo tende a se opor a mecanismos que possam tornar outras regiões do país mais atrativas para realização de investimentos, ainda que isso dificulte suas políticas de desenvolvimento econômico. 3.3. Segurança Jurídica e Modulação de Efeitos Outro aspecto levantado na ADI 5244/PE, foi a necessidade de modulação de efeitos em caso de declaração de inconstitucionalidade do programa. Tal matéria de fato apresenta grande complexidade devido à ponderação entre diversos princípios constitucionais, como a legalidade e segurança jurídica. Como se sabe, via de regra os efeitos da declaração de inconstitucionalidade empreendida em controle concentrado possuem efeitos ex tunc e erga omnes: “O nosso modelo adota a ideia trazida pelos americanos, ou seja, em regra, a lei declarada inconstitucional é nula. Os efeitos da declaração são ex tunc, ab initio. Logo, a conversão desses efeitos em ex nunc, ou pró-futuro, é medida excepcional, consoante disciplinam o art. 27 da Lei nº 9.868/1999 e a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”[20] Por esse motivo, uma declaração de inconstitucionalidade de extensos programas de incentivos fiscais, a exemplo do Prodepe, tende a impactar negativamente diversos agentes econômicos que se beneficiaram da medida, muitas vezes por longo período de tempo, não apenas em vista do fim do benefício, mas da possibilidade de cobrança de valores pretéritos. Tal debate é ainda mais acirrado frente à proposta de súmula vinculante nº 69, de autoria do Min. Gilmar Mendes, que assim prescreve: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional”. Nesse sentido, a doutrina diverge acerca de qual posição seria mais adequada para se aplicar no caso de declaração de inconstitucionalidade, desde aqueles que pugnam pela aplicação da regra geral, quanto aqueles que defendem a convalidação dos benefícios fiscais, com modulação dos efeitos da decisão. Defendendo a primazia do princípio da legalidade, Ricardo Lodi Ribeiro defende a aplicação com efeitos retroativos ex tunc, uma vez que o princípio da segurança jurídica não pode ser invocado quando o contribuinte tinha consciência dos vícios que acometiam o benefício fiscal: “O que o princípio da segurança tutela é a boa-fé, a sinceridade de propósitos e a dignidade da confiança, e não a esperteza e a malícia inerentes a um pacto entre contribuintes e governantes que, quase sempre, foram alertados quanto à ilegitimidade dos benefícios fiscais e acreditam na impunidade na coibição dessas, em detrimento dos demais integrantes do mercado que não tiveram acesso aos requisitos legais encomendados, e dos demais Estados que vêem sua arrecadação esvaziada por tais manobras. Ademais, a tutela desse tipo de isenção desarma o sistema constitucional de controle da guerra fiscal, viabilizando um quadro, que atualmente se verifica, de completo abandono da legalidade na concessão de favores fiscais, concedidos atualmente por decretos individualizados e despachos em processos administrativos, acabando por gerar lesão à moralidade administrativa, à isonomia, à livre concorrência e à impessoalidade. (…) Por todos esses motivos, a ponderação entre a segurança do contribuinte com a legalidade e o princípio da conduta amistosa dos entes federativos, conspira contra a manutenção de incentivos fiscais no ICMS sem aprovação do CONFAZ, onde dificilmente deve ser reconhecida a proteção da confiança legítima”.[21] Por outro turno, sabe-se que é possível haver modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade por dois fundamentos, estabelecidos no art. 27 da Lei nº 9.868/99: segurança jurídica e excepcional interesse social. No que tange ao primeiro, diversos autores se manifestam pela necessidade de tutelar a legítima confiança do contribuinte na fruição de benefícios fiscais que, muitas vezes, foram determinantes para seus investimentos no Estado concedente. Humberto Ávila afirma que mesmo diante de atos inconstitucionais ou ilegais, a depender das peculiaridades do caso concreto, a que ele denomina de base de confiança, é possível haver primazia à segurança jurídica do contribuinte: “A tese aqui defendida é no sentido de que o que caracteriza a base é a sua aptidão para servir de fundamento para o exercício dos direitos de liberdade e de propriedade, e não os requisitos objetivos que ela possua. Isso ficará claro quando da demonstração de que os atos administrativos inválidos e as leis inconstitucionais, editados em desconformidade com os requisitos objetivos para a sua edição, da mesma forma, podem gerar confiança digna de proteção.(…) Ocorre, porém, que o exame jurisprudencial (…) revela que a base de confiança é merecedora de confiabilidade mesmo quando possui determinadas características que, à primeira vista, parecem desqualificá-la como fonte produtora de confiança. Afirma-se, por exemplo, que uma lei inconstitucional ou um ato nulo não geram confiança. Mas se o particular, em função da lei ou do ato, terminou atuando durante longo tempo, não sendo mais possível reverter o estado em que se encontra, mesmo assim não há proteção? Se o particular só agiu porque foi induzido pelo Estado por meio do próprio ato que, mais tarde, veio a ser considerado nulo, e o fez de maneira dispendiosa, por longo período e por meio de uma estreita cooperação com o Estado na realização de finalidades públicas, ainda assim não há proteção?”[22] Segundo o autor, diversos critérios devem ser levados em consideração diante da decisão por se aplicar ou não a tutela da legítima confiança, e não aplicar simplesmente o raciocínio dicotômico entre ato constitucional/inconstitucional. Tendo em vista ser o Prodepe um programa de incentivos fiscais em vigor há mais de uma década, além de ter caráter oneroso por trazer várias condições específicas para sua concessão, é defensável a existência de base de confiança que legitima a modulação de efeitos para o futuro, em caso de declaração de inconstitucionalidade. Lucas Bevilacqua também defende a utilização desse critério: “O grau de onerosidade é outro fator que deve ser levado em conta na aferição da proteção da confiança na medida em que deverão ser diretamente proporcionais, isto é, quanto maior a onerosidade, maior deve ser a proteção da confiança”.[23] Contudo, em 11 de março de 2015, o STF firmou, por maioria, entendimento em caso análogo pela realização da modulação de efeitos. Tratou-se da ADI nº 4481/PR, em que se questionava a constitucionalidade de programa de incentivos fiscais implementado à revelia do Confaz. Adotando sua jurisprudência pacificada, os benefícios concedidos por lei sem prévia autorização do Conselho foram julgados inconstitucionais, contudo os efeitos da decisão foram prospectivos (ex nunc), a partir da data do julgamento: “TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. (…) 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento”. (ADI 4481, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015) Da leitura do julgado verifica-se que o principal critério utilizado para determinar a modulação dos efeitos foi o temporal. No caso, a norma do estado do Paraná vigorava há mais de oito anos. É de se esperar, portanto, que igual entendimento seja aplicado eventualmente ao Prodepe, tendo em vista estar em vigor há mais tempo ainda. Todavia, é importante registrar as críticas realizadas pelo voto divergente do Min. Marco Aurélio, que adota tese similar à de Ricardo Lodi Ribeiro, citada anteriormente, para negar manutenção de efeitos quando evidente a inconstitucionalidade dos benefícios concedidos: “É menoscabo à Carta da República editar uma lei como essa, em conflito evidente com a Constituição, já que a sujeição ao convênio unânime nela está em bom vernáculo, para chegar-se ao benefício, e, então, simplesmente, apostar-se na morosidade da Justiça, que, em um futuro próximo, acomodará a situação. Não se estimulam, dessa forma, os cidadãos em geral a respeitarem o arcabouço normativo constitucional em vigor. Ao contrário, em quadra muito estranha, incentiva-se a haver o desrespeito e, posteriormente, ter-se o famoso jeitinho brasileiro, dando-se o dito pelo não dito, o errado pelo certo.” Registre-se ainda a tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 54/2015, já aprovado no Senado Federal, que pretende convalidar os benefícios fiscais irregulares atualmente existentes, por meio de convênio celebrado pelo Confaz com quórum reduzido de “dois terços das unidades federadas” ou ainda de “um terço das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do País”. Conclusões Da análise realizada pode-se depreender que, acaso mantida a tendência conservadora da jurisprudência do STF, os incentivos fiscais impugnados na ADI nº 5.244/PE e em todas as outras ações análogas serão reputados inconstitucionais. Todavia, fica evidente que a questão da concessão de benefícios à revelia do Confaz não é questão trivial. Diferentes parâmetros constitucionais devem ser levados em consideração antes da aplicação pura e simples da letra fria da lei e da constituição. A necessária consecução dos objetivos fundamentais da república, estabelecidos no art. 3º da Carta Magna, entre eles a redução das desigualdades regionais, leva a indagar até que ponto é razoável retirar do mundo jurídico programas de incentivos fiscais que, segundo estudos econômicos, de fato aparentam alcançar melhorias no quadro social, em especial na geração de emprego e renda. Frise-se que os Estados que mais utilizam benefícios fiscais tidos como inconstitucionais são os que possuem menor representatividade no PIB e por isso têm mais premente necessidade de criar mecanismos para atrair investimentos, enquanto, ao revés, o Estado que mais se opõe a tais concessões de benefícios é justamente o mais desenvolvido, qual seja, São Paulo. Tudo isso deve ser ponderado levando-se em conta que os amplos programas de benefícios fiscais, atualmente sofrendo controle de constitucionalidade no STF, possuíam quase que total inviabilidade de serem aprovados pelo procedimento regular, afinal a Lei Complementar de regência exige quórum demasiadamente exagerado de unanimidade de todos os 26 Estados e Distrito Federal. Crê-se que ao menos a modulação de efeitos relativa à manutenção dos benefícios fiscais já concedidos pelo Prodepe será efetuada, devido ao longo período de gozo e a jurisprudência recente do STF. Todavia, deve-se ter em mente que o julgamento da ADI nº 5244/PE pode ser afetado pelo PLP nº 54/2015, que prevê a convalidação de benefícios fiscais concedidos até a eficácia da lei resultante, inclusive mantendo os respectivos programas por vários anos. Também pode ser afetado pelo julgamento da ADPF nº 198/DF, que busca retirar o quórum de unanimidade exigido pela Lei Complementar nº 24/75. Se julgada procedente, é provável que igualmente haja a realização de convênios de convalidação no âmbito do Confaz. Logo, embora à primeira vista seja claro o resultado do julgamento da referida ação direta, a questão possui complexidade que desborda a mera aplicação de um requisito formal procedimental, qual seja, a existência de convênio prévio. Demanda-se, dessa forma, uma análise holística de todos os demais aspectos de relevância igualmente constitucional, que podem ser afetados.
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Aspectos polêmicos acerca da restituição do indébito em tributos indiretos
Este trabalho se propõe a pesquisar a jurisprudência acerca da legitimidade ativa para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos, e os desdobramentos disso. Analisamos se o posicionamento jurisprudencial promove, na prática, a efetivação do direito de repetição de indébito e se está de acordo com a Constituição Federal. Para tanto, fazemos um breve relato histórico da evolução jurisprudencial sobre o assunto, e, posteriormente, estudamos as consequências do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Nossa pesquisa tem por objetivo realizar uma releitura do dispositivo legal que trata do tema (artigo 166 do Código Tributário Nacional), através de uma interpretação conforme a Constituição e à luz da razoabilidade. Ressaltamos a importância dos princípios sob um viés pós-positivista e contemporâneo. Após a exposição dos conceitos de institutos correlatos ao tema, partimos para a construção de uma nova visão do assunto, fornecendo argumentos para chegarmos à conclusão sobre a necessidade de uma possível superação de precedente, visando evitar barreiras ao direito de repetição do indébito.
Direito Tributário
Introdução O tema proposto é acentuadamente polêmico e possui grande relevância social e econômica, uma vez que os tributos indiretos representam considerável fonte de arrecadação do Estado e a interpretação da matéria possui alto grau de dificuldade, apresentando divergências doutrinárias, especialmente no tocante à legitimidade ativa. Nosso estudo tem por objetivo principal abordar tais divergências, mostrar o posicionamento jurisprudencial, suas consequências, e fornecer argumentos para uma possível superação de precedente, à luz da razoabilidade e da interpretação conforme a Constituição. A presente pesquisa é bibliográfica e jurisprudencial. Inicialmente investigamos a jurisprudência dos tribunais superiores acerca da questão problema objeto de nosso estudo. Posteriormente, pesquisamos bibliografia referente à temática em pauta. Nossa pesquisa foi feita em doutrina, artigos científicos, dissertações, teses e revistas científicas. Utilizamos o método hipotético-dedutivo e o historicismo crítico. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite a legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito tributário, sob o argumento que o referido contribuinte não integra a relação jurídica tributária pertinente. A egrégia corte atribui a referida legitimidade apenas ao contribuinte de direito, desde que comprove não ter repassado o encargo financeiro a terceiro, ou esteja por este autorizado a ser ressarcido caso tenha repassado tal encargo. Este posicionamento gerou severas críticas dos estudiosos sobre o tema. Diante desse entendimento exageradamente positivista, em determinadas situações acaba por não haver a restituição do indébito. É possível ainda que, mediante os excessivos empecilhos impostos, não haja legitimados para pleitear o indébito, culminando no enriquecimento indevido do Estado e oneração excessiva ao contribuinte, bem como violação ao direito fundamental de inafastabilidade da apreciação jurisdicional, configurando também verdadeira afronta a outros preceitos constitucionais. Percebemos que, em determinadas situações, até mesmo a Fazenda Pública pode ser prejudicada. Desta forma, o que motivou o presente estudo foi a indignação com a sensação de injustiça cometida com o contribuinte, tanto de direito quanto de fato, e que pode acabar prejudicando até mesmo o Estado. Não há razoabilidade em se manter um posicionamento que prejudique o contribuinte e o próprio Estado. Não há razoabilidade em se manter um posicionamento que retira do contribuinte o direito de reclamar uma lesão, afrontando, dentre outros princípios, o princípio da vedação ao enriquecimento indevido e o princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional, preconizado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Assim, nossa pesquisa estuda as consequências do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema em voga, e busca fundamentos para a superação do entendimento dos tribunais superiores acerca da questão, procurando um posicionamento mais justo, razoável e eficiente, tanto para o contribuinte quanto para o Estado, em conformidade com a Constituição Federal e com a razoabilidade. Para tanto, o primeiro capítulo de nosso estudo traz a conceituação de institutos correlatos ao tema, cuja exposição é essencial para a correta compreensão do assunto em debate.  No segundo capítulo, adentramos de vez à questão problema, analisando a restituição do indébito em tributos indiretos, a questão no Código Tributário Nacional (artigo 166), a súmula 546 do Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência acerca do tema. No terceiro capítulo analisaremos o projeto de Lei Complementar 167/2012, que visa alterar a redação do artigo 166 do Código Tributário Nacional. Por fim, o quarto capítulo nos fornece argumentos para uma possível superação de precedente, chegando-se à conclusão que seria mais razoável uma releitura do artigo 166 do Código Tributário Nacional, no sentido de conferir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito, realizando uma interpretação conforme a Constituição Federal para atender ao que preceitua um Estado Democrático de Direito. Vale frisarmos que nossa singela conclusão não visa fornecer uma solução definitiva ao tema, em razão de sua complexidade. Trata-se de uma possível interpretação conforme a Constituição do artigo 166 do Código Tributário Nacional, à luz da razoabilidade, procurando contribuir para os estudos acadêmicos sobre a polêmica questão problema de nosso estudo. 1   TRIBUTAÇÃO INDIRETA 1.1. Metodologia da pesquisa Antes de adentrarmos propriamente no exame da legislação e do posicionamento dos tribunais superiores acerca da restituição do indébito tributário em tributos indiretos, bem como nas polêmicas inerentes ao tema, entendemos necessário explorar, ainda que superficialmente, alguns institutos jurídicos. Trazer tais conceitos é importante para, num segundo momento, verificarmos eventuais injustiças cometidas pelo legislador e pelos tribunais, obviamente contrárias ao que prega a boa aplicação do Direito, que em sua essência deve ser justo. 1.2. Conceito de tributo Sumariamente, urge ressaltarmos os motivos e a importância da tributação, instituto essencial à existência do Estado. Pagar tributo é um ônus atribuído à sociedade para promover sua organização e manutenção, viabilizando as políticas públicas. Como nos ensina Leandro Paulsen[1], “resta clara a concepção da tributação como instrumento da sociedade quando são elencados os direitos fundamentais e sociais e estruturado o estado para que mantenha instituições capazes de proclamar, manter e assegurar tais direitos”. Assim, podemos afirmar que o Estado institui tributos com a finalidade principal de obter recursos ao Erário, para que possa desenvolver suas atividades e satisfazer o interesse público. Nesse sentido, Jonathan Barros Vita[2] aduz que: “Os tributos são formas artificiais de duplicação de operações neste (sub) sistema social, sendo versões descondicionalizadas da programação jurídica internalizadas pelo sistema econômico na forma de programas de propósito específico, viabilizando a autopoiesisdeste sistema”. Posto isto, passemos à análise do conceito de tributo. O professor Leandro Paulsen[3] conceitua tributo da seguinte maneira: “Cuida-se de prestação em dinheiro exigida compulsoriamente pelos entes políticos de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele sua capacidade contributiva ou sua vinculação a atividade estatal que lhe diga respeito diretamente, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado ou para o financiamento de atividades ou fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado ou por terceiros no interesse público”. Para obter o tributo, valendo-se de suas prerrogativas de Direito Público, o Estado promulga uma lei, que onera ao particular a obrigação de recolher ao Fisco certa quantia pecuniária em razão da ocorrência de determinado fato gerador do tributo. O conceito legal de tributo é trazido pelo artigo terceiro do Código Tributário Nacional, onde se lê que tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Quando o conceito legal estabelece que o tributo é prestação pecuniária, está esclarecendo que não pode ser pago em trabalho ou em produtos. Em regra, o tributo deve ser pago em moeda corrente ou equivalente. O termo “prestação compulsória” estipula que o pagamento do tributo é obrigatório, independente da vontade do particular. Vale ressaltar ainda que tributo não constitui sanção de ato ilícito, de forma que sua incidência não ocorre em razão de ato antijurídico. A cobrança do tributo se faz mediante atividade administrativa plenamente vinculada, visando atender ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Não existe discricionariedade na cobrança. Dessa forma, ocorrido o fato gerador o agente público deve realizar o lançamento e cobrar o valor devido, isso quando não couber ao próprio contribuinte realizar o lançamento por homologação. Por fim, é importante frisar o princípio da legalidade tributária, consubstanciado no artigo 150, I, da Constituição, que veda aos entes federados instituir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Tal preceito é também aduzido pelo artigo 97 do Código Tributário Nacional. Sobre o referido princípio, nos ensina Hugo de Brito Machado[4]: “Realmente, é induvidoso que, se somente a lei pode criar, somente a lei pode aumentar, a não ser nas hipóteses ressalvadas pela própria Constituição. Admitir, fora dessas hipóteses, que o tributo pode ser aumentado por norma inferior é admitir que essa norma inferior modifique o que em lei foi estabelecido, o que constitui evidente absurdo”. Assim, quando se trata de tributação, como regra, apenas a lei possui legitimidade para estipular tributos, alterá-los, regulamenta-los e, de maneira geral, tratar da relação jurídico-tributária. É por este motivo que eventual cobrança tributária sem previsão legal ou em dissonância com a lei deve ser restituída, conforme veremos em momento mais oportuno de nosso estudo. 1.3. Elementos da relação jurídico-tributária Este item de nosso estudo, por si só, também é muito abrangente e demandaria uma monografia inteira para abordar a fundo todos os seus aspectos. Como este não é o objeto de nosso estudo, analisaremos aqui superficialmente os institutos correlatos, a fim de fornecer apenas um panorama geral da situação para trilhar o caminho até onde pretendemos chegar com nossa pesquisa. A lei estabelece que são apenas dois os sujeitos que formam a relação tributária, quais sejam, sujeito ativo e sujeito passivo. O sujeito passivo é aquele obrigado ao pagamento do tributo, podendo ser contribuinte ou responsável. Já o sujeito ativo é, nos termos do Código Tributário Nacional, a pessoa jurídica de direito público titular de competência para exigir o cumprimentoda obrigação tributária. Tais conceitos são definidos nos artigos 119 e 121 do Código Tributário Nacional: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento. Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Antes de prosseguirmos, vale uma rápida observação. De acordo com o citado diploma legal, sujeito ativo é o titular da competência tributária. Devemos frisar que, tecnicamente, essa afirmação é incorreta. O termo “competência tributária” significa o poder de criar tributos. A constituição federal é que atribui esse poder aos entes federados. Assim, o exercício da competência tributária pressupõe o exercício da capacidade legislativa. Por isso o termo “competência tributária” deve ser entendido como a capacidade de criar normas. Portanto, competência tributária é diferente de capacidade tributária ativa. Este sim seria o termo técnico correto para designar-se ao sujeito ativo da obrigação tributária, pois significa o poder de ser sujeito ativo de uma relação jurídico-tributária e pode ser delegada a terceiro, diferente da competência tributária. Feita esta observação, podemos concluir que sujeito ativo é aquele que possui capacidade tributária ativa, ou seja, tem poder de exigir prestação pecuniária do sujeito passivo. O sujeito passivo é aquele que possui o dever de cumprir a obrigação tributária. A sujeição passiva é dividida entre sujeito passivo contribuinte e sujeito passivo responsável, conforme preconiza o artigo 121 do Código Tributário Nacional. Contribuinte é aquele que tem relação direta e pessoal com o fato gerador da obrigação tributária. Já o responsável não pratica o fato gerador, possuindo relação indireta com tal fato. Analisaremos mais a frente a classificação do contribuinte em contribuinte de direito e contribuinte de fato. Tal diferenciação é feita na tributação indireta, cerne de nosso trabalho. Em síntese, antecipamos nesse item que contribuinte de direito é o responsável pelo tributo, ao passo que contribuinte de fato é aquele que arca com a repercussão econômica do tributo. O responsável é identificado a partir do estudo da responsabilidade tributária. A responsabilidade pode ser direta (também chamada de responsabilidade por solidariedade) ou indireta. A responsabilidade direta está expressa no artigo 124 do Código Tributário Nacional, que preconiza: “Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem”. A responsabilidade indireta consiste no dever de recolhimento do tributo por outra pessoa que não o contribuinte. A responsabilidade indireta subdivide-se entre responsabilidade por substituição e responsabilidade por transferência. Na responsabilidade indireta por substituição a lei impõe que a obrigação nasça na pessoa do substituto (é o terceiro vinculado de forma indireta ao fato gerador). Já na responsabilidade por transferência a obrigação tributária surge no nome do contribuinte, porém, ocorre um evento que transfere a terceiro a obrigação de pagar o tributo. São modalidades de tal responsabilidade a responsabilidade dos sucessores, a responsabilidade de terceiros e a responsabilidade por infrações, previstas entre os artigos 129 a 138 do Código Tributário Nacional. Em apertada síntese, esses são os elementos da relação jurídico-tributária e algumas de suas modalidades. Não aprofundamos o estudo nas modalidades de sujeição passiva por questão de foco em nosso tema. Conforme alhures dito, destacamos apenas superficialmente os institutos correlatos, a fim de fornecer um panorama geral da situação e dar sustentação ao nosso estudo para trilhar o caminho até onde pretendemos chegar com nossa pesquisa. Dessa forma, o importante no presente tópico é percebermos que a ação de repetição do indébito é composta pelos mesmos sujeitos que formam a relação jurídico-tributária. A diferença é que na cobrança tributária o sujeito ativo é o ente público detentor da capacidade tributária ativa e o sujeito passivo é o contribuinte ou responsável, ao passo que na repetição do indébito o sujeito ativo é o contribuinte ou responsável e o sujeito passivo é o ente público. A princípio, parece fácil a análise da relação jurídica na repetição do indébito. Todavia, a discussão se torna muito mais complexa quando passamos a estudar tal relação sob a ótica dos tributos indiretos, conforme veremos a seguir. 1.4 Conceito de tributação indireta e direta Há grande variedade de classificação de tributos existentes em nosso ordenamento pátrio. Em meio a essa diversidade, nos ateremos a analisar a classificação que interessa ao objetivo de nossa pesquisa, abordando a classificação dos tributos quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômico-financeiro. Nesse contexto, tributos indiretos são aqueles que, por sua própria natureza, permitem haver o repasse do encargo econômico-financeiro a um terceiro que não faça parte diretamente da relação tributária. Nesse sentido, nos ensina Ricardo Alexandre[5]que “são indiretos os tributos que, em virtude de sua configuração jurídica, permitem a translação do seu encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela defina em lei como sujeito passivo”. Assim, o valor do tributo pago é embutido no preço do produto, de modo que o consumidor final desse produto arque com o custo do tributo. Exemplo típico é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) pago pelos lojistas, que repassam ao consumidor final o gasto com esse tributo, agregando ao preço da mercadoria o valor despendido no referido imposto. É a partir daí que surgem os conceitos de contribuinte de fato (consumidor final) e contribuinte de direito (lojista). Dentre os tributos, é na modalidade “impostos” que, em certos casos, é possível identificar tais espécies de contribuinte. Cláudio Carneiro[6] aduz que: “Os impostos indiretos são aqueles em que o contribuinte de direito é diferente do contribuinte de fato. São aqueles que incidem sobre o contribuinte de direito que, por sua vez, transfere o encargo fiscal a uma pessoa alheia à relação jurídica tributária, usualmente chamada de contribuinte de fato.” Por outro lado, os tributos diretos caracterizam-se por não admitirem a transferência do encargo econômico-financeiro, de forma que tal encargo é suportado pelo sujeito que pratica o fato gerador ou é eleito pela lei tributária. Eduardo Sabbag[7] diferencia impostos diretos e impostos indiretos da seguinte forma: “Imposto direto é aquele que não repercute, uma vez que a carga econômica é suportada pelo contribuinte, ou seja, por aquele que deu ensejo ao fato imponível (exemplos: IR, IPTU, IPVA, ITBI, lTCMD etc.). Por outro lado Imposto Indireto é aquele cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato gerador. Vale dizer que, no âmbito do imposto indireto, transfere-se o ônus para o contribuinte de fato, não se onerando o contribuinte de direito (exemplos: ICMS e IPI). Em resumo, enquanto o imposto direto é aquele em que não há repercussão econômica do encargo tributário, tendo ‘a virtude de poder graduar diretamente a soma devida por um contribuinte, de conformidade com sua capacidade contributiva’, o imposto indireto é aquele em que o ônus financeiro do tributo é transferido ao consumidor final, por meio do fenômeno da repercussão econômica, não ligando ‘o ônus tributário a um evento jurídico ou material e não dispondo de um parâmetro direto para apurar a capacidade econômica do contribuinte”. A classificação tributária em direta e indireta apenas nos serve para distinguir os tributos tecnicamente aptos a transferir seu encargo financeiro, pois na prática, sob um viés estritamente financeiro, qualquer tributo poderia ensejar tal transferência. Por isso a doutrina nos afirma que a simples transferência do encargo financeiro, por si só, não caracteriza o tributo como indireto. Aliás, é o que nos ensina Ricardo Alexandre[8]: “O ICMS é um tributo cujas configurações constitucional e legal estabelecem que a pessoa nomeada contribuinte (o comerciante) repassa para uma outra (o consumidor) o ônus econômico do tributo. São claras as presenças do contribuinte de direito (o comerciante) e o de fato (o consumidor), de forma que este sofre o impacto do tributo – que tem seu valor oficialmente embutido no preço pago –, enquanto aquele faz o recolhimento do valor recebido. O tributo é indireto”. O professor continua seus ensinamentos nos dizendo que: “No caso do imposto de renda, não há previsão de transferência oficial do encargo para os consumidores. A pessoa que obtém a renda é que teoricamente sofre o respectivo ônus. Na prática, entretanto, a empresa beneficiada pelo rendimento acaba repassando o valor do tributo a ser pago para o preço dos bens ou serviços que vende. Há a repercussão econômica do tributo, mas não o que se poderia chamar de repercussão jurídica, somente verificada nos casos em que há previsão normativa da oficial transferência do encargo. O tributo é considerado direto.” Assim, concluímos que a simples transferência do encargo financeiro, consubstanciando a mera repercussão econômica, não caracteriza o tributo como indireto. Este somente é verificado quando existe o que se chama de repercussão jurídica, concretizada quando há previsão normativa da oficial transferência do encargo. Atualmente, possuem repercussão jurídica, havendo a possibilidade de caracterizarem-se como indiretos, os seguintes impostos: imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS), imposto sobre produtos industrializados (IPI) e imposto sobre serviços (ISS). 1.5 Contribuinte de direito e contribuinte de fato Sob uma perspectiva econômica, contribuinte é quem arca com o encargo financeiro do tributo. Sob um viés jurídico, contribuinte é a pessoa que realiza o fato gerador do tributo, ocupando a sujeição passiva tributária. É a partir dessa interação entre os planos jurídico e econômico que surgem as noções de contribuinte de fato, construída a partir de um viés econômico, e contribuinte de direito, construída a partir de um viés jurídico. Os conceitos de contribuinte de fato e contribuinte de direito, conforme já vimos, são aplicados mediante situações de tributação indireta. Nelas, o ônus financeiro do tributo pode ser repassado a um terceiro. Assim, o sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte de direito)repassa o valor pago pelo tributo a terceiro (contribuinte de fato), que acaba por suportar o encargo tributário. Tal fenômeno pode ocorrer no imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), imposto sobre produtos industrializados (IPI) no imposto sobre serviços (ISS). Nesse sentido, Ricardo Alexandre[9]aduz que: “No que concerne à obrigação tributária principal, deve-se tomar cuidado com uma palavra que se consagrou e passou a ser utilizada de maneira atécnica (…). Trata-se da palavra contribuinte (…). Assim, o sujeito que compra uma mercadoria qualquer arca com o ônus do ICMS e é, por isso, chamado de contribuinte. O problema é que o sujeito passivo da obrigação de recolher o ICMS da operação é o comerciante e não o consumidor. A relação jurídico-tributária se instaura tendo, no polo ativo, o Estado e, no polo passivo, o comerciante, legalmente definido como contribuinte. Por tudo isso, hoje se fala em contribuinte de fato e em contribuinte de direito. No primeiro conceito estão enquadradas as pessoas que sofrem a incidência econômica do tributo (no exemplo dado, o consumidor), mesmo que formalmente não integrem a relação jurídico-tributária instaurada; no segundo caso, está enquadrada parte das pessoas que ocupam o polo passivo da relação jurídico-tributária (no exemplo, o comerciante), sendo obrigadas a efetivamente pagar o tributo ou penalidade pecuniária (nas obrigações acessórias a classificação não é aplicável).” Importante frisarmos mais uma vez que pela intrínseca e inevitável ligação com o conceito de tributação indireta, os ditos contribuinte de direito e contribuinte de fato só são diferenciados quando ficar caracterizada a repercussão jurídica do tributo, conforme vimos no tópico anterior de nosso trabalho. A repercussão jurídica se configura quando a legislação acerca de determinado tributo prevê a possibilidade de transferência de seu ônus financeiro. Assim, percebe-se que não basta a mera repercussão econômica, mas também é necessária a repercussão jurídica para caracterizar a tributação indireta e, consequentemente, os contribuintes de fato e de direito. 2. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM TRIBUTOS INDIRETOS 2.1. Conceito de restituição do indébito Para compreendermos a restituição do indébito em tributos indiretos, necessária se faz a análise do instituto da restituição do indébito. O Código Tributário Nacional trata do assunto em seu artigo 165, e nos apresenta a seguinte redação: “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”  Em suma, depreendemos do supracitado dispositivo que o sujeito passivo da obrigação tributária tem direito à restituição do tributo pago indevidamente ou a maior que o devido, seja qual for a modalidade do seu pagamento. Assim, é atribuído ao Fisco o dever de restituir o indébito. Podemos definir indébito tributário como sendo todo valor recolhido indevidamente pelo Fisco, em razão de alguma ilegalidade, algum erro de cálculo, ou até mesmo por reconhecimento de decisão judicial. Devemos lembrar que a restituição, total ou parcial do tributo, também enseja os juros de mora e as penalidades pecuniárias, na mesma proporção, nos termos do artigo 167 do Código Tributário Nacional. O tributo é prestação pecuniária compulsória instituída em lei (artigo terceiro do Código Tributário Nacional). Logo, sujeito passivo que paga tributo indevido ou maior que o devido legalmente estipulado acaba satisfazendo prestação pecuniária sem fundamento legal, e por isso tem direito ao ressarcimento. Constatada a ilegalidade da cobrança realizada, surge o direito de restituição. Ao pagar tributo indevido, o contribuinte sofre lesão em sua propriedade. Assim, surge o direito de ressarcimento à quantia paga indevidamente. Nesse sentido, Marcelo Fortes de Cerqueira[10] aduz que: “Nasce a obrigação efectual de devolução do indébito no preciso instante em que se concretiza, no campo das experiências sociais, o evento do pagamento indevido. O evento do pagamento indevido, por si só, já basta para a produção de efeitos jurídicos. É o marco a partir do qual já existem direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos (direito subjetivo do particular de exigir a restituição do tributo indevidamente recolhido e dever jurídico de o Estado devolvê- lo, respectivamente)”. Verifica-se também que o referido dispositivo combate o enriquecimento ilícito do Estado, de forma que aquele que pagou, a título de tributo, um valor indevido, tem direito a restituição do indébito. Nesse sentido, explica Ricardo Alexandre[11]: “É cediço em direito que quem pagou o que não era devido possui direito à restituição. O fundamento da regra é princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, pois não é justo que alguém obtenha um aumento patrimonial sem que tenha ocorrido para tanto, sendo apenas beneficiário de erro de outrem”. Assim, verificado o recolhimento indevido, surge o direito de restituição do indébito. Importante frisar que, conforme o artigo 165 do Código Tributário Nacional, a restituição independe de prévio protesto, uma vez que a obrigação tributária tem como fonte a lei. Percebemos que os dois principais argumentos que justificam o direito à restituição do indébito são o princípio da legalidade tributária e a proibição do enriquecimento sem causa. Devemos ressaltar que a mera ilegalidade da cobrança, por si só, já é motivo suficiente para haver a restituição, independente de existir ou não enriquecimento indevido do Fisco ou empobrecimento do particular. É o que preconiza Andréa Medrado Darzé[12]: “Com efeito, não se pode condicionar o direito à repetição à prova do efetivo empobrecimento do sujeito passivo tributário ou de qualquer outra pessoa envolvida, de forma mais ou menos direta, com o pagamento de tributo sem fundamento de validade, legal ou factual. Em nossa singela opinião, atitude como esta implica o estabelecimento de requisito novo, não previsto pela Constituição da República, que prescreve expressamente que somente é legítima a exigência de tributos nos patamares definidos pela lei”. Para o particular, a legalidade significa dizer que lhe é permitido fazer tudo que a legislação não proíba. Já para o Estado, a legalidade significa dizer que é lícito fazer apenas aquilo que a lei permita. Assim, quando é cobrado valor sem previsão legal ou cobrado a maior que o limite legal, o enriquecimento indevido do Estado caracteriza sua ilicitude. Isso impede que o Fisco realize cobranças indevidas.  Nos tributos diretos a restituição do indébito é simples, de modo que quem paga valor indevido ou maior que o devido tem direito a ser restituído pelo Fisco. A polêmica gira em torno da restituição nos tributos indiretos. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, apenas o contribuinte de direito possui legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, desde que comprove não ter repassado o encargo financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a receber o ressarcimento. Suponhamos que um lojista (contribuinte de direito) tenha pagado a título de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) o valor de quinhentos reais, incluindo este valor no preço final do produto vendido ao consumidor final (contribuinte de fato). Posteriormente, descobre-se que a correta carga tributária seria duzentos reais, em razão de alíquota que fora cobrada acima do limite legal. Nesse panorama, percebemos que, de acordo com a jurisprudência, quem realmente arcou com o ônus financeiro do tributo (contribuinte de fato) não possui legitimidade para pleitear a restituição do indébito, mesmo havendo a repercussão jurídica, que como vimos é a existência de previsão normativa da oficial transferência do encargo. Assim, o direito fundamental da inafastabilidade da apreciação jurisdicional é violado, além dehaver enriquecimento sem causa do Estado. Em suma, eis a questão problema de nosso estudo, que esmiuçaremos mais a frente. 2.2. O tema no Código Tributário Nacional A restituição do indébito em tributos indiretos é tratada no Código Tributário Nacional, em seu artigo 166: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”. Nas palavras de Luciano Amaro[13]: “O preceito reporta-se aos chamados "tributos indiretos", que, incidindo embora sobre o contribuinte "A" (dito contribuinte de direito), repercutem financeiramente sobre um terceiro (o chamado contribuinte de fato), que acaba suportando o ônus do tributo, embutido geralmente no preço de bens ou serviços”. Devemos ressaltar que ao utilizar o termo “por sua natureza” o Código Tributário Nacional faz remissão aos tributos indiretos, de forma que não basta a mera repercussão econômica do tributo para caracterizá-lo como indireto, devendo haver também a repercussão jurídica, conforme nos ensina Ricardo Alexandre[14]: “Ao se referir aos tributos que comportem, por sua natureza, a repercussão econômica, o CTN adota a definição de tributo indireto esposada nesta obra. Assim, não basta que seja possível a repercussão econômica, pois, conforme afirmado, tal possibilidade existe praticamente em todo tributo. É necessário que as normas que disciplinam o tributo prevejam a possibilidade oficial de transferência do encargo. Trata-se da repercussão jurídica e não apenas da repercussão econômica.” Este é o posicionamento da doutrina majoritária e da jurisprudência, no sentido de reconhecer a aplicação do supracitado enunciado normativo sobre tributos indiretos. Porém, a interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional é alvo de acentuada polêmica, havendo diversas posições doutrinárias sobre este dispositivo legal. Conforme preconiza Andréa Medrado Darzé[15], as principais interpretações doutrinárias são nos seguintes sentidos: “Solução Interpretativa no 1º: O artigo 166 do CTN é inconstitucional, não devendo por esta razão ser aplicado em qualquer caso. Solução Interpretativa nº 2: O presente artigo é constitucional ainda que venha a representar efetivo obstáculo à restituição. Isso porque, na ausência de justo título que ampare tanto o Estado quanto o sujeito passivo do tributo, deve prevalecer o princípio da supremacia do interesse público, incorporando-se as quantias indevidamente recolhidas ao Erário. Solução Interpretativa nº 3: O referido enunciado normativo é constitucional desde que se restrinja a sua aplicação aos tributos indiretos. Solução Interpretativa n 4: É legítima a aplicação do artigo 166 do CTN apenas aos casos em que há repercussão jurídica, o que ocorreria: – exclusivamente nas hipóteses de substituição tributária; – apenas nas situações em que o tributo é lançado e destacado em documento fiscal; – nas hipóteses de substituição tributária e quando o tributo é lançado e destacado em documento fiscal; e – nos tributos incidentes sobre o consumo.” No tocante à tese da inconstitucionalidade, a referida autora afirma que os principais argumentos de quem defende a inconstitucionalidade do dispositivo legal em tela podem ser sintetizados da seguinte maneira: “(a)O direito à restituição do indébito tributário tem fundamento na Constituição da República; (b) é vedado ao Estado enriquecer sem causa; (c) a restituição do indébito é questão jurídico-tributária divorciada do negócio jurídico de direito privado subjacente; (d) em virtude do uso, previsto na legislação, de notas fiscais simplificadas ou de máquinas registradoras, é impossível identificar o comprador que suportou o ônus do tributo, individualizando-se, assim, a restituição; (e) a exigência do art. 166 do CTN viola o princípio isonomia, impondo ao contribuinte que pagou tributo indevido, direto ou indireto, um encargo não suportado pelo contribuinte que simplesmente se absteve de recolher referido tributo; (f) Existindo o Estado sobretudo para servir à sociedade, não pode valer-se de meios reprováveis pela moral para alcançar seus objetivos, como está a fazer quando obstaculiza, na hipótese do art. 166 do CTN, a restituição do indébito sob a justificativa de evitar o locupletamento ilícito do particular.”[16] Além daqueles que defendem a inconstitucionalidade do artigo 166 do Código Tributário Nacional, há também doutrinadores que, apesar de reconhecer a constitucionalidade do referido dispositivo, alegam que somente o sujeito passivo do tributo possui legitimidade ativa para pleitear a restituição do indébito, por não reconhecerem a existência jurídica do contribuinte de fato. Nesse sentido, Andréa Medrado Darzé transcreve o posicionamento de José Eduardo Soares de Melo, que afirma: “Embora o ônus financeiro seja normalmente suportado pelo adquirente de bens/serviços, mediante pagamento de preço, a verdade é que a relação jurídica – envolvendo pagamento e recebimento do tributo – somente vinculou o contribuinte e a pessoa de direito público. Os adquirentes de bens/serviços representam figuras totalmente estranhas à relação jurídica tributária (Fisco x Contribuinte) em razão do que não possuem nenhuma legitimidade tributária para postular a repetição do indébito tributário.”[17] Em nosso entendimento, essa tese é totalmente descabida, pois viola por completo o direito fundamental de inafastabilidade da tutela jurisdicional, bem como ignora a repercussão jurídica e faz com que o contribuinte de fato seja lesado. É evidente que o contribuinte de fato não paga tributo, porém, é quem suporta o ônus financeiro do tributo indireto. Assim, não seria razoável afastar sua legitimidade ativa para pleitear repetição do indébito. Caracterizando a questão problema de nossa pesquisa, existe também a doutrina que defende que apenas o sujeito passivo do tributo (contribuinte de direito) tem direito de requerer a restituição do indébito, desde que não tenha transferido o encargo financeiro do tributo a terceiro, ou, caso o tenha transferido, haja prévia autorização do terceiro (contribuinte de fato) a receber o ressarcimento. Lamentavelmente é este o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Em nosso sentir, o presente entendimento se equivoca, em meio a outras razões, porque admite a existência do contribuinte castrado, “já que, teoricamente, seria titular de um direito, mas não o poderia exercer diretamente”.[18] Contrariando as demais correntes, existe a doutrina que confere legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito. É a esta tese que nos filiamos. Alfredo Augusto Becker[19] é um dos doutrinadores que defendem a legitimidade ativa do contribuinte de fato, aduzindo que: “(…) o contribuinte de jure não tem legitimidade para pedir a restituição do tributo por ele pago indevidamente (exclusivamente) no caso de repercussão jurídica do tributo, isto é, quando a lei outorga ao contribuinte de jure o direito de reembolso ou retenção do tributo perante uma terceira pessoa”. Analisadas as principais correntes doutrinárias, faremos uma exposição do que seria a correta interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional em nosso entendimento. Retornaremos ao assunto também no capítulo 4. Extraímos do referido dispositivo que a restituição do indébito de tributos indiretos é condicionada à comprovação de existência de transferência do encargo financeiro ou de expressa autorização pelo terceiro que assumiu o encargo. A jurisprudência dos tribunais superiores se faz no sentido que apenas o contribuinte de direito possui a supracitada legitimidade ativa, que fica condicionada à comprovação de ter repassado o encargo financeiro do tributo ao contribuinte de fato, ou estar por este expressamente autorizado a pleitear o ressarcimento. Tal argumento é sustentado pelo Superior Tribunal de Justiça sob a justificativa de o contribuinte de fato não fazer parte da relação jurídico-tributária. Aprofundaremos o estudo da jurisprudência no momento oportuno. Com tal posicionamento dos tribunais, o consumidor final (contribuinte de fato) que arca indevidamente com uma cobrança tributária fica impossibilitado de pleitear diretamente junto ao Fisco a restituição do indébito, pois depende da boa vontade do comerciante (contribuinte de direito), que pode não ter interesse em ajuizar a ação de restituição, vez que não obteve prejuízo ao repassar o encargo financeiro do tributo. Contudo, em nosso sentir, a redação do artigo 166 do Código Tributário Nacional é ambígua acerca da legitimidade ativa para pleitear a restituição do indébito. A interpretação pode ser feita no sentido de que é possível a restituição ao contribuinte de fato, desde que este “prove haver assumido o referido encargo”, nos termos do próprio dispositivo. Em nossa interpretação, o dispositivo legal em tela apenas nos diz que o legitimado a pleitear o ressarcimento deve ser quem suportou o encargo financeiro. Nesse sentido, também pensam alguns doutrinadores, tal como Ricardo Alexandre[20]: “Há entendimento doutrinário segundo o qual o art. 166, do CTN, ao facultar a restituição do tributo “a quem prove haver assumido o referido encargo”, possibilitaria que o contribuinte de fato, de posse de documento que comprove ser ele o real atingido pelo ônus do tributo (nota fiscal), estaria legitimado a pleitear a restituição. Esta é a interpretação que mais se coaduna com os ideais de justiça, propiciando àquele que efetivamente foi lesado a possibilidade de reparação direta do seu prejuízo”. O referido autor se posiciona a favor da legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito. Também entendemos ser esse entendimento o mais razoável, por se aproximar mais aos ideais de moral, institucionalismo e justiça, pois geraria o ressarcimento a quem realmente foi lesado. Aprofundaremos o estudo sobre esses institutos no item 4.2 de nosso estudo, ao analisarmos, em nosso sentir, a correta interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional, à luz dos princípios constitucionais e dos ideais supracitados. Ainda, tal entendimento seria mais benéfico também à coletividade e ao próprio Estado, pois contribuiria para a celeridade dos processos, evitando demandas desnecessárias, atendendo ao princípio constitucional da eficiência da prestação dos serviços públicos. Adentraremos nesse assunto mais a frente em nossa pesquisa, no tópico específico. Apesar do entendimento do professor Ricardo Alexandre, aqui exposto para corroborar nosso pensamento, devemos frisar mais uma vez que a doutrina se divide, e reconhecemos que a corrente à qual nos filiamos é minoritária. Paulo de Barros Carvalho[21] afirma que: “Assim é que a norma veiculada pelo artigo 166, do Código Tributário Nacional, não pode ser aplicada de maneira isolada; há de integrar-se com todas as regras do sistema, sobretudo com as veiculadas pelos artigos 121, 123 e 165, do Código Tributário Nacional. Em nenhuma delas está consignado que o terceiro que arque com o encargo financeiro do tributo possa ser contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário tem direito à repetição de indébito e, via de consequência, só a ele é atribuído legitimidade processual para tal empreendimento”.  Nosso estudo constatou que doutrina majoritária concorda com o posicionamento jurisprudencial sobre o tema, argumentando que apenas o contribuinte de direito faz parte da relação jurídico-tributária, e, consequentemente, apenas este teria legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito, sob a condicionante de comprovar a não transferência do ônus financeiro a terceiro ou receber sua autorização (do terceiro que arcou com o referido ônus) para restituição. Como percebemos, a interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional é acentuadamente polêmica e gera divergências entre a opinião dos doutrinadores. Em nosso sentir, a doutrina que defende a legitimidade ativa do contribuinte de fato é mais acertada, conforme tentamos demonstrar no transcorrer do presente estudo. Por fim, a título de complemento, para concretizar a análise do artigo 166, devemos ressaltar um termo que gera dúvidas. O termo “restituição de tributos” nos remete, num primeiro momento, à ideia de crédito em dinheiro, isto porque a repetição do indébito tributário é gênero, que possui a restituição e a compensação como modalidades. Em síntese, na restituição o particular recebe o crédito em pecúnia, ao passo que, na compensação, o crédito é compensado com um débito. Doutrina majoritária e jurisprudência coadunam no sentido de o artigo 166 do Código Tributário Nacional abranger tanto a restituição quanto a compensação, conforme se depreende, dentre outros julgados, do Recurso Especial 1366622, de São Paulo. Portanto, quando nos referirmos à restituição do indébito no presente estudo, devemos compreender “restituição” no sentido amplo, abarcando tanto restituição quanto compensação do crédito advindo do indébito. 2.3. Súmula 546 do Superior Tribunal Federal Interpretando o artigo 166 do Código Tributário Nacional, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 546, aduzindo que “cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”. Desta forma, mesmo com a alusão “a quem prove haver assumido referido encargo”, feita pelo artigo 166 do Código Tributário Nacional, o atual entendimento da jurisprudência é que apenas o contribuinte de direito possui legitimidade ativa para pleitear a repetição de indébito em tributos indiretos, desde que prove não ter repassado ao contribuinte de fato o ônus financeiro do referido tributo, ou, no caso de tê-lo transferido, estar expressamente autorizado a recebê-lo. Este também é o entendimento doutrinário majoritário, como observamos pelo posicionamento de Paulo de Barros Carvalho[22] “[…] só o contribuinte tributário tem direito à repetição de indébito e, via de consequência, só a ele é atribuído legitimidade processual para tal empreendimento. Advirta-se que o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a impossibilidade desse terceiro vir a integrar a relação consubstanciada na prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade processual. Resulta dessas considerações que é ao sujeito passivo da obrigação tributária, ou responsável, que realizou o evento jurídico do pagamento indevido, que pertence o direito subjetivo de figurar no polo ativo do liame da devolução do indébito tributário”. Destarte, conforme vimos, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça, através do artigo 166 do Código Tributário Nacional e da súmula 546 do Supremo Tribunal Federal, é no sentido de não atribuir legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos. Única exceção à regra, onde é atribuída a supracitada legitimidade ativa ao contribuinte de fato, é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) de energia elétrica e de fornecimento de água, conforme perceberemos no próximo tópico da pesquisa, ao analisarmos a jurisprudência sobre o assunto. 2.4. Posicionamento dos tribunais superiores acerca da legitimidade Realizando uma breve análise histórica da restituição do indébito em tributos indiretos, percebemos que no passado não havia nenhuma possibilidade de tal restituição, conforme se compreende da súmula 71 do Supremo Tribunal Federal, datada de dezembro de 1963, que aduz o seguinte: “Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”. À época o Supremo era responsável pela análise de matéria infraconstitucional federal, pois ainda não havia sido criado o Superior Tribunal de Justiça. A Suprema Corte justificava tal entendimento argumentando que o contribuinte que praticou o fato gerador, recolheu o tributo indireto e repassou o encargo financeiro do tributo a terceiro não possuiria legitimidade para pleitear restituição, pois não sofre as consequências da exação. Dizia-se que entre haver locupletamento indevido do Estado ou do particular, era preferível que houvesse tal locupletamento do Estado, pois assim ao menos o enriquecimento indevido reverteria em prol da sociedade. Esta súmula foi alvo de muitas críticas, que debruçavam-se em alegar que tal entendimento era um estímulo à cobrança de tributos indevidos, ferindo os princípios da legalidade tributária, da moralidade, entre outros. Nesse contexto, foi reaberto o debate acerca legitimidade para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos.   Avançando em seu entendimento, em 1969 o Supremo editou a súmula 546, conforme já vimos, conferindo apenas ao contribuinte de direito a legitimidade ativa para pleitear a restituição do indébito tributário. Percebemos que, historicamente, a jurisprudência sempre impôs empecilhos à restituição de tributos indiretos, seja pelo Supremo Tribunal Federal, quando a este cabia dar a ultima palavra sobre legislação federal, seja pelo Superior Tribunal de Justiça, que atualmente possui tal competência. Até o início dos anos 2000, o Superior Tribunal de Justiça convivia com dois entendimentos, no sentido de conferir legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos[23]e no sentido de conferir legitimidade ativa também ao contribuinte de direito, desde que comprovado o não repasse do encargo financeiro do tributo ao contribuinte de fato, ou estar por este autorizado a receber a restituição.[24] Assim, o Superior Tribunal de Justiça conferia legitimidade tanto ao contribuinte de direito quanto ao contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito em tributos indiretos. Em razão da multiplicidade de recursos sobre o tema, a matéria foi submetida ao procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil de 1973, à época vigente. Assim, o Recurso Especial 903394, de Alagoas, julgado em sede de recurso repetitivo, no ano de 2010, serviu como parâmetro para outras lides. Foram analisados vinte acórdãos do Superior Tribunal de Justiça relacionados ao tema, publicados entre 2012 e 2016, todos fazendo menção ao supracitado Recurso Especial. Por isso o utilizamos como referência em nossa pesquisa para representar a jurisprudência contemporânea sobre o assunto e estudá-lo a fundo. Importante frisar também que, apesar da posição consubstanciada no referido julgado em sede de recurso repetitivo, posteriormente foram proferidas isoladas decisões em sentido contrário[25], atribuindo legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos ou incidências indiretas. Essas decisões que contrariam o recurso paradigma acerca do tema foram poucas, mas demonstram a falta de uniformidade nas decisões do Superior Tribunal de Justiça e evidenciam o quanto a questão é polêmica. Feita esta observação, devemos concluir que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, construído em sede de recurso repetitivo, é no sentido de, como regra, negar legitimidade ativa ao contribuinte de fatopara pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, sob o principal argumento que o contribuinte de fato não integra a relação jurídica tributária pertinente. Em razão da importância do posicionamento explicitado no Recurso Especial 903394, julgado em sede de recurso repetitivo e que serve de parâmetro para julgamentos acerca do tema, julgamos necessário transcrever os principais trechos do referido Recurso Especial, de relatoria do ministro Luiz Fux: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IPI. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS. CONTRIBUINTES DE FATO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUJEIÇÃO PASSIVA APENAS DOS FABRICANTES (CONTRIBUINTES DE DIREITO). RELEVÂNCIA DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA DO TRIBUTO APENAS PARA FINS DE CONDICIONAMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE DE JURE À RESTITUIÇÃO (ARTIGO 166, DO CTN). LITISPENDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO. 1.O "contribuinte de fato" (in casu, distribuidora de bebida) não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito relativo ao IPI incidente sobre os descontos incondicionais, recolhido pelo "contribuinte de direito" (fabricante de bebida), por não integrar a relação jurídica tributária pertinente. (…) 4. Em se tratando dos denominados "tributos indiretos" (aqueles que comportam, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro), a norma tributária (artigo 166, do CTN) impõe que a restituição do indébito somente se faça ao contribuinte que comprovar haver arcado com o referido encargo ou, caso contrário, que tenha sido autorizado expressamente pelo terceiro a quem o ônus foi transferido. 5. A exegese do referido dispositivo indica que: "…o art. 166, do CTN, embora contido no corpo de um típico veículo introdutório de norma tributária, veicula, nesta parte, norma específica de direito privado, que atribui ao terceiro o direito de retomar do contribuinte tributário, apenas nas hipóteses em que a transferência for autorizada normativamente, as parcelas correspondentes ao tributo indevidamente recolhido: Trata-se de norma privada autônoma, que não se confunde com a norma construída da interpretação literal do art. 166, do CTN. É desnecessária qualquer autorização do contribuinte de fato ao de direito, ou deste àquele. Por sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o indébito, desde que já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco. No entanto, note-se que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o Estado, por não ter com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte tributário a restituição daqueles valores. A norma veiculada pelo art. 166 não pode ser aplicada de maneira isolada, há de ser confrontada com todas as regras do sistema, sobretudo com as veiculadas pelos arts. 165, 121 e 123, do CTN. Em nenhuma delas está consignado que o terceiro que arque com o encargo financeiro do tributo possa ser contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário tem direito à repetição do indébito. Ademais, restou consignado alhures que o fundamento último da norma que estabelece o direito à repetição do indébito está na própria Constituição, mormente no primado da estrita legalidade. Com efeito a norma veiculada pelo art. 166 choca-se com a própria Constituição Federal, colidindo frontalmente com o princípio da estrita legalidade, razão pela qual há de ser considerada como regra não recepcionada pela ordem tributária atual. E, mesmo perante a ordem jurídica anterior, era manifestamente incompatível frente ao Sistema Constitucional Tributário então vigente." (Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390/393) 6. Deveras, o condicionamento do exercício do direito subjetivo do contribuinte que pagou tributo indevido (contribuinte de direito) à comprovação de que não procedera à repercussão econômica do tributo ou à apresentação de autorização do "contribuinte de fato" (pessoa que sofreu a incidência econômica do tributo), à luz do disposto no artigo 166, do CTN, não possui o condão de transformar sujeito alheio à relação jurídica tributária em parte legítima na ação de restituição de indébito. 7. À luz da própria interpretação histórica do artigo 166, do CTN, dessume-se que somente o contribuinte de direito tem legitimidade para integrar o pólo ativo da ação judicial que objetiva a restituição do "tributo indireto" indevidamente recolhido (Gilberto Ulhôa Canto, "Repetição de Indébito", in Caderno de Pesquisas Tributárias, n° 8, p. 2-5, São Paulo, Resenha Tributária, 1983; e Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390/393). 8. É que, na hipótese em que a repercussão econômica decorre da natureza da exação, "o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a impossibilidade desse terceiro vir a integrar a relação consubstanciada na prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade processual”(Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário – Linguagem e Método", 2ª ed., São Paulo, 2008, Ed. Noeses, pág. 583).  (60 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 903.394/AL, Relator: Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Dje. 24.03.2010. Disponível em . Acesso em 26/11/2015. ) . (grifo nosso). Assim, percebemos que o contribuinte de fato não possui legitimidade para pleitear repetição do indébito. Este é o posicionamento aplicado atualmente pelo Superior Tribunal de Justiça, como regra. Em nosso estudo, encontramos apenas uma exceção, qual seja, a restituição do indébito na incidência de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) em casos onde há concessão de serviço público, nas peculiares relações envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor.Nessa hipótese a egrégia corte atribui legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito. Esta exceção se configura como um gênero que, em nossa interpretação, pode desdobrar-se em situações peculiares. Em nossa pesquisa na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, encontramos duas situações de tributação indireta que admitem legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear o indébito. A primeira situação é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) cobrado sobre a demanda contratada e não utilizada de energia elétrica (a exemplo do Recurso Especial 1299303, de Santa Catarina). A segunda situação é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) cobrado sobre o serviço público de fornecimento de água (a exemplo do Recurso Especial 1349196, do Rio de Janeiro). Nessas situações, caracterizado o indébito, o contribuinte de fato possui legitimidade ativa para pleitear o ressarcimento. Urge sempre ressaltarmos que o Recurso Especial 1299303 foi julgado em sede de recurso repetitivo, servindo de parâmetro para inúmeros casos semelhantes. Aliás, a restituição do indébito a contribuinte de fato em imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) nas cobranças indevidas de energia elétrica é a situação excepcional mais corriqueira, comumente julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. Apesar de termos encontrado apenas essas duas situações excepcionais em nossa pesquisa, em nossa modesta interpretação o Superior Tribunal de Justiça abre brecha para outros casos de concessão de serviço público onde o contribuinte de fato possui legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito. Vejamos: “(…) Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébitona qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energiaelétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e nãoutilizada” (Recurso Especial 1299303). (grifo nosso). Percebemos também esta abertura no seguinte trecho da ementa do Recurso Especial 1349196: “Tratando-se de serviço público prestado mediante concessão doPoder Público (Lei n. 8.987/95), decidiu a Primeira Seção que o usuário tem legitimidade para pleitear a repetição de indébito deICMS. Aplicação, por analogia, do entendimento sufragado no RESP 1.299.303/SC” (art. 543-C do CPC). Importante salientarmos também outro importante julgado encontrado em nossa pesquisa no tocante às situações excepcionais, onde o consumidor final possui legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito.Achamos interessante citar este julgado, de relatoria do Ministro Herman Benjamim, em razão de sua fundamentação ao justificar a legitimidade ativa do consumidor. Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça entende, pela leitura do artigo 166 do Código Tributário Nacional, não ser obrigatória a transferência do encargo financeiro do tributo. Porém, em determinadas situações envolvendo concessão de serviço público a transferência do supracitado encargo é obrigatória. Sendo a concessionária obrigada a repassar o encargo, não se aplica a regra do artigo 166. O fato de o repasse ser obrigatório atribui legitimidade ativa ao consumidor para ajuizar a ação de repetição de indébito. Nesse caso, o consumidor deixaria de ser contribuinte de fato, se tornando contribuinte de direito. Assim entendeu o Ministro Herman Benjamin, no Recurso Especial 1278688, do Rio Grande do Sul: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA CONTRATADA.LEGITIMIDADE ATIVA PROCESSUAL DO CONSUMIDOR. ICMS. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE ENERGIA EFETIVAMENTE CONSUMIDA.  (…) 4. Diferentemente das fábricas de bebidas (objeto do repetitivo), as concessionárias de energia elétrica são protegidas contra o ônus tributário por disposição de lei, que permite a revisão tarifária em caso de instituição ou aumento de imposto (exceto o incidente sobre a renda). 5. A lei federal impõe inquestionavelmente ao consumidor o ônus tributário, tornando-se nebulosa a aplicação da alcunha de "contribuinte de fato". Isso porque a assunção do ônus do imposto não se dá pelo simples repasse de custos, típico de qualquer relação empresarial, mas decorre de manifesta determinação legal. O consumidor é atado à exigência tributária por força de lei (art. 9º, § 3º, da Lei 8.987/1995).  6. A rigor, a situação de consumidor aproxima-se muito, se é que não coincide, com a de substituído tributário. De fato, a concessionária, tendo reconhecido legalmente o direito de repassar o ônus de impostos ao consumidor em relação a produto essencial, e não sendo inibida por pressão concorrencial, age como substituto tributário, sem qualquer interesse em resistir à exigência ilegítima do Fisco. 7. Inadmitir a legitimidade ativa processual em favor do único interessado em impugnar a inválida cobrança de um tributo é o mesmo que denegar acesso ao Judiciário em face de violação ao direito. 8. No mérito, o acórdão recorrido harmoniza-se com o entendimento do STJ de que o ICMS deve incidir apenas sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, ainda que seja pago preço por demanda superior.” Diante de todo o exposto, percebemos que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, como regra, é no sentido de não atribuir legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos. Tal legitimidade é atribuída apenas ao contribuinte de direito, desde que comprove não ter transferido a terceiro o encargo econômico-financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a receber o ressarcimento. Para tanto, a egrégia corte se baseia essencialmente no artigo 166 do Código Tributário Nacional e na súmula 546 do Supremo Tribunal Federal. Este posicionamento é a regra, que ocorre na esmagadora maioria dos casos. Porém, excepcionalmente, a referida corte atribui legitimidade ativa ao consumidor final para pleitear restituição do indébito em certos casos onde há concessão de serviço público, por haver repasse obrigatório do encargo financeiro do tributo, tal como ocorre na incidência de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) sobre o serviço público de fornecimento de água tratada e de fornecimento de energia elétrica. Por fim, devemos lembrar que quando há transferência do encargo econômico do tributo nos casos de retenção na fonte não se aplica o artigo 166 do Código Tributário Nacional, porque não se trata de pagamento de tributo devido em nome próprio transferindo o encargo, mas sim de pagamento de tributo devido por terceiro. Por isso o Superior Tribunal de Justiça entende que o artigo 166 do Código Tributário Nacional aplica-se apenas aos tributos sobre consumo[26]. 3. PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR 167/2012 Atualmente (Jan./2017) tramita na Câmara o Projeto de Lei Complementar 167/2012, com o escopo de alterar o artigo 166 do Código Tributário Nacional para prever a propositura de ação regressiva por outrem que provar a assunção do encargo financeiro decorrente de obrigação tributária. O projeto de lei propõe que o artigo 166 do Código Tributário Nacional passe a vigorar com a seguinte redação: “Art. 166. É parte legítima para pleitear a repetição do indébito o sujeito passivo da obrigação tributária, ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem. Parágrafo único. Quem provar a assunção do encargo financeiro referida no caput disporá de ação regressiva contra o sujeito passivo da obrigação tributária para requerer que a restituição lhe seja feita.” Neste sentido, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional concluiu que: “[…] Sob o prisma da constitucionalidade/juridicidade material da proposta de projeto de lei complementar, temos, conforme acima explicado, que o PLC em comento tem o objetivo bem específico de conferir àquele que arcar com o encargo financeiro de um tributo, seu direito de regresso perante o contribuinte de direito, para requerer que a restituição lhe seja feita. […] a proposta não altera em nada a relação jurídica tributária entre o contribuinte de direito e o Fisco. Apenas resguarda o direito do contribuinte de fato perante o contribuinte de direito, quando este tiver reconhecido seu direito à restituição de indébito perante o Fisco nas relações tributárias que envolvam tributos indiretos”.[27] O referido projeto de lei propõe que a legitimidade ativa do contribuinte de direito para pleitear restituição do indébito não mais seja condicionada à transmissão do encargo financeiro, o que inutilizaria a súmula 546 do Supremo. Propõe também, caso haja transmissão do encargo, a desnecessidade de autorização, de quem arcou com tal encargo, para que o contribuinte de direito requeira a restituição. Há ainda proposta de constar expressamente na lei a ação regressiva do contribuinte de fato contra o contribuinte de direito, para requerer a restituição. Uma contundente crítica que o Projeto de Lei Complementar 167/2012 vem sofrendo é que sua redação facilitaria o enriquecimento ilícito do contribuinte de direito, pois este poderia se valer da repetição do indébito para receber o valor em dobro. O contribuinte de direito, que repassa o encargo financeiro do tributo ao contribuinte de fato, poderia ajuizar ação de repetição de indébito sem autorização deste, de modo a receber o valor em dobro (pois repassou o encargo e receberia a restituição), caso o contribuinte de fato não se valha da ação de regresso ou sequer venha a tomar conhecimento da existência do indébito. Apesar do óbice para aprovação do referido projeto de lei, só o fato de ter havido a iniciativa de sua proposição já nos fornece indícios de que o artigo 166 do Código Tributário Nacional merece uma nova interpretação, ou até mesmo alteração, para promover a justa e correta aplicação do Direito. Isso demonstra que a repetição do indébito em tributos indiretos é um tema que carece de inovações legais e jurisprudenciais, pois está evidente que, na prática, a restituição de pagamentos indevidos em tributos indiretos é quase impraticável, em virtude das restrições estabelecidas pela interpretação jurisprudencial ao artigo 166 do Código Tributário Nacional. Esta infeliz circunstância vai de encontro a um dos principais objetivos do instituto da repetição do indébito, que é justamente evitar o enriquecimento ilícito do Estado. 4. FUNDAMENTOS PARA SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL (OVERRULING) 4.1 Contextualizando a polêmica situação da legitimidade ativa Conduzimos nossa pesquisa até aqui de forma a definir conceitos fundamentais para uma boa compreensão do assunto objeto de nosso estudo. Não foi nosso objetivo analisar minuciosamente tais conceitos, mas sim dar o suporte necessário para elucidar o tema e nossas indagações. Também expomos situações exemplificando a polêmica e o porquê de nosso posicionamento. Aprofundaremos agora nos argumentos favoráveis à superação do atual entendimento jurisprudencial acerca do polêmico tema de nosso trabalho. Conforme alhures dito, levando-se em consideração a legislação e a jurisprudência, como regra, apenas o contribuinte de direito pode pleitear a restituição do tributo pago indevidamente, desde que comprove não ter repassado o ônus financeiro do tributo a terceiro, ou no caso de tê-lo repassado, estar pelo terceiro expressamente autorizado a receber tal restituição.  Importante frisar mais uma vez que a única ressalva a isto é o caso de concessão de serviço público que apresenta obrigatoriedade de repasse do encargo financeiro do tributo, no caso do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) incidente sobre o fornecimento de energia elétrica e sobre o fornecimento de água tratada. Apenas nessas situações o consumidor final consegue pleitear a restituição do indébito.  A legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, da forma que é tratada atualmente pelo ordenamento jurídico e pelos tribunais superiores, praticamente impossibilita a restituição do indébito a quem realmente é merecedor, ou seja, o contribuinte de fato, uma vez que é este quem na realidade arca com o encargo financeiro dos tributos indiretos. É fato notório que, na prática, como regra, o contribuinte de direito acaba por embutir no valor final de seu produto o valor pago pelos tributos incidentes, de forma que o contribuinte de fato é quem assume tal encargo financeiro. Para ilustrar esta situação, tomemos um exemplo singelo, mas que nos ajuda a compreender a questão em tela. Um lojista paga ao Fisco mil reais a título de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços(ICMS), em razão de um produto adquirido por sua loja. Consequentemente, o lojista (contribuinte de direito) embute esses mil reais no preço final de venda do referido produto. Assim, quem arca com o encargo financeiro do tributo acaba sendo o consumidor final (contribuinte de fato). Imaginemos que, posteriormente, descobre-se que o Fisco daquele estado estava cobrando alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) acima do percentual permitido por lei, de forma que o valor correto do tributo deveria ser quinhentos reais. Desta forma, houve um indébito tributário, que deverá ser restituído. O lojista (contribuinte de direito) não teve prejuízo, uma vez que repassou o encargo financeiro do tributo ao consumidor final (contribuinte de fato). Quem ficou no prejuízo foi o contribuinte de fato, que pagou mais do que deveria e não pode pleitear a restituição, em razão de nossa legislação e jurisprudência, conforme vimos. Desta feita, o Estado se enriquece ilicitamente ao mesmo tempo em que o consumidor final, de mãos atadas, vê o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação jurisdicional, que também é direito fundamental, ser estraçalhado. Ora, que justiça é essa onde quem arca indevidamente com um encargo não pode pleitear sua restituição? Em razão do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o contribuinte que verdadeiramente arca com o encargo financeiro do tributo indireto fica impedido de provocar a tutela jurisdicional para afastar lesão que sofreu. O artigo 166 do Código Tributário Nacional e sua interpretação feita pelo Superior Tribunal de Justiça criam uma “inconstitucionalidade eficaz”, termo designado por Ricardo Alexandre. Imaginemos que determinado tributo foi cobrado com base em lei declarada inconstitucional. O contribuinte de direito não pede restituição do indébito, pois como já havia repassado o encargo financeiro do tributo não fica no prejuízo e não vê necessidade em pleitear tal ressarcimento. Ocorre que o contribuinte de fato, que realmente arcou com o encargo, fica impossibilitado de pleitear ressarcimento. Assim, os efeitos jurídicos de uma lei declarada inconstitucional acabam, na prática, sendo validados. Indignado com a situação, Ricardo Alexandre[28] escreve: “Assim, o consumidor ilegitimamente atingido por uma errônea cobrança do ICMS, munido de documento em que comprove ter suportado o ônus do tributo, fica absurdamente impossibilitado de obter diretamente a repetição do indébito tributário, passando a depender de uma iniciativa do comerciante (contribuinte de direito), que pode não demonstrar interesse em litigar em busca de um valor para ser repassado a terceiro.” Em nosso sentir, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do artigo 166 do Código Tributário Nacional fere princípios como a moralidade administrativa, economia processual, acesso à justiça, isonomia e vedação ao enriquecimento indevido. Contextualizada a polêmica acerca da legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, passaremos agora à análise de argumentos favoráveis a uma possível superação de entendimento jurisprudencial sobre o tema, de modo a garantir a referida legitimidade também ao contribuinte de fato. 4.2 A correta interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional à luz da Constituição Federal Ao mesmo tempo em que o dispositivo em estudo estabelece o direito à restituição do indébito, sua interpretação feita pelos tribunais impõe enormes dificuldades à efetivação desse direito ao contribuinte de direito, além de impossibilitar sua efetivação ao contribuinte de fato. Tal interpretação viola inúmeros princípios constitucionais, como por exemplo, aqueles que preceituam a inafastabilidade da apreciação jurisdicional, a isonomia e a vedação ao enriquecimento ilícito, além da razoabilidade. Em uma visão jurídica contemporânea e pós-positivista, à qual nos enquadramos, entendemos que os princípios devem prevalecer sobre as normas, pois condensam valores, dão unidade e harmonia ao sistema, atenuando tensões normativas. Assim, as normas devem trazer os valores dos princípios, e com as interpretações não é diferente. A própria constituição federal, em seu artigo 226, §3º, reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, porém, à luz de princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a isonomia, interpreta-se tal dispositivo admitindo-se não só a união estável, mas também o casamento entre pessoas do mesmo sexo. É fato notório que este é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, feito a partir de uma interpretação conforme a Constituição, levando em conta os princípios constitucionais. No caso do artigo 166 do Código Tributário Nacional não deve ser diferente. Sua interpretação também deve ser feita à luz dos princípios constitucionais. Em nosso sentir, a interpretação que melhor atenderia aos supracitados princípios constitucionais seria aquela no sentido de atribuir legitimidade ativa ao contribuinte de fato, de modo a proteger a inafastabilidade da apreciação jurisdicional, a legalidade tributária, a moralidade administrativa, entre outros princípios. Desta forma, o que pretendemos não é propor a inconstitucionalidade do dispositivo, mas sim sua releitura, fazendo uma interpretação conforme a constituição. Conforme explicitamos no item 2.2 de nosso estudo, entendemos que o artigo 166 do Código Tributário Nacional é ambíguo, de modo a comportar a interpretação que o contribuinte de fato possua legitimidade para pleitear restituição do indébito. O enunciado normativo estabelece que a restituição dos tributos indiretos somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo. Em nosso entendimento, a correta interpretação do termo transcrito se dá no sentido de permitir a abrangência do contribuinte de fato como quem prove haver assumido referido encargo. Dessa forma, quem realmente arcou com o encargo financeiro do tributo seria legitimado a pleitear restituição do indébito, havendo maior integração com o ideal de justiça. Assim também pensam autores como Ricardo Alexandre e Alfredo Becker, conforme já transcrevemos trechos de suas obras no item 2.2 de nossa pesquisa.  Há autores que, além de entender pela legitimidade ativa do contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito, também entendem não ser ônus do contribuinte (tanto de fato quanto de direito) comprovar haver assumido o encargo financeiro do tributo, sendo esse ônus da Fazenda Pública, em razão do artigo 373, II, do Código de Processo Civil (dispositivo correspondente ao artigo 333, II, do Código de 1973, que vigeu até o ano de 2015). Tal artigo preconiza que o ônus da prova incumbe “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Hugo de Brito Machado Segundo[29], fazendo referência ao Código de Processo Civil de 1973, ainda em vigência à época que escreveu sobre o tema, aduz que: “Por outro lado, é inegável que a repercussão do ônus consiste em fato extintivo ou impeditivo do direito do autor de uma ação de restituição do indébito, sendo usualmente arguida pela Fazenda, na condição de ré. Assim, em princípio, o ônus de provar a ocorrência da repercussão, se pertinente a sua invocação, seria da Fazenda, e não do autor da ação, a teor do que didaticamente dispõe o art. 333, II, do CPC”. Em sentido díspar de nosso pensamento, doutrina majoritária e jurisprudência interpretam o artigo 166 no sentido de vedar a legitimidade do contribuinte de fato para pedir restituição do indébito, sob o principal argumento que este (contribuinte de fato) não integra a relação jurídico-tributária. Ora, é óbvio que o contribuinte de fato não paga tributo. Entretanto, em nossa singela opinião, essa circunstância não é suficiente para negar legitimidade ativa ao referido contribuinte para pleitear diretamente junto ao Fisco a restituição do indébito em tributos indiretos, uma vez que é o contribuinte de fato quem arca com o encargo financeiro nesses tributos. A transferência de tal encargo ocorre, muitas vezes, em razão da própria legislação tributária. Em nosso sentir, a existência dessa regra de transferência é um argumento que afasta a interpretação do Superior Tribunal de Justiça em atribuir a referida legitimidade apenas ao contribuinte de direito. Logo, não seria razoável retirar do contribuinte de fato a supracitada legitimidade ativa. Nos casos em que a transferência do encargo ocorre em razão da própria legislação tributária, configura-se verdadeira relação jurídica, diferente da relação tributária, que em nosso sentir geraria legitimidade ao contribuinte de fato. Interpretar o artigo 166 contrariamente a isso significa praticamente impossibilitar a restituição do indébito em tributos indiretos, dando passe livre ao Estado para estabelecer tributação indevida nos tributos indiretos. Para interpretarmos corretamente o artigo 166 do Código Tributário Nacional, à luz da constituição federal, devemos levar em conta também a moral e o institucionalismo, a fim de aplicarmos o direito de maneira justa. Para compreendermos isto, utilizaremos a metáfora do caixa eletrônico, criada por Zenon Bankowski. Em síntese, Bankowski diz que qualquer sujeito que possua cartão e conta corrente em um banco é apto a realizar um saque, desde que este esteja dentro do limite do valor que o referido sujeito possua em sua conta. Porém, se esse sujeito estiver em situação de extrema urgência médica, necessitando realizar um saque em valor acima do que ele possui em conta, o caixa eletrônico irá negar o saque. Não importa quantas vezes esse sujeito tente realizar o saque ou suplique por compaixão, a resposta do caixa eletrônico será sempre a mesma, qual seja, negar o saque. Nesse contexto, Bankowski[30] explica: “Começo a argumentar com a máquina, tendo em vista que minha necessidade é urgente. Imploro para a máquina me dar, por compaixão, o dinheiro necessário para minha necessidade, mas não tenho sucesso”.     Essa metáfora exemplifica as conseqüências de uma interpretação excessivamente legalista. O direito e seus intérpretes não podem ter o mesmo comportamento do caixa eletrônico, no sentido de afirmar a existência de apenas uma interpretação possível a determinado enunciado normativo, fechando os olhos para outras possíveis interpretações, ignorando por completo as idiossincrasias de determinadas situações. Conforme exposto em nosso estudo, há situações onde a restituição do indébito em tributos indiretos torna-se impossível em razão da equivocada interpretação, excessivamente legalista, dada ao artigo 166 do Código Tributário Nacional. Em nosso entendimento, tal interpretação deve ser corrigida, por todo o exposto em nossa pesquisa. Essa correção é justificada, dentre outros fatores já expostos, também pelo institucionalismo, pensamento explicado por Marcelo de Castro Cunha Filho e Marcos Vinício Chein Feres[31]: “A insurgência de uma nova corrente de pensamento, denominada institucionalismo, defendia e ainda hoje defende, em contraposição aos moldes positivistas da ciência, um estudo teórico do direito, levando-se em consideração mais que uma mera abordagem sistemática do ordenamento. Ela propõe, além disso, uma análise dos aspectos sociais e políticos que, decisivamente, influem na compreensão das normas e de todo o fenômeno jurídico”. Assim, o institucionalismo propõe uma reconstrução normativa através de valores socialmente legitimados. A justiça, bem como a moral, são valores (socialmente legitimados) essenciais ao Estado Democrático e à correta aplicação do direito. Tais valores são deixados de lado na atual interpretação do Superior Tribunal de Justiça acerca do artigo 166 do Código Tributário Nacional, ao vedar a legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos. Nesse contexto, vale lembrarmo-nos das lições de Robert Alexy[32] sobre correção moral e a dupla natureza do direito: “Ele inclui necessariamente tanto uma dimensão real ou fática, quanto uma ideal ou crítica. O lado fático se reflete nos elementos definitórios da produção formalmente adequada e da eficácia social; o ideal, no da correção moral”. Dessa forma, concluímos que o direito possui duas dimensões. A dimensão real (também chamada de dimensão fática) consiste na produção formalmente adequada de normas socialmente eficazes. Já a dimensão ideal (também chamada de dimensão crítica) nos traz a necessidade da correção moral dessas normas e das decisões judiciais, consubstanciando a pretensão de correção do direito. Aliás, é essa pretensão de correção do direito que tentamos consolidar em nosso estudo, demonstrando a dimensão ideal do direito, segundo Robert Alexy. Sob nosso olhar, nítida é a necessidade de correção da interpretação feita pelos tribunais acerca do artigo 166 do Código Tributário Nacional, uma vez que a atual interpretação do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstramos ao longo de nosso trabalho, além de ofender a justiça e a moral, fere diversos princípios constitucionais. 4.3 Divergência sobre o tema dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça Conforme vimos no item 2.4 de nosso estudo, no início dos anos 2000, o Superior Tribunal de Justiça convivia com dois entendimentos, no sentido de conferir legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos e no sentido de conferir legitimidade ativa também ao contribuinte de direito, desde que comprovado o não repasse do encargo financeiro do tributo ao contribuinte de fato, ou estar por este autorizado a receber a restituição. Assim, o Superior Tribunal de Justiça conferia legitimidade tanto ao contribuinte de direito quanto ao contribuinte de fato para pleitear a repetição do indébito em tributos indiretos. Em razão da multiplicidade de recursos sobre o tema, a matéria foi submetida ao procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil de 1973, à época vigente.  Assim, o Recurso Especial 903394, de Alagoas, julgado no ano de 2010, fora julgado em sede de recurso repetitivo, servindo como parâmetro para outras lides. Apesar da posição consubstanciada no referido julgado em sede de recurso repetitivo, foram proferidas decisões em sentido contrário, conforme vimos no item 2.4, atribuindo legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos ou incidências indiretas. Essas decisões que contrariam o recurso paradigma acerca do tema foram poucas, mas demonstram a falta de uniformidade nas decisões do Superior Tribunal de Justiça e evidenciam o quanto a questão é polêmica. Ora, como pode a egrégia corte consolidar um entendimento em sede de recurso repetitivo, e posteriormente emanar decisões contrárias a este entendimento? Tais acontecimentos corroboram a ideia que o entendimento sobre o tema deve ser revisto, e os atuais precedentes superados, pois a matéria não está sendo interpretada da melhor maneira pelo Superior Tribunal de Justiça. Para tanto, em nosso estudo, após árduas pesquisas e desenvolvimento de raciocínio sobre o assunto, entendemos ser o melhor caminho atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos. Aliás, conforme já demonstramos, este entendimento já foi adotado, há pouco tempo, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça. 4.4 Ineficiência da tutela jurisdicional, afronta à economia processual e à isonomia O ordenamento e a jurisprudência a respeito do tema de nossa pesquisa contribuem para que o Judiciário fique cada vez mais abarrotado e a morosidade dos processos aumente substancialmente, fazendo com que o Estado preste com cada vez menos eficiência a tutela jurisdicional, prejudicando a coletividade. Assim, não se trata apenas de um problema individual, mas de um problema social, que afeta a todos. Tanto o Estado quanto a sociedade ficam prejudicados. Isto porque, havendo o repasse do encargo financeiro do tributo, o contribuinte de direito precisa primeiro ajuizar a ação de restituição contra o Estado,desde que haja autorização expressa do contribuinte de fato, para posteriormente este se valer de normas do direito privado para ajuizar ação de regresso contra o contribuinte de direito. O que poderia ser resolvido com uma só demanda é resolvido com duas demandas. O próprio Superior Tribunal de Justiça aduz que: “Por sua própria conta, poderá o contribuinte de fato postular o indébito, desde que já recuperado pelo contribuinte de direito junto ao Fisco. No entanto, note-se que o contribuinte de fato não poderá acionar diretamente o Estado, por não ter com este nenhuma relação jurídica. Em suma: o direito subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte tributário a restituição daqueles valores (Recurso Especial 903394/AL – analisado em sede de recurso repetitivo).” Portanto, quando o contribuinte de direito repassa o encargo econômico do tributo indireto ao contribuinte de fato, este deve autorizar expressamente aquele a receber a restituição em ação de indébito. Desta forma, primeiro há a ação de indébito ajuizada pelo contribuinte de direito, para só então haver a ação regressiva do contribuinte de fato contra o contribuinte de direito. Frise-se que o contribuinte de fato só poderá se valer de seu direito de regresso depois que o contribuinte de direito já houver recuperado o indébito junto ao Fisco, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça acima transcrito. Entender que o contribuinte de fato só pode receber o que pagou indevidamente depois de autorizar o contribuinte de direito a ajuizar a ação de restituição de indébito para posteriormente o Fisco realizar a restituição é extremamente inviável, desnecessário e excessivamente burocrático. Percebemos que são necessárias duas demandas para que o contribuinte de fato faça valer seu direito de ser reparado da lesão que o Estado lhe causou. Como já vimos, há situações onde o contribuinte de fato, injustamente, não consegue ser ressarcido do indébito. Na prática, são restritas as situações nas quais o contribuinte de fato consegue ser restituído e, mesmo nessas poucas situações, o referido contribuinte ainda deve enfrentar um terrível stress, gerado por toda a excessiva demora e pela desnecessária burocracia implantada pelo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. O que seria possível solucionar (a restituição do indébito) com apenas uma demanda, se o contribuinte de fato tivesse legitimidade ativa, é solucionado com duas demandas e num prazo muito maior, ferindo os princípios da economia processual, da eficiência e da duração razoável do processo. É bem verdade que são poucas as situações em que o contribuinte consegue na prática ser ressarcido, em razão dos já citados empecilhos impostos pela legislação e jurisprudência. Porém, imaginemos tais situações em grande escala Brasil afora. Certamente toma grandes proporções. Isso deixa de ser problema apenas do contribuinte de fato e se torna um problema social, uma vez que o Judiciário, que já é lento, fica cada vez mais abarrotado, aumentando ainda mais a morosidade dos processos, que já é enorme, ferindo, conforme dito, os princípios constitucionais da celeridade processual, da eficiência e da razoável duração do processo. A situação exposta também nos permite identificar afronta ao princípio constitucional da isonomia. A posição do Superior Tribunal de Justiça fornece proteção indubitavelmente mais ampliada ao contribuinte de direito que ao contribuinte de fato. Se o contribuinte de direito assume o encargo econômico do tributo, pode pleitear eventual indébito diretamente contra o Fisco. Já o contribuinte de fato, quando lhe é repassado o encargo financeiro do tributo indireto, só pode pleitear restituição de eventual indébito através de ação regressiva contra o contribuinte de direito depois que este, após receber autorização expressa do contribuinte de fato para receber o indébito, já tiver recuperado do Fisco o valor do ressarcimento. Percebemos ainda que o contribuinte de fato fica refém do contribuinte de direito, pois aquele somente obterá sua restituição se este ajuizar a ação de indébito contra o Fisco. Por todo o exposto, percebemos nítida afronta ao princípio constitucional da isonomia. O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema não proporciona sequer a igualdade formal, tampouco igualdade material. 4.5 Afronta ao direito fundamental da inafastabilidade da apreciação jurisdicional e enriquecimento ilícito do Estado O posicionamento jurisprudencial acerca da legitimidade ativa para restituição do indébito em tributos indiretos fere frontalmente o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação jurisdicional. O artigo 5º, XXXV, de nossa magna carta, preconiza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Urge asseverar que tal dispositivo é um direito fundamental, e como tal não poderia, em hipótese alguma, ser cerceado. Tal direito é afastado tanto do contribuinte de direito quanto do contribuinte de fato. Conforme já analisamos, de acordo com a jurisprudência, interpretando o artigo 166 do Código Tributário Nacional e a súmula 546 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao contribuinte de direito pleitear a restituição do indébito tributário, desde que o referido contribuinte comprove não ter repassado o ônus financeiro do tributo, ou esteja ele autorizado pelo terceiro que arcou com o ônus a receber a restituição. Ocorre que, na prática, a tarefa de identificar e localizar o contribuinte de fato é extremamente dificultosa, e nem sempre se concretiza. Ainda, a principal prova de não ter havido repasse do ônus financeiro se faz através de perícia contábil, quando o contribuinte de direito demonstra que “não houve alteração dos preços no caso de criação ou aumento de tributo, tendo-se operado a absorção do citado aumento pela própria margem de lucro do produto ou do serviço”.[33] Porém, tal método de prova não é capaz de retratar a realidade de maneira absoluta em todas as situações. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado Segundo[34] aduz que: “Há casos em que o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) e o imposto sobre serviços (ISS) podem não ser considerados tributos indiretos, o que ocorre, por exemplo, quando seu preço não se relaciona diretamente com o preço da mercadoria ou do serviço disponibilizado ao consumidor final. É o que ocorre, v.g., com o imposto sobre serviços (ISS) cobrado em quota fixa das sociedades de profissionais e com o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) cobrado, também em valor fixo, de estabelecimentos submetidos a regime especial (…) Ainda nos casos em que o tributo é calculado tendo por base o valor da operação tributada, não se mostra seguro aferir a repercussão do ônus financeiro através de simples perícia contábil. É que os preços de mercado sofrem oscilações oriundas de vários fatores, de modo que pode perfeitamente haver uma situação na qual o preço da mercadoria sofra um aumento, mantendo-se estável a carga tributária, e vice-versa.” Também criticando a eficiência da perícia contábil, Andréa Medrado Darzé[35] ressalta que: “A despeito de reconhecermos que a presente prova é indiciária da ausência de repercussão econômica, não concordamos que se trate de prova concludente. Isso porque o preço das mercadorias ou serviços pode variar por inúmeros fatores, não se podendo afirmar, com segurança, que nesses casos houve efetiva assunção do ônus pelo contribuinte de direito”. Isso posto, concluímos que em inúmeras situações a perícia contábil ou quaisquer outros meios, tais como tabelamento de preço, manutenção de bens em estoque, entre outros, utilizados para analisar se houve a transferência do encargo financeiro do tributo podem chegar à conclusão que o contribuinte de direito repassou o encargo ao consumidor final (contribuinte de fato), quando na verdade tal transferência não ocorreu. Nessas situações o contribuinte não consegue pleitear a restituição do indébito, é lesado e o Estado acaba se enriquecendo ilicitamente, pois não devolve o indébito. O artigo 165 do Código Tributário Nacional (preconiza o direito de restituição do indébito) e o direito fundamental de inafastabilidade da apreciação jurisdicional acabam sendo violados. Tomemos consciência do enorme absurdo presente nessas situações. O Estado se enriquece ilicitamente lesando o contribuinte. Este não consegue ter seu direito lesado apreciado pelo Judiciário, uma vez que a legislação veda sua legitimidade ativa em razão da não comprovação da ausência de repasse do ônus financeiro do tributo. Ora, como os meios de prova não fornecem certeza nos resultados e há excessiva dificuldade em se comprovar que o contribuinte não fez o repasse do ônus financeiro do tributo a terceiro, como pode o Estado exigir que o contribuinte faça essa comprovação? Há situações mais complexas, onde a comprovação de não repasse do valor do tributo ao consumidor final é impossível ser feita com exatidão. Logo, não é razoável que se retire do contribuinte (tanto de direito quanto de fato) a legitimidade para pleitear a restituição do indébito. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado Segundo[36] afirma que: “A principal consequência na visão hoje dominante na jurisprudência, éexigir-se do contribuinte, dito contribuinte de direito, a prova de que não repassou o valor do tributo ao consumidor final, contribuinte “de fato”. Não efetuada a prova, considera-se que o contribuinte não tem legitimidade para pleitear a restituição, ainda que tenha sido efetivamente indevido o pagamento. Opera-se o locupletamento sem causa do Estado, sob a já apontada justificativa de que ele seria preferível ao locupletamento sem causa do particular, o contribuinte de direito”. Diante dessas situações, podemos pensar: se for dada legitimidade ativa ao contribuinte de direito independente de este conseguir provar que não realizou a transferência do encargo financeiro do tributo a terceiro, pode ser que o contribuinte de direito se locuplete indevidamente, pois se agir de má-fé pleiteando tal ressarcimento e já houver repassado o encargo a terceiro, ocorrerá o enriquecimento ilícito.  Dessa forma, o contribuinte de direito, estando de má-fé, repassaria o encargo a terceiro e ainda seria ressarcido pelo Estado, “lucrando” indevidamente duas vezes. Inclusive, esse raciocínio foi um dos argumentos para edição da súmula 71 do Supremo, já superada, que vedava restituição de tributos indiretos, embora pagos indevidamente. O Supremo justificava tal súmula alegando ser preferível o locupletamento sem causa do Estado do que o locupletamento indevido do particular, vez que ao menos o enriquecimento indevido do Estado se reverte em favor da sociedade. Em nosso sentir, o posicionamento mais ponderado e razoável seria um meio termo entre os extremos. Não gerar enriquecimento indevido do Estado nem do particular. Em nosso modesto entendimento, a solução mais razoável seria atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, vez que é este quem arca com o encargo financeiro do tributo indireto. Pois bem. Apenas o contribuinte de direito possui legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, desde que comprove não ter transferido o encargo financeiro a terceiro, ou, tendo transferido, que possua sua autorização para receber o ressarcimento. Do modo que a situação é tratada hoje pela jurisprudência, percebemos que havendo indébito em tributos indiretos, as chances de, na prática, haver restituição, são mínimas. Quando o contribuinte de direito não repassa o ônus financeiro a terceiro, as chances de haver repetição do indébito são mínimas, em virtude da extrema dificuldade que, conforme vimos no decorrer de nossa pesquisa, o contribuinte de direito encontra em provar que não realizou a transferência do ônus financeiro do tributo. Não realizada tal comprovação, não há legitimados para pleitear o ressarcimento, e o Estado se enriquece indevidamente. Quando o contribuinte de direito repassa o ônus financeiro a terceiro, as chances de haver repetição do indébito também são mínimas, em virtude da falta de legitimidade ativa do contribuinte de fato, que fica refém da boa vontade do contribuinte de direito, uma vez que somente este, com autorização daquele, pode pleitear a repetição do indébito, para só então o contribuinte de direito repassar (se é que realmente repassará) esse valor ao contribuinte de fato. Nem sempre o contribuinte de direito demonstra essa boa vontade, pois não teria nada a ganhar, sob o aspecto financeiro, com a iniciativa de ajuizar ação de repetição de indébito. Pelo contrário, teria despesas com advogado e custas processuais. Logo, nessas situações, também o Estado acaba se enriquecendo indevidamente às custas do particular. Percebemos que o atual posicionamento jurisprudencial abre enormes brechas para o enriquecimento indevido do Estado. Pelo exposto, o posicionamento mais sensato, em nosso sentir, seria atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato. Dessa forma, não haveria enriquecimento indevido do Estado em face do particular, o que consubstancia mais um argumento a favor da atribuição da legitimidade ativa ao contribuinte de fato. Atribuindo legitimidade ativa ao contribuinte de fato, a única injustiça que poderia ocorrer seria o contribuinte de fato, de má-fe, pleitear restituição do indébito de tributo que não lhe tenha sido transferido o encargo financeiro. Nesse caso, a restituição deveria ser feita ao contribuinte de direito. Assim, este deveria se valer de direito de regresso contra o contribuinte de fato, resolvendo-se a questão a partir de normas do direito privado. Porém, entendemos que tal hipótese dificilmente aconteceria na prática, pois o contribuinte de direito quase sempre repassa o encargo, e mesmo que acontecesse, dos males o menor: antes abrir brecha para a remota hipótese de enriquecimento indevido de um particular sobre outro particular, sendo combatida através do direito de regresso, do que permitir o enriquecimento indevido do Estado sobre o particular em corriqueiras situações, sem a possibilidade de direito de regresso. Analisamos até aqui a violação ao direito de inafastabilidade da apreciação jurisdicional dando maior ênfase ao contribuinte de direito. Ademais, devemos relembrar que o contribuinte de fato também tem este direito fundamental violado. Uma vez que não é atribuída legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do que ele pagou indevidamente, este fica de mãos atadas, encurralado, pois não lhe é atribuído direito de ação contra o Estado por lesão a direito, qual seja, a repetição do indébito. Assim, nosso ordenamento, bem como a jurisprudência, acabam por excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão a um direito, indo de encontro ao que preceitua a constituição federal.  É inadmissível que o princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional seja visto como um direito meramente formal. É preciso que legislação e jurisprudência zelem pela efetivação desse princípio, que não deve ser violado. Assim também pensa Marcelo Novelino[37]: “A lei maior consagrou expressamente este princípio ao estabelecer que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV). Por sua imprescindibilidade para a efetiva participação do cidadão na vida social, o direito de acesso à jurisdição não pode ser visto como um direito meramente formal. Conforme observa Luiz Guilherme Marinoni (2006), “obstáculos econômicos e sociais não podem impedir o acesso à jurisdição, já que isso negaria o direito de usufruir de uma prestação social indispensável para o cidadão viver harmonicamente na sociedade”.  A interpretação do Superior Tribunal de Justiça dada ao nosso ordenamento jurídico não atribui legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos. Lembremos ainda que, conforme alhures dito, há situações onde nem o contribuinte de direito nem o contribuinte de fato possuem legitimidade ativa para pleitear tal ressarcimento, caracterizando cristalina violação ao direito fundamental de acesso à justiça. Tal interpretação impossibilita os contribuintes de exercerem seus direitos. Como se não bastasse, a Fazenda ainda lucra indevidamente em razão disso. Nesse sentido, vale a pena citarmos o voto de Aliomar Baleeiro, ao julgar o Recurso Especial 45977, do Espírito Santo. Naquela época, mesmo sob a égide da súmula 71 do Supremo Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro já criticava restrições excessivas ao direito de repetição do indébito tributário: “(…) não se pode negar a nocividade, do ponto de vista ético e pragmático, duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor do direito a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao progresso do direito e a realização da ideia força de justiça.” Como já vimos, os meios para verificar se houve transferência do encargo financeiro do tributo não são completamente confiáveis. Assim, pode ser que o contribuinte de direito não consiga comprovar que não transferiu tal ônus ao contribuinte de fato, ficando impossibilitado de pleitear a repetição do indébito. Nessas situações o Fisco cobra indevidamente determinada quantia e não há legitimados para pleitear o ressarcimento, o que caracteriza verdadeiras aberrações jurídicas, onde Estado se enriquece ilicitamente às custas do contribuinte ao mesmo tempo em que afronta a inafastabilidade da apreciação jurisdicional. O discurso de que o “é preferível o Estado se locupletar indevidamentedo que o particular”, que fundamentava a súmula 71 do Supremo Tribunal Federal, não prospera mais. A supremacia existente é do interesse público, e não do interesse do Estado. Certamente não é de interesse público que particulares sejam lesados em prol do enriquecimento indevido do Estado. Diante de todo o exposto, percebemos que não atribuir legitimidade ativa ao contribuinte de fato para buscar ressarcimento do indébito nos tributos indiretos é injusto tanto sob um viés social, vez que gera injustiças e pode prejudicar até mesmo a própria Fazenda Pública, quanto jurídico, pois pode gerar enriquecimento indevido do Estado e viola o direito fundamental de acesso à justiça. Se fosse atribuída legitimidade ativa tanto ao contribuinte de fato quanto ao contribuinte de direito, não haveria essa lamentável situação na qual o Estado se enriquece indevidamente por não haver legitimados, uma vez que, como vimos, há casos em que o contribuinte de direito não consegue comprovar não ter feito a transferência do encargo financeiro a terceiro. 4.6 O Estado sendo prejudicado Conforme já expomos, o fato de o Superior Tribunal de Justiça conferir legitimidade para pleitear repetição do indébito tributário em tributos indiretos apenas ao contribuinte de direito também traz prejuízos ao Estado. Elucidaremos agora tais possibilidades. Atualmente, a legitimidade do contribuinte de direito para pleitear o indébito em tributos indiretos é condicionada à comprovação de não ter repassado o encargo financeiro a terceiro, ou, caso tenha repassado, à expressa autorização deste para receber o indébito. Ocorre que demonstramos em nosso estudo a falta de confiabilidade nos meios de comprovação para verificação se realmente houve ou não a transferência do encargo. Assim, pode ser que na perícia contábil, ou em qualquer outro meio de prova utilizado para verificação da transferência, conste que houve repasse do encargo, quando na realidade não ocorreu este repasse. Nesse caso, o contribuinte fica prejudicado por não ser possível pleitear o indébito, que de fato ocorreu. Porém, é possível haver erros para os dois lados, tanto do contribuinte quanto do Estado. Existe também a possibilidade de a perícia, ou qualquer outro meio de prova utilizado, chegar à equivocada conclusão que o contribuinte de direito não realizou a transferência do encargo financeiro, quando na verdade tal transferência ocorreu. Assim, o contribuinte de má-fé consegue pleitear a restituição do indébito, e o Estado acaba realizando uma restituição indevida. Nesse caso, o Estado sai prejudicado por restituir ao contribuinte um valor indevido. Já vimos também, no item 4.4 de nosso estudo, que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da legitimidade para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos contribui para que o Judiciário fique cada vez mais abarrotado. Isto aumenta ainda mais a morosidade no julgamento dos processos. Partindo do pressuposto que é dever e interesse do Estado prestar seus serviços com eficiência à sociedade, ao haver aumento da morosidade dos processos em consequência do abarrotamento do judiciário, o Estado também sai prejudicado nesse sentido, com a interpretação do egrégio tribunal acerca da supracitada legitimidade. 4.7 Afronta ao postulado da proporcionalidade/razoabilidade A rigor, a proporcionalidade não é um princípio, mas sim um postulado normativo. Postulados são delimitados por metanormas, que caracterizam-se por serem normas que tratam de aplicações de outras normas, de modo a estabelecer formas de raciocínio e de argumentação entre elas, desenvolvendo o raciocínio dos princípios e regras. Nessa toada, Marcelo Novelino[38]nos ensina que o postulado opera “como uma estrutura complexa de raciocínio jurídico, cujo sentido é delimitado por metanormas (normas que tratam da aplicação de outras normas) mais concretas e específicas”. Importante salientarmos que doutrina e jurisprudência majoritárias coadunam no sentido de entenderem por sinônimos os termos “proporcionalidade” e “razoabilidade”. Este também é nosso entendimento. Assim, sempre que nos referirmos à proporcionalidade estaremos nos referindo também à razoabilidade, e vice-versa. A proporcionalidade não deve ser ponderada em face a outros princípios, pois deve ser utilizada quando há um ato estatal, como por exemplo uma lei ou uma interpretação do Judiciário em determinado caso concreto. Esse ato será proporcional se passar pelo crivo das três metanormas delimitadoras da proporcionalidade. Afinal, conforme aduz Marcelo Novelino[39] “o postulado da proporcionalidade tem o seu conteúdo delimitado por três metanormas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) que possuem a estrutura de regra”. Destarte, faz-se necessário analisarmos as três metanormas delimitadoras da proporcionalidade/razoabilidade. A primeira metanorma delimitadora da proporcionalidade/razoabilidade é a adequação, que envolve uma relação entre meio e fim. Nela, o meio utilizado deve ser apto a fomentar os objetivos almejados. Não se exige que o meio efetivamente alcance o objetivo visado. O que se exige é que o meio seja ao menos apto para fomentar os objetivos almejados. Nesse sentido, Marcelo Novelino[40] aponta que: “A adequação entre meios e fins impõe que as medidas adotadas, para serem consideradas proporcionais, sejam aptas a fomentar os objetivos almejados. Esses objetivos podem ser de natureza constitucional ou legal, conforme o direito fundamental restringido possua uma cláusula de reserva legal expressa ou implícita. Quando direito fundamental possui cláusula de reserva legal expressa (simples ou qualificada), para que a medida restritiva seja considerada adequada, basta que não afronte a Constituição”. A partir da conceituação da metanorma da adequação, constatamos que a súmula 546 do Supremo Tribunal Federal, bem como a interpretação feita pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do artigo 166 do Código Tributário Nacional não passam pelo crivo da adequação. Isto porque, conforme já analisamos intensamente em nosso estudo, além de o contribuinte de fato não possuir legitimidade ativa para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos, ao contribuinte de direito são impostos requisitos excessivamente onerosos, por vezes até impossíveis de serem atendidos, para obter a referida legitimidade para pleitear o ressarcimento. Tudo isto caracteriza nítida afronta à Constituição, pois viola, entre outros, o direito fundamental de inafastabilidade da apreciação jurisdicional, expresso no artigo 5º, XXXV, da Constituição. Além disso, o meio utilizado (interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional feita pelo Superior Tribunal de Justiça) não é apto a fomentar os objetivos almejados, tanto pelo artigo 166 do Código Tributário Nacional (almeja a repetição do indébito em tributos indiretos) quanto pelo artigo 5º, XXXV, da Constituição (almeja garantir o direito fundamental de acesso à justiça). Assim, percebemos que a interpretação da egrégia corte em torno do artigo 166 do Código Tributário Nacional não atende à adequação. Este motivo, por si só, já seria suficiente para a referida interpretação não passar pelo crivo da proporcionalidade/razoabilidade, pois para atendê-lo é necessário cumprir cumulativamente as três metanormas que compõe o postulado da proporcionalidade/razoabilidade. A segunda metanorma delimitadora da proporcionalidade/razoabilidade é a necessidade (também chamada de exigibilidade ou menor ingerência possível ou proibição de retrocesso). A medida, além de adequada, deve ser necessária. A ideia de necessidade apregoa que havendo dois ou mais meios similarmente eficazes deve-se optar pelo menos oneroso possível. Nesse sentido, Marcelo Novelino[41]aduz que: “A necessidade (ou exigibilidade) impõe que, dentre os meios aproximadamente adequados para fomentar determinado fim constitucional, seja escolhido o menos invasivo possível. Uma medida deve ser considerada desproporcional quando for constatada, de forma inequívoca, a existência de outra similarmente eficaz e menos onerosa ou lesiva”. Isso posto, percebemos que a interpretação da egrégia corte também não atende à metanorma da necessidade, pois, conforme tentamos demonstrar durante nosso estudo, há um meio menos oneroso e similarmente eficaz para garantir a repetição do indébito em tributos indiretos, qual seja, interpretar o artigo 166 do Código Tributário Nacional de modo a atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato. Por fim, a terceira metanorma delimitadora do postulado da proporcionalidade/razoabilidade é a proporcionalidade em sentido estrito, que corresponde à ponderação. O grau de satisfação do princípio constitucional fomentado deve ser suficientemente alto para justificar a restrição do princípio constitucional atingido. Ao chegar nesta última etapa, após constatar a adequação e necessidade, é feita a ponderação dos princípios envolvidos. Nesse sentido, Marcelo Novelino[42] afirma: “Quando se torna necessário analisar o grau de intensidade da intervenção em um direito fundamental e o de realização de outro fim, abandona-se o âmbito da otimização em relação às possibilidades fáticas e se penetra no âmbito da realização mais amplapossível em relação às possibilidades jurídicas. A proporcionalidade em sentido estrito corresponde à “lei material do sopesamento”, segundo a qual “quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”(ALEXY, 2008b)”. Conforme vimos, como regra geral a egrégia corte não atribui legitimidade ativa ao contribuinte de fato para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos, argumentando que o contribuinte de fato não integra a relação jurídica tributária, pois a lei não o caracteriza como sujeito passivo da obrigação tributária. Ao fazer isso, há fomentação do princípio da legalidade, porém, em razão dos argumentos que já expomos, restringe-se princípios como a moralidade administrativa, a inafastabilidade da apreciação jurisdicional, a economia processual, a isonomia, a vedação ao enriquecimento indevido, e, em última análise, até mesmo a dignidade da pessoa humana. Em nosso sentir, o princípio da legalidade é menos forte que os princípios restringidos. Logo, promove-se um princípio de graumais fraco para restringir princípios de grau mais forte. Assim, em nosso entendimento, a interpretação feita pelo Superior Tribunal de Justiça, do artigo 166 do Código Tributário Nacional,não atende a nenhuma metanorma aqui citada, tampouco ao postulado da proporcionalidade/razoabilidade. Não é razoável que se interprete o referido enunciado normativo de modo a atribuir apenas ao contribuinte de direito legitimidade ativa para pleitear repetição do indébito em tributos indiretos, violando, entre outros, o princípio de inafastabilidade da tutela jurisdicional e a vedação ao enriquecimento indevido. Para aumentar ainda mais a injustiça, conforme vimos, é imposto ao contribuinte de fato excessiva onerosidade para comprovar não ter realizado a transferência do encargo financeiro. Em nosso modesto entendimento, em razão de todo o exposto em nossa pesquisa, a medida mais razoável e em consonância com a Constituição Federal seria interpretar o artigo 166 do Código Tributário Nacional de modo a atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato, sem impor excessiva onerosidade em se provar a transferência do encargo financeiro do tributo indireto. Tal medida atenderia à metanorma da adequação, uma vez que seria apta a fomentar o objetivo almejado pelo artigo 166, qual seja, a repetição do indébito em tributos indiretos. Atenderia também à metanorma da necessidade, pois seria um meio menos oneroso e mais eficaz à concretização da repetição do indébito. Por fim, atenderia também à metanorma da proporcionalidade em sentido estrito, porque restringiria o princípio da estrita legalidade tributária para fomentar princípios constitucionais mais fortes, como a inafastabilidade da tutela jurisdicional, a vedação ao enriquecimento ilícito, a eficiência, a isonomia, a economia processual e a moralidade administrativa. Assim, resta evidente, em nosso sentir, que seria muito mais razoável atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato, atendendo de forma mais satisfatória ao que preconiza o postulado da proporcionalidade/razoabilidade e ao que preconiza a Constituição Federal. CONCLUSÃO Prevalece na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o lamentável entendimento que apenas o contribuinte de direito possui legitimidade ativa para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos, desde que comprove não ter repassado o encargo financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo repassado a terceiro, estar por este expressamente autorizado a receber o ressarcimento. Esta é a interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional feita pela egrégia corte. Única exceção a esta regra é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) cobrado na prestação de serviços públicos, por concessionárias, no fornecimento de energia elétrica e de água tratada.. Conforme demonstramos, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça acerca do artigo 166 do Código Tributário Nacional viola inúmeros princípios constitucionais, além de consolidar, na prática, a quase impossibilidade de repetição do indébito em tributos indiretos, uma vez que cria um sujeito passivo “castrado”. Tal interpretação feita pelos ministros viola a constituição, gera prejuízos ao contribuinte e, por vezes, até ao próprio Estado, indo de encontro ao que preceitua o Estado Democrático de Direito. O presente estudo teve por escopo contribuir para o âmbito acadêmico a respeito da problemática envolvendo a restituição do indébito em tributos indiretos, demonstrando nosso entendimento e expondo argumentos favoráveis e contrários à nossa visão, em meio à doutrina e jurisprudência. Demonstramos que o assunto é acentuadamente polêmico, revelando os posicionamentos doutrinários a favor e contra a jurisprudência. Pesquisamos a história do tema nos tribunais superiores, e constatamos que houve oscilação nos julgados. Num primeiro momento, com a súmula 71, o Superior Tribunal Federal vedava por completo a restituição do indébito em tributos indiretos, sob a égide de ser preferível o locupletamento indevido do Estado que do particular. Em 1969, com a súmula 546, o Supremo condicionou a restituição do indébito em tributos indiretos à comprovação de o contribuinte de direito não ter repassado ao contribuinte de fato o encargo econômico do tributo. Até o ano de 2010, a jurisprudência sobre o tema oscilou bastante, de modo a admitir tanto a legitimidade do contribuinte de direito quanto do contribuinte de fato. Porém, o Recurso Especial 903394, de Alagoas, julgado em sede de recurso repetitivo, deu novos rumos à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de modo a vedar legitimidade ativa ao contribuinte de fato. Contudo, mesmo após este julgado, encontramos decisões isoladas da egrégia corte atribuindo legitimidade ativa ao contribuinte de fato, o que corrobora a imensa polêmica que cerca o tema.  Para chegarmos a um posicionamento acerca da necessidade de superação do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, analisamos os principais institutos correlatos e demonstramos que o entendimento da egrégia corte fere inúmeros princípios constitucionais, como a inafastabilidade da apreciação jurisdicional, vedação do enriquecimento indevido, moralidade administrativa, eficiência, duração razoável do processo e a isonomia, cometendo enormes injustiças. Entendemos que a justiça é um valor essencial ao Direito, e, sem este valor, o Direito perde seu sentido. O Direito injusto não deve ser considerado um Direito válido. Assim, se a norma não estiver de acordo com a justiça, devemos mudar sua interpretação, ou até mesmo o próprio enunciado normativo. Não existe fundamentação que justifique a sobreposição dos interesses do Estado aos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Nem mesmo o princípio da supremacia do interesse público justifica tal sobreposição. Lembremos que, como o próprio princípio nos diz, a supremacia é do interesse público, e não do interesse do Estado. Analisamos o artigo 166 do Código Tributário Nacional e entendemos que sua redação é ambígua, comportando a interpretação no sentido de atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato. Aliás, concluímos que esta interpretação é a que mais se adequa ao postulado da proporcionalidade/razoabilidade, bem como à Constituição Federal. Expomos a necessidade de uma ótica pós-positivista para interpretar o referido dispositivo, demonstrando a importância dos princípios, que devem prevalecer sobre as regras em caso de conflito. Diante do entendimento exageradamente positivista do Superior Tribunal de Justiça, percebemos que em determinadas situações acaba por não haver a restituição do indébito em tributos indiretos. Para criticar esta interpretação excessivamente legalista, utilizamos a metáfora do caixa eletrônico criada por Zenon Bankowski, retratando a necessidade de flexibilização do direito mediante determinados enunciados normativos para haver justiça. Essa metáfora exemplifica as conseqüências de comportamentos excessivamente legalistas, que trazem reflexos negativos à sociedade.   Nesse contexto, trouxemos à tona os conceitos de institucionalismo e de correção moral, segundo a teoria da dupla natureza do direito, de Robert Alexy. Tais conceitos ajudam a evidenciar a necessidade de reconstruções normativas, em especial no tocante à (re)interpretação do artigo 166 do Código Tributário Nacional, consubstanciando valores socialmente legitimados e promovendo justiça na aplicação do Direito. Constatamos também a possibilidade de, mediante os excessivos empecilhos impostos, não haver legitimados para pleitear o indébito, culminando no enriquecimento indevido do Estado e oneração excessiva ao contribuinte, bem como violação ao direito fundamental de inafastabilidade da tutela jurisdicional, configurando também verdadeira afronta a preceitos constitucionais, conforme expomos reiteradamente. Constatamos que se fosse atribuída legitimidade ativa também ao contribuinte de fato, não haveria a lamentável possibilidade de, em determinadas situações, não haver legitimados para pleitear a repetição do indébito, gerando enriquecimento indevido do Estado. Percebemos ainda que, em determinadas situações, até mesmo a Fazenda Pública, em última análise, pode ser prejudicada. Assim, concluímos que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema objeto de nossa pesquisa não promove justiça, não atende ao postulado da proporcionalidade/razoabilidade e fere diversos princípios constitucionais, tais como a inafastabilidade da apreciação jurisdicional, vedação ao enriquecimento ilícito, isonomia, economia processual, eficiência e moralidade administrativa. Nosso estudo conclui que, em consonância com a razoabilidade, com a Constituição Federal, com o institucionalismo e com o senso de justiça, o ideal seria haver uma superação de precedente, pois a melhor interpretação ao artigo 166 do Código Tributário Nacional seria aquela no sentido de atribuir legitimidade ativa também ao contribuinte de fato para pleitear restituição do indébito em tributos indiretos. Em nosso sentir, esta seria uma interpretação conforme a Constituição, promovendo os ideais de justiça e moral, além de consolidar os valores que deve possuir um Estado Democrático de Direito.
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Era Vargas x Constituição Federal de 1988: O financiamento público do setor de energia elétrica e o sistema tributário nacional
O presente trabalho visa demonstrar uma das hipóteses explicativas para o início das inúmeras cobranças das contribuições sociais federais e os efeitos do constituinte de 1988 ao alterar a competência tributária ativa no ramo da energia elétrica da União para os Estados. Especificamente na história da criação da tributação no ramo da energia elétrica se chegará a uma noção do que ocorre nos dias atuais em relação às diversas contribuições sociais que tanto a União Federal utiliza para preencher os seus cofres públicos, decorrentes de uma intenção constitucional de conceder autonomia aos estados e municípios que retirou parte da arrecadação da União Federal no setor.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A tributação, como impositiva e invasiva no patrimônio de um cidadão, sempre será alvo de questionamentos, principalmente em relação à gestão da arrecadação tributária pelo Estado e a necessidade de instituição de um novo tributo. O artigo tem como foco tentar identificar o aumento na imposição de contribuições sociais no ordenamento jurídico e como essas afetam o aumento da onerosidade perante o contribuinte. Utiliza-se como parâmetro a alteração de tributação sobre o setor da energia elétrica vinda da Era Vargas de uma forma constitucional tendo sido alterada sua competência ativa em 1988 com a promulgação da nova constituição. É necessário que os juristas averiguem o quão importante é a análise das consequências econômicas na formação de normas constitucionais em um país, a ponto de se verificar se o atual contexto constitucional funciona e inibe o crescimento econômico de determinado setor. Não se pronunciará aqui a análise do estudo da guerra fiscal nem a abordagem de influência dos encargos do setor, sendo tão somente verificada a tributação pretérita do setor e a influência na criação de novas contribuições sociais por provável decorrência da alteração de competência ativa na arrecadação do tributo no setor de energia elétrica. O contexto histórico é abordado como importante meio para se compreender a tributação do setor elétrico no Brasil e como uma nova situação política e econômica exige mudanças imediatas para garantir a sobrevivência financeira do país. Inicia-se, portanto, com a raiz da formação do contexto desenvolvimentista da Era Vargas no intuito de gerar autonomia do país em relação à industrialização, sendo o início de uma nacionalização do serviço de energia elétrica. Em relação à tributação, um novo item é abordado de forma a identificar o momento em que se deu a alteração na tributação no setor e como isso acaba por onerar cada vez mais o consumidor. Destaca-se, por meio de dados estatísticos o possível perdimento na arrecadação da União Federal (antes competente para tributar a energia elétrica) com o encaminhamento da competência tributária para os Estados. Novamente, por meio de dados analíticos, históricos e conceituais se chegará à informação do objetivo do artigo, qual seja, a origem do aumento de contribuições sociais para, provavelmente, compensar a perda da arrecadação tributária da União com o pacto federalista, hoje cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988. É uma visão importante a fim de se verificar se a política brasileira, com todo o caos atual em que vive, deve considerar um passo atrás como o verdadeiro passo à frente no tocante à gestão tributária do país. 2.TRIBUTAÇÃO NO SETOR DA ENERGIA ELÉTRICA 2.1. PERÍODO DA ERA VARGAS – O INÍCIO O sistema econômico do país, na década de 30, vinha voltado inteiramente para a produção de gêneros exportáveis e mal aparelhado para servir o mercado interno e com o aumento da população gerou a necessidade de maior importação.[1] Com o advento da primeira guerra mundial, todo o capital externo que fazia a iniciação do crescimento econômico nacional se restringiu e fez com que toda a estrutura do país voltada para uma finalidade tivesse que se comportar em outro sentido: dessa vez para o mercado interno.[2] Os militares, que apoiaram Vargas no golpe em 1937, achavam que o Estado deveria investir em estratégias que garantissem a soberania, tal como as indústrias de base, a fim de garantir o seu desenvolvimento econômico. Além dessas nuances, Vargas também estava descontente com a consequência que o atraso da industrialização no país acarretou na dependência de capital estrangeiro. O atraso do país leva à ênfase de produção de bens de produção em vez de bens de consumo e a dependência da tecnologia avançada estrangeira em lugar do uso das técnicas próprias.[3] Dessa forma, ao declarar que o país deixaria de ser agrário em 1939[4] e somente fornecedor de matéria prima, demonstra seu perfil nacionalista e o início da ideia de construção autônoma de energia elétrica no país. Na verdade, o que o governo queria era uma alteração na forma capitalista que atravessava o país, pois o capitalismo já existia com a economia mercantil agroexportadora e este gostaria de desenvolver o nacionalismo sem depender de providências externas. Isso se justifica porque a ação do capital estrangeiro no Brasil atuava como um elemento de constante perturbação das finanças nacionais, pois as flutuações do mercado brasileiro resultavam de ações inteiramente estranhas à sua economia nacional.[5] Assim, qualquer atividade brasileira, embora aparentemente sólida e com boas perspectivas, poderia ser gravemente afetada e até mesmo paralisada de um momento para outro em virtude de ocorrências nos grandes centros financeiros do mundo: uma retração de crédito, por exemplo, poderia criar uma situação difícil, já que o país não tinha condições próprias. É importante observar que no Brasil ocorreu um crescimento industrial desordenado, onde os diferentes setores do parque industrial brasileiro não se desenvolverão em função um do outro, mas nascem pelo acaso de circunstâncias fortuitas e objetivando alguma necessidade incapaz de ser satisfeita pela importação.[6] Com isso, a industrialização se permanecerá isolada fazendo com que ainda dependesse da importação. Assim, essas indústrias tinham grandes custos na compra de material que precisavam para manter-se ativa, porque o Brasil não produzia a maquinaria. O governo Vargas, enxergando tal problema, escolheu alguns campos para iniciar essa evolução capitalista no país em busca de maior desenvolvimento interno e maior autonomia. Foram considerados os ramos básicos e prioritários para o desenvolvimento econômico moderno: siderurgia pesada, exploração do petróleo e o ramo da energia elétrica. Era sabido que contar com empreendedores privados nacionais era pouco realista, dada suas limitações financeiras e tecnológicas e a existência de investimentos mais rentáveis e menos arriscados, o que afastava o interesse privado nacional em investir nos projetos estatais.[7] [8] Pois bem, era necessário regular o mercado e mobilizar recursos nacionais. Regular a atividade dessas atividades envolvia em chocar-se com interesses estrangeiros, seja as que já funcionavam no período de 1930 (concessionárias de energia elétrica, bancos estrangeiros e mineradores) e as ainda não concretizadas (petróleo, apesar de já terem concessões).[9] A intervenção estatal é justificada pelo fato de que quanto maior o atraso em um desenvolvimento econômico de um país, maior é a necessidade da intervenção na economia de mercado para direcionar capital e liderança empresarial para as indústrias nascentes, o que leva também a uma maior necessidade de adoção de medidas coercitivas e abrangentes a fim de ajudar a poupança nacional.[10] Como exemplo das medidas de regulação: as filiais estrangeiras foram afetadas com limitações das remessas de lucro a fim de permitir o pagamento de dívida externa[11]; houve a decretação de moratória externa a fim de financiar outras importações consideradas essenciais para o desenvolvimento econômico, que também provocaram choques entre o Estado Nacional e credores externos e exportadores estrangeiros[12]; choques também ocorridos com os bancos estrangeiros, afetados pela nacionalização do sistema financeiro prevista na Constituição Federal de 1937.[13] A energia elétrica é destacada nessa época, porque já havia filiais estrangeiras (Light e Amforp) atuantes no mercado interno[14] e a ideia era que ocorresse a expansão de oferta da energia com garantias de fornecimento e preços que não prejudicassem a operações dos usuários de eletricidade, mas também porque um processo de nacionalização do setor foi adiado por Vargas exatamente por se vislumbrar, à época, barganha para captação de recursos externos, justamente em decorrência da operação CMBEU de Oswaldo aranha.[15] Pois bem, compreendendo o contexto histórico geral em que o Brasil vivia, partiremos para a análise específica do setor da energia elétrica. Tal ramo foi difundido no Brasil ainda na República Velha, onde estados e municípios (principalmente São Paulo e Rio de Janeiro) detinham de competências para realizar concessões de serviços e negociar os contratos diretamente com as empresas, sem nenhuma regulamentação nacional.[16] Esses contratos não eram muito bem regulados pelos estados e municípios e, as cláusulas contratuais baseadas em moeda externa que protegiam a rentabilidade das empresas estrangeiras no setor, acarretavam prejuízos aos usuários com a inflação dos preços. Vargas buscou regular o setor e retirar a autoridade dos estados e municípios de forma a limitar o aumento abusivo das tarifas das filiais estrangeiras; e este implantou o Código das Águas em 1934[17] e algumas medidas legislativas consequentes[18], porém, apesar da competência estar neste momento com a União, a aplicação prática de todo o Código não funcionou e as tarifas continuaram altas até o fim do Estado Novo.[19] Cabível transcorrer que ainda que o Código não tenha sido plenamente implementado, sua inspiração nacionalista provocou incertezas regulatórias que desencorajaram investimentos dos grandes grupos estrangeiros na atividade estatal do país. Em vista desse cenário, o Estado amplia seu papel para além das atribuições reguladoras e fiscalizadoras e passa a investir diretamente na produção.[20] Para o desenvolvimento do setor elétrico, o período de 1930-1945 se caracterizou por mudanças institucionais que levaram à forte centralização das decisões na esfera federal, em coerência com as mudanças estruturais do Estado Brasileiro. O governo tinha dificuldades para regular o Código das Águas, pois era substancial a participação dos monopólios do setor e contava ainda com a presença majoritária de capital estrangeiro em uma atividade que era primordial para o desenvolvimento econômico do país.[21] O Estado Brasileiro, portanto, tinha que enfrentar grandes aportes financeiros realizados pelo Banco Mundial às filiais estrangeiras atuantes no país[22], autorizando-os mesmo contra sua tendência nacionalizadora, de forma a não prejudicar politicamente a evolução de outros projetos nacionais, tal como o BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento. Com a instabilidade de financiamentos norte-americanos nos projetos estatais de eletricidade no país (CHESF, CEEE e CEMIG)[23], em razão da intenção nacionalista frente à atuação internacional norte americana no setor de energia elétrica no Brasil, Vargas cria o Fundo Federal de Eletrificação, aprovado em 1954, após sua morte. O Fundo contava, além de 20% da arrecadação de taxas de despachos aduaneiros, também com o Imposto Único sobre a Energia Elétrica – IUEE, imposto este sobre o consumo do serviço[24], ambos com o BNDE como administrador.[25] A ideia era adquirir capital para nacionalizar o setor[26], já que se cessou o interesse do financiamento externo norte-americano. E deu certo, já que várias centrais elétricas estaduais e federais foram criadas nos anos que se passaram até que, em 1962, se constitui o sonho de Vargas (já falecido), ou seja, a criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), para coordenar técnica, financeira e administrativamente o setor de energia elétrica brasileiro. A Eletrobrás integrou a Comissão de Nacionalização de Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (Conesp), participando decisivamente do processo de compra das empresas do grupo Amforp em 1964 e, em 1967, a Eletrobrás teve definido seu papel como executora da política federal de energia elétrica.[27] Em síntese, o período de 1946 até 1962 foi marcado por uma alteração profunda no modelo brasileiro de desenvolvimento econômico, modelo que passou a privilegiar a participação do Estado em funções produtivas, financeiras e planificadoras. Nesse contexto, o BNDE criou condições para compor o funding dos projetos de desenvolvimento da infraestrutura nacional, com destaque para a energia. Os recursos vinculados ao setor elétrico eram o Fundo Federal de Eletrificação e a quota dos estados e municípios no IUEE.[28] Interessante finalizar esse  item com a seguinte informação captada da obra de Walter T. Alvares onde não há correlação significativa entre o preço da energia e o grau de industrialização e, ainda, que a industrialização que faz baixar o preço da energia e não o baixo preço da energia que provoca a industrialização.[29] Logo, vê-se que a política de Vargas visando a industrialização geraria economia no consumo de energia para a sociedade. 2.2. PERÍODO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988 Previsto no artigo 155 e seguintes da Constituição Federal de 1988, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (imposto estadual), além de suas outras incidências, também incide sobre a energia elétrica (art. 155, par. 3º, CF/88). Este tem como origem o antigo imposto único sobre operações relativas à energia elétrica, que era da competência da União, nos termos do art. 21, VIII, da Constituição de 1967/1969.[30] A ideia era evitar que tal imposto, na competência dos estados e municípios, pudesse acarretar uma tributação discricionária, que viesse a criar dificuldades à expansão das indústrias no País.[31] Com a nova Constituição de 1988, essa competência passou a ser de competência dos Estados e do Distrito Federal, que podem tributar o setor com o ICMS-energia. A diferença para o imposto único sobre a energia elétrica da União para o atual ICMS-energia dos Estados era que na competência da União, esta somente podia escolher uma dentre as cinco possibilidades de tributar o setor (produção, importação, circulação, distribuição e consumo), por isso o nome de imposto único. Ou seja, o legislador deveria selecionar a operação que mais lhe pudesse arrecadar a fim de não ser prejudicado. Já no atual ICMS-energia, os entes políticos podem tributar uma, duas, três ou todas as operações indicadas, sendo apenas necessário respeitar o princípio da não-cumulatividade.[32] Apenas para efeito de curiosidade, no início do século XXI, é na operação de distribuição que mais se arrecada.[33] Em resumo, o ICMS-energia pode alcançar todas as operações relativas a energia elétrica, menos nas que destinem a outros Estados (art. 155, par. 2º, X, CF/88)[34], tendo a energia elétrica considerada como uma mercadoria, para fins de tributação. O modelo tributário aprovado em 1988 representou um novo pacto federativo pelo qual, segundo José Serra, deputado e membro da comissão de tributação de tal Constituinte, procurou-se dar mais autonomia aos Estados e Municípios, abolindo o excessivo centralismo implantado pelo modelo tributário formatado pela EC 18/65. Mas, com isso, criou-se um problema para as receitas da União: “Na Constituinte, procuramos dar mais autonomia dos Estados e Municípios com a descentralização tributária, mas sem nenhuma racionalidade; na verdade, foi fruto de pressões políticas. Demos mais flexibilidade para o estabelecimento de alíquotas mais altas do ICMS e a situação dos Estados e Municípios melhorou. Porém, com essa nova repartição, criamos um grande problema para a União, que procura ampliar sua receita com contribuições, onerando o setor produtivo, aumentando a carga fiscal indireta e reduzindo a competitividade da produção nacional perante o mercado internacional.”[35] Importante mencionar que grande parte dessa autonomia municipal e estadual foi migrada para os tributos indiretos (ICMS principalmente), o que pode justificar a excessiva onerosidade desigual que ocorre no país atualmente. 3. ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA ESTATAL E FEDERAL 3.1. O IMPOSTO ÚNICO SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA – IUEE O primeiro texto da lei brasileira sobre energia elétrica é o artigo 23 da Lei nº 1145/1903, regulamentado pelo decreto nº 5.407/1904, onde, dentre vários princípios, se situa o princípio tributário de que as concessões serão livres de quaisquer ônus estaduais ou municipais e de direitos aduaneiros.[36] Nova legislação relevante veio em 1934 com o Código das Águas, sendo a partir daí o marco para inúmeros decretos regulamentares sobre o setor elétrico e de fato a preocupação política sobre o tema. O imposto único sobre energia elétrica foi mencionado na constituição de 1946[37] e, no âmbito infraconstitucional, é instituído pela Lei nº 2.308/1954, imposto este cobrado pela União em forma de imposto de consumo e pago por quem utilizasse eletricidade.[38] O imposto único foi acolhido no Código Tributário nacional, sendo denominado de imposto especial. Esta lei representava a complementação do preceito constitucional de 1946 relativo à forma do imposto único que incidia sobre a energia elétrica, segundo o artigo 15, III, par. 2º, de maneira a ser arrecada pela União e parte da renda (60%) seria entregue aos Estados e Municípios.[39] [40] Cabível destacar que a Lei nº 2.308/54 traz à tona que o imposto único era sobre o consumo[41] e que abrangia todos os demais tributos relacionados à eletricidade[42], com exclusão dos consumidores industriais, que foram isentos de tal pagamento. Assim, alguns doutrinadores da época, dentre eles Rubens Gomes de Souza, indicavam que a palavra “imposto” do texto constitucional de 1946 mencionada na alínea III do artigo 15, combinada com a palavra “tributação” do mesmo artigo, significava que o “imposto único” teria a natureza e o alcance de uma tributação única sob a forma de imposto e que essa tributação única seria, necessariamente, excludente da incidência de outras figuras tributárias.[43] A incidência do imposto único era feita mediante a aplicação de uma percentagem sobre uma tarifa fiscal definida pela Lei nº 4.156/1962 e tal tarifa seria fixada pelo Ministério das Minas e Energia, sendo oficializada pelo Ministério da Fazenda. Referida tarifa correspondia ao quociente do valor em moeda da época da energia vendida no país, em determinado mês, pelo volume de KW/h de energia elétrica consumida naquele mês. A tarifa fiscal, portanto, era uma indicação variável, enquanto que a percentagem que incidia sobre ela era fixa mediante imposições normativas, onde podemos ter como um exemplo de referência a lei nº 5.655/1971: – 50% sobre a tarifa fiscal para os consumidores residenciais – 60% sobre a tarifa fiscal para os consumidores comerciais Portanto, o cálculo do imposto único era a alíquota, definida em lei, sobre o valor da tarifa fiscal variável trimestralmente (artigo 2º, par. 2º, Lei nº 4.156/1962), sendo que 60% dessa arrecadação era dividida para os Estados e Municípios, na forma constitucional, e a parte relativa à União iria integrar o Fundo Federal de Eletrificação, movimentável pela Eletrobrás.[44] Tal Fundo era extremamente importante para as pretensões de desenvolvimento do país, pois era destinado a prover e financiar instalações de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, assim como o desenvolvimento da indústria de material elétrico. 3.2. O QUE SE PERDEU COM O ICMS NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA Com a arrecadação do Imposto Único sobre a Energia Elétrica e o Fundo Federal de Eletrificação foi possível a extensão de construção de centrais elétricas no Brasil em vários Estados, haja vista que, conforme já mencionado, 40% da arrecadação permanecia com a União e 60% com os estados e municípios para investimento no ramo, conforme texto constitucional de 1967.[45] [46] Tal imposto seguiu sua vigência por alguns anos e a realidade hoje se inverteu: o que se repassava aos estados e municípios anteriormente ficou tudo aos recursos destes últimos. O novo modelo constitucional de 1988 contendo a repartição de competências e receitas tributárias que, por pressões políticas, preocupou-se em dar autonomia aos estados e municípios[47], não se esqueceu da necessidade de arrecadação perdida para a União e uma hora ou outra isso viria à tona, através das contribuições sociais constitucionalmente previstas. Essa arrecadação aumentou em decorrência da crise econômica pela qual atravessava o país na década de 1990 gerando a promulgação da Lei nº 8.031/90 que instituiu o Programa Nacional de Desestatização e, com a ajuda do BNDES, se iniciaram as vendas das empresas estatais, que tiveram seu início efetivo em 1995.[48] Isso fez com que o setor elétrico tivesse mais empresas privadas atuantes e mais fonte arrecadatória aos Estados, gerando uma estrutura mista da indústria no setor elétrico, que é formada por diversas empresas que atuam em segmentos específicos. Mista, pois são presentes no setor as empresas estatais, atuantes predominantemente na geração de energia elétrica, e as privadas, atuantes predominantemente na distribuição da mercadoria. O ICMS representa cerca de 20% do total da arrecadação tributária brasileira[49]. Com a análise de dados dos tributos arrecadados exclusivamente no setor elétrico vemos que, em 2008, os tributos federais correspondiam a 31% sobre o total da carga tributária no setor, enquanto os tributos estaduais a 46% do total[50]. O setor elétrico arrecadou em 2008, 102,5 bilhões de reais e pagou 46,2 bilhões de reais em tributos, tendo uma carga tributária de 45,08% e grande parte desse valor oriundo do ICMS-energia, ou seja, aos cofres dos estados. Logo, vê-se que os estados têm grande participação na arrecadação do setor e dá uma ideia do quanto a União perdeu ao não deter mais da competência constitucional para cobrar e arrecadar impostos sobre o setor. 3.3. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS NO SETOR ELÉTRICO O que se perdeu em arrecadação para a União após a Constituição Federal de 1988 referente ao ICMS-energia pode ser substituído ao que chamamos de contribuições sociais, previstas, principalmente no artigo 149[51] e artigo 195 e artigo 195, par. 4º [52], da atual Constituição Federal. As contribuições sociais destacam-se como as mais importantes, pois são elas que “pesam nos bolsos e recheiam os cofres dos Estados”.[53] Tais contribuições sociais são privativas da União, tendo como pressuposto uma atuação estatal no plano social, cujas receitas encontram-se afetadas em prol dos objetivos constitucionais.[54] Não passemos aqui às classificações das contribuições sociais nem aos conceitos das mesmas, o que se intui é enxergar que o antigo imposto único sobre a energia elétrica fazia parte da arrecadação da União, que ainda precisava direcionar parte aos estados e municípios, porém, com o novo ICMS-energia elétrica, nada se reenvia à União. Muito pelo contrário, a Constituição de 1988 inseriu uma séria de repasses dos cofres da União para os estados e municípios, ou seja, mais prejuízo à sua arrecadação, o que acabou por incentivar a criação de contribuições sociais, haja vista que estas não possuem arrecadação compartilhada. Pois bem, a União não irá ficar inerte na ausência dessa arrecadação perdida pelo ICMS-energia e já no ano da promulgação da Constituição Federal (out/88) institui a CSLL (Lei nº 7689 de 15 de dezembro de 1988) e poucos anos depois outro grande fundo de sua arrecadação: a COFINS, instituída pela LC nº 70/91; bem como a CPMF, instituída pela Lei nº 9311/96.[55] Com essas mudanças podemos analisar, nos anos seguintes, que a carga tributária no Brasil oriunda das contribuições sociais federais no setor de energia elétrica aumentou, tendo em vista a cobrança de CSLL (1,53% da arrecadação total), PIS/PASEP (1,51% do total), COFINS (6,95% do total), CPMF (extinta em 2007, 0,52% do total em 2006), todas essas contribuições destinadas à União, onde se pode, pelo menos em parte, justificar suas criações pela perda da arrecadação do antigo Imposto único sobre a energia elétrica.[56] Como foi informado a representação do ICMS na receita nacional, cabível a leitura do quanto representa na arrecadação nacional o recolhimento de contribuições sociais, e estas correspondem a aproximadamente 36% do total.[57] Sabendo que a arrecadação tributária do setor de energia elétrica corresponde a aproximadamente 2% do total da arrecadação nacional[58], temos uma ideia do quanto essa cobrança tributária por meio de contribuições sociais é significativa para o setor elétrico. Podemos tomar como exemplo dados da sociedade de economia mista CHESF, onde a porcentagem sobre o total da arrecadação da empresa de CSLL, PIS/PASEP e COFINS, em 2004, é superior em quase quatro vezes a arrecadação do próprio ICMS-energia.[59] Dados esses que devem ser analisados com cautela a fim de não generalizar a todos as contribuintes do setor, haja vista que, como já dito, em 2008, a arrecadação nacional no setor de energia elétrica de tributos estaduais é superior à de tributos federais. Portanto, a peculiaridade legislativa tributária de cada Estado interfere nessa análise. Em acréscimo ao aumento da tributação vemos ainda que, mesmo que as contribuições sociais sejam afetadas, ou seja, com destinação certa na sua arrecadação, o governo federal encontra alternativas para aumentar os cofres públicos com característica de impostos. Isso é confirmado em razão do art. 76, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal por meio da DRU – Desvinculação de Receitas da União – onde 20% da arrecadação das contribuições sociais podem ser utilizadas de livre escolha pelo governante[60], ou seja, uma contribuição que deve ser vinculada a suprir as necessidades de determinado setor social tem uma parte de sua arrecadação utilizada como se fosse produto de imposto, mesmo que seja um fato gerador igual ao imposto, o que vai de encontro aos termos do art. 154, I, Constituição Federal. Sem contar que nos diversos apontamentos de desvios de finalidade, ocorridos, por exemplo, com a CPMF (criada em 1996 e extinta em 2007)[61], se demonstra o quanto as contribuições detém de caráter mascarado de imposto a fim de, provavelmente, suprir o que se perdeu com a arrecadação setorial em 1988. A CPMF, conforme EC 12/96 que inseriu o art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias revela que todo o produto da arrecadação da CPMF seria destinado ao Fundo Nacional de Saúde (FNS).[62], o que na prática não ocorreu. Estudos apontam que apenas 55% do total de recursos arrecadados era destinado à sua finalidade, enquanto 20% era por meio de DRU e os outros 25% não eram declarados em orçamentos públicos.[63] [64] [65] Deixemos de lado a discussão da constitucionalidade do ato administrativo nessa abordagem, servindo apenas de reflexão para o esclarecimento do raciocínio de que algo deve mudar, principalmente na atual conjuntura apocalíptica que vivemos na política. Dentro do contexto histórico que apresentamos, é relevante incluir na análise a evolução da carga tributária desde 1886 sobre o PIB, onde a carga tributária brasileira era de 22,39% sobre o PIB em 1886 e, apenas dois anos após a CF/88, o percentual sobe para 29,91%, indo em um ritmo crescente (30,03% em 2000; 34,22% em 2010; 36,02% em 2011; 36,27% em 2012; 35,42% em 2014)[66], que só tende a diminuir com uma reforma ideológica no país. Nos próximos anos, com o aumento da globalização e a integração de mercados, o grande desafio para o país será voltar a crescer a taxas que permitam a inclusão social e a modernização da estrutura produtiva, com sustentabilidade energética e responsabilidade ambiental. O setor elétrico, por constituir importante vetor de crescimento econômico, desempenha papel fundamental, sendo de primordial importância uma oferta de energia elétrica em quantidade e qualidade adequadas como base para todo o projeto de desenvolvimento econômico.[67] A energia elétrica tem característica de inelasticidade, sendo esta assim definida porque sua quantidade ofertada no mercado permanece constante, independentemente da variação do preço e da demanda. Justamente por esse motivo que o setor elétrico é um dos alvos do governo para aumento da tributação. É de se esperar que o aumento do preço de energia, através de uma maior tributação, não provoque uma redução no consumo na mesma proporção, o que atende o objetivo de aumentar a arrecadação.[68] Cabível ainda a reflexão do Kiyoshi Harada sobre o federalismo no tocante à reforma tributária. Segundo este:[69] “…o que o País precisa é de uma reforma na área do Direito Financeiro, não só para adequar as transferências do produto da arrecadação tributária na proporção das atribuições constitucionais dos Estados e dos Municípios em face da sociedade, como também, para estabelecer normas exequíveis e eficazes em matéria de execução orçamentária, de sorte a conferir ao orçamento anual o efetivo caráter de representação da vontade média da sociedade na aplicação de recursos por ela proporcionados”. Pois bem, quem sofre com a carga tributária é o contribuinte, haja vista que a União Federal continuará dependendo daquela arrecadação perdida para suprir suas necessidades administrativas. Uma base para tal conclusão é a análise da ANEEL que informa que 51% do preço da energia elétrica que o consumidor final paga é composto por encargos e tributos em toda a operação.[70] 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A ideia do estudo foi tentar demonstrar, de certa forma, se o constituinte de 1988, ao promover o pacto federativo como cláusula pétrea e trazer a competência estadual de tributação sobre a energia elétrica (antes da União Federal), estimula um aumento na tributação no setor, haja vista que os Estados não tem obrigação constitucional de repasse de arrecadação do ICMS à União, tal como ocorria com o antigo imposto único sobre a energia elétrica. Talvez, a Constituição Federal com todo seu caráter social, se esqueceu de dar essa essência ao campo da tributação ao consagrar o sistema federativo como hoje é. Dessa forma, a União, perdendo o que possuía como arrecadação do setor, promove alternativas, disponibilizadas pela própria constituição de 1988, a fim de reaver essa fatura. Como exemplo, temos a imposição das contribuições sociais que, tendo mesmo fato gerador, são constitucionalmente aceitas no sistema e quem arca com isso é a economia do país como é hoje: Brasil tendo uma carga tributária em torno de 35% sobre o PIB. A proposta da Constituição Federal de 1988 em se criar o ICMS-energia foi decorrente de uma constante reivindicação dos estados e municípios por uma maior autonomia. Autonomia esta reivindicada também na possibilidade de criação da COSIP (art. 149-A, CF), cobrada nas faturas de consumo de energia pelos municípios. Conclui-se que é necessário reanalisar a estrutura do pacto federativo em seu perfil tributário onde atualmente pode ser prejudicial ao próprio pacto federativo, ou seja, se cria autonomia e maior arrecadação tributária individual de poucos entes políticos concentrados nas regiões desenvolvidas do país e, ao mesmo tempo, abre lacunas na arrecadação anteriormente aplicável a outro ente político, o que faz surgir o surgimento de novos tributos para preencher essa lacuna arrecadatória. Seria então o momento de se fazer uma nova constituinte para solucionar a crise que se assola no país no âmbito político e fiscal? Não seria imprudente o país retornar às políticas adotadas na Era Vargas, pelo menos no tocante à tributação da energia elétrica, de forma a trazer desoneração ao setor e a todos os indiretamente atingidos, construindo um sistema mais racional e mais justo e auxiliar na desoneração tributária ocorrida por criações de novas contribuições sociais. É importante olhar para o passado e o que funcionou ser readaptado à nossa nova realidade. Por vezes, um passo no passado pode acarretar dois passos no futuro em se tratando de projeto político e progresso para o desenvolvimento da economia de um país.
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O financiamento de organizações religiosas no sistema tributário alemão
Organizações religiosas podem ser financiadas diretamente pelos fieis ou, de alguma forma, contar com medidas estatais para tanto. Nesse sentido, o modelo alemão de financiamento de organizações religiosa a partir de categorias tributárias é tido como paradigmático. Contudo, o Estado alemão é não apenas religiosamente neutro, como também consagra o direito fundamental à liberdade religiosa. Isso não afasta, entretanto, a possibilidade de o Estado cooperar com a organizações religiosas. Nesse contexto, tem-se que a principal fonte de receitas das organizações religiosas é o chamado “imposto eclesiástico” (Kirchensteuer). Esse imposto, que tem base constitucional, é disciplinado pelos estados alemães (Länder) e cobrado pelas organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público. O sistema tributário alemão também contribui para o financiamento de organizações religiosas de forma indireta, ou seja, por meio da concessão de benefícios fiscais a essas entidades ou àqueles que com elas colaboram. A inserção da referida sistemática de financiamento de organizações religiosas no Brasil, todavia, encontraria fortes barreiras constitucionais. [1]
Direito Tributário
Introdução De plano, vale observar que podem ser encontrados, nos diferentes ordenamentos jurídicos, diversos modos de financiamento das organizações religiosas, os quais estão intrinsecamente relacionados à forma pela qual Estado e Igreja se relacionam, no ordenamento considerado[2]. Em linhas gerais, pode-se fazer alusão a duas formas básicas de financiamento da Igreja, quais sejam, (i) o financiamento pelo Estado e (ii) o financiamento pelos seus membros, a notar-se que essa segunda modalidade pode adquirir diversas conformações[3]. No presente trabalho, será abordado o financiamento de organizações religiosas na Alemanha, o qual se lastreia, sobretudo, no sistema do imposto eclesiástico (Kirchensteuer)[4]. Pode-se afirmar que o modelo alemão de financiamento das Igrejas é considerado um paradigma no tocante ao financiamento de organizações religiosas a partir de categorias tributárias[5]. O direito alemão fornece, portanto, um excelente exemplo de imposto eclesiástico ou religioso, de modo que resta justificada a opção pela análise do sistema alemão de financiamento de organizações religiosas por meio do sistema tributário. Ocorre, contudo, que o direito tributário alemão também proporciona um mecanismo indireto de financiamento de Igrejas, qual seja, a concessão de benefícios fiscais direta ou indiretamente direcionados a organizações religiosas. Trata-se de mecanismo que, adianta-se, não se confunde com a chamada imunidade de templos de qualquer culto, prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, este artigo tem por finalidade o estudo de mecanismos de financiamento de organizações religiosas no âmbito do sistema tributário alemão, visando, especificamente, à análise tanto da sistemática do imposto eclesiástico, quanto daquela relativa à concessão de benefícios fiscais, de modo que, ao final, serão apresentadas as conclusões do estudo a partir de uma perspectiva comparada, tomando-se como parâmetro, para tanto, o direito brasileiro. Para que seja possível, contudo, a análise dos mencionados mecanismos de financiamento de organizações religiosas, faz-se necessário, inicialmente, tecer algumas considerações acerca do modo pelo qual o Estado alemão e organizações religiosas se relacionam. 1. Relações entre Igreja e Estado na Alemanha Para se abordar o direito tributário aplicável às organizações religiosas, faz-se fundamental compreender as relações entre Estado e Igreja no ordenamento jurídico considerado, uma vez que essa relação é determinante para o delineamento de respostas a perguntas como: pode o financiamento de organizações religiosas decorrer do sistema tributário? É admissível, de outra banda, que o Estado tribute organizações religiosas? Para que se possa compreender a amplitude da temática relativa às relações entre Estado e Igreja, não se pode deixar de salientar que, além de as religiões serem um fenômeno muito mais antigo que o Estado moderno, as religiões atualmente existentes exibem caráter “pré-estatal”. Desse modo, as organizações religiosas se veem, de certa forma, independentes do Estado e do ordenamento jurídico estatal. É de se destacar, ainda, que, na Alemanha, após a queda do nacional-socialismo, houve uma tendência a se conceder maior liberdade às organizações religiosas, de modo a se reconhecer que as Igrejas não se submetem fundamentalmente ao poder estatal. Pode-se, assim, fazer a alusão à “teoria da coordenação” (Koordinationslehre), no tocante às relações entre Estado e Igreja[6]. Todavia, essa teoria vai de encontro à concepção de Estado moderno e soberano[7], sobretudo por afrontar a noção de “soberania”[8], salientando-se que esta se apresenta tanto como sinônimo de “independência”, quanto como de “poder jurídico mais alto, no sentido de que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é quem tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica”[9]. Dessa maneira, não se pode admitir, no seio do Estado, outro poder com pretensões semelhantes às estatais[10]. Ademais, vale observar que, no âmbito do Estado Democrático de Direito, só é possível se cogitar de uma autoridade estatal que esteja legitimada pelo povo[11]. Logo, a conclusão inevitável é a de que, na Alemanha, as organizações religiosas encontram-se submetidas ao ordenamento jurídico[12] e, logicamente, à Constituição. Isso não significa, contudo, uma submissão da religião ao Estado, uma vez que o Estado somente fixa balizas no âmbito das quais a religião pode se desenvolver[13]. O direito aplicável às organizações religiosas na Alemanha, e, inclusive, às relações entre Igreja e Estado naquele país, decorre, prioritariamente, do disposto no artigo 4, “1” e “2”, e no artigo 140, da Lei Fundamental alemã[14]. O primeiro trata da liberdade de fé, de consciência e de profissão religiosa e ideológica e assegura o livre exercício de religião, ao passo que o segundo dispõe sobre a recepção de alguns dispositivos da Constituição de Weimar, de 1919, dentre os quais está o artigo 137, que dispõe acerca dos fundamentos da relação entre Estado e Igreja[15]. O mencionado artigo 4 da Lei Fundamental alemã embasa a neutralidade religiosa do Estado[16], a qual também pode ser depreendida do artigo 137 da Constituição de Weimar[17]. Com efeito, o artigo 137, “1”, da Constituição de Weimar veda a existência de Igrejas estatais e o artigo 137, “2”, protege a formação de organizações religiosas e dispõe que a associação de organizações religiosas não está sujeita a restrições. Em suma, pode-se afirmar que, na Alemanha, a relação entre Igreja e Estado baseia-se no princípio da neutralidade do Estado. A neutralidade do Estado, por sua vez, é composta pelos mandamentos da tolerância e da paridade. O primeiro determina a tolerância de diferentes confissões e organizações religiosas, ao passo que o último determina que as confissões e as organizações religiosas sejam tratadas de forma fundamentalmente igual[18]. Ademais, da vedação a Igrejas estatais pode-se depreender uma separação organizacional entre Estado e Igreja[19], bem como uma “liberação” para ambos os lados. Pois, como anota Claus Dieter Classen[20], a Igreja fica livre do controle estatal, ao passo que o Estado fica desincumbido de lidar com questões tipicamente religiosas, sendo-lhe negada a identificação com determinada religião[21]. Não obstante, vale salientar que não se verifica, na Alemanha, uma rígida separação entre Estado e Igreja[22]. Nessa esteira, Claus Dieter Classen[23] defende a admissibilidade de uma cooperação do Estado para com a Igreja, concluindo que não se depreende do mandamento da separação entre Igreja e Estado uma necessidade de se estabelecer claramente as fronteiras entre Estado e Igreja[24], como, segundo o autor, se verifica em Estados como a França, em consequência de uma compreensão fundamentalmente laicista. Para Ingo von Münch[25], a não rigidez na separação entre Igreja e Estado, na Alemanha, pode se verificar a partir do exemplo do imposto eclesiástico – sobre o qual se discorrerá abaixo –, uma vez que o poder de tributar é manifestação do poder soberano do Estado. Finalmente, não se pode deixar de atentar para o fato de que as características da relação entre Estado e Igreja, na Alemanha, muito se assemelham àquelas relativas à relação entre o Estado brasileiro e a Igreja, as quais são disciplinadas, sobretudo, pelo artigo 19, I, da Constituição Federal. Desse modo, tem-se que “o regime constitucional brasileiro é de não identificação (Estado laico) com separação, o que não significa, vale frisar, oposição, que está presente numa concepção laicista (ao estilo francês), de relativa hostilidade à religião. Nem indiferente, e ainda menos hostil, a Constituição revela-se atenta, separada, mas cooperativa, não confessional, mas solidária, tolerante em relação ao fenômeno religioso”[26]. Nessa esteira, vale observar, que do artigo 19, I, da Constituição Federal, juntamente com aqueles relativos à liberdade religiosa – consubstanciados, sobretudo, no artigo 5º, VI, VII e VIII, da Constituição Federal – podem-se depreender os seguintes princípios: separação, não confessionalidade, cooperação, solidariedade e tolerância[27]. 2. O Financiamento de Organizações Religiosas na Alemanha: o Imposto Eclesiástico (Kirchensteuer) 2.1. Fundamentação Pode-se afirmar que, na Alemanha, a principal fonte de receitas das organizações religiosas que apresentam o status de pessoa jurídica de direito público é o chamado “imposto eclesiástico”[28]. Segundo Jens Petersen[29], o imposto eclesiástico fornece a sólida base financeira necessária para que a Igreja possa desempenhar suas atividades. Na Alemanha, o direito tributário relativo a organizações religiosas fundamenta-se no artigo 140 da Lei Fundamental alemã, combinado com o artigo 137, “6”, da Constituição de Weimar, de 1919 [30] e [31], segundo o qual as organizações religiosas que sejam pessoas jurídicas de direito público estão autorizadas a cobrar impostos, observando-se, contudo, as determinações dos Estados Federados, os Länder[32]. Neste ponto, importa observar que, de acordo com o artigo 140, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949, o referido artigo 137 da Constituição do Reino Alemão, de 1919, é parte integrante da Lei Fundamental de Bonn[33]. Não há dúvidas de que o tributo em referência, aqui traduzido como “imposto eclesiástico”, constitui um verdadeiro imposto (Steuer), sob o ponto de vista do direito alemão[34]. Com efeito, vale trazer à baila a definição de imposto prevista no §3, “1” do Código Tributário alemão (Abgabenordnung): “§3º Impostos e prestações tributárias auxiliares (1) Impostos são prestações pecuniárias, que não representam uma contraprestação por uma atividade específica e que serão impostos por entidade pública, com a finalidade de obtenção de receitas, a todos que realizarem o fato jurídico ao qual a lei conecta uma obrigação tributária; a obtenção de receitas pode ser uma finalidade secundária”[35] (tradução livre). A definição de imposto do direito positivo alemão é comparável à noção de “imposto” do direito tributário brasileiro, uma vez que, também aqui, o imposto é tributo – “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”[36] – não contraprestacional, que pode ter por finalidade primordial tanto a obtenção de receitas (finalidade fiscal), quanto outras finalidades (finalidades extrafiscais). Vale lembrar, que, de acordo com o artigo 16 do Código Tributário Nacional, “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”[37]. Não obstante, cumpre salientar que o imposto eclesiástico alemão tem o produto de sua arrecadação afetado ao financiamento de organizações religiosas. Semelhante afetação não seria admissível no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o princípio da não afetação dos impostos, previsto no artigo 167, IV, da Constituição Federal. Pode-se afirmar que o artigo 137 da Constituição de Weimar deve ser interpretado a partir das liberdades religiosas. Dessa forma, tem-se que, no âmbito do artigo 137 da Constituição de Weimar, a liberdade religiosa manifesta-se como proteção ao exercício coletivo da religião[38]. Por outro giro, o imposto eclesiástico visa à garantia da liberdade religiosa, consubstanciada no artigo 4, da Lei Fundamental alemã, uma vez que se apresenta como uma forma de promoção do referido direito fundamental[39]. Vale notar, ainda, que o imposto eclesiástico é institucionalmente imune ao direito comunitário europeu[40], tendo em vista o disposto no artigo 17, “1”, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, segundo o qual a “União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados-Membros”[41]. 2.2. Competência A competência tributária relativa ao imposto eclesiástico foi atribuída aos Länder, conforme se depreende do já mencionado artigo 137, “6”, da Constituição de Weimar[42].: “Art. 137(…) (6) As organizações religiosas que sejam pessoas jurídicas de direito público estão autorizadas a arrecadar impostos, por força de listas tributárias civis em conformidade com determinações dos Länder”[43] (tradução livre). Não se pode deixar de evidenciar, contudo, que o legislador dos Länder não pode restringir a tributação por meio do imposto eclesiástico de forma incompatível com os direitos fundamentais, a lembrar-se que a previsão de tributação pelo imposto eclesiástico está intimamente relacionada aos direitos fundamentais relativos à liberdade religiosa[44]. Logicamente, também não seria admissível a supressão, pelo legislador dos Länder, do imposto eclesiástico. Dessa forma, a disciplina do imposto eclesiástico encontra-se, prioritariamente, na Constituição e em leis dos Länder. Não obstante, vale fazer alusão, como fontes do direito relativo ao imposto eclesiástico, às convenções firmadas entre Estado e Igreja tanto em nível federal quando dos Länder, bem como a fontes puramente oriundas das organizações religiosas, tais como resoluções voltadas à fixação de alíquotas. A alíquota assim fixada passa a ser considerada alíquota vinculante de direito público após o reconhecimento ou autorização do Estado e sua publicação em meio oficial de comunicação eclesiástica[45]. De acordo com a dicção do artigo 137, “6”, a cobrança do imposto eclesiástico pressupõe “listas tributárias civis”. Ocorre que, como, já há muito tempo, essas listas não são mais providenciadas, cabe ao Estado fornecer às organizações religiosas, por outro meio, as informações necessárias à arrecadação do imposto eclesiástico[46], muito embora, conforme se observará abaixo, seja admissível que o próprio Estado administre o imposto em questão. 2.3. Sujeição Ativa Note-se que, segundo o referido artigo 137, “6”, da Constituição de Weimar, é necessário que as organizações religiosas sejam pessoas jurídicas de direito público para que estejam autorizadas a cobrar impostos.[47] Nesse sentido, importa anotar que, segundo o artigo 137, “5”, da Constituição alemã de 1919, as organizações religiosas que eram pessoas jurídicas de direito público permanecem como tais sob a ordem constitucional vigente. E, ainda, podem ser conferidos os mesmos direitos a outras organizações religiosas, que, em virtude de sua “constituição” (Verfassung)[48] e número de membros, tenham sua permanência assegurada. A ideia, aqui, é a de que se possa fazer um prognóstico de que a organização religiosa continuará a existir no futuro[49]. Além disso, segundo o Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht), para que uma organização religiosa adquira o status de pessoa jurídica de direito público e possa, consequentemente, cobrar impostos, é necessário que ela seja “leal ao direito” (rechtstreu)[50]. Disso não se depreende, contudo, uma necessária lealdade ao Estado[51]. A esse respeito, vale observar que essa necessária observância ao ordenamento jurídico vigente por parte das organizações religiosas pressupõe, sobretudo, observância da ordem constitucional alemã, mormente dos direitos fundamentais[52]. Nesse sentido, em princípio, o status de pessoa jurídica de direito público poderia ser concedido às organizações religiosas muçulmanas. Ocorre que, como salienta Joachim Lang[53], aos muçulmanos falta uma clara estrutura organizacional. Além disso, algumas comunidades islâmicas pleiteiam uma teocracia, de modo que não seriam “leais ao direito”, tendo em vista os pressupostos do Estado Democrático de Direito[54]. Ademais, o referido artigo 137, “5”, da Constituição alemã de 1919 também prevê que, caso organizações religiosas regidas pelo direito público se associem, também essa associação será uma pessoa jurídica de direito público. Importa anotar, ainda, que mesmo as organizações religiosas que ostentam o status de pessoa jurídica de direito público não devem ser classificadas na estrutura administrativa do Estado[55], uma vez que há, na Alemanha, uma separação organizacional entre Estado e Igreja[56], como já evidenciado. Nesse sentido, enfatizando a íntima relação entre a cobrança do imposto eclesiástico e a liberdade religiosa, cabe observar que, segundo Roman Seer[57], somente a “tese dos direitos fundamentais” é apta a justificar o status especial concedido às organizações religiosas que se apresentam como pessoas jurídicas de direito público. Afinal, o status de pessoa jurídica de direito público assegura e fortalece a autonomia e a independência da organização religiosa no tocante ao exercício da liberdade religiosa, a qual, reitera-se, está assegurada no artigo 4, “2”, da Lei Fundamental alemã[58]. Não se pode deixar de salientar, entretanto, que os direitos fundamentais também são assegurados às organizações religiosas de direito privado, na mesma extensão em que o são garantidos às organizações religiosas que apresentam o status de pessoa jurídica de direito público[59]. Ademais, quando da cobrança do imposto eclesiástico, as organizações religiosas atuam como titulares do poder estatal, de modo que, em sua relação com o contribuinte, devem observância ao ordenamento constitucional, mormente aos direitos fundamentais[60]. Ainda, quando da cobrança do referido imposto, as organizações religiosas estão adstritas ao disposto em lei, reiterando-se que a competência tributária relativamente ao imposto em questão foi atribuída aos Länder[61]. Aqueles que ocupam o polo ativo da relação jurídico-tributária relativa ao imposto eclesiástico podem ser as organizações religiosas propriamente ditas ou subdivisões destas[62]. Cabe às organizações religiosas determinar, dentro de sua estrutura, quem efetivamente ocupará o polo ativo da relação jurídico-tributária relativa ao imposto eclesiástico, de modo que, cabe à Igreja, por exemplo, definir se a cobrança será feita pela paróquia ou pela diocese[63]. Segundo, Joachim Lang[64], observa-se uma predominância de cobrança centralizada do imposto eclesiástico. 2.4. Incidência e Sujeição Passiva Pode-se afirmar que o imposto eclesiástico é um “imposto de membros” (Mitgliedsteuer)[65]. Afinal, o fato gerador do imposto eclesiástico é o “ser membro” – a “pertença” – de organização religiosa que cobre o imposto em questão[66]. Assim, tem-se que os contribuintes do imposto eclesiástico são os membros de uma organização religiosa que cobra esse imposto[67]. Com efeito, pessoas jurídicas não podem ser contribuintes do imposto em tela[68]. Outro elemento importante para a formação da obrigação tributária relativa ao imposto eclesiástico é o domicílio ou residência habitual[69] – a nacionalidade não ostenta relevância neste contexto. Trata-se da aplicação da territorialidade[70]. As regras relativas à filiação devem ser determinadas pela organização religiosa, jamais pelo Estado[71], tendo em vista o direito de autodeterminação das organizações religiosas[72], entabulado no artigo 137, “3”, primeira parte, da Constituição de Weimar: “toda organização religiosa disciplina e administra suas questões de forma autônoma, dentro dos limites das leis válidas para todos”[73] (tradução livre). Nesse sentido, o Tribunal Constitucional Federal alemão já afirmou que cabe ao Estado reconhecer as regras de filiação estabelecidas por determinada organização religiosa, ainda que estas se afastem das normas estatais de associação. Não cabe, portanto, ao Estado, determinar quem é membro de uma determinada organização religiosa[74]. A título de exemplo, vale mencionar que, em regra, as Igrejas cristãs vinculam a “filiação” ao batizado[75]. O dever de o Estado reconhecer as referidas regras de filiação não é, todavia, ilimitado, como se pode depreender da própria dicção do mencionado artigo 137, “3”, primeira parte. Nessa esteira, para que a referida “filiação” seja reconhecida pelo Estado, é necessário que o indivíduo tenha, por livre escolha ou por escolha de seus responsáveis, se “filiado” a uma determinada organização religiosa[76]. O fato gerador do imposto eclesiástico ocorre, portanto, com a filiação a uma organização religiosa – que cobre o imposto em questão – e o estabelecimento do domicílio ou residência habitual em determinada “jurisdição tributária” relativa ao imposto eclesiástico. Assim, o polo ativo da relação jurídico-tributária será ocupado pela organização religiosa que tenha “jurisdição” no domicílio ou residência habitual do contribuinte[77]. Vale salientar que o retorno a uma organização da qual se havia desvinculado anteriormente também embasa a “pertença” caracterizadora do fato gerador do imposto eclesiástico[78]. O dever de pagar o imposto eclesiástico a uma determinada organização se encerra com a morte, mudança de domicílio ou residência habitual ou desfiliação[79], lembrando-se que todos têm o direito de se desvincular de uma organização religiosa, de modo tal que essa decisão é vinculante para o Estado[80]. 2.5. Modalidades A expressão “imposto eclesiástico” deve ser entendida em sentido lato, por duas razões. A uma, tem-se que, por tratar-se de um tributo de competência dos Länder, a disciplina desse tributo não é uniforme[81]; a duas, pois a expressão “imposto eclesiástico” é utilizada para fazer referência a tributos estruturados e cobrados de formas diversas, mas sempre afetados ao financiamento de organizações religiosas[82]. Assim, é possível que as organizações religiosas cobrem o imposto eclesiástico como um adicional a outros tributos[83]. Nesse sentido, vale fazer referência à cobrança do imposto eclesiástico como um adicional ao imposto de renda (Zuschlag zur Einkommensteuer), sobretudo – mas não exclusivamente – considerando-se o imposto incidente sobre salários (Lohnsteuer)[84]. Nesse caso, a base de cálculo imposto eclesiástico é o valor do imposto de renda devido, conforme determinação do §51a, “2”, da Lei do Imposto de Renda (Einkommensteuergesetz)[85]. Cabe observar que há, contudo, peculiaridades no cálculo do imposto de renda, de modo se poderia afirmar que a base de cálculo do imposto eclesiástico é, na verdade, um “imposto de renda fictício”[86]. As maiores Igrejas da Alemanha têm como principal fonte de recursos o “imposto de renda eclesiástico” (Kircheneinkommensteuer), cuja alíquota é 8%, em alguns Länder, e 9%, em outros. Essa alíquota deve ser aplicada sobre a base de cálculo acima mencionada. Entende-se que, com a escolha do imposto de renda como parâmetro para o cálculo do imposto eclesiástico, realiza-se a justiça tributária, uma vez que se está observando o princípio da capacidade contributiva. Por outro giro, pode-se afirmar que esse atrelamento do imposto eclesiástico ao imposto de renda permite que aquele seja orientado a partir da capacidade contributiva real (Ausrrichtung des Kirchensteuermaβstabs an der wirklichen Leistungsfähigkeit)[87]. Joachim Lang[88] salienta, entretanto, que não haverá a referida observância plena da capacidade contributiva caso o imposto de renda seja alcançado por normas de finalidade social – que, aqui, prefere-se chamar de “normas de finalidade extrafiscal”, as quais correspondem às normas dotadas de finalidades outras que não a meramente arrecadatória. Isso decorre do fato de a base de cálculo do imposto eclesiástico ser o valor devido a título de imposto de renda, e não a base de cálculo deste. Dessa forma, todas as normas de finalidade extrafiscal que impactem sobre o imposto de renda serão absorvidas pelo imposto eclesiástico[89]. Desse modo, pode-se afirmar que normas de finalidade extrafiscal relativas ao imposto de renda podem gerar efeitos indesejados relativamente ao imposto eclesiástico[90]. Quadra observar, todavia, que as organizações religiosas podem adotar técnicas de cobrança do imposto tendentes a mitigar o impacto das normas relativas ao imposto de renda. Assim, essas organizações podem, por exemplo, estipular que a cobrança do imposto eclesiástico apenas será feita a partir de um determinado nível, de modo a não absorver, por exemplo, a progressividade do imposto de renda[91]. Tendo em vista, contudo, o princípio da legalidade e da tipicidade que orientam o direito tributário alemão, a adoção das referidas técnicas pressupõem base normativa compatível[92]. Nesse diapasão, vale fazer referência a uma técnica comumente adotada, denominada “supressão da progressividade” (Kappung der Progression), por meio da qual se limita o valor a ser pago a título de imposto eclesiástico a uma porcentagem da renda tributável. É curioso observar que, nesse caso, a base de cálculo “valor pago a título de imposto de renda” se conecta com a base “renda tributável”[93]. A fim de se esclarecer essa técnica, vale trazer à baila o seguinte exemplo:   Outra modalidade do imposto eclesiástico é o chamado Kirchgeld, o qual não está atrelado a elementos de outros tributos, de modo que é cobrado a partir de valores fixos ou de determinadas gradações[94]. Nessa modalidade, é possível, por exemplo, a cobrança do imposto eclesiástico daqueles que não são contribuintes do imposto de renda e, por consequência, também não se tornariam contribuintes do “imposto de renda eclesiástico”[95]. Nesse sentido, é comum a instituição de um valor mínimo a ser pago a título de imposto eclesiástico, de modo que mesmo aquele que tenha uma renda muito baixa contribua com alguma quantia, o que pode ser feito por meio do Kirchgeld[96]. A depender da organização religiosa, o valor cobrado a título de Kirchgeld varia entre 1,5 Euro a 150 Euros por ano[97]. 2.6. Administração A pedido das organizações religiosas, é possível que o imposto eclesiástico seja administrado pelo fisco estatal[98]. Essa possibilidade depende do disposto nas legislações acerca do imposto eclesiástico e em convenções firmadas entre Igreja e Estado. Embora a administração do imposto eclesiástico pelo Estado deva ser feita mediante pagamento, essa tem sido uma alternativa consistentemente adotada, uma que vez que a estruturação de uma máquina arrecadatória por parte das próprias organizações religiosas seria ainda mais custosa[99]. Vale observar que o imposto eclesiástico cobrado como adicional ao imposto de renda sobre salários deverá ser calculado tomando-se como base o imposto de renda incidente sobre salários. Nesses casos, o imposto eclesiástico, referido como imposto “imposto eclesiástico sobre salários” (Kichenlohnsteuer), deverá ser retido e recolhido pelo empregador, juntamente com o imposto de renda sobre salários. Logicamente, essa retenção e recolhimento apenas devem ser realizados relativamente aos empregados que são contribuintes do imposto eclesiástico, ou seja, que são membros de organização religiosa[100] e [101]. O dever do empregador, nesse caso, independe de eventual vínculo deste com organização religiosa, lembrando que se trata de um dever estatal, e não religioso/eclesiástico, de maneira que o empregador atua como auxiliar da administração financeira estatal[102]. Esse dever foi considerado constitucional pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha[103]. É de se observar, ainda, que o referido dever do empregador é neutro, na medida em que o imposto eclesiástico não se direciona a uma religião específica, mas virtualmente a todas[104]. 3. Financiamento Indireto de Organizações Religiosas Acima, discorreu-se acerca da utilização do tributo para o financiamento de organizações religiosas na Alemanha. Ocorre, contudo, que o imposto eclesiástico não é a única forma propiciada pelo direito tributário alemão para o financiamento das organizações religiosas, uma vez que a legislação tributária alemã é pródiga na concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas. Essas medidas, conforme se demonstrará abaixo, correspondem a uma forma indireta de financiamento das organizações religiosas[105]. Para que se discorra acerca dessa outra forma de financiamento das organizações religiosas proporcionada pelo direito tributário[106], importa tecer algumas considerações sobre a teoria geral dos benefícios fiscais a fim de defini-los e fixar importantes pressupostos sobre sua admissibilidade. 3.1. Benefícios Fiscais: Definição e Admissibilidade Primeiramente, deve-se esclarecer que a delimitação de benefícios fiscais é tema extremamente controverso, de modo que são múltiplas as definições de benefícios fiscais que se podem encontrar na doutrina, aqui e alhures. Diante disso, mostra-se sobremaneira importante não apenas apresentar, mais também justificar, a definição de benefícios fiscais utilizada nesse trabalho. Assim, entende-se que “benefícios fiscais são vantagens tributárias veiculadas por normas dotadas de finalidade extrafiscal – indutora ou redistributiva – e que representam um afastamento da igualdade a partir da capacidade contributiva”[107]. Podem-se destacar três aspectos da definição ora apresentada, quais sejam, (i) concessão de vantagem tributária, (ii) afastamento da igualdade a partir da capacidade contributiva e (iii) finalidade extrafiscal – indutora ou redistributiva. Nesse sentido, para que se esteja diante de uma vantagem tributária é necessário que o beneficiário esteja submetido a uma tributação mais favorecida que aquela a que ele estaria, em situação comparável, na ausência da norma veiculadora do beneficio fiscal[108]. Nesse sentido, tem-se que benefícios fiscais correspondem, necessariamente, a exceções à “tributação-regra”[109]. Logo, não é qualquer “norma tributária vantajosa” que pode ser confundida com benefício fiscal, uma vez que a nota da excepcionalidade é ínsita a este[110]. Diante disso, a norma tributária veiculadora de um benefício fiscal prefere um contribuinte a outro que se encontra em situação comparável. Ocorre que, em ordenamentos jurídicos cujo parâmetro fundamental de igualdade tributária seja a capacidade contributiva – como é o caso do alemão[111] e do brasileiro[112] –, o juízo de igualdade em matéria tributária deverá ser feito em face da capacidade contributiva. Assim, todos os contribuintes que forem “iguais”, tendo em vista o critério da capacidade contributiva, deverão ser tratados da mesma maneira. Logo, pode-se afirmar que, nesses ordenamentos, a “tributação-regra” deve, necessariamente, observar a igualdade a partir da capacidade contributiva. Diante disso, conclui-se que, para que se verifique um afastamento da “tributação-regra” – necessário para a caracterização da vantagem –, faz-se necessário um afastamento da igualdade a partir da capacidade contributiva. Ou seja, o parâmetro de igualdade a ser adotado por norma veiculadora de benefício fiscal deve ser outro que não a capacidade contributiva. A referida discriminação será admissível caso seja proporcional – adequada, necessária e proporcional em sentido estrito – ao objetivo perseguido pela norma veiculadora do benefício fiscal[113], lembrando-se que esse objetivo deve, necessariamente, ter índole extrafiscal. Ou seja, as normas veiculadoras de benefícios fiscais devem, necessariamente, perseguir finalidades outras que não a mera arrecadação de recursos (finalidade fiscal) – sobretudo finalidades de natureza econômica ou social. Nessa esteira, pode-se afirmar que as referidas normas podem ser dotadas tanto de finalidades indutoras quanto redistributivas, lembrando que as primeiras relacionam-se à indução de comportamentos, ao passo que as últimas relacionam-se à correção de uma situação indesejada[114]. Assim, pode-se falar em benefícios fiscais indutores e benefícios fiscais redistributivos[115]. Em suma, pode-se afirmar que, se, por um lado, benefícios fiscais implicam um afastamento da igualdade a partir da capacidade contributiva, por outro lado, tais medidas serão admissíveis, em ordenamentos jurídicos nos quais a capacidade contributiva seja parâmetro fundamental para distribuição da carga tributária, caso sejam justificadas em face do princípio da igualdade, o que requer aplicação da regra da proporcionalidade[116]. Possivelmente, também será necessário que os benefícios fiscais sejam justificados em face dos direitos de liberdade. Destaca-se, contudo, que a justificação de benefícios fiscais em face do princípio da igualdade é sempre condição necessária para a validade dessas medidas, o que pressupõe um controle de proporcionalidade[117]. Feitas essas breves considerações acerca da definição e admissibilidade dos benefícios fiscais, importa questionar acerca da admissibilidade de benefícios fiscais para organizações religiosas. De plano, pode-se afirmar que tais benefícios serão, a priori, admissíveis, caso a finalidade por eles perseguida seja apta a justificar a discriminação por eles promovida. Antes, contudo, de se passar a essa análise, importa esclarecer que, se, por definição, benefícios fiscais consistem em “vantagens tributárias”, não há dúvidas de que benefícios fiscais podem ser considerados um “modo de financiamento”, embora indireto[118]. Nessa esteira, vale esclarecer que benefícios fiscais são modalidades de subvenções estatais, a lembrar-se que as subvenções caracterizam-se pela concessão estatal de vantagem patrimonial, com vistas ao alcance de fins públicos, independentemente de contraprestação direta[119]. Dessa forma, assim como as chamadas subvenções diretas, os benefícios fiscais também implicam a concessão de uma vantagem patrimonial, onerando, inclusive, os cofres públicos[120]. Tomando-se estas considerações como premissas, passa-se à análise de benefícios fiscais para organizações religiosas na Alemanha. 3.2. Admissibilidade de Benefícios Fiscais para Organizações Religiosas no Ordenamento Jurídico Alemão Primeiramente, deve-se destacar que, por não haver, no ordenamento jurídico alemão, previsão comparável à imunidade de templos de qualquer culto – prevista no artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal brasileira – tem-se que a tributação de organizações religiosas é constitucionalmente admissível[121]. Não obstante, partindo-se do pressuposto de que quem tem competência para tributar, também a tem para conceder benefícios fiscais[122], tem-se, em princípio, que o legislador infraconstitucional pode, sim, conceder benefícios fiscais que favoreçam organizações religiosas. Ocorre que, conforme salientado acima, essas medidas devem ser justificadas a partir da finalidade por elas perseguidas. Segundo Tobias Clasen[123], no caso de benefícios fiscais para organizações religiosas, ganha relevância a finalidade indutora, e não a finalidade redistributiva, pois se trata de benefício justificado por características e atividades inerentes às organizações religiosas. Nesse sentido, vale observar, com Claus Dieter Classen[124], que a religião é um fenômeno social que tem influência sobre a vida e a sociedade. Jens Petersen[125], por seu turno, afirma que a Igreja desempenha um papel fundamental na infraestrutura espiritual, cultural, pedagógica e social, oferecendo pressupostos para o Estado Democrático, que não podem ser propiciados pelo próprio Estado. Afinal, além de desenvolver atividades de natureza tipicamente religiosa e espiritual, as organizações religiosas frequentemente desempenham atividades relacionadas a saúde, educação, assistência social, entre outras[126]. Vale notar, ainda, que grandes organizações voltadas à promoção do bem-estar estão vinculadas a organizações religiosas[127]. Com isso, pode-se afirmar que é, sim, possível, no âmbito do ordenamento jurídico alemão, a concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas, haja vista as atividades por estas desenvolvidas. Ou seja, em princípio, o tratamento tributário favorecido de organizações religiosas é passível de justificação, uma vez que tais entidades cooperam para o alcance do bem comum. Afinal, benefícios fiscais devem perseguir finalidades constitucionais e estas podem ser alcançadas por meio do apoio a organizações religiosas. Ademais, não se pode deixar de mencionar que benefícios fiscais para organizações religiosas também contribuem para a concretização da liberdade religiosa[128], de modo que, também por este ângulo de análise, poder-se-ia justificar a concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas. É claro que a concreta aferição da legitimidade de tais medidas requer uma análise casuística, a fim de se analisar a estrutura do benefício considerado e a finalidade específica por ele perseguida. Não obstante, a priori, pode-se afirmar que a concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas é legítima[129]. 3.3. Modalidades de Benefícios Fiscais para Organizações Religiosas Seguindo classificação frequentemente adotada pela doutrina alemã, importa diferenciar os benefícios fiscais diretamente concedidos às organizações religiosas (benefícios fiscais diretos) daqueles indiretamente concedidos a tais organizações (benefícios fiscais indiretos). No primeiro caso, a organização religiosa é diretamente alcançada pela medida exonerativa (uma isenção, por exemplo), de modo que o benefício fiscal se direciona, portanto, à própria organização religiosa. No segundo caso, medidas exonerativas são concedidas a terceiros para que estes façam algo em favor da organização religiosa ou de entidades vinculadas à organização[130]. Como se pode observar, no caso de benefícios fiscais indiretos, a organização religiosa é alcançada apenas de forma mediata. Um importante exemplo de benefícios fiscais indiretos consiste na dedutibilidade, como despesas extraordinárias, de valores direcionados a organizações religiosas, para fins de apuração da renda tributável. Essa medida permite uma redução da base de cálculo do imposto de renda e, consequentemente, do valor do imposto de renda devido[131]. Nesse sentido, vale fazer referência à dedutibilidade do valor pago como imposto eclesiástico, para fins de apuração do imposto de renda devido[132], conforme previsto no §10, “1”, “4”, da Lei do Imposto de Renda alemão[133]. Com efeito, embora os referidos benefícios não se direcionem imediatamente às organizações religiosas, eles as favorecem – caracterizando-se como uma vantagem financeira e, consequentemente, como um mecanismo de financiamento indireto –, na medida em que aumenta a probabilidade de direcionamento de valores – doações, por exemplo – à organização religiosa[134]. Nesse sentido, Peter Axer[135] afirma que se estabelece, embora de forma indireta, nos casos em comento, uma relação financeira entre Igreja e Estado. Vale observar que, embora, no caso de benefícios fiscais indiretos, as organizações religiosas sejam beneficiadas apenas de forma mediata, é notório que se trata de um mecanismo de financiamento proveniente, em grande parte, do Estado, lembrando-se que esses benefícios implicam, em tese, uma redução da arrecadação tributária[136]. Nessa esteira, conforme se discorreu acima, a admissibilidade dessas medidas requer justificação a partir de sua finalidade. E, conforme demonstrado, tem-se que o financiamento de organizações religiosas é um fim, em princípio, apto a justificar a concessão de benefícios fiscais[137]. 3.4. Fatores Determinantes para a Concessão de Benefícios Fiscais para Organizações Religiosas na Legislação Tributária Alemã Tendo em vista o disposto na legislação tributária alemã, pode-se afirmar que a efetiva concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas está intimamente relacionada a dois fatores, quais sejam (i) forma jurídica adotada pelas organizações religiosas e (ii) objetivos perseguidos por elas e pelas organizações a elas vinculadas[138]. Nesse sentido, o direito tributário alemão estabelece uma diferenciação entre organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público e aquelas que se organizam a partir das regras do direito privado, de modo que as organizações que ostentam o status de pessoa jurídica de direito público são tratadas de forma mais benéfica[139]. Esse tratamento diferenciado tem gerado um candente debate nas esferas acadêmicas alemãs. Discute-se se essa diferenciação seria admissível e como justificá-la. Antes, contudo, de se tecer algumas considerações acerca da admissibilidade/justificação dessa diferenciação, importa compreender a sistemática dos benefícios fiscais para organizações religiosas, na legislação tributária alemã. Nesse sentido, em muitos casos, as organizações religiosas constituídas como pessoa jurídica de direito público não são consideradas contribuintes pela legislação disciplinadora de tributos específicos[140], o que, segundo definição aqui adotada, também corresponde a uma modalidade de benefícios fiscais[141]. Deve-se destacar, contudo, que as organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público são consideradas contribuintes, caso desempenhem atividades de caráter comercial ou participem da atividade econômica de outra forma[142]. Não obstante, mesmo nesses casos, as referidas organizações podem, atendidos determinados requisitos, fazer jus a outros benefícios fiscais[143]. Vale fazer breve alusão, ainda, à situação das chamadas “instituições eclesiásticas” (kirchliche Einrichtungen), as quais são regidas pelo direito privado, embora sejam vinculadas a organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público. Trata-se de uma forma de as organizações religiosas se estruturarem para realizar seus objetivos em diferentes searas – as entidades eclesiásticas têm relevância, por exemplo, como mantenedoras de hospitais e escolas. As referidas instituições eclesiásticas são consideradas individualmente para fins de responsabilidade tributária[144]. No tocante a benefícios fiscais, tem-se que, em regra, os requisitos para que as instituições em questão façam jus a eles são mais rigorosos que aqueles aplicáveis às organizações religiosas constituídas como pessoa jurídica de direito público, uma vez que aquelas não são beneficiárias “automáticas” de benefícios fiscais[145]. Logo, em regra, as instituições eclesiásticas devem atender aos pressupostos descritos nas leis específicas como condições para o gozo de determinado benefício fiscal[146]. Da mesma forma, tem-se que as organizações religiosas de direito privado são, em regra, contribuintes, embora elas possam ser alcançadas por benefícios fiscais específicos[147], desde que atendam aos pressupostos (condições) legalmente previstos para a concessão da medida. Tais benefícios fiscais são concedidos por meio de leis específicas, de forma combinada com os §§ 51 e seguintes do Código Tributário alemão (Abgabenordnung)[148], os quais versam sobre a parte geral do chamado “direito de utilidade pública” (Gemeinnützigkeitsrecht)[149]. Em linhas gerais, pode-se afirmar que, embora utilidade pública seja um conceito indeterminado, está-se fazendo referência ao “apoio à coletividade” (Förderung der Allgemeinheit) ou à “promoção do interesse público” (Förderung des Gemeinwohls) em searas materiais, espirituais ou morais[150]. Nesse sentido, benefícios fiscais voltados à promoção do interesse público têm o condão de estimular particulares a promover o interesse público e de premiar aquele que o faça, de modo a “aliviar” o Estado[151]. Dessa forma, a rigor, as organizações religiosas de direito privado são tratadas como qualquer outra pessoa jurídica de direito privado, uma vez que, como constata Clasen[152], a legislação tributária esparsa não direciona benefícios fiscais às referidas organizações levando em conta o fato de estas serem “organizações religiosas”. Logo, para fazerem jus a benefícios fiscais específicos, as referidas organizações devem atender aos pressupostos a eles vinculados[153]. Nesse ponto, vale observar que a “promoção da religião” é reconhecida pelo § 52, “2”, do Código Tributário alemão como “apoio à coletividade”, desde que, contudo, sejam observadas as condições do § 52, “1” do mesmo Código – trata-se de critérios para que se considere que uma pessoa jurídica persiga finalidades de interesse público[154]. De forma secundária, também as organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público podem se valer desses benefícios específicos, o que se verifica relativamente às atividades que não são precipuamente vinculadas à religião[155]. Note-se, portanto, que, se, por um lado, as organizações religiosas que apresentam o status de pessoa jurídica de direito público são, frequentemente, “automaticamente” alcançadas por benefícios fiscais, por outro lado, as demais organizações religiosas precisam atender aos requisitos da legislação específica e do Código Tributário alemão – no tocante ao “direito de utilidade pública”. Entende-se, contudo, que em ambos os casos está-se diante de benefícios fiscais, mesmo que esta não venha a ser a nomenclatura utilizada pela legislação[156]. Dessa forma, é evidente que as organizações religiosas constituídas como pessoas jurídicas de direito público são, em matéria de benefícios fiscais, favorecidas pela legislação alemã comparativamente às organizações religiosas de direito privado. Ou seja, as organizações religiosas são tratadas de forma distinta, em função da forma jurídica adotada[157]. Com efeito, vale fazer alusão ao §54 do Código Tributário alemão, o qual versa sobre a concessão de benefícios fiscais para finalidades eclesiásticas. O §54, “1” dispõe que “uma organização persegue objetivos eclesiásticos, se suas atividades são direcionadas a apoiar, de forma altruísta, organização religiosa que seja uma pessoa jurídica de direito público”[158] (tradução livre). Note-se, portanto, que o referido §54 do Código Tributário alemão dispõe sobre benefícios fiscais que se direcionem imediatamente a terceiros e, mediatamente, a organizações religiosas que ostentem o status de pessoa jurídica de direito público[159]. Para alguns autores[160], a diferença de tratamento acima constatada não merece objeções, uma vez que se trata de diferenciação entabulada na própria Lei Fundamental alemã[161]. Seguindo essa linha de raciocínio, o status de pessoa jurídica de direito público, embora não exija a referida sistemática de benefícios fiscais, a justifica[162]. Para Clasen[163], justamente pelo fato de não se tratar de uma diferenciação fundada em motivos materiais – de caráter social, por exemplo –, não há que se cogitar de uma afronta ao princípio da neutralidade do Estado. Nesse mesmo sentido, o Tribunal Constitucional Federal alemão já afirmou que a diferenciação em tela não implica discriminação religiosa, porquanto a concessão de tal status não se relaciona a questões materiais/religiosas[164]. Nesse sentido, vale observar que, segundo Dirk Ehlers[165], dentre os sentidos que emergem da categorização de uma organização religiosa como pessoa jurídica de direito público, está a possibilidade de o Estado diferenciar e conceder determinadas prerrogativas às organizações religiosas que ostentam status de pessoa jurídica de direito público. O autor salienta, contudo, que as referidas prerrogativas devem estar atreladas à forma jurídica, ser materialmente justificáveis e ser compatíveis com o princípio da igualdade. Nesse sentido, sob certas circunstâncias, Ehlers[166] admite que a concessão de benefícios fiscais dependa do status de pessoa jurídica de direito público. Joachim Lang[167], por sua vez, entende que disposições especiais voltadas ao estabelecimento de privilégios – mormente benefícios fiscais – para organizações religiosas que se apresentam como pessoas jurídicas de direito público só se justificam se estas organizações estabelecerem uma relação de cooperação com o Estado. Nessa esteira, vale fazer alusão ao fato de o Tribunal Constitucional Federal alemão já ter se manifestado no sentido de que “a Lei Fundamental não requer que o Estado trate todas as organizações religiosas de forma esquematicamente igual”[168] (tradução livre) e de que, por meio da concessão do status de “pessoa jurídica de direito público”, o Estado reconhece que se trata de organizações religiosas que têm um significado especial para o ordenamento jurídico. Dessa forma, apenas não seriam admitidas distinções entre organizações religiosas que ostentam o status de pessoa jurídica de direito público e as que não o apresentam, caso a concessão do referido status a outras organizações fosse dificultado, ainda que estas atendessem aos requisitos constitucionais[169] e [170]. Com efeito, o Tribunal Constitucional Federal alemão já afirmou que a expressão “pessoa jurídica de direito público”, referida pelo artigo 137, “5”, da Constituição de Weimar não é apenas uma forma vazia, uma vez que concede à organização religiosa uma posição jurídica especial, de modo que lhe são atribuídas competências especiais, tanto no que diz respeito aos seus membros, quanto no que se refere a terceiros. Esses benefícios fazem com que a organização religiosa disponha de uma maior influência sobre a sociedade e sobre o Estado[171]. Finalmente, é de se notar que, tendo em vista o já mencionado artigo 17, “1”, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia[172], a sistemática alemã de benefícios fiscais a organizações religiosas está protegida. Da mesma forma, a essas medidas não se aplica a legislação europeia sobre auxílios estatais[173]. Conclusão Comparativa Ante todo o exposto, resta evidente que o direito tributário alemão proporciona um meio direto e outro indireto para o financiamento de organizações religiosas, quais sejam, o imposto eclesiástico e os benefícios fiscais, respectivamente. Não se pode deixar de apontar, todavia, que esse sistema não está imune a críticas. O debate sobre o financiamento de organizações religiosas por meio do imposto eclesiástico é, frequentemente, objeto de intensos debates, tanto sob o ponto de vista jurídico, quanto teológico[174]. Nessa esteira, para Jens Petersen[175], o imposto eclesiástico constitui a base sólida de que as organizações religiosas necessitam para desempenhar suas atividades, enfatizando que a receita decorrente desse tributo garante que as Igrejas tenham mais autonomia que teriam se dependessem apenas do seu próprio patrimônio e de doações. Para o autor, a sistemática do imposto eclesiástico assegura uma justa distribuição do ônus relativo ao financiamento da Igreja, de modo a evitar diferenciações entre comunidades “ricas” e “pobres”. Pode-se argumentar, ainda, com Alberto Panizo e Romo de Arce[176], que o sistema do imposto eclesiástico é benéfico para o Estado, pois, conforme apontado, muitas das atividades desempenhadas pela Igreja – de caráter social, educacional, assistencial etc. – não poderiam ser realizadas na ausência do referido imposto, de modo que caberia ao Estado realizar as referidas tarefas. Não obstante, o imposto eclesiástico é também alvo de veementes críticas. Nessa esteira, vale fazer referências às “doze teses sobre o imposto eclesiástico”, apresentadas por Jochen Teuffel[177], as quais são manifestamente contrárias ao sistema de financiamento das organizações religiosas lastreado no imposto eclesiástico. Por meio dessas teses, o autor chega a afirmar que “a Igreja não é um público de contribuintes, mas a comunidade de todos os crentes, que sob e para o evangelho vivem”[178] e [179]. Também há críticas em relação aos benefícios fiscais, mormente no que concerne aos diferentes tratamentos direcionados às organizações religiosas em função da forma jurídica adotada[180] e no tocante insegurança jurídica a eles inerente. Sobre a referida diferenciação em função da forma jurídica, já se discorreu acima. Não obstante, vale mencionar o debate relativo à defesa de uma terceira categoria jurídica, da qual pudessem se valer organizações religiosas que não podem constituir-se como pessoa jurídica de direito público e, assim, fazer jus às vantagens a estas concedidas. Tratar-se-ia de um status para cujo alcance não houvesse tantas exigências como para a obtenção do status de pessoa jurídica de direito público, e ao qual se atrelassem vantagens tributárias[181]. A respeito da mencionada insegurança jurídica, pode-se observar, na esteira de Peter Axer[182], que, tendo em vista que os benefícios fiscais são apenas legalmente assegurados[183], uma relevante fonte de recursos das organizações religiosas queda dependente da vontade política. Nesse sentido, anota Axer: “Essa insegurança a respeito das relações financeiras não existiria, se não fosse possível ao legislador tributário infraconstitucional restringir os benefícios fiscais para as Igrejas. Tal limitação da competência legislativa apenas pode resultar da Constituição”[184] (tradução livre). Ora, uma situação de não tributação constitucionalmente garantida consistiria em uma imunidade tributária[185]. Note-se, portanto, que, segundo o autor, tendo por objetivo a segurança jurídica, seria mais interessante que imunidades estivessem asseguradas a organizações religiosas, de modo que o regime tributário vantajoso voltado a tais instituições não dependesse da legislação infraconstitucional e, consequentemente, da vontade política. Logo, tendo em vista a crítica acima, melhor solução teria encontrado ordenamento jurídico brasileiro, ao assegurar a imunidade aos “templos de qualquer culto”. Todavia, observando o rigor científico requerido pela Ciência do Direito, não há que se confundir o instituto dos benefícios fiscais concedidos a organizações religiosas, na Alemanha, com a figura da imunidade de templos de qualquer culto, previsto na legislação brasileira. Não obstante, não se pode deixar de mencionar que tanto os benefícios fiscais quanto as imunidades redundam na não tributação[186] (ou em redução da carga tributária), de modo que, sob o ponto de vista dos beneficiários das medidas – in casu, as organizações religiosas – a mencionada diferença técnica perde relevância. Apesar das críticas mencionadas, não se pode deixar de reconhecer méritos no sistema alemão de financiamento das organizações religiosas, por meio de instrumentos tributários. Nesse sentido, vale transcrever as seguintes considerações de Alberto Panizo e Romo de Arce: “Finalmente, reseñar que el sistema de financiación de la Iglesia católica en Alemania nos parece digno de elogio; se trata de dos instituciones diferentes, Iglesia y Estado, que mantienen unas relaciones de las que se benefician recíprocamente: el Estado presta su aparato recaudatorio para recabar el impuesto religioso, dota y subvenciona la Iglesia y la declara exenta del pago de determinados tributos. La Iglesia, por su parte, lleva a cabo una intensa labor social, asistencial, caritativa y benéfica, sin olvidar la importante labor pastoral y cultural, que, y en definitiva, redunda en beneficio de toda sociedad”[187]. Não obstante esses méritos, uma eventual tentativa de adoção desse sistema no ordenamento jurídico brasileiro encontraria fortes barreiras constitucionais. Primeiramente, poder-se-ia, de plano, argumentar que, para a criação de um imposto eclesiástico, nos moldes do imposto alemão, somente se poderia cogitar da competência residual da União, prevista no artigo 154, I, da Constituição Federal. Ocorre que não seria possível, como na Alemanha, tratar esse imposto como um adicional ao imposto de renda, pois, assim, ter-se-ia, ainda que de forma indireta, a mesma base de cálculo utilizada para o imposto sobre a renda, afrontando o dispositivo constitucional mencionado. Ademais, não seria admissível um imposto, no ordenamento jurídico brasileiro, cujo produto da arrecadação fosse direcionado às organizações religiosas, haja vista o princípio da não afetação dos impostos, positivado por meio do artigo 167, IV, da Constituição Federal, o qual apenas comporta as exceções constitucionalmente destacadas[188]. Ainda que se cogitasse da utilização de outra espécie tributária para a criação de um “tributo eclesiástico”, haveria dificuldades para tanto. Nesse ponto, vale esclarecer que, para que se esteja diante de um tributo, não basta que a exação se amolde à definição de tributo, nos termos do artigo 3º, do Código Tributário Nacional, sendo necessário que a exação apresente-se como uma das espécies tributárias constitucionalmente previstas, adequando-se a uma das faixas de competência tributária[189]. Nesse diapasão, seguindo os moldes alemães, não haveria que se cogitar da criação de uma “taxa eclesiástica”, uma vez que o tributo eclesiástico deve ser não contraprestacional. Afinal, não há que se falar, no caso em tela, de prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia. Similarmente, não haveria nenhum sentido em uma “contribuição de melhoria eclesiástica”, uma vez que a contribuição de melhoria pressupõe uma obra pública, não guardando, portanto, nenhuma relação com o fato gerador “ser membro de uma organização religiosa”. Tampouco faria sentido imaginar que a criação de um “empréstimo compulsório eclesiástico”, uma vez que só é admissível a instituição dessa espécie tributária se constatado o atendimento dos pressupostos fáticos previstos no artigo 148, da Constituição Federal, lembrando-se, ainda, que os recursos arrecadados devem ser, necessariamente, destinados às despesas que fundamentaram sua instituição, conforme previsto no parágrafo único do mencionado artigo. A análise da possibilidade da criação de um tributo eclesiástico como contribuição requer, entretanto, mais cautela. Afinal, em princípio, poder-se-ia imaginar que, por meio de uma contribuição parafiscal, seria possível que as organizações religiosas cobrassem e dispusessem do produto da arrecadação do tributo[190] e [191]. Ocorre que as contribuições são tributos finalísticos, devendo, portanto perseguir finalidades específicas, quais sejam, sociais, corporativas, interventivas, ou, ainda, devem se prestar ao custeio do serviço de iluminação pública, conforme disposto no artigo 149, caput e §1º e no artigo 149-A. Tendo em vista que não há que se cogitar de “contribuições eclesiásticas” com fins corporativos ou interventivos e, tampouco, voltadas ao custeio do serviço de iluminação pública, importa verificar se seria admissível, no ordenamento jurídico brasileiro, um tributo eclesiástico como contribuição social. Desse modo, deve-se destacar que não se estaria diante de uma contribuição voltada ao custeio da seguridade social, de modo que não seria admissível recorrer à competência residual da União relativamente a contribuições voltadas à seguridade social, prevista no artigo 195, §4º, da Constituição Federal. Afinal, as contribuições mencionadas caracterizam-se por entrarem diretamente no orçamento da seguridade social[192]. Neste ponto, há que se notar que, segundo o artigo 165, §5º, III, da Constituição Federal, o orçamento da seguridade social abrange “todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”[193] e [194]. Logo, importa aferir se seria possível que o tributo eclesiástico em questão se apresentasse como uma contribuição social geral[195], ou seja, contribuições voltadas ao alcance de outras finalidades sociais, que não relativas à seguridade social[196]. Para tanto, seria necessário superar algumas barreiras teóricas. Assim, primeiramente, dever-se-ia analisar a admissibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, de outras contribuições sociais gerais, além daquelas expressamente previstas no texto constitucional, a exemplo do salário-educação, previsto no artigo 212, §5º, da Constituição Federal, lembrando-se que a referida admissibilidade é tema altamente controverso. Em segundo lugar, dever-se-ia analisar se a destinação de recursos à Igreja caracterizaria atuação da União no setor social – de modo a se estar diante de contribuição criada a partir do exercício da competência conferida à União por meio do artigo 149, da Constituição Federal –, bem como se os demais requisitos para a instituição de novas contribuições sociais gerais estariam preenchidos, no caso concreto[197]. Não se pode deixar de observar, ainda, que um tributo eclesiástico deveria se acomodar aos princípios tributários – como o princípio da vedação à utilização de tributos com efeito de confisco – e não tributários, como os princípios de liberdade religiosa e separação entre Igreja e Estado[198]. Todavia, neste ponto, não se pode deixar de enfatizar as semelhanças – já apontadas acima – no modo pelo qual se dá o relacionamento entre Estado e Igreja no ordenamento jurídico alemão e no brasileiro. Segundo Konrad Hesse[199], tanto o sistema do imposto eclesiástico quanto a proteção representada pelo artigo 138 da Constituição de Weimar – em cujo item “1” está prevista a garantia de que determinados benefícios fiscais serão suprimidos mediante indenização[200] e, em cujo item “2” há disposição voltada à proteção dos bens das organizações religiosas – apresentam-se como mecanismos para a realização da autodeterminação das organizações religiosas no tocante às suas questões, nos termos do artigo 137, “3”, da referida Constituição. Vale observar, nessa esteira, que também o ordenamento jurídico brasileiro assegura a livre organização das organizações religiosas e, ainda, que o Estado brasileiro tem o dever de “criar condições para que as confissões religiosas desempenhem suas missões (dever de aperfeiçoamento)”[201]. Logo, seria admissível (e desejável) que o Estado criasse um sistema de tributo eclesiástico para, como na Alemanha, assegurar a autodeterminação das organizações religiosas? Independentemente da resposta a esta questão, com fulcro nos princípios que governam a relação entre Estado e Igreja no Brasil, tem-se que a Constituição brasileira, diferentemente da Lei Fundamental alemã, não previu referido tributo, de modo que não conferiu, expressamente, a competência tributária respectiva, o que leva novamente ao debate, acerca da competência para a criação de um “tributo eclesiástico”, no Brasil. Por outro lado, o ordenamento jurídico brasileiro não impõe maiores barreiras à concessão de benefícios fiscais. O texto constitucional brasileiro chega a admitir, expressamente, por meio do artigo 19, I, parte final, a possibilidade o Estado colaborar com organizações religiosas para o atendimento de fins de interesse público. Ocorre, todavia, que, diferentemente da Lei Fundamental alemã, a Constituição brasileira assegura a imunidade de templos de qualquer culto a impostos, relativamente ao “patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”, conforme disposto no artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição Federal. Embora a referida imunidade se direcione apenas a impostos – e não aos demais tributos – e esta esteja envolta em controvérsias acerca de seu alcance[202], trata-se de mecanismo de extrema importância no âmbito das relações entre Estado e Igreja, tendo por finalidade a proteção da liberdade religiosa[203]. Como já mencionado, benefícios fiscais e imunidades não se confundem. Se, por um lado, benefícios fiscais correspondem a uma vantagem tributária, pressupondo, para sua concessão, a competência tributária; por outro lado, as imunidades tributárias são normas delimitadoras da competência tributária, ou, por outro giro, sinalizadoras de incompetência tributária[204]. Dessa forma, a previsão de imunidade não representa um financiamento, pelo Estado, de organizações religiosas. Ademais, se, onde não há competência tributária, não é possível a tributação, também não é possível a concessão de benefícios fiscais. Portanto, em grande medida, a imunidade de tempos de qualquer culto faz com que sequer seja possível – e tampouco faça qualquer sentido – a concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas, por ausência de competência tributária. Isso não quer significar, entretanto, que a concessão de benefícios fiscais para organizações religiosas seja totalmente impossível no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, deve-se reiterar que a regra imunizante do artigo 150, VI, b, da Constituição Federal relaciona-se apenas a impostos, além de ter seu alcance limitado pelo disposto no artigo 150, §4º, do texto constitucional. Portanto, nos campos não alcançados pela imunidade, em que haja competência tributária, há espaço para a concessão de benefícios fiscais. Ademais, se a referida imunidade direciona-se a “templos de qualquer culto”, não há que se cogitar do alcance de terceiros que desempenham atividades – doações, por exemplo – em benefício de organizações religiosas. Ou seja, a imunidade de templos de qualquer culto não implica qualquer incompetência tributária relativa a terceiros. Logo, a imunidade de templos de qualquer culto não afeta a possibilidade de concessão de benefícios fiscais indiretos para organizações religiosas. Com isso, assim como no ordenamento jurídico alemão, benefícios fiscais para organizações religiosas serão admissíveis, no ordenamento jurídico brasileiro, se justificados a partir de sua finalidade. Tendo em vista que organizações religiosas, como demonstrado, realizam diversas atividades voltadas ao bem comum, é razoável imaginar que benefícios fiscais direcionados a organizações religiosas perseguirão finalidades aptas a justificá-los. Ter-se-ia, assim, uma concretização do princípio da cooperação, norteador das relações entre Estado e Igreja no Brasil[205]. Ademais, vale salientar, a própria proteção da liberdade religiosa pode apresentar-se como finalidade apta – porquanto constitucionalmente fundada – a justificar os benefícios fiscais em questão. Não se pode deixar de chamar a atenção, contudo, para o fato de que a admissibilidade de cada benefício específico depende de um exame casuístico, a fim de justificá-lo em face do princípio da igualdade, e, eventualmente, em face de direitos de liberdade. Logo, no tocante a benefícios fiscais – a serem concedidos no espaço não alcançado pela imunidade de templos de qualquer culto –, verifica-se a possibilidade de o Estado brasileiro, de forma comparável àquela desenvolvida pelo Estado alemão, financiar as organizações religiosas, de forma indireta, em total consonância com o artigo 19, I, da Constituição Federal.
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A legalidade no cumprimento negativo de obrigação tributária
A proposta elencada neste trabalho reflete a possibilidade jurídica de ação negativa por parte do contribuinte sem, contudo, praticar crime fiscal. Visa, sobretudo promover e demonstrar a possibilidade do contribuinte atuar visando reduzir a carga tributária sem contudo promover atos ilícitos tributários. A proposta deste trabalho fundamenta-se no estado social democrático do qual proporciona a qualquer pessoa o exercício do direito, não apartando-se dos princípios norteadores da obrigação tributária. A obrigação tributária poderá, dentro da proposta descrita nesta obra, ser prestada de forma menos gravosa para o contribuinte que poderá dentro do direito atuar reduzindo a alta carga tributária em nosso país.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O tributo é uma prestação pecuniária compulsória, com características próprias definidas em legislação, desdobrando-se em diversas espécies, como o imposto, a taxa, a contribuição de melhoria, o empréstimo compulsório, as contribuições sociais, entre outros. O objetivo do pagamento da obrigação tributária é prover recursos financeiros ao Estado, para que este execute políticas públicas que promovam os direitos sociais constitucionalmente garantidos, vez que possui o objetivo geral de alcançar a todo cidadão com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; com a garantia do desenvolvimento nacional; com a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, de tal forma a promover o bem de todos, sem qualquer distinção. (art.3° da Constituição Federal/1988). Tais recursos financeiros obtidos pela tributação são denominados de receita derivada e, somente poderão ser arrecadados, se o exercício tributário do Estado atender aos princípios gerais da tributação, bem como as limitações ao poder de tributar, restringindo a atuação do Estado no patrimônio do contribuinte, conferindo-lhe, em situações singulares, as chamadas Imunidades e Isenções. Observadas tais prerrogativas, assegurada está a constitucionalidade da tributação. Destarte, ocorrendo o fato gerador, isto é, a situação definida em lei como necessária e suficiente para sua ocorrência, têm por instaurada a chamada relação jurídica tributária ou obrigação tributária. Desta, ressalte-se o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (Contribuinte), os quais formam o vínculo jurídico prestacional de cunho patrimonial.  Extrai-se dessa relação obrigacional uma reciprocidade, ou ainda que, de forma técnica, uma bilateralidade, ou seja, para ambos os sujeitos cabe o cumprimento de uma prestação, a obrigação. No presente artigo, trataremos de realizar uma análise doutrinária quanto a duas possibilidades de descumprimento da prestação tributária pelo contribuinte, quais sejam, a elisão e a evasão fiscal. Além disso, passaremos a reflexão de ambos os institutos na seara dos ilícitos tributários, bem como na sociedade hodierna, em face da omissão estatal. 2. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA A obrigação tributária corresponde a um vínculo existente entre o Estado (sujeito ativo) e o particular (sujeito passivo), em função de uma prestação compulsória de natureza patrimonial, a qual se denomina de tributo. O Estado, como credor, estabelece com o contribuinte, como devedor, uma relação jurídica obrigacional ex lege, tendo em vista que sua origem independe da vontade do particular, de modo que, a partir da ocorrência do fato gerador, vinculado está ao cumprimento da obrigação tributária e o Estado, com o direito de exigir seu cumprimento. A doutrina tributarista nacional classifica a obrigação tributária em principal e acessória. A primeira delas refere-se à prestação legal que deve ser cumprida pelo contribuinte devedor, entregando aos cofres estatais certo valor em pecúnia em decorrência do fato jurídico tributável. Por sua vez, a obrigação acessória possui origem na formalidade fulcrada na legislação tributária e tem como objeto deveres legais que propiciam ao poder público o fiel cumprimento da prestação tributária pelo contribuinte de forma tácita (autolançamento) ou na sua negativa com a aplicação da consequente fiscalização (art.113, §2º, Código Tributário Nacional). Consoante expõe AMARO (2011, pg.32), o caráter acessório da obrigação tributário determina uma prestação que não possui eminente natureza pecuniária, contudo prestações negativas e positivas com o objetivo de contribuir para a fiscalização e arrecadação dos tributos. Em outros termos, a obrigação acessória é aquela que fornece alternativas para o Fisco a fim de que possa controlar o recolhimento das receitas públicas. Um exemplo caracterizador dessa espécie obrigacional tributária é o mandamento legal que determina uma obrigação de não recebe mercadorias desacompanhadas da documentação legalmente exigida. Assim, discorre AMARO no âmbito obrigacional tributário, nos seguintes termos: Ao tratar da obrigação tributária, interessa-nos a acepção da obrigação como relação jurídica, designando o vínculo que adstringe o devedor a um prestação em proveito do credor, que, por sua vez, tem o direito de exigir essa prestação a que o devedor está adstrito. A obrigação tributária, de acordo com a natureza da prestação que tenha por objeto, pode assumir as formas que referimos (dar, fazer ou não fazer).[1] AMARO ainda menciona que a obrigação tributária não diverge essencialmente da obrigação comum, sendo que sua única especialidade reside em seu objeto, consistente em uma prestação tributária.  O objeto da obrigação tributária pode ser: dar uma soma pecuniária ao sujeito ativo, fazer algo (por exemplo, emitir nota fiscal, apresentar declaração de rendimentos) ou não fazer algo (por exemplo, não embaraçar a fiscalização). É pelo objeto que a obrigação revela sua natureza tributária.[2] Nesse contexto, ainda é de relevância mencionar no tocante aos sujeitos da obrigação tributária, uma vez que, em se tratando dos ilícitos tributários, o sujeito passivo da relação jurídica tributária torna-se o sujeito ativo do ilícito. Destarte, falaremos na ação do contribuinte ou responsável, aquele a quem incumbe à obrigação de pagar o tributo, quer de forma direta ou indireta, respectivamente. 3. ILÍCITOS TRIBUTÁRIOS O elemento caracterizador do ilícito tributário é a violação de uma norma constante na legislação tributária, sendo que a constante nessa violação é, por obviedade, o descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Ressalte-se que, o ato ilícito no âmbito do recolhimento das receitas não se dá pela instituição dos tributos, contudo, genericamente, pelos atos que visem à inobservância do dever de cumprimento da prestação tributária. Segundo MARTINS, há sensível distinção nas denominações de ilícito tributário, podendo apontar as seguintes: infração tributária, infração tributária penal e infração penal. A infração tributária é decorrente da inobservância da legislação tributária, como ocorre com o pagamento incorreto do tributo. A infração tributária penal irá ocorrer quando o contribuinte vem a burlar a legislação com o objetivo de não pagar o tributo. O fisco irá apurar o tributo e aplicar a penalidade cabível, mas também haverá crime, como, por exemplo, de sonegação fiscal. Haverá apenas infração penal quando o fato praticado implicar apenas violação à lei penal, como do fiscal que exige tributo que sabe indevido (§1º do artigo 316 do Código Penal).[3] Como se extraí, o principal critério distintivo das três espécies de ilícitos tributários é a disposição legislativa em lei tributária ou lei penal. Além disso, acresça-se a possibilidade de observância da sanção aplicada a cada uma das infrações. Isso porque, se a sanção for de natureza penal, não resta dúvida de que estamos diante de uma infração tributária penal. Em relação à responsabilidade por tais ilícitos, à vista das distinções apontadas anteriormente, cuida o Código Tributário Nacional daquelas decorrentes de violação à legislação tributária e, portanto, infrações tributárias. Destarte, consagra em seu artigo 136, a responsabilidade objetiva, ressaltando que a responsabilização independe da apuração de dolo ou culpa na conduta do agente contribuinte, do responsável, da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Ainda no mesmo diploma legal, importa mencionar que, quando se tratar de responsabilidade penal, isto é, quando o ilícito for uma infração de cunho criminal, a responsabilidade será pessoal, tendo em vista o Princípio da Individualização da Pena. A responsabilidade pela infração tributária pode ser excluída, consoante determina o artigo 138 do Código Tributário Nacional, pela denúncia espontânea pelo contribuinte e acompanhada pelo pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Dos ilícitos tributários existentes na legislação tributária e penal, passaremos a uma análise doutrinária de três institutos referentes às infrações cometidas pelo contribuinte, a saber: Elisão, Evasão e Conluio. 3.1. ELISÃO FISCAL A Elisão fiscal é uma conduta legal, consistente na economia lícita dos tributos, pela qual o contribuinte deixa de realizar algumas operações ou realiza-as da forma menos onerosa possível, de modo a diminuir a incidência do fato gerador e, por conseguinte, a instauração da relação jurídica tributária. MARTINS assim descreve: “Elisão fiscal significa economia de imposto, por intermédio de planejamento fiscal. Elisão quer dizer eliminar, suprimir. Nada impede que o contribuinte estabeleça a prática de seus negócios de maneira que pague o menor imposto possível. É a economia lícita do pagamento do tributo. Visa minimizar a tributação. Há certa liberdade ao contribuinte para organizar sua atividade a fim de evitar a ocorrência do fato gerador.”[4] A legislação tributária é maximamente incidente na esfera particular do contribuinte, corroborando o entendimento de que são exceções as situações nas quais não incidem a obrigatoriedade do recolhimento do tributo, emergindo-se a Elisão tributária como alternativa ao contribuinte para frear a ação contributiva do particular. EISELE destaca a licitude da ativa de Elisão fiscal, terminologia por ele suprimida, para adotar a chamada Elisão Tributária: “Utilizando-se das diversas exceções, ou mesmo lacunas, existentes na legislação (denominadas pelos norte americanos de loopholes), ao contribuinte é lícito agir de modo a não pagar mais tributo que o estritamente obrigatório. A atividade de escolha dos comportamentos, dentre as opções permitidas por lei para a redução da carga tributária, é denominada elisão tributária e se caracteriza pelo comportamento lícito do agente que planeja e estrutura sua atividade de modo a diminuir a carga econômica das obrigações financeiras a que está sujeito, utilizando-se, para tanto, das hipóteses de atuação legalmente previstas.”[5] Da conceituação elaborada pelo ilustre jurista, de se destacar dois aspectos. O primeiro deles concernente ao chamado planejamento tributário. Com maior incidência nas pessoas jurídicas do que nas pessoas físicas, o planejamento tributário é a forma de organização das atividades diárias comerciais e negociais visando o pagamento da menor quantidade possível de tributos. Com efeito, se a economia fiscal realizada pelo contribuinte não incluí a prática de atos ilícitos e lesivos a sociedade e ao Fisco, não se fala em ilícito tributário. Diversamente, a prática do planejamento tributário, em face da elevada carga tributária brasileira, se revela mesmo oportuna. O planejamento tributário designa essa programação dos efeitos tributários dos atos e negócios jurídicos e, por essa razão, sua maior observância nas pessoas jurídicas. É mais vantajoso e provável que grandes empresas visem à redução das obrigações tributárias, tendo em vista os demais gastos que implicam o gerenciamento e mantença de um estabelecimento comercial, sobretudo à luz das determinações legais específicas, como, por exemplo, os gastos em relação à contratação formal de empregados. Ora, nada pode impedir o contribuinte de se estabelecer legalmente diante da possibilidade de não praticar atos e negócios que originam fatos geradores da obrigação tributária. Desta feita, percebe-se com o exemplo acima que, as condutas que integram a chamada economia fiscal podem ser deflagradas pela própria legislação tributária e, tendo em conta o conhecimento da mesma pelo contribuinte, é notória sua liberdade em optar pela prática de um ato fiscalmente menos oneroso. A doutrina tributarista ainda classifica a elisão sob dois enfoques. Subjetivamente, compreende-se a elisão que decorre de características pessoais do contribuinte, quais sejam, sua residência ou domicílio. Objetivamente, refere-se aos elementos ensejadores da hipótese de incidência, ou seja, às situações e comportamentos de pessoas físicas ou jurídicas com natureza econômica, as quais são suficientes a originar a obrigação tributária quando de sua ocorrência. MARTINS elenca como exemplo: “Elisão objetiva é a que mostra elementos como local da fonte de produção, do exercício da atividade, da instalação do estabelecimento, visando: a) distribuir renda; b) acumular rendimentos; c) transferir rendimentos para países com tributação favorecida”.[6] Noutro giro, a Elisão fiscal encontra guarida nos direitos e obrigações que contornam o sujeito passivo da obrigação tributária. Em sede de direitos, cumpre mencionar, antes de qualquer colocação, que a legalidade é um princípio matriz no Direito Tributário e reserva ao contribuinte a incumbência do cumprimento da prestação pecuniária somente quando sua obrigatoriedade for instituída por lei. Nessa perspectiva aduz EISELE: “A aplicação em foco nada mais é do que a aplicação extremada do princípio da legalidade, pois nenhum contribuinte está obrigado a pagar qualquer tributo senão em virtude de obrigação imposta por lei e nos exatos termos desta”.[7] A elisão fiscal não busca o descumprimento ilegal de uma obrigação tributária legalmente instituída. Visa, todavia, a planejar a execução dos atos que determinem o surgimento da obrigação tributária. E isso não se concretiza pela prática desses atos e posterior pretensão de não responsabilização pelos mesmos, mas, justamente, pelo não exercício desses atos. Desse modo, a escolha pela prática ou não dos fatos geradores da obrigação tributária integra o plano de liberdade individual de cada pretenso contribuinte. À lei formal não cabe compelir o indivíduo a sua realização, tão somente para a arrecadação de receita, lhe incumbindo exigir o pagamento do tributo, somente quando o indivíduo voluntariamente agir de forma a ensejar a obrigação tributária, ou seja, privilegiando a autonomia da vontade. No âmbito das obrigações, não se permitir olvidar o disposto nos artigos 1011 do Código Civil e 153 da Lei. 6.404/76: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.[8] Sua conexão com a temática da Elisão fiscal reside no fato de que em uma sociedade a busca pelo lucro é uma constante e, evidentemente, essa busca positiva é acompanhada pela redução dos gastos e, considerando que nesses últimos estão envolvidas as dívidas tributárias, é de se reputar indispensável ao administrador a adoção de uma política administrativa e gerencial capaz de conciliar os interesses particulares e sociais. Nessa perspectiva, a economia fiscal é um fator de equilíbrio entre esses dois interesses. Afirmamos isso, pois, ainda que, a primeira vista, a elisão fiscal importe numa conduta aparentemente lesiva ao Estado, uma vez que este deixará de arrecadar suas receitas, em verdade, na realidade fática condiz muito mais a uma redução da carga tributária do que sua total eliminação, propriamente dita. Com fundamento na administração tributária, é possível para um empresário, por exemplo, o estudo de seus gastos tributários e planejar a execução de suas atividades negociais, de modo a converter possíveis gastos em outros rendimentos. Enfim, a Elisão fiscal corresponde a uma prática de planejamento tributário, haja vista constituir-se de condutas lícitas e, portanto, sem natureza infracional, nos termos de Renato Prastes apud Andreas Eisele, “na elisão são utilizados meios lícitos que visam a evitar a ocorrência do fato gerador”. 3.2. EVASÃO FISCAL A Evasão fiscal, em contrapartida, consiste na ação ilegal do contribuinte com o fito de descumprir a obrigação tributária. Nessa modalidade de infração tributária, o contribuinte já se comportou de forma a dar origem ao fato gerador que o coloca na condição de devedor e obrigado ao pagamento da prestação pecuniária e em face disso, pratica atos ilegais visando se esquivar desse cumprimento. Assim, distintamente do que se observa na Elisão fiscal, na evasão, o contribuinte, ainda que visando o mesmo fim da Elisão, qual seja, a redução da carga tributária, vale-se de meios ilícitos para isso, ou nos dizeres de Andreas Eisele, “o contribuinte se utiliza de comportamento ilícito, ou seja, não age optando entre as possibilidades legais existentes, mas age às margens destas”. Destaque-se que, diferente da Elisão fiscal, na qual o contribuinte evita legalmente a ocorrência da hipótese de incidência e, consequentemente da relação obrigacional tributária, na Evasão, o contribuinte, a partir da instauração da relação obrigacional tributária, age para lesar o Estado, descumprindo com a obrigação de pagamento do tributo. MARTINS assim define: “A Evasão fiscal tem por objetivo evitar o pagamento do tributo, mediante subterfúgios praticados pelo contribuinte para dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Tem o sentido de evadir, de fugir à tributação. Constitui ilícito. Daí não se pode falar em evasão legal.”[9] Da definição supra transcrita, é possível compreender o caráter ilícito da conduta de Evasão, posto que objetiva, com o dolo direito, o não cumprimento de uma obrigação tributária já instituída por lei. Por derradeiro, feita está a distinção entre Elisão e Evasão e, porque, a segunda ser considerada ilícita. O critério distintivo pode ser o temporal, no tocante à ocorrência do fato gerador e instauração da relação jurídica tributária. Assim, se a conduta do contribuinte, desde que legal, tem a pretensão de evitar a prática de atos que importem legalmente no pagamento de tributos ou se essa conduta legal é praticada antes da ocorrência do fato imponível, não há que se falar em qualquer ilícito – elisão fiscal; todavia, se a conduta do agente tem a pretensão de evitar o pagamento de um tributo legalmente instituído e devido em decorrência da ocorrência da hipótese de incidência, falaremos em ilícito, pois que, nesse caso, observamos efetiva lesão ao fisco. É a chamada economia fiscal ilícita. Desta feita, a diferença segundo critério temporal reside no fato de que as condutas da elisão visam obstar a constituição da relação jurídica tributária tendo como meio legal a abstenção de um comportamento descrito como fato gerador da obrigação tributária; por sua vez, as condutas da evasão fiscal visam o descumprimento da obrigação tributária por comportamento ilícitos, posto que ignora a obrigação de prestação tributária já regularmente definida com a ocorrência do fato gerador. Nessa esteira discorre EISELE: “Trata-se do planejamento consistente na escolha entre diversas alternativas de atuações lícitas, de modo a evitar a ocorrência do fato imponível. Enfocada sob o aspecto temporal, a evasão consiste em condutas praticadas pelo agente após a ocorrência do fato imponível, de modo que, havendo sido constituída a relação jurídica, as condutas posteriores apenas visam reduzir, retardar ou evitar o pagamento da prestação objeto da obrigação.”[10] Desta distinção, é relevante destacar, porém, que se o meio eleito pelo contribuinte para não se comportar de forma a ensejar o recolhimento do tributo for ilícito, ainda que não ocorrido o fato gerador e, consequentemente não instaurada a relação jurídica tributária, este incidirá no cometimento de um ilícito tributário – evasão fiscal – , de modo que, o critério temporal para distinção da Elisão fiscal da Evasão deve ser relativizado e adotado, em nome da maior segurança, adotando-se o critério da licitude do ato. A Evasão fiscal pode ocorrer pela sonegação, fraude, inadimplência fiscal, simulação e negócio indireto, podendo ser tais infrações tributárias e penais. 3.3. CONLUIO O Conluio refere-se ao instituto do concurso de pessoas em âmbito criminal. É o acordo de vontades entre contribuintes a fim de praticar os atos de Evasão Fiscal. MARTINS explica: “No conluio, há a vontade de duas ou mais pessoas de não indicar, por exemplo, renda em um negócio jurídico, para não haver a respectiva tributação”.[11] O artigo 73 da Lei n.° 4502/1964 define conluio como o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, visando aos efeitos da sonegação ou da fraude. Por fim, pertinente a menção ao conluio, a fim de demonstrar sua particularidade, não como um ilícito, mas como um elemento qualificador da ação delituosa tributária. 4. OS REFLEXOS DA ELISÃO FISCAL NA SOCIEDADE A arrecadação de tributos é, indubitavelmente, elevada, basta um percorrer de olhos em nossas simples atividades diárias: uma compra de roupas, um passeio num veículo automotor, o recebimento de um salário, a aquisição de um imóvel, dentre tantas outras, que mostram como o Estado tem agido constantemente na arrecadação de receita. Mas, pautando-nos na bilateralidade da relação jurídica tributária, uma quantidade tão elevada de tributos não implicaria na mesma proporção da atividade estatal frente aos objetivos descritos? É notória a inadimplência estatal. Sua comprovação se perfaz com mais um simples percorrer de olhos na sociedade hodierna. A precariedade do ensino público, a insuficiência dos serviços de saúde, a fragilidade da segurança pública, tudo isso aliado ao aumento dos índices de criminalidade. À vista do perigo de uma análise social superficial e infundada, é de extrema importância registrar a conexão percebida em todos esses eventos sociais. A ocorrência de crimes não se deve, unicamente, a questionável qualidade dos serviços das polícias judiciárias brasileiras. A prestação dos serviços públicos pelo Estado (ou a sua não prestação) pode representar fator de peso na ocorrência dos conflitos. E, nesse toada, incluí-se os ilícitos tributários. Desta feita, consignamos que não é apenas a inércia do Poder Público no âmbito de fornecimentos dos direitos sociais que estabelece relação de causalidade com os problemas sociais. Há, inquestionavelmente, outros fatores. Nessa análise dos ilícitos tributários, dedicaremos maior atenção ao fenômeno da tributação e ao consequente dever de atuação do Estado. Feita esta ressalva, e, considerando a inadimplência estatal em face do descumprimento de sua obrigação, a realização da Elisão fiscal se revela, ao menos, razoável. O planejamento tributário por uma grande empresa, por exemplo, é medida que se impõe, sobretudo quando significativa parte de seus lucros são consumidos pela tributação. Conforme já anotamos, a prática da Elisão fiscal não é lesiva ao Estado, uma vez que o contribuinte evita a ocorrência do fato gerador, deslegitimando o pagamento do tributo e, se assim o faz, não diminui o direito à arrecadação do Estado, pois também não obrigou-se ao pagamento do tributo, em decorrência da abstenção de certo comportamento tributável. Com efeito, não podemos afirmar que a Elisão fiscal importe prejuízo ao Estado, nem tampouco a sociedade. Isso porque, não obstante ao Princípio da Solidariedade e a função social dos tributos, vige no Estado brasileiro o sistema econômico capitalista. Sua permanência determina uma busca individual pelo lucro, pelos benefícios financeiros da exploração da força de trabalho de terceiros, de modo que, absoluta e totalmente, não pode o particular responsabilizar-se pelo sustento daqueles que não podem fazê-lo por si mesmo, sob pena de comprometer sua própria sobrevivência no sistema. Um exemplo cotidiano que pode materializar a prática da Elisão fiscal em detrimento da Evasão fiscal, consiste na necessidade de geração de emprego e renda na modalidade formal propiciando à pessoa jurídica uma redução de alíquota tributária na medida em que gerar emprego formal ou aumentar a quantidade de empregados na empresa. Essa prática visa, sobretudo, à motivar a contratação de mão-de-obra formal com finalidade de promover a segurança jurídica dos trabalhadores com o devido registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado. Em contrapartida, o ente público, restará arrecadando uma maior quantidade de tributos indiretos através do próprio recolhimento tributário proveniente do registro do empregado, assim como em relação à distribuição de renda com aumento de consumo do qual irá propiciar uma maior arrecadação indireta em toda a esfera tributária. Não configurará renúncia de receita nem tampouco evasão fiscal, pelo fato de que, ao apurar a arrecadação total do ente proponente, as arrecadações indiretas provenientes do aumento de geração de emprego formal somado ao aumento do consumo e investimento, irão promover o aumento da arrecadação tributária em qualquer esfera federativa. A prática do contribuinte de procurar reduzir a alíquota ou até mesmo a redução desta pelo próprio ente público poderá promover uma maior geração de emprgo formal e uma maior arrecadação tributária indireta. Com base nessa possibilidade fática, é notável que nenhuma pessoa física ou jurídica nunca se obrigue ao pagamento de um tributo. Certo está, portanto, que receita o Estado sempre auferirá. A economia fiscal pretende criar um equilíbrio entre os interesses públicos e particulares, mormente à vista da má administração estatal dos recursos recebidos. É conveniente explicitar, novamente, que as condutas concernentes à Elisão fiscal somente podem ser lícitas. Embora o fim último seja a redução do pagamento de tributos, observar-se-á a licitude da economia fiscal quando a relação jurídica tributária ainda não tiver sido instaurada, assim, a economia fiscal visa, primordialmente, elidir, eliminar ou suprimir as ações que culminem na realização do fato gerador. Portanto, a Elisão fiscal ou a economia fiscal lícita, é uma prática digna de incentivos, seja em nome da livre concorrência e da propriedade privada, seja para demandar do Poder Público maior eficiência e moralidade na aplicação da receita derivada. 5. CONCLUSÃO  Ressalte-se que a proposta desta obra possui fundamento legal e interesse do contribuinte quando vislumbra-se a possibilidade de pagar menor tributo ou alíquota menor sem cometer qualquer ilicitude contra o fisco. A demonstração de prática negativa de obrigação tributária pode e deve ser instrumentos de todo contribuinte no afã de, dentro da lei, proporcionar o pagamento de tributo sem, contudo onerar sobremaneira o contribuinte. Toda proposta apresentada esta respaldada na melhor doutrina jurídica ademais não aflige qualquer preceito legal e por diversas propostas respaldadas pelos tribunais judiciais e administrativos. Provoca-se o contribuinte no afã de pesquisar, analisar e buscar o pagamento necessário de tributo para cada contribuinte e não e tão-somente, pagar o tributo cobrado sem qualquer verificação de possibilidade de redução ou quiçá, nulidade deste em relação aos atos putativos praticados pelo contribuinte. É sem dúvida instrumento necessário a vida do contribuinte, mormente quando vislumbra reduzir custos e gastos em geral propiciando o investimento em outras searas sem afrontar o fisco ou agir ludibriando os lançamentos fiscais ou mascarando os tributos necessários.
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Estudo sobre a limitação da não cumulatividade do ICMS implementada pela cláusula terceira do Convênio ICMS N° 93/2015
O Imposto incidente nas Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Serviços de Comunicação ICMS à um tributo de grande relevo para a economia nacional. Além de ser a principal fonte de receitas dos Estados e do Distrito Federal o ICMS à tema central de infindáveis debates jurídico tributários. Muito se debateu acerca da necessidade da alteração do critério de destinação da receita do ICMS em operações interestaduais destinadas a consumidores finais buscando-se uma forma de se promover repartição da riqueza deste tributo. A aparente pacificação deste debate ocorreu com a edição da Emenda à Constituição n 87 de 2015 que instituiu a repartição da receita tributária do ICMS em operações interestaduais que destinem bens e serviços a consumidores finais. Ocorre todavia que a regulamentação dessa Norma Constitucional foi realizada por meio da edição do Convênio ICMS n 93 de 2015 Ato da competência do Conselho Nacional de Política Fazendária que além de ditar os critérios operacionais da nova repartição da receita do ICMS instituiu limitação da utilização dos créditos deste imposto para compensação com a parcela do ICMS devido ao Estado de origem nas operações interestaduais destinas a consumidor final. Sendo certo que a utilização de créditos de ICMS detidos relativos ás operações anteriores para abatimento do imposto devido nas operações subsequente consubstancia um direito dos contribuintes previsto no Texto Constitucional justifica-se a detida análise desta problemática para aferir se a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n 93/2015 extrapolou os limites do poder regulamentar do ICMS atribuído ao Conselho Nacional de Política Fazendária vale dizer mostra-se necessário analisar se a limitação da Não Cumulatividade do ICMS implementada pelo Convênio ICMS n 93/15 fere o Texto Magno e se é válida.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A disciplina da Constituição Federal de 1988 (“CF”) estabeleceu que a apuração do ICMS em operações interestaduais que destinassem bens e serviços a consumidores finais não contribuintes deste imposto se realizaria mediante a utilização da alíquota interna do Estado[1] de origem da operação e, portanto, a receita tributária desta operação seria destinada exclusivamente a este Ente Federado. Ao longo dos anos essa destinação da receita do ICMS foi alvo de críticas por parte dos Estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do País. Isso por que referidos Entes Federados se entendiam prejudicados, porque nessa sistemática não recebiam qualquer parcela da receita do ICMS oriundo das operações interestaduais destinadas a consumidores situados em seus territórios, quando remetidas por comerciantes estabelecidos nas regiões Sul e Sudeste do País (onde se concentra a maior parte das empresas comerciais)[2]. Pautados nessa insatisfação, e em vista das dificuldades de se promover uma alteração da moldura Constitucional da destinação da receita tributária do ICMS nessas operações, Estados[3] das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do País celebraram no Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”) o Protocolo ICMS n° 21 de 1° de abril de 2011. Por meio desse ato normativo editado pelo CONFAZ foi instituída, em favor dos Estados de Destino, a cobrança de parcela adicional de ICMS nas operações interestaduais não presenciais (realizadas pela internet, telemarketing ou showroom) com bens e mercadorias, mesmo que fosse iniciada em Estado não signatário dessa norma. Em meio às discussões acerca da Constitucionalidade[4] de referido Protocolo n° 21/2011, foi apresentada no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição n° 103/2011 com o intento de por fim a essa disputa de receita tributária entre os Estados. O texto inicial de referida proposição pretendia incluir novo dispositivo[5] na Constituição Federal para promover a repartição da receita do ICMS em operações interestaduais não presenciais destinadas a consumidor final não contribuinte deste imposto. Nos termos iniciais da Proposta de Emenda à Constituição n° 103/2011 referida repartição seria levada a efeito mediante a destinação à Unidade Federada de destino da parcela de 70% da receita do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual e, posteriormente, o Senado Federal e o CONFAZ disciplinariam de forma definitiva essa repartição de receitas do ICMS. O texto final[6] de referida proposição aprovado pelo Congresso Nacional e convertido na Emenda à constituição n° 87/2015, todavia, foi mais abrangente que o texto inicial, pois alterou os dispositivos Constitucionais pertinentes para implementar repartição da receita do ICMS em operações interestaduais destinadas a consumidores finais (contribuintes ou não do ICMS). Com esta alteração Constitucional, desde 1° de janeiro de 2016, nessas operações interestaduais o Estado de destino tem direito à receita[7] do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interestadual, aplicada à operação pelo contribuinte remetente, e a alíquota interna da Unidade Federada de destino. Em vista dessa nova disciplina Constitucional, o CONFAZ editou o Convênio ICMS n° 93/2015 para regulamentar os procedimentos a serem observados pelos contribuintes para levar a efeito a nova repartição das receitas do ICMS. Ocorre que nesse exercício regulamentar referida norma estabeleceu em sua Cláusula Terceira que o crédito do ICMS detido pelo contribuinte remetente nas operações interestaduais regidas pela Emenda à Constituição n° 87/2015 será utilizado para compensar unicamente com o débito do imposto relativo à parcela do ICMS devida ao Estado de origem. Analisando-se com maior profundidade esse dispositivo normativo, percebe-se que ao disciplinar a forma de utilização do crédito de ICMS nas operações em apreço o Convênio ICMS n° 93/2015 acabou por vedar a utilização de créditos de ICMS para compensar com o imposto devido ao Estado de destino. Sendo certo que o direito à apropriação de créditos de ICMS e o correspondente direito à utilização para compensar com débitos subsequentes estão previstos na Constitucional Federal e que a correspondente disciplina desta sistemática foi estabelecida pela Lei Complementar n° 87/1996, muito tem se debatido acerca da validade dessa limitação da não cumulatividade do ICMS implementada pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015. Feita essa exposição da problemática em apreço, cumpre-nos analisar a validade da limitação da não cumulatividade do ICMS implementada pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015. 1 DA NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI COMPLEMENTAR O ICMS é um tributo que onera, dentre outros fatos jurídico tributários, a circulação de mercadorias. Tendo em vista que o ciclo mercantil das mercadorias em geral envolve diversas etapas e que o ICMS incide em todas essas fases do ciclo mercantil, tem-se que este é um tributo plurifásico. O fato do ICMS onerar todas as fases do ciclo mercantil exige a instituição de mecanismo tendente a impedir a sobreposição da tributação deste imposto, sob pena de se desestimular a salutar segmentação dos ciclos produtivos e comerciais e, colateralmente, estimular a concentração da produção e comercialização em restritos agentes mercantis. Com o fito de implementar mecanismo para impedir a sobreposição das fases de tributação do ICMS, também chamada de tributação em cascata, o Poder Constituinte inseriu na Constituição Federal de 1988 a não cumulatividade[8] como sistemática norteadora da tributação pelo ICMS. A inclusão da não cumulatividade do ICMS na Constituição Federal de 1988, todavia, não foi uma inovação do respectivo Constituinte, mas se trata da manutenção da disciplina contida na Constituição Federal de 1967/69, que, por sua vez, se pautou em primitivas experiências legislativas pretéritas[9] (BOMFIM, 2016, p. 78-88). Dito isso, para melhor analisarmos a não cumulatividade do ICMS vigente, vejamos a correspondente disciplina Constitucional: “Constituição Federal Art. 155. (…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (…)” (g.n.) Como se pode observar, o Texto Constitucional institui de forma suficiente a não cumulatividade do ICMS e estabeleceu sua sistemática de aplicação, que consiste na garantia ao contribuinte de abater do débito do ICMS apurado em suas operações o montante dos créditos deste imposto que se apropriou em relativo às operações anteriores (COÊLHO, 2009, p. 465). Por meio dessa sistemática, independentemente do numero de fases do ciclo mercantil não ocorre sobre posição da tributação do ICMS, pois é garantida a apropriação do montante cobrado nas operações anteriores como crédito para que seja compensado com o ICMS devido na operação subsequente. Deste modo o ICMS incide unicamente sobre o valor agregado em cada etapa do ciclo mercantil (COSTA, 1978, p.23). A despeito da disciplina Constitucional transcrita acima ser suficiente para a aplicabilidade da não cumulatividade do ICMS, o próprio Texto Magno atribui à Lei Complementar a função de “disciplinar o regime de compensação do Imposto” (artigo 155, §2°, XII, “c”, da CF), função está que foi cumprida pela Lei Complementar n° 87/1996 nos seguintes termos: “Lei Complementar n° 87/96 Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.” (g.n.) Como se pode observar, a Lei Complementar n° 87/96 cumpriu seu dever Constitucional de disciplinar o regime de compensação do ICMS e, como não poderia ser diferente, repisou completamente o Texto Constitucional ao se referir à sistemática da não cumulatividade do ICMS (MELO, 2004, p. 113). O fato da Lei Complementar n° 87/96 ter repetido as disposições da Constituição relativas à não cumulatividade do ICMS decorre primeiramente da inafastável e inquestionável superioridade do Texto Constitucional, bem como do fato de que além de impor a observância da não cumulatividade como norteadora da incidência do ICMS, a Constituição Federal teve o cuidado de estabelecer exaustivamente as hipóteses nas quais essa sistemática não será aplicável. Por oportuno, vejamos o dispositivo Constitucional limitador da aplicabilidade da não cumulatividade do ICMS: “Constituição Federal Art. 155. (…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”; (g.n.) O texto legal transcrito acima deixa clara a intenção do Constituinte de instituir de forma suficiente e exaustiva a não cumulatividade do ICMS. Isso por que a despeito de deixar a cargo da Lei Complementar a função de disciplinar o regime de compensação do ICMS, o Texto Constitucional estabelece que a não cumulatividade do ICMS somente não será observada nas operações em que estiverem presentes as figuras da isenção ou da não incidência tributária. Dessa forma, a liberdade do legislador complementar de regular o regime de compensação do ICMS se restringe a disciplinar a operacionalidade desta sistemática, visto que as hipóteses limitadoras da não cumulatividade estão taxativamente estabelecidas pelo Texto Constitucional (CARRAZZA, 2015, p.470 e 479). Destaque-se, por oportuno, que, ao mesmo tempo em que institui exceções à não cumulatividade do ICMS, o Texto Magno faculta ao legislador infraconstitucional dispor diversamente a essas exceções. Assim, o Texto Constitucional permite que a legislação infraconstitucional disponha no sentido de ampliar a aplicabilidade da não cumulatividade, mediante a permissão da manutenção e utilização de créditos de ICMS em operações nas quais estejam presentes as figuras da isenção e não incidência do imposto. Dessa forma, ao atribuir à Lei Complementar a função de disciplinar o regime de compensação do Imposto o Constituinte conferiu ao legislador complementar a faculdade de elevar a abrangência desta sistemática[10], de modo a garantir ao contribuinte a fruição da não cumulativa do ICMS mesmo que presentes as figuras da isenção e da não incidência tributária. Dito isso, tem-se que a não cumulatividade do ICMS é uma sistemática instituída pela Constituição Federal, cujos contornos são suficiente e exaustivamente estabelecidos pelo Texto Magno, cabendo à Lei Complementar dispor sobre os procedimentos necessários para levá-la a efeito, bem como ampliar sua abrangência. Dito isso, vislumbra-se claramente conflito entre o Texto Constitucional e a disposição do ato normativo editado pelo CONFAZ em apreço, pois a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 claramente impede a utilização dos créditos de ICMS para se compensar com débitos deste imposto relativos à parcela do ICMS destinada ao Estado de destino nas operações interestaduais sujeitas à disciplina da Emenda à Constituição n°87/2015. Exposto os contornos da não cumulatividade, passemos a apreciar a função dos atos da competência normativa do CONFAZ no que tange à disciplina do ICMS para, então, tecermos considerações sobre a validade da limitação da não cumulatividade do ICMS instituída pelo dispositivo em apreço. 2 DA FUNÇÃO DAS NORMAS DO CONFAZ NO ÂMBITO DO ICMS Historicamente os atos da competência normativa do CONFAZ têm grande relevância na disciplina do ICMS. O ponto maior da atuação deste órgão na regulamentação do ICMS se consubstanciou na edição do Convênio ICMS n° 66/88, que, com permissão Constitucional[11], regeu provisoriamente a incidência deste imposto. Com a edição da Lei Complementar n° 87/1996, todavia, referida disciplina temporária estabelecida pelo CONFAZ deixou de ser aplicável, visto que esta Lei Complementar passou a reger de forma absoluta a incidência do ICMS, complementando, assim, o Texto Magno conforme determinado pelo Constituinte. Superada a função excepcional exercida pelo CONFAZ (por meio da edição do Convênio ICMS n° 66/88), o campo material estabelecido pela Constituição Federal para as normas deste órgão em matéria de ICMS passou a se restringir[12] à regulamentação da “forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” (artigo 155, §2°, XII, “g”, da CF). O exercício dessa atribuição Constitucional do CONFAZ é regulamentado pela Lei Complementar n° 24/75, recepcionada pela Constituição Federal[13], a qual estabelece que as isenções do ICMS “serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal” (Artigo 1°, da lei Complementar n° 24/75) e que referidos Convênios “serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal” (Artigo 2°, da lei Complementar n° 24/75). Dessa forma, mostra-se claro que os Convênios ICMS são atos da competência normativa do CONFAZ editados mediante deliberação dos representantes dos Estados, com o fito de regulamentar a forma de concessão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS. Sendo essa a função dos Convênios ICMS, qualquer disposição contida em norma dessa qualidade distinta da regulamentação de benefícios fiscais, transborda do campo material reservado ao CONFAZ na disciplina do ICMS e, por conseguinte, contraria as disposições Constitucionais e legais pertinentes. Destaque-se, por oportuno, que a própria Lei Complementar n° 24/75 estatui mecanismo de defesa contra deliberações arbitrárias do CONFAZ, pois em seu artigo 8° estabelece que a inobservância das disposições dessa Lei Complementar (dentre as quais seu restrito campo material) acarreta a nulidade do correspondente ato normativo (CARRAZZA, 2015, p. 1062). Assim, a constatação de dispositivo de Convênio ICMS tendente a disciplinar matéria distinta da regulamentação de benefícios fiscais deste imposto destoa da matéria reservada à deliberação do CONFAZ e torna imperioso o reconhecimento da nulidade do correspondente dispositivo normativo. Dito isso, e tendo em vista que o Convênio ICMS n° 93/2015 inequivocamente dispôs sobre matéria diversa da regulamentação de benefícios fiscais de ICMS (dispôs sobre a não cumulatividade do ICMS), mostra-se claro o conflito entre esse ato normativo editado pelo CONFAZ e as disposições da lei Complementar n° 24/75. Delimitado o campo material da competência normativa do CONFAZ no que tange à disciplina do ICMS, passemos a analisar especificamente o conteúdo da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 para apreciarmos sua validade. 3 DA CLÁUSULA TERCEIRA DO CONVÊNIO ICMS N° 93/2015 Conforme anteriormente exposto, a Emenda à Constituição n° 87/2015 é o produto de longa queda de braço entre os Estados. A intenção do Poder Constituinte Derivado ao editar essa Norma Constitucional foi de instituir uma nova disciplina para repartir a receita do ICMS nas (cada vez mais recorrentes) operações interestaduais destinadas a consumidores finais. Essa alteração era reclamada por muitos Estados pelo fato de que a disciplina originária da Constituição Federal destinava a integralidade da receita do ICMS ao Estado de situação do estabelecimento remetente nessas operações. Com o advento da Emenda à Constituição n° 87/2015 foi instituída repartição dessa receita do ICMS, de modo que nas operações realizadas desde 1° de janeiro de 2016, cabe ao Estado de origem da operação a receita do ICMS correspondente à aplicação da alíquota interestadual[14] do imposto sobre o valor da operação. A inovação de maior relevo trazida pela nova redação do Texto Magno consiste na atribuição ao Estado de destino de parcela da receita do ICMS dessa operação. Essa parcela do ICMS destinada ao Estado de destino corresponde à diferença entre a aplicação da alíquota interna deste Estado e a alíquota interestadual (aplicada pelo remetente) sobre o valor da operação. Dessa forma, o Texto Magno alterado pela Emenda à Constituição n° 87/2015 atendeu aos anseios dos Estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do País, desprestigiadas no que tange à concentração das empresas atuantes no comércio em apreço[15], e lhes conferiu participação na receita do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais situados em seus territórios. Uma vez alterado o Texto Magno para ostentar fundamento de validade para a tão desejada repartição das receitas do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais, restava tão somente ser estabelecida disciplina para dar aplicabilidade à novel regra Constitucional do ICMS. Nesse sentido, mediante deliberação dos Estados no CONFAZ, foi editado o Convênio ICMS n° 93/2015 para dispor “sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada” (Ementa do Convênio ICMS n° 93/2015). De início já causa estranheza o fato das disposições Constitucionais em apreço serem regulamentadas por meio de ato da competência normativa do CONFAZ (BRIGAGÃO, 2015). Surpresa maior se tem com uma análise mais detida das disposições dessa norma. Isso porque a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 dispõe sobre o direito dos contribuintes à utilização dos créditos de ICMS nas operações regidas pela disciplina da Emenda à Constituição n° 87/2015. Por oportuno, vejamos a cláusula em comento: “Convênio ICMS n° 93/2015 Cláusula terceira. O crédito relativo às operações e prestações anteriores deve ser deduzido do débito correspondente ao imposto devido à unidade federada de origem, observado o disposto nos arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 87/96”. (g.n.) Antes de tratarmos do conteúdo do dispositivo transcrito acima, cumpre esclarecer que, a despeito da Emenda à Constituição n° 87/2015 ter promovido a repartição da receita do ICMS nas operações em apreço, a não cumulatividade deste imposto poderia em determinadas situações atenuar o efeito positivo dessa nova sistemática esperado pelos Estados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do País. Isso porque caso o contribuinte remetente das operações em apreço disponha de elevado saldo credor de ICMS, o recolhimento do imposto ao Estado de destino poderia ser reduzido ou até mesmo inviabilizado em virtude da compensação do imposto devido com os créditos detido pelo contribuinte. Em vista dessa possibilidade de ser inibida a arrecadação pretendida pelos Estados de destino nas operações em apreço, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 claramente intenta disciplinar o regime de compensação do ICMS de modo a garantir o integral recolhimento dessa parcela do ICMS ao Estado de destino. Referido dispositivo normativo determina que os créditos de ICMS apropriados pelo contribuinte em operações anteriores devem ser deduzidos da parcela do imposto devido à Unidade Federada de origem. Como se pode observar, com o pretexto de dar efetividade à repartição da receita do ICMS pretendida pela Emenda à Constituição n° 87/2015, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 claramente institui limitação à sistemática instituída pelo Poder Constituinte Originário e, colateralmente, dispôs sobre matéria alheia à competência do CONFAZ. Demonstrado o intento pretendido pelo CONFAZ no exercício de sua competência e o efeito da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, passemos a demonstrar detidamente os fundamentos jurídicos que evidenciam a contrariedade deste dispositivo normativo à Constituição Federal e à Lei Complementar n° 24/75. 4 DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA NULIDADE DA CLÁUSULA TERCEIRA DO CONVÊNIO ICMS N° 93/2015 Ao longo do presente estudo analisamos o conteúdo da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, bem como o instituto jurídico da não cumulatividade do ICMS por ela alterado. Com fundamento nesses apontamentos, portanto, passemos a demonstrar a inconstitucionalidade e a nulidade do dispositivo normativo em comento. 4.1 Da Inconstitucionalidade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 Conforme pontuado no item 1 do presente trabalho, o artigo 155, §2°, I, da Constituição Federal impõe objetivamente ao legislador o dever de instituir o ICMS sob a regência da sistemática não cumulativa, isto é, viabilizando a compensação do imposto devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores. À Lei Complementar, por meio do artigo 155, §2°, XII, “c”, da Constituição Federal, foi atribuído o dever de disciplinar o regime de compensação do ICMS. Em outras palavras, outorgou-se ao legislador complementar o dever de viabilizar a aplicabilidade da não cumulatividade do ICMS. O campo de atuação da Lei Complementar no que tange à disciplina da não cumulatividade do ICMS, todavia, não circunscreve a faculdade do legislador infraconstitucional de reduzir ou suprimir o direito à apropriação de créditos deste imposto e à compensação com débitos subsequentes. Esse entendimento decorre do próprio Texto Constitucional que, no mesmo passo em que estabelece a não cumulatividade como um comando norteador da tributação deste imposto, elenca objetiva e exaustivamente as exceções à aplicação desta sistemática. Não obstante a estipulação Constitucional de situações excepcionais à não cumulatividade, esse mesmo dispositivo Constitucional permite que a legislação venha estipular de forma diversa à limitação da não cumulatividade do ICMS por ele instituída. Em vista dessa disciplina Constitucional da não cumulatividade do ICMS, tem-se que cabe à Lei Complementar disciplinar a não cumulatividade do ICMS, sem, contudo, lhe ser facultado restringir a aplicabilidade desta sistemática. Por outro lado, é facultado à legislação infraconstitucional ampliar a abrangência da não cumulatividade, de modo a viabilizar a tomada de créditos e a correspondente compensação com o débito deste imposto em ciclos comerciais nos quais estejam presentes as figuras da isenção e da não incidência do ICMS (únicas exceções Constitucionais à não cumulatividade). A interpretação doutrinária dos dispositivos Constitucionais relativos à não cumulatividade do ICMS é uníssona no sentido de que o alcance da Lei Complementar no que tange  à não cumulatividade do ICMS se restringe a estabelecer disciplina tendente a tornar exequível esta sistemática. Nesse sentido, vejamos o quanto leciona Carrazza (2015, p.480) sobre o alcance da Lei Complementar no que tange à não cumulatividade do ICMS: “Aprofundando o raciocínio, a Lei Complementar só pode cuidar da forma de execução do regime de compensação. A Constituição não lhe atribuiu a possibilidade de vedar a apropriação de créditos. Voltamos a insistir que as vedações são apenas as referidas no art. 155, §2°, II, ‘a’ e ‘b’ da CF, que a legislação poderá atenuar ou ilidir, nunca ampliar.” No mesmo passo da doutrina, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento sedimentado no sentido de que a não cumulatividade do ICMS não pode sofrer restrições, senão as Constitucionalmente previstas, as quais, entrementes, podem ser atenuadas de modo a se permitir a fruição desta sistemática mesmo quando presentes as hipóteses excludentes previstas na Constituição Federal. Por oportuno, vejamos excerto do Voto Vista do Ministro Carlos Velloso proferido por ocasião da análise de disposição normativa entendida pelos contribuintes como restritiva da não cumulatividade do ICMS: “(…) Na forma do estabelecido no art. 155, §2°, XII, c, da Constituição Federal, cabe à Lei Complementar disciplinar o regime de compensação do imposto. A Lei Complementar n° 87, de 1996 (Lei Kandir), estatuiu que o crédito do ICMS referente à aquisição do ativo permanete poderia ser aproveitado, e aproveitado de uma só vez, integralmente; estatuiu também, que o crédito do ICMS poderia ser aproveitado sem restrições; e estatuiu, mais, que o crédito do ICMS referente a telecomunicações poderia ser utilizado também sem restrições. A Lei Complementar assim dispôs, porque a norma constitucional, art. 155, §2°, I, não impede que o legislador ordinário conceda mais. O que não pode fazer é conceder menos, na interpretação do texto constitucional. Noutras palavras, competindo ao legislador ordinário, mediante Lei Complementar, disciplinar o regime de compensação do imposto – C.F.., art. 155, §2°, XII, c – pode ele adotar interpretação mais benéfica ao contribuinte. (…)” (g.n.) (STF – Órgão Pleno – Voto Vista do Ministro Carlos Velloso – ADI n° 2.325-0 – Julgado 23.09.2004) Como se pode observar, doutrina e jurisprudência se debruçaram exaustivamente na análise da possibilidade da não cumulatividade do ICMS ser restringida por meio de Lei Complementar (além das hipóteses restritivas previstas na CF), com fundamento no artigo 155, §2°, XII, “c”, da Constituição Federal. Ambos os interpretes da Constituição têm entendimentos convergem no sentido de que não há permissivo Constitucional para tanto. Dessa forma, tem-se que a não cumulatividade do ICMS deve ser disciplinada por Lei Complementar, no que tange à estipulação de mecanismos para torná-la aplicável na apuração fiscal dos contribuintes. Por outro lado, não é atribuído à Lei Complementar dispor sobre a abrangência desta sistemática, vale dizer, estipular quais operações de circulação de mercadorias que ensejam a tomada de créditos do ICMS e o correspondente direito à compensação, visto que está matéria foi exaustivamente disciplinada pela Constitucional Federal. Em outras palavras, da análise da disciplina e dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pertinentes, tem-se que não pode a Lei Complementar estabelecer restrições ao regime da não cumulatividade do ICMS, senão aquelas já previstas no Texto Constitucional (Art. 155, §2°, II, da CF). Feita essa exposição sobre a liberdade da legislação infraconstitucional no que tange à não cumulatividade do ICMS, cumpre-nos repisar que com o pretexto de dar efetividade à repartição da receita do ICMS pretendida pela Emenda à Constituição n° 87/2015, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 claramente institui limitação à sistemática instituída pelo Poder Constituinte Originário. Dito isso, já se mostra claro que não sendo facultado à Lei Complementar limitar a fruição da não cumulatividade do ICMS, outro entendimento não seria razoável relativamente à tentativa de assim proceder por meio de ato da competência normativa do CONFAZ. A limitação à não cumulatividade do ICMS em apreço é objetivamente perceptível pela simples análise da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, a qual dispõe que “o crédito relativo às operações e prestações anteriores deve ser deduzido do débito correspondente ao imposto devido à unidade federada de origem”. Com esta imposição normativa, ainda que o contribuinte remetente disponha de créditos de ICMS suficientes para compensar com relevante parcela ou até mesmo com a totalidade do imposto devido nas operações interestaduais em apreço (levando a efeito assim a não cumulatividade do ICMS), essa compensação ficará restrita à parcela do ICMS devida ao Estado de origem. Exemplificando esta situação, em um cenário hipotético no qual a aquisição de determinada mercadoria de um vendedor situado no mesmo Estado do adquirente, no qual a alíquota interna seja de 18% e o valor da operação tributável pelo ICMS seja de R$ 100,00, o contribuinte adquirente se apropriará do ICMS cobrado nessa operação (R$ 18,00) como crédito para abatimento nas operações subsequentes. Ao revender essa mercadoria para consumidor final localizado em outro Estado no qual a alíquota interna para essa mercadoria seja de 18% e o valor da operação para fins de incidência do ICMS seja de R$ 110,00 (sendo uma operação interestadual sujeita a alíquota de 12%), será devido ICMS na seguinte proporção: ICMS devido à Unidade de origem – R$ 13,20; ICMS devido à Unidade de destino – R$ 6,60[16] Não obstante o contribuinte remetente nesse exemplo dispor de R$ 18,00 de créditos de ICMS, somente poderá se utilizar deste crédito para abater do ICMS devido ao Estado de origem. Assim, os R$ 13,20 devidos ao Estado de origem seriam compensados com igual montante de créditos detidos pelo remetente, de modo que restaria em sua escrita fiscal o montante de R$ 4,80 de créditos não utilizados. A despeito de dispor de créditos em sua escrita fiscal, o contribuinte remetente deste exemplo teria que recolher ao Estado de destino R$ 6,60 a título de ICMS. Como se pode observar da aplicação da disciplina estabelecida pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, este dispositivo normativo nitidamente representa uma restrição à não cumulatividade do ICMS, pois impede que o contribuinte utilize dos créditos que dispõe para abater dos débitos do imposto em suas operações. Sendo certo que, no entendimento do STF e em consonância com a doutrina, as únicas situações que permitem o afastamento da não cumulatividade do ICMS são aquelas exaustivamente elencadas pela Constituição Federal (alíneas “a” e “b” do inciso II, do §2°, da CF) e que a restrição imposta pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 não se confunde com tais situações, este dispositivo normativo claramente afronta a disciplina Constitucional. Além do fato desse dispositivo normativo contrarias as disposições Constitucionais relativas à não cumulatividade do ICMS, ao intentar estabelecer disciplina a cerca da não cumulatividade do ICMS a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 invade campo material reservado à Lei Complementar, pois o inciso XII, do §2°, do artigo 155, da CF atribui a esta espécie legal (com os limites oportunamente analisados) a disciplina do regime de compensação do ICMS. Dessa forma, tem-se inequivocamente demonstrado que a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 padece de inconstitucionalidade, visto que: (i) Afronta o artigo 155, §2°, I, da CF ao instituir limitação à não cumulatividade do ICMS distinta daquelas elencadas no inciso II, do §2°, deste mesmo dispositivo Constitucional; e (ii) Afronta o artigo 155,§2°, XII, “c” da CF por dispor sobre matéria reservada a Lei Complementar. Ressalte-se, por oportuno, que a inconstitucionalidade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, por instituir limitação à não cumulatividade do ICMS, está em linha com a jurisprudência do STF que reconhece a impossibilidade de serem estatuídas vedações ao regime de compensação do ICMS além das exaustivamente previstas na Constituição (ADI n° 2.325-0). Relativamente à inconstitucionalidade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 por dispor sobre matéria reservada à lei complementar, por sua vez, está constatação se mostra em linha com o entendimento do STF manifesto por ocasião da apreciação da usurpação de competência de Lei Complementar realizada pela Cláusula nona do próprio Convênio ICMS n° 93/2015. Esse entendimento decorreu do fato de que, a despeito do artigo 146, III, “d” da Constituição Federal estabelecer que cabe à Lei Complementar “definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte […]”, a Cláusula Nona do Convênio ICMS n° 93/2015 dispôs que “Aplicam-se as disposições deste convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional […]”. Ao apreciar essa discussão, o STF prontamente concedeu liminar para suspender a aplicação da Cláusula Nona do Convênio ICMS n° 93/15, pelo fato de que, inequivocamente, consubstancia usurpação de competência de Lei Complementar. Por oportuno, vejamos excerto do julgado mencionado acima: “Decido (…) A cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015, a pretexto de regulamentar as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 87/2015, ao determinar a aplicação das disposições do convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e pelas Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional -, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em relação ao imposto devido à unidade federada de destino, acabou por invadir campo próprio de lei complementar, incorrendo em patente vício de inconstitucionalidade. (…) Com efeito, a Constituição dispõe caber a lei complementar – e não a convênio interestadual – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, o que inclui regimes especiais ou simplificados de certos tributos, como o ICMS (art. 146, III, d, da CF/88, incluído pela EC nº 42/03). (…) Em sede de cognição sumária, concluo que a Cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 invade campo de lei complementar. Por essas razões, tenho que se encontra presente a fumaça do bom direito, apta a autorizar a concessão de liminar. (…) Pelo exposto, concedo a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender a eficácia da cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 editado pelo CONFAZ, até o julgamento final da ação. (…)” (g.n.) (STF – Órgão Pleno – Relator Ministro Dias Tóffoli – Medida Cautelar na ADI n° 5.469 – Julgada em 12.02.2016) Dessa forma, sendo certo que os entendimentos do STF proferidos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 2.325-0 e n° 5.464 são perfeitamente aplicáveis na apreciação no caso em apreço, não se pode esperar outro posicionamento de nossa Suprema Corte ao apreciar[17] a validade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, senão o reconhecimento de sua inconstitucionalidade por limitar a não cumulatividade do ICMS e, neste mesmo passo, dispor sobre matéria reservada à Lei Complementar. Portanto, com base nos ensinamentos doutrinários e no entendimento jurisprudencial, tem-se inequivocamente que é inconstitucional a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 por afrontar o artigo 155, §2°, I e XII, “c” da Constituição Federal. 4.2 Da Nulidade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 Conforme abordado no item 2 deste trabalho, o artigo 155, §2°, XII, “g”, da Constituição Federal reservou à Lei Complementar a regulamentação da forma como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos, mediante deliberação dos Estados. Exercendo essa atribuição Constitucional foi editada a Lei Complementar n° 24/75, que disciplinou a forma pela qual os Estado, mediante deliberação nas reuniões do CONFAZ, podem editar convênios para conceder ou revogar benefícios fiscais de ICMS. No passo da Constituição Federal e da lei Complementar n° 24/75, o Regimento Interno do CONFAZ, veiculado pelo Convênio ICMS n° 133/1997, dispõe sobre a competência deste órgão e delimita o campo material dos atos de sua competência normativa, restringindo a edição de Convênios ICMS para a concessão ou revogação de benefícios fiscais[18]. Não obstante ser claro que o campo material reservado aos Convênios em matéria de ICMS, conforme reconhecido pela jurisprudência[19], é restrito à concessão ou revogação de benefícios fiscais deste imposto, o Convênio ICMS n° 93/2015 foi editado para regulamentar as operações interestaduais sujeitas ao novo regramento Constitucional instituído pela Emenda à Constituição n° 87/2015. Em vista disso, sendo certo que a Emenda à Constituição n° 87/2015 dispõe sobre a repartição do ICMS, resta indubitável que o Convênio ICMS n° 93/2015 dispõe sobre matéria distinta do restrito campo material atribuído pala Constituição Federal aos atos da competência normativa do CONFAZ. Essa constatação de que o Convênio ICMS dispõe sobre matéria estranha à sua atribuição Constitucional dá ensejo à aplicação de mecanismo de autoproteção contido no artigo 8° da lei Complementar n° 24/75, que, por oportuno, transcrevemos: “Lei Complementar n° 24/75 Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;” Como se pode observar, o legislador Complementar teve o cuidado de instituir dispositivo tendente a inibir a utilização dos Convênios ICMS com finalidade diversa da que lhes é atribuída pela Constituição Federal. Com base nesse dispositivo, a inobservância do campo material de abrangência dos Convênios (concessão ou revogação de benefícios fiscais) acarreta a nulidade do correspondente ato normativo. Sendo inequívoco que o Convênio ICMS n° 93/2015 dispõe sobre matéria alheia ao campo de atuação dos Convênios estatuído pela Constituição Federal e pela lei Complementar n° 24/75, este fato torna imperioso o reconhecimento da nulidade desta norma com fundamento no artigo 8°, I, da Lei Complementar n° 24/75. Destaque-se, por oportuno, que deste entendimento compartilha Carraza (2015, p. 1062), que, ao dispor sobre a forma de concessão de isenções de ICMS, assim leciona: “Evidentemente, os convênios de que aqui estamos cogitando devem limitar-se a dispor sobre isenções de ICMS. Não lhes é dado, a este pretexto, cuidar de questões estranhas. Muito menos possibilitar o descumprimento de princípios constitucionais, máxime se isto vier em detrimento dos contribuintes. Milita neste sentido a própria Lei Complementar n° 24/1975, que, além de estatuir que os convênios deverão versar apenas sobre a concessão ou extinção de incentivos fiscais (arts. 1° e 2°), declara nulos os que inobservarem estes limites”. No passo da doutrina transcrita acima, cumpre ressaltar que, além do Convênio ICMS n° 93/2015 dispor sobre matéria alheia ao campo material desta espécie normativa, a Cláusula Terceira deste Convênio incorre nesta nulidade de forma ainda mais flagrante por instituir regramento prejudicial aos contribuintes e contrário ao Texto Magno. Dessa forma, com base no artigo 8°, I, da Lei Complementar n° 24/75 e no passo da doutrina, tem-se inequivocamente que é nulo o Convênio ICMS n° 93/2015, por dispor de matéria alheia ao campo material dos convênios ICMS estatuído pela Constituição Federal e pela Lei Complementar n° 24/75 e, especialmente, padece de nulidade a Cláusula Terceira deste ato normativo por incorrer neste vício ao instituir disciplina prejudicial aos contribuintes e manifestamente inconstitucional. 5 DOS DEMAIS VÍCIOS DA CLÁUSULA TERCEIRA DO CONVÊNIO ICMS N° 96/2015 E DOS SEUS EFEITOS MALÉFICOS Como vimos no tópico anterior, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 padece de inconstitucionalidades e é nula. Não obstante essas constatações serem motivos juridicamente suficientes para se expurgar este dispositivo de nosso ordenamento jurídico, cumpre destacar que a esta Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 fere outros Preceitos Constitucionais, além de provocar efeitos temerários para os contribuintes do ICMS inseridos no comércio eletrônico. Ao impedir que a não cumulatividade do ICMS seja plenamente levada a efeito, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 faz com que o contribuinte seja obrigado a recolher integralmente a parcela do ICMS devida ao Estado de destino, ainda que disponha de créditos deste imposto suficientes para a compensação com relevante parcela desta fase de tributação. Além disso, em vista da aplicação da alíquota interestadual para o cálculo da parcela do ICMS devida ao Estado de origem, os créditos detidos pelo contribuinte remetente fatalmente serão superiores ao débito de titularidade do Estado de origem, de modo que a realização destas operações promoverá o acúmulo de créditos de ICMS na escrita fiscal dos contribuintes remetentes. Nesse passo, a sistemática ditada pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 provoca imediatos efeitos no fluxo de caixa dos contribuintes remetentes, pois força o desembolso de numerário superior ao que seria necessário caso fosse observada em sua integralidade a não cumulatividade do ICMS. Esses dois efeitos imediatos da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 certamente desestimulam o incremento das atividades comerciais interestaduais em apreço. Isso por que caso o contribuinte venda seu produto no Estado em que se situa, a não cumulatividade do ICMS será plena, de modo que o desembolso necessário para o recolhimento do ICMS será consideravelmente menor, visto que se utilizará integralmente de seus créditos para compensar com o subsequente débito. Essa utilização integral dos créditos detidos pelo contribuinte, outrossim, afasta o risco de acúmulo de créditos de ICMS na escrita fiscal do contribuinte, tornando, assim, salutar sua apuração fiscal. Em vista dessa clara vantagem da realização de vendas internas em relação às vendas interestaduais, os contribuintes não terão estímulos para realizar esta modalidade de operações. Dessa forma, por meio de um ato da competência normativa do CONFAZ resta comprometida a Livre Iniciativa e, por conseguinte, a Livre Concorrência, que representam, respectivamente, Fundamento da Ordem Econômica e Princípio Constitucional (artigo 170, caput, e inciso I, da CF). Além dessa afronta a pilares da economia nacional, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 fere o Princípio Constitucional da Isonomia Tributária (artigo 155, II, da CF), pois por suas disposições a venda de determinada mercadoria se mostra mais vantajosa do ponto de vista fiscal quando destinada a consumidor situado no mesmo Estado. Dessa forma, os contribuintes que realizam operações interestaduais estarão sempre em desvantagem em relação aos contribuintes situados nos Estados de destino, pois, comparativamente com a venda interestadual, estes fruirão plenamente da não cumulatividade do ICMS, de modo que terão menores impactos indevidos em seu caixa ao cumprirem sua obrigação fiscal e não sofrerão com acúmulos de créditos (MARQUES, 2016). Colateralmente à afronta ao Princípio da Isonomia Tributária, a instituição pelos Estados de tratamento tributário distinto para mercadorias em função de sua procedência/destino (impedir a fruição plena da não cumulatividade em operações interestaduais e permitir nas internas) contraria o conteúdo do artigo 152, da CF, que institui o Princípio da Uniformidade Tributária, segundo o qual “É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”. Por fim, o dispêndio de recursos financeiros por parte do contribuinte para recolher aos Estados de destino a parcela do ICMS que lhe atribuiu a Emenda à Constituição n° 87/2015 mesmo quando disponham de créditos para reduzir ou até mesmo eliminar esta fase de tributação representa inequívoca majoração da carga tributária do ICMS implementada por ato da competência de órgão administrativo (infralegal), o que fere inquestionavelmente o princípio Constitucional da Estrita Legalidade Tributária estatuída pelo artigo 150, I, da Constituição Federal. Não obstante todos esses entraves para a aplicabilidade da sistemática instituída pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, não se pode olvidar que seus efeitos danosos inequivocamente representam, infelizmente, um convite à informalidade e à evasão fiscal. Isso por que para muitos contribuintes a observância da disciplina da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 representara uma onerosidade excessiva, suficiente para inviabilizar suas atividades. Diante dessa situação, muitos contribuintes deixarão de atuar neste segmento de vendas interestaduais para não se verem expostos a ônus fiscal que não poderão fazer frente. Outra parcela dos contribuintes cujas operações interestaduais serão inviabilizadas pela sistemática em apreço, no entanto, continuará suas regulares atividades, todavia, valendo-se de subterfúgios para elidir a tributação que lhes seja prejudicial. Assim, seja pela impossibilidade de realizar as operações em apreço em decorrência de sua excessiva onerosidade; ou pelos efeitos da evasão fiscal, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 provoca prejuízos incalculáveis à economia nacional, prejuízos esses que são potencializados pela crise como que assola nosso pais, Dessa forma, seja do ponto de vista jurídico ou econômico, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 se mostra demasiadamente prejudicial aos contribuintes, ao ordenamento jurídico e à economia nacional. 6 CONCLUSÃO Conforme exposto ao longo deste estudo, o Convênio ICMS n° 93/2015 foi editado pelo CONFAZ para regulamentar a nova repartição da receita do ICMS decorrente de operações interestaduais destinadas a consumidores finais. A Cláusula Terceira deste Convênio, por sua vez, disciplina a não cumulatividade do ICMS, estabelecendo que os créditos apropriados pelos contribuintes somente podem ser utilizados para compensar com a parcela do ICMS devido ao Estado de origem. A disciplina instituída pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, todavia, fere inequivocamente a Constituição Federal. Isso por que a Constituição Federal institui a não cumulatividade como sistemática norteadora da tributação pelo ICMS e se encarrega de estabelecer exaustivamente as hipóteses excetuadas de sua abrangência. Tendo em vista que a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 impede a observância da não cumulatividade do ICMS no tocante ao recolhimento da parcela do imposto devida ao Estado de destino nas operações interestaduais regidas pela Emenda à Constituição n° 87/2015, e sendo certo que esta situação não se confunde com as hipóteses excetuada pela Constituição Federal da abrangência da não cumulatividade do ICMS, esta disposição normativa consubstancia clara afronta ao artigo 155, §2°, I, da Constituição Federal. Colateralmente a essa inconstitucionalidade, a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 afronta o artigo 155, §2, XII, “c” da Constituição Federal, pois ao disciplinar a não cumulatividade do ICMS invadiu a competência legislativa reservada à lei Complementar. No plano infraconstitucional, com base no artigo 8° da Lei Complementar n° 24/75, tem-se que o Convênio ICMS n° 93/2015 é nulo, pois dispõem sobre tema diverso do reservado aos atos da competência normativa do CONFAZ, qual seja, concessão e revogação de benefícios fiscais. Essa nulidade é ainda mais vistosa em relação à sua Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 porque além transbordar a competência do CONFAZ, o faz para instituir tratamento prejudicial aos contribuintes. Esses vícios da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 são aferíveis pela simples análise textual. Uma análise contextualizada deste ato do CONFAZ com a realidade do mercado leva à conclusão de que a limitação à não cumulatividade do ICMS em apreço desestimula a livre iniciativa e a livre concorrência, pois por questões tributárias a realização de operações interestaduais se mostra mais onerosa que a realização de operações internas. Por conseguinte, os contribuintes que se aventurarem a realizar operações interestaduais destinadas a consumidores finais estarão em desvantagem em relação aos seus concorrentes situados nos Estados de situação de seus clientes, o que configura inequivocamente a positivação tratamento desigual a contribuintes em situações equivalente, bem como um óbice à implementação de tratamento tributário uniforme no território nacional. Não obstante todos esses entraves causados pela Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, os contribuintes que se aventurarem a realizar operações interestaduais com destino a consumidores finais terão de suportar inequívoca majoração da carga tributária do ICMS implementada por ato da competência normativa do CONFAZ, vale dizer, majoração de tributo realizada por ato infralegal. Ademais, esses efeitos danos da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 têm o condão de inviabilizar a realização de operações interestaduais por contribuinte que se virem excessiva e insuportavelmente onerados em decorrência deste dispositivo normativo e, na mesma proporção, estimula a informalidade e a utilização de meios espúrios para se evitar esta tributação. Diante deste cenário, os contribuintes se veem diante de delicada situação, pois não sabem se investem na parametrização de sistemas e assumem o ônus fiscal e econômico do cumprimento da disciplina claramente inconstitucional e nula, ou se excluem de sua estratégia comercial operações interestaduais destinadas a consumidores finais. Em meio a este nebuloso cenário, cumpre destacar que louvavelmente há relevante sinalização por parte do STF no sentido de que imposições arbitrárias (como a limitação da não cumulatividade do ICMS em apreço) não serão toleradas e serão expurgadas do ordenamento jurídico brasileiro. A despeito desse alento aos contribuintes, é certo que a edição de regramentos inconstitucionais e nulos como a Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015 provocam inestimáveis prejuízos aos contribuintes e à economia nacional e geram insegurança jurídica. Assim, cabe aos contribuintes de forma singular buscar o judiciário para afastar de suas operações a aplicabilidade da Cláusula Terceira do Convênio ICMS n° 93/2015, bem como aos agentes extraordinariamente legitimados implementar esforços para expurgar de nosso ordenamento jurídico este ato normativo editado pelo CONFAZ, visto que consubstancia o exercício arbitrário do poder regulamentar e padece de irremediável inconstitucionalidade e nulidade.
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A tributação excessiva e a difícil tarefa de sua redução sob a ótica da lei de responsabilidade fiscal
O presente trabalho tem por objetivo discutir o problema da tributação excessiva brasileira e o específico entrave trazido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Se é inegável que o país tem altíssima carga tributária e que deve passar por uma reforma estrutural no seu sistema não apenas para otimização arrecadatória, mas também redução de seu peso, é preciso vislumbrar a forma pela qual isto seria possível. Neste contexto, examina-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois diminuir alíquotas, bases de cálculo, ou conceder isenções, dentre outros, consubstanciam o instituto da renúncia de receita cujos requisitos são bem rígidos. E, não obstante o caráter moralizador da norma, tem consequência pouco visualizada, qual seja, obstáculo prático ou jurídico à redução da carga tributária.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente estudo pretende ao esmiuçamento de consequência ignorada decorrente de requisitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal quando da intenção de proceder-se à renúncia de receitas, qual seja, a dificuldade da redução da carga tributaria. É crescente a preocupação com o aumento da carga tributária no Estado brasileiro. O que se tem certeza, no entender dos economistas, é que para a saúde da economia, cedo ou tarde, será necessária uma reforma tributária não unicamente para simplificar o modelo extremamente complexo tributário posto aos contribuintes, mas também para diminuir a arrecadação. Não existe norma constitucional que defenda que o aumento da arrecadação tributária é índice almejado ou indicativo de crescimento estatal. Ou seja, é erro grosseiro sempre ter este objetivo. O Estado precisa atuar com um determinado limite orçamentário e não buscar sempre outras fontes onerando o contribuinte. O que se vê, entretanto, é o entendimento de que a diminuição da arrecadação é medida rechaçada pelo próprio legislador. A Lei de Responsabilidade, Lei Complementar 101 de 04.05.2000, não obstante sua reconhecida finalidade moralizadora da gestão fiscal, traça impedimento prático a uma eventual redução da carga tributaria, pois descreve em seu art. 14 que a renúncia deve vir acompanhada de medidas de compensação, tais como aumento do elemento quantitativo da obrigação tributária ou mesmo a criação de novos tributos ou, como hipótese alternativa às medidas compensatórias, demonstração de que a medida não afetará as metas fiscais. O que a prática ensina é que não importa a medida ou saída jurídica que camufle a renúncia, o Estado, pela medida, sempre arrecadará o mesmo ou mais. A este não fará muita diferença. Bem descreve o raciocínio fazendário no bordão popular do lençol curto: “cobre-se de um lado, descobre-se de outro”. É comum ver o fisco alardear com entusiasmo uma diminuição de determinada carga tributária, mas esconder que outra área ou classe econômica está sofrendo para compensar o déficit daquela arrecadação.    Com isto, pretende o presente trabalho demonstrar que a situação caminha à insustentabilidade e a necessidade de criação de compromisso com a redução da carga tributária. 1 A TRIBUTAÇÃO EXCESSIVA 1.1 INTRODUÇÃO Não é novidade alguma que a carga tributária brasileira segue onerando o contribuinte em patamares altíssimos. E várias são as suas justificativas, plausíveis ou não. O primeiro deles é a própria forma de estado brasileiro que confere autonomia a todos os seus entes federativos, reservando, entretanto, a soberania somente à manifestação de poder central. A forma de estado federação por si só, não é justificativa para altas cargas tributárias como o exemplo do modelo americano que, apesar de chamado de confederação, é uma variação de um estado federativo com nuances próprias e no qual se inspirou o próprio modelo brasileiro. Ali é inegável a reafirmação do sucesso de seu modelo com tributações mais racionais e preocupadas com o crescimento. No Brasil, além da forma federativa que suporta três esferas de entes autônomos, incluído o anômalo Distrito Federal, cada um destes possui divisão em Poderes. Assim, à exceção dos Municípios que não possuem Judiciário, os Estados, Distrito Federal e União precisam criar e manter seus próprios órgãos Legislativos, Executivos e Judiciários, e ainda os Ministérios Públicos e Tribunais de Contas. Manter estas estruturas é extremamente dispendioso para os contribuintes. Observa-se, por outro lado, que doutrina pátria, principalmente manifestada em fóruns nacionais, é bastante crítica sobre a manutenção de alguns destes órgãos com orçamento próprio sendo o exemplo, por excelência, as câmaras municipais. Nestas não é incomum que as pautas dominantes no cotidiano sejam meras disposições de nomeações de praças, ruas, concessões de honrarias e criação de datas especiais. Na verdade, as relevantes funções desta casa legislativa são exercer o controle externo e disposição sobre o orçamento, já que a edição de normas outras restam extremamente mitigadas[1]. Uma vez ou outra, determinado ente da federação edita norma que o Supremo Tribunal Federal entende por inconstitucional baseado em vício de competência. Visualizado este cenário, vê-se perceptível que o Município não pode legislar sobre quase nada, exemplificativamente; quando tentou o município de Manaus legislar sobre tempo de estacionamento em shoppings, o Judiciário entendeu que a matéria seria de direito civil cuja competência privativa é da União e, portanto, inconstitucional; quando um município edita normas para bem fluir o trânsito, qualquer que seja, o Judiciário as julga inconstitucionais por violar a competência da União para legislar sobre trânsito. Ora, não basta o legislativo municipal defender que determinada norma é afeta à assunto de interesse local pois muito tem se esvaziado a sua atuação normativa devido à abrangência genérica e entrelaçadas das competência constitucionais da União e Estados. No mais, são estes os órgãos que gerem os recursos públicos para bem prestar a função institucional constitucional e servir o povo. O pior é que estes poderes nunca se satisfazem em gerir determinada monta de recurso, sempre querem mais. E por que? Primeiro, por razão da cultura corrente do administrador público de que não se deve poupar o orçamento concedido, pois se gastado quantia inferior, a diferença precisa ser devolvida e, no orçamento subsequente, pode ser cortada. Portanto, por isto, o orçamento sempre é comprometido em sua totalidade, não havendo política de economia. Em segundo lugar, e disparadamente o fundamento mais relevante levantado para o crescimento dos gastos públicos que mais a frente será abordado em capítulo próprio, fala-se sobre os custos dos direitos, em especial os prestacionais. Defendem os gestores públicos e legisladores que o Executivo precisa cada vez mais de recursos para a realização de seus projetos de cunho constitucional social. Infelizmente, mesmo sabendo que o déficit é gerado por corrupção em grande parte, esta ideia leva a uma prática desenfreada que não encontra grandes barreiras no ordenamento jurídico, nem mesmo na lei de Responsabilidade Fiscal que até incentiva o aumento arrecadatório e cria obstáculos à diminuição.  O problema da tributação excessiva é bem sério e já começa a ser debatido em corridas eleitorais. Não é possível, entretanto, alardear grandes esperanças, pois não basta uma reforma tributária para simplificar o sistema, é necessário uma sincera redução da carga tributária atual. E diz-se precisar ser sincera, pois em diversas ocasiões o governo a título do banalizado e desnaturado principio da igualdade tributária e capacidade tributária, mascaradamente, deixa de onerar alguns para onerar outros, mas a arrecadação e carga tributária não diminui de verdade. Nunca é esta a intenção. 1.2 O EMARANHADO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Hely Lopes Meirelles[2] descreve que a experiência constitucional brasileira já tentou dar autonomia aos municípios sem dar uma autonomia orçamentária ou financeira. No entanto, não houve êxito na prática, por ter que pleitear recursos para os deveres constitucionais mais básicos, os municípios jamais foram autônomos, senão no texto constitucional. Percebendo-se disto, o constituinte de 1988 deu a autonomia financeira não unicamente aos Estados e União, mas a todos os entes federativos no qual se inclui os municípios. E para isto, criou uma gama de impostos e contribuições, em tese, até bem delineados para cada um. Com isto se possibilitou a criação de mais de 5.570[3] sistemas tributários autônomos nos limites constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Além disto, cada contribuinte integrante de um município se sujeita à tributação de 3 entes federativos (município, estado e União) não podendo um invadir a competência do outro sob pena de ferimento ao pacto federativo. Resultado: um grande mosaico tributário. 1.3 REALIDADE BRASILEIRA QUANTO AOS ABUSOS ARRECADATÓRIOS A situação delicada é brilhantemente exposta pelo professor Hugo de Brito Machado, razão pela qual se transcreve passagem pertinente[4]: “Nossa carga tributária é maior porque pagamos ao ganhar e pagamos também, ao gastar. (…) Para gastar temos que ganhar. Quem ganha até R$ 1.164,00 por mês é isento do imposto de renda e tem carga tributária de 26,63%, correspondente aos tributos sobre consumo. Quem ganha acima dessa quantia e não mais R$ 2.326,00 teve descontado, na fonte, imposto de renda de 15% e tem uma carga tributária de 41,63%. E quem ganha mais de R$ 2.326,00 por mês teve descontado, na fonte, imposto de renda de 27,5%, suportando, assim, uma carga tributária de 54,13%. Qualquer brasileiro, com rendimento mensal superior a R$ 2.326,00, entrega ao governo mais da metade do que ganha acima desse valor. Tudo isso, sem falar no IPTU (imposto sobre propriedade predial e territorial urbana), no IPTVA (imposto sobre veículos automotores), no IPI (imposto sobre produtos industrializados), no IOF (imposto sobre operações financeiras), no imposto de importação, nas contribuições sobre folha de salários ou de proventos dos inativos etc. Verdadeiro confisco, não obstante a vedação constitucional (art. 150, IV)”. Os dados foram apresentados em edição de dois mil e seis e mostram nitidamente que a carga tributária já era insustentável, mas o pior é confirmar que nunca diminuiu, exceto quanto aos tributos sem finalidade arrecadatória, quais sejam, aqueles extrafiscais cujas alíquotas variam de acordo com o objetivo do governo de incentivo ou desencorajamento de determinada prática. Outra opinião balizada sobre o tema é a de Josué Lafayete Petter[5]: “(…) pode-se dizer que os tributos constituem forma que o capitalismo encontrou para evitar a estatização da economia. Por isso não pode a carga tributária ser de tal monta que acabe desestimulando a própria atividade econômica. O Brasil, como todos os seu tributos e alíquotas elevadas, já enfrenta uma realidade de desestímulo da atividade econômica. Além disso, o governo (federal) tem sistematicamente batido recordes de arrecadação. Inobstante este aspecto – de imensa transferência de recursos particulares ao Estado – nunca há dinheiro para obras e serviços essenciais. Isso sem falar que o modelo federalista brasileiro, – tripartide – resulta em intermináveis controvérsias no que diz respeito à tributação”. De verdade, apesar do deferimento constitucional e infraconstitucional, há imaturidade dos governantes brasileiros para terem a liberdade de buscar novas fontes tributárias para seus objetivos. O dinheiro público é minado por corruptores que desvendam maneiras das mais escancaradas às mais sofisticadas de retirar uma parte para si. Como entender possível que a gestão irresponsável e ímproba destes governantes possa transferir a conta de “rombos ilegais” ao contribuinte? Sobre isto já ensina Lafayete Petter: “(…) a ineficiência da administração (…) pressiona a criação de mais e mais hipóteses de incidência tributária, onerando mais aqueles que já contribuem.”[6] 2 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL A Lei de Responsabilidade Fiscal é norma que pretende a responsabilidade na gestão fiscal por meio de ações transparentes, preventivas e corretivas sobre riscos que possam afetar o equilíbrio das contas públicas. E, sem dúvida, é bem sucedida no que se propõe, tem importância moralizadora inegável, tanto que chega ser citada como “um código de conduta”[7] para os administradores públicos na administração das finanças do erário. Há quem defenda que a lei foi promulgada no ano de 2000 como resultado de clamor da opinião pública e mídias brasileiras, inconformadas com os atos de improbidade com o patrimônio do povo. Numa visão mais realista da justificação originária da edição da lei, bem explica Regis Fernandes de Oliveira que no Brasil havia se disseminado a ideia de prevalecimento da impunidade a todo o custo: “Tudo é permitido se não é descoberto”. Neste cenário, o Brasil foi impelido indiretamente pelo Fundo Monetário Nacional à regulação de transparência das contas ou não mais teria recursos daquela entidade[8]. A bem da verdade, os políticos congressistas não editaram uma norma que “dificultava” a administração costumeira já arraigada que eles tinham por razão de um clamor popular por si, mas por interesse em conseguir mais recursos internacionais. “Adveio a Lei de Responsabilidade Fiscal por exigência do Fundo Monetário Internacional que, por meio de Comitê Interino entendeu que graças a sua experiência na área da gestão de finanças públicas e à universalidade de seus países membros, o FMI está bem situado em liderar a promoção de uma maior transparência fiscal. Assim, o Comitê Interino procura estimular os países-membros a aplicarem o presente Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal. Em sendo assim, no “pacote” de transações financeiras com o Brasil, o FMI exigiu a aprovação de texto normativo que desse visibilidade às contas públicas”. Além do nítido intuito ético, é também manifestação de viabilização de eventual adoção de uma administração gerencial pautada no controle de gastos e resultados, em contraposição àquela que se diz burocrática. Quanto a sua abrangência, descreve a Lei Complementar, de forma detalhada, o rol dos responsáveis pela sua obediência. De forma que não é difícil perceber que foi a intenção do legislador a fixação da maior abrangência possível, incidindo sobre a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, compreendidos nestas proposições o Executivo, Legislativo, Judiciário, bem ainda a administração indireta de direito público, fundos e entidades estatais dependentes. É bem vasto o conteúdo da Lei de Responsabilidade, rico ainda em disposições que tangenciam outras normas, em especial a Lei 4.320/1964. Na oportunidade, pode-se dizer que os objetivos das duas normas são distintos. Enquanto a Lei nº 4320/64 estabelece as normas gerais para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços, a Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a gestão fiscal. 2.1 RENÚNCIA DE RECEITA X REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA 2.1.1 BREVES NOÇÕES SOBRE RECEITA PÚBLICA Receita é entrada definitiva de dinheiro ao erário público, razão pela qual não se confunde com ingressos públicos em sua completude. Assim, pretendendo afastar eventual confusão, a diferenciação entre receita e ingresso há de ser dirimida. Ingresso ou entrada é todo recurso obtido pelo Estado aos cofres púbicos, já receita é somente aquilo que passa a integrar o patrimônio público com definitividade. De forma que todo ingresso caracteriza uma entrada, mas nem sempre a uma receita. Em suma, conceitua-se receita pública: “É o conjunto de ingressos financeiros, com fontes e fatos geradores próprios e permanentes, que produz acréscimos patrimoniais, sem gerar obrigações, reservas ou reivindicações de terceiros. É, portanto, entrada definitiva de dinheiro aos cofres públicos.”[9] No mesmo sentido leciona o conceito clássico e preciso de Aliomar Baleeiro que descreve como receita pública “a entrada que, integrando-se no patrimônio sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”[10] Levanta a doutrina que as principais classificações da receita levam em conta 04 critérios relevantes; a) quanto à natureza; b) quanto à regularidade; c) quanto à origem e; d) quanto à categoria econômica (critério legal). Quanto à natureza podem ser vistas como orçamentárias ou extraorçamentárias. Esta classificação é manifestação direta da diferenciação entre receita e ingresso pois por orçamentárias entende-se os recursos que o Estado arrecada para incorporação definitiva ao seu patrimônio, já a extraorçamentárias são tidas como os ingressos financeiros transitórios e de caráter temporário, passíveis de devolução em momento posterior, de forma que não pertencem ao estado e não são incorporadas ao orçamento. Podem ser classificadas como ordinárias ou extraordinárias levando em consideração o critério de regularidade. São ordinárias as receitas provenientes de arrecadação permanente e estável, arrecadadas regularmente, como são os tributos em geral. Por extraordinárias descrevem-se aquelas eventuais ou imprevisíveis que não integram permanentemente o orçamento, tais como doações, legado, indenizações, heranças vacantes e tributos especiais criados a partir de circunstâncias emergenciais temporárias[11]. Noutro critério, quanto à origem, são divididas em derivadas e originárias. As originárias são aquelas que são obtidas a partir da exploração do próprio patrimônio estatal e sem o exercício do seu poder soberano, no qual o Estado atua da mesma forma que o particular com suas peculiaridades inerentes. As derivadas, também chamadas de tributárias, são aquelas provenientes da exploração do patrimônio alheio particular a partir do exercício do poder de tributar. Por fim, o quarto critério, firmado a partir da categoria econômica, também denominado de critério legal, separa a receita pública em corrente ou derivada. Neste ponto é difícil encontrar uma formulação conceitual que não seja a mera repetição daquilo que diz a lei ser de capital ou corrente, talvez seja esta mesmo a melhor forma de se identificar uma ou outra, ou sempre parecerá imprecisa qualquer conceituação. Vejamos, senão, o art. 11 da Lei 4.320/1964: “Art. 11. A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receita de Capital. §1º – São receitas correntes as receitas tributárias, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes. §2º – São Receitas de Capital as provenientes de realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesa de Capital, e ainda, o superávit Orçamentário Corrente”. Não obstante, arriscando um conceito, cita-se a doutrina de Ricardo Damasceno de Almeida e Marcelo Jucá Lisboa que diz serem as receitas correntes aquelas resultantes da atividade própria da administração (Estado como agente arrecadador e agente econômico), com exclusão das provenientes de alienações de bens e das definidas como de capital pela lei. Noutro compasso, continuam os autores que receitas de capital são aquelas que geram movimentos contábeis tanto no ativo quanto no passivo. Destinam-se, precipuamente, a fazer frente às despesas com investimentos, exigindo-se um sacrifício patrimonial para serem obtidas. 2.1.2. O INSTITUTO DA RENÚNCIA DE RECEITA PÚBLICA E A RELAÇÃO COM A CARGA TRIBUTÁRIA Neste cenário pátrio antes descrito, editou-se a Lei Complementar 101/2000 na qual consta de seu conjunto normativo o art. 14, objeto nodal deste estudo que ora se transcreve: “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição”. Esta norma é concretização de regramento descrito no artigo 165, §6º da Carta Constitucional brasileira: “§ 6º – O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. Trata, enfim, da regulação da renúncia de receita, instituto que é título da seção II, integrante do Capítulo III da dita lei específica. Por fim, perfilhando um caminho conceitual, Leandro Eustáquio explicita que renúncia de receita é o ato pelo qual a Administração Pública extingue, unilateralmente, a obrigação de pagamento de um crédito que lhe é devido.[12] Lafayete Josué Petter prefere situar o instituto a partir de sua casuística: “ocorre quando se estabelece anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições e outros benefícios que correspondam à benefícios diferenciados (art. 14, §1º)”[13]. A sua finalidade pelo mens legis é bem intencionada. O objetivo da norma é afastar rivalidades entre Municípios e Estados que disputam tributos e investimentos em seus territórios, de forma que houve grande passo na limitação de possíveis conflitos entre entes que diminuam a sua carga tributária para atrair investimentos em detrimento de outros entes que acabam sendo prejudicados. Desta maneira, a renúncia de receita, através de concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária, deve estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a sua vigência e demonstração de que não haverá afetação das metas fiscais ou adoção de eventuais medidas compensatórias justamente para que não se viole metas fiscais, ou seja, não diminua a arrecadação. Regis Fernandes de Oliveira aborda o assunto da seguinte forma: “Todas as formas de renúncia de receita levam a odiosas situações, normalmente em prejuízo do erário. Objetivam, evidentemente, melhoria das condições locais. No entanto, as medidas são feitas de forma atrabiliária e sem qualquer fundamento legal. Basta a elas o cunho político irresponsável. Agora, a lei corta quaisquer tentativas de benefício indevido, em detrimento de outro ente ou mesmo em detrimento da União ou do Estado, que, ao final, irá suportar a renúncia mediante repasses de recursos”.[14] Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal era comum, portanto, conceder benefícios para atrair maiores investimentos. Nessa linha aponta Harrison Leite: “Ocorre que diversos benefícios fiscais foram concedidos sem análise acurada dos seus efeitos orçamentários. É dizer, quando se concede um benefício, fatalmente há reflexos no orçamento, na parte das receitas. E, se a receita é afetada, poderá haver distúrbios em diversas áreas, incluindo-se aí as metas de investimentos, a necessidade de redução de gastos, a impossibilidade de aumentos salariais, dentre tantos outros”.[15] Por fim, para a materialização da renúncia de receita é preciso atender aos requisitos dispostos na norma. Assim, a renúncia deverá estar obrigatoriamente; a) acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a sua vigência e nos dois subsequentes e; b) habilitada a atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Além destes requisitos, há ainda a necessidade de atendimento de uma das condições alternativas: a) demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa da Lei Orçamentária Anual e não afetará metas fiscais ou; b) adoção de medidas de compensação tais como: elevação de alíquotas, alteração da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Essas últimas são as condições mais importantes para a definição se haverá de existir ou não medidas de compensação. Com isto, pode-se frisar a premissa óbvia de que a redução da carga tributária deve seguir os regramentos atinentes à renúncia de receita, mas que somente há verdadeira diminuição da carga tributária se não houver redirecionamento das despesas em medidas compensatórias. Não há muita doutrina sobre a primeira condição alternativa acima, todavia, é possível dizer é que bem mais difícil a demonstração de que a renúncia não afetará as metas fiscais do que se prever medidas de compensação. A LRF determina que no Anexo de Metas Fiscais serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes e conterá minucioso quadro de informações composto por uma série de demonstrativos[16]: “Demonstrativo I – Metas Anuais; Demonstrativo II – Avaliação do Cumprimento das Metas Fiscais do Exercício Anterior; Demonstrativo III – Metas Fiscais Atuais Comparadas com as Metas Fiscais Fixadas nos Três Exercícios Anteriores; Demonstrativo IV – Evolução do Patrimônio Líquido; Demonstrativo V – Origem e Aplicação dos Recursos Obtidos com a Alienação de Ativos Demonstrativo VI – Avaliação da Situação Financeira e Atuarial do RPPS; Demonstrativo VII – Estimativa e Compensação da Renúncia de Receita; Demonstrativo VIII – Margem de Expansão das Despesas Obrigatórias de Caráter Continuado”. Por não afetação das metas fiscais deve se entender como a percepção de que não haverá de impossibilidade de cumprimento das despesas públicas. No entanto, é fácil ver o quão difícil, arriscado e trabalhoso apresentar esta demonstração. Esta hipótese é tão arriscada ao administrador, já que precisa se comprometer com a não afetação das metas fiscais – o que pode não ser confirmado quando da prestação de contas -, que não há incentivo algum para que implemente a hipótese primeira de renúncia de receita. Muito ao contrário, pode vir a ser sancionado e ter considerada a sua gestão ímproba e irresponsável com a desaprovação das contas. Ademais, ainda que se preveja um superávit arrecadatório excepcional num exercício financeiro, não se pode esquecer que as estimativas de impacto e de não afetação das metas fiscais não se subsumem unicamente ao exercício em devam ter início. Em resumo, diante das condições alternativas que definem se a renúncia implica ou não em diminuição da carga tributária, somente a que não resulta em medidas de compensação é que tem a capacidade verdadeira de redução tributária. Na que prevê a adoção de medidas de compensação, a redução somente é visível àquele que deixou de ser onerado, mas o Estado não deixou de arrecadar o que antes arrecadava onerando outro. Já em relação à condição alternativa descrita no art. 14 da LRF, que exige medidas de compensação, o raciocínio para a sua adoção pelo administrador é um caminho bem mais simples e fácil.   É aqui onde reside uma crítica severa, mas ignorada pela maioria doutrinária. Perceba-se, portanto, considerando que a carga tributária geral deve ser minimizada, e não meramente repassada para outra área, esta condição não serve ao fim pretendido já que não haverá redução da carga tributária real, senão do específico grupo atingido pela desoneração. Ad exemplum, o Município tem os exatos dados de quem, por exemplo, são os maiores, em termos de classes, pagadores ou inadimplentes de IPTU. Daí então, políticos adotam medidas de isenção (renúncia de receita) da classe pobre e encarecem o imposto dos demais sob a falsa propaganda de justiça social[17]. Não há “ponto sem nó” destes políticos, em geral a classe mais pobre representa parcela menos expressiva da arrecadação do IPTU e, por vezes, inadimplente. Desta forma a medida não tem real intenção de promoção da justiça social, mas de crescimento arrecadatório. Outro exemplo crasso que denota a imediata necessidade de mudança foi o ocorrido em São Paulo. Em 2013, o Brasil passou por um conjunto de manifestações populares generalizadas nas ruas iniciada por uma insatisfação com as tarifas de transporte público. Pouco tempo depois, os prefeitos decidiram baixar a tarifa, mas por incidência da cláusula dos contratos administrativos de manutenção do equilíbrio econômico financeiro, foi o poder público quem arcou com a diminuição e não as concessionárias. E, aguardado um período para evitar insatisfações imediatas, os prefeitos simplesmente aumentaram o IPTU sob as mais diversas justificativas dentro do direito, dentre as quais, uma gestão responsável. No caso específico de São Paulo, o prefeito tentou um aumento das alíquotas de 35% para imóveis comerciais e progressividade variada para imóveis residenciais para 2014, sendo que a lei teve sua eficácia suspensa pelo Judiciário. Enfim, o que se vê é que a diminuição da carga tributária (renúncia sem medidas de compensação) exige um compromisso extremamente centrado e responsável do administrador que de tão tortuoso é raridade, um verdadeiro “unicórnio”[18], enquanto o aumento, ao contrário, é tão fácil que o Brasil atingiu os altíssimos patamares que hoje tem e dentro da legalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se há como negar o intuito de probidade, responsabilidade e moralidade nas exigências para renúncia de receita, noutro giro, pendendo ao lado oposto da balança, se percebe, considerando algumas características da política brasileira na prática, que a limitação torna quase impossível a redução da carga tributária e afeta o principio do bem estar social. Entretanto, somente o aumento da carga tributária é facilitado, protegido e até incentivado, sendo, por outro lado, extremamente dificultosa a sua redução pela Lei de Responsabilidade Fiscal somado ao fato de ausência de interesse estatal nisto. Em resumo, apesar de existir a previsão pela redução de receitas futuras, esta é praticamente inviável e desaparecida na prática administrativa. Como isto influi diretamente na impossibilidade de redução de tributos é lógico o raciocínio de que, no futuro, a situação deve ser tornar cada vez mais insustentável. Com este impulsionamento da carga tributária sem freios, há influência negativa bem visível na vida das pessoas, mais especificamente, na qualidade e custo de vida já que tudo é encarecido. Além disto, também a iniciativa privada padece com desmandos tributários que criam obrigações tributárias setoriais, independentes umas dos outras e esparsas em legislações que nem mesmo um jurista tem facilidade de entendimento ou mesmo de encontrá-la, de forma que se criou um verdadeiro emaranhado de insustentabilidade óbvia se vista como um todo. Por fim, o que se bem almeja demonstrar é que todas as áreas, principalmente a tributária, seguem num ritmo cego e progressivo de oneração sem se importar com a saúde do contribuinte, exceto quando já crítica a situação. Assim, somente atividades de alta lucratividade tendem a aguentar a carga tributária no sistema atual sendo, salvo algumas medidas importantes, hipocrisia as promessas políticas de incentivo ao pequeno e microempresário. Por fim, considerando o principio e objetivo estatal de promoção do bem estar social de todos, que não se confunde completamente com o Welfare state, bem ainda de uma existência digna, é preciso se pensar em superação da ideologia rígida descrita no art. 14, sob pena de, se chegado ao extremo da carga tributária, se tornar o dispositivo nitidamente inconstitucional.
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Conceito de tributo e as espécies tributárias
O presente artigo tem como finalidade obter-se um conceito de tributo através da análise da redação do artigo 3º, do Código Tributário Nacional, afim de identificar uma determinada obrigação perante o Poder Público, ou suas respectivas autarquias, como de natureza tributária. Posteriormente, analisaremos quais são as espécies de tributos previstos na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional e não havendo conexão entre estes dois diplomas, qual destes deve prevalecer segundo a premissa a ser defendida no presente artigo, com respaldo em diversos entendimentos doutrinários.
Direito Tributário
1. Introdução A princípio, importante salientar acerca da inexistência de um conceito explícito na Constituição Federal de “tributo”. Analisando o capítulo da Carta Magna o qual dispõe acerca do “Sistema Tributário Nacional”, constatamos que a lei maior remete a Lei Complementar a competência para “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos e suas espécies”, conforme redação do artigo 146, inciso III, alínea “a”, cujo teor abaixo se colaciona: “Art. 146. Cabe à lei complementar:(….) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” Conforme se observa através da redação do dispositivo trazido à baila, percebe-se que a competência para fins de conceituação de tributo é infraconstitucional, ou seja, da Lei Complementar. Como é cediço, e fato notório de suma importância para a tese a ser desenvolvida no presente artigo, a Lei 5.127 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional) foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com o status de Lei Complementar, conforme se observa através da redação do art. 34, §5º, do Ato das Disposições Transitórias, senão veja-se: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. § 5º – Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º” Assim, de acordo com as considerações inicialmente esposadas, percebe-se que o conceito explícito de tributo é aquele delineado na legislação infraconstitucional, in casu, o Código Tributário Nacional, conforme a seguir será demonstrado. 2.Conceito de Tributo. Conforme dito em alhures, o Conceito de Tributo, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se explicitado no artigo 3º do Código Tributário Nacional, o qual preleciona que: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Em consonância com esta premissa, são as palavras do Ilustre jurista Hugo de Brito Machado, ao dizer que: “O legislador, afastando as divergências da doutrina, disse que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, Art.3º)[1]”. Nestes termos, constatamos que o Código Tributário Nacional por intermédio do dispositivo supramencionado, com seu status de “Lei Complementar” atribuído pelo art. 34, §5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, no exercício de sua competência atribuída pelo artigo 146, III, alínea “a”, da CF/88, conceitua explicitamente o que é “tributo”, razão pela qual há de se entender que não possuem nenhuma utilidade os diversos conceitos de tributo desenvolvidos por juristas e financistas. Portanto, de acordo a premissa ora fixada, entendemos que todos os quesitos que ensejam a caracterização de um tributo encontram-se delineados na redação do artigo 3º, do Código Tributário Nacional, ao conceituar que tributo “(1) é toda prestação pecuniária (2) compulsória, (3) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, (4) que não constitua sanção por ato ilícito, (5) instituída em lei e (6) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Para melhor compreensão da tese ora aventada, passemos a analisar analiticamente todos os seis quesitos cuja constatação cumulativa nos permite identificar determinada espécie tributária. 2.1. Prestação Pecuniária O tributo é prestação pecuniária conforme se observa na parte inicial do artigo 3º, em análise, assim entendida como uma obrigação do cidadão de prestar dinheiro ao Estado. A pecúnia é representada pela prestação em dinheiro, em moeda corrente no país ou em cheque, conforme preleciona o artigo 162, I, do CTN, in verbis: “Art. 162. O pagamento é efetuado: I – em moeda corrente, cheque ou vale postal”; A título de esclarecimento, no que concerne ao pagamento de tributo por meio de cheque, a legislação tributária pode determinar as garantias necessárias, sem que tal exigência torne impossível o pagamento ou deixe mais oneroso do que se fosse feito em moeda corrente (art. 162, §1º, CTN). Ademais, importante salientar que o tributo pago por cheque somente extinguirá o crédito tributário com o resgate do título pelo sacado (ente político), razão do caráter pro solvendo do título (Art. 162, §2º, CTN). 2.2. Compulsória. O tributo é prestação compulsória por ser uma obrigação não decorrente de contrato, não possuindo assim caráter de voluntariedade ou facultatividade em relação ao seu cumprimento, o que ocasiona em seu caráter de compulsoriedade, não dando assim ao cidadão azo de autonomia de vontade, uma vez que o seu pagamento é obrigatório. Nestes termos, são as palavras do Ilustre professor Paulo de Barros Carvalho: “prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias[2]”. Registre-se que o caráter de “compulsoriedade” do tributo é derivado do preceito institucional do princípio da legalidade insculpido no artigo 5º, II, da CF/88, o qual preceitua “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não for por meio de lei”. 2.3. Em moeda ou Cujo Valor nela se Possa Exprimir Analisando o teor destacado, contido na redação do artigo em destaque (Art.3º), é constatado que a prestação tributária é pecuniária, isto é, seu conteúdo é expresso em moeda, não sendo admitido a instituição de tributo como obrigação a ser quitada com bens diversos de dinheiro. Em suma, urge aqui salientar que ordenamento jurídico brasileiro desconhece o pagamento de tributos de forme in natura, assim entendida como a forma diversa de moeda, ou in labore, assim entendido como o pagamento do tributo mediante a prestação de serviços perante o Poder Público. 2.4. Que não Constitua Sanção por Ato Ilícito. Na análise deste quesito, entendemos que tributo não se confunde com a penalidade pecuniária decorrente do inadimplemento da obrigação tributária. Ou seja, tributo não é multa, e a multa não é tributo. Nestes termos, são os ditames do nobre jurista Ricardo Lobo Torres: “são inconfundíveis o tributo e a penalidade. Aquele deriva da incidência do poder tributário sobre a propriedade privada. A penalidade pecuniária resulta do poder penal do Estado e tem por objetivo resguardar a validade da ordem jurídica. O próprio art. 3º do CTN, ao se definir tributo, exclui do seu conceito a prestação que constitua sanção por ato ilícito. Logo, o art. 3º estaria em aparente conflito com o art. 113, §1º[3]”. Pelas considerações acima expostas, constata-se que tributo não pode ser confundido com a multa uma vez que esta decorre do inadimplemento de uma obrigação tributária, não consistindo no objeto da obrigação principal, qual seja o pagamento do tributo em si. 2.5. Instituída em Lei Tal quesito previsto no artigo em referência diz respeito ao fato de que só a lei pode instituir o tributo. Tal fator decorre diretamente do corolário princípio da estrita legalidade tributária, insculpido nos artigos 150, I, da Constituição Federal de 1988 c/c art. 97, I, do Código Tributário Nacional, os quais, em suma, possuem o preceito normativo o qual estabelece que “somente a lei pode estabelecer a instituição de um tributo ou sua extinção”. 2.6.Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Por fim, o ultimo quesito em evidência, que dá ensejo a uma caracterização de um “tributo”, diz respeito, stricto sensu, a imprescindibilidade do lançamento afim de mostrar-se como marco inicial do procedimento de exigibilidade do tributo, conforme dicção do artigo 142 do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. “Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”. Ademais, imperioso registrar que o lançamento é consumado através de ato documental escrito no qual deverá, obrigatoriamente, quantificar o quantum pecuniário do crédito tributário a ser pago. Em consonância com esta afirmação, são os ditames do ilustre doutrinador Eduardo Sabbag: “Por ser ato vazado em documento escrito, não se admite lançamento verbal. Além disso, o lançamento é ato vinculado, logo, não discricionário. De fato, o lançamento é balizado ou regrado na lei, vedando-se ao administrador tributário, na ação estatal de exigir tributos, a utilização de critérios de oportunidade ou conveniência (discricionariedade)[4]”. 3.Espécies Tributárias De acordo com a corrente doutrinária majoritária, existem 5 (cinco) espécies de tributos no atual sistema tributário nacional, de acordo com a denominada teoria pentapartida. Todavia, de acordo com o artigo 145 da Constituição Federal, em consonância com o que preleciona o artigo 5º, do Código Tributário Nacional, existem no ordenamento jurídico brasileiro 3 (três) espécies de tributos, quais sejam os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, senão veja-se: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.” Os comandos normativos estampados nos dispositivos trazidos à baila trazem à tona o entendimento que o ordenamento jurídico brasileiro teria adotado uma divisão tricotômica das espécies tributárias, servindo assim de fundamento para os fiéis defensores da denominada “teoria tripartida”. Assim, vislumbrando um nítido conflito nas correntes doutrinárias que discorrem acerca das espécies tributárias dentro do ordenamento brasileiro, faz se mister trazer à tona as principais correntes que discorrem sobre o tema em pauta afim de delimitar a premissa a ser defendida no presente artigo. Pois bem, a princípio, a corrente teoria bipartida, encabeçada por Geraldo Ataliba[5], também conhecida como “corrente dicotômica”, separou as espécies tributárias apenas em 2 (duas), quais sejam: “1. Tributos vinculados: São aqueles vinculados a uma atuação estatal, quais sejam as taxas e as contribuições de melhoria; 2. Tributos não vinculados: São aqueles não vinculados a uma atuação estatal, quais sejam os impostos.” De acordo com esta teoria, todo arcabouço tributário se resume no dicotômio binômio “imposto-taxa”. Além de Geraldo Ataliba, fizeram coro a esta teoria Pontes de Miranda[6] e Alfredo Augusto Becker[7]. Já a teoria tripartida é aquela prevalente à época da elaboração do Código Tributário Nacional, qual seja no ano de 1966, a qual estabelecia que tributos, independentemente da destinação de sua receita, seriam divididos em 3(três) espécies, quais sejam (1) impostos, (2) taxas e (3) Contribuições de melhorias, de acordo com os ditames de seu artigo 5º. Esta teoria sempre gozou de grande prestígio entre diversos doutrinadores, já que foi criada a partir da acepção da norma explícita estampada no Código Tributário Nacional de 1966. Neste sentido, imperioso trazer a baila os ditames do Ilustríssimo Professor Paulo de Barros Carvalho[8], o qual acentua que “há três espécies de tributos: o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria, afirmando-se que o empréstimo compulsório pode assumir quaisquer dessas configurações e as contribuições ou são impostos ou são taxas”. Já a teoria quadripartida, para seus defensores, como Ricardo Lobo Torres[9], a Constituição Federal estabelece 4 (quatro) espécies de tributos, quais sejam os impostos, as taxas, as contribuições e os empréstimos compulsórios. De acordo com este doutrinador, “as contribuições sociais, de intervenção de domínio econômico e de interesses de categorias profissionais ou econômicas, referidas no art. 149, são abrangidas pelo conceito das contribuições de melhoria previstas no artigo 145, III, da CF/88”. Já para o Professor Luciano Amaro[10], também adepto a esta corrente, de um forma um pouco peculiar diversa das justificativas adotadas na premissa que justifica a prevalência da corrente em pauta, aduz que as espécies tributárias são divididas em “impostos, taxas (se serviço, de utilização de via pública e, ainda, contribuições de melhoria) contribuições (sociais, econômicas e corporativas) e empréstimos compulsórios, não sendo as contribuições de melhoria uma espécies tributária autônoma, mas sim uma modalidade de taxa”. Ocorre que em meados das décadas de 80 e 90, com o advento da Constituição de 1988, foi acrescentado ao ordenamento jurídico brasileiro as figuras dos empréstimos compulsórios e das contribuições, as quais, em sua materialidade, preencheram todos os 6 (seis) quesitos caracterizadores de um tributo, delineados no artigo 3º do Código Tributário Nacional, quais sejam “(1) prestação pecuniária (2) compulsória, (3) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, (4) que não constitua sanção por ato ilícito, (5) instituída em lei e (6) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A partir daí, com o advento da CF/88, gerou-se um descompasso com as figuras tributárias previstas no artigo 5º, do Código Tributário Nacional de 1966, o qual separa tricotomicamente 3 (três) espécies tributárias, quais sejam os (1) impostos, (2) taxas e (3) contribuições de melhoria. Ou seja, a Constituição Federal passou a prever a existência de 5 (cinco) figuras tributárias e o Código Tributário Nacional de 1966, devidamente recepcionado pela nova Carta Magna no status de “Lei Complementar (ADCT, art. 34, §5º), previa a existência de apenas 3 (três). Assim, tal fator ocasionou no surgimento das denominada teoria pentapartida, hoje a corrente predominante entre os doutrinadores e no Supremo Tribunal Federal. O ilustre doutrinador Aliomar Baleeiro[11] foi um dos pioneiros a aceitar a existência de 5 (cinco) espécies tributárias após o advento da Constituição Federal. Nestes termos, a teoria pentapartida preceitua a existência de 5 (cinco) espécies tributárias no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam os (1) impostos, (2) taxas, (3) contribuições de melhoria, (4) empréstimos compulsórios e as (5) contribuições. Pelo então exposto, no que concerne a classificação das espécies tributárias previstas em nosso ordenamento jurídico, as variações de entendimentos doutrinários a respeito tem se apresentado bastante diversificadas, não se chegando a um consenso acerca de um número exato de espécies tributárias previstos na legislação tributária. Portanto, nos tópicos seguintes, discorreremos acerca das teorias mais aceitas sobre o tema em pauta, com o maior número de doutrinadores adeptos, com seus respectivos fundamentos, para após defender a premissa predominante no presente artigo. 3.1. Espécies Tributárias previstas na Constituição Federal – TEORIA PENTAPARTIDA. De acordo com a teoria pentapartida, a qual possui como fiéis defensores ilustríssimos doutrinadores como Ives Gandra Martins[12] e Hugo de Brito Machado[13], com base nos preceitos normativos insculpidos na Constituição Federal, os tributos subdividem-se em 1) impostos, 2) taxas, 3) contribuições de melhoria), 4) Empréstimos Compulsórios e 5) contribuições, conforme já suscitado no tópico anterior. Ainda, a teoria em análise classifica como autônomas as espécies tributárias previstas na Carta Magna de 1988 em razão de seu regime jurídico específico, o qual não podem, de acordo com suas peculiaridades, serem enquadradas como subespécies de tributos. Nestes termos, de acordo com o professor Hugo de Brito Machado, a subdivisão das 5 (cinco) espécies tributárias previstas na Constituição Federal se fundamenta: “O imposto pela não vinculação do fato gerador a uma atividade estatal referida pelo contribuinte. A taxa é determinada pelo tributo com fato gerador uma atividade estatal de prestação de serviço público específico e divisível, de utilização efetiva ou potencial, ou do exercício do poder de polícia. A contribuição de melhoria tem como fato gerador a realização de uma obra que implique valorização no imóvel do contribuinte. Distingue-se do imposto pela atividade estatal específica (obra pública), e da taxa pela prestação da atividade que não é o exercício do poder de polícia e nem a prestação de um serviço público. As contribuições sociais são as que tem destinação específica do produto arrecadado e finalidade determinada, compreendendo: a) a contribuição de intervenção do domínio econômico, em que caracterizam pela finalidade da atividade de intervenção do Estado no domínio econômico e do produto arrecadado destinar-se ao financiamento dessa atividade de intervenção; b) contribuição de interesse de categorias profissionais ou econômicas, em que são instituídas com finalidade de atenderem as entidades profissionais dos seguimentos; e c) contribuição de seguridade social, em que a vinculação da arrecadação é para atender as atividades de seguridade social. O empréstimo compulsório é o tributo que tem como finalidade atender a um investimento de caráter urgente, com instituição por meio de lei complementar e a aplicação dos produtos arrecadados para a finalidade de sua instituição”. Frise-se que a teoria tripartida é aquela atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual exara diversas jurisprudências no sentido de reconhecer que os empréstimos compulsórios (Recurso Extraordinário nº 111.954/PR, DJU24/06/1988) e as contribuições especiais (AI-Agr nº 6585763/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgado em 27/11/2007, AI-AgR nº 679355/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandoski, 1ª Turma, Julgado em 27/11/2007) são espécies tributárias autônomas, uma vez que ostentam natureza jurídica própria que as distinguem dos impostos, taxas e contribuições de melhoria. 3.2. Espécies Tributárias previstas no Código Tributário Nacional – Teoria TRIPARTIDA. A denominada teoria tripartida, a qual possui como fiéis defensores ilustres doutrinadores como Roque Antônio Carraza[14] e Paulo de Barros Carvalho[15], utiliza como critério de classificação das espécies tributárias a vinculação ou não vinculação do tributo em relação a uma atividade estatal em conformidade com o fato descrito na hipótese de incidência. Nestes termos, a vinculação à atividade estatal pode se referir ao contribuinte diretamente, quando esta é diretamente aproveitada por este, ou indiretamente, quando a atividade do Estado é indiretamente relacionada ao mesmo. Em consonância com esta afirmativa, o professor Paulo de Barros Carvalho[16] preleciona que “a determinação de atividade do Estado a ser vinculada é constatada pelo binômio: hipótese de incidência/base de cálculo, do qual determina a espécie do tributo”. Portanto, de acordo com a premissa doravante ventilada, amparada pelos doutrinadores trazidos à baila, as espécies tributárias são 1) tributos, 2) taxas e 3) contribuições de melhoria. No que concerne as demais espécies tributárias, suscitadas pelos defensores da “Teoria Pentapartida”, quais sejam as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, bem como os empréstimos compulsórios, estes tributos são subespécies de tributos, que a depender dos fatos eleitos pelo legislador na instituição ter vinculação ou não em relação a uma atividade estatal, podem enquadrar-se, em relação a sua materialidade (critério material), em uma espécie de imposto, taxa ou contribuição de melhoria, conforme salientam os ilustres defensores desta premissa[17][18]. Assim, de acordo com as considerações acima expostas, os fiéis defensores da premissa doravante ventilada utilizam como critério de classificação das espécies tributárias o fato do tributo ser vinculado ou não a uma atividade do Estado em consonância com o fato descrito em sua hipótese de incidência. 4. Prevalência da teoria TRIPARTIDA Delineadas as considerações que fundamentam todas as premissas as quais delimitam as espécies tributárias existentes no ordenamento jurídico tributário nacional, entendo que a teoria tripartida deve necessariamente ser a prevalente, no sentido de ser levada a cabo pelos juristas e pelos tribunais do Poder Judiciário, senão veja-se. Conforme suscitado, o Código Tributário Nacional (Lei 5.172) de 1966, inicialmente editado no caráter de Lei Ordinária, foi recepcionado pela Constituição de 1988 no status de “Lei Complementar”, conforme disposto no §4º, do artigo 35, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT in verbis: “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º. Nestes termos, no que concerne a problemática aventada no presente trabalho, qual seja acerca da delimitação das espécies tributárias previstas no ordenamento jurídico tributário nacional, a Constituição de 1988, por intermédio de seu 146, inciso III, alínea “a”, imputou a Lei Complementar a competência de “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos”, senão veja-se: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” Assim, a Lei Complementar, in casu o Código Tributário Nacional, por intermédio de seu artigo 5º, define as espécies tributárias, leia-se “tributo”, como sendo 1) os impostos, 2) taxas e as 3) Contribuições de Melhoria. Coaduna com esta afirmação o próprio fato da Constituição Federal de 1988, por intermédio de seu artigo 145, incisos I a III, prescrever que competem a União, Estados , Municípios e o Distrito Federal a instituição comum dos seguintes tributos: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”. Portanto, de acordo com as considerações acima expostas, tanto a Constituição Federal como o Código Tributário Nacional delimitam a existência das 3 (três) espécies tributárias supramencionadas, razão pela qual coaduno com os ilustres professores Roque Antônio Carraza e Paulo de Barros Carvalho no sentido de entender que, embora a Carta Magna preveja a existência de outras espécies tributárias, quais sejam as contribuições sociais (Art. 195), as contribuições de intervenção no domínio econômico, e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (Art.149), bem como os empréstimos compulsórios (Art.148), estas espécies consistem em subespécies de tributos, que a depender dos fatos eleitos pelo legislador na instituição ter vinculação ou não com uma atividade do Estado, se enquadram-se nas espécies de imposto, taxa ou contribuição de melhoria. Neste sentido, são as palavras do Professor Roque Antônio Carraza: “Neste sentido, já adiantamos que os empréstimos compulsórios (tributos cuja receita há de ser devolvida ao contribuinte) e as “contribuições” (tributos com destinação especificada nos arts. 149 e 195 da CF) podem ser reconduzidos às modalidades imposto, taxa ou, no caso daqueles, até, contribuição de melhoria[19]”. Pelo então exposto, com amparo nas considerações expostas ao longo do presente trabalho, as quais possuem amparo na doutrina, entendo pela predominância da teoria tripartida uma vez que no ordenamento jurídico tributário nacional tributo é gênero, do qual, tão somente, imposto, a taxa e as contribuições de melhoria são suas espécies. 5. Conclusão Pelo exposto do presente artigo, podemos concluir que a partir da análise dos quesitos estampados no artigo 3ª do Código Tributário Nacional, podemos identificar uma espécie tributária a qual, a depender da teoria de classificação destas espécies a ser adotada pelo intérprete, será determinada quantas espécies existem no ordenamento tributário nacional. Contudo, conforme premissa defendida no presente artigo, a classificação apresentada pelos professores Paulo de Barros Carvalho e Roque Antônio Carraza consiste na melhor forma de classificação das espécies tributárias existentes em nosso ordenamento jurídico.
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A aplicação de normas constitucionais no âmbito do processo administrativo tributário
O presente artigo tem como objetivo a análise das normas jurídicas que disciplinam o processo administrativo tributário, mais especificamente, daquelas relacionadas à proibição dos membros de órgãos julgadores administrativos de afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, analisando: (i) a suposta relação de subordinação desta norma com o princípio da separação dos poderes, que, de acordo com alguns autores, servir-lhe-ia como fundamento de validade; e (ii) a violação ao princípio da ampla defesa assegurado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal. Para tanto, foi utilizada uma interpretação sistemática, mediante análise do processo de positivação, do conteúdo semântico do princípio da legalidade ao qual está vinculado o Poder Executivo, com apoio no “Percurso Gerador de Sentido” desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho, processo necessário para o ato de aplicação de normas jurídicas.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Dispõe o art. 5º, LV, da Constituição Federal[1] que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o que significa dizer que a jurisdição Estatal é composta de duas esferas, a uma, esfera administrativa; e a duas, esfera judicial, sendo que em ambas as esferas é assegurado aos litigantes o contraditório e a ampla defesa. Dessa forma, o processo administrativo tributário, disciplinado, no âmbito federal, pelo Decreto n.º 70.235/72[2], apresenta-se como alternativa aos contribuintes que pretendem discutir a exigibilidade de créditos tributários. É inegável que, à primeira vista, a opção pela discussão na via administrativa, é muito mais vantajosa aos contribuintes, tendo em vista o fato de que a simples apresentação de impugnações e recursos administrativos é suficiente para suspender a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o processo administrativo, conforme prescreve o art. 151, III do código Tributário Nacional, que assim dispõe: “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:[…] III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;” Sobre o tema, ensina Carvalho[3] que: “O lançamento tributário, ao ser lavrado pela autoridade administrativa competente, vem impregnado dos atributos da presunção de legitimidade e da exigibilidade. O sujeito passivo não se conformando poderá deduzir seus artigos de impugnação, suscitando, então, o pronunciamento de órgão controlador da legalidade daquele ato que, por sua vez, também abre ensejo a nova manifestação de insurgência do administrado, mediante recurso a órgãos superiores da Administração, quase sempre estruturados em colégio. […] Respeitados os pressupostos instituídos em lei para o ingresso no procedimento administrativo, as impugnações e os recursos têm força de sustar a exigibilidade do crédito. Não quer isso dizer que o procedimento fique estagnado, o que seria absurdo supor, mas que o Poder Público, na pendência da solução administrativa, ficará inibido de inscrever a dívida e procurar o Poder Judiciário para requerer seus direitos”. Evidentemente, não se olvida que, entre as demais hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional, algumas podem beneficiar o contribuinte que optar por renunciar à esfera administrativa, ajuizando ação judicial, contudo, neste caso, a suspensão da exigibilidade dependeria (i) do depósito correspondente ao valor integral do crédito tributário; (ii) da concessão de medida liminar; ou (iii) antecipação de tutela. Relativamente às duas últimas hipóteses, os contribuintes dependerão do convencimento do magistrado a respeito da presença dos requisitos necessários para as almejadas concessões, sendo certo que, caso o Poder Judiciário entenda pela ausência de tais requisitos, não restará outra alternativa ao contribuinte, para suspender a exigibilidade do crédito tributário, senão aquela de garantir o juízo, o que, invariavelmente, representará um custo ao contribuinte, ainda que, ao final da demanda, receba a tutela pleiteada. Some-se a este custo: as despesas com advogado, que, nos termos da Lei n.º 8.906/1994, é indispensável para o ajuizamento de ações judiciais e mandados de segurança; custas processuais; e eventuais honorários de sucumbência, e, mais não será preciso dizer para se evidenciar a importância do contencioso administrativo para os contribuintes. Contudo, apesar da incontestável relevância da via administrativa, um problema prático se impõe aos contribuintes e, também, aos advogados, que atuam no contencioso administrativo tributário. Trata-se da impossibilidade de se discutir a constitucionalidade, no âmbito do processo administrativo. Dispõe o art. 26-A, do já citado Decreto n.º 70.235/72[4] que: “no âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.”, ressalvando as hipóteses (i) de que a inconstitucionalidade já tenha sido reconhecida, por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; ou (ii) de que exista: a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional; b) súmula da Advocacia-Geral da União; e c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República. Importante ressaltar que outros instrumentos normativos replicam as disposições do referido Decreto n.º 70.235/72[5], tal como ocorre com o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), sendo certo, ainda, que normas semelhantes podem ser verificadas ao se analisar a legislação pertinente ao contencioso administrativo tributário de outros Entes da Federação. Apenas à guisa de exemplo, cite-se a Lei Estadual n.º 13.457/2009, do Estado de São Paulo[6] e Lei Municipal n.º14.107/2005[7], do Município de São Paulo. Ora, não há dúvidas que o exercício da ampla defesa requer, muitas vezes, a invocação de normas jurídicas veiculadas pela Constituição Federal, o que se faz ainda mais necessário em se tratando de matéria tributária, pois é sabido que o legislador constituinte elaborou verdadeiro estatuto do contribuinte, ao prescrever as normas tributárias. Aliás, pode-se dizer que a Constituição da República Federativa do Brasil é uma das mais completas nesse aspecto, tendência que já se verificava na Constituição Federal anterior, conforme destacou o ilustre mestre baiano Aliomar Baleiro, em aula pronunciada no curso de extensão cultural “A Constituição do Brasil de 24-1-67”, da Universidade Nacional de Brasília. “Não sei se meus jovens colegas já fizeram uma comparação também estatística entre a de 67 e a anterior. Grosso modo – e dou como possível um erro de um, dois e três por cento -, a Constituição de 67 tem 25 mil palavras. Dirão: “Contou?”. Não. Calculei pelo número de páginas, todas do mesmo tipo, somando a média de palavras por linha, multiplicando o número de linhas. Então, as disposições financeiras ocupam cinco mil palavras. Cabe logo a afirmação de que a nossa Constituição de 67, entre todas do mundo – e hoje há mais de cem Constituições no mundo -, é a que reserva maior espeço a matéria financeira[8]” Ainda sobre o dito estatuto do contribuinte, lecionam Marcelo Magalhães Peixoto e Marcelo Lima Castro Diniz[9] que: “Estatuto do Contribuinte é uma expressão que predica o conjunto de direitos fundamentais atribuídos ao contribuinte, com o escopo de limitar e disciplinar o poder de tributar. A condição de direitos fundamentais indica que é a Constituição que os prescreve. Mas o estatuto do contribuinte não abrange apenas regras de competência e as limitações ao poder de tributar – que por si só veiculam direitos fundamentais -, distribuídas entre os arts. 145 e 156 da CF, senão também os preceitos que firmam os princípios fundamentais (art. 1º a 4º) e os direitos e garantias individuais, cuja amplitude é estendida pelos §§ 1º e 2º, do art. 5º[10]. Ocorre que, apesar das ponderações acima, que, por si só, são suficientes para evidenciar a total ausência de harmonia entre o direito fundamental previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal e a vedação veiculada pelo art. 26-A do Decreto n.º 70.235/72[11], a constitucionalidade desta tem gerado controvérsias entre doutrinadores, uma vez que, aparentemente, encontra fundamento de validade no princípio da separação dos poderes. Neste sentido, veja-se o que afirma Machado Segundo[12]: “Nesse caso, insista-se, a Administração não estará simplesmente revendo um ato seu, mas julgando a validade de um ato do Poder Legislativo, o que não tem, nem pode ter, fundamento no princípio da legalidade, nem muito menos no exercício da autotutela administrativa que dele decorre. Assim, se o processo administrativo existe para instrumentalizar o exercício da autotutela, e essa autotutela não autoriza julgamentos sobre atos praticados por outros poderes, não é possível à autoridade administrativa de julgamento declarar a inconstitucionalidade de uma lei”. Contudo, não nos parece ser necessária a ponderação de princípios, no caso em questão, pelo simples fato de que o conhecimento e reconhecimento da inconstitucionalidade de uma determinada lei, no âmbito do processo administrativo, não representa violação ao princípio da separação dos poderes. Acrescente-se, ainda, que há quem defenda a impossibilidade de se afastar dispositivos de lei, mesmo que inconstitucionais, baseados com dificuldades de ordem prática, tal é o posicionamento de Machado Segundo[13], que afirma: “Se um órgão do Contencioso Administrativo Fiscal pudesse examinar a arguição de inconstitucionalidade de uma lei tributária, disso poderia resultar a prevalência de decisões divergentes sobre um mesmo dispositivo de uma lei, sem qualquer possibilidade de uniformização”. Na mesma linha, Machado Segundo[14] pondera que: “[…] como consequência de o processo administrativo representar forma de autotutela, ou seja, de controle interno da legalidade dos atos da Administração, uma decisão proferida no âmbito de tal processo não pode ser judicialmente questionada pela própria Administração. Se, por exemplo, um contribuinte questiona administrativamente a validade de um auto de infração, e obtém, junto ao órgão de julgamento administrativo, acórdão que considera inválido o referido auto, a Administração não pode pretender o “desfazimento” judicial da referida decisão administrativa”. De início, destaque-se que tais argumentos não serão – nem poderiam ser – refutados, pois assiste razão aos Autores citados acima, no entanto, tal argumentação não encontra fundamentação no direito positivo, tratando-se, portanto, de considerações extremamente importantes para impulsionar o direito em sentido à desejada otimização, mas sem terem o condão de alterar o fato de que o enunciado veiculado pelo art. 26-A, do Decreto 70.235/72, e demais enunciados similares, são inconstitucionais, por ferirem o princípio do contraditório e da ampla defesa assegurados no âmbito do processo administrativo, também. De qualquer forma, apesar de não ser este o objeto do presente artigo, vale recordar da solução proposta, por Justen Filho[15], para o problema que se apresenta, in verbis: “A plena admissibilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade redundará, porém, em outras decorrências. Trata-se da possibilidade de revisão da decisão administrativa no sentido da inconstitucionalidade. Quando o Executivo reconhecer a constitucionalidade e a validade de sua aplicação ao caso concreto, sua decisão será revisável pelo Poder Judiciário. Se for o caso, poderá dar-se a pronúncia do defeito do ato administrativo que reconheceu a constitucionalidade. Quando seria possível decorrência diversa quando houvesse recusa de aplicação de ato em virtude de pretensa inconstitucionalidade. Incumbirá ao Poder Judiciário a última palavra, em matéria de defesa da Constituição. Logo, também aqui caberia faculdade de recorrer ao Judiciário para obter provimento destinado a desconstituir a decisão administrativa”. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é analisar as normas jurídicas aplicáveis ao processo administrativo tributário, visando entender seus fundamentos de validade, as relações de coordenação e subordinação da norma prevista no art. 26-A, do Decreto n.º 70.235/72[16], e, ainda, provocar a reflexão sobre a (im)possibilidade de se aplicar uma norma jurídica tributária à revelia de uma interpretação sistemática. 2 SEPARAÇÃO DOS PODERES E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Como dito linhas acima, há quem identifique na interpretação da norma jurídica veiculada pelo art. 26-A, do Decreto n.º 70.235/72, um conflito entre dois princípios constitucionais, melhor dizendo, um princípio envolvendo duas cláusulas pétreas da Constituição da República: de um lado, o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório; e, de outro lado, o princípio da separação dos poderes, o que implicaria, fatalmente, na aplicação de um princípio e, por consequência de tal ato, o afastamento do outro, no “jogo de princípios” a que se refere Eros Grau[17] (2002, p.175). Ocorre que referido “jogo de princípios” não se faz necessário no caso em questão, uma vez que não há conflito entre as normas constitucionais em tela. Isto porque a Administração Pública não está vinculada apenas à Lei, mas deve observar e aplicar, também, normas constitucionais. Neste aspecto, ensina Justen Filho[18], que: “Em terceiro lugar, Montesquieu nunca negou a possibilidade de repúdio a leis que ofendessem a princípios maiores. Aliás, essa possibilidade permeia o pensamento daquele autor, que alude continuamente à necessidade de respeito a certos postulados transcendentes. No conjunto de sua obra não se encontra maior obstáculo a que uma lei infringente a princípios naturais fosse repudiada por ocasião de sua aplicação”. No mesmo sentido, Mendes e Branco[19] ensinam que, inseridas no conceito de legalidade – que se impõe à Administração Pública – estão todas as normas do sistema jurídico, inclusive, as normas constitucionais, pelo que o princípio da legalidade se converteria em princípio da constitucionalidade. Veja-se: “O Direito Tributário também está vinculado a limites constitucionais (art. 150), dentre os quais a ideia sobressai nos princípios da “reserva de lei”, “da anterioridade da lei” e da “irretroatividade da lei. Não há como negar, portanto, que o Estado de Direito esteja construído sobre este conceito de lei. O princípio da legalidade permanece insubstituível como garantia dos direitos e como fundamento e limite a todo funcionamento do Estado. É certo, sem embargo, que essa concepção de Estado Legislativo foi aos poucos substituída pela contemporânea ideia de Estado Constitucional(…) A situação normativo-hierárquica privilegiada da Lei como fonte única do direito e da justiça, fruto do pensamento racional iluminista, não pode resistir ao advento das leis constitucionais contemporâneas como normas superiores repletas de princípios e valores condicionantes de toda a produção e interpretação/aplicação da lei[20]”. Portanto, é equivocada a ideia, segundo a qual a Administração Pública deve se limitar a aplicar as leis infraconstitucionais à revelia de interpretações sistemáticas e incursões no texto constitucional. É o que afirma Grando[21]: “Ao se tomar como pressuposto que a Administração Pública está vinculada ao princípio da justiça, como de modo geral todos os poderes estão ao ser instituído no preâmbulo de nossa Constituição Federal que todos estão vinculados a esse valor supremo, afirma-se que ela, e por contingência o processo em seu âmbito inserido, deve estar vinculada à integralidade do conjunto dos princípios fundamentais que definem as máximas de nosso Direito”. Assim, por consequência, as Normas Constitucionais não só devem ser levadas em consideração pelos julgadores que compõem os órgãos administrativos de julgamento, mas devem vincular, também, os agentes fiscais, a quem é atribuída a tarefa de constituir as normas jurídicas individuais e concretas, através do ato de lançamento, seja em decorrência do processo de positivação do sistema jurídico; seja como resultado do ato de aplicação das normas jurídicas, que, como é curial, pressupõe uma atividade exegética. 3 Processo de positivação no Sistema Jurídico Conforme lembra Carvalho[22], as normas jurídicas que compõem o sistema do direito positivo brasileiro guardam relação de subordinação, ou seja, apresentam-se de forma hierarquizada. Dessa forma, o sistema jurídico apresenta-se, aos seus observadores, na forma piramidal concebida por Hans Kelsen, sendo válido dizer que normas jurídicas hierarquicamente superiores servem de fundamento de validade para normas jurídicas hierarquicamente inferiores, que, por sua vez, derivam daquelas. Este é o sentido do processo de positivação explicado por Gama[23], in verbis: “[…] o processo de positivação do direito coincide com a concretização de sentido dos seus âmbitos de validade. E a concretização destes âmbitos, por sua vez, enseja discursos normativos mais concretos. Isso acontece de tal forma que, se comparada a norma inferior com a superior, esta será sempre mais vaga que aquela”. Justamente, por conta da vaguidade referida acima, para que os valores consagrados pela Constituição sejam realizados pelo sistema, faz-se necessário o processo de positivação, com a consequente edição das normas hierarquicamente inferiores, sendo imprescindível que estas normas guardem relação de subordinação com as normas hierarquicamente superiores. É o que explica Gomes Canotilho[24]: “A possibilidade de chegar ao sentido das normas superiores com base no que prescrevem as inferiores põe em dúvida a própria ideia de norma superior, de organização escalonada, de diálogo entre normas nas relações de fundamentação. A ideia de que a forma vem de cima e o conteúdo vem de baixo, segundo Canotilho: ‘deve merecer uma enérgica resistência dogmática: num Estado Constitucional Democrático a forma e o conteúdo principal vêm de cima.’ Pois bem, a hierarquia dos sujeitos competentes deve, também, projetar efeitos na forma de produzir sentido. O que não se admite, por ser ingênuo e ineficaz, é ignorar os diálogos mantidos entre norma superior e inferior. Apenas na situação de se verificar incompatibilidade entre esses dois planos de sentido é que deve se configurar incompatibilidade entre esses dois planos de sentido é que deve prevalecer o produzido por autoridade superior”. Pois bem, é sabido que, em matéria tributária, a Constituição veicula diversas normas jurídicas, que servem de fundamento de validade para as demais normas tributárias, e inclusive, aquelas normas jurídicas individuais e concretas veiculadas pelo ato do lançamento tributário, ou seja, pelo ato de aplicação da norma jurídica. Como é cediço, aplicar uma norma jurídica significa fazê-la incidir, ou seja, o ato de aplicação de uma norma pressupõe (i) a conotação de um determinado fato jurídico e da consequente relação jurídica a ela atribuída por uma norma jurídica geral e abstrata; (ii) a verificação de um determinado evento ocorrido no mundo social; e, por fim, (iii) a criação de uma nova norma individual e concreta. Para tanto, o aplicador deverá verificar se há, in casu, a necessária subsunção do fato à norma, ou seja, o aplicador do direito deve proceder ao exame de um dado acontecimento do mundo social, a fim de verificar o seu perfeito enquadramento nos limites do enunciado conotativo da norma geral e abstrata. Uma vez verificada a subsunção, o aplicador do direito deve proceder ao relato do fato e sua correspondente relação jurídica em linguagem competente, editando a norma individual e concreta, seu antecedente e consequente, ligados por uma relação interporposicional, que se caracteriza pela presença de um dever ser neutro. Após colocar o referido relato em linguagem competente, o aplicador do direito deve comunicar a outra parte daquela norma individual e concreta. Pode-se dizer que estes são os elementos da fenomenologia da incidência concebida por Paulo de Barros Carvalho[25]. Decorre daí que a Administração Pública, ao criar normas individuais e concretas, participa, também, do processo de positivação, devendo observar as normas jurídicas constitucionais, afastando os enunciados prescritivos de direito positivo veiculados por instrumentos normativos infraconstitucionais, quando estes infringirem os valores consagrados pela Carta Magna. Indispensável dizer que, assim como ocorre com o ato de lançamento que constitui o crédito tributário, as decisões dos Órgãos Administrativos de Julgamento devem, também, ser entendidas como normas jurídicas pertencentes aos sistema do direito positivo, e, nesta condição, precisam respeitar o axioma da hierarquia. Tal conclusão se torna inafastável a partir do momento em que se admite que as normas jurídicas não estão presentes no texto do direito positivo, mas na mente do interprete, sendo a ele recomendável – para que não incorra em equívocos interpretativos – seguir o dito percurso gerador de sentido, desenvolvido por Carvalho[26], que, como se verá adiante, impõe incursões em diversos níveis do Sistema do Direito Positivo, para a necessária análise das relações de coordenação e subordinação com demais normas do Sistema Jurídico, aqui incluídas, evidentemente, as normas constitucionais. 4 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS Segundo Carvalho[27], interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, fazer referências a objetos. Ensina ainda este ilustre autor que a linguagem se apresenta como um objeto da cultura, que carrega valores e, como consequência disto, o direito – vertido em linguagem – apresenta-se como um objeto cultural, com conteúdos axiológicos. Paulo de Barros Carvalho ensina que o interprete inicia o processo de interpretação ao entrar em contato com os textos do direito positivo, passando a construir os conteúdos significativos dos vários enunciados ou frases prescritivas para, enfim, ordená-los na forma estrutural de normas jurídicas, articulando essas entidades para construir um domínio. O texto jurídico prescritivo é composto pelo conjunto das letras, palavras, frases, períodos e parágrafos, graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos de criação do direito. O texto aqui, no plano S1 (“S1”) a que se refere Paulo de Barros Carvalho ao explicar o seu “Percurso Gerador de Sentido”, apresenta-se como suporte físico, ou seja, ponto de partida para interpretação, uma vez que é neste plano que o direito manifesta-se, altera-se e transforma-se pelas inovações do legislador. Ao entrar em contato com os enunciados prescritivos do S1, o interprete passa a atribuir valores aos signos postos naquele plano da expressão. Eis que surge o plano do S2 (“S2”), composto pelo conjunto dos conteúdos de significações. Após o primeiro contato com o sistema das literalidades (S1), o interprete deve avançar no S2, atribuindo valores unitários aos símbolos. Os enunciados deverão ser compreendidos isoladamente para depois serem confrontados por outros enunciados. Já o plano S3 (“S3”) é composto pelo conjunto articulado das significações normativas. Trata-se aqui do subsistema de normas jurídicas “stricto sensu”. Ensina Carvalho[28] que superadas as investigações nos planos S1 e S2 o interprete deverá promover a contextualização dos conteúdos obtidos no curso do “Percurso Gerador de Sentido”, com a finalidade de produzir unidades completas de sentido para as mensagens deônticas – normas jurídicas compostas pela estrutura hipotético-condicional. Nesta etapa da interpretação, o interprete deve organizar as proposições construídas no plano do S2 e formar a estrutura da norma: o antecedente ligando-se ao enunciado relacional por força da imputação deôntica. Por fim, o intérprete terminará “Percurso Gerador de Sentido” na análise do plano S4 (“S4”) em que as normas construídas no S3 serão organizadas. Ou seja, neste plano, a atividade do intérprete é identificar os vínculos de coordenação e de subordinação que se estabelecem entre as normas jurídicas. Segundo Carvalho[29], “[…] enquanto, em S3, as significações se agrupam no esquema de juízos implicacionais, em S4, teremos o arranjo final que dá status de conjunto montado na ordem superior de sistema.” Está claro, portanto, que não se pode admitir a aplicação de normas jurídicas antes das necessárias incursões no texto constitucional. 6 CONCLUSÃO Portanto, considerando que a atividade exercida pelos julgadores administrativos consiste na interpretação e criação de normas jurídicas, uma vez que eles são interpretes autênticos, visto que são habilitados pelo sistema, o fruto de tal interpretação jamais poderá conflitar com as normas veiculadas pelo Estatuto do Contribuinte mencionado neste artigo. E nem se argumente que o afastamento de Lei, por julgadores administrativos, sob o fundamento de inconstitucionalidade, violaria o princípio da separação dos poderes, pois o princípio da legalidade, invocado pelos autores que defendem a constitucionalidade da norma veiculada pelo art. 26-A, do Decreto n.º 70.235/72[30], impõe o respeito não só às leis, mas, principalmente, à Constituição Federal. Assim, por ser dever da Administração Pública o cuidado e o respeito às disposições constitucionais, não restam dúvidas de que a não apreciação de todas as alegações deduzidas pelos contribuintes, no âmbito do processo administrativo tributário, aqui incluídos eventuais questionamentos de ordem constitucional, consiste na violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, assegurados pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal.
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O imposto sobre grandes fortunas (IGF) como alternativa a crise financeira brasileira
O presente artigo tem como objeto o imposto sobre grandes fortunas (IGF), em particular a análise da evolução histórica do referido tributo, as dificuldades para a conceituação do que vem a ser “grandes fortunas”, a inércia do Congresso Nacional em criar a lei complementar pendente para a aplicação do imposto e o impacto na arrecadatório e social que traria a implantação desse imposto no Brasil se revelando como uma importante alternativa para crise econômica vivida em nosso país. Observou-se que as divergências sobre o imposto no Poder Legislativo e as especulações em vários aspectos, sempre com base nas experiências internacionais, desencadearam numa inércia na regulamentação do dispositivo que prevê o IGF: o art. 153, VII, da Constituição Federal de 1988. A alta carga social de que se reveste o imposto tratado no presente artigo reclama uma maior atenção por parte da sociedade brasileira que deve cobrar do nosso parlamento a implantação e regulamentação deste tributo que já aguarda há mais de 29 anos.
Direito Tributário
1. BREVE RELATO HISTÓRICO Preliminarmente cabe ressaltar que na história da humanidade, desde os primórdios da sociedade civil, as pessoas ou instituições de determinado território precisam despender recursos ou esforços em prol daqueles que são os detentores do poder (político, militar, religioso, etc.), remetendo a cobrança de prestações, que, independente da denominação, podem ser entendidas como tributação, esse fato sem dúvida alguma faz parte da história humana em sociedade. Além disso, observa-se que a tributação deriva de uma série de contextos sociais, políticos e econômicos que culminaram no processo de fortalecimento do Estado, constituindo uma parcela necessária que encontra fundamento na soberania do Estado, conferindo-lhe o poder de tributar[1]. A existência de grandes fortunas, grandes concentrações de bens é fruto de um processo de acumulação de riquezas nas mãos de poucas pessoas. Tal fenômeno é reportado desde a Idade Antiga, existindo inúmeros relatos e escritos antigos narrando sobre vultosos acúmulos de bens, riquezas, sem contar com a apropriação das riquezas dos povos derrotados em guerras, fato este muito corriqueiro na antiguidade. Historicamente, os detentores das grandes riquezas sempre foram os mesmos que detinha o poder de cobrar “tributos”, resultando numa constatação inexorável, a de que na Idade Antiga, assim como na Idade Média, as grandes fortunas nunca foram objeto de imposições tributárias específicas, ou seja, que o acúmulo de riquezas fosse fato gerador de qualquer tributo. Acerca do tema podemos colher as ricas palavras de Sérgio Ricardo Ferreira Mota. In verbis: “Na verdade, tal tributação seria muito difícil de ocorrer uma vez que os detentores das grandes riquezas se confundiam com os detentores do poder vigente à época. Da mesma forma, nos Estados Feudais da Idade Média ou nos Estados Nacionais da Idade Moderna, o príncipe era o detentor absoluto das propriedades e concentrava toda a riqueza do Estado, unido com a Igreja (Estado confessional), detinha as grandes fortunas. Já a nobreza e o clero, detentores de alguma riqueza, quase não pagavam tributos[2].” Resta evidente que os interesses políticos contribuíram para a não tributação das grandes fortunas, mesmo na enorme diferença entre a organização do poder político descentralizado característico da Idade Média e a centralização nas mãos dos monarcas na Idade Moderna. “Mesmo com a separação verificada entre a Igreja e o Estado (Estado laico) na Idade Contemporânea, não houve um maior interesse de tributar especificamente as grandes fortunas”[3]. A pouca imposição tributária aos detentores do poder político e econômico exigiu um alto preço como forma de compensar os prejuízos suportados pelo Estado, qual seja, o excesso de tributação às classes mais pobres. Tudo isso, por óbvio, gerou uma grande insatisfação social, que ao passar de um longo período, resultou na necessidade de grandes transformações na maneira de tributar do Estado. Na baixa Idade Média (séc. XVIII-XV), com a promulgação da Constituição Inglesa de 1215, pelo rei João Sem-Terra, a Inglaterra foi pioneira na limitação do poder de tributar do Estado. Na Magna Carta Inglesa ficou acordado que o rei não poderia instituir tributo sem o consentimento do Conselho dos Nobres, que era formado por membros do clero, da nobreza e da burguesia. Nunca é demais destacar que a incidência de tributos sobre o patrimônio é algo presente na humanidade desde os tempos imemoriáveis, inclusive havendo referências bíblicas a este fato. Os tributos em relação ao patrimônio podem ser divididos em: tributos sobre o patrimônio global, os tributos sobre bens suntuários e os tributos fundiários. O tributo fundiário remete ao Egito, à Grécia e a Roma. Baseado na posse ou propriedade da terra como riqueza a ser tributada. É o imposto sobre o patrimônio mais antigo que se tem notícia. Contudo, não atingem somente as grandes propriedades de terra, os grandes patrimônios. Ou seja, não constitui um imposto que especificamente verse sobre grandes fortunas. No final do século XIX e, especialmente no início do século XX, é apresentado ao mundo uma série de tributos progressistas sobre a renda, a exemplo do “Property Tax”, nos Estados Unidos. Outros exemplos estão na chamada “Taxe Annuelle sur la Fortune”, iniciada na Suíça e que se espalhou para boa parte dos países europeus. O tributo sobre o patrimônio global passa a levar em consideração a questão da renda líquida anual, mas também não leva em consideração exclusivamente o aspecto das “grandes fortunas”[4]. Além do processo de limitação do poder de tributar por qual passava a Inglaterra desde a promulgação da Magna Cartado Rei João Sem Terra, no ano de 1692, foi criado um tributo incidindo sobre determinadas categorias de patrimônio, chamado “Land Tax”, considerado como um imposto de guerra contra a França. Tal tributo tornou-se perpétuo em 1797, com a denominação de “Assesse Taxes”, com o objetivo de angariar bens suficientes para a manutenção da guerra contra Napoleão Bonaparte, mas que logo foi substituído por um imposto sobre rendimento geral e regular[5]. Trata-se de um exemplo de tributo que incide sobre bens suntuários. Vale ressaltar esse tributo incidiu pouco tempo sobre bens luxuosos ou despesas suntuárias, tratando-se apenas de uma medida emergencial do Estado britânico frente a grande necessidade de arrecadação para fazer frente a terrível ameaça francesa nos tempos napoleônicos. Diante do critério restritivo do regime tributário contemporâneo, o imposto sobre grandes fortunas, que tem incidência própria sobre grandes patrimônios, não pode ser confundido com qualquer outra figura tributária, a exemplo dos impostos sobre o patrimônio global, os impostos sobre bens suntuários e os impostos fundiários, uma vez os parâmetros adotados pelo IGF (“grandes fortunas”), não se adequam a nenhuma das figuras lembradas. Podemos colher tais conclusões dos preciosos ensinos de Sérgio Ricardo Ferreira Mota. In verbis: “Dessa forma, constata-se que na história da humanidade a acumulação de riquezas tem estado sempre presente, desde os primórdios da civilização, o que levou ao efeito da concentração de riquezas ter permitido a construção de grandes fortunas. Muitas prestações exigidas na história da humanidade, porém, em muitos momentos e lugares, não são atualmente reconhecidas como submetidas a um regime jurídico tributário na qual se exige estejam inseridas no atual regime de economia capitalista e balizadas pelos direitos humanos perseguidos pela sociedade contemporânea. Conclui-se, portanto, que não houve em qualquer ordenamento positivo qualquer imposição tributária específica sobre grandes fortunas até a instituição do tributo francês denominado “Impôt sur les Grandes Fortunes” no ano de 1981[6].” A citação acima reflete o entendimento de que o tributo francês “Impôt sur les Grandes Fortunes” é a primeira incidência tributária da história, dentre todos os ordenamentos jurídicos existentes, em que especificamente os parâmetros utilizados estão sob o prisma das “grandes fortunas”, ou seja, estamos falando de um tributo cuja fonte ou fato gerador consiste, em tese, no patrimônio pertencente às pessoas qualificadas como possuidoras de grande fortuna. O tributo francês em muito se assemelha a autorização constitucional, prevista no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988 para que o Brasil crie um imposto específico para tributar “grandes fortunas”. 2. O QUE PODE SER CONSIDERADO “GRANDE FORTUNA”? A conceituação do que pode vir a ser considerado como “grandes fortunas” é um dos maiores entraves para a implementação desse imposto no ordenamento jurídico, por se tratar de um elemento essencial em que não há nenhum tipo de consenso por parte dos estudiosos sobre a definição mais adequada. Ives Gandra Martins[7], autor de um dos anteprojetos de Lei Complementar visando regulamentar o imposto sobre grandes fortunas no Brasil, explana essa dificuldade de conceituação, ao afirmar que: “O próprio nome do imposto é curioso. O imposto incide sobre "grandes fortunas". Uma "grande fortuna" é mais do que apenas uma "fortuna". Já "fortuna" é maior do que "riqueza".” Nesse sentido, encontramos doutrinadores renomados do campo do direito tributário, com o professor Leandro Paulsen.[8] Diante da dificuldade conceitual que envolve o imposto, a expressão “grandes fortunas” passa a ser considerada um conceito jurídico indeterminado. A indeterminação não se verifica apenas no fato de que a expressão “grandes fortunas” é abstrata, mas há uma incerteza em relação ao tema especialmente pelas questões subjetivas e temporais, capazes de gerar variações claras na noção de ”fortuna” e de “riqueza”. A variação temporal e a variação subjetiva são explicadas por Francisco José Santos da Costa, através de exemplos em que é possível ter um pouco da dimensão da quão difícil é a missão de descobrir um conceito satisfativo para o termo “grandes fortunas”. Senão vejamos: “A variação temporal, relativa ao conceito de "grandes fortunas", está na mensuração do conceito em determinada época, ou seja, o que seria uma "grande fortuna" há 100 anos, hoje pode ser a quantia equivalente a um salário mínimo de um trabalhador da indústria. Concernente à variação subjetiva, aplicada ao mesmo conceito, tem-se que diz respeito aos aspectos pessoais do indivíduo, explicando melhor, o que pode ser uma "grande fortuna" para uma pessoa de classe média, pode ser o equivalente a uma viagem a Europa de um mega empresário. Mesmo se podendo determinar que o fato está ou não abrangido pelo núcleo do conceito, percebe-se que o conceito objeto deste estudo encontra-se em uma área nebulosa ou cinzenta, pois se encontra em uma região entre a zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa[9].” A chamada zona de certeza positiva é o patamar a partir do qual há consenso por parte de todos os sujeitos que protagonizam as discussões sobre a implementação do IGF no Brasil. Nessa zona somente estariam pessoas com fortunas indiscutivelmente grandes em relação à média, que consistem apenas nas pessoas bilionárias. Essa zona é notadamente restrita no Brasil, insuficiente para que o imposto cause qualquer repercussão considerável, tornando-o totalmente sem eficácia. Em contrapartida, a zona de certeza negativa, a mais aceita hoje é a da soma de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) dentro de determinado núcleo familiar. Contudo, a zona de certeza negativa sofre muito mais no que diz respeito à variação temporal, especialmente diante da desvalorização moeda, melhor dizendo, das moedas apresentadas na história econômica do Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. Walter Alexandre Bussamara[10] apontada dificuldade de quantificar valor do que pode ser considerado como sendo uma “grande fortuna” no Brasil ou qual o melhor critério para se aferir tal importância. Ipsis litteris: “Outro ponto, por sua vez e, por fim, que nos parece também questionável, diz respeito à parametrização do que venha a ser definido, no mundo fenomênico (em que vivemos), como sendo, de fato, uma “grande fortuna”, […]. Com efeito, o termo “fortuna”, por si só, já nos traz a ideia de “riqueza”. Por sua vez, uma “grande fortuna” nos faria pensar em algo além do mero conceito daquela. E, ao que nos parece, o aguardado imposto sobre grandes fortunas não se subsume ao aludido significado de fortuna tal qual a sua abstração, ao menos semântica, nos provoca.” De outro lado, importante salientar que cada projeto de Lei Complementar proposto com o objetivo de regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas estabeleceu um quantum mínimo para sua incidência, além de situação de compensações do imposto. A compensação é uma exigência constitucional, uma limitação ao poder de tributar, porque o fato gerador do IGF inclui bens e direitos sujeitos à incidência de outros impostos, fato este que sobrelevaria o impacto da exação. No entanto, a grande variável entre a zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa resulta numa grande “zona cinzenta ou nebulosa”. Mesmo diante das variações de cada projeto, Olavo Nery Corsatto[11] fez uma didática explanação sobre “grande fortuna”, conforme se verifica abaixo: “Guardadas as variações de projeto a projeto, verifica-se que, em linhas gerais, grande fortuna – fato gerador do imposto – seria o patrimônio da pessoa física, apurado anualmente, cujo valor ultrapassasse determinado limite. Sua apuração quase sempre obedeceria a mecanismo, previsto em cada projeto, de acréscimos e deduções. Tal patrimônio seria constituído, portanto, de bens, móveis e imóveis, físicos e financeiros, e direitos do contribuinte[12].” Neste diapasão, observa-se que a questão da definição jurídica do que vem a ser “grande fortuna” é um dos grandes problemas para instituição desse imposto, mas o autor acima transcrito demonstra a possibilidade de uma composição, na busca da superação das grandes controvérsias conceituais, já que se trata de um tema primordial para a busca da implantação ou instituição do imposto previsto na Constituição Federal de 1988. 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O IGF A possibilidade de cobrança do imposto sobre grandes fortunas foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 outubro de 1988. A Carta Maior previu esse imposto no Título “Dos Impostos da União”, como sendo de competência da União Federal e dependendo de Lei Complementar para sua aplicação. O imposto está previsto no art. 153, VII, com a seguinte redação: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:[…] VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.” Apesar de passados mais de 28 anos do término da Assembleia Nacional Constituinte, o mandamento constitucional ainda não foi regulamentado por Lei Complementar, mas diversos projetos foram apresentados ao Congresso Nacional com essa finalidade. Cabe destacar que, após a vigência da Constituição de 1988, o primeiro Projeto de Lei Complementar apresentado (23 de junho de 1989)[13] ao Congresso Nacional, visando regulamentar o IGF no Brasil, é de autoria do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, à época Senador. Esse PLS (Projeto de Lei do Senado nº 162/1989) foi aprovado pelo Senado Federal e enviado à Câmara dos Deputados sendo apensado em diversos outros Projetos, tramitando atualmente sob a rubrica PLP nº 202/1989[14]. Desde então diferentes propostas legislativas surgiram para delinear e instituir o IGF, mas nenhuma prosperou até o momento, talvez em decorrência daquela velha dificuldade encontrada ainda na Idade Antiga e Média, qual seja, os grandes “afetados” por este novo imposto seriam exatamente aqueles que detêm o poder de tributar. Atualmente a proposta mais avançada encontra-se em discussão na Comissão de Assuntos Sociais, trata-se do Projeto de Lei do Senado – PLS nº. 534/2011 de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares. O texto encontra-se pronto para ser votado na comissão e tem como relator o Senador Pernambucano Armando Monteiro. Pelo texto do PLS nº. 534/2011[15] passa a ser tributável o patrimônio superior a R$ 2,5 milhões. A cobrança do imposto se dará por faixas de contribuição, a exemplo do que ocorre com o Imposto de Renda. Pelo texto, o patrimônio até R$ 2,5 milhões fica isento. A partir desse montante, incide alíquota de 0,5%. Outras quatro faixas patrimoniais para incidência do imposto foram definidas: mais de R$ 5 milhões até R$ 10 milhões — alíquota de 1%; mais de 10 milhões até R$ 20 milhões — alíquota de 1,5%; mais de R$ 20 milhões até R$ 40 milhões — alíquota de 2%; e mais de R$ 40 milhões — alíquota de 2,5%. 4. IMPLANTAÇÃO DO IGF COMO ALTERNATIVA A CRISE FINANCEIRA O imposto sobre grandes fortunas é o único dos sete impostos federais que ainda não foi implantado em nosso sistema tributário. Isso revela que que o velho problema ainda persiste, pois aqueles que são responsáveis pelo poder de tributar serão os mais afetados por esta medida. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, que possui uma das piores distribuições de renda do mundo, a taxação de grandes fortunas revela-se como um importante instrumento de arrecadação, mas também de justiça social. Estudos recentes revelaram que o impacto na arrecadação seria de aproximadamente R$ 100 bilhões de reais por ano[16]. É fato que se trata de um imposto de grande impacto para a realização de justiça social no Brasil, pois sua existência e regulação possibilita a redistribuição de renda em favor dos segmentos da população mais vulneráveis social e economicamente. A inclusão do produto da receita obtida pelo IGF no rol das receitas que compõe o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, prevista no art. 80 dos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT revela o nítido caráter social que se reveste essa tributação. In verbis: “Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza:[…]  III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição.” O Brasil atravessa a sua pior crise econômica da história e o Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF se apresenta como um importante instrumento para o aumento da arrecadação e a realização de justiça social. Todos os esforços e cortes de gastos que foram e estão sendo feitos no país na atualidade não conseguem, se somados, chegar à cifra dos R$ 100 bilhões de reais por ano.   CONCLUSÃO Portanto, a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF no Brasil reclama agilidade e urgência. É preciso que a população se conscientize acerca do tema e vá as ruas exigir uma posição firme do nosso Congresso Nacional que durante quase 30 anos vem se omitindo cedendo às pressões dos grandes conglomerados empresariais e aos seus próprios desejos. Caso nossos principais defensores da liberdade de expressão, guardiões autonomeados da liberdade de imprensa, optem por uma sintonia realmente fina com os anseios da sociedade brasileira, logo nos habituaremos a ver a temática acerca do Imposto sobre Grandes Fortunas nas capas de revistas, jornais e nos noticiários televisivos.
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O planejamento tributário nas holdings familiares
O principal objetivo do presente trabalho é estudar, verificar e apreciar quais são os impactos positivos que um planejamento tributário bem realizado oferta às holdings, em especial, àquelas constituídas pelo patriarca da família para proteger os negócios criados, bem como assegurar a manutenção do patrimônio no colo familiar. É sabido por todos que a fome tributária do Estado é insaciável, o que enseja a todos os players do mercado se adaptarem a terem alternativas para reduzir sua carga fiscal de maneira legal, sem qualquer óbice fazendário ou judicial, proporcionando, assim, reduções de custos e aumento de produção, empregos e lucros.
Direito Tributário
Introdução A constituição de uma holding familiar sob a égide fiscal tem como vantagem oferecer ao investidor inovações no sentido de planejar o âmbito fiscal a fim de desonerar os contratos celebrados sem que isso cause infrações às leis tributárias, econômicas ou financeiras.   Grande relevância tem o tema em razão das constantes crises econômicas que o Brasil passa, bem como por causa da notória fome tributária que o Estado possuí e que compromete o desenvolvimento empresarial. Não sustentamos que não existam tributos a serem recolhidos pelos contribuintes, mas sim que a Administração Pública seja eficiente e que as cobranças não sejam excessivas, demasiadas. A alta competitividade que o mercado brasileiro tem como característica faz com que as empresas busquem em todo contexto a redução de custos, em especial no aspecto tributário já que este não tem como característica gerar benefícios diretos ao empresariado. Nesse diapasão, a redução legal do ônus tributário empresarial se dá por meio do recolhimento exato do montante devido que foi gerado de suas operações, o que gera rentabilidade, competitividade e sustentabilidade ao negócio explorado.[1] O Estado, por meio da Fazenda Pública, resiste veementemente acerca do direito do contribuinte de, por meio lícitos e legítimos, buscar alternativas para economia tributária.[2] Um exemplo claro do exposto acima é a norma antielisão que a Lei Complementar nº 104/01 dispõe a respeito. O artigo 116 da Lei Complementar permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos que considere haver o intuito de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Assim, a doutrina assegura que a norma em questão é aplicada apenas aos casos de fraude fiscal, uma vez que o planejamento tributário realizado de maneira legitima e legal não pode ser alvo, já que o contribuinte não pode ser obrigado pelo Estado a realizar uma operação empresarial, societária, econômica mais onerosa em termos fiscais.[3] Nesse sentido, o sistema fiscal brasileiro é dinâmico o que revela ao contribuinte opções menos onerosas e por isso não é razoável ou se quer legítimo a pretensão do Fisco de forçar o sujeito passivo da obrigação tributária a optar pela opção mais onerosa. As opções são ofertadas em razão de uma zona confusa que o sistema apresenta. Nela, o sócio investidor deve procurar o suporte adequado quando for constituir a empresa familiar uma vez que os planejamentos patrimoniais, societários e fiscais são intimamente ligados e conversam entre si, ou seja, há influência na escolha de um tipo societário no planejamento fiscal, por exemplo.[4] Assim, a falta de planejamento tributário ou a sua realização sem o devido estudo gera um preço alto a ser pago pela holding familiar. As atividades empresariais realizadas pela holding familiar terão impactos fiscais, o que enseja um cálculo detalhado dos riscos e custos jurídicos que a pretendida atividade pode ensejar. Por isso, sustentamos a posição firmada acima no sentido de que eventual estratégia empresarial, seja ela negocial ou societária, pode ser uma tragédia no aspecto tributário, imediata ou futuramente. Portanto, deve o sócio investidor e a holding realizarem um estudo detalhado sobre a estratégia pensada e suas implicações jurídicas/fiscais a fim de determinar qual será o menor custo. Nessa esteira entra o papel fundamental que se requer do operador contemporâneo do direito, ou seja, identificar na proposta lhe apresentada a melhor solução ao negócio, opinando por pequenas mudanças que podem ser muito lucrativas, leia-se em todos os aspectos, para a empresa familiar. Isso porque, no Brasil temos diversas espécies de tributos, como Impostos, Taxas e Contribuições, a União, os Estados e Municípios possuem competência tributária e autarquias e outras entidades administrativas capacidade tributária, ou seja, dependendo do negócio explorado pode haver diversos tributos a serem cobrados por um, dois ou até mesmo pelos três entes da Federação e com alíquotas, formas de cobrança administrativa diferentes.  Outrossim, não é incomum verificar demandas judiciais nas quais as Fazendas Públicas sustentam posições contrárias àquelas dos Tribunais Superiores, ou seja, continuam a cobrar débitos fiscais que são considerados ilegais pela jurisprudência dominante. Entretanto, o planejamento fiscal bem elaborado, legal, legítimo, faz com que tais sustentações fazendárias não prevaleçam.  Do Planejamento Tributário nas Holdings Familiares A competitividade fiscal tão buscada pelos empresários e que a holding familiar oferece é conceituada como aquela na qual o planejamento tributário proporciona alinhamento de todas as múltiplas facetas fiscais que o Estado detém e demonstra o caminho menos oneroso, o que enseja maiores lucros.[5] Oportuno demonstrar que há uma linha tênue entre o planejamento fiscal legal e legítimo e a ilegalidade, ou seja, a pratica de condutas criminosas com o intuito de não recolher os tributos devidos em razão das operações econômicas realizadas. Existem diversos meios no ordenamento pátrio de serem realizadas operações econômicas sem o recolhimento dos débitos fiscais devidos ao Fisco, nos quais o leigo confunde e o criminoso aproveita, para comparar com o planejamento fiscal bem efetuado. Iniciamos a análise da evasão fiscal. Trata-se de instituto pelo qual o agente, por meios ilícitos, visa eliminar, reduzir ou retardar o recolhimento de um tributo devido em razão da ocorrência do fato gerador. O que difere o crime de evasão fiscal do planejamento tributário legal é a licitude dos meios utilizados pelo contribuinte, neste caso pela holding familiar, para evitar o recolhimento do tributo. Saliente-se que para incidir em evasão fiscal é necessário o dolo por parte do contribuinte, a vontade de evitar o pagamento do tributo por meios ilícitos. Do aspecto econômico-financeiro, a evasão ocorre quando o contribuinte não transfere ou deixa de pagar integralmente ao Fisco uma parcela a título de tributo devido por imposição legal. Portanto, a evasão é a fuga do cumprimento da obrigação tributária já existente e/ou a tentativa de sua eliminação por meios ilícitos, diferenciando-se do planejamento tributário na medida que aqui o contribuinte visa a economia tributária legítima e realiza o recolhimento aos cofres públicos de tudo aquilo realmente devido.[6] Já a elisão fiscal ocorre em momento precedente, o agente licitamente visa evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador que enseja a obrigação tributária. Assim, a elisão fiscal pressupõe ao contribuinte a licitude de comportamento que objetive identificar as consequências fiscais de uma decisão que enseja economia tributária em razão do direito constitucional de organização assegurado a todos. Assim, tal instituto é considerado legal e legitimo, bem como deve ser utilizado pelo sócio investidor ao passo que, desde que se utilizando de meios lícitos, realize seu planejamento fiscal antes da ocorrência do fato gerador do tributo, sem simulação, buscando que o fato gerador não ocorra, ocorra de forma mitigada ou seja exigido posteriormente. Note-se que pode existir uma conduta preventiva ou repressiva do contribuinte, cabendo a este determinar a melhor estratégia tributária, societária, econômica e social da holding, lembrando sempre que estes aspectos precisam estar juntos, uma vez que possibilita a melhor situação para a sociedade.[7] Por sua vez, a elusão fiscal é o fenômeno pelo qual o contribuinte, por meio de negócios jurídicos sem justificativa ou realizados com fraude legal, simulação, visa evitar a incidência de norma tributária impositiva e obter um regime fiscal mais favorável ou obter vantagem fiscal específica. Aqui, o contribuinte assume o risco pelo resultado usando meios atípicos, ilegais.  Outros atos ilegais bastante conhecidos pelo leigo e pelos operadores do direito espertinhos são a fraude e a sonegação fiscal. A sonegação fiscal é caracterizada como toda a ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da Fazenda da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, das situações materiais ou pessoais que possam afetar a obrigação tributária e o crédito tributário. A Lei nº 4.729/65 em seu artigo 1º dispõe acerca do conceito de sonegação fiscal e visa combater tal crime.[8] Já a fraude fiscal, regulada pela Lei nº 4.502/64, não é considerada um ato ilícito, ou seja, o contribuinte atua de maneira equivocada, sem a devida vênia, contra os ditames legais, buscando fugir do pagamento tributário, seja por meio de distorção abusiva da interpretação legal/jurídica ou pelo ato simulado, este último conceituado pelo Código Civil de 2.002 em seus artigos 102 e 105.[9] Importante salientar que a Lei nº 8.137/90 trata acerca dos crimes contra a ordem tributária e elencam diversas condutas para incidência de sonegação fiscal e fraude fiscal. Além de penas de detenção e reclusão são estipuladas ainda altas multas a fim de fazer jus à famosa frase o crime não compensa, ou seja, o dinheiro obtido criminosamente deverá ser restituído ao erário público. Desta feita, conforme destacamos ao longo do presente estudo, a constituição de uma holding familiar não gera sempre uma amortização fiscal, é necessário que o sócio investidor esteja amparado por profissionais competentes que tenham plena capacidade de estudar e identificar os objetivos e operações econômicas que a sociedade realizará a fim de salientar se será ou não benéfica fiscalmente as operações.[10] Deve também ser verificado qual, no caso, será a tributação para pessoa jurídica e qual seria para a pessoa física a fim de demonstrar as vantagens tributárias em termos financeiros. Vantagens do Planejamento Tributário para os Sócios Familiares Passamos agora a estudar especificamente o planejamento tributário de uma holding familiar, as vantagens e desvantagens que este instituto societário fornece ao sócio investidor. Para que o estudo fiscal seja bem realizado é necessário que sejam levantadas as informações reais da sociedade, suas atividades, estrutura e seus sócios, sempre levando em conta, por óbvio, de que não se trata de algo imutável, as mudanças estão sempre acontecendo no ambiente empresarial.[11] De início, importante o apoio de uma assessoria jurídica competente a fim de demonstrar ao sócio investidor que certas obrigações serão necessárias sempre, mesmo que em determinado fator não seja necessário a quitação de qualquer débito tributário, isso porque, diferentemente do direito civil, a obrigação acessória no direito tributário é totalmente independente da obrigação principal, o que gera portanto, o dever do contribuinte de emitir notas fiscais, guias de recolhimentos quando necessárias, entre outros pontos.[12]  Evitar-se-ão ambiguidades fiscais. Tratam-se de operações escrituradas em duplicidade, o que gera uma maior burocracia no desenvolvimento da empresa e impõe a reestruturação empresarial no todo, societária, civil, trabalhista e fiscal. Deve também o sócio investidor evitar adversidades fiscais, alto custo para realização de determinada operação que possa inviabilizar o negócio, o que enseja a necessidade de uma avaliação conjunta do âmbito fiscal, logístico, empresarial, econômico a fim de reagrupar todas as necessidades de maneira favorável à sociedade, e se, necessário for, alterar os aspectos empresariais.[13] Outrossim, a análise fiscal deve ser elaborada sob a ótica atual do direito tributário, ou seja, os tributos existentes, a sistemática de cobrança. Importante salientar que diversos são os tributos possíveis a serem cobrados da sociedade de acordo com seu objeto social, o que determina a harmonização entre o business desenvolvido e o preço tributário.[14] Outrossim, saliente-se que a análise de cada tributo não pode ser realizada individualmente, ao passo que o estudo global enseja a confrontação entre a redução do ônus fiscal individual com os reflexos nos demais tributos.[15] Ademais, insta mencionar que todos os integrantes da sociedade precisam compreender e aceitar o plano fiscal proposto a fim de viabilizar as operações da holding familiar e ao mesmo não onerar demasiadamente o negócio explorado, o que força treinamento, ensinamento daqueles que não tem capacidade de manter a engrenagem menos onerosa rodando, permitindo assim a continuidade empresarial e competitividade perante o mercado. Outra vantagem que a holding familiar concede ao sócio investidor em termos de evitar alto gasto com o Fisco, de maneira legal, é a criação de uma Comitê de Planejamento Tributário, facilitando a participação dos sócios na formação e continuidade do plano traçado pelos profissionais capacitados.[16] Nesse sentido, como o plano tributário tem como escopo o conjunto de medidas contínuas visando a economia tributária por meio de redução ou transmissão do ônus fiscal, diversas são as classificações acerca do planejamento. Podemos classificá-lo pela área de atuação: administrativo, por meio de consulta fiscal; judicial, por meio de ação declaratória ou anulatória de débito fiscal e interno, por atos encontrados pela própria holding que possam ensejar alto custo tributário. Pelo objetivo ele pode ser: anulatório, a fim de impedir a incidência de certo tributo em determinada operação; omissão, deixar de realizar tal operação por ser muito onerosa; induzida, realizar certa operação porque a lei é benéfica; optativo, escolher a melhor opção concedida pela lei; interpretativa, interpretar a lacuna legal de maneira favorável ao contribuinte e metamórfico, mudar um aspecto da sociedade a fim de reduzir os encargos fiscais.[17] Por óbvio, importante aduzir que o planejamento tributário a fim de economizar gasto fiscal, seja essa economia realizada por meios internos, administrativos ou judiciais, deve sempre ter fundamento legal. Outrossim, o planejamento fiscal deve sempre ser realizado de maneira estratégica, ou seja, sempre evitando o maior custo para eventuais discussões tributárias. Nesse sentido, a discussão administrativa acerca de uma autuação fiscal enseja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário assegurado pelo Código Tributário Nacional. Contudo, caso o contribuinte seja derrotado, a esfera judicial menos onerosa e prejudicial é a ação anulatória e não os embargos à execução, pois, apesar de ambos necessitarem de garantias, os embargos são mais onerosos e prejudiciais na medida que a execução fiscal tem um rito próprio e confere ao Fisco maiores possibilidades de obter provimento em seus anseios. Os Tributos Incidentes nas Holdings Familiares Assim, analisado o planejamento tributário de modo mais generalizado, vamos agora analisar os tributos que incidem na constituição e desenvolvimento da holding familiar, demonstrando ao estudioso a carga tributária que recaí sobre a atividade empresarial ora estudada. Por óbvio, vamos iniciar a análise dos tributos incidentes na constituição da holding familiar. E o primeiro a ser estudado é o imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD). Isso porque, a constituição de uma holding, como vimos, tem como vantagem adiantar a sucessão patrimonial. Referido tributo é de competência estadual de acordo com o artigo 155, inciso I da Carta Magna e tem como fato gerador a transmissão não onerosa de bens ou direitos por ato intervivos ou causa mortis. A incidência do ITCMD na holding familiar se dá sob ótica de doações de cotas dos sócios aos seus herdeiros, o que representa um alto custo ao patrimônio familiar. Por se tratar de um imposto no qual os Estados possuem competência, diversas são as legislações existentes no território nacional, o que enseja um estudo detalhado acerca de qual será o Estado com menor custo para realização de eventuais operações que incidam o ITCMD.[18] Oportuna a menção a ser realizada. A alíquota máxima do imposto é determinada pelo Senado Federal em razão do artigo 155, IV da Constituição Federal, sendo nos dias atuais fixada em 8% por força da Resolução nº 9 do Senado Federal, assim nenhum ente competente para criar e cobrar o ITCMD, ou seja, o sujeito ativo da obrigação tributária, pode colocar alíquota superior a 8%. Ademais, frise-se que as alíquotas variam de Estado para Estado e estão sujeitas a alterações dentro do teto máximo.  Entretanto, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) encaminhou ao Senado Federal o projeto de nova Resolução a fim de majorar a alíquota máxima de 8% para 20%, o que reforça a ideia de planejamento familiar, em sentido amplo, a fim de evitar eventuais custos demasiados em operações que incidam o referido tributo. Outrossim, grande problema enfrentado pelos sócios é verificar em favor de qual Estado o imposto deve ser recolhido. A solução encontra-se no artigo 155, §1º da Carta Magna, ou seja, se bem imóvel, o local onde se situa, se bem móvel, títulos ou créditos, no local onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicilio o doador. No Estado de São Paulo o tributo deve ser recolhido por aquele que recebe a doação por força do artigo 7º, inciso III da Lei nº 10.705/2000, que regulamenta a matéria no território paulista. Já em relação à base de cálculo, em São Paulo, é o valor de mercado dos bens transmitidos, sem considerar o custo de aquisição, e em caso de cotas sociais, o patrimônio líquido da empresa dividido pelo número de cotas e então multiplicado pela quantidade de cotas doadas, conforme artigos 9º e 14, respectivamente, da Lei supramencionada.   Como vimos anteriormente, a holding familiar constitui um ótimo mecanismo para o planejamento sucessório e patrimonial, o que na maioria das situações enseja o adiantamento da legitima, ou seja, doação dos bens aos herdeiros antes da passagem dos pais. Esta situação é ensejadora de ITCMD, sendo em São Paulo a alíquota de 4%. Entretanto, se a doação é somente da nua-propriedade dos bens, sendo os frutos mantidos ao doador, a base de cálculo é reduzida de acordo com o artigo 9º, §2º, alínea IV da Lei paulista.[19] Nesse contexto nota-se que a vantagem existente ao sócio investidor com a constituição de uma holding é a programação acerca do gasto tributário, mas no aspecto monetário o gasto existe e os valores correspondentes devem ser recolhidos aos cofres públicos.[20] Outrossim, outro tributo a ser analisado no âmbito da holding familiar é o Imposto de Transmissão de Bens Intervivos, ITBI. Trata-se de imposto de competência municipal e tem como fato gerador a transmissão intervivos, por ato oneroso, de propriedade ou domínio útil de bens imóveis. A previsão do ITBI é o artigo 156, inciso II da Constituição Federal. A incidência do ITBI ocorre na integralização de capital da holding, quando realizada por bens imóveis. Isso porque, ao integralizar o capital com um bem imóvel concretiza-se a transmissão de propriedade para a sociedade. Ademais, é um ato oneroso em razão do significado objetivo do ato, ou seja, é a transferência de recursos para a sociedade “em troca” de participação societária, de acordo com o artigo 36, inciso I do CTN.[21] Entretanto, a integralização do capital por meio de imóvel não enseja o recolhimento do ITBI em razão da imunidade prevista na Carta Magna. Ou seja, o ITBI não será recolhido, salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens, direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, conceituada esta pelo artigo 37 do CTN, conforme artigo 156, §2º, inciso I da CF e artigo 36 do CTN. Este último artigo ainda dispõe que em caso de desincorporação do patrimônio da sociedade e o retorno do bem ao seu proprietário original o imposto não incidirá, mas como tal previsão está elencada no Código Tributária Nacional, trata-se de isenção tributária. Como o ITBI é um imposto de competência municipal, diversas são as legislações que tratam a respeito do tema e cabe ao profissional que está amparando o sócio investidor demonstrar a este qual é o local menos oneroso para constituição da holding. No Município de São Paulo, o Decreto nº 55.196/2014 regulamenta o imposto analisado. O sujeito passivo é o adquirente do bem, salvo se a transmissão for exclusivamente de direito à aquisição de bens imóveis, neste caso o transmitente será o sujeito passivo, desde que o adquirente exerça tal atividade de modo preponderante. A base de cálculo é o valor venal do bem/direito a ser transmitido, salvo se o valor acordado no negócio for superior ao valor venal, conforme regramento da Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico. A alíquota é na casa de 3% a ser calculada sobre a base de cálculo do imposto.[22] Ao analisarmos os dois impostos acima, podemos perceber que a constituição da holding familiar não representa o fato gerador de ambos os tributos concomitantemente, se a operação for onerosa aplica-se o primeiro, se não onerosa, o segundo. Obviamente que outras operações distintas realizadas pela holding podem ensejar o recolhimento dos impostos supramencionados, de acordo com o fato gerador tributário. Essa menção é importante na medida que vamos estudar o Imposto de Renda, IR incidente na constituição da sociedade familiar. O IR tem sistemática diferente do ITCMD e ITBI, uma vez que uma mesma operação pode representar a incidência de um desses impostos e, conjuntamente, do IR, o que gera um aumento de custo ao sócio investidor.[23] O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, e que enseja diversas discussões judiciais e posições doutrinárias e jurisprudenciais diferentes acerca do tema. Para fins do presente estudo, vamos elencar que a transferência patrimonial, seja onerosa ou não, pode ensejar o dever de recolher o imposte de renda, desde que o valor negociado seja maior do aquele constante na declaração de IR como custo de aquisição, recolhendo assim o valor da diferença, caso contrário não, cabendo tal decisão ao contribuinte, conforme dispõe a Lei nº 9.249/95, artigo 23, que dispõe acerca do IR de pessoa jurídica, IRPJ.[24] Assim, no momento da constituição da holding, a título de planejamento patrimonial, o custo com o imposto de renda pode ser evitado caso a integralização do capital seja concretizada pelo valor constante na declaração de IR do sócio investidor, sem qualquer valor adicional. Entretanto, deve o profissional amparar o sócio investidor acerca dos malefícios que isso pode causar, pois, caso os bens sejam vendidos posteriormente, dependendo do regime tributário adotado pela holding e da contabilização do bem imóvel, o valor de custo como referência ao IR será aquele previsto na integralização, reduzido eventual depreciação, o que pode ensejar um custo muito maior do aquele que foi evitado anteriormente.[25] Ademais, os dois atos corriqueiros na constituição da holding familiar é a integralização do capital por meio de bens da família e doação de cotas sociais para os herdeiros. No aspecto tributário, especificamente no IR, saliente-se que o herdeiro que recebeu os bens doados não tem o dever legal de recolher o IR por força do Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3000/99, em seu artigo 39. Ao doador se aplica a regra acima analisada, conforme dispõe o artigo 119 do referido Decreto.[26] Visto os tributos incidentes na constituição da holding familiar, quais sejam, ITCMD, IBTI e IR, passamos agora a analisar a tributação da pessoa jurídica constituída, em suas rendas e receitas, uma vez que isso pode conceder ao sócio investidor aberturas para redução de custo tributário na sociedade familiar. O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, IRPJ, é o primeiro a ser estudado. Por determinação legal ou opção, as pessoas jurídicas, PJ, são tributadas por quatro maneiras distintas entre si, simples nacional, lucro presumido, lucro real ou lucro arbitrado. Insta mencionar aqui que o lucro arbitrado não é uma opção, mas sim determinação legal quando houver descumprimento de obrigações legais. O Simples Nacional não será estudado por nós ao passo que a Lei Complementar nº 123/06, em seus artigos 3º, §4º, inciso VII e 17, inciso XV, veda que as sociedades holdings optem por este regime. Assim, nos resta estudar o IRPJ, e posteriormente os demais tributos, nas holdings com lucro real e presumido, iniciando-se pelo primeiro. A apuração do IRPJ pelo lucro real tem como escopo considerar, sinteticamente, o lucro contábil da empresa ajustado pelas adições, exclusões e compensações previstas pela legislação fiscal. Assim, o lucro real exige que a holding tenha uma contabilidade perfeita, minuciosamente elaborada e atualizada, o que enseja altos custos ao sócio investidor que optar por este regime. Contudo, as holdings familiares/empresas que tenham receita superior a R$ 6.500.000,00/mês ou R$ 78.000.000,00/ano ou que usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou à redução do imposto são obrigadas a aderir a essa forma de tributação.[27] Nesse diapasão, quando obrigada a aderir ao lucro real a holding familiar deve apurar o lucro líquido, que é o ponto de partida do imposto de renda de pessoa jurídica e se enquadrar no previsto pela legislação fiscal. O IRPJ possuí alíquota básica e uma adicional. A primeira é de 15% a ser calculada sobre o lucro real. Contudo, se o lucro real superar R$ 240.000,00/ano, R$ 60.000,00/trimestre ou R$ 20.000,00/mês haverá a incidência da alíquota adicional na monta de 10% sobre o montante que superar estes patamares.[28] Importante benefício acerca do lucro real que o sócio investidor deve ser informado e amparado é acerca da possibilidade de compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores. Ou seja, se a holding familiar apresentou um prejuízo fiscal, esse valor pode, e deve ser compensado no futuro, respeitado o limite de 30% do lucro real do período a compensar. Por fim, o período de apuração pode ser trimestral ou anual, sendo que neste caso é permitido que hajam antecipações mensais pela sociedade. Estudado os aspectos da apuração tributária por meio do lucro real, passamos a estudar o regime do lucro presumido. O regime do lucro presumido é aplicável quando a holding familiar não está obrigada a aderir ao lucro real. Tal regime é muito mais simples do que o acima estudado haja vista que não enseja demasiadas exigências contábeis, motivo pelo qual a maioria das sociedades familiares constituídas optam por este.[29] Há pequena divergência neste regime acerca de como a empresa deve proceder sua escrituração. Isso porque, o regulamento do IR, artigo 525, permite que seja feita escrituração contábil ou livro caixa, enquanto o Código Civil de 2.002, artigo 1.179, exige a escrituração contábil. Nesse ponto, apesar de serem ramos jurídicos distintos, a fim de evitar qualquer prejuízo futuro em sede civil, optamos pela escrituração contábil. O lucro presumido é calculado pela aplicação de um percentual definido em lei sobre o total de receitas relacionadas às atividades empresariais. Insta salientar que caso a holding aufira renda não relacionada às suas operações negociais, os valores devem ser adicionados ao lucro presumido para que o imposto possa ser calculado e recolhido. A alíquota básica é na casa de 15% e a adicional de 10% sobre o valor que ultrapassar a quantia de R$ 240.000,00/ano, R$ 60.000,00/trimestre ou R$ 20.000,00/mês. Outra importante menção no regime de lucro presumido é que este é calculado trimestralmente.[30] Os percentuais de presunção estão dispostos no artigo 223 do Regulamente do Imposto de Renda, tendo a holding controladora/administradora o percentual de 32%. Assim, em resumo, o lucro presumido é uma forma de apuração do IR simplificada, cuja base de cálculo do tributo é proveniente da aplicação presumida em face das receitas dos negócios concretizados, adicionada de outros ganhos previstos em lei. Outra grande vantagem é que o cálculo do imposto é acessível, inclusive àqueles que não possuem experiência e formação em contas matemáticas.[31] Por fim, apesar de ser um regime com menor custo, cabe ao sócio investidor se amparar por profissionais capacitados e que demonstrem a esse que em determinadas situações o regime de lucro presumido não é tão benéfico, mas sim o lucro real, como em casos de margem de lucro reduzida, motivo pelo qual reforçamos a posição de que a estruturação de uma sociedade familiar deve ser realizada verificando-se todos os aspectos possíveis a fim de criar uma harmonia entre as áreas da sociedade familiar e gerar economia financeira. Visto os aspectos do Imposto de Renda nas receitas e ganhos da holding familiar, passamos a estudar outro tributo incidente no aspecto supramencionado, qual seja, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A CSLL tem um sistema de apuração muito parecido com o do IR. Tal tributo tem previsão no artigo 195, inciso I, alínea “c” da Constituição Federal. A Lei nº 7.689/88 instituiu e regulou a contribuição, tendo esta como fato gerador a auferição de lucro por parte das empresas e se destina ao financiamento da seguridade social do Brasil. A base de cálculo é o valor do resultado presumido ou arbitrado da pessoa jurídica no período de apuração. Assim, nota-se que a apuração da CSLL depende da opção de regime de IR da empresa, com pequenas diferenças, como no caso de gratificações/participações no resultado da holding familiar pelo administrador que serão adicionadas ao lucro real para fins de cálculo do IR, mas não para fins da CSLL, bem como em casos de prejuízos fiscais permitidos na CSLL.[32] Apesar de a CSLL ter a mesma sistemática do lucro presumido de IR, os percentuais de presunção são diferentes, variando de 12% a 32% dependendo da atividade a ser explorada pela holding familiar. Entretanto, a alíquota do tributo ora analisado é de 9% para a sociedade familiar, de acordo com o artigo 3º, inciso III da Lei nº 7.689/88.[33] Visto os aspectos da CSLL, passamos a estudar, em conjunto, outros dois tributos incidentes nas receitas da empresa familiar, Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Tratam-se de dois tributos que, para muitos autores, tem a sistemática mais complexa do sistema fiscal brasileiro, e por isso, vamos analisar apenas os aspectos referentes à holding familiar. Ambos os tributos encontram amparo constitucional nos artigos 195, inciso I e 239 da Carta Magna. Existem dois regimes de tributação do PIS e da Cofins, cumulativo e não cumulativo. Como regra geral, o primeiro deles é aplicado às empresas tributadas pelo lucro presumido e o segundo para aquelas tributadas pelo lucro real. Assim, qualquer avaliação de alternativas acerca da melhor opção de IR da empresa deve levar em consideração estes tributos, bem como a CSLL, o que reforça a necessidade do sócio investidor concretizar amparo negocial e jurídico com profissionais capacitados no momento de criar a holding familiar.[34] Há duas diferenças fundamentais entre os regimes cumulativos e não cumulativos. A primeira diz respeito à alíquota e a segunda é que no regime não cumulativo as empresas têm direito a créditos a serem descontados na apuração do montante de contribuição devido em relação a partes de seus custos e despesas. No regime cumulativo a alíquota do PIS é de 0,65% e da Cofins de 3%. A Lei nº 9.718/98 é quem disciplina ambos os tributos. A base de cálculo no regime cumulativo dos tributos é a receita bruta, conforme previsto no artigo 3º da referida lei. O §2º do artigo 3º ainda prevê uma série de itens que devem ser excluídos da receita bruta da empresa. Assim, para fins de cálculo do montante devido no regime cumulativo, basta obter a receita bruta, descontar eventualmente os itens previsto no artigo 3º, §2º da Lei nº 9.718/98 e aplicar as alíquotas. Como visto, é um cálculo relativamente fácil.[35] Entretanto, o regime não cumulativo é bem mais complicado de se apurar os tributos. Nesse regime, o PIS é regulado pela Lei nº 10.637/02 e a Cofins pela Lei nº 10.833/2003 e enseja maior custo e complexidade para a holding familiar, o que reforça o viés negativo da opção pela apuração do IR pelo lucro real, já que este enseja o regime não cumulativo para o PIS e a Cofins. O regime não cumulativo também permite os descontos previsto no regime cumulativo, contudo, apesar de ser a regra geral, as leis preveem uma série de exceções para os descontos, o que força ao empresariado avaliar cada despesa para verificar se é cabível ou não a apuração do crédito. A alíquota do PIS monta 1,65% e da Cofins 7,6%. A incidência destas se dá no total das receitas auferidas pela sociedade familiar no mês, sem depender da denominação ou classificação contábil. Assim, a grande dificuldade neste regime é encontrar a base de cálculo. Feito isso, basta aplicar as alíquotas na quantia obtida. Contudo, para ser encontrado o valor devido a pessoa jurídica ainda deve realizar o desconto de créditos apurados com base em custos, despesas e encargos dela própria na alíquota das contribuições.[36] Outrossim, após analisado os temas fiscais essenciais da holding familiar, devemos demonstrar qual a melhor opção para o sócio investidor no momento de constituir a sociedade. Para que possamos alcançar a melhor resposta é necessário que seja feito uma análise detalhada acerca de toda a atividade econômica a ser explorada pela sociedade familiar, bem como de cada tributo incidente no processo de constituição e manutenção da holding. Por isso, o regime de lucro real é aconselhável ao sócio investidor se a empresa tiver altas despesas, uma vez que reduz a margem de lucratividade da mesma. Assim, importante que o profissional dê suporte ao sócio investidor por meio de avaliações negociais preliminares, ou seja, realizando um exercício de comparação entre o regime de lucro real e presumido de acordo com a arrecadação social para optar pelo regime mais econômico, benéfico para a holding. Ainda dentro desse contexto, outro importante fator é a possibilidade de compensação de prejuízos fiscais, pois empresas sazonais ensejam a escolha pelo lucro real, pois esse permite a compensação o que reduz a carga fiscal da empresa. Ademais, o regime escolhido, como vimos acima, impacta na sistemática do PIS/Cofins, o que é outro fator a ser lembrado no estudo.[37] Destarte que o regime de lucro real do IR implica em um elevado gasto na medida que pressupõe e determina maiores controles registrais e contábeis. Insta salientar ainda que o lucro presumido apresenta como vantagem a apuração do lucro por meio de regime de caixa, a receita vai compor a base de cálculo quando do efetivo recebimento, o que evita o pagamento de tributos de receitas que ainda não foram efetivamente recebidas. Portanto, uma holding pura apresentará como receitas primordiais lucros e dividendos e equivalência patrimonial, sendo os primeiros isentos de IR e CSLL e não possuem PIS/Cofins na composição de sua base de cálculo, e o segundo não integra a base de cálculo de ambos os tributos, bem como do PIS/Cofins. Nota-se, com isso, que esta espécie de holding não está sujeita a qualquer tipo de tributação, sem importar o regime de apuração escolhido. No caso de uma holding mista, a opção pelo lucro presumido parece ser o mais favorável desde que não apresente grande quantidade de despesas e receitas, por óbvio.[38] Aspecto de grande importância que merece ser estudado é o da tributação dos sócios, pessoa física ou jurídica, da holding familiar. Podem os sócios receberem lucros e dividendos, juros sobre o capital próprio e/ou pró-labore. Lucros e dividendos não são sujeitos à incidência de IR na fonte, bem como não integram a base de cálculo do IR do beneficiário por força do artigo 10 da Lei nº 9.249/95.[39] Já o pró-labore, que é a remuneração paga pela empresa ao sócio/terceiro pessoa física que efetivamente trabalha em favor da sociedade, incide o valor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com alíquota de 11% para a pessoa física que aufere o valor líquido, descontado pela fonte pagadora o montante de contribuição, com teto de R$ 570,88 no ano de 2016. Deve ainda a empresa arcar com a contribuição da pessoa jurídica cuja alíquota é de 20% sobre a quantia paga. Incide ainda o IR da pessoa física, calculado de acordo com a tabela progressiva.[40] Por fim, os juros sobre capital próprio é a remuneração do capital próprio pago aos sócios, cujo o valor é dedutível para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica. Caso o beneficiário seja pessoa física, incide IR retido na fonte com alíquota de 15%. Se for pessoa jurídica, o valor é retido na fonte com alíquota de 15%, bem como PIS/Cofins.[41] Assim, verifica-se claramente que a opção por lucros e dividendos é a melhor, uma vez que não incide IR, CSLL, PIS/Cofins, o que reforça a opção pelo sócio investidor de constituir uma holding familiar. Contudo, há no Senado Federal um projeto de lei que prevê a tributação de lucros e dividendos, altera o artigo 10 da Lei nº 9.249/95. O PLS 588/2015 tem como previsão alíquota de 15%, o que ensejaria em torno de R$ 43 bilhões/ano a União. Tal perspectiva encontra-se englobada pelo ajuste fiscal que o governo federal espera colocar em termos. Apesar disso, o PLS 588/2015 tem enfrentado bastante resistência nas Comissões do Congresso Nacional, uma vez que para muitos juristas tal tributação configuraria bitributação, o que é expressamente vedado pela Carta Magna. Portanto, no momento de constituição de uma holding familiar, apesar de a regra vigente prever a isenção de tributos incidentes nos lucros e dividendos, é importante que o sócio investidor tenha em mente de que pode ocorrer alteração legislativa e passar a ter tributação de lucros e dividendos, principalmente em razão da grave crise econômica pelo qual o Brasil passa. Isto posto, o sócio investidor ao constituir uma holding familiar deve sempre ser amparado por profissionais capacitados, uma vez que, todos os aspectos empresariais conversam entre si, ou seja, a escolha negocial/empresarial pode refletir no aspecto familiar, sucessório e tributário da sociedade, o que reforça nossa posição de que o estudo antes da constituição da sociedade deve ser amplo e aprofundado, sob pena de ensejar prejuízos econômicos e conflitos familiares. Considerações Finais A entidade familiar, leia-se aqui família como aquela que o ser humano aceita e quer, independentemente de cor, raça, sexo ou religião, é o pilar de toda a sociedade mundial. Nesse compasso, a prioridade em manter o desenvolvimento social e econômico de todos familiares é um dos, senão o maior, objetivo do patriarca. Assim, o interesse pelo sócio investidor na constituição de uma holding familiar tem escopo na oferta de boa condição de vida para todos aqueles que restarão após sua passagem, garantindo as presentes e futuras gerações. Por tal motivo, a holding familiar é dos melhores mecanismos que as legislações e operações negocias/jurídicas oferecem ao empresariado familiar. Entretanto, a sua constituição deve sempre ser amparada e estudada pelos profissionais capacitados, ou seja, advogados, contadores, administradores, economistas, entre outros, a fim de que seja realmente comprovado se os gastos com a constituição da sociedade familiar serão “compensados” no futuro com a economia de valores negociais. Nesse diapasão, o planejamento fiscal é outra grande vantagem que a holding familiar oferta. Com as constantes crises econômicas nas quais o Brasil enfrenta, a fome tributária do Estado é notória, o que enseja ao contribuinte/sócio investidor um estudo detalhado de todo o aspecto empresarial e jurídico da sociedade a fim de viabilizar que o impacto fiscal nas contas da empresa seja relativizado, isso sem que seja considerado crime. Insta salientar que apesar de as Fazendas Públicas se oporem veementemente quanto ao planejamento tributário já que isso enseja um recolhimento a menor aos cofres públicos, este mecanismo deve ser aplicado, haja vista ser legal. O contribuinte não pode ser compelido a optar por um regime fiscal que seja mais gravoso a ele, se por meios legais, como a holding familiar e suas vantagens, existem outros caminhos menos onerosos. Portanto, concluímos que a holding familiar é um ótimo mecanismo para proteção da economia familiar ao passo que dispõe de diversas opções para desonerar os custeios empresariais e manter o patrimônio adquirido no seio familiar, bem como afastando conflitos familiares. Enseja ainda a perpetuidade da sociedade familiar na medida que as futuras gerações serão preparadas e doutrinadas no sentido de manter a empresa funcionando e optando pelos melhores negócios.
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A tributação e a caracterização das relações comerciais entre Brasil e União Europeia
Este trabalho se propõe a analisar a questão das relações internacionais entre o Brasil e a União Europeia com vistas à caracterização e ao tratamento tributário das exportações e importações brasileiras. Nesse sentido, o referencial teórico contemplou sucinta análise da legislação nacional relativa à tributação das relações internacionais, além das teorias sobre relações internacionais, ressaltando aquelas que tiveram grandes repercussões na história. Revelou-se imprescindível apresentar nessa pesquisa um panorama das exportações brasileiras que são caracterizadas, em sua maioria, por produtos com pequena ou baixa tecnologia envolvida. Assim sendo, analisou-se também os desafios do modelo existente no Brasil. Percebeu-se com a análise dos resultados a disparidade entre o que se exporta e se importa do bloco europeu. Mediante a análise, conclui-se que a despeito do modelo de exportações brasileiras ser relevante e de existirem diversos incentivos fiscais fomentando o fortalecimento da balança comercial brasileira, nosso modelo de relações internacionais ainda possui muitos desafios a serem vencidos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A discussão aqui proposta diz respeito às políticas públicas nas relações internacionais, mais especificamente, a questão dos incentivos fiscais e da pauta de exportação brasileira no comércio internacional com a União Europeia. O problema envolvido nessa pesquisa busca compreender como de fato se dão as exportações e importações brasileiras com a União Europeia. Em outras palavras, busca investigar como é caracterizada a pauta exportadora e importadora do Brasil com esses países tendo em vista as questões de intensidade tecnológica, sobretudo os bens primários e as commodities exportadas.  Com as mudanças econômicas, o crescimento dos países asiáticos e o consequente aumento do PIB mundial, o Brasil se viu frente a uma possibilidade de se tornar uma das economias emergentes com elevado potencial de crescimento. Um dos motivos do crescimento econômico asiático, segundo Barros (2008), foi o aumento da população asiática e sua incorporação na economia de mercado que “provocou uma alteração profunda nas relações de preços entre produtos industriais e commodities agrícolas e minerais, em favor destes últimos” (BARROS, 2008, p.12). Analisando o caso brasileiro, se por um lado a estratégia exportadora mais ativa pelos brasileiros e o aumento das importações asiáticas tirou o Brasil da condição de país endividado no exterior, por outro, encadeou um fraco desempenho da indústria de transformação e uma baixa performance nas exportações de produtos manufaturados, sobretudo os de maior densidade tecnológica (ALMEIDA, 2008). Esse comportamento resultou, na prática, em uma queda da participação brasileira nas exportações mundiais, por categorias e segundo intensidade tecnológica, em todos os produtos da pauta com exceção das commodities primárias e “outros” (item que inclui petróleo) a partir do ano de 2005, segundo dados da SECEX/MDIC (2016). O estudo sobre as relações comerciais entre Brasil e União Europeia joga luzes sobre a diversificação e a desconcentração, ora canalizadas basicamente no setor primário. Entende-se que o Brasil se mantem numa situação onde as commodities são responsáveis pelo saldo da balança comercial positivo. Frente a isso existe um alarde e um contexto onde as políticas estão sujeitas a novas estratégias de diferenciação de produtos, tendo em vista a dependência desse setor (ALMEIDA, 2008). De acordo com Almeida (2008): “A economia brasileira permanece dependente, no que tange à geração de saldos comerciais, de produtos com baixa e média-baixa intensidade tecnológica, enquanto o setor de alta tecnologia é um grande importador e o maior gerador de déficits.” (ALMEIDA, 2008, p. 28) Almeida (2008) ainda destaca que tal situação não ocorre em países ou blocos que possuem sua pauta exportadora mais consolidada. Isso pode ser corroborado quando analisadas as transações comerciais entre Brasil e União Europeia. Em 2015, observou-se que 68,0 % das exportações brasileiras para a União Europeia foram de produtos não industriais e da indústria de baixa tecnologia, 34,9% e 33,1%, respectivamente. Ao passo que as importações advindas do bloco europeu foram em sua maioria da Indústria de média-alta tecnologia e alta tecnologia, 53,3% e 21,3%, respectivamente (MDIC-ALICEWEB, 2016). É nesse sentido que se apura reflexos da política de exportação dos países europeus mostrando-se mais eficiente, podendo ser tida como modelo, observando-se, contudo, as especificidades de cada localidade. Há de ressaltar o importante papel relacionado à tributação das relações internacionais, ou política econômica das relações comerciais internacionais, pois, em que pese sua ingerência indireta sobre a economia, esta tem a capacidade de produzir resultados efetivos no perfil e caracterização da balança comercial do país. Ademais, a tributação internacional, praticada entre os países ou blocos econômicos em suas relações comerciais, potencialmente influencia o futuro da tributação nacional ao passo que estabelece padrões de comportamento que são mimetizados por outros países e contribuintes do mundo todo, que buscam se adaptar aos novos cenários. Assim, esse trabalho possui o objetivo central de analisar o perfil do modelo de relações comerciais entre Brasil e União Europeia ao longo dos anos, à luz das políticas públicas nas relações internacionais. Com o propósito de alcançar o objetivo geral, o presente trabalho busca compreender o tratamento tributário dado às importações e às exportações pela legislação brasileira; conhecer os processos envolvidos na dinâmica de trocas comerciais internacionais entre Brasil e União Europeia; analisar a questão da pauta exportadora do Brasil para o bloco; analisar a variação dos valores exportados pelo Brasil ao longo dos anos; identificar as limitações do modelo de exportação brasileiro; e ainda auxiliar na compreensão dos principais desafios existentes. A metodologia adotada nessa pesquisa foi de natureza descritiva e qualitativa, que “consistem em investigações de pesquisa empírica cuja principal finalidade é o delineamento ou análise das características de fatos ou fenômenos, a avaliação de programas, ou o isolamento de variáveis principais ou chave” (LAKATOS, 2003, p. 187). Para a realização da análise dos dados coletados utilizou-se a análise de conteúdo. Essa técnica consiste em um “conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 2006, p. 38). Ela é ostensivamente utilizada quando se trata de pesquisa qualitativa, onde se pretende ir além dos significados aparentes, fazendo uma leitura pura da realidade. 2. COMÉRCIO INTERNACIONAL De acordo com a revisão de literatura relacionada, pode-se ratificar a relevância do comércio internacional, sua importância para o crescimento econômico de um país, bem como a instauração de estabilidade política entre nações que se relacionam fruto desse comércio.  Não obstante, para que se consiga analisar o comércio internacional, é importante levar em conta as determinantes do comércio fundamentadas nas teorias do comércio internacional (OLIVEIRA, 2007). Dessas teorias algumas tiveram grandes repercussões na história, dentre elas as teorias clássicas de Adam Smith e David Ricardo. Sobre a primeira tem-se que: “Smith (1985), publicado originalmente em 1776, desenvolveu a teoria das vantagens absolutas como a base do comércio internacional. A vantagem absoluta de um país na produção de um bem resulta de uma maior produtividade, ou seja, da utilização de uma menor quantidade de insumo para produzir esse bem enfrentando menores custos. O autor postulou que nem sempre é necessário que um país obtenha excedentes de comércio exterior para que as trocas comerciais internacionais sejam vantajosas, e que as trocas voluntárias entre países podem beneficiar todos os envolvidos na operação.” (COUTINHO et al., 2006, p. 102) Em outras palavras, Adam Smith acreditava que o comércio entre as nações pode gerar maior bem-estar da sociedade, uma vez que aumenta a capacidade de se consumir mais em cada país por meio da exportação de produtos provenientes de vantagem absoluta e importação de bens produzidos em outros países (COUTINHO et al., 2006). Gonçalves (2005) esclarece que David Ricardo inseriu o conceito de vantagens comparativas e afirmou que não são somente os países detentores de vantagens absolutas que se beneficiam do comércio internacional, mas também aqueles possuidores de vantagem comparativa. Mais especificamente, “de acordo com este modelo, os custos comparativos são determinados pela produtividade relativa do trabalho. Variações nessa produtividade entre os países adviriam principalmente de diferenças tecnológicas entre eles” (GONÇALVES, 2005, p. 03). Em suma, os países deveriam se especializar em produtos os quais possuem vantagens comparativas exportando o excedente da produção doméstica. Por consequência, os outros bens deveriam ser adquiridos no Mercado externo por um preço relativamente menor do que os praticados no seu país. Outras teorias também compõe o espectro de estudos das relações internacionais, mas por essa pesquisa priorizar a questão das trocas comerciais entre Brasil e União Europeia, optou-se pela adoção das teorias supracitadas. 3. TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA DAS TRANSAÇÕES INTERNACIONAIS Shapiro (1973) elucida que, em geral, as exportações são determinadas externamente por demandas próprias de cada país e que as importações são determinadas por fatores internos, com destaque para o nível de renda dos indivíduos. O perfil da balança comercial de um país passa por características desde o parque industrial instalado em seu território até suas reservas naturais e história. Não obstante, as políticas públicas com vistas à melhoria do desempenho do país nas relações comerciais internacionais estão fortemente relacionadas aos incentivos fiscais que a própria legislação desse país oferece. Baleeiro (1973) aponta que há muito o desenvolvimento econômico é associado à ideia de industrialização. Contudo, revela que os países com maior renda per capita do mundo não a auferem por serem industrializados, mas por investir mais em tecnologia avançada em diversos setores, como na agricultura. Grosso modo, com vistas à otimização da balança comercial, dever-se-ia incentivar a exportação de produtos com alto valor agregado, como os que empregam tecnologia avançada, visto que estes produtos potencialmente gerariam maiores impactos na economia nacional. Ademais, considerando a escassez ou até ausência de certas tecnologias no domínio de certos países, principalmente pelo alto custo financeiro envolvido, torna-se imprescindível uma atenção especial para a política econômica com vistas a incentivar, ou pelo menos não desincentivar, a fabricação, com futura exportação, de produtos com alto valor agregado, tidos, então, como estratégicos para a balança comercial. Shapiro (1973, p. 432) afirma que “a mais importante das política econômicas do governo é conhecida como sua política fiscal”. O autor explica que a política fiscal deve operar em forma contracíclica, procurando promover a estabilização da atividade econômica a altos níveis de produto e emprego. A tributação cumpre importante papel na satisfação das necessidades públicas. De acordo com Baleeiro (1973), a necessidade pública é tida como toda aquela de interesse geral, satisfeita pelo processo do serviço público e eleita como pública por decisão dos órgãos políticos. Faria (2008) assevera que com o advento da globalização e formação de grandes blocos econômicos como o Mercosul, o Nafta e a União Europeia, tornou-se mais importante o estudo dos tributos sobre o comércio exterior. Há de se reforçar que o tributo, além de servir de substrato para a manutenção das atividades estatais, cumpre importante papel de potencial indutor do desenvolvimento econômico. Por esta razão Oliveira (1991, p. 17) defende que o tributo constitui “uma das mais poderosas ferramentas colocadas à disposição das autoridades governamentais para impulsionarem, orientarem e conduzirem o desenvolvimento de determinado país”. Mais além, Rawls (2000, p. 306) ensina que o tributo cumpre papel não somente para custear as atividades estatais, mas inclusive para atender a fins de corrigir desigualdades de concentração de renda com vistas a propiciar “valor equitativo da liberdade política e igualdade equitativa de oportunidades”. Inspirado pelo axioma da justiça, Rawls (2000) reforça que a finalidade dos tributos deve estar para além dos gastos governamentais, mais alinhada, inclusive, à distribuição de riqueza e à redução da concentração de poder, in verbis: “Em primeiro lugar, ele necessita de vários impostos sobre heranças e doações, e fixa restrições ao direito de legar. O propósito desses tributos e normas não é aumentar a receita (liberar recursos para o governo, mas corrigir, gradual e continuamente a distribuição da riqueza e impedir concentrações de poder que prejudiquem o valor equitativo da liberdade política e igualdade equitativa de oportunidades.” (RAWLS, 2000, p. 306). Dessa feita, sobre a finalidade do tributo, Baleeiro (1998) destaca que ela não é tão rígida, podendo adaptar-se aos anseios políticos: “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. (…) No curso do tempo, o imposto, atributo do Estado, que dele não pode prescindir sequer nos regimes comunistas de nosso tempo, aperfeiçoa-se do ponto de vista moral, adapta-se às cambiantes formas políticas, reflete-se sobre a economia ou sobre os reflexos desta, filtra-se em princípios ou regras jurídicas e utiliza diferentes técnicas para execução prática.” (BALEEIRO, 1998, p. 1). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88) consagra em seu Título VI, Capítulo I, o Sistema Tributário Nacional, com suas principais disposições, além da enumeração e delimitação dos impostos, bem como a repartição da receita tributária. A seguir são apresentados os tratamentos tributários dados às importações e às exportações brasileiras, respectivamente. 3.1. Tributação sobre a importação Faria (2008) esclarece que os tributos sobre a importação cumprem, grosso modo, papel extrafiscal, servindo como valioso instrumento de política econômica. Como ocorre por exemplo: “(…) quando se busca a redução dos preços internos, diminuindo o peso tributário de produtos similares oriundos do exterior, de modo a incrementar a competitividade, ou, ao contrário, onerando a carga para proteger a indústria nacional, em determinados casos.” (FARIA, 2008, p. 39) De acordo com a CR/88 e com o Código Tributário Nacional (CTN), Lei n.º 5.172, de 25 de Outubro de 1966, incidem sobre produtos e serviços importados pelo Brasil: o Imposto sobre Importação de produtos estrangeiros (II), que deve ser calculado sobre o valor aduaneiro e com alíquotas variáveis; o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), calculado conforme tabela específica do IPI; o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual (ICMS), com alíquota variável de acordo com cada Estado-Federado; e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), devido sobre a compra de moedas estrangeiras, na liquidação de operações de câmbio para pagamento da importação de serviços à alíquota de 0,38%. De acordo com a Lei Complementar n.º 116, de 31 de julho de 2003, o Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS) tem incidência de alíquota de 5% sobre a importação de serviços provenientes do exterior. A CR/88 prevê em seu art. 149 as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, assim, a Lei 10.865, de 30 de abril de 2004, estabelece sobre a importação de produtos a incidência de alíquota de 1,65% para o PIS e de 7,6% para o COFINS-Importação. Além dos tributos acima, a CR/88 ainda prescreve em seu art. 145, inciso II, a possibilidade dos entes federados para instituir “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”, como ocorre com a incidência de taxas como as tarifas aduaneiras. Todavia, merece ressalva o regime aduaneiro especial de drawback, criado pela Lei n.º 8.402, de 8 de janeiro de 1992, e consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado, visando a tornar os produtos exportáveis mais competitivos no mercado internacional. 3.2. Tributação sobre a exportação Já no que se refere a tributação sobre a exportação, a CR/88 (art. 153, II) e CTN (art. 23) imputam à União a competência sobre o Imposto de Exportação (IE), cujo fato gerador seria a saída do produto nacional ou nacionalizado do território nacional. A base de cálculo do IE é definida pelo art. 2º do Decreto-lei nº 1.578, de 11 de outubro de 1977, nos seguintes termos: "Art. 2º A base de cálculo do imposto é o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência no mercado internacional, observadas as normas expedidas pelo Poder Executivo, mediante ato da CAMEX – Câmara de Comércio Exterior. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001) § 1º – O preço à vista do produto, FOB ou posto na fronteira, é indicativo do preço normal” Com vistas a atender a política cambial e do comércio exterior, o Poder Executivo pode alterar tanto a base de cálculo como a alíquota do IE. Com vistas a incentivar as exportações, a CR/88 (art. 155, §2º, X, a) atribui imunidade de ICMS aos produtos industrializados destinados à exportação. No mesmo diapasão a Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996, Lei Kandir, estabelece que o ICMS não incide sobre operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, além de serviços (art. 3º, II). Destarte, a despeito de não ser imune, a exportação de produtos primários e semiprimários constitui hipótese de não-incidência de ICMS. Em suma, não é tributável, em decorrência de imunidade, a exportação de produtos industrializados, e não é tributável, em virtude de não-incidência, a exportação de produtos industrializados semielaborados e os primários. No que tange ao IPI, a CR/88 (art. 153, §3º, III) estabelece que não haverá incidência de IPI sobre produtos industrializados quando destinados ao exterior. No mesmo sentido, a Medida Provisória n.º 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e a Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, que cuida dos Programas de Integração Social (PIS) não-cumulativos, isentam de PIS as exportações de mercadorias e serviços. Outrossim, Lei Complementar n.º 70, de 30 de dezembro de 1991, concedeu isenção de Contribuição para a Seguridade Social (COFINS) sobre as receitas oriundas da exportação de mercadorias, e a Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que trata de COFINS não cumulativas, estipulou a não incidência sobre as receitas decorrentes das exportações de mercadorias ou serviços, admitindo, ainda, o direito ao crédito das referidas aquisições. Conforme a Lei Complementar n.º 116/2003 (art. 2º, I), o ISS não incide sobre a exportação de serviços para do exterior do país. Porém, são tributáveis os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado se verifique no país, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior. A Lei Geral da Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), Lei Complementar n.º 123, de 14 de dezembro de 2006, institui o Simples Nacional, que consiste em regime especial e simplificado direcionado somente a ME e EPP. A referida lei estabelece que a exportação de serviços pela ME ou EPP está sujeita à tributação integral pela alíquota do Simples Nacional. Assim, as ME e as EPP optantes pelo Simples Nacional devem considerar, destacadamente e mensalmente, para fins de pagamento, as receitas decorrentes da exportação de mercadorias para o exterior, inclusive as vendas realizadas por meio de exportadora ou de sociedade de propósito específico. Por fim, no que diz respeito às vendas de produtos rurais ao exterior, de acordo com a CR/88 (art. 149, §2º, I), não incide Imposto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos rurais. 4. RELAÇÃO COMERCIAL ENTRE BRASIL E UNIÃO EUROPEIA Considerando o perfil de exportações brasileiras e o desafio na determinação de suas políticas de exportação, considerando a tradição histórica, alguns autores apontam soluções ou mesmo algumas perspectivas. Nesse sentido Tigre (2002) enfatiza que para enfrentar a situação: “A estratégia alternativa mais viável para promover o crescimento das exportações seria apostar no desenvolvimento tecnológico local para diversificar a pauta exportadora de produtos manufaturados e obter maior valor agregado.” (TIGRE, 2002, p. 248) Mais além, necessário ainda discutir os aspectos da invenção e da inovação. De acordo com Arbix (2012) elas são tidas como estratégias de desenvolvimento, sobretudo no caso da internacionalização de empresas e seu consequente papel na economia. No caso das exportações, já for identificado que “parte do empresariado brasileiro já despertou para essa necessidade” (ARBIX, 2010, p. 177). Isso é, segundo o autor, já foram identificadas empresas que se diferem do padrão de comportamento tradicional e de desempenho exibido historicamente pela indústria brasileira os quais passam a compreendem a importância de se inovar para prosperar (ARBIX, 2012). Na visão de Arbix (2012), os desafios do alcance da prosperidade nas exportações vão além de ações individualizadas, segundo ele: “Essa evolução recente da economia brasileira aumenta ainda mais a responsabilidade dos gestores e dos formuladores de políticas públicas, que precisam estar atentos à diversidade e à capacitação diferenciada da nossa economia. Nessas condições, a precisão dos levantamentos sobre as deficiências e os obstáculos que ainda travam a economia – no curto, médio e longo prazos – é fundamental. Sem esse diagnóstico de fundo, que leva em conta o itinerário histórico institucional e as carências estruturais do sistema brasileiro de produção e serviços, a inovação corre o risco de ser valorizada apenasIcomo palavra da moda, quase um capricho das economias mais ricas. A inovação surge como a única via para a elevação e a sustentação do patamar de competitividade das empresas e da economia brasileira.” (ARBIX, 2012, p. 177) As exportações brasileiras são, em sua maioria, de produtos commodities, ao passo que as suas importações têm um perfil contrário, podendo-se observar assim certa assimetria. Em uma análise quantitativa, pode-se dizer que o valor médio das exportações por quilograma representa apenas 40% do valor das importações (TIGRE, 2002). As commodities são produtos intensivos em recursos naturais, em estado bruto ou com algum grau de industrialização. Em geral, são produtos com produção em grande escala e preços formados nas bolsas de mercadorias no país ou no exterior (VERISSIMO e XAVIER, 2014). Negri e Salermo (2005) corroboram com a ideia da commoditização das exportações brasileiras e indicam que o Brasil tem tradição em commodities primárias, produtos intensivos em trabalho e recursos naturais. Assim, seus produtos enviados ao exterior são, geralmente, de menor conteúdo tecnológico. Os autores afirmam que, ainda que esse modelo tenha gerado vantagens competitivas ao longo da história econômica brasileira, ele já se apresenta defasado e distante da dinamicidade característica de outros modelos utilizados no mundo. Um problema apontado por alguns estudos, dentre eles o do Banco Mundial (2008), diz respeito a estagnação da economia de exportações brasileiras e de outros países da América Latina, frente a países como Índia e China. Isso é, o país “apresentou relativamente poucas mudanças estruturais na composição de suas atividades econômicas nos últimos 25 anos” (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 57). Enquanto que países que já estavam em rápido crescimento puderam passar por uma transição da agricultura para a indústria e prestação de serviços de forma mais acelerada. Nesse contexto e analisando uma série histórica entre os anos de 1998 e 2007 o Banco Mundial revela que: “No Brasil, houve uma redução de 20% na parcela relativa aos alimentos. A maior parte desse declínio resultou de um aumento de 37% para 54% na participação dos produtos industrializados. No entanto, a proporção de produtos manufaturados no total das exportações de mercadorias do Brasil parece relativamente pequena quando comparada com a de 70% da Índia, 77% do México […] e 92% para a China.” (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 58) Não obstante, Verissimo e Xavier (2014) confirmam o padrão das exportações que são provenientes do Brasil. Segundo as autoras o Brasil está em um cenário onde há forte especialização da estrutura econômica do país em bens intensivos em recursos naturais, mais especificamente: “Os dados revelam uma participação crescente das commodities nas vendas externas do país, passando de 49,3% em 2000 para 70,9% em 2011, contando, portanto, com um aumento de participação de 21,6 p.p. Por outro lado, verifica-se uma perda de participação quase contínua nas exportações dos produtos manufaturados no período, de 50,7% em 2000 para 29,1% em 2011.” (VERISSIMO E XAVIER, 2014, p. 274) Destarte, resta demonstrado que o desempenho das exportações brasileiras ainda é dependente de produtos com base em recursos naturais e em outras mercadorias simples que demandam mão-de-obra intensiva, onde ele tem vantagem comparativa. A União Europeia como um todo é um grande parceiro comercial para o Brasil, haja vista o montante exportado ano a ano para os países europeus. De acordo com a tabela 1, abaixo, pode-se perceber o volume exportado por ano desde 2010 até 2015 pelo Brasil para a União Europeia em termos de intensidade tecnológica. Se comparada a série histórica, pode-se perceber que em 2010 foram exportados US$ 1,30 bilhões de dólares em artigos da indústria de alta tecnologia enquanto em 2015 esse valor representou US$ 2,47 bilhões, representando um aumento de 90%. Já em relação aos produtos industrializados de baixa tecnologia, para o mesmo período se verificou um aumento de 17%, variação bem abaixo do valor registrado para os produtos industrializados de alta tecnologia. Apesar do crescimento significativo dos produtos industrializados de alta tecnologia, os de baixa tecnologia ainda representam os volumes mais expressivos das exportações brasileiras para a União Europeia. Entre 2010 a 2015, mesmo considerando o crescimento do volume exportado de produtos industrializados de alta tecnologia, estes passaram apenas de 11% a 18% do volume exportado de produtos industrializados de baixa tecnologia. Por outro lado, ao analisar o aumento das exportações de produtos não industriais, vê-se que seu valor em termos absolutos foi de US$ 5,13 bilhões, expressivamente maior que todos os outros agrupamentos, representando um crescimento de 43% entre 2010 a 2015. Considerando-se o total exportado pelo Brasil para a União Europeia em 2015, cerca de US$ 43 bilhões, o gráfico abaixo apresenta a participação em percentual de cada nível de agrupamento. Destacando os valores apresentados na tabela 1 para o ano de 2015, o gráfico acima confirma o perfil das exportações brasileiras para a União Europeia. Fica evidenciado que ainda não se tem uma consolidação das exportações de produtos industrias, muito pelo contrario, o que ocorre é uma predominância das exportações de produtos não industrializados (39,20%) e de industrializados de baixa tecnologia (30,50%), que apresentaram aumentos em todos os anos da série histórica, com exceção do ano de 2015. Já em relação às importações, também é perceptível a importância da União Europeia como parceiro comercial para o Brasil. A tabela 2 a seguir evidencia a relevância de tal parceria. Em geral, o ano de 2015 apresentou expressivas quedas nos níveis de importações brasileiras da União Europeia, principalmente devido ao agravamento da crise econômica no país. Não obstante, em 2015 foram importados US$7,80 bilhões de dólares do bloco europeu em produtos de alta tecnologia, demonstrando um decréscimo absoluto de US$ 346,78 milhões em relação a 2010. Até 2014 é possível ver que as exportações do bloco europeu tiveram crescimento em todos os níveis de agrupamento, sobretudo, na indústria de media-alta tecnologia que aumentou aproximadamente US$ 3,71 bilhões. O gráfico abaixo demonstra como as importações brasileiras advindas da União Europeia se configuram por faixas de intensidade tecnológica.   Dessa sorte, o gráfico 2 informa que mais da metade (53,3%) dos produtos importados pelo Brasil da União Europeia é proveniente da indústria de media-alta tecnologia e outros 21,3%, segundo maior percentual, é devido a indústria de alta tecnologia. Isso demonstra um panorama das importações extremamente tecnológico vindo do continente europeu para o sul americano. Conjugando informações sobre as importações e exportações entre Brasil e União Europeia no ano de 2015 no gráfico abaixo, fica demonstrado o perfil das relações comerciais brasileiras com a União Europeia. Assim, o gráfico 3 acima confirma o perfil brasileiro de exportador de produtos de baixo valor agregado (produtos não industrializados ou industrializados com baixa tecnologia) e importador de produtos com alto valor agregado (produtos industrializados com alta ou média-alta tecnologia). O gráfico ainda permite observar que apenas para os produtos de média-baixa tecnologia existe certo equilíbrio entre volume exportado e importado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse trabalho foi analisar a questão da tributação das relações comerciais internacionais e especificamente das relações comerciais entre Brasil e União Europeia ao longo dos anos. A primeira etapa do trabalho consistiu em uma analise teórica sobre comercio internacional e sua tributação. Por fim, foram analisados os resultados obtidos nas exportações e importações brasileiras por intensidade tecnológica entre os anos de 2010 e 2015. Em suma, percebeu-se que as exportações brasileiras para a União Europeia se concentram em produtos não industriais e de indústria baixa tecnologia (tabela 1). Por outro lado, as importações provenientes do bloco europeu se mostraram predominantemente de produtos industriais de média-alta tecnologia (tabela 2). Pode-se dizer que a análise das exportações e importações brasileiras para a União Europeia são expressivas. Não obstante, as remessas enviadas de 2010 a 2015 ainda são de baixa tecnologia e consequentemente de valor agregado mais baixo. Nesse sentido, é visível uma lacuna que emperra a balança comercial entre esses países, se de um lado exporta-se muitos produtos commodities, por outro importa-se valores com tecnologia, logo, com alto valor agregado. Os resultados demonstrados permitem inferir que as atuais políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento e à utilização de novas tecnologias capazes de propiciar maior agregação de valor aos produtos brasileiros exportados, com destaque para a tributação enquanto instrumento extrafiscal de política econômica, não têm sido suficientes. Assim, tem-se que o volume de produtos de alta tecnologia importados pelo Brasil da União Europeia é muito superior ao volume exportado pelo país à União Europeia. A despeito do extenso rol de incentivos fiscais que privilegiam as exportações brasileiras, como demonstrado em seção anterior, o gráfico 3 evidencia que o Brasil aparece em desvantagem comparativa nas relações comerciais com a União Europeia, todavia, possui enorme potencial para melhoria. Nesse sentido, para além dos incentivos fiscais, fica evidente a necessidade de criação ou fortalecimento de estratégias para fomento à pesquisa e ao desenvolvimento, com consequente instalação no país de complexos industriais capazes de fabricar produtos com alto valor agregado. Somente dessa forma as exportações brasileiras de produtos com maior valor agregado, que se valem de alta ou média-alta tecnologia, tornar-se-ão mais expressivas.
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Restituição na substituição tributária progressiva: possibilidade e principiologia
O presente trabalho visa analisar a possibilidade de restituição ao contribuinte naqueles casos em que há a adoção do regime de substituição tributária para frente – progressiva – do Imposto sobre Circulação e Serviços (ICMS), sobretudo quando a base de cálculo ocorrer em dimensão menor do que a presumida. Através de uma exposição inicialmente conceitual, na primeira parte, apresenta-se aspectos gerais sobre a regra matriz de incidência tributária (RMIT) do ICMS, sem prejuízo da abordagem conceitual, legislativa e histórica do instituto da substituição tributária. Já na segunda parte, passa-se a realizar um levantamento histórico jurisprudencial acerca do tema, o qual, além de demonstrar a atualidade do problema, fornece argumentos e teses para a conclusão do trabalho. Em sede final, observa-se que a presunção em tela viola princípios histórico-basilares do direito tributário, além de afastar a ocorrência real do critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária, em prol de uma praticidade idealizada e fictícia. Assim, necessário é assegurar ao contribuinte o direito à restituição do imposto pago a maior na hipótese de haver dissonância entre as bases de cálculo presumida e real na substituição progressiva do ICMS.
Direito Tributário
Introdução Com o desiderato de reduzir a sonegação de impostos, sobretudo o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -, inúmeros mecanismos de exação fiscal foram previstos no ordenamento pátrio. Dentre eles, um, em especial, chama a atenção por sua aplicabilidade complexa e ensejadora de inúmeras controvérsias: a denominada substituição tributária. Seu estudo é polêmico, tanto na doutrina, como na jurisprudência, produzindo inúmeros questionamentos envolvendo institutos propedêuticos de direito tributário e contornos técnicos de antecipação e diferimento do recolhimento do imposto no tempo. Especificamente na substituição “para frente”, ao tempo em que a mercadoria começa a sua cadeia comercial, a indústria/importador (primeiro contribuinte da operação) calcula com antecedência qual será o montante do imposto devido em todo o ciclo comercial. Partindo-se desse valor, a indústria, na origem, recolhe, por exemplo, o ICMS próprio e dos demais contribuintes futuros que integrarão o ciclo de comercialização, pagando com antecedência a quota das operações subsequentes. Todavia, ao seu turno, o industrial não fica com a conta (débito), pois ele recupera o valor pago do imposto dos demais componentes do ciclo de comercialização. Trata-se, ao bem a verdade, conforme se pode diagnosticar precocemente, de instituto ávido à fiscalização. A substituição tributária foi criada com o objetivo de evitar, dentre outras coisas, a chamada “venda por fora” e o “subfaturamento”, sendo uma forma de garantir que seja pago imposto (o ICMS, no exemplo), em todo o ciclo econômico de uma mercadoria por um valor razoável. Assim, quanto ao ICMS, por exemplo, tanto o grande comerciante, como o pequeno, acabam pagando o mesmo valor de imposto pela mesma mercadoria, diminuindo a defasagem de preço entre um e outro e tornando a concorrência mais equânime. Fixadas tais premissas sobre o funcionamento da substituição tributária, é preciso se tomar conhecimento de um ponto fulcral que será objeto de detalhamento e análise no presente trabalho: na prática, é comum a administração pública estipular valores médios de determinados produtos muito acima do valor médio real. Tal conduta, inegavelmente, significa que os comerciantes acabam pagando mais imposto do que seria efetivamente devido, ocasionando, ao aderentes do regime de substituição tributária, ao invés de benéfico, um mecanismo perverso e inflacionário. Desse modo, com base nessa constatação de que potencialmente pode ocorrer a tributação com base de cálculo inegavelmente presumida a maior, imperioso se faz o desenvolvimento do presente trabalho. A perspectiva, aqui, é o enfrentamento de contornos técnicos a fim de se buscar uma conclusão sobre os deslindes que podem, ou que deveriam, ocorrer ao se optar pelo regime de substituição tributária, sobretudo, na denominada de substituição para frente. Após uma exposição inicial, propedêutica, a respeito da importância da legalidade para a seara tributária, desenvolver-se-á na presente obra, em sua primeira parte, a apresentação de contornos elucidativos sobre a regra matriz de incidência tributária (RMIT), com especial referência àquela prevista para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em um segundo momento, abordar-se-á o instituto da substituição tributária em si considerada, abordando seu conceito, sua classificação, e sua historicidade. Sem prejuízo, procurar-se-á evidenciar as críticas doutrinárias levantadas ao tema, e de que forma a jurisprudência encara o direito de restituição naqueles casos de substituição tributária progressiva. Se, de um lado, prepondera os interesses fazendários no sentido de que a exação sobre fato gerador presumido tem permissivo constitucional, de outro, a cobrança precisa alimentar-se em fato gerador prévio, em decorrência da tipicidade tributária. Além disso, eventual dissonância entre as bases de cálculo real e presumida ensejam interpretações distintas, uma vez que, para o fisco, a presunção deriva de lei e é conditio sine qua non para a fiscalização e possível cobrança do imposto, enquanto que para os contribuintes, se a base de cálculo é distinta, o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária não se perfectibilizou, não existindo fato gerador. Não se busca, via de lógica, esgotar o assunto, mas tal embate de argumentos e teses em torno do tema ganha contornos ainda mais importantes, já que, no ano de 2009, mediante o RE nº 593.849 RG/MG, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral no que tange ao assunto. No ponto, ainda pendente de julgamento, inúmeras são as expectativas dos contribuintes para que haja uma modificação no atual entendimento do tribunal, o qual abriga os interesses fazendários, posto que a composição dos membros da corte sofreu severa alteração desde a última apreciação envolvendo o tema. 1. A regra-matriz de incidência tributária do icms e a substituição tributária O avanço tecnológico-científico, aliado à massificação cultural, propicia um aumento de complexibilidade nas interações estatais, tanto daquelas regidas pelo direito público, quanto pelo privado. Nesse cenário, é importante ressaltar a figura do Estado, como agente imprescindível à estruturação social, o qual, via de lógica, assume papel fundamental na subsistência da sociedade, na medida em que é agente transformador e, ao mesmo tempo, garantidor de uma plêiade de direitos e obrigações no seio social. Nesse contexto, surge de maneira exponencial o papel do direito tributário, como sendo o ramo, dentro do ordenamento jurídico pátrio, capaz de angariar recursos públicos derivados, legitimando exações e instrumentalizando todo um aparato normativo-jurídico apto à fiscalização e à arrecadação. Tudo isso, via de lógica, dá-se sob a erige do regime jurídico público, com verticalização da relação entre Estado e cidadão. Conforme lições de André Elali:[1] “O fenômeno da tributação, originado pela circunstância de um povo da criação de uma exação para cumprimento pelo povo, é tão antigo quanto a própria humanidade. É hoje manifestação do poder político do Estado, influenciando nas suas atividades política, social, administrativa e econômica. Nasceu, indubitavelmente, pela necessidade de o aglomerado de pessoas, dentro de uma estrutura organizacional, em qualquer época, atender as carências comuns”. Tal atividade coercitiva estatal, por sua vez, baseia-se principiologicamente no ditames de legalidade, no qual a lei serve como baliza-mestra no desenrolar de sua aplicação, sobretudo na imposição das obrigações a todos os membros da coletividade, então sujeitos passivos, existentes no meio social. Essa irrefutável ligação entre o direito tributário e o Princípio da Legalidade perfaz, ao bem da verdade, o pressuposto lógico para a existência daquele. Nas palavras de Hugo de Brito Machado[2]: “Pelo Princípio da legalidade tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei (CF, art. 150, inc. I). A Constituição é explícita. Tanto a criação, como o aumento dependem de lei. Essa explicitude decorreu do fato de que no art. 153, § 29, da Constituição anterior a regra vinha formulada juntamente com as ressalvas, e tais ressalvas eram pertinentes apenas aos aumentos”. É necessário, então, por ora, deixar expressa a importância da lei na atividade exatora, chamada tecnicamente, conforme se observar-se-á adiante de Regra Matriz de Incidência Tributária (termo cunhado pelo professor Paulo de Barros Carvalho), sem a qual não haverá tributação, sequer obrigação a quaisquer sujeito que seja. Para Luciano Amaro, a função assumida pela lei – em sentido amplo – no direito tributário é elementar à existência e ao funcionamento de todo aparato estatal respectivo, dissertando nos seguintes termos[3]: “O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do legislativo para que o Estado cobre tal e qual tributo. É mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se “A” irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação. Os critérios que definirão se “A” deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador público”. Sob esse aspecto, para haver alguma exação torna-se imprescindível que haja prévia e anterior previsão legal para tanto. Parte-se do postulado, “nom lei, nom tribut”. Tal disposição legal, ou hipótese de incidência, como preferem os tributaristas de ordem mais técnica, perfaz a previsão expressa e clara prevendo o motivo pelo qual exigir-se-á algum tributo ou exação. É a tipicidade do tributo. De forma bem sintética, elucida Ricardo Lobo Torres[4]: “Para que surja a obrigação tributária é necessário que o fato gerador seja perfeita e exaustivamente definido na lei formal. Já estudamos que o Princípio da Legalidade vincula inteiramente a criação do tributo.  Mas só a lei formal não é o bastante para dar nascimento à obrigação tributária, que está vinculada também, como vimos antes, aos princípios constitucionais, especialmente ao da capacidade contributiva, e aos direitos fundamentais”. Ademais, sob um aspecto ainda mais teórico, segundo lição de Paulo de Barros Carvalho, a estruturação lógico-normativa (previsão geral e abstrata na lei) decompõe-se em alguns componentes ou critérios, sendo eles um antecedente (proposição hipótese) e um consequente (proposição tese), vinculados por um “conector deôntico” estabelecido pelo sistema do direito positivo[5]. Dentro destes dois componentes, existem alguns critérios elementares, quais sejam: a) o critério material; b) o critério espacial; c) o critério subjetivo; d) o critério territorial, e; e) o critério quantitativo. Tal conjunto de informações, todas incluídas na hipótese de incidência, ganham a denominação de “Regra-matriz de incidência tributária”. Assim sendo, conforme se observa, didaticamente, a regra-matriz perfaz uma norma jurídica, a qual acoberta todos os elementos necessários para a constituição do crédito tributário. A contrário sensu, a não ocorrência de algum dos cinco elementos discriminados acima impossibilita o órgão exator de efetuar o lançamento tributário. Destaca-se que a relação, no ponto, é de causa e efeito, haja vista que a relação jurídica somente pode-se constituir se a descrição contida no plano abstrato vier a se concretizar. 1.1 Da regra-matriz do imposto sobre circulação de mercadoria e serviços (ICMS) Quanto ao estudo do direito tributário em si, atentar-se-á, para fins de seguimento do presente trabalho, sobretudo a um dos impostos tipificados pelo legislador originário da Constituição Federal de 1988, qual seja, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Tal espécie de exação, cerne da presente obra, perfaz um verdadeiro mecanismo de tributação incidente sobre “Produção e a Circulação” (capítulo IV do Código Tributário Nacional), o qual, nas linhas que seguem serão melhor detalhadas. Ademais, seu âmbito de aplicação, com a Carta da República de 1988, ganhou significativa extensão, passando a cobrir não apenas a operação de circulação de mercadorias, mas também as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, além dos serviços de comunicação. Segundo a renomada e ímpar obra de Roque Antônio Carrazza sobre o tema, a amplitude dada ao retro mencionado imposto foi tamanha que sua regra matriz de incidência tributária guarda relação com cinco nichos de aplicação distintos:[6] “A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes. Há, pois, pelo menos cinco núcleos distintos de incidência do ICMS”. Ademais, consolidadas os elementos formadores da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) mencionadas acima, no âmbito do ICMS, espera-se que, no mundo empírico, sobrevenham acontecimentos – circulação de mercadoria e prestação de determinados serviços – que preencham a situação prevista em sua hipótese de incidência. De fato, para que haja tal fenômeno – ocorrência do fato gerador -, e seu consequente nascimento da obrigação tributária, é necessária a adequação a critérios preexistentes, os quais, no ICMS, se revelam da seguinte forma: a) Seu aspecto material, conforme já mencionado, engloba sinteticamente I) operações relativas à operação de circulação de mercadorias; II) prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e III) prestação de serviços de comunicação. Com efeito, Julio M. de Oliveira, em definição simples e exauriente, esclarece[7]: “O critério material da hipótese normativa do imposto sobre operações mercantis é a realização de uma operação jurídica comercial que implique a circulação de mercadorias, isto é, a realização de negócio jurídico regido pelo Direito Comercial em que se opere a transferência de propriedade de bem móvel objeto de mercancia, e não apenas o deslocamento físico, como o que ocorre, por exemplo, nas transferências entre estabelecimentos da mesma empresa ou no empréstimo de bens. (…) No que respeita ao ICMS incidente sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, somente restará configurado o fato imponível se houver a realização de negócio jurídico no qual haja manifestação de um prestador e um contratante e estejam presentes a onerosidade e a prevalência de um fazer (arte humana) em detrimento de um dar, elementos característicos da prestação de serviço”. b) Já quanto ao aspecto temporal, este perfaz o momento da ocorrência do fato gerador no mundo empírico. No caso do ICMS, em regra, é considerado como aquele momento que corresponde à saída da mercadoria do estabelecimento comercial, industrial ou produtor. Ainda, forçoso é a transcrição novamente da obra de Roque Carraza sobre a questão:[8] “A lei ordinária dos Estados e do Distrito Federal é que vai eleger o momento em que esta transmissão jurídica será tida por realizada. Pode ser o momento da entrada da mercadoria no estabelecimento comercial, industrial ou produtor, o momento da saída da mercadoria de qualquer um destes locais, o momento da extração da nota fiscal e assim por diante. Estes momentos apenas identificam oficialmente, no espaço e no tempo, a ocorrência da preexistente operação mercantil a que se referem”. c) O elemento territorial, ou espacial, da Regra Matriz de Incidência Tributária do referido imposto é, em regra, o local em que se verifica a ocorrência do fato jurídico tributário. Não se confunde com o âmbito territorial da vigência da lei. Em se tratando de mercadoria importada, por outro lado, a competência arrecadatória ficará a cargo do Estado onde estiver situado o estabelecimento comprador, pouco importando o Estado pelo qual a mercadoria adentra do território nacional. d) Quanto à base de cálculo, componente do critério quantitativo, para estipulação do ICMS, não há maiores segredos, atendo-se ao valor da operação envolvendo a mercadoria ou a prestação do serviço. No ponto, identificam-se os dois elementos quantificadores da obrigação tributária: a base de cálculo e a alíquota, sendo a primeira conceituada como a exteriorização do conceito econômico contido no critério material da hipótese jurídica, e a segunda, o percentual ou valor fixo, o qual será aplicado para o cálculo do valor de um tributo. e) Em relação ao contribuinte do ICMS, ou critério pessoal, a Lei Complementar 87/96 trouxe disposições muito semelhantes às já existentes no âmbito do Código Tributário Nacional (CTN), no qual a denominação de sujeito passivo subdivide-se em contribuintes e responsáveis, a depender da relação de ambos com o fato gerador da obrigação tributária. Eis: “Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:        I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; II – seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização. Art. 5º Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo. Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. § 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. § 2o A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado. Art. 7º Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado”. Frisa-se que essa temática a respeito do polo passivo da obrigação tributária, inclusive, guarda estreita relação com o objeto de estudo do presente trabalho, na medida em que a fim de fiscalizar uma cadeia sequencial de operações envolvendo sujeitos passivos distintos, utiliza a Fazenda Pública estadual do mecanismo denominado substituição tributária, a ser elucidado adiante. Através do referido instituto, atribui-se o recolhimento tributário à origem, apenas presumindo-se fatos geradores futuros. Conforme tentar-se-á expor nas páginas seguintes, as operações futuras, no regime de substituição tributária, dão-se apenas a título presuntivo, constatando-se que possa haver, ainda que potencialmente, no mundo dos fatos, uma dissonância quantitativa entre a presunção e a realidade. Desse modo, imperiosa é uma melhor analise sob o ponto de vista técnico, uma vez que é sobre essa presunção que incide o poder arrecadatório estatal. De modo contrário, estar-se-á possivelmente legitimando uma tributação sobre base de cálculo inexistente. O caso enseja debate. 1.2 Do regime de substituição tributária e sua historicidade no ordenamento pátrio Primeiramente, insta deixar consignado que atualmente tal mecanismo de controle deriva de respaldo constitucional trazido pelo art. 150, §7º, da Constituição Federal de 1988, incluído pelo poder constituinte derivado através da Emenda Constitucional nº 3, de 1993. Sua regulamentação, por exigência constitucional prevista no art. 155, §2º, XII, “c”, deu-se pelo art. 8º e seguintes da lei complementar nº 87/96, também denominada de “Lei Kandir”.[9] Veja-se a matriz constitucional: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Na atual sistemática vigente, a substituição tributária, didaticamente, divide-se “para trás” (ou regressiva) e “para frente” (ou progressiva). Na primeira, o recolhimento do tributo é diferido para o último contribuinte da cadeia comercial, de modo que este torna-se responsável pelo recolhimento retroativo, devido em razão das operações – fatos geradores – já evidenciadas no pretérito. Na segunda, ocorre o inverso. O contribuinte inicial da cadeia de operações assume a responsabilidade pelo recolhimento do tributo referente a operações subsequentes, o qual é calculado sobre fatos geradores que presumidamente ocorrerão.  No que tange aos pressupostos, parte-se, então, conforme já referido anteriormente, da existência, sobre um aspecto subjetivo, de (i) um contribuinte substituto, que é aquele eleito para efetuar a retenção e/ou recolhimento do ICMS, (ii) um contribuinte substituído, sendo é aquele que, nas operações ou prestações antecedentes ou concomitantes é beneficiado pelo diferimento do imposto e nas operações ou prestações subsequentes sofre a retenção. E, sobre o aspecto objetivo, (iii) uma cadeia de comercialização de mercadorias ou serviços. Sobre o tema, imperiosa é a citação da obra de Andrei Velloso[10]: “O substituto é o obrigado tributário originário que não se qualifica como contribuinte, não deve pagar o tributo em seu nome e tampouco responde pela dívida conjuntamente com este, seja solidária ou subsidiariamente. Em outros termos, é o sujeito passivo originário da relação tributária fundamental que está relacionado ao fato imponível de forma mediata. Como todos os demais sujeitos passivos diversos do contribuinte, responde por dívida que numa acepção econômica se diz “alheia”: tem a obligatio, mas não o debitum. A peculiaridade reside no caráter originário e exclusivo da sua obrigação. Em razão de o substituto constituir espécie de obrigado originário, juridicamente ele não substitui sujeito passivo algum. Não há devedor algum antes dele, que pelo substituto venha a ser sucedido. A obrigação tributária já nasce contra ele, sem qualquer sujeito passivo antecedente.” Detendo-se especificadamente no regime de substituição tributária para frente, tema capaz de fomentar o objeto principal da presente obra, o substituto tributário fica responsável não apenas pelo recolhimento do seu tributo próprio, mas também pelo tributo da operação do substituído, ou melhor, daquele sujeito que pratica o critério material na sua própria operação. Repita-se, antecipa-se o recolhimento para facilitar a fiscalização de toda a cadeia de operações subsequentes. Explicando de modo diverso, segundo tal sistemática, ao tempo em que a mercadoria começa a sua cadeia comercial (operações de circulação), a indústria/importador (primeiro contribuinte da operação) calcula com antecedência qual será o montante do imposto devido em todo o ciclo comercial. Partindo-se desse valor, a indústria, na origem, recolhe, por exemplo, o ICMS próprio e dos demais contribuintes futuros que integrarão o ciclo de comercialização, pagando com antecedência a quota das operações subsequentes. O que acontece, portanto, é a antecipação do pagamento do ICMS, com base em estimativa de fato geradores futuros, e com densidade quantitativa presumida pela Fazenda Pública. Nessa cadeia de operações, por sua vez, aquele que paga adiantado o ICMS sobre as presunções – substituto – não fica com a conta (débito), recuperando tais valores pagos do imposto dos demais componentes do ciclo de comercialização. As escriturações e documentos contábeis, com o devido registro das operações, e em obediência ao princípio constitucional da não cumulatividade aplicável à espécie, fazem com que os créditos – do substituto -, e eventuais débitos – dos substituídos – sejam, ao longo da cadeia, compensados na medida de sua ocorrência. O fisco ganha, pois fiscaliza de forma mais eficiente apenas um momento da teia econômica, sem necessidade de adentrar contabilmente em inúmeros estabelecimentos substituídos. Sobre o assunto, interessante frisar a lição de Eduardo Maneira, ao dissertar sobre a finalidade da substituição tributária e sua ligação com o Princípio da praticidade administrativa[11]: “O fenômeno da substituição tributária recebe distintas explicações doutrinárias que variam de acordo com o enfoque que se dá ao tema. Entendemos que a substituição tributária, seja “para a frente” ou “para trás”, tem um único objetivo: atender à praticidade tributária. O princípio da praticidade tem por finalidade tornar o direito exequível, isto é, aproximar a norma jurídica da realidade que pretende regular. Em termos de tributação, a praticidade manifesta-se em técnicas de fiscalização e arrecadação que, amparadas em presunções, tornam possível a tributação em massa de modo célere e menos oneroso. De nada adiantaria instituir-se um tributo por uma lei cuja obediência por parte do contribuinte e cuja fiscalização por parte da Fazenda fosse impraticável no mundo real.” Nas palavras de Eduardo Sabbag, conceituando o instituto, e já antecipando sua crítica acerca do mesmo, assim assevera:[12] “É a antecipação do recolhimento do tributo cujo fato gerador ocorrerá (se ocorrer) em um momento posterior, com lastro em base de cálculo presumida. Assim, antecipa-se o pagamento do tributo, sem que se disponha de uma base imponível apta a dimensionar o fato gerador, uma vez que ele ainda não ocorreu. Logo, a doutrina contesta tal mecanismo por veicular um inequívoco fato gerador presumido ou fictício – realidade técnico-jurídica que estiola vários princípios constitucionais, v.g., o da segurança jurídica, o da capacidade contributiva e o da vedação ao tributo com efeito de confisco.” Deixando maiores debates sobre o assunto para a segunda parte deste trabalho, o importante, por ora, é fixar as premissas elementares para se conhecer a sistemática de funcionamento do regime de substituição tributária, sobretudo daquela intitulada “para frente”. Cabe lembrar que tal regime, em si, sempre foi alvo de críticas pela maior parte da doutrina (Gilberto de Ulhôa Canto, Alcides Jorge Costa, Sacha Calmon, Geraldo Ataliba, Ives Gandra da Silva Martins, Ricardo Mariz de Oliveira, Roque Carrazza, entre outros), que o consideravam inconstitucional, por ofensa aos seguintes princípios: a) da tipicidade e, consequentemente, da segurança jurídica, pois o surgimento da obrigação tributária teria que estar inafastavelmente condicionado à materialização da hipótese de incidência, não podendo se fundamentar em presunção de ocorrência de fatos futuros. Nesse sentido, assevera Roque Carrazza:[13] “Temos para nós, entretanto, como já adiantamos, que o referido §7º é inconstitucional, porque atropela o princípio da segurança jurídica, que, aplicado ao direito tributário, exige, dentre outras coisas, que o tributo só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato imponível. É sempre bom reafirmarmos que o princípio da segurança jurídica diz de perto com os direitos individuais e suas garantias. É, assim, cláusula pétrea e, nessa medida, não poderia ter sido amesquinhado por emenda constitucional (cf. art. 60, §4º, da CF).” b) da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, pois somente após a ocorrência do fato gerador seria possível aferir riqueza tributável, não se admitindo a tributação de riqueza presumida. Assim depõe Sacha Calmon Navarro Coêlho:[14] “Seria, pensamos, sério dislate estar dito imposto sujeito a recolhimento antes de ocorrer o fato gerador, maculados os princípios da capacidade contributiva, sempre contemporâneo à ocorrência do fato gerador, e da anterioridade da lei, de resto comprometido também em relação a quaisquer impostos, questão ainda não decidida pela Suprema Corte.” c) da não-cumulatividade e da isonomia, pois se a operação fosse realizada por valor menor do que o estimado, a alíquota real incidente na operação seria maior do que a prevista em lei, o que também colocaria o contribuinte em situação de desigualdade em relação aos demais; d) e, por fim, da competência exclusiva da União para a instituição de empréstimo compulsório (por lei complementar), pois se, como mencionado acima, a operação fosse realizada por um valor menor do que o estimado, haveria antecipação de valores à Fazenda Pública Estadual para posterior devolução. Diante de todo o exposto, considerando as informações tidas acima, em uma hipótese de substituição tributária para frente, na qual o agente substituto paga imposto atinente a fatos geradores que hão de virem a ocorrer no futuro, havendo dissonância entre as bases de cálculo real e presumida, qual a solução a ser dada para o caso? No mesmo sentido, polemizando o tema, aduz Hugo de Brito Machado, em seu curso de direito tributário:[15] “O ICMS antecipado, que deveria ser calculado sobre o preço praticado nas vendas subsequentes, é calculado sobre um valor arbitrariamente atribuído pelas autoridades fazendárias. Colocou-se, então, a questão de saber se o valor pago antecipadamente seria definitivo, ou se como simples antecipação ficaria sujeito a ajuste em face da realização das operações subsequentes, com a restituição do excedente ou a cobrança da diferença paga a menor.” Este, assim sendo, perfaz o cerne do presente trabalho a ser desenvolvido nos títulos e subtítulos que lhe seguem, tentando enfrentar os principais argumentos favoráveis e contrários à atuação arrecadatória estatal. Sem prejuízo, apresentar-se-á, ainda que se forma resumida, os contornos jurisprudenciais dado ao tema durante a última década, visando demonstrar que, embora haja posicionamentos estáveis, estes não conseguiram dar o status de incontrovertido ao tema. 2. Da dissonância entre as bases de cálculo real e presumida e o possível direito à restituição A discordância entre as bases de cálculo presumida e real, dentro da sistemática da substituição tributária para frente, então, é assunto controvertido, ao menos no campo doutrinário, ensejando inúmeras discussões sobre a possibilidade de restituição (a favor do contribuinte) ou complementação (a favor do Ente Exator) do tributo pago/devido. Tal controvérsia ampara-se em alguns argumentos de ordem técnica e em alguns princípios aplicáveis ao ramo do direito tributário, conforme se verá adiante, sem a intenção de exauri-los no presente trabalho. 2.1. Da manifestação da jurisprudência ao reconhecimento de repercussão geral Nos casos de substituição tributária para a frente, o diferencial existente entre a base de cálculo presumida e a base de cálculo empírica, ao longo das últimas décadas, foi assunto controvertido contumaz nos mais diversos tribunais do país. Tal dissonância de aspecto quantitativo proporcionou o ajuizamento de milhares de demandas visando a restituição do imposto incidente sobre tal diferencial, provocando o poder judicante a manifestar-se sobre a efetiva natureza de tal fenômeno jurídico. A jurisprudência, por sua vez, embora atualmente esteja num momento de maior estabilidade, ainda procura dar contornos de definitividade ao assunto. Como verdadeiro guardião da Constituição, relegado a esta condição pela própria Carta Magna, e considerando as disposições havidas no sistema processual civil, é o Supremo Tribunal Federal (STF) que tem capitaneado as decisões e tentativas de pacificação sobre o assunto, manifestando-se na intenção de propiciar um “norte” – verdadeiro fixador de balizas – sobre o assunto para o posterior julgamento pelos demais tribunais existentes em solo nacional. Na última vez em que se manifestou sobre o tema, no bojo da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (AdIn) nº 1.851-4-AL, o STF, embora, por unanimidade de votos, tenha deferido o pedido de cautelar em sentido contrário, ao julgar o mérito da referida ação abstrata, proferido em 08 de maio de 2002, entendeu pela impossibilidade da restituição do ICMS pago a maior nos casos em que a base de cálculo real é inferior à presumida. Para a Suprema Corte, a restituição somente seria devida quando o fato gerador do imposto verdadeiramente não ocorresse. Todavia, é forçoso esclarecer que a questão foi reaberta e ainda não foi reapreciada pelo STF, pois em que pese a decisão proferida em 2002 na ADIn já mencionada, através do reconhecimento da repercussão geral ao Recurso Extraordinário nº 593.849 RG/MG no ano de 2009, o Tribunal Guardião da Constituição voltará a apreciar a questão. O dito acontecimento, invariavelmente trouxe novas esperanças aos contribuintes, já que há de se considerar que a composição dos Ministros do STF foi alterada e quase todos os Ministros que participaram do julgamento da ADIn, em 2002, não estão mais no respectivo tribunal. 2.2 Da inocorrência de seu aspecto quantitativo e o direito à restituição Após a elucidação da importância do ICMS e da imprescindível aplicação do regime de substituição tributária para frente na sua fiscalização, chega-se à conclusão de que, em tal regime de tributação, pode ocorrer a existência de dissonâncias entre as bases de cálculo presumidas e aquela efetivamente praticada no mundo dos fatos. Ocorrendo tal diferença, tecnicamente, não existe fato imponível a ser tributado, pois não ocorrem os elementos consequentes da regra-matriz de incidência tributária (aspectos pessoal e quantitativo). Com efeito, o que se antecipa é apenas o pagamento de um fato gerador a posteriori, que nem sequer ocorreu. Exatamente nesse sentido, depõe Roque Antônio Carrazza, em seu livro expoente sobre o assunto: “ICMS”: “A substituição para frente não deve ser confundida com a figura da antecipação do pagamento do tributo. Na antecipação, a obrigação tributária já existe, ao passo que na substituição para frente ainda não há tributo a pagar.” Ora, o fato gerador compõe-se de cinco elementos: material, pessoal, temporal, quantitativo, e espacial. Por consequência, a ausência de qualquer desses elementos, via de lógica, impede a ocorrência do fato gerador e, consequentemente, a cobrança do tributo. Assim, considerando que o elemento quantitativo constitui no "quantum debeatur", ou seja, o valor a ser recolhido aos cofres públicos, ocorrendo o fato gerador em dimensão menor do que àquela já paga (presumida), sobre esse diferencial não há incidência de fato imponível à norma, não havendo sinal signo-presuntivo de riqueza. Como desmistifica o professor Humberto Ávila[16]: “Para tanto, o legislador autoriza que se lance mão de uma padronização da tributação, desconsiderando parcialmente os fatos reais para dimensionar os elementos da obrigação tributária com base em valores estimados por critérios de verossimilhança.” Assim, se a operação se realiza por um valor menor do que o presumido pela legislação, é razoável concluir que o "fato gerador presumido" não ocorre. Ocorre, sim, outro fato gerador, diferente por se referir a elemento valorativo diverso. A conclusão é notória: se o elemento valorativo do fato gerador presumido é diverso daquele relativo ao fato gerador efetivamente ocorrido, o fato gerador presumido não se concretizou, tendo o contribuinte, consequentemente, direito à restituição do imposto pago a maior. Eis as palavras de Marçal Justen Filho:[17] “O Fisco impõe, como necessário, um preço que pode ou não ser praticado (…) isso se, algum dia, vier a ocorrer o fato imponível. Tudo isso se configura como uma enorme ficção normativa. Não há fato gerador, não há base de cálculo, não há riqueza. Embora seja pacífica a inexistência de fato-signo presuntivo de riqueza, a lei tributária pretende falsificar sua existência e impor aos sujeitos passivos o dever de pagar o tributo. Não é facultado ao Estado criar, de modo arbitrário, uma base imponível para efeito tributário, distinta daquela realmente praticada.” Desse modo, no caso de se verificar, por exemplo, que as bases de cálculo do ICMS, para fins do regime da substituição tributária “para frente”, fixadas pelos Estados, diferirem significativamente dos valores efetivamente praticados, estar-se-á diante da não subsunção integral do fato à norma, não vislumbrando-se a existência do aspecto quantitativo do imposto. Do mesmo modo, em realidade, ausente a tal proporcionalidade entre a base de cálculo real e presumida, notória é a adoção velada de pautas fiscais, cuja utilização é expressamente vedada pelo enunciado da Súmula n° 431 do Superior Tribunal de Justiça. Sobre o tema, disserta Geraldo Ataliba[18]: “Efetivamente, em direito tributário, a importância da base imponível é nuclear, já que a obrigação tributária tem por objeto sempre o pagamento de uma soma em dinheiro, que somente pode ser fixada em referência a uma grandeza prevista em lei e ínsita no fato imponível, ou dela decorrente, ou com ela relacionada.” De fato, a base de cálculo deve ser mensura pelo fato gerador da obrigação tributária, na medida em que tem como escopo descrever quantitativamente este (aspectos da realidade). Tal sistemática, logicamente, ainda tem o condão de dar sentido à capacidade contributiva, a qual, no ensinamento de Humberto Ávila[19] é “uma razão pro tanto (ou ‘contanto que’), no sentido de que não pode ser descartada, conservando seu peso mesmo diante de razões contrárias e, não, prima facie (ou ‘descartável’), no sentido de que pode ser afastada completamente em face de razões contrárias”. No mesmo sentido, posicionando favoravelmente ao direito de restituição do contribuinte, expõe Hugo de Brito Machado: “Para os casos de substituição tributária, ou, mais exatamente, de cobrança antecipada do imposto, a lei terminou por adotar uma forma de pauta fiscal. Nesses casos, porém, o arbitramento da base de cálculo é apenas para efeito de antecipação. Sendo a operação relativamente à qual o imposto foi antecipado de valor menor, tem o contribuinte direito à restituição da diferença.” Ainda, alertando para a existência da súmula 431 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual veda a cobrança de ICMS baseando-se em pauta fiscal, e comentando a respeito do julgamento proferido pelo STF na ADIn nº 1.851-4 já mencionada, completa o Autor acima citado:[20] “Admitir que o valor antecipado é definitivo implica restabelecer a antiga pauta fiscal, há muito repelida pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim a Corte Maior o acolheu em julgamento do dia 8 de meio deste ano, no qual afirmou a constitucionalidade de lei estadual que o afirma. Prevaleceu o argumento do Min. Ilmar Galvão, relator do caso, a dizer que a finalidade da substituição tributária, por meio da presunção de valores, é justamente tornar viável o sistema de arrecadação do ICMS, porque haveria enorme dificuldade se fosse necessário considerar o valor real de cada operação realizada por inúmeros contribuintes.” Sobre o viés principiológico, o artigo 150, parágrafo 7°, da Constituição Federal de 1988, está previsto na Seção "Das Limitações do Poder de Tributar"; tratando-se, portanto, de garantia individual do contribuinte, decorrente do princípio da igualdade, que visa impedir que o Estado cobre valor maior do que teria direito pelo regime normal de tributação. Fere-se, também, de fácil constatação, os princípios da capacidade contributiva, da legalidade, e da vedação ao confisco, uma vez que cobra-se parcela do fato gerador não ocorrido. Em conclusão, a dissonância existente entre as bases de cálculo real e presumida – ou a inocorrência do aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária -, conforme já referido acima, provoca colisões frontais a princípios tributários basilares, concebidos historicamente. Conforme passa-se a expor, ao menos os princípios da tipicidade tributária, da segurança jurídica, da capacidade contributiva, da não cumulatividade, e do não confisco, sem prejuízo de outros, apresentando-se severamente flexibilizados e incompatíveis com a situação em tela. 2.2.1 Tipicidade tributária, e consequente segurança jurídica: Como é sabido por todos, para o nascimento da obrigação tributária, é imprescindível que ocorra um fato gerador no mundo dos fatos, um acontecimento concreto, real (art. 114 do CTN), com imprescindível adequação típica com a hipótese de incidência. Dito de outro modo, é necessário o adimplemento concomitante de todos os seus aspectos (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo) da regra matriz de incidência tributária, de forma que ausente qualquer deles, não há o que se comentar de tributo devido, já que não existirá subsunção do conceito do fato ao conceito da norma, sob pena de inegável insegurança jurídica. Exatamente nesses termos, vale a pena se ater à literatura pretérita e reproduzir a lição, dada com maestria, de Pontes de Miranda ao tratar do tema:[21] “A regra jurídica de tributação incide sobre o suporte fático, como todas as regras jurídicas. Se ainda não existe o suporte fático, a regra jurídica de tributação não incide; se não se pode compor tal suporte fático, nunca incidirá. O crédito do tributo (imposto ou taxa) nasce do fato jurídico, que se produz com a entrada do suporte fático no mundo jurídico. Assim, nascem o débito, a pretensão e a obrigação de pagar o tributo, a ação e as exceções. O Direito Tributário é apenas ramo do direito público; integra-se como os outros, na Teoria Geral do Direito.” Portanto, antes do evento, seja, no caso do ICMS, a operação envolvendo circulação de mercadoria ou prestação de serviço de transporte intermunicipal e interestadual e comunicações, não há falar-se em fato imponível relativamente a tais operações, mas quando muito de mera suposição, ou simples expectativa da ocorrência do fato tributário, o que não autoriza a exigência antecipada do tributo. Nesse sentido, igualmente, a conclusão do Geraldo Ataliba:[22] “Absolutamente inaceitável 'presumir' a ocorrência de fatos futuros, no campo estrito do Direito Tributário. Se o fato tributável ainda não sucedeu, a exigência do tributo, sob fundamento de mera probabilidade do seu acontecimento, importa violação da Constituição.” No ponto, em regime de substituição tributária para frente, inexistente concordância entre as bases de cálculo real e presumida, não há confirmação do aspecto quantitativo da regra matriz de incidência e, portanto, inexistente, na diferença, o fato gerador da obrigação tributária. Pensar de forma contrária, afastaria a tipicidade tributária e subverteria toda a doutrina do direito tributário, estando apto o fisco a cobrar sobre base de cálculo inexistente, não verificada, embora prevista em presunção. 2.2.2 Capacidade Contributiva: É de conhecimento geral que a Carta Magna de 1988 resolveu por adotar expressamente o Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, §1º), impondo que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Em outras palavras, o critério material e quantitativo hão de expressarem um fato signo presuntivo de riqueza, o qual fará com que seu patrimônio – do sujeito passivo envolvido – tenha certa redução em decorrência de tal fato – exação. Em lição elucidativa, novamente Eduardo Maneira, em publicação para a Revista Dialética em Direito Tributário, nº 95, exemplifica a questão da capacidade contributiva relacionada à substituição tributária progressiva[23]. Veja-se: “Vamos exemplificar com as vendas de veículos automotores. A base de cálculo presumida de um carro é de R$ 20.000,00; incidindo o ICMS na alíquota de 12%, teremos um imposto de R$ 2.400,00. Se o veículo for efetivamente vendido por R$ 20.000,00, o consumidor terá arcado com a totalidade da carga tributária. No entanto, se o negócio for realizado por R$ 18.000,00, o consumidor arcará somente com 12% de R$ 18.000,00, isto é, R$ 2.160,00. A diferença de R$ 240,00 será suportada pelo contribuinte substituído. Nesta hipótese, o contribuinte substituído teve a sua capacidade contributiva duplamente arranhada: primeiro, por ter de adiantar o valor do imposto antes de receber do consumidor o valor do carro, e depois por não se ter ressarcido integralmente do valor adiantado. O exemplo acima demonstra que a base de cálculo presumida deve ter por referência constitucional o princípio da capacidade contributiva. Se, em nome da praticidade, deve-se adotar a base de cálculo presumida, a sua aplicação deve ser razoável e proporcional à capacidade contributiva do sujeito passivo. Assim, a base de cálculo presumida somente poderá ser definitiva, nos casos em que for comprovadamente inferior à base de cálculo real. Isto é, base de cálculo definitiva como forma de presunção absoluta no direito tributário só é aceitável se deliberadamente for favorável ao contribuinte.” Logo, percebe-se nitidamente que tanto o princípio da igualdade, como o da capacidade contributiva, sofrem severa violação. Nesse sentido, bastante oportuna são as palavras de Paulo de Barros Carvalho[24], ao demonstrar como o princípio da igualdade, abordado pelo critério da capacidade contributiva, pressupõe que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento: “Podemos resumir o que dissemos em duas proposições afirmativas bem sintéticas: realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva, retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentam signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento.” Assim sendo, diante da ocorrência, em sede de substituição tributária para frente, de operação realizada com base de cálculo menor do que aquela anteriormente presumida e tributada pelo fisco, notória é a oneração do patrimônio do contribuinte em medida diversa daquela correspondente ao fato tributário de que participa. Fragrante, por sua vez, é a violação ao princípio da capacidade contributiva. 2.2.3 Não Confisco: Quanto ao não confisco, o raciocínio é deveras simplório, já que realizado fato imponível, signo presuntivo de riqueza em valor inferior àquele anteriormente previsto em presunção realizada pelo Estado, o diferencial monetário recolhido aos cofres públicos – de forma adiantada, diga-se de passagem – importa em oneração sem embasamento legal. Tal exação sem incidência do fato à norma, sem perfectibilização do aspecto quantitativo na totalidade cobrada, importa em flagrante caráter confiscatório, de apoderamento de valores sem preenchimento dos requisitos próprios. Nas palavras de Sacha Calmom Coêlho:[25] “Ora, o recebimento pelo Estado de valores a título de ICMS, acima das bases de cálculo reais, i.e., não correspondentes aos preços reais praticados pelos contribuintes, caracteriza confisco tributário e enseja sua imediata restituição, por força da própria Constituição, como veremos em seguida. Os contribuintes são titulares de um direito subjetivo à imediata restituição (facultas agendi), de raiz constitucional, ou seja, previsto na própria Lei Maior.” Exatamente no mesmo sentido, alerta Eduardo Maneira que “a definitividade de uma base de cálculo irreal representa total submissão dos princípios da capacidade contributiva, não-confisco, razoabilidade e proporcionalidade à praticidade tributária, numa total subversão dos valores consagrados pelo Sistema Tributário”, e conclui:[26] “Se compreendermos o sistema jurídico como “ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais” e se recordarmos que há uma escala de princípios na qual os princípios gerais portadores de valores éticos primários ganham concretização com a aplicação de subprincípios com eles conexos e interligados, como admitir que a praticidade, mero atributo da legalidade, possa se sobrepor aos princípios fundamentais do direito tributário, em especial aos princípios da capacidade contributiva, do não confisco e da razoabilidade? A definitividade da base de cálculo é antes de tudo injusta, por submeter uma categoria de contribuintes – aqueles que integram a substituição tributária “para a frente” – a um regime que permite ou que cristaliza uma base de cálculo confiscatória, posto que desarrazoada, em nome da praticidade. Ora, não pode haver praticidade injusta. A praticidade só se legitima se for instrumento que possibilite a aplicação da lei para todos, a fim de se evitar evasão fiscal, jamais como instrumento de perpetuação de irrealidades confiscatórias.” Assim sendo, ao considerar, na aplicação do regime de substituição tributária para frente, o fato gerador presumido como definitivo, o Estado estaria confiscando patrimonialmente o contribuinte, exigindo-lhe, através do exercício do poder de império, prestação desproporcional àquela efetivamente devida (praticada). Seria, em outras palavras, a apoderação de valores sem fato imponível, flagrante oneração financeira imposta unilateralmente, resgatando experiências pretéritas em que o Estado agia de forma tirana e opressora. 2.2.4 Não cumulatividade: No que tange ao direito de compensação, a oposição do Estado federado em consentir que o contribuinte/responsável se credite do ICMS decorrente de recolhimentos a maior (base de cálculo presumida maior que a efetiva), oriundos da aplicação do regime da substituição tributária, bem como a negativa para que os corrija monetariamente, da mesma forma com que é obrigada a corrigir seus débitos, resulta em infringência ao disposto no artigo 155, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal. Assim agindo, por questão de lógica, o Ente exator permite tão-somente a compensação/utilização parcial de seus créditos, o que culmina irremediavelmente na cumulatividade do tributo, contrariando de forma veemente o princípio da não-cumulatividade que está previsto naquele artigo, conforme já exposto anteriormente. Isso, pois, como é de notório conhecimento, tal princípio se enquadra, pragmaticamente, no simples direito de abatimento. Não havendo o abatimento necessário, o desrespeito ao mesmo é evidente.  No mesmo viés, novamente ressalta Sacha Calmon Navarro Coelho:[27] “Daí advém o princípio da não-cumulatividade, pelo qual o valor do imposto pago na etapa anterior constitui crédito do contribuinte que irá realizar a posterior etapa tributada do processo de circulação, até o consumidor final, que suporta a tributação integral do ciclo. Em razão do exposto, é de se concluir que o valor do ICMS na última operação a consumidor final nunca poderá ser superior ao valor REAL da operação mercantil que lhe der causa. Noutras palavras, a base de cálculo estimada pelo Fisco não poderá ser superior ao preço efetivamente praticado, sob pena de quebra do princípio da não cumulatividade do ICMS. “ Portanto, a análise do tema leva a crer que a não utilização dos créditos de ICMS, resultantes da diferença da base de cálculo fictícia utilizada pelo substituto tributário e o valor real da venda da mercadoria, resulta na sua cumulatividade, uma vez que o valor referente à atualização do poder aquisitivo dos valores lançados é mero instrumento de manutenção da identidade da prestação, quando alcançada pela desvalorização da moeda. Por fim, antes de finalizar, pertinente ressaltar outro – e último – ponto fulcral: a substituição tributária é mero mecanismo de cobrança, instituto criado com a finalidade de facilitar o exercício estatal de fiscalização e arrecadação e, assim sendo, não deve interferir nos aspectos quantitativos do fato gerador do imposto. Em outras palavras, ela perfaz mecanismo de cunho formal, procedimental, não guardando relação com o tamanho do sinal signo-presuntivo de riqueza perpetrado pelo contribuinte. Com efeito, em virtude de uma praticabilidade idealizada, a Fazenda Pública estadual constrói uma padronização e, portanto, fictícia, para atribuir a um fato gerador futuro um valor monetário correspondente. Flagrante é o desguardo de toda a gama principiológica já referida, tanto quanto dos direito fundamentais dos contribuintes envolvidos na questão. Segundo Eduardo Maneira[28], a praticabilidade (ou praticidade administrativa) “como princípio, é princípio vazio, sem conteúdo; a sua razão de ser é garantir a aplicabilidade da lei através de técnicas de simplificação que possibilitem alcançar realidades de natureza complexa”. Exatamente nesse sentido, Humberto Ávila[29], associando a praticabilidade ao princípio da eficiência administrativa, ensina que esta não se deve sobrepor aos ditames finais conhecidos do direito tributário, pois “como modo de aplicação de outras normas, a eficiência atua sobre a realização de outras: são as finalidades administrativas constitucionalmente impostas que devem ser realizadas de modo eficiente”. E, na mesma senda, exemplifica: “Por exemplo, a igualdade deve ser realizada com eficiência; a capacidade contributiva deve ser eficientemente perseguida, e assim por diante”. Assim concluindo seu raciocínio: “Essas conclusões inviabilizam a tese segundo a qual o denominado princípio da eficiência administrativa justificaria a criação de ficções ou presunções fora do poder atribuído pelas regras de competência. O dever de eficiência não cria poder inexistente nem amplia poder existente; ele apenas estrutura a aplicação dos princípios tributários dentro do âmbito de poder atribuído pelas regras. Sendo assim, os entes federados não podem, em nome da eficiência, supor a existência de renda onde ela não estiver comprovada; conjeturar a existência de venda de mercadoria nos casos em que ela não for verificada, e assim sucessivamente.” Em suma, embora evidentemente saudável a finalidade da substituição tributária progressiva, a correlação entre o fato gerador imponível e base de cálculo é elementar e imprescindível para a própria manutenção do status de legalidade do sistema, como um todo. Segundo Misabel Derzi[30], em nome da praticidade, princípio difuso e implícito na Constituição decorrente da legalidade, não devem ser desconsideradas as nuances do caso concreto e o alcance de outros princípios constitucionais, como o da igualdade, da livre concorrência, e o da segurança jurídica. Para a autora, onde houvesse praticidade, não haveria justiça fiscal. Ante ao exposto, com base em todos os argumentos pontuais, devidamente explicados, inclusive ressaltando, a toda evidência, o conflito frontal aos princípios tributários tidos por elementares, imprescindível é que haja uma reformulação no entendimento do Supremo Tribunal Federal, de modo a possibilitar a restituição do impostos devido nas hipóteses de dissonância quantitativa, nos termos supra. A manutenção da atual postura – beneficiando a exação apenas em presunção que não condiz com a realidade – enseja claro desvirtuamento dos valores basilares do direito tributário acima descritos. Conclusão Atualmente, nos tribunais a fora, existem inúmeras ações que objetivam o ressarcimento de ICMS pago antecipadamente, em decorrência de substituição tributária para frente, naquelas hipóteses em que o valor da operação foi menor que o valor presumido. São contribuintes que argumentam seu direito de imediata e preferencial restituição do ICMS pago a maior, fulcro no art. 150, §7º, e legislação complementar pertinente. A jurisprudência, por sua vez, sendo balizada pelo juízo do STF, na última ocasião em que se manifestou sobre o tema (2009), reafirmou o entendimento de que o Estado não está obrigado a restituir o ICMS pago a maior por meio do regime da substituição tributária naquelas hipóteses de discrepância entre as bases de cálculo real e presumida. O tema, conforme analisado no decorrer da obra, doutrinariamente, é contumaz controvertido. A verdade é que a substituição tributária em si considerada, perfaz técnica eficaz no combate à sonegação, por concentrar em um menor número de contribuintes a obrigação de pagar os tributos incidentes em toda a cadeia de circulação de bens, mercadorias e serviços e, consequentemente, reduzir os esforços de fiscalização e criar um ambiente mais justo de concorrência. Afinal, a dinâmica das relações comerciais em pleno século XXI, cada vez mais complexas e globais, exigem do fisco a arte de exercer seu papel de fiscalização de forma cada vez mais inteligente e eficaz. Segundo se dispôs ao longo do presente trabalho, tal técnica de tributação deve estar atrelada aos valores da proporcionalidade e razoabilidade, haja vista ter como pressupostos para sua efetiva aplicabilidade presunções unilaterais de sua base de cálculo, feitas pela Fazenda Pública (no caso do ICMS, Estadual). Nesse viés, a questão cabal, e que constituiu cerne do debate, é o que fazer quando as referidas presunções não fecham, ou seja, quando há distorções desproporcionais entre o preço estipulado e o efetivamente praticado. Assim sendo, conforme se vislumbra pela argumentos acima tecidos, naqueles casos de ocorrência de substituição tributária para frente, nos qual há o recolhimento antecipado do tributo atinente a fatos geradores futuros, quando a base de cálculo presumida for maior que a real, neste diferencial, não se constata a verificação do aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária. Em outras palavras, ao ocorrer uma substituição tributária para frente (fato gerador futuro), e posteriormente verificar-se que o quantum do tributo recolhido foi maior ao que se atesta no fato gerador, esta parcela a menor deve ser entendida como não ocorrida e, portanto, apta a ensejar a imediata e preferencial restituição. Trata-se de direito fundamental do contribuinte, uma vez que o fato imponível não guarda relação com sua própria base de cálculo presumida. Com isso, o trabalho refuta, também, que o princípio da praticidade administrativa se sobreponha aos basilares e elementares valores constitucionais-tributários, como a tipicidade, a capacidade contributiva, a segurança jurídica, e a não cumulatividade. Conforme restou abordado, a tributação sobre um aspecto quantitativo destoante do fato imponível (valor da operação) figura-se como conduta confiscatória sem competência jurídica para tanto. Frisa-se que não está diante da criação de empecilhos que contrariam a utilização do instituto da substituição tributária, mas apenas ressalvas de que a mesma deve basear-se em presunções mais próximas possível da realidade, sob pena de confisco por parte do Estado exator. No ponto, repete-se: uma vez destoante, não guardando proporção com o ocorrido, e não apenas nos casos de inocorrência total do fato gerador presumido, é imprescindível que hajam imediatos instrumentos de restituição/compensação por parte do contribuinte. Por fim, quanto à atualidade da questão, o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de se manifestar acerca do tema, através do Recurso Extraordinário nº 593.849 RG/MG, com repercussão geral conhecida, sobre o qual espera-se que seu entendimento revele estar com consonância com a interpretação dos demais dispositivos constitucionais aplicáveis à esfera tributária. Pugna, desse modo, para que o princípio da praticidade administrativa, utilizado na consecução de objetivos estatais, de fato, não suplante as garantias constitucionais tributárias carregadas de historicidade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/restituicao-na-substituicao-tributaria-progressiva-possibilidade-e-principiologia/
Inserção de alíquotas progressivas e intermediárias aos contribuintes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), no Brasil, como forma de efetivar os princípios fundamentais com ênfase nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
O tributo, positivado na Constituição Federal e regulamentado pelo Código Tributário Nacional, desde a antiguidade, detém papel importante na manutenção do Estado. O Imposto de Renda da Pessoa Física, uma de suas espécies, possui os critérios da universalidade, generalidade e progressividade a serem observados, a fim de respeitar a capacidade contributiva daqueles que auferem renda ou proventos. Contudo, na atualidade, as alíquotas rígidas deste imposto acabam desrespeitando referidos critérios; assim como o princípio trazido em nossa lei maior referente aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Desse modo, busca-se a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias com o propósito de efetivar esse princípio e contribuir na concretização do Estado Democrático de Direito.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A tributação desde tempos remotos é utilizada para garantir a manutenção do Estado. O Imposto de Renda da Pessoa Física é uma espécie da tributação e tem por fato gerador a aferição de renda ou provento. Esse tributo detém a generalidade, a progressividade e a universalidade como critérios a serem observados com a finalidade precípua de respeitar a capacidade contributiva dos cidadãos. Ademais, a Constituição Federal, entre seus fundamentos, estabelece os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Todavia, visto que a alíquotas do referido imposto são progressivas, contudo delimitadas, esse fundamento acaba sendo deixado em segundo plano. As alíquotas do imposto de Renda da Pessoa Física variam de 7,5% a 27,5% considerando a base de cálculo. Sendo assim, aqueles que recebem valor mensal superior a R$ 4.664,68 (quatro mil seiscentos e sessenta e quatro reais com sessenta e oito centavos), independentemente do seu montante, pagarão os 27,5% referente à alíquota do IRPF. Isso parece violar o princípio da capacidade contributiva, pois, por exemplo, aquele que recebe R$ 50.000,00 ao mês, contribui com a mesma porcentagem do que aquele que recebe R$ 5.000,00 no mesmo período de tempo. Desse modo, faz-se necessário desvendar se o Imposto de Renda da Pessoa Física confronta com referidos princípios que asseguram o exercício de atividades econômicas lícitas. Assim, neste trabalho, objetiva-se analisar a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias no Imposto de Renda da Pessoa Física como forma de contribuição à efetivação do princípio fundamental nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tendo em vista que a Constituição Federal os prevê como um de seus fundamentos. Para isso, serão analisados num primeiro momento os princípios fundamentais previstos na Constituição Federal com ênfase nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Após, discorrer-se-á sobre a importância da Tributação na economia do Estado Democrático de Direito analisando o Imposto de Renda, além de verificar se a inserção de alíquotas progressivas no Imposto de Renda da Pessoa Física pode ser considerada como um meio de efetivação do princípio constitucional dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Desse modo, é extremamente relevante à sociedade e ao âmbito jurídico pesquisar formas para que o princípio dos valores sociais e da livre iniciativa não seja relativizado, ou melhor, para que seja realmente efetivado. Uma possível solução, como referido anteriormente, é a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias no Imposto de Renda da Pessoa Física, como forma de respeitar o referido princípio fundamental observando a capacidade contributiva de cada contribuinte. 1 Princípios fundamentais na Constituição Federal e a importância da Tributação na economia do Estado Democrático de Direito: Imposto sobre a Renda O princípio é um padrão que reclama observância “não por que vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2010, p. 35-36). Destarte, o princípio é um mandado superior a norma, e necessariamente deve ser respeitado, sob pena de não atender os preceitos da justiça. Por conseguinte, os princípios fundamentais, segundo Alexy apud Chagas (2011), são “normas que ordenam que algo seja realizado na melhor medida possível, dentre as possibilidades jurídicas e reais existentes”. Em outros termos os princípios fundamentais podem ser considerados, segundo o referido autor, mandados de otimização. Nunes (2005, p. 9) descreve que os princípios fundamentais são alicerces sobre os quais o sistema jurídico é construído. Desse modo, referidos princípios devem ser observados, caso contrário todo o ordenamento jurídico se desestruturará. Hesse, com base nos ensinamentos de Burckhardt, demonstra a importância dos princípios fundamentais positivados em uma Constituição, pois “aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos que renunciar a alguns benefícios, ou até algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado Democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado’” (1991, p. 22). Diante desse ensinamento, pode-se perceber a importância dos princípios fundamentais, bem como a extrema necessidade de respeitá-los. A Constituição Federal brasileira traz como fundamentos da República Federativa do Brasil: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo jurídico, conforme positiva o art. 1º. O princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa tem por objetivo, segundo Sousa (2010), assegurar a todos os cidadãos o reconhecimento do trabalho seja no âmbito individual seja na formação dos valores sociais por meio da efetivação dos objetivos previstos no art. 3º da CF, sendo eles: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Observando o princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa José Afonso da Silva defende que “num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário” (2000, p. 772). Desse modo, tal princípio é uma forma de garantir o exercício de atividades econômicas, conforme o entendimento de Sousa (2010). Contudo, deve-se preservar o trabalho e a justiça social. Destarte, a todos os cidadãos deve ser garantido, sem dificuldades eou impedimentos, a instituição de negócios lícitos.      Todavia, conforme menciona a autora, no Estado Democrático de Direito a liberdade de atividades econômicas não é absoluta. E, nesse aspecto, entra o tributo que deve ser pago não só pelas empresas, mas também pelas pessoas físicas. Diante do breve apontamento sobre os princípios constitucionais, com ênfase naqueles referentes aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, percebe-se a necessidade de sua efetivação. Sendo assim, a tributação e sua importância na economia do Estado Democrático de Direito é um dos meios de efetivar o princípio em análise. A tributação, segundo Moreira e Machado (2014, p. 4), teve origem na antiguidade e, ainda hoje, tem por função garantir a sobrevivência do Estado. Assim, o tributo é considerado como uma “contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos” (Klaus Tipke apud Moreira e Machado, 2014, p.12). Desse modo, os tributos são meios de manutenção do Estado, uma vez que possuem destinação pública (BALEEIRO, 1999, p. 63). Portanto, esse meio de arrecadação de verbas é uma necessidade (MELLO, 2014, p. 1136). Entretanto, para ser legítimo deve ser consentido pelos contribuintes e observar os direitos e garantias fundamentais desses (entre os quais estão inseridos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa). Nesse sentido, Mello (2014, p. 1136) afirma que, no Estado Democrático de Direito, há uma limitação do poder de tributar, e essa limitação ocorre em favor do auto-consentimento e da liberdade dos contribuintes. Logo, pode-se depreender, com base em Machado e Moreira que a “soberania popular é, pois, a verdadeira origem da tributação no Estado democrático de Direito, fundamentando o Poder Constituinte” (2014, p.11). Entende-se Estado Democrático de Direito aquele em que, segundo Siqueira (2008), os poderes são exercidos por quem os têm de direito.  Nos estudos de Freitas e Vecchia (2010), o Estado Democrático de Direito assenta sua origem e finalidade em conformidade com o direito manifestado pelo povo. Nesse modelo de Estado a “cidadania tributária, antes de qualquer dever, consagra o direito de todos pagarem seus tributos segundo os critérios previstos em lei e desde que efetivados todos os direito e garantias fundamentais” (MOREIRA e MACHADO 2014, p.13). O art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN) define o tributo como a prestação pecuniária e compulsória, a qual pode ser em moeda ou em valor que nela se possa exprimir. Essa prestação deve ser instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Cabe destacar que o mencionado dispositivo legal determina que o tributo não constitua sanção de ato ilícito. Com isso, identifica-se algumas características do tributo, sendo elas: prestação pecuniária; compulsória; em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir; que não constitua sanção de ato ilícito; instituída em lei; e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. A prestação pecuniária, de acordo com Machado (2006, p.77), ocorre devido ao fato dos sistemas tributários atuais não aceitarem o tributo em natureza, ou seja, o tributo não pode ser pago em serviços ou em bens diversos; ele, necessariamente, deve ser pago em dinheiro. O tributo é compulsório, conforme Moreira e Machado (2014, p. 21), pois não depende da vontade dos contribuintes, ou seja, ele deve ser saldado independentemente da concordância dos contribuintes, basta apenas a prática do ato “jurígeno”, descrita na norma tributária, para essa incidir. A característica referente à moeda ou em cujo valor nela se possa exprimir, segundo Machado (2006, p. 77-79), é semelhante à primeira característica mencionada. Por ser pecuniária, a prestação do tributo tem conteúdo expresso em moeda. Ainda conforme o autor, o direito brasileiro não admite as prestações in natura e in labore que são aquelas instituídas sem referência a moeda. Sendo assim, o tributo nacional apenas admite a moeda como prestação. O tributo também tem como aspecto o fato de não constituir sanção de ato ilícito, pois, conforme Machado (2006, p. 79), a incidência do tributo é sempre sobre fatos lícitos. Todavia, o autor destaca a diferença entre hipótese de incidência e fato gerador, o tributo não pode incluir naquela se for proveniente de ato ilícito, porém no fato gerador de tributo há a possibilidade de ocorrer em circunstâncias ilícitas. No referente á instituição em lei do tributo, Guerra (2012) destaca a observância do princípio da legalidade, o qual pode ser conceituado como aquele em que não há obrigatoriedade de pagamento do tributo que não esteja definido em lei. Por fim, cabe destacar a cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada, a qual, na visão de Moreira e Machado (2014, p. 30), indica que a administração não pode decidir sobre a possibilidade de agir. Ou seja, a administração deve respeitar o que está estabelecido na lei, referente ao fim a ser alcançado, a forma que necessita ser observada e a competência da autoridade, uma vez que não há “margem à apreciação da autoridade, que fica inteiramente vinculada ao comando legal” (MACHADO, 2006, p.82). O imposto, ainda de acordo com Carrazza, possui como hipótese de incidência um comportamento do contribuinte ou uma situação jurídica da qual o contribuinte se encontra, ou seja, “o fato imponível do imposto é sempre realizado pelo contribuinte” (2006, p. 498) sem nenhuma vinculação com a atividade específica estatal. Desse modo, o tributo, em conformidade com Machado (2006, p. 310), é gênero e o imposto, de acordo com o Art. 5º do CTN, uma de suas espécies.  E, conforme positiva o art. 16 do referido Código, o imposto é um tributo que possui o fato gerador como obrigação, esse é um ato relativo ao contribuinte sem qualquer relação com a atividade estatal específica. Assim, o imposto não está vinculado à atividade estatal, mas apenas com atos dos contribuintes. O Imposto de Renda, ainda de acordo com Machado (2006), é de suma importância para o orçamento da União, pois é a sua principal fonte de receita tributária; e justifica-se ser de competência federal pelo fato dele “poder ser utilizado como instrumento de redistribuição de renda, buscando manter em equilíbrio o desenvolvimento econômico das diversas regiões” (p. 326-327). Como exemplo disso, pode-se citar o art. 165, § 7º da Constituição Federal, o qual dispõe que os orçamentos fiscais “terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional”. O imposto em comento é informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade conforme o art.153, § 2º, I  da CF. Para Baleeiro, a universalidade “refere-se a toda espécie de rendimento, não importando a origem, a natureza ou o modo técnico de apropriação” (1999, p.293). Já o critério da generalidade “diz respeito à abrangência dos sujeitos, de modo que todas as pessoas que aufiram renda submetam-se à imposição tributária, sem privilégios e discriminações” (1999, p.293). A generalidade, na visão do autor, pressupõe a igualdade, uma vez que determina que o legislador mantenha no âmbito de incidência das normas aquelas pessoas que demonstrem ter capacidade contributiva. No entender de Cassone (2000, p. 233), a Constituição Federal, por meio dos critérios acima expostos, da generalidade e da universalidade, impõe que a tributação do Imposto de Renda alcance a todos, sem selecionar ou fazer distinção entre qual cidadãos devem contribuir. A progressividade, conforme Baleeiro (1999, p. 293), é um método adotado pela Constituição Federal. Sendo a única técnica que permite a personalização dos impostos, prevista no art. 145, parágrafo 1º da CF, uma vez que na medida em que observa a capacidade de contribuição com base nas necessidades dos contribuintes, o legislador passa a conceder reduções e isenções. Isso ocorre tendo em vista o princípio da igualdade, e tais renúncias devem ser compensadas por meio da progressividade. Assim, pelos critérios da universalidade, generalidade e progressividade, o Imposto de Renda detém parâmetros bem definidos e ao mesmo tempo amplos. Isso se dá devido à incidência deste tributo em todo o rendimento do contribuinte, independentemente do meio utilizado para a obtenção deste. Outro fator, que esses critérios definem, é a abrangência de cidadãos submetidos a contribuir para a obtenção de recurso ao Estado e, ao mesmo tempo, esse tributo possui certa flexibilidade uma vez que observa, de certa forma, a capacidade de contribuição de seus sujeitos passivos. O fato gerador e a função fiscal e extrafiscal do Imposto de Renda estão previstos no art. 43 do CTN. O fato gerador, conforme Amaro (2009, p. 263), identifica-se com a aquisição de renda, ou seja, adquirir renda é o núcleo do fato gerador do referido imposto. Sabbag, em semelhante entendimento, aduz que a hipótese de incidência deste imposto é o acréscimo no patrimônio que ocorre devido à aquisição da “disponibilidade econômica ou jurídica da renda decorrente do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, além de proventos definitivamente constituídos nos termos do direito aplicável” (2014, p. 1175). Nesse sentido, Machado expõe que “na expressão do Código, renda é sempre um produto, um resultado, quer do trabalho, quer do capital, quer da combinação desses dois fatores. Os acréscimos patrimoniais que não se comportem no conceito de renda são proventos” (2006, p. 328). No entender de Amaro (2009), renda possui um sentido definido, qual seja, produto do capital do trabalho ou de ambos, enquanto que proventos tem caráter residual, positivados em lei como outros acréscimos patrimoniais, não decorrentes do capital nem do trabalho. O Imposto de Renda, como mencionado anteriormente, apresenta função fiscal e extrafiscal, pois todo tributo, conforme Machado (2006, p. 88), detém a função fiscal na medida em que arrecada recursos financeiros para a manutenção do Estado. Como a principal fonte de arrecadação de recursos é este imposto, ele detém a função fiscal como principal. Todavia, o referido tributo também exerce a função extrafiscal que é aquela quese refere ao objetivo da tributação em intervir no domínio econômico. O imposto sob comento possui modalidades, entre elas o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física que possui como base de cálculo a renda líquida.  A Receita Federal dispõe que este “Incide sobre a renda e os proventos de contribuintes residentes no País ou residentes no exterior que recebam rendimentos de fontes no Brasil. Apresenta alíquotas variáveis conforme a renda dos contribuintes, de forma que os de menor renda não sejam alcançados pela tributação” (Site da Receita Federal, 2015). A base de cálculo do Imposto de Renda, segundo entendimento de Sabbag (2014), é a soma dos fatores algébricos positivos e negativos que se agregam ao patrimônio, conforme se depreende do art. 44 do CTN. É o montante real, arbitrado ou presumido, da renda e do provento de qualquer natureza (2014, p. 1177). As alíquotas do IRPF são progressivas, podendo variar de 7,5% a 27,5% conforme aumenta a base de cálculo. Quem recebe até R$ 1.903,98 ao mês está isento do pagamento do IRPF; aqueles que recebem entre R$ 1.903,99 e R$ 2.826,65 possuem alíquota de 7,5 %, sendo deduzido R$ 142,80; para aqueles que recebem de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05 sua alíquota corresponde a 15%, sendo deduzidos R$354,80; já quem recebe entre R$ 3.751,06 e R$ 4.664,68 tem deduzido R$ 636,13 e a base de cálculo é de 22,5%; e, por fim, aqueles que recebem acima de R$ 4.664,68 possuem alíquota de 27,5% e sua parcela deduzida é de R$ 869,36. A partir da percepção da importância do Imposto de Renda para a economia do Estado Democrático de Direito, e diante da elevada e rígida previsão de alíquotas sugere-se a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias no IRPF como forma de efetivação do princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. 2 Inserção de alíquotas progressivas e intermediárias no Imposto de Renda da Pessoa Física Tendo em vista que de um lado tem-se o tributo como necessidade de manutenção do Estado e de outro os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa previsto na Constituição Federal, faz-se necessário buscar soluções para solver esse impasse (a elevada carga da alíquota em confronto com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa). Um meio alternativo para resolver a questão exposta é a inserção de alíquotas intermediárias e progressivas observando, assim, os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Cabe destacar, como mencionado anteriormente, que um dos critérios do Imposto de Renda é a progressividade. Contudo, essa é delimitada, conforme a tabela acima analisada. Assim, faz-se necessária a análise da inserção efetiva da progressividade neste imposto. Conforme Hack, o “critério para uma tributação que não ofenda o valor da liberdade e da livre iniciativa é justamente aquele que se baseia no valor da igualdade baseado na capacidade contributiva dos sujeitos tributados” (p. 398, 2014). A capacidade contributiva, no entender de Costa (2003, p. 26), possui em seu conceito duplo sentido, um referente à capacidade contributiva absoluta ou objetiva e outro à capacidade contributiva relativa ou subjetiva. A capacidade contributiva absoluta ou objetiva, para a autora, é referente ao fato que estabelece uma manifestação de riqueza, a qual demonstra a opção do legislador em selecionar os eventos que detém aptidão para auxiliar nas despesas públicas; esses eventos estabelecem a existência de determinados contribuintes passivos e em potencial. Portanto, a capacidade contributiva absoluta representa um pressuposto do imposto que estabelece um norte à opção das hipóteses de incidência desses. Já a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, conforme Costa (2003, p. 27), estabelece a capacidade de determinado sujeito suportar a carga tributária observando suas possibilidades econômicas. A CF, no seu art. 145, § 1º, positiva esse princípio ao estabelecer que “os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Portanto, no entender de Difini (2008, p. 83), referido princípio só se aplica aos impostos, uma vez que a CF claramente o traz especificado no artigo transcrito. Vale destacar que o legislador, segundo Castro (2008, p. 46), ao estabelecer o princípio da capacidade contributiva, objetivou conferir tratamento diferenciado aqueles desprovidos economicamente, isto é, juridicamente com base nesse princípio é justo e defensável, que quem possui muito pague, de forma proporcional, mais tributos do que aqueles que não detém riqueza econômica. O princípio da igualdade, consoante com Castro (2008, p. 40), é também denominado princípio da isonomia tributária, e possui como finalidade a garantia de igualdade entre os contribuintes do Imposto de Renda, que estão em situações equivalentes. Ou seja, ele visa garantir uma igualdade material tratando do mesmo modo aqueles que se encontram em situação semelhante. Referido princípio, para Machado (2006, p. 62), está vinculado ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que defende o dever da incidência ser proporcional à capacidade de contribuição em observância ao percentual de riqueza. Desse modo, tendo em vista a tabela da alíquota e percebendo os referidos princípios do Imposto de Renda da Pessoa Física faz-se necessária a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias para a efetivação, não apenas dos princípios acima citados, mas principalmente do princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Uma vez que a tributação, em consonância com Costa (2003, p. 28), não pode reduzir direitos previsto na CF, entre eles, a livre iniciativa. Assim, Costa defende a necessidade de observar o princípio da capacidade contributiva “notadamente quanto ao dever de imprimir-se, aos impostos, a personalização e a progressividade de alíquotas. No que tange especialmente ao Imposto sobre a Renda, impende que a lei, o quanto possível, leve em conta as condições pessoais dos contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas”. (2003, p. 28) Então, como salienta a autora (2003, p. 28), preciso faz-se a fixação de um “mínimo vital” que seja condizente com a realidade, assim como a aplicação de certa progressividade às alíquotas com base na quantia de renda auferida. Costa (2003, p. 28) defende a aplicação de um grau mais adequado da progressividade de alíquotas. Em sua visão, faz-se necessário maior progressividade às alíquotas para que a vontade constitucional referente ao princípio da capacidade contributiva seja efetivada. Carrazza (2006, p. 92-93) demonstra semelhante entendimento ao afirmar que é preciso graduar o Imposto de Renda da Pessoa Física de acordo com a capacidade dos contribuintes. Defende, ainda, ser necessário multiplicar as alíquotas deste imposto a fim de que os contribuintes com melhores condições financeiras suportem carga fiscal mais elevada que àqueles que possuem menores rendimentos. Uma vez que o atual número de alíquotas, apesar de reduzir a carga tributária daqueles que não auferem grandes lucros, acaba sendo, praticamente, a mesma a todos os contribuintes. Conforme Hack o “tributo que obedece à capacidade contributiva será compatível com a liberdade e a livre iniciativa. O que se verifica no Brasil, atualmente, é uma sistemática falha de observância aos limites e critérios da capacidade contributiva, de maneira que a incidência tributaria acaba distorcida. Essa distorção causa embaraços à liberdade e à livre iniciativa, de maneira que a tributação acaba afetando estes valores” (p. 401, 2014). Diante disso, Menequin (2012) menciona que é preciso evitar que a tributação acarrete um desestímulo às atividades econômicas, e uma afronta ao princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, que pode ser considerada como aquela que deve assegurar a liberdade de acesso ao mercado. Streck (2003, p. 259-260) estabelece que as noções de uma lei superior dirigente e de uma força normativa da Constituição não devem ser deixadas a um segundo plano. Assim, sendo um princípio constitucional é preciso buscar maneiras de concretizá-lo. Conclusão A Constituição Federal traz entre seus fundamentos o princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o qual visa assegurar o reconhecimento do trabalho, garantindo assim o exercício de atividades econômicas. Contudo, no Estado Democrático de Direito este exercício não é absoluto e, nesse aspecto, entra o tributo. A tributação, como demonstrado, continua sendo a principal fonte de arrecadação de verbas para a manutenção do Estado. O Imposto de Renda da Pessoa Física é uma de suas espécies. Referido imposto possui os critérios da generalidade, universalidade e progressividade. Todavia, as alíquotas do IRPF são rígidas, não observando o princípio da capacidade contributiva e da igualdade daqueles que auferem renda e proventos. Assim, analisando a tabela da alíquota e os referidos princípios do IRPF faz-se necessário a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias para a efetivação, não apenas dos princípios acima citados, mas principalmente do princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Visto que o tributo que observa a capacidade contributiva é compatível com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O tributo, especificamente o Imposto de Renda da Pessoa Física, não pode contrariar eou reduzir direitos trazidos pela CF. Desse modo, a inserção de alíquotas progressivas e intermediárias é imprescindível a obediência dos princípios dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Assim, a tributação estará contribuindo para a efetivação do Estado Democrático de Direito.
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Responsabilidade tributária do sócio gestor na dissolução irregular da empresa
O presente artigo pretende analisar aspectos dogmáticos e científicos da responsabilidade tributária do sócio-gerente decorrente de conduta ilícita na dissolução da sociedade empresária. Para tanto buscará na teoria da sujeição passiva tributária, de Marçal Justen Filho, o marco teórico para desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente será contextualizada a sistemática da sujeição passiva e suas modalidades de concretização no mundo fenomênico. Posteriormente, se voltará para uma análise crítica do problema, confrontando-se a dogmática jurídica com o conhecimento científico já produzido sobre responsabilidade tributária em sentido estrito. Serão, ainda, abordadas as peculiaridades que caracterizam a responsabilidade solidária do sócio gestor na dissolução irregular da pessoa jurídica. Por fim, serão apresentadas as conclusões e indicados os caminhos hermenêuticos que se entendem adequados à solução técnica da questão.
Direito Tributário
Introdução O presente artigo busca investigar a responsabilidade tributária do sócio-gerente em caso de dissolução irregular da sociedade empresária. Aqui, o enfoque dado à responsabilidade tributária em casos tais perpassará por um cotejo entre as posições doutrinárias antagônicas de responsabilidade exclusiva e cumulativa. É dizer, será feita uma contraposição entre os argumentos que entendem haver exclusiva responsabilidade do sócio e aqueles que servem para sustentar sua responsabilização em conjunto com a pessoa jurídica. Passo seguinte, será discutida, num enfoque dogmático-jurídico-tributário, a natureza de eventual vínculo cumulativo. O recorte epistemológico do trabalho se voltará especificamente para a responsabilidade de terceiros decorrente de ato ilícito, instituída no Código Tributário Nacional em seu artigo 135, especificamente no seu inciso IIII. Será, então, feita uma explanação sobre a sujeição passiva tributária de molde a situar o leitor na dogmática jurídica objeto de investigação. Após, se iniciará uma abordagem da responsabilidade tributária, tanto em sentido lato quanto em sentido estrito, ainda no intuito de lançar as bases científicas da discussão. Neste momento, se utilizará da obra de Marçal Justen Filho, Sujeição passiva tributária, como marco teórico do trabalho para cotejar as suas ideias, mormente no que tange à configuração do responsável tributário como sujeito passivo da relação tributária, com a imputação de responsabilidade ao sócio gestor em caso de conduta ilícita. Será, então, apresentada uma explanação crítica acerca da responsabilidade do sócio-gerente, identificando os argumentos de ordem científica, teórica e prática jurídicas que dão lastro às concepções antagônicas sobre a matéria. Nesse momento, também virá à discussão o passo seguinte do problema, que é saber se, em caso de responsabilidade cumulativa entre sócio e pessoa jurídica, o vínculo ente ambos devem se dar de forma solidária ou subsidiária. Por fim, serão destacadas as conclusões dos argumentos desenvolvidos no corpo do trabalho, prestigiando a construção de uma razão crítica sobre a matéria e indicando o enfoque que se entende por ajustado para enfrentar o problema, colacionando, ainda, o entendimento jurisprudencial dominante. 1. O sujeito passivo tributário O direito é produto da relação do homem em sociedade, fazendo-se necessário para garantir a coexistência harmoniosa dos inúmeros atores sociais, sejam eles criações jurídicas, como as sociedades empresárias, fundações ou o espólio, por exemplo, sejam eles os próprios seres humanos. Nesse passo, é cediço que as relações jurídicas, em qualquer das suas espécies, pressupõem a existência de mais de um sujeito, criando um vínculo entre este e um outro, no mínimo. Note-se que, mesmo em situações diante das quais pareça existir apenas uma relação imediata entre um sujeito e um objeto, como na relação de propriedade de um dado bem, por exemplo, haverá subjacente a relação entre mais de um sujeito, figurando de um lado o proprietário e do outro lado todas as demais pessoas a quem incumbem respeitar o direito de propriedade daquele. No campo da relação jurídica tributária não é diferente. Sem adentrar na complexidade do tema, que não é objeto do presente trabalho, mas advertindo que a mesma não se resume à obrigação tributária (DE BUJANDA, 1995. p. 29-30), é necessário reconhecer a coexistência de mais de um sujeito no seu bojo. Assim, para o recorte epistemológico desta pesquisa, deve-se ter em conta que a relação jurídica tributária põe sob o regime do direito tributário os seus sujeitos ativo e passivo. Nesse passo, de se destacar a conclusão abalizada da doutrina de que a definição dos sujeitos da relação tributária advém a partir da análise da norma tributária de incidência[1]. Com efeito, é a partir da hipótese de incidência que se pode identificar os indivíduos elegíveis como sujeitos da relação jurídica tributária. Nesse sentido, a lição de Marçal Justen Filho: “a sujeição passiva decorre da existência de um mandamento normativo. É na determinação subjetiva mandamento que se localiza a eleição legislativa de sujeitos ativos e passivo; já na determinação objetiva encontra-se a previsão das condutas facultadas, impostas ou vedadas” (JUSTEN FILHO, 1986, p. 231). Quanto ao sujeito ativo, embora não se trate de objeto ora em estudo, deve-se deixar registrado sinteticamente que, em regra, corresponde ao titular da capacidade tributária ativa (SCHOUERI, 2014. p. 547). Centrando o enfoque sob o sujeito passivo da relação jurídica tributária, de início cumpre estabelecer que sua delimitação, tal qual já escandido, advirá necessariamente da lei. Não obstante, não possui o legislador discricionariedade acentuada para tal escolha. Retorne-se, aqui, à afirmação acerca da definição do sujeito passivo da relação jurídica tributária a partir da análise da hipótese de incidência da norma tributária. Neste ponto cabe uma digressão sintética sobre a configuração de uma dada relação jurídica como tributária. Decerto, a norma de imposição tributária apta a gerar a obrigação principal (pagar tributo) deve estar correlacionada com manifestação de riqueza consagrada no fato gerador, sem o que a obrigação de pagar uma dada quantia ao Estado não poderá ser considerada tributária. É o que Marçal Justen Filho chama de “avaliabilidade econômica da materialidade da hipótese de incidência” (JUSTEN FILHO, 1986. p. 249). Já Alfredo Augusto Becker refere a “fato-signo presuntivo” (BECKER, 2010. p. 539) para esclarecer que uma norma jurídica instauradora do dever de recolher aos cofres públicos um determinado valor só goza de natureza tributária quando acompanhada do elemento indicativo de riqueza. O que se extrai daí é que a hipótese de incidência tributária só tem lugar quando atrelada à manifestação de uma base econômica. Tal conclusão, conquanto possa açodadamente aparentar, não exclui de sua influência os ditos tributos vinculados. É que, em casos tais, a grandeza econômica restará inerente à hipótese de incidência tributária de forma reflexa (JUSTEN FILHO, 1986. p. 241). No intuito de manter uma coerência lógica normativa entre os elementos objetivos (aí incluso a expressão econômica) e os elementos subjetivos de uma mesma hipótese de incidência, é elementar a conclusão de que os indivíduos elegíveis como sujeitos passivos da obrigação tributária principal devem guardar alguma correlação com a manifestação de riqueza prevista. Bem elucidativas são as palavras de Marçal Justen Filho: “Se, de fato, a imposição atinge um sujeito que em nada se vincula à hipótese, isso significa que a hipótese de incidência é irrelevante (ou de relevância mínima). Assim, a descrição da riqueza ali contida através da eleição de um fato-signo presuntivo, a previsão de sujeitos, a indicação de momento e de espaço são totalmente destituídas de pertinência – porque, ao se impor a tributação a pessoa desvinculada do fato-signo presuntivo, estar-se-á a tributar uma riqueza diversa e por atenção a eventos diversos, em momentos e espaço inconfundíveis com os inseridos na hipótese” (JUASTEN FILHO, 1986, p. 253). Colhendo os efeitos práticos de tal assertiva e aplicando-os ao ordenamento tributário brasileiro, onde a tipificação dos tributos se encontra alinhada em âmbito constitucional, inclusive com a discriminação da base econômica tributável – que representa parte do elemento objetivo da hipótese de incidência –, resta concluir que a eleição do sujeito passivo da obrigação tributária principal, por parte do legislador infraconstitucional, é sobejamente restringida. Com efeito, o legislador instituidor dos tributos não poderá se afastar dos mandamentos de ordem constitucional quando da escolha da base econômica tributável e, consequentemente, do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, posto que tais elementos nucleares da hipótese de incidência já se encontram escandidos no texto constitucional. Foi pautado nesta constatação que Marçal Justen Filho, com arrimo em Héctor Villegas, elaborou o conceito de destinatário constitucional tributário, definindo-o como o sujeito “que, em princípio, pode dizer-se como eleito constitucionalmente para vir sofrer a sujeição passiva tributária” (JUSTEN FILHO, 1986. p. 263). Em âmbito infraconstitucional o Código Tributário Nacional estatuiu, no seu art. 121, as figuras do contribuinte e do responsável tributário, descrevendo o primeiro como o sujeito que “tenha relação direta e pessoal com a situação que constitua o respectivo fato gerador” (BRASIL, 1966), ao passo que o segundo se verifica a partir de expressa disposição legal. Sem olvidar da importância do estudo acerca do contribuinte, ao presente trabalho, contudo, interessa a figura o responsável tributário, especificamente na hipótese em que a responsabilidade recai sobre o sócio gestor quando da dissolução irregular da pessoa jurídica. 2. A responsabilidade tributária Conquanto possa parecer que o responsável tributário (art. 121, II, CTN), na definição legal, não possua um vínculo com a grandeza econômica tipificada no fato gerador, não é esta a melhor exegese feita a partir do citado dispositivo legal. Decerto, para uma coesão lógica do quanto exposto até aqui, necessário se faz advertir que o responsável tributário, tal qual delineado no CTN, não possui uma relação direta e pessoal com a situação econômica integrante da materialidade econômica tributária. Isto não quer dizer, contudo, que o responsável tributário possa ser eleito de forma absolutamente discricionária. Deve este guardar necessário vínculo com a grandeza econômica tributada. Este vínculo, entretanto, não será direto e pessoal. Não por outro motivo o CTN, em seu art. 128, estatui a possibilidade de responsabilidade tributária de terceira pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”. Quanto à sujeição passiva e identificação do destinatário constitucional tributário nos casos de responsabilidade tributária, deve-se ter em conta que seu atrelamento ao fato-signo presuntivo da riqueza não se dá de modo direto e pessoal. Sua vinculação ocorre de modo reflexo, mas deve estar presente, sob pena de invalidade da norma que prevê sua responsabilização (SHOUERI, 2014. p. 559). Marçal Justen Filho constrói seu raciocínio, neste particular, sobre a ideia de poder que o responsável tributário, seja ele o substituto seja o responsável em sentido estrito, detém em face do contribuinte. Para o citado autor, é a posição de sujeição em que se encontra o contribuinte em face do responsável tributário – em sentido lato – que legitima a opção legislativa pela atribuição de responsabilidade a pessoa diversa do contribuinte. Destaca, ainda, que tal situação de sujeição não pode ter sido criada pela própria hipótese de incidência, devendo ser estranha à normação tributária (JUSTEN FILHO, 1986. p. 274-275). Feita esta consideração inicial acerca da responsabilidade tributária adentra-se em sua análise doutrinária e dogmática. Doutrina tradicional[2] costuma classificar a responsabilidade tributária em duas modalidades: por substituição e por transferência. Onde a primeira restaria configurada quando a sujeição passiva do responsável surgisse concomitante à ocorrência do fato gerador; ao passo que a segunda restaria configurada a partir de acontecimento posterior ao fato gerador. O mesmo autor, ainda, classifica a responsabilidade por transferência em por sucessão, por solidariedade e de terceiros. Não se concorda, contudo, com tal classificação por mais de uma razão. Com efeito, a construção do conhecimento jurídico deve ser pautada sobre balizas da metodologia científica, onde o uso da linguagem técnica busca a precisão da descrição do objeto a partir de termos unívocos, ou que expressem um sentido restrito. Ao tratar da linguagem como entidade epistemológica da ciência do Direito, Edvaldo Brito adverte para a necessidade do cientista utilizar uma “linguagem técnica, na qual o conteúdo semântico dos signos é preciso, porque construído em convenção institucional, decorrente do seu contexto que inclui toda a apreciação da pragmática jurídica” (BRITO, 1993. p. 19). Não obstante, a pretensa responsabilidade tributária por transferência não representa verdadeira transferência da responsabilidade. Tal constatação é de fácil percepção quando se analisa o subtipo de responsabilidade por transferência por solidariedade, onde há simples acréscimo no polo passivo da relação tributária. Tome-se o exemplo utilizado pelo próprio autor acerca da copropriedade de imóvel para o imposto territorial. Não há, aqui, transferência alguma da responsabilidade, mas verdadeira inclusão de sujeito passivo na obrigação tributária, mantendo-se o devedor original. Vê-se, pois, padecer de cientificidade tal classificação. Ademais, outra impropriedade é de fácil constatação. Conquanto a solidariedade sirva como importante parâmetro de classificação das obrigações (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2014. p. 95), não se mostra adequado elegê-la como categoria estanque da responsabilidade tributária. Com efeito, a obrigação solidária pode estar adstrita aos mais variados tipos de obrigação. Na classificação ora enfrentada, por exemplo, a solidariedade pode ocorrer no caso de responsabilidade por transferência em caso de sucessão ou de terceiros. Assim, resta inviável categorizá-la como situação jurídica distinta tal qual procedeu Rubens Gomes de Sousa. Por fim, e não menos importante, é necessário lembrar que a aludida classificação fora proposta antes mesmo do advento do Código Tributário Nacional, não refletindo, portanto, a opção jurídico-positiva adotada pelo ordenamento brasileiro. Decerto, sob a rubrica do responsável, o CTN, em seu artigo 121, inclui duas figuras distintas e com regramento igualmente distintos: o substituto tributário e o responsável tributário em sentido estrito. Esta última categoria comporta, ainda, uma subdivisão jurídico-positiva que será indicada a seguir. Sem adentrar no conteúdo jurídico da substituição tributária, que não configura objeto da pesquisa, para o presente trabalho adota-se a classificação da responsabilidade tributária em sentido estrito tal qual procedida pelo CTN, com a advertência de que a mesma não está imune às críticas. Assim, seguindo a tipificação do Capítulo IV do CTN, incluso no seu Título II, a responsabilidade tributária será subdivida em: responsabilidade dos sucessores; responsabilidade de terceiros; e responsabilidade por infrações. À pesquisa, contudo, interessa a responsabilidade de terceiros, mais especificamente a responsabilidade tributária do sócio gestor em caso de baixa irregular da sociedade empresária. Uma advertência se mostra necessária antes de seguir a discussão, porém. Entrementes, a responsabilidade tributária stricto sensu é estudada pela doutrina clássica como resultado de uma conduta ilícita por parte do responsável, atraindo para si a obrigação de pagamento do tributo (JUSTEN FILHO, 1986. p. 291). Não obstante, o Código Tributário Nacional parece ter inaugurado a possibilidade de haver responsabilização de pessoa diversa do contribuinte em caso de conduta lícita, consoante dispõe o seu artigo 134. Para o presente artigo tem relevo a específica hipótese de surgimento da responsabilidade tributária a partir de conduta ilícita (art. 135, CTN), especificamente do sócio gestor quando da dissolução irregular da empresa (inciso III). Não se pode perder de vista, pois, que o objeto de estudo é a responsabilidade de terceiro decorrente de sua atuação ilícita. Dito isto, passa-se a enfrentar diretamente o objeto de estudo. 3. A responsabilidade tributária do sócio gestor na dissolução irregular da empresa O cerne da pesquisa, como já salientado, é voltado para a configuração da responsabilidade do sócio-gerente em caso de dissolução irregular da empresa. Tal problema surge a partir da constatação do posicionamento vacilante da doutrina e, num estágio inicial, da jurisprudência acerca da natureza de tal responsabilidade, se exclusiva ou cumulativa[3]. O Código Tributário Nacional, em seu art. 134, VII, estatui a responsabilidade solidária dos sócios quanto à obrigação principal em caso de liquidação da empresa sempre que estes tenham participado ou se omitido em tal circunstância. Ocorre que, o mesmo CTN, agora em seu artigo 135, III, estabelece que os gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” (BRASIL, 1966). A menção à responsabilidade “pessoal” inserta no aludido dispositivo trouxe, então, a defesa de que em casos tais haveria uma alteração do sujeito passivo tributário deixando de haver responsabilidade da sociedade empresária e passando a subsistir única e exclusivamente a responsabilidade do sócio gestor. Uma espécie de substituição tributária, portanto. Não se concorda, contudo, com tal raciocínio por mais de uma razão. De início cumpre relembrar que a responsabilidade tributária advém em momento posterior ao surgimento da própria obrigação tributária. No específico caso em estudo, a obrigação tributária surge em face da pessoa jurídica de direito privado, passando o sócio gestor à categoria de responsável a partir de sua atuação ilícita na dissolução irregular de sociedade empresária. Disso decorre duas realidades distintas a embasar a responsabilidade de cada sujeito. De um lado, a pessoa jurídica passa à condição de sujeito passivo da obrigação tributária principal a partir da ocorrência do fato gerador; de outro, o sócio gestor só pode ser considerado sujeito passivo da mesma obrigação a partir de sua conduta ilícita na dissolução da sociedade empresária. Em linguagem de Teoria do Direito, tem-se, no caso, duas endonormas e uma perinorma se relacionando em situação de dependência. A primeira endonorma configuradora da hipótese de incidência e do dever de pagar o tributo; a segunda, configuradora do dever de agir licitamente dos sócios gestores; e a perinorma imputando a sanção pela violação da segunda endonorma – sujeição passiva tributária quanto ao dever de pagar o tributo advindo da primeira endonorma (FERRAZ JÚNIOR, 2003. p. 123). Conclui-se, pois, que a consequência (perinorma) pela violação da segunda endonorma depende da existência da primeira endonorma. Aplicando ao caso em estudo, a responsabilidade do sócio gestor depende da subsistência da responsabilidade da sociedade empresária. A persistir o entendimento acerca da exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica, a perinorma teria seu núcleo esvaziado, sendo impossível falar em dever de pagar qualquer tributo posto que a própria obrigação principal não mais existiria. Tome-se como exemplo a situação do cotidiano jurídico em que o sócio gestor deixa de solicitar a “baixa” dos atos constitutivos da empresa por restar impossibilitado de apresentar comprovação de quitação das obrigações tributárias. Em tal situação considera-se que a dissolução da empresa foi irregular, atraindo a aplicação do art. 135, III, do CTN. Ocorre que, se se considerar que nesse caso a responsabilização “pessoal” do sócio-gerente teria o condão de excluir a obrigação da pessoa jurídica, seria forçoso concluir que não mais subsistira qualquer débito tributário em face da sociedade empresária. Assim, o fato impeditivo da dissolução regular seria sanado, podendo ser solicitada a devida “baixa” dos atos constitutivos e a dissolução que outrora era irregular passa a ser regular. Uma vez regular a dissolução empresária, não mais subsistiria o fundamento de responsabilização do sócio gestor. O ordenamento jurídico permitiria, então, um “truque de ilusão de ótica” onde o crédito tributário seria extinto sem o pagamento ou qualquer outro meio admitido para tanto. É dizer, a prática de um ato ilícito – dissolução irregular – teria o condão de permitir a dissolução regular da sociedade empresária, extinguindo o crédito tributário em face da mesma, em detrimento de terceiro de boa-fé – a Fazenda Pública. Outra questão de difícil solução, a persistir o entendimento de exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica quando aplicável o art. 135, III, do CTN, seria a possibilidade franqueada à pessoa jurídica de opor à Fazenda Pública convenções particulares – contratos sociais e estatutos – para o fim de alterar o sujeito passivo ou mesmo extinguir em face de si o crédito tributário. Ora, o ordenamento expressamente proíbe (art. 123 do CTN) que seja oposto ao Erário “as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos” “para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes” (BRASIL, 1966). No caso em questão, contudo, seria aberto tal possibilidade à míngua de expressa disposição legal. É que, ao ser executada pelo crédito tributário, a pessoa jurídica poderia aduzir que o sócio gestor violou o contrato social, por exemplo, pretendendo verdadeira modificação do sujeito passivo da obrigação. Registre-se, ainda, que entendimento contrário ao aqui defendido teria o condão de gerar uma contradição interna no sistema do direito tributário. Com efeito, tanto o responsável tributário – sócio gestor – quanto o contribuinte originário – sociedade empresária – são obrigados ao pagamento de tributo. Ocorre que, a responsabilidade do sócio gestor, nos moldes ora estudados, advirá como sanção pela sua conduta ilícita. Assim, admitindo a exclusão da obrigação tributária em face do contribuinte originário, restaria ao responsável a obrigação de pagar tributo decorrente de uma sanção por ato ilícito, em nítida afronta ao conceito jurídico-positivo de tributo (art. 3º do CTN). Resta evidente que tal entendimento não merece prosperar. Note-se, ademais, que não se está sustentando, ainda, que a responsabilidade da pessoa jurídica e do seu sócio gestor deve ser na modalidade solidária ou subsidiária. Apenas se está demonstrando que a responsabilidade da sociedade empresária subsiste em que pese o dispositivo legal se refira à responsabilidade “pessoal” do administrador em casos deste jaez. Para além da lógica e coesão do ordenamento jurídico acima escandidos, também não há como extrair do multicitado art. 135, III, do CTN, a conclusão acerca da exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica. Não há qualquer expressão que denote tal sentido. Decerto, a simples menção a responsabilidade pessoal não pode ser interpretada extensivamente para o fim de criar uma nova modalidade de extinção e/ou exclusão do crédito tributário, ainda que em face de apenas um dos sujeitos coobrigados. Registre-se, aliás, regra expressa proibitiva de interpretação extensiva para os casos de exclusão do crédito tributário (art. 111, I, CTN). Ademais, o artigo 128 do Código Tributário Nacional, ao prever a possibilidade de responsabilizar terceira pessoa – diferente do contribuinte – pelo crédito tributário, estabelece que tanto a responsabilização do terceiro quanto a exclusão da responsabilidade do contribuinte devem vir de modo expresso na lei. O que, por certo, não ocorre no caso em testilha. Marçal Justen Filho, ao discorrer acerca da responsabilidade tributária, deixa claro seu posicionamento sobre a subsistência da obrigação principal em face do contribuinte originário. São suas as seguintes palavras: “Por outro lado, o dever imposto ao ‘responsável’ não elimina nem substitui a sujeição tributária já existente. Ou seja, o contribuinte não deixa de sê-lo. Não se altera a situação do substituto, se porventura a lei houver previsto sua instituição para o caso, tendo-se verificado o fato imponível correspondente” (JUSTEN FILHO, 1986, p. 270). Mais adiante, arremata o citado autor que “dependerá do direito positivo prever a solidariedade ou subsidiariedade do 'responsável'” (JUSTEN FILHO, 1986. p. 289). Vê-se, pois, no caso em espeque, que sempre haverá uma cumulação de sujeitos passivos da obrigação tributária: o obrigado principal e o responsável tributário. Cabendo a discussão apenas acerca do tipo de responsabilidade deste último, se solidária ou subsidiária. Encarado o problema sobre tal enfoque, contudo, há ainda que ser compreendida opção legislativa de destacar a responsabilidade “pessoal” do gestor, na medida em que não se concebe palavras inúteis na lei. Conquanto pudesse tal opção ser creditada mais uma vez à atecnia do legislador tributário nacional, esta solução não se mostra consentânea com a busca de um conhecimento cientificamente sólido sobre o tema. Decerto, relegar à falta de rigor técnico a expressa disposição legal acerca da responsabilidade pessoal dos gestores em caso de condutas ilícitas é tangenciar o problema e não representa a postura esperada do cientista. Mauro Campbell Marques, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, parece ter resolvido a questão. Segundo o Ministro, em voto vista proferido no Recurso Especial nº 1.455.490/PR, julgado em 26/08/2014, o problema deve ser solucionado numa perspectiva histórica. Com efeito, aduziu que a expressão “são pessoalmente responsáveis” inserta no artigo 135 do CTN veio “em oposição à expressão 'não respondem pessoalmente' contida no art. 10, do Decreto n. 3.078/19[4], que estabeleceu a regulação da constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada” (BRASIL, 2014). Bem analisados, ambos os dispositivos encartam a mesma norma jurídica: as obrigações contraídas em nome da sociedade, aí incluídas as de natureza tributária, com excesso de poder, violação à lei, contratos ou estatutos sociais dão causa à responsabilização dos sócios para com terceiros, a Fazenda Pública, inclusive. A distinção a ser feita é que, enquanto o Código Tributário Nacional enfatiza a exceção – responsabilização dos sócios em casos especiais –, o Decreto nº 3.078/19 destaca a regra – não responsabilização dos sócios em casos ordinários. Não se descura, ainda, que um outro dispositivo normativo, datado de 1978, traz construção sintática similar. Fale-se, aqui, do artigo 158 da Lei 6.404/78[5], conhecida por Lei das Sociedades Anônimas. Vê-se, pois, que num mesmo contexto histórico de produção legislativa vários foram os atos normativos que se referiam à impossibilidade de responsabilizar o sócio pelas obrigações contraídas em nome da empresa, salvo quando sua atuação desbordasse os lindes da legalidade. Assim, a construção linguística do artigo 135 do CTN tem sua explicação na intenção do legislador em não deixar dúvidas quanto a inclusão das obrigações tributárias no rol de responsabilidade dos sócios sempre que os mesmos ajam de forma ilícita. Não soa despropositado, inclusive, cogitar da flagrante preocupação do legislador do século XX com tal circunstância, na medida em que naquele momento histórico era fecunda e calorosa a discussão jurídica acerca da personalidade jurídica e sua não confusão com as pessoas físicas que a compunham e o patrimônio particular destas. Assim, deve ser parabenizado o zelo do legislador tributário naquele momento em consignar expressamente a possibilidade do patrimônio pessoal do sócio gestor ser alcançado em caso de conduta ilícita. Tal constatação, por certo, se mostra suficiente aplacar os entusiastas da ideia de que a lei não contém palavras inúteis e a menção à responsabilidade pessoal dos gestores só poderia indicar uma transferência completa do dever de pagar o tributo ao sócio gestor. Ponto nodal que agora merece discussão é aquele acerca da natureza da responsabilidade do sócio gestor em caso de dissolução irregular da empresa. 4. A solidariedade do sócio gestor na dissolução irregular da empresa Consoante exposto até aqui, não há que falar em exclusão ou mesmo extinção da obrigação e do crédito tributário em face do contribuinte originário no caso de responsabilização do sócio gestor pela dissolução irregular da pessoa jurídica. Antes, restou assente que as responsabilidades subsistem conjuntamente. Passa-se, então, a ser necessário identificar se tal responsabilidade será solidária ou subsidiária. Para aqueles que advogam a tese da subsidiariedade há uma barreira intransponível à configuração da solidariedade: a pretensa ausência de previsão legal para tanto. Com efeito, o Código Civil, em seu artigo 265, estatui que a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes” (BRASIL, 2002). Nada obstante, no específico caso de responsabilização do sócio gestor na dissolução irregular da empresa, a solidariedade está expressamente consignada em lei. Conquanto possa ser criticável a instituição da solidariedade conjugada ao benefício de ordem disposta no artigo 134 do Código Tributário Nacional, tal dispositivo representa a expressa disposição de lei bastante para a configuração da solidariedade no caso sob estudo. Decerto, está-se a analisar a responsabilização do sócio gestor na dissolução da empresa quando esta tenha ocorrido de forma irregular por conduta ilícita daquele. Vê-se, pois, que o problema em estudo abrange uma situação fática regulada tanto pelo artigo 134, VII, – dissolução da sociedade empresária – como pelo artigo 135, III, – atuação ilícita do gestor – do CTN. Assim, a extração da norma jurídica aplicável ao caso concreto só pode se dar a partir da conjugação de ambos dispositivos. Não destoa dessa conclusão o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que sintetizou, no enunciado nº 430 da súmula da sua jurisprudência dominante, que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente” (BRASIL, 2010). Vê-se, pois, que o órgão constitucionalmente incumbido de dar a última palavra em sede de interpretação das leis no Brasil corrobora a existência de solidariedade entre o sócio gestor e a sociedade empresária nos casos de obrigação tributária e atuação ilícita do administrador. Aqui cabe, ainda, destacar a inovação legislativa trazida pela Lei Complementar nº 147/2014 que, dentre outras, fez incluir o artigo 7º-A[6] na Lei nª 11.598/2007. O citado comando normativo, em seu caput, passou a estabelecer a desnecessidade de comprovação da inexistência de obrigações tributárias para fins de baixa dos atos constitutivos de sociedade empresária. Norma sobremaneira interessante para o objeto da presente pesquisa está disposta no parágrafo segundo do malsinado artigo 7º-A. Estabelece tal dispositivo que a dissolução da sociedade empresária nos termos do caput importará na responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores em relação ao crédito tributário eventualmente pendente. Conquanto tal consequência seja decorrência do ordenamento jurídico já vigente ao tempo da edição da citada lei, parece ter o legislador sepultado a discussão aqui enfrentada, ao menos para aqueles casos em que a ilicitude da conduta do sócio gestor está na simples não apresentação do comprovante de quitação das obrigações tributárias quando da dissolução da sociedade empresária. Conclusão Do estudo realizado, o que se observa é que a sujeição passiva tributária deve ser analisada sob o prisma de todas as figuras que a compõe – o contribuinte, o substituto e o responsável – não obstante deva o jurista atentar-se paras as peculiaridades de cada uma. Nesse passo, quanto à responsabilidade tributária em sentido estrito, é de fundamental importância a percepção de que a mesma só se configura em momento posterior à própria ocorrência do fato gerador. É dizer, no campo fenomênico primeiro se concretiza a hipótese de incidência, surgindo a obrigação tributária, para depois se materializar a hipótese de responsabilização, acarretando mudanças no elemento subjetivo da normação tributária. De tal constatação decorre que a hipótese de responsabilização não serve, de per si, para configurar o fato gerador ou mesmo sua previsão hipotética. Antes, utiliza-se do acontecimento daquele para que possa gerar algum efeito no mundo jurídico. Assim, pode-se concluir que a responsabilização tributária se sustenta na existência prévia de uma relação jurídica tributária impositiva. Trazendo esta percepção ao campo da investigação que ora se conclui, não soa ilegítimo afirmar que a responsabilidade do sócio gestor por condutas ilegais quando da dissolução da sociedade empresária tem como pressuposto a subsistência da própria responsabilidade do contribuinte originário – a sociedade empresária –, sem a qual restaria vazio o consequente normativo de responsabilização. Vê-se, pois, diante de uma cumulação de responsabilidades, devendo, ainda, esclarecer como estas se correlacionam. Com efeito, o modelo dogmático-jurídico adotado em âmbito nacional não deixa dúvidas quanto à solidariedade – nos moldes descritos no CTN – existente entre as obrigações do sócio gestor e da sociedade empresária no caso estudado. Viu-se, decerto, que a situação fática estudada atrai a incidência cumulativa dos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional. Ademais, restou esclarecida opção legislativa em consignar expressamente a pessoalidade da responsabilidade do administrador em caso de conduta ilícita, sanando tal ponto controvertido na doutrina pátria. Entrementes, o legislador de 66 optou por deixar claro que o patrimônio pessoal dos gestores pode ser alcançado visando assegurar o interesse jurídico de terceiro de boa-fé, nos mesmos moldes de outros exemplos legislativos emblemáticos da época. Por fim, constatou-se que a orientação jurisprudencial dominante é no sentido de reconhecer a cumulação de responsabilidades em casos tais e que a responsabilização dos sujeitos passivos em tais circunstâncias se dá na modalidade solidária.
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A dedutibilidade, da base de cálculo do PIS e da COFINS, de despesas de intermediação financeira
O presente artigo tem como objetivo a análise das normas jurídicas tributárias das contribuições ao PIS e à Cofins, devidas por Instituições Financeiras, com foco no critério quantitativo, mais especificamente, nos permissivos legais de dedução das bases de cálculo das respectivas contribuições, buscando compreender o conteúdo semântico da expressão “intermediação financeira” empregada no enunciado veiculado pelo art. 3º, § 6º, I, “a”, da Lei n. º 9.718/98. Para tanto, será utilizado o referencial teórico fornecido pelo Constructivismo lógico-semântico e, também, o percurso gerador de sentido desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho, para a construção das normas jurídicas aplicáveis ao problema em referência.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Muito já se discutiu sobre a inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins, o que, inclusive, já foi reconhecido e pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do “leading case”, Recurso Extraordinário n.º 346.084, e em ocasiões posteriores. De qualquer forma, não se olvida que, relativamente às Instituições Financeiras, o alcance da incidência das referidas Contribuições ainda não está sepultado. Em que pese a efervescência que envolve o debate objeto do Recurso Extraordinário 609.096, no qual será discutida a incidência da Cofins sobre receitas financeiras, o presente estudo propõe a análise da base de cálculo das referidas contribuições, devidas por Instituições Financeiras, sob uma outra ótica, qual seja a possibilidade de dedução de Provisões de Devedores Duvidosos (“PDD”) da base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins. No intuito de responder à pergunta abaixo, será trilhado o caminho sugerido por Carvalho (2010b), ao ensinar o “Percurso Gerador de Sentido”, que consiste em um passo a passo destinado àqueles que pretendem interpretar o direito positivo. 2 PERCURSO GERADOR DE SENTIDO Paulo de Barros Carvalho (2010b), baseado no constructivismo lógico semântico, desenvolveu o “Percurso Gerador de Sentido” que se apresenta como eficiente ferramenta para a interpretação do direito positivo. Trata-se de um método interpretativo composto por quatro etapas, ou melhor, quatro planos: (S1), plano dos enunciados; (S2), plano das proposições; (S3), plano das normas jurídicas; e (S4), plano da sistematização. Assim, considerando que o direito se manifesta por linguagem e que a porta de acesso para os signos se dá a partir da experiência sensorial, o primeiro contato com o direito ocorre, inevitavelmente, através do plano da literalidade textual, suporte físico das significações jurídicas, ou seja, os enunciados prescritivos de direito positivo. O plano (S1), portanto, é composto por enunciados prescritivos do direito positivo. Nesse plano, a análise é de ordem sintática e o interprete enfrentará questões gramaticais, por exemplo. A análise do plano (S1) é extremamente importante, pois o texto em sentido estrito é a única forma de manifestação do direito. O plano (S2) por sua vez é composto pelo conjunto dos conteúdos de significações. Após o primeiro contato com o sistema da literalidades (S1), o interprete deve avançar no plano (S2) atribuindo valores unitários aos símbolos. Os enunciados deverão ser compreendidos isoladamente para depois serem confrontados por outros enunciados. Já o plano (S3) é composto pelo conjunto articulado das significações normativas. Trata-se aqui de subsistema de normas jurídicas “stricto sensu”. Ensina Carvalho (2010b), que superadas as investigações nos planos S1 e S2 o interprete deverá promover a contextualização dos conteúdos obtidos no curso do processo gerativo, com a finalidade de produzir unidades completas de sentido para as mensagens deônticas – Normas jurídicas. Nesta etapa deverá aparecer o antecedente ligando-se ao enunciado relacional por força da imputação deôntica. Por fim, o intérprete terminará o percurso gerador de sentido na análise do plano (S4) em que as normas construídas no plano S3 serão organizadas. Nesse plano, a atividade do Intérprete é identificar os vínculos de coordenação e de subordinação que se estabelecem entre as regras jurídicas. Após superado o plano dos enunciados, passando para o plano dos conteúdos de significação dos enunciados jurídicos, para enfim ingressar no plano da articulação das significações normativas, onde surgirão as normas jurídicas, como entidades mínimas dotadas de sentido deôntico completo. É com base neste método que se pretende construir o sentido da norma jurídica sob exame. 3 O PLANO DOS ENUNCIADOS (S1) E A ANÁLISE DOS TEXTOS DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS APLICÁVEIS À MATÉRIA EM ANÁLISE Como é sabido, as Instituições Financeiras têm tratamento diferenciado no que tange ao PIS e à COFINS, estando necessariamente sujeitas à sistemática cumulativa para fins de apuração dessas contribuições. Nesse contexto particular, destaca-se que, em 17 de novembro de 1998, foi editada a Lei nº 9.701/98, que prescrevia em seu art. 1º, III, “a”, a permissão direcionada aos bancos comerciais e outras instituições financeiras[1], para que estes deduzissem, da base de cálculo do PIS, dentre outras despesas, as “despesas de captação em operações realizadas no mercado interfinanceiro, inclusive com títulos de crédito”. Veja-se, portanto, que nos termos da legislação vigente antes do advento da Lei n.º 9.718/98, às Instituições Financeiras era permitida a dedução das despesas exclusivamente relacionadas à atividade de captação de recursos, ou seja, apenas aquelas despesas incorridas em decorrência da prática de operações passivas, nas quais os bancos captam recursos e remuneram os seus clientes, mediante o pagamento de juros, conforme será melhor abordado quando da análise do conteúdo semântico da expressão ‘intermediação financeira’. Note-se aqui que, embora a Lei nº 9.701/98 só se referisse à apuração do PIS, vale observar que, poucos dias após ao seu advento, foi publicada a Lei nº 9.718/1998, que no seu art. 3º, parágrafo 5º estabeleceu que, relativamente às instituições financeiras, seriam admitidas, para efeitos de apuração da base de cálculo da COFINS, as mesmas deduções facultadas para fins de apuração do PIS. Desta maneira, tanto para PIS quanto para COFINS se faz possível, a partir de então, deduzir as ditas despesas de captação. Posteriormente, em 28 de janeiro de 1999, foi publicada a Medida Provisória nº 1.807, que após sucessivas reedições, culminou na ainda vigente Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001[2]. Pois bem, a referida Medida Provisória, já pelo seu texto original, introduziu importante alteração legislativa no que concerne à matéria sob exame, uma vez que acrescentou o parágrafo 6º ao artigo 3º, da Lei nº 9.718/1998, ampliando as hipóteses de dedução, da base de cálculo já previstas, abarcando a partir de então, também, as “despesas incorridas nas operações de intermediação financeira”, por bancos comerciais e demais Instituições Financeiras. Veja-se o que dispõe o referido dispositivo, in verbis: “Art. 3o  O faturamento a que se refere o art. 2o compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.   […] § 6o  Na determinação da base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, as pessoas jurídicas referidas no § 1o do art. 22 da Lei no 8.212, de 1991, além das exclusões e deduções mencionadas no § 5o, poderão excluir ou deduzir:     I – no caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil e cooperativas de crédito:   a) despesas incorridas nas operações de intermediação financeira” (grifou-se) Tal alteração legislativa revela-se extremamente relevante para a compreensão do tema ora debatido. O que ocorreu efetivamente foi a substituição do enunciado previsto no art. 1º, III, “a” da Lei n.º 9.701/1998, que, até então, estabelecia a permissão de se deduzir da base de cálculo das Contribuições ao PIS e à COFINS as “despesas de captação em operações realizadas no mercado interfinanceiro”, por um enunciado mais abrangente, o qual engloba genericamente as “despesas incorridas nas operações de intermediação financeira”, conforme previsto no art. 3º, §6º, I, “a” da referida Lei n.º 9.718/1998. Eis aqui o conjunto de enunciados prescritivos do direito positivo pertinentes ao presente estudo, contudo, como nos lembra Fabiana del Padre Tomé, a interpretação jurídica não deve se limitar ao plano textual: “A norma jurídica e, por conseguinte, o sistema do direito positivo, é construído a partir do texto bruto, mas com ele não se confunde. Eis o primeiro ponto distintivo do constructivismo lógico-semântico. Adotado este método, o cientista do direito não se limita a contemplar o texto de lei, mas efetivamente constrói os sentidos normativos” (TOMÉ, 2009, p.324). Dessa forma, para construção das significações e ingresso no plano das proposições (S2), será essencial a investigação do conteúdo semântico da expressão “intermediação financeira”, para que fique claro quais despesas poderão ser deduzidas da base de cálculo do PIS e da COFINS, nos termos do art. 3º, §6º, I, “a”, da Lei n.º 9.718/1998. 4 O PLANO DAS PROPOSIÇÕES (S2) E A ANÁLISE DO CONTEÚDO SEMÂNTICO DA EXPRESSÃO “INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA” O Sistema Financeiro Nacional (“SFN”) cumpre a função de ser um conjunto de órgãos que regulamenta, fiscaliza e executa as operações necessárias à circulação da moeda e do crédito na economia e, para tanto, é composto por diversas instituições, entre as quais afiguram-se as Instituições Financeiras, que atuam na intermediação financeira e tem como função operacionalizar a transferência de recursos entre fornecedores de fundos e os tomadores de recursos.  Neste sentido, dispõe o art. 17 da Lei n.º 4.595/1964 que: “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual”. Conforme se verifica da doutrina especializada, intermediação financeira é a atividade realizada por Instituições Financeiras, que atuam como agentes intermediários entre os titulares de disponibilidades financeiras (agentes superavitários) e aqueles delas necessitados (agentes deficitários). Para tanto, realizam uma série de operações destinadas à captação de recursos, de um lado (operações passivas) e à sua destinação aos interessados, do outro (operações ativas). Veja-se o que ensinam Goldstajn e Marques (2011, p.534), in verbis: “As Instituições Financeiras são os entes responsáveis pela captação de recursos dos agentes econômicos superavitários para, dispondo de tal capital como se fossem próprios, emprestá-los aos agentes econômicos deficitários, empreendendo uma dupla atividade, qual seja, a captação de recursos junto aos poupadores, remunerando-os com juros e colocando o capital recolhido à disposição dos tomadores de recursos, cobrando os juros pela operação”. No mesmo sentido, Modenesi (2007, p.262-3) ensina, também, que a atividade de intermediação financeira é composta por operações passivas e ativas, necessariamente coexistentes. Veja-se: “Segundo a visão convencional, o processo de intermediação financeira consiste na canalização de recursos de poupadores para investidores. Por esse processo, os agentes econômicos que possuem oportunidades de investimento produtivo (investidores) obtêm os fundos necessários para a realização de seus planos de investimento. Ou seja, um intermediário financeiro (IF) une poupadores (ofertantes de recursos financeiros) e investidores (tomadores de recursos), facilitando a realização do investimento produtivo em uma economia capitalista. Um IF é, portanto, uma firma que produz serviços de intermediação financeira entre ofertantes e demandantes de recursos”. Dessa forma, é válido presumir que, no exercício da atividade de intermediação financeira, as Instituições Financeiras incorrem em despesas nas operações passivas, em função de juros e encargos financeiros pagos aos seus depositantes, mas não é menos válido presumir que, no desenvolvimento da atividade de intermediação financeira, as referidas Instituições assumem, também, o risco do não pagamento dos tomadores do crédito por ela concedido (i.e. na ponta aplicação), sendo que eventual inadimplência de fato constituiria perda intrínseca a tal atividade por ela exercida, não restando dúvidas de que as respectivas perdas serão absorvidas pela instituição credora. Claro está, portanto, que (i) a atividade de intermediação financeira é composta por operações passivas (captação) e operações ativas (aplicação); e (ii) no desempenho dessa atividade, composta em simbiose pelas pontas de captação e aplicação, o intermediário incorre em diversas despesas correspondentes e intrínsecas à atividade, dentre as quais as despesas passíveis de serem provisionadas. Contabilmente, a Provisão de Devedores Duvidosos é uma conta retificadora do ativo, que tem como função ajustar (reduzir) o saldo representativo de direitos de recebimento quando há expectativa de perda na realização desses créditos. Assim, diante da expectativa de perda com créditos de liquidação duvidosa, portanto, dita a boa prática contábil que seja constituída a correspondente provisão de devedores duvidosos. Deve-se observar, ainda, que eventual pagamento extemporâneo da dívida, por parte dos devedores da Instituição Financeira, não altera o referido cenário, sendo certo que, caso ocorra tal pagamento, a correspondente reversão da provisão não poderá ser excluída, da base de cálculo do PIS e da Cofins, caso a instituição financeira já tenha deduzido, da  base de cálculo do PIS e da Cofins, a respectiva despesa, quando da constituição da provisão, conforme estabelecem os arts. 7º e 8º, da Instrução Normativa n.º 1.285/12, da Receita Federal do Brasil. Não se olvida que as Instruções Normativas, na condição de Instrumentos Normativos Secundários, não podem inovar o ordenamento jurídico, criando direitos e obrigações. Decorre daí que, apesar da relevância da referida Instrução Normativa para a demonstração da possibilidade de dedução de despesas, tal instrumento normativo limitou-se a ratificar e consolidar as disposições aplicáveis às Instituições Financeiras, constantes da legislação em vigor. Em outras palavras a permissão para dedução da provisão e a proibição da exclusão da receita oriunda da reversão da provisão – quando já deduzida no momento de sua constituição –  já existiam, como se viu linhas acima, desde a edição da Medida Provisória n.º 1.807/1999, que, culminou na ainda vigente MP nº 2.158-35. Pois bem, dispõem os arts. 7º e 8º, da Instrução Normativa n.º 1.285/12, que, repita-se, limitou-se a ratificar e consolidar as disposições já aplicáveis às Instituições Financeiras, in verbis: “Art. 7º As pessoas jurídicas relacionadas no art. 1º podem excluir ou deduzir da receita bruta, para efeito da determinação da base de cálculo apurada na forma do art. 3º: I – as reversões de provisões;[…] § 1º Não se aplica a exclusão prevista no inciso I do caput na hipótese de provisão que tenha sido deduzida da base de cálculo quando de sua constituição.[…] Art. 8º Além das exclusões previstas no art. 7º, os bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, agências de fomento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito e associações de poupança e empréstimo podem deduzir da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, os valores”: I – das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira […]” Significa dizer, portanto, que as receitas provenientes de reversões de PDD poderão ser deduzidas da base de cálculo, desde que a PDD não tenha sido deduzida no momento de sua constituição, o que não representa qualquer inovação no ordenamento jurídico, tendo em vista que tal norma jurídica tem fundamento no próprio art. 3º, §6º, I, “a”, da Lei n.º 9.718/1998, uma vez que se é permitida a dedução da despesa, quando da constituição da provisão, a exclusão das receitas oriundas da reversão da referida exclusão, em que pese o permissivo legal do art. 3º, §2º, II, da Lei n.º 9.718/1998, configuraria uma dupla exclusão/dedução, o que não se pode admitir. Portanto, está superada a tarefa que se pretendia executar neste plano das proposições (S2), qual seja a criação de proposições, das quais destacam-se: “(i) é legítima a exclusão, da base de cálculo do PIS e da Cofins, das despesas incorridas com operações de intermediação financeira; (ii) operações com intermediação financeira são compostas por operações ativas e operações passivas; (iii) é lícito deduzir, da base de cálculo do PIS e da Cofins, despesas incorridas com operações ativas ou passivas, podendo a Instituição financeira deduzir, por exemplo, despesas incorridas em razão da inadimplência de seus devedores, nas operações ativas, tais como empréstimo e outras despesas passíveis de constituição de provisão de devedores duvidosos”. 5 O PLANO DAS NORMAS JURÍDICAS (S3) E MULTILAÇÃO PARCIAL DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS Ensina Carvalho (2010b, p.118), que as normas jurídicas em sentido estrito são compostas pelo binômio fato/relação, representando, assim, o mínimo irredutível do conteúdo deôntico. No que se trata das normas tributárias em sentido estrito, ou seja, aquelas cujo núcleo semântico refere-se à incidência de tributos, a estrutura lógica, invariavelmente, será representada pela regra matriz de incidência tributária, composta de um antecedente e um consequente (CARVALHO, 2010b, p.132). Enquanto o antecedente (hipótese) anuncia os critérios para o reconhecimento do fato jurídico (critério material, critério espacial e critério temporal), o consequente revela os critérios para que se identifique o vínculo jurídico que nasce, possibilitando que o interprete conheça quem é o sujeito portador do direito subjetivo e quem tem o dever jurídico de cumprir uma determinada prestação, possibilitando, ainda, o conhecimento do objeto dessa relação jurídica. São dois, portanto, os critérios do consequente: o pessoal e o quantitativo. Pois bem, o presente estudo, propõe um recorte metodológico, concentrando as atenções sobre o critério quantitativo da regra matriz de incidência do PIS e da Cofins, ou, mais especificamente, sobre a possibilidade de dedução da base de cálculo do PIS e da Cofins, de despesas de provisões de devedores duvidosos, por Instituições Financeiras. Segundo Carvalho (2010b, p.395), base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra matriz de incidência e tem três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente. Em que pese a relevância das três funções apontadas por Carvalho (2010b), a que trata da composição do quantum debeatur afigura-se a mais pertinente ao estudo em questão, pois não se discute aqui a dimensão do fato e, tampouco, se investiga o critério material das exações. Assim, deve-se dizer que a  base de cálculo, ao lado da alíquota compõe a específica determinação da dívida, aparece como fator integrante de uma operação aritmética, no tópico de multiplicando ao revestir valor pecuniário e de multiplicando nas demais situações. Assume aqui uma função projectiva, porque projeta para frente, demarcando o conteúdo do objeto da relação obrigacional (CARVALHO, 2010b, p.395). É este particular aspecto da regra matriz de incidência tributária do PIS e da Cofins, que será afetado pelas proposições construídas e reveladas no tópico anterior, no qual se tratou do plano das proposições (S2). Tais proposições implicam na necessidade de se deduzir da base de cálculo do PIS e da Cofins, os valores referentes às despesas de intermediação financeira, tanto com operações passivas, quanto operações ativas, incluindo-se aqui as despesas objeto de constituição de provisão de devedores duvidosos. Dessa forma, ao se construir a regra matriz de incidência do PIS e da Cofins de Instituições Financeiras, havendo constituição de provisão de devedores duvidosos, tais valores poderão ser deduzidos da base de cálculo. 6 O PLANO DA SISTEMATIZAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS (S4) Relativamente ao plano da organização das normas jurídicas, deve-se dizer que a dedução da base de cálculo das despesas relativas à provisão de devedores duvidosos está em harmonia com o sistema do direito positivo, guardando relação de coordenação e subordinação. Ademais, a referida dedução da base de cálculo, por estar garantida pela legislação em vigor, deve, necessariamente, ser observada pelas Autoridades Fiscais, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da segurança jurídica, norteadores do direito tributário. 7 CONCLUSÃO Com base no exposto, conclui-se que a norma jurídica aqui analisada é válida perante o sistema do direito positivo, sendo necessária a sua aplicação quando, repita-se, Instituições Financeiras incorrerem em despesas de intermediação financeira, nas suas operações ativas, tais como empréstimos, em casos de inadimplência, que demandam a providência de constituição de provisão de devedores duvidosos. Em tais casos, as referidas despesas deverão ser deduzidas da base de cálculo do PIS e da Cofins, o que impactará no quantum debeatur.
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A extrafiscalidade a serviço da tutela ambiental e a importância do ICMS ecológico
O artigo tem por objetivo analisar como a extrafiscalidade pode contribuir para a tutela do meio ambiente – bem transindividual e imprescindível para a sadia qualidade de vida, que deve estar em equilíbrio com o desenvolvimento econômico e social, e ainda, como os Estados brasileiros através do ICMS, podem incentivar a manutenção de unidades de conservação, a criação de políticas públicas ambientais e a melhoria dos serviços públicos nos seus municípios.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É inevitável a relação entre o ser humano e meio ambiente, pois este é o espaço em que o homem se desenvolve e satisfaz suas necessidades primordiais, isso se constata desde o início de sua existência no planeta, quando começou a extrair recursos naturais sem qualquer interesse econômico e sem causar relevantes transformações no meio natural[1]. Atualmente se adota a concepção de que o meio ambiente pode ser natural, urbano, cultural ou do trabalho e em qualquer desses aspectos, deve proporcionar sadia qualidade de vida, para tanto, o Poder Público também pode utilizar instrumentos econômicos e tributários para tutelar este bem difuso[2]. Assim, o artigo destaca a extrafiscalidade ambiental como mecanismo apto para auxiliar no equilíbrio entre o crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental, bem como analisa a utilização de critérios ambientais e sociais para o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, com o intuito de promover o desenvolvimento sustentável e incentivar os municípios que adotam políticas públicas ambientais, sendo enfatizada a necessidade da implementação desse imposto no Estado do Pará. 1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE A preocupação com a proteção do meio ambiente foi intensificada a partir do século XX, diante do fortalecimento do desenvolvimento econômico, científico e industrial que impulsionou a escassez dos recursos naturais e após a ocorrência de duas guerras mundiais, graves catástrofes ambientais e a diminuição da produção de alimentos. Nesse contexto, surgiu o Clube de Roma em 1968, composto por juristas, matemáticos, economistas dentre outros pesquisadores, que analisavam os principais problemas econômicos, sociais e ambientais. Assim, em 1972 publicaram o Relatório “The limits to growth” – Limites do Crescimento, que aponta o “crescimento zero” como a solução para evitar os principais causadores dos danos ambientais, como o inchaço populacional e a poluição causada pelas indústrias, pois se permanecessem em aumento, a capacidade do planeta Terra terminaria em cem anos em virtude da insustentabilidade econômica e ambiental[3]. A partir desse relatório, ocorreram Conferências internacionais dedicadas ao trato das questões ambientais, como a de Estocolmo em 1972, que estabelece em seu princípio 1 que o homem tem direito a um meio ambiente sadio[4], e a de 1986 sobre o Direito ao desenvolvimento, sendo que somente em 1987, o termo “Desenvolvimento sustentável” passou a ser mundialmente conhecido com a publicação do Relatório “Our future common" – Nosso Futuro Comum, elaborado pela Comissão mundial da Organização da Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland. O desenvolvimento sustentável pode ser compreendido como o que objetiva equilibrar crescimento econômico, social e ambiental, para que as presentes e futuras gerações possam satisfazer as suas necessidades, como explica Solange Teles (2010, p. 102): “Trata-se de garantir a transmissão da capacidade produtiva de uma geração à outra geração, permitindo a satisfação das necessidades essenciais e a preservação dos recursos naturais, assegurando, portanto, que o desenvolvimento leve em consideração, além da dimensão econômica, a coesão social e a capacidade de reprodução do meio ambiente.” Esta perspectiva de sustentabilidade econômica, social e ambiental também está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, que dedica um capítulo para o meio ambiente, dispondo em seu art. 225 que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos e é indispensável para a sadia qualidade de vida, sendo obrigação do poder público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo tendo em vista a satisfação das necessidades das presentes e futuras gerações. Além disso, a CRFB/88 ao estabelecer em seu art. 170, os princípios gerais que norteiam a atividade econômica, destaca em seu inciso V, o princípio da defesa do meio ambiente, que permite ao Estado conferir tratamento diferenciado aos empreendimentos ou obras que possam causar danos ambientais, afinal, a prevenção é a melhor forma de garantir a tutela ambiental, pois reparar os danos causados pode sair mais oneroso do que evitá-los e estes podem ser irreversíveis. Nesse sentido, ainda que desenvolvimento econômico e meio ambiente sejam valores que possam parecer em conflito, devemos considerar que os mesmos necessitam estar em equilíbrio para que haja qualidade de vida, o que enseja a existência de um meio ambiente sadio, capaz de proporcionar bem-estar social, conforme assevera Cristiane Derani (2008, p. 226) “Desenvolvimento econômico é garantia de um melhor nível de vida coordenada com equilíbrio na distribuição de renda e de condições de vida mais saudáveis”. Portanto, o homem não pode permanecer com a visão meramente antropocêntrica, que se preocupa apenas com o próprio bem-estar sem considerar a necessidade de proteger o meio a que pertence, pois não poderá manter os níveis de crescimento econômico e social, sem observar, por exemplo, a suportabilidade dos recursos naturais e a conservação dos serviços desempenhados pelo próprio meio ambiente (serviços ambientais). Por essas razões, podemos afirmar que conciliar desenvolvimento econômico, social e meio ambiente, depende de um esforço conjunto do Poder Público e da coletividade, aliás, esta é a proposta do Relatório “Nosso Futuro Comum” de 1987 e da CRFB/88, que defendem o desenvolvimento sustentável como forma de garantir qualidade de vida e bem-estar social. 2. A EXTRAFISCALIDADE COMO INSTRUMENTO DE TUTELA AMBIENTAL As injustiças sociais foram uma das causas para a decadência do Estado liberal, e para o surgimento do Estado interventor no domínio econômico[5]. Dessa forma, no Brasil, as relações econômicas podem apresentar a participação estatal de forma direta, através do monopólio público que envolve situações excepcionais que visam garantir a segurança nacional ou relevante interesse coletivo e, ainda, quando autoriza a criação de empresa púbica, sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, nos termos do art. 173 e §1º da CRFB/88. A intervenção estatal também pode ocorrer de forma indireta, quando o Estado atua como agente normativo e regulador da atividade econômica, o que abrange as funções de fiscalização, incentivo e planejamento através das agencias reguladoras, devendo zelar pelo regime da livre concorrência, com o intuito de evitar, por exemplo, abusos decorrentes de cartéis, trustes ou monopólio, conforme o disposto no art. 174 da CRFB/88[6]. Diante disso, Eros Grau (2003) entende que o Estado regula a atividade econômica por direção, ao estabelecer mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito, portanto, são normas imperativas que devem ser cumpridas pelos que atuam na atividade econômica, pois os eventuais infratores serão sancionados pelo Estado, e por indução, quando o Poder Público manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados, logo, são normas que influenciam a adoção de determinados comportamentos pelos agentes econômicos, em troca dos benefícios que estes recebem. Quando se trata de questões ambientais, o Estado costuma intervir através de normas de direção se utilizando de instrumentos de comando, e estas normas são fiscalizadas por instrumentos de controle, cujo descumprimento acarreta a sanção sobre o agente econômico. Entretanto, a prática tem demonstrado a insuficiência destes mecanismos para a tutela ambiental, pois geralmente atuam de modo repressivo e não preventivo dos danos ambientais[7]. Considerando que a precaução e a prevenção são princípios que fundamentam a tutela ambiental[8], podemos afirmar que as normas de direção em atuação conjunta com as normas de indução, estão entre as melhores alternativas do Estado para incentivar a adoção de comportamentos ecologicamente corretos pelos agentes econômicos, a fim de evitar a ocorrência de significativa alteração do meio ambiente. A tributação ambiental é exemplo de norma de indução, pois o Estado pode regular a atuação da atividade econômica através dos tributos, seja com a criação destes (impostos, taxas, contribuições) ou se utilizando da extrafiscalidade. Assim, os tributos apresentam função fiscal com finalidade meramente arrecadatória para os cofres públicos e a função extrafiscal quando visam incentivar ou desestimular certos comportamentos através da elevação das cargas tributárias ou com a concessão de benefícios e incentivos fiscais[9]. Desse modo, a extrafiscalidade consiste em instrumento muito importante e útil para a tutela ambiental, quando o Estado intervém com instrumentos fiscais em benefício daqueles que atuam na melhoria do meio ambiente, por outro lado pode ser considerada prejudicial para os que não adotam condutas ecologicamente corretas, tendo em vista que contribuirão com carga tributária mais elevada, decorrente, por exemplo, da majoração de alíquotas[10]. A ordem tributária também deve ser posta a serviço da proteção ambiental, o que pode ser feito através da extrafiscalidade, em que o agente econômico tentará se adaptar ao que for mais favorável ao seu empreendimento, mesmo que precise custear a internalização dos impactos negativos sobre o meio ambiente e a comunidade, afinal, com a diminuição do valor dos tributos, seus lucros também serão maiores. Isso traduz que a extrafiscalidade não tem como objetivo principal a arrecadação, pois neste caso atua como meio para a prevenção dos danos ambientais, logo, um instrumento eficaz da política ambiental. Portanto, sendo o tributo um instrumento de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, pode servir para estimular a prática de condutas favoráveis à proteção do meio ambiente, especialmente quando se trata do ICMS, pois parte dos valores da arrecadação podem ter destinação extrafiscal, como será analisado no próximo capítulo. 3. O ICMS ECOLÓGICO É de competência estadual a instituição do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, nos termos do art. 155, II da CRFB/88, sendo que da receita advinda desse imposto 25% (vinte e cinco por cento) deve ser repassado aos respectivos municípios conforme o disposto no art. 158, IV da CRFB/88. Ocorre que, do montante de 25% pertencente aos municípios, ¾ (três quartos) ou seja, 75% (setenta e cinco por cento) no mínimo, devem ser repassados na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas no município, de acordo com o art. 158, parágrafo único, I da CRFB/88, em outras palavras, será calculado conforme o Valor Adicionado Fiscal – VAF, que corresponde a diferença entre o valor das mercadorias vendidas e serviços prestados, deduzido do valor das mercadorias que entraram no município[11]. Desse modo, os municípios que mais fabricam produtos ou prestam serviços arrecadam mais receita do ICMS, tendo em vista que são mais desenvolvidos economicamente e geram mais circulação de mercadorias e serviços, por outro lado, na maioria das vezes consomem mais recursos naturais e não se desenvolvem de forma sustentável. Com base nisso, a CRFB/88 estabelece em seu art. 158, parágrafo único, II, que ¼ (um quarto), que corresponde a 25% (vinte e cinco por cento) da parcela de ICMS destinada aos municípios, deve ser repassada conforme os critérios de lei estadual, e desta forma, parte dos Estados brasileiros estão distribuindo esse montante conforme as políticas públicas ambientais dos seus municípios, eis então a origem do termo “ICMS Ecológico”. A adoção de critérios ambientais para o repasse do ICMS corresponde a uma alternativa dos Estados para ajudar os municípios que restam prejudicados por abrigarem, por exemplo, áreas de preservação ambiental ou reservas indígenas, pois além das restrições para se desenvolverem economicamente, terminam por não receber um valor significativo de repasse desse imposto. Deixar de conferir um repasse financeiro aos municípios que adotam medidas favoráveis à preservação ambiental, contraria a própria dinâmica da Constituição da República brasileira, que objetiva a proteção do meio ambiente pelo poder público e pela coletividade, por ser considerado como direito difuso e essencial à sadia qualidade de vida[12]. Além disso, Lise Tupiassu (2006, p. 195) entende que o ICMS Ecológico corresponde a uma “intervenção positiva do Estado” que o utiliza como um “incentivo fiscal intergovernamental” e que representa: “um forte instrumento econômico extrafiscal com vistas à consecução de uma finalidade constitucional de preservação, promovendo justiça fiscal, e influenciando na ação voluntária dos municípios que buscam um aumento de receita, através de uma melhoria da qualidade de vida de suas populações”. Cabe destacar que o Paraná foi o primeiro Estado a instituir o ICMS Ecológico, com a publicação da lei complementar nº 59 de 01 de outubro de 1991, que estabelece em seu art. 4º a redução de 5% (cinco por cento) do VAF, cujo valor deve ser repartido em 50% (cinquenta por cento) para municípios com mananciais de abastecimento e a outra metade para municípios com unidades de conservação ambiental[13]. Portanto, no Estado do Paraná, os repasses significativos do ICMS não se destinam apenas para os municípios desenvolvidos economicamente, por apresentarem mais circulação de mercadorias e gerarem mais receitas, mas também para os que se enquadram nas condições do parágrafo anterior, e com o valor deste repasse poderão investir ainda mais na preservação dos seus recursos naturais[14]. Diante disso, podemos afirmar que o ICMS Ecológico também tem amparo no princípio da prevenção, pois incentiva a criação e desenvolvimento de políticas públicas ambientais nos municípios, e isto contribui para a redução dos danos ambientais. Outro Estado que adotou o ICMS Ecológico, foi o de Minas Gerais, e com critérios de repasse inovadores, pois com a lei nº 13.803 de 27 de dezembro de 2000 beneficia não somente os municípios que comportam unidades de conservação, mas também aqueles que, por exemplo, apresentam adequado sistema de tratamento de esgoto sanitário ou disposição final de resíduos sólidos, assim como os que proporcionam melhorias na saúde e educação. Além desses dois Estados, o ICMS Ecológico também foi implementado em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Amapá, que aderiram aos novos critérios de repasse deste imposto, para proporcionar a devida tutela ambiental e elevar a qualidade de vida dos habitantes dos respectivos municípios. 4. A IMPLEMENTAÇÃO DO ICMS ECOLÓGICO NO ESTADO DO PARÁ O ICMS Ecológico consiste em uma alternativa para beneficiar os municípios que abrigam unidades de conservação e para melhorar o saneamento, educação, saúde, entre outros interesses sociais, de modo que a sua implementação no Estado do Pará favorecerá o desenvolvimento dos municípios de forma compatível com a tutela ambiental[15]. Assim, a Constituição Estadual do Pará assegura em seu art. 225, §2º, o repasse de ICMS para os municípios que abrigam unidades de conservação[16], apesar das disposições constitucionais a nível federal e estadual, o Estado do Pará regulamentou o ICMS ecológico .após o transcurso de duas décadas através da publicação da lei n° 7.638/2012, complementada posteriormente com o decreto n° 775/2013. Para o município paraense receber os recursos provenientes do ICMS é necessário organizar e manter o próprio sistema municipal de meio ambiente, bem como atender aos critérios ecológicos e requisitos definidos nas normas estaduais, além de que o decreto n° 775/2013 nos esclarece que não basta a simples proteção de áreas ambientais no território municipal. O repasse do ICMS ecológico no Estado do Pará requer ao município a preservação de áreas específicas definidas no inciso I, do art. 4° do Decreto n° 775/2013, quais sejam: i) Unidades de Conservação de Proteção Integral, em nível federal, estadual ou municipal; ii) Terras indígenas; iii) Áreas militares; iv) Unidades de Conservação de Uso Sustentável, em nível federal, estadual ou municipal; e v) Terras quilombolas arrecadadas ou em vias de arrecadação, com a respectiva comprovação ou certidão equivalente. Ademais, o referido decreto estadual garante a redistribuição do valor de 25% referente repasse do ICMS Ecológico, que é repassado observando não somente a existência de unidades de conservação no território municipal, como também deve atentar a um estoque mínimo de cobertura vegetal e a redução do desmatamento nos municípios com base nos índices do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e considerar a porcentagem da área cadastrável do município inserida no Cadastro Ambiental Rural[17]. Nas situações acima, o ICMS é rateado com a finalidade de diminuir os índices de desmatamento no Estado do Pará, o que é feito através do repasse financeiro maior para o Município com menor índice de desmatamento, o que se torna mais atrativo para a gestão municipal, que assim colaborará com o Estado e União para a preservação do meio ambiente. A aplicação do ICMS Ecológico no Estado do Pará permitirá que municípios com restrições para o crescimento econômico em virtude de extensas áreas não desmatadas sejam beneficiados com o repasse desse imposto e, desta forma, incentivados a conservar as unidades de conservação que comportam, o que também colabora para a diminuição dos índices de desmatamento que lamentavelmente ainda consiste em um dos problemas ambientais mais graves do Estado do Pará e da Região Amazônica[18]. Nesse sentido, observamos a extrafiscalidade aplicada a esse imposto no Estado do Pará, pois incentiva a valorização de áreas que não geravam benefícios econômicos imediatos ao Município, que em muitos casos era preferível negligenciar a fiscalização de áreas ambientais para assim se desenvolver economicamente, além do fato de que os escassos recursos financeiros não permitiam a manutenção dessas áreas. Contudo, sabemos que os resultados extrafiscais do ICMS ecológico não são imediatos, primeiramente porque sua adesão ao Estado do Pará se deu após duas décadas de sua implementação, ou seja, depois da constatação de elevados índices de desmatamento no Estado, assim como porque dependemos de uma gestão municipal eficiente, que destine parte do ICMS para a conservação do meio ambiente natural de seu território, ainda que – constitucionalmente analisando – o imposto não seja um tributo vinculado às razões de sua receita, não se pode negar que investir na proteção ao meio ambiente reflete benefícios ao bem estar de seus habitantes. Acrescentamos que o repasse do ICMS aos municípios paraenses seria ainda mais eficaz se fossem considerados os critérios sociais, já que assim beneficiaria os municípios que apresentam melhorias na saúde, saneamento básico e educação, sendo um incentivo para o desenvolvimento econômico com qualidade de vida e bem-estar aos seus habitantes. CONCLUSÃO Como analisado no primeiro capítulo, a preocupação com a tutela ambiental tomou proporções internacionais que impulsionaram as primeiras Conferências para o trato das questões ambientais, e assim, em 1987 o Relatório “Nosso Futuro Comum” propôs o desenvolvimento sustentável como o meio para conciliar o crescimento econômico e social com a tutela ambiental, a fim de garantir qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Seguindo esse entendimento, a CRFB/88 dispõe que todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em que tanto o poder público como a coletividade tem o dever de defendê-lo e preservá-lo (art. 225), razão pela qual o Estado pode intervir sobre o domínio econômico através da tributação ambiental, ainda que pela via da extrafiscalidade, tendo por objetivo estimular o agente econômico a internalizar os custos ambientais. A importância de tutelar o meio ambiente também pode refletir no repasse do ICMS para os municípios que comportam unidades de conservação, mananciais de abastecimento e/ou que apresentam estrutura social precária, pois estes serão beneficiados com um valor significativo do imposto e poderão investir ainda mais em políticas públicas ambientais, conforme os modelos adotados pelos Estados do Paraná e de Minas Gerais. Diante disso, o Estado do Pará mesmo que tardiamente, regulamentou o repasse do ICMS Ecológico a seus municípios a partir da publicação da lei n° 7.638/2012 e do decreto n° 775/2013, que definem critérios ambientais para que os municípios possam receber o percentual de 25% do referido imposto, incentivando assim, a preservação de Unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas, dentre outras, ademais da preocupação com a redução dos índices de desmatamento no Estado do Pará. Os efeitos extrafiscais desse imposto poderão ser significativos nos próximos anos, contudo é importante que o Estado do Pará amplie a natureza extrafiscal do ICMS adotando também critérios sociais como fatores para o repasse de receitas para os seus municípios.
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Regime especial de tributação, condomínios industriais e zonas de processamento de exportação em regiões afetadas por desastres ambientais
O artigo demonstra a possibilidade e viabilidade jurídica e econômica para utilização de regime especial de tributação com vistas à recuperação de regiões impactadas por desastres ambientais. Nesse sentido, além de analisar a legislação tributária relacionada, traz axiomas e argumentos que corroboram para a viabilidade da instituição de regimes especiais em contextos que justifiquem a necessidade de apoio estatal à recuperação econômica de regiões afetadas. Ademais, o estudo ainda aponta a possibilidade de implementação de condomínios industriais e de Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) em tais regiões.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88) cuida do Sistema Tributário Nacional dos artigos 145 a 162, consubstanciando em seu art. 1º os princípios fundamentais que visam defender a dignidade da pessoa humana, a manutenção da soberania brasileira e a cidadania. Oliveira (1991, p. 17) assevera que o tributo constitui “uma das mais poderosas ferramentas colocadas à disposição das autoridades governamentais para impulsionarem, orientarem e conduzirem o desenvolvimento de determinado país”. Rawls (2000, p. 306) acrescenta que não somente para custear as atividades estatais, o tributo deverá atender a fins de corrigir desigualdades de concentração de renda com vistas a propiciar “valor equitativo da liberdade política e igualdade equitativa de oportunidades”. Os princípios que orientam o Estado Democrático de Direito brasileiro devem estar alinhados aos valores trazidos pela Carta Magna. Por esta razão, Baleeiro (1998) ensina que a finalidade do tributo não é tão rígida, podendo adaptar-se aos anseios políticos: “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. (…) No curso do tempo, o imposto, atributo do Estado, que dele não pode prescindir sequer nos regimes comunistas de nosso tempo, aperfeiçoa-se do ponto de vista moral, adapta-se às cambiantes formas políticas, reflete-se sobre a economia ou sobre os reflexos desta, filtra-se em princípios ou regras jurídicas e utiliza diferentes técnicas para execução prática.” (BALEEIRO, 1998, p. 1). Alinhando-se os axiomas constitucionais aos preconizados por John Rawls (2000) e Amartya Sen (2014), tem-se que a justiça deve ser perseguida acima do critério da eficiência. O princípio da eficiência é chamado por Rawls (2000) de princípio do “Ótimo de Pareto”, segundo o qual uma configuração é eficiente sempre que é impossível mudá-la de modo a fazer com que uma pessoa melhore a sua situação sem que, ao mesmo tempo, outra pessoa piore a sua. Geralmente aplicada na economia, tal teoria admite que ser eficiente não significa ser necessariamente justo. Todavia, segundo Rawls (2000) e Sen (2014), a justiça deve tratar os menos favorecidos da sociedade de maneira diferenciada e estruturar o Estado para que o conjunto das normas e instituições permitam o desenvolvimento pessoal e a efetivação das liberdades. Por esta razão, as estruturas definidas pela legislação tributária brasileira devem considerar critérios de justiça tributária não apenas sob a perspectiva da equidade e da seletividade, mas inclusive das desigualdades territoriais, ainda mais em se considerando um país de tamanha extensão territorial como é o Brasil. O Código Tributário Nacional (CTN), Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Como requisitos necessários para uma estrutura tributária adequada, Musgrave e Musgrave (1980, p. 178) apontam que: “• A distribuição do gravame tributário deve ser eqüitativa;  • As imposições de “excesso de gravame” devem ser minimizadas;  • A estrutura tributária deve favorecer a utilização da política tributária com relação aos objetivos de estabilização e crescimento;  • O sistema tributário deve permitir uma administração eficiente e isenta de arbitrariedades; e  • Os custos administrativos e de atendimento às exigências tributárias devem ser tão baixos quanto for compatível com os outros objetivos.” O sistema tributário nacional possui o poder de afetar a disponibilidade de renda que as pessoas poderão gozar após a tributação. Por essa razão, afeta as escolhas possíveis dos cidadãos brasileiros. Acerca da importância de se pensar nos cidadão, pode-se citar que: “Os Estados Unidos também são muito mais ricos hoje do que o México ou o Peru graças ao modo como as suas instituições, tanto econômicas quanto políticas, geram incentivos para empresas, indivíduos e políticos. Cada sociedade funciona com um conjunto de regras econômicas e políticas criadas e aplicadas pelo Estado e pelos cidadãos em conjunto. As instituições econômicas dão forma aos incentivos econômicos: incentivos para buscar mais educação, para poupar e investir, para inovar e adotar novas tecnologias, e assim por diante. É o processo político que determina a que instituições econômicas as pessoas viverão submetidas, e são as instituições políticas que ditam como funciona esse processo.” (ACEMOGLU, ROBINSON, p. 32) Destarte, as instituições influenciam o comportamento e criam uma rede de incentivos que irão delimitar o sucesso ou o fracasso dos países. Recorrendo a Mankiw (2009), cabe apontar que o efeito da tributação atua diretamente na economia, impactando de forma inversamente proporcional o tamanho do mercado, que tende a reduzir e ficar abaixo do ideal com elevação da tributação, consequentemente deixando o mercado menos eficiente e impedindo ganhos sistêmicos para toda região: “O imposto é um peso morto porque induz compradores e vendedores a uma mudança de comportamento. O imposto eleva o preço pago pelos compradores de modo que eles consomem menos. Ao mesmo tempo, reduz o preço recebido pelos vendedores, assim eles passam a produzir menos. Por causa dessas mudanças de comportamento, o tamanho do mercado diminui e fica abaixo do ideal. As elasticidades da oferta e da demanda medem o quanto vendedores e compradores respondem às variações no preço e, portanto, determinam quanto um imposto distorce o resultado de mercado. Assim, quanto maiores as elasticidades de oferta e demanda, maior o peso morto de um imposto.” (MANKIW, 2009, p. 166) (grifos nossos). Considerando o ocorrido no Município de Mariana, em Minas Gerais, em 05 de novembro de 2015, quando do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco e consequentemente impactos catastróficos não somente do ponto de vista do ambiente físico, mas socioeconômicos, culturais e humanos (IBAMA, 2015), o presente trabalho pretende demonstrar a possibilidade e a viabilidade da instituição de regime especial de tributação com vistas a fomentar a recuperação econômica de regiões impactadas por grandes desastres como o ocorrido. Para tanto, o artigo aborda aspectos relacionados a regimes especiais de tributação através da revisão de literatura, bem como se valendo da legislação infraconstitucional, e em especial da legislação do Estado de Minas Gerais, busca construir arcabouço jurídico que corrobore a possibilidade de instituição de regime diferenciado em âmbito estadual. O estudo ainda traz a experiência da política fluminense de recuperação econômica de áreas ambientalmente degradadas mediante a implantação de condomínios industriais e os principais aspectos relacionados à implementação de zonas de processamento de exportações. 2. DO REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO EM MINAS GERAIS A CR/88 preconiza a autonomia de seus entes federados ao estabelecer em seu artigo 1º que “a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”. De acordo com Reis (2010), a autonomia dos entes federados cumpre o papel de resguardar a unidade da ordem jurídica total do Estado Federal, garantindo um sistema jurídico único e um sistema político integrado e integral. Ao passo que Baracho (1982) denomina Federalismo Fiscal a forma como os entes federados se organizam em relação às decisões e ao controle de seus recursos financeiros. Dessa feita, Reis (2010) assevera que para cada ente federado a Constituição Federal de 1988 atribuiu a possibilidade privativa de tributar determinado fato ou ato gerador de riqueza, sem ingerência de outro ente. Acerca da autonomia dos Estados-federados brasileiros, Coêlho (2009, p. 63) acrescenta que: "A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado-Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país de que se esteja a cuidar (…). Sendo a federação um pacto de igualdade entre as pessoas políticas, e sendo a autonomia financeira o penhor da autonomia dos entes federados, tem-se que qualquer agressão, ainda que velada, a estes dogmas, constitui inconstitucionalidade".  Grosso modo, a priori, não existe óbice jurídico à concessão de benefícios regionais, tendo em vista a legitimidade do fomento público em região assolada por grandes desastres. Nesse fim, a Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu art.152 dispõe que: “Art. 152 – É vedado ao Estado, sem prejuízo das garantias asseguradas ao contribuinte e do disposto no art. 150 da Constituição da República e na legislação complementar específica: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território estadual, ou que implique distinção ou preferência em relação a Município em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivo fiscal destinado a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do Estado”; (grifos nossos). Em atenção a esse desiderato, o Estado de Minas Gerais, no ano de 2011, alterou a Lei nº 6.763/75, que consolida a legislação tributária no Estado de Minas Gerais, para introduzir beneficio fiscal a municípios mineiros compreendidos pela área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a saber: “Art. 32-A – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder crédito presumido do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS -, na forma, no prazo e nas condições previstos em regulamento:(…) IX – por meio de regime especial, ao estabelecimento signatário de protocolo firmado com o Estado, de modo que a carga tributária, nas operações de saída por ele promovidas, resulte em, no mínimo, 3% (três por cento);(…) Parágrafo único. Na hipótese do inciso IX do caput, a concessão do crédito presumido, por meio de regime especial, poderá resultar em carga tributária inferior a 3% (três por cento) caso o estabelecimento signatário de protocolo firmado com o Estado esteja localizado em Município compreendido na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene.” (grifos nossos). Verifica-se in casu a adoção de critério regional para a disponibilização de incentivos fiscais para municípios localizados na área da SUDENE. De mesma sorte, pode-se apontar as legislações dos estados do Rio de Janeiro e do Maranhão. Assim, a lei maranhense n.º 10.349, de 20 de outubro de 2015, criou o Programa Especial de Desenvolvimento para municípios maranhenses que façam parte de Rede Integrada de Desenvolvimento (RIDE). Ao passo que a lei fluminense n.º 6.979, de 31 de março de 2015, instituiu tratamento tributário especial de caráter regional aplicado a estabelecimentos industriais. Há de se reforçar que concessões de benefícios a determinados setores ou segmentos da economia, seja com isenções ou seletividade de alíquotas de determinados tributos, não guardam relação às justificativas de caráter espacial aqui abordadas, potencialmente ocasionando por diversos momentos, inclusive, a denominada “guerra fiscal”. Como mecanismo de harmonização dos diversos interesses estaduais, a Constituição da República Federativa do Brasil estipula, em seu art.155, §2º, inciso XII, alínea “g” que os benefícios fiscais concedidos no âmbito do ICMS devem ser outorgados mediante deliberação dos estados e Distrito Federal, consoante lei complementar. Tal norma é a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, que concretiza a forma de realização das decisões conjuntas através do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ): “Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta lei. Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica: I – à redução da base de cálculo; II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III – à concessão de créditos presumidos; IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. § 1º – As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. § 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. § 3º – Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.” Tal normatização busca, basicamente, evitar a concessão abusiva de benefícios fiscais pelos entes federados na competição para atrair investimentos privados. Como se sabe, a despeito desta regulamentação, os estados vem concedendo, de forma unilateral, diversas vantagens fiscais no intento de atrair investimentos privados. A respeito, tem-se a seguinte decisão do STF referente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4.481: “I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVENIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2o, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar no 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição e um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento”. (ADI 4.481 – Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Data do julgamento: 11/03/2015.) Cabe frisar que a não aprovação dos incentivos fiscais pelo CONFAZ, nos moldes estipulados no art.155, §2º, inciso XII, alínea “g” da Constituição Federal, tem levado estados destinatários dos produtos contemplados com benefício advindo de outro ente federado a “glosarem” os créditos do ICMS, tornando ineficaz o ato concessivo na origem. Tal circunstância tem trazido instabilidade econômica e insegurança jurídica às empresas. Ao mesmo tempo, o Estado de Minas Gerais, como mecanismo de autotutela da concessão unilateral e abusiva de benefícios fiscais por outros entes da federação, se vale de contramedida através do qual lança mão de incentivos unilaterais, tendo em vista o equilíbrio da competição por investimentos privados. Tal inteligência pode ser demonstrada no dispositivo abaixo, extraído da Lei 6.763/75: “Art. 32-K. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder crédito presumido do ICMS de até 100% (cem por cento) do imposto devido nas operações de saída, desde que a medida adotada seja adequada, necessária e proporcional para assegurar a isonomia tributária, igualdade competitiva e livre concorrência, enquanto perdurarem os efeitos decorrentes da presunção de constitucionalidade de ato normativo de outra unidade da Federação que conceda benefício ou incentivo fiscal ou financeiro-fiscal não previsto em lei complementar ou convênio celebrado nos termos da legislação específica”. O supracitado normativo é um dos autorizativos para a concessão de benefícios fiscais unilaterais no estado de Minas Gerais. Contudo, tal dispositivo vem sendo contestado no STF por meio da ADI 5.151, proposta pelo governador do Estado de São Paulo, sendo que atualmente se encontra suspenso cautelarmente. Ainda em Minas Gerais, a Lei nº 15.980, de 13 de janeiro de 2006, criou o Fundo de Equalização do Estado de Minas Gerais com o objetivo de aumentar a competitividade do Estado para atrair e manter empresas que apresentem ou desenvolvam empreendimentos de importância estratégica para a expansão ou modernização das cadeias produtivas ou de suas aglomerações produtivas locais, através da concessão de financiamentos. Já a Lei Estadual nº 19.822, de 22 de novembro de 2011, acrescentou ao rol dos permissivos para percepção dos referidos incentivos a localização de empreendimentos nos municípios compreendidos na área de atuação da SUDENE, restando certa a compatibilidade do mecanismo com o critério espacial de incentivo. Diante de tal circunstância, verifica-se que inexiste óbice à inclusão no mesmo rol, ainda que de forma transitória, de empreendimentos localizados em área afetada por desastre como o ocorrido na região de Mariana. Outrossim, conforme o art. 6º, §1º da Lei nº 15.981, de 16 de janeiro de 2006, alterada pela suscitada Lei nº 19.822, de 22 de janeiro de 2011, o Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento (FINDES) também traz tratamento especial às áreas compreendidas no âmbito de atuação do SUDENE. 3. RECUPERAÇÃO ECONÔMICA MEDIANTE CONDOMÍNIOS INDUSTRIAIS E ZONAS DE PROCESSAMENTO DE EXPORTAÇÃO Objetivando a recuperação econômica de regiões afetadas por grandes desastres ambientais, outra medida possível seria a implementação de distritos industriais, mediante incentivos fiscais visando à atração de indústrias e consequente desenvolvimento econômico. Essa iniciativa pode ser vislumbrada tendo por parâmetro o projeto de lei estadual 3.216/2010 do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre a Política de Recuperação Econômica de Áreas Socialmente Degradadas mediante a Implantação de Condomínios Empresariais. Assim sendo, mediante convênio ratificado pelo CONFAZ, surgiria uma política que, abstratamente, permitiria a qualquer Estado-membro da Federação conceder benefícios fiscais transitórios a estabelecimentos que vierem a se instalar em condomínios industriais em áreas atingidas por tragédias socioambientais. De acordo com Machado et al. (1997), os condomínios industriais e de serviços parecem representar solução viável com vistas à evitar a evasão de recursos produtivos de determinado ente federativo. Apenas alertam que “a viabilidade da implantação do condomínio deve ser assegurada por um equilíbrio entre os custos de implantação e operação e os benefícios advindos de sua comercialização” (p. 4). Os autores ainda apontam que: “(…) os condomínios podem ser instalados em áreas de grandes empresas com capacidade ociosa, em imóveis públicos, ou mesmo em áreas incorporadas por empreendedores privados que queiram dar um novo uso aos imóveis existentes.” (MACHADO et al., 1997, p. 2). Outra possibilidade seria a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), que compreende um mecanismo de incentivo econômico com caráter regional e é regulada pela Lei 11.508, de 20 de julho de 2007, a qual determina em seu art. 1º que: “Art. 1º É o Poder Executivo autorizado a criar, nas regiões menos desenvolvidas, Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), sujeitas ao regime jurídico instituído por esta Lei, com a finalidade de reduzir desequilíbrios regionais, bem como fortalecer o balanço de pagamentos e promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do País.” Deve abstrair o conceito da ZPE do parágrafo único do referido normativo: “Parágrafo único. As ZPE caracterizam-se como áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro.” Silva et al. (2014) defendem que para promover o desenvolvimento econômico e social do país, as ZPEs objetivam atrair investimentos, gerar empregos, agregar valor à produção nacional, além de aumentar as exportações. Lins e Amorim apud Silva et al. (2014, p. 2), ensinam que “a criação e implantação das ZPEs foi estratégico e ocorreu em macrorregiões nacionais, seja por conta das potencialidades seja pelas necessidades históricas e estruturais”. A Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (ABRAZPE) considera as ZPEs como distritos industriais incentivados: “As empresas neles localizadas operam com suspensão de impostos, liberdade cambial (podem manter no exterior, permanentemente, as divisas obtidas nas exportações) e procedimentos administrativos simplificados – com a condição de destinarem pelo menos 80% de sua produção ao mercado externo.” (SILVA et al., 2014, p. 4). Considerando o desastre ambiental decorrente do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da Samarco, em novembro de 2015 em Minas Gerais, interessante resgatar que o convênio ICMS n.º 88, de 15 de agosto de 2014, incluiu o Estado de Minas Gerais no escopo de aplicação do convênio ICMS n.º 99, de 25 de setembro de 1998, ambos do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Ocorre que o convênio ICMS n.º 99/98 autoriza unidades federadas a conceder isenção de ICMS nas saídas internas destinadas aos estabelecimentos localizados em ZPE: "Cláusula primeira Ficam os Estados do Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins e o Distrito Federal autorizados a isentar do ICMS as saídas internas de produtos previstos na Lei nº 11.508, de 20 de julho de 2007, ou outro diploma que venha a substituí-la, com destino a estabelecimento localizado em Zona de Processamento de Exportação – ZPE." De acordo com o art. 2º da Lei 11.508/2007, a implementação das ZPE se dá por meio de decreto presidencial, após proposta do Estado ou municípios, obedecidos parâmetros técnicos fixados na legislação. Destarte mostra-se necessária a elaboração de estudos tendentes à implementação de ZPE em áreas afetadas por desastres ambientais sempre que ocorrerem. CONCLUSÃO Considerando a possibilidade de ocorrência de futuros desastres ambientais relacionados a grandes empreendimentos econômicos no Brasil, como o ocorrido no Município de Mariana em 2015, este estudo demonstrou a viabilidade de instituição de regime especial de tributação de caráter espacial às áreas afetadas. Tal instituto, geralmente utilizado para promover a redução de históricas desigualdades regionais no país, não encontra óbice a sua utilização para recuperar a economia de regiões abaladas por grandes desastres. Podendo, inclusive, acarretar diversificação da base econômica local e, consequentemente, evitar futuros desastres relacionados àquela atividade histórica. Não obstante, analisando a legislação do Estado de Minas Gerais, restou demonstrada a viabilidade de utilização do Fundo de Equalização e do Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento para revitalização da região de Mariana, mediante elaboração de projeto de lei que inclua a localidade no rol de hipóteses do art. 6º, inciso III, §1º da Lei Estadual nº 15.981/06. Ademais, ainda revela-se de extrema relevância o desenvolvimento de políticas de recuperação econômica de áreas ambientalmente degradadas com incentivo a implantação de condomínios industriais, beneficiados com incentivos fiscais, além da criação de zona de processamento de exportação nessas regiões. Acerca da possibilidade de utilização de condomínios industriais e zonas de processamento de exportação, decerto que se mostraria necessária força política e apelo social para aprovação pelo CONFAZ, sendo certo que tal órgão possui aptidão para disponibilizar a medida a qualquer ente estadual, através da edição de decreto legislativo pelas Assembleias Legislativas. Acredita-se que iniciativas como a uma política econômica para recuperação econômica através de condomínios industriais ou instituição de zonas de processamento de exportação possuiriam o condão de amenizar os impactos econômicos trazidos por grandes catástrofes ambientais, que afetam, inclusive, as populações historicamente mais vulnerabilizadas.
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O princípio da capacidade contributiva frente à Lei Municipal nº 167/2013
O presente trabalho busca analisar a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva disposto no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federativa do Brasil frente à Lei Municipal nº. 167/2013. Lei essa que alterou de forma exorbitante a alíquota do Imposto Predial e Territorial Urbano no município de São Sebastião-SP, ocasião em que gerou grande revolta por parte dos munícipes e lides judiciais buscando alcançar a inconstitucionalidade da respectiva norma. O tema exposto suscita grandes expectativas uma vez que referida problemática encontra-se sobre discussão em âmbito jurisdicional de segundo grau. Desta forma, o trabalho será desenvolvido por meio do método dedutivo de pesquisa teórica bibliográfica, baseada na Lei Municipal nº 167/2013, normas constitucionais e dispositivos pertinentes ao Código Tributário Nacional, abordando doutrinas, jurisprudências e tendo como suporte o material de pesquisa já elaborado para reflexões críticas dos resultados obtidos.
Direito Tributário
Introdução A presente monografia busca verificar a constitucionalidade e aplicabilidade da Lei Municipal nº. 167/2013[1], que disciplinou o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano no Município de São Sebastião-SP, ocasião em que fora taxada pelos munícipes e juristas que lá habitam como um ato abusivo advindo do poder público pertinente, tendo em vista a exorbitante majoração do respectivo tributo. Desta forma, importante se faz analisarmos onde, como e o porquê se discutir aludido tema. Assim, é de grande valia destacarmos o marco histórico originário do princípio da limitação ao poder de tributar que deu origem ao princípio da capacidade contributiva constante no art. 145, parágrafo 1º, da Constituição Federativa do Brasil. Esta pesquisa merece uma especial atenção, haja vista que até o presente momento não fora dado como encerrada referida problemática, continuando, portanto, uma intensa discussão em âmbito jurisdicional de segundo grau. O problema que envolve a questão é o fato de que o supracitado imposto não estava sendo devidamente atualizado nos últimos doze anos, ocasião em que a administração municipal, na alegação de que estaria havendo uma defasagem nos cofres públicos, resolveu aumenta-lo conforme inflação desde a época que deveria estar sendo atualizada corretamente. Todavia, com esta medida os imóveis do município tiveram uma majoração, até então tida como excessiva por seus habitantes, com um patamar de até 765%. Objetiva-se entender a constitucionalidade da aludida norma em consonância com o princípio basilar do Direito Tributário Nacional, onde zela pela capacidade contributiva do sujeito passivo e sua aplicabilidade ante a Lei Municipal nº. 167/2013. Diante dessas afirmações, este trabalho abordará os assuntos que permeiam e fundamentam o aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano à luz do Princípio da Capacidade Contributiva, que será dividido em 4 (quatro) capítulos. Inicia-se com um breve histórico e fundamentação teórica sobre o assunto, conceituando o aludido princípio, como ele se originou e seus benefícios ao Sistema Tributário Brasileiro. Posteriormente, no segundo capítulo, analisaremos o tributo abordado, sendo este o Imposto Predial e Territorial Urbano, sua base legal e peculiaridades. Em conseguinte, no terceiro capítulo, conceituaremos e apresentaremos a problemática envolvendo a Lei Complementar nº 167/2013 que tratou de aumentar as alíquotas do imposto mencionado no capítulo anterior. Com base nos resultados obtidos, no quarto e último capítulo, discutiremos a constitucionalidade da Lei supracitada e a real incidência do princípio da capacidade contributiva à luz da Constituição Federativa do Brasil. I – breve histórico ao princípio da capacidade contributiva 1.1 Conceito do princípio da capacidade contributiva Após breve introdução ao tema proposto, importante se faz entendermos conceitos básicos a fim de viabilizar o entendimento do presente trabalho. Neste sentido, o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal [2]o define da seguinte forma: “Art. 145. A União, os estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […]     1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esse objetivo, identificar, respeitados os direitos individuais e os termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Deste modo, e de conformidade com o texto constitucional, a majoração dos tributos deve ser realizada de modo a não implicar desproporcional prejuízo ao patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte, bem como devendo respeitar os direitos individuais dos cidadãos. 1.2 A origem do princípio da capacidade contributiva     Ao analisarmos o princípio da capacidade contributiva, insta salientar o sistema criado para disciplinar a instituição e/ou majoração dos tributos nacionais, denominado de limitações ao poder de tributar. Desta forma, o professor Luciano Amaro (2011), assim bem dispõe sobre aludido tema: “Essa outorga de competência, obviamente, não é sem fronteiras. Além de buscar uma demarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada ente político, com a partilha da competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações do poder de tributar. A face mais visível das limitações do poder de tributar desdobram-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias (técnicas por meio da qual, na definição do campo sobre a Constituição autoriza a criação de tributos, se excepcionam determinadas situações, que ficam, portanto, fora do referido campo de competência tributária). Essa matéria é objeto de seção específica da Constituição (arts. 150 a 152), justamente com o título "Das Limitações do Poder de Tributar", no capítulo relativo ao Sistema Tributário Nacional (AMARO, 2011, p. 127-128)”. Neste sentido, este trabalho buscará analisar, especificamente, um dos princípios basilares do ordenamento jurídico-tributário brasileiro positivado em norma constitucional, sendo este o princípio da capacidade contributiva. Em conseguinte, o professor AMARO (2011), define princípio da seguinte forma: “Costuma-se chamar de "princípios", também por comodidade didática, uma série de proposições que, em rigor, nem sempre correspondem a meros enunciados gerais de concretização de valores, dependentes, ainda, para a sua plena concretitude, do desdobramento em normas. O valor da justiça começa a concretizar-se por meio de um feixe de princípios (entre os quais o da igualdade), que, no estágio subsequente, vai desdobrar-se e normas que ampliam o grau de concretização do valor em causa, até que, na aplicação da norma aos fatos, se tenha a plena concretização do valor (AMARO, 2011, p. 132)”. Por outro lado, o professor Aliomar Baleeiro (2010) assim os assevera: “São normas de grau superior à lei e, por isso mesmo, assumem particular importância nos países de Constituição rígida e de controle da constitucionalidade por parte dos órgãos jurisdicionais, além de disciplinarem as competências autônomas dentro do regime federal. Não há necessidade de recordar-se o truísmo de que o Direito é um só, mas, ponde de partes as classificações científicas de seus ramos e sub-ramos ou as vantagens metodológicas e didáticas de tais divisões, importa ressaltar a circunstância de que a Constituição Federal, no Brasil, é a primeira e uma das mais opulentas fontes do Direito Tributário substantivo (BALEEIRO, 2010, p. 71-72)”. Em conseguinte, AMARO (2011) explica o princípio da capacidade contributiva da seguinte forma: “O velho princípio da capacidade contributiva, que desaparecera de nossa Constituição em 1967 (embora, como princípio geral de direito tributário, tenha permanecido implícito no sistema), ressurgiu no texto de 1988, ao lado do princípio da personalização. Aquele brocardo quer de cada um o tributo adequado à sua capacidade contributiva ou capacidade econômica, traduzindo aplicação do milenar princípio suun cuique tribuere (AMARO, 2011, p. 161). O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que a terra seca não adianta abrir poço a busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. Como registraram Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, a capacidade econômica corresponde à "real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro à tributação". Por isso, "sempre que possível" – como diz a constituição -, o imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A expressão "sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados (CARRAZZA, 2011, p. 161-162)”. Desta forma, evidente a importância principiológica quando da verificação prática dos dispositivos legais que norteiam nosso ordenamento jurídico brasileiro. 1.3 Benefícios ao sistema tributário brasileiro    Após discorrer brevemente das origens do princípio em comento, bem como o conceituarmos devidamente, seria um tanto plausível entendermos os benefícios pertinentes a sua aplicabilidade prática em âmbito jurídico e social. Assim, o professor Roque Antonio Carrazza (2011) discorre no seguinte sentido de aludido tema: “O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza (CARRAZZA, 2011, p. 96).” Desta forma, fica evidente os benefícios trazidos por este princípio, uma vez que busca nivelar o recolhimento tributário em âmbito econômico-social. II – Do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU 2.1 Base legal O Imposto Predial e Territorial Urbano encontra fundamentação legal na própria Constituição Federal, em seu artigo 156, inciso I[3], como segue: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – Propriedade predial e territorial urbana.[…]” Em conseguinte, o Código Tributário Nacional buscou de tratar do respectivo tributo em seu Título III, Seção II, artigos 32 a 34[4], assim disposto: “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior. Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel. Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade. Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.” Neste sentido, sendo esses os dispositivos que contém o mínimo embasamento legal para a devida abordagem ao temo proposto. 2.2 Origem Em conseguinte, historicamente, como adiante se verá, o imposto predial e territorial urbano não vem de dias atuais. Conforme o nobre professor Aliomar Baleeiro (2010) explica abaixo: “É velho, na competência dos Municípios brasileiros, o imposto predial, que, com o nome de “décima urbana”, tributava imóveis edificados. Em carta de 19.05.1799, a Rainha D. Maria assim dispôs: “atendendo ao nosso favor, que me proponho conceder-lhe, suprimindo os contratos de sal e pescaria das baleias, me proponho estabelecer o imposto de décima, nas casas das cidades marítimas e a extensão do tributo do papel selado que já se paga nos meus domínios do continente da Europa (BALEEIRO, 2010, p. 243)”. Continua Baleeiro (2010): “Diferentemente do Direito comum, em cujo seio, secularmente, prédio compreende o rústico e o urbano, o Direito Fiscal brasileiro reserva a expressão predial aos edifícios. Destarte, o imposto predial tem como fato gerador a existência de imóvel edificado, pouco importando sua utilização econômica ou o título jurídico do contribuinte. Não investiga o Fisco municipal se este é proprietário, enfiteuta, mero possuidor. Não se exime o contribuinte pelo fato de o prédio estar desocupado, ou ser habitado pelo proprietário. No silêncio do legislador competente para decretar o imposto predial (CTN, art. 6º), as situações se equiparam (BALEEIRO, 2010, p. 243)”.    Assim, é notável que referido tributo é válido como membro do sistema jurídico tributário brasileiro, a fim de que se tenha o ideal cumprimento da função social da propriedade, nos termos da Lei. 2.3 Hipótese de incidência A hipótese de incidência, denominada em nosso ordenamento jurídico-tributário por fato gerador, é bem definida pelo professor Aliomar Baleeiro (2010) como segue: “O fato gerador é a existência do imóvel a título de domínio, pleno e útil (enfiteuse), e a simples posse do imóvel, sito na zona que o CTN define como urbana, no conceito próprio de Direito Fiscal. Pouco importa que o terreno esteja edificado ou seja baldio, esteja utilizado em atividade agrícola, ou não. O conceito é o da situação, afastadas as distinções dos civilistas a respeito dos prédios rústicos ou de exploração agrícola (horticultura, floricultura, avicultura, etc.), sejam destinados à construção, estabelecimentos de veículos, depósitos de carga ao ar livre, etc., enfim, permaneçam baldios. A destinação econômica é indiferente, do ponto de vista do CTN, ressalvado o comentário 7, ao art. 30, supra (BALEEIRO, 2010, p. 244)”. Neste sentido, a subsunção do fato à norma nada mais é do que o contribuinte ter a titularidade ou, simplesmente, posse de um bem imóvel urbano. 2.4 Progressividade A fim de entendermos o aumento do tributo tratado, é indispensável conceituarmos, superficialmente, o tema da progressividade no imposto predial e territorial urbano, que se desdobram em dois aspectos: o fiscal e o extrafiscal abaixo tratados. Neste sentido, o professor Kiyoshi Harada (2009) aborda a progressividade da seguinte forma: “Finalmente, cumpre assinalar que o IPTU poderá ser progressivo. Como se existe a progressividade fiscal e a extrafiscal. A progressividade fiscal, decretada no interesse único da arrecadação tributária tem seu fundamento no preceito programático representado pelo § 1º do art. 145 da CF, segundo o qual, sempre que possível, o imposto será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte. Já a progressividade extrafiscal tem seu fundamento no poder de polícia. O poder de polícia, tal qual conceituado pelo art. 78, do CTN, nada mais é do que a atividade inerente do poder público que objetiva, no interesse público, intervir na propriedade e na liberdade dos indivíduos, impondo-lhes comportamentos comissivos ou omissivos (HARADA, 2009, p. 425;427)”. Assim, importante frisar que a progressividade abordada nesta monografia é a progressividade fiscal. 2.5 Base de cálculo Base de cálculo é a premissa para a progressividade do IPTU. Assim, o professor Aires Fernandino Barreto (2010) aborda referida questão: “A base de cálculo do IPTU é o valor venal. Não é lícito ao legislador municipal adotar qualquer outra. Não pode eleger, pois, o valor histórico, o valor locativo, o valor especulativo, o valor justo, o valor de seguro ou outros que não o valor venal. A base dimensível do tributo é, exclusivamente, o valor venal (BARRETO, 2010, p. 982).”. Neste sentido, o mesmo professor Barreto (2010) define valor venal da seguinte forma: “É possível conceituar valor venal como o valor normal que qualquer bem comercial obtém no mercado. A seu turno, valor venal do imóvel nada mais é do que espécie desse gênero, e como tal não foge às regras que ditam a apuração dos demais valores venais. Os valores venais, quaisquer que sejam, são sempre decorrentes das forças econômicas que caracterizam a lei oferta e da procura; todavia, ademais disso, são valores altamente influenciados por fatores psicológicos ou subjetivos. Por isso, é temerário afirmar que na sua busca se venha a encontrar alguma coisa mais precisa do que um “valor provável de venda” (BARRETO, 2010, p. 982-983)”. No tocante a quantificação desses valores, BARRETO (2010) assevera que: “Quanto aos critérios de obtenção de valores venais, conclui-se que o ideal é o cerceamento, por lei municipal, dos comportamentos das autoridades administrativas, por meio da imposição de regras e métodos genéricos e impessoais. Nesse sentido, conforme o potencial de cada Município, podem ser elaboradas pautas, tabelas, listas ou mapas de valores, bem como índices representativos de valorização ou desvalorização, orientadores das autoridades administrativas e garantidores de ação uniforme, livre de subjetivismo e arbítrio. A edição de Mapas de Valores Genéricos, por seus reflexos positivos, revela-se aconselhável: facilita e racionaliza o trabalho, resguarda a necessária uniformidade de comportamento, evita discrepância de comportamento, evita discrepâncias próprias do alvitre e representa tranquilidade para Fisco e contribuintes (BARRETO, 2010, p. 984)”. Desta forma, evidente as limitações quanto ao poder de tributar do legislador municipal, estando condicionado a pré-requisitos mínimos de aferição em planta genérica de valores para a real progressividade do imposto predial e territorial urbano. 2.6 Alíquota Para que possamos compreender o tema proposto, indispensável o mínimo entendimento do que seria a alíquota do imposto tratado. Neste sentido, o nobre doutrinador Aires Fernandino Barreto (2010) assim explica: “A alíquota, no “predial e territorial”, é representativa do fato gerador que, aplicado sobre a base calculada (base de cálculo transformada em cifra), conduzirá ao quantum devido a título de imposto. Este será o resultado do produto valor venal vezes a alíquota. Não há na Constituição preceito que estipule um “teto” da percentagem a ser aplicada sobre a base imponível. A não limitação encontra fundamento na diversidade das características regionais, a exigir tratamento consentâneo com as peculiaridades socioeconômicas dos mais de 5.500 Municípios brasileiros. Nem por isso pode ser desmedida a estipulação desse percentual de sorte a tornar o imposto proibitivo ou confiscatório (BARRETO, 2010, p. 985, grifo nosso)”. Por esta definição, evidente a existência de limitações quando da majoração da alíquota exposta, uma vez que mesmo inexistindo dispositivo legal que limite a um teto constitucional, as bases principiológicas acima narradas condicionam o ato de tributar de forma a garantir proporcionalidade em sua modificação.    III – Lei Municipal nº. 167/2013 3.1 Conceito e questionamentos Com o advento da Lei Municipal nº 167 de 26 de setembro de 2013  [5]que alterou a listagem de valores para o efeito de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano que ocasionou um aumento do tributo em um montante que atingiu o patamar de até 735% em determinadas áreas do município de São Sebastião, sob a alegação de que referido tributo não vinha sendo regularmente reajustado nos últimos doze anos, ocasionando grande revolta por parte de seus munícipes sebastianenses, tendo em vista que tal ato fora julgado como abusivo por parte do poder público competente. Corroborando com o entendimento de que referido ato seria de tudo inconstitucional, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) conjuntamente com o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) propuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, a princípio, cassou os efeitos da respectiva Lei[6]. Todavia, no julgamento do Ilustre Desembargador Relator Antonio Carlos Villen, fora julgada improcedente e reestabelecidos os efeitos da norma questionada[7]. Desta forma, não faltou pretextos para que o prefeito municipal atacasse os propositores da ação supramencionada, onde, que em sua nota disponível no site oficial do município, alegou que “é lamentável um grupo (Fiesp e Ciesp) induzir a erro pessoas humildes que sempre pagaram seus impostos em dia e que agora deverão arcar com um ônus ainda maior ”[8]. Contudo, aludido tema segue em recurso e sem prazo para ter seu trânsito em julgado, infere-se, desta forma, que ainda há muito que ser discutido e analisado pelo poder judiciário e acadêmicos em busca de uma possível posição sobre o tema proposto. IV – Da constitucionalidade da Lei Municipal nº. 167/2013 frente ao princípio da capacidade contributiva 4.1 Indagações e posicionamentos de nossos Tribunais No tocante à aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva à progressividade do imposto predial e territorial urbano, o professor Carrazza (2011) afirma o seguinte: “Enfatizando que a capacidade contributiva, para fins de tributação por via de IPTU, é aferida em função próprio imóvel (sua localização, dimensão, luxo, características, etc.), e não da fortuna em dinheiro de seu proprietário. Não fosse assim, além de incerteza e insegurança, proliferariam situações deste tipo: pessoa hoje pobre, mas que adquiriu caríssimo imóvel em período economicamente faustoso de sua vida profissional, estaria a salvo do IPTU. Ou deste: num prédio de alto luxo, com um apartamento por andar, cada proprietário pagaria um IPTU diferente (assim, v.g., o aposentado, que recebe pensão previdenciária do INSS, nada pagaria). Não nos parece seja este o espírito do dispositivo constitucional. A nosso ver, a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et iure de existência de capacidade contributiva (pelo menos para o fim de tributação por via de IPTU). Estaria inaugurado o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que ser considerada na hora do lançamento deste imposto. Portanto, a capacidade contributiva revela-se, no caso do IPTU, com o próprio imóvel urbano. Do contrário, não se teria mais mãos a medir. Apenas a guisa de exemplo, dois proprietários de imóveis urbanos idênticos pagariam IPTUs diferentes só porque um deles é rico industrial e o outro, modesto aposentado. Não é isto, obviamente, o que a Constituição quer (CARRAZZA, 2011, p. 117-118)”. Neste entendimento, o professor Carrazza esclarece um ponto crucial desta monografia, qual seja: a viabilidade da alienação imobiliária tendo em vista a real base de cálculo atual de um bem adquirido anteriormente para com a presente capacidade econômica do contribuinte. Com relação ao tema proposto, o Desembargador Antonio Carlos Vilen, relator da ação direta de inconstitucionalidade nº 2004618-66-2014.8.26.0000[9], objeto desta discussão, assim decidiu quando à alegação da violação do princípio da capacidade contributiva arguida pelos procuradores das Autoras: “Quanto à alegada inconstitucionalidade material, melhor sorte não assiste às autoras. Não há que falar em violação dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e moralidade. As próprias autoras dão conta de que a base de cálculo do IPTU não era atualizada desde 2003. Elas procuram demonstrar que o reajuste é “desproporcional com o próprio crescimento do País” (fl. 11) a partir de diferenças entre o índice médio de reajuste da Planta Genérica de Valores e a inflação apurada no período. Contudo, é fato notório que a variação dos preços dos imóveis no período de 2003 a 2013 foi muito superior à inflação. O exame da alegada discrepância entre o valor venal estabelecido pela lei em discussão e o efetivo valor dos imóveis exigiria dilação probatória para análise de casos individuais, o que desborda dos limites do controle concentrado de constitucionalidade, em que a lei é analisada em abstrato. Observo que não altera essa conclusão a tabela de fl. 251, em que são listados exemplos de imóveis afetados pelo reajuste da lei em discussão. Nesse sentido o já referido recente julgamento da ADI 201836-48.2014.8.26.0000, Rel. Des. Péricles Piza. Pelas mesmas razões, não procedem as alegações das autoras quanto à violação do princípio da capacidade contributiva e da vedação do confisco. No caso do IPTU, cujo fato gerador é a “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel” (art. 32, caput, do Código Tributário Nacional), a violação daqueles princípios só se pode considerar caracterizada quando demonstrado o descompasso entre a base de cálculo e o efetivo valor do imóvel. Para isso seria necessária dilação probatória que, reitere-se, não se admite nesta sede. Nem se alegue violação do referido princípio da capacidade contributiva pela progressividade estabelecida pela lei, que tem fundamento de validade no art. 156, § 1º, I e II, da Constituição Federal.” Importante destacar que os autos seguiram para julgamento no Superior Tribunal de justiça na data de 25 de maio de 2015, conforme andamento processual visualizado no dia 31 de outubro de 2015[10]. Desta forma, até a presente data, a Lei complementar número 167/2013 está em vigor e foi considerada constitucional no nos tópicos passíveis de apreciação pelo Tribunal de Justiçado Estado de são Paulo. A fim de buscar maior capacidade de compreensão do aludido tema, segue parte do voto do Desembargador Péricles Piza, relator da ação direta de inconstitucionalidade sob nº 02021822420138260000[11] em que a mesma Autora, Fiesp, em 21 de novembro de 2013, a propôs em face do Município de São Paulo em caso semelhante, ou seja, aumento abusivo da alíquota do IPTU, ocasião em que o aumento no ano de 2014 estava previsto para atingir um patamar de até 35%. Desta forma, assim o nobre Relator decidiu: “Conclui-se, assim, que, para que fosse possível, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a análise acerca da carência de razoabilidade do referido aumento, a desproporção deveria restar evidente, e verificável de forma independente, prima facie desnecessária dilação probatória, absolutamente incompatível com a via eleita para controle da norma. No caso dos autos, todavia, conforme demonstrado, não se verifica a existência de manifesto descompasso entre a majoração estabelecida e os índices gerais PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO de valorização imobiliária do município de São Paulo ou entre o aumento efetivo do crédito tributário limitado pela própria norma em seu artigo 9º e os índices de desenvolvimento geral da economia. Não restaram demonstradas, portanto, abstratas violações aos princípios da razoabilidade, da capacidade contributiva e de vedação ao confisco. Eventuais majorações que restem desvinculadas da real valorização imobiliária de determinada localidade deverão ser impugnadas, assim, pelas vias administrativas e judiciais adequadas, eis que impossível a análise concreta e individualizada desses aumentos nos autos destas ações diretas de inconstitucionalidade.  Em conseguinte, dando andamento ao seu voto, o Nobre Julgador discorre da seguinte forma no tocante à progressividade do tributo em questão:  Com efeito, no que toca aos critérios de progressividade adotados pela lei impugnada não houve novidade em relação à lei anterior, limitando-se o novo diploma à atualização da planta de valores e dos percentuais de aumento ou diminuição do imposto. Nesse sentido, importante registrar que esses critérios de progressividade estatuídos pela lei anterior já foram reconhecidos expressamente como constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento realizado em 1º de dezembro de 2010, assim ementado: “Imposto predial e territorial urbano. Progressividade. Função social da propriedade. Emenda Constitucional n. 29/2000. Posterior. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000”. Legítima, portanto, a adoção de critérios de progressividade na adoção do IPTU, seja em razão do uso do imóvel ou de sua localização, como impõe o dever constitucional determinado pelo antes transcrito art. 156 da Constituição Federal. Registre-se que, embora esse dispositivo contenha a expressão de um poder, a doutrina lhe reconhece como um verdadeiro dever imposto ao legislador municipal. “Aliás, este poderá, como aguisadamente observou Souto Maior Borges, em parecer, equivale a deverá. É que, como averbava Rui Barbosa, todo poder encerra um dever. Quando a Constituição confere a uma pessoa política um poder, ela, ipsto facto, lhe impõe um dever. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres. Assim, o § 1º do art. 156 da CF, juridicamente interpretado, estabelece que o IPTU, além de dever obedecer ao princípio da capacidade contributiva (“ser progressivo em função do valor do imóvel”), terá 'alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel' (inciso II)”. Constitucional, portanto, a norma impugnada também sob a ótica da progressividade”. Conclui-se, desta forma, que por mais incomum que seja vermos um tributo ser majorado a tal ponto de atingir o patamar de mais de 700%, a luz das normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, é de se verificar uma razoabilidade no tema tratada, uma vez que referido tributo não vinha sendo adequado temporalmente à realidade atual dos munícipes sebastianenses. Assim, até decisão final dos tribunais superiores, a norma é tida como constitucional, inexistindo infração à lei ou princípios de direito no presente caso. 5. Considerações finais Após minuciosa exposição do tema proposto, incontestável é o exorbitante aumento do tributo tratado, todavia, conforme análise da legislação pertinente, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais apresentados nada tem de inconstitucional quanto à progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano efetuado, sob a alegação de que, realmente, o tributo não vinha sendo devidamente graduado à realidade imobiliária atual no município, bem como que a presente condição financeira do contribuinte não justifica o percentual da graduação proposto ao imóvel anteriormente adquirido, havendo, inclusive, a possibilidade de alienação do bem em questão a fim desse contribuinte readequar sua nova situação econômica frente ao tema apresentado. Desta forma, é importante ressaltar que o valor imobiliário estava de tudo desatualizado para com a realidade atual dos contribuintes. Assim, com o advento da Lei supramencionada, é de se verificar que o imposto está, sim, compatível com o valor de mercado contemporânea. Portanto, insta salientar que por mais assustador que seja a graduação do IPTU ocorrida no município de São Sebastião, ele está de acordo com os parâmetros legais e bases principiológicas que regem o sistema tributário brasileiro, não havendo, de forma alguma, o que se falar em ofensa direta ao princípio da capacidade contributiva, tendo em vista que o contribuinte pode, a qualquer tempo, readequar a sua realidade econômica para com a sua atual condição financeira, a fim de não impactar incisivamente no orçamento público local.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-principio-da-capacidade-contributiva-frente-a-lei-municipal-n-167-2013/
Guerra fiscal e a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal
O presente artigo tem por escopo avaliar a aplicação do artifício da modulação dos efeitos das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar, em controle concentrado de constitucionalidade, questões atinentes aos benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal no âmbito da Guerra Fiscal, tendo em vista os danosos efeitos jurídicos, sociais e econômicos causados pela possível cobrança retroativa de créditos de ICMS.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – corresponde a um imposto de caráter fiscal, indireto, real e não-cumulativo, previsto no artigo 155, II, da Constituição Republicana de 1988 e incidente, em linhas gerais, sobre operações referentes à mercantilização. De competência dos Estados e do Distrito Federal e recaindo, principalmente, sobre o consumo, o ICMS é o tributo responsável pela maior parte da renda destes entes federativos, demonstrando-se, então, a sua tamanha importância. Desta feita, em face da intenção dos Estados brasileiros em ampliarem o desenvolvimento local, atraindo investimentos do setor privado, e em decorrência da competência para regulação, por leis próprias, do ICMS, tais entes federativos entram em uma genuína disputa de concessão de incentivos fiscais e financeiros, denominada de Guerra Fiscal. Neste espeque, imprescindível questionar se os benefícios fiscais concedidos unilateralmente no âmbito da Guerra Fiscal devem ser julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e quais os efeitos que poderiam emanar desta declaração.   O presente artigo tem como objetivo avaliar a aplicação, pelo STF, do instituto da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados e Distrito Federal, tendo em vista os efeitos jurídicos e econômicos desta declaração. Existem muitas controvérsias acerca do tema e essa discussão terá como embasamento os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que em sua grande maioria, consideram a inconstitucionalidade da Guerra Fiscal e a imprescindibilidade de aplicação da modulação dos efeitos das decisões da Corte Superior, conforme veremos adiante. Nesta senda, o trabalho em comento foi elaborado mediante pesquisa bibliográfica descritiva exploratória, aprofundando o tema através de estudos em doutrinas e jurisprudência. Assim, com a correta pesquisa para coleta dos materiais importantes para a confecção deste trabalho, o mesmo será concluído com a utilização de tudo o que for adequado e necessário. Para este fim, seguiremos o seguinte roteiro: noções gerais acerca do ICMS; ICMS, Guerra Fiscal a Lei Complementar nº 24/1975; a concessão inconstitucional de benefícios e a posição do Supremo Tribunal Federal; a modulação das decisões do Supremo Tribunal Federal quanto aos benefícios fiscais julgados inconstitucionais; considerações finais. 2. NOÇÕES GERAIS ACERCA DO ICMS A gênese do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS remonta ao antigo Imposto de Vendas e Consignações – IVC, antevisto no bojo da Constituição Federal de 1934, imposto este de caráter estritamente mercantil e incidente em “efeito cascata”, ou melhor, longe da observância do princípio da não-cumulatividade, de forma que o tributo incidia em todas as etapas de circulação da mercadoria (MACHADO, 2002, p. 313-314). Com o advento da Emenda Constitucional n.º 18, 1º de dezembro de 1965, o IVC é substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM, trazendo, como grande inovação, a superação da sistemática do “efeito cascata” (passando a seguir o princípio da não-cumulatividade), segundo os moldes dos impostos europeus, de modo que o tributo incidiria somente sobre o valor agregado à mercadoria, valor este encontrado por meio da diferença quantificada entre o montante da operação sujeita à tributação e o valor da operação precedente, sucedendo, portanto, em uma espécie de compensação entre créditos (apurados nas operações anteriores) e débitos (apurados nas operações subsequentes) (MACHADO, 2002, p. 313-314). Transcorrido o período da Ditadura Militar, a Carta Magna de 1988, ao dispor sobre o novo Sistema Tributário Nacional, veio prenunciar, em substituição ao ICM, a figura do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, com previsão no artigo 155, II, do referido diploma mor, acrescendo dois serviços ao campo de incidência do superado ICM. De propósito eminentemente fiscal e operando em respeito ao princípio da não-cumulatividade, com possibilidade de ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e serviços, o ICMS passa a incidir, em breve síntese, sobre operações relativas à circulação de mercadorias (inclusive, a importação destas do exterior) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; prestações onerosas de serviços de comunicação; produção, circulação, importação, distribuição ou consumo de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica e, por fim, extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais (CARRAZZA, 2006). Nesta senda, imperioso registrar que em relação às operações relativas à circulação de mercadorias, a doutrina é uníssona em abraçar o entendimento de que a “operação circulação” à que se refere o texto constitucional corresponde, logicamente, à circulação jurídica, ou melhor, a atos ou negócios jurídicos em que ocorre a transmissão de um direito ou a verdadeira mudança de titularidade, mas não a mera circulação física da mercadoria, sob pena de patente vilipêndio ao princípio da legalidade. Sobre este aspecto, vale trazer à baila a posição largamente seguida de José Eduardo Soares de Melo (2007, p. 214): “O fato físico da “saída” de mercadoria do estabelecimento, por si só, seria irrelevante para tipificar a hipótese de incidência do imposto, sendo firmada a diretriz de que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” O mesmo entendimento vem seguido pelo Superior Tribunal de Justiça que, ao editar a Súmula 166[1], deixa claro que a “operação de circulação” tratada na Carta Magna não corresponde à simples movimentação física do bem. No que corresponde ao conceito de “mercadoria”, a melhor doutrina é pacífica na orientação de admitir que este deva ser extraído do Direito Comercial e observando o que preceitua o artigo 110 da Carta Magna, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias. Logo, “mercadoria” corresponde ao bem móvel submetido à mercancia, isto é, o bem móvel transacionado com habitualidade. É neste sentido a lição de Roque Antônio Carrazza (2006, p. 43-45): “Não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão somente o bem móvel corpóreo (bem material que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. […] Daí que a existência de uma mercadoria não está na natureza do bem móvel, mas na sua destinação. […] Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou a revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de destinação comercial”. Sublinhe-se que, incidindo diretamente sobre o consumo, o ICMS corresponde a um tributo indireto, ou seja, a carga de ICMS incidente sobre uma mercadoria ou serviço e paga pelo contribuinte de direito (previsto em lei) é embutida no próprio valor da mercadoria ou serviço comercializado e, por fim, repassada ao consumidor final (contribuinte de fato). Impossível olvidar, pela sua relevância, que, à despeito das considerações expostas alhures, a Carta Suprema prevê expressamente (artigo 155, § 2º, IX, ‘a’) a possibilidade de incidência do imposto ora versado sobre a entrada de mercadorias, bens ou serviços do exterior, qualquer que seja a sua destinação e ainda que o importador não seja contribuinte habitual do imposto[2], desconsiderando, neste particular, a existência ou inexistência do caráter mercantil para fins de incidência do tributo. Nesta situação, considera-se corrido o fato gerador do imposto no momento do desembaraço aduaneiro da mercadoria ou bem importado do exterior. No campo dos estudos pertinentes à competência tributária, é cediço que a Carta Suprema não cria e nem institui tributos, mas apenas outorga a competência para que os entes da Federação, por intermédio de leis próprias, o façam. Ademais, assim acertadamente obtempera Roque A. Carrazza (2006, p. 478-479): “Quando afirmamos que a Constituição não criou tributos, estamos emprestando à frase um significado bem preciso. Reconhecemos que ela cuidou pormenorizadamente da tributação, traçando, inclusive, a norma-padrão de incidência de cada uma das exações que poderão ser criadas pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Para nós, porém, o tributo só nasce a partir do átimo em que uma pessoa pode ser compelida a pagá-lo, por haver acontecido, no mundo fenomênico, o fato hipotetizado na norma jurídica tributária. Ora, isto só se verifica subsecutivamente à edição, pela pessoa política competente, da lei veiculadora desta mesma norma. Antes, não. Com base apenas na Constituição, ninguém poderá ser compelido a desembolsar, a título de tributo, somas de dinheiro, em favor do Fisco ou de quem o represente. Logo, neste sentido, a Constituição não criou tributos, assim como, mal comparando, não criou penas, só porque autorizou o legislador nacional a cuidar do assunto (art. 22, I)”. Em idêntico espírito, José Souto Maior Borges sustenta (1976, p. 27): “Uma visão dinâmica, e não estática, do sistema constitucional tributário porá a descoberto que o processo de instituição (criação) do tributo, iniciado com a outorga constitucional da competência tributária, se integra, observadas as respectivas competências, com a superveniência das leis complementares, ordinárias e eventualmente outros atos normativos.” Sob este prisma, a atual Carta Magna, a respeito da repartição da competência tributária, atribui, com exclusividade, a competência para instituição do ICMS aos Estados-membros e ao Distrito Federal e, por conseguinte, confere a estes a prerrogativa de regular, por intermédio de lei, os elementos essenciais a este imposto, como hipótese incidência, base de cálculo, alíquotas, sujeito ativo e sujeito passivo, sempre em consonância com o que já fora antevisto pela Constituição. Caberá, então, ao Estado ou ao Distrito Federal a função de instituir, arrecadar, fiscalizar e executar leis, atos ou decisões administrativas referentes ao imposto em comento. Cumpre registrar que, em relação aos Territórios, a criação e cobrança do ICMS compete à União, conforme antevê do artigo 147 da atual Carta Republicana e que esta, adotando o método da participação na arrecadação de impostos de competência alheia, obriga os Estados a repassarem 25% do montante arrecadado a título de ICMS aos seus municípios, conforme previsto no parágrafo único do seu artigo 158 (OLIVEIRA, 2009, p. 8). Entrementes, impende salientar que a Constituição Federal prevê, no artigo 146, II, ‘a’, a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Corresponde a um imperativo constitucional que visa, dentro do Sistema Tributário Nacional, dotar o legislador complementar de iniciativa para regrar, de forma geral, os mesmos assuntos delineados nas faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme exaspera Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 207): “Em poucas palavras, preceituou o legislador constitucional que toda a matéria da legislação tributária está contida no âmbito de competência da lei complementar. Aquilo que não cair na vala explícita da sua “especia­lidade” caberá, certamente, no domínio da implicitude de sua “generalidade”. Que assunto poderia escapar de poderes tão amplos? Eis aí o aplicador do direito novamente atônito! Pensará: como é excêntrico o legislador da Constituição! Demora-se por delinear, pleno de cuidados, as faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, de entremeio, torna tudo aquilo supérfluo, na medida em que põe nas mãos do legislador complementar a iniciativa de regrar os mesmos assuntos, fazendo-o pelo gênero ou por algumas espécies que lhe aprouve consignar, esquecendo-se de que as eleitas, como as demais espécies, estão contidas no conjunto que representa o gênero”. Neste espeque, no âmbito da competência uniformizadora conferida à União e tendo em vista que o Código Tributário Nacional de 1966 (Lei Ordinária recepcionada pela Constituição com status de Lei Complementar), norma geral de regência do Sistema Tributário Nacional, não previu, em seu texto, o ICMS, foi editada, em 13 de setembro de 1996, a Lei Complementar n.º 87, conhecida como “Lei Kandir”, em homenagem ao então deputado federal e criador da lei em comento, Antônio Kandir. Tal diploma legal veio cumprir a função de padronizar e regular, dentro das prerrogativas delegadas pela Carta Magna, diversos temas pertinentes ao ICMS, como isenções, fato gerador, base de cálculo, substituição tributária, não-cumulatividade e créditos fiscais, e impondo aos Estados e ao Distrito Federal a necessidade da plena observância do disposto neste diploma. Assim, trilhando o disposto na CF/88 e na Lei Complementar n.º 87/96, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços, em linhas gerais, se sujeita ao lançamento por homologação, terá suas alíquotas estabelecidas pelos entes tributantes, salvo a competência do Senado Federal para estabeleceras alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação, as alíquotas mínimas nas operações internas, e fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados (consoante o art. 155, § 2º, IV e V, da CF/88). Possuirá, em regra, como base de cálculo o valor da operação relativa à circulação da mercadoria ou ao serviço prestado, de acordo com a natureza do fato gerador praticado (ALEXANDRE, 2009, p. 593-597). Ademais, é notável que, tratando-se de um imposto incidente, em sua maior parte, sobre operações mercantis, tem-se que o mesmo corresponde a um tributo indireto, ou seja, aquele que pratica o fato gerador e, consequentemente, tem o dever legal de pagar o tributo (contribuinte de direito) repassa, com lastro em prévia autorização legislativa, o ônus tributário a outrem (contribuinte de fato) que, embora não seja designado pela lei como contribuinte, assume, de fato, a carga tributária. No tocante ao sujeito passivo, este será qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com intuitos mercantis, qualquer um dos fatos geradores supramencionados (circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) ou ainda aquele que, independentemente do caráter mercantil, importe mercadorias ou bens ou seja destinatária de serviços oriundos do exterior, adquira, em licitação, mercadorias ou bens apreendidos ou que adquira, sem propósito de destinação à comercialização ou à industrialização, lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo e energia elétrica (ALEXANDRE, 2009, p. 595). Registre-se que, na esteira do que preceitua a Constituição Republicana de 1988 e a Lei Complementar 87/96, é aberta a possibilidade de adoção do regime da substituição tributária (atribuindo a outrem que não seja contribuinte de direito, o dever legal de pagamento do imposto), o qual será operacionalizado de acordo com a legislação do entre tributante, observadas as normas gerais de regência. Já quanto ao sujeito ativo, este se confunde com o próprio ente competente para a instituição do imposto, seja um Estado ou o Distrito Federal no exercício da competência cumulativa. No que tange às imunidades tributárias, o ICMS, além das imunidades gerais previstas na Lei Maior, submete-se também a imunidades inerentes à essa espécie de imposto, trazidas pelo texto constitucional. Neste sentido, o artigo 155, § 2º, X,’a’, preceitua que as operações que destinem mercadorias para o exterior e os serviços prestados a destinatários no exterior são imunes à incidência do ICMS, sendo ressalvado o direito à manutenção do crédito tributário decorrente da não cumulatividade. Cuida-se, conforme Carrazza (2006, p. 403-405), de uma opção política do País de desonerar as exportações e, portanto, salvaguardar a competitividade dos produtos brasileiros no cenário internacional. Seguindo o disposto no artigo 155, § 2º, X, tem-se que a alínea ‘b’ garante a não incidência do ICMS sobre as operações que destinem petróleo e seus derivados e energia elétrica a outros Estados da Federação, tendo por objetivo claro a desoneração das mercadorias que utilizam estes produtos como insumos. A alínea ‘c’ do dispositivo em comento trata da imunidade do ouro quando utilizado como ativo financeiro e não como mercadoria, já que nesta situação, o ouro se submete à incidência única do Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, consoante estabelece o art. 153, § 5º, da Constituição Federal. Por fim, a Constituição também traz, no artigo 155, § 2º, X, ‘d’, a imunidade de ICMS nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita, previsão esta que somente torna mais lídima uma situação de não incidência já antevista, uma vez que o art. 155, II, da CF, traz a incidência do ICMS sobre prestações de serviços de comunicação. Tratando-se de “prestação”, inegável é o caráter oneroso deste tipo de operação, decorrente, logicamente, de um contrato de fornecimento de serviços (CARRAZZA, 2006). 3. ICMS, GUERRA FISCAL E A LEI COMPLEMENTAR Nº 24/1975 Conforme fora sobejamente pontuado, a atual Carta Magna não cria e nem tampouco institui tributos, mas delega às pessoas políticas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – a capacidade para que estes, ressalvados os limites impostos pelo próprio texto constitucional, exercitem, por meio de lei, o poder de tributar e instituam seus próprios tributos. Cuida-se, aqui, em obediência ao princípio do federalismo, da distribuição da competência tributária. Sobre este tema, Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 218) ao dispor que a competência tributária é uma das parcelas da competência legislativa, aduz: “A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.” Neste campo, Hugo de Brito Machado (2002, p. 234) salienta: “A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o que estabelece o Código Tributário Nacional (CTN, art. 6º). Isto significa dizer que, se a Constituição Federal atribui aos Estados competência para instituir um imposto, como fez, por exemplo, com o ICMS, está também dando a estes a plena competência para legislar a respeito. Mas devem ser respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição Federal e nas Constituições dos Estados. Tratando-se do Distrito Federal ou de Municípios, devem ser também observadas as limitações contidas nas respectivas Leis Orgânicas”. Ressalte-se que, através da competência tributária, a Carta Magna não garante somente a faculdade de instituir o tributo, mas também as prerrogativas de majorar, diminuir, isentar, anistiar, ou, até mesmo, não tributar. Neste sentido é o que leciona Carrazza (2006, p. 473): “Noutro falar, a competência tributária e a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei, tributem. Obviamente, quem pode tributar (criar unilateralmente o tributo, com base em normas constitucionais), pode, igualmente, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí-la (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, através da não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. Pode, ainda, perdoar débitos tributários já nascidos ou parcela-los, ampliando, se entender que é o caso, as eventuais infrações tributárias cometidas”. Portanto, tem-se a competência tributária como a faculdade, garantida pela Constituição Federal, que dispõem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de instituir e regular, por meio de lei, os tributos pertinentes a cada uma destas pessoas políticas, desde que respeitados os limites impostos pela Carta Magna e pela legislação de regência de cada ente. Cumpre, ainda, repisar que, como a Constituição não cria tributos, mas somente autoriza a criação por parte dos entes federativos, a mesma traça a norma-padrão de incidência dos tributos que poderão ser criados, in abstracto, pela lei ordinária (CARRAZZA, 2006). Destarte, a Carta Republicana de 1988 confere aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituição do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação. Cabe, assim, a estes entes a faculdade de instituir, por meio de lei, o ICMS em seus territórios. Ademais, conforme explanado alhures, o art. 146, II, ‘a’, estabelece a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. 146, II, ‘a’, a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (CARVALHO, 2005, p. 206). Quanto ao ICMS, a norma geral de regência corresponde à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir). Decerto, aos Estados e ao Distrito Federal compete regular, em seus territórios, esta exação de acordo com a Lei Kandir e a Constituição, no que se refere aos aspectos gerais, e por meio de lei própria, os aspectos especiais. É neste contexto que está inserida a chamada a Guerra Fiscal, compreendida como a política de disputa entre os entes federativos na captação de investimentos privados em seus territórios como forma de geração de emprego, renda e desenvolvimento local. Nesta competição, o principal expediente utilizado na atração de investimentos é justamente a concessão de benefícios fiscais. Em consonância com o que foi dissertado no tópico supra, o ICMS corresponde de tributo de maior arrecadação dos Estados e de oneração das atividades de produção e circulação de mercadorias, sendo este utilizado como mecanismo principal na busca de investimentos do setor privado, ao passo que os Estados passam a oferecer isenções ou reduções do imposto, postergação de prazos para recolhimento, parcelamentos, facilidades de registro de empresas, financiamentos, etc. Como compete a estes a regulação do ICMS em seus territórios, estes dispõem acerca do imposto como melhor lhes aprouver, implicando no desequilíbrio do Pacto Federativo (MELO, 2012). Ademais, é certo que a Guerra Fiscal traz benefícios como a desconcentração na atração de investimentos, os quais seriam apontados, primordialmente, para as áreas onde já houvesse oferta de infraestrutura e mão de obra especializada e um mercado consumidor solidificado, como os centros das regiões Sul e Sudeste. Aliadas a esta desconcentração, outras vantagens podem ser pontuadas, como o aumento na geração de emprego e renda em níveis local e nacional, estímulo ao crescimento do setor produtivo e desoneração fiscal, com a consequente perspectiva de maior arrecadação futura. Hugo de Brito Machado (1999, p. 220), em análise crítica sobre os benefícios e malefícios da Guerra Fiscal, arremata: “O incentivo fiscal para empreendimentos novos é a melhor forma de promover o desenvolvimento econômico das regiões pobres do país, e assim reduzir as desigualdades econômicas regionais. A Constituição Federal, todavia, não obstante preconize com eloquência a redução das desigualdades sociais e econômicas regionais, terminou por inviabilizar tal incentivo, ao impor aos Estados a supra-indicada limitação ao poder de isentar”. Entretanto, o cerne da discussão referente à Guerra Fiscal corresponde à legalidade ou ilegalidade dos benefícios fiscais concedidos, tendo em vista que Constituição Federal aponta, tratando de ICMS, no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, a indispensabilidade de Lei Complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Assim, sob o comando deste imperativo constitucional, a Lei Complementar n.º 25, de 7 de janeiro de 1975 (recepcionada pelo art. 34, §§ 4º, e 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), vem dispor, em seu artigo 1º, que as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas de acordo com os convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, aplicando tal exigência também  à redução da base de cálculo, à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros,  à concessão de créditos presumidos à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos em razão do Imposto de Circulação de Mercadorias, através dos quais acarrete em redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus e às prorrogações e às extensões (MELO, 2012, p. 367). Ademais, a Lei Complementar 25/74 exige, ainda, que os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal e que a concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados, enquanto que a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Certo é, então, que tal lei possui o intento de interceptar a ocorrência Guerra Fiscal, uma vez que não há possibilidade dos Estados e do Distrito Federal concederem isenções ou outros benefícios fiscais senão por meio de convênios celebrados com os outros Estados e por eles ratificados, em máxima expressão da unidade de interesses. Sobre este tema, Carrazza (2006, p. 450-451) acertadamente pontua: “[…] É que tais benefícios (incentivos), como vimos e revimos, só podem surgir a partir de convênios celebrados pelos Estados e pelo Distrito Federal e depois por eles ratificados. Na realidade, a mola propulsora destes benefícios é a conjugação de vontades de todas as Unidades Federativas interessadas. A vontade de um só Estado ou do Distrito Federal não tem força jurídica bastante para fazer nascer isenções de ICMS. É que, dada a vocação nacional deste tributo, ele deve ter as mesmas características em todo o território brasileiro. […] Tornamos a insistir que é o interesse nacional que preside a adoção de isenções, incentivos e benefícios fiscais em matéria de ICMS. Não o interesse meramente local. Podemos, portanto, dizer que é a própria vontade da Federação que determina a concessão de isenções de ICMS. Ou, se preferirmos, que é a ordem jurídica global que as faz nascer”. Do ponto de vista prático, os convênios a que se referem a Lei Complementar n.º 24/75 são celebrados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ – o qual corresponde a um colegiado composto por um representante de cada Estado e do Distrito Federal (Secretário de Fazenda) e por um representante do Governo Federal (Ministro de Estado da Fazenda), em sessões com, no mínimo, a maioria dos Estados-membros (o chamado quórum de instalação) e aprovados por unanimidade dos presentes (quórum de aprovação). Para que entrem em vigor no âmbito dos respectivos entes da federação, os convênios, em quinze dias a contar da aprovação, deverão ser ratificados por meio de decreto (JORGE, 2007, p. 188-189). O CONFAZ, cujas normas de regências estão estipuladas no Convênio 133/1997, tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional – CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. Logo, resta lídimo o entendimento de que somente quando devidamente convalidados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, por meio de convênio ratificado, à unanimidade, pelos Estados e pelo Distrito Federal, serão legalmente válidas as concessões ou revogações de benefícios fiscais referentes ao Imposto sobre Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. 4. A CONCESSÃO INCONSTITUCIONAL DE BENEFÍCIOS E A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL À despeito do que é preconizado pela Carta Magna e regulamentado pela Lei Complementar n.º 24/1975, os Estados e o Distrito Federal, na esfera da Guerra Fiscal, recorrentemente concedem e revogam benefícios fiscais de natureza diversas sem que estes sejam respaldados em Convênios entre os demais Estados, como forma de atração de investimentos privados. Trata-se de isenções, reduções de alíquota, prorrogação de prazo para recolhimento, anistias, que não são avalizados pelo CONFAZ e que, por consequência, são inteiramente inconstitucionais. Impossível olvidar que os benefícios fiscais de ICMS não convalidados pelo CONFAZ não trazem desserviços somente o Estado ou os Estados lesados, mas também atingem o terceiro de boa-fé estranho aos benefícios concedidos, como ocorre com os adquirentes de mercadorias ou serviços quando estão localizados em outras unidades da Federação (MELO, 2012, p. 374). José Eduardo S. de Melo (2013, p. 302) bem explica que os adquirentes de mercadorias e os tomadores de serviços sofrem, muitas vezes, a glosa de crédito fiscal ou outras medidas constritivas por parte do fisco de determinado Estado ou do Distrito Federal sob o argumento de que o fisco de origem teria concedido benefício fiscal não ratificado por aquela unidade federativa, contrariando o art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88. Entretanto, a glosa de crédito de ICMS em virtude de suposta violação ao art. 155, §, XII, g, da CF/88 configura uma atitude extremamente equivocada e contrária à essência do pacto federativo, ferindo a harmonia entre os Estados-membros, usurpando do Supremo Tribunal Federal a competência (art. 102, I, f, da CF/88) para invalidação da norma que atribuiria tal crédito de ICMS. Neste contexto, Soares de Melo (2013, p. 302) habilmente demonstra: “Exemplificadamente, é o caso de incentivo concedido por Goiás, aos contribuintes estabelecidos em Goiás (ex: 2% de crédito presumido relativo ao imposto sobre a venda de determinada mercadoria), fornecendo as mercadorias para contribuinte de São Paulo, calculado à alíquota interestadual de 12%. Nesta situação, o Estado de SP parra a glosar os créditos dos contribuintes paulistas (no montante equivalente à 2%, só permitindo o crédito correspondente à 10%), sob o argumento de que teriam sido beneficiados indiretamente pelos incentivos de Goiás.” Sem restar alternativa, os Estados prejudicados passaram a promover, na esfera do controle concentrado de constitucionalidade, Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade daqueles benefícios concedidos sem a imprescindível submissão ao Conselho Nacional de Política Fazendária. O STF, por sua vez, tem decidido, reiteradamente, pela inconstitucionalidade dos incentivos fiscais de ICMS unilateralmente concedidos e não avalizados pelo CONFAZ, na forma do artigo 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal e da Lei Complementar n.º 24/1975 (MELO, 2012, p 370). Sob este prisma, o STF, à guisa de exemplificação, declarou inconstitucional o caput do artigo 12 da Lei nº 5.780/93, do Estado do Pará, que autorizava o Poder Executivo a conceder, independentemente de deliberação do CONFAZ, benefícios fiscais ou financeiros que poderiam importar em redução ou exclusão do ICMS: “Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12, caput e parágrafo único, da Lei estadual (PA) nº 5.780/93. Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada “guerra fiscal”. Precedente: ADI nº 2.548/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 15/6/07. 2. Inconstitucionalidade do art. 12, caput, da Lei nº 5.780/93 do Estado do Pará, e da expressão “sem prejuízo do disposto no caput deste artigo” contida no seu parágrafo único, na medida em que autorizam ao Poder Executivo conceder diretamente benefícios fiscais de ICMS sem observância das formalidades previstas na Constituição. 3. Ação direta julgada parcialmente procedente.” (ADI 1247, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00001) (grifamos) Sob o mesmo raciocínio, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 52.381/2001, do Estado de São Paulo, que previa, sem suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, a outorga de benefícios fiscais a estabelecimentos produtores de leite localizados no Estado de São Paulo, reduzindo em 100% a base de cálculo de ICMS nas saídas desses produtos fabricados naquele ente federativo: “INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 52.381/2007, do Estado de São Paulo. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de base de cálculo e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ.” (ADI 4152, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00050) (grifamos) Infere-se, pois, a uniformidade nos recentes julgados do Supremo Tribunal Federal quanto à patente inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal sem a prévia convalidação no âmbito das reuniões promovidas pelo CONFAZ. 5. A MODULAÇÃO DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO AOS BENEFÍCIOS FISCAIS JULGADOS INCONSTITUCIONAIS Na esteira do que preceitua o parágrafo único do artigo 28, da Lei n.º 9.868/1999, a qual dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo emanada do Supremo Tribunal Federal têm eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Quanto aos efeitos temporais, a decisão de inconstitucionalidade exarada pelo STF Tribunal Federal, no bojo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, é dotada de efeitos ex tunc. Noutras palavras, a decisão que julga por inconstitucional determinado ato, norma ou dispositivo de norma possui efeitos retroativos, considerando o texto inconstitucional e, portanto, nulo desde a sua gênese (MIGUEL; OLIVEIRA, 2007, p. 162). Este entendimento é facilmente extraído da interpretação do artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999, a seguir transcrito: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” Ora, se a própria lei, ao prever a possibilidade de postergação dos efeitos da decisão que atesta determinada inconstitucionalidade, trata esta situação como exceção, nota-se, a contrario sensu, que a regra não poderia ser outra, senão a da eficácia retroativa da decisão proferida pelo STF em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Trata-se, conforme a melhor doutrina, estribada na teoria da nulidade da lei inconstitucional, de decisão de natureza declaratória, pronunciando a nulidade ab initio do ato ou norma guerreada. Quanto à faculdade antevista no aludido artigo 27, da Lei n.º 9.868/99, Dirley da Cunha Júnior ensina (2015, p. 435): “Relativamente à modulação da eficácia temporal, pode o Supremo Tribunal Federal deliberar que a decisão só opere efeitos a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou a partir de outro momento que deve se situar, segundo pensamos, dentro do lapso compreendido entre a entrada em vigor da norma impugnada e o trânsito em julgado da decisão que a declarou inconstitucional.” Trata-se, portanto, de uma vantajosa alternativa que dispõe o Supremo Tribunal Federal de modular os efeitos das próprias decisões em sede de ADI, tendo em vistas razões de segurança jurídica ou interesse social excepcional, o qual poderá, então, forjar o alcance e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. No que tange à Guerra Fiscal, o instituto da modulação dos efeitos da decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade é de extrema significância, mormente no que se refere às decisões que julgam por inconstitucionais atos ou normas que unilateralmente concedem benefícios sem a prévia convalidação pelos outros entes federativos no âmbito do CONFAZ. Tal importância é facilmente evidenciada: ao declarar a inconstitucionalidade da norma beneficiadora (em regra, com efeitos retroativos), o STF, silente quanto à modulação, proporciona espaço para a imediata cobrança retroativa do imposto que deixou de ser recolhido pelas empresas beneficiadas pelos incentivos não convalidados pela CONFAZ, desaguando na avalanche de Execuções Fiscais que seriam intentadas pelos Fiscos estaduais, em virtude do dever legal imposto a estes, sobrecarregando ainda mais máquina judiciária brasileira. Ademais, há de se ressaltar o profundo impacto econômico a que seriam acometidos os contribuintes favorecidos, que de boa-fé seguiram o que fora preceituado pelas legislações estaduais, principalmente as empresas de médio e grande porte, ensejando na extinção de muitas destas, além do abalo econômico que sofreriam os Estados, desapossados dos investimentos antes realizados pelo setor privado. Neste cenário de insegurança jurídica, caberia ao Supremo Tribunal Federal valer-se do artifício previsto no artigo supramencionado e postergar os efeitos da decisão para que esta somente passe a ter eficácia a partir do seu trânsito em julgado, em vista da gama de efeitos colaterais acima explicitados. Entretanto, a Corte Superior, em que pese a recorrência de decisões de inconstitucionalidade da Guerra Fiscal, pouco tem utilizado deste instrumento, de forma que grande parte dos vereditos exarados em controle concentrado de constitucionalidade não tecem nada a respeito desta faculdade, provocando um ambiente de incertezas e preocupações. Além do mais, somente recentemente foi possível vislumbrar a tímida aplicação do arquétipo previsto no artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999, quando o STF entendeu pela inconstitucionalidade da Lei estadual 14.985/2006, do Estado do Paraná, tendo em vista que esta concedia, à margem de qualquer convalidação pelo CONFAZ, descontos de ICMS a empresas que importassem mercadorias por meio dos aeroportos de Paranaguá e Antonina, aplicando, em respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, a modulação para que a decisão somente produza efeitos a contar da data da sessão de julgamento: “I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento”. (ADI 4481, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015) (grifos aditados) Com vistas a minimizar este horizonte de perplexidade, alguns outros mecanismos têm sido debatidos, como é o caso do Projeto de Lei do Senado Federal PLS n.º 130/2014, de autoria da senadora Lúcia Vânia (PSB/Goiás), que tem por propósito a convalidação de atos de concessão de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros vinculados ao ICMS concedidos pelos Estados ou pelo Distrito Federal até 1º de maio de 2014 sem a prévia aprovação por unanimidade do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), conforme determinam a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 24/75, assim como a concessão de remissão e anistia dos créditos tributários referentes (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Noutro giro, outras medidas são discutidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, porém com o foco na alteração da sistemática de administração do ICMS. Defende-se, à guisa de exemplificação, a possibilidade de quórum diferenciado para aprovação de convênio que vise remissão de créditos tributários constituídos em razão de incentivos fiscais irregulares e também a instituição de meios de compensação para as renúncias tributárias ocasionadas pelos benefícios fiscais (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Depreende-se, todavia, que a modulação dos efeitos da decisão em ADI é o meio que se mostra mais eficaz na mitigação dos efeitos negativos da Guerra Fiscal, cabendo aos interessados nos resultados da Ação Direta de Inconstitucionalidade a interpelação para que o Supremo Tribunal Federal considere a possibilidade da modulação dos efeitos das suas decisões, em observância da segurança jurídica e do excepcional interesse social. Cumpre registrar, por sua elementar importância, que tramita, desde 2012, no Supremo Tribunal Federal, proposta de Súmula Vinculante, de autoria do Ministro Gilmar Mendes, com o fito de considerar inconstitucional a concessão de qualquer benefício de ICMS não aprovado pelo CONFAZ. Em caso de aprovação, o que se espera é que tal súmula seja editada nos moldes da decisão exarada pelo STF na supradita ADI nº 4.481, aplicando o instituto da modulação dos efeitos com o propósito de mitigar os efeitos danosos já causados pela Guerra Fiscal (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Com efeito, almeja-se que o Supremo Tribunal Federal, enquanto não surgida alguma providência direta emanada do Poder Legislativo, torne a utilizar com mais frequência o artifício da modulação dos efeitos, inclusive considerando esta na expectativa de edição de Súmula acerca do assunto, como forma de esvaziar os advindos da Guerra Fiscal, ao tempo que salvaguarda os direitos do contribuinte de boa-fé e o desenvolvimento econômico e social dos entes federativos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, evidencia-se que, sendo o ICMS o tributo responsável pela maior parte da arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, a Guerra Fiscal é tratada como um assunto de extrema relevância no cenário jurídico, econômico e social brasileiro. Neste contexto, a concessão unilateral de benefícios fiscais sem a deliberação unânime por parte dos outros Estados-membros perante o Conselho Nacional de Política Fazendária, conforme preceitua a Lei Complementar n.º 24/75 (esta em consonância com a Constituição Federal de 1988), enseja na busca ao Poder Judiciário para que este, na figura do Supremo Tribunal Federal, declare a inconstitucionalidade de tais benefícios. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, vem acertadamente pronunciando a inconstitucionalidade de tais benefícios, conforme fora demonstrado, haja vista a patente violação ao pacto federativo, à Lei Complementar n.º 24/75 e à Carta Magna de1988. Entretanto, a preocupação não mais está voltada para a declaração de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais ofertados no âmbito da Guerra Fiscal, questão já debatida pela Corte Máxima. O centro da discussão acerca da Guerra Fiscal passou a ser a eficácia temporal das decisões do STF, isto porque a legislação atinente ao processamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade faculta ao STF a possibilidade de modular a eficácia temporal de suas decisões, tomando por base a primazia pela segurança jurídica e pelo excepcional interesse social. Desta forma, o que foi demonstrado é a necessidade de que a Corte Suprema passe a utilizar com maior frequência do instituto da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, seja em edição de Súmula ou mesmo nas recorrentes decisões tomadas, tendo em vista que a ação em contrário provocaria efeitos danosos e irremediáveis para os contribuintes e Estados favorecidos pelos benefícios, além da sobrecarga de execuções fiscais a qual seria submetido todo o Poder Judiciário brasileiro. Há de ressaltar que a edição de Súmula Vinculante por parte do Supremo Tribunal corresponde a uma alternativa de extrema relevância e eficácia, tendo em vista as reiteradas decisões deste tribunal acerca da patente inconstitucionalidade insistente da postura dos Estados-membros e do Distrito Federal, desde que esta Súmula já contemple o instituto da modulação, considerando inconstitucionais, a partir da publicação da decisão, os benefícios de ICMS não avalizados pelo CONFAZ. Tal Súmula, vinculando todo o Judiciário nacional e a Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, seria um profícuo remédio contra a Guerra Fiscal, ao tempo que resguardaria os direitos do contribuinte e terceiro de boa-fé, em atenção à segurança jurídica, princípio primordial do Direito brasileiro.
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A norma antielisiva e os limites da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário brasileiro: Uma análise dos artigos 116 e 135 do CTN
O presente trabalho aborda o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, suas características e teorias, e questiona sua possível aplicação no âmbito do Direito Tributário por meio da análise da norma geral antielisão, prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, e da responsabilidade de terceiros, trazida nos artigos 134 e 135 desse mesmo diploma legal. A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica, mediante a consulta à doutrina, periódicos, legislação e jurisprudência sobre o tema. Nos termos do art. 50 do Código Civil, regra matriz da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, caracterizado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, é possível afastar a personalidade jurídica de modo a alcançar o patrimônio pessoal dos sócios. A aplicação dessa teoria em matéria tributária não é pacífica na doutrina. Em face da reserva de lei complementar para tratar de normas tributárias, prevista no art. 146, III, b da Constituição Federal, há quem entenda não ser possível empregar o dispositivo do Código Civil. Em contrapartida, alguns autores defendem já haver norma complementar sobre o tema, referem-se estes aos artigos 116, 134 e 135 do CTN.
Direito Tributário
Introdução Tendo em vista a alta carga tributária em nosso país, o contribuinte busca meios de reduzir os custos. Quando o contribuinte se utiliza de meios lícitos para fugir ou tornar menos onerosa a tributação, tem-se a elisão fiscal; ao fazer uso de meios ilícitos para escapar, tem-se a evasão fiscal e, por fim, a elusão fiscal quando o contribuinte adota uma forma atípica, a rigor lícita, com a finalidade de atingir esses mesmos resultados. A Lei Complementar nº 104 de 2001 introduziu o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional o qual ficou conhecido, impropriamente, como norma geral antielisão. Esse dispositivo permite à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ademais, nos artigos 134 e 135 do CTN, o legislador traz a responsabilidade, respectivamente, subsidiária e pessoal de terceiros. No primeiro caso, respondem pelas obrigações resultantes de atos que intervierem ou omissões as quais sejam responsáveis e, no segundo, de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, estatuto ou contrato sociais. Parte da doutrina considera que a redação dos dispositivos expostos acima abrange a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nas relações jurídico-tributárias, instituto este que, previsto no direito privado, estende a responsabilidade por obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica aos administradores ou sócios desta. Por ser a personalidade jurídica das sociedades importante, especialmente, à vida econômica, a sua desconsideração deve ser aplicada com cautela e merece um devido estudo. 1 A Teoria da desconsideração da personalidade jurídica Ao consagrar a limitação da responsabilidade das pessoas jurídicas, o art. 1024[1] do Código Civil serviu de estímulo aos particulares para que desempenhassem atividades econômicas ao reduzir o risco empresarial. Com efeito, a personalidade jurídica das empresas é fundamental para a iniciativa privada e a desconsideração, por mitigar o princípio da autonomia patrimonial, somente deve ocorrer em situações excepcionais a fim de impedir que o direito seja lesado por meio da manipulação da pessoa jurídica. Sobre o tema, assim decidiu o STJ: “Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC)- Locação – Ação de cobrança – Desconsideração da personalidade jurídica – Decisão monocrática negando provimento ao recurso. 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. A desconsideração da personalidade jurídica é regra de exceção, aplicável somente a casos extremos, em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou confusão patrimonial (…). (STJ – AgRg no AREsp: 303501 SP 2013/0051406-9, Relator: Ministro Marco Buzzi, Data de Julgamento: 18/06/2015, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 24/06/2015)” Tradicionalmente, era possível afastar os efeitos da personalização da sociedade – autonomia e separação patrimonial –, executando o patrimônio pessoal dos sócios nos casos em que a personalidade jurídica fosse utilizada de forma abusiva. Esse abuso apenas se caracterizaria se houvesse prova da atuação dolosa dos sócios em detrimento dos credores da sociedade (concepção subjetivista). Hodiernamente, a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificado por critérios objetivos (concepção objetivista), como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial (RAMOS, 2014).   Pondera Ulhoa (2012) que impor ao demandante o ônus de provar as intenções subjetivas do demandado, muitas vezes, poderia importar na inacessibilidade ao próprio direito. Por outro lado, ao eleger a confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, a formulação objetiva, como ele a denomina, visa facilitar a tutela dos interesses daqueles lesados pelo ato sem, contudo, exaurir as hipóteses em que cabe a desconsideração. A importância dessa distinção estaria ligada à facilitação da prova em juízo. Ao desconsiderar a personalidade, o ato que era lícito, enquanto imputado à sociedade, torna-se ilícito ao ser imputado ao sócio ou administrador. Esclarece Fábio Ulhoa Coelho (2012): “A desconsideração da personalidade jurídica é a operação prévia a essa mudança na imputação. A sociedade empresária deve ser desconsiderada exatamente se for obstáculo à imputação do ato a outra pessoa. Assim, se o ilícito, desde logo, pode ser identificado como ato de sócio ou administrador, não é caso de desconsideração. O pressuposto da licitude serve, em decorrência, para distinguir a desconsideração de outras hipóteses de responsabilização de sócios ou administradores de sociedade empresária, hipóteses essas que não guardam relação com o uso fraudulento da autonomia patrimonial. A responsabilização, por exemplo, do administrador de instituição financeira sob intervenção por atos de má administração faz-se independentemente da suspensão da eficácia do ato constitutivo da sociedade. Ela independe, por assim dizer, da autonomia patrimonial da pessoa jurídica da instituição financeira. Tanto faz se a companhia bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador.” A desconsideração não acarreta o fim da pessoa jurídica, “implica, tão somente, uma suspensão temporária dos efeitos da personalização num determinado caso específico, não estendendo seus efeitos para as demais relações jurídicas das quais a pessoa jurídica faça parte” (RAMOS, 2014). A legislação brasileira, impropriamente, denomina de desconsideração da personalidade jurídica hipóteses que não coadunam com a concepção clássica, e, por isso, a doutrina distinguiu entre Teorias Maior e Menor da desconsideração: enquanto a primeira tem como pressuposto a manipulação da pessoa jurídica mediante fraude ou abuso, a segunda ignora a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, considerando o sócio ou administrador responsável por todas as obrigações contraídas pela sociedade e autorizando a superação da personalidade jurídica diante do mero prejuízo do credor. Como exemplo de aplicação da Teoria Menor no ordenamento pátrio, podemos citar o §5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe: “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Com a edição do Código Civil em 2002, a teoria da desconsideração da personalidade ganhou novo tratamento, e o seu art. 50 passou a ser a regra matriz da teoria, sendo aplicável a todos os casos de desconsideração da personalidade jurídica, salvo àqueles que possuem regramento próprio em leis especiais, como é o caso das relações de consumo. “Art. 50, CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Segundo o dispositivo, é facultado ao juiz, verificada a ocorrência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, estender a responsabilidade por obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica aos administradores ou sócios desta. Convém destacar que o abuso de personalidade jurídica não se confunde com o abuso de direito. Neste, disciplinado no art. 187 do Código Civil, o titular do direito, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes e, consequentemente, fica obrigado a reparar o dano, nos termos do art. 927, caput deste mesmo Código. O abuso de personalidade jurídica, por sua vez, apesar de também gerar responsabilidade ao agente, não necessariamente torna o ato ilícito, uma vez que se o a pessoa jurídica solver a dívida ou o credor não reclamar, não haverá extensão da responsabilidade pelas obrigações aos sócios ou administradores. Conforme visto, o abuso da personalidade jurídica se configura pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do Código Civil, de modo que nem toda figura abusiva, tal como definida no art. 187, configurará abuso de personalidade jurídica. Hamilton Dias e Hugo Funaro (2007) ressaltam ainda que: “O campo de pesquisa para a correta interpretação do art. 50 do Código Civil exclui, como causa da desconsideração, condutas ilícitas marcadas por dolo, simulação ou fraude. Para estas, há previsão de sanções ou a atribuição de responsabilidade nos ramos próprios do Direito. Só haverá espaço para a desconsideração quando não existam regras específicas que disciplinem as consequências de determinados atos jurídicos.” O desvio de finalidade não se caracteriza apenas pela inobservância ao contrato social ou ao estatuto da empresa, e sim quando o ato não guarda pertinência com a função da pessoa jurídica, é alheio ao interesse desta, ainda que não haja prejuízo. Na confusão patrimonial, obtêm-se vantagens indevidas em razão da unificação de patrimônios de entes diversos, sócios e pessoa jurídica ou duas ou mais pessoas jurídicas. Nesse sentido: “Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Personalidade jurídica. Desconsideração. Confusão patrimonial. Reexame. Súmula n. 7-STJ. Não provimento. 1. A conclusão do Tribunal estadual no sentido de que havia confusão patrimonial entre a recorrente e outra sociedade não se submete ao crivo do recurso especial, a teor do enunciado n. 7, da Súmula. 2. "A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas. Precedentes." (REsp 907.915/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07/06/2011, DJe 27/06/2011) 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (STJ – EDcl no AREsp: 447990 SC 2013/0405928-4, Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 25/03/2014, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 02/04/2014).” 2 A norma geral antielisão A Constituição Federal outorga poderes aos entes federativos para criar e majorar tributos, por meio de lei. Esta lei deverá descrever o fato gerador, isto é, a situação eleita pelo legislador como passível de sofrer a incidência tributária que, uma vez ocorrido no mundo fenomênico, faz nascer a obrigação tributária. Assim, uma vez ocorrido o fato gerador, surge a obrigação de pagar o tributo, contudo, existem alguns meios de se fugir da tributação os quais a doutrina costuma classificar com base na licitude. A elisão fiscal leva em consideração que o dever de pagar tributos envolve, além da segurança jurídica, a capacidade contributiva e a isonomia. Consiste em um planejamento lícito de negócios visando produzir o menor impacto fiscal. Mesmo não configurando uma infração à legislação tributária, observa Marciano Seabra de Godoi (2001 apud PAULSEN, 2014) que este instituto reflete as imperfeições do sistema tributário e destaca algumas formas de combatê-lo. A primeira forma seria o estabelecimento, pelo legislador, de normas pontuais voltadas a comportamentos específicos dos contribuintes. A segunda seria, nas suas palavras: “As chamadas normas gerais antielisão através das quais os aplicadores do direito tributário têm a prerrogativa de desconsiderarem, para efeitos tributários, a forma artificiosa e distorcida pela qual o contribuinte concatena determinados atos e negócios jurídicos com a finalidade de, chegando aos mesmos resultados econômicos, obter uma vantagem fiscal (…). As normas gerais antielisão estariam reprimindo indevidamente a liberdade contratual e a autonomia patrimonial dos indivíduos e empresas, conduzindo ao arbítrio da interpretação econômica das normas tributárias e sua integração por analogia, e por consequente, fulminando a segurança jurídica.” A evasão é a conduta de má-fé do contribuinte, por ação ou omissão, de descumprimento direto, total ou parcial, das obrigações ou deveres tributários (TÔRRES, 2003 apud CALIENDO, 2008). Alguns doutrinadores utilizam o critério cronológico para efetuar a distinção entra a elisão e a evasão. Na elisão, a conduta se verifica antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, de modo que, não infringe direito do fisco ao tributo e não viola norma legal. Na evasão, os atos constitutivos são praticados após a ocorrência do fato gerador, isto é, o imposto já é devido e o contribuinte deixa de recolhê-lo. O critério cronológico é utilizado por alguns Tribunais, conforme pode-se depreender abaixo: “Incorporação. Autuação. Elisão e evasão fiscal. Limites. Simulação. Exigibilidade do débito. 1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador. (…) (TRF-4 – AG: 44424 RS 2004.04.01.044424-0, Relator: Dirceu De Almeida Soares, Data de Julgamento: 30/11/2004, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 26/01/2005 Página: 430).” Esse raciocínio, entretanto, comporta exceções e podemos citar alguns exemplos. O momento de elaboração da declaração de imposto de renda de pessoa física (ano – exercício) é posterior ao fato gerador do tributo (ano – calendário) e ainda assim é possível fazer com que a incidência tributária seja menos onerosa, escolhendo o modelo de declaração (completo ou simplificado) para cada caso concreto. Nessa hipótese, o contribuinte estará realizando uma elisão fiscal posterior à ocorrência do fato gerador. Nos casos de contribuintes de ICMS que emitem notas fiscais fraudulentas, visando esconder a futura ocorrência do fato gerador ou diminuir o seu montante, antes da saída da mercadoria do estabelecimento comercial, tem-se uma conduta evasiva anterior à ocorrência do fato gerador. (ALEXANDRE, 2014). A elusão fiscal é caracterizada por um descumprimento indireto da norma, independente do momento cronológico do fato gerador. O contribuinte simula um negócio jurídico visando dissimular a ocorrência do fato gerador. Visando combater o abuso das formas jurídicas no direito tributário, a Lei Complementar nº 104 de 2001 criou uma norma geral antielisão ao inserir o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional com a seguinte redação: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Da leitura do dispositivo, pode-se depreender que não há uma vedação às práticas elisivas, mas tão-somente das simulatórias, dissimulatórias e elusivas. A nomenclatura é, portanto, inapropriada. O Código Civil, em seu art. 167, abaixo transcrito, traz o conceito de simulação:  “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II- contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. §2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.” Na simulação, há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelas partes no ato jurídico, com a finalidade de enganar terceiros. Apesar de dissimulação e simulação representarem falsidades da realidade, possuem significados distintos na medida em que simular significa aparentar algo que não existe e dissimular esconder algo que existe (OLIVEIRA, 2002). Dessa forma, assevera Godoi (2001 apud PAULSEN, 2014) que se o ato simulado não corresponde a uma realidade jurídica, não precisaria o legislador ordenar que o desconsidere, por isso, utilizou-se no parágrafo único do art. 116, CTN a palavra ‘dissimular’. O dispositivo visa, portanto, que o disfarce promovido por atos ou negócios jurídicos sejam desconsiderados de modo a se encontrar o verdadeiro fato gerador. 3 Responsabilidade de terceiros O terceiro responsável possui algum vínculo jurídico com a pessoa que deveria ocupar o pólo passivo da relação tributária na condição de contribuinte. A responsabilidade de terceiros é tratada no Código Tributário Nacional nos artigos 134 e 135. 3.1 Responsabilidade do art. 134, CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:  I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;  II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;  III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;  IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;  V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” Segundo o artigo em comento, na impossibilidade de se exigir o tributo dos contribuintes, responderão solidariamente as pessoas arroladas neste, nos atos em que intervierem ou forem omissos. Tem-se responsabilidade “solidária” uma vez que o legislador expressamente a trouxe como tal, porém, da leitura do dispositivo, depreende-se que se trata de uma responsabilidade subsidiária. O primeiro efeito da solidariedade, previsto no art. 124, parágrafo único do CTN, é que esta não comporta benefício de ordem. A responsabilidade na qual primeiro se cobra de uma pessoa e, no caso de insucesso, redireciona-se a cobrança a outra é subsidiária. O Ministro Luiz Fux chegou a declarar em decisões que o legislador tributário incorreu em erro: “Flagrante ausência de tecnicidade legislativa se verifica no artigo 134, do CTN, em que se indica hipótese de responsabilidade solidária ‘nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte’, uma vez cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária” (EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 09.04.2008, DJe 19.05.2008) 3.2 Responsabilidade do art. 135, CTN: O art. 135 do Código Tributário Nacional prevê uma responsabilidade pessoal, ou seja, apenas a pessoa descrita deverá pagar a dívida tributária. A responsabilidade surge quando as pessoas arroladas no dispositivo derem causa ao crédito tributário ao incorrerem em excesso de poderes ou infração à lei, estatuto ou contrato social. “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Em regra, a responsabilidade dos arrolados no art. 134 é solidária, contudo, se estes agirem com excesso de poderes, infração à lei, estatuto ou contrato social, a responsabilidade passa a ser pessoal, conforme o art. 135, I.   No que tange ao inciso III, isto é, aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, o legislador não falou em ‘sócio’. O mero sócio não se enquadra, porém, o sócio-diretor ou o sócio-gerente, incorrendo em umas das situações previstas no caput do art. 135, responderão pessoalmente, não pelo fato de serem sócios, mas por terem poder de gerência, de administração. Assim, apesar de o Código Civil, no seu art. 1052, prever que, no caso de sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, se o sócio-gerente agir como previsto no art. 135 do CTN, mesmo que a dívida tributária ultrapasse o quinhão de sua quota, responderá sozinho, pessoalmente. Deve-se atentar ainda que o mero inadimplemento de um tributo não configura infração à lei, logo, não gera responsabilidade para o sócio-gerente ou diretor. É o que determina a súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. Ocorre que a súmula em comento fala em responsabilidade solidária, enquanto o art. 135 do CTN em responsabilidade pessoal. Vem se entendendo que o STJ ignorou o tipo de responsabilidade, preocupando-se apenas em esclarecer que o mero inadimplemento de tributo não é infração à lei, por isso, não gera responsabilidade ao sócio-gerente. Por seu turno, a dissolução irregular é infração à lei, logo, gera responsabilidade para o sócio-diretor/sócio-gerente. Dispõe a súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão a qual tem servido de precedente a inúmeras outras, dado o seu teor pedagógico e entendimento pacífico da questão: “Tributário e processual civil. Execução fiscal. Responsabilidade de sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não são responsáveis pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei 6.404/1976). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária de ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. O fato do sócio ter se retirado da sociedade em data anterior a da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária discutida constitui suporte jurídico para excluí-lo de qualquer responsabilidade. Sem influência para essa caracterização a ocorrência do registro do documento comprobatório da venda das quotas na junta comercial em data posterior. 7. Prova não feita pelo Fisco de que, na época da ocorrência do fato gerador tributável, o recorrido era sócio, da sociedade ter sido dissolvida irregularmente ou de que ele exercia função de sócio-gerente. 8. Acórdão de segundo grau baseado em presunção. 9. Agravo regimental improvido (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 276.779/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 20.02.2001, DJ 02.04.2001, p. 260)” (Grifo nosso) 4 A desconsideração da personalidade jurídica e o Direito Tributário A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário é objeto de controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Segundo o art. 146, III, b da Constituição Federal, compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, no caso, ao Código Tributário Nacional, tendo em vista ter sido recepcionado com esse status. Em razão dessa reserva, parte da doutrina defende que a responsabilidade prevista no art. 50 do Código Civil não seria aplicável em matéria tributária. O Código Tributário Nacional esclarece, em seu artigo 121, que contribuinte é aquele que tem relação direta e pessoal com a situação que constitui o fato gerador, isto é, que pratica o fato gerador, enquanto que responsável tributário é aquele que, sem revestir da condição de contribuinte, por ter uma relação indireta com a situação que consiste no fato gerador, a lei exige que pague o tributo.  Nos artigos seguintes, o legislador trata das hipóteses de solidariedade e responsabilidade de terceiros. Infere Luciano Amaro (2006): “Resta examinar a desconsideração da pessoa jurídica (propriamente dita), que seria feita pelo juiz, para responsabilizar outra pessoa (o sócio), sem apoio em prévia descrição legal de hipótese de responsabilização do terceiro, à qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa formulação teórica da doutrina da desconsideração, não vemos possibilidade de sua aplicação em nosso direito tributário. Nas diversas situações em que o legislador quer levar a responsabilidade tributária além dos limites da pessoa jurídica, ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento da obrigação tributária. Trata-se, ademais, de preceito do próprio Código Tributário Nacional que, na definição do responsável tributário, exige norma expressa de lei (arts. 121, parágrafo único, 11, e 128), o que, aliás, representa decorrência do princípio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas pelo legislador, não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou desconsiderar) o sujeito passivo legalmente definido e imputar a responsabilidade tributária a terceiro.” Alguns tribunais já pacificaram o entendimento de que o art. 50 do Código Civil não é aplicável a dívidas de natureza tributária: “Processual civil e tributário. Agravo de instrumento. Medida cautelar fiscal. Execução fiscal. Incidental. Requerido considerado corresponsável tributário. Redirecionamento. 60 dias. Obrigatoriedade. Constrição patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica. Norma específica. Art. 135, III, CTN. 1. Por se tratar de dívida de natureza tributária, é inaplicável o art. 50 do CC para o fim de desconstituir a personalidade jurídica da sociedade devedora, uma vez que a norma adequada à responsabilização solidária do sócio-administrador tido por corresponsável tributário é aquela prevista no art. 135, III, do CTN. 2. A certeza da responsabilidade tributária do terceiro apontado como corresponsável pelos débitos perseguidos deve ser resultado de processo administrativo prévio, mediante apuração realizada nos termos dos pressupostos legais, e inscrição em dívida ativa. Esta a condição essencial que determinará a legitimidade passiva do sócio na respectiva execução fiscal. 3. Não comprovado que o agravante figura como devedor principal e corresponsável tributário pelos débitos que se pretende garantidos em sede cautelar, deve ser observada a exigência prevista no art. 11 da Lei 8.397/1992. 4. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (TRF-1 – AI: 00286818720154010000 0028681-87.2015.4.01.0000, Relator: Desembargadora Federal Maria Do Carmo Cardoso, Data de Julgamento: 11/12/2015, Oitava Turma, Data de Publicação: 29/01/2016 e-DJF1)” (Grifo nosso) “Processual civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Inmetro. Multa administrativa. Natureza não tributária. Redirecionamento da execução para os sócios. Art. 135, CTN. Inaplicabilidade. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Art. 50 do Código Civil. Ausência de comprovação dos requisitos legais. 1. É pacifico na jurisprudência desta egrégia Corte que são inaplicáveis as disposições do art. 135 do CTN aos casos de dívida de natureza não tributária. 2. Ainda que fosse aplicado ao caso o disposto no mencionado artigo, o mero inadimplemento da obrigação tributária não enseja responsabilização dos sócios. 3. Tratando-se, portanto, de dívida civil, a autorização para a desconsideração da personalidade jurídica da empresa depende de prova de existência de fraude, que caracterize o desvio de finalidade das atividades e/ou confusão patrimonial, nos moldes do artigo 50 do CC. 4. A desconsideração da personalidade em relação aos sócios é medida excepcional, devendo a parte exequente demonstrar a presença dos requisitos que a ensejam, o que não se verifica no caso em apreço. 5. Agravo de instrumento não provido. (TRF-5 – AG: 415998320134050000, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Data de Julgamento: 13/02/2014, Terceira Turma, Data de Publicação: 18/02/2014)” (Grifo nosso) Aqueles que entendem pela aplicação da teoria nas relações jurídico-tributárias afirmam que existe dispositivo de lei complementar autorizativo. Baseiam-se estes nos incisos VII e III dos artigos 134 e 135, respectivamente, do Código Tributário Nacional ou no parágrafo único do art. 116 do mesmo diploma legal. Corroborando com essa primeira corrente, explica Eduardo Sabbag (2014): “O CTN permite a comunicabilidade entre o patrimônio da empresa e o patrimônio do sócio, mediante o instituto da despersonalização (desconsideração) da pessoa jurídica. Tal evento ocorrerá em virtude da identificação do sócio com a condição de “diretor” ou “gerente”, ao executar atos inequívocos de condução da sociedade. Ademais, impende destacar que a aplicação da responsabilização pessoal ocorrerá em face de dolo ou má­-fé, uma vez que tais predicados estão ínsitos à aplicação da teoria do disregard of legal entity. Destarte, dois são os pressupostos autorizadores de um legítimo redirecionamento de cobrança tributária: o preenchimento da condição de “gerente” e/ou o comportamento fraudulento.” O próprio Superior Tribunal de Justiça diante de casos suscetíveis de responsabilidade pessoal a que se refere o art. 135, declara estar utilizando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica: “Tributário. Execução fiscal. Dissolução irregular de sociedade empresária. Sócio contra o qual não se comprovou indício de gestão fraudulenta. Redirecionamento. Impossibilidade. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, sob o rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento segundo o qual o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou no caso de dissolução irregular da empresa. 2. A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional, apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei. 3. O indício de dissolução irregular da sociedade não é, por si só, apto a ensejar a responsabilidade pessoal dos sócios, pois a aplicação do art. 50 do CC depende da verificação de que a personalidade jurídica esteja sendo utilizada com abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no REsp: 1473929 SP 2014/0186872-5, Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 21/10/2014, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 29/10/2014)”. (Grifo nosso) “Direito processual civil e direito tributário. Agravo inominado. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Dissolução irregular. Redirecionamento. Grupo econômico de fato. Desconsideração da personalidade jurídica. Recurso desprovido. (…) 2. Quanto à questão do redirecionamento, foi fartamente examinada a matéria pelo colegiado, no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça admite redirecionamento de executivo fiscal em caso de abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade, confusão patrimonial ou fraudes entre empresas e administradores integrantes de grupo econômico, com estrutura meramente formal, a teor do que dispõe o artigo 50 do Código Civil de 2002. 3. Caso em que existem provas bastantes da existência de grupo econômico de fato entre a executada e as agravantes, bem como das hipóteses que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica. (…) 13. Dessa forma, havendo indícios probatórios suficientes para caracterizar a responsabilização das agravantes pelos débitos fiscais da executada, dada a confusão patrimonial, encerramento irregular e esvaziamento da empresa executada, em prejuízo de créditos tributários que ultrapassam os dez milhões de reais, como informado pela PFN, deve ser mantida a decisão que afastou a ilegitimidade passiva ad causam e manteve o redirecionamento (…). (TRF-3 – AI: 26210 SP 0026210-49.2012.4.03.0000, Relator: Desembargador Federal Carlos Muta, Data de Julgamento: 18/07/2013, Terceira Turma).” (Grifo nosso) Para os que defensores da segunda corrente, isto é, da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no parágrafo único do art. 116, esta norma autoriza a autoridade administrativa a desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade, independentemente de decisão judicial. Alguns entendem, inclusive, que já existe uma norma regulamentadora do referido dispositivo, no caso, o art. 50 do Código Civil. Os contrários a essas correntes argumentam que para que a desconsideração seja aplicada deverá haver abuso da personalidade jurídica, o que não se exige em se tratando da responsabilidade dos sócios contemplada nos artigos 134 e 135. Salienta-se ainda que não é preciso desconsiderar a empresa para imputar as obrigações aos sócios já que essa responsabilidade decorre de preceito legal. Nesse sentido, o Fórum de Execuções Fiscais da Segunda Região -Forexec aprovou o Enunciado de número 6, dispondo que “a responsabilidade tributária regulada no artigo 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no artigo 133 do CPC/2015[2]”. Por fim, no que tange à norma antielisiva, asseveram que esta apenas estabelece a possibilidade de serem desconsideradas as formas como os sujeitos passivos da relação tributária realizaram seus atos e negócios jurídicos, viabilizando o arbitramento do montante do crédito tributário pela autoridade administrativa. Portanto, não se refere à superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para atribuição de responsabilidade tributária a estes. Conclusão A desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento no combate às condutas fraudulentas e abusivas. Contudo, em face da relevância da separação patrimonial entre pessoa física e jurídica para viabilizar a atuação econômica, deve ser aplicada em caráter excepcional, apenas quando configuradas as circunstâncias autorizadoras previstas em lei. A doutrina e a jurisprudência nacional não são pacíficas a respeito da aplicabilidade desse instituto no âmbito do direito tributário, e aqueles que defendem ser possível não estão em consenso quanto ao fundamento que a sustenta. Neste trabalho, apresentou-se os argumentos de ambos os lados da questão após uma análise dos dispositivos que os embasam.
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Da limitação aos tratados internacionais sobre bitributação e sua diferença com o bis in idem
Este presente artigo tratará sobre os tratados internacionais no âmbito da bitributação e como estes são importantes para o fortalecimento das relações comerciais entre países ao facilitarem o ingresso de empresas estrangeiras em seus mercados, também iremos fazer aqui as devidas diferenciações entre os termos bitributação e bis in idem. Temos que esses acordos internacionais tem o objetivo principal de trazer mais capital financeiro para o mercado interno, fortalecendo o mercado.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Observando os acontecimentos que ocorrem no mundo atual, e com o aumento das relações entre países, observamos cada dia mais um ambiente globalizado, onde os tratados surgem como uma importante medida para evitar a ocorrência da bitributação entre os sistemas tributários dos países, que aparece como um obstáculo às relações internacionais com foco econômico. Isso é importante já que o fato de ter que pagar um mesmo imposto vem a desencorajar que empresas busquem uma diversificação dos seus interesses e investimentos em mais de uma economia. Esse tipo de atuação por parte dos Estados, ocorre com o objetivo de buscar mais investimentos internacionais em seus territórios, fazendo-se necessária a adoção desta atuação política com um fim estritamente econômico, realizando com isso uma delimitação da competência econômica às quais possuem, determinando limites para evitar a ocorrência do fenômeno da bitributação. Outrossim, existem alguns objetivos quando da assinatura de referidos tratados, quais sejam: a prevenção para evitar o desestímulo com os investimentos, por conta da grande carga tributária existente; o estreitamento das relações entre os Estados com relação às matérias tributárias; e a proteção para o contribuinte com relação à bitributação internacional. Para tratar sobre este tema, precisamos traçar, primeiramente, as normas do direito internacional e do direito constitucional, que determinam o caminho pelo qual os tratados internacionais seguem para o ingresso no ordenamento jurídico, passando desde o seu histórico até a ratificação por parte do Congresso Nacional. Com o que iremos discorrer aqui neste artigo iremos comprovar a importância dos tratados internacionais que possuem o foco em evitar a bitributação, fortalecendo as relações econômicas internacionais, dando garantia aos investidores internacionais que atuam em tais países. Além de tratarmos sobre essa questão, para melhor entendimento do leitor, cabe-nos fazer uma análise e diferenciação com o que a doutrina entende como bis in idem, e os conflitos que podem gerar ao não se diferenciar dos conceitos de bitributação. O tema que discorremos aqui é de uma conjuntura bem atual e por este motivo entendemos que foi importante a nossa escolha para discorrer sobre o mesmo neste trabalho de conclusão de curso. 2. ASPECTOS RELEVANTES SOBRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS a. Conceito Tratare-mos um pouco aqui sobre os tratados internacionais, sua conceituação, organização no ordenamento jurídico e histórico, como embasamento para em seguida ater-se ao tema propriamente dito da bitributação. Tendo como comparação as grandes somas de discussões que surgem acerca desses, o conceito de tratados internacionais é de certa maneira simples, sendo definido na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, que é o texto base para o qual a comunidade internacional precia respeitar quando da elaboração de um tratado, em seu artigo segundo como sendo "um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita é regulado pelo direito internacional consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica"[1], bem como possuem a sua aceitção tipificada em nossa Constituição Federal em seu art. 5º, § 2º. Seguindo a mesma ordem, José Francisco Rezek nos diz que "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”[2].      Observando os conceitos acima determinados, teoricamente percebemos que, em regra, depois de firmados, os conceitos defendidos junto aos tratados devem ser inseridos no sistema jurídico,contudo, cabe-nos salientar que alguns geram grandes controversias entre os doutrinadores brasileiros.      Entendemos que os tratados internacionais são de natureza formal, observando que possuem e devem respeitar um procedimento específicode discussão, elaboração, conferencias e aprovação para que venham ingressar no ordenamento, os quais iremos explicar a seguir. b. Do caminho para a elaboração Toda negociação para a assinatura de um tratado internacional vem a seguir os meios e é dividido em quatro fases, a fase da negociação, a fase da assinatura, a fase da ratificação parlamentar e a fase da promulgação, às quais iremos explicar nas linhas seguintes. c. Da negociação A primeira fase seria a de negociação ou conferencias, é a fase inicial e geralmente ocorre por membros designados pelos governos e, se necessário, acompanhados de especialistas no assunto, culminando com a elaboração de um texto a ser aprovado em fases futuras. O nosso texto constitucional afirma que a competência para a atuação na fase de negociações é do Chefe do Executivo, ou seja, do Presidente da República. Entretanto, este pode designa-la de uma forma limitada para o Ministro das Relações Exteriores ou outros Ministros da área que esteja sendo negociada, como nos fala Valerio de Oliveira Mazzuoli em seu livro Curso de Direito Internacional Público: “[…] nos termos da Convenção de Viena de 1969, para que um tratado seja considerado válido, requer-se que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham (1) capacidade para tal, que os seus agentes signatários estejam (2) legalmente habilitados (por meio de carta de plenos-poderes, assinada pelo Chefe do Executivo e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores), que haja (3) mútuo consentimento (que se revela no livre e inequívoco direito de opção do Estado, manifestado em documentação expressa) e que seu objeto seja (4) lícito e materialmente possível.”[3] Após tais negociações, é elaborado um texto escrito, que trata-se do tratado em si, e que será votado pelos membros participantes, como nos fala o artigo 9º da Convenção de Viena, e que os mostra que a aceitação deve ser realizada por dois terços dos membros presentes e votantes, com a observância de que por mesma maioria os Estados podem vir a escolher uma nova regra. d. Da assinatura Com a finalização do texto e a sua aprovação na fase anterior, diferentemente de outros países, antes da assinatura, o projeto do tratado precisa seguir um raminho dentro do Ministério das Relações Exteriores, que são a Comissão Jurídica do Itamaraty, que realizará uma análise com relação aos aspectos do direito sobre o tema em questão e em seguida passará pela Divisão de Atos  Internacionais, que fará um parecer sobre os aspectos processuais do acordo, e isso ocorre para que não venha a ocorre problemas relacionados com o controle de constitucionalidade. Após a aprovação por parte do Ministério, o tratado estará pronto para que seja assinado pelas partes. No Brasil, segundo a tradição das relações internacionais brasileiras, qualquer autoridade que venha a possuir a carta de plenos poderes assinada pelo Presidente pode vir à faze-lo. Entretanto, o fato de o Chefe do Executivo ou o detentor da carta de pleno poderes ter assinado o tratado, este não vem a vincular o estado, e isso só irá ocorrer a partir do momento no qual o tratado seja ratificado pelo Poder Legislativo, que deve ocorrer de acordo com o tipificado em nossa Carta Magna em seu artigo 49, I. e. Da ratificação Essa é considerada a fase mais importante pelo entendimento da doutrina vigente e é estabelecida pela Convenção de Viena em seu artigo 14 da seguinte forma: “Artigo 14 – Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Ratificação, Aceitação ou Aprovação 1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação:  a)quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação;  b)quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação seja exigida;  c)quando o representante do Estado tenha assinado o tratado sujeito a ratificação; ou  d)quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.  2. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela aceitação ou aprovação em condições análogas às aplicáveis à ratificação”.[4] Como pudemos mostrar no texto do artigo acima, os tratados só passam a ser validos a partir da ratificação, mesmo que não esteja expresso no texto, conforme pudemos observar da jurisprudência. Após a ratificação, o tratado passa a ser tido como valido em âmbito internacional, contudo, para que venha a ser válido no direito interno, precisa-se que ele obedeça os ritos existentes na legislação específica, e que no caso do nosso país precisamos fazer a combinação de dois artigos. Quais sejam esses dois artigos, o 49, I que já referimos anteriormente, combinado com o 84, VIII, ambos da Constituição Federal. É consenso entre os operadores do direito de que o ato da ratificação, que deve vir a ser realizado por escrito como nos traz o artigo 5º da Convenção de Havana[5], mas que precisam ser regulamentados também pela legislação nacional, não pode vir a retroagir, e que os efeitos decorrentes da assinatura do tratado pelo Estado só poderão fazer efeito daquele momento em diante. f. Da promulgação Com esse ato, o Estado vem a tornar pública a existência do tratado, e que atravessou todos os trâmites legais e que a partir daquele momento precisam ser respeitados pela população. Essa fase precisa ocorrer para que tenhamos efeitos quanto aos tratados no direito interno, e possuindo dois efeitos, o de tornar público e o seguindo de confirmar a passagem por todos os caminhos necessários conforme já informamos anteriormente. A partir desse momento o tratado passa a ser valido perante o ordenamento jurídico brasileiro. g. Classificação Para que possa ocorrer um tratado, precisamos vir a obedecer alguns critérios básicos, quais sejam estes, que seja por escrito, capacidade para realiza-lo, e que devem ser regidos pelo direito internacional. Quanto à sua classificação, trataremos aqui não com relação a todas, mas apenas aquelas que entendemos como fundamentais para os assuntos que transcorremos neste artigo. Assim, eles podem ser bilaterais ou multilaterais, esses tratados multilaterais podem ser por estados específicos, como o tratado de Maastricht, que veio a instituir a União Europeia ao entrar em vigor em primeiro de novembro de 1993, onde os Estados membros precisam aprovação dos membros já existentes para que possam ingressar, ou abertos para que qualquer um venha a assinar, como a carta da Organização das Nações Unidas. Os tratados também podem ser classificados como contrato, onde passa a existir uma gama de condutas a serem respeitadas reciprocamente por parte dos Estados membros, ou os que são chamados de tratados-lei, constitui um conjunto de normas que precisam ser aplicadas por parte dos Estados que o assinarem, bem como por aqueles que desejem o fazer. Quanto ao tempo que devem vigorar, os tratados podem ser indeterminados, como o próprio nome já fala, não possuem no corpo de seu texto nenhuma data para a qual ele deixará de entrar em vigor, apenas tendo a data de início, necessitando que ocorra uma deliberação entre os membros para que ele deixe de produzir efeitos, ou por tempo determinado, que é aquele onde o próprio texto que instituiu o tratado já traz, expressamente, a data de início e de termino da cooperação entre os Estados quanto àquele determinado tema. h. Do ingresso no âmbito jurídico brasileiro De tudo o que tratamos no âmbito desse capítulo sobre os tratados internacionais, chegamos a um momento de suma importância, que seja o da análise das formas de ingresso dos textos cooperativos perante o ordenamento jurídico brasileiro. A nossa Constituição regulamenta como essa situação deve ocorrer em dois casos, a partir de modificações trazidas pela EC nº 45/2004[6] que fez a equiparação dos os tratados internacionais de direitos humanos com uma Emenda Constitucional, mas para isso para entrar em vigor, eles precisam ser submetidos ao mesmo processo de aprovação das emendas, qual seja, o de passar por dois turnos de votação nas duas casas com aprovação da maioria absoluta de três quintos dos votos, enquanto que os tratados internacionais que não possuem assunto relativo aos direitos humanos apenas passam por uma votação em cada uma das casas com a necessidade apenas da aprovação por maioria simples. Contudo, essa alteração gerou um imbróglio jurídico, quanto ao que aconteceria com os tratados internacionais que não são de direitos humanos e como eles devem ser aceitos e compreendidos no ordenamento jurídico, e para isso Luiz Flavio Gomes nos mostra de seguinte forma: “[…] Mas nesse primeiro momento gostaríamos de enfocar o nível hierárquico do Direito internacional que não cuida dos direitos humanos. Pensamos que essa continua sendo uma questão aberta na jurisprudência brasileira, não obstante (como sublinhamos acima) a doutrina internacionalista já entender (há muitos anos, desde as primeiras lições de Accioly no Brasil) que tais tratados valeriam mais do que a lei. Contudo, no que tange ao Supremo Tribunal Federal, a questão realmente ainda se encontra em aberto. A velha doutrina do STF diz que o status normativo de um tratado comum no plano do nosso direito interno seria o mesmo das leis ordinárias. Mas esse é um tema sobre o qual o próprio STF terá que refletir. Cuida-se de uma zona do Direito (ainda) indefinida naqueles países que não têm em suas Constituições regras claras a esse respeito, países dos quais o Brasil indubitavelmente faz parte. A tendência da Corte Suprema brasileira (ao que tudo indica) consiste em reconhecê-los como direito ordinário. Aliás, pela jurisprudência atual do STF não se pode mesmo negar esse status equivalente à lei ordinária. Exceção a essa regra constitui o Direito Tributário (art. 98 do CTN). Tratados de direito tributário possuem valor supralegal.”[7] Com esse texto do professor Luiz Flavio Gomes explicamos um pouco do conceito da aceitação dos tratados internacionais, e já passamos a ingressar mais propriamente no nosso tema dos tratados internacionais referentes ao direito tributário, observando o que encontra-se disposto no artigo 98 do nosso Código Tributário Nacional[8], que nos mostra que os tratados e convenções internacionais que forem firmados pelo nosso país revogam ou modificam as leis positivas do direito tributário brasileiro, e precisam ser observadas por aquelas normas que forem de hierarquia superior àquela, como por exemplo a própria Constituição Brasileira. Quando chegamos nesse ponto, temos um imbróglio existente entre a competência tributária dos entes federativos, pois doutrinadores entendem que a União ao firmar tratados internacionais estaria interferindo com a competência dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, vindo a ferir o pacto federativo, juntamente ao falarmos da vedação do artigo 151, III da Constituição de 1988. Contudo, os juristas entendem que esse problema é sanado com a teoria de que ao firmar o acordo internacional, o Presidente da República não o faz como representante da União mas como chefe de Estado, representando o Estado Brasileiro, o que não inclui na vedação do artigo citado acima, pois o artigo vem a falar da União e não da República Federativa do Brasil. Para exemplificar o que acabamos de falar trazemos o artigo 84 de nossa Carta Magna, que trata dos atos privativos do Presidente da República, observando mais especificamente no inciso VIII que vem a falar dos tratados: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da república: […] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional;” Continuamos trazendo os ensinamentos de Betina Grupenmacher, para mostrar o que os Estados praticam ao assinarem acordos internacionais, e que precisam relevar um pouco da sua abrangência jurídica para um bem maior para o país, aqui não falamos totalmente sobre o caso da competência tributária mas apenas para iniciarmos a justificativa do que discorremos acima: “[…] os tratados internacionais refletem hipóteses em que cada um dos Estados signatários abre mão de parcela de sua soberania acatando as disposições de uma convenção que reconhece como expressão máxima das regras de bem viver da comunidade internacional”[9] Entendemos que a partir do momento em que são assinados os tratados, e com sua ratificação, precisa-se que seja aplicado o princípio da “lei posterior”, para que o ordenamento jurídico brasileiro fique de acordo com as relações internacionais. Com as explicações que fizemos acima, agora podemos explicar o entendimento da doutrina de que o Presidente atua como chefe de Estado. O professor Roque Antônio Carraza nos traz da seguinte forma: “[…] não é a união, enquanto ordem jurídica parcial central, que firma o tratado internacional, mas, sim, a República Federativa do Brasil, enquanto ordem jurídica global (o Estado brasileiro), contrapomos que, no plano interno, mesmo quando esta pessoa política representa a Federação, não pode conceder isenções heterônomas, com exceção das expressamente autorizadas nos arts. 155, § 2º, XII “e”, e 156, § 3º, II, ambos da CF. […] o tratado internacional não pode obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a abrirem mão de parte ou da totalidade de suas competências tributárias. Nem mesmo quando ratificado por meio de Decreto legislativo”[10] Mesmo sendo a corrente majoritária, existe uma outra versão que possui o mesmo fim com relação ao chefe de estado mas para obter esse objetivo, utiliza-se de outras formas como explicaremos com os ensinamentos de José Afonso da Silva em seu livro Curso de Direito Constitucional Positivo: “[…] o estado federal – a Republica Federativa do Brasil – é que é a pessoa jurídica de Direito Internacional. Na verdade, quando se diz que a União é pessoa jurídica de Direito Internacional, não se está dizendo bem, mas quer-se referir a duas coisas: a) as relações internacionais da República Federativa do Brasil realizam-se por intermédio de órgãos da União, integram a competência desta, conforme dispõe o art. 21, incs. I a IV; b) os Estados federados não tem representação nem competência em matéria internacional, nem são entidades reconhecidas pelo Direito Internacional, são simplesmente de direito interno.”[11] A partir do que discorremos até o presente momento neste artigo, podemos começar a encaminhar o leitor para o assunto específico do tema que nos dispomos a tratar aqui, relativamente aos tratados internacionais sobre a bitributação, diferenciando-o do bis in idem. 2. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE A BITRIBUTAÇÃO O primeiro acordo com o objetivo de evitar a bitributação de que se tem notícia foi firmado entre a Prússia e a Saxônia no ano de 1869. Com o passar dos anos observamos que muitas vezes esses tipos de tratados foram utilizados para melhorar as relações comerciais entre os Estados, objetivando vir a aumentar o desenvolvimento destes, podendo existir aqui exemplos de acordos comerciais, acordos de cooperação militar, entre outros inúmeros exemplos referentes à matéria tributária e que seria apenas exaustivo para o leitor que fosse tratado aqui. Entretanto, mesmo sabendo que acordos e tratados internacionais já são firmados a muito tempo, os que objetivam tratar exclusivamente da possibilidade de se evitar a bitributação são até certo ponto recentes, começando a se intensificar a partir do fim da primeira guerra mundial e do início do mundo mais globalizado. Precisamos dividir a evolução histórica desse tipo de tratado em três momentos, quais sejam: a primeira no período anterior à primeira guerra mundial; a segunda no período entre guerras; e a terceira no período posterior à segunda guerra mundial. Já tratamos sobre a questão da primeira fase, então passaremos a falar sobre as outras duas. Compulsando a história, observamos que o primeiro tratado internacional sobre a bitributação ocorreu na segunda fase ou o período entre guerras, sendo firmado entre Alemanha e Itália, servindo de molde para vários outros que vieram a surgir depois. Na terceira fase, após o fim da segunda guerra mundial, tivemos um aumento efetivo na elaboração e assinatura de tratados internacionais, incluindo como membros principalmente com a Inglaterra e os Estados Unidos, que nesse período objetivavam ter um aumento nas relações econômicas. Mas o que mais vai importar para a questão da bitributação no cenário brasileiro vem a partir da assinatura de um tratado em 1960 que instituiu a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, conhecida pela sigla OCDE, que passou a entrar em vigor no dia 30 de setembro de 1961. Esta organização desenvolveu um modelo baseado em estudos, objetivando evitar que tenhamos a bitributação de impostos entre Estados, que foi publicado em 1963 sobre o nome de “Projeto de Convenção de Dupla Tributação em Matéria de Rendimento e de Capital”[12], que possui além dos modelos, alguns comentários explicativos para facilitar o entendimento daqueles que o forem utilizar. Esse modelo perdurou até 1992, quando a OCDE decidiu pela publicação e divulgação de um novo modelo, que é utilizado até os dias de hoje, mas sofrendo alterações, sendo a última delas tido sido realizada no ano 2000, passando a ser chamada de Convenção-Modelo da OCDE. Cabe-nos ressaltar que esta convenção serve apenas de modelo, não sendo obrigatório que ela seja seguida por inteiro pelo fato de o país ser membro da organização, para justificar isso, podemos citar o caso do Brasil que organiza os tratados em artigos, e não em capítulos como podemos observar no modelo, contudo, é mantida a mesma ordem contextual. 3. A BITRIBUTAÇÃO EM ÂMBITO MUNDIAL A bitributação, no sentido amplo da palavra, ocorre quando dois entes com capacidade tributária decidem estabelecer um tributo sobre um mesmo fato gerador. O conceito que citamos acima é na forma geral, ou seja, pode ocorrer dentro do próprio ordenamento jurídico brasileiro, o que estaria em desacordo com vários princípios basilares do direito tributário que existem como forma de proteção ao contribuinte, mas observamos que não existe nenhuma vedação quanto a esse assunta na Constituição de 1988. Já em âmbito internacional, quando vamos falar sobre esse mesmo assunto, para que seja considerada como uma bitributação, precisamos que quatro conceituações sejam as mesmas, quais sejam essas: primeiramente a identidade do sujeito passivo, ou seja, o contribuinte; em segundo plano a identidade do período tributário; em terceiro plano temos a identidade do objeto; e a quarta e última identidade que devemos considerar aqui é a identidade do imposto. Entretanto, precisamos para compreender o que seria a bitributação no âmbito internacional, escutar o que nos fala o professor Heleno Taveira Torres em seu livro Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas[13] que o problema que encontramos quanto à questão da bitributação internacional localiza-se na relação entre dois ou mais sistemas tributários de estados soberanos, apresentada por concursos nas pretensões impositivas em detrimento um mesmo ato de produção de valores, em base transnacional. Utilizando-se dos ensinamentos do eminente doutrinador podemos chegar à afirmativa de que os atos proveem de um mesmo fato gerador mas em sistemas tributários distintos, não existindo aqui nenhuma relação de hierarquia entre tais normas, surgindo a necessidade da existência de negociações entre os mesmos estados soberanos. Contudo podemos ter mais problemas quando da determinação da existência ou não da bitributação, pois os países podem vir a ter os seus códigos tributários baseado em duas formas distintas por meio das quais os entes realizam a tributação dos seus cidadãos. Sejam elas baseadas no princípio da territorialidade, ou seja, pelo critério da fonte, sendo o sujeito passivo cidadão ou não, apenas por estar no território onde incide o tributo; já o segundo case baseia-se no princípio da universalidade, analisando-se este teorema por duas características, a primeira sendo o critério da cidadania, o indivíduo é natural do país e a segunda pela característica é a da residência, onde o indivíduo não é natural mas mora no estado. Iniciaremos os comentários sobre essas teorias a partir da do princípio da universalidade, e sabemos que nesta o país poderá vir a tributar o sujeito passivo do imposto em qualquer lugar, mesmo ele não estando no local de sua residência, pois como relatamos no parágrafo anterior, utiliza-se apenas do fato de este ser cidadão ou residente, não importado onde o fato gerador for vir a ocorrer. Aqui, conforme explicamos, temos a conexão pessoal e não se faz mais necessário outra justificativa para que a tributação venha a ocorrer. Esta teoria é a defendida pelo doutrinador Sacha Calmon. Diferentemente da anterior quando estávamos nos referindo ao critério pessoal, na segunda teoria, observamos a utilização do critério territorial, ou seja o critério espacial da regra matriz de incidência tributária para a impetração do tributo ao contribuinte. Explicamos para melhor entendimento do leitor, todo e qualquer rendimento tributável que vier a ocorrer dentro do território será fruto da impetração do imposto, não fazendo distinção de o contribuinte ser nacional ou não. Contudo, o fato de existirem duas teorias distintas não vem a proibir que elas sejam usadas em uníssono no código tributário de um país, tendo o contribuinte sendo tributado em consoante pelo princípio da universalidade e pelo princípio da territorialidade, e é aqui que começa a surgir o problema onde a competência de um passa a interferir na do outro. De forma simples podemos fazer uso da regra dos conjuntos que aprendemos com a matemática para explicar de forma melhor e facilitar o entendimento. Trabalharemos aqui com dois círculos, temos um de um lado e outro de outro, enquanto eles estão apenas fazendo uso de uma das teorias da incidência tributária, eles são chegam a e tocar, mas a partir do momento que um ou os dois utilizam-se dos dois critérios eles sobrepõem-se um sobre o outro, ocorrendo a interseção dos conjuntos, e esta seria a bitributação. Explicada a teoria, passamos a falar mais especificamente do caso do Brasil, onde foi adotada a teoria do princípio da universalidade conforme o artigo 25 da Lei 9.249/95, que estabeleceu o critério pessoal para aqueles qualificados como residentes mantendo o princípio da territorialidade apenas para aqueles entendidos como não residentes. Dessa forma, a renda do brasileiro que será tributada deverá ser calculada em função dos rendimentos que forem obtidos em qualquer parte do mundo, pois tem como critério o domicílio. Conforme a lei que mencionamos, a partir de 1995, o Imposto de Renda no Brasil passou a atingir aqueles que moram no exterior, mas que não alteraram o domicilio para lá, ou seja, se residem fora mas o domicilio continua no Brasil, incidirá o Imposto de Renda, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica. Com o que acabamos de explicar aqui, já dá pra se ter uma ideia quanto ao porquê de a bitributação receber inúmeras críticas já que vem a ser considerada como um entrave para o aumento das relações comerciais e econômicas entre os países, limitando inclusive as transferências de tecnologia que as empresas buscam ao procurar parceiros que tenham mais experiência na área em que trabalham. 4. DAS DIFERENÇAS ENTRE A BITRIBUTAÇÃO E O BIS IN IDEM A bitributação e o bis in idem podem possuir conceitos até parecidos, mas o que diferencia-os primordialmente é o fato de o primeiro não possuir tipificação em nosso ordenamento jurídico, e ser proibida à exceção de dois caso específicos, enquanto que o segundo é expressamente autorizada. No decurso do nosso trabalho já conceituamos o que seria a bitributação, dessa forma não convém fazê-lo novamente, o que só tornaria o texto mais chato e repetitivo para o leitor, por isso só traremos aqui a conceituação do que seria bis in idem. Quanto às exceções referentes à bitributação, temos que a primeira decorre do artigo 154,II da Constituição Federal, que o transcorremos a seguir: “Art. 154. A União poderá instituir: II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”.[14] Como traz expressamente a nossa Carta Magna, para angariar recursos, em caso de guerra, a União pode fazer uso da bitributação editando leis que instituam imposto extraordinários sobre fatos geradores já tarifados. A segunda exceção decorre do âmbito internacional, e é mais ligada ao tema propriamente dito deste presente artigo que estamos produzindo. Qual seja, a de o contribuinte recolher um tributo em um estado e também o ser devido em outro, podendo ser regulado por tratado ou convenção internacional, que é exatamente o que defendemos aqui. Já quando vamos falar sobre o bis in idem, precisamos primeiramente expressar o que seria o significado do termo, que seria exatamente duas vezes sobre a mesma coisa, e ocorre na prática quando o mesmo fato jurídico é tributado mais de uma vez pela entidade detentora da competência tributária para tal, temos como exemplo dessa situação o caso do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que possuem como mesmo fato gerador a questão de auferir lucro em sua atividade. O bis in idem é permitido no âmbito jurídico mas precisa respeitar uma regra específica, que é a de respeitar os limites estabelecidos na Constituição Federal, já que a competência tributária é matéria de direito constitucional. Dessa forma, um ente federativo apenas pode fazer uso desse instituto se ele for competente para instituir o imposto. Por exemplo, no caso que citamos acima, tanto o Imposto de Renda como a CSLL são de competência da União. Assim, um município não pode fazer uso do bis in idem e instituir uma contribuição sobre o lucro das empresas, pois essa matéria é de exclusividade da União. 5. DOS TRATADOS COMO SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DA BITRIBUTAÇÃO Depois de ter transcorrido sobre o tema em todos os capítulos anteriores, trazendo desde os conceitos e até um pouco da história do aparecimento dos tratados internacionais chegamos a o momento em que justificamos o nosso posicionamento quanto da aceitação dos acordos como forma de regulação e melhora dos mercados comerciais e econômicos, objetivando um desenvolvimento dos países signatários. Os tratados internacionais são entendidos como forma de se delimitar as competências tributárias dos países signatários, enquanto fontes produtoras dos rendimentos tributáveis ou de residência com o objetivo de realizar uma limitação da sua soberania tributária com o viés de evitar a bitributação. De outro modo, esses mesmos acordos, podem vir a ter como objetivo a eliminação por completo da bitributação, e para isso precisa-se que seja feita também uma intervenção econômica, para que seja o dado ao contribuinte o direito de realizar uma compensação deduzindo os valores pagos a título de um tributo pago no exterior Com essas medidas que citamos acima, podemos observar que os Estados Nacionais encontram-se frente a um novo imbróglio jurídico, qual seja este, o de conferir ou não uma possível preferencia do direito internacional em detrimento do direito interno dos seus países. Quanto a isso ainda não existe uma pacificação dessa questão por parte do Supremo Tribunal Federal, mesmo observando que existem preceitos legais em nossa Constituição Federal no artigo 4º, IX e parágrafo único, e no artigo 5º, parágrafo 2º, como também no artigo 98 do Código Tributário Nacional, além dos pareceres doutrinários. Outrossim, já temos como tendência da jurisprudência em nosso ordenamento, da prevalência do direito internacional sobre os ditames jurídicos do direito interno, objetivando o contexto atual onde os povos estão sempre à busca de uma melhor relação entre os países. Esse tipo de atuação e a adoção à qual o Supremo Tribunal Federal possa vir a realizar só nos mostra o primado que República Federativa do Brasil visa manter o prestígio internacional, respeitando o direito das gentes ao se expressar seja na ordem internacional ou de forma mais direta no ordenamento jurídico brasileiro. Mas já temos alguns exemplos disso como quando do julgamento do Recurso Especial nº 349.703[15], que o Supremo Tribunal Federal entendeu de acordo com o artigo 98 da legislação tributária brasileira pela supralegalidade dos tratados internacionais, ao analisar um caso de prisão de depositário infiel, o que podemos trazer por analogia para o caso dos acordos internacionais de direito tributário para evitar a bitributação. CONCLUSÃO O Brasil é um país que visa almejar uma maior expressão no senário mundial, por esta razão é possível observar uma grande atuação no cenário mundial, participando de quase todas as mobilizações internacionais para melhora da qualidade de vida do cidadão, seja visando apenas o contexto de nossa República Federativa ou quando ampliamos mais para o contexto dos habitantes do planeta. Isso pode ser evidenciado em sua participação como exemplo do tratado que instituiu o protocolo de Kyoto, as negociações do clima que aconteceram em Paris no ano de 2015, entre outros. No âmbito tributário isso não é diferente, já que podemos observar a grande gama de tratados com outros país tendo a bitributação como tema que o Brasil celebrou. Compulsando-se o site do Ministério das Relações Exteriores, ou no próprio sítio da Receita Federal do Brasil, que traz um quadro explicativo sobre tais países, onde podemos visualizar desde grandes potências como a Alemanha até pequenos como a ilha de Trinidad e Tobago. Tendo esse embasamento sobre o ambiente em que o nosso país se encontra, firmar tais acordos surge como uma grande oportunidade para o aumento do capital estrangeiro em nosso país, trazendo, por conseguinte o desenvolvimento tecnológico que em algumas áreas estamos em níveis inferiores, já que a empresa multinacional estrangeira poderá investir capital aqui tendo a garantia de que poderá levar os lucros diretamente para o seu país de origem pagando os impostos que forem equivalentes lá, e aqui no Brasil só o fará para aqueles que não forem tributados lá, e vice e versa. A grande maioria dos textos de acordos tributários firmados por nosso país versa basicamente sobre imposto de renda, já que é um tributo universal e que pode ser encontrado em quase todos os países do globo. Observando isso e a busca pelo aumento das relações comerciais e econômicas, procuramos demonstrar aqui que o Chefe de Estado ao firmar um acordo comercial, não pode agir de qualquer modo, precisando respeitar os modelos existentes em nossa legislação, bem como estabelecer maneiras para que os órgão governamentais possam ter controle sobre a movimentação de capital que venha a ocorrer entre o país e o exterior para que não venhamos a observar esse benefício sendo utilizado para a concretização de objetivos ilícitos como a lavagem de dinheiro. Dessa forma, e honrando com os compromissos que já foram firmados, o Brasil passará a dotar de confiança no ambiente internacional, possibilitando que os estrangeiros que atuem no nosso Estado tenham segurança jurídica quanto aos seus capitais investidos.
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Guerra fiscal e a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal
O presente artigo tem por escopo avaliar a aplicação do artifício da modulação dos efeitos das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar, em controle concentrado de constitucionalidade, questões atinentes aos benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal no âmbito da Guerra Fiscal, tendo em vista os danosos efeitos jurídicos, sociais e econômicos causados pela possível cobrança retroativa de créditos de ICMS.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – corresponde a um imposto de caráter fiscal, indireto, real e não-cumulativo, previsto no artigo 155, II, da Constituição Republicana de 1988 e incidente, em linhas gerais, sobre operações referentes à mercantilização. De competência dos Estados e do Distrito Federal e recaindo, principalmente, sobre o consumo, o ICMS é o tributo responsável pela maior parte da renda destes entes federativos, demonstrando-se, então, a sua tamanha importância. Desta feita, em face da intenção dos Estados brasileiros em ampliarem o desenvolvimento local, atraindo investimentos do setor privado, e em decorrência da competência para regulação, por leis próprias, do ICMS, tais entes federativos entram em uma genuína disputa de concessão de incentivos fiscais e financeiros, denominada de Guerra Fiscal. Neste espeque, imprescindível questionar se os benefícios fiscais concedidos unilateralmente no âmbito da Guerra Fiscal devem ser julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e quais os efeitos que poderiam emanar desta declaração.   O presente artigo tem como objetivo avaliar a aplicação, pelo STF, do instituto da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais de ICMS concedidos unilateralmente pelos Estados e Distrito Federal, tendo em vista os efeitos jurídicos e econômicos desta declaração. Existem muitas controvérsias acerca do tema e essa discussão terá como embasamento os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que em sua grande maioria, consideram a inconstitucionalidade da Guerra Fiscal e a imprescindibilidade de aplicação da modulação dos efeitos das decisões da Corte Superior, conforme veremos adiante. Nesta senda, o trabalho em comento foi elaborado mediante pesquisa bibliográfica descritiva exploratória, aprofundando o tema através de estudos em doutrinas e jurisprudência. Assim, com a correta pesquisa para coleta dos materiais importantes para a confecção deste trabalho, o mesmo será concluído com a utilização de tudo o que for adequado e necessário. Para este fim, seguiremos o seguinte roteiro: noções gerais acerca do ICMS; ICMS, Guerra Fiscal a Lei Complementar nº 24/1975; a concessão inconstitucional de benefícios e a posição do Supremo Tribunal Federal; a modulação das decisões do Supremo Tribunal Federal quanto aos benefícios fiscais julgados inconstitucionais; considerações finais. 2. NOÇÕES GERAIS ACERCA DO ICMS A gênese do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS remonta ao antigo Imposto de Vendas e Consignações – IVC, antevisto no bojo da Constituição Federal de 1934, imposto este de caráter estritamente mercantil e incidente em “efeito cascata”, ou melhor, longe da observância do princípio da não-cumulatividade, de forma que o tributo incidia em todas as etapas de circulação da mercadoria (MACHADO, 2002, p. 313-314). Com o advento da Emenda Constitucional n.º 18, 1º de dezembro de 1965, o IVC é substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICM, trazendo, como grande inovação, a superação da sistemática do “efeito cascata” (passando a seguir o princípio da não-cumulatividade), segundo os moldes dos impostos europeus, de modo que o tributo incidiria somente sobre o valor agregado à mercadoria, valor este encontrado por meio da diferença quantificada entre o montante da operação sujeita à tributação e o valor da operação precedente, sucedendo, portanto, em uma espécie de compensação entre créditos (apurados nas operações anteriores) e débitos (apurados nas operações subsequentes) (MACHADO, 2002, p. 313-314). Transcorrido o período da Ditadura Militar, a Carta Magna de 1988, ao dispor sobre o novo Sistema Tributário Nacional, veio prenunciar, em substituição ao ICM, a figura do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, com previsão no artigo 155, II, do referido diploma mor, acrescendo dois serviços ao campo de incidência do superado ICM. De propósito eminentemente fiscal e operando em respeito ao princípio da não-cumulatividade, com possibilidade de ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e serviços, o ICMS passa a incidir, em breve síntese, sobre operações relativas à circulação de mercadorias (inclusive, a importação destas do exterior) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; prestações onerosas de serviços de comunicação; produção, circulação, importação, distribuição ou consumo de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica e, por fim, extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais (CARRAZZA, 2006). Nesta senda, imperioso registrar que em relação às operações relativas à circulação de mercadorias, a doutrina é uníssona em abraçar o entendimento de que a “operação circulação” à que se refere o texto constitucional corresponde, logicamente, à circulação jurídica, ou melhor, a atos ou negócios jurídicos em que ocorre a transmissão de um direito ou a verdadeira mudança de titularidade, mas não a mera circulação física da mercadoria, sob pena de patente vilipêndio ao princípio da legalidade. Sobre este aspecto, vale trazer à baila a posição largamente seguida de José Eduardo Soares de Melo (2007, p. 214): “O fato físico da “saída” de mercadoria do estabelecimento, por si só, seria irrelevante para tipificar a hipótese de incidência do imposto, sendo firmada a diretriz de que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” O mesmo entendimento vem seguido pelo Superior Tribunal de Justiça que, ao editar a Súmula 166[1], deixa claro que a “operação de circulação” tratada na Carta Magna não corresponde à simples movimentação física do bem. No que corresponde ao conceito de “mercadoria”, a melhor doutrina é pacífica na orientação de admitir que este deva ser extraído do Direito Comercial e observando o que preceitua o artigo 110 da Carta Magna, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias. Logo, “mercadoria” corresponde ao bem móvel submetido à mercancia, isto é, o bem móvel transacionado com habitualidade. É neste sentido a lição de Roque Antônio Carrazza (2006, p. 43-45): “Não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão somente o bem móvel corpóreo (bem material que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. […] Daí que a existência de uma mercadoria não está na natureza do bem móvel, mas na sua destinação. […] Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou a revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de destinação comercial”. Sublinhe-se que, incidindo diretamente sobre o consumo, o ICMS corresponde a um tributo indireto, ou seja, a carga de ICMS incidente sobre uma mercadoria ou serviço e paga pelo contribuinte de direito (previsto em lei) é embutida no próprio valor da mercadoria ou serviço comercializado e, por fim, repassada ao consumidor final (contribuinte de fato). Impossível olvidar, pela sua relevância, que, à despeito das considerações expostas alhures, a Carta Suprema prevê expressamente (artigo 155, § 2º, IX, ‘a’) a possibilidade de incidência do imposto ora versado sobre a entrada de mercadorias, bens ou serviços do exterior, qualquer que seja a sua destinação e ainda que o importador não seja contribuinte habitual do imposto[2], desconsiderando, neste particular, a existência ou inexistência do caráter mercantil para fins de incidência do tributo. Nesta situação, considera-se corrido o fato gerador do imposto no momento do desembaraço aduaneiro da mercadoria ou bem importado do exterior. No campo dos estudos pertinentes à competência tributária, é cediço que a Carta Suprema não cria e nem institui tributos, mas apenas outorga a competência para que os entes da Federação, por intermédio de leis próprias, o façam. Ademais, assim acertadamente obtempera Roque A. Carrazza (2006, p. 478-479): “Quando afirmamos que a Constituição não criou tributos, estamos emprestando à frase um significado bem preciso. Reconhecemos que ela cuidou pormenorizadamente da tributação, traçando, inclusive, a norma-padrão de incidência de cada uma das exações que poderão ser criadas pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal. Para nós, porém, o tributo só nasce a partir do átimo em que uma pessoa pode ser compelida a pagá-lo, por haver acontecido, no mundo fenomênico, o fato hipotetizado na norma jurídica tributária. Ora, isto só se verifica subsecutivamente à edição, pela pessoa política competente, da lei veiculadora desta mesma norma. Antes, não. Com base apenas na Constituição, ninguém poderá ser compelido a desembolsar, a título de tributo, somas de dinheiro, em favor do Fisco ou de quem o represente. Logo, neste sentido, a Constituição não criou tributos, assim como, mal comparando, não criou penas, só porque autorizou o legislador nacional a cuidar do assunto (art. 22, I)”. Em idêntico espírito, José Souto Maior Borges sustenta (1976, p. 27): “Uma visão dinâmica, e não estática, do sistema constitucional tributário porá a descoberto que o processo de instituição (criação) do tributo, iniciado com a outorga constitucional da competência tributária, se integra, observadas as respectivas competências, com a superveniência das leis complementares, ordinárias e eventualmente outros atos normativos.” Sob este prisma, a atual Carta Magna, a respeito da repartição da competência tributária, atribui, com exclusividade, a competência para instituição do ICMS aos Estados-membros e ao Distrito Federal e, por conseguinte, confere a estes a prerrogativa de regular, por intermédio de lei, os elementos essenciais a este imposto, como hipótese incidência, base de cálculo, alíquotas, sujeito ativo e sujeito passivo, sempre em consonância com o que já fora antevisto pela Constituição. Caberá, então, ao Estado ou ao Distrito Federal a função de instituir, arrecadar, fiscalizar e executar leis, atos ou decisões administrativas referentes ao imposto em comento. Cumpre registrar que, em relação aos Territórios, a criação e cobrança do ICMS compete à União, conforme antevê do artigo 147 da atual Carta Republicana e que esta, adotando o método da participação na arrecadação de impostos de competência alheia, obriga os Estados a repassarem 25% do montante arrecadado a título de ICMS aos seus municípios, conforme previsto no parágrafo único do seu artigo 158 (OLIVEIRA, 2009, p. 8). Entrementes, impende salientar que a Constituição Federal prevê, no artigo 146, II, ‘a’, a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Corresponde a um imperativo constitucional que visa, dentro do Sistema Tributário Nacional, dotar o legislador complementar de iniciativa para regrar, de forma geral, os mesmos assuntos delineados nas faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme exaspera Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 207): “Em poucas palavras, preceituou o legislador constitucional que toda a matéria da legislação tributária está contida no âmbito de competência da lei complementar. Aquilo que não cair na vala explícita da sua “especia­lidade” caberá, certamente, no domínio da implicitude de sua “generalidade”. Que assunto poderia escapar de poderes tão amplos? Eis aí o aplicador do direito novamente atônito! Pensará: como é excêntrico o legislador da Constituição! Demora-se por delinear, pleno de cuidados, as faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, de entremeio, torna tudo aquilo supérfluo, na medida em que põe nas mãos do legislador complementar a iniciativa de regrar os mesmos assuntos, fazendo-o pelo gênero ou por algumas espécies que lhe aprouve consignar, esquecendo-se de que as eleitas, como as demais espécies, estão contidas no conjunto que representa o gênero”. Neste espeque, no âmbito da competência uniformizadora conferida à União e tendo em vista que o Código Tributário Nacional de 1966 (Lei Ordinária recepcionada pela Constituição com status de Lei Complementar), norma geral de regência do Sistema Tributário Nacional, não previu, em seu texto, o ICMS, foi editada, em 13 de setembro de 1996, a Lei Complementar n.º 87, conhecida como “Lei Kandir”, em homenagem ao então deputado federal e criador da lei em comento, Antônio Kandir. Tal diploma legal veio cumprir a função de padronizar e regular, dentro das prerrogativas delegadas pela Carta Magna, diversos temas pertinentes ao ICMS, como isenções, fato gerador, base de cálculo, substituição tributária, não-cumulatividade e créditos fiscais, e impondo aos Estados e ao Distrito Federal a necessidade da plena observância do disposto neste diploma. Assim, trilhando o disposto na CF/88 e na Lei Complementar n.º 87/96, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços, em linhas gerais, se sujeita ao lançamento por homologação, terá suas alíquotas estabelecidas pelos entes tributantes, salvo a competência do Senado Federal para estabeleceras alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação, as alíquotas mínimas nas operações internas, e fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados (consoante o art. 155, § 2º, IV e V, da CF/88). Possuirá, em regra, como base de cálculo o valor da operação relativa à circulação da mercadoria ou ao serviço prestado, de acordo com a natureza do fato gerador praticado (ALEXANDRE, 2009, p. 593-597). Ademais, é notável que, tratando-se de um imposto incidente, em sua maior parte, sobre operações mercantis, tem-se que o mesmo corresponde a um tributo indireto, ou seja, aquele que pratica o fato gerador e, consequentemente, tem o dever legal de pagar o tributo (contribuinte de direito) repassa, com lastro em prévia autorização legislativa, o ônus tributário a outrem (contribuinte de fato) que, embora não seja designado pela lei como contribuinte, assume, de fato, a carga tributária. No tocante ao sujeito passivo, este será qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com intuitos mercantis, qualquer um dos fatos geradores supramencionados (circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) ou ainda aquele que, independentemente do caráter mercantil, importe mercadorias ou bens ou seja destinatária de serviços oriundos do exterior, adquira, em licitação, mercadorias ou bens apreendidos ou que adquira, sem propósito de destinação à comercialização ou à industrialização, lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo e energia elétrica (ALEXANDRE, 2009, p. 595). Registre-se que, na esteira do que preceitua a Constituição Republicana de 1988 e a Lei Complementar 87/96, é aberta a possibilidade de adoção do regime da substituição tributária (atribuindo a outrem que não seja contribuinte de direito, o dever legal de pagamento do imposto), o qual será operacionalizado de acordo com a legislação do entre tributante, observadas as normas gerais de regência. Já quanto ao sujeito ativo, este se confunde com o próprio ente competente para a instituição do imposto, seja um Estado ou o Distrito Federal no exercício da competência cumulativa. No que tange às imunidades tributárias, o ICMS, além das imunidades gerais previstas na Lei Maior, submete-se também a imunidades inerentes à essa espécie de imposto, trazidas pelo texto constitucional. Neste sentido, o artigo 155, § 2º, X,’a’, preceitua que as operações que destinem mercadorias para o exterior e os serviços prestados a destinatários no exterior são imunes à incidência do ICMS, sendo ressalvado o direito à manutenção do crédito tributário decorrente da não cumulatividade. Cuida-se, conforme Carrazza (2006, p. 403-405), de uma opção política do País de desonerar as exportações e, portanto, salvaguardar a competitividade dos produtos brasileiros no cenário internacional. Seguindo o disposto no artigo 155, § 2º, X, tem-se que a alínea ‘b’ garante a não incidência do ICMS sobre as operações que destinem petróleo e seus derivados e energia elétrica a outros Estados da Federação, tendo por objetivo claro a desoneração das mercadorias que utilizam estes produtos como insumos. A alínea ‘c’ do dispositivo em comento trata da imunidade do ouro quando utilizado como ativo financeiro e não como mercadoria, já que nesta situação, o ouro se submete à incidência única do Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, consoante estabelece o art. 153, § 5º, da Constituição Federal. Por fim, a Constituição também traz, no artigo 155, § 2º, X, ‘d’, a imunidade de ICMS nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita, previsão esta que somente torna mais lídima uma situação de não incidência já antevista, uma vez que o art. 155, II, da CF, traz a incidência do ICMS sobre prestações de serviços de comunicação. Tratando-se de “prestação”, inegável é o caráter oneroso deste tipo de operação, decorrente, logicamente, de um contrato de fornecimento de serviços (CARRAZZA, 2006). 3. ICMS, GUERRA FISCAL E A LEI COMPLEMENTAR Nº 24/1975 Conforme fora sobejamente pontuado, a atual Carta Magna não cria e nem tampouco institui tributos, mas delega às pessoas políticas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – a capacidade para que estes, ressalvados os limites impostos pelo próprio texto constitucional, exercitem, por meio de lei, o poder de tributar e instituam seus próprios tributos. Cuida-se, aqui, em obediência ao princípio do federalismo, da distribuição da competência tributária. Sobre este tema, Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 218) ao dispor que a competência tributária é uma das parcelas da competência legislativa, aduz: “A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.” Neste campo, Hugo de Brito Machado (2002, p. 234) salienta: “A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o que estabelece o Código Tributário Nacional (CTN, art. 6º). Isto significa dizer que, se a Constituição Federal atribui aos Estados competência para instituir um imposto, como fez, por exemplo, com o ICMS, está também dando a estes a plena competência para legislar a respeito. Mas devem ser respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição Federal e nas Constituições dos Estados. Tratando-se do Distrito Federal ou de Municípios, devem ser também observadas as limitações contidas nas respectivas Leis Orgânicas”. Ressalte-se que, através da competência tributária, a Carta Magna não garante somente a faculdade de instituir o tributo, mas também as prerrogativas de majorar, diminuir, isentar, anistiar, ou, até mesmo, não tributar. Neste sentido é o que leciona Carrazza (2006, p. 473): “Noutro falar, a competência tributária e a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei, tributem. Obviamente, quem pode tributar (criar unilateralmente o tributo, com base em normas constitucionais), pode, igualmente, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí-la (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, através da não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. Pode, ainda, perdoar débitos tributários já nascidos ou parcela-los, ampliando, se entender que é o caso, as eventuais infrações tributárias cometidas”. Portanto, tem-se a competência tributária como a faculdade, garantida pela Constituição Federal, que dispõem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de instituir e regular, por meio de lei, os tributos pertinentes a cada uma destas pessoas políticas, desde que respeitados os limites impostos pela Carta Magna e pela legislação de regência de cada ente. Cumpre, ainda, repisar que, como a Constituição não cria tributos, mas somente autoriza a criação por parte dos entes federativos, a mesma traça a norma-padrão de incidência dos tributos que poderão ser criados, in abstracto, pela lei ordinária (CARRAZZA, 2006). Destarte, a Carta Republicana de 1988 confere aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituição do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação. Cabe, assim, a estes entes a faculdade de instituir, por meio de lei, o ICMS em seus territórios. Ademais, conforme explanado alhures, o art. 146, II, ‘a’, estabelece a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. 146, II, ‘a’, a exigência de Lei Complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (CARVALHO, 2005, p. 206). Quanto ao ICMS, a norma geral de regência corresponde à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir). Decerto, aos Estados e ao Distrito Federal compete regular, em seus territórios, esta exação de acordo com a Lei Kandir e a Constituição, no que se refere aos aspectos gerais, e por meio de lei própria, os aspectos especiais. É neste contexto que está inserida a chamada a Guerra Fiscal, compreendida como a política de disputa entre os entes federativos na captação de investimentos privados em seus territórios como forma de geração de emprego, renda e desenvolvimento local. Nesta competição, o principal expediente utilizado na atração de investimentos é justamente a concessão de benefícios fiscais. Em consonância com o que foi dissertado no tópico supra, o ICMS corresponde de tributo de maior arrecadação dos Estados e de oneração das atividades de produção e circulação de mercadorias, sendo este utilizado como mecanismo principal na busca de investimentos do setor privado, ao passo que os Estados passam a oferecer isenções ou reduções do imposto, postergação de prazos para recolhimento, parcelamentos, facilidades de registro de empresas, financiamentos, etc. Como compete a estes a regulação do ICMS em seus territórios, estes dispõem acerca do imposto como melhor lhes aprouver, implicando no desequilíbrio do Pacto Federativo (MELO, 2012). Ademais, é certo que a Guerra Fiscal traz benefícios como a desconcentração na atração de investimentos, os quais seriam apontados, primordialmente, para as áreas onde já houvesse oferta de infraestrutura e mão de obra especializada e um mercado consumidor solidificado, como os centros das regiões Sul e Sudeste. Aliadas a esta desconcentração, outras vantagens podem ser pontuadas, como o aumento na geração de emprego e renda em níveis local e nacional, estímulo ao crescimento do setor produtivo e desoneração fiscal, com a consequente perspectiva de maior arrecadação futura. Hugo de Brito Machado (1999, p. 220), em análise crítica sobre os benefícios e malefícios da Guerra Fiscal, arremata: “O incentivo fiscal para empreendimentos novos é a melhor forma de promover o desenvolvimento econômico das regiões pobres do país, e assim reduzir as desigualdades econômicas regionais. A Constituição Federal, todavia, não obstante preconize com eloquência a redução das desigualdades sociais e econômicas regionais, terminou por inviabilizar tal incentivo, ao impor aos Estados a supra-indicada limitação ao poder de isentar”. Entretanto, o cerne da discussão referente à Guerra Fiscal corresponde à legalidade ou ilegalidade dos benefícios fiscais concedidos, tendo em vista que Constituição Federal aponta, tratando de ICMS, no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, a indispensabilidade de Lei Complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Assim, sob o comando deste imperativo constitucional, a Lei Complementar n.º 25, de 7 de janeiro de 1975 (recepcionada pelo art. 34, §§ 4º, e 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), vem dispor, em seu artigo 1º, que as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas de acordo com os convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, aplicando tal exigência também  à redução da base de cálculo, à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros,  à concessão de créditos presumidos à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos em razão do Imposto de Circulação de Mercadorias, através dos quais acarrete em redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus e às prorrogações e às extensões (MELO, 2012, p. 367). Ademais, a Lei Complementar 25/74 exige, ainda, que os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal e que a concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados, enquanto que a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Certo é, então, que tal lei possui o intento de interceptar a ocorrência Guerra Fiscal, uma vez que não há possibilidade dos Estados e do Distrito Federal concederem isenções ou outros benefícios fiscais senão por meio de convênios celebrados com os outros Estados e por eles ratificados, em máxima expressão da unidade de interesses. Sobre este tema, Carrazza (2006, p. 450-451) acertadamente pontua: “[…] É que tais benefícios (incentivos), como vimos e revimos, só podem surgir a partir de convênios celebrados pelos Estados e pelo Distrito Federal e depois por eles ratificados. Na realidade, a mola propulsora destes benefícios é a conjugação de vontades de todas as Unidades Federativas interessadas. A vontade de um só Estado ou do Distrito Federal não tem força jurídica bastante para fazer nascer isenções de ICMS. É que, dada a vocação nacional deste tributo, ele deve ter as mesmas características em todo o território brasileiro. […] Tornamos a insistir que é o interesse nacional que preside a adoção de isenções, incentivos e benefícios fiscais em matéria de ICMS. Não o interesse meramente local. Podemos, portanto, dizer que é a própria vontade da Federação que determina a concessão de isenções de ICMS. Ou, se preferirmos, que é a ordem jurídica global que as faz nascer”. Do ponto de vista prático, os convênios a que se referem a Lei Complementar n.º 24/75 são celebrados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ – o qual corresponde a um colegiado composto por um representante de cada Estado e do Distrito Federal (Secretário de Fazenda) e por um representante do Governo Federal (Ministro de Estado da Fazenda), em sessões com, no mínimo, a maioria dos Estados-membros (o chamado quórum de instalação) e aprovados por unanimidade dos presentes (quórum de aprovação). Para que entrem em vigor no âmbito dos respectivos entes da federação, os convênios, em quinze dias a contar da aprovação, deverão ser ratificados por meio de decreto (JORGE, 2007, p. 188-189). O CONFAZ, cujas normas de regências estão estipuladas no Convênio 133/1997, tem por finalidade promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional – CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. Logo, resta lídimo o entendimento de que somente quando devidamente convalidados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, por meio de convênio ratificado, à unanimidade, pelos Estados e pelo Distrito Federal, serão legalmente válidas as concessões ou revogações de benefícios fiscais referentes ao Imposto sobre Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. 4. A CONCESSÃO INCONSTITUCIONAL DE BENEFÍCIOS E A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL À despeito do que é preconizado pela Carta Magna e regulamentado pela Lei Complementar n.º 24/1975, os Estados e o Distrito Federal, na esfera da Guerra Fiscal, recorrentemente concedem e revogam benefícios fiscais de natureza diversas sem que estes sejam respaldados em Convênios entre os demais Estados, como forma de atração de investimentos privados. Trata-se de isenções, reduções de alíquota, prorrogação de prazo para recolhimento, anistias, que não são avalizados pelo CONFAZ e que, por consequência, são inteiramente inconstitucionais. Impossível olvidar que os benefícios fiscais de ICMS não convalidados pelo CONFAZ não trazem desserviços somente o Estado ou os Estados lesados, mas também atingem o terceiro de boa-fé estranho aos benefícios concedidos, como ocorre com os adquirentes de mercadorias ou serviços quando estão localizados em outras unidades da Federação (MELO, 2012, p. 374). José Eduardo S. de Melo (2013, p. 302) bem explica que os adquirentes de mercadorias e os tomadores de serviços sofrem, muitas vezes, a glosa de crédito fiscal ou outras medidas constritivas por parte do fisco de determinado Estado ou do Distrito Federal sob o argumento de que o fisco de origem teria concedido benefício fiscal não ratificado por aquela unidade federativa, contrariando o art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88. Entretanto, a glosa de crédito de ICMS em virtude de suposta violação ao art. 155, §, XII, g, da CF/88 configura uma atitude extremamente equivocada e contrária à essência do pacto federativo, ferindo a harmonia entre os Estados-membros, usurpando do Supremo Tribunal Federal a competência (art. 102, I, f, da CF/88) para invalidação da norma que atribuiria tal crédito de ICMS. Neste contexto, Soares de Melo (2013, p. 302) habilmente demonstra: “Exemplificadamente, é o caso de incentivo concedido por Goiás, aos contribuintes estabelecidos em Goiás (ex: 2% de crédito presumido relativo ao imposto sobre a venda de determinada mercadoria), fornecendo as mercadorias para contribuinte de São Paulo, calculado à alíquota interestadual de 12%. Nesta situação, o Estado de SP parra a glosar os créditos dos contribuintes paulistas (no montante equivalente à 2%, só permitindo o crédito correspondente à 10%), sob o argumento de que teriam sido beneficiados indiretamente pelos incentivos de Goiás.” Sem restar alternativa, os Estados prejudicados passaram a promover, na esfera do controle concentrado de constitucionalidade, Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade daqueles benefícios concedidos sem a imprescindível submissão ao Conselho Nacional de Política Fazendária. O STF, por sua vez, tem decidido, reiteradamente, pela inconstitucionalidade dos incentivos fiscais de ICMS unilateralmente concedidos e não avalizados pelo CONFAZ, na forma do artigo 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal e da Lei Complementar n.º 24/1975 (MELO, 2012, p 370). Sob este prisma, o STF, à guisa de exemplificação, declarou inconstitucional o caput do artigo 12 da Lei nº 5.780/93, do Estado do Pará, que autorizava o Poder Executivo a conceder, independentemente de deliberação do CONFAZ, benefícios fiscais ou financeiros que poderiam importar em redução ou exclusão do ICMS: “Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12, caput e parágrafo único, da Lei estadual (PA) nº 5.780/93. Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal. 1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada “guerra fiscal”. Precedente: ADI nº 2.548/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 15/6/07. 2. Inconstitucionalidade do art. 12, caput, da Lei nº 5.780/93 do Estado do Pará, e da expressão “sem prejuízo do disposto no caput deste artigo” contida no seu parágrafo único, na medida em que autorizam ao Poder Executivo conceder diretamente benefícios fiscais de ICMS sem observância das formalidades previstas na Constituição. 3. Ação direta julgada parcialmente procedente.” (ADI 1247, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00001) (grifamos) Sob o mesmo raciocínio, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 52.381/2001, do Estado de São Paulo, que previa, sem suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, a outorga de benefícios fiscais a estabelecimentos produtores de leite localizados no Estado de São Paulo, reduzindo em 100% a base de cálculo de ICMS nas saídas desses produtos fabricados naquele ente federativo: “INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 52.381/2007, do Estado de São Paulo. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de base de cálculo e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ.” (ADI 4152, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00050) (grifamos) Infere-se, pois, a uniformidade nos recentes julgados do Supremo Tribunal Federal quanto à patente inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal sem a prévia convalidação no âmbito das reuniões promovidas pelo CONFAZ. 5. A MODULAÇÃO DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO AOS BENEFÍCIOS FISCAIS JULGADOS INCONSTITUCIONAIS Na esteira do que preceitua o parágrafo único do artigo 28, da Lei n.º 9.868/1999, a qual dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo emanada do Supremo Tribunal Federal têm eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Quanto aos efeitos temporais, a decisão de inconstitucionalidade exarada pelo STF Tribunal Federal, no bojo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, é dotada de efeitos ex tunc. Noutras palavras, a decisão que julga por inconstitucional determinado ato, norma ou dispositivo de norma possui efeitos retroativos, considerando o texto inconstitucional e, portanto, nulo desde a sua gênese (MIGUEL; OLIVEIRA, 2007, p. 162). Este entendimento é facilmente extraído da interpretação do artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999, a seguir transcrito: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” Ora, se a própria lei, ao prever a possibilidade de postergação dos efeitos da decisão que atesta determinada inconstitucionalidade, trata esta situação como exceção, nota-se, a contrario sensu, que a regra não poderia ser outra, senão a da eficácia retroativa da decisão proferida pelo STF em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Trata-se, conforme a melhor doutrina, estribada na teoria da nulidade da lei inconstitucional, de decisão de natureza declaratória, pronunciando a nulidade ab initio do ato ou norma guerreada. Quanto à faculdade antevista no aludido artigo 27, da Lei n.º 9.868/99, Dirley da Cunha Júnior ensina (2015, p. 435): “Relativamente à modulação da eficácia temporal, pode o Supremo Tribunal Federal deliberar que a decisão só opere efeitos a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou a partir de outro momento que deve se situar, segundo pensamos, dentro do lapso compreendido entre a entrada em vigor da norma impugnada e o trânsito em julgado da decisão que a declarou inconstitucional.” Trata-se, portanto, de uma vantajosa alternativa que dispõe o Supremo Tribunal Federal de modular os efeitos das próprias decisões em sede de ADI, tendo em vistas razões de segurança jurídica ou interesse social excepcional, o qual poderá, então, forjar o alcance e os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. No que tange à Guerra Fiscal, o instituto da modulação dos efeitos da decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade é de extrema significância, mormente no que se refere às decisões que julgam por inconstitucionais atos ou normas que unilateralmente concedem benefícios sem a prévia convalidação pelos outros entes federativos no âmbito do CONFAZ. Tal importância é facilmente evidenciada: ao declarar a inconstitucionalidade da norma beneficiadora (em regra, com efeitos retroativos), o STF, silente quanto à modulação, proporciona espaço para a imediata cobrança retroativa do imposto que deixou de ser recolhido pelas empresas beneficiadas pelos incentivos não convalidados pela CONFAZ, desaguando na avalanche de Execuções Fiscais que seriam intentadas pelos Fiscos estaduais, em virtude do dever legal imposto a estes, sobrecarregando ainda mais máquina judiciária brasileira. Ademais, há de se ressaltar o profundo impacto econômico a que seriam acometidos os contribuintes favorecidos, que de boa-fé seguiram o que fora preceituado pelas legislações estaduais, principalmente as empresas de médio e grande porte, ensejando na extinção de muitas destas, além do abalo econômico que sofreriam os Estados, desapossados dos investimentos antes realizados pelo setor privado. Neste cenário de insegurança jurídica, caberia ao Supremo Tribunal Federal valer-se do artifício previsto no artigo supramencionado e postergar os efeitos da decisão para que esta somente passe a ter eficácia a partir do seu trânsito em julgado, em vista da gama de efeitos colaterais acima explicitados. Entretanto, a Corte Superior, em que pese a recorrência de decisões de inconstitucionalidade da Guerra Fiscal, pouco tem utilizado deste instrumento, de forma que grande parte dos vereditos exarados em controle concentrado de constitucionalidade não tecem nada a respeito desta faculdade, provocando um ambiente de incertezas e preocupações. Além do mais, somente recentemente foi possível vislumbrar a tímida aplicação do arquétipo previsto no artigo 27, da Lei n.º 9.868/1999, quando o STF entendeu pela inconstitucionalidade da Lei estadual 14.985/2006, do Estado do Paraná, tendo em vista que esta concedia, à margem de qualquer convalidação pelo CONFAZ, descontos de ICMS a empresas que importassem mercadorias por meio dos aeroportos de Paranaguá e Antonina, aplicando, em respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, a modulação para que a decisão somente produza efeitos a contar da data da sessão de julgamento: “I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS. 1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75. 2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio. 3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica. 4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento”. (ADI 4481, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015) (grifos aditados) Com vistas a minimizar este horizonte de perplexidade, alguns outros mecanismos têm sido debatidos, como é o caso do Projeto de Lei do Senado Federal PLS n.º 130/2014, de autoria da senadora Lúcia Vânia (PSB/Goiás), que tem por propósito a convalidação de atos de concessão de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros vinculados ao ICMS concedidos pelos Estados ou pelo Distrito Federal até 1º de maio de 2014 sem a prévia aprovação por unanimidade do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), conforme determinam a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 24/75, assim como a concessão de remissão e anistia dos créditos tributários referentes (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Noutro giro, outras medidas são discutidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, porém com o foco na alteração da sistemática de administração do ICMS. Defende-se, à guisa de exemplificação, a possibilidade de quórum diferenciado para aprovação de convênio que vise remissão de créditos tributários constituídos em razão de incentivos fiscais irregulares e também a instituição de meios de compensação para as renúncias tributárias ocasionadas pelos benefícios fiscais (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Depreende-se, todavia, que a modulação dos efeitos da decisão em ADI é o meio que se mostra mais eficaz na mitigação dos efeitos negativos da Guerra Fiscal, cabendo aos interessados nos resultados da Ação Direta de Inconstitucionalidade a interpelação para que o Supremo Tribunal Federal considere a possibilidade da modulação dos efeitos das suas decisões, em observância da segurança jurídica e do excepcional interesse social. Cumpre registrar, por sua elementar importância, que tramita, desde 2012, no Supremo Tribunal Federal, proposta de Súmula Vinculante, de autoria do Ministro Gilmar Mendes, com o fito de considerar inconstitucional a concessão de qualquer benefício de ICMS não aprovado pelo CONFAZ. Em caso de aprovação, o que se espera é que tal súmula seja editada nos moldes da decisão exarada pelo STF na supradita ADI nº 4.481, aplicando o instituto da modulação dos efeitos com o propósito de mitigar os efeitos danosos já causados pela Guerra Fiscal (FIGUEIREDO; FONTES, 2015). Com efeito, almeja-se que o Supremo Tribunal Federal, enquanto não surgida alguma providência direta emanada do Poder Legislativo, torne a utilizar com mais frequência o artifício da modulação dos efeitos, inclusive considerando esta na expectativa de edição de Súmula acerca do assunto, como forma de esvaziar os advindos da Guerra Fiscal, ao tempo que salvaguarda os direitos do contribuinte de boa-fé e o desenvolvimento econômico e social dos entes federativos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, evidencia-se que, sendo o ICMS o tributo responsável pela maior parte da arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, a Guerra Fiscal é tratada como um assunto de extrema relevância no cenário jurídico, econômico e social brasileiro. Neste contexto, a concessão unilateral de benefícios fiscais sem a deliberação unânime por parte dos outros Estados-membros perante o Conselho Nacional de Política Fazendária, conforme preceitua a Lei Complementar n.º 24/75 (esta em consonância com a Constituição Federal de 1988), enseja na busca ao Poder Judiciário para que este, na figura do Supremo Tribunal Federal, declare a inconstitucionalidade de tais benefícios. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, vem acertadamente pronunciando a inconstitucionalidade de tais benefícios, conforme fora demonstrado, haja vista a patente violação ao pacto federativo, à Lei Complementar n.º 24/75 e à Carta Magna de1988. Entretanto, a preocupação não mais está voltada para a declaração de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais ofertados no âmbito da Guerra Fiscal, questão já debatida pela Corte Máxima. O centro da discussão acerca da Guerra Fiscal passou a ser a eficácia temporal das decisões do STF, isto porque a legislação atinente ao processamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade faculta ao STF a possibilidade de modular a eficácia temporal de suas decisões, tomando por base a primazia pela segurança jurídica e pelo excepcional interesse social. Desta forma, o que foi demonstrado é a necessidade de que a Corte Suprema passe a utilizar com maior frequência do instituto da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, seja em edição de Súmula ou mesmo nas recorrentes decisões tomadas, tendo em vista que a ação em contrário provocaria efeitos danosos e irremediáveis para os contribuintes e Estados favorecidos pelos benefícios, além da sobrecarga de execuções fiscais a qual seria submetido todo o Poder Judiciário brasileiro. Há de ressaltar que a edição de Súmula Vinculante por parte do Supremo Tribunal corresponde a uma alternativa de extrema relevância e eficácia, tendo em vista as reiteradas decisões deste tribunal acerca da patente inconstitucionalidade insistente da postura dos Estados-membros e do Distrito Federal, desde que esta Súmula já contemple o instituto da modulação, considerando inconstitucionais, a partir da publicação da decisão, os benefícios de ICMS não avalizados pelo CONFAZ. Tal Súmula, vinculando todo o Judiciário nacional e a Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, seria um profícuo remédio contra a Guerra Fiscal, ao tempo que resguardaria os direitos do contribuinte e terceiro de boa-fé, em atenção à segurança jurídica, princípio primordial do Direito brasileiro.
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A norma antielisiva e os limites da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário brasileiro: Uma análise dos artigos 116 e 135 do CTN
O presente trabalho aborda o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, suas características e teorias, e questiona sua possível aplicação no âmbito do Direito Tributário por meio da análise da norma geral antielisão, prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, e da responsabilidade de terceiros, trazida nos artigos 134 e 135 desse mesmo diploma legal. A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica, mediante a consulta à doutrina, periódicos, legislação e jurisprudência sobre o tema. Nos termos do art. 50 do Código Civil, regra matriz da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, caracterizado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, é possível afastar a personalidade jurídica de modo a alcançar o patrimônio pessoal dos sócios. A aplicação dessa teoria em matéria tributária não é pacífica na doutrina. Em face da reserva de lei complementar para tratar de normas tributárias, prevista no art. 146, III, b da Constituição Federal, há quem entenda não ser possível empregar o dispositivo do Código Civil. Em contrapartida, alguns autores defendem já haver norma complementar sobre o tema, referem-se estes aos artigos 116, 134 e 135 do CTN.
Direito Tributário
Introdução Tendo em vista a alta carga tributária em nosso país, o contribuinte busca meios de reduzir os custos. Quando o contribuinte se utiliza de meios lícitos para fugir ou tornar menos onerosa a tributação, tem-se a elisão fiscal; ao fazer uso de meios ilícitos para escapar, tem-se a evasão fiscal e, por fim, a elusão fiscal quando o contribuinte adota uma forma atípica, a rigor lícita, com a finalidade de atingir esses mesmos resultados. A Lei Complementar nº 104 de 2001 introduziu o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional o qual ficou conhecido, impropriamente, como norma geral antielisão. Esse dispositivo permite à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ademais, nos artigos 134 e 135 do CTN, o legislador traz a responsabilidade, respectivamente, subsidiária e pessoal de terceiros. No primeiro caso, respondem pelas obrigações resultantes de atos que intervierem ou omissões as quais sejam responsáveis e, no segundo, de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, estatuto ou contrato sociais. Parte da doutrina considera que a redação dos dispositivos expostos acima abrange a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nas relações jurídico-tributárias, instituto este que, previsto no direito privado, estende a responsabilidade por obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica aos administradores ou sócios desta. Por ser a personalidade jurídica das sociedades importante, especialmente, à vida econômica, a sua desconsideração deve ser aplicada com cautela e merece um devido estudo. 1 A Teoria da desconsideração da personalidade jurídica Ao consagrar a limitação da responsabilidade das pessoas jurídicas, o art. 1024[1] do Código Civil serviu de estímulo aos particulares para que desempenhassem atividades econômicas ao reduzir o risco empresarial. Com efeito, a personalidade jurídica das empresas é fundamental para a iniciativa privada e a desconsideração, por mitigar o princípio da autonomia patrimonial, somente deve ocorrer em situações excepcionais a fim de impedir que o direito seja lesado por meio da manipulação da pessoa jurídica. Sobre o tema, assim decidiu o STJ: “Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC)- Locação – Ação de cobrança – Desconsideração da personalidade jurídica – Decisão monocrática negando provimento ao recurso. 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. A desconsideração da personalidade jurídica é regra de exceção, aplicável somente a casos extremos, em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou confusão patrimonial (…). (STJ – AgRg no AREsp: 303501 SP 2013/0051406-9, Relator: Ministro Marco Buzzi, Data de Julgamento: 18/06/2015, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 24/06/2015)” Tradicionalmente, era possível afastar os efeitos da personalização da sociedade – autonomia e separação patrimonial –, executando o patrimônio pessoal dos sócios nos casos em que a personalidade jurídica fosse utilizada de forma abusiva. Esse abuso apenas se caracterizaria se houvesse prova da atuação dolosa dos sócios em detrimento dos credores da sociedade (concepção subjetivista). Hodiernamente, a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificado por critérios objetivos (concepção objetivista), como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial (RAMOS, 2014).   Pondera Ulhoa (2012) que impor ao demandante o ônus de provar as intenções subjetivas do demandado, muitas vezes, poderia importar na inacessibilidade ao próprio direito. Por outro lado, ao eleger a confusão patrimonial como pressuposto da desconsideração, a formulação objetiva, como ele a denomina, visa facilitar a tutela dos interesses daqueles lesados pelo ato sem, contudo, exaurir as hipóteses em que cabe a desconsideração. A importância dessa distinção estaria ligada à facilitação da prova em juízo. Ao desconsiderar a personalidade, o ato que era lícito, enquanto imputado à sociedade, torna-se ilícito ao ser imputado ao sócio ou administrador. Esclarece Fábio Ulhoa Coelho (2012): “A desconsideração da personalidade jurídica é a operação prévia a essa mudança na imputação. A sociedade empresária deve ser desconsiderada exatamente se for obstáculo à imputação do ato a outra pessoa. Assim, se o ilícito, desde logo, pode ser identificado como ato de sócio ou administrador, não é caso de desconsideração. O pressuposto da licitude serve, em decorrência, para distinguir a desconsideração de outras hipóteses de responsabilização de sócios ou administradores de sociedade empresária, hipóteses essas que não guardam relação com o uso fraudulento da autonomia patrimonial. A responsabilização, por exemplo, do administrador de instituição financeira sob intervenção por atos de má administração faz-se independentemente da suspensão da eficácia do ato constitutivo da sociedade. Ela independe, por assim dizer, da autonomia patrimonial da pessoa jurídica da instituição financeira. Tanto faz se a companhia bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador.” A desconsideração não acarreta o fim da pessoa jurídica, “implica, tão somente, uma suspensão temporária dos efeitos da personalização num determinado caso específico, não estendendo seus efeitos para as demais relações jurídicas das quais a pessoa jurídica faça parte” (RAMOS, 2014). A legislação brasileira, impropriamente, denomina de desconsideração da personalidade jurídica hipóteses que não coadunam com a concepção clássica, e, por isso, a doutrina distinguiu entre Teorias Maior e Menor da desconsideração: enquanto a primeira tem como pressuposto a manipulação da pessoa jurídica mediante fraude ou abuso, a segunda ignora a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, considerando o sócio ou administrador responsável por todas as obrigações contraídas pela sociedade e autorizando a superação da personalidade jurídica diante do mero prejuízo do credor. Como exemplo de aplicação da Teoria Menor no ordenamento pátrio, podemos citar o §5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe: “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Com a edição do Código Civil em 2002, a teoria da desconsideração da personalidade ganhou novo tratamento, e o seu art. 50 passou a ser a regra matriz da teoria, sendo aplicável a todos os casos de desconsideração da personalidade jurídica, salvo àqueles que possuem regramento próprio em leis especiais, como é o caso das relações de consumo. “Art. 50, CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Segundo o dispositivo, é facultado ao juiz, verificada a ocorrência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, estender a responsabilidade por obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica aos administradores ou sócios desta. Convém destacar que o abuso de personalidade jurídica não se confunde com o abuso de direito. Neste, disciplinado no art. 187 do Código Civil, o titular do direito, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes e, consequentemente, fica obrigado a reparar o dano, nos termos do art. 927, caput deste mesmo Código. O abuso de personalidade jurídica, por sua vez, apesar de também gerar responsabilidade ao agente, não necessariamente torna o ato ilícito, uma vez que se o a pessoa jurídica solver a dívida ou o credor não reclamar, não haverá extensão da responsabilidade pelas obrigações aos sócios ou administradores. Conforme visto, o abuso da personalidade jurídica se configura pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial, nos termos do art. 50 do Código Civil, de modo que nem toda figura abusiva, tal como definida no art. 187, configurará abuso de personalidade jurídica. Hamilton Dias e Hugo Funaro (2007) ressaltam ainda que: “O campo de pesquisa para a correta interpretação do art. 50 do Código Civil exclui, como causa da desconsideração, condutas ilícitas marcadas por dolo, simulação ou fraude. Para estas, há previsão de sanções ou a atribuição de responsabilidade nos ramos próprios do Direito. Só haverá espaço para a desconsideração quando não existam regras específicas que disciplinem as consequências de determinados atos jurídicos.” O desvio de finalidade não se caracteriza apenas pela inobservância ao contrato social ou ao estatuto da empresa, e sim quando o ato não guarda pertinência com a função da pessoa jurídica, é alheio ao interesse desta, ainda que não haja prejuízo. Na confusão patrimonial, obtêm-se vantagens indevidas em razão da unificação de patrimônios de entes diversos, sócios e pessoa jurídica ou duas ou mais pessoas jurídicas. Nesse sentido: “Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Personalidade jurídica. Desconsideração. Confusão patrimonial. Reexame. Súmula n. 7-STJ. Não provimento. 1. A conclusão do Tribunal estadual no sentido de que havia confusão patrimonial entre a recorrente e outra sociedade não se submete ao crivo do recurso especial, a teor do enunciado n. 7, da Súmula. 2. "A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas. Precedentes." (REsp 907.915/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07/06/2011, DJe 27/06/2011) 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (STJ – EDcl no AREsp: 447990 SC 2013/0405928-4, Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 25/03/2014, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 02/04/2014).” 2 A norma geral antielisão A Constituição Federal outorga poderes aos entes federativos para criar e majorar tributos, por meio de lei. Esta lei deverá descrever o fato gerador, isto é, a situação eleita pelo legislador como passível de sofrer a incidência tributária que, uma vez ocorrido no mundo fenomênico, faz nascer a obrigação tributária. Assim, uma vez ocorrido o fato gerador, surge a obrigação de pagar o tributo, contudo, existem alguns meios de se fugir da tributação os quais a doutrina costuma classificar com base na licitude. A elisão fiscal leva em consideração que o dever de pagar tributos envolve, além da segurança jurídica, a capacidade contributiva e a isonomia. Consiste em um planejamento lícito de negócios visando produzir o menor impacto fiscal. Mesmo não configurando uma infração à legislação tributária, observa Marciano Seabra de Godoi (2001 apud PAULSEN, 2014) que este instituto reflete as imperfeições do sistema tributário e destaca algumas formas de combatê-lo. A primeira forma seria o estabelecimento, pelo legislador, de normas pontuais voltadas a comportamentos específicos dos contribuintes. A segunda seria, nas suas palavras: “As chamadas normas gerais antielisão através das quais os aplicadores do direito tributário têm a prerrogativa de desconsiderarem, para efeitos tributários, a forma artificiosa e distorcida pela qual o contribuinte concatena determinados atos e negócios jurídicos com a finalidade de, chegando aos mesmos resultados econômicos, obter uma vantagem fiscal (…). As normas gerais antielisão estariam reprimindo indevidamente a liberdade contratual e a autonomia patrimonial dos indivíduos e empresas, conduzindo ao arbítrio da interpretação econômica das normas tributárias e sua integração por analogia, e por consequente, fulminando a segurança jurídica.” A evasão é a conduta de má-fé do contribuinte, por ação ou omissão, de descumprimento direto, total ou parcial, das obrigações ou deveres tributários (TÔRRES, 2003 apud CALIENDO, 2008). Alguns doutrinadores utilizam o critério cronológico para efetuar a distinção entra a elisão e a evasão. Na elisão, a conduta se verifica antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, de modo que, não infringe direito do fisco ao tributo e não viola norma legal. Na evasão, os atos constitutivos são praticados após a ocorrência do fato gerador, isto é, o imposto já é devido e o contribuinte deixa de recolhê-lo. O critério cronológico é utilizado por alguns Tribunais, conforme pode-se depreender abaixo: “Incorporação. Autuação. Elisão e evasão fiscal. Limites. Simulação. Exigibilidade do débito. 1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador. (…) (TRF-4 – AG: 44424 RS 2004.04.01.044424-0, Relator: Dirceu De Almeida Soares, Data de Julgamento: 30/11/2004, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 26/01/2005 Página: 430).” Esse raciocínio, entretanto, comporta exceções e podemos citar alguns exemplos. O momento de elaboração da declaração de imposto de renda de pessoa física (ano – exercício) é posterior ao fato gerador do tributo (ano – calendário) e ainda assim é possível fazer com que a incidência tributária seja menos onerosa, escolhendo o modelo de declaração (completo ou simplificado) para cada caso concreto. Nessa hipótese, o contribuinte estará realizando uma elisão fiscal posterior à ocorrência do fato gerador. Nos casos de contribuintes de ICMS que emitem notas fiscais fraudulentas, visando esconder a futura ocorrência do fato gerador ou diminuir o seu montante, antes da saída da mercadoria do estabelecimento comercial, tem-se uma conduta evasiva anterior à ocorrência do fato gerador. (ALEXANDRE, 2014). A elusão fiscal é caracterizada por um descumprimento indireto da norma, independente do momento cronológico do fato gerador. O contribuinte simula um negócio jurídico visando dissimular a ocorrência do fato gerador. Visando combater o abuso das formas jurídicas no direito tributário, a Lei Complementar nº 104 de 2001 criou uma norma geral antielisão ao inserir o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional com a seguinte redação: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Da leitura do dispositivo, pode-se depreender que não há uma vedação às práticas elisivas, mas tão-somente das simulatórias, dissimulatórias e elusivas. A nomenclatura é, portanto, inapropriada. O Código Civil, em seu art. 167, abaixo transcrito, traz o conceito de simulação:  “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II- contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. §2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.” Na simulação, há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelas partes no ato jurídico, com a finalidade de enganar terceiros. Apesar de dissimulação e simulação representarem falsidades da realidade, possuem significados distintos na medida em que simular significa aparentar algo que não existe e dissimular esconder algo que existe (OLIVEIRA, 2002). Dessa forma, assevera Godoi (2001 apud PAULSEN, 2014) que se o ato simulado não corresponde a uma realidade jurídica, não precisaria o legislador ordenar que o desconsidere, por isso, utilizou-se no parágrafo único do art. 116, CTN a palavra ‘dissimular’. O dispositivo visa, portanto, que o disfarce promovido por atos ou negócios jurídicos sejam desconsiderados de modo a se encontrar o verdadeiro fato gerador. 3 Responsabilidade de terceiros O terceiro responsável possui algum vínculo jurídico com a pessoa que deveria ocupar o pólo passivo da relação tributária na condição de contribuinte. A responsabilidade de terceiros é tratada no Código Tributário Nacional nos artigos 134 e 135. 3.1 Responsabilidade do art. 134, CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:  I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;  II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;  III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;  IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;  V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” Segundo o artigo em comento, na impossibilidade de se exigir o tributo dos contribuintes, responderão solidariamente as pessoas arroladas neste, nos atos em que intervierem ou forem omissos. Tem-se responsabilidade “solidária” uma vez que o legislador expressamente a trouxe como tal, porém, da leitura do dispositivo, depreende-se que se trata de uma responsabilidade subsidiária. O primeiro efeito da solidariedade, previsto no art. 124, parágrafo único do CTN, é que esta não comporta benefício de ordem. A responsabilidade na qual primeiro se cobra de uma pessoa e, no caso de insucesso, redireciona-se a cobrança a outra é subsidiária. O Ministro Luiz Fux chegou a declarar em decisões que o legislador tributário incorreu em erro: “Flagrante ausência de tecnicidade legislativa se verifica no artigo 134, do CTN, em que se indica hipótese de responsabilidade solidária ‘nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte’, uma vez cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária” (EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 09.04.2008, DJe 19.05.2008) 3.2 Responsabilidade do art. 135, CTN: O art. 135 do Código Tributário Nacional prevê uma responsabilidade pessoal, ou seja, apenas a pessoa descrita deverá pagar a dívida tributária. A responsabilidade surge quando as pessoas arroladas no dispositivo derem causa ao crédito tributário ao incorrerem em excesso de poderes ou infração à lei, estatuto ou contrato social. “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Em regra, a responsabilidade dos arrolados no art. 134 é solidária, contudo, se estes agirem com excesso de poderes, infração à lei, estatuto ou contrato social, a responsabilidade passa a ser pessoal, conforme o art. 135, I.   No que tange ao inciso III, isto é, aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, o legislador não falou em ‘sócio’. O mero sócio não se enquadra, porém, o sócio-diretor ou o sócio-gerente, incorrendo em umas das situações previstas no caput do art. 135, responderão pessoalmente, não pelo fato de serem sócios, mas por terem poder de gerência, de administração. Assim, apesar de o Código Civil, no seu art. 1052, prever que, no caso de sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, se o sócio-gerente agir como previsto no art. 135 do CTN, mesmo que a dívida tributária ultrapasse o quinhão de sua quota, responderá sozinho, pessoalmente. Deve-se atentar ainda que o mero inadimplemento de um tributo não configura infração à lei, logo, não gera responsabilidade para o sócio-gerente ou diretor. É o que determina a súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. Ocorre que a súmula em comento fala em responsabilidade solidária, enquanto o art. 135 do CTN em responsabilidade pessoal. Vem se entendendo que o STJ ignorou o tipo de responsabilidade, preocupando-se apenas em esclarecer que o mero inadimplemento de tributo não é infração à lei, por isso, não gera responsabilidade ao sócio-gerente. Por seu turno, a dissolução irregular é infração à lei, logo, gera responsabilidade para o sócio-diretor/sócio-gerente. Dispõe a súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão a qual tem servido de precedente a inúmeras outras, dado o seu teor pedagógico e entendimento pacífico da questão: “Tributário e processual civil. Execução fiscal. Responsabilidade de sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não são responsáveis pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei 6.404/1976). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária de ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. O fato do sócio ter se retirado da sociedade em data anterior a da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária discutida constitui suporte jurídico para excluí-lo de qualquer responsabilidade. Sem influência para essa caracterização a ocorrência do registro do documento comprobatório da venda das quotas na junta comercial em data posterior. 7. Prova não feita pelo Fisco de que, na época da ocorrência do fato gerador tributável, o recorrido era sócio, da sociedade ter sido dissolvida irregularmente ou de que ele exercia função de sócio-gerente. 8. Acórdão de segundo grau baseado em presunção. 9. Agravo regimental improvido (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 276.779/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 20.02.2001, DJ 02.04.2001, p. 260)” (Grifo nosso) 4 A desconsideração da personalidade jurídica e o Direito Tributário A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário é objeto de controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Segundo o art. 146, III, b da Constituição Federal, compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, no caso, ao Código Tributário Nacional, tendo em vista ter sido recepcionado com esse status. Em razão dessa reserva, parte da doutrina defende que a responsabilidade prevista no art. 50 do Código Civil não seria aplicável em matéria tributária. O Código Tributário Nacional esclarece, em seu artigo 121, que contribuinte é aquele que tem relação direta e pessoal com a situação que constitui o fato gerador, isto é, que pratica o fato gerador, enquanto que responsável tributário é aquele que, sem revestir da condição de contribuinte, por ter uma relação indireta com a situação que consiste no fato gerador, a lei exige que pague o tributo.  Nos artigos seguintes, o legislador trata das hipóteses de solidariedade e responsabilidade de terceiros. Infere Luciano Amaro (2006): “Resta examinar a desconsideração da pessoa jurídica (propriamente dita), que seria feita pelo juiz, para responsabilizar outra pessoa (o sócio), sem apoio em prévia descrição legal de hipótese de responsabilização do terceiro, à qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa formulação teórica da doutrina da desconsideração, não vemos possibilidade de sua aplicação em nosso direito tributário. Nas diversas situações em que o legislador quer levar a responsabilidade tributária além dos limites da pessoa jurídica, ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento da obrigação tributária. Trata-se, ademais, de preceito do próprio Código Tributário Nacional que, na definição do responsável tributário, exige norma expressa de lei (arts. 121, parágrafo único, 11, e 128), o que, aliás, representa decorrência do princípio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas pelo legislador, não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou desconsiderar) o sujeito passivo legalmente definido e imputar a responsabilidade tributária a terceiro.” Alguns tribunais já pacificaram o entendimento de que o art. 50 do Código Civil não é aplicável a dívidas de natureza tributária: “Processual civil e tributário. Agravo de instrumento. Medida cautelar fiscal. Execução fiscal. Incidental. Requerido considerado corresponsável tributário. Redirecionamento. 60 dias. Obrigatoriedade. Constrição patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica. Norma específica. Art. 135, III, CTN. 1. Por se tratar de dívida de natureza tributária, é inaplicável o art. 50 do CC para o fim de desconstituir a personalidade jurídica da sociedade devedora, uma vez que a norma adequada à responsabilização solidária do sócio-administrador tido por corresponsável tributário é aquela prevista no art. 135, III, do CTN. 2. A certeza da responsabilidade tributária do terceiro apontado como corresponsável pelos débitos perseguidos deve ser resultado de processo administrativo prévio, mediante apuração realizada nos termos dos pressupostos legais, e inscrição em dívida ativa. Esta a condição essencial que determinará a legitimidade passiva do sócio na respectiva execução fiscal. 3. Não comprovado que o agravante figura como devedor principal e corresponsável tributário pelos débitos que se pretende garantidos em sede cautelar, deve ser observada a exigência prevista no art. 11 da Lei 8.397/1992. 4. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (TRF-1 – AI: 00286818720154010000 0028681-87.2015.4.01.0000, Relator: Desembargadora Federal Maria Do Carmo Cardoso, Data de Julgamento: 11/12/2015, Oitava Turma, Data de Publicação: 29/01/2016 e-DJF1)” (Grifo nosso) “Processual civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Inmetro. Multa administrativa. Natureza não tributária. Redirecionamento da execução para os sócios. Art. 135, CTN. Inaplicabilidade. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Art. 50 do Código Civil. Ausência de comprovação dos requisitos legais. 1. É pacifico na jurisprudência desta egrégia Corte que são inaplicáveis as disposições do art. 135 do CTN aos casos de dívida de natureza não tributária. 2. Ainda que fosse aplicado ao caso o disposto no mencionado artigo, o mero inadimplemento da obrigação tributária não enseja responsabilização dos sócios. 3. Tratando-se, portanto, de dívida civil, a autorização para a desconsideração da personalidade jurídica da empresa depende de prova de existência de fraude, que caracterize o desvio de finalidade das atividades e/ou confusão patrimonial, nos moldes do artigo 50 do CC. 4. A desconsideração da personalidade em relação aos sócios é medida excepcional, devendo a parte exequente demonstrar a presença dos requisitos que a ensejam, o que não se verifica no caso em apreço. 5. Agravo de instrumento não provido. (TRF-5 – AG: 415998320134050000, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Data de Julgamento: 13/02/2014, Terceira Turma, Data de Publicação: 18/02/2014)” (Grifo nosso) Aqueles que entendem pela aplicação da teoria nas relações jurídico-tributárias afirmam que existe dispositivo de lei complementar autorizativo. Baseiam-se estes nos incisos VII e III dos artigos 134 e 135, respectivamente, do Código Tributário Nacional ou no parágrafo único do art. 116 do mesmo diploma legal. Corroborando com essa primeira corrente, explica Eduardo Sabbag (2014): “O CTN permite a comunicabilidade entre o patrimônio da empresa e o patrimônio do sócio, mediante o instituto da despersonalização (desconsideração) da pessoa jurídica. Tal evento ocorrerá em virtude da identificação do sócio com a condição de “diretor” ou “gerente”, ao executar atos inequívocos de condução da sociedade. Ademais, impende destacar que a aplicação da responsabilização pessoal ocorrerá em face de dolo ou má­-fé, uma vez que tais predicados estão ínsitos à aplicação da teoria do disregard of legal entity. Destarte, dois são os pressupostos autorizadores de um legítimo redirecionamento de cobrança tributária: o preenchimento da condição de “gerente” e/ou o comportamento fraudulento.” O próprio Superior Tribunal de Justiça diante de casos suscetíveis de responsabilidade pessoal a que se refere o art. 135, declara estar utilizando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica: “Tributário. Execução fiscal. Dissolução irregular de sociedade empresária. Sócio contra o qual não se comprovou indício de gestão fraudulenta. Redirecionamento. Impossibilidade. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, sob o rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento segundo o qual o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou no caso de dissolução irregular da empresa. 2. A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional, apenas admitida nas hipóteses expressamente previstas no art. 135 do CTN ou nos casos de dissolução irregular da empresa, que nada mais é que infração à lei. 3. O indício de dissolução irregular da sociedade não é, por si só, apto a ensejar a responsabilidade pessoal dos sócios, pois a aplicação do art. 50 do CC depende da verificação de que a personalidade jurídica esteja sendo utilizada com abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no REsp: 1473929 SP 2014/0186872-5, Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 21/10/2014, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 29/10/2014)”. (Grifo nosso) “Direito processual civil e direito tributário. Agravo inominado. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Dissolução irregular. Redirecionamento. Grupo econômico de fato. Desconsideração da personalidade jurídica. Recurso desprovido. (…) 2. Quanto à questão do redirecionamento, foi fartamente examinada a matéria pelo colegiado, no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça admite redirecionamento de executivo fiscal em caso de abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade, confusão patrimonial ou fraudes entre empresas e administradores integrantes de grupo econômico, com estrutura meramente formal, a teor do que dispõe o artigo 50 do Código Civil de 2002. 3. Caso em que existem provas bastantes da existência de grupo econômico de fato entre a executada e as agravantes, bem como das hipóteses que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica. (…) 13. Dessa forma, havendo indícios probatórios suficientes para caracterizar a responsabilização das agravantes pelos débitos fiscais da executada, dada a confusão patrimonial, encerramento irregular e esvaziamento da empresa executada, em prejuízo de créditos tributários que ultrapassam os dez milhões de reais, como informado pela PFN, deve ser mantida a decisão que afastou a ilegitimidade passiva ad causam e manteve o redirecionamento (…). (TRF-3 – AI: 26210 SP 0026210-49.2012.4.03.0000, Relator: Desembargador Federal Carlos Muta, Data de Julgamento: 18/07/2013, Terceira Turma).” (Grifo nosso) Para os que defensores da segunda corrente, isto é, da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica com fundamento no parágrafo único do art. 116, esta norma autoriza a autoridade administrativa a desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade, independentemente de decisão judicial. Alguns entendem, inclusive, que já existe uma norma regulamentadora do referido dispositivo, no caso, o art. 50 do Código Civil. Os contrários a essas correntes argumentam que para que a desconsideração seja aplicada deverá haver abuso da personalidade jurídica, o que não se exige em se tratando da responsabilidade dos sócios contemplada nos artigos 134 e 135. Salienta-se ainda que não é preciso desconsiderar a empresa para imputar as obrigações aos sócios já que essa responsabilidade decorre de preceito legal. Nesse sentido, o Fórum de Execuções Fiscais da Segunda Região -Forexec aprovou o Enunciado de número 6, dispondo que “a responsabilidade tributária regulada no artigo 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no artigo 133 do CPC/2015[2]”. Por fim, no que tange à norma antielisiva, asseveram que esta apenas estabelece a possibilidade de serem desconsideradas as formas como os sujeitos passivos da relação tributária realizaram seus atos e negócios jurídicos, viabilizando o arbitramento do montante do crédito tributário pela autoridade administrativa. Portanto, não se refere à superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para atribuição de responsabilidade tributária a estes. Conclusão A desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento no combate às condutas fraudulentas e abusivas. Contudo, em face da relevância da separação patrimonial entre pessoa física e jurídica para viabilizar a atuação econômica, deve ser aplicada em caráter excepcional, apenas quando configuradas as circunstâncias autorizadoras previstas em lei. A doutrina e a jurisprudência nacional não são pacíficas a respeito da aplicabilidade desse instituto no âmbito do direito tributário, e aqueles que defendem ser possível não estão em consenso quanto ao fundamento que a sustenta. Neste trabalho, apresentou-se os argumentos de ambos os lados da questão após uma análise dos dispositivos que os embasam.
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Da limitação aos tratados internacionais sobre bitributação e sua diferença com o bis in idem
Este presente artigo tratará sobre os tratados internacionais no âmbito da bitributação e como estes são importantes para o fortalecimento das relações comerciais entre países ao facilitarem o ingresso de empresas estrangeiras em seus mercados, também iremos fazer aqui as devidas diferenciações entre os termos bitributação e bis in idem. Temos que esses acordos internacionais tem o objetivo principal de trazer mais capital financeiro para o mercado interno, fortalecendo o mercado.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Observando os acontecimentos que ocorrem no mundo atual, e com o aumento das relações entre países, observamos cada dia mais um ambiente globalizado, onde os tratados surgem como uma importante medida para evitar a ocorrência da bitributação entre os sistemas tributários dos países, que aparece como um obstáculo às relações internacionais com foco econômico. Isso é importante já que o fato de ter que pagar um mesmo imposto vem a desencorajar que empresas busquem uma diversificação dos seus interesses e investimentos em mais de uma economia. Esse tipo de atuação por parte dos Estados, ocorre com o objetivo de buscar mais investimentos internacionais em seus territórios, fazendo-se necessária a adoção desta atuação política com um fim estritamente econômico, realizando com isso uma delimitação da competência econômica às quais possuem, determinando limites para evitar a ocorrência do fenômeno da bitributação. Outrossim, existem alguns objetivos quando da assinatura de referidos tratados, quais sejam: a prevenção para evitar o desestímulo com os investimentos, por conta da grande carga tributária existente; o estreitamento das relações entre os Estados com relação às matérias tributárias; e a proteção para o contribuinte com relação à bitributação internacional. Para tratar sobre este tema, precisamos traçar, primeiramente, as normas do direito internacional e do direito constitucional, que determinam o caminho pelo qual os tratados internacionais seguem para o ingresso no ordenamento jurídico, passando desde o seu histórico até a ratificação por parte do Congresso Nacional. Com o que iremos discorrer aqui neste artigo iremos comprovar a importância dos tratados internacionais que possuem o foco em evitar a bitributação, fortalecendo as relações econômicas internacionais, dando garantia aos investidores internacionais que atuam em tais países. Além de tratarmos sobre essa questão, para melhor entendimento do leitor, cabe-nos fazer uma análise e diferenciação com o que a doutrina entende como bis in idem, e os conflitos que podem gerar ao não se diferenciar dos conceitos de bitributação. O tema que discorremos aqui é de uma conjuntura bem atual e por este motivo entendemos que foi importante a nossa escolha para discorrer sobre o mesmo neste trabalho de conclusão de curso. 2. ASPECTOS RELEVANTES SOBRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS a. Conceito Tratare-mos um pouco aqui sobre os tratados internacionais, sua conceituação, organização no ordenamento jurídico e histórico, como embasamento para em seguida ater-se ao tema propriamente dito da bitributação. Tendo como comparação as grandes somas de discussões que surgem acerca desses, o conceito de tratados internacionais é de certa maneira simples, sendo definido na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, que é o texto base para o qual a comunidade internacional precia respeitar quando da elaboração de um tratado, em seu artigo segundo como sendo "um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita é regulado pelo direito internacional consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica"[1], bem como possuem a sua aceitção tipificada em nossa Constituição Federal em seu art. 5º, § 2º. Seguindo a mesma ordem, José Francisco Rezek nos diz que "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”[2].      Observando os conceitos acima determinados, teoricamente percebemos que, em regra, depois de firmados, os conceitos defendidos junto aos tratados devem ser inseridos no sistema jurídico,contudo, cabe-nos salientar que alguns geram grandes controversias entre os doutrinadores brasileiros.      Entendemos que os tratados internacionais são de natureza formal, observando que possuem e devem respeitar um procedimento específicode discussão, elaboração, conferencias e aprovação para que venham ingressar no ordenamento, os quais iremos explicar a seguir. b. Do caminho para a elaboração Toda negociação para a assinatura de um tratado internacional vem a seguir os meios e é dividido em quatro fases, a fase da negociação, a fase da assinatura, a fase da ratificação parlamentar e a fase da promulgação, às quais iremos explicar nas linhas seguintes. c. Da negociação A primeira fase seria a de negociação ou conferencias, é a fase inicial e geralmente ocorre por membros designados pelos governos e, se necessário, acompanhados de especialistas no assunto, culminando com a elaboração de um texto a ser aprovado em fases futuras. O nosso texto constitucional afirma que a competência para a atuação na fase de negociações é do Chefe do Executivo, ou seja, do Presidente da República. Entretanto, este pode designa-la de uma forma limitada para o Ministro das Relações Exteriores ou outros Ministros da área que esteja sendo negociada, como nos fala Valerio de Oliveira Mazzuoli em seu livro Curso de Direito Internacional Público: “[…] nos termos da Convenção de Viena de 1969, para que um tratado seja considerado válido, requer-se que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham (1) capacidade para tal, que os seus agentes signatários estejam (2) legalmente habilitados (por meio de carta de plenos-poderes, assinada pelo Chefe do Executivo e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores), que haja (3) mútuo consentimento (que se revela no livre e inequívoco direito de opção do Estado, manifestado em documentação expressa) e que seu objeto seja (4) lícito e materialmente possível.”[3] Após tais negociações, é elaborado um texto escrito, que trata-se do tratado em si, e que será votado pelos membros participantes, como nos fala o artigo 9º da Convenção de Viena, e que os mostra que a aceitação deve ser realizada por dois terços dos membros presentes e votantes, com a observância de que por mesma maioria os Estados podem vir a escolher uma nova regra. d. Da assinatura Com a finalização do texto e a sua aprovação na fase anterior, diferentemente de outros países, antes da assinatura, o projeto do tratado precisa seguir um raminho dentro do Ministério das Relações Exteriores, que são a Comissão Jurídica do Itamaraty, que realizará uma análise com relação aos aspectos do direito sobre o tema em questão e em seguida passará pela Divisão de Atos  Internacionais, que fará um parecer sobre os aspectos processuais do acordo, e isso ocorre para que não venha a ocorre problemas relacionados com o controle de constitucionalidade. Após a aprovação por parte do Ministério, o tratado estará pronto para que seja assinado pelas partes. No Brasil, segundo a tradição das relações internacionais brasileiras, qualquer autoridade que venha a possuir a carta de plenos poderes assinada pelo Presidente pode vir à faze-lo. Entretanto, o fato de o Chefe do Executivo ou o detentor da carta de pleno poderes ter assinado o tratado, este não vem a vincular o estado, e isso só irá ocorrer a partir do momento no qual o tratado seja ratificado pelo Poder Legislativo, que deve ocorrer de acordo com o tipificado em nossa Carta Magna em seu artigo 49, I. e. Da ratificação Essa é considerada a fase mais importante pelo entendimento da doutrina vigente e é estabelecida pela Convenção de Viena em seu artigo 14 da seguinte forma: “Artigo 14 – Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Ratificação, Aceitação ou Aprovação 1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação:  a)quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação;  b)quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação seja exigida;  c)quando o representante do Estado tenha assinado o tratado sujeito a ratificação; ou  d)quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.  2. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela aceitação ou aprovação em condições análogas às aplicáveis à ratificação”.[4] Como pudemos mostrar no texto do artigo acima, os tratados só passam a ser validos a partir da ratificação, mesmo que não esteja expresso no texto, conforme pudemos observar da jurisprudência. Após a ratificação, o tratado passa a ser tido como valido em âmbito internacional, contudo, para que venha a ser válido no direito interno, precisa-se que ele obedeça os ritos existentes na legislação específica, e que no caso do nosso país precisamos fazer a combinação de dois artigos. Quais sejam esses dois artigos, o 49, I que já referimos anteriormente, combinado com o 84, VIII, ambos da Constituição Federal. É consenso entre os operadores do direito de que o ato da ratificação, que deve vir a ser realizado por escrito como nos traz o artigo 5º da Convenção de Havana[5], mas que precisam ser regulamentados também pela legislação nacional, não pode vir a retroagir, e que os efeitos decorrentes da assinatura do tratado pelo Estado só poderão fazer efeito daquele momento em diante. f. Da promulgação Com esse ato, o Estado vem a tornar pública a existência do tratado, e que atravessou todos os trâmites legais e que a partir daquele momento precisam ser respeitados pela população. Essa fase precisa ocorrer para que tenhamos efeitos quanto aos tratados no direito interno, e possuindo dois efeitos, o de tornar público e o seguindo de confirmar a passagem por todos os caminhos necessários conforme já informamos anteriormente. A partir desse momento o tratado passa a ser valido perante o ordenamento jurídico brasileiro. g. Classificação Para que possa ocorrer um tratado, precisamos vir a obedecer alguns critérios básicos, quais sejam estes, que seja por escrito, capacidade para realiza-lo, e que devem ser regidos pelo direito internacional. Quanto à sua classificação, trataremos aqui não com relação a todas, mas apenas aquelas que entendemos como fundamentais para os assuntos que transcorremos neste artigo. Assim, eles podem ser bilaterais ou multilaterais, esses tratados multilaterais podem ser por estados específicos, como o tratado de Maastricht, que veio a instituir a União Europeia ao entrar em vigor em primeiro de novembro de 1993, onde os Estados membros precisam aprovação dos membros já existentes para que possam ingressar, ou abertos para que qualquer um venha a assinar, como a carta da Organização das Nações Unidas. Os tratados também podem ser classificados como contrato, onde passa a existir uma gama de condutas a serem respeitadas reciprocamente por parte dos Estados membros, ou os que são chamados de tratados-lei, constitui um conjunto de normas que precisam ser aplicadas por parte dos Estados que o assinarem, bem como por aqueles que desejem o fazer. Quanto ao tempo que devem vigorar, os tratados podem ser indeterminados, como o próprio nome já fala, não possuem no corpo de seu texto nenhuma data para a qual ele deixará de entrar em vigor, apenas tendo a data de início, necessitando que ocorra uma deliberação entre os membros para que ele deixe de produzir efeitos, ou por tempo determinado, que é aquele onde o próprio texto que instituiu o tratado já traz, expressamente, a data de início e de termino da cooperação entre os Estados quanto àquele determinado tema. h. Do ingresso no âmbito jurídico brasileiro De tudo o que tratamos no âmbito desse capítulo sobre os tratados internacionais, chegamos a um momento de suma importância, que seja o da análise das formas de ingresso dos textos cooperativos perante o ordenamento jurídico brasileiro. A nossa Constituição regulamenta como essa situação deve ocorrer em dois casos, a partir de modificações trazidas pela EC nº 45/2004[6] que fez a equiparação dos os tratados internacionais de direitos humanos com uma Emenda Constitucional, mas para isso para entrar em vigor, eles precisam ser submetidos ao mesmo processo de aprovação das emendas, qual seja, o de passar por dois turnos de votação nas duas casas com aprovação da maioria absoluta de três quintos dos votos, enquanto que os tratados internacionais que não possuem assunto relativo aos direitos humanos apenas passam por uma votação em cada uma das casas com a necessidade apenas da aprovação por maioria simples. Contudo, essa alteração gerou um imbróglio jurídico, quanto ao que aconteceria com os tratados internacionais que não são de direitos humanos e como eles devem ser aceitos e compreendidos no ordenamento jurídico, e para isso Luiz Flavio Gomes nos mostra de seguinte forma: “[…] Mas nesse primeiro momento gostaríamos de enfocar o nível hierárquico do Direito internacional que não cuida dos direitos humanos. Pensamos que essa continua sendo uma questão aberta na jurisprudência brasileira, não obstante (como sublinhamos acima) a doutrina internacionalista já entender (há muitos anos, desde as primeiras lições de Accioly no Brasil) que tais tratados valeriam mais do que a lei. Contudo, no que tange ao Supremo Tribunal Federal, a questão realmente ainda se encontra em aberto. A velha doutrina do STF diz que o status normativo de um tratado comum no plano do nosso direito interno seria o mesmo das leis ordinárias. Mas esse é um tema sobre o qual o próprio STF terá que refletir. Cuida-se de uma zona do Direito (ainda) indefinida naqueles países que não têm em suas Constituições regras claras a esse respeito, países dos quais o Brasil indubitavelmente faz parte. A tendência da Corte Suprema brasileira (ao que tudo indica) consiste em reconhecê-los como direito ordinário. Aliás, pela jurisprudência atual do STF não se pode mesmo negar esse status equivalente à lei ordinária. Exceção a essa regra constitui o Direito Tributário (art. 98 do CTN). Tratados de direito tributário possuem valor supralegal.”[7] Com esse texto do professor Luiz Flavio Gomes explicamos um pouco do conceito da aceitação dos tratados internacionais, e já passamos a ingressar mais propriamente no nosso tema dos tratados internacionais referentes ao direito tributário, observando o que encontra-se disposto no artigo 98 do nosso Código Tributário Nacional[8], que nos mostra que os tratados e convenções internacionais que forem firmados pelo nosso país revogam ou modificam as leis positivas do direito tributário brasileiro, e precisam ser observadas por aquelas normas que forem de hierarquia superior àquela, como por exemplo a própria Constituição Brasileira. Quando chegamos nesse ponto, temos um imbróglio existente entre a competência tributária dos entes federativos, pois doutrinadores entendem que a União ao firmar tratados internacionais estaria interferindo com a competência dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, vindo a ferir o pacto federativo, juntamente ao falarmos da vedação do artigo 151, III da Constituição de 1988. Contudo, os juristas entendem que esse problema é sanado com a teoria de que ao firmar o acordo internacional, o Presidente da República não o faz como representante da União mas como chefe de Estado, representando o Estado Brasileiro, o que não inclui na vedação do artigo citado acima, pois o artigo vem a falar da União e não da República Federativa do Brasil. Para exemplificar o que acabamos de falar trazemos o artigo 84 de nossa Carta Magna, que trata dos atos privativos do Presidente da República, observando mais especificamente no inciso VIII que vem a falar dos tratados: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da república: […] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional;” Continuamos trazendo os ensinamentos de Betina Grupenmacher, para mostrar o que os Estados praticam ao assinarem acordos internacionais, e que precisam relevar um pouco da sua abrangência jurídica para um bem maior para o país, aqui não falamos totalmente sobre o caso da competência tributária mas apenas para iniciarmos a justificativa do que discorremos acima: “[…] os tratados internacionais refletem hipóteses em que cada um dos Estados signatários abre mão de parcela de sua soberania acatando as disposições de uma convenção que reconhece como expressão máxima das regras de bem viver da comunidade internacional”[9] Entendemos que a partir do momento em que são assinados os tratados, e com sua ratificação, precisa-se que seja aplicado o princípio da “lei posterior”, para que o ordenamento jurídico brasileiro fique de acordo com as relações internacionais. Com as explicações que fizemos acima, agora podemos explicar o entendimento da doutrina de que o Presidente atua como chefe de Estado. O professor Roque Antônio Carraza nos traz da seguinte forma: “[…] não é a união, enquanto ordem jurídica parcial central, que firma o tratado internacional, mas, sim, a República Federativa do Brasil, enquanto ordem jurídica global (o Estado brasileiro), contrapomos que, no plano interno, mesmo quando esta pessoa política representa a Federação, não pode conceder isenções heterônomas, com exceção das expressamente autorizadas nos arts. 155, § 2º, XII “e”, e 156, § 3º, II, ambos da CF. […] o tratado internacional não pode obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a abrirem mão de parte ou da totalidade de suas competências tributárias. Nem mesmo quando ratificado por meio de Decreto legislativo”[10] Mesmo sendo a corrente majoritária, existe uma outra versão que possui o mesmo fim com relação ao chefe de estado mas para obter esse objetivo, utiliza-se de outras formas como explicaremos com os ensinamentos de José Afonso da Silva em seu livro Curso de Direito Constitucional Positivo: “[…] o estado federal – a Republica Federativa do Brasil – é que é a pessoa jurídica de Direito Internacional. Na verdade, quando se diz que a União é pessoa jurídica de Direito Internacional, não se está dizendo bem, mas quer-se referir a duas coisas: a) as relações internacionais da República Federativa do Brasil realizam-se por intermédio de órgãos da União, integram a competência desta, conforme dispõe o art. 21, incs. I a IV; b) os Estados federados não tem representação nem competência em matéria internacional, nem são entidades reconhecidas pelo Direito Internacional, são simplesmente de direito interno.”[11] A partir do que discorremos até o presente momento neste artigo, podemos começar a encaminhar o leitor para o assunto específico do tema que nos dispomos a tratar aqui, relativamente aos tratados internacionais sobre a bitributação, diferenciando-o do bis in idem. 2. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE A BITRIBUTAÇÃO O primeiro acordo com o objetivo de evitar a bitributação de que se tem notícia foi firmado entre a Prússia e a Saxônia no ano de 1869. Com o passar dos anos observamos que muitas vezes esses tipos de tratados foram utilizados para melhorar as relações comerciais entre os Estados, objetivando vir a aumentar o desenvolvimento destes, podendo existir aqui exemplos de acordos comerciais, acordos de cooperação militar, entre outros inúmeros exemplos referentes à matéria tributária e que seria apenas exaustivo para o leitor que fosse tratado aqui. Entretanto, mesmo sabendo que acordos e tratados internacionais já são firmados a muito tempo, os que objetivam tratar exclusivamente da possibilidade de se evitar a bitributação são até certo ponto recentes, começando a se intensificar a partir do fim da primeira guerra mundial e do início do mundo mais globalizado. Precisamos dividir a evolução histórica desse tipo de tratado em três momentos, quais sejam: a primeira no período anterior à primeira guerra mundial; a segunda no período entre guerras; e a terceira no período posterior à segunda guerra mundial. Já tratamos sobre a questão da primeira fase, então passaremos a falar sobre as outras duas. Compulsando a história, observamos que o primeiro tratado internacional sobre a bitributação ocorreu na segunda fase ou o período entre guerras, sendo firmado entre Alemanha e Itália, servindo de molde para vários outros que vieram a surgir depois. Na terceira fase, após o fim da segunda guerra mundial, tivemos um aumento efetivo na elaboração e assinatura de tratados internacionais, incluindo como membros principalmente com a Inglaterra e os Estados Unidos, que nesse período objetivavam ter um aumento nas relações econômicas. Mas o que mais vai importar para a questão da bitributação no cenário brasileiro vem a partir da assinatura de um tratado em 1960 que instituiu a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, conhecida pela sigla OCDE, que passou a entrar em vigor no dia 30 de setembro de 1961. Esta organização desenvolveu um modelo baseado em estudos, objetivando evitar que tenhamos a bitributação de impostos entre Estados, que foi publicado em 1963 sobre o nome de “Projeto de Convenção de Dupla Tributação em Matéria de Rendimento e de Capital”[12], que possui além dos modelos, alguns comentários explicativos para facilitar o entendimento daqueles que o forem utilizar. Esse modelo perdurou até 1992, quando a OCDE decidiu pela publicação e divulgação de um novo modelo, que é utilizado até os dias de hoje, mas sofrendo alterações, sendo a última delas tido sido realizada no ano 2000, passando a ser chamada de Convenção-Modelo da OCDE. Cabe-nos ressaltar que esta convenção serve apenas de modelo, não sendo obrigatório que ela seja seguida por inteiro pelo fato de o país ser membro da organização, para justificar isso, podemos citar o caso do Brasil que organiza os tratados em artigos, e não em capítulos como podemos observar no modelo, contudo, é mantida a mesma ordem contextual. 3. A BITRIBUTAÇÃO EM ÂMBITO MUNDIAL A bitributação, no sentido amplo da palavra, ocorre quando dois entes com capacidade tributária decidem estabelecer um tributo sobre um mesmo fato gerador. O conceito que citamos acima é na forma geral, ou seja, pode ocorrer dentro do próprio ordenamento jurídico brasileiro, o que estaria em desacordo com vários princípios basilares do direito tributário que existem como forma de proteção ao contribuinte, mas observamos que não existe nenhuma vedação quanto a esse assunta na Constituição de 1988. Já em âmbito internacional, quando vamos falar sobre esse mesmo assunto, para que seja considerada como uma bitributação, precisamos que quatro conceituações sejam as mesmas, quais sejam essas: primeiramente a identidade do sujeito passivo, ou seja, o contribuinte; em segundo plano a identidade do período tributário; em terceiro plano temos a identidade do objeto; e a quarta e última identidade que devemos considerar aqui é a identidade do imposto. Entretanto, precisamos para compreender o que seria a bitributação no âmbito internacional, escutar o que nos fala o professor Heleno Taveira Torres em seu livro Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas[13] que o problema que encontramos quanto à questão da bitributação internacional localiza-se na relação entre dois ou mais sistemas tributários de estados soberanos, apresentada por concursos nas pretensões impositivas em detrimento um mesmo ato de produção de valores, em base transnacional. Utilizando-se dos ensinamentos do eminente doutrinador podemos chegar à afirmativa de que os atos proveem de um mesmo fato gerador mas em sistemas tributários distintos, não existindo aqui nenhuma relação de hierarquia entre tais normas, surgindo a necessidade da existência de negociações entre os mesmos estados soberanos. Contudo podemos ter mais problemas quando da determinação da existência ou não da bitributação, pois os países podem vir a ter os seus códigos tributários baseado em duas formas distintas por meio das quais os entes realizam a tributação dos seus cidadãos. Sejam elas baseadas no princípio da territorialidade, ou seja, pelo critério da fonte, sendo o sujeito passivo cidadão ou não, apenas por estar no território onde incide o tributo; já o segundo case baseia-se no princípio da universalidade, analisando-se este teorema por duas características, a primeira sendo o critério da cidadania, o indivíduo é natural do país e a segunda pela característica é a da residência, onde o indivíduo não é natural mas mora no estado. Iniciaremos os comentários sobre essas teorias a partir da do princípio da universalidade, e sabemos que nesta o país poderá vir a tributar o sujeito passivo do imposto em qualquer lugar, mesmo ele não estando no local de sua residência, pois como relatamos no parágrafo anterior, utiliza-se apenas do fato de este ser cidadão ou residente, não importado onde o fato gerador for vir a ocorrer. Aqui, conforme explicamos, temos a conexão pessoal e não se faz mais necessário outra justificativa para que a tributação venha a ocorrer. Esta teoria é a defendida pelo doutrinador Sacha Calmon. Diferentemente da anterior quando estávamos nos referindo ao critério pessoal, na segunda teoria, observamos a utilização do critério territorial, ou seja o critério espacial da regra matriz de incidência tributária para a impetração do tributo ao contribuinte. Explicamos para melhor entendimento do leitor, todo e qualquer rendimento tributável que vier a ocorrer dentro do território será fruto da impetração do imposto, não fazendo distinção de o contribuinte ser nacional ou não. Contudo, o fato de existirem duas teorias distintas não vem a proibir que elas sejam usadas em uníssono no código tributário de um país, tendo o contribuinte sendo tributado em consoante pelo princípio da universalidade e pelo princípio da territorialidade, e é aqui que começa a surgir o problema onde a competência de um passa a interferir na do outro. De forma simples podemos fazer uso da regra dos conjuntos que aprendemos com a matemática para explicar de forma melhor e facilitar o entendimento. Trabalharemos aqui com dois círculos, temos um de um lado e outro de outro, enquanto eles estão apenas fazendo uso de uma das teorias da incidência tributária, eles são chegam a e tocar, mas a partir do momento que um ou os dois utilizam-se dos dois critérios eles sobrepõem-se um sobre o outro, ocorrendo a interseção dos conjuntos, e esta seria a bitributação. Explicada a teoria, passamos a falar mais especificamente do caso do Brasil, onde foi adotada a teoria do princípio da universalidade conforme o artigo 25 da Lei 9.249/95, que estabeleceu o critério pessoal para aqueles qualificados como residentes mantendo o princípio da territorialidade apenas para aqueles entendidos como não residentes. Dessa forma, a renda do brasileiro que será tributada deverá ser calculada em função dos rendimentos que forem obtidos em qualquer parte do mundo, pois tem como critério o domicílio. Conforme a lei que mencionamos, a partir de 1995, o Imposto de Renda no Brasil passou a atingir aqueles que moram no exterior, mas que não alteraram o domicilio para lá, ou seja, se residem fora mas o domicilio continua no Brasil, incidirá o Imposto de Renda, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica. Com o que acabamos de explicar aqui, já dá pra se ter uma ideia quanto ao porquê de a bitributação receber inúmeras críticas já que vem a ser considerada como um entrave para o aumento das relações comerciais e econômicas entre os países, limitando inclusive as transferências de tecnologia que as empresas buscam ao procurar parceiros que tenham mais experiência na área em que trabalham. 4. DAS DIFERENÇAS ENTRE A BITRIBUTAÇÃO E O BIS IN IDEM A bitributação e o bis in idem podem possuir conceitos até parecidos, mas o que diferencia-os primordialmente é o fato de o primeiro não possuir tipificação em nosso ordenamento jurídico, e ser proibida à exceção de dois caso específicos, enquanto que o segundo é expressamente autorizada. No decurso do nosso trabalho já conceituamos o que seria a bitributação, dessa forma não convém fazê-lo novamente, o que só tornaria o texto mais chato e repetitivo para o leitor, por isso só traremos aqui a conceituação do que seria bis in idem. Quanto às exceções referentes à bitributação, temos que a primeira decorre do artigo 154,II da Constituição Federal, que o transcorremos a seguir: “Art. 154. A União poderá instituir: II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”.[14] Como traz expressamente a nossa Carta Magna, para angariar recursos, em caso de guerra, a União pode fazer uso da bitributação editando leis que instituam imposto extraordinários sobre fatos geradores já tarifados. A segunda exceção decorre do âmbito internacional, e é mais ligada ao tema propriamente dito deste presente artigo que estamos produzindo. Qual seja, a de o contribuinte recolher um tributo em um estado e também o ser devido em outro, podendo ser regulado por tratado ou convenção internacional, que é exatamente o que defendemos aqui. Já quando vamos falar sobre o bis in idem, precisamos primeiramente expressar o que seria o significado do termo, que seria exatamente duas vezes sobre a mesma coisa, e ocorre na prática quando o mesmo fato jurídico é tributado mais de uma vez pela entidade detentora da competência tributária para tal, temos como exemplo dessa situação o caso do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que possuem como mesmo fato gerador a questão de auferir lucro em sua atividade. O bis in idem é permitido no âmbito jurídico mas precisa respeitar uma regra específica, que é a de respeitar os limites estabelecidos na Constituição Federal, já que a competência tributária é matéria de direito constitucional. Dessa forma, um ente federativo apenas pode fazer uso desse instituto se ele for competente para instituir o imposto. Por exemplo, no caso que citamos acima, tanto o Imposto de Renda como a CSLL são de competência da União. Assim, um município não pode fazer uso do bis in idem e instituir uma contribuição sobre o lucro das empresas, pois essa matéria é de exclusividade da União. 5. DOS TRATADOS COMO SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DA BITRIBUTAÇÃO Depois de ter transcorrido sobre o tema em todos os capítulos anteriores, trazendo desde os conceitos e até um pouco da história do aparecimento dos tratados internacionais chegamos a o momento em que justificamos o nosso posicionamento quanto da aceitação dos acordos como forma de regulação e melhora dos mercados comerciais e econômicos, objetivando um desenvolvimento dos países signatários. Os tratados internacionais são entendidos como forma de se delimitar as competências tributárias dos países signatários, enquanto fontes produtoras dos rendimentos tributáveis ou de residência com o objetivo de realizar uma limitação da sua soberania tributária com o viés de evitar a bitributação. De outro modo, esses mesmos acordos, podem vir a ter como objetivo a eliminação por completo da bitributação, e para isso precisa-se que seja feita também uma intervenção econômica, para que seja o dado ao contribuinte o direito de realizar uma compensação deduzindo os valores pagos a título de um tributo pago no exterior Com essas medidas que citamos acima, podemos observar que os Estados Nacionais encontram-se frente a um novo imbróglio jurídico, qual seja este, o de conferir ou não uma possível preferencia do direito internacional em detrimento do direito interno dos seus países. Quanto a isso ainda não existe uma pacificação dessa questão por parte do Supremo Tribunal Federal, mesmo observando que existem preceitos legais em nossa Constituição Federal no artigo 4º, IX e parágrafo único, e no artigo 5º, parágrafo 2º, como também no artigo 98 do Código Tributário Nacional, além dos pareceres doutrinários. Outrossim, já temos como tendência da jurisprudência em nosso ordenamento, da prevalência do direito internacional sobre os ditames jurídicos do direito interno, objetivando o contexto atual onde os povos estão sempre à busca de uma melhor relação entre os países. Esse tipo de atuação e a adoção à qual o Supremo Tribunal Federal possa vir a realizar só nos mostra o primado que República Federativa do Brasil visa manter o prestígio internacional, respeitando o direito das gentes ao se expressar seja na ordem internacional ou de forma mais direta no ordenamento jurídico brasileiro. Mas já temos alguns exemplos disso como quando do julgamento do Recurso Especial nº 349.703[15], que o Supremo Tribunal Federal entendeu de acordo com o artigo 98 da legislação tributária brasileira pela supralegalidade dos tratados internacionais, ao analisar um caso de prisão de depositário infiel, o que podemos trazer por analogia para o caso dos acordos internacionais de direito tributário para evitar a bitributação. CONCLUSÃO O Brasil é um país que visa almejar uma maior expressão no senário mundial, por esta razão é possível observar uma grande atuação no cenário mundial, participando de quase todas as mobilizações internacionais para melhora da qualidade de vida do cidadão, seja visando apenas o contexto de nossa República Federativa ou quando ampliamos mais para o contexto dos habitantes do planeta. Isso pode ser evidenciado em sua participação como exemplo do tratado que instituiu o protocolo de Kyoto, as negociações do clima que aconteceram em Paris no ano de 2015, entre outros. No âmbito tributário isso não é diferente, já que podemos observar a grande gama de tratados com outros país tendo a bitributação como tema que o Brasil celebrou. Compulsando-se o site do Ministério das Relações Exteriores, ou no próprio sítio da Receita Federal do Brasil, que traz um quadro explicativo sobre tais países, onde podemos visualizar desde grandes potências como a Alemanha até pequenos como a ilha de Trinidad e Tobago. Tendo esse embasamento sobre o ambiente em que o nosso país se encontra, firmar tais acordos surge como uma grande oportunidade para o aumento do capital estrangeiro em nosso país, trazendo, por conseguinte o desenvolvimento tecnológico que em algumas áreas estamos em níveis inferiores, já que a empresa multinacional estrangeira poderá investir capital aqui tendo a garantia de que poderá levar os lucros diretamente para o seu país de origem pagando os impostos que forem equivalentes lá, e aqui no Brasil só o fará para aqueles que não forem tributados lá, e vice e versa. A grande maioria dos textos de acordos tributários firmados por nosso país versa basicamente sobre imposto de renda, já que é um tributo universal e que pode ser encontrado em quase todos os países do globo. Observando isso e a busca pelo aumento das relações comerciais e econômicas, procuramos demonstrar aqui que o Chefe de Estado ao firmar um acordo comercial, não pode agir de qualquer modo, precisando respeitar os modelos existentes em nossa legislação, bem como estabelecer maneiras para que os órgão governamentais possam ter controle sobre a movimentação de capital que venha a ocorrer entre o país e o exterior para que não venhamos a observar esse benefício sendo utilizado para a concretização de objetivos ilícitos como a lavagem de dinheiro. Dessa forma, e honrando com os compromissos que já foram firmados, o Brasil passará a dotar de confiança no ambiente internacional, possibilitando que os estrangeiros que atuem no nosso Estado tenham segurança jurídica quanto aos seus capitais investidos.
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Princípio da capacidade contributiva: um instrumento de políticas públicas voltadas à promoção do desenvolvimento regional com justiça social
A busca por informações sobre a problemática do desenvolvimento regional tem-se intensificado, tendo em vista o contexto atual de entraves na ordem socioeconômica, que a sociedade brasileira atual tem suportado. Ao que parece desde a criação do modelo contemporâneo de gestão socioeconômica, busca-se mecanismos de rechaçar as desigualdades sociais e diferenças regionais, que sempre existiram, em virtude de diversos fatores históricos e culturais que definiram o panorama atual do (sub) desenvolvimento das regiões em todo território nacional. Pois bem, a temática aqui levantada tem o escopo de estabelecer uma correlação entre o Princípio da Capacidade Contributiva e o Desenvolvimento Regional, analisando de que forma o atual Sistema Tributário Nacional, expressado no referido princípio, pode contribuir para a consecução dos objetivos constitucionalmente traçados de desenvolvimento igualitário entre as regiões do Brasil, com a nobre missão de realizá-los com justiça social. Tarefa árdua, vez que ao longo de décadas os mecanismos utilizados até então para a satisfação desse desenvolvimento, mostrou-se ineficientes ou pendentes de uma verdadeira efetividade. Por isso far-se-á necessária tal discussão a fim de novamente trazer à tona a problemática do desenvolvimento regional, sobre um prisma peculiar, da contribuição econômica e tributária, especialmente de como a capacidade contributiva pode se relacionar na consecução dessas metas precípuas, ao Estado Democrático de Direito.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo jurídico é o resultado de um trabalho de pesquisa jurídico-científico em que se pretende analisar os aspectos relevantes acerca de como o princípio da capacidade contributiva pode contribuir para o desenvolvimento regional do país, cuja finalidade é de ampliar a compreensão sobre o assunto em tela, trazendo à baila discussões em torno do Sistema Tributário Nacional, debruçando-se sobre os princípios constitucionais tributários, especialmente o princípio da Capacidade Contributiva, percebendo-o como um instrumento de políticas públicas, voltadas à promoção do desenvolvimento regional com justiça social e que para fins essencialmente didáticos, serão em momento oportuno destrinchados. A tributação é um importante instrumento do Estado para realizar os fins sociais. É por meio da cobrança de tributos que uma nação pode/deve adquirir recursos para implantação de políticas públicas e gerir os serviços essenciais à vida em sociedade, bem como tornar possível a efetivação de direitos fundamentais. Nesse sentido, o Direito Tributário assume papel relevante, pois sua existência se justifica para a proteção do contribuinte em face de excessos eventualmente cometidos na instituição e cobrança de tributos. Por essa razão, faz-se pertinente analisar como a tarefa estatal de desenvolvimento regional deve ser harmonizada com a efetivação de princípios constitucionalmente estabelecidos em prol do cidadão, dos quais é destacada a capacidade contributiva. Desse modo, percebe-se a relevância dessa abordagem que transborda a discussão meramente teórica, pois o que se busca é a satisfação e a consecução de objetivos constitucionais, que visam tão somente, o estabelecimento de metas e seu conseguinte atingimento, visando o bem maior, que se traduz num estado de bem-estar social, dentro dos ditames da igualdade da liberdade e fraternidade, comungados como pressupostos de um convívio harmônico nas relações entre os concidadãos e destes com as instituições. 2 BREVE EXPOSIÇÃO CONCEITUAL E DOGMÁTICA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA À LUZ DA CF/88 Abordado expressamente na Constituição de 1946 e suprimido no Texto de 1967, o princípio da capacidade contributiva foi resgatado pela Constituição Federal de 1988, que o consagrou por meio de seu art. 145, §1º. Do texto constitucional, extrai-se a finalidade do princípio, que é adequar a tributação à condição econômica do contribuinte, ou seja, ao volume de seu patrimônio, sua riqueza, suas atividades empresariais e seu poder de compra. Significa que a “expropriação” promovida pelo tributo deve considerar as disponibilidades do contribuinte, sem lhe retirar o exercício de direitos fundamentais. A doutrina jurídica abaixo mencionada tem se debruçado sobre alguns termos contidos no dispositivo citado, em decorrência de dúvidas quanto à sua aplicabilidade. É o que ocorre com a expressão “sempre que possível” e com a palavra “impostos”. Quanto à primeira questão, “a expressão sempre que possível”, entende-se que ela adere ao entendimento que afasta a impossibilidade de aplicação do princípio em certas ocasiões, o que ficaria a cargo do legislador decidir. Assim compreende o tributarista Hugo de Brito Machado (2015, p. 40), para quem “não é razoável entender-se que o legislador tem ampla liberdade para resolver quando é e quando não é possível exigir-se obediência ao princípio da capacidade contributiva porque tal compreensão anula inteiramente sua supremacia”. Em sentido contrário, Luciano Amaro (2005, p. 139), para quem a ressalva foi feita justamente a fim de indicar a inviabilidade de sua aplicação em determinadas situações: “dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilização do imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados”. Em respeito à segunda questão, que diz respeito a utilização da expressão “impostos”, invoca-se novamente, o pensamento de Hugo de Brito Machado (2015, p. 40), que considera ser possível a aplicação do princípio as outras espécies tributárias além dos impostos, expressamente positivados no texto constitucional. O doutrinador informa, por exemplo, que a capacidade contributiva orienta a isenção de certas taxas e da contribuição de melhoria, “em situações nas quais é evidente a inexistência da capacidade contributiva daquele de quem teria de ser o tributo cobrado”. Não é este, entretanto, o entendimento de Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 26), que afirma que “o princípio da capacidade contributiva só se impõe aos impostos” e, em complemento, argumenta que impostos indiretos, suportados pelo consumidor final, seriam incompatíveis com o princípio. Discorda-se desse último argumento, pois como afirma Luciano Amaro (2005, p. 141), “não fosse assim, o princípio poderia ser abandonado, para efeito de tributação de alimentos básicos e remédios, a pretexto de que os contribuintes de direito dos impostos aí incidentes são empresas de altíssimo poder econômico”. Corroborando com tal entendimento o doutrinador Leandro Paulsen (2012, p. 76) afirma que a “[…]capacidade contributiva não constitui, apenas, um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias”. Exsurge, nesse debate, a necessidade de compreender a extensão do nobre princípio implícito no art. 145, da CF/88. Embora remeta aos impostos, tem-se admitido majoritariamente a extensão da aplicação da capacidade contributiva para outras espécies tributárias, inclusive a taxa. Ponto de divergência entre os mencionados doutrinadores, por entender alguns, que o pagamento das taxas decorre da utilização efetiva ou não, de serviço público específico e divisível, e que, portanto, tratar-se-ia de justiça comutativa e não distributiva como afirma parte da doutrina. Ao derradeiro, tem-se que a acepção da capacidade contributiva, hoje um princípio imperativo à ordem tributária, constitui, sem embargo, um reforço indispensável à limitação do poder de tributar do Estado, vez que se apresenta de forma multifacetária diante da necessidade de sua aplicação, em que pese, a opinião quanto à temeridade da extensão da sua aplicabilidade, deve-se considerar conforme aludido supra, deve estar a serviço da orientação do legislador e do contribuinte, sob uma ótica social e econômica, afim de atender parâmetros de justiça e razoabilidade, nos moldes em que se propõe o objeto desse estudo, um instrumento de políticas públicas. 3 DA EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A positivação do princípio da capacidade contributiva na Constituição de 1988 veio acompanhada da delimitação de circunstâncias relativas às atividades fiscais destinadas à cobrança e arrecadação de tributos. Assim, o §1º do art. 145 da Lei Maior dispôs que para conferir efetividade ao princípio, a administração tributária tem a faculdade de “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Observa-se que, de acordo com o texto constitucional, a ação fiscal do Estado, voltada à aferição de riqueza do contribuinte, não será absoluta, pois deve respeitar direitos individuais e os termos da lei. De acordo com o tributarista Luciano Amaro (2005, p. 143), embora a atuação do Fisco já presuma o respeito às garantias individuais, que compreendem desde imunidades e isenções a pressupostos de segurança jurídica, como a legalidade, a irretroatividade e anterioridade da lei tributária, as atividades fazendárias são antes de uma faculdade, um dever. A positivação da obediência ao devido processo legal é, portanto, um reforço que a Constituição faz sobre a necessidade de compatibilizar o esforço para identificar a capacidade contributiva com outros princípios constitucionais, independentemente de sua natureza tributária, como a dignidade e a privacidade. Outro aspecto da efetivação do princípio, trazida por Hugo de Brito Machado (2015, p. 40) é a possibilidade do controle de sua aplicação perante o Judiciário em casos concretos ou por meio de ação direta de inconstitucionalidade. Citado doutrinador avança na reflexão do tema para argumentar que isenções concedidas para impostos que incidem sobre patrimônio ou renda tendem a ferir a capacidade contributiva se o beneficiário revelar possuir riqueza a ser tributada. Esta violação não ocorreria, contudo, se o fato gerador do tributo não estiver associado ao patrimônio, como também se a isenção for conferida para proteger pessoa cuja riqueza seja ínfima, hipótese na qual o princípio estaria realizado. Dito isso, tem-se que, estabelecer de que forma o nobre princípio pode contribuir para o desenvolvimento regional não é tarefa fácil, mas percebe-se alguns aspectos dos quais, restem inequívocos para a compreensão quanto a sua aptidão de promover as diretrizes constitucionais de dar efetividade ao plano de desenvolvimento regional. Entender a capacidade contributiva como um instrumento de políticas públicas, (objeto desse estudo) já é um bom começo, mas como chegar a essa percepção, é o que motiva a se debruçar na ideia de que, se levar em consideração que ao favorecer os meios de produção e elevar o poder econômico do contribuinte, notadamente o fisco, numa perspectiva a longo prazo, se beneficiaria dessa melhoria macroeconômica inevitavelmente. Ou seja, se hoje, a função do fisco é exigir que parte dos ganhos do contribuinte sejam destinados ao Estado e o pagamento desses tributos é tão sacrificante, vide a baixa média do poder aquisitivo da sociedade brasileira, na medida de seu patrimônio ou renda, uma vez elevada essa renda e acrescido esse patrimônio, haverá provavelmente, um aumento significativo na arrecadação tributária, mas isso só seria possível dentro de um cenário em que o estados, propiciem esse acréscimo e essa valorização dos seus concidadãos ao ponto de não restar mais sacrificante, àquela obrigação de compartilhar parte do que lhe pertence. E respeitar esse dinamismo é imprescindível para o alcance dessas metas de desenvolvimento, pois é nesse sentido que a capacidade contributiva pode ser interpretada como um instrumento que favorece a evolução social e econômica. 4 RELAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA COM OS DEMAIS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS  A acepção acerca da capacidade contributiva decorre de um arcabouço principiológico notadamente encabeçado pelo princípio da igualdade ou isonomia, em sentido lato se pelo prisma da justiça social e em sentido strictu se vislumbrado sob o prisma da justiça fiscal. Esse é o panorama em que se insere a compreensão do princípio da capacidade contributiva, consubstanciado no chavão, “quem pode mais, paga mais”, de modo a permitir que o contribuinte menos abastado possa arcar com suas obrigações fiscais sem que a exação o onere a tal ponto que comprometa o sustento próprio e dos que dele dependam, mantendo um equilíbrio social e fiscal, a fim de atender aos preceitos de mínimo existencial corolário da dignidade humana. Importante mencionar a correlação mencionada acima e de quão tênue parece a linha que divide a preservação do mínimo a sobrevivência digna e a vedação do confisco, ou seja, o Estado no exercício de suas atribuições arrecadatórias, não pode/deve embaraçar a vida daqueles que já encontram dificuldades em razão da sua realidade econômico-social nem tão pouco tolher a pretensão à acumulação de riquezas desses que já somam vultosos patrimônios, sob pena de incorrer em práticas confiscatórias, por isso a necessidade de estabelecer a extensão da aplicação desse princípio de relevância sem igual, à consecução efetiva dos ideais de justiça fiscal. Nessa perspectiva de similitude relevante entre os postulados, note-se a relação entre o nobre princípio objeto deste estudo, e os princípios da progressividade, proporcionalidade, seletividade e da personalização todos em comunhão, de modo a expressar a instrumentalidade que se propõe a capacidade contributiva como derivada dos ideais de igualdade, se utilizando de critérios objetivos para distinguir os contribuintes, que por sua vez terão tratamento igual ou desigual na medida de seus respectivos enquadramentos socioeconômicos, e tais princípios institucionalizados merecem tratamento pormenorizado a seguir. Pois bem, esses institutos decorrem dos ideais de igualdade em sentido amplo, e torna interessante desvendar a correlação da capacidade contributiva com a progressividade, por exemplo. Isso por que, ao mencionar o caráter progressivo de um tributo, ainda que numa perspectiva mais remota, leva-se em consideração, também, a capacidade econômica do contribuinte, uma vez que em razão de determinadas circunstâncias a alíquota daquela espécie tributária será elevada para atender aos preceitos de justiça fiscal, que está estritamente ligada a capacidade contributiva, ou seja, há uma interligação conceitual, se entendermos todos esses princípios de forma sistêmica, cuja missão precípua é de atender aos critérios constitucionais de limites ao poder de tributar, e satisfazer os anseios de tratamento isonômico e igualitário dos contribuintes, e de que a mesma lógica interpretativa pode ser comtemplada aos demais princípios mencionados. Ao passo que, em se tratando da seletividade, nota-se uma correlação na medida em que todo tributo deve atender aos critérios de essencialidade do bem, ou seja, quanto maior sua importância, menor será os seus encargos tributários, tendo em vista, a indispensabilidade deste bem para o gozo de uma vida digna. Respeitando a semelhança entre ambos institutos tem-se ao que parece a obediência a capacidade econômica, na medida em que determinados bens são entendidos como essenciais a uma vida razoavelmente digna (dentre eles alguns itens de uso doméstico), ou seja, o respeito a qualidade do contribuinte é condição sine qua non, sob o qual vislumbra-se a satisfação do princípio, vez que àquele contribuinte menos favorecido, merece a proteção cuja a seletividade e a capacidade contributiva podem promover, quando da aquisição desses itens essenciais a uma vida digna. Ainda assim, a conexão entre os princípios da capacidade contributiva, da razoabilidade e da proporcionalidade são patentes, ora não se pode entender aplicação de um se não observado os preceitos dos outros e vice-versa. Para o professor Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade”, ou seja, ambos possuem uma essência constitucional semelhante, embora carreguem peculiaridades, mas para esse estudo, nos parece oportuno compreendê-los de forma conjunta, pois em se tratando de limites ao poder de tributar e de forma mais específica a vedação ao confisco, são institutos manejados para a proteção do contribuinte como assevera outro jurista. Em resumo, o princípio da razoabilidade, em harmônico convívio com o postulado da proporcionalidade, apresenta-se no cenário em que o excesso e as atitudes incongruentes são proibidos à Administração, disposta a homenagear a prudência no nobre exercício da função estatal […] (SABBAG, 2013, p, 177) Considerando o desenvolvimento regional, não há como não trazer à baila à discussão sobre a uniformidade geográfica, preconizado no art. 151 da CF/88, que impõe vedações a União. Por sua vez, a proteção a que se refere acima, a priori diz respeito, aos tributos federais, asseverando que estes não podem trazer diferentes exações quando instituídos ou majorados. Tal desígnio visa promover um ideal de tratamento isonômico destinado as diferentes regiões do Brasil. Entretanto, o próprio texto constitucional destaca a possibilidade de isenções fiscais específicas para a consecução de uma justiça social e fiscal mais efetiva, a exemplo a zona franca de Manaus. Assim, comungados a capacidade contributiva e a uniformidade geográfica cuja a natureza jurídica está imbricada, e o atingimento do desenvolvimento regional perpassa sem embargo, pela observância desses postulados, onde o primeiro leva em conta o poder econômico de um prisma particular, no seio da individualidade do contribuinte, e o outro sob um prisma macro, no respeito as peculiaridades regionais, em que pese a obrigação de uniformidade dos tributos, nada obsta, como já dito, uma concessão ou incentivo fiscal, previstas constitucionalmente, a fim de atender a uma justiça mais ampla. 5 A NATUREZA PECULIAR DA EXTRAFISCALIDADE  Em que pese à natureza do Sistema Tributário seja, em sua essência, inclui a arrecadação de tributos cuja finalidade é de custear os anseios da sociedade, sob o espectro do poder estatal legitimado pelo contrato social, existem, como define parte da doutrina, em especial o professor Eduardo Sabbag, obrigações ou “missões paralelas” àquelas essencialmente fiscais. Ou seja, Toda vez que o Estado busca mecanismos de controle socioeconômico através do sistema tributário, esta função assume a roupagem de extrafiscalidade, mormente são os instrumentos de regulação do mercado, de promoção ao desenvolvimento regional, promoção a sustentabilidade e combate às desigualdades sociais, como assevera o nobre doutrinador Sabbag (2013, pg 174) que nesse sentido entende que a extrafiscalidade se abre para a consecução de propósitos paralelos, como: “a redistribuição da renda e da terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos privados para setores produtivos, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial”. Para tanto, o Estado e seu braço forte fiscal lançam mão de políticas ou ações específicas a fim de dar cumprimento ao objetivo pretendido, cuja satisfação, em regra, dá-se de forma imediata, vide a majoração ou redução de alíquotas de tributos que exercem uma função de controle no mercado de exportação e importação (essa relação precisa de acompanhamento amiúde pelos agentes econômicos), bem como tributos específicos ligados a utilização e exploração de recursos naturais de maneira sustentável, a progressividade dos impostos sobre a propriedade rural e urbana a fim de dar efetividade à função social da propriedade, e tantos outros mecanismos assegurados constitucionalmente. Nesse sentido, percebe-se a relevante transcendência da extrafiscalidade, dando azos às diretrizes principiológicas fundadas na CF/88, ao passo que satisfaz o atendimento das incessantes aspirações sociais com a atribuição arrecadatória fiscal, em que o Estado levanta recursos para sustentar-se. E, quando ataca de interventor/mediador direto ou indireto, utiliza-se de instrumentos análogos, para obtenção dos objetivos específicos a exemplo dos já mencionados. Ressalte-se, ainda, que a natureza jurídica desse condão paralelo extrafiscal é característica singular e acessória da função essencial dos tributos, numa relação de complementação ou afago, ante a imposição e a utilização permanente desse braço forte do Estado que por vezes pesa injustamente, principalmente se afastada a devida obediência a capacidade econômica e demais preceitos que visam tão somente a proteção do contribuinte, conforme depreende-se do que fora acima demonstrado. 6 DESENVOLVIMENTO REGIONAL ASPECTOS CONSTITUCIONAIS A temática do desenvolvimento regional recebe tratamento especial no Texto Maior, cuja previsão está esparsa em toda sua extensão normativa, como objetivos da República, expressamente traduzidos nos art. 3, III e art. 170, VII. E assim dispõe a CF/88 acerca dessa matéria cuja missão precípua é de promover, através de políticas públicas, com instrumentos eficazes, capaz de transbordar ao mundo fático, esses preceitos constitucionais, que se destinam a preocupação com os ideais de igualdade, de bem-estar-social, de dignidade humana, e nesse diapasão em 2007 instituiu-se o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, através do Decreto n° 6.047/07 que cria o PNDR, perpassando por uma tentativa de “positivação” desses princípios constitucionais, e que a partir de então será o ponto de partida legal, para alcançar esses objetivos traçados em nossa Constituição. Pois bem, a saber, o PNDR traça diretrizes de consecução desses objetivos, cuja missão é de favorecer ou promover o desenvolvimento intra e inter regiões, como parte integrante e sem o qual, seria impossível alcançar os índices de desenvolvimento nacional, com ações de fomento ao desenvolvimento socioeconômico nas regiões em que naturalmente sofrem com mazelas sociais, vez que inevitavelmente acabam por ser preteridas pelos conglomerados econômicos situados nas grandes capitais do país, seja em razão do clima, da localização ou da ausência de mão-de-obra especializada.  Consoante esse cenário, algumas instituições foram manejadas no intuito de dar efetividade a essas ações, quais sejam: a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que foram extintas em momento posterior. Mas suas missões guardavam semelhança dentro do estabelecido pela nossa Lex Major e o Dec. n° 6.047/07, de promover o desenvolvimento nas regiões norte e nordeste, a favor da justiça social, do combate às desigualdades sociais e regionais, e a igualdade entre as regiões. De modo a permitir que elas também detenham capacidade e autonomia para geração de emprego e renda, tornando a economia local mais sólida e independente dos grandes centros econômicos do Brasil, reduzindo o êxodo populacional tão peculiar em tempos de ausência dessas políticas. Conforme depreende-se do afirmado no texto constitucional busca-se ainda formas de “compensações tributárias” a fim de promover a igualdade regional e estabelecer um padrão uniforme de desenvolvimento, a saber o inciso I do artigo 151 da CF/88, pelo qual "a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País". Por sua vez, são dispositivos bem como o supramencionado, que traduzem expressamente os objetivos constitucionais para com a temática e a problemática da promoção ao desenvolvimento regional.  Ou seja, alguns institutos jurídicos, obedecem, por vezes, a um viés social quando da busca pela plenitude da satisfação de necessidades específicas, cito o referido dispositivo que trata dos benefícios das isenções fiscais, que pela própria natureza atende aos critérios de capacidade econômica, razão pela qual a CF/88 permite que o legislador promova através de legislações extravagantes isenção da exação para tributos específicos, a determinados entes da administração direta e indireta, corroborando esse caráter peculiar da extrafiscalidade, que fora discutido no tópico antecedente. 7 GUERRA FISCAL E A “IMPOSIÇÃO” DE LIMITES AO DESENVOLVIMENTO DAS REGIÕES DO BRASIL  Outra problemática que merece abordagem, diz respeito a uma suposta “guerra fiscal” travada entre os entes federativos, que de uma forma ou de outra, traz consigo reflexos temerários ao desenvolvimento das regiões no Brasil.  Nesse diapasão, para alcançar o pleno desenvolvimento de uma região são necessárias uma gama de fatores que se complementem para um objetivo maior, que perpassa desde fatores econômicos, sociais, culturais etc., aspectos estruturais comungados no atingimento de metas anteriormente traçadas. A saber, no que tange aos fatores econômicos, talvez o mais preponderante, por que vive-se numa era essencialmente capitalista, e de que desse fator específico talvez derive todos os outros aspectos supra afirmados, que precisam está devidamente engendrados para o alavancar de determinada localidade, e em se tratando de desenvolvimento econômico, o setor de energias ganha tamanha notoriedade em dias atuais, no que diz respeito ao uso de tecnologias recentes, na busca por eficiência energética e desenvolvimento sustentável, e isso, de forma inequívoca, contribui para o desenvolvimento como um todo. Isso leva a perceber que, se utilizar como exemplo a busca por geração de bioenergias, produzidas através de combustíveis renováveis, um alvo incessante na corrida para o desenvolvimento de tecnologias e acima de tudo, insumos que possam de alguma forma serem extraídos biocombustíveis capazes de substituir os fósseis, que num futuro breve perecerão, pode-se avaliar a situação do Brasil nesse aspecto. Diante desse cenário o Brasil largara na frente há algumas décadas atrás com o desenvolvimento do etanol e continuou suas pesquisas até chegar nas tecnologias utilizadas atualmente, na área de produção de bioenergias como a extração do óleo da mamona, da soja e o sebo bovino, tornaram-se insumos para a produção do biodiesel, e com isso resolveria boa parte dos problemas ligados à área energética, tendo em vista o aumento da demanda, os altos custos de produção e distribuição de energia nuclear ou termelétrica e a urgente necessidade em substituir o combustível fóssil poluente (petróleo), por outros que agreguem eficiência energética e desenvolvimento sustentável. Pois bem, na contramão do resto do mundo, não houve no Brasil, ao que parece, e a julgar pelo contexto atual, um investimento considerável em fatores que pudessem favorecer e atrair investidores estrangeiros a trazer suas plantas industriais para o país, e com isso de certa forma, o Brasil fora “obrigado” a compensar essa ingerência recorrente nos últimos anos, com a ausência de políticas públicas e investimentos de infraestrutura, com a política de abertura da arrecadação, ou seja, buscou-se compensar, os fatores estruturais essenciais que não tiveram atenção devida nos anos passados. Com isso, tivera que lançar mão de mecanismos de políticas fiscais para atrair a produção de biocombustíveis para o Brasil. A saber concessões de isenções, de redução de alíquota de base de cálculo, entre outras formas de incentivos, que de alguma forma favorecessem a instalação dessa tecnologia aqui, uma vez que goza de fatores naturais e econômicos que de fato alavancariam essa produção. Entretanto, os acontecimentos recentes, tem demonstrado que foram insuficientes, tendo em vista a descontinuação de produção de biocombustíveis em alguns estados, vez que àquelas políticas de incentivos, não comtemplou a instalação à manutenção e a eventual recuperação das empresas desse segmento, o que inevitavelmente culminou na suspensão da produção em algumas regiões do Brasil, desacelerando toda aquela meta de crescimento que se iniciara com a perspectiva de continuidade da produção de bioenergias, que impulsionaria a economia naquela região em diversos segmentos, desde o plantio ou extração (no caso do sebo bovino) até a distribuição e revenda ao consumidor final, que não obstante agradaria em todos os sentidos, tendo em vista, o notório desenvolvimento local, frustrado pelos problemas já mencionados, e toda aquela política de incentivo fiscal, de perda de arrecadação na expectativa de um retorno em outros tributos agregados, fora por água abaixo, por ausência de uma macropolítica séria a longo prazo. Dito isso, deu-se margem para que os entes federativos (os estados e municípios) iniciassem por conta própria mecanismos de atratividade dessas indústrias, e daí iniciou uma corrida, talvez ainda sem fim, de conceder uma gama de benefícios em especial os fiscais, para a instalação de indústrias de produção de biocombustíveis, dando margem a concorrência entre os estados, o que se entende hoje por “guerra fiscal”, e que ao que parece, o setor privado tem-se valido dessa concorrência para barganhar com os estados, e obviamente quem oferecer as melhores condições e incentivos, levará como troféu a instalação dessas indústrias, porém, talvez esse cenário a priori se “justificaria” pela ausência de outrora não ter buscado a consecução das diretrizes constitucionalmente traçadas de desenvolvimento regional e nacional, que demandam principalmente investimentos contínuos em infraestrutura. Por isso, o que se espera é uma retomada da importante notoriedade que tinha o Brasil em matéria de biocombustíveis, e que de fato haja uma preocupação e uma integração entre os estados, de modo que seja possível o desenvolvimento destes sem que necessariamente demandem concessões absurdas em matéria fiscal dentre outras, e que de forma harmônica possam coexistir e se desenvolverem, atraindo as indústrias não só desse segmento de energias, capaz de promover um crescimento exponencial especialmente na produção de biocombustíveis, uma vez que os fatores naturais ainda nos favorecem, como já dito. E finalmente através de políticas descentralizadas de cunho fiscal, econômico, social, bem como incentivos a valorização da mão-de-obra e investimento de infraestrutura, possam estabelecer metas futuras para dar efetividade aos preceitos constitucionais, ao Plano Nacional de Desenvolvimento Regional e a sustentabilidade. 8 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SOB O PRISMA ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO  A compreensão da ideia de desenvolvimento regional requer também uma abordagem amparada em estudos de Economia. Na lição de Celso Furtado (1980, p. 15), há dois sentidos comumente utilizados para definir desenvolvimento. Segundo o autor, a primeira perspectiva está associada “à evolução de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho”, Já a segunda “relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas”. (FURTADO, 1980, p.16) O professor ainda acrescenta uma terceira dimensão, representada pela “consecução de objetivos que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos”(FURTADO, 1980, p.16).  Da convergência das três dimensões anteriormente expostas, tem-se que o desenvolvimento está intimamente relacionado ao aumento da eficácia de métodos produtivos, do que resulta um aumento do fluxo de bens e serviços para a população. Trata-se da conjugação de eficiência e riqueza. Ainda de acordo com Furtado (1980, p. 43), é a criatividade humana, o seu poder de inovar, o grande vetor do desenvolvimento, já que do incremento de produtividade proporcionado pela ação criativa é que se torna possível a acumulação de excedentes, ou seja, produtos que vão além das necessidades essenciais (1980, p.49). Feitas essas considerações, nota-se que a aplicação do princípio da capacidade contributiva deve ter em conta que àquela “expropriação” gerada por um tributo deve se dar na medida das disponibilidades dos contribuintes que integram determinada e certa região, de modo a não lhes retirar seu poder de acumulação ou dificultar a satisfação de suas necessidades essenciais. Com efeito, se o Produto Interno Bruto é a medida de fluxo de bens e serviços e, portanto, uma das principais formas de aferir o desenvolvimento, as políticas públicas que visem o progresso regional devem ser orientadas ao manejo de seus componentes, a saber: despesas de consumo, investimentos, gastos do governo e saldo positivo das transações comerciais. Isto quer dizer que tais políticas podem ser direcionadas ao consumo familiar, mas também podem estar voltadas à manutenção da máquina estatal, o que deve ser harmonizado com a função fiscal. Para a teoria econômica, contudo, o foco deve estar nas despesas de investimento. Isto ocorre porque “um acréscimo nessas despesas apresenta efeito multiplicador sobre o nível da renda, daí sua grande importância” (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 27). Dessa forma, a adoção de políticas de investimento deve considerar dois fatores: em primeiro lugar, a tributação permite ao próprio Estado investir em condições estruturais para movimentar a economia; por outro lado, limitações ao poder de tributar, como a capacidade contributiva, visam assegurar que os investidores privados mantenham seu poder de investir. Cabe, portanto, ao formulador da política de desenvolvimento regional, encontrar um ponto de equilíbrio entre as ações estatal e particular. Uma implicação da difícil busca de conciliação de interesses pode ser observada no artigo 6º, inciso VI, do Decreto n° 6.047/07, que prevê incentivos e benefícios fiscais como instrumentos de implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Fundamentado no art. 151, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dispositivo que consagra o princípio da Uniformidade Geográfica, como já dito, o mencionado artigo expressa uma política que, à primeira vista, poderia desconsiderar a capacidade contributiva. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “isenção de imposto de renda a empresa industrial, a pretexto de incrementar o desenvolvimento regional, sem qualquer consideração ao montante do lucro auferido, constitui flagrante violação do princípio da capacidade contributiva” (2015, p. 40).  Em que pese tal observação, com a qual se concorda em parte, observa-se não ocorrer a anulação do princípio em comento, visto que, nestas circunstâncias, os postulados precisam ser ponderados a fim de reparar distorções e, em última instância, o aumento no fluxo de bens e serviços proporcionados pela medida, tende a gerar incremento na arrecadação em decorrência de outros fatos geradores, o que é possível com a continuidade do processo de produção de excedentes.  Em outras palavras, a promoção do desenvolvimento gera aumento da capacidade contributiva da sociedade, que poderá ser revertida em arrecadação. Por outro lado, é importante ressalvar que o uso deste instrumento deve ser visto com prudência, já que o incentivo pode ser oferecido sem necessariamente isenção de tributo, conforme particularidades do negócio e do espaço que se deseja desenvolver, sempre em caráter transitório. 9 A CONSECUÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL  De fato, buscasse entender, como esses mecanismos tributários e econômicos podem promover o atingimento desses princípios norteadores de uma sociedade justa e igualitária, vez que esse é o objeto deste estudo, de tal maneira que prescinde a essa discussão sobre o desenvolvimento regional. Tendo em vista, a necessidade de análise da viabilidade das metas e dos objetivos traçados na CF/88, para compreender os instrumentos que se dispõem ao consectário de tais pretensões. Pois bem, sem alongar-se muito na discussão acerca da evolução histórica do conceito de justiça, pois não é objeto desse trabalho, vez que, (revela-se um tanto quanto difícil defini-la por motivos intrínsecos a sua concepção essencialmente filosófica). Leve-se em conta, que desde os primórdios, buscava-se conceituar justiça, passando pelos filósofos gregos e romanos, até chegar na idade média quando as ciências antropológicas começam a ganhar notoriedade com o marxismo e as teorias iluministas, até alcançar o mais próximo da acepção atual, com base nesses elementos içados em épocas anteriores, como assevera o referido pensador: “O sentido fundamental da justiça é o de virtude da convivência humana, respeitando-se a dignidade da pessoa. Daí, dizer que sem uma preocupação com o próximo e sem o desejo de igualdade, os fins da justiça jamais serão alcançados” (ARAÚJO, 2007). Nesse diapasão, pode-se extrair da concepção de justiça em sentido amplo, qual seja, a satisfação da pretensão individual ou coletiva que decorre dos ideais de moral e ética, além de influências das ciências antropológicas e filosóficas, se atendo a preceitos jurídico-sociais pré-estabelecidos. Pois bem, destrinchando o entendimento acerca da justiça, chegamos a satisfação da justiça social, obviamente intrinsicamente ligada a um anseio coletivo, a direitos difusos e intergeracionais, que agregam valor a vida em sociedade, dos quais são essenciais ao bem-estar desta, cujos objetivos são comuns. É, sem embargo, interesse de todos, que se promova condições básicas de vivência, a saber: os direitos à vida, à liberdade, saúde, educação, a um emprego digno, e tantos outros consagrados, na Lei Maior, e o Estado deve ser o garantidor desses fundamentais direitos, e para tanto se utiliza de instrumentos jurídicos, sociais, econômicos e tributários, e é nesse diapasão, que se enxerga a presença da capacidade contributiva engendrada na consecução da justiça social. Notadamente, satisfazer esses anseios, não é tarefa fácil, e soa um tanto quanto utópico, vez que discursos demagógicos e políticas sociais que não levam a lugar nenhum, tem sido praxe na atual conjuntura político-social do país, isso porque promover uma sensação de justiça a uma dada sociedade, significa dizer que todos têm os mesmos direitos, a tratamento igualitário, bem como acesso a todo e qualquer mecanismo que se preste a finalidade de uma vida digna, não no plano da abstração e sim de uma realidade factual, que garanta o agora e promova o amanhã. Desse modo, a própria Constituição entende a justiça social como uma meta precípua a ser alcançada, especialmente entre os capítulos que tratam da Ordem Econômica e Social, preconizado no art. 170 CF/88 donde depreende-se destes dispositivos, como por exemplo a livre iniciativa, valorização do trabalho humano, a redução das desigualdades sociais e especialmente a existência digna, a preocupação com um desígnio primordial da CF/88, em que pese, supostamente não ser tratado de maneira direta, mas está implícita no bojo dos preceitos constitucionais, e toda organização de institutos e instituições em nosso ordenamento jurídico, visam tão somente o atingimento da justiça social, atrelada as igualdades e as liberdades. Compreende-se de um ponto de vista teleológico desses princípios, cujo escopo é norteador, que eles, esses princípios, compõem um núcleo essencial do conjunto de direitos, garantias e instrumentos de alcance a justiça social que constituem preceitos básicos de satisfação, numa relação de completude, de modo que não há que se falar em justiça social, sem que sejam assegurados, por exemplo, alguns “princípios” dispostos no art. 170 da CF/88, como já dito. Portanto a efetividade dos instrumentos de políticas públicas e a observância a esses preceitos constitucionais perfazem uma estrutura na qual se alicerçam a sensação de justiça, ou seja, é o devido respeito, mas especificamente aos princípios constitucionais, que expressarão a satisfação da sociedade, que clama por justiça em sentido amplo, e exige a justiça e igualdade em seu particular, e nesse aspecto, vislumbra-se a participação do princípio da capacidade contributiva trazendo sua essência, (aqui levantada) para a consecução desses ideais, como um dos instrumentos de políticas públicas voltado especialmente para justiça social e fiscal. 10 CONCLUSÃO As considerações aqui realizadas revelam a pertinência temática desse estudo, vez que, como já mencionado, transborda ao mundo fático, especialmente por que trata sobre os avanços socioeconômicos em matéria de desenvolvimento regional, pois assim vislumbra a nossa Constituição amparada nos princípios norteadores da realização dessas metas constitucionais, a fim de viabilizar a consecução das diretrizes postas a serviço do máxime dever de alcançar o bem-estar-social. Nota-se o caráter interdisciplinar de certas problemáticas enfrentadas no Direito. De fato, para preservar o princípio constitucional da capacidade contributiva e promover o desenvolvimento regional, é necessário adotar uma visão sistêmica dos fenômenos sociais em torno dos quais são construídas políticas públicas. Reconhece-se, nesse sentido, a necessidade de amparo em demais campos do saber, como a Economia, não obstante, impossível esgotar o tema neste breve estudo. A realização plena do princípio da capacidade contributiva analisado, só ocorrerá se houver uma prévia avaliação das circunstâncias de tempo e espaço em que estão inseridos os contribuintes, de modo que se possa extrair seu nível de riqueza adequadamente e, em consequência, graduar o montante do tributo a ser pago.  A compatibilização da capacidade contributiva com as políticas de desenvolvimento regional passa, portanto, pela consideração de outros princípios igualmente válidos, como a progressividade, a proporcionalidade, a seletividade e a uniformidade geográfica além de outros, bem como da natureza extrafiscal de determinados tributos, aspectos que não inviabilizam o princípio, mas, em perspectiva mais ampla, o realizam.  Ademais, tal relevância fomenta discussões no mundo jurídico cujas opiniões doutrinárias ainda são diametralmente opostas, traduzindo os efeitos práticos dessa discussão essencialmente teórica.  Por fim, tem-se que, são de suma importância esses dispositivos constitucionais, que assumem a expressão de objetivos essenciais ao desenvolvimento regional, mas que guardam certa preocupação, na medida em que não se pode olvidar, que o legislador constituinte originário tenha demandado tanta preocupação com esse tema, mas que infelizmente por força de políticas de governos (àquelas cujas as pretensões são passageiras e partidárias) não houve implementação eficaz dessas diretrizes traçadas na CF/88. E que, portanto, fica a ressalva no tocante a necessidade premente de se revisitar essas questões, ainda pendentes de uma maior efetividade, já que os fins propostos a época ainda padecem de solução.
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A tutela de evidência e seus reflexos no âmbito do direito tributário
Essa pesquisa teve como temática a discussão da compatibilidade da tutela de evidência no âmbito do Direito Tributário como uma hipótese de suspensão do crédito tributário e o seu cabimento em sede de liminar em Mandado de Segurança.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com o presente trabalho, buscou-se discutir sem se esgotar o tema a respeito da nova disposição do Código de Processo Civil sobre Tutela Provisória e suas espécies de divisão, fazendo-se sempre que possível analogia com o antigo CPC 73. Tentou-se aprofundar o tema a respeito da tutela de evidência em si e suas possíveis implicações no ramo do direito tributário, especialmente no tema ligado as liminares em sede de Mandado de Segurança. A pesquisa foi feita em modelo teórico, com base em livros, revistas e jurisprudência atualizada acerca do tema, de modo a verificar a compatibilidade da medida e suas possíveis reflexões no âmbito do Direito Tributário. I – Tutela provisória Com a vigência do novo Código de Processo Civil de 2015 surgiu a Tutela Provisória[1], gênero esse dividido em duas espécies: a tutela de urgência e a tutela de evidência. O novo CPC uniu os institutos da tutela antecipada e as cautelares em um único instrumento chamado “tutela provisória”, acabando assim com a distinção que havia entre os mesmos, sendo de cunho satisfativo (antecipação do pedido) e cunho protetivo (uma respostas prévia do Estado-Juiz para assegurar o provimento final), respectivamente. A tutela de urgência[2] se baseia quando houver indícios ou elementos mínimos que atestem ou corroborem a probabilidade do direito alegado. Fazendo-se uma analogia com o código anterior, especificamente com o procedimento cautelar, percebe-se a semelhança que esse requisito possui com o fumu boni iuris ou fumaça do bom direito, como um requisito para concessão das cautelares. Além da probabilidade do direito, a parte incumbe demonstrar o perigo de dano ou o possível risco que a não concessão pode ocasionar para a efetividade do processo com a possibilidade de perda do interesse processual ou a perda do bem objeto do litígio. Novamente é possível se fazer uma comparação com o antigo procedimento cautelar, com nítida similaridade com o requisito do periculum in mora ou perigo da demora que se pode causar ao resultado útil do processo. A tutela de evidência[3] será concedida independentemente da demonstração da existência de perigo, dano ou risco ao resultado útil do processo, ou seja, nessa modalidade de tutela provisória, não há o que se falar do periculum in mora, apenas deve-se comprovar a probabilidade do direito alegado, encarregando-se o próprio Código de estabelecer suas hipóteses de cabimento. “Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.” Como se pode perceber, os casos expostos não trazem questões de urgência da prestação jurisdicional, são hipóteses em que o próprio legislador considerou que o direito do autor é tão cristalino que chega a ser “evidente”, não assistindo razão em se negar uma tutela jurisdicional prévia em relação ao julgamento final diante da robustez e liquidez de seu direito apresentado, mesmo que ausente o periculum in mora. Leciona Wambier[4] a respeito que: “Tais situações não se confundem, todavia com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (art. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória.” O magistrado poderá decidir liminarmente nas hipóteses dos incisos II e III do art. 311 do novo CPC, hipóteses essas que incumbe à parte demonstrar: (i) prova documental que ateste as alegações de fato somadas à tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; e (ii) prova documental adequada do contrato de depósito. Como se verá adiante, a tutela de evidência é perfeitamente compatível com o direito tributário, principalmente, pela disposição expressa no art. 311, inciso II, CPC. II – A TUTELA DE EVIDÊNCIA COMO CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO O termo exigibilidade é referente ao direito do crédito oriundo da obrigação tributária que se forma entre o sujeito ativo (credor) e o passivo (devedor), característica essa só conferida graças à certeza e liquidez que o mesmo possui. A certeza e a liquidez só serão verificadas no ato de lançamento que homologa o procedimento tendente a verificar a ocorrência do evento jurídico tributário (fato gerador), montante devido (base de cálculo x alíquota), sujeitos da relação, etc., surgindo assim à exigibilidade da obrigação tributária e consequentemente do seu crédito. A suspensão da exigibilidade serve para impossibilitar o Fisco na promoção de atos de cobrança do crédito respectivo da obrigação tributária. O que se suspende é a exigibilidade e não o crédito em si. Para ser executável um título precisa ter os seguintes atributos: certeza, liquidez e exigibilidade. A falta de uma delas desnatura a execução. A doutrina majoritária entende que as hipóteses de suspensão da exigibilidade são taxativas, esse entendimento é corroborado pelo fato que o art. 141 do CTN afirmar que: “Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias”. Ademais, afirma o art. 111, I, do CTN que as hipóteses de suspensão do crédito tributário serão interpretadas literalmente. Apesar do entendimento majoritário, corrente considerável da doutrina e jurisprudência tem se inclinado pela flexibilização das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, art. 151, do CTN. Nesse sentido, entende Íris Vânia Santos Rosa[5] afirmando ser possível admitir novas possibilidades, lastreada em princípios constitucionais, podendo ser aplicadas por analogia às existentes. O próprio STJ admite certa flexibilização das hipóteses de suspensão da exigibilidade, afirmando que o pedido administrativo de compensação de tributo suspende a exigibilidade e impede o ajuizamento da execução fiscal. Nesse sentido: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO DO EXECUTADO E CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARA OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. VERBA HONORÁRIA A SER SUPORTADA PELA FAZENDA. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em que o pedido administrativo de compensação de tributos possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. Precedentes.  2. São devidos honorários advocatícios contra Fazenda Pública se a execução fiscal foi extinta após a citação do devedor e, em especial, se houve a contratação do advogado para que fosse apresentada exceção de pré-executividade. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1192182/PR, Rel. min. HAMILTON CARVALHIDO, primeira turma, julgado em 24/08/2010, DJe 04/10/2010) O pedido de compensação não se trata de impugnação nem de recurso administrativo, sendo uma nova hipótese não elencada no art. 151 do CTN e amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência do STJ como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ressaltando assim a posição adotada mesmo que discretamente pela flexibilização das hipóteses de suspensão. O próprio artigo 151 do CTN possui dois incisos afirmando ser possível a concessão de liminares como hipóteses de suspensão da exigibilidade, inciso IV e V. Como o Direito Tributário não possui um código de processo tributário específico, muitas de suas disposições processuais se amparam na utilização do Código de Processo Civil naquilo que não lhe seja contrário, sendo lá estipulado a definição, conteúdo e alcance das liminares. Percebe-se que o CTN utilizou da lei geral sobre processo, o CPC, para definir sua aplicação no âmbito tributário. Com a mudança da legislação processual do CPC 73 para as novas disposições já sobre vigência do CPC 2015, como já anteriormente afirmado, não existe mais a separação de liminares (cautelares) e tutelas antecipadas, sendo ambas conceituadas como parte do gênero tutelas provisórias. Como o CTN embasava processualmente essa temática na lei geral, o CPC, se houvesse qualquer alteração nesse tema, também se repercutiria no âmbito do Direito Tributário, devendo as disposições do CTN serem atualizadas, sendo agora possível a tutela de urgência e a tutela de evidência, não mais havendo o que se falar de tutela antecipada e suas implicações na suspensão da exigibilidade, art. 151, V do CTN. Com a devida vênia, no meu entender não se trata de novas hipóteses de suspensão da exigibilidade, cuida-se de uma releitura atualizada dos institutos estipulados na lei geral processual então vigente, o CPC 2015, para sua correta adequação e cabimento no âmbito do Direito Tributário. Como lei posterior revoga lei anterior, não faz sentido o CTN amparar suas hipóteses processuais no antigo código se existe um novo então vigente, sendo perfeitamente compatível com suas disposições. III – TUTELA DE EVIDÊNCIA EM SEDE DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA Afirma José da Silva Pacheco sobre o Mandado de Segurança[6]: “O mandado de Segurança surgiu num momento em que se objetivava “ultrapassar o formalismo do procedimento ordinário, no processo judicial, a fim de obter solução rápida e urgente, impedindo o ato judicial violador ou tornando-o insubsistente, antes que se consumasse ou aumentasse o prejuízo, num contexto em que (a) a ação sumária era insuficiente por carecer de procedimento rápido e expedito; (b) o habeas corpus restringia-se aos casos de violação ou ameaça da liberdade de locomoção; (c) os interditos tinham aplicação restrita à proteção da posse das coisas corpóreas.” A respeito das liminares, leciona Camila Vergueiro Catunda[7]: “A idéia de medida liminar que temos atualmente, concedida in limine, no início do processo e sem que ainda tenha havido a oitiva da parte contrária (enquanto ainda ausente o contraditório, portanto), foi incrustada no sistema jurídico com a regulamentação do remédio constitucional pela Lei Federal n. 191 de 16/01/1936, pois, a partir de então passou a ser assegurada ao magistrado a possibilidade de suspensão imediata do ato coator quando verificada a relevância do direito invocado e o risco de lesão grave ou irreparável ao direito invocado pelo impetrante”. A lei que prevê o Mandado de Segurança é a lei 12.016/09, afirmando que será cabível nas hipóteses em que se planeja proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja em que categoria for e sejam quais forem as suas funções. O art. 7, inciso III da referida Lei prevê expressamente a possibilidade de concessão de medida liminar desde que haja “fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida”, sendo facultado do juiz se exigir caução, fiança ou depósito do impetrante. O §2º desse mesmo artigo prevê as hipóteses que não será concedida a medida liminar: (i) objeto de compensação de créditos; (ii) entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior; (iii) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (iv) concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamentos de qualquer natureza. Novamente, como a Lei especial do Mandado de Segurança foi feita amparada na lei geral processual, CPC, a medida tinha de ter sempre natureza cautelar, protetiva, não podendo possuir cunho satisfativo, uma vez que esse elemento era característico das tutelas antecipadas. Como já explicado, com a vigência do novo CPC 15, acabou-se a distinção de antecipações de tutela e procedimentos cautelares e criou-se a espécie tutela de evidência, sem o requisito do risco de dano, podendo ser ainda concedida em liminar. Paulo Cesar Conrado a respeito do tema entende[8]: “Como o CPC/15 não define, materialmente, os efeitos extraíveis da tutela de evidência (deixando de apontar, por outros termos, se a providência por ela aparelhada é cautelar ou satisfativa), fica a questão desde logo: o jurisdicionado pode pedir tutela de evidência apenas para um, para outro ou para ambos os fins? Em princípio, poderíamos dizer que, por não restritivo, o novo estatuto caminharia para uma posição mais abrangente, contemplando, via tutela de evidência, tanto as providências cautelares como as satisfativas. Se assim for, partindo-se da premissa (já assentada) de que liminar em mandado de segurança é submodelo de cautelar, o que se poderia concluir é para além das condições gerais fixadas nos incisos do artigo 7º da Lei 12.016/2009, seria possível a concessão da aludida medida sob o regime do art. 311 (especificamente o seu inciso II)” Como anteriormente já afirmado sobre a necessidade de atualização da linguagem empregada no código e a interpretação de seus signos pelo intérprete segundo a nova sistemática adotada, não haveria o que se falar de ofensa a nenhuma lei, uma vez que a Lei especial deve ser interpretada em conjunto com a lei geral e não isoladamente. Nesse sentido entendeu o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC no enunciado nº 422 “A tutela de evidência é compatível com os procedimentos especiais”. André Vasconcelos Roque[9] traz um exemplo para elucidar melhor um caso: “Imaginemos que a ilicitude de determinado tributo tenha sido reconhecida em recurso especial repetitivo. Nas ações individuais subsequentes sobre a mesma matéria, bastaria ao autor, por exemplo, demonstrar documentalmente suas alegações e o enquadramento de seu caso na tese jurídica definida no recurso especial repetitivo para fazer jus à tutela de evidência que suspendesse a exigibilidade do tributo (art. 311, II), sem que fosse necessário demonstrar o periculum in mora”. Como se pode ver, perfeitamente cabível o manejo do Mandado de Segurança cumulado com pedido de concessão de liminar com base na tutela de evidência do art. 311, II, do novo CPC 2015, desde que corroborada por prova exclusivamente documental, o que caminha lado a lado com a necessidade de prova pré-constituída em sede de Mandado de Segurança e a impossibilidade de dilação probatória; sendo a tese firmada em julgamento de recursos repetitivos ou súmula vinculante para embasar ainda mais a probabilidade do direito líquido e certo. IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurou-se mostrar nesse trabalho a disposição do novo CPC 2015 acerca do tema tutela provisória e a sua divisão em tutela de urgência e tutela de evidência, conceituando e distinguindo seus institutos, características e requisitos. Tentou-se aprofundar sem esgotar o tema acerca das implicações da tutela de evidência no Direito Tributário, como uma verdadeira hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário sem se inovar o rol do art. 151, do CTN. Também se estudou sua possível concessão em sede de liminar em Mandado de Segurança sem ofensa a lei especial, uma vez que as disposições lá têm de ser interpretadas em conjunto com a lei geral, o CPC, devendo o intérprete empregar uma releitura segundo as novas mudanças trazidas com a sistemática processual do CPC 2015, trazendo a máxima efetividade do dispositivo. Conclui-se essa pesquisa pela perfeita compatibilidade da tutela de evidência com o Direito Tributário, podendo ser concedida em sede de liminar em Mandado de Segurança por suas disposições terem a mesma sintonia com os requisitos do (i) prova pré constituída, (ii) direito líquido e certo e (iii) desnecessidade de dilação probatória.
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Breves considerações sobre desenvolvimento sustentável e o regime tributário
Nos dias atuais, a economia clássica não tem dado suficiente atenção ao marco biofísico no qual enquadra-se a humanidade. Neste sentido, é que se desenvolveu a economia ambiental, com objetivo de estudar a relação e interação entre recursos ambientais e sua exploração econômica.  O regime tributário brasileiro se relaciona com o desenvolvimento sustentável.
Direito Tributário
Sumário: A economia ambiental. A economia ecológica. As ajudas financeiras. Direitos financeiros transferíveis. Conclusão. A economia ambiental. A definição do que é meio ambiente nos permite entender a relação entre meio físico e a sociedade. Para Quiroz Meio Ambiente seria: “Qualquer espaço de interação entre a Sociedade (elementos sociais, recursos humanos) e a natureza (elementos ou recursos naturais). (Quiroz e Tellez 1992) A economia do meio ambiente ou economia ambiental, estuda todo patrimônio ambiental fornecido pelo meio físico (os recursos naturais) e pelo meio social. Deve ser entendida como uma aplicação, onde fundem-se o meio ambiente e seus recursos como bens negociáveis, valoráveis e comerciais. Portanto, deve-se compreender os fatores relacionados com: – os efeitos exteriores (externalidades) gerados pelos agentes econômicos. – a inexistência de mercados eficazes para alguma espécie de bem ambiental. – a inexistência de direitos de domínio de alguns bens ambientais. A economia ecológica. A economia ecológica tem como finalidade a sustentabilidade do planeta. É uma ciência que, escorando-se nas leis da termodinâmica, procura implementar a sustentabilidade; nesse aspecto, pode-se afirmar que o que se procura é buscar um equilíbrio entre a exploração que a economia faz do sistema ecológico e a possibilidade de regeneração da ecologia. Segundo Aguilera (1992) a economia ecológica se articula sobre três princípios fundamentais: – a lei da Termodonâmica que disciplina que “…a energia não se cria nem se destrói, tão pouco se transforma.” Conforme esta lei, a produção de resíduos esta diretamente ligada à  produção e consumo, isto é, não é uma externalidade. – a lei da entropia: “a matéria e a energia degradam-se, contínua e irrevogavelmente, de uma forma disponível, independentemente de as usarmos ou não.” A exegese desta lei é que a possibilidade de uso é o que dá valor econômico à matéria e à energia. – a terceira lei: “indica que é impossível gerar mais resíduos do que pode tolerar a capacidade de assimilação dos ecossistemas e que não se pode extrair dos ecossistemas mais do que possa ser considerado para o seu rendimento sustentável ou renovável, já que do contrário os destruiríamos.” As ajudas financeiras ou subsídios. Várias são as possibilidades de ajuda que tem como finalidade incentivar os atores econômicos a mudar sua forma de operar no mercado, com o objetivo de diminuir a devastação ambiental ou fomentar as medidas financeiras necessárias para isso. Por essa razão as ajudas financeiras deverão ser aplicadas com extrema parcimônia só devendo ser aplicadas em alguns casos, sempre e quando cumpridos os seguintes requisitos: – que sejam outorgadas dentro de um programa bem definido por um período de tempo determinado. – que não impliquem distorções no comércio ou investimentos internacionais. – que para a coletividade represente um custo menor ajudar o poluidor, que perder a atividade que este realiza; além disso devem dar-se com razões de estrita justiça. – que sejam outorgadas a setores ou grupos definidos, suscetíveis de passarem por dificuldades econômicas na ausência destas subvenções. Podemos distinguir três tipos de ajudas financeiras: – as subvenções: implicam na entrega de dinheiro (ou bens a titulo gratuito), como por exemplo a aplicação em equipamentos antipoluentes, por unidade de redução de despejo, por mudanças de situação, por pesquisa em novos produtos, pela aplicação de tecnologias limpas, etc. – as vantagens fiscais: trata-se de uma série de medidas que favorecem os agentes econômicos mediante a autorização de amortizações aceleradas ou concedendo reduções e isenções fiscais se adotadas medidas anti poluentes. Como exemplo, observa-se a redução de certa porcentagem do IPI para equipamentos de despoluição, ou o chamado ICMS ecológico, que trata da utilização de uma possibilidade aberta pelo artigo 158 da Constituição Federal brasileira que permite aos Estados definir em legislação específica, parte dos critérios para o repasse de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, que os municípios têm direito – os créditos subsidiados: são aqueles empréstimos que gozam de uma taxa de juros reduzida, ou que possuem um tempo maior para pagamento, desde que os valores liberados destinem-se a incentivar os atores econômicos a mudar sua forma de atuação. Os direitos de contaminação transferíveis. Os direitos de contaminação transferíveis podem ser classificados como sendo as permissões negociáveis, certificados de utilização do meio ambiente, licenças de emissão de compra e venda, permissão de descarga transferíveis, direitos de poluição, leilão de permissão, entre outros. Seriam, então, quotas ambientais ou autorizações pertinentes sobre os níveis de poluição ou de utilização do sistema que, uma vez definidas e atribuídas pela administração pública competente, podem ser negociadas e intercambiadas por seus proprietários, observando um termo pré estabelecido. Trata-se de institutos novos, que têm maior efetividade nos EUA e no âmbito da poluição atmosférica; apesar de não haver qualquer obstáculo para que sejam aplicados em outros campos. (como exploração de recursos renováveis, por exemplo). Destacam-se os seguintes tipos de permissões negociáveis. – as bolhas: seria colocar uma bolha simulada sobre uma entidade ou uma localidade de modo que podemos definir qual será a fonte de emissão (ainda que haja mais de um foco emissor). A administração ambiental fixa um teto para as emissões da planta industrial ou área delimitada pela a bolha, permitindo aos poluidores escolher abertamente o fator de diminuição da poluição entre as várias modalidades presentes, desde que se observe o limite máximo estabelecido. – o método de emissões líquidas ou sistemas de controle: refere-se a possibilitar que os focos de poluição que já existam, e que porventura não observem as regras mais cogentes (que deveriam observar no caso de caracterizadas como novas emissoras), toda vez que as emissões líquidas totais da planta industrial onde estejam situadas não suplantem o máximo anterior da mudança das empresas já existentes. – os sistemas de compensações: surgiram inicialmente nos EUA para sanar os entraves causados pelo crescimento industrial e as restrições impostas à emissão de poluentes. No início, quando em uma área não se respeitavam os tetos máximos de poluição ambiental, não se permitia novas fontes de emissão e construção, impedindo desta forma o crescimento e desenvolvimento das empresas ou a evolução mediante implantação de novas plantas industriais destas. Mediante o surgimento desse mecanismo, permite-se a implantação de novas fontes poluidoras (através de mudança e incremento das plantas industriais já existentes ou de implantação de outras novas) nestas localidades toda vez que a poluição for compensada com diminuição dos focos poluidores que já vinham emitindo outrora. Este mecanismo, faz com que se uma empresa (potencial poluidora) decidir ampliar sua planta industrial deverá rever seus níveis de emissão para reduzir o nível global de poluição, sendo que, tratando-se de uma nova empresa, deverá negociar com as restantes para poder implantar-se. – os depósitos de emissão ou os bancos de poluição: possibilitam a um ente poluidor que reduzir as emissões em patamar inferior aos níveis limites fixados pelo órgão ambiental, possa depositar estas reduções ou economia, ou uma parte destas, em uma câmara de compensação. Estes depósitos funcionam como créditos, de forma que o titular consiga transferí-los a outros poluidores ou usá-los no futuro. Conclusão. As atividades produtivas envolvidas com os ramos da construção civil, da indústria, do transporte, do comércio, comumente, geram ainda resultados positivos para a sociedade, como a geração de empregos, tributos e renda. Compete ao Estado controlar e regular essas medidas e ações e direcioná-las em caminhos e meios que não levam a danos e prejuízos à coletividade, bem como à segurança e à saúde da população e ao meio ambiente. No momento em que o Estado falha em sustentar essa função e emite licenças que possibilitam impactos ambientais nocivos, não é legítimo transferir a responsabilidade ao particular, especificamente nos casos em que ele podia ser crente na certidão da autorização e na regularidade e licitude da sua atuação. O principal guardião dos interesses da sociedade coletiva, bem como do bem difuso meio ambiente, ainda é o Estado, não o usuário.
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O regime diferenciado de tributação relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza conferido ao segmento de previdência privada
Esse artigo tem por objetivo apresentar e discorrer sobre o regime diferenciado de tributação relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza conferido ao segmento de previdência privada. Além da introdução e conclusão, o artigo é composto por quatro capítulos. No primeiro capítulo é feita abordagem sobre os fatos geradores e a base de cálculo do tributo em menção. No segundo são apresentadas as deduções que podem ser realizadas pelos participantes, pela instituidora ou patrocinadora de planos de benefícios coletivos e pela entidade de previdência complementar. No terceiro capítulo aborda-se a isenção concedida sobre os rendimentos decorrentes das aplicações dos valores das contribuições no mercado de capitais e/ou imobiliário. Finalmente, no quarto capítulo, discorre-se sobre a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos pelos participantes a título de benefícios ou de resgate e os regimes de apuração que podem ser por eles adotados (regime progressivo e regressivo). Todas essas medidas importam em incentivo aos participantes a aderirem a planos de benefícios e permanecerem a eles vinculados por um longo período.
Direito Tributário
Introdução A previdência privada foi primeiramente regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com a edição da Lei n. 6.435. Em 1998, por meio da alteração da redação do art. 202 da CR/1988, realizada com a entrega em vigor da Medida Provisória n. 20, ela passou a ser recepcionada constitucionalmente. Em decorrência da determinação contida no caput do art. 202 da CR/1988, em 2001 foi promulgada a Lei Complementar (LC) n. 109. Essa legislação revogou a Lei n. 6.435/1977 e passou a regulamentar a previdência privada. O art. 202 da CR/1988 estabelece, ainda, que o regime de previdência privada, possui caráter complementar ao regime geral da previdência social, é organizado de forma autônoma, é facultativo e baseado na constituição de reservas que garantam os benefícios contratados. O segmento de previdência privada é composto por entidades abertas e fechadas de previdência complementar (art. 4º da LC n. 109/2001). As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) são constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos e exercem as atividades de administração e execução de planos de benefícios previdenciários, cujo acesso deve ser assegurado a todos os empregados do patrocinador ou associados do instituidor (art. 16, §1° do art. 31 e art. 32 da LC n. 109/2001). Já as entidades abertas de previdência complementar (EAPC) são constituídas sob a forma de sociedade anônima e possuem como objeto social a instituição e gestão de planos de benefícios de caráter previdenciário, concedidos na forma de pagamento único ou renda continuada, acessíveis a quaisquer pessoas físicas (art. 36 da LC n. 109/2001). A finalidade precípua da previdência privada consiste, assim, na constituição de planos de benefícios de caráter previdenciário, com o objetivo de conceder benefícios futuramente aos participantes que complementem suas fontes de renda e lhes possibilitem manter um padrão de vida similar ao que possuíam no período economicamente ativo. Devido à sua finalidade, a previdência privada exerce e função social relevante. Por tal razão, o Estado intervém fortemente nas relações firmadas no âmbito da previdência privada, estabelecendo, entre outros, as políticas públicas que devem ser adotadas (art. 3º da LC n. 109/2001). Entre as políticas públicas estabelecidas pelo Estado, destaca-se o tratamento tributário diferenciado relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza. Ele foi instituído na tentativa de preservar a natureza jurídica dos investimentos realizados pelos participantes (custeio de benefícios de caráter previdenciário), incentivando a adesão a planos de benefícios e evitando o desvirtuamento dos fins a que se propõe essa contratação, mediante a realização de resgates prematuros (GAUDENZI, 2008, p. 157). Esse tratamento está atrelado à ideia de diferimento do recolhimento do imposto de renda, ao ser permitida a dedução das contribuições realizadas para o custeio de benefícios de caráter previdenciário de sua base de cálculo, tributando-as, somadas aos rendimentos percebidos em virtude dos valores investidos, somente no momento em que os recursos são disponibilizados aos participantes em decorrência do resgate ou de pagamento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 158). Ademais, visando estimular a manutenção dos valores aportados à EAPC (contribuições) por um longo período, preferencialmente até a fase final do período de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, foi atribuída ao participante a faculdade de optar pelo regime regressivo de apuração do imposto de renda. Essa possibilidade acaba interferindo na maneira como o imposto de renda devido pelo participante e pela pessoa jurídica instituidora (regime aberto de previdência complementar) ou patrocinadora (regime fechado de previdência complementar) de planos de benefícios deve ser apurado, no momento em que deve ser recolhido aos cofres públicos e nas alíquotas aplicáveis sobre os valores recebidos pelos participantes a título de resgate e de benefícios. O objetivo deste artigo consiste, portanto, na análise do regime tributário relativo ao IR conferido ao regime de previdência complementar. Para tanto, foram apresentadas nas subseções a seguir quais são os fatos geradores do imposto em menção, quais valores compõem sua base de cálculo e qual é seu período de apuração. Em seguida, discorreu-se sobre os benefícios fiscais concedidos pelo Estado, ao possibilitar a dedução do valor correspondente às contribuições realizadas pelos participantes e pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de planos coletivos da base de cálculo do imposto de renda, da isenção do valor correspondente aos rendimentos auferidos por meio da aplicação dos recursos formadores das reservas técnicas, provisões e fundos garantidores das obrigações contraídas pela entidade de previdência complementar, perante os participantes, durante o período de diferimento ou de cobertura do contrato firmado entre ela e os participantes. Finalmente, foram apresentados os casos de incidência e de isenção do imposto de renda sobre os valores pagos pela EAPC aos participantes e beneficiários a título de resgate e de benefícios. 1 Os fatos geradores e a base de cálculo do IR O inciso III do art. 153 da CR/1988 atribuiu à União competência para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Fazendo uso da prerrogativa que lhe foi conferida, o Estado estabeleceu a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda entendida como produto do capital e/ou do trabalho e de proventos de qualquer natureza, apreendidos como os acréscimos patrimoniais não contemplados no conceito de renda como fatos geradores do imposto em menção (art. 43 do CTN) (MACHADO, 2002, p. 270). A disponibilidade econômica consiste no recebimento de valores que acrescem o patrimônio do contribuinte e a disponibilidade jurídica dos valores creditados que ele passa a ter juridicamente, apesar de ainda não tê-los efetivamente recebido (MACHADO, 2002, p. 271). Percebe-se, portanto, que podem sujeitar-se à incidência de imposto de renda tanto os valores recebidos como os creditados ao seu patrimônio. Conforme esclarece Fialdini (2007, p. 151), a disponibilidade econômica ou jurídica da renda e dos proventos está relacionada aos regimes contábeis de competência e de caixa. O regime de competência determina que a contabilização das receitas e das despesas deve ser processada no momento em que o contribuinte adquire direitos sobre elas ou assume a obrigação de pagá-las, respectivamente, independentemente de ter havido seu efetivo recebimento ou pagamento. Esse regime está, portanto, relacionado à disponibilidade jurídica. O regime de caixa, por sua vez, estabelece que a contabilização das receitas e das despesas deve ocorrer somente a partir do momento em que elas ingressem ou saiam, respectivamente, do conjunto de bens que compõem o patrimônio do contribuinte, estando esse regime, consequentemente, relacionado à disponibilidade econômica. De acordo com a redação do art. 44 do Código Tributário Nacional (CTN), “a base de cálculo do imposto de renda é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. A forma para se definir a base de cálculo desse imposto varia conforme o contribuinte seja uma pessoa física ou uma pessoa jurídica. A base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica são os lucros que ela aufere em determinado período e apurados conforme o critério de determinação: real, presumido ou arbitrado. Há, também, o critério especial aplicável aos optantes pelo Simples[1]. Já a base de cálculo do imposto de renda da pessoa física são os rendimentos por ela obtidos em determinado período (MACHADO, 2002, p. 274). O imposto de renda possui como período de apuração o correspondente a um ano civil (BALEEIRO, 2002, p. 327). Dadas as hipóteses de antecipação previstas em lei, na prática, o imposto de renda da pessoa física é apurado e recolhido mensalmente[2], considerando-se os valores efetivamente recebidos pelo contribuinte naquele período (art. 2º da Lei n. 7.713/1988) (FIALDINI, 2007, p. 158-159). Como o período de apuração do imposto de renda é de um ano civil, a pessoa física deve elaborar, anualmente, uma Declaração de Ajuste do Imposto de Renda. Nessa oportunidade, é verificado se haverá necessidade de realizar alguma complementação ao valor do imposto já recolhido antecipadamente ou se haverá alguma restituição a ser feita pelo Fisco ao contribuinte, caso o pagamento tenha sido maior do que o total realmente devido, levando-se em conta os valores efetivamente recebidos pela pessoa no ano-calendário de apuração, deduzidas as despesas previstas e permitidas em lei. A compensação, no entanto, não é permitida nos casos em que o imposto recolhido antecipadamente é considerado definitivo pela legislação, tal como ocorre com as retenções decorrentes de aplicações financeiras em títulos de renda fixa ou variável, do recolhimento sobre ganhos de capital na alienação de bens e direitos e do recebimento, pelos participantes, de benefícios e de valores decorrentes do exercício do resgate, cuja tributação se dê pelo regime tributário regressivo (FIALDINI, 2007, p. 159). 2 As deduções admitidas por lei Nas subseções seguintes são apresentadas, de forma discriminada as deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pelo participante, pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo e pela entidade de previdência complementar. 2.1 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pelo participante Até o advento da Lei n. 9.250/1995, os valores das contribuições realizadas pelos participantes se sujeitavam à incidência do imposto de renda, uma vez que integravam sua base de cálculo, não sendo permitidas quaisquer deduções a eles referentes (art. 3º c.c/ art. 14 da Lei n. 7.713/1988). Consequentemente, para evitar a bitributação, poderia ser descontado do valor efetivamente recebido pelo participante, a título de resgate ou de benefícios, aqueles decorrentes das suas contribuições. Dessa forma, o imposto de renda incidia apenas sobre a diferença entre os valores efetivamente recebidos pelo participante e os valores das suas contribuições (incisos VII e VIII do art. 6º c.c/ art. 31 da Lei n. 7.713/1988). Com a entrada em vigor da legislação em comento, foi concedido aos participantes o direito de deduzir da base de cálculo do imposto de renda o valor das suas contribuições à entidade de previdência complementar “destinadas a custear os benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social” (inciso V do art. 4º). Tal direito foi também previsto na alínea “e” do inciso II do art. 8º da Lei n. 9.250/1995 e contemplado pela LC n. 109/2001, ao determinar que “as contribuições realizadas pelos participantes de planos de previdência complementar são dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, nos limites e condições estabelecidas por lei” (caput do art. 69). O imposto de renda, consequentemente, passou a incidir sobre a totalidade dos recursos efetivamente recebidos em virtude do exercício do direito de resgate ou de pagamento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 159-160). Houve, dessa forma, postergação da tributação dos valores aportados pelos participantes para custear benefícios de caráter previdenciário, passando-a para o momento em que lhes foram efetivamente disponibilizados (GAUDENZI, 2008, p. 162). Dois anos após a entrada em vigor da Lei n. 9.250/1995, tais deduções foram limitadas a 12% do total de rendimentos computados para a determinação da base de cálculo do IRPF, sem que tenha havido, em contrapartida, limitação para o imposto de renda incidente sobre os valores dos resgates e benefícios pagos aos participantes. Os valores das contribuições realizadas pelo participante podem ser deduzidos da base de cálculo do imposto de renda devido mensalmente. Esses valores podem ser deduzidos, também, da folha de pagamento do empregador do participante, uma vez comprovado o recolhimento da contribuição à entidade de previdência complementar. O limite de 12% para a realização das deduções, todavia, somente será levado em consideração no momento da realização da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, uma vez que se considera o percentual incidente sobre o total da renda e dos proventos do contribuinte e não somente sobre os provenientes do trabalho assalariado (FIALDINI, 2007, p. 166). Em 18 de junho de 2004, foi publicada a Lei n. 10.887 que, mediante a alteração da redação do art. 11 da Lei n. 9.532/1997, impôs como condicionante à realização das deduções acima tratadas o recolhimento de contribuições para o regime geral de previdência social ou, conforme o caso, para o regime próprio de previdência social, observada a contribuição mínima. Segundo Gaudenzi, o condicionamento da realização de dedução dos valores das contribuições realizadas pelos participantes da base de cálculo do IRPF teve por finalidade “[…] criar uma vinculação financeira entre o regime de previdência complementar privada e os regimes de filiação obrigatória […]” (2008, p. 167). A instituição desse condicionamento é, entretanto, criticada por Gaudenzi (2008, p. 167-169) e Fialdini (2007, p. 167), uma vez que o art. 202 da CR/1988 prevê a total autonomia da previdência privada em relação à previdência social, não havendo, portanto, razões que o justifiquem. Além disso, a impossibilidade de dedução dos valores das contribuições da base de cálculo do IRPF e, ao mesmo tempo, a manutenção da tributação sobre os montantes totais pagos aos participantes a título de resgate e de benefícios geram uma bitributação. Isso porque eles são custeados, primordialmente, pelas contribuições realizadas pelos participantes, já tributadas no momento da disponibilização econômica da renda e/ou dos proventos dos quais originam. É certo, ainda, que o direito de realizar as deduções previstas na Lei n. 9.250/1997 e na LC n. 109/2001 existirá independentemente do regime tributário (progressivo ou regressivo) escolhido pelo participante (MARTINEZ; FERRAZ; KOSUGI, 2014, p. 355; GAUDENZI, 2008, p. 198). Podem ser também deduzidas da base de cálculo do imposto de renda a ser pago pelo participante as quantias relativas às parcelas isentas dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão pagos por qualquer entidade de previdência privada, a partir do mês em ele completar 65 anos (inciso VI do art. 4º da Lei n. 9.250/1995 e § 1° do art. 8º da Lei n. 9.250/1997). Finalmente, é importante lembrar que as contribuições realizadas pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de planos coletivos em favor dos participantes são isentas do imposto de renda da pessoa física, não integrando, portanto, à base de cálculo do imposto devido pelo participante (inciso VIII do art. 6º da Lei n. 7.713/1988). Sobre esses valores somente incidirá o IRPF quando e na medida de sua efetiva disponibilização ao participante, mediante o pagamento de valor de resgate ou de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 172-173). 2.2 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo O valor das contribuições realizadas pela pessoa jurídica instituidora ou patrocinadora de plano coletivo pode ser deduzido da base de cálculo do IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) a serem por ela recolhidos aos cofres públicos, caso ela apure os referidos tributos de acordo com o critério de lucro real (art. 13 da Lei n. 9.249/1995). As instituidoras ou patrocinadoras tributadas de acordo com o critério de lucro presumido não possuem tal prerrogativa, porque na base de cálculo do imposto de renda apurado dessa forma não se admite a dedução de despesas autorizadas pela legislação (GAUDENZI, 2008, p. 173-174). A dedução acima mencionada fica, todavia, limitada, em cada período de apuração, às contribuições realizadas pela instituidora ou patrocinadora que correspondam até 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração de seus dirigentes (§ 2° do art. 11 da Lei n. 9.532/1997). O valor das contribuições realizadas pela instituidora ou patrocinadora que superarem o limite de 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração de seus dirigentes deve ser adicionado ao lucro líquido do exercício para fins de determinação do lucro real e da base do cálculo da CSLL (§ 3° do art. 11 da Lei n. 9.532/1997). 2.3 As deduções da base de cálculo do IR a ser recolhido pela entidade de previdência complementar Como visto, o regime de previdência privada é baseado na constituição de reservas que garantam os benefícios contratados. Para viabilizar as atividades que são por elas desempenhadas e garantir o cumprimento das obrigações por elas assumidas perante os participantes de planos de benefícios, as entidades de previdência complementar celebram uma série de contratos, contemplando riscos homogêneos e sujeitos a um mesmo conjunto de cláusulas gerais (plano de benefícios). Os recursos oriundos dos aportes realizados pelos participantes (contribuições) em contrapartida à garantia que lhe é prestada pela entidade de previdência complementar (pagamento de benefícios vindo o risco coberto a se concretizar – sobrevivência do participante ao período de diferimento do contrato – morte ou invalidez, durante o período de cobertura) devem ser aplicados, na maior parte dos casos, no mercado financeiro e/ou de capitais e em conformidade com as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) (§ 1º do art. 9º da LC n. 109/2001). Dado o fato de essas reservas técnicas, provisões e fundos possuírem destinação própria (custeio dos benefícios e demais direitos garantidos pela entidade aos participantes dos planos de benefícios), foi admitida a dedução dos valores a elas inerentes da base de cálculo do imposto de renda a ser recolhido pela entidade de previdência complementar (inciso I do art. 13 da Lei n. 9.249/1995). 3 A isenção dos valores decorrentes dos rendimentos oriundos das aplicações realizadas pela entidade de previdência complementar Como visto no capítulo anterior, os recursos que formam as reservas técnicas, provisões e fundos constituídos pela entidade de previdência complementar, para garantir as obrigações que ela contraiu perante os participantes de seus planos de benefícios, devem ser aplicados no mercado de capitais e/ou imobiliário durante o período de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, conforme o caso. Com o advento da Lei n. 11.053/2004, os rendimentos alcançados por meio dessas aplicações deixaram de ser tributados durante o período contributivo dos contratos firmados entre a entidade e o participante (art. 5º). Somente a partir do momento em que os recursos acumulados são acessados pelo participante, por meio do resgate ou do recebimento de benefícios, é que haverá incidência do imposto de renda. Antes disso, não há qualquer tributação sobre os rendimentos auferidos por meio da aplicação dos valores formadores das reservas técnicas, provisões e fundos mencionados. 4 A incidência do ir sobre os valores recebidos pelo participante a título de resgate e de benefícios Os valores recebidos pelos participantes de planos ofertados por entidade de previdência complementar, a título de resgate ou de benefícios, pagos de uma só vez ou sob a forma de renda, em princípio, compõem a base de cálculo do IRPF, haja vista que estão contemplados no conceito de renda. O imposto de renda incidirá sobre a totalidade dos valores disponibilizados aos participantes e beneficiários, independentemente de terem sido realizadas as deduções permitidas por lei de sua base de cálculo e de acordo com a forma prevista no art. 33 da Lei n. 9.250/1995 (GAUDENZI, 2008, p. 192). O legislador, entretanto, excepcionou essa regra ao estabelecer que os valores recebidos pelos participantes ou pelos beneficiários, em decorrência da invalidez permanente ou da morte do participante, são isentos de imposto de renda (art. 6º da Lei n. 9.250/1995). O imposto de renda incidente sobre os valores a serem pagos aos participantes e beneficiários, a título de resgate ou de benefícios, passa a ser devido a partir do momento em que são disponibilizados. O valor do imposto será retido na fonte e recolhido aos cofres públicos pela entidade de previdência complementar (art. 33 da Lei n. 9.250/1995). Dessa forma, os participantes e beneficiários receberão os valores a ele devidos, já descontado o imposto de renda respectivo. 4.1 O regime progressivo Em atenção ao disposto no inciso I do § 2° do art. 153 da CR/88, o imposto de renda é estruturado, como regra geral, segundo o critério da progressividade. No regime tributário progressivo, as alíquotas do IRPF vão aumentando à medida que os contribuintes apresentarem maior capacidade contributiva (RODRIGUES, 2006, sem paginação; FIALDINI, 2007, p. 147). As alíquotas do imposto de renda a ser recolhido mensalmente e anualmente (por ocasião do ajuste) pela pessoa física são de 0%, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%, conforme o valor da base de cálculo do referido tributo[3]. São essas as alíquotas que devem ser consideradas pela entidade de previdência complementar ao realizar a retenção do imposto de renda devido pelos participantes e beneficiários em decorrência do recebimento de benefícios (GAUDENZI, 2008, p. 199-200). Sobre os valores dos resgates totais ou parciais realizados pelos participantes, a alíquota do imposto de renda a ser recolhido por ocasião da disponibilização desses recursos é de 15%. O imposto de renda incidente sobre esses valores também será retido na fonte, como forma da antecipação do imposto a ser apurado na declaração de ajuste da pessoa física (art. 3º da Lei n. 11.053/2004). Por tal razão, admite-se sua compensação na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda (art. 33 e inciso V do art. 12 e art. 13 da Lei n. 9.250/1995). Na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda será calculado o valor total das rendas e demais rendimentos tributáveis e aplicada a alíquota do tributo, conforme base de cálculo e Tabela Progressiva Anual do IRPF. Os valores de imposto de renda retidos na fonte serão compensados em relação ao montante a recolher, apurado conforme rendimentos tributáveis anuais do contribuinte. Caso o valor a recolher seja maior do que o valor retido na fonte, o contribuinte deverá pagar o montante correspondente à diferença. Se o valor retido na fonte for maior do que o valor total a recolher, ao contribuinte será restituída a diferença pelo Fisco (art. 13 da Lei n° 9.250/1995). 4.2 O regime regressivo A Lei n. 11.053/2004 atribuiu aos participantes que celebrarem, a partir de 1° de janeiro de 2005, contratos de previdência complementar vinculados a planos estruturados nas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável a faculdade de optarem pelo regime regressivo de tributação do imposto de renda (art. 1º). A instituição desse regime de apuração do IRPF se deu como forma de incentivo aos participantes em manterem em poder da entidade os valores aportados para custear os benefícios contratados, inibindo, assim, a realização de resgates (REIS, 2014, p. 128). Afinal, quanto maior é o tempo de aplicação dos valores das contribuições realizadas, menor será a alíquota devida a título de IRPF. Além disso, ao permanecerem vinculados a planos de benefícios até o final do prazo de diferimento ou de cobertura do contrato de previdência complementar, os valores das contribuições realizadas pelos participantes e pela instituidora ou patrocinadora acabam sendo utilizadas para o pagamento dos benefícios contratados e que vão complementar a renda dos participantes por ocasião de sua aposentadoria, finalidade última da previdência privada. Enquanto os valores não forem utilizados para o pagamento dos benefícios contratados, serão aplicados pela entidade de previdência complementar no mercado de capitais e/ou no mercado imobiliário, permitindo realocação de recursos em setores deficitários e, consequentemente, auxiliando o Estado no fomento da economia, além de evitar que a adesão a planos de benefícios, especialmente aqueles ofertados por EAPC se dê como mero instrumento de aplicação financeira (WEINTRAUB, 2014, p. 251; FIALDINI, 2007, p. 187). Verifica-se, pela leitura do art. 1º da legislação em comento, que a faculdade atribuída ao contribuinte em escolher o regime de tributação do IRPF a ser adotado (progressivo ou regressivo) se restringe aos planos de previdência complementar estruturados nas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável, estando aqui incluídos os planos contemplados pela Lei n. 11.196/2005 (art. 83). Nos planos de previdência complementar estruturados na modalidade de benefício definido inexiste tal faculdade, prevalecendo, nesses casos, o regime progressivo. Fialdini (2007, p. 184) explica que tal restrição foi realizada pelo legislador por razões técnicas. Afinal, a inexistência de reservas técnicas, provisões e fundos individualizados em nome do participante não se adapta ao regime tributário instituído pela Lei n. 11.053/2004. O legislador parece, entretanto, ter se esquecido de que os planos da modalidade de benefício definido também podem ser estruturados pelo regime financeiro de capitalização, situação em que haverá a constituição de tais reservas, provisões e fundos. Mesmo nos planos da modalidade de benefício definido, estruturados sob os regimes financeiros de repartição simples ou repartição de cobertura de capitais, há como a entidade realizar um controle analítico contemplando as datas e valores das contribuições realizadas pelos participantes e dos benefícios são a ele pagos. Conforme mencionado, no regime regressivo, as alíquotas do imposto de renda são reduzidas de acordo com o período de acumulação dos recursos oriundos das contribuições realizadas pelos participantes e/ou pela instituidora ou patrocinadora, e não conforme o valor da renda e dos proventos auferidos pelo contribuinte em determinado período, como ocorre no regime progressivo. Quanto maior o intervalo de tempo entre a data da realização da contribuição e a data do recebimento do benefício ou do resgate, menor será a alíquota do imposto de renda aplicável. Pelo regime regressivo, a alíquota de imposto de renda aplicável para investimentos de período inferior a dois anos é de 35%; de 30% para aplicações de período entre dois e quatro anos; 25% para investimentos por período de quatro a seis anos; de 20% para aplicações de seis a oito anos; 15% para aplicações de oito a dez anos e 10% para os investimentos de período superior a dez anos (art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Os prazos mencionados no parágrafo anterior são computados de acordo com o tempo transcorrido entre a data da realização das contribuições, individualmente consideradas, e a data do efetivo pagamento do valor correspondente ao resgate ou aos benefícios contratados, considerando-se o tempo de permanência, a forma e o prazo de recebimento e os valores aportados (§ 3° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). “De acordo com o princípio acolhido por esse regime alternativo de tributação, […] o primeiro capital que entra no plano previdenciário é o primeiro que sai. Portanto, se um participante contribuiu para seu plano previdenciário, de forma regular e homogênea ao longo de dez anos, isso não quer dizer que ao final desse período, ao acessar suas reservas, seja como resgate ou benefícios, haverá automaticamente a incidência da alíquota mínima de 10%. A depender das diversas datas de aporte e, por consequência, dos diversos períodos em que tais aportes ficaram internalizados na forma de poupança, haverá a incidência de alíquotas diferenciadas, pois o prazo a ser considerado para efeito de enquadramento nos percentuais acima (prazo de acumulação) é contado a partir de cada contribuição realizada” (REIS, 2014, p. 129). Havendo a portabilidade dos recursos formadores da provisão matemática de benefícios a conceder e da provisão de excedentes financeiros de um plano de benefícios para outro plano de mesma natureza, os prazos acima referidos são computados, considerando-se aqueles já transcorridos no plano originário (§ 4° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Como visto, no regime regressivo de tributação, o imposto de renda também é devido no momento em que são disponibilizados aos participantes e aos beneficiários quaisquer valores a título de resgate ou de benefícios (art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Da mesma forma como ocorre no regime progressivo, o valor do imposto será retido na fonte e recolhido aos cofres públicos pela entidade de previdência complementar. Os valores do imposto retidos na fonte pela entidade, no entanto, não são compensáveis na Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda, como acontece no regime progressivo (RODRIGUES, 2006, sem paginação). O valor do imposto apurado, retido na fonte e recolhido ao Fisco, é definitivo (caput e § 2° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Antes do advento da Lei n. 11.196/2005 (que alterou a redação do § 6º do art. 1º da Lei n. 11.053/2004), a opção pelo regime de tributação do IRPF deveria ser realizada no momento em que o participante aderisse ao plano de benefícios de natureza previdenciária. A partir de sua entrada em vigor, todavia, a opção pelo regime de tributação (progressivo ou regressivo) passou a dever ser realizada até o último dia útil do mês subsequente ao de adesão ao plano de benefícios (§ 6º do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Apesar de o novo prazo ser mais vantajoso para o participante, uma vez que ele terá mais tempo para refletir sobre qual é o melhor regime para atender às suas pretensões e possibilidades, pela prática de mercado, essa opção acaba sendo realizada no momento do preenchimento do formulário de inscrição (MARTINEZ; FERRAZ; KOSUGI, 2014, p. 352). Aos participantes de planos de benefícios estruturados pelas modalidades de contribuição definida ou de contribuição variável antes de 1º de janeiro de 2005 foi também atribuída a faculdade de optarem pela adoção do regime regressivo de tributação. Para tanto, foi-lhes conferido prazo até o último dia útil do mês de dezembro de 2005 para que a opção pelo regime regressivo fosse realizada (art. 2º da Lei n. 11.053/2004). Nos casos em que o participante tiver feito opção pelo regime regressivo referente a planos já em curso antes de 1º de janeiro de 2005, o período de acumulação teve sua contagem iniciada a partir de 1º de janeiro de 2005 para os aportes realizados até 31 de dezembro de 2004 e a partir da data de cada um dos aportes realizados após 1º de janeiro de 2005 (§ 3° do art. 2º da Lei n. 11.053/2004). Finalmente, é importante mencionar que a opção feita pelo participante quanto ao regime de tributação a ser adotado é irretratável e prevalecerá mesmo em caso de portabilidade de recursos e respectivas reservas (§ 6° do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Tal opção prevalece tanto para os valores a serem pagos aos próprios participantes como aos beneficiários (GAUDENZI, 2008, p. 195). Uma vez feita a opção pelo regime de tributação do imposto de renda, a entidade de previdência complementar deve transmitir essa informação à Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma por esta regulamentada (§ 5°do art. 1º da Lei n. 11.053/2004). Conclusão Como se viu, o regime diferenciado de tributação relativo ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza conferido ao segmento de previdência privada foi instituído pelo Estado, como política pública e na tentativa de tornar a adesão a planos de benefício mais interessante e menos onerosa para os participantes e evitar como que fossem celebrados contratos com entidades de previdência complementar como mera diversificação de investimentos. O regime diferenciado de tributação tratado contempla as permissões legais conferidas aos participantes e às instituidoras ou patrocinadoras de planos coletivos de deduzirem da base de cálculo do imposto de renda os valores dos rendimentos destinados a contribuições a entidade de previdência complementar, observados os limites estabelecidos. Contempla, ainda, a permissão de dedução da base de cálculo do referido imposto dos valores recebidos pela entidade de previdência complementar a título de contribuições. Esse regime diferenciado de tributação abrange também a isenção do IR sobre os valores dos rendimentos auferidos por meio da aplicação dos recursos oriundos das contribuições no mercado financeiro e/ou imobiliário pela entidade de previdência complementar. O regime em menção abarca, ainda, nova forma de apuração do imposto de renda e da aplicação das alíquotas respectivas (regime regressivo), visando a estimular os participantes a permanecerem vinculados a planos de benefícios até o final do período de diferimento do contrato entre eles firmado com a entidade. Todas essas medidas são salutares e efetivamente contribuem para o crescimento do segmento de previdência complementar e, consequentemente, para ampliação da proteção conferida aos cidadãos brasileiros que possuem meios para custear sua própria previdência privada.
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Imposto progressivo sobre a renda: Uma análise à luz das teorias utilitarista e libertária acerca da concepção de justiça
A desigualdade social existente no Brasil e em outros países do mundo é uma realidade suportada há anos pelos respectivos governos que tentam através do recolhimento de impostos dos cidadãos, diminuir a desigualdade social existente. Tal desigualdade ocorre, pois, enquanto uma pequena parcela da sociedade acumula muito dinheiro e riqueza, a grande maioria dos demais cidadãos da mesma sociedade, são menos afortunados. Para reequilibrar essa realidade o Brasil, assim como outros Países, instituíram o imposto progressivo sobre a renda, o que significa dizer que, aquele que tem mais dinheiro, pagará mais imposto que aquele que tem pouco dinheiro. A lógica do imposto progressivo tem por finalidade, propiciar ao Estado recurso financeiro para que essa renda seja redistribuída para toda a sociedade, por exemplo, na forma de escolas, hospitais, bem estar e lazer, entre outros. O objetivo deste artigo é comparar as teorias utilitária e libertária referentes às respectivas visões acerca do imposto progressivo sobre a renda, para ao final concluir se é legitima e justa a taxação do rico para ajudar aos pobres, ou se, do contrário, trata-se de alguma violação de direito do sujeito rico, notadamente quanto à sua liberdade para a utilização do seu patrimônio.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Este artigo intitulado Imposto progressivo sobre a renda: taxação dos ricos para ajudar aos pobres visa apresentar uma analise à luz das teorias utilitarista e libertária, acerca da concepção de justiça, confronta a visão das teorias utilitarista e libertária, sobre dos respectivos entendimentos acerca do imposto progressivo sobre a renda, bem como se o fato de taxar o rico para ajudar ao pobre, trata-se de uma forma justa de se redistribuir a renda nacional, ou se, do contrário, refere-se a uma afronta aos direitos de liberdade do indivíduo rico. Os Utilitaristas defendem uma redistribuição da renda de forma que a decisão a ser tomada deverá, necessariamente, privilegiar a maior parte da sociedade. Trata-se da busca pelo bem comum, os interesses de poucos não deveriam se sobrepor aos interesses de toda a sociedade, o foco é a maximização da felicidade. Os Libertários, por outro lado, defendem o respeito do direito de escolha do indivíduo, quaisquer que sejam eles, pregando a existência de um mercado sem restrições, desde que não estejam violando os direitos de ninguém. “Regular esse mercado é injusto, dizem eles, porque viola a liberdade individual de escolha.” (SANDEO, 2015. p. 138). Abordou-se o senário Brasileiro, para analisar se o imposto progressivo sobre a renda, trata-se de uma forma justa de redistribuição da renda nacional, na medida em que a finalidade do Estado é (ou deveria ser) reverter à toda sociedade, melhores hospitais, moradias, estradas, atividades sociais, ou se, do contrário, há algo de injusto ou restritivo de direito, ao obrigar o rico a pagar mais impostos, com base na tabela progressiva sobre a renda. 1. O IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS O imposto de renda, resumidamente, trata-se de um imposto exigido pela União sobre os ganhos das pessoas, como salários, aluguéis, prêmios de loteria etc. O valor é pago de acordo com a renda, o que significa dizer que, quem tem renda menor paga menos, e quem ganha mais paga mais imposto. Antes de continuarmos falando sobre o imposto de renda e seu conceito, mister se faz trazer antes uma análise histórica, abordando algumas características legais relevantes. 1.1. ASPECTO HISTÓRICO A tributação sobre alguma forma de renda já é identificada desde os primórdios da civilização. Há registros já no ano de 10, na China antiga, o imperador Wang Mang da Dinastia Xin, instituiu uma modalidade do tributo com um alíquota de 10% (dez por cento) dos lucros dos profissionais e trabalhadores especializados. Àquela época, todas as taxas eram calculadas por cabeça ou sobre a propriedade. O rei inglês Eduardo IV, em 1472, instituiu o tributo sobre a renda à alíquota de 10%, a fim de financiar a guerra contra a França. Entretanto, tal tributo causou tamanha indignação e revolta na população (contribuintes), sendo, consequentemente, abolido. Já no século XV, com a migração da produção da riqueza dos campos (terra) para a indústria e comércio, foi importante para a transformação da economia e um dos pilares para instituição do imposto de renda moderno. A guerra, por sua vez, sempre motivou a implementação do Imposto sobre a renda, como se vê, na Franca do século XVIII, período napoleônico, em razão da necessidade do Estado Frances financiar seu esforço de guerra, foi instituída uma base moderna de tributação, que fixava como pilar, a incidência sobre o bem que gerava a renda, desconsiderando a pessoa do contribuinte, deixando de analisar quaisquer característica pessoal, além disso, possuía uma base de cálculo estimada. Caminhando para o século XX encontra-se a instituição do imposto de renda cuja lógica da tributação fora fixado no pagamento corrente ou PAYE (Pay-As-You-Earn), na qual o tributo é devido na media que a renda é auferida, originário dos modelos tributários, germânico, britânico e americano. No Brasil, a primeira tentativa de instituir o imposto sobre a renda, ocorreu no século XIX que, embora a constituição de 1891 não fixasse de forma expressa a tributação da renda, a instituição do referido tributo era permitida em razão da competência concorrente e cumulativa da União e Estados. Porém, apenas em 31 de dezembro de 1923, através da Lei nº 4783, o imposto federal sobre a renda foi formalmente instituído no ordenamento jurídico Brasileiro, passando a ser exigido a partir do ano de 1924. A Constituição de 1934, por sua vez, atribuiu à União a competência para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, exceto, a renda cedular de imóveis, mantendo-se inclusive tal previsão na Constituição de 1988. A legislação brasileira no que se refere ao imposto de renda, atualmente, é disciplinada pelo Código Tributário Nacional, em seus artigos 43 à 45 e pelas leis 7.713/88, 8.981/95, 9.250/95, 9.249/95 e 9.430/96 e, ainda, está regulamentado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, denominado Regulamento do Imposto de Renda (RIR). 2. QUAL A INCIDÊNCIA DO TRIBUTO E QUEM DEVE PAGAR O IRPF (imposto de renda pessoa física) é um tributo aderido no Brasil e em diversos países, especialmente pela sua capacidade de possibilitar o financiamento do Estado extraindo de cada indivíduo, na medida da sua capacidade contributiva, uma fração do seu numerário adquirido ao longo de um determinado período, para que o Estado tenha condições de atingir aos seus fins, no que se refere à administração pública, bem como das atividades sociais. No Brasil, o IRPF é pautado no princípio da estrita legalidade, o que significa dizer que para a sua existência, aumento ou diminuição do montante a ser arrecadado pelo contribuinte, somente poderá ocorrer se estiver expressamente previsto em lei. A definição do IRPF está no artigo 43 do Código Tributário Nacional, prevendo que trata-se de um imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. Leia-se: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”. Sobre renda, referido artigo trata de defini-la como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Por sua vez, os proventos de qualquer natureza, são os acréscimos patrimoniais, não compreendidos na definição de renda. Auferir renda é a situação definida pela lei como suficiente para o surgimento da obrigação do indivíduo pagar o IR (imposto de renda). Dessa feita o aspecto material do IR é o acréscimo patrimonial, assim compreendido com o aumento da riqueza com contribuinte, como ensina Gonçalves (2006, p.179) “Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele sido ou não consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis, agora não importa (…) Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial – aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direito ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito.” Ou inda, segundo Martins (2004. p.258): “A disponibilidade econômica ocorre com a renda ou o provento efetivamente recebido. É o dinheiro que entra em caixa. Representa regime de caixa. É obtenção de direito de crédito. […] A aquisição é algo que se acrescenta, é o que aumenta o patrimônio anterior”. Desse modo, não basta o simples recebimento do fruto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, para a incidência do tributo é imprescindível que tal recebimento configure um real acréscimo patrimonial. A análise do acréscimo patrimonial leva em conta o aspecto temporal do tributo, o qual avalia tal variação patrimonial considerando determinado período de tempo que, atualmente, no Brasil, é anual e a legislação determina que o fato gerador do tributo se dá, via de regra, no dia 31 de dezembro de cada ano, abrangendo todo o ano-calendário anterior. Vale ressaltar que alguns fatos geradores do imposto de renda consideram ocorridos no momento da disponibilização econômica ou jurídica do rendimento e incidem exclusivamente naquele acréscimo havido, como por exemplo, o ganho de capital e os rendimentos oriundos de aplicações financeiras. Entretanto, trata-se de um exceção à regra na qual o fato gerador do tributo se dá no dia 31 de dezembro de cada ano. O ajuste anual deverá ser realizado pelo contribuinte no mês de abril do ano posterior ao ano-base, ocasião na qual o contribuinte entrega à Receita Federal do Brasil sua declaração de imposto de renda, que constitui em um declaração de rendimentos, demonstrando o total das rendas e proventos auferidos durante o ano –base, bem como deduzindo as despesas, desde que previstas em lei. Analisado o conteúdo da declaração pela Receita Federal do Brasil, haverá duas situações possíveis ao contribuinte: (i) pagar por ocasião da declaração de rendimentos à União Federal, sujeito ativo do imposto de renda ou (ii) restituído de tributos pagos a mais, os quais são recolhidos na fonte, durante todo decorrer do ano-base. A vista do que foi mencionado acima, o contribuinte, todos os anos, possui um compromisso com a União Federal, compromisso esse que o obriga a dividir com o Estado, respeitado o princípio da sua capacidade contributiva, os ganhos financeiros auferidos durante todo um ano de trabalho. Significa dizer que, quanto mais o individuo trabalha, mais o indivíduo divide com Estado o fruto do seu esforço e do seu sucesso profissional, ressalvando-se o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de assegurar que o imposto sobre a renda deverá preservar a dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial. 2.2. O PAGAMENTO PROGRESSIVO DO IMPORTO SOBRE A RENDA Quanto ao dever do Estado de respeitar o mínimo existencial, a tabela progressiva do imposto de renda, apresenta uma faixa de renda mínima do indivíduo à qual o isenta da incidência do mencionado imposto, mas por outro lado, submete determinados indivíduos à contribuições de proporções significativas. A existência de uma tabela progressiva, assegura dizer que a taxa será mais alta para os ricos e mais baixa para os humildes. Desse modo podemos definir que, “um imposto é progressivo quando sua taxa é mais alta para os mais ricos (aqueles que possuem mais renda, um capital ou um consumo mais elevado terão um imposto progressivo para a renda ou o consumo) e mais baixa para os humildes”. (PIKETTY 2014. p.483). O sistema da progressividade da cobrança do imposto, para muitos, parece ser a forma mais justa e coerente de se distribuir os impostos, considerando as diferentes classes sociais existentes e cada sociedade. Na análise de Piketty (2014, p.485) “a renda global mede a capacidade produtiva de cada um, e a progressividade oferece um limite às desigualdades produzidas pelo capitalismo industrial, mas respeitando a propriedade privada e as forças da concorrência”. A lógica do imposto de renda progressivo é bem interessante do ponto de vista social, já que tem o condão de munir o Estado de recursos financeiros para que esses mesmos recursos se revertam à gestão pública para a efetivação do seu próprio exercício (administração pública), revertendo ao cidadão, principalmente à população mais pobre, na condição de, por exemplo, melhores hospitais, moradias, estradas, atividades sociais, enfim, o objetivo é atingir um bem comum de forma ampla. Isso explica o motivo do imposto de renda está na competência da união, pois, tem âmbito nacional, o que, em tese, significa dizer que, somente dessa forma é possível falar na redistribuição da renda nacional, visando o bem estar social. A defesa do atingimento do bem comum ou do bem estar geral é a tese defendida pelos utilitaristas, conforme bem ilustra o exemplo apresentado por Sandel (2015. P.77) “Se você acha que a justiça é a maximização da felicidade, provavelmente apoiará a redistribuição da riqueza, pelos seguintes motivos: suponhamos que tiremos um milhão de dólares de Bill Gates para dividi-lo entre cem pessoas necessitadas, dando 10 mil dólares a cada uma. Isso resultaria em um amento da felicidade geral. Gates mal sentiria falta do dinheiro, enquanto cada um dos destinatários sentiria uma grande felicidade com os 10 mil dólares inesperados”. Entretanto é interessante analisar se o fato de taxar diferentemente o cidadão que ganha mais, ou seja compelir o rico a ajudar o pobre, ainda que buscando a maximização da felicidade para a maior parte da população, configurar-se-ia uma violação de direitos do cidadão, vale dizer, uma violação à liberdade do rico de utilizar o seu dinheiro da forma como quiser À esse propósito, defende Piketty (2014. p.482) que: “É impossível arrecadar a metade da renda nacional e financiar direitos sociais ambiciosos sem demandar uma contribuição substancial do conjunto da população. Além disso, a lógica dos direitos universais que rege o desenvolvimento do Estado fiscal e social moderno combina muito bem com a ideia de uma arrecadação proporcional ou ligeiramente progressiva”.   A análise proposta será elaborada à luz das teorias utilitarista e libertária, conforme passa-se a expor. 3. A TEORIA UTILITARISTA X LIBERTÁRIA Resumidamente, podemos definir a teoria utilitarista como a defesa daquelas condutas que promovem o bem estar geral, sendo que as pessoas ou a sociedade envolvida devem sempre receber algum benefício ou felicidade por meio da conduta realizada. Por outro lado, suscintamente, à teoria libertária defende o respeito do direito de escolha do indivíduo, quaisquer que sejam eles, desde que não estejam violando os direitos de ninguém. Feita essa brevíssima introdução, a seguir, será detalhada a visão da teoria utilitarista no que se refere à arrecadação progressiva para a consequente redistribuição da renda, bem como as perspectivas sobre a preservação dos direitos de liberdade do cidadão e, em seguida, acerca do mesmo tema, abordaremos a visão da teoria libertária. 3.1. TEORIA UTILITARISTA A lógica utilitarista, cuja finalidade presta-se a defender o bem coletivo, sem se preocupar com os meios a serem executados para atingir a chamada utilidade coletiva, nada mais seria, do que a maximização da felicidade. A lógica utilitarista, ao defender, por exemplo, que é justo taxar o rico para custear as despesas do pobre o faz defendendo que o rico deve ser taxado de tal forma que a extração da sua quantia financeira seja sentida na mesma proporção dada ao destinatário quando do seu recebimento. Vejamos o exemplo apresentado por Sandeo (2015.p 78): “Suponhamos que tiremos 1 milhão de dólares de Bill Gates para dividi-lo entre cem pessoas necessitadas, dando 10 mil dólares a cada uma. Isso resultaria em um aumento da felicidade geral. Gates mal sentiria falta do dinheiro, enquanto cada um dos destinatários sentiria uma grande felicidade com os 10 mil dólares inesperados. A utilidade coletiva para essas pessoas seria maior do que a redução da utilidade para Gates”. A vista desses argumentos, uma distribuição radical da riqueza, conforme proposto pela lógica utilitarista, sem dúvidas desestimularia os empresários a ampliarem seus negócios e, consequentemente, auferirem mais lucros e gerarem mais empregos, pois, saberiam que quanto mais ganhassem financeiramente, mais seriam taxados e obrigados a dividirem o fruto da sua riqueza com o Estado. Nesse sentido, um dos riscos possíveis de serem observados acerca da teoria utilitarista, refere-se ao fato de desestimular a geração da riqueza pelos mais afortunados que, por consequente, acaba prejudicando a sua própria teoria de maximização da felicidade, além de estimular grandes, médios e pequenos empresários a criarem mecanismos para burlarem a legislação, a fim de esquivarem-se dos altos impostos. Por outro lado, observamos que o imposto progressivo sobre a renda é importante no século XXI no sentido de permitir aos menos beneficiados acessos à globalização comercial, sendo, portanto, fundamental para o Estado Social, na medida em que o Estado livre, em função do poder econômico de poucos sobre muitos, resulta na ausência ou limitação de oportunidades para as classes menos favorecidas da sociedade. Vê-se, assim, uma visão bastante utilitarista, cujo objetivo é garantir a maximização das oportunidades, leia-se: “O imposto progressivo é uma instituição indispensável para fazer com que cada pessoa se beneficie da globalização, e sua ausência cada vez mais evidente pode levar a globalização econômica a perder apoio. […] Por essas diferentes razões, o imposto progressivo é um elemento essencial para o Estado social: ele desempenha um papel fundamental em seu desenvolvimento e na transformação da estrutura da desigualdade no século XX, constituindo uma instituição central para garantir sai viabilidade no século XXI”. (PIKETTY, 2015, p.484). A teoria utilitarista, apresenta-se como uma forma de melhorar a comunidade como um todo, o foco não é no indivíduo, mas sim na possibilidade de priorizar a maximização da felicidade coletiva, como seu triunfo maior. Acerca dessa premissa e sendo o Estado responsável pela promoção social e pela organização da economia, utilizando-se de um arcabouço lega de normas e legislações, visando o bem-estar social/geral, o Estado estaria legitimado a exigir do cidadão o pagamento de impostos, sem que isso caracterize qualquer invasão à sua liberdade individual ou qualquer ofensa à garantia dos seus direitos. A questão está vinculada a capacidade contributiva de cada um para construir uma sociedade melhor e menos desigual. Desse modo, a soma desses dois fatores, quais sejam, capacidade contributiva e o bem-estar social/geral, torna, na visão utilitarista, plenamente legítima a progressividade da cobrança do imposto de renda, sem qualquer ofensa aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ainda que uma pessoa mais abastarda, tenha que pagar imposto em uma quantia mais vultuosa. O cidadão que vive em coletividade e se submete à legislação em vigor está, na visão utilitarista, apenas cumprindo com um dever cívico e legal de respeitar o ordenamento jurídico. A teoria utilitarista presume, portanto, que, quanto maior o número de pessoas beneficiadas pela progressividade da divisão da renda, mais justa será aquela sociedade, ainda que uma pessoa mais abastarda, tenha que pagar imposto em uma quantia mais vultuosa. 3.2. TEORIA LIBERTÁRIA Em contraposição ao defendido pela teoria utilitarista, vem à tona a teoria libertária, defendendo que é coercitivo a extração de dinheiro do indivíduo, sem a sua autorização, ainda que seja por uma boa causa. Segundo Sandeo (2015 p.78), a lógica libertária: “Defendem os mercados livres e se opõem à regulamentação do governo, não em nome da eficiência econômica, e sim em nome da liberdade humana. Sua alegação principal é que cada um de nós tem o direito fundamental à liberdade – temos o direito de fazer o que quisermos com aquilo que nos pertence, desde que respeitemos os direitos dos outros de fazer o mesmo”. Os Libertários defendem que não há nada de errado em uma pessoa afortunada ajudar quem mais necessite, doando quantias em dinheiro ou bens, porém, tal ajuda deve ser dada de forma espontânea e não arbitrária pelo Estado. Isso porque, quando o Estado impõe uma taxação invade a privacidade da pessoa, retirando-lhe arbitrariamente algo que é de sua propriedade, ferindo, portanto sua liberdade e dignidade. “As pessoas não deveriam ser usadas como meros instrumentos para a obtenção do bem-estar alheio, porque isso viola o direito fundamental da propriedade de si mesmo. Minha vida, meu trabalho e minha pessoa pertencem a mim somete a mim. Não está à disposição da sociedade como um todo”. (SANDEO, 2015 p. 135). Se um determinado indivíduo teve condições de auferir mais dinheiro do que outro, o fez por questões de trabalho, competência ou até mesmo sorte, (como nos caso de ganhadores da loteria ou determinados atletas, em que pese nesse último caso, trabalho e competência acompanharem a sorte), na visão dos libertários, forçar tal cidadão a pagar uma taxa maior de imposto é compeli-lo indevidamente, pois, ainda que seja do ponto de vista da moral, razoável que se espere um comportamento de ajuda do mais rico ao mais pobre, tal ajuda deve acontecer de forma livre e espontâneo, do contrário, havendo a interferência do Estado, tal prática é arbitrária. A teoria libertária, foca no individual, na felicidade máxima do indivíduo em si, na sua capacidade de dominar-se a si próprio, sentindo-se livre para escolher como organizar sua vida, afastando, desse modo, a intervenção do Estado que, segundo narra Sandeo (2015 p.80) à esse aspecto: “De acordo com o ponto de vista libertário, taxas para redistribuição são uma forma de coerção e até mesmo de roubo. O estado não tem mais direito de forçar o contribuinte abastardo a apoiar os programas sociais para o pobre do que um ladrão benevolente de roubar o dinheiro do rico para distribuí-lo ente os desfavorecidos”. Na hipótese de estrem corretos os pontos levantados até aqui pelos Libertários é razoável reconhecer que apenas a existência de um Estado mínimo seria suficientemente capaz de garantir a dignidade do indivíduo e o respeito irrestrito á sua liberdade. Estado mínimo é aquele cuja suas atribuições, “apenas faça cumprir contratos, proteja a propriedade privada contra roubos e mantenha a paz” (SANDEO, 2015. p. 79). Estado mínimo para os libertários, resume-se em excluir do Estado a permissão de elaborar leis paternalistas, aquelas cujo o cidadão é protegido de si mesmo, como por exemplo, usar o cinto de segurança enquanto dirige, ora, o individuo consciente de si e responsável, que suporte as consequências advindas do seu ato. Igualmente, afasta-se as legislações sobre moral, já que em uma sociedade livre, na qual o cidadão consciente é dono de si, não deve ser submetido à uma legislação que proíbe casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, se for a vontade do indivíduo unir-se à pessoa do mesmo sexo ele deve ter o direito de fazê-lo. E finalmente, nenhuma distribuição de renda ou riqueza, pois, ninguém dever ser obrigado a ajudar ninguém. A ajuda, bem-vinda, deve ser praticada pelo cidadão de forma livre e espontânea. Na visão dos libertários, utilizando-se dos exemplos apresentados acima, a mesma liberdade e autonomia que faz com que o cidadão trafegue em seu veículo sem o cinto de segurança, bem como que o permite livremente ser aceito pelo Estado unindo-se à pessoa do mesmo sexo, é a mesma liberdade que lhe fará ajudar o outro, seja com dinheiro, seja da forma como o terceiro necessitar de ajuda. Dito de outra forma, é a liberdade que deve impulsionar as vontades e tomadas de decisões do indivíduo dentro da sociedade e não a letra fria da legislação aplicada pelo Estado. Segundo Milton Friedman (1961 apud SANDEO, 2015 p.80), economista americano, argumentou que: “Muitas atividades estatais amplamente aceitas são infrações ilegítimas da liberdade individual. A previdência social, ou qualquer outro programa governamental obrigatório, é um dos seus principais exemplos: se um homem consciente decide viver o dia de hoje, usar seus recursos para usufruir o presente, escolhendo viver livremente uma velhice mais penosa, com que direito nós o impedimos disso”? Por outro lado John Locke (1632-1704 apud SANDEO, 2015, p. 136), grande defensor dos direitos de propriedade e da limitação dos poderes do governo, não está de acordo com a noção de propriedade ilimitada de nós mesmos pois, “ ele repudia a ideia de que podemos dispor da nossa vida, da nossa liberdade como quisermos”. Diferentemente da teoria utilitarista, que foca na maximização da felicidade do maior número de pessoas possível, a teoria libertária, busca a maximização da felicidade do indivíduo com a legitimação da sua liberdade individual, que lhe garante o direito de permanecer com o seu dinheiro, fruto do seu esforço ou herança. A maximização da felicidade para os libertários, portanto, é a garantia da interferência mínima do Estado, de modo que o indivíduo seja realmente livre para manifestar suas próprias e verdadeiras escolhas. 4. CONCLUSÃO O imposto sobre a renda quando taxado progressivamente, como ocorre no Brasil, compeli quem tem um maior capital, pagar mais imposto em detrimento de quem tem um menor capital. A lógica justifica-se numa tentativa de reequilibrar a renda, fazendo sua redistribuição da forma como o Estado entendeu ser a mais justa para as pessoas que vivem em sociedade. A redistribuição da renda, por vias do imposto progressivo sobre a renda, é uma necessidade do Estado, já que eventual igualdade na taxação, cumulada ao fato da riqueza estar nas mãos de uma pequena parcela da sociedade Brasileira, limitaria o acesso de determinados Brasileiros (os mais pobres) aos direitos e garantias fundamentais do Estado, preconizados pela constituição, ficando abandonados à própria sorte. A teoria libertária, por sua vez, ao defender os interesses individuais em detrimento aos interesses coletivos, o faz considerando a necessidade de se respeitar a liberdade do cidadão. Entretanto, Kant (1785 apud Sandeo, 2015, p. 138), ainda que um grande defensor da teoria libertária, apresenta uma interessante ressalva acerca da real concepção de liberdade. “Contudo, a concepção de liberdade que ele defende vai muito além da liberdade de escolha que praticamos quando compramos ou vendemos mercadorias no mercado. O que consideramos liberdade de mercado ou escolha do consumidor não é a verdadeira liberdade, Segundo Kant, porque envolve simplesmente a satisfação de desejos que não escolhemos”. Ressalvados os princípios da capacidade contributiva e do mínimo existencial, conforme expressamente fixados no Brasil, não há que se considerar injusto a taxação progressiva sobre a renda. Isso porque, o indivíduo rico possui, basicamente, duas formas de gastar sua fortuna, uma delas é o pagamento de impostos e a outra é consumindo. Desse modo, afirmar que é injusto o fato do rico pagar mais imposto, ao argumento de que ele tem que ser livre para utilizar o seu dinheiro da forma como pretender, na verdade, está cada vez mais, aprisionando-o ao mercado de consumo, tornando-o prisioneiro de seus apetites e desejos individuais. “Dessa forma se explicam as expressivas dimensões da proteção do consumidor que despontaram no Brasil com a Lei 8.078/90, diante do avanço da supracitada sociedade de consumi, caracterizados pela explosão da oferta de produtos e serviços disponibilizados no mercado, através de incontáveis meios de comunicação atuando na persuasão do consumidor, que se encontrava completa e absolutamente desprotegido, vulnerável entre os abusos dos fornecedores, estes detentores do poder econômico e, consequentemente, do controle da situação, expressado inclusive pelas dificuldades impostas para o consumidor ter acesso à justiça”. (GRINOVER et al., 1999, p.6). Sabe-se que no mercado de consumo atual, as empresas não produzem mais sob demandas individuais e de forma a saciar os interesses de um ou poucos determinados indivíduos, mas sim, de forma a produzirem em série, cada vez em maior escala, para sanarem os interesses e necessidades das próprias empresas, que precisam cada dia atingir a maior coletividade possível de consumidores, visando vender mais e mais, para se sustentarem no mercado de consumo. Logo, seja pagando mais impostos, seja consumindo, o individuo não está agindo realmente de forma livre, está agindo conforme uma obrigação legal (legislação do Imposto de renda), ou em razão de fortes campanhas publicitárias.  Por outro lado, deixar a cargo do rico a forma e o momento que escolher para ajudar ao pobre, apresenta-se de forma extremamente subjetiva que, conforme explanação de Piketti (2015, p.489), não mostra-se eficaz e nem mesmo razoável. “De maneira geral, é surpreendente constatar como os que se opunham à progressividade, nítida maioria entre as elites econômicas e financeiras na França da Belle Époque, utilizavam sempre, não sem uma dose de má-fé, o argumento de que a França é naturalmente igualitária e que não teria, assim, qualquer necessidade de imposto progressivo”. Daí a necessidade da intervenção do Estado, legitimando a questão dos impostos, sobretudo da implementação da tabela progressiva do imposto sobre a renda. O imposto sobre a renda, pode ser entendido como a contribuição do individuo à sociedade na qual viver e a progressividade do imposto, suportada pelo mais rico, possui papel central na redução da desigualdade social, sendo que, a partir da redução desta desigualdade, permite-se aos cidadãos, em coletividade, de forma soberana e democrática, beneficiarem-se de projetos comuns, tais como: moradia, educação, saúde, aposentadoria, emprego, desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente, livre iniciativa, entre outros. Fato é que sem os impostos o Brasil ou qualquer outro País não teriam condições de desenvolver a sociedade, bem como conferir dignidade aos seus cidadãos, conforme já explicitados alhures. Portanto, se por um lado, não é possível afirmar que a adoção de determinada medida garantirá a maximização da felicidade pois, “as pessoas tem visões diferentes da finalidade empírica da felicidade e em que ela consiste” (KANT, 1785 apud SANDEO, 2015, p. 171), por outro lado, a teoria utilitarista aproxima os melhores argumentos quanto ao imposto progressivo sobre a renda, para a sua caracterização como uma forma justa de redistribuição da renda. Isso porque, a busca pelo bem-estar social, devem estar acima dos interesses exclusivamente pessoais e individuais traçados pela teoria Libertária e, seguindo nessa linha, o imposto progressivo sobre a renda, em nada se confunde com restrição de direitos à liberdade do indivíduo, na medida em que o objetivo é harmonizar a liberdade de cada indivíduo (rico) com a liberdade de todos os demais indivíduos (pobres) da sociedade.
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Inadmissibilidade de retenção tributária do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza realizada por Associações que gerenciem Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União
Os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União, quando constituídos como associação, não tem obrigação legal de proceder à retenção do ISSQN. Estas entidades não podem ter sua responsabilidade tributária na qualidade de substituto. Devido aos institutos jurídicos da autopoiese e da alopoiese, não é adequado um regime tributário que extraia sua validade do Princípio do In Dubio Pro Fisco.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo demonstrar que não existe obrigação legal para que os Planos de Saúde do Poder Judiciário da União – constituídos de forma societária como associação – figurem como substitutos tributários nas retenções do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. A hipótese surgiu quando o autor realizou análise sobre a Prestação de Contas do Exercício Financeiro de 2012, na qualidade de Contador, do Pró-Saúde – Programa de Saúde dos servidores e magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Será defendida a desnecessidade jurídica da retenção tributária pois esta prática pode implicar em aumento dos custos pra o Programa de Saúde; há desobrigação legal para a voluntariedade de figurar como substitutos tributários, no Distrito Federal, em virtude da discricionariedade do Secretário de Estado da Fazenda; e por inexistir este tipo, sui generis, do serviço prestado por estes Programas, no rol exaustivo da Lei Complementar Nº 116/2003 e do Decreto GDF Nº 25.508/2005. Mister se faz esclarecer que as despesas do Pró-Saúde são custeadas por recursos originários da Lei Orçamentária Anual e por recursos próprios, sendo estes advindos de contribuições dos servidores e magistrados. Sobre as despesas custeadas com recursos da LOA, a retenção do ISSQN é feita em função de convênio existente entre a União Federal e o Distrito Federal. No que concerne às despesas custeadas com recursos próprios, é que se encontra o cerne da questão sobre a qual este artigo debruça-se sem ter a pretensão de esgotar o tema. A fim de evitar confusão patrimonial entre os recursos advindos da LOA e os próprios, na gênese de constituição do Programa de Saúde, a Administração Superior do TJDFT optou pela constituição de uma associação para a gestão dos recursos próprios. Esta decisão permitiu o surgimento de um tipo societário que não pode figurar como substituto tributário, conforme será demonstrado a seguir. 1. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA POR MEIO DO INSTITUTO DA SUBSTITUIÇÃO A Lei Complementar Nº 116, de 31 de julho de 2003, em seu artigo 5º afirma que “o contribuinte do ISSQN é o prestador do serviço”. O mesmo diploma legal, em seu artigo 6º, dispõe sobre a responsabilidade de tal tributo da seguinte forma: “Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.” (grifos nossos) O Decreto GDF Nº 25.508/2005, que regulamenta o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza no Distrito Federal, prevê a possibilidade de designação de “substituto tributário” do ISSQN, desde que o mesmo faça parte de rol aprovado pelo Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal. A este respeito, cabe a citação dos parágrafos 4º, 5º e 6º, Art. 8º: “§ 4º A implementação do regime, em relação às pessoas listadas nos incisos do caput, exceto no caso do inciso VIII, far-se-á por ato do Secretário de Estado de Fazenda, independentemente da vontade dos contribuintes envolvidos, observado o seguinte: I – poderá ser feita em relação a determinado serviço; II – dar-se-á mediante habilitação, por categoria de contribuintes ou individualmente. § 5º Enquanto não implementado, na forma do parágrafo anterior, o regime relativamente a categoria ou contribuinte individualmente, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto devido é do prestador de serviço. § 6º O Secretário de Estado de Fazenda suspenderá a habilitação do contribuinte substituto que descumprir as obrigações estabelecidas na legislação, sem prejuízo das demais sanções cabíveis”. (grifos nossos) Atualmente, o ato administrativo, emanado do Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal, em que consta o rol de substitutos tributários do ISSQN é a Portaria Nº 89, de 06 de maio de 2013, complementada pelas suas alterações posteriores (inclusão de novos substitutos). Em tal portaria não consta o nome de nenhum dos programas de saúde dos servidores e magistrados do Poder Judiciário da União, constituídos mediante uma associação. Logo, depreende-se a impossibilidade legal de que um destes programas – associação privada – faça a retenção do ISSQN sem um ato declaratório daquela autoridade distrital, bem como, não emerge uma obrigação acessória para se voluntariar à responsabilização por substituição tributária. Necessário se faz asseverar que o ato de vontade daquela autoridade distrital ocorrerá independentemente da vontade dos contribuintes ou substitutos envolvidos. É impositivo mencionar que na portaria supracitada existem vários hospitais, clínicas e laboratórios que são credenciados juntos aos Programas supracitados com habilitação para agirem como substitutos tributários. Desta forma, é crível que os mesmos sejam contribuintes e façam suas retenções. Assim, impende-se o seguinte questionamento: “Existe alguma vantagem, para algum destes planos, em assumir este ônus perante o Fisco Distrital?”. A resposta a tal questionamento é “não”. Não há vantagens, mas, sobretudo riscos. Quanto a esta possibilidade de retenção, não se poderia provocar a autoridade do Fisco Distrital sem o risco de se incorrer em bis in idem – fenômeno do Direito Tributário em que o mesmo ente tributante cobra do mesmo contribuinte sobre o mesmo fato gerador. Este risco seria maior em uma possível fase futura de transição inicial. Convém exemplificar: admitindo-se hipoteticamente que um hospital já tivesse retido e recolhido o ISSQN ao DF (principalmente em uma fase de transição inicial), a associação, com autorização para figurar como substituto tributário, sem ter conhecimento da retenção feita pelo credenciado, faz a retenção e recolhimento novamente. Neste momento, o bis in idem estaria configurado. Não consta dos diplomas legais referenciados a obrigatoriedade de que as associações (ou determinados responsáveis tributários) voluntariem-se para a qualidade de substituto tributário, muito menos, que a não voluntariedade implicará em assunção do crédito tributário. Ao contrário, o que emerge da hermenêutica integradora do parágrafo 4º com o 5º, do artigo 8º, do Decreto GDF Nº 25.508/2005 é que a implementação do regime de substituição tributária dar-se-á por ato discricionário do Secretário de Estado da Fazenda Distrital, nas seguintes situações numerus clausus: em relação a determinado serviço; ou mediante habilitação, por categoria de contribuinte ou individualmente. Ou seja, a habilitação do contribuinte é umas das formas que a autoridade fazendária pode utilizar para a implementação do regime de substituição tributária.  Reitera-se que não há obrigatoriedade para se voluntariar ao regime de substituição tributária. O parágrafo 5º corrobora com tal premissa ao estabelecer que “enquanto este regime não seja implementado, a responsabilidade pelo pagamento do tributo é do prestador do serviço”. Mais uma vez, a legislação deixa clara que a responsabilidade pelo pagamento do tributo, enquanto este regime não for implementado, não é do eventual substituto, mas do efetivo prestador do serviço – no caso em tela o credenciado (hospitais e clínicas). Em outro giro, quando uma associação sem fins lucrativos presta serviços aos seus associados, não há incidência do tributo. No entanto, quando os serviços são prestados pelos associados – como em uma associação médica – a outrem, há a hipótese de incidência tributária. No caso do Pró-Saúde, os serviços médicos não são prestados pelos associados (servidores e magistrados do TJDFT), mas pela rede credenciada, a qual incorre, diretamente, no fato gerador do tributo. Marçal Justen Filho (1985) defende que a Constituição Federal previu a hipótese de incidência do ISSQN como a prestação de um esforço físico-intelectual produtor de utilidade, material ou imaterial, sem caracterizar uma relação empregatícia. Logo, a tributação não deve recair sobre o serviço em si considerado, de forma estanque, mas sobre a sua prestação. Ademais, para a constituição do crédito tributário e da obrigação de pagar o tributo (seja contribuinte ou substituto tributário), ainda restam, dentre outras ações, a verificação da ocorrência do fato gerador desta obrigação e a identificação do sujeito passivo. É o que se extrai do artigo 142 do Código Tributário Nacional: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Sobre o fato gerador, Hugo de Brito Machado (1996) assevera que o mesmo deve está contemplado na Lista anexa à Lei Complementar Nº 116/2003. No mesmo sentido, Sérgio Pinto Martins (2014) advoga no sentido de que não tem importância o nome dado, pelo contribuinte, ao serviço. Para este autor, a questão preponderante reside na prestação em si. Aires Fernandino Barreto (2003) vai ao encontro dos ensinamentos de Machado e Martins, ao lecionar que “o desempenho da atividade economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade para outrem, sob o regime de direito privado, com fito de remuneração, não compreendido na competência de outra esfera de governo, constitui o serviço tributável”. Do todo exposto, verifica-se, por meio de uma interpretação conjunta do artigo 142 do CTN com os parágrafos 4º, 5º e 6º, do artigo 8º do Decreto GDF Nº 25.508/2005 (Regulamento do ISSQN), bem como, com artigo 5º da Lei Complementar Nº 116, de 31 de julho de 2003, que uma associação, sem estar constituída como substituta tributária, não pode reter o tributo em epígrafe. A hermenêutica conjunta destes dispositivos legais leva às seguintes premissas: os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União não praticam o fato gerador da obrigação principal; e nem foram declarados substitutos da responsabilidade (por ato discricionário do Secretário de Estado da Fazenda do Distrito Federal). Estas premissas coadunam-se com a seguinte conclusão lógica: no que concerne à prestação de serviços médicos, constantes do item 4 da Lista de Serviços relacionada no Anexo I do Regulamento do ISSQN do DF, bem como, da Lista anexa à Lei Complementar Nº 116/2003, não se deve cogitar que exista obrigação de retenção, na qualidade de substituto tributário, para aquelas sociedades associativas. Desta forma, caso, a Lei Distrital contemplasse hipótese não guarnecida pela Lei Complementar, estar-se-ia diante de violação ao Princípio da Legalidade Tributária previsto no art. 150 do diploma constitucional. 2. SOBRE A IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE CLASSIFICAÇÃO DOS PROGRAMAS DE AUTOGESTÃO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES E MAGISTRADOS DO PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO COMO OPERADOR OU ADMINISTRADOR DE PLANO DE SAÚDE Apesar da Lei Nº 9.656/1998, em seu Art. 1º, II, conceituar as associações civis de autogestão como Operadora de Plano de Assistência à Saúde, os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde e Benefícios Sociais não se enquadram nesta definição quando se busca uma exegese com outras normas, com vistas a contemplar, stricto sensu, estes Programas, no que concerne aos seus recursos próprios: “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) I – Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;” (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (grifos nossos) Em complemento, a Resolução Normativa ANS Nº 137/2006 prevê a possibilidade de enquadramento das Operadoras no seu inciso II do artigo 2º: “Art. 2º Para efeito desta resolução, define-se como operadora de planos privados de assistência à saúde na modalidade de autogestão: II – a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos que, vinculada à entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, opera plano privado de assistência à saúde exclusivamente aos seguintes beneficiários: (Redação dada pela RN nº 148, de 2007). a) empregados e servidores públicos ativos da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007). b) empregados e servidores públicos aposentados da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007). c) ex-empregados e ex-servidores públicos da entidade pública patrocinadora; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007). d) pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 148, de 2007). e) sócios ou associados da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão; (Redação dada pela RN nº 355, de 2014) f) empregados e ex-empregados, administradores e ex-administradores da entidade privada patrocinadora ou mantenedora da entidade de autogestão; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011)  g) empregados, ex-empregados, administradores e ex-administradores da própria entidade de autogestão; (Incluído pela RN nº 148, de 2007). h) aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à própria entidade de autogestão ou a sua entidade patrocinadora ou mantenedora; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011) i)pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 272, de 20/10/2011) j) grupo familiar até o quarto grau de parentesco consangüíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade, criança ou adolescente sob guarda ou tutela, curatelado, cônjuge ou companheiro dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; (Redação dada pela RN nº 355, de 2014) k) as pessoas previstas nas alíneas "e", "f", "h", "i"e "j" vinculadas ao instituidor desde que este também seja patrocinador ou mantenedor da entidade de autogestão”; ou (Acrescentado pela RN nº 272, de 20/10/2011) (grifos nossos) Concomitantemente, o mesmo ato administrativo conceitua as figuras do instituidor, do mantenedor e do patrocinador, nos incisos I, II e III do artigo 12: “Art. 12 Para efeito desta resolução, considera-se: I – instituidor: a pessoa jurídica de direito privado, com ou sem fins econômicos, que cria a entidade de autogestão; II – mantenedor: a pessoa jurídica de direito privado que garante os riscos referidos no caput do art. 5º mediante a celebração de termo de garantia com a entidade de autogestão; e III – patrocinador: a instituição pública ou privada que participa, total ou parcialmente, do custeio do plano privado de assistência à saúde e de outras despesas relativas à sua execução e administração.” (grifos nossos) Por meio de uma interpretação literal, o Programa em comento poderia figurar como Operador e tendo o órgão do Poder Judiciário da União como patrocinador. No entanto, no caso específico destes Programas, há que se buscar uma hermenêutica integradora e sistêmica, entre os artigos 2º e 12 desta Resolução com o parágrafo único deste mesmo artigo 12: “Parágrafo Único. Os instituidores e patrocinadores deverão guardar [relação] com o objeto do estatuto da entidade de autogestão, [bem como] deverão guardar [correlação] entre si, quanto ao seu ramo de atividade.” (Acrescentado pela RN nº 272, de 20/10/2011) (grifos nossos)  Para se chegar a esta hermenêutica, antes tem que se trilhar o caminho da interpretação literal. Ao adstringir-se ao vocábulo “relação”, extrai-se do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3ª. ed., Ed. Positivo, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, os seguintes significados: referência; ligação; vinculação; operação que determina a agregação ou a conexão de dois objetos. No mesmo compêndio de verbetes, o vocábulo “correlação” designa “uma dependência entre as funções de distribuição de duas ou mais variáveis aleatórias, em que a ocorrência de um valor de uma das variáveis favorece a ocorrência dum conjunto de valores das outras variáveis”. Por esta interpretação gramatical, verifica-se que o patrocinador (TJDFT) deverá estar conectado ao objeto do estatuto da entidade de autogestão (Pró-Saúde) – o quê de fato ocorre -, ao mesmo tempo, aquele órgão público e esta associação deverão ter “ramos de atividades” interligados e dependentes – fato que não ocorre. Destarte a melhor exegese destes diplomas legais, verifica-se que o TJDFT, apesar de “guardar relação com o objeto do estatuto da entidade de autogestão” – assistência à saúde dos servidores e magistrados -, não guarda qualquer “correlação com o ramo de atividade” do Pró-Saúde. Senão vejamos: o TJDFT tem como “ramo de atividade”, prevista na sua missão, o seguinte:  “proporcionar à sociedade do Distrito Federal e dos Territórios o acesso à Justiça e a resolução dos conflitos por meio de um atendimento de qualidade, promovendo a paz social”. (grifos nossos) Desta forma, conclui-se que o “ramo de atividade” do TJDFT é a prestação jurisdicional, através do monopólio estatal da interpretação do direito. O Pró-Saúde, segundo o artigo 1º do seu Regulamento Geral, tem como finalidade o seguinte: “oferecer aos magistrados, servidores do TJDFT e respectivos dependentes, um sistema de serviços e benefícios sociais capaz de proporcionar aos mesmos a manutenção de níveis elevados de saúde física e mental, favoráveis ao pleno exercício de suas atribuições e responsabilidades.” (grifos nossos) Neste ponto, verifica-se que o “ramo de atividade” deste Programa é a assistência social aos servidores e magistrados. Logo se constata que as duas entidades não guardam correlação entre seus ramos de atividades, não podendo, assim, ser atribuída pela ANS (ou pelo Fisco), ao Pró-Saúde, uma classificação como Operadora na modalidade de Autogestão. Isto decorre da ausência de previsão normativa nos próprios diplomas legais daquela Agência Reguladora. Desta forma, o Pró-Saúde não encontra definição legal na Lei Nº 9.656/1998, bem como, no ato administrativo que a regula – a Resolução Normativa Nº 137, de 14 de novembro de 2006 e suas alterações posteriores, bem como, não pode figurar como Operadora de Plano de Saúde. Com apoio no brocardo “in dubio pro Fisco”, poder-se-á argumentar a incidência para os Programas de Autogestão, como responsáveis por substituição tributária, com supedâneo no Art. 8º, III, do Decreto GDF Nº 25.508/2005, in verbis: “Art. 8º Fica atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto cujo local da prestação do serviço situe-se no Distrito Federal, àqueles a seguir discriminados, vinculados ao fato gerador na condição de contratante, fonte pagadora ou intermediário: (NR)… III – às administradoras de planos de saúde, de medicina de grupo, de títulos de capitalização e de previdência privada”; (grifos nossos) Necessário se faz deixar registrado que este dispositivo encontra-se na Subseção I, Seção II, Capítulo V – “Da Responsabilidade por Substituição Tributária”, no entanto, novamente, a interpretação sistêmica se faz necessário com o amparo de outros dispositivos normativos. No caso em tela, a Resolução Normativa ANS RN Nº 196, de 14 de julho de 2009, em seu Art. 2º, traz o conceito deste tipo de sociedade, o qual coloca luz a quem adentra pelo negrume do Princípio do In Dubio Pro Fisco: “Art. 2º Considera-se Administradora de Benefícios a pessoa jurídica que propõe a contratação de plano coletivo na condição de estipulante ou que presta serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos, desenvolvendo ao menos uma das seguintes atividades: I – promover a reunião de pessoas jurídicas contratantes na forma do artigo 23 da RN nº 195, de 14 de julho de 2009. II – contratar plano privado de assistência à saúde coletivo, na condição de estipulante, a ser disponibilizado para as pessoas jurídicas legitimadas para contratar; III – oferecimento de planos para associados das pessoas jurídicas contratantes; IV – apoio técnico na discussão de aspectos operacionais, tais como: a) negociação de reajuste; b) aplicação de mecanismos de regulação pela operadora de plano de saúde; e c) alteração de rede assistencial.” O caput deste Art. 2º, por si só já exclui os Programas de Autogestão, pois eles não contratam planos coletivos nem prestam serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados; quem figura como parte nos contratos administrativos é o órgão (TJDFT), a fim de assegurar os recursos originários da Lei Orçamentária Anual. 3. SOBRE A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Coaduna-se com a impossibilidade dos Programas de Autogestão supracitados figurarem como responsáveis, através do regime de substituição tributária, a interpretação sistêmica do artigo 5º da Lei Complementar retro em conjunto com o artigo 6º do mesmo diploma legal: “Art. 5º Contribuinte é o prestador do serviço. Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. § 1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte. § 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis: I – o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.” (grifos nossos) Por estes dispositivos legais, para que os Programas de Autogestão viessem a ter responsabilidade tributária na retenção do tributo em comento, o serviço deveria ser proveniente do exterior do Brasil ou ter sua prestação iniciado-se em outro país, bem como, os serviços prestados a estes Programas, pelos hospitais, clínicas e laboratórios, deveriam estar no rol numerus clausus do inciso II do parágrafo segundo retro, os quais são os seguintes: “Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. 3.05 – Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário. 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 7.04 – Demolição. 7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 7.09 – Varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer. 7.10 – Limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres. 7.12 – Controle e tratamento de efluentes de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos. 7.14 – (VETADO) 7.15 – (VETADO) 7.16 – Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres. 7.17 – Escoramento, contenção de encostas e serviços congêneres. 7.19 – Acompanhamento e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo. 11.02 – Vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas. 17.05 – Fornecimento de mão-de-obra, mesmo em caráter temporário, inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço. 17.10 – Planejamento, organização e administração de feiras, exposições, congressos e congêneres. Mister se faz asseverar que o Poder Executivo do Distrito Federal realizou a “cópia perfeita” do inciso II do parágrafo segundo do artigo 6º da Lei Complementar Federal Nº 116/2003, no inciso II do artigo 9º, bem como no Anexo I, do seu Decreto Nº 25.508, de 19 de janeiro de 2005. Sobre a taxatividade da lista de serviços, ao tratar sobre o tema na competência municipal, sobre a aplicação da Lei Complementar supra, são pertinentes, mutatis mutandis, as lições dos mestres Bernardo Ribeiro de Moraes (1995), Ives Gandra da Silva Martins (1976) e Carlos Medeiros Silva (1993): “Sobre a taxatividade da lista de serviços, assim se manifesta Bernardo Ribeiro de Moraes: "A expressão "definidos em lei complementar" esclarece que o instrumento competente para definir os serviços que serão alcançados pelo ISSQN é unicamente a lei complementar, instrumento jurídico de hierarquia intermediária entre a constituição e a lei ordinária. … Na elaboração da lei complementar, ensina Ives Gandra da Silva Martins, "a União empresta apenas seu aparelho legislativo, como o faz para a elaboração das emendas à Constituição" (O ISS e a competência Municipal expressa no artigo 24, item II, da Emenda Constitucional nº 1/69 in, LTR., 18:109-11, 1976 -Suplemento Tributário). Somente mediante lei complementar é que se pode definir os serviços tributados pelo ISSQN, ficando os municípios na dependência de tal escolha pelo legislador complementar, para que, posteriormente, legisle sobre a matéria. … A lei municipal, afirma Carlos Medeiros Silva, "não poderá fazer incidir o imposto sobre o serviço não especificado" por lei complementar (Parecer, in RF, v. 243, p. 243, p.44). A competência tributária dos Municípios, em relação ao ISSQN, é complementada pela lista de serviços baixada por lei complementar. Em razão do objeto do imposto, não será serviço alcançável pelo ISSQN, qualquer bem imaterial, mas, sim, será alcançável o bem imaterial escolhido pelo legislador" (Curso de Direito Tributário, volume 2, 1993, edições CEJUP, p. 288/289) Assim, verifica-se a impossibilidade legal de que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União venham a ter responsabilidade tributária sobre a retenção ou o recolhimento do ISSQN, pois o serviço prestado aos seus beneficiários (magistrados e servidores) não se adequa a nenhum dos que constam no rol exaustivo legal. 4. CONCLUSÃO Os Programas de Saúde, como o Pró-Saúde do TJDFT, são constituídos como sociedade civil de direito privado – Associação – e estão, apenas, vinculados (e não subordinados) aos órgãos do Poder Judiciário da União. Assim, quando pagam aos credenciados (hospitais e clínicas) com recursos privados (cuja origem não advém da Lei Orçamentária Anual), não devem guardar, em suas retenções tributárias do ISSQN, as mesmas regras daquelas praticadas por aqueles órgãos públicos (pessoas jurídicas de direito público), os quais por meio de convênio existente entre a União Federal e o Governo do Distrito Federal realizam as retenções em epígrafe com fulcro no Art. 8º, VIII, do Decreto GDF Nº 25.508/2005, in verbis: “Art. 8º Fica atribuída a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto cujo local da prestação do serviço situe-se no Distrito Federal, àqueles a seguir discriminados, vinculados ao fato gerador na condição de contratante, fonte pagadora ou intermediário: (NR) VIII – aos órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta;” No mesmo sentido, é possível constatar que não há definição legal na Lei Nº 9.656/1998, bem como, no ato administrativo que a regula – Resolução Normativa ANS Nº 137, de 14 de novembro de 2006 e suas alterações posteriores -, sobre a inclusão dos Programas de Saúde como Operador (ou Administrador) na Modalidade de Autogestão, nem há nenhum dispositivo legal ou jurisprudencial que possa estabelecer, do ponto de vista da retenção tributária do ISS, a obrigatoriedade da mesma.       Sobre o rol exaustivo, ao considerar a taxatividade que emerge das Listas de Serviços da Lei Complementar Nº 116/2003 e do Decreto Nº 25.508/2005, verifica-se que não há serviço destas Listas em que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União possam figurar como tomador do serviço e (ao mesmo tempo) incidir na responsabilidade tributária constante do parágrafo segundo do Art. 6º da Lei Complementar Nº116/2003.  Ao pautar-se pelo Princípio do In Dubio Pro Fisco, o direito tributário torna-se fechado em uma interpretação desprovida de uma construção jurídica que pratique o diálogo das fontes com outros ramos da ciência jurídica. No caso em epígrafe, com o direito civil e o administrativo. Nas didáticas lições de Marcelo Neves (1992), é uma estrutura construída no fenônemo da autopoiese. Para que o direito evolua, por meio da alopoiese, para além de um de seus ramos, Neves assevera que o direito não pode estruturar-se fechado em legislações ou em seus princípios, mas aberto para todos os seus ramos e para outras ciências.  Por todo o exposto, a conclusão que emerge é que os Programas de Autogestão de Assistência à Saúde dos Servidores e Magistrados do Poder Judiciário da União não são obrigados a proceder às retenções em epígrafe, quando constituídos como associação. Admitir-se o contrário seria enveredar por um regime de exceção tributário, o qual extrairia a sua validade, apenas, de uma principiologia que não se estrutura fora do fenômeno autopoiético.
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Natureza jurídica das imunidades tributárias: uma abordagem à luz da doutrina e do direito positivo pátrios
O presente artigo, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, trata da natureza jurídica das imunidades tributárias, objetivando melhor compreensão sobre o assunto. Para atender às exigências da sociedade, o Estado necessita de recursos, cuja fonte prioritária reside na arrecadação de tributos. Não obstante, a história tem demonstrado que é preciso limitar a atuação tributária do Estado, em prol da sociedade, de sorte que, nesse sentindo, ganha relevo a aplicação a norma imunizadora. A significação do vocábulo “imunidade” é: ser ou estar livre de, dispensado de, resguardado de ou contra,  isento, incólume, liberado. A natureza jurídica do instituto das imunidades tributárias é algo não pacífico na doutrina, a qual se divide entendendo-o como princípio constitucional, como supressão ou exclusão de competência tributária, como hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada ou, ainda, como limitação constitucional ao poder de tributar.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo cuida da natureza jurídica das imunidades tributárias à luz da doutrina e do Direito Positivo Pátrios. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, objetivando melhor compreensão sobre o assunto. Encontra justificativa na importância do estudo para o entendimento do fenômeno das imunidades tributárias como um todo, bem assim para uma eficaz atuação na seara tributária, seja como profissional do direito, docente ou colaborador do fisco. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para atender às exigências da sociedade, o Estado necessita de recursos, cuja fonte prioritária reside na arrecadação de tributos. Porém, a história tem demonstrado que é preciso limitar a atuação tributária do Estado, em prol da sociedade. A palavra imunidade, em sua acepção etimológica, brota do latim immunitas, immunitatis, com a derivação immunitate, vindo ao português como “immunidade”, que a reforma ortográfica luso-brasileira reduziu para “imunidade”. A significação do vocábulo é: ser ou estar livre de, dispensado de, resguardado de ou contra, isento, incólume, liberado[1]. Os estudos relativos ao preceito constitucional imunizante remontam, segundo Marcello Martins Motta Filho[2], aos conflitos surgidos nos Estados Unidos da América, entre a União e os Estados, em que célebres decisões pronunciadas pela Corte Suprema daquele país ensejaram a construção jurisprudencial sobre o tema. Aliomar Baleeiro[3] afirma que foi a experiência norte-americana ocorrida em 1819 que serviu de inspiração ao nosso legislador constituinte de 1891. Entretanto, apesar da relativa contemporaneidade do desprendimento de maiores atenções ao estudo da imunidade, a administração da capacidade de tributar e de não tributar é um dos mais antigos instrumentos para a distinção de pessoas e atividades[4]. Na antiguidade a imunidade evidenciava-se uma “benesse” injustamente distribuída, ligada apenas a conteúdo político afeto aos interesses de poucos. A tributação era excessiva e as exonerações sem motivação idônea, pelo que o povo reagiu. Por conta das agitações populares, a partir de meados do século XVIII, excitadas com o advento do Liberalismo e, posteriormente, consolizadoras deste, estabelece-se uma    democratização das     imunidades[5],       as quais deixam de representar privilégios para passarem a traduzir garantias de bem comum. Hodiernamente, tomando por base nosso Direito Positivo Pátrio, as imunidades apresentam-se, salvo melhor juízo, como elementos severamente teleológicos, homenageando princípios constitucionais dotados de alta carga axiológica. “A imunidade nasce em decorrência do resguardo de determinados valores da sociedade, inclusive inseridos em princípios constitucionais. Por isso, algumas idéias, padrões, valores sociais aceitos ou mantidos, tais como: políticos, educacionais, sociais, econômicos e culturais de grande relevância para a sociedade, são o suporte das normas imunizantes. É certo que toda essa valoração normalmente decorre de um momento relevante dentro do contexto histórico” [6]. No Brasil, a primeira explicitação de espécie de imunidade foi a imunidade recíproca, na Constituição de 1891[7]. Daí por diante, gradativamente o instrumento de exoneração tributária foi sendo aperfeiçoado, chegando aos traços atualmente exibidos na Constituição de 1988, os quais, diga-se, caracterizam de forma ímpar o trato da matéria, desconhecendo-se caso semelhante no Direito Comparado [8]. 2. NATUREZA JURÍDICA DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS 2.1 A imunidade tributária como limitação constitucional ao poder de tributar A natureza jurídica do instituto das imunidades tributárias é algo dissenso na doutrina. Vittorio Cassone[9]expõe que “a imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar”. O mesmo posicionamento é albergado por Kiyoshi Harada[10] e por Gilberto de Ulhôa Canto[11], o qual assevera que a imunidade constitui-se numa típica limitação à competência tributária que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sofrem por força da Carta Maior. Hugo de Brito Machado[12] narra: “[…] é o obstáculo decorrente de regra da Constituição […]. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência”. Em sentido contrário, Regina Helena Costa[13] expõe que “não resta dúvida de que limitar o poder de tributar constitua um dos efeitos da norma imunizante, pelo quê, só por essa razão, revela-se inadequado assim defini-la”. Segundo a autora, “a afirmação segundo a qual a imunidade tributária é limitação constitucional ao poder de tributar é absolutamente vaga, já que a expressão abriga outras categorias jurídicas que com ela não se confundem”. Paulo de Barros Carvalho, em tom mais rígido, também recusa a definição de imunidade como limitação constitucional ao poder de tributar [14]. 2.2 A imunidade como “exclusão” ou “supressão” da competência tributária Vários doutrinadores, a exemplo de Aliomar Baleeiro[15], precursor do Direito Tributário no Brasil, têm a imunidade tributária como uma limitação no sentido de exclusão ou supressão da competência de tributar, proveniente da Constituição. Porém, para Paulo de Barros Carvalho[16] e Regina Helena Costa[17], que ressalta embasada naquele: “[…] sustentar que a norma imunizante é uma ‘exclusão’ ou ‘supressão’ da competência tributária significa admitir a preexistência, ou maior velocidade, das normas que outorgam a competência tributária em relação à norma imunizante, como se ambas não atuassem em sincronia, ferindo, desse modo, o princípio da simultaneidade da dinâmica normativa”. No mesmo sentido, posiciona-se Aécio Pereira Júnior[18]. 2.3 A imunidade tributária como princípio constitucional Essa percepção é a defendida por Bernardo Ribeiro de Moraes[19], para quem a imunidade é um principio constitucional de vedação impositiva. De encontro a tal posição, Regina Helena Costa[20] pondera que as imunidades e os princípios constitucionais tributários aproximam-se, mas que os princípios com as imunidades não se confundem. E explica que, diferentemente das imunidades, normas de função negativa aplicáveis a situações especificas e perfeitamente identificáveis na Constituição, os princípios jurídicos são normas embasantes de um sistema, diretrizes positivas tipificadas pelo forte conteúdo axiológico e alto grau de generalidade e abstração. A ilustre autora ainda arremata contribuindo de forma interessante e inovadora para a doutrina pátria, expondo sua visão das imunidades como manifestação de um princípio que ela denomina de princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais por via de tributação. 2.4 A imunidade tributária como “hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada” Na lição de Amílcar de Araújo Falcão[21], a imunidade exibe-se como sendo uma forma qualificada ou especial de não-incidência. Entre outros, seguem essa mesma linha de raciocínio Pontes Miranda[22], José Souto Maior Borges[23], Ruy Barbosa Nogueira[24], Luciano Amaro[25], Ricardo Cunha Chimenti[26], Antônio Lazarin[27], Zelmo Denari[28] e Sacha Calmon Navarro Coêlho[29], os quais também pretendem seja a imunidade tributária entendida como hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada. Bernardo Ribeiro de Moraes[30] e Paulo de Barros Carvalho [31]refutam tal conceito acerca das imunidades tributárias. No mesmo sentido destes, posiciona-se Regina Helena Costa[32]. O principal argumento explicitado pelos autores retro citados, para embase da postura repelente, repousa na impossibilidade, segundo estes, de ligar-se o fenômeno da incidência às normas de imunidade, visto que institutos estes caracterizados por regras jurídicas de diferente natureza, a saber, respectivamente, regras de comportamento e regras de estrutura. A incidência “é a realização do suporte fático da norma jurídica pela conduta pertinente” [33]. É o acontecimento, na vida real, de um fato previsto em lei, tornando- se, então, fato jurídico. Nesse momento ocorre a concreção ou subsunção[34]. Desse modo, para Regina Helena Costa[35], “descabido atrelar-se ao fenômeno da incidência as normas imunizantes, que, como regras de estrutura que são, não incidem sobre fatos”. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado, para a manutenção de suas atividades, necessita de recursos, cuja fonte primeira é a arrecadação de tributos. Porém, da mesma forma que a cobrança de tributos visa a colaborar para a organização da sociedade, com vistas ao bem comum, em alguns casos, para o alcance desse bem, determinadas situações, pessoas ou coisas devem ser resguardadas sob o manto das normas imunizantes e, por conseguinte, exoneradas da tributação. O vocábulo imunidade deriva do latim immunitas e tem o significado de: ser ou estar livre de, dispensado de, resguardado de ou contra, isento, incólume, liberado. Não é novo o fenômeno da imunidade. Entretanto, na antiguidade o instituto comportava-se como uma “benesse” injusta, ligada apenas a conteúdo político afeto aos interesses de poucos, dispensando considerações de valores sociais, culturais e políticos da população como um todo. Hodiernamente, tomando por base nosso Direito Positivo Pátrio, as imunidades apresentam-se estribadas em considerações orientadas em função das idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, exibindo- se assim, salvo melhor juízo, como elementos severamente teleológicos, homenageando princípios constitucionais dotados de alta carga axiológica. O trato constitucional das imunidades tributárias, tal qual presente em nosso Direito Positivo Pátrio, é fato ímpar no Direito Comparado. São dissensos na doutrina os entendimentos acerca da natureza jurídica das imunidades tributárias. Nem todos os autores aventuram-se a um conceito mais detalhado, ou, ainda, a um aprofundamento no estudo. Vittorio Cassone e outros entendem que a imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar. Nesse sentido Hugo de Brito Machado aduz que a imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição, o qual impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. Vários doutrinadores, a exemplo de Aliomar Baleeiro, têm a imunidade tributária como uma limitação no sentido de exclusão ou supressão da competência de tributar, proveniente da Constituição. Para Bernardo Ribeiro de Moraes, a imunidade é um principio constitucional de vedação impositiva. Regina Helena Costa, inovando na doutrina pátria, expõe sua visão das imunidades como manifestação de um princípio que ela denomina de princípio da não-obstância do exercício dos direitos fundamentais por via de tributação. Na lição de Amílcar de Araújo Falcão, seguido por inúmeros outros doutrinadores, a imunidade exibe-se como sendo uma forma qualificada ou especial de não-incidência. Pretendem seja a imunidade tributária entendida como hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada.
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Carga tributária sobre a cesta básica no Brasil
Discorre-se, neste trabalho, acerca do mecanismo tributário brasileiro. Demonstra-se o que significa a carga tributária e sua histórica e atual no cenário nacional e internacional. A partir desta noção básica, desenha-se a carga tributária incidente sobre os contribuintes brasileiros sob uma ótica crítica, especialmente na cesta básica. E, ao final, sugerem-se propostas e soluções acerca do tema, tal qual a desoneração da tributação sobre os alimentos básicos.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO “A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte”. (Ministro Celso de Mello, STF, ADI 2.551-MC-QO, julgada em 20/04/06) Hodiernamente, a preocupação com uma vida digna tem se mostrado cada vez mais relevante no cenário político-jurídico do Brasil. É crescente a necessidade da criação de mecanismos que garantam de modo eficaz o exercício dos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988. Destarte, este trabalho tem como objetivo adentrar no aspecto da carga tributária nacional, com foco específico na cesta básica. Este tema é objeto de discussões tanto no âmbito nacional, como internacional. Polemizado e controvertido por doutores, mestres, estudantes, ou seja, operadores do Direito em geral, haja vista a sua presença diária na vida dos seres sociais. 2. O ESTADO E A TRIBUTAÇÃO O surgimento do Estado decorreu da necessidade humana de viver em grupo. Para a manutenção da vida social é necessário um conjunto de normas que disciplinem as relações interpessoais, sob pena de tornar-se impossível uma convivência pacífica, para tanto a criação de uma figura que pusesse ordem e temeridade no seio social foi imprescindível. Nasce o Estado. No entanto, como toda máquina, o Estado necessita de meios de funcionamento, instrumentos de efetivação de sua atividade, formas de prestar serviços públicos. Isso tudo é muito dispendioso. Deste modo, foi vital para o Estado a criação de mecanismos de arrecadação de riquezas para executar as suas funções básicas, proporcionar aos seus nacionais o mínimo de dignidade, prestando serviços de saúde, educação, saneamento básico, entre tantos outros. A arrecadação tributária se mostrou o meio mais eficaz de captação de receita pública, os tributos se tornaram a grande e inesgotável fonte de riqueza estatal, sem os quais não poderia o Estado prover a si próprio, nem suprir as necessidades elementares da sociedade. Neste sentido, faz-se mister colacionar a posição do respeitável José Eduardo Soares de Melo[i]: “A cobrança de tributos se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais insertos no art. 3º da Constituição Federal, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, tendente à redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem-estar da coletividade”. É importante frisar, neste momento, que quanto maior o Estado, ou seja, quanto mais interferência ele tiver sobre a vida privada e sob a prestação de serviços públicos, maior será o seu gasto e, por conseguinte, maior será a sua necessidade de arrecadação. Sobre esta amplitude do Estado, discorrer-se-á adiante. Portanto, o Estado não subsiste sem a tributação, seja ela modesta ou em larga escala. O que é contestável, por outro lado, é a contraprestação estatal diante da carga tributária imposta aos contribuintes. É notória a necessidade de uma relação razoável e proporcional nas relações entre a Administração Pública e seus administrados, como disposto expressamente na Carta Magna de 1988 em seu artigo 37, caput, e não desvia desta regra a relação tributária entre o Fisco e os contribuintes. A discrepância entre a prestação de serviços públicos de um modo geral e a arrecadação tributária deve ser mínima sob pena de se tornar impraticável a vida social. Deste modo, percebe-se que a relação entre o Estado e a tributação é indissociável, sendo a arrecadação tributária o combustível que impulsiona a máquina estatal, permitindo que sejam prestados os serviços públicos essenciais de modo a satisfazer a demanda social, resguardando os princípios gerais constitucionalmente garantidos. 3. O PODER DE TRIBUTAR Para exercer uma atividade que invada a esfera patrimonial do contribuinte, o Estado precisa estabelecer uma relação de poder, limitada pelas normas de direito, portanto se tornando mais conveniente se falar em uma relação jurídica, conforme entendimento do professor Hugo de Brito Machado[ii]: “Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora seu fundamento seja a soberania do Estado”. Destarte o Estado, através da sua soberania, embasado pelo interesse coletivo em detrimento do particular, busca no patrimônio do contribuinte a satisfação da receita que precisa para se manter. É importante frisar que o poder de tributar, como todos os poderes existentes no ordenamento jurídico brasileiro, não se pautam na arbitrariedade e do autoritarismo, pois, segundo a Constituição do Brasil no parágrafo único do artigo 1º, reza que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Deste modo, não há que se falar em imposição forçada pelo Estado, mas sim em consentimento da sociedade. Esta anuência por vezes não se mostra muito clara, tanto que os contribuintes se alvoroçam em meio a majorações exorbitantes nos tributos, não se atendo a realidade de que nada tem a ver o poder de tributar exercido pelo Estado com a falta de congruência dos “representantes do povo” com os princípios que regem a atividade pública. Ocorre que a juridicidade da relação tributária relativiza o Poder estatal de modo que não existe a possibilidade de discricionariedade do Estado no exercício da tributação, neste ponto cita-se o ilustre mestre Ricardo Lobo Torres[iii] acerca da relação jurídica tributária: “Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelo sistema de princípios da segurança jurídica. Todas essas características fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrente dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.” Portanto, parece mais oportuno falar que a relação existente na tributação em sua essência é de Poder, quando torna compulsória a prestação tributária e invade os cofres particulares para encher os públicos, impondo a sua soberania, bem como se regula por normas de Direito, ladeada por princípios constitucionalmente albergados, o que a torna uma relação jurídica. 4. CARGA TRIBUTÁRIA Sobre carga tributária, busca-se a explanação do professor Aloísio Flávio Ferreira de Almeida[iv], que dita o seguinte: “O conceito de Carga Tributária Bruta refere-se à relação entre o montante total da receita de natureza tributária, arrecadada em determinado período, e o Produto Interno Bruto nesse mesmo período. Procurando atingir a definição econômica mais ampla, considerou-se no cálculo da carga tributária, além dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses de categorias profissionais e econômicas, e, por fim, as contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço[v].” Portanto, depreende-se que a carga tributária, também chamada de carga fiscal, é o conjunto da arrecadação de todos os tributos cobrados pelo Estado, em um definido lapso temporal, relacionada ao Produto Interno Bruto (PIB) desse ínterim. 5. CARGA TRIBUTÁRIA NO CENÁRIO INTERNACIONAL Embora se tenha uma diversidade imensa de sociedades no mundo, é notória a utilização massiva do sistema tributário para a sustentação financeira do Estado, do governo e das políticas governamentais. No entanto, por vezes, o que se difere nestas sociedades são os tipos de cobrança, o emprego da receita estatal e o retorno dos benefícios ao contribuinte, ou seja, o indivíduo que se encontra inserido em tal sociedade. Em algumas, o sistema é mais simplório e visa apenas a manutenção básica dos mecanismos estatais, sem quaisquer excessos e cobranças exorbitantes, porém, como a arrecadação é baixa, não há tanto retorno a sociedade, que deve dispor de meios próprios para determinados serviços, como saúde, educação e lazer. Já em outros países, a carga tributária é mais alta, um maior volume de arrecadação que se reverte em melhorias, benefícios à sociedade contribuinte, com a prestação de escolas públicas de qualidade, áreas de lazer, entre outros. Entretanto, há um tipo de sistema tributário que apregoa altos tributos e, no entanto, não são perceptíveis as benfeitorias estatais. Tal fenômeno é atribuído principalmente aos países emergentes devido à alta corrupção por parte dos governantes, independendo-se se uma legislação tributária eficaz, mas sim da carência de observância dos princípios administrativos, como a moralidade e eficiência, para o desenvolvimento de políticas sérias e comprometidas com os entes sociais. Sobre a matéria inserimos as boas observações do ex-secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid[vi], insertas no texto do jornalista Gustavo Patu: “Vamos discutir o tamanho do Estado? É um bom debate, discutir o tamanho do Estado. Às vezes eu vejo: “Todo tributo é ruim”. Tá, então vamos fazer o quê? O Estado vai viver de quê? Vamos baixar [a carga tributária]? Com a desigualdade de renda que tem neste país? Uma desigualdade muito forte de renda que tem neste país, por exemplo, de outros países aqui citados. Temos que ver. Suécia: a carga é de 50%, o Estado oferece tudo. Estados Unidos: a carga é menor, o cidadão paga tudo”. 6. CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL Evidencia-se no Brasil, como típico país emergente, uma carga tributária dissonante da contraprestação de serviços públicos. Em 2015, a carga fiscal brasileira chegou a 36,27% do PIB, segundo as informações do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário[vii] (IBTP). No entanto, é clara a desigualdade social no país, a miséria, a fome, o analfabetismo e a criminalidade. Em 2015, cada brasileiro trabalhou 151 dias somente para pagar os impostos7. Tais números ensejam uma reflexão crítica do ponto de vista ético e humanístico, onde se percebe claramente a inversão dos papéis, em vez de o Estado servir ao indivíduo, o indivíduo se torna quase um escravo do Estado, por meio de uma tributação astronômica e descabida, sendo que ainda nem se nota o retorno à sociedade. Para corroborar, estes dados escandalosamente absurdos, insere-se neste trabalho um trecho escrito pelo ilustre Senador da República Francisco Dornelles[viii], com base em dados do IBPT: “Ao acordar e acender uma luz, o brasileiro está pagando de impostos, sem saber, cerca de 46% de sua conta de energia. No café da manhã, os impostos equivalem a 36% do preço do café, 40% do preço do açúcar e 35% do preço do biscoito. Mesmo com incentivos para a cesta básica, os impostos ainda comem 18% do preço da carne e do feijão e 35% do preço do macarrão. Se usa o telefone, paga 40% da conta em impostos. Para o lazer, na compra de uma TV, 38% do preço vai para o fisco”. Se, entretanto, fosse notória a diminuição das desigualdades sociais, do desemprego, da miséria, da fome, seria de justo motivo a cobrança, tendo em vista que a sociedade proporia, através da arrecadação fiscal, meio de desenvolvimento de si própria, trazendo benefícios de um modo geral. Porém, o que se nota é o aumento de tais fatores sociais, mostrando que essa receita auferida concentra-se na estrutura governamental e nos patrimônios dos que a compõem, tornando totalmente injusto e vil esta prática abusiva. Mesmo arrecadando em níveis elevados, o Estado brasileiro na proporciona ao contribuinte o mínimo de dignidade. Reproduz-se a brilhante opinião do professor Hugo de Brito Machado[ix]: “Além de bastante elevada nossa carga tributária é crescente. A cada dia se eleva um tributo ou se cria tributo novo e a arrecadação, assim, tem batido sucessivos recordes. Não obstante não há dinheiro para obras importantes. As estradas, especialmente no Nordeste, estão sem a necessária manutenção, praticamente destruídas. O sistema penitenciário superlotado. As universidades federais minguando, enquanto cresce a olhos vistos o sistema de ensino superior particular. Parece que os recursos arrecadados são utilizados apenas para o pagamento de juros, ou escorrem pelo ralo da corrupção”. Nesse contexto, é espantosa a inércia social. Envolta por uma demagogia que cega a sociedade, onde “partidas de futebol” são suficientes para manter os antolhos que não permitem que sejam vistas as discrepâncias sociais. O povo brasileiro é um mero instrumento manipulado, alienado para manutenção do sistema atual, que tanto lhe massacra. 7. CARGA TRIBUTÁRIA INCIDENTE SOBRE A CESTA BÁSICA Desde a sua produção até a chegada na mesa do consumidor final, os produtos integrantes da cesta básicas são incididos por inúmeros tributos. Essa carga fiscal demanda do Estado a necessidade de uma grande máquina fiscalizadora e arrecadadora, configurando a criação de uma estrutura fiscal rígida e extremamente burocrática. Segundo uma matéria veiculada no site do Impostômetro[x] em 05/07/2016, a cesta básica, que serve de parâmetro de consumo para as famílias mais pobres, carrega quase 22% de impostos. Alguns exemplos de alimentos da cesta básica e seus respectivos percentuais de tributos incidentes sobre o preço final: Achocolatado: 38,06%; Açúcar: 30,60%; Arroz: 17,24%; Biscoito: 37,30%; Carne Bovina: 23,99%; Farinha de Trigo: 17,34%; Feijão: 17,24%; Frango: 26,80%; Iogurte: 33,06%; Macarrão: 16,30%; Leite em Pó: 28,17%; Amido de Milho: 33,87%; Margarina: 35,98%; Óleo de Cozinha: 22,79%; Ovos de Galinha: 20,59%; Pão Francês: 16,86%; Verduras: 19,98%[xi]. Impende constatar como é distribuída essa carga tributária incidente sobre a alimentação da seguinte forma[xii]: ICMS: 43,6%; Previdência e FGTS: 21,6%; Outros impostos menos subsídios: 16,7%; Outros tributos: 13,6%; e Imposto de Renda: 4,7%. Desde a produção no campo, passando pela industrialização, até chegar a mesa do cidadão, os alimentos são bombardeados de uma infinidade de tributos incidentes direta e indiretamente. Especialmente a cesta básica, é predominantemente tributada indiretamente, como se percebe pela figura acima, o imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços, haja vista a impossibilidade de o consumidor deslocar-se até o bem a ser consumido, mas sim o fluxo inverso, é o que mais onera o preço final. É importante demonstrar que conforme as pesquisas do DIEESE, o salário mínimo, para que o brasileiro vivesse com uma qualidade de vida digna, seria de R$ 3.992,75. O atual é de R$ 880,00. Agora, pergunta-se: Como um cidadão que recebe um salário mínimo tem condições de manter uma família em condições minimamente dignas de sobrevivência com esta quantia? Mágica! Segundo a Lei Maior do Estado brasileiro, todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência” (Art.7º, IV, CFRB). Crê-se que o atual salário nacional nem de longe corresponde ao anseio do legislador constituinte originário. 8. CONCLUSÃO Diante dessa alarmante realidade brasileira, percebe-se que a sociedade urge por uma reforma tributária, que sonha com um Estado que proporcione uma vida digna aos que nela se inserem. A busca da moralidade administrativa de representantes que efetivamente busquem o interesse público e não os seus próprios anseios. Devem ser expurgados os excessos cometidos pela legislação tributária carente de uma reforma eficaz que ainda privilegia a manutenção de uma máquina estatal, exageradamente dispendiosas ao contribuinte, sem que se tenha a real aferição dos proveitos que deveriam ser prestados pelo Estado. A arrecadação deve ser proporcional a prestação estatal. Ou o Estado é máximo, ou ele é mínimo. Não pode haver uma arrecadação de um país que oferece tudo, num Brasil que não oferece quase nada. Cumpre demonstrar, através das palavras de Gustavo Patu[xiii], que o Brasil precisa de uma renovação na sua estrutura tributária, para viabilizar as relações comerciais, as transferências de conhecimento e principalmente a erradicação da pobreza e da fome: “Vem de longe a crença nacional na reforma tributária. Políticos e empresários, direita e esquerda, todos apoiam a ideia de um projeto capaz de, ao mesmo tempo, reduzir a carga sobre quem paga demais e manter ou até elevar a arrecadação do governo; um novo ordenamento jurídico que eliminaria o excesso de impostos e atrairia para a legalidade uma multidão de biscateiros, contrabandistas, empresas de fundo de quintal e grandes sonegadores.” Encerra-se, este trabalho, com a esperança que a sociedade mobilize-se em favor de si mesma, que saia às ruas e ruja por uma justiça tributária. Vislumbra-se um país mais igual, onde a consciência política do povo e dos representantes dele vise o bem-estar social coletivo. Por fim, repete-se uma frase do brilhante jornalista Gustavo Patu[xiv]:  “Se o corte de impostos pode – não há garantia – trazer crescimento econômico e benefícios gerais, os prejudicados pelos cortes de gastos têm nome, sobrenome, endereço e título de eleitor”.
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Regime de importação de aplicativos para smartphones
O presente artigo tem como intenção discutir como vai acontecer a importação de aplicativos para smartphones, abordando o conceito de intangível, tratando das informações que devem ser prestadas a Receita Federal e discutindo quais impostos vão incidir nesta operação de importação.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Brasil alcançou em 2016 a marca de 244 milhões de dispositivos móveis ligados a internet, deste total 168 milhões são smartphones[1], os aparelhos móveis inteligentes fazem parte do nosso cotidiano, movimentam um mercado bilionário e possuem uma cadeia produtiva enorme, contudo, diferente de outros produtos industrializados, tão importante quanto seus componentes físicos – circuitos, bateria, tela de cristal líquido, câmera, etc – são seus componentes intangíveis, ou como nós popularmente os conhecemos, aplicativos. Da mesma forma que os insumos físicos que compõem os smartphones os aplicativos também possuem suas peculiaridades de produção e em muitos casos são importados pelos fabricantes para produção dos telefones, desta forma o presente artigo tem o objetivo de definir em linhas gerais como é feito o controle aduaneiro na importação dos aplicativos para smartphones no Brasil. 1. INTANGÍVEL, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA Por se tratar de software, o aplicativo para celular é um bem intangível visto que não possui uma natureza corpórea da mesma forma que um veículo automotor ou um aparelho de televisão, mas, a sua comercialização acarreta variação no patrimônio dos envolvidos, assim, por definição legal, o software, possui a natureza jurídica de direito autoral, conforme podemos inferir no artigo 1º da lei 9.609 de 1998. “Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.” Por se tratar de intangível o aplicativo de celular em regra não é considerado mercadoria e desta forma seu regime de importação será diferente, o caput do artigo 25 da lei 12.546/11 assim como a Instrução Normativa nº 1277 de 2012 da Receita Federal estabelecem a obrigação dos residentes no Brasil de prestar informações no que tenha relação a importação e exportação de intangíveis. “Art. 25. (lei 12.546/11) É instituída a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.” “Art. 1º (I.N. 1277/12) Fica instituída a obrigação de prestar informações relativas às transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.” 2. O QUE É CONTROLE ADUANEIRO O controle aduaneiro é exercido nos territórios dos Estados desde tempos antigos, onde, o poder dominante começou a policiar suas fronteiras fiscalizando ali todo o trânsito de pessoas, mercadorias e dinheiro. “A atividade aduaneira possui estreita vinculação com a comercialização de mercadorias entre diferentes territórios, observada até mesmo em antigas civilizações. A vigilância das fronteiras do território (cidade-estado, reino, império, feudo, tribo), com o controle do tráfego externo de mercadorias, refletia o poder do ente controlador do território e era exercido por alguma espécie de autoridade aduaneira.” (FERNANDES, 2015) Desta forma muito se engana aquele que pensa ser a atividade exercida pela aduana apenas mais uma forma do Estado tributar a atividade econômica, a função da aduana é bem mais ampla, vai englobar o controle, a arrecadação e a função de penalizar aqueles que desrespeitarem as regras de funcionamento da aduana. A aduana surge como reflexo da soberania que todo Estado possui de controlar as suas fronteiras, tudo poderá ser fiscalizado pela aduana, reflexo do principio da universalidade do controle aduaneiro, no nosso caso, expresso no artigo 543 do Regulamento Aduaneiro. “…a defesa e vigilância de nossas fronteiras econômicas reduz-se em última instância à defesa da soberania e da fronteira física. É pelas zonas primárias e zonas de vigilância aduaneira que o olhar atento do funcionário pode detectar a entrada e saída de mercadorias em fraude a lei e a política de comercio exterior, de armamentos clandestinos para o terrorismo, de material impróprio ao consumo, à saúde pública, aos padrões morais da sociedade e lesivo ao erário e às nossas reservas cambiais.” (LENCE, 2001) Como já trabalhamos até aqui, vimos que a aduana tem como uma de suas funções controlar a entrada e saída de mercadorias de um determinado pais, assim, é importante para o nosso estudo destacar que no caso de intangíveis ou de prestação de serviços não existirá a materialidade que possui uma mercadoria usada como insumo industrial por exemplo, a atividade aduaneira não é restrita ao controle primário (portos, aeroportos e pontos de controle em fronteiras), o controle aduaneiro vai atuar também em zonas secundárias e é este ponto que o controle que vai atingir a prestação de serviços e a compra de intangíveis. Geralmente as aquisições de aplicativos são feitas via download eletrônico e ativadas mediante licenças que são adquiridas também pela via eletrônica, assim, se estabelece a principal diferença no controle aduaneiro destas operações visto que não vai existir a entrada física de uma mercadoria pela zona primária, a fiscalização nestes casos vai acontecer em momento posterior a compra tendo em vista as peculiaridades observando as regras do SISCOSERV que passaremos a estudar. 3. SISCOSERV O inciso I do artigo 25 da lei 12.546 define que ficará a cargo do MDIC estabelecer como será feita a prestação das informações relativas as operações de importação envolvendo intangíveis. “Art. 25. É instituída a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados. § 1o A prestação das informações de que trata o caput deste artigo: I – será estabelecida na forma, no prazo e nas condições definidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; “  O mesmo artigo 25 da referida lei juntamente com a disposição do artigo 1º da instrução normativa 1277 da Receita Federal determinam que tal prestação de informações deverá ocorrer por meio eletrônico, desta forma por meio de ato cooperativo entre o MDIC e o Ministério da Fazenda foi criado o SISCOSERV, um sistema pelo qual os contribuintes residentes no Brasil, pessoas físicas ou jurídicas e a administração pública, vão utilizar para informar operações de compra e venda no exterior de intangíveis e serviços. Os contribuintes deverão observar a Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – NBS, instituída pelo decreto 7.708 de 2012 no momento de declarar as operações de importação dos aplicativos. As informações a serem prestadas são as relativas as transações entre residentes e domiciliados no Brasil e residentes e domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variação no patrimônio das pessoas físicas, jurídicas ou entes despersonalizados. O SISCOSERV é compostos por dois módulos, venda e aquisição. O módulo venda (exportação) existe para o registro de prestação de serviços, venda de intangíveis e outros casos que produzam variação no patrimônio quando as operações de venda são realizadas por residentes no Brasil para o exterior. Já o módulo aquisição (importação) é o contrário, nele são registrados as operações de prestação de serviços, compra de intangíveis, e outras situações que produzam variação patrimonial em situações que a aquisição é feita do exterior por residentes no Brasil. Importante destacar que os serviços de frete, seguro e de agentes externos, bem como demais serviços relacionados às operações de comércio exterior de bens e mercadorias, serão objeto de registro no SISCOSERV, por não serem incorporados a bens e mercadorias. Estão previstos no módulo aquisição do SISCOSERV, constante da portaria conjunta RFB/SCS nº 1.908/2012 , art. 3º , II, os seguintes registros: “a) Registro de Aquisição de Serviços (RAS): contém dados referentes à aquisição, por residente ou domiciliado no País, de serviços, intangíveis ou outras operações que produzam variações no patrimônio, de residente ou domiciliado no exterior;  b) Registro de Pagamento (RP): contém dados referentes ao pagamento relativo à aquisição objeto de prévio RAS.” O registro de pagamento (RP) será complementar a RAS e deve indicar os dados relativos a forma como ocorreu o pagamento da operação relatada no registro de aquisição, o RP deve conter a data do pagamento, o valor (expresso na moeda informada no RAS) e se for o caso o valor pago com recurso mantido no exterior. O prazo para a entrega da RAS é o do último dia útil do mês subsequente que houver ocorrido a o inicio da prestação de serviço, a compra do intangível ou a variação patrimonial, da mesma forma o prazo de entrega da RP é o do último dia útil do mês subsequente ao pagamento nos casos em que o sujeito passivo realiza o pagamento após a prestação do serviço ou aquisição do intangível. Se houver antecipação do pagamento o prazo é até o último dia útil do mês seguinte ao registro da RAS. O sujeito passivo que não observar a obrigatoriedade de prestar informações ao SISCOSERV ou prestá-las com inexatidão nas situações tratadas aqui será intimado a prestar esclarecimentos em prazo estipulado pela Receita Federal e estará sujeito a multa. 4. IMPOSTOS QUE INCIDEM NA OPERAÇÃO Quando falamos de propriedade intelectual, caso dos aplicativos, vamos ter em regra a incidência de IRRF (pagamento a pessoa domiciliada no exterior), CIDE, ISS, PIS, COFINS e IOF nas seguintes alíquotas: “- PIS (Lei 10.865/04), 1,65%; – COFINS (Lei 10.865/04), 7,6%; – ISS (Lei Complementar 116/03), 5%; – IOF, devido na liquidação da operação de câmbio para pagamento da importação de serviços, 0,38%; – IRRF, incide nas operações de importação de intangíveis tem como alíquota geral 15%. Nos termos do art. 2º-A da Lei nº 10.168 de 2000; – CIDE (lei 10.168/00), 10%, somente nos casos em que envolver transferência de tecnologia, art. 2, §1ª da referida lei”. Estes tributos acima relacionados são aplicados nos casos de importação de aplicativos (intangíveis) feitos por encomenda, personalizados, quando tratamos de aplicativos utilizados em larga escala vamos nos deparar com uma situação um pouco deferente.  No que se refere a programas de computador existem os chamados software de prateleira, conceito presente na jurisprudência e mais evidente na ADI 1945 julgada no STF em 2010, que são programas produzidos em larga escala de maneira uniforme e colocados no mercado para aquisição por qualquer interessado sob a forma de cópias múltiplas, como o windows por exemplo, na importação destes softwares via download não vai haver a incidência de PIS/Cofins importação, e do IRRF como evidente nas consultas realizadas junto a Receita Federal do Brasil. “SOFTWARES DE PRATELEIRA. DOWNLOAD. REMESSA AO EXTERIOR. INCIDÊNCIA. A remessa ao exterior em pagamento pela aquisição de softwares de prateleira obtidos através de download na rede mundial de computadores não está sujeita à incidência de IRRF. “(Solução de Consulta nº 149 de 05 de Agosto de 2013) “A aquisição de programa de computador na modalidade “software” de prateleira desenvolvido e comercializado no exterior e obtido através de “download” na rede mundial de computadores não constitui fato gerador do PIS/Importação e da Cofins/Importação”. (Solução de Consulta nº 149 de 05 de Agosto de 2013) Da mesma forma, como não existe entrada de mercadoria no território brasileiro, não existe materialidade, a aquisição é feita via download eletrônico, não há incidência de imposto de importação por não estar caracterizado o fato gerador, que seria a entrada física, como descrito no artigo 72 da lei 6.759/09 e evidente na posição da Receita Federal. “SOFTWARES DE PRATELEIRA. DOWNLOAD. FATO GERADOR. A aquisição de programa de computador na modalidade software de prateleira desenvolvido e comercializado no exterior e obtido através de download na rede mundial de computadores não constitui fato gerador do II.” (Solução de Consulta nº 149 de 05 de Agosto de 2013) A questão é que muitos aplicativos para celular também podem ser considerados software de prateleira, visto que não são personalizados, são aplicados em larga escala nos smartphones e podem ser obtidos mediante download na internet, da mesma forma que o Windows ou o Office que estão presentes na maioria dos computadores fabricados no Brasil (softwares de prateleira) um aplicativo que é importado pela Samsung ou Sony, por exemplo, para compor um telefone pode ser considerado um software de prateleira, e aqui está a discussão. Será estendido aos aplicativos de celular o mesmo entendimento que nos casos dos softwares de prateleira? 5. CONCLUSÃO Acredito ser possível reconhecer aplicativos de celular como software de prateleira, visto que, neste caso não haveria ofensa ao artigo 111 do CTN, vez que a interpretação da legislação tributária para esta operação não está acontecendo por analogia, mas por literalidade. Os aplicativos se encaixam no conceito de software de prateleira fixado pela jurisprudência do STF, e, pela posição quase unanime dos ministros defendendo ser o software de prateleira uma mercadoria independente de haver suporte físico por sua vez também afastaria a cobrança do ISS. Assim a operação de importação de aplicativos para smartphones nessas condições continuaria obrigada a prestar informações ao SISCOSERV, por se tratar de intangível, mas sofreria incidência apenas do IOF (pela remessa de pagamento feita ao exterior), e levando em consideração a posição do STF na ADI 1945 incidiria nesta operação o ICMS importação (a depender da lei de cada estado) e a CIDE caso houvesse transferência de tecnologia.
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Obrigação tributária e seus aspectos legais
O presente artigo visa analisar, de forma breve, a obrigação tributária, seus institutos e aspectos legais, objetivando uma maior compreensão na aplicação da lei tributária às partes envolvidas, o vínculo jurídico existente, as espécies de obrigação bem como seu fato gerador. Será verificada ainda, a responsabilidade de terceiros nessa relação obrigacional, suas características e efeitos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O instituto da obrigação tributária trata-se de um liame jurídico estabelecido entre Estado e Particular, onde aquele amparado pela lei tributária poderá exigir deste uma prestação tributária tanto positiva quanto negativa. Este trabalho consiste no estudo sucinto acerca da obrigação tributária seus aspectos legais, os sujeitos da relação obrigacional, visando dar uma noção básica das suas espécies, classificação, seus elementos e ainda, a análise das características do fato gerador, bem como as principais responsabilidades advindas deste instituto. O Direito Tributário possui natureza obrigacional, ou seja, gira em torno de relações obrigacionais, objetivando, ao final, a aquisição de receitas para o erário. A relação jurídica desta obrigação tributária é objeto essencial do direito tributário, pois sendo este de natureza obrigacional, constitui sempre em um vínculo obrigacional entre o sujeito passivo – Estado, e o sujeito ativo – Contribuinte. A relação estabelecida entre estes sujeitos segue, em princípio, as mesmas regras que regulam as relações obrigacionais entre as pessoas, com sujeito ativo e passivo, causa, objeto e, envolvendo tudo isso, o próprio vínculo jurídico. 1. NOÇÕES GERAIS A obrigação tributária, integrada, originariamente, pelos mesmos elementos de uma obrigação privada, é um vínculo jurídico ligado ao campo das relações do Direito Público, mediante o qual, uma entidade estatal – o fisco federal, estadual ou municipal, na condição de sujeito ativo, e a partir da ocorrência de uma situação prevista em lei ou na legislação tributária – fato gerador, pode exigir de uma pessoa física ou jurídica – sujeito passivo, um determinado objeto, que tanto pode ser um pagamento do tributo ou multa pecuniária, como uma prestação positiva ou negativa – obrigação de fazer ou não fazer, que não constitua pagamento. Segundo o renomado doutrinador Ricardo Alexandre, para se entender os parâmetros da obrigação tributária se faz necessário estudar o instituto de obrigações previsto no Direito Civil, citando Washington de Barros Monteiro, define obrigação como: “Obrigação é uma relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio (ALEXANDRE apud MONTEIRO, p. 289, 2015)”. Na esfera jurídico-tributária também há a relação obrigacional, entre o polo ativo – credor, que pode ser um ente político ou até mesmo uma pessoa jurídica de direito público que tenha recebido atribuições de forma delegada para exercer função pública. No polo passivo estará um particular – devedor de uma obrigação tributária. É importante mencionar que entre credor e devedor existe o elemento objetivo que vinculam as partes, qual seja: uma prestação econômica que pode ser positiva ou negativa. No Direito Civil é conhecida como obrigações de dar, fazer ou deixar de fazer algo. Na relação tributária, também poderá ser definida desta forma (ALEXANDRE, p. 290, 2015): “Pagar tributo ou multa tributária caracteriza-se como uma obrigação de dar (dinheiro); Escriturar livros fiscais e de entregar declarações tributárias são obrigações de fazer; Não rasurar a escrituração fiscal e não receber mercadorias sem os documentos fiscais previstos na legislação são obrigações de deixar de fazer. Pode se aplicar, ainda, uma quarta modalidade; O dever de permitir algo (tolerar que se faça), como seria a obrigação de permitir o acesso da fiscalização a livros, documentos e mercadorias”. Obrigação tributária é um gênero na relação de tributação, possuindo duas espécies, quais sejam: Obrigação principal e Obrigação acessória. Trata, ainda, de uma imposição constitucional, conforme prevê o art. 146, III, “a e b” CF/88, in verbis: Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; 2. DAS ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA Como supramencionado, a obrigação tributária trata de vínculo obrigacional tributário existente entre um ente público, ou fisco, e um particular, derivado da obrigação civil, que tem por elemento objetivo uma prestação que envolve direta ou diretamente um tributo ou multa, bem como deveres instrumentais de fazer ou não fazer em favor alguma coisa em favor do fisco. Ressalta-se que obrigação tributária se diferencia de crédito tributário que é uma obrigação tributária quantificada pelo fisco, ou seja, trata da própria obrigação tributária, nos termos do art. 139, CTN, mas já lançada, titulada e individualizada. O crédito tributário quantifica, valoriza e materializa a obrigação tributária, isto é, determina a quantidade do tributo, mediante o lançamento por autoridade administrativa que é o ato que o constitui, conforme art. 142, CTN. Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. As obrigações principal e acessória estão expressamente previstas no art. 113 e parágrafos, do Código Tributário Nacional, espécies o instituto da obrigação tributária divide-se em, senão vejamos: Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. 2.1. OBRIGAÇÃO PRINCIPAL A obrigação principal surge em razão do fato gerador, seu objetivo final é o pagamento tanto da prestação pecuniária – tributo, ou penalidade pecuniária – multa, prevista no art. 113, §1º, CTN. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. Vale ressaltar que um crédito assim como seus respectivos juros e multas são considerados obrigação tributária principal, vez que para ser uma obrigação tributária principal depende exclusivamente do seu conteúdo pecuniário. Diferente do que é apresentado na esfera civil, onde a coisa acessória segue a principal, pois só esta existe por si, abstrata ou concretamente. Logo, se uma obrigação principal for nula, nula também será a respectiva cláusula penal (multa). A multa é o que o tributo não pode ser, nem por definição legal – uma sanção por ato ilícito. Desta forma, a obrigação de pagar a multa tributária é uma obrigação tributária principal, ou seja, a multa tributária não é tributo, mas a obrigação de pagá-la tem natureza tributária. Em suma, a obrigação tributária principal é caracterizada pelo pagamento, seu objeto principal, tanto do tributo ou da multa tributária, isto é, tal obrigação é sempre de dar – dinheiro, jamais de fazer ou não fazer algo. 2.2. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA A obrigação acessória é caracterizada pelas prestações de cunho positivo ou negativo, ou como são classificadas pelo Direito Civil de obrigações de fazer ou deixar de fazer, previstas no interesse da fiscalização dos tributos ou da arrecadação, nos termos do § 2.º do art. 113 do CTN: Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.[…] § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. É importante frisar que tratam de obrigações simples e instrumentais que viabilizam o cumprimento das obrigações principais – obrigação de dar dinheiro. O art. 14, III, do CTN, traz um exemplo de obrigação acessória, para quem, em circunstâncias normais, não possui obrigações principais, ao menos no que se refere aos impostos sobre patrimônio, renda e serviços (CF, art. 150, VI, c). Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:[…] III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[…] VI – instituir impostos sobre:[…] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; Obrigações acessórias existem com o interesse de fiscalizar ou arrecadar tributos, criadas com a finalidade de facilitar a aplicação da obrigação tributária principal, bem como de possibilitar a comprovação do cumprimento desta fiscalização. Quanto às entidades imunes, as obrigações acessórias existem no interesse da fiscalização e arrecadação de tributos, pois são obrigadas a escriturar livros fiscais para que sejam fiscalizadas e devidamente verificadas, pelo corpo administrativo, se as condições para a fruição da imunidade permanecem presentes. 3. CLASSIFICAÇÕES DO FATO GERADOR A obrigação tributária surge com o fato gerador, assim entendido como a materialização da descrição prévia e normativa (hipótese de incidência). Surge a partir da subsunção tributária – Quando o fato encontra-se à hipótese, à luz do fenômeno da incidência tributária, temos o nascimento do elo que unirá credor ao devedor do tributo. Está ligada ao campo do “dever”, e não à exigibilidade, daí se fala em cumprimento da obrigação tributária (adimplemento) ou não, o que provocará as consequências normais de cobrança do tributo. Cria um ambiente de direitos – pagar o tributo que a lei manda, ou seja, direito de o Estado cobrar só o que a lei manda, e deveres – dever de pagar o tributo. O fato gerador é considerado a situação de fato, previsto na lei tributária de forma genérica e abstrata, ao ocorrer de plano, concretamente, viabiliza a materialização do direito ocorrendo, assim, o nascimento da obrigação tributária, como principal ou acessória, conforme os artigos 114 e 115 do CTN. Possui, ainda, elementos básicos: – A Legalidade, que se refere à exigibilidade do cumprimento do princípio constitucional da legalidade; – A Economicidade, que caracteriza o fenômeno econômico do fato tributário, envolvendo, via de regra, base de cálculo e alíquota do tributo, bem como a capacidade contributiva do sujeito passivo; – Causalidade, que corresponde ao consequente nascimento da obrigação tributária, por meio do efeito caracterizado pelo fato gerador; Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. 3.1. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL O Fato Gerador da Obrigação Principal, conhecido também, como o a situação base de fato, fato imponível, tributável ou hipótese de incidência, é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, ou seja, é um fato concreto que provoca o nascimento das obrigações de pagar um tributo determinado, a saber: – Situação – é um fato ou conjunto de fatos, uma situação jurídica; – Definida em Lei – é matéria de reserva legal. Só lei em sentido estrito pode descrever, definir, situação cuja ocorrência gera obrigação tributária principal; – Necessária – é indispensável que ocorra a situação descrita em lei, para surgir à obrigação tributária; – Suficiente – basta ocorrer o fato previsto em lei para que surja a obrigação tributária principal. O CTN apresenta duas classificações (com base no código civil) para definir o momento em que o fato gerador se reputa perfeito e acabado, quais sejam: – Suspensivas – aquelas que suspendem a eficácia do negócio jurídico a que foram apostas, de forma que a eficácia somente surgirá com o implemento da condição, conforme art. 117, I CTN; – Resolutórias (ou resolutivas) – quando seu implemento tem por efeito resolver (desmanchar, desfazer, dissolver) o negócio jurídico que foi celebrado. Claro que, nessa situação, não há que se falar que o fato gerador ocorre com o implemento da condição, pois este, ao contrário, retira efeito do ato que foi praticado, nos termos do art. 117, II, do CTN. Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio. 3.2. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA O Fato Gerador de Obrigação Acessória é representado por situações que na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal, conforme art. 115 do CTN. É uma situação que pode ser definida pela “legislação tributária”, não apenas pela lei, não é matéria de reserva legal. Do fato de vender mercadorias, podem decorrer duas obrigações: – Obrigação principal – pagar o ICMS; – Obrigação acessória – emitir nota fiscal. Neste contexto, afirma o doutrinador Ricardo Alexandre, que […] nos estritos termos disciplinados pelo CTN, a definição legal da situação que o fato gerador de obrigação principal deve ser feita necessariamente por lei ou ato de igual hierarquia (medida provisória). Já a definição da situação que constitui o fato gerador de obrigação acessória pode ser feita pela legislação tributária (ALEXANDRE, p. 298, 2015). 4. SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO O vínculo obrigacional que vincula um sujeito passivo – devedor, a um sujeito ativo – credor, tendo como objeto uma prestação pecuniária é tratado como elementos subjetivos ou constitutivos da obrigação tributária, ou seja, os sujeitos que figuram nos polos ativo e passivo da relação jurídico-tributária, tendo a competência para exigir o seu adimplemento. – Sujeito ativo – reveste-se de uma série de prerrogativas para o melhor fazer no que tange à cobrança, podendo ser o ente com competência tributária, ou outra pessoa jurídica que recebe deste a delegação de tal atividade. Na Constituição Federal temos que a competência tributária, no caso do Imposto Territorial Rural, pertence à União, mas esta pode repassar a incumbência da gestão (arrecadação e fiscalização) ao Município. Esse fenômeno chama-se delegação da capacidade ativa tributária. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (…) VI – propriedade territorial rural; (…) § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (…) III – será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. Nos arts. 119 e 120 do CTN temos as seguintes disposições: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento. Art. 120. Salvo disposição de lei em contrário, a pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo desmembramento territorial de outra, subroga-se nos direitos desta, cuja legislação tributária aplicará até que entre em vigor a sua própria”. O artigo 120 trata da criação de uma nova pessoa jurídica de direito público oriunda do desmembramento territorial de outra, como, por exemplo, se o município de Campinas se desmembra de São Paulo para se tornar um Estado-membro. Enquanto a Assembleia Legislativa de Campinas não edite legislação tributária própria, Campinas pode se utilizar da legislação de São Paulo (subrogação). – Sujeito passivo – pode ser o sujeito do verbo tributário, como, por exemplo, o prestador de serviços , em se tratando de do Imposto sobre Serviços (ISS), ou outro sujeito vinculado ao verbo tributário, selecionado pela lei como devedor. Temos a figura do contribuinte e a figura do responsável tributário. O contribuinte se sujeita diretamente à obrigação tributária (sujeição direta) e o responsável se sujeita indiretamente (sujeição indireta). No CTN, temos as seguintes previsões: Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto. Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. 5. SOLIDARIEDADE Quando o polo passivo da relação jurídico-tributária é ocupado por mais de um sujeito ocorre uma obrigação solidária, que permite ao fisco a cobrança integral da multa de um só devedor solidário, ou seja, há mais de um credor, ou mais de um devedor concorrendo à obrigação, inclusive responsáveis a receber ou a pagar à dívida toda. Classifica-se em, nos termos do art. 264 do Código Civil: – Solidariedade ativa – quando, no polo ativo da obrigação, existe mais de um credor com direito a receber a dívida toda. – Solidariedade passiva quando, no polo passivo da obrigação, existe mais de um devedor com a obrigação de pagar toda a dívida. “Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. Desta forma, na solidariedade do Direito Civil, o devedor solidário pode indicar bens do devedor principal para que esses bens sejam primeiro executados, isso se denomina benefício de ordem, isto é, o direito de se exigir que a cobrança da dívida seja feita com observância de uma sequência. Na solidariedade tributária não se admite o benefício de ordem. No CTN a disciplina da solidariedade apresenta-se da seguinte maneira: “Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem. Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;” São considerados efeitos da solidariedade (ALEXANDRE, p.315, 2015): – O pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; – A isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; – A interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais. 6. CAPACIDADE TRIBUTÁRIA A capacidade tributária passiva é a aptidão para ser sujeito passivo, independe da capacidade civil, podendo até mesmo um absolutamente incapaz, devidamente representado, para as relações privadas ser sujeito passivo de uma relação tributária. Assim prevê o art. 126 do CTN: “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.” Em suma, […] somente as coisas, os animais e os mortos não têm capacidade tributária passiva (ALEXANDRE apud ALEXANDRINO, p.319, 2015). Em se tratando de pessoa jurídica, a capacidade tributária passiva independe de esta estar regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional. Diferente das pessoas físicas, que existem como tal desde o nascimento, possuindo o registro natureza apenas declaratória, as pessoas jurídicas existem como tal somente a partir do registro dos seus atos constitutivos no órgão competente. Por outro lado, a capacidade tributária ativa é exercida por terceiro, competência delegada por lei, para arrecadar o tributo em nome e por conta da pessoa política tributante ou para arrecadá-lo, visando implementar suas atividades. Entretanto, se diferencia da competência tributária, que é indelegável até mesmo por meio de lei. 7. DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO O local em que se vive é uma situação fática chamada residência, o local em que se responde por obrigações é uma situação jurídica denominada domicílio. No campo tributário, quem escolhe o domicílio é o contribuinte, por isso denominado domicílio tributário por eleição. Trata-se, na verdade, de regra de territorialidade, v.g. para efeito da legislação do ITR, o domicílio tributário do próprio contribuinte ou seu responsável, podendo ser pessoa física ou jurídica, inclusive imune e isento, é o município de localização do imóvel rural, vedada a eleição de qualquer outro. O Código Tributário Nacional, dispõe no art. 127, determina as circunstâncias onde o contribuinte não elege seu domicílio: Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal: I – quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade; II – quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento; III – quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante. § 1º Quando não couber a aplicação das regras fixadas em qualquer dos incisos deste artigo, considerar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação. § 2º A autoridade administrativa pode recusar o domicílio eleito, quando impossibilite ou dificulte a arrecadação ou a fiscalização do tributo, aplicando-se então a regra do parágrafo anterior. Caso haja recusa legítima, deve ser seguida a mesma sequência de regras a serem observadas no caso de falta de eleição do domicílio pelo sujeito passivo. De acordo com o Código tributário nacional, não feita a eleição pelo contribuinte – ou não aceito o domicílio por ele eleito, aplicam-se as seguintes regras (ALEXANDRE, p. 322, 2015): – Quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade; – Quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais (estas denominadas “empresários” pelo Código Civil de 2002), o lugar de sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento; – Quanto às pessoas jurídicas de direito público, quaisquer de suas repartições no território da entidade tributante. 8. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA A imposição da responsabilidade tributária a terceiro não será presumida ou implícita, decorrerá, necessariamente, de dispositivo do CTN ou da legislação ordinária que assim determine. A lei que estabelece a obrigação do contribuinte também impõe a responsabilidade tributária, esta responsabilidade pressupõe duas normas autônomas, sendo a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. O Código Tributário Nacional estabelece em seu art. 128 que: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” O referido dispositivo permite apenas que seja atribuída pelo legislador a responsabilidade tributária a terceiro que esteja vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. Isso porque o responsável tributário não integra a relação contributiva. É sujeito passivo da obrigação própria do Fisco, cumprindo deveres que facilitam a fiscalização ou que impedem o inadimplemento. Só no caso de descumprimento da sua obrigação de colaboração é que assume a posição de garante, passando, então, à posição de responsável pela satisfação do crédito tributário. A responsabilidade tributária classifica-se como: – Responsabilidade por transferência, alteração do contribuinte atual para o responsável tributário, decorre de um evento posterior à ocorrência do fato gerador. A responsabilidade por transferência é assim denominada, uma vez que devido a um evento posterior à ocorrência do fato gerador, a responsabilidade é transferida para algum sucessor. – Substituição tributária ou por transferência tributária – a sujeição passiva do responsável surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador, recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei. Antes de ocorrido o fato gerador já se sabe que quem arcará com o ônus financeiro do tributo não será o sujeito do verbo tributário, eis aqui a figura da substituição tributária. Há, no entanto, dois casos de responsabilidade por substituição que merecem uma análise mais detida. São os casos da substituição tributária regressiva – “para trás”, antecedente, e da substituição tributária progressiva – “para frente”, subsequente. – Substituição tributária regressiva trata do pagamento dos tributos incidentes numa etapa do ciclo econômico e suportados numa etapa posterior, como as montadoras de automóveis que respondem pelos tributos de seus fornecedores. – Substituição tributária para frente, conhecida também como progressiva ou subsequente ocorre nos casos em que as pessoas ocupantes das posições posteriores das cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições diversas neste contexto. 10. RESPONSABILIDADE TRIBUTÀRIA DOS SUCESSORES Prevista nos arts. 129 a 133 do CTN, esta responsabilidade, se verifica quando há transferência, por ato que envolva negócios ou por força de lei, de direitos e obrigações no campo tributável, vinculando terceiros que não sejam originalmente sujeitos de determinada relação jurídica com o fisco, mas de alguma forma foram inseridos por seu antecessor. Uma sujeição passiva indireta por transferência, vez que a obrigação tributária nasce em relação à pessoa do contribuinte. O sucessor responderá pelos tributos devidos pelo antecessor, estando o crédito tributário definitivamente constituído, ou em curso de constituição quando as dívidas fiscais estavam sendo apuradas ou lançadas no momento da sucessão, ou ainda no caso de ser constituído posteriormente à sucessão. “Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data. Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”. A sucessão tributária pode ser classificada em: – Adquirente ou remitente de bens móveis – A transferência da propriedade de bens móveis ocorre com a “tradição”, ou seja, com a entrega do bem ao adquirente. – Causa mortis – Com a morte, a responsabilidade tributária dos tributos devidos ao de cujus passa a ser do espólio pelos.  “Art. 131. São pessoalmente responsáveis: I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;    (Redação dada pelo Decreto Lei nº 28, de 1966) II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão”. – Comercial ou Falimentar – deve a nova empresa ser responsável tributária pela dívida de sua sucedida, deve ficar atenta a tais situações, exigindo da empresa alienante a relação dos débitos existentes com o Fisco, caso não esteja quitadas, a fim de ter total ciência do que de fato está se adquirindo. – Imobiliária – O fato gerador referente a impostos de créditos tributários advindos de propriedade, posse de bens imóveis, aqueles relativos a taxas pela prestação de serviços, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se aos adquirentes, salvo quando apresentarem quitação no respectivo título. “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual. Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. § 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I – em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário.” (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) 11. RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS Os terceiros responsabilizados são pessoas que, em determinadas circunstâncias, falharam no cumprimento de um dever legal de gestão ou vigilância do patrimônio do contribuinte. Possuem algum vínculo jurídico com a pessoa que, por ter uma relação direta e pessoal com o fato gerador, naturalmente ocuparia o polo passivo da relação jurídico-tributária na condição de contribuinte. Podem atuar de duas formas: – Regularmente, ao contrato social ou aos estatutos, sem qualquer agressão à lei, conforme dispõe o art. 134, CTN. “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:  I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” Esta responsabilidade não é plenamente solidária, é subsidiária, vez que a lei impõe uma ordem de preferencial a ser respeitada. O primeiro a ser cobrado será o contribuinte, caso este não cumpra com o dever será exigido o cumprimento da obrigação do segundo responsável. Caso o contribuinte não arque com a obrigação tributária, o terceiro deve ter participação direta na atividade objeto do fato gerador do tributo. É necessário a existência de vínculo entre a obrigação tributária e a atitude daquele a quem a lei atribui a responsabilidade de cumprir com a obrigação. Destarte, é importante mencionar que apenas a obrigação principal responsabilizará terceiros, os deveres acessórios e a aplicação das penalidades são excluídas deste rol, salvo aquelas de caráter plenamente moratório, isto é, as multas que punem o inadimplemento da obrigação tributária principal são transferíveis, ressaltando que, os contribuintes, embora sejam incapazes ou aqueles despidos de personalidade jurídica, respondem passivamente pela capacidade tributária. – Irregularmente, sujeição passiva do terceiro decorre da sua atuação em desconformidade com o direito, levando-o à condição de responsável pessoal pelo próprio tributo devido, conforme art. 135, CTN. “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados”; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Trata-se, entretanto, de responsabilidade pessoal e exclusiva – não solidária, dos mandatários, prepostos, empregados, diretores ou gerentes, entre outros, quanto às obrigações resultantes do abuso de poder ou infração de lei, assim praticadas. 12. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES As espécies de responsabilidade disciplinadas pelo CTN estão previstas nos arts. 136 e 137 e tratam da chamada responsabilidade tributária por infrações. Essa responsabilidade, quando cometidas são puramente objetivas, instituídas por lei, ou pelo ente declarado competente para instituir o tributo. A infração fiscal vem a ser espécie do gênero sanção, trata de uma espécie de sanção tributária. “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas”. A responsabilidade do sujeito deve ser sempre fundada em prova porque a regra é a responsabilidade da pessoa jurídica. O art. 137 trata dessa limitação quanto à responsabilidade pessoal, a qual deixa de existir quando se cumpre ordem inescusável. Diferente do art. 138 que dispõe sobre a denúncia espontânea. Com ela estará excluída a responsabilidade tributária. O parágrafo único do art. 121 do CTN, apresenta as pessoas denominadas responsáveis, ou seja, contribuintes – aquele a quem é imputada determinada conduta, devendo assumir as respectivas consequências. “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” A consequência mais comum, no direito tributário, referente ao cometimento de infrações é a aplicação de multas. A infração à legislação tributária normalmente é fato gerador da obrigação tributária principal consubstanciada na respectiva penalidade pecuniária. Há, no entanto, outras espécies de sanções aplicáveis aos ilícitos tributários, tais como a pena de perdimento e a proibição de gozo de regimes especiais de tributação, ambas comuns nos tributos aduaneiros. O art. 136 do CTN dispõe que, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato, salvo disposição de lei em contrário, ou seja, a responsabilidade por infrações tributárias é, em regra, objetiva. – Responsabilidade objetiva – aquela que independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato será imputada a determinadas pessoas. Visa a facilitar a punição das infrações à legislação tributária, providência que poderia ser inviabilizada na prática, caso fossem possíveis longas discussões sobre a intenção do infrator. – Responsabilidade subjetiva – depende da presença de tais elementos para que ocorra. A responsabilidade no direito tributário difere da responsabilidade no direito penal, nesse independe da intenção do agente, acabou por permitir sua punição independentemente da perquirição da presença de elementos subjetivos – dolo ou culpa, na conduta. Entretanto, em se tratando de infrações referentes à legislação tributária, é aplicável a regra consubstanciada no brocardo in dubio pro reo, de forma que, se houver dúvida sobre a caracterização de sonegação, fraude ou conluio, o contribuinte deve ser punido com a multa mais suave. Aplica-se a regra do art. 112, I, do CTN, que impõe a interpretação mais favorável em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato. “Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato;” – Responsabilidade pessoal do agente – as consequências da prática de ato ilícito devem ser atribuídas pessoalmente ao infrator, pois a punição deve atingir direta e exclusivamente as pessoas física ou jurídica que agrediu o ordenamento jurídico. – Denúncia espontânea de infrações – visa a atrair de volta à legalidade contribuintes que dela se afastaram, oferecendo em troca a garantia de não aplicação de medidas punitivas. Esta regra está prevista no art. 138 do Código Tributário Nacional. O instituto é inspirado na “desistência voluntária” e no “arrependimento posterior” do direito penal, que visam a estimular o delinquente a interromper a investida criminosa ou, ao menos, a reparar o dano causado. “Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” Trata-se de uma matéria que apresenta inúmeras controvérsias doutrinárias. Todavia, o STJ tem entendido que a denúncia espontânea eficaz – aquela apresentada antes do procedimento fiscal e acompanhada do pagamento, extingue a punibilidade tanto das multas denominadas punitivas (de ofício), quanto das multas classificadas como administrativas (moratórias, por atraso no pagamento). CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo exposto, conclui-se que a obrigação tributária que trata de uma relação jurídica estabelecida no direito público merece pautar-se nos princípios que regem este ramo do direito. Seus elementos formadores refletem seus efeitos na relação obrigacional, demonstrando a importância do estudo dos institutos tributários, bem como o fato previsto em lei como gerador do tributo. O que qualifica uma obrigação como tributária é seu objeto, qual seja, o tributo e sua natureza, haja vista que para a sua constituição basta à previsão legal e a incidência naquele fato, sendo irrelevante o conhecimento e a vontade do sujeito passivo. Para a sua regular e indispensável constituição é necessário a presença de três elementos: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto. Desta forma, toda obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, deve ter um fato gerador, sendo que da primeira observa o princípio da legalidade que norteia o direito tributário, previamente descrito na lei. Por outro lado, o princípio da legalidade não define a obrigação acessória, tornando seu fato gerador mais amplo. Por derradeiro, o instituto da responsabilidade tributária, visa uma melhor forma para fiscalizar e arrecadar o tributo. As diversas espécies de responsabilidade asseguram que futuras transações como aquisição de bens móveis e imóveis, incorporação ou a fusão de empresas não tragam problemas futuros quanto a tributação, que o dever jurídico de realizar uma prestação seja veemente cumprido dentro dos parâmetros legais.
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Redução do ônus tributário de forma lícita verificando e comparando as definições de elisão, elusão e sonegação
O planejamento tributário em sentido estrito, também chamado de elisão fiscal, exerce um papel de suma importância para o contribuinte, tornando-se indispensável, pois a legislação tributária brasileira é muito complexa, com inúmeras leis e constantes alterações, o que dificulta a interpretação dos empresários. Planejar, atualmente, tornou-se uma questão de sobrevivência para as empresas. Neste sentido, é necessário promover a discussão sobre o direito de a empresa planejar seus gastos tributários considerando as alternativas mais baratas permitidas por lei. O planejamento tributário visa dar condições racionais de trabalhar com a “incerteza”. O ambiente indeciso requer das empresas, em tempo real, a capacidade de proporcionar procedimentos tributários legais que viabilizem sua sustentação e manutenção num mercado movido pela concorrência acirrada. O Estado participa de forma efetiva nas atividades econômicas do contribuinte, influenciando no resultado financeiro e econômico obtido. Recorrer à elisão fiscal é a única forma lícita e legal de que dispõe o contribuinte para reduzir sua carga tributária, sem que com isso, ocorra em qualquer tipo de penalidade. Os princípios constitucionais do Direito Tributário permitem ou não proíbem a utilização dos meios menos onerosos tributariamente. Para a realização dos negócios jurídicos e para alcançar sucesso nos resultados, é preciso tomar decisões visando a manutenção do lucro e a continuidade do empreendimento. No mercado competitivo existente atualmente, o planejamento é fundamental à prosperidade futura de qualquer negócio. O objetivo deste estudo é analise as formas de redução de incidência de tributos nas atividades econômicas, dentro do planejamento tributário, verificando e comparando as lícitas com as ilícitas.
Direito Tributário
1. Introdução O Estado deve exercer as mais variadas atividades, políticas, econômicas, sociais, administrativas, fiscais, financeiras, policiais, educacionais, etc., visando com isso a regulação da vida em sociedade e a realização do bem comum. Porém, para que o Estado exista e possa desenvolver suas atribuições, necessita ele de recursos materiais, que lhe permitam cumprir com suas funções e atingir seus objetivos. Para a obtenção destes recursos, o Estado poderia proceder de duas formas: atuar no campo econômico, participando da livre iniciativa; ou, através da tributação dos indivíduos que participam da atividade econômica do País. No Brasil, o Estado atua nas duas formas, ou seja, participa da atividade econômica, ainda que de forma subsidiária, e utiliza-se também do poder de tributar, sendo que a primeira forma de atuação do Estado é limitada pela Carta Magna. De acordo com o artigo 173 da Constituição Federal em vigor, só é permitido ao Estado o direito de atuar na atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional, ou em face de relevante interesse coletivo. Desta forma, optou o Estado Brasileiro em buscar a maior parte dos recursos formadores da receita pública, através da tributação. Todo Estado é dotado do poder de tributar, poder este decorrente da soberania. Como bem observa Machado (1999, p. 31): “Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão portanto. E essa origem espúria, infelizmente, às vezes ainda se mostra presente em nossos dias, nas práticas arbitrárias de autoridades da Administração Tributária. Autoridades ainda desprovidas da consciência de que nas comunidades civilizadas a relação tributária é relação jurídica, e que muitas vezes ainda contam com o apoio de falsos juristas, que usam o conhecimento e a inteligência, infelizmente, em defesa do autoritarismo”. Vê-se, portanto, que o Estado estabelece com o indivíduo uma relação jurídica para a cobrança de tributos. Nos dias atuais, segundo Machado (1999, p. 31), o poder de tributar justifica-se na medida que os próprios indivíduos, por meios de seus representantes eleitos, consentem na instituição do tributo. Conforme exposto, anteriormente, a relação de tributação não é uma relação de poder, mais sim, uma relação jurídica existente entre o contribuinte e o Estado. Existem normas jurídicas que regulam toda a relação de tributação, e a estas normas estão sujeitas os contribuintes e o Estado. Pode-se afirmar que em respeito ao princípio da legalidade, tudo que se tratar de matéria tributária, deverá estar previsto em lei, ou seja, é a reserva absoluta da lei no direito tributário brasileiro. É certo afirmar que quem cria o tributo é o próprio Estado, as leis são de sua autoria, entretanto a criação e a mudança de qualquer dispositivo legal referente à cobrança criação e majoração de qualquer tributo deve, necessariamente, ser feita por meio de dispositivo legal competente. A exigência desta reserva legal surgiu como uma forma de garantia ao indivíduo, que não pode ser pego de surpresa com a criação ou majoração de um tributo de hora para outra. Hoje, especificamente no Brasil, a carga tributária elevada é sentida tanto pelas pessoas jurídicas como físicas, tornando considerável a participação do Estado nos resultados das atividades privadas, daí a importância de um planejamento tributário para evitar a incidência tributária, reduzir o montante do tributo ou retardar o pagamento do tributo, sem que ocorra a multa. O que se observa é que os contribuintes recorrem a diversos meios a fim de reduzir ou eliminar a incidência tributária, sejam eles lícitos ou ilícitos. No caso de licitude, recorre-se à elisão fiscal, ou seja, utilizam-se os meios legais de atenuar ou evitar a incidência tributária.  No caso de ilicitude, há a sonegação fiscal e a dissimulação, conhecida como elusão fiscal. Planejamento tributário é um tema complexo, e, portanto, há a necessidade de se entender o mecanismo pelo qual o Estado participa e regula as atividades econômicas, utilizando o tributo como forma de interferir nos resultados bem como utilização de instrumento de controle do fluxo econômico, como os impostos de importação e exportação. O planejamento tributário pode ser entendido como o conjunto de condutas contribuinte com o objetivo de reduzir, transferir ou prorrogar dentro da lei, o ônus dos tributos. E essas medidas devem levar em conta as possíveis mudanças efetuadas pelo Fisco, na alteração das regras fiscais. E o objetivo de adotar esse conjunto de procedimentos é a economia tributária. O contribuinte orienta seus métodos no sentido de evitar, na medida do possível, o procedimento econômico mais oneroso, considerando o aspecto fiscal. E para atingir melhores resultados, os procedimentos adotados para o planejamento tributário devem ser lícitos, ou seja, admitidos pelo sistema legal. E se esse planejamento ocorre antes do fato gerador do tributo, a situação ocorrida caracteriza a elisão fiscal, o que comporta dentro dessa fase estudos e planos realizados por vários profissionais como: contadores, economistas, advogados, engenheiros e administradores. 2. Metodologia Segundo Lakatos (2001, p.83) a metodologia é considerada como “{…} o conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia permite alcançar o objetivo”. O delineamento de pesquisa possui um importante papel na pesquisa científica, no sentido de articular medidas e estruturas para se obter respostas ao problema de estudo, de pesquisa. O delineamento implica a escolha de um plano para conduzir a investigação. Abordaremos a seguir a definição do tipo de estudo quanto ao objetivo, quanto ao procedimento e quanto à abordagem do problema, todos relacionados ao assunto pesquisado. 2.1 Quanto à natureza Nesta categoria são abordadas duas espécies de pesquisas dentro do enfoque pesquisa quanto à abordagem do problema, as quais são: a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Nesta pesquisa, especificamente, a natureza é qualitativa. Segundo Richardson (1999) a principal diferença entre uma abordagem qualitativa e quantitativa reside no fato de a abordagem qualitativa não empregar um instrumento estatístico como base do processo de análise do problema. Na abordagem qualitativa, não se pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas. 2.2 Quanto aos fins Tem como principal objetivo descrever características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relação entre as variáveis (GIL, 1999). Uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coletas de dados. A pesquisa descritiva preocupa-se em observar os fatos, registrá-los, analisá-los, classificá-los e interpretá-los, e o pesquisador não interfere neles (ANDRADE, 2002). 2.3 Quanto ao meio Os procedimentos na pesquisa científica referem-se à maneira pela qual se conduz o estudo e, portanto, se obtêm os dados. Para GIL (1999, p.65) “o elemento mais importante para a identificação de um delineamento é o procedimento adotado para a coleta de dados”.  Para a elaboração deste trabalho, o procedimento adotado foi a pesquisa bibliográfica e documental, pois o assunto toma como base a legislação tributária e o comportamento dos agentes econômicos e produtivos diante do recolhimento de tributos e da necessidade de um planejamento tributário. Além disso, os resultados decorrentes da intervenção estatal através dos tributos constam de livros, relatórios, jornais, revistas e pelos meios virtuais como a internet. As palavras chave utilizadas para as buscas foram evasão, elisão e elusão. Os dados foram coletados utilizando-se de publicações realizadas no período de 1995 até 2011. Os trabalhos foram primeiramente selecionados por temas e destes foram retirados as informações pertinentes ao tema abordado. Após esta seleção fez-se a compilação das informações e redação do trabalho de conclusão de curso. 3. Apresentação e discussão dos resultados Obrigação tributária é o vínculo jurídico que une duas pessoas, uma chamada sujeito ativo (fisco) e outra, sujeito passivo (contribuinte), que, em vista desta última ter praticado um fato gerador tributário, deve pagar àquela certa quantia em dinheiro denominado tributo (CASSONE, 2001, p. 136). Uma vez descrito em lei o fato que será tributável e ocorrido este, nasce para o Estado (sujeito ativo) o direito de cobrá-lo, e para o contribuinte (sujeito passivo) o dever de pagá-lo. Este dever e este direito são efeitos da norma tributária. Machado (1999, p. 97) define a obrigação tributária como sendo: “A relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular um crédito.” Uma gestão empresarial voltada para o planejamento estratégico, tem, cada dia mais, uma importância fundamental para garantir a competitividade no mercado. Com o intuito de reduzir e até mesmo evitar a incidência da carga tributária, os contribuintes, principalmente empresários, buscam planejar suas atividades de modo a atenderem os princípios da organização, da profissionalidade e da economicidade. Pelo princípio da organização, acolhe-se aquelas atividades que, sendo de criação de riquezas, portanto, econômicas, implicam na coordenação e organização dos fatores de produção. Já pelo princípio da profissionalidade, abrangem-se todas as atividades que, sendo econômicas e organizadas, são exercidas habitualmente e sistematicamente, não se incluindo neste conceito as empresas ocasionais. Por fim, pela economicidade, atinge-se as atividades referentes à criação de riquezas, ou seja, bens e serviços para o mercado.Quando tratar-se de contribuintes pessoas jurídicas, há o dever de planejar a gestão empresarial no sentido buscar, licitamente, a menor carga tributária possível. O planejamento tributário é elemento essencial que deve ser inserido na gestão empresarial e preceder a qualquer novo negócio ou alteração empresarial. É o planejamento tributário tão importante quanto um planejamento econômico, técnico, comercial, de mercado. A realidade tributária brasileira é complexa, além de passar por constantes alterações, razendo um custo financeiro excessivo para os contribuintes provoca uma enorme insegurança quanto à certeza do cumprimento de todas as obrigações impostas pelo fisco. A grande competitividade do mercado, aliada a elevada carga tributária, vem sufocando as empresas brasileiras e exigindo-lhes que adotem medidas, que dentro da legalidade, proporcionem uma economia de tributos. Para Martinez (2002): “[…] Procurar formas lícitas para reduzir o pagamento de tributos e ao mesmo tempo estar atento às mudanças da legislação é uma necessidade imprescindível para a maximização dos lucros das empresas, para a manutenção dos negócios e melhorar os níveis de empregos. […] Em época de mercado competitivo e recessivo, de aumento da concorrência entre as empresas nacionais, o planejamento tributário assume um papel de extrema importância na estratégia e finanças das empresas, pois quando se analisam os balanços das mesmas, percebe-se que os encargos relativos a impostos, taxas e contribuições são, na maioria dos casos, mais representativa do que os custos de produção.” Planejamento tributário consiste em  uma organização na relação tributária do contribuinte (pessoa física ou jurídica) com o fisco, que, atento às normas fixadas pela legislação tributária, escolhe os meios legais com menor incidência tributária. A carga tributária impõe às pessoas físicas e jurídicas participação do Estado nos resultados econômicos e financeiros, tornando-o participante dos lucros, resultados e rendimentos das pessoas, sejam jurídicas ou físicas. Existem muitas questões que contornam o instituto do Planejamento Tributário e suas conseqüências, ante sua aplicação em matéria de ordem fiscal. A questão é controvertida e polêmica, discutido na doutrina e jurisprudência brasileiras diante da variação de interpretações dadas ao planejamento tributário, principalmente no que se refere à repercussão social gerada pela diferenciação dos paradigmas da elisão, evasão e elusão no âmbito da economia empresarial. Dificilmente, a organização empresarial conseguirá, licitamente, excluir por completo os custos tributários, entretanto, utilizar maneiras que reduzam estes custos sem infringir a lei, possibilitará á organização oferecer produtos a um preço inferior aos de seus concorrentes, tendo então sua vantagem competitiva no preço que é ofertado seu produto. Considerando que a carga tributária é um fator que influencia diretamente na capacidade competitiva das organizações, o planejamento tributário é um instrumento que deve ser adotado como forma de estratégia para as gestões empresariais. 3.1 – O Sistema Tributário Brasileiro Segundo Rubens Gomes de Sousa, “Direito Tributário é o ramo do Direito Público que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da atividade financeira do Estado, no que se refere à obtenção de receitas que correspondem ao conceito de tributo.” É ramo do Direito Público, uma vez que está presente o Poder de Império do Estado na relação jurídica. Ao particular é imposto o dever de adimplemento do tributo. Dá-se a subordinação do particular, portanto, independe sua vontade na relação jurídica. O que ocorre é imposição estatal decorrente da norma, de coerção. O Direito Tributário compõe-se de normas cogentes, ou seja, obrigatórias, impostas. A relação jurídica é de direito obrigacional, denominada obrigação tributária, impondo ao particular o dever jurídico de prestar tributo. Harada (2005) define que o Sistema Tributário Nacional é o conjunto de normas constitucionais de natureza tributária, inserido no sistema jurídico global, formado por um conjunto unitário e ordenado de normas subordinadas aos princípios fundamentais reciprocamente harmônicos, que organiza os elementos constitutivos do Estado, que outra coisa não é senão a própria Constituição. O Sistema Tributário Nacional consiste nas disposições contidas nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal, constantes sob este título, não obstante existirem outros comandos constitucionais referentes a tributos (por exemplo, o art. 195), bem como a Lei 5.172, de 25 de Outubro de 1966, ou Código Tributário Nacional.  Tais disposições tratam dos aspectos estruturais básicos do nosso ordenamento jurídico-tributário, contendo regras que devem ser seguidas pelos legisladores infraconstitucionais, bem como por parte da administração tributária e do Poder Judiciário no exercício de suas respectivas funções. Dessa forma, o Sistema Tributário pode ser definido como sendo uma estrutura jurídica formada pelos tributos instituídos no país e pelos princípios e normas que os regem. Por conseqüência, podemos concluir que o Sistema Tributário Brasileiro é composto dos tributos instituídos no Brasil, dos princípios e normas que regulam tais tributos, que são: Imposto – É o tributo que tem como fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte (Art. 16 do CTN). Em outras palavras, imposto é o tributo que não está vinculado a uma contraprestação direta a quem o está pagando.  As receitas de impostos não são destinadas a custear obras ou serviços em prol de quem os paga, mas sim para serem utilizadas para custear as despesas gerais do estado, visando promover o bem comum.  Taxa – É o tributo que pode ser cobrado pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, que tem como fato gerador, o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição (Art. 77 do CTN).  Contribuição de Melhoria – É o tributo cobrado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, com o objetivo de fazer face ao custo de obra pública de que decorra valorização imobiliária. (Art. 81 do CTN).  Contribuições Especiais – Estão previstas nos artigos 149 e 149-A da Constituição Federal, são tributos cobrados para custeio de atividades paraestatais e podem ser: sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias econômicas ou profissionais.  Empréstimo Compulsório – É o tributo que somente pode se instituído pela União, através de lei complementar, nos casos de: – Calamidade pública ou guerra externa ou sua iminência, que exijam recursos extraordinários, isto é, além dos previsto no orçamento fiscal da União. – Investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.  3.2 – Normas Tributárias que Integram o Sistema Tributário Nacional A relação de tributação não é uma relação de poder, mas uma relação jurídica entre o contribuinte e o Estado. Existem normas jurídicas que regulam toda a relação de tributação, e a estas normas estão sujeitas os contribuintes e o Estado. E respeito ao princípio da legalidade, tudo que se tratar de matéria tributária, deverá estar previsto em lei. Quem cria o tributo é o próprio Estado, as leis são de sua autoria, entretanto a criação e a mudança de qualquer dispositivo legal referente à cobrança, criação e majoração de qualquer tributo deve, necessariamente, ser feita por meio de dispositivo legal competente e respeitando os procedimentos previstos na legislação. A exigência desta reserva legal surgiu como uma forma de garantia ao indivíduo, que não pode ser pego de surpresa com a criação ou majoração de um tributo de hora para outra. A função do Direito Tributário é regular as relações entre o fisco e os contribuintes. Ou conforme Machado (1999, p. 43): “É possível conceituar o Direito Tributário como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder.” O Sistema Tributário Nacional é definido como sendo todos os tributos arrecadados no país e um conjunto de regras jurídicas que disciplinam o exercício do poder impositivo pelos diversos órgãos aos quais a Constituição Nacional atribui competências. Normas Constitucionais – O Sistema Tributário Nacional tem como base os artigos 145 a 162 da Constituição Federal, além do artigo 195. Em tais dispositivos se encontram os princípios gerais que norteiam o Direito Tributário Brasileiro, sendo que a sua regulamentação se dá por meio do Código Tributário Nacional, aprovado pela Lei nº 5.172, de 25.10.1966 (CTN), recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar. No entanto, em outros artigos encontramos normas tributárias, como no artigo 5º (princípios de isonomia e da legalidade). Código Tributário Nacional – composto pela Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, bem como por todas as leis que o alteraram (Dec.-lei 406/68, Dec.-lei 834/69, etc.) Leis Complementares – a Constituição deferiu às leis complementares poderes para estabelecer normas gerais de Direito Tributário. Resoluções do Senado – as quais versam sobre assuntos tributários, como a fixação das alíquotas máximas de impostos estaduais. Leis Ordinárias – a quem cabe o papel de instituir os tributos nos limites da competência deferida pela Constituição. Normas Complementares – além das normas constitucionais, constantemente tem-se a introdução, no ordenamento jurídico, de normas legais e infralegais (atos declaratórios, instruções normativas, portarias etc), produzidas por todos os entes tributantes, no exercício das suas competências tributárias, relacionadas à instituição dos tributos, à fiscalização e à arrecadação. Trata-se de um sistema rígido, disposto na Constituição Federal, que prevê os principais elementos e componentes que o integram, partindo-se da discriminação e atribuição de competência tributária entre as pessoas jurídicas de direito público interno, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, das limitações ao poder de tributar desses entes públicos, através da previsão de imunidades tributárias e dos princípios constitucionais tributários. 3.3 – Competência Tributária No Brasil, por força do que dispõe a Constituição Federal, o poder tributário não é ilimitado ou absoluto, mas, definido em termos de competência tributária, que é regrada, disciplinada pelo Direito. O poder de tributar estatal não atua conforme sua vontade, mas nos limites do direito positivo. Cada um dos entes competentes não possui, em nosso País, o que pode ser definido como poder tributário, ou seja, a manifestação do poder absoluto do Estado, mas competência tributária ou a condição da autonomia do referido ente sujeito ao ordenamento jurídico-constitucional. A competência tributária está subordinada às normas constitucionais que, são superiores às leis que prevêem as obrigações tributárias. Competência tributária é definida como o limite do poder fiscal para legislar e cobrar tributos. O direito adotou o sistema rígido de discriminação do poder fiscal entre as diversas pessoas jurídicas de direito público interno União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Foram relacionados nominalmente, quais os impostos que podem instituir e cobrar a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, esta relação é taxativa, cabendo somente à União a competência supletiva ou residual para instituir e cobrar novos impostos não previstos na Constituição (ZANLUCA, 2002). A vigente Constituição Federal, ao discriminar as fontes de receitas, dividiu os tributos como de competência comum, privativa, extraordinária, residual e cumulativa. Vejamos, resumidamente, a cada competência: a) Competência Comum: Tributos de competência comum são aqueles que podem ser instituídos, simultaneamente, por quaisquer das entidades tributantes.  Tanto a União, como os Estados, Distrito Federal e os Municípios podem instituir taxas e contribuições de melhoria. b) Competência Privativa: Impostos de competência privativa são aqueles que a Constituição dispõe para cada nível de governo. Somente poderão ser instituídos por aquele ente federado, não outro. Por exemplo, o IPTU compete privativamente aos municípios, não podendo os Estados instituí-los. Competem, privativamente, à União os impostos arrolados nos artigo 153, as contribuições parafiscais, os empréstimos compulsórios, os impostos extraordinários e os residuais. Aos Estados-membros os impostos previstos no artigo 155 e aos Municípios os do artigo 156. c) Competência extraordinária: Somente a União Federal, no caso de guerra externa ou sua iminência, poderá instituir impostos extraordinários. As situações por ela eleitas para serem tributadas poderão estar ou não compreendidas na sua esfera ordinária de competência, mas a exigência será suprimida gradativamente quando cessadas as causas da sua criação. d) Competência residual: A competência residual para instituir impostos é exclusiva da União e consiste no fato de poder ela instituir, mediante lei complementar, outros impostos, além dos permitidos pela Constituição, desde que não tenham fato gerador ou base de cálculo idêntica aos nela previstos, assim como não serem cumulativos. f) Competência cumulativa ou múltipla: O Distrito Federal poderá cobrar, cumulativamente, tributos estaduais e municipais. Daí o nome de competência cumulativa, pois o Distrito Federal acumula duas competências distintas: como Estado e como Município. 3.4 – Planejamento Tributário Para alcançar o êxito no mundo dos negócios, é preciso tomar decisões visando a manutenção do lucro e a continuidade do empreendimento. No mercado competitivo existente atualmente, o planejamento é fundamental à prosperidade futura de qualquer negócio, assim: “Por definição, planejamento implica o desenvolvimento de um programa para realizar os objetivos e metas da organização. Por isso o planejamento envolve reconhecer a necessidade de ação, investigar e analisar a necessidade, desenvolver uma proposta de ação com base na investigação e na análise, e tomar uma decisão”. (MEGGINSON; MOSLEY; PIETRI, 1986, p. 104) Com o passar dos anos e devido ao crescimento da carga fiscal brasileira, o planejamento tributário vem ganhando importância dentro da gestão empresarial, como parte integrante e indispensável da sua administração, necessário ao cumprimento dos objetivos e metas das organizações. Como é salientado: “No planejamento empresarial, inúmeras decisões precisam ser tomadas com vistas à realização do lucro, objetivo precípuo da empresa. A escolha do setor, do produto, da matéria prima, do fornecedor, da região; a opção pela verticalização ou pela horizontalização da produção; a definição do mercado visado: local, regional, nacional, internacional; a escolha do público-alvo, da mídia; as decisões sobre o financiamento da planta industrial e da produção: com capital de risco ou de empréstimo; a opção por esta ou aquela forma societária  –  essa, entre outras inúmeras decisões, precisam ser tomadas pelo empresário. Nesse amplo contexto, a tributação exerce um papel importantíssimo”. (AMARO, 1995, p. 115) A carga tributária do Brasil reforça a relevância do planejamento tributário, na conjuntura atual, como forma de controle. Deste modo: “Em época de mercado competitivo e recessivo, de aumento da concorrência entre as empresas nacionais, o planejamento tributário assume um papel de extrema importância na estratégia e finanças das empresas, pois quando se analisam os balanços das mesmas, percebe-se que os encargos relativos a impostos, taxas e contribuições são, na maioria dos casos, mais representativos do que os custos de produção”. (MARTINES, 2002,  p. 01) É importante ressaltar que o planejamento fiscal pode ser empregado com segurança pelas empresas, sem a utilização de práticas ilícitas. A economia legal de tributos é denominada elisão fiscal. É chamada evasão a que emprega práticas ilícitas. Observe-se que várias medidas podem ser adotadas para atender ao planejamento tributário. Tais medidas podem atingir todos os setores da empresa, desde a entrada de matéria prima, processamento da mesma, até a saída dos produtos acabados. Pode também, serem adotadas medidas administrativas, reorganização contábil, reestruturação da forma societária, aproveitamento de benefícios e vantagens fiscais federais, estaduais ou municipais, imunidades, isenções, etc. Todas as atividades que o contribuinte fizer, objetivando um melhor aproveitamento de fatores e campos de não incidência tributária, podem ser chamadas de planejamento tributário, sem esquecer, é obvio, de que todas estas atividades devem ser lícitas, ou seja, virem expressamente permitidas ou não proibidas pela legislação. O contribuinte, devido ao princípio da autonomia de vontade e da livre empresa (liberdade contratual), pode exercer suas atividades e gerir seu patrimônio livremente, administrando seu negócio através de modelos jurídicos implantados pelo legislador (Código Civil, Código Comercial, Código Tributário, Legislação Trabalhista, etc.) para desempenhar suas atividades. A atividade de planejamento tributário consiste em uma organização dos negócios e dos atos do contribuinte, a maneira como deve proceder diante de cada negócio ou ato jurídico que irá realizar, e que sobre tal negócio ou ato, possa incidir alguma espécie de tributo. O atual sistema jurídico brasileiro permite ao contribuinte a utilização do planejamento tributário, de maneira a não pagar tributo ou incidir em uma carga tributária menos onerosa, ou até mesmo atrasar o momento que deva efetuar o pagamento de determinado tributo. Não há obrigatoriedade do contribuinte praticar atos que importem em uma carga tributária mais onerosa dentre as previstas O planejamento tributário é um direito subjetivo do contribuinte, de buscar, dentro de normas permitidas, soluções para resolver seus encargos tributários, seja escapando da incidência da norma ou, caso isso não seja possível, pagando menos tributo. Uma vez que não haja qualquer tipo de proibição legal, o contribuinte pode adotar métodos que o encaminhem ao não pagamento do tributo, ou incidir em uma carga tributária menos onerosa. Este direito do contribuinte é uma decorrência do princípio da legalidade, adiante estudado. Há, então, a possibilidade do contribuinte de escolher a maneira pela qual irá realizar seus atos e negócios jurídicos. Toda técnica de organização preventiva de negócios, que tenha como objetivo a busca por uma economia lícita de tributos seja evitando a incidência, seja reduzindo a alíquota ou a base de cálculo, pode ser considerada como formas de planejamento tributário. 3.5.- Evasão, Elisão e Elusão Quando atos contrários à lei, como omissão ou simulação, são praticados pelo contribuinte com a finalidade de diminuir, deixar de pagar ou retardar o pagamento de tributos, tem-se a evasão fiscal. Shingaki (2002, p. 25) conceitua a evasão fiscal como “toda e qualquer ação ou omissão ilícita tendente a eliminar o cumprimento de obrigação tributária”. Quando a conduta proibida se enquadra em transgressão penal tributária ocorre a sonegação. Sobre esta forma entende-se que “Pratica crime tributário quem suprime ou reduz tributo por meio de supressão de informações ou por meio de informação falsa, ou através da inserção de dado inexato em livros ou documentos fiscais, ou mesmo pela falsificação ou alteração de nota fiscal ou negar-se a emiti-la, ou através de outras condutas consideradas fraudulentas”. (MARINS, 2002, p.31). Huck (1997:30) define com as palavras abaixo transcritas, o conceito de evasão fiscal: “Evasão de tributos é terminologia oriunda da ciência das finanças, fato que explica sua contaminação com um significado econômico. A origem econômica da expressão é causa de uma certa incerteza que se nota todas as vezes em que pretendem os autores analisá-la a partir de suas conseqüências eminentemente jurídicas”. É importante ressaltar que o não-pagamento de tributos caracterizado pela inadimplência fiscal não tipifica a sonegação. Uma vez que a obrigação perante o fisco foi reconhecida, a falta de pagamento não possui natureza criminal. Para caracterizar a figura da evasão, o contribuinte deve utilizar-se de um comportamento proibido pelo ordenamento jurídico, visando com isto a redução ou a supressão do imposto devido. Torna-se, assim, indispensável a ocorrência da ilicitude, qual seja, a intenção de fraudar. O agente evasivo tem a intenção de, com a sua conduta, proibida pela norma jurídica, ocasionar um prejuízo aos cofres públicos. Podem ser definidas como fraude ações ou omissões dolosas tendentes “a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou evitar ou diferir o seu pagamento” (Lei 4.502/64, art. 72). A elisão engloba medidas criativas e legais, elaboradas a partir da escolha entre dois ou mais caminhos explícitos na lei ou através de brechas encontradas na legislação. Assim, “Se evasão é sempre fraudulenta, a elisão é uma categoria lógica de reflexão, uma maneira de designar esquematicamente as técnicas com aparência legal destinadas a contornar ou evitar a aplicação das leis tributárias” (HUCK, 1998, p. 11).  Ocorrendo a hipótese de incidência e conseqüentemente o fato gerador do tributo, surge a obrigação tributária, que se caracteriza por ser um vínculo jurídico entre o fisco e o contribuinte. Essa situação gera um direito para o Estado de poder cobrar do sujeito passivo o valor correspondente da obrigação surgida. Caracteriza-se a evasão, quando o contribuinte deixa de transferir ou pagar integralmente ao Fisco uma parcela do tributo devida, através de atitudes que sabe não serem lícitas. Pode-se citar como exemplos de evasão fiscal a venda de mercadorias sem a respectiva emissão de notas fiscais, com o intuito de fraudar o fisco, deixando de registrar a operação. A não declaração de rendimentos, com a intenção de sonegar o imposto de renda. Declarar o valor do imóvel a menor no caso de uma compra e venda com o intuito de reduzir o valor do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Assim, é correto afirmar que a evasão será sempre um comportamento ilegal do contribuinte, utilizando-se de fraude, simulação ou de qualquer meio ardiloso com o fito único de supressão ou redução da carga tributária. Sua conduta dar-se-á de forma trapaceira, geralmente forjando algo irreal para se livrar dos encargos tributários. Esta trapaça, em nenhum momento é amparada pela legislação vigente, nem representa lacunas da lei. É consenso, entre vários estudiosos da área tributária, a afirmação de que a elisão ocorre quando os procedimentos, legalmente aceitos, são efetuados antes da ocorrência do fato gerador, como confirma o autor: A elisão fiscal representa a execução de procedimentos, antes do fato gerador, legítimos, éticos, para reduzir, eliminar ou postergar a tipificação da obrigação tributária, caracterizando, assim, a legitimidade do planejamento tributário (MARTINEZ, 2002, p. 2). Ao se referir à elisão tributária, está se tratando de uma das formas de planejamento tributário, ou seja, o uso de meios lícitos para o pagamento de tributos da maneira menos onerosa ao contribuinte. A elisão fiscal se caracteriza por ser uma obra da criatividade dos planejadores tributários, sempre se utilizando de meios legais permitidos ou não proibidos em lei, visando a efetivação do negócio com o menor ônus possível. Não se deve confundir elisão fiscal com planejamento tributário em sentido amplo. No planejamento tributário, a atividade do contribuinte objetivando a economia tributária pode se dar em qualquer atividade ou em qualquer setor, no caso de pessoa jurídica. Já na elisão fiscal, a economia tributária se dará quando o contribuinte usa de favores legais e lacunas da lei, sem infringi-la, para amoldar seus atos e negócios jurídicos. Visa a elisão evitar a incidência do tributo, adotando-se medidas que evitem a ocorrência do fato gerador, a redução do montante a ser pago, reduzindo-se a base de cálculo ou a alíquota a ser aplicada, e ainda o retardamento do pagamento do tributo, sem que isto implique a ocorrência de multa para o contribuinte. São, na verdade, favores fiscais concedidos aos contribuintes. Estes favores podem ser expressos em leis, como podem ser brechas legais, havendo uma opção do contribuinte em utilizar-se do meio mais vantajoso para si. Há um detalhamento de todas as alternativas possíveis de serem seguidas para o cumprimento de determinada obrigação tributária, levando-se em conta qual delas apresentará uma melhor e mais vantajosa forma de pagamento. Para Huck (1997, p. 32): “A elisão fiscal, como obra da criatividade e engenho dos planejadores tributários, aspira a uma condição de legalidade que a distinga da evasão. Entretanto, é muito tênue a linha divisória existente entre elas, não faltando quem já tenha sugerido uma análise conjunta dos dois institutos devido a seu notável grau de semelhança, muitas vezes de complementaridade, e, sobretudo pelo impacto análogo que causam nos sistemas tributários modernos. É certo que a análise e o enquadramento dos conceitos variam profundamente no cenário mundial, de país para país, dependendo das leis internas e dos tratados internacionais existentes, como também diferem em função de ideologias políticas com que são analisados. Um planejamento tributário pode ser legal em determinado país e ilegal em outro. Certas legislações consideram como fraude a simples frustração do objetivo da lei tributária, ainda que o agente se tenha utilizado de formas legais em seu ato ou negócio. Não seria exagero afirmar que a elisão distingue-se da evasão tão-somente por uma questão de tempo. Essa diferença é posta não no sentido de que a fuga ou redução do imposto teria uma outra característica se ocorrida antes ou depois da ocorrência do fato imponível, como antes já comentado, mas sim por uma questão de tempo histórico, pois um planejamento tributário específico, em certo momento, pode ser considerado como elisão fiscal, segundo um sistema tributário nacional e, sendo detectado e identificado pelas autoridades fiscais, passa a ser por elas expressamente proibido, transformando-se, desse ponto em diante.” Nota-se que na definição os conceitos de elisão e evasão tributária se aproximam, mas não se confundem. Quando se utiliza uma forma para reduzir tributo licitamente, estaremos diante de elisão. A partir do momento que este mesmo procedimento passar a ser proibido pela autoridade fiscal, aquilo que era lícito passa a ser ilícito, e aquilo que era elisão passará a ser considerado evasão fiscal. Sobre a elusão fiscal é o fenômeno pelo qual o contribuinte, mediante a organização planejada de atos lícitos, mas desprovidos de “causas” (simulados ou com fraude à lei), tenta evitar a subsunção de ato ou negócio jurídico ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação da obrigação tributária. Em sentido amplo, consiste em usar negócios jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de “causa” ou organizados como simulação, ou fraude à lei, com a finalidade de evitar a incidência de norma tributária impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal específica. Na elusão, o contribuinte – procurando evitar a ocorrência do fato gerador ou colocá-lo em subsunção com uma norma menos onerosa – assume o risco pelo resultado, usando meios atípicos. A elisão fiscal corresponde à atitude de auto-organização do contribuinte em face de uma tributação, difere da elusão tributária se observada sob o prisma de suas naturezas: a elusão utiliza-se de artifícios ilícitos, e, na elisão, a licitude é condição primária para sua realização. Conforme verificado, infere-se que a elisão fiscal  dentro do planejamento tributário – é considerada como a conduta do contribuinte, no seu direito de se auto-organizar, que visa a redução da carga tributária. Elusão: entende-se como elusão a prática prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, verbis: “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: (…) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos  praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” Conforme Godoi (2008) elusão fiscal é o “conjunto das condutas pelas quais o contribuinte procura evitar a incidência da norma tributária mediante formalizações jurídicas artificiosas e distorcidas”. No entanto, é um fenômeno transparente ao Fisco, pois atente aos requisitos formais e materiais exigidos.      A elusão fiscal coloca-se entre a evasão e a elisão fiscal, mas não se enquadra como evasão, porque seus atos não são ocultos, encobertos ou inexistentes. Também não se enquadra como elisão, porque o resultado econômico que se verifica, após a sua ocorrência, decorre de uma violação da legislação tributária. Difere-se da evasão, pois a elusão seria um comportamento anterior ao fato gerador, onde o contribuinte buscaria a subsunção de seu comportamento em uma norma menos onerosa tributariamente. Também não se encaixa no conceito de elisão, pois os meios utilizados para o enquadramento do negócio em uma norma tributária menos onerosa não são lícitos. Este é um dos motivos pelo qual a doutrina, algumas vezes, chega a chamar a elusão fiscal de elisão fiscal ineficaz. 4. Conclusão A aplicação do termo planejamento tributário ao conceito de elisão fiscal, indica a possibilidade de programar atos e negócios com o objetivo de economia de tributos.  A legislação brasileira, desde a Constituição a mais inferior das normas na hierarquia das leis, dá um extenso tratamento à matéria tributária, que é um fator a ser levado em conta na consideração de atos e negócios praticados no âmbito do planejamento fiscal. A economia de tributos é atingida mediante a prática de atos e negócios contrários à norma, denominada evasão fiscal, ou por atos que não ferem a legislação definida como elisão fiscal e ainda a existência de atos ou negócios que não ferem direta ou indiretamente contra as normas , mas que não podem ser considerados em conformidade com a lei, porque a  viola de forma indireta. O fato de se realizar um negócio com a finalidade de economizar tributo, não está relacionado com a possibilidade de revisão dos procedimentos. Efetuado o negócio, não havendo simulação ou fraude, este deverá ser respeitado.
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A natureza tributária do crime de contrabando e descaminho
Este artigo tem como objetivo demonstrar os crimes de contrabando e descaminho, com a alteração da lei 13.008/14 que pertenciam ao mesmo tipo penal.  O tema em questão justifica-se com o aumento do contrabando e descaminho no Brasil, a informalidade nas relações jurídicas e econômicas acarretam prejuízos não só ao erário mas também para o comercio e trabalhadores diretos e indiretos. O objetivo deste artigo é delimitar até que ponto a informalidade, tem em vista os princípios do direito penal e do direito tributário, deve ser resolvida através deste crime e de que forma. Tendo como público alvo a sociedade especificamente jurista e contadores. Para essa demonstração optou-se por uma pesquisa bibliográfica para evidenciar os assuntos abordados. Constatou-se a diferenciação dos crimes de contrabando e descaminho em virtude da alteração no texto legal, e a questão da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, o qual vem deixando de ser aplicado em alguns tribunais, por entender que não importa o tamanho da lesão ao erário público, pois se há a lesão, a mesma deve ser tratada como tal, e deve haver a punição devida, aplicando a lei erga omnes, não levando em consideração se o valor é ou não irrisório para abertura de ação penal.
Direito Tributário
Introdução Com a crise que estamos vivendo atualmente no país, acarretou o aumento de preços, impostos e imóveis, a partir disso o contrabando e descaminho vem sendo mais comum entre as fronteiras pois o pagamento dos altos índices de impostos, causam prejuízos tanto ao vendedor quanto ao comprador, desestabilizando assim a economia do pais, diminuindo o lucro das grandes empresas, ocasionando o fechamento de algumas, acabando por tirar empregos de muitos trabalhadores o qual as empresas seguem as leis corretamente, e recolhem impostos licitamente Vale ressaltar que o Direito Tributário está estritamente ligado ao Direito Penal, pois ambas as leis se complementam visto que o direito é uma ciencia ramificada onde todos se interligam auxiliando a se chegar no objetivo primordial do direito que é defender a sociedade e promover a diminuicao de infracoes, crimes e violações. Contudo, há que se considerar a questão do que incide na obrigação tributária com o surgimento do dever de pagar o tributo e os elementos que a integram, que são a lei, o sujeito passivo, o sujeito ativo e o objeto, ou seja, quando devem ser lançados os valores relativos aos crimes de contrabando e descaminho, para não prejudicar o ente estatal. Alguns defendem o princípio da insignificância para tais crimes, e o objetivo deste trabalho é demonstrar que este princípio não deve ser usado, pois o tratamento dado deve ser aplicado erga omnes, independente do valor do prejuízo ao erário público. Para tanto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica para fundamental tal trabalho, evidenciando as principais características do Direito Penal, Tributário, conceituando os crimes de contrabando e descaminho e, por fim, discutindo acerca do princípio da insignificância para os crimes de descaminho, visto que este se trata de um ilícito de natureza tributária. 1 Direito Tributário É o ramo do Direito Público que rege as relações entre o Estado e os particulares, decorrente das atividades financeiros do Estado, no que concerne a obtenção de recursos que correspondam ao conceito de tributo. Carvalho (2005, p. 15) assim o define: “Direito tributário é ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Compete a ciência do direito tributário descrever esse objeto expedindo proposições declarativas que nos permitam conhecer as articulações logicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente.” Já Machado (2006, p. 71): “O ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra abusos desse poder”. Ambos definem as relaçoes entre fisco e contribuinte, Direito Tributário nada mas é que o estudo dos tributos decorrentes da arrecadacao do estado.Vamos decorrer sobre o direito penal 2 Direito Penal O Direito Penal é o ordenamento jurídico que detém a função de verificar comportamentos humanos em sociedade. O objetivo do direito penal é garantir a paz mundial, seja por seu carater intimidador, preventivo ou pela sua punicao, tornando possivel a convivencia humanaharmonica entre pessoas, pela prevencao e tambem pela punicao de delitos. Na visão de Capez (2009, p. 1): “A missão do direito penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc, denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito as normas, menos por receio de punição e mais pelo convicção da sua necessidade e justiça “ Também no mesmo raciocinio verificamos que Bittencourt (2006, p. 2) diz: “O Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes, esse conjunto de normas e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação pratica nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça. Com esse sentido, recebe também a denominação de ciência penal, desempenhando igualmente uma função criadora , liberando- se amarras do texto legal ou da dita vontade estática do legislador, assumindo seu verdadeiro papel, reconhecidamente valorativo e essencialmente critico, no contexto da modernidade jurídica.” Para Barros (2003, p. 3) a funcao do direito penal é: “Protecao dos bens juridicos e manutencao da paz social. Bens juridicos sao os valores ou interesses do individuo ou da coletividade, reconhecidos pelo direito. Paz social é a ordem que deve reinar na vida comunitaria. Apenas os bens juridicos vitais ao desenvolvimento equilibrado da vida comunitaria devem merecer a especial tutela do direito penal “ Diante disso a finalidade do Direito Penal é de extrema importância para a sociedade, para que se obtenha um bom desenvolvimento dos cidadaos e evitando que pessoas saiam do caminho tracado pelas leis. Contendo o poder punitivo. 3 Crime Crime é algo que só pode ser cometido por seres humanos, é uma pratica contrária a lei penal, sendo previsto por ela. Segundo o decreto lei n.3.914 de 9 de Dezembro de 1941 Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente. O crime é um fenomeno social e integra a vida humana, lesando ou expondo a perigo bens juridicos protegidos (TOLEDO, 1999, p. 80). Para Barros (2003, p. 113-114) define-se crime como: “A palavra crime comporta varios sentidos esse conceito ressalta em demasia o lado ético, na verdade pecado e delito sao termos distintos. O primeiro compreende toda a ética, enquanto o segundo abarca apenos o minimo ético necessario a convivencia social. A ideia de delito como sinonimo de pecado é puramente moral, refoge á orbita juridica e por isso deve ser considerada.  O conceito sociologico, para qual o crime é o fato que contrasta com os valores sociais, tambem não satisfaz a exigencia jurista, que deve procurar conceitua-lo dentro da ótica estritamente normativa. Cumpre também salientar que a conceituação do crime visa apenas facilitar a inteligencia abstrata do fato real, com o qual, porém, não se confunde. Na verdade, um crime não é igual a outro cada qual tem suas peculiaridades proprias. A teoria geral do crime procura abstrair a essencia comum dos diversos delitos, com o intuito de revelar ao plano teorico a sua substancia.” Na visão de Capez (2003, p. 105): “O aspecto material e todo aquele que busca estabelecer a essência do conceito isto e, o porque de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que propositada ou descuidadosamente lesa ou expõem a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.(CAPEZ,ed 6ª,2003.Sao Paulo, p.105).” O Código Penal por sua vez não define o que é crime, ficando este fardo a cargo da doutrina, apenas a lei de introdução do Código Penal em seu artigo 1º define como: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.” Já NUCCI (2009, p. 120) aduz que crime na sua acepção formal é: “a concepção do direito acerca do delito. É a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno”. 4 Contrabando O contrabando vem crescendo no Brasil, sem muita tecnologia para barrar a criminalidade e policiais capacitados para combater a criminalidade. O problema maior é nas fronteiras sem nenhuma segurança pública adequada para combater tal criminalidade. É um desafio imenso adotar medidas para o contrabando visto que na tríplice fronteira temos a ponte da amizade sabemos que muito do contrabando vem pela ponte. Imagina se eu parasse cada carro que passa. São milhares. Você tem de saber que carro abordar e em qual local a partir de informações, seria necessario atuar com forças de segurança publicas e as forças armadas  dentro dos estados que tem fronteiras em outros paises. De uma forma didática, infere-se que o delito de contrabando é tipificado através do artigo 334-A do Código Penal que, dentre as inúmeras condutas a que atribui o caráter de ilicitude, cuidou também da conduta que envolve a exportação e importação de mercadorias proibidas, além da fraude em qualquer modalidade ao pagamento dos encargos aduaneiros que lhe são devidos, segundo Carvalho (1998, p. 3). Para Prado (2009, p. 304), “a palavra contrabando expressa sentido contrário ao que concerne às leis financeiras; originária do latim contra e bandum, possui o significado de uma ação contrária ao ordenamento jurídico, proibindo o tráfico ou o comércio de mercadorias especificadas. Com o desenvolvimento e a consequente ampliação do poder estatal na economia, além da exigência dos novos rumos da política econômica e mesmo por uma questão de segurança, passou-se então a ser vedada de maneira absoluta a importação e a exportação de determinados produtos, taxando a fabricação de outros. Foi o atentado a estas normas que foi batizada com o nome de contrabando.” Nas palavras de Beccaria (1999, p. 94): “Este crime nasce da própria lei, pois, aumentando o imposto alfandegário, aumenta sempre a vantagem e, portanto, a tentação de praticar o contrabando e a facilidade de cometê-lo aumenta com a extensão da fronteira a ser fiscalizada e com a diminuição do volume da própria mercadoria. A pena de perder não somente os bens contrabandeados como as coisas que os acompanham é justíssima, mas será tanto mais eficaz quanto menor for o imposto, porque os homens só se arriscam na proporção direta da vantagem que lhes propiciaria o feliz êxito do empreendimento. ” Desde o Império Romano, contudo, já era reprimido o contrabando quando violado o monopolio do sal (PRADO, 2009, p. 305). Na Idade Média haviam penas severas podendo o criminoso ser condenado a morte, quando incorresse na prática da violação ao monopólio do tabaco, exportação sem autorização governamenal  de moedas, trigo, peles e outros materiais nobres da época. O STF, no HC 69.754-PR, citado na ACR 96047, decidiu: “CRIME DE CONTRABANDO – Para que haja crime de contrabando é preciso que ocorra importação ou exportação de mercadoria proibida. Essa proibição pode ser absoluta ou relativa, sendo que é relativa quando a proibição cessa com a satisfação de determinadas condições. A obrigatoriedade de "autorização para exportação" expedida pelo Ministério da Agricultura, sem a qual a CACEX não poderia dar a licença para a exportação de sementes de soja ainda quando o pedido estivesse acompanhado de certificado fitossanitário, caracteriza a proibição relativa que dá margem à ocorrência do crime de contrabando quando – como sucedeu na espécie – não é ela afastada pela satisfação dessas condições. Habeas corpus indeferido”. O contrabando, em breve síntese apresentado por Japiassu (2000, p. 56), significa a importação ou exportação de um gênero ou mercadoria considerado proibido, mas não se configura como um ilícito fiscal. Em sentido estrito e nas palavras de Mirabete (2004, p. 385), designa a importação ou exportação fraudulenta de mercadoria. O crime de contrabando é pluriofensivo, visto a norma ter por objeto a tutela de interesses diversos, podendo sua conduta ofender a mais de um bem jurídico: além de atentar contra o erário público, ofendendo ainda a higiene, moral ou segurança pública, sendo idôneo ainda a prejudicar a indústria nacional (COSTA JUNIOR, 2000, p. 723). A tutela é essencialmente o bem protegido, justificando a classificação sistemática do delito, fazendo com que apareça a Administração Pública o principal bem jurídico tutelado, especialmente no que diz respeito a sua moralidade e probidade administrativa. Conforme leciona Bitencourt (2004, p. 484): “protege-se, na verdade, a probidade de função pública, sua respeitabilidade, bem como a integridade de seus funcionários”. Destaque-se que o Código Penal não entende a Administração Pública como sendo tão somente a atividade administrativa em sentido estrito, como sendo aquela distinta da atividade administrativa legislativa ou jurisdicional, levando também em consideração toda a atividade estatal, no campo subjetivo e objetivo. Desta feita, sob o ponto de vista subjetivo, é a Administração Pública entendida como o conjunto de entes que desempenham funções públicas; e, sob o aspecto objetivo, toda e qualquer atividade desenvolvida para satisfação do bem comum (COSTA JUNIOR, 2000, p. 679). Batista apud Japiassu (2000, p. 57) destaca, no entanto, que “a objetividade jurídica do contrabando reside na violação ao fisco, como no resto do mundo de tradição jurídica semelhante à brasileira. Seria, em realidade, um delito fiscal, tal qual o descaminho”. Destarte, para que seja caracterizado crime de contrabando, deve-se verificar se os gêneros e mercadorias são proibidas no país. Tal proibição pode ser relativa ou absoluta, esta leva em conta a natureza da mercadoria, a qual não pode em hipótese alguma ser importada ou exportada, enquanto que a primeira pode ser distinguida quanto ao tempo e a forma, pelo tempo, caso o produto nacional encontre-se escasso, a exportação de uma determinada mercadoria pode ser proibida por um determinado período de tempo, e, em relação à forma, pode-se condicionar a entrada de uma mercadoria no país a um determinado tipo de embalagem, com o intuito de proteger a indústria nacional, conforme ensina Carvalho (1998, p. 12), configurando-se a vedação de entrada de determinada mercadoria no país como “medida contingente de protecionismo estatal a determinados setores da economia interna do país”. Prado (2009, p. 305) em sua definição de contrabando, explana: “[…] a clandestina importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país, ou saída dele, é absoluta ou relativamente proibida, enquanto descaminho é a faculdade tendente a frustrar , total ou parcialmente, o pagamento de direitos de importação ou exportação ou do imposto de consumo (a ser cobrado na própria aduana) sobre mercadorias.” É do conhecimento de todos que, hodiernamente, as ruas dos grandes centros urbanos (e dos não tão grandes assim também) encontram-se repletos de produtos fruto do contrabando, congestionado de vendedores ambulantes, a maioria na ilegalidade. Estes produtos acabam sendo vendidos sem qualquer critério de controle de qualidade e, mesmo assim, devido ao baixo custo, atrai um grande público consumidor interessado em adquiri-los. Isso também é fruto da desigualdade social e econômica presentes no país, evidenciando que a igualdade perante a lei é meramente formal. Neste contexto, deve-se proteger o Estado e s cidadãos no que tange a importação e exportação de mercadorias proibidas, devido aos esquemas de corrupção infiltrados no interior da Administração Pública (GRECO, 2007, p. 524). No tocante a natureza do delito de contrabando, Japiassu (2000, p. 17) explica que este se enquadra nos delitos aduaneiros, os quais se situam na categoria de delitos econômicos, os quais violam a noção de ordem econômica, pretendendo desrespeitar as normas elaboradas pela Alfândega, transpondo ilicitamente as fronteiras de determinado Estado, sendo entao o contrabando o delito aduaneiro por excelência. Nucci (2008, p. 1111) destaca que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, nao se exigindo o elemento subjetivo específico, nem se punindo a forma culposa. No que diz respeito a importação ou exportação se referirem a substâncias entorpecentes, sejam estas causadoras de dependência química ou psíquica, Prado (2009, p. 309) comenta que deve ser aplicada a norma penal definida no artigo 33 da Lei 11.343/06, por ser especial (Lex specialis derrogat legi generali). Enquanto o contrabando, conforme visto, se configura como a importação e a exportação de mercadorias proibidas por lei, o crime de descaminho se caracteriza como sendo a ilusão de um pagamento de tributos aduaneiros, conforme será visto a seguir. 5 Descaminho Antes os crimes de contrabando e descaminho possuíam o mesmo tipo penal. Contudo, com o advento da Lei 13.008/14, a qual alterou a redação do artigo 334 do Código Penal, permanecendo o crime de descaminho no artigo 334 e o de contrabando passando para o artigo 334-A, virando um tipo penal autônomo, agora com penas diferentes O descaminho, segundo Prado (2009, p. 305) “é a faculdade tendente a frustrar , total ou parcialmente, o pagamento de direitos de importação ou exportação ou do imposto de consumo (a ser cobrado na própria aduana) sobre mercadorias”. Nucci (2008, p. 1111) configurando o descaminho, diz: ““temos de iludir (enganar ou frustrar), cujo objeto é o pagamento de direito ou imposto. trata-se do denominado contrabando impróprio”. Numa visão sócio econômica acerca do crime de descaminho, pertinente as palavras de Noschang (2006, p. 191): “Desde a nossa formação econômica, o saque dos recursos naturais, a sabotagem aos meios de produção, a consciência nacional, longe de repudiá-las, mostra-se indiferente e, algumas vezes, até receptiva às ofensas dirigidas contra as normas reguladoras do comércio com o exterior. As nossas fronteiras, por seu turno, extensas e acidentadas, oferecem, ao tempo em que dificultam o policiamento, esconderijos e passagens ideais para os empresários e executores dos crimes em questão. O Brasil-Colônia assistiu ao saque do pau-brasil e depois do ouro; hoje são visados, além de minérios, produtos agrícolas, especificamente o café, burlando-se, ainda, quase impunemente, as medidas de proteção à indústria nacional. ” O legislador buscou proteger o produto nacional (agropecuário, manufaturado ou industrial) ao tipificar o delito de descaminho, assim como a economia nacional, seja através da elevação do imposto de exportação, com o intuito de fomentar o abastecimento interno, seja na diminuição ou isenção, com o intuito de estimular o ingresso de divisa estrangeira no país, segundo Prado (2009, p. 305). Greco (2007, p. 525) destaca que o sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, visto que o legislador não exigiu ao tipificar, nenhuma qualidade ou condição especial; o sujeito passivo neste contexto é o Estado, pois é este o lesado, deixando de arrecadar impostos devidos, afetando assim o seu interesse patrimonial. Prado (2009, p. 307) complementa tal assertiva destacando que sujeitos passivos são todos os entres federados, já que a fraude impede a arrecadação tributária desses entes, conforme o contido nos artigos 153, I e II, § 2º, IX, a e 158, IV, da Constituição Federal. O descaminho pode ocorrer mediante um meio fraudulento, como a declaração falsa sobre conteúdo de mercadorias que estão sendo transportadas, ou mesmo o seu valor (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 196). Prado (2009, p. 307) bem observa que devido à peculiaridade do delito, este é, via de regra, praticado por mais de um agente, podendo inclusive caracterizar o delito de quadrilha, dependendo das elementares presentes. Quanto a sua classificação, Nucci (2008, p. 1113), ensina: “Trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa); formal (crime que não exige, para sua consumação, resultado naturalístico, consistente na produção de efetivo dano para a Administração Pública) nas modalidades 'importar' e 'exportar'” O descaminho também é uma norma penal em branco, segundo Baltazar Junior (2010, p. 189), pois este delito nao é determinado de maneira precisa, carecendo então a proibição de um complemento através de outras normas legais, ao contrário das normas penais “fechadas”, onde se contém todos os elementos (descritivos, subjetivos e normativos) que são necessários à sua compreensão. Se a mercadoria for proibida de entrar ou sair do país, o simples fato de fazê-lo acontecer já consuma o descaminho, mesmo que nao se tenha produzido um resultado passível de realização fática. É formal por nao exigir para a sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico, de forma livre pois pode ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente, comissivo na forma importar e exportar, comissivo ou omissivo na forma de iludir o pagamento, a depender do caso concreto (NUCCI, 2008, p. 1113). O bem tutelado é o prestígio da Administração Pública, assim como o interesse sócio-estatal. O descaminho é visto como ofensa à soberania estatal, considerado um obstáculo à autodeterminação estatal, um empecilho à segurança nacional em sentido amplo (PRADO, 2009, p. 306). Quando o agente possui o dever jurídico de evitar o resultado consoante os termos do artigo 13 § 2.º do Código Penal, trata-se de crime omissivo impróprio ou comissivo por omissao. Como a consumação nao se prolonga no tempo, ocorrendo num momento determinado na importação ou exportação, é instantâneo. Ainda, é unissubjetivo, visto que pode ser cometido por um único agente, unissubsistente (praticado num único ato) ou plurissubsistente, visto que a ação do delito é composta de vários atos, permitindo assim o seu fracionamento, dependendo do caso concreto, conforme os apontamentos de Nucci (2008, p. 1113). […] o descaminho protege a regularidade fiscal em relação a tributos aduaneiros, tendo acentuada função extrafiscal, no sentido da proteção da indústria nacional e até mesmo da regularidade dos produtos internalizados, até mesmo do ponto de vista da segurança do consumidor (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 210). O verbo iludir (núcleo do tipo) que denota a idéia de engano ou fraude, segundo Prado (2009, p. 308) expressa o descaminho. Desta feita, infere-se que a conduta incriminada consiste em fraudar, no todo ou em parte, pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída, e pelo consumo da mercadoria. Assim, o tipo subjetivo encontra-se representado pelo dodo, manifestado na consciência e vontade direcionadas à importação ou exportação da mercadoria proibida, ou mesmo à fraude no recolhimento de impostos. No tocante ao dolo, Mirabete (2004, p. 376) assevera que “ quem pensa não ser proibida a mercadoria que importa ou exporta, sobre errar acerca de elemento essencial do tipo, não tem consciência da antijuridicidade do fato e sem isso não há dolo” e complementa ainda que “sem o ânimo de lesar o fisco não se tem como configurado o crime de descaminho, tanto mais quando cobrados pelo menos em parte os direitos relativos às mercadorias trazidas do estrangeiro”. O crime se consuma com a liberação da mercadoria na alfândega. Prado (2009, p. 308) explica que, no caso do descaminho ocorrer em outro local, este se realiza na modalidade de exportação, quando a mercadoria transpõe a linha de fronteira do território nacional, enquanto que, na hipótese de importação, a consumação se dá no momento em que o produto ingressa no país, mesmo se encontrando nos limites da zona fiscal. Assim, aduz Carvalho (1998, p. 4): “Enquanto o descaminho, fraude ao pagamento dos tributos aduaneiros é, grosso modo, crime de sonegação fiscal, ilícito de natureza tributária pois atenta imediatamente contra o erário público, o contrabando propriamente dito, a exportação ou importação de mercadoria proibida, não se enquadra entre os delitos de natureza tributária. Estes, precedidos de uma relação fisco-contribuinte, fazem consistir, o ato de infrator, em ofensa ao direito estatal de arrecadar tributos. Em resumo, o preceito contido nas normas tipificadoras dos delitos fiscais acha-se assentado sobre uma relação fisco contribuinte, tutelando interesses do erário público e propondo-se, com as sanções respectivas, a impedir a violação de obrigações concernentes ao pagamento dos tributos. Já o preceito inerente à norma tipificadora do contrabando visa a proteger outros bens jurídicos, que, embora possam configurar interesses econômico-estatais, não se traduzem em interesses fiscais. Inexiste uma relação fisco-contribuinte entre o Estado e o autor do contrabando. Proibida a exportação ou importação de determinada mercadoria, o seu ingresso ou a sua saída das fronteiras nacionais configura um fato ilícito e não um fato gerador de tributos” Ainda sobre a consumação, Prado (2009, p. 309) pondera: “No tocante à consumação do descaminho, quanto à importação de mercadoria, que está se perfaz quando o agente, ao atravessar as fronteiras, desvirtua-se da rota normal, no desiderato de não passar pela barreira alfandegária, para impedir que o fisco exija o pagamento do imposto devido; passa pelo porto aduaneiro, mas oculta a mercadoria conduzida, não conferindo chance ao fisco de conhecer da circunstância; ou mesmo, suborna o funcionário fiscalizador, par trazer a mercadoria sem o pagamento do imposto.” Vale lembrar que “protege-se, na verdade, a probidade de função pública, sua respeitabilidade, bem como a integridade de seus funcionários” (BITENCOURT, 2004, p. 484). 6 Natureza tributária e extinção da punibilidade Pagliaro & Costa Junior (2006, p. 208) comenta que, ao contrário do contrabando, o descaminho configura ilícito de natureza tributária, onde se apresenta uma relação fisco-contribuinte. Por sua vez, Callegari (1997) complementa ao dizer que a objetividade jurídica do descaminho é a proteção do interesse arrecadador estatal. Desta feita, o imposto devido é decorrente da introdução de mercadoria estrangeira no país. Silva (2003, p. 194) evidencia que não há qualquer protecionismo em relação ao crime de descaminho no que diz respeito à passividade da atuação administrativa do Fisco, pois sempre há interesse jurídico em reprimir qualquer conduta, “mesmo que de diminuta representatividade econômica”. Por ser uma fraude ao pagamento dos tributos e nítida a sua natureza tributária em face da relação fisco/contribuinte, desde 2007 a Sexta Turma do STJ, quando do julgamento do HC 48.805, proferiu em sua sentença que não há razão para se tratar o descaminho de maneira distinta. “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI N.º9.249/95. UBI EADEM RATIO IBI IDEM IUS. 1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral. 2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade. 3. Ordem concedida.” (Relator(a): Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Julgamento:25/06/2007 Órgão Julgador: T6 – SEXTA TURMA Publicação: DJ 19.11.2007 p. 294) – Descaminho (caso). Habeas corpus (cabimento). Matéria de prova (distinção). Esfera administrativa (Lei nº 9.430/96). Processo administrativo fiscal (pendência). Ação penal (extinção). “1. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance. Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de provas. Precedentes do STJ. 2. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83da Lei nº 9.430/96, há de se entender que a condição ali existente é condição objetiva de punibilidade, e tal entendimento também se aplica ao crime de descaminho (Cód. Penal, art. 334). 3. Em hipótese que tal, o descaminho se identifica com o crime contra a ordem tributária. Precedentes do STJ: HCs 48.805, de 2007, e 109.205, de 2008. 4. Na pendência de processo administrativo no qual se discute a exigibilidade do débito fiscal, não há falar em procedimento penal. 5. Recurso ordinário provido para se extinguir, relativamente ao crime de descaminho, a ação penal. (STJ – RHC 25228. Relator(a): Ministro NILSON NAVES Julgamento:27/10/2009 Órgão Julgador: T6 – SEXTA TURMA Publicação: DJe 08/02/2010) O presente julgado vem de encontro ao que Silva (2003, p. 198) expõe, quando diz que o argumento central de que “aplica-se o princípio da insignificância, em crime de descaminho, ao não pagamento de imposto em valor em relação ao qual o próprio Estado manifestou o seu desinteresse pela cobrança” (STJ, Resp 247.938/PR, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 21.08.2006, p. 279), não encontra o devido respaldo na realidade normativo-tributária do crime de descaminho, visto que o Fisco age independentemente do valor da mercadoria e aplicação da pena de perdimento, não havendo o ajuizamento de execuções fiscais. A fixação de um parâmetro objetivo e seguro para embasar a incidência do princípio da insignificância tem o escopo de “prevenir o escândalo político que resulta quando a jurisprudência massivamente muda de critério e considera atípica uma conduta que até esse momento qualificaria como típica” (ZAFFARONI, 2003, p. 224). Sobre o assunto, adverte Gomes (2009, p. 108): “o critério tributário é muito peculiar. Está regido por uma solução também muito particular. O valor do ajuizamento da execução fiscal, em síntese, não é um parâmetro válido para outros delitos”. Por ser o bem jurídico tutelado o erário público, o qual deixa de arrecadar quando o tributo é iludido, Callegari (2015) destaca que, nesta ótica, a mercadoria apreendida não pode ser critério informador de crime que seja enquadrado no princípio da insignificância, já que é em cima da mercadoria que incide o tributo, e será através deste tributo que o Estado deixa de arrecadar. O perdimento de bens, conforme as palavras de Ferreira (2007, p. 154) consiste em ação autônoma aplicada pela autoridade fazendária, sempre associada ao dano causado ao erário. Neste ínterim, não há que se falar em princípio da insignificância e perdão judicial quando se versa sobre os crimes de contrabando e descaminho. Alguns tribunais ainda julgam caber o princípio da insignificância em crimes que incorram em valores inferiores a vinte mil reais, mas esta mentalidade vem mudando e alguns tribunais já vem se afastando de tal pensamento, como é o caso do HC 48.805, mostrando que há uma nova tendência reconhecendo que o único bem jurídico protegido no delito em estudo seria exatamente a ordem tributária. Conclusão Ao analisar o artigo 334 do Código Penal, verifica-se a presença de duas figuras distintas: o contrabando, configurado como a conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, sem especificar quais são, colocando-o como uma norma penal em branco, e o descaminho é uma fraude fiscal, consistindo na ilusõ total ou parcial do pagamento de direito ou mesmo imposto devido em face da saída ou entrada de mercadorias, sendo essencialmente um crime tributário. Com a alteração advinda com a Lei 13.008/14, restou comprovado a diferença entre os crimes de contrabando e descaminho, portanto não há que se confundir as suas penas, pois com tal alteração legislativa, os mesmos se tornaram distintos e autônomos. No caso do crime de descaminho, mesmo sendo um delito de pequeno valor, o mesmo deve ser levado a termo, mesmo que seja apenas como uma forma de sanção pedagógica ao infrator, mas para mostrar que está se tentando realizar uma moralidade penal e administrativa, punindo a todos que cometem alguma espécie de delito, afastando o princípio da insignificância. Isto mostra que o Direito, em regra, não deve mais repelir o comportamento daqueles que deixam ilicitamente de cumprir com suas obrigações tributárias, pois se há o delito o mesmo deve ser sancionado, mostrando o reforço normativo e sancionador do Direito Penal, levando-se em consideração a posição adotada pelos tribunais, e quiçá estas decisões de não minimizar os crimes de descaminho passem a ser maioria na jurisprudência.
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A ilegalidade da cobrança do ICMS sobre a TUSD/TUST nas faturas de energia elétrica
O presente trabalho tem por objetivo mostrar a ilegalidade no pagamento da – TUSD/TUST – nas faturas de energia elétrica. definição o direito tributário na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o que é a TUSD/TUST, para isso trata dos princípios constitucionais orientadores da tributação no Brasil, trazendo à tona a lei, a doutrina e a jurisprudência para a definição e aplicação dos princípios tributários. Tanto doutrina quanto jurisprudência recentemente pacificaram o entendimento acerca do tema. Como a seguir será demonstrado, a cobrança de ICMS sobre a parcela da tarifa denominada TUSD/TUST é ilegal. O estudo mostra também as vias judiciais de suspender as cobranças e a forma de compensação tributária, quando o Estado afronta o Princípio da Legalidade cobrando do contribuinte em excesso. O método utilizado na fase de investigação é o indutivo.
Direito Tributário
Introdução O trabalho objetiva apresentar a ilegalidade na cobrança do ICMS sobre a TUSD/TUST com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1] e a sua incidência no direito brasileiro, de modo a preservar os direitos do contribuinte. Ao observarmos a base de cálculo do ICMS cobrando na fatura do consumidor, verificamos que esse imposto é calculado e incide sobre o valor total da fatura, ou seja, sobre o valor da TE (tarifa de energia), bem como sobre o valor da TUSD (uma vez que a cobrança final da conta de energia elétrica é a soma da TE e da TUSD). Para mostrar que é ilegal o tributo, primeiro destacamos um estudo da tributação na CRFB/88, em seguida os Princípios no Direito Tributário, bem como a concepção doutrinária, o entendimento dos Tribunais e a legislação tributária infraconstitucional. Avalia-se, por fim, o direito e a possibilidade de suspensão e compensação judicial do crédito tributário pelo contribuinte, em face do pagamento indevido. 1. A CONSTITUIÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se os princípios que conduzem o Estado no artigo 5º da CF: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” No art. 37, caput, da CFRB/88, estão definidos os princípios da Administração Pública, a saber: “Art. 37 – Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.” Sobre Direito Tributário Nogueira[2] afirma que “[…] é a disciplina da relação entre Fisco e Contribuinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições”. Para Machado,[3] o Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”. Como ilustração, destaca-se o seguinte artigo da Constituição Federal: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” Cretella Jr.[4] ressalta que “lei complementar é toda norma que completa disposição constitucional, seguindo, de modo preciso, o rito estabelecido na Constituição”. Assim, o tributo, como regra geral, tem que ser legislado a partir de lei complementar. Mostrado as normas que regula toda sociedade inicia na Constituição Federal com os Princípios Tributários, assim, é possível mostrar a ilegalidade que todo consumidor tem nas faturas de energia elétrica. 2. A ILEGALIDADE DO ICMS SOBRE A TUSD/TUST E O DIREITO DO CONTRIBUINTE/CONSUMIDOR A operação e administração da rede básica de energia elétrica, cujo acesso é livre a todos, é atribuição do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, que é a pessoa jurídica de direito privado autorizado pela União Federal a exercer tal função. A rede básica de energia elétrica, segundo definição da ANEEL, é constituída por todas as subestações e linhas de transmissão em tensões de 230 kV ou superior. É, em outras palavras, o sistema composto por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e extra altas. Para que fique inequivocadamente compreendido, veja-se, na ilustração abaixo, o que é a rede de transmissão básica[5]: Adiante segue organograma que facilitará a visualização sobre Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD/TUST)[6]: A par de suas características próprias, para fins jurídico-tributários, a energia elétrica sempre foi considerada como mercadoria, sujeita, portanto, à incidência do ICMS. Na dicção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a energia deve ser assim considerada porque “é objeto de comércio; é mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no mercado, inclusive para fins tributários (art. 155, § 2o, "b", da CB/88 e art. 34, § 9o, do ADCT)”. (Ação Rescisória nº 1.607/MS, Plenário do STF, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 30.03.2006). Por sua vez, ao definir as hipóteses de incidência do ICMS, a Lei Complementar nº 87/96 cuidou de abranger, conforme o previsto no art. 155, inciso II da Constituição Federal, tão somente as operações relativas à circulação de mercadorias. Esta é a expressa determinação do artigo 2º da referida Lei Complementar, conforme abaixo: “Art. 2º – O imposto incide sobre: I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; (…).” Consequentemente, o fato gerador do imposto só pode ocorrer, in casu, pela entrega da energia ao consumidor, não sendo outra a disposição constante do art. 12, inciso I da Lei Complementar nº 87/96: “Art. 12 – Ocorre o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”. A própria Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL comunga deste entendimento, esboçado em sua Resolução nº 414/2010[7], esclarecendo, para fins de responsabilidade, o momento em que ocorre a transferência da mercadoria (energia elétrica) para o consumidor, senão confira-se: “Art. 14. O ponto de entrega é a conexão do sistema elétrico da distribuidora com a unidade consumidora e situa-se no limite da via pública com a propriedade onde esteja localizada a unidade consumidora, exceto quando: (…) Art. 15. A distribuidora deve adotar todas as providências  com vistas a viabilizar o fornecimento, operar e manter o seu sistema elétrico até o ponto de entrega, caracterizado como o limite de sua responsabilidade, observadas as condições estabelecidas na legislação e regulamentos aplicáveis.” O valor total de cada fatura elétrica, no qual incide o ICMS, é composto  por duas tarifas, sendo elas a TE (Tarifa de Energia), e a TUSD/TUST (Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão), que inclui inúmeros custos relacionados a atividade de transmissão e distribuição de energia elétrica conforme art. 12 da Resolução Normativa nº 166, de 10 e outubro de 2005. Frisa-se que a TUST – Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão está embutida no valor total da TUSD, nos termos do §2º do art. 12 acima citado. A TUSD como cálculo do preço do transporte de energia foi legislado pelo § 6º do art. 15 da Lei nº 9.074/95: “Art. 15. Respeitados os contratos de fornecimento vigentes, a prorrogação das atuais e as novas concessões serão feitas sem exclusividade de fornecimento de energia elétrica a consumidores com carga igual ou maior que 10.000 kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69 kV, que podem optar por contratar seu fornecimento, no todo ou em parte, com produtor independente de energia elétrica.      (…) § 6o É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente.” Na Resolução Homologatória nº 1.617, de 17 de setembro de 2013, elaborada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – fica claro que a tarifa final de energia elétrica paga pela Impetrante é composta da TE e da TUSD. Verificamos que esse imposto é calculado e incide sobre o valor total da fatura, ou seja, sobre o valor da TE, bem como sobre o valor da TUSD. O ICMS deve incidir (ter como base de cálculo) tão somente o valor da TE. O imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços tem por base de cálculo o valor da operação relativa à circulação da mercadoria ou o preço do respectivo serviço prestado, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 406/68: “Art. 2º – A base de cálculo do imposto é: I – O valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; II – Na falta do valor a que se refere o inciso anterior o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; III – Na falta do valor e na impossibilidade de determinar o preço aludido no inciso anterior: (…)”. Nota-se que a Tarifa pelo Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) não é paga pelo consumo de energia elétrica, mas pela disponibilização das redes de transmissão de energia. Assim, como o encargo de conexão, não se pode admitir que referida tarifa seja incluída na base de cálculo do ICMS, uma vez que estes não se identificam com o conceito de mercadorias ou de serviços. Aplicável ao caso, conforme os tribunais e a doutrina, a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça, que determina: “Súmula nº 166 – Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Nesse sentido, escreve o consagrado Machado[8]: “As prestações de serviços sujeitas ao ICMS são aquelas relativas a transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, exclusivamente. A competência para tributar os serviços em geral permanece com os Municípios. Daí ser inadmissível a inclusão, mesmo através de lei complementar, do valor de determinados serviços na base de cálculo do ICMS.” Pela não incidência do ICMS sobre a TUSD/TUST, escreve o renomado Tributarista Palsen[9]: “Transmissão e distribuição de energia elétrica. 'As linhas de transmissão e de distribuição são meios necessários para a propagação do campo elétrico gerado na fase de geração de energia elétrica, produzindo efeitos nos elétrons livres existentes na fiação da residência do consumidor. esse passo, inexistindo qualquer prestação de serviço de transporte nas linhas de transmissão e distribuição, concluímos que a atividade praticada pelas concessionárias não se subsume ao aspecto material do ICMS. Portanto as receitas auferidas pelas concessionárias de transmissão e distribuição a título de encargos de conexão e uso da rede não devem fazer parte da base de cálculo do ICMS incidente sobre a prestação de serviço de transporte intermunicipal e interestadual' (Neto, horário Villen. A Incidência do ICMS na Atividade Praticada pelas Concessionárias de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica. RET nº 32, jul/ago/03, p. 41). Não-incidência sobre a TUSD e a TUST. "(…) como a Constituição e a LC nº 87/96 provêem a incidência do ICMS sobre o efetivo fornecimento de energia, no novo modelo setorial, não se enquadra na hipótese de incidência desse imposto (disponibilizar o uso da rede é diferente de fornecer energia). (…) Enquanto a Constituição Federal e a legislação complementar determinarem que o ICMS incide sobre o efetivo fornecimento de energia e que a sua base de cálculo é o preço da operação da qual decorrer a saída (operações internas ou a entrada (operações interestaduais) da energia, as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão não serão passíveis de incidência desse imposto estadual' (Saliba, Luciana Goulart F.; Rolim, João Dárcio. Não-incidência do ICMS sobre as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) de energia elétrica. RDDT 122/50, nov/05). Com todo fundamento acima os consumidores tem também a Lei nº 8.078/90 como garantia. O Código de Defesa do Consumidor assim aponta o direito: “Art. 6º. São direitos do consumidor: (…) IV – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços. Art. 51 – (…) § 1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:  (…)  III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares.” O mesmo Código de Defesa do Consumidor ainda prevê no seu art. 4º: “Art. 4º. A Política de Relação de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor; (…) VI – coibição e repressão eficientes de tosos os abusos praticados no mercado de consumo.” Desta forma, todo consumidor, ao se sentir lesado, pode buscar a proteção nos Princípios Constitucionais via judicial. 3. A TESE DO JUDICIÁRIO No tocante a jurisprudência relativa ao presente tema, sabe-se que hoje existem três seções especializadas de julgamento no Superior Tribunal de Justiça – STJ. Cada seção é formada por duas turmas especializadas, sendo cada turma integrada por cinco Ministros. A Primeira e a Segunda turma compõem a Primeira Seção, especializada em matérias de Direito Público. A Terceira e a Quarta turma, que compõe a Segunda Seção, são especializada em Direito Privado. Já a Quinta e a Sexta turma, a Terceira Seção, especializada em matérias de Direito Penal. Assim, apenas a 1ª e 2ª Turma do STJ possuem competência para apreciar matérias de Direito Tributário (Público), como o caso de incidência de ICMS sobre a TUSD. Ambas as turmas (1ª e 2ª) já possuem jurisprudência sedimentada sobre o presente tema, rechaçando a possibilidade de incidência de ICMS sobre a TUSD. Destacamos os seguintes julgados, ambos recentes, sobre o tema, frisando que ambos tiveram votações unânimes: STJ – Acórdão da Primeira Turma: “Ementa – TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO CONTRIBUINTE DE FATO. UTILIZAÇÃO DE LINHA DE TRANSMISSÃO E DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. ICMS SOBRE TARIFA DE USO DOS SISTEMAS DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD). IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL. 1. O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, e não do serviço de transporte de transmissão e distribuição de energia elétrica, incidindo, in casu, a Súmula 166/STJ. Dentre os precedentes mais recentes: AgRg nos EDcl no REsp 1267162/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24/08/2012. 2. A Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.299.303/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.8.2012, na sistemática prevista no art. 543-C do CPC, pacificou entendimento no sentido de que o usuário do serviço de energia elétrica (consumidor em operação interna), na condição de contribuinte e fato, é parte legítima para discutir a incidência do ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica ou para pleitear a repetição do tributo mencionado, não sendo aplicável à hipótese a orientação firmada no julgamento do REsp 903.394/AL (1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 26.4.2010 – recurso submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC). 3. No ponto, não há falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal), tampouco em infringência da Súmula Vinculante nº 10, considerando que o STJ, o apreciar o REsp 1.299.303/SC, interpretou a legislação ordinária (art. 4º da Lei Complementar nº 87/96). 4. Agravo regimental não provido” ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima (Presidente) e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 07 de fevereiro de 2013 (Data do Julgamento). Ministro Benedito Gonçalves – Relator.” (STJ – AgRg no Recurso Especial nº 1.278.024/MG (2011/0140633-7). STJ – Acórdão da Segunda Turma: “Ementa – PROCESSUAL   CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. TRANSMISSÃO EDISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. SÚMULA 166/STJ.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA7/STJ. 1. O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, e não do serviço de transporte de transmissão e distribuição de energia elétrica. Desse modo, incide a Súmula 166/STJ. 2. Ademais, o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS. […] 6. A agravante reitera, em seus memoriais, as razões do Agravo Regimental, não apresentando nenhum argumento novo. 7. Agravos Regimentais do Estado de Minas Gerais e da empresa não providos.” (AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012). Decisão Unânime. E mais recentemente, confirmando sua jurisprudência já sedimentada, decidiu o STJ, em 02 de abril de 2015: “Ementa – PROCESSE CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ICMS SOBRE "TUST" E "TUSD". NÃOINCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO JURÍDICA DA MERCADORIA. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. Colhe-se do julgado: Não prospera a pretensão recursal. É entendimento pacifico desta Corte Superior que não fazem parte da base de cálculo do ICMS a TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e a TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica). (…) Ante o exposto, com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, não conheço do recurso especial. Publique-se. Brasília (DF), 02 de abril de 2015. Ministro HUMBERTO MARTINS Relator.”REsp nº 1.408.485 /SC (2013/0330262-7), Recorrente: Estado de Santa Catarina.” Com todas as ferramentas em mãos, os Tribunais Regionais estão seguindo o STJ e podemos ver que todo consumidor esta sendo protegido quando busca o judiciário, assim podemos ver: “EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – DÉBITO FISCAL – ICMS – BASE DE CÁLCULO – TARIFA PELO USO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (TUSD) – ENCARGOS – DESCABIMENTO. A base de cálculo do ICMS é formada pelo valor da operação relativa à circulação da mercadoria ou pelo preço do  respectivo serviço prestado, hipótese na qual não se enquadra a tarifa de uso do sistema de distribuição nem os encargos de conexão. A Tarifa pelo Uso do Sistema de Distribuição não é paga pelo consumo de energia elétrica, mas pela disponibilização das redes de transmissão de energia. Assim, com os encargos de conexão, não se pode admitir que a referida tarifa seja incluída na base de cálculo do ICMS, uma vez que estes não presumem a circulação de mercadorias ou de serviços. A base de cálculo do ICMS deve se restringir à energia consumida, não abrangendo as Tarifas de Uso e Distribuição de Energia Elétrica.” (TJ-MG – Apelação Cível nº 1.0024.12.073395- 1/003, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, Data de Julgamento: 27/03/2014, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL). “EMENTA – TRIBUTÁRIO – ICMS – ATIVIDADES DE DISPONIBILIZAÇÃO DO USO DAS REDES DE TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO  DE  ENERGIA  ELÉTRICA  –  TUST  E  TUSD  – NÃO INCIDÊNCIA – ALEGADA ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO CONSUMIDOR FINAL – DISTRIBUIDORA – MERA RESPONSÁVEL PELO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – POSIÇÃO DE NEUTRALIDADE – RESTRIÇÕES PREVISTAS NO ART. 166 DO CTN. INAPLICABILIDADE. 1. As atividades de disponibilização do uso das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, remuneradas pela TUST e TUSD, não se subsumem à hipótese de incidência do ICMS por não implicarem circulação da mercadoria. Esses serviços tão e simplesmente permitem (atividade-meio) que a energia elétrica esteja ao alcance do usuário. 2. A distribuidora de energia elétrica, por não realizar qualquer operação mercantil, não guarda relação direta e pessoal com o fato gerador do tributo, motivo pelo qual não se enquadra na concepção de contribuinte (de direito/direto), estatuída pelo art. 121, I, do Código Tributário Nacional. Certo é, portanto, que o Legislador Constituinte escolheu a distribuidora como responsável pelo recolhimento do tributo (ADCT, art. 34, § 9º), por pura questão de política fiscal (de facilidade de arrecadação do tributo), obrigação que deveria, a rigor, ser suportada pelas produtoras de energia elétrica ou mesmo pelo próprio consumidor final. Nessa perspectiva, motivos não há para impedir-se o consumidor final – que, em último plano, é quem suporta, por certo, o tributo – em figurar no polo passivo da ação na qual se discute a higidez da exação (ou mesmo sua repetição) tão e simplesmente diante do contido no art. 166 do Código Tributário Nacional. Até mesmo porque, nesse caminhar, chegar-se-ia a absurda situação de total inviabilidade de discutir-se em juízo a questão, justamente em face do absoluto papel de neutralidade  da distribuidora na cadeia de propagação do tributo.” (TJ/SC -AC 173809 SC 2010.017380-9, Rel. Luiz Cézar Medeiros, Julgamento: 11/01/2012, Terceira Câmara de Direito Público). DECISÃO: Acordam os integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento a fim de conceder a antecipação da tutela jurisdicional para que seja suspensa a cobrança de ICMS sobre encargos de transmissão e conexão na entrada de energia, especialmente as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) ou Distribuição (TUSD). EMENTA: TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 273, I, DO CPC. FATURAS QUE COMPROVAM A COBRANÇA DE ICMS SOBRE A TOTALIDADE DOS ENCARGOS PAGOS PELOS AGRAVANTES. ENCARGOS DE TRANSMISSÃO E CONEXÃO NA ENTRADA DE ENERGIA. AS TARIFAS DE USO DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO (TUST) OU DISTRIBUIÇÃO (TUSD). NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS. ENTENDIMENTO DO STJ E DESTE TRIBUNAL. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES VERIFICADA. RISCO DESNECESSÁRIO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO PELA CONTINUIDADE DA COBRANÇA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA QUE DEVE SER CONCEDIDA PARA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DA COBRANÇA. RECURSO PROVIDO.” (TJPR – 2ª C.Cível – AI – 1291153-2 – Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina – Rel.: Silvio Dias – Unânime – – J. 10.03.2015). (TJ-PR – AI: 12911532 PR 1291153-2 (Acórdão), Relator: Silvio Dias, Data de Julgamento: 10/03/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1532 24/03/2015). No mesmo norte das decisões já colacionadas, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, por intermédio da Turma de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Público e Coletivo, assim vem decidindo, em razão de concessão de liminares idênticas: “As impetrantes demonstraram, com as faturas de energia elétrica juntadas com a inicial (fls. 25/27/TJ), referentes às unidades consumidoras de suas responsabilidades, que o ICMS está incidindo sobre o valor total da fatura, inclusive sobre o valor cobrado a título de “TUSD” (Tarifa de Uso dos Sistemas Elétricos de Distribuição). Considerando que os custos com a utilização de linhas de transmissão de energia elétrica não integram a mercadoria comercializada, e que o ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, ou seja, a energia elétrica efetivamente consumida, e não os serviços de distribuição e transmissão vislumbro o pressuposto do relevante fundamento exigido pela Lei nº 12.016/2009, necessário para ensejar o deferimento da liminar pleiteada.” (MANDADO DE SEGURANÇA, Numeração do Protocolo: 109379, Ano: 2013, julgado na TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS PÚBLICO E COLETIVO, Relatora: Dra. Vandymara G. R. P. Zanolo, disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico/TJ-MT, edição nº 9.149, em 03/10/2013 a r. decisão do Relator, do processo nº 109379/2013). Assim, vemos que a jurisprudência relativa ao tema aqui abordado é pacífica, sendo medida de justiça à imediata cessação da ilegalidade cometida pelo Fisco Estadual e suportada pelo consumidor de energia elétrica.  A conclusão final se reforça, em face da existência, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei Complementar nº 352/2002 sobre encargos de transmissão e distribuição de energia. Tal PLP foi Transformado na Lei Complementar 138/2010 (DOU 29/12/2010, página 01, COL 01), que, em sua redação final, não obteve o êxito inicialmente buscado (TUSD/TUST não integra base de cálculo de ICMS). A Constituição Federal garante a todos isonomia, direitos e garantis. Assim, Schoueri[10] faz a seguinte ressalva: “A expressão “direitos e garantias” é repetida pelo legislador constituinte no artigo 60, § 4º, IV, que dispõe sobre as “cláusulas pétreas”, cujas matérias não podem ser objeto de emenda constitucional”. Com base nos julgamentos acima, todos são iguais em face da Magna Carta. Então, o consumidor só deve pagar pelo que, legalmente, esteja consumindo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os consumidores finais de energia elétrica estão sendo lesados, motivo pelo qual deve ser concedido direito de determinar que a autoridade coatora (Estado) abstenha-se de cobrar ICMS sobre a tarifa de uso do sistema de distribuição, identificada nas faturas pela rubrica energia elétrica uso sistema. Esta definido em nosso Tribunal Superior de Justiça que o ICMS há de incidir tão somente aos valores relativos a Taxa de Eenergia. Cabe ao judiciário aplicar os Princípios Constitucionais em favor do consumidor e fazer as empresas que distribuem energia elétrica recolher das suas receitas os encargos, podendo o contribuinte lesado pedir a suspensão e a repetição indébito junto a cada Estado (devolução). Por fim, o ICMS incide quando a energia elétrica (mercadoria) circula, sendo esse o fato gerador desta espécie de imposto, não sendo fato gerador de ICMS o serviço de transporte e distribuição de energia elétrica.
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Da possibilidade jurídica de aplicação de ISSQN progressivo
O atual estudo surge para levar luz a um assunto que poucos discutem em nosso ordenamento jurídico, a respeito do tema poucos são os doutrinadores que encontramos debatendo, mesmo nos tribunais ainda não se tem um posicionamento ou pacificação do tema. Tendo em vista se tratar de um artigo cientifico, o estudo por meio da ciência busca levantar questionamentos, novos temas e duvidas para que os docentes ou, discentes que o leiam não apenas concordem com o mesmo mas, tirem suas próprias conclusões e, busquem por meio desse modesto trabalho aperfeiçoar o conhecimento e, cada vez colaborar mais para a ciência jurídica. Trataremos então da possibilidade jurídica do ISSQN progressivo. As principais fontes de matéria tributária no Brasil são a Constituição Federal, entre os artigos 145 a 169, em seu Título VI, denominado "Da tributação e do orçamento" e o Código Tributário Nacional. Com efeito, o presente trabalho visa a aplicação de uma alíquota sócio-econômica relativo aos serviços abrangidos pelo ISSQ. A proposta funda-se na LC 123/2006do qual traz em seu bojo alíquotas diferenciadas conforme o faturamento da empresa. Neste sentido, sendo o ISSQN tributo de competência do município, porque este é o ente titular do direito, chegamos a conclusão de que se a União que não é ente tributante originário e nem possui competência para orbitar neste tributo, aplica alíquotas diferenciadas, porque o Município não poderia aplicar também. E é em face de possibilidade jurídica de aplicação de alíquotas diferenciadas é que se propõe esta obra fundando-se em decisão de tribunal aonde não rechaça tal aplicabilidade.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO O direito tributário é o ramo pertencente ao direito público, do qual impõe a supremacia do interesse público em relação ao interesse particular. Em razão disso, não há que se falar em autonomia da vontade no pagamento de tributos. Os sujeitos da relação jurídica, tanto as relações de credito quanto as de debito são previstos na norma vigente. Outrossim, para sua manutenção, o Estado necessita de recursos materiais para prover sua estrutura, assim como faculta ao cidadão direitos e deveres em face do fisco. A principal fonte do Estado são as chamadas receitas públicas, mormente as derivadas, que provem das arrecadações impostas aos contribuintes, delas saem a riqueza para suas atividades financeiras ao estruturarem e organizarem suas demandas.  Por meio dos nossos tributos o Estado nos devolve em serviços nas searas da segurança, da saúde e da educação, dentre outras searas, visando manter um padrão social para que todos possam viver dignamente. O direito tributário é chamado por alguns como direito fiscal sofrendo das influências francesas (Droit Fiscal) e, inglesas, (Fiscal Law), para nosso ordenamento esta consagrado como “Direito Tributário” previsto na Emenda constitucional nº18/65 e, após, no próprio Código Tributário Nacional lei 5.172/66. O presente trabalho debruça-se neste liame: justa arrecadação e prestação. Para tal, vislumbre-se uma possibilidade de melhorar essa dicotomia no afã de incentivar o contribuinte a contribuir com uma contrapartida tributária sócio-econômica. A proposta nasce na origem, aonde tudo acontece, e aonde menos se arrecada: no Município e no Distrito Federal. Estes entes públicos possuem uma pequena gama de tributos de sua competência originária e para esse trabalho trabalharemos com o tributo denominado ISSQN (Imposto Sobre Serviços de qualquer Natureza) tal tributo é um dos carros chefes do Município e do Distrito Federal e suas alíquotas mínimas são definidas pela Emenda Constitucional 37/2002, em seu artigo 3º, incluiu o artigo 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fixando a alíquota mínima do ISS em 2% (dois por cento), a partir da data da publicação da Emenda (13.06.2002), podendo ser reduzida para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968. E como alíquota máxima  foi fixada em 5% pelo artigo 8º, II, da Lei Complementar nº 116/2003.  Cabe aos Municípios, livremente determinar as alíquotas em relação aos serviços com base nestes limites. O que é um tributo progressivo ou regressivo, a Câmara dos Deputados define da seguinte forma: “Tributos regressivos são aqueles em que a alíquota diminui à proporção que os valores sobre os quais incide são maiores, ou seja, têm relação inversa ao nível de renda do contribuinte. Já os impostos progressivos são aqueles em que a alíquota aumenta à proporção que os valores sobre os quais incide são maiores, mantendo uma relação positiva com o nível de renda. Na medida em que a renda aumenta, o contribuinte paga mais imposto. Ex.: Tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, cuja alíquota varia de 15% a 27,5%, conforme a renda”[1].  Diante deste quadro, sendo o ISSQN um tributo de competência originária dos Municípios e do Distrito federal, entretanto com o advento da Lei Complementar 126/2006 (Lei das Microempresas) a União passou a ter uma autonomia extraordinária em relação à este tributo quando passou a conferir-lhe um caráter progressivo, em virtude dessa divergência jurídica passaremos a aduzir este trabalho. 2.TRIBUTOS E SUA NATUREZA JURÍDICA  Conforme dispõe o art.3 do CTN, “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. De forma breve mais seguindo os moldes doutrinários vamos aprofundarmos nos elementos do citado artigo: prestação pecuniária é a obrigação de prestar dinheiro ao Estado, de acordo com o art.162,I, do CTN, o pagamento é efetuado em moeda corrente, cheque ou vale postal. A compulsoriedade deriva da legalidade (art.5,II,CF) prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, em razão disso, não há que se falar em autonomia da vontade no pagamento de tributos. O tributo é prestação instituída por meio de lei, sendo, portanto, obrigação ex lege. Define o art.142 do CTN “o lançamento é procedimento de exigibilidade do tributo, mostrando-se como atividade administrativa plenamente vinculada”.  A natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação tributaria e não pela denominação formal do produto. Portando é direito publico, obrigacional e comum. (art.4 do CTN) 2.1. Da espécie de tributo denominada imposto Imposto é tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa a vida do contribuinte, a sua atividade ou a seu patrimônio. Características do imposto: unilateral, não vinculado, não contraprestacional, inespecífico, indivisível, incidência com o fato gerador. Passemos direto para a classificação dos impostos, visto que essa parte é de suma importância e, interesse para o artigo. Quanto a classificação podemos ter impostos: diretos e indiretos, pessoais e reais, fiscais e extrafiscais, impostos divididos segundo classificação do CTN, progressivos, proporcionais, fixos e seletivos.  Ricardo Alexandre[2] define imposto como: “os impostos são, por definição, tributos não vinculados que incidem sobre manifestação de riqueza do sujeito passivo (devedor)”  Neste esteio, os entes tributantes possuem competência ordinária e extraordinária para sua aplicação. O caso de nosso estudo, o ISSQN possui competência originária dos municípios e Distrito Federal. Entretanto a União, por força da lei 126/2006 tem aplicado à este imposto uma alíquota diferenciada em relação ao faturamento da empresa. Com efeito, o Art. 146, III, a da CF, dispõe sobre criação de impostos e sua regulamentação e no caso alhures a proposta para progressividade do ISSQN não ilide a rega posta. .2.1.1. Impostos Diretos e Indiretos  Direto é aquele que não repercute, uma vez que a carga econômica é suportada pelo contribuinte, ou seja, por aquele que deu ensejo ao fato imponível (exemplos: IR, IPTU, IPVA, ITBI, ITCMD etc). Indireto é aquele cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato gerador. (exemplos: ICMS e IPI). 2.1.2. Impostos Pessoais e Reais  Os pessoais levam em conta as condições particulares do contribuinte, ou seja, esse imposto possui um caráter eminentemente subjetivo (exemplo: impostos sobre a renda). Já os reais são aqueles que levam em consideração a matéria tributaria, isso é o próprio bem ou coisa, sem cogitar das condições pessoais do contribuinte (exemplos: salvo o IR, todos os demais). 2.1.1.3. Impostos Progressivos e Proporcionais.  A progressividade se mostra na incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se da na medida em que se majora a base de calculo do gravame. Existem 2 tipos de progressividade: fiscal e extrafiscal, a primeira diz respeito a quem “quanto mais se ganha, mais se paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, esse tipo de imposto permite termos a seguinte visão, teremos uma riqueza tributável maior, e poderemos presumir o grau de riqueza do contribuinte. A progressividade extrafiscal já possui caráter mais regulatório. Consoante previsão explicita na Carta Magna, temos três impostos dentro desse rol (IR, IPTU, ITR). A proporcionalidade é obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre uma base tributável variável, tem por objetivo atender ao principio da capacidade contributiva. Desse modo, tal sistemática faz com que ela seja uma constante, e a base de calculo, uma variável, a alíquota manterá sempre o mesmo percentual (exemplos: ICMS, IPI, ITBI, ITCMD, etc). note-se que a proporcionalidade não vem explicita no texto constitucional, assim como a progressividade. 3. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: A EQUIDADE E A TRIBUTAÇÃO JUSTA  Previsto no art.145.§1°, da CF/88 como projeção do postulado da isonomia tributaria, tem por objetivo a consecução do ideal de justiça fiscal ou extrafiscal ou justiça distributiva. Nesse sentido, diz-se que o princípio da capacidade contributiva esta profundamente ligada ao princípio da igualdade. Para que tal igualdade seja alcançada por esse princípio é importante fazermos um estudo a respeito da possibilidade de concretização da capacidade contributiva, por meio de três meios: progressividade, proporcionalidade, seletividade.  O sistema tributário e sua evolução, passam obrigatoriamente pela discussão dos conceitos de “justiça fiscal” e de capacidade contributiva. É necessário e não utopia que um sistema tributário justo, seria aquele que determinasse que “quem ganha mais, deve pagar mais”. A justiça fiscal, embora tenha suas raízes originadas dentro do universo tributário, só pode ser completamente implementada e aceita, quando compreendida à luz da justiça social. A constituição federal, estabelece em seu artigo 145 que: “Art.145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: §1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. (g.n.)  Outrossim, a professora, magistrada e doutrinadora Regina Helena Costa[3], deflui em sua obra que capacidade contributiva: “a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário, para suportar a carga tributaria, numa obrigação cujo objeto é o pagamento de imposto, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação”. Posto isto, o imposto deve ser graduado em conformidade coma a capacidade contributiva do sujeito passivo e em relação a sua atividade positiva. Assim sendo a progressividade tornaria mais equânime a aplicação tributária com um revestimento de justiça social eivada em relação a capacidade do contribuinte. 4. O TRIBUTO ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) E SUA PROGRESSIVIDADE  O ISSQN é um tributo de competência originária do Município e do Distrito Federal, cabendo à este entes federativos determinarem sua alíquota (dentro dos limites estabelecidos), os sujeitos, os fatos geradores e a base de cálculo. Até o presente, o ISSQN tem o condão de tributo indireto e não progressivo, mas a lei 9.317/96 criou uma atividade anômala para esta espécie tributária quando estabeleceu na LC 123/2006 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno porte) possibilidade de progressividade deste tributo em relação a receita bruta da empresa, parece-nos o mesmo tratamento inicial dado ao IPTU, quando aplicaram a progressividade em conformidade com o valor do bem e a localização e causou uma estapafúrdia jurídica.  Entretanto, as decisões históricas sobre o entendimento dominante no STF orbitam em sentidos antagônicos, ou seja, no início era o que a capacidade contributiva dos impostos reais era atendida pela proporcionalidade. Neste sentido, o STF editou a súmula 656 (inconsticionalidade da progressividade do ITBI com base no valor venal do imóvel) esta Súmula (que dizia ser inconstitucional a lei que, anterior à EC 29/2000, tornava o IPTU progressivo, a não ser para atender a função social da propriedade).Quer dizer, em tese, antes da EC 29/2000, o STF fazia uma interpretação literal da CF/1988 em seu art. 145, § 5º (impostos terão caráter pessoal, etc…). Ou seja, somente impostos pessoais podiam ser atendidos pela progressividade. Impostos reais não tinham essa possibilidade. Entrementes, em 2013 o STF afirmou que é constitucional o sistema progressivo de alíquotas para o ITCMD! (Informativo 694 do STF – ITCMD e alíquotas progressivas – RE 562045/RS, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 6.2.2013. (RE-562045)[4]. Já que o STF entendeu que os impostos reais podem ter alíquotas progressivas, independentemente de previsão constitucional (que prevalecia apenas para o IPTU na EC 29/2000, entendimento antigo), Estados e Municípios poderão alterar suas leis para tornar seus impostos reais calculados com alíquotas diferenciadas? Assim sendo, sendo o STF tornou legal e possível a progressividade do ISSQN em face das decisões controversas à Sumula 656[5]. do STF, contrárias à progressividade fiscal, referem-se àqueles tributos classificados como DIRETOS, ou seja, que incidem sobre o patrimônio. Logo, não é o caso do ISSQN.  O que estou querendo dizer é que a exigência da "autorização constitucional expressa" somente vale para os tributos diretos, caso do IPTU e ITBI. Para os tributos indiretos, a progressividade fiscal acaba decorrendo automaticamente do artigo 150, §1º, CF, que versa sobre o princípio da capacidade contributiva. Agora, o que pode atrapalhar a instituição de alíquotas progressivas municipais no campo do ISSQN (baseada no preço do serviço ou na receita bruta acumulada) é a ausência de previsão (ou autorização) na LC 116/2003. Além disso, outro impedimento estaria, a meu ver, na transformação (inconstitucional) do ISSQN em imposto sobre "receita bruta" e não sobre "preço do serviço", caso a progressividade decorra daquele critério (receita).  Enfim, pelo motivo de progressividade do ISSQN dentro do Simples Nacional (capacidade contributiva e previsão em lei complementar); que não é ente competente para tributar ISSQN o que dirá ao ente competente os Municípios passarem a ter a capacidade tributária ativa de instituir a progressividade ou regressividade do referido imposto.  Afinal de contas, no regime do Simples Nacional ele é progressivo, vez que as suas alíquotas variam conforme a receita bruta acumulada da ME/EPP dos últimos doze meses, ou seja, quem fatura mais, proporcionalmente paga mais ISS.  Alguns poderão dizer que o referido fundamento não se aplica ao SUPERSIMPLES, que – por força constitucional – é um regime diferenciado e, portanto, pode adotar a progressividade.  No voto-vista, proferido pelo Ministro Moreira Alves, RE 562.045 / RS que acabou sufragado, em votação majoritária, pelo Plenário da Casa, ficou assentado que: “Por outro lado, em face desse dispositivo, não se pode pretender que a expressão 'sempre que possível' se refira apenas ao caráter pessoal do imposto, e que, por isso, o princípio da capacidade contributiva seja aplicável a todos os impostos ainda quando não tenham caráter pessoal, como sustentam Américo Lacombe e José Maurício Conti, citados no voto do eminente relator. De feito, a parte final do dispositivo em causa repele essa conclusão, porque a Constituição atribui à administração tributária a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, 'especialmente para conferir efetividade A ESSES OBJETIVOS', ou seja, ao objetivo de que os impostos, se possível, tenham caráter pessoal e ao de que esses impostos com caráter pessoal sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, certo como é que essa faculdade de identificação só tem sentido quando se trata de imposto de caráter pessoal, ou seja – na definição de GIANINI (Istituzioni di Diritto Tributario, reimpressão da 9ª ed., p.159, Dott A Giuffrè Editore, Milano, 1974) -, 'aqueles que alcançam o conjunto de rendimentos ou de bens do contribuinte, ou também uma parte destes, mas enquanto dizem respeito a uma dada pessoa, levando em conta, em medida mais ou mesmo ampla, as suas condições'. 0 mesmo não ocorre, evidentemente, com os impostos de caráter real que – também na definição de GIANINI (Ob. Cit., ibidem) – são os que 'alcançam bens singulares ou rendimentos ou também grupos de bens ou de rendimentos, considerados na sua objetividade, sem levar em conta a condição pessoal do sujeito passivo do imposto'" 5. CONCLUSÃO  Face o presente estudo, torna-se extremamente questionável a formula adotada atualmente para o estabelecimento das alíquotas do imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. A legislação municipal atual, cria uma lista de serviços, trazida da lei complementar 116/2003 (lei federal) e estabelece em seu anexo I que as alíquotas do ISSQN serão de 2% ou de 5% de acordo com a atividade realizada pelo contribuinte, sem levar em consideração a sua capacidade contributiva. Tal distorção já foi corrigida pelo Governo Federal, que estabeleceu na lei 123/2006 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) que as empresas sujeitas ao sistema do “Simples Nacional” devem recolher o ISSQN, segundo uma tabela progressiva, de acordo com os anexos III e IV da mesma.  Desta forma, abre precedente par o Poder Executivo Municipal propor, uma progressividade de alíquotas do qual adequar-se-ia ao Princípio da Capacidade Contributiva: a equidade e a tributação justa adequando a função social do tributo quando aplica a progressão ou regressão em função da capacidade contributiva do contribuinte possibilitando desta forma, proporcionar capacidade financeira da empresa para prover geração de emprego e renda além de promover a possibilidade de existência da empresa com uma tributação mais justa e adequada a realidade financeira da empresa.  A arrecadação ocasionará, uma modernização de seu sistema tributário, aplicando conceitos de capacidade contributiva e de justiça fiscal, já adotado, há muito tempo, pelo Governo Federal. Fazendo com que a carga tributária se torne menos onerosa para as pessoas físicas ou jurídicas em conformidade com sua produção sócio-econômica. O STJ manifestou-se em julgamento sobre o tema sem atacar a legalidade da criação e aplicação, o que nos parece um ponto importantíssimo pois não há o que se falar em ilegalidade quando prevista em lei municipal. Se o município instituiu a cobrança progressiva em lei própria e pode ser lei complementar, a cobrança progressiva pode ser aplicada. Tal manejo ensejará em justiça fiscal e incentivo fiscal para produção de maior gama de serviços no município sem afastar o contribuinte da legalidade tributária que tanto assola as pequenas e médias empresas no pais.
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A certidão de dívida ativa como título passível de protesto em cartório
O presente estudo visa analisar a possibilidade de execução de um título executivo extrajudicial, a certidão de dívida ativa tributária, em sede de cartório, objetivando uma maior celeridade no processamento de tal título. Iremos verificar a constitucionalidade desta possibilidade, ante a legislação vigente e também os benefícios e efeitos deste tanto para a Fazenda como para o contribuinte devedor.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo visa analisar a viabilidade jurídica do protesto da certidão de dívida ativa em cartório como sendo um mecanismo favorável ao descarregamento do sistema judiciário e sendo um modo eficiente para a Fazenda cobrar seus créditos inadimplentes. O debate sobre este tema mostra-se de grande relevância jurídica, uma vez que, diante da falta de legislação que regulamente o protesto da certidão de divida ativa em cartório, temos uma divergência na doutrina a respeito de sua viabilidade. Ao analisarmos mais cuidadosamente o tema, podemos esclarecer os diferentes posicionamentos da doutrina, analisando a constitucionalidade ou não dessa modalidade de protesto, visto que não possui legislação que a regulamente, mas por outro lado, também não há vedação legal. Ao final desta análise procuramos esclarecer a viabilidade jurídica do protesto no cartório e se essa inovação poderia ajudar na redução do número de demandas judiciais de execução, já que a taxa de inadimplência é alta em nosso país e a execução judicial é um meio de cobrança oneroso e demorado. O assunto tratado é de suma importância na atual situação econômica e política do Brasil, visto que com a alta da inflação e constante aumento dos produtos e serviços necessários, assim como de alguns tributos e impostos, verifica-se a possibilidade de cada vez mais o número de pessoas em débitos, não só com a Fazenda, mas também além desta, crescer, e assim teríamos um aumento de demandas judiciais de execução. Ocorre que na maioria dos casos, a execução fiscal mostra-se ineficiente, pois de que adianta executar alguém se esta pessoa não tem como pagar, nem bens penhoráveis? E a partir deste pensamento o legislador inovou trazendo a questão do protesto do título de certidão ativa em cartórios, que iremos analisar cuidadosamente, a luz dos princípios constitucionais e seus efeitos para ambas as partes envolvidas. A metodologia a ser aplicada neste estudo é bibliográfica, pois baseada em livros, artigos da internet, periódicos e consultas a legislação vigente. Para que o objetivo deste estudo seja alcançado, o tema será desenvolvido em seis itens. Inicialmente será conceituada a dívida ativa. Analisaremos desde a concepção de um crédito não pago até o processamento desse título e suas especificidades. Iremos averiguar sua constitucionalidade diante os princípios constitucionais da eficiência e da celeridade. Observaremos os efeitos deste tipo de cobrança para o contribuinte devedor. Analisaremos também a questão da alta taxa de inadimplência e como o protesto em cartório poderia ajudar no alívio do sistema judiciário. Por fim veremos os benefícios dessa modalidade para a Fazenda. 2 – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE DÍVIDA ATIVA. Neste presente artigo iremos tratar especificamente sobre a dívida ativa tributária, aquela que quem tem capacidade e legitimidade para cobrar é a Fazenda Pública, pois nosso foco principal é a possibilidade deste crédito ser executado por vias cartorárias ou se deve respeitar única e exclusivamente o processamento expresso na lei número 6.830, de 22 de setembro de 1980[1], a execução fiscal. Para o professor Anderson Madeira: “Podemos entender como dívida ativa tributária o título executivo extrajudicial da Fazenda Pública representativo de débito fiscal (tributo ou multa) vencido e não pago por parte do sujeito passivo”[2]. Interpretando o autor, podemos observar que não só a falta de pagamento de origem tributária leva à dívida ativa, mas também a inadimplência, por parte do sujeito passivo, de outros créditos, tais como multas de trânsito, dívidas trabalhistas, etc. O sujeito ativo dessa relação jurídica será sempre a Fazenda Pública (municipal, estadual ou da União), pois somente ela tem a legitimidade para cobrar um crédito tributário. (MADEIRA, 2014) Para tentar amenizar os efeitos da inadimplência tributária da população e de empresas, a Corregedoria Nacional de Justiça possui um programa de renegociação de dívidas, onde o contribuinte devedor pode optar por descontos ou parcelamentos com condições diferenciadas. No Distrito Federal, por exemplo, o governo calcula a dívida ativa, o total a receber dos contribuintes, em 16 bilhões de reais, que são relativos a 340 mil ações fiscais de execução em trâmite na justiça local.[3] 3 – O CRÉDITO NÃO PAGO E SEU PROCESSAMENTO. A partir do momento em que ocorre um fato gerador que enseje uma cobrança fiscal, nasce uma obrigação tributária: a de pagar um crédito, após o surgimento da obrigação tributária dá-se o lançamento desse crédito tributário e quando este crédito não é pago, o Fisco tem até cinco anos para cobrá-lo do contribuinte, caso em que, não o fazendo, este crédito incorrerá em prescrição e não mais poderá ser executado. Porém quando não ocorre a prescrição do título, caso em que este não mais poderá ser cobrado pelo Fisco, o contribuinte tem duas opções a partir do momento do lançamento do crédito tributário: pagar ou não pagar. Quando ele paga, extingue-se a obrigação tributária e então ele quita sua dívida com o Fisco. Quando ele não paga, a Fazenda então transforma esse crédito tributário, administrativamente, em um título de dívida ativa, que posteriormente dará origem a uma certidão de dívida ativa, conforme o artigo 5° da Constituição Federal, inciso XXXIV, alínea “b”, que garante constitucionalmente o direito à obtenção de certidões.[4] Antes da edição da medida provisória 577 de 2012, que deu origem à lei 12.767⁄12 [5], que incluiu o parágrafo único do artigo 1° da lei 9.492⁄97 [6], os títulos de dívida ativa possuíam um meio próprio e exclusivo de serem cobrados: a execução fiscal. A execução fiscal, regulamentada pela lei 6.830⁄90 [7], é o meio próprio da Fazenda Pública, federal, estadual, municipal ou distrital, de cobrar seus créditos. A execução fiscal é um procedimento especial, pelo qual a Fazenda busca a satisfação de seus créditos, através do Poder Judiciário. O processo se inicia com a existência de um título executivo extrajudicial: a certidão de dívida ativa. Ocorre que, grande parte das execuções fiscais, entendendo-se àquelas de valores menores, acabam sendo um meio pouco eficiente de cobrança para o Fisco, sendo pela morosidade do Judiciário, ou pelo alto custo processual, e por vezes o processo acaba sem resultado satisfatório, pois não raramente, quando o processo passa para a fase de penhora, o executado não possui bens penhoráveis. O Instituto de Pesquisas Econômicas (IPEA) junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizou uma pesquisa, a qual fora apresentada em 29 de setembro de 2011 no I Encontro de Pesquisa Empírica em Direito, na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, onde ficou constatado que o custo médio de um processo de execução fiscal é de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais) e que esse tipo de processo demora em média mais de oito anos para ser concluso, porém o tempo que a Justiça efetivamente gasta com um desses processos é de pouco mais de dez horas.[8] A partir da edição da medida provisória 577 em dezembro de 2012, surgiu a possibilidade de protestar a certidão de dívida ativa em cartório, objetivando dar maior celeridade ao processamento de cobrança de um crédito tributário e de diminuir custas com os processos de execução. Essa inovação, posteriormente foi regulamentada pela portaria número 17 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de 11 de janeiro de 2013.[9] O protesto é definido pela própria legislação brasileira, sob a égide do artigo primeiro da lei 9.492⁄97 que nos diz: “Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.[10] 3.1- A certidão de dívida ativa como um título executivo extrajudicial Os títulos executivos extrajudiciais são aqueles capazes de ensejar uma execução, e não oriundos de sentença transitada em julgado. Temos como exemplos de títulos executivos extrajudiciais, contratos de aluguel, cheques, duplicatas, letras de câmbio, notas promissórias, certidão de dívida ativa, dentre muitos outros. Estão elencados na nossa legislação no artigo 784 do Código de Processo Civil, porém esse rol não é taxativo, como versa seu próprio inciso VIII: “todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva”.[11] Os títulos extrajudiciais presumem certeza, liquidez e exigibilidade, o que faz com que dispensem a necessidade de se ingressar com uma ação de conhecimento comum para apurar se o autor realmente tem ou não direito. O possuidor de um título executivo extrajudicial tem então o direito de propor no judiciário uma ação de execução, desde que o título esteja vencido ou não adimplido.[12] É justamente por essa presunção de certeza, liquidez e exigibilidade que a doutrina diverge sobre a possibilidade do protesto de certidão de dívida ativa em cartório. Parte da doutrina e jurisprudência[13] defende que este procedimento é completamente desnecessário e inútil diante do efeito de prova pré-constituída que a dívida regularmente inscrita possui, nos termos do artigo 204 do Código Tributário Nacional[14]. Questionam também sua constitucionalidade ante a falta de previsão legal expressa. Por outro lado, como uma via de mão dupla, há posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais[15] a favor do protesto de certidão de dívida ativa em cartório justamente pelo mesmo motivo: a falta de previsão legal expressa. Ora, a lei não regulamenta, mas também não proíbe. Argumentam além disso, alguns princípios jurídicos, como o da celeridade e eficiência processual. Como podemos ver, existem posicionamentos diferentes dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça a respeito da possibilidade ou não do protesto de CDA em cartório. A certidão de dívida ativa como um título executivo extrajudicial, diferencia-se dos demais títulos dessa categoria por ser constituída unilateralmente, ou seja, a Fazenda mesmo emite e cobra esse título. O que não necessariamente enseja em sua inconstitucionalidade, porque, via de regra, o contribuinte devedor tem direito de defesa através de processo administrativo.[16] 4- A CONSTITUCIONALIDADE QUESTIONADA DO PROTESTO EM CARTÓRIO Definitivamente esse é um ponto polêmico acerca das discussões sobre a possibilidade de se protestar uma certidão de dívida ativa em cartório. Desde a edição da medida provisória número 577[17], o próprio Superior Tribunal de Justiça mudou sua posição algumas vezes a respeito do tema, julgando de forma divergente. Com o surgimento da medida provisória número 577, deu-se origem à lei federal 12.767/2012, e esta lei alterou o parágrafo primeiro do artigo 1 ° da lei 9.492/1997, dando assim, autorização expressa no rol de títulos passivos de protesto em cartório ao protesto de certidão de dívida ativa, em dezembro de 2012. O artigo 25 da lei 12.767/2012 regulamentou expressamente o protesto de certidão de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, como título sujeito a protesto em cartórios. Ocorre que, mesmo com a expressa previsão legal, o debate acerca do tema não se pacificou, e a inconstitucionalidade ainda era questionada. Um dos argumentos diz respeito ao fato de que a lei 12.767/2012, que fora fruto de conversão da medida provisória 577⁄2012 juntamente com a medida provisória 579⁄2012, tinha por objetivo versar sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica, a prestação temporária de serviços nesta área e a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica. Em 06 de junho de 2014, a Confederação Nacional das Indústrias, ingressou perante o STF uma ação direta de inconstitucionalidade[18] sobre o protesto de certidão de dívida ativa em cartórios. A entidade sindical de grau superior questiona o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, acrescentado pelo artigo 25 da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012. A nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 103[19], elenca os legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade, e dentre eles, está as Confederações Nacionais. Vale ressaltar que para entendimento do Supremo Tribunal Federal, essa legitimidade é dividida em universais e especiais. Os legitimados universais são aqueles entes que possuem legitimidade ampla, ou seja, podem questionar a respeito de qualquer matéria, já os especiais classificam-se como os entes que possuem legitimidade vinculada à pertinência temática, ou seja, precisam de um nexo de causalidade entre a norma questionada e os interesses jurídicos que defendem. Neste sentido, a seguinte decisão do STF: “EMENTA: Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. Confederação dos Servidores Públicos do Brasil e Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Ausência de pertinência temática. 1. Não há pertinência temática entre o objeto social da Confederação Nacional dos Servidores Públicos do Brasil, que se volta à defesa dos interesses dos servidores públicos civis, e os dispositivos impugnados, que versam sobre o regime de arrecadação denominado de "Simples Nacional". 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ADI-AgR 3906/DF. Relator(a): Min. Menezes Direito. Julgamento: 07/08/2008)[20] Diante disso, não há o que se falar sobre ilegitimidade do polo ativo, pois a requerente enquadra-se no rol dos legitimados do artigo 103, inciso IX da Constituição Federal de 1988, além de representar as sociedades empresárias industriais e os empresários, os quais possuem ou supostamente possuem débitos com o Fisco, e que portanto, são passíveis de discussão, assim comprovando-se o nexo de causalidade entre a norma a ser questionada e os interesses jurídicos defendidos por esta entidade. Em sua petição inicial, a Confederação Nacional da Indústria alega a existência de vícios formais e materiais, pertinentes a inconstitucionalidade da norma impugnada. Como vício formal entende-se àquele que conflita com a competência e em desacordo com as normas constitucionais; e como vício material àquele cuja matéria conflita com temas já tratados constitucionalmente. A requerente da ação direta de inconstitucionalidade defende como vício formal o fato de que a regulamentação do protesto de certidão de dívida ativa é matéria estranha àquela que deveria ser originalmente tratada na medida provisória 577, que se destinava a tratar sobre os serviços de energia elétrica, e que assim estaria violando o devido processo legislativo contido nos artigos 59 e 62 da Constituição Federal de 1988. Tutela também que o referido artigo 25 da lei 12.767/2012 atenta ao princípio da separação dos poderes (artigo 2° da Constituição Federal de 1988) pela falta de sintonia com o tema da medida provisória 577. Neste sentido, já se posicionou a Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade com Pedido De Cautelar 1.050-6, Santa Catarina – SC, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 21.09.1994.[21] No que tange ao vício material, a Confederação Nacional da Indústria argumenta que tal modalidade seria um “artifício extrajudicial para pressionar os devedores ou supostos devedores do Fisco a quitar os seus débitos, apesar de a Fazenda já dispor de meios judiciais especiais e próprios para esse fim”[22]. Assim, com o eventual protesto, a consequência para o devedor ou suposto devedor é o abalo de crédito, coagindo-o a pagar sua dívida, pois uma vez tornada pública sua impontualidade de pagamentos, seu nome passa a constar dos cadastros de proteção ao crédito, funcionando como elemento de pressão. O principal objetivo do protesto constata-se na necessidade de um meio de prova de um ato jurídico, um contrato por exemplo, celebrado entre duas ou mais partes, credor(es) e devedor(es),constituindo um título oficial, público e solene que gere uma exigência do cumprimento de suas obrigações. (REQUIÃO,2008).[23] Ainda no que tange o alegado vício material de inconstitucionalidade, defende a existência de um protesto genérico, o qual teria por objetivo única e exclusivamente dar publicidade à inadimplência do devedor de títulos de dívidas em geral, coagindo-o assim, a pagar seus débitos o mais rápido possível diante do empasse de crédito que lhe é imputado, funcionando assim como um mecanismo de pressão. Alegando em matéria de inconstitucionalidade direta de sua utilização pelo Fisco, a Confederação traz como argumentos a presunção de liquidez e certeza que já possui o título de dívida ativa, conforme o artigo 204 do Código Tributário Nacional[24]. Para defender a inconstitucionalidade deste tipo de protesto, trás também o pressuposto de que este teria como única finalidade, a coação de cobrança, revelando assim um tipo de sanção política ao devedor. [25] Por outro lado, defendendo a constitucionalidade do protesto de certidões de dívida ativa, vários doutrinadores e operadores de direito posicionam-se a favor dessa medida, considerando-a razoável, viável e justa, não sendo cabível o argumento de violação a preceitos constitucionais. Além do mais, encontra-se em perfeita sintonia com a tendência de solução de problemas por vias alternativas, e a consequente redução do número de processos no judiciário, principalmente nos casos de dívidas pequenas que demorariam tempo demais para serem cobradas pelo método tradicional da execução fiscal e que ao final poderiam restar-se custosas demais para a Fazenda. Neste sentido, Sávio Luiz Oliveira Ramos: “O protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa é meio idôneo à recuperação dos créditos da Fazenda Pública, não havendo motivo para se pretender expurga-lo do mundo jurídico mediante a declaração da sua inconstitucionalidade, como se busca na ADIN número 5.135”[26] 4.1- A eficiência e a celeridade Em se tratando da constitucionalidade da norma questionada, não há como defendê-la sem tocar no que tange aos princípios constitucionais da eficiência e da celeridade, que são princípios basilares de uma relação processual, e que encontram-se em perfeita sintonia com o protesto das certidões de dívidas ativa em cartórios, visto que o objetivo de tal medida é a maior eficiência na cobrança de débitos perante a Fazenda, paralela ao crescimento das vias alternativas ao judiciário. O princípio da eficiência, embora alguns doutrinadores defendessem que ele sempre esteve implícito na Constituição, surgiu expressamente com o advento da Emenda Constitucional n° 19 de 04 de junho de 1998[27], e é classificado como um princípio da administração pública. Nas palavras de Rosalliny Pinheiro Dantas: “Surgiu como resposta não apenas à burocratizada estrutura administrativa brasileira, mas também à necessidade que apresentou de se adequar aos novos parâmetros de organização e prestação de serviços que a política de desestatização veio a requerer.”[28] Já o princípio da celeridade, veio à Constituição através da Emenda Constitucional n° 45 de 08 de dezembro de 2004, que trouxe o artigo 5° inciso LXXVIII[29]. É tido como uma garantia fundamental devido aos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A razoável duração do processo, também não foi considerada como uma inovação, pois já podia ter seu conceito extraído de outros princípios constitucionais, como por exemplo, o da eficácia, do devido processo legal e da economia processual. O prestação jurisdicional rápida e eficiente, garante a sensação de justiça, como dizia Rui Barbosa[30]: “Justiça que tarda é sempre falha”. A Emenda Constitucional 45, que veio a trazer expressamente o princípio da razoável duração processual (celeridade), surgiu como forma de criticar o formalismo exacerbado dos processos e por fim a qualquer tipo de dúvida ou questionamento a respeito da aplicabilidade desse princípio, que já era implícito. Além de que, revela-se uma crítica do legislador as medidas protelatórias do judiciário, e uma preocupação com o devido processo legal, para assim garantir o acesso à justiça, e que esta seja justa para ambas as partes.[31] Estamos passando por um momento na esfera judiciária em que se busca uma melhora da prestação jurisdicional pelo Estado. No decorrer dos anos, a imagem da justiça no Brasil vem sendo arranhada por questões relativas à demora no trâmite dos processos, do descaso de alguns servidores, e até mesmo pela dificuldade de se conseguir assistência jurídica, no caso da população mais carente. Para isso a busca por soluções mais práticas, funcionais e menos onerosas tem sido constantes, o uso de vias extrajudiciais como, por exemplo, as mediações de conflitos e arbitragem, tem se tornado cada vez mais uma realidade presente. Os princípios da eficiência e da celeridade se encaixam perfeitamente no protesto de certidão de dívida ativa em cartório, por este ser um mecanismo de maior alcance de uma boa prestação jurisdicional para ambos os lados, pois tanto a Fazenda quanto o contribuinte tem a chance de resolver a questão da dívida tributária mais rapidamente. Podemos enquadrar claramente a prática do protesto de certidões de dívida ativa em cartórios nesse momento, além dessa prática de encaixar perfeitamente com os princípios da eficiência e celeridade, e constituir um mecanismo de maior alcance de uma boa prestação jurisdicional, está também de acordo com a tendência atual de busca por soluções extrajudiciais menos onerosas e demoradas. 5- OS EFEITOS PARA O CONTRIBUINTE DEVEDOR Como já fora mencionado, o principal empecilho hoje em dia da execução fiscal é a falta de condições pecuniárias ou de bens penhoráveis do contribuinte-devedor para quitar suas dívidas tributárias. Isto sem entrarmos no mérito da fraude a execução, que ocorre quando o executado ao longo do curso do processo, valendo-se de má-fé e aproveitando-se inclusive da morosidade do processo, vai se “desfazendo” de seus bens ou passando-os para nomes de terceiros, afim de ao chegar a etapa final da execução este encontrar-se insolvente, e assim não arcar com o devido pagamento de seus débitos tributários. Mas este não é o foco do nosso artigo, aqui falaremos dos contribuintes-devedores de boa-fé, aqueles que realmente não possuem condições de efetuar o pagamento ao final de uma execução fiscal. Antes do advento da lei 12.767/2012, que alterou o parágrafo primeiro do artigo 1 ° da lei 9.492/1997, o contribuinte-devedor sofria apenas com a inscrição de seu nome no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados (Cadin) do Setor Público Federal, e com isso ficava impedido de contratar empréstimos em bancos públicos. Agora, como principal efeito do protesto em cartório para os devedores temos a inclusão do nome do devedor nos cadastros nacionais de associações de proteção ao crédito, como o SERASA e o SCPC. Esta inclusão se dá por meio de informações enviadas diariamente pelos Tabelionatos de Protestos de todo o país. Assim, todas as certidões de protesto emitidas por cartórios constarão negativas, enquanto o devedor não quitar sua dívida. Nos tabelionatos de protesto, esta informação a respeito do devedor não prescreve jamais, somente na hipótese de pagamento da dívida com o consequente cancelamento do protesto, fora isso, o devedor tem um eterno vínculo com o credor a respeito de sua inadimplência. Porém nos cadastros de proteção ao crédito, essa negativação perdurará por no máximo 5 (cinco) anos, que é o prazo prescricional previsto em lei no artigo 174 do Código Tributário Nacional.[32] A partir do momento que o devedor tem seu nome negativado e incluso nos cadastros nacionais de proteção ao crédito, ele passa a enfrentar algumas dificuldades e até impedimentos no seu dia-a-dia como, por exemplo, constrangimentos na hora de realizar pagamentos com cheques, além da restrição para a retirada de talões junto à sua agência bancária, restrições creditícias como financiamentos, leasing e demais operações de crédito e crediários, impossibilidade de concessão de crédito imobiliário governamentais como o do programa “Minha casa, Minha vida”, dentre outros, podendo até chegar a ter sua conta corrente no banco excluída.[33] É nesse momento que o efeito e o objetivo do protesto em cartório das certidões de dívida ativa se encontram, o contribuinte-devedor que se encontra diante desta situação de ter seu nome negativado, impedido de constituir crédito na praça, vê a necessidade prima de quitar seu débito perante a Fazenda, para poder voltar a constituir crediários e ter seu nome “limpo” novamente. O contribuinte-devedor que quiser quitar seu débito com a Fazenda Pública e “limpar” seu nome, ou seja, retirá-lo dos cadastros de restrições creditícias, após ter o protesto lavrado em cartório deve emitir um DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) para efetuar o pagamento da certidão de dívida ativa perante a rede bancária, porém como a informação do pagamento pode levar até cinco dias úteis para ser repassada para a Receita Federal, é recomendado que a partir do sexto dia útil após o pagamento que o contribuinte dirija-se ao cartório de títulos para efetuar o pagamento dos emolumentos cartorários e assim requerer o cancelamento do seu protesto. [34] 6- OS BENEFÍCIOS DO PROTESTO PARA A FAZENDA. Como um importante efeito a respeito do protesto em cartório das certidões de dívida ativa, temos a segurança jurídica trazida por este, pelo fato de que o Instrumento de Protesto (comprovante do protesto do devedor), torna-se mais um documento a ser utilizado (além da própria certidão) em um processo de execução, e constitui também o respaldo necessário no caso de uma posterior ação de danos morais interposta pelo devedor, com fulcro no artigo 1°, inciso I da portaria n.º 5 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça[35], visto que o Instrumento de Protesto é previsto na lei nº 9.492 ⁄97[36]  e com isso cumpre o papel da necessidade de comprovação prévia, pois estes são enviados com aviso de recepção (AR) via Correios, ou entregues pessoalmente por oficiais cartorários.[37] Como importante ponto positivo para a Fazenda, está a eficácia. A rápida recuperação de créditos vencidos e não pagos pelos contribuintes-devedores é notória. A viabilidade do protesto em cartório veio em boa hora e em atento a atual tendência de busca de vias alternativas ao judiciário. Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, cerca de 30% dos créditos protestados em cartório são quitados em até três dias após a notificação[38], isto se dá por conta do efeito do protesto, que é a restrição de crédito. Com isso, a Fazenda economiza movimentar a máquina do Judiciário, e também economiza tempo e dinheiro. Outro grande ponto positivo do protesto em cartório para a Fazenda é a gratuidade deste, já que os emolumentos cartorários devem ser pagos pelo devedor. Uma pesquisa realizada pelo IPEA calculou que em média, um processo de execução fiscal custa R$ 4.368,00 (quatro mil trezentos e sessenta e oito reais) para os cofres públicos. [39] Enquanto isso, com o teto máximo estabelecido pela portaria 429 de 04 de junho de 2014[40] da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), digamos que um contribuinte protestado queira pagar sua dívida, estabelecida nesse valor máximo, este irá pagar, além, claro de sua dívida tributária, o valor a títulos de emolumentos cartorários para cancelar seu protesto, de R$ 1.831,08 (mil oitocentos e trinta e um reais e oito centavos). Ou seja, até para o contribuinte-devedor esta conta sai mais barata, pois com certeza ele gastaria muito mais com sua defesa e honorários advocatícios no caso de uma execução fiscal. Não podemos deixar de citar também a característica educadora do protesto, pois é sabido que numa escala de prioridades, as dívidas com o poder público são deixadas por último, justamente pelo fato dos devedores saberem que estas levam tempo para serem cobradas. O protesto em cartório além de retirar da sociedade os custos com inúmeras execuções fiscais, evita a bola de neve da inadimplência, que vai se formando conforme os devedores percebem que as dívidas não são cobradas, além de tornar-se um meio eficaz para os municípios, estados e o distrito federal de aumentarem suas arrecadações, e assim poderem investir na própria sociedade, investindo em segurança e educação por exemplo. Por último e não menos importante, obsta observarmos a tendência de reduzir a sobrecarga do judiciário que esta medida torna capaz. Este meio extrajudicial de cobrança reduz imensamente o número de processos de execução fiscal, principalmente os de baixo valor, que demoram o mesmo tempo para se chegar a uma sentença, mas que nem sempre acabam efetivamente sendo um meio eficaz de cobrança. O protesto em cartório de certidões de dívida ativa segue a tendência de busca por soluções extrajudiciais de resolução de conflitos e por se encontrarem em plena sintonia com os princípios constitucionais da eficácia, celeridade, dentre muitos outros, ganha cada vez maior visibilidade no cenário jurídico do Brasil, por todos os benefícios que proporciona ao Poder Público, visando uma melhor prestação jurisdicional à todos.[41] CONSIDERAÇÕES FINAIS: Diante do exposto, conclui-se que o protesto de dívida ativa da Fazenda, seja ela Federal, Estadual, municipal ou distrital, por não infringir nenhuma regra da Constituição nem ferir preceitos e princípios constitucionais, encontra-se em perfeita sintonia e viabilidade com o atual momento do nosso poder judiciário. Há atualmente uma tendência por buscar soluções extrajudiciais viáveis e que ao mesmo tempo passe a segurança esperada ao cidadão que precise do Estado moderador. Seguindo esta linha de pensamento, e diante de um momento em que o judiciário encontra-se assoberbado e oferecendo longas esperas pelo julgamento de uma demanda, o protesto em cartório se posiciona como uma solução rápida e acessível para a discussão de causas tributárias desse tipo. Além do mais, diante dos casos expostos e pesquisas concretas sobre a eficácia desta modalidade do protesto, mostraram-se plenamente satisfatórios os resultados obtidos, no que tange a rapidez e eficácia do método de cobrança, além de ser extremamente menos oneroso em matéria de desgaste processual, relativos a tempo e custas monetárias. Com o presente estudo podemos criar uma análise social, além da jurídica sobre o protesto de certidões de dívida ativa, pois esta se enquadra num tempo em que estamos evoluindo no que diz respeito a imagem do sistema judiciário, que ao ponto de vista da população em geral, está desgastada diante de tanta morosidade. Os novos métodos extrajudiciais de solução de conflitos vem contribuindo para que esse jogo possa ser virado. Os protestos de certidões de dívida ativa, demostram-se plenamente constitucionais e passíveis de gerar segurança jurídica aliada a uma boa dose de rapidez, fazendo com que os contribuintes tenham acesso direto a sua situação atual junto aos cadastros de proteção ao crédito e também possibilitando-os de efetuar o pagamento e regularizar sua situação de uma maneira mais rápida e simples, junto aos próprios cartórios.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-certidao-de-divida-ativa-como-titulo-passivel-de-protesto-em-cartorio/
Limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto
Foi realizado na presente pesquisa um estudo acerca dos limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto. Fizemos uma análise de temas que influenciam a atuação da administração tributária, como o princípio da legalidade, os direitos individuais como sigilo fiscal e bancário, o domicílio fiscal, a responsabilidade tributária dos provedores de hospedagem que atuam como sítios intermediários, os conflitos de enquadramento de impostos em bens incorpóreos comercializados via download através da Internet e as dificuldades das propostas de tributação na computação em nuvem. Desta maneira, demonstramos um ambiente de comércio complexo para a fiscalização seja por lacunas de legislação e ausência de jurisprudência, seja pela facilidade/rapidez de operações de e-commerce que dificultam o controle pelas autoridades. Ressaltando-se por fim, operações de sucesso dos fiscos que revelam a necessidade cada vez maior de cooperação de forma a suplantar a ausência de barreiras territoriais para o comércio eletrônico e a observância aos direitos e garantias individuais estabelecidos pela constituição.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com a popularização da Internet, do uso crescente de recursos computacionais e o preço cada vez menor, o comércio eletrônico vem tornando-se relevante para as atividades econômicas. Nesse contexto de inovação tecnológica surgem impactos na área tributária, como por exemplo, a aplicação de tributos sobre bens tangíveis e intangíveis comercializados através da Internet. Se de um lado contribuintes e consumidores se adaptam a essa nova realidade, de outro a administração tributária deve responder ao desafio de minimizar perdas de arrecadação causadas por evasão fiscal e também garantir uma concorrência justa no mercado. Á medida que o uso da internet se expande na atividade econômica, o comércio eletrônico se diversifica, se amplia e torna-se mais complexo para administração tributária. Passamos a ter operações de compra e venda de produtos, serviços, informações através do uso de uma rede de computadores e comunicação, que não apresenta uma fronteira física. Nesse cenário a tributação do e-commerce sucinta questões não somente de quais tributos se aplicam na comercialização eletrônica, mas também como, o que, quais dificuldades de fiscalizar em tais operações, diante de um ordenamento jurídico vigente. A legislação tributária em vigor, na sua grande maioria, foi elaborada na ausência das inovações tecnológicas que atualmente estão sendo utilizadas. No entanto, administração tributária continua vinculada ao princípio da legalidade, gerando uma constante autoavaliação se os procedimentos administrativos e as obrigações acessórias são suficientes no controle fiscal desse setor econômico. Marco Aurélio Greco (2001) analisa que uma das premissas a serem observadas no e-commerce é a neutralidade, ou seja, o fator da escolha da aquisição de um bem ou serviço através da internet não deve ter a tributação como elemento de decisão. Portanto, a fiscalização insere-se como relevante e necessária nesse mundo virtual, não só como agente de combate à evasão fiscal, mas de forma a garantir condições isonômicas a qualquer contribuinte. Constituem objetivo principal avaliar os limites, os instrumentos legais já disponíveis e as necessidades de aperfeiçoamento para fiscalização do comércio eletrônico direto e indireto. Como objetivos específicos destacam-se: – Analisar o princípio da legalidade versus o direito da privacidade; – Mapear a responsabilidade solidária no e-commerce; – Avaliar o estabelecimento virtual e o domicílio tributário; – Mapear o conflito de competência entre ICMS e ISS e as imunidades; – Avaliar a fiscalização tributária na computação em nuvem; – Analisar as operações de fiscalização: cartão vermelho e Matrix; No que concerne aos enfoques metodológicos, a estratégia da pesquisa é qualitativa. Seu aspecto é mais globalizante e holístico, sendo mais adequado para descrever a complexidade de um determinado problema, que engloba a atuação da fiscalização tributária no comércio eletrônico. Importante ressaltar, a análise documental elaborada que consta de doutrina revelada em livros, artigos e teses, jurisprudência, legislação e finalmente consultas efetuadas pelos contribuintes às autoridades tributárias. 2 DESENVOLVIMENTO As inovações da tecnologia de informação e comunicação, dentre as quais a Internet, promoveram uma nova forma de comunicação entre clientes e fornecedores, gerando novas formas de operação de negócios. As atividades econômicas que utilizam redes eletrônicas têm sido denominadas de negócios eletrônicos (e-business). A principal atividade desse setor da economia é o comércio eletrônico (e-commerce). O comércio eletrônico de acordo com as Nações Unidas tem a seguinte definição: “Uma transação eletrônica é venda ou compra de bens ou serviços entre empresas, consumidores domésticos, indivíduos, governos e outras organizações públicas ou privadas, realizadas através de rede de computadores. Os bens e serviços são pedidos pela rede, mas seu pagamento e a entrega final podem ser conduzidas on ou off-line. (tradução do autor, NATIONS, 2001, pg.47)” No comércio eletrônico surgem três tipos de agentes: o governo, as empresas e os consumidores. Dentre as relações existentes entre esses agentes demonstrados na figura 1, destacam-se: a) B2B (business-to-business), transações entre empresas, como por exemplo, portais de negócio; b) B2C/C2B (business-to-consumer, consumer-to-business), transações entre empresas e consumidores, destacando lojas e shoppings virtuais; c) C2C ( consumer-to-consumer), transações entre consumidores finais, por exemplo, sítios de Leilões e classificados on line . O comércio eletrônico se divide em duas modalidades: o direto e o indireto. O comércio indireto refere-se a uma compra através de sítios eletrônicos de lojas disponibilizadas na Internet em que o bem adquirido é enviado ao comprador, sem que o consumidor se desloque fisicamente ao estabelecimento vendedor. Nesse caso essa modalidade de comércio eletrônico se assemelha a uma aquisição de um consumidor numa loja física. Já o comércio eletrônico direto refere-se à aquisição de bens comprados e transmitidos pela Internet, através de downloads. Nesse ambiente de comercialização, o comércio eletrônico indireto comercializa bens corpóreos ou tangíveis e o direto, bens incorpóreos, como software, música, que passam a ser adquiridos sem qualquer suporte físico e disponibilizados através de transmissão de dados. 2.1. Princípio da Legalidade e o Direito à Privacidade O princípio da legalidade estabelece no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei”. Com esse princípio toda imposição tributária significa “a submissão e o respeito a Lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador” (MORAES,2014, pg 42). O artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN) enumera as matérias que estão sujeitas a reserva legal eliminando qualquer possibilidade de que se utilize um ato diferente da Lei formal. A prerrogativa de fiscalizar surge do próprio poder de tributar. Conforme Luís Eduardo Schoueri (2014), a atividade de fiscalização está prevista na Constituição, no princípio da capacidade contributiva, art. 145, § 1, in verbis: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Portanto, a fiscalização deve atuar dentro de limites, respeitando os direitos individuais e nos termos da Lei. Se um de um lado a administração tributária deve atuar dentro do ordenamento jurídico vigente, de outro há a inviolabilidade constitucional da privacidade e do sigilo de dados estabelecidos respectivamente nos art. 5°, inciso X e art. 5°, inciso XII, da Carta Magna. Com relação à proteção à privacidade humana, Alexandre de Moraes ressalta: “Não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica. (MORAES, 2014, pg. 73)” Os sigilos bancário e fiscal são direitos individuais constitucionalmente protegidos. No entanto, o dever de sigilo, não surge absoluto, ponderando-se de um lado o direito à privacidade e de outro o interesse público. Também, os poderes da administração tributária não são absolutos, conforme voto do Ministro Celso de Mello no HC 82788/RJ, in verbis: “Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei” (CF, art.145, $ 1°), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que , por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade do Estado. (HC 82788/RJ, Rel. min. Celso de Mello, julgamento em 12/04/2005, Segunda Turma. DJ de 02/06/2006)” 2.2. Domicílio Fiscal e o Estabelecimento Virtual As regras de domicílio tributário estão estabelecidas no artigo 127 do CTN que estabelece a eleição do domicílio pelo contribuinte e caso não se aplique as regras dos incisos do respectivo artigo “o lugar da situação dos bens ou da ocorrência de ato ou fatos que deram origem a obrigação”. Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p.603) “o domicílio é importante para fixar o local de recebimento e quem deve fazer o pagamento, deduzindo-se do inadimplemento da obrigação se a mora é do credor ou do devedor”. Por outro lado, tem relevância na comunicação fiscal (recebimento de notificações e intimações), nos trabalhos de fiscalização e nos conflitos de competência, por exemplo, entre municípios. E finalmente a mudança de domicílio fiscal sem comunicação as autoridades tributárias implica em ilícito tributário de acordo com a súmula n° 435[1] do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A criação do comércio eletrônico possibilitou o desenvolvimento de um canal de vendas em que o consumidor não mais se dirige fisicamente ao estabelecimento para fazer uma aquisição. Diante desse modelo de negócio, surge o chamado estabelecimento virtual. A diferença entre o estabelecimento físico e o virtual não está na ausência ou presença de bens tangíveis usados na sua construção, mas como o consumidor o acessa. Para Fábio Ulhoa Coelho (2015, p.49), “o tipo de acesso ao estabelecimento empresarial define a classificação deste. Quando feito por deslocamento no espaço, é físico; quando por transmissão e recepção eletrônica de dados, virtual”. Vejamos as informações de duas empresas que possuem estabelecimento virtual, por meio de sítio na World Wide Web (www). O primeiro caso trata-se da empresa Casas Bahia. Tal organização possui estabelecimentos físicos e virtual, representado pelo endereço eletrônico www.casasbahia.com.br. Acessando sua página na web (consultada em 09/07/2015) constata-se que se trata da empresa Canova Comércio Eletrônico S.A., situada na rua Gomes de Carvalho, em São Paulo, inscrita na junta comercial. Portanto, o estabelecimento virtual não representa a sede da empresa, não se caracteriza como domicílio fiscal, mas simplesmente mais um canal de vendas ao consumidor. No segundo caso, temos a empresa representada na web como www.mercadolivre.com.br. Também acessando sua página (consultada em 09/07/2015) verifica-se que sua sede está situada em Santana do Parnaíba, São Paulo, igualmente registrada na junta comercial. Nesse caso, o mercado livre não é um vendedor direto ao consumidor final, mas uma infraestrutura que agrega empresas e pessoas físicas com objetivo de compra e vendas de produtos ou serviços. É um estabelecimento virtual intermediário na cadeia de comercialização, possibilitando que o fato gerador da obrigação tributária de outros contribuintes possa ocorrer. Tal característica não se confunde com estabelecimento virtual que abriga anúncios de produtos ou serviços de terceiros servindo como veículo de publicidade, e portanto, sem nenhuma relação com o fato gerador da obrigação tributária. 2.3. Responsabilidade Tributária no E-Commerce Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, a transação comercial entre os seus agentes (governo, empresa e consumidor) possuem três elementos básicos: primeiramente o acesso ao estabelecimento virtual deve ser feito através de provedor de Internet ou serviços de telemarketing. A espécie de provedor de internet é o denominado “provedor de acesso”, conforme voto do relator Ministro Luis Felipe Salomão no RE 997993/MG do STJ, in verbis: “4.2. A segunda premissa que se me afigura necessária explicitar é a espécie de provedor de internet de que se cogita. A doutrina tem elencado como categorias de provedor as seguintes: os provedores backbone, provedores de conteúdo, provedores de acesso, provedores de hospedagem e de correio eletrônico. Os provedores backbone – "espinha dorsal" – configuram as estruturas físicas primárias pelas quais transitam quase totalidade dos dados transmitidos pela internet. No caso brasileiro, a Embratel realiza os serviços de provedor backbone. Os provedores de conteúdo formam a intermediação entre o editor da informação de um site e o internauta que a acessa. Os provedores de acesso são o meio pelo qual o usuário se conecta à rede, mediante a aquisição de um "endereço IP", funcionando como um intermediário entre o equipamento do usuário e a internet, tal como o serviço de telefonia, sendo responsável pela qualidade da conexão, disponibilidade, velocidade e segurança. Os provedores de hospedagem, por sua vez, dão suporte ou alojamento às páginas de terceiros, vale dizer, oferecem a interessados espaço virtual próprio para a alocação de um site. Como regra, os servidores de hospedagem não interferem no conteúdo do site, mas somente o proprietário deste. E, finalmente, o provedor de correio eletrônico é aquele vocacionado ao fornecimento de uma caixa postal virtual, mediante a qual se trocam mensagens e na qual elas podem ser armazenadas. (RE 997993/MG, Rel. min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 21/06/2012, Quarta Turma. DJe de 06/08/2012)” O segundo elemento trata-se da forma de comercialização do estabelecimento virtual: poderá comercializar diretamente produtos de pessoas jurídicas e físicas ou por intermediação, ou seja, sítios que facilitam a realização de transações de outros comerciantes (provedores de hospedagem), sendo remunerados através de taxa mensal, comissão sobre vendas ou pagamentos de anúncios. Nesse caso, temos os shoppings virtuais e os Leilões on-line, como por exemplo, www.shopping.uol.com e www.umbarato.com.br. O terceiro elemento é o intermediário financeiro que garante o pagamento através de diversas formas como cartão de crédito, débito, boletos bancários, paypal, smartcard, pagseguro. A facilidade de implementação do comércio eletrônico, principalmente através da Internet, cria dificuldades na fiscalização tributária. Sítios abrem e fecham com extrema facilidade e velocidade e na maioria das vezes sem que haja abertura da empresa e qualquer registro na junta comercial. Apesar da existência de informações cadastrais no sítio www.registro.com.br dos endereços eletrônicos dos estabelecimentos virtuais brasileiros, constata-se de um lado que o registro dos domínios pode ser feito por pessoas físicas (adicionalmente as pessoas jurídicas) e de outro, conflitos de informações cadastrais. Vejamos o exemplo do sítio www.celebravinhos.com.br, hospedado em www.nuvemshop.com.br, cuja consulta em www.registro.com.br na data de 09/07/2015, apresenta endereço em Rua Xavier de Toledo, 296, Santo André-SP. Já no sítio da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br) consultado em 09/07/2015, com CNPJ 06.221.446/0001-22, aponta endereço a Rua Coronel Francisco Amaro, 33, Santo André-SP. Com novos obstáculos à fiscalização, é importante analisar a questão da incidência da responsabilidade tributária no comércio eletrônico. Não se trata da aplicação da responsabilidade solidária do art. 7°, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas do enquadramento aos artigos de responsabilidade do CTN . De acordo com a ministra Helen Gracie no RE 562276/PR, in verbis: “4. A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributaria, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (driter Persone,terzo ou terceiro) evidência que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrário sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária; e desde que tenha contribuído para situação de inadimplemento pelo contribuinte. (RE 562276/PR, Rel. min. Helen Gracie, julgamento em 03/11/2010, Plenário Pleno. DJe de 10/11/2011)” O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária. O CTN não é taxativo e apresenta normas gerais para que o legislador estabeleça outras regras de acordo com a competência tributária do ente político e conforme seu art. 128. A responsabilidade tributária estabelecida no art. 124 não se pode ser instituída sem a observância do art. 128. Portanto, a Lei não pode atribuir responsabilidade pelo pagamento de tributo a sujeito passivo indireto, sem que o escolhido tenha um vínculo mínimo , de qualquer natureza, com o fato gerador da respectiva obrigação. A assembleia legislativa do Governo do Estado de São Paulo em 2009 estabeleceu uma nova regra matriz para a responsabilidade solidária em transações eletrônicas através da Lei n° 13.918, acrecentando os incisos XIII e XIV ao art. 9 da Lei n° 6.374 de 01/03/1989 que dispõe sobre a instituição do ICMS (RICMS). De acordo com os respectivos incisos, temos: “Artigo 9º – São responsáveis pelo pagamento do imposto devido: XIII – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual, com utilização de tecnologias de informação, inclusive por meio de Leilões eletrônicos, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco; (NR) XIV – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de tecnologia de informação, tendo por objeto o gerenciamento e controle de operações comerciais realizadas em ambiente virtual, inclusive dos respectivos meios de pagamento, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco;” Com a Lei n° 13.918, a legislação do ICMS paulista determinou que são responsáveis solidários prestadores de serviço de intermediação comercial em ambiente virtual e prestadores de serviços relacionados ao comércio eletrônico. Por meio da Portaria CAT n° 156/2010, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo disciplinou as obrigações acessórias que esses responsáveis devem cumprir, isto é, prestação de informações ao fisco. Na figura 2 temos os serviços contratados que devem prover informações à administração tributária paulista. Vejamos na legislação paulista, o enquadramento da regra de responsabilidade tributária. A regra matriz de incidência tributária é a operação de circulação de mercadorias que incide o ICMS. Já a regra matriz de responsabilidade foi estabelecida na Lei n° 13.918, atribuindo, por exemplo, aos prestadores de serviços de intermediação a responsabilidade solidária. Tais empresas fazem parte da cadeia de consumo, na medida que recebem comissão das transações efetuadas, portanto, estabelecendo um vínculo mínimo com o fator gerador da obrigação tributária. 2.4. Conflitos de Competência ICMS e ISS e Imunidades Os conflitos de competências devem ser tratados conforme art. 146 inciso I da Constituição Federal de 1988, ou seja, cabe a Lei Complementar dispor o que compete, em matéria tributária, a cada ente político. 2.4.1. Software Vejamos a primeira lide relacionada a comércio de bens incorpóreos comercializados na Internet, isto é, programas de computador. No RE 176626/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu no item 3 da Ementa, in verbis: “III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre às operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador”- matéria exclusiva da lide – , efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626/SP, Rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10/11/1998, Primeira Turma. DJ de 11/12/1998)” No entendimento do STF, o programa de computador (da espécie “software de prateleira”) comercializado pela Internet e adquirido via mecanismo de download não recebe a incidência de ICMS, pois é vendido sem corpus mechanicum. Em julgamento mais recente (maio de 2010), a suprema corte alterou o seu entendimento na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, in verbis: “8. ICMS. Incidência sobre software adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. (ADI 1945 MC/MT, Rel. min. Octavio Galotti, julgamento em 26/05/2010, Plenário. DJe de 11/03/2011)” No voto-vista do Ministro Nelson Jobim a questão central foi se o ICMS pode ser cobrado pelo licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador, em face do art. 9 da Lei nº 9609/1998 que determina que “O uso do programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Para o magistrado, é possível a incidência de ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual, pois “não há nessas operações a referência ao corpóreo, ao tateável, mas simplesmente pedidos, entregas e objetos que são, em realidade, linguagem matemática binária”. Com relação a programas feitos sob encomenda, o entendimento jurisprudencial do STF é “o que se tem é serviço típico, sujeito, em princípio, à competência tributária dos Municípios”. (pg.5 do RE 176.626/SP). Nessa mesma direção o STJ também já se pronunciou no RE 1.070.404/SP, in verbis: “EMENTA. TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – PROGRAMAS DE COMPUTADOR NÃO PERSONALIZADOS – DL 406/68 – NÃO-INCIDÊNCIA DO ISS. 1. Os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS. 2. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que o compram como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS. 3. Hipótese em que a empresa fabrica programas em larga escala para clientes. 4. Recurso especial não provido. (RE 1070404, Rel. min. Eliana Calmon, julgamento em 26/08/2008, Segunda Turma. DJe de 22/09/2008)” A Lei Complementar nº 116/2003 inclui no item 1.05 a incidência de ISS em “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” e conforme jurisprudência do STF, o respectivo item aplica-se a software da espécie desenvolvido por encomenda ou customizado. No entanto, conforme Hugo de Brito Machado Segundo: “…cessão de direito não é serviço, e considerando que dentro de pouco tempo cairá em desuso a cessão direitos através de corpus mechanicum que possa ser adquirido em prateleiras (substituídos por download), coloca-se a questão de saber se a cessão de direito de uso pode ser tributada pelo ISS, pois não se tem, nesse caso, um serviço, da mesma forma como não se tem serviço na locação de bens móveis. (SEGUNDO, 2015, pg. 94)” Nessas questões, o estado de São Paulo, através do decreto estadual nº 5169/07, estabeleceu no art.1º que “Na operação realizada com programa para computador ("software"), personalizado ou não, o ICMS será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático”, não se atribuindo tal artigo a jogos eletrônicos de vídeo (“videogames”). No caso de tais softwares serem comercializados via Internet através de download, a administração tributária paulista já manifestou seu entendimento através da Resposta à Consulta tributária nº494, in verbis: “11. No caso específico dos softwares comercializados por meio de download, por não haver suporte fático, não há base de cálculo e, consequentemente, não há imposto a ser recolhido. Contudo, ainda que não haja recolhimento do imposto, tais operações estão inseridas no campo de incidência do tributo, devendo, por esse motivo, antes de iniciada a saída da mercadoria, ser emitido o correspondente documento fiscal. (Resposta à consulta tributária 494/2011, de 24 de outubro de 2011, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo).” Na prática a comercialização de software via download, para o fisco paulista, não há base de cálculo, e, portanto, não há ICMS a ser recolhido, o que não dispensa a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal. Nota-se também no decreto paulista nº 5169/07 a extensão de incidência de ICMS a software personalizado, que nesse caso, a jurisprudência é no sentido de incidência de ISS. Cabe também destacar o posicionamento do fisco mineiro na consulta tributária n°054/2014 de 13 março de 2014 referente a software comercializado via download, revelando sintonia com o STF na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, nos seguintes termos: “Sobre a questão apresentada, Carlos Alberto Rohrmann nos remete à lição de Carvalho de Mendonça, que em seu tratado de Direito Comercial ensina que as mercadorias podem ser coisas materiais, corpóreas ou as imateriais, incorpóreas, citando como coisa incorpórea que pode ser objeto de comércio, a energia elétrica. O autor, com fundamento no ensinamento acima referido conclui que o programa de computador vendido, locado ou cedido, como objeto de circulação comercial, ou seja, como objeto de comércio, pode tornar­-se uma coisa comercial, sendo, pois, mercadoria, ainda que incorpórea. (Curso de Direito Virtual, pp. 52 e 53, edição 2005, editora Del Rey). Depreende­sse, pois, que o programa de computador, suscetível de venda, locação ou cessão, como objeto de circulação comercial, classifica­dos como mercadoria ainda que incorpórea, sendo passível, consequentemente, de tributação pelo ICMS. Relativamente aos denominados softwares de prateleira, essa Diretoria já teve oportunidade de se manifestar no sentido de que a elaboração e comercialização do chamado “software de prateleira” é operação incluída no campo de incidência do ICMS, tendo por base de cálculo o valor correspondente a duas vezes o valor de mercado do suporte informático, devendo este ser objeto de apuração pelo contribuinte, conforme determinado no art. 43, inciso XV, alínea “b”, do RICMS/02. Cumpre salientar que pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, cujo acórdão foi publicado em 14/03/2011, restou assegurado que a condição de mercadoria do denominado software de prateleira independe de estar disponível em mídia física ou para “download”, assim considerado o termo utilizado para descrever a baixa de arquivos digitais pela internet. Para o ministro Nelson Jobim, se o fato de ser o bem incorpóreo fosse ressalva à incidência do ICMS, não poderia, da mesma forma, ser cobrado o imposto na aquisição do programa de computador de prateleira, visto que, nesse caso, estar-se-ia adquirindo não um disquete, CD ou DVD, a caixa ou o livreto de manual, mas também, e principalmente, a mercadoria virtual gravada no instrumento de transmissão. Assim, se o argumento é de que o bem incorpóreo não pode ser objeto de incidência do ICMS, a assertiva haveria de valer para o caso de bens incorpóreos vendidos por meio de bens materiais. Uma vez superada a questão relativa à tributação, cabe tratar da emissão do documento fiscal eletrônico correspondente à operação de revenda do software, realizada pela Consulente, por meio do download a ser baixado do seu site. Nesse caso, diante da manifestação da Receita Federal do Brasil acerca da inexistência de classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul de software comercializado via download, deverá ser informado o código “00” no campo relativo à NCM constante da NF­e. (Resposta à consulta tributária 054/2014, de 13 de março de 2014, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de Minas Gerais).” 2.4.2. Provedor de Internet Segundo o voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão do STJ no RE 997.993/MG (vide item 2.3) provedor de internet é composto por categorias: provedor de backbone, de conteúdo, de hospedagem e de correio eletrônico. Todas essas espécies estão diretamente ou indiretamente relacionadas à comercialização de bens tangíveis e intangíveis por via eletrônica e através da Internet. É incontroverso que provedor de backbone (concessionárias) como Embratel, Vivo, Oi, dentre outros, prestam um serviço de telecomunicação se inserindo na incidência do ICMS. A natureza jurídica de provedor de acesso à Internet já foi objeto de discussão no STJ resultando na súmula 334,“ O ICMS não incide nos serviços dos provedores de acesso à Internet”, pois presta serviço de valor adicionado definido no art. 61 da Lei n° 9.472/92 e conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho, citado pela Revista de Súmula do Superior Tribunal de Justiça (2012): “o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet e um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro e um dos componentes no processo de produção do último. (REVISTA, 2012, pg. 165)” Adicionalmente, o provedor de acesso à Internet é intributável pelo ISS, pois serviço de valor adicionado não consta do rol de serviços tributáveis da lista constante da Lei Complementar n°116/2003, que é numerus clausus. Os provedores de hospedagem, que oferecem espaço virtual para alocar um sítio, são prestações de serviço, porém não são tributáveis pelo ISS e conforme Kihoshi Harada: “Essa disponibilização de espaço virtual pelo provedor de hospedagem não é tributada pelo ISS. Ela é intributável pelo ISS, porque não consta de nenhum item ou subitem de serviço”. (HARADA, 2014, pg. 167) Destarte provedores de conteúdo e de correio eletrônico sejam prestadores de serviço, também entendemos que são intributáveis pelo ISS, pois não constam da lista de serviços da Lei Complementar n°116/2003. 2.4.3. Livros, Jornais e Periódicos A constituição Federal no seu art. 150 alínea d concedeu imunidade tributária a “livros, jornais e ao papel destinado a sua impressão”. Segundo Luís Eduardo Schoueri: “A importância do meio físico no qual se apresenta a publicação é matéria até hoje não pacificada. Por exemplo, já se aceitou que o livro de pano não deixa de gozar de imunidade; por outro lado, discos contendo contos infantis não foram considerados livros. (SCHOUERI, 2014, pg. 470)” Com o surgimento de novas tecnologias, surge a questão da aplicação da imunidade a impostos em livros, que se apresentam através de arquivos digitais comercializados em dispositivos de armazenamento como CD e DVD, dentre outros, ou adquiridos via download através da Internet. Esses temas não estão pacificados na jurisprudência e não há unanimidade na doutrina. O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal no RE nº 330.817/RJ do Relator Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral que não ainda não foi julgada. Na suprema corte há julgados em direção a uma análise mais restritiva como o agravo regimental em recurso extraordinário RE nº 504.615-AgR/SP, do relator Ministro Lewandowski em que a imunidade “estende-se, exclusivamente, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel.” Por outro lado, há uma interpretação menos restritiva como no RE 202.149/RS, relator do acordão Ministro Marco Aurélio em que “a imunidade tributária relativa a livros, jornais, e periódicos é ampla, total, apanhando produtos, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa e não exaustiva.” Vejamos o posicionamento de algumas administrações tributárias. A Receita Federal se manifestou contrária à imunidade em publicações eletrônicas, de acordo com a solução de consulta n°51 – Cosit e nos seguintes termos: “20.1. é de natureza objetiva a imunidade de que gozam os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, alcançando, em nível federal, exclusivamente, os impostos sobre o comércio exterior e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Ressalte-se que essa imunidade não se aplica a publicações eletrônicas ou digitais. (grifo do autor)” Já a Fazenda Pública de São Paulo demonstrou o seu entendimento em duas respostas a consultas tributárias não reconhecendo imunidade em livro eletrônico disponibilizado em CDs, DVDs, Blue-Ray ou via download pela Internet, in verbis: “ICMS – LIVROS DISPONIBILIZADOS PARA "DOWNLOAD" PELA INTERNET. I – A transferência eletrônica de textos previamente digitalizados, adquiridos por contrato de compra e venda ou de licença de uso, é uma operação de circulação de mercadoria, sujeita à incidência do imposto estadual. II – Necessidade de emissão de Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A (artigos 124, I, e 125, I, do RICMS/2000) ou de Nota Fiscal Eletrônica – NF-e (artigo 212-O, I, do RICMS/2000 e Portaria CAT 162/2008). (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)” “ICMS – "Livro eletrônico" (em CDs, DVDs, Blu-Ray) A imunidade tributária (alínea "d" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) dos livros, jornais e periódicos, impressos em papel, não alcança as edições disponibilizadas por qualquer outro meio diferente daquele da impressão em papel, tais como CDs, DVDs, Blu-Ray – Livros eletrônicos (em CDs, DVDs, Blu-Ray) são mercadorias normalmente tributadas pelo ICMS – "Livro em papel que acompanha material didático Complementar em CD, DVD, Blu-Ray": a imunidade dos livros (em papel) não se estende aos CD´s, DVDs, Blu-Ray ou outros materiais que acompanham tais livros, ainda que necessários à compreensão ou aprendizado do seu conteúdo. (Resposta à consulta tributária 129/2012, de 14 de maio de 2013.)” É importante ressaltar, a discussão de um tema polêmico quanto à natureza jurídica do vocábulo mercadoria como elemento necessário a incidência de ICMS. No comercio eletrônico, tal questão surge novamente e a Fazenda Pública de São Paulo se manifestou ao analisar a incidência do imposto estadual no livro eletrônico considerando mercadoria também como um bem incorpóreo, no seguinte termo: “3. Inicialmente, é importante observar que esta Consultoria Tributária já se manifestou no sentido de que, embora não seja simples conceituar "mercadoria", esse conceito não equivale simplesmente a "bem móvel", como se costuma dizer, mas pode abranger qualquer coisa que esteja no mercado, que seja tratada por agentes econômicos com a finalidade de levar ao consumo bens quaisquer, sendo tributadas as operações com eles realizadas, pela manifestação de capacidade contributiva. (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)”  Finalmente, a Fazenda Pública de Minas Gerais apresenta um entendimento divergente em comparação a Receita Federal e a Fazenda Pública de São Paulo, manifestada na consulta tributária n° 128/2010 de 22 junho de 2010, in verbis:  “ … O RICMS/02, modificado pelo Decreto nº 44.258/06, em decorrência da Lei nº 15.956/05, que alterou o § 7º do art. 7º da Lei nº 6.763/75, dispõe que:  “Art. 5º O imposto não incide sobre:  VI – a operação com livro, jornal ou periódico, impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ou com o papel destinado à sua impressão, inclusive o serviço de transporte com ela relacionado, não se aplicando: d) a suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde, observado o disposto no inciso IV do art. 43 deste Regulamento;”  Da Leitura do dispositivo transcrito acima pode-se concluir que estão alcançados pela não incidência do imposto estadual as operações com livros em seu formato original, assim considerado aquele impresso em papel, bem como aquele disponibilizado à Leitura por meio eletrônico.  Dessa forma, ainda que o livro eletrônico seja objeto distinto do livro de papel, uma vez mantida a sua essência em um novo formato, no caso, em mídia eletrônica, não se tributa pelo ICMS as operações com ele realizadas, observada a disposição contida na alínea “d” do inciso VI acima reproduzido.  Na oportunidade, mostra-se importante distinguir o livro eletrônico do audiolivro. Livro eletrônico é a versão digital de um livro, que pode ser adquirido por meio de download ou em suporte adequado, para ser lido em display apropriado.  Audiolivro é a própria narração do texto, da obra literária, normalmente gravada em estúdio, sendo enriquecida pelos efeitos sonoros e musicais, descaracterizando a atividade da Leitura, que consiste no esforço do cérebro para transformar símbolos gráficos em conceitos intelectuais, combinando unidades de pensamento em sentenças e estruturas mais amplas de linguagem, constituindo, ao mesmo tempo, um processo cognitivo para compreensão de um texto.  Pode-se depreender, portanto, que a não incidência alcança o livro disponibilizado à Leitura por meio do formato em papel ou por apresentação em meio eletrônico, não se estendendo ao chamado audiolivro nem ao suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde. (grifos do autor, Resposta à consulta tributária 128/2010, de 22 de junho de 2010)” Para o fisco mineiro o livro eletrônico está imune, mas não o chamado audiolivro. 2.4.4. Música e Vídeo A emenda constitucional nº 75/2013 ampliou o rol de imunidade tributária da Constituição Federal de 1988, concedendo benefícios aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, incluindo os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. De acordo com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, fonograma é “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Na prática fonograma é uma música (som) interpretada por um cantor. Já videofonograma é a união de som e imagem, isto é, vídeos musicais. Segundo Luís Eduardo Schoueri (2014, pg. 473) , “ao referir-se a “videofonograma”, e não a obras “audiovisuais”, o contribuinte derivado excluiu a obra cinematográfica do âmbito da referida imunidade”. Como a imunidade se aplica a suporte materiais e arquivos digitais, a comercialização de CDs, DVDs, Blue-Rays, contendo os arquivos digitais de fonogramas e videofonogramas estão imunes aos tributos como ICMS e ISS. Adicionalmente, a emenda menciona a expressão arquivos digitais e nesse caso a imunidade segundo Luís Eduardo Schoueri (2014) “pode alcançar situações como downloads, streaming, e as mais diversas formas de comercialização de arquivo via internet”. Vejamos caso concreto de comercialização de música e vídeo digitais vendidos através de download via Internet. A administração tributária do munícipio de São Paulo, através da consulta SF/DEJUG nº17 de 02/04/2013, esclareceu a um consulente quanto a comercialização e o aluguel no Brasil de conteúdos digitais (músicas e vídeos). A consulente informou na consulta que disponibiliza ao consumidor um programa de computador “iTunes” e após a criação de uma conta pessoal, concede acesso a loja virtual. Além disso, a consulente apresentou os contratos de distribuição para download de música digital e de vídeo digital, respeitando o direito do autor. No exame da documentação, o fisco paulistano classificou a consulente como uma empresa intermediária entre o detentor dos direitos sobre as música e vídeos e os consumidores finais. Na questão da incidência de ISS nesse tipo de comércio eletrônico, administração tributária paulistana se manifestou, in verbis: “7.1. Devido à promulgação da Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003, que produziu efeitos a partir de 01/08/2003, a atividade de locação de bens móveis foi excluída do campo de incidência do ISS porque houve vetos presidenciais à inclusão desse serviço na nova Lista de Serviços. Tal mudança foi incorporada pela legislação municipal vigente. 7.1.1. Assim sendo, não há incidência do ISS sobre a atividade de cessão de direito de uso de músicas e vídeos, bem como não é permitida a emissão de qualquer tipo de Nota Fiscal de Serviços para referida atividade, porque não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para documentar atividade que não consta da Lista de Serviços vigente. (Solução de Consulta SF/DEJUG nº 17, de 02 de abril de 2013, Departamento de Tributação e Julgamento da Prefeitura de São Paulo)” Portanto, em consonância ao entendimento do fisco paulistano, não há incidência de ISS para músicas e vídeos digitais comercializados através de mecanismo de download. Quanto ao ICMS, a questão central é se músicas e vídeos digitais são mercadorias. Para uma parte da doutrina, o conceito de mercadorias está associado a bens corpóreos. No entanto, o STF sinaliza na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, a incidência de ICMS em software de “prateleira” , que é um bem incorpóreo. Sendo musicas e vídeos digitais , não abrangidos pela imunidade tributária da EC nº 75/2013, bens incorpóreos também há possibilidade de incidência de ICMS. É importante também destacar a Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit da Receita federal que revela o entendimento da incidência de Imposto de Importação na aquisição de filmes digitais adquiridos e transferidos do exterior ao adquirente nacional via download: “14. Assim, considerando a situação sob análise – download de dados consistentes em filmes digitais –, infere-se que a inexistência de suporte físico para a questão considerada é irrelevante na determinação da incidência do Imposto sobre a Importação sobre os dados ou instruções então transmitidos, pois, diferentemente do previsto em relação aos softwares, a legislação houve por bem tributar, além do suporte físico propriamente dito, aqueles dados ou instruções cujos conteúdos foram descritos pelo §3º, art. 81, do Decreto nº 6.759, de 2009. 15. Dessa forma, em se tratando de dados ou instruções consistentes em som, cinema ou vídeo, duas situações se apresentam: (i) quando esses dados ou instruções estiverem gravados em um suporte físico, o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá à soma dos custos ou valores do suporte físico e dos dados ou instruções; (ii) acaso tais dados ou instruções forem transmitidos via download – não havendo, portanto, suporte físico para a gravação dos mesmos – o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá, simplesmente, ao custo ou valor desses dados ou instruções. (Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit, de 30 de novembro de 2010, Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 8ª RF)” 2.5. Computação em nuvem Com o rápido desenvolvimento de tecnologias de processamento e armazenamento e o sucesso da Internet, os recursos computacionais tornaram-se mais baratos, mais poderosos e mais ubiquamente disponíveis num nível que jamais foi visto na história. Essa tendência tecnológica habilitou a realização de um novo modelo computacional chamado de computação em nuvem no qual os recursos (por exemplo, unidade central de processamento e armazenamento) são providos como serviços utilitários que podem ser alugados e disponibilizados através da Internet. Uma das definições que faz sentido para maioria dos Chief Information Officers (CIOs) de acordo com D´Auria e Nash (2009) é: “Você não é proprietário do software ou hardware e, ao contrario de um outsourcing, nenhum específico equipamento é dedicado somente para você. Você acessa os sistemas do vendedor sob a Internet de alguma forma segura. Por esse acesso, você paga uma taxa de assinante que aumenta e diminui em função de quanto ou qual frequente você usa o sistema do provedor.” Destaca-se também a definição fornecida pelo National Institute of Standards and Technology – NIST (MELL; GRANCE, 2011,p.1) que diz: “Computação em nuvem é um modelo para habilitar, ubiquamente e convenientemente, o acesso de rede sob demanda para um pool compartilhado de recursos computacionais configuráveis (por exemplo, redes, servidores, storage, aplicações, serviços) que podem ser rapidamente provisionados e operacionalizados com mínimo de esforço gerencial ou de interações como o provedor de serviço (tradução do autor).” Em geral, há três modelos de entrega de serviço da computação em nuvem, clássicos: Software (programas de computador) como um Serviço (Software as a Service – SaaS); Plataforma como um Serviço (Plataform as a Service – PaaS); e Infraestrutura como um Serviço (Infrastructure as a Service – IaaS). Acerca dos modelos de entrega de serviço, a justificativa do Projeto de Lei do Senado nº 386/2012 referente a alterações na Lei Complementar nº 116/2003 discorreu: “A “computação em nuvem” disponibiliza um conjunto de recursos para a prestação de serviços remota. Possui um formato de computação no qual aplicativos, dados e recursos de TI são compartilhados e disponibilizados aos tomadores por meio de Internet. Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem: Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem: (i) a “Infraestrutura como um Serviço” que corresponde à utilização de uma infraestrutura com disponibilidade de capacidade de armazenamento fornecida pelo servidor, de acordo com a necessidade do cliente; (ii) a “Plataforma como um serviço” que consiste na utilização em conjunto de equipamento e programas com um pacote de soluções, geralmente voltado ao desenvolvimento ou teste de sistemas de seu cliente;e, (iii) “Programas como um Serviço” que consiste no acesso remoto ao uso de um “software” disponibilizado pelo prestador via internet, sem que o tomador usuário faça o seu “download”. (Projeto e Lei n° 386/2012, Senado, pg.9)” A computação em nuvem representa uma nova espécie de comércio eletrônico direto. Há uma ruptura do modelo de aquisição tradicional de equipamentos e programas de computador provenientes de empresas de tecnologia de informação e comunicação (TIC). Inserida dentro do capitalismo foi e está sendo desenvolvida com objetivo , dentre outros, de redução de custo , redução de consumo de energia e espaço, maior rapidez na entrega de demandas dos clientes, criar ambiente de inovação, acelerar os processos de compra. Diante desse cenário, três desafios se apresentam : primeiramente compreender conceitos de eletrônica e computação que foram criados sem qualquer relação com o ordenamento jurídico vigente; posteriormente fazer a subsunção da computação em nuvem às hipóteses de incidência dos tributos; fiscalizar o cumprimento dos tributos aplicáveis. Neste artigo, não nos deteremos a uma análise exaustiva das hipóteses de incidência na computação em nuvem, mas nos temas principais abordados como insumo para compreensão da complexidade da fiscalização tributária nesse mercado econômico. Os modelos de entrega da computação em nuvem SaaS, PaaS e IaaS, apresentam o vocábulo serviço com uma tradução da palavra “service” em inglês. Tal palavra não está associada ao conceito de uma prestação de serviço nos termos da legislação do ISS em vigor, mas qualquer recurso computacional (hardware e software) e de comunicação que possa ser acessado sob demanda, via Internet, sem aquisição de nenhum bem corpóreo por parte do consumidor final. O usuário não adquire produto, não detém sua posse, nada pertence ao seu patrimônio. Todos os serviços tradicionais de informática como manutenção, instalação de hardware e software, atualizações, armazenamento e processamento de dados são de responsabilidade do fornecedor. A população já usa intensivamente a computação em nuvem, mesmo não tendo familiaridade com esses conceitos. Vejamos, por exemplo, o uso do correio eletrônico gmail que é um exemplo simples de um serviço de computação em nuvem do tipo SaaS disponibilizado gratuitamente pela empresa Google aos usuários. Quaisquer dos modelos de entrega em computação em nuvem apresentam o fato de que o hardware e o software necessários para a construção dos serviços estão na maior parte das vezes localizados no exterior, visto que seu acesso é via internet, dispensando o usuário de qualquer restrição de local para o seu uso. Nesse ambiente o requisito ao usuário é a obrigatoriedade a conectividade a rede Internet, independentemente do seu domicílio ou local de trabalho. Em direção a análise da natureza jurídica dos serviços de computação em nuvem diversos, artigos[2] posicionam a complexidade do enquadramento jurídico dos modelos de entrega de computação em nuvem a lista de serviços constantes na Lei Complementar n°116/2003 referente ao ISS e ao art.2 inciso III da LC n° 87/1996[3] referente ao ICMS. Para resolver divergências jurídicas tramita no Senado um projeto de Lei n°386 de 2012 que visa incluir o item 1.09 – Computação em nuvem no rol de serviços abrangidos pelo ISS. Ir na direção da incidência do ISS sucinta a questão da importação de serviços já que a infraestrutura (hardware e software) de diversos provedores de serviços de computação em nuvem estão em outros países. O art. 1., § 1° da LC n° 116/2003 permite a incidência de serviço proveniente do exterior e a respectiva Lei Complementar também elegeu o local do estabelecimento do tomador ou do intermediário dos serviços, ou se não houver o estabelecimento, o domicílio do tomador, para o recolhimento do imposto. No entanto, para alguns doutrinadores o serviço “importado” é inconstitucional. Segundo Kihoshi Harada: “…será obrigatório o reconhecimento de inconstitucionalidade daquele dispositivo por afrontar o princípio da territorialidade das normas brasileiras. A Constituição Federal, ao outorgar a competência impositiva aos Munícipios pelo seu art.156 III, não autorizou a tributação dos serviços prestados fora do seu território. Sequer ressalvou os serviços iniciados no exterior, como fez em relação ao ICMS, conforme se depreende do seu art. 155,II. (HARADA, 2014, pg. 67 a 68)” É incontroverso que ao enquadramento dos modelos de entrega da computação em nuvem deva analisar a preponderância em dar e fazer. Conforme Kihoshi Harada “serviço significa um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção”, logo o ISS recai sobre circulação de bem imaterial, resultando de uma obrigação de fazer. Conforme art.9 da Lei n° 9.609/98, “o uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Os contratos de licença podem se manifestar de duas formas principais: na primeira o usuário tem autorização de usá-lo (licença de uso) e na segunda, além de usá-lo, pode alterá-lo (código fonte) e explorá-lo economicamente. A computação em nuvem foi desenvolvida para responder rapidamente as demandas de mercado e promover a economia de escala. Diante desse fato, os provedores de serviço na nuvem do modelo SaaS oferecem aos usuários interfaces padrões como se fosse uma espécie de software de prateleira. Nesse caso, no julgado da medida cautelar da ADI 1945 MC/MT, o STF sinalizou a possibilidade de incidência do ICMS em software de “prateleira” mesmo sendo comercializado por download, alargando o conceito de mercadoria para bens incorpóreos. Mesmo cogitando a hipótese de incidência de ICMS segundo STF, a computação em nuvem apresenta características distintas da comercialização de software num modelo tradicional. Por exemplo, no SaaS não há download de software e seu pagamento, geralmente é mensal, em função do uso. Não há contrato de licença, mas um Termo de Acordo de Serviço[4] conforme, por exemplo, o serviço de armazenamento de dados (IaaS) da empresa Amazon, portanto não há obrigação de dar, mas para fazer: permitir o acesso a recursos computacionais. Seja qual for o modelo de entrega da computação em nuvem, o serviço ofertado é composto por diversos serviços de informática, dentre outros, aluguel de licença de uso de software, suporte técnico, armazenamento, processamento de dados, caracterizando uma nova espécie de serviço passível de tributação do ISS caso conste na lista da Lei Complementar nº116/2003. Cabe registar a Solução de Consulta SF/DEJUG nº 40, de 1 de agosto de 2013 da Prefeitura Municipal de São Paulo, sobre enquadramento da computação em nuvem a hipótese de incidência do ISS. Essa administração tributária enquadrou os serviços de computação em nuvem no rol de serviços de informática já existentes na Lei Complementar. No nosso entendimento, o fisco municipal empregou a analogia, no entanto, conforme art.108 parágrafo primeiro do CTN “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em Lei.” Em função da computação em nuvem ser acessada por qualquer usuário independentemente de local, fácil contratação on-line através de pagamentos como cartões de crédito e a presença de provedores cuja infraestrutura está espalhada por diversos países, coloca desafios para fiscalização tributária. A fiscalização de contribuintes, quando o enquadramento jurídico do imposto de consumo está em direção a serviços de qualquer natureza, tem temas polêmicos. Se o contribuinte é um prestador de serviço localizado no exterior, estamos diante de uma questão de como cobrá-lo da obrigação do imposto municipal. Nesse caso o art.6 da LC nº 116/2003 estabelece hipóteses de substituição tributária obrigatória, por exemplo, o tomador do serviço. Destarte a tributação de serviço importado possa ser inconstitucional, a substituição tributária pode ser estendida também a sítios de intermediação localizados no território brasileiro que comercializam serviços na nuvem, desde que previsto em Lei e seja responsável pelo recolhimento do tributo, embora não esteja vinculado diretamente a ocorrência do fator gerador.  A questão de fiscalização de serviços na nuvem também envolve tributos federais. A Receita Federal publicou em 15 de agosto de 2014 o Ato Declaratório Interpretativo RFB Nº 7 disciplinando o seu entendimento do serviço em nuvem do modelo IaaS, nos seguintes termos: “Art. 1º Os valores pagos, creditados, entregues ou remetidos por residente ou domiciliado no Brasil para empresa domiciliada no exterior, em decorrência de disponibilização de infraestrutura para armazenamento e processamento de dados para acesso remoto, identificada como data center, são considerados para fins tributários remuneração pela prestação de serviços, e não remuneração decorrente de contrato de aluguel de bem móvel. Parágrafo único. Sobre os valores de que trata o caput devem incidir o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (Cide-Royalties), a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação” Portanto, para Receita Federal o modelo IaaS é uma prestação de serviços que envolve o recolhimento de IR, CIDE-Royalties, PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação. Também para esses tributos a facilidade de pagamento através de cartão crédito dificulta a fiscalização, gerando a necessidade de confrontar dados das instituições financeiras de cartão de crédito com escrituração contábil da empresa. Tal operação somente mediante processo fiscal administrativo instaurado e mediante ordem judicial para acesso aos dados conforme entendimento do STJ analisado no item 1.6 desse artigo. 2.6. Operações de Fiscalização Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, há um uso intensivo pelo consumidor final de diversas formas de pagamento como cartões de crédito e débito. Em 2007, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo através de ato administrativo (Portaria) solicitou às administradoras de cartão de crédito e débito o envio das operações realizadas no estado. Com base nessas informações identificou diferenças no recolhimento do ICMS de 93.600 empresas no ano de 2006. As autoridades fiscais autuaram mais de 1.300 empresas em face da divergência da escrituração fiscal com informações de movimentação financeira provenientes das administradoras de cartão de crédito e débito. Diversas empresas provocaram o poder judiciário para anulação dos autos de infração. A jurisprudência no Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo e no STJ vem confirmando a anulação dos autos da chamada operação “cartão vermelho”. A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, determina no art. 6°: “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.” Na apelação nº 0130457-83.2008.8.26.0053 – São Paulo – Voto nº 20.709, o relator, Desembargador Xavier de Aquino, relata: “Ora, se a Lei Complementar 105/2001 determina a prévia existência de processo administrativo e a imprescindibilidade de tais informações, ilegal a busca indiscriminada por indícios de infrações tributárias com violação ostensiva do sigilo bancário. O processo, inclusive o administrativo, deve investigar fatos, e não os procurar, como se estivesse pescando. “ Adicionalmente, o acordão do TJ-SP acrescenta que o plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 389808/PR assentou o entendimento que a Fazenda Pública não pode quebrar o sigilo bancário sem ordem judicial. O acordão em referência foi recorrido pela Fazenda do Estado de São Paulo e no Agravo em Recurso Especial Nº 285.894 – SP, cujo Relator Ministro Herman Benjamin negou provimento ao agravo, confirmando que o acordão recorrido está em sintonia com atual entendimento do STJ. Portanto, quaisquer atos do fisco na direção de cruzamento de dados de instituições financeiras com escrituração contábil das empresas, que atuam ou não no comércio eletrônico, na busca de ilegalidades na comercialização de produtos, deverá se atentar a necessidade de procedimento fiscal instaurado e ordem judicial para acesso aos dados. Já em 2009 uma operação denominada Matrix revelou desafios da fiscalização tributária no combate a atos ilegais das chamadas “lojas virtuais”. Uma cooperação entre a Receita federal e Fazenda de São Paulo identificou empresas de comércio eletrônico direto que faturaram em média R$ 60 milhões de reais por ano, mas com recolhimento em torno de 4% em tributos. Essas lojas vendiam produtos na Internet com preços muito abaixo da média de mercado. Identificou-se que endereços apontados nas páginas do estabelecimento virtual eram falsos. Adicionalmente, comerciantes atuavam de suas residências ou pequenos escritórios, sem que mantivessem estoques dos itens. Também não souberam informar a origem dos produtos, caracterizando indícios que tais mercadorias eram fruto de descaminho. O sucesso da operação Matrix reforça a regra constitucional constante no art.37, XXII da Carta Magna, in verbis: “XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da Lei ou convênio. (grifo do autor)” A cooperação entre as autoridades fiscais é elemento fundamental no comércio eletrônico pelas características das tecnologias da Internet que possibilitam a criação de sítios em qualquer país bem como o seu acesso pelos usuários sem nenhuma barreira territorial. Acrescenta-se a essa cooperação o art.199 do CTN no seu parágrafo único que autoriza à União “permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”. Nada se estabeleceu expressamente quando há interesses de tributos estaduais e municipais, portanto, tais entidades políticas devem estabelecer convênios com a União quando necessitarem de informações de estados estrangeiros. A facilidade de aberturas de sítios de lojas virtuais, a liberdade de publicar informações que muitas vezes são falsas, o atrativo de preços muito inferiores dos produtos em comparação ao modelo de aquisição em lojas físicas são características contribuem para formação de um mercado consumidor. É nesse cenário que ações integradas das administrações tributárias são requeridas com maior frequência incluindo compartilhamento de informações, maior integração de Comitê Gestor do Internet no Brasil que tem a coordenação para atribuição de endereços IPs (Internet Protocol) e para o registro de nomes de domínios usando “.br”[5], de forma que tenhamos pelo menos dos sítios registrados de comércio eletrônico no Brasil um cadastro que seja auditado periodicamente. CONCLUSÃO Desde o início da criação da Internet e do computador, a sociedade vem sendo desafiada com novas tecnologias alterando sistematicamente o status-quo de produção, comercialização e consumo de produtos. Aliada a essa transformação temos os avanços nas tecnologias de comunicação como redes ópticas e sem fio, que possibilitaram o intenso uso de dispositivos móveis eliminando cada vez mais barreiras físicas para o comércio. Não há um comércio eletrônico brasileiro, mas mundial. Ao se conectar a Internet, o consumidor final tem um mercado à sua disposição sem barreiras geográficas. Nesse cenário de constante inovação insere-se a legislação tributária. As questões de fiscalização tributária devem ser endereçadas sob dois ambientes. Primeiro é o comércio eletrônico indireto em que fundamentalmente não há grandes temas de insegurança jurídica quanto à incidência de tributos. Nesse caso, o foco da fiscalização deve ser em sítios de intermediação e nos registros de domínio. O segundo ambiente é o comércio eletrônico direto, que deve merecer maior atenção, pois trata de comércio de bem incorpóreo. Há divergências na doutrina e não temos uma jurisprudência consolidada em diversos temas como o livro eletrônico. E se não há segurança jurídica, a atuação da fiscalização está comprometida em face a grande possibilidade de nulidade de autos de infração. O grande mercado que se projeta para bens incorpóreos não é livro, música, vídeo digitais, mas computação em nuvem. A computação em nuvem é uma ruptura de paradigmas no mercado de tecnologia da informação e comunicação. O consumo de equipamentos e software de TIC vem crescendo exponencialmente no mundo. Por outro lado, há uma demanda de governos e empresas em otimizar recursos computacionais, espaço e energia, de forma utilizá-los apenas sob demanda. Portanto, a locação de recursos se apresenta como solução. No centro das tecnologias de computação em nuvem está o software e a conectividade via Internet. A natureza jurídica dos modelos de entrega da computação em nuvem está na direção de uma prestação de serviço, no entanto, é necessário incluí-lo em Lei. Acrescenta-se que superada a questão do enquadramento tributário, se coloca a difícil tarefa de fiscalizá-la em função de um modelo de negócio que permite usuários contratarem serviços de computação em nuvem sob demanda, em qualquer tempo e em qualquer país. É inviável fiscalizar cada operação, suscitando uma análise da substituição tributária nesse ambiente. Finalmente, qualquer ação do fisco deverá respeitar os direitos individuais sob pena de terem invalidados os autos de infração pelo poder judiciário, aumentando a evasão fiscal.
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A importância dos créditos adicionais na execução orçamentária
O presente artigo tem como objetivo abordar o papel dos créditos adicionais e os reflexos advindos de sua utilização, assim como sua importância. Diante disso, se problematiza questionando quais são os benefícios e reflexos da utilização dos créditos adicionais (suplementares, especiais e extraordinários) durante a execução orçamentária. A partir dessa problemática optou-se por realizar uma pesquisa do tipo documental com abordagem qualitativa do problema. Para abordar o tema, parte-se do debate sobre a estrutura do sistema de planejamento e orçamento, orçamento público e do instituto dos créditos adicionais. Os resultados observados consolidam a importância dos créditos adicionais durante a execução orçamentária, pois é graças a esse instituto que o gestor público pode atender às demandas sociais imprevistas ou insuficientemente previstas na Lei Orçamentária Anual e, consequentemente, evitar prejuízo à coletividade.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Sabe-se que a contabilidade pública é bastante complexa e seu domínio é de fundamental importância, não somente para profissionais da área, mas também para o gestor público e para a sociedade como um todo, tendo em vista que sua compreensão auxilia na tomada de decisões, análise de resultados, correção de distorções, fraudes, erros, avaliação de desempenho, além de possibilitar a efetivação do controle social. À contabilidade compete o processamento da escrituração contábil dos entes públicos, mediante controle e registro de toda a execução orçamentária, na qual estão inclusos os créditos adicionais. Tendo em vista o fato de que não existe programação perfeita (por ser uma estimativa), no decorrer da execução orçamentária, muitas vezes, se faz necessário a utilização de medidas para “consertar” as falhas oriundas desse planejamento falho ou insuficiente. A única maneira de se realocar recursos dentro do orçamento é através dos créditos adicionais. Daí sua importância e relevância dentro desse processo, que é a execução orçamentária. Desse modo, a pesquisa justifica-se pela necessidade iminente de debate e esclarecimento acerca dos créditos adicionais, utilizados durante a execução do orçamento público, instituído pela Lei n° 4.320/64. Os créditos adicionais são escriturados pela contabilidade e nela geram reflexos, em especial no orçamento público. Sabe-se que o orçamento público é peça obrigatória integrante de qualquer ente da federação, seja União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme dispõe a Lei 4.320/64. Dessa forma, ciente da relevância do assunto, o presente trabalho visa realizar uma abordagem conjunta sobre as modalidades de créditos adicionais (suplementares, especiais e extraordinários), as quais se vale o gestor público e apurar a importância dos mesmos durante a execução orçamentária. Ainda, nesse sentido, o estudo objetiva verificar a importância dos créditos adicionais durante a execução orçamentária, valendo-se da problemática de constatar quais os benefícios e reflexos da utilização dos créditos orçamentários na execução orçamentária. Como metodologia, optou-se pela pesquisa descritiva, pois o estudo irá apurar questões relevantes e pertinentes sobre orçamento público, sua execução e os benefícios e reflexos da utilização do instituto dos créditos adicionais na execução orçamentária. Essa pesquisa descreve as características de determinada população ou fenômeno ou, ainda, estabelece as relações entre as variáveis (GIL, 1999).  Além disso, o estudo foi feito mediante abordagem qualitativa do problema, a qual proporciona ao investigador maior liberdade teórico-metodológica para a pesquisa, onde os limites de iniciativa são fixados, mediantes condições mínimas de exigência, que estipulam que a pesquisa deve ser coerente, consistente e original (DIEHL, 2004). Nesses termos, é notável que a abordagem qualitativa confere maior grau de liberdade ao pesquisador, se comparada com a quantitativa, que tem seu foco principal na quantificação das informações coletadas. Os procedimentos técnicos foram feitos mediante pesquisa documental. Partindo dessa metodologia, dividiu-se o artigo nos seguintes tópicos: sistema de planejamento e orçamento, orçamento público e créditos adicionais. No primeiro foram debatidas questões inerentes à estrutura do sistema de planejamento e orçamento público, que compreende o processo de elaboração das três Leis: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Posteriormente, foram levantados conceitos inerentes ao orçamento público, sua principal função para que, a partir daí, se possa debater sobre os créditos adicionais, sua importância, benefícios, meios para utilização, vigência, assim como cada uma das modalidades de créditos existentes (suplementar, especial e extraordinário). 1 SISTEMA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO Primeiramente, cabe esclarecer como se estrutura o sistema de planejamento e orçamento dos órgãos públicos. A noção estrutural do sistema irá permitir analisar os conceitos e funções do orçamento público, no tópico seguinte, para que somente então se possa abordar o instituto dos créditos adicionais e sua importância do transcurso da execução orçamentária. O sistema de planejamento e orçamento, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, tem por finalidade a formulação do plano estratégico, dos planos setoriais e regionais de desenvolvimento econômico e social, que envolve a formulação do denominado Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), visando gerenciar o processo orçamentário e promover a harmonização das normas e tarefas dos sistemas de planejamento e orçamento, nos termos da Lei 10.180/2001. Nesses termos, o sistema de planejamento e orçamento representa os planos e atividades do administrador para sua gestão, os quais necessitam ser estipulados nos referidos projetos de lei, visando cumprir as exigências legais, bem como expressar os procedimentos técnicos que se fazem necessários para a harmonização e execução destes. Cabe aos poderes Executivo federal, estadual e municipal elaborar suas propostas orçamentárias, ou seja, o PPA, a LDO e a LOA e executá-las. Ao poder Legislativo, por sua vez, compete discutir, votar e aprovar os projetos dessas Leis e fiscalizar a execução dos mesmos, com o auxílio dos Tribunais de Contas. O PPA é o projeto de lei que estabelece o norte para a realização da LDO e da LOA. Segundo Bruno (2007), o PPA é a principal ferramenta para um planejamento de médio e longo prazo, que orienta e permite a elaboração dos demais planos e programas de governo. Assim, tem-se o PPA como um agregador das diretrizes, dos objetivos e das metas gerais da administração para os quatro anos de governo. O PPA é uma lei que abrange os respectivos poderes na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios e será elaborada no primeiro ano do mandato do Executivo com vigência de quatro anos (SLOMSKI, 2001). Com relação à sua vigência, observa-se que o PPA compreende o ano do segundo mandato do chefe do poder executivo e estende-se até o primeiro mandato de seu sucessor. Nesses termos, o PPA não coincide com o mandato do chefe do executivo, ainda que ambos tenham duração de quatro anos.  De acordo com a Lei n° 4.320/64, o PPA deve conter quadro de recursos e aplicação de capital, dispor sobre o equilíbrio entre as receitas e despesas públicas, critérios para elaboração de nota de empenho, normas gerais referentes ao controle de custos e avaliação dos resultados programados com recursos públicos, bem como exigências para transferência de recursos públicos a outras entidades, sejam elas públicas ou privadas. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é um projeto de lei no qual devem ser relacionadas as metas e prioridades da administração pública e servirá como guia para a elaboração, posterior, da Lei Orçamentária Anual. Segundo o art. 165, § 2º da CF de 88, a LDO compreende as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. A LDO deve ser elaborada de forma condizente com o que foi estabelecido de forma geral no PPA, ou seja, sem fugir das diretrizes, objetivos e metas nele fixadas. A LDO é regulamentada pela Lei Complementar (LC) nº 101, de 04 de maio de 2000, também denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De acordo com o art. 4º da LRF, a LDO deverá dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho, normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos e demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas. Deverá fazer parte da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ainda, o Anexo de Metas e Riscos Fiscais. O primeiro deverá contemplar as metas anuais, em valores correntes, referentes às receitas, despesas, resultados (nominal e primário), bem como o montante da dívida do ente público, para o exercício a que se refere e para os próximos dois, ao passo que no segundo devem ser avaliados os passivos contingentes e demais riscos que possam vir a afetar as finanças públicas, contendo as providências a serem tomado, caso tais riscos se tornem realidade (Lei 4.320/64). Desse modo, a LDO torna-se fundamental, tanto no que diz respeito às restrições e limitações, quanto na estipulação das diretrizes para os gastos públicos e, também, para assegurar medidas mínimas que visem evitar o déficit da máquina pública. Já a Lei Orçamentária Anual (LOA) representa o orçamento efetivo do ente federado e apresenta vigência de um ano (exercício financeiro), que correspondente ao ano civil. O projeto de lei orçamentária deve ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (Lei 4.320/64). A lei orçamentária anual não deve conter dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da Lei n° 4.320/64. A LOA conterá, ainda, a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo (CF/88). A LOA vai expressar, então, a situação econômico-financeira do ente público, bem como todo o seu programa de trabalho para o exercício financeiro, levando-se em conta os princípios orçamentários da universalidade e da anualidade previstos no art. 2° da Lei 4.320/64. Portanto, tem-se que a Lei Orçamentária Anual é parte integrante do orçamento público, orçamento este que proporcionará à administração tornar realidade (concretizar) seus planos de governo, os quais foram previamente estabelecidos no PPA e priorizados na LDO.  Destarte, constata-se que o sistema de planejamento orçamentário consiste na elaboração dos três projetos de lei (PPA, LDO e LOA) pelos Chefes do poder Executivo. A Lei Orçamentária Anual, após aprovada, se transformará no orçamento público do ente federado, o qual possibilitará a concretização dos planos de governo. No tópico seguinte será estudado o orçamento público como peça indispensável à concretização dos planos de governo de qualquer gestor público, produto de Lei e fundamental à compreensão do instituo dos créditos adicionais, pois é durante a execução orçamentária que o são utilizados os créditos adicionais. 2 ORÇAMENTO PÚBLICO Os conceitos acerca do orçamento público têm sofrido inúmeras transformações e vem se aprimorando no transcorrer do tempo, tanto pela sua evolução histórica quanto pela abrangência. Assim, não é possível eleger um conceito único que o defina e sirva para o seu completo entendimento. Nesses termos, é fundamental que se leve à consideração mais de uma abordagem conceitual sobre o assunto. Para Slomski (2001, p. 214), “O orçamento público é uma lei de iniciativa do Poder Executivo que estabelece as políticas públicas ara o exercício a que se referir; terá como base o plano plurianual e será elaborado respeitando-se a lei de diretrizes orçamentárias aprovada pelo Poder Legislativo. E seu conteúdo básico será a estimativa da receita e a autorização (fixação) da despesa, e será aberto em forma de partidas dobradas em seu aspecto contábil.” Para Giacomoni (2010, p. 54), “o orçamento público é caracterizado por possuir uma multiplicidade de aspectos: político, jurídico, contábil, econômico, financeiro, administrativo etc”.  Para melhor relacionar a ideia de multiplicidade de aspectos explanada por Giacomoni, correlaciona-se a definição trazida por Nascimento (2002, p. 139): “o orçamento público e a teoria do orçamento podem ser analisados de diferentes perspectivas: como instrumento de planejamento, como aspecto básico de política fiscal, como instrumento de controle político, como sistema de informação, como instrumento de suporte à gestão governamental e como instrumento de avaliação do gasto público.” Nota-se que os autores apresentam variados conceitos de orçamento público, o que se deve à vasta pluralidade de informações que o orçamento público gera. Assim, seus conceitos não são uniformes, embora complementares e integrantes entre si. Nesses termos, o orçamento público, apesar de ser uma Lei que prevê receitas e fixa despesas, não deve ser analisado somente sob um aspecto isolado, porque ele é uma fonte que proporciona uma grande gama de informações, sejam elas contábeis, econômicas ou políticas. A evolução e o aperfeiçoamento do orçamento público resultaram em diferentes técnicas orçamentárias, as quais: o orçamento tradicional, base-zero, de desempenho e o orçamento-programa, sendo a última, a técnica utilizada no Brasil. Instituído com o Decreto-Lei nº 200/1967, o orçamento programa busca conciliar as funções do governo com o planejamento daquelas, dando ênfase às ações que o governo pretende realizar, sendo este o modelo orçamentário que vigora no Brasil. O orçamento-programa está, portanto, relacionado de forma sincronizada com todo o sistema de planejamento governamental, ou seja, de acordo com as metas e objetivos do PPA e da LDO. O orçamento-programa pode ser definido como sendo um plano de trabalho expresso por um conjunto de ações a realizar e pela identificação dos recursos necessários à sua execução (CASTRO & GOMES, 2002). Então, o orçamento-programa é, visivelmente, um instrumento de grande importância para a administração pública, o qual deve ser dominado e estudado para que proporcione todas as informações possíveis que irão guiar a gestão governamental. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o orçamento público tornou-se obrigatório para todas as esferas de governo, o qual deve compreender o orçamento fiscal, o orçamento de investimentos e da seguridade social. Cabe, ainda, destacar que o projeto de lei orçamentária deverá conter a classificação orçamentária das receitas e despesas, visando proporcionar uma melhor organização dos recebimentos e gastos do ente público. Segundo Burkhead (1971, p. 145), “a classificação é a chave estrutural para a organização consciente e racional do orçamento do governo”. Ressalta-se, dentre outras classificações contidas no orçamento, a programática, que apresenta a ação que poderá ser um projeto ou uma atividade, com a finalidade de demonstrar as realizações do governo, isto é, o resultado final em prol da sociedade (GIACOMONI, 2010). As etapas que envolvem o orçamento são classificadas como ciclo ou processo orçamentário e compõem-se das seguintes fases: i) elaboração da proposta; ii) discussão, votação e aprovação; iii) execução orçamentária e iv) controle e avaliação da proposta orçamentária (GIACOMONI, 2010). A elaboração da proposta orçamentária, conforme já mencionado, compete ao chefe do Poder Executivo. A discussão, votação e aprovação caracteriza-se pela tramitação do projeto de Lei no Poder Legislativo até sua aprovação. A execução orçamentária ocorre quando o Poder Executivo realiza, efetivando seus objetivos e metas. A quarta e última etapa do ciclo corresponde ao controle e avaliação da proposta, controle este que pode ser interno ou externo. Os controles possibilitam a identificação dos problemas e distorções ocorridas durante a terceira etapa do ciclo e medidas de correção e aperfeiçoamento para as mesmas, se for o caso. O controle interno é realizado dentro da própria administração, enquanto o externo ocorre fora da administração, por órgãos fiscalizadores. A exemplos de órgãos fiscalizadores pode-se citar os Tribunais de Contas, Congresso Nacional, Secretaria do Tesouro Nacional e a própria sociedade. De posse das ideias e conceitos abordados, percebe-se a importância do orçamento na administração pública, uma vez que sem ele não seria possível concretizar os planos de governo e tampouco exercer o controle da destinação de recursos, assim como mensurar o atingimento de metas e outras inúmeras avaliações que partem de sua execução. No tópico seguinte será abordado o instituto dos créditos adicionais, os quais podem ser utilizados pelo gestor durante a execução orçamentária. Serão analisadas as espécies de créditos adicionais, os requisitos para sua utilização e será feita uma reflexão sobre os benefícios que os mesmos podem proporcionar ao gestor público. 3 CRÉDITOS ADICIONAIS Conforme já mencionado, o orçamento é um instrumento de planejamento das atividades a serem desenvolvidas pelos órgãos da Administração Pública, através do qual o gestor público irá colocar em práticas seus planos de governo, através de ações. Isso só é possível, portanto, após aprovada a Lei Orçamentária, que autoriza a utilização dos créditos orçamentários, ou seja, permite que possam ser executados, os quais também podem ser denominados créditos iniciais. No entanto, no transcorrer do exercício financeiro podem surgir novas situações e fatos, imprevistos ou não previstos adequadamente, que necessitam ser realizados pela Administração Pública.  Essa flexibilização e possibilidade de nova realocação de créditos orçamentários somente é possível devido ao instituto dos créditos adicionais, pois exercem exatamente essa função. Os créditos adicionais são tão importantes que o legislador assegurou, na Lei que dispõe sobre as normas de direito financeiro, em um capítulo especial, a disciplina sobre esse instituto. São autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei Orçamentária Anual, conforme dispõe o art. 40 da Lei n° 4.320/64. Os créditos adicionais comportam três espécies ou tipos: suplementares, especiais e extraordinários, conforme prevê a própria legislação. Para Machado e Costa (2002, p.108) “os créditos adicionais classificam-se em: Suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária; Especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; Extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública”. A colocação do autor vai justamente ao encontro do que dispõe a legislação, que prevê a utilização de créditos suplementares nos casos de reforço à dotação orçamentária já existente, especiais para as despesas que não possuam dotação específica consignada no orçamento e extraordinários para despesas urgentes e imprevistas, ou seja, excepcionais, a serem utilizadas em casos de guerra, comoção intestina ou calamidade pública, em consonância com os dispostos nos incisos I, II e III do art. 41 da Lei n° 4.320/64. Quanto à autorização legislativa e formalização para abertura, destaca-se o seguinte: os créditos suplementares e especiais necessitam de autorização legal, ou seja, do Poder Legislativo, e são abertos por meio de Decreto Executivo. É o que destaca Araújo e Arruda (2009 p.150) ao afirmar que “o crédito suplementar é destinado a suplementar uma dotação que já existe no orçamento, deve ser autorizado por lei e aberto por decreto do Poder Executivo. Tem vigência até o orçamento em vigor”. Cumpre mencionar, ainda, que os limites (autorizações) para abertura de créditos suplementares são estabelecidos na própria Lei Orçamentária Anual pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo, juntamente com o orçamento, visando desburocratizar sua utilização, uma vez que consiste apenas na realocação de recursos já existentes e autorizados. É o que dispõe a Lei 4.320/64 no seu art. 7°, I, ao afirmar que a Lei Orçamentária poderá conter autorização ao Executivo para abrir créditos suplementares até determinada importância obedecidas as disposições do artigo 43 (existência de recursos disponíveis).    Nesse sentido, ressalta-se que tanto a abertura de créditos suplementares quanto a de especiais está sujeita à disponibilidade de recursos e justificativa, prevista no art. 43 da Lei 4.320/64. Entendem-se como recursos disponíveis os seguintes: superávit financeiro, excesso de arrecadação, anulação parcial ou total de dotação, operações de créditos, veto/emenda e reserva de contingência, nos termos do próprio art. 43, em seu § 1°. Além disso, a vigência dos créditos suplementares é restrita ao orçamento vigente, ou seja, devem ser utilizados dentro do exercício financeiro em que forem instituídos ou serão cancelados no encerramento do exercício. A mesma regra é aplicada aos créditos especiais e extraordinários, no entanto, se estes forem utilizados nos últimos quatro meses do exercício financeiros, poderão ser reabertos no exercício seguinte, no limite de seus saldos. É o que dispõe a Carta Magna, em seu art. 167, §2º, vejamos: “os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.” Desse modo, percebe-se que é possível a reabertura dos saldos de créditos especiais e extraordinários no exercício subsequente, porém, somente se a Lei que os autorizou os tenha instituído nos últimos quatro meses do exercício. Assim, tendo em vista o exposto e para simplificar o abordado, é interessante reproduzir um quadro distintivo, extraído da obra de Angélico (1995), o qual apresenta os tipos e características dos Créditos Adicionais: A partir do quadro acima é possível a percepção clara e objetiva acerca das características de cada um dos créditos adicionais, bem como as semelhanças e diferenças dos mesmos. Tendo estas ideias e conceitos estabelecidos, pode-se constatar que os benefícios oriundos da utilização dos créditos adicionais são de grande valia, pois é graças a eles que o gestor público, seja ele Federal, Municipal, Distrital ou Estadual, poderá reagir frente à situações adversas ou que foram imprevistas ou previstas de forma insuficiente quando do planejamento e elaboração da Lei Orçamentária Anual, sempre com vistas à atender aos interesses (demandas) da coletividade. Portanto, a utilização dos créditos adicionais não só flexibiliza a alocação de recursos durante a execução orçamentária como também causa impactos e reflexos diretos na comunidade, pois é para responder as demandas sociais que os créditos adicionais são utilizados, sejam eles suplementares, especiais ou extraordinários. Caso contrário o orçamento seria uma peça engessada, sem possibilidade de redimensionamento e adaptações e quem sofreria com isto, certamente, seria a comunidade. CONCLUSÃO O estudo objetivou proporcionar um debate sobre a importância dos créditos adicionais na execução orçamentária, abrangendo a estrutura do sistema de planejamento orçamentário público, orçamento público e o instituto dos créditos adicionais a fim de constatar os benefícios e reflexos da utilização dos créditos orçamentários na execução orçamentária. Inicialmente, foi abordada a estrutura e sistemática do sistema de planejamento e orçamento público, ressaltando-se que é uma exigência legal e deve ser observada por todos os entes federados, ou seja, vale para União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Constatou-se que o sistema de planejamento compreende a execução de três Leis: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, as quais permitem ao gestor público não só estipular seus planos de governo como também materializá-los, a partir da Lei Orçamentária Anual, que resulta no orçamentário público, que contém os limites de créditos disponíveis para execução durante o exercício financeiro (ano civil). Tratou-se, num segundo momento, das definições e concepções acerca do orçamento público, onde se verificou que o orçamento público é uma peça imprescindível à administração das receitas e despesas do ente público, além de possuir uma pluralidade de aspectos, não somente contábil, mas também político, jurídico, econômico, etc. Foi debatido como se estrutura o processo orçamentário, que perpassa algumas fases, processo este denominado pela doutrina como ciclo orçamentário. As fases do ciclo orçamentário compreendem a elaboração, votação, execução e o controle, exercido tanto pelo Poder Legislativo, com auxílio dos Tribunais de Contas, quanto pela sociedade. Posteriormente, debateu-se o instituto dos créditos adicionais, distinguindo-se as três modalidades: suplementares, especiais e extraordinários, observando-se as peculiaridades inerentes a cada modalidade, assim como as formas e exigências para utilização. Destacou-se, também, o período de vigência dos créditos adicionais, que obedece à regra geral, que corresponde ao exercício financeiro no qual foram instituídos, tendo a possibilidade de reabertura como situação excepcional, apenas no caso dos créditos especiais e extraordinários, desde que abertos nos quatro últimos meses do exercício financeiros. Por fim, constatou-se os benefícios que os créditos adicionais proporcionam ao gestor público, quando da sua utilização, pois são indispensáveis para fazer frente a situações imprevistas ou insuficientemente previstas, que demandam uma resposta do poder público. A partir das ideias e conceitos levantados no decorrer do estudo, pode-se concluir que os créditos adicionais são de grandiosa importância durante o processo de execução orçamentária. Caso contrário, teríamos um engessamento da peça orçamentária, o que, consequentemente, poderia causar prejuízos inestimáveis à coletividade, dependendo da situação. Exemplo disto é a utilização de créditos adicionais extraordinários pelo poder público para atender a situações de desastres naturais, calamidade pública, as quais não podem ser previstas, mas que demandam resposta – intervenção – por parte da administração pública. A abordagem realizada no decorrer do estudo leva a crer que os assuntos foram debatidos suficientemente a fim que os objetivos expostos na pesquisa fossem atingidos, a partir da análise não somente dos créditos adicionais, mas também de toda a estrutura do sistema de planejamento e orçamento público, assim como o orçamento público em si. Portanto, o estudo além de concluir que os créditos adicionais são peça chave na execução orçamentária, abordou também a estrutura do planejamento orçamentário e outros aspectos essenciais à compreensão do assunto. Aspectos estes que se demonstram imprescindíveis ao conhecimento sobre o tema ora debatido, capaz, também, de proporcionar ao leitor (cidadão) a aquisição de conhecimento administrativo, econômico-financeiro, jurídico e social. Assim, espera-se que o leitor também se sinta mais bem preparado para o exercício do controle social, tanto do poder Executivo quanto Legislativo, a partir da compreensão do orçamento público, do sistema de planejamento orçamentário e da utilização dos créditos adicionais.
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A responsabilidade tributária por sucessão empresarial e as consequências da edição da Súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça
O objetivo do estudo em tela é analisar a aspiração inicial do alcance da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, de modo a demonstrar suas consequências no mercado de fusões e aquisições, principalmente no que concerne à transmissão de multas (moratórias e punitivas) aos sucessores que não realizaram o fato imponível, conforme disposto na súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O estudo em questão tem como finalidade abordar o alcance da responsabilidade tributária por sucessão empresarial, também chamada de “responsabilidade dos devedores sucessores”, disciplinada nos artigos 129 a 133 do Código Tributário Nacional.  Um estudo amplo sobre a responsabilidade tributária torna-se fundamental para a realização destas operações, podendo, inclusive, interferir na valoração da sociedade e/ou levar a desacordos comerciais que impossibilitam o fechamento do negócio entre as partes envolvidas. Assim sendo, torna-se importante discorrer sobre os conceitos de fusão, transformação, incorporação e cisão, realizando, mesmo que de forma sucinta, uma análise jurídica tributária de todas essas operações. O mercado de Mergers and acquisitions – M&A e, em português, fusões e aquisições – apesar de regulado pelo Direito Comercial e operacionalizado no âmbito privado, envolve outros ramos do direito, inclusive o tributário. No tocante às normas de cunho tributário, incumbe à administração pública identificar o responsável pelas dívidas fiscais, após a operação societária, pelo pagamento dos tributos, bem como das multas moratórias e punitivas. A responsabilização da sucessora no pagamento das multas é uma questão extremamente controversa, sendo bastante discutida nos tribunais superiores brasileiros e nas doutrinas especializadas no assunto. Com a justificativa de dirimir de vez com a questão, em dezembro de 2015, o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula 554, que ampliou o alcance da responsabilidade das sucessoras, dispondo que “créditos tributários” alcançariam não só os tributos devidos, como, também, as multas (moratórias e punitivas). Após análise detalhada de cada tipo de operação e discorrendo sobre a responsabilidade tributária por sucessão empresarial, pretende-se ao final, analisar as distinções entre tributo e multa, com o objetivo de diagnosticar as consequências da edição da referida Súmula 554 do Superior Tribunal de Justiça no mercado de M&A e a legalidade da edição da mesma no ordenamento jurídico brasileiro. 1. AS FORMAS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA O planejamento tributário, em âmbito fiscal, é regulado pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional. Tal artigo dispõe sobre a impossibilidade de alterar a definição, conceito e formas de direito privado na legislação tributária, veja-se: “Art. 110 – A Lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Neste caso, para um estudo em relação às formas de reorganização societária, deve-se levar em conta o alcance das leis tributárias, respeitando os conteúdos e os conceitos disciplinados por leis de cunho privado, regulados pela Constituição Federal e Constituições Estaduais. Para melhor compreensão acerca da responsabilidade tributária dos sucessores, se faz importante um estudo acerca da definição de cada uma dessas operações, conforme será demonstrado abaixo.  1.1 Da transformação A transformação é o ato por meio do qual a sociedade passa de um tipo para outro, independentemente de dissolução e liquidação, como preceitua o art. 1.113 do Código Civil e o art. 220 da LSA. Veja-se: “Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se. (…) Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.            Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.” Assim, como o próprio nome diz, este tipo de operação transforma as características societárias, mas não extingue sua individualidade, porque permanecem íntegros a pessoa jurídica, o quadro dos sócios, o patrimônio, e inclusive, os créditos e débitos da sociedade, só que submetida ao novo regime adotado. Corrêa e Lima[1] nos ensina que: “O corpo e o espírito da sociedade empresarial continuam os mesmos, quer a chamemos de companhia, de sociedade em comandita simples, ou seja, lá o que for. Por detrás do rótulo e atrás da firma ou denominação vamos encontrar, pulsando, a empresa, entidade econômica de capital e trabalho, organizada para a produção e circulação de bens e serviços. “ Desta forma, a personalidade jurídica da empresa permanecerá a mesma, havendo modificações apenas do formato constitutivo em relação ao vínculo societário da pessoa jurídica anteriormente constituída. 1.2 Da incorporação Ocorre a incorporação quando uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, havendo, assim, sucessão dos direitos e obrigações. Para tal finalidade, todas as sociedades envolvidas deverão aprovar a medida no seu âmbito interno nos termos exigidos pelo regramento de cada tipo societário envolvido no processo, nos termos do art. 1.116 do Código Civil e também do art. 227 da LSA. Senão, veja-se: “Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos. (…) Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.” Nesse sentido, nos ensina Diniz[2]: “A incorporação é a operação pela qual uma sociedade vem a absorver uma ou mais (de tipos iguais ou diferentes) com a aprovação dos sócios das mesmas (mediante quórum absoluto ou qualificado legalmente requerido conforme o tipo societário das sociedades envolvidas), sucedendo-as em todos os direitos e obrigações e agregando seus patrimônios aos direitos e deveres, sem que com isso venha a surgir nova sociedade (CC, art. 1.116).” Desta forma, a incorporação não criará uma nova sociedade, mas, sim, uma ou mais empresas sucedendo a outra nos direitos e nas obrigações. Sendo assim, neste tipo de operação, haverá a sucessão de todos os direitos e obrigações, sendo que o patrimônio da sociedade incorporada se soma ao da incorporadora, em que aquela deixará de existir. 1.3 Da cisão A cisão é a operação societária por meio da qual uma sociedade transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, tanto constituídas especialmente para tal fim como já anteriormente existentes, extinguindo-se a sociedade cindida, se houver versão de todo seu patrimônio, ou dividindo-se seu capital, se for parcial a versão. Esta modalidade encontra-se prevista na Lei das S/A n. 6.404/76, art. 229, que afirma: “Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.” Assim, entende-se que na cisão ocorre a transferência de parcelas do patrimônio, ou seja, de ativos e de passivos. Consequentemente, a sociedade que absorver parcela do patrimônio de sociedade cindida, irá suceder-se a esta em todos os direitos e obrigações relacionadas ao ato da cisão. Ademais, ressalta-se que a operação de Cisão poderá ser parcial ou total. Maria Helena Diniz[3] caracteriza estes dois tipos da seguinte forma: “Na Parcial, se apenas parte do patrimônio de uma sociedade for transferida a outra, ficando, então, a outra parcela em poder da cindida que não se extinguirá (Lei n. 6.40/76, art. 227), e continuará exercendo sua atividade sob a mesma denominação social, mas com capital reduzido (…) Na Total, se houver transferência de todo o patrimônio da sociedade cindida “A”, que se extinguirá, para outras “B” e “C”, e os sócios da cindida “A” passarão a integrar as sociedades beneficiadas “B” e “C” com a cisão, que sucederão a cindida nos direitos e obrigações (Lei n. 6.04/76, art. 229, §5), respondendo solidariamente pelas obrigações da sociedade extinta”. Na cisão parcial não há extinção da empresa cindida, uma vez que ela apenas transfere parte de seu capital, de modo que continuará no exercício de suas atividades. Nesse caso, haverá responsabilidade solidária entre a cindida e a sociedade que absorveu sua parcela, apenas com relação às parcelas que lhe foram transferidas. Em relação à cisão total, haverá a extinção da sociedade cindida, sendo que as sociedades que integralizarem seu capital, a sucederão nos direitos e obrigações, bem como, responderão de maneira solidária as obrigações da sociedade extinguida. 1.4 Da fusão Na fusão ocorrerá a união de duas ou mais empresas que irão se extinguir para a formação de uma nova sociedade, conforme artigos 1.119 do Código Civil e o art. 228, da Lei das Sociedades Anônimas: “Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações. (…) Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. § 1º A assembleia-geral de cada companhia, se aprovar o protocolo de fusão, “ A nova empresa, fruto da união de duas ou mais sociedades, sucederá em todos os direitos e obrigações as responsabilidades das empresas fundidas. Assim sendo, haverá a extinção das empresas originais, passando a existir apenas uma nova pessoa jurídica.  2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA O objetivo do legislador, ao instituir a responsabilidade tributária, foi assegurar à Fazenda Pública o efetivo recebimento dos créditos, em situações em que o contribuinte se torna incapaz para a realização do pagamento do tributo devido.  O conceito de responsabilidade tributária é explicado por Geraldo Ataliba[4]: “Há responsabilidade tributária, sempre que, pela lei, ocorrido o fato imponível, não é posto no pólo passivo da obrigação consequente (na qualidade de obrigado tributário, stricto sensu, portanto) o promovente ou idealizador do fato que suscitou a incidência (o contribuinte– art. 121, parágrafo único, I, do CTN, o sujeito passivo natural ou direto como usualmente designado), se não um terceiro, expressamente referido na lei. “ O Código Tributário Nacional dispõe que sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Desta forma, sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal. São duas, as espécies de sujeitos passivos da relação jurídica tributária: (i) o contribuinte, que tem uma relação pessoal com o fato gerador e (ii) o responsável, que adquire tal responsabilidade por força de lei. Conforme artigo 121 do CTN. In verbis: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Contribuinte, então, é a pessoa que de fato realizou o fato jurídico tributário. Na ausência de uma dessas condições, o sujeito será responsável ou realizador do fato jurídico, mas, nunca, o próprio contribuinte.  Sobre o tema, o Jurista Ruy Barbosa Nogueira[5], nos ensina: “Sujeito passivo da obrigação tributária, em princípio, deve ser aquele que praticou a situação descrita como núcleo do fato gerador, aquele a quem pode ser imputada autoria ou titularidade passiva do fato imponível. Como objetivamente a situação fática e de conteúdo econômico, o titular ou beneficiário do fato deve ser, em princípio, o contribuinte, mesmo porque é com o resultado da realização do fato tributado que ganha para pagar o tributo ou manifesta capacidade contributiva.” Além disso, importante ressaltar que a lei poderá atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a uma terceira pessoa, desde que a mesma esteja vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo ou atribuindo ao contribuinte caráter supletivo, no cumprimento total ou parcial da responsabilidade tributária. 2.1 Sujeição passiva indireta A responsabilidade, conforme visto acima, poderá ser atribuída a uma terceira pessoa que não contribuiu diretamente com o fato gerador do tributo. Assim, o legislador ordinário poderá criar outros tipos de responsabilidade, conforme disposto no artigo 128 do CTN, veja-se: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Para um melhor entendimento das espécies de responsabilidade existentes no ordenamento jurídico tributário brasileiro, o presente trabalho começará a tratar, a partir de agora, dos diferentes tipos de responsabilidade tributária atribuída a terceiros. 2.1.1 Responsabilidade por substituição Neste tipo de responsabilidade, conforme o próprio nome sugere, a responsabilidade pelo pagamento do tributo, por força expressa da lei, será substituída pela sua atribuição a uma terceira pessoa. Desta forma, a dívida pelo pagamento do tributo, desde sua origem, será de responsabilidade de uma terceira pessoa, mesmo que esta não tenha realizado o fato gerador. De acordo com a doutrina, a responsabilidade por substituição pode ser classificada como progressiva, ou seja, para frente e regressiva (para trás). A primeira está disposta no artigo 150 §7º da Constituição Federal, in verbis: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) §7 A lei poderá atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Para Mattos[6], a responsabilidade tributária por substituição progressiva “envolve impostos sobre a produção e a circulação, ou seja, impostos plurifásicos que incidem sobre várias operações dentro de uma cadeia econômica. Mas pode, também, ser aplicado em outras espécies de tributos. ” Já na regressiva, conforme art. 128 do CTN, a substituição tributária se dará após a ocorrência do fato gerador. Mattos, ainda completa[7]: “Na regressiva o ressarcimento financeiro do substituto se dá imediatamente na nota fiscal, descontando-se do valor da mercadoria a ser paga ao substituto, a quantia referente ao tributo recolhido ao Fisco.” Leandro Paulsen[8], sobre os dois tipos de responsabilidade por substituição, assim nos ensina: “Na substituição para frente há uma antecipação do pagamento relativamente a obrigação que surgiria para o contribuinte à frente, caso em que o legislador tem de presumir a base de cálculo provável e, caso não se realize o fato gerador presumido, assegurar imediata e preferencial restituição ao contribuinte da quantia que lhe foi retida pelo substituto, tal como previsto, aliás no art. 150, § 7º, da CF. (…) Na substituição para trás, há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo-se a obrigação de reter e recolher o montante devido, que seria do vendedor, ao adquirente dos produtos ou serviços. “ Conclui-se então, que a responsabilidade por substituição tem um viés facilitador para a atividade de arrecadação, tornando substituto aquele que possui condições para realizar o recolhimento do tributo, desde o início do fato imponível descrito na lei.   2.1.2 Responsabilidade por transferência A responsabilidade por transferência acontece quando a lei atribui o dever de pagar tributo a determinada pessoa, anteriormente atribuído a outra, em virtude da ocorrência de fato posterior à incidência da obrigação tributária. Neste tipo de responsabilidade, a obrigação constitui inicialmente em relação ao contribuinte, comunicando-se posteriormente para o responsável. Para Rubens Gomes de Souza[9] três seriam as hipóteses de responsabilidade por transferência, veja-se: “A solidariedade ("hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação", a sucessão ("hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do devedor original" e a responsabilidade ("hipótese em que a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto”).” Desta forma, a responsabilidade por transferência pode se derivar de três situações: (i) a responsabilidade de terceiros; (ii) responsabilidade por infrações; e (iii) responsabilidade por sucessão. Segue abaixo breve análise sobre cada uma delas. 2.1.2.1 Responsabilidade de terceiros A responsabilidade de terceiros, previstas nos artigos 134 e 135 do Código tributário nacional, diz respeito ao dever de cuidado, em virtude de lei ou contrato, que determinadas pessoas devem possuir com relação ao patrimônio de outras. Vejamos: “Art. 134 do CTN: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” Assim, por se tratar de responsabilidade solidária, a cobrança independe da verificação da impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Conforme nos ensina Harada[10]: “O certo é que a própria norma condiciona a responsabilidade solidária de terceiros aí referidos a dois requisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e o fato de o responsável solidário ter uma vinculação indireta, através de ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Quis o legislador, na verdade, referir-se à responsabilidade subsidiária, porque a solidária não comporta benefício de ordem.” Hugo de Brito Machado[11], ainda conclui que “é preciso que exista uma relação entre a obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribui a responsabilidade”. A responsabilidade de terceiros só se aplica aos tributos e às penalidades de caráter moratório. Conforme explanado por Eduardo Sabbag[12]: “Repare que somente a obrigação principal poderá ser exigida dos terceiros, excluindo-se, assim, o cumprimento dos deveres acessórios e a aplicação das penalidades, excetuada as de caráter moratório.” Portanto, somente são transferíveis as multas que punem o inadimplemento da obrigação tributária principal, afinal, conforme disposto no parágrafo único do referido artigo, em matéria de penalidades, de caráter moratório somente são transferíveis as multas que punem o inadimplemento da obrigação tributária principal. Por sua vez, o artigo 135 do CTN, dispõe em relação ao caráter “pessoal” e exclusivo, resultante de atos praticados em excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, in verbis: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Citando Sacha Calmon:[13] “Em suma, o art. 135 retira a “solidariedade” e a “subsidiariedade” do art. 134. Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto”. O art. 135 do CTN comporta uma espécie de responsabilidade por substituição, afinal, a obrigação tributária recai sobre o responsável desde o momento em que ocorre o fato gerador. Harada[14], completa o entendimento, dispondo que a responsabilidade pessoal é justificável, em razão destes atos terem o caráter de atos abusivos ilegais ou não autorizados: “Nessas hipóteses, ocorre a responsabilidade por substituição e não apenas responsabilidade solidária estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, como nos casos elencados no artigo antecedente. Essa responsabilidade por substituição, outrossim, inclui quaisquer penalidades, bem como as obrigações acessórias.” Portanto, para que o contribuinte não seja atingido é necessária a existência de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto sendo que a última é imprescindível à atuação dolosa do agente.  2.1.2.2 Responsabilidade por infração A responsabilidade por infração tem como fundamento a prática de uma infração de natureza tributária. Este tipo de responsabilidade, conforme o CTN deve ser objetiva e pessoal. O artigo 136 do CTN cuida da responsabilização objetiva dos agentes ou responsáveis: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”. Sobre o assunto, dispõe FERRAGUT:[15] “O enunciado [do art. 136] não define as infrações por ele regulamentadas, nem apresenta qualquer tipo de restrição quanto à sua aplicabilidade, razão pela qual consideramos que ele [o art. 136] se refere a toda e qualquer infração tributária, seja de cunho administrativo-tributário, seja eminentemente penal.” Já o artigo 137 do CTN, dispõe da responsabilidade pessoal das infrações de cunho tributário, in verbis: “Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.” FERRAGUT[16] completa: “A autoria das infrações descritas no artigo 137 é do agente, entendido tanto como o executor material de uma infração, quanto qualquer outra pessoa que tiver concorrido para a prática do delito, como partícipe ou mandante.” Por fim, o artigo 138 cita os critérios de exclusão da responsabilidade dos agentes: “Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” Conclui-se que a responsabilidade por infrações será pessoal e objetiva, independentemente da intenção dos agentes, para qualquer diploma legal que trate de matéria tributária, seja lei, tratado, convenções, decretos. Em que pese o fato de as infrações tributárias e os delitos fiscais nascerem de uma mesma conduta, a imputação da responsabilidade pelos últimos será regulada, exclusivamente, por normas e princípios próprios do Direito Penal Tributário. 2.1.2.3 Responsabilidade por sucessão Na responsabilidade por sucessão, o responsável será outra pessoa que não apenas realizou o fato gerador, podendo a mesma ocorrer antes ou depois da constituição o crédito tributário. Conforme disposto no artigo 129 do Código Tributário Nacional: “Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.” O artigo 130 do CTN trata da responsabilidade por sucessão dos adquirentes de bens imóveis, os quais ficam obrigados a pagar os débitos fiscais de seus sucedidos, salvo quando conste no título a prova de sua quitação.  “Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.” Não constando a prova da quitação ou existência do débito, o adquirente passará a ser responsável pelo pagamento dos tributos inerentes ao imóvel, salvo no caso de arrematação em hasta pública. Já o artigo 131, do CTN, descreve as figuras dos que são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários: “Art. 131. São pessoalmente responsáveis: I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão”. Assim, o adquirente responderá pelos ônus tributários de seu proprietário anterior, no caso da sucessão inter vivos e na sucessão causa mortis, o espólio será responsável pelo pagamento dos tributos, pelos tributos devidos pelo falecido até a data da abertura da sucessão e o sucessor até a data da partilha (até o limite da herança). 2.2 Responsabilidade tributária na sucessão empresarial               Os artigos 132 e 133 do CTN tratam especificamente da responsabilidade dos agentes empresariais, nos casos de fusão, transformação ou incorporação. Por se tratar de conteúdo relevante para as análises propostas neste estudo, tais artigos serão analisados em subitens distintos, conforme abaixo.  2.2.1 Sucessão nas hipóteses de fusão e de incorporação No tocante à sucessão societária, dispõe o art. 132 do CTN, in verbis: “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.” Tal artigo dispõe da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, contemplando os fenômenos da fusão, incorporação e a transformação. Apesar de citar expressamente a transformação, importante ressaltar que nesta operação não ocorre a extinção da pessoa jurídica não havendo transferência da responsabilidade tributária. Conforme citado por Luiz Emydio da Rosa Junior[17], in verbis: “O art. 132 alude, impropriamente, a operação societária de transformação, porque não é o caso de extinção e nem de sucessão de pessoa jurídica. A sociedade muda apenas sua veste legal, passando, por exemplo, de sociedade limitada para sociedade anônima.” A jurisprudência caminha para o mesmo sentido, conforme julgado do Rel. Ministro José Delgado[18], do TRF, 1ª Região. In verbis: “TRIBUTÁRIO. INCORPORAÇÃO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUCESSÃO. 1. O artigo 132 do CTN prescreve a responsabilidade fiscal da pessoa jurídica pelos débitos anteriormente constituídos, ou seja, aqueles cujos fatos geradores ocorreram antes da incorporação ou fusão. 2. Os termos do contrato, que regulou a incorporação, não são oponíveis a terceiros. 3. Apelação improvida.”  Ainda, conforme disposto no parágrafo primeiro, a sucessão será aplicável quando ocorrer a extinção da pessoa jurídica. Deste modo, não basta ocorrer a fusão ou a incorporação para que o débito tributário seja transferido para outra pessoa, devendo ocorrer, cumulativamente, a continuidade das atividades exercida pela sociedade.  O objetivo principal deste tipo de sucessão é evitar a elisão fiscal – pratica que consiste na execução de procedimentos, antes do fato gerador, legítimos, para reduzir, eliminar ou postergar a tipificação da obrigação tributária, caracterizando, assim, a legitimidade do planejamento tributário. É o que cita Mattos[19]: “(…) evitar que, através de mudança na roupagem societária da empresa, haja uma situação que caracterizaria o não pagamento de tributos por meio da utilização de formas jurídicas lícitas, isto é, admitidas em direito.” Importante pontuar que no caso da cisão, apesar de não estar expresso no CTN, ressalta-se que a mesma também será aplicada nas normas dispostas no artigo 132 do referido código. O motivo da omissão está no fato de que o CTN é de 1966 e o instituto da "cisão" só foi previsto no ordenamento jurídico brasileiro dez anos mais tarde, com a edição da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). Com este teor, segue abaixo jurisprudência do STJ, relator Min. Teori Albino Zavascki[20]: “(…) embora não conste expressamente do rol do art. 132 do CTN, a cisão da sociedade é modalidade de mutação empresarial sujeita, para efeito de responsabilidade tributária, ao mesmo tratamento jurídico conferido às demais espécies de sucessão (…)” Conforme exposto, o artigo 132 do CTN atribui responsabilidade tributária apenas quanto aos tributos devidos até a data do ato de fusão e incorporação pela pessoa jurídica incorporada ou fusionada, sendo omisso em relação às multas e outras penalidades. 2.2.2 Sucessão na aquisição de estabelecimentos O artigo 133 do CTN, assim dispõe sobre a sucessão comercial. Veja-se: “Art. 133 – A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.” Desta forma, entende-se que as normas contidas no artigo 133 abrangem praticamente todas as atividades comerciais. Isto significa que para haver o fenômeno da responsabilidade tributária, deverá existir a exploração da mesma atividade econômica pelo adquirente, caso contrário, não há que se falar em sucessão tributária. Com a leitura do artigo acima, entende-se que o adquirente só responderá pelos tributos relativos ao estabelecimento adquirido, se o alienante cessar a exploração da atividade que vinha executando e não passar a explorar outra atividade. Na hipótese do inciso I, a responsabilidade do adquirente é integral, respondendo sozinho e não havendo obrigação por parte do alienante. Já no caso do inciso II, se o alienante prossegue a exploração da atividade que desenvolvia no estabelecimento alienado, ou passa a explorar outra, dentro de seis meses contados da data da alienação, a responsabilidade do adquirente é subsidiária, permanecendo o alienante como o principal obrigado. 3. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Conforme anteriormente disposto, no artigo 132 do CTN, há previsão da responsabilidade por sucessão nos casos de fusão, incorporação e transformação de empresas. Deste modo, ocorrendo uma incorporação, o sucessor será responsável pelos tributos devidos pela empresa incorporada, fundida ou transformada. Ressalta-se que o artigo 132 dispõe expressamente apenas em relação aos tributos não dispondo em nenhum momento em relação às multas inerentes à responsabilidade por sucessão. Assim a norma não fala em obrigação tributária, mas em tributo. O conceito legal de tributo está descrito no artigo 3º do Código Tributário Nacional. Deste conceito legal, ressalta que o tributo é obrigação compulsória consistente em pecúnia ou que possa ser assim exprimida e que não constitua sanção de ato ilícito: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Desta forma, as multas aplicáveis pelo não pagamento tempestivo dos tributos ou pelo não cumprimento de obrigações tributárias acessórias não se enquadram no conceito legal de tributo, pois constituem sanção por ato ilícito. Ângela Maria da Motta Pacheco[21] completa: “(…) tem por finalidade assegurar a satisfação do crédito do Estado, entendido como obrigação tributária principal, ou seja, o tributo. Note-se que os casos de sucessão previstos nos artigos 130, 131, 132 e 133 referem-se à responsabilidade por "tributos", aí não cabendo nenhuma hipótese a multa, sanção pecuniária, que é devida por ato ilícito.” A responsabilidade tributária depende de expressa previsão legal, não admitindo assim a inclusão de débitos de forma arbitrária, principalmente nos casos em que o contribuinte não pode agir no sentido de evitar o ônus deste pagamento.  Este é o entendimento de Luciano Amaro[22], in verbis: “Em suma, o ônus do tributo não pode ser deslocado arbitrariamente pela lei para qualquer pessoa (como responsável por substituição, por solidariedade ou por subsidiariedade), ainda que vinculada ao fato gerador, se essa pessoa não puder agir no sentido de evitar esse ônus nem tiver como diligenciar no sentido de que o tributo seja recolhido à conta do indivíduo que, dado o fato gerador, seria o elegível como contribuinte.” Importante ressaltar que as multas tributárias, por se revestirem de caráter de penalidade, estão sujeitas ao princípio da pessoalidade das penas, razão pela qual não podem ultrapassar a pessoa do infrator. Conforme Artigo 5º, XVL da Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:  (…) XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” Ademais, as multas (moratórias e de ofício), revestem o caráter de penalidade, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgado do Recurso Extraordinário n.º 79.625/SP, no qual o voto do Relator, Ministro Cordeiro Guerra se extrai os seguintes entendimentos: “(…) a partir da vigência do Código Tributário Nacional, não obstante o disposto no seu art. 184 e 134, § único, toda multa fiscal é punitiva, e, consequentemente, inexigível na falência. De fato, não disciplina o CTN as sanções fiscais de modo a extremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige a sua legalidade, artigo 97, V. (…) A multa moratória visa corrigir os danos decorrentes da impontualidade, e não sancionar o inadimplemento. Purgada a mora pela correção monetária e os juros, a sanção fiscal tem, a meu ver, o caráter de pena administrativa.” Assim, a multa de natureza penal/administrativa, não poderá transcender a pessoa do infrator, pelo fato do legislador não dispor expressamente tal responsabilidade para a sociedade incorporadora. Este é o entendimento de Maria Teresa Martínez López[23]: “Em se tratando de imposição de multa, imprescindível a obediência ao princípio da legalidade e o da tipicidade, que se completam como instrumento de defesa da liberdade humana. Onde o legislador não faz referência, não cabe ao interprete fazê-lo. Pelo princípio da legalidade, o jurista obriga-se a pensar os problemas a partir da lei, mas nunca contra ela. Feitas as considerações acima, pode-se dizer que, como regra geral a denominação ‘tributo’ inserida no art. 132 do CTN não é extensiva à multa, quer da obrigação principal, quer da acessória como se verá mais adiante.” Deste modo, pelos conceitos do artigo 3º do Código Tributário Nacional, as multas – sejam elas moratórias ou de ofício – terão caráter de penalidade e, desta forma, consistirão em sanção de ato ilícito, sendo diferentes de tributos. 3.1 Súmula 554 do STJ Apesar do exposto acima, e do entendimento de que empresa sucessora seria responsável apenas pelos tributos, estando dispensada de arcar com o pagamento das multas, o Superior Tribunal de Justiça, instado a se manifestar em relação ao assunto, fixou o seguinte entendimento[24]: “Nada obstante os art. 132 e 133 apenas referiam-se aos tributos devidos pelo sucedido, o art. 129 dispõe que o disposto na Seção II do Código Tributário Nacional [Responsabilidade dos Sucessores] aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição, compreendendo o crédito tributário não apenas as dívidas decorrentes de tributos, mas também de penalidades pecuniárias (art. 139 c/c § 1º do art. 113 do CTN)”. Desta forma, ao contrário do entendimento exposto em capítulos anteriores, para o STJ a responsabilidade tributária dos sucessores estende-se às multas impostas ao sucedido, seja de natureza moratória ou punitiva, referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão. Tal entendimento vem sendo acolhido pelo STJ já há algum tempo. No REsp 592.007⁄RS[25], de dezembro de 2003, o Ministro José Delgado já dispunha que os artigos 132 e 133 do CTN impõe ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos, quanto pelas multas decorrentes, seja de caráter moratório ou punitivo. In verbis: “Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento. Na expressão “créditos tributários” estão incluídos as multas moratórias. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo tributo declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória.” Sobre o tema, o Ministro Luiz Fux, no julgado do REsp 923.012[26], dispôs: “(…) a responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. “ Nessa linha de raciocínio, completa Sacha Calmon Navarro[27]: “(…)Se as multas não fossem transferíveis em casos que tais, seria muito fácil a pagar multas pelo simples subterfúgio da alteração do tipo societário. Num passe de mágica, pela utilização das "formas" de Direito societário, seriam elididas as sanções fiscais garantidoras do cumprimento dos deveres tributários, o principal e os instrumentais. Ora, o Direito Tributário, na espécie, encontra escora no axioma societas distat a singulis, preferindo-o ao "formalismo jurídico". Importa-lhe mais conferir o ativo e o passivo da pessoa sucedida para verificar se entre as contas de débito existem multas fiscais passíveis de serem assumidas pelos sucessores. Torna-se imprescindível, todavia, fixar um ponto: a multa transferível é só aquela que integra o passivo da pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial ou está em discussão (suspensa). Insistimos em que nossas razões são axiológicas.” De modo a dirimir de vez com a questão, foi editada a Súmula 554[28], em dezembro de 2015, com o seguinte teor: “Súmula 554: Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.” As multas moratórias ou punitivas representam dívida de valor e, como tal, acompanham o passivo do patrimônio transmitido ao sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. A multa será devida pelo sucessor, não importando se ela é de caráter moratório ou punitivo. Para o STJ, apesar de multa não ser tributo, ela também é transmitida para o sucessor em caso de sucessão empresarial, afinal, a multa é uma dívida de valor que faz parte do patrimônio passivo do sucedido, sendo assim, transferida ao sucessor. Tal súmula é um importante instrumento em favor das fazendas públicas, principalmente agora, com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que entrou em vigor em março de 2016. Com o intuito de racionalizar o sistema recursal e evitar que os Tribunais Superiores sejam obrigados a se manifestar repetidas vezes sobre a mesma tese jurídica, valorizando assim os precedentes jurisprudenciais, o novo CPC estabelece no art. 927: “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.” No novo CPC, as decisões em repetitivos, súmulas, repercussão geral e súmula vinculante do STF serão, de fato, vinculantes aos juízes de primeiro grau. Se uma sentença violar uma decisão, súmula ou repetitivo vai caber reclamação direta ao STJ ou ao STF. Com advento do novo código, os juízes de primeiro grau deverão seguir o enunciado da súmula 554 do STJ e, desta forma, se deverá pôr fim às discussões em relação à responsabilidade tributária por sucessão empresarial. CONCLUSÃO Conforme demonstrado, as questões relacionadas à responsabilidade tributária por sucessão encontram divergência na doutrina, e um tratamento pela jurisprudência que ainda não tinha sido completamente uniformizado pelo Superior Tribunal de Justiça. Com o intuito de extinguir de vez a questão, a 1ª seção do STJ, especializada em processos de direito público, aprovou o enunciado da súmula 554. Como visto, a súmula em questão acaba por ampliar a responsabilidade das empresas sucessoras, abrangendo assim, não só os tributos como, também, a multa seja de caráter moratória ou punitiva. A súmula é contrária ao entendimento do artigo 132 do CTN que afirma que a responsabilidade da empresa sucessora abrange apenas os tributos atinentes a fusão, não acrescentando assim as eventuais penalidades infringidas. Para o CTN, tributo é prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito. Assim sendo, o próprio Código Tributário Nacional não considera as multas integrantes do conceito de tributo, sendo essas apenas sanções aplicadas pelo não pagamento tempestivo do mesmo. Como se não bastasse, a própria Constituição, em seu artigo 5º, XLVI, dispõe que as penalidades impostas àquele que pratica o ato ilícito são pessoais e intransferíveis. Deste modo, conclui-se que a Súmula 554 do STJ – assim como todos os julgados neste sentido – violam não só dispositivos infraconstitucionais, como também a própria Constituição Federal. Os efeitos da mesma no mundo corporativo, em especial no mercado de fusões e aquisições, são bastante negativos, principalmente em momento de profunda crise econômica no país. A Súmula 554 desvirtua o entendimento do Código Tributário Nacional e atende apenas aos interesses arrecadatórios do Estado, beneficiando de forma injusta os entes federativos, afastando empresas investidoras, principalmente, multinacionais estrangeiras.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-responsabilidade-tributaria-por-sucessao-empresarial-e-as-consequencias-da-edicao-da-sumula-554-do-superior-tribunal-de-justica/
Limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto
Foi realizado na presente pesquisa um estudo acerca dos limites e desafios da fiscalização tributária no comércio eletrônico direto e indireto. Fizemos uma análise de temas que influenciam a atuação da administração tributária, como o princípio da legalidade, os direitos individuais como sigilo fiscal e bancário, o domicílio fiscal, a responsabilidade tributária dos provedores de hospedagem que atuam como sítios intermediários, os conflitos de enquadramento de impostos em bens incorpóreos comercializados via download através da Internet e as dificuldades das propostas de tributação na computação em nuvem. Desta maneira, demonstramos um ambiente de comércio complexo para a fiscalização seja por lacunas de legislação e ausência de jurisprudência, seja pela facilidade/rapidez de operações de e-commerce que dificultam o controle pelas autoridades. Ressaltando-se por fim, operações de sucesso dos fiscos que revelam a necessidade cada vez maior de cooperação de forma a suplantar a ausência de barreiras territoriais para o comércio eletrônico e a observância aos direitos e garantias individuais estabelecidos pela constituição.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com a popularização da Internet, do uso crescente de recursos computacionais e o preço cada vez menor, o comércio eletrônico vem tornando-se relevante para as atividades econômicas. Nesse contexto de inovação tecnológica surgem impactos na área tributária, como por exemplo, a aplicação de tributos sobre bens tangíveis e intangíveis comercializados através da Internet. Se de um lado contribuintes e consumidores se adaptam a essa nova realidade, de outro a administração tributária deve responder ao desafio de minimizar perdas de arrecadação causadas por evasão fiscal e também garantir uma concorrência justa no mercado. Á medida que o uso da internet se expande na atividade econômica, o comércio eletrônico se diversifica, se amplia e torna-se mais complexo para administração tributária. Passamos a ter operações de compra e venda de produtos, serviços, informações através do uso de uma rede de computadores e comunicação, que não apresenta uma fronteira física. Nesse cenário a tributação do e-commerce sucinta questões não somente de quais tributos se aplicam na comercialização eletrônica, mas também como, o que, quais dificuldades de fiscalizar em tais operações, diante de um ordenamento jurídico vigente. A legislação tributária em vigor, na sua grande maioria, foi elaborada na ausência das inovações tecnológicas que atualmente estão sendo utilizadas. No entanto, administração tributária continua vinculada ao princípio da legalidade, gerando uma constante autoavaliação se os procedimentos administrativos e as obrigações acessórias são suficientes no controle fiscal desse setor econômico. Marco Aurélio Greco (2001) analisa que uma das premissas a serem observadas no e-commerce é a neutralidade, ou seja, o fator da escolha da aquisição de um bem ou serviço através da internet não deve ter a tributação como elemento de decisão. Portanto, a fiscalização insere-se como relevante e necessária nesse mundo virtual, não só como agente de combate à evasão fiscal, mas de forma a garantir condições isonômicas a qualquer contribuinte. Constituem objetivo principal avaliar os limites, os instrumentos legais já disponíveis e as necessidades de aperfeiçoamento para fiscalização do comércio eletrônico direto e indireto. Como objetivos específicos destacam-se: – Analisar o princípio da legalidade versus o direito da privacidade; – Mapear a responsabilidade solidária no e-commerce; – Avaliar o estabelecimento virtual e o domicílio tributário; – Mapear o conflito de competência entre ICMS e ISS e as imunidades; – Avaliar a fiscalização tributária na computação em nuvem; – Analisar as operações de fiscalização: cartão vermelho e Matrix; No que concerne aos enfoques metodológicos, a estratégia da pesquisa é qualitativa. Seu aspecto é mais globalizante e holístico, sendo mais adequado para descrever a complexidade de um determinado problema, que engloba a atuação da fiscalização tributária no comércio eletrônico. Importante ressaltar, a análise documental elaborada que consta de doutrina revelada em livros, artigos e teses, jurisprudência, legislação e finalmente consultas efetuadas pelos contribuintes às autoridades tributárias. 2 DESENVOLVIMENTO As inovações da tecnologia de informação e comunicação, dentre as quais a Internet, promoveram uma nova forma de comunicação entre clientes e fornecedores, gerando novas formas de operação de negócios. As atividades econômicas que utilizam redes eletrônicas têm sido denominadas de negócios eletrônicos (e-business). A principal atividade desse setor da economia é o comércio eletrônico (e-commerce). O comércio eletrônico de acordo com as Nações Unidas tem a seguinte definição: “Uma transação eletrônica é venda ou compra de bens ou serviços entre empresas, consumidores domésticos, indivíduos, governos e outras organizações públicas ou privadas, realizadas através de rede de computadores. Os bens e serviços são pedidos pela rede, mas seu pagamento e a entrega final podem ser conduzidas on ou off-line. (tradução do autor, NATIONS, 2001, pg.47)” No comércio eletrônico surgem três tipos de agentes: o governo, as empresas e os consumidores. Dentre as relações existentes entre esses agentes demonstrados na figura 1, destacam-se: a) B2B (business-to-business), transações entre empresas, como por exemplo, portais de negócio; b) B2C/C2B (business-to-consumer, consumer-to-business), transações entre empresas e consumidores, destacando lojas e shoppings virtuais; c) C2C ( consumer-to-consumer), transações entre consumidores finais, por exemplo, sítios de Leilões e classificados on line . O comércio eletrônico se divide em duas modalidades: o direto e o indireto. O comércio indireto refere-se a uma compra através de sítios eletrônicos de lojas disponibilizadas na Internet em que o bem adquirido é enviado ao comprador, sem que o consumidor se desloque fisicamente ao estabelecimento vendedor. Nesse caso essa modalidade de comércio eletrônico se assemelha a uma aquisição de um consumidor numa loja física. Já o comércio eletrônico direto refere-se à aquisição de bens comprados e transmitidos pela Internet, através de downloads. Nesse ambiente de comercialização, o comércio eletrônico indireto comercializa bens corpóreos ou tangíveis e o direto, bens incorpóreos, como software, música, que passam a ser adquiridos sem qualquer suporte físico e disponibilizados através de transmissão de dados. 2.1. Princípio da Legalidade e o Direito à Privacidade O princípio da legalidade estabelece no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei”. Com esse princípio toda imposição tributária significa “a submissão e o respeito a Lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador” (MORAES,2014, pg 42). O artigo 97 do Código Tributário Nacional (CTN) enumera as matérias que estão sujeitas a reserva legal eliminando qualquer possibilidade de que se utilize um ato diferente da Lei formal. A prerrogativa de fiscalizar surge do próprio poder de tributar. Conforme Luís Eduardo Schoueri (2014), a atividade de fiscalização está prevista na Constituição, no princípio da capacidade contributiva, art. 145, § 1, in verbis: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Portanto, a fiscalização deve atuar dentro de limites, respeitando os direitos individuais e nos termos da Lei. Se um de um lado a administração tributária deve atuar dentro do ordenamento jurídico vigente, de outro há a inviolabilidade constitucional da privacidade e do sigilo de dados estabelecidos respectivamente nos art. 5°, inciso X e art. 5°, inciso XII, da Carta Magna. Com relação à proteção à privacidade humana, Alexandre de Moraes ressalta: “Não podemos deixar de considerar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica. (MORAES, 2014, pg. 73)” Os sigilos bancário e fiscal são direitos individuais constitucionalmente protegidos. No entanto, o dever de sigilo, não surge absoluto, ponderando-se de um lado o direito à privacidade e de outro o interesse público. Também, os poderes da administração tributária não são absolutos, conforme voto do Ministro Celso de Mello no HC 82788/RJ, in verbis: “Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei” (CF, art.145, $ 1°), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que , por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade do Estado. (HC 82788/RJ, Rel. min. Celso de Mello, julgamento em 12/04/2005, Segunda Turma. DJ de 02/06/2006)” 2.2. Domicílio Fiscal e o Estabelecimento Virtual As regras de domicílio tributário estão estabelecidas no artigo 127 do CTN que estabelece a eleição do domicílio pelo contribuinte e caso não se aplique as regras dos incisos do respectivo artigo “o lugar da situação dos bens ou da ocorrência de ato ou fatos que deram origem a obrigação”. Conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p.603) “o domicílio é importante para fixar o local de recebimento e quem deve fazer o pagamento, deduzindo-se do inadimplemento da obrigação se a mora é do credor ou do devedor”. Por outro lado, tem relevância na comunicação fiscal (recebimento de notificações e intimações), nos trabalhos de fiscalização e nos conflitos de competência, por exemplo, entre municípios. E finalmente a mudança de domicílio fiscal sem comunicação as autoridades tributárias implica em ilícito tributário de acordo com a súmula n° 435[1] do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A criação do comércio eletrônico possibilitou o desenvolvimento de um canal de vendas em que o consumidor não mais se dirige fisicamente ao estabelecimento para fazer uma aquisição. Diante desse modelo de negócio, surge o chamado estabelecimento virtual. A diferença entre o estabelecimento físico e o virtual não está na ausência ou presença de bens tangíveis usados na sua construção, mas como o consumidor o acessa. Para Fábio Ulhoa Coelho (2015, p.49), “o tipo de acesso ao estabelecimento empresarial define a classificação deste. Quando feito por deslocamento no espaço, é físico; quando por transmissão e recepção eletrônica de dados, virtual”. Vejamos as informações de duas empresas que possuem estabelecimento virtual, por meio de sítio na World Wide Web (www). O primeiro caso trata-se da empresa Casas Bahia. Tal organização possui estabelecimentos físicos e virtual, representado pelo endereço eletrônico www.casasbahia.com.br. Acessando sua página na web (consultada em 09/07/2015) constata-se que se trata da empresa Canova Comércio Eletrônico S.A., situada na rua Gomes de Carvalho, em São Paulo, inscrita na junta comercial. Portanto, o estabelecimento virtual não representa a sede da empresa, não se caracteriza como domicílio fiscal, mas simplesmente mais um canal de vendas ao consumidor. No segundo caso, temos a empresa representada na web como www.mercadolivre.com.br. Também acessando sua página (consultada em 09/07/2015) verifica-se que sua sede está situada em Santana do Parnaíba, São Paulo, igualmente registrada na junta comercial. Nesse caso, o mercado livre não é um vendedor direto ao consumidor final, mas uma infraestrutura que agrega empresas e pessoas físicas com objetivo de compra e vendas de produtos ou serviços. É um estabelecimento virtual intermediário na cadeia de comercialização, possibilitando que o fato gerador da obrigação tributária de outros contribuintes possa ocorrer. Tal característica não se confunde com estabelecimento virtual que abriga anúncios de produtos ou serviços de terceiros servindo como veículo de publicidade, e portanto, sem nenhuma relação com o fato gerador da obrigação tributária. 2.3. Responsabilidade Tributária no E-Commerce Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, a transação comercial entre os seus agentes (governo, empresa e consumidor) possuem três elementos básicos: primeiramente o acesso ao estabelecimento virtual deve ser feito através de provedor de Internet ou serviços de telemarketing. A espécie de provedor de internet é o denominado “provedor de acesso”, conforme voto do relator Ministro Luis Felipe Salomão no RE 997993/MG do STJ, in verbis: “4.2. A segunda premissa que se me afigura necessária explicitar é a espécie de provedor de internet de que se cogita. A doutrina tem elencado como categorias de provedor as seguintes: os provedores backbone, provedores de conteúdo, provedores de acesso, provedores de hospedagem e de correio eletrônico. Os provedores backbone – "espinha dorsal" – configuram as estruturas físicas primárias pelas quais transitam quase totalidade dos dados transmitidos pela internet. No caso brasileiro, a Embratel realiza os serviços de provedor backbone. Os provedores de conteúdo formam a intermediação entre o editor da informação de um site e o internauta que a acessa. Os provedores de acesso são o meio pelo qual o usuário se conecta à rede, mediante a aquisição de um "endereço IP", funcionando como um intermediário entre o equipamento do usuário e a internet, tal como o serviço de telefonia, sendo responsável pela qualidade da conexão, disponibilidade, velocidade e segurança. Os provedores de hospedagem, por sua vez, dão suporte ou alojamento às páginas de terceiros, vale dizer, oferecem a interessados espaço virtual próprio para a alocação de um site. Como regra, os servidores de hospedagem não interferem no conteúdo do site, mas somente o proprietário deste. E, finalmente, o provedor de correio eletrônico é aquele vocacionado ao fornecimento de uma caixa postal virtual, mediante a qual se trocam mensagens e na qual elas podem ser armazenadas. (RE 997993/MG, Rel. min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 21/06/2012, Quarta Turma. DJe de 06/08/2012)” O segundo elemento trata-se da forma de comercialização do estabelecimento virtual: poderá comercializar diretamente produtos de pessoas jurídicas e físicas ou por intermediação, ou seja, sítios que facilitam a realização de transações de outros comerciantes (provedores de hospedagem), sendo remunerados através de taxa mensal, comissão sobre vendas ou pagamentos de anúncios. Nesse caso, temos os shoppings virtuais e os Leilões on-line, como por exemplo, www.shopping.uol.com e www.umbarato.com.br. O terceiro elemento é o intermediário financeiro que garante o pagamento através de diversas formas como cartão de crédito, débito, boletos bancários, paypal, smartcard, pagseguro. A facilidade de implementação do comércio eletrônico, principalmente através da Internet, cria dificuldades na fiscalização tributária. Sítios abrem e fecham com extrema facilidade e velocidade e na maioria das vezes sem que haja abertura da empresa e qualquer registro na junta comercial. Apesar da existência de informações cadastrais no sítio www.registro.com.br dos endereços eletrônicos dos estabelecimentos virtuais brasileiros, constata-se de um lado que o registro dos domínios pode ser feito por pessoas físicas (adicionalmente as pessoas jurídicas) e de outro, conflitos de informações cadastrais. Vejamos o exemplo do sítio www.celebravinhos.com.br, hospedado em www.nuvemshop.com.br, cuja consulta em www.registro.com.br na data de 09/07/2015, apresenta endereço em Rua Xavier de Toledo, 296, Santo André-SP. Já no sítio da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br) consultado em 09/07/2015, com CNPJ 06.221.446/0001-22, aponta endereço a Rua Coronel Francisco Amaro, 33, Santo André-SP. Com novos obstáculos à fiscalização, é importante analisar a questão da incidência da responsabilidade tributária no comércio eletrônico. Não se trata da aplicação da responsabilidade solidária do art. 7°, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas do enquadramento aos artigos de responsabilidade do CTN . De acordo com a ministra Helen Gracie no RE 562276/PR, in verbis: “4. A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributaria, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (driter Persone,terzo ou terceiro) evidência que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrário sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária; e desde que tenha contribuído para situação de inadimplemento pelo contribuinte. (RE 562276/PR, Rel. min. Helen Gracie, julgamento em 03/11/2010, Plenário Pleno. DJe de 10/11/2011)” O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária. O CTN não é taxativo e apresenta normas gerais para que o legislador estabeleça outras regras de acordo com a competência tributária do ente político e conforme seu art. 128. A responsabilidade tributária estabelecida no art. 124 não se pode ser instituída sem a observância do art. 128. Portanto, a Lei não pode atribuir responsabilidade pelo pagamento de tributo a sujeito passivo indireto, sem que o escolhido tenha um vínculo mínimo , de qualquer natureza, com o fato gerador da respectiva obrigação. A assembleia legislativa do Governo do Estado de São Paulo em 2009 estabeleceu uma nova regra matriz para a responsabilidade solidária em transações eletrônicas através da Lei n° 13.918, acrecentando os incisos XIII e XIV ao art. 9 da Lei n° 6.374 de 01/03/1989 que dispõe sobre a instituição do ICMS (RICMS). De acordo com os respectivos incisos, temos: “Artigo 9º – São responsáveis pelo pagamento do imposto devido: XIII – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual, com utilização de tecnologias de informação, inclusive por meio de Leilões eletrônicos, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco; (NR) XIV – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de tecnologia de informação, tendo por objeto o gerenciamento e controle de operações comerciais realizadas em ambiente virtual, inclusive dos respectivos meios de pagamento, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco;” Com a Lei n° 13.918, a legislação do ICMS paulista determinou que são responsáveis solidários prestadores de serviço de intermediação comercial em ambiente virtual e prestadores de serviços relacionados ao comércio eletrônico. Por meio da Portaria CAT n° 156/2010, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo disciplinou as obrigações acessórias que esses responsáveis devem cumprir, isto é, prestação de informações ao fisco. Na figura 2 temos os serviços contratados que devem prover informações à administração tributária paulista. Vejamos na legislação paulista, o enquadramento da regra de responsabilidade tributária. A regra matriz de incidência tributária é a operação de circulação de mercadorias que incide o ICMS. Já a regra matriz de responsabilidade foi estabelecida na Lei n° 13.918, atribuindo, por exemplo, aos prestadores de serviços de intermediação a responsabilidade solidária. Tais empresas fazem parte da cadeia de consumo, na medida que recebem comissão das transações efetuadas, portanto, estabelecendo um vínculo mínimo com o fator gerador da obrigação tributária. 2.4. Conflitos de Competência ICMS e ISS e Imunidades Os conflitos de competências devem ser tratados conforme art. 146 inciso I da Constituição Federal de 1988, ou seja, cabe a Lei Complementar dispor o que compete, em matéria tributária, a cada ente político. 2.4.1. Software Vejamos a primeira lide relacionada a comércio de bens incorpóreos comercializados na Internet, isto é, programas de computador. No RE 176626/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu no item 3 da Ementa, in verbis: “III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre às operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador”- matéria exclusiva da lide – , efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626/SP, Rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10/11/1998, Primeira Turma. DJ de 11/12/1998)” No entendimento do STF, o programa de computador (da espécie “software de prateleira”) comercializado pela Internet e adquirido via mecanismo de download não recebe a incidência de ICMS, pois é vendido sem corpus mechanicum. Em julgamento mais recente (maio de 2010), a suprema corte alterou o seu entendimento na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, in verbis: “8. ICMS. Incidência sobre software adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. (ADI 1945 MC/MT, Rel. min. Octavio Galotti, julgamento em 26/05/2010, Plenário. DJe de 11/03/2011)” No voto-vista do Ministro Nelson Jobim a questão central foi se o ICMS pode ser cobrado pelo licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador, em face do art. 9 da Lei nº 9609/1998 que determina que “O uso do programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Para o magistrado, é possível a incidência de ICMS sobre a circulação de mercadoria virtual, pois “não há nessas operações a referência ao corpóreo, ao tateável, mas simplesmente pedidos, entregas e objetos que são, em realidade, linguagem matemática binária”. Com relação a programas feitos sob encomenda, o entendimento jurisprudencial do STF é “o que se tem é serviço típico, sujeito, em princípio, à competência tributária dos Municípios”. (pg.5 do RE 176.626/SP). Nessa mesma direção o STJ também já se pronunciou no RE 1.070.404/SP, in verbis: “EMENTA. TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – PROGRAMAS DE COMPUTADOR NÃO PERSONALIZADOS – DL 406/68 – NÃO-INCIDÊNCIA DO ISS. 1. Os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS. 2. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que o compram como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS. 3. Hipótese em que a empresa fabrica programas em larga escala para clientes. 4. Recurso especial não provido. (RE 1070404, Rel. min. Eliana Calmon, julgamento em 26/08/2008, Segunda Turma. DJe de 22/09/2008)” A Lei Complementar nº 116/2003 inclui no item 1.05 a incidência de ISS em “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” e conforme jurisprudência do STF, o respectivo item aplica-se a software da espécie desenvolvido por encomenda ou customizado. No entanto, conforme Hugo de Brito Machado Segundo: “…cessão de direito não é serviço, e considerando que dentro de pouco tempo cairá em desuso a cessão direitos através de corpus mechanicum que possa ser adquirido em prateleiras (substituídos por download), coloca-se a questão de saber se a cessão de direito de uso pode ser tributada pelo ISS, pois não se tem, nesse caso, um serviço, da mesma forma como não se tem serviço na locação de bens móveis. (SEGUNDO, 2015, pg. 94)” Nessas questões, o estado de São Paulo, através do decreto estadual nº 5169/07, estabeleceu no art.1º que “Na operação realizada com programa para computador ("software"), personalizado ou não, o ICMS será calculado sobre uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático”, não se atribuindo tal artigo a jogos eletrônicos de vídeo (“videogames”). No caso de tais softwares serem comercializados via Internet através de download, a administração tributária paulista já manifestou seu entendimento através da Resposta à Consulta tributária nº494, in verbis: “11. No caso específico dos softwares comercializados por meio de download, por não haver suporte fático, não há base de cálculo e, consequentemente, não há imposto a ser recolhido. Contudo, ainda que não haja recolhimento do imposto, tais operações estão inseridas no campo de incidência do tributo, devendo, por esse motivo, antes de iniciada a saída da mercadoria, ser emitido o correspondente documento fiscal. (Resposta à consulta tributária 494/2011, de 24 de outubro de 2011, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo).” Na prática a comercialização de software via download, para o fisco paulista, não há base de cálculo, e, portanto, não há ICMS a ser recolhido, o que não dispensa a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal. Nota-se também no decreto paulista nº 5169/07 a extensão de incidência de ICMS a software personalizado, que nesse caso, a jurisprudência é no sentido de incidência de ISS. Cabe também destacar o posicionamento do fisco mineiro na consulta tributária n°054/2014 de 13 março de 2014 referente a software comercializado via download, revelando sintonia com o STF na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, nos seguintes termos: “Sobre a questão apresentada, Carlos Alberto Rohrmann nos remete à lição de Carvalho de Mendonça, que em seu tratado de Direito Comercial ensina que as mercadorias podem ser coisas materiais, corpóreas ou as imateriais, incorpóreas, citando como coisa incorpórea que pode ser objeto de comércio, a energia elétrica. O autor, com fundamento no ensinamento acima referido conclui que o programa de computador vendido, locado ou cedido, como objeto de circulação comercial, ou seja, como objeto de comércio, pode tornar­-se uma coisa comercial, sendo, pois, mercadoria, ainda que incorpórea. (Curso de Direito Virtual, pp. 52 e 53, edição 2005, editora Del Rey). Depreende­sse, pois, que o programa de computador, suscetível de venda, locação ou cessão, como objeto de circulação comercial, classifica­dos como mercadoria ainda que incorpórea, sendo passível, consequentemente, de tributação pelo ICMS. Relativamente aos denominados softwares de prateleira, essa Diretoria já teve oportunidade de se manifestar no sentido de que a elaboração e comercialização do chamado “software de prateleira” é operação incluída no campo de incidência do ICMS, tendo por base de cálculo o valor correspondente a duas vezes o valor de mercado do suporte informático, devendo este ser objeto de apuração pelo contribuinte, conforme determinado no art. 43, inciso XV, alínea “b”, do RICMS/02. Cumpre salientar que pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, cujo acórdão foi publicado em 14/03/2011, restou assegurado que a condição de mercadoria do denominado software de prateleira independe de estar disponível em mídia física ou para “download”, assim considerado o termo utilizado para descrever a baixa de arquivos digitais pela internet. Para o ministro Nelson Jobim, se o fato de ser o bem incorpóreo fosse ressalva à incidência do ICMS, não poderia, da mesma forma, ser cobrado o imposto na aquisição do programa de computador de prateleira, visto que, nesse caso, estar-se-ia adquirindo não um disquete, CD ou DVD, a caixa ou o livreto de manual, mas também, e principalmente, a mercadoria virtual gravada no instrumento de transmissão. Assim, se o argumento é de que o bem incorpóreo não pode ser objeto de incidência do ICMS, a assertiva haveria de valer para o caso de bens incorpóreos vendidos por meio de bens materiais. Uma vez superada a questão relativa à tributação, cabe tratar da emissão do documento fiscal eletrônico correspondente à operação de revenda do software, realizada pela Consulente, por meio do download a ser baixado do seu site. Nesse caso, diante da manifestação da Receita Federal do Brasil acerca da inexistência de classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul de software comercializado via download, deverá ser informado o código “00” no campo relativo à NCM constante da NF­e. (Resposta à consulta tributária 054/2014, de 13 de março de 2014, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de Minas Gerais).” 2.4.2. Provedor de Internet Segundo o voto do Ministro Relator Luis Felipe Salomão do STJ no RE 997.993/MG (vide item 2.3) provedor de internet é composto por categorias: provedor de backbone, de conteúdo, de hospedagem e de correio eletrônico. Todas essas espécies estão diretamente ou indiretamente relacionadas à comercialização de bens tangíveis e intangíveis por via eletrônica e através da Internet. É incontroverso que provedor de backbone (concessionárias) como Embratel, Vivo, Oi, dentre outros, prestam um serviço de telecomunicação se inserindo na incidência do ICMS. A natureza jurídica de provedor de acesso à Internet já foi objeto de discussão no STJ resultando na súmula 334,“ O ICMS não incide nos serviços dos provedores de acesso à Internet”, pois presta serviço de valor adicionado definido no art. 61 da Lei n° 9.472/92 e conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho, citado pela Revista de Súmula do Superior Tribunal de Justiça (2012): “o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet e um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro e um dos componentes no processo de produção do último. (REVISTA, 2012, pg. 165)” Adicionalmente, o provedor de acesso à Internet é intributável pelo ISS, pois serviço de valor adicionado não consta do rol de serviços tributáveis da lista constante da Lei Complementar n°116/2003, que é numerus clausus. Os provedores de hospedagem, que oferecem espaço virtual para alocar um sítio, são prestações de serviço, porém não são tributáveis pelo ISS e conforme Kihoshi Harada: “Essa disponibilização de espaço virtual pelo provedor de hospedagem não é tributada pelo ISS. Ela é intributável pelo ISS, porque não consta de nenhum item ou subitem de serviço”. (HARADA, 2014, pg. 167) Destarte provedores de conteúdo e de correio eletrônico sejam prestadores de serviço, também entendemos que são intributáveis pelo ISS, pois não constam da lista de serviços da Lei Complementar n°116/2003. 2.4.3. Livros, Jornais e Periódicos A constituição Federal no seu art. 150 alínea d concedeu imunidade tributária a “livros, jornais e ao papel destinado a sua impressão”. Segundo Luís Eduardo Schoueri: “A importância do meio físico no qual se apresenta a publicação é matéria até hoje não pacificada. Por exemplo, já se aceitou que o livro de pano não deixa de gozar de imunidade; por outro lado, discos contendo contos infantis não foram considerados livros. (SCHOUERI, 2014, pg. 470)” Com o surgimento de novas tecnologias, surge a questão da aplicação da imunidade a impostos em livros, que se apresentam através de arquivos digitais comercializados em dispositivos de armazenamento como CD e DVD, dentre outros, ou adquiridos via download através da Internet. Esses temas não estão pacificados na jurisprudência e não há unanimidade na doutrina. O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal no RE nº 330.817/RJ do Relator Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral que não ainda não foi julgada. Na suprema corte há julgados em direção a uma análise mais restritiva como o agravo regimental em recurso extraordinário RE nº 504.615-AgR/SP, do relator Ministro Lewandowski em que a imunidade “estende-se, exclusivamente, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel.” Por outro lado, há uma interpretação menos restritiva como no RE 202.149/RS, relator do acordão Ministro Marco Aurélio em que “a imunidade tributária relativa a livros, jornais, e periódicos é ampla, total, apanhando produtos, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa e não exaustiva.” Vejamos o posicionamento de algumas administrações tributárias. A Receita Federal se manifestou contrária à imunidade em publicações eletrônicas, de acordo com a solução de consulta n°51 – Cosit e nos seguintes termos: “20.1. é de natureza objetiva a imunidade de que gozam os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, alcançando, em nível federal, exclusivamente, os impostos sobre o comércio exterior e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Ressalte-se que essa imunidade não se aplica a publicações eletrônicas ou digitais. (grifo do autor)” Já a Fazenda Pública de São Paulo demonstrou o seu entendimento em duas respostas a consultas tributárias não reconhecendo imunidade em livro eletrônico disponibilizado em CDs, DVDs, Blue-Ray ou via download pela Internet, in verbis: “ICMS – LIVROS DISPONIBILIZADOS PARA "DOWNLOAD" PELA INTERNET. I – A transferência eletrônica de textos previamente digitalizados, adquiridos por contrato de compra e venda ou de licença de uso, é uma operação de circulação de mercadoria, sujeita à incidência do imposto estadual. II – Necessidade de emissão de Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A (artigos 124, I, e 125, I, do RICMS/2000) ou de Nota Fiscal Eletrônica – NF-e (artigo 212-O, I, do RICMS/2000 e Portaria CAT 162/2008). (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)” “ICMS – "Livro eletrônico" (em CDs, DVDs, Blu-Ray) A imunidade tributária (alínea "d" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) dos livros, jornais e periódicos, impressos em papel, não alcança as edições disponibilizadas por qualquer outro meio diferente daquele da impressão em papel, tais como CDs, DVDs, Blu-Ray – Livros eletrônicos (em CDs, DVDs, Blu-Ray) são mercadorias normalmente tributadas pelo ICMS – "Livro em papel que acompanha material didático Complementar em CD, DVD, Blu-Ray": a imunidade dos livros (em papel) não se estende aos CD´s, DVDs, Blu-Ray ou outros materiais que acompanham tais livros, ainda que necessários à compreensão ou aprendizado do seu conteúdo. (Resposta à consulta tributária 129/2012, de 14 de maio de 2013.)” É importante ressaltar, a discussão de um tema polêmico quanto à natureza jurídica do vocábulo mercadoria como elemento necessário a incidência de ICMS. No comercio eletrônico, tal questão surge novamente e a Fazenda Pública de São Paulo se manifestou ao analisar a incidência do imposto estadual no livro eletrônico considerando mercadoria também como um bem incorpóreo, no seguinte termo: “3. Inicialmente, é importante observar que esta Consultoria Tributária já se manifestou no sentido de que, embora não seja simples conceituar "mercadoria", esse conceito não equivale simplesmente a "bem móvel", como se costuma dizer, mas pode abranger qualquer coisa que esteja no mercado, que seja tratada por agentes econômicos com a finalidade de levar ao consumo bens quaisquer, sendo tributadas as operações com eles realizadas, pela manifestação de capacidade contributiva. (Resposta à consulta tributária 282/2012, de 15 de maio de 2013.)”  Finalmente, a Fazenda Pública de Minas Gerais apresenta um entendimento divergente em comparação a Receita Federal e a Fazenda Pública de São Paulo, manifestada na consulta tributária n° 128/2010 de 22 junho de 2010, in verbis:  “ … O RICMS/02, modificado pelo Decreto nº 44.258/06, em decorrência da Lei nº 15.956/05, que alterou o § 7º do art. 7º da Lei nº 6.763/75, dispõe que:  “Art. 5º O imposto não incide sobre:  VI – a operação com livro, jornal ou periódico, impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ou com o papel destinado à sua impressão, inclusive o serviço de transporte com ela relacionado, não se aplicando: d) a suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde, observado o disposto no inciso IV do art. 43 deste Regulamento;”  Da Leitura do dispositivo transcrito acima pode-se concluir que estão alcançados pela não incidência do imposto estadual as operações com livros em seu formato original, assim considerado aquele impresso em papel, bem como aquele disponibilizado à Leitura por meio eletrônico.  Dessa forma, ainda que o livro eletrônico seja objeto distinto do livro de papel, uma vez mantida a sua essência em um novo formato, no caso, em mídia eletrônica, não se tributa pelo ICMS as operações com ele realizadas, observada a disposição contida na alínea “d” do inciso VI acima reproduzido.  Na oportunidade, mostra-se importante distinguir o livro eletrônico do audiolivro. Livro eletrônico é a versão digital de um livro, que pode ser adquirido por meio de download ou em suporte adequado, para ser lido em display apropriado.  Audiolivro é a própria narração do texto, da obra literária, normalmente gravada em estúdio, sendo enriquecida pelos efeitos sonoros e musicais, descaracterizando a atividade da Leitura, que consiste no esforço do cérebro para transformar símbolos gráficos em conceitos intelectuais, combinando unidades de pensamento em sentenças e estruturas mais amplas de linguagem, constituindo, ao mesmo tempo, um processo cognitivo para compreensão de um texto.  Pode-se depreender, portanto, que a não incidência alcança o livro disponibilizado à Leitura por meio do formato em papel ou por apresentação em meio eletrônico, não se estendendo ao chamado audiolivro nem ao suporte de áudio ou vídeo, meios eletrônicos e outro bem ou mercadoria que acompanhe livros, jornais ou periódicos impressos em papel ou apresentados em mídia eletrônica, ainda que na condição de brinde. (grifos do autor, Resposta à consulta tributária 128/2010, de 22 de junho de 2010)” Para o fisco mineiro o livro eletrônico está imune, mas não o chamado audiolivro. 2.4.4. Música e Vídeo A emenda constitucional nº 75/2013 ampliou o rol de imunidade tributária da Constituição Federal de 1988, concedendo benefícios aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil, incluindo os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. De acordo com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, fonograma é “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Na prática fonograma é uma música (som) interpretada por um cantor. Já videofonograma é a união de som e imagem, isto é, vídeos musicais. Segundo Luís Eduardo Schoueri (2014, pg. 473) , “ao referir-se a “videofonograma”, e não a obras “audiovisuais”, o contribuinte derivado excluiu a obra cinematográfica do âmbito da referida imunidade”. Como a imunidade se aplica a suporte materiais e arquivos digitais, a comercialização de CDs, DVDs, Blue-Rays, contendo os arquivos digitais de fonogramas e videofonogramas estão imunes aos tributos como ICMS e ISS. Adicionalmente, a emenda menciona a expressão arquivos digitais e nesse caso a imunidade segundo Luís Eduardo Schoueri (2014) “pode alcançar situações como downloads, streaming, e as mais diversas formas de comercialização de arquivo via internet”. Vejamos caso concreto de comercialização de música e vídeo digitais vendidos através de download via Internet. A administração tributária do munícipio de São Paulo, através da consulta SF/DEJUG nº17 de 02/04/2013, esclareceu a um consulente quanto a comercialização e o aluguel no Brasil de conteúdos digitais (músicas e vídeos). A consulente informou na consulta que disponibiliza ao consumidor um programa de computador “iTunes” e após a criação de uma conta pessoal, concede acesso a loja virtual. Além disso, a consulente apresentou os contratos de distribuição para download de música digital e de vídeo digital, respeitando o direito do autor. No exame da documentação, o fisco paulistano classificou a consulente como uma empresa intermediária entre o detentor dos direitos sobre as música e vídeos e os consumidores finais. Na questão da incidência de ISS nesse tipo de comércio eletrônico, administração tributária paulistana se manifestou, in verbis: “7.1. Devido à promulgação da Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003, que produziu efeitos a partir de 01/08/2003, a atividade de locação de bens móveis foi excluída do campo de incidência do ISS porque houve vetos presidenciais à inclusão desse serviço na nova Lista de Serviços. Tal mudança foi incorporada pela legislação municipal vigente. 7.1.1. Assim sendo, não há incidência do ISS sobre a atividade de cessão de direito de uso de músicas e vídeos, bem como não é permitida a emissão de qualquer tipo de Nota Fiscal de Serviços para referida atividade, porque não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para documentar atividade que não consta da Lista de Serviços vigente. (Solução de Consulta SF/DEJUG nº 17, de 02 de abril de 2013, Departamento de Tributação e Julgamento da Prefeitura de São Paulo)” Portanto, em consonância ao entendimento do fisco paulistano, não há incidência de ISS para músicas e vídeos digitais comercializados através de mecanismo de download. Quanto ao ICMS, a questão central é se músicas e vídeos digitais são mercadorias. Para uma parte da doutrina, o conceito de mercadorias está associado a bens corpóreos. No entanto, o STF sinaliza na medida cautelar em ação de direta de inconstitucionalidade da Lei nº 7098/98 do Estado de Mato Grosso, a incidência de ICMS em software de “prateleira” , que é um bem incorpóreo. Sendo musicas e vídeos digitais , não abrangidos pela imunidade tributária da EC nº 75/2013, bens incorpóreos também há possibilidade de incidência de ICMS. É importante também destacar a Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit da Receita federal que revela o entendimento da incidência de Imposto de Importação na aquisição de filmes digitais adquiridos e transferidos do exterior ao adquirente nacional via download: “14. Assim, considerando a situação sob análise – download de dados consistentes em filmes digitais –, infere-se que a inexistência de suporte físico para a questão considerada é irrelevante na determinação da incidência do Imposto sobre a Importação sobre os dados ou instruções então transmitidos, pois, diferentemente do previsto em relação aos softwares, a legislação houve por bem tributar, além do suporte físico propriamente dito, aqueles dados ou instruções cujos conteúdos foram descritos pelo §3º, art. 81, do Decreto nº 6.759, de 2009. 15. Dessa forma, em se tratando de dados ou instruções consistentes em som, cinema ou vídeo, duas situações se apresentam: (i) quando esses dados ou instruções estiverem gravados em um suporte físico, o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá à soma dos custos ou valores do suporte físico e dos dados ou instruções; (ii) acaso tais dados ou instruções forem transmitidos via download – não havendo, portanto, suporte físico para a gravação dos mesmos – o valor aduaneiro – base de cálculo do Imposto sobre a Importação – corresponderá, simplesmente, ao custo ou valor desses dados ou instruções. (Solução de Consulta nº 421 – SRRF08/Disit, de 30 de novembro de 2010, Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 8ª RF)” 2.5. Computação em nuvem Com o rápido desenvolvimento de tecnologias de processamento e armazenamento e o sucesso da Internet, os recursos computacionais tornaram-se mais baratos, mais poderosos e mais ubiquamente disponíveis num nível que jamais foi visto na história. Essa tendência tecnológica habilitou a realização de um novo modelo computacional chamado de computação em nuvem no qual os recursos (por exemplo, unidade central de processamento e armazenamento) são providos como serviços utilitários que podem ser alugados e disponibilizados através da Internet. Uma das definições que faz sentido para maioria dos Chief Information Officers (CIOs) de acordo com D´Auria e Nash (2009) é: “Você não é proprietário do software ou hardware e, ao contrario de um outsourcing, nenhum específico equipamento é dedicado somente para você. Você acessa os sistemas do vendedor sob a Internet de alguma forma segura. Por esse acesso, você paga uma taxa de assinante que aumenta e diminui em função de quanto ou qual frequente você usa o sistema do provedor.” Destaca-se também a definição fornecida pelo National Institute of Standards and Technology – NIST (MELL; GRANCE, 2011,p.1) que diz: “Computação em nuvem é um modelo para habilitar, ubiquamente e convenientemente, o acesso de rede sob demanda para um pool compartilhado de recursos computacionais configuráveis (por exemplo, redes, servidores, storage, aplicações, serviços) que podem ser rapidamente provisionados e operacionalizados com mínimo de esforço gerencial ou de interações como o provedor de serviço (tradução do autor).” Em geral, há três modelos de entrega de serviço da computação em nuvem, clássicos: Software (programas de computador) como um Serviço (Software as a Service – SaaS); Plataforma como um Serviço (Plataform as a Service – PaaS); e Infraestrutura como um Serviço (Infrastructure as a Service – IaaS). Acerca dos modelos de entrega de serviço, a justificativa do Projeto de Lei do Senado nº 386/2012 referente a alterações na Lei Complementar nº 116/2003 discorreu: “A “computação em nuvem” disponibiliza um conjunto de recursos para a prestação de serviços remota. Possui um formato de computação no qual aplicativos, dados e recursos de TI são compartilhados e disponibilizados aos tomadores por meio de Internet. Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem: Destacam-se as seguintes operações em ambiente de nuvem: (i) a “Infraestrutura como um Serviço” que corresponde à utilização de uma infraestrutura com disponibilidade de capacidade de armazenamento fornecida pelo servidor, de acordo com a necessidade do cliente; (ii) a “Plataforma como um serviço” que consiste na utilização em conjunto de equipamento e programas com um pacote de soluções, geralmente voltado ao desenvolvimento ou teste de sistemas de seu cliente;e, (iii) “Programas como um Serviço” que consiste no acesso remoto ao uso de um “software” disponibilizado pelo prestador via internet, sem que o tomador usuário faça o seu “download”. (Projeto e Lei n° 386/2012, Senado, pg.9)” A computação em nuvem representa uma nova espécie de comércio eletrônico direto. Há uma ruptura do modelo de aquisição tradicional de equipamentos e programas de computador provenientes de empresas de tecnologia de informação e comunicação (TIC). Inserida dentro do capitalismo foi e está sendo desenvolvida com objetivo , dentre outros, de redução de custo , redução de consumo de energia e espaço, maior rapidez na entrega de demandas dos clientes, criar ambiente de inovação, acelerar os processos de compra. Diante desse cenário, três desafios se apresentam : primeiramente compreender conceitos de eletrônica e computação que foram criados sem qualquer relação com o ordenamento jurídico vigente; posteriormente fazer a subsunção da computação em nuvem às hipóteses de incidência dos tributos; fiscalizar o cumprimento dos tributos aplicáveis. Neste artigo, não nos deteremos a uma análise exaustiva das hipóteses de incidência na computação em nuvem, mas nos temas principais abordados como insumo para compreensão da complexidade da fiscalização tributária nesse mercado econômico. Os modelos de entrega da computação em nuvem SaaS, PaaS e IaaS, apresentam o vocábulo serviço com uma tradução da palavra “service” em inglês. Tal palavra não está associada ao conceito de uma prestação de serviço nos termos da legislação do ISS em vigor, mas qualquer recurso computacional (hardware e software) e de comunicação que possa ser acessado sob demanda, via Internet, sem aquisição de nenhum bem corpóreo por parte do consumidor final. O usuário não adquire produto, não detém sua posse, nada pertence ao seu patrimônio. Todos os serviços tradicionais de informática como manutenção, instalação de hardware e software, atualizações, armazenamento e processamento de dados são de responsabilidade do fornecedor. A população já usa intensivamente a computação em nuvem, mesmo não tendo familiaridade com esses conceitos. Vejamos, por exemplo, o uso do correio eletrônico gmail que é um exemplo simples de um serviço de computação em nuvem do tipo SaaS disponibilizado gratuitamente pela empresa Google aos usuários. Quaisquer dos modelos de entrega em computação em nuvem apresentam o fato de que o hardware e o software necessários para a construção dos serviços estão na maior parte das vezes localizados no exterior, visto que seu acesso é via internet, dispensando o usuário de qualquer restrição de local para o seu uso. Nesse ambiente o requisito ao usuário é a obrigatoriedade a conectividade a rede Internet, independentemente do seu domicílio ou local de trabalho. Em direção a análise da natureza jurídica dos serviços de computação em nuvem diversos, artigos[2] posicionam a complexidade do enquadramento jurídico dos modelos de entrega de computação em nuvem a lista de serviços constantes na Lei Complementar n°116/2003 referente ao ISS e ao art.2 inciso III da LC n° 87/1996[3] referente ao ICMS. Para resolver divergências jurídicas tramita no Senado um projeto de Lei n°386 de 2012 que visa incluir o item 1.09 – Computação em nuvem no rol de serviços abrangidos pelo ISS. Ir na direção da incidência do ISS sucinta a questão da importação de serviços já que a infraestrutura (hardware e software) de diversos provedores de serviços de computação em nuvem estão em outros países. O art. 1., § 1° da LC n° 116/2003 permite a incidência de serviço proveniente do exterior e a respectiva Lei Complementar também elegeu o local do estabelecimento do tomador ou do intermediário dos serviços, ou se não houver o estabelecimento, o domicílio do tomador, para o recolhimento do imposto. No entanto, para alguns doutrinadores o serviço “importado” é inconstitucional. Segundo Kihoshi Harada: “…será obrigatório o reconhecimento de inconstitucionalidade daquele dispositivo por afrontar o princípio da territorialidade das normas brasileiras. A Constituição Federal, ao outorgar a competência impositiva aos Munícipios pelo seu art.156 III, não autorizou a tributação dos serviços prestados fora do seu território. Sequer ressalvou os serviços iniciados no exterior, como fez em relação ao ICMS, conforme se depreende do seu art. 155,II. (HARADA, 2014, pg. 67 a 68)” É incontroverso que ao enquadramento dos modelos de entrega da computação em nuvem deva analisar a preponderância em dar e fazer. Conforme Kihoshi Harada “serviço significa um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção”, logo o ISS recai sobre circulação de bem imaterial, resultando de uma obrigação de fazer. Conforme art.9 da Lei n° 9.609/98, “o uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença”. Os contratos de licença podem se manifestar de duas formas principais: na primeira o usuário tem autorização de usá-lo (licença de uso) e na segunda, além de usá-lo, pode alterá-lo (código fonte) e explorá-lo economicamente. A computação em nuvem foi desenvolvida para responder rapidamente as demandas de mercado e promover a economia de escala. Diante desse fato, os provedores de serviço na nuvem do modelo SaaS oferecem aos usuários interfaces padrões como se fosse uma espécie de software de prateleira. Nesse caso, no julgado da medida cautelar da ADI 1945 MC/MT, o STF sinalizou a possibilidade de incidência do ICMS em software de “prateleira” mesmo sendo comercializado por download, alargando o conceito de mercadoria para bens incorpóreos. Mesmo cogitando a hipótese de incidência de ICMS segundo STF, a computação em nuvem apresenta características distintas da comercialização de software num modelo tradicional. Por exemplo, no SaaS não há download de software e seu pagamento, geralmente é mensal, em função do uso. Não há contrato de licença, mas um Termo de Acordo de Serviço[4] conforme, por exemplo, o serviço de armazenamento de dados (IaaS) da empresa Amazon, portanto não há obrigação de dar, mas para fazer: permitir o acesso a recursos computacionais. Seja qual for o modelo de entrega da computação em nuvem, o serviço ofertado é composto por diversos serviços de informática, dentre outros, aluguel de licença de uso de software, suporte técnico, armazenamento, processamento de dados, caracterizando uma nova espécie de serviço passível de tributação do ISS caso conste na lista da Lei Complementar nº116/2003. Cabe registar a Solução de Consulta SF/DEJUG nº 40, de 1 de agosto de 2013 da Prefeitura Municipal de São Paulo, sobre enquadramento da computação em nuvem a hipótese de incidência do ISS. Essa administração tributária enquadrou os serviços de computação em nuvem no rol de serviços de informática já existentes na Lei Complementar. No nosso entendimento, o fisco municipal empregou a analogia, no entanto, conforme art.108 parágrafo primeiro do CTN “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em Lei.” Em função da computação em nuvem ser acessada por qualquer usuário independentemente de local, fácil contratação on-line através de pagamentos como cartões de crédito e a presença de provedores cuja infraestrutura está espalhada por diversos países, coloca desafios para fiscalização tributária. A fiscalização de contribuintes, quando o enquadramento jurídico do imposto de consumo está em direção a serviços de qualquer natureza, tem temas polêmicos. Se o contribuinte é um prestador de serviço localizado no exterior, estamos diante de uma questão de como cobrá-lo da obrigação do imposto municipal. Nesse caso o art.6 da LC nº 116/2003 estabelece hipóteses de substituição tributária obrigatória, por exemplo, o tomador do serviço. Destarte a tributação de serviço importado possa ser inconstitucional, a substituição tributária pode ser estendida também a sítios de intermediação localizados no território brasileiro que comercializam serviços na nuvem, desde que previsto em Lei e seja responsável pelo recolhimento do tributo, embora não esteja vinculado diretamente a ocorrência do fator gerador.  A questão de fiscalização de serviços na nuvem também envolve tributos federais. A Receita Federal publicou em 15 de agosto de 2014 o Ato Declaratório Interpretativo RFB Nº 7 disciplinando o seu entendimento do serviço em nuvem do modelo IaaS, nos seguintes termos: “Art. 1º Os valores pagos, creditados, entregues ou remetidos por residente ou domiciliado no Brasil para empresa domiciliada no exterior, em decorrência de disponibilização de infraestrutura para armazenamento e processamento de dados para acesso remoto, identificada como data center, são considerados para fins tributários remuneração pela prestação de serviços, e não remuneração decorrente de contrato de aluguel de bem móvel. Parágrafo único. Sobre os valores de que trata o caput devem incidir o Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (Cide-Royalties), a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação” Portanto, para Receita Federal o modelo IaaS é uma prestação de serviços que envolve o recolhimento de IR, CIDE-Royalties, PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação. Também para esses tributos a facilidade de pagamento através de cartão crédito dificulta a fiscalização, gerando a necessidade de confrontar dados das instituições financeiras de cartão de crédito com escrituração contábil da empresa. Tal operação somente mediante processo fiscal administrativo instaurado e mediante ordem judicial para acesso aos dados conforme entendimento do STJ analisado no item 1.6 desse artigo. 2.6. Operações de Fiscalização Seja no comércio eletrônico direto ou indireto, há um uso intensivo pelo consumidor final de diversas formas de pagamento como cartões de crédito e débito. Em 2007, a Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo através de ato administrativo (Portaria) solicitou às administradoras de cartão de crédito e débito o envio das operações realizadas no estado. Com base nessas informações identificou diferenças no recolhimento do ICMS de 93.600 empresas no ano de 2006. As autoridades fiscais autuaram mais de 1.300 empresas em face da divergência da escrituração fiscal com informações de movimentação financeira provenientes das administradoras de cartão de crédito e débito. Diversas empresas provocaram o poder judiciário para anulação dos autos de infração. A jurisprudência no Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo e no STJ vem confirmando a anulação dos autos da chamada operação “cartão vermelho”. A Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, determina no art. 6°: “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.” Na apelação nº 0130457-83.2008.8.26.0053 – São Paulo – Voto nº 20.709, o relator, Desembargador Xavier de Aquino, relata: “Ora, se a Lei Complementar 105/2001 determina a prévia existência de processo administrativo e a imprescindibilidade de tais informações, ilegal a busca indiscriminada por indícios de infrações tributárias com violação ostensiva do sigilo bancário. O processo, inclusive o administrativo, deve investigar fatos, e não os procurar, como se estivesse pescando. “ Adicionalmente, o acordão do TJ-SP acrescenta que o plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 389808/PR assentou o entendimento que a Fazenda Pública não pode quebrar o sigilo bancário sem ordem judicial. O acordão em referência foi recorrido pela Fazenda do Estado de São Paulo e no Agravo em Recurso Especial Nº 285.894 – SP, cujo Relator Ministro Herman Benjamin negou provimento ao agravo, confirmando que o acordão recorrido está em sintonia com atual entendimento do STJ. Portanto, quaisquer atos do fisco na direção de cruzamento de dados de instituições financeiras com escrituração contábil das empresas, que atuam ou não no comércio eletrônico, na busca de ilegalidades na comercialização de produtos, deverá se atentar a necessidade de procedimento fiscal instaurado e ordem judicial para acesso aos dados. Já em 2009 uma operação denominada Matrix revelou desafios da fiscalização tributária no combate a atos ilegais das chamadas “lojas virtuais”. Uma cooperação entre a Receita federal e Fazenda de São Paulo identificou empresas de comércio eletrônico direto que faturaram em média R$ 60 milhões de reais por ano, mas com recolhimento em torno de 4% em tributos. Essas lojas vendiam produtos na Internet com preços muito abaixo da média de mercado. Identificou-se que endereços apontados nas páginas do estabelecimento virtual eram falsos. Adicionalmente, comerciantes atuavam de suas residências ou pequenos escritórios, sem que mantivessem estoques dos itens. Também não souberam informar a origem dos produtos, caracterizando indícios que tais mercadorias eram fruto de descaminho. O sucesso da operação Matrix reforça a regra constitucional constante no art.37, XXII da Carta Magna, in verbis: “XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da Lei ou convênio. (grifo do autor)” A cooperação entre as autoridades fiscais é elemento fundamental no comércio eletrônico pelas características das tecnologias da Internet que possibilitam a criação de sítios em qualquer país bem como o seu acesso pelos usuários sem nenhuma barreira territorial. Acrescenta-se a essa cooperação o art.199 do CTN no seu parágrafo único que autoriza à União “permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”. Nada se estabeleceu expressamente quando há interesses de tributos estaduais e municipais, portanto, tais entidades políticas devem estabelecer convênios com a União quando necessitarem de informações de estados estrangeiros. A facilidade de aberturas de sítios de lojas virtuais, a liberdade de publicar informações que muitas vezes são falsas, o atrativo de preços muito inferiores dos produtos em comparação ao modelo de aquisição em lojas físicas são características contribuem para formação de um mercado consumidor. É nesse cenário que ações integradas das administrações tributárias são requeridas com maior frequência incluindo compartilhamento de informações, maior integração de Comitê Gestor do Internet no Brasil que tem a coordenação para atribuição de endereços IPs (Internet Protocol) e para o registro de nomes de domínios usando “.br”[5], de forma que tenhamos pelo menos dos sítios registrados de comércio eletrônico no Brasil um cadastro que seja auditado periodicamente. CONCLUSÃO Desde o início da criação da Internet e do computador, a sociedade vem sendo desafiada com novas tecnologias alterando sistematicamente o status-quo de produção, comercialização e consumo de produtos. Aliada a essa transformação temos os avanços nas tecnologias de comunicação como redes ópticas e sem fio, que possibilitaram o intenso uso de dispositivos móveis eliminando cada vez mais barreiras físicas para o comércio. Não há um comércio eletrônico brasileiro, mas mundial. Ao se conectar a Internet, o consumidor final tem um mercado à sua disposição sem barreiras geográficas. Nesse cenário de constante inovação insere-se a legislação tributária. As questões de fiscalização tributária devem ser endereçadas sob dois ambientes. Primeiro é o comércio eletrônico indireto em que fundamentalmente não há grandes temas de insegurança jurídica quanto à incidência de tributos. Nesse caso, o foco da fiscalização deve ser em sítios de intermediação e nos registros de domínio. O segundo ambiente é o comércio eletrônico direto, que deve merecer maior atenção, pois trata de comércio de bem incorpóreo. Há divergências na doutrina e não temos uma jurisprudência consolidada em diversos temas como o livro eletrônico. E se não há segurança jurídica, a atuação da fiscalização está comprometida em face a grande possibilidade de nulidade de autos de infração. O grande mercado que se projeta para bens incorpóreos não é livro, música, vídeo digitais, mas computação em nuvem. A computação em nuvem é uma ruptura de paradigmas no mercado de tecnologia da informação e comunicação. O consumo de equipamentos e software de TIC vem crescendo exponencialmente no mundo. Por outro lado, há uma demanda de governos e empresas em otimizar recursos computacionais, espaço e energia, de forma utilizá-los apenas sob demanda. Portanto, a locação de recursos se apresenta como solução. No centro das tecnologias de computação em nuvem está o software e a conectividade via Internet. A natureza jurídica dos modelos de entrega da computação em nuvem está na direção de uma prestação de serviço, no entanto, é necessário incluí-lo em Lei. Acrescenta-se que superada a questão do enquadramento tributário, se coloca a difícil tarefa de fiscalizá-la em função de um modelo de negócio que permite usuários contratarem serviços de computação em nuvem sob demanda, em qualquer tempo e em qualquer país. É inviável fiscalizar cada operação, suscitando uma análise da substituição tributária nesse ambiente. Finalmente, qualquer ação do fisco deverá respeitar os direitos individuais sob pena de terem invalidados os autos de infração pelo poder judiciário, aumentando a evasão fiscal.
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Fiscalização financeira e orçamentária: Do controle interno e externo, do Tribunal de Contas da União, sua composição e competência
Trabalho apresentado com o intuito de demonstrar de forma sistematizada a fiscalização financeira e orçamentária no Brasil, dentro do contexto do controle interno e externo, bem como demonstrar a composição, competência e atuação do Tribunal de Contas da União no cenário brasileiro.
Direito Tributário
Introdução A fiscalização financeira e orçamentária do Estado possui um importante caráter político, em especial impedindo que o Poder Executivo exceda os créditos que lhe foram concedidos ou não perceba verbas autorizadas, também evitando desperdícios e dilapidações do patrimônio público, mas de modo a não atrasar ou paralisar as operações da execução orçamentária para não prejudicar as finanças públicas e a vida do próprio Estado. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 103) Conforme KiyoshiHarada (2010, p. 86), a fiscalização e controle orçamentário serve justamente para coibir abusos do Poder Público no que se refere ao dinheiro público e sua destinação dentro da melhor destinação e com responsabilidade. Essa fiscalização das contas públicas é exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo controle interno de cada poder, encontrando-se sua fundamentação maior no artigo 70 da Constituição Federal,tendo por objeto três elementos distintos: legalidade, legitimidade e economicidade relativos à despesa pública. (PISCITELLI, 2015, p. 242) Abrange o âmbito contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial da Fazenda Pública como um todo no Estado nas esferas federal, estadual e municipal. (HARADA, 2010, p. 87) Em relação a fiscalização financeira, verifica-se a entrada e a saída de dinheiro; enquanto que a orçamentária fiscaliza a correta execução do orçamento. A fiscalização operacional é relacionada ao procedimento de arrecadação e liberação de verbas. Por fim, a fiscalização patrimonial está relacionada com a própria execução orçamentárias no sentido de mudanças patrimoniais, sendo que as alterações patrimoniais devem ser fiscalizadas permanentemente pelo Estado. (HARADA, 2010, p. 88) Em relação a fiscalização pelo prisma da legalidade, a despesa deve estar de acordocom as normas previstas na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, o agente público deverá ser fiel seguidor da lei, devendo verificar todos os requisitos legais para a realização da despesa, ou seja, ao gastar o dinheiro público o agente deverá observar limites e autorizações impostas pelo legislador na Lei Orçamentária em execução, sob pena, por exemplo, de incorrer em crime de responsabilidade. (HARADA, 2010, p. 87) A legitimidade, por sua vez, é medida pela eficiência do gasto em atender as necessidades publicas, verificando-se se a despesa atingiu o bem jurídico valorado pela norma ao autorizá-la. Já a economicidade se refere à verificação do objetivo da despesa com o menor custo possível, ou seja, saber se o ente ou órgão utilizou da melhor relação custo/benefício para alcançar a finalidade pretendida. (PISCITELLI, 2015, p. 242-243) Outrossim, o controle recairá, também, sobre a concessão de renúncia de receitas e aplicação de recursos em subvenções, que por sua vez, em ambos os casos, haverá redução das receitas públicas e, por conta disso, plena aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar 101 do ano 2000. Assim, no caso da renúncia, deve-se observar as normas e condições que estão previstas no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo o foco da fiscalização, que indica que “A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias” dentro de determinadas condições previstas em seus incisos. Na subvenção, há a transferência de recursos a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, visando auxiliar tais entidades a executar atividades que são de interesse público, ou seja, vale mais a pena para o Estado conceder o auxílio do que executar a tarefa, percebendo-se assim, a economicidade. (PISCITELLI, 2015, p. 243) A partir do artigo 70 da Constituição, estabeleceu-se que o controle externo seria realizado pelo Poder Legislativo/ Congresso Nacional com o auxílio do tribunal de contas na área contábil, financeira, orçamentária, operacional (verificação da eficiência na aplicação dos recursos) e patrimonial dos outros Poderes. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) Não obstante, a atual administração, baseada nas modernas táticas de gestão empresarial, também adotou o sistema de autocontrole, ou seja, o controle interno de que é titular cada um dos Poderes, legislativo, executivo e judiciário. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) Outra possibilidade ainda é o controle privado, através dos cidadãos a partir de denúncias enviadas ao Tribunal de Contas, previsto no artigo 74, § 2º da Constituição Federal de 1988. (PISCITELLI, 2015, p. 243; HARADA, 2010, p. 91) 1. Do controle interno O controle interno, previsto no artigo 74, § 1º da Carta Magna, consiste no sistema integrado de fiscalização dos três Poderes com o objetivo de apoiar o controle externo nas missões institucionais.Em detrimento disso, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidades na gestão orçamentárias, os responsáveis do controle interno deverão comunicar imediatamente o Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária do chefe do Poder que se omitiu a esse respeito. (PISCITELLI, 2015, p. 245) Desta forma de acordo com TathianePiscitelli (2015, p. 245), deverão ser verificados, em relação a suas missões institucionais: a) o cumprimento das metas previstas pelo Plano Plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; b) a legalidade e resultados, quanto à eficácia e á eficiência, relativos aos gastos públicos realizados por órgãos e entidades federais e também referentes à aplicação de recursos provenientes de subvenções; c) o cumprimento dos limites e condições de operações de crédito, avais e garantias, além de direitos e deveres da União. Esse controle é exercido pelos superiores em relação aos subordinados que sejam responsáveis pela execução dos programas orçamentários e pela aplicação do dinheiro público; trata-se, portanto, de um controle de natureza administrativa. Em nível infraconstitucional, esse controle da execução orçamentária é realizado pela lei 4320/64, que em seu artigo 70 estabelece três tipos de controle orçamentário: o de legalidade dos atos (prévio, concomitante ou subsequente – ou seja, contínuo), da fidelidade funcional dos agentes públicos e o cumprimento do programa orçamentário (incumbido ao órgão de elaboração da proposta orçamentária). Todos levando em conta o princípio da hierarquia, em que as autoridades deverão fiscalizar seus subalternos, motivo pelo qual, a não denúncia de irregularidades poderá acarretar em responsabilidade solidária dos agentes. (HARADA, 2010, p. 89-90) 2. Do controle externo O Poder Legislativo é o responsável pela realização do controle externo com o auxílio do Tribunal de Contas da União, cujas funções estão delineadas no artigo 71 e 49, X da Lei Maior (HARADA, 2010, p. 90). O Poder legislativo, independentemente do Tribunal de Contas, irá exercer, por si, a fiscalização das contas públicas. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Doutrinariamente, esse controle é colocado em três tipos: o prévio, o concomitante e o posterior, também dada a necessidade de permanente controle em prol do interesse público, levando-se em consideração a discricionariedade do agente público. (HARADA, 2010, p. 91) O controle prévio se dá pela prévio registro do contrato para a realização da despesa. O controle concomitante pode se dar com a sustação do ato de execução na descoberta de alguma irregularidade, bem como o controle posterior pode se verificar no julgamento das contas dos agentes, cabendo ao Tribunal de Contas aplicar as consequências e sanções previstas em lei. (HARADA, 2010, p. 91) A fiscalização externa se dará especialmente por uma comissão mista permanente de Senadores e Deputados, que nos termos do artigo 166 § 1º da Constituição Federal de 1988, é constituída para examinar e emitir pareceres sobre os projetos das leis orçamentárias e as contas apresentadas pelo Presidente da República e, também acerca dos planos e programas previstos na Magna Carta, com acompanhamento e fiscalização das gestões orçamentárias respectivas. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Essa Comissão, no exercício de suas atividades, poderá verificar indícios de despesas não autorizadas e, nessa situação, de acordo com o artigo 72, caput,da Constituição Federal, poderá solicitar esclarecimentos à autoridade responsável. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Se os esclarecimentos não forem prestados, ou forem considerados insuficientes, a comissão encaminhará o caso para o Tribunal de Contas, a quem será solicitado que, no prazo de 30 dias, se pronuncie conclusivamente sobre o assunto. Caso o Tribunal entenda que a despesa é irregular, a Comissão poderá propor ao Congresso Nacional sua sustação, desde que possa causar “dano irreparável ou grave lesão à economia pública”, como consta o artigo 72, § 1º, § 2 º. (PISCITELLI, 2015, p. 246) Para esta forma de controle externo, verifica-se que há uma atuação subsidiária do Tribunal de Contas, cuja função, neste caso, seria de apresentar um parecer sobre uma dada despesa, mediante a provocação do Legislativo. Com isso, é equivocado dizer que o controle externo se dá apenas pelo auxílio do Tribunal de Contas, mas percebe-se a função do Poder Legislativo também. 3. Tribunal de contas da união: da composição e dacompetência O Tribunal de Contas teve origem em 1890, pelo Decreto Lei 966-A, com o objetivo de controlar a atividade estatal com o objetivo de se impedir o cometimento de irregularidades. (HARADA, 2010, p. 92) Como se pôde verificar, o Tribunal de Contas é um órgão técnico auxiliar do Poder Legislativo cuja competência é a de fiscalizar as despesas da administração pública, com o objetivo de eventualmente reconhecer e apurar irregularidades. Assim, o mesmo julga contas, produz pareceres e realiza inspeções. (PISCITELLI, 2015, p. 247) De acordo com o artigo 71 da Constituição Federal, o Tribunal de Contas possui basicamente duas funções, portanto: a de fiscalização e a de jurisdição, dado o poder de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluindo sociedades de economia mista e empresas públicas (ROSA JUNIOR, 2002, p. 108) De acordo com Harada (2010, p. 91), suas decisões são estritamente técnicas, não julgando pessoas mas apenas as contas dos agentes. Face à jurisdição una no Brasil, não opera coisa julgada, portanto, podendo as mesmas serem reapreciadas pelo Poder Judiciário face ao artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988. Sequer se pode falar na possibilidade controle de constitucionalidade exercido pelo Tribunal de Contas, dado que o mesmo não possui tal competência constitucional. Assim vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não se podendo aplicar nesse sentido a súmula 347 do mesmo órgão. (PISCITELLI, 2015, p. 248) Destaca-se que as regras relativas à organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União aplicam-se paralelamente aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, conforme o artigo 75 da Constituição Federal de 1988, fundamentando-se pelo princípio federativo. (HARADA, 2010, p. 99; PISCITELLI, 2015, p. 249)[1] Em relação ao Tribunal de Contas da União, o mesmo tem sede no Distrito Federal, por força do artigo 73 da Constituição Federal, com jurisdição em todo o território nacional. Composto ainda por nove ministros, que devem preencher os requisitos constitucionais do § 1º do artigo 73 da Constituição – acima de 35 e abaixo de 65 anos de idade, idoneidade moral e boa reputação, notório saber específico relacionado ao tema, mais de dez anos de exercício de função ou atividade relacionada a tais conhecimentos. (ROSA JUNIOR, 2002, p. 110) Tais ministros são indicados por indicação de um terço pela presidência da república dentre auditores e membros do Ministério Público, bem como por dois terços do Congresso Nacional. Todos os ministros possuem mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, sendo vitalícios e podendo se aposentar com mais de cinco anos de exercício do cargo. (HARADA, 2010, p 93; ROSA JUNIOR, 2002, p. 110) A Lei 8.443/92 trata sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. (ROSA JUNIOR, 2001, p. 110) Em relação as atribuições constitucionais do Tribunal de Contas da União, há a divisão em três blocos distintos a partir da leitura do artigo 71 da Carta Magna: a) Atividades de fiscalização em sentido estrito (Incisos I, II, IV, V, VI e VII, dividindo-se entre fiscalização de contas e a realização de inspeções e auditorias – elaboração de pareceres prévios), b) Controle da legalidade dos atos (sendo que em relação a empresas supranacionais deve-se atentar para acordos internacionais, bem como fiscalizar contas dos Estados-Membros e Municípios quando houver transferência da União), c) providencias práticas diante de ilegalidades ou irregularidades. (PISCITELLI, 2015, p. 249-252) No entanto, o artigo 71, III da Constituição Federal contempla duas exceções. De acordo com TathianePiscitelli (2015, p. 253), em relação à legalidade de admissão de pessoal, são ressalvados os cargos em comissões, como os de Direção e Assessoramento Superior – DAS´se as Funções Gratificadas (FG´s). Em relação à concessão de aposentadorias, reformas e pensões, não haverá análise pelo Tribunal de Contas, no que se trata de melhorias posteriores que não modifiquem o fundamento legal do ato concessório inicial (HARADA, 2010. p. 96; PISCITELLI, 2015, p. 253) Em relação ao ultimo bloco de atribuições do Tribunal de Contas, destaca-se a realização dos atos concretos em relação a verificação de irregularidades e ilegalidades, podendo requerer informações de autoridades, emitir pareceres conclusivos e adotar as providencias previstas nos incisos VIII a XI do artigo 71 do Diploma Maior, tais como multas e demais sanções. (HARADA, 2010, p. 97; PISCITELLI, 2015, p. 256) Existem leis como a 1.079/50, bem como Decreto Lei 201/67 que definem respectivamente crimes de responsabilidade de ato irregular do Presidente da República e do Prefeito de Município, mas que devem ser aplicadas pelo Congresso ou Tribunais Jurisdicionais. (HARADA, 2015, p. 97) Poderá o Tribunal notificar a atividade irregular para que possa sanar o vício, hipótese de controle concomitante, com posterior comunicação às autoridades competentes. Se no prazo de noventa dias nem o Congresso nem o Poder Executivo tomar as medidas cabíveis, o Tribunal de Contas deverá decidir a respeito, pela sua sustação, conforme o inciso X, comunicando a decisão à Camada dos Deputados e ao Senado Federal (HARADA, 2010, p. 98; PISCITELLI, 2015, p. 256). Poderá o Tribunal de Contas ainda, de acordo com o inciso XI, representar abusos ou irregularidades ao Poder Competente. (PISCITELLI, 2015, p. 256) Em relação ao Tribunal de Contas e sua relação com a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, pode-se afirmar que tal relação é de controle interno, sendo que a atuação dessa corte é extremamente importante, dado que averigua o cumprimento de todas as normas contidas nesse diploma legal. Nessas situações, o Tribunal de Contas atua como auxiliar do Legislativo, bem como órgão técnico a disposição de todos os demais poderes, buscando-se a maior eficiência e controle para a responsabilidade na gestão do dinheiro público. (PISCITELLI, 2015, p. 259)
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Restituição do ICMS pago a maior na substituição tributária progressiva no caso do Estado de São Paulo segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores
O presente trabalho visa analisar a restituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na substituição tributária progressiva, quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido. Para tanto, abordará algumas peculiaridades do ICMS, em especial a não-cumulatividade, sua natureza de tributo indireto e, especialmente, a previsão constitucional da substituição tributária progressiva. Posteriormente, será apresentada a problemática da ação de repetição de indébito na substituição tributária progressiva, será abordada a legitimidade ativa para a ação e a vedação existente quanto ao fato gerador que ocorreu por valor inferior ao presumido. E, finalmente, será objeto de aprofundamento a divergência jurisprudencial referente ao problema posto, com a conclusão pela possibilidade da repetição de indébito do ICMS quando o fato gerador ocorre por valor inferior ao presumido, de modo a garantir uma solução justa ao caso do Estado de São Paulo.
Direito Tributário
Introdução Como é cediço, o ICMS é um imposto indireto, pois entre a ocorrência do fato gerador e a obrigação de pagar o tributo, há a possibilidade de intercalação de sujeitos, ou seja, pode ocorrer a transferência da obrigação de pagar o tributo ao próximo da cadeia produtiva.  Ademais, o ICMS também um imposto não-cumulativo, característica que permite que o sujeito passivo realize a compensação do montante pago anteriormente com o que é devido na posição seguinte dentro de uma mesma cadeia de produção para o mesmo Estado ou a outro ou ao Distrito Federal, conforme prevê o artigo 155, §2º, Constituição Federal. Por outro lado, sabe-se que o ICMS pode se submeter ao regime de substituição tributária progressiva. Este regime implica em uma antecipação do pagamento do imposto. Primeiro, se dá o pagamento e posteriormente, ocorre o fato gerador. Representa um caso de fato gerador presumido ou também chamado de antecipação dos efeitos do fato gerador. Não tem previsão no Código Tributário Nacional, mas está autorizado pela Constituição Federal, in verbis: “Art. 150.(…) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)” No passado, muito se discutiu se seria possível a ideia de um fato gerador presumido, pelo fato de que poderia representar um possível vilipêndio ao princípio da tipicidade dos fatos geradores em Direito Tributário, e o Supremo Tribunal Federal já havia se posicionado no sentido de que esta modalidade de substituição tributária era admissível. Com a edição da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, que inseriu o §7º no artigo 150, o qual muitas vezes teve sua constitucionalidade confirmada por este Tribunal, a questão passou a ser pacífica e superada, como se percebe: “ICMS. Substituição tributária autorizada pelo § 7º acrescentado ao art. 150 da Constituição pela Emenda 3/1993, tendo como base de cálculo o valor do estoque de mercadorias, sem infração, ao primeiro exame, dos princípios da legalidade e da irretroatividade.” [1] “Tributário. ICMS. Estado de São Paulo. Comércio de veículos novos. Art. 155, § 2º, XII, b, da CF/1988. Convênios ICM 66/1988 (art. 25) e ICMS 107/1989. Art. 8º, XIII e § 4º, da Lei paulista 6.374/1989. O regime de substituição tributária, referente ao ICM, já se achava previsto no Decreto-Lei 406/1968 (art. 128 do CTN e art. 6º, § 3º e § 4º, do mencionado decreto-lei), normas recebidas pela Carta de 1988, não se podendo falar, nesse ponto, em omissão legislativa capaz de autorizar o exercício, pelos Estados, por meio do Convênio ICM 66/1988, da competência prevista no art. 34, § 8º, do ADCT/1988. Essa circunstância, entretanto, não inviabiliza o instituto que, relativamente a veículos novos, foi instituído pela Lei paulista 6.374/1989 (dispositivos indicados) e pelo Convênio ICMS 107/1989, destinado não a suprir omissão legislativa, mas a atender à exigência prevista no art. 6º, § 4º, do referido Decreto-Lei 406/1968, em face da diversidade de estados aos quais o referido regime foi estendido, no que concerne aos mencionados bens. A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador. Acórdão que se afastou desse entendimento.” [2] (grifo nosso) No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o pagamento antecipado não representa recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador, pois este Tribunal faz distinção entre o momento da incidência do tributo previsto na lei e a cobrança do tributo pelo sistema de substituição tributária[3]. Posteriormente, o Pretório Excelso sedimentou a tese de que a substituição para frente era constitucional, mesmo quando criada pela legislação estadual antes do advento da referida Emenda[4]. A única ressalva foi feita no sentido de que a substituição tributária progressiva exige lei em sentido formal, não basta decreto, sendo ponto comum tanto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5], como do Supremo Tribunal Federal [6]. O Superior Tribunal de Justiça também esclarece que não pode instrução normativa proclamar a substituição tributária para frente com respaldo em convênio, no lugar de lei [7]. Mas caso se refira a operações interestaduais, o artigo 9º da Lei Kandir exige que seja realizado acordo específico celebrado entre os Estados interessados, para que se adote o regime de substituição tributária. Com a ocorrência do primeiro fato gerador, o primeiro da cadeia produtiva deve recolher o ICMS de todo o restante da cadeia. Para o cálculo, será aplicado um total presumido, valendo-se de uma estimativa do valor da mercadoria no mercado, tomando-se por base o artigo 8º da Lei Complementar nº 87 de 1996, que estabelece o regime de valor agregado. Este cálculo é feito da seguinte forma: na substituição tributária, a base de cálculo, em relação às operações subsequentes, será o somatório do valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário, o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes. O Superior Tribunal de Justiça considera esse cálculo, com base no regime de valor agregado, válido, e entende que não se confunde com o regime de “pauta fiscal”, que é considerado ilegal, conforme a Súmula 431 (“É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”).[8]. A substituição tributária progressiva é muito utilizada em operações envolvendo combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, cerveja, dentre outros. Este instituto busca evitar a necessidade de fiscalização de uma miríade de contribuintes, centralizando-se a cobrança e fiscalização em uma quantidade muito menor de sujeitos passivos, tornando menos provável a sonegação. No tocante ao ICMS, a própria Constituição Federal em seu artigo 155, §2º, XII, “h”, com as alterações produzidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, determina que a lei complementar poderá prever que determinados combustíveis e lubrificantes estarão sujeitos à incidência do ICMS uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará a imunidade tributária das operações que destinem a outros Estados o petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e energia elétrica (artigo 155, §2º, X, “b”). Portanto, quando não se tratar da conhecida imunidade sobre operações interestaduais que envolvam combustíveis e lubrificantes derivados de petróleo e energia elétrica, a Constituição Federal determina uma incidência monofásica do ICMS, desde que assim preveja a lei complementar. Como finalidade, se tem a obrigatoriedade de utilização da substituição tributária progressiva, nos casos previstos na lei complementar, de modo a antecipar a cobrança do imposto, com o objetivo final de se reduzir as chances de sonegação fiscal. No entanto, é importante consignar que a substituição progressiva deve ser utilizada com bastante cautela, para se evitar a tributação desmedida, já que não há certeza se de fato a operação irá se realizar: “Criticável a tributação fundada em fatos inexistentes, situações, estados ou circulações eventuais e imagináveis, uma vez que as relações jurídicas devem ficar adstritas às imposições tributárias quando ocorre a subsunção do fato imponível (situação concreta) à imagem normativa (substituição abstrata)”. (PAULSEN; MELO, 2012, p.257) Na substituição tributária progressiva do ICMS, como ocorre uma antecipação do pagamento, sem que se tenha certeza se, de fato, ocorrerá o fato gerador e por qual valor de base de cálculo se dará, é possível que mais à frente na cadeia de produção da mercadoria, o fato gerador não se verifique, por exemplo, no caso de desistência do negócio, ou que ocorra, mas por valor inferior ao que se presumiu inicialmente, por exemplo, quando há oscilações de mercado, oferecimento de descontos, dentre outros casos. Surge, então, a pretensão à repetição de indébito. Na substituição tributária, muito embora tanto o contribuinte substituto como o substituído participem do regime de substituição e tenham juridicamente algum interesse na demanda devolutiva, somente possui legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição aquele que arcou com o pagamento do tributo. Hugo de Brito Machado Segundo explica com clareza esta constatação: “Tanto o substituto como o substituído, portanto, possuem legitimidade ativa ad causam para a propositura de ações questionando a validade de aspectos do regime, ou mesmo a sua totalidade. Ambos integram a relação jurídica tributária. O substituto tem o direito subjetivo de não pagar tributo indevido e de não ter de reter ou descontar tributo indevido, e o substituído tem o direito de não ter retido ou descontado tributo indevido. A única restrição que se faz, insista-se, diz respeito à ação de restituição do indébito, para a qual terá legitimidade quem provar haver efetivamente arcado com o ônus do tributo. Note-se que nessa hipótese será viável a prova, e aquele que tiver arcado com o tributo terá todo o interesse (também de fato) em pleitear a sua restituição. Aplica-se, portanto, o artigo 166 do CTN, não para cercear o acesso ao judiciário, amesquinhando direitos fundamentais, mas para assegurar esse acesso a quem teve direito violado.” (MACHADO, 2012, p. 322) E por fim, este autor conclui: “ressalte-se ainda que, nos termos do art. 166 do CTN, assiste legitimidade para repetir o indébito a qualquer dos contribuintes, substituto ou substituído. Basta o contribuinte provar haver assumido o ônus, ou estar autorizado por quem o houver sofrido”. (MACHADO, 2012, p. 323) Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Segunda Turma já manifestou posicionamentos diferentes sobre esse tema. Há julgados que dizem que o contribuinte substituído não é detentor de legitimidade ativa ad causam[9], por outro lado, há julgados que entendem que o substituído possui legitimidade ativa[10]. Para solucionar a controvérsia, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que o contribuinte substituído é detentor de legitimidade ativa ad causam: “O STJ, por suas 1ª e 2ª turmas de Direito Público, admite a legitimidade do contribuinte substituído para discutir judicialmente a sistemática do recolhimento antecipado do ICMS, no regime de substituição tributária, já que, embora não figure na legislação como responsável pelo pagamento do tributo, é sobre ele que recai o ônus da imposição fiscal.” [11] Em verdade, não há razões para se limitar a legitimidade do contribuinte substituído na substituição para frente, pois é o substituído que antecipa o pagamento e arca com o tributo, enquanto o substituto é um mero repassador da quantia, que, dificilmente, irá se insurgir contra a Fazenda por meio de ação de repetição de indébito. Fosse assim, estaria afastada a chance se buscar em juízo a devolução do valor que, indevidamente, o Fisco arrecadou. A Constituição Federal, no artigo 150, §7º, não deixa dúvidas de que, caso o fato gerador não se realize, caberá a devolução do valor pago. Ocorre que, ao presumir a ocorrência do fato gerador, a autoridade administrativa também presume o valor da base de cálculo do tributo. A Constituição Federal nada diz, porém, em relação ao caso em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao presumido. A questão que se coloca, nesta toada, é se seria possível a restituição da quantia paga. No tocante ao ICMS, a Lei Complementar nº 87 de 1996, no artigo 10, também reforça que há direito de restituição de ICMS pago por força de substituição tributária no caso de o fato gerador presumido não se realizar. Caso, então, o tributo seja recolhido nos moldes do artigo 8º da lei de regência, e posteriormente, não se verifique o fato gerador, haverá direito inconteste de pedir repetição de indébito, mas não está garantido expressamente o direito de repetir quando o fato gerador se verifica por valor inferior ao presumido. 1. Vedação prevista no Convênio CONFAZ nº13 de 1997 e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal No caso do ICMS, foi celebrado o Convênio nº 13 de 1997, no âmbito do CONFAZ, com a finalidade de harmonizar o procedimento referente à aplicação do § 7º do artigo 150, da Constituição Federal e do artigo 10 da Lei Complementar nº 87 de 1996, para disciplinar os procedimentos a serem adotados pelas unidades federadas com referência às normas relativas à substituição tributária do ICMS. Este Convênio proibiu, na sua cláusula segunda, a restituição do ICMS quando ocorrer o fato gerador, mas por um valor inferior ao presumido. Ocorre que nem todos os Estados da Federação foram signatários do acordo, a exemplo de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Há que se lembrar que os Convênios, segundo a Lei Complementar nº 24 de 1975, artigo 3º, podem dispor que a aplicação das cláusulas seja limitada a um ou alguns Estados da Federação, mas como se sabe, a aprovação de benefícios fiscais referentes ao ICMS depende de decisão unânime dos Estados, por isso, causa, em primeiro momento, certo estranhamento que este Convênio tenha sido celebrado somente por uma parte dos Estados. Dentre aqueles que assinaram e ratificaram o convênio, há que se observar as regras ali previstas, não há dúvidas. Mas quanto aos demais, coloca-se o questionamento, se caberia ou não a repetição de indébito, quando o fato gerador ocorrer. Suscitada a problemática a respeito da vedação prevista na cláusula segunda do Convênio nº 13 de 1997 do CONFAZ através da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1.851 ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade do Convênio, pois o único dispositivo da Constituição Federal que trata da substituição tributária progressiva é o artigo 150, §7º, que estabelece apenas que, não ocorrendo o fato gerador, cabe a restituição. Nada diz a respeito da hipótese em que o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao inicialmente presumido. A fim de que se dê maior clareza aos termos do julgado em comento, colaciona-se a sua ementa, in verbis: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente”. A mesma tese está presente e é reforçada em diversos julgados, a saber: “Substituição tributária. Restituição. O Plenário da Corte deu pela legitimidade do regime de substituição tributária. A restituição assegurada pelo § 7º do art. 150 da CF/1988 restringe-se apenas à hipótese de não ocorrer o fato gerador presumido, não havendo que se falar em tributo pago a maior ou a menor por parte do contribuinte substituído. Precedentes: ADI 1.851/AL, RE 309.405-ED/MT e AI 337.655-AgR/RS (DJ de 13-12-2002, 14-2-2003 e 27-9-2002, respectivamente”. [12] (grifo nosso) “A tese da agravante não foi acolhida pelo Plenário desta Corte que, ao julgar o mérito da ADI 1.851, entendeu que o § 7º do art. 150 da Constituição não garante ao contribuinte o direito de se creditar da diferença do ICMS, recolhido sob o regime de substituição tributária ‘para frente’, quando o valor estimado para a operação final for maior que o efetivamente praticado. No mesmo sentido: RE 567.216-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-2-2014, Segunda Turma, DJE de 7-3-2014; RE 453.125-AgR-segundo, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 4-10- 2011, Segunda Turma, DJE de 21-10-2011”.[13] (grifo nosso) Assim, o fato de o Convênio disciplinar essa hipótese, não viola a Constituição Federal, pois esta não determina nem que é cabível a restituição, nem que é vedada. Destarte, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio multicitado e assim, assentou que o contribuinte somente é detentor de direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, mas não tem direito quando o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo esperável.[14] Ademais, a Corte Suprema entendeu ser irrelevante o fato de o Convênio não ter sido subscrito por todos os Estados, já que não cuida de concessão de benefícios fiscais. Mutatis mutandis, é forçoso concluir que, guiando-se por esta lógica, quando ocorre o fato gerador por um valor superior ao presumido, também não cabe ao Fisco Estadual pleitear a diferença de ICMS a ser recolhido, porquanto, seguindo a orientação fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o que vale é sempre o valor presumido, e não o efetivamente praticado. Desta feita, o Supremo Tribunal Federal, tornou pacífica a questão de que quando ocorre o fato gerador por valor inferior à base de cálculo presumida, não há direito à restituição. No entanto, os Estados de São Paulo e Pernambuco possuem legislação estadual unilateral no sentido de que na substituição progressiva, ocorrendo o fato gerador por um valor inferior ao presumido, cabe restituição, por representar excesso de tributação e enriquecimento ilícito do Fisco. No caso do Estado de Pernambuco, trata-se da Lei nº11.408 de 1996, no artigo 19 especificamente, e no Estado de São Paulo, refere-se à Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II. Por via de consequência, os governadores dos Estados de São Paulo e Pernambuco levaram esta questão à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) nº 2.675/PE e nº 2.777/SP, que visam a declaração de inconstitucionalidade destes dispositivos das leis estaduais paulista e pernambucana, ainda pendentes de julgamento, pois o Tribunal resolveu sobrestar o julgamento até a decisão final do recurso extraordinário nº 593.849/MG, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, ao qual já se reconheceu repercussão geral, mas ainda não teve julgamento do mérito.[15] 2. Solução apresentada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para o caso específico do Estado de São Paulo No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, em aplicação da orientação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº1.851/AL, entendeu que este julgado da Suprema Corte não teria aplicabilidade aos Estados não signatários do Convênio nº 13 de 1997, a exemplo do Estado de São Paulo. Com a finalidade de dirimir a problemática surgida com a ADI 1.851/AL, o Superior Tribunal de Justiça limitou a decisão do Supremo Tribunal Federal aos Estados signatários do Convênio, conforme se depreende da ementa desta decisão, in verbis: “TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FATO GERADOR OCORRIDO EM VALOR INFERIOR AO PRESUMIDO.   RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA ADI N. 1.851/AL DO STF. ESTADO DE SÃO PAULO. ANÁLISE DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. 1. O STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.851/AL, entendeu que o contribuinte somente tem direito à restituição de valores recolhidos de ICMS no regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, ainda que o preço de venda tenha sido inferior à base de cálculo presumida. Entretanto, a jurisprudência do STJ, na aplicação da orientação do STF na mencionada ADI, entendeu que o referido entendimento não se aplica aos Estados não signatários do Convênio 13/97, a exemplo: São Paulo. Precedentes. 2. No caso de São Paulo, a restituição do imposto pago a maior, na hipótese em que a base de cálculo real é inferior à presumida, é possível. Todavia, tal restituição não é imediata e automática, pois há no Estado legislação específica determinando a forma de restituição dos valores recolhidos a maior a título de ICMS. Assim, não compete ao STJ analisar a forma da restituição, a teor da aplicação analógica da Súmula 280 do STF. 3. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de suposta violação do artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido.”[16] Portanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, no caso do Estado de São Paulo, é possível a restituição do imposto pago a maior quando a base de cálculo real for inferior a presumida. Todavia, a restituição não se dará de forma imediata e automática, como determina o artigo 150, §7º da Constituição Federal para o caso em que não se verifica o fato gerador, pois há em São Paulo legislação disciplinando o assunto. Trata-se, como se disse, da Lei 6.374 e 1989, na redação dada pela Lei 9.176 de 1995, no art. 66-B, inciso II, que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 2.777/SP, para ser declarada constitucional ou inconstitucional. O artigo 66-B assegura a repetição de indébito tanto quando não se verifica o fato gerador presumido (inciso I), como quando se verifica que a obrigação tributária teve valor inferior à presumida (inciso II). E determina que o pedido de restituição deve vir acompanhado de cópia da documentação fiscal da operação realizada que comprove o direito à restituição. Determina que os pedidos de restituição serão processados prioritariamente, tanto a sua instrução, quanto a apreciação, e que pode o Poder Executivo prever outras formas de devolução do valor, à escolha do contribuinte. Por isso, a devolução não é automática e imediata, pois requer uma instrução e comprovação do direito à restituição. Mas, como se frisou, este dispositivo legal do Estado de São Paulo é objeto de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, desse modo, por ora, vige o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça de que é possível a repetição de indébito na ocorrência do fato gerador do ICMS na substituição tributária por valor inferior ao presumido, no Estado de São Paulo. Espera-se que a Corte Suprema mantenha este entendimento, por ser o mais razoável e que afasta o enriquecimento ilícito da Fazenda Pública Estadual nestes casos, e especialmente, por garantir o princípio da capacidade contributiva, já que se adequa à riqueza que o contribuinte demonstrou possuir, efetivamente, e não apenas a que fora presumida pelo Fisco. Conclusão A repetição de indébito do ICMS no regime de substituição tributária, quando o fato gerador ocorre, mas por valor inferior ao que se presumiu, muito embora não garantida expressamente pela Constituição Federal, deve ser admitida no Estado de São Paulo, bem como nos demais Estados não signatários do Convênio do CONFAZ nº13 de 1997, como se demonstrou. A existência da vedação prevista em convênio não assinado pelo Estado de São Paulo e o entrave trazido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não devem ser utilizadas como escudo pela Fazenda Pública. A presença de legislação local trazendo esta garantia reforça ainda mais a tese. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se atentou para o caso específico dos Estados não signatários do convênio citado e foi absolutamente clara no sentido de que o entendimento consagrado pelo Pretório Excelso não deveria ser utilizado a estes Estados, por ser incompatível e não se referir a eles. Esta é a solução que mais se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, porquanto respeita a real manifestação do fato gerador e sua correspondência com a demonstração de riqueza do sujeito passivo.
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Facultatividade do exercício da competência tributária
No âmbito do federalismo de terceiro grau, adotado pela Constituição da República de 1988, consolidando como entes federados a União, os Estados e os Municípios, houve a necessidade de atribuir no texto constitucional a competência e legitimidade administrativa de cada ente federado. Do ponto de vista tributário, outorgou-se aos entes certas competências para instituições de tributos, algumas concorrentes outras exclusivas. Nestas, estão a competência para instituir impostos, nos casos taxativamente previstos na Lei Maior, naquelas há uma competência comum de todos os entes, de acordo com o responsável pelo fato gerador tributário, como no caso das taxas e contribuições de melhoria. Diferencia-se a competência tributária da capacidade tributária, sendo esta delegável.
Direito Tributário
1. Introdução A competência tributária, para a instituição de tributos, por ser de índole constitucional, tem rigidez e supremacia perante a legislação infraconstitucional. Deve-se ressaltar que a Constituição Federal apenas delimitou as competências para instituir tributos, repartindo entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Por isso, sua instituição depende de lei, geralmente ordinária, por vezes complementar, do ente legitimado para instituir o tributo, numa atitude de conveniência política. 2. Competência tributária constitucional. 2.1. Facultatividade e a interpretação do art. 11 da lrf. Inicialmente, cabe diferenciar a competência tributária da competência para legislar sobre direito tributário. Esta, é “o poder constitucionalmente atribuído para editar leis que versem sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”[1], portanto, é uma atribuição genérica para disciplinar regras para exercer o poder de tributar. Já a competência tributária, como se discorrerá ao longo do trabalho, é estabelecida especificamente a um ente federado, para criar o tributo, embora possa submeter-se a regras gerais, oriundas da competência para legislar sobre direito tributário. Ressalva importante é a diferença entre competência e capacidade tributárias. Esta é delegável, por disposição constitucional ou lei do ente tributante posterior ao exercício da competência tributária para instituir o tributo, consistente na possibilidade transferir para outra pessoa jurídica as atividades defiscalizar e arrecadar determinado tributo. Há entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário no sentido de que o exercício da competência constitucional tributária, visando a criação de tributos é uma facultatividade de seu titular, legitimado constitucionalmente. Tal conclusão tem em vista a instituição de tributos, consequentemente seus mecanismos de arrecadação e fiscalização, estes sim plenamente vinculado, somente para as exações tributárias que fossem economicamente viáveis. Não obstante, a Lei de Responsabilidade Fiscal, incrementando um novo sistema de governança fiscal, com limites de gastos públicos e incremento de receita, estabelece a necessidade de instituir exações que sejam economicamente viáveis, no sentido que legisla: “Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.” Inclusive, no parágrafo único do dispositivo, vedam-se as transferências voluntárias para o ente federado que viole o disposto no caput, em relação a espécie tributária do imposto. Por transferência voluntária entende-se, pela inteligência do art. 25 da LRF, “a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.”. Numa leitura rápida e despretensiosa do dispositivo da LRF, poderia concluir-se pela obrigatoriedade do exercício da competência tributária, sob pena de sanção, entretanto é bem delineado no magistério do Professor Eduardo Sabbag[2], tem-se que: “O exercício da competência tributária, conquanto irrenunciável e intransferível, pode ser considerado facultativo. De fato, no plano da conveniência, cada ente tributante decide sobre o exercício da competência tributária. Não obstante, o art. 11 da Lei de Responsabilidade fiscal (LC n. 101/99) dispõe que, no plano de gestão fiscal da pessoa política, deve haver a instituição de ‘todos’ os tributos que compete à entidade, sob pena de sanções (art. 11, parágrafo único). O dispositivo merece interpretação cautelosa, pois o legislador quis, salvo melhor juízo, estimular a instituição do tributo economicamente viável, cuja competência estaria inadequadamente estanque. Portanto, entendemos que é defensável a facultatividade do exercício da competência tributária, uma vez que o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal não traduz, incontestavelmente, mecanismo efetivo de obrigatoriedade.” Nesse sentido, baseado numa interpretação teleológica do dispositivo, na razão de ser da norma, entende-se que a competência tributária deve ser utilizado para instituir tributos que atendam a sua finalidade, seja fiscal ou extrafiscal, sob pena de criar uma legislação inútil, fato que deve ser combatido pelo legislador. Em suma, a competência tributária, embora imprescritível, irrenunciável e intransferível, mantém sua natureza de facultatividade, tendo em vista que seu exercício passa por uma decisão do ente federado. A competência tributária, para instituir tributos, tem suporte constitucional, lá estando delineada a competência de cada ente federado. Sabe-se que a lei não é um fim em si mesmo, sendo um meio para atingir um resultado eficaz, sendo a intenção do art. 11, da LRF, impedir que o ente tributante deixe de instituir tributo viável, no âmbito fiscal ou extrafiscal. 3. Conclusão Por conseguinte, a instituição das exações tributárias previstas na Carta Magna, com a delimitação de competência, deverá ser analisada de acordo com a conjuntura política do ente federado legitimado a instituir o tributo, sendo o exercício da competência uma facultatividade do ente legitimado. Assim, o art. 11, da LRF, em interpretação teleológica, se refere a necessidade de instituir os tributos que sejam economicamente viáveis, de acordo com uma análise facultativa para a instituição da exação tributária.
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